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PENSAMENTO POLÍTICO

ANTIGO E MEDIEVAL
Ciência Política e Relações Internacionais · 3º ano · 1º semestre
Professor António Amaral · Ano Letivo 2023/24

RELATÓRIO III – ST. AGOSTINHO (CIDADE DE DEUS)


Palavras/ Conceitos-chave: Cidade Terrestre; Cidade Celeste;
Perguntas que a obra procura responder: Qual o fim da natureza humana? (paz); Qual
a diferença entre a cidade Terrestre e a cidade Celeste?;
VOLUME II - Capítulo XXVIII
Segundo Santo Agostinho existem dois tipos de cidade: aquela que provém do amor
de Deus até ao desprezo de si, a Cidade Celeste, e aquela que se caracteriza pelo amor de
si até ao desprezo a Deus, a Cidade Celeste. Se o Estado é governado por quem pratica o
mal e hostiliza Deus, se a cidade glorifica as paixões e os prazeres, então estamos perante
o primeiro tipo. A Cidade Terrestre não pode ser considerada parte de uma ordem que
leva a Deus, não possui qualquer lugar na ordem divina, a sua ordem é negativa e centra-
se na repressão do conflito e nas consequências nocivas do pecado. Por outro lado, se o
Estado é governado por homens que praticam os bens do corpo, ou da alma, e amam a
Deus, se procuram garantir paz e segurança (requisito para a existência política), então
estamos perante o segundo tipo. A Cidade Celeste presta piedade e o culto devido a Deus
e que Deus seja tudo em todos.
A luta incessante entre o bem e o mal é uma parte fundamental da visão Agostiniana.
A humanidade está constantemente envolvida numa batalha espiritual, refletindo a luta
entre os desejos terrenos e os princípios divinos. A Cidade Celeste representa aqueles que
procuram alcançar a virtude, a verdade e a piedade, enquanto a Cidade Terrestre está
sujeita às paixões mundanas e às tentações do mal.

VOLUME III - Capítulo XII


Este capítulo começa com a frase: Mesmo a crueldade dos guerreiros e todas as
preocupações humanas têm por fim chegar à paz; não há ser que por natureza a não
deseja, esta que reflete a perspetiva de Santo Agostinho sobre a busca pela paz mesmo
em meio à violência e conflitos. O autor argumenta que, mesmo em situações de
crueldade e conflitos, o objetivo último dos seres humanos é alcançar a paz. A crueldade
dos guerreiros e outras preocupações humanas são vistas como meios temporários, muitas
vezes motivados por paixões e desejos terrenos, mas destinados a estabelecer uma ordem
que conduza à paz. Por natureza, os seres humanos desejam a paz. A procura pela paz é
inerente à condição humana e, por muito que as ações humanas pareçam contraditórias,
como a crueldade dos guerreiros, impulsionadas pela inspiração à paz.
A felicidade não pode ser encontrada nos bens materiais, mas sim na procura pela
verdade e sabedoria. Santo Agostinho argumenta que a verdadeira felicidade só pode ser
encontrada em Deus, e a vida eterna é a única forma de alcançar a paz suprema.
Posteriormente, o autor relata que a cidade Terrena e a Cidade de Deus são duas
realidades distintas, a primeira governada por amor próprio e a segunda pelo amor a Deus.
A Cidade de Deus é composta por todas as nações e línguas, sendo que a verdadeira
unidade só pode ser alcançada através do amor a Deus.

VOLUME III - Capítulo XIII


A afirmação inicial sobre a paz universal, mesmo que no meio da perturbação, e
a inevitabilidade da lei da natureza na “Cidade de Deus” de Santo Agostinho destaca a
visão do autor sobre a ordem divina e a justiça natural. Para o autor, a paz universal é uma
aspiração fundamental inscrita na ordem natural das coisas e não significa
necessariamente ausência de conflitos, mas um estado de ordem e harmonia que
transcende as perturbações temporárias. A lei da natureza está intrinsecamente
relacionada com a vontade divina. Essa lei não é apenas uma imposição externa, mas uma
expressão da ordem divina presente em toda a criação, com isto, a lei da natureza, é vista
como algo a que não se pode fugir e as suas exigências continuam a operar mesmo em
períodos de perturbação.
Neste capítulo, a referência do “Justo Juiz” sugere a presença de Deus como a
última fonte de justiça e ordem. Sob o olhar do Justo Juiz, cada indivíduo obtém o que
merece e não apenas pela sua vontade pessoal, mas também de acordo com a ordem
natural estabelecida por Deus. Por força da ordem natural, cada pessoa alcança o que
merece com base nas suas ações e méritos, o que implica que, guiada pela justiça divina,
assegure que as recompensas e punições estejam em conformidade com a conduta
individual.
Ao mencionar a “decisão da vontade” e a “ordem natural”, Santo Agostinho
parece conciliar a liberdade da vontade humana com a inevitabilidade da ordem divina.
Mesmo que a vontade desempenhe um papel, ela está inserida num contexto maior
determinado pela ordem natural. A justiça divina, manifestada na ordem natural, é o
fundamento da paz universal. É por meio dessa justiça que cada indivíduo recebe o que
merece, contribuindo para a harmonia e ordem no mundo.
Em resumo, o autor reflete a sua conceção da paz universal como um resultado da
ordem natural e da justiça divina, onde a vontade humana opera dentro dos limites
estabelecidos por essa ordem. Essa visão reflete a síntese agostiniana entre a liberdade da
vontade humana e a soberania divina

VOLUME III - Capítulo XIV


A afirmação "Da lei da ordem, quer terrestre quer celeste: mesmo os que se
impõem, através dela, à sociedade humana, são-lhe úteis - e, sendo-lhe úteis, estão ao
seu serviço" reflete a perspetiva de Santo Agostinho sobre a relação entre a ordem, a
sociedade humana e a divina. É necessário reconhecer a existência da lei da ordem, esta
que se estende tanto ao plano terrestre quanto ao celeste, que é intrínseca à criação divina
e reflete a harmonia desejada por Deus para governar o universo. Mesmo aqueles que
impõem a ordem à sociedade humana, muitas vezes por meio da autoridade coerciva, são
úteis à ordem divina. A imposição da ordem é vista como um meio para manter a
estabilidade e evitar o caos nas relações humanas. Esta utilidade refere-se ao papel
funcional que mesmo os líderes ou governantes que impõem a ordem desempenham
dentro do plano divino. Ao manter a ordem social, esses líderes contribuem para a
realização do propósito maior de Deus para a criação.
A ordem é um instrumento divino que guia a humanidade em direção à paz, justiça
e à busca do bem comum. Mesmo aqueles que exercem autoridade, desde que defendam
a preservação e a promoção da ordem, estão, de certa forma, a cumprir o papel dentro do
plano divino. Ao reconhecer que a ordem se estende por ambos os planos, destaca-se a
conexão entre a harmonia desejada por Deus na criação celestial e a importância de
manter uma ordem justa e equitativa na sociedade humana.
É necessário conciliar a autoridade exercida pelos que impõem a ordem com a
utilidade dentro do plano divino. Mesmo na imposição a ordem é um meio para promover
o bem maior, contribuindo para o serviço ao propósito divino.
Esta visão de Santo Agostinho destaca a interconexão entre a ordem terrestre, a
ordem celeste e o papel da autoridade na realização do plano divino, enfatizando que até
mesmo aqueles que impõem a ordem, quando agem em conformidade com os princípios
divinos, estão ao serviço dessa ordem maior.

VOLUME III - Capítulo XV


Para Santo Agostinho a liberdade natural foi corrompida pelo pecado, o que
resultou na servidão às paixões (ao pecado) e a restauração da liberdade ocorre por meio
da aceitação da graça divina e do afastamento das inclinações pecaminosas. A entrada do
pecado no mundo, segundo a teologia agostiana aconteceu através da desobediência de
Adão e Eva no Jardim do Éden e contaminou a natureza humana, o que resultou na perda
da liberdade original. Esta ideia reflete a visão teológica e filosófica do autor sobre a
condição humana, o pecado original e a relação entre a vontade humana e a liberdade.
A liberdade natural é um estado intrínseco à condição humana, quando o homem
foi criado livre, dotado de livre-arbítrio e da capacidade de escolher. A má vontade,
corrompida pelo pecado, leva o ser humano a agir impulsivamente, muitas vezes cedendo
a desejos prejudiciais e distorcidos e é a principal causa da servidão. Mesmo que um
indivíduo não seja propriedade de outro homem ele pode ser escravo das suas próprias
paixões e desejos desordenados.
O pecado é entendido como uma rutura da ordem divina, afastando o homem de
sua verdadeira natureza e liberdade e fazendo com que o mesmo se submeta a ele. Esta
servidão ao pecado implica uma submissão às inclinações egoístas e à busca por prazeres
temporais, o que, por sua vez, compromete a verdadeira liberdade. Na visão agostiniana,
a redenção e a restauração da liberdade rem de ser feita através da graça divina e da
aceitação da mensagem de Cristo. A fé e a transformação espiritual são fundamentais para
romper com a servidão do pecado.
A compreensão da servidão causada pelo pecado tem implicações éticas
profundas. Santo Agostinho destaca a importância da procura pela virtude, da renúncia
aos desejos desordenados e do retorno à vontade divina como caminho para a verdadeira
liberdade.

VOLUME III - Capítulo XVI


"O justo direito do poder" na obra "A Cidade de Deus" de Santo Agostinho reflete
a reflexão do autor sobre a natureza do poder, sua legitimidade e sua relação com a justiça.
Santo Agostinho aborda questões teológicas, filosóficas e políticas e a ideia do "justo
direito do poder" está entrelaçada com sua compreensão da ordem divina e pela procura
pela paz. O poder, quando exercido de maneira justa, está alinhado com o ordenamento
divino. Ele fundamenta a legitimidade do poder na ordem estabelecida por Deus.
A dualidade entre a Cidade de Deus e a Cidade Terrestre é crucial para entender
a reflexão de Santo Agostinho sobre o poder. Enquanto a Cidade de Deus representa a
comunidade dos fiéis que almejam pela justiça divina, a Cidade Terrestre está envolvida
nas preocupações mundanas e no exercício do poder temporal. Para o poder ser legítimo
deve ser exercido com base na justiça. O "justo direito do poder" implica que o detentor
do poder deve agir em conformidade com princípios éticos e divinos.
A ênfase na busca pela paz está relacionada com a redenção e a aspiração da
humanidade por uma ordem justa e duradoura. O "justo direito do poder" está vinculado
à ideia de que, por meio da justiça, a humanidade pode alcançar um estado de paz e
harmonia. Embora reconheça a realidade da crueldade na esfera humana, o autor condena
qualquer exercício de poder cruel desprovido de justiça. A crueldade sem justiça é
contrária ao "justo direito do poder".
Em suma, "O justo direito do poder" reflete a preocupação do autor em
fundamentar o exercício do poder nos princípios da justiça divina. É parte de sua análise
teológica e filosófica sobre a natureza do poder, a procura pela paz e a relação entre as
esferas divina e humana na história.

VOLUME III - Capítulo XVII


Santo Agostinho, na sua obra "A Cidade de Deus" ("De Civitate Dei"), explora
profundamente a origem da paz e da discórdia entre a Cidade Celeste e a Cidade Terrestre.
Essas cidades representam, para Agostinho, duas esferas distintas: uma espiritual e divina
(Cidade Celeste) e outra secular e temporal (Cidade Terrestre).
A paz na Cidade Celeste origina-se da harmonia com a vontade divina e da procura
pela comunhão com Deus. A virtude e a luta pela justiça são fundamentais para a
tranquilidade e harmonia na Cidade Celeste. A discórdia na Cidade Celeste pode surgir
da queda humana e da rebelião contra a vontade divina. Agostinho reflete sobre como os
anjos caídos, liderados por Lúcifer, desafiaram Deus, criando assim uma discórdia
celestial. Na Cidade Terrestre, a paz pode ser alcançada por meio da justiça temporal,
ordem política e busca por harmonia social. Agostinho reconhece que existe uma paz
externa, resultante da estabilidade política e social, mas ela não é comparável à paz
celestial. A discórdia, por outro lado, na Cidade Terrestre surge da exploração
desenfreada por prazeres mundanos, do desejo desenfreado de poder e riqueza, bem como
da competição egoísta entre indivíduos e comunidades.
O conceito de pecado original, central na teologia agostiniana, destaca a herança
do pecado de Adão e Eva, que afeta toda a humanidade. Esse pecado introduziu a
inclinação humana para o egoísmo, a desordem moral e a busca por objetivos contrários
à vontade divina. A paz verdadeira só pode ser alcançada através da redenção e da
transformação interior, levando os indivíduos de volta à harmonia com Deus.

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