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Gilmar de Carvalho
2ª Edição
2ª Edição
PATATIVA DO ASSARÉ
Pássaro liberto
2ª Edição
Fortaleza - 2011
Museu do Ceará
Secretaria da Cultura do Estado do Ceará
ISBN: 978-85-7563-894-1
CDD : 398.5
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O paraíso possível
Ao mesmo tempo que luta para edificar a utopia de
um mundo mais justo e igualitário, que não é o mesmo dos
slogans publicitários ou da retórica do poder, Patativa reforça
seu sonho de lugar, seu paraíso pessoal, que é a serra de San-
tana, a dezoito quilômetros de Assaré, onde nasceu, que para
ele se reveste de significação toda especial.
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O mundo às avessas
A utopia da abundância se justifica no Nordeste, como
se justificava no medievo, pela ameaça de fome. Quem viven-
ciou um trabalho no campo até os setenta anos, sujeito a todas
as adversidades climáticas e à falta de seriedade das políticas
públicas neste sentido, sabe, como Patativa, do que fala.
Em termos de poéticas populares, talvez a mais sig-
nificativa expressão dessa abundância seja o poema A Terra
de São Saruê, do paraibano Manoel Camilo dos Santos. Aí,
como no relato bíblico e nos relatos que se sucederam, na
perspectiva do mundo ao revés, a terra jorra leite e mel, as
montanhas são de manteiga e todos os índices de abundância
se presentificam.
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O milênio e a liberdade
A utopia milenarista de um tempo de justiça, paz, suspen-
são da dor povoou o imaginário de muitos povos, com gradações
e variações que se adequavam a cada cultura, a cada contexto.
O milênio como que incorpora a idéia do paraíso e com
ela a de abundância e constituem, de certo modo, uma única
utopia ou várias facetas ou nuances de um ideal igualitário.
Essa trégua de conflitos por mil anos configura uma
suspensão do tempo, como se outra vez, por meio de um
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A invenção da utopia
O que se pode concluir das utopias em Patativa (ou
de Patativa) é que ele não renega o sonho, mas trabalha numa
interferência do real que necessita de uma transformação, em
todos os níveis.
Sua utopia não é escapista, não abre as portas para
uma dimensão que não seja a humana, vivenciada em toda sua
dramaticidade. O que ele pleiteia é a importância da partici-
pação, é a ruptura com o imobilismo e a instauração de uma
nova ordem. Isso fica bem claro pela leitura de seus poemas.
Neste sentido, solidariedade, paraíso, abundância e
justiça constituiriam as ferramentas básicas de construção
desse novo quadro ou as premissas de um novo contrato social.
É possível encontrar em seus poemas eco de um me-
dievo que está sempre próximo do Nordeste (e não apenas no
Armorial), de um tardo-romantismo e de um socialismo cristão
que encontra na ilha mágica de Thomas Morus, a contundência
da denúncia, a lógica da argumentação e o sentido de utopia,
sonho que se constrói a partir de muitas mãos, de muitas vozes
e de múltiplos sentidos.
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Patativa repentista
Grande professor de escola
Desses que cantam um minuto
E todo mundo se consola
Foi responsável da rima
E foi o baião da viola
Patativa relembra o parceiro e admite que levava
umas estrofes prontas, recurso chamado de balaio, ainda que
não precisasse dessa estratégia. E é capaz de se esforçar para
relembrar uma estrofe que fez para o velho companheiro:
Esse cara é da raça de um bichinho
Que aonde vê lama se esparracha
Um que anda com a cabeça baixa
E aqui e acolá dá um roncozinho.
Quando chove faz grande burburinho
E não pode ver porta sem tramela
Bate logo o focinho abre ela
E os pés das paredes às vezes romba
O que faz encontrando sentar tomba
E depois de comer vira donzela.
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ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993
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E-mail: gildecar@uol.com.br
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