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Albene Klemi; Roberto Menezes, "Brasil e Mercosul: rumos da

Integração na lógica do Neodesenvolvimentismo (2003-2014)" klemi-mene


quinta-feira, 23 de novembro de 2023 18:24 zes_Merc...

Introdução
• Giro à esquerda parcial na América do Sul na primeira década do século XXI. Recusa aos preceitos do Consenso de Washington, apesar de que, na prática, houveram poucas mudanças políticas e
econômicas com relação ao neoliberalismo dos anos 1990.
• Na integração regional, as premissas mudaram do regionalismo aberto para o pós-hegemônico, que busca revigorar o papel do Estado frente ao mercado para alcançar desenvolvimento econômico
e a superação da pobreza através do neodesenvolvimentismo.
• O objetivo do artigo é analisar o Mercosul da perspectiva do neodesenvolvimentismo (2003-2014). A integração foi orientado pelas políticas pós-neoliberais e pela busca de uma inserção
autônoma.
• O capital chinês na América Latina foi aportado neste período em busca de matérias primas, além de explorar os setores de engenharia e infraestrutura.
○ A Argentina buscou a China como sócio estratégico a partir de 2014, por um acordo que concedeu acesso privilegiado aos chineses em setores da economia argentina.
○ A aproximação da China com a Argentina despertou receios no Brasil, pois os argentinos são um dos principais sócios comerciais do Brasil e a segunda maior economia do Mercosul.
○ Lula também reforçou relações com os chineses no período.
○ Perguntas: a presença chinesa nos negócios e investimentos sul-americanos põe em risco o Mercosul? Quais os desafios que os chineses impõem à estratégia de integração brasileira na
região? O Mercosul apresenta alguma estratégia coletiva de relacionamento com a China para investimentos? Como fica a parceria estratégica Brasil-Argentina?
• Perguntas fundamentais do artigo:
○ Qual a relação entre os preceitos do neodesenvolvimentismo e a estratégia de integração liderada pelo Brasil?
○ Qual o lugar da integração no giro à esquerda?

O Brasil e a Integração Sul-Americana


• Há múltiplos processos de integração na América Latina, e cada um com características particulares.
• O processo de integração latino-americano possui problemas estruturais: baixa complementaridade econômica, baixa interdependência, assimetrias econômicas, reduzido poder infraestrutural dos
Estados, forte dependência de economias centrais.
○ Desigualdade social e concentração de renda fazem a América Latina a região mais desigual do mundo. Baixo desenvolvimento também é um entrave.
○ Crise de 2008 afetou a integração latino-americana, afetando o crescimento econômico local, aumento do protecionismo e redução no IED.
• A PEX de Lula buscou formar um espaço econômico unificado na América do Sul, baseado no livre-comércio e em projetos de infraestrutura, aprimoramento da aliança com a Argentina,
revitalização do Mercosul e consolidação da União Aduaneira, ampliação dos mercados com países sul-americanos.
• Três diferentes Américas do Sul, em que nenhuma conseguiu aglutinar as condições para fazer avançar o processo de integração:
○ Bolivariana: socialismo do século XXI.
○ Argentina: projeto comercialista.
○ Brasileira: globalista.
• FHC e Lula se declararam a favor da América do Sul, e buscaram fazer o Brasil um vetor de integração regional, assinalado pelo Mercosul (1991). O bloco confirmou um novo subsistema regional
para ajustar os países integrantes às transformações sistêmicas do pós-Guerra Fria.
○ FHC deu mais espaço à América do Sul do que ao conceito de América Latina.
○ No discurso de Lula a América do Sul também assumiu primeira ordem. Ela era a principal prioridade da PEB.
• Quatro dos principais objetivos da PEB deste período estavam relacionados à América do Sul:
○ Garantir a democracia na América do Sul.
○ Integrar a infraestrutura.
○ Fortalecer a liderança regional do Brasil.
○ Fortalecer o Mercosul.
• A Unasul complementou o projeto de integração sul-americano enquanto um fórum de concertação política para garantir a democracia regional.
○ A Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), antecessora da Unasul, tinha como conceito a integração multidimensional, para além do regionalismo aberto proposto pela Cepal. O
regionalismo aberto limitava-se a processos de integração para a liberalização comercial e econômica.
• No MRE durante o governo Lula a burocracia para a região foi reforçada com a criação da Secretaria Geral para a América do Sul (SGAS). Isso indica o grau de importância que a região adquiriu
desde os anos 1990.
• Como a região ganhou mais importância para o Brasil, surgiu-se a necessidade de reformular a orientação estratégica do Mercosul.
○ Essa mudança de posição se dá a partir do regionalismo pós-hegemônico, e busca ir além da integração pelo comércio e pela economia.
○ Argentina passa a considerar o Brasil como sócio estratégico, e não apenas parceiro econômico.
○ O Brasil estabeleceu na parceria com a Argentina um pilar estratégico. Ambos defendiam princípios desenvolvimentistas.
○ Refazer o Mercosul e utilizá-lo como plataforma para toda a região sul-americana foi um dos principais esforços do governo brasileiro.

Integração Regional e a lógica do Neodesenvolvimentismo


• O impacto negativo do período neoliberal abriu espaço para uma agenda integracionista neodesenvolvimentista.
• O fim da Guerra Fria afastou a preocupação pela segurança na América Latina e mudou a agenda internacional para o comércio.
• O neoliberalismo se caracterizou pela abertura comercial, pela integração atrelada à economia globalizada, pela desnacionalização da economia, pelas privatizações, pelos juros altos e abertura
econômica.
• O pensamento crítico do final da década de 1990 e início da década de 2000 verteu-se sobre os problemas do neoliberalismo, apontando dados que apontavam contradições entre as premissas da
globalização e do neoliberalismo para os países periféricos.
• No Brasil, a crítica ao neoliberalismo buscou emplacar um novo desenvolvimentismo. Autores do período criticaram o antigo nacional-desenvolvimentismo e o neoliberalismo.
○ O neodesenvolvimentismo tinha novas abordagens teóricas e características: fortalecimento do mercado interno, desenvolvimentosocial.
• Os novos governos de esquerda latino-americanos do início dos anos 2000 se aproximaram pela integração regional e tinham como característica um novo intervencionismo. O
neodesenvolvimentismo se caracterizou:
○ Busca por aprofundar a integração sul-americana impulsionada pelos governos.
○ Maior interferência do Estado nas economias nacionais; ao mesmo tempo, preservaram características neoliberais, i.e. o Estado não retoma atuação em setores produtivos. O objetivo era o
fortalecimento das economias nacionais → o intervencionismo tinha objetivo de dar ânimo aos mercados internos.
○ Medidas de redistribuição de renda e gastos públicos para fortalecer os mercados internos.
○ Os governos queriam revigorar o Estado, comprometido pelas políticas neoliberais.
○ Iniciativas de justiça social e combate à pobreza.
○ Fortalecimento da soberania e da autonomia → o fortalecimento do Estado e das economias estatais, além de maior complementariedade entre Estado e mercado, tinha esse objetivo.
• "O neodesenvolvimentismo representa a capacidade de cada país articular suas instituições em prol do crescimento econômico, mormente o aumento da renda nacional, e melhorar os
condicionantes de bem-estar" (p. 141)
○ No caso do Brasil, o governo Lula buscou destravar o capitalismo brasileiro (desenvolvimento com inclusão social) e a retomada do projeto desenvolvimentista.
• A globalização postulou um desafio para a integração regional, com o surgimento de mecanismos decisórios descentralizados multilaterais.
○ Um dos desafios é o Trade in Services Agreement (TISA). Este acordo envolvendo 50 países e 70% do comércio de serviços globais tinha o objetivo de atar os Estados por uma lista de serviços
negativos que os Estados propositalmente deixariam de fora do acordo, proibições de normas nacionais e cláusulas que adicionam futuros serviços automaticamente no acordo. O TISA
elimina os obstáculos para a liberalização global de serviços. Incluiu na sua participação países latino-americanos.
• O Brasil apresentou-se como um líder 'empresarial' da integração sul-americana. O objetivo era atuar politicamente em bloco nas negociações internacionais para aumentar a autonomia dos países
regionais frente às potências mundiais.
○ A iniciativa brasileira se diferenciou de outras nas Américas, como o NAFTA.
○ A integração neodesenvolvimentista pressupõe integração econômica e política. Foram criados mecanismos de segurança e financeiros e instituições regionais.
▪ A Unasul (2008) tinha foco no fortalecimento comercial, cultural, político e social. Também incorporou a pauta da segurança pela criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).
Em 2010, incorporou o compromisso democrático.
▪ No Mercosul, em 2004 foi criado o Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional (Focem). O fundo prevê quatro programas: Convergência Estrutural;
Desenvolvimento da Competitividade; Coesão Social; Fortalecimento Institucional do Processo de Integração. O objetivo era aprofundar a integração regional pela redução de
assimetrias.
▪ Em 2007, foi criado o Parlamento do Mercosul (Parlasul), órgão legislativo do Mercosul.
▪ Em 2010, foi criada a Universidade da Integração Latino-Americana (Unila).

Página 1 de Política Externa Brasileira


▪ Em 2010, foi criada a Universidade da Integração Latino-Americana (Unila).
▪ Em 2010, se estabeleceu a livre-circulação de pessoas na América do Sul.
• Os objetivos da integração estavam atrelados não-necessariamente à coesão do projeto integracionista, mas a posicionamentos frente às potências estrangeiras que interferiam na região, como
Estados Unidos e China.

A China e a Integração na América do Sul


• A China se tornou a principal parceira comercial da América Latina. Em 2013, 80% das exportações representadas por petróleo, soja, minério de ferro, cobre e açúcar.
• A crise de 2008 desacelerou o crescimento chinês e a demanda por insumos latino-americanos.
• Duas visões frente a isso:
○ Otimista: acredita em complementariedade das relações, pois o aumento da demanda chinesa contribui para o desenvolvimento da região.
○ Pessimista: acredita que a China ameaça as exportações de manufaturados e cria uma nova dependência. A América Latina vende insumos primários à China, e esta vende produtos de
tecnologia à região.
• Lula e Dilma exaltaram a parceria Brasil-China como estratégica, mas demonstraram preocupação com a assimetria econômica e a baixa exportação de produtos de alto valor agregado.
○ Lula ressaltou que gostaria de exportar e importar conhecimento e tecnologia de ponta com a China, e que gostaria que os dois países apoiassem juntos mudanças nos regimes da OMC.
○ Dilma ressaltou que gostaria de ir além da complementariedade comercial, e que a pauta deveria incorporar produtos com mais tecnologia.
• A China se tornou um parceiro vital para a região. Brasil, Venezuela e Chile (exportadores de matérias-primas) tiveram superávit comercial com a China em 2014. México, Paraguai, Argentina e
Uruguai tiveram déficit.
○ As relações comerciais com a China não abrange todos os países latino-americanos com a mesma intensidade.
○ O comércio entre América Latina e China continua a crescer e ultrapassou a União Europeia e os Estados Unidos em alguns países.
○ Na Argentina, foi aprovado em 2014 o Marco de Cooperação em Matéria Econômica e de Investimentos, que concede acesso privilegiado aos investidores chineses em troca de aportes
financeiros.
• No Mercosul, há temores por parte do Brasil que as relações com a China possam prejudicar o bloco.
○ O Mercosul não definiu estratégia clara para lidar com o desafio chinês. Isso põe em cheque a capacidade do bloco enquanto um ator político e econômico.
○ As dificuldades econômicas e políticas na Argentina após a crise de 2001 atrasou a integração e postergou a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC).
○ Desde 2015, Dilma buscou fechar o acordo Mercosul-UE para reforçar a importância do bloco, sem sucesso.

Considerações Finais
• Até agora, o neodesenvolvimentismo não conseguiu criar as condições para uma integração regional plena na América do Sul. Mesmo assim, conseguiu aprofundar alguns aspectos políticos
(Unasul), de segurança (CDS), sociais (livre-circulação de pessoas).
○ No plano regional, ainda vigora um pacto igual entre desiguais, mesmo com as iniciativas do Focem e do Banco do Sul.
○ A China postula um desafio aos mercados regionais.
○ O Brasil não tem condições de liderar uma integração coesa neodesenvolvimentista. O país sofre contestações de seus vizinhos e aliados. Há discordâncias com relações a políticas
econômicas internas e externas.
▪ No caso brasileiro, estavam em jogo as disputas internas com relação ao setor de energia do petróleo e do deslocamento da matriz energética com o pré-sal. Isso poderia alterar o
modelo de inserção internacional do país, com impactos regionais.
▪ Outras incertezas surgiram na região pois dois países do Mercosul e os países do Pacífico sul-americano integraram o TISA.

Página 2 de Política Externa Brasileira

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