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ANZALDÚA
Falar em línguas:
Uma carta para as escritoras do Terceiro Mundo
1981
21 de mayo de 19801
Queridas mujeres de color, companheiras na escrita —
Sento-me aqui, nua ao sol, com a máquina de escrever no colo,
tentando visualizá-las. Mulher negra debruça-se sobre uma
escrivaninha no quinto andar de algum cortiço de Nova York.
Sentada em uma varanda no sul do Texas, uma chicana abana
mosquitos e o ar quente, tentando estimular as brasas ardentes
da escrita. Mulher indígena a caminho da escola ou do trabalho,
lamentando a falta de tempo para tecer a escrita em sua vida.
Mulher ásio-americana, lésbica, mãe solo, puxada para todas as
direções por crianças, amante ou ex-marido e a escrita.
Não é fácil escrever esta carta. Começou como um poema, um
poema longo. Tentei transformá-lo em um ensaio, mas o resul-
tado ficou rígido, frio. Ainda não desaprendi as baboseiras hermé-
ticas e o pseudointelectualismo que a lavagem cerebral da escola
entranhou em minha escrita.
Como começar de novo. Como me aproximar da imediação e
da proximidade que desejo. Qual forma? Uma carta, claro.
Minhas queridas hermanas, os perigos que enfrentamos como
escritoras racializadas não são os mesmos que os das mulhe-
res brancas, embora tenhamos muitos em comum. Não temos
tanto a perder — nunca tivemos privilégio algum. Eu gostaria
de chamar os perigos de “obstáculos”, mas seria uma espécie de
mentira. Não podemos transcender os perigos, não podemos
passar por cima deles. Devemos atravessá-los e esperar que não
tenhamos que repetir a ação.
Sendo improvável que tenha amigas nas altas esferas da litera-
tura, a mulher racializada iniciante é invisível tanto no mundo
dominante dos homens brancos quanto no mundo feminista
das mulheres brancas, embora nesse último isso esteja gradual-
mente mudando. A lésbica racializada não é apenas invisível, ela
nem sequer existe. Nosso discurso também é inaudível. Falamos
em línguas como as proscritas e as loucas.
Gloria E. Anzaldúa
Quem nos deu permissão para praticar o ato da escrita? Por que
escrever parece desnatural para mim? Faço qualquer coisa para
adiar o ato — esvaziar o lixo, atender o telefone. A voz se repete
em mim: Quem sou eu, uma pobre chicanita do meio do mato,
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Compreenda.
Minha família é pobre.
Pobre. Não posso comprar
uma fita nova. O risco
desta é suficiente
para manter-me em movimento
através dela, prestando contas.
A repetição como de minha mãe
as estórias recontadas, cada vez
revelam mais particulares
ganham mais familiaridade.
Está escuro e úmido e não para de chover o dia todo. Adoro dias
assim. Deitada na cama, consigo mergulhar em meu interior.
Talvez hoje escreva a partir desse núcleo profundo. Ao passo
que tateio em busca de palavras e de uma voz para falar sobre
escrever, olho fixamente para minha mão escura empunhando
a caneta e penso em você a milhares de quilômetros de distância
agarrando a sua. Você não está só.
Audre [Lorde] disse que precisamos nos manifestar. Falar alto, falar
coisas inquietantes e ser perigosas e simplesmente foda-se, porra,
pôr para fora e deixar que todos ouçam, queiram ou não. 9
— Kathy Kendall
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Com amor,
Gloria
Published in THIS BRIDGE CALLED MY BACK: WRITINGS BY RADICAL WOMEN OF COLOR, SUNY
THE GLORIA ANZALDÚA READER
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NOTAS
LeSeur.
10 wong, Nellie. Flows From the Dark of Monsters and Demons:
Notes on Writing, op. cit.