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O
1.& edição: Agôsto de 1952
•
•
2.a edição: Janeiro de 1955
1 'J,.�
•
5<1-36# •
•
íNDICE
•
•
Pre�ácio 11
O
Introdução à Filosoiia Geral 15
17
C)
Um ap61ogo para introdução
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OBRAS DE MARIO FERREIRA DOS SANTOS
Puolicadas:
No prelo:
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I.
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" PREFACIO
I,
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I�
Um professor alemão, o primeiro a iniciar-me nos estudos
" da Filosofia, conhecedor do nosso povo, costumava manifestar
I
me fi sua admiração pela inteligência de nossa gente. Para êle,
1/,
que percorrerr' tantos países, que ministrara lições em tantas
" universidades e escolas do Ocidente e do Oriente, era o brasi
I
lO
leiro o aluno mais vivo, mais inteligente, mais sagaz no racio
cínio, e de mais profundas intuições que conhecera. No en
II
.. tanto, punha uma restrição. Julgava-nos demasiadamente in
... quietos ( desequilibrados quanto ao conhecimento. Afirmava
me ter 'encontrado grandes valôres, homens de capacidade
...
I
extraordinária, mas, em muitos aspectos, falhos de certos co
,ti nhecimentos elementares, que eram como abismos por entre
... cumes de montanhas. Atribuía êsse desequilíbrio à natural
pressa dos povos americanos e fi f::tlta de disciplina mais rígida
... no trabalho. Nessa época, considerava eu as suas palavras
fi um tanto exageradas. Mas, com o decorrer do tempo, e atra
vés de aulas e inúmeras conferências, palestras e debates que
••
empreendi, verifiquei assistir ao meu velho e venerando mes
<I tre uma grande sorna de verdade.
II Atribui-se êsse nosso defeito no autodidactismo que todos
..
sem excepção, neste país. somos obrigados a seguir. Sempre
fui um admirador dos autodidactas, porque um estudo apurado
lO da hist6ria e da biografia dos grandes homens, revela-nos que
,. entre os. maiores criadores, o número dos autodidactas é sem�
pre maior do que daquêles presos a uma escolaridade rígida,
"
quase sempre prejudic�al fi capacidade criadora.
"
Não seria, porém, êsse apenas o factor decisivo, pois outros
I' poderiam amoa ser propostos.
II Foi considerando tais aspectos reais de nossa povo que ao
,I
empreender os meus cursos, c depois decidir, a pedido de tan-
"
•
•
•
13
FILOSOFIA E COSMOVISA.o
12 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •
E nada melhor atesta a conv
eniência do método escolhido •
tos alunos, transformá-los em livros, compreendi que não se les dedicados ao estudo
deveria ministrar filosofia, n o Brasil, seguindo os métodos de
que Oprogresso verificado entre aquê ,
, o que, sem apelos a fal�
da filosofia, segundo as minhas aulas •
povos que têm uma disciplina de estudo muito diferente da
r de considerar a melhor paga
sas modéstias, não posso deixa
nossa. Por essa razão, sempre julguei que, ao lado do tema
aos meus esforços. "
mais profundo, havia sempre de comiderar aquêles abismos S
MÁluo FElUUill\A OOS SANTO i
de que lHe me falavu. Foi essa a razão que me lt:vuu, ao pu
blicar êste primeiro livro da série de meus cur'sos de Filosofia, •
a usar uma linguagem dentro de certo rigor filosófico, mas
(I
considerando, na exposição, êsses abismos e nunca pressupor
o conhe()imento, por parte elo leitor, de certJS aspectos ele la
mentares da filosofia, que devem e precisam- desde logo ser
e
esclarecidos.
E foi pensando assim que executei essa obra desde uma
,
explanação mais simples até, na Cosmovisão, (segunda parte Q
do livro), tratar dos mais profundos temas da filosofia, embora
Q
ainda de forma sintética, com uma linguagem mais rigorosa.
E: posslvel que m\1ito� dos' leitores, que já manusearam li.
la
vros de filosofia, e já tiveram contacto com o pensamento filo ti
sófico, encontrem passagens demasiado simples, Mas êsses la
formarão apenas nma parte dos leitores, e .lão a maior, e
deverão comprender que, se assim procedo, é por considerar
o
uma das características de nosso povo, o que -me leva a usar o
um método que corresponda à nossa índole e possa, por isso
mesmo, ser de maior e mais geral proveito.
o
Nos livros sucessivos, que formam a série de minhas obras
o
de filosofia, os temas passarão a ser tratados, já considerando ti
o conhecimento do que é exposto neste volume, para poder
fi
avançar cada vez mais anallUcamente no estudo das matérias,
para encerrá-las em uma concreção global, que é o terceiro es o
tágio do método que escolhi para o estudo da filosofia, e que o
a experiência já me mostrou ser o mais eficaz,
I)
Após o estudo sintético, scgue"se a análise dos temas abor
dados abstractamente, para devolvê-los à concreção de que
«>
fazem parte, evitando, assim, que o estudo da filosofia se tor U
ne, o que cm geral tem sido, campo de clocuLrações abstrac
(.,
tas para transfonnar-se numa ampla vislio do mundo e numa
metodoIgia para a pr6pria vida. CJ
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UM APOLOGO PARA rNTRODUçAO
.,
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•
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FILOSOFIA E COSMOVISÁO 19
., 18 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
mos um pouco e nos acompanhe o leitor nessas divagações. quando falam em nós, não guerem referir-se apenas aos cris
,,'
tãos? E o mesmo não sucede com outros grupos sociais que
Se olhannos para uma noite de estrêlas, logo noS snrgirá
". têm semlJre m.la consciência restrita do que seja nós?
à mente q uant o s mistérios encerram essas luzinhas trêmu las.
.,. Com esta pergunta jú estamos interrogando, c nessa inter
Hoje, depois de milênios 08 estudos e invcstigaçõl's, sabe
,.
.
rogaçã o já começamos a fazer filosofia .
mos que êsse mundo sideral é com posto de planetas, estrêlas,
satélites, galáxias, nebulosas, Em suma: 11m Universo Que gueremos com essa interrogação? A que tendemos
. ,. r,ovae.
.1 ,. 'I'
•
•
20 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMQVISÃQ 21
•
•
de um vulcão. tle se espanta; assusta-se. Aquêle facto no tiactividade cW filosofia é a 7.a nota. Ao encontrarmos
vo, ins6lito, espicaça-o, incita-o. Estt-. ante algo ([1(e nunca essa� sete notas da Filosofia, ainda não esgotamos o sel! COIl' •
vira. TÔclas essas emoções que sente são um interrogar. Que ceito, mas já estamos filosofando sóbre a filosofia. •
é isto? Procura explicações. (Explicar, vem de ex-plicare,
verbo latino que significa desembrulhar. Plicare, fazer prl> <, •
o
t;"'s, rugas, explicare, desenrugar, desfazer, por exen'p!o, \llil •
pacote, etc.). Assim êle quer saber o que é aquilo. Mas
Que procuramos revelar com a filosofia? Onde pretende •
quer algo que esclareça, E dizer que é um deus quo� se rebe
la, ou um inimigo poderoso que se manifesta, um castigo do mos penetrar? A análise que já fizemos logo nos revela mais •
um elemento; O desconhecido, um problema, uma dificuldade,
seu d eus pelos erros cometidos, pode ser para êle uma expli •
cllçãO que lhe satisfaça ou não. Do contrário procurará novas aporia, pa l avra que significa ,�ssa dificuldade teorética, têrmo
I espostas, porque êle quer explicar aquilo tudo. que encontraremos muitas vêzes nas obras de filosofia, o que •
Ora, para responder ou para perguntar, são exigh eis;
[lopu!anllCllte .�\;ria "[:111 (j:i('br�l-cabeças". •
1) o homem; Eis a B.a nota. Rcalmcnte, o desejo de saber já i mplica, •
j{l trazem si, a idéia do desconhecido, pois não procuraríamos
•
2) uma provocação, uma incitação,
sabc!' o que já conhecemos. Qual a impressão que nos dá êsse
3) um pensar, um desejo, um anelo; desconhecido? f:le nos dá a impressão de um limite, de uma •
4) uma necessidade de saber, ce respollder, 6' esta im- coisa que nos limita, que so nos aparenta uma barreira que •
plica: desejamos galgar. Há, portanto, o desejo de transpor a bar�
•
uma insatisfação ou uma satisfação. reira. Que instrument'o usamos?
:5) •
Nós anotamos agora 5 elementos que são os mais primiti
•
vos para conceber o que seja a filosofia. São 5 notas (palavra
muito usada em filosofia, que significa um oomponente conhe·
o PENSAMENTO e
cido de uma coisa. Por ex., o ser racional, no homem; o ser
Nós mesmos nos encontramos agora em face de uma per ..
quadrúpede, no oavalo; o "ter assento", na oadeira, etc.)
Já começamos a estabeleccr, de maneira primária, o "em
gunta: Que é a filosofia? E queremos responder. ..
que-consiste" a Filosofia. Se buscamos transpor essa barreira, venoer o limite com o e
pensamento, estar, portanto, guiando o pensamento, dando
o e
lhe uma direção. Desta forma salientaremos logo mais um
elemento na filosofia: é que ela neoessita de uma direção do ..
A insatisfação da resposta gera novas pergunta�. A insa
tisfação só pararia na satisfação, e esta serla o alcançar de pensamento (9.a nota), uma direção no seu choque contra o ..
um fim, de um limite. Enriquecemos o conceito de Filosofia limite, oontra o obstáoulo para superá-lo, vencê-lo. c.
.com alguma ooisa mais: alcançar um limite, que é a 6." nota. Outro elemento logo se nos revela, que é a lO.a nota: uma c.
t fácil já peroeber-se que a Filosofia não é, pnrtanto, es, wperaçüo.
tática, mas sim dinâmica, e se dirige para um fim; é um saber '"
A filosofia procura superar os obstáculos que são o desco
que se move, através de perguntas e de respostas.
nhecido; quer revelá-los, e ir além. l
t
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I: :
•
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I
• 22 MARIO FERREIRA DOS SANTOS F:LOSOFIA E COSMOVISAO 23
•
Mas, para alcançar tal firo, 8 exigível uma concentração l\.fas quando estiver nessa avenida, percorrê-la, terá dcla
• do pensamento, uma tensão M pensamento (11.11. nota); ne uma vivê�lcia, porque alé.m do que tenha aprendido, também
• cessitamos, ao dirigir o pensamento, dar-lhe uma tensão que viverá, um momento, essa aveniua.
o concentre na luta contra eSila barreira. Assim, para filosofarmos, precisamos viver a Filosofia, ter
• <,
O elempntn dinâmico que descobrimos na filosofia, de dela uma vivência. Ora tais vivências formam perspectivas
• monstra que, para comprendfl-Ia, precisamos fazer filosofia. diveTsas e, po rt anto, condicionam lima variabilidade de inter
• Muitos poderão dizer: "Nada de novo nos dizeis; já sahíamos pretações do que seja a filosofia.
•
tudo quanto dissestes". Por '5S0, smgem diversos enunciados, os quais teremos
E,realmente, flste é um dos aspectos mais interessantes oportunidade de estudar e analisar, quando penetrarmos nas
'.
quanto ao conceito da filosofia: é que de nos revela o que já correntes gerais do pensamento filosófico, o que nos permitirá
• sabemos, porque todos nós, sem que o "saibamos", filo�()famos comprcE'lJder l)or que llnS \'cbn fi fi!osofia dcstn, c outtes da
'. muitas vêzes. E isso porque, na filosofia, usamos o pensamen quela maneira.
to como instrumento para embrenhar-nos no próprio pensa Não esgotrrmos, de forma alguma, o conceito de fílosofilt
,
mento; pensamos sÓbre o próprio pensamento. Mas nilo pro com a no"ssa explanação; apenas apontamos as notas que eons
'. cedemos apenas assim, porque para procedermos assim, pre tihlem o aspecto mais geral do seu conceito. E não podemos
'.
cisamos antes viver o que fazemos. penetrar mais a fundo, porque, para tanto, é necessário embre
Não é original dizer-se que nunca compreenderrmos o nhrrrmo-nos, mais e mais, vencer novos obshí.culos, superá-los,
'.
que seja a filosofia antes de havermos filosofado, isto Ô, en invadir êsse mundo desconhecido de complicações, para poder
,. quanto não tenhamos vivido a filosofia. mos torna-lo claro ante a luz, que é o pensamento.
,. E estamos vivendo a filosofia quando fazemos filosofia. E, p,lfa melhor c()mprl"l"nt1t:rm()� o CIJIICeito de filcsofia,
,,0
vamos estudar historicamente como êle se formou.
• •
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" 26 MARIO FERREIEA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISÁü 27
I'
Assim, entre os gregos, pois há religiosidade na sua con
" Mas a filosofia permanece, no entanto, no corpo da ciên
cepção do mundo, o saber prepara a perfeição individual para
cia, e forma uma sJntese especifica desta.
t
• a beatitude e para a felicidade. Nos neoplatónicos, (escola I
filosófica que perdurou do II," séc. D. C. em diante) a salva Por eXEómplo, na matemática, há uma Filosofia da Matemá
"
ção se efetua pela identificação da alma com o Um, participa tica, aquela que estuda as idéias de número, de extensão, de
• tcmpo e de espaço matemáticos, como há uma Filosofia da
ção extátic:1 (de êxtase) na suprema unidade divina. No cris
• tianismo, a salvação é a redenção da alma do pecado; no bu Fkro-fjuín ica, c::ue tem por objecto as idéias de fôrça, subs
dismo, a imersão no nirvana, a aniquilação da consciência in tância, energia, txtensão, extensidade e intensidadn.
•
dividuaL Na época actual, para muitos, O saber é ele salvação f<: vivendo-a, que iremos compreender télda sua extel;são
• pelo progresso. r também todo o seu significado para a vida, e compreendere
• mos qne CI saber te6rico, esprculativo, embora se afastc do
Em suma: a salvação é um transcender, um não limitar-se
saher técnico prútico, sofre llt'stc sua influência salutar e
• a "êste mundo", u m ir além dêle, fora dêle, ou nêle, por sua
6ôbre êste exerce grande influência, numa reciprocidade pro
superação.
I. dutiva.
O sentido da filosofia, cemo saber racional, sabrr reflexi
O. �[ostramos, até aqui, a Filosofia como um saber em geral,
vo, saber adquirido, é o de Pklt50 e, também, o de Aristóteles,
sem mostrar-lhe ainda tôda a peculiaridade, o que sert. revela
I. (fil6sofo grego, 384-322, A. C.) mas êste acrescentou maior
do no decorrer dêste livro.
volume de conhecimentos, graças às investigações que fêz e
,. o homem, quando começou fi filosofar, fê-lo ainda sc;m
para as quais contou com muitos e valiosos auxiliares.
• 5aber claramente o que era a filosofia. 56 a posterior análise
Para Arist6teles, fi filoso:ia era todo êsse sahcr. () incluía
• também o que chamamos de dênda. Assim, fi filosofb era a
permitiria que êlc compreendesse melhor a diferença entre os
juízos qne formnlava em face dos factos. S6 quando distin
• totalidade do conhecimento humano, do sabcr racional. guiu um jllízo de gôsto, meramente subjectivo, de um juízo
• Na chamada Idade Média, continúa predominando óte
de valor, e êste de um de cxisl(�ncia e dc um ético, poderia o
filósofo penetrar na significação mais ampla do que é "valor",
• sentido, mas a idéia central de Deus polariza a filosofia. Des
cornO, também, e�tar apto a fazer uma melhor análise de seu
ta forma, é ela a totalidade dos conhecimentos adquiridos pela
• espírito, do funcionamento do mesmo em suas polarizações,
luz natural ou pela rcvlação divina. Os conhecimen tos acêrca
• de Deus e do divino separam-se dos OUITOS, e vão formar a
intelectuais e ãl'eetivas, (o que será amplamente examinado
na obra "Noologia Geral"). Alcançado êste ponto, a análise
• Teologia. Esta encerrava a soma dos conhecimentos s6bre o
do conceito e de seus conteúdos, do conhecimento como JesuI
divino, e a filosofia, os conhecimentos humanos acêrca das
•
t
tada de um processo de cooperação entre o sujeito e o objecto,
coisas da natureza. :ê:ste conceito da Filosofia vai predominar
que em breve veremos, lcvá-lo-lt a captar ° que é a frónesis, e
• pOJ séculos e até hoje, em muitas faculdades, ela é apresenta
seus conteúdos, os fronemns, como um "conhecer" afectiva,
da assim.
• em que a relação suícito x o!J;ecto é diferente da primeira.
• No século XVII, afastam-se dela as chamadas ciênciaS
Já aí estará o estudioso da filosofia a compreender mais
particulares, com objectos e métodos pr6prios, que a pouco
• e pouco vão adquirindo uma especialização cada vez maiur,
profundamente as diferenças freqüentemente apresentadas en
tre a chamada Filu�ufja Ocidental c a Oriental, que tantas con
• para constituirem-se em novas disciplinas independentes.
trovérsias mscitaram. •
•
•
•
p
•
•
FILOSOFIA E COSMOVISAO " ,
28 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
,
poderíamos dizer por ora, muito singelamente, que, na mo diferente. O so-phos não buscava saber para isto ou para
aquilo, mas apenas por um amor ao saber, um saber para sa
,
chamada Filosofia Ocidental, que é especificamente especula
tiva, marcantemente autotélica (de autos, gr., si mesmo, e tisfação de si mesmo, um saber autotélico, desinteressado. Tal ,
telos, fim, isto é, que tem o fim em si mesma), a especulação
�
não quer dizer que não houvesse também um saber hetero ,
é sIesinteressada, o que quer dizer, não tem ela um fim fora télico, mas indica esta afinnativa que, com os gregos, a sophia
de si, não é realizada como meio para obter isto ou aquilo. tOina-se predominantemente autotélica, desinteressada, :E: o ,
Quando uma criança tOma de argila, e com ela .:az bonecos amor Ú �abcd(Jria pela sahedoria, ou seja, philo8O'phia. 11: tal ,
ou vasos, ela bJ'inca (e o brinfluedo é uutotélico). Quando o tendência que permite a polarizaç'ão posterior entre filosofia e
dlJ,llda.
,
oleiro, com a argila, faz vasos e os destina a venda, com fina
lidade naturalmente econômica, sua atividaJe é heterotélica •
Foi considerando assim, que muitos estudiosos da filosofia
(de hderos, gr., outro, que tcm o fim em outro). Sua açi"lo negaram a afirmativa de uma filosofia oriental, diferenciada da •
é interessada, diz-se. ocidental. Filosofia é apenas um saber especulativo e desinte •
Os sumérios, os habitanlt's da antiga CalJéia, vindos ou J'(;ssado, Entretanto, é preciso que se esclareça: não está aí
não do vale do lndus, ao cOllstruirem no delta mesopotúmico npl'lHls a diferença entre a filosofia oeidental e a oriental. •
sua civiliza�'ão, viram-se a bruços com problemas meteoroló •
Quando se fala numa filosofia do Ocidente e numa do
gicos , ecológicos, astrológicos importantes. Já os teriam tido •
Oriente, nua se quer dizer que se dêem duas filosofias. Na
quando habitavam o vale do Indus, como também os tiveram
os egípcios, em face das inundações do Nilo, etc. O primitivo
l"l'ulidad1C, a filosofia, como um corpo de doutrina, com suas •
caraetlTÍSlkas, é uma só, como o e a ciência. Mas, assim, co
saber dêsses homens era hcterotélico, tinha 11m fim fora dêlc,
mo se fula numa física árabe, numa física fáustica, cm mate •
�crvia para atender esta ou aquela necessidade.. l!:sse saber,
interessado, (como o é hoje, por exemplo, a ciência), predo
m<Ítica euclidiana ou não euclidiana, numa música européia •
minou em tóda a região da Mesopotâmia e na Jónia. Foi ali
t' numa música chinesa, a divisão da filosofia em Ocidental e
•
Oriental tem a finalidade apenas em apontar certas acentua
e dali que a especulação filosófica grega teve sl.la origem e •
ç'ões de notas que se dão em ambas que, numa ou noutra,
obteve seu vigor. Os primeiros sophoi (sábios gregos) diri
gim:! seus estudos para a solução dos prob lemas que afligiam apresentam intensidades de graus diversos. •
aos jónios, povo marítimo, dqJendente, portanto, dos conheci l-lá um saber interessado tanto no Ocidente como no Ori •
mentos meteorológicos. A sophia, o saber, de então, era pre (�nte, como também o há desintere' ssado.
•
dominantemente interessado. Dizemos prodominantemente, ferença que, no Oeidente, êste se marca mais nitidamente (en
porque uma separação nítida, estanque, seria impC'ssível. Tam tre os gregos, por exemplo), enquanto o é menos no Oriente. •
bén: na Jônia, como nos pals cs da Mesopot.imia ,\ sobrdudo, O pell�Umel1to mágico, cujas características ainda examinare •
entre os Egípcios, e na India, havia um saber desinteressado, mos, é mais intenso no Oriente que 110 Oeidente, assim também
já muito antes dos gregos, como o provam os exames arqueoló o misticismo é mais intenso. Na magia, há a aceitação de
•
gicos. Não era, porém, suficientemente d€'sinteressado como o poderes que os factos têm e que não revelam totalmente. •
foi' o saber grego. Há poderes nos factos que ultrapassam as nossas previsões. •
Na Grécia, graças a condições socio-hi,tóricas () ecol6gi. São mágicos. Quando um oriental falava, antes de Leibnitz
e das descobertas at6micas, lia p uder imenso oculto nas coi.
•
cas diferentes, que sáo examinadas amplamente cm nossa obra
"Filosofia e História da Cultura", a sophia pode &<:guir um ru- sas, seu pensamento era mágico. A especulação científica •
•
•
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I,
I ,JI..
30 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÁO 31
I
vêm do grego myÓ, ocultar, de mythis, o que se cala, o que
,Ii não se diz O mis té rio é o que não se re ve la, que não tem
Vimos que a f il osofia é uma reflexão, que consi st e num
eloqüência' para dizer c que é O místico é o homem que
" responder às perguntas que se formulam. Mas como se pro
penetr a nesses mistérios, que vê nos factos mais do CJuc o ho
".
(;essa essa reflexão, que elementos usamos? Q ue pronunci a
mem comum vê. Um pe daço de pflo é apenas um alimento
mos aqui? Falavras.
•• para o homem objectivo, mas, para o místico, êle quam10 diz
que o p ã o é um alimento, êle cala o que é mais, o divino que A reflexão f ilosófi ca emprega palavras. Dessas palavra,
'.
encerra, o poder que nos oferece, a origem divina, etc. algumas são expressões t écnic as que têm um signific ad o COIl
• vencionado n,lS obras de filosofia: são os têrnws.
A pala v ra mito vem daí c quer dizer o que só pode ser
•• expressado por símbolos . Os tênnos são vozes que, como expressões técnicas, se
•• empregam ccm si f'nifi cado convencionado. Nós expr e ssamo s
O filósofo místico procura �evelar o que se cala; c o guia,
uma reflexão filosófica por meio de t êrmos. Muitos dêsses
• que leva o iniciado a saber o que é "calado" das coisas, é o
mistagogo ( gogia, gr. condução; assim, pedagogo, o que con vocábulos foram esco:hidos da linguagcm comum, com um sig
a duz O pedes, gr. cr iança , dai pedagogill). nificado e:'.lecial, enquanto outros foram criados com acepção
e Permanece, assim, apenas uma distinção: entre a filosof ia se às aeepçõe5 no rmais dos tênnos usados, para evitar incom
oriental e a ocidental, há apenas graus de intensidade difere n preensões. 1>.!uitos são criado re s ele palavras novas, as quais,
e
tes, embora, amba s sejam, e nq\lanto filosofia, igun is. no fundo, são apenas novas roupagens para velhas idéias; ou
• tros disputam apenas palavras, alheado s ao v erdadei ro senti
Caberiam, aqui, ainda outras distinções mais impo rta ntes,
I. do (]ue elas têm.
mas tal s6 poderia ser fe ito depoi s de haverlllos com[ ln'('lHlitlo
•• bem a distinção entre intelechmlidade (Logos) e akctivicbcle Tudo i5S(; gera ou constit ui II tortura daqueles que se em
(Pathos), o que só poderemos fazer em Olltros trahalhos. brenham no estudo da filosofia e que, por não eonbecerem a
••
Nesse c aso, seria fácil comp reende r o que �igniricn !Ioga (fll" accpção aceita pelo Ulll"or, jul gan do·a pl'ia aeepçf\O comum, co
.. são), brahma, advaita, maia, sdnkara, e outros co ncei tos e ca· metem confmõe s que tomam cada vez mais dif ícil a apreensão
• tegorias hindus. Também seria nec essár io um csttHlo do ('011- do pensamen:o exposto. Os lênnos, cm geral, nflO têm uni
"eito, bem como a construç ão de uma anúlise do nossO ("(llllw t:ocidadc, isto é, uma acepçüo única. Sâo nwsmo raros os que
.
'
ci men to . Tais estudos, que snrgirão cm nossas obl"<\� poslc- a po;s ue m. Matizes variados, :lcepçôcs diversas, como canse··
•
•
•
•
" MAEIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOlnA E COSMOVISAQ 33 •
•
Que é um facto? Um facto não se define, intui-se. A
qüências de diversas vivências e de condições históricas, étni·
-cas, de classe, são observáveis em quase tóJas a.: palavras.
palavra facto vem do latim factum, que significa feito, acto, •
Dois homens, pertencentes a classes diferentes, pJderão ter
coisa ou nção feita, acontecimento. É uma palavra para nós
•
fumilinl'.
um sentido também diferente quando empregam a mesma pa
•
lavra. Embora todos saibam o que é um facto, não é fácil dizer
o (}!W e, em 1111e comiste realmente um facto. Facto é o que •
• • se nos apresenta aqui e agora, num lugar, num momento de •
tenninado, quer dizer, condicionado pelas noções de espaço e
de tempo.
•
Para manter a continuidade e a universa.idadL do ppnsa
Estar no tempo e no espaço é o que se chama de existir
C
menta especulativo é necessário um elemento imprescindível:
a definição. eronotópico (1). Nós não atribuímos, não emprestamos exis C
tência ao facto; êlc tem existência. Quando os factos existem no
A definição, para falarmos uma linguagem clara, é a res
..
espaço, êlcs silo chamados corpos. Há outros que existem no
posta à pergunta "que é isso?� O estudo da definição pertence tempo c silo, por exemplo, os factos psíqnicos, os estados de •
à lógica. alma, etc. Os factos actuais constituem a nossa própria exis ..
tência e o âmbito no qual vivemos e actuamos.
A definição é uma tentativa de fixar, dI; delimitar o senti •
Os factos transcorridos constituem os elementos �a biogra
do próprio de um têrmo. Autores há que usam 05 tênn05
fia ou da história. •
muitas vêzes descuidadamente, com sub-intenções muito pes
soais. •
Em síntese, a definição consiste em explicar um têrmo des
• • •
«
conhecido por outro conhecido. Queremos fonuar com ela
Convém que salientemos agora O emprêgo de dois têrmos
«
urna identidade. Seria o mesmo que dizer: o têrmo tal é igual muitos usados, sobretudo na filosofia modema: eidético e tác e
à definição tal; ou seja A = A. tico. Eidrítico vem de eidos, palavra grega que significa idéia.
fi
Costumam subdividir as definições em nominais, reais, for O eidético é imutável e intemporalmente válido, como o
c
mais, materiais. (Esta subdivisão não é importante e, na ló' estabelece Husser! (1859-1938), enquanto o táctico quer dizer
gica, é melhor esclarecida). algo mutável e contingente, isto é, não necessário. •
Muitos julgam-nas fictfcias. Os que aceitam as definições É fácil esclarecermos agora o sentido dessas duas palavras. '.
leais qualificam despectivamente as nominais, chamando-as de A primeira refere-se à idéia, que é imutável, como por '.
tautowgias, isto é, repetições. fxemplo a idéia de cavalo, que se refere a todos os cavalos e
•
não a um em particular. Esta idéia não sofre mutações no
Enquanto nos ocuparmos de têrmos e definições, estamos
tempo: é válida intemporalmente. '.
apenas no domínio das palavras e, se aí p';l'man3Cermos, es
taríamos confundindo o veículo de transmissão verbal com os
•
O) De chrÓnos. tempo e topÓs, lugar, espaço, palavras gre·
factos.
gas. Cl'onotópico é eq\Jivalente ao que se dá no tempo e no
•
• • espaço. •
•
•
ti
I .•_�;
•
•
' .
'. " MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISÁO 35
•
o fáctico representa o que acontece, que é mutável no Agora perguntamos: como procede a razão para dominar
•
tempo e no espaço; uma idéia, contudo, não ocupa um lugar êsse caos de acontecimentos? Como actua para oruenar êsse
• no espaço. conjunto de factos? Qual o instrumento que usa para alcan
• Voltando ao nosso tema dos factos, podemos dizer que
çar êsse domínio?
• fluando êles são corpos, n6s os intuímos por intermédio dos o conceito, eis o instrumento.
sentidos.
• •
�
• se, não havendo portanto estabilidade.
• O isolamento e a delimitação dos factos são, em parte, ·ar
tificiosos, pOIS não há factos isolados, mas um entrosamento de
•
factos.
• A unificação, a estabilização e a distinção são operações
• mentais que usamos para conhecermos o mundo real.
• Por que procede dêste modo a razão humana? A razão,
• desta forma, procura dar ordem ao que intllímos, por isso é
que enume,ramos, separamos e denominamos, damos nomes
II aos faetos particulares,
I
II
tt
FILOSOFIA E COSMüVISÁO 37
No conceito, jú despojamos alguns elementos do facto, compreendcr o diferente, o diverso, se não nos fór passivei,
fazemos mna abstra�'ão mental (de abs trahere, latim, trazer coutcmpol'Í1neamcnte, comparar com o semelhante, o parecido,
para o lado ). O facto tem exislência no tempo e no espaço; DllJa pergullta é possível aqui: é a semelhança anterior
o conceito s6 existe quan do pensamos. Iutuímos o facto; pen à diferonça'r'
samos o conccit-o.
Para alguns filósofos, a percepçãO do semelhante é ante
rior, no homem e nos animab, à percepção das difereIlte� eo�
j
mo por cxemplo o afirmam Maine de Biran (1766-1824, filó
TivemOS o<.:asiilO, no que dissemos acima, de penetrar em sofo francês ), e Bergson.
inúmeros pontos que, tratados sinteticamente, estão agora a NOssa sensação ó acompanhada de memória, e uma sensa
exigir Ilm.l alláli�e mais completa. Não iremos estudar o ção evora outra, passada, que se lhe assemelha, A compara
conceilo sob tudo.\ os seus aspectos, porque dizendo êle mais �:ão (i uma associação. HUlll C (David: filósofo inglês) salien
respeito à lógica e à psicologia, é lá que teremos oporhmidade la que ns associações por semelhança são mais importautcs e
de examiná-lo. numerosas (lue as outras, além de serem mais fáceis e mais
O humem, para dominur os acontecimentos. necessihlVa de acôroo com a nossa natural preguiça mental. A criança,
dar-lhes uma ordem que pcnnitis�c ver claro por entre os por exemplo, apreende em primeiro lugar as semelhanças,
I
..
F. desta forma mais prhnitivo o s{iutimento elas scmel1mu ess& semelhança. O próprio acto de uesejar e q\lerer com
Cl'lr
Ç'as do que o das diferenças. Não há comparação oml,. nilo parar exige um diferente implicado, pois �6 comparamos para
há semelhança. (O verbo comparar vem do latino comparare, ver se c:l.istem s��mclhanças, como também para verificar se
I
[oi-mado do adjectivo par, quer dizer pal'plho, igllaL 0\,111(' cxi&tem d Jercn"as,
llumte, significando, portanto, pôr 11m ao lado do O1l1ro; tor ,-
Nunca pod�rirL nasc;er TIO homnn o inkrtsse cm comparar,
,I nar scrnellw.ll t c ) . Além disso para comparar n:lo precisamos se j:í não çonhcce�se êlc fi dikrença, pois, por flue compararia
do difcrentl\ o qual é dispcnsávrl, pois �Ó po(kmos [:(lI11p:lr:\f �le o que não poderia scr diferente ou porlcria súr semelhante?
<luas p artes da rcalkbdc quo sao semelhantes, mIo perrniUlIdo
Jlnnca que comparemos partes da realidade abso]utillm'\llc di Desta forma há contemporaneidade entre a ne�'[io do se
ferentes. melhante f� ii do diferenlf'
lJor muito s6lidos que nos pnreçall1 tnis argml1Cêllto,,>, ilcima E a elaboração do concei to nos provarú éssc r\spceto dia
I lr " ctico,
alinhados, pChnancccmus, contudo, firmes na p()�i\;:(o tLl COll
,. temporaneidade, pelllS razões seguintes: Ql1alH]n (,)'1cvrat (' 1.\, Prl'('z. ao cstmlarem ('sW lcma, con
.
,. Em primeiro lugar, a percepç[io por um srr \'i\,l), dt, 11ma cluem que, na criança, até Do três anos dc id:vlc, as únicas
par�e da n�ali(lade, já !) um acto de (kferendaç-:lO, poi, () ;\(,'10 r\,soe:iaçõcs de d�ias suo as por scrncllKn�'a, tal nâo illlpllca
••
de pcrceber exige e irnpliCêa uma dife rrnç-a ('lltn� n qUl' ('onlw que ii cJian�'a (ellha ii IlOÇ';W du sCflwll],u:tc, Ao crJlItd_rÍo, na
•• ce e o conhecido. F. comn o cr\mj){) (jlH:' 11ns int(T(",_\:, l' Il da cirança H dislinção entrc ela (' o meio ambiente aincL\ !lflO se
fiiomBa, e pr)rtanto o do homem, ê5t(õ ,ó PC]Tc!lC () 11l1111do proC('S�O!1 totalmente. Por islO as lloç,0es de lWlcmgenddade,
'..
l'xtcrior ponplC êle é helcrog(:lleo, lc'gü (lilcrenl('. :\,-tr) p tl comu ns de homogcncicladc, ilimh lião stJ fOrlTl,:lram. S e exa
'It minarmos <1 " ida dos aniIll�lis, verificaremos q!le êlcs J1eeCS,',j
deria o llOmem delincar a sepan\�';lo dp um r�j{'to <COI P\'Il'('() dv
'II uma parte da realidade do n'�to da rutlidadv, sc e51n In-,t) a]11"' tam do conhecimento do sr�mdl1ante, pJr uma exigt',nda dt,
.''!'rlfasse uma diferença .1 (Jlwl lhe poderia se!" p:1telllc se W";fi;t onkm ,'!tal. O cOlllH"dmcnto do s0mclhan te é imprcscirnlíveJ
..
l'calid;Hle pudessc perccber Q11(', ('ln algo, da sr' aS'-,('lItl,IlU\-a \ : \'ida a11i\Oal, sol>n:tl1(10 !lO'; animais s\1Ilt'riorcs.
\
•
I)u!w }'arle, I-H um processo de sekn;ão. Bscclhcm isto e repelem
.. aquilo. E�colhem () que llwo �� assimilúvcJ, c repelem o q\iG
Nem o acto de comparação poder-se-ia rbr por l',\ igir êl,�
.. nma condiçiio fun&\fficntal, quc é a ol'upaç:io de lugares di:(' JJrc�' é [lj(?judicial ou julgado [l rejuclicial.
ren:cs dos corpos comparados, Para colocar u m cm 1'.1Cl: tlt
.. Esse trabalho dc sdeC"JIO funda-sc na proenra do seme
(j\l{�(}, isto é, comparar, é necesSlÍrio que s[lbsistürl1, c()('.\i,t,\JI! lh�nte c na rejeição do difercnte, .e�tc alimento deve ser
• 11TH ao lado do outro, tendo nC('Psúrialllclltc d(! ill\l'nn{�di() � apro\'('itndo, aq\1t�lc não, IslI1 pode fazer-se, aquilo nflol Isto
.. fl.lgu que os diferencie, pois, elo eonlfÚTio, �criam pCl'cl'!Jido.'i
assemcJra-se áqu!fo, logo dc\'c repelir, Os anímaís supcrio"
como uma unidadc, Além disso, a idéia de companH;:lo núo
• re5, ('m seus actos, refletem êsse processo, pois é ohserv,hcl
implica a de identidade. Comparamo.� uma parlc dn l'l';l]hb
° tntbalho de "educa(;ãoM cntre os animais que aconselham li
• do com outra, embora percebendo q\le há intrnsida(1cs dife ...eus filhotcs: "come, M lli . , , ; 1\<1u1, n[io" ao fazer o acto (]e
l
• l'81ltcS,
r'OIner e ao fazer o �\cto de rqmlsa, c(c., para convencê-los da
• Ao compararmos uma f6lha de uma árvorc a ou\!'" . nós p convcJlÍônda ou n[io da ing('stão de tal ou fl\wl alimcuto, da
encontramos nela alguma coisa de semelhante c 1,'<1111(1<; '. crifi- tc,llizaç'iio ele t"l 011 qu,tl acto, etc,
• -
•
•
•
40
'"
MARro FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISAO 41
'"
A percepção é selectivQ pOHl uC não capta tudo quanto tos reais não podem ser indescernÍveis, sem se confundirem ri '"
111(: é pos�ível captaI do Ilwiu <l!llbil:nte, mas apenas o que lhe gorosamente.
convém. Há uma selecção das notas que oferecem as parles '"
Assim, metaflsieamente. só o Absoluto é idêntico a si mes
u a realidade; capta umas e outras não, Há nesse acto um '"
mo. Tudo o mais, metaflsieamente também considerado, não
certo automatismo de selecção do difen:ute e do semelhante, ,. conhece a identidade, ou seja, não há sêres idênticos uns aOS "
como também uma precomdenle, quando se truta de selecç'ão Gutros. Desta forma, só podemos concluir rigorosamente que
condicionada pela ordem social, profissional, etc. '"
ou há identidade ou nao há identidade. O próprio concéito
Ora, o diferente é uma earac!t'l"ística do ind ividual, A� coi de j·dentidade não pode admitir uma maior ou menor identida C.
sas individuais são distinguidas porqlle diferem, pois se tudo de, pois este conceito nao admite graus. Eis por que afirr:1a� G
Uhse b(Jillcgênl'umcllte igU<l l llÜO 11UV('ria ü cuuh eeJ lll cnto (lus mos (jue o semelhante )1([0 é uma categoria do idêntico. Duas
corpos, coisas, por serem semelhantes, não qller dizer que sejam mais "
(1/1 IIICIWS i dênt icns. "
Ora, o semelhallle 11110 li 1/11111 categoria !ln idh fico (1).
l'od('r-se-ia dizcr que existe uma identidade quantitativa
Pois dizemos que alguma coisa é id êutiea, quando � igua l a �
(. lima ülcntidadc qualitativa? Nüo é uma gOta d'úgua idêntica
si IlU'SIllU.
<l oulr;\ gola d 'águ a ? Nilo () um quilo disto ou daqnilo idên to
Anali.'iClIlOS êstc ponto de m;lglla importància c de intcn's. t ico a um quilo (laquilo ou disto? Antes de darmOS nossa
se para a compreensão de futuros temas a scn m eXl;min:ld()s to
opiniüo. OIl\·a11l0S o que diz Egger: "As "duas gôt a� d'água"
Di zt'n lo s (jl\e duh fad os �;\o lllHmdo nüo hú CII
ill!:-Jlticos da locll<�·ãO popul ar não silo idônticas a não ser que se exija t:
tre êles nenhuma u ifercn,,·a. Ora, () conceito de identidade <lIWlliIS SC'í("lll gôtas d 'úgua. Todos os objeclos de nossa ex f:.
impl ica () dl� difercnça, seu contn'u-io, que o apoia, ou melhor, periôllda estão lJO lllé'SlllO caso, às vêzes idênticos por uma
t:
um apoia o outro, um implica o outro. Por cssa razüo, (I experiência rúpi da e superficial, isto é, idênticos em aparência,
ldtnlico é considerado iuddinívd. idênticos na poderem [{)cebcr a mesma Jcnomina�:ão, mas sà t:
Alegam alguns ::i!ósofos que nao podemos. compreender, mentes se forem considerados atentivamente, A identidade t:
que é impc1)silvel a diferenç·u plITa. Também é impellsável a qnalitativa é pois uma concepção simplesmente sugerida pela
experiência" C.
identidade, diremos. E mostraremos mais adiante por que.
Há assim uma antinomia cntre o diferentc c o idêntico (anti Lalande definc a idcntidade qualitativa com estas pala- C
nomia, !lO sentido clássico, é a contradição entre dois (1l"1nos vras :
"
qne parecem verdadeiros). D('sprezamos aqui outra.\ acep "Caníclrr de dois objectos de pensamento, distintos no
C.
ções dadas ao têrmo idêntico, preferindo apenas a que demos tempo ou no espaço, mais que apresentariam totalmente as
acima por ser a que prevalece na filosofia. •
Illesmas qualidades". (,
Leibnitz nega !l. identidade das substâncias, fundando-se A�sim, quando alhruém diz que um quilo de feijão é, em C
!lO princípio dos indescerníccis, pois, segundo êl e, do.is objcc- púso, idônticoa um qui lo de açúcar, dando como exemplo de C
identidade quantitativa, está usando o têrmo identidade no
sentido da matemática, que considera como identidade uma C
(1)O conceito de idêntico (de idem, mesmo) indica uma
perfeição absoluta e excluí da sua formalidade todo . liferente. igualdade entre quantidades conhecidas, como por exemplo : "
Já o semelhante, não. É verdade que nem sempre êste têrmo é 2/4 e 1/2. Qua ndo alguém diz que as vitaminas, de um de
f
empl·ego.do COIll tal rigor. terminado alimento são idênticas às vitaminas de outro, tstá
�
,
"
a
..
1.\
"
,,
apenas julgando que há uma identidade qualitativa, qUfmdo, Qualqw?T parte da realidade só pode ser considerada idên
n tica a si mesma, no sentido de que não é outra. S6 neste sen
na real i dade, é uma igualdade como a a nterior.
Voltando ao pensamento de Leibni tz ( fil6sofo alemão, tiria. Noutro sentido , ela é diferente de outra co isa , assim
("orno êste livro é diferent(' de outro livro do mesmo título e
.,
181.'5-J716), vimos que Sic S1lStclltava que duas coisas não po
..
de m ser duas senão quando oferecem alguma diJcrcllça de edição ig:ral. Singlllarmentp comidcrados, ambos são difo
.,
qualida de ; que devem diferir por outra coisa do que apenas o n'lltes. No enlanto, há algll que os as seme lha, pois tanto 11m
•• número, quer dizer, por "denominações i nt:rí nseca s�, o qu e cx. como outro, embora distintos no tempo Otl no espaço, pois um
plicnIia a prodigiosa variedade da natureza. ocupa 11m lugar diferente do outro, ambos "presentam as 1II(,S
mas qualidades. Que nos �\lgcrc tudo i.�so? EstA resolvido
Hesta-nos agora com preender a semelha1lça, já que des
., o p roblema? Absolutamente não. EXllrnin�mos mai s :
cartamos esta idéia da de ide nti d ade ( princípio da raúo, cujo
" ( �tll<l() teremos ocasião de fazer). O homem em face da re�lli(bdc ]Jrrcebe {lU!.' esta não é
homogêneamentc igual. Ela aprescnta diferenças, como já
A semelh ança, segund o Lalancle, é o carúcler de dois aI;,
("�t1l(lHl1l0S. :\1a5 essas (lircrcn�'fls são intensivamcnte m aior es
j é'ctoS de pensamento que, sem ser qualitalivamente idônt icos,
ou mel1o rC's, pois lima pedra e outra pc,lra nprescnLJm m eno ·
apresentm �' contu do, "el eme ntos ou aspectos que podem ser
"
1!slc livro é êste l ivro , e não oulro livro; aquela me,;a {. [ll'ri(\neia 1 C( :110 poderia 0k mailt!.'r a st:a cxistôneia se ti
aqllela mesa, o niío esta mesa. Neste s!�ntido êsle livro é idên I·csse que expcrinwntar cada lacto como algo nOVO? Bergson
tico a si mesmo, porqne não é outro. Aquela me,a é id(!ll l iea eH'lllplilicava im,lgillfll1(!O 11111 honwm que llml\'t:�se perdido
" ;j �i nesma porque não 6 outra. ( O carácter de "ser outroH (otnlnl, nte a memória, e que n5.o HvC'sse qualquer memória.
(o denomin ado cm filosofia pel o tênno aUeridade, e se opõe no quando êle praCeava lHn ado, esquecia·o totalmente logo após
" .
di' id(·Jltidadc ). prúlicH, e o ado 'i('gl lilll(' era· lhe inleimmen\e llOVO, oell1
f[llalquer Iiga ç·ão com os adm an teriores . "Rsse h omem não
•
Só há identificação eons igo mesma quando se trata da me�
poderia ' iver. <;e t'lltrf"glle a si mesmo, pois não Ilw ).(lliaria a
ln:\ r:oi�a (1).
11l1'lllórb nenhum de seus actos. Poder-se-in queima r no fogo
t n n tas vê7.es (Juanlas d(�le se aproximasse; morreria de fome,
(1) Verem os, e m breve, que essa identidade consiste no
] >ois não gl lnnlar ia a memóri a do alimento pclril satisfazer aque
c arúeler de um i ndi víduo ou de uma coisa, de ser a me.i·)/H] nos
la l lccess i dade imperiosa.
diIcl"e:1tes momentos de sua existência, pois essu mC8� Oll êste
livr o não pCl"rnanecem sempre os mesmos. e3tàllcamente o�
lllesm'J�, pois apresentam dislin<;õcs, como veremos. �
r
FILOSOFIA E COSMOVISãO 45
44 MARIO FEHRElRA DOS SANTOS
NotemoS que na llutureZQ 05 corpos ocUpHill um lugar c primitivo intuía os factos. Mas tais factos mostravam Uluter
têm urna dimensão. Que êsse� corpos são mais brandos ou algo que parecia idêntico.
mais duros, isto é, oferecem Illaior ou menor resistência ao É II r<1í:[io, já desenvolvida, que abstrai êsse "idôntico" o
lacto. Uns, ao receherem a luz, emitem côres, ou �.ejam: vi I 11le dei UlIl nome, uma denominaçflO COmum, que é o conceito.
•
brações luminosas, m;lis ou fiCIlOS intensa:;, A memória tem
Em face ao bc to vcrde da árvore tal e o do facto vede da
graus diferentes, corno veremos. Mas verificamos (,UO existe
úryorc tal"oull'll , e de muitas outras árvores, a razão abstrai o
eIltre ii côr verde de uma árvore e a CÔf verde de outra árvore,
qll� lú de sernclhullte l1tnna árvore e J10utra árvore, que é o
menor diferen�'a que entre ela e li côr cinzenta de um animaL
verde Essa nota comum da côr da árvore, de outra e de ou
Assim, verificou logo o homem que entre a côr de uma árvore,
tra, p ermite fonnctl' o conceito verde. Na sua forma, es�a ár
ou melhor, entre a árVOre-esta c a árvore-aquela, hllvia um quê
von) era semelhante àquela outra e a mais outra,',', Abstraiu
que se assrmclhava, isto é, ambas participa vam de uma semo
de tuna árvore, e de outras um facto comum nelas que con
Ihança maior que a da árvore com a do animal. Os graus de
sistia cm ser tlm <:orpO enraizado na terra, com troncO, galhos,
diferença foram pemJitindo ao homem perceber a·.,' semelh,m
fôlhal, elc. , e uelJominou-o de árvore. Eis surgido o conceito
ças. Oru, era um hnperiltivo vital para o homem, comO o é
da árvore. E assim quanto aos galhos, quanto aos troncos,
para os animais superiores, simplificar a experiência, classificar �
(llHlnto ilS folhas.
a experiência, isto é, reunir os semelhantes ou os menos dife
rentes entre s i e excluir os mais diferentes. Nfto é difícil vcrificctrmos ainda hoje, entre n6s, que cada •
dia surgem noVOS concei tos de factos específicos, que antes não
•
Vejamos corno se processou êsse trabalho de diferellciru,:â(l,
tiub,lm 11m nOllle. por exemplo : descobre-se um facto novo e
O homcm comp arou llma árvore outra árvore. El as 1I�\ü
H
logo sClltinlOs a necessidade de lhe dar um nome. t que fá •
eram totalmente igllab', quer <1i"cf, ullla não podia identificar"
No entanto, jlCSSLl compar�l ç['\O, vel ificotl êlc
tendo surgido o conceito, que é urna operação mental, precisa •
se com a outra.
mos \llllfl palavra que o enuncie. que é o tênno correspondente.
que a côr de uma se assemelhava 11. da outra. Se as duas ár •
B fúcil vcrificar-sc também qne certos conceitos, que até então
vores eram difcrcntes, havia entrc elas um ponto em que uma
eralll gerais, alargam-se cm novos conceitos cspeciais. É que •
parecia à outra. O que era dado pelo parecido, o homem re
tirou, separou de uma e de outra, ou seja, abstraiu, que siglli
a bllOca da semel hança é cada vez mais exigente. Por exem •
plo: no conceito de animal, encerramos todos os sêres vivos
fica separar, do verbo latino abstrahere. ,
que ti L:oologia considera animais; mas entre êsses estão outros
Es�'a função de cOinl)araçi'io, llec(�ss�ria para a vida do 110-
como I)S vertebrados c os invertebrados. f:stes dois conceitos •
mpm, f'l'iou no seu espírito o que poderíamos chamar de "ór
FI nua são tão gerais COlhO o de animal; sào mais especificas.
'"
gão", aproveitando o têrmo da fisiologia para a filosofia, num
sentido, porém, um tanto mde. ltsse órgão, essa função de • • III
comparação do espírito, é que gera posteriormente, n-,] homeHl,
III
a razão. Essa comparação é iJncuiata, ü,tuitiva. E da c aractcrística ue nosso es pírito desdobrar-se em duas
A razão activa-se num trabalho de comparação, de pro fUllç6es : a que procura o semelhante c a que pcrcebe o (lifC '"
"
te MARIO FERREIRA DOS �ANTOS
mente a formaçfto dêsse proceso de polarização (h inldedllali Eis por que não podemos pens:\!' num conceito sem seu.�
ckde, c:n intuição e mUlo, como tamhém o fllIillis:llllOS nfi opostos. Q'lamlo coneeihlamos vertebrados, excluímos os in
"Noologia Ceral", que é a ciência do espírito (1). vcrtc-hrados; quando eODccitllamos o idêntico, excluímos o di
len'Dte; quando conceituamos homem, excluímos tudo quanto
não o seja. Tal dualismo ó uma decorrenein do aeto racional
de conceituação, ou seja, de dnr um conceito, LIma cknomi'.a
ção comum, a um certo número de factos ql1e nus purecem
idênticos. Ao procedermos as�im, já f�zemos uma exclmão,
quer dizer, ',epammos tudo quanto não é semelhante ao quc
conccituam('�.
Tais dualismos tAm sido um dos maiores e mais intrincados Antítese: Não existe nem como parte nem como cau
problemas da Filosofia, c têm provocado as divagações mais sa, no mundo, nenhum ser necessário ,
complexas e ambíguas, como ainda teremos ocasião de ver. As teses são provadas pela refutação das antíteses e vice-
Entretanto ,lOS parece que o problema (� falso, pois o que estú. vprsa.
unido de facto, é separado mentalmente, e pensamos ter reali
zado uma divisão reaL Nos fragmentamos a realidade em
Essas quatro antinomias de Kant surgem como tema das
mais mr:arniçadas disputas entre os filósofos.
cop:;eitos abstractos, como aliás são todos os conceitos, e de
pOis ficamos atô:úlos por não poder reuni-los numa, unidade.
É uqui que surge o problema da� antinomias, que é o que UI" PONTO DE l'AHTLDA.
vamos estudar. Na filosofia, em geral, o têrmo v.ntirwmia é
empregado para denominar a reunião de uuas proposições, Vamos npresentar, um ponto de partida e também de
uma chamada tesl! e a outra antítese; que, embora contraditó, apoio, um ponto de referência, digamos assim, que ofereça a
rias, podem apoiar-se, tanto uma como outra, em argumentos perspectiva de cada escola, permitindo-nos penetrar no h:trin
de igual fôrça, comu expressa Goblot. cado emaranhado das opiniões filosóficas.
Vejamos corno as eauncia K:mt: estava por quase todos esquecida, ressurge agora, aos pU'lCOS,
p.lra nos dar nova luz aos problemas d o século XX. As pre
1) Tese: o mundo tClTl um (.'omêço no tempo e limites
visões dêsse homem so confirmaram neste século, e sua crítica
no espaço.
e as grandes perpeetivas que lançou iniciam ii dar seus frutos
Antítese: () mundo não tem nenhum comêço !lO tem prodigiosos. f:sse homem chamava-se Pierre Joseph Proudholl
;0 llem lilllilt's !la espaço. ( 1809-186'1 ) . Em sua obra "La Hévolution sociale", lemes es
tas pnln\'l'as:
2) Tese: Tôdil sllbstu.ucia cOinposta compõe-se de par
:es simples. "A \'cnladeira filOSofia é saber como e por que nós filoso
AlllÍtr;se; Nadn, no IJ1\llldo, compõe se de pnrt(·s sim famos, cl(� f}1Hmtas mnnpirn� e sÔbre quais matérias podemos
ples. filosofar, a que tende tôda especulação filosófica. Quanto a
�istcJllils, n;w há mnis lugar para êles, e é uma prova de me
3) Tese: Existe liberdade llO sentido tnmscclldenta! co
r diocridade filos6fica procurar hoje uma filosofia".
mo possibilidade ue um comêço absoluto e in
causado de Illlla série de efeitos. l'nluclhon verificou, ao ler as antinomias de Kant, que
elas II:io provnvam a fraqueza da razão humana, nem mostra
Ali/itese: Tudo acontece no mundo segu"1do leis na
vam um exemplo do subtileza dialéctica, mas eram uma verda
turais.
deira lei ela natureza e do pensamento. Para Kant, essa, an
4) Tese: Existe no munJo, como sua parte ou eomo sua tinomias mostravam que o entendimento humano funciona fora
causa, um ser necessário. de scu domínio e que, não captando o real, funciona por meio
•
I
• �
de processos e meios ilusórios. 1!:sse era o seu grande argu dividual fi uêles caracteres que encontra geralmente em ou
l
mento para condenar a Metafísica e fundar o agnosticismo (1). tros factos individuais e dá-lhrs, depois, um enunciado verbal,
• Mas quanto às antinomias, Proudhon diferia ele Krmt. Pa
Cj1lC (� o tê-orno roncdhllll (1),
ra êle, elas estavam no espírito, porque estavam no ser, lia Hesta agora sabermos o scgninte: êsse dualismo que veri
.�
natureza, n o mundo físico, e no munt!o social. E dizia de; fiullnos n o COllhecimento entre o intuitivo e o tncional, ( refle
•
"O mundo moral como () mundo físico, repousa sobre lIl!la plll I xivo c Jiscursivo ) , surge apenas por 11m dualismo f1lllCional
,,' ra/idade de elementos irreductíveis e antagonistas, e li da CO/l do nosso espírito ou bit l'calllwntr� na natnr�7.n êsse dnalismo,
lradiçilo dêsscs elementos que resu ltam. a dr/a c o mOl:illlclllo Cjue {� por (�lc aprecndido?
•
do IInir;crso"
OH, ('ln linguagem filosófic�l, há um llualismo gnoseoló
•
o dualismo antagonista, antil]()mko, no s('Tltido di' PrOl! gico ( llua:islllo .lo conhecimcnto) ou um d_lnlislllo onlológico
clllon, tem sentido mais lato do qtW o (k Kant. '
(1[11('1" dizer, um dualismo llO pn'J]lrio entc n Silo t'sses uua
mil Já vimos
as (luas tendências antinômicas do nosso espírito; a qll(' kmll' Ii<,mos, 1ll()(10.� do cOllhecf'r ou do ser?
para_ o individual e pnra o diferclltt:, qlle {) a intuic;'ãD, ôl[lrITII
•• l'<C\l' é Lícil agol',\ p" lwtr:\1" J1('st(� ponto, um dos JTj.lÍs im
súo directa do facto individual, acto simplcs dI) ('�[lírilo, c o
portantes da filosofia. J ú I'imos, por exemplo, a tendência tle
, ,,. procc.lsO da razão, que teJlde para o p�lIl�cido e paLl () gnal,
muita, filo,oriao, crn sim p 'ificar a 1l,l lUH'Z,'l c e.\.plicú-Ia por
flue cOmpnrn, flCção mais complexa (lo que H alI1cril)]" ii ra
t' 1 1 m único -ser, u:!Iu/"jmlo, (\t·';.,a forma, o dualismo a 11lll mo"
zão {� posterior ú intuição, de formação mais leTlta (' dé'llIOra(b,
11is1ll0, (' explicando n cOlllrHlli�-ilo COlHO puamentc gnoscoló
•
1\1a5 a razão e a intui�'ão, 011 melhor, os dois pHK'é'SSO, iHo gil':!, i.,;to ?, (lo c(mhecilllenlo ( d e gllosis, cm gn�go, cOlilwci
, te1cetnais dc 1l0SSO espírito, formararn_��;, sf'c1illl\'nlaralll-s(' pdo lllell to )
• Vimos COIllO o homem apreende o dífcrellk, mas pI'Cci':l daquela apcnas uma ]"('su](nllk desta, é crr{\neo. A cstratifi
gcncl'c'llizar para poder compwf'ndcr, (Iominar, (' so),r!'\lldo ['a(,'ão da rnzão, no hom('m, {, lellta c demorada. Como dc
transmitir, pois o homem começ'a a criar conceitos, ([(laudo não pOlle conlll'cer o diferente �l'm o semdhante, n[Jo podc eo
" socializado, e precisa transmitir o que sente, \,('fifiC�lmos, nlwccl' ° �emelhante sem o dikrente. Sim, porque, como ain
também, <JLlC a criação de conceitos é pl'Oporcional :\ an/dis!' da \'('TPlllOS, conhecer r: rcc(!1lI!('cC1" (Z),
•
da rellidado. Para entendê-la e para transmitir aos outros () Nll intuiçilo núo bú I1lll conhecimento propriamclltc dilo,
• tIue dela apreendeu, ve-se o hom�m ohrig:J.llo a uma CriM,'ilo lmlNI<t ,.,� elllpregue muito bsc lhmo; na intuiç:'io, há apenas
• constante elc conceitos e de scus enunciados verbais, os tt�nnos,
- -
------- -- -.,
"
tivu. Por exemplo: absoluto, que se define corno incol1dicio ulliversais. Nada podemos pensar sem referir a algo que é,
nado, não-condicionado; átomo, ( tomos que significa frag ou a 11m antecedente. Essa universnHdnde é um traço do
mento, parte, e a, alfa privativo, em grego ) , gncr dizer não ('onhecimento humano, um tra[;o da razão.
fragmento, o g1.1e não-tem-partes.
�
Há ainda os conceitos necessários, gmnde problema da o processo lógico exige uma ra:dio suficiente.
metafísica: são as categorias. Essa razão suficiente é a relação neces,úria de 11m objec
to 0\1 acontecimento com os outros.
Pam Kant, que os estudoll, silo as catq:;orias (,Ol1C'cito"
Em virtude dêste princípio, consi(krnmos que nenhum
fundamentais do entendimento puro, são formas pri()ri, (lucr
ti
facto pode sef ";'erdadeiro ou l-�:dstente, e nenhuma enuneiar,:ão
dizer, qlle estão presentes antes da experiência do nosso conhe
verdadeir8, sem uma razão suficiente (bastante) para que
cimento, e representam tôdas as funções essenciais do pensa
�cja assim c não ele olltm forma. Essa a definição e]c Lcib
mento discursivo.
niU,
Kant estabcleee que todo juízo pode ser considerado de A ra�ão, como actua sôbre esquemas da comparação do
baixo de quatro pontos de vista: quantiwlde, qualidar!(', rela semelhante, tende, cm seu (kseu\'olver, a elaborar u eoncpito
çüo e modalidade, e de cada um dêsses pontos de vista são de idêntico,
possíveis três classes de juízos. Vamos entlnlCrú-Ios:
A razão suficiente liga, coordena um :acto a outro, pro
QuulI fid!:de Qualidade Relação Modalidade cura elltro êles um homogêneo, 11m parecido, uma razão su
Un idade Afirmação Substância Realidade - Não fici('nte",
realidade
Se não o encOlltrar, cla uüo pode compreender.
Pluralidade;, Negação Caus<llidade Pos'3ibilirladc
Impmsibil_dade Dessa forma, a razão necessita das categorias, quer d ircr,
::
Totalidade Limi tação Comunidade Necessidade -
de elementos homo!�êneos, que liguem um facto a outro. Ve
Contingência
jrllnos pOI ex,: o conceito rir su!;sf()llcia, uma das categorias
da apresentada por Aristóteles. lvfuitas outras foram apresel) A suhstância é o que está soh as coisas, o que Stlb-estâ,
tadas posteriormente. O que nos parece funuamental para i () qne cSt'l atrús dos fenÔmellos. Por exemplo, êste livro que
,
compreendermos qual a signifieaçflO dessas categerias na filo ... (('mos à frente, pode ser de côr branca ou escura, ter tais 0\1
sofia, consiste em serem elas necessárias à razüo para o conhe <]uais cliIT'ensõr�. Mas sulJstância 6 o que fica atrás de tlHlo
cimento, ou seja, não são conhecidas, SilO dadas no COllhcci, isso, depois de separarlos os atributos que encontramos neste
Ilwntc, mas precedem a êste como meio de classificar, com livro, Demos 11m outro excmplo: temos aqui um pouco <le
preender, ordenar o conhecimento racional, que é formado por cêra ú nossa frente. Tiremos tõdas as r{ualidadcs qne apre
conceitos e, portanto, por abstraç6es. A tradição ch:lma-as de senta, imagiucmos que a cSlluentamos, a derretemos, a fundi
conceitos w1ivcl'sais, dos quais os mais impOliantes süo os de mos, a esfriamos e vemos que se solidifica de novo. No en
s\lbst5ncia c causa. J! fácil comprender porque se cli:1Il1alll � tanto, pc� aneee sempre al IJ qneg é Sllhstânciil: a cêra, a
•
� ,
,
mesma cêm. As coisas mudam, transformam-se, li'as há sem Pensar é estabelecer relaçõos. Para tal é eficiente o auxílio
,
pre algo de permanente, algo que é invariante, é a substância, dos conceitos, os universais. 11: cam êles que se ordena o co
que permanece sempre a mesma (1). nhecimento dos factos singulares em sistemas racionais. ,
'
onde decorrem êsscs conceitos? De factos singulares? A intuição é que dá o atributo da realidade, porquCl ela é
De .� ,
Não; de relações constantes entre Of. pr6prios factos. Expres a apreensão elo individual, do concreto, Por isso Kan t j� dizia ,
sam êles coexistência e sucessão, nexos espaciais e temporais, qne lodo conceito, sem conteúdo intuitivo, é um conceito va
que estabelecem uma interdependência entre a to�alidade do ,
zio. O conhecimento organizado por meio de conceitos (U
existente. Vejamos, por exemplo, o que é a quantidade. Aris l;m esquema da realidade, uma visão da pr6ptia re alidad�, lião, ,
tóteles dizia que a quantidade é o que responde à pergunta porbn, uma visão exacta. Mas o instrumento para obler no "
Quanto? Ora, a mo/.lIa concebe a quantidade como algo /w ç'i\o lHkquatla 00 saber empírico é o conceito.
mogêncu, por isso divisível em partes. A quantidade é a )l0 s '.
sibilidade de nwis ou de menos. Para termos o cOnceito de
quantidade, despojamos as coiscts de tôdlls as suas qualidades,
que são hel(Ofog0neHs. A qU<llltidnllc é sempre llomog{-lleH. I
Esses concei tos lli\iver�ais são feCUlld()� quando apl ' cados a um !k,ejamos abordar agora com alguns elemen tos impor '.
caso concreto, por nos permitirem a classificar,'ão, que é a hase talllcs, um lermo que temos usado sobremanei ra e que e5t(, a
..
do conhecimento. exigi!" melhor �),"plicação.
Quando tomcdos como factos reais, independentes do pro Trata-se do têrmo: abstração. ..
cesso lógico, ap::.recem-nos vazios. Pois podemos pensar a ..
A abstrução consiste na ação do cspirito que considera à
substância, a quantidade, mas não podemos lIlhlÍ-lits.
parte um elemento ( qualidade ou relação) de uma represen
Vejamos, por exemplo, a causalidade e o seu principio, taçflO ou de uma idéia, pondo especialmente a atenção sôbrc
que nOS obriga a formar uma cadeia de causas sem fim. O êle, e negligenciando os outros elementos. Também se chama
primeiro elo nos é impossível alcançar. Para ta l, temos que ..
abstração ao resultado desta ação, o que conseguimos abstrair.
admitir uma causa sem causa, uma causa sui, uma causa de Por meio da l
abstração pensamos à parie o que nüo pode
si mesmo.
ser dado li parte. Assim, por (')(Pmpla, as figuras do geometria l
Assim, quando tenho um ohjecto e quero conhecê-lo, pro são abstrações das figuras concretas, nas quais só temos em
l
movo um conhecimento categorial, observando o objecto, se consideração a extensão.Falamos do círculo, mas não de um
gu < ldo cada categoria. Vemo-lo como substância, COmo qu,m círculo determinado, mas do círculo em geral. Abstraímos (
tidade, como qualidade; se forma uma unidade ou' UIna plura do círculo t6da a concreção, tôda extensão dada concretamen (
..
lidade, etc. te, e p<.-'llsamos no círculo como uma figura que está ab,traída
das qualidades ou relações que individualmente encontramos
l
As categorim:, por isso, presidem ao conhecimento. �.fui
nllJl) círculo ou noutro. "
tos fil6sofos têm reduzido aS categorias a uma só, a de rclaçt1o.
o conceito, como vimos , é o resultado de uma abstração.
Temos um livro, êste, e temos aquêle livro; êste é maior, aquê
(1) O con�ejto d e substiincia é vário na filosofia o é exa '.
minado na "Onlo�ogb". Também, nessa obra, são discutidas as lc é menor e verde; êste é de capa amarela. Aquêle é gl"OSSO,
upiniões sõbre as outras categoria�. éste é fino. Vamos abstraindo essas eoncreç'ôes e chcgamos ti
�
•
!lmn abstração geral, rpJc é o conceito livro, t!lllSl pDr�'il() (]e Vejmnos Qlltro a specto imporW ntn: No momento cm que
cadernos manuscritos ou impressos, encadernados ou brocha o nos propomos abstrair a côr branca clêstc livro, temos, no es
[l os , O livro é um livro ideal, um livro que nüo se colll(;l\ !lO pírito, imngens ck sllperfície<; colorid a s semelbantes.
C'sp<"lÇO, que não tem dimensões, qllC não tem tempo, pois IlÜO
� Se nüo tivessemo, essas ilTlJ.g0rlS_. n(\o poderiarnüs fazer a
tem mn ano, nem dois de i2xistêncin.
a bslração,
J1: algo que abstraímos de tôdas as suas qualidades. c que
N6s s6 avstraímos v que comparamos.
pensamos à parte. Entretanto, embora nos pareçll tudo isto
finito simple s, a abstração é tema de demoradas conhovérsiils A C01'1para<,:üo H anterior :'t nbstraç�\(1. S6 podemos abs
na filosofia. É natural que nilo irenlQS aqui abordA-ln" lllas trair uma {llw.lkbde qllillltl() a comparamo.' I:om o!llms, cllja8
apenas salientar os aspectos gerais e mais interessantes, im jIflagens estão presentes IlO espírito, A razão funciona com
prcscilHllveis pflfll. a boa compreensão da matéri a fil()�ófica. aLstrações, tmbalha POlTI abstraçGes, como já vimos. A ab5-
tra�';\o é t\ln estágío posterior da eomparar,;ão (1).
Algumas confusões surgem no emprêgo do tDnno nbstnt
çiio, Por 0)(.: é comum ver-se emprf'gá-lo pam expressar a
�
�
,
FILOSOFIA E COSMOVISAO 61
,
nheciuas. E se perguntássemos: é a expenenclU uma cópia ,
d a rcahdadc? Sim, uma cópia, poderíamos responder. Mas
,
completa? Não; deficiente, limitada. E assim também a ex
periência individual, como a experiência acumulada que uns ,
-
IV <:omunicam aos outros, e as gerações transmtiem às gerações. ,
Côlda nova experiência importa em um novo conhecimento �
o PENSAR - A EXPERIllNCIA - ESPAÇO E e �I!l) novo problema. Já sabemos o que é a experiêucia?
,
TEMPO - SUJEITO E OBJECTO Sim, sabemos alguma coisa, mas muito pouco ainda. Um
ponco cll! história do pensamcnto nos ajudará. I.
Que i� a experiênc ia ? 0.1 illltig()� opunham a experiência semível, (dos senti t
Se o leitor esllÍ sentauo, tCJll ele
lima experiência da cadeira. ;'\las essa cadeira .� um frag d o , ) , ao raciocíniO, ao saber adquirido pela reflexão racional, t
l,to é, pela mz�lÜ.
menlo da realidade. t.
A( II WI a , �('n,ívcl, perJllallccia apenas nas aparênCiaS dus
lIm [ragm('IJlo, como [;S,;(' li\fo, e�sa Illesa, es�:t làmpadil, a
t
aquela cadcira, aq\iêJe� livros; lodos sào fragmentos da reali coisas, (liziam, enquanto a segunda chegava ao fundo dessas
dade. llll��m,\.\ coisas, t
Um a sp Gc lO 11l(TeCe scr previamente examinado. É uma
t
"Ias o lcitor '-em um e(JlJltccimento (kSS.l caLleim , dessa
mesa, dêsse livro. Mas êsse conhccimento é frag1nent:lrio. simp ll's classificaS'30 da (;�xperiência que nasce daquola dicDto t
mia apn.'.'ieulada há pOlleo. Poderíamos acaso c1as,�ificar ox
Não é llm eonhedmento de tüdas as coisas, mas apenas de a
t
pcriêlleia cm ;
fragme l ltos da realidade. A cxperiêllda é assim um conhe
t
cimento fragmentário de um fragmento da realidadc. a) me di a ln ou
t
Mas essa experiência se dú isolada? Independente, sem b) ünediat,d
"
pre ib'llal a si mesma'? Nilo; ela sc amplia, se aprofunda, se
]\'0 primef-ro ca�o está claro, pois admitimos que a experi
rectifica. \
ência (� feita por meio dos sentidos, da razão, elc. Mas, no
Vejamos: o livro é de capa azul, não é limito grosso, tem segulldD, scria uma experiência directa, um contacto imediato t
uma apré'sentaç,ão sóbria. E colocado, ali, naquc:e canto da ('(1lll o objecto.
..
mesa, parece mais bonito. Os cOllhccimentos aumentam.
podcr-se-ia aplicar a illtuíção inteleclttal à experiência? ..
•
Vejamos outros elemenlos freqüentemcnte des:gnados por
Vamos fa:.:er uma pequena d'gresão sôbre o conceito de \
experiêllcia? O facto de sentir, uu o resultado dc scntir, de illh1içfiO intc!cdual como o expõe Bergson. �ste dizia: "Cha
sofrer, de receber a lguma cois:!. t
ma-,(' i,I!ll iç',"jo (',sa {,sp{'de de simpatia intelectual pola qual
IIOS trall.,>pürtamos ao illterior de um objecto para coincidir t
Ma� permanece twlo isso ,,01110 algo ú parte? A�siJll co
COlll o ({ue ele tem de único (�, por conse guinte, de inexpre�
mo uma ficha, duas, tn:s, (juatro, cinco do papéis? :\füo! ..
Cada experiência ,e incorpora ao eOl )j unto das experiências an �<ivt'l". E assilll algo semelhante ou comparável ao inSlillto e
�IO S('/lSD nrlbtico que nos revela o que os sêres são em si
•
teriores. Cada experiêllcia Vl'lll ajuntar-se JS at, então co- ,\
•
�
,\
•
"
"
\ nlCSillOb, em opos ição ao conhecimento dis cursivo e analítico, Quer dizer, se a ciência começa com a exp eriênci a, não
que nos faz (Conhecê-los pdo exterior ( 1 ). se funda menta apenas nesta, nem todos conhecimeutos proce
"
dem sómente da experiênc ia.
• Aceita essa experiência imediata, o adqu irido por experi
ência seria dHerente de o adq niri do pelo raciocínio discursivo i\las c'mlO se dá isso? Faç-amos mais algumas anúlisrs: o
' .
,-
"' '
ou p o r dednções. Aquela seria uma c'<pcriência direda, co conhecimento por experiê ncia é um eonhecinento a }JoI;terior1,
, . mo por exemplo a ql1C sentimos, que experimentamos em face um conhe cimento rmpírico. Como passa êle ao conhecimento
de lima pessoa com a qual, cm certos momentos, selltim(HIO� univcrsalm.�nte \ <Íl ido? Por meio da çonjllnção da experiência
'.
tão fUIldido� cm SilO. almn., cm seI! mnis Ílltimo, como se lá com os pri,] dpios elo (:ntelldimen\o.
.. dentro penetrússemos c víssemos o qnc realmente a llCSSO:L é. J�.'it('S principios develn actuar como nrla forllla sôbrc a
.. Vejamos as diversas maneiras como se e nt ende 'd cxpc matéria da l'x periên cia, sem tmnscclldi!-la 1l1111Ca, enqu ant o
rii�ncia: quiser ou pretenda limitar-se ao terreno da ciência.
'.
a) seg undo seu conteúdo intencional: C01110 l'x perirncia KaJ. usou o tt�nno tral1SCl'dclltc com um sentido p reciso .
\
in terna, diri ge-se à consciência e proporcíona a rca\ieJ.,dc ínte· Para êle, era trameendlOnte o que estava acima, além dr: tôda
,�
gra e :mediata desta; cspcTü'ncia possível, quer quanelo se lralasse ele realidad e, de
'. ,en·s. qlI er f"j\wnc1o �(' t m tasse elos pri ncipias do COu1l ccimento.
b) como experiência extern a: equivale :. pereep�'ii(), nu
>. ma si gnificação muito ampla do ti':nno, cujo cOllc('ito preciso As pn pri�s pal �\Tas de Killll SilO m u ito dar�s e j:'\ nos
só pode ser formulado pcla psicologia. familiarizado com outro têrlllO rtllC tcremo� ocasião ele enCO l l .
�
trar mnit�s vA7.('s nos li\TOS d c fi l oso fia: "Chamamos iUI(lTlcll"
� Assim se fala de uma experiência do st'mÍ\"é'] (' de 11lIIfI
,
tes O'i pr incíp ios cuj a apl icaç' :\o se altm inteiramcnte nos limi ..
experi f:ncia d o inteligível; de llma experiência psicológ ica e
* h)s da experiência POSSíVl'l; e Inlr1sccndcntes os qne devem
de \llna expe ri ência metafísica, etc. D('sta forma se \"(� qne
ergue']" o seu vôo acima d h�;('s limilcs".
• o nso do têrmo é vúrio, e ° conceito elc cxperic�ne ia é rlcm>llia
Torna--;(' ag(,r a bf�m c\nro () 'l \1e queríamos dizcr acima,
., do late Por is so, é m uitas yêzes usado no senticlo puranwnt e
empí rico, ql!<llldo afirmávflmos lJ\W (llwm pn�knda limitar-se nO t erreno
numa oposição tenaz aos diver�os scntidos qlle Ill c
•
('mprC.ltam os filósofos.
da Ci(�llCia, km que conjngal (II p rincípios do en[endimento
,1:'
ccm a c.\[1 'riência, Llzcndo-os actuar COHlO uma formll, S('m
É êst c, por exemplo, o sentido empregado por Kant lmnsctCnt!r\ n unca a ü,,]wriêllcia.
"
Pnrfl êlc, os nossos conh ccimentos ("OJn('�'i\m com a ('xpe l'o!" isso, (j venbdciro dell tista pcrmalleee no teneHO da
," ri(�neia. i\.'Ias quer referir-se Kant a todos os nossos lOrlllhcci l'i(i]l CIH, que é imaJlentr, Otl seja, aplica-se apenflS a Os ]ilTlit('s
-
!l\ellto.'? da ('\pc riên cia pos�ív('L O resto já pertellce ii filosofia
1(\ (l),
, NilO. Do contrúrio como teríamos um ccmhccinwnto ulli o que se t'n \en c!e por cxpcrihH::i a nas diversas filoso[ia�
versalmente válido, isto é, vúli do para todos; em suma, como ni\o é mat/�ria pacífica, po is hú \·,'u·Lts maneiras de compreen
"
terínm0s a ciência? portanto, algu111fl coisa intervém. (k·la.
"
•
•
."
i ,
" MARIO FERHEIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISÁO 65 ,
1
periência. O equilíbrio, que se observava em todos os siste ( 1.). ,'"
mas de crenças até então admitidos, está ameaçado. As ve·
lhas verdades já não satisfazem porque já poucos as �o[)hecem
lH, no entanto, uma inclinação espontânea a identificar a c.
imagelJl das coisus com a coisa-cm-si, que para Kant é a subs
e as caricaturas H� 5llbstituCIll, As constantes tranSr()nml�'ües
t,lnda. A essa inclinação se chama de realismo ingênuo. Mas,
c.
havidas, e u incapacidade dos \'(�lhos prillcípios em permitir
uma cvoluç'ão nOnlW] da hUlllôln irbdc, e a tra nsformaç:ão deles
na reflexão filosófica abandona-se, por necessidade, êsse esta �
do dc inocência, para concluir-se que a experiência é um pro
em argumentos pan impedir a prôpria evulução (Ia ordem
cesso lJl (· ntnl.
t
social, colocou-o� C:1l xequc. Assi m, pelo menus, lll ll it ()� o
t
julgam.
• • •
t
As fórmulas perderam a sua fôrça c ris a r:lzuo 'Jor qL1e a
experiência avulta agora de significado. E é por is�() tambl'lll t.
De tmIo quanto foi dito, concluímos que a expcriência
que é difícil precisar- se a sua nor,:ão, dadas as grand-cs contro
pode ser alHdisada sob os dois aspectos em que ela se processa. .,
vérsias havida�, e que ressoam ll,IS p:l gina� du filosofia.
A cxperiêllcia 6 'ntcríur e exteriur. E nós atribuímos tanta t,
Poderemos fazer uma nova pergunta : esgota-sc a, nor,'ão da realidade a uma CO,r1O a outra. Nós temos essa convicção, e
experiência na aeção ou nu ma sellsibilidade vaga?
t
tudo lel'a ii corroborá-Ia.
•
66 MARIO FERREIRA DOS "\TOS
SA.. FILOSOFIA E CüSMOVISÃO ,67
, lim:!'e, são o tr-mpo P. o p.spaço. :'vias f!is-nos cm face (Ir. outra AnalisE'Inos um pouco mais êsses dois modos de ver. Dá
pergunta: Que é tempo, que é espaço? ( 1) se aqui e agora o tempo e o espaço? Têm êlcs u m carácter
Óntico? Existem o espaço e o tempo como modos de Ser, in_
, •
depcndelltc� de n6s? Ou são apenas meras representações uo
-. nosso espírito, formas elaborarIas pela estructnra da nr �Sa
Um dos tomas mais apaixonantes e mais COlltwvcrsos da
monte?
,,' filo,;oHa é o de tempo c espaço. Se dissermos que () espaço
"é o meio ideal, caracterizado pela exterioridade de suas partes, Já não é a primeira vez (llle temos dito quc, na filosofia,
• sempre quI' se examina, se analisa, se estuda um tema,
na qual são localizadas as llOssas p(;rcepções, e que conU-ln, h�\
• �cmpre um colocar�se dnalista. Sempre o pensanwnto filosó
pOltanto, tôdas as extensões finitas"; se dissermos que é "o
meio da coexistiJncla, enquanto o tempo é o meio da sl/Ccssiio"; fico se coloca entre dois nlOuos contraditórios de observar os
,
se dissermos que o tempo "é o período que vai de u m aconte factos, e nenhum dêlcs, por si s6, nos satisfaz, pois, apesar <bs
-, polêmieas e controvérsias, nosso espírito se balança entre a�
cimento anterior a u m acontecimento posterior" ou uma "mu
dança contínua (geralmente considerada como contí1l11a), pela duas posições, encontrando, tanto llllma, eomo noutra, pode_
,
qual o presente se torna passado"; ou um "meio indefinido, no rosos ar.6'Umentos.
,I
qual sc desenrola a seqüêllcia elos acontecimentos, llms que,
Senão vejamos : se atribtlímos ao espaço e ao tempo nma
,,' em si mesmo, seria dado integral c indivisamcnte ao pensa realidade própria, caímos fatalmente em conclusões que re
" ','
me:lto", pouco ainda tcremos oferccido para a análisc de um pugnam à nossa razão.
tema tão importante como êstc,
'. f.: infinífo o espaço? r:� limitado o ('spaço?
Mas, em vez de prOCl1rar, dc anlemfiO, uma dr:finiÇio,
� Se quer('mos afirmar qne o ('spaço () infinito, teremos do
procedamos doutro modo.
admil-ir que não tem fim, que l/I sempre espaço, cada vez mais
'I
Ante o espaço e o tempo, podemos colocar-nm de dois espaç'(l, espaÇo, além.
� modos:
Se () fazemos limitado, sentimo� a necessidade de pergun.
- . 1) ou o cspaço e o tempo SllO aspectos da H)ali(Lllle, in tal': c o que 'fica além? Não é e'paço, pois o espaço é limita
•
2. ) são formas inerentes à cslruetura (LI mente, ft Líeil, se meditarmos sôbre () (lHe dissemos, sentir que
o Ser (ontu16gicos ) nenhuma da.� duas posições nos satisfaz. Estamos aqui em
• Em outras palavras : ou são modos d
os). faC!.' de uma das antinomias de Kant, (l ue já cstudamos. No
ou são modos do conhecer (gnoseoI6gic
" caso do tempo, nos encontramos na meSIr\a situação:
Ou t,�m um ser, independente do conhecimento hllm�n(l,
• ali são apenas modos dêsse conhecimento. a) Oll admitimos um começ'o no tempo, ou
"
.esse dilema se impõe na filosofia e divide os filósofos, b) negamos êsse come,;o. :r: IlC'ste en,o não haveria
Uma terceira pergunta também poderia surgir: e se ('ncerram, prinGÍ pio llelll fim no tempo, o que nos coloca noutra situação
.. .
ambos os modos, a própria realidade? também insu ;tentávd, por ser antinómica, Procurando solu
"
cionar essa antinomia 6 que Kant apresent011 suas opiniües,
-, (1) Um saber que não se proccs�e nos dados do tempo e que já estudnrcmos. Mas antes ele chegnr até ebs, façamos
do espaço cabe à Noologia estudar. comentários e estabeleçamos alguns raciocínios bem simples.
-,
- ,
,
, ,
,
FiLOSOF'lA E COSMQVlSAO 69
66 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
,
se realiza, onde se efectm\m tôcla delimitação e tôda detenni
Não serão, o CSllaÇO e o tempo, apenas formas da repre ,
nuçüo das çabas.
sentação mental? Podemos abstraí-los?
,
Antes de rcsponJermos, vejamos alguns asp,�ctos interes A matéria eram dados os atributos de espacialidadc e de
cxtensrw, isto é, furmas da matéria. Dêste modo, havia uma \
santes : quan do falamos cm coexistência ou cm sucessllO, já
r iclcntificaç'ão entre o espaço, o tempo e a matéria. Como o ,
pressupomos o espaço e o tempo. Não podemos realizar UIna
tempo não é racionalizáv€l (o veremos o motivo, pois é um
intuj\�ão concreta sem que os aceitemos. Vamos ;maginar que ,
conceito típico da intuição) foi compreendido como espaço,
não exista o universo, todo o universo. Podemos suprimir a
fluer diz(:r, medível, reduzido dessa forma a espaço, conceito \
representação do espaço e do tempo ligada à llossa própria
existência? que ainda perdura, cm muitos aspectos, nas discussões da ci ,
ência mouerna. Dc�cartcs, por exemplo, seguindo as pegadas
Se existimos. há espaço e tempo. Sentimos a ambos como ,
de Pann&nidcs, elimina o tempo c acaba eliminando a matéria,
necessários, pois o processo mental obriga essa aceitação. Do para reduzir tudo ao c�l><1.ÇO cheio. E ao definho a extensão ,
contrário, comprometeríamos o conceito de realirlade que de como C'ssêllcia dos corpos, converte li física numa espécie d e
,
Iinimos por sua extensão no espaço, e seu desenvolvimento DO gl'omelria.
tempo, ,
Spinoza conlinuaní. nesse camillho, no qmli os modes fi
Onde captamos li realidade? No espaço e no tempo.
nitos do atribulo dü extensão, um dos atributos do Ser, cO::tsti
to
Estamos agom num emaranhado de perguntas qU{� pre tuem as formas espaciais, e, conseqüentemente, os pr6prios ,
cisamos responder. ('n[('s Ilwtniais,
,
Mas, para isso, nada melhor do que estudarmos um pouco Leibnitz modifica totalmente o aspecto do problema, Nes ,
a história do pensamento humano sôbre ° tempo e ° espaço , sa época surge uma llova possibilidadc, que vai mudar total
mente tL'C!licn do bubalho lmntnno. São as primeiras expe
,
para que possamos oferecer algumas re�'postas e�·c1al'eC'edoras . n
Vamos começar com ° espaçu. riêllcial eom a fôrça gerada pela máquina a vapor, iniciadas ,
com Papin, e continuada por Newcomen, e posteriormente por
Os gregos opunham () cheio (10 }l/eull) aO vazio (10 ke ,
Watt,
wm). O espaço era muito simples e intuitivo. Não tinham ,
uma pabna para expressar êsse conceito, pela simpks razf\o ! Lcibnitz traz uma noção nova para a filosofia: a Ifuç'a,
,
l
que os gregos n�\O tillham Ulll conlwclnwllto c(l.tegorial do es mas a Úlrç'll como expansão. E aO converter a fôrç�a na veda
paço, mas sim apenas do cheio e do Vilzio, isto é, o que nos deira substância dos corpos, a matéria já não pode ser identi ,
aprescllta o meio oxlerior ii intuição sensível. Desta forma, ficada limplcsmente com o espa�'o, c êste se vai convertendo
° •
espaço era o vazio que era enchÍvol pela matéria. Levado numa entidade à parte, (ideal). Desta forma, Leibnitz altera
cOllsiclcrúvc\mente a geomctrização radical extrema que en
,
para o plano ontológico, o o�paço ( vazio) soria então o não c
,1'11
I"
,'II
70 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISAQ 71
,'"
t\' Não é possível que tenhamos uma experlcnclu externa, sem riências; Kant não eomiderava essas form.ls como inatas no
,1'11
que tenhamos previamente a reprcscntaçflO do espaço. Desta homem, o que rem todos percphem bem ( 1 ).
forma, o espaço é "uma rcprescntaçflO a priori, (:lnks da ex"
Mas a s investigaçiíPs n�w p:uaram e m Kant. A s relações
' .. pcriência), que serve de fundamento a t(ldas as inluiç'ões ex·
('ntre tempo, espaço c maU'ria continuam sendo estudadas e
tcrras", porque, diz êle, "é impossível conhecer que niio existe
,., discutidas. Assim vemos falar cm e�paç(l absoluto, espaço
espaço, embora se lhe possa pensar sem ql1e contenha qual
relativo, t( .npo lbsoluto, espaço psicológico, táctil, visual, etc .
..,
quer ohjecto". Assim o espaço será a condição da possibili
:-.ra física moderna, ouvilllo� falar cm espaços pluridimen
,., dade dos fen6menos, quer dizer, "uma representação ii priori,
�i{)llais, hiperespaços, contínllO espaço-tempo, etc.
hccessário fundamento dos fenômenos", O espaço, pum Kallt,
""
nl\O 6 algo de que faJamos, algo discursivo, mas uma intuição Examinemos o tema d o tempo. O tempo sempre Ofef(l
,1'11 pum. Quer dizer, que o espaço é a forma da intuição SCllSívcl ('cu uma grande dificuldade à reflexão filo,6fica, por ser im
externa uas coisas. possível racionalizá-lo, a não ser redn,dlJdo-o ao espaço, isto é
,�
tonando-o espacialmente llwdh'cl. Um estudo da história da
'" Convém, no entanto, que esclareçamos melhor (�slc ponto.
J ilowfia nos mostra que o tempo sempl'(� foi colocado it parte,
Na exposição das idéias de Kant, "o espaço não represcnlfl ne·
1411 foi inibido das grandes ÍJI\Tstigaçõcs que permanecem qun�e
nhl:ma propriedade das "coisas", não é mais qne �l fmmn dos ',l'llIpI'C llO tcrre'no do espaço
.. fenômenos dos sentidos externos, isto é, a úniefl eondiç'ão slIh
Al)\"p n cambiante, o lIItll:\\'(ll, os filósofos proeul'"mm ()
,. jectiva da sensibilidade, mediante a qual nos ó possíl-el n in
,PI(' ficava Iltní� das coi sas, (l (lllC cru jlllULível, inleJT1]loral. As
t u iç'ilo externa",
, ('onlradiç()<,s que se dflO enlIe os fenômenos são eontnldiç6es
Assim Kant dá ao espaço os caracteres da apriori(b(h il' q\H' ,<,(� dilo no tempo, portanto o ser inllltávd deve ser intC'Jn
I"
drpclldência da experiência, intuitividacle transccndc1Ital ll())'a!. () lYmpo é o lerreno do devir, Cl)(l llltlltO o Sq, por ser
1<11 ('st<'ltico, não pode ler tempo. por is�o é scmpm, qWl ll d o eOllsi
O espaço é uma intui�'íío pura e, por conseguint e. Ô lllnOl
... é!crado como incolldicionado, ckrno e imutável. f:sse o mo
"forma pum da scnsibilidade", como o tempo, tamhôm, qllC,
tivo por que a razão s6 concehe o tempo quando o espaciali
... com aq11êlo, constitnem as duas formas puras da sensibilidade,
za, quando o reduz li algo ele llonlOgênpo, como o cspa�'o, qlk"
,-
pois o semível DOS é dado com a prioridade do tel1lpO e 1.10
para n razão, é idêntico sCinpnl a si mesmo, simples, um. O
espaço, que presidem previamente a Mda sensaçf(O c a todo
". !r'mpo fica relegado (lO reino do particular, do contingente.
conhecimento sensível.
do contraditório; o tempo é de qnem vive, do existentf1, do
••
Mas há aqui uma confusão muito comum sôbre o pensa fcnomênic, ).
.. me!lto de Kant. A anterioridade das formas puras da sensihili ..
Com Santo Agostinho (354-430) , o tempo surge com seu
.. dade, (tempo e espaço) não consiste numa anterioridade cro carácter histórico e não espaeializado como aparecera na filo
nológica, mas sim numa anteriorid�](lc de valideió não fnudada sofia de Aristóteles .
..
na eXperiência. Quer dizer: a idéia do espaço e a do tempo
Bergson salienta que à "inteligência. repugna o fluente
,(01; naseem da experiência, mas são dados com anterioridade il�;
{'. solidifica tudo q\lunto toca. Nós não pensamos o tempo
,. experiências futuras. Na criança, formam-se a pouco e pouco
as idéias de espaço c de tempo, que, posteriormente, yão cons
, (1) Na " Teoria é:o Conhrdrnento" expomos sob novos as
tituir as formas dadas com anterioridade para as nonls expe- pectos esta opini ão de Kant, o que !)Dr ora n50 caberia aqui .
..
,-
"
--
. --.-
• - c -1.l.
•
••
A ê��e ser se atr:lbuJ uma existência autónoma, f' o Eu, levado a grand e s dehates na Filosofia, e o problema penetra
� Op05to ao não-Eu, que, neste caso, é o objecto. E�sa oposição em vários terrenos, tais como o da Psicologia, o da Sociologia,
" li prim{lria. o da Ontologia, o da Dialéelica, ete.
.. Mas uma simples reflexão nos mostra, desde logo, o errÓ , Tem oEu uma existência autônoma? Op õe-s e o Eu ao
neo dessa oposição, dessa desconectação do pr(l{!cssQ u niversal, não-Eu? Tcm fundamento o chamado "dualismo antagónico"?
"
dessa maneira abstracta de tratar êsse dualismo, tornando-o
Essa e xpressão tem um valor muito rela tivo , pois nunca
. '. um dunlismo antagónico.
sahemos onde termina o Eu c começa o não-Eu. Vê-se atra
'. Ora, s,'i se concebem o sujeito e o ohjCdo numa relação vós da Psicologia, quc a separação entre o Eu e o Não-Eu é
recíp rOca. tllnn separação lenta que chega até a desdobrar o próprio Eu
,\
Seu antagonismo é puramente antinÓmico, no cm seu obj ecto, como quan do o Eu conhece a si mesmo. A
� sentido que
jA expusemos.Um não pode existir som o Oulro. Se tinlTmos l eciprocklnde, que se verifica na interactunçl1.o de um s ôbre o
• um têrmo dessa dualidade, o outro desaparece. Um (,utro, 1]]( ucla a imagem do Não-Eu, formada pelo Eu.
sujei to
isolado, sem obje cto, não existe. No conhecimento,
.;1 lnn não QUilnto Ú ,eparabil;rlade total do Eu do não-Eu, esta ofe
se pode compreender sem
o outro, pois nilo há um conheci
•• rece um... prohlem'ttka das mais rlebatida5 na rilosofia, pro
mento �em objecto, nem um conhecimento sem
o �ujeÍto cüg blemática que subrcsai lia ohra du� ascetns e do� místicos, na
"�a nascente. A negação do objecto seria n pOS
iÇ�I() solipsista, de \Ictafísil.l, no conhecimento (la essência do Ser, clc.
Berkeley, que nega a existência do objeeto para
.
' afirlllar flrJC-
lias'1 do suj(�ito. rOr experiêllcia COlDlllfl, o Eu est:l vinculado ao nilo-Eu.
'. A s ep <raçrlO da qual
r se f\lla entre o Eu c o ni'io-Eu nflO ó a
Vejamos agora o conteúdo dessas duas palavras Sujeito e meSma (lue a verificada na Química. Já vimos qlle a sep ara
'I
Ob;rrto. ção do l�u do nilO-Eu é cOlll'(llnitanlc a um allll1e!lto do não
'.
Na Psicol ogia é cstudado o desenvolvimento do Eu. Sabe En, Come) tamhém do Eu. E is o cü\lhcci�ento; um s ab er (lo
, mos qne a criança,
ao nascer, desconhece o mundo ('),Jeriol". Eu sôbrc si próprio, ou sôbre o não-En.
Essa compenetração se forma atravps das múltiplas lro Neste último caso, o sujeito é h!do. Esta é, por exemplo,
,
cas entrc O orgrlIlismo humano e o meio ambiente. a posiçãO do solipsismo atribnído a Berkeley (SOIIIS e ipsis, em
latim, si e si mesmo: afirmaç;lO ape nas de si mesmo ).
A filosofia conhece
aqui uma problemática, que pocl()mos
sintetizar com as seguintes perguntas : Há eOIllpenetra�'ão? VaJllOS analisar agora o que intere.lsa li ó rbita do nosSO
Até onde se processa essa compenetração? Há influxo
recí estudo: como se v!�rifjea o conhecimento, isto é, como se veri
proco? Podem realmente · influir-se? Essa prohlem id i fica a aprecnsão do não"En pelo Eu.
l'H tem "
o
o
s·
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,
, 78 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
,
4) Re sp osta dos místicos. lt o conhecimento por visão
, interior, em que a vivência é tomada com arectividnde. Os
(1) Como esta obra pr ete nde apenas iniciar o eotudio�o 1) Possibilidade do conhecimento llllm<mo, que podemos
ra Filosofia, é compreensível que não poderlamos, aqui, exa caracterizar pela pergunta : pode o sujeito apreender realmente
minar c,ita prOblemática, que surge na "Teoria do Conhecimento".
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I
I
I
" MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 81
•
o objccto? A pergunta consisto, po rtanto, cm querer sabcr se vários modos: /6gico (cepticismo 16gico), quando nega a pos
,
realmente se dá êsse contacto entre o sujeito e o objecto. sibilidade do hecimento
con metafísico. Há ainda um cepti
cislIW metódico, (que o usa como método ) e u m cepticismo '�
2) Origem do conhecillwnto, Este problema sc coloc:a
s{�temáticu. O primeiro, ao pÔr em dúvida tudo quanto se ,
da s eguinte forma : vimos já que há duas formas' de conheci
8prc�enta, preteIlde, no entanto, atingir o verdadeiro pelo afas
mento, um teÓrico, cspeculativ o , radonal, mediato e Outro ime ,
tamento ,lo falso; enquanto o sistemático reconbece li impos
diato, sensível, intuitivO. Qual dos dois é a fonte e a base
sibililhde de atingir a êsso saber verda deiro e exacto. ,
do conhecimento humano? E�ta é a pergunta que carar.1:eriza
êsle problema. 'e) A resposla subjectivista e a relatívista. Para es tas t
['()rrl'II(('�, que hu n b6m jú estudamos, a verdadü tem apenas
3) Essência do coulwcimculo /wlIwno, J!: (' sujeito que t
UIlm vallL\c:t. limi tatla. O subjectivismo limita essa validcz ao
determina o objecto ou o objecto que determina o su j tdto? •
sujeito que conhece, enquanto para o relativismo aquela é ape,
Esta a pergunta característica dêste problema,
nas relativa; é ae wlido7. limitada. Está , assim, d dennimd a ,
4) Formas do conhedmcnto humano. Há além do co. pda ill±luência do meio, do ambiente cultural, enfim das CCIl
nhecimento discursivo, racional, um conhecimento intuitivo?
•
diçôcs h i� tó ricas que actuam como factorcs determinantes, por
5) Critério do conhecimcJlto humano. Há um conheci tanto, delerminaudo sua variabilidade. ,
mento verdadeiro e, em caso ilfinna tivo, como podemos conhe d) A resposta pragmatista. f: a de William James ( 1842- ,
cer essa verdade? ]91O). Para os pragmatistas, o homem é um ser prático, um ,
Vejmnos agora quais as resposta5; ,<,cr de vontado e de ação, que se orienta peJo intelecto. A ver
,
dÜ(k� é, :\ssim, útil, e seu valor correspo nde à sua conveniência
ou nLto para a vida. Desta forma, a verdade é fundada na ,
1) A POSSIBILIDADE DO CO�HECnIENTO
sua u t ilidade à existência hunlana.
a) A resposta dogmúlica, P ura essa posiçãO, n[\O há c) A. I'fJsposta criticista. E sta resposta já eduJamos an
(l) Pelo m�nOB quanto ao dogrnati"mo sistemático, comO b) Posiçiio empirista. Para os emp iri stas não é a ra zão
o v er emos na "Teoria do Conhecimento". a venlndeira fonte do conhecimento, mas a experiência, pois
I 82 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 33
I
é desta que tiramos Os conteúdos da razão. Ê a teoria da ta tem d", real, mas apenas de illral, pois tôda realidade está en
bula rasa de que já tratamo s O empirismo parle do� factos
. cerrada na consciência.
concretos e, em seu favor, alega a evolllção do pensamento e
e) Solllçilo jCllomcnalista. Segundo o fenorncnalismo
do conhecimento humanos, que se ftllldamentam na e-.:;prriên· não conhecemos RS coisas corno elas são, mas apenas como
eh Observa-se, pOr exemplo, qu e a maioria (los racionalistas
elas nos " parecem. Sabemos que as coisas SilO, poróm lião o
partem da matemática, CllqWlIItO li maioria dos eJllpiristas p<tr que silo. Desta forma o fClwlllellrtlismo aceita a posiçfío l"Ica
I tem das ci�ncias naturais, poi� llcsbts 6 a expeTi(�ncia Cjlle re lista ao afirm<lr as eois<l.'; Como reais, mas i\ecita a posição idea
I presenta o papd decisivo. T('nd()!n (J'; rac:ioll:llda.l' ao dog lista, <]11[\IHlo limita o COlt1!l'eilll(·llfo Ú c(]nsci�ncia
matismO metafísico, cllqllaIlto os cmpirislm tcmklll ao cepti
I cismo metafisico.
I Posição intelectuaFista. .1 ) A�� F.Spf�CTE:) DO CO:--.J IlECHJENTO.
e) O Í1ltclcclnalismo proclHoll
I en80ntrar um meio têrmo entre os extremos do mcionalismo P.
•
84 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 85
cogito ergo sum aceitava a intuição como um meio autônomo se dá no pensamento consigo mesmo, e essa concordância con
de couhedmento. A maioria doo filó�ofos, porém, afirma (1'1f� siste em ser o pensamento isento de contradição. Dessa :or_
só há um conhec imento: o racional (discursivo ). mi!, a ausência de contradição é o critério da verdade. No
Mas os valôres IOstéticos e os éticos são apreendidos pela toeante ús ciências fonuais ou ideais tal critério é váliuo, por
intuição, e o artbta, enquanto artista, trabalha com a inhlição. que o pellsamcllto, ao encontrar-se com objectos ideais ou
Temos uma certeza intuitiva de n6s mesmOS, do mundo c;.;te mentais, pem1anece dentro da sua espera. Mas em face de
rior c das outras pt,ssoas. Bcrg�on afirmava que o conheci ohj('dw; r('ni.�, jil i\�s(� critório malogra. A certeza í]e uma cvi
mento racional apenas apreende a forma matemàtico-mccúlli" dêllc;ia prova a certeza c nüo a evidência. O sentimento du
ca da l'calidade, � s6 a inlui.,;l"1 O penetra eiU seu conteúdo Ínti certeza {\ llIna certeza. emocional, intuitiva, que não pode prc
mO, !lO ilm:lgo das coisits. (I) A po,içflO dos rnciOll.,]islas klld('r Ulll.l valilh'z universal. É u c('rto,,(( que é vivida, flue •
extremados, que negam II intuiçu.o qualquer conbeómenlo, c {. iutllÍéh, e que lll[() 6 fOl'malmcnte dcmollstradn. O conheci
que êste é apeIlas o teórico, o racional, aSsil'1 ÇOIl'O a PO�i(JlÜ rnellto Ciclltífico ('xigc vali dez ulliversal. É um conhecimento
dos irradonalistns (l ue W'g;lIl1 :t r,IZ�lü q ll;I!(!lwr \ alor nu seu \ ,Llidu :!qui e em qual(l,wr parte, A evidência é um critério ,
cOllhedmento, pl'enm por preferir um düs cxt\'(�Ill()S, UP vlTdilc!e, mas essa evidência pode SGr vmociouul ou rado-
,
11:11, 0\1 :llulJas simllltillwnmclltc.
,
5) CRlTF�:UO DO CONIL-:;CI\1ENTO HU1\'lANO. I
o o
I
Em que conhecemos qUl� um juízo é verdadeiro ou falso'?
Essa pergunta põe em exame o problema da verdade, o seu Tem o homem necessidade de responder às grandes inter I
conccito. Não é fácil, por enquanto, scm que examinemOS rogaçôcs que se colocam exigentes. Onde há uUla lacuna, o
I
prtNiamcnle diversos outros aspcctos da filosofia, penetrar nllm homcm procura enchê-la; onde há um enigma, procura re;ol
campo de tão magna importúncia, como o do cn.ério da ver vô-Io. Precisa completar o seu saber, ampliá-lo, para que êle
dade; que é o objecto da "Critcriologia". abarque o todo, po.,·,sa tudo e:-:plicar, tudo esclareceI'. Quando
não tem êsse saber, cria uma hipótese.
Já vimos que normalmente, a verdade do conhecimento
consiste na concordância do pensamcnto l;om o objecto. Vejamos o que é hipótese, A palavra vem de duas pala
vm� gregas : IIVpo e thesis que significam "posto debaixo", c
E:sle cOllceito de verdade implica, nO entanto, uma série
que' equivale a "suposição".
de outros elementos quc aincla nUo foram cShHlados. O cri
tério da verdade implica que se estabeleça o conccito da ver Po,k a imaginaç.·iio humana criar, mas ° homem vive de
dade. l'ara o iuealismo lógico, a verdade nuo é transcendente, H:aliel;t(ks, l\las , a hipótese não é uma mera criaçüo da fan
COutO na afirmação anterior em quc aceitamos seria a verdade tasia sem finalidade pragm,í.tica. A hipótese precisa ser uma
a concordáncia entre o objcdo e o conteúdo do, pensamento. criação radonal e ela depende do que jú conhecemos, do ma
Neste caso, o objecto transcende o pensamento, é algo colo terial já conhecido, e é nesse terreno que ela firma a sua can
cado ante o pensamento. l'ara o idealismo, a 'coneord�ncía sistcllcia. NftO deve contradizer factos já experimentados, e
deve ter uma compro\'a��üo ulterior.
( 1 ) Para Bergson a intuição é um misto da intulção in É a hipótese empregada na ciêuda como na filosofia.
telectual c da sim patética. Servc COjno um �aber provisório, lima possibilidade que per-
"
"
, l,'
mite e tem pennitido o progrc8so da ciência. Estimula a re ente, a filowfia runca se desliga da fé. Não é ali c.�peG'UlntiVl1
,\ flexão, as descobertas. Muitas vêzes, as experiências as des como no Ocidente, onde o homem não foi tão dominado pela
troem e são, então, substituídas por outras melhores, mais ade natmcza e da qual 88 libertou para impor sôbre ela o seu
'\
quadas. Observações decisivas resolvem da slIa validcz ou domínio. O esp ecula tivo é prcdominmlte na filosofia ociden
"
nf,o. tal, 11[(0 na filosofia orientaL l\'a rdi\d�i Média, no Ocidente,
" �t1 voltou-se o'ltra vez a êsse e�tado. A m050[in. torn0l1-se laica,
, ,� A Ciência fundamenta-se em hip6teses. M\1itrrs hip6tc
separou-se da Igrcja, sobretudo com a obra de Ockam, Bacon,
ses, por perdurarem através do tempo, SltO julgadas como in
Descartes, .ete.
dubitáveis, e nisto há muito de culpa dos próprios homens de
ci�ncia. Quando a imaginnção se sobrepõe c afronta o con Uma observação das diversas doutrinas metafísicas nos
ceito de tempo c espaço, quando quer ir além ele t{)da eXJwri mo,tra que ela nem sempre se liberta da cmotividade nem é
,ência, e pretende dar às suas criações o carúdcr de entirlndcs puramente racional.
reais, já llão se trata de hip6tese, mas de hipóslascs (de hiro,
'\ Elementos alógieos (comcientcs e incr:mscientes) mistu
cm baixo e stasis, o que está).
ram-se nela. Mostra-nos a ]listória que, através dos tempos,
"
A hip6stase é uma criação de entidades estranhas .1 reali, podemos construir várias metafísicas, opostas umas às outras.
dade tempo-espacial. Não é nunca llm ohjccto de e"peri�n
Fugindo do empírico, e sem nêle se basear, cai muitas
cia, e SlI',1 afirmação é para muito, apenas um acto de U'.
vêzes em construções puramente abstractas. Cria "entes de
mzii.o" (en tes que existem apenas na razão llUmana, metáforas,
alegorias, muitas vêzes ) .
• • •
A Metafísica supõe um conhecimento intdigín;] sem con Costumam os cépticos rir da metafís:ca. Kant julgou,
h,údo cmpírico. :t! ela fruto de uma atitude intelectual, cons com sua oLra, tê-la destruído, e acabou enleado em suas teias.
ciente e reflexiva. Não é o pavor que a inspira, nr)ll o lllbté A metafísica retorna sempre, até na obra dos que huscaram
ri::J, mas a curiosidade ante o mistério dos enigmas ua e"jstên combatê-la com o maior ardor. Basta qu e citemos os exem
cia. A metafísica, já cstructurada como disciplina, supõe um plos de materialistas que tl'rminam por dar à matéria lUil ca
e�tado avançado da cultura, pois exige uma fnsc refle"iva, de rácter de :>hsoluto, verclrtdeiramcnte metafísico, como criadora
" d()mínio da razão. omnipotente de tô{hs as coisas.
significações mais profundas analisaremOS em breve. ?\o Ori, tá p/l!fsiklÍ (as coisa� rlrpni, das coisas nrttllrais ) .
88 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVlSAO 89
Foi em línhftJa latina que surgiu a forma mctaphysica. portanto, um dos temas mais importantes da metafísica. 'Cm
De um sentido classificador, passou a ter um mais profundo, l'onhecimento Íntegro da natureza, que rcuna em suas linllas
constituindo-se num saber que penetra no que pemlaucce alélfi os resultados gcmis de tôdas as ciências, a integração do saber
do ser físico, enquanto tal (1). universal, a investigação dos problemas mais profundos que es
capam ao âmbito da ciência, a es�êncía do universo, a raíz
A :tvletafísica tomou-se, assim, o saber, não dr' sensível,
do ser, o interior do mundo, o fundamento mais profundo de
mas do inteligível, despojado do stllsíVl'I. :Jutra� ciências
tõdas llS eoiSllS, todos têm s ido do âmbito da metafísica, que
filosóficas se formaram para estndar êsse inteligível em sem
ultrap�ssll, transcende sempre o terreno do sensível, para pe
!lspectos particulares, mas a i\fdafísica se convertell na cil'n·
netrar !lO krrL'no que lhe e próprio: o dos o bjectos $Upnl
da quo os estuda em geral; em suma, num sa ber do trU!l.�cen
sensíveis. Há seis possibilidades de respostas às grandes per
dente, elo que transcende o fisico, o experimental, o empírico.
g( lll tas apresentadas pela metafísica:
Longos debates se tra\'ll\'n m c se travam ainda hoj e lia
!i!üsofia para �abcr-sc li ()X.l�·t,l «('l' ll \'[iO de IIlctilfíska, cm beL! I ) 11"[ duas modalidades juxtapostrts de ser, entre si irre
(.Ias diversas interpl'e[a�'oes e accpçijcs quc t�m s l.l'gido. A dutíveis distintas e separadas. E a resposta do dualismo;
esta pah\Tll se; t2rn emp resl,((lo os mais variados sClltidos ()
.2 ) a coi�i\ cm si é lIllívocu, portüllto uma dus mocldi
[['m sido I I s:.ub por a(IV('rS(lri()� [111111:1 ;ll'CPl;iio I llui! (; di!t:n�JI[e
l!rl(les tem de ficar reduzida à outra - a ) ou o físico é redu
da real, qua�'-', e apenas, como uma espécie de mitologia, pura
/';ido ao espir itual, e temos o espiritualismo, ou _ b ) o esplri
c simple.�. Se, nl realidade, lHi lllllito dr. mitologia na metu
(ua] e."tú reduzido ao fí sico , e temos o materialismo;
física de certos :1.\\torcs, mnitos dementas aló gicos', ernno já
tivemos oportunidade dc nos rderir, um trabalho de pesqui>a 3) uem o físico, nem o espiritual existem por si mesmos.
e de esclarccimedo hnpôe-se Ileeessúríamentc, o que já se tem Ambos são compreendidos como mallifesta�'ôcs de um teJceh'o,
empreendido. Hoje :l l\íe\llfbicü retorn a com üu\ro espkmklr, (lue é uma unidade superior que os indui, 1..m) el.e\nento quü
graças ao renascimento do estudo dos graudes uutores escoL'ls os �\lpõe e que allula, em pi"incÍpio, tóda diferença entre o
ticos. mundo psíquico e o mundo físico. Tal é a concepçáo monis
la., teoria. da identidade ou teoria da unidade;
A cfltegoria de substância tem sido o ponto ue partida e o
ponto de apóio dos estudos metaflsicos. Em face da fluênda, 4) concepção que admite daas ordens dinâmicas, que se
das transformações constantes, do (lue surge e do que perece, manifestam em diversos gmus e que permitem estabelecer o
nccessita o espírito humano admitir alguma c('isa de estável e dualismo entre o espiritual e o físico, e que representam as
de fixo, alguma coisa que sub-estâ, que é sempre ela mesma, manifestações de um ser superior, transcendente a ambos, cuja
que é idêntica a si mesma, e�\n\.etcr antinômico do nosso espl criaçãO € dualista, nulO opor-se a si mesmo, isto é, o existir
rito, o que já tivemos ocasifLO de analisar em grande parte. finito é um münifestar<se oualístico e antagonista, que penni
A separação entre o homem, como espírito, e 8 homem, te, por exemplo, a formação dualística do espírito humano, que
como corpo, oferece uma duulidalle que nos parece pertenccr é o mo?wp{lIw1is-rf!O; ( 1 )
a esferas diferentes. A relação entre eOI1)O e e�pírit(" tem sido,
5) o ser é múltiplo e irredutíveis as suas partes a um espiritual (inextcnso ) 'r Vkraln, {�)ltil.o, as diversas respostas
ser único, c temos o pluralismo; ela clmmada rcbção psico-Jísica. Fundou-se, com FcchlJr:T, a
6) o criacionismo. O cosmo 6 uma cr;açi'io da divin conccpçi\Ü pamle1ista . Assim como duas p:1l'alclas, pela geo
dade. metria cIIClidu/[w, nilo se enco!llmm lWC]Ca, uma deh� ;;cria o
físico c [t outra o p�í(lllico, filIe scguiri:tm juntas, sem j�lmais
Para compreendermos o dualismo tomemos um ex(�mph:
.�e rtlcontran:>m. Para FC'c!lD(,l', o espiritnal ('Ia o lado inf,c"
a coisa sensível casa, encontramos cm muitos exemplal'es sin
Jim; e !) físico, o lado p;.:tcrior dI) mundo. Com essa concep
gulares, mas só podemos compreender <) fado casa, admitindo
ção, prflCllf[\\,a �up(�rar o dll<lli\rtlo.
uma idéia, a qual é espiritual, irnu(úvel, quc compt'CGlldG as
diversidades que caracter.i:zam .singularmente caela ea5.1, qtW Sempre verificaremos que os dllali�tas procuram vencer c
pode ser grande, estreita, pequena, alta, baixa, mas o conceito superar o dualismo plJr uma interpretaçiío ql\e reduza um do'
é imutável. aspectos ao outro, E é ê,SIJ o proceder do espiritualismo c
do materialismo.
� a idéia ou melhor, a fonna. Há assim um mundo de for
mas, q\le é \1m mundo das imagens primárias, um mundo de O 'I1wterjalismo b'Ill a seu favor alguns elementos. Favo
tipos primários, arquétipos, quc é um mUllJo imut:\vcl, eter recido, sobretudo pelas ciências, cujo objecto é sensível, o
namente igual a si mesmo, e ° mundo das aparênc:ias, das coi extenso, encontrou nestas, seus melhores argumentos.
sas singulares que se modificam, que se trnnsfonnarn, que Foi Demócrito, no Ocidente, o fundador do materialismo,
mudam (como se vê e m Platão). o primeiro a descrever o mundo como composto de átomos, de
Para Arist6teles, o ser singular está composto de matérifl unidades indivsíveis. Fara Demócrito, havia átomos Hsicos,
e forma. A [urrou apodera-se da matéria, rcsITinge-a, mode mais extensos c mellOS móveis, c átomos psíquicos, mais mó
la-a. De�ta maneira, a matéria é o fim, a finalidade da forma. vei>, mais (·.geis.
Na Natureza, tudo aspira a formas e a fins superiores; é a Dem6crito compreendia o mundo mecâr.icamentc organi
concepção teleológica (telos, que, em grego, significa fim, dai zado, sem a idéia de finaliJade til.o cara a Arist6teles. Os fac
teleologia ). Dêsse modo, no princípio e no fim ,k t odo pro t()� sucedem sem nma flnalüladc, (tt:leológica), mas obedecen
cesso evolutivo, há uma forma pura, incorpórea, que ó Deus, do a fÔrças mecfmicamentc dispostas, aeahando, assim, com a
o criador de tôdas as coisas, o modelado)' de tôda a l1lat(�ria. difercnç'a entre o inorgil.nico c o orgânico,
�ste já é um pellsamento criaciollista, como o vemos em TQ
más de Aquino e nos escolásticos em geral. A concepção materinlistlt de Demócrito çonhece seus mo
mentos de depressão e seus momentos de re�sutgimento no
Descartes, estabelecia \lma substância pensante, não ex pensamento humano. No século XVII e llO XVIII, com La
tensa, c outra não pensante e extensa, o corpo. Uma não ne Mettric e Holbach, toma o materialismo ao seu al'ogeu. Mas,
cessita da outra e podem viver independentemente, pois o aqui, o mat erialismo é singularista, conhece s6 umft espécie de
corpo pode permanecer sem alma (para Descartes os rtnimais miltéria, e o psíquico é cxplicilllo materiallsticamcllte, pois a
eram puros autómatos ), No homem, porém, combinam,se am alma está sujeita a leis mec<\nicas.
has substtlncias, a cxtensa e a espiritual.
As funçõcs psíquicas sflo explicadas eomo funções do cé
A atitude de Dcscartes ofereccu à Filosofia um problema: rebro. Vo�t, Biiehncr, e muitos Olltros, surgem 'posteriormen
qual a influência, qual a interaçflo entre o fisico (exten.';o) c o te, O m"terialismo é, assim, um" versão do naturalismo, e
I
I
I
92 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO os
I
subordina tudo, inclusive o acontccer humano, ao influxo das Este sentido é mais polémico que pràpriamente filos6fico.
I
A ssi lll, lHí pessoas ,!ue �eIlclo purtlllloule idealistas �e apre
leis da Natureza. A sociedade humana é explicada materia
sentam corno espiritualistas, quando, na realidade, não o são. I
Bsticamente (matcrialimo históric o ) , e sôbre seus fundamen
tos constrói uma concepção do mundo, O monismo, como já fizemos notar, propõe-se eliminar o
I
dualismo "corpo-espírito", não reduzindo um ao outro, mas I
o espiritualismo penetra na filosofig ocidental mais tarde
compreendendo-os como manifestações de um ser superior.
que o materialismo. Para êle, a verdadeira realidade está \
Chamam muitos de "teoria bifronte�> e seu maior representan
constituída única e exclusivamente pelo psíquico, ao qual s e I
te é Spinoza. Para êle 56 existe um mundo único do real, que
redm; tudo quanto é materiaL
()hamou de substância, natureza, Deus. \
Distingamos, agora, o es]'il'itllalislIlo do idealismo glJOsco O mUlI(lo é apenas urna personificarãO de Deus, o qual
lógico. O primeiro é uma oricntação metafísica, enquauto o
nrlO pode admitir outro ser. Deus é apenas a soma do exis
segundo é uma oriellta\'ão gnoseológica que afirma que a VICr tentl'; !l1(!o (� DcllS, e tudo está nêlc (panteísmo ) . E:ste lllUli
uadeira existência está na cülbci(�ncia. Como é essa realitIa do se ll1� lli[esla nos homens corno pensamento e como exten-
de, não interessa a teoria do conhecimento, porque seria um 5[[0. E, cm nós mesmos, essas qualidades do ser são evidcn
problcma de metafísica. dad<ls em corpo e espírito, que não são justapostos, mns modos
distintos dc uma e mcsma realidade.
Assim ° espidualismo ace ita li decidida primazia do es
pírito para a explicaçâo dos fenômenos psí(]uieos (espiritualis o idealismo procura resolver o grande problema da cois<l
mo psicol6gico ) e ademais que o mundo sc acha constihlÍdo, enHi pela afinnat,:�w de que as coisas são apenas eonteúdos do
no seu fundo último, pelo espiritunl ( espiritualismo met:tfi pensanwnlo.
sico ) .
Dess<l forma, elimina a coisa-em-si, e eonsideru o mundo
\
dos fenômenOs só corno um produto do cu_ Fichte, filósofo
São assim duas formas de uUlnifestação do espHtualisJllo.
alemão, é o representante destu orientaçãO. Para êle, existe
Muitas vêzes amlns combinam, como no C<lSO de Leibnit" e
origill':uiameute uma suustância, para a qual nos aproximamo,;,
Lotze, em que o psí(juko e o ("'piritual são, no fundo, idôllti·
no raciocin<lrmos �ôbre uós mcsmos.
co:;, O psíquico tem v<lriados graus que vão desde u incons
ciência llbsoluta até u consciência absoluta Quando chega a r-,'estc acto t�ncontramos, desde logo, o eu, quer dizer, a
êsse porltO, o espiritualismo ii monista, pois o m<lterial é conce consciêucla, a razao, a inteligência. Esse eu primário se en
bido como maniJc,taçâo do espiritual. Há um espiritllali�mo contra cm inconsciente actividade. Produz êlc não só a for-
dualista, como o representado por Descartes, ma, mas o conteúdo do conhecimento. A existência de um
Eu presllme naturalmente a existência de um "não-eu", o qual
O ponto fraco dos espiritualistas-monistas comi:;te na di·
não lhe é idêntico, Dessa limitação entre o eu e o não-eu,
fkuldade (1ue enc:mtram em explicar o e�pírito como imate
�urgc o mundo exterior eorno mundo dos fenômenos.
rial, puro e simples. O ttlrnlo espiritualismo, porém, tem ti
do, sobretudo nesles dois últimos séculos, diversas modifica A qu'arla e quinta posiçõcs podemo-las expor assim: para
çdes no seu \crdadeiro sentido, represeut<lndo mais (ma posi () pluralismo, () mundo está composto de realidades indcpen
çrio decididamente anil-materialista e anti-senslla.ista, que dentes e múluam(�nte irredutíveis. Desta forma, o pluralismo
o monop luralismo S11Stpntn n independência das rCfllida porqnc não podem atingi-lo ou negam tota1mente o que esteja
des, mas não nega que exista, directa ou indiredmnentc, uma ah;lll do e��)erirn'lltáYcl?
intcmção que dá fi unidnde, fllndada no s(-'r.
Se a resposta fôr a do pri meiro caso, quc permflllcçam os
Pode ainda o pluralismo admitir que a falta dr inlcraçíío positivi!;tas fazendo seus l ivros de matem'lrea c de ciências
entre as realidades não permite, não s6 qualquer redutibilida naluraL" e deixcm o filosofar para os fil6sofl's, Mas sc a res
de de uma a outra, como ainda negar qualquer poss ihilidade
posta se prende ao segundo caso, afirmam, cntão, os positivistas
de articulação, que é o q11e se chama de prumlisllln fllJsuluto.
que Ilada se dá fora do selJ�íveL
Outra l'eIJd{)ncia afirma q\le, sem deixar de hnY(']" il1{lcpcll
dbcia e a ausência da intervenção, deve admitir-se, porém, Nestc caso, repetem os filós ofo s, não haverá nCllhum po·
um princípio qualquer, capaz de articular as múltiplas H'ali sith'ista qn.; não compreenda que essa afirmativa é ji'i m etafi
dades, como é o pluralismo, defendido pOr Wi lliam Ji\mc� e sica, c a fazem ao tcntar combatê-la? Terminam os fil6sofos
Proudhon. por dizer q\IC os positivistas suo metafísicos sem o saber.
Alí'm disso, o mundo n5,0 é o mundo das percepções, mas
, ,' Mas o monoplnralismo, que citamos acima, CS('llPEl ao
um mundo percebido, ou seja, a percepção não aprecnde a
llrnbito propriamente do pluralismo, como é,clllssicamentc apre
,,' tota l idade dr) mtl1ldo.
sentado, porque a pluralidade é formada dos campos múlti
, ,' plos do Ser no seu manifestar. Quanto ao criticismo de Kant, já tivemos oportunidade de
cshld:í.-lo.
I Cada campo é irredutível a outro, no existir. S:ío os mo
dos do Ser, potencialmente infinitos, por isso. A posü 5.0 céllti ca, também jú examina{la, procura opôr-se
Cremos ter assim expOsto em linhf\s gerais, tüo simples à m etafísicr. pela alegação da impossibilidade do conhecimento
"
q1lanto é possível ao tratar-se de um temn �lc t<11 m.,;gnitl1de, suprasenslvel, mas, quando pennanece apcllas nesse terreno,
, '. o sentido da metafisica. prdende não ser anti-metafísica, pois apenas alega a impossi
I,;, bilidade, quer de uma ufinnaç50, quer de uma negação.
Passemos uma breve vista d'olhos sôhre os advers.<\rios da
" ' metaflsiea. Entre esses vamos encontrar: o positilJismo e o Contudo, essa alegação já é afirmativa. Por isso, o cep
criticismo. ticismo rcfuta-sse a si mesmo.
� ,',
l
j" gllem esta doutrina ,
j,
Agora perguntam os fil6sofos: se os positivistf\s afirmam
" que não há outro conhecimento além do scnsível, afirmam-no
,'
FILOSOFIA E COSMOVISAO 97
Com o decorrer do tempo) a diferenciação enti'e a ciência a interpretação matemática da realidade objectiva. Ela abs� ,
e a filosofia foi se processando progressivamente, até à con trai e estuda -unicamente as relações quantitativas. Não h á
quista da autonomia das ciências particulares, e" sobretudo, ciencia d o singular; a ciência opera com conceitos, abstraídos
de um conjunto de ca sos análogos. ,
quando da constituição da "ciência da natureza".
,
.,
�.
II
.�
98 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 99
\II
'. Por meio da experiência e da experimentação, é que ela cos, s6 se desenvolvem no tempo c, por faltar-lhes maior espa
investiga essas relações quantitativas. (Não se julgue, porém, ciaJidade, não são mensudvcis. Seu conhecimento já não po
••
que a ciência não se interessa pelas relações qualitatiY<ls; cm· d e ser reduzido a f6rmubs malcmMicas.
� hora em grau muito menor. Hoje, sobrehldo, aparecem cien
Enquanto para as ciências físicas e naturais há uma exac
", tistas que investigam essas relações. Mas, sem que militas se tidão, que é a exactidão qu e nos revela a matemútica, para
quer o suspeitem, são êles que caem inevitàvclmente no campo
." f,ssas outras· ciências prevalece apenas um certo rigor.
da filosofi a ) .
"O Então mio há cihlcia do sulJicctit;o?
A clenda coordena essas relaç<1es quantitativas por meio
Um dos erros dos cientistas do século passado consistiu em
•• da indução e complementa-as por meio das hipóteses. E, com
pensarem que todo o probl ema humano poderia ser reduzido a
o auxilio da matemática, formula as leis do facto físico. É a
1 1 J1l problerl<l científico, físieo-natmal. Julgavam (como os
matcmátca o instrumento d<1 sistematiza�'ão científica; mas a
positivistas) que com o mUodo indutivo, com os conceitos da
matemática só pode dar uma solução abstracta c for mal. Por causalidade e da lei imutável, poderiam incluir tuelo 110 meca
. ,,� si mesma, ela não pode resolver uma questão de facto. Mas nismo imutável.
, , . aplicada à experiência, ela supõe uma medida prévia. f: ela
A verdade ci en tífica é rel ati v a . Küo s6 porquc rCl1lmcÍa
precisão dessa medida que depende a exactidão elos dtlcnl o s.
,M a penetrar até a última ratia ( razüo) das coisas, como porque
Mas, na verdade, s6 se pode medir o extenso, isto é, tudo qnan
só se aplica à parte obj ec ti v a da rcaliclade tempo-espada:.
to ocupa espaço ou se verifica no espaço OH é r('(ll1C·ti\'(�l a
espaço: 'os corpos, e o movimento dos corpos, quandu reduzi As leis centíficas não são imutúveis nem inderrocáveis.
,
dos a espaço. O que não se pode medir, tampouco se pode A tl: a própria matemática conlwce, hoje, uma rcclllção dos
rxpressar em linguagem matemática , pelo menos pela marclll ú sr1JS valôrc:; axiomúticos. Poderosas h i póteses tornam-sc fra
,' , -., tica como 'linda é cons id erada e, portanto, não tem si(lo ohjecto cas, {' n Ci<';IlCiH se vê forçHla :1 COllstantes rcnovaçücs que, de
d a ciência: porque se afasta da sua esfera de influência. Em ano para ano, se tornam mais nu merosas . Quão pOllCO já nos
,\
conclusão: não há ciência do incxtcnso. $(''["V('1O os �onhccim('ntos ' do S(�Cl1lo passado! E que serú a
,,� C'i(\l lcia ua(pi a cem anos? Nüo ó assiJ; ingénuo quando se
Podem êsses caracteres expostos serem cstrt'itos demais diz que a CIência tem verdades inJcrrocáveis?
para dar uma idéia da ciência, mas inegàvclrncnte a circunscre
Houve no século passado, influindo senslvclmente neste, a
" I, vem ao seu verdadeiro âmbito. Assim tôda a realidade objec
cOllvicção dr:> que a ch�ncia era algo de sagrado, o que podemos
." tiva, todo o mundo espacial, tudo quanto se pode meclir, cahe
chamar de sacralisnw ela ciência. Ningllém quer furtar à
à ciência. Assim, são ciências a mecánic8., a astronomia, a
" ciên c ia seu valor real. Apenas (';sse sa cral is mo foi c onsequên
física, a química. Mas quando penehamos na biologia, eis ,;
cia de uma falsa YÍsão.
" que nos surgq um problema. É que os factos biológicos não
A ciência, realmente, é u m a alta criação humana, u m meio
.' , são tão mensuráveis COmo os outros. Aí já não são mais apli
de domínio elo homem sôbre Q natureza. Graças à Ciência c
cáveis os números fracÍonários, e sim , únicamentc, os inteiros.
à Técnica, interactuando-se constantemente, tornou-se a ciên
Pode-se falar em uma vida, duas, três; não cm "uma vida e
cia um meio de libertação.
3/4". É quc, na biologia, já trabalhamos com totalidades in
dividuais. E assim também a atituue suLjectiva, o processo ;\ião é missão ela ciência penetrar nas entranhas da rea1i
psíquico, o processo histórico. f:stcs, cmhora bctos c ll1pí r i- c1aclc, mas ichar meios de aç'i"io positiva. No entanto, a ciên-
r
\1'1 � •
,.;,/';: ',' «
'.) da ao descobrir alguma coisa, descobre novo ( nigma. A cm certos pon tos, a confundjr�se com ela. Sinteticamente,
noção concreta precede à abstracta, a técnica prec(�de à ciên� partindo do objecto da ciência, podem ser classificadas coma:
•
cia. O homem, antes de conhecer as leis da alavallea, eonhe� •
a) ciências de objecto real; ciências ela natureza e as do
ceu a alavanca e a usou. A ciência de hoje volta para a
espírito; •
técnica e lhe dá relêvo, a qual, por sua parte, contrbuiu para
o maior desenvolvimento da ciência, e permite-lhe experimen� b) ciêncías de objecto ideal - por ex. as matemáticas. •
lações empolgantes. l\ I l I i tas críticas se poderiam fazer a essas classificações.
•
É pr�ciso distinguir bem as relações entre tôdas essas ciências
Mas uma ciência pura quer destinos pd.ticO!>'. É dês te �
e a filosofia. Ademais, o critério dos objectos não é o único,
ponto de vista que é preciso julg á�la, para fíxar sua hie rarq u ia
como salienta Fcrrater Mora, pois é preciso considerar tam� •
e admirar sua grandeza. Sem ciência e sem técnica, o homem
bém a finuliuade das ciências, o problema das chamadas dên�
não teria história. •
das normativas, se, por exemplo a técnica é um fazer
I
e não
Mas antes de passar para êsse tema, examinemos alguns um sa bel', e se a técnica pode ser eliminada da estructura do •
pontos importantes: Comte distingue a ciência abstracta da saber cientifico ( o q ue não acredüamo.s) e, depois, a funda •
,:::iêncb co" "'·pta. mentação filosófica do saber teórico, o que vincula uma ciência
7''-'1'1;(',, 1 ,>,. CO !1' 'IS o · ! t)·'l. � ": cc>;" ,.�; l. Dest(l, {orm:1; inúme
A ClenCla abstracta, ou geral, tem por objecto as leis que {J/'{wicllw.s v.) clu,.Iis l..i._ joh,;, r1e
Hn ficam propostos, a ;:':",', •
regem certa classe de fenômenos; a ciência concreta, mais ge ""
discutir c procurar soluções.
0', •
ralmente chamada de natural, «consiste na aplicação dessas leis
"..
En trt'tanto, se quisermos partir do objecto, podemos com
à histórb a fecti va de diferentes sêres existentes". Vê-se que CJ •
preender essa classificação; não esgotamos porém o problema.
Cornte, aqui, tem um sentido muito particular do que
. seja abs� •
Senão vejamos :
tracto e concteto; daí sua distinção.
Todo pensamento é pensamento de algo, e êste algo é o
Spencer chama de ClCHGÍas abstractas a lógica e as mate� objecto do pensamento, que jamais se identifica com êle.
mátícas, que têm por objecto as relações abstractas sob a:,
Penso: "êste livro está em cima da mesa". O objecto do
quais se nos ap resentam os fen ôm en os, as formas vazias, com
pensamento é estar êste livro em cima da mesa. :E: uma situa
ajuda das quais os concebemos; ciências concretas, as que
e
. ção especial dêste livro que poderia estar em outro lugar, na
têm por objecto Os próprios fenômenos.
estante, como estará amanhã, certamente. tsse pensamento,
E entre estas distingue : ciências abstracto-concretas, a dessa situac;ão, não é algo material, nem está no espaço. Mas
mesa estão.
me( lnica, a física, a química, por ex.; e ciências c ompl etamt�n�
te concretas: a astronomia, a geologia, a biologia, a. psicologia,
!. o livro
Assim
e a
° estuda a lógica formal, para a qual o objecto tem
a sociologia, etc. uma extensão vasta. Tudo o que é capaz de admitir um pre�
Numerosas são as divergências existentes entre os filósofos dica do qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juízo, é
objecto , É a noção geral da lógica.
para a classificação das ciências. As mais modernas classifi�
caçõcs, como as de Dilthcy e Windelband ( Wilhclm, 1848- o livro é alguma coisa de que temo:s consciência por uma
1915), já revelam uma outra fase da ciência. Esta) depois de experiência sensível, por percepção externa. É um objecto
estar unida à filosofia, separo\.l�se dela, para tornar novamente, físico .
..
I •
,"
,t.
II
•
Isso não quer dizer que os objectos psíquicos não tenham uma I nunca. Entretanto veremos que tal é impossível porque a
ciência, hoje, sem que o queira, penetra no terreno da filosofia,
referência espacial indirecta; pois todo facto de consciência como esta é levada a penetrar no terreno da ciência .
•
pertence um sujeito consciente, que embora não seja espacial,
está adscrito a um corpo. Estamos numa época de revisão de va16res, de transições
profundas, e é natural que tanto a filosofia como a ciência
Mas há objectos que não estão nem no tempo nem no espa
.sor ram a influência do momento histórico. A ciência, ao iT!
ço: são os objectos ideais; por ex. os números, as figuras geo
flllir na filosofia, 1cva-la-á a terrenOs novos) inesperados, cujas
métricas, as relações, os conceitos e os pensamentos em geral
conseqüências ainda estamm, cm grande parte, longe de poder
� ( não o pensar, como acto psícologico, que está no temp o ) .
prever.
'I
Temos ainda os objectos chamados d e objectos metafísicos, por
ex. a coisa-em-si de Kant) a substância) que são conhecidos
I
através do raciocínio, segundo alguns filósofos, ou por actos
imediatos, como a inhIição intelechlal de Schelling ( 1755-
1854 ) , ou pela intuição não-racional de Bergson, ou pela in
Dissemos há pouco que sem a ciência e a técnica, o ho
tuição mística, dos místicos, etc. Temos os ,,;olôrcs que s ão
mem não teria História.
qualidades de uma ordem muito especial, que não se referem
ao ser do objecto, mas ao seu valer, à sua dignidade. Originàriamente a história significa investigação, mas uma
investigação de índole especial que se opunha à teoria e ao
Nada dissemos aqui que não tenhamos já analisado em
sistema.
outros tópicos. Pois bem, fundando-nos no objecto, podemos
chegar a uma classificação da ciência: Já vimos que teoria, no sentido usado pelos gregos, signifi
ca contemplação, visão, de onde a contemplação racional visão
a) CiênciM da 1Ultureza, cujo objecto é a natureza, como
inteligível.
conjunto de objectos e sêres, tempo-espaciais, a realidade cOr'
paraI, tanto inorgânica, como orgânica, enquanto não é pro A dela teórica opõe-se à vida prática, mas também à vida
duto da ação humana. O corpo humano é um objecto natllraL poética, porque não é, como estas, ação imanente ou transcen
., dente) mas urna atitude expectante, pensamento e, cm última
b) Ciências do espírito que estudam o âmbito pràpria
análise, aquilo que equivale também à contemplação: intuição.
mcnte humano da realidade, o homem em sua peculiaridade e
como criador, homem do mundo da cultura, e a própria cul No significado achlal) teoria é uma forma do conl1ecimen
tura. Enfim, todo o objecto cultural que é tudo quanto êle to cienHfico consistente em unificar di�ersas leis sôbre um
cria ou modifica. aspecto ' da realiuade. Sistema é todo conjunto de elementos
de qualquer ordem) relacionados entre si e hannonicatnente
Vemos assim que, modernamente, as classificações da ci
conjugados.
ência dão a esta um âmbito muito maior, fundindo-se nO\'3-
...
104 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 105
1
Num conceito restrito de ciência, poderíamos dizer que a
históricos (1).
história não é ciência, porque não se pode rnatematizá-Ia,
A cronologia e a história s c compenetram sem deixar de Nela não se emprega o método indutivo nem a medida aritmé
ser disciplinas distintas. Necessita o historiador dos materiais tica. ' Seu tema é a actividade do homem que é o sujeito e
qll!) fornece o cronista, mas Jú preferência aos adequados, ela�
bora·os, dá�Ihes um sentiJo, porque nem todos os factos que
I
li
não o ohjecto da história.
portânda) ou foi ap reciado como simples, pode gerar ou influ. cipal·Cio é o tema da história (1).
enciar acontecimentos fuhlros, Diz�se, então, que êsse fac to Quando analisamos a realidade tempo.espacial, distingui·
foi um facto histórico. mos dois processos, assim como na unidade da consciência de
O historiadol' descreve o valor histórico dêsse facto. Nüo vemos dis tinguir o dualismo entre o objecto e o sujeito, sem
é difícil compreender quantas disposições de ordem psicológi pl'ctender dividí-lo com um só golpe. Ao processo natural,
ca, condicionadas pelo tempo e pelo e spaço, h"itervê.m nessa opomos o processo histórico, como à actividade subjectiva, a
obj ec tiva,
apl eciação.
O positivismo, por exemplo, quis ver na evolução hístÓ·
Há variabilidade na apreciação clêsses facto:;, e es ;a varia�
rica sbmente a continuação da evolução material, isto e, um
bilidade se manifesta no historÜldor que pode dar mais valor
processo sujeito a leis físicas e fatais, um nexo de causas e
a um facto do que a outro. Assim é que episódios, julgados ó t
efei to s, sem fins nem motivos. Os factos reais não se amol�
importantes, podem perder essa importtmcia, en'1uantó outros,
dam a urna concepção abstracta, por lógica que pareça. A
que foram recebidos friamente, podem ter avaliações maiores.
obra da vontade humana é urna coisa, e a das energias natu�
,
, "
. ' Se examinarmos os factos hist6ricos, verificamos que não Em todos os actos, ante todos os factos, o homem detine,
se processam tão desordenadamente como pensam tantos. A analisa, estima, aceita ou repudia o que se dá. Sóbre todos
. '
análise do passado nos rcvela certa continuidade coerente dos os factos, dá-lhe um epíteto, adjectiva-o, elevando-o, engrande
.'
factos. Vemos actos individuais condicionados por ações co- cendo-o ou diminuindo-o, cI l\"il eceIlClo-o .
•
,.
"
,
l
108 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 109 •
,
Esses epítetos são distintos dos adjectivos que ( xpressam A história humana é uma valoração da actividade do ho�
qualidades. :E:sses epítetos não tiram nem põem nenhum atri mem. Ela relata a criação, a descoberta de valorações, como •
buto. Se eu digo que isto é útil ou inútil, belo ou feio, bom também a transmutação, a oposição e a concordância das valo ,
ou mau, nada acrescento, nem tiro dos atributo" que têm, por raç·õcs.
< I
que isso continua sendo o que é. São as valorações tais actos Tàda reação humana apreciativa ante um facto ou um
de dar epítetos às coisas ou factos. A história é uma valam acontecimento é uma valoração. A valoração é uma aprecia ..
ção da actividade humana. Ela Il05 conta a criação, a desco Ç;IO de valôres. I
berta dessas valorações, como também a transmutação, a opo ,É ,1 axiulogia a disciplina que estuda os valôres, sua gê
sição e a concordtmcia que entre elas se possam verificar. Por ,
nese, transformações, mutações, etc.
iso se nos impõe, agora, que penetremo.'; no tema da .;aloraçiio, •
lmpr-)c-se untes de tudo que estudemos o valor. Os valô
para que, a pouco e pouco, se evidenciem os dementos prill
l'eS são objectos específicos e o seu estudo pertence à Onto •
cipais que nos permitirão esclarecer os fundamento; ela filo
sofia. logia. t\las podemos caracterizar alguns aspectos que são su
•
ficielltes para clêles nos dar uma visão. Os valôres náo se
l iga m ao ser dos objectos, mas ao seu valer, à sua dignidade. •
Ao afirmannp<.: que um objecto vale ou não vale não acrescen� ,
tamos nem tiramos nenhum elos seus atributos.
Em todos os actos, ante todos os factos, o homem define, ,
Perguntará o leitor: são os valôres algo em si mesmos ou
qualifica, estima, aceita ou repudia. Se vejo êste livro, posso ,
valem para nós, ou estão nas coisas?
dizer que êle é rectangular, que é pesado, que é vermelho ou
A ciência dos valôl'es é uma disciplina nova, que, sobre ,
azul. Mas posso também dar-lhe certos epítetos que o en·
grandecem, quando o chamo de útil, benéfico, belo, ou que o tudo depois de Nietzsche, começou a tomar corpo na filosofia ,
diminuem quando o chamo de prejudicial, feio, e·.c. Posso c a ter um campo próprio de ação.
,
dizer que êste livro está em cima da mesa, está ao la -:lo direito Trcs são as doutrinas principais que estudam os valôres : ,
do cinzeiro. Em tudo quanto tenho dito, afirmei factos ou
relações que verifico estarem ou se darem nas coisas de que 1 ) A platónica: para esta os valôres são independentes t
falo. das coisas. São algo em que as coisas valiosas estão funda�
das. Dcsta forma : um bem só seria um bem pe!'J facto de t
o rectangular posso ver na forma estereométrica do livro; participar de um valor, situado numa esfera metafísica. Os ,
também que é pesado, avalio quando o seguro; que é verme valores seriam assim absolutas existências, independentes das
lho, indica-me a visão; que estú em cima da mesa e ao lado i coisas.
\
I
direito do cinzeiro, também posso intuir tudo isso. Mas quan ..
\
2) A nominalista: por essa doutrina, os valôres são rela
do digo que êle é útil, benéfico, belo ou prejudicial ou feio,
tivos ao homem ou a qualquer portador de valôres. �sles ,
não estou me referindo a aspectos que posso intuir rela intui
seriam assim subjectivos, porque seria o sujeito o criador dos
ção sensível. Ao chamá-lo de belo ou de feio, nada tiro nem
valôres, quais consistiriam apenas no ser uma coisa consideraN
nada ponho no livro. No entanto, se o chamo de vermelho
da valiosa, no produzir agrado, etc.
é que êle se me apresenta dessa côr. Ao chamá�lo de belo
ou feio, não acrescento nem tiro nenhum dos atributos que 3 ) A doutrina de Scheler é a teoria da apreciação. NeN
êle tem. Realizo urna valoração. ga, como o nominalismo, a independência dos fenômenos estiN
.;..
" ,
mativos éticos. Aceita a subjectividade, mas limita-a peJa F o i Lotze quem disse que o s "valôres n ã o são; o s valôres
apreciação do valor que está na própria apreciação ou que se valem". ( LNze, 1817,188 1 ) , ,- Uma coisa é valer e outra é
revela mediante a apreciação, quando não é produzida por ela. ser. Os va16res não têm a categoria do ser, mas a do valer.
Há, assim, para Seheler, uma base malerial do valar ( 1 ) . A co i sa que vale não é mais ou menos que a que não vale; a
" .f
coisa que vale é algo que tem valor. O ter valor é o que
Há uma distinção na l6gica moderna quanto aos juízos:
, , constitlli o valor. Ter valor não é ter um ente, ou seja, uma
a) juízos de existência;
realidade entitativrt a mais.
li �
b) ju í zos de valor.
1 1 , ,(1 \'cjarno� um exemplo: a ('('n· exige espaço, O que tem
Nos primeiros se diz de uma coisa o que a coisa é. Enlll1-
cor ocupa espaço. r.. Jas podemos separar mentalmente a côr
" t' ciam··se propriedades, atributos, predicados dessa cojsa que
do espaço, Mas valor e a coisa que tem valor não podemos
pertencem ao seu próprio ser. Os juízos de valor enunciam al
, . separar onticamente. Desta forma, vemos que o vaJor não
go que não se junta nem se tira à existência nem à essência da
é um ente, mas algo que imp1ica a coisa e implica ° sujeito.
i ,.
coisa.
Esta é a opiúião Ue Schcler.
I'"
Vê-se assim que os valôres não são coisas nem elementos
São os \·alôres absolutos ou relativos? Valem hoje e, ama
'fi" das coisas.
nhã, não valem? Neste ponto, trava-se urna grande polêmica
M' Pela teoria relativista ( a nominalista ) é o agrado OH desa na filosofia.
grado que nos produ:rlm as coisas que nos revelam os vulôres.
' ''' Há nos valôres um aspccto variante e um invariante. A
Pode uma coisa nos agradar e ser má ao mesmo tempo. Por
prudência, e':lmo invariante, é uma virhlde que faz evitar a
' .. outro lado podemos discutir sôbre os valôres. Não po demos
tempo as inconveniências Ou perigos. Mas o senhor feudal
' *'
discutir, porém, sôbre o agrado e o desagrado, por serem sub
. era prudente quando se armava; o burguês, hoje, é pntdente
jectivos. Por ex. a beleza de um quauro pode agradar cm nüo;
\,t' quando se cerca de bons documentos, etc. �ste é o aspecto
mas podemos discutir sôbre ela. Ora, se podemos discutir é variante.
, ' que há alguma objectividade nos valôres e não são apcnrls uma
relação. Os inventores de valôres, no sentido nictzschcano, os Todo valor tem um contra·valor. Bom e mau - corajoso
,, ,
descobridores de valôres, revelam valôres que até então nin e cm'arde - forte e débil - belo e feio. É o que se chama
,, ' polaridade dos 1.xilôres.
guém havia percebido. Mas, depois dessa descoberta, ou tros
vão senti-los. As margens do Reno, as montanhas que o cer Ademais os valôrcs revejam lIma hierarq uia, pois uns va
I ,
cam, não ti,nham, antes do movimento romântico, o v� d or t'llle lem mais que outros. Neste caso, ° valor tem um v::dor.
êste foi descobrir e revelar. Desde cntáo, as margells elo "
,
.. Um valor que tem valor pode ter mais que outro da mes
Heno, começaram a ser motivo de inspiração e fonte ele emo
ma ordem, Assim um bem pode- ser mais que outro bem.
ções estéticas mais profundas.
Consecli: entemente, em síntese, os valôres revelam :
,'
I·
112 MARIO FERREIRA D O S SANTOS
quem não considere os vulôres religiosos como os mais altos. ca\'�lO de todo O 110SS0 conhecimento,
Um artista poderia considerar os estéticos; um utilitarista, os A filosofia que: jú foi todo o saber teórico, com os gregos,
utilitários; um l6gico, os lógicos. E assim po; dian�e. Nictzs� ,
c que a pouco e pouco se separou da ciência, nunca perdeu
éhe, ( Friedrich, 1844-1900 ) , por exemplo, combateu a escala
seu senticlo universalizante e unitário. Assim tudo quanto é, ,
de valôres de nossa época mercantilista, na qual predominam
os valôres utilitários, sem, no entanto, considerar os religiosos
quanto existe, tudo quanto constitui o nosso mundo das formas ,
mutáveis ou o nosso mundo de formas imutáveis, tudo, enfim,
os mais altos e sim os vitais, e os éticos. Quando se fala Cm
constitui o objecto da filos ofia.
,
transmutação dos valôres é que se �
quer derrocar a esca a pre·
,
dominante e instaurar uma nova, Tôdas as eras Ja húmani· Todos os grandes problemas de tôdas as disciplinas, tôdas
dade conheceram suas escalas de valôres, Ora predominam as grandes e maiores dificuldades que surgem, são dificuldades ,
uns, cra predominam outros. Essa classificação de Scheler que c3bem à filosofia analisar e resolver. Dessa forma, o fí ,
pOde ser ampliada, como muitos têm feito. É natural que, na lósofo é uma espécie de supervisionador de todo o conhecí
,
:.lxiologia, haja tanta divergência sôbre a classificação dos vu· mento; é quem liga um facto isolado à cadeia dos factos maio
lôres, res, procura a relação que prende, que associa uma idéia a ,
Muitas escalas foram propostas e para darmos alguns outra, um facto a outro. Procura as leis das leis, as constantes ,
exemplos vamos citar os socialistas que, por exemplo, se uivi das constantes, ou por que tal se dá ou não se dá.
,
clem quanto à escala dos valôres. Os marxistas colocam, no Nas experiências de laborat6rio, encontra muitas v.êzes o
ápice, os utilitários; os anarquistas, os valôres éticos; os fas
,
fíSlCO problemas que transcendem a experiência. Ei-lo inter
cistas, os valôres vitais, em parte, e os utilitários; os cristãos, os
rogando o que é a energia, o que é o movimento. Não lhe
,
religiosos.
podem satisfazer sempre as meras experiências. Quando in ,
Individualmente, há escalas de valôres porql'.e a ordem terroga assim, apela para o filósofo que está nêle ou então, im
,
pode ser mudada. Digamos, por exemplo, um homem sincera possibilitado de seguir o caminho que transcende o seu mister,
mente r li o o
e gi s pode dar uma ordem assim: valôres r ligi sos , e o deixa ao filósofo concluir o que êle não poderia ncluir
co ape- ,
éticos, utilitários, vitais, logicos e esteticos, por último.
•
11<..s com os meios de experiência. ,
•
'.
..
) 14 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 115
Desta forma a filosofia é a transcendência de to(lo o saber to, diremos que êsse enunciado é verdadeiro. Assim a ver�
fragmentário das disciplinas particu!ares. Cada uma dessas daele é u m 8. possibilidade idl'aJ.
disciplinas jnteressa�se por um campo) uma rq�ião) ql l e (� o se u
O von adciru é o que so coaduna com êsse conceito de
objecto.
/� perfeição que formamos como uma meta a ser rttingida, cuja
E onde tôdas as regiôes do saber vêm lançar S01lS raios, é
exactidão nunca sentimos n.1cnn<.' ar, porqtle é ela natureza hu
na filosofia, o saber mater de toJos os saberes, a sl l hl i nlC c
mana do conhecimento a imatisfação, que anima o homem a
nunca suficientemente louvada filosofia, cujo brilho os adv('r� pro('tlrnr sempre.
"
s{ll'ios nunca conseguiram empanar.
Não admitimos graus na vcrdade, porque a perfeição não·
, " Por entre a multiplicidade dos factos, tem o homem duas
admite graus, O nosso conceito de perfeição é sempre a ne
funções intelectivas para entendê-las. Uma analítica, a intui
·il gação das gradações. Assim a verdade é o supremo ideal que
ção; a outra, sintética, a razão,
a razão criou e tôdas as verdrtdes parciais, tôdas as verdades
,� Assim tôdas as coisas, todos os factos que sucedem, quer que não têm êsse atributo da perfeição, são :lpenas empregos
.". do mundo exterior, quer do mundo interior, revelam o que são falhos desse conceito supremo de valor que damos ao inatin
em sua singularidade, mas também o que são em sua genera gível. Tôda idéia de Deus inclui a de verdade. Nenhum
11f
lidade, crente atribuiria ao seu Deus uma negação da verdade, por
1ft que todo Deus tem comO atrihu to a perfeição.
Para conhecer êsse universo de factos variados e hetero
\tt gêneos e para reconhecer o que nêles há de homogêneo c in Sc a certeza muitas vêzes nos satisfaz e nos parece ser a
variante, a razão e a intuição trabalham jnntas como funções verdade, é que no conceito da certeza damos algumas das
1<1
oragnizadoras, mais profur,das significações da verdade. A certeza é apenas
""
Um dos problemas mais importantes da filosofia coloca-se uma aparência da verdade, é eomo esta se nos mostra, lIIas
..... transeunte, passageira.
aqui: é o do conhecimento. Quais os limites do nosso conhe
". cimento, como se efectua, qual a sua natureza, etc., todos ês
f: como um mensageiro, um arauto que nos anuncia a
ses aspectos, os quais j á estudamos, são os grandes pro blem as deusa. suprema, que, pela sua magnificência, pennite-nos ima
jjf
que permanecem constantes em tôda a filosofia. Não interes
ginar a ma .icstade da verdade; mas apenas nos sugere o que
". sam êles apenas à filosofia, porque são propostos e colocados
ela é e não nos satisfaz.
.'l cm tôda a ciência particular. Desta forma, a filosofia é cons
tantemente chamada para examiná-los, e por entre os dcbàtes o prob::ema da verdade é um problema importante, por�
,.. que da solução dêle temos a SOlução da luta entre o cepticismo
dos cépticos, dogmáticos, racionalistas c idealistas, o problema
l'. da verdade é sempre colocado. Até onde é \'crcladeiro o nos �. e o dogmatismo,
.,. so conhecimento? l\fas apliquemos nosso método para resolver tão magno
Esta pergunta impõe exigente de respostas. Que é ver problema.
,..
dade?
li' Em vel' de respolldermos li pergunta "que é a verdade,
Ora todos sentem que a verdade é uma identificação entre que é o verdadeiro?" perguntemoS': por que colocamos a per
I.'
a representação que temos de um facto e êsse facto. Se o gunta? Empregamos, aqui, pràticamcnte, o nosso método dos
I.' que enunciamos de uma facto esgota tôdas as notas desse fac- indícios.
..
lo.
\
• ,
,
116 MARIO FERREIRA D O S SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 117
,
Como se apresenta o conceito de verdade para os filóso E se é verdadeira, comprova�o a prática, porque o homem ,
fos? também domina a natureza, e nesse domínio está um dos ele·
,
Ora como uma identidade entre o conhecimento e o co· mentos da verdade. Mas não podemos identificar êsse couhe·
cimento com o conhecido, porque estamos reconhecendo que ,
nhecido, ora como a adequaçf\O entre o facto e a idéia, ora �
como a coerência do pensamento consigo mesmo, COmo o o conhecimento é apenas parcial. \
põem o idealistas . . . Responderemos assim: o conhecimento racional, como \
As enunciações são muitas, mas em tôda s está incluída tal, }2 0de ser verdadeiramente racional; como intuitivo é o co·
,
sempre o que ela quer dizer. Identidade ou adequação e a nhccimento do heterogéneo, do diferente e pode ser verdadeira·
coêrencia dos idealistas são sempre a mesma identidade. A
n.cnte intuitivo) e reci procamente, o conhecimento intuit ivo e l
racional se completam e nos dâo um conhecimento concreto.
verdade transparece como o desejo de uma identiJade entre l
Se aUllwntarnos os meios de conhecimento, se aumentamOS as
o object ivo e o subjc'Ctivo, entre o cogno sc ente e o conhecido.
possibilcbdes úe penetrar em outras notas das coisas, êsse co·
Pcrgunt,-lmos, agor a : não .s�w es sas as intenções 111ais profun
nhecimento novo n ão anula os anteriores, mas o completa. l
d as da razão? Não é êsse conc c i to de verdade, u m cOllcei to
Dentro de um campo, temos uma verdade, dentro de outro)
p ura ment e racional? E é apenas ra cion al o no SSO conheci ,
temos outra. Assim como posso ter uma verdade física de
m ento ? Não. Nosso conh eeim cn to é tambérn intuitivo, prá
um corpo, posso ter a verdade química dêsse corpo também, •
tico, singular. Uma s ingul ari dade é indefin ível e, portanto)
sem qu e UffiU exclua a outra. A verdade tem às mesmas ca
inidcmlíIicú vel. ,
rac te r íst icas da liberdade.
A verda de do autenticamente si ng ula r o ó a per, a s consigo A minha l iberda de não é a falta de liberdade de outrem. ,
mesmO. Assim há um concei to racional e universal de verdade, como •
A verda u e é ser aqui. A v erd a de da intuição não é uma uma grande possibilidade ideal, e há a actualização dessa ver·
•
:tdequação, mas apenas o p rópr io ser ou o próprio sendo. Há d ado , que é aclo, que é, purtanto, co nseqüente com o acto,
assim e m tudo uma verdade (llle é ser ela T.1CSm;'. Quando que é sempre o determinado. l
cap tam os uma ima ge m ue um facto, c ap t amos parti;: dêsse fac Construir com a verdade um conceito de perfeição, um t
to. A verdade racional de um facto é a par te de razão que ser·em-si, é uma forma abstracta de compreendê. la; é compre t
podemos a dequ ar , ao facto: então temos uma verdade racio·
p
emlê·la apenas por um aspecto. Compreender a verdade eon·
nal. A verdade intuitiva de Ullla hclo é-nos ú.ada ela p rá tica, cretamente é fazê·la descer do mundo das abstrações. Uma t
porque não aprendemos, intuitivamente, tudo quanto o facto verdade sem fundamentos reais, existenciais, seria uma verda l
é, mas apenas o que é co mo singularidade, e gen eral izamos de inane, um fantasma a pairar como uma sombra a cobrir o
... t
essa singu laridade pela razão, Então a verdade, concre ta nada. A verdade COmo concreção é a verdade viva, palpitan·
me nte ) q u e podemo s conceber) é a conjungação do conheci� te, criadora ( 1 ) . t
menta que temos de um facto, racional e intl1itivo em su a re� t
ciprocida de . Mas) qu al o valor dêsse conhEcimer to? Como • • •
Se êlc n ão ofende a coerência das normas dialécticas do ( 1 ) Em "Teoria do Conhecimento" fazemos a análise deca
cialéctica da verdade, para alcançar a verdade concreta dia
conhecimento, dentro dessas normas é a imagem verdadeira.
• léctica.
A
�
Já estudamos o conceito de absoluto e relativo e pouco tudo tinha um criador, u m supremo artista, realizador d e tôdas
podemos acrescentar. Ambos são conceitos que nos dão a as coisas.
razão e a intuição. Deus tem sempre, em sua essência, o atributo do artista.
, '
São antinômicos, mas inseparáveis. A afirmação do ab Dar vida :1 0 inerte, dar forma ao informe, dar signjfica�;ão ao
í"l quo nada significa, é criar, é tornar real o flue apenas era 50·
soluto não nega o relativo, como ri. idéia de relativo nfio se
I.'
mantém SeIll sua contradição. Não conccbemos o condicio nho, desejo. O artista é um cr i a do r. E Deus, cm quase tô·
nado sem o incondicionado, ° determinado sem o inc1ctcnni das as co�cepçôes religiosas (lUC aceitam a criação, é sempre
4:0 1
nado. Esses conceitos polares refletem DO espírito a grande um grandp es te ta, um grande amante da beleza, da perfeição,
' " polaridade de tôdas as coisas: as antinômias que se comple porque é () artista supremo.
mentam. Mas üá, aqui, uma diferença fundamental. Deus, corno
, .,
criador, n�o cria dando ordens novas ao que já é existente,
.. '
• • como o f8?; o artista.
.,.
gle cria o que recebe a forma, o que não havia antes,
fi" A clencia estuda a parte, estuda o particular, é o saber como tal.
.."
teàricamente organizado do particular. A ciência sabe, a filo O artista reune numa obra o que já existe; Deus cria o
sofia quer saber, a religião crê, a arte cria. que ordenará, que antes era nada; por isso se diz que cria do
.."
Não há ciência sem objecto e o objecto da ciência é o nada., pois a criatura, antes, não era um existente, nem como
\ -' regional, o particular. A ciência é o conhecimento do finito parte nem como todo.
n� por suas causas imanentes. A ciência não transcende o seu
ohjecto, já vimos.
lo·
A religião crê. Uma religião, racionalizada, deixa de ser
pràpriamente uma fé. A religião é a aceitação de que pode
I, mos penetrar no transobjectivo, no transcendental, no trallSin
I' ;
teligível pela fé.
A arte não quer saber, não quer apenas crer, milS criar.
. '
A arte é a manifestação do homem como criador. Todos �lÓS
" ,
temos a idéia de algo que é o supremo dos nossos desejos, o
,. perfeitamente desejado, a beleza suprema. A arte é essa cons "
tante aproximação realizada em obras pelo homem. Todo o
verdadeiro artista tem um ideal de beleza que deseja concre
i' tizar, actualizar, tornar real.
:E:sse actualizar, êsse passar da potência ao acto, da mera
possibilidade à realidade, é criação. O artista é um criador.
Só quando o homem, depois de seu grande drama e\'oluti·
vo, quando chegou à fase da criação estética, sentiu que tudo: ""
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COSMOVISÃO (VISÃO GERAL DO MUNDO)
FILOSOl'IA DO CONDICIONADO, DO INCON
DICIONADO E DA RELATIVIDADE
,II
"
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l
FILOSOFIA E COSMOVISAO 125
124 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
l
liberdade, Scheler, por seu turno, funda a teoria das formas
cação e desenvolvimento, segundo o progresso da prc!pria ciên l
da cosrnovisão numa sociologia da cultura e numa teoria das
cia. Entretanto, a cosmovÍsão é dada como uma totalidade l
l)refcrências estimativas (da axiologia, a ciência dos valôre s ) ,
e é inalterável. Salientamos esta diferença entre a cosmovisão
Outros, como Jaspers e Jung, estudam-na debaixo d o ponto de l
e a imagem do mundo, para evitar cnfusões muito comuns. A .;, vista psicológico.
imagem é variável, enquanto a cosmovisão é inalterável. l
A cosmovisão, como disciplina da filosofia, só foi perfeita I Incluem-se na cosmovisão, a filosofia, a metafísica, a ima
gem científica do mundo, a ética, fi estética, No entanto, não �
mente delineada em nossos dias. A concepção (�O mundo
se conc:lua que a cosmovisão seja apenas uma soma das diver �
( cosmovisão) apresenta-se dêsse modo como um conjunto de
sas disciplinas filosóficas e científicas, Ela forma uma espécie �
intuições que domina não só as particularizações teóricas de
de "organismo", irredutível a essas ciências, com o seu objec
um tipo humano e cultural, e, como sustellta Scheler, ( 1875- (
to, embora não perfeitamente dominado, e também aceita mé
1928) condicionam tôda a ciência, como também abarcam
todos q\le ultrapassam aos freqüentemente usados pela filoso (
as formas normativas, fazendo da cosmovisão uma norma -
para
fia e pela ciência, pois a cosmovisão não é apenas um saber
a ação, COmo observa Ferratcr \fora. t
teórico comO a filosofia, já que, em sua maior parte, invade o
Assim o materialismo, o espiritualismo, o idealismo são terreno das intuições, do il'racional, do transinteligível, isto é, •
cosmovisões, O que caracteriza essas diversas cosmovisões? o que se coloca além . da inteligibilidade, como teremos opor� '.
São: primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a tuniclade de verificar, esplanar, estudar, e precisar no decorrer
ele nossus trabalhos, •
apreensão de uma totalidade; terceiro, a soluç�ão dos problemas
do sentido do mundo e da vida. .0Jeste, examinaremos os principais problemas que formam
Além das cosmovisões fornecidas pda ClenclU e pela filo as grandes interrogações que se referem, não s6 à estrutura da f
sofia, podemos também enumerar as determinadas pela psico cosmovisfto como tal, como da sua função na vida humana,
'f
logia, peb raça, peIa classe so ci al , pela cultura hist61'ica, bem suas di ferenciações das outras disciplinas filosóficas e cientí
ficas, a influência dos factores psicológicos, sociais, raciaÍs e f
como as fornecidas pela biologia, pela matemática, pela física .
A� siIn, do ponto de vista que se coloca, o intérprete do mundo, os de carácter histórico, etc.
quer indivíduo, quer grupo social, casta, estamento, procura A cosmovisão) como a abordaremos, interessar-se-á pela (
êle dar uma interpretação·do mundo coordenada pela sua es elaboração de um método de trabalho que pennita ao leitor,
pecialidade ou perspectiva, lt por isso que alguns estabele� no futuro, empreender, por si só, a análise e a solução de todos (
cem uma verdadeira hierarquia elas cosmovisões, na qual as. ,�stes problemas e os que surgirem posteriormente. (
mais amplas c elevadas compreendem, em seu campo, as mais. Seria impossível se tentássemos expor tedas as opiniões,
�J (
estreitas, Entretanto, difícil se tOl'll a a dislinção entre as di polêmicas, controvérsias sucitadas por um tema tão vasto CO R
versas cOsmo visões, devido aos pontos de contacto que umaS (
mo o da cosmovisão. Mas nos parece que O método que usa�
estabelecem com as outras. l\lodernamente, Dilthey, ( 183.3- mos, embora se afaste do freqüentemente empregados no estuR (
19 1 1 ) Scheler, Spranger ( 1882 ) , Jaspers ( 1883 ) e Ontros estu
do desta disciplina, é o que melhor capacita o interessado a
daram cuidadosamente o problema da cosmovisão, e cada um •
emprender, com suas próprias fôrças, a investigação dos seus
dêles partiu de pontos diversos, (
principais ternas.
Dilthey, por exemplo, compreende como cosmovisões bá • • • ,
sicas o materialismo, o idealismo objectivo e o idealismo da ..,
�
',O \
, '�
,
,..
Ante o cspetáculo do mundo, cm face de um objecto o Urna razão !,uficiente de tudo quanto existe, um princípio de
homem pergunta que é êsse objecto. Exemplifiquemos: em onde tudo d"corre.
face de uma árvore, pergunta: que é isso? A resposta sl'ria: IIá na Llosofia um desejo, constante em todos os tempos :
«é uma árvore". E acrescentaria ao interrogante: (; o nomc o de encontrar urna certeza, um ponto arquimédico de certeza .
.......
que damos a êste SCr: árvore,
Arquimedes pedia uma alavanca e um ponto de apoio e
Se imaginássemos que o interrogante fôssc um ser vindo deslocaria o mundo. O ponto de apoio, que tóda filosofia bus
de outro planeta, po deria êle prosseguir em seu diAlogo com ca, é o princípio supremo, essa arq uê.
�
um homem na seguinte forma: "em que consiste esta úrvorc?
De que' ela é feita? Responderia o outTO: "Esta ár\"orc é
• •
composta de uma matéria orgânica vegetal". 11as esta maté
ria orgânica vegetal - perguntaria o outro - em que consiste?
O interrogado responderia: consiste num conjunto ele corpoS Eshldardo a filosofia no Ocidente, entre os primitivos gw
• minerais que são fornecidos pela terra, pelo ar. "Em que con� gos, vemos que compreendiam o mundo, quanto à �;ua origem,
"
sistcm êstes minerais?" Tornaria a perguntar o interrogante. como obra dos deuses,
"Consistem em manifestação diversas da mn.téria", E se essas Por exemplo: para Homero, o Oceano cra o progenitor de
• perguntas prosseguissem nesse diapasão, chegaria fatalmente todos os dcuses e admitia assim a derivação do cosmos de um
o interlocutor, ao verificar que uma coisa consi.�tc em ser feita
princípio único, de uma arquê, E:sse mito é o mesmo que se
de outra, e essa ou�ra de outra, e assim sucessivamclltc, até a encontra nas antigas civilizações orientais como a babilónica,
formular esta pergunta: "Mas deve ter um fjm. Há de h::l"\'cr a e gípcia, a hebruica, a fenícia, etc. Para Hesíodo, o ser pri
<'lIgo que não seja outro, quer dizer, alg� que compõe as ou mordial foi o Caos, e a fórça motora e geradora, Eros, Os
tras coisas". órfico� estabeleceram como os primeiros sêres n Noite e o
Hc:almcntc, pois se êsse algo 6 composto de mItras coisas, Caos c o negro :E:re ho e o pro f1lJ1( 10 TItrtaro, dos quais nasce
a pergunta prosseguiria. Portanto deve haver atTÚs ele tôdas ram c se formaram todos os outros sêres ( 1 ) ,
as coisas, algo que seja êle mesmo, que não seja outro, que Para Jerónimo e Hc1ânico, as primordiais são Cronos ( o
, não pode ser composto, pois se fôsse composto seria constitui tempo ) e a Ananql1ê ( a Necessidade ) .
do de outros.
:8 com os jônicos que s e i::dcia, n a Grécia, a investigação
J
E cOrno êle é O primeiro, é naturalmente simples. Por científica e filosófica, Tales, o mais antigo dos filósofos gre
t anto deve ser idêntico a si mesmo. Dessa forma, essa pri gos, que em da cidade de Mileto, buscou nas coisas qual seria
meira coisa deve ser simples, uma e idêntica a si mesma. o princípio da tôdas as outras, qual seria aquela à qual se
conferiria dignidade de Sef princípio, da qual tôdas as outras
Tinham os gregos uma palavra: nrchê, que encontramOS
seriam simples derivados. E afirmou que era a água. Reporw
muito usada em nossa língua, nas obras de filosofia, e grafada
tava-se assim ao princípio húmido que vemos nas mitologias
arq l1ê, cuja significação mais simples é princípio, comêço, Ve
mo-la em palavras como arcaico ( antigo) arcaísmo, arquivo,
arqueologia, e em palavras compostas como monarquia. (1) Í}s::;es deuses são apenas simbolizações de ordens divi
nas que exotericamente foram considerados não como símbolos
Podemos aproveitar esta palavra para denominar o que mas como simbolizados. Em nosso "Tratado de Simbólica" exa
buscam os fil6sofos: um princípio idêntico de tôdas as coi�as. minaremos melhor tal tema.
' ô')
i
...
dos povos asiaticos, símbolo d[1 plasticidl1de que receb tôdas Efeso, verificou que as coisas não são, em nenhum momento,
as formas. o que são no momento anterior e no momento posterior; que
Para Tales, tôdas as coisas se derivariam da água ( prinei · as cüisas estão constantemente mu dan do e que quando n6s
pio húmido ) princípio de todas as coisas, existência primor queremos fixar uma coisa, dizer o em que ela consiste, já ela
.l
dial. Outros filósofos dessa mesma época também aceitavam não consiste mais no que consistia no momento em que for
que o princípio de tôdas as coisas era algo material, comO mulamos a v:rgunta. Desta forma, para Heráclito, a realida
Anaxímenes, que afirmou ser o ar, isto é, um prin cipi o aeri de 6 \lm constante fluir, um constante vir-a-ser. Assim o ser
forme. d,IS' coisas llão é estático, mas dinâmico, e as coisas não são,
Como não se pudesse explicar vantajosamente, por ex., mas se tornam. O existir é um perpéhlO mudar, um constante
('�bH s('nd{) c I I : llJ ::;elldo.
que o mármore fôssc derivado da úgua ou do ar, surgiu Em
pédoclcs que afirmou ser o princípio supremo das coisas qua Olllro grande filósofo contradiz energicamente as afirma
tro elementos primordiais: a água, o ar, a terra e o fogo, ou ções de Heráclito, e vai dar o sentido que predominará na fi
seja, um elemento húmido, U Ill elemento aeriforme, um ele losofia durante vinte e ci nco séculos. t!:ste homem foi Par
mento sólit10 e um elemento fluídico. mênidcs de EJéia. Na polêmica que travou com Heráclito,
Surge também nesta época Anaximandro, o q .1a1, embora afirmava que era absurda a teoria dêste, pois teríamos de
aceitasse que o princípio de tô(hs as coisas era algo material, afim1ar CJue uma coisa é e não é ao mesmo tempo, pois o ser
êsse princípio, no entanto, n�lO era n enhum a coisa determina cOllsiste, para HeráClito, em estar sendo , em fluir. Verificou
da, mas sim uma espécie de proto-<:;oisa, q';:ll êle :::hamava de Parmênides que na idéia do fluir de Heráclito, a qual podemos
ápeiroll, princípio indefinido, <Jue não era nem água, ncm ter substituir pela palavra portuguêsa devir, que significa vir-a
ra, nem fogo, nem ar, mas que tinha em si a potência, a pos ser, ( em frances devenir) , o ser deixa de ser o que é, para
sibilidade de se tomar qualquer dessas coisas. Esse princípio começar a ser outra coisa. Pois Heráclito afirmava que tôdas
era primordial e dêle derivavam tôdas as coisas. Era também as coisas estavam em constante devir, isto é, deixavam de ser
infinito ou indefinido, pois não tinha limites, nem contornos, o que eram para ser outra coisa. Se uma coisa deixa de ser
nem forma. () que t' para ser outra coisa, ao mesmo tempo que passa a
s\' r outra coisa, deixa de ser o que é para ser outra coisa.
Nessa época, surge Pitúgoras, a quem foi 0- primeiro a
{)correr a idéia que o princípio de onde se derivam tôdas as Então Parmênides verificou que havia em Heráclito uma
coisas não é uma coisa que se toca, que se vê, em suma: aces contrauição lógica: o ser não é, e o que é, não é, pois o que
.sível aos sentidos. A arquê po.ra Pitágoras, o Um, é o gerador é neste momento, já não é neste momento, pois passa a ser
do número. As coisas são números e se distinguem Ulmas das , ou tra coisa.
�
outras, se diferenciam umas das outras por diferenças numéri
Então o que caracteriza o ser é o não-ser. Eis o absurdo,
cas. ( 1 ) Nessa mesma época, outro grande filósofo, Heráclito de
dizia Parmênides; pois como pode alguém entender que O que
é, não é; e o que nã o é, é? Lo go essa idéia não é inteligível.
(1) Não há pensamento mais controverso que o de Pitá Por isso, estabeleceu Pannênides êste princípio: o ser, éj o
goras. O número, para êle, não é 8.penas o quant-itativo, mas
não ser, não é.
também o qualitativo. DLscípulo� posteriores interpretaram di
ferentemente seu pensamento, o que iremos prova -" em outros Fora disso, tudo mais e erro. Ademais ° que muda. o
trabalhos nossos a serem editados. que flui é alguma coisa que flui, que muda. E se o ser é ape-
.1
"
-
Cabe a Pannênides o
haver estructurado, desta forma, o <40 l n gnf, logo êIc é imóvel.
. princípio fundamental do pensamento lógico, que posterior
mente iria chamar-se de "princípio de idcntichclc", Foi, gra
•
ças à contribuição de Parmênides que se formnl oll ao ser uma
série de atributos que decorrem lôgicamentc do conc('ito de
Feita esta rál)ieb explan nç:lo sôbrc a é1rrrlJ{�, que é o
identidade. Vejamos: o ser deve ser único. Pois snpo!lha ser
ele tôdas as coisas, podem os acrescentar mais o seguint
mos que haja dois sêres; neste casO, o que d i s t i n gu e o prirn ci � e: a
tcoria qu e estuda o scr é o quc se chama
ro do antro, <Cé" no primeiro, mas "não é" no segundo, cntüo em Filosof ia, Onto
logia .
compreenderíamos que o ser de um, não é o do outro, 0, n est e
caso, teríamos que chegar ao absurdo contradit6rio do não-ser A Ontologia é a teoria do ser e a Gnoseologia a teoria
, 'o·
do
do ser. Sin�, pois ao admitirmos dois sêres, teríamos que adm i saher, do conhecer. A teoria do Sf'r, respoll de à pergunta
que
tir entre êles um não-ser, mas dizer que há o n ão-ser é o é o ser? E quem (i () ser?
.1
mesmo que dizer o não-ser é, e isto é absurdo. Por ora, pérmancçamos no terrena da arquê, princípio su
Desta forma chegamos à conclusão qu e o SOl' Ó único, mil. premo de dklas as eoisas, cu j a ohscrvaçflO levou os filósofos a
" .
se colocarl m sob trts pontos de vista.
Também poderemos afirmar que êle é eterno, pois se n�lO
o fôsse, teria princípio e teria fim. Nêste caso, teríamos de 1) Que rc'l1mcnte _se cU l\ss e princípio supremo . - É O
8dmitir que antes de principiar o ser, haveria o não-sC'l'. Co ql1e se' c:h; " na a fíIosofia do incondi cionado ;
mo não podem os admitir o não- ser, pois admitir seria afirmar
;2) que êssc ahsoll1to l� mera fi cçã o . - f� a filosofia do
que o não�ser é, o ser, portanto, não teve princípio e, p el a cOlld icionado;
mesma razão, não tem fim, pois seria admitir o núo-ser no
: \" fim. :3) que h á uma relatividade entre as coisas. - f: a filoso�
fi<l eh . · Jatividadc.
(,: � Também êste ser é imutável. Forçosamente, pois tôcla a
Antes de prosseguirmos, cxaminemos os têrmos acima usa··
('i t mudança do sef implicaria a admissão do ser elo nào-sC'f, pois
dos: A arguê, o p r ill c ípi o supreIllo; é apresentado como únjco
tôda m ud an ça é deixar de ser o que era p;1ra ser o quc nüo
\ \ .� p i (h'; nt ico .
era, e tant o no deixar de ser, comO nO chegar a ser, está im 'j
( .! plícita a afirmação do ser do não-ser, o que é absurdo. Ünico, por ser s u p remo (' <tbsoluto, e idêntico ponpJe Dão
poderia scr outro, por ser absoluto e ún ico. À arquô é em
(I �,
:t:sse ser é ilimitado, infinito. Nela pode ter êle limites, prestado o atributo d a incon dicionalidade, quer dizer: não tem
ti .. nem estar em nenhuma parte, pois afirmá-lo se r i a d:u-lhe nenhum a condis:ão para a sua C'xistênc ia, exhtc por si mesma,
o carácter de extensidade e portanto ter limites, e êlc lÚO llÜO d ep ende elc ou t ro ser, n a o é cond i cion a d a
(.\ � por outro ser.
pode ter limites, pois se o admitíssemos, teriamos ele acei f:sscs são os caracteres elo absoluto . Tanto a filosofia da jn�
p tar além do lim i te, o não-ser. E se o ser não pode ter limi condiciona lidadc COmo a ela condicionalidade proeuram essa
.�
tes não está, portanto, em nenhuma p ,u te , é porhu1to ilimita- certeza, esse ponto arquim{·dico.
�------------------------------------............�.
Os primeiros, na afirmação do absoluto; os segundos, afir 2.) os que afirmam que é diferen te. É a posição dos no
mando ser êsse absoluto Inera ficç'8.o do espírito humano. minalistas, unti-intelectualistas, e dos irracionalistas.
A filosofia da incondicionalidade ou do insondicionado foi Essas correntes serão tôdas oporhmamentc estudadas, ana� t
apresentada com clareza por Descartes. f:ste afirmava o prin
.""
lisaclas e criticadas. f�
cípio supremo, e como chegar a êle (1). Os partidários de ambas as posições acusam-se mutua
l
Historicamente, na fase prC'cartesiana, havia o' desejo de lllente de superficialidade.
l
uma incondicionalidade ontológica ( Deus) posição metafís ica
ontológica, anti-relativista. lo
•
A filosofia do condicionado, que, como já vin�os, nega o l
absoluto e classificu-o corno mera ficção, é representada por
l
Comte, Littré, I-Iolbach, Hamilton, Vainhinger, e algumas cor Cumo atingir o fundo dessa rea-'idade? Para , os realistas
rentes materialistas. Dizemos algumas, porque há materia o melhur meio é a razão ( espírito geométrico r esprit d' orclre, t
listas que dão à matéria um carCtcter de absoluto, de jncondi� de Pasca l ) . O meio natural da razão é a identidade, já esta t
danado, como veremos oportunamente. belecida por Parmênides, como vÍmos. Ora, a identidade é
o con trário do diferente, que lhe é antagônico, •
A filosofia da relatividade nega o absoluto e afirma a rela
•
tividade entre as coisas. lnica-se com Protágoras, que decla A aceitação da identidade leva a desindividualizar a rea
rava «que o homem era a medida de tôdas as coisas". lidade. A razão busca os ·110mólogos, quer o homog'êneo, quer t
o que identifica. Uma coisa é inteligível na medida da sua
O relativismo afuma a relatividade do conhecimento, a ,
identidade. Vamos esclarecer melhor: conhecer só se dá
relatividade moral, etc. Poderíamos colocar essa tendência na
•
quando a iutcligência reconhece o semelhante; só conhece
filosofia do condicionado.
quando pode re-conhecer. Só podemos dizer que algo é algo f
Entre os eondicionalistas e os incondicionalist,l'S travou-se,
quando já conhecemos o que afirmamos de uma coisa,
trava-se e travar-se-á uma grande polémica, cujos aspectos es •
tudaremos a seguir. �\'las entre os que defendem a incomlicio Se digo qu e ês te obj ecto, que tenho à minha frente, é Um
(
nalidade não é men or essa polêmica, que se arràsta há milê livro, reco nheço que êsse objecto tem o que é idêntico ao Con
nios. ceito que tenho de livro, isto é, eu vejo que há adequação
entre o que é êste objecto, a gora e a qui, COm o conceito que (
Colocam-se os incondicionalistas sob doi: pont'Js de vista,
tenho de livro.
que procuraremos resumir: (
... Dessa forma, a razão procede pela comparação do seme
1)
j
os que declaram que o princípio supremo é senll'lhan ,
Jh:1l1te ao semell1ante. Quanto aos procedimentos da razão e (
te. 11: a posição dos realistas, dos intelectualistas e dos racio� seus fundamentos, estudaremos a seguir,
nalistas;
Para os anti-intelectualistas, a intuição é o melhor meio
de co!J...!J ,,"C'i::)f>.I.l::J (]' e}.�f dE' 5,OCt'8!:� .d� Pa.'1D2J
I
, ,'.
l I: ) ,-�e ,-'d,'!!�'$ ��<! ;;':\,o.L:e_:!,L· _;�; ......; -' ':::�\.'::<l.'i�..l J!C;'t.i".:.<!v:..l.: ;! J.
I
•
-
J ': 1 i./j /, tij" t! r,p p. �" tjh j ,I M �..,f, �"(': ' f.!. 7TLI/;-'/i?'1 i'. ? r:r)C!,y,()"nSAO 131)
ela é. Antes de entrarmos na análise da Razão e da Intuição, 6) A vontade, para Schopenhauer, "êsse princlplO uni�
precisamos examinar a Filosofia da incondicionalidade c a da versaI do esfôrço instintivo pelo qual todo ser realiza o tipo
condicionalidade nas suas manifestações. de sua espécie, em luta contra os outros sêres para manter a
•
Sob certo aspecto, pode !'nc1uir-se a "Vontade de Potência"
•
de Nietzsche como um ponto arquimédico, nas suaS manifesta
tações através do homem, qller como a vontade de poder, von
Examinemos alguns dos pontos arquimédicos dos que acei
tade de uominar, vontade de mais, vontade de perseverar no
tam a filosofia do incondicionado. As bases (1ue sern:m de
ser, êssc M chncollcn, êsse querer mais, que é o fundamento
ponto de apoio são:
de tôcb a certeza e que afirma a "Vontade de Potência" 1Jni�
1) a racional : a razão é o ponto arquimédico para Des vcrsaI.
cartes, que partindo da dúvida metódica, isto é, usada como
o ponto arquimédico dos existencial istas: "sofro, logo
método, chegou a um único ponto em que não poderia duvi
existo" , "quero, logo existo", "actuo, logo existo", "amo, logo
dar: era que precisamente duvidava. Ora duvidar era pensar,
existo", "angustio-me, logo existo" etc., não são basilares para
,
e, portanto, "cogit,o, ergo sum", "penso, logo existo". A posi a fundamentação de uma filosofia do incondicionado, porque
ção de Descartes será examinada mais adiante.
o existencialismo é uma filosofia do condicionado e a certeza
2) A experiência. Para Galileu a intuição sensível-rea empírica do sujeito não pennite a transcendência de Descartes,
lista nos dá ° ponto arquímédico de apoio que necessitamos salvo na tendência existencialista cristã.
ü
�
•
•
-
•
136 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 137
•
haveria possibilidade de conhecimento. Assim a realidade é tro, na dimensão, mas qualitativamente esta sala é diferente '.
contbua e diversa. Só há conhecimento quando a inteligên da casa, tem singularidades que a individualizam.
'.
cia reconhece o semelhante, depara com o semelhante, o re
Depois dessa síntese podemos entrar nos fundamentos da •
petido; 56 conhece quando pode reconhecer, por flue reco
filosofia da incondicionalidade, iniciando pela:
nhecer é comparar, e no conhecimento há a iJentifcação do ct�. •
conhecido com o desconhecido, que passa, assim, a s-�r conhe a) posiçc7o aristotélica: é Aristóteles o representante da
•
cido. Quando dizemos que o meio natural da razão é a iden filosofia ontológica. Já vimos que a Ontologia é a ciência do
tidade, é na medida da identklaclc que se apresenta a il ltcligi ser, cllqllunto ser. Define a verdade como o acôrdo, a adc� •
bilidarle, porque alguma coisa só nos é inteligível quando a quaç'ão entre o pensamento e o seu objecto. Essa a noção
•
podemos medir, isto é, comparar com o que se lhe a$semelha. predominou durante a Idade Média e pervive ainda na filos0-
Fora do semelhante não há inteligibilidade suficiente para a Fi,l cscolústica c outras. Tinha Aristóteles uma fé profunda na •
razüo, como llão há para ela illtcligibiliuade possível dos fac realidade. Para êle a existência do objectivo não era u m pro- ,
tos singulares, quando singulares, nos quais só pela intuição 1>lcma, e o acnrclo entre o pensamento e o seu objecto é muito
,
podemos pl'nctrar, como já vimos. s imple s, segundo a Lógica Formal, porque o objecto é despo
jado de suas singularidades, pois veremos, não muito distante ,
Como procede a razüo? A razilO procede repelindo o
que, no conhecer formal, há a virtualização das Singularidades. •
diferente, o individual, desindividualizando a realidade. Pro
que são inibidas, separadas, desprezadas; para se captar ape
cec:e pela classificaçao, com a qual estabelece uma relação de
nas o que é universal, geral. No pensamento ontológico, o
•
identidade entre os classificados : parte do múltiplo para al
cançar a unidade. Classificar é despojar os sêres da origina grande problema é o da estrutura do objecto. Não se trata de •
saber se êle existe o u . não, mas por que existe êle, A causa é
lidade, é obter um universo indiferenciado e in-diferente. Quais ,
os meios que usa a Razão para alcançar êste fim? o mais importante. Sua essência é o que o torna inteligível>
....
e descobrir a essência é o que o torna compreensível, inteligí
,
Ela o realiza com a ajuda dos seus princípios, tais como vel, o que constitui seu núcleo metafísico, o fundamento onto ..
() de identidade e o de razão suficiente, o qual não deve ser lógico. Essa a posição aristotélica,
confundido com 6 de causalidade, como mais adiante se tra ..
tará, e que tem sido uma das maiores dôres de cabeça dos fi b) A posição parmenídica ( de Parmênides ) sustenta que ..
lósofos. só o ser absoluto existe, e que é idêntico ao pensamento. Co
•
loca-se na posição ontologista para quem o absoluto explica o
Na classificação, ( cujos aspectos mais característicos são
empírico. Para Arist6teles, a verdadeira ciência é a ciência ..
estudados na Lógica e mais adiante, quando tratemos dos con
pelas causas e pelos princípios. Se u m facto não desvenda a
ceitos da razão) hA uma hierarquia apenas quantitativa. que ,
'" sua caUSa é êle irracional e, sob o ponto de vista ontológico, a
busca cada vez mais o geral até o conceito supremo, o mais ..
causa {o a base da realização do facto, Vê-se que esta com
vasto de todos.
prccllSão estú ligada à definição de verdade que êle dá. Am ..
Não é uma hierarquia de valôres ou tle qualidades. Na bas, compreensão e definição, põem o problema da inteligibi
quantidade há o afastamento das singularidades que inclivi
..
licbde. Dc um facto empírico é preciso separar o elemento
utúlizarn as cuisas. Assim posso dj:L;cr, qnantitativarnE'nte, que "meta-empíricu" para poder "compreendê-lo", para apreender �
esta sala tem 24 metros quadrados e esta casa 30C metros. a "razão" e poder incorporá-lo num sistema de idéias jnteli
,
Quantitativamente encontro um ponto de sc:nelhança, llO mc- gíveis por si mesmas. Desta forma, não há para o filósofo
,
,
• 1-'
f! •
• o!,.
-
on tolo gis ta qualquer problema Ou discussão quanto à exis incondicir;nal que fundamentou sua nova clencia. Desta for
tência do elemento ideal, porque, seguindo êle seu ponto de ma, Descartes fundava a verdade na evidência,
a qual lhe era
vista, não pode compreender que possa haver aí qualquer di revelada ,?elo 1?ensar. Também Descartes encontrou d epois
vergência entre o ser e o pensamento corretamente formulado. essa evidência nas verdades matemáticas. Esse critério
foi en
t(.�.::o
Para Parmênides, o que é pensado existe, pois o pensamento contrado por Descartes sem problemática interna. Não pro
não pode atingir senão o existente, porque o nada não pode pllllb'l. como critério de verdade, uma regra que necessita
sse
ser obj ecto d e pensamento. O não ser é impensáve1. Ver-se ser verificada, discutida, longamente estudada. Descartes,
na
á posteriormente quanto pesou êsse ponto de vi5ta 8ôbre ü '-('rdack, estabeleceu O ChOq!1C entre afirmação e ncgação, o
pensamento de Hegel ( alemão, 1720-1831) como também sô qual superou posteriormente pela dúvida, como fàeilmen
te se
bre a fenom!m ologia de Husserl. pode compreender pela leitura de seus textos. Como
disse
mos, a d{ovicla, como mEio de atingir à incondicionalidad
Para nós, porém, o problema é a constitniçüo Íntima de5_�e e, era
apenas metódica , usada como método, ( de método, palavra
" caos, que é a realidade, essa heterogeneidade do mundo exte
que significa etimologicamente procura, busca orientada ) .
'i'1I' rior. Em meio dessa heterogeneidade se descobre que alguma
�das, n o próprio acto d e duvidar h á uma ccrte7.a. Quem du
coisa há de semelhante, de parecido. A razão vai criar COm
'i 11 ,"'I vida tem em si alguma c oisa de certo, como já o sentia Santo
êle o idêntico, o imutável, a imutabilidade, a Lei que encadeia
Agostinho. Quem põe em dúvida a verdade já tem cm si uma
>',111 os factos. E é
dessa abstracção do semelhante, do idcntico,
certeza.
que ela chega ao absoluto, como examinaremos em breve. E
11
tôda inteligibilidade ficará condicionada a êsse absoluto, que Para chegar à incondicionalidade, a dúvida tem de ser 1)
"' passa a ser a última razão do mundo sob o ponto de yista on motivida; 2) fugaz; (não deve ser COmo a dúvida mórbida do
'ir. to lógico. Então o ser e a idéia vão acabar reunindo-se no doente, (h5 maníacos da dúvida ) .
absoluto. A razão não se dobra mais ante si mesma. Ela
A evidência pode ser fundada:
,
olha para a frente, mergulha seu olh ar no mundo objectivo,
,) que lhe é exterior. 1) sôbre a intuição;
�I
t
l
.... 4
cartes de m onstrar : guto Com te, e que também se extendeu a oJtras filosofias "
distintas, como as de Spencer, (Herbert, inglês, 1820-1903 ) ,
reflexão para
1) qu c sej a ncceS SdJ 10 êssc momento de Stuart -'>f ill , Tainc ( Hyppolite, francês, 1828-1893 ) , etc., que
,
sem pensam ento nada é
ser qualquer coisa advertida; 2 ) que também se orientam no sentido de excluir a metafísica. Para ,
um p s ulado meta·
tldvertido. Estamos aqui já em face de o t
tal doutrina, o absoluto não exÍste nem objectiva , nem subjec· ,
de experiência. Te
físico, que não pode tornar·se um daJo tivamellte. Para Comte, a humanidade atravessou três esta
mos então à nossa frente uma série de problemas: 1) que ,
dos: o teológico, o metafísico e o positivo, que éo actual. O
todo acto, momen to, conteú do da experiê ncia, seja pens ado ;
absoluto não é mais a meta de nossa era, afirmava. Entretan· ,
ca so, para constitui·
2 ) que o p ensam en to conco na, em todo
to, não se deve pensar que êle considerasse essas três épocas
ó i e ja pensa mentc ; 4 ) que
lo; S) que a p r pr a autoc onsciência s
nItidamente separa das, isto é) que ocorresse uma para desa·
eu pensante; 5 ) que
o eu, sujeito da autoconsciência, se ja um parecer quando ocorresse outra. Apesar das muitas opiniões
t
êste eu pensa nte se realiza e se manifeste a si. mesma unicamen expressas nas obras de filosofia, a leitura da obra de C omte ,
o eu confira
te e sempre em pensamento; 6) a lém disso que que êle com preen deu
êsses três estados COmO uma cons·
I
revela
pensada e à
a própria realidade a uma experiência sàmente tante uüminadora, isto é: época cm que dominou a concep
•
examino ) . Essa esco la sur se encOntra o filósofo de compreender o que quer que seja,
de skeptomai, que significa: eu
A. C. ) , cuja atitude filo� Sc:;i chegar ii afaraxia ( gr. hanqüilidado de espírito ) , à des
giu na Grécia, com Górgias ( fuI. 380
ento do allso lutn. Vcrc- preocupação perfeita, a felicidade da alma. Pirro era anti�
sMica consiste em negar o conhecim l rro�
cOlno n \ i y jtbdt ' do cOllh ecillH' l l t n . c(
dmlt rilla eh H'h dogmático e a sua influência se observa na Academia Platôni�
1l10S
() cOllh ecim C'l1to <lh,�()ll\to, ca, com Arcesilau e Carnêades. Enquanto Arcesilau era cép�
borada liCla ciência, flue niio cxige
, pois êstc pl1nh a cm tico ao dogmatismo estóico quc florescia em Atenas, Carnêa�
descolocou o problema do cepticismo
dúvida a possibilidade do conh ecim ento e ela ciêncicl, posiç ão des inventou uma teoria da probabilidade. O pirronismo pôs
actua l, volta a ser colocada. cm dúvidn até a sua própria teoria.
que, apes ar da ciênc ia
.\ Mas vejamos, por ora, como objectavam
os dpti �os ct)ntr a
I Carncades accit-ava três formas de probabildades: a ) as
,\ .l a filosofia da incondicionalidade. �.i representações podem ser prováveis em si mesmas; b) podem
Gorgias apresentava 3 prop()si�'fles: 1 ) NG.o h,'t n a d a ab ser provú" cis e sem contradi<;ão com outras; c ) prováveis em
soluto, pois é preciso demonstrar tanto que o ser começou a si mesmas, sem contradição com outras, e confinnadas univer�
., ser corno não começou a ser, tanto que há uma unidade como sal mente .
I1 ma pluralida(le; 2 ) Se existisse alguma coisa nZio seria cog�
V'é-se que, desta forma, () cepticismo aoadêmico se ass e
lloscível, pois nem a experiência sensível nem o pensaI11ento
" melha à dúvida cartesiana. Com a morte de Camêacles, a aca
DOS dão garantias de segurança; 3 ) embora pudéssemos conhe
demia voltou ao dogmatismo. �1as o pirronismo continuou
cer alguma coisa, não poderÍ:J.mos comunicá-h a ningllén1, pois
no século II adES de Cristo com Aenesidemus de Gnosso, o
cada um vive sua própria vida e não sahemos se o q u e clizemos �
.,
" i
'
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1 I
(
f
144 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISÁO 145 f
qual deu um carácter dogmático ao cepticismo e , apresentGll f
Sexto Empirico reduziu a 5 êsses 10 tropas. I
Vejamos:
os 10 famosos tropos, que são:
1 ) Contradição nas diferentes afirmações, entre sábios (
1) há diversidade entre os sêres vivos. O que convém
e sistemas, nos pontos essenciais,
a um, não convém a outro. E como, portanto, adrntiír que o
ponto de vista humano seja o mais aceitável? Poi.s não varia *1'
I
2 ) O "regressus ad infinitum" ( regresso ao infinito) que t
com os sêres a compreensão das coisas? exige que cada coisa seja provada por outra e assim por dian
,
te até o infinito, o que é pràticamente irrealizável.
2) Há diferenças até entre os homens, diferenças de ca�
,
racteIes, de temperamento, de inteligência. Há vúriedade na 3) A relatividade da ciência em relação à constituição
consideração subjectiva do Bcm e do Mal. da inteligência humana. ,
3 ) Há uma diferença na estructura dos sentidos, dos ór :1 ) O arbitrário das premissas que leva cada filosofia a t
gãos dos sentidos, o que permite avaliações difereLtes. Assim colocar-se sob pontos de vista diferentes. ,
as imagens tácteis, visuais, auditivas são diferentes. Qual a
que caracteriza o objecto cm definitivo?
1 ) O c1ialclo, o círculo vicioso (palavra grega de di' alle ,
lo/! ( uns pelos outros) a rg u mentos dos dogmáticos que ue
4) Os sentidos trabalham Jiferentemente e fornecem per� mOllstranun a valia da razão humana, admitindo a valia da
,
cepções diferentes, segundo o estado de saúde, O louco, o própria razão, Mas, llO círculo-vicioso, no dialelo, também ,
bêbado vêem um cavalo onde há um monte de lenha, Há alu� cai o cepticismo, em sua contradição fundamental, pois é pela
cillações, e além disso o julgamento é diferente· segundo a ,
própria razão que nega a valia da razão.
idade. ,
1) Há diferenças da posiçãO e da distància do objecto.
• • •
\ •
6 ) Nada pode ser tomado e m tôda a sua pureza e é im� '.
possível discernir um estado normal sempre válido.
PosiçãO teológica - Para a teologia, o incondicional só t
7 ) Há diferenças na própria constituição e na quantidade existe em Deus, É impio até buscá·lo em outro lugar. O ser
,t
dos objectos, o que dá lugar a diferenças de percepção. Dois absoluto é ontolàgicamente incondicional. A ciência não par
j
homens são diferentes, dois cães são diferentes. Qual o verda� te dêle, mas desejaria chegar a êle. Deus não é um ponto de ,
dl IIO? O conjunto é diferente dos elementos isolados. partida para a ciência. ,
8 ) A relatividade das coisas, :E:ste é o maio'�' argumento Posiçüo relativista - Dentro da posição teorética, o rela
para Sexto Empírico, tivismo é o outro palo do cepticismo absoluto. Quando êste
,
diz: "nada é verdade", o relativismo afirma "tudo é verdade,
g ) Uma coisa é extraordinária o u banal, segundo a ve·
mos uma ou muitas vêzes, Para um hindu, diz Hume, poste� mas uma verdade relativa", Foi Protágoras, cinco séculos an
riormente, a água gelada é extraordinária, tes ,de Cristo, que, na Grécia, partindo de Leucipo e de De 'I
mócrito, concIuíu que o mundo é como aparece a cada um,
10 ) A influência da educação, das concepções religiosas
Tôc1as as percepções estão igualmente justificadas, Todo o
e filosóficas, dos preconceitos usos e costumes na apreciação.
pensado é verdadeiro para o que pensa. "O homem é a me
Diferenças de comportamento entre um sábio e um homem
dida de tôdas as coisas; das que são enquanto são, e das que
vulgar, suas avaliações são diferentes. não são, enquanto não são".
t
146 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
oferece à razão a comparação é a vida, corno também é o que reconhecer; conhece-se o que acreditamos já conhecer. O co •
dá a continuidade do real, do qual nós somos urna solução llbecimento racional é um reconhecimento. Conhecer racio
,
de continuidade, pois o homem penetra nO real comO algo à lwlmentc é comparar, pois o conhecimento racional é concei
tuaI. Se digo que êste objecto é livro, é porque o comparo ,
parte. É a vista que oferece maior memória que qualquer
outro sentido, como também o que mais se desenvolveu no COm o conceito livro e verifico que vale para êste objecto a ,
homem, pois o homem é precisamente um se-r que vê, en afirmação de ser livro.
•
quanto o cão, por exemplo, é um ser que olfateia. Não é a razão contrária à vida como julgam alguns irra
•
O conhecimento tem, na visão, seu órgão pr::ncipal, por ciOl'1alistas. Já vimos que o homem, como os animais, busca
que é o que oferece mais fàci.:mente o re-conhecimento, que o semelhante •
é o verdadeiro conhecimento, como já vimos. E tanto é assim Nüo haveria vida superior possível sem a obediência a •
que a vista precisa rever, Ie-perceber para perceber, pois o l�SSC impulso vital (um verdadeiro instinto ) , que leva os sêres
que vemos, uma só vez, sofre n completação da ünagilla(í.o vivos superiores a comparar o semelhante ao semelhante.
•
que estructura uma forma, enquanto na segunda vez a vis:io •
A rnão, como uma das funções do espírito, distingue os
já é mais nítida, porque repcrcebe os pontos parecidos. Ao
CICll1l'lltos semelhantes dos diferentes e, dêstes, retira o que é •
ver pela primeira vez uns traços numa parede, parece-nos ver
semelhante, deixando apenas o incognoscível, o inefável, o
uma imagem humana; no entanto, na repetição, verificamos •
indiviullal não comparável, de que já falamos. É importante
fiue há apenas traços parcciuos que, na primeira vez, graças
notar-se êste ponto: a razão extrai do que é diferente o que ' .
à imaginação, por nos ter lembrado uma figura humana atra
pode ser semelhante, rejeita o que não é mais racionalmente "
vés dos traços parecidos, completamos �om a imaginação o
cognoscÍvcl, por não ser comparúvel.
res:o. A teoria da Ccstalt ( d a forma, da estruchua ) funda <.
menta-se em factos como tais, a qual t�studamos na "Psicolo- Outro ponto: um objecto absolutamente diferente, racio
gia", oportunamente. nalmente incognoscível, isto é, não sujeito a um conhecimento •
. conceituaI, quando se apresenta novamente à consciência, já
O ouvido dá-nos sensações múltiplas, ,nais ;onfusas do <.
não é diferente, mas é comparável ao que de si mesmo ficou
.q ue a vista. Não localiza tão fàcilmente como ,1 visão. O "
na consciência (memória ) .
odor, por pennitir a percepç�ão de sensações diversas, contri "
bui para revelar-nos a existência do mundo exterior, por isso, A consciência pode re-conhecê-lo e, por isso, conhecê-lo
também, dá idéia de espaço. ' Já o gôsto, enbora 'nos pennita racionalmente. Esta a razão porque nos escapa muito do que •
perceber, como o odor, diversas sensações simultâneas, é o nos excita pela primeira vez,
,
menos espacial dos nossos sentidos.
•
O tacto noS permite perceber sensações distintas, e nos
• •
dá elementos para a formação da idéia do espaço, embora me <.
nos sutil que a vista. "
A razJ.o, funçãO do nosso espírito, não se contenta em
reconhec�r uma vez ou várias. ,
• • Quer reconhecer sempre.
Aqui, intervém um princípio de economia do esfôl'ço, que é
,
A comparação é o primeiro movjm�nto elo nossa espírito biológico. Se cada vez que se apresentassem �bjectos novos)
para formar a razão. Conhecer racionalmente é, na verdade, fôsse llecessário recomeçar a comparação para verificar se é ,
,
,
<.
.
.( .
' h+
'I
\ ,
,
150
MARIO FERREIRA DOS SANTOS I FILOSOFIA E COSMOVISAO 151
T
,
,
152 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
Ir FILOSOFIA E COSMOVISAO 153
,
:1
dar-lhes uma hierarquia extensista, reduzi-los a conteúdo e res lógicos já estuda mo s. que definir é delimitar, pre
Vimos
,
continente, o que é incluído c o que inclui. tsse pro cesso cis ar, colocar o diferente no semelhante, é desencaixar o que
I
é a dassific.:ação, a qual consiste em orden ar os objectos sin esta\·a enc ai x ado . Dizem os lógicos que não se pode definir ,
gulares nas espécies, estas nos gêneros, êstes em gêneros mais o ser individual. E isso porque definir é limitar um conceito ,
"
va stos. mais l a rgo num menos largo. O individual não corresponde
a nenhum conceito. Definem-se as espécies, descrevem-file os ,
Já vimos que a razão é guiada por uma atividade selecti�
indivíduos, dizem os lógicos. Mas as espécies estão nos in ,
va (o que notamos em tôda função vita l ) , essa função selec
divÍchlOS; não são separáveis dêles. O gênero humano está
tiva compara, esclarece, simplifica, une. É da economia da ,
em cada ser humano individual. O definível, então, é a espé�
razão a ordem, a clareza e, portanto, a simplicidade, a unida
cie, o gênero; defiue�se, num indivíduo, o gênero que faz par� ,
de. Tôcla cla ss ificaçã o é uma redução à un idade, uma !l1lifi
te dêlc.
cação. Os conce itos são como círculos concêntricos; o ma is ,
vasto contém todos os outros. �las, à proporção que subimos Ka realidade, tôdadefinição é uma descrição. Não há lín ,
dos sin gular es às espéci es, das e spéc ies aos gêneros, corno se gua para expressar o individual, já vimos, corno não há ciên
vê na Lógica, aumentamos a comprcensüo, mas diminuímos cia elo individua1. Convém aqui esclarecermos a diferença ,
o conteúdo. Quanto de mais longe , mais co isa s vemos, e entre indicídtlO e individual. O indivíduo é um todo concre ,
quanto de mais alto, mais cois as abrange mos , mas, 'cm com to, dado pela realidade.
,
pensação, vemos menos o individual e o si ngular. \umcnta O in d i v idu al é um elemento dêsse todo separado do in
da a extensão, diminui O conteúdo , e perder.1os os pormeno divíduo por abs tração, elemento que caracteriza o indivíduo e ,
res. Do alto de uma montanha, podemos ver um vasto pano a i n d ivi du al id a d e. Dai o "princípio de individuação" de que ,
rama que abrange muita s coisas, mas perdemos os pormenores trata a mdafísica e do qual já tivemos ocasião de fabr.
das coisas que estão na distância. I magin emos um ser hu ,
A ci ência que se poderia criar no indivíduo seria a fun
mano que pu desse, de um lugar, abranger, com os olhos, o ,
(bda sô bre os caracteres quc êlc tem e que pertencem ao gru
universo inteiro, com seus sóis, cstrêlas, nebulosas, galaxi as, •
po, que sã o comuns ao grupo. Dessa forma, ciência do ind i
novae, etc. Nem sequer poderia discernir o nosso planeta,
víduo é a da espécie incarnada no indivíduo. Não
ciência •
nem as maiores est rêlas.
há ciênc i a do individual que é inexprimível e incomparável,
ouniverso inteiro seria uma massa uniforme, sem diversi porque o individ ual é o diferente absoluto, que é o carácter •
dade. Tal imagem nas permite compreender a idéia d e Ser, do princípio de individuação. •
a abstração suprema. É digno de observar-se a semelhança Esse diferente absoluto, que é o individual, é múltiplo, •
que há entre n nossa ra zão c n ,·is::i.o. A proporção que que pois há muitos diferentes absolutos. O Ser é o semelhante
remos ver mais coisas, perdemos, delas, os porm enores; à pro
t absoluto porque nêle se encontram todos os sêres que, obser
•
I
porção que a razão quer abranger mais conceitos, pl'Ide tam ,'ados individualmente, são diferentes absolutos. •
bém, dêles, os pormenores, que são o diferente, para chegar,
cada vez mais, ao mais geral, ao "mais" semelhante. Estamos assim ante uma nova antinomia da razão, a exis •
tente entre o Ser, Como semelhante absoluto, e o individual,
Estabelecida a hierarquia pela classificaç�io, segue a razão •
!
como diferente absoluto. O individual é o diferente absoluto.
um caminho inverso: desce do mais geral ao meno:; geral e Tem assim o indivíduo um quid proprium (um quê próprio ) . ,
dêste ao singular. Temos, então, a definição, cujo� caracte- Se admitíssemos que o semelhante está sob o diferente, que •
•
•
•
j
154 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
I FILOSOFIA E COSMOVISAO 155
o homogêneo e stá sob o heterogêneo, como o afirma o racio pode ser to ta lm ente conhecida pela inteligência, a gual é ade
nalismo, haveria então possibilidade de um conhecimento ra quada à realidade.
cional do individual. Mas a razão não capta o individual, ela
capta o individualizado1 o que é comum nos indivíduos. Se
• • •
não vejamos: t6das as coisas reais são individuais, indiscernÍ 'I
veis, distintas umas das outras. Se há indivíduos na nature
za, êles são indefiníveis, portanto incognoscívcis pel a razão,
Retornemos agora à definição para que analisemos todos
Os seus t\lementos, necessários para posteriores análises. No
Desta forma, toma�se impossível o conhecimento racional e
científico do real como um conhecimento total, mas apenas seu sentido clássíco, o predicado está contido no sujeito. Des�
" , Kant nos m ostr ou também que nossa jnteligência deforma (hlcle de, por meio dela, chegar a ciê ncia a um conhecimento
as coisas e que o espírito humano s6 conhece o mundo, clefor� � eficaz e seguro.
"I
mando-o, transfonnanc1o-o, e reformando-o, fazendo�o passar
i Por meio de l'esprit de fiTlcsse ( inruição) há possibili
"
i, •
. por suas
mente ) .
formas e categorias ( temas que já estudamos
Vimos que o dogmatismo afirma o conhecimento
a nterior�
j
total do real pela inteligência.
i, • em qualidade, como o afirmava Pascal, que, desta forma, foi
O cepticismo nega o dogmatismo. O relativismo proctlfu um precursor d e Kant e de Bergson quanto à concepção rela
I, I
conciliar. Todos os íntelectualístas acreditam que a realidade tivista,
ht
."
•
o c onhecim ento racional é um co nhecimento de parle da I outra coisa. Dessa fo rm a , do ponto de vista da extensão,
I
a
realidade. A razão realiza uma gran de obra, que é a classi qu al ida de nã o pode ser a espécie de nenhum outro gênero. A
I
ficação. qualidade não é suficiente por si mesma, não se explica por
si mesma, ela não tem em si mesma a sua razão suficiente.
Dizem alguns, como Rabier, que a definição é ante rior à �
classificação. Mas lembremo-nos que a definiç ão ex,ige o gê Não pode ela existir por si só, exige algo que a leve, que a
nero próximo e a diferença esp ecífica. São necess{�rio :; pr e suporte, que s eja o seu substracto, sua explicação e sua razão I
viam ente gênero e esp écie, criações da classincaç·ão. de se�. E quem é êssc suporte? :É o Ser. O Ser é a causa
t
da qualidade. Temos então a intervenção do principio de
A que nos leva tõda essa crítica? Ao ceptic ismo? 1\ão;
causalidade ou rnelbor ainda, do princípio de razão suficiente.
I
à análise das antinomias que esclarecerá o poder c:--iadol' do
.
É o ser a razão suficiente da qualidade Para completar o t
espírito, que é profundamente dialéctico.
encadeamento co nceprual, o encadeamento dos conceitos, pre�
•
cisamos recorrer ao p rincípio de causalidade ou ao de razão
suficiente, cuja dis tinção e a nálise fa remos oportunam ente . ,
• • •
,
Dessa forma, entre o Ser e a quaHdade há uma razão de
A cla ss ificaç ão é a base da ciência racional. A çlassifica causa e efeito, Ou melhor de razão suficiente . O Ser é a ra ,
ç ão é o es tabelecimento de uma -relação caus al. Ellcaixar os zão e caUSa d a qualidade. Dessa forma se vê que a extensão
,
conceitos, uns nOS outr os , é classificar, p ois, ao tirá··los, faze n ão é suficiente para a classificação. O mesm o se pode veri
mos que uns produzam os outros. Há uma regra clássica que ficar entre os sêres e o Ser. É nec essário uma relação de ,
diz que classificamos os sêres r, ela extensão e p ela compreen razão suficiente. Por isso, além da extensã o, COmo afirmava ,
são ( conteúdo ) . a definição clássica, a clas sificação exige a causalidade .
,
A compreen.<.;ão é sacrificada pela extensão, que, aumen Não porlemos definir, a qu al idade . É-nos impossível, pe�
,
't'111do, chega até o abs tracto supremo, cuja compreen sáo é Ia simples razão de que não é a espécie de nenhum gênero .
quase Dula. O Ser p aira acima da qualidade podemo s ligá-lo à qu alidade ,
1\.las, muitas vêzes, p ara rassar do têrmo mais curto para apena s pelo princípio de causalidade. Que antecede, a clas ,
o mais amplo, temOS que ap elar élO -
p r incípio de caJs alida de. sificação ou a explicação? A explicação precede. A ciass i
,
Os exemplos noS esclarecerão melhor .
ficaç,-:o é uma re tomada da explicação em têrmos Simplifica
dos e imediatamente recognoscíveis. A classificação é uma ,
O azul ou o vermelho são esp éc ies do gêne ro cGr. A côr
co ordenação condensada sob um volume espantosamente re
é uma espécie, por sua vez, do gênero qualidade física; esta ,
duzido. As mo dificaçõ es nas classificações que se observam
uma esp é cie do gênero qualidade. 1--1as ai chegamos a um ,
na ciência, provêm das explicações que se verificam. As ex
gênero supremo, como logica mente nos parece, e não podem os
plica ções netO são definitiv as. Novos conceitos exigem novos ,
reuuzi-la a um gênero sup eri or .
tênnos. O novo conceito exige outro mais amplo que o in�
"
Qualidade é um áp ice da abstraçao. Nlo podemos parar clua, que seja o seu gênero . Quando não há, inventa-se um
[li, e chegamos ao Ser. 1:1a.<; como passaremos ao ser sem re novo gênero para n êle introduzir-se a nova espéc e. i A desco 't
corrermos ao princípio da causalidade? Na qualidade não berta do vapor e da electricidade exigiu o conceito moderno ,\
encontramos nenhum carácter qu e seja comum entre ela e e mai s vasto de jôrça, que não tem nenhum correspondente
1\
'\
156 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 159
exacto no vocabulário dos antigos. Tôda nOva h ip ó tes e, tôda causa, Sua razão de ser. E vemos que, em t6das essas expli
nova explicação causal, tôda nova teoria, implica urna modi� cações , há urna hierarquia. de conceitos que parte do gênero
ficação, um enriquecimento na classificação já estabelecida. para a espé ci e,
Por ex. o calor. Para exp licá -l o f;:davam os a nt igos no cafá
rico que cra sua causa e gênero. Depois se substituiu pejo '1 Quawlo SE' diz que os corpos se atraem em virtude de
movimento, que é um gênero verdadeiro para o calor, pois uma fôrça universal , o conc ei to de fó rça atractiva é incluído
110 gen er o tórça, que é mais vasto. Inversamente, vemos sair
compreende, como espécies, a l uz, a electri ci d ad e , etc. Outro
o co ncei to de fôrça atracti\'n elo conceito fôrça, ve m os tirar a
exem plo : o fogo. Para explid.-lo, tinham o gênero flogístico,
até que se compreendeu que era um fen ó meno de combustão e"' pé ci e do gênero.
( fenÔmeno químiêo) . Há assim um pro gre sso n a ciêllcia c o A razão funciona por (\ssp enC8.de;1mento concepnlaL
mo também na filosofia, embora de car ácter diferente. Sim QlIanc�o c1iz,,�m que L� Terrn é um planeta, há ne s s e enun
plificar a e}.-pHcação, incluir um número maior de espécies num ciado u ma explicaçã o . Vejamos: antigamente se julgava que
gênero, e reduzir �êstes, é dar urna certa clareza, �las essa a Terr a .em um corpo indep,::'ncle n te, pri nci p al, razão de s er do
clareza é efêmera em grande parte, Quan do a ciCllcia expli
universo, A Terra passa a ser apenas uma pe qu ena esfera
COu os fenômenos físicos, estabelecendo a teoria atôm1ca, esta cle st3.cad a do Se)} c entral , e gira re gul ar m en te em redor dêle.
satisfazia e esclareda os facto,� conheddos até pntão, �fas Kcsse sim pl es enunciado há tôda uma explicação, mas uma
surgiram novos factos e a explicação anterior Dão satisfez mais. l' :'\p l icação que vem de longas e demoradas experiências, de
A ciência física foí obri ga da a afirmar a existcncia d e pa rtí
longos c demorados estudos.
c ulas s n/)-atôm ica s como p artícu las elétricas, Tal expticaçii.o
nos satisfez, embora continuássemos a não saber o ql le era Dissemos que a explicação antecede à class ificação.O
elecrricidade, da mesma forma que an tes não sabbmos o qu e c<spírito humano, cm face de um facto, que r explicá-lo para
era, quando nos disseram que o raio era uma cspé:cic elo gê compreendê-lo (de cwn prchcndcre, exp r es são latina que sig
nerO electricidade, o que satisfe7. e impressionou os homens nifica apreens ão, domínio, tOInnr). A ClaSSifiCHÇão é obra
" elo século passado. Quando a ciência se viu obrigada a di p osterior, porque só Se classifica o que já se c ompre en de u, ex
vidir os átomos para poder e s clar ec er outros fcllc'llncnos que p l ico u . A classificação é a consagração da explicação, E a
, .
coordenação, é a red uç ão dos conhecimentos e dc tôdas as
surgiam, tal explicação satisfez sem quc, no entanto, a ciência
, I física tivesse tenninado a fase de des co bert as de novas partí C'xplicaçücs aceitas,
'\\ \
culas, e terá que descobrir a ind a muitas, enquanto permanecer
na explicação apenas quantitativa do universo, No cnt:lnto, i o encadeamento cOllcritnnl, fl llc é Um dos processos do
ftlllcionamento da razão, processa-se de duas maneiras: nos
" �
i
tudo isso é um p rogresso, porque partindo dessas ex plicações
.j juizos, so b a forma de proposições; no raciocínio, sob a forma
simples, maior tem sido o domínio do hom em sôbrc a nanl
;\ .,.
reza e maior o número de factos que são in cluído s na ex II elo s ilo gismo.
" ,
plicação.
•
" ,
,; ,
Já tivemos ocasião de falar nos juízos analíticos e nos juí
'i \ Quando dizemos porque um ser existe, porque um fenô zos sintéticos cuja classificaçã o foi proposta por Kant, que os
meno sucede ou se produz, indicamos um antecedente, sua estudou. Os juízos anaHticos não são um verdadeiro enca-
"I ' 'j
"
•
,
160 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 161
deamento de têrmos. O predicado está contido no sujeito e lação de igualdade, e estamos em face de uma definição. O
correspondem assim às equações aritmbticas. Eis um exemplo segundo termo tem um conceito maior que o primeiro, que é
de juízo analítico: " Todos os corpos são pesados". É o mes sua espécie, e a palavra, que restringe êsse gênero, expressa
mo que dizermos: "10 = 6 +- 4", a diferença específica,
Não há progresso nesses juízos, por não haver encadea o homem é um animal racional
mento de têrmos, porque () pensamento não passa de um têr ( E spécie) ( gênero ) ( diferença específica)
mo a outro diferente, nOvo. f.:le une, pelo verbo ser, dois
D,esta forma, só os juízos sintéticos, expunha Kant, trazem
tênl10s equivalentes.
um conhecimento positivo. Assim tôda proposÍçãO afirmativa
Nesses tipos de propoSÍ<;ões, a extensão 00 suj eito e a do ou negativa pode reduzir-se a um juízo, e s e êsse juízo é sin
predicado é a mesma, um pode substituir o autr(-, Por isso tético, dá-sG então um progresso. Nesse caso temos uma clas
se pode dizer indiferentemente : "Todos os corpo:; são pesa Ora, tôda definição é uma espécie
siifcação, uma definição.
do's" ou "Tôdas as coisas pesaclas são corpos", Há igualdade de classificação, portanto tôda proposição racional é uma ex
de extensão, E notem bem: igualdade na extensão, no quan prcssfto parcial ele classificação.
titativo. Mas se observarmos qualitativam .. :llte, na tocante
ao conteúdo, há diferença. No juízo "Tôdas aS coisas pesadas
são corpos", a palavra corpo é mais rica de caracteres (11..1 e a • • ,
palavra pesadas ou que a expressllo "coisas pesadas'"
tativo) de fenômenos, e que exige o menor número de prin Classificar é dominar, abrangendo, abarcando. Intuir é
cípios ( maior homogeneidade ) . Nossa inteligência tende a penetrar é viver, é ter vivência.
aceitar uma lei por uma explicação.
A razão compara, verifica os caracteres semelhantes que
A indução é ainda um encaixamento, urna classificação
ela reduz, de degrau em degrau, a um semelhante único. As
como as outras processadas pela razão, embora mais complexa.
sim também procede a visão humana. Mas a visão precede,
Quanto à dedução, estamos cm face de outra classificação. no homem, à razão, por isso influi nesta, como também influi
Vejamos: a dedução pode ser mediata ou imediata. No pri na intuição. A pouco e pouco se nos vai clareando êsse as
meiro caSO temos o silogismo, no segundo temos a conversão pecto dm.. lístico antin6mico do nosso espírito, o qual, depois
ou oposição. de bem comprendido e explicado, comO procuraremos fazer
Estudamos na Lógica o silogismo, o qual consiste em mais adiante, nos dará o método noológico que expomos c
afinnar que uma qualidade convém a um ser Ou a um objec defendemos, o qual permitirá que penetremos, então, nos ter
to, porque convém à tôda classe à qual pertence êssc ser ou renos ma.is áridos da filosofia e do saber, mas munidos ue
êsse objecto. poderosos instrumentos, que favorecerão a compreensão e a
visão geral de tôda a cultura (1).
Examinemos o silogismo já citado por nós: "T ados os
homens são mortais", Sócrates é homem; logo Sócrates é mor
tal", Temos, com êle, algum novO conhecimento? Absoluta
mente não, porque se bem verifcamos, estamos cm face dt,
uma dassificação. O indivíduo S6crates pertence :\ espécie
, . homem que pertence ao gênero dos sêrcs mortais.
O conhecimento
j
racional é um conhecimento pa nodmic o,
.\ a ( 1 ) ·t imprescindível o estudo de Dialéctica geral exposto
I
é um conhecimento do exterior; mas o conhecimento intuitivo
em nosso livro correspondente "Lógica e Dialéctica", onde a
\ ,' ' é o que penetra, o que invade o individual, é o conhecimento Dec adialéctica (dialéctica de dez campos) ó especificamente
que pormenoriza. apresentada.
" "t
. .. J
I
r
- ANTINOMIAS - O DUALISMO DAS NO Impõe-se que esclareçamos, agora, com outros el/.::mentos
ÇÕES ENERGÉTICAS DE EXTENSIDADE E DE que aumentarão o seu significado, dois tênnos que temos
lhança, que seria, indevida mente, o idêntico; dês:;e funcio No entanto, encontra�se o tênno intensidade. O tênno
namento exnmina�nos o conceito, a classificação o ençaJea� extensidade tem sido usado apenas pelos físicos.
mento conceptual da razão generalizada e generalizante; ve�
Tentemos agora dar uma explicação clara dêsses dois têr
rific..... mos o funcionamento da intuição (do diferente, para o (
mos para que possamos prosseguir em nossas análises.
desigual, do desigual para o illdúvel, do inefável, para o único,
numa seqüência de ascese ( intuicional), de tudo qt�anto asse� Lalande define extensão com duas acepções: como ação
melha, para atingir o supremo da diÍerença, o diferente abso� de extender e como carácter de ser extenso. Encontramos na
luto, que é o único inefável, cujos outros aspectos de seu física o emprêgo de duas expressões: factores de exlensidade t
funcionamento examinaremos a seguir. e factores de intensidade. Citemos Ostwald, (alemão, 1853-
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 167
166
1932) o famoso físico: " Para bem sublinhar a oposição que Quando falamos na cxtens�lO ele um plano, ele um progra
se dá entre êles ( os factores da energia que pOS'S'll cm os carac ma, damos o sentido de abarcar, de: prolongar, de abranger;
teres ocntrários dos factores de inten sidade) e as intcl1sjebcles, qllando falamos na intensidade de um som, pensamos no ca
nós os designamos . . . sob' o nome de extensÍchc1c". Partindo rúctcr dêsse som cm si mesmo, é UIll som que se modifica
dai, propôs Ostwald substituir o uso do tênno qual1tidade pelo ( mais intenso, menos intenso) como som, é uma direção to
de factores de quantidade e o de capacidade pelo de factores mada rJam o sujeito, é mais um aspecto subjectivo, porque é
de capacidade. Posteriormente preferiu a expressão factor de Ilma relação prtra co n s igo m('sma. Enquanto o primeiro leva
extensidade para dominar essas grandezas extensivas da eIler� no conceito -objecto (quc já estudamos na lógica ) , o segundo
gia, os "factores materiais", "porque, diz êle, é a consideração leva ao conceito-sujeito. Num há mais objectividade, noutro
dessas grandezas que determina a antiga concepção da ma mais subjectividade. Enquanto na extensidade há um sentido
téria" . de afastamento, há na intensidade um sentido de concentra
ção. Enquanto a extensão tende para assemelhar; a intensi
A preferência que se dá ao têrmo extcnsidadc decorre ele
, dade tende pum diferenciar.
não ter sido ainda usado sob várias acepções, como cm geral o
foram os outros tênnos, permitindo assim que se 1�)C empreste Para Descartes, "quantidade contínua, ou melhor a exten
I U
um sentido claro e nítido. A palavra extcnsidadc é forolada são em comprimento, larb'l.ua e profundidade, que existe ne::sa
II I '
do verbo latino extcndere, isto é, ex e tendere, tender para quantidade", é englobada n a noção de extenso, d istinta intei
fora. A palavra intensidade vem do intCtlSllS que, por sua ramente do pe:1samento, da alma. Descartes deixa confnsa
parte, vem de tendere, in tendere, tender para delltro. I nc1i rncnte colocada cm sua idéia ele alma, a nOç'ão de intensidade.
cam os dois prefixos ex e in a direção da tcn s�lO, o dinamismo Kan ,. diz que uma grandeza é extensiva, quando a repre
• inverso da tensão. Essas duas palavras latinas, depois ele tan sC'ntaç'ão das partes torna possível a representação do todo.
I • tos séculos, vêm servir para denominar lima série de factos
t o spn{ido da homogencidacle, cujas partes são homogêneas,
que a experiência eie:ltífica veio corroborar.
como o todo é homogcneo.
São essas duas palavras, no entanto, constantemente usa Uma grandeza é intensiva, pam êle, quando eh. é a1)reen
das na linguagem familiar. E temos in tensiclac1c, intensivo, elida como unidade. A quantidade, aí, s6 pode ser representa
intensificar, intenso, extensão, extensivo, extensihilidade e ex da por maior ou menor aproximação da negação (mais veloz,
tensidade. menOs v,�loz, por e:\ernpl o ) . "A intensidade não é a quanti
Quando empregamos as expressões que dccorré't� de ex dade das coisas que se contam, nem é a duração, nem é a
tensão, sempre queremos significar o que se prolonga, o que extensão, quantidades que se medem por meio de unidades
parte para o exterior; é um dinamismo de afastamento, de homogêncas", expressa GobJot.
desdobramento, de alongamento, é uma direção tomada para
Têm dificuldades imensas os fil6sofos e dicionaristas em
o objecto, para o que é heterogêneo, mutável, para abrangê-
definir a intensidade. E a razão é que definir é comparar, é
10, incorporá-lo; é centrífugo. Quando empregnmos as ex
medir, e a intensidade, por seu pr6prio carácter, afasta-se da
pressões decorrentes de intensidade, intenso, queremos nOS
llefLnição, não é apreensível por uma definição. Dessa forma,
referir a alguma coisa de interior, alguma coisa que vem ela
êsse conceito s6 se �scIarece pela intuição e por uma vivêncía.
heterogeneidade da sucessão, do movimento de mutações do
O carácter sintético é fundamental da extensidade; en
exterior para dentro, é uma transformação cm si mesma, vol
vida para o interior; é ccntrípeta. quanto () analítico o é da intensidade. Sjntético, porque é
\
t
168 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 169
t
um dinamismo sintetizador, que implica sempre uma grande Dcharemos de lado os aspectos metafísicas dessa dialéc t
za, uma operação, desenvolvendo-se em extensão na realidade, tica, pois tratar dêles aqui seria fugir ao âmbito dêste livro, e
enquanto a intensidade se desenvolve em intensidade, em si, iremos aproveitar êsse antagonismo como meio metodológico
em separação, em distinção, em análise. para o eShldo da filosofia, dadas as grandes e fecundas visões
Nós sentimos mais a intensidade, mns sabemos· mais da que t-lc nos oferece.
.\
extensidade, por isso essa é mais definível que aquela.
• • • \
Lalande, procurando definir os dois conceitos, emprega
estas palavras: Os' conceitos de extensidade e de intensidade encontraram
"IulcIlsiuaue, - Caracler uu que <tclmiLe eslados de mais
na ciência moderna um grande campo de aplicação e, graças a t
êles, pôde ela penetrar em campos inexplorados, como teremos
ou de menos, mas, de tal sorte, que a diferença de dois dêsses
eSi ados não é um grau do que é as��;irn susceptível de aumento
ocasião de estudar, quando examine:nos os temas do tempo e
do espaço e das visões gerais do mundo de Einstein, de Sitter, •
ou de diminuição: por exemplo, U11l sentimento de temor pode
diD1lnuir Ou crescer, mas a c1i fen.' ]H,·a entre um leve tClnor e um de Lcmaitre e outros.
•
temor mais forte, não é um grau de temor que possa ser com A energia é concebida como o produto de dois factores,
parado a outros, como a diferenç'u de dois comprimentos. ou um de extensiuade e outro de intensidade.
de dois números é um comprimento ou um número, tendo seu Foi Macquome Rankine quem decompôs a energia em dois
lugar na escala das grandezas oa mesma espécie". factores. \
) 185, para êle, os dois factores apresentaram-se ape
Bergson, e sua escola, absorve a intensidade na qualidade; nas como fôrça viva e fôrça de tensão} uma energia actual e
dessa forma, todo verdadeiro conflito, tôda contradição são uma energia potencial.
suprimidas entre ela e a extensidade, por sua vez ahsiJrvida na ,
Impõe-se aqui, antes de prosseguir essa análise, que se
quantidade. Mas a quantidade nem se opõe à qualidade, nem esclareça mais uma vez dois têrmos muito usados na filosofia:
podem ambas serem confundidas, essencialmente, pois ambas acto e potencia. Iremos apenas examinar os aspectos mais ge
definem universos, cujas natl!rezas são rigorosamente fechadas rais, procurar a síntese mais concisa para exposição dêsses dois
uma à outra. têrmos que serão, daqui por diante, empregados muitas vêzes.
É fácil desde já compreender que existem três poslçoes
Foi Aristóteles quem primeiro percebeu que as coisas não
em face do antagonismo entre a intensidade e a extensidauc: são apenas o ']ue são, mas também o que podem ser.
a ) a posição dos que reduzem a intensidade à extensidade; b )
a _dos que reduzem a extensidade à i�üensidade; c ) a dos y'ue Desta forma, tôcla mutação, pode ser, a ) possível, b) em
re duzem ambcls a uma terceira entidade, onde �sse 8_ntagollis processo ue realização, c) realizada.
mo desaparece. A expressão acto ( em acto ) se aplicaria ao momento b,
A quarta posição, a nossa, é de que a cxtcnsidade e a in em oposição ao momento a e ao momento c. O momento a
tensidade formam duas ordens dinâmicas, antin6micas dtl natu seria em potência (pode ser) e o c, o ser já realizado, que re
reza. É, portanto, uma posição dialéctica que a! irmo. u. contem sulta da mutação. Chamava Aristóteles de:
poraneidade de ambas, que podem ser admitidas concretamente dYllamis, o momento a ( potência )
cama fazendo parte de tôda existência e de todo existir crono enérgeia, o mOmento b ( acto)
t ópico. entelécheia, o momento c ( fim, entelequia)
�
A palavra acto servia para expressar tanto o mome nto b nâmicas". ( 1 ) Já vimos que, com Leibnitz, o sentido de fôrça
como o c. é diferente do s entido cl ás si co .
Para Arist6teles, a matéria era potê ncia , isto é, tinha a A física moderna aceita essa acepção. Ostwald ( alemão,
possibilidade de tomar·se isto ou aquilo. I\1as o que a transfor 1853-1932 ) diz; "é . . . arriscado considerar, entre essas duas
,
mava em algo era a forma, o acto, que lhe era oposto, mas que espécies de energia, somente a fôrça viva como a energia ac
a modelava. tual, isto 0, real, e olhar ti Ontra como simplesmente potencial,
isto é, como pos.�ível mns não reaL . . " Pois, "não é legítimo
Assim, predominantemente na obra de Aristótc1cs ( d ize
mos predominantemente, porque há mom entos em CJue pensa considera: que uma energia que não é real, porque ela não
ele outro modo e não seria de conveniência analisar aqu i t6da a está presente, possa transformar-se. em energia real, e vice
\"Crsa".
variedade de suas observações sôbre o Acto e a Potencia ) , a
potência depende, está subordinada ao acto . A p otên ci a toma É fácil agom verificar-se onde estava o engano de Rankino,
existência pelo acto, porque a potência é indeterminada, c toma quando considerou que a en ergia tivesse dois aspectos opostos,
determinação pelo acto, que é o princípio do ser. É através a achl al i d ad e e a potencialidade. Cada um dos aspectos da
do acto que uma possibilidade se transforma em r e ali d ad e , pois energia ( intensidade e extensidadc) pode ser, por seu turno,
o acto é a própria realidade de um ser que cst,wa ai1\da i nde actual ou potencial.
terminado. Um exemplo esclarece tndo. Temos aqui u m
bloco de argamassa, informe, mas o artista plas m a-o numa fi Uma intensidade pode s er actual e uma extens ida cle pode
.ser potencial. CitemoS' Ostwald: "A única man eira l e gítim a
gura humana, dá-lhe uma forma. O hloco seria ( ('mbora nl
demente exemplificado), a potência, e acto ° monw nto cm que ele comp reend e r as palavras cI le rgi a actual e energia potencial,
êsse balTo informe vai tcm::lOdo uma formet. Essa distinção (' olhar como ac tlla l llm<1 cn crg i:l presente no mOmento conside
entre acto e potência pe rmaneceu na filoso f i a ari�t()t{lica c elela rado, c como potencial 11m: ('IH'rgia que, nas circnnslilncias pre
ingressou na filosofia tomista ( de Tomás de A(luino ) . Assim, sentes, pode formar-se por intermédio da energia presente, Se
para Aristóteles, a potência é passiva, incapaz, por si só, lle atrilmirmos a E'S5;!S duas expressôes as s i gnifieaçôes que acaba
efectuar-se, é inerte. O acto ( cnérgcia, palavra grega que ó mos de c :\ pr esar, a fôrça ele tensão ou a energia de distttncia,
formada de ergon, trabalho, e que significa eficaciclaue, rcali quc se ell �ontrn numa massa elevada acima ela terra é actual , c
a energia de mm'imento que ela c n nté m é potenc ial ; é o iIwCI:-
:zar um efeito) é quem impulsiona, dú forma ;\ p o ténc ia . O
50 d e poi s da queda, Para o pc':ndulo, a en e rg ia de distilneia
artista, ao transformar o barro em urna figura realizada, actua
{', actual C}uando cst:t no altu do seu curso, a energia de movi
liza a figura, dá forma ao b arro que, por si Sll, n·�tO poderia
transformar-se em figura. (: mento é actual qu n ndo êlc esbí. em sua posição mais baixa, e,
durante as os cilações, essas duas energias trocam constantemen
É com Leibnitz que a palavra potên cia toma outro sentido te seus caracteres".
na filosofia, O mesmo, em parte, que será empregado depois
por Nietzsche e pela ciência moderna. Para Leibnitz, a po
tência é uma fôrça activa, fonte original da ação, causalidade ( 1 ) Aristóteles divide a p o tênci a em passiva e a nctiva. A
pr i me ira é a p otênc ia de sofrer uma determinaç8.o; a $c gun d a ,
eficaz, "A potência activa é tomada algumas Vezes num senti
a de poder realizar uma determinação. Em Leibnitz esta ultima
do mais perfeito quando, além de simples faculdade, há a ten já tende a reali zar, já estil, portanto, em acto, no exercício do
dência; e é assim que eu a torno nas minhas considera ções di- neto.
1
,
(
1'2 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 173
,
Então, sintetizando: a intensidade e a exteDsidade podem Energia de muvip1cn Massa Velocidade ou
(
ser ou achwl ou potencial. to quadrado
Quando a intensidade se actlwlizJ, a extensidade se poten Eleclriciclacle Carga eléctrica Potencial eléc
cializa, e vice-verca. Ambas não pndem ser actuais ou poten trico
ciais no mesmO instante e há oscilaç:ão constante entre SUI'l ac Energia cluí mica Entropia Afinidade (
tualidade e sua potencialidaJe cm todo acontecimento físico. E n erg ia térmica :\lassa t Temperatura ,
As aplicações dessa observação a todos os factos da filosofia se
rão feitas, daqui por diante, à proporção que dêles tratemos. (
Referindo-se às intensidades, assim se expressa Ostwald: Eis o quadro usual de Jean Perrin, Urbain, etc. (
"nflo são de forma alguma grum]t.;zas no sentido OfUl1lário da
Ellcrgias Extensidade,'J' Intensidade ...
palavra. Quando reunimos duas grandezas iguais, ab-temos co
mo se sabe, urna grandeza dupla. Ora, se reunimos duas tem Elú st ica Volume Pressão
peraturas iguais, isto é, se metemos em cOntacto dois corpos da Elástica de alonga Comprimento Fôrça ,
mesma temperatura, esta não se toma dupla, mas perm:"nece a mento f
mesma". Assim, "quando indicamos a grandeza de urna massa,
Elástica de torsJ.o ângulo Parelha de fôrças
não dissemos sôbre essa massa tudo quanto dela se pode dizer. f
Se se divide uma massa em duas metades, essfl' , dua" metades iguais opostas
M ec J.n ica Deslocamento Fôrça C
não diferem uma da outra; cada uma tem, portanto, enquanto
massa, as mesmas propriedade que a outra". C in ét ic a En tropia ( muda de si Temperatura ab- C
I
•
•
•
FILOSOFIA E COSMOVISAO 17b
174
MARIO FERREIRA DO S SANTOS
bre a extensidade. Em breve veremos comO essa compreensão tência, que é um opor-se, mas, ao mesmo tempo, um comple
permitirá explicar os fenômenos da Termodinâmica, e os pro mentar-se: um oposto é comp1etado pelo outro.
blemas que formam, hoje, o arcabouço da teoria da relativida Lupas(�o oferece um quadro dessas duas direções dinâmi
de, iniciada por Einsteir.. cas do existir. Ei-lo:
&ctensidade Intcnsidadc
• • • Identidade-homogeneidade Não identidade-heterogeneidade
"
extensidade, s entimos que há uma ordem, homogeneidade, ho lnvariabildade, "invariante" Variabilidade, "variante"
mogeneização, objectividade e objectivação ao mesmo tempo , Extendimento objectivo, exte- Desenvolvimento subjectivo, in-
enquanto, na intensidade, que tende para si mesma, há hetero riorização teriorização
geneidade, heterogeneização, subjectividade, interiorização.
Síntese Análise
, ,' Causalidade e determinismo lncausalidade e indeterminismo
Estamos em face do «mesmo" (do semelhante) do pareci
, do) e do "diverso" e do diferente, Eis os dois aspectos da rea Afirmação ';\legação
lidade que a razão e a intuição vão apreender diversamente.
"
'!
A espacialidade está na extensidade, como a temporalidade
está na intensidade. A extensidade é predominantellll'lIte o
Há transformações na natureza porque há intensidade, por� QuerEmos sobretudo salientar o aspecto dialéctico que se
que sem ela, como o afirmam os físicos, não haveria transforma manifesta na existência e que o nossO espírito apreende através
ção, porque esta é o desaparecimento de uma forma e o apareci da dialéctica também de suas funções. E a disciplina que vai
W
mento de outra. Assim há o e varia, que é yariante, a in estudar es<;a dialéctica, que vai caracterizar os conceitos da ra
tensidade, a par do que não varia, do que é in\'::uiante, a ex zão e da intuição, que vai salientar a influência que o dualismo
tensidade. antinômic.J da nahlIeza exerce sôbre o dualismo antinômico do
espírito, e que vai analisá-los através de suas múltiplas forma
úfirmamos a complementaridade dessas duas expressões:
��tics para compreensão geral do desenvolvimento da concepção
uma necessita da outra, urna é incomprcnsível sem a outra.
filosófica do mundo, é o que chamamos de Noologia ( de Naus,
Veremos, quando estudarmos a Dialéctica, o sentiüo que a ciên
espí rito ) , a ciência dialéctica do espírito; fundada na dialéctica
cia moderna dá à dialéctica e à complementaridade. Quere
da própriél existôncia. Não iremos, porém, cXRminá-la nos seus
mos aqui, apenas afirmar o seguinte: não há ex tcn sidade sem
aspectos metafísicas, mas apenas nos seus aspectos metodoló
intensidade, nem intensidade sem extensidade nO flcontecer,
gicos, conJo já Jissemos; aproveitá-la para que dela façamos
nos factos naturais. Nem tudo é homogeneamente pllro, nem
um ponto de apo io c de referência para o estudo da filosofia,
heterogeneamente puro. Essa é a dialéctica ele t()(la a exis-
,
I
r
•
•
176 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •
FILOSOFIA E CUSMOVISAO 177
•
permitindo, dêste modo, que o pensamento universal, em suas
diversas fases, conheça uma nOva sistematização que 1)OS perm i� já havia esgotado tôdas as soluções. No entanto, por despojar &
se a ciência da ditadura de uma visão apenas parcial do uni
�
ta esclarecer por que uns filósofos seguiram êste caminho e •
outros o caminho oposto. ( 1 ) Já falamos dos "indícios", pois \'erso, permitiu ue novas possibilidades fôssem descortinadas.
'.
são êles que nos darão uma nova estrada para trilhar. Vamos
Assim a ciência faeilta à filosofia um salto qualitativo que
saber agora por que tais e tais perguntas foram feitas e ao
a Icva a novas t erra s desconhecidas que, em breve, iremos ex
•
esclarecer o por que da pergunta, iremos comprc{ nder tam�
p lorar. •
bém o por que das respostas, pois, embora pareça paradoxal ,
há, em tôda pergunta, uma indicação da resposta desejada. •
'� •
o estudo sôbre os princípios ela HazãC! e os seus conceitos,
como os da InhIição, hão de nos permitir que possamos cons� •
truir uma visão científica do mundo, e esclarecer a gênese das ,
grandes visões totais da filosofia. Por êsse caminho, os temas
da filosofia passarão também a ter outro significado, e pode •
remos aprofundarmo-nos nêlcs sem receios de malngros, pois ,
iremos munidos de valiosos instrumentos que nos servirão para
•
as pesquizas. Veremos corno em tôda a h is tória d-.L filosofia,
sempre se tentou o triunfo da extensidade sôbre a intensidade ,
ou desta sôbre aquela, no intuito de fugir ao conflito, ao cliú ,
logr das antinomias, à dialéctica da existência. Ora actuali
•
zou-se uma e virtualizou-se a outra ( virtualizar usamos nO sen
tido de inibir) e vice-versa. E ve remos porque a filosofia plCr ,
maneceu sempre num "impasse", perdurou sempre envolta pe ,
las antinomias, porque procurou fugir ao conflito pela mera
negação de um dos antagonismos. Veremos como a ciência
moderna, seguindo o caminho dialéctico por nós estudado, con
seguiu penetrar num terreno totalmente novo e permitiu a pos
s-'bilidade de novas visões, cOlltrariando os que d iziam que
não viria da ciência nenhuma luz para a filosofia. A cit:n
cia, por trabalhar indutival11entc, por interessar-se apenas por
um dos aspectos da realidade, não po der i a nunca oferecer à
filosofia nenhum novo caminho. Julg ar am até que estavam
encerradas t ôda s as po ssibililb dcs !lavas para a Filosofia, qlle
I
siderado não é gênero. O racionalismo transformou o esqt'8ma
geral, até atingir O conceito supremo) o mais vasto de todos, o abstracto de ser em gênero, não o ser ontológico, o que por ora
qual se difunde nos menores, em q fwntidac1e menor. não podemos examinar.
I
�
' .
' .
' .
FILOSOFIA E COSMOVISAO 181
, ,
180 MARIO FERREJHA DOS SANTOS
ristas (nominalistas modernos ) dizem que o diferente é que
, .
total. A razão nào tolera o diferente irredutível; ela quer re está oculto sob o semelhante e esforçam-se por levantar a capa
conhecer; eb não tolera o movimento, a mutabildade; ela quer que cobre as coisas e as une pelo exterior, para encontrar os ,I
a fLxídez, a pcrmam!ncia, o invariante, o imutável, todos os caracteres individuais que as separam irredutÍvelmente. Dizem
I
conceitos negativos do que liOS apresenta o mundo da realidade. os racionalistas que a razão vê mais profundamente, porque se
parando o que é diferente ( aparência, o que aparece), penetra 'I
Apesar de tôdas aS aparências das coisas, embora elas pareçam
realizar-se num constante devir ( vir-a-ser ), ela "acredita", ela nO fundo homogênco das coisas: enquanto os anti-racionalistas 'I
quer que exista alt,ruma coisa, abaixo delas, que seja idêntica: afirmam que a razão se deixa arrastar pelo desejo de homoge
' 'I
o ser. O princípio de identidade enuncia-se assim: "o que é neiza r, de identificar e não percebe o mais profundo, o que só
é; o que não é, não ó". O princípio de identidade não é 11m ,
a intuiç'ilo lwn etrn o d iferente irredutível. Ambas t en d ências '.
princípio escolhido pela razão, é um princípio que renecte, que se <lcusam rnuhwmentc, chamando-se de superficiais.
'I
expressa uma necessidade fundamental, uma necessidade irre rascaI, com <l sua finura, classificou assim os homens : os
sistível da razão, função do nosSO espírito. Pensar é unir, mas 'I
dotados de l' esprit ele g(!ométrie ( os racionalistas, os que ten
é mais: é unificar, é tornar semelhante, idêntico. Em face de dem para l1Ol11ogenciz<u tudo) e os dotados ele r esprit ele fines 'I
dois factos diferentes, a razão os unifica por uma identidade. se, os intuitivos, os que procuram o diferente.
Iclentifica-os em outro conceito, comO já vimos. tsse princí •
Desta forma, paira, para a filosofia, uma interrogação: é
pio, já examinado, é fundamental da Lógica :;<'OnTI".l. A ra t
o semelhante ou o diferente o fundo da realidade?
zão está satisfeita quando compara, quando reduz UIT' ao outro
DU a um terceiro; quando identifica. JIi mos tramos que noolàgicamente temos duas funções que t
Ora o individual é o singular, o diferente. A razão não to) da realidade, tcria de ser uma posição supra-racionalista, I
r
como é a llOSSa, c quc, a seguir, através dos diversos temas,
:stl porta o singular; ela generaliza. «
teremos oportunidade de expor. Não há uma racionalização
nem uma in hlição puras : há apenas predominância de uma or •
• •
dem sôhre a outra. ,
A filosofia modema revive a famosa polên.ica d.lS univer • • •
sais com outros nomes. Pois vejamos: os intelectualistas (rea
A inteligibilidade, para a razão, está contida na medida da
j
listas modernos) dizem que o semelhante está DeLIto sob o
diferente e que devemos procurar a identidade sob b.S aparen sua identidade. O individual irredutível (a singularidade de
tes diversidades, Os anti-íntelectualistas ou também os empi-
182
que
MARIO FERREIRA DOS SANTOS
que esta compara, reduz, e O que é in comp arável , irredutível, nüo ser.
é, porta nto , inin teUgível . Vimos com Parmênidcs como o dese Alcan:;a a ra zão êssc prinCIpiO pela observação racional
jo de ide nti fi cação
racionalista levou ao extremo de uma unifi de tudo c:'uanto se dá na realidade. Tudo quanto se dá tem
cação comp leta, absoluta, cm que eram negadas tôdas as dife que ter uma razão suficien te ( Leibnitz chama de razão deter�
renciações. minante e já veremos por que) pata que sej a assim e não de
outro modo.
O principio inato à razão e vemo-lo numa
de identid ade é
série de princípios que forma m a base da ciência, como {) p rin Dissemos que n a filosofia clássica, e até na filosofia mo
cípio da co nse rvação da energia, o p rincí pio da conscr\' ilção d a d erna, tem havido u rna gr an de confusão entre o princí pio de
fôrça de Leibni tz. razão suficiente e o princíp io de caus al id ade , que se p ode enun�
ciat ass im : "todo fen ôm en o tem uma cau sa". Para Leibnitz
Embora pensem que se firmam com êsses princípios em
uma causa real, fundam-se na verdade, em uma causa ra cion al . ambos princípios estão englobados no que êle chama de "prin
')J cípi o de razão determinante".
E \.\s se o motivo que levou tantos filósofos e tr ata distas a
con fun direm o princípio de razão su ficiente com o de causa1ida� Leibnitz fêz uma distin çã o entte c aus a e razão suficiente.
( Foi êle o pr imeiro a enu n ci ar nItidamente o p rin cípi o de ra �
,,' de, como veremos a segu ir.
zão suficíçIlte ) . E mpre gou o s contudo com pouca dareza. No
�
Resl1tYlíndo:tudo o que é, é; to dos os sêres são. O Ser é princípio da conservação da fôrça, exposto por Leibnitz, há
a identidade absoluta onde se encontram tod os os sêrcs. O Ser confusão en tre o p ri ncí pi o de H azão suficiente e o de caus al i
, I
é homog êneo1 idêntico, único, p erfei to . ldentidade absoluta é (Jade, pois quando pensa rcferir�se a uma causa real, ref er e-s e
tam bém o si ngula r absoluto, porque é irrcclut íy el a (p.w.lquer a um a Ca"IISa racional.
out ro e tôdas as co is as dêle p articip am on n ão são. E assim o
Sabemos que o racionalismo sempre confundiu a 16gica
conceito supremo que a razão constrói cm su a actiyidauc de
desp oj am en to das singularidades, das d i ferenças, que, ue abs� com a n etafí.o::ea. identificou a teoria do ser com a
Hegel
ci ência do ser ( tu do qu anto é real é racional, tudo quanto é
tracto em abstracto, cl.legaria aO abstrado supremo: O Ser. ( 1 )
racional é real) . Consíderou as elaborações da razão como da
dos da realidade, e qlle os pensamentos apriorÍsticos obtivessem
• os m esm os resultados '1\1<:: a experiência sensível. :f:sses os mo
tivos do desdém do raci on al i s mo à experiência sensível. ( 1 )
Vejamos agora os outros prin cíp io s da raz�lO: () p rin c í pio S p ino za , por e x em plo, considerou a ra zão suficiente coma a
, c a u s a do<: sêre." e dos fen ô me no s , pois deduz i u lo gicamente os
de razão suficiente e o de causalidade.
[
s êres do Ser un ive rsa l, reconhecendo, neste, a razão suficiente
O princípio de razão suficiente é enunc i a do da segu in te
de todos os sêres, pens and o estabelecer, assim, lima relação de
forma: "nada ex is te sem uma razão ele se r" . Tudo quanto
causa c efeito, que é a base do seu p an teí smo . Na defin ição
( 1 ) Como idf>ntidade absoluta e como d c í er e n te absoluto ( 1 ) Essa a interprclaçâo que geralmente se faz de Hegel;
Ser ultrapassa os opostos, transcende�05. í;ssc c o n ce i to
da
o
" On r:o entant o em "DialéctiC'8", temos oc asião de mostrar qual o
razão, na verdade a u ltr ap a ssa , e a sua justificaçã o cJ.be à
alcance (:essa ..dirrnativ<l, c propor-lhe restrições, fundadas na
tolog ia" . Nessa disciplina, veremos que o c oncei to de Ser é e
mi
obra hegeliana .
nentemente dialéctico. •
"
l
,
,
li
184
"
I
'l
III de sua Ethica, lê-se: "Entendo por substância o que é cm tureza por necessidade funcional ) . E neste caso pode decor
rer: a ) da experiência imediata concreta: contacto de nossO
'l
si e é concebido por si: quer dizer, cujo conceito, não tem
necessidade do conceito de outra coisa, do qual deva ser far espírito com a realidade; b) da experiência mediata (com t
mado", meios ) e abstracta - contacto de nosso espírito com suas pró,
·t
.: rrias abstracções .
A existência real é confundida aqui com a e-:istên :ia lógica. t
A substância que é, subsiste pelo conceito que não precisa de
I
outro conceito para a sua compreensão. Reconhece êle, no AN,\LISE DO PRINCIPIO DE CAUSALIDADE.
Ser, a razão suficiente de todos os sêres que êle tir<3: daquele , I
estabelecendo, entre o Ser e os sêrcs, uma relação de causali
:E:ste ptincrplO trabalha no interior da realidade concreta� t
dade. Entretanto Spinoza ultrapassa mais adiante essa con em plena experiência dir ecta, e põe cm movimento todos os
fUSllO ao estabelecer o carácter ele l l ecessário ao Sef, enquanto t
recursos extra-racionais do espírito: a observação, a imaginação ,
os outros sêres são contingentes, modos do ser que pedem exis a i n tu ição , o bom senso. :tIe é imanente à realid ade ( perten t
tir Ou poderiam não existir, por não serem ncccssÚrios. Tam ce �\ r('�llicbde e não necessita da. i ll tervenção de um I agente
•
bém \VoHf, Schelling, He gel e até o próprio Kant, cometeram exterior pnra manífcstnr-se. É o contrário de tran scend ente ) .
dessas con fu sõ es, o que seria lOllgo estu dar c analisar. ,
Como conceme à expcriCncia, provém da observação ela
Sempre, nêles, a causa lógica prevaleceu sôbrc a causa cxpcriêncirr. t
real.
Con(;�rne :l m::::.âo real, corno chamam alguns, como açüo t
Devemos distinguir porb.mto : ou como drcir. O concr:ito ele callsa é dado pela experiên ci a
,
Oll pela int u ição .
a) princípio d e Razão suficiente (puramente légico ) •
g um tênno empírico, que serve para explicar um fenôme
b) princípio de causalidade.
no antecedente de um facto, da mesma natureza dêsse facto, ,
O primeiro é considerado a priori ( Kant por exemplo ) c
ou então um agente produtor de um ser, que, ao menos CrIl t
concerne à razão (razão lógica para alguns, absoluta ). Actua parte, é da mesma natureza dêsse ser. De qualquer forma, a
fora do mundo concreto, aetua na mundo conceptual c"'iado pela t
idéia de causa tem algo de misterioso, de velado, de enigmá
razão; é o exercício da razão pura, esforçando-se por tornar in tico, de obscuro para a razão, como tudo quanto é dinâmico, t
teligível (racional) o mundo r eal e o mundo ideal. t tNna móvel, mutável. Depois de uma longa experiência, de lon gas t
imposiçc1o da razão à realidade. E por isso transcendente. observações, a idéia de causa surge como algo obscuro.
t
A razão apropriou-se da idéia, deu-lhe o conceito ra.cional,
Considerado como a }Jriori está inc:uída :la5 idéia s
�
tOmou-o algo mais fixo, mas não pôde, apesar de hldo, impedir
I
inatas do Platonismo e das escolas decorrentes. Ou
que nessa idéia permaneça a obscuridade. E é essa obscuri
como conceito cuja validez é dependente da experiência
dade que serve de fundamento para os que atacam o princípio
(Kant). Já vimos que, para Kant, o apriori tem sua
de causalidade, (a relação causa e efeito ) , como foi combatida
validez na experiência.
I por Hl1me com argumentos poderosos .
Considerando a posteriori é uma cOllseqüência da expcri Jú na razilu suficiente é o tôrmo racional cuja existência
ênc:a ( hábitos contraídos pela razão e impo.'itos por essa à IlU- implica a do tênno a explicar. A razão é abstracta, já vimos.
�
Já vimos que o Princ íp io de Hazão Suficiente é um princí humana para perceb er que um conce ito racional não é um
, ,) pio l6gico, puram en te r acion al , impotente ante o diferente, e princípio real, que a razão de ser não é a causa, que a lúgica
que se aplica ao semelhante. Tanto o de razão suficj('nte comO não é a vida. Mas, (diga-se de passagem ), Aristóteles já o
de causa lida de s ã o m eios de expHcação , os llTlicClS meios que havia p erc ebi do.
o
satisfazem a razão, e são aceitos quando dão uma explícação Schopenhauer cl as si ficava o princípio desta forma :
suficiente de um fenô men o . A raz ão suficiente é um a expli
1) F rincípio de razão suficiente do devir ( principillm ra
ca ção suficiente> que basta, que é bastante.
tion is stlfícientis fiendi) ,
Vejamos as diferenças entre êsscs dois princípi o s : "En
2 ) p rincípio de razão stlfícíente do conhecime nto ( prin�
qu anto tôda causa é ao mesmo tempo uma razllO suficiente,
cíp-il11n rai�ionís suficicntís co gnosccndi) .
nem tôda razão sufid ente é uma causa". É gran de a, impor
t.1neia dessa diferença, mas fàcilmente compreen sível, porque 3) princípio de razão suficiente do ser ( principillm ra
a razã o suficiente ordena o mun do uas idéias c da realidade, tionis sufícientis essendí ) .
enquanto o de causalidade ordena apenas o mundo da realí�
4 ) princípio de ra zão su ficiente da ação (príncípillm ra�
dade, princípio de razão Sllficiente não p rec ede no tempo
O
tionis sulicientis agcl1di ) .
aO seu prod uto, p ois a razão suficiente não é apre s en tada antes
Ela precede no espaço, ela aparece antes na Temo:,, :
do seu produto,
, ! inteligência lógica, como princípio, não como fado. Quer di� a) conhecimento e ser que são d e origem racional e
zer: prec ede para a inteligência, não para a experiência e para
, . b) devir e ação que são de origem empírica e intuÍ
a ínhIíção,
tiva.
f
,
�
,
I
que pode parar, fixar. Assim quando a raZªlO tranalha com ,
compreendida. O que repudiamos são os excessos racionalistas
cOllclédtos da intuição, como movimento, mu tabilidade, transfor-
da filosofia moderna. Mostramos dialécticamente os limites da ,
1
razão ao actuar aprioristicamente.
,
,
•
,
1
es por ue a n .
, , ela teme a S contradiçõ q
de ap o io , da segur ança sob Os pôs, mas (1) Como SpinozEl., por exenlv1o.
precisa de um ponto
L"
•
,
,
,
FILOSOFIA E COSMOVISAO
192 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 193 ,
identidade
Transformando a causa num gênero, cuja espécie é o é o auxiliar da razão para a classifica
ção. O ho ,
mem, graças à sua visão
deito, tomou-o razão suficiente, causa 16gica, É a única ex binocular, à faculdade que
fixar ambos olhos sôbre um obJe tem de ,
plicação que satisfaz à razão, porque é expHcação suficiente cto para visualizá-lo, tend
e
de um fenômeno, porque, por definição, a razão suficiente é
para a estabilidade,
o estático, o parado, o im6vel. ,
uma explicação suficiente. E por isso também a torna fIe Quando queremos ver
alguma coisa, precisam ,
os pará-la.
porque é suficiente, e é suficiente por que é neces Essa característica da visão humana
cessária,
c:oadjuvou para a form
( e eSsa é nossa opinião )
, ,
sária. ação d e uma função fixa
dora d o co
nhecimento, função fixa
dora do espírito, que é
t
Já chegamos causa lógica de razão sufichnte e' podemos
à a razão.
identificar uma à outra. A causa lógica é reversível, mas a Como a causa, por seu t
aspecto dinâmico, esca
pa à visão,
pois ultrapassa a visualidade
causa real não o é. Uma é espacializante e a outra tempo quase sempre, foi com
argumen ,
ralizante. A razão examina-a, como a razão examina um
tos da razão (lue II u me e Nietzsche puderam estabele
tos c poderosos argumen
cer tan ,
juízo. O espírito é que actuali:La a causa real, que é virtua tos cOntra a idéia de caus
a. Para
lidade, que é potência no sentido aristotélico, para torná-la c1 j
IIum e, a i ( a de causa
·
é apenas uma crença. •
Kant apro
\'Cita lldo- sc da crítica de
acto no espírito, transform ando-a cm causa lÓL;'ica. ns
IIum e t ra formou a caus
alidade nu ,
ma categoria, num conceito
puro do entendimento. A
causa
Desta forma, o espírito actualiza (a razão é 'a função lidade passou a ser acei
ta como urna possibilidade ,
da deter
actualizadora do espírito ) , a potência passa ao acto, transfor millação de todos os insta
ntes dos fenô enos, no tem
n;t po. ( 1 ) ,
mando-se, assim, de uma idéia obscura para urna idéia clara.
Ela identifica, transforma o que desconhecia 110 qUE' já co ,
nhece. Dá um sentido de estabilidade, de estático; substituí
,
o dinâmico pelo estático. Essa é a descoberta da razão: ela
descobre, ela destapa o obscuro para resaltar o qu � é claro,
,
( Notem quanto influi a visão na razão. A idéia d� clareza ,
é de origem visual. A certeza visual é a certeza d'\ qual te�
,
mos convicção, quando fixamos alguma coisa ; .
t
Com a razão suficiente não passamos de uma realidad e
para outra realidade; permanecemos numa existência única., t
no semelhante, no parecido, em suma, na identidade. Já. na t
causa real há um u�trapassamento. Passamos do facto real
t
para outro facto. Assim, enquanto o princípio de razão sufi� ( 1 ) O racionalismo, com
o ismo, é uma posição abst
ractjsta.
ciente é um principio 16gico, o de causalidade é metafísico.
Em Aristóteles e nos gran
des escolásticos, não se t
exces'so de estabilização observa tal
Dissemos que o princípio de razão suficiente é urna decor� das idéias, como se vê na
cionalista moderna. Tal filosofia ra
não impede que se criti
rência do princípio de identidade, uma forma especial dêste, citados, certos exageros, que, nos acima
embora menores, mas que
corno o é o princípio de contradição e do terceiro excluído, tuados pelos discípulos. É foram acen
o que se verifica
I
também na arte:
porque todos êles tendem a uma identificação das diversi� Petrarca é grande apesar
do petrarqUismo, que actu
os defeitos que as alizou mais
dades e a uma unificação da realidade. Recordando o que virtudes, e as virtudes men
sivo, tornaram�se defi ores, pelo eXces�
I
tratamos na classificação, p ode dizer-se que o princípio de cientes.
FILOSOFIA E COSMOVISAO 195
IV
� ciência (vT<1 o pen samento de Shw.rt !v1ill, cOmo bmbém se
Illclhanterncnte é a concepção de B ergson ) .
OS DA
DA RAZÃO - CONCEIT O instinto ( illstincfus, ('m lati m signi fica impulso) qnan
. CONCEITOS do tnma �ol)r1('cim('nt(} de si meSmO é a intuição para B erg
, J
INTUIÇÃO
�on; a ra zão é um clesabrochnmento posterior. O instinto tem
" ) 11m fim, dirigf'-sc pa ra um fim. �fas, revertend o-se sôbre si
estud amos, são , quall to à mesmo, interiorizando-se, retlete-se a si mesmo e reflete sôbre
Os gêneros suprem-os, que já
s. Uns afírmam si mesmo. O instinto é um im pulso interessado. Na impos
I ) , de graus diferente
hierarquia (conceitua
, ,' necessúrias ao nOS sibilidade de a tin gjr os seus fins, reverte-se sôbre si mesmo e
formas aprioristic as,
que êsscs gêneros são
com o inat as ao parece to:nar-se desinteressado. ( Lembremo-n os da opjnjão
, , os aind a os consideram
so pensamento. Outr
m êles dados pela de Nictzs· �he sôbre a intcriori zaçao do homem. Por não po
nossO espírito, e qua
se todos afirmam sere
inev itàv el mente dar der realizar, na sociedade, tudo qu an to o imp elem os seus
êneros supremos vão
experiência. Esses g nes te sen ti instintos] recol h e-se em si mesmo, interioriza-se, adoece de si
çõe s. Foi
' "�
nossaS representa
a forma, coordenar as s \"iu Kant mesmo, cria a má consciência ao lado da con sci ên cia ) . Essa
gor ias. 1-.b.
mou�os de cate
· ' ,1 do que Arist6teles cha
i am ente con ceit os) mas opinião sôbre a formação da razão como mera reversão do ins
não eram propr
" que o tempo e o espaço bém tint o, que acima expusem os, nua a aceitamos, porque a razão
Já tive mos , tam
sa sensibj]ida de.
fonnas puras da nos é apenas elaborada pelos instintos. O p".pel selectivo da
a elaboração dos não
de est ud ar êste ponto . Para
oportunidade
s act ivid ade s: a própria viela, do s 6rgãos dos spntidos, a acen tuação do din a
são necf:'s�á rias dua
" con ceitos já vim os que mismo dos homólogos que jú es tuda mo s, mostram-nos que
ticnm('ntc disposta
ncia, sendo esta diale.c
sensa ção e a inteligê a r;1Z'dO é ele origem múltipla c co mplexa ) e tem raízes muito
ão, Há um ant a·
são a intuição e a raz
em duas funções, que Ih;1is longínquas do que pensam muitos fi16sofos. O jnstin to
cessos componen
ento clêsses doi s pro
gonismo no funcionam i n trovertido é um factor da razão, mas um factor cooperante
a é con sic1n ada por
ência. A inteligênci
tes da nossa intelig variações que
l]Ue a ctua predisponentcIhCl]!e. c mio ún:ca e adequado for
he, com pequenas
Claparede, KI a ges e Nietzsc io de adaptação do
malmente ,"l qu elo..
prezar, como um me
podemos por ora des into , df'sviado, Na r".6io h:1 a coexis tên ci a de muitos outros el em ento s
, O inst
ento de adaptação
homem, um instrum ncia , porflu e se Cjue lll trap a s�a m ao jnstinto. Qu a ndo a tensão nervmm, antes
se jnte ligê
homem ) torna-
des ata do ( caso do .
\ I (1) vertida para o exterior, introverte-se, e com a coop eração de
si mesmo.
torna consciência de
tantos factores torna-se razão, torna-se também desinteressada,
) I
no sentido do interêsse pecul ia r do instinto, para ter outro,
m�s ma é um
da consciência cm si o ela razão.
( 1 ) "tsse obje ctivar-se aind a pode tQr
nitum, pois a con
sciência
desdobrar-se ad infi de que tem con sciê ncio. . E vej a m os por que s egund o a opin ião geral de tais auto
tem con sciê ncia
consciência de que de si. mes ma. tste
e distanciar-se sem pre res: qUi n do a jntu ição se torna impotente, p orque o conheci
• Desta forma, ela pod de �oo log� a, a ciên cia do
consciê ncia é tem a mento do individual seria tIm obstáculo à vi da, e vida é um
constante actuar da
) I
espírito.
, �
•
,
lnais pwfUll(]ameIlte. • ,
Ela serve assim à vida; e interessada, tem um fim. Se a ,(
Depois clêsse exórdio, em que repisamos muitos dos
'filosofia deu sempre mais valor à razão que à intuição ( sobre pon
tos tratados, podemos entrar agora nos conceitos (
tudo a filosofia ocidental, que é especulativa, como jú. vimos, da Hazão c
da Intuiç·ão, e analisá-los. A razão por ser espacial (
teórica, eminentemente racional ista) é que a razão propõe, izante ( j á
vimos (j\lC ( ) espa(,.·o é u meio d a coexistência,
oferece, dá possibilidades maiores do (l He se julgava. Ela n�1O d a simultanei
t
oferece todo o conhecimento ( e nisto têm razão os místicos, dade, da reversibili dade) é eminentemente extensista; é ela,.
os irracionalistas, porque não dá um conhecimento comple para usannos uma velha expressão da psicologia clássica, que 't
to). ).tias munida da razão, e levando-a como instrumento de nos dá a visão da extensidade. Assim os seus conceitos
pre t
feridos ( conceitos básicos ) são:
investigação até as suas últimas conseqüências, i?oderi-:l a filo
'e
sofia penctTar em terrenos seguros como o pôde com a esco 1) O semelhante. (Já estudamos sobejamente o seme
lástica que soube usá-la. Esse o motivo porque o impulso lhante e o roteiro que vem do parecido a,o t
semelhante, do
racionalista foi tão predominante no Ocidente, onde as COn· semelhante para o mp.smo, do mesmo para o igual
e do igual ,I
dições sociais e ambientais permitiam o desabrochan,ento do à identidade, que é a homogeneidade absoluta,
abstração má
racional. Se no século passado e neste se desenvo:.ve uma xima da função abstractiva da razão ) . ( 1 )
,I
ampla corrente irracionalista na filosofia, esta não v:�m para ,
2) A q uantidade - A materialidade e a espacialidade
destruír a raz�io, como pensam muitos, mas, ao determinar os
nos dão a idéia da quantidade que é homogênea. Temos daí
seus limites, vem desenvolver a parte da intuição que não
a grandeza, o número, todos de ordem geneticamente visuaL
devej'J ficar esquecida como ficou, depois do malôgro ( em ,
parte aparente) do movimento místico. 3) A Imu.ta.bilidade. Através do que flui, do que mu
,
da, do que se transforma, do que é móvel, deve haver algo.
Já estabelecemos a correlação existente entre a razão c
,
o órgão da visão. A razão oferece-nos a nitidez ( nUidus, em
latim, claro, lustroso, brilhante ) . As idéias claras siio aquc·
(1) Os conceitos da razão, torr:ados abstractivamente não ,
corre�pondem à totalidade do real, mus daí não se pode concluir
las que se podem ver (a palavra idéia, vem de um radical pela falsidade. São êles esquemas abstractos noético·s, mas po I
que significa ver ) - A visão clara, nítida nos dá uma imagem dem sor nclequados ao que corresponde fundamentalmente nas
coisas, como vemos na "Teoria do Conhecimento" e na "Noolo
I
visível, claramente recortada no espaço, como abstraída do
resm que a cerca.. A razão esquematiza, separa, dá nitidez, gia Geral". O cmprêgo exagerado de tais conceitos racionais,
abstracti\"8 e n50 dialccticamentc tomados, deve-se ao raciona
.clareza :\ idéia que abstrai também.
lismo, que, con�o ismo, repetimos, é vicioso.
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 199
198
de imutável, de permanente, que se conserva, f::ssc conceito está abaixo, o que sub-cslá, a substância que não varia, o
surge como um ponto alto da reflexão e funda o princípio de 5U hstractum.
.. idelltidade.
J2 ) Unidade. É a síntese, tomada indivisament-e.
-I
4) A imobilidade. A VIsao p recIsa fixar, parar, rcu\lzir l r,�tc" são os conceitos supremos da razão, segundo sin
" O movimento ao mínimo, para ver. O conceito da imobilida tetizamos, fundando-nos nas obras dos que melhor os estuda
li
ii
. de liga-se à invariabilidade, ao "invariante", ram, como Lupasco, Gnmcljean, etc.
5) O Ser. A suma abstração da razão, afirmaçl"lO da Vejamos agora os conceitos da intuição, para depois te�
'I
existência. ccnnos os comentários e anúliscs que se fizerem necessárias.
"
6) A Eternidade. E preciso negar o tempo, o devir. A Assim como os conceitos da razão tendem para a fixação,
" eternidade torna simultâneo todo o ser, dá-lhe o atributo da para um dinamismo de extensidade, de espacialização, os da
imutabilidade. intuição tendem pa ra um dinamismo de intensidade, de tem
�
poralização.
"
7) Necessidade.
1) Diferente. É o contrário da identidade, da homo
•
8) Determinismo ( causalida de ) .
geneidade. É o heterogéneo. O que não é comparável, o
São ininteligíveis a contingência e a liberdade para a
" (pIe não é pràpriamente fAsto, mas compreendido por nega·
razão. ção ( o não-igual, o não-semelhante, o não-parecido ) .
"
O princípio de causalidade, liga, solda, dá uma continui 2) Qualidade. Esta 11:10 s e vê intrInsecamente. Ve�
-I'
dade espacial aOS factos, causa e efeito. mos coisas amarelas, mas 11'-10 o amarelo (que é um conceito ).
.. O
9) Actualidade. devir é a passagem da potência 3) Câmhio ( mutação ) . I':ste nos é dado pela desap•.
.' (como virtual) para o acto. rição. pela destruição que ó uma manifestação lenta.
'I' Para contradizer o devir, tudo é actua1izado, porq\le s6 4 ) O 11lodmcnto. A v isão é cincm;ítica. Apanha I1ma
vemos o que é actualizado. A potência não é visível. A ac série de deslocamentos, uma sucessão de repousos, uma su�
I'
tuaLdade gera o actualismo, qlle s6 valoriza o que se realiza, -cessão descontinua. A intuição penetra no essencia1 do mo
e tudo o mais fica marcado com o nome genérico ue possihili vimento, na sua fôrça.
, .
dades. Observe-se que quase t6das as filosofias rn.cioD,a1istas
5) Dedr. O devir é invisível. N6s temos a sucessão,
são actualistas. O que se achml izou, se realizou; cra inev itá
..
os resultados.
vel, tinha uma razão suficiente ou uma Gal/sa, o (lue permite
também uma justificação do que acontece. 6) Tempo. Colocamos o tempo como oposição da eter
)
11) A substância. A razão elimina da realidade os as 8) Libc "dade, Indeterminismo como intuição interior de
L
.. I •
�
..
9) A potencialidade, A potência não tem razão sufi rências, o Ser, actualizava o semelhante, para virtualizar ( ini
bir) o diferente. ,
ciente, porque a razão só concebe, só valoriza a actualidade.
Parmênides evidenciava o que a razão actualiza, o seme. .�
10) Fôrça - é o infinito dinâmico; não é visível.
lhante. Q uando a razão, numa elaboração posterior, cria o
11) O Eu - Não é espacial izante, Funda-se n a afecti '\
conceito ele identidade, fá·lo fundada no semelhante, que é
vidade. Não é visível. Seu desenvolvimento é subjectivo) (
contemporâneo em todo o acto inteligível, porque a inteli
int :riorizado.
gência elabora dialecticamente a separação entre o semelhan (
12) A pluralidade - A mu ltip licidade. É a análise. te e o diferente, (1) Inteligir é separar, e dialecticamente
(
complementarh: ar o racional e o intuitivo. Onde se tornam
Estudemos agora pormenorizadamente êsses conceitos em
os racionalistas extremamente abstracionistas e, ao nosso ver, «
iCU antagonismo, para que se nos esclareça ainda mais o que
erram rotundamente, é quando reduzem o intuitivo, o dife t
entendemos por Noologia, essa clisciplina que estuda o fUIl
rente ao semelhante, isto é, quando explicam aquêle por êste,
danamento do esp írito corno inteligência, afectividaeb e tam
como qu ando explicam a qualidade pela quantidade. E er
t
bém cm suas funções transinteligíveis, que já pertencem à
ram rotundamcnte os irracionalistas, quando querem reduzir •
?\Jetafísica.
a razão a apenas uma função da intuição, função defonnadora
•
da existência, Uma não exclue a outra, embora se neguem.
Uma e outra são as funções dialecticamente opostas da inteli ,
o SEMELHANTE E O DIFEHENTE
gência.
•
Já expusemos a contemporan eidade do semelhante e do Assim a vista tem um campo em que fixa e dá nitidez ao
•
diferente. É uma antinomia o semelhante absoluto e ° dife. objecto; o que fica à margem, o que é marginal, como se diz
na Opticn, não o é mais fixável. O marginal capta m elhor t
rente absoluto. O absoluto é um conceito da razão, enquanto
os movimentos, enquanto o campo da fixação estatiza, Nos t
o rewtiDo, nasce da intu ição . O semelha nte absoluto é 0
i:a própria visão funciona dialccticamente.
idêntico, atributo do Ser; o diferente absoluto seria o indiví· t
duo inefávell único, dos escotistas, dos existencialistas, por Tudo gUflnto fixamos) exclui o que lhe é marginal. Um
exemplo. Ambos formam os dois extremos da inteI' gibilid�. movimento é melhor apreendido com o "canto dos olhos") co
de e um cria restrição ao outro. Como compreender o ind i· mo se diz popularmente. (
víduo como diferente absoluto ante o idêntico? Note·se aqui
Qualquer leve movimento que se passa nesse campo mar. I
a significação da frase de Nietzsche: "Se Deus existe, eu sou
ginal é logo perceptível e melhor que no campo central da
Deus", I
, fixação. Todo o acto de reflexão é uma demora. Para re.
São antinomias que se complcmcntarizam ao se negarem, flectir sôbre alguma coisa, preciso paI"Ú-la em relação às QU-
tras. Os que afirmam que o semelhante não nos é dado pela Então o que cu comparo é o quantitativo : um objecto
realidade, como Graridjean, se enganam. Pannênidcs, e tôda mais ou menos pesado do que outro; um amarelo mais ou
tendência pannenidica, que é a predominante da Filosofia menos amarelo que outro.
Ociden:-al, tinha seu fundamento. O ponto fraco estava em • As q�ta1idades são heterogêneas. Cada uma forma uma
excluir o diferente, o heterogêneo por não poder conciliá-lo ordem, uma ordem própria e (Iuando se passa de uma quali
com o homogêneo. ( 1 ) dade parI outra, passa-se de uma ordem para outra. Não
Na multiplicidade das aparências dá-se o semelhante; do comparo \) verde eom o pesado, a côr com O sabor. As quan
contrário chegaríamos ao· diferente absoluto para tuelo. Mas tidades cerno qualidades são incomparáveis e incomensuráveis.
o semelhante também exige e implica seu contrário, o dife Quando digo que a côr tal é o resultado de tantas vibrações
rente, do contrário cairíamos na exagêro parmenídico que tem e compar6 quantitativamente com outra côr de vibrações lu
sua conseqüência na concepção de Zena de Eléia. A razão minosas de menOr número, cu comparo apenas o quantitativo,
é uma função complexa, mas útil à vida, c não nega o instinto. o número das vibrações, não a qualidade. Não se argt:ínente
'; 1 A divisão da intuição a da razão é uma divisão dialéctica de com as comparações estéticas que falam de um som verde,
operação da inteligência. A razão é utilitária também, por� ou de um som azul, porque não são comparações mas trans
que ao preferir o semelhante (mais útil à vida que o dife� POSiÇÕfS, substihlições, met:í.foras.
I rente) favorece a vida, que é selecção para os homólogos,
Os psicofísicos quiseram comparar as qualidades sob a
'I porque os sêres vivos tendem a retomar ao que aprenderam base das intensidades, reduzindo�as à extensão. A razão pre
a conhecer e a fugir do que ignoram. fere a qu-mtidac1c. E vamos mostrar por que.
' .
"
204 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO
205
,\
diversas por meio de uma equação uifercncial, sente-se como I�IUTAB ILIDADE E MUT
ABILIDADE ( CÂM BIO ) ,\
se tivesse tocado, atingido o mistério universal.
Os racionalistas, ante a mutabilidade, ,\
Para ela o dedr é um s imple s dcslocamtnto, transitivida procuraram o que
IlÜO muda"a, o imutável. Platão
de; o dinamismo é apenas mecanicismo. Heuuzindo a qua concebia acima do mun do 1\
• mutá\'cl a esfera imutável das id
lidade à quantidade, ela reduz o múltiplo à unidade, ela re éias. A esfera da mutabili
dade é a dos sêres que se trans
form am, sensíveis e perece� 1\
duz o diferente ao idêntico.
douros. O ser é imut
úvel e é o grau de imutabilidade
que
4-
No ca.so do mecânico que citamos acima, a razão l ogo dá valor ôs coisas.
O conceito de imutabildade
depara com uma dificuldade, E que o mecânico exige um oposiç'ão ao ele mutabiliJade que
nasce por 4-
nos revela a intuição.
conceito misterioso para el a , qye é a fôrça, raL;ÜO suficiente ,t
Essa imu tabilidade procurada atrás de tudo quanto existe
do mecânico. Mas a fôrça ultrapassa a razão, já exigt, a fi
é o pont o de apoio que buscam os
filósofos da incondicionali
1\
nalidade, outro conceito que ela não pode fàcilmente apreen
dade, de que já tratamos. O que
der, senão por rodeios que examinaremos, ( 1 ) muda, o que cambia é algo t
que é fixo, no fundo. É um gran
de desejo vital de conserva
A qualidade, por definição, tende para o diferente. Pela
ção de nós mesmos que leva a nossa 4
quantidade a razão une, sintetiza. Boutroux ( l845�1021 ) com� razão (que em nada nega
os nossos instintos ) , a afirmar •
bate o que êle chama de racionalismo q uantita�ir.;o, (l ue tende a permanência. Heráclito foi
o primeiro entre os gregos a
para reduzir a qualidade à quantidade. " . . . a hipótese de afirmar a mutabilidade de tudo. •
J\1as a reaç'l1o de Parm(�nicIes
uma quantidade pura de tôda qualidade . . . mas qu,� idéia se não se fez esperar, e essa reação
imprimiu a marca de tôda a filos t
pode fazer de tal objecto? Uma quantidade não poje ser se� ofia ocidental. Só moderna
mente, com Hegel, B ergson, \Vill
não urna grandeza ou um grau de qualquer coisa, e essa qual iam James, Nietzsche retorna •
o tema da mutabilidade para
quer coisa é precisamente a qualiJade" . . . a filosofia. Mas todos êles, no
fundo, afirmaram algo imutáve •
l: a lei supre�a da Idéia,', em
Em suma: a quantidade é incompreensível sem a quali Hegel, a "vontade de potência •
" em ' Nietzsche, a "matéria" para
dade, Uma implica a outra. Onde há qualidade há quanti os materialistas, etc.
dade, onde há quantidade há qualidade, pois são antinomias. •
o q\le nos revela a realidade, t
São dois conceitos, um da razão e outro da intLiição, que graças à Cleneia, é que há
mutabilidacle, mas essa mutabilidade
se implicam dialecticamente. A abstração pura da quantida não é igual para todos t
os factos.
de, como da qualidade, leva a um "impasse" da razão, corno se
t
vê no racionalismo. Ambas abstractamente ( separa'damente)
Não podemos compreenuer uma mutabilidade absoluta
tornam-se ininteligíveis. Concretamente consideradas ( d ialccti t
nem urna imutabilidade que é naturalmente absoluta. Ainda
camente ) , conjuntamente consideradas, complementam-se. É
aqui não poJemos fugir às antinomias, ao antagonismo dos t
mais um antagonismo que se complementa, porque é resultado
·dois conceitos que se opõem, que permanecem antinômicos.
do funcionamento dialéctico da inteligência. t
Não concebemos o Ser sem o sendo, llem êste sem aquêle.
------
l\'l as COmprCL'lHlellJo amuos como conceitos dialecticamente t
( 1 ) Para evitar as deficiências da razão, impõe-se uma
supra-razão, como a entenderam Aústóteles e Tomás de Aquino
antinômicos, COmo elaborados pela dialéctica do nosso espírito, t
e Scot, que nunca se desligam da experiência, quer exterior, podemos também compreender a sua complementaridade.
•
como os dois primeiros, quer também interior, como sobretudo Ante qualquer um dos extremos, encontramo-nos ante Um obs
o último.
táculo, que é a sua "negação". t
t
•
•
,
1:1
por entr e imo /Jilid
bili dad es
urna scqüência de imo mentos maiores ou menores e a fixi dez seria apenas lIma apa
pur o, imó
s e111 si mes mo, acto rêIlcia, porque tudo se movc. A m ob il i da de é o
Aristoteles concebe Deu postulado
por sua absolutél perf
ciç.'.1o, a matéria das filosofias mobiJistas dR. actualidade.
� vel, eterno. que atrai ,
cont radi z onto logi ca
sendo nâo
( 1 ) A mutabilidade do é imu táve l, e o (1) Todos os sêres corpóreos são móveis e a Inobilidade é
O ser, com o ser,
do -ser.
mente a imutabilídade das suas mut ações da essência dos sêres físicos. A imobilidade do ser não é re
ser sem pre através
sendo, como mutável, é inui ção, mov ime n pouso, mas imutabilidade, pois, sendo acto puro não pode mu
alte raçã o, aum ento , dim
( geração, corr upç ão, dar-se, Pois tal impl icaria 11ma poU:ncia. passiva, o que seria
e no ser.
to, etc.) que são do Sel." eição do contradictó�io. Neste sentido se deve com pre ender a im o bllid ade
greg a. A idé i a de perf
2 ) a idéia de perfeição é de Deus, que não é um ser corpóreo. As formas (eide) platôni
( E�s
nte a]cx D.nd rinD. , é di
de origem cert ame cas são i mó ve is, porque hão sendo corpóreas em sua essência, não
f<lustico (oci den tal) o
no pod er infi nito de realizar, e não n
nâmica. O perfeito está lhes cabe o que � da essência das coisas corpóre�s.
os.
acab ado, com o nos greg
,
,
l ,
208
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 209 ,
,
Se só compreendemos e sentimos o movimento por uma devir 8, pel a razão, à afirmativa do se r. Mas, cOmO chega
negação do mesmo, como, por exemplo, num trem sentimos ríamos a compreen der e criar um e outro se êsse acontecer
�
mais o movimento quando paramos ou, no inlcio, quando o não nos aparecesse como contraditório, como antagonista? E �
meSIDO se põe em marcl1a, entretanto nunca poded." ffios che quando queremos afirmar um para negar o outro, caímos fa
\
gar a estabelecer um mobilismo absoluto, porque cairíamos talmen te numa oporia. Afirmar o devir é afirmar o ser. Não
numa abstração absurda. Todo ser extensiv o tem movimento, fu gimos <-1 essa complementaridade quando queremos enten .\
mas êste não pode ser absoluto, u m movimento sem escala s, der a linguagem da existên cia. (1) I�
�vlas a razão dos racionalistas não compreende o movi
I'
mento sem im ob ildades, sem decompô-lo em posiçó6s, e estas
A ETETINIDADE E O TEMPO.
implicam fixidez, lugar, o que sempre implico. imobilidade. l
Já estudamos muitas vezes a idéia de tempo que, para
Vemos assim que, o estranho dialogo do espírito, êsse Il
muitos, é uma espécie de espaço interiorizado, como o espaço
diálogo entre a razão e a intuiçãO, entre os conceitc s de uma
seria o tempo exteriorizado. Muitos consideram o tempo uma Il
e de outra., prossegue aqui. �sses dois conceitos sr.o antin ó
palte da eternidade, como se a eternidade fôsse um tempo ,\
micos. Nosso espírito os fonnula como ant<1g on ista.'_-, mas re
sem fim. Não; a eternidade é oposição do tempo, é a nega
vela sempre que não vode entendê-los nem compreedê-Ios, t
�'ão do tem po. Platão dizia que "o tempo é uma imagem
afinal, senão afirmando uma pela afinnação também do ou
tro, r1ue é a sua negação. Quando actualizamos o movim e nto,
móvel da lmóvel eternidade". E essa definição é suficiente 'l
para se compreender o que entendem por eternidade os racío
virtualizumos a imobilidade, e vice-versa. Quando .quercmos t
naHstas. O tempo dá-nos a idéia de sucessão. Entre o pas
afirmar um pela escamoteação do outro, caímos numa incom 1\
sado e o futuro temos o presente.
Cada instante que passa
patibilidade da razão.
substitui o instante passado. É essa a característica que dis t
tingue o tempo do espaço, porque no espaço. há acumulação,
,t
SER E DEVIR coexistência. No tempo, um instante não coexiste com o ou
Na filosofia clássica reinou soberana a idéia do Ser, o ser tr o ; um instante substitui o outro. Não podemos reverter o t
imu tável, o ser absoluto, perfeito, imóve1, eterno, o StllnnHnH
tempo, tornar o passado para o presente e êste p ara o futuro. i\
No espa S'o, ao contrário, pois podemos medir um corpo, vê
ge1lus, A intu iç ão reveh�nos o devir, o vir-a-ser c onsta nt e das "
lo, apreciá-lo de um lado para outro, porque há simultaneida
coisas, as transformações que elas sofrem. 1-'1as a razão pro
de e reversibildade. Pois bem, a eternidade seria Um presen "
cura atraz do devir o ser, porque em tudo que se transforma
te constante, um presente coexistente em tôdas as suas faces.
deve haver alguma coisa que não se transforma, alg-ama coisa
,
de fixo.
(1) Só na "Metafísica", poderemos esclarecer o conceito �
Já estud amos a idéia dQ Ser, essa idéia que surge sempre do devir, cuja má visualLzação levou muitas filósofos li aporias
qu ando a razão se depara com o devir. Estamos hoje numa t
de tôda espécie. O conceito do -ser, no racionalismo moderno, é
fase da filosofia em que o devir pr e domina, em que a idéia abstr acto, mas na "Ontologia" veremo s que êle é o mais concreto t
do Ser conhece um momentâneo recuo. �.fas tal não impede elos conceitos, quando dialêcticamente tratado. Ademais, pode
a filosofia ser incluída nesse longo diál-ogo entre o S er (Um) l
{Iue ela retome na obra dos filósofos com a mesrna exigência
e o devir (múltiplo ) , cuja, maneira de considerar caracteriza
que surgiu na obra dos eleatas. É outro diálogo. O mundo as filosofias de crise e as filo so fias da transcendência. como es
,
do acon tecer cósmico nos leva, pela in tuição, à afirmativa do tudamos em "Filosofia da Crise". t
,
�
,,
,
I
SANTOS
1 FILOSOFIA E COSMOVISAO 215
'214 MARIO FERREIRA DOS
Assim a iúéia de Deus, para Arist6teles, como Acto puro,
ricidade de tudo quan�
todo o saber: o reconhecimento da histo totalmente acto, é ao mesmo tempo a idéia da identi d ad e e
to sucede. da perfeição; e a matéria, imperfeita, indeterminada, é po·
experiência , mas
A noção de causa e efeito é dada pela tência, que recebe de Deus a forma que a modela, que a
,I pela razão, através do princí
a sua ligação necessária é dada transforma em acto. A idéia de potencialidade sempre foi
m o 16gico. O prin
pio de razão suficiente que domina na und 11ma idéin obscura, misteriosa, algo que se não pode ver, como
temp o, gero u o pr incípi o de o acto, ininteligível. Como compreender que uma semente
,I . cípio de identidade, aplicado aO
t es e de traba lho, na frase de se transforme numa árvore sem aceitar uma relação de causa
, causalidade, essa "cómoda" hi p6
, I que f o i para o de�e l1volvilTlento c efeito? A potência não tem extensão, não tem forma, não
Poincaré, útil e indispensável
ra para i gre s sa r num campo dia tem quantidade. Mas, como conceber a realidade apenas
. da ciência, que hoje
a supe n
alist a dos facto s. A metafísica tradicional, potência ele outro acto, e essa passagem é o devir.
grego, a visão actu
mundo comO um bloco imu�
com raraS excepções, concebeu o O a:ltagonismo entre a potên cia e o acto nos revela a
tável e eterno, dois conceitos
da razão, e atributos que ela antinomia entre os dois con ceitos : acto, conceito da razã o
O são,
que as coi s as são, e com
concede à realidade total. O que po�
<{\le quer ver, delimitar, fixar, (lu cr ° re alizad o, (' potência,
real idad e, e n quan to o
foi sempre considerado coma e
que é da intuição que assiste, que apreende a trallsionnaç�tO,
mereceu da razão um inte rêss
dem ser ou poderiam ser não a passagem, a mutação.
maior.
,
,
1 FILOSOFIA E COSMOVISAO 217 t
216 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
t
ESPAÇO E A F6nçA A razão, quanto mais se afasta do concreto, mais se apro�
t
xima da verdade. Assim, quanto mais se afasta do singular,
Eis o conceito mais importante da razão: o es�?aço. E
dêste ao particular, e dêste ao geral, mais ela se aproxima da t
também o mais importante da intuição: a fôrça. realidade absoluta, da realidade suprema, o Ser. í:ste é o
t
Podemos salientar agora a distinção entre o cSJ" aço abs pensamento dos racionalistas.
Aqui é o mundo da geome Aqui é o mundo ,:ivo, iôrç:a é um cOIlceito estranho à razão, porque é misteriosa e t
oculta. Para conhecê-la, ela a reduz aos seus efeitos, mede
tria. t
os, espucíaliza-os. Mas a fôrça não é o infinito estático do
o espaço abstracto é o espaço real, visto pela razão; o espaço abstracto, e sim o dinamismo infinito, o dinàmico, a t
espaço real é o espaço visto peJa intuição. intensidade em ação, Com a concepção abstracta do e:'lpaço,
\
\
,
I
transformações rápidas e contínuas, e o metabolismo da vida
se processa pelo aproveitamento de substâncias c pela rejei
( 1 ) A "imutabilidade" d a substância é d o racionnlismo mo ção de outras, e pelas transformações físico-qtIÍmicas cm que
derno e não do aristotelisIT. o. Neste, a substância é o que per elas são operadas. Em suma, há um dinamismo intensivo
dura e não o que se imutabiliza. A substancia divina, por ser extraordinário, mas um dinamismo do " todo" e não 56 da
infinita, é pa ra os teólogos, imutável, bem como a dos sêres eS
parte, do todo orgânico que domina as partes, o quc dá lugar
pirituais. Tôda substancia dos sêres corpóreos está sujeita a
"
a comprecdder futuramcnte, de modo melhor, o conceito de
mutações e em "Aristóteles e as mutações", temos oportunidade
de estudar êste ponto. finalidade. O ser vivo não aceita e não repele senão em fun-
'"
.,"
I
ção e uma diferença de potencial, como o mostrou Lllpasco. se observa no mundo microfí.�ico pela influência maior do to
A heterogeneidade intensiva passa ao acto c virtl1aliza a ho do org:nico sôbre a parte, enqua n to na microfí.�ica tal não
mogeneidade, E veremOs como . isso é o qu e realmente se se dú, na mesma inten sidade. E cntão quem nos poderá dizer
dá. Â proporção que os sêres vivos vão ascendendo na escala que o que morrc em nós é () min eral que se homogeneíza e
animal, vão rompendo as cadeias do passado, Y'dO se l ibertan que algo que forma a nossa illtC'llsiva vida nervosa não ultra
do dos reflexos brutos, o sistema nervOSO torna-se mais com passe a êsse processo de homogeneização, permanecendo he
plexo, a inteligência vai substituindo o instinto, e cria-se uma terogêneamente intensiva, seguindo sua ordem dc intensidade,
multiplicidade cada vez mais viva de escolhas. O que hú de (1Jón elo mineral, elo inorg,lnico vitorioso, do homogêllPo quan
extensivo, de hetcrogênco, (o tropismo, () automatismo ) , etc., titntivo? !\Tão se abrem a(llli nOvas perspectivas para a me
torna-se cada vez mais fraco. Não é a vida um impulso dia tafísica, novas possibilidades dr investigação que pennitiriam
léctico, heterogêneo? Domina aqui a heterogellcidade ana cstabelecer uma sllperviv(�nvia do intensivo ao corpo apenas
lítica, a diferença de potencial, a intensidade negadora, a COmo mineral? ( 1 )
mutação contra o �esmo, O diferenciado. No fCll(') J;lello vivo Fundado nos p]emcntos qu e oferecia a ciência d
o século
há uma superação de vitórias da intensidade sôhrc a extt'l1si passado, muitos poderiam, fundndos nela, afirma
r o têrmo da
dade. Que prova a ciência com \Voodruf, l\fetalnikoff, 130- nOSsa vida na morte do corpo, na vitória do homogêneo
sôbre
dyreff se não que a heterogeneidade é a hase do desenvolvi ° heterogê leo, do extensivo
súhl'c o intensivo. 1\1as, pergun
mento da vida, mostrando quanto a monotonia lcya os animais tamos : em face dn ciência, em face ela dialé'ctica
que permite
à insensibilidade? a obscrvaçiio e o estudo de ftJr(;as novas, de
dinamismos em
E George Dahn não nos mosh'u q1le u perda da hetero oposição, pode alguém, fundado nessa ciênci
a, afirmar a con
cepção do século dezellove'?
geneidade, quando o organismo não conhece mais as muta
ções, quando a homogeneidade passa a dominar, que sobre Pode alguém, hoje, fundado na clencia,
ter a fôrça de
vém a morte, que é um longo proccsso de vitória do homo convicção de que o que somos de inteusivo
seja perecível ape
gêneo? Então poderíamos ver na vida essa luta cons'tante e nas com a vitória da homogeneidade miner
al, inorgânica que
mais intensiva entre os dinamismos opostos de homogeneidade h:1 em n6s, numa oposição constante
ao que há de heterogê
e de heterogeneidade. Um a vida, outro a morte. Dessa lu nco e intensivo, que escapa às medidas estreit
as do raciona
ta, cabe a vitória final à morte, quanto ao indivíduo. O ho l is l11 o �
'
jamais o aVlao, como O temos hoje, seria possível conccbcr�se possibilidade que existe como possível apenas? A vontade
em tempos recuados. A idéia poderia surgir, mas as condi� manifesta-se no homem porque é um animal consciente das
ções reais não podem ser previstas com tanta facilidade. Por possibilidades. O querer surge daí, e é por isso que sentimos
isso as previsões s6 «ressoam" quando encontram condições o "querer" nos animais. Não se encontraria certa diferencia
reais para se tornarem aceitáveis. O gênio tem sido, neste ção, pelo menos em parte, entre o querer e o desejar no campo
terreno, aquêle que tem idéias que encontram condições reais da pr6pria possibilidade? Não há, no querer, crença na base
no futuro, isto é, idéias que 56 ressoam no futuro. Na vida real da possibilidade, e no deseja" reconhecer a p oss ibilida
(
social, uma teoria, sem bases reais, não pode ressoar. Junte de como mais remota, como possível em grau menor?
se agora mais êste pen sam'cnto : serão as bases reais, reconhe
Quando reconheço, p el o conhecimento, uma possibilida
cidas em uma época, as únicas reais. Não ha vcrú (Hltrns não
de, mcu querer pode ser mai s seguro, poJe ser escolhido. A
reconhecidas? Desta forma nos cabe uma intcrroga�'�lO: há
,
t ,
"liberdade" do meu querer pode assim ser comp re endi da co
condições reais que não são devidamente aprecia das? E que
são apreciadas por grupos reduzidos, por indivíduos isolados? mo o maior ' conhecimento da possibilidade? Nesse caso a
liberdade estaria na razão direta do conhecimcnto, c êste nos
Neste caso, um gênio poderia ser reconhecido e111 sua época
,( faria mai�; livres. A pr6pria crença influiria também no que
por alg11ns elementos isolados, mas só terá S\la influência
rer. O acreditar mais fortemente na possibilidade, permitiria
,\ maior quando as condições reais favorecem para qu e ressoem
um querer mais ':I ivre". Desta fonna reconheceríamos no
as suas idéias. Assim muitas opiniões, julgadas sem base tC'al,
querer o condicionamento de vários elementos, de várias in
apenas demonstram a incapacidade de muitos ferem essas
,� fluências - e, ao mesmo tempo, uma l ibe rda d e de escolha pelo
bases. Cada realização do homem já estava cm p otênci a no
homem anterior e cada realização ampl i a a potêllcia pela cria sopcsamento de possibilidades diversas. Assim o conhecimen
""
ção de novas possibilidades. Se observarmos lwIrl, \'erifica� to pode dar-me a p erc eber que é possível aprender-se uma
'.
mos que o homem s6 se tornou realmente homem ao acreditar língua. Heconheço que o meu conhecimento d e ssa lí ngua me
permitiria usufmir determinadas vantagens de várias espécies.
'" em Stlas possibilidades.
O reconhecimento dessa minha possibilidade em aprendê�la7
'. O homem só !� homem porque conhece e crê cm suas pos pode lcvar-me a escolher entre estudá-la e não estudá-la. Es
sibilidades; é um animal criador de possibilidades, actua li za tou ante ·uma escolha, ante duas possibilidades. Prefiro, en
\,
dor de suas possibilidades, por isso evolui, transforma-se, cria. tüo, estudar. i\linha "libcrc1ade" está aí. Posso reconhecer
,t Procede como um "contingentista" e não como um "n eces s ita
nessa esc.)1ha a influência de muitas condições, tais corno mi
,� rista". ( Duas palavras ho rrí ve is para expressar dilas' tendên
n ha prcd 'leç'üo pelo estudo, simpatia p el a l íngua , pela litera
cias: a dos que acreditam no poder-ser e dos que acreditam
tura dessa língua, o querer aumentar meus conhecimentos, etc.
que o que se actualiza é o que necessllriamcntc tillha ele achw :'\fas o si l l lpl es Ú1Cto de l ecOlllJeccr possibilidades diversas, num
\ lizar-sc, dois pontos de vista de onde decorrem inúmeras ati
acto futuro m eu , de poder faze-lo ou não fazê-lo, jú me dá um
',I tudes que influem até nos acontecimentos so ciais e na sua ,<, cn tiuo dialéctico, contraditório, que me permite aí funda
interpretação ) . Desta forma o homem não se sat is faz apenas mentar tuda a minha liberdade. Não vivemos mineralmente,
.. em esperar. �le procura, êle intervém, êle quer t r an sf orma r.
mas orgânica e humanamente, como possibilidades e como
� Não é a vontade uma manifcstação dêssc contingentismo, conhecedores de possibilidades, por isso é que o homem "trans
� dêsse sentir-se contingente, no homem? Qu e re r algo nl10 é forma' seu ambiente, mllCla-( l, porque aceita que lhe é pos
acreditar nnma possihilidade? Não é buscar Hchl;llizar 11l1U s ível mudar, pOHj1lC sabe quc )Jode mudar.
�
�
•
..
"
•
•
•
232 MARlO FERREIRA DOS SANTOS FILO SOFIA E COSMOVISAO 233
•
aspecto invariante de extensista por sua característica estáti i�condicionalidade; tôda necessidade, que é homogênea, está •
ca e homogênea, e seu aspecto variante, de intensista, por sua cercada de contingência, que é heterogênea: rápidos relâm •
característica dinârnica e heterogêoea. Recairíamos, assim, pagos de liberdade. São como essas zonas que Dirac encon
•
em nossa postulação de assimptotas, reconhecendo em ambos trou na física-matemática quântica, e que s6 pôde assinalar
aS J )ectos seu carácter antinómico, mas inseparável, pois jamais co�o um certo livre-arbítrio inherente às últimas partículas •
poderíamos reconhecer como valor algo a que jamais reconhe� da matéria. Vamos dar um exemplo, um tanto rústico, mas
•
cêssemos sua possibilidade de actualização, nem vt:rificaría� que poderá dar urna imagem do que dissemos. Estou em
mos um valor no que s e actualiza, sem que lhe corresponda face de'uma árvore, no campo, e ponho-me a expor êsse acan •
uma avaliação qualquer, tecim"'nto com essas frases: I'Vej o uma árvore no campo, •
uma .1 rvorc "cnIe na paisagem cheia de brumas, de uma lu
Mas já aqui surge oulr.t aporü\. NCw serão os inveulo[l.''' •
minosidade difusa. (Até aqui actualizo a mim mesmo e vir
de valóres novOs ( e inventores !lO bom sentido lIsado por
Nietzsche, que se assemelha ao descobridor) aqnêles qUE" des
tualizo a árvore; eu sou suíeito, a árvore é objecto ) . E pros� ,
sigo: "Esta úrvore é verde, de um verde claro e tem ela as
cobrem, no que se actualiza, a possibilidade de uma possibi� •
folhas carregadas de orvalho". ( Actualizei a árvore e vir�
lida de, isto él a possibilidade de estabelecer um va.:o1' como
tualizei a mim mesmo. Essa passagem da minha acrualiza ,
invariante, portanto como virtualidade, permitindo, assim, que
ção para a actualização da árvore, foi um verdadeiro salto, um ,
se proceda em relação ao futuro, como também ao p assado,
uma tímese parabólica inesperada? salto que revela algo elo que é a liberdade ) . Nunca podemos
ç{)llsiderar a liberdade abstractamente corno uma formalidade,
•
• • correspondente a um ser de per si, isolado, mas como algo •
que se dá em oposição, Só podemos formar o conceito de
Nota�final - Não se julgue que seja essa tóda a noção t
que se possa dar da liberdade, O tema da liberdade pcrten;
liberdade, numa oposição à necessidade, Poderia continuar
actualizando a mim e virtualizando a árvore, mas eis que ac� •
ce à metafísica e não poderíamos tratar dêle aqui. Podemos,
tualizo a árvore e virtualizo a mim. Esse momento que fica ,
nô entanto, salientar que o dirwmismo antinómico fundamE'Il
ta de modo inaudito uma nova concepção da EberdnJe, pois, entre a virtualização de mÍm e a actualização da árvore, que
passa de uma actuaHzação para outra , é um acto livre, Sa
,
podemos ainda salientar: quando actualizamos um' dos dina;
mismos, automàticamente virtualizaiTIDS o outro,
bemos que é difícil entendê�lo, porque êle encerra possibilí 4
dudes e funciona com elementos que não são racionais em
Em outras palavras, quando vir:ualizumr<; li a::, achlU; 4
sentido unívoco, mas queremos salientar que não pode ser de�
lizamos ° outro. Há um momento de equilíbrio nessa ação c ,
vídamente entendido e sobretudo vivido ( isto é, ter dêle uma
é, nesse momento, em que a necessidade não ultrapassa a eDn;
vivência ) sem que se experimentem e se conheçam novos es�
•
tingência, nem essa aquela. tudo's, que ultrapassam os ternas dêste livro, (1)
,
Nesse momento, há urna scmi-actualização e uma sem i"
virtualização, ,
(1) A li b er dad e e a necessidade podem ser considerada a
A vütualizaç:J.o equilibra-se corn a actualização, e bú ai modo e , e , . . Onde há liberdade, há necessidade, Uma liber ,
liberdade, um ponto de incondicionalidade. dade sem necessidade já seria outra coisa. A licencio·sidade quer
fugir à n ec essidad e e, é p or isso, anti-ética. A liberdade implica t
Em cada acto, em cada opera ção lógica, se dá êste mo a ética, razão por que o seu estudo mais amplo exige outras
,
mento, Desta forma, tóda a condicionalidade está cercada de análises,
,
t
�
r
r
r
FILOSOFIA E COSMOVISAO 235
f
( Será mais real um facto isolado ou a compreensão geral
dêsse facto enquadrada num conceito que o inclui?
"
momento e caracteriza o ideal científico ele 11ma época".
,f RcentuOu em seu famoso livro "La Valeur dê la Sciencp .
Uns ( matemáticos ) cstií,o, antes elc ttldo, preocupados com a Salienta Boutroux o pcríouo eh matcmútica grega, perío
i'.
lógica . . . Outros se dcixam guiar pela inhlição . . i'\:to é a do que (�le chama de estético, cm que as duas tendências coe·
matéria de que tratam q�le l hes impele' um ou outro mét o d o .
xistiram num dinamismo contraditório, Na idadc média eu
Se cOJDumentc se diz elos primeiros - que são ol!a !is!as e os
.f rop{ia, já a tClld(\llcia silltctista emerge, por entre llma época
outros geômctras, isso não impede que uns pcnn:1I1eçam ana·
hetcróclita, em que prerlOl,Jina uma intensidade agitada, pois
,I listas, até qnando fazem geometria. cnr:{llanto outros sã(\ ainda
a Idade :f-.1éc1ia européia, estava longe de ser aquela ópoca
geômetras, até quando se oCllpam de Anúlise pu ra. t a na·
ii parada, estática que muitos descrevem.
tl1reza própria de seus espíritos que os hz lógicos (lU intuiti
vos". "Cmr por, a partir de elementos simples, ele reuniões cada
vez mais ,.:ompl ::xas, e constru ir assim e01l1 tôdas as peças, por
ii "Esses espíritos dominados pela realidade, predomiuam na
sua pr6pria indústria, o edifício da ciência, tal parecia, então,
ciência e n a matemática. :i\bs que é a realiLladc? S C l fLO, por
a missão do motemático. A faculdade criadora elo súbio se
exemplo, mais reais as células ou os útomos (lue cUlllpõem o
• encontra de tal modo exaltada nesse período novo, que, de
nosso corpo ou a matéria, elo que uma idéia (l \ \ e !lOS surge
meio que ela era, transforma-se logo em fim. Deixando aos
no espírito?" pd.ticos o trabalho de interpretar e de utilizar suas teorias, o
(
237
(
236 MARIO FERREIRA DOS SANTGS FILOSOFIA E COSMOVISAO
«
matemático da escola algebrista dá menos valor às teorias cons Essa rotação, por sua vez, vai dispersar a matéria c6s
(
tmídas e aos resultados adquiridos do que ao método pelo !nica. A concentração leva a acelerar a velocidade de rota
qual êle os alcança. Seu fim principal não é conhecer factos ção e se essa matéria é forrnada de uma massa líquida, ela se «
novos, mas aumentar sua potência criadora e suas fontes de fragmenta em duas; se de urna massa gazosa, sua forma len
constructor, aperfeiçoando cada vez mais sem pro('essos", ticular se achata cada vez mais expelindo matéria. Pela teo
,
ria das marés, se as estréIas passam pela vizinhança uma de
:f:ses dois espíritos, que surgem em tôda a hi;itória da outro, dá-se uma extracção de matéria. ,
matemática, travam uma luta constante entre si, luta cheia
de vitórias e de derrotas, em que ora um predomina, ora ou E assim formam os planetas. O desequilíbrio conti
Se ,
tro. :f:sses dois espír itos são necessários para o progrc j)Q da nua sempre. Oscorpos astronômicos se d esa gregam, por
,
matemática e não é possível que um consiga levar a vitória emissões de radiaç6es.
C
definitiva sôbre o outro, e bem sabemos por q;Jc. Na ciência As teorias que se formam para a explicação dos fenôme
também se observa o mesmo espírito, ora dono inanc ) o ana nos astronômicos revelam sempre êsse dualismo, êsse antago ,
lista frio, especializante, investigador, ora o sintetizador, que nismo constante de equilíbrio e desequilíbrio na natureza. C
reune os factos para com êles construir a teoria que os iden !\ras se deixarmos de lado essas longas teorias e examinarmos
tifique. Quanto deve a ciência ao t:rro? Qllanto · deve ao 'c
o modo de proceder da ciência em geral, vemos sempre que
malôgro? Não foram experiências malogradas que se toma tudo quanto é variável, efêmero, negativo é reduzido a não c
ram a gênese de novas e importantes descobertas? Que nos existcncia. Um ngclltc de perturbação não pode ter em si C
mostra a astronomia senão uma série de equilíbriob e dese mesmo sua justificação. Não podem dizer o que seja o in
quilíbrios motivadores de tôda a gama de corpos que po variante, como a razüo apesar de todos os seus esforços não C
voam o espaço I Como existiriam astros, sem antes . ter exis consegue nunca definir nem mostrar o que é fundamental ,pa •
tido nebulosas? E que são as nebulosas senão grandes cam ra ela, mas, apesar de tudo isso, ela tem de afirmar que u ma
pos de choques diversos, de equilíbrios e deseqllilí brios das ,
.'!ó ordem, uma única, pode constituir o absoluto. E a ciên
mais variadas formas? Do Caos primitivo, temos de captar cia escolheu a extensidade homogeneizante, influída pela ra ,
dos aspectos contradit6rios, para comprendê-los, dois possí zão dos racionalistas, como base para a explicação do mundo ,
veis, ora mais ou menos actuais, ora mais ou menos virtuais, físico-matemático.
mas antagonistas sempre. ,
A ciência, em geral, combate o a priori para afümar o
Se os astros exigem, para serem criados, condens·ações na t
a posterioti, como já vimos. Mas o que é interessante é que
energia das nebulosas, essas condensações foram desequilí a metafísica, embora julguem os metafísicas e os cientistas o ,
brios de um certo momento. "Se em cada massa de gaz em contrário, é a posteriori, enquanto a ciência, ao deixar-se do
condensação, o movimento, em cada ponto, tivesse �ido diri ,
minar pela cxtensidade, procede sempre a priori. A metafí
gido para o centro, teria resultado finalmente uma :nebulosa sica trabalha a posteriori, fundada nos conjunctos cognitivos ,
esférica, absolutamente imóvel; mas o menor defeit.o de si gerais dc ond c ela surge, embora pareça que não, enquanto ,
metria, num sistema de correntes, devia dar a cada massa em a ciência coloca-se sempre, ante a realidade, sob um ponto de
vias de contração um movimento de rotação, lenta no início, perspectiva apriorístico. ,
mas crescente à proporção que a massa se contractu cada vcz t
mais, em virtude do princípio da conservação do mO',imento
• •
angular" (James Jeans ) . t
,
t
I
I;
rI
I.
CI
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 239
238
I,
CI A ciência fundamenta-se num princípio teórico universal tínuo, cujas partes podiam ser divididas ao infinito, tôdas
mente válido. Não é cOmO a filosofia que tem um princípict idênticas entre si.
I,
teórico, particularmente válido, porque esta interroga, quer Que é significativo nessa concepção?
c. saber.
É dirigir-se directamente contra tôcla heterogeneidade que
(� A ciência funda-se num princípio 1l1lir.crsalmcllte üúlido, possa ser insinuada em qualquer partícula do tempo. Na
t, porque a ciência sabe. Ao lado das duas, podemos pôr a noção de espaço Hbsoluto é êste de uma homogeneidade rigo
religião que crê. rosa, uma ideIltidade que nada pode perturbar. Os objectos,
C,
as formas são de uma variedade-extrema, mas são fund'ldos
Para fazermos uma rápida explanação clara, c ao mesmo
(p numa - homogeneidade perfeita, com um fundo idêntico, con
tempo em profundidade da teoria da ciência, queremos anali
t� trário a todo e qualquer antagonismo em seu seio, portanto
sá-la em seus fundamentos epistemológicos, aproveitando tu
sujeites à .não aniquiJação, ao não desaparecimento, eternos,
l� elo quanto já estudamos e lançando mão, tarnbóm, de noSSo
constantemente sempre os mesmos. Daí as leis fundamentais
:I � método que, estamos certos, o fereccrá agora amplos benefí
dessa ciên-.::i a, C0r.10 a da conservação da matéria, a da con
cios. Se não podemos penetrar na totaliebde c1êste tema, que
,
servação da energia, a da conservação da fôrça. O espaço é
I, exige obra maior, podemos, no entanto, aproveitando nosso
absolutamente simultâneo, um infinito de identidadcs.
J.
método, mostrar como é possível fazer uma anúlise da ciência
em seus fundamentos teóricos, facilitando um emprêgo exem Corno a realidade nos mostra corpos solidas, mais sólidos
I� e menos $61idos, rígidos, mais rígidos e menos rígidos, essa
plificativo, que será bastante t'ttil para outras investigações.
\\1 ciência, fundada inteiramente na razão e nos seus princípios,
Para evitar um estudo histórico da ciênciQ, que as dimen constmÍu o espaço como algo rígido, mas absolutamente rí
i � II sões do livro impedem, estabeleçamos um mnrco, dividindo-a gido, transcendendo assim à experiência para criar uma idéia
,\� em duas fases distintas: a) fase pre-relativista e b ) a relati de simulta'neidade, de extensicladc ahsoluta. Para essa ciên
vista, na qual estamos. cia, movin�cntar-sc cra mudar de posição.
,\�
A ciência pre-relativista fundava-se no princípio da ho \las mudar implicava a inclusão do tempo, porque mu
J�
mogeneidade geométrica do espaço absoluto c de 11m ten1po dar seria p:lssar de um lngar para outTO, e essa pass�gem, não
lU também absoluto, isto é, ele uma sucessão hOlllog('llt'a e inva scndo simultânea, exigiria o tempo. 11as cOmo o tempo cra
, (1 ) riante. Tendo, como ponto de referê11cia, êsse ponto ele apoio compreendido apenas como espaço, o tempo não perturbava
tão sólido, era fácil compreender o movimento c qualquer a identidade que se movia. Tôda a cinemática clássica, ciêu
,ti l
situação, restando apenas aquelas antinomias da razão, já ex cia do movimento, não encontrava, então, nenhuma dificul
,I", postas por Kant, a ameaçá-la. 1las a certeza C111 que se d a d e para Jundamentar�se. A inércia seria uma tendência da
,h
apoiava a ciência de então era uma promessa constantc de identidade para guardar sua identidade, e embora Becq uerel
poder superar tais antinomias. Mas, nessa fase, na realidade, dissesse ql.e "a inércia é essa tcndência da matéria em guar
i�••
o tempo havia sido eliminado em favor do espaço. O tempo dar seu estado de movimento", nada vinha prejudicar, porque
I!I tinha. um conteúdu que lhe era dado como aplicação da ex êssE's conceitos obedeciam ao princípio rígido, já aceito pela
tensão geométrica. Em outras palavras : o tempo cra redu c 'iência como fundamental. Desta forma, não havendo mO
•I
zido ao espaço. E realmente, dizer-se quc o tempo era uma dificações no m6vel em mo\'imento, que permanecia idêntico
\ fi si mesmo, o movimento não destruía nada, de forma que
sucessão homogênea e uniforme, cra aceitá-lo como um eOn-
\,
-
,{
«
f
240 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 241
(
uma identidade substituia outra. Mas, para explicar o movi� os corpos ) em movimento, contrai-se, e essa contração é ascen t
mento, cuja identidade tinha de permanecer invariável, foi dente. Ao alcançar o movimento a velocidade da luz, êsse
(
preciso aceitar-se um elemento, fonte dessas modifica ;õcs, uma corpo teria apenas duas dimensões. Desta fanua, a massa,
causa dessas perturbações, que, na realidade, eram aparentes, que na dinâmica newtoniana, n a dinâmica pre-relativista, era �
e surgiu um agente misterioso, ao qual deram o nome de invariante, passa, na relatividade, a ser uma grandeza variá {
Fôrça, vel. Uma porção de matéria terá urna massa relativa ao sis
{
tema de referência e aumentará com a velocidade. :E:sse au
Mas êsse conceito era em si mesmo idêntico e actuava à
menta será função da velocidade. Quanto mais aumenta a
distância, sem perturbar a identidade do móvel. M2S a fôrça
velocidade, mais aumenta a maSSa. E quando isso se dá, dá� �
não era a aceleraçao. A aceleração era o resultado da ação
se uma diminuição do tempo próprio. E quando a velocidade
directa da fôrça sôbre a massa, que era uma quantidade in
atinge o valor limite, que é a velocidade da luz, isto é, quan
variável da matéria móvel.
do a porção de matéria se mov� na velocidade da luz, a mas
Dessa forma, a fôrça passava a ser uma causa abstracta sa torna�se infinta e o CurSO do tempo estaria suspenso. (Na
da aceleração, como o tempo absoluto o era da suces_são. realidade tal não se poderi� dar porque seria necessário que
Assim, a ciência pre-relativista era fundamentada na ex·· o móvel possuísse uma energia infinita, e uma energia infini
tensidade, dominada por esta, avasalada por esta e, filosOfi� ta é absolutamente contrária ao próprio sentido de energia,
(!1.le tem de ser limitada porque uma energia infinita seria
came:lte considerada, punha-se totalmente sob a proteção da
total, portanto não poderia actuar ) . Vamos a um exemplo:
concepção de Parmênides, que FI. tivemos oportunidade de
imaginemos um corpo, que percorre o espaço, cuja massa é
examinar. Era, assim, uma obra gigantesca da Razão, mas
totalmente absorvida em seu próprio campo. m, e tem lima velociclade v. Aumentando v, a velocidade, 4
a massa do corpo m aumenta e o tempo diminui. Imaginai
Vimos que o ponto de referência da ciência pre-relativista que essa velocidacÍe é tão veloz como a da luz, a massa cres
era um ponto s6lido, o espaço homogêneo e absoluto. Mas a ceria ao infinito e o tempo desapareceria. Pois um especta
ciência relativista vai revolucionar tôda a ciência, ao conside dor veria simultaneamente o corpo no ponto de partida, como
rar êsse ponto de referência não mais absoluto, mas relativo: no de chegada, bem como, ainda, no espaço compreendido.
nã,) mais homogêneo e firme. Desta forma, a massa deixou de ser aquela invariante que era
Sabemos que não é fácil, sem o uso da matemática, ex� na ciência pre-relativista. A relatividade veio assim tornar a
por a teoria da relatividade, nem poderíamos aqui examiná�la massa e a energia a mesma coisa e o princípio de conservação
mesmo em seus aspectos gerais. Mas, procuraremos expô-h da massa e o de conservação da energia, que antes eram dis
de forma a dar um conteúdo exacto e não êsse que se apre tintos, .�ndam-se numa nova grandeza, mas relativos ao siste
senta em geral nas obras de divulgação científica. Não será ma de referência. Dessa forma desaparece a identidade da
uma exposição completa, mas a mais rigorosa, no entanto, que ciência pre-relativista, para permanecer apenas a relatividade.
llOS é possível fazer.
Assim a concepção extensista, predominante até então,
Uma célebre experiência realizada por l.1ichelson, em passa a sofrer restrições de um outro factor, a intensidade.
1881 e relomaua por OUu-os cientistas, veio abrir o campo para Mas essa posição não satisfaz a razão e não são poucas as
uma nOva concepção do espaço, corno também do tempo. tentativas que se têm feito para superar essa situação incômo�
Um corpo ( que naturalmente tem três dimensões como todos da. É necessário encontrar alguma coisa única atrás de tudo
242 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO 243
espírito é conseqüência de não ser considerado o sCu carácter ?\fas uma posição como a nossa, que se coloca acima dês
dialéctico, carácter dialéctico também de tôda C'xistência, é se dualismo e pode conceber o universo (;om êsst> car ácter
que Eddington, em seu livro "La nature du momlC' ph\-siqm," , pulsativo, l]ue nêlc encontrou o nlnde Lemaitre, mas ver cssa
\ ao lembrar a frase de Hamlet "devo me limitar a uma casea pu ISrlção cm tôcla existência, tssc antagonismo em todo o exis
de noz e me considerar corno um rei do espa�'o infinito", aca tir, ô permitir (PW se ab ril UIll novo caminho para nOvas in
ba por exclamar: "O que é é llma l'nvoltllra quc fl u t u a 11a '\'Pst igaçües, ao meSmo tempo q llC nos permite possamos vi
,I infinidade do que não é". !\las eSsa c\:c1ama�':i() d(' Ellllillg sllaliz<lr o pensamento humano de um àng\1lo superior, c com..
ton é mais profunda ta1vez do quc êlc ju l gava , c \';li mais l on prf'ender as d ivergônci a s, c ul trap as sar o estreito de uma C(>n�
ge do que poderia rens::).r, porque ela é profundamente- d ia cep�'ão u nÍvoc a, c permi tir qne nosso espírito, conhecendo
léctica ao aceitar a antinomia ela afif1m\�'ão c ela l l C'!_';a\'ão. t outra sutileza, p os sa iIlvadir nOvos terrenos, s em mêclo de
eSSa razão do equilíbrio instável da existência, o d i n'amisl11n
afrontá-lo,', Viveram os pensadores procu ran do ocultar, es
da própria nahueza,
camotear, consciente ou inconscientemente, tudo quanto vi
Eis que surge De Sitter, um grande fís i co, c verifica que nha perturbar a doce tranqüilidade de uma concepção homl " .
as propriedades de seu universo " , lhe mostram . " que o génea e estável. A nova filosofia, que h á de surgir, não tc
espaço rn<lrca uma tendêr.cia a se contrair e a se dilatar, e m eTÚ mais penetrar pela selva das contradições e as aceitará
que todos os objectos, que nêle se encon tram , tendem a se como constihüivas da existência, pura, por mcio delas, poder
afastar unS dos outros ou a aproximarem-se precipitadamente", efectivar nrna visão mais ampla, mai� geral e mais concreta
da realidade.
Surge o abade Lemaitre, da universidade ele Lou\'ain, em
cujos trabalhos recentes conclui que o Universo "é um edifício o o o
•
•
FILOSOFIA E COSMOVISAO 245 •
244 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
I Na verdade, não percebemos o espaço, mas percebemos Um minuto não fica ao lado ele outro minuto. No entanto,
no espaço ou pelo espaço. Não percebemos tampouco a mu quanto ao espaço, sentimos que há simultaneidade; um espa
(,
tação, maS a coisa mudada. ço compreendemos ao lado ele outro espaço, não concebemos
I, uma parte do espaço que sllccda a Olltra. O tempo é assim
Percebemos uma aparição e uma desapariçt!o, c a iden
"lidade ou a diferença entre u m estado e outro são dados pela destruidOl , transeunte, passageiro, enquanto o espaço é con
permanência dessa aparição ou pela hirça dessa desaparição. servador, constante, imutúvel, cstático. Não concebemos a
E quanto ao tempo, vemos que não apreendemos o instante realidade fora dêsscs dois conceitos que se impõem a tôda a
'que passa; mas o instante que passa nos é daelo a conhecer nossa experiência objectiva e, no entanto, estão ambos a afir
pelo futuro e pelo passado-memória. mar um dialectismo do qual não podemos fugir, uma antino
mia que não podemos deixar de reconhecer.
Quando sinto que algo aparece no meu campo perceptivo,
'sinto naturalmente que algo desaparece . . Já mostramos que
não teríamos a _
noção do tempo se nossa percepção fôsse con • •
"
•
•
248 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •
•
nhecer é actualizar alguma coisa, parando-a. Nosso anta
gonismo de espaço e tempo, antagonismo antiw")miC0, portan
•
to irredutível, coloca-nos entre o estático e o fluente. E é •
tal situação, também, que Dão nos permite tenhamos um
'.
conhecimento absoluto nem uma ignorância _absolllta, Co VII
nhecer é reconhecer. Reconhecer é encontrar o mesmo, o c
igual, o semelhante. O nada pode ser concebido (�e outras A CONSCI�NCIA - A TEORIA DA AÇAO C
maneiras como o expomos na "Dialéctica" e em Ol.tros tra
balhos. Dizia Kant que nos "é impossível representar que ,
não há espaço, embora possamos muito' bem conceber que :f: em geral usada a palavra consclencia para designar ,
não há objectos nêle", Realmente, mas essa representação duas ordens de fenômenos psíquicos, distintos uns dos m'tras,
,
que temos do esp�ço poderia acaso existir sem precisamente cujas características e natureza procuraremos estudar aqui.
essa supressão, pelo nosso pensamento, dos objectos que e's ,
São essas as duas ordens: a) o estado de consciência em
tão nêle? Mas é por suprimirmos os objectos que estão nêle,
relação aos movimentos, tendências, mecanismos inconscien
,
que temos uma noção teoricamente pura do espaço? :f:ssc's
tes; (
objectos são heterogêneos, e não é retirando-os que podemos
conceber o espaço como homogeneidade? b) a totalidade da vida psíquica, compreendendo tanto ,
Só posso representar o espaço homogêneo pela supres a ordem consciente, COmo a ordem inconsciente.
,
são dos objectos heterogêneos; é suprimindo-os que obtenho
Vamos empregar aqui o têrmo consciência, compreen (
a noção de espaço sem objectos,
dendo êsses dois sentidos, mas esclarecendo, sempre que ne�
C
cessário, ao que êle se refere, Já estudamos por muitas vêzes
o aspecto dualístico funcional de nosso espirito: a parte ra� C
danaI, reflexiva, intelectualizada, e a parte intuitiva, irra «
cional�
t
Quando predomina a intuição na consclencia, passam a
«
identidade, as tendências sintéticas da razão, ao subcon:;:
ciente, sem que deixem de exercer sua ação sôbre a ação in «
tuitiva, pois, partindo do nosSO princípio da contemporanei
«
dade, não há conhecimento do singular sem o geral, e vice
versa, A intuição de um objecto pelo espírito, embora êste
«
nêle intua, realiza uma classificação, que já é função da parte «
jntelectiva.
«
Não pode o homem ter um conhecimento singular sem
«
aspectos racionais; a razão é implicada sempre. Se vejo pela
primeira vez alguma coisa1 um objecto novo, desconhecido,
(
ao mesmo tempo que o intuo, compara-ol com algo já conhe- (
(
(
,
•
(
(
\ ' intuições, o irracional, o diferente, enquanto o racional é vir· estados de consciência e os dinamismos antagonistas subcons.
I,
(
(
252 MARIO FERREIRA DOS SANTOS f
FILOSOFIA E COSMOVISÃO 253
(
sínteses. Por isso a inteligência não é algo que se ensine�
acontecim ento qualquer, onde há a influência de um ser sôbre
mas é inherente ao individuo, à constituição do seu complexo (
outro ser qualquer. Posto isto, relembremos os estudos já
vital. O mais inteligente é capaz de viver essa lub interior (
feitos sôbre a diferença na ordem dinâmica entre os sêres
do dinamismo diverso do espírito. Pode êle adquirir um
vivos e os sêrcs brutos) entre a matéria orgânica e viva) e a (
método capaz de permanecer por êsse conflito, sem deixar-se
matéria inorgânica, bruta.
nunc� avassalar por uma ou outra das coordenadas do espí (
rito, e aproveitar delas o sentido concreto de realidade que elas Na matéria bruta, a ação e a reação são sempre cons
(
oferecem. Tôdas as funções que são consideradas, :como fa tantes c simétricas. A tôua ação corresponue uma reação.
zendo parte do espírito, já as estudamos na psicologia. Essa relàção é constante e igual. Já nos sêres vivos, a ação �
e a reaç:ão fí�iço�cluímicas não têm essa relação simétl"ica tão
Interessa-nos, agora, focalizar alguns aspectos ca consci ,
acentuada, pois a reação pode superar a ação, isto é, o dis
�ncia accional ( volicional ) , que tem correlação com a intui
pêndio de energia de uma reação pode ser superior ao da ,
ção.
ação) e, além disso, variável. Uma bola de bilhar, ao rece� �
Uma observação que se faça entre o fenômeno vivo e o
ber o impulso de outra, mover-se-á sempre numa relação cons
fe_1ômeno físico�químico, em suas diversas complexidades, le� (
tante de fôrças que a mecânica estuda, Um ser vivo rea
va�nos a uma visão geral da consciência accional) o que dese�
girá numa relação inconstante ou mais ou menos inconstante, (.
jamos realizar aqui.
porque, nos sêres vivos, dá�se outro conjunto mais complexo,
(.
Tal tarefa nos permite urna visualização geral do que já • que é o da incitação) de que já tratamos.
estudamos na psicologia e do que iremos agora estudar. Em� (.
A proporção que se complexiona a vida) complexionam�
bora seja urna distinção sutil) convêm ser feita desde logo a
se as ações e reações dos sêres vivos. É que em tôda ação (.
que se pode estabelecer entre ação e actividade) de um lado,
do ser vivo há uma meta a atingir, um fim a alcançar, e por C
ação e passagem ao acto) de outro) que tantas vêzes são con
isso põe em movimento, não apenas a parte atingida) mas o
fundidas. (
todo, a unidade orgânica que movimenta, que lança mão de
Na ação, psicologicamente considerada) há um fim a suas reservas para reagir; portanto, põe um ímpeto mais ou (
atingir, uma missão a realizar, uma meta a alcançar. Ela menos maior, sem que haja uma relação constante. Com a
surge de um processo que pre�tende e propõe-se realizar al
(
complexidade da vida, a simples ação e reação são substituí
guma coisa e esta coisa é) nesse instante) apenas uma possi�
das pelo tropismo, éste pelo tactismo, êste pelo instinto, pelos (
bilidade, ou tem algo ainda que é possível alcançar, porque reflexos condicionados e) finalmente, êstes, através da inteli� (
a meta é ainda o que não está atingido, o que êle se propõe génda, pela vontade, e suas outras funções que citamos aci
atingir. Em tôcla ação há uma passagem ao acto, mas cssa ma, Assim ;\ Pl"oporç'ão (lUO O animal se complexiona, vemos (
não o define, ponlue a aç:ão não ó apena s a passagem ao ado, surgir uma função que já delibera, que escolhe, que executa, (
mas também a intenção. como vimos nos exemplos do tactismo) no próprio instinto,
(
A actividade é o carácter do ser que é ac�ivo. que está sempre coordenado com uma função accional. Quan�
do o ser vivo atinge a complexidade do homem, há uma inM (
Nas ciências naturais emprega�se ' o têrnlO G{ão num seIl�
versão total na ordem da natureza viva. Os reflexos, que no
tido lato. (
animal inferior são prcdo'minantes) passam a ser substituídos,
1\'ós, porém, O usamos dentro da psicologia, o qual inclui,
não porém eliminados, nos sêres superiores até atingir o hOM C
previamente, uma meta a ser atingida, para difl:renci��lo de um
mem. C
(
(
•
•
( .�
< I
\ ,
FILOSOFIA E COSMOVISAO 255
254 ;MARIO FERREIRA DOS SANTOS
(,
' " A êste, já não lhe bastam os instintos para movi mentar que, entre elas, êle deve escolher. Essa vontade tem uma
se n a vida; surge, então, o que se chama cultura. O home m
história dentl:o de cada indivíduo, porque ela não surge des
\"
precisa deliberar, escolher, executar, lançar mão de suas re de logo, mas. desal1rocha-se, desenvolve-se pela juvenhtde, até
I ,I
servas energéticas, ordená-las em ação pela vontade. Sua atingir, na iLlade adulta, seu ponto mais alto, para decrescer
dep o is , deixar de ser ela mesma, pam tomar-se h ábito .
\ I vi da accional s egue uma ordem inversa. Quanto mais de
\ .1
cresce a parte reacionaI da natureza, aumenta a parte inte Colocado ante a vida, o homem, COmo um animal com
lectiva. A consciência accional se desenvolve, o homem quer plexo e superiormente heterogénco, teve de desenvolver sua
\ , e sabe que quer, e auto-estimula-sc, auto-incita-se.
inteligênch, organizar suas funções, claSsificá-las para poder
� \� Alguns psicólogos julgam que a vonta de é um a forma de enfrentar a vida. A vontade surge, então, por entre êsse
gradada da ação. Sim, se considerarmos a ação apenas no imenso mundo de possibilidades para fazer uma es co lha . Já
\ .
sentido que a emprega as ciências naturais. 11as se conside vimos que o homem é o ser que m ais conhece e acredita nas
I ' possibilidades e por ter consciênda delas e em nelas acreditar,
rarmos o germe por n6s citado em t6da ação biológica, que
\� tem um tender para alguma coisa, um fito a Ser alcançado, éle executoL, realizou, criou, cultl1ralizou-se. O mundo da
vemos que êsse fito cresce à proporção que a vieb se com cultura, que só pertence ao homem, é um produto da aceita
\� ,
plexiona, enquanto decresce a ação no s ent ido meramellte Jas ção das possibildades. A vontade, já vimos, é um acreditar
\<� ciências natura is e a vontade surge para substihlí-la, at(� atin nas possibildades. Por isso, na criança, há tanto querer, por
\ , gir, no homem, o grau que conhecem os, que a cri ança acredita em tôda possibilidade que ela imagina,
c quer realizá-la.
\ . A vontade é o fito intensivamente desenvolvido, que se
separa, a pouco e pouco, da ação, para constituir, com o tr�m .\ \'Cmtaue é essa "crcnç'a" na po�sihiliclac1c posta cm ação,
" . \'
po, todo o sentido da p sico1ogia accional, que {, n a "crcladc, mas Fl sob o influxo da mzi!o, do raciocínio, da inteligência,
uma ps ico logia volicional. A regressão é apenas, no tocante da escolha estudada. A vontade tem graus quanto ao asp cc -.
I à ação, excluída do fito a alcançar, isto (', do SCll fdos ( em to r,ccional. E s;.o (� sSCS graus (l\1e lhe em p restam essa ad
grego fim7 dai teleologia ) . Já vimos que compreendemos ês·· de vontade reflectida, de vOll taclc consciente, de
jccti\"(lÇ-'<1 0
li vontade inteligente e outras, que a linguagem familiar tanto
se fim como o domínio do todo orgânico, como o todo inflllin
do sôbrc a parte, porque todo ser vi\'o Ô antes de' tudo uma em p rega, num sentido inconscientemente profundo.
unidade, e tudo quanto nêle se des en vol ve tende a se rv ir a
\. Vemos os cientistas em geral, quando estudam os fenô
essa totalidade. ( 1 )
( menos vitais, considerar o ser Yivo, ora como uma entidade
A vontade é individual, surge do indivíduo, é uma ema sintética que se defende, ou qu e reage contra a variação caó
l. nação do indivíduo. Ela surge de um conflito interior ( deli tica do meio exterior, ora como apenas uma emanação de fac
c .\ beração ) , ela escolhe, ela passa à ação. Essa complexidade tos naturais, uma forma em continuidade com a realidade fí
da vida, que leva ao desenvolvimento da parte "olicional e à sico-quÍmicá, susceptível de um detenninismo tüo rigoroso
l.'
redução da parte puramente reflexa do homem, coloca-o in como o dessa realidade; UIll de tennin ismo matemàticamente
l teiramente em face de uma heterogeneidade de possibilidades geral.
(
No entanto, se o ser v-lvo participa apenas do mundo flsi
(1) Esta tese é por nós desenvolvida e m "Teoria Geral das
C e o - qu Í mico, como poderia êIe \ 'ol tar-s c contra êste?
Tensões " .
t_
(
(
( .
( I
258 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO
(. 259
I,, De uma c oisa todos nós temos certeza, temos c erteza por� Assim COmo a lógica foi buscar da afectividade seus con
C. que a vivemos em n6s, porque ela nos avassala, nos penetra: ceitos mais profundos, como os de substância, de ser, de �..bso
a afectividade (a dor, o prazer, a alegria, a simpatia, o desa luto, de singularidade, hoje, mais do que nunca, terá a nova
(,I
gradável). Vivemos a dor, somos a dor e a alegria. Podería 16gica qu.e se forma, essencialmente dialécUca, que buscar na
mos dizer que temos consciência da dor? Não; temos a vi afectivirlr.de novos conceitos para explicar o dinamismo da
vência da dor. exbtência , COmo já a filosofia foi buscar têrmos como vivên
cia, patência, pathos, etc.
r • Vivemos a dor e a alegria. Ti; a dor um ser apenas rel a
tivo? Sentis como uma relação? Não a sentis como sufi Quando observamos o nosso corpo vemos que é êle ob
ciente em si mesma? Sentis a dor sem necessitar de outra jecto do nosso conhecimento, mas quando sentimos uma dor,
\ coisa para vivê-la, porque a viveis em v6s mesmos, direta numa parte extensa do corpo, êle já não é apenas objecto,
mente, intuitivamente. Ela é ela mesma, em si mesm a, não se mas sujci'to também, sentimo-lo como objecto e sujeito. Na
\. .
transfonna em outra coisa, não é causa de nada, diferente de verdade não é mais objecto nem sujeito, e à proporção que a
i si mesma, não está relacionada com o que quer que seja para dor aumenta e cresce, ela nos avassala, e êle deixa de ser
'- ser o que el a é. IludiramMnos as condições experimentais que corpo. ( Neste caso, quando a dor aumenta de intensidade
a acompanham, que foram julgadas como se a constituíssem, até graus elevados, excepcionais, sentimos que há um conflito
til
quando apenas a despertam. Um estado afectivo não nega agudo dentro de n6s, uma luta, um debate entre o que sente
nem afirma; é. Não é contraditório nem não-con tra ditório. c o que é sentido, dois campos opostos, mas cuja oposição
l!:, Não existe por oposlçao a outra coisa; não está sua exis vai aos poucos desaparecendo, até não ser mais sujeito nem
tência baseada numa c ontradição. É. objecto, até tudo Ser apenas dor). (1)
\.
o estado afectivo é uma singularidade. !: c aracteristi Tem' sido R. afectividade um te rn a desprezado, posto à
,
camente diferente de um facto qualquer do mundo exterior. margem pela fEosofia, estudado apenas sob aspectos gerais.
(, Podemos prever uma dor como possibilidade. Podemos evi Estamos agora, graças às novas tendências, sobretudo depois
tá-la. Somos potenc ialmen te sofredores, como sa bemos que do grande desenvolvimento que tem tido a corrente exbten
l
uma vida sem dores nem alegria é impossível. O estado afec� cialista, penetrando num campo novo, numa nOva metafísica
'
\. ,
regional a "metafisica da afectividade".
tivo é {mico em sua. e�istencialidade, irrepetíve1.
,
t Quetcrnos tão somente chamar a atenção para êste tema,
O que sucede é um outro estado, novo, que a nossa me
( porque terão oportunidade, na leitura de livros de filósofos
mória permite comparar com outro anterior. Mas €I ' estado
moderno!:;, de encontrá-lo tratado das mais diversas maneiras
( afectivo é intensidade, intensidade quase pura, e podemos
Quando uma e sob ângulos dos mais díspares. Mas, pelo menos, não en
compreendê-lo mais intenso ou menos intenso.
C trarão nde absolutamente ingênuos, sem ter tido uma noção
dor se ausenta, sentimos sobrevir uma alegria.
l da grand,e problemática que oferece e que nós, na "Noologia",
Após uma dor aguda, sua ausência nos alegra. 1fas tudo teremos 'lcasião de estudar sob outros ângulos.
c isso nãu nega sua singulariuade, porque não poderíamos COn
l ceber essa alegria apenas como urna ausência da dor, porque
(1) Na f7 Jnesl?, qut! é o "conh edm en to" afectivo, há maior
ela é algo que se dá como é, porque é, tem positividade, po GU menor fus ão entre su j ei to e objE!cto, porque o sujeito conhece
í_
sição. Ela surge como positividade. o que nêle se dá. É êle mesmo o objecto do próprio conhecimento.
l
L
,
•
Com Baumgarten, ainda, o belo era como uma espécie de A cstética objectiva pode ser estética formal ou estética (
perfeição confusamente concebida. Com Kant é que se pode material. A primeira, esboçada por Herbart, e continuada (
estabelecer a distinção entre estética subjcctioa e estàica ob por Zimmennann e outros, estabelece a existência de certas , (
jectiva., cuja divisão marca a prednminância da idéi� funda- idéias e certos conceitos , gerais que são belos. E quando o
.
mental, como já veremoS. objecto concorda com essas idéias, com o formal, é êle belo.
pn,ra a estética subiectiva, que é uma estética psicológica, Neste caso o belo seIo as idéias. 't
o belo está nO homem, é o subjectivo. A beleza não ,está nas A estética matcrial pode ser apócrifa ou autdntica, (
coisas, está nO homem. É êle que empresta às coisa:; o belo.
É apóerifa quando o belo é explicado por dados extra t
E como a natureza humana é mais ou menos homogênea em
estéticos.
todos os homens, êstes podem sentir igualmente ;>, beleza (
quando a imaginaçãO se harmoniza com o entendimento. En Assim procede o religiosÇ1, quando afirma que a beleza t
tão chamamos êsse objecto, que consegue provocar tal esta do mundo está na revelação do Absoluto que o criou, ou He
do, de belo. gel que, para definir a beleza, parte das Idéias Absolutas, que t
É à forma do objecto que o nosso juízo estético se refere, são pllra êle o único real. t
porque é ela que suscita em nós o jôgo harmônico do entendi Desta forma o belo é a manifestação sensível da Idéia. t
mento e da imaginação. Mas essa forma não foi feita com A estética material apócrifa póe outra coisa para explicar o
o fim de que a encontremos bela. A forma do objecto não t
belo. Se o belo é o revelar-s:e do Absoluto, então tudo seria
é uma finalidade, pensa Kant. t
belo
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(' 262 MARIO FERREIRA DOS SANTO� FILOSOFIA E COSMOVISÃO 263
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A estética material autl1ntica vê no fenômeno do belo para alguma coisa, o valor vale. Nos intuímos o valor por
(' algo que é sui gcneris, que é típico, e que não pode absoluta� uma intuição não sensível; portanto, direta. Vejam-se êsses
(I' mente derivar de qualquer outra coisa conhecida. Assim o tênnos que expressam valôrcs, tais como: sublime, vivo, trá
belo é alto tipicamente belo. Inúmeros autores, tais COmO gico, s.' mples, graça, tensão, ritmo, unidade, multiplicidade,
�,
Geiger, , Dessair, etc., procuram êsse algo original que é a elevação, amplihlde, etc.
Il' razão do belo. Entretanto não conseguiram achar a essência São têrmos tirados de experiências sensíveis muitos dêles,
II' dêsse algo original. Actualmente, no entanto, COm Geiger, mas têm todos um valor estético.
inicia-se uma tendência a considerar o valor como êssc algo
(\\ Os meios de expressão elo belo na obra de arte são diver
originário do belo. Surge, assim, uma estética dos valôres,
como estética material autêntica. sos, como palavras, sons, côres, etc. :f:sses meios servem pa
\�,
ra expressar valôres estéticos. E devem ser considerados
�, Esrudcmos agora, porque é fundamental para a compre apenas meios. Quando um artista os transforma em fins, te
ensão das diversas opiniões apresentadas, a essência do belo. mos então urna obra de arte inautêntica, o que é muito COw
�
Aceitawse que o belo é apreendido imediatamente, sem mum encontrar nas obras de arte, até de grandes autores.
til Por outro lado, ° artista deve usá-los adequadamente. Há
necessidade de um conhecimento, nem de reflexão. Quando
li' olhamos uma obra de arte, tomamos o belo, aprcndemowlo uma variedade imensa de meios de expressões e uma verda
sem necessidade de raciocínio, e quando olhamos demoraduw deira ordem entre êles.
'j\
mente uma obra que ainda não nos provocou essa emoção,
\il esperamos até que, quando menos se espere, êle nos surja. • •
III Por isso o belo se nos apresenta como algo original, como algo
I.!'
i
de um tipo peculiar. O belo não é s to nem aquilo, é o
belo. Antes de encerrar êste tema, desejamos lembrar a apli
III cação de nosso método na estética, que pode oferecer novas
Como s6 algumas coisas nos parecem belas e outras não,
possibilidades de entrosugern dos diversos pensamentos es
\;., há de haver, no belo, alguma coisa de objectivo e não apenas
parsos na obra variada e numerosa sôbre o assunto. Não há
subjectivo.
l." que negar que se nota, em tôda a estética, o mesmo antagow
Surge aqui um ponto de vista que mercce atenção: é o nismo que se manifesta na extensidade e na intensidade.
l"
que afirma que o belo é supraindividua1. Uma coisa doce e Quandv o artista exagera a extensidade, exagera os meios,
l' agradável ou não a cada indivíduo; é relativa a cada 'indiví acentua-Os. A intensidade simboliza os caracteres qualitati
L' duo. O belo não é relativo; é belo. Independe do indivíw vos da obra de arte, o que o artista diz. Os valôres estéticos
duo, por isso nem todos entendem do belo, e eis por que há são api'eeendidos diferentemente. Ora há quem os apreenda
L
-os entendidos do belo. intensamente, ora menos.
l'
Não se pode dizer que o belo do quadro esteja nas tintas, Isto serve para mostrar que há uma relatividade, não dos
l' nem no pano, ncm na moldura. f:ste algo, (Fie é o belo, IÚO val6res' propriamente, mas uo cuntemplador da obra e co reaw
L' está no quadro, é um valor estético. E é chamado valor lizador- da obra. Os valôres estéticos variam na história quan
porque não é um ente físico. As obras de arte têm relações to à sua apreensão. O que numa época é aCh1alizado, noutra
I.
com os valôres estéticos. O valor não vale para algu8m ou não o é ou O é menos. Dessa forma, vemos o carácter hisw
1-
....
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264 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 265
t
t6rico da própria arte, que reflete também a alma de um ar Kant divide os imperativos em duas espécies: imperativos t
tista, de um povo, de uma era. Há valôres descobertos por hipotéticos. quando são válidos em. certas suposições, e im�
t
um artista , que só gerações futuras estão aptas a compreen perativos categóricos. que valem sem condições.
"
der. Como exemplo do primeiro, temos a cortesia pa ra agra
dar os outros, e do segundo, o "não furtarás".
São tais factos que têm levado a muitos julgarem que h6. �
uma relatividade dos valôres, quantIa, na verdade, há uma Tôdas as leis morais são imperativos categóricos, os quai:ii
l
relatividade do sujeito que os ap' cende, Os valôres, como resid.em em princípios apriorísticos. (Já estudamos bem em
potência, já estão em tudo, suas actualizações variam histo que 'consiste o a priori para Kan t ) , Portanto a lei moral só l
ricamente, como já verificamos C]uando estudamos os valôres. pode dizC'r: "Obra de tal modo, que a máxima de tua von� �
tade possa valer sempre em clualqucr tempo como um prin
cípio ulliversal". t
concepção do moral. �
A palavra ética é derivada da grega ethos, que significa
. A ética material pode ser considerada corno ética dos ..
costu me. Mas é com Aristóteles (l'LiC passa a ética a ser a
bens e ética dos 1Jalôres.
ciência do moral. O moral, na ética, é tanto o moralmente �
bom, corno o moralmente mau, por isso se empregam, em éti A ética dos bens é aquela que torna a moral dependente
ca, os têrmos bom e mau, indicando s empre o moralmente dos bens reais, que são objectos de estimação do homem, ou �
bom ou o moralmente mau, dos bens ideais, que são objectos finais de sua e!timação ou I,
aspiração, Bom, portanto, é tudo quanto permite ou auxilia
Quanto à essência do moral e segundo as suas res"postas, I
o alcance dêsses bens ou fins,
palIemos dividir a ética em ética formal e ética l1:aterio.!. '
Tais são o prazer, a felicidade, a utilidade, a cultura, o �
Kant é o representante da ética formal Afirmou que fortalecimcnto da vida, etc.
não se podia definir a moral, fundando-se apena s na experiên
As principais correntes da ética dos bens são: �
cia. :f: necessário um juízo de validez universal para afirmar
mos que isso é bom ou mau. Nem o Lom, ncn, o m�u têm O hedonismo ( dc hcdonai, palavra grega que significa
nada a ver com o agradável e o desagradável, porque o agra "eu me deleito") torna o moral dependente do prazer sensíveL
dável pode ser moralmente mau e o desagradável moralmente Os cirenaicos defenderam essa doutrina que, esporàdicamen�
bom. te, surge na obra de alguns autores materialistas.
A experiência só pode proporcionar contingências e pro O eudcmonismo ( de eudaímonia, que significa felicida
babilidades. O moral, para ser illdependente da experiência, de) tem como fim a felicidade e spiri tu al , o estado de conten
tem que ser dado a priori, Há de haver, porta lto, u,:na lei tamento da alma. Foi essa doutrina defendida por Sócrates.
moral que seia válida em qualquer circuns tân cia, O utilitarismo é a doutrina que defende a moral pela uti
A vida prática do homem é regulada por tôda uma classe lidade ou bem-estar do indivíduo ou da colectividade.
de princípios e leis, as máximas, as opiniões, etc. Essas leis O perfeccionismo afirma que o moral está na plena reali
são objectivamente válidas, são imperatiüas. zação da essência humana, na perfeita condução segundo a
,-, - ;....:-,..;
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266 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 267
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-( natureza racional do homem. Era essa a opinião de Arist6� trina, são- processos apenas e nada mais. Não são bons nem
teles.
o( maus, como tão pouco podem ser verdadeiros ou falsos.. O
,
o naturalismo prega o pleno desenvolvimento de tôdas as que há de bom ou de mau são os valôres, e os va16res não
-{ inclinações e impulsos da natureza humana, como facto de são, valem. E é dêsses valôres que tais ações são dependen�
{ moralidade, tes para que, em sentido translatício, possam ser chamadas de
boas ou más. Os valôres éticos não são, valem. Os valôres
( o evolucionismo afirma que o progresso da humanidade
éticos não são pensamentos, porque os pensamentos são ver
é o f. m determinante da moralidade,
( dadeiros ou falsos.
A ética religiosa afirma que a moralidade estú na confor
( midade cOm a vontade de Deus, e o mal é rebelar-se contra Vimos que os valôres são polarizados, A um valor po
( essa vontade, sitivo há �empre um valor negativo que lhe corresponde. S6
os valôre," podem ser bons ou maus, Um pensamento não é
< Outra divisão que se pode fazer sôbre a ética dos bens, bom nem mau, E quando se diz isso em linguagem comum,
consiste em fundá-la no destino que se dê a� s bcns ou fins a
, faz-se em sent�do translatício, porque ser bom ou ser mau
que se aspira: se tendem para o indivíduo, temos o individua cabe só aos valôres, Nisso está a forma de realidade dos
{. lismo, se para a comunidade, temos o universalismo. O indi mesmos,
(J dividualismo é egoísmo, quando o que actua quer ser útil a
si mesmo, e altruísmo, quando quer favorecer a outros, Por Essa ética, a dos valôres, como dissemos, é uma nova
4. isso pode haver um individualismo altruísta, quando se des corrente do pensamento que ainda não deu seus melhores fru
, tinam aos indivíduos da colectividade os bens ou fins dese tos, J]]'lS deixamos aqui, em linhas gerais, o conteúdo dessa
jados. doutrina para o conhecimento geral do leitor.
'
Critica-se a ética dos bens, em tôdas as suas tendências,
( porque não explica o moral, mas já o aceitam previamente • • •
t como dado,
l. Falemos agora, da ética dos ool6res, Esta está ainda em Examinemos agora como consideram os estudiosos da
"
t seus primórdios, apes ar de já haver uma bibliografia extraor moral a proveniência da fôrça obrigatória dos preceitos mo
..
dinàriamente vasta, e estudos notáveis como os de Scheler, rais.
( Nicolai Hartmann, etc,
Podemos dividir, sob êste ângulo, a ética, em: ética he
( Os defensores desta corrente afirmam que uma ação não terônoma e ética autónOma. A hetcrônoma afirma que o
t, pode ser nem boa nem má. Uma ação é um processo psí fllndamel'll-o da obrigaçi.o moral vem de uma lei estranha aO
quico ou psicofísico que se dá num lugar e no tempo, A indivídllo. Segundo ela, a vontade se submete a uma vonta
L ação transcorre; é, simplesmente. E nesse ser está tôda a sua de superior, vinda dc Deus 011 do Estado, etc, A autônoma
t. realidade, � apenas uma simples existência sensível que, aceita lei, próprias c afirma que ela deve vir do próprio cum
passada, não deixa mais rasto. � acaso verdadeiro ou falso o primento' da r-ç'üo moral. Esta ó a defendida pela maiorin
t
curso da corrente de um rio? E o vento que sopra, é verda dos éticos. Quando à origem da moral, pode dividir-se ti
l deiro ou falso? �stes .processos simplesmente süo. A pró r"lica em ética epriorística, que a afirma independentemente
pria vontade do homem, continuam os defensores dessa dou-
4- da experiência, a de Kant, por exemplo; e ética empírica, que
4-
"
.-
•
•
•
268 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
•
afirma que o moral provém da experiência. Entre os primei •
ros temos Sócrates, Kant, Platão, Aristóteles, Descartes, Spi
noza, Leibnitz, etc. Entre os que defendem a s'?gundl posi •
ção, temos Spencer, Darwin, Morgan, Lubbock, Ba.<:tian e
muitos outros. Uma terceira escola, não examinada em geral
pelos éticos, é a da ética i1TWt1Cnte, defendida por Proudhon,
e que foi completada por Kropotkine. Para Proudhon, a ética
é imanente a todo o humano, e há princípios fundameutais
de ordem intrinseca em tôdas as coisas, actos, processos do
homem. Kropotkine quis fundar uma ética biológica, em
base no apoio mútuo. Os animais bisexuado-,> nec..:ssitam
apoiar-se uns nos outros. O homem não pode viver isolado
e necessita de seus semelhantes. Tôda a vida em co�num é
uma vida de apoio mútuo, em que uns têm de apoiar:se nos
OUITOS por uma necessidade biológica.
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