Você está na página 1de 133

o

O
1.& edição: Agôsto de 1952


2.a edição: Janeiro de 1955
1 'J,.�

5<1-36# •

íNDICE


Pre�ácio 11
O
Introdução à Filosoiia Geral 15

17
C)
Um ap61ogo para introdução

As antinomias e o dualismo antinômico 47


C)
o pensar 60
C)
Ciência _ Teoria do Conhecimento ......." . . , . . , . . , . . . 79 C)
Ciência e suu� possibilidades , . .. • •. • • . • • . . • • . , • . , • . . • • , . 96 I)
Auálise unitária da Filosofia •....... , . • . , • . . . • . . . . , .". 113 I)
Cosmovisáo 121 I)
A Razão 147 f)
Análise dialéctica das contradiçõetl .... " ... ,.. , .. ,.,." . 164 O
Principias da Razão 178 I)
Conceitos da Razão 194 ()
Dualismo antinómico como Vlsao cientifica e filosófica ()
do mundo ...... . .. ,. , 219
c:;
, . . . ' . . , . . . . . . . . , . . . , . . , . . . .. .

Pensamento matemático e elaboração científica da expe-


riência , . , • . . • . . , . " . . • . . , . . , . . , . . . , . • , . , • • • • •' • . • , . 234 ()
A consciência 249 O
A Afectividade 257 ()
A Estática e a l!ltica ...... , . , . . . , . . . . " . . . . . .. . .. , . " . . 260 ()
O
()
O
c.,
TODOS OS DIREITOS RESERVA;)OS
(.)
c.,
O
"-

""" ..,.,
-
=
'" ....
• "'"

"" =
-
'" "'"
tJ =

=-
<> O!'! ..,
-
� -
o "'"
...
....
= ...,
OBRAS DE MARIO FERREIRA DOS SANTOS

Puolicadas:

• Filosofia e Cosmovisão. - 2.a edição.


• Cu)'<;o de Oratória e Retórica -- 3.a edição.
• O Homem que foi um Campo de Batalha. - Prólogo, de
"Vontade de Potência" de Nietzsche. - Esgotada.
• (Com o pso::uuônilllU ue Dan An­
Se a J<.;sfmge Falasse ...
,dcrson). - Esgotada.
• Realidade do Homem - Com o pseudónimo de Dan
Anderson.
e Tratado de Economia _ edição mimeografada. - Esgotada.
• Lógica c Dialéctica (Incluindo a Decadialéctica). - Esgotada.
• Psicologia.
• O Homem que Nasceu Póstumo. - Temas nietzscheanos.
• Técnica do Discurso Moderno.
• Análise Dialéctica do Marxismo.
• Curso de Integração Pessoal.
• Teoria do Conhecimento (Gnoseologia e Criteriologia).
• Assim Falava Zaratustra - De Niezsche, com texto expli­
cado e análise simbólica.
• Ontologi� e Cosmologia.

No prelo:

• As�im Deus Fa1011 ao); Homens - Coletâneas dos trabalhos "


publicados çom [) pseudônimo de Mahdi Fezzan.
• Tratado de Simbólica.
.,
• Aristóteles e as Mutações - Ree:xposição analítico-didática ti
do texto aristotélico, acompanhada da crítica dos seus mais
famosos comentadores. ti)
• Filosofia da Crise.

A publicar: .,
@ Tcologia e Teodicéia.
@ Psicogênese e Noogênese.
ti
@ Noologia Geral. .,
@ Ética.
@ A:xiologia (A Ciência dos Valôres). •
@ Temntica e Problemática Filosóficas.
@ Teoria Geral das Tensões.
t'
@ Dicionário de Filosofia. •
@ Filosofia e História da Cultura.
@ Sociologia Fundamental. I'
@ Psicologia Social.
I


I •
�_ r !

"

I,

'I

'I

I.

I,

I.

'I

" PREFACIO
I,

I 'i
I�
Um professor alemão, o primeiro a iniciar-me nos estudos
" da Filosofia, conhecedor do nosso povo, costumava manifestar­

I
me fi sua admiração pela inteligência de nossa gente. Para êle,
1/,
que percorrerr' tantos países, que ministrara lições em tantas
" universidades e escolas do Ocidente e do Oriente, era o brasi­

I
lO
leiro o aluno mais vivo, mais inteligente, mais sagaz no racio­
cínio, e de mais profundas intuições que conhecera. No en­

II
.. tanto, punha uma restrição. Julgava-nos demasiadamente in­
... quietos ( desequilibrados quanto ao conhecimento. Afirmava­
me ter 'encontrado grandes valôres, homens de capacidade
...

I
extraordinária, mas, em muitos aspectos, falhos de certos co­
,ti nhecimentos elementares, que eram como abismos por entre
... cumes de montanhas. Atribuía êsse desequilíbrio à natural
pressa dos povos americanos e fi f::tlta de disciplina mais rígida
... no trabalho. Nessa época, considerava eu as suas palavras
fi um tanto exageradas. Mas, com o decorrer do tempo, e atra­
vés de aulas e inúmeras conferências, palestras e debates que
••
empreendi, verifiquei assistir ao meu velho e venerando mes­
<I tre uma grande sorna de verdade.
II Atribui-se êsse nosso defeito no autodidactismo que todos
..
sem excepção, neste país. somos obrigados a seguir. Sempre
fui um admirador dos autodidactas, porque um estudo apurado
lO da hist6ria e da biografia dos grandes homens, revela-nos que
,. entre os. maiores criadores, o número dos autodidactas é sem�
pre maior do que daquêles presos a uma escolaridade rígida,
"
quase sempre prejudic�al fi capacidade criadora.
"
Não seria, porém, êsse apenas o factor decisivo, pois outros
I' poderiam amoa ser propostos.
II Foi considerando tais aspectos reais de nossa povo que ao
,I
empreender os meus cursos, c depois decidir, a pedido de tan-

"



13
FILOSOFIA E COSMOVISA.o
12 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •
E nada melhor atesta a conv
eniência do método escolhido •
tos alunos, transformá-los em livros, compreendi que não se les dedicados ao estudo
deveria ministrar filosofia, n o Brasil, seguindo os métodos de
que Oprogresso verificado entre aquê ,
, o que, sem apelos a fal�
da filosofia, segundo as minhas aulas •
povos que têm uma disciplina de estudo muito diferente da
r de considerar a melhor paga
sas modéstias, não posso deixa
nossa. Por essa razão, sempre julguei que, ao lado do tema
aos meus esforços. "
mais profundo, havia sempre de comiderar aquêles abismos S
MÁluo FElUUill\A OOS SANTO i
de que lHe me falavu. Foi essa a razão que me lt:vuu, ao pu­
blicar êste primeiro livro da série de meus cur'sos de Filosofia, •
a usar uma linguagem dentro de certo rigor filosófico, mas
(I
considerando, na exposição, êsses abismos e nunca pressupor
o conhe()imento, por parte elo leitor, de certJS aspectos ele­ la
mentares da filosofia, que devem e precisam- desde logo ser
e
esclarecidos.
E foi pensando assim que executei essa obra desde uma
,
explanação mais simples até, na Cosmovisão, (segunda parte Q
do livro), tratar dos mais profundos temas da filosofia, embora
Q
ainda de forma sintética, com uma linguagem mais rigorosa.
E: posslvel que m\1ito� dos' leitores, que já manusearam li.
la
vros de filosofia, e já tiveram contacto com o pensamento filo­ ti
sófico, encontrem passagens demasiado simples, Mas êsses la
formarão apenas nma parte dos leitores, e .lão a maior, e
deverão comprender que, se assim procedo, é por considerar
o
uma das características de nosso povo, o que -me leva a usar o
um método que corresponda à nossa índole e possa, por isso
mesmo, ser de maior e mais geral proveito.
o
Nos livros sucessivos, que formam a série de minhas obras
o
de filosofia, os temas passarão a ser tratados, já considerando ti
o conhecimento do que é exposto neste volume, para poder
fi
avançar cada vez mais anallUcamente no estudo das matérias,
para encerrá-las em uma concreção global, que é o terceiro es­ o
tágio do método que escolhi para o estudo da filosofia, e que o
a experiência já me mostrou ser o mais eficaz,
I)
Após o estudo sintético, scgue"se a análise dos temas abor­
dados abstractamente, para devolvê-los à concreção de que
«>
fazem parte, evitando, assim, que o estudo da filosofia se tor­ U
ne, o que cm geral tem sido, campo de clocuLrações abstrac­
(.,
tas para transfonnar-se numa ampla vislio do mundo e numa
metodoIgia para a pr6pria vida. CJ
CJ
()
t
o�_�--- ----
UM APOLOGO PARA rNTRODUçAO

Que diríamos de quem quisesse dar valor apenas aos fac­


los sensíveis e proclamasse, por exemplo: "Basta a experiência
dos meus sentidos", E ainda acrescentasse: " ...o que os
llJ.'IlS olhos vêem é a única verdade, e êles são a medida de
tôdrt a vercbde", Ou então; " .. 56 o que ouço é para mim
,

r:;Z0fosamcllto exalo", Seria o mesmo se os sentidos, ao volta-


10m-se para o cérebro, dissessem: "Tuas generalizações, tuas
eoordena�'ões SfLO pummente abs:ractas, meras elocubrações sem
nenhuma realidade. Nós não precisamos de tuas reflexões só­
l)[(� noss os actos; basta-nos apenas sentir, e nada mais. O
que tu fazes é obra morta, anquilosada, estática; um pobre
fantasma, criado por ti",

Pois bem. As ciências especializadas são como os senti­


dos; sao predominantemente cmpíricas, expcrimentais. Mas, a
no,sa e�periência não é apemas esta. A inteligência regula
nossas actividades, escolhe, selecciona, descobre reláçõcs que
os sentidos não podem alcançar desde logo: mostra erros e
ilusões qne êlcs cometem e dos quais sofrem; corrige-os, melho­
ra-os, adapta-os, ensina-os a procederem com mais cuidado, Cl
l!lC i,;\-os a alcan(;arcm bases m<.is s6lidas.

Pois assim ó a filosofia. €l


• • • C,
CJ
o que acima dissemos não esgota o que se entende por
Filosofia. Toca de leve apenas no seu se'ntido, que é muito CJ
amplo, ° qual iremos examinar aos poucos, à proporção que t
penetremos por êsses jardins maravilhosos que são as mais
belas criações da inteligência humana. Mas, embora não es­
t.
gote o que se entende por Filosofia, serve para, de imediato, •
mostrar utilidade do seu estudo, o que ora iniciamos.
li



.,

••

.,
FILOSOFIA E COSMOVISÁO 19
., 18 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

., te, uma A Filosofi a é um conjunto de idéias que fonnamos, que


é um convi
Vamos estudar Filosofia, e êste livro n6s construímos através dos tempos. Ora, estamos observando
de Filosofia sem filo-
.,
incitaçã o a filosofar, porque não se apren
que, para chegar à idéia da Filosofia, necessitamos prêvia­
., ;ofar.
mente saber o que seja êsse I1ÓS de quem falamos acima. Eis
o em que con-
Sempre se impõe, em primeiro lugar, saber
,.,
., o primeiro problema que se nos depara: Que é nós? Que
siste o que se pretende estudar. idéia furmamos de n6s? Que pensamos que somos n6s?
."
: que é, pois, Filo-
A primeira pergunta nos surge então SomlJs todos os sêres vivos ou somente os sêres humanos?
,, '
wfia? Ou um r;úmero limitado dêstes? Quando o cientista fala em
,, ' Ora, antes de respondennos "em_que_consiste", diyague­ n6s, não· quer referir-se apenas aos cientistas? E os cristãos

mos um pouco e nos acompanhe o leitor nessas divagações. quando falam em nós, não guerem referir-se apenas aos cris­
,,'
tãos? E o mesmo não sucede com outros grupos sociais que
Se olhannos para uma noite de estrêlas, logo noS snrgirá
". têm semlJre m.la consciência restrita do que seja nós?
à mente q uant o s mistérios encerram essas luzinhas trêmu las.
.,. Com esta pergunta jú estamos interrogando, c nessa inter­
Hoje, depois de milênios 08 estudos e invcstigaçõl's, sabe­
,.
.
rogaçã o já começamos a fazer filosofia .
mos que êsse mundo sideral é com posto de planetas, estrêlas,
satélites, galáxias, nebulosas, Em suma: 11m Universo Que gueremos com essa interrogação? A que tendemos
. ,. r,ovae.

de mundos. (Considera-se universo, em linguagem llfltuwl­ com cssa interrogaçilo?


".
mente filos6fica, o conjunto de tudo o qm� existe no tempO, c Telll:rmos a uma rE'spo.,>ta. A interrogação e:dge uma res­
.. 110 espaço). Nosso planeta faz parte clêste univcrso d8 mUll­ posta.
dos, e naturalmente nós também, como partc deste 11l1l11do.
.. Mns umtl n'�posta qlwlql1cr? Não; exige uma resposta
Mas, a Filosofia é também \\111 llniocrso, 11m "\\11i\"('I'­
.. m:\s q11e aclare, que esclareça, \lllla resposta 1111c responda. A in­
so de discurso". A exprcssilO se deve no \{lgico l)L' \llJl'g:1ll terrogação revela, portanto, um 'Increr saber. Ela qucl' saber.
.. (Inglês 1806-1871) e significa "o conjunto das idéias, 011, Illflis A Filosofia € a.isin: um sabcl', um (lucrer saber.
.. exactamente, das classes l6gicas, qlle são tomadas cm comidc­
I\las, continuemos na� nossas explornçoes, que cmbora nos
ração num julgamento ou num raciocínio". Assiln, por ex., n
.. nfirmaçilo "nenhum cão fala" é verdadeinl nO "Ull,\'{'rso Llc
pareçam -simples, são tflo llecl�ssárias porque com o tempo ve­
remos muita coisa se nos parecer complexa porque não se
• discurso" d a Zoologia, não, porém, no da Fábula, porque, nes­
teve,....prêviamente, o cuidado de decompô-la em suas partes
ta, um cão " po de" falar.
• simples.
Quanto à filosofia, ela tem um "universo de discurso" Tlum
• O homem é um ser que interroga constantemente. Assim
sentido mais amplo que o da 1 6gica, pois ela se interessa pelo
• ram e com o se dará com os que nos sobrevirão. Que buscava
todo, estuda tudo, e o seu universo de discurso abnmgc o con­
se dá eonosco, como se deu com os homens que nos precedc­
• jun to de tÕdas as idéias. Ela tem suas palavras, l ll'oblcmas,
o homem com essas perguntas senão respostas que f6s,em es­
interrogações, verdadeiros astros, estrêlas, nebulosas, 110GaC,
• clarecedoras? Mas se per gun tússem os : respondeu o homem
etc. H6. princípios que brilham mais intensflmente como sóis,
porque interrogou, ou interrogou porque respondeu?
• outros são lobrigados distantes, como nebulosas. llú c;xp,es­
sões claras, outras tímidas e balbuciantes. A pergunta não é descabida. Senão veja mo s: ima gi nemos

um homem pr imitivo que. p ela primeirn vez, assiste !t erupção


.1 ,. 'I'


20 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMQVISÃQ 21


de um vulcão. tle se espanta; assusta-se. Aquêle facto no­ tiactividade cW filosofia é a 7.a nota. Ao encontrarmos
vo, ins6lito, espicaça-o, incita-o. Estt-. ante algo ([1(e nunca essa� sete notas da Filosofia, ainda não esgotamos o sel! COIl' •
vira. TÔclas essas emoções que sente são um interrogar. Que ceito, mas já estamos filosofando sóbre a filosofia. •
é isto? Procura explicações. (Explicar, vem de ex-plicare,
verbo latino que significa desembrulhar. Plicare, fazer prl> <, •
o
t;"'s, rugas, explicare, desenrugar, desfazer, por exen'p!o, \llil •
pacote, etc.). Assim êle quer saber o que é aquilo. Mas
Que procuramos revelar com a filosofia? Onde pretende­ •
quer algo que esclareça, E dizer que é um deus quo� se rebe­
la, ou um inimigo poderoso que se manifesta, um castigo do mos penetrar? A análise que já fizemos logo nos revela mais •
um elemento; O desconhecido, um problema, uma dificuldade,
seu d eus pelos erros cometidos, pode ser para êle uma expli­ •
cllçãO que lhe satisfaça ou não. Do contrário procurará novas aporia, pa l avra que significa ,�ssa dificuldade teorética, têrmo
I espostas, porque êle quer explicar aquilo tudo. que encontraremos muitas vêzes nas obras de filosofia, o que •
Ora, para responder ou para perguntar, são exigh eis;
[lopu!anllCllte .�\;ria "[:111 (j:i('br�l-cabeças". •
1) o homem; Eis a B.a nota. Rcalmcnte, o desejo de saber já i mplica, •
j{l trazem si, a idéia do desconhecido, pois não procuraríamos

2) uma provocação, uma incitação,
sabc!' o que já conhecemos. Qual a impressão que nos dá êsse
3) um pensar, um desejo, um anelo; desconhecido? f:le nos dá a impressão de um limite, de uma •
4) uma necessidade de saber, ce respollder, 6' esta im- coisa que nos limita, que so nos aparenta uma barreira que •
plica: desejamos galgar. Há, portanto, o desejo de transpor a bar�

uma insatisfação ou uma satisfação. reira. Que instrument'o usamos?
:5) •
Nós anotamos agora 5 elementos que são os mais primiti­

vos para conceber o que seja a filosofia. São 5 notas (palavra
muito usada em filosofia, que significa um oomponente conhe·
o PENSAMENTO e
cido de uma coisa. Por ex., o ser racional, no homem; o ser
Nós mesmos nos encontramos agora em face de uma per­ ..
quadrúpede, no oavalo; o "ter assento", na oadeira, etc.)
Já começamos a estabeleccr, de maneira primária, o "em­
gunta: Que é a filosofia? E queremos responder. ..
que-consiste" a Filosofia. Se buscamos transpor essa barreira, venoer o limite com o e
pensamento, estar, portanto, guiando o pensamento, dando­
o e
lhe uma direção. Desta forma salientaremos logo mais um
elemento na filosofia: é que ela neoessita de uma direção do ..
A insatisfação da resposta gera novas pergunta�. A insa­
tisfação só pararia na satisfação, e esta serla o alcançar de pensamento (9.a nota), uma direção no seu choque contra o ..
um fim, de um limite. Enriquecemos o conceito de Filosofia limite, oontra o obstáoulo para superá-lo, vencê-lo. c.
.com alguma ooisa mais: alcançar um limite, que é a 6." nota. Outro elemento logo se nos revela, que é a lO.a nota: uma c.
t fácil já peroeber-se que a Filosofia não é, pnrtanto, es, wperaçüo.
tática, mas sim dinâmica, e se dirige para um fim; é um saber '"
A filosofia procura superar os obstáculos que são o desco­
que se move, através de perguntas e de respostas.
nhecido; quer revelá-los, e ir além. l


e
I: :

"
"

"
I
• 22 MARIO FERREIRA DOS SANTOS F:LOSOFIA E COSMOVISAO 23


Mas, para alcançar tal firo, 8 exigível uma concentração l\.fas quando estiver nessa avenida, percorrê-la, terá dcla
• do pensamento, uma tensão M pensamento (11.11. nota); ne­ uma vivê�lcia, porque alé.m do que tenha aprendido, também
• cessitamos, ao dirigir o pensamento, dar-lhe uma tensão que viverá, um momento, essa aveniua.
o concentre na luta contra eSila barreira. Assim, para filosofarmos, precisamos viver a Filosofia, ter
• <,
O elempntn dinâmico que descobrimos na filosofia, de­ dela uma vivência. Ora tais vivências formam perspectivas
• monstra que, para comprendfl-Ia, precisamos fazer filosofia. diveTsas e, po rt anto, condicionam lima variabilidade de inter­

• Muitos poderão dizer: "Nada de novo nos dizeis; já sahíamos pretações do que seja a filosofia.

tudo quanto dissestes". Por '5S0, smgem diversos enunciados, os quais teremos
E,realmente, flste é um dos aspectos mais interessantes oportunidade de estudar e analisar, quando penetrarmos nas
'.
quanto ao conceito da filosofia: é que de nos revela o que já correntes gerais do pensamento filosófico, o que nos permitirá
• sabemos, porque todos nós, sem que o "saibamos", filo�()famos comprcE'lJder l)or que llnS \'cbn fi fi!osofia dcstn, c outtes da­
'. muitas vêzes. E isso porque, na filosofia, usamos o pensamen­ quela maneira.
to como instrumento para embrenhar-nos no próprio pensa­ Não esgotrrmos, de forma alguma, o conceito de fílosofilt
,
mento; pensamos sÓbre o próprio pensamento. Mas nilo pro­ com a no"ssa explanação; apenas apontamos as notas que eons­
'. cedemos apenas assim, porque para procedermos assim, pre­ tihlem o aspecto mais geral do seu conceito. E não podemos
'.
cisamos antes viver o que fazemos. penetrar mais a fundo, porque, para tanto, é necessário embre­
Não é original dizer-se que nunca compreenderrmos o nhrrrmo-nos, mais e mais, vencer novos obshí.culos, superá-los,
'.
que seja a filosofia antes de havermos filosofado, isto Ô, en­ invadir êsse mundo desconhecido de complicações, para poder­
,. quanto não tenhamos vivido a filosofia. mos torna-lo claro ante a luz, que é o pensamento.
,. E estamos vivendo a filosofia quando fazemos filosofia. E, p,lfa melhor c()mprl"l"nt1t:rm()� o CIJIICeito de filcsofia,

,,0
vamos estudar historicamente como êle se formou.
• •
" . • • •

,. Ao lermos os filósofos, chegamos fàeilmente à conclusão


de que não há um conceito único de filosofia, mas diversos. rLí na lhgua grega tlm ,'erbo, philosophein, formarlo de
. "
E por que? Porque êsscs fi:ósofos reproduzem suas yivên­ llhilcoo que significa amor, e de sophia, que significa sabedoria,
".
das da filosofia, ltsse têrmo vivência, muito usado moderna- O que quer dizer; afanar-se com amor na busca do saber.
.. I' mente indica-nos que, o que assimilamos, apreendemos e o Assim, etimologicamente, a palavra Filosofia significa
que vivem0s de uma coisa formam um todo, uma experiência • "amor à sabedoIia�. Pllilos significa o que ama: filósofo, o
, '.
afectiva. que ama· a sabedoria, o saber. Atribui-se a palavra a Pitágo­
,.
Há exemplos que ilustram bem o que seja vivência c da­ ras (572-497 A. C.) filósofo grego, e aos seus discípulos, os
'. remos um, parafraseando o famoso de Bergson (filósofo fran­ quais a :Jsaram em primeiro lugar, como também a usaram
,. cês, 1859-1941). bigamos que alguém ouve falar da avenida IIeródotr (historiador grego, 490-424, A. C.) e os soerÜicos.
Rio Branco. Pode, além disso, ter visto várias fotografias que (Denominam-se socráticos a todos os discípulos de S6crates,
"
reproduzam trechos dessa avenida, Pode ter dela uma noção, a (filósofo· greg0, 470-398, A. C., e à ql.lêl es fundadores de es­
" mais ampla possível. colas que desenvolveram as suas idéias).
,
'.


24 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO ,. •

o verbo philosophein significa em grego, esforçar-se, afa­ cação que por si mesma não exigirá mais respostas, porque es­
clareceria tudo, explicaria tudo.

nar-se por conhecer.
Procurava o grego explicar, e a filosofia era para êle um •
Heráclito (536-470 A, C.), diz que o fil6sofo é ° que co­
nhece a razão (Logos), que governa tudo, e distingue quem responder, um responder por amor ao saber e que, portanto, •
ama verdadeiramente ° saber, de qnem é mero erudito. t aspirava à verdade. Essa a primeira fase da filosofia. Com
o decorrer do tempo, ela [l:\ssa, dêsse am or ao saber, a

l\'a Hc'ep\,ào que expusemos de início, a filosotir. abrange ser o próprio saber, a própria sabedoria. Desta forma, a filo­ •
todo o saber, mas já entre os gregos vamos encontrar,. cada vez safial com os gregos toma-se especulativa, teorética, pois um •
mais, um sentido mais específico do seu conceito, sem que por pensamento esp�ulativo, como vimos, tem por objecto conhe­
isso deixe a filosofia de tcr ccmo Ohjl'cto de suas investigações cer ou explicar; [ta contrário do pensamento, como meio de

ü Teuo, uu seja, lüda� a, l.U:S,IS, luuvs os sêrcs. açfio, qlle tende à prática, à prática utilitária. Assim os gre­ •
gos chamavam de vida teórica, aquela que se opunha à prá­
E isso porque o conceito de Filosofía não se encerra ape­ e
tica, como também a que se opunha à vida poética que, para
nas nas 11 notas por n6s assinaladas. Vejamo;: na -fase mais e
rJJf'S linlw llfi sentido prático, de criação prática.
antiga da humanieb.de, as grandes perguntas eram respondidas
por licç\JCS poéticas da imagina<;-'iío, por símbolos, por mitos, o •
• • •
que estudaremos mais adiante. Surgiu, en:ão, outra fase: e
uma fase racional, em que se procurou dar uma solução rac io­
Mas é, todo saber, filosofia? •
nal, isto é, pela razão, pelo raciocínio.
Hil um saber comum e um saber especulativo, procurado, •
No início, o saber era empírico, prático, Gado apenas pela busc;aclo.
experiência. Dêsse saber empírico, surgiu a especulação, que

o primeiro, o vulgar, chamavam os gregos de doxa, pala­
era c},amada pelos gregos de teoria, a qual vai formar ° saber e
vra que signüica opinião, e o segundo chamavam de epistéme,
teorcUco. Analisemos: ° pensamento não é somente, um meio
que é o saber especulativo, confomle a divisão proposta por c
de ação tendente apenas à prática, mas 1fobretudo a conhe­
cer, a explicar (explicare). Teoria, para os gregos, era uma
Platão (filósofo grego, 428-848, A. C.). Desta forma, a filo­ G
sofia não era apenas o saber, nem um amor à sabedoria, mas
contemplação, uma visão, uma contemplação racitmal, uma �
um saber procurado, buscado, guiado, que tinha um método
visão inteligível. Desta forma, o conhecimento tomava-se
para ser alcançado, que era reflexivo. e
especulativo, teorético (1).
A filosofia, assim, perdia em extensão, pois, já não abran­ &
Esclareçamos: fil6sofo, entre os gregos, por amor ao s[\­
bt'r, aspir a à verdade, ao último limite da explicação, à expli-
gia todo o saber, mas ganhava em conteúdo, pois, delimitava­ &
se, contornava-se, precisava-se mais, tornava-se um saber teó­
rico, reflexivo, especulativo, um saber culto, !tste saber culto
&
quer conhecer o que a realidade é. &
O) Chamavam os gregos theoria as filas dos habitantes
Encontra-se muitas vêzes a e�pressão "saber de salvação". •
das diversas ci dades, que se apl'oximavam dos templos para
Bste saber é superior ao saber técnico, utilitário, e ao saber �
a,.; fe.,tas religiosas. Corno se uniam por um nexo, a palavra
teoria tomou o sentido, entre os filósofos, de visão quo� conexiona
culto, teórico. O fim dêste saber é a divindade, a salvação
Illn C'Onjunto de factos e os explica. do homem, na divindade. •


<

----�
----�--
" 26 MARIO FERREIEA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISÁü 27
I'
Assim, entre os gregos, pois há religiosidade na sua con­
" Mas a filosofia permanece, no entanto, no corpo da ciên­
cepção do mundo, o saber prepara a perfeição individual para
cia, e forma uma sJntese especifica desta.

t
• a beatitude e para a felicidade. Nos neoplatónicos, (escola I
filosófica que perdurou do II," séc. D. C. em diante) a salva­ Por eXEómplo, na matemática, há uma Filosofia da Matemá­
"
ção se efetua pela identificação da alma com o Um, participa­ tica, aquela que estuda as idéias de número, de extensão, de
• tcmpo e de espaço matemáticos, como há uma Filosofia da
ção extátic:1 (de êxtase) na suprema unidade divina. No cris­
• tianismo, a salvação é a redenção da alma do pecado; no bu­ Fkro-fjuín ica, c::ue tem por objecto as idéias de fôrça, subs­
dismo, a imersão no nirvana, a aniquilação da consciência in­ tância, energia, txtensão, extensidade e intensidadn.

dividuaL Na época actual, para muitos, O saber é ele salvação f<: vivendo-a, que iremos compreender télda sua extel;são
• pelo progresso. r também todo o seu significado para a vida, e compreendere­
• mos qne CI saber te6rico, esprculativo, embora se afastc do
Em suma: a salvação é um transcender, um não limitar-se
saher técnico prútico, sofre llt'stc sua influência salutar e
• a "êste mundo", u m ir além dêle, fora dêle, ou nêle, por sua
6ôbre êste exerce grande influência, numa reciprocidade pro­
superação.
I. dutiva.
O sentido da filosofia, cemo saber racional, sabrr reflexi­
O. �[ostramos, até aqui, a Filosofia como um saber em geral,
vo, saber adquirido, é o de Pklt50 e, também, o de Aristóteles,
sem mostrar-lhe ainda tôda a peculiaridade, o que sert. revela­
I. (fil6sofo grego, 384-322, A. C.) mas êste acrescentou maior
do no decorrer dêste livro.
volume de conhecimentos, graças às investigações que fêz e
,. o homem, quando começou fi filosofar, fê-lo ainda sc;m
para as quais contou com muitos e valiosos auxiliares.
• 5aber claramente o que era a filosofia. 56 a posterior análise
Para Arist6teles, fi filoso:ia era todo êsse sahcr. () incluía
• também o que chamamos de dênda. Assim, fi filosofb era a
permitiria que êlc compreendesse melhor a diferença entre os
juízos qne formnlava em face dos factos. S6 quando distin­
• totalidade do conhecimento humano, do sabcr racional. guiu um jllízo de gôsto, meramente subjectivo, de um juízo
• Na chamada Idade Média, continúa predominando óte
de valor, e êste de um de cxisl(�ncia e dc um ético, poderia o
filósofo penetrar na significação mais ampla do que é "valor",
• sentido, mas a idéia central de Deus polariza a filosofia. Des­
cornO, também, e�tar apto a fazer uma melhor análise de seu
ta forma, é ela a totalidade dos conhecimentos adquiridos pela
• espírito, do funcionamento do mesmo em suas polarizações,
luz natural ou pela rcvlação divina. Os conhecimen tos acêrca
• de Deus e do divino separam-se dos OUITOS, e vão formar a
intelectuais e ãl'eetivas, (o que será amplamente examinado
na obra "Noologia Geral"). Alcançado êste ponto, a análise
• Teologia. Esta encerrava a soma dos conhecimentos s6bre o
do conceito e de seus conteúdos, do conhecimento como JesuI­
divino, e a filosofia, os conhecimentos humanos acêrca das

t
tada de um processo de cooperação entre o sujeito e o objecto,
coisas da natureza. :ê:ste conceito da Filosofia vai predominar
que em breve veremos, lcvá-lo-lt a captar ° que é a frónesis, e
• pOJ séculos e até hoje, em muitas faculdades, ela é apresenta­
seus conteúdos, os fronemns, como um "conhecer" afectiva,
da assim.
• em que a relação suícito x o!J;ecto é diferente da primeira.
• No século XVII, afastam-se dela as chamadas ciênciaS
Já aí estará o estudioso da filosofia a compreender mais
particulares, com objectos e métodos pr6prios, que a pouco
• e pouco vão adquirindo uma especialização cada vez maiur,
profundamente as diferenças freqüentemente apresentadas en­
tre a chamada Filu�ufja Ocidental c a Oriental, que tantas con ­
• para constituirem-se em novas disciplinas independentes.
trovérsias mscitaram. •



p


FILOSOFIA E COSMOVISAO " ,
28 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
,
poderíamos dizer por ora, muito singelamente, que, na mo diferente. O so-phos não buscava saber para isto ou para
aquilo, mas apenas por um amor ao saber, um saber para sa­
,
chamada Filosofia Ocidental, que é especificamente especula­
tiva, marcantemente autotélica (de autos, gr., si mesmo, e tisfação de si mesmo, um saber autotélico, desinteressado. Tal ,
telos, fim, isto é, que tem o fim em si mesma), a especulação

não quer dizer que não houvesse também um saber hetero­ ,
é sIesinteressada, o que quer dizer, não tem ela um fim fora télico, mas indica esta afinnativa que, com os gregos, a sophia
de si, não é realizada como meio para obter isto ou aquilo. tOina-se predominantemente autotélica, desinteressada, :E: o ,
Quando uma criança tOma de argila, e com ela .:az bonecos amor Ú �abcd(Jria pela sahedoria, ou seja, philo8O'phia. 11: tal ,
ou vasos, ela bJ'inca (e o brinfluedo é uutotélico). Quando o tendência que permite a polarizaç'ão posterior entre filosofia e
dlJ,llda.
,
oleiro, com a argila, faz vasos e os destina a venda, com fina­
lidade naturalmente econômica, sua atividaJe é heterotélica •
Foi considerando assim, que muitos estudiosos da filosofia
(de hderos, gr., outro, que tcm o fim em outro). Sua açi"lo negaram a afirmativa de uma filosofia oriental, diferenciada da •
é interessada, diz-se. ocidental. Filosofia é apenas um saber especulativo e desinte­ •
Os sumérios, os habitanlt's da antiga CalJéia, vindos ou J'(;ssado, Entretanto, é preciso que se esclareça: não está aí
não do vale do lndus, ao cOllstruirem no delta mesopotúmico npl'lHls a diferença entre a filosofia oeidental e a oriental. •
sua civiliza�'ão, viram-se a bruços com problemas meteoroló­ •
Quando se fala numa filosofia do Ocidente e numa do
gicos , ecológicos, astrológicos importantes. Já os teriam tido •
Oriente, nua se quer dizer que se dêem duas filosofias. Na
quando habitavam o vale do Indus, como também os tiveram
os egípcios, em face das inundações do Nilo, etc. O primitivo
l"l'ulidad1C, a filosofia, como um corpo de doutrina, com suas •
caraetlTÍSlkas, é uma só, como o e a ciência. Mas, assim, co­
saber dêsses homens era hcterotélico, tinha 11m fim fora dêlc,
mo se fula numa física árabe, numa física fáustica, cm mate­ •
�crvia para atender esta ou aquela necessidade.. l!:sse saber,
interessado, (como o é hoje, por exemplo, a ciência), predo­
m<Ítica euclidiana ou não euclidiana, numa música européia •
minou em tóda a região da Mesopotâmia e na Jónia. Foi ali
t' numa música chinesa, a divisão da filosofia em Ocidental e

Oriental tem a finalidade apenas em apontar certas acentua­
e dali que a especulação filosófica grega teve sl.la origem e •
ç'ões de notas que se dão em ambas que, numa ou noutra,
obteve seu vigor. Os primeiros sophoi (sábios gregos) diri­
gim:! seus estudos para a solução dos prob lemas que afligiam apresentam intensidades de graus diversos. •
aos jónios, povo marítimo, dqJendente, portanto, dos conheci­ l-lá um saber interessado tanto no Ocidente como no Ori­ •
mentos meteorológicos. A sophia, o saber, de então, era pre­ (�nte, como também o há desintere' ssado.

dominantemente interessado. Dizemos prodominantemente, ferença que, no Oeidente, êste se marca mais nitidamente (en­
porque uma separação nítida, estanque, seria impC'ssível. Tam­ tre os gregos, por exemplo), enquanto o é menos no Oriente. •
bén: na Jônia, como nos pals cs da Mesopot.imia ,\ sobrdudo, O pell�Umel1to mágico, cujas características ainda examinare­ •
entre os Egípcios, e na India, havia um saber desinteressado, mos, é mais intenso no Oriente que 110 Oeidente, assim também
já muito antes dos gregos, como o provam os exames arqueoló­ o misticismo é mais intenso. Na magia, há a aceitação de

gicos. Não era, porém, suficientemente d€'sinteressado como o poderes que os factos têm e que não revelam totalmente. •
foi' o saber grego. Há poderes nos factos que ultrapassam as nossas previsões. •
Na Grécia, graças a condições socio-hi,tóricas () ecol6gi. São mágicos. Quando um oriental falava, antes de Leibnitz
e das descobertas at6micas, lia p uder imenso oculto nas coi.

cas diferentes, que sáo examinadas amplamente cm nossa obra
"Filosofia e História da Cultura", a sophia pode &<:guir um ru- sas, seu pensamento era mágico. A especulação científica •


,
I,
I ,JI..
30 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÁO 31

pennitiu compreender e captar êsse poder, como também li·


riares, permitirão que se distinga, em traços firmes, a filosofia
bertá-Io.
ocidental da oriental, e se compreenda que é muit o mais am­

O misticismo que nos mostra tõda a culhlTU egípcia, como pla do que se' pensa a contribuição dos outros povos ao pensa­
"'
as culturas orientais, é mais intenso e penetra até na filo so f ia. mento grego.
• No entanto, no Ocidente, também surgem filósofos mfsticos.
(Esclareçamos essa pala vm ; mÍ5tico, mistério, süo p(llav![l� que
li

I
vêm do grego myÓ, ocultar, de mythis, o que se cala, o que
,Ii não se diz O mis té rio é o que não se re ve la, que não tem
Vimos que a f il osofia é uma reflexão, que consi st e num
eloqüência' para dizer c que é O místico é o homem que
" responder às perguntas que se formulam. Mas como se pro­
penetr a nesses mistérios, que vê nos factos mais do CJuc o ho­
".
(;essa essa reflexão, que elementos usamos? Q ue pronunci a­
mem comum vê. Um pe daço de pflo é apenas um alimento
mos aqui? Falavras.
•• para o homem objectivo, mas, para o místico, êle quam10 diz
que o p ã o é um alimento, êle cala o que é mais, o divino que A reflexão f ilosófi ca emprega palavras. Dessas palavra,
'.
encerra, o poder que nos oferece, a origem divina, etc. algumas são expressões t écnic as que têm um signific ad o COIl­
• vencionado n,lS obras de filosofia: são os têrnws.
A pala v ra mito vem daí c quer dizer o que só pode ser
•• expressado por símbolos . Os tênnos são vozes que, como expressões técnicas, se
•• empregam ccm si f'nifi cado convencionado. Nós expr e ssamo s
O filósofo místico procura �evelar o que se cala; c o guia,
uma reflexão filosófica por meio de t êrmos. Muitos dêsses
• que leva o iniciado a saber o que é "calado" das coisas, é o
mistagogo ( gogia, gr. condução; assim, pedagogo, o que con­ vocábulos foram esco:hidos da linguagcm comum, com um sig­
a duz O pedes, gr. cr iança , dai pedagogill). nificado e:'.lecial, enquanto outros foram criados com acepção

• própria. São êles imprescindíveis auxiliares que facilitam a


Mas se a filosofia ocidental nos mostra tanta obj ec tivida­ cl ar eza, permitem a transferência , o intercâmbio das opiniões.
.. de, tende tanto para o objecto, também vemos fil ósofos o bj ec­
Tôda a reflcx!io filosÓfica exige mu vocabulário precis,), a fim
oe tivos entre os orientais. de pvita r constantes equívoco s. Os filósofos devem ater­

e Permanece, assim, apenas uma distinção: entre a filosof ia se às aeepçõe5 no rmais dos tênnos usados, para evitar incom­
oriental e a ocidental, há apenas graus de intensidade difere n­ preensões. 1>.!uitos são criado re s ele palavras novas, as quais,
e
tes, embora, amba s sejam, e nq\lanto filosofia, igun is. no fundo, são apenas novas roupagens para velhas idéias; ou­
• tros disputam apenas palavras, alheado s ao v erdadei ro senti­
Caberiam, aqui, ainda outras distinções mais impo rta ntes,
I. do (]ue elas têm.
mas tal s6 poderia ser fe ito depoi s de haverlllos com[ ln'('lHlitlo
•• bem a distinção entre intelechmlidade (Logos) e akctivicbcle Tudo i5S(; gera ou constit ui II tortura daqueles que se em­
(Pathos), o que só poderemos fazer em Olltros trahalhos. brenham no estudo da filosofia e que, por não eonbecerem a
••
Nesse c aso, seria fácil comp reende r o que �igniricn !Ioga (fll" accpção aceita pelo Ulll"or, jul gan do·a pl'ia aeepçf\O comum, co­
.. são), brahma, advaita, maia, sdnkara, e outros co ncei tos e ca· metem confmõe s que tomam cada vez mais dif ícil a apreensão
• tegorias hindus. Também seria nec essár io um csttHlo do ('011- do pensamen:o exposto. Os lênnos, cm geral, nflO têm uni­
"eito, bem como a construç ão de uma anúlise do nossO ("(llllw­ t:ocidadc, isto é, uma acepçüo única. Sâo nwsmo raros os que
.
'
ci men to . Tais estudos, que snrgirão cm nossas obl"<\� poslc- a po;s ue m. Matizes variados, :lcepçôcs diversas, como canse··




" MAEIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOlnA E COSMOVISAQ 33 •

Que é um facto? Um facto não se define, intui-se. A
qüências de diversas vivências e de condições históricas, étni·
-cas, de classe, são observáveis em quase tóJas a.: palavras.
palavra facto vem do latim factum, que significa feito, acto, •
Dois homens, pertencentes a classes diferentes, pJderão ter
coisa ou nção feita, acontecimento. É uma palavra para nós

fumilinl'.
um sentido também diferente quando empregam a mesma pa­

lavra. Embora todos saibam o que é um facto, não é fácil dizer
o (}!W e, em 1111e comiste realmente um facto. Facto é o que •
• • se nos apresenta aqui e agora, num lugar, num momento de­ •
tenninado, quer dizer, condicionado pelas noções de espaço e
de tempo.

Para manter a continuidade e a universa.idadL do ppnsa­
Estar no tempo e no espaço é o que se chama de existir
C
menta especulativo é necessário um elemento imprescindível:
a definição. eronotópico (1). Nós não atribuímos, não emprestamos exis­ C
tência ao facto; êlc tem existência. Quando os factos existem no
A definição, para falarmos uma linguagem clara, é a res­
..
espaço, êlcs silo chamados corpos. Há outros que existem no
posta à pergunta "que é isso?� O estudo da definição pertence tempo c silo, por exemplo, os factos psíqnicos, os estados de •
à lógica. alma, etc. Os factos actuais constituem a nossa própria exis­ ..
tência e o âmbito no qual vivemos e actuamos.
A definição é uma tentativa de fixar, dI; delimitar o senti­ •
Os factos transcorridos constituem os elementos �a biogra­
do próprio de um têrmo. Autores há que usam 05 tênn05
fia ou da história. •
muitas vêzes descuidadamente, com sub-intenções muito pes­
soais. •
Em síntese, a definição consiste em explicar um têrmo des­
• • •
«
conhecido por outro conhecido. Queremos fonuar com ela
Convém que salientemos agora O emprêgo de dois têrmos
«
urna identidade. Seria o mesmo que dizer: o têrmo tal é igual muitos usados, sobretudo na filosofia modema: eidético e tác­ e
à definição tal; ou seja A = A. tico. Eidrítico vem de eidos, palavra grega que significa idéia.
fi
Costumam subdividir as definições em nominais, reais, for­ O eidético é imutável e intemporalmente válido, como o
c
mais, materiais. (Esta subdivisão não é importante e, na ló' estabelece Husser! (1859-1938), enquanto o táctico quer dizer
gica, é melhor esclarecida). algo mutável e contingente, isto é, não necessário. •
Muitos julgam-nas fictfcias. Os que aceitam as definições É fácil esclarecermos agora o sentido dessas duas palavras. '.
leais qualificam despectivamente as nominais, chamando-as de A primeira refere-se à idéia, que é imutável, como por '.
tautowgias, isto é, repetições. fxemplo a idéia de cavalo, que se refere a todos os cavalos e

não a um em particular. Esta idéia não sofre mutações no
Enquanto nos ocuparmos de têrmos e definições, estamos
tempo: é válida intemporalmente. '.
apenas no domínio das palavras e, se aí p';l'man3Cermos, es­
taríamos confundindo o veículo de transmissão verbal com os

O) De chrÓnos. tempo e topÓs, lugar, espaço, palavras gre·
factos.
gas. Cl'onotópico é eq\Jivalente ao que se dá no tempo e no

• • espaço. •


ti
I .•_�;


' .
'. " MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISÁO 35

o fáctico representa o que acontece, que é mutável no Agora perguntamos: como procede a razão para dominar

tempo e no espaço; uma idéia, contudo, não ocupa um lugar êsse caos de acontecimentos? Como actua para oruenar êsse
• no espaço. conjunto de factos? Qual o instrumento que usa para alcan­
• Voltando ao nosso tema dos factos, podemos dizer que
çar êsse domínio?
• fluando êles são corpos, n6s os intuímos por intermédio dos o conceito, eis o instrumento.
sentidos.
• •

• Quando são estados de alma, n6s os tomamos imediata­


mente, isto é, diretamente. Denominamos intuição de illtus
• ire, ir para dentro, essa capaddade de darmos conta dos factos
-
.
' em geral.
'. Há intuições sensíveis, intelectuais, afectivas, poéticas,
,. místicas, etc.
O conceito de intuição irá esclarecemlo"se, cada vez mais,

à proporção que nos embrenhamos no estudo da filosofia.
,.
Ao examinarmos um facto, atribuímos unidade e estabili­
• dade, e o separamos do contômo.
• Mas a unidade é relativa. Exemplo: um rebanho, que é
• fonnado de numerosos indivíduos. Nós buscamos a unidade
dos factos, por exemplo: o átomo é a unidade para a matéria
• inorgânica; a célula, para a matéria orgânica; a sensação, como
• pensam alguns, para os actos psíquicos. A ciência hoje não
• dá a essa unidade um carácter de isolamento. Também a es­
tabilidade do facto é uma ficção, porque os factos surgem e
• desaparecem, num comtante "vir-a-ser" (devir), transformar­


• se, não havendo portanto estabilidade.
• O isolamento e a delimitação dos factos são, em parte, ·ar­
tificiosos, pOIS não há factos isolados, mas um entrosamento de

factos.
• A unificação, a estabilização e a distinção são operações
• mentais que usamos para conhecermos o mundo real.
• Por que procede dêste modo a razão humana? A razão,
• desta forma, procura dar ordem ao que intllímos, por isso é
que enume,ramos, separamos e denominamos, damos nomes
II aos faetos particulares,

I
II
tt
FILOSOFIA E COSMüVISÁO 37

fadm. F. rl instrumento para nkançar essa ordenação foi o


conceito.
Analisemos a Sua gênese:
II Se a realidade do mundo que nos cerca fôsse uniforme e
homogêncai se tudo nos parecesse igual, sem qualquer nota de
distinção, de diferenciação, não poderíamos nunca chegar a
Se obscrvarmos bem as palavras, veremos que elas cxprcs­ conhecer Os factos, por que o acontecer seria apenas um grande
..sam conceitos: casa, cadeira, livro, etc. facto. .\fus bllceele que a realidade aparece-nos heterogênea­
Para distinguir os conceitus é nccessário um'\ nota, ou mente diversa, diferente e diversificada. Se a cór dos factos
mais, que os individualize. Não devemJs confundi" o concei­ (corpóreo_�) J'ôsso a mesma, impossível seria chegar a com­
prender que há côres, de dar mn nome a uma côr que percc­
to com a palavra que o expressa. O conceito é produto de
l)(,lll()� distiuta de outra. Certas partes da realidade visível
uma opcnJ.\�ÜO mcut.lll; n palavra 'lllCnns ° seu enunciado, um
sinal verbal. Por i,so devemos {'vitar cair no verbalismo, (Jue dfw aos olhos uma impressãO de outro gênero de outras palies
cunsiste no emprêgo exagerado de palavras, sem conteúdo ela rcnlidadc. Por isso, pcrct'bemos côres diferentes. Eis aqui,
preciso. porque podemos comparaI" um objecto de uma côr com a de
011lro ohjocto, e verificar se se parecem, e pereeber também
Assim como náo devell\os confundir o conc{�ito com �[;u se hú dirl'rcl)�'as, puis nunca poderíamos chegar a perceber que
enunciado verbal, não se dcve também confundi-lo com o alguma coisa se pilI"C"CC, na cdr por exemplo, a outra coisa, se
facto.
lião cxistisscm objectos de dlrcs que se desassemelham, que
Não há dúvida (l ue os COTH.."citos dê'correm dos bctos, mas, diferem Logo a compreensão do semelhante, do parecido, é
no conccito , há uma abstraç(/() do facto. contemporânea da do diferel1tc, pois também não podemos

No conceito, jú despojamos alguns elementos do facto, compreendcr o diferente, o diverso, se não nos fór passivei,
fazemos mna abstra�'ão mental (de abs trahere, latim, trazer coutcmpol'Í1neamcnte, comparar com o semelhante, o parecido,
para o lado ). O facto tem exislência no tempo e no espaço; DllJa pergullta é possível aqui: é a semelhança anterior
o conceito s6 existe quan do pensamos. Iutuímos o facto; pen­ à diferonça'r'
samos o conccit-o.
Para alguns filósofos, a percepçãO do semelhante é ante­
rior, no homem e nos animab, à percepção das difereIlte� eo�

j
mo por cxemplo o afirmam Maine de Biran (1766-1824, filó­
TivemOS o<.:asiilO, no que dissemos acima, de penetrar em sofo francês ), e Bergson.
inúmeros pontos que, tratados sinteticamente, estão agora a NOssa sensação ó acompanhada de memória, e uma sensa­
exigir Ilm.l alláli�e mais completa. Não iremos estudar o ção evora outra, passada, que se lhe assemelha, A compara­
conceilo sob tudo.\ os seus aspectos, porque dizendo êle mais �:ão (i uma associação. HUlll C (David: filósofo inglês) salien­
respeito à lógica e à psicologia, é lá que teremos oporhmidade la que ns associações por semelhança são mais importautcs e
de examiná-lo. numerosas (lue as outras, além de serem mais fáceis e mais
O humem, para dominur os acontecimentos. necessihlVa de acôroo com a nossa natural preguiça mental. A criança,
dar-lhes uma ordem que pcnnitis�c ver claro por entre os por exemplo, apreende em primeiro lugar as semelhanças,
I
..

3S MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO "

F. desta forma mais prhnitivo o s{iutimento elas scmel1mu­ ess& semelhança. O próprio acto de uesejar e q\lerer com­
Cl'lr

Ç'as do que o das diferenças. Não há comparação oml,. nilo parar exige um diferente implicado, pois �6 comparamos para
há semelhança. (O verbo comparar vem do latino comparare, ver se c:l.istem s��mclhanças, como também para verificar se
I
[oi-mado do adjectivo par, quer dizer pal'plho, igllaL 0\,111('­ cxi&tem d Jercn"as,
llumte, significando, portanto, pôr 11m ao lado do O1l1ro; tor­ ,-
Nunca pod�rirL nasc;er TIO homnn o inkrtsse cm comparar,
,I nar scrnellw.ll t c ) . Além disso para comparar n:lo precisamos se j:í não çonhcce�se êlc fi dikrença, pois, por flue compararia
do difcrentl\ o qual é dispcnsávrl, pois �Ó po(kmos [:(lI11p:lr:\f �le o que não poderia scr diferente ou porlcria súr semelhante?
<luas p artes da rcalkbdc quo sao semelhantes, mIo perrniUlIdo
Jlnnca que comparemos partes da realidade abso]utillm'\llc di­ Desta forma há contemporaneidade entre a ne�'[io do se­
ferentes. melhante f� ii do diferenlf'

lJor muito s6lidos que nos pnreçall1 tnis argml1Cêllto,,>, ilcima E a elaboração do concei to nos provarú éssc r\spceto dia­
I lr " ctico,
alinhados, pChnancccmus, contudo, firmes na p()�i\;:(o tLl COll­
,. temporaneidade, pelllS razões seguintes: Ql1alH]n (,)'1cvrat (' 1.\, Prl'('z. ao cstmlarem ('sW lcma, con­
.
,. Em primeiro lugar, a percepç[io por um srr \'i\,l), dt, 11ma cluem que, na criança, até Do três anos dc id:vlc, as únicas
par�e da n�ali(lade, já !) um acto de (kferendaç-:lO, poi, () ;\(,'10 r\,soe:iaçõcs de d�ias suo as por scrncllKn�'a, tal nâo illlpllca
••
de pcrceber exige e irnpliCêa uma dife rrnç-a ('lltn� n qUl' ('onlw que ii cJian�'a (ellha ii IlOÇ';W du sCflwll],u:tc, Ao crJlItd_rÍo, na
•• ce e o conhecido. F. comn o cr\mj){) (jlH:' 11ns int(T(",_\:, l' Il da cirança H dislinção entrc ela (' o meio ambiente aincL\ !lflO se
fiiomBa, e pr)rtanto o do homem, ê5t(õ ,ó PC]Tc!lC () 11l1111do proC('S�O!1 totalmente. Por islO as lloç,0es de lWlcmgenddade,
'..
l'xtcrior ponplC êle é helcrog(:lleo, lc'gü (lilcrenl('. :\,-tr) p tl­ comu ns de homogcncicladc, ilimh lião stJ fOrlTl,:lram. S e exa­
'It minarmos <1 " ida dos aniIll�lis, verificaremos q!le êlcs J1eeCS,',j­
deria o llOmem delincar a sepan\�';lo dp um r�j{'to <COI P\'Il'('() dv
'II uma parte da realidade do n'�to da rutlidadv, sc e51n In-,t) a]11"'­ tam do conhecimento do sr�mdl1ante, pJr uma exigt',nda dt,
.''!'rlfasse uma diferença .1 (Jlwl lhe poderia se!" p:1telllc se W";fi;t onkm ,'!tal. O cOlllH"dmcnto do s0mclhan te é imprcscirnlíveJ
..
l'calid;Hle pudessc perccber Q11(', ('ln algo, da sr' aS'-,('lItl,IlU\-a \ : \'ida a11i\Oal, sol>n:tl1(10 !lO'; animais s\1Ilt'riorcs.
\

I)u!w }'arle, I-H um processo de sekn;ão. Bscclhcm isto e repelem
.. aquilo. E�colhem () que llwo �� assimilúvcJ, c repelem o q\iG
Nem o acto de comparação poder-se-ia rbr por l',\ igir êl,�
.. nma condiçiio fun&\fficntal, quc é a ol'upaç:io de lugares di:('­ JJrc�' é [lj(?judicial ou julgado [l rejuclicial.
ren:cs dos corpos comparados, Para colocar u m cm 1'.1Cl: tlt
.. Esse trabalho dc sdeC"JIO funda-sc na proenra do seme­
(j\l{�(}, isto é, comparar, é necesSlÍrio que s[lbsistürl1, c()('.\i,t,\JI! lh�nte c na rejeição do difercnte, .e�tc alimento deve ser
• 11TH ao lado do outro, tendo nC('Psúrialllclltc d(! ill\l'nn{�di() � apro\'('itndo, aq\1t�lc não, IslI1 pode fazer-se, aquilo nflol Isto
.. fl.lgu que os diferencie, pois, elo eonlfÚTio, �criam pCl'cl'!Jido.'i
assemcJra-se áqu!fo, logo dc\'c repelir, Os anímaís supcrio"
como uma unidadc, Além disso, a idéia de companH;:lo núo
• re5, ('m seus actos, refletem êsse processo, pois é ohserv,hcl
implica a de identidade. Comparamo.� uma parlc dn l'l';l]hb­
° tntbalho de "educa(;ãoM cntre os animais que aconselham li
• do com outra, embora percebendo q\le há intrnsida(1cs dife­ ...eus filhotcs: "come, M lli . , , ; 1\<1u1, n[io" ao fazer o acto (]e
l
• l'81ltcS,
r'OIner e ao fazer o �\cto de rqmlsa, c(c., para convencê-los da
• Ao compararmos uma f6lha de uma árvorc a ou\!'" . nós p convcJlÍônda ou n[io da ing('stão de tal ou fl\wl alimcuto, da
encontramos nela alguma coisa de semelhante c 1,'<1111(1<; '. crifi- tc,llizaç'iio ele t"l 011 qu,tl acto, etc,
• -



40
'"
MARro FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISAO 41
'"
A percepção é selectivQ pOHl uC não capta tudo quanto tos reais não podem ser indescernÍveis, sem se confundirem ri­ '"
111(: é pos�ível captaI do Ilwiu <l!llbil:nte, mas apenas o que lhe gorosamente.
convém. Há uma selecção das notas que oferecem as parles '"
Assim, metaflsieamente. só o Absoluto é idêntico a si mes­
u a realidade; capta umas e outras não, Há nesse acto um '"
mo. Tudo o mais, metaflsieamente também considerado, não
certo automatismo de selecção do difen:ute e do semelhante, ,. conhece a identidade, ou seja, não há sêres idênticos uns aOS "
como também uma precomdenle, quando se truta de selecç'ão Gutros. Desta forma, só podemos concluir rigorosamente que
condicionada pela ordem social, profissional, etc. '"
ou há identidade ou nao há identidade. O próprio concéito
Ora, o diferente é uma earac!t'l"ística do ind ividual, A� coi­ de j·dentidade não pode admitir uma maior ou menor identida­ C.
sas individuais são distinguidas porqlle diferem, pois se tudo de, pois este conceito nao admite graus. Eis por que afirr:1a� G
Uhse b(Jillcgênl'umcllte igU<l l llÜO 11UV('ria ü cuuh eeJ lll cnto (lus mos (jue o semelhante )1([0 é uma categoria do idêntico. Duas
corpos, coisas, por serem semelhantes, não qller dizer que sejam mais "
(1/1 IIICIWS i dênt icns. "
Ora, o semelhallle 11110 li 1/11111 categoria !ln idh fico (1).
l'od('r-se-ia dizcr que existe uma identidade quantitativa
Pois dizemos que alguma coisa é id êutiea, quando � igua l a �
(. lima ülcntidadc qualitativa? Nüo é uma gOta d'úgua idêntica
si IlU'SIllU.
<l oulr;\ gola d 'águ a ? Nilo () um quilo disto ou daqnilo idên­ to
Anali.'iClIlOS êstc ponto de m;lglla importància c de intcn's. t ico a um quilo (laquilo ou disto? Antes de darmOS nossa
se para a compreensão de futuros temas a scn m eXl;min:ld()s to
opiniüo. OIl\·a11l0S o que diz Egger: "As "duas gôt a� d'água"
Di zt'n lo s (jl\e duh fad os �;\o lllHmdo nüo hú CII­
ill!:-Jlticos da locll<�·ãO popul ar não silo idônticas a não ser que se exija t:
tre êles nenhuma u ifercn,,·a. Ora, () conceito de identidade <lIWlliIS SC'í("lll gôtas d 'úgua. Todos os objeclos de nossa ex­ f:.
impl ica () dl� difercnça, seu contn'u-io, que o apoia, ou melhor, periôllda estão lJO lllé'SlllO caso, às vêzes idênticos por uma
t:
um apoia o outro, um implica o outro. Por cssa razüo, (I experiência rúpi da e superficial, isto é, idênticos em aparência,
ldtnlico é considerado iuddinívd. idênticos na poderem [{)cebcr a mesma Jcnomina�:ão, mas sà­ t:
Alegam alguns ::i!ósofos que nao podemos. compreender, mentes se forem considerados atentivamente, A identidade t:
que é impc1)silvel a diferenç·u plITa. Também é impellsável a qnalitativa é pois uma concepção simplesmente sugerida pela
experiência" C.
identidade, diremos. E mostraremos mais adiante por que.
Há assim uma antinomia cntre o diferentc c o idêntico (anti­ Lalande definc a idcntidade qualitativa com estas pala- C
nomia, !lO sentido clássico, é a contradição entre dois (1l"1nos vras :
"
qne parecem verdadeiros). D('sprezamos aqui outra.\ acep­ "Caníclrr de dois objectos de pensamento, distintos no
C.
ções dadas ao têrmo idêntico, preferindo apenas a que demos tempo ou no espaço, mais que apresentariam totalmente as
acima por ser a que prevalece na filosofia. •
Illesmas qualidades". (,
Leibnitz nega !l. identidade das substâncias, fundando-se A�sim, quando alhruém diz que um quilo de feijão é, em C
!lO princípio dos indescerníccis, pois, segundo êl e, do.is objcc- púso, idônticoa um qui lo de açúcar, dando como exemplo de C
identidade quantitativa, está usando o têrmo identidade no
sentido da matemática, que considera como identidade uma C
(1)O conceito de idêntico (de idem, mesmo) indica uma
perfeição absoluta e excluí da sua formalidade todo . liferente. igualdade entre quantidades conhecidas, como por exemplo : "
Já o semelhante, não. É verdade que nem sempre êste têrmo é 2/4 e 1/2. Qua ndo alguém diz que as vitaminas, de um de­
f
empl·ego.do COIll tal rigor. terminado alimento são idênticas às vitaminas de outro, tstá

,
"
a
..

1.\

"

42 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFI A E COSMOVIS.1i.O "

,,
apenas julgando que há uma identidade qualitativa, qUfmdo, Qualqw?T parte da realidade só pode ser considerada idên­
n tica a si mesma, no sentido de que não é outra. S6 neste sen­
na real i dade, é uma igualdade como a a nterior.
Voltando ao pensamento de Leibni tz ( fil6sofo alemão, tiria. Noutro sentido , ela é diferente de outra co isa , assim
("orno êste livro é diferent(' de outro livro do mesmo título e
.,
181.'5-J716), vimos que Sic S1lStclltava que duas coisas não po­
..
de m ser duas senão quando oferecem alguma diJcrcllça de edição ig:ral. Singlllarmentp comidcrados, ambos são difo­
.,
qualida de ; que devem diferir por outra coisa do que apenas o n'lltes. No enlanto, há algll que os as seme lha, pois tanto 11m
•• número, quer dizer, por "denominações i nt:rí nseca s�, o qu e cx.­ como outro, embora distintos no tempo Otl no espaço, pois um
plicnIia a prodigiosa variedade da natureza. ocupa 11m lugar diferente do outro, ambos "presentam as 1II(,S­
mas qualidades. Que nos �\lgcrc tudo i.�so? EstA resolvido
Hesta-nos agora com preender a semelha1lça, já que des­
., o p roblema? Absolutamente não. EXllrnin�mos mai s :
cartamos esta idéia da de ide nti d ade ( princípio da raúo, cujo
" ( �tll<l() teremos ocasião de fazer). O homem em face da re�lli(bdc ]Jrrcebe {lU!.' esta não é
homogêneamentc igual. Ela aprescnta diferenças, como já
A semelh ança, segund o Lalancle, é o carúcler de dois aI;,
("�t1l(lHl1l0S. :\1a5 essas (lircrcn�'fls são intensivamcnte m aior es
j é'ctoS de pensamento que, sem ser qualitalivamente idônt icos,
ou mel1o rC's, pois lima pedra e outra pc,lra nprescnLJm m eno ·
apresentm �' contu do, "el eme ntos ou aspectos que podem ser
"

H'S d i ferrnçns que uma PNha e IHll rio.


" ch.nnados , os mcsmos ,
F.stllllUlll
os [l,icó]ogos uma lei (lue ê\es ellalllam de "ld
" Ora, cl:mo conceber duas coi�as como sl:'mclhuntl:'s se clltre
(k s rmelh ança" ou taml1('111 "I('i ,la similariuade", nome qu e
das niío hO\lv(�r aspectos iglJ:\is e outl'US di[crclIk.',.' Sim,
,
riJo il dhposiç·,10 geral do espírito (pie cOl1siste em evocar u m
porque sc niío hO\1vc� se os caracli�lcs dif('renles, vi;J, \l'J",alll
id('nticLls. ;'\1a nall ln�za, na lTali(bdl' do hOlllClll, n:\II 1 1,·1 idcll­ oll!(TIIl prTCé'bido (1\1 J"('!l1('IllOl"'lClo. aT\te a iMda elc um ohjecto
," " I1)('lhal1,c.
lidade pora, há semellmnça. Por ta nto a própria sl'llldhanç·L1,
como facto, 011 seja, fúcUcamente, implica o J·fei"cllk ,\nnl\('mw · o que ld n:1 11:\ll1H:Z:I, o que se aprcsenta ao
lor outro lado vimos qoe t odo existente é � in gllb r, illlli­ hOllll"lll, I,:m curuch'res que sc assPDwlhnm. COmO pod eria vi-
1 (']" 11 l!oJ1wrn SP ('ada experii'Ileia [ôssc sempre uma nova ex­
" viduEll.

1!slc livro é êste l ivro , e não oulro livro; aquela me,;a {. [ll'ri(\neia 1 C( :110 poderia 0k mailt!.'r a st:a cxistôneia se ti­

aqllela mesa, o niío esta mesa. Neste s!�ntido êsle livro é idên­ I·csse que expcrinwntar cada lacto como algo nOVO? Bergson
tico a si mesmo, porqne não é outro. Aquela me,a é id(!ll l iea eH'lllplilicava im,lgillfll1(!O 11111 honwm que llml\'t:�se perdido
" ;j �i nesma porque não 6 outra. ( O carácter de "ser outroH (otnlnl, nte a memória, e que n5.o HvC'sse qualquer memória.

(o denomin ado cm filosofia pel o tênno aUeridade, e se opõe no quando êle praCeava lHn ado, esquecia·o totalmente logo após
" .
di' id(·Jltidadc ). prúlicH, e o ado 'i('gl lilll(' era· lhe inleimmen\e llOVO, oell1
f[llalquer Iiga ç·ão com os adm an teriores . "Rsse h omem não

Só há identificação eons igo mesma quando se trata da me�
poderia ' iver. <;e t'lltrf"glle a si mesmo, pois não Ilw ).(lliaria a
ln:\ r:oi�a (1).
11l1'lllórb nenhum de seus actos. Poder-se-in queima r no fogo
t n n tas vê7.es (Juanlas d(�le se aproximasse; morreria de fome,
(1) Verem os, e m breve, que essa identidade consiste no
] >ois não gl lnnlar ia a memóri a do alimento pclril satisfazer aque­
c arúeler de um i ndi víduo ou de uma coisa, de ser a me.i·)/H] nos
la l lccess i dade imperiosa.
diIcl"e:1tes momentos de sua existência, pois essu mC8� Oll êste
livr o não pCl"rnanecem sempre os mesmos. e3tàllcamente o�
lllesm'J�, pois apresentam dislin<;õcs, como veremos. �
r

FILOSOFIA E COSMOVISãO 45
44 MARIO FEHRElRA DOS SANTOS

NotemoS que na llutureZQ 05 corpos ocUpHill um lugar c primitivo intuía os factos. Mas tais factos mostravam Uluter
têm urna dimensão. Que êsse� corpos são mais brandos ou algo que parecia idêntico.

mais duros, isto é, oferecem Illaior ou menor resistência ao É II r<1í:[io, já desenvolvida, que abstrai êsse "idôntico" o
lacto. Uns, ao receherem a luz, emitem côres, ou �.ejam: vi­ I 11le dei UlIl nome, uma denominaçflO COmum, que é o conceito.

brações luminosas, m;lis ou fiCIlOS intensa:;, A memória tem
Em face ao bc to vcrde da árvore tal e o do facto vede da
graus diferentes, corno veremos. Mas verificamos (,UO existe
úryorc tal"oull'll , e de muitas outras árvores, a razão abstrai o
eIltre ii côr verde de uma árvore e a CÔf verde de outra árvore,
qll� lú de sernclhullte l1tnna árvore e J10utra árvore, que é o
menor diferen�'a que entre ela e li côr cinzenta de um animaL
verde Essa nota comum da côr da árvore, de outra e de ou­
Assim, verificou logo o homem que entre a côr de uma árvore,
tra, p ermite fonnctl' o conceito verde. Na sua forma, es�a ár­
ou melhor, entre a árVOre-esta c a árvore-aquela, hllvia um quê
von) era semelhante àquela outra e a mais outra,',', Abstraiu
que se assrmclhava, isto é, ambas participa vam de uma semo­
de tuna árvore, e de outras um facto comum nelas que con­
Ihança maior que a da árvore com a do animal. Os graus de
sistia cm ser tlm <:orpO enraizado na terra, com troncO, galhos,
diferença foram pemJitindo ao homem perceber a·.,' semelh,m­
fôlhal, elc. , e uelJominou-o de árvore. Eis surgido o conceito
ças. Oru, era um hnperiltivo vital para o homem, comO o é
da árvore. E assim quanto aos galhos, quanto aos troncos,
para os animais superiores, simplificar a experiência, classificar �
(llHlnto ilS folhas.
a experiência, isto é, reunir os semelhantes ou os menos dife­
rentes entre s i e excluir os mais diferentes. Nfto é difícil vcrificctrmos ainda hoje, entre n6s, que cada •
dia surgem noVOS concei tos de factos específicos, que antes não

Vejamos corno se processou êsse trabalho de diferellciru,:â(l,
tiub,lm 11m nOllle. por exemplo : descobre-se um facto novo e
O homcm comp arou llma árvore outra árvore. El as 1I�\ü
H
logo sClltinlOs a necessidade de lhe dar um nome. t que fá •
eram totalmente igllab', quer <1i"cf, ullla não podia identificar"
No entanto, jlCSSLl compar�l ç['\O, vel ificotl êlc
tendo surgido o conceito, que é urna operação mental, precisa­ •
se com a outra.
mos \llllfl palavra que o enuncie. que é o tênno correspondente.
que a côr de uma se assemelhava 11. da outra. Se as duas ár­ •
B fúcil vcrificar-sc também qne certos conceitos, que até então
vores eram difcrcntes, havia entrc elas um ponto em que uma
eralll gerais, alargam-se cm novos conceitos cspeciais. É que •
parecia à outra. O que era dado pelo parecido, o homem re­
tirou, separou de uma e de outra, ou seja, abstraiu, que siglli­
a bllOca da semel hança é cada vez mais exigente. Por exem­ •
plo: no conceito de animal, encerramos todos os sêres vivos
fica separar, do verbo latino abstrahere. ,
que ti L:oologia considera animais; mas entre êsses estão outros
Es�'a função de cOinl)araçi'io, llec(�ss�ria para a vida do 110-
como I)S vertebrados c os invertebrados. f:stes dois conceitos •
mpm, f'l'iou no seu espírito o que poderíamos chamar de "ór­
FI nua são tão gerais COlhO o de animal; sào mais especificas.
'"
gão", aproveitando o têrmo da fisiologia para a filosofia, num
sentido, porém, um tanto mde. ltsse órgão, essa função de • • III
comparação do espírito, é que gera posteriormente, n-,] homeHl,
III
a razão. Essa comparação é iJncuiata, ü,tuitiva. E da c aractcrística ue nosso es pírito desdobrar-se em duas

A razão activa-se num trabalho de comparação, de pro­ fUllç6es : a que procura o semelhante c a que pcrcebe o (lifC­ '"

cura dG identidade, como terçmos ocasião de estudar mais rente.


,
adial lte. Enquanto a primeira função, a de comparar para apreen­
'"
A razão "sobrevém" posteriormentc, no homem, 'como po­ -der o semelhante, é a que melhor corresponde à natureza do
llOllJem, por s implificar e assegurar uma economia ao trabalho "
demos observar naS crianças. Em face da natureza, o homem

"

"
te MARIO FERREIRA DOS �ANTOS

mental, a segunda, a de apreender o diferente, o indivillual,


é-lho mais cansativa. Por isso, a racionalizaçfw do homem é
constante. Mas, por essa racionalização, penetra o homem no
terreno d:u 8.b�trações, pois, como veremos, a razão trabalha
,.
com ab�traçôe� 6 tende para o parecido c, daí, para a idcntida­ III
ue. A razão" por sua exigência do semelhante, cada vez maior,
chega à identidade, onde t{)das (IS semelhanças seriam ahsolula­ AS ANTINOMIAS E O DUALISMO ANTINÓ­
monte iguais. O movimento, a fluido7., a transformação cüI15- MICO - DUALISMO GNOSEOLÓGICO E ON­
tmte drs coisas, que nos revela a intuição, chocam-se ('01n fi
TOLÓGICO - CONCEITOS - ABSTRAÇAO
tendência a cstatificar, a parar, a identificar, a homogeneizar
EXPERltNCIA
da razão. A razão funciona com o parecido c a int\lição com
o diferente, por isso cada uma forma, a pos/ol"iori, seus pro­
prios conceitos. Conn�m salientar que um conceito, ao incluir 11m conjunto

Em nossa obra "Psicogênesc", csl!H]:nnos pornlCnori:wda­ de factos singulares, exclui olltr0S.

mente a formaçfto dêsse proceso de polarização (h inldedllali­ Eis por que não podemos pens:\!' num conceito sem seu.�
ckde, c:n intuição e mUlo, como tamhém o fllIillis:llllOS nfi opostos. Q'lamlo coneeihlamos vertebrados, excluímos os in­
"Noologia Ceral", que é a ciência do espírito (1). vcrtc-hrados; quando eODccitllamos o idêntico, excluímos o di­
len'Dte; quando conceituamos homem, excluímos tudo quanto
não o seja. Tal dualismo ó uma decorrenein do aeto racional
de conceituação, ou seja, de dnr um conceito, LIma cknomi'.a­
ção comum, a um certo número de factos ql1e nus purecem
idênticos. Ao procedermos as�im, já f�zemos uma exclmão,
quer dizer, ',epammos tudo quanto não é semelhante ao quc
conccituam('�.

Por is�o, todo o conceito inclui o que deseja denominar e


exclui tudo quanto não possa enquadrar-se nessa denominaçfw.
�s�e dualismo é, portanto, fundamental da cstruhlra l6gica d a
[]os�a rnenh.., qut'l é obrigada a abstrair, polarizando-se em
opostos.

Ao criar um conceito, surge espontaneamente o contrário:
à afirmação surge sua negação. fi; isso mais evidente quanto
(1) Surge aqui uma gl'and(� problemática que exiGiria aná­
A� qualidades. Estas, quando conceituadas, cxclllcm o que
lises mai;; vastas, o que é examinado nas obras cspecífie2s, que
compõem a nossa " Enciclopédia das Ciêneias FiJosôf;ças e 50- lhes é contr hio, e logo o conceito oposto, como também aos
::iais". Assim, a formação do conceito, como esquema ab:;tl'acto­ �ubstantivos abstractos.
-noético e a sua fundamentação nos factos, bem como o pro­
blema das universais, são temas que exigem outro� estudos­ Assim: Bcm e Mal, Libcrdatlc c Ncccssidado _ Absoluto
que virão a seu tempo. c Relntivo, Abstracto e Concreto, etc.

48 MARIO FERREIHA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 49

Tais dualismos tAm sido um dos maiores e mais intrincados Antítese: Não existe nem como parte nem como cau­
problemas da Filosofia, c têm provocado as divagações mais sa, no mundo, nenhum ser necessário ,
complexas e ambíguas, como ainda teremos ocasião de ver. As teses são provadas pela refutação das antíteses e vice-
Entretanto ,lOS parece que o problema (� falso, pois o que estú. vprsa.
unido de facto, é separado mentalmente, e pensamos ter reali­
zado uma divisão reaL Nos fragmentamos a realidade em
Essas quatro antinomias de Kant surgem como tema das
mais mr:arniçadas disputas entre os filósofos.
cop:;eitos abstractos, como aliás são todos os conceitos, e de­
pOis ficamos atô:úlos por não poder reuni-los numa, unidade.

É uqui que surge o problema da� antinomias, que é o que UI" PONTO DE l'AHTLDA.
vamos estudar. Na filosofia, em geral, o têrmo v.ntirwmia é
empregado para denominar a reunião de uuas proposições, Vamos npresentar, um ponto de partida e também de
uma chamada tesl! e a outra antítese; que, embora contraditó, apoio, um ponto de referência, digamos assim, que ofereça a
rias, podem apoiar-se, tanto uma como outra, em argumentos perspectiva de cada escola, permitindo-nos penetrar no h:trin­
de igual fôrça, comu expressa Goblot. cado emaranhado das opiniões filosóficas.

Kant ( filósofo alemão, 1724-1804) , por seu turno, chama


No século passado, viveu na França um homem que as
antinomias da razão, as que se descobrem nas idéias da razão
contmHhls políticas e a mentira tornaram-no em grande parte
pma, aplicadas à Cosmologia (ciência do Cosmos ).
dcsconhccido das gerações actuais. No entanto, sua obra, que

Vejamos corno as eauncia K:mt: estava por quase todos esquecida, ressurge agora, aos pU'lCOS,
p.lra nos dar nova luz aos problemas d o século XX. As pre­
1) Tese: o mundo tClTl um (.'omêço no tempo e limites
visões dêsse homem so confirmaram neste século, e sua crítica
no espaço.
e as grandes perpeetivas que lançou iniciam ii dar seus frutos
Antítese: () mundo não tem nenhum comêço !lO tem­ prodigiosos. f:sse homem chamava-se Pierre Joseph Proudholl
;0 llem lilllilt's !la espaço. ( 1809-186'1 ) . Em sua obra "La Hévolution sociale", lemes es­
tas pnln\'l'as:
2) Tese: Tôdil sllbstu.ucia cOinposta compõe-se de par­
:es simples. "A \'cnladeira filOSofia é saber como e por que nós filoso­
AlllÍtr;se; Nadn, no IJ1\llldo, compõe se de pnrt(·s sim­ famos, cl(� f}1Hmtas mnnpirn� e sÔbre quais matérias podemos
ples. filosofar, a que tende tôda especulação filosófica. Quanto a
�istcJllils, n;w há mnis lugar para êles, e é uma prova de me­
3) Tese: Existe liberdade llO sentido tnmscclldenta! co­
r diocridade filos6fica procurar hoje uma filosofia".
mo possibilidade ue um comêço absoluto e in­
causado de Illlla série de efeitos. l'nluclhon verificou, ao ler as antinomias de Kant, que
elas II:io provnvam a fraqueza da razão humana, nem mostra­
Ali/itese: Tudo acontece no mundo segu"1do leis na­
vam um exemplo do subtileza dialéctica, mas eram uma verda­
turais.
deira lei ela natureza e do pensamento. Para Kant, essa, an­

4) Tese: Existe no munJo, como sua parte ou eomo sua tinomias mostravam que o entendimento humano funciona fora
causa, um ser necessário. de scu domínio e que, não captando o real, funciona por meio

I
• �

50 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISÃO 51

de processos e meios ilusórios. 1!:sse era o seu grande argu­ dividual fi uêles caracteres que encontra geralmente em ou­
l
mento para condenar a Metafísica e fundar o agnosticismo (1). tros factos individuais e dá-lhrs, depois, um enunciado verbal,
• Mas quanto às antinomias, Proudhon diferia ele Krmt. Pa­
Cj1lC (� o tê-orno roncdhllll (1),
ra êle, elas estavam no espírito, porque estavam no ser, lia Hesta agora sabermos o scgninte: êsse dualismo que veri­
.�
natureza, n o mundo físico, e no munt!o social. E dizia de; fiullnos n o COllhecimento entre o intuitivo e o tncional, ( refle­

"O mundo moral como () mundo físico, repousa sobre lIl!la plll­ I xivo c Jiscursivo ) , surge apenas por 11m dualismo f1lllCional
,,' ra/idade de elementos irreductíveis e antagonistas, e li da CO/l­ do nosso espírito ou bit l'calllwntr� na natnr�7.n êsse dnalismo,
lradiçilo dêsscs elementos que resu ltam. a dr/a c o mOl:illlclllo Cjue {� por (�lc aprecndido?

do IInir;crso"
OH, ('ln linguagem filosófic�l, há um llualismo gnoseoló­

o dualismo antagonista, antil]()mko, no s('Tltido di' PrOl!­ gico ( llua:islllo .lo conhecimcnto) ou um d_lnlislllo onlológico
clllon, tem sentido mais lato do qtW o (k Kant. '
(1[11('1" dizer, um dualismo llO pn'J]lrio entc n Silo t'sses uua­
mil Já vimos
as (luas tendências antinômicas do nosso espírito; a qll(' kmll' Ii<,mos, 1ll()(10.� do cOllhecf'r ou do ser?
para_ o individual e pnra o diferclltt:, qlle {) a intuic;'ãD, ôl[lrITII­
•• l'<C\l' é Lícil agol',\ p" lwtr:\1" J1('st(� ponto, um dos JTj.lÍs im­
súo directa do facto individual, acto simplcs dI) ('�[lírilo, c o
portantes da filosofia. J ú I'imos, por exemplo, a tendência tle
, ,,. procc.lsO da razão, que teJlde para o p�lIl�cido e paLl () gnal,
muita, filo,oriao, crn sim p 'ificar a 1l,l lUH'Z,'l c e.\.plicú-Ia por
flue cOmpnrn, flCção mais complexa (lo que H alI1cril)]" ii ra­
t' 1 1 m único -ser, u:!Iu/"jmlo, (\t·';.,a forma, o dualismo a 11lll mo"
zão {� posterior ú intuição, de formação mais leTlta (' dé'llIOra(b,
11is1ll0, (' explicando n cOlllrHlli�-ilo COlHO puamentc gnoscoló­

1\1a5 a razão e a intui�'ão, 011 melhor, os dois pHK'é'SSO, iHo gil':!, i.,;to ?, (lo c(mhecilllenlo ( d e gllosis, cm gn�go, cOlilwci­
, te1cetnais dc 1l0SSO espírito, formararn_��;, sf'c1illl\'nlaralll-s(' pdo lllell to )

• proce,so dual e dialéctico do mesmo,


Qucrl'1' reduzir a l"ilZÜO, por (,\Tmplo, ii illtuiç:io, faze]'

• Vimos COIllO o homem apreende o dífcrellk, mas pI'Cci':l daquela apcnas uma ]"('su](nllk desta, é crr{\neo. A cstratifi­
gcncl'c'llizar para poder compwf'ndcr, (Iominar, (' so),r!'\lldo ['a(,'ão da rnzão, no hom('m, {, lellta c demorada. Como dc
transmitir, pois o homem começ'a a criar conceitos, ([(laudo não pOlle conlll'cer o diferente �l'm o semdhante, n[Jo podc eo­
" socializado, e precisa transmitir o que sente, \,('fifiC�lmos, nlwccl' ° �emelhante sem o dikrente. Sim, porque, como ain­
também, <JLlC a criação de conceitos é pl'Oporcional :\ an/dis!' da \'('TPlllOS, conhecer r: rcc(!1lI!('cC1" (Z),

da rellidado. Para entendê-la e para transmitir aos outros () Nll intuiçilo núo bú I1lll conhecimento propriamclltc dilo,
• tIue dela apreendeu, ve-se o hom�m ohrig:J.llo a uma CriM,'ilo lmlNI<t ,.,� elllpregue muito bsc lhmo; na intuiç:'io, há apenas
• constante elc conceitos e de scus enunciados verbais, os tt�nnos,

• Verificamos que, enquanto a intuição é o conhecimento -


( 1 ) Essa nctividade da razão é e3tudada na ''Psicologia''
do inJivilluul, conhecimento imedillto, a mZllO ab�trai d() in-
• (' nn "Teoria do Conhecimento", e sua problemfltica nos livl'o�
de Noolngin.
"
(1) A caruderistica do agnost:cismD consi:;te <Cm apciar (2) Si, captamos scm,v,,'meute o que f:. Bssimilúvel nos es­
,
para o Incognoscível corno meio de explicar a natmeza, '1ue é, quemas da nossa scnsibilidad(', depois de já lldualizado5, corno
p�ra êle, a manifestação de uma potência. a qual não p'Jderrlns �(' v,S na criança, Para conh,'ci'l', ,:. neccssnriJ nova ;lssimilação,
conhecer, e da qual, contudo, ternos n0ee�;�idFlde para explicar um rtTonhecer, J\'a "Koologia", examinamos êste pon to �ob no�
a natureza. vas bai':es.
,-
--,

- -
------- -- -.,

"

54 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISAQ 55

tivu. Por exemplo: absoluto, que se define corno incol1dicio­ ulliversais. Nada podemos pensar sem referir a algo que é,
nado, não-condicionado; átomo, ( tomos que significa frag­ ou a 11m antecedente. Essa universnHdnde é um traço do
mento, parte, e a, alfa privativo, em grego ) , gncr dizer não­ ('onhecimento humano, um tra[;o da razão.
fragmento, o g1.1e não-tem-partes.

Não se deve confundir com os conceitos ll(]gati\'os, os que


têm conteúdo empírico, como por exemplo: Não-eu.

Há ainda os conceitos necessários, gmnde problema da o processo lógico exige uma ra:dio suficiente.

metafísica: são as categorias. Essa razão suficiente é a relação neces,úria de 11m objec­
to 0\1 acontecimento com os outros.
Pam Kant, que os estudoll, silo as catq:;orias (,Ol1C'cito"
Em virtude dêste princípio, consi(krnmos que nenhum
fundamentais do entendimento puro, são formas pri()ri, (lucr
ti
facto pode sef ";'erdadeiro ou l-�:dstente, e nenhuma enuneiar,:ão
dizer, qlle estão presentes antes da experiência do nosso conhe­
verdadeir8, sem uma razão suficiente (bastante) para que
cimento, e representam tôdas as funções essenciais do pensa­
�cja assim c não ele olltm forma. Essa a definição e]c Lcib­
mento discursivo.
niU,

Kant estabcleee que todo juízo pode ser considerado de­ A ra�ão, como actua sôbre esquemas da comparação do
baixo de quatro pontos de vista: quantiwlde, qualidar!(', rela­ semelhante, tende, cm seu (kseu\'olver, a elaborar u eoncpito
çüo e modalidade, e de cada um dêsses pontos de vista são de idêntico,
possíveis três classes de juízos. Vamos entlnlCrú-Ios:
A razão suficiente liga, coordena um :acto a outro, pro­

QuulI fid!:de Qualidade Relação Modalidade cura elltro êles um homogêneo, 11m parecido, uma razão su­
Un idade Afirmação Substância Realidade - Não fici('nte",
realidade
Se não o encOlltrar, cla uüo pode compreender.
Pluralidade;, Negação Caus<llidade Pos'3ibilirladc
Impmsibil_dade Dessa forma, a razão necessita das categorias, quer d ircr,
::
Totalidade Limi tação Comunidade Necessidade -
de elementos homo!�êneos, que liguem um facto a outro. Ve­
Contingência
jrllnos pOI ex,: o conceito rir su!;sf()llcia, uma das categorias

Essa classificação de Kant é uma classificação modificada cle relaçâr .

da apresentada por Aristóteles. lvfuitas outras foram apresel)­ A suhstância é o que está soh as coisas, o que Stlb-estâ,
tadas posteriormente. O que nos parece funuamental para i () qne cSt'l atrús dos fenÔmellos. Por exemplo, êste livro que
,
compreendermos qual a signifieaçflO dessas categerias na filo­ ... (('mos à frente, pode ser de côr branca ou escura, ter tais 0\1
sofia, consiste em serem elas necessárias à razüo para o conhe­ <]uais cliIT'ensõr�. Mas sulJstância 6 o que fica atrás de tlHlo
cimento, ou seja, não são conhecidas, SilO dadas no COllhcci, isso, depois de separarlos os atributos que encontramos neste
Ilwntc, mas precedem a êste como meio de classificar, com­ livro, Demos 11m outro excmplo: temos aqui um pouco <le
preender, ordenar o conhecimento racional, que é formado por cêra ú nossa frente. Tiremos tõdas as r{ualidadcs qne apre­
conceitos e, portanto, por abstraç6es. A tradição ch:lma-as de senta, imagiucmos que a cSlluentamos, a derretemos, a fundi­
conceitos w1ivcl'sais, dos quais os mais impOliantes süo os de mos, a esfriamos e vemos que se solidifica de novo. No en­
s\lbst5ncia c causa. J! fácil comprender porque se cli:1Il1alll � tanto, pc� aneee sempre al IJ qneg é Sllhstânciil: a cêra, a

� ,

56 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CüSMOVISÃO 57 •

,
mesma cêm. As coisas mudam, transformam-se, li'as há sem­ Pensar é estabelecer relaçõos. Para tal é eficiente o auxílio
,
pre algo de permanente, algo que é invariante, é a substância, dos conceitos, os universais. 11: cam êles que se ordena o co­
que permanece sempre a mesma (1). nhecimento dos factos singulares em sistemas racionais. ,
'
onde decorrem êsscs conceitos? De factos singulares? A intuição é que dá o atributo da realidade, porquCl ela é
De .� ,
Não; de relações constantes entre Of. pr6prios factos. Expres­ a apreensão elo individual, do concreto, Por isso Kan t j� dizia ,
sam êles coexistência e sucessão, nexos espaciais e temporais, qne lodo conceito, sem conteúdo intuitivo, é um conceito va­
que estabelecem uma interdependência entre a to�alidade do ,
zio. O conhecimento organizado por meio de conceitos (U
existente. Vejamos, por exemplo, o que é a quantidade. Aris­ l;m esquema da realidade, uma visão da pr6ptia re alidad�, lião, ,
tóteles dizia que a quantidade é o que responde à pergunta porbn, uma visão exacta. Mas o instrumento para obler no­ "
Quanto? Ora, a mo/.lIa concebe a quantidade como algo /w­ ç'i\o lHkquatla 00 saber empírico é o conceito.
mogêncu, por isso divisível em partes. A quantidade é a )l0 s­ '.
sibilidade de nwis ou de menos. Para termos o cOnceito de
quantidade, despojamos as coiscts de tôdlls as suas qualidades,
que são hel(Ofog0neHs. A qU<llltidnllc é sempre llomog{-lleH. I
Esses concei tos lli\iver�ais são feCUlld()� quando apl ' cados a um !k,ejamos abordar agora com alguns elemen tos impor­ '.
caso concreto, por nos permitirem a classificar,'ão, que é a hase talllcs, um lermo que temos usado sobremanei ra e que e5t(, a
..
do conhecimento. exigi!" melhor �),"plicação.
Quando tomcdos como factos reais, independentes do pro­ Trata-se do têrmo: abstração. ..
cesso lógico, ap::.recem-nos vazios. Pois podemos pensar a ..
A abstrução consiste na ação do cspirito que considera à
substância, a quantidade, mas não podemos lIlhlÍ-lits.
parte um elemento ( qualidade ou relação) de uma represen­
Vejamos, por exemplo, a causalidade e o seu principio, taçflO ou de uma idéia, pondo especialmente a atenção sôbrc
que nOS obriga a formar uma cadeia de causas sem fim. O êle, e negligenciando os outros elementos. Também se chama
primeiro elo nos é impossível alcançar. Para ta l, temos que ..
abstração ao resultado desta ação, o que conseguimos abstrair.
admitir uma causa sem causa, uma causa sui, uma causa de Por meio da l
abstração pensamos à parie o que nüo pode
si mesmo.
ser dado li parte. Assim, por (')(Pmpla, as figuras do geometria l
Assim, quando tenho um ohjecto e quero conhecê-lo, pro­ são abstrações das figuras concretas, nas quais só temos em
l
movo um conhecimento categorial, observando o objecto, se­ consideração a extensão.Falamos do círculo, mas não de um
gu < ldo cada categoria. Vemo-lo como substância, COmo qu,m­ círculo determinado, mas do círculo em geral. Abstraímos (
tidade, como qualidade; se forma uma unidade ou' UIna plura­ do círculo t6da a concreção, tôda extensão dada concretamen­ (
..
lidade, etc. te, e p<.-'llsamos no círculo como uma figura que está ab,traída
das qualidades ou relações que individualmente encontramos
l
As categorim:, por isso, presidem ao conhecimento. �.fui­
nllJl) círculo ou noutro. "
tos fil6sofos têm reduzido aS categorias a uma só, a de rclaçt1o.
o conceito, como vimos , é o resultado de uma abstração.
Temos um livro, êste, e temos aquêle livro; êste é maior, aquê­
(1) O con�ejto d e substiincia é vário na filosofia o é exa­ '.
minado na "Onlo�ogb". Também, nessa obra, são discutidas as lc é menor e verde; êste é de capa amarela. Aquêle é gl"OSSO,
upiniões sõbre as outras categoria�. éste é fino. Vamos abstraindo essas eoncreç'ôes e chcgamos ti

58 IvIARIQ FERREIUA DOS SANTOS '''ILOSüFIA E COSMOVISAO "

!lmn abstração geral, rpJc é o conceito livro, t!lllSl pDr�'il() (]e Vejmnos Qlltro a specto imporW ntn: No momento cm que
cadernos manuscritos ou impressos, encadernados ou brocha o nos propomos abstrair a côr branca clêstc livro, temos, no es­

[l os , O livro é um livro ideal, um livro que nüo se colll(;l\ !lO pírito, imngens ck sllperfície<; colorid a s semelbantes.
C'sp<"lÇO, que não tem dimensões, qllC não tem tempo, pois IlÜO
� Se nüo tivessemo, essas ilTlJ.g0rlS_. n(\o poderiarnüs fazer a
tem mn ano, nem dois de i2xistêncin.
a bslração,
J1: algo que abstraímos de tôdas as suas qualidades. c que
N6s s6 avstraímos v que comparamos.
pensamos à parte. Entretanto, embora nos pareçll tudo isto
finito simple s, a abstração é tema de demoradas conhovérsiils A C01'1para<,:üo H anterior :'t nbstraç�\(1. S6 podemos abs­

na filosofia. É natural que nilo irenlQS aqui abordA-ln" lllas trair uma {llw.lkbde qllillltl() a comparamo.' I:om o!llms, cllja8

apenas salientar os aspectos gerais e mais interessantes, im­ jIflagens estão presentes IlO espírito, A razão funciona com

prcscilHllveis pflfll. a boa compreensão da matéri a fil()�ófica. aLstrações, tmbalha POlTI abstraçGes, como já vimos. A ab5-
tra�';\o é t\ln estágío posterior da eomparar,;ão (1).
Algumas confusões surgem no emprêgo do tDnno nbstnt­
çiio, Por 0)(.: é comum ver-se emprf'gá-lo pam expressar a

\ separação que se faz de um objecto. Vejamos : temo� um li­


vro em cima da mesa. N6s o sepammos_: isto é, penSaJnos nêlc
I
iI parte, independentemente da mesa, como podemos prJlsar i,
• parte sôbre a mesa, independentemente do l ivro,

• Na real idade não realizanlos uma abstração, porque verda­


deiramente podemos separar ê5'SC livro ela mesa, Vimos q!le,

no cenceito de abstração, há uma separação, mas como (IÇ{iO
"t do espírito, que considera à parte um elemento, Porll'mOs

•a realmente �eparar o livro da mesa e levá-lo para ontro hqpl r.


Na ilustração, a sepamção é elo que não se dá à parte. As­
,.
sim, quando pensamos na quantidade, abstraímo-b das (jllali­
,e tla des, mas, na realidade, a (lualltil1adt� da cLJ"a de la­ (1m: ta
mos acima, nflO é sep arada das suas qu ali dades tlue ta lll béJn
,.
a constituem.
.-
Podemos também pensar na cór clllra da c[ya, indc{Jcll­
.. d entemente da sua qualidade, Podemos abstraí-la, !\las e�sa •

.. c{)l., na realidade, não se dá à p arte da cêra, da quanlid�l(ll' ue


ci':ru. F.s te ponto é importantíssímo e merece a ma ior aten çao.
III!
AS8im, abstraÍ1: é desassoCiar ° que nilo permítc ser dc­
.. sassoâado.
" Sao Thomaz ( 122.5-1274 , frisava bem qne, quando pcn" (1) Todos 02SSCS temas, sobretudo os que lle referem às
.. samos numa qualidade à p arte, não quer dizer que essa (lllilli, categorias e à abstração, são tratados de forma genética em
d:lcle fosse à parte, mas sim ql\e ela era pensada ri parte. � nossos livros "Psicogênesc" e "Noogênese",
..



,
FILOSOFIA E COSMOVISAO 61
,
nheciuas. E se perguntássemos: é a expenenclU uma cópia ,
d a rcahdadc? Sim, uma cópia, poderíamos responder. Mas
,
completa? Não; deficiente, limitada. E assim também a ex­
periência individual, como a experiência acumulada que uns ,
-
IV <:omunicam aos outros, e as gerações transmtiem às gerações. ,
Côlda nova experiência importa em um novo conhecimento �
o PENSAR - A EXPERIllNCIA - ESPAÇO E e �I!l) novo problema. Já sabemos o que é a experiêucia?
,
TEMPO - SUJEITO E OBJECTO Sim, sabemos alguma coisa, mas muito pouco ainda. Um
ponco cll! história do pensamcnto nos ajudará. I.
Que i� a experiênc ia ? 0.1 illltig()� opunham a experiência semível, (dos senti­ t
Se o leitor esllÍ sentauo, tCJll ele
lima experiência da cadeira. ;'\las essa cadeira .� um frag­ d o , ) , ao raciocíniO, ao saber adquirido pela reflexão racional, t
l,to é, pela mz�lÜ.
menlo da realidade. t.
A( II WI a , �('n,ívcl, perJllallccia apenas nas aparênCiaS dus
lIm [ragm('IJlo, como [;S,;(' li\fo, e�sa Illesa, es�:t làmpadil, a
t
aquela cadcira, aq\iêJe� livros; lodos sào fragmentos da reali­ coisas, (liziam, enquanto a segunda chegava ao fundo dessas
dade. llll��m,\.\ coisas, t
Um a sp Gc lO 11l(TeCe scr previamente examinado. É uma
t
"Ias o lcitor '-em um e(JlJltccimento (kSS.l caLleim , dessa
mesa, dêsse livro. Mas êsse conhccimento é frag1nent:lrio. simp ll's classificaS'30 da (;�xperiência que nasce daquola dicDto­ t
mia apn.'.'ieulada há pOlleo. Poderíamos acaso c1as,�ificar ox­
Não é llm eonhedmento de tüdas as coisas, mas apenas de a
t
pcriêlleia cm ;
fragme l ltos da realidade. A cxperiêllda é assim um conhe­
t
cimento fragmentário de um fragmento da realidadc. a) me di a ln ou
t
Mas essa experiência se dú isolada? Independente, sem­ b) ünediat,d
"
pre ib'llal a si mesma'? Nilo; ela sc amplia, se aprofunda, se
]\'0 primef-ro ca�o está claro, pois admitimos que a experi­
rectifica. \
ência (� feita por meio dos sentidos, da razão, elc. Mas, no
Vejamos: o livro é de capa azul, não é limito grosso, tem segulldD, scria uma experiência directa, um contacto imediato t
uma apré'sentaç,ão sóbria. E colocado, ali, naquc:e canto da ('(1lll o objecto.
..
mesa, parece mais bonito. Os cOllhccimentos aumentam.
podcr-se-ia aplicar a illtuíção inteleclttal à experiência? ..

Vejamos outros elemenlos freqüentemcnte des:gnados por
Vamos fa:.:er uma pequena d'gresão sôbre o conceito de \
experiêllcia? O facto de sentir, uu o resultado dc scntir, de illh1içfiO intc!cdual como o expõe Bergson. �ste dizia: "Cha­
sofrer, de receber a lguma cois:!. t
ma-,(' i,I!ll iç',"jo (',sa {,sp{'de de simpatia intelectual pola qual
IIOS trall.,>pürtamos ao illterior de um objecto para coincidir t
Ma� permanece twlo isso ,,01110 algo ú parte? A�siJll co­
COlll o ({ue ele tem de único (�, por conse guinte, de inexpre�­
mo uma ficha, duas, tn:s, (juatro, cinco do papéis? :\füo! ..
Cada experiência ,e incorpora ao eOl )j unto das experiências an­ �<ivt'l". E assilll algo semelhante ou comparável ao inSlillto e
�IO S('/lSD nrlbtico que nos revela o que os sêres são em si

teriores. Cada experiêllcia Vl'lll ajuntar-se JS at, então co- ,\


,\


"
"

62 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 63

\ nlCSillOb, em opos ição ao conhecimento dis cursivo e analítico, Quer dizer, se a ciência começa com a exp eriênci a, não
que nos faz (Conhecê-los pdo exterior ( 1 ). se funda menta apenas nesta, nem todos conhecimeutos proce­
"
dem sómente da experiênc ia.
• Aceita essa experiência imediata, o adqu irido por experi­
ência seria dHerente de o adq niri do pelo raciocínio discursivo i\las c'mlO se dá isso? Faç-amos mais algumas anúlisrs: o
' .
,-
"' '
ou p o r dednções. Aquela seria uma c'<pcriência direda, co­ conhecimento por experiê ncia é um eonhecinento a }JoI;terior1,
, . mo por exemplo a ql1C sentimos, que experimentamos em face um conhe cimento rmpírico. Como passa êle ao conhecimento
de lima pessoa com a qual, cm certos momentos, selltim(HIO� univcrsalm.�nte \ <Íl ido? Por meio da çonjllnção da experiência
'.
tão fUIldido� cm SilO. almn., cm seI! mnis Ílltimo, como se lá com os pri,] dpios elo (:ntelldimen\o.
.. dentro penetrússemos c víssemos o qnc realmente a llCSSO:L é. J�.'it('S principios develn actuar como nrla forllla sôbrc a
.. Vejamos as diversas maneiras como se e nt ende 'd cxpc­ matéria da l'x periên cia, sem tmnscclldi!-la 1l1111Ca, enqu ant o
rii�ncia: quiser ou pretenda limitar-se ao terreno da ciência.
'.
a) seg undo seu conteúdo intencional: C01110 l'x perirncia KaJ. usou o tt�nno tral1SCl'dclltc com um sentido p reciso .
\
in terna, diri ge-se à consciência e proporcíona a rca\ieJ.,dc ínte· Para êle, era trameendlOnte o que estava acima, além dr: tôda
,�
gra e :mediata desta; cspcTü'ncia possível, quer quanelo se lralasse ele realidad e, de
'. ,en·s. qlI er f"j\wnc1o �(' t m tasse elos pri ncipias do COu1l ccimento.
b) como experiência extern a: equivale :. pereep�'ii(), nu­
>. ma si gnificação muito ampla do ti':nno, cujo cOllc('ito preciso As pn pri�s pal �\Tas de Killll SilO m u ito dar�s e j:'\ nos
só pode ser formulado pcla psicologia. familiarizado com outro têrlllO rtllC tcremo� ocasião ele enCO l l .

trar mnit�s vA7.('s nos li\TOS d c fi l oso fia: "Chamamos iUI(lTlcll"
� Assim se fala de uma experiência do st'mÍ\"é'] (' de 11lIIfI
,
tes O'i pr incíp ios cuj a apl icaç' :\o se altm inteiramcnte nos limi ..
experi f:ncia d o inteligível; de llma experiência psicológ ica e
* h)s da experiência POSSíVl'l; e Inlr1sccndcntes os qne devem
de \llna expe ri ência metafísica, etc. D('sta forma se \"(� qne
ergue']" o seu vôo acima d h�;('s limilcs".
• o nso do têrmo é vúrio, e ° conceito elc cxperic�ne ia é rlcm>llia­
Torna--;(' ag(,r a bf�m c\nro () 'l \1e queríamos dizcr acima,
., do late Por is so, é m uitas yêzes usado no senticlo puranwnt e
empí rico, ql!<llldo afirmávflmos lJ\W (llwm pn�knda limitar-se nO t erreno
numa oposição tenaz aos diver�os scntidos qlle Ill c

('mprC.ltam os filósofos.
da Ci(�llCia, km que conjngal (II p rincípios do en[endimento

,1:'
ccm a c.\[1 'riência, Llzcndo-os actuar COHlO uma formll, S('m
É êst c, por exemplo, o sentido empregado por Kant lmnsctCnt!r\ n unca a ü,,]wriêllcia.
"
Pnrfl êlc, os nossos conh ccimentos ("OJn('�'i\m com a ('xpe­ l'o!" isso, (j venbdciro dell tista pcrmalleee no teneHO da
," ri(�neia. i\.'Ias quer referir-se Kant a todos os nossos lOrlllhcci­ l'i(i]l CIH, que é imaJlentr, Otl seja, aplica-se apenflS a Os ]ilTlit('s
-
!l\ellto.'? da ('\pc riên cia pos�ív('L O resto já pertellce ii filosofia
1(\ (l),
, NilO. Do contrúrio como teríamos um ccmhccinwnto ulli­ o que se t'n \en c!e por cxpcrihH::i a nas diversas filoso[ia�
versalmente válido, isto é, vúli do para todos; em suma, como ni\o é mat/�ria pacífica, po is hú \·,'u·Lts maneiras de compreen­
"
terínm0s a ciência? portanto, algu111fl coisa intervém. (k·la.

( 1 ) Adiante, na " Cosmovisão", estudaremos mfâ� fllllpla­


( 1 ) I n1 .� nente vem de manere e manar em, o que muna.
n;cnte a intuição, (knlr-ü de determinado sef.

"


."
i ,
" MARIO FERHEIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISÁO 65 ,

Não �e julgue c.:ue é fácil a elucidação da noç ão de co>;­ ,


Podercmos comparar essa imagem, essa cópia com a ori­
reriência.
ginal? ..
Os fil6sofos têm tal dificuldade t'm aelar:: -la, q:.le muitas II:! u rna definj(;ão cJ;bsiea que diz que a verdad
e é a eon­ c.
filosofias ficam girando em tôrno da Sua noçãO.
"'1' cOnlância da representação mental com o seu
pouelllos verificar essa concordância? Eis
objecto. COmo
'c.
Em épocas de crise e de inquietação comO a nossa, obser­ um problema de
va-se a preocupação que há em ba�ear tõda a Filosofia na ex­ conhecimento, e quem trata dêle é a Teoria
do Conhecimento
'c.

1
periência. O equilíbrio, que se observava em todos os siste­ ( 1.). ,'"
mas de crenças até então admitidos, está ameaçado. As ve·
lhas verdades já não satisfazem porque já poucos as �o[)hecem
lH, no entanto, uma inclinação espontânea a identificar a c.
imagelJl das coisus com a coisa-cm-si, que para Kant é a subs­
e as caricaturas H� 5llbstituCIll, As constantes tranSr()nml�'ües
t,lnda. A essa inclinação se chama de realismo ingênuo. Mas,
c.
havidas, e u incapacidade dos \'(�lhos prillcípios em permitir
uma cvoluç'ão nOnlW] da hUlllôln irbdc, e a tra nsformaç:ão deles
na reflexão filosófica abandona-se, por necessidade, êsse esta­ �
do dc inocência, para concluir-se que a experiência é um pro­
em argumentos pan impedir a prôpria evulução (Ia ordem
cesso lJl (· ntnl.
t
social, colocou-o� C:1l xequc. Assi m, pelo menus, lll ll it ()� o
t
julgam.
• • •
t
As fórmulas perderam a sua fôrça c ris a r:lzuo 'Jor qL1e a
experiência avulta agora de significado. E é por is�() tambl'lll t.
De tmIo quanto foi dito, concluímos que a expcriência
que é difícil precisar- se a sua nor,:ão, dadas as grand-cs contro­
pode ser alHdisada sob os dois aspectos em que ela se processa. .,
vérsias havida�, e que ressoam ll,IS p:l gina� du filosofia.
A cxperiêllcia 6 'ntcríur e exteriur. E nós atribuímos tanta t,
Poderemos fazer uma nova pergunta : esgota-sc a, nor,'ão da realidade a uma CO,r1O a outra. Nós temos essa convicção, e
experiência na aeção ou nu ma sellsibilidade vaga?
t
tudo lel'a ii corroborá-Ia.

"A imersão na experiencia para a aqllisiçào de experiên­ t


Do contrário, tudo quanto nos cerca, inclusive as pessoas,
cias" e, conseqüentemente, o enriquecimento ua vida ou do seriam apenas fantasmas. t
sujeito que as vive, lião há de rtpresental' forçosaniente uma
Vê-se assim, que o problema sc aprcsenta na re,lação entre
identificação com as próprias experiências.
a experiência e a realidade, e êsse problema já não pertcnce ao

Vamos reexaminar o que dissemos. pode a realidade ser domínio da experiência. É por isso que Sf! impõe mn carác_
assim ou doutra maneira. Nós a conhecemOS. De que ma­ ter restrieto à experiência, embora j:econheçamos, nela, gr;lll­ I
neira? Na medida dos nossos esquemas, dentro das limitações de valor. Mas, em que se funda essa vantagem? Em dados \
comuns a tôda espéeic humanfl. • que são proporcionados pela intuição sensível, ou seja, em
\
A intuição sensível nos dá os materiais do conhecimento. dados quc se dão aqui e agora, n o tempo e no espaço.
Os conccitos nos servem para coordenar êsses materiais, c o Um �aber que não se proccssa nos dados do tempo e do
produto disso tudo é, para o homem, a �magem da realidade. espaço ji't não é uma experiência, mas um saber de outra or­
Então, de que dcpende a e xperiênda? Dependerá, pois, do dem. Assim, a condição da experiência, como também o seu
<.'audal de factos intuídos e do acêrto dos conceitos emprega­
dos. Que faremos então? Esforçarmo-nos continuamente pa­
(1) Trata -se aqui apenafl da verdade gnoseológica e não
ra melhorar a imagem da realidnrJc. • da ontúlógica, que cabe, esta última, à Ontolog i a estudar.
,


66 MARIO FERREIRA DOS "\TOS
SA.. FILOSOFIA E CüSMOVISÃO ,67

, lim:!'e, são o tr-mpo P. o p.spaço. :'vias f!is-nos cm face (Ir. outra AnalisE'Inos um pouco mais êsses dois modos de ver. Dá­
pergunta: Que é tempo, que é espaço? ( 1) se aqui e agora o tempo e o espaço? Têm êlcs u m carácter
Óntico? Existem o espaço e o tempo como modos de Ser, in_
, •
depcndelltc� de n6s? Ou são apenas meras representações uo
-. nosso espírito, formas elaborarIas pela estructnra da nr �Sa
Um dos tomas mais apaixonantes e mais COlltwvcrsos da
monte?
,,' filo,;oHa é o de tempo c espaço. Se dissermos que () espaço
"é o meio ideal, caracterizado pela exterioridade de suas partes, Já não é a primeira vez (llle temos dito quc, na filosofia,
• sempre quI' se examina, se analisa, se estuda um tema,
na qual são localizadas as llOssas p(;rcepções, e que conU-ln, h�\
• �cmpre um colocar�se dnalista. Sempre o pensanwnto filosó­
pOltanto, tôdas as extensões finitas"; se dissermos que é "o
meio da coexistiJncla, enquanto o tempo é o meio da sl/Ccssiio"; fico se coloca entre dois nlOuos contraditórios de observar os
,
se dissermos que o tempo "é o período que vai de u m aconte­ factos, e nenhum dêlcs, por si s6, nos satisfaz, pois, apesar <bs
-, polêmieas e controvérsias, nosso espírito se balança entre a�
cimento anterior a u m acontecimento posterior" ou uma "mu­
dança contínua (geralmente considerada como contí1l11a), pela duas posições, encontrando, tanto llllma, eomo noutra, pode_
,
qual o presente se torna passado"; ou um "meio indefinido, no rosos ar.6'Umentos.
,I
qual sc desenrola a seqüêllcia elos acontecimentos, llms que,
Senão vejamos : se atribtlímos ao espaço e ao tempo nma
,,' em si mesmo, seria dado integral c indivisamcnte ao pensa­ realidade própria, caímos fatalmente em conclusões que re­
" ','
me:lto", pouco ainda tcremos oferccido para a análisc de um pugnam à nossa razão.
tema tão importante como êstc,
'. f.: infinífo o espaço? r:� limitado o ('spaço?
Mas, em vez de prOCl1rar, dc anlemfiO, uma dr:finiÇio,
� Se quer('mos afirmar qne o ('spaço () infinito, teremos do
procedamos doutro modo.
admil-ir que não tem fim, que l/I sempre espaço, cada vez mais
'I
Ante o espaço e o tempo, podemos colocar-nm de dois espaç'(l, espaÇo, além.
� modos:
Se () fazemos limitado, sentimo� a necessidade de pergun.
- . 1) ou o cspaço e o tempo SllO aspectos da H)ali(Lllle, in­ tal': c o que 'fica além? Não é e'paço, pois o espaço é limita­

dependentes da sua representação; ou do. Quo é então?


; .


2. ) são formas inerentes à cslruetura (LI mente, ft Líeil, se meditarmos sôbre () (lHe dissemos, sentir que

o Ser (ontu16gicos ) nenhuma da.� duas posições nos satisfaz. Estamos aqui em
• Em outras palavras : ou são modos d
os). faC!.' de uma das antinomias de Kant, (l ue já cstudamos. No
ou são modos do conhecer (gnoseoI6gic
" caso do tempo, nos encontramos na meSIr\a situação:
Ou t,�m um ser, independente do conhecimento hllm�n(l,
• ali são apenas modos dêsse conhecimento. a) Oll admitimos um começ'o no tempo, ou

"
.esse dilema se impõe na filosofia e divide os filósofos, b) negamos êsse come,;o. :r: IlC'ste en,o não haveria

Uma terceira pergunta também poderia surgir: e se ('ncerram, prinGÍ pio llelll fim no tempo, o que nos coloca noutra situação
.. .
ambos os modos, a própria realidade? também insu ;tentávd, por ser antinómica, Procurando solu­
"
cionar essa antinomia 6 que Kant apresent011 suas opiniües,

-, (1) Um saber que não se proccs�e nos dados do tempo e que já estudnrcmos. Mas antes ele chegnr até ebs, façamos
do espaço cabe à Noologia estudar. comentários e estabeleçamos alguns raciocínios bem simples.
-,

- ,
,
, ,
,
FiLOSOF'lA E COSMQVlSAO 69
66 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
,
se realiza, onde se efectm\m tôcla delimitação e tôda detenni­
Não serão, o CSllaÇO e o tempo, apenas formas da repre­ ,
nuçüo das çabas.
sentação mental? Podemos abstraí-los?
,
Antes de rcsponJermos, vejamos alguns asp,�ctos interes­ A matéria eram dados os atributos de espacialidadc e de
cxtensrw, isto é, furmas da matéria. Dêste modo, havia uma \
santes : quan do falamos cm coexistência ou cm sucessllO, já
r iclcntificaç'ão entre o espaço, o tempo e a matéria. Como o ,
pressupomos o espaço e o tempo. Não podemos realizar UIna
tempo não é racionalizáv€l (o veremos o motivo, pois é um
intuj\�ão concreta sem que os aceitemos. Vamos ;maginar que ,
conceito típico da intuição) foi compreendido como espaço,
não exista o universo, todo o universo. Podemos suprimir a
fluer diz(:r, medível, reduzido dessa forma a espaço, conceito \
representação do espaço e do tempo ligada à llossa própria
existência? que ainda perdura, cm muitos aspectos, nas discussões da ci­ ,
ência mouerna. Dc�cartcs, por exemplo, seguindo as pegadas
Se existimos. há espaço e tempo. Sentimos a ambos como ,
de Pann&nidcs, elimina o tempo c acaba eliminando a matéria,
necessários, pois o processo mental obriga essa aceitação. Do para reduzir tudo ao c�l><1.ÇO cheio. E ao definho a extensão ,
contrário, comprometeríamos o conceito de realirlade que de­ como C'ssêllcia dos corpos, converte li física numa espécie d e
,
Iinimos por sua extensão no espaço, e seu desenvolvimento DO gl'omelria.
tempo, ,
Spinoza conlinuaní. nesse camillho, no qmli os modes fi­
Onde captamos li realidade? No espaço e no tempo.
nitos do atribulo dü extensão, um dos atributos do Ser, cO::tsti­
to
Estamos agom num emaranhado de perguntas qU{� pre­ tuem as formas espaciais, e, conseqüentemente, os pr6prios ,
cisamos responder. ('n[('s Ilwtniais,
,
Mas, para isso, nada melhor do que estudarmos um pouco Leibnitz modifica totalmente o aspecto do problema, Nes­ ,
a história do pensamento humano sôbre ° tempo e ° espaço , sa época surge uma llova possibilidadc, que vai mudar total­
mente tL'C!licn do bubalho lmntnno. São as primeiras expe­
,
para que possamos oferecer algumas re�'postas e�·c1al'eC'edoras . n

Vamos começar com ° espaçu. riêllcial eom a fôrça gerada pela máquina a vapor, iniciadas ,
com Papin, e continuada por Newcomen, e posteriormente por
Os gregos opunham () cheio (10 }l/eull) aO vazio (10 ke­ ,
Watt,
wm). O espaço era muito simples e intuitivo. Não tinham ,
uma pabna para expressar êsse conceito, pela simpks razf\o ! Lcibnitz traz uma noção nova para a filosofia: a Ifuç'a,
,

l
que os gregos n�\O tillham Ulll conlwclnwllto c(l.tegorial do es­ mas a Úlrç'll como expansão. E aO converter a fôrç�a na veda­

paço, mas sim apenas do cheio e do Vilzio, isto é, o que nos deira substância dos corpos, a matéria já não pode ser identi­ ,
aprescllta o meio oxlerior ii intuição sensível. Desta forma, ficada limplcsmente com o espa�'o, c êste se vai convertendo
° •
espaço era o vazio que era enchÍvol pela matéria. Levado numa entidade à parte, (ideal). Desta forma, Leibnitz altera
cOllsiclcrúvc\mente a geomctrização radical extrema que en­
,
para o plano ontológico, o o�paço ( vazio) soria então o não­ c

ser. Ao contrário de Parmênides, Demócrito afirmava, além contranlOs em Descarlcs e Spinoza. ,


da realidade do ser, a realidade do vazio, do não-ser, que fica­ }'os;el'io!'mcllte surge Kant, que vcm colaborar no tema ,
va ovtre os átomos. COIU novos elemelltos. O espa�'o não é, para óle, mil couellHo

Aristóteles considerava o espaço, que f,le chamava de to­ empíric o, derivado de cxperiências externas, "porque a cxpe­
riêllci;l ('xt!'rna só é p05.1Ívd pola representação do espaço".

pos, o lugar onde se davam os fenômenos, o lugar onde o devir �
"..

,1'11

I"
,'II
70 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E CQSMOVISAQ 71
,'"
t\' Não é possível que tenhamos uma experlcnclu externa, sem riências; Kant não eomiderava essas form.ls como inatas no

,1'11
que tenhamos previamente a reprcscntaçflO do espaço. Desta homem, o que rem todos percphem bem ( 1 ).
forma, o espaço é "uma rcprescntaçflO a priori, (:lnks da ex"
Mas a s investigaçiíPs n�w p:uaram e m Kant. A s relações
' .. pcriência), que serve de fundamento a t(ldas as inluiç'ões ex·
('ntre tempo, espaço c maU'ria continuam sendo estudadas e
tcrras", porque, diz êle, "é impossível conhecer que niio existe
,., discutidas. Assim vemos falar cm e�paç(l absoluto, espaço
espaço, embora se lhe possa pensar sem ql1e contenha qual­
relativo, t( .npo lbsoluto, espaço psicológico, táctil, visual, etc .
..,
quer ohjecto". Assim o espaço será a condição da possibili­
:-.ra física moderna, ouvilllo� falar cm espaços pluridimen­
,., dade dos fen6menos, quer dizer, "uma representação ii priori,
�i{)llais, hiperespaços, contínllO espaço-tempo, etc.
hccessário fundamento dos fenômenos", O espaço, pum Kallt,
""
nl\O 6 algo de que faJamos, algo discursivo, mas uma intuição Examinemos o tema d o tempo. O tempo sempre Ofef(l­
,1'11 pum. Quer dizer, que o espaço é a forma da intuição SCllSívcl ('cu uma grande dificuldade à reflexão filo,6fica, por ser im­
externa uas coisas. possível racionalizá-lo, a não ser redn,dlJdo-o ao espaço, isto é
,�
tonando-o espacialmente llwdh'cl. Um estudo da história da
'" Convém, no entanto, que esclareçamos melhor (�slc ponto.
J ilowfia nos mostra que o tempo sempl'(� foi colocado it parte,
Na exposição das idéias de Kant, "o espaço não represcnlfl ne·
1411 foi inibido das grandes ÍJI\Tstigaçõcs que permanecem qun�e
nhl:ma propriedade das "coisas", não é mais qne �l fmmn dos ',l'llIpI'C llO tcrre'no do espaço
.. fenômenos dos sentidos externos, isto é, a úniefl eondiç'ão slIh­
Al)\"p n cambiante, o lIItll:\\'(ll, os filósofos proeul'"mm ()
,. jectiva da sensibilidade, mediante a qual nos ó possíl-el n in­
,PI(' ficava Iltní� das coi sas, (l (lllC cru jlllULível, inleJT1]loral. As
t u iç'ilo externa",
,­ ('onlradiç()<,s que se dflO enlIe os fenômenos são eontnldiç6es
Assim Kant dá ao espaço os caracteres da apriori(b(h il'­ q\H' ,<,(� dilo no tempo, portanto o ser inllltávd deve ser intC'Jn­
I"
drpclldência da experiência, intuitividacle transccndc1Ital ll())'a!. () lYmpo é o lerreno do devir, Cl)(l llltlltO o Sq, por ser
1<11 ('st<'ltico, não pode ler tempo. por is�o é scmpm, qWl ll d o eOllsi­
O espaço é uma intui�'íío pura e, por conseguint e. Ô lllnOl
... é!crado como incolldicionado, ckrno e imutável. f:sse o mo­
"forma pum da scnsibilidade", como o tempo, tamhôm, qllC,
tivo por que a razão s6 concehe o tempo quando o espaciali­
... com aq11êlo, constitnem as duas formas puras da sensibilidade,
za, quando o reduz li algo ele llonlOgênpo, como o cspa�'o, qlk"
,-
pois o semível DOS é dado com a prioridade do tel1lpO e 1.10
para n razão, é idêntico sCinpnl a si mesmo, simples, um. O
espaço, que presidem previamente a Mda sensaçf(O c a todo
". !r'mpo fica relegado (lO reino do particular, do contingente.
conhecimento sensível.
do contraditório; o tempo é de qnem vive, do existentf1, do
••
Mas há aqui uma confusão muito comum sôbre o pensa­ fcnomênic, ).
.. me!lto de Kant. A anterioridade das formas puras da sensihili­ ..
Com Santo Agostinho (354-430) , o tempo surge com seu
.. dade, (tempo e espaço) não consiste numa anterioridade cro­ carácter histórico e não espaeializado como aparecera na filo­
nológica, mas sim numa anteriorid�](lc de valideió não fnudada sofia de Aristóteles .
..
na eXperiência. Quer dizer: a idéia do espaço e a do tempo
Bergson salienta que à "inteligência. repugna o fluente
,(01; naseem da experiência, mas são dados com anterioridade il�;
{'. solidifica tudo q\lunto toca. Nós não pensamos o tempo
,. experiências futuras. Na criança, formam-se a pouco e pouco
as idéias de espaço c de tempo, que, posteriormente, yão cons­
, (1) Na " Teoria é:o Conhrdrnento" expomos sob novos as­
tituir as formas dadas com anterioridade para as nonls expe- pectos esta opini ão de Kant, o que !)Dr ora n50 caberia aqui .
..
,-

"
--
. --.-
• - c -1.l.

� 74 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMQVISAQ 75

••
A ê��e ser se atr:lbuJ uma existência autónoma, f' o Eu, levado a grand e s dehates na Filosofia, e o problema penetra
� Op05to ao não-Eu, que, neste caso, é o objecto. E�sa oposição em vários terrenos, tais como o da Psicologia, o da Sociologia,
" li prim{lria. o da Ontologia, o da Dialéelica, ete.

.. Mas uma simples reflexão nos mostra, desde logo, o errÓ­ , Tem oEu uma existência autônoma? Op õe-s e o Eu ao
neo dessa oposição, dessa desconectação do pr(l{!cssQ u niversal, não-Eu? Tcm fundamento o chamado "dualismo antagónico"?
"
dessa maneira abstracta de tratar êsse dualismo, tornando-o
Essa e xpressão tem um valor muito rela tivo , pois nunca
. '. um dunlismo antagónico.
sahemos onde termina o Eu c começa o não-Eu. Vê-se atra­
'. Ora, s,'i se concebem o sujeito e o ohjCdo numa relação vós da Psicologia, quc a separação entre o Eu e o Não-Eu é
recíp rOca. tllnn separação lenta que chega até a desdobrar o próprio Eu
,\
Seu antagonismo é puramente antinÓmico, no cm seu obj ecto, como quan do o Eu conhece a si mesmo. A
� sentido que
jA expusemos.Um não pode existir som o Oulro. Se tinlTmos l eciprocklnde, que se verifica na interactunçl1.o de um s ôbre o
• um têrmo dessa dualidade, o outro desaparece. Um (,utro, 1]]( ucla a imagem do Não-Eu, formada pelo Eu.
sujei to
isolado, sem obje cto, não existe. No conhecimento,
.;1 lnn não QUilnto Ú ,eparabil;rlade total do Eu do não-Eu, esta ofe­
se pode compreender sem
o outro, pois nilo há um conheci­
•• rece um... prohlem'ttka das mais rlebatida5 na rilosofia, pro­
mento �em objecto, nem um conhecimento sem
o �ujeÍto cüg­ blemática que subrcsai lia ohra du� ascetns e do� místicos, na
"�a nascente. A negação do objecto seria n pOS
iÇ�I() solipsista, de \Ictafísil.l, no conhecimento (la essência do Ser, clc.
Berkeley, que nega a existência do objeeto para
.
' afirlllar flrJC-
lias'1 do suj(�ito. rOr experiêllcia COlDlllfl, o Eu est:l vinculado ao nilo-Eu.
'. A s ep <raçrlO da qual
r se f\lla entre o Eu c o ni'io-Eu nflO ó a
Vejamos agora o conteúdo dessas duas palavras Sujeito e meSma (lue a verificada na Química. Já vimos qlle a sep ara­
'I
Ob;rrto. ção do l�u do nilO-Eu é cOlll'(llnitanlc a um allll1e!lto do não­
'.
Na Psicol ogia é cstudado o desenvolvimento do Eu. Sabe­ En, Come) tamhém do Eu. E is o cü\lhcci�ento; um s ab er (lo
, mos qne a criança,
ao nascer, desconhece o mundo ('),Jeriol". Eu sôbrc si próprio, ou sôbre o não-En.

.. },'fas 3. pouco e pou co dá forma ao ambiente pela� pcrcl"pçõC's


No conhecimento, nüo hú objeclo sem snjeito. O ser ob­
c, concomitantemente, vai tomando eonsci(�ncia de si mesma.
" jecto implica o sujeito. Portanto, palIemos colocar-nos cm
Tcmo.�, então, a cisão entre ela c o mundo exterior.
uma dessas duas posições:

Eu + nã o"Eu. Mas
o Eu não vive jJj(lcpcndenterncnte
1) exi�tôncia do suj eito e do objcGto;
"
do não"Eu. I1á uma compenctração que estudarerllOs cm seu
• 1 aspecto funcional. • 2) exist.'·ncia do snj�'ito apenas .

Essa compenetração se forma atravps das múltiplas lro­ Neste último caso, o sujeito é h!do. Esta é, por exemplo,

,
cas entrc O orgrlIlismo humano e o meio ambiente. a posiçãO do solipsismo atribnído a Berkeley (SOIIIS e ipsis, em
latim, si e si mesmo: afirmaç;lO ape nas de si mesmo ).
A filosofia conhece
aqui uma problemática, que pocl()mos
sintetizar com as seguintes perguntas : Há eOIllpenetra�'ão? VaJllOS analisar agora o que intere.lsa li ó rbita do nosSO
Até onde se processa essa compenetração? Há influxo
recí­ estudo: como se v!�rifjea o conhecimento, isto é, como se veri­
proco? Podem realmente · influir-se? Essa prohlem id i fica a aprecnsão do não"En pelo Eu.
l'H tem "
o
o

5
g

>

,
, 78 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

,
4) Re sp osta dos místicos. lt o conhecimento por visão
, interior, em que a vivência é tomada com arectividnde. Os

• místicos afirmam o conhecimento místico, êsse deHquio n o


absoluto, através d e intuição imediata, directa, n o que está
• v
além do fcnomÓnico (1).
• CI1':NCIA - TEORIA DO CONHECIMENTO
• HIPÓTESE - METAFíSICA

• Já ('sbo<,:nmos cm linJ1H� [!;crais as principais doutrinas que


llisputam (�ntre si a melhor interprctaç:io do magno problema
,
do conhedmcnto. A grande pcrgnnta de como se vcrifi<eam
.. os nossos conhecimentos km liclo diversas respostas na filo­
wfia.

I Já esbldamos ti posição empirista, ri dos racionalistas-aprio­
rislas, a criticista e a mhtiea
, ,.
Chama.-sc cm filosofia "Teoria do Cor.hecimcnto" a ex­
I plicação e a interpretação filosófica do conl1�cimcnto humano,
� (' através dêstc capítulo é examinada a possibilidade do co­
nhecimento, como êlc se processa, seu alcance, se1lS limites e
..
-"nus possioilidaJes futurns.
'.
Ê êste um tema, de mugna importi\.ncia, c fundamental
'.
para a Filosofia, e tanto é assim que julgam muitos tratadistas
• ql1e, por êle, se deve iniciar todo e qualquer estudo. Entretan­
to, li teorh do conhecimento só modcrname:lte é colocada co­
'.
mo lima dJsciplina independente, apesar de serem estudados os
• seu temas principais na Antiguidade e durante a I dade Média.

" Pode considerar-se John Locke (1632-1704) como o fundador


dessa disciplina, com sua obra "Ensaio s6brc o entendimento
"
humano", 1ue apareceu cm 1690.
.;�
Podemos partir dos cinco problemas fundamentais, quan­
•• to ao conhecimento, geralmente propostos, seguindo a classifi­
cnção exposta por Hessen:

(1) Como esta obra pr ete nde apenas iniciar o eotudio�o 1) Possibilidade do conhecimento llllm<mo, que podemos
ra Filosofia, é compreensível que não poderlamos, aqui, exa­ caracterizar pela pergunta : pode o sujeito apreender realmente
minar c,ita prOblemática, que surge na "Teoria do Conhecimento".

, ,'
I
I
I
" MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 81

o objccto? A pergunta consisto, po rtanto, cm querer sabcr se vários modos: /6gico (cepticismo 16gico), quando nega a pos­
,
realmente se dá êsse contacto entre o sujeito e o objecto. sibilidade do hecimento
con metafísico. Há ainda um cepti­
cislIW metódico, (que o usa como método ) e u m cepticismo '�
2) Origem do conhecillwnto, Este problema sc coloc:a
s{�temáticu. O primeiro, ao pÔr em dúvida tudo quanto se ,
da s eguinte forma : vimos já que há duas formas' de conheci­
8prc�enta, preteIlde, no entanto, atingir o verdadeiro pelo afas­
mento, um teÓrico, cspeculativ o , radonal, mediato e Outro ime­ ,
tamento ,lo falso; enquanto o sistemático reconbece li impos­
diato, sensível, intuitivO. Qual dos dois é a fonte e a base
sibililhde de atingir a êsso saber verda deiro e exacto. ,
do conhecimento humano? E�ta é a pergunta que carar.1:eriza
êsle problema. 'e) A resposla subjectivista e a relatívista. Para es tas t
['()rrl'II(('�, que hu n b6m jú estudamos, a verdadü tem apenas
3) Essência do coulwcimculo /wlIwno, J!: (' sujeito que t
UIlm vallL\c:t. limi tatla. O subjectivismo limita essa validcz ao
determina o objecto ou o objecto que determina o su j tdto? •
sujeito que conhece, enquanto para o relativismo aquela é ape,
Esta a pergunta característica dêste problema,
nas relativa; é ae wlido7. limitada. Está , assim, d dennimd a ,
4) Formas do conhedmcnto humano. Há além do co. pda ill±luência do meio, do ambiente cultural, enfim das CCIl­
nhecimento discursivo, racional, um conhecimento intuitivo?

diçôcs h i� tó ricas que actuam como factorcs determinantes, por­
5) Critério do conhecimcJlto humano. Há um conheci­ tanto, delerminaudo sua variabilidade. ,
mento verdadeiro e, em caso ilfinna tivo, como podemos conhe­ d) A resposta pragmatista. f: a de William James ( 1842- ,
cer essa verdade? ]91O). Para os pragmatistas, o homem é um ser prático, um ,
Vejmnos agora quais as resposta5; ,<,cr de vontado e de ação, que se orienta peJo intelecto. A ver­
,
dÜ(k� é, :\ssim, útil, e seu valor correspo nde à sua conveniência
ou nLto para a vida. Desta forma, a verdade é fundada na ,
1) A POSSIBILIDADE DO CO�HECnIENTO
sua u t ilidade à existência hunlana.

a) A resposta dogmúlica, P ura essa posiçãO, n[\O há c) A. I'fJsposta criticista. E sta resposta já eduJamos an­

problema do conhecimento, poiS () dogmatismo dá corno ad­ tCrlOHllt'nto (pág. 69).


(
mitida a possi b il:dade e ü re'J.h.\ade do contacto mire () sujeito
c () object o, afirmando, portanto, a apreensão do segundo pelo

primeiro. O dogmatismo é a posição mais antiga. da fi\oso lia 2) A OHIGEM DO CONHECHvIENTO.

grega, pois êles u(io discutiam a possibi!i\bde do conhecimen­


to, admitindo a c up acidad e integral da razão humana e1n ii) Posi.çüo racionalista. Esta vê, na razão, a fonto do
apreender o objecto. Foram os sofistas que colocaram primei­ umhccimento e êstü se dá quan do logicamente necessário e
ramclltc êste problema, e a crítica que fizeram do conheci­ nniversalmente válirJo. Desta forma, é a razão a garantia 20
mento tOmou duvidosa a posiçãO do gmática na Filosofia ( 1 ) , conhecimouto, pois êste só se dá por intermédio dela. S6 o
con hecimento racional é verdadeiro, e a razão é a fonte elo
b ) A resposta céptica. Para () cepticismo, o sujeito nãO
conhecimento e supera tôda experiência, visto ter suas leis
pode aprender o objecto. O cel)ticismo pode manifestar·se de
pró p rias, necessàriarncnte lógicas e de validez universal.

(l) Pelo m�nOB quanto ao dogrnati"mo sistemático, comO b) Posiçiio empirista. Para os emp iri stas não é a ra zão
o v er emos na "Teoria do Conhecimento". a venlndeira fonte do conhecimento, mas a experiência, pois
I 82 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 33
I
é desta que tiramos Os conteúdos da razão. Ê a teoria da ta­ tem d", real, mas apenas de illral, pois tôda realidade está en­
bula rasa de que já tratamo s O empirismo parle do� factos
. cerrada na consciência.
concretos e, em seu favor, alega a evolllção do pensamento e
e) Solllçilo jCllomcnalista. Segundo o fenorncnalismo
do conhecimento humanos, que se ftllldamentam na e-.:;prriên· não conhecemos RS coisas corno elas são, mas apenas como
eh Observa-se, pOr exemplo, qu e a maioria (los racionalistas
elas nos " parecem. Sabemos que as coisas SilO, poróm lião o
partem da matemática, CllqWlIItO li maioria dos eJllpiristas p<tr­ que silo. Desta forma o fClwlllellrtlismo aceita a posiçfío l"Ica­
I tem das ci�ncias naturais, poi� llcsbts 6 a expeTi(�ncia Cjlle re­ lista ao afirm<lr as eois<l.'; Como reais, mas i\ecita a posição idea­
I presenta o papd decisivo. T('nd()!n (J'; rac:ioll:llda.l' ao dog­ lista, <]11[\IHlo limita o COlt1!l'eilll(·llfo Ú c(]nsci�ncia
matismO metafísico, cllqllaIlto os cmpirislm tcmklll ao cepti­
I cismo metafisico.
I Posição intelectuaFista. .1 ) A�� F.Spf�CTE:) DO CO:--.J IlECHJENTO.
e) O Í1ltclcclnalismo proclHoll
I en80ntrar um meio têrmo entre os extremos do mcionalismo P.

do empirismo. Para êle, a expcri6lCi<l e o pc:msamrnto for­


J ii. nos referimos à polêmiea travada nesttJ ponto. Vamos.
I analisá-Ia em seus rtspeclos gcrais:
m�m as bases do conhecimento humano. O illteledualismo
I
deriva da experiência os conceitos, mas êstf·�s exercem sua ação a) L'onflccimcttfo disWI"SIIlO, teórico. mediato - Vimos
I sÔ·:)fe as representações inb.litivas SCIJSfveis. que os fil6sofos, em SUrt maioria, afinnam (Ice há apenas um
conhecimento: o discursivo, o te6rico, reflexivo, mediato, o
I
conhecimento através da razão, em que ° objectivo é apreen­
I dido, comparado com outros, etc.
3) A ESSn:NCIA DO CONHECI/dENTO.
- Note-�:e o sentido exacto do tôrmo discursivo <]ue vem de

- Solução do objectivismo. Para esta solução, o objec­


a) discorrer, ir e vir, andar daqui para ali. Assim procede a ra­
d
to etermina o SU;eito, o qual se rege por aquêlc. O obj��cto zflo. Ela anda daqui para ali, leva a imagem do objecto e
-
é algo dado , que é reconstnlído pela consciência cogllosccnte. compara··a a outra, leva, tra7:, fixa-a, associa-a a outTas, em
- suma, realiza um trabalho de conhecimento por meio de uma
b) Solução do subjectioismo. O subjectivismo funda o
multiplicidade de açóes (por i�so é um conheciment o media­
I conhecimento no Sujeito. Não há objectos indepcnJúntes da
to), uma pluralidade de actos,
I (;onsci�nda, mns esta é quem os cngendr�, e êstes são apenas
produtos do pensamento. Ao P,1r dêste conhecimento afinriam outros que há um:

b) Conhecimento imediato, (em vez de mediato), u m
c) Solução do realismo. f:ste afirma a exi�tência de
• conhecimonto inhlitivo, em vez de discursivo, um conhecimen­
coisas reais independentemente da consciência, arirmando, as­
to q11e não vai daqui para lá, que não discorre, que não com­
• sim , a indep en dencia dos objectos da percepção do cognos­
para, mas que é um dar-se imcJiato do ebjeeto. Na realidade,
• cente.
não 50 pode negar a aprcensilo imediata, a perccpçilo direela.
• d) Solução do idea.lismo. Para o idert\ismo os objectos Mas a<]ui não se trata prôprinlilente da intuição chamada
re�is são objectos de consciência ou objectos ideais. Já vimos sensfvel, mas da intuição intelectual . Quando notamos u m

a posição de Berkel ey, que é também urna posição idealista cbjneto que é verde n outro azul, e intuímos a diferença, te­

(solipsismo). Desta fonna, o objecto do conhecimento lIada mos aqui um exemplo de intl1ir,.'ão intelectual. Descartes no


84 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 85

cogito ergo sum aceitava a intuição como um meio autônomo se dá no pensamento consigo mesmo, e essa concordância con­
de couhedmento. A maioria doo filó�ofos, porém, afirma (1'1f� siste em ser o pensamento isento de contradição. Dessa :or_
só há um conhec imento: o racional (discursivo ). mi!, a ausência de contradição é o critério da verdade. No
Mas os valôres IOstéticos e os éticos são apreendidos pela toeante ús ciências fonuais ou ideais tal critério é váliuo, por­
intuição, e o artbta, enquanto artista, trabalha com a inhlição. que o pellsamcllto, ao encontrar-se com objectos ideais ou
Temos uma certeza intuitiva de n6s mesmOS, do mundo c;.;te­ mentais, pem1anece dentro da sua espera. Mas em face de
rior c das outras pt,ssoas. Bcrg�on afirmava que o conheci­ ohj('dw; r('ni.�, jil i\�s(� critório malogra. A certeza í]e uma cvi­
mento racional apenas apreende a forma matemàtico-mccúlli" dêllc;ia prova a certeza c nüo a evidência. O sentimento du
ca da l'calidade, � s6 a inlui.,;l"1 O penetra eiU seu conteúdo Ínti­ certeza {\ llIna certeza. emocional, intuitiva, que não pode prc­
mO, !lO ilm:lgo das coisits. (I) A po,içflO dos rnciOll.,]islas klld('r Ulll.l valilh'z universal. É u c('rto,,(( que é vivida, flue •
extremados, que negam II intuiçu.o qualquer conbeómenlo, c {. iutllÍéh, e que lll[() 6 fOl'malmcnte dcmollstradn. O conheci­

que êste é apeIlas o teórico, o racional, aSsil'1 ÇOIl'O a PO�i(JlÜ rnellto Ciclltífico ('xigc vali dez ulliversal. É um conhecimento
dos irradonalistns (l ue W'g;lIl1 :t r,IZ�lü q ll;I!(!lwr \ alor nu seu \ ,Llidu :!qui e em qual(l,wr parte, A evidência é um critério ,
cOllhedmento, pl'enm por preferir um düs cxt\'(�Ill()S, UP vlTdilc!e, mas essa evidência pode SGr vmociouul ou rado-
,
11:11, 0\1 :llulJas simllltillwnmclltc.
,
5) CRlTF�:UO DO CONIL-:;CI\1ENTO HU1\'lANO. I
o o

I
Em que conhecemos qUl� um juízo é verdadeiro ou falso'?
Essa pergunta põe em exame o problema da verdade, o seu Tem o homem necessidade de responder às grandes inter­ I
conccito. Não é fácil, por enquanto, scm que examinemOS rogaçôcs que se colocam exigentes. Onde há uUla lacuna, o
I
prtNiamcnle diversos outros aspcctos da filosofia, penetrar nllm homcm procura enchê-la; onde há um enigma, procura re;ol­
campo de tão magna importúncia, como o do cn.ério da ver­ vô-Io. Precisa completar o seu saber, ampliá-lo, para que êle
dade; que é o objecto da "Critcriologia". abarque o todo, po.,·,sa tudo e:-:plicar, tudo esclareceI'. Quando
não tem êsse saber, cria uma hipótese.
Já vimos que normalmente, a verdade do conhecimento
consiste na concordância do pensamcnto l;om o objecto. Vejamos o que é hipótese, A palavra vem de duas pala­
vm� gregas : IIVpo e thesis que significam "posto debaixo", c
E:sle cOllceito de verdade implica, nO entanto, uma série
que' equivale a "suposição".
de outros elementos quc aincla nUo foram cShHlados. O cri­
tério da verdade implica que se estabeleça o conccito da ver­ Po,k a imaginaç.·iio humana criar, mas ° homem vive de
dade. l'ara o iuealismo lógico, a verdade nuo é transcendente, H:aliel;t(ks, l\las , a hipótese não é uma mera criaçüo da fan­
COutO na afirmação anterior em quc aceitamos seria a verdade tasia sem finalidade pragm,í.tica. A hipótese precisa ser uma
a concordáncia entre o objcdo e o conteúdo do, pensamento. criação radonal e ela depende do que jú conhecemos, do ma­
Neste caso, o objecto transcende o pensamento, é algo colo­ terial já conhecido, e é nesse terreno que ela firma a sua can­
cado ante o pensamento. l'ara o idealismo, a 'coneord�ncía sistcllcia. NftO deve contradizer factos já experimentados, e
deve ter uma compro\'a��üo ulterior.

( 1 ) Para Bergson a intuição é um misto da intulção in­ É a hipótese empregada na ciêuda como na filosofia.
telectual c da sim patética. Servc COjno um �aber provisório, lima possibilidade que per-
"

"

, l,'

'\ 86 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 87

mite e tem pennitido o progrc8so da ciência. Estimula a re­ ente, a filowfia runca se desliga da fé. Não é ali c.�peG'UlntiVl1
,\ flexão, as descobertas. Muitas vêzes, as experiências as des­ como no Ocidente, onde o homem não foi tão dominado pela
troem e são, então, substituídas por outras melhores, mais ade­ natmcza e da qual 88 libertou para impor sôbre ela o seu
'\
quadas. Observações decisivas resolvem da slIa validcz ou domínio. O esp ecula tivo é prcdominmlte na filosofia ociden­
"
nf,o. tal, 11[(0 na filosofia orientaL l\'a rdi\d�i Média, no Ocidente,
" �t1 voltou-se o'ltra vez a êsse e�tado. A m050[in. torn0l1-se laica,
, ,� A Ciência fundamenta-se em hip6teses. M\1itrrs hip6tc­
separou-se da Igrcja, sobretudo com a obra de Ockam, Bacon,
ses, por perdurarem através do tempo, SltO julgadas como in­
Descartes, .ete.
dubitáveis, e nisto há muito de culpa dos próprios homens de
ci�ncia. Quando a imaginnção se sobrepõe c afronta o con­ Uma observação das diversas doutrinas metafísicas nos
ceito de tempo c espaço, quando quer ir além ele t{)da eXJwri­ mo,tra que ela nem sempre se liberta da cmotividade nem é
,ência, e pretende dar às suas criações o carúdcr de entirlndcs puramente racional.
reais, já llão se trata de hip6tese, mas de hipóslascs (de hiro,
'\ Elementos alógieos (comcientcs e incr:mscientes) mistu­
cm baixo e stasis, o que está).
ram-se nela. Mostra-nos a ]listória que, através dos tempos,
"
A hip6stase é uma criação de entidades estranhas .1 reali, podemos construir várias metafísicas, opostas umas às outras.
dade tempo-espacial. Não é nunca llm ohjccto de e"peri�n­
Fugindo do empírico, e sem nêle se basear, cai muitas
cia, e SlI',1 afirmação é para muito, apenas um acto de U'.
vêzes em construções puramente abstractas. Cria "entes de
mzii.o" (en tes que existem apenas na razão llUmana, metáforas,
alegorias, muitas vêzes ) .
• • •

A Metafísica supõe um conhecimento intdigín;] sem con­ Costumam os cépticos rir da metafís:ca. Kant julgou,
h,údo cmpírico. :t! ela fruto de uma atitude intelectual, cons­ com sua oLra, tê-la destruído, e acabou enleado em suas teias.
ciente e reflexiva. Não é o pavor que a inspira, nr)ll o lllbté­ A metafísica retorna sempre, até na obra dos que huscaram
ri::J, mas a curiosidade ante o mistério dos enigmas ua e"jstên­ combatê-la com o maior ardor. Basta qu e citemos os exem­
cia. A metafísica, já cstructurada como disciplina, supõe um plos de materialistas que tl'rminam por dar à matéria lUil ca­
e�tado avançado da cultura, pois exige uma fnsc refle"iva, de rácter de :>hsoluto, verclrtdeiramcnte metafísico, como criadora
" d()mínio da razão. omnipotente de tô{hs as coisas.

Quando a rcligião perde terreno, quando perde Stla fôrça


de convicção, e os crentes não t<�m mais viv{\ncia ,bs Sl lil S <Lfir­
rnativas, surge, então, a metafisica, porquc da lU U111 ennho
ltlgico aos factos, une o efêmero ao eterno.
Após '-' morte de Aristóteles, os seus comentaristas puse­
Podemos fazer uma distinção: na esfera rdi gi()�a pl'l'do­ ram cm ordem as suas obras, e ao fazê-lo, colocaram, logo
mina a atitude afectiva; enquanto na metafísica, a intelectual. após os Irdados científicos-naturais, as investigações mais ge­
Queremos, com isso apontar qne muitos fuml:lJlll'ntns drt rais que de havia realizado. As obms cientifico-na1ul'ais le­
metafísica se confundem com os da re1igilio, que llfw são mais vanlm o título de peri tá }lhysikâ (em grego significa:
"Das
do quc expressões racionalizadas de principios religiosos, cujas coi.<,a� natllrais") e as que se seguiam charnaram-nas dr tá metá

significações mais profundas analisaremOS em breve. ?\o Ori, tá p/l!fsiklÍ (as coisa� rlrpni, das coisas nrttllrais ) .
88 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVlSAO 89

Foi em línhftJa latina que surgiu a forma mctaphysica. portanto, um dos temas mais importantes da metafísica. 'Cm
De um sentido classificador, passou a ter um mais profundo, l'onhecimento Íntegro da natureza, que rcuna em suas linllas
constituindo-se num saber que penetra no que pemlaucce alélfi os resultados gcmis de tôdas as ciências, a integração do saber
do ser físico, enquanto tal (1). universal, a investigação dos problemas mais profundos que es­
capam ao âmbito da ciência, a es�êncía do universo, a raíz
A :tvletafísica tomou-se, assim, o saber, não dr' sensível,
do ser, o interior do mundo, o fundamento mais profundo de
mas do inteligível, despojado do stllsíVl'I. :Jutra� ciências
tõdas llS eoiSllS, todos têm s ido do âmbito da metafísica, que
filosóficas se formaram para estndar êsse inteligível em sem
ultrap�ssll, transcende sempre o terreno do sensível, para pe­
!lspectos particulares, mas a i\fdafísica se convertell na cil'n·
netrar !lO krrL'no que lhe e próprio: o dos o bjectos $Upnl­
da quo os estuda em geral; em suma, num sa ber do trU!l.�cen­
sensíveis. Há seis possibilidades de respostas às grandes per­
dente, elo que transcende o fisico, o experimental, o empírico.
g( lll tas apresentadas pela metafísica:
Longos debates se tra\'ll\'n m c se travam ainda hoj e lia
!i!üsofia para �abcr-sc li ()X.l�·t,l «('l' ll \'[iO de IIlctilfíska, cm beL! I ) 11"[ duas modalidades juxtapostrts de ser, entre si irre­
(.Ias diversas interpl'e[a�'oes e accpçijcs quc t�m s l.l'gido. A dutíveis distintas e separadas. E a resposta do dualismo;
esta pah\Tll se; t2rn emp resl,((lo os mais variados sClltidos ()
.2 ) a coi�i\ cm si é lIllívocu, portüllto uma dus mocldi­
[['m sido I I s:.ub por a(IV('rS(lri()� [111111:1 ;ll'CPl;iio I llui! (; di!t:n�JI[e
l!rl(les tem de ficar reduzida à outra - a ) ou o físico é redu­
da real, qua�'-', e apenas, como uma espécie de mitologia, pura
/';ido ao espir itual, e temos o espiritualismo, ou _ b ) o esplri­
c simple.�. Se, nl realidade, lHi lllllito dr. mitologia na metu­
(ua] e."tú reduzido ao fí sico , e temos o materialismo;
física de certos :1.\\torcs, mnitos dementas aló gicos', ernno já
tivemos oportunidade dc nos rderir, um trabalho de pesqui>a 3) uem o físico, nem o espiritual existem por si mesmos.
e de esclarccimedo hnpôe-se Ileeessúríamentc, o que já se tem Ambos são compreendidos como mallifesta�'ôcs de um teJceh'o,
empreendido. Hoje :l l\íe\llfbicü retorn a com üu\ro espkmklr, (lue é uma unidade superior que os indui, 1..m) el.e\nento quü
graças ao renascimento do estudo dos graudes uutores escoL'ls­ os �\lpõe e que allula, em pi"incÍpio, tóda diferença entre o
ticos. mundo psíquico e o mundo físico. Tal é a concepçáo monis­
la., teoria. da identidade ou teoria da unidade;
A cfltegoria de substância tem sido o ponto ue partida e o
ponto de apóio dos estudos metaflsicos. Em face da fluênda, 4) concepção que admite daas ordens dinâmicas, que se
das transformações constantes, do (lue surge e do que perece, manifestam em diversos gmus e que permitem estabelecer o
nccessita o espírito humano admitir alguma c('isa de estável e dualismo entre o espiritual e o físico, e que representam as
de fixo, alguma coisa que sub-estâ, que é sempre ela mesma, manifestações de um ser superior, transcendente a ambos, cuja
que é idêntica a si mesma, e�\n\.etcr antinômico do nosso espl­ criaçãO € dualista, nulO opor-se a si mesmo, isto é, o existir
rito, o que já tivemos ocasifLO de analisar em grande parte. finito é um münifestar<se oualístico e antagonista, que penni­
A separação entre o homem, como espírito, e 8 homem, te, por exemplo, a formação dualística do espírito humano, que
como corpo, oferece uma duulidalle que nos parece pertenccr é o mo?wp{lIw1is-rf!O; ( 1 )
a esferas diferentes. A relação entre eOI1)O e e�pírit(" tem sido,

(1) O monopluralismo tem muitos P<JTjtos de semelhança


(1) Na verdade, Aristúic]es considerava tais trabalhos com a cOJlcepção aristotélica-tomista. Em nosso.s obras sôbre
com!"' um estudo do "transfisico", mas o esclarecimento dêste temas metafísicos estudaremos êsses pontos de contacto e as
ponio cabe à "Ontologia". v1lJ"iante-3 que surgem dai.
90 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 9!

5) o ser é múltiplo e irredutíveis as suas partes a um espiritual (inextcnso ) 'r Vkraln, {�)ltil.o, as diversas respostas
ser único, c temos o pluralismo; ela clmmada rcbção psico-Jísica. Fundou-se, com FcchlJr:T, a

6) o criacionismo. O cosmo 6 uma cr;açi'io da divin­ conccpçi\Ü pamle1ista . Assim como duas p:1l'alclas, pela geo­
dade. metria cIIClidu/[w, nilo se enco!llmm lWC]Ca, uma deh� ;;cria o
físico c [t outra o p�í(lllico, filIe scguiri:tm juntas, sem j�lmais
Para compreendermos o dualismo tomemos um ex(�mph:
.�e rtlcontran:>m. Para FC'c!lD(,l', o espiritnal ('Ia o lado inf,c"
a coisa sensível casa, encontramos cm muitos exemplal'es sin­
Jim; e !) físico, o lado p;.:tcrior dI) mundo. Com essa concep­
gulares, mas só podemos compreender <) fado casa, admitindo
ção, prflCllf[\\,a �up(�rar o dll<lli\rtlo.
uma idéia, a qual é espiritual, irnu(úvel, quc compt'CGlldG as
diversidades que caracter.i:zam .singularmente caela ea5.1, qtW Sempre verificaremos que os dllali�tas procuram vencer c
pode ser grande, estreita, pequena, alta, baixa, mas o conceito superar o dualismo plJr uma interpretaçiío ql\e reduza um do'
é imutável. aspectos ao outro, E é ê,SIJ o proceder do espiritualismo c

do materialismo.
� a idéia ou melhor, a fonna. Há assim um mundo de for­
mas, q\le é \1m mundo das imagens primárias, um mundo de O 'I1wterjalismo b'Ill a seu favor alguns elementos. Favo­

tipos primários, arquétipos, quc é um mUllJo imut:\vcl, eter­ recido, sobretudo pelas ciências, cujo objecto é sensível, o

namente igual a si mesmo, e ° mundo das aparênc:ias, das coi­ extenso, encontrou nestas, seus melhores argumentos.

sas singulares que se modificam, que se trnnsfonnarn, que Foi Demócrito, no Ocidente, o fundador do materialismo,
mudam (como se vê e m Platão). o primeiro a descrever o mundo como composto de átomos, de

Para Arist6teles, o ser singular está composto de matérifl unidades indivsíveis. Fara Demócrito, havia átomos Hsicos,

e forma. A [urrou apodera-se da matéria, rcsITinge-a, mode­ mais extensos c mellOS móveis, c átomos psíquicos, mais mó­

la-a. De�ta maneira, a matéria é o fim, a finalidade da forma. vei>, mais (·.geis.

Na Natureza, tudo aspira a formas e a fins superiores; é a Dem6crito compreendia o mundo mecâr.icamentc organi­
concepção teleológica (telos, que, em grego, significa fim, dai zado, sem a idéia de finaliJade til.o cara a Arist6teles. Os fac­
teleologia ). Dêsse modo, no princípio e no fim ,k t odo pro­ t()� sucedem sem nma flnalüladc, (tt:leológica), mas obedecen­
cesso evolutivo, há uma forma pura, incorpórea, que ó Deus, do a fÔrças mecfmicamentc dispostas, aeahando, assim, com a
o criador de tôdas as coisas, o modelado)' de tôda a l1lat(�ria. difercnç'a entre o inorgil.nico c o orgânico,
�ste já é um pellsamento criaciollista, como o vemos em TQ­
más de Aquino e nos escolásticos em geral. A concepção materinlistlt de Demócrito çonhece seus mo­
mentos de depressão e seus momentos de re�sutgimento no
Descartes, estabelecia \lma substância pensante, não ex­ pensamento humano. No século XVII e llO XVIII, com La
tensa, c outra não pensante e extensa, o corpo. Uma não ne­ Mettric e Holbach, toma o materialismo ao seu al'ogeu. Mas,
cessita da outra e podem viver independentemente, pois o aqui, o mat erialismo é singularista, conhece s6 umft espécie de
corpo pode permanecer sem alma (para Descartes os rtnimais miltéria, e o psíquico é cxplicilllo materiallsticamcllte, pois a
eram puros autómatos ), No homem, porém, combinam,se am­ alma está sujeita a leis mec<\nicas.
has substtlncias, a cxtensa e a espiritual.
As funçõcs psíquicas sflo explicadas eomo funções do cé­
A atitude de Dcscartes ofereccu à Filosofia um problema: rebro. Vo�t, Biiehncr, e muitos Olltros, surgem 'posteriormen­
qual a influência, qual a interaçflo entre o fisico (exten.';o) c o te, O m"terialismo é, assim, um" versão do naturalismo, e
I
I
I
92 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO os
I
subordina tudo, inclusive o acontccer humano, ao influxo das Este sentido é mais polémico que pràpriamente filos6fico.
I
A ssi lll, lHí pessoas ,!ue �eIlclo purtlllloule idealistas �e apre­
leis da Natureza. A sociedade humana é explicada materia­
sentam corno espiritualistas, quando, na realidade, não o são. I
Bsticamente (matcrialimo históric o ) , e sôbre seus fundamen­
tos constrói uma concepção do mundo, O monismo, como já fizemos notar, propõe-se eliminar o
I
dualismo "corpo-espírito", não reduzindo um ao outro, mas I
o espiritualismo penetra na filosofig ocidental mais tarde
compreendendo-os como manifestações de um ser superior.
que o materialismo. Para êle, a verdadeira realidade está \
Chamam muitos de "teoria bifronte�> e seu maior representan­
constituída única e exclusivamente pelo psíquico, ao qual s e I
te é Spinoza. Para êle 56 existe um mundo único do real, que
redm; tudo quanto é materiaL
()hamou de substância, natureza, Deus. \
Distingamos, agora, o es]'il'itllalislIlo do idealismo glJOsco­ O mUlI(lo é apenas urna personificarãO de Deus, o qual
lógico. O primeiro é uma oricntação metafísica, enquauto o
nrlO pode admitir outro ser. Deus é apenas a soma do exis­
segundo é uma oriellta\'ão gnoseológica que afirma que a VICr­ tentl'; !l1(!o (� DcllS, e tudo está nêlc (panteísmo ) . E:ste lllUli­
uadeira existência está na cülbci(�ncia. Como é essa realitIa­ do se ll1� lli[esla nos homens corno pensamento e como exten-
de, não interessa a teoria do conhecimento, porque seria um 5[[0. E, cm nós mesmos, essas qualidades do ser são evidcn­
problcma de metafísica. dad<ls em corpo e espírito, que não são justapostos, mns modos
distintos dc uma e mcsma realidade.
Assim ° espidualismo ace ita li decidida primazia do es­
pírito para a explicaçâo dos fenômenos psí(]uieos (espiritualis­ o idealismo procura resolver o grande problema da cois<l­
mo psicol6gico ) e ademais que o mundo sc acha constihlÍdo, enHi pela afinnat,:�w de que as coisas são apenas eonteúdos do
no seu fundo último, pelo espiritunl ( espiritualismo met:tfi­ pensanwnlo.
sico ) .
Dess<l forma, elimina a coisa-em-si, e eonsideru o mundo
\
dos fenômenOs só corno um produto do cu_ Fichte, filósofo
São assim duas formas de uUlnifestação do espHtualisJllo.
alemão, é o representante destu orientaçãO. Para êle, existe
Muitas vêzes amlns combinam, como no C<lSO de Leibnit" e
origill':uiameute uma suustância, para a qual nos aproximamo,;,
Lotze, em que o psí(juko e o ("'piritual são, no fundo, idôllti·
no raciocin<lrmos �ôbre uós mcsmos.
co:;, O psíquico tem v<lriados graus que vão desde u incons­
ciência llbsoluta até u consciência absoluta Quando chega a r-,'estc acto t�ncontramos, desde logo, o eu, quer dizer, a
êsse porltO, o espiritualismo ii monista, pois o m<lterial é conce­ consciêucla, a razao, a inteligência. Esse eu primário se en­
bido como maniJc,taçâo do espiritual. Há um espiritllali�mo contra cm inconsciente actividade. Produz êlc não só a for-
dualista, como o representado por Descartes, ma, mas o conteúdo do conhecimento. A existência de um
Eu presllme naturalmente a existência de um "não-eu", o qual
O ponto fraco dos espiritualistas-monistas comi:;te na di·
não lhe é idêntico, Dessa limitação entre o eu e o não-eu,
fkuldade (1ue enc:mtram em explicar o e�pírito como imate­
�urgc o mundo exterior eorno mundo dos fenômenos.
rial, puro e simples. O ttlrnlo espiritualismo, porém, tem ti­
do, sobretudo nesles dois últimos séculos, diversas modifica­ A qu'arla e quinta posiçõcs podemo-las expor assim: para

çdes no seu \crdadeiro sentido, represeut<lndo mais (ma posi­ () pluralismo, () mundo está composto de realidades indcpen­

çrio decididamente anil-materialista e anti-senslla.ista, que dentes e múluam(�nte irredutíveis. Desta forma, o pluralismo

afirma a primazia do "espiritual" sôbre o material. se opõe no monismo.


94 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 95

o monop luralismo S11Stpntn n independência das rCfllida­ porqnc não podem atingi-lo ou negam tota1mente o que esteja
des, mas não nega que exista, directa ou indiredmnentc, uma ah;lll do e��)erirn'lltáYcl?
intcmção que dá fi unidnde, fllndada no s(-'r.
Se a resposta fôr a do pri meiro caso, quc permflllcçam os
Pode ainda o pluralismo admitir que a falta dr inlcraçíío positivi!;tas fazendo seus l ivros de matem'lrea c de ciências
entre as realidades não permite, não s6 qualquer redutibilida­ naluraL" e deixcm o filosofar para os fil6sofl's, Mas sc a res­
de de uma a outra, como ainda negar qualquer poss ihilidade
posta se prende ao segundo caso, afirmam, cntão, os positivistas
de articulação, que é o q11e se chama de prumlisllln fllJsuluto.
que Ilada se dá fora do selJ�íveL
Outra l'eIJd{)ncia afirma q\le, sem deixar de hnY(']" il1{lcpcll­
dbcia e a ausência da intervenção, deve admitir-se, porém, Nestc caso, repetem os filós ofo s, não haverá nCllhum po·

um princípio qualquer, capaz de articular as múltiplas H'ali­ sith'ista qn.; não compreenda que essa afirmativa é ji'i m etafi­

dades, como é o pluralismo, defendido pOr Wi lliam Ji\mc� e sica, c a fazem ao tcntar combatê-la? Terminam os fil6sofos
Proudhon. por dizer q\IC os positivistas suo metafísicos sem o saber.
Alí'm disso, o mundo n5,0 é o mundo das percepções, mas
, ,' Mas o monoplnralismo, que citamos acima, CS('llPEl ao
um mundo percebido, ou seja, a percepção não aprecnde a
llrnbito propriamente do pluralismo, como é,clllssicamentc apre­
,,' tota l idade dr) mtl1ldo.
sentado, porque a pluralidade é formada dos campos múlti­
, ,' plos do Ser no seu manifestar. Quanto ao criticismo de Kant, já tivemos oportunidade de
cshld:í.-lo.
I Cada campo é irredutível a outro, no existir. S:ío os mo­
dos do Ser, potencialmente infinitos, por isso. A posü 5.0 céllti ca, também jú examina{la, procura opôr-se
Cremos ter assim expOsto em linhf\s gerais, tüo simples à m etafísicr. pela alegação da impossibilidade do conhecimento
"
q1lanto é possível ao tratar-se de um temn �lc t<11 m.,;gnitl1de, suprasenslvel, mas, quando pennanece apcllas nesse terreno,
, '. o sentido da metafisica. prdende não ser anti-metafísica, pois apenas alega a impossi­
I,;, bilidade, quer de uma ufinnaç50, quer de uma negação.
Passemos uma breve vista d'olhos sôhre os advers.<\rios da
" ' metaflsiea. Entre esses vamos encontrar: o positilJismo e o Contudo, essa alegação já é afirmativa. Por isso, o cep­
criticismo. ticismo rcfuta-sse a si mesmo.
� ,',

Para o positivismo, o único caminho do conhecimento é a


"
experiência sensível, e o único objecto do conhecimento é o
l>" experimentável senSivelmente, Essa é a teoria do sensualis­

" mo, que é a única teoria do conhecimento que pode criar O


positivismo.
j.
Nega o positivismo qualquer conhecimento fora do campo
j,
do sensivel. Grande número de matemiÍticos e cientistas 3e­

l
j" gllem esta doutrina ,
j,
Agora perguntam os fil6sofos: se os positivistf\s afirmam
" que não há outro conhecimento além do scnsível, afirmam-no

,'
FILOSOFIA E COSMOVISAO 97

sofia nada perdeu, porque o seu conteúdo ganhou, e m com­


pensação, um carácter mais nítido, permitindo se separasse
muito bem o que é ciência do que é filosofia. ( Hoje, p orém ,
tais distinções já não são, para muitos, tão nítida s ) . Não se
VI de\'e pensar que o saber científico consista apenas na mera
C'xperiel Jcia. Juntum-se também aos elementos empiricos, ele­
CItNCIA E SUAS POSSIBILIDADES - CItNCIA mentos apriorÍsticos. A averiguação do que é dado, acrescen­
E METAFíSICA - CItNCIA E A TÉCNICA ta-se, a investigação do suposto. A falta de método e de sis­
HISTÓRIA - VALORES tema se sobrepõe a ordenação, a estrurura, o sentido, a legali­
dade, a identi ficação. O carácter da ciência é o de ser limi­
tada, pois a ciência, em todo momento, é «ciência do que é".
o conhecimento verdadeiro, que é a meta dos metafísicas, A ciência está adscrita ao ôntico, enquanto a filosofia vai além
dizem muitos, pode não ser atingüJo através das buscas eru­ de todo o quadro ôntico, e averigua, em seu último funda�
prendidas por êles, mas cabe ao homem, ao menos, a possibi­ menta, em seu aspecto metafísico, aquilo que faz justamente
lidade de ter um conhecimen to relativo Ja realidade tempo­ que o (lue é seja (as essências ) .
espclciaL E cs:-. a é a tarefa ela Cicncia.
( J ú ressaltamos que ôntico refere�se ao ente; as formas
Ao encontrarmos nO estudo preambular :lo ql B é a cicn­ ou cstruhlras do ente são chamadas ônticas, enquanto as do
eia, muito se aclarará o estudo sôbre a essência da- filosofia. ser se chamam oJlfológícas). Assim a ciência se intereSSfl
pelo ser como ente, enquanto a filosofia pelo ser comó ser.
Dissemos que a ciência nos dú a possibilidade de um co­
Jú ,"imos que o ser é para muitos filósofos, o gênero su�
nhecimento relativo da realidade tempo-espacial. Como tal
premo, enquanto que os entes são os factos em que se actuali�
conhecimento não nos satisfaz, continuamos, atravé:. da filo­
Zàm os gêlleros ( 1 ) . U m homem, como indivíduo, é ôntica�
sofia, à procura do absoluto, porque somos uns nostálgicos do
mente exis tente . O princípio de identidade, por exemplo, é
absoluto, uns esfomeados de certeza .
ontoló g ico, não ôntico.
A p alavra ciência vem do la tim scir€, que s ignifica saber.
Afirmava Aristóteles que a ciência era u m saber do uni­
Como saber em geral, a ciência tinha o nome de epistéme, na
versal, uma investigação das causas. Mas o conceito hoje de
Antiguidade grega, e constituía o conjunto dos con�1ecimentos,
CiênC1 a se esp ecif i ca cada vez mais.
e era confundida ora com a filosofia, ora com a arte, ora com
a técnica. Vamos esclarecer: A ciência é ou deseja ser, pelo menos,

Com o decorrer do tempo) a diferenciação enti'e a ciência a interpretação matemática da realidade objectiva. Ela abs� ,
e a filosofia foi se processando progressivamente, até à con­ trai e estuda -unicamente as relações quantitativas. Não h á

quista da autonomia das ciências particulares, e" sobretudo, ciencia d o singular; a ciência opera com conceitos, abstraídos
de um conjunto de ca sos análogos. ,
quando da constituição da "ciência da natureza".

Pouco interessa ho e j a história dessas distinçõ13s. O que


(1) Na verdade, o ser, ontologicamente considerado, não é
se verifica, porém, é que a filosofia vai perdendo em extensão,
gênero, como veremos na "Ontologia embora o conceito de ser,
para aumentar em conteúdo, aspecto que desde -o primeiro logicamente considerado, poderio., de certo modo, ser conside­ ,
ponto tivemos oportunidade de ressaltar. Na realidade, a filo� redo como gênero.

,
.,

�.

II

.�
98 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 99
\II

'. Por meio da experiência e da experimentação, é que ela cos, s6 se desenvolvem no tempo c, por faltar-lhes maior espa­
investiga essas relações quantitativas. (Não se julgue, porém, ciaJidade, não são mensudvcis. Seu conhecimento já não po­
••
que a ciência não se interessa pelas relações qualitatiY<ls; cm· d e ser reduzido a f6rmubs malcmMicas.
� hora em grau muito menor. Hoje, sobrehldo, aparecem cien­
Enquanto para as ciências físicas e naturais há uma exac­
", tistas que investigam essas relações. Mas, sem que militas se­ tidão, que é a exactidão qu e nos revela a matemútica, para
quer o suspeitem, são êles que caem inevitàvclmente no campo
." f,ssas outras· ciências prevalece apenas um certo rigor.
da filosofi a ) .
"O Então mio há cihlcia do sulJicctit;o?
A clenda coordena essas relaç<1es quantitativas por meio
Um dos erros dos cientistas do século passado consistiu em
•• da indução e complementa-as por meio das hipóteses. E, com
pensarem que todo o probl ema humano poderia ser reduzido a
o auxilio da matemática, formula as leis do facto físico. É a
1 1 J1l problerl<l científico, físieo-natmal. Julgavam (como os
matcmátca o instrumento d<1 sistematiza�'ão científica; mas a
positivistas) que com o mUodo indutivo, com os conceitos da
matemática só pode dar uma solução abstracta c for mal. Por causalidade e da lei imutável, poderiam incluir tuelo 110 meca­
. ,,� si mesma, ela não pode resolver uma questão de facto. Mas nismo imutável.
, , . aplicada à experiência, ela supõe uma medida prévia. f: ela
A verdade ci en tífica é rel ati v a . Küo s6 porquc rCl1lmcÍa
precisão dessa medida que depende a exactidão elos dtlcnl o s.
,M a penetrar até a última ratia ( razüo) das coisas, como porque
Mas, na verdade, s6 se pode medir o extenso, isto é, tudo qnan­
só se aplica à parte obj ec ti v a da rcaliclade tempo-espada:.
to ocupa espaço ou se verifica no espaço OH é r('(ll1C·ti\'(�l a
espaço: 'os corpos, e o movimento dos corpos, quandu reduzi­ As leis centíficas não são imutúveis nem inderrocáveis.
,
dos a espaço. O que não se pode medir, tampouco se pode A tl: a própria matemática conlwce, hoje, uma rcclllção dos
rxpressar em linguagem matemática , pelo menos pela marclll ú­ sr1JS valôrc:; axiomúticos. Poderosas h i póteses tornam-sc fra­
,' , -., tica como 'linda é cons id erada e, portanto, não tem si(lo ohjecto cas, {' n Ci<';IlCiH se vê forçHla :1 COllstantes rcnovaçücs que, de

d a ciência: porque se afasta da sua esfera de influência. Em ano para ano, se tornam mais nu merosas . Quão pOllCO já nos
,\
conclusão: não há ciência do incxtcnso. $(''["V('1O os �onhccim('ntos ' do S(�Cl1lo passado! E que serú a
,,� C'i(\l lcia ua(pi a cem anos? Nüo ó assiJ; ingénuo quando se
Podem êsses caracteres expostos serem cstrt'itos demais diz que a CIência tem verdades inJcrrocáveis?
para dar uma idéia da ciência, mas inegàvclrncnte a circunscre­
Houve no século passado, influindo senslvclmente neste, a
" I, vem ao seu verdadeiro âmbito. Assim tôda a realidade objec­
cOllvicção dr:> que a ch�ncia era algo de sagrado, o que podemos
." tiva, todo o mundo espacial, tudo quanto se pode meclir, cahe
chamar de sacralisnw ela ciência. Ningllém quer furtar à
à ciência. Assim, são ciências a mecánic8., a astronomia, a
" ciên c ia seu valor real. Apenas (';sse sa cral is mo foi c onsequên­
física, a química. Mas quando penehamos na biologia, eis ,;
cia de uma falsa YÍsão.
" que nos surgq um problema. É que os factos biológicos não
A ciência, realmente, é u m a alta criação humana, u m meio
.' , são tão mensuráveis COmo os outros. Aí já não são mais apli­
de domínio elo homem sôbre Q natureza. Graças à Ciência c
cáveis os números fracÍonários, e sim , únicamentc, os inteiros.
à Técnica, interactuando-se constantemente, tornou-se a ciên­
Pode-se falar em uma vida, duas, três; não cm "uma vida e
cia um meio de libertação.
3/4". É quc, na biologia, já trabalhamos com totalidades in­
dividuais. E assim também a atituue suLjectiva, o processo ;\ião é missão ela ciência penetrar nas entranhas da rea1i­
psíquico, o processo histórico. f:stcs, cmhora bctos c ll1pí r i- c1aclc, mas ichar meios de aç'i"io positiva. No entanto, a ciên-
r
\1'1 � •

100 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 101 •

,.;,/';: ',' «
'.) da ao descobrir alguma coisa, descobre novo ( nigma. A cm certos pon tos, a confundjr�se com ela. Sinteticamente,
noção concreta precede à abstracta, a técnica prec(�de à ciên� partindo do objecto da ciência, podem ser classificadas coma:

cia. O homem, antes de conhecer as leis da alavallea, eonhe� •
a) ciências de objecto real; ciências ela natureza e as do
ceu a alavanca e a usou. A ciência de hoje volta para a
espírito; •
técnica e lhe dá relêvo, a qual, por sua parte, contrbuiu para
o maior desenvolvimento da ciência, e permite-lhe experimen� b) ciêncías de objecto ideal - por ex. as matemáticas. •
lações empolgantes. l\ I l I i tas críticas se poderiam fazer a essas classificações.

É pr�ciso distinguir bem as relações entre tôdas essas ciências
Mas uma ciência pura quer destinos pd.ticO!>'. É dês te �
e a filosofia. Ademais, o critério dos objectos não é o único,
ponto de vista que é preciso julg á�la, para fíxar sua hie rarq u ia
como salienta Fcrrater Mora, pois é preciso considerar tam� •
e admirar sua grandeza. Sem ciência e sem técnica, o homem
bém a finuliuade das ciências, o problema das chamadas dên�
não teria história. •
das normativas, se, por exemplo a técnica é um fazer
I
e não
Mas antes de passar para êsse tema, examinemos alguns um sa bel', e se a técnica pode ser eliminada da estructura do •

pontos importantes: Comte distingue a ciência abstracta da saber cientifico ( o q ue não acredüamo.s) e, depois, a funda­ •
,:::iêncb co" "'·pta. mentação filosófica do saber teórico, o que vincula uma ciência
7''-'1'1;(',, 1 ,>,. CO !1' 'IS o · ! t)·'l. � ": cc>;" ,.�; l. Dest(l, {orm:1; inúme­
A ClenCla abstracta, ou geral, tem por objecto as leis que {J/'{wicllw.s v.) clu,.Iis l..i._ joh,;, r1e
Hn ficam propostos, a ;:':",', •
regem certa classe de fenômenos; a ciência concreta, mais ge­ ""
discutir c procurar soluções.
0', •
ralmente chamada de natural, «consiste na aplicação dessas leis
"..
En trt'tanto, se quisermos partir do objecto, podemos com­
à histórb a fecti va de diferentes sêres existentes". Vê-se que CJ •
preender essa classificação; não esgotamos porém o problema.
Cornte, aqui, tem um sentido muito particular do que
. seja abs� •
Senão vejamos :
tracto e concteto; daí sua distinção.
Todo pensamento é pensamento de algo, e êste algo é o
Spencer chama de ClCHGÍas abstractas a lógica e as mate� objecto do pensamento, que jamais se identifica com êle.
mátícas, que têm por objecto as relações abstractas sob a:,
Penso: "êste livro está em cima da mesa". O objecto do
quais se nos ap resentam os fen ôm en os, as formas vazias, com
pensamento é estar êste livro em cima da mesa. :E: uma situa­
ajuda das quais os concebemos; ciências concretas, as que
e
. ção especial dêste livro que poderia estar em outro lugar, na
têm por objecto Os próprios fenômenos.
estante, como estará amanhã, certamente. tsse pensamento,
E entre estas distingue : ciências abstracto-concretas, a dessa situac;ão, não é algo material, nem está no espaço. Mas
mesa estão.
me( lnica, a física, a química, por ex.; e ciências c ompl etamt�n�
te concretas: a astronomia, a geologia, a biologia, a. psicologia,
!. o livro

Assim
e a
° estuda a lógica formal, para a qual o objecto tem
a sociologia, etc. uma extensão vasta. Tudo o que é capaz de admitir um pre�

Numerosas são as divergências existentes entre os filósofos dica do qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juízo, é
objecto , É a noção geral da lógica.
para a classificação das ciências. As mais modernas classifi�
caçõcs, como as de Dilthcy e Windelband ( Wilhclm, 1848- o livro é alguma coisa de que temo:s consciência por uma
1915), já revelam uma outra fase da ciência. Esta) depois de experiência sensível, por percepção externa. É um objecto
estar unida à filosofia, separo\.l�se dela, para tornar novamente, físico .
..

I •
,"

,t.

II

'i '�ILOSOFIA E COSMOVISAO 103


102 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
I iii
mente em alguns aspectos com a filosofia, que permanece sen­
'.
Todos êsses objectos são temporais, estão imersos no (lue
do o saber do gemI. com o todo como objecto, enquanto as
se chama o curso do tempo. Mas êsse livro está, além do
-t ciôncias têm, por objecto, o particular ônticamente considerado.
tempo, no espaço também. Os objectos psíquicos estão no
O ontológico permanece sendo objecto da filosofia, e a ciên­
,� tempo, não no espaço.
cia se contenta com o terreno do ôntico) sem transcendê-lo
"
I
Uma representação, uma emoção não ocupam espaço.


Isso não quer dizer que os objectos psíquicos não tenham uma I nunca. Entretanto veremos que tal é impossível porque a
ciência, hoje, sem que o queira, penetra no terreno da filosofia,
referência espacial indirecta; pois todo facto de consciência como esta é levada a penetrar no terreno da ciência .

pertence um sujeito consciente, que embora não seja espacial,
está adscrito a um corpo. Estamos numa época de revisão de va16res, de transições
profundas, e é natural que tanto a filosofia como a ciência
Mas há objectos que não estão nem no tempo nem no espa­
.sor ram a influência do momento histórico. A ciência, ao iT!­
ço: são os objectos ideais; por ex. os números, as figuras geo­
flllir na filosofia, 1cva-la-á a terrenOs novos) inesperados, cujas
métricas, as relações, os conceitos e os pensamentos em geral
conseqüências ainda estamm, cm grande parte, longe de poder
� ( não o pensar, como acto psícologico, que está no temp o ) .
prever.
'I
Temos ainda os objectos chamados d e objectos metafísicos, por
ex. a coisa-em-si de Kant) a substância) que são conhecidos
I
através do raciocínio, segundo alguns filósofos, ou por actos
imediatos, como a inhIição intelechlal de Schelling ( 1755-
1854 ) , ou pela intuição não-racional de Bergson, ou pela in­
Dissemos há pouco que sem a ciência e a técnica, o ho­
tuição mística, dos místicos, etc. Temos os ,,;olôrcs que s ão
mem não teria História.
qualidades de uma ordem muito especial, que não se referem
ao ser do objecto, mas ao seu valer, à sua dignidade. Originàriamente a história significa investigação, mas uma
investigação de índole especial que se opunha à teoria e ao
Nada dissemos aqui que não tenhamos já analisado em
sistema.
outros tópicos. Pois bem, fundando-nos no objecto, podemos
chegar a uma classificação da ciência: Já vimos que teoria, no sentido usado pelos gregos, signifi­
ca contemplação, visão, de onde a contemplação racional visão
a) CiênciM da 1Ultureza, cujo objecto é a natureza, como
inteligível.
conjunto de objectos e sêres, tempo-espaciais, a realidade cOr'­
paraI, tanto inorgânica, como orgânica, enquanto não é pro­ A dela teórica opõe-se à vida prática, mas também à vida
duto da ação humana. O corpo humano é um objecto natllraL poética, porque não é, como estas, ação imanente ou transcen­
., dente) mas urna atitude expectante, pensamento e, cm última
b) Ciências do espírito que estudam o âmbito pràpria­
análise, aquilo que equivale também à contemplação: intuição.
mcnte humano da realidade, o homem em sua peculiaridade e
como criador, homem do mundo da cultura, e a própria cul­ No significado achlal) teoria é uma forma do conl1ecimen­
tura. Enfim, todo o objecto cultural que é tudo quanto êle to cienHfico consistente em unificar di�ersas leis sôbre um
cria ou modifica. aspecto ' da realiuade. Sistema é todo conjunto de elementos
de qualquer ordem) relacionados entre si e hannonicatnente
Vemos assim que, modernamente, as classificações da ci­
conjugados.
ência dão a esta um âmbito muito maior, fundindo-se nO\'3-
...
104 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 105

0uant o à História, hoje, é de uma ação coerente do desen­


E como penetram nessas avaliações as perspectivas do histo­
volvimento da cultura humana. Há uma sucessão de factos
riador é que se fala na maior .parcía.lidade ou imparcialidade
reais e há uma concepção dêsse processo. A primeira consti­
dos mesmos no julgar os factos. Os interêsses de hoje modi­
tui a crônica, a enumeração indiferente e anedótica dos casos
ficam as apreciações dos factos passados .
ocorridos; a segunda, a seIeção e a coordenação dJS factos

1
Num conceito restrito de ciência, poderíamos dizer que a
históricos (1).
história não é ciência, porque não se pode rnatematizá-Ia,
A cronologia e a história s c compenetram sem deixar de Nela não se emprega o método indutivo nem a medida aritmé­
ser disciplinas distintas. Necessita o historiador dos materiais tica. ' Seu tema é a actividade do homem que é o sujeito e
qll!) fornece o cronista, mas Jú preferência aos adequados, ela�
bora·os, dá�Ihes um sentiJo, porque nem todos os factos que
I
li
não o ohjecto da história.

Poder�s e�ia, no entanto, objectar que ° protagonista do


acontecem são históricos.
drama tem por ccnúTÍo a realidade tempo�espaeial. Não actua
E: prL'ci�'o algllma coisa de })('o;.:u!iar par a lJue êle ... tC1Jhall1 no vazio, lllas no choque asp ero com o seu cantôrno bio16gico.
o carácter de históricos. E êsse car:lcter lhes é dauu pehl in. M<.�s, para a hist6ria, o decisivo não são as circunstâncias ex�
fluência ponderável que lhes é atribuída na seqüência uo pro� ternas, como o é a renção do homem para enfrentá�las. Povos
cesso evolutivo. que actuam no mesmo ambiente geográfico, tiveram história
Por exemplo , cm tal dia nasceram muih1.s crianç'as. 0faS, diferente. Não há dúviua que as condições físicas influem.
uma delas, talvez dê àquel a data um cadcter histórico, COmo Um povo, privado de costas marítimas, não realizará façanhas
o dia do nascimento de NapoleãO Bonaparte ou de Shakes� náuticas , É uma explicação simples, simples demais. O ho�
peare. Um simples facto, que foi considerado sem grande irn� mem não criou sua cultura adaptando�se ao meio; mas a eman­

portânda) ou foi ap reciado como simples, pode gerar ou influ. cipal·Cio é o tema da história (1).
enciar acontecimentos fuhlros, Diz�se, então, que êsse fac to Quando analisamos a realidade tempo.espacial, distingui·
foi um facto histórico. mos dois processos, assim como na unidade da consciência de­

O historiadol' descreve o valor histórico dêsse facto. Nüo vemos dis tinguir o dualismo entre o objecto e o sujeito, sem

é difícil compreender quantas disposições de ordem psicológi ­ pl'ctender dividí-lo com um só golpe. Ao processo natural,

ca, condicionadas pelo tempo e pelo e spaço, h"itervê.m nessa opomos o processo histórico, como à actividade subjectiva, a
obj ec tiva,
apl eciação.
O positivismo, por exemplo, quis ver na evolução hístÓ·
Há variabilidade na apreciação clêsses facto:;, e es ;a varia�
rica sbmente a continuação da evolução material, isto e, um
bilidade se manifesta no historÜldor que pode dar mais valor
processo sujeito a leis físicas e fatais, um nexo de causas e
a um facto do que a outro. Assim é que episódios, julgados ó t
efei to s, sem fins nem motivos. Os factos reais não se amol�
importantes, podem perder essa importtmcia, en'1uantó outros,
dam a urna concepção abstracta, por lógica que pareça. A
que foram recebidos friamente, podem ter avaliações maiores.
obra da vontade humana é urna coisa, e a das energias natu�

(1) Essa enumeração indiferente e an ed ótic a dos facto::>


( 1 ) O estudo dos factores emergentes e predisponentes
constitue o hístorial. Veremos em outros trabalhos que o têrmo t
(que o fazemos em "Lógica e Dialéctica") quando aplicados à
histórico oferece outras acepçõe-s qL!e, por hora, não nos cabem
HistóriQ da Cultura são examinados em nossa obra "Filosofia c
estudar.
História da Cultura" .
....

,
, "

106 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 107


\,
rais, outra. O rio, a árvore, o próprio homem são criações da lectivas. Há uma razão atrás da história. Encontraremos aí
natureza: mas o tear, a BibHa são criações históricas. ( Perten­ uma lei?
cem ao �undo da Cultura ).
Vejamos as diversas interpretações:
Enquanto a ciência se ocupa do geral, a história se ocupa
, a) a razão d a história está n a Providência Divina, afirM
, , com o singular: um indivíduo, uma classe, um século, um povo,
mam os crentes, que vêem nas factos históricos a influência do
um episódio, algo que transcorre, uma experiência {mica, que
, , Criador;
não voltará a repetir-se, que só persiste na memória.
, " b) a dialéctica racionalista hegeliana vê uma Hazão SUM
A ciência pode comprovar suas conclusões: a história, não.
prema nos factos que realizam o ciclo da Idéia;
S6 pode comprovar factos cronológicos. Nela não podemos
c) o materialismo cconômico vê n a história a actualizaM
, . experimentar. Não sabemos se outros homens, nas mesmas
ç:ão das fôrças de produção e das suas relações, as quais deterM
condições, não procederiam de outro modo. A exactiJão, (lue
minam os factos.
encontramos na ciência, corresponde apenas, um certo rigor
1 .1>' Ttelas essas interpretações têm seus adeptos. No entanto,
na história.
não satis fazem porque apreendem aspectos parciais da reali­
I" A ciência abstrai seus conceitos de uma multiplicidade de
dade. Como os factos sociais apresentam uma estranha varie­
factos análogos, enquanto a história não pode fazer o mesmo,
4! .I • dad0 nO seu acontecer, uma multiplicidade de incidentes, SUI'­
porque os acontecimentos são únicos. Não se conclua daí a
g('m teorias diversas. E corno não é possível ainda captar o
,
inutilidade da história. Ela nos dá magníficas lições, e todos total da l; istórin, surgem essas interpretações parciais. Perten­
verificarão que se pode estabelecer uma distinção importante: ce êste tema à filosofja da História.
a diferenciação entre o facto histórico, que não se repete, do
Heeordemos que, em tôc1a a história, surgem homens que
facto sociológico, que se repete ou é repet indo Verifica-se Pn­
lutam por oprimir e dominar outros ou dêles se utilizarem, e
. ' tão que o variante é o campo da história, enquanto que o in­
homens que lutam por Libertar-se dessa utilização.
variante é mais o da sociologia.
O homem subleva-se contra o destino, e em seu acto de
F� A história estuda o homem em tôdas as fases de S\l;l com­ rebeldia deixa de ser o simples animal para ser homem. Luta
plexa actividade. É também uma lição de psicologia, e por contra a natureza; luta contra seus semelhantes; luta contra si
.1 i
não se referir a temas abstractos, examina o desenvolvimento meSmO. .t uma tríplice luta. A vontade aspira a superar o
•• real da cultura humana, da técnica, etc. A história ensina­ cbs táculo que �e lhe opôe, a emancipar-se de tôda limitação, a
t·., nos que a personalidade humana, no conflito com o mundo afirmar-se em tôda a sua pleIlitude.
adverso, não é alguma coisa desapreciável.
" "
É o mito de Prometeu (' Fausto - dois grandes rebeldes a
A obra histórica é também a obra da vontade, elo esforço, desafiar o poder supremo!
. '
do sacrifício do homem. É uma epopéia heróica que nós,
,. cada um de nós, está intimado a continuar, protagonizando-a.

. ' Se examinarmos os factos hist6ricos, verificamos que não Em todos os actos, ante todos os factos, o homem detine,
se processam tão desordenadamente como pensam tantos. A analisa, estima, aceita ou repudia o que se dá. Sóbre todos
. '
análise do passado nos rcvela certa continuidade coerente dos os factos, dá-lhe um epíteto, adjectiva-o, elevando-o, engrande­
.'
factos. Vemos actos individuais condicionados por ações co- cendo-o ou diminuindo-o, cI l\"il eceIlClo-o .

,.

"
,
l
108 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 109 •
,
Esses epítetos são distintos dos adjectivos que ( xpressam A história humana é uma valoração da actividade do ho�
qualidades. :E:sses epítetos não tiram nem põem nenhum atri­ mem. Ela relata a criação, a descoberta de valorações, como •
buto. Se eu digo que isto é útil ou inútil, belo ou feio, bom também a transmutação, a oposição e a concordância das valo­ ,
ou mau, nada acrescento, nem tiro dos atributo" que têm, por­ raç·õcs.
< I
que isso continua sendo o que é. São as valorações tais actos Tàda reação humana apreciativa ante um facto ou um
de dar epítetos às coisas ou factos. A história é uma valam­ acontecimento é uma valoração. A valoração é uma aprecia­ ..
ção da actividade humana. Ela Il05 conta a criação, a desco­ Ç;IO de valôres. I
berta dessas valorações, como também a transmutação, a opo­ ,É ,1 axiulogia a disciplina que estuda os valôres, sua gê­
sição e a concordtmcia que entre elas se possam verificar. Por ,
nese, transformações, mutações, etc.
iso se nos impõe, agora, que penetremo.'; no tema da .;aloraçiio, •
lmpr-)c-se untes de tudo que estudemos o valor. Os valô­
para que, a pouco e pouco, se evidenciem os dementos prill­
l'eS são objectos específicos e o seu estudo pertence à Onto­ •
cipais que nos permitirão esclarecer os fundamento; ela filo­
sofia. logia. t\las podemos caracterizar alguns aspectos que são su­

ficielltes para clêles nos dar uma visão. Os valôres náo se
l iga m ao ser dos objectos, mas ao seu valer, à sua dignidade. •
Ao afirmannp<.: que um objecto vale ou não vale não acrescen� ,
tamos nem tiramos nenhum elos seus atributos.
Em todos os actos, ante todos os factos, o homem define, ,
Perguntará o leitor: são os valôres algo em si mesmos ou
qualifica, estima, aceita ou repudia. Se vejo êste livro, posso ,
valem para nós, ou estão nas coisas?
dizer que êle é rectangular, que é pesado, que é vermelho ou
A ciência dos valôl'es é uma disciplina nova, que, sobre­ ,
azul. Mas posso também dar-lhe certos epítetos que o en·
grandecem, quando o chamo de útil, benéfico, belo, ou que o tudo depois de Nietzsche, começou a tomar corpo na filosofia ,

diminuem quando o chamo de prejudicial, feio, e·.c. Posso c a ter um campo próprio de ação.
,
dizer que êste livro está em cima da mesa, está ao la -:lo direito Trcs são as doutrinas principais que estudam os valôres : ,
do cinzeiro. Em tudo quanto tenho dito, afirmei factos ou
relações que verifico estarem ou se darem nas coisas de que 1 ) A platónica: para esta os valôres são independentes t
falo. das coisas. São algo em que as coisas valiosas estão funda�
das. Dcsta forma : um bem só seria um bem pe!'J facto de t
o rectangular posso ver na forma estereométrica do livro; participar de um valor, situado numa esfera metafísica. Os ,
também que é pesado, avalio quando o seguro; que é verme­ valores seriam assim absolutas existências, independentes das
lho, indica-me a visão; que estú em cima da mesa e ao lado i coisas.
\
I
direito do cinzeiro, também posso intuir tudo isso. Mas quan­ ..
\
2) A nominalista: por essa doutrina, os valôres são rela­
do digo que êle é útil, benéfico, belo ou prejudicial ou feio,
tivos ao homem ou a qualquer portador de valôres. �sles ,
não estou me referindo a aspectos que posso intuir rela intui­
seriam assim subjectivos, porque seria o sujeito o criador dos
ção sensível. Ao chamá-lo de belo ou de feio, nada tiro nem
valôres, quais consistiriam apenas no ser uma coisa consideraN
nada ponho no livro. No entanto, se o chamo de vermelho
da valiosa, no produzir agrado, etc.
é que êle se me apresenta dessa côr. Ao chamá�lo de belo
ou feio, não acrescento nem tiro nenhum dos atributos que 3 ) A doutrina de Scheler é a teoria da apreciação. NeN
êle tem. Realizo urna valoração. ga, como o nominalismo, a independência dos fenômenos estiN
.;..
" ,

110 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 111

mativos éticos. Aceita a subjectividade, mas limita-a peJa F o i Lotze quem disse que o s "valôres n ã o são; o s valôres
apreciação do valor que está na própria apreciação ou que se valem". ( LNze, 1817,188 1 ) , ,- Uma coisa é valer e outra é
revela mediante a apreciação, quando não é produzida por ela. ser. Os va16res não têm a categoria do ser, mas a do valer.
Há, assim, para Seheler, uma base malerial do valar ( 1 ) . A co i sa que vale não é mais ou menos que a que não vale; a
" .f
coisa que vale é algo que tem valor. O ter valor é o que
Há uma distinção na l6gica moderna quanto aos juízos:
, , constitlli o valor. Ter valor não é ter um ente, ou seja, uma
a) juízos de existência;
realidade entitativrt a mais.
li �
b) ju í zos de valor.
1 1 , ,(1 \'cjarno� um exemplo: a ('('n· exige espaço, O que tem
Nos primeiros se diz de uma coisa o que a coisa é. Enlll1-
cor ocupa espaço. r.. Jas podemos separar mentalmente a côr
" t' ciam··se propriedades, atributos, predicados dessa cojsa que
do espaço, Mas valor e a coisa que tem valor não podemos
pertencem ao seu próprio ser. Os juízos de valor enunciam al­
, . separar onticamente. Desta forma, vemos que o vaJor não
go que não se junta nem se tira à existência nem à essência da
é um ente, mas algo que imp1ica a coisa e implica ° sujeito.
i ,.
coisa.
Esta é a opiúião Ue Schcler.
I'"
Vê-se assim que os valôres não são coisas nem elementos
São os \·alôres absolutos ou relativos? Valem hoje e, ama­
'fi" das coisas.
nhã, não valem? Neste ponto, trava-se urna grande polêmica
M' Pela teoria relativista ( a nominalista ) é o agrado OH desa­ na filosofia.
grado que nos produ:rlm as coisas que nos revelam os vulôres.
' ''' Há nos valôres um aspccto variante e um invariante. A
Pode uma coisa nos agradar e ser má ao mesmo tempo. Por
prudência, e':lmo invariante, é uma virhlde que faz evitar a
' .. outro lado podemos discutir sôbre os valôres. Não po demos
tempo as inconveniências Ou perigos. Mas o senhor feudal
' *'
discutir, porém, sôbre o agrado e o desagrado, por serem sub­
. era prudente quando se armava; o burguês, hoje, é pntdente
jectivos. Por ex. a beleza de um quauro pode agradar cm nüo;
\,t' quando se cerca de bons documentos, etc. �ste é o aspecto
mas podemos discutir sôbre ela. Ora, se podemos discutir é variante.
, ' que há alguma objectividade nos valôres e não são apcnrls uma
relação. Os inventores de valôres, no sentido nictzschcano, os Todo valor tem um contra·valor. Bom e mau - corajoso
,, ,
descobridores de valôres, revelam valôres que até então nin­ e cm'arde - forte e débil - belo e feio. É o que se chama
,, ' polaridade dos 1.xilôres.
guém havia percebido. Mas, depois dessa descoberta, ou tros
vão senti-los. As margens do Reno, as montanhas que o cer­ Ademais os valôrcs revejam lIma hierarq uia, pois uns va­

I ,
cam, não ti,nham, antes do movimento romântico, o v� d or t'llle lem mais que outros. Neste caso, ° valor tem um v::dor.
êste foi descobrir e revelar. Desde cntáo, as margells elo "
,
.. Um valor que tem valor pode ter mais que outro da mes­
Heno, começaram a ser motivo de inspiração e fonte ele emo­
ma ordem, Assim um bem pode- ser mais que outro bem.
ções estéticas mais profundas.
Consecli: entemente, em síntese, os valôres revelam :
,'

(1) Na "Axiologia", estudamos os principéds temas do v alor 1) Polaridade.


c o processo históricD correspo:1dente, bem como propomos uma
solução decadialéctica à sua problemática. Ademais, nessa obra, 2) Hi('rarqllia.
estud9.remos a s concepções da escolástica, muito mais sólidas
que as propostas pela f:losofia chamada moderna, :] ) ES('alaric1adc,


112 MARIO FERREIRA D O S SANTOS

Há valôres que estão hieràrquicamente mais alto, e outros,


conseqüentemente, mais baixo. Scheler apresenta a seguinte
hierarquia:

Valôres religíosos: santo c profano.


VII
éticos: justos e inj u sto.
estéticos: belo e horrível. ANALISE UNITARIA DA FILOSOFIA I.

lógicos: verdade e falsidade.


I.
vitais: forte e débiL
Ante a multiplicidade dos objectos do conhecimento e das
úteis: ade quado c inade quado - conve'niente e in� conquistas feita s, é natural que o no o
s s espírito, por seu pro­
conveniente. cesso cnúnentemente Tncional, deseje dar à filosofia uma uni­
Essa hieraquia, no entanto, não é aceita por todos. Há dadc, tomá-la, enfim, a ciência da unidade, a máxima unifi­

quem não considere os vulôres religiosos como os mais altos. ca\'�lO de todo O 110SS0 conhecimento,

Um artista poderia considerar os estéticos; um utilitarista, os A filosofia que: jú foi todo o saber teórico, com os gregos,
utilitários; um l6gico, os lógicos. E assim po; dian�e. Nictzs� ,
c que a pouco e pouco se separou da ciência, nunca perdeu
éhe, ( Friedrich, 1844-1900 ) , por exemplo, combateu a escala
seu senticlo universalizante e unitário. Assim tudo quanto é, ,
de valôres de nossa época mercantilista, na qual predominam
os valôres utilitários, sem, no entanto, considerar os religiosos
quanto existe, tudo quanto constitui o nosso mundo das formas ,
mutáveis ou o nosso mundo de formas imutáveis, tudo, enfim,
os mais altos e sim os vitais, e os éticos. Quando se fala Cm
constitui o objecto da filos ofia.
,
transmutação dos valôres é que se �
quer derrocar a esca a pre·
,
dominante e instaurar uma nova, Tôdas as eras Ja húmani· Todos os grandes problemas de tôdas as disciplinas, tôdas
dade conheceram suas escalas de valôres, Ora predominam as grandes e maiores dificuldades que surgem, são dificuldades ,
uns, cra predominam outros. Essa classificação de Scheler que c3bem à filosofia analisar e resolver. Dessa forma, o fí­ ,
pOde ser ampliada, como muitos têm feito. É natural que, na lósofo é uma espécie de supervisionador de todo o conhecí­
,
:.lxiologia, haja tanta divergência sôbre a classificação dos vu· mento; é quem liga um facto isolado à cadeia dos factos maio ­
lôres, res, procura a relação que prende, que associa uma idéia a ,
Muitas escalas foram propostas e para darmos alguns outra, um facto a outro. Procura as leis das leis, as constantes ,
exemplos vamos citar os socialistas que, por exemplo, se uivi­ das constantes, ou por que tal se dá ou não se dá.
,
clem quanto à escala dos valôres. Os marxistas colocam, no Nas experiências de laborat6rio, encontra muitas v.êzes o
ápice, os utilitários; os anarquistas, os valôres éticos; os fas­
,
fíSlCO problemas que transcendem a experiência. Ei-lo inter­
cistas, os valôres vitais, em parte, e os utilitários; os cristãos, os
rogando o que é a energia, o que é o movimento. Não lhe
,
religiosos.
podem satisfazer sempre as meras experiências. Quando in­ ,
Individualmente, há escalas de valôres porql'.e a ordem terroga assim, apela para o filósofo que está nêle ou então, im­
,
pode ser mudada. Digamos, por exemplo, um homem sincera­ possibilitado de seguir o caminho que transcende o seu mister,
mente r li o o
e gi s pode dar uma ordem assim: valôres r ligi sos , e o deixa ao filósofo concluir o que êle não poderia ncluir
co ape- ,
éticos, utilitários, vitais, logicos e esteticos, por último.

11<..s com os meios de experiência. ,

'.
..
) 14 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 115

Desta forma a filosofia é a transcendência de to(lo o saber to, diremos que êsse enunciado é verdadeiro. Assim a ver�
fragmentário das disciplinas particu!ares. Cada uma dessas daele é u m 8. possibilidade idl'aJ.
disciplinas jnteressa�se por um campo) uma rq�ião) ql l e (� o se u
O von adciru é o que so coaduna com êsse conceito de
objecto.
/� perfeição que formamos como uma meta a ser rttingida, cuja
E onde tôdas as regiôes do saber vêm lançar S01lS raios, é
exactidão nunca sentimos n.1cnn<.' ar, porqtle é ela natureza hu­
na filosofia, o saber mater de toJos os saberes, a sl l hl i nlC c
mana do conhecimento a imatisfação, que anima o homem a
nunca suficientemente louvada filosofia, cujo brilho os adv('r� pro('tlrnr sempre.
"
s{ll'ios nunca conseguiram empanar.
Não admitimos graus na vcrdade, porque a perfeição não·
, " Por entre a multiplicidade dos factos, tem o homem duas
admite graus, O nosso conceito de perfeição é sempre a ne­
funções intelectivas para entendê-las. Uma analítica, a intui­
·il gação das gradações. Assim a verdade é o supremo ideal que
ção; a outra, sintética, a razão,
a razão criou e tôdas as verdrtdes parciais, tôdas as verdades
,� Assim tôdas as coisas, todos os factos que sucedem, quer que não têm êsse atributo da perfeição, são :lpenas empregos
.". do mundo exterior, quer do mundo interior, revelam o que são falhos desse conceito supremo de valor que damos ao inatin­
em sua singularidade, mas também o que são em sua genera­ gível. Tôda idéia de Deus inclui a de verdade. Nenhum
11f
lidade, crente atribuiria ao seu Deus uma negação da verdade, por­
1ft que todo Deus tem comO atrihu to a perfeição.
Para conhecer êsse universo de factos variados e hetero­
\tt gêneos e para reconhecer o que nêles há de homogêneo c in­ Sc a certeza muitas vêzes nos satisfaz e nos parece ser a
variante, a razão e a intuição trabalham jnntas como funções verdade, é que no conceito da certeza damos algumas das
1<1
oragnizadoras, mais profur,das significações da verdade. A certeza é apenas
""
Um dos problemas mais importantes da filosofia coloca-se uma aparência da verdade, é eomo esta se nos mostra, lIIas
..... transeunte, passageira.
aqui: é o do conhecimento. Quais os limites do nosso conhe­
". cimento, como se efectua, qual a sua natureza, etc., todos ês­
f: como um mensageiro, um arauto que nos anuncia a
ses aspectos, os quais j á estudamos, são os grandes pro blem as deusa. suprema, que, pela sua magnificência, pennite-nos ima­
jjf
que permanecem constantes em tôda a filosofia. Não interes­
ginar a ma .icstade da verdade; mas apenas nos sugere o que
". sam êles apenas à filosofia, porque são propostos e colocados
ela é e não nos satisfaz.
.'l cm tôda a ciência particular. Desta forma, a filosofia é cons­
tantemente chamada para examiná-los, e por entre os dcbàtes o prob::ema da verdade é um problema importante, por�
,.. que da solução dêle temos a SOlução da luta entre o cepticismo
dos cépticos, dogmáticos, racionalistas c idealistas, o problema
l'. da verdade é sempre colocado. Até onde é \'crcladeiro o nos­ �. e o dogmatismo,

.,. so conhecimento? l\fas apliquemos nosso método para resolver tão magno
Esta pergunta impõe exigente de respostas. Que é ver­ problema.
,..
dade?
li' Em vel' de respolldermos li pergunta "que é a verdade,
Ora todos sentem que a verdade é uma identificação entre que é o verdadeiro?" perguntemoS': por que colocamos a per­
I.'
a representação que temos de um facto e êsse facto. Se o gunta? Empregamos, aqui, pràticamcnte, o nosso método dos
I.' que enunciamos de uma facto esgota tôdas as notas desse fac- indícios.
..
lo.
\
• ,
,
116 MARIO FERREIRA D O S SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 117
,
Como se apresenta o conceito de verdade para os filóso­ E se é verdadeira, comprova�o a prática, porque o homem ,
fos? também domina a natureza, e nesse domínio está um dos ele·
,
Ora como uma identidade entre o conhecimento e o co· mentos da verdade. Mas não podemos identificar êsse couhe·
cimento com o conhecido, porque estamos reconhecendo que ,
nhecido, ora como a adequaçf\O entre o facto e a idéia, ora �
como a coerência do pensamento consigo mesmo, COmo o o conhecimento é apenas parcial. \
põem o idealistas . . . Responderemos assim: o conhecimento racional, como \
As enunciações são muitas, mas em tôda s está incluída tal, }2 0de ser verdadeiramente racional; como intuitivo é o co·
,
sempre o que ela quer dizer. Identidade ou adequação e a nhccimento do heterogéneo, do diferente e pode ser verdadeira·
coêrencia dos idealistas são sempre a mesma identidade. A
n.cnte intuitivo) e reci procamente, o conhecimento intuit ivo e l
racional se completam e nos dâo um conhecimento concreto.
verdade transparece como o desejo de uma identiJade entre l
Se aUllwntarnos os meios de conhecimento, se aumentamOS as
o object ivo e o subjc'Ctivo, entre o cogno sc ente e o conhecido.
possibilcbdes úe penetrar em outras notas das coisas, êsse co·
Pcrgunt,-lmos, agor a : não .s�w es sas as intenções 111ais profun­
nhecimento novo n ão anula os anteriores, mas o completa. l
d as da razão? Não é êsse conc c i to de verdade, u m cOllcei to
Dentro de um campo, temos uma verdade, dentro de outro)
p ura ment e racional? E é apenas ra cion al o no SSO conheci­ ,
temos outra. Assim como posso ter uma verdade física de
m ento ? Não. Nosso conh eeim cn to é tambérn intuitivo, prá­
um corpo, posso ter a verdade química dêsse corpo também, •
tico, singular. Uma s ingul ari dade é indefin ível e, portanto)
sem qu e UffiU exclua a outra. A verdade tem às mesmas ca­
inidcmlíIicú vel. ,
rac te r íst icas da liberdade.

A verda de do autenticamente si ng ula r o ó a per, a s consigo A minha l iberda de não é a falta de liberdade de outrem. ,
mesmO. Assim há um concei to racional e universal de verdade, como •
A verda u e é ser aqui. A v erd a de da intuição não é uma uma grande possibilidade ideal, e há a actualização dessa ver·

:tdequação, mas apenas o p rópr io ser ou o próprio sendo. Há d ado , que é aclo, que é, purtanto, co nseqüente com o acto,
assim e m tudo uma verdade (llle é ser ela T.1CSm;'. Quando que é sempre o determinado. l
cap tam os uma ima ge m ue um facto, c ap t amos parti;: dêsse fac ­ Construir com a verdade um conceito de perfeição, um t
to. A verdade racional de um facto é a par te de razão que ser·em-si, é uma forma abstracta de compreendê. la; é compre­ t
podemos a dequ ar , ao facto: então temos uma verdade racio·
p
emlê·la apenas por um aspecto. Compreender a verdade eon·
nal. A verdade intuitiva de Ullla hclo é-nos ú.ada ela p rá tica, cretamente é fazê·la descer do mundo das abstrações. Uma t
porque não aprendemos, intuitivamente, tudo quanto o facto verdade sem fundamentos reais, existenciais, seria uma verda­ l
é, mas apenas o que é co mo singularidade, e gen eral izamos de inane, um fantasma a pairar como uma sombra a cobrir o
... t
essa singu laridade pela razão, Então a verdade, concre ta­ nada. A verdade COmo concreção é a verdade viva, palpitan·
me nte ) q u e podemo s conceber) é a conjungação do conheci� te, criadora ( 1 ) . t
menta que temos de um facto, racional e intl1itivo em su a re� t
ciprocida de . Mas) qu al o valor dêsse conhEcimer to? Como • • •

saber que êsse conhecimento é verdadeiro?

Se êlc n ão ofende a coerência das normas dialécticas do ( 1 ) Em "Teoria do Conhecimento" fazemos a análise deca­
cialéctica da verdade, para alcançar a verdade concreta dia­
conhecimento, dentro dessas normas é a imagem verdadeira.
• léctica.
A

118 MARIO FERRElHA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 119

Já estudamos o conceito de absoluto e relativo e pouco tudo tinha um criador, u m supremo artista, realizador d e tôdas
podemos acrescentar. Ambos são conceitos que nos dão a as coisas.
razão e a intuição. Deus tem sempre, em sua essência, o atributo do artista.
, '
São antinômicos, mas inseparáveis. A afirmação do ab­ Dar vida :1 0 inerte, dar forma ao informe, dar signjfica�;ão ao
í"l quo nada significa, é criar, é tornar real o flue apenas era 50·
soluto não nega o relativo, como ri. idéia de relativo nfio se
I.'
mantém SeIll sua contradição. Não conccbemos o condicio­ nho, desejo. O artista é um cr i a do r. E Deus, cm quase tô·
nado sem o incondicionado, ° determinado sem o inc1ctcnni­ das as co�cepçôes religiosas (lUC aceitam a criação, é sempre
4:0 1
nado. Esses conceitos polares refletem DO espírito a grande um grandp es te ta, um grande amante da beleza, da perfeição,
' " polaridade de tôdas as coisas: as antinômias que se comple­ porque é () artista supremo.
mentam. Mas üá, aqui, uma diferença fundamental. Deus, corno
, .,
criador, n�o cria dando ordens novas ao que já é existente,
.. '
• • como o f8?; o artista.
.,.
gle cria o que recebe a forma, o que não havia antes,
fi" A clencia estuda a parte, estuda o particular, é o saber como tal.

.."
teàricamente organizado do particular. A ciência sabe, a filo­ O artista reune numa obra o que já existe; Deus cria o
sofia quer saber, a religião crê, a arte cria. que ordenará, que antes era nada; por isso se diz que cria do
.."
Não há ciência sem objecto e o objecto da ciência é o nada., pois a criatura, antes, não era um existente, nem como
\ -' regional, o particular. A ciência é o conhecimento do finito parte nem como todo.
n� por suas causas imanentes. A ciência não transcende o seu
ohjecto, já vimos.
lo·
A religião crê. Uma religião, racionalizada, deixa de ser
pràpriamente uma fé. A religião é a aceitação de que pode­
I, mos penetrar no transobjectivo, no transcendental, no trallSin­
I' ;
teligível pela fé.
A arte não quer saber, não quer apenas crer, milS criar.
. '
A arte é a manifestação do homem como criador. Todos �lÓS
" ,
temos a idéia de algo que é o supremo dos nossos desejos, o
,. perfeitamente desejado, a beleza suprema. A arte é essa cons­ "
tante aproximação realizada em obras pelo homem. Todo o
verdadeiro artista tem um ideal de beleza que deseja concre­
i' tizar, actualizar, tornar real.
:E:sse actualizar, êsse passar da potência ao acto, da mera
possibilidade à realidade, é criação. O artista é um criador.
Só quando o homem, depois de seu grande drama e\'oluti·
vo, quando chegou à fase da criação estética, sentiu que tudo: ""
<]
......
rJl
�, �
o =
o �
tr1
::<1 i=:

r< =
I!!"!
t:J -
o

:;;: .... .
êt:J =

º
I
..
,

.;,
I
I
COSMOVISÃO (VISÃO GERAL DO MUNDO)
FILOSOl'IA DO CONDICIONADO, DO INCON­
DICIONADO E DA RELATIVIDADE

o que é a "Visão Geral do Mundo" ( Cosmovisão ) , que


ora iniciamos, pode ser exposto, em suas linhas gerais, da
seguinte forma: da soma geral dos conhecimentos, os filósofos
organizaram, sisternàticamente ou não , uma perspectiva geral
do mundo, uma espécie de panorama geral de todo o conhe­
cimento, formando uma totalidade de visão, uma coordenação
de opiniões entrelaçadas entre si.

Com essa s.stematização lhes é possível formular, não só


urna opinião geral . de todo o acontecer, mas também compre­
ender e relacionar um facto individual com a visão geral for­
mada do todo.

Vamo$ examinar as poslçoes que se manifestam nas di­


versas correntes filosóficas, como também construir uma pers�
. '
pcctiva gc'"al, dentro do quadro do conhecimento da filosofia,
"
que nos sirva de ponto de referência para a análise das diver�

; 1 sas correntes e também de ponto de apoio para uma perspec�


tiva mais geral do conhecimento, sem desprezar as tentativas
'"
já feitas.
., . e"'A

,II

A ciência tem a sua "visão geral do mundo", chamada tam�


,,,
bém "concepção científica do mundo" , que é uma idéia geral
o· da organização do cosmos material, segundo os descobrimentos
científicos,
" I
Ela forma uma imagem do mundo pela generalização dos
,. ,
dados parciais lb, ciência e é, por isso, susceptível de rnodifi�
,.1
,,.
---- --- ,
l

"

l
FILOSOFIA E COSMOVISAO 125
124 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
l
liberdade, Scheler, por seu turno, funda a teoria das formas
cação e desenvolvimento, segundo o progresso da prc!pria ciên­ l
da cosrnovisão numa sociologia da cultura e numa teoria das
cia. Entretanto, a cosmovÍsão é dada como uma totalidade l
l)refcrências estimativas (da axiologia, a ciência dos valôre s ) ,
e é inalterável. Salientamos esta diferença entre a cosmovisão
Outros, como Jaspers e Jung, estudam-na debaixo d o ponto de l
e a imagem do mundo, para evitar cnfusões muito comuns. A .;, vista psicológico.
imagem é variável, enquanto a cosmovisão é inalterável. l
A cosmovisão, como disciplina da filosofia, só foi perfeita­ I Incluem-se na cosmovisão, a filosofia, a metafísica, a ima­
gem científica do mundo, a ética, fi estética, No entanto, não �
mente delineada em nossos dias. A concepção (�O mundo
se conc:lua que a cosmovisão seja apenas uma soma das diver­ �
( cosmovisão) apresenta-se dêsse modo como um conjunto de
sas disciplinas filosóficas e científicas, Ela forma uma espécie �
intuições que domina não só as particularizações teóricas de
de "organismo", irredutível a essas ciências, com o seu objec­
um tipo humano e cultural, e, como sustellta Scheler, ( 1875- (
to, embora não perfeitamente dominado, e também aceita mé­
1928) condicionam tôda a ciência, como também abarcam
todos q\le ultrapassam aos freqüentemente usados pela filoso­ (
as formas normativas, fazendo da cosmovisão uma norma -
para
fia e pela ciência, pois a cosmovisão não é apenas um saber
a ação, COmo observa Ferratcr \fora. t
teórico comO a filosofia, já que, em sua maior parte, invade o
Assim o materialismo, o espiritualismo, o idealismo são terreno das intuições, do il'racional, do transinteligível, isto é, •
cosmovisões, O que caracteriza essas diversas cosmovisões? o que se coloca além . da inteligibilidade, como teremos opor� '.

São: primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a tuniclade de verificar, esplanar, estudar, e precisar no decorrer
ele nossus trabalhos, •
apreensão de uma totalidade; terceiro, a soluç�ão dos problemas
do sentido do mundo e da vida. .0Jeste, examinaremos os principais problemas que formam
Além das cosmovisões fornecidas pda ClenclU e pela filo­ as grandes interrogações que se referem, não s6 à estrutura da f
sofia, podemos também enumerar as determinadas pela psico­ cosmovisfto como tal, como da sua função na vida humana,
'f
logia, peb raça, peIa classe so ci al , pela cultura hist61'ica, bem suas di ferenciações das outras disciplinas filosóficas e cientí­
ficas, a influência dos factores psicológicos, sociais, raciaÍs e f
como as fornecidas pela biologia, pela matemática, pela física .
A� siIn, do ponto de vista que se coloca, o intérprete do mundo, os de carácter histórico, etc.
quer indivíduo, quer grupo social, casta, estamento, procura A cosmovisão) como a abordaremos, interessar-se-á pela (
êle dar uma interpretação·do mundo coordenada pela sua es­ elaboração de um método de trabalho que pennita ao leitor,
pecialidade ou perspectiva, lt por isso que alguns estabele� no futuro, empreender, por si só, a análise e a solução de todos (

cem uma verdadeira hierarquia elas cosmovisões, na qual as. ,�stes problemas e os que surgirem posteriormente. (
mais amplas c elevadas compreendem, em seu campo, as mais. Seria impossível se tentássemos expor tedas as opiniões,
�J (
estreitas, Entretanto, difícil se tOl'll a a dislinção entre as di­ polêmicas, controvérsias sucitadas por um tema tão vasto CO R
versas cOsmo visões, devido aos pontos de contacto que umaS (
mo o da cosmovisão. Mas nos parece que O método que usa�
estabelecem com as outras. l\lodernamente, Dilthey, ( 183.3- mos, embora se afaste do freqüentemente empregados no estuR (
19 1 1 ) Scheler, Spranger ( 1882 ) , Jaspers ( 1883 ) e Ontros estu­
do desta disciplina, é o que melhor capacita o interessado a
daram cuidadosamente o problema da cosmovisão, e cada um •
emprender, com suas próprias fôrças, a investigação dos seus
dêles partiu de pontos diversos, (
principais ternas.
Dilthey, por exemplo, compreende como cosmovisões bá­ • • • ,
sicas o materialismo, o idealismo objectivo e o idealismo da ..,


',O \

, '�

,
,..

126 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 127

Ante o cspetáculo do mundo, cm face de um objecto o Urna razão !,uficiente de tudo quanto existe, um princípio de
homem pergunta que é êsse objecto. Exemplifiquemos: em onde tudo d"corre.
face de uma árvore, pergunta: que é isso? A resposta sl'ria: IIá na Llosofia um desejo, constante em todos os tempos :
«é uma árvore". E acrescentaria ao interrogante: (; o nomc o de encontrar urna certeza, um ponto arquimédico de certeza .
.......
que damos a êste SCr: árvore,
Arquimedes pedia uma alavanca e um ponto de apoio e
Se imaginássemos que o interrogante fôssc um ser vindo deslocaria o mundo. O ponto de apoio, que tóda filosofia bus­
de outro planeta, po deria êle prosseguir em seu diAlogo com ca, é o princípio supremo, essa arq uê.

um homem na seguinte forma: "em que consiste esta úrvorc?
De que' ela é feita? Responderia o outTO: "Esta ár\"orc é
• •
composta de uma matéria orgânica vegetal". 11as esta maté­
ria orgânica vegetal - perguntaria o outro - em que consiste?
O interrogado responderia: consiste num conjunto ele corpoS Eshldardo a filosofia no Ocidente, entre os primitivos gw­
• minerais que são fornecidos pela terra, pelo ar. "Em que con� gos, vemos que compreendiam o mundo, quanto à �;ua origem,

"
sistcm êstes minerais?" Tornaria a perguntar o interrogante. como obra dos deuses,
"Consistem em manifestação diversas da mn.téria", E se essas Por exemplo: para Homero, o Oceano cra o progenitor de
• perguntas prosseguissem nesse diapasão, chegaria fatalmente todos os dcuses e admitia assim a derivação do cosmos de um
o interlocutor, ao verificar que uma coisa consi.�tc em ser feita
princípio único, de uma arquê, E:sse mito é o mesmo que se
de outra, e essa ou�ra de outra, e assim sucessivamclltc, até a encontra nas antigas civilizações orientais como a babilónica,
formular esta pergunta: "Mas deve ter um fjm. Há de h::l"\'cr a e gípcia, a hebruica, a fenícia, etc. Para Hesíodo, o ser pri­
<'lIgo que não seja outro, quer dizer, alg� que compõe as ou­ mordial foi o Caos, e a fórça motora e geradora, Eros, Os
tras coisas". órfico� estabeleceram como os primeiros sêres n Noite e o
Hc:almcntc, pois se êsse algo 6 composto de mItras coisas, Caos c o negro :E:re ho e o pro f1lJ1( 10 TItrtaro, dos quais nasce­
a pergunta prosseguiria. Portanto deve haver atTÚs ele tôdas ram c se formaram todos os outros sêres ( 1 ) ,
as coisas, algo que seja êle mesmo, que não seja outro, que Para Jerónimo e Hc1ânico, as primordiais são Cronos ( o
, não pode ser composto, pois se fôsse composto seria constitui­ tempo ) e a Ananql1ê ( a Necessidade ) .
do de outros.
:8 com os jônicos que s e i::dcia, n a Grécia, a investigação

J
E cOrno êle é O primeiro, é naturalmente simples. Por­ científica e filosófica, Tales, o mais antigo dos filósofos gre­
t anto deve ser idêntico a si mesmo. Dessa forma, essa pri­ gos, que em da cidade de Mileto, buscou nas coisas qual seria
meira coisa deve ser simples, uma e idêntica a si mesma. o princípio da tôdas as outras, qual seria aquela à qual se
conferiria dignidade de Sef princípio, da qual tôdas as outras
Tinham os gregos uma palavra: nrchê, que encontramOS
seriam simples derivados. E afirmou que era a água. Reporw
muito usada em nossa língua, nas obras de filosofia, e grafada
tava-se assim ao princípio húmido que vemos nas mitologias
arq l1ê, cuja significação mais simples é princípio, comêço, Ve­
mo-la em palavras como arcaico ( antigo) arcaísmo, arquivo,
arqueologia, e em palavras compostas como monarquia. (1) Í}s::;es deuses são apenas simbolizações de ordens divi­
nas que exotericamente foram considerados não como símbolos
Podemos aproveitar esta palavra para denominar o que mas como simbolizados. Em nosso "Tratado de Simbólica" exa­
buscam os fil6sofos: um princípio idêntico de tôdas as coi�as. minaremos melhor tal tema.

' ô')
i
...

128 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 129

dos povos asiaticos, símbolo d[1 plasticidl1de que receb tôdas Efeso, verificou que as coisas não são, em nenhum momento,
as formas. o que são no momento anterior e no momento posterior; que
Para Tales, tôdas as coisas se derivariam da água ( prinei · as cüisas estão constantemente mu dan do e que quando n6s
pio húmido ) princípio de todas as coisas, existência primor­ queremos fixar uma coisa, dizer o em que ela consiste, já ela
.l
dial. Outros filósofos dessa mesma época também aceitavam não consiste mais no que consistia no momento em que for­
que o princípio de tôdas as coisas era algo material, comO mulamos a v:rgunta. Desta forma, para Heráclito, a realida­
Anaxímenes, que afirmou ser o ar, isto é, um prin cipi o aeri­ de 6 \lm constante fluir, um constante vir-a-ser. Assim o ser
forme. d,IS' coisas llão é estático, mas dinâmico, e as coisas não são,

Como não se pudesse explicar vantajosamente, por ex., mas se tornam. O existir é um perpéhlO mudar, um constante
('�bH s('nd{) c I I : llJ ::;elldo.
que o mármore fôssc derivado da úgua ou do ar, surgiu Em­
pédoclcs que afirmou ser o princípio supremo das coisas qua­ Olllro grande filósofo contradiz energicamente as afirma­
tro elementos primordiais: a água, o ar, a terra e o fogo, ou ções de Heráclito, e vai dar o sentido que predominará na fi­
seja, um elemento húmido, U Ill elemento aeriforme, um ele­ losofia durante vinte e ci nco séculos. t!:ste homem foi Par­
mento sólit10 e um elemento fluídico. mênidcs de EJéia. Na polêmica que travou com Heráclito,
Surge também nesta época Anaximandro, o q .1a1, embora afirmava que era absurda a teoria dêste, pois teríamos de
aceitasse que o princípio de tô(hs as coisas era algo material, afim1ar CJue uma coisa é e não é ao mesmo tempo, pois o ser
êsse princípio, no entanto, n�lO era n enhum a coisa determina­ cOllsiste, para HeráClito, em estar sendo , em fluir. Verificou
da, mas sim uma espécie de proto-<:;oisa, q';:ll êle :::hamava de Parmênides que na idéia do fluir de Heráclito, a qual podemos
ápeiroll, princípio indefinido, <Jue não era nem água, ncm ter­ substituir pela palavra portuguêsa devir, que significa vir-a­
ra, nem fogo, nem ar, mas que tinha em si a potência, a pos­ ser, ( em frances devenir) , o ser deixa de ser o que é, para
sibilidade de se tomar qualquer dessas coisas. Esse princípio começar a ser outra coisa. Pois Heráclito afirmava que tôdas

era primordial e dêle derivavam tôdas as coisas. Era também as coisas estavam em constante devir, isto é, deixavam de ser
infinito ou indefinido, pois não tinha limites, nem contornos, o que eram para ser outra coisa. Se uma coisa deixa de ser
nem forma. () que t' para ser outra coisa, ao mesmo tempo que passa a
s\' r outra coisa, deixa de ser o que é para ser outra coisa.
Nessa época, surge Pitúgoras, a quem foi 0- primeiro a
{)correr a idéia que o princípio de onde se derivam tôdas as Então Parmênides verificou que havia em Heráclito uma
coisas não é uma coisa que se toca, que se vê, em suma: aces­ contrauição lógica: o ser não é, e o que é, não é, pois o que
.sível aos sentidos. A arquê po.ra Pitágoras, o Um, é o gerador é neste momento, já não é neste momento, pois passa a ser
do número. As coisas são números e se distinguem Ulmas das , ou tra coisa.

outras, se diferenciam umas das outras por diferenças numéri­
Então o que caracteriza o ser é o não-ser. Eis o absurdo,
cas. ( 1 ) Nessa mesma época, outro grande filósofo, Heráclito de
dizia Parmênides; pois como pode alguém entender que O que
é, não é; e o que nã o é, é? Lo go essa idéia não é inteligível.
(1) Não há pensamento mais controverso que o de Pitá­ Por isso, estabeleceu Pannênides êste princípio: o ser, éj o
goras. O número, para êle, não é 8.penas o quant-itativo, mas
não ser, não é.
também o qualitativo. DLscípulo� posteriores interpretaram di­
ferentemente seu pensamento, o que iremos prova -" em outros Fora disso, tudo mais e erro. Ademais ° que muda. o
trabalhos nossos a serem editados. que flui é alguma coisa que flui, que muda. E se o ser é ape-
.1

"
-

130 MARIO FERREIRA DOS SANTOS


FILOSOFIA E COSMOVISAO 131

nas a passagem para o não ser, seria incompreensível, ininte­


do. Além disso todo o ser é imóvel, não pode mover-se, por­
ligível. Assim as coisas têm um ser c êste ser é. E se não que mover-se é passar de u m lugar para outro lugar. Ora,
têm ser, o não se r não é.
COlhO o se" é ilimitado e imutú\'cl nflo pode estar cm nenhum

Cabe a Pannênides o
haver estructurado, desta forma, o <40 l n gnf, logo êIc é imóvel.
. princípio fundamental do pensamento lógico, que posterior­
mente iria chamar-se de "princípio de idcntichclc", Foi, gra­

ças à contribuição de Parmênides que se formnl oll ao ser uma
série de atributos que decorrem lôgicamentc do conc('ito de
Feita esta rál)ieb explan nç:lo sôbrc a é1rrrlJ{�, que é o
identidade. Vejamos: o ser deve ser único. Pois snpo!lha­ ser
ele tôdas as coisas, podem os acrescentar mais o seguint
mos que haja dois sêres; neste casO, o que d i s t i n gu e o prirn ci � e: a
tcoria qu e estuda o scr é o quc se chama
ro do antro, <Cé" no primeiro, mas "não é" no segundo, cntüo em Filosof ia, Onto­
logia .
compreenderíamos que o ser de um, não é o do outro, 0, n est e
caso, teríamos que chegar ao absurdo contradit6rio do não-ser A Ontologia é a teoria do ser e a Gnoseologia a teoria
, 'o·
do
do ser. Sin�, pois ao admitirmos dois sêres, teríamos que adm i ­ saher, do conhecer. A teoria do Sf'r, respoll de à pergunta
que
tir entre êles um não-ser, mas dizer que há o n ão-ser é o é o ser? E quem (i () ser?
.1
mesmo que dizer o não-ser é, e isto é absurdo. Por ora, pérmancçamos no terrena da arquê, princípio su­
Desta forma chegamos à conclusão qu e o SOl' Ó único, mil. premo de dklas as eoisas, cu j a ohscrvaçflO levou os filósofos a
" .
se colocarl m sob trts pontos de vista.
Também poderemos afirmar que êle é eterno, pois se n�lO
o fôsse, teria princípio e teria fim. Nêste caso, teríamos de 1) Que rc'l1mcnte _se cU l\ss e princípio supremo . - É O

8dmitir que antes de principiar o ser, haveria o não-sC'l'. Co­ ql1e se' c:h; " na a fíIosofia do incondi cionado ;
mo não podem os admitir o não- ser, pois admitir seria afirmar
;2) que êssc ahsoll1to l� mera fi cçã o . - f� a filosofia do
que o não�ser é, o ser, portanto, não teve princípio e, p el a cOlld icionado;
mesma razão, não tem fim, pois seria admitir o núo-ser no
: \" fim. :3) que h á uma relatividade entre as coisas. - f: a filoso�
fi<l eh . · Jatividadc.
(,: � Também êste ser é imutável. Forçosamente, pois tôcla a
Antes de prosseguirmos, cxaminemos os têrmos acima usa··
('i t mudança do sef implicaria a admissão do ser elo nào-sC'f, pois
dos: A arguê, o p r ill c ípi o supreIllo; é apresentado como únjco
tôda m ud an ça é deixar de ser o que era p;1ra ser o quc nüo
\ \ .� p i (h'; nt ico .
era, e tant o no deixar de ser, comO nO chegar a ser, está im­ 'j
( .! plícita a afirmação do ser do não-ser, o que é absurdo. Ünico, por ser s u p remo (' <tbsoluto, e idêntico ponpJe Dão
poderia scr outro, por ser absoluto e ún ico. À arquô é em­
(I �,
:t:sse ser é ilimitado, infinito. Nela pode ter êle limites, prestado o atributo d a incon dicionalidade, quer dizer: não tem
ti .. nem estar em nenhuma parte, pois afirmá-lo se r i a d:u-lhe nenhum a condis:ão para a sua C'xistênc ia, exhtc por si mesma,
o carácter de extensidade e portanto ter limites, e êlc lÚO llÜO d ep ende elc ou t ro ser, n a o é cond i cion a d a
(.\ � por outro ser.
pode ter limites, pois se o admitíssemos, teriamos ele acei­ f:sscs são os caracteres elo absoluto . Tanto a filosofia da jn�
p tar além do lim i te, o não-ser. E se o ser não pode ter limi­ condiciona lidadc COmo a ela condicionalidade proeuram essa
.�
tes não está, portanto, em nenhuma p ,u te , é porhu1to ilimita- certeza, esse ponto arquim{·dico.
�------------------------------------............�.

132 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 133

Os primeiros, na afirmação do absoluto; os segundos, afir­ 2.) os que afirmam que é diferen te. É a posição dos no­
mando ser êsse absoluto Inera ficç'8.o do espírito humano. minalistas, unti-intelectualistas, e dos irracionalistas.

A filosofia da incondicionalidade ou do insondicionado foi Essas correntes serão tôdas oporhmamentc estudadas, ana� t
apresentada com clareza por Descartes. f:ste afirmava o prin­
.""
lisaclas e criticadas. f�
cípio supremo, e como chegar a êle (1). Os partidários de ambas as posições acusam-se mutua­
l
Historicamente, na fase prC'cartesiana, havia o' desejo de lllente de superficialidade.
l
uma incondicionalidade ontológica ( Deus) posição metafís ica
ontológica, anti-relativista. lo

A filosofia do condicionado, que, como já vin�os, nega o l
absoluto e classificu-o corno mera ficção, é representada por
l
Comte, Littré, I-Iolbach, Hamilton, Vainhinger, e algumas cor­ Cumo atingir o fundo dessa rea-'idade? Para , os realistas

rentes materialistas. Dizemos algumas, porque há materia­ o melhur meio é a razão ( espírito geométrico r esprit d' orclre, t
listas que dão à matéria um carCtcter de absoluto, de jncondi� de Pasca l ) . O meio natural da razão é a identidade, já esta­ t
danado, como veremos oportunamente. belecida por Parmênides, como vÍmos. Ora, a identidade é
o con trário do diferente, que lhe é antagônico, •
A filosofia da relatividade nega o absoluto e afirma a rela­

tividade entre as coisas. lnica-se com Protágoras, que decla­ A aceitação da identidade leva a desindividualizar a rea­
rava «que o homem era a medida de tôdas as coisas". lidade. A razão busca os ·110mólogos, quer o homog'êneo, quer t
o que identifica. Uma coisa é inteligível na medida da sua
O relativismo afuma a relatividade do conhecimento, a ,
identidade. Vamos esclarecer melhor: conhecer só se dá
relatividade moral, etc. Poderíamos colocar essa tendência na

quando a iutcligência reconhece o semelhante; só conhece
filosofia do condicionado.
quando pode re-conhecer. Só podemos dizer que algo é algo f
Entre os eondicionalistas e os incondicionalist,l'S travou-se,
quando já conhecemos o que afirmamos de uma coisa,
trava-se e travar-se-á uma grande polémica, cujos aspectos es­ •
tudaremos a seguir. �\'las entre os que defendem a incomlicio­ Se digo qu e ês te obj ecto, que tenho à minha frente, é Um
(
nalidade não é men or essa polêmica, que se arràsta há milê­ livro, reco nheço que êsse objecto tem o que é idêntico ao Con­
nios. ceito que tenho de livro, isto é, eu vejo que há adequação
entre o que é êste objecto, a gora e a qui, COm o conceito que (
Colocam-se os incondicionalistas sob doi: pont'Js de vista,
tenho de livro.
que procuraremos resumir: (
... Dessa forma, a razão procede pela comparação do seme­
1)

j
os que declaram que o princípio supremo é senll'lhan­ ,
Jh:1l1te ao semell1ante. Quanto aos procedimentos da razão e (
te. 11: a posição dos realistas, dos intelectualistas e dos racio� seus fundamentos, estudaremos a seguir,
nalistas;
Para os anti-intelectualistas, a intuição é o melhor meio
de co!J...!J ,,"C'i::)f>.I.l::J (]' e}.�f dE' 5,OCt'8!:� .d� Pa.'1D2J

I
, ,'.
l I: ) ,-�e ,-'d,'!!�'$ ��<! ;;':\,o.L:e_:!,L· _;�; ......; -' ':::�\.'::<l.'i�..l J!C;'t.i".:.<!v:..l.: ;! J.

escolástica, porque, devido às àe1'onnações que sofreram por


--\ inruição é mais profunda e vai até o individual das múl­
parte dos seus adversários, exigem que as estudemos com tiplas re a lida des . Ela não prucura comparar isto com aquilo,
mai :; cuidad-o, oportunamente, em outros livros. mas procura inhIir, ir dentro da coisa, penetrá-la, vivê-la como

I

-

J ': 1 i./j /, tij" t! r,p p. �" tjh j ,I M �..,f, �"(': ' f.!. 7TLI/;-'/i?'1 i'. ? r:r)C!,y,()"nSAO 131)

ela é. Antes de entrarmos na análise da Razão e da Intuição, 6) A vontade, para Schopenhauer, "êsse princlplO uni�
precisamos examinar a Filosofia da incondicionalidade c a da versaI do esfôrço instintivo pelo qual todo ser realiza o tipo
condicionalidade nas suas manifestações. de sua espécie, em luta contra os outros sêres para manter a

forma de vida que é ri. sua" . . .


Sob certo aspecto, pode !'nc1uir-se a "Vontade de Potência"

de Nietzsche como um ponto arquimédico, nas suaS manifesta­
tações através do homem, qller como a vontade de poder, von­
Examinemos alguns dos pontos arquimédicos dos que acei­
tade de uominar, vontade de mais, vontade de perseverar no
tam a filosofia do incondicionado. As bases (1ue sern:m de
ser, êssc M chncollcn, êsse querer mais, que é o fundamento
ponto de apoio são:
de tôcb a certeza e que afirma a "Vontade de Potência" 1Jni�
1) a racional : a razão é o ponto arquimédico para Des­ vcrsaI.
cartes, que partindo da dúvida metódica, isto é, usada como
o ponto arquimédico dos existencial istas: "sofro, logo
método, chegou a um único ponto em que não poderia duvi­
existo" , "quero, logo existo", "actuo, logo existo", "amo, logo
dar: era que precisamente duvidava. Ora duvidar era pensar,
existo", "angustio-me, logo existo" etc., não são basilares para
,
e, portanto, "cogit,o, ergo sum", "penso, logo existo". A posi­ a fundamentação de uma filosofia do incondicionado, porque
ção de Descartes será examinada mais adiante.
o existencialismo é uma filosofia do condicionado e a certeza

2) A experiência. Para Galileu a intuição sensível-rea­ empírica do sujeito não pennite a transcendência de Descartes,

lista nos dá ° ponto arquímédico de apoio que necessitamos salvo na tendência existencialista cristã.

para chegar ao incondicionado.

R) A mística ou intuição imediata dos místicos, essa união


• •
da alma humana com a divindade, essa imersão, êsse contacto
com o princípio divino.
Antes de entrarmos nos fundamentos da filosofia do in­
4) A Wesenschau da fenomenologia de I-Iusserl, a intui­ condicionado, e da crítica que iremos apresentar, devemos es­
'" \ ção essencial, essa captação das essências, que para êle não tabelecer uma rápida visão elas características da razão, em­
são generalidades abstractas mas concretas, e que são ue uma bora seja tal tema tratado com mais proficiência a seguir.
, .\
evidência apodítica, cuja análise virá oportunamente.
" ' ,'
Já. muito temos falado sôbre a razão, o espírito geomé­
5) A experi,ência do sujeito empírico de Volkelt, que di?: trico, como o chamava Pascal. Já vimos também que o meio
li ,', "A possibilidade de uma teoria incondicional do conhecimento ., natural onde se desenvolve a razão é a identidade, e que essa
t, .• só é dada se cu começo por uma certeza que se relacione úni­ 6, para nós ao menos, a abstracção do semelhante quanco igual
camente com a minha própria consciência empírica c indivi­ a si mOS no, cstútico, homog0nco, portanto. Vimos também
I ·'
dual". A certeza de uma realidade transubjectiva cOllstituída que a re:1lidade sensível nos mostra aspectos que se parecem
U pelos "eu" alheios e pelo mundo externo, ao lado das evidên­ Ou que diferem. uns dos outros, pois uma realidade única e
cias ou certezas subjectivas imediatas, foi o que desejou al­ lll1jfonnc não c:aria margem a nenhuma comparação, e a com­
111
cançar Valkelt ( alemão, 1848-1930 ) . Era com essa realidade paração, em suma, só pode processar-se porque há dife­
t. renç'as. E também sc tndo fôsse absolutamente diferente não
que êle queria fundamentar seu ponto arquiméclico (le cC'rtcza.
"

ü



-

136 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 137

haveria possibilidade de conhecimento. Assim a realidade é tro, na dimensão, mas qualitativamente esta sala é diferente '.
contbua e diversa. Só há conhecimento quando a inteligên­ da casa, tem singularidades que a individualizam.
'.
cia reconhece o semelhante, depara com o semelhante, o re­
Depois dessa síntese podemos entrar nos fundamentos da •
petido; 56 conhece quando pode reconhecer, por flue reco­
filosofia da incondicionalidade, iniciando pela:
nhecer é comparar, e no conhecimento há a iJentifcação do ct�. •
conhecido com o desconhecido, que passa, assim, a s-�r conhe­ a) posiçc7o aristotélica: é Aristóteles o representante da

cido. Quando dizemos que o meio natural da razão é a iden­ filosofia ontológica. Já vimos que a Ontologia é a ciência do
tidade, é na medida da identklaclc que se apresenta a il ltcligi­ ser, cllqllunto ser. Define a verdade como o acôrdo, a adc� •
bilidarle, porque alguma coisa só nos é inteligível quando a quaç'ão entre o pensamento e o seu objecto. Essa a noção

podemos medir, isto é, comparar com o que se lhe a$semelha. predominou durante a Idade Média e pervive ainda na filos0-
Fora do semelhante não há inteligibilidade suficiente para a Fi,l cscolústica c outras. Tinha Aristóteles uma fé profunda na •
razüo, como llão há para ela illtcligibiliuade possível dos fac­ realidade. Para êle a existência do objectivo não era u m pro- ,
tos singulares, quando singulares, nos quais só pela intuição 1>lcma, e o acnrclo entre o pensamento e o seu objecto é muito
,
podemos pl'nctrar, como já vimos. s imple s, segundo a Lógica Formal, porque o objecto é despo­
jado de suas singularidades, pois veremos, não muito distante ,
Como procede a razüo? A razilO procede repelindo o
que, no conhecer formal, há a virtualização das Singularidades. •
diferente, o individual, desindividualizando a realidade. Pro­
que são inibidas, separadas, desprezadas; para se captar ape­
cec:e pela classificaçao, com a qual estabelece uma relação de
nas o que é universal, geral. No pensamento ontológico, o

identidade entre os classificados : parte do múltiplo para al­
cançar a unidade. Classificar é despojar os sêres da origina­ grande problema é o da estrutura do objecto. Não se trata de •
saber se êle existe o u . não, mas por que existe êle, A causa é
lidade, é obter um universo indiferenciado e in-diferente. Quais ,
os meios que usa a Razão para alcançar êste fim? o mais importante. Sua essência é o que o torna inteligível>
....
e descobrir a essência é o que o torna compreensível, inteligí­
,
Ela o realiza com a ajuda dos seus princípios, tais como vel, o que constitui seu núcleo metafísico, o fundamento onto­ ..
() de identidade e o de razão suficiente, o qual não deve ser lógico. Essa a posição aristotélica,
confundido com 6 de causalidade, como mais adiante se tra­ ..
tará, e que tem sido uma das maiores dôres de cabeça dos fi­ b) A posição parmenídica ( de Parmênides ) sustenta que ..
lósofos. só o ser absoluto existe, e que é idêntico ao pensamento. Co­

loca-se na posição ontologista para quem o absoluto explica o
Na classificação, ( cujos aspectos mais característicos são
empírico. Para Arist6teles, a verdadeira ciência é a ciência ..
estudados na Lógica e mais adiante, quando tratemos dos con­
pelas causas e pelos princípios. Se u m facto não desvenda a
ceitos da razão) hA uma hierarquia apenas quantitativa. que ,
'" sua caUSa é êle irracional e, sob o ponto de vista ontológico, a
busca cada vez mais o geral até o conceito supremo, o mais ..
causa {o a base da realização do facto, Vê-se que esta com­
vasto de todos.
prccllSão estú ligada à definição de verdade que êle dá. Am­ ..
Não é uma hierarquia de valôres ou tle qualidades. Na bas, compreensão e definição, põem o problema da inteligibi­
quantidade há o afastamento das singularidades que inclivi­
..
licbde. Dc um facto empírico é preciso separar o elemento
utúlizarn as cuisas. Assim posso dj:L;cr, qnantitativarnE'nte, que "meta-empíricu" para poder "compreendê-lo", para apreender �
esta sala tem 24 metros quadrados e esta casa 30C metros. a "razão" e poder incorporá-lo num sistema de idéias jnteli­
,
Quantitativamente encontro um ponto de sc:nelhança, llO mc- gíveis por si mesmas. Desta forma, não há para o filósofo
,
,
• 1-'

f! •

• o!,.
-

138 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 139

on tolo gis ta qualquer problema Ou discussão quanto à exis­ incondicir;nal que fundamentou sua nova clencia. Desta for­
tência do elemento ideal, porque, seguindo êle seu ponto de ma, Descartes fundava a verdade na evidência,
a qual lhe era
vista, não pode compreender que possa haver aí qualquer di­ revelada ,?elo 1?ensar. Também Descartes encontrou d epois
vergência entre o ser e o pensamento corretamente formulado. essa evidência nas verdades matemáticas. Esse critério
foi en­
t(.�.::o
Para Parmênides, o que é pensado existe, pois o pensamento contrado por Descartes sem problemática interna. Não pro­
não pode atingir senão o existente, porque o nada não pode pllllb'l. como critério de verdade, uma regra que necessita
sse
ser obj ecto d e pensamento. O não ser é impensáve1. Ver-se­ ser verificada, discutida, longamente estudada. Descartes,
na
á posteriormente quanto pesou êsse ponto de vi5ta 8ôbre ü '-('rdack, estabeleceu O ChOq!1C entre afirmação e ncgação, o
pensamento de Hegel ( alemão, 1720-1831) como também sô­ qual superou posteriormente pela dúvida, como fàeilmen
te se
bre a fenom!m ologia de Husserl. pode compreender pela leitura de seus textos. Como
disse­
mos, a d{ovicla, como mEio de atingir à incondicionalidad
Para nós, porém, o problema é a constitniçüo Íntima de5_�e e, era
apenas metódica , usada como método, ( de método, palavra
" caos, que é a realidade, essa heterogeneidade do mundo exte­
que significa etimologicamente procura, busca orientada ) .
'i'1I' rior. Em meio dessa heterogeneidade se descobre que alguma
�das, n o próprio acto d e duvidar h á uma ccrte7.a. Quem du­
coisa há de semelhante, de parecido. A razão vai criar COm
'i 11 ,"'I vida tem em si alguma c oisa de certo, como já o sentia Santo
êle o idêntico, o imutável, a imutabilidade, a Lei que encadeia
Agostinho. Quem põe em dúvida a verdade já tem cm si uma
>',111 os factos. E é
dessa abstracção do semelhante, do idcntico,
certeza.
que ela chega ao absoluto, como examinaremos em breve. E
11
tôda inteligibilidade ficará condicionada a êsse absoluto, que Para chegar à incondicionalidade, a dúvida tem de ser 1)
"' passa a ser a última razão do mundo sob o ponto de yista on­ motivida; 2) fugaz; (não deve ser COmo a dúvida mórbida do

'ir. to lógico. Então o ser e a idéia vão acabar reunindo-se no doente, (h5 maníacos da dúvida ) .
absoluto. A razão não se dobra mais ante si mesma. Ela
A evidência pode ser fundada:
,
olha para a frente, mergulha seu olh ar no mundo objectivo,
,) que lhe é exterior. 1) sôbre a intuição;

", ' 2) a evidência imediata é fundada sôbre a intuição men-


Não duvida mais de seu poder, não se coloca crlticamen­
tal;
lI" te ante si mesma. Não duvida mais, e na ânsia de incondi­
cionalidade, ela encontra o incondicionado através de si mes­
, ",1 3) a evidência discursiva sôbre a dedução.
m a, torna-se uma ciência do absoluto, sem ser, no entanto, llma
, \\\� ciência absoluta como ela confundiu. Ela, não há dúVida, A evidência se manifesta na clareza c na nitidez das idéias.
compre en d e o valor absoluto para a filosofia, mas apreende Para Descartes essa cvid(�llcja é dada por Deus, pela veraci­
li" ,.;
apenas um dos seus aspectos. Esse o motivo porque ela não dade de Deus. �fllitO impressionou essa posição de Descar­
,,� tes aos filósofos (Jue lhe sucederam. Não podemos definir a
pôde resolver o problema magno da filosofia.
" clareza, porque precisariamos compará-la com algo que fôsse
c) A posição cartesiana é anti-dogmática, Descartes re ­ mais claro e o que é imediatamente claro é a própria clarezJ. ,
-'.;\ cusou-se a aceitar qualquer verdade da qu al não pocleria ter Ubt'rweg critica o critério d e Descartes, alegando que nem
" urna garantia. Duvidou de tudo, metàclicamente, mas não po­ sempre o que é mais claro é o mais seguro. Exemplos são
dia d uvidarque duvidava, do acto de pensar em que duvidava, dados peh ciência. E podemos recoreIar que para o homem
ho�
portanto, pensava e, se pensava, existia. Este era o princípio ignorante o sol se move ele horizonte a h ori zonte. A ill -
\'11'

�I
t
l
.... 4

MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 141 ,


140
,
condicionalidade cartesiana já encontramos nos "U p an ishaus" igual ao p ens ar? Se o ser fôsse igual ao pensar, teríamos uma
,
( Tratados filosóficos dos hindus ), na "Suma Veritate", de São autologia e o cogito seria tautológico, pois Descartes ao dizer
Tomás de Aquino, e também em Ockam
( inglês, 1300- "cogito, ergo sum" ( p enso, logo existo ) diria o mesmO que ,
1347 ) , e Ca mpanel1a, nO "Uni\'crsitatis philmophiae" , <lne o "existo, logo existo" ou "sum ergo sum" ou "cogito ergo co­ "
�:.�
aritecederan1, mas num sentiuo não tão universal como o de gito".
"
Descartes. l\pcsar lla gr,mde crítica que sofreu o argumento carte·
si�no, podemos aproveitar do seu pensamento o que segue: o ,
Façamos ago ra Ul11<l dpída ,múlíse do .pensamellto coute­
penso.mento, a té ao negar a si mesmo, conscientemente se co­ ,
siano. O têrl1lo consciência tem em Descartes, dois significa­
loca. Se duvida de si mesmo, afirma-se êle na dÚVida; c o
dos que decorrem de sua opinião ele que nO�')OS e::tauos de ,
p ensam en to ao afirmar é sempre pensamento. O pen sam en ­
vontade e de sentimento existiriam p ara a consciência, �nquaH­
to, que]' verda d e iro üu fa lso, é sempre pensamento. All�Hl ,
to esta pensa nêles. Os dois sigl11ficados se\O:
dissu ii dúvida é posterior, pois não há dúvida sem que o
a) de estado e de cOllteúdo; b ) de reflcxüo sôbrc am­ ,
pensamento a preceda.
Los. Ora, se o momento da reflexão pode distinguir a ambos, ,
(, porrple tem a sua realidade psicológica independentemente
;1 ) A filosofia da condicionalidade e os relativistas.

o nome dauo à filosofia pps it :v a de Au­ ,


do pensamento c não é, portanto, a IenCX�lO. llrecis Iria Des­ O Fositivismo em

cartes de m onstrar : guto Com te, e que também se extendeu a oJtras filosofias "
distintas, como as de Spencer, (Herbert, inglês, 1820-1903 ) ,
reflexão para
1) qu c sej a ncceS SdJ 10 êssc momento de Stuart -'>f ill , Tainc ( Hyppolite, francês, 1828-1893 ) , etc., que
,
sem pensam ento nada é
ser qualquer coisa advertida; 2 ) que também se orientam no sentido de excluir a metafísica. Para ,
um p s ulado meta·
tldvertido. Estamos aqui já em face de o t
tal doutrina, o absoluto não exÍste nem objectiva , nem subjec· ,
de experiência. Te­
físico, que não pode tornar·se um daJo tivamellte. Para Comte, a humanidade atravessou três esta­
mos então à nossa frente uma série de problemas: 1) que ,
dos: o teológico, o metafísico e o positivo, que éo actual. O
todo acto, momen to, conteú do da experiê ncia, seja pens ado ;
absoluto não é mais a meta de nossa era, afirmava. Entretan· ,
ca so, para constitui·
2 ) que o p ensam en to conco na, em todo
to, não se deve pensar que êle considerasse essas três épocas
ó i e ja pensa mentc ; 4 ) que
lo; S) que a p r pr a autoc onsciência s
nItidamente separa das, isto é) que ocorresse uma para desa·
eu pensante; 5 ) que
o eu, sujeito da autoconsciência, se ja um parecer quando ocorresse outra. Apesar das muitas opiniões
t
êste eu pensa nte se realiza e se manifeste a si. mesma unicamen­ expressas nas obras de filosofia, a leitura da obra de C omte ,
o eu confira
te e sempre em pensamento; 6) a lém disso que que êle com preen deu
êsses três estados COmO uma cons·
I
revela
pensada e à
a própria realidade a uma experiência sàmente tante uüminadora, isto é: época cm que dominou a concep­

qual basta o ser pensado para ser. "


ção teológica, a em que dominou a metafísica e a e\n que do·
É ver da ue que Descartes em suas "Heponse aux ' ( deuxie­ mina a positividade, embora em tôdas as eras posteriores haja
me) o bjections"e na "Lettr e , . . à �lons. Clerselier" defende�se um p ou co elas outras, mas sempre hieràrquicamente inferio­
da acusação de preco nce ito ql1C lhe atribuem na Cogito ( e res à predominante. Em nOssa época, há ainda o estado teo­
isto é muito importante, porque muitos não o citam ) . E:le ex· lógico e o metafísico, e êste conhece agora um surto inesperado
põe e aclara que a sua afirmativa é uma experiência, uma e extraordinário. Essas três ép ocas são intensistamente difeM
intuição, um todo, um julgamento sintético, não um silogis· rentes, pois ora a positividade é maior ora menor, ora o teo­
mO. Uma pergunta importante nos surge agora. É o ser lógico é maior, ora menor, etc. Olhando a história do Oci·
,-�--:- �-=-=--�._-
i
i
..;.

FILOSOFIA E COSMOVISAO 143


MARIO FERREIRA DOS SANTOS
142
a outrem desperta neste as mesmas representações e peDsa�
grande soma de razão;
dente, Comte, em sua época, tinha mentos q;le em nós. A atihlde de Górgias influiu em Pirro
apen as essa, e temas variações
mas a historia humana não é ( Fil. greV,o, 360-270 A. C. ) , 'luc foi o criador da chamada
intcressaI\tes. "dúvida pirrônica".
riência ) todo co� ..,.
e ) Para o empzftSmO ( de empina, expe Pirro foi contemporilneo ele Aristóteles, e iniciou a dúvida
Ora, os sentidos n�O
nhecimento é atribuído aos sentidos. antes de Descartes e criou ri dúcida doutrinária que segue à
há dúvida q1 l e o c()]lhcci­
pode m apreender o absoluto. Não ciencia, que é um resultado da ciência, e tende a dcstruí�la;
menta tem ch�mentos empíricos. enquanto a de Descartes é l.lJna dúvida metódica, c precede
ntar o a lJriol'Í, país
:Mas o racionalismo tem razão ao suste ú ciência. Esta " ai ela hlcl'rteza ao conhecimento, é ascen�
ores do conh ecim ento e as catcgurias silo
os princípios diret dente, enquanto a de Pirro segue um caminho regressivo des­
o quc lhes dà cert o as­
ínvarfantes (em parte, pelo menos ) , cendente; parte da cíencia prlra negá�la, e procura justificar
dl'lcs se pode apan ku o
pecto de absoluto, pois sÓ pGr meio a sua negação. }'fas, na ven1aclc, o cepticismo quer destruir a
ridnc ia.
empírico, quando examinamos a cX}Jc razão conl a própria razão. Pirro torna a dúvida sistemática,
O empirismo é representrad
o por Locke, Hnm e, etc. Vejamos r gora quais os seus fundamentos : Partindo da impos­
sibilidade de saber alguma coisa de certo, verifica êle a iso�
r-licnci(/, isto é, a igtlaldadc, em fôrça, na convicção que reside
• • • em cada teoria contrária, o que ocasionou a acatalespsia (pa�
lana grega que significa impossibilidade de compreender),
Vejamos agora a crítica do celJt
icismo, ( palavra cllle ycm a incompreensibilidade das coisas ou impossibilidade em que

examino ) . Essa esco la sur­ se encOntra o filósofo de compreender o que quer que seja,
de skeptomai, que significa: eu
A. C. ) , cuja atitude filo� Sc:;i chegar ii afaraxia ( gr. hanqüilidado de espírito ) , à des­
giu na Grécia, com Górgias ( fuI. 380
ento do allso lutn. Vcrc- preocupação perfeita, a felicidade da alma. Pirro era anti�
sMica consiste em negar o conhecim l rro�
cOlno n \ i y jtbdt ' do cOllh ecillH' l l t n . c(
dmlt rilla eh H'h dogmático e a sua influência se observa na Academia Platôni�
1l10S
() cOllh ecim C'l1to <lh,�()ll\to, ca, com Arcesilau e Carnêades. Enquanto Arcesilau era cép�
borada liCla ciência, flue niio cxige
, pois êstc pl1nh a cm tico ao dogmatismo estóico quc florescia em Atenas, Carnêa�
descolocou o problema do cepticismo
dúvida a possibilidade do conh ecim ento e ela ciêncicl, posiç ão des inventou uma teoria da probabilidade. O pirronismo pôs
actua l, volta a ser colocada. cm dúvidn até a sua própria teoria.
que, apes ar da ciênc ia
.\ Mas vejamos, por ora, como objectavam
os dpti �os ct)ntr a
I Carncades accit-ava três formas de probabildades: a ) as
,\ .l a filosofia da incondicionalidade. �.i representações podem ser prováveis em si mesmas; b) podem
Gorgias apresentava 3 prop()si�'fles: 1 ) NG.o h,'t n a d a ab­ ser provú" cis e sem contradi<;ão com outras; c ) prováveis em
soluto, pois é preciso demonstrar tanto que o ser começou a si mesmas, sem contradição com outras, e confinnadas univer�
., ser corno não começou a ser, tanto que há uma unidade como sal mente .
I1 ma pluralida(le; 2 ) Se existisse alguma coisa nZio seria cog�
V'é-se que, desta forma, () cepticismo aoadêmico se ass e­
lloscível, pois nem a experiência sensível nem o pensaI11ento
" melha à dúvida cartesiana. Com a morte de Camêacles, a aca­
DOS dão garantias de segurança; 3 ) embora pudéssemos conhe­
demia voltou ao dogmatismo. �1as o pirronismo continuou
cer alguma coisa, não poderÍ:J.mos comunicá-h a ningllén1, pois
no século II adES de Cristo com Aenesidemus de Gnosso, o
cada um vive sua própria vida e não sahemos se o q u e clizemos �
.,

" i
'
'f

1 I
(

f
144 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISÁO 145 f
qual deu um carácter dogmático ao cepticismo e , apresentGll f
Sexto Empirico reduziu a 5 êsses 10 tropas. I
Vejamos:
os 10 famosos tropos, que são:
1 ) Contradição nas diferentes afirmações, entre sábios (
1) há diversidade entre os sêres vivos. O que convém
e sistemas, nos pontos essenciais,
a um, não convém a outro. E como, portanto, adrntiír que o
ponto de vista humano seja o mais aceitável? Poi.s não varia *1'
I
2 ) O "regressus ad infinitum" ( regresso ao infinito) que t
com os sêres a compreensão das coisas? exige que cada coisa seja provada por outra e assim por dian­
,
te até o infinito, o que é pràticamente irrealizável.
2) Há diferenças até entre os homens, diferenças de ca�
,
racteIes, de temperamento, de inteligência. Há vúriedade na 3) A relatividade da ciência em relação à constituição
consideração subjectiva do Bcm e do Mal. da inteligência humana. ,

3 ) Há uma diferença na estructura dos sentidos, dos ór­ :1 ) O arbitrário das premissas que leva cada filosofia a t
gãos dos sentidos, o que permite avaliações difereLtes. Assim colocar-se sob pontos de vista diferentes. ,
as imagens tácteis, visuais, auditivas são diferentes. Qual a
que caracteriza o objecto cm definitivo?
1 ) O c1ialclo, o círculo vicioso (palavra grega de di' alle­ ,
lo/! ( uns pelos outros) a rg u mentos dos dogmáticos que ue­
4) Os sentidos trabalham Jiferentemente e fornecem per� mOllstranun a valia da razão humana, admitindo a valia da
,
cepções diferentes, segundo o estado de saúde, O louco, o própria razão, Mas, llO círculo-vicioso, no dialelo, também ,
bêbado vêem um cavalo onde há um monte de lenha, Há alu� cai o cepticismo, em sua contradição fundamental, pois é pela
cillações, e além disso o julgamento é diferente· segundo a ,
própria razão que nega a valia da razão.
idade. ,
1) Há diferenças da posiçãO e da distància do objecto.
• • •
\ •
6 ) Nada pode ser tomado e m tôda a sua pureza e é im� '.
possível discernir um estado normal sempre válido.
PosiçãO teológica - Para a teologia, o incondicional só t
7 ) Há diferenças na própria constituição e na quantidade existe em Deus, É impio até buscá·lo em outro lugar. O ser
,t
dos objectos, o que dá lugar a diferenças de percepção. Dois absoluto é ontolàgicamente incondicional. A ciência não par­

j
homens são diferentes, dois cães são diferentes. Qual o verda� te dêle, mas desejaria chegar a êle. Deus não é um ponto de ,
dl IIO? O conjunto é diferente dos elementos isolados. partida para a ciência. ,
8 ) A relatividade das coisas, :E:ste é o maio'�' argumento Posiçüo relativista - Dentro da posição teorética, o rela­
para Sexto Empírico, tivismo é o outro palo do cepticismo absoluto. Quando êste
,
diz: "nada é verdade", o relativismo afirma "tudo é verdade,
g ) Uma coisa é extraordinária o u banal, segundo a ve·
mos uma ou muitas vêzes, Para um hindu, diz Hume, poste� mas uma verdade relativa", Foi Protágoras, cinco séculos an­
riormente, a água gelada é extraordinária, tes ,de Cristo, que, na Grécia, partindo de Leucipo e de De­ 'I
mócrito, concIuíu que o mundo é como aparece a cada um,
10 ) A influência da educação, das concepções religiosas
Tôc1as as percepções estão igualmente justificadas, Todo o
e filosóficas, dos preconceitos usos e costumes na apreciação.
pensado é verdadeiro para o que pensa. "O homem é a me­
Diferenças de comportamento entre um sábio e um homem
dida de tôdas as coisas; das que são enquanto são, e das que
vulgar, suas avaliações são diferentes. não são, enquanto não são".
t
146 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS

Nossa era é profundamente relativista. Para muitos


não há valôres absolutos, nem lógicos, nem éticos, n em estéti­
cos, nt!m religiosos, etc. O relativismo, como vimo,<;, nasce
com uma concepção puramente gnoseológica, mas acaha tor­

nando-se Uma verdadeira concepção do mUlldo, razilO porq!IC
i II
O estudaremos novamente na Cosrnovisão. Desta forma, para
o relativismo, é impossível realizar a incondicionalidade. Pa­ A RAZÃO
ra os relativistas, tôdas aS dou trina s epistemológicas partelll de
dogmas fundamentais inconfessos, mas inclc!l10llStr{lyeis, os
quais influiram sôbre a s ' suas doutrinas. Tanto Berkeley, co­ A simultaneidade, já vimos, é a ordem uo es paço. Sem
mO Aristóteles, Rume, Kant, Lockc, Descartes haseiam-se nes­ simultaneidade, sem espaço embora ideal, não há comparação
ses dogmas. possível.

Por isso, desde sev i ní ci o, desde seu primeiro procedimen­


A fraqueza dos sistemas da incondicionalidade tem servi­
to, tem a razão necessidade do espa<s'o, meio nahIral onde se
do de argumento contra essa filosofia. Em geral os inconcli­
desenvolve. A razão, posteriormente, vai extrair dêsse espaço
cionalistas partem do que desejam provar. Assim Se p(.de­
todos os aspectos concretos, para torná-lo caela vez mais puro,
rão propor aS seguintes perguntas: 1) é possível o prin c íp io
mais nítido, mais homogêneo, mais abstracto.
do incondicional? 2 ) se possível, podemos atingí-lo? Se res­
Volvendo a Kant, podemos dizer que o espaço
pondemos sim ou não à prim eira pergunta, só no primeiro é uma
forma para, mas racional, da sensibilidade
caso mantém-se a segunda. Se respondemos sim. poderemos , enquanto o tempo
pertence à intuição no sentido que sempre
ainda perguntar se é afjrmável a sua necessidade. usamos, COt:10 "co­
nhecimento" do individual, como penetração no interior
de
Se há incondicionalidade, dizem os que a combatem. ela um objecto para apreender o que êle tem de unívoco
e inex­
deve revelar-se. Os inco:1dicionais dizem que e la se revela; prC'ssávcl, como o sentia Bergso n.
os condicionais dizem que não. Quem está com a razão '�
Uma análise dos nossos sentidos favoreeerá a compreen-
Oportunamente veremoS corno a "Noologia analítica" nos \'ai
5;10 dêstc tema.
oferecer novas perspectivas para a boa eolocaçflO (kstl' probk­
ma tão importante da filosofia. Por exemplo: a visüo nos oferece os meios de despertar
cm n6s a· idéia da simultaneidade. É uma faculdade de fixa­
A posição crítica de Kant - Podemos colocú.-Io ,u1ui no ção, de estabilização. de imobilização do real. A vi sta nii.J nos
meio têrmo. �le permanece fiel ao primeiro postulado do
racionalismo, isto é, que tôda experiência é um pensar. Daí 1 mostra uma mudança prestes a ser feita, a fazer-se, o devir.
I!em a produção de uma coisa em outra. Tanto a mutação,
que todo pensar seja um julgar e todo julgar um completar como O (}cvir e a produção passam-se no interior das coisas.
uma síntese por categorias, isto é, síntese nas fom1as do inte­ A visão '·tpreencle o resultado, quando bastante considerável
lecto. Kant era um crítico, mas por criticismo considera-se para ser percebido. A visão humana é binocular. Há conver­
tôda teoria que admite um conhecimento verdadeiro, mas tam­ gência dos raios 6pticos para um objecto. Quando temos al­
bém limites do conhecimento. Kant, na verdade, foi apenas gum objccto cm movimento) pr6ximo a n6s, não podemos fi­
uma espécie de criticista. xá-lo. Todo o proccdimento da visão tende a fixar, a parar,
e estatiza,'. FLa um objecto e fixa outro para comparr, O que
,


MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 149
148
,

oferece à razão a comparação é a vida, corno também é o que reconhecer; conhece-se o que acreditamos já conhecer. O co­ •
dá a continuidade do real, do qual nós somos urna solução llbecimento racional é um reconhecimento. Conhecer racio­
,
de continuidade, pois o homem penetra nO real comO algo à lwlmentc é comparar, pois o conhecimento racional é concei­
tuaI. Se digo que êste objecto é livro, é porque o comparo ,
parte. É a vista que oferece maior memória que qualquer
outro sentido, como também o que mais se desenvolveu no COm o conceito livro e verifico que vale para êste objecto a ,
homem, pois o homem é precisamente um se-r que vê, en­ afirmação de ser livro.

quanto o cão, por exemplo, é um ser que olfateia. Não é a razão contrária à vida como julgam alguns irra­

O conhecimento tem, na visão, seu órgão pr::ncipal, por­ ciOl'1alistas. Já vimos que o homem, como os animais, busca
que é o que oferece mais fàci.:mente o re-conhecimento, que o semelhante •
é o verdadeiro conhecimento, como já vimos. E tanto é assim Nüo haveria vida superior possível sem a obediência a •
que a vista precisa rever, Ie-perceber para perceber, pois o l�SSC impulso vital (um verdadeiro instinto ) , que leva os sêres
que vemos, uma só vez, sofre n completação da ünagilla(í.o vivos superiores a comparar o semelhante ao semelhante.

que estructura uma forma, enquanto na segunda vez a vis:io •
A rnão, como uma das funções do espírito, distingue os
já é mais nítida, porque repcrcebe os pontos parecidos. Ao
CICll1l'lltos semelhantes dos diferentes e, dêstes, retira o que é •
ver pela primeira vez uns traços numa parede, parece-nos ver
semelhante, deixando apenas o incognoscível, o inefável, o
uma imagem humana; no entanto, na repetição, verificamos •
indiviullal não comparável, de que já falamos. É importante
fiue há apenas traços parcciuos que, na primeira vez, graças
notar-se êste ponto: a razão extrai do que é diferente o que ' .
à imaginação, por nos ter lembrado uma figura humana atra­
pode ser semelhante, rejeita o que não é mais racionalmente "
vés dos traços parecidos, completamos �om a imaginação o
cognoscÍvcl, por não ser comparúvel.
res:o. A teoria da Ccstalt ( d a forma, da estruchua ) funda­ <.
menta-se em factos como tais, a qual t�studamos na "Psicolo- Outro ponto: um objecto absolutamente diferente, racio­
gia", oportunamente. nalmente incognoscível, isto é, não sujeito a um conhecimento •
. conceituaI, quando se apresenta novamente à consciência, já
O ouvido dá-nos sensações múltiplas, ,nais ;onfusas do <.
não é diferente, mas é comparável ao que de si mesmo ficou
.q ue a vista. Não localiza tão fàcilmente como ,1 visão. O "
na consciência (memória ) .
odor, por pennitir a percepç�ão de sensações diversas, contri­ "
bui para revelar-nos a existência do mundo exterior, por isso, A consciência pode re-conhecê-lo e, por isso, conhecê-lo
também, dá idéia de espaço. ' Já o gôsto, enbora 'nos pennita racionalmente. Esta a razão porque nos escapa muito do que •
perceber, como o odor, diversas sensações simultâneas, é o nos excita pela primeira vez,
,
menos espacial dos nossos sentidos.

O tacto noS permite perceber sensações distintas, e nos
• •
dá elementos para a formação da idéia do espaço, embora me­ <.
nos sutil que a vista. "
A razJ.o, funçãO do nosso espírito, não se contenta em
reconhec�r uma vez ou várias. ,
• • Quer reconhecer sempre.
Aqui, intervém um princípio de economia do esfôl'ço, que é
,
A comparação é o primeiro movjm�nto elo nossa espírito biológico. Se cada vez que se apresentassem �bjectos novos)
para formar a razão. Conhecer racionalmente é, na verdade, fôsse llecessário recomeçar a comparação para verificar se é ,
,
,

<.
.
.( .

' h+

'I

\ ,
,

150
MARIO FERREIRA DOS SANTOS I FILOSOFIA E COSMOVISAO 151

'! t Se verificarmos bem, a visão tem a capacidade dialéctica,


semelhante a isto ou àquilo, a vida seria complicada e difícil
contraditória, de combinar o contínuo e o descontínuo, sem
e os resultados nulos, porque teríamos de repetir o mesmo pro�
confllndí-I os.
cesso. Essa economia de esfôrço, que já verificamos no pro�
,
cedimento selectivo da própria vida, leva a razão a separar, a A \'i�ta toma a continuidade da realidade imediatamente,
isolar o semelhante que a interessa, única forma de torná-lo
�,
mas, pela fixação, estabelece a ' descontinuidade dos objectos
"sempre l ecognoscÍvel, comparável. Desta forma, êlc é eleva­ qlle ela percebe, destacando-os do ambiente. Ela fixa o des­
do à categoria de uma realidade independente, necr'ssàriamen­ contínuo sôbrc o contínuo, ela distingue um objecto do fundo,
te imutável, idêntica a si mesmo, pois, do conlrúrio, falharia, ela pormt:noriza, ela scpara o diferente, ela procede uma abs­
por não permitir a comparação, e todo o processo comparativo tração instintivamente, automàticamente. Todos os nOssOS sen­
tornar-se-ia novamente morosO e conseqüentemente cansativo, tidos, COlijO já vimos, são órgãos abstractores, pois apreendem
-anti-econômico e prejudicial. ,-Ipenas uma região da realidade: o ouvido, os sons; o olfato,

Eis a abstração.E essa separação não se dá concreta� os odores' etc.


I�
• mente no objecto, mas no espírito, como já estudamos. O con�
Desta forma, a abstraçao, como função do espírito, eIl·
trário do abstra cto é o concre to. AJas concreto é o conjunto
''I contra nú.> senL:dos a S).la base. Mas é a visão o sentido de
abslracto (i apcnas
do semeIhante e do diferente, enquanto o maior capacidade abstractora. Há um exemplo bem signifi­
i'f•• ado, isolado do
o semelhante ou o diferente racionalizado, separ cativo. O pintor trabalha com côres de número limitado, co­
• concreto. mo a razão também trabalha com conceitos de número limita­
ria de imutável;
'. Assim o semelhante é elevado à catego do. E assim como o pintor, com êsses eJementos, dá uma
te, perma necendo sem�
uamos-lhe uma existencia independen imagem da realidaue, a razilo, com êles, torna conhecido o
II"
- torna- se concc' fto. Drsta forma , é
pre igual a si mesmo desconhecido, torna semelhante o d i ferente. Elo reconstrói
hecido ao conhe cido c o concei to
• possível a redução do descon o 11llivers') com () auxílio de conceitos c de combillaçôes de
de U\11l1 síntese eh intui­
, I precede à experiência. Esta decorre l:onccitos. A rnüo não pode trahalhar com o individual, não
. f..: o conceito que modela
ção e do conceito, como ja vimos pode fix ar a diversidade elos factos, mas apenas o (l He mais
a experiência, reduzindo, desta
a intuição e dá comO resultado C1] menos se repete, se assemelha. A razão tem Um trabalho
o conceito H'm de 11m
; I forma, o e sfôrço intelectuaL Por isso, util iLírin . Fica assim perfcimcnte estabelecido o carácter an­
ração , que deve ter sido lenta c
longo passado e a sua elabo tinômico do nosso espírito entre a intuição ( conhecimento do
uma nova funçã o ao espírito huma no,
difícil, acabou por dar incli\"icJtlal) e a razão ( co . l hecimento do geral ) , f\lndamento
':\\ .\\ suas fôrça s .
economizando da clisciplill:1 que chamamos d e " N oologia", que tem por ob­
gem, pois nüo haveria
·1,· , f: o conceito a base de tôda lingua jecto o funcionamento elo espírito.
n a cada facto. A língua
língua possível se déssemos um O me
; , 1
ante, o comul U,
funciona com conceitos, isto é, cOm o semelh
1,\' � de conce ituaçã o ele uma língu a Funcionamento da Razão
o geral . E é a capacidade
riori dade .
ioi , '\ que demonstra a ::;ua supe . Não é a elaboração dos conceitos a única funçüo da razão
uma conccitllaçuo defi�
Um povo primitivo, selvagem, tem como razão. Ela necessita dar ordem a êssüs conccitos, com·
1'1 (
s indígenas.
ciente, como sucede com os nosSO pará-los e, nisso, ela prossegue fll11cionando como razão, cap­

• • • tando universalidades. Necessita encaixá-los uns em outros,


hll�
,

T
,
,
152 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
Ir FILOSOFIA E COSMOVISAO 153
,

:1
dar-lhes uma hierarquia extensista, reduzi-los a conteúdo e res lógicos já estuda mo s. que definir é delimitar, pre­
Vimos
,
continente, o que é incluído c o que inclui. tsse pro cesso cis ar, colocar o diferente no semelhante, é desencaixar o que

I
é a dassific.:ação, a qual consiste em orden ar os objectos sin­ esta\·a enc ai x ado . Dizem os lógicos que não se pode definir ,
gulares nas espécies, estas nos gêneros, êstes em gêneros mais o ser individual. E isso porque definir é limitar um conceito ,
"
va stos. mais l a rgo num menos largo. O individual não corresponde
a nenhum conceito. Definem-se as espécies, descrevem-file os ,
Já vimos que a razão é guiada por uma atividade selecti�
indivíduos, dizem os lógicos. Mas as espécies estão nos in­ ,
va (o que notamos em tôda função vita l ) , essa função selec­
divÍchlOS; não são separáveis dêles. O gênero humano está
tiva compara, esclarece, simplifica, une. É da economia da ,
em cada ser humano individual. O definível, então, é a espé�
razão a ordem, a clareza e, portanto, a simplicidade, a unida­
cie, o gênero; defiue�se, num indivíduo, o gênero que faz par� ,
de. Tôcla cla ss ificaçã o é uma redução à un idade, uma !l1lifi­
te dêlc.
cação. Os conce itos são como círculos concêntricos; o ma is ,
vasto contém todos os outros. �las, à proporção que subimos Ka realidade, tôdadefinição é uma descrição. Não há lín­ ,
dos sin gular es às espéci es, das e spéc ies aos gêneros, corno se gua para expressar o individual, já vimos, corno não há ciên­
vê na Lógica, aumentamos a comprcensüo, mas diminuímos cia elo individua1. Convém aqui esclarecermos a diferença ,
o conteúdo. Quanto de mais longe , mais co isa s vemos, e entre indicídtlO e individual. O indivíduo é um todo concre­ ,
quanto de mais alto, mais cois as abrange mos , mas, 'cm com­ to, dado pela realidade.
,
pensação, vemos menos o individual e o si ngular. \umcnta­ O in d i v idu al é um elemento dêsse todo separado do in­
da a extensão, diminui O conteúdo , e perder.1os os pormeno­ divíduo por abs tração, elemento que caracteriza o indivíduo e ,
res. Do alto de uma montanha, podemos ver um vasto pano­ a i n d ivi du al id a d e. Dai o "princípio de individuação" de que ,
rama que abrange muita s coisas, mas perdemos os pormenores trata a mdafísica e do qual já tivemos ocasião de fabr.
das coisas que estão na distância. I magin emos um ser hu­ ,
A ci ência que se poderia criar no indivíduo seria a fun­
mano que pu desse, de um lugar, abranger, com os olhos, o ,
(bda sô bre os caracteres quc êlc tem e que pertencem ao gru­
universo inteiro, com seus sóis, cstrêlas, nebulosas, galaxi as, •
po, que sã o comuns ao grupo. Dessa forma, ciência do ind i­
novae, etc. Nem sequer poderia discernir o nosso planeta,
víduo é a da espécie incarnada no indivíduo. Não
ciência •
nem as maiores est rêlas.
há ciênc i a do individual que é inexprimível e incomparável,
ouniverso inteiro seria uma massa uniforme, sem diversi­ porque o individ ual é o diferente absoluto, que é o carácter •
dade. Tal imagem nas permite compreender a idéia d e Ser, do princípio de individuação. •
a abstração suprema. É digno de observar-se a semelhança Esse diferente absoluto, que é o individual, é múltiplo, •
que há entre n nossa ra zão c n ,·is::i.o. A proporção que que­ pois há muitos diferentes absolutos. O Ser é o semelhante
remos ver mais coisas, perdemos, delas, os porm enores; à pro­
t absoluto porque nêle se encontram todos os sêres que, obser­

I
porção que a razão quer abranger mais conceitos, pl'Ide tam­ ,'ados individualmente, são diferentes absolutos. •
bém, dêles, os pormenores, que são o diferente, para chegar,
cada vez mais, ao mais geral, ao "mais" semelhante. Estamos assim ante uma nova antinomia da razão, a exis­ •
tente entre o Ser, Como semelhante absoluto, e o individual,
Estabelecida a hierarquia pela classificaç�io, segue a razão •
!
como diferente absoluto. O individual é o diferente absoluto.
um caminho inverso: desce do mais geral ao meno:; geral e Tem assim o indivíduo um quid proprium (um quê próprio ) . ,
dêste ao singular. Temos, então, a definição, cujo� caracte- Se admitíssemos que o semelhante está sob o diferente, que •



j
154 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
I FILOSOFIA E COSMOVISAO 155

o homogêneo e stá sob o heterogêneo, como o afirma o racio­ pode ser to ta lm ente conhecida pela inteligência, a gual é ade­
nalismo, haveria então possibilidade de um conhecimento ra­ quada à realidade.
cional do individual. Mas a razão não capta o individual, ela
capta o individualizado1 o que é comum nos indivíduos. Se­
• • •
não vejamos: t6das as coisas reais são individuais, indiscernÍ­ 'I
veis, distintas umas das outras. Se há indivíduos na nature­
za, êles são indefiníveis, portanto incognoscívcis pel a razão,
Retornemos agora à definição para que analisemos todos
Os seus t\lementos, necessários para posteriores análises. No
Desta forma, toma�se impossível o conhecimento racional e
científico do real como um conhecimento total, mas apenas seu sentido clássíco, o predicado está contido no sujeito. Des�

como um conhecimento parcial, o conhecimento do geral junto


sa forma, a definição é um julgamento analítico. A lógica
ensina�nos que só podemos definir as espécies, h-.fas sucede
ao particular, do semelhante ao lado do irredutível diferente.
Não é outra, por exemplo, a interpretação relativista, é assim que as espécies são construções da razão, são concepçõ( .> da
, ,

que ela interpreta o conhecimento. Essa interpretação vem


razão. É impossível a definição dos sêres singulares, corno
/,1 ;
Por isso clecla� também há conceitos indefiníveis, como são os abstractos su�
de Kant que o demonstrou em primeiro lugar.
" , rou Kant que a ciência é apenas fenomenal. premos, :)S swnma gcnera ( os gên eros supremo s ) . Nestes
conceitos não se distinguem as diferenças. C Lembremo-nos
'I I O que se chama de individual, de singular, Kant chamou
que a de5inição é realizada com o auxiJjo do gên ero próximo
de noumeno Ca coisa em s i ) . Fenômeno é o que apare ce do
" I e da diferença específica ) . Nos individuais, as diferenças são
noumeno, é o que aparece, o que se manifesta ú razão. Só
absolutas. �Ias podemos ter urna intuição do individual e
os caracteres cOmuns são comunicáveis. Eis por que êle dis­
não p odemos dar uma definição. Mas pela intuição, pode�
" ; se que só há ciência dos fenômenos. Então podemos dizer
mos descrever e não definir. Tôda ciência está suspensa das
que a ci�ncia 56 conl1ece relações, e esUUIlOS na cOllcep<;ão rc�
definições o que, no entanto, não implica a refutação da ciên�
lativista de hoje. Por isso a ciência n::-tO pode atingir a coisa
da, porque a sua validez estú no domínio dos factos, como
em si. A ciência é um rnatematizar dessas relaçües, por isso
veremos adiante.
b' ela quantifica o mundo, transmuta as qualidades eJ11 quanti­
dades. Já nos demonstrou Bergson que para COlnprecndermos A citncia, apesar disso, realiza sua obra, como a geome�
' .
o tempo temos de torná-lo "intemporal", cspaciali::á-Io, como tria real iz a a sua, sem que tenha definido o que é a linha
',\ . fazemos quando o medimos. Assím para com prender, tomar, reta.
aprender o particular, temos de torná�lo universa1.
,iI ' Pascal mostrava a fraqueza ela definição e a impossibili­

" , Kant nos m ostr ou também que nossa jnteligência deforma (hlcle de, por meio dela, chegar a ciê ncia a um conhecimento
as coisas e que o espírito humano s6 conhece o mundo, clefor� � eficaz e seguro.
"I
mando-o, transfonnanc1o-o, e reformando-o, fazendo�o passar
i Por meio de l'esprit de fiTlcsse ( inruição) há possibili­
"

i, •
. por suas
mente ) .
formas e categorias ( temas que já estudamos
Vimos que o dogmatismo afirma o conhecimento
a nterior�

I dade de conhecer o homem o Universo e Deus ,não mais em


extensão, mas em profundidade; não mais em quantidade, mas

j
total do real pela inteligência.
i, • em qualidade, como o afirmava Pascal, que, desta forma, foi
O cepticismo nega o dogmatismo. O relativismo proctlfu um precursor d e Kant e de Bergson quanto à concepção rela­
I, I
conciliar. Todos os íntelectualístas acreditam que a realidade tivista,
ht
."

156 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 15'1

o c onhecim ento racional é um co nhecimento de parle da I outra coisa. Dessa fo rm a , do ponto de vista da extensão,

I
a

realidade. A razão realiza uma gran de obra, que é a classi­ qu al ida de nã o pode ser a espécie de nenhum outro gênero. A

I
ficação. qualidade não é suficiente por si mesma, não se explica por
si mesma, ela não tem em si mesma a sua razão suficiente.
Dizem alguns, como Rabier, que a definição é ante rior à �
classificação. Mas lembremo-nos que a definiç ão ex,ige o gê­ Não pode ela existir por si só, exige algo que a leve, que a
nero próximo e a diferença esp ecífica. São necess{�rio :; pr e­ suporte, que s eja o seu substracto, sua explicação e sua razão I
viam ente gênero e esp écie, criações da classincaç·ão. de se�. E quem é êssc suporte? :É o Ser. O Ser é a causa
t
da qualidade. Temos então a intervenção do principio de
A que nos leva tõda essa crítica? Ao ceptic ismo? 1\ão;
causalidade ou rnelbor ainda, do princípio de razão suficiente.
I
à análise das antinomias que esclarecerá o poder c:--iadol' do
.
É o ser a razão suficiente da qualidade Para completar o t
espírito, que é profundamente dialéctico.
encadeamento co nceprual, o encadeamento dos conceitos, pre�

cisamos recorrer ao p rincípio de causalidade ou ao de razão
suficiente, cuja dis tinção e a nálise fa remos oportunam ente . ,
• • •
,
Dessa forma, entre o Ser e a quaHdade há uma razão de
A cla ss ificaç ão é a base da ciência racional. A çlassifica­ causa e efeito, Ou melhor de razão suficiente . O Ser é a ra­ ,
ç ão é o es tabelecimento de uma -relação caus al. Ellcaixar os zão e caUSa d a qualidade. Dessa forma se vê que a extensão
,
conceitos, uns nOS outr os , é classificar, p ois, ao tirá··los, faze­ n ão é suficiente para a classificação. O mesm o se pode veri­
mos que uns produzam os outros. Há uma regra clássica que ficar entre os sêres e o Ser. É nec essário uma relação de ,
diz que classificamos os sêres r, ela extensão e p ela compreen­ razão suficiente. Por isso, além da extensã o, COmo afirmava ,
são ( conteúdo ) . a definição clássica, a clas sificação exige a causalidade .

,
A compreen.<.;ão é sacrificada pela extensão, que, aumen­ Não porlemos definir, a qu al idade . É-nos impossível, pe�
,
't'111do, chega até o abs tracto supremo, cuja compreen sáo é Ia simples razão de que não é a espécie de nenhum gênero .
quase Dula. O Ser p aira acima da qualidade podemo s ligá-lo à qu alidade ,

1\.las, muitas vêzes, p ara rassar do têrmo mais curto para apena s pelo princípio de causalidade. Que antecede, a clas­ ,
o mais amplo, temOS que ap elar élO -
p r incípio de caJs alida de. sificação ou a explicação? A explicação precede. A ciass i­
,
Os exemplos noS esclarecerão melhor .
ficaç,-:o é uma re tomada da explicação em têrmos Simplifica­
dos e imediatamente recognoscíveis. A classificação é uma ,
O azul ou o vermelho são esp éc ies do gêne ro cGr. A côr
co ordenação condensada sob um volume espantosamente re­
é uma espécie, por sua vez, do gênero qualidade física; esta ,
duzido. As mo dificaçõ es nas classificações que se observam
uma esp é cie do gênero qualidade. 1--1as ai chegamos a um ,
na ciência, provêm das explicações que se verificam. As ex­
gênero supremo, como logica mente nos parece, e não podem os
plica ções netO são definitiv as. Novos conceitos exigem novos ,
reuuzi-la a um gênero sup eri or .
tênnos. O novo conceito exige outro mais amplo que o in�
"
Qualidade é um áp ice da abstraçao. Nlo podemos parar clua, que seja o seu gênero . Quando não há, inventa-se um
[li, e chegamos ao Ser. 1:1a.<; como passaremos ao ser sem re­ novo gênero para n êle introduzir-se a nova espéc e. i A desco­ 't
corrermos ao princípio da causalidade? Na qualidade não berta do vapor e da electricidade exigiu o conceito moderno ,\
encontramos nenhum carácter qu e seja comum entre ela e e mai s vasto de jôrça, que não tem nenhum correspondente
1\

'\
156 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 159

exacto no vocabulário dos antigos. Tôda nOva h ip ó tes e, tôda causa, Sua razão de ser. E vemos que, em t6das essas expli­
nova explicação causal, tôda nova teoria, implica urna modi� cações , há urna hierarquia. de conceitos que parte do gênero
ficação, um enriquecimento na classificação já estabelecida. para a espé ci e,
Por ex. o calor. Para exp licá -l o f;:davam os a nt igos no cafá­
rico que cra sua causa e gênero. Depois se substituiu pejo '1 Quawlo SE' diz que os corpos se atraem em virtude de
movimento, que é um gênero verdadeiro para o calor, pois uma fôrça universal , o conc ei to de fó rça atractiva é incluído
110 gen er o tórça, que é mais vasto. Inversamente, vemos sair
compreende, como espécies, a l uz, a electri ci d ad e , etc. Outro
o co ncei to de fôrça atracti\'n elo conceito fôrça, ve m os tirar a
exem plo : o fogo. Para explid.-lo, tinham o gênero flogístico,
até que se compreendeu que era um fen ó meno de combustão e"' pé ci e do gênero.

( fenÔmeno químiêo) . Há assim um pro gre sso n a ciêllcia c o­ A razão funciona por (\ssp enC8.de;1mento concepnlaL
mo também na filosofia, embora de car ácter diferente. Sim­ QlIanc�o c1iz,,�m que L� Terrn é um planeta, há ne s s e enun­
plificar a e}.-pHcação, incluir um número maior de espécies num ciado u ma explicaçã o . Vejamos: antigamente se julgava que
gênero, e reduzir �êstes, é dar urna certa clareza, �las essa a Terr a .em um corpo indep,::'ncle n te, pri nci p al, razão de s er do
clareza é efêmera em grande parte, Quan do a ciCllcia expli­
universo, A Terra passa a ser apenas uma pe qu ena esfera
COu os fenômenos físicos, estabelecendo a teoria atôm1ca, esta cle st3.cad a do Se)} c entral , e gira re gul ar m en te em redor dêle.
satisfazia e esclareda os facto,� conheddos até pntão, �fas Kcsse sim pl es enunciado há tôda uma explicação, mas uma
surgiram novos factos e a explicação anterior Dão satisfez mais. l' :'\p l icação que vem de longas e demoradas experiências, de
A ciência física foí obri ga da a afirmar a existcncia d e pa rtí ­
longos c demorados estudos.
c ulas s n/)-atôm ica s como p artícu las elétricas, Tal expticaçii.o
nos satisfez, embora continuássemos a não saber o ql le era Dissemos que a explicação antecede à class ificação.O
elecrricidade, da mesma forma que an tes não sabbmos o qu e c<spírito humano, cm face de um facto, que r explicá-lo para
era, quando nos disseram que o raio era uma cspé:cic elo gê­ compreendê-lo (de cwn prchcndcre, exp r es são latina que sig­
nerO electricidade, o que satisfe7. e impressionou os homens nifica apreens ão, domínio, tOInnr). A ClaSSifiCHÇão é obra
" elo século passado. Quando a ciência se viu obrigada a di­ p osterior, porque só Se classifica o que já se c ompre en de u, ex­
vidir os átomos para poder e s clar ec er outros fcllc'llncnos que p l ico u . A classificação é a consagração da explicação, E a
, .
coordenação, é a red uç ão dos conhecimentos e dc tôdas as
surgiam, tal explicação satisfez sem quc, no entanto, a ciência
, I física tivesse tenninado a fase de des co bert as de novas partí­ C'xplicaçücs aceitas,

'\\ \
culas, e terá que descobrir a ind a muitas, enquanto permanecer
na explicação apenas quantitativa do universo, No cnt:lnto, i o encadeamento cOllcritnnl, fl llc é Um dos processos do
ftlllcionamento da razão, processa-se de duas maneiras: nos
" �
i
tudo isso é um p rogresso, porque partindo dessas ex plicações
.j juizos, so b a forma de proposições; no raciocínio, sob a forma
simples, maior tem sido o domínio do hom em sôbrc a nanl­
;\ .,.
reza e maior o número de factos que são in cluído s na ex­ II elo s ilo gismo.

" ,
plicação.

" ,

,; ,
Já tivemos ocasião de falar nos juízos analíticos e nos juí­
'i \ Quando dizemos porque um ser existe, porque um fenô­ zos sintéticos cuja classificaçã o foi proposta por Kant, que os
meno sucede ou se produz, indicamos um antecedente, sua estudou. Os juízos anaHticos não são um verdadeiro enca-
"I ' 'j
"

,
160 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 161

deamento de têrmos. O predicado está contido no sujeito e lação de igualdade, e estamos em face de uma definição. O
correspondem assim às equações aritmbticas. Eis um exemplo segundo termo tem um conceito maior que o primeiro, que é
de juízo analítico: " Todos os corpos são pesados". É o mes­ sua espécie, e a palavra, que restringe êsse gênero, expressa
mo que dizermos: "10 = 6 +- 4", a diferença específica,

Não há progresso nesses juízos, por não haver encadea­ o homem é um animal racional
mento de têrmos, porque () pensamento não passa de um têr­ ( E spécie) ( gênero ) ( diferença específica)
mo a outro diferente, nOvo. f.:le une, pelo verbo ser, dois
D,esta forma, só os juízos sintéticos, expunha Kant, trazem
tênl10s equivalentes.
um conhecimento positivo. Assim tôda proposÍçãO afirmativa
Nesses tipos de propoSÍ<;ões, a extensão 00 suj eito e a do ou negativa pode reduzir-se a um juízo, e s e êsse juízo é sin­
predicado é a mesma, um pode substituir o autr(-, Por isso tético, dá-sG então um progresso. Nesse caso temos uma clas­
se pode dizer indiferentemente : "Todos os corpo:; são pesa­ Ora, tôda definição é uma espécie
siifcação, uma definição.
do's" ou "Tôdas as coisas pesaclas são corpos", Há igualdade de classificação, portanto tôda proposição racional é uma ex­
de extensão, E notem bem: igualdade na extensão, no quan­ prcssfto parcial ele classificação.
titativo. Mas se observarmos qualitativam .. :llte, na tocante
ao conteúdo, há diferença. No juízo "Tôdas aS coisas pesadas
são corpos", a palavra corpo é mais rica de caracteres (11..1 e a • • ,
palavra pesadas ou que a expressllo "coisas pesadas'"

ex­ U J11 dos pontos mais difíceis de compreender na lógica,


1.1as a razão só se interessa pelo quantitativo, pela
breve Ye­ Ou melhor ele explicar, é ° da indução. A indução faz o es­
te:1são e não pelo conteúdo, que é qualitativo. Em
ticos, pode pírito passar de um facto individual para uma totalidaue. \
remos melhor por que. Quanto aos juízos sinh
dar-se deis casos; os têrmos podem estar numa - relação de
1) 01' que meios o espírito humano passa, na indução, do
s tomal'
identidade parcial Ou de identidade total. Podemo singular para o geral, do finito para o infinito, tem sido uma
dois exemplos clássicos: "O
homem é um animar' e ho­ "O das perguntas mais tenazes na filosofia a exigir uma resposta
mem é um animal racional" . As relaçõe s entre os têrrnos,
que satisfaça.
nessas duas proposições, não é a mesma. Na primeira, temos
O mesmo problema, que é a passagem do concreto para °
um exemplo de identidade parcial, porque não poderíamos di­
abstracto, é ° do singub.r para ° geral .
zer que "todo animal é homem". Não há n <;ste ('8.S0 possibi­
lidade de substituição, de troca de um tênno por outro, por­ O espírito, ao elevar-se do singular ao geral, do concreto
que não são equivalentes, pois têm extensões diferentes. 1.las, 0.0 abstracto, o faz para dominar a realidade, para obter uma
no segundo há. uma identidade total. porque tanto o
caso> \'isüo panortlmiea maior, mais vasta e também mais clara, uni­
predicado coma o sujeito têm extensão igual, e posso dizer " to­ túria, porque saber, para o homem, é reduzir à unidade.
dos os animais racionais são homens", comO "todo:. os homens
Sente-se ° h�mem mais firme em seus conhecimentos fi­
são animais racionais".
losóficos ou científicos, quando pode reduzi-los a um númerO
No primeiro caso "O homem é um animal", h!.l identidade cada vez mais restl'icto de princípios. E isso porque a razão,
parcial, porque é encaixado um conceito, num conceito maior. COmo já vimos, tende para o homogelleo. A melhor hip6tese
Temos ai apenas uma classificação. No segundo, há urna re- é a que simplifica mais, a que explica maior número ( quanti-
162 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 163

tativo) de fenômenos, e que exige o menor número de prin­ Classificar é dominar, abrangendo, abarcando. Intuir é
cípios ( maior homogeneidade ) . Nossa inteligência tende a penetrar é viver, é ter vivência.
aceitar uma lei por uma explicação.
A razão compara, verifica os caracteres semelhantes que
A indução é ainda um encaixamento, urna classificação
ela reduz, de degrau em degrau, a um semelhante único. As­
como as outras processadas pela razão, embora mais complexa.
sim também procede a visão humana. Mas a visão precede,
Quanto à dedução, estamos cm face de outra classificação. no homem, à razão, por isso influi nesta, como também influi
Vejamos: a dedução pode ser mediata ou imediata. No pri­ na intuição. A pouco e pouco se nos vai clareando êsse as­
meiro caSO temos o silogismo, no segundo temos a conversão pecto dm.. lístico antin6mico do nosso espírito, o qual, depois
ou oposição. de bem comprendido e explicado, comO procuraremos fazer

Estudamos na Lógica o silogismo, o qual consiste em mais adiante, nos dará o método noológico que expomos c

afinnar que uma qualidade convém a um ser Ou a um objec­ defendemos, o qual permitirá que penetremos, então, nos ter­

to, porque convém à tôda classe à qual pertence êssc ser ou renos ma.is áridos da filosofia e do saber, mas munidos ue
êsse objecto. poderosos instrumentos, que favorecerão a compreensão e a
visão geral de tôda a cultura (1).
Examinemos o silogismo já citado por nós: "T ados os
homens são mortais", Sócrates é homem; logo Sócrates é mor­
tal", Temos, com êle, algum novO conhecimento? Absoluta­
mente não, porque se bem verifcamos, estamos cm face dt,
uma dassificação. O indivíduo S6crates pertence :\ espécie
, . homem que pertence ao gênero dos sêrcs mortais.

• • Se examinarmos tôda c qualquer espécie ele sologis Ino ,


verificaremos que todos êles se incluem apenas muDa classi­
ficação. A razão tende para a homogeneidade e, portanto,
simplifica, esclarece pela classificação. Todo o trabalho ra­
cional, fi1o�ófico, ou científico, é predominantemente o de
classificação. Goblot chegou a declarar que a "classificação
era tóda a ciência". O conhecimento racional {� 11m processo
único de classificação. Classificar é dominar, é distinguir, (�
comparar, é juntar os semelhantes, os iguais com os iguais, é
ordenar, coordenar, subordinar. A classifícaç'�tO exige a clas­
sificação da classificação. Tôda ciência é uma classificação,
, mas a razão classifica as classificações, dando às ciências par­
ticulares um encaixamento na classificação d a cit:ncia total.

O conhecimento
j
racional é um conhecimento pa nodmic o,
.\ a ( 1 ) ·t imprescindível o estudo de Dialéctica geral exposto

I
é um conhecimento do exterior; mas o conhecimento intuitivo
em nosso livro correspondente "Lógica e Dialéctica", onde a
\ ,' ' é o que penetra, o que invade o individual, é o conhecimento Dec adialéctica (dialéctica de dez campos) ó especificamente
que pormenoriza. apresentada.
" "t
. .. J
I
r

FILOSOFIA E COSMOVISÃO 165

Vemos, assim, que já foram estabelecidos êsses aspectos


que nos permitem compreender por que, ao examinarmos o s
factos do acontecer c6smico, distinguimos sempre duas inter�
pretações polares, duas maneiras parciais de ver os fenômenos
III e que são os fundamentos de tôdas as distinções da filosofia
e que geram as diversas posições que permitem perspectivas

ANALISE DIALÉCTICA DAS CONTRADIÇÕES


tão diversas,

- ANTINOMIAS - O DUALISMO DAS NO­ Impõe-se que esclareçamos, agora, com outros el/.::mentos
ÇÕES ENERGÉTICAS DE EXTENSIDADE E DE que aumentarão o seu significado, dois tênnos que temos

INTENSIDADE - NOOLOGIA ANALíTICA -


usado no decorer dêstc livro e que são: intensidade e extensi­
elade, São dois tennos valiosos que englobam inúmeros sen�
OS FACTORES DE INTENSIDADE E DE
tidos e que representam os campos em que dialecticamente os�
EXTENSIDADE
cila o 110SS0 espírito, nesse grande e profundo diálogo da natu­
l eza consigo mesma, da natureza com o homem, e do homem
ao debmç.'<1r�se sôbre si mesmo. Essa contradição constitutiva
Aceitamos como estabelecido o dualismo funcional do nos�
é, no entanto, dinâmica, e há sempre um conflito entre am­
50 espírito, que tem seus funuamentos na própria constituição
bas, ( intensidade e extensidade), que ° espírito humano tem
de nossos órgãos da sensação, os quais, por seu turno, têm seus
procurado solucionar, ora pela reduçiio ( alternativa ) de um t
fundamentos no próprio processo funcional ua vida -que é se­
ao outro, ora pela supressão de um ou outro. Em poucos mo­
lectivo, portanto dialéctico, por que selecionar é preferir e t
mentos, porém, como vemos no eshldo da hist6ria do pensa�
repelir. Seleccionar é separar, distinguir, preferir, dividir, es­
menta filosófico, é dado a ambos, a mesma realidade, e é con­ t
colher êste e preterir aquêlc, conseqüentemente, distinguir ês­
cebido esse conflito como imanente à realidade e à 16gica.
te daquele, estabelecer distinç'õcs. t
Procurou�se sempre na filosofia dar um dêles como aparente,
Verificamos o funcionamento ela razão ( do parEcido para em benefício da realidade do outro. Nenhum vocabulário
[) semelhante, do semelhante para o mesmo, do mesmo para de filosofia que conheçamos estuda o têrmo extensidade. E
o igual, do igual para o idêntico, uma seqüência da ascese se procurarmos nos nossos dicionários, não encontraremos, a
racional ) , de afastamento crescente do que separa, do que dis� não ser como expresão, usada no Brasil, para indicar as gran­
tingue, do que é 'diferente, para ati ngir o supremo da seme­ des extensões,

lhança, que seria, indevida mente, o idêntico; dês:;e funcio­ No entanto, encontra�se o tênno intensidade. O tênno
namento exnmina�nos o conceito, a classificação o ençaJea� extensidade tem sido usado apenas pelos físicos.
mento conceptual da razão generalizada e generalizante; ve�
Tentemos agora dar uma explicação clara dêsses dois têr­
rific..... mos o funcionamento da intuição (do diferente, para o (
mos para que possamos prosseguir em nossas análises.
desigual, do desigual para o illdúvel, do inefável, para o único,
numa seqüência de ascese ( intuicional), de tudo qt�anto asse� Lalande define extensão com duas acepções: como ação
melha, para atingir o supremo da diÍerença, o diferente abso� de extender e como carácter de ser extenso. Encontramos na
luto, que é o único inefável, cujos outros aspectos de seu física o emprêgo de duas expressões: factores de exlensidade t
funcionamento examinaremos a seguir. e factores de intensidade. Citemos Ostwald, (alemão, 1853-
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 167
166

1932) o famoso físico: " Para bem sublinhar a oposição que Quando falamos na cxtens�lO ele um plano, ele um progra­

se dá entre êles ( os factores da energia que pOS'S'll cm os carac­ ma, damos o sentido de abarcar, de: prolongar, de abranger;

teres ocntrários dos factores de inten sidade) e as intcl1sjebcles, qllando falamos na intensidade de um som, pensamos no ca­

nós os designamos . . . sob' o nome de extensÍchc1c". Partindo rúctcr dêsse som cm si mesmo, é UIll som que se modifica

dai, propôs Ostwald substituir o uso do tênno qual1tidade pelo ( mais intenso, menos intenso) como som, é uma direção to­

de factores de quantidade e o de capacidade pelo de factores mada rJam o sujeito, é mais um aspecto subjectivo, porque é

de capacidade. Posteriormente preferiu a expressão factor de Ilma relação prtra co n s igo m('sma. Enquanto o primeiro leva
extensidade para dominar essas grandezas extensivas da eIler� no conceito -objecto (quc já estudamos na lógica ) , o segundo
gia, os "factores materiais", "porque, diz êle, é a consideração leva ao conceito-sujeito. Num há mais objectividade, noutro
dessas grandezas que determina a antiga concepção da ma­ mais subjectividade. Enquanto na extensidade há um sentido
téria" . de afastamento, há na intensidade um sentido de concentra­
ção. Enquanto a extensão tende para assemelhar; a intensi­
A preferência que se dá ao têrmo extcnsidadc decorre ele
, dade tende pum diferenciar.
não ter sido ainda usado sob várias acepções, como cm geral o
foram os outros tênnos, permitindo assim que se 1�)C empreste Para Descartes, "quantidade contínua, ou melhor a exten­
I U
um sentido claro e nítido. A palavra extcnsidadc é forolada são em comprimento, larb'l.ua e profundidade, que existe ne::sa
II I '
do verbo latino extcndere, isto é, ex e tendere, tender para quantidade", é englobada n a noção de extenso, d istinta intei­
fora. A palavra intensidade vem do intCtlSllS que, por sua ramente do pe:1samento, da alma. Descartes deixa confnsa­
parte, vem de tendere, in tendere, tender para delltro. I nc1i­ rncnte colocada cm sua idéia ele alma, a nOç'ão de intensidade.
cam os dois prefixos ex e in a direção da tcn s�lO, o dinamismo Kan ,. diz que uma grandeza é extensiva, quando a repre­
• inverso da tensão. Essas duas palavras latinas, depois ele tan­ sC'ntaç'ão das partes torna possível a representação do todo.
I • tos séculos, vêm servir para denominar lima série de factos
t o spn{ido da homogencidacle, cujas partes são homogêneas,
que a experiência eie:ltífica veio corroborar.
como o todo é homogcneo.
São essas duas palavras, no entanto, constantemente usa­ Uma grandeza é intensiva, pam êle, quando eh. é a1)reen­
das na linguagem familiar. E temos in tensiclac1c, intensivo, elida como unidade. A quantidade, aí, s6 pode ser representa­
intensificar, intenso, extensão, extensivo, extensihilidade e ex­ da por maior ou menor aproximação da negação (mais veloz,
tensidade. menOs v,�loz, por e:\ernpl o ) . "A intensidade não é a quanti­
Quando empregamos as expressões que dccorré't� de ex­ dade das coisas que se contam, nem é a duração, nem é a
tensão, sempre queremos significar o que se prolonga, o que extensão, quantidades que se medem por meio de unidades
parte para o exterior; é um dinamismo de afastamento, de homogêncas", expressa GobJot.
desdobramento, de alongamento, é uma direção tomada para
Têm dificuldades imensas os fil6sofos e dicionaristas em
o objecto, para o que é heterogêneo, mutável, para abrangê-
definir a intensidade. E a razão é que definir é comparar, é
10, incorporá-lo; é centrífugo. Quando empregnmos as ex­
medir, e a intensidade, por seu pr6prio carácter, afasta-se da
pressões decorrentes de intensidade, intenso, queremos nOS
llefLnição, não é apreensível por uma definição. Dessa forma,
referir a alguma coisa de interior, alguma coisa que vem ela
êsse conceito s6 se �scIarece pela intuição e por uma vivêncía.
heterogeneidade da sucessão, do movimento de mutações do
O carácter sintético é fundamental da extensidade; en­
exterior para dentro, é uma transformação cm si mesma, vol­
vida para o interior; é ccntrípeta. quanto () analítico o é da intensidade. Sjntético, porque é
\

t
168 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 169
t
um dinamismo sintetizador, que implica sempre uma grande­ Dcharemos de lado os aspectos metafísicas dessa dialéc­ t
za, uma operação, desenvolvendo-se em extensão na realidade, tica, pois tratar dêles aqui seria fugir ao âmbito dêste livro, e
enquanto a intensidade se desenvolve em intensidade, em si, iremos aproveitar êsse antagonismo como meio metodológico
em separação, em distinção, em análise. para o eShldo da filosofia, dadas as grandes e fecundas visões
Nós sentimos mais a intensidade, mns sabemos· mais da que t-lc nos oferece.
.\
extensidade, por isso essa é mais definível que aquela.
• • • \
Lalande, procurando definir os dois conceitos, emprega
estas palavras: Os' conceitos de extensidade e de intensidade encontraram
"IulcIlsiuaue, - Caracler uu que <tclmiLe eslados de mais
na ciência moderna um grande campo de aplicação e, graças a t
êles, pôde ela penetrar em campos inexplorados, como teremos
ou de menos, mas, de tal sorte, que a diferença de dois dêsses
eSi ados não é um grau do que é as��;irn susceptível de aumento
ocasião de estudar, quando examine:nos os temas do tempo e
do espaço e das visões gerais do mundo de Einstein, de Sitter, •
ou de diminuição: por exemplo, U11l sentimento de temor pode
diD1lnuir Ou crescer, mas a c1i fen.' ]H,·a entre um leve tClnor e um de Lcmaitre e outros.

temor mais forte, não é um grau de temor que possa ser com­ A energia é concebida como o produto de dois factores,
parado a outros, como a diferenç'u de dois comprimentos. ou um de extensiuade e outro de intensidade.
de dois números é um comprimento ou um número, tendo seu Foi Macquome Rankine quem decompôs a energia em dois
lugar na escala das grandezas oa mesma espécie". factores. \
) 185, para êle, os dois factores apresentaram-se ape­
Bergson, e sua escola, absorve a intensidade na qualidade; nas como fôrça viva e fôrça de tensão} uma energia actual e
dessa forma, todo verdadeiro conflito, tôda contradição são uma energia potencial.
suprimidas entre ela e a extensidade, por sua vez ahsiJrvida na ,
Impõe-se aqui, antes de prosseguir essa análise, que se
quantidade. Mas a quantidade nem se opõe à qualidade, nem esclareça mais uma vez dois têrmos muito usados na filosofia:
podem ambas serem confundidas, essencialmente, pois ambas acto e potencia. Iremos apenas examinar os aspectos mais ge­
definem universos, cujas natl!rezas são rigorosamente fechadas rais, procurar a síntese mais concisa para exposição dêsses dois
uma à outra. têrmos que serão, daqui por diante, empregados muitas vêzes.
É fácil desde já compreender que existem três poslçoes
Foi Aristóteles quem primeiro percebeu que as coisas não
em face do antagonismo entre a intensidade e a extensidauc: são apenas o ']ue são, mas também o que podem ser.
a ) a posição dos que reduzem a intensidade à extensidade; b )
a _dos que reduzem a extensidade à i�üensidade; c ) a dos y'ue Desta forma, tôcla mutação, pode ser, a ) possível, b) em
re duzem ambcls a uma terceira entidade, onde �sse 8_ntagollis­ processo ue realização, c) realizada.
mo desaparece. A expressão acto ( em acto ) se aplicaria ao momento b,
A quarta posição, a nossa, é de que a cxtcnsidade e a in­ em oposição ao momento a e ao momento c. O momento a
tensidade formam duas ordens dinâmicas, antin6micas dtl natu­ seria em potência (pode ser) e o c, o ser já realizado, que re­
reza. É, portanto, uma posição dialéctica que a! irmo. u. contem­ sulta da mutação. Chamava Aristóteles de:
poraneidade de ambas, que podem ser admitidas concretamente dYllamis, o momento a ( potência )
cama fazendo parte de tôda existência e de todo existir crono­ enérgeia, o mOmento b ( acto)
t ópico. entelécheia, o momento c ( fim, entelequia)

170 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 171

A palavra acto servia para expressar tanto o mome nto b nâmicas". ( 1 ) Já vimos que, com Leibnitz, o sentido de fôrça
como o c. é diferente do s entido cl ás si co .
Para Arist6teles, a matéria era potê ncia , isto é, tinha a A física moderna aceita essa acepção. Ostwald ( alemão,
possibilidade de tomar·se isto ou aquilo. I\1as o que a transfor­ 1853-1932 ) diz; "é . . . arriscado considerar, entre essas duas
,
mava em algo era a forma, o acto, que lhe era oposto, mas que espécies de energia, somente a fôrça viva como a energia ac­
a modelava. tual, isto 0, real, e olhar ti Ontra como simplesmente potencial,
isto é, como pos.�ível mns não reaL . . " Pois, "não é legítimo
Assim, predominantemente na obra de Aristótc1cs ( d ize­
mos predominantemente, porque há mom entos em CJue pensa considera: que uma energia que não é real, porque ela não
ele outro modo e não seria de conveniência analisar aqu i t6da a está presente, possa transformar-se. em energia real, e vice­
\"Crsa".
variedade de suas observações sôbre o Acto e a Potencia ) , a
potência depende, está subordinada ao acto . A p otên ci a toma É fácil agom verificar-se onde estava o engano de Rankino,
existência pelo acto, porque a potência é indeterminada, c toma quando considerou que a en ergia tivesse dois aspectos opostos,
determinação pelo acto, que é o princípio do ser. É através a achl al i d ad e e a potencialidade. Cada um dos aspectos da
do acto que uma possibilidade se transforma em r e ali d ad e , pois energia ( intensidade e extensidadc) pode ser, por seu turno,
o acto é a própria realidade de um ser que cst,wa ai1\da i nde­ actual ou potencial.
terminado. Um exemplo esclarece tndo. Temos aqui u m
bloco de argamassa, informe, mas o artista plas m a-o numa fi­ Uma intensidade pode s er actual e uma extens ida cle pode
.ser potencial. CitemoS' Ostwald: "A única man eira l e gítim a
gura humana, dá-lhe uma forma. O hloco seria ( ('mbora nl­
demente exemplificado), a potência, e acto ° monw nto cm que ele comp reend e r as palavras cI le rgi a actual e energia potencial,
êsse balTo informe vai tcm::lOdo uma formet. Essa distinção (' olhar como ac tlla l llm<1 cn crg i:l presente no mOmento conside­
entre acto e potência pe rmaneceu na filoso f i a ari�t()t{lica c elela rado, c como potencial 11m: ('IH'rgia que, nas circnnslilncias pre­
ingressou na filosofia tomista ( de Tomás de A(luino ) . Assim, sentes, pode formar-se por intermédio da energia presente, Se
para Aristóteles, a potência é passiva, incapaz, por si só, lle atrilmirmos a E'S5;!S duas expressôes as s i gnifieaçôes que acaba­
efectuar-se, é inerte. O acto ( cnérgcia, palavra grega que ó mos de c :\ pr esar, a fôrça ele tensão ou a energia de distttncia,
formada de ergon, trabalho, e que significa eficaciclaue, rcali­ quc se ell �ontrn numa massa elevada acima ela terra é actual , c
a energia de mm'imento que ela c n nté m é potenc ial ; é o iIwCI:-
:zar um efeito) é quem impulsiona, dú forma ;\ p o ténc ia . O
50 d e poi s da queda, Para o pc':ndulo, a en e rg ia de distilneia
artista, ao transformar o barro em urna figura realizada, actua­
{', actual C}uando cst:t no altu do seu curso, a energia de movi­
liza a figura, dá forma ao b arro que, por si Sll, n·�tO poderia
transformar-se em figura. (: mento é actual qu n ndo êlc esbí. em sua posição mais baixa, e,
durante as os cilações, essas duas energias trocam constantemen­
É com Leibnitz que a palavra potên cia toma outro sentido te seus caracteres".
na filosofia, O mesmo, em parte, que será empregado depois
por Nietzsche e pela ciência moderna. Para Leibnitz, a po­
tência é uma fôrça activa, fonte original da ação, causalidade ( 1 ) Aristóteles divide a p o tênci a em passiva e a nctiva. A
pr i me ira é a p otênc ia de sofrer uma determinaç8.o; a $c gun d a ,
eficaz, "A potência activa é tomada algumas Vezes num senti­
a de poder realizar uma determinação. Em Leibnitz esta ultima
do mais perfeito quando, além de simples faculdade, há a ten­ já tende a reali zar, já estil, portanto, em acto, no exercício do
dência; e é assim que eu a torno nas minhas considera ções di- neto.

1
,

(
1'2 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 173

,
Então, sintetizando: a intensidade e a exteDsidade podem Energia de muvip1cn­ Massa Velocidade ou
(
ser ou achwl ou potencial. to quadrado
Quando a intensidade se actlwlizJ, a extensidade se poten­ Eleclriciclacle Carga eléctrica Potencial eléc­
cializa, e vice-verca. Ambas não pndem ser actuais ou poten­ trico
ciais no mesmO instante e há oscilaç:ão constante entre SUI'l ac­ Energia cluí mica Entropia Afinidade (
tualidade e sua potencialidaJe cm todo acontecimento físico. E n erg ia térmica :\lassa t Temperatura ,
As aplicações dessa observação a todos os factos da filosofia se­
rão feitas, daqui por diante, à proporção que dêles tratemos. (

Referindo-se às intensidades, assim se expressa Ostwald: Eis o quadro usual de Jean Perrin, Urbain, etc. (
"nflo são de forma alguma grum]t.;zas no sentido OfUl1lário da
Ellcrgias Extensidade,'J' Intensidade ...
palavra. Quando reunimos duas grandezas iguais, ab-temos co­
mo se sabe, urna grandeza dupla. Ora, se reunimos duas tem­ Elú st ica Volume Pressão
peraturas iguais, isto é, se metemos em cOntacto dois corpos da Elástica de alonga­ Comprimento Fôrça ,
mesma temperatura, esta não se toma dupla, mas perm:"nece a mento f
mesma". Assim, "quando indicamos a grandeza de urna massa,
Elástica de torsJ.o ângulo Parelha de fôrças
não dissemos sôbre essa massa tudo quanto dela se pode dizer. f
Se se divide uma massa em duas metades, essfl' , dua" metades iguais opostas
M ec J.n ica Deslocamento Fôrça C
não diferem uma da outra; cada uma tem, portanto, enquanto
massa, as mesmas propriedade que a outra". C in ét ic a En tropia ( muda de si­ Temperatura ab- C

Assim é a homogeneidade, a exterioridade ou a ·objectivi­


nal) soluta f
dade o que caracteriza a extensidade; e, ao contrário, a hetero­ Apérmica Quantidade de movi­ Velocidade
C
geneidade, a interioridade ou a subjectividade parecem en­ mento
C
gendrar o processo da intensidade. O tempo intervém nesta c Superfície (cnpibricla­ Superfície Tensão superfi�
vemos que a física modema, quando trata da intensidade, ne­ cle) daI C
cessita do tempo para seus cálculos, enquanto é o espaço, que
E léctrica Carga Potencia'! C
é necessário para medir o extensivo.
de gravitação fvlassa Potencial •
Uma rápida análise sôbre tôdas as formas de encrgia física,
permite distinguir a extensidade da intensidade. Ostwald or­ •
É a existência real, assim, dualistica, constituida de dois
ganizou êsse quadro: •
factores contrários, ao invez do que pensava Descartes. Quan­
Energias Extem'idadcs Intensidades do um dêles cresce, o outro diminui, como a entropia e a tem­ •
Volume Volume Pres,ão peratura, extensidade e intensidade da energia térmica.

Forma ( elasticidade ) Deslocamento vectorial Fôrça correspon-
Nos fenômenos macrofísicos, há predomínio da extensida­
dente •
de sôbre a intensidade. Nos fenômenos microfísicos, na física
Pêso (ou gravitação) Pêso Potencial de gra- atÓmica, a intensidade predomina sôbre a extensidade. Nos •
viração factos psicológicos, há maior predominância da intensidade sô- •

I



FILOSOFIA E COSMOVISAO 17b
174
MARIO FERREIRA DO S SANTOS

bre a extensidade. Em breve veremos comO essa compreensão tência, que é um opor-se, mas, ao mesmo tempo, um comple­

permitirá explicar os fenômenos da Termodinâmica, e os pro­ mentar-se: um oposto é comp1etado pelo outro.

blemas que formam, hoje, o arcabouço da teoria da relativida­ Lupas(�o oferece um quadro dessas duas direções dinâmi­
de, iniciada por Einsteir.. cas do existir. Ei-lo:

&ctensidade Intcnsidadc
• • • Identidade-homogeneidade Não identidade-heterogeneidade
"

Materialidade - espacialidade Temporalidade


Simultaneidade Sucesão
Vejamos agora os efeitos que o emprêgo dessas duas nO­
ções podem dar na filosofia e na fonnaç::io da "Noologia". Na Permanência e conservação Desaparecimento e destruição

extensidade, s entimos que há uma ordem, homogeneidade, ho­ lnvariabildade, "invariante" Variabilidade, "variante"
mogeneização, objectividade e objectivação ao mesmo tempo , Extendimento objectivo, exte- Desenvolvimento subjectivo, in-
enquanto, na intensidade, que tende para si mesma, há hetero­ riorização teriorização
geneidade, heterogeneização, subjectividade, interiorização.
Síntese Análise
, ,' Causalidade e determinismo lncausalidade e indeterminismo
Estamos em face do «mesmo" (do semelhante) do pareci­
, do) e do "diverso" e do diferente, Eis os dois aspectos da rea­ Afirmação ';\legação
lidade que a razão e a intuição vão apreender diversamente.
"

'!
A espacialidade está na extensidade, como a temporalidade
está na intensidade. A extensidade é predominantellll'lIte o

campo da razão, e a intensidade, o campo da inhl içao.

Há transformações na natureza porque há intensidade, por� QuerEmos sobretudo salientar o aspecto dialéctico que se
que sem ela, como o afirmam os físicos, não haveria transforma­ manifesta na existência e que o nossO espírito apreende através
ção, porque esta é o desaparecimento de uma forma e o apareci­ da dialéctica também de suas funções. E a disciplina que vai

W
mento de outra. Assim há o e varia, que é yariante, a in­ estudar es<;a dialéctica, que vai caracterizar os conceitos da ra­
tensidade, a par do que não varia, do que é in\'::uiante, a ex­ zão e da intuição, que vai salientar a influência que o dualismo
tensidade. antinômic.J da nahlIeza exerce sôbre o dualismo antinômico do
espírito, e que vai analisá-los através de suas múltiplas forma­
úfirmamos a complementaridade dessas duas expressões:
��tics para compreensão geral do desenvolvimento da concepção
uma necessita da outra, urna é incomprcnsível sem a outra.
filosófica do mundo, é o que chamamos de Noologia ( de Naus,
Veremos, quando estudarmos a Dialéctica, o sentiüo que a ciên­
espí rito ) , a ciência dialéctica do espírito; fundada na dialéctica
cia moderna dá à dialéctica e à complementaridade. Quere­
da própriél existôncia. Não iremos, porém, cXRminá-la nos seus
mos aqui, apenas afirmar o seguinte: não há ex tcn sidade sem
aspectos metafísicas, mas apenas nos seus aspectos metodoló­
intensidade, nem intensidade sem extensidade nO flcontecer,
gicos, conJo já Jissemos; aproveitá-la para que dela façamos
nos factos naturais. Nem tudo é homogeneamente pllro, nem
um ponto de apo io c de referência para o estudo da filosofia,
heterogeneamente puro. Essa é a dialéctica ele t()(la a exis-
,

I
r


176 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •
FILOSOFIA E CUSMOVISAO 177

permitindo, dêste modo, que o pensamento universal, em suas
diversas fases, conheça uma nOva sistematização que 1)OS perm i� já havia esgotado tôdas as soluções. No entanto, por despojar­ &
se a ciência da ditadura de uma visão apenas parcial do uni­

ta esclarecer por que uns filósofos seguiram êste caminho e •
outros o caminho oposto. ( 1 ) Já falamos dos "indícios", pois \'erso, permitiu ue novas possibilidades fôssem descortinadas.
'.
são êles que nos darão uma nova estrada para trilhar. Vamos
Assim a ciência faeilta à filosofia um salto qualitativo que
saber agora por que tais e tais perguntas foram feitas e ao
a Icva a novas t erra s desconhecidas que, em breve, iremos ex­

esclarecer o por que da pergunta, iremos comprc{ nder tam�
p lorar. •
bém o por que das respostas, pois, embora pareça paradoxal ,
há, em tôda pergunta, uma indicação da resposta desejada. •
'� •
o estudo sôbre os princípios ela HazãC! e os seus conceitos,
como os da InhIição, hão de nos permitir que possamos cons� •
truir uma visão científica do mundo, e esclarecer a gênese das ,
grandes visões totais da filosofia. Por êsse caminho, os temas
da filosofia passarão também a ter outro significado, e pode­ •
remos aprofundarmo-nos nêlcs sem receios de malngros, pois ,
iremos munidos de valiosos instrumentos que nos servirão para

as pesquizas. Veremos corno em tôda a h is tória d-.L filosofia,
sempre se tentou o triunfo da extensidade sôbre a intensidade ,
ou desta sôbre aquela, no intuito de fugir ao conflito, ao cliú­ ,
logr das antinomias, à dialéctica da existência. Ora actuali­

zou-se uma e virtualizou-se a outra ( virtualizar usamos nO sen­
tido de inibir) e vice-versa. E ve remos porque a filosofia plCr­ ,
maneceu sempre num "impasse", perdurou sempre envolta pe­ ,
las antinomias, porque procurou fugir ao conflito pela mera
negação de um dos antagonismos. Veremos como a ciência
moderna, seguindo o caminho dialéctico por nós estudado, con­
seguiu penetrar num terreno totalmente novo e permitiu a pos­
s-'bilidade de novas visões, cOlltrariando os que d iziam que
não viria da ciência nenhuma luz para a filosofia. A cit:n­
cia, por trabalhar indutival11entc, por interessar-se apenas por
um dos aspectos da realidade, não po der i a nunca oferecer à
filosofia nenhum novo caminho. Julg ar am até que estavam
encerradas t ôda s as po ssibililb dcs !lavas para a Filosofia, qlle

(1) A Noologia, estudad3 como disciplina antC;noma, ,o;


apresentada em nosso livro "Noologia Geral".

FILOSOFIA E COSMOVISAO 179

o ser é o conceito da razão quantitativamente maior (ex­


tensão) .

Abrange a todos: o banco, o cãOZinho, a jovem, Pedro


e João, cama também todos os sôr cs do universo) o universo
III em suma.

Gênero supremo, gnoscológicamente considerado, 11flO é


PRINCíPIOS DA RAZÃO: PRINCíPIO DE IDEN­
TIDADE, O DE RAZÃO SUFICIENTE E O DE (lcfinívcl, porque não pode ser reduzido ...enfio a si mésmo, c

CAUSALIDADE só se poc', e dizer que o ser é. É a identidade constituída pela


r07.ão. (1)
Nessa categorin hicrarqllizada pela razão não entram va­
Todos os factos da realidade são diferentes, porque JÚO 11(\
lôrcs nem qualidades, mas diferenças de extensão ( quantida­
identidade entre singularidaucs. Cada se r é um ser sin gular .
de. ) . As:�im () Ser é a maior, os sêres orgânicos o u inorgànicos
Para igualizá-los, é necessário c.lcspojá-los de su as singulari­
são menores, os sêres vivos ainda menores, os cães) os homens
dades.
cada vez menores, finalmente lledro, o menor, o indivíduo, o
Temos aqui João e Pedro. João é um jmliddllo, baixo;
singular. Não entram nas classi ficações da razão nem qualida­
Pedro é outro indivíduo, alto. Como identificarei João e Pe­
eles nem valôre.s Não se estão classificando os sêres por serem
dro? Transfonnar João em Pedro é impossível, nem Pedro cm
qualitativamente isto ou a quilo , mas apenas pela extensão que
João. Necessito encontrar nôlrs o que me permita considerar
o conceito abrange, ou seja, p el a quantidade de sêrcs (lue êle
como dois. Posso indentificá-los como homens, c cllEio direi
compreende cm slIa classificação. A razão, aO classificar, não
que Pedro e João são dois homens.
procura aprofundar-se no quc é Pc·dro nem no que ó qualquer
1-.Jas se entre êles houver uma jovem, e qlliser cllg!oh(t-b
elos sêres (IlIe existem, mas apenas rm encontrar o que identifi­
na mesma "identidade", como identificarei a joY('m com elcs-�
ca êstc com arpllJe, c eSsa identificação, ôsse ponto de iden­
Como homens é impossível, porque ela é mulher. COllH' pes­ tificação, é um ponto quantitativo, de extensão. A razão quer
soa; pois poderei dizer que são três pessoas. Digamos que, apwi."nder por envolvimento e não por pcnetraçflo, ela não in­
com a jovem, há um cãozinho. E quero identificar o c�o com
tui, não vai para dentro, não se dirige ao singular, mas ao geral,
êles. Chamá-Ios-ei de quatro pessoas? Impossh·cl. Te re i u\:
ao que engloba, como a nossa visão, do alto de uma montanha,
chamá-los de sêres vivos, e então direi que tenho quatro sêrcs
apreende, numa visão panorâmica, a totalidade da paisagem.
vivos. Mas há também um banco, onde se sentam, e se quiser
E como vimos, a razão vai desprezando o que diversifica, o que
identificar o banco com êles, terei de chamá-los, nüo de sêres
toma diferente, o que diferencia) vai despojando as coisas de
vivos, mas de sêresJ e pocerei dizer tenho cinco sêrc's.
suas singularidades, para conseguir atingir uma unidade for­
Pode parecer êsse exemplo um tanto grosseiro, mas é su­ mal, uma unidade que englobe todos os s<1res. Ela reduz, as­
"
ficientemente claro para expor como processa a ra;::; ã o para or­ sim, tôda a heterogeneidade do diverso a urna homogeneidade
denar o mundo.
Na classificação procedida pela razão, há uma hierarquia
(1) Queremos salientar que ° Ser, ontolàgicamente con­
apenas quantitativa ( d e exteIlsão ) , que busca, cada \'ez, o mai�

I
siderado não é gênero. O racionalismo transformou o esqt'8ma
geral, até atingir O conceito supremo) o mais vasto de todos, o abstracto de ser em gênero, não o ser ontológico, o que por ora
qual se difunde nos menores, em q fwntidac1e menor. não podemos examinar.

I

' .

' .

' .
FILOSOFIA E COSMOVISAO 181
, ,
180 MARIO FERREJHA DOS SANTOS
ristas (nominalistas modernos ) dizem que o diferente é que
, .
total. A razão nào tolera o diferente irredutível; ela quer re­ está oculto sob o semelhante e esforçam-se por levantar a capa
conhecer; eb não tolera o movimento, a mutabildade; ela quer que cobre as coisas e as une pelo exterior, para encontrar os ,I

a fLxídez, a pcrmam!ncia, o invariante, o imutável, todos os caracteres individuais que as separam irredutÍvelmente. Dizem
I
conceitos negativos do que liOS apresenta o mundo da realidade. os racionalistas que a razão vê mais profundamente, porque se­
parando o que é diferente ( aparência, o que aparece), penetra 'I
Apesar de tôdas aS aparências das coisas, embora elas pareçam
realizar-se num constante devir ( vir-a-ser ), ela "acredita", ela nO fundo homogênco das coisas: enquanto os anti-racionalistas 'I
quer que exista alt,ruma coisa, abaixo delas, que seja idêntica: afirmam que a razão se deixa arrastar pelo desejo de homoge­
' 'I
o ser. O princípio de identidade enuncia-se assim: "o que é neiza r, de identificar e não percebe o mais profundo, o que só
é; o que não é, não ó". O princípio de identidade não é 11m ,
a intuiç'ilo lwn etrn o d iferente irredutível. Ambas t en d ências '.
princípio escolhido pela razão, é um princípio que renecte, que se <lcusam rnuhwmentc, chamando-se de superficiais.
'I
expressa uma necessidade fundamental, uma necessidade irre­ rascaI, com <l sua finura, classificou assim os homens : os
sistível da razão, função do nosSO espírito. Pensar é unir, mas 'I
dotados de l' esprit ele g(!ométrie ( os racionalistas, os que ten­
é mais: é unificar, é tornar semelhante, idêntico. Em face de dem para l1Ol11ogenciz<u tudo) e os dotados ele r esprit ele fines­ 'I
dois factos diferentes, a razão os unifica por uma identidade. se, os intuitivos, os que procuram o diferente.
Iclentifica-os em outro conceito, comO já vimos. tsse princí­ •
Desta forma, paira, para a filosofia, uma interrogação: é
pio, já examinado, é fundamental da Lógica :;<'OnTI".l. A ra­ t
o semelhante ou o diferente o fundo da realidade?
zão está satisfeita quando compara, quando reduz UIT' ao outro
DU a um terceiro; quando identifica. JIi mos tramos que noolàgicamente temos duas funções que t

Nessc trabalho de despojamento do que diversifica, do que


se processam dialccticamente: a razão que actualiza o seme­ t
' lhante e virtualiza o diferente, e a intuição que procede d e
distingue, do que diferencia, a razão rzbstrai do LictO h(do quan­ t
modo inyerso. Há, em tudo, o semelhante e o diferente, como
to não pode identificar para apegar-se apenas ao que reconhe­
em hldo, extensidade e intensidade. Na extensão, todos os sê­ •
ce, ao que pode reduzir ao já conhecido. Assim a razão pro­
res se homogeneízam, e na intensidade todos se diversificam.
cede de dois modos: •
Nosso espírito apreende a ambos e os classifica, ora pela pre­
a) tornando semelhante, ela parte do individual à uni­ domin<lJlcia de um, ora de outro. Uma visão que se coloque •
dade total, suprema; akm ela razão ( racionalista ) e além da intuição ( irracionalis­ I
b) reconhecendo semelhante, ela parte da unidade su­ ta ) e que abranja a ambas em sua reciprocidade, para com
ambas construir uma visão concreta (de concreção, de conjun­

prema para a diversidade.

Ora o individual é o singular, o diferente. A razão não to) da realidade, tcria de ser uma posição supra-racionalista, I

r
como é a llOSSa, c quc, a seguir, através dos diversos temas,
:stl porta o singular; ela generaliza. «
teremos oportunidade de expor. Não há uma racionalização
nem uma in hlição puras : há apenas predominância de uma or­ •
• •
dem sôhre a outra. ,
A filosofia modema revive a famosa polên.ica d.lS univer­ • • •
sais com outros nomes. Pois vejamos: os intelectualistas (rea­
A inteligibilidade, para a razão, está contida na medida da

j
listas modernos) dizem que o semelhante está DeLIto sob o
diferente e que devemos procurar a identidade sob b.S aparen­ sua identidade. O individual irredutível (a singularidade de
tes diversidades, Os anti-íntelectualistas ou também os empi-
182

que
MARIO FERREIRA DOS SANTOS

falam os existencialistas) não é inteligível pela rQzão, por­


\ FILOSOFIA E COSMOVISAO

existe tem uma razão de s er preferentemente a um<1 ra zã o de


183

que esta compara, reduz, e O que é in comp arável , irredutível, nüo ser.

é, porta nto , inin teUgível . Vimos com Parmênidcs como o dese­ Alcan:;a a ra zão êssc prinCIpiO pela observação racional
jo de ide nti fi cação
racionalista levou ao extremo de uma unifi­ de tudo c:'uanto se dá na realidade. Tudo quanto se dá tem
cação comp leta, absoluta, cm que eram negadas tôdas as dife­ que ter uma razão suficien te ( Leibnitz chama de razão deter�
renciações. minante e já veremos por que) pata que sej a assim e não de
outro modo.
O principio inato à razão e vemo-lo numa
de identid ade é
série de princípios que forma m a base da ciência, como {) p rin ­ Dissemos que n a filosofia clássica, e até na filosofia mo­
cípio da co nse rvação da energia, o p rincí pio da conscr\' ilção d a d erna, tem havido u rna gr an de confusão entre o princí pio de
fôrça de Leibni tz. razão suficiente e o princíp io de caus al id ade , que se p ode enun�
ciat ass im : "todo fen ôm en o tem uma cau sa". Para Leibnitz
Embora pensem que se firmam com êsses princípios em
uma causa real, fundam-se na verdade, em uma causa ra cion al . ambos princípios estão englobados no que êle chama de "prin­
')J cípi o de razão determinante".
E \.\s se o motivo que levou tantos filósofos e tr ata distas a
con fun direm o princípio de razão su ficiente com o de causa1ida� Leibnitz fêz uma distin çã o entte c aus a e razão suficiente.
( Foi êle o pr imeiro a enu n ci ar nItidamente o p rin cípi o de ra �
,,' de, como veremos a segu ir.
zão suficíçIlte ) . E mpre gou o s contudo com pouca dareza. No

Resl1tYlíndo:tudo o que é, é; to dos os sêres são. O Ser é princípio da conservação da fôrça, exposto por Leibnitz, há
a identidade absoluta onde se encontram tod os os sêrcs. O Ser confusão en tre o p ri ncí pi o de H azão suficiente e o de caus al i­
, I
é homog êneo1 idêntico, único, p erfei to . ldentidade absoluta é (Jade, pois quando pensa rcferir�se a uma causa real, ref er e-s e
tam bém o si ngula r absoluto, porque é irrcclut íy el a (p.w.lquer a um a Ca"IISa racional.
out ro e tôdas as co is as dêle p articip am on n ão são. E assim o
Sabemos que o racionalismo sempre confundiu a 16gica
conceito supremo que a razão constrói cm su a actiyidauc de
desp oj am en to das singularidades, das d i ferenças, que, ue abs� com a n etafí.o::ea. identificou a teoria do ser com a
Hegel
ci ência do ser ( tu do qu anto é real é racional, tudo quanto é
tracto em abstracto, cl.legaria aO abstrado supremo: O Ser. ( 1 )
racional é real) . Consíderou as elaborações da razão como da­
dos da realidade, e qlle os pensamentos apriorÍsticos obtivessem
• os m esm os resultados '1\1<:: a experiência sensível. :f:sses os mo­
tivos do desdém do raci on al i s mo à experiência sensível. ( 1 )

Vejamos agora os outros prin cíp io s da raz�lO: () p rin c í pio S p ino za , por e x em plo, considerou a ra zão suficiente coma a
, c a u s a do<: sêre." e dos fen ô me no s , pois deduz i u lo gicamente os
de razão suficiente e o de causalidade.

[
s êres do Ser un ive rsa l, reconhecendo, neste, a razão suficiente
O princípio de razão suficiente é enunc i a do da segu in te
de todos os sêres, pens and o estabelecer, assim, lima relação de
forma: "nada ex is te sem uma razão ele se r" . Tudo quanto
causa c efeito, que é a base do seu p an teí smo . Na defin ição

( 1 ) Como idf>ntidade absoluta e como d c í er e n te absoluto ( 1 ) Essa a interprclaçâo que geralmente se faz de Hegel;
Ser ultrapassa os opostos, transcende�05. í;ssc c o n ce i to
da
o
" On­ r:o entant o em "DialéctiC'8", temos oc asião de mostrar qual o
razão, na verdade a u ltr ap a ssa , e a sua justificaçã o cJ.be à
alcance (:essa ..dirrnativ<l, c propor-lhe restrições, fundadas na
tolog ia" . Nessa disciplina, veremos que o c oncei to de Ser é e
mi­
obra hegeliana .
nentemente dialéctico. •
"
l
,
,

MARlO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 185 ,l

li
184
"
I
'l
III de sua Ethica, lê-se: "Entendo por substância o que é cm tureza por necessidade funcional ) . E neste caso pode decor­
rer: a ) da experiência imediata concreta: contacto de nossO
'l
si e é concebido por si: quer dizer, cujo conceito, não tem
necessidade do conceito de outra coisa, do qual deva ser far­ espírito com a realidade; b) da experiência mediata (com t
mado", meios ) e abstracta - contacto de nosso espírito com suas pró,
·t
.: rrias abstracções .
A existência real é confundida aqui com a e-:istên :ia lógica. t
A substância que é, subsiste pelo conceito que não precisa de
I
outro conceito para a sua compreensão. Reconhece êle, no AN,\LISE DO PRINCIPIO DE CAUSALIDADE.
Ser, a razão suficiente de todos os sêres que êle tir<3: daquele , I
estabelecendo, entre o Ser e os sêrcs, uma relação de causali­
:E:ste ptincrplO trabalha no interior da realidade concreta� t
dade. Entretanto Spinoza ultrapassa mais adiante essa con­ em plena experiência dir ecta, e põe cm movimento todos os
fUSllO ao estabelecer o carácter ele l l ecessário ao Sef, enquanto t
recursos extra-racionais do espírito: a observação, a imaginação ,
os outros sêres são contingentes, modos do ser que pedem exis­ a i n tu ição , o bom senso. :tIe é imanente à realid ade ( perten­ t
tir Ou poderiam não existir, por não serem ncccssÚrios. Tam­ ce �\ r('�llicbde e não necessita da. i ll tervenção de um I agente

bém \VoHf, Schelling, He gel e até o próprio Kant, cometeram exterior pnra manífcstnr-se. É o contrário de tran scend ente ) .
dessas con fu sõ es, o que seria lOllgo estu dar c analisar. ,
Como conceme à expcriCncia, provém da observação ela
Sempre, nêles, a causa lógica prevaleceu sôbrc a causa cxpcriêncirr. t
real.
Con(;�rne :l m::::.âo real, corno chamam alguns, como açüo t
Devemos distinguir porb.mto : ou como drcir. O concr:ito ele callsa é dado pela experiên ci a
,
Oll pela int u ição .
a) princípio d e Razão suficiente (puramente légico ) •
g um tênno empírico, que serve para explicar um fenôme­
b) princípio de causalidade.
no antecedente de um facto, da mesma natureza dêsse facto, ,
O primeiro é considerado a priori ( Kant por exemplo ) c
ou então um agente produtor de um ser, que, ao menos CrIl t
concerne à razão (razão lógica para alguns, absoluta ). Actua parte, é da mesma natureza dêsse ser. De qualquer forma, a
fora do mundo concreto, aetua na mundo conceptual c"'iado pela t
idéia de causa tem algo de misterioso, de velado, de enigmá­
razão; é o exercício da razão pura, esforçando-se por tornar in­ tico, de obscuro para a razão, como tudo quanto é dinâmico, t
teligível (racional) o mundo r eal e o mundo ideal. t tNna móvel, mutável. Depois de uma longa experiência, de lon gas t
imposiçc1o da razão à realidade. E por isso transcendente. observações, a idéia de causa surge como algo obscuro.
t
A razão apropriou-se da idéia, deu-lhe o conceito ra.cional,
Considerado como a }Jriori está inc:uída :la5 idéia s


tOmou-o algo mais fixo, mas não pôde, apesar de hldo, impedir
I
inatas do Platonismo e das escolas decorrentes. Ou
que nessa idéia permaneça a obscuridade. E é essa obscuri­
como conceito cuja validez é dependente da experiência
dade que serve de fundamento para os que atacam o princípio
(Kant). Já vimos que, para Kant, o apriori tem sua
de causalidade, (a relação causa e efeito ) , como foi combatida
validez na experiência.
I por Hl1me com argumentos poderosos .

Considerando a posteriori é uma cOllseqüência da expcri­ Jú na razilu suficiente é o tôrmo racional cuja existência
ênc:a ( hábitos contraídos pela razão e impo.'itos por essa à IlU- implica a do tênno a explicar. A razão é abstracta, já vimos.

186 MARIO FERREIRA DOS SANTO S


FILOSOFIA E COSMOVISAO 187

A razão sufic i ente de um ser singu l ar é a sua espécie; a razãO


f:: simult ân ea à consequenda; co exist e com essa. Por ser
suficiente da existênd a do leitor é a esp éci e humo.na. A es �
símuItâ n ea, precede no espaço e perm ite a re1iersíbilídadc. (A
péde tem, como razão suficiente, o gênero. E o Ser é logi­
!l imlll tan e id ade e a rev ersib ili d a d e são condições do espaço ) .
camente ( no te- se b em, làgicamente ) a razão suficiente de tu­
J\'�IO há espa ço sem simultaneidade e reversibilidade,
do quanto existe. Dessa forma a razüo suficiente t e m uma
existência puramente logica, é extra-temporal, comO já vimos, No c<.so da razão suficien te , a sim ttl tan eidad e e a rever�
en qua nto a causa é temporal ( d á- se no tem po ) . A rnão su­ sibilidade são ideias ao mcnos, mns possuidor�5, portanto, dos
ficiente decorre do pensamento racionaL É êste que Jhe dá caractere s do espaço (do espaço idea l ) , pois C01110 já vimos é
uma fanna necessária, necessári a para tornar intclig;ívd a rea­ espacial o campo de .1 ção da raúl0. Sô bre a coexistência, a
lidade estática, comO é a realid ade da razão que é fixa, imutá­ simllltancidade e a reversibilidade, b;lsta ri a
um exemp10 para
vel, não evoluí. esclarecer tudo: o homem e a es péci e humana; um a é com�
p reen sível simultaneamente com o outro, e é reverslvel , pi) :s
Ela dá ra ci onalidad e à realidade, e foi nesse sentido que
posso partir do homem co mo indivíduo para chegar à espécie,
,; Hegel a compreendeu.
como posso p ar tir da espéck para o irld iddno.

" j A preced ên cia ela razão ao seu prod uto se dá no espaço,


I < L' não no tfmpo, e isso porque ela surge à inteHgência como
CARACTERlSTICAS DO PRINCIPIO DE HAZÃO
prin cípio, não como facto.
SUFICIENTE.
Schof cnhauer mostra como levou sécul os a i nteligên ci a

Já vimos que o Princ íp io de Hazão Suficiente é um princí­ humana para perceb er que um conce ito racional não é um

, ,) pio l6gico, puram en te r acion al , impotente ante o diferente, e princípio real, que a razão de ser não é a causa, que a lúgica

que se aplica ao semelhante. Tanto o de razão suficj('nte comO não é a vida. Mas, (diga-se de passagem ), Aristóteles já o

de causa lida de s ã o m eios de expHcação , os llTlicClS meios que havia p erc ebi do.
o
satisfazem a razão, e são aceitos quando dão uma explícação Schopenhauer cl as si ficava o princípio desta forma :
suficiente de um fenô men o . A raz ão suficiente é um a expli­
1) F rincípio de razão suficiente do devir ( principillm ra­
ca ção suficiente> que basta, que é bastante.
tion is stlfícientis fiendi) ,
Vejamos as diferenças entre êsscs dois princípi o s : "En­
2 ) p rincípio de razão stlfícíente do conhecime nto ( prin�
qu anto tôda causa é ao mesmo tempo uma razllO suficiente,
cíp-il11n rai�ionís suficicntís co gnosccndi) .
nem tôda razão sufid ente é uma causa". É gran de a, impor­
t.1neia dessa diferença, mas fàcilmente compreen sível, porque 3) princípio de razão suficiente do ser ( principillm ra­
a razã o suficiente ordena o mun do uas idéias c da realidade, tionis sufícientis essendí ) .
enquanto o de causalidade ordena apenas o mundo da realí�
4 ) princípio de ra zão su ficiente da ação (príncípillm ra�
dade, princípio de razão Sllficiente não p rec ede no tempo
O
tionis sulicientis agcl1di ) .
aO seu prod uto, p ois a razão suficiente não é apre s en tada antes
Ela precede no espaço, ela aparece antes na Temo:,, :
do seu produto,
, ! inteligência lógica, como princípio, não como fado. Quer di� a) conhecimento e ser que são d e origem racional e
zer: prec ede para a inteligência, não para a experiência e para
, . b) devir e ação que são de origem empírica e intuÍ­
a ínhIíção,
tiva.
f
,


,

188 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ,


FILOSOFIA E COSMOVISAO 189 ,
Schopenhauer, que criticou tanto os outros, acabou pondo>
na mesma escala êsses conceitos. Conhecimento e sef são real­
,
mação, etc., ela procura fixá-los, e, COmo
não pode estatizá-los,
mente de razão suficiente, pois são causas lógicas e não reais, êles tem sempre, para ela, um quê de
obscuro, de misterioso. ,
são princípios de conhecimento e não de existência, são prin­ (1) ,
cípios gnoseológicos e não ônticos. São estáticos, obtidos pela .!
Por isso a razão concebe a causa de
duas maneiras: 4
razão, à custa do despojamento da realidade de muitos de seus
a ) como passiva e necessária, sob
aspectos. a espécie de um es­
tado precedente, 011 COmo potencialid ,
ade dsenvolvendo-se, rea­
Já devir e ação são conceitos dinâmicos. COllstituem prin� lizando-se, achmlizando-se (no devir ,
);
cípios da razão suficiente, mas mais fracos que os ,primeiros, h) de maneira. activa e contingente, sob
a forma d e um ,
porque são intuitivos e nascem do contacto directo c(Jm a reali­ agente produtor ou de fôrça livre,
aplicando-se a um objecto
dade viva, estão carregados com a potencialidade 00 real. Ca­ para trallsformá-Io ou destruí-lo, isto (
é, com a idéia de ação.
racteriza-se agora cada vez mais a diferença entre os dois prin­
Na cl.(issificação, a causa torna-se gêner
o do efeito, e êste
«
CÍpios, que fazemos questão de ressaltar, quando ambos são tão
Sua especle . A razão faz da causa real
comumente confundidos nas obras de filosofia. Examinemos uma causa lógica. E t
procede assim porque, como causa
lógica, é mais clara.,. mais
agora o conceito de causa, tão importante para o nosso estudo. t
inteligível do que a causa real. AqUi
pode aplicar-se o mesm o
A idéia causa tem origem lluma existência real, experimen­ princípio de que "tôda causa é uma (
razão suficiente, mas nem
tal e temporal. É ela objecto de tôda pesquisa científica. f-: tôda razão suficiente é uma causa
".
,
fugidia, obscura, está no interior das coisas, tem o mistério de Quando a causa passa ao efeito, diz-se
causa fU effectus
tudo quanto é dinâmico ( mistério porque escapa à razão ). A ( causa toma�se ( devém ) o efeito )
e, neste caso, não há reverM
t
causa precede ao efeito nO tempo e não há reversibilidade entre sibilidade. Há aqui actividade trans
fonnadora, mutação. Quan­ ,
causa e efeito. Ela não é necesshia, pois podemos concebê-la do se diz que causa aequat effec
tum ( causa igual ao efeito ) ,
n este caso há uma identidade e não t
como contingente. É irr ever s ível , porque
causa se trans�
a apenas uma igualdade, e
forma em efeito, escoa-se no tempo ao transformar-se em efei .. temos apenas uma relação lógica.
Na realidade há uma causa t
to, e quando estamos neste, já não temos mais a causa como est eftectus, ( causa é o efeito) pois
o gênero é o nome colec­ ,
causa, mas como efeito. Já vimos que a condição do tempo é tivo das espécies e a espécie o nome
colectivo dos singulares.
a sucesão; um instante sucede a outTO, e o mesmo não se dá ,
com o espaço, pois um espaço coexiste com outro. A causa ,
CRITICA.
dá-se no tempo, é de natureza temporal, opôe-se assim à razão

suficiente, que é, normalmente, de nahm�za espacial. A causa, Além das observações já feitas sóbre a confusão havida en­
em geral, está em potência, e é no seu efeito que ela passa ao tre o principio de razão suficiente e o de causalidade, podemos ,
acto, por isso é obscura para a razão, o que é próprio da po­ tecer outros comentários esclarecedores dêste magno tema da ,
tencialidaue. filosofia.
,
Essa obscuridade consiste em não podermos vê-la, isto é,
,
fixá-la, pará-la, estatizá-la. A razão só domilla tol llmente o· ( 1 ) Tal afirmativa não implica nenhum' desmerecimento
à razão, como façuldude no ética, desde que equilibradamente

I
que pode parar, fixar. Assim quando a raZªlO tranalha com ,
compreendida. O que repudiamos são os excessos racionalistas
cOllclédtos da intuição, como movimento, mu tabilidade, transfor-
da filosofia moderna. Mostramos dialécticamente os limites da ,

1
razão ao actuar aprioristicamente.
,
,

,

MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÁO 191


190

ma is nacIa meno s. também é o aventureiro que se arrisca por mares desconheci­


o prinClplO de razão suficiente é nada
Quan do há realmente dos,
que o pr6prio princípio de identidade.
há coex i stên ica, hú s imul ta­ A razqo é essa segurança , essa solidez. A i n tuição é o
razão suficiente) há reversibilidade,
s modos do Ser. A razão i cle nt i­ amor às distâncias, ao desconhecido, a n ostal gia do misterioso.
neidade. Os sêres são apena
e é essa identi dade que é 8. razão sufi­ En ga nam-se os racionalístas qu ando querem racionalizar aprio­
fica um com os outros
ciente. Em suma: a razão sufi ci ent e de llm facto eonsistc no risticam(mtc a realidade . A realidade racionalizada seria ap e­

que há de idêntico entre o facto c a


razTl,o do fado, \'emo s, na.� acto, idêntica a si mesma. �1as a realidade é também po­
ql1ere ndo impor ao tência, porqu e ela pode ser, vir�a�ser. Se a realidad
por exemp lo, na ciência, a ação da razão e fôsse
d�ldc, coma salien ta \tcycrsol1 npcnas acto seria t ot a lmente sin1l\1tàncn e coexistente, e o
princípio de causalidade a ic1enti di­
lH"f empre s t a r a essa acti\'übclc o ca­ ferente s er ia i mp ossível. Então a p otência não seria potêncja
( EmHe-1859-1933) que q
i d a d e da ciênd a , quand o na H'él1 i eb cl e é por que n; o poc:eria S(>r, E ii potência , como poder-ser
rácter de uma necess , pode
u ma necessidade da razão que O impõe ú ciência . Quando a ser idên tica , nec ess ária, com o t a mbém conti ngente c diferente
.
I',' a causa, não procur a a jcJcntid adc, milS sim a Como êstc aspecto pertence mais à m etafísica, seu estudo ca�
ciência procura
be ús obras posteriores desta encic1opé dia. Mas serve, no
caUSa. en­
tanto,para que se comprcC'nda que a radona1 não é a única
A razão, por necessitar id entif icar, i mp õe ú. ciência a i den ­
visualização possível da realidade.
III' tificação. E: um defeito grave dos racionaJistas quererem con­
fundir a ciência com a razâo. Neste cuso seria impor o a priori Há O!l.�ro lado dessa v·is ua liz ação que é a intuitiva. É da
à exp eriência e tirar o sentido do real e da intuiçftn, que Srl O C'oncreção de amba s que podem os ter uma vi são superior do
auxiliares poderosos d a ciência. ' mundo, Foi confundindo a causa com a raz\1.o suficiente que
, . sub-a tô­ os raciona1:stas chegaram a êsse notável ab surd o de que o Ser
Asgrandes descobertas da micro-física, da física
não se en uadra m t o talm ente nos ;, ("(lusa Sil , sua própria causn. E por que? Porr]t.l c não po­
. , mica revelam aspec tos que q
llalizú veis a pos- rliam dar-lhe uma razão suficiente, pois não havb um gênero
cânones apriorísticos da razão, embora rac:io
, , que o incluíss e . ( 1 )
teriori.
, I diferente, no inesp erado , Como era o cimo d a pirâmide, e , portanto, 8llU razão
Esta, com o tempo, procurará, no
e a outra coisa co n h ccída , porqu e a fClZão snficicntc ·3 au sa , porque confundiram causa com razão su­
c
, I o que a iden tifiqu
c onh ec er, redl1z indo o des­ ficiente, s6 podia ser êlc o auto)· de si mesmo, ° qu e proc1a ­
trabalha, quando conhece ou quer
" I
conhecido ao conhecido, isto é, ident
ificando o que lhe é nOVO, maram com solenid ade . No en ta n to, ti verdade ira razão do

, t diferente, ao que é parecido, ir�ual


. As grandes descobertas Ser C'stanl na razão que o justificava, que o colocava necessa­
a razão comO o da matem 8.­ riamente no fim do ci cI o das suas abs tracções, no seu afã de
modernas ultrapassam o quadro d
o p8.ta llma Ill rt H'mát ica das reduzir s empre o múWplo à unidade, o hcterogênc:o ao ho­
tica racional, e preparam o terren
cremO S, uma das mogl�llco, o compos to ao simples.
intensi dades, que será fatal men , assim o
te
já o for a m para os pitagóricos elo A razão aceita a causa rear, que é um conceito nascido
t matemáticas do fuhuo, como
grau de telekeiotes, da experiên cia e da ínb.tiçilo. Aceita�o p orque não pode
sübdc ( já vere­ :negá-lo. mas aceíta-o para transformá�lo em razão suficiente.
A razão trabalha sob a condição da neccs
" conce ito para ela ) ; para torná-lo Iógico,
mos nO próximo ponto com o é caro êssc
egam � que o homem

1
es por ue a n .
, , ela teme a S contradiçõ q
de ap o io , da segur ança sob Os pôs, mas (1) Como SpinozEl., por exenlv1o.
precisa de um ponto
L"

,
,
,
FILOSOFIA E COSMOVISAO
192 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 193 ,
identidade
Transformando a causa num gênero, cuja espécie é o é o auxiliar da razão para a classifica
ção. O ho­ ,
mem, graças à sua visão
deito, tomou-o razão suficiente, causa 16gica, É a única ex­ binocular, à faculdade que
fixar ambos olhos sôbre um obJe tem de ,
plicação que satisfaz à razão, porque é expHcação suficiente cto para visualizá-lo, tend
e
de um fenômeno, porque, por definição, a razão suficiente é
para a estabilidade,
o estático, o parado, o im6vel. ,
uma explicação suficiente. E por isso também a torna fIe­ Quando queremos ver
alguma coisa, precisam ,
os pará-la.
porque é suficiente, e é suficiente por que é neces Essa característica da visão humana
cessária,
c:oadjuvou para a form
( e eSsa é nossa opinião )
, ,
sária. ação d e uma função fixa
dora d o co­
nhecimento, função fixa
dora do espírito, que é
t
Já chegamos causa lógica de razão sufichnte e' podemos
à a razão.
identificar uma à outra. A causa lógica é reversível, mas a Como a causa, por seu t
aspecto dinâmico, esca
pa à visão,
pois ultrapassa a visualidade
causa real não o é. Uma é espacializante e a outra tempo­ quase sempre, foi com
argumen­ ,
ralizante. A razão examina-a, como a razão examina um
tos da razão (lue II u me e Nietzsche puderam estabele
tos c poderosos argumen
cer tan­ ,
juízo. O espírito é que actuali:La a causa real, que é virtua­ tos cOntra a idéia de caus
a. Para
lidade, que é potência no sentido aristotélico, para torná-la c1 j
IIum e, a i ( a de causa
·
é apenas uma crença. •
Kant apro­
\'Cita lldo- sc da crítica de
acto no espírito, transform ando-a cm causa lÓL;'ica. ns
IIum e t ra formou a caus
alidade nu­ ,
ma categoria, num conceito
puro do entendimento. A
causa­
Desta forma, o espírito actualiza (a razão é 'a função lidade passou a ser acei
ta como urna possibilidade ,
da deter­
actualizadora do espírito ) , a potência passa ao acto, transfor­ millação de todos os insta
ntes dos fenô enos, no tem
n;t po. ( 1 ) ,
mando-se, assim, de uma idéia obscura para urna idéia clara.
Ela identifica, transforma o que desconhecia 110 qUE' já co­ ,
nhece. Dá um sentido de estabilidade, de estático; substituí
,
o dinâmico pelo estático. Essa é a descoberta da razão: ela
descobre, ela destapa o obscuro para resaltar o qu � é claro,
,
( Notem quanto influi a visão na razão. A idéia d� clareza ,
é de origem visual. A certeza visual é a certeza d'\ qual te�
,
mos convicção, quando fixamos alguma coisa ; .
t
Com a razão suficiente não passamos de uma realidad e
para outra realidade; permanecemos numa existência única., t
no semelhante, no parecido, em suma, na identidade. Já. na t
causa real há um u�trapassamento. Passamos do facto real
t
para outro facto. Assim, enquanto o princípio de razão sufi� ( 1 ) O racionalismo, com
o ismo, é uma posição abst
ractjsta.
ciente é um principio 16gico, o de causalidade é metafísico.
Em Aristóteles e nos gran
des escolásticos, não se t
exces'so de estabilização observa tal
Dissemos que o princípio de razão suficiente é urna decor� das idéias, como se vê na
cionalista moderna. Tal filosofia ra­
não impede que se criti
rência do princípio de identidade, uma forma especial dêste, citados, certos exageros, que, nos acima
embora menores, mas que
corno o é o princípio de contradição e do terceiro excluído, tuados pelos discípulos. É foram acen­
o que se verifica

I
também na arte:
porque todos êles tendem a uma identificação das diversi� Petrarca é grande apesar
do petrarqUismo, que actu
os defeitos que as alizou mais
dades e a uma unificação da realidade. Recordando o que virtudes, e as virtudes men
sivo, tornaram�se defi ores, pelo eXces�

I
tratamos na classificação, p ode dizer-se que o princípio de cientes.
FILOSOFIA E COSMOVISAO 195

o nosso conhec imento , já vim os, é descontínu o e dnemá­


tico. Há· em todo conhecimento desconhecimento; conhecer é
separar, �-çleccional.', l
;oscolher. A percepção de uma diferença
( e ta mb{ m a intensidade dessa d iferen ça ) é a ba se da cons�

IV
� ciência (vT<1 o pen samento de Shw.rt !v1ill, cOmo bmbém se­
Illclhanterncnte é a concepção de B ergson ) .

OS DA
DA RAZÃO - CONCEIT O instinto ( illstincfus, ('m lati m signi fica impulso) qnan­
. CONCEITOS do tnma �ol)r1('cim('nt(} de si meSmO é a intuição para B erg­
, J
INTUIÇÃO
�on; a ra zão é um clesabrochnmento posterior. O instinto tem
" ) 11m fim, dirigf'-sc pa ra um fim. �fas, revertend o-se sôbre si
estud amos, são , quall to à mesmo, interiorizando-se, retlete-se a si mesmo e reflete sôbre
Os gêneros suprem-os, que já
s. Uns afírmam si mesmo. O instinto é um im pulso interessado. Na impos­
I ) , de graus diferente
hierarquia (conceitua
, ,' necessúrias ao nOS ­ sibilidade de a tin gjr os seus fins, reverte-se sôbre si mesmo e
formas aprioristic as,
que êsscs gêneros são
com o inat as ao parece to:nar-se desinteressado. ( Lembremo-n os da opjnjão
, , os aind a os consideram
so pensamento. Outr
m êles dados pela de Nictzs· �he sôbre a intcriori zaçao do homem. Por não po­
nossO espírito, e qua
se todos afirmam sere
inev itàv el mente dar der realizar, na sociedade, tudo qu an to o imp elem os seus
êneros supremos vão
experiência. Esses g nes te sen ti­ instintos] recol h e-se em si mesmo, interioriza-se, adoece de si
çõe s. Foi
' "�
nossaS representa
a forma, coordenar as s \"iu Kant mesmo, cria a má consciência ao lado da con sci ên cia ) . Essa
gor ias. 1-.b.
mou�os de cate
· ' ,1 do que Arist6teles cha
i am ente con ceit os) mas opinião sôbre a formação da razão como mera reversão do ins­
não eram propr
" que o tempo e o espaço bém tint o, que acima expusem os, nua a aceitamos, porque a razão
Já tive mos , tam
sa sensibj]ida de.
fonnas puras da nos é apenas elaborada pelos instintos. O p".pel selectivo da
a elaboração dos não
de est ud ar êste ponto . Para
oportunidade
s act ivid ade s: a própria viela, do s 6rgãos dos spntidos, a acen tuação do din a­
são necf:'s�á rias dua
" con ceitos já vim os que mismo dos homólogos que jú es tuda mo s, mostram-nos que
ticnm('ntc disposta
ncia, sendo esta diale.c
sensa ção e a inteligê a r;1Z'dO é ele origem múltipla c co mplexa ) e tem raízes muito
ão, Há um ant a·
são a intuição e a raz
em duas funções, que Ih;1is longínquas do que pensam muitos fi16sofos. O jnstin to
cessos componen­
ento clêsses doi s pro
gonismo no funcionam i n trovertido é um factor da razão, mas um factor cooperante
a é con sic1n ada por
ência. A inteligênci
tes da nossa intelig variações que
l]Ue a ctua predisponentcIhCl]!e. c mio ún:ca e adequado for­
he, com pequenas
Claparede, KI a ges e Nietzsc io de adaptação do
malmente ,"l qu elo..
prezar, como um me
podemos por ora des into , df'sviado, Na r".6io h:1 a coexis tên ci a de muitos outros el em ento s
, O inst
ento de adaptação
homem, um instrum ncia , porflu e se Cjue lll trap a s�a m ao jnstinto. Qu a ndo a tensão nervmm, antes
se jnte ligê
homem ) torna-
des ata do ( caso do .
\ I (1) vertida para o exterior, introverte-se, e com a coop eração de
si mesmo.
torna consciência de
tantos factores torna-se razão, torna-se também desinteressada,
) I
no sentido do interêsse pecul ia r do instinto, para ter outro,
m�s ma é um
da consciência cm si o ela razão.
( 1 ) "tsse obje ctivar-se aind a pode tQr
nitum, pois a con
sciência
desdobrar-se ad infi de que tem con sciê ncio. . E vej a m os por que s egund o a opin ião geral de tais auto­
tem con sciê ncia
consciência de que de si. mes ma. tste
e distanciar-se sem pre res: qUi n do a jntu ição se torna impotente, p orque o conheci­
• Desta forma, ela pod de �oo log� a, a ciên cia do
consciê ncia é tem a mento do individual seria tIm obstáculo à vi da, e vida é um
constante actuar da
) I
espírito.
, �

,

196 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ,


FILOSOFIA E COSMOVISAO 197
,
-.dinamismo para o homólogo como já vimos, a razão surge
Assim mostramos também quanto tem de espacializante ,
}Jara melhor comprencler. A razão serve um fim que é da eco­
a razão. Para compreendermos o tempo o espacializflmos,
'nomia da própria existência. Enquanto os instintos são Su­
não por estarmos no espaço, como o pensava Bergsnll, ma.\>
,
ficientes, como nos animais inferiores, ela não surge. Quan­
por influência da razão, que espacializa para perceber melhor. ,
,do êsses instintos se tornam incapazes) por si sós, de atende­
A razão é assim interessada e utilitária, porque serve à vida,
rem à defeza da existência e a intuição é insuficiente, a razão ,
porque convém à manutenção da vida e por ser o homem o
aparece e se desenvolve concomitantemente com a reduçuo do
animal ele instinto's mais frágeis, é também o que tem a razão ,
potencial dos instintos e da intuiç'ão como se dá Com o ho­
desenvolvida.
mem, embora só na "Noologia" possamos investigar êste ponto .�

lnais pwfUll(]ameIlte. • ,
Ela serve assim à vida; e interessada, tem um fim. Se a ,(
Depois clêsse exórdio, em que repisamos muitos dos
'filosofia deu sempre mais valor à razão que à intuição ( sobre­ pon­
tos tratados, podemos entrar agora nos conceitos (
tudo a filosofia ocidental, que é especulativa, como jú. vimos, da Hazão c
da Intuiç·ão, e analisá-los. A razão por ser espacial (
teórica, eminentemente racional ista) é que a razão propõe, izante ( j á
vimos (j\lC ( ) espa(,.·o é u meio d a coexistência,
oferece, dá possibilidades maiores do (l He se julgava. Ela n�1O d a simultanei­
t
oferece todo o conhecimento ( e nisto têm razão os místicos, dade, da reversibili dade) é eminentemente extensista; é ela,.

os irracionalistas, porque não dá um conhecimento comple­ para usannos uma velha expressão da psicologia clássica, que 't
to). ).tias munida da razão, e levando-a como instrumento de nos dá a visão da extensidade. Assim os seus conceitos
pre­ t
feridos ( conceitos básicos ) são:
investigação até as suas últimas conseqüências, i?oderi-:l a filo­
'e
sofia penctTar em terrenos seguros como o pôde com a esco­ 1) O semelhante. (Já estudamos sobejamente o seme­
lástica que soube usá-la. Esse o motivo porque o impulso lhante e o roteiro que vem do parecido a,o t
semelhante, do
racionalista foi tão predominante no Ocidente, onde as COn· semelhante para o mp.smo, do mesmo para o igual
e do igual ,I
dições sociais e ambientais permitiam o desabrochan,ento do à identidade, que é a homogeneidade absoluta,
abstração má­
racional. Se no século passado e neste se desenvo:.ve uma xima da função abstractiva da razão ) . ( 1 )
,I
ampla corrente irracionalista na filosofia, esta não v:�m para ,
2) A q uantidade - A materialidade e a espacialidade
destruír a raz�io, como pensam muitos, mas, ao determinar os
nos dão a idéia da quantidade que é homogênea. Temos daí
seus limites, vem desenvolver a parte da intuição que não
a grandeza, o número, todos de ordem geneticamente visuaL
devej'J ficar esquecida como ficou, depois do malôgro ( em ,
parte aparente) do movimento místico. 3) A Imu.ta.bilidade. Através do que flui, do que mu­
,
da, do que se transforma, do que é móvel, deve haver algo.
Já estabelecemos a correlação existente entre a razão c
,
o órgão da visão. A razão oferece-nos a nitidez ( nUidus, em
latim, claro, lustroso, brilhante ) . As idéias claras siio aquc·
(1) Os conceitos da razão, torr:ados abstractivamente não ,
corre�pondem à totalidade do real, mus daí não se pode concluir
las que se podem ver (a palavra idéia, vem de um radical pela falsidade. São êles esquemas abstractos noético·s, mas po­ I
que significa ver ) - A visão clara, nítida nos dá uma imagem dem sor nclequados ao que corresponde fundamentalmente nas
coisas, como vemos na "Teoria do Conhecimento" e na "Noolo­
I
visível, claramente recortada no espaço, como abstraída do
resm que a cerca.. A razão esquematiza, separa, dá nitidez, gia Geral". O cmprêgo exagerado de tais conceitos racionais,
abstracti\"8 e n50 dialccticamentc tomados, deve-se ao raciona­
.clareza :\ idéia que abstrai também.
lismo, que, con�o ismo, repetimos, é vicioso.
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 199
198

de imutável, de permanente, que se conserva, f::ssc conceito está abaixo, o que sub-cslá, a substância que não varia, o
surge como um ponto alto da reflexão e funda o princípio de 5U hstractum.

.. idelltidade.
J2 ) Unidade. É a síntese, tomada indivisament-e.
-I
4) A imobilidade. A VIsao p recIsa fixar, parar, rcu\lzir l r,�tc" são os conceitos supremos da razão, segundo sin­
" O movimento ao mínimo, para ver. O conceito da imobilida­ tetizamos, fundando-nos nas obras dos que melhor os estuda­
li
ii
. de liga-se à invariabilidade, ao "invariante", ram, como Lupasco, Gnmcljean, etc.
5) O Ser. A suma abstração da razão, afirmaçl"lO da Vejamos agora os conceitos da intuição, para depois te�
'I
existência. ccnnos os comentários e anúliscs que se fizerem necessárias.
"
6) A Eternidade. E preciso negar o tempo, o devir. A Assim como os conceitos da razão tendem para a fixação,
" eternidade torna simultâneo todo o ser, dá-lhe o atributo da para um dinamismo de extensidade, de espacialização, os da
imutabilidade. intuição tendem pa ra um dinamismo de intensidade, de tem­

poralização.
"
7) Necessidade.
1) Diferente. É o contrário da identidade, da homo­

8) Determinismo ( causalida de ) .
geneidade. É o heterogéneo. O que não é comparável, o
São ininteligíveis a contingência e a liberdade para a
" (pIe não é pràpriamente fAsto, mas compreendido por nega·
razão. ção ( o não-igual, o não-semelhante, o não-parecido ) .
"
O princípio de causalidade, liga, solda, dá uma continui­ 2) Qualidade. Esta 11:10 s e vê intrInsecamente. Ve�
-I'
dade espacial aOS factos, causa e efeito. mos coisas amarelas, mas 11'-10 o amarelo (que é um conceito ).
.. O
9) Actualidade. devir é a passagem da potência 3) Câmhio ( mutação ) . I':ste nos é dado pela desap•.
.' (como virtual) para o acto. rição. pela destruição que ó uma manifestação lenta.

'I' Para contradizer o devir, tudo é actua1izado, porq\le s6 4 ) O 11lodmcnto. A v isão é cincm;ítica. Apanha I1ma
vemos o que é actualizado. A potência não é visível. A ac­ série de deslocamentos, uma sucessão de repousos, uma su�
I'
tuaLdade gera o actualismo, qlle s6 valoriza o que se realiza, -cessão descontinua. A intuição penetra no essencia1 do mo­
e tudo o mais fica marcado com o nome genérico ue possihili­ vimento, na sua fôrça.

, .
dades. Observe-se que quase t6das as filosofias rn.cioD,a1istas
5) Dedr. O devir é invisível. N6s temos a sucessão,
são actualistas. O que se achml izou, se realizou; cra inev itá­
..
os resultados.
vel, tinha uma razão suficiente ou uma Gal/sa, o (lue permite
também uma justificação do que acontece. 6) Tempo. Colocamos o tempo como oposição da eter­

10) O Espaço - é o infinito estático. :t uma conse­


nidade ( que não é tempo, onde acaba todo o tempo ) .
tempo utá fora do visual, e a razão não pode comprendê-Io.
O

qüência da espacialidade. lt uma abstração operalb sôbre a


A razão nega-o peJa etemilbde.
extensão concreta. ( A visão é imobilizadora. A razão pro­
cede pela negação do dinamismo de diferenciação ) . í) Contingência.

)
11) A substância. A razão elimina da realidade os as­ 8) Libc "dade, Indeterminismo como intuição interior de

pectos individuais, variáveis, contingentes, para buscar o que incausação.


i

L
.. I •


..

FILOSOFIA E COSMOVISAO 201


200 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

9) A potencialidade, A potência não tem razão sufi­ rências, o Ser, actualizava o semelhante, para virtualizar ( ini­
bir) o diferente. ,
ciente, porque a razão só concebe, só valoriza a actualidade.
Parmênides evidenciava o que a razão actualiza, o seme. .�
10) Fôrça - é o infinito dinâmico; não é visível.
lhante. Q uando a razão, numa elaboração posterior, cria o
11) O Eu - Não é espacial izante, Funda-se n a afecti­ '\
conceito ele identidade, fá·lo fundada no semelhante, que é
vidade. Não é visível. Seu desenvolvimento é subjectivo) (
contemporâneo em todo o acto inteligível, porque a inteli­
int :riorizado.
gência elabora dialecticamente a separação entre o semelhan­ (
12) A pluralidade - A mu ltip licidade. É a análise. te e o diferente, (1) Inteligir é separar, e dialecticamente
(
complementarh: ar o racional e o intuitivo. Onde se tornam
Estudemos agora pormenorizadamente êsses conceitos em
os racionalistas extremamente abstracionistas e, ao nosso ver, «
iCU antagonismo, para que se nos esclareça ainda mais o que
erram rotundamente, é quando reduzem o intuitivo, o dife­ t
entendemos por Noologia, essa clisciplina que estuda o fUIl­
rente ao semelhante, isto é, quando explicam aquêle por êste,
danamento do esp írito corno inteligência, afectividaeb e tam­
como qu ando explicam a qualidade pela quantidade. E er­
t
bém cm suas funções transinteligíveis, que já pertencem à
ram rotundamcnte os irracionalistas, quando querem reduzir •
?\Jetafísica.
a razão a apenas uma função da intuição, função defonnadora

da existência, Uma não exclue a outra, embora se neguem.
Uma e outra são as funções dialecticamente opostas da inteli­ ,
o SEMELHANTE E O DIFEHENTE
gência.

Já expusemos a contemporan eidade do semelhante e do Assim a vista tem um campo em que fixa e dá nitidez ao

diferente. É uma antinomia o semelhante absoluto e ° dife. objecto; o que fica à margem, o que é marginal, como se diz
na Opticn, não o é mais fixável. O marginal capta m elhor t
rente absoluto. O absoluto é um conceito da razão, enquanto
os movimentos, enquanto o campo da fixação estatiza, Nos­ t
o rewtiDo, nasce da intu ição . O semelha nte absoluto é 0
i:a própria visão funciona dialccticamente.
idêntico, atributo do Ser; o diferente absoluto seria o indiví· t
duo inefávell único, dos escotistas, dos existencialistas, por Tudo gUflnto fixamos) exclui o que lhe é marginal. Um
exemplo. Ambos formam os dois extremos da inteI' gibilid�. movimento é melhor apreendido com o "canto dos olhos") co­
de e um cria restrição ao outro. Como compreender o ind i· mo se diz popularmente. (
víduo como diferente absoluto ante o idêntico? Note·se aqui
Qualquer leve movimento que se passa nesse campo mar. I
a significação da frase de Nietzsche: "Se Deus existe, eu sou
ginal é logo perceptível e melhor que no campo central da
Deus", I
, fixação. Todo o acto de reflexão é uma demora. Para re.
São antinomias que se complcmcntarizam ao se negarem, flectir sôbre alguma coisa, preciso paI"Ú-la em relação às QU-

<lO se exclufrem, mas também uma necessita da outra para s e r


int eli gível . (1) O conceito de identidade tem seu fundamento onto­
lógico. Se lllo�tj"amos como geneticmnente a razão constróe os
São o s extremos que s e "tocam", Tudo (llw.nto é dif(>
seus conceitos, n50 con ::: ideramos fi('('ionals os scus conteúdos,
rente revela o semelhante, porque onde há o difererJe há o Por considerú-los como tais, os irracionnlistas cairam em apo­
selnelhante, onde notamos o diferente, separamos o semelhan· rias, decorrentes da posiç50 viciosa que tomaram na obs tinação I
te e vice-ver::.a, Assim quando Pannênidcs afirmava, nas apa- de se contrapcrcm aos exces."os do racionalismo.
I
I

..

FILOSOFIA E COSMOVISÁO 203


MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
202

tras. Os que afirmam que o semelhante não nos é dado pela Então o que cu comparo é o quantitativo : um objecto
realidade, como Graridjean, se enganam. Pannênidcs, e tôda mais ou menos pesado do que outro; um amarelo mais ou
tendência pannenidica, que é a predominante da Filosofia menos amarelo que outro.
Ociden:-al, tinha seu fundamento. O ponto fraco estava em • As q�ta1idades são heterogêneas. Cada uma forma uma
excluir o diferente, o heterogêneo por não poder conciliá-lo ordem, uma ordem própria e (Iuando se passa de uma quali­
com o homogêneo. ( 1 ) dade parI outra, passa-se de uma ordem para outra. Não
Na multiplicidade das aparências dá-se o semelhante; do comparo \) verde eom o pesado, a côr com O sabor. As quan­
contrário chegaríamos ao· diferente absoluto para tuelo. Mas tidades cerno qualidades são incomparáveis e incomensuráveis.
o semelhante também exige e implica seu contrário, o dife­ Quando digo que a côr tal é o resultado de tantas vibrações
rente, do contrário cairíamos na exagêro parmenídico que tem e compar6 quantitativamente com outra côr de vibrações lu­
sua conseqüência na concepção de Zena de Eléia. A razão minosas de menOr número, cu comparo apenas o quantitativo,
é uma função complexa, mas útil à vida, c não nega o instinto. o número das vibrações, não a qualidade. Não se argt:ínente
'; 1 A divisão da intuição a da razão é uma divisão dialéctica de com as comparações estéticas que falam de um som verde,
operação da inteligência. A razão é utilitária também, por� ou de um som azul, porque não são comparações mas trans­
que ao preferir o semelhante (mais útil à vida que o dife� POSiÇÕfS, substihlições, met:í.foras.
I rente) favorece a vida, que é selecção para os homólogos,
Os psicofísicos quiseram comparar as qualidades sob a
'I porque os sêres vivos tendem a retomar ao que aprenderam base das intensidades, reduzindo�as à extensão. A razão pre­
a conhecer e a fugir do que ignoram. fere a qu-mtidac1c. E vamos mostrar por que.
' .

, ) O que aparece é a qualidade. ( 1 ) Nós vemos objectos


A QUANTIDADE E A QUALIDADE que são amarelos, azuis, encan1auos, pesados, leves, velozes,
, I
etc. A quantidade revela-se logo. A razão busca o mais
e a razão é a função firme, o mais s6lido; o qu e aparece muda-se, transforma-se,
S6 as quantidades são comparáveis,
aráv el da qualidade é o quan­ cambia. Procura a quantidade porque esta permite a com­
da comparação. O que é comp
de inten sidad e, o que é qu an ti ­ paração. Posso comparar (l'Jantitativamente um livro com
I titativo da qualidade, o grau
comparar uma qualü.1adc uma maç�. Pr sso dizer que esta mesa tem 150 centímetros
tativamente redutível. Não posso
mas posso comparar um de largura c o livro quinze. rosso comparar o livro com a
com outra, uma cer com um sabor,
vimos ql\e, na quanti­ mesa como qllftntidade, e d izer que a mesa tem 10 livros de
,I amarelo com um men os amarelo. Já
qllalü1a(k não. Um largura. M as :15 qualidades Ft não posso. A razü o gosta,
dade, o acrescentamento aumenta; na
vêzcs verdes, enquan­ prefere o quanf·jtativo. Ela procura explicar o qualitativo pe­
verde mais um verde, não formam duas
igual , formam duas. Só lo quantitativo. Quando ela consegue exprimir as qualidadE-..s
to uma medida quantitativa e outra
corn o no caso do amarelo
• posso comparar qualitativamente,
qllal idad es especificamente
com o amarelo, quando há duas (1) A figura, estereométrica, dos corpos é uma delimita­
iguais. ção quali�ativa da quantidade. Esta, em si, não é captada pelos
sentidos, mas sempre no conjunto qualitativo-quantitativo, pois
ex­ o tacto, que é o sentido cm que há pr ed omi nânc ia do quantita­
da crise n a filosofia, co mo
( 1 ) ftste é um d o s aspectos tivo nunca exclui a qualidade.
da Crise ".
pus emos em "Filosofia
• "

"
204 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO
205
,\
diversas por meio de uma equação uifercncial, sente-se como I�IUTAB ILIDADE E MUT
ABILIDADE ( CÂM BIO ) ,\
se tivesse tocado, atingido o mistério universal.
Os racionalistas, ante a mutabilidade, ,\
Para ela o dedr é um s imple s dcslocamtnto, transitivida­ procuraram o que
IlÜO muda"a, o imutável. Platão
de; o dinamismo é apenas mecanicismo. Heuuzindo a qua­ concebia acima do mun do 1\
• mutá\'cl a esfera imutável das id
lidade à quantidade, ela reduz o múltiplo à unidade, ela re­ éias. A esfera da mutabili­
dade é a dos sêres que se trans
form am, sensíveis e perece� 1\
duz o diferente ao idêntico.
douros. O ser é imut
úvel e é o grau de imutabilidade
que
4-
No ca.so do mecânico que citamos acima, a razão l ogo dá valor ôs coisas.
O conceito de imutabildade
depara com uma dificuldade, E que o mecânico exige um oposiç'ão ao ele mutabiliJade que
nasce por 4-
nos revela a intuição.
conceito misterioso para el a , qye é a fôrça, raL;ÜO suficiente ,t
Essa imu tabilidade procurada atrás de tudo quanto existe
do mecânico. Mas a fôrça ultrapassa a razão, já exigt, a fi­
é o pont o de apoio que buscam os
filósofos da incondicionali­
1\
nalidade, outro conceito que ela não pode fàcilmente apreen­
dade, de que já tratamos. O que
der, senão por rodeios que examinaremos, ( 1 ) muda, o que cambia é algo t
que é fixo, no fundo. É um gran
de desejo vital de conserva­
A qualidade, por definição, tende para o diferente. Pela
ção de nós mesmos que leva a nossa 4
quantidade a razão une, sintetiza. Boutroux ( l845�1021 ) com� razão (que em nada nega
os nossos instintos ) , a afirmar •
bate o que êle chama de racionalismo q uantita�ir.;o, (l ue tende a permanência. Heráclito foi
o primeiro entre os gregos a
para reduzir a qualidade à quantidade. " . . . a hipótese de afirmar a mutabilidade de tudo. •
J\1as a reaç'l1o de Parm(�nicIes
uma quantidade pura de tôda qualidade . . . mas qu,� idéia se não se fez esperar, e essa reação
imprimiu a marca de tôda a filos t
pode fazer de tal objecto? Uma quantidade não poje ser se� ofia ocidental. Só moderna­
mente, com Hegel, B ergson, \Vill
não urna grandeza ou um grau de qualquer coisa, e essa qual­ iam James, Nietzsche retorna •
o tema da mutabilidade para
quer coisa é precisamente a qualiJade" . . . a filosofia. Mas todos êles, no
fundo, afirmaram algo imutáve •
l: a lei supre�a da Idéia,', em
Em suma: a quantidade é incompreensível sem a quali­ Hegel, a "vontade de potência •
" em ' Nietzsche, a "matéria" para
dade, Uma implica a outra. Onde há qualidade há quanti­ os materialistas, etc.
dade, onde há quantidade há qualidade, pois são antinomias. •
o q\le nos revela a realidade, t
São dois conceitos, um da razão e outro da intLiição, que graças à Cleneia, é que há
mutabilidacle, mas essa mutabilidade
se implicam dialecticamente. A abstração pura da quantida­ não é igual para todos t
os factos.
de, como da qualidade, leva a um "impasse" da razão, corno se
t
vê no racionalismo. Ambas abstractamente ( separa'damente)
Não podemos compreenuer uma mutabilidade absoluta
tornam-se ininteligíveis. Concretamente consideradas ( d ialccti­ t
nem urna imutabilidade que é naturalmente absoluta. Ainda
camente ) , conjuntamente consideradas, complementam-se. É
aqui não poJemos fugir às antinomias, ao antagonismo dos t
mais um antagonismo que se complementa, porque é resultado
·dois conceitos que se opõem, que permanecem antinômicos.
do funcionamento dialéctico da inteligência. t
Não concebemos o Ser sem o sendo, llem êste sem aquêle.
------
l\'l as COmprCL'lHlellJo amuos como conceitos dialecticamente t
( 1 ) Para evitar as deficiências da razão, impõe-se uma
supra-razão, como a entenderam Aústóteles e Tomás de Aquino
antinômicos, COmo elaborados pela dialéctica do nosso espírito, t
e Scot, que nunca se desligam da experiência, quer exterior, podemos também compreender a sua complementaridade.

como os dois primeiros, quer também interior, como sobretudo Ante qualquer um dos extremos, encontramo-nos ante Um obs­
o último.
táculo, que é a sua "negação". t
t


,

l"ILOSOFIA E COSMOVISAO 207


FERREIRA DOS SANTOS
206 MARIO

,j sem que é potência e que aspira a aChlalizar-se. Platão tem un.a


der que a lgo seja mutiÍvel
Não pod em os com preen idéia im6vel do seu mundo das fonnas. ( Essa é a opinião
., táve l. :t:: que não
cente a algo imu
concebê.lo como perten s que predominante e não iremos discutí-Ia agora, pois o imobilismo
s gr im indo con ceito
., podemos romper com
o concreto, e
phtônico é dif er ente, e bem di feren t e, do a ristotélico ) . (1)
, .,
são apenas abstractos. ( 1 ) ( HOje esta mos na fase das filosofias da mobilidade, de que já
falamos. As teorias modernas da ciência estão mais por afir­
dENTO
"
IMOBILIDADE E MOVI: mar um movimento prim ordial em vez de repouso. Sali en ta
argumentos,
"
Para êstes conceitos p
odem servir os mesmos Bergson S:�r muito fácil C'ompreender o repouso, part in do do
u uma lei da
es. Ernst Mach anuncio movjmento, que êste do repouso. Não julgamos a ss im , e um
, ., já p-xpedidos nos anterior é uma função
, mostrando que a razão simples raciocínio o comprova. Se pa rtimos de um mC'vimen­
Economia do Espírito var iabilidade
ora do espírito.
, ., A tô d a to p ri mordia l, nunca podemos chegar a o repouso, porque o
coordenadora e poupad o c ede econO­
, a razã o p r repouso SEria a paral isação elo movimento e a para'lisação dêste
dá a intuição
·1 das diferenças que nos s homo­
s cada vez lnai exigiria Ul',1a de duas:. que o movimento se reduziss e ou que
-tudo a classe
micamente, reduzindo
'I en con trass l'! UIha fôrça contrária.
gêneas.
­
"
giões, veremos que p redo por efeito de
Se examinarmos as diversas reli Ou se reduziria espontâneamente atI um
' supu lHfJW
u, 's8Q5u8QX8 sutU!SSPUl tuo:) contrárío.
'�p13pmqourç up uWP� U .
eiçã o está l igada à idéi a da imobilida de
" Tôda idéia de perf ado , do No prim eiro caso, como se daria a redução do movimen to ?
o, do con sum
implica a do acabad
A idéia de perfeíção
'. , do que n ão varia mai s. Não se concebe Por desga s te, por cansaço? Vê-se, fàcilmente que essas
que chegou ao fim qlle ymie. (2) explicações sedam ingênuas, pois o movimento não poderia
,I que se toqu e numa obr
a perfeita, que se Jywdc,
sas,
e e as divers as concepções religio deixar de ser êle mesmo, a não ser, pOl." seu contn1rio, gue lhe
Só O imperfeito s e mov
•• a imp erfc i. resistisse. No segundo caso, teríamos de admitir o repouso
licarem a m obilidade nas coisas, afirmam
para exp
to da imp crfc içllO. como contrário coexistente ao movimento. Não se pod e tirar
ção das coisas. mobilidade é atribu
A
o de­ o movimerto do repous o nem o repous o do movímento. Que.
onalmente o movitnento
A razão para conceber raci ('sp( 'cic de Tcr escame tear um pelo OlJtro, é o que fizeram alguns filósofos.
red u z a Ilma
compõe em pos ições im6 veis , isto é, o N50 poderíamos chegar ·
à i dt j a do movimento sem Q da fixi­
I hí!íc helc , C0ll10
, como pon tos d e ímo
imobilidade descontínua 'ldc s.
clPZ. Pod('r�sc-b a rgu m e n t ar com o relativismo: 11ú movi­

1:1
por entr e imo /Jilid
bili dad es
urna scqüência de imo mentos maiores ou menores e a fixi dez seria apenas lIma apa­
pur o, imó­
s e111 si mes mo, acto rêIlcia, porque tudo se movc. A m ob il i da de é o
Aristoteles concebe Deu postulado
por sua absolutél perf
ciç.'.1o, a matéria das filosofias mobiJistas dR. actualidade.
� vel, eterno. que atrai ,
cont radi z onto logi ca­
sendo nâo
( 1 ) A mutabilidade do é imu táve l, e o (1) Todos os sêres corpóreos são móveis e a Inobilidade é
O ser, com o ser,
do -ser.
mente a imutabilídade das suas mut ações da essência dos sêres físicos. A imobilidade do ser não é re­
ser sem pre através
sendo, como mutável, é inui ção, mov ime n­ pouso, mas imutabilidade, pois, sendo acto puro não pode mu­
alte raçã o, aum ento , dim
( geração, corr upç ão, dar-se, Pois tal impl icaria 11ma poU:ncia. passiva, o que seria
e no ser.
to, etc.) que são do Sel." eição do contradictó�io. Neste sentido se deve com pre ender a im o bllid ade
greg a. A idé i a de perf
2 ) a idéia de perfeição é de Deus, que não é um ser corpóreo. As formas (eide) platôni­
( E�s
nte a]cx D.nd rinD. , é di­
de origem cert ame cas são i mó ve is, porque hão sendo corpóreas em sua essência, não
f<lustico (oci den tal) o
no pod er infi nito de realizar, e não n
nâmica. O perfeito está lhes cabe o que � da essência das coisas corpóre�s.
os.
acab ado, com o nos greg
,
,
l ,

208
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 209 ,
,
Se só compreendemos e sentimos o movimento por uma devir 8, pel a razão, à afirmativa do se r. Mas, cOmO chega­
negação do mesmo, como, por exemplo, num trem sentimos ríamos a compreen der e criar um e outro se êsse acontecer

mais o movimento quando paramos ou, no inlcio, quando o não nos aparecesse como contraditório, como antagonista? E �
meSIDO se põe em marcl1a, entretanto nunca poded." ffios che­ quando queremos afirmar um para negar o outro, caímos fa­
\
gar a estabelecer um mobilismo absoluto, porque cairíamos talmen te numa oporia. Afirmar o devir é afirmar o ser. Não
numa abstração absurda. Todo ser extensiv o tem movimento, fu gimos <-1 essa complementaridade quando queremos enten­ .\
mas êste não pode ser absoluto, u m movimento sem escala s, der a linguagem da existên cia. (1) I�
�vlas a razão dos racionalistas não compreende o movi­
I'
mento sem im ob ildades, sem decompô-lo em posiçó6s, e estas
A ETETINIDADE E O TEMPO.
implicam fixidez, lugar, o que sempre implico. imobilidade. l
Já estudamos muitas vezes a idéia de tempo que, para
Vemos assim que, o estranho dialogo do espírito, êsse Il
muitos, é uma espécie de espaço interiorizado, como o espaço
diálogo entre a razão e a intuiçãO, entre os conceitc s de uma
seria o tempo exteriorizado. Muitos consideram o tempo uma Il
e de outra., prossegue aqui. �sses dois conceitos sr.o antin ó­
palte da eternidade, como se a eternidade fôsse um tempo ,\
micos. Nosso espírito os fonnula como ant<1g on ista.'_-, mas re­
sem fim. Não; a eternidade é oposição do tempo, é a nega­
vela sempre que não vode entendê-los nem compreedê-Ios, t
�'ão do tem po. Platão dizia que "o tempo é uma imagem
afinal, senão afirmando uma pela afinnação também do ou­
tro, r1ue é a sua negação. Quando actualizamos o movim e nto,
móvel da lmóvel eternidade". E essa definição é suficiente 'l
para se compreender o que entendem por eternidade os racío­
virtualizumos a imobilidade, e vice-versa. Quando .quercmos t
naHstas. O tempo dá-nos a idéia de sucessão. Entre o pas­
afirmar um pela escamoteação do outro, caímos numa incom­ 1\
sado e o futuro temos o presente.
Cada instante que passa
patibilidade da razão.
substitui o instante passado. É essa a característica que dis­ t
tingue o tempo do espaço, porque no espaço. há acumulação,
,t
SER E DEVIR coexistência. No tempo, um instante não coexiste com o ou­

Na filosofia clássica reinou soberana a idéia do Ser, o ser tr o ; um instante substitui o outro. Não podemos reverter o t
imu tável, o ser absoluto, perfeito, imóve1, eterno, o StllnnHnH
tempo, tornar o passado para o presente e êste p ara o futuro. i\
No espa S'o, ao contrário, pois podemos medir um corpo, vê­
ge1lus, A intu iç ão reveh�nos o devir, o vir-a-ser c onsta nt e das "
lo, apreciá-lo de um lado para outro, porque há simultaneida­
coisas, as transformações que elas sofrem. 1-'1as a razão pro­
de e reversibildade. Pois bem, a eternidade seria Um presen­ "
cura atraz do devir o ser, porque em tudo que se transforma
te constante, um presente coexistente em tôdas as suas faces.
deve haver alguma coisa que não se transforma, alg-ama coisa
,
de fixo.
(1) Só na "Metafísica", poderemos esclarecer o conceito �
Já estud amos a idéia dQ Ser, essa idéia que surge sempre do devir, cuja má visualLzação levou muitas filósofos li aporias
qu ando a razão se depara com o devir. Estamos hoje numa t
de tôda espécie. O conceito do -ser, no racionalismo moderno, é
fase da filosofia em que o devir pr e domina, em que a idéia abstr acto, mas na "Ontologia" veremo s que êle é o mais concreto t
do Ser conhece um momentâneo recuo. �.fas tal não impede elos conceitos, quando dialêcticamente tratado. Ademais, pode
a filosofia ser incluída nesse longo diál-ogo entre o S er (Um) l
{Iue ela retome na obra dos filósofos com a mesrna exigência
e o devir (múltiplo ) , cuja, maneira de considerar caracteriza
que surgiu na obra dos eleatas. É outro diálogo. O mundo as filosofias de crise e as filo so fias da transcendência. como es­
,
do acon tecer cósmico nos leva, pela in tuição, à afirmativa do tudamos em "Filosofia da Crise". t
,

,,
,

FILOSOFIA E COSMOVISAO 211


DOS SANTOS
MARIO FERREIRA
210
A NECESSIDADE E A CONTlNGf:.'lCIA
siml lltâneos.
instantes coexistem, são
Um tempo em que os
o tem po, prec isou cspa ci al i z:c-lo, c Salientamos que para muitos filósofos não é absolutamen­
A razão para compreender
intui­
o é o Cl11n pO de �ç'üo (b te forçoso que entre as coi sas ligadas pela necessidade exista
assim medi-lo. Como o temp
ação da raZl\o. sempre urna relação de causa e efeito, pois esta é contingente
ção, é o espaço o campo de
c (: tirada ela e xperiênci a.
a
mutCwel, corred io , f1Ul'l ltC,
Para negar o tem po, que é
etern idad e, com o a c s p aci al i za­ O conceito da necessidade é um conceito racional e en­
de
razão construiu o conceito
cOlltra fendam �nto na experiencia, A idéia d e necessidade
ção absolu ta do temp o. ( 1 )
­
opõe-se à de contingência. É necessário o que não p ode ser
incluir o tempo c criar o com
A física moderna precisou de outro modo.
preender o mo\'üncnto. A idéia
plexo tempo-espacial para com

destr uiçã o, de modificação, de tran sform Ora, a experiência nos mostra a contingência, as possi­
de desaparição, de
os de s eja r u m hilidades de os factos serem de outro modo. A rc1ação d.e
O presente faz-n
ção implica sempre o tempo.
irres istÍve l de viver necessidade estabelecida entre dois têrmos de uma relação é
presente que se eternize.
É a vontade
.�
nos avas sala, ness a fome de eternidade elo ser hum ano: cstatuída pela razão.
que
I afirm am que atra\'(os (10 pre­
é com um dizer-se, Os místicos Ncccss�í.rio é o que nfto pode deixar de ser como é. Te­
nga com a etern idade , cm rá-
". sente, na ascese, o homem comu mos a impressão de que todos os sêres poderiam não ser.
pida e profunda contemplação. :E:ste livro que temos aqui, poderia não existir, Todos os sê­

hu­ res têm possibilidades,
ina, na enta nto, o espí rito e apossibilidade é do ser de tudo
A idéia da eternidade dom
� ar o univ erso do àngu lo da quanto há. M as, como vemos que todo o ser não tem apenas
consider
manO. Spinoza queria
r, rnito tis. Tôcb a filos ofia
cHssica, urna possibilidade, mas muitas, c que apenas algumas se rea­
eternidade, sub specie aefc
espí rito de Prtn nêlli dcs, t' 1 1111 a filos ofia lizam, podemos admitir que, cm vez desta, outra possibilidade
.� que é marcada, pelo
r:a ciência não foge a
essa e sp aciaJ i­ poderia ter-se ac hl uli za do, o que 1e\'a u n ceitar a contingência
da eternidade. A próp modo
('(l, para distin­ dos acontl'ciment os que suced('1)l dl:sl c e })odcrill1n su­
o considera hom ogên
zação do tempo, quando ceder de otltra.
c a . Berg son dizia �bs se rlssim se dá, pergunta a razão: qual
neo da p s i olo gi
� gui-lo do tempo heterop;ê
uma rcpr ('�(,l lt(lÇ" ão es­ a razão suficiente para se ela assi m e não de outro modn?
tla ciência era
I que a noção elo tempo
o real . ( 2. ) I-Já clf� haver u ma raZ�lO,
pacial e deformada do temp E esta é a necessidade, O ho­
,I: lr.cm é um criador de possibilidades; sonha, imagina, inventa.
'
,11 ider ar a Todos os que descjara m do m inar os homens foram sempre
man eira vicio sa de cons
( 1 ) Temos aqui Qutra dê�t e. Se a nccessitaristas, As doutrinas políticas 011 religiosas, quando
do tem po, por p r iv a ç ii o
I eternidade como nega ção mod al dos sêre s
porque êste é uma aspiram ao mando sllpremo, afirmam a nccesidade, a inexo­
eterni dade não é tempo, é , com o se vê
ncia do infi nito rabilidade dos acontecimentos, qne, transfonnada em consciên­
nidade é da essê
corpóreas, e a eter
ologia". cia, é a preparação do homem às algemas, A idéia da ne�
,1 ' na "Ontologia" e na "Te
d,lrlo sob
a da eternidade é estu cessidade é essencialmente racional, e está contida no encadea�
(2) Na "Ontologia" o tem ante a idéi a
I dial ecti cam ente
° colo cam menta cOllcephlal da razão que já estudamos,
outras perspectivas que a tran scen dên cia,
scender a êste. For
a dess
� do tempo, para tran de não pas sa de
pod e estu dar, a eter nida A ciência, verdadeiramente, não é um conjunto de cau­
que >Só logicamente se
tempo, com o se v
ê no raci ona lism o mo- sas e efeicos, mas de leis, que são a expressão de um enc<l.-
uma espacialização do
derno.
,
,
,
212 MAmo FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 213
,
um estado de coisas, o estado de coisa
dcamento universal e necessário entre os diversos fC.lômenos. s que lhe segue, dêle t
resulta necessáriarnente".
llJas que vemos hoje, na ciência moderna? Vemos q1Je o
princípio ue lei, como exprcssG.o de um encadeamento ncccs­ ..
No estudoque fizemos do princIpIO de causalidad
e, exa­
sár,io, perde a sua fôrça. A ciência começa a abandonar a minamos o conceito de causa e efeito t
e as suas relações.
idéia necessitarista de lei. A psicologia, a sociologia, a bio­
A fórmub do determinismo, como já vimos, é Causa ae­ ,
logia vão, a pouco e pouco, compreendendo que, no conceito
de lei, havia uma visão parcial, profundamente racionalista da qual cfleelum, causa = efeito, ou efeito = causa, ou ainda: l
necessidade. A ciência moderna penetra decididamente no a SOrna dos antecedentes = conseqüente ou conseqüente =
t
terreno da contingência. Busca os "invariantes" que já não sarna dos antecedentes. Mas a causa e efeito sucedem no
têm aCluela rigidez da necessidade. É que o conceito de I1C­ tempo, e eis aqui Um elemento importante que modifica tudo: l
cesidadu, como abstração d,l. l"C(ZÜO, encontra a oposição da l
causa + tempo = efeito; ou soma dos anteceuentes +
(::xistência, que é contingente. A mesma i.wtinomia se apre­
tempo = conseqüente. t
senta aqlli. Um conceito é incompreensível sem o outro,
um limita a compreensão do outro. A afirnlação dr- um exi­ Já não podemos reverter a fórmula porque o tempo é il'­ t
ge a afirmação do outro que o nega. Só uma visi,o supra­ rcvGl'sívc� porque o tempo não é um elemento estático, trans­ t
racionalista, como a cm que nos colocamos, permite compre­ portável.
endamos essa complementaridade, essa natural contradição (
Dessa forma, não há semelhança qualit
ativa entre causa e
da existência que nos aparece como necessária e Co!;tíngente, efeito, mas apenas uma semelhança t
quantitativa. Ora, como
porque ambos conceitos expressam apenas aspectos abstrac­ a razão dos racionalistas prefere semp
re a quantidade e quer •
tos da realidade. Neste instante em que o contingentismo reduzir tudo a esta, julga que pode
Tetoma seu lugar na ciência moderna, é estranho que se for­ reduzir o efe'ito à causa, •
igualizando-as. Mas essa igualizaçã
mem e queiram predominar doutrinas necessitaristas, unilate­ o é apenas abstracta,
porque, se examinarmos bem, também
xais portanto. não procede, porque
há mutação qualitativa.

Se c1iwl lJOS: TI2 + O = H20


o DETEBMINISMO E O INDETEBMINlSMO E A ( água ) , realmente parece
estar no se!:,'undo têrmo tudo quanto
LIBEBDADE.
continha o primeiro. Tu­
do que tinha no antecedente está no
conseqüente, mas sucede
que o COnseqüente é qualitativamen
Não vamos aqui expor a longa polémica entre os determi­ · te diferente. DllUS rno­
léculas de hidrogênio, com uma de
nistas e Os livre-arbitristas. Esse problema se desloca dcsde ox{genio, formam uma
molécula de água . !\fas
o momento que compreendamos 'llJe o detenninismo é um a água é qualitativamente diferente.
VelllOs assim que nUnc a o efeito
conceito da razão que decorre dos seus princípios já estuda­ é igual à causa, senão quan­
titativamente.
dos e analisados, e a idéia da liberdade nos é dada pela inhIi­
ção, pela intuição direta, que cada um de nÓs tem de sua
Clausius enunciou êste axioma: «O calor passa de Uh1
própria eÀIJcriência.
corpo quente a um corpo frio e não em sentido inverso". Tô­
Goblot em seu "Vocabulário", define : "Determinisnw. da a natureza nos mOstra a irreversibilidade dos fenômenos. A
Doutrina segundo a qual todo fenômeno é determinado pelas mudança se faz numa única direção. Não podemos reverter
circunstâncias nas quais êle se produz, de forma que, dado a história, e êsse é o sentido que hoje torna tôda a ciência e
I!
I
,I

I
SANTOS
1 FILOSOFIA E COSMOVISAO 215
'214 MARIO FERREIRA DOS
Assim a iúéia de Deus, para Arist6teles, como Acto puro,
ricidade de tudo quan�
todo o saber: o reconhecimento da histo totalmente acto, é ao mesmo tempo a idéia da identi d ad e e
to sucede. da perfeição; e a matéria, imperfeita, indeterminada, é po·
experiência , mas
A noção de causa e efeito é dada pela tência, que recebe de Deus a forma que a modela, que a
,I pela razão, através do princí­
a sua ligação necessária é dada transforma em acto. A idéia de potencialidade sempre foi
m o 16gico. O prin­
pio de razão suficiente que domina na und 11ma idéin obscura, misteriosa, algo que se não pode ver, como
temp o, gero u o pr incípi o de o acto, ininteligível. Como compreender que uma semente
,I . cípio de identidade, aplicado aO
t es e de traba lho, na frase de se transforme numa árvore sem aceitar uma relação de causa
, causalidade, essa "cómoda" hi p6
, I que f o i para o de�e l1volvilTlento c efeito? A potência não tem extensão, não tem forma, não
Poincaré, útil e indispensável
ra para i gre s sa r num campo dia­ tem quantidade. Mas, como conceber a realidade apenas
. da ciência, que hoje
a supe n

léctico, que dará melhores


frutos. corno acto, se rudo quanto se dá é uma constante transforma­
êle por raciona� ção; portanto o que é, agora e aqui, não é tudo quanto é,
Estabelecido o determinismo físico, foi
psico lógic o, irrec1uctível porque o que é agora e aqui, muda, cambia, se transf orma.
listas modernos leva�lo pam o campo A razão não pode compree nde r o tempo sem espacializá-Io.
próprio campo d a físic a já se en�
,I �IO prim eiro . Ademais, na Também a razão não pode comprecnder a potência ( n o sen­
estabelecer cert o in detc rmin:smo, o
i trcvê a possibilidade de tido aris to télic o ) , sem o acto. Dessa forma, a potôllcia está
que é importante s31ientar
.
, , . s u bordina da ao acto, mas o acto finito é incompreensível sem
diálogo entre o determinis­
Que nos mostra tambem êssc a potênda de se r isto ou a(luilo. Eis-nos em face de outra
,I logia e na Ética, senão as antino­
mo e a liberdade na Psico antinomia insolúvel, porque amhas são imprescindíveis para
mias de que tanto temOS
, ,I falado? C) c omp n'en s ão de uma e de outra.

não se esgota a qu i apen as


i\1as o conceito de liberdade GiorJano I3nmo ( Fil. Italiano, 1548-1600) quis vencer
rígillo. �ste tema é hoje
numa nega çã o do determinismo a essa dificuldade concebendo Deus como acto infinito e como
penetrações no campo da ciênci
mais rico e pennitc maiores potên ci a infinita. Assim Deus é eternidade, mas também
p o s sível trata r aind a
do que julgam muitos, o que não seria pode ser c fa::::;er tudo, por ser onipotentc, por ter cm si, infi­
neste livro . n i tam en t ", tóch a po tên cia .

Essas opiniões de Giordano Bruno ( que as obteve de


POTEi'\CIALIDADE.
A ACTUALIDADE E A Nicolau de Cusa ( Fil . Alern5.o, 1401- 1464 ) , foram influenci ar
com decisi\ amente na concepção do mundo de Spinoza.
I Já examinamos a potên cia e o acto e vimo s que,
ção de reali ­
Arist6tcles, a potência surg
iu com sua partic ip a Tôda a existência é um diúlogo entre a potência e o acto,
ominava, com O era o mun do a potência o cujo 8Cto é
dade, num mundo em que pred passagem misteriosa da para acto,

alist a dos facto s. A metafísica tradicional, potência ele outro acto, e essa passagem é o devir.
grego, a visão actu
mundo comO um bloco imu�
com raraS excepções, concebeu o O a:ltagonismo entre a potên cia e o acto nos revela a
tável e eterno, dois conceitos
da razão, e atributos que ela antinomia entre os dois con ceitos : acto, conceito da razã o
O são,
que as coi s as são, e com
concede à realidade total. O que po�
<{\le quer ver, delimitar, fixar, (lu cr ° re alizad o, (' potência,
real idad e, e n quan to o
foi sempre considerado coma e
que é da intuição que assiste, que apreende a trallsionnaç�tO,
mereceu da razão um inte rêss
dem ser ou poderiam ser não a passagem, a mutação.
maior.
,
,
1 FILOSOFIA E COSMOVISAO 217 t
216 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
t
ESPAÇO E A F6nçA A razão, quanto mais se afasta do concreto, mais se apro�
t
xima da verdade. Assim, quanto mais se afasta do singular,
Eis o conceito mais importante da razão: o es�?aço. E
dêste ao particular, e dêste ao geral, mais ela se aproxima da t
também o mais importante da intuição: a fôrça. realidade absoluta, da realidade suprema, o Ser. í:ste é o
t
Podemos salientar agora a distinção entre o cSJ" aço abs­ pensamento dos racionalistas.

tracto, que é um conceito da razão, e o espaço real; que nas


,
O espaç'o da razão, espaço vazio, é o nada, é o nada onde
é dado pela experiência. se processam as existências. Tirai os corpos e tirareis o tem­
,
Os principais caracteres que os distinguem fora. n expos­ po e lião restará senão o nada. O espaço é o nome que a t
tos por Crandjean, e julgamos conveniente reproduzi-los, pois razão dá ao nada. Meditai bem sóbre esta afirmativa e ve­
t
nos mostram as fundamentais diferellças entre ambos. reis quanta significação ela encerra. Aqui, não podem0s pe­
dir que pt:netreis com a razão, mas com a vossa pr6pria t
Espaço abstracto Espaço real afectividade, com a vossa mais profunda intuição afectiva,
,
:f: cheio porque aqui não penetra mais a intelectualidade nem a inte­
É vazio
ligência racional. Sentireis como um frio que vos penetra o
t
As formas são imóveis As formas que o povoam se
ser, e que vos repele êsse nada. Será a existência, em vós, t
mOvem.
que se afirmará. \1as é possível, também, que êsse nada
As figuras têm quatro ui�

As figuras têm três dimen­ exerça uma atração, que vos avassale, como um desejo de
sões. mensões e talvez muito não ser. Talvez alguns possam viver essa imensa contradição ,
da existência, êsse lutar do que existe contra o não-ser, E
mais. ,
se tal viverdes, estai certos que sois intérpretes, então, do mo­
As figuras são nítidas, defi­ As figuras são mud.veis, de� ,
mento mais trágico de tôda existência, e também do mais
nidas, distintas, indefor­ pendentes umas das ou�
fecundo para as mais extraordinárias experiências, que ainda •
máveis, perfeitas, simbó­ tras, transformá veis, jm� vus uferecerá a filosofia.

licas. perfeitas e s6 represen­
tam elas mesmas. ,
• • •

Os corpos são aqui todos Aqui os corpos, ora são s6� ,


Lembrai-vos do que foi dito sôbre a fôrça, quando estu­
sólidos, lidos, ora líquJ"clos, ora l
damos a concepção de Leibnitz que modificou, totalmente, o
gazasos,
velho conceito de fôrça, como impul<;ão, para o de fôrça como l
As figuras aqui são incolo­ Aqui as figuras são tôdas
expansüo. A fôrç'u, que está contiua nos corpos, é também ,
res ou de uma vaga côr coloridas,
potência, mas potência, não já no sentido apenas aristotélico,
indefinível. mas n o sentido de poder ser, que a física moderna aceita. A ,

Aqui é o mundo da geome­ Aqui é o mundo ,:ivo, iôrç:a é um cOIlceito estranho à razão, porque é misteriosa e t
oculta. Para conhecê-la, ela a reduz aos seus efeitos, mede­
tria. t
os, espucíaliza-os. Mas a fôrça não é o infinito estático do

o espaço abstracto é o espaço real, visto pela razão; o espaço abstracto, e sim o dinamismo infinito, o dinàmico, a t
espaço real é o espaço visto peJa intuição. intensidade em ação, Com a concepção abstracta do e:'lpaço,
\
\
,

218 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

t:hegareis ao nada. Mas a existência é nfinnativa. O clina�


rnismo ( a fôrça) afirma. 1t.sses dois conceitos se excluem,
mas se complement3.riarn) pois não podeis comprcenJer o
conceito de fôrça, sem o conceito de espaço abstracto da ra­
d
zão. Estamos em face de outra antinomia . v

DUALISMO ANTINÓMICO COMO VISÃO CIEN­


A SUBSTÂNCIA E O EU
TíFICA E FILOSóFICA DO MUNDO
,\

, \ Já falamos muitas vêzes da substfmcia e do Eu.


Aqui a antinomia não é tão fundamental comO nos Ou tro S. Depois das exposições 5ôbrc .1 intensidade e a cxtcnsida­
A nosso ver, há aqui um ,ponto de interferência Clltre a inten­ de, das nossas análises sobre o funcionamento .da razão e ela
"
sidade e a extensidade. Despojando, o que se dá, de tôdas intuição, ela antinomia entre o semelhante e o parecido, não
,I as formas mutáveis, a razão constr6i o conceito de substlncia, repisaremos mais êstes pontos já sobejamente tratados, senão
imutável, imperturbável, ante o cambiante, como já vimos. O para acrescentar mais alguns aspectos que permitam nos colo­
'.
Eu, como mais profundo, como profundamente existencial, co­ qllemos em posição cómoda para llToa análise mais aguda da
'.
mo espectador do drama da existência, tem êsse carácter subs­ realidade.
, l taneial, como é exposto na Psicologia. :esse o motivo qllC nas
levou a considerar que, entre a substância, como conceito -da
Já falamos s60re a ação selectiva que executa a vida.
, ,\, Todo o ser vjyO está em oposição permanente com o meio
razão, e o E u, como conceito da intuição, há um ponto de
'. interferência entre a extensidade, própria daquela, e a fnten­ ambiente. Procede llma s el ec ção , recusando os elernc.ltos
sidade, que é própria desta, ( 1 ) exteriores que lhe são prejudiciais, captando os que lhe be­
neficiam, num processo complexo de ações e reações q ue se
\ complexiol -lam, cada vcz mais, :\ proporção que o s e r vivo
ascende 11« escala animal. Essa selecção pode ser mecânica
Ou consciente, carregada de cegas seleções OLI inteligente.
Pam tal actividade possui o ser vivo 6rgãos analisadores, sen­ I

sibilidades diferenciadoras, actos heterogêneos. Ante a mul­ i


I
i
tiplicidade de estímulos do meio ambientc, o ser vivo aceita

I
transformações rápidas e contínuas, e o metabolismo da vida
se processa pelo aproveitamento de substâncias c pela rejei­
( 1 ) A "imutabilidade" d a substância é d o racionnlismo mo­ ção de outras, e pelas transformações físico-qtIÍmicas cm que
derno e não do aristotelisIT. o. Neste, a substância é o que per­ elas são operadas. Em suma, há um dinamismo intensivo
dura e não o que se imutabiliza. A substancia divina, por ser extraordinário, mas um dinamismo do " todo" e não 56 da
infinita, é pa ra os teólogos, imutável, bem como a dos sêres eS­
parte, do todo orgânico que domina as partes, o quc dá lugar
pirituais. Tôda substancia dos sêres corpóreos está sujeita a
"
a comprecdder futuramcnte, de modo melhor, o conceito de
mutações e em "Aristóteles e as mutações", temos oportunidade
de estudar êste ponto. finalidade. O ser vivo não aceita e não repele senão em fun-
'"

.,"

220 MARIO FERREIRA DOS SANTOS c.


FILOSOFIA E COSMOVISAO 221 4-
ção do todo, e não s6 da parte. O ser vivo forma um todo,
ma da razão, cama já tivemos oportunidade de examinar. (1) C.
que domina as partes, que marca a direcção do dim'misrno ge�
mI. Foi tal facto que preocupou os filósofos e cs levou a ( Hegel também poderia ser considerado assim. Mas preferi� 4-
fácilmente justificar a accitaçüo de uma causa fhul, porque mos fazer reservas neste aspecto, pois julgamos diferentemente
i.
em todo fenômeno biológico tal domínio sôbre a palte é trans­ do (lue em geral se considera. A dialéctica de Hegel é mal
compreendida, e mereceria um estudo à parte, e de tal vulto, i.
parente.
(lDe ultrapassaria os limites dêste livro. Tal estudo que já fi­
'c.
Que se observa na matélia viva? Observa-se a passagem zemos serú de futura publicação ) .
do hornogêneo para o heterogcneo. UlU corpo mineral é 110- i.
Já vimos que o conceito da identidade surge como opo­
mo gêneo, um calcárco, um metal, etc.; um corpo vivo é uma i.
siç.'ão ao hcterogêneo, ao diferente. Ante um diferente pos�
heterogeneidade, desde o mais simples infusório unicelular
sível, ( êste como virtualidade ) , a identidade se impõe como (
até a complexidade de um corpo vivo superior. Na matéria
actual.
viva, há uma diferenciação constante, trocas internas comple­ "
xas, uma selecção indefinida, ora a vitória do mais forte, ora o que é, e quer permanecer como tal, opõe�se ao que
"
a assembléia de fôrças para uma vitória comum, necessidade quer e pode neg,n-se como taL Se A é antagonista de B
(A tese e li antítese) B se unem ou se fundem em
e se A e "
das mais opostas, uma dupla corrente antinômica de deter­
minismo e de indetenninismo, uma transição constante da po­ C, fazem passar então de uma não-identidade (pois A é opos­ "
to a B ) a uma identidade (pois A pó'.Jsará a identificar-se em
tência para o acto. ltsse processo, dinâmico, oposto, da "ida,. "
C, com C e, portanto, com B, que pli&ssa a indentificar-se com
foi repelido pela razão, enquanto não pôde compre:adê-Io dia­
C, tan1bém ) . Então o antagonismo de A e B desaparece para •
lecticamcnte, e êsse o motivo por que essa oscilação dos
surgir a identidade C, que, como identidade, é oposta à não�
contrários não podia ser aceita pela ciência do s 3culo pas­ •
identidade de A e B isoladamente. E se em C, a não-identi­
sado.
(
dade A e B desaparece, resta sempre a vitória d a identidade,
Quando surgiu o movimento dialéctico de Schelling e o que existia de identidade cm A e em B� A síntese não é {
Hegel, e tôda a metafísica constmÍc1a ap6s a anális� das con­ um dinamismo conciliauor de dois dinamismos antagonistas,

tradições, não se julgue que tal movimento tinha por finali­ mas apenas um dos dinamismos antagonistas.
dade instituir ou estabelecer, como válida, essa luta de COD­ �
Na sÍntesl' há identificação. Então
, neste caso, termina
tr{lrios, êsse opor-se, que é a característica de todo existente o alltag onism o de l?ão-identida �
de, ele diferenciação havida en-
e q1:..e , no fenômeno vivo, assume perspectivas mais vastas e tre A e B, cm C. Ora tal não se dá na nature

za, como muito
mais intensas. Schelling estabeleceu a contradição para ]i . bem mostra a ciência. Na "Dialéctica"
, expomos o que
quidá-la. Que é a síntese Jescjac1a senão mais um imperativo [e'almC:'ntc se dú. �
da razão no seu sentido unívoco e parcial, procurando um ter­ �
ceiro tênno, na imanência, (lHe liquidasse a oposiçãG.

rl\)da a dialéctica triúJica ( isto 'é, que ,) ccita '0 terceiro


têrmo, a síntes e ) , hoje já descartada pela ciêncil:L, procura
(1) A identidade é válida no ontológico e não no Ôntícó.
urna solução para o conflito pela negação do conflito, e tende Ademais, -só se pode dar completamente apenas no Ser enquan­
assim à vit6ria final de identidade, abstração máxitpa, supre- to em ser, como v emos na "Ontologia", isto é, no tran scendente
e não no imanente.
"

222 MARIO FERREIRA DOS SANTOS


FILOSOFIA E COSMOVISÃO 223

Enquanto indivíduo, o ser vivo singular é diferenciado e


mundo sllb-atôP1Íco. Há, assim, no mundo físico-químico, no
instável, um processo de identidade, de quedas constantes de
inorgânicr , a vit6ria da homogeneidade; no vital, a vitória da
potencial, de desnivelações, de constantes transformações.
intensidade, e no mundo da micro-física, a vitória nOvamen­
Observe-se êste ponto importante: o indivíduo rompe os te da inte'lsidace. As ordens dinâmicas se invertem. Só que,
'I
laços da espécie. Cada elemento do indivíduo é uma nega­ no mundo orgânico, essa ordem dinâmiea se diferencia da que

I
ção e uma diferença de potencial, como o mostrou Lllpasco. se observa no mundo microfí.�ico pela influência maior do to­
A heterogeneidade intensiva passa ao acto c virtl1aliza a ho­ do org:nico sôbre a parte, enqua n to na microfí.�ica tal não
mogeneidade, E veremOs como . isso é o qu e realmente se se dú, na mesma inten sidade. E cntão quem nos poderá dizer
dá. Â proporção que os sêres vivos vão ascendendo na escala que o que morrc em nós é () min eral que se homogeneíza e
animal, vão rompendo as cadeias do passado, Y'dO se l ibertan­ que algo que forma a nossa illtC'llsiva vida nervosa não ultra­

do dos reflexos brutos, o sistema nervOSO torna-se mais com­ passe a êsse processo de homogeneização, permanecendo he­
plexo, a inteligência vai substituindo o instinto, e cria-se uma terogêneamente intensiva, seguindo sua ordem dc intensidade,
multiplicidade cada vez mais viva de escolhas. O que hú de (1Jón elo mineral, elo inorg,lnico vitorioso, do homogêllPo quan­

extensivo, de hetcrogênco, (o tropismo, () automatismo ) , etc., titntivo? !\Tão se abrem a(llli nOvas perspectivas para a me­
torna-se cada vez mais fraco. Não é a vida um impulso dia­ tafísica, novas possibilidades dr investigação que pennitiriam
léctico, heterogêneo? Domina aqui a heterogellcidade ana­ cstabelecer uma sllperviv(�nvia do intensivo ao corpo apenas
lítica, a diferença de potencial, a intensidade negadora, a COmo mineral? ( 1 )
mutação contra o �esmo, O diferenciado. No fCll(') J;lello vivo Fundado nos p]emcntos qu e oferecia a ciência d
o século
há uma superação de vitórias da intensidade sôhrc a extt'l1si­ passado, muitos poderiam, fundndos nela, afirma
r o têrmo da
dade. Que prova a ciência com \Voodruf, l\fetalnikoff, 130- nOSsa vida na morte do corpo, na vitória do homogêneo
sôbre
dyreff se não que a heterogeneidade é a hase do desenvolvi­ ° heterogê leo, do extensivo
súhl'c o intensivo. 1\1as, pergun­
mento da vida, mostrando quanto a monotonia lcya os animais tamos : em face dn ciência, em face ela dialé'ctica
que permite
à insensibilidade? a obscrvaçiio e o estudo de ftJr(;as novas, de
dinamismos em
E George Dahn não nos mosh'u q1le u perda da hetero­ oposição, pode alguém, fundado nessa ciênci
a, afirmar a con­
cepção do século dezellove'?
geneidade, quando o organismo não conhece mais as muta­
ções, quando a homogeneidade passa a dominar, que sobre­ Pode alguém, hoje, fundado na clencia,
ter a fôrça de
vém a morte, que é um longo proccsso de vitória do homo­ convicção de que o que somos de inteusivo
seja perecível ape­
gêneo? Então poderíamos ver na vida essa luta cons'tante e nas com a vitória da homogeneidade miner
al, inorgânica que
mais intensiva entre os dinamismos opostos de homogeneidade h:1 em n6s, numa oposição constante
ao que há de heterogê­
e de heterogeneidade. Um a vida, outro a morte. Dessa lu­ nco e intensivo, que escapa às medidas estreit
as do raciona­
ta, cabe a vitória final à morte, quanto ao indivíduo. O ho­ l is l11 o �
'

mogêneo vence. �sse o aspecto trágico da cxistência, e tam­


Estas perguntas cabE'I1l ;\ metafísica resolver. l\�ós, ape-
bém O as pecto trágico da dialéctica antinomista. A ex tens i­
/lUS, por ora, queremos coloc{j las.
..

dade triunfa da intensidade no objecto, no m1lnclo exterior,


mas a intensidade conhece seu triunfo no vital, na sujeito.
Mas revela-nos a microfísica, a física atômica, que a crdem (1) c
:P.: st s aspectos importantes encontram suas explicações
na "Teoria Geral das Tensões", onde se distinguirão melhor as
dinâmica passa a inverter-se nos fenômenos micro físicos, no
tot3.lidudes orgânicas das inorgdnicas.
..
t
(

224 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÁO 225 •

O ser vivo procura o igual para afirmar-se, para defen­



Todo o ser vivo é um "estar separado do cosmos", Sepa�
mdo uno quer dizer isolamento absoluto. Tal hicto se verifi­ der-se. Com isso, deferencia-se mais do meio ambiente, por­ t
c,a menos nas plantas, e mais nos animais, e superiormelltc no que, à propor�'ão que se afirma, opõe-se ao meio ambiente.

homem. tste excede como ser que se separa. E:ss" processo Suas funções orgânicas se repetem, se homogeneízam, mas ao

de separação é dinâmico, crescente ou decrescente. Verifica­ se homogeneizarem, se heterogeneízam, pois ao homogeneizar t


se no povo que se separa, no tribo que se separa, na casta, na a função anabólica diferencia cada vez mais a catab61ica. •
clã, na família, no indivíduo que se separam. Viver é sepa­ Cada fun�'ão homogeneizada aumenta a heterogeneidade do
organisl11o. A homogeneização da visão diferenciou-a total­
t
rar-se dinâmicarnente do cosmos. 1!:s!'e proces".o de 'separação
achm numa busca aos homólogos, como se vê n a fOfmação mente do tacto, assim como a homogeneização do sabor, tam­ •
das sociedades secretas entre jovens ( tribos primitiva s ) , nas bém o diferenciou do tacto, etc. A homogeneização dos ór­

sociedades de sexo, separação dos adulto:;, etc. gãos analisadores (os sentidos do ser vivo) conduz ao aumen­
to da heterogcneização do ser vivo. :f:sse é o aspecto dialéc­ •
Esta busca dos homólogos, para a constituição, dos agru­ tico ql\e realiza uma verdadeira divisão de trabalho.
pamentos, ctt a falsa im[))"cssií() de Ilma extravcrsãc), de um •
espírito colectivo u e extraversfto, d e dilatação d e can po, quan­ •

do) na reaUdade, é uma concentração pela preferr�ncia uos

ho mólogos, um separar-se dos hetcrólogos. o homem é uma potência que encerra em si muitas possi­
bilidades quc se actualizam ou não. •
Tal facto verificável na sociologia tem correspondentes na
física e na química e em outros campos do conhecimel to. Nas suas manifestações, o homem expõe algumas das suas •
possibilidades, ab'avés de pontos de vistas, opiniões, teorias, �
O asceta individual é o exemplo último do que não tem
etc. Podem elas não "ressoarem" numa época, mas terem
homólogos ou em quem êstes são raros, e busca a maior sepa­ •
significação noutras, quando as condições reais fôrem favo­
ração possível dos hcter6logos. É a separação lnáxllua, o se­
rúveis. É por isso que sempre encontramos um "precursor" ,
parar-se dos outros para fundir-se em seu Deus ou então no
em tudo quanto construímos, e por isso s� diz que "nada há
retômo ao cosmos, tornando-se, não parte integranl:e, maS o ,
de novo sob o sol". Tudo o que temos e o que teremos, já
próprio cosmos, atingindo, assim, a homologia mais elevaua.
tínhamos em potência (no nosso sentido ) , no homem primi­ t
Mas atingir essa homologia, no caso da separa�:ão, é um tivo. t
acto também de diferenciação ao mesmo tempo que de seme­
Tal opiniflo nos pode levar à construção de uma "teoria t
lhança. Se o homem se afasta dos diferentes é para afirmar
a sua diferença e, por isso, procurar os iguais, Its êsse mesmo das ressonâncJas . Assim uma idéia "ressoa" somente quando
encontra condições reais que lhe emprestam maior signifi'.-:a­ t
acto aumenta a diferenciação entre os hom6logos e o que dêle
ção pelo cOllteúJo que lhe dão. Essas con�ições reais mode­ t
se diferencia. Desta forma, a busca dos homólogos é um acto
lam a idéia. As previsões, em geral, são modeladas pelas con­
contraditório, dialéctico; tôda a afirmação de semelhança é t
dições reaís de uma época. Como poderia alguém, na Idade
uma afirmação de diferença. A selecção vital é um diferen­
Média, conceber a radiofonia a não ser concebendo anjos Ou t
ciar-se pela busca do semelhante, é um heterogeneizar-se pela
homogeneização das funções, as quais, por seu turno, são hc­
fôrças scrn i d i v in as (11H: repetL<;$f:rn (JS Sfm� p<:1_o í:1>pa1rJ?
t
terogeneizações entre si) por homogeneizações funcionais, e Examinem-se as previsões em qualquer tempo. A possi­
t
assim por diante. bilidade de o homem voar foi prevista em muitas épocas, mas
t
t
..
226 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÁO 227

jamais o aVlao, como O temos hoje, seria possível conccbcr�se possibilidade que existe como possível apenas? A vontade
em tempos recuados. A idéia poderia surgir, mas as condi� manifesta-se no homem porque é um animal consciente das
ções reais não podem ser previstas com tanta facilidade. Por possibilidades. O querer surge daí, e é por isso que sentimos
isso as previsões s6 «ressoam" quando encontram condições o "querer" nos animais. Não se encontraria certa diferencia­
reais para se tornarem aceitáveis. O gênio tem sido, neste ção, pelo menos em parte, entre o querer e o desejar no campo
terreno, aquêle que tem idéias que encontram condições reais da pr6pria possibilidade? Não há, no querer, crença na base
no futuro, isto é, idéias que 56 ressoam no futuro. Na vida real da possibilidade, e no deseja" reconhecer a p oss ibilida­
(
social, uma teoria, sem bases reais, não pode ressoar. Junte­ de como mais remota, como possível em grau menor?
se agora mais êste pen sam'cnto : serão as bases reais, reconhe­
Quando reconheço, p el o conhecimento, uma possibilida­
cidas em uma época, as únicas reais. Não ha vcrú (Hltrns não
de, mcu querer pode ser mai s seguro, poJe ser escolhido. A
reconhecidas? Desta forma nos cabe uma intcrroga�'�lO: há
,
t ,
"liberdade" do meu querer pode assim ser comp re endi da co­
condições reais que não são devidamente aprecia das? E que
são apreciadas por grupos reduzidos, por indivíduos isolados? mo o maior ' conhecimento da possibilidade? Nesse caso a
liberdade estaria na razão direta do conhecimcnto, c êste nos
Neste caso, um gênio poderia ser reconhecido e111 sua época
,( faria mai�; livres. A pr6pria crença influiria também no que­
por alg11ns elementos isolados, mas só terá S\la influência
rer. O acreditar mais fortemente na possibilidade, permitiria
,\ maior quando as condições reais favorecem para qu e ressoem
um querer mais ':I ivre". Desta fonna reconheceríamos no
as suas idéias. Assim muitas opiniões, julgadas sem base tC'al,
querer o condicionamento de vários elementos, de várias in­
apenas demonstram a incapacidade de muitos ferem essas
,� fluências - e, ao mesmo tempo, uma l ibe rda d e de escolha pelo
bases. Cada realização do homem já estava cm p otênci a no
homem anterior e cada realização ampl i a a potêllcia pela cria­ sopcsamento de possibilidades diversas. Assim o conhecimen­
""
ção de novas possibilidades. Se observarmos lwIrl, \'erifica� to pode dar-me a p erc eber que é possível aprender-se uma
'.
mos que o homem s6 se tornou realmente homem ao acreditar língua. Heconheço que o meu conhecimento d e ssa lí ngua me
permitiria usufmir determinadas vantagens de várias espécies.
'" em Stlas possibilidades.
O reconhecimento dessa minha possibilidade em aprendê�la7
'. O homem só !� homem porque conhece e crê cm suas pos­ pode lcvar-me a escolher entre estudá-la e não estudá-la. Es­
sibilidades; é um animal criador de possibilidades, actua li za­ tou ante ·uma escolha, ante duas possibilidades. Prefiro, en­
\,
dor de suas possibilidades, por isso evolui, transforma-se, cria. tüo, estudar. i\linha "libcrc1ade" está aí. Posso reconhecer
,t Procede como um "contingentista" e não como um "n eces s ita­
nessa esc.)1ha a influência de muitas condições, tais corno mi­
,� rista". ( Duas palavras ho rrí ve is para expressar dilas' tendên­
n ha prcd 'leç'üo pelo estudo, simpatia p el a l íngua , pela litera­
cias: a dos que acreditam no poder-ser e dos que acreditam
tura dessa língua, o querer aumentar meus conhecimentos, etc.
que o que se actualiza é o que necessllriamcntc tillha ele achw­ :'\fas o si l l lpl es Ú1Cto de l ecOlllJeccr possibilidades diversas, num
\ lizar-sc, dois pontos de vista de onde decorrem inúmeras ati­
acto futuro m eu , de poder faze-lo ou não fazê-lo, jú me dá um
',I tudes que influem até nos acontecimentos so ciais e na sua ,<, cn tiuo dialéctico, contraditório, que me permite aí funda­
interpretação ) . Desta forma o homem não se sat is faz apenas mentar tuda a minha liberdade. Não vivemos mineralmente,
.. em esperar. �le procura, êle intervém, êle quer t r an sf orma r.
mas orgânica e humanamente, como possibilidades e como
� Não é a vontade uma manifcstação dêssc contingentismo, conhecedores de possibilidades, por isso é que o homem "trans­
� dêsse sentir-se contingente, no homem? Qu e re r algo nl10 é forma' seu ambiente, mllCla-( l, porque aceita que lhe é pos­
acreditar nnma possihilidade? Não é buscar Hchl;llizar 11l1U s ível mudar, pOHj1lC sabe quc )Jode mudar.



..

MARIO FERREIRA DOS SANTOS



228 FILOSOFIA E COSMOVISAO 229
,
Só assim podemos compreender porque ora a�eitamos sam na primeira ordem, a da intensida8e, como ven'os n a •
urna transformação, ora a repelimos, e porque O que é aceito biologia e também na psicologia e na sociologia, que sôbre
numa época ou por um povo, pode ser repelido noutra época aquela se fundam, irredutíveis entre si. Assim os fenômenos •
Ou por outro povo, porque reagimos contra uma idéia nova e os processos qualitativamente diferentes, que se baseiam ou •
ou a aceitamos, embora, em êsse nosso proceder interfiram, exigem uma base nO processo que chamamos orgânico, apre­
coordenamente, muitos factores diversos. •
sentam urna ordem dinâmica em que predominam os factores
Quando aceitamos uma possibilidade e verificamos que de intensidade. ,
;as condições reais não a repelem, nossa crença nessa- possibi­ J\T OS fenômenos inorgânicos) isto é) no acontecer que per� •
lidade se fortalece, e pode tornar-se até obsessiva, delirante, tence ao campo da física e da química e nas disciplinas que •
Por isso nem sempre procedemos como fatalistas. sôbre estas se fundam, a ordem dinâmica é inversa, e a pre­
Podemos dizer até que procedemos menos comCl fatalis­ •
dominància que se dá é a dos factores de extensidade. Nun�
tas do que como contingentistas. Precisamos ainda mais: a ca, porém, encontramos um acontecer puramente intensivo ou •
necessidade surge como um cOllceito da razilo, 13: J. razão, puramente t'xteni:livo. Ambas ordens são assimptotas, e va­
,
por sua tendência homogeneizante, que nos dá a idéia da riam, nunca chegando a anular uma a outra.
necessidade, ,
Na ordem dinâmica da intensidade, os factores coorde­
Mas a nossa inhdção (como Anschauung, como visão di� nam�se opositivamente e essa é a razão porque tôdas as ten� ,
reta e imediata de um objecto do pensamento actualmente tativas de se formularem leis na sociologia e na psicologia, à
presente ao espírito e apanhado em sua realidaJe in(�jvidual) ,
semelhança das leis das ciências físico�químicas, têm falhado,
nos dá a idéia da possibildade, da contingência, Esse o as� A própria biologia, hoje, abandona o sentido clássico de lei. ,
pecto dialéctico de nosso espírito, antinômico, trágico. Uma E verificamos ainda mais que nas ciências físíco�químicas tal ,
posição que apreenda êsse dllalislllO antagonista de nosso es� tendência também se acentua, sobretudo depois dos trabalhos
pírito, o que é tema da "noologia analítica", não seria nem de Heisenberg e elas marcham para uma concepção pluralista
,
racionalista nem irracionalista) mas supra�racionalista, ofere� ( quântica ) , com predominância, portanto, .do sentido hist6ri� ,
-
cendo uma posição "além de" para o homem, Crer nas pos� co, como se pode ver no tema em que abordamos a hist6ria,
sibilidades, vi\'ê�las, e reconhecer o· ,condicionament coorde�
o' t
nado que noS cerca) é o que possibilita ao homem ser homem Outro aspecto que ademais evidencia a diferença entre a 4
e lhE- dá o conhecimento de sua liberdade que e dialéctica, ordem dinâmica da intensidade (orgânica ) , com a ordem di­
nâmica da extensidade ( inorgânica ) , é O fenômeno da excita­ t
que paira sôbre essas antinomias, e nos leva a rejeit<;lr as ex�
plicações apenas causalistas que 55.0 ainda decorrentes da vi� ção e da incitação que se apresenta na primeira ordem e sur­ ,
são abstracta da ra � e não da visão concreta, por abranger ge quase nulo na segunda.
t
a totalidade do sup�acionalislllo, em que nos colocamos. Assim os cOl1?os vivos são sujeitos à excitação e incitá�
veis, podenoo, portanto, actuar em proporções maiores aos
t
estímulos recebidos, o que não se verifica nos fenÓmenos inor�
Obsrvamos fácilmente, no desenrolar do acontecer, duas gânicos (da macrofísica ) ,
,
oruens clinàrnicas : uma em que prcdo;dna a intensidade e ou� Serve ele exemplo o fenômeno da bola de bilhar ao rece�
tra em que predomina a extensidade. Os fenômello�, orgâni� ber o choque de outra, tendo, de lnÍcio, a mesma fórça, di­
CDS, e seus processos posteriores, estão regulados ou Sé proccs� ,
minuída depois por efeito do atrito, etc., e a excitação provo�
'!
e

,e
fiLOSOFIA E COSMOVISAO 231
• 230 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

• Antes de exemplificar é necessário expor outro ponto im­


cada sôbre um ser vivo, cuja renção pode superar, de início,
portante. A actualização, pOrl�rn, de um valor é algo variante,
i't o da ação sofrida, como, por exemplo, o esporear ele 11m cava�
embora e.ásta 110 valor um invariante virtual. Ilistoricamcn­
lo de brio Ou uma palavra pronunciada a 11m homem, etc. í�
'. k, um valor pode ser oh serva do nos actos c nas coisas e ter
que, lla ordem da intensidade, há o recurso de lanç.'ar mão de
,r, um aspecto perfeitamente histórico, mas êsse valor permanece
elementos energéticos diversos, recursos maiores. É possível,
sempre virtualizado, como algo que não varia, COmo inva­
I) também, estabelecer nos fenômenos inorgânicos uma excita­
riante.
ção, ( mas aqui já na microfísica ), mas essa nunca apresenta
" o grau tão elevado que verificamos nos fenômenos orgànicos. Um exemplo nos esclarecení. melhor êste aspecto: a pru�
r. clência é, como invariante, '\'irtudc que faz conhecer e evitar
O facto de ser o homem excitável, e actuar com uma in­
a tempo as inconveniências c Os perigos, c que faz conhecer
'. tensidade maior à intensidade do estímulo, é capital para a
(' praticar o que convém na vida social", cama a define um
,r. compreensão da nossa teoria da potência, no selltido que a
dicionarhta. f:ssc () conceito virtual, invariante. Hisb')rica­
empregamos. A repetição dêsses factos, pela influência atcn­
mcnte se actualiza ele malleiras diversas. Na sociedade feudal,
Ir. ciona1, nos faz crer em nossas possibilidades. Jamais poderia
p. ex. prudente é quem bcm se arma, e torna todos as caute­
1(/ o homem ter consciência de suas possibilidades, conscicncia
las para evitar ser apanhado (li; Stllvrcza. Na sociedade bur­
do que ainda não se actualizou, se não tivesse tido c:'\pcriêll­
guesa, o prudente não se arma para essa luta, mas tOma o cui­
�. da de que pode actuar com mais intensidade.
dado ele não ser apanhado de surpreza num mau negócio ou
' I. A consciência tão grande de nossa possibilidade "em daí num excesso de confiança, que o pode levar a um prejuízo,
e, conseqüentemente, da praxis, porque vamos conhecendo corno o mOstrou jil. Scheler.
,II
nossas possibilidades à proporção que as vamos realizando,
Desta forma, a prudência, como valor, existe virtualmente;
II/ actualizando. Desta fonna, a consciência de nossa potência como acto, toma os diversos aspectos históricos. 1!ste o s(�u
,I, é um produto de si mesma, através da verificação que vamos aspecto variante. Na avaliaçr70 interferem ambos aspectos,
fazendo de seu constante actuar. Condicionamos, assim, a pois quem avalia um acto, historicamente considerado, COm­
,�I
consciência de nossa potência, com as suas possibilidades, a
para-o, como acto, ao valor como virtualização, isto é, compa­
I� ,conscência que vamos formando de nossa cxcitaçl"lO e de seus
ra seu aspecto variante ao sentido invariante, para apreciar
,ti actos. Só agora é possível compreender o papel da tímcsc lJa­
sua maior ou menor adequaç30 e dar-lhe assim a intensidade
rabóUca na formação da idéia dos valôrcs, quer positivos quer
,I. de seu valor, em relação ao valor que considera virtualmente.
<.opositivos.
,II
Não será por êste aspecto que tanta dificuldade se enCOn­
As::;im a capacidade do homem em conhecer suas i1ossibi­
tra cm analisar a consciência do valor? Se actualizam( s os
itl !idades e as possibilidades das coisas, permite-lhe comparar
aspectos variantes, os históricos, em acto, apresenta-�,e-nos o
algo qnc existe em acto à idéia virtual, que forma desse objec­
1 ' ndor como algo fundamentalmente material, virtualizando,
to, isto é, procede uma estimação ( tínH'se) por meio (1e urna
portanto, o seu aspecto invariante, inibido muitas vêzes até,
i t; : comparação (parábola) com o iderrl que forma, procede, as­ '
repelido, ocultado, c:,camotraclo.
,I ·
sim, uma timese parabólica, fonte dr' snrrs nprecin,'ões ele
Se astualizamos seu aspecto invariante, virhwlizando o
valor, melhor, de suas avaliações, pois a idéia de valor surge
" '
como algo cm potência no sentido clássico, como algo que se variante histórico, o valor perde sua consistência material e
apresenta-se apenas como valor, como algo que vale. Pode­
pode actualizar ou do qual nos podemos apr();.:irn�l[ por meio
(:c actualizações.
ríamos ainda, mando de no:-;�'a conceihlação, chamar o seu

"



232 MARlO FERREIRA DOS SANTOS FILO SOFIA E COSMOVISAO 233

aspecto invariante de extensista por sua característica estáti­ i�condicionalidade; tôda necessidade, que é homogênea, está •
ca e homogênea, e seu aspecto variante, de intensista, por sua cercada de contingência, que é heterogênea: rápidos relâm­ •
característica dinârnica e heterogêoea. Recairíamos, assim, pagos de liberdade. São como essas zonas que Dirac encon­

em nossa postulação de assimptotas, reconhecendo em ambos trou na física-matemática quântica, e que s6 pôde assinalar
aS J )ectos seu carácter antinómico, mas inseparável, pois jamais co�o um certo livre-arbítrio inherente às últimas partículas •
poderíamos reconhecer como valor algo a que jamais reconhe� da matéria. Vamos dar um exemplo, um tanto rústico, mas

cêssemos sua possibilidade de actualização, nem vt:rificaría� que poderá dar urna imagem do que dissemos. Estou em
mos um valor no que s e actualiza, sem que lhe corresponda face de'uma árvore, no campo, e ponho-me a expor êsse acan­ •
uma avaliação qualquer, tecim"'nto com essas frases: I'Vej o uma árvore no campo, •
uma .1 rvorc "cnIe na paisagem cheia de brumas, de uma lu­
Mas já aqui surge oulr.t aporü\. NCw serão os inveulo[l.''' •
minosidade difusa. (Até aqui actualizo a mim mesmo e vir­
de valóres novOs ( e inventores !lO bom sentido lIsado por
Nietzsche, que se assemelha ao descobridor) aqnêles qUE" des­
tualizo a árvore; eu sou suíeito, a árvore é objecto ) . E pros� ,
sigo: "Esta úrvore é verde, de um verde claro e tem ela as
cobrem, no que se actualiza, a possibilidade de uma possibi� •
folhas carregadas de orvalho". ( Actualizei a árvore e vir�
lida de, isto él a possibilidade de estabelecer um va.:o1' como
tualizei a mim mesmo. Essa passagem da minha acrualiza­ ,
invariante, portanto como virtualidade, permitindo, assim, que
ção para a actualização da árvore, foi um verdadeiro salto, um ,
se proceda em relação ao futuro, como também ao p assado,
uma tímese parabólica inesperada? salto que revela algo elo que é a liberdade ) . Nunca podemos
ç{)llsiderar a liberdade abstractamente corno uma formalidade,

• • correspondente a um ser de per si, isolado, mas como algo •
que se dá em oposição, Só podemos formar o conceito de
Nota�final - Não se julgue que seja essa tóda a noção t
que se possa dar da liberdade, O tema da liberdade pcrten;
liberdade, numa oposição à necessidade, Poderia continuar
actualizando a mim e virtualizando a árvore, mas eis que ac� •
ce à metafísica e não poderíamos tratar dêle aqui. Podemos,
tualizo a árvore e virtualizo a mim. Esse momento que fica ,
nô entanto, salientar que o dirwmismo antinómico fundamE'Il­
ta de modo inaudito uma nova concepção da EberdnJe, pois, entre a virtualização de mÍm e a actualização da árvore, que
passa de uma actuaHzação para outra , é um acto livre, Sa­
,
podemos ainda salientar: quando actualizamos um' dos dina;
mismos, automàticamente virtualizaiTIDS o outro,
bemos que é difícil entendê�lo, porque êle encerra possibilí­ 4
dudes e funciona com elementos que não são racionais em
Em outras palavras, quando vir:ualizumr<; li a::, achlU; 4
sentido unívoco, mas queremos salientar que não pode ser de�
lizamos ° outro. Há um momento de equilíbrio nessa ação c ,
vídamente entendido e sobretudo vivido ( isto é, ter dêle uma
é, nesse momento, em que a necessidade não ultrapassa a eDn;
vivência ) sem que se experimentem e se conheçam novos es�

tingência, nem essa aquela. tudo's, que ultrapassam os ternas dêste livro, (1)
,
Nesse momento, há urna scmi-actualização e uma sem i"
virtualização, ,
(1) A li b er dad e e a necessidade podem ser considerada a
A vütualizaç:J.o equilibra-se corn a actualização, e bú ai modo e , e , . . Onde há liberdade, há necessidade, Uma liber­ ,
liberdade, um ponto de incondicionalidade. dade sem necessidade já seria outra coisa. A licencio·sidade quer
fugir à n ec essidad e e, é p or isso, anti-ética. A liberdade implica t
Em cada acto, em cada opera ção lógica, se dá êste mo­ a ética, razão por que o seu estudo mais amplo exige outras
,
mento, Desta forma, tóda a condicionalidade está cercada de análises,
,
t

r
r
r
FILOSOFIA E COSMOVISAO 235
f
( Será mais real um facto isolado ou a compreensão geral
dêsse facto enquadrada num conceito que o inclui?

( Que vemos nesses chamados espíritos objectivos, senão o


'
IV domínio da cxtensidadc? Não procuram êles reduzir o CO�
(.
nhccido, o individual �\ sua extensão e encaixá-lo no conceito
(. PENSAMENTO MATEMATICO E ELABORAÇAO extensivamente maior que o individual?

r CIENTíFICA DA EXPERItNCIA - AS VISOES


Não precisamos recordar a{lui o llue ,já estudamos sóbre
DE EINSTEIN. DE SITTER, DE LEMAITRE, DE
(, a intensid:tde c a extensidade. Dispensamo-nos ele repetir o
EDDINGTON
que já foi tratado. Mas para compreendermos o pensamento
,(c
matemático e o pensamento científico, o dualismo, que tantas
( vezes temos saLentado, CJferece-nos um campo valioso.
Observa-se, entre os cientistas e os matemáticos, uma
( dualidade patente, que podemos definir assim: os que pro· Boutroux, outro famoso matemático francês, observou que
,I· curam descobrir invariantes, como fonte de tôcIas as intensi· em tôda [' hist('ria aa matemática predominam, ora um tipo,
dades, e os outros que tendem, ponderàvelmente, para a in· ora outro, ora os analíticos, ora os sintetizadores. . . . essas
.i'
tensidade, para o diverso, para o múltiplo, sem que, no entan· tendências que procuramos opor coexistem sempre, em certo
,( to, tanto em uns como noutros, seja abafada qualqucr das grau, 11 JS períodos de grande actividade matemática, não so·
outras tendências. Demonstram apenas a predominància de mente entre os sábios de escolas diferentes, mas, muitas vê·
-( -
uma das tendências, corno uma manifestação temperamental, zes, num mesmo indivíduo. Desde o momento que distin­
if ' em grande parte. guimos e:.sas tendências no tempo, queremos simplesmente
I Poincaré, o grande matemático, sentil! eSSrl dualidade e a dizer que tal ou qual entre elas é preponderante num dado

"
momento e caracteriza o ideal científico ele 11ma época".
,f RcentuOu em seu famoso livro "La Valeur dê la Sciencp .
Uns ( matemáticos ) cstií,o, antes elc ttldo, preocupados com a Salienta Boutroux o pcríouo eh matcmútica grega, perío­
i'.
lógica . . . Outros se dcixam guiar pela inhlição . . i'\:to é a do que (�le chama de estético, cm que as duas tendências coe·
matéria de que tratam q�le l hes impele' um ou outro mét o d o .
xistiram num dinamismo contraditório, Na idadc média eu­
Se cOJDumentc se diz elos primeiros - que são ol!a !is!as e os
.f rop{ia, já a tClld(\llcia silltctista emerge, por entre llma época
outros geômctras, isso não impede que uns pcnn:1I1eçam ana·
hetcróclita, em que prerlOl,Jina uma intensidade agitada, pois
,I listas, até qnando fazem geometria. cnr:{llanto outros sã(\ ainda
a Idade :f-.1éc1ia européia, estava longe de ser aquela ópoca
geômetras, até quando se oCllpam de Anúlise pu ra. t a na·
ii parada, estática que muitos descrevem.
tl1reza própria de seus espíritos que os hz lógicos (lU intuiti­
vos". "Cmr por, a partir de elementos simples, ele reuniões cada
vez mais ,.:ompl ::xas, e constru ir assim e01l1 tôdas as peças, por
ii "Esses espíritos dominados pela realidade, predomiuam na
sua pr6pria indústria, o edifício da ciência, tal parecia, então,
ciência e n a matemática. :i\bs que é a realiLladc? S C l fLO, por
a missão do motemático. A faculdade criadora elo súbio se
exemplo, mais reais as células ou os útomos (lue cUlllpõem o
• encontra de tal modo exaltada nesse período novo, que, de
nosso corpo ou a matéria, elo que uma idéia (l \ \ e !lOS surge
meio que ela era, transforma-se logo em fim. Deixando aos
no espírito?" pd.ticos o trabalho de interpretar e de utilizar suas teorias, o
(

237
(
236 MARIO FERREIRA DOS SANTGS FILOSOFIA E COSMOVISAO
«
matemático da escola algebrista dá menos valor às teorias cons­ Essa rotação, por sua vez, vai dispersar a matéria c6s­
(
tmídas e aos resultados adquiridos do que ao método pelo !nica. A concentração leva a acelerar a velocidade de rota­
qual êle os alcança. Seu fim principal não é conhecer factos ção e se essa matéria é forrnada de uma massa líquida, ela se «
novos, mas aumentar sua potência criadora e suas fontes de fragmenta em duas; se de urna massa gazosa, sua forma len­
constructor, aperfeiçoando cada vez mais sem pro('essos", ticular se achata cada vez mais expelindo matéria. Pela teo­
,
ria das marés, se as estréIas passam pela vizinhança uma de
:f:ses dois espíritos, que surgem em tôda a hi;itória da outro, dá-se uma extracção de matéria. ,
matemática, travam uma luta constante entre si, luta cheia
de vitórias e de derrotas, em que ora um predomina, ora ou­ E assim formam os planetas. O desequilíbrio conti­
Se ,
tro. :f:sses dois espír itos são necessários para o progrc j)Q da nua sempre. Oscorpos astronômicos se d esa gregam, por
,
matemática e não é possível que um consiga levar a vitória emissões de radiaç6es.
C
definitiva sôbre o outro, e bem sabemos por q;Jc. Na ciência As teorias que se formam para a explicação dos fenôme­
também se observa o mesmo espírito, ora dono inanc ) o ana­ nos astronômicos revelam sempre êsse dualismo, êsse antago­ ,
lista frio, especializante, investigador, ora o sintetizador, que nismo constante de equilíbrio e desequilíbrio na natureza. C
reune os factos para com êles construir a teoria que os iden­ !\ras se deixarmos de lado essas longas teorias e examinarmos
tifique. Quanto deve a ciência ao t:rro? Qllanto · deve ao 'c
o modo de proceder da ciência em geral, vemos sempre que
malôgro? Não foram experiências malogradas que se toma­ tudo quanto é variável, efêmero, negativo é reduzido a não c
ram a gênese de novas e importantes descobertas? Que nos existcncia. Um ngclltc de perturbação não pode ter em si C
mostra a astronomia senão uma série de equilíbriob e dese­ mesmo sua justificação. Não podem dizer o que seja o in­
quilíbrios motivadores de tôda a gama de corpos que po­ variante, como a razüo apesar de todos os seus esforços não C
voam o espaço I Como existiriam astros, sem antes . ter exis­ consegue nunca definir nem mostrar o que é fundamental ,pa­ •
tido nebulosas? E que são as nebulosas senão grandes cam­ ra ela, mas, apesar de tudo isso, ela tem de afirmar que u ma
pos de choques diversos, de equilíbrios e deseqllilí brios das ,
.'!ó ordem, uma única, pode constituir o absoluto. E a ciên­
mais variadas formas? Do Caos primitivo, temos de captar cia escolheu a extensidade homogeneizante, influída pela ra­ ,
dos aspectos contradit6rios, para comprendê-los, dois possí­ zão dos racionalistas, como base para a explicação do mundo ,
veis, ora mais ou menos actuais, ora mais ou menos virtuais, físico-matemático.
mas antagonistas sempre. ,
A ciência, em geral, combate o a priori para afümar o
Se os astros exigem, para serem criados, condens·ações na t
a posterioti, como já vimos. Mas o que é interessante é que
energia das nebulosas, essas condensações foram desequilí­ a metafísica, embora julguem os metafísicas e os cientistas o ,
brios de um certo momento. "Se em cada massa de gaz em contrário, é a posteriori, enquanto a ciência, ao deixar-se do­
condensação, o movimento, em cada ponto, tivesse �ido diri­ ,
minar pela cxtensidade, procede sempre a priori. A metafí­
gido para o centro, teria resultado finalmente uma :nebulosa sica trabalha a posteriori, fundada nos conjunctos cognitivos ,
esférica, absolutamente imóvel; mas o menor defeit.o de si­ gerais dc ond c ela surge, embora pareça que não, enquanto ,
metria, num sistema de correntes, devia dar a cada massa em a ciência coloca-se sempre, ante a realidade, sob um ponto de
vias de contração um movimento de rotação, lenta no início, perspectiva apriorístico. ,
mas crescente à proporção que a massa se contractu cada vcz t
mais, em virtude do princípio da conservação do mO',imento
• •
angular" (James Jeans ) . t
,
t
I
I;
rI

I.

CI
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 239
238
I,

CI A ciência fundamenta-se num princípio teórico universal­ tínuo, cujas partes podiam ser divididas ao infinito, tôdas

mente válido. Não é cOmO a filosofia que tem um princípict idênticas entre si.
I,
teórico, particularmente válido, porque esta interroga, quer Que é significativo nessa concepção?
c. saber.
É dirigir-se directamente contra tôcla heterogeneidade que
(� A ciência funda-se num princípio 1l1lir.crsalmcllte üúlido, possa ser insinuada em qualquer partícula do tempo. Na
t, porque a ciência sabe. Ao lado das duas, podemos pôr a noção de espaço Hbsoluto é êste de uma homogeneidade rigo­
religião que crê. rosa, uma ideIltidade que nada pode perturbar. Os objectos,
C,
as formas são de uma variedade-extrema, mas são fund'ldos
Para fazermos uma rápida explanação clara, c ao mesmo
(p numa - homogeneidade perfeita, com um fundo idêntico, con­
tempo em profundidade da teoria da ciência, queremos anali­
t� trário a todo e qualquer antagonismo em seu seio, portanto
sá-la em seus fundamentos epistemológicos, aproveitando tu­
sujeites à .não aniquiJação, ao não desaparecimento, eternos,
l� elo quanto já estudamos e lançando mão, tarnbóm, de noSSo
constantemente sempre os mesmos. Daí as leis fundamentais
:I � método que, estamos certos, o fereccrá agora amplos benefí­
dessa ciên-.::i a, C0r.10 a da conservação da matéria, a da con­
cios. Se não podemos penetrar na totaliebde c1êste tema, que
,
servação da energia, a da conservação da fôrça. O espaço é
I, exige obra maior, podemos, no entanto, aproveitando nosso
absolutamente simultâneo, um infinito de identidadcs.
J.
método, mostrar como é possível fazer uma anúlise da ciência
em seus fundamentos teóricos, facilitando um emprêgo exem­ Corno a realidade nos mostra corpos solidas, mais sólidos
I� e menos $61idos, rígidos, mais rígidos e menos rígidos, essa
plificativo, que será bastante t'ttil para outras investigações.
\\1 ciência, fundada inteiramente na razão e nos seus princípios,
Para evitar um estudo histórico da ciênciQ, que as dimen­ constmÍu o espaço como algo rígido, mas absolutamente rí­
i � II sões do livro impedem, estabeleçamos um mnrco, dividindo-a gido, transcendendo assim à experiência para criar uma idéia
,\� em duas fases distintas: a) fase pre-relativista e b ) a relati­ de simulta'neidade, de extensicladc ahsoluta. Para essa ciên­
vista, na qual estamos. cia, movin�cntar-sc cra mudar de posição.
,\�
A ciência pre-relativista fundava-se no princípio da ho­ \las mudar implicava a inclusão do tempo, porque mu­
J�
mogeneidade geométrica do espaço absoluto c de 11m ten1po dar seria p:lssar de um lngar para outTO, e essa pass�gem, não
lU também absoluto, isto é, ele uma sucessão hOlllog('llt'a e inva­ scndo simultânea, exigiria o tempo. 11as cOmo o tempo cra
, (1 ) riante. Tendo, como ponto de referê11cia, êsse ponto ele apoio compreendido apenas como espaço, o tempo não perturbava
tão sólido, era fácil compreender o movimento c qualquer a identidade que se movia. Tôda a cinemática clássica, ciêu­
,ti l
situação, restando apenas aquelas antinomias da razão, já ex­ cia do movimento, não encontrava, então, nenhuma dificul­
,I", postas por Kant, a ameaçá-la. 1las a certeza C111 que se d a d e para Jundamentar�se. A inércia seria uma tendência da

,h
apoiava a ciência de então era uma promessa constantc de identidade para guardar sua identidade, e embora Becq uerel
poder superar tais antinomias. Mas, nessa fase, na realidade, dissesse ql.e "a inércia é essa tcndência da matéria em guar­
i�••
o tempo havia sido eliminado em favor do espaço. O tempo dar seu estado de movimento", nada vinha prejudicar, porque
I!I tinha. um conteúdu que lhe era dado como aplicação da ex­ êssE's conceitos obedeciam ao princípio rígido, já aceito pela
tensão geométrica. Em outras palavras : o tempo cra redu­ c 'iência como fundamental. Desta forma, não havendo mO­
•I
zido ao espaço. E realmente, dizer-se quc o tempo era uma dificações no m6vel em mo\'imento, que permanecia idêntico
\ fi si mesmo, o movimento não destruía nada, de forma que
sucessão homogênea e uniforme, cra aceitá-lo como um eOn-
\,
-

,{
«
f
240 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 241
(
uma identidade substituia outra. Mas, para explicar o movi� os corpos ) em movimento, contrai-se, e essa contração é ascen­ t
mento, cuja identidade tinha de permanecer invariável, foi dente. Ao alcançar o movimento a velocidade da luz, êsse
(
preciso aceitar-se um elemento, fonte dessas modifica ;õcs, uma corpo teria apenas duas dimensões. Desta fanua, a massa,
causa dessas perturbações, que, na realidade, eram aparentes, que na dinâmica newtoniana, n a dinâmica pre-relativista, era �
e surgiu um agente misterioso, ao qual deram o nome de invariante, passa, na relatividade, a ser uma grandeza variá­ {
Fôrça, vel. Uma porção de matéria terá urna massa relativa ao sis­
{
tema de referência e aumentará com a velocidade. :E:sse au­
Mas êsse conceito era em si mesmo idêntico e actuava à
menta será função da velocidade. Quanto mais aumenta a
distância, sem perturbar a identidade do móvel. M2S a fôrça
velocidade, mais aumenta a maSSa. E quando isso se dá, dá� �
não era a aceleraçao. A aceleração era o resultado da ação
se uma diminuição do tempo próprio. E quando a velocidade
directa da fôrça sôbre a massa, que era uma quantidade in­
atinge o valor limite, que é a velocidade da luz, isto é, quan­
variável da matéria móvel.
do a porção de matéria se mov� na velocidade da luz, a mas­
Dessa forma, a fôrça passava a ser uma causa abstracta sa torna�se infinta e o CurSO do tempo estaria suspenso. (Na
da aceleração, como o tempo absoluto o era da suces_são. realidade tal não se poderi� dar porque seria necessário que

Assim, a ciência pre-relativista era fundamentada na ex·· o móvel possuísse uma energia infinita, e uma energia infini­

tensidade, dominada por esta, avasalada por esta e, filosOfi� ta é absolutamente contrária ao próprio sentido de energia,
(!1.le tem de ser limitada porque uma energia infinita seria
came:lte considerada, punha-se totalmente sob a proteção da
total, portanto não poderia actuar ) . Vamos a um exemplo:
concepção de Parmênides, que FI. tivemos oportunidade de
imaginemos um corpo, que percorre o espaço, cuja massa é
examinar. Era, assim, uma obra gigantesca da Razão, mas
totalmente absorvida em seu próprio campo. m, e tem lima velociclade v. Aumentando v, a velocidade, 4
a massa do corpo m aumenta e o tempo diminui. Imaginai
Vimos que o ponto de referência da ciência pre-relativista que essa velocidacÍe é tão veloz como a da luz, a massa cres­
era um ponto s6lido, o espaço homogêneo e absoluto. Mas a ceria ao infinito e o tempo desapareceria. Pois um especta­
ciência relativista vai revolucionar tôda a ciência, ao conside­ dor veria simultaneamente o corpo no ponto de partida, como
rar êsse ponto de referência não mais absoluto, mas relativo: no de chegada, bem como, ainda, no espaço compreendido.
nã,) mais homogêneo e firme. Desta forma, a massa deixou de ser aquela invariante que era

Sabemos que não é fácil, sem o uso da matemática, ex� na ciência pre-relativista. A relatividade veio assim tornar a

por a teoria da relatividade, nem poderíamos aqui examiná�la massa e a energia a mesma coisa e o princípio de conservação
mesmo em seus aspectos gerais. Mas, procuraremos expô-h da massa e o de conservação da energia, que antes eram dis­
de forma a dar um conteúdo exacto e não êsse que se apre­ tintos, .�ndam-se numa nova grandeza, mas relativos ao siste­
senta em geral nas obras de divulgação científica. Não será ma de referência. Dessa forma desaparece a identidade da
uma exposição completa, mas a mais rigorosa, no entanto, que ciência pre-relativista, para permanecer apenas a relatividade.
llOS é possível fazer.
Assim a concepção extensista, predominante até então,
Uma célebre experiência realizada por l.1ichelson, em passa a sofrer restrições de um outro factor, a intensidade.
1881 e relomaua por OUu-os cientistas, veio abrir o campo para Mas essa posição não satisfaz a razão e não são poucas as
uma nOva concepção do espaço, corno também do tempo. tentativas que se têm feito para superar essa situação incômo�
Um corpo ( que naturalmente tem três dimensões como todos da. É necessário encontrar alguma coisa única atrás de tudo
242 MARIO FERREIRA DOS SANTOS
FILOSOFIA E COSMOVISAO 243

o que se transforma e se movimenta, a1guma coisa idêntica a


instável: '\1e não poderia permanecer por muito tempo em re­
si mesma. Essa narural tendência do espírito h u man o :t iden ­
pOtlSO, mas se peria imediatamente a dilatar-se até o infinito
tidade, f:sse desejo do eterno, do perfeito, do ahsolu to, é por­
011 a contrair-se até não Sf'j' mais do que um ponto" Con­
que êle conhece o relativo, o in te n sista , o vário. o diferente,
clui o abade Lcm ai tre que o un iverso está em expansão ago­
portanto afirma o hetcrogênco. Eddington chega ,\ con c1u­
Ta, m as é alternado por fases de contr(1cção.
,\ são, depois de reconhecer êsse impttlso do nossO espírito, que
a "substância", a "natureza das coisas" p c rmane ç':1 para sel11- ;"'Tão consegllem os rebtivistas, por rnrds CJue se esforcem,
pre, para n6s, desconhecida. Eddington conclui qllC a hete­ lib ertar-sE' do , 1ia1cctisITIo antin ômic o que toma o Universo
rogeneidade está no objecto, está neste mundo (l u e talvez instável, c se há uma certa estabilidade, eSSa só pode ser COn­
nunca possamos conhecer, e não no sujeito. Einstein, porém. cebida como dinr,mica: uma c5tabilidade COmo eqt1ilíbrio do
\,
opõe-se a i%o. A hcterogeeidade, o v:uiante es tá 110 suj C'i to d evi r. E ;ta é <I s ihm ção aChml da ciência em seus fundamen­
.' e não no objecto. :E: no sujeito que- estll a dC'scontirlll idadc, é tos teóric' iS .
no subjectivo que está a intcnsidade hctcrogênea.
A relatividade veio traze r mais uma prova à concepção
Que se �onclui daí? Que ambos não podem fugir ao du a­ nntinomista do universo.
lismo, ao antagonismo da existência, essa estmtmu dl1alística
I. Tôdas as tentativas feitas alé agora para superá-la, e
antinómica do nosso espírito como do m undo tcmpo-espllcirrl.
c o nst mi r um u niverso idêntico, ma]orrraram.
\, Por não compreender que essa situação em que se encontra o �

espírito é conseqüência de não ser considerado o sCu carácter ?\fas uma posição como a nossa, que se coloca acima dês­
dialéctico, carácter dialéctico também de tôda C'xistência, é se dualismo e pode conceber o universo (;om êsst> car ácter
que Eddington, em seu livro "La nature du momlC' ph\-siqm," , pulsativo, l]ue nêlc encontrou o nlnde Lemaitre, mas ver cssa
\ ao lembrar a frase de Hamlet "devo me limitar a uma casea pu ISrlção cm tôcla existência, tssc antagonismo em todo o exis­
de noz e me considerar corno um rei do espa�'o infinito", aca­ tir, ô permitir (PW se ab ril UIll novo caminho para nOvas in­
ba por exclamar: "O que é é llma l'nvoltllra quc fl u t u a 11a '\'Pst igaçües, ao meSmo tempo q llC nos permite possamos vi­
,I infinidade do que não é". !\las eSsa c\:c1ama�':i() d(' Ellllillg­ sllaliz<lr o pensamento humano de um àng\1lo superior, c com..
ton é mais profunda ta1vez do quc êlc ju l gava , c \';li mais l on ­ prf'ender as d ivergônci a s, c ul trap as sar o estreito de uma C(>n�
ge do que poderia rens::).r, porque ela é profundamente- d ia ­ cep�'ão u nÍvoc a, c permi tir qne nosso espírito, conhecendo
léctica ao aceitar a antinomia ela afif1m\�'ão c ela l l C'!_';a\'ão. t outra sutileza, p os sa iIlvadir nOvos terrenos, s em mêclo de
eSSa razão do equilíbrio instável da existência, o d i n'amisl11n
afrontá-lo,', Viveram os pensadores procu ran do ocultar, es­
da própria nahueza,
camotear, consciente ou inconscientemente, tudo quanto vi­
Eis que surge De Sitter, um grande fís i co, c verifica que nha perturbar a doce tranqüilidade de uma concepção homl " .

as propriedades de seu universo " , lhe mostram . " que o génea e estável. A nova filosofia, que h á de surgir, não tc­
espaço rn<lrca uma tendêr.cia a se contrair e a se dilatar, e m eTÚ mais penetrar pela selva das contradições e as aceitará
que todos os objectos, que nêle se encon tram , tendem a se como constihüivas da existência, pura, por mcio delas, poder

afastar unS dos outros ou a aproximarem-se precipitadamente", efectivar nrna visão mais ampla, mai� geral e mais concreta
da realidade.
Surge o abade Lemaitre, da universidade ele Lou\'ain, em
cujos trabalhos recentes conclui que o Universo "é um edifício o o o


FILOSOFIA E COSMOVISAO 245 •
244 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

tiye, é que algo da primeira ficou, senão não poderia compa� •


Já vimos e estudamos por diversas vêzes a tendência co­ raro E a consciência do diferente nasce dêsse choque entre •
mum na filosofia em querer reduzir o tempo ao espaço ou
o passado e o presente. Assim a experiência do mesmo, exi­
vice-versa, e não vamos repetir os argumentos de uns e de •
ge um esfôrço de memória. Para dizer que isto é o mesma
outros. Todos nós falamos sempre do tempo e do espaço,
daquilo, tenho de ter a memória do segundo, para poder com­ t
no entanto são dois conceitos ricos de problemas, dos quais
pará-los; e quando digo que são diferentes é que o segundo ,
já tivemos oportunidade de focar alguns, mas ainda estamos
desmente o primeiro.
longe de haver examinado todos os aspectos. ,
�Lis para apanhar o heterogêneo, o diferente, o vário,
Vê-se, na psicologia, que a noção do espaço tem sua ori­ ,
b as t a apenas o sensível hnediato. Para nescobrir o homogê­
gem no mundo sensível, muito mais que a de tempo. Mas, o
neo necessito que a memória intervenha. Mas nunca pode� ,
que não resta dúvida, é que tanto uma noç·ão como Outra
surgiram da experiência e foram exercer, posteriormente, sô­ ríamos dizer que a experiência directa é diferente se não (
bfU a própr;a experiência, a sua a<;üo modeladora. Embora possuíssemos já o crit{,rio do idêntico e ele seu contrário, o
,
as consideremos ou como aparências pragmáticas dl " espírito diferente. Se assim não fôsse, nunca distinguiríamos o que
ou como provenientes de qualquer princípio desconhecido quer que fôsse, para dizermos que é heterogêneo. O co� ,
para nós, um noumcno por exemplo, não podem ser destaca­ llhecimellto dessas duas noções exige uma ordem 16gica in� ,
das da experiência. A noção ele espaço tem sempre algo de versa. Assim todo conhecimento, como exige consciência,
real, enquanto a de tempo tem sempre algo ql, e cou"leça, que exige memória, exige que alguma coisa permaneça a mesma. ,
se desenvolve. Mas, no entanto, nem do tempo nem do es� ,
paço, temos uma intuição sensÍve1, uma percepção, nem uma A idéia de espaço é, comO já vimos, uma idéia abstracta.
O espaço sl'para�se para nós da percepção sensível. Consi� (
intuição direta. Permanecem ao bdo da experiência como
conceitos. O mais concreto que temos do espaço não vai deIamo-lo corno transcendente às percepções, e onde as per� (
além do espaço da geometria, do espaço matemático, que p. cepções S8 processam.
t
é uma abstração. Consideramo-lo pela razão, como idêntico a si mesmo, t
E o mesmo quanto ao tempo que é uma realk�ade abs­ sempre igual a si mesmo. Não é inseparável a noção do
tracta como aquela. Tudo que existe corporalmente pode ser espaço da memória, uma memória estática, imóvel. O espa� I
símbolo do tempo, porque tudo tem tempo, mas não podemos ço, como não o podemos conhecer, como êle não é algo, êle I
ir além dêsse simbolismo. Na entanto, na nossa interiorida­ não é própriamento estático, mas estatizado por nós.
(
de, sent:imos, vivemos o tempo, porque tôda a nossa constru�
O espaço é reversível, enquanto o tempo é irreversível. t
ção psíquica consciente passa-se no tempo. Assim também
Mas a reversibilidade é a característica da memória. Como
nas experiências exteriores, o espaço se impf'e, SE''11 que o
possamos captar. Quando se estuda a consciência, na Psico� poderíamos, sem a memória, ter a noção da reversibilidade?
logia, não se separa a memória que a ela está ligada. A me� Como poderíamos saber que fazemos um percurso e depois
mória inclui a aceitação do tempo; a memória reverte o tem� fazemo-lo inversamente e termos consciência dessa reversibi�
po q\,;.e já passou. Recordar é reverter. Não haveria cons� lida de se não houvesse memória?
ciêIlCÜ se algo não permanecesse no espírito. Cu nsdênci a Como poderíamos dizer que uma percepção é semelhan�
. (
é ciência COm . . . Alguma coisa fica até chegar a ' nova. E
te, igual ou diferente de outra se não tivéssemos memória?
quando afirmo que uma experiência é igual a outra que já (
..
,
I

246 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO 247

I Na verdade, não percebemos o espaço, mas percebemos Um minuto não fica ao lado ele outro minuto. No entanto,
no espaço ou pelo espaço. Não percebemos tampouco a mu­ quanto ao espaço, sentimos que há simultaneidade; um espa­
(,
tação, maS a coisa mudada. ço compreendemos ao lado ele outro espaço, não concebemos
I, uma parte do espaço que sllccda a Olltra. O tempo é assim
Percebemos uma aparição e uma desapariçt!o, c a iden­
"lidade ou a diferença entre u m estado e outro são dados pela destruidOl , transeunte, passageiro, enquanto o espaço é con­
permanência dessa aparição ou pela hirça dessa desaparição. servador, constante, imutúvel, cstático. Não concebemos a

E quanto ao tempo, vemos que não apreendemos o instante realidade fora dêsscs dois conceitos que se impõem a tôda a
'que passa; mas o instante que passa nos é daelo a conhecer nossa experiência objectiva e, no entanto, estão ambos a afir­
pelo futuro e pelo passado-memória. mar um dialectismo do qual não podemos fugir, uma antino­
mia que não podemos deixar de reconhecer.
Quando sinto que algo aparece no meu campo perceptivo,
'sinto naturalmente que algo desaparece . . Já mostramos que
não teríamos a _
noção do tempo se nossa percepção fôsse con­ • •

( tínua. Então tudo nos seria dado corno um todo. Percebe­


ríamos tudo. Mas nossos sentidos são limitados, selectivos,
(, Falamos tanto do nada e o representamos como a au­
portanto parciais, descontínuos; captam apenas parte. Onde sência de alguma coisa, por isso o conceito de nada, apesar
,\\ l1á percepção, há não-percepção; onde há conhecimento, há de ser um conceito vazio, é pobre de vazio, porque não po­
desconhecimento. Nossa consciência exige uma parada tam­ demos ter a representação do nada, mas sim a representação
bém. Nossa incapacidade de abarcar simultnneamcntc tudo, da ausência de alguma coisa.
\
(por isso o conhecimento é descontínuo ) , dá-nos a noção do
Pode,TIos suprimir uma coisa, êste quarto, por exemplo;
tempo. N6s vivemos por intermitências a contill uidade. Po­
aceitamos COmo nada êstc quarto, mas aceitamos essa casa.
\, dem alguns dizer que essas intermitêllcias são apenas apa­
Pl'Ossigamos suprimindo a casa, 1I0S50 país, êste planeta, o
rentes. Aparentes ou não, elas se dão, e se sucedem como
munuo solar, o nosso universo, até aqui ainda podemos repre�
poderiam suceder se tudo fôsse contínuo?
f. sentar es"ClS ausências, mas quando quisermos suprimir tudo,
o dinamismo do tempo é um dinamismo enh'c o ser e o tudo, para nãa restar nada, então sentimos que dentro de nóS
nada relativo, entre o que é, deixa de ser, torna a ser. Uma algo se rebela. Algo em nós aceita êsse nada como impos­
descontinuidade do ser é uma intercalação de IlllO-scr. Co­ síbilid, de. Não é só o nosso espírito que não o concebe,
mo nosso conhecimento é descontínuo, intercala-se , nêle a mas nosSO pr6prio ser que se opõe. Nós temos a patência da
I:
desaparição por entrc a apariçãO, o que smgc e o que dcsa* existência ( quando tenho certeza do que vejo tenho a eoi*
1_ ' parece. Essa descontinuidade nos elá a idéia de passagem dJ1!cia, quando do 'lue sinto, tenho a pati'ncia, de patire,
\ de tempo, que abstraimos depois num tempo homogêneo, sentir ) . Tanto nosso espírito s e detém como s e detém nosso
constante, como duração, como o faz posteriormente a razão. ser. Nãc· podemos aceitar o nada absoluto. 1tle é para nós
'II
Mas o tempo está ligado a tôda a nossa psique, e tôda a nossa uma impossibilidade. ?\hs sentimos também que noSSO racio·
�, subjectividade é tempo. t tã o intrinseco ao conceitu de tem­ cínio nêle não pode penetrar; é o nada algo que nOS escapa
po o de desaparição, que conhecemos o tempo coma suces­ como conceito. Essa situação de nosso espírito nOS mostra
'II
s5.o; um instante vem c substihli outro; sucede a outro. O que tanto o estático como o dinàmico não podem ser absolu�
\' minuto que passa é substituído por outro minuto qlle passa. to s . Para conhecer, precisamos estatizar o fluente, porque co-
\I

"


248 MARIO FERREIRA DOS SANTOS •

nhecer é actualizar alguma coisa, parando-a. Nosso anta­
gonismo de espaço e tempo, antagonismo antiw")miC0, portan­

to irredutível, coloca-nos entre o estático e o fluente. E é •
tal situação, também, que Dão nos permite tenhamos um
'.
conhecimento absoluto nem uma ignorância _absolllta, Co­ VII
nhecer é reconhecer. Reconhecer é encontrar o mesmo, o c
igual, o semelhante. O nada pode ser concebido (�e outras A CONSCI�NCIA - A TEORIA DA AÇAO C
maneiras como o expomos na "Dialéctica" e em Ol.tros tra­
balhos. Dizia Kant que nos "é impossível representar que ,
não há espaço, embora possamos muito' bem conceber que :f: em geral usada a palavra consclencia para designar ,
não há objectos nêle", Realmente, mas essa representação duas ordens de fenômenos psíquicos, distintos uns dos m'tras,
,
que temos do esp�ço poderia acaso existir sem precisamente cujas características e natureza procuraremos estudar aqui.
essa supressão, pelo nosso pensamento, dos objectos que e's­ ,
São essas as duas ordens: a) o estado de consciência em
tão nêle? Mas é por suprimirmos os objectos que estão nêle,
relação aos movimentos, tendências, mecanismos inconscien­
,
que temos uma noção teoricamente pura do espaço? :f:ssc's
tes; (
objectos são heterogêneos, e não é retirando-os que podemos
conceber o espaço como homogeneidade? b) a totalidade da vida psíquica, compreendendo tanto ,
Só posso representar o espaço homogêneo pela supres­ a ordem consciente, COmo a ordem inconsciente.
,
são dos objectos heterogêneos; é suprimindo-os que obtenho
Vamos empregar aqui o têrmo consciência, compreen­ (
a noção de espaço sem objectos,
dendo êsses dois sentidos, mas esclarecendo, sempre que ne�
C
cessário, ao que êle se refere, Já estudamos por muitas vêzes
o aspecto dualístico funcional de nosso espirito: a parte ra� C
danaI, reflexiva, intelectualizada, e a parte intuitiva, irra­ «
cional�
t
Quando predomina a intuição na consclencia, passam a
«
identidade, as tendências sintéticas da razão, ao subcon:;:­
ciente, sem que deixem de exercer sua ação sôbre a ação in­ «
tuitiva, pois, partindo do nosSO princípio da contemporanei­
«
dade, não há conhecimento do singular sem o geral, e vice­
versa, A intuição de um objecto pelo espírito, embora êste
«
nêle intua, realiza uma classificação, que já é função da parte «
jntelectiva.
«
Não pode o homem ter um conhecimento singular sem
«
aspectos racionais; a razão é implicada sempre. Se vejo pela
primeira vez alguma coisa1 um objecto novo, desconhecido,
(
ao mesmo tempo que o intuo, compara-ol com algo já conhe- (
(
(
,

(
(

250 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 251


c
ciclo, "quero" com�preendê.lo, saber o que r. O mesmo se da consciência, temos um dialectisrno entre as coordenadas
dá com a razão quando funciona na objectividade real, a da razão c as da intuição c, nestas, um dialcctismo interno.
qual não pode dispensar a intuição, e quando entregue ape­
Individualmente os homens se diferenciam pela maior ou
nas a pensamentos, nunca se afasta completamente do intui­
mellor predomintincia dessas funções. Há os intuitivos e os
tivo, que lhe fornece pensamentos também do singuhu ( ima­
( , racionais, que são sub-ordens das grandes classificações d a
gens, etc. ) , como para comparar, como para fortalecer, cor­ tipologia.
roborar ou opor-se a uma corrente pensamcntal. Quando mc­
ditamos racionalmente sôbre um problema de ordem moral A cOllscic1ncia intelectual ( com;ci�ncia com a razão) e a

ou política, penetram por entre êsses pensamentos factos sin­


consciência 'intuitiva ( consciência com a intuição ) , eis as duas
(, ordens da consciência que iremos estudar.
gulares rnentados, imagens de acontecimentos, observ<lções
(. isoladas, que vêm para fortalecer a opinião que formamos Na consciência intelectual o conflito entre o racional e o
i, ou para desmenti-la. Que nos mostra hldo isso? 1Jostra· intuitivo revela a predominância do primeiro sôbre o segun.
nos que o nosso espírito funciona sempre dialecticamente. do, o dcdutivo é actualizado e o indutivo é virtualizado; a
L
Não há um pensar apenas racional, nem apenas intuitivo. identidade é actualizada e a não··identidade ( diferente) é vir­
(, Há, no primeiro, no intelectual, racional, urna predominância tualizacla.

i\ do racional, isto é, aqui, no choque, prevalecem sempre os


Na con:,;ciência intuitiva dft·se o inverso.
pensamentos fundados nos principias da razão, enquanto, no
i, segundo, a ordem dinâmica é inversa e nela predominam as Por consclCllcia intelectual entendemos o conjunto dos

\ ' intuições, o irracional, o diferente, enquanto o racional é vir· estados de consciência e os dinamismos antagonistas subcons.

tualizado. cientes que os provocam ( pois as coordenadas da razão tê n


i
a participação contemporânea das c oor d enad a s da inhl i.;ão ) .
i ' A consciência está sempre presente quando do ft1ncio� �hs, ncsta consciência, todo o funcionamento d o processo
namento dessas duas funções do nosso espírito. \' imos que consciente marcha para a predominância da identidade, do
essas funções são o reultado de um processo de coordenadas, racional, como já vimos.
e o têrrno nos serve perfeitamente bem. As coordenadas d a
Considera�se inteligência o conjunto de tôd.as as funções
função racional, intelectual, sâo u m a ordem uinàmica com
que têm por objecto o conhecimento, no sentido mais amplo
predominância da extensidade (pois a razão é cspacializantc ) ,
(, num embate d e vectores intensistas ( intuitivo s ) c extensistas,
da palavra ( sensação, associação, memória, imaginação, en­
tendimento, razão, consciência ) .
É ela colocada comumente
( " com predominância dêstes, que são actualízantes; as coorde­
em face dos' fenômenos afectivos e dos fenômenos activos ou

nadas da função intuitiva, irracional, são de uma ordem di­
\, motores. E assim como consideram a inteligên m geral, os
nâmica inversa, com predominância da intensidade ( pois a
I intuição é intensista ) , num embate de vectores extensistns
psicólogos. Não é a inteligência, apenas um �rte da vida
psicológica, nem é inteligente apenas ° que é capaz de um
_1.\ ( racionais) e intensistas, com predominância dêstes, que são '
bom raciocínio. Inteligente é o que é capaz de actualizar a
achTalizados.
1\ intensidade e o diferente, a intuição, por entre as actualiza­
Ora, sucede que não somos, p01tanto, nem racionais pu­ ções da extr�nsidade, da uniformidade, da identidade, ainda
\,
ros, nem intuitivos puros. Temos um dialectismo interior, com a capacidade de poder percorrer tôdas essas coordena­
I' das do espírito e viver as diferenciações, as semelhanças e as
formado pela consciência c pela inconsciência. No campo
I)

I,
(
(
252 MARIO FERREIRA DOS SANTOS f
FILOSOFIA E COSMOVISÃO 253
(
sínteses. Por isso a inteligência não é algo que se ensine�
acontecim ento qualquer, onde há a influência de um ser sôbre
mas é inherente ao individuo, à constituição do seu complexo (
outro ser qualquer. Posto isto, relembremos os estudos já
vital. O mais inteligente é capaz de viver essa lub interior (
feitos sôbre a diferença na ordem dinâmica entre os sêres
do dinamismo diverso do espírito. Pode êle adquirir um
vivos e os sêrcs brutos) entre a matéria orgânica e viva) e a (
método capaz de permanecer por êsse conflito, sem deixar-se
matéria inorgânica, bruta.
nunc� avassalar por uma ou outra das coordenadas do espí­ (
rito, e aproveitar delas o sentido concreto de realidade que elas Na matéria bruta, a ação e a reação são sempre cons­
(
oferecem. Tôdas as funções que são consideradas, :como fa­ tantes c simétricas. A tôua ação corresponue uma reação.
zendo parte do espírito, já as estudamos na psicologia. Essa relàção é constante e igual. Já nos sêres vivos, a ação �
e a reaç:ão fí�iço�cluímicas não têm essa relação simétl"ica tão
Interessa-nos, agora, focalizar alguns aspectos ca consci­ ,
acentuada, pois a reação pode superar a ação, isto é, o dis­
�ncia accional ( volicional ) , que tem correlação com a intui­
pêndio de energia de uma reação pode ser superior ao da ,
ção.
ação) e, além disso, variável. Uma bola de bilhar, ao rece� �
Uma observação que se faça entre o fenômeno vivo e o
ber o impulso de outra, mover-se-á sempre numa relação cons­
fe_1ômeno físico�químico, em suas diversas complexidades, le� (
tante de fôrças que a mecânica estuda, Um ser vivo rea­
va�nos a uma visão geral da consciência accional) o que dese�
girá numa relação inconstante ou mais ou menos inconstante, (.
jamos realizar aqui.
porque, nos sêres vivos, dá�se outro conjunto mais complexo,
(.
Tal tarefa nos permite urna visualização geral do que já • que é o da incitação) de que já tratamos.
estudamos na psicologia e do que iremos agora estudar. Em� (.
A proporção que se complexiona a vida) complexionam�
bora seja urna distinção sutil) convêm ser feita desde logo a
se as ações e reações dos sêres vivos. É que em tôda ação (.
que se pode estabelecer entre ação e actividade) de um lado,
do ser vivo há uma meta a atingir, um fim a alcançar, e por C
ação e passagem ao acto) de outro) que tantas vêzes são con­
isso põe em movimento, não apenas a parte atingida) mas o
fundidas. (
todo, a unidade orgânica que movimenta, que lança mão de
Na ação, psicologicamente considerada) há um fim a suas reservas para reagir; portanto, põe um ímpeto mais ou (
atingir, uma missão a realizar, uma meta a alcançar. Ela menos maior, sem que haja uma relação constante. Com a
surge de um processo que pre�tende e propõe-se realizar al­
(
complexidade da vida, a simples ação e reação são substituí­
guma coisa e esta coisa é) nesse instante) apenas uma possi�
das pelo tropismo, éste pelo tactismo, êste pelo instinto, pelos (
bilidade, ou tem algo ainda que é possível alcançar, porque reflexos condicionados e) finalmente, êstes, através da inteli� (
a meta é ainda o que não está atingido, o que êle se propõe génda, pela vontade, e suas outras funções que citamos aci­
atingir. Em tôcla ação há uma passagem ao acto, mas cssa ma, Assim ;\ Pl"oporç'ão (lUO O animal se complexiona, vemos (
não o define, ponlue a aç:ão não ó apena s a passagem ao ado, surgir uma função que já delibera, que escolhe, que executa, (
mas também a intenção. como vimos nos exemplos do tactismo) no próprio instinto,
(
A actividade é o carácter do ser que é ac�ivo. que está sempre coordenado com uma função accional. Quan�
do o ser vivo atinge a complexidade do homem, há uma inM (
Nas ciências naturais emprega�se ' o têrnlO G{ão num seIl�
versão total na ordem da natureza viva. Os reflexos, que no
tido lato. (
animal inferior são prcdo'minantes) passam a ser substituídos,
1\'ós, porém, O usamos dentro da psicologia, o qual inclui,
não porém eliminados, nos sêres superiores até atingir o hOM C
previamente, uma meta a ser atingida, para difl:renci��lo de um
mem. C
(
(


( .�

< I

\ ,
FILOSOFIA E COSMOVISAO 255
254 ;MARIO FERREIRA DOS SANTOS
(,
' " A êste, já não lhe bastam os instintos para movi mentar­ que, entre elas, êle deve escolher. Essa vontade tem uma
se n a vida; surge, então, o que se chama cultura. O home m
história dentl:o de cada indivíduo, porque ela não surge des­
\"
precisa deliberar, escolher, executar, lançar mão de suas re­ de logo, mas. desal1rocha-se, desenvolve-se pela juvenhtde, até
I ,I
servas energéticas, ordená-las em ação pela vontade. Sua atingir, na iLlade adulta, seu ponto mais alto, para decrescer
dep o is , deixar de ser ela mesma, pam tomar-se h ábito .
\ I vi da accional s egue uma ordem inversa. Quanto mais de­

\ .1
cresce a parte reacionaI da natureza, aumenta a parte inte­ Colocado ante a vida, o homem, COmo um animal com­
lectiva. A consciência accional se desenvolve, o homem quer plexo e superiormente heterogénco, teve de desenvolver sua
\ , e sabe que quer, e auto-estimula-sc, auto-incita-se.
inteligênch, organizar suas funções, claSsificá-las para poder
� \� Alguns psicólogos julgam que a vonta de é um a forma de­ enfrentar a vida. A vontade surge, então, por entre êsse
gradada da ação. Sim, se considerarmos a ação apenas no imenso mundo de possibilidades para fazer uma es co lha . Já
\ .
sentido que a emprega as ciências naturais. 11as se conside­ vimos que o homem é o ser que m ais conhece e acredita nas
I ' possibilidades e por ter consciênda delas e em nelas acreditar,
rarmos o germe por n6s citado em t6da ação biológica, que
\� tem um tender para alguma coisa, um fito a Ser alcançado, éle executoL, realizou, criou, cultl1ralizou-se. O mundo da
vemos que êsse fito cresce à proporção que a vieb se com­ cultura, que só pertence ao homem, é um produto da aceita­
\� ,
plexiona, enquanto decresce a ação no s ent ido meramellte Jas ção das possibildades. A vontade, já vimos, é um acreditar
\<� ciências natura is e a vontade surge para substihlí-la, at(� atin­ nas possibildades. Por isso, na criança, há tanto querer, por­
\ , gir, no homem, o grau que conhecem os, que a cri ança acredita em tôda possibilidade que ela imagina,
c quer realizá-la.
\ . A vontade é o fito intensivamente desenvolvido, que se
separa, a pouco e pouco, da ação, para constituir, com o tr�m­ .\ \'Cmtaue é essa "crcnç'a" na po�sihiliclac1c posta cm ação,
" . \'
po, todo o sentido da p sico1ogia accional, que {, n a "crcladc, mas Fl sob o influxo da mzi!o, do raciocínio, da inteligência,
uma ps ico logia volicional. A regressão é apenas, no tocante da escolha estudada. A vontade tem graus quanto ao asp cc -.

I à ação, excluída do fito a alcançar, isto (', do SCll fdos ( em to r,ccional. E s;.o (� sSCS graus (l\1e lhe em p restam essa ad­
grego fim7 dai teleologia ) . Já vimos que compreendemos ês·· de vontade reflectida, de vOll taclc consciente, de
jccti\"(lÇ-'<1 0
li vontade inteligente e outras, que a linguagem familiar tanto
se fim como o domínio do todo orgânico, como o todo inflllin­
do sôbrc a parte, porque todo ser vi\'o Ô antes de' tudo uma em p rega, num sentido inconscientemente profundo.
unidade, e tudo quanto nêle se des en vol ve tende a se rv ir a
\. Vemos os cientistas em geral, quando estudam os fenô­
essa totalidade. ( 1 )
( menos vitais, considerar o ser Yivo, ora como uma entidade
A vontade é individual, surge do indivíduo, é uma ema­ sintética que se defende, ou qu e reage contra a variação caó­
l. nação do indivíduo. Ela surge de um conflito interior ( deli­ tica do meio exterior, ora como apenas uma emanação de fac­
c .\ beração ) , ela escolhe, ela passa à ação. Essa complexidade tos naturais, uma forma em continuidade com a realidade fí­
da vida, que leva ao desenvolvimento da parte "olicional e à sico-quÍmicá, susceptível de um detenninismo tüo rigoroso
l.'
redução da parte puramente reflexa do homem, coloca-o in­ como o dessa realidade; UIll de tennin ismo matemàticamente
l teiramente em face de uma heterogeneidade de possibilidades geral.
(
No entanto, se o ser v-lvo participa apenas do mundo flsi­
(1) Esta tese é por nós desenvolvida e m "Teoria Geral das
C e o - qu Í mico, como poderia êIe \ 'ol tar-s c contra êste?
Tensões " .
t_
(
(

256 MARIO FERREIRA DOS SANTOS (


(
Neste caso, teríamos de aceitar que o mundo físico-quí­
mico possue, em sua ordem, um carácter dualista: uma inte­
(
r::oridade sintética e uma exterioridade analítica, em antago­ (
nismo.
(
VIII
Mas essa não é a concepção dos cientistas em geral. Pou­ ,
cos são os que reconhecem que o aspecto físico-químico é A AFECTIVIDADE
apenas um aspecto da realidade e que a ciê 1cia, ipesar de ,
tôda a sua objectividade, funda seus objectos em abstraçães, ,
Não pode a Lógica interessar-se vivencialmente pelo afec­
que 56 dialecticamente considerad�ls podem alcançar uma ri­ '
tivo, quando ela opera com conceitos rígidos, homogêneos, ,
gorosa concreção.
tais como identidade, verdadeiro, falso, etc. O que vem da ,
afectividade está cheio de calor, de dinamismo, de diversi�
I da de, de heterogeneidade, de diferente. Não elimina a L6� ,
gica o sujeito com sua vida para interessar�se por tudo isso ,
que de imutável, estável, rígido está sob tôda essa rnultiplici�
,
da de agitada da vida? QUr tem que ver a · verdade fria e
objectiva COm o sentimento, com as emoções? ,
No entanto, o homem é essa afectividade. São êsses mo� (
mentos simpatéticos e antipatéticos, constantes, conh'adit6�
(
rios, pois todo existir é um passar contraditório por entre ês�
ses instantes e em cada sensação, em cada pensamento, em (
cada acto, há uma multidão de pequenos, rápidos e passagei­ (
ros momentos agradáveis e desagradáveis. Nada seria mais
eloqüente para falar da vida do que as afeições. No entan�
«
to, que silêncio mortal há pelas páginas da filosofia I Os filó� «
safos, como sêres frios, insensíveis, marmóreos estudaram sem�
«
pre a afectividade, como se ela fôsse apenas o que há de rí�
gido e de inane no conceito que dela criou a razão. Alguns
raros autores se atreveram a penetrar pelo mistério da af�cti�
vidade, que muitos julgaram ingenuamente explicar apenas
pela fisiologia, por combinações, físico-químicas, pela função «
dos nossos órgãos, etc. «
No entanto, que mistério profundo na dor e ,na alegria I
I
Que diversidade, que heterogeneidadel Dizia Nietzsche que
<Ca alegria era mais profunda que a dorl porque à dor nós «
dizemos "passa"!, mas para a alegria, queremos eternidade, «
profunda eternidade",
«
C
«

( .

( .

( I
258 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISÃO
(. 259

I,, De uma c oisa todos nós temos certeza, temos c erteza por� Assim COmo a lógica foi buscar da afectividade seus con­
C. que a vivemos em n6s, porque ela nos avassala, nos penetra: ceitos mais profundos, como os de substância, de ser, de �..bso­
a afectividade (a dor, o prazer, a alegria, a simpatia, o desa­ luto, de singularidade, hoje, mais do que nunca, terá a nova
(,I
gradável). Vivemos a dor, somos a dor e a alegria. Podería­ 16gica qu.e se forma, essencialmente dialécUca, que buscar na
mos dizer que temos consciência da dor? Não; temos a vi­ afectivirlr.de novos conceitos para explicar o dinamismo da
vência da dor. exbtência , COmo já a filosofia foi buscar têrmos como vivên­
cia, patência, pathos, etc.
r • Vivemos a dor e a alegria. Ti; a dor um ser apenas rel a­
tivo? Sentis como uma relação? Não a sentis como sufi­ Quando observamos o nosso corpo vemos que é êle ob­
ciente em si mesma? Sentis a dor sem necessitar de outra jecto do nosso conhecimento, mas quando sentimos uma dor,
\ coisa para vivê-la, porque a viveis em v6s mesmos, direta­ numa parte extensa do corpo, êle já não é apenas objecto,
mente, intuitivamente. Ela é ela mesma, em si mesm a, não se mas sujci'to também, sentimo-lo como objecto e sujeito. Na
\. .
transfonna em outra coisa, não é causa de nada, diferente de verdade não é mais objecto nem sujeito, e à proporção que a
i si mesma, não está relacionada com o que quer que seja para dor aumenta e cresce, ela nos avassala, e êle deixa de ser
'- ser o que el a é. IludiramMnos as condições experimentais que corpo. ( Neste caso, quando a dor aumenta de intensidade
a acompanham, que foram julgadas como se a constituíssem, até graus elevados, excepcionais, sentimos que há um conflito
til
quando apenas a despertam. Um estado afectivo não nega agudo dentro de n6s, uma luta, um debate entre o que sente
nem afirma; é. Não é contraditório nem não-con tra ditório. c o que é sentido, dois campos opostos, mas cuja oposição
l!:, Não existe por oposlçao a outra coisa; não está sua exis­ vai aos poucos desaparecendo, até não ser mais sujeito nem
tência baseada numa c ontradição. É. objecto, até tudo Ser apenas dor). (1)
\.
o estado afectivo é uma singularidade. !: c aracteristi­ Tem' sido R. afectividade um te rn a desprezado, posto à
,
camente diferente de um facto qualquer do mundo exterior. margem pela fEosofia, estudado apenas sob aspectos gerais.
(, Podemos prever uma dor como possibilidade. Podemos evi­ Estamos agora, graças às novas tendências, sobretudo depois

tá-la. Somos potenc ialmen te sofredores, como sa bemos que do grande desenvolvimento que tem tido a corrente exbten­
l
uma vida sem dores nem alegria é impossível. O estado afec� cialista, penetrando num campo novo, numa nOva metafísica
'
\. ,
regional a "metafisica da afectividade".
tivo é {mico em sua. e�istencialidade, irrepetíve1.
,
t Quetcrnos tão somente chamar a atenção para êste tema,
O que sucede é um outro estado, novo, que a nossa me­
( porque terão oportunidade, na leitura de livros de filósofos
mória permite comparar com outro anterior. Mas €I ' estado
moderno!:;, de encontrá-lo tratado das mais diversas maneiras
( afectivo é intensidade, intensidade quase pura, e podemos
Quando uma e sob ângulos dos mais díspares. Mas, pelo menos, não en­
compreendê-lo mais intenso ou menos intenso.
C trarão nde absolutamente ingênuos, sem ter tido uma noção
dor se ausenta, sentimos sobrevir uma alegria.
l da grand,e problemática que oferece e que nós, na "Noologia",
Após uma dor aguda, sua ausência nos alegra. 1fas tudo teremos 'lcasião de estudar sob outros ângulos.
c isso nãu nega sua singulariuade, porque não poderíamos COn­
l ceber essa alegria apenas como urna ausência da dor, porque
(1) Na f7 Jnesl?, qut! é o "conh edm en to" afectivo, há maior
ela é algo que se dá como é, porque é, tem positividade, po­ GU menor fus ão entre su j ei to e objE!cto, porque o sujeito conhece
í_
sição. Ela surge como positividade. o que nêle se dá. É êle mesmo o objecto do próprio conhecimento.
l
L
,

FILOSOFIA E COSMOVISÃO 261

B nossa subjectividade que realiza essa harmonia, que


pennite que o chamemos de belo.
Depois de Kant, a estética subjectiva concebeu o belo (
IX como uma vivência, e essa estética é a predominante até os
dias de hoje. �
A ESTÉTICA E A ÉTICA
No entanto, poder-se-ia fazer a seguinte pergunta: se o
belo é um acto subjectivo, comO se explica que só alguns ob­ \
Com Alexander Baumgarten ( 1714-1762) a palavra "esté­ jectos o provoquem? Nesse t:aso, é preciso admitir que o í
tica" ( derivada do grego aisthesis, sensação) tomOU o sentido objecto tcm em si alguma coisa que provoca a emoção estéti­
actual de «teoria do belo". ca do belo, do coutrário todos Os oblectos seriam capazes de
provocar essa vIvenda. Logo, deve haver, nO objecto, algu­ \
Desta forma, a interrogação que surge em primeiro lu­
gar na estética é saber a essênca do belo, que é o seu objecto. ma coisa. E Os que defendem a estética objectiva exclamam:
, ,
há uma vivência do belo, mas o belo não é uma vivência.
Se começarmos pelos gregos, vemOS que Platão e Aristó­ (
teles identificaram o belo com o bom. Na Idade Média, o o que quer dizer que o belo est'á no objecto.
(
belo esteve em plano secundário, e nesse plano secundário A estética objectiva já está estabelecida em sua orienta­
chegou até Kant. ção: ela procura o belo fora do sujeito, no objecto, portanto. (

Com Baumgarten, ainda, o belo era como uma espécie de A cstética objectiva pode ser estética formal ou estética (
perfeição confusamente concebida. Com Kant é que se pode material. A primeira, esboçada por Herbart, e continuada (
estabelecer a distinção entre estética subjcctioa e estàica ob­ por Zimmennann e outros, estabelece a existência de certas , (
jectiva., cuja divisão marca a prednminância da idéi� funda- idéias e certos conceitos , gerais que são belos. E quando o
.
mental, como já veremoS. objecto concorda com essas idéias, com o formal, é êle belo.
pn,ra a estética subiectiva, que é uma estética psicológica, Neste caso o belo seIo as idéias. 't
o belo está nO homem, é o subjectivo. A beleza não ,está nas A estética matcrial pode ser apócrifa ou autdntica, (
coisas, está nO homem. É êle que empresta às coisa:; o belo.
É apóerifa quando o belo é explicado por dados extra­ t
E como a natureza humana é mais ou menos homogênea em
estéticos.
todos os homens, êstes podem sentir igualmente ;>, beleza (
quando a imaginaçãO se harmoniza com o entendimento. En­ Assim procede o religiosÇ1, quando afirma que a beleza t
tão chamamos êsse objecto, que consegue provocar tal esta­ do mundo está na revelação do Absoluto que o criou, ou He­
do, de belo. gel que, para definir a beleza, parte das Idéias Absolutas, que t
É à forma do objecto que o nosso juízo estético se refere, são pllra êle o único real. t
porque é ela que suscita em nós o jôgo harmônico do entendi­ Desta forma o belo é a manifestação sensível da Idéia. t
mento e da imaginação. Mas essa forma não foi feita com A estética material apócrifa póe outra coisa para explicar o
o fim de que a encontremos bela. A forma do objecto não t
belo. Se o belo é o revelar-s:e do Absoluto, então tudo seria
é uma finalidade, pensa Kant. t
belo
t
t


""
{'
{"
(' 262 MARIO FERREIRA DOS SANTO� FILOSOFIA E COSMOVISÃO 263

�,
A estética material autl1ntica vê no fenômeno do belo para alguma coisa, o valor vale. Nos intuímos o valor por
(' algo que é sui gcneris, que é típico, e que não pode absoluta� uma intuição não sensível; portanto, direta. Vejam-se êsses
(I' mente derivar de qualquer outra coisa conhecida. Assim o tênnos que expressam valôrcs, tais como: sublime, vivo, trá­
belo é alto tipicamente belo. Inúmeros autores, tais COmO gico, s.' mples, graça, tensão, ritmo, unidade, multiplicidade,
�,
Geiger, , Dessair, etc., procuram êsse algo original que é a elevação, amplihlde, etc.
Il' razão do belo. Entretanto não conseguiram achar a essência São têrmos tirados de experiências sensíveis muitos dêles,
II' dêsse algo original. Actualmente, no entanto, COm Geiger, mas têm todos um valor estético.
inicia-se uma tendência a considerar o valor como êssc algo
(\\ Os meios de expressão elo belo na obra de arte são diver­
originário do belo. Surge, assim, uma estética dos valôres,
como estética material autêntica. sos, como palavras, sons, côres, etc. :f:sses meios servem pa­
\�,
ra expressar valôres estéticos. E devem ser considerados
�, Esrudcmos agora, porque é fundamental para a compre­ apenas meios. Quando um artista os transforma em fins, te­
ensão das diversas opiniões apresentadas, a essência do belo. mos então urna obra de arte inautêntica, o que é muito COw

Aceitawse que o belo é apreendido imediatamente, sem mum encontrar nas obras de arte, até de grandes autores.
til Por outro lado, ° artista deve usá-los adequadamente. Há
necessidade de um conhecimento, nem de reflexão. Quando
li' olhamos uma obra de arte, tomamos o belo, aprcndemowlo uma variedade imensa de meios de expressões e uma verda­
sem necessidade de raciocínio, e quando olhamos demoraduw deira ordem entre êles.
'j\
mente uma obra que ainda não nos provocou essa emoção,
\il esperamos até que, quando menos se espere, êle nos surja. • •
III Por isso o belo se nos apresenta como algo original, como algo

I.!'
i
de um tipo peculiar. O belo não é s to nem aquilo, é o
belo. Antes de encerrar êste tema, desejamos lembrar a apli­
III cação de nosso método na estética, que pode oferecer novas
Como s6 algumas coisas nos parecem belas e outras não,
possibilidades de entrosugern dos diversos pensamentos es­
\;., há de haver, no belo, alguma coisa de objectivo e não apenas
parsos na obra variada e numerosa sôbre o assunto. Não há
subjectivo.
l." que negar que se nota, em tôda a estética, o mesmo antagow
Surge aqui um ponto de vista que mercce atenção: é o nismo que se manifesta na extensidade e na intensidade.
l"
que afirma que o belo é supraindividua1. Uma coisa doce e Quandv o artista exagera a extensidade, exagera os meios,
l' agradável ou não a cada indivíduo; é relativa a cada 'indiví­ acentua-Os. A intensidade simboliza os caracteres qualitati­
L' duo. O belo não é relativo; é belo. Independe do indivíw vos da obra de arte, o que o artista diz. Os valôres estéticos
duo, por isso nem todos entendem do belo, e eis por que há são api'eeendidos diferentemente. Ora há quem os apreenda
L
-os entendidos do belo. intensamente, ora menos.
l'
Não se pode dizer que o belo do quadro esteja nas tintas, Isto serve para mostrar que há uma relatividade, não dos
l' nem no pano, ncm na moldura. f:ste algo, (Fie é o belo, IÚO val6res' propriamente, mas uo cuntemplador da obra e co reaw
L' está no quadro, é um valor estético. E é chamado valor lizador- da obra. Os valôres estéticos variam na história quan­
porque não é um ente físico. As obras de arte têm relações to à sua apreensão. O que numa época é aCh1alizado, noutra
I.
com os valôres estéticos. O valor não vale para algu8m ou não o é ou O é menos. Dessa forma, vemos o carácter hisw
1-
....
t

,t

t
264 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 265
t

t6rico da própria arte, que reflete também a alma de um ar­ Kant divide os imperativos em duas espécies: imperativos t
tista, de um povo, de uma era. Há valôres descobertos por hipotéticos. quando são válidos em. certas suposições, e im�
t
um artista , que só gerações futuras estão aptas a compreen­ perativos categóricos. que valem sem condições.
"
der. Como exemplo do primeiro, temos a cortesia pa ra agra­
dar os outros, e do segundo, o "não furtarás".
São tais factos que têm levado a muitos julgarem que h6. �
uma relatividade dos valôres, quantIa, na verdade, há uma Tôdas as leis morais são imperativos categóricos, os quai:ii
l
relatividade do sujeito que os ap' cende, Os valôres, como resid.em em princípios apriorísticos. (Já estudamos bem em
potência, já estão em tudo, suas actualizações variam histo­ que 'consiste o a priori para Kan t ) , Portanto a lei moral só l

ricamente, como já verificamos C]uando estudamos os valôres. pode dizC'r: "Obra de tal modo, que a máxima de tua von� �
tade possa valer sempre em clualqucr tempo como um prin­
cípio ulliversal". t

Ttlda a crítica feita ao a priori de Kant recai sôbre a sua t

concepção do moral. �
A palavra ética é derivada da grega ethos, que significa
. A ética material pode ser considerada corno ética dos ..
costu me. Mas é com Aristóteles (l'LiC passa a ética a ser a
bens e ética dos 1Jalôres.
ciência do moral. O moral, na ética, é tanto o moralmente �
bom, corno o moralmente mau, por isso se empregam, em éti­ A ética dos bens é aquela que torna a moral dependente

ca, os têrmos bom e mau, indicando s empre o moralmente dos bens reais, que são objectos de estimação do homem, ou �
bom ou o moralmente mau, dos bens ideais, que são objectos finais de sua e!timação ou I,
aspiração, Bom, portanto, é tudo quanto permite ou auxilia
Quanto à essência do moral e segundo as suas res"postas, I
o alcance dêsses bens ou fins,
palIemos dividir a ética em ética formal e ética l1:aterio.!. '
Tais são o prazer, a felicidade, a utilidade, a cultura, o �
Kant é o representante da ética formal Afirmou que fortalecimcnto da vida, etc.
não se podia definir a moral, fundando-se apena s na experiên­
As principais correntes da ética dos bens são: �
cia. :f: necessário um juízo de validez universal para afirmar­
mos que isso é bom ou mau. Nem o Lom, ncn, o m�u têm O hedonismo ( dc hcdonai, palavra grega que significa
nada a ver com o agradável e o desagradável, porque o agra­ "eu me deleito") torna o moral dependente do prazer sensíveL
dável pode ser moralmente mau e o desagradável moralmente Os cirenaicos defenderam essa doutrina que, esporàdicamen�
bom. te, surge na obra de alguns autores materialistas.

A experiência só pode proporcionar contingências e pro­ O eudcmonismo ( de eudaímonia, que significa felicida­
babilidades. O moral, para ser illdependente da experiência, de) tem como fim a felicidade e spiri tu al , o estado de conten­
tem que ser dado a priori, Há de haver, porta lto, u,:na lei tamento da alma. Foi essa doutrina defendida por Sócrates.
moral que seia válida em qualquer circuns tân cia, O utilitarismo é a doutrina que defende a moral pela uti­

A vida prática do homem é regulada por tôda uma classe lidade ou bem-estar do indivíduo ou da colectividade.

de princípios e leis, as máximas, as opiniões, etc. Essas leis O perfeccionismo afirma que o moral está na plena reali­
são objectivamente válidas, são imperatiüas. zação da essência humana, na perfeita condução segundo a

,-, - ;....:-,..;
' ;• •
�:, ... -
-> ; -- ,
; -- , '
• r rtrnt"$'UdiYri,Ms*?- t.zte1i.;,o.".,,� - �_",,,,. �-..��:/,M"·T"" .
.... .. me" . " = Si••
L, ____
...-_�,�,_·...�'"""�
" -.."'..=:c�·�==IiII••••••••_______

(
I(
r(
266 MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA E COSMOVISAO 267
{
-( natureza racional do homem. Era essa a opinião de Arist6� trina, são- processos apenas e nada mais. Não são bons nem
teles.
o( maus, como tão pouco podem ser verdadeiros ou falsos.. O
,
o naturalismo prega o pleno desenvolvimento de tôdas as que há de bom ou de mau são os valôres, e os va16res não
-{ inclinações e impulsos da natureza humana, como facto de são, valem. E é dêsses valôres que tais ações são dependen�
{ moralidade, tes para que, em sentido translatício, possam ser chamadas de
boas ou más. Os valôres éticos não são, valem. Os valôres
( o evolucionismo afirma que o progresso da humanidade
éticos não são pensamentos, porque os pensamentos são ver­
é o f. m determinante da moralidade,
( dadeiros ou falsos.
A ética religiosa afirma que a moralidade estú na confor­
( midade cOm a vontade de Deus, e o mal é rebelar-se contra Vimos que os valôres são polarizados, A um valor po­
( essa vontade, sitivo há �empre um valor negativo que lhe corresponde. S6
os valôre," podem ser bons ou maus, Um pensamento não é
<­ Outra divisão que se pode fazer sôbre a ética dos bens, bom nem mau, E quando se diz isso em linguagem comum,
consiste em fundá-la no destino que se dê a� s bcns ou fins a
, faz-se em sent�do translatício, porque ser bom ou ser mau
que se aspira: se tendem para o indivíduo, temos o individua­ cabe só aos valôres, Nisso está a forma de realidade dos
{. lismo, se para a comunidade, temos o universalismo. O indi­ mesmos,
(J dividualismo é egoísmo, quando o que actua quer ser útil a
si mesmo, e altruísmo, quando quer favorecer a outros, Por Essa ética, a dos valôres, como dissemos, é uma nova
4. isso pode haver um individualismo altruísta, quando se des­ corrente do pensamento que ainda não deu seus melhores fru­
, tinam aos indivíduos da colectividade os bens ou fins dese­ tos, J]]'lS deixamos aqui, em linhas gerais, o conteúdo dessa
jados. doutrina para o conhecimento geral do leitor.

Critica-se a ética dos bens, em tôdas as suas tendências,
( porque não explica o moral, mas já o aceitam previamente • • •
t como dado,
l. Falemos agora, da ética dos ool6res, Esta está ainda em Examinemos agora como consideram os estudiosos da
"
t seus primórdios, apes ar de já haver uma bibliografia extraor­ moral a proveniência da fôrça obrigatória dos preceitos mo­
..
dinàriamente vasta, e estudos notáveis como os de Scheler, rais.
( Nicolai Hartmann, etc,
Podemos dividir, sob êste ângulo, a ética, em: ética he­
( Os defensores desta corrente afirmam que uma ação não terônoma e ética autónOma. A hetcrônoma afirma que o
t, pode ser nem boa nem má. Uma ação é um processo psí­ fllndamel'll-o da obrigaçi.o moral vem de uma lei estranha aO
quico ou psicofísico que se dá num lugar e no tempo, A indivídllo. Segundo ela, a vontade se submete a uma vonta­
L ação transcorre; é, simplesmente. E nesse ser está tôda a sua de superior, vinda dc Deus 011 do Estado, etc, A autônoma
t. realidade, � apenas uma simples existência sensível que, aceita lei, próprias c afirma que ela deve vir do próprio cum­
passada, não deixa mais rasto. � acaso verdadeiro ou falso o primento' da r-ç'üo moral. Esta ó a defendida pela maiorin
t
curso da corrente de um rio? E o vento que sopra, é verda­ dos éticos. Quando à origem da moral, pode dividir-se ti
l deiro ou falso? �stes .processos simplesmente süo. A pró­ r"lica em ética epriorística, que a afirma independentemente
pria vontade do homem, continuam os defensores dessa dou-
4- da experiência, a de Kant, por exemplo; e ética empírica, que

4-
"
.-




268 MARIO FERREIRA DOS SANTOS

afirma que o moral provém da experiência. Entre os primei­ •
ros temos Sócrates, Kant, Platão, Aristóteles, Descartes, Spi­
noza, Leibnitz, etc. Entre os que defendem a s'?gundl posi­ •
ção, temos Spencer, Darwin, Morgan, Lubbock, Ba.<:tian e
muitos outros. Uma terceira escola, não examinada em geral
pelos éticos, é a da ética i1TWt1Cnte, defendida por Proudhon,
e que foi completada por Kropotkine. Para Proudhon, a ética
é imanente a todo o humano, e há princípios fundameutais
de ordem intrinseca em tôdas as coisas, actos, processos do
homem. Kropotkine quis fundar uma ética biológica, em
base no apoio mútuo. Os animais bisexuado-,> nec..:ssitam
apoiar-se uns nos outros. O homem não pode viver isolado
e necessita de seus semelhantes. Tôda a vida em co�num é
uma vida de apoio mútuo, em que uns têm de apoiar:se nos
OUITOS por uma necessidade biológica.

Por isso, tudo quanto fortaleça êsse apoio, a umao entre


os homens, o fortalecimento do indivíduo, sempre em benefí­
cio da colectividade, é moral A moral está fundada, assim, {
na própria biologia. O homem, com suas idéias, nad� mais
faz do que concretizar no mundo do espírito, o que é ensi­
nado pela sua naturezfl hiológica, ( 1 )

:. � "

(1) Em nossa obra "Étíca", tratamos do desenvolvimento


desta disciplina, bem como realizamos análise.:; dF!cadielécticas
dos seus temas fundamentais, para nunca desp:ezar as grandes
positividades, que as diversas doutrinas oferecem.

.a'!'J")�1 :sç

Você também pode gostar