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O26 Odontologia em saúde coletiva: planejando ações e

promovendo saúde / organizado por Antonio


Carlos Pereira. – Porto Alegre : Artmed, 2003.

ISBN 978-85-363-0166-2

1. Odontologia. I. Pereira, Antonio Carlos. II. Título.

CDU 616.314-002/.87

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023


6
Educação para a saúde
JOSÉ ROBERTO DE MAGALHÃES BASTOS
SILVIA HELENA DE CARVALHO SALES PERES
IRENE RAMIRES

E m toda a história da humanidade, a percepção


e o entendimento da saúde adquirem diver-
sos significados, de acordo, inclusive, com o de-
aos 12 anos de idade, situa-se entre 1 e 3 na
maioria dos países desenvolvidos, já havendo
muitas cidades, em diversos países, apresentan-
senvolvimento científico. Saúde e doença devem do nível inferior a 1, uma meta prevista para
ser vistas como situações ou momentos dinâmi- ser alcançada, segundo a Organização Mundial
cos e contraditórios de um mesmo processo vi- de Saúde, somente no ano 2010 (1994), previ-
tal; dois momentos diversos e independentes. são que já está sendo atingida. O uso do méto-
A análise de uma ou de outra isoladamente leva do de fluoretação de água de abastecimento pú-
inevitavelmente a desvios teóricos graves que blico, de ação governamental restrita, aliado à
concorrem para uma prática médica equivoca- escovação supervisionada com dentifrícios fluo-
da, sofisticada, cara, inacessível, opressora e retados e ao controle do consumo de uma die-
descomprometida sob o ponto de vista social. ta cariogênica são fatos que devem ser aborda-
As doenças têm afligido o ser humano desde dos de modo adequado pelo poder público e
tempos remotos. A falta de conhecimento a pelo profissional que exerce a clínica privada,
respeito dos problemas de saúde e de seus fa- com ênfase em programas educativos, no sen-
tores causais aliada à inexistência de meios e de tido de se atingir tão antes quanto possível não
modos de combatê-las formaram um quadro somente o controle, mas também a erradica-
muitas vezes alarmante, presente ao longo da ção da cárie dentária, em princípio em crianças
história. até os 12 anos de idade, não se devendo des-
Segundo um comitê de peritos da OMS, em cuidar, logo em seguida, da atenção educativo-
1954, os maiores problemas de saúde bucal são a preventiva para a adolescência.
cárie dentária, a doença periodontal, a má-oclu- Também as doenças periodontais têm sido
são, as fissuras labiopalatais e o câncer, sendo que descritas, com o passar dos anos, como alta-
Striffler (1983) ainda acrescenta a fluorose, as fra- mente mutilantes em virtude de seus aspectos
turas dentárias causadas por traumatismos, o es- de morbidade e altíssimo poder destrutivo, cau-
tigma da sífilis congênita e as manifestações bu- sadoras de perda óssea e de inflamações, des-
cais de doenças ocupacionais. de leves até severas, além da perda de elemen-
As doenças bucais, em particular a cárie den- tos dentários, em particular na idade adulta, a
tária, têm sido uma constante, principalmente qual, para algumas populações, pode iniciar por
relatadas a partir da era industrial. Os dados epi- volta dos 20 anos de idade ou até antes. Há uma
demiológicos mundiais, durante o século XX, contínua necessidade do desenvolvimento de
apontam para índices de cárie dentária extre- programas educativos e preventivos ao lado do
mamente altos, entre 8 e 12, nos países indus- aspecto restaurador, incluindo, muitas vezes,
trializados, em crianças de 12 anos de idade. cirurgias, no sentido de evitar o surgimento de
Tais índices começaram a declinar a partir dos tais entidades mórbidas, bem como de manter
anos 70, na Europa e nos Estados Unidos e a um hígido estado gengival, contendo sempre o
partir da década de 90 no Brasil. Sabe-se que, mais precocemente possível a evolução de um
no início do terceiro milênio, o CPOD médio, mórbido estado periodontal.
118 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

A desarmonia dentofacial, representada pela probabilidade de apresentar câncer bucal. Deve


existência de má-oclusão, afeta parte significa- ser registrado o fato de que, embora as estatís-
tiva da humanidade. Mesmo em países como a ticas não sejam altamente esclarecedoras, o
Dinamarca, de pequena miscigenação racial, há câncer bucal está representado, certamente,
relatos de que mais de 30% da população che- por mais de 4% de todos os cânceres. Há tra-
ga a usar algum aparelho ortodôntico em algu- balhos indicando percentuais bem maiores, pró-
ma fase da vida. Países como o Brasil e os Esta- ximos de 20%, evidentemente devendo-se con-
dos Unidos, podendo ser citado também o Ca- siderar o ambiente e o nível socioeconômico e
nadá, onde os indivíduos descendem de povos cultural da população estudada. Embora haja
de todo o mundo, acabam por gerar uma popu- cânceres que ainda não dependam de fatores
lação em que a oclusão ideal parece estar re- conhecidos para o seu desenvolvimento, sabe-
presentada por apenas cerca de 1% de seus se, hoje, que fatores preveníveis, dependendo
habitantes. Embora os dados sejam um tanto de bons programas de educação em saúde, de-
movediços, sugerem que entre 50 a 70% dos vem ser levados em consideração pela popula-
habitantes do Brasil necessitam usar algum tipo ção, incluindo-se aí, entre outros, o uso do ta-
de aparelho ortodôntico, considerando desde baco, com ou sem fumaça, o abuso do álcool e
a presença apenas de uma simples giroversão o consumo de outras drogas.
dentária até os casos de severos traumas den- Outras patologias importantes dependem
tofaciais. O papel de um profissional que traba- quase que exclusivamente do conhecimento e
lhe em saúde coletiva, no serviço público ou em da disponibilidade das informações, em níveis
clínica privada, pode ser de grande valia na in- público ou privado, para serem devidamente
dicação dos períodos em que os pais devem controladas. Pode-se citar aqui, em particular,
estar conduzindo seus filhos para receberem a fluorose e as fraturas dentárias ocasionadas
uma atenção o mais precocemente possível, nos esportes ou mesmo nas residências. O con-
com a finalidade de minimizar e a de restaurar trole do uso do flúor cada vez mais será reali-
um estado de higidez dentofacial, o qual não zado dentro da célula familiar, uma vez que exis-
seria possível sem a intervenção correta de um te demasiada oferta na atualidade, sendo que,
profissional preparado em tal especialidade cada indivíduo, mãe, pai ou responsável por uma
odontológica. criança, desde o seu nascimento, deverá estar
Outro estado mórbido bucal é representado preocupado com a correta dose de flúor que a
pelas fendas de lábio e de palato, acometendo 1/ criança esteja recebendo continuamente. O
600 crianças nascidas vivas no Brasil. O número papel de um profissional que passe a exercer
varia de país para país, e as crianças podem apre- sua autoridade sanitária e consiga explicar tan-
sentar desde um corte no vermelhão do lábio até to os benefícios como os efeitos adversos do
um quadro tão avançado que pode levar à morte uso do flúor deve ser enfatizado.
precoce do bebê, dependendo da síndrome ins- Quando se aborda o tema da educação em
talada. As fendas labiopalatais constituem um pro- saúde deve-se levar em consideração que uma
blema desolador para as famílias que têm algum população será cada vez mais saudável à medi-
filho apresentando a anomalia, porém o desen- da que seu nível de conhecimento das informa-
volvimento científico médico-odontológico tem ções referentes à saúde porventura existentes
possibilitado desde a prevenção de tais ocorrên- sejam assimiladas. A ciência médico-odontoló-
cias até o tratamento integral de um bebê assim gica vem, a cada dia, aumentando a profundida-
nascido. de de seus conhecimentos, oferecendo para a
O câncer bucal também é uma entidade pa- população e suas autoridades sanitárias consti-
tológica que pode ser minimizada tanto em nú- tuídas, incluindo-se médicos e cirurgiões-den-
mero quanto em severidade e também em sua tistas, obviamente, a oportunidade de contri-
mortalidade se os preceitos de Leavell e Clark buírem para melhor qualidade e maior quanti-
forem seguidos, ou seja, detecção precoce e dade de vida. Os meios e os métodos estão cada
tratamento imediato. Ao lado disso, quando se vez mais disponíveis e, se usados a contento,
discute a promoção de saúde e se trabalha o haverá uma humanidade vivendo cada vez mais
primeiro nível de prevenção, um indivíduo que e melhor, rumo ao bem-estar geral. Embora seja
receba informações básicas de saúde, dentro de muito difícil atuar na estrutura da cultura de um
um município “saudável”, terá cada vez menor povo, se os aspectos de educação em saúde
Odontologia em Saúde Coletiva 119

bucal forem enfatizados, com o passar do tem- Romano que descreve “ capacidade de o orga-
po serão internalizados, contribuindo segura- nismo manter o equilíbrio no qual está razoa-
mente para a manutenção da saúde bucal da velmente livre de dor, desconforto, incapacida-
população, parte importante da saúde do ser de ou limitação de ação, incluindo capacidade
humano integral. social” (Bastos e colaboradores, 2001). Deve ser
ressaltado que, para se fazer educação em saú-
de, é necessário saber em primeiro lugar o que
SAÚDE significa “saúde”. De acordo com os conceitos
e definições aqui apresentados, pode-se perce-
“Saúde é um estado de completo bem-estar fí- ber o quanto é necessário estudar para que se
sico, mental e social e não apenas a ausência de possa compreender adequadamente tais asser-
doença ou de enfermidade”. A definição de saú- tivas e passar a utilizar tais conhecimentos em
de, da Organização Mundial da Saúde, é uma prol da comunidade. Pelas definições explicita-
velha conhecida da comunidade acadêmica in- das (e ainda há muitas outras), pode-se antever
ternacional. Diversas críticas têm sido feitas os cuidados que devem ter os profissionais para
quanto a ser muito abstrata e excessivamente o perfeito entendimento de termos como
simples. Também pode-se interpelar o sentido “bem-estar”, “ritmo”, “adaptação continuada”,
de “bem-estar”, de “saúde”, de “doença” e de “vida frutífera e criativa”, “equilíbrio apropria-
“enfermidade”. Não explica como pode ser do” ou “insatisfação”, dentre tantos outros, para
medida nem a importância de quem a tem. possuir o domínio cognitivo de base e poder
Outras definições são ainda mais complexas para passar seus conhecimentos para indivíduos que
os cientistas e os pesquisadores. Assim é que deverão mudar seu comportamento no sentido
Spencer (1980) conceitua uma “perfeita adap- de manutenção do seu adequado estado de saú-
tação de um organismo ao seu ambiente”. Wylie de. Os resultados positivos estão diante da co-
(1970), ainda acrescenta “(...) perfeita e conti- munidade, de todos nós, basta observar o per-
nuada(...)”, enquanto Sigerist se alonga: “nós centual crescente de indivíduos vacinados na po-
todos vivemos em um ritmo determinado pela pulação, principalmente devido aos programas
natureza, cultura e hábitos. Dia e noite se alter- educativos governamentais veiculados no rádio
nam num fluxo sem fim e nós próprios nos con- e na TV. Quando um programa educativo é bem-
formamos a esse ritmo, acordando e dormin- planejado e tem apoio, embasamento científico
do, trabalhando e descansando... Um ritmo inal- forte e linguagem inteligível adequada para o
terado significa saúde... a doença então inter- grupo que recebe a mensagem, certamente al-
rompe abruptamente esta estrutura” (2001). cançará os resultados esperados (Bastos e co-
Outras definições, inteligíveis para uma par- laboradores, 2001).
cela mínima da população, portanto, longe do
alcance de sua maioria, podem ser citadas, den-
tre elas a de Hoyman de que “saúde é um ajus- SAÚDE BUCAL
tamento pessoal ótimo para uma vida comple-
ta, frutífera e criativa” (Bastos e colaboradores, O conceito de saúde bucal é uma abstração útil. A
2001). Como explicar isso para uma população rigor, saúde é um estado do indivíduo que não pode
carente até de recursos materiais para sua pró- subsistir com saúdes parciais dos diversos órgãos e
pria subsistência? Como levar conhecimentos sistemas. No entanto, para efeitos práticos, o con-
básicos de saúde e motivar uma parcela popu- ceito de saúde parcial, particularmente de saúde
lacional e significativa no Brasil e em grande bucal, serve para identificar objetivos parciais em
parte do mundo, com base em definições de programas de saúde, desde que não se perca de vis-
saúde que falem em “vida completa, frutífera e ta a limitação desse conceito. A expressão “bucal”
criativa”? O que seria uma vida “frutífera”, por será utilizada em vez de “dentária”, atendendo à
exemplo? Para alguns seria o fato de gerar mui- responsabilidade do cirurgião-dentista que deve in-
tos filhos, para outros a posse de muitas terras cluir muito além dos dentes e das estruturas adja-
e uma colheita farta anual, quem sabe a colhei- centes que os suportam. A área de interesse na odon-
ta de muitos frutos? tologia pode ser definida como o “estado de com-
A missão de um educador de saúde pública pleta normalidade e eficiência funcional dos dentes
fica mais complexa ao lidar com a definição de e das estruturas de suporte e também das partes
120 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

circundantes da cavidade bucal e das várias estrutu- foi iniciada a colocação de flúor nos dentifrícios
ras relacionadas à mastigação e ao complexo maxi- em todo país, fazendo supor que o índice CPOD
lofacial”. A saúde bucal, como estado de harmonia, declinasse ainda mais. De fato isso aconteceu.
normalidade ou higidez da boca, só tem significado Outras cidades, como Bauru e Piracicaba, no
quando acompanhada, em grau razoável, de saúde Estado de São Paulo, demonstraram também uma
geral do indivíduo (Chaves, 1988). redução na prevalência de cárie dentária, confor-
O Relatório Final da I Conferência Nacional me as Figuras 6.1 e 6.2.
da Saúde Bucal (1986) afirma que “a saúde bucal é Se consideramos o perfil epidemiólogico da
parte integrante e inseparável da saúde geral do in- cárie dentária da cidade de Bauru, tomada aqui
divíduo, estando diretamente relacionada com as como exemplo, pode-se verificar que houve um
condições de alimentação, moradia, trabalho, ren- declínio de 60% no índice CPOD médio para a
da, meio ambiente, transporte, lazer, liberdade, aces- idade de 12 anos de 1976 (CPOD=9,89) para
so e posse da terra, acesso aos serviços de saúde e à 1990 (CPOD=3,97) e de 85,44% entre 1976 e
informação” e que “a luta pela saúde bucal está inti- 2001 (CPOD=1,44), após 25 anos de fluoreta-
mamente vinculada à luta pela melhoria de fatores ção da água de abastecimento.
condicionantes sociais, políticos e econômicos, o que
caracteriza a responsabilidade e dever do Estado em
sua manutenção” (Bastos e colaboradores, 2001). PROMOÇÃO DE SAÚDE
No que diz respeito ao modo de organização
dos serviços locais dentro do sistema brasileiro A odontologia, ao longo da história, pautou-se na
de saúde bucal, muitos desafios deverão ser su- evolução do processo saúde/doença, buscando
perados, quer pelos próprios gestores quer pela atuar nos níveis de prevenção e intervindo o mais
própria população, cuja participação nas decisões precocemente possível, sendo que a promoção
das políticas de saúde se faz necessária para que
verdadeiramente as necessidades da população
assistida sejam amenizadas.
10 9,89
Os estudos epidemiológicos retrospectivos
mostram que, 30 a 40 anos atrás, países como a 9
Noruega, a Finlândia e a Suécia, entre outros, 8
7,01 1976
apresentavam tanto ou mais cárie dentária que o 7
6 1984
Brasil, em número e severidade de lesão. No en-
tanto, em decorrência dos seus programas pre- 5 1990
4 3,97 4,13
ventivos e educativos conseguiram controlar a 3,42 1995
doença alcançando índices próximos de 1 mesmo 3
1998
antes do ano 2000, atingindo precocemente as 2 1,44
1 2001
metas da OMS para 2010.
Em 24 de maio de 1974, foi sancionada a Lei 0
Bauru
nο 6.050, a respeito da fluoretação de água de
abastecimento público no Brasil, constituindo-se Bauru – fluoretada desde 1975.
o método de escolha em odontologia de saúde FIGURA 6.1 Gráfico do índice CPOD em crianças de 12 anos
pública no Brasil. Acrescente-se que, em 1989, de idade, no período de 1976-2001, Bauru, SP.

QUADRO 6.1 Metas da OMS para os anos de 2000 e 2010


Idade 5-6 anos 12 anos 18 anos 35-44 anos 65-74 anos
Metas 2000 50% livres CPOD igual ou 85% com todos 75% com 20 ou 50% com 20 ou
de cárie menor que 3 os dentes mais dentes mais dentes
presentes presentes
Metas 2010 90% livres CPOD menor 100% com 90% com 20 ou mais até 5% de
de cárie que 1 todos os dentes dentes ou até 2% edêntulos
de edêntulos
Fonte: OMS, 1984, 1994.
Odontologia em Saúde Coletiva 121

9 8,60 do que essa deveria basear-se num modelo so-


8 7,41 ciológico, objetivando o desenvolvimento de es-
7 1971 tilos de vida saudáveis. A promoção de saúde é
6,17
6 basicamente uma atividade no campo social e não
1977
5 um serviço médico. Entretanto, os profissionais de
1980 saúde têm um papel importante em fomentar e fa-
4 3,47
3 1992 cilitar sua promoção WHO (1984; 1988; 1991; 1994).
2,00 1,70 1996 Com o surgimento e a prática da filosofia de
2
1 2001 promoção de saúde e sua abordagem multidisci-
0 plinar torna-se necessária a definição não só dos
princípios de técnicas empregadas no combate à
Piracicaba
cárie dentária e outras patologias bucais como
Piracicaba – fluoretada desde 1971 também de suas filosofias. Para atingir esse obje-
tivo, a promoção de saúde tem como meta modi-
FIGURA 6.2 Gráfico do índice COPD em crianças de 12 anos
de idade, no período de 1971-2000, Piracicaba, SP. (Fonte:
ficar as normas da sociedade e o ambiente de for-
Rozlowski, 2001.) ma que esses se tornem mais favoráveis à obten-
ção da saúde. Portanto, a promoção de saúde
busca fazer com que as escolhas mais saudáveis
de saúde faz parte do primeiro nível de preven- tornem-se escolhas mais fáceis, utilizando o ins-
ção. Sua ação tem por objetivo diminuir as dife- trumento de transformação social que é a educa-
renças no estado de saúde e assegurar a igualda- ção, não só a educação formal, mas toda a ação
de de oportunidades, promovendo os meios que educativa que propicie a reformulação de hábi-
permitam a toda a população desenvolver ao má- tos, a aceitação de novos valores e o estímulo à
ximo a sua saúde potencial. Isso implica uma base criatividade.
sólida que ofereça acesso à informação e permita De acordo com Inglehart e Tedesco (2000),
adquirir aptidões e oportunidades que levem o os cirurgiões-dentistas precisam compreender a
indivíduo a fazer opções corretas em termos de importância dos sistemas sociais para a promo-
saúde. Dessa forma, a população estará capacita- ção da saúde bucal. Precisam mudar sua perspec-
da a alcançar sua plena saúde potencial, uma vez tiva de uma visão de tratar dentes para uma visão
que detém o controle dos fatores que determi- de tratar pessoas que são parte de sistemas so-
nam o próprio estado de saúde de cada cidadão. ciais. Mesmo que o profissional de saúde bucal
A participação ativa na promoção de saúde envol- considere o afeto, o comportamento e a cogni-
ve a elaboração de uma política pública sadia e a ção relacionados à saúde bucal de uma pessoa e
criação de ambientes favoráveis, no esforço da dê uma abordagem geral à promoção de saúde
ação comunitária e no desenvolvimento de apti- bucal, a principal área de atuação continuaria sen-
dões pessoais e reorganização dos serviços sani- do negligenciada e limitaria a efetividade de qual-
tários. quer tentativa bem-sucedida de promoção de saú-
Mark Lalonde (1975), ministro da Saúde e do de bucal: os fatores ambientais. Alguns fatores
Bem-Estar do Canadá, em 1974, cita pela primeira ambientais são completa ou amplamente perma-
vez o termo promoção de saúde em A New perspecti- nentes. Os fatores socioeconômicos, o grau de
ve on the health of Canadians, ressaltando que as prin- escolaridade ou o tamanho da família são exem-
cipais causas de doença e de morte não são as ca- plos de tais fatores. Outros aspectos ambientais
racterísticas biológicas, mas o ambiente e o com- podem ser temporários. Eventos críticos, como a
portamento dos indivíduos, o seu estilo de vida. Esse morte de um parente, divórcio ou perda do em-
documento foi um passo muito importante porque prego, podem causar um estresse temporário, que
pela primeira vez o governo de um país industriali- afeta a saúde de muitas formas. Avaliar esses fa-
zado oficialmente reconheceu que, para melhorar a tores ambientais deve ser importante para qual-
saúde, seria preciso interferir nos aspectos da políti- quer profissional de saúde bucal, porque pode
ca pública que afetam os comportamentos relacio- contribuir para o entendimento de por que ocor-
nados com a saúde dos indivíduos. reram mudanças nos hábitos relativos aos cuida-
A Organização Mundial da Saúde também co- dos pessoais. É importante ter uma visão geral da
meçou a contribuir para o desenvolvimento do compreensão da importância da família para a pre-
novo movimento de promoção da saúde sugerin- venção e o controle de doenças bucais. Outros
122 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

determinantes, como amigos ou colegas, também ção entre o paciente e o profissional de saúde
desempenham uma função na formação de atitu- bucal, conforme demonstrado na Figura 6.3.
des, de convicções e de valores individuais sobre Bervique e Medeiros (1983; 1985) propõem
a saúde bucal e os cuidados que ela exige. Por isso, quatro estágios do desenvolvimento da atitude
parece importante utilizar o meio social ao pro- preventiva do indivíduo na proteção e na promo-
mover a saúde bucal. A promoção de higiene bu- ção em saúde como sendo objeto da preocupa-
cal não pode ter sucesso se conduzida imaginan- ção familiar, escolar, pessoal e social:
do que a pessoa vive isolada do mundo, porque
as escolhas pessoais são determinadas por um 1. Estágio familiar – Considerando a família como
certo grau de fatores ambientais. a unidade básica da sociedade, responsável
Inglehart e Tedesco (2000), em 1995, descre- pelo preenchimento de certas necessidades sa-
veram que o modelo de promoção de saúde bu- nitárias e, conseqüentemente, pelo desenvol-
cal do novo século começa pela análise da intera- vimento do primeiro estágio da atitude pre-

Ambiente
• Aspectos objetivos permanentes (como situação socioeconômica; fato-
res estressantes crônicos)
• Aspectos objetivos temporários (como acontecimentos estressantes na
vida)
• Aspectos sociais (como serviço social de saúde bucal)

Afetivo Cognitivo
• Sentimentos (como medo de • Conhecimento
dentista; auto-estima) • Convicções
• Valores (como importância da – convicções em saúde bucal
saúde bucal)
– convicções em saúde geral
• Motivação
– convicções existenciais
(como crenças religiosas)
Indivíduo e os cuidados – convicções pessoais
com a saúde bucal • atitudes
(especialmente cuidados com a • expectativas
saúde bucal, como escovação e
• intenções
uso do fio dental)

Comportamento
• Comportamento antigo
• Habilidade psicomotora
• Comportamento pessoal (com dieta e tabagis-
mo)
• Comportamento relacionado com saúde bucal
(como bruxismo) FIGURA 6.3 Mo-
delo de promoção
de saúde bucal do
novo século. (Fon-
Tempo: X ________________________________________________________________ X te: Inglehart e Te-
Nascimento Morte desco, 1995.)
Odontologia em Saúde Coletiva 123

ventiva, é nesse ambiente que a criança passa, indivíduo reconhecerá no ambiente os recur-
quase integralmente, os seus cinco primeiros sos materiais, humanos e institucionais com
anos. Isso significa que a família deve ser edu- que pode contar para preservar o equilíbrio
cada a fim de que na própria dinâmica da vida do seu “bem-estar físico, mental e social”. É
familiar comece a educação para a saúde, que, fundamental que os serviços de saúde da co-
em última instância, nada mais é do que o pro- munidade, sejam públicos ou privados, tenham
cesso pelo qual se desenvolve a atitude pre- pessoal disponível, preparado técnica e cien-
ventiva nas pessoas, visando conservar a saú- tificamente, para orientar e acompanhar o pro-
de e evitar a doença. Sendo a criança essen- cesso de desenvolvimento de atitudes para a
cialmente intuitiva e captativa, introjetará com manutenção da saúde.
facilidade tudo o que observa no ambiente,
passando a expressar as suas necessidades e O processo de educação em saúde bucal re-
os modos de perceber as coisas conforme as quer, por parte dos profissionais envolvidos, o
experimentou no meio familiar. A atuação da conhecimento do que é educação e de como ela
família no desenvolvimento da consciência da se processa.
importância de hábitos saudáveis na formação
da criança começa a sofrer influência externa
à medida que ela cresce e passa a se relacio- EDUCAÇÃO
nar com outros grupos quando vai para a es-
cola. A palavra “educar” origina-se do latim educare,
2. Estágio escolar – A escola é parte da comuni- que significa conduzir de um estado a outro, é
dade de onde procede a criança, e essa leva modificar numa certa direção o que é suscetível
para o ambiente escolar toda sua experiência de educação (Aranha, 1998). O ato pedagógico
do meio em que vive (pais, vizinhos, grupo com pode então ser definido como uma atividade sis-
que brinca) em termos de atitudes, de cren- temática de interação entre seres sociais, tanto
ças, de valores e de expectativas. Sendo a saú- em nível intrapessoal como em ambiental, intera-
de do educando um dado importante a ser ção essa que se configura em uma ação exercida
considerado pela escola, a instituição deverá sobre o sujeito ou grupos de sujeitos, visando pro-
contar com um calendário organizado que fa- vocar neles mudanças tão eficazes que os tornem
voreça o desenvolvimento de programas edu- elementos ativos dessa própria ação exercida. Por-
cativos e preventivos, havendo necessidade da tanto, estabelece-se a inter-relação, no ato peda-
compreensão e da colaboração por parte do gógico, de três componentes: um agente (alguém,
professor para que eventos como a Semana um grupo, um meio social), uma mensagem trans-
da Boa Alimentação, a Semana da Nutrição e mitida (conteúdos, métodos, automatismos, ha-
Saúde, a Semana da Saúde Bucal, o Pelotão da bilidades) e um educando (aluno, grupo de alu-
Higiene e muitos outros, possam ser organi- nos, uma geração).
zados estimulando o aprendizado. A escola, Para que se consiga entender o processo edu-
como instituição social, representa certo grau cacional, além da conceituação é preciso abordar
de formalização de atitudes dos membros que dois componentes importantes da educação. Esse
a compõem, portanto, o professor é peça im- processo baseia-se na percepção e na motivação
portante para que se obtenha sucesso em pro- despertada pelo educador no educando. A per-
gramas escolares. cepção é um processo organizacional, seletivo e
3. Estágio pessoal – Acredita-se ser na adoles- interpretativo, em que cada ser humano é provi-
cência o início do desenvolvimento da atitude do de orientação perceptiva decorrente de suas
preventiva de modo consciente e intencional potencialidades, derivadas de sua personalidade
e, conseqüentemente, o início da valorização e em parte da cultura e do meio em que adquiriu
da própria saúde, decorrente de uma motiva- sua orientação perceptiva, portanto, a percepcão
ção subjacente, na qual o adolescente associa é peculiar a cada um. Sendo assim, dois aspectos
saúde com aparência, força, poder e prestí- devem ser salientados: esse impulso dinâmico faz
gio. com que certo indivíduo acentue, outro rejeite e
4. Estágio social – É importante para a sedimen- ainda um terceiro deturpe uma mensagem rece-
tação e a manutenção daquilo que veio sendo bida e que, com relação à saúde, o problema não
desenvolvido a partir do nível familiar, onde o é tanto mudar percepções, mas sim criá-las. A

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