Você está na página 1de 18

1

Inversão sexual entre os Azande


Sexual inversion among the Azande

E. E. Evans-Pritchard2
Antropólogo, Universidade de Oxford

Tradução: Felipe Bruno Martins Fernandes


Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior e do Comitê Francês de Avaliação da Cooperação
Universitária e Científica com o Brasil (CAPES/COFECUB)
École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS/Toulouse)
complex.lipe@gmail.com

Revisão: Dennis Wayne Werner


Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Doutor em Antropologia pela City University de Nova York (CUNY)
dennisww@redel.com.br

1
Resumo
A relação homossexual masculina e feminina parece ter sido comum entre os Azande em
tempos passados. Entre homens, essa relação era aprovada nas companhias militares
de homens solteiros. Entre mulheres, a relação era descrita como frequente nas práticas
em casas poligâmicas, apesar de altamente desaprovada.
Palavras-chave: Sudão – região sul. Azande. Inversão sexual.

Abstract
Male and female homosexual relationship seems to have been common among the
Azande in past times. Between males it was approved of in the bachelor military
companies. Between females it is said to have been a frequent, though highly
disapproved of, practice in polygamous homes.
Keywords: Sudan – southern. Azande. Sexual inversion.

1
Publicação original: EVANS-PRITCHARD, E. E. Sexual Inversion among the Azande. American Anthropologist,
New Series, v. 72, n. 6, p. 1428-1434, dec. 1970. Texto reproduzido com a permissão da American
Anthropological Association (AAA).
2
Sir Edward Evan (E. E.) Evans-Pritchard nasceu na cidade de Crowborough/Inglaterra, em 21 de setembro de
1902, e morreu no mesmo país em 11 de setembro de 1973, na cidade de Oxford, poucos anos após ter recebido
a honraria de cavaleiro, em 1971 (para conhecer este ritual britânico, veja LEACH, Edmund. Once a knight is
quite enouch: como nasce um cavaleiro britânico. Mana, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, apr. 2000). Foi professor de
Antropologia Social na Universidade de Oxford. Dessa geração de antropólogos, foi um dos primeiros a dar
centralidade ao papel da experiência do pesquisador na pesquisa de campo antropológica, sendo reconhecido até
os dias de hoje pelo racionalismo com o qual analisava sua entrada em campo. Um dos principais representantes
da escola antropológica estrutural-funcionalista britânica, esse autor começou seu trabalho de campo dentre o
povo Zande em 1926, defendendo sua tese de doutorado em 1927. Esse trabalho resultou no clássico Bruxaria,
Oráculos e Magia entre os Azande (publicado em 1937). O texto que se segue é uma nota do autor sobre o
trabalho com esse povo africano. Entretanto, essa nota foi publicada quase quarenta anos após sua escrita
(1970) e em outro país, os Estados Unidos, no ano da primeira marcha gay em Nova York (celebrando a Rebelião
de Stonewall, ocorrida em 1969), e quando o tema das homossexualidades tinha finalmente sido liberado nas
discussões acadêmicas naquele país. A presente tradução foi motivada pela análise realizada por Alexandre Fle-
ming !"#$%$&'$()&)&!%*+,-./)&0%-12$&3-&verbete “Antropologia”, do Dictionnaire de l'Homophobie (TIN, Louis
George. Presses Universitaires de France, 2003)4 No referido verbete! Evans-Pritchard é citado como 5un6$6-%
de um subcampo da etnologia comprometido com os estudos de sociedades não homofóbicas. O texto que
se segue é visto p)(-+&$2,-%)+ como uma grande contribuição para esse empreendimento.&Evans-Pritchard
é também &autor &de& inúmeras& outras& obras, dentre& elas& a &clássica& monografia& intitulada& “The&Nuer: A
Description &of& the& Modes& of& Livelihood and Political Institutions of a Nilotic People”, publicada originalmente
pela Clarendon Press/Oxford em 1940 e traduzida para o português.

16
É inquestionável que a homossexualidade masculina, ou melhor, a
relação sexual entre jovens guerreiros e rapazes, era comum em tempos pré-
europeus entre os Azande e, como assinalou Czekanowski (1924, p. 56),
citando Junker (1892, p. 3-4), não há quaisquer razões para supor que a
homossexualidade foi introduzida pelos Árabes3, como alguns já pensaram.
Todos os Azande que conheci bem o bastante para discutir esses assuntos
afirmaram que a homossexualidade feminina (lesbianismo) também era
praticada em casas poligâmicas em tempos passados e ainda o é no presente
(1930). Este ensaio reúne informações sobre ambas as práticas e apresenta
traduções de alguns textos sobre o assunto, coletados entre os Azande do
Sudão há quarenta anos4.
Antes da imposição da regra do governo europeu, havia muitas
disputas entre os diferentes reinos (EVANS-PRITCHARD, 1957b, 1957c).
Parte da população masculina adulta de cada reino era organizada em
companhias militares de abakumba, “homens casados”, e aparanga, “homens
solteiros”. Essas mesmas companhias, para além das funções militares,
serviam na corte de várias formas, inclusive os homens das companhias eram
chamados para trabalhar nas lavouras dos reis e dos príncipes (EVANS-
PRITCHARD, 1957a). No presente relato, não nos referiremos outra vez às
companhias de homens casados. Fazia parte do costume das companhias de
homens solteiros, alguns dos quais viviam em tempo integral nas cabanas do
reino, tomarem rapazes-esposas. Isso era, sem dúvida, produzido pela
escassez de mulheres disponíveis para o casamento nos tempos em que os
mais ricos mantinham grandes haréns, o que só era possível para eles porque
eram necessários muitos recursos para se obter uma esposa e esses homens
tinham mais facilidade do que homens pobres para consegui-los. A maioria dos
homens jovens, consequentemente, casava-se tarde, quando tinha em torno de
trinta anos – e isso se devia ao fato de as meninas ficarem noivas (em um
sentido legal, já casadas) bastante novas, muitas vezes, desde o nascimento.
Dessa forma, a única maneira pela qual os jovens podiam obter satisfação com
uma mulher era por meio do adultério. Entretanto, o adultério era uma solução
muito perigosa para resolver o problema do jovem, em função da multa muito

3
N.T.: Evans-Pritchard refere-se às problemáticas dadas pelo nascente movimento homossexual na Europa,
particularmente no final do século XIX e início do século XX, em um sentido muito semelhante àquele proposto por
Borrillo (2010) com relação às ideias difundidas por inúmeras ideologias (nazismo, comunismo etc.), sempre se
referindo à homossexualidade como uma prática do “outro”, remetendo assim a uma possível causa externa
dessas práticas. Fonte: BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
4
N.T.: Levando-se em conta que a publicação original desse texto aconteceu no ano de 1970.

E. E. Evans-Pritchard 17
n. 07 | 2012 | p. 15-30
alta que seu pai teria que pagar caso fosse descoberto – vinte lanças e uma
mulher, o que significava, concretamente, o pagamento de duas mulheres ao
marido. Algumas vezes, o marido ficava tão enfurecido que recusava a
compensação e escolhia, em vez desta, a mutilação do ofensor, cortando suas
orelhas, lábio superior, genitália e mãos. Assim, com o risco sendo tão alto, era
comum aos solteiros cautelosos das companhias militares que viviam na corte,
caso não se satisfizessem com a masturbação – prática que não era
considerada vergonhosa, embora nenhum jovem a fizesse em público –,
casarem-se com rapazes para, dessa forma, “satisfazerem” com eles suas
necessidades sexuais. Um jovem de boa posição em sua companhia talvez
pudesse ter mais de um rapaz (kumba gude). Para esses rapazes, seus
companheiros guerreiros eram badiya ngbanga, “amantes da corte”.
Acredito que o desaparecimento total dessa instituição em tempos
pós-europeus mostra que o reconhecimento dessa união temporária entre um
jovem e um rapaz era decorrente das dificuldades no passado de estes se
satisfazerem com relações heterossexuais. É verdade que as companhias
militares também desapareceram, mas os Azande atribuem (corretamente, ao
que acredito) o abandono do costume ao fato de o casamento para jovens ter se
tornado mais acessível e ao desarranjo geral da moral, incluindo a supressão
das punições habituais nos casos de adultério e fornicação. O casamento entre
rapazes era devido, como dizem os Azande, à zanga ade, “carência de
mulheres”. Como pontuou um homem: “qual homem preferiria um rapaz ao
invés de uma mulher? Ele seria um tolo. O amor por rapazes surgiu pela
carência de mulheres”. Dessa forma, os Azande falavam do casamento entre
rapazes como um kuru pai, “costume antigo”, ainda que eu não tenha escutado
nenhum homem falar sobre dormir com um rapaz com desagrado – na pior das
hipóteses, consideravam o costume como algo engraçado. Mesmo na minha
época, os Azande falavam de um homem que antes foi o rapaz-esposa de
algum guerreiro da mesma forma como nós, na Inglaterra, falamos de alguém
que tinha sido o fag5 de alguma celebridade. Também é necessário esclarecer
que, como na Grécia antiga, até onde podemos julgar, quando os rapazes-
esposas cresciam e quando eles e seus maridos posteriormente se casavam
com mulheres, passavam a ter uma vida normal de casados, como qualquer
outro casal. Não havia os urnings6 que existem no sentido europeu moderno.

5
N.T.: Termo específico da época de publicação do artigo usado para referenciar uma espécie de “escravo” de um
colega mais velho nas escolas particulares inglesas.
6
N.T.: Termo específico da época de publicação do artigo usado por Kraft-Ebing para homossexuais passivos
convictos.

18
O costume do casamento entre rapazes desapareceu antes de minha
primeira visita ao território Zande, o que impossibilitou a observação direta.
Dependo, dessa forma, apenas dos relatos sobre o passado, os quais eram
unânimes entre os homens mais velhos. Tenho usado propositadamente os
termos “esposa”, “marido” e “casamento” porque, como os textos a seguir
deixarão claro, se tratavam de uniões legais nos modelos de um casamento
normal (pelo menos enquanto durassem). O guerreiro pagava o preço da noiva
(por volta de cinco lanças ou mais) para os pais do rapaz e realizava serviços
para eles da mesma forma que faria se tivesse casado com uma das suas filhas.
Caso ele provasse que era um bom marido, os pais então substituiriam o filho
por uma filha. Também, se outro homem tivesse relações com o rapaz, ele
poderia, como me contaram, processá-lo no tribunal por adultério.
Os rapazes eram “mulheres”: “Ade nga ami”, eles diriam, “nós somos
mulheres”. Um rapaz era chamado por seu amante como diare, “minha
esposa”, e o rapaz o chamaria de kumbami, “meu marido”. O rapaz comeria
fora da vista dos guerreiros da mesma forma que as mulheres não comem na
presença de seus maridos. Os rapazes realizavam muitos dos serviços menores
que uma mulher cumpria diariamente para seu marido, tais como a coleta de
folhas para sua limpeza sanitária, a coleta de folhas para sua cama, a coleta de
água, o corte de lenha, a ajuda no roçado das lavouras do pai de seu esposo e o
fornecimento de mensagens e mantimentos cozidos de sua casa para a corte
para complementar aqueles dados pelo príncipe, mas não cozinharia mingau
para ele. No que diz respeito a esses serviços, o que devemos manter em mente
é que um rapaz na corte não tinha a mãe ou as irmãs para cuidarem dele.
Também o rapaz-esposa carregaria o escudo de seu marido quando a
companhia estivesse em viagem. Deve ser entendido que ele realizava esses
serviços a fim de que a relação não fosse pensada como inteiramente de
natureza sexual, uma vez que deveria ser entendida como tendo um lado
educacional. No que diz respeito ao lado sexual, à noite, o rapaz dormiria com
seu amante, que manteria com ele, por entre as coxas, relações sexuais (os
Azande demonstravam aversão à possibilidade de penetração anal). Os
rapazes conseguiam o máximo de prazer que podiam ao friccionar seus órgãos
na barriga ou na virilha do marido. De qualquer maneira, embora existisse esse
lado da relação, era claro nos relatos dos Zande que também havia o conforto
em compartilhar uma noite na cama em companhia.
A palavra “rapaz” (kumba gude) aparentemente deve ser traduzida
livremente, pois, a partir do que escutei, os mancebos deveriam ter entre doze e
vinte anos. Quando deixassem de ser rapazes, eles adeririam às companhias de

E. E. Evans-Pritchard 19
n. 07 | 2012 | p. 15-30
guerreiros de seus ex maridos e tomariam por sua vez rapazes como esposas;
dessa forma, o período de casamento era também um período de aprendizado.
Não posso apresentar números de casamentos com rapazes, entretanto, posso
afirmar que a prática era aceita e comum. Obtive listas com séries de tais
casamentos de vários homens mais velhos, mas seria de pouco proveito tentar
documentar tais séries com nomes, uma vez que já se passou muito tempo (65
anos após a morte do rei Gbudwe).
Antes de apresentar os textos, há que se declarar ainda que alguns
membros da nobreza reinante se envolviam em relações sexuais homossexuais.
Normalmente, eram os filhos jovens de príncipes que permaneciam na corte
até seus pais entenderem que era a hora de dar-lhes uma esposa e distritos para
sua administração. Eles se mantinham distantes do harém de seus pais e
tomavam rapazes plebeus como serviçais e para seu prazer sexual. Parece que
o príncipe, por maior número de esposas que pudesse ter, também dormia
eventualmente com um rapaz, em vez de ficar sozinho na noite anterior de uma
consulta ao oráculo, uma vez que a relação sexual com uma mulher era um
7
tabu nessas ocasiões . Era dito que “kumba gude na gberesa nga benge te”:
“um rapaz não arruína o oráculo de veneno”. Fora isso, soube apenas de um
príncipe sênior – deposto pela administração – que, apesar de ter muitas
esposas, ainda dormia habitualmente com rapazes. Por essa e outras razões,
ele era considerado pelos Azande como levemente louco. Ninguém deve tirar
conclusões precipitadas, como Czekanowski fez sobre os registros de Junker a
propósito dos rapazes que acompanhavam o príncipe Zande onde quer que ele
fosse, pois todos os reis e príncipes são acompanhados por pajens, que eram
tratados por seus mestres com notável indulgência, em contraste com o
distanciamento severo com o qual seus superiores eram usualmente tratados.
Texto coletado com Kuagbiaru (EVANS-PRITCHARD, 1963a, p. 277-
280), um homem muito conhecedor da vida da corte nos tempos passados,
que foi um rapaz-esposa e, como chefe de uma companhia de guerreiros na
corte de Príncipe Gangura, muitas vezes foi marido de rapazes:
Antigamente os homens costumavam ter relações sexuais
com rapazes da mesma forma que eles tinham com
esposas. Um homem pagaria uma multa para outro caso

7
N.T.: Em sua monografia clássica sobre o povo Zande, Evans-Pritchard (1978) se refere a algumas interdições
rituais para a consulta do oráculo de veneno, entre elas, a impossibilidade de o homem adentrar a consulta após
ter mantido relações sexuais com mulheres (p. 179), porém, não faz referência à existência de práticas sexuais
entre homens. Já no que tange às relações sexuais entre mulheres, o autor realiza algumas discussões e salienta
que essas práticas são comuns nos haréns dos príncipes. Fonte: EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e
magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

20
ele tivesse tido relação sexual com seu rapaz. As pessoas
pediam a mão de um rapaz com uma lança, da mesma
8
forma que pediam a mão de uma menina a seus pais .
Todos os jovens guerreiros que estavam na corte, todos
tinham seus rapazes. As cabanas dos homens jovens que
ficavam ao redor da corte, todos os rapazes-amantes
ficavam nestas cabanas. Eles construíam suas cabanas
grandes e compridas e havia vários jovens em cada cabana,
cada um em seu próprio lugar, juntamente com seu capitão.
Seus rapazes-amantes também dormiam nas cabanas.
Quando chegava a noite, eles acendiam o fogo em frente à
cama dos maridos, cada um acendia um fogo em frente à
cama do seu amante. Quando os jovens guerreiros
começavam a ficar com muita fome na corte eles
mandavam seus rapazes-amantes para a casa de seus pais
[do rapaz] para buscar comida para eles. Os rapazes-
amantes iriam à casa dos pais e retornariam com
montantes agradáveis de mingau e galinha cozida, além de
cerveja. Os parentes do rapaz o escoltariam [quando ele era
casado] da mesma forma que eles escoltavam uma noiva
[no seu casamento] para seu marido com muita comida
boa. Entretanto, os rapazes não cozinhavam eles mesmos o
mingau para seus maridos, eles cozinhavam mandioca e
batata-doce para seus amantes. Eram as mães [dos
rapazes] que cozinhavam mingau em suas casas, e ótimas
carnes. Alguns cozinhavam galinhas. Eles juntavam toda
essa quantidade de comida e levavam para onde estavam
seus maridos. Todos esses jovens e seus amantes; não
havia esquecimento dos rapazes de sua tarefa de prover
comida para seus maridos. Mas o mingau que eles serviam
a eles, eles escondiam parte da carne no meio do mingau
para dar aos seus maridos, porque eles eram como
9
esposas . Seus amantes não aprovavam que eles rissem
alto como homens, eles desejavam que eles falassem
suavemente, como falavam as mulheres.
Quando todos os jovens guerreiros iam roçar as lavouras do
príncipe cada um levava seu amor. Quando chegassem ao
cultivo, eles construiriam uma grande cabana para seu

8
Um homem daria uma lança no momento de pedir a mão da menina em casamento como a primeira prestação
do dote. No caso dos rapazes, a admissão da lança igualmente constituía um casamento legal.
9
No preparo de uma refeição para convidados, uma esposa Zande frequentemente guardava parte nos fundos
para que seu marido pudesse, secretamente, ter uma segunda refeição quando os convidados fossem embora.

E. E. Evans-Pritchard 21
n. 07 | 2012 | p. 15-30
capitão e colocariam uma cerca ao redor. Nesse campo,
cheio de rapazes, sendo de outra maneira o capitão ficaria
sozinho. Então os jovens começariam a construir pequenos
abrigos adjacentes à cabana do capitão, o acampamento ia
longe, atravessando riachos. Mas todos os rapazes ficavam
no cercamento que eles haviam erguido para o capitão.
Quando anoitecia, os rapazes se dispersavam, cada um
para a cabana do seu amante e acendiam ali um fogo para
ele. Cada um ia acender o fogo na cabana de seu amante.
Na manhã seguinte eles se encontrariam no cercamento do
capitão. Nenhum jovem poderia entrar ali sem permissão.
O capitão dava a eles a refeição atrás do cercamento.
Apenas se o capitão estivesse bem disposto acerca de
algum jovem guerreiro que ele o convidaria para entrar no
cercamento e compartilhar a refeição com ele. Todos os
outros nunca entrariam no cercamento; eles veriam seus
amores à noite. Os jovens roçariam a lavoura até o
anoitecer e então eles retornariam para o local de dormir.
Os amores já teriam preparado a cama dos maridos e
acendido o fogo para eles na cabana.

Texto coletado com Ganga (EVANS-PRITCHARD, 1962, p. 16-17),


um dos capitães das companhias de guerreiros do rei Gbudwe:
Isso é sobre como homens se casavam com rapazes
quando o rei Gbudwe era senhor de seus domínios.
Naqueles dias, se um homem tivesse relações com a
esposa de outro homem, o marido mataria ele ou cortaria
suas mãos e genitais. Então por essa razão um homem
costumava casar com um rapaz para ter orgasmo entre
suas coxas, o que acalmaria seu desejo por mulheres. Se
um rapaz era uma boa esposa para seu marido, cinco
lanças seriam pagas por ele, e por outro, até dez lanças.
Um marido que fosse generoso com seus sogros, eles lhe
dariam depois uma mulher; dizendo que se ele era bom
para um rapaz, seria melhor ainda para uma mulher. Se ele
se casasse com uma mulher seus sogros se beneficiariam
muito. Este seu menino, ele não toleraria ver outro homem
perto; eles brigariam, e se levassem o caso diante do [rei]
Gbudwe, Gbudwe disse ao homem que foi atrás do rapaz
do outro que ele deveria pagar ao homem lanças [em
compensação], uma vez que ele tinha ido atrás do rapaz do
outro. Também existiam homens que, apesar de terem
[mulheres] esposas, ainda assim se casavam com rapazes.

22
Quando a guerra eclodiu, eles levaram seus rapazes com
eles10, mas eles não levavam seus rapazes para o lugar da
batalha; os rapazes ficavam atrás no campo, porque eles
eram mulheres; e eles coletavam lenha para o marido e
depenavam as folhas nzawa [para limpeza sanitária] e
cozinhavam as refeições para quando seus maridos
retornavam da batalha. Eles faziam para os maridos tudo o
que uma esposa faz para seu marido. Eles buscavam água
e a apresentavam para o marido de joelhos e eles pegavam
a comida e levavam para eles, e o marido então lavaria as
mãos e comeria a refeição e contaria para seu rapaz-esposa
o que acontecera no campo de batalha.

Até agora alguma coisa já foi dita sobre a homossexualidade masculina.


E sobre o lesbianismo? Este também deve ser considerado como um produto,
assim como a homossexualidade masculina, da poligamia em larga escala. Se a
poligamia em larga escala excluía jovens homens do sexo normal, aquela
condição de casas poligâmicas também impedia que as esposas, ou algumas
delas, recebessem a quantidade de atenção sexual que elas desejavam de seu
marido comum, que poderia muito bem ser um homem velho sem o vigor sexual
da sua juventude. Apesar de os homens terem hábitos ligeiramente diferentes,
pode-se dizer comumente que uma mulher que é uma de três esposas não
dormiria com seu marido mais do que dez noites por mês, uma de seis esposas
não dormiria com seu marido mais do que cinco noites por mês e assim por
diante. Uma de muitas esposas de um príncipe ou de um plebeu importante no
passado talvez não compartilhe a cama do marido com ele há mais de um mês
ou dois. No caso de uma das dúzias, às vezes centenas, de esposas de um rei,
ela poderia ficar totalmente privada de uma vida sexual normal para uma mulher
de um lar comum. Relações sexuais adúlteras eram muito difíceis para as
esposas de tais famílias poligâmicas tão extensas, pois estas eram mantidas em
reclusão e cuidadosamente vigiadas; a morte na descoberta, ou até mesmo na
suspeita, seria a pena para ambos, a esposa e seu amante.
Era nessas famílias poligâmicas, como dizem os Azande, que o
lesbianismo era praticado. Obviamente, não tive a possibilidade de saber disso
através da observação, dessa forma somente posso dizer o que me foi contado
(exclusivamente por homens, embora as mulheres admitissem que algumas
praticavam o lesbianismo). As esposas esculpiriam uma batata-doce ou raiz de
mandioca no formato de um órgão masculino, ou usariam uma banana para o

10
Relações sexuais com mulheres eram um tabu para os guerreiros em momentos de batalha.

E. E. Evans-Pritchard 23
n. 07 | 2012 | p. 15-30
propósito. Duas delas iriam então se trancar em uma cabana e uma delas se
deitaria na cama e assumiria o papel feminino, ao mesmo tempo em que a
outra, com o órgão artificial amarrado ao redor de sua abdômen, assumiria o
papel masculino; então, elas inverteriam os papéis.
As mulheres eram certamente desprivilegiadas na antiga sociedade
Zande e uma indicação adicional da dominação masculina é que o que era
encorajado aos homens era condenado entre as mulheres. Homens Zande,
especialmente os príncipes, têm horror ao lesbianismo e o considera como
altamente perigoso, sendo mais ou menos equivalente ao adandara, um tipo de
parto em que as mulheres dão à luz gatos11, como se acredita (EVANS-
PRITCHARD, 1937, p. 51-56). Seria fatal se um homem visse uma dessas
mulheres amamentando seus gatos. Escutei falar que alguns dos mais notáveis
reis do passado – Bazingbi, Gbduwe, Wando e outros – morreram por causa das
práticas lésbicas entre suas esposas. É inclusive alegado que na casa de
Gbduwe uma de suas esposas mais antigas, Nanduru, uma velha senhora
grisalha nos meus dias, executou muitas de suas coesposas devido a essa
ofensa. Alguns Azande me disseram que o lesbianismo era muito praticado
pelas filhas e irmãs da nobreza reinante, em cujas casas elas viviam relações
incestuosas. O nobre reinante pode dar uma menina escrava a uma de suas
filhas, que a ungiria e pintaria para que a escrava se tornasse atrativa e então se
deitaria com ela. Além disso, os Azande falam que uma vez uma mulher
comece a ter relações sexuais homossexuais ela provavelmente continua a
mantê-las, porque ela então passa a ser senhora de si e pode buscar
gratificação quando quer, e não apenas quando um homem resolve lhe
gratificar, podendo a gratificação durar o tempo que ela desejar.
Pareceria, se as afirmações Zande estão corretas, que a relação lésbica
é produzida em primeira instância por um ritual simples. Quando duas
mulheres são muito amigas, elas podem solicitar a formalização da amizade

11
N.T.: No apêndice III, intitulado “Outros agentes nefastos associados à bruxaria” (p. 293-298), Evans-Pritchard
(1978) descreve outros agentes que podem ser considerados bruxos ou detentores das ações de bruxaria, entre
eles alguns animais. Andandara, uma espécie de gato selvagem, é a mais temível das criaturas malignas
classificadas como bruxas. Até mesmo sua possível aparição é temida pelos Azande, já que apenas olhar para
esse gato pode causar a morte. Dessa forma, o gato macho tem relações sexuais com humanas que, a partir disso,
ficam grávidas de outros gatos. Após a relação sexual com o gato, a mulher mantém relações com seu marido e
fica grávida de crianças e gatos. No dia anterior ao parto, ela vai ao mato, com uma especialista, dá à luz o gato
(que fica guardado em sua casa) e, no dia seguinte, a criança, sendo que ninguém fica sabendo do primeiro parto.
Os Azande, segundo o autor, se referem ao lesbianismo como andandara, pois ambas são ações femininas que
podem causar a morte de qualquer homem que testemunhe. Assim, o lesbianismo é considerado agourento pelo
povo Zande e suas consequências são nefastas, não o ato. Evans-Prithcard (1978) relaciona esse mal provocado
por andandara (lesbianismo e gato) com os malefícios das funções sexuais femininas. Fonte: EVANS-
PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

24
através de uma cerimônia intitulada bagbaru, tendo conseguido a permissão de
seus maridos para fazê-la. Um marido sente dificuldade de negar o
consentimento, uma vez que essa formalização, normalmente, não significa o
envolvimento de um elemento sexual. Uma das mulheres faz um pequeno
presente para a outra, a outra então faz um presente de retorno. Elas então
dividem um sabugo de milho e cada uma planta as sementes da sua parte do
sabugo em seu jardim12. Algum tempo depois, as mulheres executam várias
tarefas mútuas e vão, de tempos em tempos, trocar alguns presentes.
Entretanto, mesmo que um esposo consinta com a amizade, ele o faz
geralmente com relutância, porque os homens Zande pensam que essa ligação
de amizade entre mulheres pode claramente se configurar como um disfarce
para intimidades homossexuais.
Texto coletado com Kuagbiaru (EVANS-PRITCHARD, 1963b, p. 13-14):
Entre os Azande muitas mulheres fazem o mesmo que
homens. Muitas delas têm relações sexuais entre elas da
mesma forma que um esposo faria. O lesbianismo começou
com um milho cujo nome é kaima, um milho cuja espiga é
vermelha como o sangue. Elas pegam essa espiga e
proferem um feitiço sobre ela, da mesma forma que os
homens proferem um feitiço sobre o sangue ao fazerem a
irmandade de sangue13, e quando isso é feito uma delas
[dentre as duas mulheres] tem que segurar no topo da
espiga e a outra segura na base da espiga que é sua parte e
elas então quebram a espiga entre elas. Depois disso, elas
não devem chamar uma a outra pelo seus nomes próprios,
mas sim chamar uma a outra de bagburu. Aquela que é a
esposa deve cozinhar o mingau e um frango e levá-los para
aquela que é o esposo. Elas fazem isso entre elas várias
vezes. Elas têm relações sexuais entre elas com batatas-
doces esculpidas no formato de um pênis circuncidado e
também o fazem com mandiocas esculpidas e também
com bananas. No topo é como se fosse um órgão
masculino. O esposo não gosta que sua mulher fique de
conversa com outras mulheres. Ela bate em sua esposa da
mesma forma que um esposo bate em uma esposa no caso

12
O ritual corresponde à troca de sangue entre homens. Sugiro que o ritual feminino é uma cópia do uso do sabugo
de milho vermelho-sangue (EVANS-PRITCHARD, 1933).
13
N.T.: Segundo Evans-Pritchard (1978), irmãos de sangue são indivíduos não aparentados que estabelecem
uma aliança especial por um pacto em que o sangue é o símbolo. Opõe-se em inúmeros aspectos à relação entre
irmãos consanguíneos. Fonte: EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978.

E. E. Evans-Pritchard 25
n. 07 | 2012 | p. 15-30
de mau comportamento, como no caso de sair com um
homem. Entretanto, quando Gdbuwe era vivo, ele era
muito contrário a qualquer coisa que tivesse a ver com
lesbianismo.

Texto coletado com Kisanga (EVANS-PRITCHARD), um homem com


amplo conhecimento dos costumes Zande:
As mulheres se encontram e uma diz para a outra, “Oh,
minha amiga, você, por que não gosta de mim, amor!”. A
outra responde, “Oh, Senhora, minha amante, por que eu
deveria te querer mal?”. A primeira fala, “Senhora, venha
depois de amanhã que eu tenho uma pequena coisa pra lhe
dizer”. Ela replica, “oh, Senhora, o que é isto que você não
me fala agora? A menos que você me diga agora não
poderei sobreviver a noite esperando para saber!”. Então
uma fala para a outra, “Senhora, estou profundamente
apaixonada por você. Oh senhora, como deveremos
gerenciar esse horrível esposo?”
“Hm! Oh, Senhora, será que eles mantêm essa guarda toda
sobre uma mulher!”.
“Ahe, Senhora, vamos bolar uma artimanha. Você vem
depois do meu esposo e nós faremos um pacto de amizade
amorosa (bagburu) entre nós e ele pensará que é só uma
amizade entre mulheres, e assim Senhora você poderá me
dar prazer”. Ela acrescenta, “Amanhã cedo você venha com
um pequeno presente para ele”.
Na manhã, bem cedinho, ela pega um presente, como uma
lança, e vem visitar o esposo em sua casa. Ela fala para o
esposo:
“Então, você escutará com atenção o que eu venho lhe
dizer?”.
“Senhora, diga o que a Senhora veio fazer em minha casa”.
“Eh, Senhor, é sobre minha amiga, mestre. Eu disse a mim
mesma, Senhor, que eu viria perguntar ao príncipe sobre
ela. Eu não sou um homem que poderia lhe enganar com
uma mulher”.
Ele então diz, “Eh, Senhora, pode ser que eu consinta”.
“Oh, Senhor, por sua cabeça! Oh, Senhor, por sua cabeça!
Permita que eu tenha a mulher, Senhor. Eu vou moer
farinha para ela, e se ela estiver doente eu vou apanhar
lenha para ela”.

26
14
“Primeiro eu preciso consultar os oráculos, Senhora .
Penso que devo primeiro consultar os oráculos”.
“Eh, Senhor, está recusando a sua mulher? Será que ela é
um homem?”.
“Tudo bem, Senhora, você deixa a lança e vai para sua casa
que eu pensarei no assunto”.
Ela esfrega o solo diante dele [agradece a ele] dizendo, “Oh,
meu mestre, eu vou sozinha entre as pessoas, Senhor!”.
Então ela vai para casa. Ela dorme duas noites e então ela
mói farinha e ela retorna com farinha e mingau. Quando ela
aparece no caminho sua amante corre ao seu encontro:
“Oh, meu amor, Oh, minha amiga, Oh, Senhora você não
veio hoje?”. Ela coloca a farinha e o mingau ao lado no
terreiro. Ela pega um banquinho e coloca para ela se sentar.
O esposo fala amuado:
“Você veio, minha amiga?”.
“Sim, Senhor”.
“Senhora, me deixe em paz estou sentindo frio hoje”.
Elas pegam a comida dele e a trazem. Ele está embaraçado.
“Menina, derrame água sobre minhas mãos”. Sua esposa
pega água e derrama sobre suas mãos. Ele diz, “Senhora,
isso é bom, senhora, isso é bom”. Ele tira um monte de
mingau. Ele se emburra e continua emburrado, dizendo
para suas filhas, “agora então peguem e levem para as
crianças”.
“Ahe, Senhor! Uma pessoa traz sua comida e um homem
não está bem – essa comida não deve ser dada para
outrem, não deveria esta comida ser guardada para que ele
a coma em outro momento?”.
“Hm! Eh, mulher, como uma pessoa pode argumentar com
um pai dessa maneira!”. Elas o enganam. “Oh não, Senhor,
eu não estou discordando nada, Senhor”.

14
N.T.: Evans-Pritchard (1978) argumenta que a explicação dos infortúnios entre os Azande se dá em torno da
noção de bruxaria, que se transforma em uma causa indireta para relatar determinadas dificuldades cotidianas.
Dessa forma, a consulta a oráculos é uma ação rotineira na cultura Azande, sendo o oráculo de veneno um dos
principais e mais certeiros, responsável pelas acusações de bruxaria. São os oráculos que fornecem elementos
para a interpretação dos indivíduos quanto aos possíveis malfeitores (bruxos) de seus infortúnios. Evans-
Pritchard (1978) coloca ainda que os oráculos são meios para impor comportamentos (p. 76), bem como que a
função de bruxaria envolve juízos morais (p. 88). Fonte: EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia
entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

E. E. Evans-Pritchard 27
n. 07 | 2012 | p. 15-30
“Senhora, eu não estou me sentindo bem hoje, hoje não é
um bom dia para mim. Devo retirar-me”.
“Ele! Espia só, que esposo desagradável esse meu,
Senhora, que personagem antipático!”.
A esposa coloca água diante de sua amante da mesma
forma que ela faria se fosse seu [homem] marido. Ela tem
seu pênis em sua bolsa – ela leva o pênis com ela onde quer
que ela vá. Elas esculpem uma batata-doce na forma de um
pênis circuncidado. A mulher-esposo faz um furo ao longo
da batata-doce e então amarra a batata-doce com corda em
seu lombo para que ela fique como um homem. Ela se lava
com água e unge a si mesma com óleo.
Enquanto isso o esposo está comendo sua refeição na
cabana de sua esposa mais velha. Ele diz a ela, “Oh,
Senhora, como você já está comigo há tanto tempo e você
nunca me fez sofrer. Minha esposa, isto que eu estou
vendo, você vê também?”.
“Não, Senhor, mas tenho uma ideia sobre isso. Não estou
certa das coisas, Senhor! Eh, Senhor, como você é um
homem, em um caso como este, porque você não escuta o
que ela tem a dizer para satisfazer a sua mente?”.
Ele tosse: “tudo bem, essa minha morte de que elas estão
falando, vou até o fim”.
As duas mulheres se levantam para se deitarem no chão,
porque na cama seus movimentos fazem muito barulho. A
esposa do homem diz: “Aquele meu esposo desagradável, é
capaz de ele tentar armar uma cilada para pegar as pessoas
na cabana!”.
“Se ele o fizer ele vai morrer se ele vir isso. Madame, não se
fatigue pensando sobre assuntos de mulher, você verá o
que acontece”.
“Deixe-nos fazer o que estamos prestes a fazer. Somente
pare de falar do meu esposo”. Ela faz com que ela fique
quieta ao apertar sua cabeça sobre ela enquanto ela obtém
o prazer de seu amor. O esposo chega e se inclina sobre o
alpendre e ele escuta os sons delas dentro da cabana, ele
escuta o movimento dentro da cabana, como dizem “Oh,
meu irmão, Oh, minha querida, Oh, meu esposo, Oh,
Senhora”. Ele entra na cabana e quando elas o veem elas se
levantam do chão. Ele agarra sua esposa e fala (para a
outra mulher):

28
“Oh, minha amiga, você me matou. Pensei que você tivesse
vindo em minha casa com boas intenções, mas pelo que
vejo é minha morte que você traz”.
Então ele chama sua esposa mais velha:
“Amante, venha ver o mal que me atingiu – esta mulher, eu
a peguei junto com sua companheira...”.
“Heyo! Meu esposo! Você me chama para ver uma relação
de mulheres – suas esposas podem ser muito maliciosas,
Senhor”.
“Eh, mulher, nós dividimos uma casa com você em
conversa-dupla (sanza). Então vocês estão todas
mobilizadas pelo desejo de minha morte!”.
“Opa! Sai fora e não fale comigo – é a minha culpa que você
tenha caminhado e entrado na cabana?”.

Talvez deva incluir na conclusão desta nota que não estou sugerindo de
forma alguma que a pederastia e o tribadismo são explicados pelas condições
sociais, como essas obtidas com os Azande. Evidentemente, não o são. O que é
certamente explicado, dada a plasticidade libidinosa, são as formas
institucionais prevalentes na sociedade Zande e as atitudes (masculinas)
direcionadas a elas.

E. E. Evans-Pritchard 29
n. 07 | 2012 | p. 15-30
Referências
BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
CZEKANOWSKI, Jan. Forschungen im Nil-Kongo Zwischengebiet. Leipzig: Klinkhardt &
Biermann, 1924. v. 2.
EVANS-PRITCHARD, E. E. Some Zande texts. Kush, 11, 1963a.
______. The Zande royal court. Zaire, v. 5, p. 495-511, 1957a.
______. Vernacuar text: manuscript. Oxford: Institute of Social Anthropology, [s.d.].
(Zande text collection).
______. Witchcraft, oracles and magic among the Azande. Oxford: Clarendon Press,
1937.
______. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
______. Zande blood-brotherhood. Africa, v. 6, p. 369-401, 1933.
______. Zande border raids. Africa, v. 28, p. 217-232, 1957b.
______. Zande texts: part 1. Oxford: Oxonian Press, 1962.
______. Zande texts: part 3. [s.l.]: [s.n.], 1963b. p. 1-43.
______. Zande warfare. Anthropos, v. 52, p. 239-262, 1957c.
JUNKER, Wilhelm. Travels in Africa. London: Chapman and Hall, 1892.

30

Você também pode gostar