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Título original

Nuovo Dizionario di Teologia Morale


© San Paolo, Cinisello Balsamo, Milão, 1990
Tradução
Lourenço Costa
Isabel Fontes L. Ferreira
Honório Dalbosco
Na edição brasileira, Paulus Editora teve presente também a tradução de San Pablo de Madri, com alguns
verbetes novos, de colaboradores da Espanha e do Brasil. Outros verbetes sofreram adaptações.
Revisão
Honório Dalbosco
Coordenação gráfica
Vittorio Saraceno

© PAULUS-1997
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Fax (011) 570-3627
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ISBN 85-349-1136-3
RELATIVISMO - RELIGIÃO E MORAL 1086

Encontrar pluralidade de morais signifi- dimensione ética delluomo, Edi Oftes, Palermo
ca dever descobrir o momento que determi- 1987. • Sobre a ética da situação: J. R. Flecha,
Dolores y gozos de la ética de situación, em
na esta divergência. Esta pode depender de
"Colligite 23 (1977) 33-45 - J. Fuchs, Situation und
observações erróneas do dado empírico, ou Entscheidung, Frankfurt 1952 - Id., Morale théolo-
de observações erróneas do dado avaliativo, gique et morale de situation, em " N R T " 76 (1954)
ou de procedimentos argumentativos erró- 1075-1085 - Id., Éthiq ue objective et ethique de
neos. O muçulmano que chega a considerar situation (à propos de ilnstruction du Saint Office
moralmente reto o matrimónio poligâmico du 2.2.1956), e m " N R T " 78 (1956) 798-818 - E.
Perez, Perfiles cristianos de la ética de situación, em
não comete erro avaliativo, porém avalia di- "Pentecostes" 11 (1973) 293-318-P. Piovani (org.),
versamente porque encara erradamente a L'ética delia situazione, Guida, Nápoles 1974 - K.
realidade mulher. Em contrapartida, quem Rahner, El problema de una ética formal, em Escri-
formula o juízo de liceidade moral da inter- tos de teologia II, Taurus, Madri 1963, 225 - Id.,
rupção da gravidez em certos casos não co- L'elemento dinâmico nella Chiesa, Morcelliana,
Brescia 1970 - Id., Visión ecumenica de la ética de
mete erro de observação de fato do dado
la situación, em Escritos de teologia VI, Taurus,
empírico, pois amiúde também ele acha que Madri 1969, 527-536 - Id., Las exigencias de Dios a
no feto se trata de pessoa humana, contudo, cada uno de nosotros, e m Escritos de teologia VI,
avalia diversamente a interrupção da gravi- Taurus, Madri 1969, 511-526 - R. Rincón Orduna,
dez porque encara erradamente o valor da Dos tipos de ética normativa: el eontológico y el teo-
vida do feto que considera menos fundamen- lógico, em Teologia moral, San Pablo, Madri 1980,
126-140 - Ph. Schmitz, Ricerca induttiva delia nor-
tal do que o mal-estar físico ou psíquico da ma morale, Dehoniane, Bolonha 1977.
mãe.
S. Privitera
A inaceitabilidade ou impossibilidade ló-
gica do pluralismo e sua identificação com o
relativismo, se de um lado não pode deixar
de estabelecer o dever de recusá-lo, de outro
levanta o sério problema, no contexto pasto-
ral e missionário, da - » tolerância ou dos li- RELIGIÃO E MORAL
mites dentro dos quais se podem tolerar com-
portamentos inaceitáveis do ponto de vista SUMÁRIO - Introdução: 1. A separação religião-vida
ético-normativo, e, por isso, não aceitáveis e o h o m e m de hoje; 2. U m olhar para a história da
na praxe moral dos cristãos. teologia moral. - I. A religião, fundamento da mo-
ral: 1. A moral cristã e uma moral religiosa. 2. Re-
Este problema, que não é possível abor- ligião e sacramentos; 3. Relação entre sacramen-
dar aqui, pode encaminhar-se para sua solu- tos e normas morais. - II. A moral, responsável pela
ção seguindo o princípio segundo o qual to- religião: 1. E m busca de uma concepção ampla da
lerar não significa legitimar teoricamente. religião: a. Da fuga do mundo para a seculariza-
ção, b. Dimensão religiosa do compromisso no
Em certos momentos, a tolerância com al-
m u n d o e pelo mundo, c. Síntese vital entre reli-
guns comportamentos pode ser legítima, den- gião e compromisso; 2. Atenção e respeito à religio-
tro daquela determinada cultura, porém sidade popular: a. Atitude de amor inteligente, b.
muito mais porque dentro daquela cultura Peculiar expressão "popular" da fé, c. Liturgia e
só gradualmente, com o tempo, é possível sacramentos, d. Algumas indicações. - III. Indica-
chegar a perceber o erro moral de certos usos ções morais sobre alguns aspectos religiosos: 1. D o
sagrado à experiência religiosa; 2. O culto; 3. A
e costumes seculares. oração; 4. A festa e o ócio.
[ - » Epistemologia moral; - * Ética descri-
tiva; - » Ética normativa; - » Metaética; - » Nor-
ma moral]. Introdução
Sem fazer referência às definições e des-
BIBLIOGRAFIA - Q Sobre o relativismo: R. Ginters, crições que delas se dão, aqui pelo termo re-
Relativismus in der Ethik, Patmos, Díisseldorf 1978 ligião se entende a relação de comunhão com
- Id., Valori, norme e fede Cristiana. Introduzione
Deus ("ordo ad Deum") vivida e expressada
all'eticafilosofica e teologica, Marietti, Casale Mon-
ferrato 1982 - A. Hortelano, Relativismo, em Pro- em fatos que visam à sua adoração e glorifi-
blemas actuales de moral I, Sígueme, Salamanca cação. Enquanto a ética filosófica estuda a
1981,484ss - E. L ó p e z Azpitarte, La ética personal: relação com Deus do homem como tal, a teo-
cExisten valores absolutos?, em "Proyecciôn" 116 logia moral estuda a relação do homem que já
(1980) 37-51 - S. Privitera, Dallesperienza alia
se encontra referida a Deus graças à inserção
morale. II problema esperienza in teologia morale,
Edi Oftes, Palermo 1985 - Id., Pluralismo ético ed sacramental no mistério cristão de salvação.
ecumenismo. Sette tesi critico-metodologiche, em O tema religião-moral, para ser correta-
"Synaxis" I I (1984) 65-88 - B. Schuller, L'uomo mente exposto e adequadamente resolvido,
veramente uomo. La dimensione teologica nella requer que se analisem os dois termos no
1087 RELIGIÃO E MORAL

duplo sentido que vai da religião à moral e vai mais longe: contempla a separação na
vice-versa. Portanto, em uma primeira parte "síntese vital" (l.c.) entre fé, religião e culto,
estudar-se-à o nexo que a tradição judaico- de um lado, e compromissos humanos, do-
cristã estabelece entre relação com Deus e mésticos, profissionais, científicos e técnicos,
comportamento ético, relação que nos tem- por outra.
pos cristãos não pode mais prescindir do as-
pecto sacramental. A segunda parte estuda- 2 . U M OLHAR PARA A HISTÓRIA DA TEOLOGIA
rá o dever que a moral tem hoje diante da MORAL - Tomás de Aquino trata da virtude de
religião, ou melhor, do homem moderno (des- religião na Summa Theologiae II-II, qq. 80-100.
te homem moderno é interlocutor privilegia- Apesar de colocá-la entre as virtudes mo-
do o homem secularizado, embora tenha que rais, posto que tem como objeto imediato não
estender o diálogo ao homem niilista etc, para Deus, porém os atos de culto (cf. q. 81, a.5),
que possa viver a experiência religiosa, até ele a põe em estreita relação com as virtudes
mesmo diante do povo, para que seja respei- teologais que, além de se expressarem nela
tado e o ajude em sua religiosidade. A tercei- (cf. q. 101, a. 3, ad 1), estimulam o exercício
ra parte, em vez de deter-se nos atos religio- da virtude de religião ("causant actum reli-
sos particulares, posto que disto se trate es- gionis": q. 81, a. 5, ad 1), e até fazem com que
pecificamente em outros verbetes do dicio- o homem se dê a si mesmo a Deus mediante
nário, se limitará apenas a algumas indica- os atos de culto (cf. q. 82, a. 2, ad 1).
ções morais. Santo Tomás preocupa-se também com
o colocar a virtude da religião em relação com
1. A SEPARAÇÃO RELIGIÀO-VIDA E O HOMEM DE as outras virtudes morais; ela inspira e esti-
HOJE - O homem de hoje considera o mundo mula seu exercício e ordena tudo para a gló-
como tarefa e responsabilidade suas; tem a ria de Deus: a moral - e, portanto, a vida in-
convicção de que é protagonista da história; teira - é assim animada pela virtude de reli-
observa que tudo deveria estar ordenado para gião e adquire caráter cultual (cf. q. 81, a. 5, ad
o serviço do homem. l;q. 88, a. 5) e sacrificial (cf. q. 81, a. 4, ad 1).
Devido ao abismo que se criou entre reli- Unindo na virtude da religião as virtudes
gião e vida, culto e vida, o homem moderno, teologais e as morais, Tomás de Aquino sal-
considerando a religião como separação do va a relação entre graça, vida teologal e reli-
mundo, dos lugares e das atividades profa- gião e entre religião e vida: salvaguarda des-
nos, está convencido de que ela "afasta da te modo o homem em sua unidade, porque o
edificação da cidade terrena" (GS 20). Assim ajuda a fazer a síntese entre fé, graça e reli-
considerados, religião e culto são colocados gião, bem como entre religião e vida.
como alternativa para o mundo: o homem Se lançarmos um rápido olhar para a his-
moderno, para não desertar do mundo e para tória da moral ao longo dos séculos sucessi-
não abdicar de sua responsabilidade, deixa a vos, encontrar-nos-emos diante de aborda-
religião e o culto. gens diversas na estruturação, porém, sobre-
Com efeito, muitos cristãos dividem a rea- tudo na concepção.
lidade em dois setores que não se comuni- Os manuais que seguem o esquema do
cam entre si: o mundo do profano e o mun- decálogo (cf., por exemplo, H. Noldin, Sum-
do do cultual e sagrado; a religião e o culto ma theologiae moralis II, Innsbruck 1957, 31a
se convertem em um mundo à parte, para o edição) apresentam a religião como um con-
qual nos retiramos "para estar com Deus". junto de deveres que é preciso cumprir dian-
Lançando um olhar sobre as comunidades te de Deus; falta-lhes inspiração teológica
cristãs, constata-se que o culto e os sacramen- unificadora, bem como uma visão dinâmi-
tos se acham junto à vida real sem nela exer- ca; as virtudes teologais e a virtude de reli-
cer influência alguma; dificilmente o homem gião, além de estarem justapostas são apre-
contemporâneo poderia descobrir partindo sentadas de maneira estática, e não como
da praxe cristã a relação culto-vida. O culto expressões do ser cristão. Não se percebe se
amiúde se esgota no momento ritual, sem e como possam e devam ser princípios inspi-
desembocar na vida. radores de comportamento; a religião é um
O Vat. II não vacila em ver na separação momento da vida, porém sem influir nela. Fal-
religião-vida, culto-vida, uma das causas do ta, outrossim, o nexo com os sacramentos.
ateísmo e da irreligiosidade imperantes (cf. Dos manuais que seguem o esquema das
GS 19 e 21), incluindo-o "entre os erros mais virtudes, enquanto que alguns, apesar de sua
graves de nosso tempo" (ib, 43) e qualifican- estrutura diversa, nos conteúdos terminam
do-o como "escândalo" (l.c.). E a denúncia reproduzindo as características negativas dos
RELIGIÃO E MORAL 1088

manuais segundo o decálogo (cf., por exem- perfeição. O fim da moral cristã é a glória
plo, A. Lanza e P. Palazzini, Theologia moralis de Deus (cf., por exemplo. Is 43,21; lPd 2,9).
II, Turim 1955), somente alguns poucos se- A moral cristã é um viver segundo a pala-
guem santo Tomás e, além de fazê-lo na es- vra de Deus; é uma resposta ao chamado de
trutura, fazem-no também na preocupação Deus.
de unidade entre religião e vida moral con- A moral, além do mais, é resposta às exi-
tra os perigos da fragmentação e do parale- gências de Deus: ele baseia as exigências nos
lismo (cf., por exemplo, Intciación teológica dons que deu por antecipação. O AT (cf. Ex
II, Herder, Barcelona 1962). 20,2-17; Js 24,1-24) faz as várias instâncias
Os manuais mais recentes, que seguem o serem precedidas de um prólogo histórico,
esquema das relações e do amor (cf., por onde se enumeram os dons de Deus e sua
exemplo, G. Mausbach, Teologia Moral Cató- iniciativa gratuita; o N T salienta em toda
lica, 3 tomos, Eunsa, Pamplona 1971-1974; parte o primado da graça, do amor de Deus.
B. Háring, Livres e fiéis em Cristo, 3 voll., "Jesus foi à Galiléia para pregar o evangelho
Paulus, São Paulo, 1981) apresentam os de- de Deus, e dizia: cumpriu-se o tempo e o rei-
veres religiosos como expressões da vida di- no de Deus está próximo; arrependei-vos e
vina, que nos foi dada em Cristo e como par- crede no evangelho" (Mc 1,14). Jesus Cristo
ticipação no louvor de Cristo e da Igreja. Além inicia seu ministério, não formulando dire-
disso, põem em estreita relação religião e trizes, porém espalhando a mensagem do
sacramentos. A vida, ou seja, o vasto campo amor de Deus. Os escritos apostólicos pas-
da moral, está ligada à religião. sam do indicativo da boa nova - isto é, da
pregação do que Deus realizou pelos homens
- para o imperativo dirigido à vida cristã:
I - A religião, fundamento da moral "Antes éreis trevas, agora sois luz no Senhor
1 . A MORAL CRISTÃ É UMA MORAL RELIGIOSA - (= indicativo). Andai, pois, como filhos da luz
Na vida de muitos homens, moral e religião (= imperativo)" (cf. 5,8; cf. também Jo 3,16-
são coisas distintas: é fácil encontrar homens 17; 1 Jo3,9-10; Cl 3; ICor 5,6-8; lPd 1,13-17;
que são profundamente morais, mesmo sen- 2,9-10) [ - » Parênese].
do irreligiosos, e outros que, mesmo sendo A moral religiosa se fundamenta nos dons
religiosos, não pautam seu comportamento de Deus e está orientada para o louvor da
em Deus. Muitos sistemas éticos partem do graça; toda ela se acha estruturada sobre o
homem; a moral é vista como o auto-aper- primado da graça, sobre evangelium et lex, e
feiçoamento do homem, e a religião como não vice-versa; a economia da - » lei nova re-
meio para aperfeiçoar-se a si mesmo. tira sua força e seu valor da - * graça; o co-
A moral cristã é uma moral religiosa; já o nhecimento da norma se obtém, portanto,
AT fundamenta a moral não no homem, po- com o conhecimento dos dons de Deus.
rém, na aliança; com efeito, o comportamen-
to de Israel brota do pacto com Deus, ou 2 . RELIGIÃO E SACRAMENTOS - A salvação
melhor das exigências que Deus faz neste mediante a qual Deus, em seu grande amor,
pacto; para o N T a moral se baseia na rela- vai sempre e cada vez mais ao encontro dos
ção do homem com Cristo (cf. Jo 13-17). homens "para convidá-los e admiti-los à co-
Enquanto na moral do auto-aperfeiçoameto, munhão com ele" (DV 2), alcança seu vértice
a relação com Deus é um dos comportamen- quando "o Verbo se fez carne e habitou entre
tos, na moral religiosa é o fundamento de nós; e nós vimos a sua glória, glória como a
todo comportamento; dá forma e valor a toda do unigénito do Pai, cheio de graça e de ver-
a moralidade. dade" (Jo 1,14). A aliança ou religião se apro-
Característica da ação de Deus é o fato funda até o ponto de Deus converter-se em
de escolher livremente os seus, sem mérito irmão, amigo e companheiro do homem.
algum de sua parte (cf., por exemplo, Dt 7,7- Esta relação com Deus - religião - se ob-
12; Ef 1,3-14; 2,8); Deus chama à santida- jetiva nos - » sacramentos: mistérios da vida
de, para viver com ele e como ele (cf., por de Jesus Cristo, que se tornam mistérios de
exemplo, Gn 17,1-2; Mq6,8; Ef 1,4). Por toda salvação, de comunhão e de vida nova. O
parte destaca o caráter teocêntrico da moral encontro de Deus e com Deus se tem agora
cristã: o fim primordial não é aperfeiçoar- de modo privilegiado no encontro sacramen-
se a si mesmo, embora isto se ache incluí- tal com Cristo Senhor, acontecimento sal-
do na meta, porém, sim, responder a Deus, vífico e dom supremo de comunhão. O Filho
aproximar-se dele e ser como ele quer, a sa- de Deus, na verdade, ao se fazer homem, deu
ber: semelhantes a ele, no que está incluída a aos homens a possibilidade de participar da
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vida trinitária; a profunda relação de comu- término da ação salvífica de Deus em Cristo.
nhão se expressa por meio das imagens dos Sintetizando, o esse com que a moral cristã
ramos e da videira, que é Cristo (Jo 15,1-8), trabalha é um ser sacramental, que encontra
dos membros e do corpo, do qual Cristo é sua origem e seu alimento nos - » sacramen-
cabeça (Ef 4,15s). tos. O agir cristão, por conseguinte, é um agir
Esta comunhão de vida é mais do que um sacramental, isto é, encontra nos sacramen-
dom ontológico; é um novo princípio de ação. tos sua fonte e sua norma. O Vat. II, seguin-
Não basta viver a vida moral; é necessário do as pegadas da literatura apostólica e
que seja uma vida divina, isto é, que brote da patrística e as da praxe litúrgica, considera
participação da vida trinitária mediante a os sacramentos como "fonte" da vida cristã,
graça. Pois a graça é a forma extrema e no sentido de que os fiéis devem manifestar
excelsa do homem, e, portanto, a norma do na vida o que fizeram graças aos sacramen-
seu agir; o dom da comunhão que nos faz tos recebidos na celebração do culto (cf. SC
filhos em Cristo constitui para o cristão seu 10; LG 7).
ser e seu dever, indicativo e imperativo ao A liturgia, na linha da teologia conciliar,
mesmo tempo. A graça deve ser entendida considera a vida cristã em chave sacramen-
principalmente como energia e como ação tal: todos os comportamentos - pessoais, so-
do Espírito Santo no cristão; quando o cren- ciais e eclesiais - são apresentados como exi-
te se deixa conquistar pela graça, o imperati- gências da vida nova comunicada pelos sa-
vo do viver em Cristo é visto como querer e cramentos. A renovação litúrgica nos apre-
como amor pessoais. Porque, ao participar senta os sacramentos como fontes desta vida
da vida de Deus, participa-se do amor trini- nova; constituem, pois, também as normas
tário, que permite amar como Cristo amou; concretas do comportamento cristão, que
Cristo, então, se transforma em lei, não só deve traduzir nas obras o que o sinal sacra-
porque se converte em medida existencial, e, mental significa e realiza para os fiéis. É sem-
por conseguinte, em norma, porém sobretu- pre o ser, porém o ser sacramental, que pre-
do porque, através da obra da graça do Espí- side o agir.
rito, dá a vontade e o amor necessários para
A Igreja, comunidade cultual por ser edifi-
comportar-se de maneira correspondente.
cada pelos sacramentos, deve buscar neles
Cristo é lei muito menos por meio de ações e
as normas de seu agir: toda celebração, no
de exigências exteriores, do que pelo fato de
próprio momento que a edifica, ao mesmo
ele plasmar e guiar o interior do crente.
tempo a compromete; a Igreja, ao mesmo
A vida trinitária em Cristo se obtém me- tempo que recebe os dons de Deus, deve des-
diante os sacramentos que, cristificando, cobrir as exigências de vida que há neles e
divinizam o homem. Os sacramentos, ao cria- que deles brotam. Para a comunidade cristã,
rem estreita relação com Deus, infundem no o momento litúrgico sacramental não é um
homem o amor e a vida da Trindade, para dentre muitos momentos, e, menos ainda, é
que impregne todo o mundo: o cristão não momento alienante; é, pelo contrário, o mo-
deve impedir este percurso, mas, sim, favo- mento do qual se origina seu agir e no qual
recê-lo com sua vida moral. ela descobre as direções que tem de seguir.
São João expressa a força imperativa dos A eucaristia é a celebração da morte e da
sacramentos com a fórmula permanecer: ressurreição de Cristo; é o momento que fun-
deve-se permanecer com a vida no que Deus damenta as atitudes da comunidade. O do-
realizou por meio dos sacramentos. Deus mingo é dom precioso de Deus. Nele celebra-
promulgou sua lei - lei de graça - mediante mos a eucaristia; e a eucaristia é escola de
a vida, os exemplos e a palavra de Jesus Cris- vida, pois faz brotar da celebração do res-
to, mas sobretudo mediante a efusão da gra- suscitado o dever da esperança e do anúncio
ça; os sacramentos, ao produzirem a graça, pascal, e, da celebração do "pão partido" o
ensinam a lei da graça [ - » Santificação e per- dever da comunhão. E a antiga convicção de
feição], Inácio de Antioquia: os cristãos devem viver
segundo o domingo (katá kyríakén zontes:
3 . RELAÇÃO ENTRE SACRAMENTO E NORMAS MO- Magn. 9,1). O ressuscitado, além de ser o
RAIS - Agere sequitur esse: é tarefa da ética motivo da alegria cristã, é, para a comunida-
descobrir e indicar o agere em relação ao esse. de cristã, o critério avaliativo e orientador do
A moral cristã encontra-se diante de um esse presente na história pessoal e social, porque
no qual, além do elemento natural, há um ele é a realização plena do homem novo; a
elemento sobrenatural; um esse que, além de Jerusalém celeste é o modelo da sociedade
onde se pode viver com plena liberdade e em
ser término da ação criadora, é, outrossim,
RELIGIÃO E MORAL 1090

comunhão. É função da comunidade, que e dirigi-la para este mundo e para este tem-
celebra o mistério do ressuscitado, descobrir po. Ela provocou uma grande crise na reli-
os comportamentos que surgem em continui- giosidade, conduzindo amiúde as pessoas
dade da ressurreição e que a ela conduzem, para o ateísmo ou para uma forma de irreli-
e os que a rejeitam ou a renegam. giosidade; isto é, muitos vivem como se Deus
Considerar os sacramentos, coisa que os não existisse.
manuais fizeram, como "dever" ou "ajudas" Raiz específica desta irreligiosidade é a
da vida cristã significa empobrecê-los, não imagem equivocada que se tem da religião;
perceber sua realidade de fundamento e fon- ela é vista como separação do mundo, dos
te da vida cristã. É muito significativo e lugares "profanos", das atividades "profanas";
esclarecedor o método da catequese mistagó- a vida interior é considerada como que sepa-
gica que encontramos nos Padres: dão as rada e, portanto, alienante da vida comum
normas da vida cristã a partir do sacramen- ou até em oposição a ela. Em uma palavra, a
to celebrado (cf. SC 59). Se o culto no mo- religião é considerada como obstáculo para
mento em que é louvor a Deus, se converte a realização do homem e a edificação da ci-
em experimentação das normas de compor- dade terrena. Os que tem semelhante ima-
tamento para a comunidade celebrante, os gem da religião se encontram diante de uma
cristãos serão um sinal de novidade para o alternativa: ou o mundo, que apreciam e sen-
mundo; é a única maneira de demonstrar que tem o dever de fazer progredir, ou a religião.
a religião é força que transforma a vida, e Então preferem deixar a religião, que julgam
não alienação ou fuga do mundo. alienante.
O Vat. II não se detém para condenar tal
II - A moral, responsável pela religião situação, nem se fecha para lamentar os bons
tempos passados; pelo contrário, reconhecen-
1. E M BUSCA DE UMA CONCEPÇÃO AMPLA DA RE- do a responsabilidade dos cristãos, e portan-
LIGIÃO - a) Da fuga do mundo à seculariza- to da teologia, ao esconder "o genuíno rosto
ção - Para as correntes platónicas e neoplatô- de Deus e da religião" (GS 19), procura com-
nicas, o encontro com Deus e a perfeição pró- preender o homem de hoje.
pria são dificultados pelo contato com o mun- b) Dimensão religiosa do compromisso no
do sensível; a única atitude possível é "tentar mundo e pelo mundo - O concílio analisa o
fugir da terra e ir lá para cima, o mais de- sentir do homem secularizado à luz da pala-
pressa que se possa" (Teeteto, 76a). Semelhan- vra de Deus e conclui que substancialmente
te atitude é consequência da desvalorização corresponde aos desígnios de Deus.
do mundo sensível, pois a realidade verda- Na concepção platónica, a única atitude
deira não é o sensível, mas o inteligível do diante do mundo é fugir dele o mais rápido
hiperurânio. possível; para a Bíblia, ao invés, o mundo
Não se pode negar que o dualismo plató- criado é bom (cf. Gn 1,31); está sujeito ao
nico influenciou em algumas correntes da homem, para que este se sirva dele (cf. Gn
ascética cristã; daí decorreu uma ascese de 1,28-30; 9,1-7); sinal da benevolência de Deus
separação. O platonismo, considerando in- é o shalom, a paz com a prosperidade. A vida
dispensável a separação do mundo sensível, se acha ligada à terra; objeto da bondade de
opunha-se ao dogma cristão no que tem de Deus e terra prometida (cf. Dt 8,1). Para a
mais essencial: a encarnação do Verbo e a antropologia bíblica é inadmissível o homem
revelação, através dela, do mistério de Deus. separado do contexto de todas estas realida-
A partir do século X I I I se inicia o fenó- des dentro das quais vive, e, de fato, a GS
meno histórico que é designado com o ter- teve o cuidado de apresentar-nos "o mundo
mo secularização. Sem entrar nos detalhes, que é teatro da história do género humano"
podemos dizer que "o homem vem colocan- (n. 2), assinalando que se trata daquele mun-
do cada vez com maior vigor o acento na rea- do "que os cristãos crêem criado e conserva-
lidade mundana reconhecendo nela valor e do na existência pelo amor do Criador" (l.c.).
significado próprios, e, por isso tentando li- O Vat. II, reconhecendo a bondade do
bertá-la tanto da tutela que sobre ela exercia progresso, enfatiza sua íntima relação com
a religião, quanto da desvalorização que esta, o reino de Deus (cf. GS 39). Dentro de tal
ao pôr o acento em Deus e nos valores eter- perspectiva, compreende-se bem por que o
nos, a fazia experimentar, conquistando para concílio não se limita a exortar os cristãos
ela total autonomia da religião e da Igreja" no sentido de que cumpram seus deveres ter-
(G. De Rosa). A secularização consiste em o renos, mas ainda afirma que "o cristão, que
homem afastar sua atenção do outro mundo se descuida de seus compromissos temporais,
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descuida-se também de seus deveres para obras. Aqueles que experimentam dificulda-
com o próximo, e até para com o próprio des para conciliar as relações com Deus e as
Deus, e põe em perigo sua salvação eterna" relações com o mundo, Teilhard de Chardin
(ib, 43). Os deveres para com Deus - isto é, a diz que existe "a possibilidade de conciliar, e
religião - também podem ser cumpridos com depois de alimentar, um com o outro, o amor
o compromisso vivido com Deus e por Deus. de Deus e o sadio amor do mundo, o esforço
O mundo, intimamente ligado ao homem, do desprendimento e o esforço do desenvol-
participa igualmente de seu destino (cf. LG vimento" (El médio divino, 34). E isto por-
48; GS 39); nesta visão do mundo como algo que o mundo não é alheio a Deus, porém,
estreitamente ligado ao homem e ao reino "por obra da criação, e sobretudo da encar-
de Deus, pode-se compreender por que o con- nação, nada é profano aqui na terra para
cílio afirma ser tarefa do homem levar a Deus quem sabe ver. Ainda mais: tudo é sagrado
ele mesmo e o universo inteiro (cf. GS 34, (...)" (ib, 54). Assim, pois, segundo ele, o pro-
77). Ao concluir a GS e como que recapitu- blema fundamental é o da educação dos
lando todos os seus trabalhos, o concílio re- olhos; graças a ela e possível descobrir uma
corda aos cristãos que têm um mundo a cons- continuidade entre mundo e Deus.
truir e conduzir a seu fim (cf. ib, 93). N o en- O Vat. II afirma claramente que não é
tanto, levar a Deus, para dizê-lo com santo necessário opor "as atividades profissionais
Tomás, é função da virtude de religião; por- e sociais, de um lado, e a vida religiosa, do
tanto, agir com este fim é agir religioso. outro" (GS 43). Ensina que toda oposição
Aliás, depois de afirmar que "a atividade possível pode e deve ser superada "fazendo
humana individual e coletiva (...) correspon- uma síntese vital do esforço humano, familiar,
de às intenções de Deus" (ib, 34), o concílio profissional, científico e técnico, com os va-
faz brotar esta atividade do fato de que o lores religiosos, sob cuja altíssima hierarquia
homem é imagem de Deus; e conclui dizen- tudo coopera para a glória de Deus" (l.c.).
do que todos os que trabalham "com razão Portanto, a relação com Deus tem que ser
podem pensar que, com seu trabalho, desen- vivida não só nos momentos religiosos espe-
volvem a obra do Criador, servem ao bem de cíficos, mas também no compromisso tem-
seus irmãos e contribuem de modo pessoal poral; e mais: todos os compromissos, quan-
para que se cumpram os desígnios de Deus do são motivados pela fé, adquirem valor re-
na história" (l.c.). Sublinha que esta ativida- ligioso e doxológico.
de é uma glorificação do nome de Deus, pois Todas as grandes aquisições da teologia
ele manifesta seu poder e sua bondade ao moderna puseram em crise a distinção clás-
tornar grande o homem. Mais uma vez apa- sica entre o sagrado e o profano: "O fato cris-
rece a dimensão religiosa e doxológica do tão não nega o sagrado, porém o profano"
compromisso no mundo e pelo mundo, com (Y. Congar). Os apóstolos convidam os cris-
a condição de que o homem em sua ativida- tãos a fazerem de sua vida um ato de culto a
de atue como companheiro de Deus, em co- Deus (cf. Rm 12,1; lPd 2,5); o mesmo faz o
munhão com ele. Vat.II quando fala do sacerdócio comum dos
c) Síntese vital entre religião e compromis- fiéis (cf. LG 10 e 34; AA 2 e 3). É função da
so - Deus ou o mundo? A esta alternativa do teologia não perder, porém antes aprofundar
homem de hoje, o Vat. II respondeu que não cada vez mais a visão unitária cristã da reali-
existe oposição, porém coordenação. É tare- dade, pois do contrário o homem moderno
fa de toda a Igreja, e portanto também da se afastará cada vez mais da fé e da prática
teologia moral, ajudar a realizar a síntese vi- religiosa. Não se deve esquecer que "uma re-
tal entre religião e compromissos temporais. ligião que não seja temporal dificilmente
Entre as muitas tentativas realizadas nes- poderá ser chamada religiosidade autêntica"
te sentido é agradável lembrar a de P. Teilhard (E. Schillebeeckx).
de Chardin. Ele não coloca Deus, a fé e a re-
ligião junto do mundo, mas vê o mundo à 2 . ATENÇÃO E RESPEITO À RELIGIOSIDADE POPU-
luz da manifestação de Deus em Jesus Cris- LAR - a) Atitude de amor inteligente - Hoje em
to. À luz de Cristo todos os acontecimentos dia todos ressaltam uma religião do povo di-
se convertem em sinais da presença dinâmi- ferente da religião dos intelectuais e da orga-
ca de Deus, em revelação do desígnio divino, nizada pela hierarquia. Sem entrar nos deta-
em mensagem de amor. O sim da fé é um lhes das inúmeras definições dadas, enten-
sim a todas as obras de Deus, um sim à reve- demos pela expressão religião popular as ma-
lação na criação. A fé é visão ampla, que faz nifestações religiosas da massa no que se dis-
a pessoa louvar a Deus em todas as suas tingue das minorias religiosamente cuidadas,
RELIGIÃO E MORAL 1092

manifestações que nascem e permanecem de do de Deus e a atitude de fé com o anúncio


modo marginal com relação a tudo o que é da Palavra. Diante desta religiosidade "tão
oficial. rica e ao mesmo tempo tão vulnerável" (Evan-
A religião popular, além da dimensão an- gelii nuntiandi, 48), a atitude é a indicada por
tropológico-cultural, possui autêntica dimen- Paulo VI: "saber captar suas dimensões inte-
são religiosa, que é mister descobrir com es- riores e seus valores inegáveis, estar dispos-
tudo atento e inteligente. Apesar da presen- tos a ajudá-la para superar seus riscos de
ça de aspectos ambíguos, é um modo legíti- desvio" (l.c.); e isto por causa da profunda
mo de o povo expressar e viver sua relação convicção de que, "bem orientada, esta reli-
com Deus. As expressões e símbolos desta giosidade popular pode ser cada vez mais,
religiosidade não devem ser depreciados e para nossas massas populares, verdadeiro
eliminados facilmente, mas interpretados a encontro com Deus em Jesus Cristo" (l.c.).
fim de se descobrirem o conteúdo humano e c) Liturgia e sacramentos - O VaL II e o magis-
seu valor de expressão da fé. tério pós-conciliar insistem na adaptação da
Para esta finalidade é indispensável uma liturgia ao nível cultural do povo, porque ela
atitude de amor e respeito para com o povo, pertence a todo o povo, e não só a uma parte
"nosso" povo, atitude de amor que nos per- dele (cf., por exemplo, SC 26; 37-38). Isto
mite escutá-lo e compreender seus valores e supõe que se acolham as instâncias da alma
necessidades mediante as diversas expres- popular dando, por exemplo, mais espaço à
sões. Paulo VI fala de caridade pastoral, que dramatização, a imaginação, ao sentimento;
impõe que se seja sensível à religiosidade requer maior possibilidade de participação
popular para "se saber captar suas dimen- popular; uma linguagem mais adaptada ao
sões interiores e seus valores inegáveis" modo das pessoas do povo se expressarem.
(Evangelii nuntiandi, 48). Este respeito nas- Quando isto não ocorre, o povo se liberta da
ce da convicção de que o povo crente não é liturgia oficial, dando vida a "exercícios pie-
apenas objeto, mas também sujeito de reno- dosos", nos quais expressa livremente o seu
vação e depositário da fé e do Espírito. próprio sentir, coisa que não pode fazer na
b) Peculiar expressão "popular" da fé - A liturgia, que é aristocrática e de elite. Para
fé, como todos os sentimentos e todas as re- realizar esta adaptação, que concretamente
lações do homem, necessita de expressões, e significa criação de uma liturgia encarnada,
estas expressões em nível cultural assumem é necessário despertar o interesse do próprio
modos diversos. A religião é expressão e me- povo, como sujeito ativo da renovação.
diação da fé; é sempre difícil distinguir ex- Os sacramentos da religião popular são o
pressões essenciais da fé, de expressões va- batismo dos filhos, comunhão, o matrimó-
riáveis, enquanto ligadas a uma cultura. nio e as exéquias. Com esta demanda, o povo
O povo expressa sua fé na "religiosidade expressa, antes de tudo uma abertura ao mis-
popular" com suas práticas, suas devoções e tério e um desejo de celebrar e de sacralizar
seus ritos; evidentemente sua linguagem é os momentos fundamentais da existência,
diferente da linguagem da fé culta. O A fé relacionando-os com Deus; é maneira não
popular, por exemplo, se expressa por meio falada de expressar sua fé e sua esperança;
do rito, do gesto e da palavra não intelectual, não se pode rejeitá-la como negativa nem
mas que faz referência ao mistério, embora acolhê-la como perfeita, mas, sim, purificá-
em nível intuitivo. Expressa-se, além disso, la, dando-lhe um conteúdo mais denso de fé.
de modo emocional e coletivo, como se cons- E não se pode esquecer que o povo, median-
tata particularmente nos santuários; na bus- te estes sacramentos manifesta sua identida-
ca de segurança em um Outro transcenden- de cristã: criticar esta identidade significaria
te, em um Deus providente; de maneira fes- ferir a consciência no que ela tem de mais
tiva a ponto de se dizer que "a religiosidade íntimo.
popular é principalmente festa religiosa" (J. d) Algumas indicações - • A religião po-
Llopis). • Entre os aspectos negativos, con- pular, sendo um tema que atinge o homem
vém notar a possibilidade de uma religião concreto, é especificamente interdisciplinar:
refúgio, com consequente atitude fatalista e é preciso estudar para conhecer ainda me-
de resignação diante da história, assim como lhor o povo e seus valores; para avaliar cor-
certo individualismo. O A atitude em face da retamente, a teologia deve levar em conta as
religião popular é dupla: de um lado é neces- análises das outras ciências sócio-antropo-
sário purificá-la dos elementos negativos, e, lógicas. • Em questão de religião popular é
de outro, é preciso valorizar seus elementos mister evitar os extremismos - tudo está bem
positivos, revitalizando ao máximo o senti- ou tudo está mal - ; é necessário assumir uma
1093 RELIGIÃO E MORAL

atitude aberta e crítica, e, sobretudo, aproxi- entrar em contato pela adoração, a oração e
mar-se do povo para poder captar sua reli- os sacrifícios. Enquanto no sagrado prevale-
giosidade. • Tampouco se pode perder de vis- ce o medo, na religião domina a confiança.
ta o fato de que cristianismo puro não existe; O sagrado pode servir de ajuda à experiên-
como ato do homem peregrino no tempo, a cia religiosa, contanto que o faça evoluir para
fé se encontra mesclada com motivações alcançar aquela relação com o Deus pessoal,
imperfeitas. N o que diz respeito a liturgia e cujo ato essencial é a oração confiante; de
aos sacramentos, é urgente descobrir o mun- outra maneira será obstáculo, porque fará
do simbólico do povo, penetrar profunda- viver a experiência religiosa com atitudes
mente em sua linguagem e em seu mundo sempre abertas à magia e à - > superstição.
de ritos, mitos e lendas, para compreendê-lo Também os tempos e os lugares sagrados ser-
e ajudá-lo. O Impõe-se uma intervenção cons- vem de ajuda, contanto que conduzam uns a
trutiva: "As manifestações populares, tais reviverem - na reatualização mistérica - as
como festas, peregrinações, devoções diver- mirabilia que Deus realizou na história para
sas, devem estar impregnadas da palavra a salvação dos homens, e os outros a se en-
evangélica. Muitas das devoções aos santos contrarem com o Deus pessoal que neles "ha-
tem que ser submetidas a revisão, para que bita" exatamente para encontrar-se com os
se tomem tais santos não apenas como in- homens.
tercessores, porém como modelos de vida, de
imitação de Cristo. As devoções e os sacra-
2. O CULTO - Basta o compromisso com o
mentais não devem levar o homem a uma
mundo e com o próprio semelhante vivido
aceitação semifatalista, porém educá-lo para
como culto, ou é também necessário expres-
ser cocriador e cogestor, junto com Deus, de
sar o louvor, o reconhecimento a Deus com
seu próprio destino" (Medellín, 6, 12). Insis-
atos explícitos e em momentos adequados?
ta-se na dimensão personalizante e comuni-
Contrariamente aos teólogos da seculari-
tária da fé. • A necessária renovação tem de
zação, convém dizer que, junto com a vida
realizar-se com prudência e gradualmente,
vivida como culto ou junto com o "culto pro-
"tendo o cuidado de não apagar o sentimen-
fano" (E. Schillebeeckx), é necessário um
to religioso no ato de revesti-lo de expressões
culto explícito ou "sagrado". Santo Tomás diz
espirituais humanas e mais autênticas" (Pau-
justamente que não é Deus, mas, sim, o ho-
lo VI).
mem quem tem necessidade de culto (cf. S.
Th., II, q. 91, a. 1, ad 3). E isto, quer seja por-
III - Indicações morais que, devido à sua situação corpórea, o ho-
mem tem necessidade de demonstrar tam-
sobre alguns aspectos religiosos
bém externamente a fé e a caridade e de es-
1. D o SAGRADO À EXPERIÊNCIA RELIGIOSA - O clarecer para si o que está presente no fundo
sagrado - dado originário, como o belo - é de seu ser, quer seja porque as relações do
"aquela realidade em que o homem faz a ex- homem, para subsistir e aprofundar-se, têm
periência de algum contato com o divino" necessidade da palavra e do sinal explícito: a
(Thúm): não se identifica com o divino, mas expressão externa não se limita a mostrar o
somente participa dele; opõe-se ao profano, que já existe, mas ainda o reaviva e o aprofun-
porque se refere a algo ou "separado" para a da: um presente ou uma doação, por exem-
divindade ou por ela "tocado". plo, é sinal e meio de aprofundar a amizade.
O sagrado aparece como força inerente à É típico de quem na vida ama verdadeira-
"realidade sagrada", por meio da qual se li- mente e tem a sorte de ser amado expressar-
bertam todos os que se põem em contato com se de vez em quando mediante um gesto cujo
ela, e, como "mysterium tremendum et fasci- significado único é o de sinal de afeto, de lou-
nam" (R. Otto) que, ao mostrar algo divino, vor, de reconhecimento: as coisas de que nun-
atrai, porém, ao mesmo tempo suscita temor e ca se fala equivalem a coisas irrelevantes.
reverência por causa de seu aspecto de poder. Aliás, não se deve esquecer que o culto cris-
tão encontra seu caráter específico no fato
Enquanto o sagrado indica a presença de
de que Deus interveio historicamente prodi-
uma força misteriosa mas impessoal, de que
galizando seus dons ao homem; por i',so, o
o homem, embora tomado de terror, tenta
culto tem e deve ter uma estrutura histórica.
apropriar-se com as artes mágicas ou defen-
A Igreja não pode deixar de levar em conta o
der-se com atos supersticiosos, a religião sig-
acontecimento Cristo e da salvação realiza-
nifica sempre relação com um Deus pessoal,
da particularmente na páscoa; o culto atua-
com o qual o homem, tomado de temor, mas
liza a salvação (cf. SC 6). Pelo que se disse
principalmente de amor e confiança, tenta
RELIGIÃO E MORAL 1094

até agora, é inaceitável a tese de todos que - o mesmo a quem se serve no compromisso
como por exemplo J. A. T. Robinson, dizem sociopolítico.
que a liturgia consistiria na proclamação da
ação de Deus no curso da história e do quoti- 4. A FESTA E o ócio - Em todos os povos
diano: o culto, além de anunciar a graça, fá- religiosos encontramos momentos de discon-
la presente por meio da ação sacramental. tinuidade na fluência do tempo profano; são
Entre culto "profano" (a vida vivida como os momentos de festa. Toda festa é um rom-
culto) e culto "sagrado" não existe oposição pimento, uma ruptura no tecido da vida quo-
nem paralelismo, mas interação; alguém para tidiana.
ser autêntico tem necessidade do outro, e um Reagindo contra a sociedade positivista,
leva ao outro. que vê a vida como produção, hoje se está
redescobrindo a festa, que considera a vida
3. A ORAÇÃO - Deus penetra de diversos expressão de liberdade. O sábado, para os ju-
modos o universo inteiro, de maneira parti- deus, era uma experiência do dom divino da
cular o curso da história e da humanidade; liberdade diante do trabalho, que podia tor-
Deus é o ser que sustenta e rege o universo, nar-se opressivo para o homem [ - » Dia do Se-
embora não esteja confinado nele; por este nhor, A], A festa hoje tem que ser revalorizada
motivo a - » oração - encontro com o ser de como distanciamento do mundo e dos ídolos
Deus - pode ser tão ampla quanto a vida. que construímos e como testemunho de valo-
Neste sentido podem ser oração também o res mais altos do que o trabalho. A festa per-
encontro com o outro e o serviço aos outros, mite relativizar o trabalho, pois este não é fim,
bem como a reflexão e a exploração da vida, porém instrumento de crescimento do ho-
pois todas estas atividades constituem ver- mem. Assim como já se tem refletido sobre o
dadeiro encontro com Deus. Não existe se- significado do - * trabalho, hoje ainda é preci-
tor em que não seja possível o encontro com so empenhar-se na reflexão sobre o significa-
Deus; estamos diante do texto evangélico "es- do e sobre a necessidade do - » tempo livre.
tava prisioneiro e me visitastes" (Mt 25,26) e Depois de afirmar claramente que "o ho-
ao "laborare est orare": o serviço e o trabalho mem vale mais pelo que é do que pelo que
como formas concretas de oração, como en- tem" (GS 35), o Vat. II considera o trabalho
contro com o Senhor. como algo dirigido para o aperfeiçoamento
Se e verdade que o encontro com Deus se e para o desenvolvimento integral da pessoa
pode e se deve ter no desempenho do com- integral; contudo, tem consciência de que o
promisso, não é menos verdade que é neces- trabalho por si só não pode satisfazer todas
sário reservar momentos só para o encontro as exigências e as esperanças do homem; daí
com Deus: "De outra maneira Deus não pode a necessidade de que "todos os trabalhado-
ser Deus para nós. Deus tem necessidade de res devam gozar de suficiente repouso e tem-
tempo, Deus quer uma parte de nosso tempo po livre" (l.c.). Se o trabalho é personalizante,
(...). Encontramos tempo para tudo o que não o é menos o tempo livre; o trabalho o
consideramos importante (...). O emprego de será à medida que consiga dar significado
nosso tempo é determinado por nossos cri- construtivo e personalizante ao tempo livre.
térios de valor. A exclusão de Deus decorre Existe o problema de como utilizar o tempo
de um juízo tácito de não valor" (L. Evely, que sobra, depois de satisfeitas as necessida-
Ensenanos a orar, 69). des fundamentais da vida.
A oração, embora tenha seu começo na Enquanto o produtivismo e o consumis-
petição, se for autêntica deverá converter-se mo estimulam a utilizá-lo para incrementar
em escuta até chegar a ser silenciosa. A soli- a produção e o aumento do lucro, o Vat. II
dão e o silêncio permitem "escutar o Espíri- sugere um uso do mesmo no sentido per-
to" e "acolher a Palavra". A oração não é meio sonalizante de "cuidar da vida familiar, cul-
para o êxito de nossos programas; sendo Deus tural, social e religiosa" (l.c.). Ao homem da
a fonte e o sentido do nosso agir, na oração era consumista, "alienado no momento em
encontramos seu sentido, que amiúde é dife- que seu sonho é ter um automóvel novo, uma
rente do que nós pretendemos. Na oração casa nova, uma televisão nova" (E. Fromm),
silenciosa é que se poderá encontrar o senti- é necessário que se proponha outra vez como
do que se precisa imprimir no compromisso alternativa salvífica o otium, entendido como
no mundo e pelo mundo: a luz que ilumina tempo do espírito, como oportunidade para
os valores e desvalores do mundo; e, graças a contemplação, como encontro com os ir-
a ela, se poderá cultivar o sentido da conti- mãos mediante as obras de misericórdia cor-
nuidade: o Deus que se encontra na oração é porais e espirituais.
1095 REUGIÃO E MORAL - RESPONSABILIDADE

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