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PROCESSOS

PATOLÓGICOS
Conceitos
fundamentais da
epidemiologia
do câncer e suas
aplicações
Mariana Raposo

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer a incidência e a mortalidade associadas ao câncer.


> Determinar os fatores de risco relacionados ao câncer.
> Descrever o grau de risco dos fatores mais carcinógenos.

Introdução
A epidemiologia é a ciência que investiga o processo saúde-doença e estuda a
distribuição e os determinantes de doenças, eventos e problemas relacionados
à saúde como forma de propor medidas que previnam, controlem ou erradi-
quem enfermidades. Norteada por três disciplinas — estatística, ciências da
saúde e ciências sociais —, a epidemiologia estuda o processo saúde-doença
em determinada população visando a fornecer indicadores que darão suporte
à tomada de decisões e ao planejamento de ações em saúde. De maneira
simplificada, a epidemiologia auxilia gestores e profissionais de saúde a tomar
2 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

decisões a partir do estudo feito sobre determinado problema de saúde em


determinada população.
Como forma de compreender a origem das enfermidades e as epidemias que
assolavam a humanidade, a epidemiologia surgiu a partir das observações de
Hipócrates de que fatores ambientais influenciavam o aparecimento de doenças.
Mais tarde, no contexto da Revolução Industrial e de suas epidemias, John Snow
estabelece a relação entre a ingestão de água contaminada e a contaminação
por cólera, seguido por Louis Pasteur, que trouxe grandes descobertas sobre
microbiologia e doenças infecciosas. O processo evolutivo da epidemiologia
propiciou a descoberta de outros tipos de enfermidades, como as doenças
crônicas, e a de que não apenas os agentes microbianos eram responsáveis
por causar enfermidades, mas que fatores ambientais, sociais, econômicos,
genéticos, entre outros, poderiam estar implicados no seu desencadeamento
e na sua evolução. Surge, então, no século XX, a importância da epidemiologia
de doenças crônicas não transmissíveis, entre elas, o câncer.
O câncer é um dos principais problemas de saúde no Brasil e no mundo e
encontra-se entre as principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos
de idade) na maior parte dos países (BRASIL, 2019). No Brasil, a vigilância do
câncer é apoiada pelas informações de morbidade e mortalidade fornecidas
pelos Registros Hospitalares de Câncer (RHC) e pelo Sistema de Informações
sobre Mortalidade (SIM) do Departamento de Informática do Sistema Único
de Saúde (Datasus). Essas informações, transformadas em indicadores de
saúde, suportam ações de controle e prevenção da doença, assim como o
direcionamento da pesquisa científica em oncologia (BRAY, 2014).
Neste capítulo, você vai conhecer os indicadores de saúde que norteiam a
epidemiologia do câncer, além de identificar as aplicações dos conceitos de
mortalidade e incidência do câncer no planejamento e na melhoria de ações
de prevenção e controle do câncer. Você também irá conhecer a identificação
de seus fatores e graus de risco, que podem ser aplicados na determinação
de prognóstico e diagnóstico de uma população.

O termo “processo saúde-doença” é muito utilizado em epidemio-


logia, pois considera-se que a saúde e a doença estão interligadas,
já que os fatores que as influenciam são os mesmos.
Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 3

Indicadores de saúde relacionados ao


câncer
De maneira simplificada, câncer é um termo genérico utilizado para se referir a
um grande grupo de doenças que têm em comum a proliferação desordenada
de células de um tecido ou órgão. Essas células acabam por formar uma massa
celular denominada tumor, que pode ser maligno ou benigno. O câncer, em
alguns casos, tem um processo de rápida disseminação e invasão de sítios
adjacentes do organismo e dos órgãos, definido como metástase, sendo
esta a principal causa de morte por câncer (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA
DA SAÚDE, 2020).
A epidemiologia do câncer, por sua vez, investiga um determinado tipo de
câncer por meio do estudo aprofundado do perfil ou das características de
uma população afetada em questão. Nesse contexto, diversas informações
podem ser coletadas e analisadas, como: números de casos ao longo de um
tempo determinado, sexo, gênero, características sociodemográficas, clínicas,
histórico familiar, etc.
A saúde, entendida de forma simplificada como a inexistência de doença,
ou seja, o estado fisiológico do organismo, pode ser analisada por indica-
dores que revelam as características de saúde de determinado indivíduo ou
população. Eles permitem sintetizar as informações coletadas, realizando
análises do estado e da evolução de saúde de uma população e podendo,
inclusive, estabelecer comparativos.
Indicadores de saúde realizam medições de elementos que não estão
sujeitos diretamente à observação e podem ser medidos de forma quantitativa
(por meio de cálculos, fórmulas e contagens) ou qualitativa (por exemplo,
pela presença ou não de determinada doença ou sintoma).
Diversos indicadores são utilizados para se realizarem análises epide-
miológicas, desde a simples contagem de casos de determinada doença ou
condição clínica até cálculos elaborados como a utilização de taxas, razões
e proporções. Entre os mais utilizados em análises e estudos epidemiológi-
cos, destacam-se a incidência, coeficiente muito utilizado para se calcular
a frequência com que certa doença, por exemplo, um determinado tipo de
câncer, ocorre em uma população de interesse, e a mortalidade, taxa que
representa o número de mortes ocorridos por determinada doença dentro
de uma dada população.
4 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

A incidência e a mortalidade são dois dos indicadores de saúde usados


pela vigilância epidemiológica para controle e análise da ocorrência, da
distribuição e da evolução de doenças, surtos e epidemias. Investigar o per-
fil dos diferentes tipos de câncer e caracterizar as possíveis mudanças no
cenário no tempo é fundamental para se planejarem ações epidemiológicas
de prevenção e controle da doença. Muito dos indicadores de saúde utilizados
para a construção dessas ações são provenientes dos Registros de Câncer e
do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Você verá, a seguir, em detalhes, como indicadores de mortalidade e
incidência podem ser utilizados no contexto do câncer.

Muito importante no contexto do câncer, a estrutura epidemiológica


é utilizada para se analisar o processo da doença e orientar planos
de ação e intervenções. Nesse sentido, a tríade agente etiológico-hospedeiro-
-ambiente (Figura 1) é muito aplicada em epidemiologia.
Por exemplo, as neoplasias são investigadas em relação aos seus fatores
causais (agente etiológico). O agente etiológico, por sua vez, é atribuído a fatores
do hospedeiro (fatores intrínsecos; p. ex., genética) ou a fatores ambientais
(fatores externos; p. ex., hábitos de vida como tabagismo ou alcoolismo).

Hospedeiro

Agente Ambiente
etiológico

Figura 1. Estrutura epidemiológica baseada na tríade agente etiológico-hospedeiro-ambiente.

Esse modelo auxilia na orientação do tipo de intervenção/tratamento


(p. ex., terapia radioterápica) a ser adotado como forma de interromper o pro-
cesso da doença.
Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 5

Mortalidade e incidência do câncer


Indicadores de saúde podem ser classificados quanto ao tipo de medida e
cálculo realizado, como listado a seguir.

„ Proporções: indicam a parcela dentro de uma população analisada.


„ Coeficientes ou taxas: representam, de forma numérica, a estimativa
de ocorrência de um evento, geralmente em porcentagem.
„ Razões: cálculo realizado para se referir à relação entre duas variáveis
com unidade de medida e natureza equivalente, no qual o numerador
corresponde a uma categoria que exclui o denominador. Por exemplo,
a razão de homens para mulheres é de 2 para 1 (2/1) nos casos de
câncer de fígado em determinado ano e localidade, ou seja, o número
de homens acometidos por câncer de fígado é o dobro do de mulheres.

Entre os indicadores de saúde de proporções, destaca-se a mortalidade.


Para calculá-la, leva-se em conta o número de mortes por uma determinada
causa que é dividido pelo total da população de um mesmo período. Nesse
contexto, a mortalidade do câncer refere-se ao número de óbitos ocorridos
por câncer em determinado período que pode ser aplicado para se obter a
proporção de mortes em determinada faixa etária ou sexo (MERCHAN-HAMANN;
TAUIL; COSTA, 2000).
O cálculo de mortalidade por determinado câncer pode ser obtido por
meio da seguinte fórmula:

Número de mortes de uma doença em determinada população e período


× 10
População total no mesmo local e período

10n representa a unidade de referência e pode ser representada, por


exemplo, por 100 (%) de mortes por 1.000 habitantes, sendo, então, um nú-
mero arbitrário.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (2020), o câncer é uma
das principais causas de óbito nas Américas. Em 2008, houve o registro de
1,2 milhão de mortes, 45% ocorrendo na América Latina e no Caribe. Estima-se
que, até 2030, a mortalidade por câncer nas Américas cresça para 2,1 milhões.
6 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

„ Mortalidade proporcional de câncer de pele em 2021 no Brasil —


Refere-se ao número de mortes por câncer de pele no período do
ano de 2021 no Brasil dividido pelo número total de óbitos no ano
de 2021 no Brasil.
„ Mortalidade por câncer de próstata proporcional em homens maiores de 50
anos — Corresponde ao número de mortes por câncer de próstata dentro
dessa faixa etária dividido pelo número total de óbitos por câncer de próstata.
„ Mortalidade proporcional por câncer de fígado no sexo masculino — Indica
o número de mortes por câncer de fígado em indivíduos do sexo masculino
dividido pelo total de óbitos por câncer de fígado (homens e mulheres).

Outro indicador de saúde bastante utilizado é a incidência, também cha-


mada de taxa ou coeficiente de incidência, que corresponde a um coeficiente
obtido para estimar a ocorrência de novos casos de determinada doença ou
de um evento em determinada população e período.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca) do Ministério da Saúde,
a incidência do câncer é referida como o número de novos diagnósticos de
câncer em uma dada população e tempo. Esse é um indicador de saúde que
reflete o impacto do câncer em uma população e é essencial para monitorar
padrões em nível populacional, criando-se hipóteses quanto à sua origem.
Esse indicador permite, também, a avaliação do impacto de ações de con-
trole da doença na população e auxilia na tomada de decisão e definição de
prioridades na prevenção e no tratamento do câncer (BRASIL, 2019).
A incidência pode ser obtida por meio da seguinte fórmula:

Novos casos de uma doença em uma determinada população e tempo


× 10
Número de habitantes da população no mesmo período de tempo

Incidência de câncer de mama no Brasil em 2021

No Brasil, para cada ano do triênio 2020-2022, foram estimados 66.280 casos
novos de câncer de mama, representando uma incidência de 43,74 casos por 100
mil mulheres. As taxas ou coeficientes de incidência e o número de novos casos
estimados são importantes para estimar a magnitude da doença no território
brasileiro e planejar ações locais (BRASIL, 2019).
Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 7

Desde 1995, o Inca disponibiliza as estimativas de casos novos de


incidência de câncer para todos os anos. Essas informações podem
ser encontradas no site do Inca (inca.gov.br).

Fatores de risco relacionados ao câncer


A busca pela causalidade do câncer sempre foi um dos maiores desafios para
profissionais da saúde e epidemiologistas da área oncológica. O avanço da
tecnologia ainda não é suficiente para se compreender o motivo pelo qual
determinadas pessoas são acometidas pelo câncer ou tenham risco maior de
serem acometidas do que outras. Por outro lado, sabe-se que o câncer está
diretamente relacionado à uma variedade de causas tanto externas (p. ex.,
presentes no ambiente) como internas (p. ex., fatores imunológicos e mutações
genéticas). Esses fatores podem, ainda, interagir entre si e desencadear o
desenvolvimento de um tumor. Por exemplo, sabe-se que a susceptibilidade
genética tem uma relação com uma variedade de cânceres, porém é a inte-
ração entre a susceptibilidade genética e outros fatores, como estilo de vida
e fatores ambientais, que dará início ao surgimento de um câncer.
Do ponto de vista epidemiológico, risco pode ser entendido como a proba-
bilidade de ocorrência de um dano em uma determinada população exposta a
uma certa circunstância em um determinado período (ALMEIDA FILHO, 1989).
O conceito de risco engloba determinados fatores ambientais ou hereditários
que ameaçam a saúde de um indivíduo ou população. Isso quer dizer que a
ocorrência da doença pode refletir o estilo de vida, o ambiente, as condições
socioeconômicas ou a susceptibilidade genética, por exemplo. Esses fatores
relacionados ao aumento do risco de se desenvolver uma doença são cha-
mados de fatores de risco.
Na década de 1980, os pesquisadores ingleses Richard Doll e Richard
Peto realizaram um estudo comparativo utilizando os coeficientes de inci-
dência estratificados por idade. Os pesquisadores concluíram que poderiam
ser evitados de 75% a 80% dos diferentes tipos de câncer que acometiam a
população dos Estados Unidos na década de 1970. Essa estimativa fez com
que fatores de risco ambientais relacionados ao câncer fossem identificados
na população norte-americana. Os fatores encontrados que explicavam a
comparação foram: peso ao nascer, idade de menarca, padrão de dieta ali-
mentar, obesidade, consumo de álcool, tabagismo, consumo de determinados
8 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

fármacos e fatores reprodutivos (BRASIL, 2006). Com o passar dos anos e a


utilização de novas metodologias, outros fatores de risco relacionados ao
câncer foram identificados.
Os principais fatores de risco do câncer são relacionados ao ambiente.
Entende-se como ambiente o meio em geral (água, terra e ar), o ambiente
de trabalho (exposição a substâncias químicas e biológicas), o ambiente
de consumo (dieta alimentar, uso de medicamentos, álcool, tabagismo) e o
ambiente social (hábitos de vida não saudáveis; p. ex., privação de sono) e
comportamental (exposição a radiação solar).

Classificação e grau de fatores de risco


Você aprendeu quais são os principais fatores de risco do câncer em geral e
você entenderá agora quais são as classificações desses fatores, que se dão
de acordo com a sua origem.

„ Endógenos ou internos: são fatores provenientes do organismo do


indivíduo. Como mencionado anteriormente, são caracterizados por
condições genéticas e pré-disposição familiar. Entre os fatores de risco
internos deve-se considerar que o envelhecimento pode provocar
alterações na fisiologia das células, o que as torna mais susceptíveis a
mutações e desenvolvimento de processos cancerígenos, motivo pelo
qual o câncer é mais prevalente em pessoas idosas do que em jovens.
„ Exógenos ou externos: são fatores provenientes do ambiente, externos
ao organismo do indivíduo. Podem ser divididos em fatores biológicos
(microrganismos em contato com os organismos capazes de gerar dano
ou doença), fatores físico-químicos (substâncias tóxicas e radiações que
têm potencial de causar dano ao DNA das células) e, por fim, fatores
psicossociais (danos e sobrecarga psicológica causados principalmente
por situações de trabalho excessivo e abusivo).

Segundo o Inca (BRASIL, 2021a), de 80% a 90% dos cânceres estão relacio-
nados a fatores exógenos. Nesse panorama, apenas cerca de 20% dos fatores
de risco estão relacionados a condições internas do indivíduo (Figura 2).
Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 9

10%–20%

80%–90%

Figura 2. Fatores de risco do câncer internos e externos.


Fonte: Brasil (2021a, documento on-line).

É a partir do estudo das características da doença, da medição de indica-


dores de saúde e do estabelecimento de fatores de risco que a epidemiologia
consegue traçar o perfil do câncer na sociedade. Sabe-se, por exemplo, que
fatores de risco relacionados ao câncer estão presentes principalmente em
populações urbanas de países e regiões industrializadas. Com a expansão
da urbanização, a globalização da economia e a ampliação dos padrões oci-
dentais, tipos de câncer anteriormente prevalentes em países com alto nível
econômico foram se expandindo para países menos desenvolvidos.
Além disso, sabe-se que alguns fatores de risco estão mais associados ao
desenvolvimento de certos tipos de câncer. Por exemplo, o câncer de mama é
o mais incidente entre as mulheres e não existe um único fator de risco para
esse tipo de câncer, porém a idade acima dos 50 anos é o fator considerado
mais importante, uma vez que o acúmulo de exposições ao longo do tempo
e as alterações biológicas que ocorrem com o processo de envelhecimento
aumentam, de modo geral, o risco para câncer de mama (BRASIL, 2021b).
Outro exemplo é o câncer do colo de útero, também um dos tumores mais
incidentes nas mulheres. Seu principal fator de risco é a infecção persistente
por alguns tipos do papilomavírus humano (HPV) devido ao desenvolvimento
de lesões pré-cancerígenas e à susceptibilidade a infecções persistentes. A
infecção pelo HPV também está relacionada ao desenvolvimento de câncer
vaginal, na vulva, ânus, pênis, orofaringe e boca (BRASIL, 2021c).
10 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

Por fim, pode-se, ainda, citar o câncer da cavidade oral (Figura 3). Em 2018,
foram estimados 246 mil casos novos de cânceres de língua e cavidade oral
nos homens e 108 mil em mulheres. Esse tipo de câncer tem alta incidência
no Brasil e é um dos mais comuns da região de câncer de cabeça e pescoço.
O tabagismo e o consumo excessivo de álcool constituem seus principais
fatores de risco — indivíduos que consomem álcool e fumam têm um risco 30
vezes maior de câncer de boca do que indivíduos que não bebem nem fumam
(AMERICAN CANCER SOCIETY, 2019; BRASIL, 2021c). Conhecer a epidemiologia
do câncer de boca e regiões adjacentes é fundamental não somente para os
profissionais médicos, mas para os cirurgiões-dentistas, que também estão
envolvidos no diagnóstico e no tratamento dessas lesões (VOLKWEIS et al.,
2014).

Figura 3. Carcinoma de característica espinocelular na língua.


Fonte: Volkweis et al. (2014, p. 67).

A definição de fatores de risco conduz à formação de planos de ações


realizadas para reduzir os riscos de ter a doença, ou seja, a criação de medidas
de prevenção. Entende-se como prevenção primária a adoção de medidas
que tenham o intuito de impedir o desenvolvimento do câncer; por exemplo,
a adoção de estilo saudável, a diminuição da exposição prolongada ao sol
de exposição a outras substâncias causadoras da doença. Já a prevenção
secundária do câncer tem o objetivo de detectar e tratar doenças ou infecções
que apresentam características de pré-malignidade (p. ex., lesão decorrente
do vírus HPV) ou cânceres em estágio inicial.
Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 11

Mensuração de riscos
Você estudou os fatores de riscos relacionados ao câncer e agora verá como
mensurá-los numericamente. Para se realizar investigações e estudos com-
parativos, os riscos podem ser expressos na forma de estimativas obtidas
por meio de medidas de associação, são eles: risco absoluto, risco relativo
e risco atribuível.

Risco absoluto
O risco absoluto nada mais é do que o coeficiente de incidência e refere-se
ao número de novos casos de uma determinada doença em uma população
e um período em questão. Calcula-se o risco relativo exatamente da mesma
forma que o coeficiente de incidência apresentado anteriormente.

Novos casos de uma doença dentro de uma determinada população e tempo


× 10
Número de habitantes da população no mesmo período de tempo

Considera-se o seguinte exemplo hipotético para se calcular o risco


absoluto.
A população do Pará em 2017 era composta por 8.366.628 habitantes. Nesse
mesmo ano foram diagnosticados 275 casos de câncer de mama na região.
Cálculo do risco absoluto (RA): 275 ÷ 8.366.628 × 100.000 = 3,29
Nesse caso hipotético, interpreta-se o resultado como: risco relativo de 3,29
casos de câncer de mama para cada 100 mil habitantes.

Risco relativo
O risco relativo tem por objetivo calcular a intensidade com que uma exposi-
ção estaria relacionada à ocorrência da doença em questão, ou seja, permite
estimar a probabilidade de que indivíduos expostos sejam acometidos com
a doença quando comparados a um grupo ou uma população não exposta.
Calcula-se o risco relativo da seguinte forma:

Risco relativo = risco de exposição ÷ risco de não exposição


12 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

O risco relativo é interpretado da seguinte forma.

„ Menor que 1: os indivíduos expostos têm menor risco/probabilidade


de ficarem doentes quando comparados aos indivíduos não expostos.
Esse resultado é, também, denominado fator de proteção em relação
à doença estudada.
„ Igual a 1: significa que tanto os indivíduos expostos quanto os não
expostos têm o mesmo risco de serem acometidos com a doença.
„ Maior que 1: quer dizer que existe uma associação entre a exposição
e o acometimento pela doença. De fato, nesse caso, os indivíduos
expostos têm maior risco que os indivíduos não expostos.

Considera-se o seguinte estudo epidemiológico hipotético para se


calcular o risco relativo de carcinoma hepatocelular em indivíduos
que realizam atividade física regular e indivíduos sedentários. Calcula-se o risco
relativo da seguinte forma:
„ praticantes de atividade física regular acometidos com carcinoma hepato-
celular: 1.650;
„ indivíduos sedentários acometidos com carcinoma hepatocelular: 5.400;
„ cálculo do risco relativo (RR): 1.650 ÷ 5.400 = 0,31.
Nesse caso, praticantes de atividade física regular têm menos chances de
desenvolver carcinoma hepatocelular quando comparados a indivíduos sedentá-
rios. Nesse exemplo, pode-se considerar que a prática de atividade física regular
é um fator de proteção em relação ao desenvolvimento de câncer hepatocelular.

Risco atribuível
O risco atribuível refere-se à probabilidade adicional de acometimento de
uma doença devido ao fato de estar exposto a um fator. Esse tipo de men-
suração permite compreender o quão menor poderia ser a possibilidade de
se desenvolver a doença se não houvesse a exposição ao fator em questão.
Calcula-se o risco atribuível da seguinte forma:

Risco atribuível = incidência de indivíduos expostos – incidência de não expostos


Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações 13

Considera-se o seguinte exemplo hipotético levando-se em conta a


utilização do risco atribuível na avaliação do coeficiente de morta-
lidade por câncer de pulmão em pacientes fumantes comparada ao coeficiente
de mortalidade relacionado ao câncer de pulmão em pacientes que não fumam.
Calcula-se o risco atribuível da seguinte forma:
„ mortalidade de câncer de pulmão em pacientes que fumam: 42%;
„ mortalidade de câncer de pulmão em pacientes que não fumam: 4%;
„ cálculo do risco atribuível: 42 − 4 = 38.
Nesse caso, interpreta-se que os pacientes que fumam têm risco 38% maior
de vir a óbito por câncer de pulmão em relação aos pacientes que não fumam.
O risco atribuível de morte por câncer de pulmão ao ato de fumar é de 38%
nesse exemplo hipotético.

Neste capítulo, você aprendeu os principais conceitos acerca da epidemio-


logia do câncer. A investigação das características de um determinado tipo
de câncer permite traçar o seu perfil na população analisada. Os indicadores
de saúde são ferramentas essenciais para se entender a dinâmica do câncer
nos indivíduos estudados e são amplamente utilizados por epidemiologistas,
gestores em saúde e outros profissionais de saúde da área oncológica para o
planejamento de ações de prevenção e controle, instituição de tratamentos
e intervenções e até mesmo para a implementação de novas tecnologias
diagnósticas e terapêuticas. Além disso, conhecer os fatores de risco e saber
interpretá-los é fundamental na determinação do diagnóstico e prognóstico
do câncer.

Referências
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demiológica. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
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br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2020-incidencia-de-
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14 Conceitos fundamentais da epidemiologia do câncer e suas aplicações

BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Fatores de risco. Rio de


Janeiro: Inca, 2021b. Disponível em: https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-de-
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BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. O que causa o câncer? Rio
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em: 6 jan. 2022.
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MERCHAN-HAMANN, E.; TAUIL, P. L.; COSTA, M. P. Terminologia das medidas e indicadores
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ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Câncer. Brasília: Opas, 2020. Disponível em:
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VOLKWEIS, M. R. et al. Perfil epidemiológico dos pacientes com câncer bucal em um
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Leituras recomendadas
ADAMI, H. O.; HUNTER, D.; TRICHOPOULOS, D. (ed.). Textbook of cancer epidemiology. 2.
ed. Oxford: Oxford University, 2008.
FLETCHER, G. S. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 6. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2021.
ROTHMAN, K. J.; GREENLAND, S.; LASH, T. L. Epidemiologia moderna. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2011.

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