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Coordenação Editorial:

Carla Milano Benclowicz !-''"•,-']3


Equipe 'de produção: ,,
Maria Celina Jurado
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José Antonino de Andrade


Eunice Tamashiro

Obra publicada
em co-edição com a

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor: José Goldemberg


Vice-Reitor: Roberto Leal Lobo e Silva Filho

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Dados de Catalogação na Publicação (CIP) IntemacionaJ Presidente: José Carneiro
(Câmar.a Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Comissão Editorial:
Gama, Ruy, 1928 -
G 178t A tecnologia e o trabalho na história I Ruy
-São Paulo : Nobel-: Editora da Universidade de São Presidente: José Carneiro. Membros: Alfredo Bosi, Antonio Brito da
Cunha, José E. Mindlin e Oswaldo Pimlo Forattini.
Originalmente apresentada como tese do autor (livre...d'ó
Universidade de São Paulo).
Bibliografia.
ISBN 85-213-0434-X
1. Tecnologia ~ História I. Título.

86-1744

lndices para catálogo


l. Tecnologia: História 609
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Tecnologia, e _ o Trabalho
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1n1l1Lo A tecnologia e o trabalho na história

210/00
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1987

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© 1986 Livraria Nobel S. A.

Livraria Nobel S. A.
Rua da Balsa, 559
02910 -São Paulo- SP

I! PROIBIDA A REPRODUÇÃO

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida sei!J, ~ ~~tmi~são por
escrito dos editores através de qualquer meio: xerox, fotoç.ópla,Jfotográ-
fico, fotomecãnico. Tampouco poderá ser copiada ou transcrita, nem
mesmo transmitida através de meios eletrônicos ou gravações. Os infra-
tores serão punidos através da Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973,
artigos 122-130. ,

Impresso no Brasil/ Printed in Brazil

A mem6ria de f. B. Villanova Artigas.


Mestre, amigo .e companheiro de tantas lutas.

VII
APRESENTAÇÃO

History is not an exact A redação deste texto, sob forma de tese, foi concluída
science (many would say that em julho de 1984 e apresentada em concurso à Livre Docên-
is not a science at ali, and cia no Departamento de História d"a Arquitetura e Estética
even if we had ali the data do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
desirable, there would be U.S.P. em janeiro de 1985. Aprovada no concurso, decidi
disagreement on their procurar meios de publicá-Ia como livro, já que sua finalidade
interpretation. But we do not não se esgota com a avaliação honrosa que então recebeu.
have ali the data, so that ali Ao cóntrário, desde o começo pensei que ao aval do julga-
that one can do in a rapid mento em concurso deveria seguir-se a divulgação de um tex-
analysis of this kind is to destinado a servir de referência para as disciplinas de His-
review what seem to be the tória da Técnica e para outras disciplinas dos cursos da
relevant considerations and FAUUSP, que é, diga-se de passagem, uma das únicas, senão
see, where they lead. a única, faculdade que mantém disciplinas sobre esta matéria.
Haveria que submetê-lo porém a algumas alterações,
The Unbound Prometheus
David S. Landes boa parte delas resultado de um balanço crítico no qual pe-
saram as opiniões da banca examinadora e as de diversos
colegas que o leram e gentilmente apresentaram sugestões.
Várias delas foram por mim aceitas, ainda que parcialmente.
Agradeço as contribuições recebidas e excuso-me por não ci-
tar nominalmente seus autores para não trair, por omissão, a
gentileza de colegas.
Uma das alterações propostas referia-se à adaptação for-
mal necessária, na opinião de muitos, da tese para o livro,
despindo-se este das características acadêmicas em que neces- ·
sariamente se codifica aquela.
Aceitei em parte essas sugestões. O texto inicial se de-
senvolvia em duas linhas: uma cronológica e factual, e outra
opinativa, que incluía obviamente a própria seleção factual.
Pretendia ajustá-las numa seqüência em contraponto. Não
deu certo, e o resultado, medido por várias opiniões, foi a
rv
momentos em que se deve encerrar uma etapa . .e o caso da
perda de continuidade. Alterêl~Ót' fsàb a seqUência dos ca- História da Engenharia no Brasil, de Pedro C. da Silva Teles,
pitulo~ e fundi alguns deles. A cronologia c a lógica do texto da obra de Maria Cecília Loschiavo dos Santos: Escola Poli-
ficaram mais claras, e do esquema itticial NJStlll'am apenas técnica- 1984-1984 (São Paulo, EDUSP, 1985), do livro de
alguns interlúdios. A linguagem, a abundância e extensão das Augusto C. de Vasconcelos: O Concreto Armado no Brasil
citações, em que alguns colegas viram a ma.tca de um tt:abalho (São Paulo, 1985), do de Milton Vargas: Metodologia da Pes-
acadêmico, ficaram como estavam. Não me parece co.rreto dar quisa Tecnológica (Rio, Editora Globo, 1985), e a publicação
a este texto o caráter de material de divulgação distanciado dos textos e debates dos Seminários Sociedade, Cultura e Tec-
da forma acadêmica. Antes, creio corivehié.ntc o esfot·ço no nologia, pelà Fundação João Pinheiro (Belo Horizonte, 1985).
sentido de não trabalhar, com duas linguagens, um texto que
não me. parece hermético ou especializado em termos de sim- Na bibliografia estrangeira saliento a obra coletiva edi-
bologia lógica ou matemática, a ponto de exigir ullla adapta- tada por George Bugliarello e Dean B. Doner, The History
ção depreciativa em relação aos leitores não-acadêmicos. and Philosophy of Technology. Nela estão reunidos textos
Além disso, as longas e documentadas citações são recurso apresentados num simpósio realizado na Universidade de
bastante utilizados pela historiografia da técnica, como o ates- Illinois. Ao lado de autores já citados neste trabalho, como
ta o livro de F. Klemm, A History of Western Technology, que M. Kranzberg, J. C. Beaune e Cyril S. Smith, aparecem Mário
é uma verdadeira colagem de trechos originais, colocando o Bunge e, o que vale a pena destacar, os informes de. Carl
leitor face a textos de difícil acesso. Isto me parece convenien- Mitcham e de Peter Caws. Ambos tecem considerações de
te dado que não é vasta a bibliografia de história da técnica ordem semântico-históricas sobre a palavra "Technology"
e da tecnologia no Brasil, o que empresta a este trabalho a que têm pontos de contato - de acordo e desacordo - com
responsabilidade maior de servir, bem ou mal, de material de a pesquisa que aqui desenvolvo a partir de fontes em parte
consulta para quem se interesse em entrar neste campo do coincidentes. Não conhecia esse livro editado por G. Buglia-
conhecimento com informação rigorosamente documentada. rello até os primeiros meses deste ano, quando tive a ele acesso
graças à cortesia do Prof. José Reis. Tratando-se de obra im-
Comentários do mesmo tipo poderiam ser feitos em re- portante, que marca a preocupação de autores, principalmente
lação à bibliografia apresentada. Dela constam obras utiliza-
americanos, com a discussão de conceitos, não poderia deixar
das na elaboração do texto e como fontes das citações, e tam-
de registrá-la, embora não a tenha conhecido durante a elabo-
bém outras que interessam a quem queira prosseguir nas pes-
quisas aqui iniciadas. A historiografia da técnica e da tec- ração deste trabalho.
nologia é constituída quase que exclusivamente de obras re- No mesmo caso estão os livros de Theotonio dos Santos,
centes: poucas têm mais de meio século e pouquíssimas são Revolução Cientifico-Técnica e Capitalismo Contemporâneo
de autores brasileiros ou aparecem em traduções. Mas nos - 1983 e Forças Produtivas & Relações de Produção -
últimos anos a história da ciência e da técnica tem despertado 1984, ambos editados pela Vozes.
interesse no Brasil, disso resultando artigos em revistas e di- Para finalizar, saliento que este texto já é diferente da-
livros, boa parte deles incluídos na bibliografia desta quele sobre o qual recebi opiniões e comentários. Pelo que
deles resultou em melhoria do original sou grato, e pelo que
'!J/")zti!I!Fi~>~'os últimos meses, de julho de 1984 até hoje, várias não aceitei e erros que tenham persistido assumo total respon-
entre nós devem ser assinaladas nesta apre- sabilidade.
que delas não me tenha utilizado, pois há '
XI
Quero deixar registrados meus agradecimentos ao Adil- SUMÁRIO
son Pereira e à Eliane de Fátima Fermoselle; que o datilo-
grafaram. Ao Armando Espinosa e à Marcia Maria Sig-
norini pela organização e apresentação gráfica do texto dati-
lografado e à Suzana Aléssio de Toledo pela assistência na
organização da bibliografia.
Mas este trabalho não teria sido possível sem o apoio
moral e material de minha esposa, Maria Lúcia, que me enco-
rajou e colaborou na sua organização final. A ela renovo des-
tacadamente meus agradecimentos. UMA DECLARAÇÃO DE INTENÇOES: O MITO DE
PROMETEU .......................................... .
São Paulo, novembro.de.1985 OBJETIVO E METODOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

O QUE E TECNOLOGIA? .. .. .. .. . .. .. . .. .. .. .. . .. . . . .. 36
I. A Tecnologia na língua portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2. A Tecnologia na língua inglesa ........ : . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3. A Tecnologia na língua francesa. Artes liberais e artes
mecânicas ................................... 56
4 A Tecnologia na língua alemã .. . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 71
O TRABALHO NAS CIDADES MEDIEVAIS . . . . . . . . . . . 83
I. As Corporações na Europa . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
2. As Corporações em Portugal e no Brasil .. '" . . . . . . . . . . . . . . I 03
O ESPAÇO DO DESENHO E O DESENHO DO ESPAÇO ... 110
O ENSINO TECNICO PROFISSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
ARTES LIBERAIS E ARTES MECÂNICAS:
DO DOMINIO DA TECNICA AO DOMINIO DOS HOMENS.
DO VERBO À TELEMÁTICA ........................... 168

TECNOLOGIA E TRABALHO .......................... 181


I. Tecnologia do trabalho .............................. : 187
2. Tecnologia dos materiais ........................ , . . . . . 193
3. Tecnologia dos meios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
4. Tecnologia básica ou praxiologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199

A TECNOLOGIA E A PERIODIZAÇÃO DA HISTORIA . . . . 208

INDICE ONOMÁSTICO 214

BIBLIOGRAFIA ...................................... . 224

XTII
UMA DECLARAÇÃO DE INTENÇÕES:
O MITO DE PROMETEU

O Titã Prometeu roubou dos deuses o segredo do fogo


e o revelou aos homens. Zeus castigou-o, mandando Hefaístos
acorrentá-lo a uma montanha no Cáucaso, onde uma águia de-
vorava continuamente seu fígado. Como castigo aos homens,
os deuses criaram a mulher: Pandora - presente de todos os
deuses - , com uma caixa que, aberta, espalhou entre os ho-
mens todos os sofrimentos. Prometeu foi depois libertado por
Hércules. Prometeu - personagem da antiga mitologia grega
- reaparece freqüentemente como símbolo na literatura oci-
dental:
"Desde Hesíodo até André Gide, o mito de Prometeu acompa·
nhou constantemente ó desenvolvimento da consciência cultural do
Ocidente" 1•

Poderíamos acrescentar aos nomes lembrados por Rossi


os de Bacon, de Benjamin Farrington, de Bertrand Gille >'e de
David Landes. Rossi localiza na obra de Esquilo, Prometeu
Acorrentado, a emergência do Jâdrão do fogo como o rebelde
que se opõe à injustiça e ao domínio tirânico dos deuses.
l. Paolo RosSi. Los Filosofas y las Máquinas (1400~1700). Barcelona, Edit.
Labor, 1960. p. 166.
2. B. Farrington. Ciencio y Política en e/ Mundo Antiguo. Madrid, Ayuso/Pluma,
1979. p. 61; Bertrand Gille. Histoire des Techniques. Paris, Gallimard, 1978.
p. 125.
"Com Prometeu os homens upretjdiltÍII!ll!}çl\'l'i$ti·últ'' s\tiís moradas, trando as semelhanças e as diferenças entre esses autores nas
a regular sua vida pelo ritmo .dos cé!JS; d,e!l\ ~J\l-!CI\(!Jarllm as matemáti- versões do mito.
cas, o alfabeto, a arte de domar os cavalos e tl(l naV!Igar nos oceanos;
de seus ensinamentos deduziram a medicina, aa a.rtes da predição e a Gramsci também aborda o tema:
extração dos metais preciosos escondidos nas entranhas da te.r.ra" 3 •
"Poder-se-ia fazer uma exposição da fortuna literária, artística e
Na cultura medieval, Prometeu perde Se\1 caráter de re- ideológica do mito de Prometeu, estudando sua presença em diversas
belde criador e é interpretado como símbolo da potência divi- épocas e verificando a que conjunto de sentimentos e idéias ele contri-
bui, como expressão sintética. em cada uma dessas ocasiões" 5 •
na. Foi dessa maneira freqüentemente cooptado pela religião.
Para muitos autores do Renascimento, Prometeu passa O autor citado lembra alguns aspectos da retomada do
a ser símbolo da capacidade criadora que só o homem possui. mito do século XVIII, desde Shaftesbury e dos Stürmer und
Ernst Bloch atribui a Francis Bacon papel importante Driiger 6 até Goethe e Beethoven. E é na obra do poeta alemão
na recuperação de Prometeu: que se vê a expressão do aspecto "construtivo" da rebelião
"Bacon é o primeiro a falar de Prometeu como um rebelde técnico do Titã:
audacioso a ponto de se imiscuir nos assuntos do mestre; ou melhor,
de refazer a obra do mestre com mais competência e genialidade, ativi- "Prometeu aparece, não apenas sob o aspecto do Titã revoltado,
dade que alimenta seu orgulho. Os homens formados por Prometeu são mas, especialmente, como homo fàber. consciente de si mesmo e do
superiores às criações de Zeus. Bacon, portanto, utiliza-se, para situar a significado de sua obra" 7 •
técnica, da alegoria ou do arquétipo de Prometeu. 'Prometeu', escreve
ele 'é o espírito inventiva dos homens que funda o reino humano, que Para Jean Pierre Vernant, no mito de Prometeu se en-
multiplica ao infinito a potência humana e a dirige contra os. deuses'. contra já um problema técnico. O trabalho aparece como con-
Ninguém porá em dúvida a força e a consciência revolucionária. dessa
frase. Bacon se colocava como precursor, ainda que tateando, de em- seqüência do conflito entre Zeus e Prometeu: o fogo roubado
presas extremamente ousadas". deverá ser pago. A partir daí toda riqueza estará condicionada
ao trabalho 8 •
Referindo-se a Bacon, Ernst Bloch escreve as palavras Continuemos no caminho de Prometeu. No século XIX
seguintes, que aproximam de Prometeu a imagem do filósofo o mito retorna às letras inglesas nas obras do casal Shelley.
inglês: Percy B. Shelley, poeta romântico, amigo de Byron, escreveu
o drama lírico Prometeu Libertado (Prometheus Unbound),
"Ele é um planejador de grande alento, como foram tantos outros
produzidos pela época barroca: dizer que alguém 'fazia projetos' não onde o Titã simboliza a humanidade. Byron iniciara a tradução
era um insulto; só mais tarde é que se fala mal dos 'fazedores de pro- do Prometeu Acorrentado de Bsquilo, e Mary Wollstonecraft
jetos'. Na época de Bacon, um 'fazedor de projetos' era um homem en- Shelley escreveu Frankenstein, or the Modem Prometheus.
genhoso, preocupado com a adaptação do mundo às nossas necessidades
através de invenções" 4 • 5. Antonio Gramsci. El Materialismo Histórico y la Filosofia de Benedetto Croce.
Buenos Aires, Ed. Nueva Visión, 1973. p. 177.
Paolo Rossi faz referência a Pomponazzi, a Boccaccio, a 6. Sturm und Drang. (tmpeto e Assalto) título de um drama de Klinger e que
passou a designar um período da história da literatura alemã, caracterizado por
Ilovillus e à fábula de Prometeu, interpretada por Bacon, mos- uina valorização doS elementos emocionais em oposição ao racionalismo ilumi~
nístico.
::r~ J~áohl Rossi._ idem, ibidem. 7. A. Gramsci. Op. cit., p. 179.
a"' lrt<Hd Bloch. La Philosophie de la Renaíssance. Paris, Payot, s.d. p. 126/127. 8. Cf. B. Gille. Op. cit., p. 125.

~
Mary Shelley era filha da escritora Mary Wollstonecraft sas experiências malsucedidas trabalhou com o naturalista
Charles Bonnet (1720-1793), também de Genebra 12 •
Godwiq, a primeira feminista inglesa, e de William Godwin,
filósofo e autor de obras políticas a quem J. Bury se refere Também são do final do século XVIII e do começo do
com destaque quando trata da teoria do progresso na Inglater- XIX as experiências dos físicos relativas à eletricidade e à
ra no século XIX 9 • Em Godwin se encontram as idéias de J. vida. Galvani, Volta e Benjamin Franklin, Davy e Darwin
J. Rousseau e a convivência com cientistas do porte de Eras- interessaram-se pelas possibilidades do emprego da eletricida-
mus Darwin e Humphry Davy, e poetas como Coleridge e de na cura de certas doenças e em sua ação sobre os músculos
Wordsworth. nos casos de paralisia. E. Darwin acreditava que com ela se-
ria possível reanimar organismos mortos. Andrew Ure, a quem
Mary e Percy B. Shelley conviveram com as idéias cien- vou referir várias vezes, participou, juntamente com Jeffrey,
tíficas e com os primeiros passos da tecnologia. Shelley e também professor na Universidade de Glasgow, de uma ex-
Byron interessavam-se pelos autômatos, e o entusiasmo que periência nesse sentido: tendo obtido autorização para dispor
tinham pelos barcos a vela desdobrou-se no interesse pela apli- do cadáver de um criminoso condenado à forca, submeteram-
cação do motor a vapor à navegação. -no a descargas elétricas. O resultado foi terrível, pois o corpo
Foi na Suíça que Mary escreveu a história do doutor parecia ter se reanimado, assustando os presentes àquele ato
Victor Frankenstein, que reunindo pedaços de cadáveres cons- público de investigação científica e levando os cientistas a cor-
truiu o monstro ao qual imprimiu a vida. À beira do lago Le- . tarem a jugular do cadáver! Isso aconteceu por coincidência,
mano, perto de Genebra, no verão de 1816, a novela foi pra- em 1818, ano em que o livro de Mary Shelley teve sua primei-
ticamente concluída 10 • A Suíça não está presente na história ra edição 13 • Embora não se possa estabelecer uma relação
apenas como paisagem. Há mais coisas suíças no monstro. causal entre a experiência de A. Ure e o monstro do doutor
Máquina montada com peças de diversas origens - o que o Ftankenstein, pode-se ver, pela coincidência, que essas idéias
aproxima dos mecanismos da relojoaria dos autqmatos - é estavam no ar.
também um ser artificial, o que lembra as idéias de um outro Tal é o mito de Prometeu na versão de Mary Shelley:
suíço, como Frankenstein, Paracelso (1493-1541). Para ele um pouco de ficção científica, um pouco da novela de terror
seria possível criar um "homúnculo", sem mãe, oriundo ape- medieval. Mistura de Golem com magia negra. O moderno
nas do esperma. Mais um cientista de Genebra, Horace Be- Prometeu apresenta-se como antevisão de um apocalipse cien-
nedict de Saussure 11 (1740-1799), deve ser citado. Ele desco- tífico, muito do feitio da autora, que se considerava capaz de
briu em 1770 que os infusórios se reproduzem por cissipari- prever o futuro. O moderno Prometeu de Mary Shelley é o
dade, assexuadamente. Poucos anos depois o italiano Lazzaro castigo ao homem por sua pretensão de desvendar o segredo
Spallanzani demonstro.u experimentalmente a descoberta de da vida. E é também a versão (ou contrafacção?) mais vulga-
Saussure e, estendendo suas experiências sobre a geração, con- rizada do mito, através de livros e de filmes, embora o nome
seguiu fecundar artificialmente uma cadela, em 1776, depois de Prometeu tenha sido praticamente suprimido das versões
de ter tentado cruzar gatos com lebres e cães com gatos. Nes- cinematográficas. A única coisa que certamente supera a no-
vela na difusão do nome do herói mitológico, na Inglaterra,
9.-John Bury. Storia dell'Jdea di Progresso. Milão. Feltrinelli, 1964. ,·p, 159.
10. Radu Florescu. In Search of Frankenstein. New York, Warner Books. 1976. 12. Radu Florescu. Op. cit., p. 322.
Passim. , · 13. Robert Lenoble. Histoire de l'Jdée de Nature. Paris, Albin Michel, 1969.
11. Siegfried Giedion. La Mecanización Toma t'f- \fundo Harcelona, Ed. Gustavo p. 408.
Gili, 1978. p. 266.

"
saram de muito o conhecimento de si mesmo. Contudo, podemos estar
foi a denominação de Hn certos de que o homem tomará esse caminho e que não o abandonará.
thean Lucifer match'.:, 1830 pois ainda que tenha seus temores, tem também uma esperança eterna.
e 1860 ". Esta, é preciso lembrar, foi o último presente contido na caixa de Pan-
. Para o filósofo: Gn!ítÓtl>;~ dora" 16•
desejo de intelectualidade
ms nais:e ainda 1 Esta é a declaração de intenções que quero fazer: opo-
nho-me ao fatalismo e ao pessimismo associados à figura ter-
rível do monstro criado pelo doutor Frankenstein. Oponho-me
sem deixar de ter medo dele. A existência dos campos de ex-
termínio nazistas não é decorrência da tecnologia ligada à
Para encettlfi• e.stai> produção de gases, assim como as bombas atômicas lançadas
lembrança dáóbtá 1ciÇ sobre o Japão não foram conseqüência inevitável do desen-
naUrtiversidaded~:H~r\1 volvimento da física. Há, em ambos os episódios trágicos, de-
desde então oito vezes: tt!t1 cisões políticas, calcadas em posições ideológicas, que devem
theus, já citado neste' ser apóntadas. As maçãs maduras caíram desde sempre, até
Dele é o trecho abâixo que uma delas caiu aos pés de Isaac Newton; não foram elas
finais do livro: que revelaram a gravitação universal.
Goethe volta à memória, e dele são os versos finais do
"Adão e Eva perderam o paraíso P\lr ter~lllY:·~R~l).do q fruto da poema Prometeu, que canta a revolta do Titã contra Zeus 17 :
Árvore da Sabedoria: mas não perderam a Sab~Mr\ll: ~r~~1~t~u foi pu-
nido, e por isso, toda a_humanidade, pois Zeus mandoüaós homens "Pensaste tu talvez
Pandora, com a caixa dos· males, para anular as vantágens do fogo; que poderia desprezar a vida
mas Zeus nunca obteve o fogo de volta. Dédalo perdeu o. filho, mas e ao deserto fugir
fundou uma escola de escultores e artesões e legou à posteridade a porque nem todos
maior parte de sua habilidade. Em suma, os mitos nos advertem de que os meus sonhos floriram?
arrebatar e explorar o conhecimento são atos perigosos, mas que o ho-
mem precisa saber e saberá, e que, sabendo uma vez, não 'esquecerá. Aqui estou.
Dificiltnente alguém poderá apoiar um prognóstico sério em sím· Homens faço segundo a minha imagem,
bolos e lendas. Há, entretaoto, uma certa sabedori'l nestes velhos con- homens que serão logo iguais a mim.
tos que não tem sido desmentida pela experiência dos dois últimos sé- Divertem-se e padecem,
culos. A revolução industrial e o subseqüente casamento da ciência e gozam e choram,
da tecnologia são o clímax de milênios de avanço intelectual. Elas têm mas não se renderão aos poderosos,
sido também uma enorme força, para o bem e para o mal, e tem havido como também eu nunca me rendi!"
momentos em que o mal tem pesado muito mais do que o bem. Ainda
assim, a marcha do conhecimento e da técnica continua, e com ela um
penoso esforço social e moral. Ninguém pode ter certeza de que a hu-
l).l~.nida.d~ venha a sobreviver desse penoso curso, especialmente numa
~J!l9C!I em que os conhecimentos do homem sobre a natureza ultrapas- 16. David S. Landes. The Unbound Prometheus. New York, Cambridge Univ.
Press, 1979. p. 555.
;;}!Íi!iiJ'I(<!i;c.().~fiJ(dd)ivtionary of English Etymology. Oxford, Clarendon Press, 1969. 17. In: MONIZ, Edmundo. Poemas da Liberdade. Rio, Civilização Brasileira,
l~--~-:--QJ.-:6~'-lfi~l~td. A P,vicandlise do Fogo. Lisboa, 'Edit. Estudios Cor,_ 1972. p. 28. 1967.

7
OBJETIVO E MÉTODO Mas, ao formularmos desta maneira a questão já enfren-
tamos um problema: por que falar em história da tecnologia
e também em história da técnica? Técnica e tecnologia não
são a mesma coisa?
A resposta a estas perguntas exige uma definição prévia,
um ponto de partida teórico que estabeleça os critérios de va-
lorização dos fatos a serem levantados pela pesquisa. Vale
dizer que os fatos vão dar respostas às perguntas que souber-
mos formular e que por si só não .revelam as essências escon-
didas nos fenômenos. É a partir de uma hipótese inicial que
a pesquisa se orienta em busca de comprovação fatual.
A pesquisa a ser desenvolvida neste texto é num certo
Neste capítulo vou proceder, inicialmente, ainda que sentido uma pesquisa arqueológica. Pode-se compará-la à iden-
sem esgotar o assunto, ao exame do estado atual da questão, tificação de estratos, em que se vão superpondo acepções vin-
através das noções, conceitos e definições de tecnologia vei· culadas às condições de trabalho nas sociedades neles teste-
culados por historiadores, ensaístas e engenheiros. A partir munhadas, à situação das forças produtivas e das relações de .
daí, faço algumas considerações sobre o método no qual me produção e do pensamento a elas contemporâneo. Mas a ana-
apoio neste trabalho e passo ao enunciado da tese. logia estratigráfica não é tão correta. No caso, deve-se consta-
Considerando que a aparência (fenômeno, em grego) es- tar, ocorrem algumas erupções que trazem à tona elementos
conde a essência e que, no caso, a mesma aparência -. a pa- presentes nos estratos mais profundos.
lavra tecnologia - recobre ou encobre essências diferentes, Os exemplos e as analogias oferecém sempre o risco da
é a pesquisa da história, da gênese da palavra e de suas diver- reificação, para o qual é preciso estar atento, mas a visualiza-
sas acepções que vai, a meu ver, permitir desvendar esse "mis- ção é um recurso didático importante. Recorrer aos mitos tal-
tério moderno" da tecnologia. Esta é também. uma forma de vez seja mais fecundo porque eles são, ainda que dogmáticos,
responder, ainda que parcialmente, à velha pergunta sobre a a sabedoria da imaginação.
utilidade da história. O exame do estado atual da questão vai nos permitir dar
Não se trata de procurar nela receitas, analogias ou re- alguns passos no sentido de adotar uma acepção básica para
petições e regularidades que a parte mais signifícativa dos his- esta investigação.
toriadores contemporâneos há muito desistiu de procurar. Muitos dos historiadores contemporâneos da tecnologia
Mas o rastreamimto da palavra tecnologia é difícil, pois ou da técnica (não convém por enquanto comprometer-se
a ela se associam ao longo de sua história contextos sociais com uma ou outra das palavras) já reconhecem que há um
extremamente diferentes. Ao percorrer diversas formações intrincado cipoal semântico envolvendo essas palavras e que,
econômico-sociais, o conceito de tecnologia foi se alterando, em conseqüência, a própria história da tecnologia e a da téc-
alargando-se às vezes, restringindo-se outras vezes, de modo a nica tem seus campos embaralhados e sua periodização extre-
deixar registrada, de várias maneiras, a· própria história das mamente dificultada. Desses hi~toriadores interessam parti-
técnicas, vaie dizer a história do trabalho, da indústria e da cularmente os de língua inglesa, porque, como veremos mais
produção. além, a palavra technology tem uma longa história no inglês.
R
Seguindo a indicação do editor vamos ao texto de Gor-
Talvez isso se deva à minúcia dos registros do Dicionário Eti- don Childe:
mológico de Oxford, mas o certo é que há nele registro do
uso de "technology" desde o século XVII. "Technology deveria significar o estudo daquelas atividades diri-
Assim é que, como primeira citação, vou me reportar a gidas para a satisfação das necessidades humanas, que produzem alte-
ração no mundo material. Nesta obra o significado do termo se estende
Lynn White Jr., em artigo publicado em 1940 I, para quem para incluir os resultados de tais atividades"'. (Grifas meus.- R. G.)
"technology" se define nos seguintes termos:
Já nessas primeiras definições aparece uma divergência
"De modo amplo, podemos dizer que technology é a maneira pela básica que caracteriza as duas vertentes principais na con-
qual as pessoas fazem coisas (em um certo sentido existe até uma tecno- ceituação da tecnologia: a de L. Wbite Jr. refere-se ao próprio
logia da prece)".
fazer (aquilo que correntemente chamaríamos de técnicas) e
Essa definição é tão ampla que nada delimita; não per- a de G. Childe refere-se ao estudo daquelas atividades dirigi-
mite excluir coisas como jogar tênis, fazer a barba ou jogar das à satisfação das necessidades humanas.
futebol, escrever um artigo de jornal ou dirigir um caminhão. Na vertente de L. White está, com precedência a ele, o
E essas coisas não são usualmente enquadradas como tecnolo- conceito implícito no trecho abaixo transcrito, de M. J.
gia. Fala-se usualmente do técnico da seleção brasileira de fu- Herskovitz:
tebol (fala-se sempre mal), mas ninguém que eu saiba o clas- "Os homens extraem do seu habitat, por meio de sua tecnolOgia,
sifica como tecnólogo. Ela também não faz distinção entre os alimento_s, o abrigo, as roupas .e as ferramentas d(! que necessitam·
técnica e tecnologia, o que é uma J;aracterística da língua in- para sobreviver. Os objetos que fazem e usam para esses fins classifi-
glesa, como veremos. cam-se em geral sob a rubrica de cultura material"4 •
Alguns anos depois de Lynn White, há uma outra· defi- Outro autor, bastante conhecido e prestigiado, que po-
nição que correu mundo, assinada pelo prestigiado cientista deríamos colocar na mesma vertente é R. J. Forbes, oara
Gordon Childe e publicada na História da Tecnologia de quem "A tecnologia é tão antiga como o próprio homem" 5 •
Oxford 2 • Ainda na mesma obra coletiva em que Fo'rbes expõe seu
Charles Singer, editor da obra, faz a colocação inicial: conceito, Melvin Kranzberg escreve: · ·
"Etimologicamente, technology deveria designar o tratamento sis- "Na mentalidade popular, tecnologia é sinônimo de máquinas de
temático de qualquer coisa ou assunto. Em inglês ela é de formação diversas classes - a máquina a vapor, a locomotiva e o autolllóvel, assim
moderna (século XVII) e artificial, inventada para designar o discurso como invenções tais como a imprensa, a fotografia, o. rãdio e a televisão.
~istemático sobre as artes (utilitárias). Até o século XIX o termo não Portanto, a história da tecnologia é considerada simplesmente como uma
tinlta adquirido conteúdo científico e passou a ser posteriormente con- narrativa cronológica dos inventores e de seus aparelhos. E claro que
sí4!ilrado como sinônimo de ciência aplicada. O professor Gordon Childe· eles constituem parte da história da tecnologia tal como a ·cronologia
<.l~dlcou sua atenção aos objetivos da tecnologia '(p. 38). Os editores
9,~!)sideram que ela abrange as maneiras como são feitas e fabricadas 3. Gordon Childe. Early Forms of Society. ln: Singer, Charles et alii. A History
o/ Technology. 1. 0 vol. p. 38.
4. M. J. Herskovitz. Antropologia CultUral. São Paulo, dois vol., Mestre Jou,
1978. Tomo !I. p. 23.
Tecuologia e Invenções na Idade Média. In: GAMA, Ruy (organ.). 5. R. J. Forbes. Los Inícios de la Tecnologia y el Hombre. In: Kranzberg, Melvin
· Tecnologia. São Paulo, T. A. Queiroz/EDUSP, 1985. et alii. Historia de la Tecnologia. Vol. 2., Barcelona. Edit. Gustavo Gili, 1981.
A History of Technology. Oxford, Clarendon Press, 1.0 vol. p. 21.

11
das batalhas, os tratados e as eleições constituem parte da história mi-
litar e política, mas a tecnologia e sua história abrangem muito mais do tas, vimos, eram imposições da natureza ao homem. O homem responde
que os· dispositivos e processos técnicos que atuam nos seus âmbitos. impondo, por sua vez, uma mudança à natureza. :1! pois, a técnica, a
' reação enérgica contra a natureza em circunstância que leve a criar entre
esta e o homem uma nova natureza posta sobre aquela, uma sobrenatu-
Mas, apesar de criticar as definições anteriormente aqui reza. Anote-se, portanto: a técnica não é o que o homem faz para sa-
citadas, Kranzberg formula uma conceituação extremamente tisfazer suas necessidades. Esta expressão é equívoca e valeria também
vaga, que ainda se aproxima da vertente de L. White, confor- para o repertório biológico dos atos animais" 7 •
me se constata no trecho abaixo transcrito:
Ortega y Gasset, no enorme leque que abre sobre a téc-
"Como explicação mais simples, a tecnologia consiste nos esforços nica, aborda também a questão da História e o faz de modo
do homem _para enfrentar seu entorno· físico - tanto naquilo que diz
respeito à natureza quanto no que foi criado pelas próprias conquistas poético: ·
tecnológicas do homem, como por exemplo as cidades - e suas tenta-
tivas de dominar ou controlar esse entorno por meio de sua imaginação "A meu entender, um princípio fundamental para periodizar a
e engenho na utilização dos recursos disponíveis" 6 • evolução da técnica é atender à própria relação entre o homem e sua
técnica ou, em outras palavras, à idéia que o homem foi tendo de sua
Mas Kran:iberg aproxima-se de um ponto muito impor- técnica, não desta ou doutra determinada, mas da função técnica em
tante da questão, ao qual voltarei mais adiante, quando es- geral. Vejamos como este princípio não somente esclarece o passado,
creve: senão que de um golpe ilumina as duas questões enunciadas por mim:_
a mudança substantiva que engendrou nossa técnica atual e· por que
"A tecnologia é, portanto, muito mais do que ferramentas e aru•- ocupa esta na vida humana um papel ímpar ao representado em nenhum
tas, máquinas e processos. Ela põe em evidência o trabalho humano, as outro tempo.
tentativas do homem para satisfazer seus desejos mediante a ação hu- Partindo deste princípio podemos distinguir três enormes estádios
mana sobre os objetos físicos". · · na evolução da· técnica:
t.• A técnica do acaso.
2.• A técnica do artesão.
"Devemos utilizar o termo dese;os em vez de necessidades huma- J.• A técnica do técnico" 8 •
nas, porque os desejos humanos vão muito além das necessidades hu-
manas, especialmente aquelas necessidades básicas de alimentação, ves-
tuário e habitação." · Não vou me deter mais demoradamente nos "estádios'.'
da história a que se refere o autor citado. Mas o terceiro deles
Quero fazer dois destaques: um deles, para discutir de- merece destaque porque é possível estendê-lo como tecnolo-
pois, refere-se à presença da palavra trabalho, o que é rara nos gia, tal como o fazem diversos outros autores a que vo.u me
autores de língua inglesa que escrevem sobre tecnologia; o referir. E ainda Ortega y Gasset quem escreve:
outro é uma comparação do texto acima transcrito com aque-
le em que José Ortega y. Gasset define técnica: ~'O· tecnicismo da técnica moderna se diferencia fundamentalmen~
te daquele que inspirou todas as anteriores. Surge nas mesmas datas que
" ... est~s são os atos técnicos, específicos do homem. o conjunto deles a ciênCia física e é filho da mesma matriz histórica" •.
é a técnica, que podemos desde logo definir como a reforma que o ho-
mem impõe à natureza em vista da satisfação de suas necessidades. Es- 7. José Ortega y Gasset. Meditação· da Técnica. Trad. de Luís Washington Vita.
Rio de Janeiro, Livro Ibero-Americano Ltda., 1963. p. t-4.
6. M. Kranzberg. Op. cit., p, 13. 8. J. Ortega y Gasset. Op. cit., p. 74.
9. Idem, ibidem, p. 93.

12
·~
E ainda: Estamos já em presença de superposição que vale a pena
destacar: o que Lynn White, Kranzberg e Usher chamam de
"A técnica moderna enlaça-se com Galileu, Descartes, Huygens; technology é para Ortega y Gasset mais simplesmente técnica.
em sunia, com os criadores da interpretação mecânica do Universo" 10 •
Mas .não é apenas com relação a este último autor que se nota
Pois a superposição: ela está presente também no confronto com
outros autores europeus: filósofos,. ensaístas e historiadores.
"Todos os criadores da nova ciência se deram conta de sua con~ · Poderíamos lembrar alguns deles, mais conhecidos. Para Fre,
substancialidade com a técnica. Tanto Bacon como Galileu, Gilbert derico Dessauer:
quanto Descartes, Huygens quanto Hooke ou Newton" 11 •
"A análise do conceito de técnica léva à conclusão de que ela con-
Estas citações, colocadas ao lado das anteriores, de ou- siste na realização de certas idéias, precisamente daquelas que são rea-
14 •
trfS autores, permitem confrontos e especulações sobre possí- lizáveis com- a_s leis naturais"
veis traduções. R. J- Forbes, por exemplo, afirma que a "tec-
nologia é tão antiga quanto o próprio homem" 12 , tese que em Para Oswald Spengler a técnica é "a tática da vida" que
Ortega y Gasset assume a forma: "O homem começa quando o homem, animal de rapina, elabora individualmente e inde-
começa a técnica". pende da coação da espécie. Ele cria sua tática vital. A técnica
Tomemos mais um exemplo na historiografia americana é a cultura, e em nenhum instante no seu ensaio Spengler faz
da técnica. · uso da palavra tecnologia ".
Abbott Payson Usher, na sua célebre História das Inven- Egmont Hiller, na obra intitulada Humanismo e Técni-
ções Mecânicas, escreve: ca, já na primeira página conceitua:
·~As sociedades humanas não só selecionam um meio, :como tam~ "Por técnica entendemos o esforço do homem que emprega as
bém fazem o seu meio. Os processos pelos quais 'o homem se faz a si faculdades mentais para dominar e tornar utilizáveis a matéria e suas
próprio' incluem os métodos empregados pelo homem para transformar forças, ou seja, o que se encontra na natureza".
o seu meio. A evolução humana é duplamente dinâmica; o homem e o
meio geográfico reagem um com o outro e ambos os termos se trans-
formam. Mas o que chama a atenção é o destaque que o autor dá
Amplamente concebida, a tecnologia é uma parte do núcleo. cen- ao trabalho humano. Hiller também não emprega a palavra
tral evolucionário. e
um aspecto essencial da acumulação de conheci- tecnologia 16 •
mentos e do desenvolvimento das aptidões. Não esgota o campo do de-
senvolvimento do espírito, mas é um segmento característico· dô todo. Isso parece ser uma constante entre, os autores europeus,
que se distinguem nesse particl)lar dos americanos. Há exce,
ções, é claro: o holandês R. J; Forbes 17 , já citado, e Alfred
A importância central da tecnologia será C()mpreendida com mais Espinas, em obra publicada em 1897, a que deu o título Les
eXátidã~ ,s·e · cdnsiderarmos em traçós largos a relação da altera.ção téc-
nica com ô meio geográfico" 13. 14 .. Frederico Dessauer. Fitosofia del/a Técnica. z.a edição Brescia Morce_Uiana,
1955. p. 12. .
10. Idem, ibidem, p. 45. 15. O. Spengler. El Hombre y la Técnica. Madrid, Espasa Calpe S.A., 1934.
11: fdem,Jbidem, p. 97. 16. Egmont Hiller. Humanismo e Técnica. Trad. de Carlos Lopes de -Mattos .
.12. Vide p. 19. São Paulo, E.P.U., 1973.
!3. A. P. Usher. Hi.rtória das lilvfnções Mecdnicas. Lisboa, Edições· Cosmos, 17. R. J. Forbes. Studies in Ancient Tedmology. Seis vols. Leiden, E. J.' Brill.
1973. 2 vol., 1.0 vo1. p. 18. 1955.

'f.d. 1<;
Origines de la Technologie. Também é exceção a obra famosa Podemos dizer que ambos levam. suas águas para a vertente
do americano Lewis Mumford, intitulada Technics and Ci- de Gordon Childe.
vilizatioh. Mumford nessa obra escreve uma história da téc- André Haudricourt, em artigo publicado na revista La
nic~, e tecnológico aparece no texto como adjetivo relaciona-
Pensée refere-se à tecnologia como ". . . ciência das forças
do com a técnica. produtivas ... embora, longe de ser reconhecida como ciência
Estamos determinando assim; passo a passo, e sem muita autônoma, ainda não ocupe o lugar que merece". Lembra o
precisão, os contornos de nosso conceito básico. Prossigamos. autor que, de acordo com as definições usuais, presentes nos
Ramón Sánchez Flores reconhece a confusão· que se estabe- dicionários, ela não·seria uma ciência propriamente dita, mas
lece entre os conceitos de técnica e tecnologia. Para a pri- sim uma aplicação das ciências às atividades industriais.·
meira admite o enunciado de inspiração socrática: conheci- O autor lembra que, numa primeira aproximação, uma
mento, habilidade e adequação daquilo que se executa. Con- ciência se define pelos objetos que estuda, mas logo nos aper-
sidera-a porém genérica demais e se apóia no conceito de tec- cebemos de que o. que a caracteriza é o seu ponto de vista e
nologia como · não seu objeto. A partir daí diz que no exame dos objetos fa-
bricados pelo homem, o que interessa no casQ é a sua fabri-
". . . conjunto de conhecimentos e objetoqmSptios do· ofício mecânico cação e sua utilização pelo homem. Por isso, a tecnologia
ou da arte industrial" 18 • como ciência deve ser ciência das atividades bumanas. Para
ele, a introdução desse ponto de vista na tecnÓlogia foi difi-
Acreséenta que do ponto de vista literário. a tecnológia cultada pela tendência dominante no século XIX, que privi-
poderia ser tida como a cronologia das artes, d11s .ciências e legiava a história dos modos de produção em detrimento da
das invenções ,JUecânicas em seus ambientes. história das forças produtivas. Esse desvio só· foi superado,
Em obra recentemente publicada em Moscou encontra- segundo t;le, no começo deste século e, particularmente, na
mos as seguintes acepções: França, por Marc Bloch. Há nessa afirmativa uma injustiça
em relação a pelo menos um autor, alemão, do século XVIII,
"A técnica pode ser definida, de um modo geral, como conjunto Johan Beckmann, de quem falaremos ma-is adiante, várias
de instrumentos e hábitos que viabilizam a produção.
vezes.
No sentido mais estrito o termo técnica utiliza'se para designar Haudricourt, como etnólogo, parece centrar o interesse
os instrumentos de trabalho. o conceito de tecnologia é contíguo ao de da tecnologia na "civilização material", nos objetos e artefa-
técnica, por isso ·referindo-se ao segundo tem-se às vezes presente o tos, mas sua condição de lingüista o faz introduzir a lingua-
primeiro ..
· A tecnologia (do grego techné e logos - conceito, doutrina} não gem e os gestos no campo dos estudos tecnológicos. Para ele,
é senão o conjunto dos conhecimentos sobre os processos e meios de a tecnologia está intimamente relacionada com a história, e é
transformação dos objetos de trabalho" 19 . quase sinônima, eu diria, da história das técnicas 20 •
Quanto às vantagens do ensino da tecnologia nos cursos
Apesar da longa distância que separa os dois últimos superiores, ele aponta a inserção das técnicas particulares na
autores citados, a semelhança de seus conceitos é evidente. história geral do progresso humano, superando a aparente
antinomia entre o maquinismo e o humanismo. Também lhe
18. R. S. Flores. Historio de la Tecnologia y ú1 lnvención en Mérico. México,
F. C. Banamex A. C., 1980. p. 10.
20. André Haudricourt. La Technologíe, Science Humaine. In: La Pem·ée n.O
19. V. Gromeka: et alii. Capitalismo, Socialismo e Revolução Técnico--Cientifica. 115, junho de 1964, p. 28 et seqs.
Moscou, Edições Progresso, 1982. p. 6.

16 17
parece importante na superação do racismo dos europeus, que Na mesma obra, encontramos uma reafirmação enfática
tentam atribuir o atraso técnico das outras civilizações não-eu- do conceito de tecnologia como modo de produção:
ropéias à falta de inteligência e de invenções.
Ao final do artigo lê-se uma advertência que me parece "A tecnologia moderna, como modo de produção específico do
importante reproduzir aqui: capitalismo industrial avançado, foi, ao mesmo tempo, um produto e um
meiO do desenvolvimento capitalista" 22 •
"Não se deveria por isso atribuir à tecnologia e em geral às forças
produtivas uma importância exclusiva para a explicação histórica e Colocada a questão em termos marcusianos, a crítica da
considerar as inovações técnicas, as descobertas e as invenções como o sociedade burguesa cede seu lugar à crítica da tecnologia e
único motor da história, separadas das relações de produção". da ciência; o responsável historicamente não é o capitalismo,
A esse respeito julgo oportuno comentar que o autor, ao mas a máquina, a tecnologia, a ciênéia. E fácil constatar a fre-
que parece, acaba mudando de vertente: se inicialmente fala- qüência com que essa formulação aparece, explícita ou impli-
va da tecnologia como ciência das forças produtivas, passa a citamente nos discursos antitecnológicos de diversos matizes.
adotar as acepções de Lynn White e de Forbes, que de certo Vemos portanto que, nos textos de língua inglesa, tecno-
modo assimilam tecnologia a forças produtivas. Isso equivale logia aparece, ora como simplesmente sinônimo de técnica ou
a confundir a ciência com o objeto de seu estudo, o que é, no de conjunto de técnicas, alarga-se às vezes para incluir o pro-
mínimo, um problema epistemológico. duto material das técnicas, e outras vezes, menos freqüentes,
Seria fatigante prosseguir num levantamento completo é usada como sinônimo de saber associado às técnicas ou co-
das acepções correntes de tecnologia nesta fase introdutória mo estudo das técnicas. Constitui outras vezes um vasto cam-
do texto. Voltaremos a elas nos capítulos subseqüentes. Antes po em que se situam as invenções, aparelhos, instrumentos e
porém vamos prestar alguma atenção em mais uma .acepção máquinas primitivas ou modernas e se deslocn nitidamente pa-
veiculada em língua inglesa e no emprego da palavra tecnolo- ra outro campo, mais teórico, quando é definida como Modo
de Produção.
gia por alguns autores brasileiros. Tá vimos, linhas atrás, co-
mo A. Haudricourt chama a atenção para a necessidade de Vejamos o que se passa com os autores brasileiros que
não atribuir às forças produtivas (das quais faz parte, segun- têm examinado o assunto. Do engenheiro Waldimir Pirró e
do ele, a tecnologia) importância exclusiva na história, sepa- Longo, que tem dedicado inúmeros trabalhos de grande atua-
radas das relações de produção. Ora, forças produtivas e re- lidade e importância à questão da transferência de tecnologia
lações de produção constituem, conjuntamente, os modos de e à tecnologia nacional, é a definição que segue:
produção. Isso posto, adquire interesse a acepção adotada pe- "Tecnologia é o conjunto ordenado de todos os conhecimentos -
lo americano David Noble, apoiada em Herbert Marcuse: científicos, empíricos ou intuitivos - empregados na produção e co-
mercialização de bens e serviço" 23 ,
"A tecnologia, como um modo de produção, como a totalidade
dos instrumentos, dispositivos, invenções e artifícios que caracterizam
a-Jdade da máquina, é, assím, ao mesmo tempo, uma maneira de orga- A abertura do conceito é tão grande que não permite, a
za.r .e. Perpetuar (ou de mudar) as relações sociais, uma manifestação meu ver excluir quase nada da tecnologia, não distingue as
dominante e dos padrões de comportamento e um ins-
controle e dominação" 21 . 22. D. Noble. Op. cit., p. 33.
23. Tte. Cel. W. P. Longo. Tecnologia e Transferência de Tecnologia. In:
Nobte. Amer'ica by Design. New York, Oxford University Press, 1980. Cadernos de Tecnologia e Ciência, n. 0 2, ago/set. 1978. Rio de Janeiro, Ed.
Tama.

10
técnicas da tecnologia e parece indicar que esta abrange aque-
tremamente polêmico na medida em que supõe uma prece
las. Coloca-se desta forma ao lado das formulações de Lynn
dência da ciência em relação à técnica. Bastaria lembrar, para
White Jr. e de R. J. Forbes. enriquecer uma polêmica nesse sentido, o caso da Termodinâ-
Mas apesar dessa imprecisão resultante do alargamento mica, ramo da Física, de largo emprego nas máquinas e mo-
excessivo do campo, W. Pirró e Longo chama a atenção para tores, mas que somente se estruturou como ciência no final do
alguns aspectos de uso inconveniente da palavra tecnologia: século XVIII, quando as bombas e motores a vapor já eram
"O domínio do conjunto ordenado de conhecimentos que consti- uma realidade "técnica". A segunda parte da definição acima
tui a tecnologia permite a elaboração das instruções necessárias à. pro- transcrita é também imprecisa, pois leva a uma ampliação do
dução de bens e serviços. Ocôrre que a palavra tecnologia vem sendo campo semântico ao invés de uma delimitação, que é o que
empregada para designar tais instruções e não os conhecimentos que as normalmente se espera de uma definição. Igualmente polêmi-
geraram. Confundem-se expressões materiais e parciais do conhecimento
(plantas, manuais, especificações etc.) com o próprio conhecimento.
ca é a ampliação da definição para os serviços, território de
Chega-se ao cumulo de ainda se acreditar que quando uma empresa sonhos, em que a lavadeira, como a Cinderela, anda de braços
multinacional coloca em funcionamento aqui o último modelo de má- com o presidente do banco!
quina (importada) de fazer pregos, o país está dotado da mais alta tec- Em artigo recentemente traduzido para o português, o
nologia de fazer pregos" 24 . ProL Rabah Benakouche, da Universidade Federal de Santa
Catarina, apresenta uma proposta para debate que começa as-
O autor citado partilha de certa forma da advertência,
já registrada aqui, contra o uso da palavra tecnologia na lin- sinalando a "anarquia semântica" que cerca as palavras como
guagem internacional de marketing. Uso abusivo, mas signi- técnica, progresso técnico, inovação, invenção, ciência, tecno-
ficativo, como o que aconteceu com as palavras "aerodinâ- logia etc. :Assinala .ô uso indiscriminado de uma noção por
mico", "futurista", "modernista", "clássico" ou "mediterrâneo"
outra e a designação de uma realidade por um termo, elevan-
na arquitetura e no desenho industrial, e com as palavras "ci- do-o ao estatuto de conceito ao apresentá"lo como uma expli-
dade-jardim", "vila" e "parque" no mercado imobiliário. cação do real. Ainda mais, lembra que o uso de um mesmo
Outro autor brasileiro que tem se dedicado ao estudo termo para designar realidades diferentes gera uma confusão
desalentadora 26 •
destas questões é o engenheiro e professor Mário da Silva
Pinto, que assim aborda o problema: O artigo é longo, fartamente documentado e rico de cri- ,
ticas, o que o recomenda como leitura essencial no gênero.
"Tecnologia é ciência aplicada, é o conjunto de operações que Não vou examiná-lo mais profundamente mas apenas dele
levam uma indústria ou qualquer outra atividade econômica à obtenção colher alguns argumentôs para discussão dos conceitos e defi-
de bens com produtividade aceitável para as conquistas de qualquer nições de outros autores já alinhados neste texto. O primeiro
época. Esta definição, no que se aplicar, vale também para a produção deles refere-se à tecnologia como mercadoria. R. Benakouche
de serviços, a exemplo da termoeletricidade" 2'.
refuta essa identificação e cita os argumentos de que se ser-
Esta definição transfere, em parte, o problema sem re-· vem os defensores desse ponto de vista:
solvê-lo; exigiria a definição de ciência aplicada, o que é ex- "- a tecnologia não é mais do que um estoque de técnicas sus-
cetível de ser adquirido no mercado. Decorre daí, conseqüentemente,
24. W. P. e Longo. Idem.
25. M. S. Pinto. Brasil: a busca de tecnologiti. no passado e no presente. In:
Carta Mensal. Rio de Janeiro. Confederação Nacional do Comércio, n. 0 297, 26. R. Benakouche. A Tecnologia Enquanto Forma de Acumulação. São Paulo.
p. 41. In: Revista Economia e Desenvolvimento, n. 0 2 .. Cortez Edit., fev. 1982. p. 11
et seqs.

20 ~'
que a técnica é uma mercadoria que pode ser comprada em diversos de relações subjetivas e objetivas das individualidades; ela é a-histórica
tipos de mercado: aquele das patentes, da assistência técnica, dos bens porque se refere a épocas tão diferentes quanto a idade da pedra, o
de equipamento, da indústria montada (e/é en main) etc." 27 • período tribal e o capitalismo. Assim, sua utilização enquanto noção é
desprovida de todo poder explicativo (no sentido epistemológico do
O autor, prosseguindo, conclui que: termo). Por todas essas razões a posição antitecnologista é também in-
sustentável" 29 .

"Em outras palavra~;· admitir- a tecnologia como mercadoria é,


simplesmente, aderir à ideologia difusa· das grandes firmas. Para essa Benakouche examina também a questão atual e relevan-
ideologia, a presença de tais firmas não traz efeitos nocivos; pelo con- te da transferência de tecnologia e da conceituação desta últi-
trário, elas propagam o progresso técnico aos diversos ramos da pro- ma como "serviço", o que a meu ver é uma das explicações
dução" 28 •
pouco cláras do texto citado. ·
Estas citações já possibilitam uma comparação com o Mas não apenas os engenheiros e economistas, no Brasil,
que escreve M. Kranzberg acerca da imagem corrente de tec- têm escrito sobre a tecnologia. Alguns filósofos também com-
nologia como sinônimo de máquinas de diversas classes - a parecem ao. debate. Sem que isto signifique deixar de lado
máquina a vapor, a locomotiva e o automóvel, assim como as outras contribuições, vou me deter um pouco no exame da tese
invenções: a imprensa, o rádio, a televisão, o computador etc. apresentada pelo filósofo Euryalo Cannabrava ao I! I Con-
I: claro que cada uma dessas classes se compõe de objetos que gresso Brasileiro de Língua e Literatura, sob o título Tecnolo-
são mercadorias, mas identificá-los com a tecnologia significa gia e Estética 30 • Trata-se de texto que se presta muito bem a
retificá-Ia no mesmo sentido em que a mercadoria se reifica e um confronto com os outros já aqui citados, e que não pode-
aparece numa visão especular invertida que esconde sua es- . ria deixar de aparecer numa análise do estado da questão.
sência. Vamos a ele:
Outra das críticas bastante oportunas que o autor citado
apresenta é aquela que se refere à tecnologia não apenas co- "O conceito de civilização está inextricaVelmente associado ao
mo "exigência econômica", mas também como luta pelo poder: cOnjunto de técnicas,- desde o artesanato nas artes e .ofícios até as ope·
rações binárias da computação eletrônica. E a esse conjunto de técnicas
que se dá modernamente o nome de tecnologia. Há diversas outras
". . . a tecnologia, mantidas as devidas proporções, resolve os proble-
mas que se quer que ela resolva. Por enquanto, os decisores lhe formu- acepções desta palavra-chave que examinaremos posteriormente. Basta
laram um certo número de problemas, e ela lhes deu solução. Isto signi, assinalar, por enquanto, o predomínio, mesmo nos meios universitários,
fica que ela poderá oferecer outras soluções, se lhe forem colocados de certo sentido, atribuído à tecnologia, que exorbita de seu domínio
outros problemas, principalmente aqueles que interessam ao fator tra, significativo. Tecnologia não quer dizer aplicações científicas: os vín·
balho. Como a questão ainda não se colocou, a tecnologia desenvolveu- culo•',entre Ciência e TecnOlogia são superficiais ou, mesmo,. de oposição
se respondendo aos imperativos industriais, que lhe têm comandado até e contraste. Em primeiro lugar, a tecnologia, abrangendo a totalidade
agora. das invenções e descobertas, nunca pôde ser derivada dos conhecimen-
tos científicos numa determinada época. Se a invenção fosse simples
Isto posto, a assimilação da tecnologia à dominação - como feita conseqüência de princípios ou leis já conhecidos, então o progresso tec-
principalmente por Habermas e Marcuse - é insustentável. Primeiro, nológico teria o seu curso, em qualquer de· suas fases, necessariamente
porque a noção (e não o conceito) de dominação é ampla, ambígua e determinado pela evolução das teorias científicas".
a-histórica: ela é ampla e ambígua porque envolve todas as formas
29. Idem, ibidem, p. 35.
27. idem, ibidem, p. 21. 30 .. Jn: Anais do 111 Congresso Bra.~i/eiro de Língua e Literatura. Rio de Janeiro,
28. Idem, ibidem, p. 24. Editora Geroasa, 1972. p. 143 et seqs.

)·')
Esta transcrição já permite um confronto: E. Cannabra- a criação de novos ramos da ciência, como é o caso da termo-
va adOtfl a acepção explícita em Lynn White Jr. e implíci- dinâmica, respondendo cientificamente aos problemas coloca-
ta em R. J. Forbes, para quem "a tecnologia é tão antiga dos pelo uso do vapor nas bombas e nos motores.
como o próprio homem" e com a associação feita por M. J. Mas, não se pode por isso desprezar fatos como a desco-
Herskovitz entre tecnologia e cultura material. Outra das for- berta do planeta Netuno, cuja posição no sistema solar havia
mulações do autor que merece atenção é aquela em que nega sido calculada, teoricamente, por John Couch Adams e por
a identificação da tecnologia com aplicação da ciência. Pare, Leverrier, e só posteriormente foi observado pelo astrônomo
ce-rne que ele tem razão, em parte; seria porém necessário Galle 32 •
admitir que a categoria fundamental é a da técnica com a Resumindo, o que se nota no. texto em exame é a nega-
qual a tecnologia tem relações históricas, mas que com ela não
tiva do reconhecimento de uma relação dialética entre a teo-
se confunde. O uso de tecnologia com o significado de técni-
ria e a prática, colocando-se o autor, como reação à visão que
ca é, como veremos mais adiante, uma característica da língua
inglesa que se deve, provavelmente, ao peso da herança no- privilegia a teoria, numa posição francamente empirista. Isto
minalista e empirista incorporada àquela língua. se revela, a meu ver, no conceito de "operador tecnológico"
que o autor introduz no seu texto e que parece destinado a
Mas, seria de se esperar que E. Cannabrava fizesse entre
conciliar du!ls correntes de pensamento: empirismo lógico e
técnica e tecnologia a mesma distinção que faz entre práxis e
praxiologia. Lembre-se, a propósito, que praxiologia é a pa- marxismo oú mesmo o pragmatismo de Dewey e o marxis-
33
lavra usada pela primeira vez por Espinas na obra Origines mo • Isto explica, a meu ver, as palavras finais do autor no
de la Techno/ogie, em 1890, para designar a ciência da ação, texto considerado:
a ciência da prática. Só mais tarde é que T. Kotarbinski pro-
"};: possível que algúmas pessoas presente~ encontrem nesta- valo-
põe a praxiologia como ciência da eficácia 31 • rização <)o modelo praxiológico de todas as atividades exercidas pelo
Feitas estas ressalvas poderíamos concordar com E. homem, inclusive a teórica, qualquer vestígio de influência das idéias
Cannabrava quando se nega a colocar a técnica em posição marxistas. A interpretação aludida seria falsa sob vários aspectos ... " 34 .
subalterna à da ciência; mas o autor cai no exagero oposto.
Ninguém pode negar que certos instrumentos, aparelhos Pode-se dizer que ao autor caberia aplicar a advertência
e armas foram pensados e construídos antes que existisse a que faz André Haudricourt sobre a importância exclusiva que
ciência na qual sua ação está hoje enquadrada. Vários são os se atribui à tecnologia e às forças produtivas para a explica-
fatos que podem ser lembrados: o boomerang australiano, ção histórica, e considerar as inovações técnicas, as descober-
como seu similar egípcio, são anteriores a qualquer formali- tas e as invenções como o único motor da história, separadas
zação científica dos conhecimentos físicos; os maravilhosos das relações de produção. Isto pode parecer impertinente, já
cascos noruegueses, como o do barco Gokstad, datado prova- que o autor não se propõe a escrever uma história da tecno-
velmente do século IX, antecedem a qualquer dos ramos da logia, mas a proposta de periodização por ele apresentada en-
ciência a que o problema seria hoje encaminhado. Pode-se tra no campo da história:
dizer que a atividade prática, a técnica, tem solicitado e
32. Wi!Jiam C. Dampier. A History of Science. 3.a ed. New York, Cainbridge
provocado a ciência com problemas novos e até motivado University Press 1942. p. 134.
33. Tomás Maldonado. Cf. Ruy Gama, Glo.ssárío. p. 132.
31. V. Ruy Gama. G/o.~sârio. São Paulo, FUPAM/FAUUSP/CNPq, 1982. p. 131. 34. E. Cannabrava. Op. cit., p. 163.

~· ')<;
"A liberação da energia atômica inaugurou a Idade Tecnológica,
assim como a orbitação do primeiro satétite artificial, o Sputnik deu 7
dentro de cem anos o homem poria em órbita o primeiro sa-
início à Idade Megatecnológica. Existiu uma fase tecnológica na civili- télite artifícial. Ora, dois anos depois foi lançado o primeiro
zação material do período geocêntrico, em que o homem, tendo a Terra Sputnik, o que para E. Cannabrava significou a precedência
como centro do Universo, ficou confinado à técnica de observa"ção as- da tecnologia sobre a previsão científica. Pedro Pinho rebate
tronômica que não ultrapassava o seu raio visual" 35 •
essa interpretação de modo correto quando admite que a pte-
Vamos deixar para o fínal deste texto o exame das' pro- visão de Fred Hoyle era o ponto de vista de um cientista e
postas de períodização da históría com base na tecnologia. não o da ciência. Pena porém que ele não tenha lembrado das
A tese de E. Cannabrava despertou controvérsias, uma palavras de Ortega y Gasset, autor em que se apóia, como
delas levantada por Pedro Pinho em estudo publícado pela vimos. Em texto publicado no jornal E! Sol, de Madri, em
Universidade Federal do Pará. Ele crítíca, já de inícío, o con- 9 de março de 1930, o filósofo espanhol (não era cientista
ceíto de tecnologia esposado pelo autor anteriormente citado: nem tecnólogo) dizia:

"Voltando ao conceito de tecnologia adotado pelo Prof. Canna- "Mas a idéia que hoje temos da técnica reavive agora em cada
brava, podemos notar que ele é excessivamente amplo, por isso mesmo um dos senhores essa idéia que nos tem colocado na situação quase trá-
vago e confuso. Em última análise, ele identifica a tecnologia com qual- gico-cômica - isto é, cômica mas também trágica - de que quando
quer técnica em sentido lato, donde o seu empenho em separar o pro- sqmos brindados com a coisa mais extravagante nos surpreendemos
gresso tecnológico do conhecimento científico. Pensamos, ao contrário, atordoados porque em nossa última sinceridade não nos atrevemos a
que é indispensável distinguir os- vários estágios históricos, os vários ti- assegurar que essa extravagância - a viagem aos astros, por exemplo
pos de técnica, que aparecem desde o instrumento primitivo até o ad- - é impossível de realizar. Tememos que, assim, no momento de di-
vento da tecnologia moderna, na qual e decisiva a contribuição da zer isso, chegasse um jornal e nos comunicasse que, tendo~se conseguido
proporcionar a um projétil uma velocidade de saída superior à força
ciência" 36 •
da gravidade, se havia colocado um objeto terrestre nas imediações da
Pedro Pinho opõe ao autor que comenta o conceito de Lua" 38 •
técnica científica que faz corresponder ao conceíto de tecno-
logia, dotada de estatuto próprio que não se pode generalízar Para finalizar este exame do estado da questão vou me
referir a dois autores brasileiros. Um deles é Francisco Iglé-
a qualquer momento e espécíe de técnica.
sias, historiador que díspensa apresentação. Para ele
Seguindo esse raciocínio, Pedro Pinho vai se apoiar em
Ortega y Gasset e identifícar a tecnologia com a técnica do "A tecnologia vem a ser, portanto, não só o meio de dominar a
técnico, com o tecnicísmo de fundamento científico 37 • O es- natureza, adaptando-a, como a principal afirmação do homem, uma vez
tudo mencionado é extenso e o autor nele faz também a defe- que é por ela que ele se sobrepõe à paisagem, pela inteligência e pela
sa de Martim Heidegger das críticas de E. Cannabrava. Não, vontade'' 39 •
vou me deter mais no seu exame, senão para chamar a aten- Vê-se portanto que lglésias amplia extraordinariamente
ção para um aspecto das relações entre ciência e técnica; o conceito de tecnologia. Poderíamos aproximá-lo de Hersko-
episódio secundário, talvez, mas sem dúvida pitoresco. Trata- vitz (v. p. 11), de R. f. Forbes (v. p. 11) e de Melvin Kranzberg
-se da referência que E. Cannabrava faz à previsão do astrô- · (v. p. 12). Iglésias também não deixa margem para nenhuma
nomo inglês Fred Hoyle, publicada em 1955, segundo a qual, distinção entre tecnologia, técnica e trabalho. Note-se a pro-
35. Idem, ibidem.
36. Pedro Pinho. Op. cit. 38. J. Ortega y Gasset. Op. cit., p. 84.
37. J. Ortega y Gasset. Op. cit., passim. 39. F. lglésias. Comunicação.. In: Anais do /li Simpósio de Proic·Jsores Uni-
versitários de História. 1966. p. 505.

21)
pósito que se no trecho de lglésias citado substituíssemos a Cabem aqui diversos comentários. Em primeiro lugar,
palavra tecnologia pela palavra trabalho, a formulação seria, mantém o par de conceitos técnicas e tecnologia, não confun-
a meu ver, mais correta, pois a categoria fundamental a ser dindo as duas. Isso permite ao autor historicizar a tecnologia,
considerada é o trabalho e não a técnica ou a tecnologia. dando a ela uma data (ou uma época) de nascimento. Pode-se
dizer qué Milton Vargas aceita parcialmente os estádios de
"Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o evolução da técnica propostos por Ortega y Gasset, identifi-
homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria cando a tecnologia como a técnica do técnico, o que permite
ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a
natureza" 40 • um exame à luz de novas formas de divisão do trabalho, de
formação profissional e de forma& de aquisição da mercado-
Milton Vargas, engenheiro, professor da Escola Politéc- ria trabalho. Mas isto tudo são ilações minhas, não está no
nica da Universidade de São Paulo, nome que também dis- texto em exame.
pensa apresentação, é o último dos autores que vou citar. Co- Caberia também fazer algumas observações acerca da
laborando na obra coletiva organizada por Shozo Motoyama afirmativa do autor de que
e Mário Guimarães Ferri, no capítulo História da Tecnologia
no Brasil, escreve: "A tecnologia só veio a existir depois do estabelecimento da
ciência moderna, no século XVII".
"Neste capítulo ...... entender-se-á por tecnologia o estudo ou
tratado das aplicações, teorias, experiências e conclusões das ciências A afirmativa me parece muito categórica e contém im-
ao conhecimento dos materiais e processos utilizados pelas técnicas. ~ plícita a idéia de precedêricia da ciência em relação à técnica,
verdade que, no mundo moderno, essa é também a função da engenha-
ria, da arquitetura e da agronomia. Porém, nestas últimas, além das pois a ciência teria assim dado o impulso que transformou a
aplicações científicas, comparece também a arte de construir obras e técnica em tecnologia. Permanece nela, de alguma forma, a
fabricar prodllto, com suas particularidades individuais e circunstâncias idéia de ciência aplicada. Prefiro ainda a formulação de Or-
próprias. Há nessas últimas atividades, portanto, uma intencionalidade tega y Gasset, já citada, mas que convém repetir:
e valorização de uma determinada obra ou um determinado produto,
ausente na tecnologia. Por outro lado, a tecnologia difere da técnica,
pois essa última é um conhecimento prático que não envolve, neces- "O tecnicismo da técnica moderna se diferencia fundamentalmen-
sariamente, teoria alguma. A técnica é tão antiga quanto a humanidade; te daquele que inspirou todas as anteriores. Surge nas mesmas datas
porém a tecnologia só veio a existir depois do estabelecimento da ciên- que a ciência física e é filho da mesma matriz histórica".
cia moderna, no século XVII, quando se percebeu que tudo o que o
homem construía era regido por leis científicas. Outra observação que não pode faltar refere-se à super-
posição que Milton Vargas aponta quando se refere à enge-
A tecnologia aparece implicitamente no Brasil no fim do século
passado, nos ensinamentos das disciplinas de aplicação das nossas três
nharia, à arquitetura, à indústria e à agronomia em relação
primeiras escolas de engenharia: a Politécnica do Rio de janeiro, em à tecnologia. o autor resolve a questão, a meu ver, quando
1874; depois a Escola de Minas de Ouro Preto, em 1875, e finalmente diz que
a Politécnica de São Paulo, em 1894" 41 •
"Há nessas últimas atividades, portanto, uma intencionalídade e
40. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. I. p. 202. valorização de uma determinada obra ou um determinado produto,
41. M. Vargas. A Tecnologia no Brasil. In: MOTOYAMA. S. & FERRI, M. G. ausente na tecnologia".
História das Ci2ncias no Brasil. São Paulo, EDUSP/E.P.U./CNPq, 1979. 1.0 vol.

~n ')Q
Esta última observação parece pertinente e tem ainda o das ciências físicas e naturais e, como assinala· (com propriedade mas
mérito de desfazer em parte o equívoco que parecia aflorar não com prímazia) Alain Birou, também na comunicação desses conhc·
no conceito de arte de construir aplicado à arquitetura, con- cimentos pelo ensino técnico 42 •
ceito que ignora o fundamento da obra construída, que são o
projeto, a prefiguração e a criação. É evidente que técnica e tecnologia não se referem espe-
cificamente à produção industrial, mas se estendem a outros
Encerro aqui este giro de horizonte sobre a questão. Não
o faço por simples acaso, e nem por critério meramente cro- setores da atividade econômica.
nológico, com a transcrição e com comentários sobre os con- Assim sendo, a técnica é tão antiga quanto o homem,
ceitos expendidos por Milton Vargas. Além do seu papel na ou o homem começa quando começa a técnica. Mas a tecno-
engenharia nacional e no ensino, numa das escolas de enge- logia tem história mais recente: pode-se talvez localizá-la na
nharia mais importantes do país, a conceituação por ele apre- Grecia jônica (século VI a.C.), onde recebeu seu nome, sendo
sentada constitui um apoio importante para a proposta de portanto coetânea da ciência grega. A tecnologia moderna foi
historização da tecnologia que vou expor, na seguinte Tese: batizada, por inspiração grega, apenas no século XVIII. Chris-
A tecnologia moderna foi se constituindo a partir do sé- tian Wolff, filósofo e matemático, seguidor de Leibniz, foi
culo XVII, pari passu ao desenvolvimento do capitalismo e à seu padrinho em meados daquele século. E no fim dele Johan
Beckmann institucionaliza a disciplina tecnologia na Univer-
substituição do modo de produção feudal/ corporativo, e do
sistema de transmissão do conhecimento apoiado na aprendi- sidade de Gotingcn.
zagem, pelo emprego do trabalho assalariado e o sistema esco- A formulação desta tese e a sua demonstração se apóiam
larizado de transmissão do conhecimento. nos conceitos básicos de forças produtivas e relações de pro-
dução que, conjuntamente, constituem os modos de produção.
Há algumas questões a serem esclarecidas: em primeiro
Não me parece necessário aprofundar aqui e agora discussões
lugar devo dizer que considero técnica e tecnologia como cate-
sobre essas categorias. O assunto é por demais conhecido e
gorias distintas e que, portanto, a história da técnica não coin-
discutido, e a ele já me referi diversas vezes. Mas, além dessas
cide com a história da tecnologia. Em segundo lugar adoto categorias, apóio-me também na de formação econômico-so-
como ponto de partida, aceitando, no todo ou em parte, ou
cial.
às vezes discordando dos autores citados, os seguintes con-
ceitos: Agora o caso se complica. O conceito vem sendo polemi-
zado e vale a pena entrar um pouco mais a fundo na questão.
Técnica: conjunto de regras práticas para fazer coisas determina- Vejamos o que escreve o historiador Ciro Flamarion S. Car-
das, envolvendo a habilidade do executor e transmitidas, ·verbalmente, doso:
pelo exemplo, no uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das
máquinas. Alarga-se freqüentemente o conceito para nele incluir o con- "Formação econômico·socia] - Ou formação social. Conceito
junto dos processos de uma ciência, arte ou ofício, para obterição de marxista bastante polêmico, usado principalmente numa das três acep-
um resultado determinado com o melhor rendimento possível. ções: I. como modo de produção acompanhado da superestrutura que
Tecnologia: estudo e conhecimento científico das operações técni- lhe corresponde; 2. como uma sociedade concreta (localizada no
cas ou da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, tempo e no espaço) definida pela articulação de diversos modos de pro-
das ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da dução - sendo um deles dominante - e das superestruturas correspon·
técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais
e da energia empregada. A tecnologia implica na aplicação dos métod'Os 42. Alain Birou. Dicionário das Ciências Sociais. Lisboa, Ed. D. Quixote, 1966.

10 11
dentes; 3. como noção empírica equivalente à idéia de 'sociedade Ciro F. S. Cardoso, no trecho .iá citado, refere-se ao ca-
designando portanto um caso a estudar' "43.
ráter polêmico do conceito de formação sócio-econômica, as-
O historiador soviético E. Zhúkov, a respeito desse con- sunto que é também abordado pelo filósofo Jáchik N. Momdz-
hián, que defende a teoria da formação sócio-econômica tanto
ceito, escreve:
da crítica de origem não-marxista como da crítica marxista,
"O conceito de lformação sócio-econômica' distingue-se por seu como por exemplo a que aflorou nas discussões havidas no
conteúdo extremamente rico. Inclui, antes de mais nada, a definição do Centro de Investigação Científica do Pensamento Marxista .do
degrau alcançado pela humanidade no desenvolvimento econômico. A Partido Comunista Francês 46 •
medula do conceito é constituída pela categoria de modo de produção, Outra opção metodológica q4e se evidencia neste traba-
que expressa um determinado grau de correspondência (unidade) entre
as relações de produção dominantes e o nível das forças produtivas lho refere-se à pesquisa semântica, à qual já fôi feita referên-
existentes e em constante desenvolvimento. Ao mesmo tempo este con- cia nas primeiras páginas deste capítulo, nias convém retomar.
ceito engloba, além da base econômica de uma dada sociedade, a cate- Ao se encetar tal tipo de pesquisa aparecem problemas em
goria complexíssima da superestrutura. Por conseguinte, a formação só- dois níveis: no nível da prática, em que sobressaem aqueles
cio-econômica é a unidade dos três elementos principais que a integram:
relativos à escassez de informações em português e a dificul-
I. Os forças produtivas; dade de acesso e de trabalho com fontes e línguas estrangei-
2. As relações de produção, que correspondem às primeiras e que for-
mam o regime econômico;
ras; no nível teórico, as dificuldades começam na própria con-
3. A superestrutura que surge sobre sua base" 44 • ceituação da semântica e da questão dos significados.
Quando se trata, como aqui, de pesquisa em torno dos
Para o autor citado significados de uma só palavra - tecnologia - , a questão
das fontes se simplifica, mas a questão teórica se complica.
"A teoria das formações sócio-econômicas é a pedra angular da Isto por que, os lingüistas modernos o admitem, os significa-
concepção materialist::t da história" 45 • ,
dos se vinculam ao sistema geral da linguagem onde se esta-
E, mais além, na mesma obra escreve: . belecem múltiplas relações.
Porém, mesmo reconhecendo que as palavras não podem
"As relações econômicas desempenham o papel determinante e, ser tomadas de per si mas que devem ser recolocadas no nível
por conseguinte, o mais constante- e estável no surgimento e no desen- de seu uso, geral e relaciona!, no sistema de que são partes, é
volvimento de qualquer formação sócio-econômica. legítimo destacar uma palavra problemática e considerá-la em
Todavia, é preciso levar em conta o fato de que a mesma base
sua estrutura interna. ~ mesmo um caminho necessário. para
econômica (a mesma no que se refere a suas condições fundamentais) chegar à compreensão do relacionamento ativo das palavras
apresente, sob a influência de inúmeras condições empíricas distintas, nas sentenças e no sistema maior da própria linguagem.
de condições naturais, relações raciais, influências históricas exteriores, Por isso, como método, optei pelo estudo da História da
infinitas variações e matizes, o que somente pode ser esclarecido por .
Lima ·análise dessas circunstâncias empíricas". Tecnologia a partir dos significados que diferentes autores,
em diferentes discursos e em diferentes épocas, vêm empres-
43. Ciro F. S. Cardoso. Uma Introdução à Hlstória. tando à palavra tecnologia.
44. Eugênio Zhúkov. Metodologia de la Historio. Moscou, Academia de Ciencias
de la U.R.S.S., 1982. p. 39. 46. J. N. Momdzhián. Etapas de la Historio. Moscou. Editorial Progresso, 1978.
45. Idem, ibidem. p. 88. p. 223 et seqs.

32
Lembro aqui o que escreve Raymond Wílliams na intro- tico, bem como para o ensino da arquitetura globalmente con-
dução ao seu ensaio intitulado Keywords, pois as semelhanças siderado. A importância da tecnologia na arquitetura e na
de objetivos e de método com este trabalho justificam a ci- formação dos arquitetos não permite deixar de lado a dis-
. tação: cussão conceitual que aqui se propõe, e que não se pretende
contribua apenas para o aguçamento do senso crítico, ao ní-
"Um dos tipos de semântica é o que estuda os significados em vel da teoria, afastada da atividade criativa.
si; outro é o que estuda os sistemas formais de significação. O tipo de
semântica ao qual pertencem estas notas e ensaios está compreendido
na tendência da semântica histórica, . ..

Enfatizar a história como caminho para o entendimento dos pro-


blemas contemporâneos da significação e da estrutura da significação
é uma opção básica que decorre de uma posição ao lado do materialis-
mo histórico mais do que das posições, hoje mais fortes, do idealismo
47
objetivo ou do anistórico (sincrônico) estruturalismo" •

O autor citado deixa claro também que não compartilha


do otimismo, difundido no período que medeia as duas gran-
des guerras, para o qual o esclarecimento das palavras difí-
ceis ajudaria na solução dos problemas em cuja formulação
entram essas palavras e que, por isso mesmo, tornam-se con-
fusos. Para ele, a compreensão do significado complexo da
palavra classe não contribui em quase nada para a solução
das disputas e da luta de classes.
Os pressupostos teóricos de Wílliams, e o que decorre
como orientação metodológica, são plenamente aceitáveis. O
mesmo não ocorre com o pessimismo que ele opõe ao otimis-
mo semântico. Ao reduzir a contribuição que se pode esperar
da compreensão dos significados ao "aguçamento da consciên-
cia", o autor vai além do pessimismo. Na verdade, subestima
o papel da ideologia e do debate ideOlógico.
Por tudo isso cabe apresentar mais um esclarecimento
final referente aos objetivos deste trabalho. Ao elaborá-lo te-
nho em mente oferecer aos estudantes e colegas da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, nos diversos níveis de curso, ma-
terial de estudo e de crítica - que deve ser profunda - para
as diversas disciplinas com as quais tenho compromisso didá-
47. R. Wi11iams. Keywords. A Vocabulary of Culture and Society. New York,
Oxford University Press, 1976. p. 20.

'M V\
O QUE É TECNOLOGIA? Neste capítulo vou reunir diversas definições de tecno-
logia, complementando o que já foi feito no primeiro capítulo,
agora porém tentando amarrar estas definições com as condi-
ções históricas em que se apresentaram. No último capítulo
vou apresentar uma definição normativa, apoiada em princí-
pios gerais teóricos.
Tá me referi ao ingresso da tecnologia nas escolas profis-
sionais, assunto de que tratarei no capítulo VI, assim como da
proposta de Christian Wolff, que apresentava a tecnologia co-
mo "ciência das artes e das obras dé artes"; com ela a tecno-
logia volta à oficina e começa a ser articulado seu ingresso
na escola. f justo falar de uma volta, de um retorno à oficina
QUID EST TECHNOLOGIA? e à escola? Não seria mais correto simplesmente reconhecer
Est doctrina praecognoscenda de affectionibus, ordine & divisione a origem grega evidente da palavra e a partir daí estruturar
disciplinarum. sua história? A solução não é tão simples assim porque há
Johannis-Henrici Alstedii Encyclopediae uma descontinuidade, um hiato de séculos, separando a tec-
Herborn, 1630 nologia grega (jônica), vinculada ao trabalho e às artes mecâ-
nicas, da tecnologia retomada por Christian Wolff e depois
O QUE E TECNOLOGIA? por Tohan Beckmann no século XVIII. Nesse longo interregno
E doutrina fundamental para o conhecimento das relações, da or- a tecnologia envereda pela metalinguagem, pelos caminhos do
dem e da divisão das disciplinas. discurso e, portanto, das artes liberais.
Da Enciclopédia de João Henrique Alsted f nesse percurso que pretendo acompanhá-la através das
Herbom, 1630 transformações semânticas pelas quais passou em diversas lín-
guas ocidentais. Vou tentar identificar nessas álterações no .
When dealing with ambiguous terms, the first duty of a writer campo semântico da tecnologia as alterações correspondentes
is definition.
na prática das artes e dos ofícios, nas transformações do modo
The Unbound Prometheus
de produção e nas relações entre teoria e prática, o que im-
David S. Landes
plica na história do pensamento nessas diferentes formações
Existem, segundo Witold Kula, dois caminhos possíveis para de-
econômico-sociais. Resumindo: a semântica, entendida como
finir o objeto e o campo de qualquer ciência ou disciplina. Em primei- o estudo das mudanças de significado das palavras 1 , pode nos
ro lugar, podemos proceder empiricamente, examinando a problemática mostrar ós compromissos da tecnologia com a história do tra-
pesquisado, de fato, pelos especialistas que a praticam. De maneira al- balho e do pensamento.
ternativa, podemos procurar uma definição normativa ao deduzir, de Não trato, portanto, da s.emântica tal como o fazem di-
certos princípios gerais de tipo teórico, que conteúdo deve ter a disci- versas correntes do pensamento contemporâneo, mais ou me-
plina em questão.
Agricultura, Escravidão e Capitalismo 1. J. Ferrater Mora. Díccionario de Filosofia. Buenos Aires, Ed. Sudamericana,
Ciro Flamarion S. Cardoso 1971, 2 v., p. 634.

~h ."17
nos ligados ao positivismo. E nem da semântica entendida co- "Seria temeridade querer fundamentar a história de uma noção
mo uma "concepção geral do mundo e base para uma reforma demarcando passo a passo as vicissitudes de um termo. O destino lexi~
cográfico da tecnologia é inseparável do nomadismo da moda.
da sociedade e do homem" 2 , a que já me referi no primeiro
capítulo. Ê preciso levar em conta o envelhecimento dos neologismos'' 5•

Sempre que se abordam questões de semântica passa-se


muito perto do que se denomina "Filosofia analítica" 3 • Nosso Além disso há os problemas da polissemia, da sinonímia
interesse, porém, não está voltado para a "Filosofia como aná- e, de acordo com alguns lingüistas modernos, o das oposições,
lise conceptual", mas para a história da tecnologia. isto é, o significado de um termo se define em oposição a ou-
Para quem está ligado à tecnologia como atividade prá- tros. É extremamente difícil por isso tudo basear uma investi-
tica profissional, a preocupação semântica pode parecer inútil: gação semântica no rastreamento dé uma única palavra. Mas
é um risco a ser enfrentado e para alguma coisa há de servir.
um pseudoproblema. Que diferença faz tomar uma ou outra
das definições de tecnologia? Não dá na mesma, desde que
se faça aquilo que é entendido, geralmente, como tecnologia?
Não será suficiente para tanto seguir a regra pragmática de 1. A TECNOLOGIA NA LíNGUA PORTUGUESA
" ... tentar interpretar cada noção traçando suas conseqüências práti~
cas"? 4 . A palavra tecnologia, como veremos, não é nova na lín-
gua portuguesa. Mas chega até nós, hoje em dia, com maior
Isto vem sendo feito com bastante freqüência. E grande freqüência, através do inglês technology, cuja tradução é pro-
o número de autores contemporâneos que evitam definir tec- blemática, já que ela tem naquela língua um número muito
nologia, alegando que se trata de questão semântica estéril. grande de significados. Ao traduzi-la corrémos o risco de im-
Mesmo assim é interessante procurar nesses autores os con- portar idiotismos ingleses. Na historiografia e na ensaística
ceitos implícitos que nos indiquem as mudanças de signifi- francesa a palavra technologie é usada com parcimônia, em-
cação. bora na linguagem dos negócios e da indústria seja muito
A maior parte das perguntas que formulamos acima re- usada, talvez até pelas "conseqüências práticas" em termos de
fere-se a "conseqüências práticas" e servem para delimitar al- competição comercial. Porém o uso de technologie como ver-
guns contornos da tecnologia. Mas esses contornos mudam e são francesa de techno/ogy encontra resistência pelo lado fran-
cês, pois trata-se de histórias diferentes que se cruzam num
essas mudanças têm interesse histórico.
conceito que é apenas aparentemente o mesmo.
O caminho dessa pesquisa semântica não está isento de Seria mais correto, cronologicamente, começar exami-
riscos. J. Guillerme chama a atenção, de modo prudente, pa- nando os conceitos grego e greco-romano de tecnologia, e en-
ra esses riscos: tão examinar o estado da questão nas línguas modernas. Vou
seguir o caminho inverso e, a partir do estado atual, pesqui-
2. Idem, ibidem.
3. William P. Alston. ·Filosofia da Linguagem. Rio, Zahar, 1972. Trad. Álvaro
sar o percurso anterior.
Cabral.
4. William James. Cf. O. Silveira da Mota e L. Hegenberg. Semiótica e Filmo/ia. 5. Cf: I. Guil:lerme e J. Sebestik'. Les Commmcements de la Tech11ologie. In:
São Paulo, Cultrix, 1972. p. 21. Revista Thàles, 1966. p. 48.

38 "\Q
Na língua portuguesa, a palavra aparece na obra do Pe. ·He certo que nas artes a experiência he a· mãi da verdadeira
Rafael Bluteau 6 , que, no prólogo, qualifica seu Vocabulário tehorica mas he certo também que huma sãa theorica he a mestra da
de Teehnológico (de Techni, arte, porque trata de todas as gen~ina práctica" 10 •
artes liberais e mechanicas). O sentido com que Bluteau ém- ..
prega o termo aproxima-se daqueles registrados no inglês seis- José Bonifácio havia permanecido em Paris em 1790 e
centista, o que não é de estranhar, pois Bluteau estava a par 1791. Estudou química e miqeralogia com A. F. Fourcroy.
da produção intelectual européia, e, particularmente, das ati- Em 1791 foi feito membro da Sociedade da História Natural
vidades da Sociedade 'Real dos Físicos de Inglaterra 7 • de Paris para a qual escreveu uma Memória sobre os Diaman-
Dentre os autores brasileiros talvez tenha sido José Bo- tes do Brasil, então publicada . .Da Sociedade faziam parte
nifácio de Andrada e Silva o primeiro a empregar a palavra cientistas famosos na época, entre os quais os citados Four-
tecnologia, que Bluteau não registra em seu Vocabulário e croy e Hassenfratz. Este último, químico, mineralogista e es-
pecialista em siderurgia, como já mencionei, dava curso de
nem tampouco o faz Antônio de Moraes e Silva no seu dicio-
technologie desde 1786 no Licée des Arts e depois também na
nário de 1813, talvez por considerá-la neologismo. I! verdade , Eco/e Polytechnique. B de se supor que José Bonifácio estives-
que Silvestre Pinheiro Ferreira, em carta datada de 1806, re- se a par disso e tenha tido então seus primeiros contactos com
fere-se a uma obra que seria publicada, "sobre a tecnologia", a nova disciplina.: .,
cujo autor pedia divulgação em Portugal 8 • Mas é José Boni- Esses fatos me obrigam a alterar a .hipótese que apresen-
fácio, em discurso feito à Academia Real de Scíencias de Lis- tei em Engenho & Tecnologia, admitindo que esses primeiros
boa- da qual era secretário- quem diz, em 1815: contactos tivessem ocorrido quando José Bonifácio estava em
Freiberg.
"A Sciencia da Natureza, e suas vastas applicações à Agricultura, Na Escola Politécnica de São Paulo, 'já no final do sé-
à Technologia e à Economia, em cujos estudos tanto se esmerão as Na- culo XIX, aparecem cadeiras de tecnologia. O Diário Oficial
ções cultas da Europa, ainda estão pouco correntes entre nós" 9 •
do Estado publica, em 7 de novembro de 1895, os programas
da 2.• cadeira do 1." ano dos cursos de engenheiros civis e do
Noutra obra quase no mr.smo ano ele volta ao tema, não curso de mecânica, intitulada Tecnologia das Profissões Ele-
falando explicitamente de tecnologia, mas deixando claras mentares. A matéria se distribuía em dois grandes itens: O
suas idéias sobre as relações entre a teoria e a prática: Conhecimento dos Materiais - pedras, argilas, areias, cal,
cimento, madeiras, ferro etc. -· e o Emprego dos Materiais,
"Quando findará de huma vez entre nós a disputa renhida e futil que se desdobra em materiais pedregosos, materiais lenhosos
entre Theoricos e Practicos?
e materiais metálicos. Neste segundo grande item a entrada
~
se dá pelo trabalho profissional, que empresta os títulos aos
6. R. Bluteau. Vocabulário Português & Larino, Lisboa, Pascoal da Silva, 1716.
7. Hernani Cidade. Lições de Cultura e Literatura Portuguesas. Coimbra, Editora
pontos dá matéria: trabalhos do cavoqueiro, trabalhos do
Limitada, 1959. '2. 0 vol. p. 41. canteiro, trabalhos do pedreiro, trabalhos do estucador, do
R. Maria Beatriz Nizza da Silva. Silvestre Pinheiro Ferreira: Ideologia e Teoria. vidraceiro, do pintor etc. Esse critério de entrada e classifica-
Lishoa. Livraria Sá da Costa, 1975. p. 26.
9. In: Obras Cientificas, Politicas e Sociais de José Bonifácio de Andrada e 10. José B. A. e Silva. Memória sobre a Necessidade e Utilidade do· Plantio de
Silva. São Paulo, Ed. E. C. Falcão, 1973. Ed. Monumental Comemorativa. Novos. Bosques em Portugal. Rio de_ Janeiro, Ministéri<;> da -Agricultura, 1925.
p. 16. A primeira edição é de 1816.

40
construção, o laboratório de physiologia applicada ao trabalho animal,
ção persiste até hoje nos memoriais descritivos e nos orçamen- e finalmente o que modernamente tem sido denominado organizaçãQ
tos de obras. das actividades"11 • (Grifas meus - R.G.)
A idéia que aparece implícita nas disciplinas (cadeiras)
acima mencionadas é a de vinculação estreita entre tecnologia
e trabalho: o trabalho em si mesmo, componente primordial
do processo de trabalho, os materiais que constituem o objeto 2. A TECNOLOGIA NA LíNGUA INGLESA
do trabalho humano e eis meios de trabalho, que no programa
citado aparecem incluídos nos subitens, como por exemplo:
A importância do inglês no mundo moderno e a farta
"Trabalho do latoeiro e do funileiro - instrumentos, utensílios, documentação reunida em seus dicionários recomendam co-
ferramentas - Trabalho em folha de ferro e zinco - Machinas". meçar a pesquisa semântica por essa língua.
A primeira fonte consultada é The Oxford English Dic-
Esses programas aprovados em 1895 vinham com a as- tionary 12 , onde encontramos a seguinte etimologia.
sinatura do "lente catedrático" João Pereira Ferraz.
Em 1924, o número 77 da Revista Politécnica publica 1, Tecnologia- discurso ou tratado sobre uma arte ou sobre as artes:
artigo do engenheiro e professor Victor da Silva Freire, intitu• usada desde 1615,
Conjunto das artes práticas: usada desde 1859,
lado A Tecnolo;;ia Geral no Século XX. O autor conceitua
2. Terminologia específica de uma arte ou de um assunto; nomenclaw
tecnologia como "doutrina" ou "ciência industrial", que fun- tura técnica; uso registrado em 1658,
damente o exercício da engenharia. Dele são as palavras 3 , O sentido que se aproxima do grego 'tEXVOÀoyca registrado em 1683
abaixo transcritas, particularmente interessantes pela aprecia- é dado como obsoleto, em desuso no inglês moderno.
ção histórica do tema:
A terceira das acepções merece atenção especial: o di-
"Como corpo de doutrina á parte foi a technologia geral a última cionário citado registra-a como tratamento sistemútico, dando
a insinuar-se na educação -profissional. Explica-se, Desde os tempos
immemoriaes, antes de se constituírem isoladamente os vários ramos da como exemplo a gramática. Voltarei ao assunto.
arte, o emprego dos materiaes, da mão de obra, dos mestres artífices, Mas a Encyclopaedia Universalis 13 acrescenta algumas
pertencia á prática corrente. A experiência accumulada, de gerações so- informações relativas à língua inglesa. Assim, a Encyclopae-
bre gerações, foi dando Jogar a regras, a normas, a praxes que se trans-
mittiam de pae a filho, de official a aprendiz, E com ellas se satisfize-
dia de H. Alsted, publicada em 1630, designa com esse termo
ram durante dilatado periodo todos os constructores, um discurso sobre a classificação das disciplinas; na Glos-
Foi preciso que as necessidades da indústria fizessem surgir de sographia de T. Blount, publicada em 1670, technology é
subito novos materiaes, novos processos, e provocassem relações entre definida como descrição "of crafts, arts o r workmanship",
cOoperadores, de natureza desconhecida até então, para que o arsenal Christian Wolff (1679-1754), discípulo de Leibniz, na sua
da rotina entrasse a mostrar~se pobre e defeituoso. Impoz-se n'essa altu- Lógica, define tecnologia como scientia artium et operum
ra a pesquisa directa, para poder responder ás questões, perante as quais
emudecia a tradição. Iniciou-se o estudo experimental. Dos materiais artis, quer dizer, conhecimento científico das artes e das obras
em primeiro lugar; dos motores animados e do motor humano muito
mais tarde; surge por último a consideração do trabalho intellectuaL 11. V. S. Freire, artigo citado p. 374. Cf. pesquisa da arquiteta Sylvia Ficher.
D'essa evolução resulta que a technologia geral se vê obrigada a 12. The Oxford English Dictionary. Oxford, The Clarendon Press, 1933.
lançar hoje em dias as suas raizes n 'um terreno sedimentar em cujos 13. Encyclopaedia Universalis. Paris, Enc. Univ. France. Edition 1976. V. 15,
estratos successivos se encontra o gabinete de ensaios dos materiais de verbete Technologie.

47 43
de arte, inaugurando assim um novo significado para a tec-
nologia. Os dados acima permitem avançar uma conjetura so-
lv,las a língua inglesa dispõe de mais algumas palavras bre os vínculos entre as acepções em uso no inglês daquela
parecidas com technology, o que aumenta as dificuldades de época e o interesse dos doutos acerca das técnicas e de sua
tradução. terminologia. Comecemos por Francis Bacon (1561-1626). Do
Technique refere-se à habilidade mecânica no trabalho Novurn Organurn" destacamos alguns aforismos. Assim é
artístico. É usada principalmente quando se trata da execução que no de número XLIII ele escreve:
de peças musicais e da pintura, em seus aspectos de confecção.
"Há também os ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso
Technic, no singular, tem sentidos que se aproximam de e da ação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que
técnica em português. No plural technics pode ser entendido chamamos de ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre os
como as técnicas. Este é o sentido com que Lewis Mumford a homens. Com efeito, os homens se associàm graças ao discurso (sermo-
emprega em sua obra Technics and Civilization. Mas no plu- nes, no original, N.T.) e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as pa-
ral tem também sentido que se aproxima do de techno/ogy: a lavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosa·
ciência ou o estudo de uma arte ou das artes, especialmente · mente o intelecto. Nem as definições, nem as explicações com que os
das artes mecânicas e industriais 14 • homens doutos se munem e se defendem, em certos domínios, restituem
as coisas ao seu lugar. Ao contrário, as palavras forçam ~o intelecto e
Além dessas palavras há outras de uso corrente que se o perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a inú·
relacionam mais de perto com técnica: meras e inúteis controvérsias e fantasias".

Skill: com os significados de


Prosseguindo na sua explicação dos efeitos nocivos do
1- grande habilidade ou proficiência; que chama ídolos do Foro, Bacon escreve, no aforismo LIX:
2 - uma arte, ofício ou ciência, especialmente quando envolve o
uso da mão ou do corpo; "Os ídolos do foro são de todos os mais' perturbadores: insi-
3 - habilidade em tais artes, ofícios ou ciências; nuam-se no intelecto graças ao pacto de palavras e de nomes. Os ho-
4 - conhecimento; compreensão; julgamento. mens, com efeito, crêem que a sua razão governa as palavras. Mas su-
cede também que as palavras volvem e refletem suas forças sobre o
Craft: intelecto, o que torna a filosofia e as ciências sofísticas e inativas. A
força; também qualquer artifício ou ardil, estratagema ou inven- palavra, tomando quase sempre o sentido que lhe inculca o vulgo, segue
ção; a linha de divisão das coisas que são mais potentes ao intelecto vulgar.
2 - hábil, destro, apto, dissimulado, astuto, intrigante, sagaz, arte ou Contudo, quando o intelecto mais agudo e a observação mais diligente
ski/1, aplicada com maus propósitos, fraude; habilidade ou des- querem transferir essas linhas para que coincidam mais adequadamente
treza aplicada enganosamente; com a natureza, as palavras se opõem. Daí suceder que as magna_s e
3 uma arte ou habilidade específica, destreza numa ocupação ma- solenes disputas entre os homens doutos, com freqüência, acabam em
nual em particular e conseqüentemente a ocupação ou o emprego controvérsias em torno de palavras e nomes, caso em que melhor seria
em si mesmo; arte manual; ofício; (conforme o uso e a sabedoria dos matemáticos) restaurar a ordem,
4 - os membros de um ofício, no qual se exige grande habilidade, co- começando pelas definições. E mesmo as definições não podem remediar
letivamente; totalmente esse mal, tratando-se de coisas naturais e materiais, posto
5 - um bote, navio ou avião; também usado, coletivamente, para bar· que as próprias definições constam de palavras e as palavras engendram
cos e aviões de qualquer tipo. palavras. Donde ser necessário o recurso aos fatos particulares e às suas

14. Tlie Oxford English Dicrionary, Oxford, The Clarendon Press, 1933. 15. F. Bacon. Novum Organum. Trad. de J. A. Reis· de Andrade. São Paulo,
Abril Cultural, 1973. p. 28.
44
A. "i
ordens e séries, como depois vamos enunciar, quando se expuser o mé~ ou de inStrumentos, como são a arte de tecer, a fabricação de moinhos,
todo e o modo de constituição das noções e dos axiomas" 16. de relógios e outras semelhantes.

Logo depois de Bacon, o filósofo John Locke (1632- ....


O progresso da ciência, a melhoria das condições do homem re-
1704) também manifesta sua atenção em relação às palavras: querem. pois, segundo Bacon, que o saber dos técnicos se insira no
campo - que lhes tem sido vedado por uma tradição multissecular-
" ... como as idéias são exprimíveis mediante palavras, é preciso exa~ da ciência t! da filo~ofia natural. Os método~. o:c: procedimentos, as
minar os nomes das idéias para ver se são nomes adequados a encon- operações, a linguagem das artes mecânica:; iam se afirmando e aper-
trar remédio para evitar confusões e abusos nas denominações" 11 • feiçoando fora do mundo da ciência oficial. no mundo dos engenheiros,
do~ ~u:quitetos, dos artesãos qualificados, Uu::. conslrutures <.k máquinas
Essas preocupações de Bacon e Locke quanto às pala- e de instrumentos. Esses métodos, esses procedimentos e essa :i Linguagens
devem passar agora a ser objeto de exame, de reflexão e de estudo'' ~.
1

vras e sua correspondência com as idéias podem ser com-


preendidas na função metalingüística da tecnologia - enten- Depois da morte de Bacon, e como que seguindo o ca-
dida esta como tratamento sistemático das técnicas - uma minho por ele indicado, diversos grupos de •:filósofos", a par-
espécie de gramática das técnicas. Mas Bacon, em outras obras, tir de 1640, tomaram várias iniciativas que ·culminaram com
volta sua atenção para a história das artes, de seus métodos e a fundação da Royal Society (Sociedade Real dos Físicos dâ
de sua linguagem, embora - o que é muito significativo - Inglaterra) em 1660/63. Ela se propõe, desde o início de suas
não empregue nem uma vez a palavra technologia no Novum atividades, a compilar relato~ fieis (records) sobre todas as
Organum. obras da Natureza e da arte. No âmbito interno, exigia-se de
· Vejamos o que escreve Paolo Rossi. todos os membros da Sociedade:
"É sebido que Bacon, no último período de sua vida, subordinou " ... uma maneira discreta no falar, desnuda, natural; que suas ex-
inclusive o projeto de uma nova lógica à história da natureza livre e à pressões fossem positivas, de sentido claro, que fossem adequadas para
história da mecânica, isto é, à história da natureza modificada pela mão levar qualquer assunto o mais próximo possível da clareza própria das
do homem" 1'. matemáticas; que dessem preferência à linguagem dos artesãos, dos cam-
poneses, dos mercadores, e não à dos filósofos" 20 • (Grifas meus -
Uma tal história, empresa de grande vulto, exigindo R.G.)
grandes gastos e fadigas, tornaria necessário ~então que, a partir de 1630, começam a aparecer dicio-
" ... renunciar a todas as delicadezas e à elegância para concentrar-se nários e enciclopédias que se dedicam ao levantamento da ter-
sobre a história das artes, por mais q~e estas possam parecer mecânicas minologia das diversas artes, das nomenclaturas técnicas e da
e não-liberais. As técnicas que, segundo ele, seria mais proveitoso sub- descrição dos processos e dos métodos das artes mecânicas, O
meter a exame, são aquelas que alteram e transforlnam os Objetos ma- primeiro deles é a Enciclopédia de Henrich Alsted ( 1630), que,
teriais, como o são a agricultura, a culinária, a química, a tinturaria e além da preocupação com o léxico, avança no sentido histó-
a elaboração do vidro. do esmalte, do açúcar. da pólvora e do papel.
Ainda que de utilidade menor, não lhe parece devam ser omitidas rico. Vejamos o que escreve Paolo Rossi a respeito:
aquelas que consistem principalmente em um sutil movimento das mãos "Ainda mais sígnificativa é a intenção presente no Tratado de
Alsted, de vincular a própria distinção entre artes mecânicas e artes
16. F. Bacon. Op. cit., p. 35.
17. Cf. 1. Ferrater Mora. Op. cit., dois vols., p. 634.
18. Paolo Rossi. Los Filo.wfos y las Máquinas- /400-1700. Barcelona. Labor. 19. Paolo Rossi. Op. cit.
1966. p. 115 et seqs. 20. Idem, ibidem.

4fi 47
liberais a uma situação histórica determinada, mostrando a origem eco. modos de manutenção de domínio, como parece ser a perma-
nômico~social da condenação tradicional das artes mecânicas: ela.s, na nência na língua japonesa de um pronome eu privativo dos
realidade, recebem o nome de não-liberais, não porque o sejam por sua
naturez'a e índole, mas porque os gregos, que cunharam esses termos, homens e outro eu, usado pelas mulheres. A tecnologia no
somente a homens livres consentiam o dedicar-se às artes liberais e ex- sentido seiscentista cumpre o papel de, juntamente com a .
cluíram destas os escravos, relegando-os às artes mecânicas" 21 • criação de escolas artesanais, solapar o domínio das corpo-
rações, cujos privilégios dificultam, basicamente, o ingresso
Não é de estranhar, portanto, que coincidindo com esses do capital na produção e sua reprodução ampliada pelo au-
esforços de domínio da linguagem e da nomenclatura técnica, mento das quantidades produzidas. As corporações forma-
através do registro fiel de palavras e processos técnicos, a lín- vam seus próprios artesãos e mestres com seus saberes. As
gua inglesa acolhesse o uso da palavra tecnologia como o sig- escolas assumem esse papel. Saber é .poder e os segredos do
nificado de terminologia específica de uma arte ou de um as- fazer precisam ser revelados. Ainda em 1835 Andrew Ure re-
sunto, nomenclatura técnica, a partir de 1658. Esta acepção petia, no prefácio de sua obra, o axioma de Bacon - "Know-
junta-se à anterior, usada já em 1615: discurso ou tratado so- ledge is Power" 24 •
bre uma arte ou sobre as artes. A esta última se filia a acepção
de Alsted já mencionada, discurso sobre a classificação das Ainda na língua inglesa, é nos Estados Unidos que ve-
disciplinas filosóficas, que é de 1630 22 • mos surgir uma acepção de technology digna de atenção.
Quem a coloca (ou recolpca) em uso é o médico Jacob Bige-
A partir da década de sessenta do séc. XVII às acepções
registradas acrescenta-se a de estudo do vocabulário técnico, low, numa série de conferências feitas em Harvard no começo
descrição dos processos e dos fazeres das técnicas, como se vê do século XIX 25 • A idéia é a da reunião da ciência com a téc-
através da acepção adotada por T. Blount e, no extremo supe- nica. Bigelow diz ter encontrado a palavra technology em
rior, na acepção adotada por Christian Wolff, que identifica "alguns dicionários mais antigos". Quando da fundação do
tecnologia como ciência. Massachussets Institute of Technology (M.I.T .) , a palavra que
Ao que parece, o domínio dos segredos da linguagem qualifica a nova instituição foi adotada por proposta de Bi-
dos artesãos foi a porta pela qual se entrou no domínio dos gelow. O lema adotado pelo Instituto, mens et manus, expU-
próprios segredos dos ofícios. Dentre os mistérios dos miste- cita claramente suas finalidades (1865). Vale a pena lembrar
res, a linguagem foi o primeiro a ser desvendado, decifrado que, dez anos depois, em 1875, foi fundada em Ouro Preto a
e jogado na rua pelas portas e janelas arrombadas das ofici- Escola de Minas. Claude Henri Gorceix, seu organizador,
nas - numa espécie de ação de despejo - para ser vista por referindo-se aos objetivos da Escola escreveria, alguns anos
todo mundo. A linguagem era, e é, um importante instrumen-
depois:
to de domínio e uma barreira aos estranhos. Pode-se verificar
isto até hoje nos diversos patois, gírias e, inclusive, na persis-
tência, em sociedades onde ainda prevalece a divisão do tra- "O tempo das discussões frívolas sobre palavras e teorias, simples
especulações do espírito legadas pela Idade Média, das quais há muito
balho por sexo, de linguagens secretas e privadas dos homens o velho mundo desembaraçou-se, já passou".·
transmitidas aos adolescentes nos ritos da puberdade". São
21. Paolo Rossi. Op. cit., p. 123. 24. A. Ure.· The Philosophy of Manufac.:tures. London, Frank Cass and Company
22. Ruy Afonso da Costa Nunes. Op. cit., p. 41. Limited, 1967. ( Reprint.)
23. Maurice Godelier. Pouvoir et Langnge. In: Communications, n. 0 28. Paris, 25. Jacob Bigelow. Elements of Technology. Boston, Boston Press, 1829. Cf.
1978. p. 21.
David 1-. Nuhh:. Amo1ca h\· /Jnig/1. N. Y .. Uxl'o1d hc:-..'>. IIJ~O. p. J.

48
49
Acrescentava ainda que era preciso trabalhar cum mente Lembremos também que a questão da separação entre
26
et ma/leo , palavras que foram depois inscritas no escudo da trabalho manual e trabalho intelectual está vinculada à crítica
Escola. à ociosidade. Bacon já havia abordado a questão e parece evi-
·Ambos os lemas, o do M.I.T. e o da Escola de Minas dente que ao capitalismo nascente interessavam todas as ma-
têm origem nitidamente baconiana. neiras de aumentar o recrutamento de mão-de-obra e a mobi-
É possível colocar, lado a lado, as idéias de J. Bigelow lização para o trabalho. Também no Brasil, a crítica à ocio-
com o que escrevia José Bonifácio sobre as relações entre sidade teve seu lugar. As palavras de Rodrigues de Brito, au-
teoria e prática e os objetivos a que se propunha Gorceix em tor já citado, deixam bem claro como os "economistas" do
Ouro Preto. Convém lembrar que, no início do século XIX, o começo do século XIX viam a questão quando, alinhando as
nível de conhecimentos técnicos e científicos era mais ou me- causas de vadiação nacional, escreve·:
nos o mesmo nos Estados Unidos e na América Latina 27 • O
nome de José Bonifácio, assim como o do Intendente Câmara "A preocupação nacional, que exclui dos empregos todo aquele
que por si, seus pais, ou avós, tiver exercido artes mecânicas, isto- é,
podem ser associados à idéia da criação de uma escola de mi- que tiver contribuído com o seu trabalho para a multiplicação das ri-
nas e metalurgia-monta11ística, como então se dizia - em quezas. Um escrivão da mais insignificante Câmara não pode encartar-se
28
Minas • Já em 1823, eíuando se falava da criação de uma na propriedade de seu ofício sem provar verdadeira, ou falsamente, a
universidade no país, cogitava-se da nomeação de José Boni- perpétua inação de seus braços, e dos de seus pais, e avós. De sorte
fácio como Reitor. fosé Bonifácio tinha formação européia, que os netos de Pedro, o Grande, imperador da Rússia, não poderiam
entre nós conseguir os cargos de escrivães, por ter aquele Herói man-
era um "estrangeirado" na linguagem portuguesa do século chado suas mãos quando no Techel pegou na enxó e no machado" 30
XVIII. Havia estudado na França na época em que se insta-
Iam as disciplinas de tecnologia, e com Werner, na Alema-
Quase um século depois, Manoel Querino voi ta ao assun-
nha, no tempo em que Beckmann dava suas lições de tecnolo-
to, como veremos.
gia. Quanto a J. Bigelow, parece possível colocá-lo na linha
de Benjamin Franklin, que tentara instituir o ensino técnico Comparando o desenvolvimento da indústria da França
na Pensilvânia, como vimos, e que prognosticava, nos últi- com o da Inglaterra, no final do século XVIII, J. Berna! es-
mos anos de sua vida, que a "ciência no século vindouro ser- creve:
viria às artes como uma criada" 29 • Franklin foi ao mesmo tem-
po cientista e próspero homem de negócios, interessado nas "Na Inglaterra, os progressos realizados no período da Revolução
Francesa foram muito diferentes. Lá, invés de uma inovação vigorosa
artes mecânicas a ponto de definir o homem como "o animal e drástica, produziu-se um apego desesperado às velhas formas da Igreja
que faz ferramentas (toolmaking animal). e do Estado e um repúdio das tendências liberais Whigs. Os dissidentes
Participava de associações científicas européias e estava religiosos abandonaram o teísmo racional em beneficio do metodiSmo
emocional. Nenhum dos dois, contudo, dificultou a marcha da indústria,
a par do que nelas se discutia, particularmente na França. que dispunha agora de grandes mercados como conseqüência do blo-
queio da França e, adicionalmente, da urgência da produção de mate-
26. José. Murilo de Carvalho. A Escola de Minas de Ouro Preto. São Paulo, rial de guerra não só para a Inglaterra mas também para seus aliados,
FINEP/C.E.N., 1978. p. 73.
27. Nathan Rosenberg. Cf. Henrique Rattner: Ciência e Tecnologia: as tendên- fracamente industrializados, no continente. A fundação da Roya/ lnsti-
cias atuais. In: Revista Economia e Desenvolvimento n. 0 2, São Paulo, 1982,- tution é de 1799. A iniciativa se deve a sir Benjamin Thompson (con-
p. 63. de Rumford, do Sacro Império Romano- 1753-1814), que era norte-
28. J. Murilo de Carvalho. Op. cit., p. 15.
29. David ·Noble. Op. cít., p. 3. 30. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 97.

50 51
-americano, tory (conservador), mas tinha algo do entusiasmo pela prá- "Os homens da Universidade, que se ocupam prioritariamente
tica de Franklin" 31 . com fórmulas teóricas de pouca aplicação prática, tendem a subestimar
a ciência da fábrica, ainda que, sem preconceitos e com paciência, pu-
Abrindo um breve parênteses, vale a pena lembrar que dessem ver que ela está repleta de aplicações úteis dos mais belos pro-
Rumford deixou como legado à Universidade de Harvard, em blemas de dinâmica e estática" 34 _
1815, uma soma de 1000 dólares anuais para a realização de
um curso sobre Armytage, no trecho abaixo transcrito, concorda com a
análise de Ure:
". . . a utilidade das ciências físicas e matemáticas para o aperfeiçoa-
mento das artes úteis e para a expansão da indústria, da prosperidade, "Enquanto na França a engenharia (principalmente aquela volta-
da felicidade e do bem-estar da sociedade" 32 • da para a guerra) era organizada de cima para baixo, na Inglaterra as
invenções (na indústria têxtil, na produçãq de ferragens e de máquinas)
crescem, espontaneamente, de baixo para cima. John Smeaton (1724-
O primeiro titular desse curso foi o médico Jacob Bige- 1792), o primeiro inglês a denominar-se engenheiro civil, também se
Iow, a quem já me referi há pouco. interessava por motores e por engenharia mecânica" 35 .
Voltando às comparações feitas por Berna!, é interes-
sante ver o que escrevia um contemporâneo e partícipe do Mas atualmente, entre autores de língua inglesa, princi-
processo, Andrew Ure. palmente historiadores, já se nota uma reabertura de discussão
em torno da palavra tecnologia e do seu uso adequado, quan-
··~o fracasso da França, apesar de tudo, no estabelecimento de um do diz respeito às "tecnologias antigas" ou à "tecnologia me-
sistema fabril antes da Inglaterra, é um fato digno de nota, e prova cla- dieval". E: o que se constata no trecho abaixo, de autoria de
ramente que as invenções mecânicas, pelas quais aquela nação tem sido Arnold Pacey:
muito justamente elogiada, não são suficientes por si só para a criação
de uma manufatura eficiente" 33 •
"E para finalizar, até agora, nesta introdução, a palavra tecnologia
foi utilizada em sua acepção mais geral, seguindo o costume moderno.
Este me parece ser o aspecto essencial da visão de Ure Poré.m, os dicionários definem a tecnologia em termos de "conhecimen·
sobre a filosofia das manufaturas: a idéia de totalidàde. Dis- to sistemático" de assuntos práticos, e já se indicou aqui que o traço
cordando de Smith quanto à importância da divisão do tra- distintivo dos métodos do artesão é que eles não dependem de um co-
balho, que se poderia chamar de visão analítica, Ure vê a fá- nhecimento sistemático; ápóiam·Se em um conhecimento intuitivamente
organizado obtido pela experiência. Em conseqüência disso, a palavra
brica como um grande organismo em que o todo não é sim- tecnologia em sentido estrito não pode ser aplicada com propriedade à
plesmente a soma das partes. Em Smith a questão da disci- obra dos artesãos.
plina não tem o relevo que assume na obra de Ure, que salien-
Este argumento tem outras conseqüências. Antes de 1600 ou de
ta a importância da imposição de um eficiente código de dis- 1650, o conhecimento sistemático dos temas práticos quase não exístia
ciplina fabril. na Europa e quase toda a produção e as habilidades práticas dependiam
Mas Ure não deixa de criticar os "teóricos" que se man- de métodos artesanais. Neste caso, a palavra tecnologia também não
pode ser empregada com propriedade. Por esta razão, neste livro utili-
tinham afastados da prática industrial: zam·se termos como as artes práticas ou as artes mecânicas e químicas
31. J. D. Bernal. Op. cit. v., p. 414. 34. A. Vre. Op. cit., p. 24. (Grifo meu, R.G.)
32. D. F. Noble. Op. cit., p. 21. 35. W. H. G. Armytage. A Social History of Engineering. London, Faber and
33. A. Ure. Op. cit., p. 12. Faber, 1961. p. 100.

52 53
ao invés de tecnologia, para descrever as habilidades técnicas dos pri- A formulação de um outro autor americano, Peter F.
meiros períodos históricos. Tais termos foram usados· a miúdo no sé-
culo XVH e parece útil conservá-los para tratar de circunstâncias em Drucker, desperta maior interesse. Tal como M. Kranzberg,
que predominava a perspectiva do artesão. Se ampliarmos nossa pala- já citado neste capítulo, ele relaciona tecnologia e trabalho de
vra moderna tecnologia, a fim de que inclua todas as formas de inven- modo a reabrir uma discussão conceitual:
ção e de destreza prática, poderíamos facilmente esquecer as mudanças
históricas que deram à tecnologia moderna seus métodos característicos "De uma ou outra nianeira, o reino e o tema principal do estudo
36
e seus traços marcantes de tenacidade e de inovação . da tecnologia seria o trabalho humano. Para o historiador da tecnolo-
gia, esta linha de pensamento poderia ser alguma coisa mais do que
O autor americano John Ziman, em obra recentemente uma digressão acerca das definições, já que conduz à conclusão de que
editada em português, propõe uma saída para a confusão cria- o estudo da evolução e da história da tecnologia, inclusive na sua defi-
nição mais estrita como estudo de um artéfato mecânico em particular
da pela multiplicidade de significados de techno/ogy. Parte - quer seja ferramenta ou produto - ou de um processo determinado,
dó reconhecimento de que as habilidades práticas, ou técnicas, somente seria fecundo se compreendesse o trabalho e no contexto da
são características de todas as sociedades humanas e são inde- história e da evolução do trabalho" 38 •
pendentes dos conjuntos formalizados do conhecimento, ou
teorias. Dá como exemplo a arte culinária, a costura, a jardi- Depois de propor que a tecnologia seja considerada co-
nagem, a pescaria e a caça à raposa. mo um sistema, como um conjunto de unidades e atividades
Mas, segundo o mesmo autor, a complexidade crescente que se relacionam e se comunicam entre si, escreve:
da vida civilizada e a divisão do trabalho criam um novo ní-
vel de perícia técnica corporificada na profissão do "instru- "Sabemos que somente é possível estudar e compreender um sis-
tor", interessado nos princípios fundamentais e no sucesso da tema semelhante se tivermos um foco unificador no qual a interação de
prática que professa. todas as forças e fatores do sistema registre algum efeito identificável
e onde, por sua vez, as complexidades do sistema podem ser incapazes
de facilitar esse enfoque na compreensão do sistema complexo que cha-
"Tal fato levará posteriormente a uma abordagem 'científica' dos mamos de tecnologia. É possível, ainda, que o trabalho nos dê o foco
problemas técnicos. e facilite. a integração de todas essas variáveis dependentes entre si mas
Esse é o verdadeiro significado de tecnologia, que em sentido todavia autônomas. Pode facilitar um conceito unificadór que nos per-
restrito constitui a 'ciência' de uma habilidade, arte ou técnica. Q, termo mita compreender a tecnologia tanto em si mesma como o seu impacto
tem sido usado atualmente de maneira mais livre, indicando a prática e suas relações com os valores e instituições, conhecimentos e crenças,
efetiva da habilidade assim adquirida, do mesmo modo que a palavra indivíduos e sociedade.
ciência tem sido comumente aplicada a qualquer atividade autocons~
ciente racional ou racionalizada. Conforme vimos, o aperfeiçoamento A verdadeira história sempre procura nos ajudar a compreender
das técnicas e das tecnologias está inter-relacionado com o desenvolvi- a nós mesmos e ajudar a fazer o que virá a ser. Tal como nos dirigimos
mento ct·a ciência 'pura'. ao historiador político para melhor compreensão dos governos, ao his-
toriador da arte para melhor compreensão da arte, também podemos
Neste capítulo, porém, vamos considerar o desenvolvimento das recorrer ao historiador da tecnolggia para melhor compreensão da tec-
'tecnologias científicas' a partir das 'habilidades práticas', como um fe- nologia. Mas como irá ele procurar tais noções senão tendo ele mesmo
nômeno histórico e social em sí, com seus estágios próprios e seus pro- um certo conceito de tecnologia e não apenas uma coleção de ferramen-
blemas típicos" 37 • tas e de artefatos individuais? E poderá ele elaborar este conceito se o
36. Arnold PaceY. Op. cit., p. 18. 38. Peter F. Drucker. Traba;o y Herramientas. In: Kranzberg, M. e Davenport,
37. John Ziman. A Força do Conhecimento. Belo Horizonte, hatiaia/EDUSP, W. H. (ed.): Tecnologia·Y· Cultura. Barcelona, Edit. Gustavo Gili S.A., 1978.
198!. p. 161. p. 151.

''A
trabalho, e não as coisas, não se converter no foco do estudo da tecno- apresentava como um conjunto elaborado; os termos técnicos
logia e de sua história"? 39 • eram às vezes escassos e havia também abundância de sinôni-
mos. A linguagem (o léxico) alterava-se de uma manufatura
para outra 42 •
Não é longo o caminho percorrido pela palavra francesa
3. A TECNOLOGIA NA LíNGUA FRANCESA- technologie. Émile Littré, em seu dicionário 43 , dá a ela os
ARTES LIBERAIS E ARTES MECÂNICAS seguintes significados:
1. "Tratado das artes em geral. Uma tecnologia completa.
Mas fora da Inglaterra também se dava grande impor-
tância ao assunto. Leibniz (1646-1716), nos últimos anos do 2. Explicação dos termos próprios às diferentes artes e ofícios".
século XVII, une-se à corrente dos que propõem a criação
de casas de trabalho e de escolas técnicas para difusão dos Littré assinala a presença da palavra technologie na obra
conhecimentos técnicos, e, especialmente, de escolas artesa- de Louis Reybaud, só em meados do século XIX. Há uma
nais. O trecho abaixo transcrito esclarece o seu ponto de vista: informação posterior que diverge desta de Littré: o Diction-
naire Général de la Langue Française, de Ars(me Darmeste-
ter e Adolphe Hatzfeld 4' , editado entre 1895 e 1900, mencio-
"Se apenas uma única das 8.rtes se perdesse, não seriam suficien~
tes para remediar sua falta todás as nossas bibliotecas. A tarefa de na o uso da technologie em 1812, mas com o sentido de sis-
recolher por escrito todos os procedimentos de que se servem os técni- tematização gramatical - mais nitidamente metalingüístico.
cos e artesãos é, para ele, por conseguinte, uma das tarefas mais urgen- Dando crédito às informações de Littré, a palavra tech-
tes que a nova ciência terá que realizar" 40 • nologie não teria sido usada na Enciclopédia de Diderot. Mas
é estranho que o mesmo dicionário não registre o uso dessa
Na França, em 1675, Colbert encomendou à Academia palavra por André Marie Ampere em 1834, embora registre o
de Ciências de Paris um estudo sobre as artes e ofícios, o que neologismo cerdoristique criado por Ampere para denominar
se inseria na política manufatureira levada à prática por ele. um dos ramos da technologie.
Dessa encomenda resultou a Descriptions des Arts et Métiers A questão das artes liberais e das artes mecânicas, que
Faites ou Approuvées par Messieurs de l'Académie Royale des compreende alguns aspectos da divisão entre trabalho inte-
Sciences, avec Figures, onde estavam representadas todas as lectual e trabalho manual, como já vimos, havia merecido a
ferramentas e máquinas, em plantas, vistas e cortes, com por- atenção de H. Alsted. Diderot, na Enciclopédia, também abor-
menores de certas peças importantes. A obra foi iniciada em da o tema 45 como Si! vê no trecho abaixo transcrito:
1693, mas o primeiro de seus 76 volumes só saiu graças aos
esforços de Réaumur e de Duhamel du Monceau em 1761 41 • "Divisão entre artes liberais e mecânicas
A Enciclopédia de Diderot e D' Alembert coroou o esforço f:xaminando as produções das artes percebeu-se que umas eram
feito na França nesse campo. Mas eles mesmos assinalaram
42. Cf. J. M. Auzias. La Filosofia y las Técnicas. Barcelona. Oikos-Tau, 1968.
as dificuldades que a linguagem técnica oferecia: ela não se
p. 6~-
43. Emile Littré. Dictiomzaire de la Langue Française. Paris, Libraire Hachette.
39. Peter F. Drucker. Op. cit., -p. 158. 1889.
40. P. Rossi. Op. cit., p. 126. 44. Cf. The Or/ord English Dictionary.
41. Cf. Bertrand Gille, Hístoíre des Techniques. Paris, Gallimard, 1978. p. 1435. 45. D. Diderot. Eneyclopédie ou Dic~iqnnaire Raisoné des Arts et Métiers.

~r 57
obras mais do espírito do que das mãos e que ao contrário outras eram nacional. Afasta,se portanto radicalmente do velho sistema da
mais produtos da mão do que do espírito. Esta é, em parte, a origem aprendizagem e dirige-se a um "mercado de trabalho''. Alguns
da proeminência que se atribui a certas artes sobre outras e da divisão anos mais tarde, após a Revolução, Bachelier propõe a am-
que se faz das artes em artes liberais e artes mecânicas. Esta divisão,
ainda que bem fundamentada, produziu um resultado mau, aviltando pliação desse ensino através de cursos públicos de Artes e
pessoas bastante dignas de estima e muito úteis e fortalecendo em nós Ofícios destinados à população em geral, mas também aos
uma preguiça natural, de um tipo que não sei identificar, e a partir "sábios e aos filósofos". B ao Licée des Arts que se atribuí
da qual acreditamos fortemente que dedicar-se constante e continuamen- sua efetJvação. Condorcet, o organizador da instrução públi-
te às experiências e a objetos específicos, sensíveis e materiais, era des- ca na França revolucionária, participa dessa tarefa, devendo-
respeitar a dignidade do espírito humano; ... "
se a ele o programa de mecânica proposto em 1786 para o
Díderot coloca-se em posição frontalmente oposta ao Liceu. Desse programa origina-se, segundo J. Guillerme 47 , o
desprezo pelas artes mecânicas que Richelet registra, em curso que será ministrado no Licée des Arts, a partir de 1793,
1680, no seu Dictionnaire Français, no verbete mecânico, on- por J. H. Hassenfratz sob o título technologie, assim como o
de se lê: daEscola Politécnica.
, }á num texto de 1792, a tecnologie é conceituada como
"Esta palavra, no que se refere a certas artes, significa aquilo
que se opõe a liberal e honroso ... " " ... estudo (que) compreenderá a descrição de todas as ferramentas
ou !IJáquinas usadas em qualquer tipo de fabricação; os meios de aper·
feiçoamento; as invenções; a preparação de matérias-primas; os segre.
Acrescenta que, figurativamente:
dos relativos aos ofícios e os novos instrumentos. Acrescente-se ainda
"O seu sentido é baixo, ruím e pouco digno de uma pessoa ho- uma descrição do trabalho nas manufaturas ou nas oficinas".
nesta e liberal" 46 •
O anuário do Licée des Arts de 1793 apresenta a emen-
Passo importante para o domínio das técnicas, conse- ta da disciplina em questão:
qüente e no mesmo sentido dos passos dados pela Enciclopé-
dia de Díderot e D'Alembert, é a criação da Escola Politéc- "Tecnologia - Descrição geral das Artes e dos Ofícios. Exame
dos elementos das máquinas e sua aplicação na construção de máqui-
nica francesa, em 1795. Ao descobrimento e ao domínio da nas. Conhecimento dos pormenores e dos processos das manufaturas" 48 •
linguagem e dos segredos dos técnicos seguem-se as iniciati-
vas de sistematização desses conhecimentos e de sua incorpo- Em 1799 a palavra technologie aparece num texto de
ração ao processo produtivo nitidamente capitalista. Na Cuvier e em 1802 num discurso pronunciado no legislativo
mesma. década em que se cria a Politécnica promulga-se a por Fourcroy, que já mencionei quando me referi à estada de
"Lei da Liberdade do Trabalho", que proíbe a organização José Bonifácio em Paris. Fourcroy (nesse discurso) faz alusão
dos trabalhadores em Corporações (1791). ao trabalho desenvolvido por Johan Beckmann na Universi-
Vou me referir várias vezes ao pintor Bachelier e ao en- dade de Giittingen.
sino técnico. Sua proposta era a de fornecer às oficinas "das Mas até então, e mesmo até meados do século XIX, a
artes" milhares de operários instruídos tanto na teoria como technologie mantém função metalingüística, não obstante a
na prática e, através disso, assegurar a expansão da indústria proposta de Ampere de incluí-la entre as ciências, afastando-a
46. Pierre M. Schuhl. Maquinismo y Filosofia: Buenos Aires, Galatea/Nueva 47. J. Guillerme e J. Sebestik. Op. cit., p. 47.
Visión, 1955. p. 39. 48. Idem, p. 48.

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dessa maneira cada vez mais das artes dos técnicos artistas Para designar o que Ampere classifica como ciência Ure
(artesãos) e suas ferramentas. Seria uma nova ciência, do no- emprega a denominação Filosofia das Manufaturas:
vo tempo da produção baseada nas máquinas e no trabalho
assalariado. "A filosofia das manufaturas é portanto uma exposição dos princí-
pios gerais pelos quais a indústria produtiva deve ser conduzida atra-
Foi em 1834, num ensaio intitulado La Philosophie de la vés de máquinas automáticas" 53 •
Science que André M. Ampere propôs a technologie como
ciência, incluída na primeira ordem de sua classificação, no O próprio subtítulo do livro de Ure parece indicar que
ramo das Ciências Físicas e no reino das Ciências Cosmológi- o tema não cabia nas acepções correntes de technology, no
cas 49 • Dividiu-a em quatro setores: 1. tecnografia, que trata do inglês da época:
conhecimento de processos industriais. 2. cerdoristique 50 in-
dustrial, ou cálculo dos recursos necessários à utilização cor- "The philosophy of manufaclure - ar an exposition of the scien-
reta das máquinas. 3. economia industrial, que compara os re- tijic, moral, and commercial economy of the factory system of Great
Britainn.
sultados obtidos pelos processos e pelos instrumentos. 4. física
industrial, que trata do conhecimento das causas e através da
Em 1853 o francês Charles La!Íoulaye publica um dicio-
qual se podem aperfeiçoar os processos conhecidos, inventar
nário no qual, apoiado nas idéias de Ampere, apresenta uma
novos, assim como prever, nos dois casos, o resultado que se definição de technologie:
pode esperar 51 •
Um ano depois de Ampere ter publicado seu ensaio, o " ... tecnologia quer dizer ciência dos processos segundo os quais o
médico escocês Andrew Ure publicou sua obra The Philoso- homem emprega forças e age sobre as matérias-primas fornecidas pela
phy of Manufactures (1835). Nela emprega a palavra techno- natureza para, utilizando essas forças, obter das matérias-primas o que
convém à satisfação de suas necessidades e de seus desejos" 54 • (Grifos
logy, mas com o sentido de: terminologia específica de uma meus- R.G.)
arte ou de um assunto; nomenclatura técnica, usual na língua
inglesa desde 1658, segundo The Oxford English Dictionary. E. evidente que as definições de Ure e de Laboulaye não
E. o que se pode perceber na frase: se superpõem perfeitamente. Ure estava atento ao processo
de automatização. Para ele a própria palavra manufatura ti-
"The term Factory, in Technology designates the combined oper-
ation . .. " 52 • nha sofrido uma inversão de sentido: não significava mais
fazer a mão, mas sim:
49. Bertrand Gille. Op. cit., p. 1420.
50. Mantive a grafia do texto francês consultado. Trata-se de um neolo- ". . . it now denotes every extensive product o f art, which is made by
gismo introduzido por Ampêre. Segundo o dicionário de É. Littré, designaria a machinery, with little or no rid of the human hand" 55 •
ciência que trata dos lucros e das perdas. Etim - KEpÕou = ganho, e opLIT'tt.XOCT
= o que determina.
Classificada como ciência ou como filosofia, não se tra-
51. Cf. Bertrand Gille. Histoire des Techniques. Gallimard, 1978. p. 1420.
52. A. Ure. The Philosophy of Manufactures. London, Frank Cass & Co Ltd, 53. A. Ure; Op. cit., p. !.
reprint, 1967. p. ·-13. No dicionário de Oxford, verbete Philosophy, lê-se: 7 54. C. Laboulaye. Dictionnaire des Arts et Manufactures. 2. 2 ed. Paris, Lib.
- · with of: the study of the general principies of some particular branch L. Comon, 1853. Tomo 1.0, p. 1.
of knowledge, experience, or activity; also, less properly, of those of any subject
55. A. Ure. Idem, ibidem. Compare·se com a definição de J. H. M. Poppe,
or phenomenon. O exemplo dado para esse emprego é o próprio título da obra neste texto.
de Andrew Ure.

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ta agora apenas da terminologia das técnicas e nem dos obje- algumas vezes (por uma metonímia freqüente no uso das palavras ter-
tos, mas sim de conhecimento de princípios gerais ou dos pro- minadas em logia) a palavra é empregada por técnica ou por conjunto
cessos usados na produção. Ure fundamenta sua filosofia na de técnicas".
vivência do processo de transformação da manufatura em
grande indústria, que se desenvolve no início do século XIX O autor completa sua definição com o seguinte comen-
na Inglaterra. A automatização é para ele o passo final e defi- tário:
nitivo desse processo, pelo qual se eliminaria a força de tra-
balho (os trabalhadores) do processo produtivo. Sua filosofia "O sentido B é um empregá impróprio da palavra. O termo exato
seria aqui técnica. A tecnologia é a tforia ou a filosofia das técniCas,
é a do sistema fabril, que substitui totalmente a habilidade dando-se a esta palavra o sentido mais amplo" 57

manual dos trabalhadores pelos recursos oferecidos pela ciên-
cia mecânica 56 • A fábrica é então o grande autômato (a vast Com mais veemência, J. Guillerme faz a mesma adver-
automaton): um organismo vivo sem seres vivos, como que
contrastando com a manufatura baseada no fracionamento tência:
das operações e que resultava numa máquina de peças hu-
"Numa primeira abordagem,. é preciso indicar e denunciar uma
manas. confusão terminológica que vicia a fala popular e também a linguagem
Seria conveniente confrontar os conceitos acima citados dos doutos. Technologie, para todos os fins, é usada em substituição a
com o que se acha no verbete technologie do Vocabulário de tecnique. Uma contaminação 'franglaise' é, sem dúvida alguma, a ori-
André Lalande: gem dessa doença, que apareceu com a supremacia anglo-saxônica do
pós-guerra. Depois, tecnologia passou a dever sua fortuna ao fato de
que o termo parecia, no dizer de j. Cellard, 'mais nobre, mais carregado
"Tecnologia
de ciência, mais 'para a frente que o substantivo que suplantou'. O co-
A) Estudo dos processos técnicos, no que tem de genérico e em mitê de estudos dos termos técnicos franceses, muito oportunamente,
suas relações com o desenvolvimento da civilização. A tecnologia com· veio a censurar a sobrecarga do sufixO ologie, que não somente torna a
preende três espécies de problemas resultantes dos três pontos de vista língua pesada mas também contribui para embaralhar as significações.
sob os quais a técnica pode ser encarada: em primeiro lugar deve pro- Se o uso de 'technologie' como duplicação de 'technique' indica
ceder à descrição analítica das artes, tal. como elas existem num mo- um desvio léxico, convém, por conseguinte, assinalar e distinguir o cam-
mento dado e em uma dada sociedade. . . em segundo lugar deve pes- · po sem~ntico próprio de cada uma e redefinir suas diversas acepções" •
58
quisar sob que condições e em virtude de que leis cada grupo de regras
entra em jogo, a que causas devem elas sua eficácia prática, e, em ter-
ceiro lugar, o estudo do futuro desses órgãos (o autor compara, em tre- Acredito que do ponto de vista de uma história da tec-
cho anterior, as técnicas a órgãos da vontade social, sendo cíue o pri- nologia e também pela proposição de uma política tecnológi-
meiro ponto de vista constituiria a morfologia e o segundo a fisiologia ca, o assunto comporta algumas discussões interessantes .. Po-
- R.G.), podendo a pesquisa versar sobre o nascimento, o apogeu e o deria formular uma hipótese: o conceito de tecnologia como
declínio de cada grupo de regras ou sobre a evolução de toda a série das ciência foi criado em países onde o Estado teve papel impor-
técnicas na humanidade.
tante no desenvolvimento das técnicas, da manufatura e do
O conjunto desses três estudos constitui a tecnologia geral (A.
Espinas, "Les Origines de la Technologie". Revue Phi/osophique, 1890, Ensino Técnico (nele compreendido, em boa parte, o de Enge-
li, 115-116). . nharia). E o caso de Hannover, no tempo de Beckmann, onde
B) (Uma tecnologia) Propriamente, teoria de uma técnica; mas
57. André Lalande.. Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie.
58. GUILHERME, J. In: Encyclopaedia Universalis. Paris, Enc .. Univ, France,
56. A. Ure. Op. cit., p.- 20. f:diteur, 1976. 6.a ed., v. 15, verbete Tecnologie.

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Estado e Universidade se entrosam e, particularmente, o da papel a cumprir. Assim é que, por exemplo, Jean Chaptal
França, onde desde a época de Luís XIV, com a política de (1756-1832), químico eminente, inventor de um processo pa-
Colbert; o Estado incentiva o desenvolvimento das manufa- ra a fabricação do alúmen e para o tingimento dos tecidos de
turas. Nesses países, a "ciência centralizada" comanda o pro- algodão, cria em Paris, em 1819, a primeira escola de artes e
cesso e chama para si o controle sobre a técnica e sobre o ensi- ofícios após a revolução 63 •
no das artes e das técnicas. Essa política teve continuidade e Andrew Ure já havia assinalado a importância do ensi-
ganhou características novas quando a Revolução Francesa. no técnico na França:
mobilizou os cientistas e os colocou a serviço do desenvolvi-
mento da indústria, com a reorganização da Academia de "f: sabido que as manufaturas da França tiravam grande vanta-
Ciências, a fundação da Escola Politécnica e o apoio de uma gem do sistema de instrução, bastante ilnstrativo e esclarecedor, torna-
legislação "progressista" sobre o trabalho. A lei de Le Cha- do público sob os auspícios do governo e das Sociedades Patrióticas" 64 .
pelier, conhecida como "lei da liberdade do trabalho" (1791), Compreende-se então porque Com te, ao abordar a ques-
é ~xemplo disso. Suprimia os privilégios das profissões ' 9 , ex- tão das relações entre teoria e prática, coloca a técnica em
tinguia as corporações mas também proibia qualquer espécie posição servil quanto à ciência: tratava-se do próprio modelo
de organização dos operários. O trabalho assalariado passa a da burguesia francesa.
ser, senão a única, pelo menos a forma predominante, regu- J. D. Berna!, historiando esse período, escreve: A Revo-
lada pelo mercado de trabalho. O Código Civil da Revolução lução francesa e seus efeitos sobre a ciência
garante a liberdade do indivíduo, mas segundo escreve G.
Morim: "Os cientistas franceses (vale a pena lembrar que a palavra cien-
tista não existia na época, R.G.) dos últimos tempos da monarquia esta-
"Ao regime da liberdade dos acordos, da liberdade contratual, vam plenamente imbuídos do espírito de progresso dos filósofos e o
proclamada pelo Código, veio a suceder, de fato, o da ditadura dos pa- novo regime lhes deu a oportunidade que aguardavam. Na exaltação da
trões ou das companhias poderosas, que impõem uma regulamentação razão e na destruição dos últimos vestígios feudais, a ciência desempe-
e uma multidão mais fraca" 60
• nhou um papel de direção. Todos os governos revolucionários reconhe-
ceram formalmente sua importância, dando à ciência tanto quanto ela
A razão que iluminava o caminho da ciência devia tam- esperava. Alguns cientistas, como Monge (1746-1818) e Lázaro Carnal
(1753-1823), foram ardentes republicanos e tomaram imediatamente a
bém iluminar o caminho da indústria, e a mobilização dos sá- seu cargo a administração econômica e inclusive a militar. Outros como
bios e "cientistas" visava a superar o atraso em que estava a Bailly (1736-1793), Condorcet (1743-1794) e o grande Lavoisier, ainda
França em relação à Inglaterra 61 • Há muita controvérsia so- que no começo tivessem cooperado plenamente por sua vinculação ao
bre o desenvolvimento da indústria na Inglaterra em relação antigo regime, foram vítimas da reação popular à invasão da França.
A maior parte dos cientistas se ocupou pessoalmente da reforma da anti-
ao da França. Veja-se, por exemplo, o artigo de Immanuel quada máquina do Estado e da educação segundo princípios científicos.
Wallerstein (recentemente publicado) 62 • A ciência teria um Sua primeira providência foi a reforma dos pesos e medidas e a
implantação do sistema métrico decimal finalmente efetivada em 1799.
59. Pierre Jaccard. História Social do Trabalho. Lisboa, Livros Horizonte, 1974.
Para isso foi necessária uma autêntica revolução, como dá testemunho
p. 75.
60.- Cf. Pierre M. Schuhl. MaquiniSmo y Filosofia. Buenos Aires, 2 v., Galatea/ a persistência de velhos e incômodos sistemas nos países em que a in-
Nueva Visión, 1955. p. 64. .. fluência da França e da lógica francesa não pôde penetrar. Sua segunda
61. V. Danilevsky. Historia de la Técnica. Buenos Aires, Lautaro, 1943.
62. I. Wa11erstein. Pai-a Que Serve o Conceito de Revoluçãa Industrial? In~ 63. Cf. Pierre Jaccard. Op. cit., p. 89.
Economia e Desenvolvimento, n. 0 2. São Paulo, Cortez Ed. 1982. p. 52, 56 et seqs. 64. A. Ure. Op. cit., p. Vlll.

1}4
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tarefa importante foi a criação da moderna educação científica, a pri- E nesse contexto assume importância a visão que o po-
meira mudança real da educação desde o Renascimento. -Os revolucio-- sitivismo, particularmente na França, elabora acerca das rela·
nários construíram sistematicamente e em grande escala sobre as bases
já anteriormente assentadas pelas academias dissidentes na Inglaterra e ções entre teoria e prática.
pelas escolas militares na França, apesar da oposição das antigas uni- Ludovico Geymonat chama a atenção para a concepção
versidades. · positivista acerca das relações entre ciência e técnica. Vale a
pena transcrever suas palavras, dada a circulação intensa, às
vezes explícita, outras vezes implícita - das idéias de Augus-
A ciência havia se tornado indispensável para a indústria e para to Comte entre nós:
a guerra. A fundação da Eco/e Norma/e Supérieure, da Eco/e de Medi-
cine e da Eco/e Polytechnique, a mais importante delas, proporcionou "Ainda que sustentando, como Bacoq, que uma das tarefas princi-
os modelos para o ensino científico e para os institutos de investigação pais da ciência consiste em aumentar o pOder do homem sobre o mun-
futuros. Nomeando, para neles ensinar, os homens mais eminentes, cria- do, o fundador do positivismo reduz a função da técnica a uma catego·
ram o tipo de professor científico assalariado que ao longo do século ria meramente servil. Mediante a evidência das demonstrações e me-
XIX iria substituindo gradualmente o fidalgo aficionado ou o cientista diante o rigor das provas experimentais, a ciência, segundo Comte e
de clientela da época anterior. seus contemporâneos, é capaz de conseguir leis dotadas de validade
absoluta e ·ifreformável; a técnica não tem, pois, nenhuma iniciatiVa
. Na primeira geração de estudantes das novas instituições educati· específica senão e apenas a tarefa de aplicar com o maior escrúpulo os
vas figuram nomes como Charles (1746·1823), Gay-Lussac (1778-1827),
ditames inequivocamente estabelecidos pela investigação científica.
Thenard (1777-1853), Malus (1775-1812) e Fresnel (1788-1827), desti- Quanto melhor saiba ater-se a eles melhor conseguirá formular e resol-
nados todos eles a realizar progressos significativos em diversas ciên-
ver todos os problemas particulares suscitados pela prática. Melhor di·
cias. Essas instituições deram oportunidades aos jovens dotados de todas zendo: para transformar eficazmente o mundo, a técnica tem que limi-
as classes de se dedicarem à ciência. A isso deve a França seu predomí·
tar-se a tomar da ciência as diretrizes do seu trabalho" 67 •
nio científico no mundo, que perdurou pelo século XIX, até que a Ingla-
terra e a Alemanha seguiram seu exemplo, estabelecendo a educação Marilena Chauí chama a atenção para esse aspecto da
racional" 65 •
concepção positivista, que se estende, a seu ver, para a con-
cepção das relações entre teoria e prática, quando:
As conquistas da Revolução Francesa, na ciência, no en-
sino e na indústria, no quadro de novas relações de classe "Estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de
legalmente estruturadas, pareciam demonstrar a legitimidade mando e de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias e
da subordinação da técnica à ciência. a prática obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam e os de·
mais obedecem" 68 •
Para designar essa mobilização das ciências e das técni-
cas a serviço da Revolução, os franceses vão buscar, também Mas a subordinação da técnica à ciência não é mais
na língua grega, uma palavra: politécnico. geralmente aceita, hoje, pelos autores franceses. Bertrand Gil·
!e coloca a questão nos seguintes termos:
"O grego já tinha uma palavra IloÀ<r<xvo' presente, por exem· "A distinção. entre ciência e técnica procede, no fundamental, de
pio, em Plutarco e Estrabão, com o sentido de "entender de muitas que a primeira visa ao conhecimento e a segunda à ação eficaz" 69 •
artes e habilidades" 66 •

65. John D. Berna!. Historia Social de la Ciencia. Barcelona, Edíciones Península-, 67, Ludovico ·<li-eymonat. Filosofia y Filosofia de la Cíencia. Barcelona, Edit.
1973. vv., p. 411-12. Labor, 1965. p. 115.
Ver também F. Klemm, pág. 265-66. Texto de Fourcroy sobre a Polytechnique. 68. Marilena Chauí. O Que E Ideologia. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 28.
66. A. Timm. Op. cit., p. 84. 69. Bertrand Gille. Op. cit., p. 1112.

f'.7
E, ainda: Podemos verificar que para ambos os autores, com ma-
tizes diferentes, a tecnologia é um fazer que se distingue da
"Observamos também que a história está longe de verificar a con- técnica por saber mais e saber melhor, na medida em que se
cepção, muito comum, segundo a qual a técnica, no fundo, não seria apóia nas regras do discurso lógico-científico.
mais do que aplicação da ciência".
J. Guillerme coloca a questão de maneira diferente:
E formula seu conceito de tecnologia:
"A tecnologia é aqui encarada, antes de tudo, no sentido que deter-
mina globalmente seu campo, como um discurso sobre as técnicas e a
"A difusão da cultura científica no meio técnico, além do papel, história que vamos aqui tentar escrever é a de uma disciplina científica.
bastante evidente, para nele insistirmos, que desempenhou na extensão ou pelo menos do projeto de um tratamen~o científico, tend0 por obietr
da aplicação da ciência à técnica, constitui-se num dos maiores fatores as operações técnicas.
da passagem da técnica de estilo artesanal para a tecnologia. I! preciso
entender por esse termo um saber que, prolongando, num sentido clara-
mente mais_sistemático e mais científico a tendência que deu lugar, des- Visa portanto a constituição de um discurso sobre as operaçóe~
de o século XVI, à publicação dos tratados técnicos como os que acima técnicas como discurso de tipo científico. A disciplina se situa num pla-
mencionamos, distingue-se da ciência pelo seu objeto - a realidade téc· no reflexivo em relação à atividade prática operatória. E também su.
nica - mas que é ciência por seu espírito, pela maneira metódica com história é a de uma reflexão, de uma metatécnica" 72 •
que coloca os problemas, pela preocupação em exprimir em um 'discur-
so' o 'fazer' da técnica, pelo rigor com que dá seus passos, pela genera- Por isso, para ele, a história da tecnologia não explort
lidade dos conceitos dela emanados e pelo uso que faz das matemáticas, a história dos processos técnicos, tal como faz A History OJ
bem como pela precisão de suas observações e mensurações. Por isso
está no domínio tanto da história da ciência quanto no da história da Technology de Charles Singer.
técnica. E é essa a tecnologia que vemos desenvolver-se no século XVIII Em texto maís recente, J. Guillerme volta à conceituaçii,
em obras como a Architecture Hydraulique, de Bélidor (1737-1739), vá- de tecnología:
rias vezes reeditada durante mais de um século, os Elements d'Architec-
ture Navale, de Duhamel du Monceau (1752), o Traité des Horloges
Marines, de Berthoud (1771) e os dois tratados de Bourguer sobre a "As condições orgânicas do homem, sapiens e faber, conferiram
construção e a manobra dos navios (1746 e 1757)" 70 • às mãos, ao permitirem a postura verti<:al, uma atividade instrumental
polimorfa inseparável da linguagem. cuja intervenç~o se diversifica.
Na mesma linha de pensamento está o jesuíta François
Russo, colaborador de B. Gille, quando escreve Técnica Cien- O gesto artesanal, que se aprende pela imitação, aperfeiçoa-se pe-
tífica e Técnica Empírica. la experiência: nenhuma descrição, nenhuma injunção determina ou dá
forma acabada ao saber fazer. A palavra, descontínua, não faz mais db
"Entenda-se por técnica científica ou 'tecnologia' um saber orgâni- que assinalar diferenças, indicar localizações, especificar classes. Des-
co, fundamentado em princípios: uma técnica não é portanto verdadei- crever e executar são coisas radicalmente distintas. Por isso é a lingua~
ramente tecnologia se não se apresenta como uma 'doutrina'; a tecnolo- gem, suporte do discurso reflexivo, que dá ao saber fazer estatuto social
gia se opõe à técnica empírica, que pode se definir como sendo uma e normas operativas. A técnica, atividade biológica, empreendimento
prática que se apóia em regras não-sistematizadas, oriundas mais do do ser vivo sobre o seu meio, prolonga~se entre os homens, numa tec··
tatear e de contactos imediatos com a realidade que de uma experiência nologia, quer dizer, um discurso sobre a prática que visa, idealmente, a
refletida" 71 • constituir-se como ciência normativa da produção de efeitos. Tardia
mente instituída, laboriosamente começada, é uma ciência inacabada 1'
I
70. B. Gille. Op. cit., p. 1115.
71. F. Russo. In: Guillerme, J. Technique et Technologie. p. 42. 72. J. Guillerme e J. Sebestik. Op. cit., p. 1.

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inacabável. Assumindo inicialmente como programa a descrição das instrumental dos meios e a racionalidade dos fins, a raciona-
artes,_ da se lançou durante muito tempo contra obstáculos terminológi- lidade social 75 , cuja interação é questão política.
cos: seu ,projeto inicial - unificação da língua das artes - exprimia
decisão implícita de normalizar gestos e instrumentos. Dele saiu o mun- De que maneira essa questão é colocada na União So-
do industrial" 73 • viética? Já me referi à conceituação da tecnologia exposta por
V. Gromeka. O mesmo autor escreve ainda:
Mas, retomando o conceito de discurso, não estaríamos
"É de notar que a práxis soviética e estrangeira o;>eram com defi-
retornando de certo modo à tecnologia romana, antecessora
nições terminologicamente divergentes quanto ao conceito de tecnologia.
do trivium? Discurso implica coerência interna, implica a O termo Technology usado na literatura americana e inglesa correspon-
lógica, a retórica e a gramática, diga ele o que disser. Entra- de mais ao de técnica adotado na URSS, e P.ara designar a tecnologia na
mos por aí no terreno da semiótica, do pragmatismo conven- acepção acima citada (usada na URSS) usam-se as palavras processes e
cionalista que descarta como metafísica (pejorativamente) a methods, ou seja, processos ou métOdos e modos 76 • Ora, a palavra
questão da verdade. technique usa-se no sentido de métodos e modos técnicàs, o que equi-
vale, grosso modo, à tecnologia". ·
A tecnologia, porém, não se resolve no nível do discur-
so; ela responde e presta contas, em termos de eficiência, à
práxis produtiva. Admitir o internalismo da tecnologia seria
retomar à tese das "razões tecnológicas" e ao "determinismo 4. A TECNOLOGIA NA LíNGUA ALEMÃ
da tecnologia", teses que têm sua razão de ser exatamente na
omissão deliberada da discussão política que deve ser levada Ao filósofo e matemático Christian Wolff (1697-1754),
avante sobre a tecnologia. J. Guillerme toca no assunto quan- o mais importante discípulo de Leibniz, se deve a retomada
do, no texto citado, se refere ao técnico que se satisfaz inda- da palavra tecnologia no sentido moderno: ela volta à oficina
gando o como fazer e à tarefa de honra do filósofo que se pela mão do filósofo; é Wolff que propõe Úma nova filosofia
propõe a indagar sobre o por que fazer. Formulação interes- das artes, que implica numa mutação semântica decisiva, des-
sante esta, desde que se considere não deva ser vedado ao locando o sentido desse termo usado na retórica para com ele
cidadão técnico a indagação do por que fazer, interdição que designar um discurso racional sobre a atividade técnica.
nos colocaria de novo face à dicotomia artes liberais e artes
"A tecnologia é portanto a ciência das artes e das obras de arte,
mecânicas, que não pode se repetir historicamente mas pode ou se preferirmos, ciência das coisas que o homem produz com o tra-
ser intentada como farsa ideológica. balho dos órgãos de seu corpo, principalmente com as mãos" 77 •
~ preciso entender no "discurso tecnológico" não apenas
os vínculos internos com a linguagem, mas sobretudo os com- Ele é, por isso, o primeiro a definir a palavra no seu
promissos que estão na raiz da tecnologia moderna: seus vín- sentido moderno, a formular o projeto de uma disciplina e a
culos históricos com a práxis produtiva. Caberia no caso falar dar a ela um lugar preciso no conjunto das ciências. Essa tec-
de praxiologia como "ciência da eficácia" 74 • Isto coloca a 75. Adolfo Sánchez Vázquez. Racionalismo tecnológico, ideologia y política.
questão da dupla racionalidade tecnológica: a racionalidade rn: Ensayos Marxistas Sobre Filosofia e Ideologia. Barcelona, Ed. Océano, 1983:
p. 205.
76. V. Gromeka. Op. cit., p. 79.
73. J. Guillerme. Technique et Technologie. p. 4. 77. Cf. J. Guillerme e J. Sebestik. Les Commencements de la Tefhnoloiie. In:
74. Ruy Gama. Glossário. Revista Thàles. 1966. p. 29.

70 71
"''
nologia toma de empréstimo os princípios da uM<.;a, panJ universidade alemã a " ... introduzir estudos sobre a ciência
cufãrmente .•osdã.físicâ~êxperlmêntal,-semse coiifunq)i:CJQa_@ em escala verdadeiramente ampla" 79 •
via cóm ~L!!, Ars versatur circa córpora natiiralta, que Um dos homens ligados à fundação da universidade e
nhecimento desses corpos e também da estrutura e do funcio que nela se destacou como professor, como já vimos, foi Au-
namento dos dispositivos instrumentais no âmbito da física gusto Francke. Seus discípulos fundaram escolas secundárias
da mecânica. Ela é o estudo das regras operatórias e que ensinavam matérias de interesse prático em Halle (1708),
obras. em Berlim (1747) e em outros lugares 80 • Vê-se que a introdu-
Wolff dá dois exemplos dessa tecnologia, tratada segun, ção do ensino das ciências na universidade é praticamente
do normas científicas: o primeiro é a arquitetura civil e o se• contemporânea à introdução da tecnologia.
gundo a agricultura. Mas, tal como outros movimentos favoráveis à educa-
Mas o projeto de Wolff não teve seguidores imediatos e, ção prática, este também sofreu influências religiosas que o
até Johan Beckmann, não se vai falar mais em tecnologia: o levaram a uma desconfiança em relação à ciência e ao racio-
ensino das artes incorpora-se às ciências cameralísticas. nalismo.
Reconhece-se facilmente nesse projeto a presença das Reconhece-se, todavia, apesar disso, a importância das
preocupações de Leibniz quando, em 1700, funda a Academia iniciativas tomadas em Halle e suas repercussões na Universi-
de Berlim a qual dade de Gi:ittingen. ·
A reinvenção da tecnologia - a tecnologia moderna - é
"No seu universalismo iria ultrapassar tudo quanto o mundo até da época em que a produção manufatureira começa a apare--
então tinha conhecido em matéria de instituições congêneres. A associa- cer na Alemanha. Na manufatura, o artesão com seus segre-
ção abrangeria todo o âmbito das ciências matemáticas e físicas e de dos e habilidades ainda tinha papel primordial. Na fábrica,
suas aplicações técnicas, propondo-se ao mesmo tempo cultivar as Le- posteriormente, seu saber precisará ser negado. Ele terá que
tras, nomeadamente a língua alemã e a história da Alemanha, profana
e religiosa. trabalhar "por tempo". É o tempo que iguala todos os traba-
lhadores separados do saber pela divisão do trabalho. A essa
mudança.correspondem as palavras obra, que envolve saber,
Pretendia-se melhorar a existência humana em todas as suas ma- e serviço, que se mede por tempo.
nifestações e atividades: promover a agricultura e a indústria, as fábri- Nova forma de divisão do trabalho, novo e mais apro-
cas e o comércio, as consciências política e nacional.
fundado parcelamento das tarefas exigem novas formas de
compilar e de transmitir os conhecimentos técnicos ainda in-
Esse trabalho geral de cultura, considerava-o Leibniz como o obje- dispen'sáveis. A tecnologia moderna surge, na universidade,
tivo do Estado moderno então nascente; era já o ideal político do ilumi- como disciplina, separada portanto do processo produtivo
nismo alemão" 78 .
direto. O saber técnico se escolariza, como disciplina e sob a
A Academia de Leibniz não vingou. Permaneceu isola- égide do Estado. É o que aconteceu inicialmente na Alemanha
da e sem o respaldo das universidades, que não abrigaram as (mais propriamente no reinado de Hannover) no século
oficinas de trabalho científico, o que só vai acontecer na Uni- XVIII. O homem associado a esse fato é Johan Beckmann,
versidade de Halle, fundada em 1693-1694, que foi a primeira
79. Merton. Science,' Tei::hnology and Society. Cf. Arnold Pacey. E/ Laberinto
dei lngenio. Barcelona, Ed. G. Gili, 1980. p. 166.
78. W. Dilthey. Leibniz e a sua J!poca. São Paulo, Livraria Acadêmica, 1947. 80. Friedrich Klemm. A History of Western Technology. Cambridge (Mas),
p. 55. M.I.T. Press, 1968. p. 266. , ,

72 7"1
(1739-1811), que a partir de 1766 foi professor da UnivP.~oi Os primeiros esforços dos homens que como ele se dedi-
dade de Gottingen, onde dava curso sobre economia, cavam ao estudo dos ofícios e das manufaturas foram dirigi-
nistração e finanças, economia rural, política e dos, muito precisamente, para o estudo do vocabulário. Assim
Deu às suas aulas o nome de practicum comera/e. Entre é que J. H. G. Jacobson publicou um Dicionário Tecnológico
obras se incluem Introduction to Technology" e Instrução .<h em 1781. fohan Heinrich Moritz von Poppe (1776-1854) es-
bre Tecnologia, onde firmava seu conceito de tecnologia creve um Manual de Tecnologia, em quatro volumes, e uma
subtítulo: História da Tecnologia, Georg Friedrich von Lamprech
( 1760-1820) escreve também um Manual de Tecnologia ou
HPara conhecimento dos ofícios, fábricas e manufaturas, especial• instrução para o conhecimento dos trabalhos manuais, fábri-
mente daquelas que têm contacto estreito com a agricultura, a adminis, cas e manufaturas (1787).
tração pública e as ciências cameralísticas".
Lamprech define tecnologia como:
Na introdução à mesma obra escrevia:
" ... a ciência que ensina a forma e a maneira como se há de trabalhar,
"A história das artes pode dedicar-se à enumeração das inven' por meio da técnica humana, os produtos brutos da natureza, tendo em
ções, ao progresso e ao curso habitual de uma arte ou de um trabalho vista as necessidades da vida" 86 •
manual, mas é a tecnologia que explica de maneira completa, clara
ordenada, todos os trabalhos, assim corno seus fundamentos e suas Sintetizando suas conclusões sobre essa reinvenção da
seqüências" 82 •
tecnologia, A. Timm escreve:

No último de seus trabalhos, datado de 1806, Beckmann "A tecnologia dessa época procura conhecer todos os métodos e
dedicou-se a uma classificação das indústrias levando em processos de produção e pretende empreender uma estruturação des-
ta a estrutura da exploração, mas também o entrosamento se processo no conjunto da sociedade. Por meio dessa tecnologia reali-
za~se e se explora a fusão de conhecimentos científiCos com as püssibi~
seus processos de produção. Pretendia com isso fomentar lidades de aplicação prática no campo da técnica. O Estado, no século
união de "sábios" e "fabricantes" 83 • XVIII, fomenta esse tipo de tecnologia mediante a formação e a pes-
Seu nome é lembrado, ao lado do de A. G. quisa, para conseguir assim uma união mais estreita entre a sociedade e
quando se trata do ensino e da filosofia da Natureza do u técnica, pois ele desejava colocar-se como um corpo ecoriômico fecha-
XVIII na Alemanha 84 • do e, já em gérmen, como um corpo social" 87 •
Mas a questão básica era a união dos sábios com os
bricantes, e a escola era o ponto de encontro: Scholarship E o autor citado propõe para esse processo o lema "l'art
help to increase trade era o lema adotado por Beckmann pour l'état", em confronto com "l'art pour l'art".
Um dos passos iniciais importantes, como já vimos, foi o
81. Título transcrito em inglês da biografia de J. Beckmann incluída em estabelecimento de uma linguagem tecnológica ou pelo me-
History of lnventions, Discoveries and Origins, de J. Beckmann. London, 1
Reprint: Amsterdam, B. M. Israel. 1974. nos, inicialmente, um repertório de conceitos codificados. Ve-
82. Albrecht Timm. Pe.quefí.a Historia de Ia Tecnologia. Madrid, Ed. Guadarr~t: .iamos um exemplo significativo de como os autores alemães
ma. 1971, p. 68.
83. Idem, ibidem, p. 72.
tateavam o caminho: fábrica: os tecnólogos do século XVIII
84. W. H. G. Armytage. História Social de la Tecnocracia. Barcelona; dão esse nome aos lugares de trabalho em que se usam, sobre-
Península._ 1970. p. 44. José Bonifácio estudou cOm Werner, ~m -~r_ibu~~().'
85. Cf. Friedrich Klemm. A History of Western 'Technology. Camprfdge 86. A. Timm. Op. cit., p. 76.
M.I.T. Press, 1.978. p. 244. 87. A. Tlmm. Op. cit., p. 82.

75
tudo, o fogo e o martelo. Pretendem com isso diferenciá-la "No começo do século XIX as escolas estavam firmemente pre-
das manufaturas, onde, segundo Poppe, "usa-se principal- sas nas mãos dos "clássicos, e dos clérigos, e havia um grande desdém
mente•as mãos, ou à falta delas, máquinas para a produção no meio acadêmico pelo estudo da ciência experimental e ainda maior
em relação ao ensino das artes úteis. A educação técnica, nos Estados
de mercadorias" 88 • O dicionário de Jacobson diz que "o ca- Unidos e a partir de então, desenvolveu-se em luta com as escolas clás-
racterístico da manufatura é a elaboração de materiais prove- sicas, tanto dentro quanto fofa delas" 91 •
nientes do reino animal e vegetal".
Pode-se dizer que os autores acima citados tateavam o Nos países de língua alemã - que depois se uniram
caminho, pois examinavam os elementos do processo de tra- num só Estado - havia, antecedendo mesmo as propostas da
balho - força de trabalho, objeto de trabalho e meio de tra- tecnologia, preocupação com as escolas técnicas artesanais.
balho - enfatizando, ora um, ora outro desses elementos. Leibniz, em 1692, como já vimos, coloca-se ao lado dos que
Confronte-se as definições citadas com a do Pe. Rafael Blu- propõem a criação de escolas artesanais. Do século XVIII
teau, que é do começo do século XVIII: são também as propostas para criação de orfanatos, nos quais
"as crianças, tiradas de um ambiente a elas pouco proveitoso,
"ManufaJura: lugar em que muitos do mesmo ofício se ajuntam deviam ser educadas desde a sua juventude de maneira con-
a fazer obra do mesmo gênero" 89 . seqüente segundo uma ética de trabalho" 92 •
Mesmo assim, ainda no século XIX, segundo David S.
Fica evidente nessa definição o aspecto espacial. Manu-
fatura é um lugar onde se desenvolve trabalho em coopera- Landes 93 :
ção, distinguindo-se por isso do trabalho feito em casa, do "A crescente independência tecnológica do Continente (europeu)
trabalho domiciliar espacialmente disperso. Pode-se dizer que resultou grandemente da transmissão, de homem para homem, da habi-
onde Jacobson via a matéria-prima, Bluteau via os trabalha- lidade no trabalho. De importância imediata menor, ainda que de gran-
dores. Ele participava das iniciativas tendentes a implantar de conseqüência a longo prazo, foi o treinamento formalizado de mecâ·
manufaturas em Portugal e do círculo "científico" e literário nicos e engenheiros nas escolas técnicas".
dos condes de Ericeira: as Conferências Discretas e Eruditas,
f: nesse quadro que aparece a tecnologia na Alemanha.
bem como a Academia dos Generosos 90 •
A disciplina, os controles de tempo e de produtividade
O esforço para restabelecer o domínio sobre as técni- passam a ser objeto, dentre outros, da nova tecnologia. Ela
cas nos países de língua alemã, retomando a palavra tecnolo- entra na fábrica, junto com as máquinas. Se a técnica refere-
gia, não pode ser visto como o único no que se refere à intro- se ao trabalhador e suas ferramentas, a tecnologia refere-se às
dução das artes úteis nas universidades. Convém lembrar o máquinas e seus operadores - ao conjunto do processo pro-
. que já se disse, neste texto, acerca das tentativas malsuce- dutivo cujo saber escapa do trabalhador individual desindivi-
didas de Benjamin Franklin para introduzir a educação téc- dualizado. Ela é algo que se ensina nas escolas, fora das con-
nica na Pensilvânia em 1749, mais de cem anos antes da func dições reais do trabalho ou no máximo em simulacro delas.
dação do Massachusetts Institute of Technology, que é de Isto nos permite datar a tecnologia moderna.
1861.
91. David. R. Noble. Americil by 'besign. New York, Oxford University Press,
88. A. Timm. Op. cit., p. 116. 1980. p. 20.
89. Rafael Bluteau. Op. cit. 92. A. Timm. Op. cit., p. 53.
90. Hernaní Cídade. Lições. de Cultura e Literatura Portuguesas. Coimbra Editora 93. D. S. Landes. The Unbound Prometheus. New York, Cambridge University
Ltda., 1959. 2 vols., v. 2, p. 37. Press, 1979. p. 150.

76 77
O próprio Beckmann, na obra Entwurt der allgemeinen entre o Estado e a universidade. Tratar da coisa publica tam-
Technologie, (1806), escreve: bém é tecnologia, pois o E~tado é uma máquina:

"ll a própria ótica geral da tecnologia que muda: o uso da tecno- "A maneira mais instrutiva de tratar as teorias do Estado é con~
logia não consiste mais somente na transmissão de esquemas simplifi- siderá~lo como uma máquina artificial, extraordinariamente bem artí~
cados das operações de um ofício aos administradores e aos funcioná- culada, que deve servir a um determinado fim" %.
rios do Estado, quer dizer, aos não-artesãos. Desta vez a tecnologia já
pode intervir propondo um aperfeiçoamento técnico aos próprios ofí- A própria palavra Estatística tem compromissos semân-
cios: o recenseamento e a compàração de processos que se destinam ao ticos com a palavra Estado.
mesmo fim permitem transportar esta ou aque]a operação de um ofício
para outro. Não seria demais insistir nesse conceito de transporte que Esses fatos, na Alemanha, marcam o pensamento bur-
torna possível sair dos limites de um ofício dado, nos quais estava presa guês e os primeiros passos para a unificação alemã, apoiada e
a tecnologia clássica, e estabelecer vínculos entre ofícios bem dife- apoiando o desenvolvimento tecnológico.
94
rentes" •
Harry Braverman, abordando a questão das relações da
ciência com a produção industrial (ele não emprega a palavra
Mas ao que parece, considerado que estas citações de
Beckmann são sempre de segunda mão, a mais significativa tecnologia), escreve:
das acepções de tecnologia oriundas do próprio Beckmann é "A história da incorporação da ciência à empresa capitalista co-
a que se encontra em Anleitung zur Technologie, datada de meça propriamente na Alemanha. A primeira simbiose entre a ciência
1777: e a indústria, que foi desenvolvida pela classe capitalista daquele país,
demonstrou ser um dos fatos mais importantes da história mundial no
"A tecnologia é a ciência que ensina como tratar os produtos na- século XX. Ela capacitou a nação para duas guerras mundiais, e ofe·
turais ou o conhecimento dos ofícios. Ao invés de mostrar apenas nas receu às demais nações capitalistas um exemplo que elas aprenderam a
oficinas como se deve seguir as instruções e os hábitos do mestre para imitar apenas quando foram obrigadas a fazê-lo muitas décadas mais
fabricar uma mercadoria, a tecnologia dá ensinamentos aprofundados tarde. O papel da ciência na indústria alemã foi o produto da fraqueza
e segundo uma ordem sistemática, permitindo encontrar, a partir de do capitalismo alemão em seus estágios iniciais, junto com o estado
princípios verdadeiros e de experiências seguras, os meios para atingir avançado da ciência teórica alemã.
os objetivos finais, permitindo explicar e tirar proveito dos fenômenos Seria interessante para aqueles que ainda não compreendem a im-
que se mostram durante o processo" 95 • portância da filosofia especulativa alemã ponderar, senão o exemplo de
Marx, do qual são tão receosos, o caso concreto da ciência moderna e
suas carreiras nitidamente contrastantes na Alemanha de um lado e nos
Esta conceituação, sobre a qual terá se apoiado Lamprech Estados Unidos e Inglaterra de outro.
na definição já citada, é mais esclarecedora na medida em 'Se muito da Inglaterra contemporânea deve ser explicado nos
que mostra a diferença entre a transmissão do conhecimento termos da filosofia de Bentham', escreve P. W. Musgrave em seu estudo
através da ciência da tecnologia e aquela da tradição artesa- das mudanças técnicas na Inglaterra e Alemanha 'o mesmo acontece
nal nas oficina~. com a grande influência de Hegel na Alemanha'_ A influência ·de Hegel
no desenvolvimento da ciência foi, observa Musgrave, tanto direta co~
Mas há outra característica que marca o surgimento da mo indireta. No primeiro caso, houve seu papel na reforma da educa·
tecnologia como matéria escolar na Alemanha: é a vinculação ção prussiana na segunda década do século XIX. E, em seguida, houve
a penetrante influência da filosofia especulativa alemã, da qual Hegel
94. B. Gille. Op. cit., p. 727.
95. J. Guillerme. Technique el TechnoloRie. p. 36. 96. A. Timm. Op. cit., p. 66.

7R 79
era o pensador culminante, ao dar à educaçãO científica alemã um aspec· Mas a referência de Braverman ao contraste entre a Ale-
to fundamental e teórico. Assim, enquanto a Inglaterra e os Estados Uni·
dos estayam ainda às voltas com ·aquele empirismo do senso comum,
manha sob a influência de Hegel e a Inglaterra "atolada no
que atrofia e desestimula o pensamento reflexivo e a pesquisa científica dogmatismo do senso comum" merece mais alguns comentá-
básica, na Alemanha eram esses mesmos hábitos da mente que estavam rios e questionamentos.
sendo desenvolvidos na comunidade científica. Foi por essa razão mais Não estará esse contraste também presente na forma sob
do que por qualquer outra que a primazia da ciência européia passou
da França para a Alemanha em meados do século XVII, enquanto a a qual os autores alemães propunham a tecnologia, como
Inglaterra no mesmo período permanecia atolada no que J. S. Mill cha- ciência, enquanto que Andrew Ure, já no século XIX, emprega
. mara 'O dogmatismo do senso comum' espaldado pela norma prática" 91 • techno/ogy ainda como terminologia específica das artes ou
nomenclatura técnica? Não é significativo o fato de Ure
Essa formulação de Braverman é muito oportuna. O en- ter dado à sua obra o título de Philosophy of Manufac-
contro da ciência com a técnica - com a produção - , embo- tures, enquanto os alemães no século XVIII e Ampere, con-
ra já assinalado por diversos autores, não diminui a importân- temporaneamente a Ure, tratam a tecnologia como ciência?
cia do texto de Braverman. Que relação pode haver entre essa preocupação com o voca-
Sánchez Vásquez escreve, a esse respeito: bulário, além daquela referente aos segredos dos ofícios, e a
tradição nominalista no pensamento inglês? Estas são algu-
"Em nossos dias a vinculação entre a ciência e a produção, como mas questões que vão ficar sem respostas neste texto. Mas,
forma espedfica da unidade entre a teoria e a prática, é tão estreita para encaminhamento de discussão, acho oportuno transcrever
que, se bem que a produção tenha se convertido em vigorosa fonte de o que escreve Didier Julia:
desenvolvimento, o enorme incremento das forças produtivas no nosso
século seria inconcebível sem o correspondente progresso científico.
"Hoje, a oposição - Nominalismo x realismo Platônico - iden-
tifica-se como aquela entre o empirismo (Hume) e o racionalismo
Vemos, portanto, que ao chegar a sociedade a certo grau de de- (Kant); o primeiro retoma os temas do nominalismo e pretende fundar
senvolvimento, a produção não só determina a ciência, como esta se nosso conhecimento unicamente sobre a experiência (sempre particular);
integra na própria produção, como sua potência espiritual, ou como o segundo pretende, ao contrário, fundá-lo na razão" 100 .
força produtiva direta. Desse modo, a teoria e a prática se unem e se
fundem mutuamente" 98 . Na mesma obra encontramos ainda:
Mas Braverman trata especificamente do caso da Alema-
nha. Já nos referimos aos Humboldt e à reforma do ensino na "Na Crítica do Juízo (1790), onde encontramos uma filosofia da
obra de arte e uma teoria da vida orgânica, Kant procura unificar sua
Prússia. A Universidade de Berlim, fundada em 1810, teve filosofia teórica e sua filosofia prática. B o projeto de unificação dos
em Johann Gottlieb Fie h te seu primeiro reitor e professor de diferentes aspectos do homem (como conhecimento, ação e sentimento)
filosofia até morrer (1814), sendo substituído por Hegel. Des- que foi retomado pelos 'pós-Kantianos' (Fichte, Schelling e Hegel)" 101
de sua fundação, essa universidade deu grande importância ao
ensino científico e médico 99 • Vale a pena também lembrar a advertência feita por
Ciro Flamarion S. Cardoso sobre o erro em que se incide quan-
97. Harry Braverman. Trabalho e Capital Monopolista. Trad. de Nathanacl C. do se reduz o nível teórico ao empírico, o que é particular-
Caixeiro. 2.a· edição. Rio de Janeiro, Zahar, 1980. p. 140.
98. A. Sánchez Vázquez. Filosofia da Práxis. Trad, de L. Fernando Cardoso. 100. Didier Julia. Dictionnaire de la Philosophie. Paris, Lib. Larousse, 1980 p.
2.a edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 222. 205.
99. René Taton. História Geral da Ciência. Tomo I, v. 3; p. 128. 101. Idem, ibidem. p. 153.

80 81
mente importante nas relações entre ciência e técnica TRABALHO NAS CIDADES MEDIEVAIS
da como crítica ao empirismo e suas possíveis
ao nominalismo, lembremos o que escreve o engenhei
cês Victor Poncelet, importante figura da engenharia;
cuJo XIX.

"Les praticiens sont peu enclins à prendre des abstractiot


des réalités" 103 •

AS CORPORAÇõES NA EUROPA

Corporação de ofício, grêmio e guilda, são palavras que


designam as associações medievais de artesãos ou de comer-
ciantes. Essas associações voluntárias, de caráter nitidamente
urbano, tinham vários objetivos, que podemos sintetizar nos
seguintes itens:
a) Garantir o monopólio do exercício.da profissão ou do
ramo de comércio aos seus membros e na sua jurisdição. Esta
era definida geralmente pela área da vila ou da cidade e seu
termo.
b) Controlar a qualidade e a quantidade das mercado-
rias produzidas, através de inspeção e de limitações rigorosas
quanto à duração da jornada de trabalho e à observância dos
dias feriados.
c) A formação profissional, através do sistema de apren-
dizado e do estabelecimento de regras rigorosas para o acesso
à condição de oficial ou de mestre no ofício respectivo.
d) Assistência a seus membros em caso de doença etc.
No cumprimento desses objetivos as corporações vin-
culavam-se, em grau variável nos diversos. países europeus em
que existiram, à vida política local e às atividades comunitá-
l02. C. F. S. Cardoso. Op. cit., p. 22. rias religiosas.
l03. Cf. J. Guillerme. Op. cit., p. 28.
Não há acordo, entre os historiadores, acerca da origem
82 R1
das corporações. Vejamos o que a esse respeito escreve 'tç;dnvia aconteciam. Normalmente os operários trabalhavam à vista de
Angel Gonzáles Muniz:
O mais antigo registro de estatutos corporativos que se conhece
~IM no livro de Etienne Boileau, que era uma espécie de 'chefe de Polí-
"Instituições que funcionavam dentro do ordo hierárquico e ~1.11 de Paris'. Foi redigido entre 1260 e 1270".
mental da Idade Média, essencialmente ligadas às cidades de
portância, pelo menos a partir do século XI, as corporações ou
em que se organizavam os artesãos e os comerciantes não têm, Outro autor que estuda esta questão é W.H.G. Armyta-
historiadores, origens bem determinadas. ge, que salienta alguns aspectos sociais da atividade dos grê-
Está documentada a existência de collegia de tipo romano mios, no trecho que abaixo transcrevemos:
século VI, pelo menos na Itália e na Espanha. Há citações acerca
colégios de mercadores, carniceiros, moedeiros, pescadores, curtidore: "Como corporificação social da épóca do artesanato, as corpora-
fabricantes de sabão e outros. Mas essas corporações não têm, ao ções (guildas) tinham múltiplas funções sociais. Desde as primeiras déca-
parece, nenhuma relação com os grêmios que surgirain mais tarde. das do século XIII elas cuidavam do treinamento técnico dos aprendi-
primeiras associações conhecidas deste tipo aparecem nas cidades zes, protegiam os trabalhadores nos casos de doença, de concorrência e
mãs e britânicas no século XII e finais do século anterior, sob a de aviltamento de preços, estabeleciam padrões de qualidades para os
de guildas religiosas e sociais de artesãos e comerciantes, agrupand1 produtos, impostos por inspetores que tinham o poder de marídar quei-
tecelãos, pescadores, sapateiros, curtidores etc. Nesse mesmo mar os produtos que não os satisfizessem, agiam como sociedades fra~
aparecem também na França e na Espanha (peleteiros de Saragoça; ternas e como bolsa de trabalho, e através dessa regulamentação força-
1137) o
vam a indústria a se manter fora da cidade medievaL Mas além disso,
As características essenciais e originais dos grêmios eram· a comu~ elas desempenhavam papel importante na vida social da Idade Média
nidade de esforços e a aliança dos artesãos entre si face ao poder se- na medida em que secularizavam as representações dramáticas, trazendo-
nhorial. Na verdade tratava-se de grupos privilegiados, cujo funciona- as para fora das igrejas e abrigando-as nos próprios edifícios das corpo-
mento regulamentava os poderes públicos das cidades. Estes cediam rações. E elas o faziam porque tinham a obrigação de representar esses
mais ou menos facilmente ao desejo manifestado pelos grêmios de não atos religiosos comunitários. Ainda que as enca,remos como remanes~
permitir o exercício das diferentes profissões aos que não estivessem centes dos Collegía romanos ou como derivadas das festas e sacrifícios
incorporados na instituição correspondente e por ela controlados. Os orgíacos de origem germânica, o certo é que sua incorporação como atos
grêmios lutaram, não só para livrar~se da tutela municipal e conseguir de fraternida.de cristã levou à encenação de peças que acabaram rece-
autonomia, que se manifestava no direito de administrar-se por si mes~ bendo o nom<: ligado às próprias corporações: encenação dos mistérios.
mos, celebrar reuniões, regulamentar o trabalho etc., mas também in- Os famosos ciclos de Coventry, Chester, Townley e York eram
tervir no governo municipal, encontrando, durante os séculos XII e representados pelas corporações dessas cidades. Em York, por exemplo,
XIII, forte resistência em algumas cidades, que chégaram "suprimi-lós, os armeiros eram reSponsáveis pela encenação da expulsão de Adão e
Mas no século XIV conseguem, na maior parte das cidades, ainda Eva do Paraíso. Os construtores de barcos encenavam a Arca de Noé e
que não em todas, o direito de nomear suas próprias autoridades e ,pas- os pescadores. encenavam o dilúvio. Esses espetáculos eram realizados
sam a ser grupos políticos que participam do governo da cidade junta- em palcos móveis e constituíram o primeiro entretenimento secular do
mente com a alta burguesia. país.
Os objetivos principais dos grêmios eram a proteção de seus mem- A insolente oligarquia de endinheirados que se desenvolveu nas
bros e a garantia de boa qualidade. A concorrência de profissionais corporações expressou-se, no século XV, nas grandes companhias, que
entre si era proibida e cada grêmio tinha exclusividade no mercado local, reivindicaram o direito - negado aos que participavam dos cortejos
em sua especialidade. As horas de trabalho, os preços, os salários, as dos nobres - de usar uniformes especiais. Essas companhias passaram
ferramentas e a técnica eram regulamentadas e inspecionadas minucio- a ser conhecidas em Londres, a partir de então, como companhias far-
samente. A técnica era a mesma para todos e eram proibidas as inova- dadas (Livery Companies). Elas se constituíam, freqüentemente, como
ções que permitissem enriquecer a alguns em prejuízos dos demais. A resultado de lutas internas entre mercadores (os que vendiam) e os jor-
qualidade uniforme era garantida pelo respectivo grêmio e a severidade naleiros, que faziam os produtos. E também freqüentemente como resul-
com que era castigada qualquer fraude dificultava as falsificações, que tado de lutas entre corporações de comerciantes e de fabricantes. Com

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o declínio do artesanato o papel econômico real das corporações·· do monge alemão'. Não é a única obra medieval do gênero
nuiu e esse declínio foi também acelerado pelo Estado quando de que se tem conhecimento. Os cadernos de Villard de
cou suas propriedades religiosas em 1547 e começou a conceder
tes e monopólios a indivíduos isolados para explorarem invenções' Honnecourt, datados do começo do século XIII, são outro
exemplo. Bertrand Gille, na obra citada, relaciona e comenta
Os textos acima transcritos colocam com clareza várias dessas obras, como a de Hughes de Saint-Victor (1125?-
aspectos importantes da história das corporações. Há 1141).
que precisam ser lembrados e que nos interessam mais de A segunda das categorias em que se enquadravam os tra-
to: é a questão do aprendizado, de transmissão dos conhe<; balhadores incorporados era a dos oficiais ou companheiros.
rnentos no interior do sistema corporativo. A ela ascendiam os que houvessem passado satisfatoriamente
É preciso lembrar que o sistema caracteristicamente pelo aprendizado e, às vezes, também tivessem trabalhado vá-
porativo era o do aprendizado direto no trabalho. O ap.n"A;, rios anos éomo operário. O oficial alugava seu trabalho atra-
que se iniciava no noviciado entre os 12 e 15 anos de vés de contqlto, verbal ou escrito, segundo normas do ofício
passava a morar na oficina ou na residência do mestre - correspondente e mediante um juramento de bem cumprir as
eram freqüentemente juntas - e era submetido à vigilância, obrigações do ofício e de denunciar infrações de que viesse a
à disciplina e aos castigos físicos do mestre. A corporação es• tomar conhecimento 4 •
tabelecia a contribuição que o pai do aprendiz deveria pagar A terceira categoria era a dos mestres, à qual se ascendia
ao mestre. O período de aprendizado variava de urna para ou; através de um exame julgado por membros da corporação
tra profissão e de cidade pm;a cidade. Havia casos, corno o (condição nem sempre exigida). O pretendente deveria pagar
dos aprendizes de cozinha, cujo "curso" se fazia em dois anos,· à corporação ou ao rei ou ainda ao senhor feudal urna quantia
e em outras profissões podia se estender até dez ou doze anos, em dinheiro. O acesso à condição de mestre, quando havia o
começando o aprendiz pelos trabalhos mais rudimentares da exame mencionado, exigia a apresentação de uma obra exe-
oficina, inclusive os de limpeza, chegando depois àqueles em cutada pelo candidato: a opera prima, ou seja, a primeira
que desenvolvia sua habilidade e destreza. Não havia (não obra, a obra-prima.
encontrei referências) livros ou textos que servissem de ma- Os mestres eram donos das oficinas e empresários traba-
nuais de aprendizes. Os regulamentos das corporações eram lhadores independentes, sob cujas ordens trabalhavam os ofi-
muito mais códigos de proibições e de restrições do que ma- ciais e aprendizes. Eram, por isso tudo, donos também das fer-
nuais técnicos, o que se compreende face à intenção de pre' ramentas, dos utensílios e da matéria-prima. O número de
servar segredos. mestres, vale dizer, o número de oficinas, numa cidade, era
Mas havia "livros de receitas", o primeiro dos quais é do determinado pela corporação, que os vinculava ao estabeleci-
monge beneditino alemão Teófilo (ou Rogerius von Hel- mento de proporções com o total da população da cidade. O
rnershausen) 2 , que se supõe tenha vivido no décimo século ou mestre sofria restrições também em relação ao tamanho de sua
na passagem do século XI para o XII. A obra intitulava-se oficina, e ao número de oficiais e aprendizes, e, portanto em
Schedula Diversarum Artium e teve numerosos manuscritos. relação ao volume de sua produção.
Ela é anterior às primeiras corporações e Bertrand Gille admi- Estas são, em linhas gerais, as características básicas da
te possa ter sido um receituário e registro pessoal de trabalho organização corporativa do trabalho artesanal e do processo
l. W. H. G. Armytage. A Social History of Engineering. London, Faber and
de transmissão do conhecimento que lhe é peculiar.
Faber, 1961. p. 50. 3. Idem, ibidem. p. 515.
2. B. Gille. Op. cit., p. 517 e 1.571. 4. M. A. G. Muííiz. Op. cit., passim.

Q7
~"'
As corporações vêm sendo objeto de uma apreciação rOt·me o país, as palavras ministeria, guilda, hansa, confraria,
marltizada que salienta aspectos "humanos" do relacioname artes 7 • Mas bastante significativo é o que a respeito escreve
to mestre-aprendiz ou do relacionamento operário-obra. Adam Smith.
que se omite nesse tipo de saudosismo é o caráter explorad()
das relações de trabalho e os privilégios em que se fundavll' "Sete anos parece ter sido antigamente o termo estabelecido em
exploração. toda Europa para a duração dos aprendizados na maioria dos ofícios
Mas é sobretudo importante, neste texto, a questão incorporados. Todas essas incorporações eram antigamente chamadas
universidades, que, com efeito, é o nome latino apropriado para
aprendizado, pois ela está na raiz da tese que propomos. qualquer incorporação. A universidade dos ferreiros, a universidade dos
no século XVIII, na obra do fundador da Economia alfaiates etc. São expressões que encontramos comumente nos velhos
que vamos encontrar críticas ao sistema de aprendizado. alvarás de antigas cidades. Quando aqúelas incorporações particulares
Eis o que escreve, a respeito, Adam Smith: que são agora particularmente chamadas universidades foram primeiro
estabelecidas,-o número de anos que era preciso estudar para obter o
"Os aprendizados eram totalmente desconhecidos dos antigos. grau de mestre em artes parec!! evidentemente ter sido copiado dos
obrigações recíprocas do mestre e do aprendiz prefazem um artigo coni períodos de aprendizado nos ofícios comuns, cujas incorporações eram
siderável de qualquer código moderno. A· lei romana é perfeitamente muito mais antigas. Como ter trabalhado sete anos sob um mestre ade-
silenciosa em relação a eles. Não conheço termo latino ou grego (pode" quadamente qualificado era o necessário para permitir que qualquer
ria me aventurar, creio, a asseverar que não há) que expresse a idéia pessoa se tornasse mestre e ter aprendido um ofício comum, então
que agora anexamos à palavra aprendiz. um servo que deverá trabalhar ter estudado sete anos com um mestre devidamente qualificado era-
num ofício particular em benefício de um mestre, durante um período lhe necessário para que se tornasse um mestre, professor ou doutor (pa~
de anos, na condição de que o mestre lhe ensine aquele ofício. lavras outrora sinônimas) nas artes liberais, e ter alunos, ou aprendizes
Os longos aprendizados são totalmente desnecessários. As Artes, (palavras igualmente sinônimas, originalmente), para estudarem com
que são muito superiores aos ofícios comuns, assim como as de fazer ele" 8 •
relógios, não contêm tanto mistério de modo a requerer um longo curso
de instrução" 5 . Isto nos coloca face a um aspecto· pouco explorado da
questão: as relações entre as corporações e a universidade. De
Adam Smith não está sozinho na crítica ao sistema cor- um lado a universidade. medieval como corporação; um tipo
porativo. No ano em que publica sua oora mais célebre, 1776, especial de corporação, assunto examinado por Jacques Le
Voltaire escrevia: Goff 9 • Do outro lado, corporações e grêmios designados pela
palavra universidade.
·~Todo$ esses sistemas de mestrado e de conjuras foram inventa-
dos apenas para tirar dinheiro dos pobres trabalhadores, para enriquecer
os tratantes e para esmagar a nação" 6 . Não sei da existência de dúvidas entre os historiadores
acerca do papel essencial das corporações de ofício no ensino.
Há alguns dados sobre o vocabulário referente às cor- Mas, estariam por isso as universidades afastadas das coisas
porações que servem, no mínimo, de· indício para a análise práticas? Os ofícios urbanos, cobriam eles toda a variedade
que pretendo fazer referente ao ensino. A palavra corporação de trabalhos práticos da sociedade medieval européia?
não foi usada na Idade Média, não aparece em textos anterio- A. C. Crombie, examinando essa questão, afirma:
res ao século XVIII. No século XII e XIU usavam-se, cone
7. Philippe Wolff. In: Historia General del Trabajo.
5. A. Smith. A Riqueza das Nações. Trad. de Norberto de Paula Lima. São Paulo, 8. Adam Smith. Op. cit. p. 88.
Hemus, 1981. p. 88. 9. Jacques Le Goff. Os Intelectuais na Idade Média. Trad. de Luísa Quintela.
6. In: Encyclopaedia Universa/is. Lisboa, Ed. E. Cor, 1973. Passim.

RR 00
"Ainda que todos os tipos de ensino prátko das artes mecânicaS- coisas designadas pela palavra inglesa mil/ ou pela palavra
fo~~em oferecidos somente nos grêmios de artt:são:s, us objetivos francesa moulin, teremos uma idéia do grande campo de tra-
taristas dos escritores medievais que trataram da educação se refletem balho desse "artesão medieval". Moulin à eau em francês não
a miúdo e até em 'grau surpreendente nos cursos que se podiam receber
na universidade" to. ~ designa apenas os moinhos d'água, que moem cereais: tam-
bém denomina as máquinas que insuflam ar nas forjas, dos fer-
E os ofícios urbanos certamente não cobriam toda a téc- reiros, que pisoam tecidos crus e toda uma família de máqui-
nica, pois um grande número de inovações e invenções ocor- nas agrupadas pelo critério, hoje discutível, da força motriz
reram fora das áreas de privilégio dos grêmios. A agricultura, hidráulica, inclusive aquelas usadas na mineração.
para a qual teve grande importância o sistema das três planta- O construtor de moinhos ainda no século XVIII era:
ções alternadas e o arado pesado com rodas, estava fora do
" ... um engenheiro itinerante e um mecânico de grande prestígio. Po~
controle corporativo. A adoção de novos sistemas de atrela- dia manejar o machado, o martelo e a plaina com igual habilidade e
gem de animais em fila e o uso da coelheira nos cavalos de precisão, sabia tornear, furar ou forjar com a facilidade e o desemba~
tração estão no mesmo caso 11 • Os moinhos, romanos por in- raça de quem tinha sido educado para esses ofícios; podia traçar e abrir
venção, porém medievais pela difusão que só então tiveram, sulcos nas mós com precisão igual ou superior à do próprio moleiro" 14 •
tinham situação particular, ligada ao sistema das banalida-
des 12 ; também não se submetiam às restrições corporativas. Mas a par das ferramentas, o construtor de mofnhos ma-
E há indicações de que algumas formas de organização de em- nejava a aritmética e a geometria; conhecia a agrimensura.
presas capitalistas já se apresentavam no século XV. É o que sabia calcular as velocidades das máquinas e os mecanismos de
diz Charles Parain: redução necessários aos moinhos; podia desenhá-las em plan-
ta e em corte. Construía edifícios, dutos e barragens.
"No fim do século XV os moinhos de Tolouse estavam na posse É esse o profissional que desde o s~culo XVI responde
de sociedades que, formalmente, detinham direitos feudais, mas CJ,Ue já por encargos tão diversificados " e que J. D. Berna! considera
tinham estrutura de sociedade por ações: divisão do capital social em
parcelas transferíveis, participação· dos sócios nos lucros ou nas perdas o verdadeiro antecessor do engenheiro moderno.
em proporção às suas parcelas, administração por delegados eleitos e Esse profissional não se pode concebê-lo como integrado
sociedades que gozavam de prerrogativas de pessoas jurídicas dis- numa corporação tal como os carpinteiros, seleiros e outros
tintas" 13 . artesãos. A diversidade de suas tarefas, a sua condição de pro-
E é nos moinhos que vamos encontrar um artesão espe- fissional ambulante e sua individualidade dificilmente permi-
cial, conjugando os ofícios de carpinteiro, ferreiro, canteiro e tem enquadrá-lo num grêmio.
pedreiro. E um oficial itinerante que projeta, constrói, monta Serge Moscovici prefere colocá-lo, a lado dos arquitetos,
e faz trabalhos de reparação e de manutenção: o construtor de numa condição excepcional: a de mestre de engenhos, artesão
moinhos (millwright). Se considerarmos o grande número de superior, no século XII 16 • Cita Domingos Gundisalvo, autor
daquela época que se refere à sciencia de ingeniis, c a seus
10. A. C. Crombie. Historia de la Ciencia: de San Agustin a Galileo. Madrid,
Alianza Ed. 1974. 1. 0 vol., p. 166. 14. William Fairbairn. Treatise on Mil/ and Mil! - Work. London, 1861. CL
Il. Lynn White Jr. Technology and lnventions in the Middle Ages. In: Speculum, Friedrich Klemm. History of Western Techno!ogy. Cambridge (Ma~), The M. l.
n. 0 2, 1940. T. Press, 1978. p. 239.
12. Marc Bloch. Advento e Conquistas do Moinho d'Água. In: GAMA, Ruy. 15. Maurice Daumas. Histoire Générah, des Teclmiques. Paris, P. U. F., 1968.
História da Técnica e da Tecnologia. v. 3, p. XX.
t 3. Charles Parain. Relações de produção e desenvolvimento das forças produti· 16. S. Moscovici. Essai sur I'Hütoire Humaine de la Nature. Paris, Flammarion,
vas. ln: GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia. 1977. p. 214,

(_}{) 01
praticantes, denominados ingeniator, architector de corpo de engenheiros militares que se encarregava da cons-
tricus e carpentarius. A figura típica é Villard de HonnecoUI trução de pontes, templos e fortificações. Eles introduziram
N áscido na Picardia no século XII I, sua vida profission: na França uma geometria usada no corte das pedras (le trai f),
desenvolveu-se entre 1225 e 1250 em várias cidades da a estereotomia que fundamenta a técnica de construção das
ça e na Hungria, tendo deixado anotações escritas e desenho igrejas góticas. A par disso a preocupação com o comporta·
que são conhecidos hoje como os seus "cadernos". mento moral exemplar (onde talvez se possa identificar uma
"O arquiteto, o mestre de engenhos e o engenheiro militar herança do estoicismo de Vitrúvio) constitui o dever do
pre escaparam, por vocação, dos regulamentos e da rotina, da Companheiro. A forma artesanal do trabalho, associada ao sis·
geográfica e do isolamento intelectual. Fato constante, a construção tema de aprendizagem, desenvolve-se ao mesmo tempo nas
cidades, de catedrais, de castelos, era confiada a artesão que, por sua corporações e no movimento dos Companheiros.
mobilidade e pela complexidade de suas tarefas, demoraram muito a se A propósito da origem da palavra compagnon (com-
integrarem nas confrarias e no sistema corporativo.
panheiro) A. Léon cita R. Vergez, para quem a palavra, anti-
gamente grafada como compasnion, seria derivada de cam-
As minas constituíram também um domínio que escapava, em pas (compasso), instrumento sem dúvida importante para os
certa medida, ao poder das corporações - talvez por estarem fora dos detentores dos segredos da geometria aplicada à estereotomia.
muros das cidades e porque a· introdução do uso de bombas, seu aper· O compasso serviria não apenas para traçar arcos de círculo
feiçoamento e o domínio das águas provocaram a busca de novas so-
luções - busca lenta e vacilante mas ininterrupta" 17 • como também para medir e transportar medidas, como é o
caso dos compassos de quatro pontas (compassos com redução.
Moscovici acrescenta o engenheiro militar a esse elenco de escala), usados pelos tanoeiros como instrumento para de-
de profissionais, artistas medievais, que se mantinham de cer- terminar a largura das aduelas na tampa e no fundo do barril,
ta forma acima das corporações, e acrescenta, citando A. onde são mais estreitas, e no ventre do barril, onde são mais
Blunt: largas 18 • O globo terrestre construídopor Martim Behaim em
1492 foi inicialmente desenhado num plano, como aduelas de
"As discussões relativas às artes liberais constituem portanto o
aspecto teórico da luta dos artistas para obterem melhor posição so- barril que se tocavam apenas no equador; encurvadas as adue-
cial. O aspecto prático dessa luta era a luta contra a velha forma de las até se tocarem ao longo dos meridianos, formavam uma
organização em corporações, que os artistas sentiam ser um entrave". esfera 19 , assim como os gomos formam uma laranja.
Os segredos da geometria do Companheiro, assim como
Nesse particular vale a pena lembrar as "sociedades dos os do alfabeto do carpinteiro eram ciosamente guardados.
companheiros" (compagnons), sociedades secretas, indepen-
Sabe-se que os Companheiros tinham o costume de nada escrever
dentes das corporações, tendo ritos próprios de iniciação e sobre o que se relaciona aos deveres, seja qual for o rito. Tudo era
cerimônias particulares, algumas das quais são conservadas transmitido por via oral, tudo devia ser decorado, mesmo nos teoremas
até hoje em certas cidades do "Tour de France". de geometria, mas para facilitar o trabalho da memória as demonstra·
De maneira genérica, os historiadores consideram que o ções são registradas em forma de canção com termos velados" 20 •
"movimento dos companheiros" (compagnonnique) constituiu- 1&. V. fotografia em: D. Furia e P. Ch. Serre. Techniques ei Sociétés. Paris,
se ao tempo das cruzadas. Os pedreiros, canteiros e carpintei- Armand Colin, 1970. p. 79, foto 3..
19. História da Cartografia. Georama. Diversos autores. Rio de Janeiro, Codex,
ros que acompanhavam os cruzados constituíam uma espécie 1967. p. 138·139.
20. Maurice Vieux. Os Segredos dos Construtores. Rio de Janeiro, DIFEL, 1977.
17. S. Moscovicí. Op. cit., p. 218. p. 66.

O'J
f: interessante constatar que mesmo após a extinção "Do ponto de vista da verdadeira técnica, Borromini é um técni-
das corporações, na França, pela lei Le Chapelier, os Cornpl,l ço. I.lernini não é" 21.

nheiros 'se mantêm na única organização de trabalhadores


O confronto de Borromini, um mestre construtor, um
se desenvolve até a Restauração e que só entra em decadênci~'
"arquiteto empírico", com Berrtini, um "teórico", parece indi-
na segunda metade do século XIX.
Análoga à tradição dos Companheiros franceses, pareci) car uma confrontação mais generalizada entre "teóricos e prá-
ser a dos Maestri Comacini -·- Os Mestres de Corno ticos" e a própria emergência do empirismo na Itália com Ber-
nardino Telesio (1508-1588). Algumas décadas mais tarde, no
construtores lornbardos oriundos da antiga diocese de Corno
(donde o nome Cornacini), cuja "escola" se difundiu por tod.a começo do século XVII, Galileu, formulando suas hipóteses
a Itália e que apareceu por volta do ano 1000. sobre "as forças e a resistência das. madeiras", questionava as
Esses mestres exerceram intensa atividade em Roma, teorias de Alberti e de Palladio.
desde meados do século XVI até o século XVIII. Muitos dos " ... ainda que essa teoria (de Galileu) não se referisse à estética da
grandes arquitetos de Roma, ao tempo do Estado Pontifício, arquitetura, como o faziam as de Alberti e Palladio, sua obra repre-
eram Comacini: Carlo Mademo, Martino Longha, os Fon- sentou uma· crítica indireta àquelas teorias" 22 •
tana e Francesco Borrornini. Fora da Itália vários se destaca-
ram: Leone Leoni e Pellegrino Tibaldi trabalharam no Esco- A "teoria das proporções", de inspiração platônica, de-
ria! de Madri; os Solari no Cremlin de Moscou; os Quarcn- veria confrontar a sua geometria com a geometria prática dos
ghi em São Petersburgo e os Fossati em Constantinopla, na construtores, na qual os pesos e as resistências - a matéria
consolidação da catedral de Santa Sofia. - tinham presença ineludível. Era preciso vencer o peso.
Argan vê nas obras de Borrornini a marca de um domí- A geometria prática do canteiro, o homem que faz obra
nio seguro da técnica construtiva, até nos menores detalhes de cantaria e que tira da pedra algo que nela já existia mas
decorativos. que só ele antevê, parece ter dado origem à geometria des-
critiva. f o que afirma F. B. Artz quando se refere à obra de
" ... Borromini defende a 'práxis' contra a 'teoria~ do maneirismo tar· A. Bosse denominada La pratique du trait à preuves du M.
dio da arquitetura romana". Desargues, Lyonnais, pour la coupe de pierre en architecture.
Artz lembra que Desargues foi o matemático cuja obra esta-
beleceu as bases para a geometria descritiva, mais de um sé-
" .. Borromini defende uma' 'práxis arquitetônica' contra o último gran~ 23
culo depois desenvolvida por Gaspard Monge • Bertrand
de desdobramento da 'teoria arquitetônica', da arquitetura fundada em
sistemas de valores predeterminados, personificada por LourenÇo
Gille também se refere ao arquiteto e matemático Gérard De-
Bernini". sargues (1591-1661) como "criador da ciência do corte das
pedras" 24 • Este é um aspecto essencial na história da geome-
tria: não se trata de pôr em dúvida o papel de Monge, mas
" ... podemos. dizer que para Borromini desenhar os planos do edifício
não representa uma atividade preliminar separada do problema exe~ 21. Giulio Carlo Argan. Ef C o11cepto de{ Esvacio A rquitetónico desde ef Barroco
cutivo. Ao contrário, ela é absolutamente contemporânea deste último a Nuestros Düú. Buenos Aires, Nueva Visión. p. 102 et seqs.
22. Arnold Pacey. El Laberinro de{ lngenio. Barcelona, Gustavo Gili, 1980.
problema: o desenho de Borromini é já uma fase executiva, ainda que
não tenha começado a construção da obra". · p. !OR.
23. Frederick B. Artz. The Development of Tecll!lical Education in Frcmce -
!500~1850. Cambridge, M. I. T. Press, 1966. p. 22.
24. B. Gille. Histoíre des Tecllniques. p. 660.

QA o<:
não deixa de ter interesse para a história da arquitetura e Pondo em ordem cronológica a, bibliografia e os autores
a história da técnica a passagem da geometria prática dó se preocuparam com as técnicas do corte da pedra e da
te das pedras - a estereotomia - para a geometria tnadeira, chegaríamos à seguinte seqüência:
va. Ren~ Taton refere-se a Desargues, de quem o <mm<>il No século XVI, Philibert de L'Orme grande arquiteto
B<;>sse, já citado, e Blaise Pascal foram discípulos:' francês do seu tempo, cuja obra mais conhecida, ainda exis-
tente, é o Castelo de Chenonceaux, publicou tratado em que
"Apaixonado (Desargues) pela matemática aplicada à arquitet«í dá importância muito grande aos aspectos práticos do fazer
à pintura, aos quadrantes solares, além disso muito versado na ilt"quitetônico. Educado na tradição dos mestres pedreiros me-
tria antiga, concebeu uma nova técnica geométrica, a geometria dievais, toma a ciência como instrumento técnico e introduz,
tiva" 25 •
pela primeira vez em u'ma obra escrita, uma ampla coleção de
Uma pesquisa mais aprofundada em torno da obra projeções estereotômicas como recurso para a solução dos pro-
Desargues talvez mostre ligações mais estreitas entre a blemas do corte da pedra na construção de arcos, abóbadas e
tria projetiva por ele criada e a anamorfose usada pelos escadas 28 •
!ores maneiristas. Gustav R. Hocke cita-o entre os "defensôi Em 1642 Mathurin Jousse publicou um livro de geome-
tria com o título O Segredo da Arquitetura, Descobrindo Fiel-
res sagazes da anamorfose" e reproduz desenho cuja autoria
atribui a Desargues e a seu discípulo, o gravador Abrão Bosst:,, mente os Traçados Geométricos . .. obra simples, cuja inten-
que já mencionei 26 • Não há dúvida de que, não só a perspect[-\ ção era a de oferecer um instrumento técnico ao carpinteiro e
va rasante como também as imagens refletidas em ao canteiro. Seu título já caracteriza uma revelação transcen-
curvos, tão ao gosto dos pintores, colocavam interessantes pro- dental: a geometria como segredo essencial da arquitetura 29 •
blemas de representação, semelhantes aos que Geraldo Kramer Um ano depois foi publicado um livro sobre a arquite-
(Mercator) resolvia com suas projeções. tura das abóbadas, de autoria do jesuíta francês François
Derand.
Ê, na mesma obra .de Renê Taton, já citada, encontramos:
Surge em seguida a obra de Desargues, cuja intenção fun-
"O surto da geometria descritiva - Este último ramo da geome- damental é a de estabelecer uma ciência geométrica geral ca-
tria não é uma efetiva criação de Monge. De fato, encontramos exem-
paz de servir de apoio à operação das diversas técnicas, asa-
plos do emprego deste método das duplas projeções no Underweysung
de Dürer (1525) e nos tratados de Frézier (3 vols. 1737-1739; 2 vols. ber: a perspectiva, o corte de peças de pedra ou de madeira.
1760). Mas nenhum autor. anterior a Monge, soube precisar os prin- "A estereotomia, no entanto, nunca pôde se constituir em instru~
cípios de·ssa técnica, desenvolver os métodos e indicar todas as fecun- mentG de trabalho durante o século. As soluções para cada um dos
, das aplicações, tanto no terreno das técnicas como no da geometria problemas estudados por Philibert de L'Orme, por exemplo, são ião es-
pura e no da própria geometria infinitesimal" 27 pecíficas que resulta impossível entendê-las no nível puramente con-
ceitual. A dimensão fundamental é ·ainda a experiência do artesão; sem
ela,_ a teoria é totalmente inútil c, ainda mesmo com ela, praticamente
supérflua no que se 'refere a seu valor como técnica" 30 .
25. René Taton. História Geral das Ciências. São Pavio, Difusão Européia do
Livro,.1960. Tomo li, 2. 0 vol., p. 40. 28. L. Benevolo. Historia de la Arquitectura Moderna. Barcelona, Edit. Gustavo
· 26. G. R. Hocke. Maneirismo.: o mundo com labirinto. Sãa Paulo, Perspeçtí~ Gili. 2.a edição, s.d., p. 41.
va, 1974, p. 202 et seqs., e Carl B. Boyer. História da Matemática. Trad. Elza 29. Alberto Pérez Gómez. La Génesis y Superación de/ Funcionalismo en A rqui-
Gomide. São Paulo, E. Blucher/EDUSP, 1974. p. 262. tectura. México, Editorial Limusa S.A., 1980. p. 330 et seqs.
27. René Taton. Op. cit., Tomo TI, 3. 0 vol., p. 40. 30. A. Pérez Gómez. Op. cit., p. 329.

Q7
""
Desargues estava convencido de que ninguém, antes de pedra ou de madeira seria a etapa consecutiva, segui-
le, havia reduzido a arte do corte da cantaria a um conjun, da etapa de assentamento das pedras ou de montagem das
de princípios metódicos e universais. Refere-se aos outros de madeira. Dividido dessa maneira, o trabalho po-
tados como receituário para problemas particulares ser desenvolvido por vários profissionais ao mesmo tempo,
quais se defrontaram os artesãos na época. não precisa ser totalmente executado pelo mesmo artesão.
"m arco, por exemplo, cortadas na pedra suas aduelas, pode
" ... Desargues lembra ao leitor que no passado cada projeção e ~er "montado" por um ou por vários pedreiros, não sendo,
traço utilizado eram segredos que se deveriam aprender de memória.
sua obra, ao contrário, um método único e simples resolve todos
···'"··-··- deles, necessariamente, um dos que talhou a peça de
probleinas" 3 1-. pedra. Criam-se dessa maneira condições para a reunião de
um grande número de artesãos no mesmo canteiro, produzindo
Com isso, Desargues reduz precocemente a theoria a com maior rapidez obras que individualmente executadas gas-
uma ars fabricandi que não está preocupada com o porquê tariam tempo muito maior. A geometria forneceu os elemen-
mas sim com a técnica. As descobertas desse engenheiro, ar- tos para a organização do trabalho em moldes que se asseme-
quiteto e, provavelmente, o mais brilhante geômetra do século lhavam ao das manufaturas em geral.
XVII, foram porém ignoradas pelo Iluminismo. O usoda pedra como material na construção de grandes
A estereotomia volta a ser abordada no começo do sé- pontes, viadutos e outras obras persiste até o século XIX, em-
culo XVIII na obra de Amedée François Frezier intitulada A bora o uso do ferro tivesse surgido no século XVIII, com a
teoria e a prática do corte da pedra e da madeira para a cons-.' construção em 1779 da célebre ponte de ferro fundido em
trução de abóbadas e outras partes dos edifícios civis e milita- Coalbrookdale. A ponte é, apesar do uso inovador do ferro,
res, ou tratado de estereotomia aplicada à arquitetura, publi- também, de certo modo, uma aplicação da estereotomia, pois
cada em 1737/38. Nos últimos anos do século anterior o ma- compõe-se de peças de ferro fundido montadas e justapostas
temático e arquiteto De la Hire, bem como Bullet, haviam na estrutura da ponte, tal como as aduelas de um arco de
apresentado soluções para alguns problemas particulares. pedra.
Todavia, a obra mais significativa no século XVIII fran- Nessas novas condições de divisão do trabalho amplia-se
cês é a de Bernard Fores! de Bélidor, publicada em 1729. o campo onde se desenvolvem aquelas atividades que prece-
Mas, que importância tem a estereotomia na tese que dem a construção propriamente dita e que a orientam. O pro-
pretendo demonstrar sobre as origens da tecnologia? Em pri- jeto assume. importância cada vez maior e se arma de novos
meiro lugar, é evidente, por explícita nos textos citados, a instrumentos de determinação precisa dos esforços e das di-
preocupação com os segredos artesanais. A partir daí parece- mensões das estruturas. E é como conseqüência da obra de
-me legítimo admitir que a adoção de uma técnica apoiada na Desargues que um de seus discípulos, o matemático Philippe
objetividade da matemática era essencial para o estabeleci- De la Hire publica em 1695 o seu Tratado de Mecânica. Re-
mento de novas formas de divisão do trabalho. Explicando conhece o autor, no prefácio do tratado, a primazia de Gali-
melhor: a adoção de desenhos (representação gráfica das pe- leu na matéria, mas discorda de algumas das suas conclusões.
ças a serem cortadas) permitir:ia a divisão do trabalho em vá-
rias etapas, sendo a própria solução geométrica dos problemas "O tratado de De la Hire ensina como determinar, por meio de
e sua representação gráfica a primeira delas. O c9rte das pe- um método geométrico, a carga que deve suportar cada aduela de um
arco para atender às condições de equilíbrio estático, sem considerar o
31. Idem, ibidem, p. 333. atrito entre as superfícies das peças. O livro, que já incluía um capí-

QR CJCJ
tulo sobre resistência à ruptura de alguns materiais de constr~ç~
muito popular durante o século XVTJL · Essa reunião de uma técnica com uma disciplina cientí-
que atinge um alto nível de generalidade e de sistemati-
que desenvolve processos próprios de trabalho, tem
De la Hire apresentou sua hipótese, concisamente num importância para alguns setores franceses contempo-
que leu para os membros da Academia Real de Ciências em 17
que nela vêem exatamente a "transição" da técnica
a tecnologia.
A ele se deve, portanto, e também a Varignon, as As corporações de ofício foram sendo extintas, legalmen-
da Grafostática, disciplina que se propõe a resolver te. a partir do século XVIII. As formulações políticas em tor-
mente problemas de estática. A este último autor cítadó no do direito ao trabalho e da liberdade do trabalho vêm ao
deve a proposição de métodos para resolver problemas encontro dos interesses da burguesia manufatureira para a
tática dos corpos sólidos, independentemente da coesão caracterização deum mercado onde se negociasse a mercado-
suas fibras e de outras circunstâncias internas, por meio .• ria trabalho. Era preciso, para tanto, romper os entraves man-
decomposição de vetores.
tidos pela organização gremial.
A "teoria" de De la Hire foi discutida e rejeitada por Na Inglaterra, as profissões incorporadas eram regidas
rios autores, mas o fato é que os mais significativos engenhei
pelo Statute of Artificers desde 1563, cujos efeitos se faziam
ros e cientistas da primeira metade do século XVIII aceitn
sentir em toda a nação e numa conjuntura em que
ram-na. Bélidor, Frézier, Parente Couplet dela se serviram.
Somente na metade do século é que Jean Rodolphe
ronet, fundador da Escola de Pontes e Estradas, introduz
dos quantitativos de origem experimental nos projetos estru•
turais, deslocando sensivelmente as teorias geométricas 33 •
Leonardo Benevolo refere-se às contribuições dos engec
nheiros Jean Rodolphe Perronet e G. Rondelet à estereotomia
no século XIX. Na obra mencionada encontramos inclusive
boas reproduções de lâminas do "Tràité theorique et pratique
de L'Arte de Bâtir", de Rondelet, contendo representação geo-
métrica precisa do corte de pedras (1782). Trata-se já então
de aplicação dos processos que Monge vinha ensinando na es-
cola de engenharia de Mézieres. As grandes pontes sobre o
Sena são exemplos disso; mesmo quando começa o emprego
do ferro para a construção de pontes, o desenho técnico-me-
cânico se apóia na representação usada na estereotomia, co-
mo já disse.

32. A. Pérez Gómez. Op. cit., p. 352.


33. A Grafostática só foi estruturada como disciplina em 1865 pelo engenheiro
alemão Karl Culmann (1821·1881).
Fig. 1: Cônicas de Dürer
100 • n<
" ... , a política promovida pelos governos foi restritiva e orient~_i gremiais. Na Itália eles desaparecem na segunda me-
sentido de criar obstáculos ao rápido desenvolvimento das do século XVIII, na Suíça em 1776. Na Noruega, na Ale-
pitalistas" 34 •
na Áustria, na Hungria e na Espanha eles subsistem
século XIX; Na Rússia, as corporações resistem até a
Na França as corporações tinham forte apoio no tvolução de 1917. Na França, como veremos num próximo
anterior à Revolução. Os reis, que no passado tinham , as corporações, assim como qualquer associação de
nhores feudais, eram hostis às sociedades de artesãos. rtmamadores, foram extintas, por lei, em 1791.
mo estavam sempre precisando de dinheiro, encontravam
Ainda quanto ao papel das corporações na formação pro-
corporações uma fonte de recursos. Cobravam pela expedi não parece haver dúvidas quanto à ineficiência e à
de credenciais ou de confirmação aos mestres; vendiam
rncapaciUade do sistema de aprendizado face às exigências da
de mestrado que davam direito a participar das corporaç Além das críticas de Adam Smith, algumas delas
com todos os privilégios, sem que os compradores
aqui transcritas, veja-se por exemplo o que escreve Serge
que se submeter aos exames exigidos.

Até o fim do Antigo Regime os~ reis procuraram tirar o


<I

de recursos das comunidades profissionais. Colbert, num edito de "No nível técnico, o sistema das corporações fez prova da sua in-
estabelece a incorporação de todos os ofícios que ainda eram indepe1 capacidade de fazer germinarem as habilidades cotidianas criadas por
dentes" 35 • k(eus membros. Ninguém deve trair o amor fraternal imaginando, invenR
tando ou empregando qualquer coisa que seja nova, proclamam as conR
frarias de Torum. Isto significava não apenas pedir o impossível como
Nessa época, e até o século XVIII, o sistema corpora também sustentar o improvável. E por isso todas as corporações esfor-
na França reunia menos da metade dos artesãos existentes. çam-se em seguir linha semelhante diante de condições que haviam
Mas em 1704, segundo C. Hill, começa o desmoronamen" mudado. A penetração dos mecanismos, dos moinhos, no meio artesa-
to da regulamentação sobre a aprendizagem, na Inglaterra, nal, foi um fator de dissolução do poder das corporações. Numerosos
artesãos, com títulos diferentes, trabalham na construção ou na manu-
que veio a permitir a exploração do trabalho das crianças 36 • tenção de motores e de instrumentos mecânicos sempre que eles apa-
Em 1753 foram abolidos os estatutos dos tecedores de meias, recem" 38 •
por serem considerados:

"vexatórios para as manufaturas, permctosos para a indústria~


contrários à razão e atentatórios· à liberdade dos súditos ingleses" 37 ,
2. AS CORPORAÇõES EM PORTUGAL E NO BRASIL
Ao final do século não havia mais corporações na Ingla-
terra (embora a abolição do privilégio das guildas inglesas
date de 1835). Na mesma época o desenvolvimento industrial Em 1384 foi criada em Lisboa a Câmara ou Casa dos
e a instalação de novas fábricas impôs o desaparecimento dos Vinte e Quatro. Segundo Pedro Calmon 39 , foi o mestre de
Avis (mestre da Ordem Militar de Avis) quem a criou. Essa
Casa reunia-se no palácio dos Estaus e era constituída de. dois
34. Christopher Hill. De la Reforma a fa Revoluciôn Industrial. Barcelona. Edito-
rial Ariel, 1980. p. 105.
35. Antoine Léon. Histoire de I'Éducation Teclmique. Paris, P.U.F., 1961. p. ll. 38. Serge Moscovici. Op. cit., p. 216.
36. C. Hill. Op~ cit., p. I YX. 39. Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1959.
3 7. ldem, ibidem. Vo!. li, p. 644/46.

102 103
representantes para cada um dos seguintes misteres: caldeii ''" . "vemos também, e com um relevo proporcionado, a cidade de Lis-
ro, cotreeiro, alfaiate, barbeiro, ourives, pedreiro, sapat<'" boa e os seus mesteirais, que largam o trabalho para organizar 'uniões'
tanoeiro, marceneiro, ferreiro. Completava-se o número na rua, participar em comícios populares, pegar em armas quando é
preciso; vemos alfaiates, tanoeiros, camponeses erigidos em heróis e
mais um barbeiro e um alfaiate. falando em nome de grandes agrupamentos dotados de vontade pró-
Estes são os dados iniciais, mas as circunstâncias em pria" 4t.
foi criada a Casa dos Vinte e Quatro são particularíssim
Portugal estava em crise devido à morte do rei D. Esses fatos marcam- no meu entender, pois não parece
e às dúvidas quanto à sucessão. A burguesia das cidades, existirem registros de fatos semelhantes e anteriores - a pre-
cialmente Lisboa, reagiu contra a regência da rainha sença poderosa da população urbana, a arraia-miúda lisboeta
Leonor Teles. Armou-se um golpe de Estado para o qual e o papel dos profissionais de ofício·. A idéia de uma aliança
povo foi solicitado a dar apoio. As conseqüências da partiri: entre os artesãos urbanos e parte da nobreza permanece como
pação popular foram inesperadas para os conspiradores: tema literário até o século XIX. Seria exemplo disso O Alfage-
me de Santarém, de Almeida Garrett, que conta a história do
"Sublevada contra a regente e contra os nobres, a população coridestável Nuno Ãlvarez Pereira, grande figura militar da
Lisboa depressa assumiu a direção dos acontecimentos. Revolucionaria~ resistência à intervenção espanhola e o alfageme (espadeiro)
mente os mesteírais e o 'povo miúdo' proclamaram o mestre de Avis que lhe prepara uma espada "milagrosa". Os tanoeiros, alfaia-
regedor e defensor do reino, isto é, regente. Os cidadãos mais ricos e tes e alfagemes são personagens de primeiro plano nessa afir-
notáveis tentaram abster·se, mas os mesteirais obrigaram.nos a reunir·Se mação da força das cidades na independência de Portugal face
no dia seguinte na casa da Câmara e a aderir à causa popular. Fernão
Lopes narra esse episódio em termos muito expressivos: 'os burgueses à Espanha.
hesitavam, porque receavam arriscar as fortunas" Um tanoeiro, falando A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa teve, segundo Cel-
em nome da multidão que entretanto se reunira à volta da Câmara in- so Suckow da Fonseca, uma antecedente na Casa dos Vinte e
timou-os nestes termos: ele, tanoeiro, não tinha mais que arriscar ·do Quatro do Porto, criada por D. João I em 1357. Mas os epi-
que a garganta; os ricos cidadãos tinham mais a perder; mas se não sódios acima relatados dão marca característica à história des-
dessem o acordo à decisão do povo não salvariam os pescoços. O argu-
mento foi decisivo. O mestre organizou um conselho de governo com sas instituições em Portugal. Não parece também que de iní-
legistas e mercadores, sendo então criada (Fernão Lopes não diz por cio os ofícios representados tivessem vínculos religiosos como
quem) a Casa dos Vinte e Quatro, conselho revolucionário constituído os que se expressam posteriormente nas bandeiras, que eram
por dois representantes de cada um dos doze mesteirais mais importan- os ofícios agrupados sob um mesmo estandarte de santo pa-
tes, que funcionava na Câmara da cidade e cuja aprovação era necessá- trono, conduzido nas procissões e festas religiosas.
ria para 'toda coisa que se houvesse de ordenar por bom regimento e
serviço do mestre.' A fase e os acontecimentos posteriores parecem in-
Em 1539 a Casa dos Vinte e Quatro foi reorganizada e
dicar que os mesteirais ficaram a governar a cidade" 40 • o "Regimento de todos os ofícios mecânicos da mui nobre e
sempre leal cidade de Lisboa ... " foi codificado pelo Licencia-
Outro autor português, Antonio José Saraiva, refere-s"e a do Duarte Nunes de Leão, baseado, segundo o autor acima
Fernão Lopes - o primeiro cronista português - e ao .qua- citado, no livro de Etienne Boileau, e dado a público em
dro que ele descreve da Lisboa daqueles dias: 1572 42 •
41. A. J. Saraiva. História da Literatura Portuguesa. Porto, Porto Edit. Ltda.,
1975" p" 127"
40. José Hermano Saraiva. História Concisa de Portugal. Lisboa, Publicações 42. Celso Suckow da Fonseca. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de
Europa~América, 1978. p. 107. Janeiro, Escola Técnica Nacional, 1961/62. 2 v. p. 39.

104 105
O fato mais antigo relativo à representação profiss Apesar disso as corporações persistiram legalmente no
em Câmaras, no Brasil, é aquele a que se refere Affonso il até a promulgação da primeira Constituição do Impé-
em 1824. Nela, o artigo 179, em seu parágrafo 25, dispu-
"Deste 1581, fazia parte da Mesa de Vereação o Mestre,
sentante das 'classes proletárias', escolhido pelos oficiais mecâniCÇ taxativamente:
administração do Ouvidor Geral Cosme Rangel, ... , para cooper!
criação dos regimentos dos ofícios, fixação de preços e salários Ficam abolidas as corpor~ções de ofícios, seus juízes, escrivães e
!idade do trabalho das diversas ocupações" 43 • " 45

Mas em 21 de março de 1641, um assentamento Em Portugal, decreto de 7 de maio de 1834, do duque de


mara de Salvador decide pela representação dos ofícios itagança, extingue os ofícios, bandeiras, Casa dos Vinte e
nicos naquela casa.
procuradores dos mestres e juízes do povo 46 • A Casa
'" ... misteres como era costume nas cidades e vilas notáveis de Vinte e Quatro havia durado os quatro séculos e meio
gal, ... que o número ··de misteres fossem doze e que os doze se passaram desde a revolução de 1383.
sem um juiz do povo e um escrivão para que, todos juntos, Na Espanha a questão das corporações é objeto de preo-
como nas cidades" 44 •
cupação dos homens da ilustración. Um deles é Pedro R. de
Campomanes (1723-1804) que, em 1776 - ano em que se
Pedro Calmon chama a atenção para o papel desse
publica Uma Investigação Sobre a Natureza e Causas da Ri-
do povo em Salvador: um tribuno da plebe, enfrentando
clusive a má vontade da Câmara. Diz que essa "relíquia queza das Nações, de Adam Smith- apresenta sugestões pa-
ra uma reforma das Ordenações referentes aos Grêmios.
reivindicações democráticas de outrora" foi extinta em 17
com a ascensão do Absolutismo. Apoiado no economista irlandês Bernard Ward (cuja
No Brasil o sistema corporativo não teve a importância obra é citada também pelo baiano Rodrigues de Brito no co-
semelhante àquela que teve nos países europeus, apesar meço do século XIX), o autor espanhol alinha quinze suges-
que, ao se iniciar o processo de colonização o sistema ainda tões que, se aceitas, implicariam no esvaziamento do sistema
estava bastante ativo na Europa. Mas, estabelecido sobre as corporativo gremial. A criação por ele proposta, de Socieda-
premissas de trabalha livre e do surto de crescimento da eco-. des de Amigas dei País lembram as Sociedades Patrióticas,
nomia urbana que se verifica na Europa na baixa Idade Mé- Sociedades Auxiliadoras e Sociedades para a Educação Popu-
dia, o sistema não se adaptava às condições coloniais. A~ per- lar fundadas em vários países, inclusive no Brasil no século
sistência do trabalho escravo e o papel prevalente do domínio XIX.
rural na Colônia, onde apenas umas poucas cidades eram Há vários temas abordados no Dircurso de Campomanes
"consentidas", não favorecia o sistema corporativo de organi- que merecem atenção pelos pontos de contacto com este tex-
zação do trabalho artesanal. A economia colonial voltava-se to. O que mais interessa, todavia, neste capítulo, são as suges-
para fora. tões para a reforma do sistema gremial que vão abaixo trans-
critas 47 :
43. Cf. Maria Helena Flexor. Oficiais Mecânicos na Cidade do Salvador. Salva~
dor, P.M.S., Dept. 0 de Cultura, 1974. p. 9.
Sobre o assunto ver também Luiz Antônio Cunha. Aspectos Sociais de Aprendiza- 45. C. J. da Costa Pereira. Op. cit., p. 31.
gem de Ofícios Manufatureiros no Brasil Colônia. ln: Forum Educacíonal. Rio 4~. M. H. Flexor. Op. cit., p. 85. Nota 189.
de Janeiro, F.G.V., 2(4): 31·65; out./dez. 1978. 47. P. R. de Campomanes. Discurso sobre la Educación Popular . .. Madrid, Edi~
44. Pedro Calmon. Idem, ibidem. tora Nacional, 1978. p. 29.

106 107
- Supressão de qualquer foro ou privilégio gremial. E: interessante confrontar estas propostas de Campoma-
2 - Va!idade de todas as ordenações em todo o territ6 com o que escreve Marx, um século depois, em O Capital:
nacional, sem particularismos locais ou regionais. "As leis das corporações da Idade Média impediam metodica-
3 Possibilidade de adaptação às novas técnicas, ' conforme já observamos, a transformação de um mestre artesão
do a rotina e as normas fixas de elaboração artesam capitalista, limitando severamente o número de Companheiros que
tinha o direito de empregar. Também só lhe era permitido empregar
4 Promoção do desenho e dos conhecimentos químict l!npanheiros no ofício em que era mestre. A corporação se defendia
para os ofícios que deles necessitem. !osamente contra qualquer intrusão no capital mercantil, a única for-
5 livre de capital com que se confrontava. O comerciante podia com-
Revisão e controle de todas as manufaturas, com todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria. Só
núncia obrigatória de fraudes. tolerado como distribuidor dos produtós dos artesãos. Se circuns-
6 itãncias extremas provocavam progressiva divisão do trabalho, as corpo-
Ordenamento racional do tempo e dos métodos Ntções existentes se subdividiam em subespécies ou se fundavam novas
aprendizagem. corporações junto às antigas, sem que diferentes ofícios se reunissem
7 Liberdades para se estabelecer em qualquer parte numa única oficina. A organização corporativa excluía portanto a divisão
· país, com a licença municipal devida, sem manufatureira do trabalho, embora muito contribuísse para as condi-
são dos grêmios. ções de existência desta, especializando, separando e aperfeiçoando os
ofícios. Em geral, o trabalhador e seus meios de produção permaneciam
8 Proibição de gastos de exame ou de contribuições Indissoluvelmente unidos, como o caracol e sua concha, e assim faltava
miais para os candidatos ao mestrado. 11 base principal da manufatura, a separação do trabalhador de seus
meios de produção e a conversão desses meios em capital.
9 Submissão de todos os pleitos à justiça ordinária, eli- Enquanto a divisão social do trabalho, quer se processe ou não
minando a jurisdição privativa de cada grêmio. através da trOCa de mercadorias, é inerente às mais diversas formações
10 Liberdade ao mestre para receber quantos aprendizes econômicas da sociedade, a divisão do trabalho na manufatura é uma
criação específica do modo de produção capitalista" 48 •
ache conveniente, pelo menos um, e para formar com-
panhias com os comerciantes.
Veremos, ao longo deste texto, como se pretendeu subs-
11 Não estabelecer limitação ao número de oficinas nem tituir a transmissão do conhecimento profissional baseado no
ao de teares. sistema da aprendizagem pelo ensino técnico escolarizado.
12 Não permitir nenhum desembolso dos agremiados des-
tinado a confrarias, autorizando porém a previdência
social mediante a criação de montepios leigos.
13 Liberdade aos artesãos para comprarem as matérias~
primas de que necessitem.
14 Atribuição às Sociedades Econômicas, vereadores e
deputados dos comuns, da função de zelar pelo cum-
primento e fomento das normas do trabalho.
15 Admissão dos mesteriais nos empregos políticos e ad-
ministrativos do município, procurando a dignificação
social do trabalhador manual. 48. K. Marx. O Capital. Vol. 1, Tomo 1, p. 411.

108 109
obstante o caráter· quase sempre apenas descritivo, tem
O ESPAÇO DO DESENHO E O DESENHO
interesse:
DO ESPAÇO
"A experiência e a perícia prática permitem ao artesão desenhar
uanto constrói, com um mínimo de debuxos: freqüentemente traba-
sem nenhum esboço. Uma maneira de constatar em que momento
história os métodos da tecnologia moderna evoluíram e deslocaram
métodos do artesão, é estudar o grau em que os desenhos foram
utilizados em diferentes épocas. Em contraste com o artesão, o pra-
ticante de uma tecnologia completamente desenvolvida faz todas as
wuas tarefas de projeto no papeL Pode fazer algumas experiências antes
de completar o projeto, e tal como o artesão, o tecnólogo terá alguma
c()lnpreensão intuitiva de sua obra, derivada da experiência. Mas habi-
tualmente há de querer racionalizá-la numa linguagem científica e· ve-
rificá-la através do cálculo.
O surgimento gradual dos métodos da tecnologia moderna pode
Não é demais insistir nos significados da palavra ser descrito em termos de três etapas principais. Primeiro apareceu o
nho. A acepção usual que a reduziu, em português, quase desenvolvimento das técnicas básicas do desenho técnico. Depois se de-
à representação gráfica, aos atos de lançar no papel senvolveu o uso de métodos científicos experimentais notavelmente
maiores ou menores recursos técnicos algo que já existe, e ilustrados nas décadas de 1750 a 1760 pelos métodos experimentais de
Iohn Smeaton. Finalmente, nos séculos XIX e XX houve um apoio
que portanto se quer representar,. ou então algo que ainda não crescente nos métodos abstratos utilizando conceitos científicos, equa-
existe e se quer projetar, passa, quase que com exclusividade, ções matemáticas e, recentemente, como no projeto de motores,2 usando
a denotar desenho. Mas, como mostra Artigas ', desenho se programas de computação para achar as dimensões ótimas" •
filia ao étimo desígnio, que é desejo, vontade, tenção, e, à per-
da da consciência dessa raiz, em português, associa-se a pró- A descrição acima, introdutória e simplificadora, deve
pria perda da condição de decidir, de expor e realizar a von- ser corrigida e enriquecida com a análise que faz Arnold Hau-
tade. Isto reflete na própria língua, segundo Artigas, a condi- ser das relações entre as artes e o trabalho artesanal e o velho
ção colonial que nos manteve afastados das decisões e da ex- sistema de aprendizagem cooperativa (é bom lembrar que a
pressão da vontade. palavra arte em italiano servia para designar corporação, daí
Em face desse significado oculto do conceito de desenho, resultando uma confusão quanto ao sentido de artes maiores e
assumem grande importância a superação histórica da organi- artes menores, que designavam as corporações mais podero-
zação corporativa do trabalho, as novas relações de produção sas e as menos poderosas).
e as novas maneiras de transmissão do conhecimento técnico, São de A. Hauser as palavras que seguem:
que rompem a disciplina e os segredos corporativos. O des~t
"A literatura medieval sobre a arte limitava-se aos livros de re-
nho conquista seu espaço e reelabora, redesenha o espaço. ceitas. Nenhuma linha demarcatória constante e inalterável de qualquer
Arnold Pacey apresenta, numa seqüência um tanto linear espécie fica traçada entre as artes e os ofícios naqueles manuais práti-
e simplificadora, expurgando a questão das relações de pro, cos. Até mesmo o Tratado de Cennino Cenini sobre a pintura era domi-
dução, uma sucessão de etapas da história da tecnologia que, nado pelas idéias das corporações e baseado nas concepções corporati-
vas de excelência no desempenho do ofício; ele exortava os artistas a

1. J. B. Villanova Artigas. O Desenho. In: Caminhos da Arquitetuta. São Paulo, 2. A. Pacey. Op. cit. p. 16 e 17.
Liv. Edit. Ciências Humanas, 1981. 142 p.
111
110
serem industriosos, obedientes e perseverantes e via na rimitação~ üentemente podia ser identificado com o técnico e com o cientista,
paradigmas o caminho mais seguro para a maestria. muito bem esperar ser distinguido do artesão e ter o 3meio pelo
expressa considerado como uma das artes liberais" •

A emancipação da arte do espírito do puro artesanato deveri~~c


meçar com a alteração do velho sistema de aprendizagem e com a
lição do monopólio do en~ino retido pelas corporações. Enquanto o;..
rei to de trabalhar como artista profissional estava condicionado,.
aprendizado subordinado a um mestre de ofício, a influência da cor
ração e a supremacia da tradição artesanal não poderiam ser quebrac
A educação da nova geração nas artes deveria ser transferida
oficina para a escola, e a instrução prática teve que ceder, em
instrução teórica, a fim de remover os obstáculos que o velho
colocava no caminho dos jovens talentos. Com certeza, o sistema
gradualmente criou novos vínculos e novos obstáculos. O processo
meça com a substituição da autoridade do mestre pelo ideal da
za e acaba no corpo elaborado de doutrina representado pela instruçã•
acadêmica, na qual o lugar dos velhos modelos desacreditados é
do por novos, ainda que rigorosamente limitados, mas a partir
tão ideais cientificamente fundamentados. Coincidentemente, o métodc
científico de educação artística começa nas próprias oficinas.
início do quatrocentos os aprendizes eram familiarizados com os
mentos da geometria, da perspectiva e da anatomia, além das lições
referentes à prática, e iniciados no desenho do natural e no de bonecos. Fig. 2: Problema de estereotomia
Os mestres organizavam cursos nas suas oficinas e essa instituição deu
origem, de um lado, às academias privadas onde se combinava a ins- A observação e a experimentação alargam o espaço do
trução prática com a teoria e, de outro, às academias públicas nas quais
a velha comunidade dos oficiais e a tradição artesã foram abolidas e desenho, dos desejos e da vontade do homem, e ao mesmo
substituídas pelo relacionamento puramente intelectual entre professor tempo o desenho do espaço se resolve em novos métodos e
e aluno. A instrução nas oficinas e as academias privadas se mantêm processos de representação. Desenha-se o céu para se designar
através de todo o século XVI. mas perdem gradativamente sua influên- a terra. A cartografia é a terra vista do céu. As 4 estrelas são
cia na formação do estilo. espelhos através dos quais queremos ver a terra e as cartas
A concepção científica da arte, que forma a base da instrução
acadêmica, começa com Leão Batista Alberti. Ele foi o primeiro a ex-
de navegação, desenho dos pilotos, é o desígnio dos descobri-
pressar a idéia de que a matemática é o terreno comum à arte e às dores. Desenhado, o Céu une-se à Terra num só sistema, e
ciências, pois a teoria das proporções e a perspectiva são ambas disci- nela é plantado. A Cidade do Sol de Campanella é uma ci-
plinas matemáticas. Foi também o primeiro a evidenciar claramente a dade plana e se define no plano da eclítica.
união dos técnicos experimentais com os artistas observadores, a que já Já vimos como o globo terrestre de Martim Behaim é
tinham che_gado Masaccio e Ucel_lo. Ambos tentaram compreender o
mundo empiricamente e descobrir as leis naturais nessa experiência dO obra de tanoaria, embora invertendo o uso tradicional; o im:
mundo; ambos pretendiam conhecer e controlar a natureza; ambos se 3. Arnold Hauser. Tl1e Social History of Art. London, Routledge & Kegan
distinguiam dos professores universitários, limitados e escolásticos, .por Paul. 1952. 2 v., 1.0 vol. p. 320. ·
força de sua atividade criativa - a poiein. Mas se o técnico e -o 4. Imagem lembrada por Júlio R. Katinsky no prefácio que escreveu para o
cientista da natureza têm então a pretensão de serem considerados inte- artigo de Giorgio de Santillana. O Papel das Artes no Renascimento Científico.
lectuais, apoiados nos seus conhecimentos matemáticos, o artista que São Paulo, FAUUSP, 1981.

113
112
portante passa a ser a superfície de fora e não o volume portanto, se reduzirmos a tecnologia li técnica ou se a tomar-
no. Ele marca um ponto de encontro da técnica com a mos como invenção ou inovação po(leríamos fazê-Ia recuar
que se dá no caso com a construção de aparelhos científid até a roda, até o arco e a flexa ou até a cestaria; e com re-
Não foi porém o primeiro encontro desse tipo. Poderíam1 cuos sucessivos voltaríamos a Forbes, já citado no Capítulo I
lembrar, um entre vários, o exemplo do relógio de Antikyth deste texto.
ra, que foi encontrado no início deste século nos restos de Mas a tecnologia não é apenas o encontro da teoria com
barco naufragado em 80 a.C. no litoral grego. Derek J. a prática, embora o exija. Ela está vinculada desde seu nasci-
Solla Price, que identificou o achado como um mecanismo mento à alteração do modo de produção e às formas de aqui-
relojoaria, descreve-o como: sição e transmissão dos conhecimentos técnicos. O encontro
portanto da teoria com a. techné no relógio de Antikythera
H • • • um correspondente aritm"ético dos . . . modelos geométricos é um capítulo na história da técnica ou na história das inven-
sistema solar . . . que deu origens aos mecanismos, que com esferas ções, mas elas não se confundem com a história da tecnologia.
tamanhos diversos figuram os movimentos orbitais dos planetas, e
planetários. O mecanismo é semelhante a um grande relógio astronô-
O exemplo do moinho de cereais já citado é esclarecedor; não
mico sem escapo, ou ainda a um moderno computador analógico há como negar sua origem romana, dado indiscutível para a
usa dispositivos mecânicos para poupar operações tediosas" 5 . cronologia das invenções. Mas é na Idade Média e na Europa
que ele se difunde e, como elemento marcante das forças pro-
Esses contatos da técnica com a teoria, no relógio grego, dutivas, participa do quadro do modo de produção feudal 8 •
nas esferas armilares e no globo de Behaim estão exatamente Voltemos ao Renascimento. Hauser chama a atenção pa-
no campo da astronomia, terreno próprio da teoria pois, ra as fissuras que já se notam no sistema de aprendizagem.
Pacey centra sua linha de pesquisa no desenho e lembra que
" ... a teoria designava, na antigüidade, a contemplação do mundo e, se atribui a Brunelleschi a invenção do desenho de edifícios
em particular, do movimento dos astros; teoria ... se refere, desde o
Renascimento, a uma criação do espírito humano: nesse sentido, a astro~
em escala, antes de 1420, o que não_ se separa da "invenção"
nomia, que era uma simples descrição (uma teoria) tornou-se uma cons- da perspectiva e das proporções. Não se pode também, a meu
trução e um cálculo de relações matemáticas" 6 • ver, separar a questão das proporções dos problemas práticos
colocados pelas técnicas. No caso das técnicas que dão supor-
Ora, o relógio de Antikythera é uma construção e um te à arquitetura, já fiz referência a Gerard Desargues, à geo-
cálculo de relações matemáticas, o que nos autorizaria a dizer metria descritiva· de Monge e ao emprego de processos de
que desde então a astronomia deixara de ser teoria (contem- representação gráfica na arquitetura, na engenharia militar e
plação e descrição). na construção naval.
Mas colocadas as coisas nesses termos, por que não datar Mas, nem todas as técnicas se apóiam necessariaménte
o nascimento da tecnologia no primeiro século a.C.? Na ver- em representações gráficas.
dade este não é o único caso a suscitar essa dúvida. O moinho As "matemáticas práticas" desenvolvem-se notavelmente
hidráulico de cereais, sabe-se bem disso, já existia, com seu sob a solicitação das atividades mercantis na baixa Idade Mé-
automatismo peculiar, no mesmo século do relógio grego 7 ; dia. Exemplo disso é a adoção dos algarismos indo-arábicos
difundida em vários países europeus no século XIII por ma-
5. D. J. Solla Price. Cf. Carlo M. Cipolla e Derek Birdsall. The Technology of temáticos como Leonardo de Pisa (Fibbonacci) na Itália, e
Man. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1980. p. 64.
6. B. Gille. Op. cit., p. 400.
7. Didier Julia. Dictionnaire de la Philosophie. p. 300. 8. V. Charles Parain. Op. cit.

114 1 1"
que só chegou a Portugal no século XV, às vésperas
cobrimentos, A contabilidade italiana (Doppia scrittu,
método das partidas dobradas), difundida por Luca •"
no século XV - que só se estabelece oficialmente em
gal no período pombalino, com a implantação da
Commercio em 1759 9 - e o uso das frações decimais,
cam um período de florescimento das letras, das artes
ciência, que foi denominado Pequeno Renascimento.
As técnicas da mineração e da metalurgia, da
da agricultura, esta última beneficiada pela redesc
.;!. __ _
autores agrários romanos e pelo livro de Pedro de Crecet ..:..----!}/I
·do começo do século XIV, desenvolviam-se sem contactos ,...-": I I

a representação gráfica. Mas os estudos de anatomia, de '


logia e os herbários apoiaram-se proveitosamente no desent
A. C. Crombie vê nesses fatos provas de que as especu
ções filosóficas não se afastavam do trabalho manual
artesãos. Por isso, diz ele, a Idade Média foi uma época :~://
,L::_:. ________ "--~ . . ...-
inovação técnica, ainda que a maior parte dos progressos
nham sido realizados provavelmente por artesãos analfabetos Fig. 3: Problemas de e:~,·ten•ofvnlia
Crombie não aceita que mesmo na Antiguidade tívessi
havido separação entre a teoria e a prática. Mas o que interes'
sa é, usando as excelentes fontes de Crombie 10 , verificar A experiência era, para os navegadores, o critério de ver-
dade. Com ela contestaram os antigos conhecimentos da geo-
hipótese de que, já nesse período do Pequeno Renascimento,
grafia. Não era a experiência organizada e provocada com
a representação gráfica - o desenho em senso estrito - co•
meça a conquistar espaço. Não apenas nas artes que dele se bases numa teoria e destinada a comprová-la ou negá-la, que
é o que se estabelece com Galileu; mas é a vivência e a visão
servem operacionalmente, mas também naquelas em que com.
dos "aventurosos capitães", à qual não estava, no entanto,
parece como documentação, registro ou descrição. Os sentidos
alheia a ciência: "Foi alma a Sciencia, e corpo a Ousadia da
- a visão, particularmente, e vale lembrar que a invenção
dos óculos data do século XIV - parece ganharem do espaço mão que desvendou ... " escreve o matemático quinhentista
Pedro Nunes 11 •
privilegiado e exclusivo da palavra (caminho direto à razão)
Entre 1433 e 1447, sob a direção do infante D. Henrique,
da lógica, da retórica e da gramática.
os portugueses fizeram o levantamento sistemático da costa
Os portugueses tiveram papel importante nessa conquis- da África em 23 expedições sucessivas que mobilizaram 63
ta. Fizeram, de certo modo, no mar, o que os artistas faziam
caravelas, construídas e armadas em Lagos, no Algarve.
nas oficinas: romperam normas e inventaram.
Eis o que escreve Milton Vargas abordando aspectos
9. Marcos Carneiro de Mendonça. Aura de Commercio. Rio de Janeiro, Xerox dessa história:
do Brasil S.A .. 1982. Passim.
10. A. C. Crombie. Historio de la Ciencia de San Agustin a Galileo. Madt:id, 11. Cf. R. Hooykaas. The Portuguese Discoveries and the Rise o/" Modem Science.
Alianza Editorial, 1974. p. 161. p. 100, cópia xerográfica. Bibl. FAUUSP.

116 11'7
"Parece que para esse fim metodológico é que foi, em 1443, Várias são, portanto, as frentes de contacto entre a técni-
truída a Vila do lnfante, próxima do Cabo Sagrado. Mas nada se
ca e as ciências no período de expansão colonial. Desses con-
do que se passava no interior de Sagres. Não se deve, de maneira
guma, esperar que lá se tivesse instalado algo como uma academia tactos resulta uma ampliação de conhecimentos e de pro-
Provavelmente haveria reuniões de astrólogos, astrônomos, cartógrafj ce~ws do fazer. Mas a tecnologia não surge daí, desse acres-
e capitães de navios, convocados pelo Infante. Uma biblioteca centamento do saber, na terra ou no mar: ela vai se constituir
conter livros, entre os quais havia um manuscrito das Viagens de li partir de alterações mais profundas não só no desenvolvi-
Polo que lhe trouxera seu irmão D. Pedro de Veneza. Também mento das forças produtivas mas também nas relações de pro-
lá estar cópia de /mago Mundi, de Petrus Alliaco, citado por Zurara;
E mapas e documentos náuticos não se sabe quantos ou quais" 12 • dução.

A navegação no mar colocou novas exigências de ordem


técnica: os lemes de cadaste, novas formas e dimensões
velas - com rebatimento imediato na produção de
dos - , novas formas e dimensões dos cascos das embarca-
ções, isto no que se refere às coisas feitas. Há outros aspectos
técnicos do problema que não se relacionam diretamente
o risco e com a produção de objetos materiais; implicavam
em intercâmbio com os navegadores, de conhecimentos astro-
nômicos e matemáticos. A trigonometria oferece aos pilotos
as "tábuas de marteloio" (ou de martelogio), que lhes permite
corrigir os desvios laterais do curso (obviamente não regis-
trados na bússola), através da resolução de triângulos.
Em compensação, a trigonometria ganha alento e se sepa-
ra da astronomia.

"A este propósito, Guy Beaujouan vê certo paralelismo entre a


história da marinharia e a de certas ciências teóricas, pois precisamente
no século XIV a trigonometria separou-se dll astronomia para se cons-
tituir, em Oxford, em disciplina ·independente, com Ricardo Wallington
(1326), João Manduitt e Simão Bredon" 13 •

Outros aspectos da história das técnicas, que também se


relacionam ·com o novo desenho do espaço descoberto, dizem
respeito às técnicas do comércio, da organização de empresas
e das formas de associação capitalista, da contabilidade e até
dos seguros, apoiados no cálculo de probabilidade.

12. Milton Vargas. A Ciência do Renascimento. In: Revista Ciência e Filosofia


n. 0 2. São Paulo, E.F.LC.H., USP, 1980. p. 70.
13. Pierre Chaunu. La Expansión Europea . .Barcelona, Edit. Labor, 1972. p. 220.

l IR 1Hl
O ENSINO TÉCNICO PROFISSIONAL 3
De lá vêm as palavras colégio, escola, aula, mes-

:rmversidade, arte etc.
maneira geral, os historiadores estão de acordo quan-
descontinuidade entre os Collegia romanos e as Corpo-
medievais, embora tenha existido algo semelhante aos
ainda no fim do Império Romano. Mas é difícil pen-
outra forma de transmissão dos conhecimentos técni-
artes, que não fosse a do aprender fazendo nas pró-
oficinas dos artesãos. Assim sendo, mesmo que nume-
profissões nunca se tenham integrado no sistema corpo-
aprender fazendo teria sido comum a todos os ofícios.
istema da aprendizagem corporativa seria a forma mais
"Não é simples coincidência o fato de que, logo após a li1Dada, mais regulamentada e mais conhecida, hoje, pela do-
ção das corporações na França, em I 791, tivessem sido fundados
Escola Politécnica (1795) e o Conservatório de Artes e Ofícios í!íllmentação que deixou. B por isso que para examinar, na his-
e fosse organizada a Primeira Exposição Nacional da da técnica, este aspecto particular da reposição da força
A substituição do artesanato pela indústria é obra do Terceiro listado: trabalho (que não pode, a meu ver, reduzir-se à força no
Nikolaus Pevsner. §entido muscular ou no das calorias dispcndidas) é preciso
ver como se reconstituía e transmitia o saber fazer. Não nos
O ensino técnico não tem merecido muita atenção Iludamos: não há ciência sem cientistas; não há arte sem os
parte dos historiadores. Antoine Léon, na obra aqui artistas e não há técnica sem técnicos, pois a única técnica é
várias vezes, denuncia o descrédito em que ele é lançado. n dos homens. Examinada a questão do,ensino nos atos do
mesmo divergência quanto à denominação educação técnica: trabalho, na prática, que caracterizava o sistema da aprendi-
enquanto para Léon ela se refere ao ensino técnico profissio~ zagem medieval, examinemos a questão do ensino técnico es-
na!, para autores como Theobaldo de Miranda Santos ela colarizado. Sob este aspecto é principalmente na França que
diz respeito às tendências técnicas na educação, que vamos encontrar os dados mais importantes, pelo menos da
área européia-ocidental, nela incluído o mundo colonizado pe-
" ... colocam em primeiro plano o problema técnico da educação, pro·
curando organizar psicologicamente a escola, a fim de que a mesma se
los países europeus.
possa ajustar aos impulsos da atividade interessada da criança" '· Tomemos como ponto de partida o que escreve Frederick
B. Artz 4 :
Mas o que interessa abordar, neste texto, são as relações
do ensino com o trabalho, bastante antigas, aliás, anteriores "Os franceses, nos três e meio séculos que vão de 1500 a 1850,
mesmo ao sistema medieval .da aprendizágem. Boa parte do desenvolveram todas, ou quase todas as formas básicas da educação
técnica moderna. E ao longo do tempo, todos os países, até a Rússia,
vocabulário usado no campo do ensino origina-se dos Collegra através da Europa Oriental, e dos Estados Unidos até o Japão, todos
Opificum romanos, criados, segundo Plutarco, por Numa, rei
3. Plutarco. The Lives of the Noble Grecians and Romans. Chicago, Encyclo·
-1. Nikolaus Pevsner.. Pioneers of Modem Desi8n. Armondsworth ( E.ngland), paedia Britannica. Inc., 1952. p. 58.
Penguim Books, 1978. p. 44. 4. F. B. Artz. The Development o/ Technical Education in France: 1500·1850.
2. Theobaldo de Miranda Santos. Noções de HisJória da Educação. São Paulo, Cambridge (Mas), The Society for the History o/ Technology!M.I.T. Press, 1966.
C. E. Nac-ional, 197 I, p. 348. p. VII.

1?0 1"!1
eles modelaram suas escolas técnicas segundo as da França.
transferência gradativa do treinamento técnico a partir do oficinas e do trabalho em domicílio. Não é por isso
aprendi7ado, onde se aprendia uma profissão no próprio XIX e nem mesmo no final do século XVIII que se
aquele em que se aprendia a maior parcela de uma profissão rocurar os pontos de mudança. f: possível encontrá-los
numa escola, a França desempenhou o papel principal". XVI. E é talvez, como propõem F. B. Artz e Antoine
os pensadores que na visão utópica do futuro pro-
A importância dessa transferência de local, da formas de convivência e de trabalho - nele incluído
para a escola, é também salientada por René Hubert, a fazer - livre da rigidez corporativa.
examina a questão do ensino técnico:
primeiro desses pensadores foi Thomas More (14 78-
"O ensino técnico - o ensino especial, o ensino primário que criticava as relações soc~ais nascidas com o capita-
rior, correspondia a novas necessidades, de ordem técnica e profissio Sua crítica à expulsão dos camponeses das terras de
que as grandes transformações econômicas do século XIX fizeram transformadas em pastagens ficou célebre na frase: "Os
cer, particularmente o desenvolvimento da grande indústria e devoram os homens".
nistração pública e particular. Os antigos centros corporativos,
em 1791, não haviam conseguido reconstituir-se. Por outro opõe, à ordem social apoiada na propriedade priva-
operários qualificados não podiam mais contentar-se com receber, regime ideal de um país imaginário, Utopia (quer dizer:
outrora, na oficina do mestre artesão ou na da família, as tradições não tem lugar), onde a propriedade, a produção e a dis-
cernentes à prática dos ofícios" 5 .
putção dos bens é coletivizada. Todos os cidadãos são iguais
Se por um lado o trecho acima transcrito tem o dedicar-se ao trabalho produtivo, com exceção dos
de vincular o ensino profissional à extinção das corporaçõe e dos administradores. E todos os cidadãos devem
por outro lado levaria a crer que as corporações se acabara1 \lttmprir trabalhos agrícolas tanto quanto urbanos - o que é
num único e determinado dia e em conseqüência de uma mlgnificativo em termos da oposição cidade-campo.
aprovada pela Assembléia francesa. Na verdade, as coisa~ Mas More admite o trabalho escravo em sua Utopia e
parece não terem se passado assim; é preciso recuar mais $tm idéia de produção se limita à produção do artesão. As
história da França para descobrir as origens do ensino técnico: preocupações relativas à formação profissional são ditadas
Ao serem formalmente proibidas, as corporações já não reu- pelas concepções equalitárias de More: todos trabalham, to-
niam, na França, nem a metade dos artesãos existentes e, con• dos devem ter dois ofícios, um rural e outro urbano 6 • As
forme opiniões já aqui transcritas, elas já se haviam demons- crianças aprendem teoria nas escolas e prática nos campos,
trado tecnicamente inadequadas. para onde são conduzidas em passeios recreativos. Vêem os
Seria mais correto procurar as causas da decadência do adultos trabalhando e também trabalham. Jean Marie Auzias
processo do ensino nas oficinas - quer dizer no trabalho - , chama a atenção para esse aspecto interessante da reuniao da
não em atos político-administrativos, CO!JlO foi a lei Le Cha, teoria à prática, da tentativa de superar a oposição cidade/
pelier, mas sim na própria superação do modo de produção campo e a insuperável oposição entre trabalho manual e tra-
artesanal. E: o capitalismo, com suas empresas de mineraçã6, .balho intelectual.
com seus moinhos, com a manufatura disciplinaclora, que aca'
ba ou pelo menos reduz a significação global do trabalho nas "Cabe notar que esta obrigação de trabalho que une a teoria à
prática agradaria a Rousseau. Mas a Utopia é um sonho pastoril retros-
5. Renê Hubert. História da Pedagogia. Trad. de L. D. Penna e J. B. D. Penna.
São Paulo, C.E.N./M.E.C., 1976. p. 95:
6. Antoine Léon. Op. cit., passim.

122 1')1.
pectivo. O livro, de inegável importância, funciona como todas,' 1~81t•ução de uma grande escola técnica, de um museu tecnoló-
pias. Descreve o que a realidade técnica e econômica da lQiaborutórios para a demonstração da maior parte .dos proces-
seu tempo oferece de positivo, de desejável" 7 • ·' - em uso na indústria" ..

No século XIX, outro inglês, William Morris, a influência de Bacon se configura mais claramente
por sua atividade artística e por suas idéias e militância filósofos que a ele se filiam e que tratam especifi-
lista, retoma a idéia de utopia - lugar que não existe das questões da educação: John Locke (1623-1704)
obra que tem como título News From Nowhere: Amós Comênio (1592-1671), de quem trataremos em
lugar nenhum. Mas nowhere também pode ser dividid11
no (agora) e here (aqui). El preciso antes, porém, abrir um parênteses para Descar-
Além da obra de More há outra em que o ensino oposição em que tão freqüentemente é colocado em
artes e ofícios assume importância na cidade utópica. a Bacon, não deve impedir que se reconheça, apesar
me à obra de Tomás Campanella (1568-1639), intitulada diferenças metodológicas, a preocupação do filósofo fran-
Cidade do Sol, título que Ernst Bloch vê como oposição ao com o ensino técnico; A questão da transmissão dos conhe-
obra de !)anto Agostinho A Cidade de Deus. técnicos, das artes e dos ofícios estava no ar; e nos
XVI e XVII, quando as corporações estavam no apo-
No projeto de Campanella as muralhas da cidade não poderia deixar de despertar o interesse dos filósofos
pintadas com afrescos didáticos, ensinando cosmologia e se opunham à escolástica e ao ensino baseado na retórica.
cia; haveria professores que se encarregariam de ensinar ,---~artes achava preferível que os estudantes falassem o pior
crianças o sentido dessas pinturas. Elas aprenderiam brincan-,, dos dialetos bretãos e não soubessem o latim, mas soubessem
do, sem cansaço, as diversas ciências, pelo método histórico. taciocinar corretamente.
Artz refere-se a um Projet d'une école des arts et métiers
uNo interior do sexto círculo, encontram-se pintadas todas as, apresentado por Descartes em 1648 a d' Albert, Tesoureiro
artes mecânicas e seus instrumentos, e como as usam as diversas na~
ções, cada uma ordenada e explicada segundo seu próprio valor e tra- Geral da França. E acrescenta que:
zendo também o nome do inventor respectivo" 8 •
"Descartes convenceu-o' a fundar excelentes estabelecimentos em
Paris para o aperfeiçoamento das artes ... no Colégio Real e em outros
A cidade, com sua planta em círculos concêntricos, é uma lugares, onde seriam abertos ao público salões amplos para artesãos,
criação racional. cósmica e heliocêntrica, projetada na pran- cada um deles destinado a um ofício. Para cada um haveria uma sala
cheta, em contraste com o caos das cidades medievais •. anexa dotada de todos os instrumentos mecânicos necessários ou úteis
para o ensino dos ofícios. Deveriam ser fornecidos fundos suficientes
A contribuição de Francis Bacon (1561-1626) no que não só para as experiências como também para sustentar professores
se refere à educação técnica é semore lembrada. Na sua cida- . . . Esses professores deveriam ser conhecedores da matemática e da
de ideal, a Nova Atlântica (uma utopia técnica, na opinião de física, a fim de poderem responder a qualquer questão ...
Ernst Blochj, ele prevê: Eles não precisariam dar aulas públicas excepto nos domingos e
feriados. Esta foi uma das primeiras propostas bem definidas para aqui-
lo que um século e meio depois veio a ser o Conservatoíre des Arts et
7. J. M. Auzias. La Filosofia y las Tecnicas. Barcelona, Oikos.tau S.A. Ediciones. Métíers e a primeira escola de artes e ofícios na França" 10 •
1968. p. 44.
8. T. Camoanella. A Cidade do Sol. Rio de Janeiro, Athena, s.d. p. 13 et seqs. 10. F. B. Artz. Op. cit., p. 11. Ver também Pierre Maxime Schubl. Maquinismo
9. Emst Bloch. La Philosophie de la Renaissance. Paris, Payot, s.d. p. 59. y Filosofia. Buenos Aires, Galatea, Nueva Visión, 1955. p. 44.

124 1?'\
Fechado o parênteses, retomemos a linha baconianaí Criticando o ensino verbalizado-escreve, em outra obra:
nos leva ao principal educador do século XVII: o tcheéo
Amós · Comênio. Protestante, vinculado à u As palavras são o sinal das coisas: se ignoramos as coisas, que
irmãos morávios, teve que abandonar seu país em 1 as palavras?" 12 .
a partir de então viajou por vários países da Europa.
nio 11creditava na construção de uma sociedade humana Apesar de sua visao utilitária da educação, Comênio só
justa e na força da educação para esse fim. Para ele a vinte páginas de sua Didática Magna ao ensino das
ção deve ser motivada pela experiência e pela intuição, o capítulo XXI, que se encerra com a afirmação de que
considerado pioneiro dà moderna pedagogia. a prática faz os artistas", o que lembra. a frase de Aristó-
J. L. Vives, Campanella e Bacon figuravam entre "B construindo que os homens se tornam construtores"
leituras. Considerava a lnstauratio Magna, de Bacon, a a Nicômaco).
ra brilhante de uma era nova". Sua Didática Magna John Locke (1632-1704), discípulo de Bacon, considera-
1630. Nela propõe que se faça a criança seguir, a partir fundador do empirismo sensualista, também atribui à edu-
assimilação de noções conhecidas, o mesmo caminho adotaê !)!lção uma função utilitária e vinculada a exercícios práticos.
pelos cientistas para a descoberta de verdades desconhecida Mas sua preocupação fundamental é com a educação dos "ca-
A idéia de uma progressão do simples ao complexo, do valheiros". Para os pobres, propõe escolas de trabalho -
ereto para o abstrato deve, para ele, estar presente nos "Work-house schools" - destinadas a combater a "preguiça"
gramas de ensino e nos métodos pedagógicos. Comênio e a "vagabundagem" e a formar, nas crianças de 3 a 14 anos,
coloca assim como um dos pioneiros do empirismo sensuaus~ hábitos dé ordem, de disciplina e de sobriedade u.
ta. Recomenda começar, nas escolas primárias, pelas coisas O sensualismo de Locke coloca-o entre os doutrinado-
sensíveis, antes de· qualquer exercício abstrato.
res da "educação realista".
"O conhecimento deve necessariamente principiar pelos sentidos O ensino na Alemanha ocupa um lugar de destaque nesta
(uma vez que nada se encontra na inteligência que primeiro não tenha história, particularmente no que se refere à linha principal
passado pelos sentidos). Porque é que então o ensino há de principiar desta pesquisa, que é a passagem da transmissão do saber ime-
por uma. exposição verbal das coisas, e não por uma observação real diatamente ligado à prática de uma arte ou um ofício, para a
dessas mesmas coisas? Somente depois de esta observação das coisas
ter sido feita, virá a palavra, para a explicar melhor" 11 • escolarização desse processo de reconstituição da força de tra-
balho. O ensino, na tradição humanista literária, mesmo no
Quanto aos exercícios práticos cita (na mesma obra, p. Renascimento, permanecia verbal e filológico. Bacon, como
320) especificamente o aprendizado dos ofícios: - já se viu, foi o primeiro a reagir contra essa postura, aconse-
lhando o estudo da natureza, mesmo quando modificada pela
"Aprenda-se a fazer fazendo. mão do homem, ao invés dos livros 14 • ·
Os mecânicos não detêm os aprendizes das suas artes com espe- Mas a universidade (um tipo especial de corporação)
culações teóricas, mas põem-nos imediatamente a trabalhar, para que
aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a pintar pintan' permanecia, em geral, alheia ao novo pensamento sobre as
do, a dançar dançando etc."
12. Comênio. ]anua Linguarum. Cf. Theoba1do de M. Santos. Op. cit., p. 242.
13. A. Léon. Op. cit., p. 31.
11. J.A. Comênio. Didática Magna. 2.a ed. Lisboa, Fund. C. Gulbenkian, 1976. 14. Buisson, Ferdinand. Nouveau Dictionnaire de Pédagogie et d'lnstruction
p. 307.
Primaire.

126' 127
técnicas". Nem Descartes, Hobbes, Locke ou Leibniz; ~'ôde-se dizer que Comênio está presente nessas iniciati-
os filósofos, nem Harvey e Boyle entre os cientistas, que se refere aos objetivos e métodos e até pela pre-
Bacon, tiveram contato íntimo com as universidades. de um de seus descendentes, Daniel E. Jablonsky ( 1706-
parece ter sido a única exceção. As escolas secundárias Partícipe da fundação da Academia de Ciências de
mas instituições independentes das corporações - e e autor de um Dicionário Geral das Artes e das Ciên-
mais tarde a universidade - é que deram acolhida às era bisneto de Comênio.
idéias sobre o ensino que fundamentaram as escolas Nas obras e iniciativas educacionais desse período, na
alemãs (Realschulen), propostas por C. Semler em 1705 ,lj!!ll!lnha, nota-se a presença de três componentes importao-
Augusto Herrnan Francke ( 1663-1727) é o nome o interesse do Estado, as idéias religiosas sobre educação
citado quando se trata de educação técnica no século tundidas pelos pietistas, e algumas iniciativas da sociedade
na Alemanha, ao lado de Veit L. von Seckendorff, J. J. como foram as Sociedades Patrióticas e outras do gêne-
e do próprio Leibniz. Seria interessante lembrar a fundação, em Hamburgo, da
Francke opunha-se à doação de esmolas aos pobres e rJciedade de Promoção das Manufaturas, Artes e Indústrias
punha iniciativas que pudessem despertar neles suas nrónri: (1765).
forças no sentido do trabalho. Esses fatos repercutiram no Brasil de diversas maneiras
pelo menos desde o início do século XIX. Vejamos o que
"Ao lado do orfanato, que logo se tornou famoso, e onde ~screve, por exemplo - talvez um dos poucos exemplos - o
ci-ianças - retiradas de um ambiente pouco proveitoso - deviam Desembargador Rodrigues de Brito, num relato sobre a situa-
educadas desde a juventude de maneira orientada segundo uma
de trabalho, constrói a escola dos pobres, cria uma escola realista ção econômica da Bahia, escrito em 1807 por ordem do Prín-
os filhos dos cidadãos e dos artesãos (que veio a receber o nome cipe Regente.
Escola Alemã), e como ponto culminante uma escola de latim, prepara- Brito revela preocupações com a sociedade e particular-
tória para a universidade, e finalmente o Paedagogium" 16 • mente com a situação do clero monástico, submetido aos vo-
tos perpétuos, entre os quais o de pobreza:
· Francke e Christoph Semler (1669-1740) eram discípu-
los de Comênio e ligados à seita dos protestantes pietistl\S. "Prometer ser pobre é dizer que quer ser sustentado pelo trabalho
Imaginaram um sistema escolar em pirâmide, em cujo cume dos outros. como os zangões nas colméias; e não duvidemos que ao
menos neste sentido os Monges guardem este voto mais pontualmente
estava o paedagogium. O objetivo desse sistema era o de apro- que o primeiro - o de castidade - : façamos-lhes esta justiça" 17 •
veitar todas as qualidades dos jovens, de todos os estratos da
população (incluindo as moças), através do método de instru- A proposta que faz para acabar com o que chamava
ção prática que se aproximava dos "trabalhos manuais". simplesmente de vadiação tem muito com o que já se disse
. O centro de onde se irradiou o projeto das "escolas rea- neste texto sobre a educação técnica: ,
listas" foi Halle. Christian Wolff, da universidade local, elo- "Mas deixadas estéreis lamentações, vamos ao que importa. que
giava as escolas de artes manuais, é o remédio da bem conhecida enfermidade. Ordinariamente lhe ouço
aplicar o da supressão dos Mosteiros, que é o que se lhe aplicou em
"Nas quais se ensinavam todas as questões científicas 4ue eram , França, e em grande parte da Europa. Eu porém não subscrevo a des·
necessárias às artes e ao trabalho artesanal". truição de xofre, alheias da marcha da natureza, que sempre caminha
gradualmente.
15. P. Monroe. Hist6ria da Educação. Apud Theobaldo M. Santos. Op. cit.,
p. 241. 17. Rodrigues de Brito. A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX.
16. Cf. A. Timm. Op. cit., p. S4. Salvador, LiVraria Progresso, s.d. p. 95.

128 129
Assim eu enxertaria os Mosteiros em belas Casas de educação
instrução, e ocupação, onde os vadios, e viciosos de um e de outro o caso dos estabelecimentos çlos Gobelins, os regulamentos
achassem~ a necessária correção de seus costumes, e adquirissem os ®mtabeleciam um sistema ainda semelhante ao corporativo:
nhecimentos necessários para se tornarem úteis a si, e à Pátria, habitua~:;: sessenta vagas para crianças, obrigadas a cinco anos como
do-se ao trabalho; em casas onde os verdadeiros pobres, e enfermo!! itpt·endizes e depois mais quatro como operários, para pode-
achassem alívio, os órfãos educação, os ignorantes instrução, os filóstl' tem abrir oficina em qualquer lugar do reino 21 • Isto tem uma
fos tranqüilo retiro para poderem entregar toda a sua alma às
meditações da natureza, livres dos cuidados do governo doméstico.
particularidade muito significativa: a manufatura, que reúne
etc.,. ts. trabalhadores de diversos ou de mesmo ofício no mesmo lo-
cal, é já uma forma de trabalho em cooperação, mas o ofício
Além dessas repercussões ao nível das idéias, outras houc e as habilidades pessoais de cada trabalhador ainda são muito
ve de sentido prático. Por exemplo, a produção industrial de importantes. A aprendizagem, na ma·nufatura, ainda tinha seu
ferro no Brasil começa na Fábrica Patriótica de Congonhas do papel. .
Campo, no começo do século XIX. As sociedades auxiliado- Outras medidas eram também' necessárias. Vejamos o
tas e sociedades propagadoras do ensino e da indústria, cria- que escreve F. B. Artz:
das a partir da· independência, também servem de exemplo
das posições assumidas pela sociedade civil. Quanto ao ensi- "Para incrementar a qualidade e a quantidade das manufaturas
francesas, especialmente as de tecidos de seda e de lã, tapeçaria, rendas,
no, é interessante lembrar que em 1890, no Rio de Janeiro, J. fitas, mobiliário, vidraria e metalurgia, o Estado deve não apenas pró·
J. Menezes Vieira, depois de ter percorrido vários países da teger essas indústrias com tarifas, mas deve ir além e promover, para~
Europa, fundou uma escola dominical para trabalhadores e ' lelamente ao sistema tradicional da aprendizagem, alguns métodos para
22 •
uma escola à qual deu o nome de Pedagogium 19, retomando, o treinamento de operários"
mais de um século depois, a palavra usada por Francke.
No Colégio Menezes Vieira, já antes de 1890 havia ofici- Assim é que, ainda no século XVII, o.Estado cria acade-
mias de nível superior para o ensino das artes e do desenho.
nas de recortador em madeira e em pedra (estereotomia ?) de A primeira delas foi a Académie Royale d'Architecture (1671),
zincografia e uma aula de cartografia.
com cursos de mecânica, hidráulica, engenharia civil e mili-
Em 1890 o Prof. Olavo Freire foi contratado para lecio- tar 23 , da qual participou o arquiteto François Blondel.
nar a Cadeira de Trabalhos Manuais na Escola Normal da São dessa época as primeiras iniciativas particulares de
Corte, onde estabeleceu as tarefas em madeira e em vime, a ensino técnico. Um exemplo é o trabalho do padre francês
modelagem, a cartonagem e os exercícios froebelianos 20 • Charles Demia (1637-1689), que se recusava a aceitar o ades-
Voltemos porém à França, As primeiras formas de edu- tramento na escrita e a iniciação ao conhecimento do latim
cação técnica escolarizada são organizadas em função das ne- como objetivos únicos do ensino. Ele se orienta no sentido
cessidades econômicas e militares do Estado. F. nas manufatu- de "formar homens trabalhadores", com conhecimentos ade-
ras do Estado e nas oficinas da marinha e do exército que se quados ao exercício de uma profissão, e propõe a criação de
concentra fundamentalmente o ensino técnico do "antigo regi- patronatos de crianças para ensinar e ajudá-Ias a encontrar
me". Nas manufaturas que produzem artigos de luxo, como é. uma "colocação digna" 24 •
21. A. Léon. Op, cit .. p. 21.
18. Rodrigues de Brito .. Op. cit., p. 96. 22, F. B. Artz. Op. cit., p. 24.
19. Fernando de Azevedo. A Cultura Brasileira. 3. 0 vol., p. 99. 23. A. Léon. Op. cit., p. 20.
20. A. Morales de Los Rios Filho. Evolução do Ensino Técnico Industrial no 24. Celia Ortiz A. de Montoya. Historio de la Educación y de la Ptdagogia.
Brasil. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Agosto de 1945. p. 216. Parana (Argentina), Universidad del Litoral. 1968,. p. 370.

130 1'11
O ensino nas escolas religiosas assume grande é !I base de todos os trabalhos mecânicos, e que os traba~
cia. As ordens criaram e ampliaram seus estabelecime_t: competentes devam ser excelentes na arte do desenho.
ensino, voltados não mais exclusivamente para a forma propõe a abertura de "um curso completo de artes
novos padres, mas também para o ensino da ciência, no qual seria demonstrado o funcionamento das
cularmente da matemática, da física e da lógica, os materiais usados e todas as operações da manu-
francês como língua escolar ". Assim é que os jesuítas, No século XVIII um dos grandes nomes da história
torianos e os jansenistas tiveram importância excepciort e<tucação é o suíço Jean Jacques Rousseau. Na obra Emílio,
século XVII. Os jansenistas particularmente, apesar da o grande clássico da "utopia pedagógica", propõe
duração de suas escolas e do reduzido número de aluno1 r íl<Jucaçao voltada para a reforma da sociedade v.
ram os introdutores das idéias de Comênio na França, Artz lembra que Rousseau, assim como La Chalotais e
a língua francesa em aula e orientando-se, metodologicam~ seguia a teo.ria de Locke sobre o conhecimento
do concreto para o abstrato. ~umano e a sua origem nas sensações - bases do pensamen-
Mas as escolas religiosas não tiveram maiores reflexivo - e que a experiência direta e a razão deveriam
com a formação profissional até o final do século XVII. (,lcupar o lugar da autoridade na educação. Insiste por isso no
partir de movimento criado pelo abade La Salle, em 1 . valor do aprender fazendo; declara explicitamente seu ódio
que o aspecto profissional fica mais evidenciado nas ílos livros, "que apenas nos ensinam a falar de coisas de que
católicas. Os "Freres des écoles chrétiennes" ensinavam não sabemos nada".
tura, escrita e matemática (em francês), "trabalhos manuai1 É por aí que chega, mais do que qualquer outro escritor,
como jardinagem, trabalhos em metais e desenho (mecâníó a considerar as artes manuais em seu verdadeiro valor educa-
e à mão livre), e disciplinas referentes às práticas comerciai: cional: um jovem aprende mais em uma hora de trabalho ma-
e à contabilidade. nual do que num dia inteiro de instrução verbalizada 18 •
Os Irmãos das Escolas Cristãs ampliaram bastante As idéias de Rousseau sobre a educação através do tra-
atividades, e quando morreuLa Salle, em 1721, suas escolas' balho manual tiveram grande influência nas escolas elemen-
tinham 9.000 alunos. As vésperas da Revolução elas tinham tares do final do século XVIII e do começo do XIX na Ale-
36.000 nas escolas dominicais e nos pensionatos gratuitos manha e, particularmente, influenciaram Basedow, Pestalozzi
Fora do âmbito confessional, há uma iniciativa muito e Fréibel.
significativa na França. f: a fundação, por Jean Jacques Ba• Mas apesar dessa valorização do trabalho manual e da
chelier, em 1766, de uma Escola Real para o ensino gratuito influência que exerceram:
do desenho. Iniciou-se com 1.500 vagas e seus alunos desti- "As teorias de Rousseau sobre o ensino baseado no trabalho .ma-
navam-se aos ofícios artesanais. Essa "f:cole de dessin", após nual, assim como as de Comênio e de Locke, são apenas parte - e
a Revolução passou a ser a "École des arts décoratifs". Bache- uma parte secundária - de um esquema geral da educação" 29 •
lier era professor da Academia Real de Pintura, ligado aos
enciclopedistas e pode ser considerado um dos piopeiros da Através de Jea·n Jacques Bacheliçr (1724-1805) chega-
educação técnica moderna. Dava grande importância ao !msi-. mos a uma questão interessante para a história do ensino téc-
no de desenho. Difunde-se nessa época a idéia de que o dese- nico no Brasil.
27. Herman Rõhrs. Eles Revolucionaram a Educação. In: O Correio (UNESCO)
25. F. B. Artz. Op. cit., p. 12. . n. 0 7, julho, 1983. p. 20 et seqs.
26. F. B. Artz. Op. Cit., e Ruy Afonso da Costa Nunes. História da Educação 28. F. B. Artz. Op. cit., p. 65.
no Século XVII. São Paulo, E.P.U/EDUSP, 19.51. Passim. 29. Idem, ibidem.

132 1'l'l
Em 1816 o governo de D. João VI fez vir ao Brasil "Após os primeiros passos de estudo da figura, vem o desenho
de ornato, de aplicação tão variada e tão útil em todos os ofícios em
missão artística composta de Grandjean de Monti que o gosto pode ornamentar e embelezar, seja pela escolha. das for-
quitetó, discípulo de Perder e Fontaine - os irmãos mas, seja nos acessórios. Aqui a escola passa quase inteiramente para
Marcos e Zeferino Ferrez, João Batista Debret, Carlos ::>tmao a influência do professor de arquitetura; porque os móveis, vasos, obje-
Pradier, Sigismundo Neukomm, todos eles artistas tos de ourivesaria e bijuteria, marcenaria etc. são de sua competência
escultores, gravadores e o último deles, compositor, organista ao mesmo tempo que ele ensinará ao carpinteiro e ao fabricante de
e mestre-capela. Chefia a missão trazida pelo conde da Barca carroças a traça, com os regras de precisão e exatidão que devem guiar
todos os artesãos".
o cavalheiro Joaquim Lebreton, que não era artista 30 •
também na mesma viagem: Francisco Ovide, engenheiro me- "Um pequeno curso de geometria pr,ática seria bastante útil a essa
cânico; Francisco Bonrepos, assistente de escultor; Carlos escola. Poder-se-ia começá-lo pelo ensino de aritmética, da qual os ar-
Henrique Lavasseur e Luiz Sinforiano Meunié, assistentes de tesãos têm diariamente necessidade".
arquiteto (estereotômicos); Nicolau Magliori, mestre serralhei-
ro; João Batista Leve!, mestre ferreiro e perito em constru- Lebreton mostra a seguir, nos manuscritos, que são aliás
ção naval; Luiz José e Hipólito Roy (pai e filho), carpintei- rascunhos de uma Memória que enviaria ao conde da Barca,
ros e fabricantes de carros. A essa Missão Francesa se credita a importância do curso que propunha. Acreditava mesmo que:
a fundação da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, e a
Lebreton se deve uma interessante proposta de criação de uma " ... a segunda escola, proposta por mim, ligada como imagino à nova
dupla escola de artes, pois ao lado da Academia de Belas Ar- academia e ajudada pelos socorros práticos que exporei mais abaixo,
tes propunha ele a criação de uma "escola gratuita de dese- fará caminhar a indústria nacional bem mais rapidamente do que no
nho para as artes e ofícios". México".
O professor Mário Barata, em excelente trabalho de pes-
quisa, traduziu e fez publicar um manuscrito até então inédito A comparação refere-se à "Academia de las Nobles Ar-
de Lebreton ", de onde passo a transcrever alguns trechos: · tes de San Carlos", fundada na cidade do México em 17 81 32 •
As referências a Alexandre von Humboldt, que Mário
"Este dupló estabelecimento, embora de natureza diversa da do Barata faz citando influência do cientista alemão "sobre Le-
primeiro, se amalgama perfeitamente com ele. Será, inicialmente, o breton no tocante à criação de uma escola de artes", não me
mesmo ensino dos princípios básicos do desenho até o estudo que se parece que encontrem apoio no corpo do texto rascunhado
diz baseado no vulto; e serão os mesmos professores, a saber, o Sr. De- por Lebreton. A viagem de Humboldt ao México e seu entu-
bret e o professor português já empregado, que se encarregarão desta siasmo pela Nova Espanha não parecem suficientes para carac-
parte do ensino; coloco aí o. sr. Debret como tendo grande experiência
do ensino elementar do desenho, bem como do de pintura, porque ele terizar uma influência 33 • O que se pode dizer, comprovada-
não somente dirigiu durante quinze anos o 'atelier' dos alunos de David; mente, é que o irmão de Alexandre( Wilhelm von Humboldt,
foi durante dez anos o único mestre de desenho do melhor e mais nume- que no per(odo de 1809-181 O foi o organizador da educação
roso colégio de Paris, o colégio deSte. Barbe". na Prússia:

30. "O objetivo era criar uma Escola Real das Ciências, Artes e Ofíciós." A. Silva 32. Ramón Sánchez Flores. História de la Tecnologia y la lnvención en México.
Teles. Artigo inédito. México, Fomento Cultural Banamex A. C .. 1980. p. 142.
31. Mário Barata. Manuscrito Inédito de Lebreton. In: Revista do Patrimônio 33. Um resumo das observações de Humboldt sobre o México pode ser en-
Histórico e Artistico Nacional n. 0 14. Rio de Janeiro. 1959. p. 283~305. contrado na obra acima citada, p. _255 et seqs.

l'U 135
" ... repelindo a idéia de que a escola profissional pudesse Lebreton foi um dos "subscritores" de fundos para a es-
derada um meio eficaz de educar a mocidade, não admitia o
como ~lemento principal na formação da personalidade" 34 • desde 1788 e, depois, durante quinze anos presidiu sua

Nessa época são fundados na Prússia, com a Parece que nestes termos não cabe nem mesmo falar de
ção de Humboldt, da obra de J. J. Bachelier sobre a proposta de Le-
mais do que isso, há uma continuidade no projeto de
" ... substituindo as antigas escolas de latim, os ginásios técnico, transplantado de Paris para o Rio de Janeiro.
cos. Sua missão era romper os moldes estreitos das escolas realista azões do fracasso desse transplante merecem de fato me-
então existentes e promover a 'formação de homens livres' e estudo. A visão de Lebreton parece-me sobretudo "civi-
escravos de uma profissão. Nelas era mais importante a formação ,, não há nas suas escolas lugar de destaque para artis-
do que a preparação profissional específica" 35 •
e artesãos nativos. A proposta chegava ao ponto de suge-
A importância de Humboldt nesta história é que foi a imigração de operários especializados:
quem apresentou Lebreton ao marquês de Marialva,
rio do conde da Barca em Paris 36 • "Acho que o Brasil poderia entrar bem mais frutuosamente na
hnrtilha das perdas que experimenta a indústria francesa, e com as
Por outro lado, influência clara e pouco lembrada se beneficiam o norte da Alemanha, a Bélgica holandesa e os
da obra de Jean Jacques Bachelier. O chefe da Missão Estados Unidos. Por uma única operação pode-se tirar de Paris pelo
cesa a ele se refere, longamente, em seu manuscrito. menos cem operários escolhidos segundo o emprego que deles fosse
alguns aspectos que me parecem essenciais dessas referência! pmposto fazer, e que repartiriam por oficinas organizadas nos pontos
tnais úteis" 38 •
"Citarei um fato digno de atenção. Em Paris é reconhecido,
todos os homens capazes de observar as causas e seus efeitos, que A dupla escola pensada por Lebreton não deu certo. A
escola gratuita de desenho, estabelecida por volta de 1763, que se instalação de uma academia era menos custosa do que a de
vem a feliz revolução de gosto e o grande aperfeiçoamento experimeni ltmfl escola técnica, que necessita de grande número de ferra-
tado pela indústria francesa em todos os ofícios relacionados com o mentas, máquinas de diversos tipos, consome matéria-prima e
luxo. A Academia de Belas Artes não influiu neles, pois só admitia e
só queria formar artistas. energia. A solução adotada foi, provavelmente, ditada por
Um de seus membros, pintor bastante medíocre de flores e ani- esse critério. A Academia vingou, sendo formalmente criada
mais (Bachelier), mas homem de espírito e muito ativo, imaginou a es- em 1820. A pintura - a grande pintura histórica - tinha
cola tal como ainda hoje existe em Paris ... utilidade indiscutível para os reinantes. Ela exaltava os feitos
e os fatos ligados à Coroa. Mesmo as pinturas "de gênero" (a
A velha Academia, então bem má, se escandalizou porque um de pintura de flores e frutos da terra, da paisagem etc.) não dei-
seus membros se abaixava até os operários, prostituindo assim a nobre
arte do desenho" 37. xavam de ter utilidade em termos de apropriação da natureza,
assunto que se inscreve nos interesses mercantilistas desde o
34. Zoraide da Rocha Freitas. História do Ensino Profissional no Brasil. São livro de Garcia de Orta, intitulado Didlogos dos Simples e
Paulo, s/ed. 1954. p. 68.
35. A. Timm. Op. cit., p. 84. Drogas (1563) até as obras de Frei Mariano da Conceição Ve-
36. Adolfo Morales de Los Rios Filho. O Ensino Artístico- Subsídios para uma loso. A escultura cumpria papel semelhante ao da grande pin-
História. Rio de Janeiro. 1938. p. 15.
37. M. Barata. Oo. cit. Ver também L. A. Cunha: As Raizes da Escola de
tura. A arquitetura neoclássica de Grandjean de Montigny era
Ofícios Manufatureiros no Brasil: 1808/1820. In: Forum Educacional: Rio de
Janeiro, F.G.V. abr./jun. 1979.
38. Mário Barata. Op. cít., p. 303.

136 1'l'7
a própria linguagem do império francês. Grandjean fora a aproximação que faz José Mariano Filho, do
pulo de dois célebres arquitetos napoleônicos, Charles Perci• :IJaumnu com Borromini, então é preciso aproximar Grand-
e Pi~rre François L. Fontaine, criadores do estilo Império de Montigny de Bernini.
e fora por eles indicado ao tzar Alexandre I para ser Mestre Valentim juntava à sua condição de escultor a de
teto da Corte e professor da Academia Imperial de ,,...,,; fundidor. O projeto e a obra do Passeio Público do Rio
Artes de São Petersburgo, cargos que não aceitou 40 • de Janeiro, de sua autoria, colocam-no na condição de urba-
Euclides da Cunha considerava Grandjean "um nista e paisagista. Obras de talha, projeto e construção de
to de genio" ". Muito mais do que a genialidade dele, o edifícios também estão presentes entre seus trabalhos. Até
me interessa é ver o que significou, para o Brasil, às vésperas tnesmo no desenho industrial fez incursões. Conforme Adolfo
da independência, a importação do estilo Império francês. Morales de Los Rios Filho,
Importava-se, com ele, o dirigismo artístico do neoclassicis-
mo francês, que chegava com o prestígio de arte oficial. " ... executou os modelos das peças de porcelana de dois serviços de
chá que, fabricados em coalim nacional, pelo químico João Manso Pe-
"O neoclassicismo correspondia assim à organização social da- reira, na sua oficina da Ilha do Governador, chamaram a atenção,
quele período, marcado pelas distâncias entre o pensar e o fazer. Um quando expostos, em Lisboa; ... "
se recolhia no idealismo; o outro, confinado aos aspectos negativos do
trabalho, nos desvios econômicos, na mecanização do homem, na coisi- Morales de Los Rios não poupa elogios à qualidade da
ficação do trabalhador, na orientação não raro repressiva e predatória.
Assim a sociedade exibe, objetivamente, a dicotomia entre o pensar e louça produzida por João Manso Pereira.
o fazer, o que vale dizer, embora de forma radical, a distinção entre o
poder e o trabalho" 42. "É~j,ncrível como esse isolado artista pode produzir, dada a falta
de recursos técnicos e financeiros, obras tão perfeitas como desenho e
Quando a missão chegou ao Rio de Janeiro fazia dois fatura 43 •
H

anos que Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho - tinha


morrido em Minas Gerais. Valentim da Fonseca e Silva -· Esse químico a que Morales de Los Rios se refere apa-
Mestre Valentim - morrera em 1813, e Manoel da Costa rece em outras circunstâncias no registro histórico. Pedro
Ataíde em 1830. Calmon refere-se a uma Sociedade Literária "jacobina", que
se reunia a partir de 1794 e que foi denunciada como sedi-
Na obra desses artistas estava representado todo o saber
ciosa, divulgadora dos "princípios franceses", contra a reli-
fazer das artes e ofícios no Brasil desde o século XVI.
gião e a Coroa. Dela participavam o poeta Manuel Inácio da
Na escultura e na talha estava a sabedoria dos entalha- Silva Alvarenga, advogado e professor de Retórica. João Mar-
dores e da imaginária colonial. Na arquitetura do Aleijadinho, ques Pinto, professor de grego, o médico Vicente Gomes, o
representada por obras executadas em muitas cidades para
mestre de meninos Manuel Ferreira, o bacharel Mariano José
clientes locais, irmandades e igrejas, está o oposto da arqui- Pereira da Fonseca (mais tarde conhecido pelo título de mar-
tetura gerida centralizadamente, dos edifícios públicos proje- quês de Maricá) e o professor de gramática latina João Man-
tados no Rio para serem construídos em qualquer lugar. Se so Pereira; "foram presos na devassa então feita e ficaram
39. L. Benevolo. Op. cit., p. 200. na prisão até 1797 44 •
40. A. M. de Los Rios. Op. cit., p. 27.
41. Euclides da Cunha. À Marjem da História. Porto, Livraria Lello & Irmãos 43. A. M. de Los Rios Filho. Grandjean de Montigny e a Evolução da Arte Bra~
Editores. 1946. p. 227.
42. Flávio L. Motta. Op. cit., p. 25. si/eira. Rio de Janeiro. 1941. p. 219.
44. Pedro Calmon. Op. cit., p. 1340.

138 139
O caso afasta-se, aparentemente, da linha de pesqui Após este longo parênteses, voltemos ao Rio de Janeiro
deste trabalho, mas sua importância para a história da e às artes.
no Brasil permite que nele nos detenhamos um pouco Morales elogia eloqüentemente Mestre Valentim e trans-
E entre os membros desse "clube Jacobino" 45 que encontl", creve o juízo que dele faz Goulart de Andrade:
mos a referência mais antiga a João Manso Pereira, que
rece citado como químico já na obra de Eschwege: ,, ... um consciente fator da emancipação política de seu país, porque
trouxe para a vida, congênita no sangue, a surda revolta dos subju-
"Em 1801, João Manso, mulato de nascimento, tendo gados".
dos livros alguns conhecimentos químicos e, portanto, segundo o
de pensar dos portugueses e brasileiros, devia estar habilitado para Araújo Porto Alegre, arquiteto, discípulo de Grandjean
bricar ferro, obteve do governo a incumbência de construir um de Montigny, mas atento à obra menos erudita do Mestre Va-
forno de fundição (em Araçoiaba). Devia ser auxiliado pelo irmão lentim, considera-o
conhecido mineralogista Andrada, que fora nomeado inspetor das
nas, em virtude de ter traduzido a Mineralogia de Bergmann, em " ... um grande artista, homem extraordinário para o Brasil daquele
tugal. tempo e para o de hoje, e o seu nome deve ser venerado".

As idéias de Lebreton contidas nos manuscritos mencio-


"Não- -_tiveram sucesso.
nados não se concretizaram. Ele morreu no Rio de Janeiro,
Joiió Manso, homem de muito tino, que mais tarde vim a conhe-
cer, ria-se gostosamente de toda essa história, tendo chegado à conclu- em 1819, e apenas em 1856 começaram a aparecer os frutos
são de que, para fabricar ferro em grande escala, não bastavam conhe- de suas idéias ••. E nessa década que se concretizam algumas
cimentos de química" 46 • medidas significativas, ainda que pouco importantes quantita-
tivamente, no sentido de implantar a transmissão do saber
Historiando a siderurgia em São Paulo, Jesuíno Felicís- fazer pela via escolar, que é, relembro, a linha principal desta
simo Jr. também se refere a João Manso Pereira, pesquisa. Muita coisa tinha acontecido nesse meio tempo: a
independência, a impossibilidade de acesso dos brasileiros à
"Professor Régio de Gramática Latina no Rio de Janeiro, tam- universidade portuguesa, a extinção das corporações de ofí-
bém altamente considerado como naturalista e versado em química" 47 •
cios no Brasil, em 1824, e a exposição de Londres em 1851.
Manso Pereira teve divergências com o governador Cas- De 1854 a 1857, foi diretor da Academia Imperial de
tro de Mendonça e, em 1789, mandou, diretamente para Lis- Belas Artes o arquiteto Manoel de Araújo Porto Alegre, o pri-
boa, amostras e análises de ferro de Araçoiaba. Havia recebido meiro brasileiro a nela lecionar. Demonstrou grande interes-
também a incumbência de analisar minério procedente de São se pela proposta da dupla academia, tendo em vista a partici-
Luís do Maranhão. A esse atrito se deve provavelmente o con- pação do Brasil na Exposição Internacional de Paris (1855) a
ceito expendido pelo governador: "Manso, bem longe de ser fim de
um verdadeiro químico, não era senão um alquimista". " ... não passar por uma terra inculta, sem artes e sem indústria, como
49
passou na Exposição do Palácio de Cristal em Londres" •
45. Wilson Martins. Histórias da Inteligência Brasileira - 1794~1855. São Paulo,
Ed. Cultrix Ltda. 1978. Voi. li, p. 3.
46 .. W. Eschwege. Pluto Brasiliensis. Belo Horizonte, Itatiaia. 48. Coincidentemente, em 1856 foi criada, na cidade do México, a Escuela Indus-
47. J. FeliCíssimo Jr. História da Siderurgia de São Paulo. São· Paulo, LG.G. trial de Artes y Oficios. R. S. Flores. Op. cit., p. 288.
1969. 49. Cf. Flávio L. Motta. Op. cit., p. 23.

140 141
Em dezembro de 1855, falando na condição de diretor Os argumentos apresentados por Araújo Porto Alegre
da Academia, inclui em seu discurso as seguintes palavras: são retomados e elaborados por Rui Barbosa no discurso que
pronuncia em comemoração ao 25.0 aniversário do Liceu:
" ... o nosso país precisa muito de operários inteligentes e é este o pon- "A noção de arte aplicada, como elemento essencial a todos os
to principal do nosso sistema, embora os espíritos fátuos simulem pre- produtos da indústria humana não existia, por assim dizer, antes da
tensões acima da realidade dos fatos e das necessidades atuais. centúria que atravessamos. A Escola dos Bronzistas franceses, a Escola
Industrial de Tolosa, as de Desenho e Pintura na fábrica de porcelana
de Sevres e raros institutos constituíam até o fim do século XVII I os
A Inglaterra, à proporção que progride no desenho, sobe o nível mais consideráveis, senão os únicos núcleos de educação técnica nesta
na perfeição da forma dos objetos de sua indústria. . . O Palácio de ordem de estudos, num país, como a França, aclamado entre todos como
Cristal demonstrou claramente esta verdade" ' 0 •
o mais consumado produtor de trabalhos. de gosto industrial nos tem-
pos modernos.
Um ano após este discurso de Porto Alegre, em dezem-
bro de 1856, funda-se no Rio a Sociedade Propagadora das
Belas Artes do Rio de Janeiro. A reunião de fundação foi na A exposição de Londres de 1851 foi o começo de nova era. Ela
sede da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que era fez pela arte, entre os ingleses, o que Sócrates fizera pela Filosofia,
no edifício projetado por Araújo Porto Alegre, onde até recen- quando a trouxe dos numes aos homens: ensinou ao povo britânico que
temente esteve o Arquivo Nacional. A iniciativa da reunião, a deusa podia habitar sob o teto de qualquer família, como num palá-
à qual compareceram 99 pessoas, é atribuída ao escultor Joa- cio veneziano.
quim Bethencourt da Silva, antigo discípulo de Montigny. O
Liceu de Artes e Ofícios, criado ao abrigo da Sociedade Pro- A supremacia inglesa saiu corrida do certame internacional. A
pagadora das Belas Artes sua preponderância política, a sua soberania monetária, a enorme po-
tência mecânica acumulada nas suas fábricas não ,a salvaram! O colosso
" ... visava a formar os artífices da indústria nacional e os operários recebeu a mais severa das humilhações. A disformidade do ciclope foi
aperfeiçoados de que ela tanto necessitava para progresso próprio e do desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à
país. Verdadeira escola de arte aplicada à indústria, ela proporcionava, matéria pela mão hábil do artista. Esse revés foi o começo de uma
além da. aritmética, da álgebra, da geometria, da física, da química, da transfiguração.
geografia e da história, um curso completo de desenho aplicável a todos
os ofícios industriais" .5t
Já nos fins de 1581 se apontavam as medidas. No ano seguinte
E precisolembrar que, ainda na Academia de Belas Ar· lançaram-se as primeiras pedras do imenso monumento, de que a Es-
tes, no curso noturno, destinado a alunos livres, deveriam. ser cola de South Kensington 53 , com seu museu, é o centro, e que consome ·
ensinadas as seguintes disciplinas: à Inglaterra somas espantosas. Numa palavra, esse ensino, que até
1852 não existia naquele país, em 1880 se ministrava, nos cursos su-
"Desenho Industrial, Desenho de Ornatos e de Figuras, Escultura periores desse instituto, a 824 alunos, em 151 escolas de .desenho, a
de Ornatos e de Figura, Matemáticas Elementares (aritmética, geometria 30.239 pessoas, em 632 classes especiais, a 26.646 discípulos e, em
prática e noções de mecânica), Modelo Vivo" 02 • 4.756 escolas, a 768.661 crianças" 54 •
53. A Escola de South Kensington e seu Museu foram fundados em 1855
50. Idem, ibidem. por Henri Cole, que tinha sido o braço dií-eito do príncipe Alberto na organiza·
51. A. M. de Los Rios Filho. O Ensino Artístico. p. 255. ção da exposição de 1851. Hoje constituem o_ Museu Vitória e Alberto.
52. Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympío. 1959. p. 54. Rui Barbosa. O Desenho e a Arte Industrial. In: Obras Completas. Vol. IX.
1.62!, nota 22.
Rio de Janeiro. Ministério da Educação e Saúde. 1948. p. 241 et seqs.

142 143
A humilhação sofrida pela indústria inglesa, _nas onde a arte se identificava com o trabalho que au pru~e·.
vras de Rui Barbosa, é lembrada, quase meio século não se pode, a meu ver, procurar aproximações maiores
por ,Pevsner, renomado historiador do Desenho Inousma Rui Barbosa e os ingleses acima citados. Para Rui a pro-
Referindo-se à exposição de 1851 escreve: industrial abrangia a dos objetos produzidos pelos artis-
.. A organização, as dimensões dos edifícios e a quantidade e artesãos. Achava que, sendo o Brasil um país agrícola,
produtos eram verdadeiramente imponentes. A qualidade, do _ llOr que não poderia ser também um país industrial? A produ-
vista da arte decorativa, era abomináveL Os visitantes mais inteligent< ção industrial teria assim uma porta de entrada aberta pela
se deram conta disso e o fato fez nascer na Inglaterra e em outros
ses discussões sobre as causas de uma deficiência tão evidente" ". ptodução "artística". Em todo o caso, resta a evidência de
que questões como as relações arte/indústria, divisão do tra-
Como que participando dessa discussão, Rui Barhno" balho na fábrica e outras já eram sentidas e discutidas no Bra-
no discurso já citado, expõe algumas opiniões: sil do fim do século XIX. Não foram os programas de hoje
" ... não é possível estar dentro da civilização e fora da arte. de Industrial Design que as levantaram com primazia. A ques-
tão estava na ordem do dia, preocupando as classes dirigentes.
A arte não tem por missão exclusiva cingir com o friso panate- A contribuição de Rui Barbosa às tentativas de estabe-
naico a frontaria do Partenon. lecer o ensino técnico, particularmente o do desenho, não se
reduz ao citado discurso. Ana Mae Barbosa, em excelente tra-
balho, levantou dados preciosos sobre a participação de Rui
As linhas de um artefato ordinário podem revelar o dedo de um
artista". nas questões do ensino, através de discursos, pareceres e tex-
tos escritos. A autora citada atribui ao norte-americano Wal-
Araújo Porto Alegre considerava lastimável a presença ter Smith, autor de Art Education, Scholastic and Industrial,
do Brasil na Exposição de 1851, e Rui Barbosa mostrava que publicado em Boston em 1873, grande influência na forma-
a própria participação iriglesa fora desastrosa; seus comentá- ção das idéias de Rui sobre o ensino do desenho 57 • As expe-
rios foram certamente inspirados em John Ruskin, cuja obra riências já havidas nos Liceus parece que entusiasmaram o
The Stones of Venice cita no mencionado discurso. Eoi Rus- conselheiro, e o cenário do fim do Império decerto estimu-
kin quem chamou a atenção para a feiúra dos objetos produ- lava a proposição de um projeto nacional para a educação,
zidos na Inglaterra vitoriana, para a superioridade da pro- sintonizado com as idéias de progresso.
dução artesanal, bem como para a sua visão da arte como "ne-
cessidade social" que nenhuma nação poderia desprezar sem "À importância do Desenho como disciplina inseparável da esco-
colocar em perigo sua existência intelectual 56 • Em 1861, la popular e uma das forças mais poderosas para a fecundação do tra-
balho e o engrandecimento da riqueza dos Estados, Rui acrescenta a
William Morris, discípulo de Ruskin, fundou uma empresa sua importância como instrumento de transformação de uma pedagogia
para a produção de objetos artísticos, da qual resultou a cria- meramente retórica e verbalista, num processo de desenvolvimento in-
ção da Arts and Crafts Society (Sociedade para as Artes e telectual através do uso dos sentidos, da percepção e transcrição dos
Ofícios) em 1888. Tanto quanto Ruskin, criticava a divisão objetos. Froebel, Pestalozzi, Rabclais, Fénelon, Lutero, Bacon e Comê-
do trabalho característica de produção industrial, verberava nio são freqüentemente citados".
contra as máquinas e se propunha a restaurar a produção arte- As fontes em que se apóia Rui Barbosa relatam porme-
55. N. Pevsner. Op. cit., p. 26.
56. Arnol~ Hauser. The Social History of Art. London. Routledgé & Kegan. 57. Ana Mae T. B. Barbosa. ArtewEducação no Brasil. São Paulo. Perspectiva/
1952. 2. 0 vo1., p. 819.
Sec. Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. 1978. p. 52.

144 145
norizadamente as experiências norte-americanas,
mente as que se desenvolviam na cidade de Boston. , indo até a montagem das peças fabricadas. Esses exer-
, Walter Smith, em texto traduzido por Rui para o eram propostos na ordem crescente da dificuldade de
guês, após referir-se entusiasticamente às escolas mercantis !Cução, apoiados num desenho de trabalho e assistidos por
industriais na Alemanha, acrescenta: mecânico perito. Della Vos organizou seus cursos de me-
lílltltca para atender às necessidades das oficinas das estradas
"As opiniões que sustento são as que, com admirável precisa ferro russas e, aplicado nos Estados Unidos, abriu o cami-
foram antecipadas, há muito, pela perspicácia do instinto prático ' para o taylorismo 60 •
povo de Massachusetts: e no Instituto Tecnológico de Boston, ora Morales de Los Rios registra a introdução desses méto-
plena florescência de sua ação benfazeja, o Estado possui um dos no Brasil, datando-a de 1916. Foi nesse ano que a refor-
inestimável para o desenvolvimento da educação industrial. ..
ma do curso da Escola Profissional Sousa Aguiar, no Rio,
t'euniu todos os alunos num único curso de artes mecânicas.
A autora citada transcreve matéria publicada no O processo de trabalho adotado não era portanto de especia-
O Novo Mundo, editado nos Estados Unidos, que se lização. Baseava-se no sistema sueco do slOjd (ou sloyd, em
também ao ensino em Boston, em 1877 (artigo de André inglês), que conjugava educação técnica, intelectual e educa-
bouças).
ção física, e nos métodOs norte,americanos de Eddy e Wood-
"Mr. Runkle, do M.I.T., fez um discurso sobre educação industrial
ward, que foram introdutores do método de Della Vos nos
ilustrando-o com modelos de madeira, ferro e aço feitos pelos alunos Estados Unidos.
deste instituto. Explicou que pelo sistema ali adotado o espírito e as "Para esse fim, as oficinas eram dotadas de séries pedagógicas,
mãos são educados conjuntamente com a mesma facilidade, e em tão inspiradas nos modelos russos e norte-americanos, em que as tarefas
pouco tempo como qualquer deles o poderia ser separadamente" 09• são dispostas não só de maneira atraente mas obedecendo, também, a
urna orientação metódica- e progressiva" 61 •
Isto parece indicar como se aplicava no M.I.T. o lema
Mens et Manus, adotado pelo Instituto desde sua fundação. Se a criação dos Liceus pode ser associada à extinção
Cabe aqui acrescentar algumas informações, entre parên- das corporações e aos primeiros esforços para a implantação
teses; o presidente do M.I.T., a que Rebouças se refere, era das artes no Brasil independente, as propostas de Rui são
John D. Runkle, e foi um dos introdutores dos métodos do de outro tempo: as últimas décadas do século XIX são marca-
russo Victor Della Vos nos Estados Unidos. Della Vos era das pelo início de um processo de industrialização que atinge
diretor da Escola Técnica Imperial de Moscou e na exposição o Rio de Janeiro, conforme já tive oportunidade de dizer. A
de Filadélfia de 1876 apresentou seus métodos e os resultados população urbana aumenta significativamente e o escravismo
de sua aplicação. O método do professor de Moscou associa- está em decadência, sofrendo fortes pressões que prenunciam
va oficinas de construção às aulas teóricas de Física, Matemá- seu fim. As manufaturas e o trabalho livre exigem a educaçiio
tica e Química. Nessas oficinas de instrução cada aluno dis- técnica. Tratáva-se de tirar todas as consequências possíveis
punha de uma bancada de trabalho e de um jogo de ferramen· de um processo iniciado já nas décadas anteriores.
tas. O trabalho era analisado, decomposto nas suas operações ·A persistência dO escravismo era já apontada como noci-
mais simples, e o aprendizado começava com o uso das ferra- 60. W. H. G. Armytage. História Social de la Tecnocracia. Barcelona. Ed. Penín-
sula. 1970. p. 216. Ver também Celso Suckow da Fonseca, Op. cit., p. 440.
58. Ana Mae T. Barbosa. Op. cit., p. 47. 1. 0 vol.
59. Idem, Ibidem. p.41. M.I.T. é a sigla do Massachusetts Institute of Technology. 61. A. Morales de Los Rios. Evolução do Ensino Técnico Industrial no Brasil.
p. 217.
146
1 A''7
va por autores do começo do século passado. Não se . Os efeitos sufocantes da escravatura sobre a técnica não
apenas a questão da "contabilidade" da escravidão, da simplesmente função da baixa produtividade média do próprio
ção dos custos do trabalho escravo. Há outros argumen lho escravo, ou mesmo do volume de seu emprego: eles afetavam
todas as formas de trabalho. Marx procurou exprimir o tipo
Rodrigues de Brito, em obra já citada aqui, escreve sobre ação por eles exercido numa fórmula teórica célebre, embora crítica.
malefícios da todas as formas de sociedade é uma determinada produção e as
~uns relações que conferem a todas as outras produções e às suas rela-
" ... perpetuidade da escravidão, cuja consideração basta para
ções o seu grau de influência. E uma iluminação geral em que são mer-
espírito dos escravos, e lançá-los em uma inércia fatal" 62 •
gulhadas todas as outras cores e que modifica as suas tonalidades
específicas. E um éter especial que define o peso específico de tudo o
Significativas são também as transcrições feitas por que tem existência no seu seio" 65 •
Mae Barbosa do texto de Felix Ferreira.
"Duas têm sido as principais causas que muito têm concorrid
Mas foi ainda durante a vigência do escravismo que se
para o vergonhoso atraso em que se acham entre nós as artes industriaií tentou implantar o ensino técnico. A sugestão de Lebreton
a primeira provém da falta de vulgarização do desenho, a segunda para a imigração de operários franceses não foi aceita. Mas a
cancro social que se chama escravidão!' 63 • imigração rural começa a interessar o governo desde o início
do século, que em 1818 contratou, com Sebastião Nicolau
O autor do trecho acima cita, em apoio à sua argumen- Gachet, a vinda de cem famílias suíças (2003 pessoas), do que
tação, o projeto apresentado por José Bonifácio de Andrada resultou a fundação de uma colônia que deu origem à cidade
Silva à Constituição em 1823, no qual considerava a escravi- de Nova Friburgo 66 •
dão como barreira insuperável ao desenvolvimento da agri-
A questão da mão-de-obra que não estivesse marcada
cultura e artes industriais. Refere-se também à argumentação
pelo estigma da escravidão interessava não apenas à agricul-
do visconde de Cairu, para quem a escravidão desonra o tra-
tura como também à indústria, embora o apelo à imigração,
balho. Argumento idêntico encontramos em Manuel Raimun-
ao que parece, foi um desvio da questão principal. Não foi
do Querino, no fim do século: portanto casualidade que a Sociedade Propagadora das Belas
"Aqui, o trabalho fora considerado objeto secundário e de des- Artes fizesse sua primeira reunião na Sociedade Auxiliadora
prezo, porque só ao escravizado competia. E assim ficou o operário de- da Indústria Nacional. Esta, fundada em 1827, desde 1833
sabrigado, sem instrução, sem direitos e sem a consciência de sua persa~ publicava uma revista mensal intitulada O Auxiliar da Indús-
nalidade, como instrumento poderoso do progresso e do engrandecimen- tria Nacional, contendo
to do país. Quem era medianamente afortunado não admitia que os
seus descendentes aprendessem um ofício e tornaram extensiva essa
desconsideração às artes liberais" 64 • "Coleção de memórias e notícias interessantes aos fazenc:leiros,
fabricantes, artistas e classes industriosas no Brasil, tanto originais como
É no mesmo sentido que um autor de nossos dias, Perry traduzidas das melhores obras que neste gênero se publicam nos Esta-
Anderson, orienta sua análise dos efeitos gerais do escravismo: dos Unidos, França, Inglaterra etc."

"Uma vez que o trabalho manual veio a estar profundamente Na fundação do Instituto Histórico, em 1838, a Socie-
ligado à perda da liberdade, não havia uma lógica social livre para a
65. Perry Anderson. O Modo de Produção Escravista. ln: Pinsky, Jaime. Modos
62. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 99. de ProduçãO na Antiguidade. São Paulo. Global, 1982. p. 109.
63. Ana Mae Barbosa. Op. cit., p. 27. 66. P. Brasil Bandechi et a!ii. Dicionário de História do Brasil _.:. Moral e Civis-
64. M. R. Querino. Op. cit., p. 38. mo. 4.a ed. São Paulo. Melhoramentos. 1976.

148 1<10
dade Auxiliadora estava representada por seu secretário, primário e, entre muitas outras coisas, a criação de
rechal Raimundo José da Cunha Matos 67 • escola profissional primária em cada município 70 •
O Licée des Arts (Liceu de Artes) de Paris foi funda1 Ricardo Severo, na obra citada, refere-se também a ini-
nos primeiros anos da Revolução, como desdobramento f!lllflVas contemporâneas à criação do Liceu em São Paulo,
propostas de Bachelier e no quadro da organização do foram a Escola de Educandos Artífices, instituto oficial
público proposta pelo jacobino e patriote Condorcet. i 11 Escola Dona Ana Rosa. Ainda em São Paulo, em 1885, foi
nele que Jean H. Hassenfratz, químico, mineralogista e criado o Liceu de Artes e Ofícios Sagrado Coração de Jesus,
cialista em siderurgia, deu seu curso de technologie a pelos salesianos, que acabavam de chegar ao Brasil 71 .
de 1786. · Mas de certa maneira persiste ·nos Liceus a tendência
Na Bahia, o Liceu de Artes e Ofícios foi criado em 1 que já se notara expressa nos manuscritos de Lebreton: o mo-
e as aulas iniciadas no ano seguinte. Mas já havia ensino delo europeu e o caráter "civilizador" dessas escolas, que
desenho técnico na Bahia desde 1818 e mais tarde, no Lico:u geralmente não tinham lugar para nativos entre seus mestres.
Provincial, na Escola Normal e no Ginásio Baiano do barão Fernando de Azevedo chama a atenção para isso quando se
de Macaúbas, em cadeiras como a de mecânica aplicada refere à ausência de interesse e de esforços, nessas novas insti,
artes 68 • tuições de Artes e Ofícios, pelas artes populares ou nativas e
A questão do ensino técnico chamou a atenção das clas- pela preservação da humilde herança artística das pequenas
ses dirigentes também em São Paulo. Em 1873 foi fundada a oficinas esp~lhadas pelo país. Aquelas que sobreviveram foi
Sociedade Propagadora da Instrução Popular, organização lei- sem nada deverem às escolas. O autor exemplifica com as
ga .e particular que criou, dez anos depois, o Liceu de Artes rendas e bordados, de largo uso no vestuário, nos paramentos
e Ofícios de São Paulo. Entre os fundadores estavam Carlos e nas alfaias das igrejas, e que constituíam uma das mais inte-
Leôncio da Silva Carvalho, senador Souza Queiroz, conse- ressantes "indústrias caseiras" do país, como o são as do Cea-
lheiro Martim Francisco, desembargador Bernardo Gavião, rá e de Pernambuco. O autor lembra também o trabalho dos
Conselheiro Pires da Mota, Rodrigo Silva, o capitão Joaquim seleiros do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, fabricantes
Roberto de Azevedo Marques e o arquiteto Ramos de Azevedo. de arreios e selas de montaria profusamente ornamentadas
com prata. Citando Eduardo Prado, Fernando de Azevedo
·' ... o escol da sociedade paulista daquela época, de constitucional li- refere-se também aos utensílios de barro: talhas, moringas,
beralismo, conduzida pela nova corrente do positivismo filosófico para bilhas, alguidares, ânforas, produzidas na Bahia, em Pernam-
a obra renovadora de cultura e civilização" 69 .
buco e em Santa Catarina 72 •
Mas, na Bahia, parece ter se criado tima situação pe-
Leôncio de Carvalho, o primeiro diretor da Escola, foi culiar, durante poucas décadas do século XIX, quando coexis-
quem procedeu a uma reforma da educação no país, decreta- tiam o Liceu de Artes e Ofícios, a Academia de Artes e o
da em 1870, que previa a criação de escolas primárias de
aplicação. Um ano depois João Alfredo apresenta seu projeto, Arsenal de Marinha. Há dois aspectos que tornam importànte
o exame das condições de trabalho e de ensino na Bahia nessa
que não foi aprovado, estabelecendo a obrigatoriedade do
época. O primeiro deles diz respeito à importância industrial
67. A. Morales de Los Rios Filho. O Ensino Artístico ... 70. Theobald~o de Miranda Santos. Op. cit., p. 41-9.
68. Maria Helena Flexor. Oficiais Mecânicos na Cidade de Salvador. p. 55. 71. Fernando· de Azevedo. A Cultura Brasileira. 3.a ed. São Paulo, Edições Me-
69. Ricardo Severo. O Liceu de Artes e Oficios de São Paulo. São Paulo. lhoramentos, 1958. vol. li. p. 234.
L.A.O.S.P. 1934. p. 8. 72. F. de Azevedo. Op. cit., p. 235.

150 1 <; I
de Salvador e do Recôncavo no período. A esse respeito a,iudá-los nas tarefas profissionais. Na vigência do
crevem F. Foot e V. Leonardi: corporativo ninguém podia exercer ofício, com tenda
sem estar embandeirado, sem. passar primeiro pelos
"Surgiram na Bahia, nos anos quarenta do século passado, l
cas modernas que formariam até 1860 o núcleo fabril relativàn comprovadores de sua habilitação. Mas para os ofi-
mais forte do país. Só a partir dessa década é que a Bahia seria governo, qualquer um poderia ser carpinteiro de ma·
passada em sua produção pelas fábricas do Rio de Janeiro" 73 • toneleiro, poleeiro, ou executar qualquer trabalho pro-
sem a examinação. A aprendizagem se fazia no tra-
Em 1881, segundo dados apresentados por Roberto e os ofícios principais eram: carpinteiro de machado,
monsen, havia 44 estabelecimentos têxteis no Brasil, dos poleeiro, carpinteiro de casas ou de obras brancas,
doze na Bahia, produzindo 3.359.000 metros de de lagarto, ferreiro de forja, ferreiro de lima, fer-
221.000 quilos de fio; nove em São Paulo, produzin1 de fundição de cobre, tanoeiro, cavoqueiro, bandeireiro,
1.970.000 metros de pano e 240.000 quilos de fio; oito pintor, tecelão, pedreiro e canteiro. Esses arsenais
Minas Gerais, fabricando 360.884 metros de pano e 10 período colonial, os raros locais de formação de
quilos de fio. Na área que hoje é o Estado do Rio de J lo-de-obra de propriedade governamental 76 seguindo, apa-
havia onze fábrica produzindo 13.150.000 metros de tecido o medeio francês colbertiano.
Isto quer dizer que a nova manufatura têxtil na Do período que vai da independência ao final do século,
convive com a velha manufatura de açúcar (manufatura como já disse, é o período mais importante para esta pes-
nica) e, este é o segundo aspecto interessante, com uma quisa sobre a escolarização do saber fazer, Manuel Raimun-
nufatura heterogênea 75 , que é a construção naval. Tão carac. do Querino oferece dados importantes. Refere-se aos artistas
teristicamente "heterogênea" quanto o exemplo clássico e artesãos, suas obras e sua formação profissional, num livro
oficinas de construção de carruagens, a fabricação de barcos hoje quase esquecido 77 , onde se propõe a· escrever uma histó-
tinha na Bahia uma tradição que remonta, no mínimo, ao t'ia da técnica no Brasil. É bastante significativo da sua ma-
século XVII. Ela se mantém durante o século XIX, com seus neira de encarar a história que o capítulo denominado Tem-
artistas, mesmo após a extinção das corporações de ofício, às pos Coloniais, apoiado na Carta de Pero Vaz Caminha, co-
quais, aliás, não se vinculavam os arsenais. mece com a frase:
Celso Suckow da Fonseca dá informações muito escla-
recedoras. sobre os ofícios presentes nos estaleiros ou nas Car- "O primeiro operárió que pisou as terras do Brasil foi o carpin-
reiras de construção naval, nas Ribeiras, como então eram teiro da armada que, por ordem do almirante Pedro Álvares Cabral,
construiu de .uma grande árvore a cruz fincada na Coroa Vermelha,
chamadas. Os ofícios se apresentavam com seus mestres, con- sobranceira áo mar, comemorativa do descobrimento, onde Fr. Henri·
tramestres, mandadores oficiais, mancebos e aprendizes. A que Soares celebrou a primeira missa em 1.' de maio de 1500" 78 •
maioria dos operários que trabalhavam nos arsenais era de
brancos e portugueses que freqüentemente levavam seus escra- Com essas palavras ele lembra a presença, já na primeira
cena da história do Brasil, do protagonista oculto: o operário.
73. Francisco Foot e Victor Leonardi. História da Indústria no Brasil. São Paulo,
Global Edit.. 1982. p. 33.
76. Almirante J. Greenhalgh. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na HistÓ·
74. Roberto C. Simonsen. Evolução Industrial do Brasil. São Paulo, C.E.N./
EDUSP (Brasiliana, vol. 349). 1973. p. 5. ria. Cf. Celso S. da Fonseca. Op. cit., 1. 0 vol., p. 80 et seqs.
77. M. R. Querino. As Artes na Bahia - Escorço de uma Contribuição Histórica.
75. Uma descrição das duas formas de manufatura encontra-se em Karl Marx. Bahia, Oficinas do Diário da Bahia, 1913. p. 140.
O Capital. Livro primeiro, vol. I, p. 392 et seqs.
78. M. R. ·Querino. Op. cit., p. 140.

152 "'~
Exige que ao lado do almirante e do padre se coloque o construção, reparação e manutenção de barcos. Lem-
pinteiro.
lsso as oficinas do gênero mantidas na França pelo
Por isso as artes na Bahia são, para ele, os artistas. anterior à Revolução. O Arsenal dava continuidade à
no sentido quase corporativo: a comunidade, o de construção naval que, a partir de 1650, na Bahia,
universidade dos artistas. Seu livro reúne dezenas de a fornecer embarcações para a marinha de guerra e
nas biografias de artistas baianos: pintores, escultores, de Portugal 80 • Durante a guerra do Paraguai vários
cos (compositores e intérpretes), pedreiros, mecânicos, baianos foram trabalhar no Arsenal de Marinha do
pinas e carpinteiros. de Janeiro, na construção de couraçados. A construção
São figuras como José Custódio da Purificação, r.<>r<>ni~ "'' era, portanto, bastante antiga na Bahia. Veja-se a res-
que
o que escreve José Roberto ao Amaral Lapa 81 •
"conhecia o desenho linear e não se desfazia de um compên<!i
O Arsenal, não sendo exclusivamente um estabelecimen-
de architectura do Vignole" 79• ensino, era todavia um centro de aprendizado na práti-
onde se ministravam aulas. O Liceu de Artes e Ofícios,
e o carpinteiro Joaquim Francisco dos Santos, que em 1 teve Manoel R. Querino entre seus fundadores, era uma
encarregado dos trabalhos da "casa do risco" do Arsenal Dele e do Arsenal saíram artistas que trabalharam
·Marinha (Salvador), transportava de simples miniatura _ diversas empresas particulares: fundições, engenhos, estra-
a escala de tamanho natural os detalhes do vapor Moema'. de ferro etc., que então se estabeleceram na Bahia, como
Havia freqüentado, r\11 construção e na indústria têxtil.
Vale a pena nos determos ainda um pouco na figura de
" ... com bastante proveito, as aulas de aritmética, álgebra, geometria Querino: baiano e preto, nascido em 1851 e falecido em 1923,
mecânica aplicada às artes, no referido Arsenal".
foi arquiteto, membro do Instituto Geográfico e Histórico da
João Anastácio de Souza, outro dos artistas citados, em Bahia e professor de Desenho Industrial. Suas obras escritas
1844, sobre as artes e os artistas da Bahia são fontes importantís-
simas para o estudo da matéria. Seus estudos africanos foram
"já traçava com precisão os delineamentos de corvetas, escaleres bastante apreciados por Artur Ramos, que os reuniu e publi-
e outros trabalhos de sua especialidade ... " " ... e em 1855 instalou cou, em 1938. Mas Querino foi também político militante:
tlm curso de construção naval no Arsenal de Marinha desta cidade ... " fundou com outros artistas baianos a Liga Operária (1875),
entidade que celebrou com o governo e com particulares "con-
No livro de Querino aprendemos também que o primei- tratos coleíivos de trabalho" para a construção de edifícios,
ro grande relógio de torre fabricado no Brasil foi feito para fato que é associado à significativa melhoria de qualidade na
a igreja do Senhor do Bonfim, em 1843, por José Francisco construção no período 82 • A criação de um Partido Operário,
da Rocha Tavares e Manoel Ferreira da Silva Freire. que já de início se recusou a participar dos partidos então em
No. relato de Querino fica evidenciada a existência de organização (1890), teve nele um dos partícipes. A classe ope-
dois núcleos de ensino técnico na Bahia, na segunda metade
do século XIX: o Arsenal de Marinha e o Liceu de Artes e 80. M. R. Querino. Op. cit.., p. 142 et seqs.
Ofícios. O primeiro deles era um estabelecimento oficial, des- 81. J; R. A. Lapa. Economia Colonial. São Paulo, Perspectiva. 1973. p. 295.
82. É difícil pensar na Liga Operária Baiana como um ~Jndicato, mesmo consi~
79. Op. cit., p. 223. derando p'ossíveis contratos coletivos de trabalho. Seria eXplorável a hipótese de
compará~la com o Arts and Crafts de William Morris, a que já me referi.
~'

154
rária não tem candidatos - foi a proposta apresentada francês. Laboulaye, em seu dicionário ss, nos dá
Querino para sintetizar aquela posição política. I! ele resumo dos objetivos, métodos de trabalho e dos apare-
refere 1ambém, na época, à us9dos no desenho, que vão desde as réguas, esquadros,
!passos e tira-linhas, até aqueles usados para copiar do
"Sociedade Internacional dos Trabalhadores, para onde deveri~ (câmaras claras, câmaras escuras, projetores de trans-
convergir todos os elementos de renovação social operária" 83 •
etc.).
Parece-me também clara a diferença que havia Define Laboulaye o desenho industrial como constituído
Liceu da Bahia e seus similares (e contemporâneos) do duas partes:
de São Paulo. Enquanto estes últimos resultaram de inicial
vas da classe dirigente e por ela eram administrados, 1. O meio pelo qual se obtém o traçado dos objetos que se quer
~xecutar através de operações manuais ou mecânicas, o que é objeto es-
Bahia era, além de escola, um local de encontro e de discus pecffico do desenho linear, aplicação da ciência que Monge formulou
sões políticas dos operários. A existência de grande númert ~ob a denominação Geometria Descritiva.
de trabalhadores nos estaleiros baianos, desde o tempo. 2. A representação dos ornatos, as. diversas figuras que dão a
nial, teria dado à Bahia condições particulares. Mas não aparência exterior aos objetos reproduzidos pelo trabalho industrial,
exclua a consciência política revelada por homens como parte esta que é, propriamente dita, a aplicação das belas artes à in-
rino, que cita as Notas Domingueiras do socialista Tollenare dústria".
e a Internacionnl dos Trabalhadores.
Por fim, vale a pena salientar que as palavras por ele Este era, provavelmente, o desenho industrial dos liceus
empregadas - operário, classe operária e outras - com pro- do Rio e da Bahia. No de São Paulo havia uma disciplina
priedade, chamam atenção para a disciplina que lecionava: chamada Desenho Profissional, que cobria, juntamente com
Desenho Industrial. Já se viu que essa disciplina existia tam- o Desenho de Ornatos e a Geometria Descritiva, o campo
bém no Rio, no curso noturno da Academia de Belas Artes. acima definido. ·
·Mas, segundo palavras do mesmo autor, no começo des- Assim, o Desenho Industrial do século XIX teria uma
te século · parte comum com o de hoje, na medida em que se referia ao
projeto de objetos a serem produzidos industrialmente, ou se-
", .. o ensino profissional desapareceu - na Bahia - com o fecha- ja, nas condições técnicas e no quadro de relações de produ-
mento dos Arsenaes e com a falta de recursos do Liceu e da Escola de ção capitalistas. A maneira como as coisas são produzidas se-
Artes" 84 •
ria mais importante do que as coisas produzidas. E nem a
escala da produção - produção em massa - é definidora
Fica claro, a meu ver, que a denominação atual e inglesa essencial do processo, pois aviões, navios e satélites artificiais
Industrial Design não é geradora do nome das atuais discipli-
só excepcionalmente são produzidos em série (Os Liberty
nas de Desenho Industrial ou que este não é, simplesmente, Ships americanos durante a Segunda Guerra Mundial, p. ex.),
tradução daquela.
mas não deixam de ser objeto do desenho industrial tanto
O Desenho Industrial entra na nossa linguagem, e como quanto os automóveis, os receptores de televisão ou as gar-
vimos, nos Liceus de Artes e Ofícios e a partir do Dessin rafas e latas de bebidas. Mas o trabalho feito pelos artistas nos
83. M. R. Querino. Op. cit., p. 173.
84. M. R. Querino. Op. cit., p. 36. 85. Charles Laboulaye. Dictionnaire des A rts et ·Manufi:;ctures. Paris, Lib. L.
C.;>mon. 1853.
'
156
"""'
estaleiros - como no caso do Arsenal de Marinha da Dessa atividade de delineamento resultavam miniaturas
- certamente se aproximava do Desenho Industrial moden as que o carpinteiro Joaquim Francisco dos Santos,
Vamos examiná·lo, ainda que a partir de poucos dados. citado, transportava para a escala de tamanho natural
José Roberto do Amaral Lapa, na obra que já citam< casa do risco. O que seriam essas miniaturas? Creio
descreve minuciosamente aspectos administrativos, econôil se possa entender por miniatura tanto os modelos tridi-
cos e mesmo, ainda que em menor profundidade, aspect ···"'.sionais de barcos (maquetes) quanto os desenhos feitos
técnicos da construção da nau Nossa Senhora da Caridade, r,;m escala pequena (ambos, maquete e desenho eram usados
Bahia, de 1756 a 1757. para tal fim). O dicionário de F. Adolpho Coelho registra:
À página 248 ele escreve:
Miniatura: s.f. Letra escrita com· mínio 87 com que se escreviam
"Quanto ao projeto de sua construção, o risco, como era os capítulos dos manuscritos antigos. Gênero de pintura, imagem deli-
do, com toda a certeza viera de Portugal, como invariavelmente
No tocante a esse risco, aliás, recomenda-se que nada se lhe alterass.l
cada. Qualquer coisa em ponto pequeno" 88 •
aqui na colonia (vitolas, formas etc.)"
Feito o delineamento, o trabalho prosseguia na sala do
Em nota de rodapé na mesma página o autor esclarece risco, onde se trabalhava em escala natural (1: 1). Risco, no
que teve, pessoalmente caso, não pode ser entendido simplesmente como traço feito
"oportunidade de verificar que existia, no Arsenal de Marinha de
a lápis sobre papel. Riscar quer dizer mais que isso. O dicio-
Lisboa, a sala do risco, onde se faziarri esses projetos". nário acima citado admite que riscar tenha como origem o
latim Resecare (Reseco, as, cui•, are) que quer dizer cortar,
O assunto é importante para o nosso caso, pois trata-se talhar.
de uma das formas de reunião da escola com a oficina, da Nessas condições, sala do risco seria a oficina onde
teoria com a prática. Merece por isso algumas digressões so- se recortavam as peças de madeira que iriam constituir o
bre a construção naval na Bahia. Não me furto por isso a barco, evidentemente em tamanho natural. Isso nos aproxi-
apresentar uma conjetura sobre a elaboração dos desenhos ma do processo de trabalho até hoje usado por costureiras e
nos estaleiros brasileiros, usando as mesmas fontes já citadas. alfair,.tes: os moldes.
A partir dos textos de Manoel Querino pode-se admitir A. semelhança é de fato interessante. Em inglês dá-se à
que essa elaboração se fazia em duas fases consecutiva.s mas sala do risco o nome Mould Loft ou Mold-loft. Vejamos
claramente distintas. A primeira delas seria a do delinea- o que se escreve a respeito na Short History o f Technology:
. menta dos barcos, atividade na qual se destacou, em mea-
dos do século passado, o construtor Naval João Anastácio de "Os navios eram cuidadosamente projetados num grande salão
Souza, já citado 86 • Iniciando-se no ofício de carpinteiro, ma- (mould-loft) em cujo piso os cortes da madeira poderiam ser traçados
triculou-se nas aulas de aritmética, álgebra, geometria e me- em tamanho naturaL Os desenhos originais eram feitos pelo mestre
cânica aplicada do Arsenal, tendo sido designado para traba- construtor naval na sua mesa de trabalho, geralmente na escala I :48.
lhar na sala do risco. Mais tarde, em 1844, "traçava compre- Todas as curvas a serem recortadas na madeira eram então transferi-
cisão o delineamento de corvetas, escaleres e outros trabalhos
de sua especialidade". 87. Mínio é o nome que se dá ao óxido de chumbo, com o qual se prepara a
tinta vermelha chamada zarcão. , ,
88. F. Adolpho Coelho. Diccionario Manual Etymológico da·· Língua Portuguesa.
86. M. R. Querino. Op. cit., p. 182. Lisboa, P. Plantier. Ed. 1900 (c.d.).

158 u:n
das, em tamanho natural, para o piso do salão de moldes com a
de grandes compassos graduados chamados sweeps"89 • marcados são percorridos então por um maçarico de corte.
CIISO da construção em madeira impunha-se a necessidade
'
A essa denominação mould-loft · corresponderia segundo os veios, isto é, segundo a própria estru-
português "Casa do risco" ou "Sala do risco", pois segund< da madeira. E obviamente, de economizar material en-
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: txando as peças pequenas nas sobras da madeira usada pa-
talhar as peças maiores, tal como um alfaiate que recorta
"casa do risco ou sala do risco - grande sala em cujo paletó em tecido listado.
mento se traçam, em tamanho natural, as linhas do desenho Mas, pelo que indica Manoel Querino, no século XIX
construção de um navio e de todas as suas peças constitutivas" Arsenal de Marinha encarregava-se da construção naval
o delineamento até a execução final, que passava ne-
Os grandes compassos graduados designados ::.çessariamente pela sala do risco. Não me parece possível
sweeps parece que seriam as "réguas de curvas" semelhanté pensar que no século XVIII, como admite J. R. Amaral Lapa,
àquelas usadas ainda hoje por alfaiates e costureiras, ou viessem riscos de Portugal para o estaleiro da Ribeira da
curvas francesas. · Nau 93 • É possível, isto sim, que os delineamentos viessem da
Poderíamos certamente usar aqui a palavra cércea: Metrópole. A sala do risco, que o autor citado revela ter
de para corte de pedra e também de madeira para auxmar conhecido no Arsenal de Marinha de Lisboa, não teria outro
o desenho • O dicionário de Cândido de Figueiredo acres~
91
uso, a meu ver, que o de riscar (cortar) as peças dos navios
centa outros significados de cércea que nos interessam: Mol- lá mesmo construídos. Riscar em Lisboa e construir na Bahia
de para o corte das pedras. Cf. Segurado, Alven. e Cant., significava trazer de lá todo o barco já cortado em pedaços
Molde com que o estucador faz cornijas, cimalhas, pilas- prontos. E se a madeira usada era do Brasil, isto significava
tras etc. · uma viagem a mais, complicando o negócio.
Mas a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira traz Há um exemplo de procedimento inverso a este citado,
uma designação mais precisa: Espécie de régua ou molde com ou seja, o envio para a Europa de peças já recortadas para a
numerosas curvas de raios diferentes, que usam os desenha- construção de barcos. É o que nos informa Ramón Sánchez
dores e os construtores (curvas francesas?). Flores quando se refere a Esteban Bejarano, "carpintero de
. Ainda hoje em dia existem nos estaleiros as salas do ribera" que, utilizando os corpulentos cedros da região de Sol-
risco: grandes galpões em cujo pavimento se colocam as cha- cuautla, no México, mandava peças prontas para os estaleiros
pas de aço a serem cortadas 92 • Os contornos são marcados espanhóis ".
com giz, recobrindo as linhas projetadas a partir de microfil- Não sei de caso semelhante no Brasil. O fa~o é que foi
mes colocados em um projetor de transparências situado a relativamente importante a construção naval na Bahia no sé-
grande altura do chão - no teto do galpão - , de modo a culo XVIII. Manuel Querino relaciona alguns dos barcos en-
recuperar a imagem em seu tamanho natural. Os traços as- tão feitos:
89. T. K. Derry e Trevor Williams. A Short Hi.story of Technology. Oxford, "Até o ano 'de 1796, a Marinha de guerra porJ;uguesa, no seu
University Press. 1973. p. 208. estado efetivo, entre outras embarcações, cujos nomes não posso citar
90. Grande Enc. Port. e Bras. Lisboa Editorial Enciclopedia. por falta de informações, possuía as seguintes, construídas no Arsenal
91. Cf. Corona & Lemos. Dicionário da Arquitetura Brasileira.
92. Há alguns anos visitamos um desses estaleiros, no Rio de Janeiro. Os micro-
filmes contendo o projeto do barco vinham da matriz da empresa, no Japão. 93. J. R. Amaral Lapa. Op. cit., p. 248.
94. Ramón Sánchez Flores. Op. cit., p. 196.
160
1n1
de Marinha da Bahia: nau - Infante D. Pedro, construídl
tendo 64 peças de artilharia e 182 pés de comprimento; . : dos redutos da estereotomia antiga, não devendo,
Nossa Senhora da Graça, em 1787, com 46 peças de a ser necessariamente identificado risco com desc-
pés de 'comprimento; Carlota, em 1741, com 44 peça,{ de e anterior à construção; a segunda observação
pés de comprimento; Vênus, em 1792, com 96 peças de mesmo autor, que se refere à existência de várias
pés de comprimento; Urania, em 1795, com 34 peças de o nome de Padre Eterno, sendo uma delas a que se
pés de comprimento; charruas: Poliphemo, em 1789,
artilharia e 120 pés de comprimento; Neptuno em I pelo risco e direção de Honorato Martins, constru-
Gloria e Sant'Anna, com 8 peças de artilharia e 104 pés jesuíta e originário de Toulon, na França 98 • Em re-
menta" 95 • relações entre delineamento, mode/ação, desenho e
a meu ver, maiores pesquisas que possam reve-
essas atividádes se apresentam separadas e quan-
Estes são alguns dados sobre a história da técnieí itorícamente, se identificam.
ensino técnico no Brasil que achei importmte destacar; Ordenando cronologicamente as informações acerca do
sunto comporta pesquisas mais aprofundadas, como técnico, obtém-se a seguinte seqüência, baseada inicial-
denciado e como é o caso da construção naval, tema no trabalho de Maria Cecília F. Lourenço 99 e comple-
sei, pouco explorado pelos historiadores entre nós. V"i"-•" com dados de outras fontes já citadas:
exemplo o fato lembrado pelo Eng. Mário da Silva
inegável importância para a história do desenho: Interessados na difusão da fé católica, os jesuítas
criaram no século XVI confrarias de oficinas me-
"Coisa digna de menção foi a técnica da construção naval cânicas; datam de 1614 as de Pernambuco e da
'lecida em diversos pontos do litoral até para navios de alto-ma!';' Bahia, e do ano seguinte a do Rio de Janeiro. Cabia
Rio de Janeiro, na ilha do Governador, construiu-se, por iniciativa a religiosos, como prefeitos de Confraria, a direção
Salvador Corrêa de Sá e Benevides, num estaleiro projetado das mesmas.
bastião Lamberto, na ponta do Galeão, o maior navio de vela do
XVII em todo o mundo, batizado com o nome de Padre Eterno, Estabeleceu-se na Bahia uma escola de Artilharia e
essa que chegou a Lisboa em 1665 e navegou largo tempo" 96• Arquitetura Militar, que em 1713 já contava com
numerosos partidários e cooperadores.
Serafim Leite também se refere à construção naval l 699 - Carta Régia de 15 de janeiro, criando Aula de Forti-
estava florescente na Bahia, no século XVIII, e onde ficações no Rio de Janeiro. Outra Carta, de 11 de
junho, propõe uma escola de Artilharia e Arquite-
"se fabricavam navios de grande porte, como a nau Padre Eterno, tura Militar.
feita pelo risco de Honorato Martins" 97 •
1738 -- Fundação efetiva da Aula de Artilharia do Rio de
Cabem aqui duas observações: a primeira referente ao Janeiro por José Fernandes Pinto Alpoim.
risco, ao qual se aplicam as considerações já feitas sobre o 1751 - João Gomes Batista, abridor de cunhas, já dava
risco e o corte dos materiais, pois ao que parece a construção aulas de desenho no Rio de Janeiro.
95. Manuel R. Querino. Op. cit., p. 143.
1761 - Fundação do Arsenal de Màrínha doPará.
96.0 M. S. Pinto. O Trabalho, as Técnicas e as Invenções ... -In: Carta Mensal
n. 318. set./1981. Rio, Confederação Nacional do Comércio. 1981. p. 16. 98. Idem, ibidem, p. 215.
97. Serafim Leite. Op. cit., p, 48. 99. M. C. F. Lourenço. Oficiais Mecânicos no Brasil Colonial: Glória~e Deca~
d2ncia. Pesquisa inédita. FAUUSP. 1982.
162
1h~
1763 - Fundação do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro !840 - Fundação da Casa de Educandos Artífices em Be-
1771 - O capitão general D. Luís Antônio de Souza lém do Pará.
' la uma aula de geometria e desenho técnico, 1842 - A Escola Militar instala curso de Engenharia Civil.
"alunos recrutados à força" (A. Morales de Los 1845 - A Escola Militar desdobra-se em Escola Central
Filho). (Engenharia) e Escola Militar propriamente dita.
1781 - Aula de Desenho de Diogo Inácio de Pina Maniqu! 1857 - Instalação do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de
(extinta em 1807) em Minas Gerais, onde Antônio Janeiro.
Teixeira dos Prazeres dava aula de Arquitetura 1858 - Criação do Curso de Engenharia Civil na Escola
Desenho. Central.
1810 - Fundação da Academia Real Militar do Rio de 1860 - Escola de maquinistas no Arsenal de Marinha (R.
neiro. J.).
- Criação da Companhia de Artífices no Arsenal 1872 - Fundado o Liceu de Artes e Ofícios de Salvador,
Exército (R.J .). com aulas iniciadas no ano seguinte.
1874 - A Escola Central do Rio de Janeiro transforma-se
1817 - Aula de Desenho e História em Vila Rica, sob a
em Escola Politécnica.
direção de Jerônimo de Souza Queiroz.
1876 - Fundação da Escola de Minas de Ouro Preto.
1818 - O pintor Manoel de Costa Ataíde foi designado pro. - Decreto n.0 6.277, de agosto, cria comissão para ela-
fessor da aula de Desenho, Arquitetura Civil, Mi- boração de um Vocabulário Técnico de Engenharia,
litar e Pintura de Mariana. uma das primeiras tentativas de Normalização Téc-
- Aula de Desenho, para leigos, no convento de São nica. Dela fazem parte, entre outros, os engenheiros
Francisco, na Bahia. André P. Rebouças, Francisco Pereira Passos e o
arquiteto e escultor Joaquim Bethencourt da Silva,
1820 - Aula de desenho técnico para os aprendizes do Ar- um dos fundadores do L.A.O. do Rio de Janeiro.
senal da Corte.
1878 - Reorganização dos Arsenais de Guerra.
1826 - Apresentados à Câmara dos Deputados os primei- - Supressão das oficinas dos Arsenais de Marinha e
ros projetos visando ao ensino de artes e ofícios. paralisação da aprendizagem de ofícios.
- Inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes no 1880 - Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Recife.
Rio de Janeiro. 1883 - Início das atividades do Liceu de Artes e Ofícios
1834 - Conversão do Seminário de São Joaquim (R.J.) em de São Paulo.
Escola de Artes e Ofícios, com oficinas de ourivesa- 1884 - Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Maceió.
ria e relojoaria. Esta primeira tentativa teve vida 1885 - Fundação do Liceu de Artes e Ofícios Sagrado Co-
efêmera porque a escola foi substituída, pouco tem- ração de Jesus, em São Paulo.
po depois, pelo Colégio D. Pedro II.
1886 - Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto.
1839 - Reforma da Academia Real Militar, transforman- 1887 - Criação do Instituto Agronômico de Campinas.
do-a em Escola Militar. 1894 ·- Fundação da Escola Politécnica de São Paulo e nela
164 t,;<;
incluída a cadeira de Tecnologia das Profissões;!; A partir do começo deste século o ensino técnico profis·
mentares. parece perder o impulso que tinha nas décadas anterio·
1899 -' Criação do Instituto Butantã. rcs e não acompanhar o aumento da população. Há uma ini·
Criação do Gabinete de Resistência dos mater ciativa, em 1909, através de decreto de Nilo Peçanha, criando
da Escola Politécnica de São Paulo. uma escola de aprendizes artífices em cada Estado do Brasil,
1901 - Criação da Escola Superior de Agricultura destinadas porém aos "deserdados da fortuna". Algumas dé·
Queiroz. cadas depois estabeleceu-se no país o ensino técnico ligado às
estradas de ferro. Essas empresas criaram, junto às suas ofici-
1922 - Criação da Estação Experimental de Combustí;v:
nas, escolas de mecânicos, fundidores, carpinteiros e marce·
e ~inérios, no Rio de Janeiro. neiros, o que sob vários aspectos relembra as iniciativas do
1926 - Fundação do Laboratório de Ensaio dos 1v1att:n'!1 russo Victor Della Vos. A participação do suíço Robert Man·
da Escola Politécnica de São Paulo, que deu ge na reformulação do ensino técnico, particularmente no Es-
ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (I.P .T .) . tado de São Paulo, também se efetiva nas escolas ferroviárias.
1927 - Tecnologia Agronômica no Instituto Agronômid Do que se disse até aqui, convém reter que o sistema da
de Campinas. aprendizagem no Brasil, muito antes da extinção das corpo·
1931 - Fundação do IDORT - Instituto de Organizaçã<\ rações e da criação das escolas profissionais, já havia sido pos-
Raciomil do Trabalho. to em cheque pela organização do trabalho em cooperação
1940 - Criação da Associação Brasileira de Normas T-<~..:• nas manufaturas, nos arsenais de marinha e, possivelmente,
cas. também nos arsenais do exército.
Parece-me evidenciada, em seus aspectos essenciais, a
vinculação do ensino técnico escolarizado com a superação
do sistema corporativo medieval. A escola se propõe a substi•
tuir a oficina. A escola profissional gratuita ocupando o espa-
ço deixado pelo aprendizado nas oficinas, pago em dinheiro
ou em tempo de "servidão" do aprendiz. E, a partir dessa es-
colarização que se abrem os caminhos para o desenvolvimen-
to das técnicas em nível mais alto que o da tradição empírica
e da transmissão pessoal e direta do saber fazer. E, a partir daí
que se pode falar, com propriedade, em tecnologia. Ela come-
ça a se configurar num saber organizado e socializado, alian-
do a prática das artes antigas com os métodos da ciência mo-
derna; corresponde a um certó nível de desenvolvimento das
forças produtivas e a novas relações de produção, em forma~
ções sócio-econômicas determinadas. Por isso, faço chegar a
investigação, na história do Brasil, até o começo deste século,
que é quando a primeira crise do café, em 191 O, abala a so-
ciedade brasileira.
'
tn" '"7
ARTES LffiERAIS E ARTES MECANIC.A Mas Vasco de Magalhães Vilhena refere-se à tecnologia
~pocaanterior, na Grécia dos séculos VI e V a.C., onde
DO DOMtNIO DA TÉCNICA
mdo existia
AO DOMtNIO DOS HOMENS.
DO VERBO À TELEMÁTICA uma relação estreita entre a técnica e a ciência e entre esta e a

Estabeleceu-se uma nova ideolo~ia que. punha em destaque o que


urtificial e fabricado, que desvelava o papel da indústria humana no
do processo social. O progresso das artes sociais, assim como o
nrtes mecânicas é obra do homem, poi.s não há outras técnicas que
liS do homem. n sabido que O homem cria-Se a si mesmo graças aO
é a mão que faz o homem: não é Engels, mas Anaxágoras
o diz. Ele, que foi ao mesmo tempo filósofo e sábio, e natural-
técnico, chegou a Atenas vindo da industriosa Jônia, berço da
Com os dados já reunidos estamos entrando e da cíêflcia ocidentais" 4 •
contemporânea. Mas convém voltar, ainda que rapidame~
ao passado, em busca das origens gregas da tecnologia. B ainda o mesmo autor que escreve:
• Não há dúvida quanto à origem da palavra: ela se "Portanto, o pensamento técnico grego chegou, no seu momento
põe com techné e logos, como vimos. Techné, por si só, de maior brilho, a elaborar a teoria da prática técnica, quer dizer, a tec-
signa antes de mais nada ttologia: ciência técnica e técnica científica.

Os tecnólogos gregos foram os primeiros que se esforçaram no


" ... uma atividade prática, manual e material. Em Homero ela evoc• ''
sentido de dar uma base científica à técnica. n este esforço teórico que
idéia de um presente do céu. P. H. Michel chega mesmo a concluir
antes do IV século a ciência não se distinguia em nada da técnica, e • a tecnologia moderna volta hoje a empreender" '.
a técnica (coisa divina) rememora, ela mesma, suas origens religiosas" S. Moscovici chama a atenção para a diferença entre as
Pierre M. Schuhl refere-se à tecnologia com as palavras maneiras de ver o trabalho manual na própria Grécia.
que seguem: "O desprezo pelo trabalho manual é, literalmente, desprezo pelo
trabalho artesanal. Na Jônia e na Ásia Menor, a palavra para designar
"Se certos grandes sofistas foram os precursores da tecnologia, o artesão era cheirmas, e traduz a idéia de um homem que sabe coman-
Platão foi talvez o seu verdadeiro fundador" 2 dar seus braços, a idéia de maestria. Na Ática essa palavra não é usada;
lá se usa, pejorativamente, a palavra banausos, que designa sobretudo os
Aristóteles, na Arte (Techné) da Retórica, foi dos primei- artesãos familiarizados com a técnica do fogo" 6 .
ros a empregar a palavra. No glossário da edição bilíngüe
greco-inglesa, tradução de Tohn Henry Freese, ela aparece com A palavra grega banausia (,BcxvcxV<T<cx) significa arte me-
o significado de rules of art 3 • cânica ou trabalho manual em geral, e tem sentido pejorativo,
1. Bertrand Gille. Op. cit., p. 122. 4. V. M. Vilhena. Desarrollo Cientifico y Tecnico. Obstaculos Sociales ai Final de
2. Cf. Pierre Jaccard. História Social do Trabalho. Lisboa, Livros Horizonte. la Antiguedad. Madrid, Ed. Ayuso. 1971. p. 62, 63.
1974. 2 vol., 1.0 vol. p. 85. 5. Idem, ibidem, p. 82.
3. Aristóteles. The Art of Rhetoric. Edição bilíngüe, tradução de J. H. Freese. 6. S. Moscovici. Essai sur l'Histoire Humaine de la Nature. Paris, Flammarion.
Cambridge (Mas), Harward University .Press. p. 482. 1977. p. 476.

J(;Sl. 169
considerando-o coisa grosseira e vulgar. Heródoto havia lingüísticas, de origem greco-romana, distantes das artes
nalado que os gregos consideravam inferiores os cidadãos !Clinicas e próximas das artes liberais, entre as quais se in-
aprendiam um ofício, assim como seus descendentes. desde o primeiro século desta era a gramática e a
na fala de Calicles, refere-se ao construtor de máquinas . A esta última alguns filósofos referem-se como sendo
licas como homem que pode ser útil, mas que deva ser "técnica de persuasão". Desde a época clássica da cicia-
zado, ele e sua arte, e ofensivamente chamado banausos. grega escravista (VI e V séculos a.C.), os gregos passam
tóteles diz explicitamente que o poder senhorial é próPJ ler maior interesse pelas técnicas de governo.
quem não sabe fazer as coisas necessárias, mas sabe Vitorino Magalhães Godinho, sobre o mesmo assunto,
O saber fazê-las é próprio dos servos, isto é, de gente
da a obedecer.
"Mas os sistemas de construção helênica ou helenística, mesino
Essa noção de banausia reflete a divisão da socieda, falham. A epistémê, divorciada do techné, reduzida a mera
em duas classes: aquela dos que extraíam os meios de theoria, embriaga-se, extravia·se submersa em l6gos, que é apenas dis-
do trabalho manual e deviam obeaecer, e os que, liberados ,curso verbal e não apreensão efetiva da verdade. A devoradora crise
trabalho manual, eram destinados a mandar 7 • cultural e social do tempo do império romano substitui ao amor pelo
conhecer a busca do êxtase (da elevação da alma para além do corpo) e
, Sobre o assunto escreve Benjamin Farrington: do entusiasmo (da presença do deus no crente). Regressa·se ao mito e
uos ritos. Há um plano de certeza dogmática de crença, logo de indis-
u A ciência, numa sociedade gentílica ou tribal. não pode ser · cutível; em frente. bem pobre é o pecúlio das conquistas científicas. o
à ciência de uma sociedade política. A divisão do trabalho plano da epistémê, mas~ apesar disso, fica, ora insidiosa (como que má
desenvolvimento da ciência. O surgimento de uma classe que consciência), ora premente, a exigência de integração lógica - do l6gos
tempo de lazer permite a reflexão e a elaboração de teorias. como demonstração da verdade" 10 •
também a construção de teorias sem relação com os fatos. E ainda
com o desenvolvimento das classes, aparece a necessidade de um Diria que, com licença dos helenistas e dos latinistas, a
tipo de ciência que. pode ser definida como 'o sistema de comporta' tecnologia sofre uma inversão e passa a ser técnica do /ógos.
menta pelo qual o homem adquire o domínio dos outros homens',
do a tarefa de dominar os homens se torna preocupação da classe diri- Desde Boécio (VI século), Cassiodoro e Alcuíno, o trivium
gente e a de domínio da natureza, o trabalho obrigatório de uma outra - gramática, dialética (lógica) e retórica - passa a consti-
classe, a ciência toma um rumo novo e perigoso. Para entender plena- tuir a base do ensino das artes liberais. Vale lembrar que,
mente a ciência de uma sociedade qualquer, devemos conhecer seu grau colocados os três componentes do trivium nos vértices de
de avanço material e sua estrutura política. A ciência in vacuo não um triângulo, teríamos algo rriuito parecido com o triângulo
existe" 8 •
da .Semiótica cujos vértices indicam os ramos dessa Teoria
Mas, contrariando ou não o sentido da "•xvoÀoyL« grega Geral dos Signos, a saber: a gramática pura, a lógica crítica
antiga, aparece em uso a palavra latina technologia, emprega- e a retórica pura. O quadrivium (Aritmética, Geometda,
da por Cícero com o sentido aristotélico de "técnica da arte Astronomia e Música) complementa a formação das classes
oratória",9 e por Sexto Empírico com o sentido de "arte das de- dirigentes, enquanto o primeiro recobre o conceito greco-ro-
finições" • Estas são as acepções que poderíamos chamar de mano de tecnologia.
Já vimos como Bacon caracterizou os "ídolos do foro"
7. N. Abbagnanno. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1970. e que, para ele:
8. B. Farrington. La Science dans l'Antiquité. Paris, Payot, 1967. p. 15.
9. A. Bailly. Dictionnaire Grec-FrançaiS. Paris, Hachette, 1828. V. textos clássi- 10. V. Magalhães Godinho. Ensaios JV. Lisboa, Livraria Sá da Costa Edit., 1971.
cos nele citadM
... p. 233:

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"Os homens, com efeito, crêem que a sua razão governa as "As técnicas tendem mais para o domínio dos homens, quer dizer,
vras. Mas sucede também que as palavras volvem e refletem Hlomínio da cidade, que para o domínio da natureza.
ças sobre o intelecto, o que torna a filosofia e as ciências sofística
inativas" 11• A tragédia, assim como a retórica, são técnicas de ação sobre os
kmnens" t5
Assim, persistindo a vinculação - talvez de origem
tóica - entre tecnologia e trivium, é compreensível Dentre os autores que consultei, quem mais se detém no
Bacon não se referisse à técnica e nem à tecnologia - é J. P. Vernant:
ticas e inativas - , e sim às artes mecânicas. E que se
zesse a substituir, na busca do saber e do domínio da natuti "O aparecimento da pólis constitui, na história do pensamento
grego, um acontecimento decisivo.
za "A ciência das palavras pela ciênCia das coisas" 12 •
Dois séculos depois, avançando pelo mesmo caminhe
Saint Simon propõe a substituição do governo dos ... desde seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII,
pelo governo das coisas. Eis o que escreve em marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as
relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade
pondo em uso a palavra tecnocracia, tão
mente: será plenamente sentida pelos gregos.
O que implica o sistema da pólis é primeiramente uma extraor-
dinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de
"Não seria demais repetir: não há ação útil exercida pelo homem poder. Torna-se o instrumento político por excelência. a chave de toda
que não seja a do homem sobre as coisas. A ação do homem sobre autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.
homem é sempre, por si mesma, nociva à espécie, pela dupla destruição
de forças que acarreta" 13 •
Entre a política e o lagos, há assim uma relação estreita, vínculo
recíproco. A arte política é essencialmente exercíçio da linguagem; e o
Mas na sociedade grega, no período mencionado, logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de sua
teresse era outro: eficácia, através de sua função política.
Historicamente, são a retórica e a sofística que, pela análise que
''Ao mundo grego interessava principalmente o domínio do uni- empreendem das formas de discurso como instrumento de vitória nas
verso humano, a transformação da matéria social do homem, para com lutas da assembléia e do tribunal, abrem caminho às pesquisas de Aris-
ela. criar e desenvolver essa peculiar realidade humana, social, que é uma tóteles ao definir, ao lado de uma técnica da persuasão, regras da de-
inovação do mundo antigo: a Pó/is. A pó/is é a expressão mais alta monstração e ao pôr uma lógica do verdadeiro, própria do saber teórico.
do processo de transformação consciente do homem como ser social, ou em face da lógica do verossímil ou do provável, que preside aos deba·
'animal político'. A transformação das coisas da natureza, ou seja, a tes arriscados na prática" 16 _
prática material produtiva, ocupa, na Grécia, um lugar secundário" 14 •
O mesmo autor, na conclusão de seu livro, escreve:
E nesse mesmo sentido que escreve Vasco M. Vilhena:
"A razão grega não se formou tanto no comércio humano com as
11. F. Bacon. Op. cit., p. 35. coisas quanto nas relações dos homens entre si. Desenvolveu~se menos
12. F. Buisson. Nouveau Dictionnaire de. Pédagogie. Paris. 1911. Apud. Theo~ através das técnicas que operam no mundo que por aqueles que dão
baldo de Miranda Santos. Op. cit. p. 241.
13. Apud. Tomás Maldonado. Environnement, et ldeologie. Paris, General d'Edi-
tions, 1972. p. 139, nota 36. 15. V. M. Vilhena. Op. cit., p. 70.
14. Adolfo Sánchez Vázquez. Filosofia da Práxis. Trad. de L. Fernando Cardoso. 16. Jean Pierre Vernant. As Origens do Pensamento Grego. São Paulo. DIFEL,
z.a edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 17. 1977. p. 34. V. também J. F. Mora, Diccionario de Filosofia. Verb. Retórica .

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meios para o domínio de outrem, e cujo instrumento comum é a
gem: a arte do político, do reitor, do professor. A razão grega são as normas técnicas, de que damos exemplo
de maneira positiva, refletida, permite agir sobre os homens, '"toduções incluídas no final deste volume. ·
formar a natureza. Dentro de seus limites, como em suas inovaci alternos à linguagem, à valorização da comunicação
filha da cidade" 17 •
em detrimento de outras formas de comunicação e de
Já vimos, no capítulo VI, como a palavra inglesa :cimento. Nestas intervêm as artes, em sentido amplo,
ser estendidas da xilogravura à luneta, com a qual
nology se vinculava, no século XVII, à terminologia,
menclatura técnica e ao tratamento sistemático de um pretendia mostrar os satélites de Júpiter aos cardeais,
to, como por exemplo a gramática. A lógica, a já foi assinalado por diversos historiadores da ciência.
os nomes (portanto a nomenclatura) caminham de Santillana já chamava a atenção para isso:
mente até a Idade Média (e até hoje eventualmente)
Aristóteles: "Hrabanus Mauro havia ensinado já no início da Idade Média a
da palavra. O próprio Dante, admirador de Giotto, mostra, aira-
"A concepção aristotélica de nome oferece aspectos ao do uso idealizado que faz de esculturas, no Purgatório, que as con-
tempo lógicos e gramaticais, sendo difícil uma separação completa uma espécie de auxílio didático transformado talvez pelo toque
tre eles. O mesmo ocorre com as concepções medievais. A definição em algo de efeito cinerâmico em três dimensões, mas ainda sub-·
vocábulo nomen se dava, na doutrina terminista, dentro da lógica. fãtcllário e ilustrativo, enquanto que considera a poesia um meio filosó~
essa doutrina, que incluía o estudo das diferentes classes de vozes, uma transformação do objeto em significado cósmico" 20 •
paralela à gramática. Nesta questão, os filósofos se referiam tanto _
citado texto de Aristóteles - De int. I, 1 a 99 ss - como à Gramátic Françoise Choay coloca, nos primórdios da época modere
(Ars Grammatica) de Donato (fls 333), o mestre de São Jerônimo"
na, o surto (ou quem sabe não será a retomada) da visualida-
Mas ainda circulam as acepções de .tecnologia que a de. Seria ocioso lembrar a importância para a ciência das vi-
identificam com a "terminologia de uma arte ou assunto" e sadas de Galileu e da visão de novos mundos pelos navegado-
com "nomenclatura técnica". Parece que é nesse sentido que res. Vamos ao que escreve a autora citada:
o padre Rafael Bluteau define seu vocabulário como techno-
logico. "O papel da observação visual nas diferentes práticas discursivas
Na língua francesa, apesar da definição de technologie (e não me interessa aqui a extensão que a autora dá ao conceito de dis-
como ciência, apresentada por Ampere em 1834, persiste a curso) afirma-se no decorrer do século XV; o testemunho do olho come-
ça a tornar-se critério de verdade, meio privilegiado de controle contra
acepção mais antiga, vinculada à linguagem. B o que B. Littré o testemunho da palavra e da tradição" 21 •
registra em seu dicionário, transcrevendo palavras de L. Rey-
baud:
Já vimos anteriormente alguns aspectos das disputas en-
"On n'invent rien, si ce n'est des mots, on accroit outre mesure le tre artes liberais e artes mecânicas. Mas ainda sobre as pala-
bagage des technologies" (E. Littré, verbete technologie) 19 •
vras e suas relações com o trabalho, que implicaram no des-
locamento da tecnologia da oficina para a gramática, vejamos
Ainda hoje há um setor fundamental da tecnologia que
se ocupa das definições, não apenas verbais mas também o que escreve S. Moscovici:
17. J. P. Vernant. Op. cit., p. 95.
18. J. Ferrater Mora. Diccionario de Filosofia. Verb. Nombre. 20. G. de Santillana.- O Papel da Arte no Renascimento Científico. São Paulo.
19. É. Littré. Dictionnaire de la Langue Française. FAUUSP, 1981. p. 34. ,
... 21. F. Choay. La Rigle et le Modele. Paris, Editions du Seuil, 1980~-P- 201.
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"A palavra e a reflexão, puras, sem qualquer mistura com o
diz respeito ao mundo da mão ou da matéria, são signos de uma logia em relação à prática, como se ela gozasse do privilégio
dade superior.
de se desenvolver como "cria da ciência", nos levaria de volta
• Nos requintes de todas as gramáticas, é onde se deve procurar à história da técnica como "história da mecânica aplicada" ou
grau de refinamento da servidão à qual elas correspondem. Uma
nha aritmética combina o ato verbal e o ato empírico, fornece as • da "química aplicada". Como se existissem, mecânica e quí-
de sua amalgamação e serve para definir uma arte como mecânica mica, platonicamente, no mundo das esferas, à espera de apli-
liberal, para proclamá-la digna ou indigna de um homem livre. A cações que cada vez mais se aproximassem da pureza e da
Média sistematizou essas diferenças, e as erigiu como critério perfeição teórica. A tecnologia deve ser entendida em suas
duma hierarquia segundo a qual as artes em que intervêm a mão e a relações históricas com a produção, na qual se integra, e com
ferramenta ocupam em geral uma posição subalterna. As artes liberais,
aquelas que são consagradas de preferência à palavra e à reflexão, são as teorias e métodos que, como ciência que é, aplica e reali-
consideradas como elevadas" 22 menta.
A idéia da tecnologia em si nos levaria a uma visão in-
Isto parece evidente e acentuado na acepção de tecna ternalista já bastante criticada no que se refere à história da
registrada no vocabulário de Charles Du Fresne: ciência. Resta-nos encará-la como algo indispensavelmente
vinculado à práxis social. Isto quer dizer vinculado a ações
"T~cna- Artificium, dolus, Fraus, a Gv. ut techna, apud Teren- políticas, o que nos coloca de novo em face aos conceitos e
tium. Richer. lib. 4, cap. 43 ...
às palavras.
Somos um país que ainda se debate com restos do colo-
Tegna- (Pró Techna) Dolus, Fraus" 23.
nialismo; restos que às vezes são tão opressivos quanto o con-
A técnica perde prestígio até no novo território para o junto de que se originou. Somos em muitos aspectos um país
qual fora deslocada: o da retórica. Assim é que o jesuíta Be- às ordens, governado por cartas régias, descrito por cronistas
nedicto Pereira, no seu dicionário registra: e por brasilianists. A divisão entre artes .mecânicas e artes
liberais reduziu-se entre nós à brutal divisão entre escravos e
"Techna, ae - A arte, artifício, enredo, embuste, engano, astú- senhores. Aos primeiros se impunha a produção; aos últimos
cia, maranha, trapaça, c. Terent." o mando, a palavra e o pensamento, e assim mesmo na medida
"Technologus, i - O sofista, que disputa artificiosamente. 2, 3,
h. &raec." em que não produzissem confronto com as cartas, as ordena-
ções, as ordens. A independência foi um arroubo verbal não
"Technologia, ae - Disputa, e oração artificiosa, ou disputa so-
bre a arte, officina das artes. 2, 3, b: ac graec" 24 • realizado. Não se aboliu a escravidão, como pretendia José
Bonifácio. Nossa história é cheia de rasgos oratórios: a repú-
Todas essas considerações servem, a meu ver, para mos- blica foi "proclamada" e ainda aguarda aberturas. A tecnolo-
trar o ser da tecnologia - o ser histórico - , que se transfor- gia entra nessa história como uma das tantas palavras miste-
ma, na sua vinculação, com os modos de produção, e só inte- riosas. Apavora-nos a complexidade de seus mistérios, mesmo
grado a eles tem significações. Admitir a autonomia da tecno- quando os antropólogos a usam no sentido tão corriqueiro de
trabalho. Amedrontados, não nos atrevemos a fazê-la; é mais
22. S. Moscovici. Op. cit., p. 479.
23. CaroJo Du Fresne. Domino Du Cange. Glissarium Mediae et ln/imae Lati-
fácil comprá-la. Empenhar as calças para importar sem crité-
nitatis. Paris, Librairie des Sciences et des Arts. 1938. , rios de conveniência e negar apoio aos que se lançam na aven-
24. Benedicto Pereyra
num. f:vora, 1711. S. J.. Prosodia ·in Vocabulariu Bilingue Latínum et Lusita- tura de inventar, de projetar, de fazer. E é nessa ousadia de
pensar e fazer as casas, as cidades, as coisas, as fábricas, usi-
176 '
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nas e máquinas, fazê-las do risco ao objeto acabado, e na ação prática, em momentos precisos, e em mo-
de se abrir o caminho da independência. B claro que· no Uzação. ·
de \rabalhos como este, só cabe chamar a atenção e esclar insucesso do modelo político dos últimos anos, no Bra-
os engodos da linguagem que vem se impondo como até em termos eleitorais, parece indicar que o pactO social
mento de dominação. A tecnologia, no sentido estrito de ~mosto não resistiu ao exame prático.
cia da produção ou no sentido amplo que a identifica A linguagem ainda merece algumas observações.
próprio trabalho e seus produtos materiais, não tem O Brasil foi colonizado, praticamente desde o início,
ras no sentido de limites que privilegiam um lugar de o apoio, ora maior ora menor, e ora com conflitos, da
E nem é preciso adjetivá-la com atenuantes: tecnologia ~ompanhia de Jesus. O discurso da Contra-Reforma- o dis-
tecnologia intermediária, tecnologia alternativa ou tecnolc Tridentino- era o instrumento catequético. Não é pre-
adequada. Se entendida como ciência, não se lhe dêem invocar as exceções, que só valem porque denunciam a
ficações que não se atribuem a nenhuma das ciências. Se r<::gra: Las Casas, Vieira e talvez outros. O fato é, ou parece
tica, no sentido que se aplica às relações entre o homem foi, o da catequese como instrumento de dominação ou
natureza, também não cabem os adjetivos. Desconfio confirmação de um domínio anteriormente estabelecido à
Parecem querer dizer que chegamos atrasados ao banqut:~~;:. força.
Malthus, e que devamos por isso ficar com as migalhas. A palavra da dominação, imposta aos "primitivos" pela
Ainda que as coisas aqui permaneçam inevitavelmen força ou pela retórica, técnica dos meios de persuasão, a tec-
verbalízadas, é preciso levá-las à prática, à prática políti! nologia greco-romana, é o Trivium jesuítico. Mas é preciso re-
inclusive, e talvez até principalmente. conhecer que, a menos que nos coloquemos numa posição
As considerações que já fizemos acerca dos vínculos ingenuamente conservacionista, o caminho da libertação do
tre a tecnologia, como integrante das forças produtivas, e homem é contraditório: a exploração mais forte é também
relações de produção, não deixam dúvida de que não creio mais clara, mais nítida, e as grandes soluções surgem dos gran-
independência tecnológica apoiada na exploração brutal· des problemas.
trabalho. NãO devem deixar também dúvida de que a questã· Da mesma forma que o discurso colonizador tridentino,
não é apenas do "discurso tecnológico" e de uma linguagert destinado ao gentio, apresenta-se hoje o discurso tecnológico.
de venda .de tecnologfa aos países "em desenvolvimento" Não está isento de visões maravilhosas do futuro, já agora
levamos a semântica a esse nível. Essas coisas têm base futuro terreno. A comparação me parece pertinente. Se as re-
e efetiva no próprio processo de desenvolvimento do capíta' duções jesuíticas se apresentavam como meio de incorporação
lismo monopolista, que cria, para dela servir-se, uma lingua- dos nativos ao mundo europeu urbano, com seus artesões,
gem mistificadora. seus arruamentos regulados e reguladores, sua organização so-
cial topograficamente amarrada - o homem primitivo inte-
Não se trata também de levantar· uma grande bandeira grado ao processo europeu - , o discurso tecnológico tem o
de unidade "tecnológica" que se sobreponha a todos os con-
sentido colonizador que lhe é dado pela idéia de "um mundo
flitos. Seria absurdo sequer tentá-los, pois, como vimos, a tec'
só". Não há diferenças nem distinções que se possam hoje es-
nologia moderna surge precisamente no contexto conflitante
tabelecer face à uniformização tecnológica. As microondas,
do capitalismo industrial. Mas em política, como em tantas o radar e os satélites superam todas as distâncias, e com elas
outras coisas, há princípios, teorias, estratégias e táticas. A
todas as diferenças, pois as diferenças são insistentemente
· "práxis política" vale também na "política tecnológic~", nas
apresentadas como geográficas, apenas.
178
1'7n
E aí que surge a telemática, sistema de transmissi TECNOWGIA E TRABALHO
ordens pelo qual uma fábrica situada no Brasil opera,
a-dia, com ordens vindas do exterior. De Tóquio ou
York, de Detroit ou da Alemanha. Os estoques, os
as vendas, os preços e até a programação das máquinas
linhas de produção, tudo é registrado, decidido e ordenadc
exterior. Dos pedidos de matéria-prima ou/e componentes
desenho, do tipo de produto até o horário de fechamento
portões, tudo está despersonalizado, alienado e delegadE
sistema de comunicação que supera a própria diferença
línguas nacionais. Se os gravadores, desde os cilindros
Edison até os de fita magnética, destinavam-se ao registro
palavras, hoje registram ordens não-verbalizadas, sim-ou-n Tá vimos, no primeiro capítulo, como o americano Mei-
que é mais barato. Kranzberg se refere à tecnologia dizendo que ela é "muito
Todas essas colocações, que faço com intenção mais do que ferramentas e artistas, máquinas e processos";
vocativa e estimulante do que descoroçoante, poderiam ela "põe em evidência o trabalho humano, as tentativas
sintetizadas nas frases: !Ie o homem satisfazer seus desejos mediante a ação humana
No início era o Verbo: ruobre os objetos físicos". Esta é a questão abordada também
Cortaram a língua de Tupac Amaru por Peter F. Drucker, e que vou esmiuçar, a partir do que es-
Hoje é a Telemática: creve Marx:
Deus ex-machina! "Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o
homem e a natureza, processo em que o ser hümano com sua própria
ução, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natu·
reza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em mo-
vimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos,
a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma
útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modifi-
cando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as
potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das
forças naturais. Não se trata aqui das forças instintivas, animais, de tra-
balho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força
de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condi-
ção e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de traba-
lho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma
aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o
pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua constru-
ção antes de transformá-la em realidade.
No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já
existia antes idealmente na imaginação do trabalhador" 1 •
L K. Marx. O Capital. Livro I. Yol. I, p. 202 .

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Ainda na mesma obra, Marx escreve: Voltando ao texto de Marx:
"O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos
pies e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-u: "Os elementos componentes do processo de trabalho são:
de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; I, a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho;
ção natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de 2. a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho;
forma dessa vida~ sendo antes comum a todas as suas formas
Não foi por isso necessário tratar do trabalhador em sua relação 3. os meios de' trabalho, 9 instrumental de trabalho".
outros trabalhadores. Bastaram o homem e seu trabalho, de um ·
natureza e seus elementos materiais, de outro. O gosto do pão não É conveniente comparar esta formulação com a questão
quem plantou o trigo, e o processo examinado nada nos diz sobre das Causas, preocupação da filosofia grega sistematizada na.
condições. em que ele se realiza, se sob o látego do feitor de escravos Fisíca de Aristóteles com o enunciado de quatro causas, exem-
sob o olhar ansioso do capitalista, ou se o executa Cincinato lavram
algumas jeiras de terra ou o selvagem ao abater um animal bravio plíficadas com objetos produzidos pelo trabalho humano e
uma pedra" 2• que são:
Já em 1844 Marx se referia ao trabalho nos seguinte I. Causa Material - refere-se àquilo de que algo surge ou mediante
termos: o qual chega a ser, àquilo de que é constituído o objeto. Ex.: o
bronze é a causa da estátua, a prata o é do arco. ·
~'A indústria é a relação histórica real entre a natureza _ . '"''
as ciências naturais e o homem. Através da indústria, a produção ou ói 2. Causa Formal - refere-se ao arquétipo, à forma que se pretende
trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois nem a natureza objetivá"; dar ao objeto produzido ou ao objeto .restaurado. Liga-se ao con-
mente, nem a natureza subjetivamente, existem de modo imediatamenf~ ceito de eidos e paradigma, do que é antes de ser.
adequado ao ser humano" 3 • 3. Causa Eficiente- refere-se à mudança, à transformação da matéria
pelo trabalho.
José Arthut Giannotti, comentando os trechos de O 4. Causa Final - é a realidade à qual algo tende a ser. Associa-se à
pita[ acima transcritos, escreve; idéia de utilização,' emprego ou uso, à satisfação de um fim.
"O lugar ocupado por essa análise, no curso do desenvolvimento
teórico das categorias fundantes do modo de produção capitalista, indica E no que se refere a esta última causa várias discus-
claramente seu caráter abstrato e o intuito do autor é contrapô-la à in- sões podem ser abertas. Do ponto de vista aqui defendido, no
vestigação moda!. que se referé à tecnologia, a questão do como são feitas as
coisas, em que condições históricas da produção teria mais
O interesse de Marx centra-se, pois, em opor o trabalho abstrato
comum a todos os sistemas produtivos ao trabalho caracterizadamente relevo do que a questão das coisas que são feitas; a esta últi-
capitalista. ma está afeta a causa final.
Mas no ideário da arquitetura moderna, do urbanismo e
Observe-se que no caso a investigação se situa antes da história, do desenho industrial, a noção de causa final persiste e se for-
na tentativa de explicar suas condições abstratas. Nessas condições, s.e talece associada à noção de função. Daí tem resultado um fra-
pretendermos levar a cabo uma investigação sobre o trabalho, não nos
resta outro recurso senão o de nos trasladar para um modo de produção cionamento, já hoje sensivelmente prejudicial, do campo da
determinado" 4 • arquitetura e que a supõe dividida em diversas arquiteturas,
tais como habitacional, escolar, hospitalar, esportiva, indus-
2. K. Marx. Op. cit. Livro I, vol. 1, p. 208. trial, bancária etc.
3. K. Marx. Manuscritos de 1848.
4. J. Arthur Giannotti. Origens da Dialética do Trabalho. São Paulo, DIFEL, Pretende-se com isso dividir a arquitetura segundo um
1966. p. 225. critério que não me parece aceitável nem mesmo para a tec,
'
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nologia, apesar de que, quanto a esta última, várias classifica-
ções finalistas ou funcionais têm sido propostas. !}t;treende as Forças Produtivas. Mas é evidente que os historia-
Mas é, por outro lado, inegável que o como e o porquê tlores arqueólogos e antropólogos que estudam a "civilização
estão intimamente relacionados, e ainda que o porquê, em ter- material" não se podem contentar com o exame dos Modos de
mos de causa final, tem um caráter recorrente, de modo que a e deixar de lado os próprios objetos produzidos. Se,
causa final de uma etapa· passa a ser causa material na etapa como escreve Marx, o que distingue as diferentes épocas eco-
seguinte de uma seqüência de atividades produtivas. nômicas não é o que se faz, mas como se faz, com que meios
Poderíamos dizer que tanto a função, no caso da arqui- de trabalho se faz', o historiador, no seu ofício, trata também
tetura, como a causa final no caso da tecnologia têm posição de objetos e da temporalidade, e é preciso freqüentemente des-
externa, ainda que historicamente determinante e determina- cobrir nas coisas feitas o como foram feitas. Essa descoberta
da. E nesses termos a questão é política e não tecnológica, e permite (ou possibilita) vincular· a uma determinada época
politicamente deve ser discutida. Talvez seja mais adequado econômica, por amarração direta ou por critérios excludentes,
colocá-la em termos das relações de produção. as coisas feitas. Isto quer dizer que o exame fatual ou obje-
Voltando aos elementos do processo de trabalho, vamos tivo (relativo ao objeto) se vincula - para afirmá-la ou re-
à questão dos meios de trabalho. vê~la- a uma teorização anterior.
Nesse sentido parece-me que a conceituação de André
"O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que Haudricourt é extremamente clara e de grande importância
o trabalhador insere entre si mesmo e a objeto de trabalho e lhe serve metodológica para a História. Mas será ela igualmente clara
para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades quando se trata de examinar a tecnologia como elemento ho-
mecânicas, físicas, químicas das coisas, para fazê-las atuarem como for- je integrante, e não apenas espectador das Forças Produtivas?
ças sobre outras coisas, de acordo com o fim que tem em mira" 5 •
Quando a tecnologia não é apenas um instrumento de análise,
mas um instrumento de produção?
Podemos verificar então, claramente, que a maior parte
dos autores anteriormente citados neste texto - historiado- Quero que fique claro que não estou criticando o autor
res, filósofos e tecnólogos - conceitua como tecnologia, ora citado por uma de suas frases em um de seus textos. Mas,
o trabalho, ora os meios de trabalho, mas poucos são os que como tenho presente a necessidade de estarmos armados para
a conceituam como uma reflexão sobre o trabalho. o debate e para decisões políticas em geral, e de política tec-
Estando as coisas nesse pé, vou tentar circunscrever mais nológica em particular, creio que o conceito de tecnologia de-
estritamente o conceito de tecnologia que apresentei no pri,. va se referir particularmente ao papel que ela tem na produ-
ção e no mundo moderno.
meiro capítulo. Já se viu como, para André Haudricourt, a
Diria então que:
tecnologia é a ciência das forças produtivas, conceito que
adota em oposição ao que caracteriza como um desvio da óti- A tecnologia moderna é a ciência do trabalho produtivo.
ca universitária do século XIX, que privilegiava o estudo dos Por que moderna? Porque não se confunde com a tecno-
Modos de Produção em detrimento do estudo das Forças Pro- logia jônica, referida por Vasco Magalhães Vilhena 7 ; não se
dutivas. confunde também com a tecnologia política greco-romana que
Parece-me que tal oposição não era necessária, pois a acabou quase absorvida pelo Trivium de Boécio e Alcuíno.
categoria Modo de Produção não exclui, ao contrário, com- A tecnologia a que me refiro é aquela que começa a ser con-
S. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. 1, p. 203. 6. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. 1, p. 204.
f', 7. V. página 172.
184
ceituada por Christian Wolff, por Beckmann e pelos "tecnó- cado em seu interior - através de qualquer das facetas do
logos" ~;~lemães no século XVIII, e muito mais próxima da tetraedro.
Philosophy of Manufacture exposta por Ure do que da acep- A confusão conceitual em torno da tecnologia alastra-se
ção que o mesmo Ure dava a technology. inevitavelmente aos seus componentes. No Brasil, talvez par-
Por que trabalho produtivo? Porque, com redundância, ticularmente; as denominações e as definições dos campos
a tecnologia diz respeito ao trabalho em que está envolvido o conceituais e de trabalho estão sujeitas a decisões em três ní-
capital, o que é característico, obviamente, da economia capi- veis que não se comunicam com a necessária coordenação: o
talista. Não teria sentido, portanto, falar de tecnologia do da prática profissional, que se manifesta por pressões de mer-
neolítico ou da Idade Média, a menos que nos refiramos a aná- cado, o nível da universidade, que deve ter em vista, além
lises "tecnológicas", à luz da tecnologia, no sentido amplo dessa "prática" oriunda da demanda econômica, os projetos
que A. Haudricourt lhe dá, das condições de trabalho e de que a própria universidade deveria necessariamente ter em
produção em sociedades antigas. vista para o futuro do povo brasileiro, e o nível em que se
Nestes termos, ela é atividade que se desenvolve em ou- delimitam os campos de trabalho - as atribuições profis-
tro nível que não o da atividade técnica operatória. sionais - , que constituem objeto de legislação federal. Nela
~ claro que esse lugar de ciência do trabalho vem sendo têm grande peso as diferenças regionais, que seriam definidas
disputado por várias disciplinas. A Ergonomia é uma delas. mais precisamente em termos de meio histórico do que.em ter-
Definida como disciplina que trata da organização racional mos de meio físico ou meio geográfico, no senso estrito de
do trabalho ou do estudo do ambiente, das condições e da efi- geografia -física.
ciência dos trabalhadores, ela é evidentemente parcelar (e Como resultado disso, os campos de trabalho estão em-
parcial), e estaria compreendida na tecnologia. baralhados, superpõem-se denominações que freqüentemente
Definida como ciência, a tecnologia teria em seu âmbi- resultam de traduções puramente comerc;iais e menos rigoro-
to os três componentes do processo de trabalho a que se refe- sas, e que estão também sujeitas às modas, que privilegiam ora
re Marx, e poderíamos representá-la, como construção con• "as tecnologias" (sic), ora "as engenharias" (fracionando a en-
ceitual, através de uma construção volumétrica. O modelo genharia em várias centenas de especialidades), ora a "moder-
seria um tetraedro regular, sólido, que tem quatro faces trian- nização", ora o "desenvolvimento". ·
gulares iguais, sendo cada uma delas contígua a todas as ou- Apesar disso - sabendo dessas dificuldades e da pre-
tras. Nelas, que poderíamos imaginar transparentes, se inscre- cariedade de uma proposta de modelo unificador, quando ain-
veriam os componentes da tecnologia, que correspondem aos da prevalecem critérios empírico-nominalistas - , vejamos de
do processo de trabalho. Esta representação geométrica, que que maneira se podem agrupar os componentes da tecnologia
parece ter certa originalidade, completa-se portanto com as e distribuí-los pelas faces do tetraedro.
inscrições:
I - A Tecnologia do Trabalho.
11 - A Tecnologia dos Materiais. 1. TECNOLOGIA DO TRABALHO
III - A Tecnologia dos Meios de Trabalho.
IV - A Tecnologia Básica ou Praxiologia. O trabalho - ação do homem dirigida a fins deter-
O modelo proposto permitiria o exame do mesmo obje- minados - é atividade material orientada por um projeto. O
to - por exemplo, um trator agrícola, que suporíamos colo- homem modifica a natureza pelo trabalho e modifica-se a si

<nr 1R7
mesmo, inclusive desenvolvendo suas habilidades. Incluem-.s' fia das Manufaturas, seriam hoje classificadas na ergonomia·,
aqui as questões relativas aos movjmentos, gestos e atitude Jmlavra recente, usada a partir de 1949, e que designa
no trabalho, intimamente ligadas à questão dos tempos de
balho. A divisão do trabalho em seus diversos níveis (socia "O conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e
profissional ou as formas mais antigas de divisão por sexo necessários à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que
possam ser utiliza~os com o máximo conforto, segurança e eficiência" •
9
por idade), e as relações entre os trabalhadores no processo
trabalho (trabalho artesanal e trabalho em cooperação
bém se incluem neste item), assim como o que se refere Mas o elevador em si, como "equipamento" incorporado
formas de transmissão do conhecimento e das habilidades ao edifício industrial, deve ser inscrito em outra face do te-
sistema da aprendizagem ou no sistema escolarizado. Da traedro - a dos Meios de Trabalho - , sem nada que o dis-
ma maneira, devemos incluir as questões referentes à seguram· tinga dos monta-cargas empregadós para transportar merca-
ça e à medicina do trabalho. dorias.
Outra questão do gênero é a Organização do Trabalho,
Alguns fatos históricos ajudam a entender o que se agru-
Organização Científica ou Racional do Trabalho ou Gestão
pa neste primeiro ramo da tecnologia. Comecemos com a ques•
Científica, nomes que, usados nuns e noutros países, têm um
tão da fadiga, pois a ela se referem os primeiros estudos mo•
recobrimento razoável de significados, de modo a permitir
demos sobre o trabalho e o esforço físico. Como é sabido
aceitá-los como sinônimos no âmbito deste texto. Parece-me
(mas pouco lembrado), os elevadores para passageiros foram
possível inscrever essa disciplina também na primeira face do
propostos para uso nas fábricas inglesas já no começo do séc
tetraedro, sem prejuízo, como é também o caso da ergonomia,
cuJo XIX, muito antes do seu emprego em qualquer outro tic
dos contatos com outras faces. .
po de edifício. As fábricas daquele tempo eram, tipicamente,
instaladas em edifícios de vários andares e servidas por um Antoine Laville coloca Vauban e Bélidor como precurso-
único ou eventualmente alguns poucos motores a vapor. Em res das pesquisas sobre as cargas de trabalho físico, medin-
tais edifícios, o deslocamento dos trabalhadores era cansati- do-as nos próprios locais de trabalho, já no século XVII. Em
vo. Andrew Ure refere-se a experiências feitas, ainda no sé- 1760, outro francês, o engenheiro Jean-Rodolphe Perronet
culo XVIII, pelo físico Charles Augustin Coulomb, sobre o cronometrou e calculou o custo de cada operaçao na fabrica-
esforço muscular necessário para subir escadas. Chegou-se à ção de 12.000 agulhas. O inglês Charles Babbage, no livro On
determinação mais precisa desses esforços: um homem, pesan- the Economy o/ Machinery and Manu/acture (1832), apresen-
do cerca de 50 quilos, ficava completamente exausto quando ta tabelas de tempo e custos de cada operação na fabricação
10
subia em 32 segundos uma escada de 22 metros. A partir daí de alfinetes, reproduzidas no livro de H. Braverman •
estimou-se a quantidade de trabalho mecânico "desperdiçado" Mas a Gerência Científica ou Organização Racional do
numa dessas fábricas 8 • Ure descreve e apresenta desenhos por- Trabalho foi fundada pelo americano Frederick Winslow
menorizados de um elevador inventado por William Strutt e Taylor nas últimas décadas do século XIX. Ela é resultante
por Frost. (0 arquiteto William Strutt projetou a primeira de um esforço no sentido de aplicar os métodos da ciência aos
grande fábrica têxtil com estrutura metálica, com seis anda- problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas
res, em Derby, 1792/93.) · empresas capitalistas. O americano Taylor e o francês Henri
Experiências como essas, que Ure inclui na sua Filoso- Fayol, contemporâneos, dividem em parte a responsabilidade

8. A. Ure. Op. cit., p. 45 et seqs. 9. A. Laville. Ergonomia. São Paulo, E.P.U/EDUSP, 1917. p. 6.
10. H. Braverman. Op. cit, p. 78. V. também F. Klemm. Op. cit., p. 248.
'
188 1!10
na inauguração desse ramo do controle do trabalho e da pro- A gerência moderna- a Organização Racional do Tra-
dutividade. balho - apoiou-se nesses princípios. A ela vieram se juntar
outras disciplinas de origem mais nitidamente científica,
"Taylor criou uma linha singela de raciocínio e a expôs com lógi-
ca e clareza, franqueza ingênua e zelo evangélico que logo conquista-
alheias à fábrica, mas que tentariam oferecer soluções para os
ram fortes seguidores entre capitalistas e administradores. Sua obra problemas surgidos na indústria moderna nas novas condições
começou por volta de 1880, mas foi só na década seguinte que iniciou da divisão do trabalho na fábrica. Tal é o caso da psicologia
suas conferências, artigos e publicações" 11 • e da sociologia do trabalho 13 •
Depois de Taylor, Henry L. Gantt foi um dos mais im-
O taylorismo se propagou, na América, "como um in- portantes defensores e praticantes da Organização Racional
cêndio na planície" e também nos países industrializados da do Trabalho. Discípulo de Taylor, tevou sua obsessão pela ra-
Europa. Na França foi chamado de "Organisation scientifique cionalidade a ponto de propor a centralização de todo o po-
du travail" e, posteriormente, "Organisation rationelle du tra- der social nas mãos de técnicos especializados - uma tecno-
vail". cracia 14 • A ele se devem os gráficos de previsão e controle do
Braverman transcreve e comenta a seguir, na mesma andamento de obras (gráfico de Gantt) até hoje usados, sob
obra, os princípios do taylorismo: formas mais elaboradas, em diversos tipos de cronogramas e
de gráficos de controle de obras. fl. o caso dos Progress
1.() - "O administrador assúme . . . o encargo de reunir todO. o charts, dos gráficos de PERT (Progress Evaluation and Re-
conhecimento tradicional que no passado foi possuído pelos trabalhado-
res e ainda de classificar, tabular e reduzir esse conhecimento a regras, view Technique) e de C.P.M. (Critica/ Path Method).
leis e fórmulas". Contemporâneos de Taylor e Gantt são os dois Gilbreth,
Frank e Li!ian - marido e mulher - , ele engenheiro e ela
Parece-me que estamos em presença de um daqueles psicóloga. Gilbreth interessou-se pelo estudo dos movimentos
atos de ruptura dos segredos de ofício, de eliminação dos mis- e tempos no trabalho, tendo em vista a eliminação dos movi-
térios a que já me referi. mentos desnecessários. Estudou a semelhança entre as atitu-
Braverman enuncia este primeiro princípio como o de des e gestos e diversas atividades humanas, e levou seu rigor
"dissociação do processo de trabalho das especialidades dos analítico ao ponto de acreditar que a habilidade nos ofícios,
trabalhadores". em todas as formas de atletismo e também em atividades co-
mo a do cirurgião, está baseada em uma série comum de prin-
2.• - "Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da ofici- cípios fundamentais 15 • (Convém lembrar que cirurgia vem do
na e centrado no departamento de planejamento e projeto". grego chiros, que quer dizer mão.) .
Gilbreth foi o primeiro americano a usar os recursos do
Este princípio implica na separação entre o trabalho in- cinema, enlão·nascente--rf9T2), pararegistro e estudo dos ges-
telectual e o trabalho manual. tos e movimentos, a partir do que construiu modelos espaciais
3.• - "Refere-se na preparação prévia, pela gerência de todas as 13. Sobre o trabalho na URSS ver: M. Yaroshevski e Y. Zinévich: La praxis social
12 •
e
tarefas a serem executadas pelos trabalhadores. um corolário do prin-- y el desarrollo de la doctrina sobre el trabajo en la dencia soviética. In: La
Ciencía y la Tecnica :e! Humanismo y el Progresso. Moscú, Academia de Ciencias
cípio anterior"
de la U.R.S.S., 1981.
11. H. Braverman. Op. cit., p. 86. 14. David F. Noble. Op. cit., p. 63.
12. Idem, ibidem. p. 101 et seqs. 15. S. Giedion. Op. cit., p. 117. Confronte·se com o trecho de O Capital trans-
crito à p. 181.

190
"materializando" os movimentos de trabalho. A fotografia es- e muito pouco a Taylor. Mas não deixa de registrar a inven-
troboscópica também foi usada nessas análises cinéticas. ção, por Taylor e White, do aço com tungstênio, cromo e va-
Taylor sempre esteve ligado à indústria mecânica e me- nádio para uso na fabricação de brocas, apresentada na expo-
talúrgica; Gilbreth era oriundo da indústria da construção e sição de Paris em 1900.
a esta dirigiu suas pesquisas, da qual resultaram dois livros:· H. Braverman, autor já citado, faz constatações interes-
Concrete System, que tem por objeto o trabalho de estrutura~ santes sobre este aspecto particular da questão que estamos
de concreto, e Bricklayng System, que estuda o trabalho dos examinando:
pedreiros no assentamento dê tijolos.
Estas questões abrangidas pela Organização Racional do "A Revolução Técnico-Científica.
Considerada de um ponto de vist~ técnico, toda produção depende
Trabalho e pela ergonornia (pelo menos parte dela) são nu- das propriedades físicas, químicas e biol6gicas d0s materiais e dos pro-
cleares para a tecnologia do trabalho, pois referem-se ao cessos que se baseiam nelas. A g'erência, em suas atividades como orga-
trabalho produtivo, ou seja,- ao trabalho que produz valor de nizadora do trabalho, não lida diretamente com esse aspecto da pro-
mercadoria, valor excedente para o capital. Excluiu-se dessa dução; ela meramente proporciona a estrutura formal para o processo
categoria todo trabalho que não é trocado por capital. Os que produtivo. Mas o processo não está completo sem o seu conteúdo, que é
uma questão da técnica. Esta, como já foi observada, é primeiramente a
trabalham por conta própria - lavradores, artesãos, artífices, da especialidade, do ofício, e depois assume um caráter cada vez mais
comerciantes ou profissionais liberais e empregados domésti- científico à medida que o conhecimento das leis naturais aumenta e des-
cos - não cabem nessa categoria: estão fora do modo capi- titui o conhecimento fragmentário e as tradições fixadas do ofício" 17 .
talista de produção. O que distingue o trabalho produtivo do (Grifas meus- R.G.)
trabalho improdutivo não é o produto, mas o como é produzi-
do, em que condições da divisão soCial do trabalho. ·
• Um alfaiate, trabalhando em casa ou na sua oficina pes-
soal, não exerce trabalho produtivo. Outro alfaiate, produzin- 2. TECNOLOGIA DOS MATERIAIS
do roupàs semelhantes, mas como empregado de uma "con-
fecção", exerce trabalho produtivo. I! por isso que a tecnolo- O objeto do trabalho é aquele sobre o qual se exerce a
gia moderna, como a conceituo, é moderna, ou seja, é contem- ação do homem. A Terra é o objeto universal da ação dos
porânea ao capitalismo e, redundantemente, é a ciência do tra- homens e as coisas são pedaços da Terra que o homem separa
balho produtivo, característico do sistema capitalista. Deti- pelo trabalho. I! evidente que o planeta Terra já não detém
ve-me demasiadamente nesses aspectos da tecnologia do tra- hoje com exclusividade a ação do homem. O objeto de traba-
balho por que não é usual, entre os autores especializados, lho de uma etapa pode ser produto de urna· etapa anterior:
incluir coisas como a O.R.T. e a ergonomia na tecnologia. urna tora de madeira é produto do trabalho do madeireiro, mas
Quanto a esta última, é verdade que Antoine Laville a ela se é objeto de trabalho na serraria que, por sua vez, as fornece
refere corno "uma tecnologia", deixando evidente, a meu ver, aos carpinteiros e marceneiros na forma de vigas, tábuas e
que é mais fácil"aceitar a "proliferação" das tecnologias do pranchas corno objetos de trabalho.
que propor urna unificação sistemática. Bastante sintomático Assim sendo, a tecnologia dos materiais estuda, desde
é também o fato de que Trevor I. Williarns, na sua obra mais as matérias-primas que estão no início de urna cadeia (petró-
recente 16 , não se refere a H. Fayol, à Industrial Organization leo, p. ex.), até as modernas resinas sintéticas dele oriundas,
16. Trevor I. Williams. A Short Hi.story of Twentieth. Century Technology. New
York, Oxford Univ. Press, 1982. Passim. 17. H. Braverman. Op. cit., p. 135.
~'

10? 19~
que são os materiais usados na fabricação dos mais variad~
objetos de uso diário, doméstico ou industrial.
l?oucos são os materiais utilizados in natura.
mos dizer, utilizando uma denominação antiga, que os
'riais provêm dos "três reinos da natureza": o mineral, o
getal e o animal. A Terra é não apenas o solo agrícola,
superfície e o subsolo, com os minerais ou os materiais
nicos fossilizados; é a água, na superfície ou no subsolo;
o ar do qual o homem ou os próprios vegetais extràem gases.
Dos vegetais se extraem fibras, madeira, essências e óleos
abastecem largos setores da produção. B só pensarmos na
mentação para lembrarmos a importância. dos produtos vege.•
tais e animais. Os mais antigos registros de conhecimentos e
de regras .técnicas talvez sejam aqueles ligados à agricultura.
O poeta grego Hesíodo terá sido o primeiro. Depois, há uma
longa série de autores latinos que escreveram sobre agricultu.
ra ou, mais genericamente, sobre as "coisas rústicas" (scripto-
res rei rusticae, que incluíam a pecuária, a astrologia, meteo-
rologia e geografia, desde o cartaginês Magão até os romanos
Catão, Virgílio, Varrão, Columella e Plínio na antiga Roma, Fig. 4: Representação Espaéial da Tecnologia
até Rutilo Tauro Emiliano Palladio (autor latino que teria vi-
vido no quarto século e cujos catorze livros De Re Rustica arsenais ficou evidenciada nas palavras de Salvati, que fala
foram impressos pela primeira vez em Veneza no ano de 1472) pelo próprio Galileu nos Discorsi:
e Pietro de Crescenzi (1230-1321), de Bolonha, que foi talvez
o último dos grandes autores geórgicos 18 • · "A constante atividade de vosso famoso arsenal, cidadãos de Ve-
neza, proporciona aos estudiosos um amplo campo de meditação, parti-
Mas apesar de registrados em livros, esses conhecimen- cularmente no campo relacionado com a mecânica, uma vez que todos
tos, esses receituários técnicos não são ainda tecnológicos. os tipos de instrumentos e máquinas são aí fabricados continuamente
Já o mesmo não ocorre com a Teoria da Resistência dos por numerosos artesãos, entre os quais alguns chegaram a ser extraor-
dinários conhecedores e hábeis nas explicações, seja por observações fei-
Materiais, fundada por Galileu e apresentada nos Discorsi e tas por seus antecessores, seja por sua própria experiência cotidiana" 19 •
Dimostrazioni Matematiche intorno a Due Nuove Scienze,
escrita na forma de diálogo e publicada pela primeira vez em Lobo Carneiro levanta a hipótese de que as investigações
Paris (1639). de Galileu tenham surgido de consulta feita pelo arsenal, e
Galileu foi conselheiro técnico do arsenal de Veneza, por isso mesmo provocadas pelas necessidades práticas da in-
grande estaleiro de construção naval e de máquinas, quando dústria nascente, não somente da indústria mecânica, mas
lecionava na Universidade de Pádua. Sua opinião sobre os
19. Fernando Luiz Lobo Barbosa Carneiro. Galileu - Fundador da Teoria da
Resistência dos Materiais. In: GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia.
18. L. Granato. Scriptores Rei Rusticae. São Paulo, Tipografia Asbahr, 1918. p. 243 et seqs.
,,
194 lQ"i
também da indústria da construção 20 • Os estaleiros, coino Por tudo isso, pelo seu caráter teórico (e portanto gene·
sabe, eram manufaturas: reuniam no mesmo local numerosos ralizante), pelo seu conteúdo supradisciplinar (no sentido das
artesão~ de mesmo ou de diferentes ofícios, para fazerem obra disciplinas dos ofícios) e por sua vinculação histórica com a
comum. Admitindo que as condições fossem semelhantes às problemática da produção manufatureira, a Teoria da Resis-
de outros estaleiros a que me referi, os artesãos nele trabalha· tência dos Materiais de Gali!eu inaugura, mesmo antes do ba-
vam fora do controle das corporações; assim sendo, os pro- tizado, uma das faces da tecnologia. Isso não acontece por
blemas técnicos podiam ser resolvidos em âmbito suprapro- acaso e nem simples conseqüência das idéias científicas que
fissional, definidos e globalizados pelas necessidades da em- vieram do conjunto de acontecimentos chamados de Revolu·
presa. ção Científica mas começa a nascer quando a teoria se une à
As investigações de Galileu tinham essa marca: não se prática em condições muito especiais.dessa prática: o trabalho
referiam aos materiais usados por cada uma das profissões en- em cooperação nas manufaturas.
volvidas mas, teoricamente formuladas, inclusive pelo uso da
linguagem matemática, ofereciam propostas de soluções gené-
ricas, aplicáveis aos materiais utilizados nos diversos ofícios:
à madeira dos carpinteiros, à pedra dos canteiros e pedreiros, 3. TECNOLOGIA DOS MEIOS
às cordas dos cordoeiros. Num certo sentido, a teoria de Gali-
leu era antigeométrica. A geometria prática era, como vimos,
Os meios de trabalho são aqueles pelos quais o homem
parte do domínio secreto dos carpinteiros e canteiros, chave
exerce sua ação sobre os materiais (objeto do trabalho). São
para a estereotomia. Mesmo quando a estereotomia se benefi-
um conjunto de coisas ou uma única coisa que o trabalhador
cia da teorização iniciada pela geometria projetiva de Desar-
gues, a questão dos materiais é ainda essencialmente geomé- coloca entre si mesmo e o objeto de seu trabalho.
trica. Na tecnologia dos meios se incluem, portanto, o conhe-
Na construção naval, como já se mostrou neste texto, o cimento dos instrumentos, utensílios, ferramentas e máquinas,
risco (corte) das peças era também questão de estereotomia. E bem como o da utilização da energia em suas diversas formas.
mais, a construção naval começava com modelos em escala B evidente que a tecnologia dos meios tem relações com
reduzida a partir dos quais se· "riscavam" as peças em tama- as outras faces da tecnologia. Quando se trata por exemplo
nho naturaL Ora, um dos aspectos essenciais na investigação dos utensílios, ferramentas e máquinas, há problemas de in·
de Galileu é o dos modelos. Por que uma peça não tinha a terfaces com a tecnologia do trabalho através da ergonomia
mesma resistência ou resistência proporcional à de seu mode- e da antropometria. Mas as ferramentas e máquinas são feitas
lo? Esta questão, que é chamada a dos "gigantes de pés de de materiais diversos e são também, quando fabricadas, o):ije-
·barro", põe em cheque toda uma tradição técnica empírica. to de trabalho. Voltando ao exemplo dado: a mesma coisa
Galileu a resolve enfrentando a (eoria das proporções, presen- pode ser vista através das diversas faces do tetraedro: um tra·
tes, na arquitetura por exemplo, desde Alberti, dois séculos tor pode ser visto pela face da tecnologia do trabalho, pela da
antes de Galileu. À tradição geométrica empírica ou erudita tecnologia dos materiais de que é feito e pela tecnologia dos
(pela vertente platônica), Galileu opõe a sua teoria, analítica meios.
e experimental. A questão da automatização é uma dessas que pode· ser
vista através das várias faces: refere-se obviamente à tecnolo-
20. Idem, ibidem. gia do trabalho, à tecnologia dos materiais, à tecnologia dos

196 197
meios e, como se verá, à tecnologia básica que é a quarta ao lado de um circuito de força, de um circuito de infor-
do tetraedro. mação.
O uso atualmente freqüente do termo robô, cuja ongem Isto quer dizer que o automatismo já estava presente na
é a palavra eslava que quer dizer trabalho, introduzido na máquina do moinho, desde o primeiro século desta era. E o
teratura pelo autor tcheco Karel Capek, é a manifestação ho• que nos mostra Julio Roberto Katinsky no texto de sua auto-
dierna de um velho mito. ria intitulado As máquinas e as cidades. Eram mecanismos
simples, construídos com peças de madeira grosseiras, "pro-
"O mito do homem artificial tem a potência de um dos mais ve· gramados" e regulados empiricamente, mas cuja eficiência po-
lhos sonhos da humanidade: sonho de conquistar ·os gestos divino! de ser constatada nas centenas (ou possivelmente milhares) de
transgredindo os limites humanos. (Veja·se Hoffmann - O Homem d~
Arl>ia; G. Meyrink- O Golem; C. Capek- Os Robôs Universais de moinhos de fubá existentes no pa(s, alguns ainda em uso a
Rossum.) Essa aparição do 'homem inumano' tem como contrapartida o poucos quilômetros de São Paulo! Um deles, desativado, pode
desaparecimento do homem humano, no contexto geral de uma concep- ser visto na casa bandeirista do Butantã, vizinha ao Campus
ção pessimista e escatológica da tecnologia" 21 • da Universidade de São Paulo!
A novidade do automatismo moderno estaria então me-
Robotização passou a ser empregada quase como sinô- nos na invenção do que no estudo sistemático e metódico dos
nimo de automatização, mas esta última tem como étimo o mecanismos de informação, de programação e de controle das
grego lXVTOfLaTo': autômatos. Já na obra de Heron de Alexan- máquinas. Isto é matéria afeta à tecnologia. Não precisa, ne-
dria (III século), chamada Pneumática, há descrição de di- cessariamente, em todas as etapas de suas pesquisas, da inven-
versos autômatos. Aqueles cuja forma exteríor ímítava o ção e do projeto estar vinculada estritamente à prática produ-
homem dava-se o nome de andróides. O que parece estar tiva, embora a elaboração de protótipos, a experimentação e
muito de perto associado aos autômatos é a intenção de mis- as correções sejam estâncias obrigatórias nesse tipo de tra-
tério, que os incorporava a atos ritualísticos. balho.
Mas o automatismo, em termos de aplicação prática e
produtiva, tambél)l tem uma história bastante antiga. O velho
moinho romano de cereais, descrito por Vitrúvio num de seus
Dez Livros da Arquitetura, já dispunha de um conjunto de pe- 4. TECNOLOGIA BÁSICA OU PRAXIOLOGIA
ças sabiamente articuladas, cuja movimentação regulava o
fluxo de grãos que eram introduzidos entre as mós da máqui-
na. O conjunto, externo-ao moinho, era acionado pela mesma Na quarta face .do tetraedro coloca-se a tecnologia bási-
força que fazia girar a mó (mola versalitis). O moinho pode- ca. Por que básica? Porque reúne um conjunto de disciplinas
ria moer sem ele mas, no caso, seria necessário que alguém e técnicas (não no sentido estrito das artes mecânicas)· que
estivesse continuamente deitando grãos. no orifício da mó. alimentam, dão apoio aos outros componentes da tecnologia.
Com o conjunto de automatismo o moleiro enchia o depósito Cabem nela várias das ,chamadas ciências aplicadas, ressalva
de grãos e deixava o moinho funcionando sozinho, tratando feita quanto ao sentido de cima para baixo que se associa fre-
apenas da regularidade da força motriz do conjunto. Podería- qüentemente a essa denominação, que ignora a relação dialé-
mos dizer que a máquina descrita por Vitrúvio já dispunha, tica entre teoria e prática.
Incluímos, em primeiro lugar nesta face:
21. J. C. Beaune. Op. cit. p. 17. A praxiologia - conceito que foi introduzido por Alfred
198 199
Espinas em obra publicada no final do século com a praxiologia, para outros a própria cibernética
sentido que se dá atualmente a esta palavra é o de ''a arte de tornar a ação eficaz" 24 • A Teoria Geral dos Sis-
métodos que permitem chegar a conclusões operacionaii também pretende centralizar em si essas disciplinas, co-
lógica da atividade racional orientada para a ação. as seguintes áreas:
mos, a praxiologia seria a ciência da eficácia,
quatro princípios: A cibernética.
A teoria da informação.
1. Preparação através de uma reflexão prévia sobre A teoria dos jogos.
2. Economia dos atos.
A teoria das decisões.
3. Instrumentação e utilização dos meios materiais. A topologia.
4. Organização dos diversos agentes: integração, coorrli A análise de fatores.
ção, concentração sobre o mesmo fim.
A pesquisa operacional, as técnicas de modelação e de
Associam-se à praxiologia três disciplinas modernas ~imulação e o automatismo também se relacionam com a teo-
Pesquisa Operacional, a Programação e a Cibernética 22 • tia dos sistemas.
Mas o próprio conpeito de praxiologia não está a.inda F. evidente que todas essas disciplinas modernas têm
mado univocamente. Enquanto para Tadeusz Kotarbhíski grandes áreas de recobrimento e que não há muita clareza
é a c'iência da ação racional e tem caráter extremamente quanto à definição de seus campos. Elas têm, todavia, carac-
para outros autores ela é
terísticas que nos autorizam a colocá-las no tetraedro da tec-
"Um dos métodos da investigaçãb sóciológica moderna. A
nologia, pois marcam de forma bastante evidente o contacto
cia desse método consiste na investigação prática (e histórica) e na da ciência com a produção: caracterizam o modo como a ciên-
terização dos diversos hábitos e procedimentos no trabalho, o cia vem atendendo às encomendas, cada vez mais complica-
cimento de seus elementos e a formulação, sobre essa base, de recomen· das, de novos métodos, de novos processos de formulação e
dações de caráter prático.
solução de problemas da produção. Estabelecem um relacio-
A P. examina a interação dos indivíduos, assim como a do
namento de novo tipo entre a ciência e as técnicàs, entre a teo-
víduo com o coletivo, no processo de produção" 23 • ria e a prática.
Outra das disciplinas atuais que deve ser colocada no
Nesses termos a praxiologia apresenta ampla área tetraedro é a heurística. Está claro que tanto esta como várias
comum com a sociologia do trabalho. das outras disciplinas não são cativas da tecnologia; mantêm
Não é por esse lado que vamos abordá-la, mas sim pelo em geral contactos com outras áreas do saber e das atividades
que se sintetiza nos quatro princípios básicos acima citados, humanas. Mas o que é a heurística? Ela tem na sua história
oriundos da obra de Tadeusz Kotarbinski (v. nota 22). alguns pontos comuns com a tecnologia. Já me referi à acep-
Na verdade a questão não é assim tão simples, pois há ção greco-romana que envolvia a tecnologia com as artes libe-
superposição e disputa de área entre essas disciplinas moder- rais: a gramática, a retórica e a dialética. A heurística estava
nas. Assim é que enquanto alguns autores relacionam a ciber- também envolvida. Aristóteles não estabelece diferença entre
a heurística e a sofística. Ela se reduziu a um conjunto de pro-
22. V. Glossário. R. Gama, passim.
23. Diccionario de l'i/osotia. MoscU, Editorial Progresso, 1984.
cessos que se podiam aplicar com o mesmo êxito para demons-
24. L. Couffignal. Cf. Glossário. Op. cit. p. 24. trar ou para refutar uma afirmação, qualquer que fosse. A

200 ?01
techna também passou por essas vicissitudes, como já
quando Terêncio (li séc. a.C.) a emprega com o sentid( fnnerHc.í'índo sistema insular das artes (técnicas)._ Essa unifi-
embuste, astúcia, trapaça"'. por cima das "artes" e já é tecnológica. Embora
Mas a heurística que nos interessa é a "arte de grande proposta de unificação seja a do sistema métrico im-
de fazer descobrimentos, de orientação da pesquisa". fplantado pela Revolução Francesa, que ligava as medidas às
!dimensões da Terra e não às do homem, o interesse mercan-
"Seus objetivos não se reduzem apenas às pesquisas das tilista pela unificação fica a meu ver patente pela existência
tes do pensamento criador, mas compreendem também a elaboracão de proposta do matemático português Pedro Nunes (1502-
métodos e modos de direção dos processos de criação" 26 • 1580), referida por Rodrigues Brito como "uma das facilida-
des do comércio ... " 28 • O estabelecimento de padrões e nor-
E claro que nem todas essas disciplinas que se mas, tanto para a fabricação quanto para o emprego de mate-
vem no tetraedro d11 tecnologia são deste século. Os riais, ferramentas, máquinas, e da energia, sob os múltiplos
tos das técnicas produtivas com a matemática, com as aspectos em que se apresenta, e também para as condições de
ciências, as biociências, com a física e com a química segurança e de conforto do trabalhador, constitui objeto tam-
antigos e, em muitos casos, anteriores à tecnologia modern bém da tecnologia básica. O estabelecimento de normas e pa-
J>á vimos como as técnicas de representação gráfica (o desenb drões apóia-se, em seus aspectos quantitativos, na metrologia
em sentido estrito) se matematizam e se transformam e nas técnicas de mensuração. Mas não se esgota aí: a nomen-
"disciplinas científicas", como a geodésia e a cartografia, clatura e a terminologia já eram objeto da preocupação dos
mo a geometria projetiva e a descritiva, frutos do trabalho "tecnólogos" alemães do século XVIII. E também dos france-
arquiteto e matemático C. Desargues. ses desde o século XVII, com o Dictionnaire des Arts et des
Outra dessas disciplinas mais antigas é a metrologia, _ Sciences, do poeta e dramaturgo Thomas Corneille, publicado
trata das unidades e dos sistemas de medida. Se a ela acrescen• em 1694, com a Enciclopédia de Diderot e 1,1m grande número
tarmos as técnicas de mensuração e a teoria dos erros, veriff• de dicionários técnicos no século XIX. Os ingleses, e já mos-
ca-se quão grande é sua importância para toda a tecnologia; trei como technology ainda tinha no século XIX o significado
A história da unificação dos sistemas de medida é outro as• de terminologia e nomenclatura técnica, têm em Andrew Ure
pecto interessante da história da tecnologia. Na Itália do Re• um de seus dicionaristas mais importantes. O Dictionary of
nascimento,_por exemplo, havia uma diversidade extraordi- Arts, Manufactures and Mines teve muitas edições ainda du-
nária de unidades de medida, inclusive das unidades monetá-. rante a vida do autor e outras tantas após sua morte. Na lín-
rias. Elas variavam de cidade para cidade e no caso as uni- gua portuguesa merece destaque o já citado Vocabulário do
dades de medida técnicas, de corporação (arte) para corpo- Padre Rafael Bluteau, que o próprio autor apresenta como
ração. Havia braça para os pedreiros, braça para os constru- sendo, entre tantas outras coisas, também um vocabulário
tores e braça para os tecelãos, dentro da mesma cidade 27 • A "technologico".
unificação desses sistemas, assim como a do sistema monetá- O ensino técnico profissional, embora tenha sido men-
rio, não pode ser dissociada da ampliação e unificação dos cionado entre os componentes da tecnologia do trabalho, es-
mercados (comércio internacional e câmbio), bem como da. taria também na interface daquela com a da tecnologia bá-
25. V. referências neste texto. sica. Isto porque envolve questões genéricas de métodos, de
26. V. H. Puchkin. Cf. Ruy Gama. Glossário. p. 65. normas, de representação, de vocabulário e de repertórios, de
27. William Barclay Yarson. Op. cit., p. 625 et seqs.
28. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 87 .
202 •
taxonomia e de outras tantas que servem de apoio básicÇ!, de fundição do bronze, e nem a literatura se reduz ao
toda a tecnologia. Os conhecimentos e a ciência da · ~.Jero-livro, por maior que seja sua tiragem, sua beleza e a
traç~o no que dizem respeito à produção também têm dos recursos tecnológicos mobilizados para sua
nesta face da tecnologia.
Esta é a apresentação suscinta que pretendia Em livro recentemente publicado, o filósofo mexicano
modelo volumétrico que representa, mas não esgota o de Gortari dedica um capítulo ao método da tecnologia.
da tecnologia. Os itens inscritos nas faces do modelo inicialmente tecnologia com o significado do con-
cativos dos critérios de distribuição e não se pretende das técnicas e, portanto, "muito mais antiga do que a
gotem um conjunto que está em franca expansão. As ... ", coloca-se ao lado de Forbes e de outros autores
entre a tecnologia e as "outras ciências" foram suscintame ·citados. Porém, mais adiante, no mesmo capítulo, ad-
mencionadas, mas não foi abordado o relacionamento da mite que
nologia com outros campos da atividade e do conhecim.;
humanos. A filosofia, as artes, o pensamento político e · "De maneira estrita, a tecnologia é a ciência que estuda as técni~
so ficam a meu ver fora do tetraedro, embora venham a cas. A investigação tecnológica compreende as mesmas fases que qual-
contacto com ele. Basta lembrar o conceito de formação quer outra investigação científica, a saber: seleção do problema, reunião
cio-econômica a que já me referi. Mas não há que dos conhecimentos já adquiridos sobre o assunto, formulação de hipó-
teses, planejamento e execução de experiências, avaliação dos resul-
as coisas, o que é difícil evitar exatamente quando elas tados . .. "
muito próximas.
Tá vimos, por exemplo, como a história da arquitetur1 Gortari divide a tecnologia em três partes: a tecnologia
se liga à história da técnica. Vejam-se as referências já · teórica, a tecnologia experimental e outra que se dedica à prá-
à obra de Desargues. Mas a arquitetura não é parte da tecno' tica, aos processos industriais.
logia, já que não se reduz à "ciência da construção" nem à A tecnologia teórica estarill. apoiada em quatro leis fun-
"produção do espaço", pois não é ciência. damentais, a saber: a lei dos custos, a lei do grande número
A estereotomia, técnica do corte da pedra e da madeira, de variáveis (cuja aplicação implica na escolha das variáveis
provoca a formulação da geometria projetiva e da geometria mais importantes, ou dominantes); a lei do efeito de escala
descritiva, que se sistematiza axiomaticamente. Não tem com, (cuja formulação ele atribui a Galileu e a Hegel e que já men-
. promissos COtÍl este ou aquele material, com este ou aquele cionei quando me referi à construção naval e à modelação em
estilo arquitetônico, com este ou aquele ferramenta!. Serve pa- geral), e a lei da automatização 29 •
ra resolver ou representar graficamente problemas de corte Estas leis enunciadas por Gortari eu as incluiria na tec-
de pedras, de madeira, de peças de metal ou de materiais arti- nologia básica.
ficiais, corte da terra e dos aterros, dos moldes e modelos dos A partir do que foi exposto poderia me atrever a fàzer
mais diversos tipos. Coloca-se, a partir daí, desse nível de apli- algumas negações, a enumerar o que a tecnologia não é (ou
cação generalizada em um· dos elementos inscritos na quarta não é exclusivamente). ·
face do tetraedro. O mesmo se pode dizer de outras "artes". 1. A tecnologia não é um conjunto de técnicas ou de
Assim como a arquitetura não se reduz ao conjunto das téc- todas as técnicas, e nem é a sofisticação da técnica. A passa-
nicas construtivas e nem aos processos e métodos tecnológicos gem da técnica para a tecnologia (e esta não exclui a primei-
disponívéis, a escultura não se reduz ao corte dos materiais
29. Eli de Gortari. Metodologia General y Métodos Especiales. Barcelona, Edic.
(mármore, granito, madeira, metais, plásticos etc.) ou às téc- Océano, 1983. p. 192.
204 '
205
tecnologia não é ciência aplicada· por que é, ela
ra) não é questão de gradação ou ·desenvolvimento
campo das técnicas: é questão que se refere à formação ciência.
8. Apesar da participação crescente da tecnologia na
-econômica em que se realiza. da mercadoria, ela não é mercadoria. A coisificação
'2. A tecnologia não é a "maneira como os technology é semelhante à que ocorre com medicine. Can-
fazem as coisas" (L. White Jr.) porque, em primeiro se lê no Webster's New Twentieth Century Dictionary,
não se distingue desse modo técnica de tecnologia e,
gundo lugar, há muitas coisas que os homens fazem que Medicine - 1 - the science and art of diagnosing, treating,
são técnicas. Pela mesma razão, a afirmativa de R. J. curing, and preventing desease, relieving pain, and improving and pre-
de que a "tecnologia é tão antiga quanto o homem" carece Ncrving health.
sentido histórico. 2
3 -- (a)
... any drug or other substance used in treating desease,
3. Da mesma forma, a tecnologia não é o healing, or releaving pain. (h) - obsolete - a drug or other substance,
pelo qual o homem domina a natureza e nem o "meio ns a poison, love portion, etc. used for other purposes.
qual os homens extraem de seu habitat os alimentos, o
as roupas e as ferramentas de que necessitam para sobrevive 9. A tecnologia não se confunde com o modó de pro-
(Herskovitz). Caberia aqui substituir a palavra tecnologia dução capitalista. Embora com ele tenha vínculos de origem,
trabalho. Raymond Williams chama a atenção para outra não se pode amarrá-la ao futuro do capitalismo.
ticularidade da língua inglesa, que talvez esteja se manut:~
tando, envolvendo, neste caso, a palavra trabalho: "A "A demanda social, à fase de intuição e à das tentativas e de erros,
cialização do sentido de trabálho como emprego pagá segue-se necessariamente a de formulação do descobiimento científico
resultado do desenvolvimento das relações de produção e da invenção em linguagens universais e de sua comprovação nesses
termos; daí decorre também a capacidade das ciências e da técnica de
!alistas. Estar trabalhando ou não estar trabalhando· é transcender aos sistemas sociais que as produziram e de serem transmi-
em relação definida com alguma outra pessoa que controla tidas a outros países e a outras gerações, convertendo-se
31
em forças pro-
os meios do esforço produtivo. O trabalho (work) foi então dutivas e em patrimônio comum da humanidade" •
trasladado do sentido de esforço produtivo em si mesmo para
o da relação social predominante" 30 • 10. As relações entre a tecnologia e o poder são rela-
4. A tecnologia não é o conjunto de ferramentas, má- ções históricas, na medida em que o poder é uma categoria
quinas, aparelhos ou dispositivos quer mecânicos quer eletrô- histórica; mas a transcendência da técnica decorre de sua vin-
nicos, quer manuais quer automáticos. culação com o processo de trabalho, que é "condição natural
32
5. A tecnologia não é conjunto de invenções ou qual- eterna da vida humana" •
quer uma delas individualmente. O avião não é uma tecno-
logia, como não o é o rádio, o radar ou a televisão, muito
embora seja ·esta a acepção mais difundida em marketing.
6. A tecnologia não se confunde com os sistemas de
marcas e patentes e com os "mecanismos" de venda, cessão ou
transferência dos direitos inerentes a esses privilégios.
31. Piero Bolchini. In: Marx, K. Capital e Tecnologia.
30.. R. Williams. Key Words. A Vocabulary of Culture and Society. New York, 32. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. 1, p. 208.
Oxford University Press, 1976. p. 282.
207
206
A TECNOLOGIA E A PERIODIZAÇÃO s6 podiam penetrar os empírica e profissionalmente iniciados. A
IDSTóRIA moderna rasgou o véu que ocultava ao homem seu próprio
social de produção e que transformava os ramos de produção
ltturalmente diversos em enigmas, mesmo para aquele que fosse inicia-
deles. Criou' a moderna ciência da tecnologia o princípio de
Jnsiderar em si mesmo cada processo de produção e de decompô-lo,
levar em conta qualquer intervenção da mão humana em seus ele-
constitutivos.

A tecnologia descobriu as poucas formas fundamentais do movi-


mento, em que se resolve necessariamente toda a ação produtiva do
corpo humano, apesar da variedade dos instrumentos empregados, do
.mesmo modo que a mecânica nos faz ver, através da grande complica-
ção da maquinaria, a contínua repetição das potências mecânicas sim-
ples" 3 •
Conceituada desta maneira, a tecnologia,
ao trabalho e à produção contemporânea, entrosa-se
Estamos agora diante de aspecto dos mais importantes
história da técnica e da "civilização material" e sua period
zação. Vale a pena repetir que, segundo Marx daquilo que pretendo demonstrar: a datação da tecnologia
moderna e a periodização da história a partir de critérios "tec-
"O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o _ nológicos".
faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho Raffaele Rinaldi, no prefácio para a edição italiana do
servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho livro de Alexandre Kusin, escreve: ·
além disso, indicam as condições em que se realiza o trabalho" 1
"Assim como no caso da economia, que só ho modo de produção
Ainda na mesma obra Marx escreve: capitalista encontra sua fundação como ciência, porque só nele o eco-
nômico se autonomiza, também a tecnologia tem a sua fundação como
"A tec!Jologia revela o modo de proceder do homem para com a ciência dentro das relações de produção capitalistas. 'O J>rincípio da
natureza, o p·rocesso imediato de produção de sua vida material e assim grande indústria de resolver nos seus elementos constitutivos qualquer
elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que processo de produção, em si e por si considerado e sem levar em conta
dela decorrem" 2 •
a mão do homem, criou a moderna ciência da tecnologia' (K. Marx. O
Capital, L. 1, v. 1, p. 557). Segundo autores contemJ>orâneos (Fried-
Essa "revelação" não pode certamente se referir à· tec- mann, Koyré) o termo é ao invés disso aplicado como momento espe-
nologia como "conjunto de técnicas" ou como "técnica sofis- cífico de ruptura; assim, por exemplo, A. Koyré observa que 'com ela
ticada". Refere-se certamente à tecnologia como ciência que (a eletricidade) de fato a humanidade deixou o período técnico da sua
história e entrou no período tecnológico'. (I filosofi e la macchina. In:
revela os mistérios do trabalho. f o que escreve Marx em Dal Mondo del Pressappoco all'Universo della Precizione. Torino, Einau-
outro capítulo de sua obra maior: di, 1967. p.57). Com isso, porém, a origem das transformações téc-
nicas e sociais é colocada como resultado da introdução de novas fontes
"ll bem significativo que ainda no século XVIII os diferentes de energia (vapor, eletricidade) em substitqição ao homem como motor,
ofícios tivessem a denominação de mistérios (mysteres), em cujos area- 4
e não à introdução da máquina ferramenta" •
l. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. 1, p. 204.
2. Idem, ibidem. p. 425. Nota 89. 3. K. Marx. Idem, ibidem. p. 557.
4. In: Kusin, A. A. Marx e la Tecnica. Milano; G. Mazzotta Ed., 1975. p. 15.

208 ' ' 209


O mesmo comentário feito em relação a Koyré "A indústria do algodão, indústria do vapor por excelência, ainda
ao trabalho de E. Cannabrava, já mencionado no Capítti obtin,ha, em 1830, um quarto da energia que usava, da ágoa" 7 •
deste texto, que se refere a uma era megatecnol6gica
porânea, marcada pelo lançamento do Sputnik. E que se usavam, freqüentemente, as bombas a vapor
Aplica-se também à periodização energético-evoluciól para elevar a água novamente aos dutos que alimentavam as
ta que R. J. Forbes apresenta nas suas quatro idades da velhas rodas d'água. Outro autor de nossos dias, H. J. Hab-
nica. Na primeira delas, a humanidade dispunha apenas bakkuk, escreve a esse respeito:
energia dos músculos humanos; na segunda idade a domes
cação de animais aumenta a quantidade de energia disponív1 "O vapor não teve papel importante no suprimento de energia à
A terceira abre-se com a introdução do uso do moinho economia inglesa até os anos de 1830 oú 1840, e não foi usado de
maneira generalizada até os anos de 1870 e 1880. Até a data de 1870,
no baixo Império Romano e a quarta é anunciada pelo nas fábricas e oficinas da Grã-Bretanha, o vapor gerava menos de um
cimento da máquina a vapor. Nossa época é a do início milhão de Hp." 8 •
quinta idade, que começará quando a energia atômica for
recida comercialmente 5 • Outro ponto de vista interessante sobre o papel da téc-
A fragilidade dessa periodização é evidente. Mesmo nica e das máquinas é o do americano Lewis Mumford, ex-
siderando a utilização de novas fontes de energia como presso em 1930 na obra Technics and Civilization:
meno de ponta", não há como esconder alguns dados
cos. Em primeiro lugar, sabe-se perfeitamente que o moinh "Qualquer que seja a extensão do apoio da técnica nos procedi-
d'água (melhor seria dizer a roda d'água), embora seja mentos objetivos das ciências, ela não forma um sistema independente,
como o universo: ela existe como um elemento da cultura humana e
ção romana, apenas na Idade Média encontra condições promete o bem ou o mal na medida em que os. grupos sociais que a
a !difusão e ampliação de seu emprego 6 • O uso do motor exploram prometem o bem ou o mal. A máquina em si não exige e não
mal ou do motor humano é ainda hoje uma realidade nos faz promessas, é o espírito humano que faz exigências e promessas" 9 •
ses menos desenvolvidos. Mais de um milênio após a invenção
da roda d'água pelos romanos, a força do escravo ainda acio- Eugênio Zhúkov, na obra citada anteriormente, critica
nava engenhos de açúcar nas colônias americanas. As roda&, as periodizações tecnológicas, que chama de pseudomateria-
elevatórias de água ou motoras, são ainda hoje utilizadas n() listas:
Oriente. O emprego da máquina a vapor (designação ambí•
gua porque não distingue as bombas a vapor dos motores a "Nos últimos anos, difundiram-se em larga escala, na sociologia
vapor) também não dá nenhuma precisão a uma proposta da. burguesa, as tentativás de periodizar a história segundo indicadores. tec-
divisão da história da técnica em períodos. De que máquina nológicos, prescindindo do homem e do sistema das relações sociais.
Característica a esse respeito é a tendência a substituir as concepções
a vapor se trata? Das primitivas bombas do marquês de Wor- francamente idealistas do processo histórico por certa interpretação pseu-
cester? Das bombas de Savery? Das máquinas atmosféricas domaterialista, pela qual o curso do desenvolvimento histórico se reduz,
de Newcomen (que, a rigor, não eram máquinas a vapor) ou algumas vezes, somente às mudanças da tecnologia da produção social
da máquina (motor) de James Watt? ~ sabido que várias dé-
cadas após a invenção do "motor universal" de Watt. 7. C. Singer et alii. A History of Technology. vol. III, p. 156.
8. Cf. Piero Bolchini. Prefácio à edição italiana de K. Marx. Capital e Tecnolo~
S. Cf. Jean Claude Beaune. La Technologie. Paris, P.U.P.., l972. p. 29. gia. p. 20.
6. Charles Parain. Op. cit. 9. L Mumford. Técnica y Civilización. Buenos Aires. Emecê Edit. S.A.,- 1945 .
.,1. 0 • V<>L., P' l6.
?.10
e, outras vezes, à evolução dos objetos da cultura material, à
das coisas ... E finalmente lembraria algumas palavras de uma entre-
vista dada por Einstein, por volta de 1920, e publicada em O
'F. totalmente inconsistente qualquer tentativa de reconstituir f ornai do Rio de Janeiro 13 •
degraus do desenvolvimento progressivo baseada exclusivamente
índices tecnológiCos, sem analisar as relações sociàis dominantes. 'F. "A escola não pode ser uma fonte de jurisprudentes, literatos e
pOssível subordinar a história dos homens à história das máquinas; advogados, nem meramente de máquinas mentais. Prometeu, segundo o
conteúdo social" 10 •
mito, não começou a ensinar os homens pela astronomia, mas principiou
pelo fogo e suas propriedades e usos práticos."
Estas considerações sobre a periodização histórica
ticamente encerram este trabalho, e espero que tenha trazidc
como os demais capítulos deste texto, elementos comprobatê
rios para a tese inicialmente enunciada que vincula o
mento da tecnologia como ciência às transformações do
do de produção que identificam o capitalismo.
· Mas quero qtie as últimas palavras relembrem o que
escrevi no segundo capítulo como declaração de intenções.
Vimos como J. P. Vernánt associa o trabalho à revelação
segredo do fogo roubado por Prometeu. O fogo roubado deve-
rá ser pago e toda a riqueza terá o trabalho como condição.
E çomo se a condenação abrisse o caminho da libertação.
"Entre nós- e a virtude. colocaram os deuses o suor; a estrada a
percorrer é longa, escarpada e penosa no princípio, mas depois de se
atingir o cume, torna-se cada vez mais fácil, apesar de suas dificul-
dades" 11 •

A concepção das relações entre o homem e a natureza,


em Marx é nitidamente Prometéica, manifestada na
" ... exaltação das conquistas da técnica e das ciências aplicadas como
'órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força ohjetivada
do conhecimento . . . demonstração do grau em que as condições do
processo da própria vida social colocam-se sob o controle do intelecto
coletivo e conformes com ele mesmo remodeladas" 12 •

10. E. Zhúkov. Op. cit .. p. 162-3.


11. Hesíodo. Os Trabalhos e os Dias. Cf. P. Jaccard. Op. cit., 1. 0 vol., p. 77.
12. Piero Bolchini. Prefácio à edição italiana de K. Marx. Capital e Tecnologia. 13. Cf. Celso S. Fonseca. Op. cit., p. t9S.

212 ot\.-1-!:l
lNDICE ONOMÁSTICO 128 BRITO, Rodrigues de, 51, 107,
, Johan, 17, 31, 37, 129, 130, 148, 203
72, 73, 74, 78, 186 BRUNELLESCHI, F., 115
EN, L., 3 BUGLIARELLO, George, IX
Martim, 93, 113, 114 BUISSON, F., 127, 172
Esteban, 161 BULLET, Pierre, 98
B. Fores! de, 68, 98, BUNGE, Mário, IX
BURY, John, 4
BYRON, G. G., 3, 4

Leonardo, 97, 100, C


A
J., 79 CABRAL, P. Álvares, !53
AZEVEDO, Fernando· de, {\;iMAN, T., 140 CA!RU, Visconde de, 148
ABBAGNANNO, N., 170 151 CALICLES, 170
ADAMS, John Couch, 25 J. D., 51, 62, 65, 66,
AZEVEDO MARQUES, J. R. CALMON, Pedro, 103, 106, 139,
ALBERTI, L. Batista, 95, 112, !50 142
196 NI, Lourenço, 95, 139
AZEVEDO, Ramos de Ferdinand. 68
:;'.- iu:n'l'l'•uAnr\ CÂMARA, Manuel F. da
ALCUfNO, 171, 185 (arquiteto), 150 (Intendente), 50
ALEXANDRE I, Tzar, 138 , Jacob, 49, 50
.llll{UU, Alain, 31 CAMINHA, Pera Vaz de, !53
ALFREDO, João, 150 B CAMPANELLA, Tomás, 113,
ALLIACO, Petrus, 118 BLOCH, Ernst, 2, 124
!lLOCH, Marc, 17, 90, 124, 126
ALPOIM, J. F. Pinto, 163 BABBAGE, Charles, 189 CAMPOMANES, Pedro L., 107
ALSTED, J. H., 36, 43, 47, 57 BACHELARD, G., 6 llLONDEL, François, (31
.BLOUNT, T., 43, 48 CANNABRAVA, Euryalo, 23, 24,
ALSTON, William P., 38 BACHELIER, J. J., 59, 132, 26, 210
ALVARENGA, M. Inácio da 136, 137, 150 BLUNT, A., .92
BLUTEAU, Rafael, 40, 76, 174, CAPEK, Karel, 198
Silva, 139 BACON, Francis, I, 2, 45, 46, 47, CARDOSO, Ciro Flamarion
AMPERE, André Marie, 57, 60, 49, 51, 124, 125, 126, 127, 203
BOCCACC!O, G., 2 Santana, 32, 33, 36, 81, 82
61, 81, 174 145, 172 CARNEIRO, F. L. Lobo B., 195
ANAXÁGORAS, 169 BAILLY, A., 170 BOilC!O, A. M. T., 171, 185
BOILEAU, Etienne, 85, 105 CARNOT, Lázaro, 65
ANDERSON, Perry, 149 BAILLY, Jean S., 65 CARVALHO, C. L. da Silva, 150
BANDECHI, P. Brasil, 149 BOLCHINI, Piero, 207, 211, 212
ANDRADE, Goulart de, 141 CARVALHO, J. Murilo de, 50
BARATA, Mário, 134, 135, 136, BONNET, Charles, 5 CARVALHO, Leôncio de, 150
ARGAN, Giulio Carla, 95
137 BONREPOS, F., 134 CASSIODORO, Flávio M. A.,
ARISTOTELES, 127, 168, 170,
174, 188, 201 BARBOSA, Ana M. T. B., 145, BORROMINI, Francesco, 94, 95, 171
146, 148 139 CATÃO, 194
ARMYTAGE, W. H. G., 53, 74, BARBOSA, Rui, 143, 144, 145,
85, 86, 147 BOSSE, A., 95, 96 CAWS, Peter, IX
146, 147 BOURGUER, Pierre, 68 CELLARD, J., 63
ARTIGAS, J. B. Villanova, 110 BARCA, Conde da, 134, 135, 136 BOVILLUS, C. B., 2
ARTZ, Frederick, 95, 121, 123, CENNINI, Cermino, lll
BASEDOW, J. B., 133 BOYLE, Robert, 128 CHALOTAIS, 133
125, 131, 132, 133 BATISTA, J. Gomes, 163 BRAGANÇA, Duque de, 107
ATA!DE, M. da Costa, 138, 164 CHAPTAL, Jean, 65
BEAUJOUAN, Guy, 118 BRAVERMAN, Harry, 79, 80, CHARLES, Jacques, 66
AUZIAS, J. M., 57, 123, 124 BEAUNE, Jean Claude, IX, 198 189, 190, 193
AVIS, Mestre de, 103, 104 CHAUNU, Pierre, 118
210 BREDON, Simão, 118 CHAUf, Marilena, 67
214 "'•f . Z:.
CHILDE, Gordon, 10, 11, 17 DESARGUES, G., 96, 97, 98, FI CHER, Sylvia, 43 GA Y-LUSSAC, L· I., 66
CHOAY, F., 175 115, 196, 202, 204 FlCHTE, J. G., 80, 81 GEYMONAT, Ludovico, 67
C{CE~O. M. T., 1701' DESCARTES, René, 125, 128 f' I G UEJREDO, Cândido de, 160 GIANNOTTI, J. A., 182
CIDADE, Hernani, 40, 76 DESSAUER, Frederico, 15 f'LEXOR, M. Helena, 106, 107 GIDE, André, 1
COELHO, F. Adolfo, 159 DEWEY, John, 25 PLORESCU, Radu, 4, 5
COLBERT, J. R. 56, 64 GIEDION, Siegfried, 4, 191
DIDEROT, D., 56, 57, 58, FONSECA, M. J. Pereira da, 139, GILBERT, William, 14
COLE, H., 143 DILTHEY, W., 72 147, 152, 213 GILBRETH, Frank e Lilian, 191,
COLERIDGE, S. T., 4 DONATO, lllio, 174 FONSECA, Celso Suckow da, 105 192 .
COLUMELLA, Lúcio G. M., 194 DONER, Dean B., IX FONTAINE, P. F. L., 134, 138 GILLE, Bertrand, I, 3, 56, 59, 67,
COMllNJO, J. Amós, 125, 126, DRUCKER, P. F., 55, 56, 181 FONTANA, C., 94 68, 78, 86; 95, 114, 168
127, 128, 129, 132, 133, 145 POOT, F., 152 GIOTTO, 175
COMTE, Augusto, 65, 67 FORBES, R. J., 11, 14, 15, 18, GODELIER, Maurice, 48
CONDILLAC, E. B. de, 133 E 20, 24, 27, 115, 206, 210 GODINHO, V. Magalhães, 171
CONDORCET, M. J. A., 59, 65, POSSATTI, 94
150 EDDY, 147 GODWIN, William, 4
FOURCROY, A. F., 41, 59, 66 GOETHE, j: W., 3, 7
CORNEILLE, Thomas, 203 EDISON; T., 180 FRANCKE, Augusto, 73, 128
EINSTEIN, 213 GOMES, V., 139
CORONA, Eduardo, 160 FRANKENSTEIN, Victor, 4, 5 GONZALES MU]\)IZ, M. A., 84,
COUFFIGNAL, L., 200 ENGELS, F., 169 FRANKLIN, Benjamin, 5, 50, 52,
ERICEIRA, Conde de, 76 87
COULOMB, Charles Augustin, 76 GORCEIX, C. H., 49, 50
188 ESCHWEGE, W., 140 FREESE, J. H., 168
ESPINAS, Alfred, 15, 24, 62, 199 GORTARI, Eli de, 205
COUPLET, 100 FREIRE, M. F. Silva, 154 GRAMSCI, Antônio, 3
CRESCENZI, Pietro de, 116, 194 i!SQUILO, 3 FREIRE, Olavo, 130
ESTRABÃO, 66 GRANATO, L., 194
CROMBIE, A. C., 89, 90, 116 FREIRE, Vitor da Silva, 42, 43 GREENHALGH, J., 153
CULMANN, Karl, 100 FREITAS, Zoraide da R., 136 GROMEKA, V., 16, 71
CUNHA, Euclides da, 138 F FRESNE, C. Du, 176 GUJLLERME, J., 38, 39, 59, 63,
CUNHA, L. A., 136 FRESNEL, A., 66 69, 70, 71, 78, 82
CUVIER, G., 59 FRllZIER, A. F., 97, 98~ 100
FAIRBAIRN, William, 91 FRIEDMANN, G., 209 GUNDISALVO, Domingos, 91
FALCÃO, E. C., 40 FROBEL, F. W. A., 133, 145
D
FARRINGTON, Benjamin, 1, 170 FROST, 188 H
FAYOL, H., 189, 192 FURIA, D., 93
FELIC{SSIMO Jr., Jesuíno, 140 HABBAKKUK, H. J;. 211
D'ALEMBERT, 56, 58 Fi!NELON, F. S. M., 145 HARVEY, W., 128
DAMPIER, William C., 25 FERNANDO, Dom, 104 HASSENFRATZ, j. H., 41, 59,
DANILEVSKY, V., 64 G
FERRATER MORA, J., 37, 46, 150
DANTE, 175 173, 174 GACHET, S. Nicolau, 149 HATZFELD, Adolphe, 57
DARMESTETER, Arsêne, 57 FERRAZ, João Pereira, 42 HAUDRICOURT, André, 17, 18,
DARWIN, Erasmus, 4, 5 GALILEI, Galileu, 95, 99, 117,
FERREIRA, Félix, 148 128, 175, 194, 195, 196, 205 25, 184, 186
DAUMAS, Maurice, 91 FERREIRA, Manuel, 139
DAVY, Humphry, 4, 5 GALLE, J. G., 25 HAUSER, Arnold, 111, 113, 155,
FERREIRA, Silvestre Pinheiro, GALVANI, L., 5 144
DEBRET, J. B., 134 40 GAMA, Ruy, 24, 70, 195, 200, HEGEL, G. W. F., 79, 81,205
DE LA HIRE, Ph., 98, 99, 100 FERREZ, Marcos e Zeferino, 134 202 '
DEMIA, Charles, 131 HEGENBERG, L., 38
FERRI, Mário Guimarães, 28 GANTT, Henry L., 191 HEIDEGGER, M., 26
DERAND, François, 97 FIBBONACCI, Leonardo de Pisa.
DERRY, T. K., 160 GARRETT, Almeida, 105 HENRIQUE, Dom, 117
115 GAVIÃO, B., 150 HERON de Alexandria, 198c
216 --,.: ....
,
HERSKOVITZ, M. f., 11, 24, 27, KOTARBINSKI, T., 24, Waldemir Pirró e, 19, MONTOYA, Célia Ortiz A. de,
206 KOYRB, A., 209 131
HESIODO, 194, 212 KRAMER, Geraldo Fernão, 104 MORALES DE LOS RIOS F.•,
HILL, 'christopher, 102 96 , M. Cecília F., 163 A., 130, 136, 138, 139, 141,
HILLER, Egmont, 15 KRANZBERG, Melvin, M., 145 142, 147, 150, 164
HOBBES, T., 128 15, 22, 27, 55, 181 MORE, Thomas, 123, 124
HOCKE, G. R., 96. KULA, Witold, 36 MORIM, G., 64
HOFFMANN, E. T. W., 198 KUSIN, Alexandre. 209 MORRIS, William, 124, 144, 156
HOMERO, 168 MOSCOVICI, Serge, 91, 92, 103,
HONNECOURT, Villard de, 87, Barão de, 150 169, 175, 176
92 , Carla, 94 MOTA, O. Silveira da, 38
HOOKE, R., 14 L
MOTOYAMA, Shozo, 28
HOOYKAAS, R., 117 Nicolau, 134 MOTTA, Flávio, 138, 141
HOYLE, Fred., 26, 27 LABOULAYE, Charles, 61,
ADO, Tomas,25, 172 MUMFORD, Lewis, 16
HUBERT, Renê, 122 LALANDE, André, 62, 63
Wll\LU~, C. L., 66 MUSGRAVE, P. W., 79
HUMBOLDT, A. von, 80, 135, LAMBERTO, Sebastião, 162 '· '"-···-- João, 118
136 LAMPRECH, George F., 75,
167
HUMBOLDT, Wilhelm von, 135 LANDES, David, VI, 1, 6, 36,
MI\NIUUc, D. I. de Pina, 164 N
HUYGENS, Christian, 14 LAPA, f. R. do Amaral, 155, 1
161 MARCO POLO, 118
MARCUSE, Herbert, 18 NEUKOMM, Sigismundo, 134
LAS CASAS, 179 MARIALVA, Marquês de, 136
I LAVASSEUR, C. H., 134 NEWTON, Isaac, 7, 14-
MARIANO f.•, José, 139 NOBLE, David, 19, 50, 52, 77
LAVILLE, A., 189, 192 MARTIMJiRANCISCO, 150
\ NUMA POMP!LIO, 120
1GL!ôSIAS, Francisco, 27, 28 LAVOISIER, A. L., 65 MARTINS, Honorato, 162, 163
LEÃO, Duarte Nunes de, 105 NUNES, Pedro, 117, 203
MARTINS, Wilson, 140 NUNES, Ruy Afonso da Costa,
LEBRETON, Joaquim, 134, 135, MARX Karl, 28, 79, 109, 152,
136, 137, 141 48, 132
J 181, 182, 183, 184, 185, 186,
LE GOFF, J., 89 207, 208, 209, 211, 212
IABLONSKY, Daniel E., 129 LEIBNIZ, G. W., 31, 43, 56, 71, MASACCIO, 112
IACCARD, Pierre, 64, 168 72, 77, 128 MATOS, R. J. da Cunha, 150 o
IACOBSON, f. H. G., 75, 76 LEITE, Serafim, 162 MENDONÇA, Castro de, 140
IAMES, William, 38 LEMOS, Carlos, 160 MENDONÇA, Marcos Carneiro ORTA, Garcia de, 137
I.EFFREY, 5 LENOBLE, Robert, 5 de, 116 ORTEGA Y GASSET, José, 12,
JERONIMO, São, 174 Lf:ON, Antoine, 93, 102, 120, MEUNI~. L. S., 134 13, 14, 15, 26, 27, 29
JOÃO I, Dom, 105 123, 127, 131 MEYRINK, G., 198 OVIDE, Francisco, 134
JOÃO Vi, Dom, 134 LEONARDI, V., 152 MICHEL, P. H., 168
IOUSSE, Mathurin, 97 LEONI, Leone, 94 MILL, J. S., 80
JULIA, Didier, 81, 114 LEVEL, J. B., 134 MITCHAM, Carl, IX p
LE VERRIER, Urbain, 25 MOMDZHIAN, Jáchik N., 33
K LISBOA, A. F. (0 Aleijadinho). MONCEAU, Duhamel du, 56, 68 PACEY, Arnold, 53, 54, 95, 110,
138 MONGE, Gaspard, 65, 95, 96, 111, 115
KANT, E., 81 LITTR!ô, E., 57, 59, 174 100, 11~ PALLADIO, R. T. Emiliano, 95,
KA TINSKY, Júlio R., 113, 199 LOCKE, John, 46, 125, 127, 128, MONIZ, Edmundo, 7 194
KLEMM, Friedrich, VIII, 66, 74, 133 MONTIGNY, Grandjean de, 134, PARACELSO, 4
91 LONGHI, Martino, 94 137, 138, 139, 141, 142 PARAIN, Charles, 90, 115, 210

218 ?1Q
PARENT, A., 100 QUERINO, Manoel, 51, I
PARSON, W. Barclay, 202 153, 154, 155, 156, 158, liANTOS, f. Francisco dos, 154, T
PASCAL, Blaisc, 96 162 159
PASSOS, F. Pereira, 165 liANTOS, M. Cecília Loschiavo, TATON, René, 80, 96
PEÇANHA, Nilo, 167 IX TAUNAY, irmãos, 134
PEDRO DE VENEZA, Dom, I 18 SANTOS, Theobaldo de M., 120, TAVARES, J. F. da Rocha, 154
PERCIER, C., I 34, 138 R 151, 172 TAYLOR, F. W., 189, 190; 191,
PEREIRA, Benedito, 176 SARAIVA, Antônio José, 104 192, 193
PEREIRA, C. f. da Costa, 107 RABELAIS, F., 145 SARAIVA, J. Hermano, 104 TELES, A. Silva, 134
PEREIRA, f. Manso, 139, 140 RAMOS, Artur, 155 SAUSSURE, H. B., 4 TELESIO, Bernardino, 95
PEREIRA, Nuno J\lvarez, lOS RANGEL, Cosme, 106 SAVERY, Thomas, 210 TELES, Leonor, 104
PEREZ GOMEZ, Alberto, 97, RATTNER, Henrique, 50 SCHELLING, F. W. J., 81 TELES, Pedro C. da Silva, IX
100 RÉAUMUR, R. A. F. de, 56 SCHUHL, Pierre M., 58, 64, 168 TEOFILO, o presbítero ou RO'
PERRONET, Jean Rodolphe, REBOUÇAS, André, 146, 165 SEBESTIK, T., 39, 69 GERIUS VON HELMERS-
. 100, 189 REIS, José, IX SECKENDORFF, Veit L. Von, HAUSEN, 86
PESTALOZZI, f. H., 133, 145 REYBAUD, Louis, 57, 174 128 TERJlNCIO, 202
Í'EVSNER, Nikolaus, 120, 144 RICHELET, César P., 58 SEMLER, C., 128 THENARD, L. J., 66
PHILIBERT DE L'ORME, 97 RINALDI, Raffaele, 209 SERRE, P, Ch., 93 THOMPSON, Benjamin (Conde
PINHO, Pedro, 26 ROHRS, Herman, 133 SEVERO, Ricardo, 150 Rumford), 51
RONDELET, G., IDO SHAFTESBURY, Antony A. C. TIBALDI, Pellegrino, 94. ·
PINTO, f. M., 139
ROSENBERG, Nathan. 50 (Conde de), 3 TIMM, Albrecht, 66, 74, 75, 76,
PINTO, Mário da Silva. 20. 162 ROSSI, Paolo, I, 2, 46, 47, 48,
PIRES DA MOTA (Conselheiro), SHELLEY, Mary W .• 4, 5 77, 79, 128, 136
56 SHELLEY, Percy, 3, 4
ISO TOLLENARE, L. F. de, 156
ROUSSEAU, J. f .• 4, 123, 133 SILVA, A. Carlos Andrada e, 140
PLATÃ0;"168, 170 ROY, L. f. Hipólito (pai e filho), SILVA, Antônio de Morais e, 40
PLINIO, 194 134
PLUTARCO, 66, 121 RUNKLE, John D., 146
SILVA, J. Bethencóurt da, 142,
165
u
POMPONAZZI, P., 2 RUSKIN, John, 144 SILVA, J. Bonifácio de Andrade UCEl..LO, Paolo, 112
POPPE, f. H. M., 61, 75, 76 RUSSO, François, 68 e, 40, 41, 50, 59, 148, 177 URE, Andrew, 5, 49, 52, 53, 60,
PORTO ALEGRE, M. de Araújo, RUY, Affonso. 106 SILVA, M. Beatriz Nizza, 40
141, 142, 144 61, 62, 81, 186, 188
SILVA, Rodrigo, 150 USHER, A. P., 15
PRADIER, C. S., 134 SILVA, Valentim da F. e (Mestre
PRADO, Eduardo, 151
PRAZERES, A. Teixeira dos, 164
s Valentim), 138
PRICE, Derek f. de Solla, 114
SIMONSEN, Roberto; 152
SINGER, Charles, 10, 69, 211
v
PUCHKIN, V. H., 202 SAINT SIMON, 172
SAINT VICTOR, Hughes, 87 SMEATON, John, 111 VALENTIM, Mestre (v. SILVA,
PURIFICAÇÃO, J. Custódio da, SMITH, Adam, 52, 88, 89, 103 Valentim da F.)
154 SALLE, La (abade), 132
SALVATI, 195 SMITH, Cyril S., IX VARGAS, Milton, IX, 28, 29,
SANCHEZ FLORES, Ramón, 16, SMITH, Walter, 145, 146 117, 118
135, 161 SOARES, Frei Henrique, 153 VARIGNON, Pierre, 100
Q SOLAR!, Pietro Antonio, 94
SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo, VARRÃO, 194
70, 80, 172 SOUZA, J. Anastácio, 104, 158 VASCONCELOS, Augusto
QUARENGHI, Giacomo, 94 SANTILLANA, Giorgio de, 113, SOUZA, L. Antônio, 164 IX
QUEIROZ, J. de Souza, 164 175 SPALLANZANI, Lazzaro, 4 VAUBAN, S. L.
QUEIROZ, Sen. Souza, 150 SANTO AGOSTINHO, 124 SPENGLER, Oswald, 15 VELOSO, Frei
STRUTT, William, 188 137
220
VERGEZ, R., 93 WHITE JR., Lynn,
VERNANT, Jean Pierre, 3, 173, 15, 18, 20, 24, 90,
BffiLIOGRAFIA
174, 212 WILLIAMS, Raymond,
VIEIR'A, A., 179 WILLIAMS, Trevor, 16•
VIEIRA, f. J. Menezes, 130 WOLFF, Christian, 31,
VIEUX, Maurice, 93 48, 71, 72, 128, 186
VIGNOLE, f. B. 154 WOLFF, Philippe, 89
VILHENA, V. de Magalhães, 169, WOODWARD, William,
173, 185
VIRGlLIO, 194 WORCESTER, Marquês de,
WORDSWORTH, W., 4
VITRUVIO, M. P., 93, 198
VIVES, f. L., 126
VOLTA, A., 5 y
VOLTAIRE, J. M. A., 88
VOS, Victor Della, 146, 147, 167
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seguintes apresentamós,_ como exemplo, trechos da Norma
1950, e da Especif-icação Brasileira (EB-1) de 1937.

Cálculo e -Execução de Obras


NB-1
de Concreto Armado
l'!IISO
Norma Brasileira

= excentricidade de uma fort;a nõrmUI


' =- M!N.
GENERAUDADES

Para efeito desta Norma são adotadas as se·


<' =esjle-'1sura dO revestimento de uma laje,
destinada a diStribuir sObre esta as-
guintes nota~óes: cargas :et>ncentradÚ-

a) Dimensões
h =distância do centro de gravidade d4
a' = extensão de uma carga parcialmente armadura de traÇão à face comprimi-
distribu{da, medida na dire~ão da da, na seção transversal de uma peça
armadurt~ principal. fleetida (altura útil).

a" ;;;;;: extensão de uma carga parcialmente


distribu{da, medida transversalmente
•• :::: distância do centro de grc.,idade da
armadura de ·et>mpressão à face com-
à armadura Principal. primida, na seção- transvetslll de uma
peça flectida.
a., ;;;;;: espessura de um pilar de laje cogu·
melo ou da parte' superi<lr de seu
capitel. medida na dire.;:i:io ·.!~ f. =\'áo teórico de uma laje ota viga, ou
dtura de um pilar (incluindo o eapi·
h = larj!ura elas \'Íga« de o;ec;ãn r~tanll:ular te!, no caso da laje' cogumelo).
ou da parte da. laje que inten·ém no
cálculo da.; vif!;as T. r :::; vão 1ivre de uma laje ou viga.

h,. ;;;;;: largura da nervura da!! "'il!;u~ T (nus


'· =distância tmtre os eixos de dois pi-
VÍfli.U de ll'!lÇÜO retan~tdar ~ignifil'a lares cOnsecutivos de uma laje co·
o mesmo que b). gume!o (numa dada diret;;ão-).

d = altura total .das lajes ou das vigas


= esp~J;;amento dos estribos ou dos aneis
de seção retangular.
de eintamento ou passo da hél~ce de
cintacnento.
~ :;: diâmetro do núc\eG de uma peça
cintada, medido de dlto a eixo das
• =perímetro da transversal
banas do cint~~;mento.
""'"'
uma bana da · armadura.
d<

d,. = altura das vigas T.


B. ::;:: soma dO$ u das barras da arm.1.durn
de tração ou. dos arcos em con~ato
RevisQo da norma: aprovada em 1940. com o concreto das barras dos feUes.
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DADOS SOBRE O AUTOR

Ruy Gama nasceu em Osasco, Estado de São Paulo,


Brasil, em 1928. ~ arquiteto, diplomado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(1953), e doutor em História Social pela Faculdade de Filoso-
fia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade (1978).
·~ professor livre-docente e adjunto da Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo da USP, responsável pela disciplina História
Geral da Técnica na Arquitetura, no Urbanismo e no Desenho
Industrial. Atualmente é também diretor do Instituto de Estu-
dos Brasileiros da USP. Sócio fundador e membro da diretoria
da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Sócio fundador
e membro do Conselho da Sociedade Latino-americana de His-
tória da Ciência e da Tecnologia. Foi membro do antigo Nú-
cleo de História da Ciência e da Tecnologia, criado no De-
partamento de História da F.F.L.C.H. da USP. Autor de
diversas obras publicadas, dentre as quais se destacam: "Con-
tribuição à História da Técnica no Brasil", capítulo da obra
História das Ciências no Brasil- M.G. Ferri e S. Motoyama
- E.P.U./CNPq/EDUSP - 3. 0 vol., São Paulo, ·1981;
Glossário- FAUUSP/FUPAM/CNPq; Engenho & Tecno-
logia- contribuição à história da Técnica no Brasil- Duas
Cidades, São Paulo, 1983; História da Técnica e da Tecnolo-
gia, org. T.A. Queiroz/EDUSP, São Paulo, 1985.
Em 1985, recebeu o prêmio Villanova Artigas,concedido
pelo Sindicato dos Arquitetos de S. Paulo, como Arquiteto
do Ano.
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'*f'.!il Impressão e Acabamel!tO
GRÁFICA E EDITORA FCA
AV. HUMBERTO DE ALENCAR CASTELO BRANCO, 3972- TEL :419·0200
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