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Introdução aos Sistemas

Dinâmicos - Parte 4

Cristina Lizana Araneda (UFBA)

XXIII Escola de Verão UFSC


UFSC, 3 de fevereiro de 2022.

C. Lizana Introdução aos Sistemas Dinâmicos (4)


Introdução

Modelos de crescimento de população em biologı́a


Seja x o tamanho da população.
Consideremos um modelo discreto no qual a população
cresce em intervalos discretos de tempo, digamos por ex-
emplo a cada ano.
Se a população y durante o próximo ano depende so-
mente da população atual x, podemos modelar o cresci-
mento por uma equação da forma y = f(x). Assim, fn (x)
representa a população depois de n intervalos de tempo.

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O modelo mais simples,

f(x) = λx, λ > 0.


λ-parâmetro que mede a fertilidadade da especie.
Observe que,
fn (x) = λn x.
Assim,

 0, λ < 1 (extingue)
lim λn x =
n→∞
+∞, λ > 1 (cresce exponencialmente)

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Podemos assumir que existe uma cota superior L para o
tamanho da população que pode ser suportada pelo am-
biente.
O segundo modelo mais simples,

f(x) = λx(L − x), λ > 0.


λ-parâmetro que mede a fertilidadade da especie.
Observe que,
Se x ∼ L, a população cresce lento. Se xL é pequeno, ainda temos
crescimento exponencial até aproximarmos a L.
Se x = L, então f(x) = 0. Isto é, a população morre.
Não faz sentido tomar x > L, pois f(x) < 0.

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Famı́lia quadrática

Por conveniência, tome L = 1.


Seja o seguinte mapa, conhecido como o mapa quadrático
fλ (x) = λx(1 − x),

definido no R, com λ > 0.


Assim, {fλ }λ é a famı́lia quadrátrica (ou logı́stica).

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Note que:
fλ (0) = fλ (1) = 0. Isto é, 0 é ponto fixo e 1 é um ponto
eventualmente periódico.
Para x̸∈ [0, 1], suas respectivas órbitas tendem a −∞.
1
f′λ (x) = λ(1 − 2x) = 0 ⇔ x = , ∀ λ.
2
maxx∈R fλ (x) = fλ 12 = λ4 , para λ > 0.


λ−1
(Pontos fixos) fλ (x) = x ⇔ x = 0, x = = pλ .
λ

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Logo, podemos restringir nosso estudo apenas ao inter-
valo [0, 1] e observar que
fλ ([0, 1]) ⊆ [0, 1], para λ ∈ (0, 4].
fλ ([0, 1]) ⊈ [0, 1], para λ > 4.

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O análise da dinâmica será dividido da seguinte forma:

0 < λ ≤ 1;
1 < λ ≤ 3;
3 < λ < 4;
4 ≤ λ.

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0<λ≤1
fλ tem um único ponto fixo, x = 0.
|f′λ (0)| = |λ| < 1. Assim, x = 0 é um ponto fixo atrator,
isto é, toda órbita é atraida pelo ponto fixo x = 0.

Figure: λ = 0, 5
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Em λ = 1
se produz uma
primeira bifurcação,
mudando a es-
trutura dos pon-
tos periódicos.
(Bifurcação Sela-
Nó)

Figure: λ = 1
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Bifurcação Sela-Nó

Teorema
Suponha que
1
fλ0 (0) = 0
2
f′λ0 (0) = 1
3
f′′λ0 (0) ̸= 0
∂fλ
4
|λ=λ0 (0) ̸= 0
∂λ
Então existe um intervalo J que contém 0, e uma
função suave p : J → R, tal que p(0) = λ0 e
fp(x) (x) = x. Além disso, p′ (0) = 0 e p′′ (0) ̸= 0.

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1<λ≤3
x = 0 se torna repulsor, pois f′λ (0) = λ > 1.
Novo ponto fixo β1 = 1 − λ1 , f′λ (β1 ) = 2 − λ < 1, para
1 < λ < 3. Assim, β1 é atrator para 1 < λ < 3.
Para todo x0 ∈ (0, 1), fnλ (x0 ) → β1 quando n → ∞.

Figure: λ = 1, 85
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Figure: λ = 2, 75; gráfico de fλ , f2λ e f3λ

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Em λ = 3,
temos |f′λ (β1 )| =
1 e se pro-
duz uma nova
bifurcação (Bi-
furcação de du-
plicação de pe-
rı́odo). O ponto
fixo β1 continua
sendo atrator, em-
bora não seja
hiperbólico.

Figure: λ = 3; gráfico de fλ , f2λ e f3λ


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Bifurcação duplicação de perı́odo

Teorema
Suponha que
1
fλ (x0 ) = x0 , ∀λ ∈ I; λ0 ∈ I
2
f′λ0 (x0 ) = −1
∂(f2λ )′
3
|λ=λ0 (x0 ) ̸= 0
∂λ
Então existe um intervalo J que contém x0 , e uma
função p:J → R, tal que fp(x) (x) ̸= x, mas f2p(x) (x) = x

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3<λ<4
A medida que mudamos o parâmetro do mapa quadrático,
para parâmetros maiores do que 3, surgem pontos periódicos
de perı́odo 2n .
Além disso, os pontos que surgem são todos atratores,
enquanto que os pontos de perı́odo menor são repulsores.

Figure: λ = 3, 5
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•3 < λ ≤ 1 + 6
β1 se torna ponto fixo repulsor, pois, |f′λ (β1 )| > 1.
Em λ = 3, o mapa quadrático tem uma bifurcação
duplicação de perı́odo:
2
i) o ponto fixo é β1 = ,
3

ii) f3 (β1 ) = −1,
∂(f23 (β1 ))′
iii) = 2 ̸= 0.
∂λ
Logo, existe una órbita periódica de perı́odo 2.

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Os pontos periódicos de perı́odo 2 são

(1),(2) λ + 1 ± λ2 − 2λ − 3
β2 =

com λ > 3. Ambos pontos são atratores, e o ponto fixo pλ
vira repulsor.

Figure: λ = 3, 35; gráfico de fλ , f2λ e f3λ

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•1 + 6 < λ < 3, 54 . . .
n o
(1) (2) (i)
o ciclo β2 , β2 é repulsor, pois |(f2 (β2 ))′ | > 1.

Em λ = 1 + 6, f2λ possui uma bifurcação de
duplicação de perı́odo:
√ √ √ √ √ √
(1) 2 3+ 2+2 (2) 2 3− 2+2
i) β2 = √ √
2(1+ 2 3)
e β2 = √ √
2(1+ 2 3)
são pontos
2 √
fixos de f1+ 6
.
 ′  
2 √ (i)
ii) f1+ 6
β2 = −1
′
√ √
 
(i)
∂ f4 √ β2 4( 2 3+6)
iii) 1+ 6
∂λ
= √ √
1+ 2 3
̸= 0

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n o
(1) (2)
Logo, o ciclo β2 , β2 gera uma órbita periódica de perı́odo
4.
Esse ciclo é atrator e atrai a órbita de todos os pontos de
[0, 1] exceto o conjunto enumerável de pontos
[ n n oo∞
(1) (2)
{0, 1} f−n β1 , β2 , β2
n=0

Figure: λ = 3, 5; gráfico de fλ , f2λ e f3λ


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Naturalmente surgem as seguintes questões

1
Até quando podemos repetir este processo, isto
é, podemos determinar todos os pontos de
perı́odo 2n ?
2
Podemos efetivamente determinar os
parâmetros de bifurcação do mapa
quadráticos?

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• 3, 54 . . . < λ < λ∗ = 3, 5699456
Se o parámetro λ > 3, 54 . . . , o ciclo de perı́odo 4 trans-
forma se em repulsor e gera um ciclo de perı́odo 8.
O ciclo atrai a órbita de todos os pontos de [0, 1] exceto
uma quantidade enumerável de pontos.
O processo de duplicação de perı́odos consecutivos de
ciclos atratores acontece até λ∗ = 3, 5699456.

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Considere a seguinte sequência abaixo
λn = inf {λ > 0 : fλ tem um ponto de perı́odo 2n } .

Pelo Teorema de Sarkovskii, λn ≤ λn+1 .


Note que λn < 4, para todo n, pois f4 tem pontos periódicos
de todos os perı́odos como veremos em breve.
Logo,
lim λn = λ∞
n→∞

pode provar que λ∞ = λ∗ .


•λ = λ∗ . O mapa quadrático possui ciclos de perı́odos 2i ,
i = 0, 1, 2, . . .. Todos esses ciclos são repulsores e não
tem ciclos de otros perı́odos.

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O que acontece para λ > λ∗ ?

Figure: λ = 3, 83; gráfico de fλ , f2λ e f3λ

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•λ = 3, 83. Neste caso, temos um ciclo
n o
(1) (2) (3)
B3 = β3 , β3 , β3

de perı́odo 3 atrator, pois,


  ′      
(1) (2) (3) (1)
f3 β3 = f′ β3 f′ β3 f′ β3 = 0, 3283507799 < 1,

onde
(1) (2)
β3 = 0, 1561493157, β3 = 0, 5046664874
(3)
β3 = 0, 9552938234.

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Caos

Definição

Dizemos que f : X → X é um mapa caótico em X


se:
1
f é topologicamente transitivo;
2
f possui dependência sensı́vel às condições
iniciais;
3
o conjunto dos pontos periódicos de f é denso
em X

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Definição

f : X → X possui dependência sensı́vel às


condições iniciais se existe δ > 0, tal que, para qual-
quer x ∈ X e para qualquer vizinhança U de x, exis-
te y ∈ U e n ≥ 0 tal que d [f n (x), f n (y)] > δ

Se f é um mapa caótico, então o seu comportamento é


imprevisı́vel, embora não necessariamente aleatório, pois
o conjunto dos pontos periódicos é denso em X . Além
disso, os abertos passeiam por todo o conjunto.

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Perı́odo 3 implica Caos

Definamos a seguinte ordem dos números naturais de


Sarkovskii

3 ▷ 5 ▷ 7 ▷ · · · ▷ 2 · 3 ▷ 2 · 5 ▷ · · · ▷ 22 · 3 ▷ 22 · 5 ▷ · · ·
▷23 · 3 ▷ 23 · 5 ▷ · · · · · · ▷ 23 ▷ 22 ▷ 2 ▷ 1.

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Teorema de Sarkosvkii

Teorema de Sarkosvkii
Seja f : R → R um mapa contı́nuo. Suponha
que f possui um ponto periódico de perı́odo k. Se
k ▷ ℓ, então f também possui um ponto periódico de
perı́odo ℓ.

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Uma consequência imediata do Teorema de Sarkosvkii é
que o mapa quadrático com parâmetro λ maior do que
3.83 tem pontos periódicos de todas as ordens.

Figure: λ = 3, 9; gráfico de fλ , f2λ e f3λ

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Diagrama de bifurcação da famı́lia quadrática

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λ=4

Figure: λ = 4

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Figure: λ = 4; gráfico de fλ , f2λ e f3λ
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Existe um mapa caótico topologicamente conjugado com
o mapa quadrático no parâmetro λ = 4.
Definamos T : [0, 1] → [0, 1] o Tent map (ou mapa tenda)
dado por

 2x, 0 ≤ x ≤ 1/2
T (x) =
 2(1 − x), 1/2 ≤ x ≤ 1

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Figure: Gráfico de T e f4

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Propriedades de T (Exercı́cio)
1
σ é conjugada a T ;
2
T tem exatamente 2n pontos periódicos de
perı́odo n, para cada n ∈ N;
3
T é transitivo;
4
Per(T ) é denso em [0, 1];
5
T é sensı́vel as condições iniciais.
Portanto, T é um mapa caótico. Além disso, T é
conjugada a f4 .

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λ>4
1.2

0.8

0.6

k l

0.4

0.2

I
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1

Figure: λ = 5; gráfico de fλ , f2λ e f3λ

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Considere o conjunto
An = {x ∈ [0, 1] : fi (x) ∈ [0, 1] para i ≤ n mas fn+1 ̸∈ [0, 1]}
Observe que para λ > 4, An é aberto não vazio e se x ∈
An , então fn (x) → −∞.
Defina

!
[
Λ = [0, 1] \ An .
n=0

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Teorema (Exercı́cio)

Λ é um conjunto de Cantor para λ > 2 + 5, isto é,
fechado, totalmente desconexo e perfeito.

O teorema vale para todo λ > 4, mas a prova é mais deli-


cada.

Teorema (Exercı́cio)

Se λ > 2 + 5, Λ é um conjunto hiperbólico repulsor.
Em particular, Λ é um conjunto invariante.

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P
Sejam 2 = {0, 1}N dotado com a métrica

X |xi − yi |
d(x, y) = .
i=0
2i
P P
Considere σ : 2 → 2 o shift dado por
σ(x0 , x1 , . . .) = (x1 , x2 , . . .).

Teorema (Exercı́cio)
1
σ é sobrejetora mas não é injetiva;
2
σ é contı́nua;
Per(σ) é denso em 2 ;
P
3

4
σ é transitiva;
5
σ tem pontos periódicos de todas as ordens.

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Note que [0, 1] \ A0 consiste de dois intervalos fechados.
Seja I0 o intervalo da esquerda e I1 o da direita.
Seja o itinerário de x dado pela sequência

S(x) = (a0 , a1 , . . . , ak , . . .)
onde 
 0, se fk (x) ∈ I0
ak =
1, se fk (x) ∈ I1

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Teorema
√ P
Se λ > 2 + 5, então o mapa S : Λ → 2 é um
homeomorfismo. Além disso, S ◦ f = σ ◦ S. Assim,
f |∧ e σ são conjugados.

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Teorema

Seja fλ (x) = λx(1 − x) com λ > 2 + 5. Então
1
fλ é um mapa transitivo em Λ;
2
Per(fλ ) é denso em Λ;
3
A cardinalidade de Pern (fλ ) é 2n ;
4
fλ é caótico.

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Referências

Alligood, K.; Sauer,T.; Yorke, J. Chaos - an


introduction to dynamical systems.
Devaney, R. An introduction to chaotic dynamical
systems.
Robinson, C. Dynamical Systems. Stability, symbolic
dynamics, and Chaos. CRC Press, 1999.

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