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AS MULHERES NA REVOLUÇÃO
FRANCESA
Fernanda Clemilda Santos de Oliveira Dante*
Centro Universitário Leonardo da Vinci-UNIASSELVI
RESUMO
O papel das mulheres na sociedade francesa teve grande importância para o processo da
Revolução Francesa, tendo iniciado com a elaboração das Cahiers de Doléances, evoluindo
para a militância em clubes femininos e até para a luta armada ao lado dos filhos e familiares,
tendo uma participação fundamental nos resultados da Revolução Francesa. Através deste
trabalho pretende-se descrever o contexto histórico que levou as mulheres na Revolução
Francesa conhecer suas reivindicações e conquistas.
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partir desse ideário, os revolucionários queriam igualdade de direitos e cidadania
edificaram na França o Estado política. “Elas participaram ativamente do
democrático de direito, onde o respeito
às liberdades e aos direitos individuais
processo revolucionário da França, embora
constitui um dos pontos basilares da não tenham representado em termos
nova organização estatal. quantitativos um percentual equivalente ao
dos homens nas atividades de militância”
(SOUZA, 2003, p. 115). As motivações para
Não há consenso entre os historiadores participar da cena política da época, de
sobre a importância da atuação feminina acordo com Morin (2009, p. 1) foram:
na Revolução Francesa. Alguns afirmam
que não mudaram a compreensão sobre Os princípios revolucionários de justiça,
o processo revolucionário ao saber que igualdade e os valores morais que
as mulheres participaram dela, outros se levariam à regeneração da sociedade
perguntam que diferença faz saber disso. entusiasmaram o componente feminino
das classes populares, as quais
manifestaram o desejo de participar das
Vista somente a partir das obras gerais,
grandes mudanças que conduziriam
a Revolução Francesa parece ter sido
à ‘felicidade da humanidade. As
uma obra realizada exclusivamente
circunstâncias fluídas e as incertezas do
por homens. Nesta literatura geral,
início da Revolução abriram um espaço
aparecem praticamente duas mulheres:
de expressão política a um grupo social
Charlote Corday, que assassinou Marat
antes excluído.
aos 13 de julho de 1793, e a rainha
Maria Antonieta, que foi guilhotinada
aos 16 de outubro de 1793. No entanto, Desde meados do século XVIII, as
a participação das mulheres nesse mulheres estiveram presentes ao lado dos
grande acontecimento histórico data homens em protestos contra a crise de
dos seus primórdios. Na opinião da
abastecimento e a inflação, além de lutarem
historiadora Dominique Godineau,
a participação das mulheres "não é exigindo que fossem escolhidos bons
pontual, mas estrutural, embora sendo representantes para compor a Assembleia
realizada em posição secundária". Nacional Constituinte a realizar-se em
(GODINEAU, 2003, p. 196). maio de 1789. Mas nenhuma mulher foi
eleita para representar o Terceiro Estado
Tilly (1994, p. 60) nos acrescenta: no Congresso, pois sequer possuíam
direitos políticos. As mulheres encontraram
Como todas as revoluções, a Revolução
Francesa foi alimentada por uma
uma forma de presenciar a vida política,
coalisão de grupos descontentes com estando sempre presentes nas sessões
o Antigo Regime, cujo governo era da assembleia legislativa, até que foram
solapado, entre outros, por problemas proibidas de frequentar devido à grande
financeiros. Uma vez derrubado o pressão exercida sobre os políticos. Elas
regime, o espaço estava livre para o
combate entre os grupos que se aliaram
continuaram agindo em outros lugares como
para precipitar sua queda. Novos cafés e salões. Fundaram organizações
grupos, novos indivíduos, e entre eles onde debatiam os temas políticos da época
as mulheres, politizaram-se em uma e algumas chegaram ao ponto de tentar
extraordinária efervescência de clubes, montar uma milícia revolucionária. Um
jornais, circulação e discussão de ideias
sobre a estrutura de um novo Estado.
grupo de militantes da Sociedade Fraterna
des Minimes foi a Paris em março de 1792
Havia na França um clima geral de para solicitar armas à Assembleia Nacional,
descontentamento da população, e desse porém não tiveram o pleito atendido
grupo não se podem excluir as mulheres. (SOUZA, 2003).
Como cidadãs, estavam insatisfeitas com
o Estado absolutista, e como mulheres Quando Luís XVI convidou os franceses
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mulheres passaram a realizar procissões política atual, a palavra do rei já não tinha
com frequência praticamente diária. Em tanta credibilidade (MORIN, 2009).
14 de setembro, marcharam meninas e
mulheres com seus companheiros, membros Costa e Lordêlo (2010) creditam a
da Guarda Nacional, devidamente armados marcha para Versalhes a assinatura da
e trombeteiros em ação de graças a Santa Declaração dos Direitos do Homem e do
Genoveva, levando uma réplica da Bastilha Cidadão pelo rei no dia 5 de outubro e a
em madeira. A presença desse artefato e a mudança da Assembleia Nacional para
crise de subsistência conferiram à procissão Paris pouco tempo depois.
um caráter político. No dia 5 de outubro de
1789, motivadas pela falta de pão, 7 mil Na madrugada do dia 6 de outubro,
mulheres do povo, auxiliadas por homens o palácio foi invadido. Nessa ocasião,
armados com lanças e tridentes, invadiram o rei assinou os decretos aprovados
a sala de armas do Hotel de Ville e de lá pela Assembleia em agosto, prometeu
partiram rumo a Versalhes, marchando concentrar os esforços para restabelecer
debaixo de chuva por 14 quilômetros, com o fornecimento de pão e concordou em
a intenção de tomar o palácio real de forçar voltar a viver em Paris, retornando logo em
o rei Luís XVI a voltar para Paris. Para elas, seguida com a escolta das manifestantes
a simples presença do rei restabeleceria o e da Guarda Nacional, resultando em um
suprimento de pão, e estando em Paris ele desfecho exitoso para a marcha (COSTA;
estaria menos exposto à ‘má influência’ da LORDÊLO, 2010).
rainha e de sua corte. A crise de subsistência
assumia contornos políticos com debates Morin (2009, p. 70) conclui que “A
sobre a soberania popular (princípio experiência das jornadas revolucionárias
fundamental do Estado democrático de de outubro despertou nas mulheres um
direito no qual o poder emana da vontade sentimento de pertencimento ao ‘povo
do povo expressa através de seus soberano’”.
representantes) e com a recusa do rei em
sancionar leis que extinguiam os privilégios Entretanto, Morin (2009, p. 74) ressalta
da nobreza e a Declaração dos Direitos do que a crença das revolucionárias de outubro
Homem e do Cidadão (MORIN, 2009). que o simples retorno do monarca a Paris
acabaria com a crise de suprimento de
Ao chegarem a Versalhes, as insumos necessários à fabricação de pão
manifestantes ocuparam a Assembleia não estava correta:
Nacional, onde interromperam os debates,
pressionaram, intimidaram e caçoaram A presença do Rei em Paris não foi
suficiente para garantir o abastecimento
dos deputados (Ibidem). Costa e Lordêlo de farinha de trigo na cidade, e
(2010, p. 36) acrescentam ainda que as passadas duas semanas, os distúrbios
manifestantes discursaram na tribuna e continuavam, um padeiro foi linchado, e
forçaram a aprovação de medidas que um manifestante enforcado. O problema
reduzissem o preço do pão. foi resolvido através de medidas
conjuntas da Comuna de Paris e da
Assembleia Nacional, recém-instalada
Paralelamente, um grupo de mulheres na capital. Os deputados, que agora
dirigiu-se ao palácio acompanhadas pelo podiam prescindir o apoio popular
presidente da Assembleia Nacional e restauraram a ordem por meio de uma
exigiram providências do rei no sentido de repressão feroz: foi decretada a censura
à imprensa, a pena de morte para
acabar com a crise de abastecimento. Elas sedições, e a lei marcial. Só no mês de
conseguiram uma promessa verbal que não novembro, depois que o preço do pão
foi muito bem recebida, pois dada a situação caiu para doze sous, a paz social voltou
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a reinar em Paris. política, deixando-as mais capacitadas e
educar os filhos. Infelizmente essas ideias
Após a aprovação da Declaração dos não tiveram repercussão significativa no
Direitos dos Homens e do Cidadão em 1789, meio revolucionário (MORIN, 2009).
houve a preocupação com a conquista
dos direitos femininos na sociedade, pois Em resposta à Constituição excludente
a exclusão delas da cena política seria de 1791, Olympe de Gouges publicou a
contrária aos princípios de igualdade polêmica Declaração dos Direitos da Mulher
pregados na Declaração. Mesmo assim, em e da Cidadã, cujo artigo 10 argumenta sobre
1791 foi redigida uma nova Constituição, na o direito das mulheres em subir a tribuna
qual as mulheres continuaram sem direito à para discursar, uma vez que pode subir
cidadania (MORIN, 2009). no cadafalso para sofrer a pena de morte
(MORIN, 2009, p. 86).
Sobre essa nova Constituição 1791,
Morin (2009, p. 83) escreve o seguinte: As mulheres reivindicavam o direito à
cidadania, intitularam-se citoyennes e de
Apesar da pressão feminina, os acordo com Morin (2009, p. 102) “aproveitaram
deputados que elaboraram a esse período de redefinição da cidadania
Constituição de 1791 não incluíram a
para afirmar seus direitos integrando-se na
legislação considerada mais essencial
para o sexo: o direito ao divórcio, luta política ao lado de homens”. Na ocasião
oportunidades iguais de educação da marcha a Versalhes, “Elas tinham lutado
fundamental para as meninas e como cidadãs, precisavam de armas como
regulamentação sobre serviços de saúde cidadãs para defesa própria e da pátria”.
para a mulher. Não houve nenhuma
(MORIN, 2009, p. 104).
consideração séria de sufrágio feminino,
e os homens foram divididos em
cidadãos ativos e passivos: os primeiros Nesse momento, muito mais que o
pagavam impostos de no mínimo três direito ao voto, as mulheres ousaram em
dias de salário, podiam servir na Guarda reivindicar o direito a organizar uma guarda
Nacional e participar de eleições locais
feminina em defesa da pátria. A militante
e nacionais; os segundos não atingiam
a renda necessária e não podiam Pauline Léon foi a primeira a manifestar-
votar nem portar armas. As mulheres se publicamente perante a Assembleia,
estavam nessa segunda categoria e solicitando o direito de reunir armas e
não eram cidadãs no sentido político receber treinamento pelos antigos guardas
do termo, assim como as crianças,
franceses. Essa reivindicação mostrava que
os loucos, os menores de idade, os
criados domésticos os condenados a as mulheres estavam dispostas a assumir
penas aflitivas ou infamantes até sua todas as obrigações requeridas para o
reabilitação. exercício da cidadania (MORIN, 2009).
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criado um espaço próprio, que unia o (2009, p. 20) reflete que
sacrifício pela nação e pela Revolução
ao devotamento conjugal ou familiar.
As mulheres-soldados uniram um A conclusão é sombria: para as
terreno essencialmente masculino à mulheres, a Revolução foi uma
sensibilidade feminina de uma forma que oportunidade perdida. A burguesia
despertou reconhecimento e admiração triunfante conseguiu impor seus
até entre os jacobinos da Convenção, em modelos de comportamento aos
geral arredios a situações de ‘confusão’ gêneros, preparando o caminho para
ou ‘troca’ de papéis sexuais. A meio o Código Civil de 1804, que colocou a
caminho entre as mães que se limitavam mulher em estado de subordinação e
à esfera doméstica e as militantes que menoridade vitalícias.
participavam assiduamente da vida
política está a mulher-soldado que Surpreendentemente, com todo esse
cuidava do marido e lutava pela pátria trabalho atuante dentro da revolução,
ao mesmo tempo – exceção feita à pautado nos princípios iluministas de
minoria de mães que fizeram política, e
militantes mães de filhos pequenos.
esclarecimento, liberdade e igualdade, as
mulheres puderam gozar do direito de votar
Contudo, para Souza (2003, p. 115) “a e serem votadas na França somente em
novidade que a Revolução Francesa trouxe 1944 (SOUZA, 2003).
para as mulheres, foi, em 1792, a introdução
do divórcio”. O casamento converteu-se 4 metodologia
num contrato civil celebrado perante o
Estado, com possibilidade de ser alterado
ou até dissolvido pelo divórcio, e poderia Na classificação quanto ao objetivo,
ocorrer sempre e quando se enquadrasse trata-se de uma pesquisa descritiva e
em algumas condições (insanidade de um explicativa, porque descreve as principais
dos cônjuges, crimes, abandono do lar, ações empreendidas pelas mulheres durante
incompatibilidade, entre outros), mas a o movimento revolucionário francês ocorrido
mulher precisava esperar um período de entre 1789 a 1799 e explica as motivações
dez meses para casar-se novamente, ao que as levaram a participar ativamente de
passo que a disponibilidade do homem todas as fases do processo.
era imediata. Através da revolução, as
mulheres passaram a ser dotadas de
direitos de realizar contratos e efetuar atos A fonte de dados da pesquisa é
jurídicos sem o consentimento do marido. secundária, pois foram utilizados artigos,
A primogenitura foi extinta e todos os filhos dissertações e livros já existentes sobre
passaram a ter direito à herança, e foi fixada o assunto, e dessa forma a pesquisa é
a maioridade em 21 anos, que atingida classificada como revisão bibliográfica.
permitiria o casamento sem autorização dos O trabalho é classificado como uma
pais (SOUZA, 2003). pesquisa universal, porque abrange a
população do território francês na sua
Infelizmente, grande parte dos direitos totalidade.
conquistados pelas francesas e pelos
franceses revolucionários foram abolidos A análise de dados utilizada é qualitativa,
em 1804, por Napoleão Bonaparte, pois ele pois constitui uma investigação de fontes
pretendia fortalecer o poder familiar paterno bibliográficas sobre os atos realizados pelas
e renegar a mulher novamente à condição mulheres na Revolução Francesa entre 1789
do regime anterior (SOUZA, 2003). e 1799. O equipamento utilizado para
a realização da pesquisa é o notebook
Em concordância com Souza, Morin marca Dell, modelo Latitude E6410.
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