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Assim, o outro é tido em conta, por essa doutrina, como a única condição de salvação pessoal;
sem o outro não há caridade, que significa doação de si em proveito de outrem; sem o outro
não há amor, que também só se exerce dentro de uma relação humana… Em outras palavras,
somente por meio do outro é que se pode realmente praticar o amor e a caridade, de modo que
o outro é mesmo o mister para o alcance da perfeição de si.
A doutrina cristã trazida por Jesus veio introduzir novas dimensões à
questão da justiça. Tratando-se de uma concepção religiosa da justiça,
deve-se dizer que a justiça humana é identificada como uma justiça
transitória, por vezes um instrumento de usurpação do poder. Não é
nela que reside necessariamente a verdade, mas na Lei de Deus, que
age de modo absoluto, eterno e imutável. A lei humana, portanto, que
condenou o Cristo, o que foi feito com base na própria opinião popular
dos homens de seu tempo, é a justiça cega e incapaz de penetrar nos
arcanos da divindade. A ilusão medra entre os que veem somente dentro
dos estreitos limites do campo material de alcance de sua visão.
Características - Contextualização
Eterna Humana
Lei Eterna- Lei em virtude da qual é justo que todas as
coisas estejam perfeitamente ordenadas.
Com isso não se quer dizer senão que o poder político deve estar
subordinado ao poder divino, ou seja, deve estar de acordo com o poder
divino, interpretado por seus legítimos representantes.
Eterna e imutável
Sua doutrina converte-se num foco de dispersão de uma nova forma de conceber o
conhecimento, aliando fé e razão.
Nesse caso, o estudo dos conceitos de direito (iure) e de justiça (iustitia) faz-se como parte de um estudo
que se volta para o conjunto de interesses dos homens; esta pesquisa deixa de possuir qualquer remissão
mais aprofundada a discussões sobre a justiça metafísica, como o é a discussão sobre a justiça dos atos
de Deus. e outras implicações correlatas a este tema, que, para esta finalidade, será considerado lateral.
O estudo da justiça consolida-se, na teoria tomista, dentro do estudo da lex, como diz Miguel
Reale. Estudar a justiça nessa teoria é debruçar-se sobre três acepções do termo lex: uma no
sentido humano, outra no sentido natural, outra no sentido divino.
Trata-se de identificar na teoria tomista a preocupação com a razão prática e com a ética.
Assim, em Santo Tomás, o homem é composto de corpo (corpus) e alma (anima),
sendo o primeiro a matéria perecível que colabora para o aperfeiçoamento da alma, esta
criada por Deus. Do mesmo modo como a potência está para o ato, a alma está para o
corpo; a alma é incorruptível, imaterial e imortal, enquanto o corpo é corruptível,
material e mortal. A alma, porém, preenche de vida não somente o homem; animais e
vegetais também possuem alma, e é esta que, com graus diferenciados, com potências e
faculdades diferenciadas, permite se diferenciem os seres entre si na escala natural.
Agnoseologia (teoria do conhecimento) tomista indica que o intelecto se constrói a
partir da experiência sensível. Em outras palavras, utilizando-se da definição
escolástica de conhecimento, pode-se dizer que nihil est in intelectu quod non prius
fucrit in sensu, ou seja, nada está no intelecto que primeiro não tenha passado pelos
sentidos.
Deus não determinou o homem como escravo de um destino absoluto, o que
oprimiria sua liberdade de ser, de decidir e de agir; ao contrário, na teoria tomista,
Deus lançou no homem, como motor universal que é (Motor Imóvel), a vontade para
que siga no sentido do Bem (o próprio Deus), podendo escolher livremente os meios
para a realização deste Bem.
A continuidade da sociedade, seu destino, sua fortuna, sua bem-aventurança…
dependem nada mais, nada menos, que da prudente governança instituída para
o direcionamento do que é comum a todos; a sociedade deve ser dirigida por
uma autoridade que deverá ser prudente na escolha dos meios que conduzirão ao
Bem Comum.
Já se disse que é sobre o agir (individual, familiar, social…), ou seja, sobre a razão
prática que a ética incide. Na filosofia tomista, esse conceito encontra-se sob a
denominação de sinderese (sinderesis), conjunto de conhecimentos conquistados
a partir da experiência habitual; é com base nesses conhecimentos extraídos da
vivência, da prática, que se podem cunhar os principais conceitos acerca do que é
bom e do que é mau, do que é justo e do que é injusto.
Sinderese e hábito
A sinderese (sinderesis) atua, para o ser agente, de modo que estabeleça o fim da razão
prática, ou seja, o Bem. No entanto, o que é o Bem que guia a ação como causa final?
O conceito, já definido anteriormente por Aristóteles, é: bonum est quod omnia
appetunt, ou seja, o bem é o que a todos agrada.
O mal, portanto, na teoria tomista, não é fim de uma ação, pois o mal representa
somente a simples privação do bem. Em verdade, Santo Tomás de Aquino nega uma
ontologia ao mal, fazendo deste um estado de ignorância do Verdadeiro Bem, este
sim fim de toda ação.
Todo o conjunto de experiências sinderéticas, ou seja, de experiências hauridas pela
prática da ação, é capaz de formar um grupo de princípios, de conceitos… que
permitem a decisão por hábitos (bons, maus; justos, injustos…). Isso quer dizer que
os hábitos não são inatos, mas conquistados a partir da experiência; é esta a base
das operações da razão prática.
O governo de si para o homem será guiar-se por princípios extraídos da experiência,
que formam o que se pode chamar de uma lei natural, verdadeiro hábito interior.
Esta lei natural apresenta características básicas, a saber:
(a) trata-se de uma lei racional: rationis prima regula est lex naturalis, uma
vez que é fruto da razão prática e sinderética do homem;
(b) trata-se de uma lei rudimentar: só pode ser considerada como princípio
norteador ou origem do direito, não correspondendo a sua totalidade;
(c) trata-se de uma lei insuficiente e incompleta: necessita da lei humana
(positiva), para a qual representa uma diretriz, para efetivar-se. Isso já permite
dizer que a lei natural, atuando somente como forma de governo do homem por
si mesmo, não basta.
“Dentre as outras virtudes, é próprio à justiça ordenar os nossos atos que dizem respeito a
outrem. Porquanto, implica uma certa igualdade, como o próprio nome o indica; pois, do que
implica igualdade se diz, vulgarmente, que está ajustado. Ora, a igualdade supõe relação com
outrem. Ao passo que as demais virtudes aperfeiçoam o homem só no referente a si próprio.”
-A justiça (iustitia) e o justo (iustum) interessam ao estudo do direito; mais ainda, o direito (ius) interessa
ao estudo da justiça e do justo.
Afinal, deve-se dizer que o ius não se reduz à lex, no sentido de lei positiva; o ius
abrange o que está posto, e algo mais, que advém da razão divina e da razão natural.
Acepções do termo justiça
A lei não possui um único sentido, mas vários, e isto porque a teoria tomista admite
várias dimensões de leis. Então, a lei ou é eterna, ou é natural,ou é das gentes, ou é
humana. É essa classificação basilar para a compreensão dos desdobramentos do
tema da justiça na teoria tomista.
Assim, de maneira sucinta, quando se fala em lex podem-se detectar as seguintes categorias:
• lei eterna: é a lei promulgada para Deus e que tudo ordena, em tudo está, tudo rege;
• lei natural: trata-se de uma lei comum a homens e animais; lei comum a todas as gentes:
trata-se de uma lei racional, extraída da lei natural, no entanto, comum somente a todos os
homens;
• lei humana: trata-se de uma lei puramente convencional e relativa, assim como altamente
contingente, e que deve procurar refletir o conteúdo das leis eterna e natural.
A ordem universal é dada pela lei eterna. Trata-se de uma lei eterna, porque promulgada por Deus,
e, assim, não está sujeita às vicissitudes a que as leis humanas estão. E, nessa dimensão, para
tudo há uma diretriz, que reside na lei eterna; a ordem existe e é imperativa, regente do todo, a
partir da razão divina, que a tudo inspira. A lei eterna é o princípio e o fim do todo universal, uma vez
que, como diz Santo Tomás: “todo o conjunto do universo está submetido ao governo da razão
divina”.
A lei natural (lex naturalis) representa, na teoria tomista, uma participação racional na lei eterna (lex
aeterna)[...] Assim, um justo natural forma-se, não porque foi declarado pelo legislador, mas
simplesmente porque na natureza existe; é nela que residem os princípios de justiça natural.
E é a partir das leis naturais, apreendidas pelo homem, em sua variabilidade, que surge a
chamada justiça das gentes, ou seja, como uma derivação racional da lei natural comum a
todos os povos.
A lei humana, por sua vez, é fruto de uma convenção; não possui força por si só, mas a
adquire a partir do momento em que é instituída. Representa, assim, a concretização da lei
natural; mais que isso, é o que é indiferente até quando seja declarado como vinculativo
pela vontade do legislador.
Nesse sentido, o que é contrário à lei natural, se positivado, transforma-se num aparato de
direito injusto, ilegítimo, iníquo.
No entanto, o simples fato de uma lei positiva não estar de acordo com a lei natural não
justifica a desobediência ao que foi criado pelo homem; a desobediência só se justifica,
para Tomás de Aquino, quando houver um entrechoque entre a lei humana e a lei eterna
O homem, no convívio social, necessita de regras convencionais positivas
para que possa garantir a pacificidade dessa interação no meio social. O
direito natural, que pela experiência natural o homem conhece, é
insuficiente, necessitando de leis positivas complementares, leis que
tornam concreto o que na natureza reside (lex, o direito escrito); essas
acompanham as variações da natureza humana, suas imperfeições e as
contingências oriundas da limitação do saber racional.
A justiça legal é aquela que diz respeito, imediatamente, ao Bem
Comum (convívio pacífico na sociedade civil) e,
mediatamente, aos particulares. É assim que verificamos a
importância da existência do justo legal para “ordenar os bens
particulares ao bem comum”
Categoria de relevo, ainda, a par a divisão que já se deu de lei (eterna,
natural, das gentes, humana), dentro da doutrina tomista, é aquela atinente à
diferenciação entre justiça comutativa e distributiva. A primeira é
responsável pela regulação das relações entre particulares, entre as partes
individuais componentes da esfera maior da sociedade. A segunda coordena
o relacionamento da parte com o todo, de modo que atribua a cada parte o
que lhe é devido segundo seu mérito, capacidade ou participação dentro da
sociedade.
Em ambos os casos, a justiça encontra-se presente como meio de equilíbrio
na interação, estabelecendo a igualdade entre aqueles que se relacionam. No
entanto, os critérios de igualdade diferem em um e outro caso. Destarte, na
justiça comutativa, das trocas, o critério de igualdade utilizado é o da média
aritmética, ou seja, divisão em quantidade no exato meio.
Por exemplo, numa compra e venda, se o comprador, após efetuada a negociação,
permanecer com seis unidades de referência e o vendedor com quatro, existirá
desigualdade que será mediada pela justiça comutativa de modo que cada um
receba cinco unidades, valores idênticos segundo uma média aritmética.
O que é mais conveniente para a comunidade civil, estar sob um regime de leis
ou de homens?
Na fase executória, orientado pelo intelecto prático ou agente, ordena aos súditos a execução ou
efetivação da intenção eleita primariamente por um ato de imperium(governo), aplica a lei de acordo
com seu fim (usus). Não se pode omitir a promulgação como fase importantíssima para que se dê
publicidade ao preceito legislativo.
Justiça, lei e atividade do juiz
A atividade do juiz consiste na efetivação da justiça; é ele dito a justiça encarnada, ou a justiça
viva, não por outro motivo.
“A sentença do juiz é como uma lei particular aplicada a um fato particular. E, portanto, assim
como a lei geral deve ter força coativa, como claramente diz o Filósofo, assim também a sentença do
juiz deve ter força coativa para obrigar ambas as partes a lhe obedecerem; do contrário ela não seria
eficaz.”
O ato por meio do qual o juiz decide aplicando justiça chama-se julgamento; é lícito ao juiz
exercê-lo na medida e nos limites de seu poder. O ato de julgar é ilícito àqueles que não estão
revestidos de poder para tanto. Aí há uma atividade recriminável. O juízo ou julgamento é o ato por
meio do qual se estabelece o que é justo ou direito.
Mais que isso, o julgamento de um juiz consiste no estabelecimento concreto da igualdade, de
alguma forma rompida anteriormente, fato que reclama sua intervenção para o reequilíbrio das
partes. Nesse sentido, restabelecer o equilíbrio é retomar a igualdade rompida; no julgamento, no
entanto, não deve haver acepção de pessoa, mas um julgamento que satisfaça às necessidades de
justiça reclamadas pelo caso. O juiz deve dar a cada um o seu (suum cuiquetribuere/seu
devido).Deve-se dizer também que, para que o julgamento seja classificado como um julgamento
conforme aos mandamentos de justiça, é mister a reunião dos seguintes requisitos: proceder de
uma inclinação justa; ser dado por uma autoridade investida de poder para tanto; estar
inspirada pela prudentia.
O julgamento do juiz é legítimo à medida que não espelha um julgamento que procede de
sua escolha pessoal, mas que se baseia em conhecimentos decorrentes de sua experiência
profissional, em testemunhas, em provas…
O procedimento básico de efetivação da justiça feito pelo juiz parte do que dizem as leis; se
essas são omissas, o juiz deve valer-se das provas, das testemunhas, da experiência…
Se, porém, esses dados forem insuficientes, deve o juiz absolver o julgado por carência de
elementos de juízo. Se julgar baseado nas alegações verossímeis, são os acusadores e
testemunhas que o condenam.
Injusto e vícios da justiça
Assim, simplesmente praticar um ato de injustiça não torna a pessoa injusta; o ato de
injustiça, se reiterado e consciente, torna o homem injusto.
Além do que já se disse, deve-se esclarecer que ninguém pode ser vítima e autor da injustiça
ao mesmo tempo. Pode-se, porém, optar por sofrer voluntariamente a justiça praticada por
outrem, ou seja, a injustiça se pode sofrer voluntariamente, quando se aceita ser prejudicado
numa reação.
Há maior injustiça quando esta é realizada contrariando o bem maior da sociedade, ou
seja, a lei que estabelece a ordem em seu interior; os malefícios que gera são
acentuadamente danosos. É certo que o mal acontece também quando se perturba a
harmonia e a igualdade de uma relação particular, porém a escala dos efeitos negativos é
menor.
Justiça e sua prática
Sua contribuição reside em seu jusnaturalismo, sendo que sua teoria admite uma lex
naturalis mutável, e que, portanto, não se encontra nos ombros estreitos do que é
absoluto. Ademais, sua concepção transcende para a lei divina, da qual faz derivar tudo o
que foi gerado por força da razão divina. Nesse sentido, todo conteúdo de direito positivo
deve-se adequar às prescrições que lhe são superiores e fontes de inspiração: o direito
natural e o direito divino. Nesse sentido, o ius transcende à lex scripta; a lei posta pela
autoridade não exaure o Direito.
Revisão
• Em seu Tratado de Justiça, Tomás de Aquino,
inicialmente, analisa o direito como objeto da justiça.
Traz à lume a justiça como virtude, em que a ação deve
conduzir, necessariamente, à retidão.