Você está na página 1de 10

BREVE ANÁLISE DAS POTENCIALIDADES E LIMITES DA

JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO ESCOLAR DO ENSINO FUNDAMENTAL


NO BRASIL SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR

Elias Borges dos Reis Filho


CRP 06/141392 - CRP 04/IS01293
Psicólogo Especialista em Psicologia Escolar

Ituiutaba – Minas Gerais


2023

1
SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO--------------------------------------------------------------------------------------- 3
2.METODOLOGIA—---------------------------------------------------------------------------------- 3
3.DISCUSSÃO------------------------------------------------------------------------------------------ 3
4.CONCLUSÃO---------------------------------------------------------------------------------------- 8
5.BIBLIOGRAFIA--------------------------------------------------------------------------------------- 8

2
1.INTRODUÇÃO
A Educação no Brasil passa por um momento preocupante no que tange a questão
da violência nas escolas: ataques violentos que ameaçam e tiram vidas de estudantes e
profissionais da educação. Assim não somente a Educação como outros atores e poderes
buscam entendimento e soluções para esse fenômeno. Nessa direção essa breve análise
não pretende de forma alguma fechar a questão da utilização da Justiça Restaurativa como
ferramenta de pacificação das escolas, entretanto para pensar seus potenciais e limites
recorro a uma busca de entendimento ético-político de práxis de exclusão/inclusão que
segundo Sawaia (2001) permeia as histórias humanas dentro de sua individualidade e
coletividade nos âmbitos psicológico, sociológico e político que para Lisboa e Ebert (2012)
incluem os múltiplos aspectos de uma violência macrossistêmica que vai além das questões
pessoais e escolares dos alunos, incluindo os fatores ligados aos profissionais da educação
e do próprio sistema de educação do Brasil.
Precisamos entender primeiro o que é Justiça Restaurativa e para tanto Oliveira
(2021) explica que seria uma oportunização para pessoas afetadas por injustiça poderem
tentar reparar um dano e evitar sua recorrência por meio de uma discussão mediada.
Já o fenômeno educativo Mizukami (1986), mesmo em um década mais distante que
a atual, ainda contribui para entedê-lo como composto por vários aspectos como o humano,
cognitivo, técnico, emocional, cultural e sócio-político, deste modo o conhecimento humano,
que é alvo de trabalho do fenômeno educativo depende do referencial adotado e se
concebe de diferentes formatos quanto à sua gênese e desenvolvimento, determinando os
conceitos entrelaçados quanto a visão de homem, mundo, sociedade, cultura, educação,
conhecimento, escola, ensino-aprendizagem, relação professor aluno, metodologia e
avaliação.
A Psicologia Escolar é adotada como referencial técnico-teórico para essa análise
tendo em vista que, segundo a Lei 13.935/2019 institui como trabalho desse psicólogo,
concomitantemente com o da assistente social, a melhoria do processo de
ensino-aprendizagem e das relações institucionais, porém além dessa lei e dentro as
atribuições técnicas desse profissional, este se liga intimamente com as avaliações,
diagnósticos, prognósticos e intervenções em todos os processos escolares, pois como
vimos sobre o que é o fenômeno educativo este tem pertinência, visto que trabalha o
desenvolvimento humano dentro do processo de ensino-aprendizagem e todas as relações
a que este se conecta que possam nele influenciar, incluindo os atos indisciplinares
escolares e os atos infracionais, além de possíveis violações de direitos de e para todos os
atores envolvidos. Podendo-se verificar essas atribuições na Resolução 23/2022 do
Conselho Federal de Psicologia.

2.METODOLOGIA
A análise feita por este trabalho terá como base uma visão crítica e para isso
adotarei o referencial teórico do materialismo histórico-dialético que para Pires (1997) tenta
analisar a realidade se caracterizando:
“pelo movimento do pensamento através da materialidade
histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de
descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais
que definem a forma organizativa dos homens em sociedade
através da história.”

3
3.DISCUSSÃO
Pensando no sistema judiciário brasileiro temos de um lado avanços substanciais
como a melhoria do sistema de gestão de dados armazenados (Codex), segundo Agência
CNJ de Notícias (2022), utilizando diversas tecnologias, como por exemplo, o treinamento
de Inteligências Artificiais para auxílio no tratamento de dados, por outro lado, segundo
Crepaldi e Valente (2019), os Governos Estaduais, INSS e demais autarquias conseguem
acesso amplo à justiça, o que não se pode dizer o mesmo da população, em uma crítica
sobre a proposta de criação de modelos alternativos de conflitos.Este tipo de resolução já
conta com movimentação no Congresso Brasileiro para a adoção e ampliação de modelos
extrajudiciais de resolução de conflitos PEC nº 108/ 2015, segundo o site Senado Notícias
(2015).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem se empenhado em contribuir para a
Justiça Restaurativa seja aplicada tanto no contexto judiciário quanto em outro contextos,
como o escolar, através de diversos dispositivos como: Resolução CNJ nº 225/2016 e tem
por objetivo a consolidação da identidade e da qualidade da Justiça Restaurativa definidas
na normativa, a fim de que não seja desvirtuada ou banalizada; a Portaria CNJ nº 91, de
17/8/2016 instituiu o Comitê da Justiça Restaurativa que tem o papel de desenvolver a
prática como diretriz estratégica da gestão da Presidência do CNJ para o biênio 2015-2016;
a Portaria nº 137, de 31/10/2018, que fez modificações estruturais no normativo que instituiu
o Comitê Gestor (Portaria nº 91/2016, posteriormente, foi editada a Portaria nº 42, de
2/3/2020, atualizando a composição do Comitê; em 31 de dezembro de 2019, o CNJ edita a
Resolução nº 300, que altera a Política Nacional, dando prazos para que os Tribunais de
Justiça e os Tribunais Regionais Federais organizem a implantação da Justiça Restaurativa.
Portanto, como em qualquer contexto da ação humana é necessário apreciar seus
pontos positivos e pontos negativos para se chegar a uma compreensão de suas
potencialidades e limites.
No ano de 2022 foi solicitado pela Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e
Juventude à SMELL de Ituiutaba/MG (Secretaria de Educação, Esporte e Lazer de
Ituiutaba/MG) a adoção da Justiça Restaurativa nas instituições de ensino municipais como
forma de reduzir e prevenir a violência nas escolas, levando em consideração casos
ocorridos em Ituiutaba/MG.
A Justiça Restaurativa seria a mais adequada para a questão da violência nas
escolas? Proponho iniciar a reflexão sobre uma possível resposta a essa pergunta pela
análise do que é um ciclo de violência.
Lucena (2016) explica e analisa o ciclo da violência doméstica contra mulher e
Mareno (2004) já estuda os ciclos históricos da violência na América Latina, ou seja, tanto
em macrossistemas, como no caso de sociedades e nações, como em microssistemas,
como no ambiente doméstico, é possível pensar os ciclos da violência como fenômenos que
tem um começo, meio e recomeço; caso não sejam interrompidos ou diminuídos os
possíveis diversos fatores que deram início e/ou reforçaram sua existência.
A Psicologia Escolar busca há décadas compreender a indisciplina e o fracasso
escolar. Um dos maiores nomes nacionais que pesquisa a respeito é de Maria Helena
Souza Patto que desde o início da década de 1980 já traz relevantes contribuições, de tal
forma que propõe uma visão multifatorial, sistêmica e contextual da questão do fracasso
escolar, sendo este fenômeno um dos fatores originários da indisciplina na escola.
Pelo ano de 2012 a Psicologia Escolar incrementa sua atuação junto ao MEC
manifestando sua preocupação com a violência e o preconceito nas escolas e a partir daí
realiza uma pesquisa conjuntamente com 10 faculdades federais brasileiras a respeito

4
desses temas, realizando uma pesquisa de campo através de rodas de conversa em todos
os estados brasileiros com alunos da primeira etapa do Ensino Fundamental, alunos da
segunda etapa do Ensino Fundamental, alunos do Ensino Médio, com a equipe escolar e
com os pais e responsáveis. Surge a partir dessa pesquisa uma proposta de enfrentamento
em formato de relatório final de pesquisa que foi encaminhado ao MEC e ao ministro da
educação, no ano de 2015 (Conselho Federal de Psicologia, 2015). Nesse relatório final é
possível verificar as características multifatorial, contextual e histórica da violência nas
escolas.
A professora doutora em Psicologia Telma Vinha, coordenadora do grupo “Ética,
diversidade e democracia na escola pública”, do Instituto de Estudos Avançados, da
Unicamp, vem pesquisando há anos a questão moral e ética na formação das
subjetividades na educação no Brasil, suas características, origens e consequências. Suas
pesquisas já produzem condições para se propor diversas formas de enfrentamento da
violência nas escolas. Atualmente orienta a advogada Cleo Garcia, mestranda do Instituto
de Educação da Unicamp sobre sua pesquisa intitulada “Ataques de violência extrema nas
escolas” essa pesquisa além do entendimento do fenômeno dos ataques violentos às
escolas possibilitou também a elaboração de um perfil das pessoas que realizam esses
tipos de ataques (Rios e Casabllanca, 2023).
O Conselho Federal de Psicologia lançou a nota técnica 08/2023 “A Psicologia na
prevenção e enfrentamento da violência às escolas” na qual traça uma contextualização
geral, da atuação da Psicologia frente às violências, a atuação do(a) Psicólogo(a) Escolar, a
prevenção da violência, a necessidade de integração da rede de proteção, resposta e
posvenção em casos de violência, além de recomendações para os Psicólogos Escolares,
Psicólogos para o trabalho em rede, resposta e posvenção (Conselho Federal de
Psicologia, 2023).
Em todos esses trabalhos citados sobre contribuição da pesquisa e orientação
quanto a violência nas escolas, por parte da Psicologia e Psicologia Escolar, todos analisam
e buscam intervenções contextuais, com diversos atores nesse processo, levantamento dos
diversos fatores originários e influentes e as devidas intervenções nesses fatores tanto na
prevenção, enfrentamento e posvenção.
Sobre a experiência que tive com a Justiça Restaurativa no âmbito escolar posso
relatar que foram realizadas formações sobre o tema feitas ao longo do ano de 2023 em
conjunto com as equipes psicossociais escolares do município de Ituitaba/MG, integrantes
de diversos órgãos ligados a educação a Educação tanto municipal quanto estadual.
Nessas formações nos foram passadas informações e orientações sobre o que é a Justiça
Restaurativa, suas possibilidades e formas de intervenção que utiliza círculos de paz como
forma de mediação de conflitos.
Busquei realizar na Escola Municipal Machado de Assis, instituição em que atuo
como Psicólogo Escolar do turno matutino do Ensino Fundamental I e II as práticas da
Justiça Restaurativa, inclusive com intervenção realizada pelo nosso instrutor, o professor
Leonardo Agapito, professor de Direito da UEMG em um dos conflitos com o grupo de 10
alunos de uma turma do 9º ano, que tem por volta de 14 anos, no qual haviam 9 alunas e
um aluno, em que o tema principal dos conflitos vividos por esse grupo era a difamação
realizada com o intuito de rebaixar a autoestima das partes contrárias, no caso meninas,
falando negativamente de suas características físicas. Chamarei de caso 1 para a análise.
Tal intervenção ocorreu no mẽs de outubro de 2023. Uma das alunas era a que
recebia a carga de ofensas, fofocas e difamações por parte do restante do grupo liderada
pela representante de turma, ou seja, era uma aluna como parte ofendida e de outro o

5
restante do grupo, entretanto como forma de defesa a aluna respondia com os mesmos
procedimentos. Para a preparação do círculo de paz a equipe psicossocial realizou
entrevista primeiro com a aluna ofendida, depois com a representante de turma que fez o
contato com o restante dos alunos envolvidos convidando-os para a mediação. Aceitaram
de início, mas a aluna ofendida inicialmente insistia em mudar de turma alegando que não
resolveria a questão tal mediação. Foi preciso duas intervenções de diálogo e negociação
para que esta aceitasse participar. Realizamos o círculo de paz de forma que o professor
Leonardo executou uma dinâmica de grupo com os alunos sobre como se tem utilizado o
tempo ao longo da semana em diversas atividades. Após isso iniciaram-se as falas de modo
que cada aluno tivesse a oportunidade de relatar tudo o que sentia e pensava sobre o
ocorrido. Após uma rodada inteira de escuta de cada pessoa, foi proposto que quem ainda
sentisse a necessidade de se manifestar assim o fizesse, e assim foi feito, de forma que
ainda tivemos várias falas. Foi realizado um fechamento em que todos concordaram que
não haveria necessidade de troca de turma por parte da aluna.
Analisando essa intervenção posteriormente, juntamente com a assistente social
escolar, observamos algumas questões: 1) percebemos indícios que os alunos se sentiram
obrigados a resolver o conflito, pois mesmo quando pediram desculpas durante a
intervenção, após término o conflito se acirrou quando retornaram para sua sala de aula
duas alunas foram falar sobre algo tratado durante a intervenção o que gerou mais conflito
ainda; 2) um tempo muito longo, apesar de necessário, para essa intervenção, por volta de
três horários de aula (2 horas e 30 minutos aproximadamente), o que prejudica os alunos
ficando fora de sala de aula durante o horário de aulas durante três aulas, haveria a
possibilidade de se fazer em contraturno escolar, mas o comparecimento de alunos é muito
baixa nesse horário, levando em conta outras experiências; 3) o ar condicionado da sala de
informática onde estávamos não estava funcionando perfeitamente, de modo que desligava
constantemente, levando a temperatura ambiente ficar em níveis não recomendados
influenciando física e psicologicamente a todos de forma desconfortável.
No final dessa primeira intervenção foi proposta uma segunda. Os alunos aceitaram,
mas não houve essa segunda, pois não conseguimos agendar por vários motivos, inclusive
de feriados.
Estou realizando um trabalho diferente do círculo de paz com entrevista com as
duas alunas principais do conflito, mas individualmente buscando reduzir as animosidades,
mas agora sem propor entendimento, pois foi manifestada por ambas a indisposição para
uma nova intervenção conciliadora entre as duas. Analisando, inferi que pelo fato de
estarem no 9º ano, e assim, ano que vem não estudarão mais nessa escola talvez provoque
nelas uma intenção de levarem a situação como está, se mantendo distantes, até que o ano
finalize com a intenção de não mais terem contato.

Caso 2
Uma dupla de alunos amigos tiveram conflito com um grupo de outros 5 alunos.
Essa dupla de alunos nomearei de aluno 1 e aluno 2. São dois alunos com muitas
ocorrências de indisciplina. O aluno 1 tem 13 anos, namora na escola sabendo que a não é
permitido; já se envolveu em furto de objetos; até a pouco tempo não usava o uniforme da
escola; possui mãe com transtorno mental e deficiência auditiva de modo quem cuida dele é
sua avó materna; possui laudo de profissional da saúde solicitando tratamentos diversos
como psicológico, fonoaudiológico, TO, etc; tem baixo rendimento escolar, apesar de ter
poucas faltas; não estava fazendo nenhum dos tratamentos recomendados; estava sendo
assistido, no contraturno escolar, por um órgão da educação da prefeitura que auxilia alunos

6
com problemas de aprendizagem, mas deixou de ir há muitos meses, pois a família alega
dificuldade em levá-lo; familiares do aluno alegam suspeito de envolvimento com drogas;
mesmo realizando intervenção por parte da equipe psicossocial da escola, sem os
tratamentos e assistências necessárias o caso desse aluno foi piorando suas ocorrências
de indisciplina até que culminou com ameaça de morte a outro aluno da escola.
O aluno 2 tem 15 anos; não possui ocorrência indisciplinar grave, mas fica
constantemente fora de sala de aula; já repetiu de ano, nesse ano letivo de 2023 possui
duas dependências de disciplinas do ano anterior (Geografia e matemática); sua mãe é
participativa quando necessário; já fez reforço escolar, mas atualmente não faz.
Nesse caso nem foi possível utilizar a Justiça Restaurativa, tendo em vista que há
diversos fatores intra e extraescolares que contribuíram para a questão, que são muito
influentes nesse caso.
A Psicologia Escolar analisa o caso de alunos com o que denominamos de fracasso
escolar. O fracasso escolar, como foi mencionado acima quando nos referimos ao trabalho
de Maria Helena Souza Patto, nos auxilia no sentido de analisar de forma multifatorial,
contextual e histórico a questão do fracasso escolar, que é um dos principais, ou pelo
menos também, contribui para questão da indisciplina, como pode ser visto nesse caso.
Dentro das formações realizadas sobre a Justiça Restaurativa foi proposto que
sejam escolhidos mediadores de conflitos nas escolas e que estes recebam formação para
assim atuarem, entretanto precisamos pensar se isso é exequível. As escolas contam com
quantidade de funcionários justa e por vezes insuficiente, quando levamos em conta as
faltas, que são geradas prioritariamente por questões de saúde física ou mental. As
demandas escolares no que tangem aspectos pedagógicos e disciplinares tem aumentado
a cada ano que passa, levando funcionários a terem que lidar com uma carga excessiva de
trabalho, principalmente os professores o que levou a Ebert e Lisboa (2012) traçarem uma
ligação efetiva entre os aspectos de condições de trabalho dos profissionais da educação e
o que eles denominaram de violência macrossistêmica. Diante de minha atuação é
perceptível que o nível de resiliência e suportabilidade ao estresse laboral, por parte dos
profissionais da educação é muito baixo, levando em conta sua intensa carga de trabalho,
em muitos casos por anos ou talvez décadas de trabalho na Educação. Nessas condições
reais de trabalho seria viável realizar mais um treinamento e atribuição de mais uma função
a esses profissionais, de forma que seja efetiva e positiva os resultados objetivados pela
Justiça Restaurativa?
Oliveira (2021) reforça o que Crepaldi e Valente (2019) criticam sobre a busca de
medidas alternativas de conflito. Oliveira ainda é mais específica quanto a Justiça
Restaurativa ser um instrumento estendido do Estado como forma de controle social que
pode, como no caso 2 exposto neste trabalho, tamponar as reais demandas latentes e
explícitas quando há uma busca de ofensor e ofendido serem colocados frente a frente sem
se levar em conta esses determinantes históricos. Nesse sentido peço atenção de, pelo na
instituição em que atuo, a cultura de marginalização do indisciplinado ainda é vigente,
sendo que observo que os educadores, por diversos motivos entre eles a tentativa de
controle da disciplina, sem a devida formação para lidar com aspectos comportamentais de
alunos, o que é tradição negativa da formação do educador no Brasil, leva o educador,
pensando em educador como os todos os profissionais da educação, a estigmatizar os
alunos indisciplinados.
Lembremos que Sawaia (2001) nos remete à reflexão sobre os processos de
exclusão/inclusão social, nesse caso no contexto escolar. Vamos refletir: o aluno
indisciplinado que se recusar a participar de um processo interventivo da Justiça

7
Restaurativa na escola, pois ele não é obrigado, como ele será visto pela comunidade
escolar?
No mês de Novembro de 2023 um Grupo de Trabalho do MEC, contando com
integrantes da Educação e Psicologia, CNJ entre outros setores da sociedade, elaborou um
relatório com medidas para enfrentamento dos ataques nas escolas. Foram, mais uma vez
evidenciados fatores multicausais e para tanto soluções multidisciplinares são
recomendadas em diversos contextos, inclusive. Seguem-se os pontos principais
(Campanha Nacional pelo Direito a Educação, 2023), ações emergenciais que devem ser
promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir os ataques às escolas - extraídas do
relatório:

1 - Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e


extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos;
2 - Promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o
uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e
similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais
espaços;
3 - Responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e
ilegal;
4 - Responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre
os autores;
5 - Atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
6 - Regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à
Violência nas Escolas - SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição
de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;
7 - Melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais
brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações
dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência
democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;
8 - Garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e
legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e
continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;
9 - Promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na
expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental
dos estudantes e dos profissionais da educação;
10 - Expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à
cultura;
11 - Elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para
atuação após os ataques;
12 - Acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a
cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a
novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda;
13 - Ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de
estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas.

CONCLUSÃO
A violência na, da e contra a escola é um fenômeno multicausal, estrutural, histórico
e cíclico.

8
Pelo exposto acima entendo que é preciso antes de instituir uma ferramenta para
enfrentamento de questões complexas, multifatoriais, em um contexto educacional, que é
constituído de diversos aspectos e matizes, é necessário realizar uma análise
multidisciplinar, envolvendo diversos setores da Educação para tal enfrentamento.
Entendo que não se exclui a Justiça Restaurativa como integrante do enfrentamento
da violência na escola, mas é preciso verificar se as demandas e condições de sua
aplicação são atendidas para uma condução e um bom resultado.

BIBLIOGRAFIA

AGÊNCIA CNJ DE NOTÍCIAS. Codex atinge mais de 100 milhões de processos judiciais
armazenados. Novembro/2022. Disponível em:
nj.jus.br/codex-atinge-mais-de-100-milhoes-de-processos-judiciais-armazenados/. Acessado
em: 10/11/2023.

CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO. GT do MEC propṍe ações


emergenciais para prevenir ataques às escolas. Novembro/2023. Disponível em:
https://campanha.org.br/noticias/2023/11/03/gt-do-mec-propoe-acoes-emergenciais-para-pr
evenir-ataques-as-escolas/. Acessado em: 10/11/2023.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Violência e preconceitos na escola: contribuições


da Psicologia /V792 Organizadores: Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Fórum
de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (Fenpb) ; Autores: Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT)...[et al.]. – Brasília, DF, 2018.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. nota técnica 08/2023 “A Psicologia na prevenção


e enfrentamento da violência às escolas”. 2023. Disponível em:
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/05/nota-tecnica-violencia-nas-escolas.pdf.
Acessado em: 10/11/2023.

CREPALDI, T.; VALENTE, F. Problema crônico: maior acesso à justiça não é causa de
morosidade, afirmam juristas. Conjur. Março/2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-mar-01/maior-acesso-justica-nao-causa-morosidade-afirma
m-juristas/. Acessado em: 10/11/2023.

LISBOA, C.; EBERT, G. Violência na escola: reflexão sobre causas e propostas de ações
preventivas e focais. In: HABIGZANG, L. F. KOLLER, S. H. Violência contra crianças e
adolescentes. Artmed. 2012. P. 190-202. LUCENA, K. D. T. de et al . Análise do ciclo da
violência doméstica contra a mulher. J. Hum. Growth Dev., São Paulo , v. 26, n. 2, p.
139-146, 2016 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822016000200003&ln
g=pt&nrm=iso>. Acessado em 11 nov. 2023.

MARENO, J. M. F. Ciclos históricos da violência na América Latina. São Paulo em


perspectiva. !8(1). 2004. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/spp/a/HjQQDcZZmjXrwqJYqZMnbgk/?format=pdf&lang=pt. Acessado
em 10/11/2023.

9
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo. Universitária LTDA.
1986. Editora Pedagógica e Universitária.
OLIVEIRA, Cristina Rego de. A justiça restaurativa como estratégia contemporânea de
controle social penal. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 58, n. 232, p.
107-121,out./dez.2021.Disponívelem:
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/58/232/ril_v58_n232_p107. Acessado em:
10/11/2023.

PIRES, M. F. de C. O materialismo histórico-dialético e a Educação. Interface -


Comunicação, Saúde, Educação. 1997. 1(1), P. 83–94. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S1414-32831997000200006. Acessado em: 10/11/2023.

RIOS, H.; CASABLLANCA, K. Violência gestada e ṕremeditada na convivência tóxica.


Direto NA Fonte. Março/2023. Disponível em:
https://www.unicamp.br/unicamp/tv/direto-na-fonte/2023/03/30/violencia-premeditada-e-gest
ada-na-convivencia-toxica. Acessado em: 10/11/2023.

SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética


exclusão/inclusão. In: SAWAIA, B. B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial da
desigualdade social. Petrópolis. Editora Vozes. 2001. P. 97-118.

SENADO NOTÍCIAS. Proposta tenta desafogar o judiciário, hoje com quase 100 milhões de
processos. Janeiro/2018. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/01/11/proposta-tenta-desafogar-o-judici
ario-hoje-com-quase-100-milhoes-de-processos. Acessado em: 10/11/2023.

10

Você também pode gostar