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intro_22377

Regulação do equilíbrio hidroeletrolítico.

Função endócrina – eritropoetina e calcitriol.

A FUNÇÃO DE FILTRO: EXCREÇÃO DE


TOXINAS

O rim tem a função de eliminar do organismo a maior parte das


substâncias tóxicas derivadas do metabolismo. As principais toxinas,
formadas diariamente, são derivadas do metabolismo proteico. Essas
substâncias contêm nitrogênio em suas moléculas, pois se originam da
quebra dos aminoácidos e por isso são chamadas de "escórias
nitrogenadas" ou "compostos azotêmicos" ("azoto" = "nitrogênio"). Até
hoje, a maior parte destas moléculas ainda não é bem conhecida, mas
sabe-se que seu acúmulo em grandes quantidades tem forte participação
no desenvolvimento de uma síndrome clínica grave e potencialmente fatal:
a síndrome urêmica (ou UREMIA), que descreveremos mais tarde.
Algumas dessas toxinas têm demonstrado toxicidade in vitro e in vivo, tais
como os compostos guanidínicos derivados da arginina, as aminas
alifáticas ou aromáticas (derivadas do triptofano), os fenóis, os indóis,
entre outros... A ureia, quando em concentrações muito elevadas (> 380
mg/dl), também apresenta efeitos tóxicos, como anorexia, náuseas,
vômitos e sangramento.

QUADRO DE CONCEITOS I Azotemia x uremia.

Azotemia é o aumento das "escórias nitrogenadas", detectado pela


elevação de ureia e creatinina no sangue – diversas outras

1
substâncias nitrogenadas, que também se elevam nos quadros
Cap. AS FUNÇÕES DO RIM azotêmicos, não são habitualmente mensuradas.

Uremia é um termo sindrômico (síndrome urêmica), e faz


referência aos sinais e sintomas que resultam da injúria renal
grave – não deve ser usado para indicar o aumento da ureia! A
uremia costuma ocorrer com TFG < 15-30 ml/min...
VIDEO_02_NEF4
Para definir e compreender a injúria renal é fundamental um
A Taxa de Filtração Glomerular (TFG) é o parâmetro que quantifica a
entendimento preciso das funções do rim. Das três principais, duas podem
função renal. Seu valor normal depende da idade, do sexo e do tamanho
ameaçar a vida de maneira imediata se forem perdidas. São elas: (1) função
do indivíduo, mas gira em torno de 120 ml/min. Assim, cerca de 170 litros
de filtro, ou função excretória, e (2) regulação do equilíbrio hidroeletrolítico
de plasma são filtrados por dia nos glomérulos, e desses, cerca de 168 litros
e acidobásico. A terceira função renal é a função endócrina, mediada
retornam ao intravascular através do processo de reabsorção tubular. Os
basicamente através da produção de dois hormônios principais: a
dois litros restantes são eliminados como urina (que contém TODAS as
eritropoetina e o calcitriol (forma ativa da vitamina D). Comentaremos
toxinas que precisam ser excretadas).
sobre a função endócrina mais tarde, no capítulo de insuficiência renal
crônica.
Algumas substâncias, além de filtradas no glomérulo, ainda podem ser
eliminadas na urina pelo processo de secreção tubular. Um exemplo de
PRINCIPAIS FUNÇÕES DO RIM secreção tubular é o que ocorre com as penicilinas e com o ácido úrico: a
maior parte de sua eliminação não ocorre pela filtração glomerular, mas
Excreção de toxinas do metabolismo.
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sim pela secreção tubular, através de um carreador de ácidos orgânicos
Insuficiência renal.
presente nas células do túbulo proximal.

Hipovolemia.
A MEDIDA DA FUNÇÃO (EXCRETÓRIA) RENAL
Sangramento digestivo.

A única maneira de se medir a função excretória renal é pela quantificação


Estados hipercatabólicos.
da filtração glomerular. A síndrome urêmica costuma ocorrer com uma
Taxa de Filtração Glomerular (TFG) abaixo de 15-30 ml/min, o que
corresponde, em geral, a uma concentração sérica de ureia e creatinina Corticosteroide/tetraciclinas.

acima de 120 mg/dl e 4,0 mg/dl, respectivamente, em um homem de 40


anos pesando 70 kg. Dieta hiperproteica.

Os principais métodos de avaliação da função renal são: (1) ureia sérica;


CREATININA SÉRICA
(2) creatinina sérica; (3) clearance de creatinina, que pode ser diretamente
medido (urina de 24h), ou estimado através de fórmulas matemáticas; (4)
É uma substância atóxica produzida pelo tecido muscular, derivada da
clearance de radiotraçadores e (5) clearance de inulina. Novos marcadores
creatina, molécula armazenadora de energia no miócito. Possui algumas
séricos também vêm sendo incorporados à prática (ex.: cistatina C – ver
vantagens em relação à ureia como medida da função excretória renal: (1)
adiante). Cada um desses métodos possui vantagens e desvantagens, que
sua produção diária é relativamente constante, desde que o peso e a dieta
devem sempre ser levadas em conta na hora de interpretar seus resultados.
também se mantenham estáveis; (2) ao contrário do que ocorre com a
Vale ressaltar que aquele considerado o "padrão-ouro" (clearance de
ureia, a creatinina não é reabsorvida pelo túbulo.
inulina), na verdade, só é empregado no âmbito da pesquisa científica,
devido à alta complexidade (e custo) de sua realização...
Os níveis normais de creatinina dependem da massa muscular e da ingesta
de carne, o que provavelmente justifica suas variações étnicas, etárias, de
UREIA SÉRICA gênero e geográficas (Tabela 2). Em um indivíduo musculoso, uma
creatinina de 1,2 mg/dl pode ser normal, enquanto em um desnutrido
A ureia é formada no fígado a partir da molécula de amônia (NH3), esta magro esse valor já pode indicar injúria renal grave... O valor normal da
última produzida pelo metabolismo proteico endógeno e pelas bactérias creatinina é:
da microbiota intestinal. Enquanto a amônia é extremamente tóxica para
o organismo, sendo uma das substâncias causadoras da encefalopatia Homens < 1,5 mg/dl;
hepática (mais detalhes no bloco de Hepatologia), a toxicidade da ureia é
Mulheres < 1,3 mg/dl.
menos importante... Tanto é assim que a ureia só consegue produzir
efeitos adversos quando em concentrações muito elevadas (> 380 mg/dl),
Tab. 2: Variações na creatinina sérica basal.
afetando o trato gastrointestinal (anorexia, náuseas e vômitos) e a
hemostasia primária (disfunção das plaquetas). Como a ureia é eliminada I - AUMENTO FISIOLÓGICO DA CREATININA SÉRICA BASAL
quase que exclusivamente pelo rim, e é de fácil dosagem, podemos utilizar
seus níveis séricos para uma estimativa grosseira da função excretória
Jovem.
renal. De uma forma geral, os níveis de ureia se elevam acima dos valores
de referência quando a TFG está menor que 50 ml/min. O valor normal
Raça negra.
da ureia é 20-40 mg/dl.

Grande massa muscular.


Entretanto, a ureia não é o melhor "termômetro" para se medir a TFG...
Boa parte da ureia filtrada pelo glomérulo é naturalmente reabsorvida no Grande ingesta de carne.
túbulo proximal (cerca de 40-50%)! Desse modo, condições que aumentam
a reabsorção tubular – como a hipovolemia – aumentam os níveis séricos II - REDUÇÃO FISIOLÓGICA DA CREATININA SÉRICA BASAL
de ureia de forma desproporcional à queda na TFG... Além disso, a
grande produção de amônia após uma hemorragia digestiva alta, quando
Idoso.
as bactérias intestinais catabolizam intensamente a hemoglobina liberada,
leva a um aumento na produção hepática de ureia, novamente elevando
Hispânicos ou asiáticos.
seus níveis séricos sem que haja uma correlação precisa com a TFG. Um
aumento no catabolismo proteico, como ocorre na sepse e no uso de
Amputado (principalmente de membro inferior).
corticosteroides, eleva a ureia sanguínea de maneira independente da
função renal. Uma dieta hiperproteica também pode elevar os níveis de
Doença crônica (desnutridos, estados inflamatórios crônicos).
ureia. Em contrapartida, a ureia pode estar reduzida na insuficiência
hepática e na desnutrição... Logo, a utilização da ureia plasmática como
Vegetarianos.
marcador de função renal deve levar em conta a presença de condições
não renais, capazes de interferir em seus níveis (Tabela 1)!
A grande desvantagem da creatinina sérica como marcador de função
Tab. 1: Causas de aumento da ureia sérica. renal é que, para que seus níveis ultrapassem o limite superior da

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normalidade, pode ser necessária uma queda relativamente acentuada da volume urinário em 24h (V, em ml). Sabendo-se a concentração de
TFG, às vezes para menos de 50% do normal... Veja bem: a creatinina creatinina sérica (Cr), calcula-se o clearance de creatinina (ClCr) pela
sérica é inversamente proporcional à TFG. Se a TFG diminui para a fórmula a seguir:
metade, a creatinina sérica tem que aumentar o dobro. Neste caso, se, por
exemplo, o nível de creatinina basal for de 0,6 mg/dl (paciente magro), o
aumento será para 1,2 mg/dl, ainda dentro dos valores de referência.
Portanto, os estágios iniciais da disfunção renal podem não ser detectados
pela dosagem de creatinina sérica. Lembre-se que atualmente dispomos de
terapias que retardam a progressão da insuficiência renal crônica (IECA e
ant. angio II). Deixar pra começar o tratamento somente quando houver
azotemia pode significar a perda de uma grande "janela de
oportunidade"...

Obs.: 1.440 é o número de minutos em 24h.


É válido lembrar que algumas drogas e substâncias podem aumentar a
creatinina sérica sem que haja queda na TFG. Certos medicamentos O clearance de creatinina é o exame mais utilizado para diagnosticar o
competem com a creatinina pela secreção no túbulo proximal (os estágio inicial da injúria renal, particularmente quando a creatinina sérica
principais são: penicilina, probenecida, cimetidina e trimetoprim), o que faz ainda não se elevou acima dos valores de referência (não há azotemia). Na
seus níveis aumentarem. Por exemplo: o uso regular de cimetidina pode injúria renal avançada, isto é, quando a TFG se encontra muito reduzida,
elevar a creatinina sérica em até 0,4-0,5 mg/dl! O acetoacetato (presente o clearance de creatinina progressivamente perde sua precisão, pois passa a
em altas concentrações na cetoacidose diabética) interfere com os ensaios superestimar a TFG de uma forma exagerada, uma vez que até 35% da
de mensuração da creatinina sérica, dando um resultado falsamente alto creatinina pode estar sendo eliminada por secreção tubular! Alguns
(aumento de 0,5 mg/dl até > 2 mg/dl). Nestes casos, a insulinoterapia traz estudos mostraram que o Clcr mensurado na vigência de franca
os níveis de creatinina de volta ao normal... Drogas como a cefoxitina
insuficiência renal pode representar, falsamente, o DOBRO da verdadeira
(antimicrobiano) e a flucitocina (antineoplásico) também geram artefatos
TFG, conforme medido por métodos mais fidedignos (ex.: clearance de
nos exames bioquímicos, elevando falsamente o valor da creatinina sérica.
inulina)...
Lembre-se que na rabdomiólise a creatinina pode estar
desproporcionalmente alta em relação ao grau de injúria renal, por
Teoricamente, este problema poderia ser amenizado administrando-se
aumento de sua liberação a partir do músculo lesado!
cimetidina (um inibidor da secreção tubular de creatinina). O protocolo
clássico utiliza doses de 1.200 mg (dia 1) e 400 mg/dia (dias 2, 3 e 4) antes
QUADRO DE CONCEITOS II da coleta urinária... Contudo, pelo fato de algumas evidências terem
sugerido que o bloqueio na secreção de creatinina pela cimetidina seja, na
Uma creatinina sérica de 1,3 mg/dl pode ser normal para um verdade, inconstante – pois varia de um paciente a outro, dificultando a
paciente jovem e musculoso, mas pode representar uma grave padronização do teste – tal método não é mais preconizado...
redução da função renal em uma paciente idosa e magra.

Nas últimas décadas, diversos trabalhos desenvolveram fórmulas


matemáticas para estimar o clearance de creatinina sem necessitar da urina
CLEARANCE DE CREATININA
de 24h (que é sujeita a erros de coleta). Dentre as várias fórmulas que
foram desenvolvidas, daremos destaque a somente três: (1) fórmula de
Clearance, em inglês, significa depuração. Por definição, é o volume de
Cockcroft-Gault; (2) fórmula do estudo MDRD; (3) fórmula do CKD-EPI.
plasma que fica "livre" da substância a ser eliminada a cada minuto. Por
exemplo, o clearance da ureia é de apenas 50-70 ml/min. Como uma parte
da ureia é reabsorvida e retorna ao plasma, seu clearance acaba ficando
menor que a taxa de filtração glomerular. A creatinina, por sua vez, não é
reabsorvida – tudo o que é filtrado no glomérulo é excretado na urina e,
portanto, depurado do plasma. Podemos dizer que o clearance de
creatinina (ClCr) é uma razoável estimativa da TFG, apesar de
superestimá-la um pouco (costuma ser 10-15% maior que a TFG real). O
valor normal do clearance de creatinina é de 91-130 ml/min.

O motivo da discreta superestimativa da TFG pelo ClCr é o fato de


cerca de 10-15% da creatinina ser eliminada por secreção tubular, e
não pela filtração glomerular.

Como medir o ClCr na prática médica?

O paciente deve coletar TODA a urina durante 24h e levá-la ao


laboratório. Determina-se a concentração urinária de creatinina (Cru) e o

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MAS AGORA CUIDADO: nenhuma dessas fórmulas deve ser
utilizada nos casos de injúria renal aguda!!! Elas foram
desenvolvidas somente para pacientes com função renal estável...
Na IRA, a creatinina sérica leva de 48-72h para se elevar por
completo após uma queda na TFG. Desse modo, estimar o
clearance de creatinina através de fórmulas, num momento em que
a creatinina sérica ainda não tenha atingido seu valor máximo,
inevitavelmente resulta numa superestimativa da TFG...

SAIBA MAIS...
Estimativa do clearance de creatinina em CRIANÇAS!

Para a população pediátrica existe uma fórmula especial para


estimativa do Clcr: trata-se da fórmula de Schwartz.

TFG = K x altura (em cm)/Cr

K é uma constante que varia conforme a faixa etária. Representa uma


"correção" para as diferentes proporções de massa muscular em
relação ao peso corpóreo total, de acordo com a idade... Seus valores
são: (1) bebês prematuros = 0.33; (2) bebês normais = 0.45; (3)
crianças > 1 ano e adolescentes do sexo feminino = 0.55; (4)
adolescentes masculinos = 0.7.

OUTROS MARCADORES DA FUNÇÃO


EXCRETÓRIA RENAL

Protocolos utilizando radiotraçadores como o Cr51-EDTA, o I125-


Iotalamato, o Tc99m-DTPA ou o iohexol costumam ser utilizados em
Tais fórmulas nos dão um ótimo exemplo de como a concentração sérica estudos científicos para avaliar a TFG com grande precisão, sendo,
de creatinina deve sempre ser interpretada à luz de outras variáveis clínicas entretanto, raramente empregados na prática clínica (são métodos caros e
(idade, sexo, peso)... Como você acabou de ver, um mesmo valor de pouco disponíveis).
creatinina (1,2 mg/dl) corresponde a uma função renal reduzida numa
senhora de 70 anos pesando 60 kg, mas se relaciona a uma função renal Já o clearance de inulina é considerado o "padrão-ouro" para a
normal em um homem jovem com 70 kg... mensuração exata da TFG, uma vez que esta molécula (polímero da
frutose) é um "marcador ideal de filtração glomerular": a inulina é inerte
A fórmula mais utilizada nas provas de residência é a de Cockcroft-Gault, (ou seja, não é sintetizada nem metabolizada no organismo), não se liga a
por ser a mais fácil de memorizar e calcular... Contudo, é importante nenhuma proteína plasmática e é inteiramente filtrada nos glomérulos,
conhecer suas limitações: (1) ela superestima a TFG em pessoas sem ser reabsorvida, secretada ou modificada pelas células tubulares,
extremamente obesas, já que parte considerável do peso desses indivíduos apenas filtradas... Entretanto, o clearance de inulina também não é feito de
não é de massa muscular, e sim tecido adiposo (que não secreta rotina! São dois os principais empecilhos: (1) baixa disponibilidade da
creatinina); (2) desnutridos, amputados, paraplégicos e tetraplégicos, além molécula (o que torna seu custo muito elevado); (2) técnica extremamente
de pacientes muito idosos, crianças e gestantes também apresentam maior complexa para sua realização... Para medir o clearance de inulina é
chance de resultados irreais com o uso desta fórmula, devido às variações necessário administrá-la em infusão contínua, realizar coletas seriadas de
na proporção de massa muscular em relação ao peso corpóreo total... Em sangue e cateterizar a bexiga do paciente para quantificação precisa do
todos estes casos, recomenda-se lançar mão de métodos DIRETOS de fluxo urinário! Logo, não é um exame muito prático...
aferição da TFG, como o clearance de creatinina na urina de 24h, ou
mesmo o clearance de radiotraçadores (ver adiante). A cistatina C é uma proteína de baixo peso molecular (13 kDa) produzida
por todas as células nucleadas do organismo. Ela é livremente filtrada pelo
Na prática médica, graças ao advento de calculadoras online e aplicativos glomérulo, não sendo reabsorvida pelos túbulos. Sabemos que sua
para dispositivos móveis eletrônicos, a fórmula de Cockcroft-Gault é secreção tecidual sofre influência de fatores como idade, sexo, raça e
menos utilizada... De acordo com a literatura, a de escolha na atualidade é variáveis antropométricas (peso, altura, quantidade de tecido adiposo),
a fórmula CKD-EPI, que se mostrou mais acurada que as demais. entre outros. Logo, a cistatina C NÃO é superior à creatinina como
marcador de função renal! Além do mais, a cistatina C é parcialmente
metabolizada pelo rim, o que invalida a medida direta de seu clearance
urinário. Não obstante, estudos recentes demonstram que a combinação

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de ambas (creatinina + cistatina C) permite uma estimativa mais acurada
da TFG do que a utilização de cada uma delas isoladamente... Existe uma Os níveis séricos de potássio, sódio, a osmolaridade e o pH extracelular
variante da fórmula CKD-EPI que combina as dosagens séricas de necessitam de uma precisa regulação renal. Este controle é feito através da
creatinina e cistatina C, sendo esta fórmula bastante precisa em reabsorção e secreção tubular, porém, depende de uma filtração
comparação com métodos diretos de aferição da TFG (ex.: clearance de glomerular mínima para garantir a eliminação dos eletrólitos
iotamalato). Até o momento, porém, não há comprovação de que seu uso
administrados e do H+ produzido. Por esta razão, a injúria renal leva a
leve a melhores desfechos clínicos no manejo dos pacientes nefropatas, em
uma série de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, tais como
comparação com as fórmulas que utilizam apenas a dosagem de
hipervolemia, hipercalemia, hiponatremia, acidose metabólica,
creatinina. Por este motivo, apesar de precisa, tal fórmula não é
hipocalcemia, hiperfosfatemia e hipermagnesemia. Este assunto será
considerada a "de escolha" para estimativa da TFG na prática! Seu
abordado com detalhes adiante.
emprego, inclusive, é limitado pelo maior custo e menor disponibilidade
da dosagem de cistatina C...
VIDEO_03_NEF4
REGULAÇÃO HIDROELETROLÍTICA E
ACIDOBÁSICA
geralmente com TFG < 15-30 ml/min), os sinais e sintomas da síndrome
urêmica já podem aparecer. Estima-se que cerca de 5-7% das admissões
hospitalares, e 30-70% das internações em UTI, cursem com algum grau
de insuficiência renal aguda!

Por definição, insuficiência renal é a queda na Taxa de Filtração


Glomerular (TFG). Entretanto, a azotemia (Crpl ≥ 1,5 mg/dl em homens e
≥ 1,3 mg/dl em mulheres) costuma aparecer somente quando a TFG está
pelo menos 50% abaixo do valor normal. Logo, podemos deduzir que
mesmo um paciente SEM AZOTEMIA já pode apresentar perda
significativa da função renal (veremos isso com calma adiante).

Nos dias de hoje, o termo "injúria renal aguda" tem sido preferido por
representar melhor o amplo espectro de apresentação da doença, uma vez
que a terminologia antiga descreve bem somente um subgrupo desses
pacientes, que são aqueles que necessitam de suporte dialítico de
emergência... Há muito se tenta padronizar a definição de IRA, mas ainda
não há consenso absoluto na literatura! Uma das definições mais
utilizadas na atualidade é aquela proposta pela KDIGO (Kidney Disease
Improving Global Outcomes) – Tabela 1.

Tab. 1

DEFINIÇÕES DE INJÚRIA RENAL AGUDA (KDIGO – 2012)

● Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl dentro de 48h; OU


● Aumento da creatinina sérica ≥ 1,5x o valor de base, ocorrendo
nos últimos sete dias; OU
● Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por mais do que 6h.

2
Cap. INJÚRIA RENAL AGUDA Na Tabela 2, colocamos o estadiamento da injúria renal aguda conforme
proposto pela mesma referência.

Tab. 2

ESTADIAMENTO DE GRAVIDADE DA IRA (KDIGO – 2012)


VIDEO_01_NEF4
Um quadro de insuficiência renal é dito agudo (IRA) quando sua ESTÁGIO 1 ● Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl;
evolução é rápida, ao longo de horas ou dias. Na maioria das vezes este é OU
um diagnóstico puramente laboratorial, feito pelo reconhecimento da
● Aumento da creatinina 1,5 a 1,9 vezes o
elevação da ureia e creatinina plasmáticas (azotemia), na ausência de
valor de base; OU
sintomas. Contudo, quando a disfunção renal for grave (Crpl > 4,0 mg/dl,

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Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por 6-12h.
AZOTEMIA PRÉ-RENAL
ESTÁGIO 2 ● Aumento da creatinina 2,0 a 2,9 vezes o
valor de base; OU Azotemia pré-renal é a elevação das "escórias nitrogenadas" causada pela
redução do fluxo sanguíneo renal. É o tipo mais comum de injúria renal
● Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por ≥ 12h. aguda (55-60% dos casos). Caracteriza-se clinicamente pela
reversibilidade, uma vez restaurado o fluxo renal. As principais causas são:
ESTÁGIO 3 ● Aumento da creatinina para um valor ≥ (1) hipovolemia; (2) estados de choque; (3) insuficiência cardíaca; (4)
4,0 mg/dl; OU cirrose hepática com ascite.
● Aumento da creatinina 3,0 vezes o valor
de base; OU O que todas estas entidades possuem em comum é a queda do chamado
volume circulante efetivo, ou seja, aquele que preenche o leito arterial e
● Débito urinário < 0,3 ml/kg/h por ≥ 24h;
perfunde nossos órgãos. Em situações normais, este volume corresponde a
OU
30% do volume sanguíneo total. Na insuficiência cardíaca e na cirrose
● Anúria ≥ 12h; OU com ascite, esta proporção pode cair para menos de 10%, pois ocorre
represamento do fluido intravascular, respectivamente, no território
● Início da terapia de substituição renal; OU
venoso e esplâncnico.
● (Pacientes com < 18 anos): queda na
TFG estimada para < 35 ml/min/1.73 m² .
FISIOPATOLOGIA

Note que, apesar do destaque dado à OLIGÚRIA na definição acima, na Felizmente, os vasos renais possuem um mecanismo de proteção contra
verdade a IRA pode ser dividida em três subtipos, de acordo com o débito alterações deletérias do fluxo renal e da taxa de filtração glomerular, o que
urinário: (1) IRA oligúrica, quando o débito urinário for inferior a 500 denominamos autorregulação do fluxo renal e da filtração glomerular.
ml/24h, ou 400 ml/24h, dependendo da referência; (2) IRA não oligúrica, Quando a Pressão Arterial Média (PAM) cai, as arteríolas aferentes
quando a diurese for maior que 400-500 ml/24h; e (3) IRA anúrica, para vasodilatam, reduzindo a resistência vascular do rim, evitando o hipofluxo
débitos urinários inferiores a 50 ml/24h ou 100 ml/24h (novamente existe renal. Em condições normais, o fluxo sanguíneo renal é preservado até
divergência na literatura)... O fato é que mais de 50% das IRA cursa com uma PA sistólica de 80 mmHg. Caso a pressão caia abaixo desse limite, a
a forma não oligúrica, com volume urinário normal em torno de 1 a 2 autorregulação não será mais capaz de evitar o hipofluxo, pois as
L/dia! Eventualmente, um débito urinário acima do normal (poliúria = arteríolas já estarão em seu máximo de vasodilatação!!! Neste ponto,
mais de 3 L/dia), pode ser observado em pacientes com injúria renal instala-se a azotemia pré-renal. É importante ressaltar que indivíduos com
aguda... um "desajuste" da autorregulação renal podem desenvolver azotemia pré-
renal mesmo quando a PA sistólica está um pouco acima de 80 mmHg. É o
A ocorrência de injúria renal aguda (em qualquer grau) está associada a caso dos idosos, hipertensos crônicos e diabéticos de longa data (condições
um importante aumento da morbimortalidade intra-hospitalar. que comumente lesam a arteríola aferente).
Dependendo do contexto clínico (ex.: idade avançada, presença de outras
disfunções orgânicas) a mortalidade da IRA pode variar entre 30-86%. O mecanismo de vasodilatação aferente depende de dois fatores: (1)
estímulo direto de barorreceptores de estiramento da própria musculatura
lisa arteriolar (reflexo miogênico) e (2) liberação intrarrenal de
ETIOPATOGENIA vasodilatadores endógenos (prostaglandina E2, sistema calicreína-cinina,
óxido nítrico) que agem predominantemente na arteríola aferente.
A injúria renal aguda pode ser causada por três mecanismos básicos: (1)
hipofluxo renal (azotemia pré-renal); (2) lesão no próprio parênquima A TFG ainda pode ser regulada de forma independente do fluxo renal,
renal (azotemia renal intrínseca) e (3) obstrução do sistema uroexcretor por ação da angiotensina II, um potente vasoconstritor da arteríola
(azotemia pós-renal). A causa de azotemia renal intrínseca mais comum é eferente. Ao agir sobre esta arteríola, a angiotensina II promove um
a NTA (Necrose Tubular Aguda), responsável por cerca de 90% dos casos aumento da pressão de filtração glomerular, contribuindo para a
neste grupo etiopatogênico. Mas considerando todos os mecanismos, o manutenção da TFG.
mais comum parece ser o pré-renal, e o menos comum, o pós-renal. Veja
os percentuais:
Veja a importância desses conceitos... Os AINE (inibidores da formação
de prostaglandinas), os inibidores da ECA e os antagonistas do receptor de
1. Pré-renal (hipofluxo) – 55-60%; angiotensina II prejudicam a autorregulação do fluxo renal e da TFG!!!
2. NTA (Necrose Tubular Aguda) – 35-40%; Estes fármacos podem precipitar azotemia pré-renal em pacientes com
baixo fluxo renal, como aqueles com hipovolemia moderada a grave, ICC
3. Pós-renal (obstrutiva) – 5-10%.
descompensada, nefropatia crônica ou estenose bilateral de artéria renal.

Analisando especificamente a população de doentes críticos (isto é,


A redução do volume circulante efetivo é um forte estímulo para a
aqueles internados no CTI), observa-se uma proporção diferente, com a
ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, do sistema
NTA sendo responsável por 50% dos casos de insuficiência renal aguda,
adrenérgico e para a liberação de ADH (vasopressina). A angiotensina II,
seguida pela pré-renal (35%) e pós-renal (10%). Outras causas de injúria
as catecolaminas e a vasopressina promovem vasoconstrição periférica de
renal intrínseca correspondem a menos de 10% do total de casos.
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modo a desviar o fluxo sanguíneo para os órgãos "nobres". Quando o A cirrose hepática com ascite é um estado de hipovolemia relativa, pois
estímulo é intenso, a vasoconstrição acomete também os vasos renais, estes pacientes apresentam uma intensa vasodilatação esplâncnica,
contribuindo para a azotemia prérenal. O uso de drogas com efeito reduzindo a quantidade de fluido no leito arterial. A hipertensão porta,
vasoconstritor renal, tais como a noradrenalina, adrenalina, dopamina (em em associação com a disfunção hepatocelular, prejudica a depuração do
dose alfa), ergotamina, ciclosporina e contraste iodado, pode também óxido nítrico (NO) produzido pelo endotélio da circulação mesentérica. O
precipitar uma azotemia pré-renal. óxido nítrico é um potente vasodilatador local.

Na tentativa de conservação hidrossalina, a angiotensina II aumenta a A nefropatia isquêmica é uma situação especial de azotemia pré-renal.
reabsorção de sódio e água pelo néfron proximal, enquanto a aldosterona Ocorre na estenose bilateral de artéria renal (ou estenose arterial em rim
aumenta a reabsorção de sódio e água no néfron distal. A vasopressina único). Geralmente são pacientes previamente hipertensos e com
aumenta a reabsorção de água livre no néfron distal. Resultado final: aterosclerose em vários territórios vasculares. O mecanismo da isquemia
oligúria, urina hiperconcentrada e pobre em sódio. aguda pode ser trombose sobre a placa de ateroma, hipovolemia ou uso de
inibidores da ECA/AINE em pacientes com estenose bilateral grave. No
caso dos inibidores da ECA e AINE, a IRA geralmente é reversível após a
ETIOLOGIA retirada da droga.

A Tabela 3 reúne as principais causas de injúria pré-renal.


QUADRO DE CONCEITOS I IRA pré-renal.

Tab. 3: Causas de azotemia pré-renal. A injúria pré-renal geralmente se instala assim que a pressão
arterial média cai abaixo de 80 mmHg, porém, em alguns idosos,
Redução do volume circulante efetivo.
hipertensos crônicos e diabéticos de longa data, o hipofluxo renal
poderá se instalar com uma PAM um pouco acima deste valor,
Estados de choque.
devido à disfunção crônica da arteríola aferente (menor capacidade
de vasodilatação).
Insuficiência cardíaca descompensada.

Cirrose hepática com ascite.


SÍNDROME HEPATORRENAL
Nefropatia isquêmica.
A síndrome hepatorrenal (SHR) é uma forma peculiar de IRA pré-renal
que acomete cerca de 20-40% dos portadores de cirrose hepática
AINE.
avançada, mas também pode surgir no contexto da insuficiência hepática
fulminante (particularmente na hepatite alcoólica). Apesar de ser uma
Inibidores da ECA/antagonistas de angio II.
IRA "pré-renal", a SHR não pode ser resolvida apenas com a
normalização da volemia...
A redução do volume circulante efetivo é a causa mais comum de injúria
pré-renal e, portanto, de injúria renal aguda. Pode ser devida à hemorragia Em termos histológicos, caracteriza-se pela ausência de alterações
externa ou interna, diarreia, vômitos, fístulas digestivas, poliúria, sudorese estruturais no parênquima renal, sendo o mecanismo da IRA uma intensa
intensa ou perda para o terceiro espaço (retroperitôneo – pancreatite; vasoconstrição nas artérias e arteríolas pré-glomerulares (isquemia do
peritôneo – ascite; luz intestinal – obstrução intestinal aguda, isquemia córtex), o que configura um tipo de IRA "funcional" potencialmente
intestinal, íleo paralítico; tecido muscular – rabdomiólise). Devemos estar reversível. Acontece que essa reversibilidade depende única e
atentos para não "deixar passar" o diagnóstico de hemorragias internas, exclusivamente da normalização da função hepática, seja de maneira
como hemotórax, hemoperitôneo e hematoma muscular da coxa, todos espontânea (ex.: cura da hepatite aguda), ou após transplante de fígado
consequentes a trauma. A musculatura da coxa traumatizada pode (ex.: cirrose avançada)... Um curioso fato nos ajuda a entender que o
armazenar até 12 L de líquido, só de edema... problema da SHR "não está nos rins do paciente": se o rim de um
portador de SHR for transplantado num indivíduo não hepatopata, a
O estado de choque é acompanhado pela redução generalizada do fluxo vasoconstrição se desfaz espontaneamente, e a função renal se restabelece
orgânico. Um dos órgãos mais afetados é o rim. Os choques de maneira paulatina...
hipovolêmicos, cardiogênico, séptico e obstrutivo, são os tipos descritos. A
causa mais comum de choque cardiogênico é o infarto agudo do Mas por qual motivo ocorre essa vasoconstrição renal tão intensa?
miocárdio.
A SHR representa, na verdade, o evento terminal de um continuum de
A insuficiência cardíaca descompensada pode causar redução importante alterações hemodinâmicas induzidas pela disfunção hepática! Nas fases
do fluxo renal, pelo baixo débito cardíaco. Na insuficiência cardíaca, a iniciais de qualquer hepatopatia grave podemos notar uma progressiva
ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona promove retenção VASODILATAÇÃO ESPLÂNCNICA, cuja principal consequência é a
hidrossalina que inicialmente é benéfica, por aumentar o retorno venoso e redução da resistência vascular sistêmica (tendência à hipotensão).
manter, até certo ponto, um débito cardíaco satisfatório. Contudo, no Todavia, inicialmente não ocorre hipotensão arterial, pois o volume
estado mais avançado da cardiopatia, a retenção de sódio e água pelo rim circulante efetivo consegue ser mantido à custa de aumentos no débito
torna-se excessiva, sobrecarregando o ventrículo doente e levando a cardíaco, na vasoconstrição periférica (desvio de sangue de órgãos "menos
congestão pulmonar e sistêmica. nobres", como pele e musculatura esquelética) e retenção renal de sódio e

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água. Tais respostas são mediadas pela ativação de dois importantes tratamento é o transplante ortotópico de fígado). O quadro clínico é de
sistemas: (1) adrenérgico e (2) renina-angiotensina-aldosterona. IRA oligúrica;

Entretanto, a piora da função hepática leva a um aumento absurdo da ● Tipo 2 – a creatinina sérica aumenta de maneira lenta e gradual, levando
vasodilatação esplâncnica, promovendo uma queda tão acentuada da mais do que duas semanas para dobrar e ultrapassar o valor de 2,5
resistência vascular sistêmica que os mecanismos compensatórios não mg/dl. Geralmente não há fatores agudos desencadeantes (trata-se de
conseguem mais manter a homeostase circulatória e, por fim, acabam se uma evolução natural da doença de base). O prognóstico de curto prazo
tornando eles mesmos deletérios. Vamos entender isso com calma... Olha é um pouco melhor que o da SHR tipo 1, porém o tratamento definitivo
só: o aumento do tônus adrenérgico promove vasoconstrição inicialmente é o mesmo. O quadro clínico é de ascite refratária.
periférica, mas quando exagerado também promove vasoconstrição renal
direta! Já o excesso de angiotensina II, além de contribuir para o estímulo Em segundo lugar, precisamos reconhecer que a SHR é um diagnóstico de
vasoconstritor, também induz hipersecreção de aldosterona, o que por sua exclusão! Por conta das alterações hemodinâmicas próprias das
vez faz os rins reabsorverem sódio com uma avidez extrema (justificando o hepatopatias graves (já descritas), os hepatopatas são naturalmente
clássico achado de Nau < 10 mEq/L na SHR). O aumento do sódio propensos ao desenvolvimento de injúria renal aguda, em face de qualquer
corporal total leva ao estado hipervolêmico (aumento do volume de fluido insulto que altere sua homeostase circulatória... Infelizmente, tais insultos
extracelular), que neste caso se expressa como edema periférico e, são comuns nesse tipo de paciente (ex.: hemorragia digestiva alta,
principalmente, ascite volumosa, não raro refratária ao tratamento clínico. peritonite bacteriana espontânea, uso excessivo de diuréticos de alça), o
que faz a IRA ser um problema bastante frequente. É preciso identificar
Existe ainda um terceiro mecanismo compensatório que será ativado nos todos os fatores que possam contribuir para a IRA, e tratá-los de forma
casos extremos, numa última tentativa de normalizar o volume circulante direcionada.
efetivo: a secreção "não osmótica" de vasopressina (AVP ou ADH). Este
hormônio aumenta a retenção renal de água livre (causando hiponatremia Antes de prosseguir, devemos esclarecer um ponto que sempre gera
dilucional) e possui efeito vasoconstritor direto (mais um fator confusão... Como você deve ter reparado, ainda há pouco dizíamos que
aumentando a vasoconstrição renal). Lembre-se que a hiponatremia é um um dos principais deflagradores da SHR tipo 1 é a Peritonite Bacteriana
marcador de péssimo prognóstico na cirrose hepática justamente por Espontânea (PBE), mas agora acabamos de afirmar que a SHR é um
traduzir a existência de doença muito avançada... diagnóstico de exclusão... Isso não é contraditório??? Não se você
entender o seguinte: já vimos que na vigência de uma infecção grave
Enfim, como você já deve ter percebido, tanto a queda inexorável do (como a PBE), o cirrótico tem grande chance de desenvolver injúria renal
volume circulante efetivo (por "roubo" da circulação esplâncnica) quanto aguda. Neste caso, num momento inicial não temos como dizer se ele
os fenômenos compensatórios exageradamente intensos (causando entrou ou não em SHR (ainda que o quadro clínico seja de IRA
vasoconstrição renal) levam a uma profunda redução na taxa de filtração oligúrica)... Como a PBE é um "deflagrador" da SHR, mesmo após a cura
glomerular e no ritmo de produção de urina, o que resulta em oligúria dessa infecção o doente pode permanecer com oligúria e piora progressiva
(débito urinário < 500 ml/dia ou < 400 ml/dia, dependendo da referência) e da azotemia, quando então teremos certeza de que ele realmente entrou
azotemia (Cr > 1,5 mg/dl), ou seja, um quadro de injúria renal grave!!! em SHR...

Mas o que explica a vasodilatação esplâncnica? Assim, fica fácil compreendermos os critérios diagnósticos da SHR,
propostos pelo International Ascites Club:
Tudo leva a crer que a vasodilatação no território esplâncnico é
secundária ao fenômeno da translocação bacteriana, isto é, bactérias
presentes no lúmen intestinal conseguem ultrapassar a mucosa (danificada CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA SÍNDROME HEPATORRENAL
pela hipertensão porta) e alcançar os linfonodos mesentéricos. Neste local,
leucócitos mononucleares iniciam a produção de citocinas pró-
● Hepatopatia grave, aguda ou crônica, com hipertensão porta.
inflamatórias – como TNF-alfa e IL-6 – induzindo hipersecreção pelo ● Cr > 1,5 mg/dl.
endotélio de mediadores como óxido nítrico, monóxido de carbono e
canabinoides endógenos, que promovem vasodilatação local e "roubo de ● Ausência de melhora da creatinina sérica após expansão
sangue" para a circulação esplâncnica! volêmica com albumina IV (1 g/kg), passados pelo menos dois
dias sem administrar diuréticos.

E como se diagnostica a SHR? ● Ausência de choque circulatório.

● Ausência de uso atual ou recente de drogas nefrotóxicas (ex.:


Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que a síndrome pode cursar
aminoglicosídeos, AINE).
com dois padrões evolutivos:
● Ausência de sinais de doença parenquimatosa renal,
● Tipo 1 – a creatinina sérica dobra de valor (ficando > 2,5 mg/dl) em particularmente: (1) proteinúria < 500 mg/dia; (2) presença de < 50
menos de duas semanas. Apesar de poder surgir de maneira espontânea, hemácias por campo de grande aumento no sedimento urinário;
em geral se identifica um evento deflagrador (o mais comum é a (3) USG de rins e vias urinárias normal (descartando lesões no
peritonite bacteriana espontânea). O prognóstico é péssimo (mortalidade parênquima e obstrução do trato urinário).
> 90%) caso a disfunção hepática não possa ser corrigida (o melhor

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Mais detalhes serão vistos no módulo de Hepatologia. Crise renal da esclerodermia

Trombose de veia renal bilateral


AZOTEMIA RENAL INTRÍNSECA

A azotemia renal intrínseca, ou IRA por lesão intrínseca, é a disfunção NECROSE TUBULAR AGUDA ISQUÊMICA
renal aguda causada por lesão no próprio parênquima renal. É
responsável por 35-40% dos casos de injúria renal aguda. Pode cursar com
oligúria (necrose tubular aguda isquêmica, rabdomiólise, A Necrose Tubular Aguda (NTA) isquêmica é uma causa frequente
glomerulonefrites ou nefropatias microvasculares), anúria (necrose cortical de IRA oligúrica em pacientes internados, especialmente na UTI.
aguda, algumas glomerulonefrites) ou não oligúria/poliúria (necrose Em geral são pacientes em estado crítico (choque, sepse,
tubular aguda por aminoglicosídeos). pancreatite aguda necrosante, politrauma, grande queimado, pós-
operatório). As cirurgias mais associadas à NTA isquêmica são: (1)
A injúria renal aguda por lesão renal intrínseca é uma entidade comum cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea > 2h; (2) correção
entre os pacientes com patologias graves internados em CTI. Nessas de aneurisma de aorta abdominal com clampeamento aórtico acima
circunstâncias, está associada a uma alta letalidade (até 80%), mas não das renais > 60min; e (3) cirurgia biliar em pacientes ictéricos.
por causa da insuficiência renal propriamente dita, e sim devido à
gravidade da doença de base (ex.: sepse com falência orgânica múltipla). O sistema tubular é mais sensível à lesão isquêmica ou hipóxica do
que o glomérulo, pois (1) tem um gasto energético maior e (2)
Enquanto o comprometimento glomerular (glomerulopatias) predomina recebe menor vascularização. A parte reta do túbulo proximal e a
entre as causas de lesão renal intrínseca crônica, a causa mais comum de porção ascendente espessa da alça de Henle são especialmente
lesão renal intrínseca aguda é o comprometimento tubular! O tipo mais suscetíveis (são os segmentos que gastam mais energia).
comum de IRA intrínseca é a Necrose Tubular Aguda (NTA) que responde
por cerca de 90% dos casos. A Tabela 4 mostra as principais causas de Para levar à NTA, a isquemia renal deve ser grave ou prolongada,
injúria renal aguda intrínseca. Vamos aproveitar para rever os pontos mais mas se o paciente for nefropata crônico ou estiver tomando
importantes de cada uma delas... medicamentos nefrotóxicos, a NTA pode ocorrer com graus menos
severos de isquemia... No caso da sepse, o principal mecanismo é
Tab. 4: Causas de IRA por lesão intrínseca. a combinação de vasoconstrição renal + vasodilatação sistêmica,
com a endotoxina também exercendo um efeito tóxico direto sobre
Necrose Tubular Aguda os túbulos renais.
● Isquêmica (choque, sepse, SIRS, pós-operatório).
A NTA isquêmica, na verdade, faz parte de um continuum: o
● Rabdomiólise.
paciente com isquemia renal evolui de imediato com azotemia pré-
● Hemólise intravascular. renal. Se esta não for corrigida precocemente (ex.: reposição de
fluidos), a tendência será a evolução para NTA isquêmica. Se isso
● Medicamentos (aminoglicosídeos, anfotericina B, contraste
acontecer, a azotemia e a oligúria não mais responderão à
iodado, ciclosporina, aciclovir, foscarnet, pentamidina, cisplatina,
reposição volêmica!
ifosfamida).
● Venenos: etilenoglicol, Bothrops (jararaca), Loxosceles sp.
Por que a NTA cursa com IRA (queda na TFG)? (1) feedback
(aranha marrom).
tubuloglomerular – a mácula densa recebe mais sódio e cloreto,
● Síndrome da lise tumoral (ácido úrico). pela menor reabsorção no túbulo proximal, o que induz
vasoconstrição da arteríola aferente; (2) obstrução do sistema
Leptospirose tubular por plugs epiteliais; (3) vazamento de escórias nitrogenadas
pela parede tubular desnuda, com retorno das mesmas ao plasma.
Nefrite intersticial aguda "alérgica"
A lesão do epitélio tubular prejudica a reabsorção, levando à
● Penicilinas, cefalosporinas, sulfas, tetraciclinas, rifampicina,
formação de uma urina rica em sódio e água (diluída). As células
etambutol, diuréticos, alopurinol, AINE, ranitidina, captopril.
epiteliais se desprendem para o lúmen, aderindo-se à proteína de
Tamm-Horsfall e formando os cilindros epiteliais. Ao se
Glomerulonefrite difusa aguda
degenerarem, tais células acumulam pigmentos, formando cilindros
granulosos pigmentares ("cilindros marrons").
Glomerulonefrite rapidamente progressiva

Nefroesclerose hipertensiva maligna O prognóstico da NTA isquêmica é ruim... O paciente não morre da
IRA (pois deverá ser dialisado), e sim da disfunção orgânica

Ateroembolismo por colesterol múltipla subjacente! Quando o paciente sobrevive à fase aguda, a
evolução natural é a regeneração do epitélio tubular dentro de 7-21
dias, sobrevindo uma fase poliúrica e paulatina recuperação da
Síndrome hemolítico-urêmica
TFG.

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proximal, promovendo injúria celular direta. Como o principal defeito
RABDOMIÓLISE
está na reabsorção tubular, a IRA geralmente é não oligúrica. A
NTA por aminoglicosídeos é uma das causas de IRA associada à
Rabdomiólise significa lesão muscular extensa, liberando na hipocalemia e hipomagnesemia. A perda de potássio ocorre por
circulação enzimas musculares (CPK, TGO, LDH, aldolase), lesão tubular proximal, enquanto a perda de magnésio se dá por
eletrólitos (potássio, fosfato), ácidos (ácido láctico) e pigmentos lesão da alça de Henle. A bioquímica urinária é típica de NTA (rica
(mioglobina). As causas mais comuns de rabdomiólise são: trauma em sódio e água). O sedimento pode mostrar cilindros epiteliais e
(especialmente o esmagamento muscular), isquemia muscular granulosos.
(síndrome compartimental e da reperfusão muscular), imobilização
prolongada, grande mal epiléptico, hipertermia maligna, exercício Aqui é importante o entendimento do seguinte aspecto: como é
físico extenuante, hipocalemia ou hipofosfatemia graves, infecções possível insuficiência renal sem oligúria?
(influenza, tétano), intoxicações (etanol, cocaína, anfetamina,
ecstasy) e envenenamentos (Crotalus sp. – cobra cascavel). Por definição, na insuficiência renal há redução significativa da
TFG. Com a queda na filtração glomerular, espera-se que haja uma
A grande quantidade de mioglobina liberada pelo tecido muscular redução proporcional do débito urinário, levando à oligúria.
lesado é filtrada pelo glomérulo e alcança os túbulos. Com um baixo Entretanto, nas doenças tubulares, o débito urinário pode não
fluxo tubular (componente pré-renal associado: sequestro de diminuir (ou até aumentar), apesar de haver queda da TFG e injúria
líquidos no "terceiro espaço" – tecido muscular lesado), a renal grave. A explicação é a seguinte: na tubulopatia, há uma
concentração deste pigmento no lúmen torna-se muito alta, queda desproporcional da reabsorção tubular! No néfron normal,
podendo, então, promover NTA. O grupamento heme contido na cerca de 98% do que é filtrado é reabsorvido. Com o túbulo muito
mioglobina é o grande pivô da lesão celular (por causar estresse doente, a reabsorção pode cair, por exemplo, para 85%. Assim,
oxidativo)... Além de lesar diretamente os túbulos renais, a mesmo com uma filtração glomerular reduzida (ex.: 10 ml/min ou 12
mioglobina também possui efeito vasoconstritor, por depletar o L/dia), se a reabsorção for de apenas 85% (10 L/dia), o débito
óxido nítrico intrarrenal. urinário poderá se manter em 2 L/dia. Se a reabsorção piora (ex.: 9
L/dia), o paciente urina cerca de 3 L/dia.
O diagnóstico é dado pela história clínica, pela elevação das
enzimas musculares e pela mioglobinúria no EAS. Entretanto, na Como toda NTA, a lesão renal por aminoglicosídeos tende a ser
urinálise convencional, a mioglobina é interpretada como autolimitada, havendo recuperação paulatina da função renal após
hemoglobina e o resultado mostrará "hemoglobinúria". A bioquímica a suspensão da droga, pelo mecanismo de regeneração tubular.
urinária é variável, sendo a presença de cilindros granulosos
pigmentados comum.
NEFROTOXICIDADE POR OUTROS
Nas primeiras 24-48h a diurese do paciente deve ser forçada por MEDICAMENTOS
uma vigorosa hidratação com salina isotônica (SF 0,9%). Quando o
débito urinário chega a 3 ml/kg/h (cerca de 200 ml/h), a maioria dos
autores recomenda administrar manitol e bicarbonato de sódio com Os mecanismos de nefrotoxicidade dos medicamentos que levam à
salina 0,45%. O manitol mantém um alto fluxo tubular, lavando a NTA são: (1) toxicidade tubular direta; (2) vasoconstrição arteriolar;
mioglobina, e reduz o edema do epitélio tubular e o sequestro de (3) obstrução tubular por depósitos ou cristais.
líquidos no músculo lesado. Acredita-se que o manitol também
possua efeito antioxidante direto (neutraliza radicais livres)... O Contraste iodado: a toxicidade ocorre principalmente nos
bicarbonato de sódio serve para alcalinizar a urina, reduzindo a nefropatas crônicos, que já tinham creatinina > 1,5 mg/dl... A
toxicidade da mioglobina e impedindo a formação de cilindros com coexistência de desidratação, diabetes, ICC e mieloma múltiplo
a proteína de Tamm-Horsfall... Tais medidas visam prevenir ou potencializa o risco! A expansão volêmica é indicada para a
reverter as fases precoces da NTA! Surgindo oligúria refratária, prevenção da nefropatia induzida por radiocontraste nos
deve-se realizar hemodiálise de urgência!!! pacientes de alto risco!!! O esquema mais usado em exames
eletivos consiste na infusão de soro fisiológico 1 ml/kg/h nas 12h
que antecedem o exame, mantendo a mesma taxa de infusão nas
NEFROTOXICIDADE POR AMINOGLICOSÍDEOS 12h posteriores ao exame. A insuficiência renal começa a se
desenvolver dentro das primeiras 48h após o exame e reverte após
sete dias, em média. Apesar de haver lesão tubular direta
Algum grau de IRA ocorre em cerca de 15-30% dos pacientes que (formação de radicais livres pela molécula de contraste), o principal
usam aminoglicosídeos. De todos os medicamentos nefrotóxicos, mecanismo fisiopatológico é a vasoconstrição da arteríola aferente,
este é o grupo responsável pelo maior número de casos de NTA. mediada pela liberação renal de endotelina. A IRA pode ser tanto
Hipovolemia, ICC, idade avançada e nefropatia crônica são os oligúrica quanto não oligúria (dependendo da gravidade do
principais fatores de risco. processo), o sedimento urinário é inocente e a bioquímica urinária é
do tipo pré-renal (sódio baixo e concentrado). Os contrastes não
Estas drogas, quando administradas em doses elevadas, mais de iônicos e hipo-osmolares possuem menor chance de causar NTA.
uma vez ao dia e por um período > 10 dias, são altamente
nefrotóxicas. O fármaco é endocitado pelas células do túbulo

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Ciclosporina: imunossupressor utilizado na prevenção da rejeição pode ocorrer espontaneamente em portadores de tumores
após transplante renal. Esta droga é reconhecidamente nefrotóxica, hematológicos de crescimento rápido, sendo denominada
promovendo lesão tubular isquêmica por vasoconstrição da nefropatia aguda pelo ácido úrico ou "lise tumoral espontânea".
arteríola aferente e contração do mesângio (daí a oligúria). Para
evitar seu efeito tóxico, os níveis séricos devem ser monitorizados
de rotina. O perfil da bioquímica urinária é semelhante ao da LEPTOSPIROSE
toxicidade pelo contraste iodado (pré-renal: pouco sódio e pouca
água).
"Devemos pensar na possibilidade de leptospirose para todo
Anfotericina B: antifúngico potente, é bastante nefrotóxico, paciente febril que desenvolva injúria renal aguda com potássio
levando à lesão tubular direta e promovendo uma IRA não sérico baixo".
oligúrica com importante perda de potássio e magnésio. O quadro
se assemelha à NTA por aminoglicosídeos. A leptospirose é uma doença febril aguda de origem infecciosa,
causada pela espiroqueta Leptospira interrogans, com 23 sorotipos
Outras: aciclovir (por formação de cristais), pentamidina, foscarnet, identificados no Brasil.
cisplatina, ifosfamida (esta última pode causar a síndrome de
Fanconi), etc. O agente da leptospirose possui uma forma peculiar de
patogenicidade: pode provocar disfunção celular grave, sem
necrose ou inflamação significativas. A virulência deste micro-
OUTRAS CAUSAS DE NECROSE TUBULAR organismo provém da liberação de toxinas... A mais conhecida é
AGUDA uma glicolipoproteína (GLP) capaz de produzir "capilarite"
generalizada, levando ao extravasamento de líquido e sangue para
os tecidos. Seu espectro clínico é extremamente variável, podendo
Variadas substâncias químicas podem ser nefrotóxicas, cursar com uma forma oligossintomática, conhecida como "forma
promovendo NTA. As principais são os metais pesados (chumbo, anictérica" (90% dos casos), até uma forma caracterizada por
mercúrio), os inseticidas (paraquat), o etilenoglicol e o manifestações multissistêmicas graves – a "forma íctero-
envenenamento por cobras (Bothrops – jararaca) ou aranhas hemorrágica", também conhecida como síndrome de Weil,
(Loxosceles sp. – aranha marrom). No caso específico do caracterizada por icterícia, hemorragia pulmonar e insuficiência
etilenoglicol, o mecanismo é o acúmulo de cristais de oxalato no renal aguda, cuja letalidade pode alcançar 40%.
interior dos túbulos.
As alterações renais são incomuns na forma anictérica, exceto pela
Além da mioglobina, outro pigmento pode levar à IRA por NTA: a presença de leptospirúria prolongada (até três meses) durante a
hemoglobina. Portanto, as hemoglobinúrias maciças podem cursar fase imune e algumas alterações na sedimentoscopia (micro-
com injúria renal!!! O efeito tóxico da hemoglobina é semelhante ao hematúria, cilindrúria). Em contrapartida, na síndrome de Weil a
da mioglobina (incluindo a vasoconstrição arteriolar pela depleção injúria renal aguda, por ser tão comum, é considerada parte
renal de óxido nítrico). integrante da síndrome. Vamos compreender a lesão renal da
leptospirose...

O exemplo mais comum (e grave) é a reação hemolítica


transfusional por incompatibilidade ABO. Outros exemplos clássicos Os rins são afetados na síndrome de Weil por três processos: (1)
de hemólise intravascular: malária falciparum, deficiência de G6PD. capilarite, provocando edema renal e formação de petéquias
O diagnóstico é suspeitado pelo achado de anemia e corticais; (2) nefrite tubulointersticial aguda, com infiltrado
hemoglobinúria no sedimento urinário, sem a presença de mononuclear e áreas focais de necrose tubular aguda; e (3)
hemácias (hematúria), descartada a rabdomiólise (níveis de CPK disfunção das células tubulares (desproporcional ao grau de
normais). necrose), especialmente no túbulo proximal. Estas últimas sofrem
atuação direta da toxina GLP, inibindo a Na-K ATPase, de forma a
prejudicar a reabsorção tubular de sódio. O paciente desenvolve
SÍNDROME DA LISE TUMORAL Injúria Renal Aguda (IRA) com rápida elevação das escórias
nitrogenadas. Na maioria das vezes, a ureia e a creatinina não
ultrapassam os valores de 100 mg/dl e 8 mg/dl, respectivamente.
A terapia de tumores de alto grau de malignidade, especialmente Entretanto, nos casos mais graves, as escórias alcançam valores
linfomas e leucemias, pode aumentar abruptamente os níveis acima de 300 mg/dl para ureia e 18 mg/dl para creatinina, com o
séricos de ácido úrico (liberado pela lise de células tumorais), que paciente desenvolvendo síndrome urêmica e necessitando de
será filtrado pelo glomérulo e atingirá o lúmen tubular, onde poderá diálise.
formar cristais obstrutivos que destroem o epitélio (NTA). A pista
diagnóstica é uma relação urinária ácido úrico/creatinina > 1,0. A A IRA relacionada à leptospirose é não oligúrica em 65% dos
prevenção deve ser feita de acordo com o risco do paciente casos, e oligúrica ou oligoanúrica nos 35% restantes. O predomínio
(variável em função da neoplasia subjacente), e envolve medidas da forma não oligúrica vem do aumento da fração excretória de
como a hidratação vigorosa com cristaloide, o alopurinol e a sódio, pelo distúrbio tubular proximal. Um fato muito interessante
rasburicase (urato-oxidase recombinante). Uma síndrome idêntica deve ser comentado: a IRA da leptospirose cursa com níveis

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séricos de potássio baixos ou normais, mesmo quando há
O quadro clinicolaboratorial costuma ser suficiente para o
oligúria. Como há um prejuízo à reabsorção de sódio no túbulo
diagnóstico (não precisa de biópsia renal), como no caso da forma
proximal, chega mais sódio ao túbulo coletor (néfron distal). É
farmacoinduzida (nefrite alérgica)... A coexistência de febre, rash
exatamente neste segmento tubular que o sódio é reabsorvido em
cutâneo eritematoso, eosinofilia significativa (em 50% dos casos) e,
troca da secreção de potássio! Portanto, mais sódio chegando ao
caracteristicamente, eosinofilúria, hematúria, proteinúria e
coletor, mais sódio é reabsorvido, promovendo mais excreção de
cilindros piocitários, permite o diagnóstico em pacientes que
potássio na urina. Em outras palavras: na nefropatia da
iniciaram um medicamento novo sabidamente implicado no
leptospirose, o aumento da fração excretória de sódio acaba por
quadro... Lembre-se que o sedimento urinário deve ser feito "por
aumentar também a fração excretória de potássio.
quem sabe", utilizando-se colorações especiais para a pesquisa de
eosinófilos (ex.: Hansel). Geralmente há oligúria (pelo edema
As anormalidades urinárias mais comuns são inespecíficas e
intersticial e compressão extrínseca dos túbulos). As causas mais
incluem colúria, como resultado da hiperbilirrubinemia direta
comuns de NIA são: penicilinas, cefalosporinas, sulfas, quinolonas,
(bilirrubina conjugada); piúria; hematúria; cilindrúria e proteinúria em
rifampicina, diuréticos, alopurinol e ranitidina. O tratamento pode ser
níveis variados. Todas essas alterações renais são reversíveis,
apenas a suspensão da droga implicada e suporte para a
desaparecendo gradualmente com a melhora do quadro clínico
insuficiência renal. Os corticoides podem acelerar a resolução nos
sistêmico.
casos mais graves. A pielonefrite aguda é uma causa de NIA
(piogênica).
Apesar de lesão tubulointersticial ser um evento frequente na
leptospirose grave, foi percebido que boa parte dos casos de
insuficiência renal oligúrica podia ser prevenida através de
GNDA (SÍNDROME NEFRÍTICA)
reposição hídrica generosa. Este fato evidencia a grande
importância do componente pré-renal na gênese da IRA da
leptospirose, provavelmente resultante dos seguintes fenômenos: Em geral se trata de uma reação autoimune, levando à inflamação
a) existência de episódios eméticos intensos associados à redução glomerular, disfunção renal e oligúria. Nos casos mais graves a
da ingesta de líquidos; b) presença de quadro diarreico; c) perdas proliferação inflamatória atinge a cápsula de Bowman, originando
insensíveis aumentadas pela existência de febre alta; d) ocorrência estruturas com formato de "crescentes", que podem se expandir e
de sangramentos, justificados pela diátese hemorrágica (presente comprimir as alças glomerulares, o que provoca uma rápida
na leptospirose grave) e, principalmente, pela queda da pressão de deterioração da função renal – uma síndrome chamada
perfusão tecidual (e renal), consequente ao extravasamento de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). As principais
líquidos para o terceiro espaço, fenômeno deflagrado pela causas de GNDA que podem cursar com GNRP são:
capilarite. glomerulonefrite pós-estreptocócica (pp. adultos), LES, síndrome de
Goodpasture, granulomatose de Wegner, poliangeíte microscópica
e angeíte de Churg-Strauss. O diagnóstico é suspeitado pela clínica
Tab. 5: Causas clássicas de IRA com hipocalemia.
de síndrome nefrítica: oligúria, hipertensão, proteinúria e sedimento
● Leptospirose. mostrando hematúria dismórfica, cilindros hemáticos e
piocitários. Como vimos no volume I, a GNRP pode ser do grupo
● Lesão renal por aminoglicosídeos.
ANCA positivo (pauci-imune), C3 baixo (imunocomplexos) ou
● Lesão renal pela anfotericina B. anticorpo anti-MBG positivo (Goodpasture). A confirmação
● Nefroesclerose hipertensiva maligna. diagnóstica se dá pela biópsia renal (imunofluorescência), e o
tratamento é feito com corticoide (metilprednisolona) +
imunossupressores (ciclofosfamida) e, nas formas anti-MBG
positivas (ex.: Goodpasture), associação de plasmaférese.
A lesão muscular, típica de um quadro de leptospirose, costuma ser
evidenciada pela intensa mialgia, classicamente referida nas
Duas glomerulopatias crônicas, a nefropatia por lesão mínima e a
panturrilhas, e pode contribuir para o dano renal na medida em que
doença de Berger (nefropatia por IgA), raramente podem evoluir
libera mioglobina na circulação.
com insuficiência renal aguda; a primeira, por hipovolemia grave,
relacionada à síndrome nefrótica; a segunda, durante a hematúria
O tratamento da IRA na leptospirose visa a instituição precoce das
macroscópica maciça, pela lesão tubular hemoglobínica.
medidas de suporte, em especial a hidratação venosa (que deve
ser iniciada imediatamente após suspeita clínica). Antibioticoterapia
também está indicada em todos os casos. De um modo geral,
pacientes que não respondem de forma consistente à hidratação
NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA MALIGNA
venosa são submetidos à hemodiálise precoce antes que a
síndrome urêmica se instale e ponha em risco a vida do doente. Por
Esta síndrome é o protótipo das doenças microvasculares agudas
exemplo: sobreposição de disfunção plaquetária pela uremia +
do rim, um grupo formado pela nefroesclerose hipertensiva maligna,
diátese hemorrágica da própria leptospirose (capilarite).
ateroembolismo por colesterol, síndrome hemolítico-urêmica e crise
renal da esclerodermia. É uma importante causa de azotemia renal
intrínseca, induzida pelo aumento exagerado e súbito da pressão
NEFRITE INTERSTICIAL AGUDA (NIA) arterial sistêmica, geralmente acima de 220 x 120 mmHg. A maioria

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dos pacientes é da raça negra ou branca com hipertensão
secundária. A fundoscopia revela sinais de hipertensão acelerada
maligna: hemorragias, exsudatos e/ou papiledema. A lesão NECROSE CORTICAL AGUDA
histopatológica característica é a necrose fibrinoide arteriolar e a
arteriosclerose hiperplásica em "bulbo de cebola". O controle da PA
pode reverter, pelo menos em parte, a injúria renal, a despeito de A Necrose Cortical Aguda (NCA) é uma entidade relacionada à
uma leve piora da azotemia nos primeiros dias de tratamento. sepse grave e, principalmente, as complicações obstétricas
(descolamento prematuro de placenta, aborto retido, etc.). Cerca de
5% dos casos de síndrome hemolítico-urêmica evolui com NCA.
ATEROEMBOLISMO Sua gênese se baseia no processo de Coagulação Intravascular
Disseminada (CIVD), determinando uma lesão endotelial extensa
nos vasos do parênquima renal.
É uma causa de IRA a ser considerada em indivíduos que
apresentam aterosclerose aórtica e foram submetidos a um Quando devemos suspeitar de NCA? Quando o paciente com
procedimento intravascular (cateterismo, angioplastia), ou foram complicação obstétrica ou sepse grave evolui para anúria, ou
vítimas de trauma torácico fechado. Pequenos fragmentos de quando a "suposta NTA" não se recupera no período esperado – o
colesterol se desprendem da placa ateromatosa e obstruem a paciente permanece oligúrico e dependente de diálise. O
microvasculatura renal (arteríolas e capilares glomerulares). prognóstico da NCA é sempre ruim – em geral, o paciente se torna
agudamente um "renal crônico" (pois perde de forma abrupta e
O quadro clínico é de IRA oligúrica, associada à febre, eosinofilia, irreversível um grande número de néfrons).
livedo reticularis, isquemia de dígitos ("síndrome do dedo azul"),
mialgia intensa, com aumento importante da CPK total e
hipocomplementemia. Quase todos os pacientes evoluem com
CAUSAS DE NECROSE CORTICAL AGUDA
perda definitiva da função renal!!! O diagnóstico depende da biópsia
(cutânea, muscular ou renal), que irá revelar um achado
1. Descolamento prematuro de placenta.
patognomônico: as fissuras biconvexas vasculares. Não há
tratamento específico, e o prognóstico é péssimo... 2. Aborto retido.

3. Síndrome HELLP – complicação da pré-eclâmpsia.

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA (SHU) 4. Sepse grave.

5. Envenenamento por cobra ou aranha.

Caracteriza-se pela seguinte associação: (1) anemia hemolítica 6. Síndrome hemolítico-urêmica.


microangiopática; (2) trombocitopenia; (3) insuficiência renal aguda
oligúrica. Há uma hiperativação plaquetária, com formação de
agregados de plaquetas e fibrina (trombose) nos capilares TROMBOSE DE VEIA RENAL
glomerulares. As hemácias, ao passarem em alta velocidade por
esses microtrombo, são fragmentadas e dão origem aos
"esquizócitos" visualizados no sangue periférico. A SHU é mais A trombose de veia renal bilateral pode levar à insuficiência renal
comum em crianças pequenas (1-4 anos), manifestando-se aguda. Uma causa comum é a desidratação grave de uma criança
geralmente 7-15 dias após uma disenteria por E. coli êntero- pequena ou lactente. Faz diagnóstico diferencial com IRA pré-renal
hemorrágica sorotipo O157:H7 (produtora da verotoxina), bem e com a síndrome hemolítico-urêmica, causas comuns de IRA nesta
como em gestantes e puérperas. Trata-se de uma síndrome faixa etária. Outras causas de trombose de veia renal são as
autolimitada e a conduta deve ser apenas de suporte, não raro com síndromes de hipercoagulabilidade, especialmente a síndrome
diálise. Alguns casos evoluem para necrose cortical aguda (5%) – nefrótica. O quadro clínico inclui lombalgia, hematúria e proteinúria
especialmente gestantes e puérperas. importantes. A ultrassonografia mostra aumento no tamanho
renal, e o diagnóstico pode ser confirmado pela angio-TC ou
angio-RM. O tratamento deve ser feito com anticoagulantes.
CRISE RENAL DA ESCLERODERMIA

AZOTEMIA PÓS-RENAL
Devemos suspeitar desta grave síndrome em pacientes
esclerodérmicos difusos que apresentam hipertensão acelerada
maligna associada à: IRA oligúrica, anemia hemolítica VIDEO_05A_NEF4
microangiopática e plaquetopenia. Esses pacientes têm, na A azotemia pós-renal, ou injúria pós-renal, é uma disfunção renal causada
verdade, uma endarterite interlobular crônica pela esclerodermia por obstrução aguda do sistema uroexcretor. É responsável por apenas 5-
que, subitamente, desenvolve vasoespasmo arteriolar renal difuso, 10% dos casos de injúria renal aguda, embora, no subgrupo dos idosos,
necrose fibrinoide e arterioloesclerose hiperplásica. Os inibidores da esta proporção se torne um pouco maior devido à elevada prevalência de
ECA reduzem a mortalidade destes pacientes de 80% para menos doença prostática...
de 30%, inclusive permitindo a recuperação da função renal!
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fatores precipitantes mais frequentes são: uso de medicamentos com efeito
Um conceito fundamental: a azotemia pós-renal só irá se
anticolinérgico (disfunção do detrusor) ou simpatomimético (espasmo do
desenvolver nas obstruções com repercussão renal bilateral, como
colo vesical) – Tabela 7, infecção prostática (prostatite) ou do trato
ocorre na obstrução uretral, do colo vesical, ureteral bilateral ou
urinário e infarto prostático. Clinicamente, o paciente apresenta-se com
ureteral em rim único. Uma obstrução renal unilateral, mesmo que
oligoanúria, desconforto hipogástrico e "bexigoma". Alguns evoluem com
completa, geralmente não causa azotemia, pois o rim contralateral
síncope vasovagal, desencadeada reflexamente pela distensão aguda da
(se for normofuncionante) é capaz de suprir a falta do outro.
bexiga. Lembre-se que a presença de diurese de modo algum descarta a
Entretanto, se o paciente já for um nefropata crônico (ex.: IRC em
hipótese de obstrução, pois o fluxo de urina pode estar ocorrendo por
tratamento conservador) mesmo a obstrução de um único ureter
"transbordamento" em uma bexiga repleta... A passagem de um cateter de
pode desencadear um quadro de uremia, pois o rim não obstruído
Foley costuma resolver a obstrução e, portanto, a azotemia. Quando a
pode não ser capaz de manter a homeostase...
retenção vesical for maior que 900 ml, a chance do paciente voltar a urinar
espontaneamente é pequena (em torno de 15%), necessitando de cirurgia
prostática desobstrutiva.
Tab. 6: Causas de azotemia pós-renal.

Obstrução uretral Vale ressaltar que um "bexigoma" muito volumoso, ao ser rapidamente
● Congênita: valva uretral posterior, estenose, fimose. esvaziado, pode levar à hematúria macroscópica, pela rotura de pequenos
vasos da parede vesical.
● Estenose iatrogênica (ex.: cateter de Foley por tempo
prolongado).
As outras causas menos comuns de obstrução do sistema uroexcretor
● Cálculo uretral. devem ser divididas em: (1) congênitas e (2) adquiridas. Exemplos de
uropatia obstrutiva bilateral congênita: valva uretral posterior, estenose
Obstrução do colo vesical e uretra prostática uretral, fimose. Das patologias adquiridas, destacam-se: câncer de
● Hiperplasia prostática benigna (principal). próstata, câncer de bexiga, bexiga neurogênica, cálculo uretral, cálculo
ureteral bilateral ou em rim único, carcinoma metastático para pelve (mais
● Câncer de próstata.
comum: Ca de colo uterino), linfoma pélvico, fibrose retroperitoneal,
● Câncer de bexiga. ligadura cirúrgica acidental dos ureteres.

Obstrução dos óstios vesicais Tab. 7

● Câncer de bexiga. DROGAS QUE PODEM CAUSAR RETENÇÃO URINÁRIA


AGUDA
Obstrução ureteral

● Bilateral: Alfa-adrenérgicos (descongestionantes nasais):


➤ Carcinoma metastático (colo uterino – principal); ● Sulfato de efedrina;
➤ Linfoma pélvico; ● Pseudoefedrina;
➤ Fibrose retroperitoneal; ● Fenilefrina;
➤ Cálculo bilateral (raro). ● Fenilpropanolamina.
● Unilateral em rim único:
➤ Cálculo; Anticolinérgicos:

➤ Papila necrosada; ● Metaproterenol;

➤ Coágulo; ● Terbutalina;

➤ Inflamação; ● Antidepressivos: imipramina, nortriptilina, amitriptilina;

➤ Tumor. ● Antiarrítmicos: quinidina, procainamida;

● Anticolinérgicos: atropina, escopolamina, oxibutina;


Funcional
● Antiparkinsonianos: bromocriptina, levodopa;
● Bexiga neurogênica (ex.: neuropatia diabética).
● Reposição hormonal: progesterona, testosterona;
● Medicamentos.
● Antipsicóticos: haloperidol, clorpromazina;
● Mielopatia (ex.: traumatismo raquimedular).
● Anti-histamínicos: difenidramina, hidroxizina;

● Anti-hipertensivos: hidralazina, nifedipina;


A hiperplasia prostática benigna é a causa mais comum de injúria pós-
renal. Nesta doença, o tecido prostático que cresce é o interno, ● Outros: diazepam, indometacina, morfina, anestésicos.
comprimindo, assim, em graus variados, a uretra prostática.
Eventualmente, a obstrução pode se agravar de maneira súbita ("retenção
Quando suspeitar de IRA pós-renal? Naquele paciente idoso com história
urinária aguda"), por edema da glândula, espasmo do colo vesical ou
de prostatismo e que repentinamente ficou anúrico (por obstrução
disfunção aguda do músculo detrusor, levando à retenção urinária. Os
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completa da uretra prostática). Insuficiência renal com anúria pode ser renal se acelera (dias), tornando-se a desobstrução um
encontrada eventualmente na necrose cortical aguda e na glomerulonefrite procedimento emergencial nesses casos!
rapidamente progressiva, mas deve sempre nos fazer pensar em obstrução
do trato urinário!
O grande risco em um paciente com obstrução urinária é o surgimento de
infecção. Na presença de obstrução, a pielonefrite leva à perda renal em
Como dissemos, nem toda azotemia pós-renal é anúrica... Quando a
poucos dias, tornando a desobstrução um procedimento de emergência!!!
obstrução é parcial ou funcional, o paciente urina, apresentando oligúria,
Sem infecção associada, leva mais tempo para que tenhamos uma
débito urinário normal ou até mesmo poliúria! A poliúria, neste caso,
nefropatia tubulointersticial irreversível, talvez duas a quatro semanas
deve-se à perda da capacidade de concentrar a urina, resultado da
(dependendo do grau de obstrução e da reserva renal prévia). Quanto
nefropatia obstrutiva crônica (uma nefrite tubulointersticial crônica).
mais tempo obstruído, maior o número de néfrons perdidos... A nefropatia
Muitos pacientes têm obstrução parcial de longa data, e apenas
obstrutiva crônica leva à fibrose intersticial e atrofia do sistema tubular,
"agudizam" a disfunção renal.
cursando com poliúria (perda da concentração urinária) e acidose tubular
hipercalêmica (tipo IV).

Fisiopatologia da IRA pós-renal


O exame de urina na azotemia pós-renal pode ser inocente, mas também
pode revelar hematúria, piúria e discreta proteinúria (lesão da mucosa). A
Após um quadro de obstrução urinária aguda, a pressão no interior
bioquímica urinária é variável.
dos túbulos renais aumenta de maneira súbita. Curiosamente, a
filtração glomerular não se reduz nas primeiras horas e, muito pelo
contrário, aumenta. Este fato deve-se à produção inicial excessiva VIDEO_05B_NEF4
de prostaglandinas pelo parênquima renal. Tais substâncias
promovem vasodilatação da arteríola aferente, o que aumenta de
forma importante a pressão hidrostática no tufo glomerular,
QUADRO CLÍNICO: A SÍNDROME URÊMICA
aumentando, por conseguinte, a filtração. Chamamos esta fase de AGUDA
"hiperêmica". Após as primeiras horas do início da obstrução (12 a
24h), observamos a síntese progressiva de substâncias Na maioria das vezes, a injúria renal aguda é um diagnóstico laboratorial
vasoconstritoras, como angiotensina II e tromboxane A2, que levam feito em um paciente que apresenta uma das condições clínicas descritas
a uma diminuição da filtração glomerular. Se a obstrução (mesmo anteriormente. Portanto, em geral, os sinais e sintomas são devidos à
que parcial) for persistente, o epitélio tubular, sob efeito da maior condição clínica causal, como hipovolemia, insuficiência cardíaca, sepse,
pressão luminal, libera substâncias quimiotáxicas que atraem síndrome nefrítica, etc., e não à injúria renal em si.
células inflamatórias. O resultado a médio e longo prazo será uma
nefrite tubulointersticial crônica (nefropatia obstrutiva). Os Nas azotemias mais graves aparecem sinais e sintomas de insuficiência
monócitos e macrófagos infiltrantes secretam citocinas que renal, que juntos compõem a chamada síndrome urêmica aguda ou uremia
promovem fibrose tecidual. Parece que um dos fatores mais aguda. Esta síndrome é composta por três distúrbios básicos: (1) acúmulo
importantes neste processo é o TGF-beta (Transforming Growth de toxinas nitrogenadas dialisáveis; (2) hipervolemia; (3) desequilíbrio
Factor-beta). hidroeletrolítico e acidobásico.

Os sinais e sintomas que definem a síndrome urêmica são provocados pelo


QUADRO DE CONCEITOS II-A IRA pós-renal.
acúmulo no organismo de grande quantidade de "escórias nitrogenadas",
que são substâncias tóxicas, contendo nitrogênio, derivadas do
A injúria pós-renal aguda geralmente se instala quando ocorre
metabolismo proteico. Como já ressaltado, a maioria dessas substâncias
obstrução total ou quase total com repercussão bilateral. A
não é conhecida, porém, quando elas estão em níveis elevados, há um
condição de base mais frequentemente encontrada é a hiperplasia
aumento paralelo da ureia e da creatinina sérica. Na IRA, para se
prostática benigna, que promove obstrução ao nível do colo vesical.
desenvolver a síndrome urêmica, geralmente a creatinina está acima de 4,0
Tais indivíduos geralmente referem sintomas prévios de
mg/dl e a ureia acima de 120 mg/dl. Como já mencionado, a síndrome
prostatismo, sendo a "retenção urinária aguda" precipitada por
urêmica é também chamada de "uremia", um nome com significado
drogas com efeito anticolinérgico ou simpatomimético, prostatite
errôneo, dado na época em que se acreditava que a síndrome era causada
infecciosa, infecção do trato urinário ou infarto prostático.
pelo acúmulo de ureia. De fato, a ureia realmente contribui para alguns
sinais e sintomas da síndrome urêmica, mas somente quando em níveis
QUADRO DE CONCEITOS II-B IRA pós-renal. muito altos (> 380 mg/dl), relacionando-se especialmente ao
desenvolvimento de náuseas, vômitos, anorexia e sangramentos.
A obstrução urinária aguda inicialmente produz vasodilatação
arteriolar renal pela liberação de prostaglandinas, o que aumenta a Neste capítulo falaremos apenas das manifestações tipicamente AGUDAS
TFG ("fase hiperêmica"). Em seguida, substâncias vasoconstritoras da síndrome urêmica. As demais manifestações serão abordadas no
são produzidas, reduzindo significativamente a TFG. Se a próximo capítulo (doença renal crônica).
obstrução permanecer por mais de 2-4 semanas, o paciente evolui
com fibrose intersticial e atrofia tubular progressiva, a chamada
Deixamos claro, entretanto, que esta é apenas uma divisão didática para
nefropatia obstrutiva crônica. Na vigência de infecção renal, a perda facilitar o aprendizado do tema, mesmo porque o paciente "renal crônico",
com quadro clínico dominado apenas pelas manifestações decorrentes do

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estado crônico de falência renal, também pode experimentar um episódio O edema periférico está presente na síndrome nefrítica e no renal crônico
de "agudização", superpondo os sinais agudos da síndrome urêmica. com insuficiência renal agudizada. É do tipo periorbitário, das serosas
(derrame pleural, pericárdico, ascite) e de regiões dependentes de
Tab. 8: Principais sinais e sintomas da uremia aguda. gravidade (membros inferiores).

Hipertensão arterial.
A pericardite urêmica manifesta-se com dor torácica pleurítica, associada
a atrito pericárdico e/ou alterações eletrocardiográficas de pericardite
Edema pulmonar, SDRA.
aguda (taquicardia sinusal + pequeno supradesnível de ST de formato
côncavo em várias derivações). Provém de uma inflamação pericárdica
Distúrbio da hemostasia com sangramentos.
hipervascularizada, predispondo à rotura de capilares e sangramento. Por
isso, o líquido pericárdico geralmente é hemorrágico. O tamponamento
Encefalopatia, crise convulsiva, coma. cardíaco é uma das complicações mais temíveis da uremia, pois pode ser
fatal. Ocorre pelo acúmulo muito rápido de líquido na cavidade
Hiper-reflexia, asterixis, mioclônus. pericárdica, elevando subitamente a pressão intrapericárdica. A causa
mais comum é o sangramento pericárdico, o que pode ser precipitado pelo
Síndrome das pernas inquietas, neuropatia periférica. uso de heparina na hemodiálise. Como prevenção, a hemodiálise deve ser
realizada sem heparina nos pacientes com pericardite urêmica, ou então,
Distúrbios eletrolíticos e acidobásicos. deve-se preferir a diálise peritoneal.

Náuseas, vômitos, diarreia, soluços incoercíveis.


MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS
Pericardite e tamponamento cardíaco.
A anemia pode ocorrer, porém costuma ser menos acentuada que a
anemia da uremia crônica. Diversos podem ser os fatores que causam
Para facilitar o entendimento, dividiremos as manifestações por órgãos e
anemia no paciente com uremia aguda, muitos deles não diretamente
sistemas.
associados à insuficiência renal. Anemia é um achado muito frequente em
pacientes graves e pode ser consequente à infecção, perda sanguínea,
MANIFESTAÇÕES CARDIOPULMONARES hemodiluição, hemólise, etc.

A uremia aguda cursa com um distúrbio da hemostasia, devido à


A insuficiência renal aguda oligúrica ou anúrica pode causar retenção
disfunção plaquetária. As plaquetas no paciente urêmico têm menor
importante de líquidos e sódio, aumentando a volemia. Os sinais e
capacidade de adesão e agregação. O Tempo de Sangramento (TS) está
sintomas de hipervolemia aguda são: (1) Hipertensão Arterial Sistêmica
caracteristicamente prolongado. O fator de von Willebrand, elemento
(HAS); (2) Edema Agudo de Pulmão (EAP); e (3) edema periférico.
importante para a adesão plaquetária ao colágeno, está disfuncionante.
As plaquetas encontram-se depletadas do fator III. A consequência clínica
A hipertensão arterial sistêmica é encontrada na IRA oligúrica ou anúrica
é uma forte predisposição ao sangramento. Epistaxe, gengivorragia,
das glomerulonefrites, nefrite intersticial aguda, nefroesclerose
sangramento de sítios de punção, hemorragia digestiva e até mesmo AVE
hipertensiva maligna, ateroembolismo por colesterol, síndrome
hemorrágico podem ocorrer!!! O uso de desmopressina (dDAVP)
hemolítico-urêmica, crise renal da esclerodermia e obstrução urinária
intranasal pode aumentar a disponibilidade do fator de VWB,
aguda. A hipertensão, quando presente, pode ser grave e refratária ao
melhorando o distúrbio hemostático da uremia.
tratamento medicamentoso, só respondendo à diálise. O procedimento
dialítico deve ter como meta, nesta situação, não apenas a redução dos
compostos azotêmicos, mas sim um processo conhecido como MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS
ultrafiltração (que na prática quer dizer "retirada de líquido"), movido por
um gradiente pressórico. Na hemodiálise, isso é feito pelo aumento da
A encefalopatia urêmica aguda caracteriza-se pelo estado de confusão
pressão hidrostática no capilar do filtro; na diálise peritoneal, aumenta-se
mental, agitação psicomotora, associado à mioclonia (abalos musculares
simplesmente a osmolaridade da solução de diálise ("puxa mais líquido").
repetitivos), asterixis, hiper-reflexia tendinosa e sinal de Babinski bilateral.
O quadro pode evoluir para crise convulsiva tônico-clônica, torpor, coma e
Além da retenção hidrossalina, a insuficiência renal predispõe à óbito por edema cerebral grave. A encefalopatia urêmica deve ser
vasoconstrição arteriolar sistêmica, talvez pela depleção de substâncias diferenciada da síndrome do desequilíbrio dialítico (edema cerebral
endógenas vasodilatadoras, como o óxido nítrico. desencadeado pelas primeiras sessões de hemodiálise, devido à queda
súbita da osmolaridade extracelular) e da encefalopatia aguda pelo
A retenção hidrossalina também promove congestão e edema pulmonar alumínio. A síndrome das pernas inquietas está relacionada à neuropatia
cardiogênico, levando à dispneia, ortopneia ou até insuficiência urêmica. O paciente queixa-se de desconforto nos membros inferiores e
respiratória. As toxinas urêmicas podem aumentar a permeabilidade uma vontade incontrolável de mexer as pernas. A neuropatia periférica
capilar pulmonar, levando a um componente não cardiogênico de edema pode levar a parestesias nas extremidades. A irritação do nervo frênico
pulmonar, do tipo SDRA ("pulmão urêmico"). A ultrafiltração é propicia o aparecimento de soluços incoercíveis, comuns na uremia aguda.
mandatória nesses casos, reduzindo o edema pulmonar e melhorando a As manifestações neurológicas da uremia aguda costumam melhorar com
troca gasosa e a mecânica ventilatória. a diálise.

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Os sintomas da hipocalcemia grave são: irritação neuromuscular, como
MANIFESTAÇÕES GASTROINTESTINAIS
parestesias de extremidades ou perioral; tetania (espasmos musculares);
convulsões; e coma. Devemos sempre corrigir o cálcio sérico de acordo
Os primeiros sintomas da uremia aguda frequentemente estão com o nível de albumina (ver capítulo de IRC). O ECG pode evoluir com
relacionados ao aparelho digestório. A uremia provoca inflamação nas aumento do intervalo QT, pois existe uma relação inversamente
mucosas e disfunção na motilidade. Surgem então sintomas como: proporcional entre a calcemia e o intervalo QT: na hipocalcemia o QT se
anorexia, náuseas e vômitos (como consequência à gastroparesia), diarreia alarga, e na hipercalcemia o QT se encurta.
ou íleo metabólico. Os sintomas gastrointestinais da uremia melhoram
prontamente após o início da terapia dialítica.
Vale a pena ressaltar que a acidose possui um efeito "protetor" contra a
tetania! O H+ aumentado passa a se ligar à albumina, deslocando o

DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS E cálcio, o que aumenta a fração livre do cálcio sérico (biologicamente
ativo).
ACIDOBÁSICOS
A hipermagnesemia (mg > 2,0 mg/dl) é comum na IRA grave, podendo
FORMAS OLIGOANÚRICAS DE IRA provocar bradipneia, hiporreflexia e parada cardíaca.

Na injúria renal aguda podemos ter vários distúrbios hidroeletrolíticos e A hiperuricemia pode ocorrer na IRA, devido à saturação do carreador de
acidobásicos. Na forma oligúrica ou anúrica, os principais são: (1) ácidos orgânicos do túbulo proximal por outros ácidos retidos. Os níveis
hipercalemia; (2) hiponatremia; (3) acidose metabólica; (4) geralmente não ultrapassam 12 mg/dl. Quando isso acontece, deve-se
hiperfosfatemia; (5) hipocalcemia. suspeitar da síndrome de lise tumoral ou nefropatia aguda pelo ácido
úrico. Neste caso, a relação urinária ácido úrico/creatinina é

A hipercalemia se dá pela redução da excreção renal de potássio, que caracteristicamente maior que 1.

continua sendo ingerido na dieta. Na IRA oligoanúrica, a calemia pode se


elevar numa taxa de 0,5 mEq/L/dia, podendo chegar a valores FORMAS NÃO OLIGÚRICAS DE IRA
extremamente altos e perigosos, como 12 mEq/L. A causa de IRA que
mais eleva o potássio sérico é a rabdomiólise, pela liberação maciça deste
Na IRA resultante de doenças tubulares não oligúricas, a reabsorção
eletrólito a partir do músculo lesado. Mecanismo semelhante também
tubular está prejudicada, como acontece na NTA por aminoglicosídeo,
pode ser visto na hemólise maciça (ex.: reação transfusional) e na
anfotericina B e na leptospirose. A lesão do túbulo proximal e da alça de
síndrome da lise tumoral. A hipercalemia grave pode levar à parada
Henle prejudica a reabsorção de magnésio e aumenta a excreção de
cardiorrespiratória por fibrilação ventricular ou assistolia. O
potássio (maior aporte de sódio ao túbulo coletor), levando à perda
eletrocardiograma é fundamental para avaliar a repercussão clínica da
urinária destes eletrólitos. A consequência costuma ser hipocalemia +
hipercalemia: ondas T altas e apiculadas, QRS alargado e diminuição ou
hipomagnesemia. O hiperaldosteronismo hiper-reninêmico justifica a
desaparecimento da onda P
hipocalemia da nefroesclerose hipertensiva maligna. Em geral, o
prognóstico da IRA não oligúrica é melhor que o da IRA oligúrica!
A hiponatremia se deve à retenção de água livre maior do que a retenção
de sódio. Isso acontecerá sempre que a ingestão ou administração de
líquido tiver um excesso importante de água em relação ao NaCl (ex.: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
água potável). Se a hiponatremia for grave, ou seja, Na < 110-115 mEq/L,
podem surgir sintomas pelo edema cerebral citotóxico (intoxicação
hídrica). VIDEO_06_NEF4
O diagnóstico de injúria renal aguda normalmente é feito a partir de uma
A acidose metabólica ocorre pela retenção dos ácidos produzidos pelo das seguintes situações clínicas: (a) redução do débito urinário; (b) sinais e
metabolismo proteico, principalmente o ácido sulfúrico (H2 SO4) – sintomas da síndrome urêmica; e (c) azotemia assintomática.

lembre-se que doentes críticos com IRA por NTA oligúrica comumente
apresentam hipercatabolismo proteico... A retenção de H+ leva ao A IRA costuma não acarretar sintomas, a não ser que a retenção das
consumo de bicarbonato, causando acidose metabólica. A retenção do "escórias" seja muito acentuada. Então, a situação mais comum é
encontrarmos elevação da ureia e creatinina em um paciente com os sinais
sulfato (SO4−2) e outros ânions leva ao aumento do ânion-gap. A acidose
e sintomas provenientes, não da IRA em si, mas da patologia que a está
pode ser grave, com o pH chegando a um valor < 7,10. Quando isso
determinando (ex.: sepse, hipovolemia, etc.).
acontece, há risco de arritmia ventricular fatal ou choque por
vasodilatação e baixa resposta às catecolaminas.
Diante do diagnóstico de IRA, a primeira pergunta que deve ser
respondida é:
A hiperfosfatemia e a hipocalcemia normalmente ocorrem juntas. O fosfato
precisa do rim para ser eliminado, havendo hiperfosfatemia (P > 4,5
mg/dl) quando a TFG está abaixo de 20 ml/min. A consequência imediata Estamos diante de azotemia pré-renal, renal intrínseca ou pós-renal?

e mais importante da hiperfosfatemia é a hipocalcemia (Ca < 8,0 mg/dl).


Isso se dá pela ligação entre o fosfato e o cálcio no plasma, através da A abordagem é completamente diferente para cada um desses casos... Na
seguinte reação: Ca+2 + HPO4−2 → CaHPO4 (fosfato de cálcio insolúvel). IRA pré-renal, devemos normalizar imediatamente o fluxo sanguíneo
renal; na IRA pós-renal, devemos desobstruir as vias urinárias o mais
O fosfato de cálcio se precipita nos tecidos e o cálcio plasmático se reduz.

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rápido possível. Estas duas entidades, portanto, devem ser prontamente pré-renal hipovolêmica?
diagnosticadas!
Prova terapêutica com cristaloide: SF 0,9% 1.000 ml IV em infusão
rápida, observando-se a diurese horária antes e depois da infusão.
DIAGNÓSTICO DE AZOTEMIA PRÉ-RENAL Os coloides podem ser indicados nos pacientes francamente
hipoalbuminêmicos. Se for azotemia pré-renal hipovolêmica, haverá
Vimos que o tipo mais comum de IRA é a azotemia pré-renal. Isso se deve aumento significativo (e quase imediato) do débito urinário. Se não
a elevada frequência de hipovolemia, estados de choque, insuficiência houver resposta, é provável que já haja alguma lesão renal
cardíaca, uso de diuréticos e cirrose hepática na prática médica. A intrínseca, consequente à isquemia renal ou à doença de base, ou
elevação de ureia e creatinina diante de um dos quadros acima sugere que a hipovolemia seja mais grave do que se pensava, sendo
muito o diagnóstico de IRA pré-renal, particularmente quando a relação necessário administrar mais volume...
ureia/creatinina plasmática for maior que 40. Os sinais de hipovolemia
são: desidratação, hipotensão postural, taquicardia postural, hipotensão e
taquicardia em decúbito, síndrome do choque (sinais de má perfusão DIAGNÓSTICO DE AZOTEMIA RENAL
generalizada). A perda líquida pode ser evidente, como na hemorragia INTRÍNSECA
externa, diarreia, vômitos e poliúria; ou nem tão evidente, como na
pancreatite aguda, ascite, trauma muscular, hemoperitôneo e hemotórax.
A suspeita de azotemia renal intrínseca é inevitável uma vez excluídos os
outros dois mecanismos de IRA (pré-renal e pós-renal). A diferenciação
O uso de AINE ou inibidores da ECA ou análogos, como os BRA, deve ser entre os diversos tipos de nefropatia intrínseca aguda deve ser feita pelos
considerado como fator contribuinte ou precipitante da azotemia pré-
sinais clínicos e pelos exames laboratoriais, incluindo o exame de urina.
renal.

Vasculites sistêmicas, colagenoses, leptospirose e ateroembolismo por


O exame do sedimento urinário (EAS) na azotemia pré-renal costuma ser
colesterol apresentam-se com manifestações características, levando ao
"inocente", sem proteinúria ou hematúria, contendo apenas cilindros diagnóstico com facilidade. A nefroesclerose hipertensiva maligna deve ser
hialinos em quantidades variadas. A bioquímica urinária, se colhida antes
suspeitada na presença de fundoscopia compatível e níveis tensionais
da administração de diuréticos, possui as seguintes características: sódio
excessivamente altos. O diagnóstico de rabdomiólise impõe-se no paciente
urinário baixo (Nau < 20 mEq/L), osmolaridade urinária alta (> 500
com história de algum fator precipitante (ex.: politrauma, isquemia
mOsm/L), densidade urinária alta (> 1.020), relação de creatinina alta muscular) e elevação importante dos níveis séricos de creatinofosfoquinase
(Crurinária /Crsérica > 40), fração excretória de sódio baixa (FENa < 1%) e e aldolase.
fração excretória de ureia baixa (< 35%). Conforme veremos adiante, tais
valores podem ser utilizados para diferenciar a azotemia pré-renal da
O uso de medicamentos nefrotóxicos (aminoglicosídeos, anfotericina B,
NTA isquêmica, duas causas comuns de IRA oligúrica que podem se
aciclovir, ciclosporina, cisplatina, etc.) deve ser sempre pesquisado, bem
confundir.
como aqueles que podem ser incriminados em uma nefrite intersticial
aguda (penicilinas, cefalosporinas, sulfas, diuréticos, rifampicina,

DIAGNÓSTICO DE AZOTEMIA PÓS-RENAL alopurinol, etc.). A presença de febre, rash cutâneo e


eosinofilia/eosinofilúria sugere o diagnóstico de NIA. As intoxicações
também devem ser pesquisadas: etilenoglicol, metais pesados, paraquat,
Devemos suspeitar de obstrução urinária em todo paciente agudamente
envenenamento por cobra ou aranha.
anúrico, ou que experimente flutuação do débito urinário (anúria x
poliúria). Como a causa mais frequente é a hipertrofia prostática, é
comum encontrarmos ao exame físico uma bexiga distendida palpável no SAIBA MAIS...
hipogastro – o "bexigoma" – associada a um aumento da próstata no IRA pós-renal com ultrassonografia normal
toque retal... A conduta imediata deve ser o cateterismo vesical, feito com
o cateter de Foley. Ao se vencer a obstrução da uretra prostática, A sensibilidade da USG na IRA pós-renal gira em torno de 98%. Isto
rapidamente aparece urina no coletor, geralmente em grande quantidade. quer dizer que em 2% dos portadores de uropatia obstrutiva não se
A bexiga pode acomodar até dois litros de urina nesses casos! Nos casos observa dilatação das vias urinárias (ausência de hidronefrose)!!!
duvidosos, o exame inicial é a ultrassonografia de rins e vias urinárias. Este Como isso é possível? Existem duas explicações: (1) a obstrução é
exame é capaz de observar a dilatação do sistema pielocalicial hiperaguda, e por isso não deu tempo de ocorrer dilatação; (2) existe
(hidronefrose) em cerca de 98% das vezes. A hidronefrose com bexiga "encarceramento" do trato urinário... Alguns pacientes possuem
vazia aponta para o diagnóstico de obstrução ureteral. O Exame do doenças que "encarceram" a pelve renal e os ureteres, por exemplo:
Sedimento Urinário (EAS) pode apresentar hematúria e/ou piúria, porém, fibrose retroperitoneal (comumente idiopática, mas às vezes
a presença de cilindros celulares não é esperada. Em casos tardios de relacionada a certas drogas como os betabloqueadores e a
uropatia obstrutiva (onde já se desenvolveu lesão tubular), é comum metisergida), invasão metastática (principalmente por tumores
encontrarmos um padrão de NTA na bioquímica urinária (isto é, FENa > ginecológicos localmente invasivos, como o Ca de colo de útero e
1%)... endométrio)... Nestas situações, um aumento de pressão no trato
urinário (ex.: bexiga neurogênica) não resulta em dilatação apreciável!
QUADRO DE CONCEITOS III O diagnóstico correto depende de um alto grau de suspeição clínica,
de modo que exames mais acurados possam ser solicitados (nesta
Como proceder diante de um paciente com suspeita de IRA situação a TC ou a RM mostrarão com facilidade a doença

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retroperitoneal "encarceradora" do trato urinário) ou então o paciente é Tab. 9: Pré-renal versus NTA.

submetido a um teste terapêutico: instalação de um cateter de Foley,


com posterior correção da azotemia...

O SEDIMENTO URINÁRIO (URINÁLISE, EAS,


URINA TIPO I)

Este exame é muito importante para o diagnóstico diferencial da lesão


renal intrínseca. Devemos analisar os seguintes parâmetros: (1) proteína;
(2) hemácias; (3) piócitos; (4) cilindros; (5) cristais. Uma proteinúria
maciça (3+ ou 4+) correspondente a mais de 3 g/24h, bem como a
presença de hematúria dismórfica e cilindros hemáticos, leva ao
diagnóstico de glomerulopatia primária ou secundária. Piúria,
eosinofilúria e cilindros piocitários sugerem o diagnóstico de nefrite
intersticial alérgica. A eosinofilúria é detectada em 90% dos casos com o Na IRA pré-renal há um aumento de angiotensina II e aldosterona,
corante especial de Hansel, porém em apenas 20% dos casos com o promovendo aumento na reabsorção tubular de sódio e água. Os rins
corante convencional de Wright (portanto, lembre-se de solicitar a estão "ávidos" por sódio e água!!! Com isso, a urina sai com pouco sódio e
pesquisa de eosinófilos urinários pelo método de HANSEL, quando pouca água (hiperconcentrada). Na necrose tubular aguda, a lesão tubular
suspeitar de NIA). O encontro dos cilindros granulosos pigmentares dificulta a reabsorção de sódio e água. Podemos entender o processo
("cilindros marrons") é muito sugestivo de NTA (FIGURA 1). Múltiplos imaginando que a necrose "desliga" a função reabsortiva dos túbulos... A
cristais pleomórficos de ácido úrico ou de oxalato estão presentes, urina então estará com muito sódio e muita água (mais diluída). Na NTA,
respectivamente, na síndrome da lise tumoral e na intoxicação por os rins tornam-se incapazes de concentrar a urina – um distúrbio
etilenoglicol. Uma forte positividade para hemoglobina (4+) com poucas chamado isostenúria.
hemácias no sedimento sugere a presença de mioglobinúria ou
hemoglobinúria. A fração excretória de sódio (FENa) representa o percentual do sódio
filtrado que é efetivamente excretado na urina, e pode ser calculada pela
fórmula:

A FENa é um parâmetro laboratorial bastante fidedigno para diferenciar


entre azotemia pré-renal e NTA.

Na primeira, está caracteristicamente < 1% (geralmente < 0,01%). Na


última, está tipicamente > 1% (geralmente > 2%). Todavia, às vezes este
parâmetro pode falhar... A azotemia pré-renal em nefropatas crônicos,
indivíduos muito idosos, após uso de diurético ou na bicarbonatúria pode
cursar com FENa > 1%. Por outro lado, cerca de 15% dos casos de NTA
isquêmica apresentam FENa < 1%, ao que chamamos de "síndrome
intermediária", caracterizada pelo baixo fluxo renal e uma lesão tubular
Fig. 1: Cilindros granulosos pigmentares.
incipiente.

A BIOQUÍMICA URINÁRIA A fração excretória de ureia (FEureia) não é " falseada" pelo uso de
diuréticos, e por isso deve ser usada no lugar da FENa em pacientes que
Este exame é extremamente útil na diferenciação entre azotemia pré-renal fizeram uso dessas drogas. É calculada pela mesma fórmula da FENa,
e NTA isquêmica, as duas causas mais comuns de oligúria e injúria renal substituindo-se o sódio pela ureia. Quando inferior a 35% indica pré-
aguda nos pacientes internados! A prova terapêutica com cristaloide pode renal, e quando maior do que 50% indica NTA. Ressalte-se que o emprego
ser duvidosa (quando a resposta for discreta) e os dados clínicos podem da FEureia no lugar da FENa só foi validado no caso de uso de diuréticos
ser insuficientes para o diagnóstico diferencial... Nestes casos, a – nas demais condições em que a IRA pré-renal pode cursar com FENa >
bioquímica urinária, colhida antes do uso de diuréticos ou da reposição 1% a real utilidade deste marcador ainda não foi definida...
volêmica, será de grande valia! Valores compatíveis com IRA pré-renal e
NTA estão listados na Tabela 9.
QUADRO DE CONCEITOS IV Exceções à regra...

A NTA por rabdomiólise, hemoglobinúria, contraste iodado e


ciclosporina apresenta um padrão na bioquímica urinária do tipo
pré-renal, devido à intensa vasoconstrição arteriolar aferente. Este
padrão também pode ser encontrado nas glomerulonefrites.
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estará indicada. Na presença de cálculos obstrutivos, os mesmos devem
O nefropata crônico, quando hipovolêmico, pode apresentar uma
ser removidos.
FENa > 1%... Entenda o motivo: à medida que o número de néfrons
se reduz, os néfrons remanescentes têm que aumentar a fração
excretória de solutos, pois eles estão excretando, na realidade, os AZOTEMIA RENAL INTRÍNSECA
solutos que seriam eliminados pelos néfrons que foram perdidos.
Desse modo, mesmo com uma queda na FENa induzida pela
Antes de abordarmos o tratamento da NTA – a causa mais comum de
hipovolemia, tais pacientes continuam com FENa > 1%! Outros
IRA por lesão intrínseca (90% dos casos) – vamos citar algumas terapias
casos de hipovolemia com FENa > 1% são a alcalose metabólica específicas para certos tipos de nefropatia aguda.
(com bicarbonatúria), a insuficiência suprarrenal, e o uso de
diuréticos. No caso da alcalose, a azotemia pré-renal pode ser Glomerulonefrites rapidamente progressivas (ex.: vasculites ANCA-
diagnosticada por um cloro urinário baixo (Clu < 35 mEq/L). positivo) respondem à imunossupressão agressiva com corticosteroides +
ciclofosfamida e, algumas, como a síndrome de Goodpasture, têm também
indicação de plasmaférese. Os corticoides podem acelerar a melhora da
BIÓPSIA RENAL função renal na nefrite intersticial aguda farmacoinduzida ("nefrite
alérgica"), mas isso nunca foi comprovado por ensaios clínicos de alta
Em geral não é necessária, sendo reservada para os casos em que não se qualidade. A hipertensão arterial deve ser controlada agressivamente na
consegue definir o tipo de injúria renal intrínseca através de outros nefroesclerose maligna e na crise renal esclerodérmica, mesmo que no
métodos complementares... Em certas condições (ex.: nefrite lúpica) a início do tratamento ocorra piora da função renal. Lembre-se que na crise
biópsia pode ser feita para determinar a classe específica da lesão renal esclerodérmica os anti-hipertensivos de escolha são os IECA ou ant.
glomerular (nem sempre evidente apenas pelas características clínicas), o angio II...
que pode indicar mudanças no tratamento e no prognóstico. Exemplo
clássico: paciente lúpico com proteinúria nefrótica tem nefrite classe IV
(indicação de pulsoterapia) ou nefrite classe V (sem indicação de
PREVENÇÃO DA NTA
pulsoterapia)? Só a biópsia poderá nos dar certeza...
A prevenção é a melhor estratégia no combate à NTA. A principal medida
preventiva é a manutenção do estado euvolêmico. O uso de agentes
TRATAMENTO nefrotóxicos como os aminoglicosídeos, deve ser feito de forma criteriosa
– hoje sabemos que uma dose única diária possui eficácia bactericida
O tratamento da IRA depende do tipo fisiopatológico. As azotemias pré- equivalente à posologia antiga (três vezes ao dia), mas com menos
renal e pós-renal são exemplos de IRA prontamente reversíveis com a nefrotoxicidade! A dose de qualquer fármaco nefrotóxico sempre deve ser
terapia. corrigida na vigência de disfunção renal. Os pacientes de alto risco para
nefrotoxicidade por contraste iodado (ex.: renais crônicos diabéticos)
Vamos descrever a conduta terapêutica em cada um dos três tipos de IRA, devem receber hidratação venosa antes e depois do exame radiológico.

abordando medidas específicas e de suporte.


A lesão renal por rabdomiólise pode ser prevenida com hidratação salina
vigorosa, objetivando um débito urinário ≥ 3 ml/kg/h (200 ml/h em média)
AZOTEMIA PRÉ-RENAL para "lavar a mioglobina dos túbulos". Uma solução de manitol +
bicarbonato é iniciada após o doente atingir o débito urinário almejado,
O tratamento visa à otimização do fluxo sanguíneo renal. Drogas do tipo sendo o tratamento mantido enquanto durar a mioglobinúria. Para evitar
AINE ou inibidores da ECA/ant. angio II devem ser suspensas! A a síndrome da lise tumoral devemos hidratar o paciente, além de
reposição de cristaloides é o tratamento inicial de escolha para os estados administrar alopurinol ou rasburicase (antes da quimioterapia) conforme
hipovolêmicos, qualquer que seja a causa ou o tipo de fluido perdido o risco de cada tipo de câncer para esta complicação.
(vômito, diarreia, poliúria, suor, terceiro espaço ou sangue). A despeito de
controvérsias persistentes, nunca foi demonstrada uma superioridade das
TRATAMENTO DA NTA
soluções coloides no tratamento agudo da hipovolemia. Na realidade, o
uso excessivo deste tipo de solução pode acarretar mais danos do que
benefícios (ex.: discrasia sanguínea), além de elevar os custos do O principal objetivo a ser buscado é a otimização da volemia e do estado
tratamento. hemodinâmico do paciente. A lesão renal pode piorar caso a isquemia
renal persista... Até o presente momento, não há nenhum tratamento
específico que comprovadamente acelere a recuperação do parênquima
AZOTEMIA PÓS-RENAL renal uma vez instalada a NTA!!!

Uma obstrução uretral por hiperplasia prostática pode ser prontamente Dopamina em Dose "Renal" – NÃO FAZER!!!
tratada pela inserção do cateter de Foley. Se não for possível ultrapassar a
obstrução uretral com o cateter, deve-se proceder à cistostomia. Se a Apesar de doses de dopamina entre 2-3 mcg/kg/min (doses
obstrução for ureteral e houver hidronefrose, um cateter duplo J pode ser "dopaminérgicas") terem efeito vasodilatador renal e natriurético, seu uso
inserido no ureter por via transuretral (baixa) ou transpiélica (alta). Se a na NTA oligúrica já foi proscrito da prática médica... O motivo é a
obstrução ureteral não puder ser vencida, uma nefrostomia percutânea comprovada inexistência de benefício, pelo contrário: esta é uma droga

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potencialmente arritmogênica, mesmo em doses baixas, e seu uso na NTA, hiperfosfatemia grave pode ser abordada com quelantes enterais de
além de não alterar o curso natural da lesão renal, pode induzir arritmias fosfato, como hidróxido de alumínio, carbonato de cálcio ou, de
fatais... preferência, sevelamer. Para a correção da hiponatremia é necessária a
restrição de água livre.
Diuréticos de Alça (Furosemida) – CONTROVERSO!!

DIÁLISE NA INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA


Nenhum estudo demonstrou de forma incontestável o benefício dos
diuréticos na NTA oligúrica, no que diz respeito à mortalidade e história
Os métodos dialíticos são empregados para reduzir a circulação de
natural (duração da IRA, necessidade de diálise). Contudo, os diuréticos
compostos azotêmicos, promover equilíbrio hidroeletrolítico e
têm sido utilizados com frequência nestes pacientes com o intuito de tratar
acidobásico, e combater a hipervolemia. As indicações de diálise de
a hipervolemia e facilitar a manipulação do balanço hídrico, ao
urgência estão resumidas na Tabela 10.
transformar uma IRA oligúrica em IRA não oligúrica, quando
administrados nas primeiras 24-48h do início da NTA isquêmica.
Tab. 10: Indicações de diálise de urgência.

O diurético de escolha é a furosemida. A dose de ataque máxima é de 100- Síndrome urêmica inquestionável (encefalopatia, hemorragia,
200 mg (5-10 ampolas). A dose de manutenção deve ser prescrita somente pericardite).
naqueles que respondem ao diurético, de modo a evitar o uso
desnecessário de uma droga potencialmente ototóxica. A dose é 0,3-0,6 Hipervolemia grave refratária (HAS, edema pulmonar).
mg/kg/h, feita, de preferência, por infusão contínua em bomba infusora. A
infusão contínua traz menos chance de lesão auditiva do que a posologia
Hipercalemia grave refratária ou recorrente.
intermitente...

Acidose metabólica grave refratária ou recorrente.


Suporte Nutricional
Azotemia grave: ureia > 200 ou creatinina > 8-10*.
É de crucial importância na terapia da IRA grave. Pacientes com NTA
(*) Indicação aceita, porém não confirmada em ensaios clínicos. Na prática da
geralmente se encontram em estado crítico, hipercatabólico, com elevada maioria dos serviços de diálise do Sistema Único de Saúde – SUS,
normalmente não se indica o procedimento dialítico apenas por valores de
produção endógena de escórias nitrogenadas. Um suporte nutricional ureia ou creatinina séricas.
adequado visa reduzir o hipercatabolismo, devendo-se fornecer um aporte
energético total entre 25-30 kcal/kg/dia. A maior parte dessas calorias é Os métodos dialíticos utilizados na IRA devem aliar duas características:
dada sob a forma de carboidratos, e deve-se dar preferência às proteínas (1) eficácia; e (2) tolerabilidade hemodinâmica...
de alto "valor biológico" (aquelas cujos aminoácidos são mais
incorporados ao organismo do paciente, sem desvio para a síntese de
A hemodiálise intermitente é o método de escolha nos pacientes
escórias nitrogenadas). A quantidade de proteínas na dieta deve variar
hemodinamicamente estáveis, pois, durante o método (3-4h), a retirada
entre 0,8-1,0 g/kg/dia (paciente em tratamento conservador, não dialítico),
abrupta de líquido pode agravar a má perfusão de pacientes críticos
podendo chegar a 1,0-1,7 g/kg/dia em pacientes mais graves que já estejam
hemodinamicamente instáveis. Nestes últimos devemos indicar: (a) diálise
em hemodiálise (é preciso aumentar o aporte proteico pois há perda pela
peritoneal contínua; e (b) hemodiafiltração venovenosa contínua. Se o
diálise). A dieta deve ter ainda restrição de sódio, potássio e fosfato. A fim
paciente já estiver em hemodiálise e fizer hipotensão aguda podemos
de atingir as metas nutricionais preconizadas, alguns pacientes necessitam
associar aminas vasopressoras até o término do procedimento (ex.: drip de
de nutrição parenteral (exclusiva ou associada à dieta enteral), o que
noradrenalina).
demanda a infusão de um volume expressivo de líquidos. Neste caso,
costuma-se equilibrar o balanço hídrico com o acréscimo da ultrafiltração
A diálise peritoneal contínua é um excelente método naqueles sem doença
(retirada de água) no procedimento dialítico.
abdominal ou peritoneal e que não possuem estado hipercatabólico
predominante, hipercalemia grave ou hipervolemia grave (a hemodiálise é
Controle Hidroeletrolítico e Acidobásico
mais eficaz para corrigir tais distúrbios, por eliminar mais líquido, mais
eletrólitos e pequenos solutos). A diálise peritoneal é bem tolerada em
A reposição hídrica deve contar com o volume oferecido na dieta. No pacientes hemodinamicamente instáveis e é um método especialmente
paciente oligoanúrico, o somatório dos líquidos administrados deve ser eficaz em crianças (que em geral têm um peritôneo mais saudável).
igual às perdas insensíveis (600-1.000 ml/24h). Não deve haver reposição
de potássio nos pacientes francamente oligúricos. Os distúrbios
A hemodiafiltração venovenosa contínua é considerada um excelente
eletrolíticos ameaçadores à vida devem ser prontamente tratados. A
método para diálise de pacientes com hemodinâmica instável. Os métodos
hipercalemia grave com alteração eletrocardiográfica deve ser tratada com
hemodialíticos contínuos baseiam-se na utilização de um fluxo mais baixo
gluconato ou cloreto de cálcio (efeito cardioprotetor) e
(100 ml/min em vez de 300-400 ml/min) e por mais tempo (8-24h). Com
glicoinsulinoterapia (10 U de insulina + 100 ml de glicose a 50%). O efeito
isso, a retirada de líquido ocorre de forma mais lenta e gradual, tendo
da glicoinsulina é transitório (4-6h). O bicarbonato de sódio pode ser
menos repercussão hemodinâmica. Mais detalhes serão abordados em
administrado na dose de 50 mEq para ajudar na correção da hipercalemia
material complementar disponível na versão digital.
e da acidose (se pH < 7,20, manter HCO3 > 15 mEq/L). Muito cuidado ao
infundir bicarbonato de sódio no paciente com hipocalcemia grave (pelo
risco de tetania) e muito hipervolêmico (pelo risco de edema pulmonar). A PROGNÓSTICO

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O prognóstico de pacientes com IRA pré ou pós-renal é, em geral, atualmente é descrito um ciclo vicioso entre injúria renal aguda e
bastante favorável, desde que a causa do problema seja prontamente progressão acelerada da DRC... O mecanismo é o seguinte: em certos
reconhecida e resolvida (ex.: reposição volêmica e desobstrução do trato pacientes de risco (idosos, diabéticos, DRC em estágios iniciais), a
urinário, respectivamente). A mortalidade costuma ser < 10% nesses microcirculação do parênquima renal apresenta um endotélio mais
pacientes... Por outro lado, a mortalidade da NTA permanece elevada, "vulnerável", o que facilita a instalação de um quadro de IRA em face
oscilando entre 30-86%. Taxas mais altas estão associadas à maior de insultos renais diversos, como hipovolemia, AINE, sepse, pós-
gravidade da doença de base (sepse, pancreatite necrosante, politrauma, operatório, etc. A IRA, por sua vez, lesa ainda mais os microvasos já
pós-operatório complicado). A mortalidade tende a ser máxima se a NTA doentes, modificando de forma irreversível o chamado labirinto
ocorrer como componente da síndrome de disfunção orgânica múltipla. O endotelial renal (que será quantitativamente reduzido). Assim, após se
comprometimento grave da função de quatro órgãos (sendo um deles o recuperar do episódio agudo, o rim sai com a microcirculação ainda
rim) tem uma mortalidade beirando os 100%... Contudo, quando a NTA mais doente do que antes!!! Uma nova exposição a fatores
ocorre de forma isolada, a mortalidade é bem menor: em torno de 30%. nefroagressivos poderá levar a IRA com mais facilidade, de forma mais
precoce, mais intensa e com chance cada vez menor de recuperação...
Os principais fatores de mau prognóstico na NTA são:

● Sepse;

● Oligúria;

● Refratariedade à furosemida;

● Síndrome urêmica;

● Disfunção orgânica múltipla.

Se um paciente com NTA sobreviver à afecção de base, a recuperação da


função renal será a regra, ocorrendo em 90-95% dos casos. Os 5-10%
restantes evoluem com perda renal definitiva, tornando-se cronicamente
dependentes de diálise... Na NTA, a recuperação da função renal começa,
em média, após 7-21 dias, primeiramente com o aumento do débito
urinário ou poliúria. Depois de instalada a poliúria, as escórias
nitrogenadas ainda podem demorar alguns dias para começar a cair. O
mecanismo de recuperação da função renal nesses casos é a regeneração do
epitélio tubular.

SAIBA MAIS...
A chance de se tornar "renal crônico" após um episódio de IRA tende a
ser maior nos pacientes que já possuíam disfunção renal prévia –

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características específicas da nefropatia inicial, apresentando uma
alteração universal: fibrose glomerular e intersticial, aliada à atrofia dos
túbulos (ou seja, "perda total" dos néfrons). O paciente, então, apresenta
os diversos sinais e sintomas que compõem a Síndrome Urêmica (Uremia),
e a terapia de substituição renal, representada pelos métodos dialíticos e
pelo transplante renal, torna-se imprescindível para a sua sobrevivência.

Na atualidade, o estadiamento da DRC tem sido feito conforme o sistema


proposto pela KDIGO, revisado em 2013. Esta classificação permite
estratificar o paciente quanto ao risco de complicações da DRC (ex.:
eventos cardiovasculares, evolução para DRFT, óbito). Observe a Tabela
1. Como você pode perceber, além da taxa de filtração glomerular,
valoriza-se também o grau de albuminúria, uma vez que este parâmetro é
capaz de predizer o prognóstico independentemente da TFG... Assim, a
classificação final será composta pela combinação dos estágios "G" + "A",
devendo-se acrescentar a letra "D" se o paciente estiver em diálise. Por
exemplo: G1A2 (TFG normal, porém, presença de dano renal); G3aA1
(DRC leve a moderada); G5DA3 (falência renal "proteinúrica" em
diálise)...

Tab. 1

3
Cap. DOENÇA RENAL CRÔNICA

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Existe Doença Renal Crônica (DRC) quando há "dano renal" (geralmente
detectado pela presença de albuminúria ≥ 30 mg/dia, ou alterações
equivalentes) e/ou "perda de função renal" (definida como uma taxa de
filtração glomerular < 60 ml/min/1.73 m²), por um período maior ou igual
a três meses. Este pré-requisito temporal é importante para diferenciar
Fig. 1: Observe a evolução macroscópica dos rins na DRC... Ocorre diminuição
entre DRC e IRA... De um modo geral, as causas de doença renal crônica progressiva de tamanho (atrofia) com os contornos adquirindo um aspecto lobulado e
são processos patológicos lentamente progressivos. Ao contrário do que se irregular devido à substituição do parênquima normal por fibrose.
observa na maioria dos casos de IRA, na DRC não ocorre regeneração do
parênquima renal, e por isso a perda de néfrons, por definição, é O número de pacientes com doença renal em fase terminal aumenta a
irreversível. Às vezes, no entanto, a doença renal crônica pode se instalar cada ano... Nos EUA, por exemplo, o banco de dados do US Renal Data
de forma aguda, tal como acontece em dois exemplos clássicos – necrose System mostra que esse número quadruplicou nos últimos 20 anos! A
cortical aguda e glomerulonefrite rapidamente progressiva. Nestas velocidade de aumento da população de renais crônicos gira em torno de
entidades, a capacidade de regeneração do parênquima renal pode ser 4% ao ano naquele país... No Brasil, a população de "renais crônicos"
abolida, e o paciente "se torna agudamente um nefropata crônico" (pois também vem aumentando consistentemente.
previsivelmente continuará em insuficiência renal após três meses)...

Todas as nefropatias crônicas, após um período variável (geralmente entre Doenças altamente prevalentes na população, como diabetes
3 a 20 anos), podem evoluir para a chamada Doença Renal em Fase mellitus e hipertensão arterial, são as principais etiologias de
Terminal (DRFT), em que se observam níveis residuais de TFG (< 15% DRC no Brasil e no mundo, respondendo, juntas, por cerca de 70%
do normal). Neste momento, a histopatologia renal perde as dos casos!

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parênquima... Logo, RARAMENTE HAVERÁ MOTIVO PARA SE
Existem meios de prevenir ou retardar a instalação da DRFT? BIOPSIAR O RIM DE UM PACIENTE COM DRFT!

Sim!!! O segredo está no diagnóstico e intervenção precoces... Uma O uso de inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor de angiotensina II
albuminúria ≥ 30 mg/24h, quando persistente, sinaliza os pacientes com produz uma redução no grau de proteinúria bem acima do esperado
maior risco de evoluir para DRC progressiva e rins em fase terminal, somente pela queda dos níveis tensionais (fato relacionado à dilatação da
independentemente da etiologia. Na realidade, quanto maior for o nível de arteríola eferente e redução da hipertensão intraglomerular)! Estudos
proteinúria, mais rápida será a queda anual na taxa de filtração sugerem que, além de reduzir a hiperfiltração e a proteinúria (isto é, a
glomerular. "sobrecarga" dos néfrons remanescentes), tais drogas possuem efeito
antifibrótico e anti-inflamatório no rim, retardando a progressão da
À medida que a perda de néfrons progride, os néfrons remanescentes vão nefropatia através de vários mecanismos complementares... A associação
sendo "sobrecarregados", isto é, eles tentam excretar – além de sua carga dessas duas classes, por outro lado, apesar de reduzir a proteinúria de
básica de solutos – os solutos que os néfrons perdidos excretariam, um forma mais intensa que a monoterapia, não é recomendada, devido a um
processo conhecido como hiperfiltração adaptativa (FIGURA 2)... maior risco de piora da função renal e hipercalemia.
Entretanto, a própria hiperfiltração adaptativa acaba induzindo lesão glo-
merular, inicialmente pelo processo de glomeruloesclerose segmentar focal Assim, um dos principais "alvos terapêuticos" com o objetivo de evitar ou
(justificando a proteinúria crescente), que com o tempo evolui para atrasar a evolução para DRFT é o controle da proteinúria para níveis
glomeruloesclerose global difusa, acompanhada de fibrose e atrofia de todo inferiores a 0,5-1 g/dia, ou, pelo menos, uma queda superior a 50-60% em
o néfron (justificando a DRFT)... Assim, após certo grau de injúria renal relação ao valor inicial. As drogas de escolha com este intuito, conforme já
já ter se estabelecido (com perda de grande número de néfrons), mesmo explicado, são os IECA ou os BRA.
que a doença inicialmente responsável pela lesão seja controlada ou
eliminada, a própria DRC entrará numa fase de autoperpetuação, um O controle da hipertensão arterial é imprescindível para proteger os
ciclo vicioso!!! O bloqueio do sistema renina-angiotensina néfrons remanescentes da sobrecarga pressórica e evitar a perda adicional
comprovadamente consegue prevenir ou atrasar esta evolução... desses néfrons. No entanto, sabemos que existem controvérsias acerca do
"alvo pressórico" ideal para nefropatas, com modernas referências
colocando como meta uma PA < 130 x 80 mmHg, principalmente se o
paciente for portador de DRC proteinúrica (≥ 1 g/dia de proteína na
urina) enquanto outras (como o VIII Joint, de 2014) preconizam como
meta uma PA < 140 x 90 mmHg para todos os nefropatas
(independentemente do grau de proteinúria).

É importante ressaltar desde já que o tratamento genérico da DRC,


independentemente de sua etiologia, tem como PRINCIPAL meta
terapêutica o controle da proteinúria e da pressão arterial.
TODOS OS PORTADORES DE DRC DEVEM SER AVALIADOS
QUANTO A ISSO!!! As drogas de primeira linha são os IECA ou os
BRA, mas na imensa maioria das vezes acaba sendo necessário
associar outros anti-hipertensivos a fim de se atingir esses
objetivos. Tais condutas devem ser instituídas em paralelo ao
tratamento específico da nefropatia de base, se houver um.

A conduta que tem sido adotada na prática representa um ponto de


equilíbrio entre essas duas orientações: a PA deve obrigatoriamente ser
mantida abaixo de 140 x 90 mmHg em todos os pacientes (uma vez que
Fig. 2: A hiperfiltração adaptativa, inicialmente benéfica, acaba sendo deletéria em
longo prazo. isso é importante para reduzir o risco cardiovascular global) e, se possível
(isto é, desde que a intensificação do tratamento não acarrete muitos
efeitos colaterais), o ideal é mantê-la abaixo de 130 x 80 mmHg em
QUADRO DE CONCEITOS I nefropatas, particularmente nos portadores de DRC proteinúrica. Dito de
outro modo, devemos entender que a literatura médica identifica duas
Cada doença renal possui um mecanismo específico de lesão (ex.:
metas pressóricas distintas, porém, não se tratam de recomendações
comprometimento do mesângio, alças glomerulares,
divergentes, pelo contrário: ambas estão corretas, e devem ser adotadas de
tubulointerstício, etc.), que pode ser prontamente identificado na
forma individualizada e complementar!!!
biópsia renal. Entretanto, qualquer que seja a condição de base, se
o dano renal for persistente, quando o indivíduo evoluir para a
Outros fatores ominosos devem ser igualmente abordados para tentar
doença renal em fase terminal será praticamente impossível
minimizar o dano renal... Abandono do tabagismo, controle glicêmico
distinguir a doença que deu origem ao quadro somente pela
rigoroso (em diabéticos) e tratamento da acidose metabólica com
biópsia, pois a mesma nos mostrará fibrose e atrofia difusa do
reposição de bases – todos contribuem para uma desaceleração na

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progressão da nefropatia! Restrição moderada de proteínas na dieta é uma Rins policísticos 4%
medida relativamente controversa, podendo ser considerada em
portadores de nefropatia diabética progressiva. No caso da DRC não
diabética, muitos autores sugerem que se faça restrição de proteínas na A Glomeruloesclerose Diabética e a Nefroesclerose Hipertensiva são as
dieta, porém, não há consenso acerca da magnitude dessa restrição... principais etiologias de doença renal em fase terminal, tanto nos EUA
Outro ponto controverso diz respeito ao controle da dislipidemia: as quanto no Brasil...
evidências disponíveis revelam que a presença de dislipidemia
provavelmente acelera a evolução da DRC, porém, não foi demonstrado
Consideradas como um grupo, as doenças glomerulares primárias
com 100% de certeza que o uso de estatinas ou outros agentes
são a terceira causa de falência renal crônica tanto nos EUA quanto
hipolipemiantes efetivamente reduza a progressão do dano renal... Mais
no Brasil. Em seguida, nos EUA, vêm a doença renal policística e
detalhes sobre todos esses tópicos serão revistos logo mais, ainda neste
as uropatias obstrutivas (ex.: refluxo vesicoureteral, importante
capítulo, quando esmiuçarmos o tratamento da DRC.
causa de DRC na faixa etária pediátrica). Apesar de a última
entidade não estar discriminada na estatística nacional,
O tratamento específico de algumas entidades, como as glomerulonefrites
provavelmente ela ocupa posição semelhante em nosso meio...
e as vasculites, pode ser altamente eficaz se iniciado precocemente. Baseia-
se no uso de corticosteroides e outros imunossupressores, como a
O percentual das outras causas é muito baixo. Vale citar: nefrite
ciclofosfamida. A plasmaférese também pode "salvar" os rins de certos
lúpica, nefrites intersticiais crônicas, necrose tubular aguda com
subgrupos de pacientes (doença de Goodpasture). O entendimento da
lesão permanente, nefropatia isquêmica, nefropatia do HIV,
relação entre nefropatia e uso de medicamentos – como a dupla
anomalias renais congênitas, ateroembolismo, síndrome de Alport,
"paracetamol + aspirina", responsável pelo surgimento da "nefropatia por
mieloma múltiplo, câncer renal e granulomatose de Wegener.
analgésicos" – permitiu uma maior prevenção da disfunção renal
Outras causas perfazem uma minoria ínfima dos casos, incluindo:
irreversível pela suspensão das drogas nas fases precoces do dano renal.
anemia falciforme, outras vasculites, amiloidose e síndrome
hepatorrenal.
Muitos pacientes, entretanto, quando apresentam os sinais e sintomas que
os levam a procurar assistência médica, já se encontram num estágio
avançado de nefropatia, isto é, têm sinais e sintomas da síndrome urêmica,
QUADRO DE CONCEITOS II
sendo o dano renal irreversível...
Independentemente da causa básica de injúria renal ocorre uma

ETIOLOGIA DA DRC resposta adaptativa dos néfrons remanescentes, que passam a


"hiperfiltrar". Por isso que os pacientes com doença renal leve
podem apresentar creatininemia normal, sem hipervolemia ou
Analise atentamente as duas tabelas a seguir. Elas versam sobre as causas alterações eletrolíticas. Infelizmente, apesar de inicialmente
de DRFT, e são estatísticas colhidas em centros de diálise nos EUA e no benéfico, o próprio mecanismo compensatório resulta em lesão
Brasil. glomerular dos néfrons remanescentes, evoluindo com proteinúria e
insuficiência renal progressiva, através da indução de
glomeruloesclerose segmentar focal (GESF secundária). As drogas
REGISTRO NORTE-AMERICANO
bloqueadoras do sistema renina-angiotensina-aldosterona, por
bloquearem a ação da angiotensina II e evitarem a constrição da
Glomerulopatia diabética 44%
arteríola eferente, reduzem a hipertensão intraglomerular e a
hiperfiltração, sendo capazes de retardar este processo... Acredita-
Nefroesclerose hipertensiva 27,6%
se que o bloqueio do sistema RAA também reduza os efeitos
diretamente fibrogênicos e pró-inflamatórios de seus mediadores,
Glomerulopatias primárias 6,8% reduzindo a atrofia do parênquima renal! Parece que o TGF-beta é
um importante fator neste processo: sua liberação intrarrenal é
Doença renal policística 2,4% aumentada em proporção direta ao grau de proteinúria, e sua ação
local induz deposição de colágeno no interstício renal. O controle
Doenças urológicas 1,4% da proteinúria diminui a síntese intrarrenal de TGF-beta...

Outras ou não informadas 17,8%


ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS DA
REGISTRO BRASILEIRO SÍNDROME URÊMICA
Nefroesclerose hipertensiva 35%
Os principais mecanismos fisiopatológicos da síndrome urêmica estão
agrupados na Tabela 2.
Glomerulopatia diabética 30%

Glomerulopatias primárias 12% Tab. 2: Mecanismos fisiopatológicos da síndrome urêmica.

Acúmulo de toxinas nitrogenadas dialisáveis.


Outras ou não informada 20%

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Acúmulo de peptídeos efeitos tóxicos, porém, quase nenhuma se mostrou, de forma convincente,
(moléculas de peso médio). ser o fator causal exclusivo de algum sinal ou sintoma da síndrome... Na
Tabela 3 encontram-se as principais toxinas nitrogenadas supostamente
implicadas na síndrome urêmica.
Retenção de líquido
(hipervolemia, HAS, hiponatremia dilucional).
Tab. 3: Toxinas nitrogenadas dialisáveis relacionadas à síndrome urêmica.

Retenção de eletrólitos (sódio, potássio, fosfato). Ureia (em níveis elevados).

Retenção de ácido úrico, homocisteína.


Compostos guanidínicos.

Acidose metabólica.
Compostos aromáticos.
Inflamação sistêmica/aterosclerose acelerada.
Aminas alifáticas.
Deficiência de eritropoetina (anemia).
Poliaminas.
Deficiência de calcitriol (vitamina D ativa).

Hiperparatireoidismo secundário ou terciário. De todos os acima, os compostos guanidínicos têm sido os mais
implicados na síndrome urêmica. Depois da ureia, são os de maior
concentração no soro urêmico. As principais substâncias deste
TOXINAS DIALISÁVEIS (PERDA DA FUNÇÃO grupo são: ácido guanidinoacético, ácido guanidinosuccínico,
DE "FILTRO") metilguanidina e a creatinina, esta última desprovida de efeito
tóxico. O ácido guanidinosuccínico inibe a atividade plaquetária,
Antes do advento da diálise como tratamento da insuficiência renal grave,
sendo, portanto, um dos fatores implicados no sangramento
na década de 60, a síndrome urêmica evoluía inexoravelmente para o óbito
urêmico. As guanidinas também parecem se associar às alterações
após um período variável. Os pacientes faleciam de encefalopatia (levando
do estado mental, e se acumulam no fluido cerebroespinhal de
à convulsão e ao coma), tamponamento cardíaco, sangramento, edema
pacientes urêmicos. Os compostos aromáticos podem ser ácidos ou
agudo de pulmão ou hipercalemia refratária. O método dialítico provou
aminas. Por definição, contêm um grupamento do tipo benzeno,
ser eficaz em prevenir e tratar estas complicações! Os doentes, então,
fenol ou indol. Entre eles estão: ácido fenólico, hidroxifenólico,
passaram a fazer parte de um programa crônico de diálise, que os
benzoico, fenilacético, indolacético, triptamina, escatol, escatoxil,
mantinham vivos por muitos anos. Apesar de o tratamento dialítico ter
etc. Os fenóis e os indóis geralmente apresentam carga negativa,
aumentado a sobrevida dos renais crônicos em fase terminal, o
portanto, seu acúmulo contribui para o aumento do ânion-gap na
prognóstico desses indivíduos continua desfavorável, com uma sobrevida
insuficiência renal. A semelhança destes produtos com
média em cinco anos de 35%, devido, principalmente, a uma elevada
neurotransmissores torna provável sua contribuição na gênese dos
incidência de doenças cardiovasculares (ex.: doença coronariana)...
sintomas neurológicos! Entre os fenóis mais estudados, está o p-
cresol. Seus níveis se associam a um pior prognóstico no paciente
em diálise. Entre as aminas alifáticas, a metilamina, dietilamina e a
A disfunção renal grave leva ao acúmulo de substâncias tóxicas
trimetilamina têm produção endógena e por bactérias intestinais,
endógenas, algumas das quais podem ser filtradas pela membrana de
apresentam distribuição preferencial intracelular em função do pH
diálise. As moléculas "filtráveis" são aquelas que têm peso molecular
intracelular ácido, portanto, a hemodiálise não é tão eficaz em sua
inferior a 500 dáltons e passam pelos "poros" do filtro de diálise. A
retirada. A trimetilamina é um dos responsáveis pelo hálito urêmico,
primeira substância incriminada foi a ureia, um composto nitrogenado de
semelhante ao de peixe podre. As aminas também se associam aos
60 dáltons, pois desde o início se percebeu que seus níveis sempre se
sintomas neurológicos da uremia. As poliaminas são: espermidina,
encontravam bastante aumentados no soro desses pacientes (daí o termo
espermina, putrescina.
"uremia", inicialmente cunhado para descrever a síndrome).

A ureia é a substância de maior concentração urinária, e representa 80% A ureia apresenta efeito tóxico apenas quando em altas concentrações (>
de todo o nitrogênio eliminado na urina. Entretanto, foi observado que, 380 mg/dl). Sua toxicidade é primariamente gastrointestinal (anorexia,
ao se fazer diálise acrescentando ureia na solução dialítica (para manter náuseas e vômitos) e hematológica (sangramento). É importante ressaltar
inalterados seus elevados níveis séricos), mesmo assim havia melhora que, apesar da baixa toxicidade, seus níveis elevam-se juntamente com os
importante dos sinais e sintomas da síndrome urêmica... Além disso, a de outras substâncias nitrogenadas tóxicas e, por conseguinte, ela pode ser
infusão de ureia em cobaias não produzia efeitos tóxicos significativos, usada como "marcador substituto" da síndrome urêmica (sendo, inclusive,
somente quando em níveis extremamente elevados! Logo, percebeu-se que de fácil dosagem laboratorial, ao contrário das demais toxinas)... Os sinais
não era a ureia a grande "vilã" da síndrome urêmica, e ainda era preciso e sintomas da síndrome urêmica costumam ocorrer com ureia sérica > 180
encontrar as supostas toxinas dialisáveis implicadas nesta síndrome... mg/dl, em não diabéticos, e > 140 mg/dl, em diabéticos. Na falência renal
crônica lentamente progressiva, esses níveis podem cursar sem sintomas
Atualmente, centenas de substâncias nitrogenadas com peso molecular < importantes, devido aos mecanismos de adaptação.
500 dáltons, derivadas do metabolismo proteico, são encontradas em altos
níveis na circulação de pacientes urêmicos! Todas provavelmente têm

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Apesar de a diálise tratar os sintomas graves da uremia – que podem levar hiponatremia.
o paciente ao óbito em curto prazo – a uremia parcialmente tratada, os
efeitos adversos do próprio tratamento dialítico (ex.: flutuações agudas da Desequilíbrio acidobásico – acidose metabólica.
volemia e exposição a materiais bioincompatíveis) e os distúrbios
hidroeletrolíticos residuais são responsáveis por uma importante queda na Sintomas gastrointestinais (anorexia, náuseas, vômitos, diarreia).
qualidade de vida dos pacientes em programa de diálise. Uma nova e
complexa entidade surge neste contexto, a chamada síndrome residual. Sintomas neurológicos (encefalopatia, neuropatia periférica).
Com frequência, pacientes em programa de diálise apresentam sintomas
como astenia, falta de energia, distúrbios do sono e cognição, alterações Hipertensão arterial sistêmica.
psiquiátricas, disfunção sexual e deficit de crescimento e maturação sexual
em crianças e adolescentes. A hipótese de que o tratamento dialítico não é Sintomas cardíacos (pericardite, edema pulmonar cardiogênico).
inteiramente capaz de depurar todas as toxinas que deveriam ser
eliminadas e/ou metabolizadas no rim, causando seu acúmulo e o Sintomas pulmonares e pleurais (edema pulmonar não
surgimento da síndrome residual, é corroborada pelo fato de que, estes cardiogênico, derrame pleural).
pacientes, quando transplantados, evoluem com melhora importante dos
referidos sintomas... Disfunção plaquetária (predisposição à hemorragia).

DISTÚRBIOS HORMONAIS (PERDA DA Intolerância à glicose (resistência à insulina).

FUNÇÃO ENDÓCRINA)

Vários sinais e sintomas da síndrome urêmica são causados por


MANIFESTAÇÕES DA SÍNDROME URÊMICA QUE NÃO
desequilíbrios hormonais. O principal parece ser a elevação dos níveis de RESPONDEM À DIÁLISE
paratormônio (PTH), devido ao hiperparatireoidismo secundário (ver
adiante). O PTH é considerado uma verdadeira "toxina urêmica" e Anemia.
contribui para quase todos os sinais e sintomas da síndrome, incluindo a
encefalopatia, a cardiomiopatia, a anemia e o prurido. Sem dúvida, Osteodistrofia renal.
entretanto, a manifestação mais dependente dos efeitos do PTH é a
osteodistrofia renal. Lembre-se que o rim possui função endócrina, Distúrbios do cálcio e fosfato (hipocalcemia, hiperfosfatemia).
produzindo eritropoetina e calcitriol (1,25 di-hidroxivitamina D). A
deficiência de eritropoetina é o principal fator patogênico da anemia Prurido cutâneo.
urêmica. A deficiência de calcitriol, por sua vez, está implicada na
osteodistrofia renal e na miopatia urêmica, sendo ainda uma das causas Alterações articulares (artrite, periartrite, tenossinovite).
do hiperparatireoidismo secundário.
Aterosclerose acelerada (doença coronariana).
A deficiência na produção de amônia (NH3) pelo parênquima renal
contribui para a acidose metabólica da uremia. Um deficit na produção de Dislipidemia (hipertrigliceridemia com HDL-C baixo).
óxido nítrico renal contribui para a hipertensão arterial.
Estado de hipercatabolismo – desnutrição proteicocalórica.

ASPECTOS CLÍNICOS DA SÍNDROME Depressão imunológica – predisposição à infecção.


URÊMICA

Dá-se o nome de síndrome urêmica ao conjunto de sinais e sintomas que VIDEO_08_NEF4


aparece na insuficiência renal grave, quando a filtração glomerular está <
30 ml/min.
MANIFESTAÇÕES QUE RESPONDEM À
DIÁLISE
Algumas manifestações da síndrome urêmica respondem bem à diálise,
enquanto outras não, necessitando de tratamento específico (ou
melhorando somente após transplante renal). Para facilitar o aprendizado, DESEQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO
dividiremos as manifestações clínicas da síndrome urêmica em: (1) aquelas
que respondem à diálise e (2) aquelas que não respondem à diálise. Veja as
O rim é responsável pelo equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico do
duas tabelas a seguir.
corpo. Isso significa que ele é capaz de manter o conteúdo corporal de
água, eletrólitos e H+, a despeito de variações na ingesta. Por exemplo: o
conteúdo de sódio na dieta ocidental gira em torno de 190 mEq/dia. É
MANIFESTAÇÕES DA SÍNDROME URÊMICA QUE
necessário excretar exatamente 190 mEq/dia de sódio para manter o
RESPONDEM À DIÁLISE balanço corporal deste eletrólito. Se de uma hora pra outra o indivíduo
passar a consumir uma carga maior de sódio – ex.: 350 mEq – o rim, após
Desequilíbrio hidroeletrolítico – hipervolemia, hipercalemia e 3-5 dias, aumenta a excreção de sódio para 350 mEq/dia. Este aumento é
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garantido pela supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona,
associado a uma maior liberação de peptídeo atrial natriurético. Por outro Hipocalcemia Deficiência de calcitriol.
lado, se o indivíduo reduzir a ingesta de sódio para 30 mEq/dia, o rim,
após 3-5 dias, também é capaz de reduzir a excreção sódica para 30 mEq,
Da mesma forma que o rim doente tem dificuldade para eliminar os
pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e supressão do
"excessos", também não é capaz de lidar com a "falta" nos estados de
peptídeo atrial natriurético.
privação... Os néfrons do paciente urêmico não mais conseguem reduzir a
fração excretória para níveis normais, isto é, não são capazes de se
Na insuficiência renal crônica, à medida que a filtração glomerular se "desadaptar" totalmente. Isso significa que o paciente urêmico pode ter
reduz, um mecanismo de adaptação faz aumentar a fração excretória de uma perda mínima obrigatória de água e eletrólitos maior do que
cada néfron remanescente, de forma a manter a capacidade de excreção indivíduos normais... Por exemplo, uma restrição sódica acentuada na
renal total e garantir o equilíbrio hidroeletrolítico. Enquanto a TFG for dieta (30 mEq/dia) leva a um balanço negativo de sódio, até que um novo
superior a 20 ml/min, o equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico equilíbrio seja atingido, porém, à custa do estado hipovolêmico.
geralmente estará intacto. Entretanto, quando a filtração chega a valores
muito baixos, compatíveis com a síndrome urêmica, a regulação
hidroeletrolítica torna-se limitada. BALANÇO DE SÓDIO

A retenção de sódio é universal quando a filtração glomerular está abaixo


Vamos exemplificar mais uma vez com o sódio. Um rim normal, de 10 ml/min (10% da função renal), na ausência de uma restrição
com TFG = 120 L/dia, filtra 16.800 mEq de sódio por dia, se a adequada na dieta. A consequência é o estado hipervolêmico.
natremia for de 140 mEq/L. A fração excretória normal de sódio
(FENa) está em torno de 0,8%, isto é, dos 16.800 mEq, apenas 135
mEq serão eliminados na urina. Esses 135 mEq/dia correspondem
à quantidade de sódio presente na dieta... Imaginemos agora um
renal crônico com uma TFG = 3 ml/min, o que equivale a apenas
4,3 L/dia. Neste paciente, o sódio filtrado, para uma natremia de QUADRO DE CONCEITOS III
140 mEq/L, está em torno de 600 mEq por dia. Se a fração
excretória for de 0,8%, apenas 5 mEq serão excretados nas 24h... O rim normal, através da ação de sistemas hormonais, é capaz de
Será necessário um aumento na fração excretória de sódio para variar sua excreção de água e eletrólitos, de acordo com a
25% para excretar os 135 mEq da dieta. quantidade ingerida. Esta resposta leva 3-5 dias para ocorrer de
forma plena, momento no qual se atinge um novo estado de
equilíbrio (steady state) em que a excreção renal volta a igualar a
O aumento da FENa é estimulado por uma retenção inicial de sódio, o que ingesta.
mantém o paciente em um estado hipervolêmico. A hipervolemia estimula
a liberação do peptídeo atrial natriurético e suprime o sistema renina-
angiotensina-aldosterona, promovendo o aumento da fração excretória de Quadro de Conceitos IV
sódio. Em outras palavras, atinge-se um novo estado de equilíbrio no qual
Na síndrome urêmica, no que diz respeito à água e eletrólitos, os
o paciente mantém o balanço de sódio à custa de um estado
rins tornam-se cada vez mais incapazes de (1) excretar o excesso;
hipervolêmico... Qualquer aumento na ingestão de sódio provocará uma
(2) conservá-los em situações de privação. Isso ocorre porque os
maior retenção volêmica, até que seja atingido um novo equilíbrio para
néfrons remanescentes estão próximos à capacidade máxima de
que a excreção fique igual ao sódio ingerido. Este é o princípio que rege a
adaptação excretória e, ao mesmo tempo, são incapazes de se
retenção de sódio, água, potássio, H+, fosfato e magnésio na síndrome
"desadaptar" caso seja necessário.
urêmica... O cálcio, por ser regulado muito mais pela absorção intestinal
do que pela excreção renal, encontra-se geralmente baixo na uremia, em
consequência ao deficit de calcitriol (ver no item "Osteodistrofia Renal"). Nesses pacientes, uma ingestão acima de 100 mEq/dia de sódio já pode ser
Os distúrbios hidroeletrolíticos mais frequentes na síndrome urêmica estão suficiente para causar hipervolemia e suas consequências clínicas: (1)
descritos na Tabela 4. hipertensão arterial sistêmica; (2) edema generalizado. O edema,
denominado edema renal, distribui-se não só pelas áreas dependentes de
Tab. 4: Distúrbios hidroeletrolíticos mais frequentes na síndrome urêmica. gravidade (membros inferiores, bolsa escrotal), mas também na face e
região periorbitária. O edema frequentemente atinge as serosas, sendo
Hipervolemia Retenção de sódio e água. comuns a ascite, o derrame pleural e o derrame pericárdico.

Hiponatremia Retenção de água livre.


Se a hipervolemia piorar subitamente, como ocorre após uma carga salina
aguda (ex.: ingestão de alimentos salgados, infusão de soro fisiológico), o
Hipercalemia Retenção de potássio. paciente pode evoluir com edema agudo de pulmão, apresentando ritmo
de galope (B3), estertoração pulmonar e insuficiência respiratória. Antes
Acidose Metabólica Retenção de H+. do advento da diálise, esta era uma importante causa de óbito na
síndrome urêmica.
Hiperfosfatemia Retenção de fosfato.

Hipermagnesemia Retenção de magnésio.

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venosa ou através de múltiplas hemotransfusões. Condições que
Como vimos, nefropatas crônicos também têm dificuldade de promovem a liberação de potássio das células podem acarretar
conservar sódio em situações de privação. Os rins mantêm uma hipercalemia em níveis perigosos. São elas: estados hipercatabólicos (ex.:
excreção mínima obrigatória, geralmente em torno de 50 mEq infecção grave), cirurgia, trauma, acidose metabólica e uso de
(equivalente a 3 g de NaCl). Se a restrição de sal na dieta for muito betabloqueadores.
intensa, ocorre balanço negativo de sódio e evolução para
hipovolemia. Nefropatias tubulointersticiais crônicas podem cursar
Um grupo de pacientes com nefropatia crônica apresenta maior
com perda urinária mínima de sódio em torno de 1 50 mEq (9 g de
propensão à hipercalemia, mesmo nos estágios iniciais da nefropatia,
NaCl)... É a chamada Nefropatia Perdedora de Sal, que predispõe
quando a filtração glomerular ainda está entre 50-80 ml/min. São
o paciente ao estado de hipovolemia.
pacientes diabéticos com a síndrome do hipoaldosteronismo
hiporreninêmico (disfunção da arteríola aferente com diminuição da
O tratamento da retenção de sódio (hipervolemia) é a retirada de sódio e secreção de renina). A redução dos níveis de aldosterona prejudica a
água (fluido isotônico) na diálise, um processo denominado ultrafiltração. excreção de potássio pelos néfrons remanescentes...
Mais detalhes no capítulo sobre diálise disponível na versão digital.

DESEQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO
BALANÇO DE ÁGUA
O rim saudável excreta 70-100 mEq de ácidos produzidos diariamente pelo
O rim normal é capaz de eliminar quantidades variáveis de água livre, ao metabolismo proteico. O catabolismo dos aminoácidos que contém
modificar, conforme a necessidade, a osmolaridade urinária. Em uma enxofre (tio-aminoácidos) libera ácido sulfúrico – o principal ácido
pessoa saudável, os rins podem eliminar até 18 L de água por dia. Quando produzido no metabolismo. Os outros são os ácidos fosfórico, úrico,
a filtração glomerular está abaixo de 10 ml/min (10% da função renal), um láctico e os cetoácidos (corpos cetônicos), cada um contribuindo com uma
consumo de água acima de 2-3 L/dia já pode ser suficiente para promover pequena parcela do total. A excreção do H+ proveniente desses ácidos é
retenção de água livre, diluindo o sódio plasmático – hiponatremia. realizada no néfron distal, por secreção tubular, regenerando no plasma 1
HCO3 para cada 1 H+ secretado no lúmen.
BALANÇO DE POTÁSSIO
Para que o H+ seja de fato excretado na urina, ele precisa se ligar a uma
A retenção de potássio na insuficiência renal crônica é comum apenas base urinária. Cerca de 2/3 do H+ é eliminado ligado à amônia (NH3),
quando a filtração glomerular está < 5-10 ml/min (menos de 5-10% da
formando o íon amônio (NH4+). O 1/3 restante sai ligado a outras bases,
função renal).
principalmente ao fosfato.

Na insuficiência renal crônica, quando a filtração glomerular está abaixo


de 20 ml/min (20% da função renal), a produção renal de amônia começa a
O débito urinário é um fator determinante: quanto mais oligúrico for o
cair. Com isso, a eliminação urinária de H+ torna-se prejudicada. Nesse
paciente, maior sua propensão a reter potássio. Por que esses pacientes
momento, começa a surgir uma acidose metabólica hiperclorêmica (ânion-
"demoram tanto" para começar a reter potássio no organismo? Vários são
gap normal).
os mecanismos de adaptação: (1) aumento da fração excretória de
potássio por néfron, estimulada pela hipercalemia (efeito direto) e pelo
hormônio aldosterona – os inibidores da ECA, BRA e diuréticos O aumento do cloreto é para compensar a queda do bicarbonato, de
poupadores de potássio (espironolactona, amiloride) anulam este forma a manter o equilíbrio eletroquímico do plasma. É comum
mecanismo, desencadeando hipercalemia; (2) aumento da excreção de observarmos um bicarbonato plasmático entre 12-18 mEq/L. O pH
potássio pelo cólon (perda fecal de potássio). Em indivíduos normais, a dependerá da compensação respiratória. Geralmente está em torno de
mucosa colônica excreta < 10% do total de potássio eliminado por dia. 7,30. A acidose metabólica crônica promove desmineralização óssea, pois
Porém, na síndrome urêmica, esse percentual pode chegar a 40%! A o H+ é tamponado no osso, em troca da liberação de cálcio e fosfato.
secreção de potássio pela mucosa do cólon é ativada pela própria
hipercalemia (efeito direto) e pela aldosterona. A constipação intestinal
pode desencadear hipercalemia no paciente urêmico, por prejudicar uma
importante via de eliminação deste íon...

Quando a filtração glomerular está abaixo de 5-10 ml/min (5-10% da


função renal), especialmente durante uma exacerbação aguda da
Um conceito muito importante: a uremia inibe a entrada de potássio nas insuficiência renal, surge uma acidose com ânion-gap aumentado. Neste
células, devido à queda na atividade da enzima NaK-ATPase da caso, o cloreto sérico está normal. O aumento do ânion-gap é decorrente
membrana celular, um fenômeno que antecede a retenção renal de da retenção do ânion sulfato, proveniente da dissociação do ácido
potássio. Por esta razão, o paciente urêmico não tolera uma carga aguda de sulfúrico (ácido sulfúrico → H+ + sulfato).
potássio, pois perdeu a principal defesa imediata contra a hipercalemia – o
"tamponamento celular". É comum na prática médica um renal crônico,
que estava com o potássio plasmático normal, desenvolver hipercalemia
grave desencadeada pela administração de potássio pela hidratação
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ENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO
CENTRAL
Um dos grandes problemas da acidose metabólica na uremia crônica,
Uma série de alterações relativas ao SNC, comprometendo especialmente
mesmo em suas fases iniciais (ex.: acidose hiperclorêmica) é a aceleração
o estado mental, pode ocorrer como manifestação da uremia aguda ou
do catabolismo proteico, que contribui para a perda de massa muscular
crônica. Estão entre as mais comuns e debilitantes complicações da
típica desses pacientes. O mecanismo bioquímico ainda é pouco
síndrome urêmica, podendo, até mesmo, levar ao óbito. Os sintomas mais
compreendido... Um bicarbonato sérico inferior a 20 mEq/L já é capaz de
graves costumam ocorrer quando a filtração glomerular está abaixo de 10
estimular este fenômeno!
ml/min (10% da função renal). A fisiopatologia envolve acúmulo de
toxinas nitrogenadas dialisáveis, porém, não se sabe exatamente qual ou
Para evitar as complicações crônicas da acidose metabólica (agravamento quais... Declínio cognitivo leve a moderado, bem como alterações em
da osteodistrofia renal e perda de massa muscular), a reposição diária de testes neuropsicológicos, já podem ser observados em pacientes com TFG
bicarbonato de sódio está indicada quando o bicarbonato plasmático for ≤ < 60 ml/min!
20 mEq/L. O citrato de potássio (usado para repor bases nas acidoses
tubulares renais) é contraindicado no renal crônico, pois o citrato
O PTH possui importante efeito no SNC, levando à entrada de cálcio nos
aumenta a absorção intestinal de alumínio (potencialmente tóxico) e além
neurônios. O hiperparatireoidismo secundário pode contribuir para os
disso contém potássio...
sintomas neurológicos!

MANIFESTAÇÕES GASTROINTESTINAIS Na uremia aguda (ou crônica agudizada), o paciente pode apresentar
desorientação, letargia, lassidão, confusão mental, surto psicótico,
O trato gastrointestinal é muito afetado pela uremia, com frequência delirium, associado a sinais de encefalopatia metabólica, como nistagmo,
respondendo pelos primeiros sintomas da síndrome! Em geral, a anorexia disartria, asterixis, mioclonia espontânea, fasciculações, hiper-reflexia e
é o sintoma mais precoce. Seguem-se náuseas, plenitude abdominal e sinal de Babinski bilateral – encefalopatia urêmica aguda. Pode evoluir
vômitos (intolerância gástrica). Estes podem ser explicados por dois para convulsões tônico-clônicas generalizadas, coma e óbito, por edema
fatores: (1) gastrite urêmica; (2) gastroparesia urêmica. A mucosa cerebral grave.
gastroduodenal, além de enantema e edema, pode apresentar petéquias. A
disfunção plaquetária contribui para esses achados. E ao contrário do que Na uremia crônica, o distúrbio mental tende a ser insidioso e mais sutil nas
se pensava, a incidência de úlcera péptica na uremia é semelhante à da fases iniciais – a encefalopatia urêmica crônica. Observa-se disfunção
população geral (8-10%), apesar de alguns livros ainda falarem o cognitiva progressiva, caracterizada por amnésia anterógrada, dificuldade
contrário... A disgeusia (percepção de gosto amargo na boca) é decorrente de concentração, alteração de comportamento ou de personalidade,
da transformação da ureia, por bactérias presentes na saliva, em amônia... sonolência ou insônia, confabulação e perda do raciocínio aritmético.
Alguns pacientes desenvolvem apraxia motora (dificuldade em executar
O comprometimento da mucosa intestinal, tanto no delgado como no tarefas), afasia (distúrbio da linguagem) ou agnosia (perda da capacidade
cólon, pode levar a um quadro de diarreia urêmica, bem como ao íleo de reconhecimento relacionado a uma função sensorial), uma síndrome
urêmico (distensão abdominal e cólicas). São causados pela inflamação demencial semelhante ao mal de Alzheimer... A encefalopatia urêmica
mucosa, com redução no tamanho das vilosidades, acrescida de uma série deve ser diferenciada da encefalopatia da hemodiálise, causada pela
de outros fatores, como disautonomia, supercrescimento bacteriano e intoxicação por alumínio (ver adiante). Esta última possui um quadro
deficiência de vitamina D. Uma forma de colite ulcerativa urêmica era inicial marcado por importantes alterações da fala (disartria, fala
comum na era pré-diálise... balbuciante, gagueira). O EEG pode diferenciar essas duas entidades,
apresentando somente ondas lentas na encefalopatia urêmica e alternância
de ondas lentas com ondas rápidas na encefalopatia por alumínio.
Os sinais e sintomas digestivos, tais como anorexia, náuseas, vômitos e
diarreia, geralmente melhoram em poucos dias ou semanas com a diálise.
Portanto, presume-se que sejam causados por efeito das toxinas urêmicas A diálise costuma reverter (ao menos parcialmente) o quadro
dialisáveis. encefalopático. A melhora pode levar meses para se completar, sendo mais
lenta na encefalopatia urêmica crônica. Nesta última, o EEG pode
demorar até seis meses para voltar ao normal!
Hemorragia digestiva, tanto alta (hematêmese ou melena) quanto baixa
(hematoquezia ou enterorragia), pode ocorrer como complicação da
uremia. É explicada pela inflamação urêmica da mucosa gastrointestinal, ENVOLVIMENTO DOS NERVOS PERIFÉRICOS
que pode evoluir com erosões ou ulcerações, e pelo distúrbio plaquetário
da uremia. A incidência de angiodisplasia gastrointestinal está aumentada A neuropatia periférica urêmica é muito comum na insuficiência renal
na síndrome urêmica, por mecanismos desconhecidos, podendo contribuir crônica, observada, em algum grau, em até 65% dos casos. Trata-se de
para a maior incidência de hemorragia digestiva. As angiodisplasias são uma polineuropatia axonal, sensorimotora, simétrica e com predomínio
mais comuns no ceco e cólon direito. Podem ser encontradas em 25-30% distal e de membros inferiores. Os sintomas iniciais são parestesias nos pés
dos casos de hemorragia digestiva na síndrome urêmica. do tipo "agulhadas", que costumam piorar à noite. O exame físico revela
hipoestesia "em bota". A perda dos reflexos tendinosos distais –

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS hiporreflexia do Aquileu – é muito comum. Caso a uremia não seja
prontamente tratada (diálise ou transplante), o quadro evolui com perda
de força distal e atrofia muscular, gerando dificuldade de marcha. A

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neuropatia pode atingir os membros superiores, levando a parestesias e atrofiados pela doença parenquimatosa... Na doença renal
hipoestesia na distribuição "em luva". Outra manifestação da uremia é a policística, o epitélio dos cistos pode produzir renina em excesso.
"síndrome das pernas inquietas", caracterizada por desconforto nos
membros inferiores e uma necessidade incontrolável de mexer as pernas... Além do sistema renina-angiotensina, outros fatores humorais
podem contribuir para a hipertensão na doença renal. Dois
A neuropatia urêmica assemelha-se à neuropatia periférica do diabetes exemplos importantes são: (1) substância digital-símile; (2) redução
mellitus e do mieloma múltiplo, duas importantes doenças que podem do óxido nítrico endotelial. A substância digital-símile, ou
cursar com uremia. A amiloidose por β-2-microglobulina, associada à ouabaínasímile, é liberada no SNC em resposta à retenção
hemodiálise crônica (ver adiante), também pode causar neuropatia, em hidrossalina.
geral na forma de uma síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo
mediano).
Quando a doença renal chega ao estágio avançado, com filtração
glomerular abaixo de 10 ml/min (10% da função renal), a hipertensão
A fisiopatologia da neuropatia periférica urêmica é dependente de toxinas
arterial está presente em mais de 90% dos pacientes. Esta é a hipertensão
dialisáveis e, provavelmente, também de outros fatores, como o excesso de
relacionada à síndrome urêmica. Dos hipertensos urêmicos ou em
PTH. A resposta à diálise é imprevisível. Muitos pacientes não melhoram
programa de diálise, cerca de 80% são do tipo "volume-dependente", isto
com a hemodiálise, porém, respondem de forma satisfatória ao
é, a hipertensão é causada essencialmente pela retenção renal de sódio e
transplante renal! A utilização de filtros com "poros" maiores, ou a diálise
água. Os 20% restantes continuam hipertensos apesar da otimização da
peritoneal, tem melhorado a resposta da neuropatia urêmica à diálise.
terapia dialítica. Nestes casos existe participação do sistema renina-
angiotensina-aldosterona, que se encontra hiperativado (promovendo
ENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO vasoconstrição sistêmica).
AUTONÔMICO
A hipertensão arterial na uremia costuma ser mais grave quando
O comprometimento dos nervos periféricos do sistema nervoso comparada à hipertensão primária. Frequentemente é acompanhada por
autonômico (simpático e parassimpático) é comum na uremia crônica, complicações cardiovasculares, como hipertrofia ventricular esquerda,
levando à síndrome de disautonomia. O controle da pressão arterial e da cardiomiopatia dilatada e doença coronariana. Tanto é assim que as
frequência cardíaca pode estar alterado! Isso pode causar hipotensão complicações cardiovasculares são a principal causa de óbito no portador de
postural, hipotensão durante a hemodiálise não responsiva a volume e DRC!
frequência cardíaca fixa (com predomínio de taquicardia). A perda da
influência vagal sobre o sistema de condução cardíaco pode predispor a Como já dissemos, o controle pressórico é essencial nesses doentes,
arritmias malignas e à morte súbita. Outras manifestações relacionadas à devendo-se manter a PA obrigatoriamente abaixo de 140 x 90 mmHg e, se
disautonomia são: anidrose, impotência e distúrbio gastrointestinal (ex.: possível, abaixo de 130 x 80 mmHg (em particular nos portadores de DRC
gastroparesia, diarreia). A disautonomia é muito comum no diabetes "proteinúrica"). Sempre que possível, os IECA ou BRA devem ser usados:
mellitus, que frequentemente é a causa da insuficiência renal crônica eles não apenas reduzem a pressão arterial (pela inibição do sistema
(nestes casos, existe sobreposição de disautonomia pelo diabetes e pela renina-angiotensina-aldosterona) como também reduzem de forma
uremia). independente a pressão intraglomerular e a proteinúria (pela vasodilatação
da arteríola eferente), conferindo o benefício da "nefroproteção adicional"
(diminuição da sobrecarga dos néfrons remanescentes, que assim
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
demoram mais para "esclerosar"). Contudo, quando a TFG está muito
baixa, ou quando existe doença renovascular importante, os IECA e BRA
A hipertensão arterial possui íntima relação com a insuficiência renal.
costumam induzir IRA e hipercalemia, o que limita sua utilização em
Pode ser a causa (nefroesclerose hipertensiva) ou a consequência da
pacientes que não estejam em programa de diálise. Recomenda-se a
nefropatia!!! Patologias renais agudas e crônicas podem levar à
diminuição da dose ou suspensão desses medicamentos sempre que logo
hipertensão arterial mesmo na ausência da elevação da ureia e creatinina
após seu início (entre 7-14 dias) ocorra aumento > 30% da creatinina
plasmáticas, ou quando os valores estão apenas um pouco aumentados.
plasmática em relação ao basal, ou então se surgir franca hipercalemia.
Diuréticos de alça (ex.: furosemida, bumetanida) também são bons
agentes anti-hipertensivos nos nefropatas crônicos, promovendo balanço
O rim participa do controle da pressão arterial através do
negativo de sal e água (volume). Vale lembrar que tais doentes não
mecanismo de natriurese pressórica. Em indivíduos normais,
respondem bem aos tiazídicos quando a TFG está abaixo de 30 ml/min.
aumentos iniciais da PA atuam diretamente no rim induzindo
Na fase de franca falência renal (TFG < 15 ml/min), a diálise se torna
natriurese (eliminação de sódio e água), de modo a reduzir a PA.
imprescindível para controlar a hipertensão, sendo necessário o
Este mecanismo provavelmente está alterado na hipertensão
procedimento de ultrafiltração (retirada de sal e água na diálise). Como
essencial, havendo um reajuste da relação pressão arterial-
vimos, alguns pacientes, mesmo "ultrafiltrando", precisam manter os anti-
natriurese... Na doença renal parenquimatosa, a alteração pode ser
hipertensivos orais...
ainda maior, levando a uma maior retenção de sódio e água. O
sistema renina-angiotensina-aldosterona participa na gênese da
HAS, pois as nefropatias parenquimatosas podem levar à maior MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS E PERICÁRDICAS
produção de renina. Esse fato é evidenciado pelo frequente
encontro de hipertrofia do aparelho justaglomerular em rins
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

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Muitos pacientes com uremia crônica apresentam comprometimento do Um sangramento agudo pode precipitar tamponamento (ex.: uso de
miocárdio, seja por hipertrofia ventricular esquerda, seja por heparina na hemodiálise). Outras vezes, é desencadeado pela hipovolemia
cardiomiopatia dilatada com disfunção ventricular sistólica. A retenção aguda durante a sessão de hemodiálise (a redução da pressão
volêmica sobrecarrega o coração já doente, justificando sintomas clássicos intracavitária permite o colabamento das câmaras cardíacas). O
de insuficiência cardíaca congestiva – dispneia, ortopneia, dispneia ecocardiograma é útil para a confirmação. O tratamento deve ser
paroxística noturna, hepatomegalia congestiva, derrame pleural, ascite, realizado de imediato, através de pericardiocentese de alívio ou
edema de membros inferiores. A diálise, ao retirar sódio e água pericardiotomia com colocação de dreno.
(ultrafiltração), pode ser a única maneira de manter estes pacientes
compensados. É válido ressaltar que a falência cardíaca é a causa mais O tratamento da pericardite urêmica é a diálise ou a intensificação da
comum de óbito dos pacientes urêmicos! diálise (hemodiálise diária por dez dias). Nesses pacientes, devido à
tendência hemorrágica do pericárdio inflamado, o procedimento deve ser
feito sem heparina. Se os sinais e sintomas permanecerem, pode-se indicar
PERICARDIOPATIA
uma pericardiectomia parcial. Este procedimento é altamente eficaz para
o alívio dos sintomas, tal como a dor torácica. Pode ser indicado também
O derrame pericárdico é visto em 50% dos pacientes urêmicos, muitas
nos pacientes com sintomas graves e recorrentes. Entretanto, antes de se
vezes associado a derrame pleural e ascite, fazendo parte do quadro de
considerar uma terapia invasiva (pericardiectomia), devem-se afastar
anasarca da uremia. Geralmente é leve a moderado e não está relacionado
outras causas tratáveis de pericardiopatia, como a pericardite tuberculosa,
a sintomas de pericardite ou tamponamento cardíaco. Neste caso, deve ser
lúpica, séptica, etc.
apenas observado. Quando o derrame é consequência da inflamação
pericárdica (pericardite urêmica), o aspecto do líquido é de exsudato
hemorrágico. Quando causado exclusivamente pelo fenômeno congestivo, MANIFESTAÇÕES PULMONARES E PLEURAIS
pode ser um transudato amarelo-citrino.

ENVOLVIMENTO PULMONAR
A pericardite urêmica é caracterizada por: (1) dor torácica do tipo
pleurítica (ventilatório-dependente), contínua e que piora com o decúbito
Os pulmões do paciente urêmico estão geralmente com aumento do
dorsal; (2) atrito pericárdico; (3) alterações eletrocardiográficas de
conteúdo líquido – edema pulmonar crônico. Este edema predomina no
pericardite; (4) derrame pericárdico. Nem sempre os quatro itens estão
interstício pulmonar, mas também pode acometer o espaço alveolar nos
presentes. A patogenia está relacionada à retenção de toxinas urêmicas
casos mais graves. Como o paciente está hipervolêmico e normalmente a
dialisáveis, e pode ocorrer tanto na uremia aguda quanto na crônica,
reserva cardíaca está prejudicada, o edema pulmonar da uremia é
sendo mais comum nesta última... O pericárdio encontra-se inflamado e
decorrente principalmente da congestão pulmonar (aumento da pressão
hipervascularizado, predispondo à ruptura de pequenos vasos superficiais
venocapilar). Este edema é chamado de Edema Pulmonar Cardiogênico, e
e sangramento. Por esta razão, o líquido é caracteristicamente
responde bem ao processo de ultrafiltração (retirada de sódio e água na
hemorrágico. A pericardite urêmica crônica leva ao espessamento
diálise). A uremia aguda ou crônica também pode levar ao edema
pericárdico, com acúmulo de fibrina. Algumas vezes, pode evoluir para
pulmonar simplesmente por aumentar a permeabilidade capilar – Edema
pericardite constritiva ou efusivo-constritiva, com seu quadro clínico
Pulmonar Não Cardiogênico. Este tipo de edema depende de toxinas
característico de congestão sistêmica.
dialisáveis e é chamado de "pulmão urêmico".

A pericardite pode ocorrer durante a terapia dialítica, o que já foi


Diversas podem ser as consequências do edema pulmonar crônico: (1)
chamado de "pericardite relacionada à diálise". Atualmente, sabe-se que,
aumento do trabalho respiratório, pois os pulmões ficam "pesados",
na verdade, é a mesma pericardite urêmica, porém, só melhora após a
levando o paciente a sentir dispneia; (2) distúrbio na troca gasosa, do tipo
intensificação da diálise (ex.: sessões diárias de hemodiálise por dez dias).
diminuição da relação ventilação/perfusão (distúrbio V/Q), predispondo o
Postula-se que algumas toxinas urêmicas implicadas na pericardite
paciente à hipoxemia.
possuam um peso molecular maior, a ponto de precisarem de um período
de diálise mais prolongado para serem depuradas. A utilização de novos
filtros, com "poros" maiores, tem reduzido bastante a incidência de Algumas alterações que interessam ao pulmão não respondem à diálise.
pericardite nos pacientes em diálise. Podemos citar dois exemplos de grande importância: (1) a disfunção da
musculatura respiratória pela miopatia urêmica pode ser um importante
fator para a dispneia do paciente; (2) a calcificação do parênquima
O tamponamento cardíaco é a complicação mais temida da pericardite
pulmonar decorrente do hiperparatireoidismo secundário e do elevado
urêmica. O espessamento reduz a complacência do pericárdio, o que faz
produto cálcio-fosfato. Existe microcalcificação difusa dos septos
com que qualquer acúmulo rápido de líquido, mesmo em quantidades
alveolares, raramente notada na radiografia. A TC de alta resolução é um
pequenas, leve ao aumento da pressão intrapericárdica! A consequência é
bom método diagnóstico. A calcificação pulmonar pode levar a uma
a compressão das câmaras cardíacas, limitando o enchimento diastólico e
pneumopatia restritiva progressiva, que pode responder à
levando ao baixo débito cardíaco. O quadro clínico é composto pelos
paratireoidectomia. Pacientes urêmicos têm incidência aumentada de
seguintes achados: (1) turgência jugular; (2) taquicardia; (3) pulso
fibrose intersticial pulmonar e pleural.
paradoxal (desaparecimento do pulso na fase inspiratória). Evolui para
hipotensão arterial e dispneia. As bulhas cardíacas podem ou não estar
abafadas. O ECG mostra alternância elétrica (QRS grande alternando ENVOLVIMENTO PLEURAL
com QRS pequeno).

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Cerca de 20% dos pacientes urêmicos têm derrame pleural. Alguns sítios de estoque. Quadros mais graves ou refratários devem receber
apresentam sintomas do tipo dor pleurítica, tosse ou dispneia. A causa reposição de crioprecipitado (rico em fator de von Willebrand). A anemia
mais comum é a infecciosa, que sempre deve ser descartada. A pleurite sempre deve ser tratada, através da reposição de eritropoetina
urêmica é uma entidade descrita, difícil de ser diferenciada da infecção recombinante ou mesmo hemotransfusão de urgência.
(por se tratar de um exsudato), mas que pode responder à diálise e tem
algumas características na análise do líquido pleural que a diferenciam da O tratamento definitivo deve ser a diálise. Existem várias técnicas que
infecção... São elas: (1) aspecto hemorrágico (apesar de na maioria das permitem a hemodiálise sem utilização de heparina. Uma delas é a
vezes ser amarelo-citrino); (2) glicose normal; (3) pH > 7,30; (4) leucócitos lavagem frequente do circuito com soro fisiológico.
e proteína não tão elevados como na pleurite infecciosa.

Cumpre ressaltar que a síndrome urêmica também predispõe à trombose,


A bacterioscopia pelo Gram e Ziehl-Neelsen, a cultura do líquido pleural especialmente em certas etiologias de doença renal (ex.: glomerulopatias
e a dosagem de ADA devem ser sempre solicitadas para a diferenciação. que cursam com síndrome nefrótica e perda de fatores anticoagulantes na
Nos casos duvidosos indica-se biópsia pleural. urina). O estado inflamatório sistêmico associado à disfunção renal
crônica justifica a tendência pró-trombótica nos demais pacientes... Logo,
há um grande paradoxo em relação à hemostasia: da mesma forma que
DISTÚRBIO DA HEMOSTASIA
existe uma tendência ao sangramento na uremia, existe ao mesmo tempo
uma tendência à trombose!!! Assim, o tratamento anticoagulante deve ser
VIDEO_09_NEF4 considerado somente em pacientes com risco tromboembólico muito

A síndrome urêmica (aguda ou crônica) cursa com tendência ao alto... Vale lembrar que os novos anticoagulantes orais (inibidores diretos

sangramento, devido a um distúrbio da hemostasia primária. Após rotura da trombina ou do fator Xa) são drogas de eliminação renal, assim como

da parede de um vaso, a hemostasia primária é ativada, fazendo parar o a heparina de baixo peso molecular (ex.: enoxiparina). Logo, tais

sangramento. Ela é dependente da ação das plaquetas, que aderem na fármacos devem ser evitados na DRC avançada, mas nos estágios

solução de continuidade da parede vascular e se agregam, formando um intermediários eles podem ser empregados com redução de dose (no caso

"tampão", o chamado trombo plaquetário (trombo branco). Em seguida, das heparinas de baixo peso, pode-se lançar mão da monitorização

é ativada a hemostasia secundária, dependente do sistema de coagulação, laboratorial do anti-fator Xa para ajuste posológico). A heparina não

levando à formação da rede de fibrina, necessária para a estabilização do fracionada pode ser utilizada sem problemas, ajustando-se a dose de

trombo. Nesta rede, aderem hemácias e leucócitos circulantes, dando o acordo com o PTTa – por este motivo a heparina não fracionada representa

aspecto de trombo vermelho. o anticoagulante de escolha na DRC avançada!

A uremia inibe todas as funções plaquetárias (adesão, ativação e INTOLERÂNCIA À GLICOSE E METABOLISMO
agregação). A plaqueta adere ao colágeno exposto do tecido conjuntivo DA INSULINA
através da interação entre o receptor glicoproteína Ib e o fator de von
Willebrand (FvW), este último fazendo uma "ponte" com o colágeno. O
O metabolismo dos carboidratos encontra-se alterado na uremia, levando
fator de von Willebrand encontra-se inibido na uremia... Além disso, as
às seguintes consequências: (1) intolerância à glicose; (2) pseudodiabetes
plaquetas também ficam depletadas de ADP e serotonina, e reduzem sua
urêmico. Na verdade, são graus variáveis do mesmo distúrbio, marcado
capacidade de gerar tromboxane A2 (potente ativador plaquetário),
pela resistência periférica à insulina associada à disfunção da célula beta da
diminuindo, consequentemente, a capacidade de agregação. O fator 3
ilhota pancreática, uma fisiopatologia semelhante ao diabetes tipo 2. A
plaquetário está igualmente depletado, contribuindo para o distúrbio.
resistência insulínica é do tipo pós-receptor. Estes fenômenos já podem ser
observados em pacientes com TFG < 50 ml/min.
Toxinas dialisáveis estão implicadas na disfunção plaquetária urêmica,
com destaque para o ácido guanidinossuccínico. A anemia também
A resistência periférica à insulina melhora significativamente após os dois
contribui: com um hematócrito normal, o fluxo laminar de sangue faz
primeiros meses de terapia dialítica e com a dieta hipoproteica,
com que as hemácias se localizem no centro do vaso, "empurrando" as
evidenciando um provável papel das toxinas urêmicas dialisáveis na gênese
plaquetas para a periferia (local onde a interação com o endotélio lesado é
deste distúrbio. A disfunção das células beta pancreáticas está mais
facilitada). Quando o hematócrito diminui, as plaquetas se afastam da
relacionada ao hiperparatireoidismo e ao aumento do cálcio citossólico.
parede vascular, pois a massa de hemácias no centro do vaso é menor...

A intolerância à glicose é definida clinicamente por uma glicemia pós-


O distúrbio da hemostasia primária aparece nos exames como um
prandial de 2h maior que 140 mg/dl, enquanto o diabetes (ou
prolongamento do tempo de sangramento cutâneo (TS > 5min) e pela
pseudodiabetes urêmico) define-se por uma glicemia de jejum > 125 mg/dl
fragilidade capilar (prova do laço positiva). As manifestações clínicas
ou pós-prandial de 2h maior que 200 mg/dl. Ambos se associam a um
podem ir desde petéquias ou pequenas equimoses na pele até hemorragia
maior risco de aterosclerose, contribuindo para a elevada incidência de
cerebral ou digestiva. Sangramento gengival e epistaxe são comuns, assim
coronariopatia na DRC.
como sangramento pós-operatório prolongado.

A depuração da insulina plasmática reduz-se quando a filtração


O distúrbio urêmico da hemostasia pode ser inicialmente controlado pela
glomerular cai abaixo de 40 ml/min (40% da função renal), pois os rins são
administração de desmopressina (dDAVP): 3 µg/kg intranasal ou 0,3 µg/kg
responsáveis pela depuração de 30% da insulina produzida diariamente
intravenoso. A desmopressina é um análogo do ADH (vasopressina) que
pelo pâncreas, através da enzima insulinase. Por isso, pacientes diabéticos
tem a propriedade de induzir a liberação do fator de von Willebrand dos
que fazem uso de sulfonilureias ou insulina exógena podem apresentar

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hipoglicemia caso as doses não sejam devidamente corrigidas. Este efeito da eritropoetina na medula óssea. O PTH promove fibrose medular,
fenômeno já pode ocorrer mesmo nas fases mais iniciais da insuficiência importante fator que contribui para a queda na produção de hemácias!
renal crônica, quando a creatinina plasmática ainda está na faixa de 2 mg/dl.
Além destes fatores relacionados à própria síndrome urêmica, possíveis
Em suma: a síndrome urêmica pode predispor tanto à hiperglicemia agravantes da anemia em renais crônicos são carência de ferro, carência de
(intolerância à glicose e o pseudodiabetes urêmico) quanto à hipoglicemia, vitaminas (ácido fólico, B12) e intoxicação pelo alumínio. Destas, a
em diabéticos que fazem uso de insulina ou hipoglicemiantes orais. carência de ferro é a mais comum. A uremia predispõe ao sangramento,
principalmente por inibição da atividade plaquetária e lesão da mucosa
gastrointestinal. Por isso, muitos pacientes apresentam sangramento
OUTROS DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS crônico pelo trato digestivo, geralmente estômago ou duodeno. A
hemodiálise contribui bastante para a perda sanguínea crônica, seja
A IRC promove hipogonadismo, com redução dos níveis de estrogênio, em diretamente, pelo próprio circuito, seja indiretamente, através das coletas
mulheres, e testosterona em homens. Surge infertilidade (alterações frequentes de sangue para exames laboratoriais... Juntando todos estes
menstruais, abortamento espontâneo, oligoespermia) e disfunção sexual fatores, compreende-se que é comum a anemia ferropriva no paciente
(perda da libido, impotência). Adolescentes nefropatas crônicos renal crônico que não recebeu hemotransfusões frequentes. Uma
apresentam atraso ou mesmo ausência de maturação sexual. A diálise microcitose acentuada é um ponto a favor, porém, a anemia ferropriva
reverte parcialmente esses distúrbios, os quais, por outro lado, melhoram também pode ser normocítica. O diagnóstico deve ser feito na presença de
de forma mais consistente quando o indivíduo recebe um transplante ferritina < 100 ng/ml e saturação de transferrina < 20%. Neste caso, está
renal. indicada a reposição de ferro. É praxe a reposição rotineira de ferro IV em
pacientes submetidos à hemodiálise.

MANIFESTAÇÕES QUE NÃO RESPONDEM À


Outro fator importante para a anemia da DRC é a carência de folato
DIÁLISE
(tendência à anemia megaloblástica). O ácido fólico é perdido na
hemodiálise. Para evitar esta ocorrência, os nefrologistas também repõem
ANEMIA ácido fólico de rotina nos pacientes em programa de hemodiálise.

A anemia é uma das primeiras manifestações da síndrome urêmica. Em A anemia por intoxicação pelo alumínio deve ser suspeitada diante de uma

geral, se instala quando a filtração glomerular cai abaixo de 30-40 ml/min anemia microcítica que não responde à reposição de eritropoetina

(creatinina sérica > 2,0-3,0 mg/dl). Na doença renal em fase terminal, a recombinante nem ao ferro parenteral!!! Os níveis séricos de alumínio
anemia é um achado universal! Uma característica que chama a atenção é geralmente estão elevados (> 100 µg/L). O alumínio, como veremos, pode

a dissociação clinicolaboratorial – os pacientes com DRC toleram, ser proveniente da água utilizada para hemodiálise ou dos medicamentos

relativamente bem, graus importantes de anemia. quelantes de fosfato contendo alumínio (hidróxido de alumínio),
utilizados no tratamento da osteodistrofia renal. A intoxicação por
alumínio deve ser tratada com o quelante específico (desferoxamina).
A anemia urêmica é normocítica e normocrômica. É responsável por uma
série de sintomas atribuídos à síndrome urêmica, tais como astenia,
indisposição física e mental, depressão, deficit cognitivo, insônia, cefaleia, TRATAMENTO DA ANEMIA
diminuição da libido, anorexia e tendência ao sangramento. Pode
exacerbar o comprometimento cardiovascular, com angina, hipertrofia O tratamento da anemia urêmica baseia-se na reposição de eritropoetina
ventricular esquerda e insuficiência cardíaca congestiva. recombinante por via subcutânea, devendo ser iniciado quando os níveis
de hemoglobina caírem abaixo de 10 g/dl. O controle do
O principal fator implicado na gênese da anemia urêmica é a deficiência hiperparatireoidismo contribui para a melhora da anemia. A reposição de
relativa de eritropoetina, hormônio produzido por uma subpopulação de eritropoetina visa atingir uma hemoglobina média de 11 g/dl (entre 10-12
fibroblastos no interstício renal, em reposta à hipóxia tecidual, e que age g/dl) e um hematócrito de 33% (entre 30-36%). Nos pacientes com
na medula óssea estimulando a diferenciação de células-tronco em células hemoglobina > 12 g/dl que estejam em tratamento com eritropoetina
progenitoras da série eritroide. Qualquer fator que leve à hipóxia tecidual recombinante, deve-se reduzir a dose ou aumentar os intervalos de
aumenta a produção e liberação de eritropoetina pelo rim, tal como administração da medicação.
hipoxemia e a própria anemia. Os níveis séricos de eritropoetina em um
indivíduo hígido estão entre 10-12 mU/ml. Esses níveis podem aumentar
para 100-1.000 mU/ml em portadores de anemia hemolítica com A posologia é de 80-120 U/kg por semana, dividida em 3x/semana,
hematócrito de 25% e rins normais. Na insuficiência renal crônica, com via subcutânea (nos pacientes em programa de diálise). O principal
um hematócrito de 25%, os níveis de eritropoetina estão em 20-25 mU/ml, efeito adverso é a hipertensão arterial (ou a piora da hipertensão),
isto é, acima dos valores de referência, porém, muito abaixo do esperado que ocorre em 30-40% dos pacientes. Este aumento dos níveis
para o grau de anemia... tensionais deve ser manipulado com a intensificação da
ultrafiltração na diálise e/ou com o aumento das doses dos anti-
Contudo, a gênese da anemia urêmica é na verdade MULTIFATORIAL.
hipertensivos! A importância da anemia como responsável por boa
Toxinas dialisáveis e aumento de PTH também estão implicados,
parte dos sinais e sintomas do paciente urêmico crônico pode ser
reduzindo a meia-vida da hemácia de 120 para 65-70 dias e inibindo o
observada na grande melhora vista em usuários de eritropoetina
recombinante. Ocorre melhora substancial de vários sintomas
(astenia, indisposição, anorexia, tendência ao sangramento,
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alterações neuropsiquiátricas e cardiovasculares). Além disso, císticas no osso, as quais podem sangrar dando origem aos "tumores
pacientes com hipertrofia do ventrículo esquerdo podem apresentar marrons" (cistos repletos de sangue "antigo").
uma redução na massa do VE. A darbepoetina alfa (Aranesp), um
análogo da eritropoetina de meia-vida mais longa, pode ser
administrada a cada uma a duas semanas ou até mensalmente. Por que o PTH aumenta na uremia?

A produção de PTH pelas paratireoides é basicamente controlada


Antes de começar a eritropoetina recombinante, é fundamental avaliar os por: (1) calcitriol (forma ativa da vitamina D), através de um
estoques corporais de ferro; caso contrário, a anemia não responderá mecanismo de feedback negativo; (2) níveis séricos de fosfato; (3)
adequadamente ao tratamento! Determinam-se inicialmente a saturação níveis séricos de cálcio ionizado. O fosfato é o grande vilão! Em
de transferrina e a ferritina sérica. Quando a saturação de transferrina for fases precoces da falência renal crônica, quando a filtração
< 20% ou a ferritina for < 100 ng/ml, é obrigatória a reposição de ferro glomerular está abaixo de 40 ml/min, o fosfato começa a ser retido
por cinco semanas antes da primeira dose de eritropoetina. Um esquema e precisa ser filtrado em excesso pelos néfrons remanescentes, um
comumente utilizado é: ferro parenteral (IV) 50-100 mg 2x/semana por fenômeno sabidamente inibitório da produção de calcitriol pelas
cinco semanas. Se não for atingido o alvo (Sat > 20% e ferritina > 100 células tubulares proximais. A queda na produção de calcitriol
ng/ml), o esquema deve ser repetido. estimula a secreção de PTH, simplesmente pela perda do feedback
negativo. Quando a filtração glomerular cai abaixo de 20 ml/min, já
Em pacientes com sinais e sintomas decorrentes de anemia aguda, o pode surgir a hiperfosfatemia (P > 4,5 mg/dl), um fator que também
melhor tratamento é a transfusão de concentrado de hemácias. No estimula, por si só, a síntese de PTH. Uma tendência à
entanto, vale destacar que hemotransfusões repetidas devem ser evitadas hipocalcemia começa a ocorrer, devido a dois fatores: o efeito
no doente renal crônico: não só se aumenta o risco de doenças como a quelante do cálcio ionizado pelo fosfato aumentado e a redução da
hepatite C, e o risco de sobrecarga crônica de ferro (hemocromatose absorção intestinal de cálcio pela queda dos níveis de calcitriol. O
secundária), como também se aumenta o risco de sensibilizar o indivíduo cálcio, ao contrário dos demais eletrólitos, tem na absorção
contra antígenos presentes nas hemácias recebidas ("aloimunização"), o intestinal a principal via de regulação de seu balanço corporal. Em
que pode induzir reação cruzada com antígenos do enxerto renal caso o condições fisiológicas, o aumento do PTH corrigiria prontamente os
paciente venha a ser transplantado no futuro... níveis séricos de cálcio, por aumentar a retirada deste elemento dos
ossos; entretanto, a síndrome urêmica provoca uma resistência do
osso ao efeito hipercalcemiante do PTH. Portanto, muitos pacientes
OSTEODISTROFIA RENAL com DRC apresentam níveis séricos de cálcio levemente reduzidos,
entre 7,5-8,5 mg/dl.
A osteodistrofia renal é um distúrbio da síndrome urêmica (não
responsivo ou parcialmente responsivo à diálise) que leva à alteração da
matriz do osso e sua desmineralização, predispondo o paciente à dor Enquanto o osso do paciente demonstra as alterações do
óssea, fraturas patológicas e deformidade esquelética. Existem dois tipos hiperparatireoidismo secundário (osteíte fibrosa cística), o exame de
principais de doença óssea na doença renal crônica: (1) osteopatia de alto sangue revela a combinação de: hiperfosfatemia + hipocalcemia + elevação
metabolismo (alto turn over), decorrente do hiperparatireoidismo do PTH-intacto (> 100 pg/ml). O cálcio pode estar levemente reduzido ou
secundário, também chamada de osteíte fibrosa cística; (2) osteopatia de normal baixo e o fosfato muitas vezes encontra-se bastante elevado (> 6,5
baixo metabolismo (baixo turn over), também chamada de doença óssea mg/dl). O chamado duplo-produto Ca x P está geralmente elevado (> 45),
adinâmica. Atualmente, sabemos que esses dois tipos possuem prevalência o que pode resultar na precipitação de fosfato de cálcio insolúvel nos
semelhante e, muitas vezes, o tratamento da osteíte fibrosa cística permite tecidos e vasos sanguíneos, determinando problemas cardíacos (doença
que "apareça" uma doença óssea adinâmica que estava previamente coronariana, valvopatias calcíficas), rigidez vascular com hipertensão
oculta. Uma terceira forma, menos comum, é a osteomalacia, também de sistólica e isquemia e necrose da pele (calcifilaxia). A hiperfosfatemia
baixo turn over. crônica é comprovadamente um fator de risco cardiovascular...

Os distúrbios metabólicos que desencadeiam a osteodistrofia renal SAIBA MAIS...


costumam se instalar quando a TFG cai abaixo de 30-59 ml/min, mas
Um hormônio produzido por osteócitos, chamado FGF 23 (Fibroblast
tornam-se mais acentuados na medida em que a disfunção renal progride.
Growth Factor 23), aumenta já nas fases iniciais da doença renal
crônica. Como se trata de uma substância "fosfatônica" (cujo efeito é
OSTEÍTE FIBROSA CÍSTICA: reduzir os níveis séricos de fosfato), o principal estímulo para o seu
HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO aumento é a retenção renal de fosfato! Nas fases iniciais dessa
retenção, a fosfatemia pode permanecer dentro da faixa de
normalidade devido a um aumento nos níveis séricos de FGF 23!!!
O paratormônio (PTH) estimula a reabsorção do osso, o que, por sua vez,
Todavia, o FGF 23 assume um importante papel na fisiopatologia da
ativa a neoformação óssea (alto turn over). O osso neoformado perde sua
síndrome urêmica: (1) estimula diretamente a secreção de PTH pelas
arquitetura composta por lâminas paralelas de colágeno mineralizado –
paratireoides; (2) suprime a síntese renal de 1,25 di-hidroxivitamina D
osso lamelar – e ganha uma nova arquitetura, caracterizada pela
(calcitriol); e (3) representa fator de risco independente para hipertrofia
desorganização das fibras colágenas mineralizadas – o chamado osso
do ventrículo esquerdo e morbimortalidade cardiovascular... Logo, um
"trançado" ou "entrelaçado" – do inglês woven bone. Este osso é bastante
aumento do FGF 23, mesmo na vigência de níveis séricos normais de
propenso a fraturas e deformidades! O estímulo metabólico excessivo
fosfato, já sinaliza a necessidade de dar início à terapia anti-
também leva à fibrose parcial da medula óssea e ao surgimento de áreas

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fosfatêmica – primeiro implantando-se a restrição dietética de fosfato,
posteriormente lançando-se mão de quelantes orais de fosfato...

■ ACHADOS CLÍNICOS

É comum que o paciente com doença renal avançada apresente


manifestações clínicas de osteodistrofia renal. Os sinais e sintomas são os
mesmos, independente do tipo predominante de osteopatia (osteíte
fibrosa, doença adinâmica ou osteomalacia). A dor óssea predomina na
região lombar (lombalgia) e pelo acometimento vertebral. Outros sítios
comuns de dor são: quadril, joelho, membros inferiores, costelas. As
fraturas patológicas podem aparecer com pequenos traumas ou distensão
do osso. São comuns nas vértebras e nas costelas, mas podem ocorrer em
outros locais. Entre as deformidades ósseas, a mais encontrada é a
cifoescoliose toracolombar. Nas crianças surge uma síndrome semelhante
ao raquitismo – "raquitismo renal".

O exame de sangue e o exame radiológico podem sugerir o tipo de


osteopatia, embora a confirmação só seja possível através da biópsia óssea
(padrão-ouro). Os seguintes achados são sugestivos de osteíte fibrosa
cística (doença de alto turn over):

● Hiperfosfatemia grave (P > 6,5 mg/dl); Fig. 4: Reabsorção subperiosteal das falanges dos dedos da mão – achado mais
característico.
● PTH-intacto muito elevado (> 450 pg/ml);

● Fosfatase alcalina sérica elevada;

● Achados radiológicos.

ACHADOS RADIOGRÁFICOS DO HIPERPARATIREOIDISMO

1. Depósitos teciduais e vasculares de cálcio – FIGURA 3.

2. Reabsorção subperiosteal das falanges da mão (achado mais


característico) – FIGURA 4.

3. Crânio em "sal e pimenta" – FIGURA 5.


Fig. 5: Crânio em "sal e pimenta" – áreas líticas se alternando a áreas blásticas
(hiperdensas).
4. Coluna em camisa rugger jersey – FIGURA 6.

5. "Tumor marrom" – FIGURA 7.

Fig. 3: Observar a deposição de cálcio nos tecidos moles periarticulares (setas pretas)
e em um vaso (setas brancas).

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Fig. 6: Coluna em rugger jersey (em referência a um tipo de camisa americana listrada)
– a comparação é feita pela presença de áreas blásticas nos limites superior e inferior
da vértebra e áreas líticas no centro.

Fig. 7:"Tumor marrom" – lesões císticas entremeadas à esclerose óssea, encontradas


especialmente nas extremidades (úmero, falanges, etc.). Possui este nome em função
de seu aspecto macroscópico característico.

Das complicações da calcificação tecidual, quando o produto cálcio-


fosfato encontra-se muito alto (> 60-70), a calcifilaxia é a mais
temida, sendo decorrente da calcificação obstrutiva de pequenas
artérias da periferia cutânea, levando à isquemia e necrose
(gangrena), mais comum na região da coxa (lesões ulceradas e
enegrecidas) e nos dedos do pé. Outras complicações são:
calcificação coronariana (fator de risco para isquemia miocárdica),
calcificação de Monckeberg (camada média das grandes artérias),
achado comum nas radiografias, calcificação periarticular
(FIGURA 3), disfunção miocárdica, pneumopatia restritiva e prurido
(depósito de fosfato de cálcio na derme). Vale destacar que o uso
de warfarin é fator de risco para calcifilaxia: o warfarin inibe a
síntese de GLA, uma proteína da matriz extracelular que protege os
vasos contra a deposição de sais de cálcio. A GLA depende de
vitamina K para sua síntese, e o warfarin é um antagonista da
vitamina K...

A biópsia óssea pode ser necessária, nos casos duvidosos, para confirmar o
tipo de osteopatia. A presença do woven bone, aumento das lacunas de

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reabsorção, fibrose medular, cistos e teste da tetraciclina revelando alto Como os grandes fatores que geram e mantêm os elevados níveis de PTH
turn over são diagnósticos da osteíte fibrosa cística. na síndrome urêmica são a hiperfosfatemia e a deficiência de calcitriol, o
tratamento se baseia na redução dos níveis séricos de fosfato e no
aumento dos níveis séricos de calcitriol. A primeira medida é a restrição de
DOENÇA ÓSSEA ADINÂMICA
fosfato na dieta (< 800 mg/dia). A restrição de proteínas é a principal
maneira de se restringir a ingestão de fosfato... Se a restrição dietética de
A doença óssea adinâmica é uma forma atualmente comum de
fosfato não for suficiente, ou a hiperfosfatemia for grave, está indicado o
osteodistrofia renal. Os fatores de risco mais importantes são: idade
uso de quelantes orais de fosfato, administrados juntamente às refeições
avançada, diabetes mellitus e, principalmente, a terapia do
(evitam a absorção do fosfato presente na dieta).
hiperparatireoidismo secundário (ver adiante). Esta forma de osteopatia,
também chamada de doença óssea aplásica, é caracterizada por um baixo
metabolismo e atividade celular do osso, determinando uma importante O primeiro quelante usado na história foi o hidróxido de alumínio.
perda da densidade óssea (como se fosse uma osteoporose...). A Embora ainda possa ser indicado por tempo limitado em casos
patogênese é pouco compreendida, mas provavelmente envolve uma sintomáticos de duplo-produto Ca x P muito elevado, os quelantes
influência negativa do estado inflamatório crônico associado à DRC de alumínio estão sendo evitados para uso crônico, por induzirem
(parece que o excesso de citocinas pró-inflamatórias diminui a atividade osteomalacia e outros inconvenientes da intoxicação alumínica. O
metabólica do osso). Postula-se que a maioria dos pacientes urêmicos carbonato de cálcio é ainda um dos quelantes mais usados –
possua a tendência a desenvolver a doença óssea adinâmica; entretanto, os dose: 0,5-1 g VO às refeições. É bastante eficaz em reduzir a
elevados níveis de PTH mantêm este problema oculto por desencadear hiperfosfatemia, porém traz inconvenientes como o risco de
uma desordem óssea totalmente oposta, de alto turn over. Com a correção hipercalcemia grave (principalmente quando associado à reposição
do hiperparatireoidismo, a doença adinâmica poderia então se de calcitriol) e aumento do duplo-produto Ca x P e suas
manifestar... O diagnóstico é suspeitado por um PTH-intacto < 150 pg/dl consequências (ex.: maior calcificação coronariana)... Nos últimos
e confirmado pela biópsia óssea. anos, o cloridrato de sevelamer (Renagel) passou a ser o quelante
de escolha, embora de maior custo. Trata-se de um polímero não
absorvível que não contém cálcio; portanto, não acarreta
OSTEOMALACIA
complicações de hipercalcemia e aumento do duplo-produto
(reduzindo o risco de coronariopatia em relação ao carbonato de
■ INTOXICAÇÃO POR ALUMÍNIO cálcio). A dose inicial varia com os níveis de fósforo. Os
comprimidos (de 400 ou 800 mg) ou cápsulas (de 400 mg) devem
ser administrados junto às refeições, três vezes ao dia (tabela
No início da era dialítica, a hemodiálise piorava os sintomas ósseos
abaixo).
de pacientes com osteodistrofia, e parecia aumentar a incidência de
fraturas patológicas. Estudos com biópsia mostraram que a "frente
de mineralização óssea" desses indivíduos estava repleta de
alumínio, que era proveniente da água da hemodiálise... Pacientes DOSAGEM DE FÓSFORO NO DOSE DE CLORIDRATO DE
que usavam hidróxido de alumínio como quelante de fosfato SANGUE SEVELAMER
também apresentavam os mesmos achados... A intoxicação por
alumínio gera várias manifestações! A mais grave é a 6,0-7,4 mg/dl 800 mg 3x/dia
encefalopatia por alumínio, um quadro semelhante à 7,5-8,9 mg/dl 1.200 mg 3x/dia
encefalopatia urêmica, mas que era desencadeado (e não > 9,0 mg/dl 1.600 mg 3x/dia
revertido) pela hemodiálise. A forma crônica desta encefalopatia
leva à demência. Uma forma de anemia microcítica refratária é
outro componente importante desta intoxicação. A osteomalacia
então completaria a tríade, embora possa ser a única manifestação
da intoxicação alumínica crônica. Para ter intoxicação alumínica, os
rins precisam estar muito doentes, pois caso contrário, todo o
alumínio é eliminado pela urina.

Osteomalacia é uma osteopatia de baixo turn over que, diferentemente da


doença óssea adinâmica, apresenta no histopatológico aumento do
volume de osteoide (proteína óssea) não mineralizado. O diagnóstico é
facilmente confirmado pela biópsia. A osteomalacia pode ser causada
também pela deficiência de calcitriol e pela acidose metabólica crônica. Em
crianças, a mesma osteopatia se manifesta como raquitismo ("raquitismo
renal"), cursando com deformidades e deficit de crescimento.

TRATAMENTO DA OSTEODISTROFIA RENAL

■ HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO
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Fraturas recorrentes.

Prurido intratável.

Disfunção orgânica por calcificação.

Calcifilaxia.

Hiperparatireoidismo terciário (hipercalcemia grave e espontânea,


refratária).

Hiperfosfatemia + alto duplo-produto refratários.

E o hiperparatireoidismo terciário?

Alguns pacientes urêmicos desenvolvem hipercalcemia, mesmo


sem usar carbonato de cálcio e calcitriol. A explicação é a seguinte:
o estímulo crônico à paratireoide, presente no hiperparatireoidismo
secundário, pode levar à formação de "ilhas" de produção
autônoma de PTH, funcionando como um hiperparatireoidismo
primário em cima de um secundário. A hipercalcemia pode levar a
náuseas, vômitos, hipertensão arterial, queda do sensório e
convulsões. O tratamento consiste em diálise (para depurar o
cálcio) e paratireoidectomia subtotal.

■ DOENÇA ÓSSEA ADINÂMICA

Não possui tratamento específico e também não responde à diálise. A


Fig. 8: A pseudofratura de Looser: um achado característico da osteomalacia na
conduta preconizada é deixar o PTH ficar mais elevado (entre 150-300
insuficiência renal crônica.
pg/dl), reduzindo ou suspendendo a terapia do hiperparatireoidismo.

Nos casos refratários à restrição dietética de fosfato e aos quelantes,


devemos acrescentar a reposição de calcitriol (metabólito ativo da ■ OSTEOMALACIA PELO ALUMÍNIO
vitamina D). Dose: 0,5-1 micrograma/dia. Monitora-se a calcemia e a
fosfatemia, mantendo o fosfato próximo a 4,5 mg/dl e o cálcio próximo a
8,5 mg/dl. Os níveis de PTH devem ser mantidos entre 150-300 pg/ml
O tratamento é reduzir o alumínio da água da hemodiálise,
(valores relativamente altos), para evitar o surgimento de doença óssea
suspender o uso de qualquer sal contendo alumínio bem como
adinâmica. Análogos do calcitriol (ex.: paricalcitol) apresentam como
qualquer produto contendo citrato (o citrato aumenta em 50 vezes a
vantagem em relação ao calcitriol uma menor probabilidade de produzir
absorção intestinal de alumínio). Nos casos graves ou refratários,
hipercalcemia importante (o paricalcitol consegue inibir a síntese e a
está indicado o quelante de alumínio desferoxamina , por via
liberação de PTH pelas paratireoides sem aumentar a absorção intestinal
subcutânea. Atualmente, a intoxicação por alumínio tem sido bem
de cálcio). Os calciomiméticos (ex.: cinacalcet) podem ser associados às
menos comum, devido ao tratamento da água para hemodiálise
demais medidas citadas nos pacientes que se mostram refratários, com o
pelo processo de "osmose reversa". Não podemos esquecer que a
objetivo de reduzir os níveis de PTH sem aumentar o cálcio sérico. São
acidose metabólica crônica da uremia contribui para a
drogas moduladoras dos receptores cálcio-sensíveis da paratireoide que
desmineralização óssea e, portanto, deve ser corrigida com a
causam supressão do PTH reduzindo os níveis séricos de cálcio e fósforo.
reposição de bases (bicarbonato de sódio).

A cirurgia de paratireoidectomia subtotal está indicada nas situações


descritas na tabela a seguir. A cirurgia é relativamente fácil, já que as
MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS
paratireoides encontram-se bastante hipertrofiadas nestes doentes...
Diversas alterações em pele e fâneros são descritas na síndrome urêmica.
A pele do paciente urêmico costuma ser seca (xerose urêmica) e
INDICAÇÕES DE PARATIREOIDECTOMIA SUBTOTAL NA hiperpigmentada (principalmente em áreas expostas ao Sol), devido à
UREMIA redução da vitamina A cutânea (a despeito de níveis plasmáticos
aumentados desta vitamina) e ao acúmulo de urocromos (escórias
Dor óssea intratável. pigmentadas), respectivamente. Em pacientes não submetidos à terapia de
substituição renal pode-se observar uma espécie de pó branco, a chamada

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neve urêmica (FIGURA 9). A neve urêmica é uma das únicas
manifestações cutâneas que pode reverter com a diálise.

Fig. 9: A neve urêmica: compostos nitrogenados em excesso no suor formam um pó


branco quando este se seca. Como costuma ocorrer em pacientes com níveis
azotêmicos muito altos, passou a ser menos encontrada nos dias de hoje, em função
dos programas de tratamento (diálise) precoce.
Fig. 10: Unha meio a meio (half-half ou "unha de Lindsay") – a metade distal é rosada
ou castanha e está nitidamente separada da proximal, mais branca. Não há relação
A porfiria cutânea tarda, uma dermatoporfiria bolhosa caracterizada pelo com a gravidade da doença renal.
acúmulo de uroporfirinas, tem incidência aumentada na síndrome
urêmica.
A Fibrose Sistêmica Nefrogênica (FSN) é uma condição que cursa com
fibrose difusa dos tecidos conjuntivos do corpo e acomete pacientes renais
O prurido urêmico é multifatorial. Pode melhorar com a diálise, sugerindo
crônicos expostos ao gadolínio (contraste paramagnético em exames de
correlação com toxinas urêmicas. Contudo, algumas vezes não melhora e
ressonância nuclear). Atualmente se recomenda que pacientes com TFG
está intimamente relacionado ao hiperparatireoidismo. A maioria dos
60-89 ml/min minimizem a utilização deste tipo de contraste, ao passo que
pacientes com prurido intenso e refratário apresenta níveis séricos
os portadores de DRC mais avançada devem evitar o uso de gadolínio. A
elevados de PTH, com boa resposta à paratireoidectomia subtotal. Este
coexistência de hepatopatia crônica parece aumentar o risco de FSN...
tipo de prurido pode ser exacerbado pelo acúmulo de cálcio na derme e
epiderme ou pela hipersensibilidade das terminações nervosas periféricas
induzida pelo PTH. O prurido pode ocorrer sem nenhuma alteração SAIBA MAIS...
cutânea associada (pruritus sine materia) ou cursar com as seguintes Leuconíquia na DRC
lesões: (1) prurigo nodularis; (2) hiperceratose folicular; (3) líquen simples.
A "leuconíquia" ("unhas brancas") pode ser de dois tipos: unhas de
Os cabelos tornam-se quebradiços, secos e podem perder a coloração. No Lindsay (unhas half-half) e unhas de Terry. Ambas são possíveis na
entanto, a alopecia não costuma ocorrer como resultado da uremia. IRC! Todavia, a primeira é bem mais específica para IRC do que a
segunda... As unhas de Terry são caracterizadas por coloração branca
As unhas podem mostrar uma série de alterações. A mais típica da nos 80% proximais da placa ungueal, ao passo que as unhas de
síndrome urêmica é denominada unha meio a meio (FIGURA 10), Lindsay são caracterizadas por coloração branca apenas na metade
caracterizada por uma discromia bem demarcada de tom marrom ou proximal da placa ungueal... As unhas de Terry são causadas por uma
róseo na metade distal da unha. espécie de "envelhecimento acelerado" da unha, secundário a um
processo de perda do suprimento vascular. Não há relação com
hipoalbuminemia ou anemia. São observadas em diversas condições
sistêmicas, como cirrose hepática (principal causa – 80% dos casos),
IRC, diabetes mellitus tipo 2, insuficiência cardíaca congestiva,
hipertireoidismo e no envelhecimento normal... Já as unhas de Lindsay
(FIGURA 10), basicamente só aparecem na IRC (10-35% dos
pacientes) e têm relação direta com a presença de hipoalbuminemia. É
interessante notar que este sinal desaparece, na maioria dos
pacientes, após um transplante renal bem sucedido, mas não sofre
influência da terapia de substituição renal (diálise). Uma etiologia mais
rara da unha de Lindsay é o uso sistêmico de 5-fluorouracil (ex.:
quimioterapia do Ca de cólon)...

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A periartrite calcífica e a tenossinovite urêmica são manifestações
MANIFESTAÇÕES ARTICULARES E
frequentes associadas ao depósito de cristais de hidroxiapatita no tecido
MUSCULARES
periarticular. Diferenciam-se clinicamente da artrite pela ausência de
edema articular importante e pela presença de eritema significativo na
ENVOLVIMENTO ARTICULAR E região da articulação acometida. A movimentação ativa está prejudicada,
PERIARTICULAR mas não a passiva. Os cristais de hidroxiapatita extraósseos ocorrem
devido a um duplo produto cálcio-fosfato elevados.
Pacientes com uremia crônica podem apresentar quadros agudos de
monoartrite, oligoartrite, periartrite ou tenossinovite. As duas principais A amiloidose por β-2-microglobulina, relacionada à hemodiálise crônica,
causas de monoartrite a serem consideradas na uremia são: (1) depósito manifesta-se frequentemente com a síndrome do túnel do carpo. Esta
de cristais; (2) artrite séptica. A punção do líquido sinovial, se factível, síndrome se caracteriza por parestesias e dor em uma das mãos,
deve sempre ser realizada para a diferenciação. Na artrite por depósito de especialmente no 1º, 2º e 3º quirodáctilos, devido à compressão do nervo
cristais, o aspecto é turvo e os leucócitos encontram-se na faixa 2.000- mediano pelo depósito da proteína amiloide. Nos casos mais graves, a
40.000/mm³, enquanto na artrite séptica o aspecto é turvo ou purulento e paresia dos quirodáctilos citados leva à mão em garra. O tratamento é a
os leucócitos estão mais elevados, na faixa 20.000-300.000/mm³. A cirurgia descompressiva.
bacterioscopia pelo Gram e a cultura confirmarão, em boa parte dos
casos, o diagnóstico da artrite séptica.
ENVOLVIMENTO MUSCULAR
A artrite por depósito de cristais pode ser de quatro tipos: (1) gota; (2)
A fraqueza muscular está altamente ligada à osteodistrofia renal, sendo
pseudogota; (3) artrite por oxalato de cálcio; (4) artrite por fosfato de
chamada de miopatia urêmica. O principal fator causal é a deficiência de
cálcio básico. A gota tem prevalência aumentada na síndrome urêmica,
calcitriol. Este hormônio é importante para uma função muscular normal.
devido à hiperuricemia típica desses pacientes. As articulações mais
Outras condições associadas à hipovitaminose D, que não a falência renal,
acometidas são a metatarsofalangiana do hálux (podagra) e o joelho. O
também cursam com miopatia... Fatores que contribuem para a miopatia
líquido sinovial revela a presença de cristais com birrefringência negativa à
urêmica são a acidose metabólica e o efeito direto do PTH no músculo
microscopia com luz polarizada, que correspondem aos cristais de urato
esquelético (acúmulo intracelular de cálcio), levando à proteólise e
monossódico. A pseudogota também é comum na uremia. Nesta patologia,
balanço negativo de nitrogênio.
o depósito articular é de pirofosfato de cálcio. Acomete principalmente
joelho e punho. A radiografia pode revelar condrocalcinose, isto é,
O quadro é de fraqueza da musculatura proximal (cinturas pélvica e
calcificação do tecido cartilaginoso e fibroso (menisco, cartilagem
escapular), manifestando-se como dificuldade em levantar da cadeira,
triangular do punho, ligamentos, cápsula sinovial). O líquido sinovial
subir escada, pentear o cabelo, etc. Pode haver dor muscular, porém, as
revela cristais com birrefringência positiva. A artrite por oxalato de cálcio
enzimas musculares não se elevam!
é uma entidade típica da uremia, acometendo articulações periféricas ou
centrais. O principal fator associado é a reposição de vitamina C (ácido
ascórbico), pois o oxalato é derivado do metabolismo desta vitamina. A O principal diagnóstico diferencial é com a miopatia secundária à
artrite por fosfato de cálcio básico deve ser suspeitada quando o líquido neuropatia periférica urêmica. Outras entidades que devem ser afastadas
sinovial não revelar cristais birrefringentes, uma vez afastada a artrite são a isquemia muscular por calcifilaxia e a miopatia por corticoide.
séptica.

MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS E
O tratamento da artrite por depósito de cristais deve ser feito com AINE CORONARIANAS
ou colchicina, na fase aguda, tomando-se o cuidado de utilizar doses mais
baixas e por curto período, visando evitar a toxicidade. A indometacina é
As causas mais comuns de óbito no doente renal crônico são
uma boa escolha, por ter metabolismo hepático. A hiperuricemia deve ser
cardiovasculares (40% de todos os óbitos), através do desenvolvimento de
tratada com alopurinol em doses corrigidas.
insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio ou morte
súbita arrítmica. Aqui serão revisadas aquelas que não respondem ou que
A artrite séptica tem incidência aumentada no paciente urêmico, devido à
respondem apenas parcialmente à diálise. Infelizmente são as que mais
deficiência imunológica e à presença de "portas de entrada" (cateter
matam o paciente. Os fatores de risco para doença cardiovascular
duplolúmen, fístula AV para hemodiálise, cateter peritoneal). As
presentes no paciente com DRC que contribuem para o desenvolvimento
articulações mais acometidas são o joelho, o ombro e o quadril. As
da aterosclerose acelerada, hipertrofia ventricular esquerda e doença
bactérias mais comuns são o Staphylococcus aureus e os Gram-negativos
coronariana encontram-se na tabela a seguir:
(gonococos, Pseudomonas, E. coli, Klebsiella). Porém, nos casos com
cultura negativa, deve-se suspeitar de infecção por Salmonella arizona,
fungo ou tuberculose. A biópsia sinovial guiada por artroscopia pode
orientar o diagnóstico nesta circunstância. O diagnóstico e o tratamento
devem ser precoces, para evitar a destruição articular. No renal crônico, a
artrite séptica pode ocorrer sem febre ou leucocitose, daí a importância da
punção articular precoce, até porque está incluída no tratamento a
drenagem repetida da articulação. Esta pode ser feita através da
artroscopia. No caso do quadril, a drenagem deve ser por cirurgia aberta.
DOENÇA CORONARIANA E ATEROSCLEROSE

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Indubitavelmente, a doença coronariana aterosclerótica tem incidência miocárdica, calculada pelo ecocardiograma, no caso, > 102 g/m² em
muito aumentada na uremia. Este fato se deve à aterosclerose acelerada mulheres e > 130 g/m² em homens.
desses pacientes, causada por fatores de risco tradicionais (HAS,
dislipidemia, DM, hiper-homocisteinemia) e fatores de risco não A HVE é um fator de risco independente para morbimortalidade
tradicionais (inflamação sistêmica, redução do óxido nítrico, disfunção cardiovascular! Também pode causar insuficiência cardíaca do tipo
endotelial), todos secundários ao estado de falência renal crônica... Trata- diastólica, definida como pressões de enchimento elevadas, sem disfunção
se de uma das manifestações que não respondem à diálise, mas que pode sistólica. As pressões de enchimento elevam-se como consequência ao
melhorar após transplante renal. Cerca de 30-40% dos pacientes que deficit de relaxamento miocárdico e à redução da complacência do
iniciam o programa de diálise apresentam angina pectoris ou já tiveram ventrículo. A isquemia miocárdica pode ser um fator contribuinte. Este
um infarto agudo do miocárdio. tipo de insuficiência cardíaca também leva à congestão pulmonar,
principalmente no paciente hipervolêmico, manifestando-se como
A placa aterosclerótica obstrui progressivamente as coronárias dispneia e ortopneia.
epicárdicas, e ao evoluir com instabilidade (inflamação intraplaca, seguida
de fissura), leva à trombose coronariana causadora da síndrome isquêmica
CARDIOMIOPATIA DILATADA
aguda. A isquemia miocárdica aguda ou crônica pode levar à disfunção
sistólica ventricular e às arritmias ventriculares, desde extrassístoles até
A uremia crônica pode levar à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo,
fibrilação ventricular (morte súbita). O IAM é a causa mortis em 15% dos
casos. Outro mecanismo de isquemia miocárdica é a doença microvascular. causando cardiomiopatia dilatada – cardiomiopatia urêmica. É definida ao

A reserva coronariana está comprometida mesmo nos pacientes que não ecocardiograma como uma redução da fração de ejeção (< 55%) associada
ao aumento dos diâmetros cavitários (diâmetro diastólico > 5,7 cm e
apresentam obstrução das coronárias epicárdicas pela coronariografia. A
diâmetro sistólico > 3,7 cm). Além da uremia propriamente dita, a
disfunção endotelial, predispondo à vasoconstrição, e a hipertrofia
ventricular esquerda, são mecanismos centrais na doença microvascular hipertensão arterial, a isquemia miocárdica e o infarto miocárdico podem
contribuir para o quadro. O diabetes mellitus também pode causar
miocárdica.
cardiomiopatia dilatada (cardiomiopatia diabética). Clinicamente,
manifesta-se com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva:
Hoje sabemos que os renais crônicos – além da maior incidência de
dispneia, ortopneia, estertoração pulmonar, turgência jugular,
doença coronariana – também possuem maior mortalidade (em
hepatomegalia e edema. A anemia agrava a síndrome, o que pode ser
comparação com pacientes não nefropatas) após a ocorrência de um
constatado quando da reposição de eritropoetina, reduzindo-se os
evento isquêmico miocárdico (ex.: IAM).
diâmetros ventriculares e a massa ventricular ao ecocardiograma. A
cardiomiopatia urêmica com insuficiência cardíaca congestiva é uma das
SAIBA MAIS... principais complicações cardiovasculares na síndrome urêmica,
Os níveis séricos de troponinas cardioespecíficas não raro encontram- responsável por cerca de 35% dos óbitos.
se cronicamente aumentados na DRFT sem que isso signifique injúria
miocárdica aguda (IAM). Por tal motivo, uma única dosagem
DISLIPIDEMIA
aumentada de troponina não deve levar ao diagnóstico imediato de
IAM neste grupo de pacientes! Para confirmação diagnóstica é
A dislipidemia mais comum da uremia é a hi pertrigliceridemia isolada
necessário observar a curva de troponina – se os níveis forem
(tipo IV), detectada em cerca de 80% dos pacientes. Há uma queda do
mantidos após dosagens seriadas, isto é, se não houver aumento com
HDL, enquanto o LDL e o colesterol total encontram-se geralmente na
o passar das horas, NÃO se trata de infarto agudo, independente da
faixa normal. A hipertrigliceridemia da síndrome urêmica ocorre muito
presença de sintomas... De qualquer forma, portadores de IRC que
mais pela inibição da degradação do que pelo aumento da produção de
apresentam troponinas cronicamente elevadas possuem pior
lipoproteínas, ao contrário da dislipidemia do diabetes mellitus. A
prognóstico cardiovascular do que os indivíduos que permanecem com
hipertrigliceridemia é um fator de risco para aterosclerose, principalmente
troponinas normais! A troponina de escolha para diagnóstico de IAM no
quando associada à redução do HDL.
renal crônico – por ter demonstrado possuir menor número de falso-
positivos – é a troponina I (cTNI).
A dislipidemia é decorrente da inibição pela uremia de diversas enzimas
do metabolismo lipídico. O LDL, apesar de não se elevar pela uremia,
HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA apresenta alterações qualitativas que, juntamente com as alterações do
HDL, levam a um estado de bloqueio na retirada de colesterol dos vasos –
A Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE) responde apenas parcialmente contribuindo para a aterosclerose acelerada. As estatinas podem ser
à diálise, mas pode reverter completamente com o transplante renal. Cerca usadas, com o objetivo de manter o LDL < 100 mg/dl.
de 80% dos pacientes com uremia crônica apresentam HVE, definida
como uma espessura da parede do VE > 1,2 cm no ecocardiograma.
Alguns possuem HVE grave (> 1,4 cm). Um fator importante é a
ESTADO HIPERCATABÓLICO: DESNUTRIÇÃO
hipertensão arterial, que contribui pela sobrecarga pressórica crônica do PROTEICOCALÓRICA
ventrículo esquerdo. A HVE é do tipo concêntrica (espessura aumentada
com diâmetros cavitários normais ou reduzidos) em 50% dos pacientes e O metabolismo das proteínas também está alterado na uremia. O paciente
do tipo excêntrica (espessura aumentada com diâmetros aumentados) em urêmico costuma ter catabolismo proteico acelerado, ao mesmo tempo em
30% deles. A HVE também pode ser definida como um aumento da massa que ingere pouca quantidade de proteína, devido à anorexia. A
consequência é a desnutrição proteicocalórica, presente em cerca de 40%

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dos pacientes em programa de diálise. Alguns pacientes, em torno de 7%, Muitas vezes nos deparamos com um paciente que apresenta elevação das
apresentam desnutrição grave! escórias nitrogenadas, mas não sabemos se ele tem insuficiência renal
aguda ou crônica. Como diferenciar?
O perfil nutricional se reflete nos níveis séricos de albumina e na relação
entre as concentrações de aminoácidos essenciais em relação aos não Bem, a primeira coisa é procurar um exame antigo, para comparar os
essenciais. A perda proteica pode ocorrer na urina, nos portadores de níveis prévios de ureia e creatinina. Se isso não for possível, podemos
síndrome nefrótica que ainda apresentam diurese significativa, ou na averiguar a presença de certos parâmetros que sugerem doença crônica.
diálise peritoneal. Os pacientes em CAPD podem perder 9 g/dia de Veja... Anemia normocítica normocrômica sugere cronicidade, pois tal
proteína pelo peritôneo, ocorrendo importante aumento das perdas nos achado é menos comum no renal agudo – e quando presente, não é pela
casos de peritonite. A desnutrição proteicocalórica e a hipoalbuminemia insuficiência renal, e sim pela doença de base (hemorragia, sepse). A
são fatores bem documentados de mau prognóstico nos pacientes em existência de uma síndrome de osteodistrofia renal, com alterações
programa de diálise. A desnutrição aumenta a chance e a gravidade das radiológicas sugestivas, hipocalcemia, hiperfosfatemia e dor óssea,
infecções... A elevação plasmática de alguns aminoácidos pode ser também indica cronicidade. Uma desproporção entre o grau de azotemia e
prejudicial, como no caso da homocisteína. Seus níveis geralmente estão os sintomas urêmicos também ajuda: renais crônicos podem ter ureia de
aumentados na uremia. A hiper-homocisteinemia é fator de risco 100 mg/dl e creatinina de 8,0 mg/dl, permanecendo oligossintomáticos.
independente para a aterosclerose acelerada. Veremos na parte Estes valores no renal agudo certamente levariam o paciente à síndrome
"tratamento" as recomendações atuais a respeito da quantidade de urêmica sintomática! Contudo, o melhor exame para dirimir esta dúvida
proteínas na dieta do renal crônico... (crônico x agudo) é a ultrassonografia renal. Com ela podemos analisar o
tamanho renal! Rins com dimensões reduzidas (< 8 cm no maior eixo)
indicam nefropatia crônica, enquanto rins de tamanho normal ou
DISTÚRBIO IMUNOLÓGICO aumentado sugerem nefropatia aguda... Entretanto, devemos lembrar que
nem sempre esta regra é válida, pois existem algumas causas de nefropatia
A uremia crônica está associada a uma série de alterações do sistema crônica que cursam com rins de tamanho normal ou aumentado. São elas:
imunológico, levando a um estado de imunodeficiência moderada. Algumas
dessas alterações estão ligadas à hemodiálise, pela interação da superfície
1. Nefropatia diabética;
dos capilares do filtro com o sistema complemento e as células sanguíneas
do sistema imune. A biocompatibilidade é o principal fator que influi 2. Amiloidose renal;
nesta interação. Os filtros de celulose (antigos) são menos biocompatíveis 3. Nefropatia obstrutiva crônica;
do que os filtros mais modernos. As toxinas urêmicas dialisáveis e o PTH
4. Rins policísticos;
também são importantes fatores causais do distúrbio imunológico. A
função dos neutrófilos (leucócitos polimorfonucleares), isto é, sua 5. Nefropatia falciforme;
capacidade fagocítica e bactericida, está deprimida na uremia,
6. Esclerodermia renal;
predispondo a infecções bacterianas ou fúngicas com evolução grave. A
ativação neutrofílica mediada por complemento, decorrente da interação 7. Nefropatia pelo HIV.
do sangue com o material do filtro de hemodiálise, pode levar ao down-
regulation dos receptores de membrana para fatores quimiotáxicos. A Quadro de Conceitos V Dissociação corticomedular renal.
função dos linfócitos T, linfócitos B e monócitos/macrófagos também
pode estar comprometida. Uma discreta linfopenia pode ocorrer, porém, Na prática, é comum a utilização do termo "perda da dissociação
mantendo-se a mesma proporção entre linfócitos CD4 e CD8. A corticomedular renal", como sinal ultrassonográfico de nefropatia
imunidade humoral, dependente de linfócitos B, geralmente está deficiente crônica. Você sabe o que isso significa? Como vimos, a
de maneira desproporcional para alguns agentes, aumentando a chance de ultrassonografia renal é o exame mais importante para diferenciar
infecções virais, por exemplo: hepatite B e influenza. A vacinação contra um nefropata crônico de um agudo, por meio do tamanho dos rins
esses agentes, por conseguinte, é mandatória... De uma forma geral, a (rins de tamanho pequeno indicam doença crônica). Mas não é só o
deficiência imunológica da síndrome urêmica responde pouco ou nada à tamanho que importa...
terapia dialítica.
Na ultrassonografia de um rim normal, existe uma diferença de
As infecções bacterianas e fúngicas são comuns no paciente urêmico, ecogenicidade entre o parênquima renal (hipoecogênico) e o tecido
devido à associação do estado de imunodeficiência aos procedimentos onde estão os cálices e a pelve renal, chamado de tecido sinusal
invasivos frequentemente realizados nesses pacientes, como o acesso (hiperecogênico – brilhante ao ultrassom – ver FIGURA 11). O
venoso profundo e a punção do peritôneo. Além disso, existe o risco de nome "dissociação corticomedular", na verdade, se refere à
aquisição parenteral de agentes infecciosos, como os vírus das hepatites e diferença de ecogenicidade entre o parênquima (nomeado
o HIV. erroneamente de "córtex") e o tecido sinusal (nomeado
erroneamente de "medula"). Na nefropatia crônica, há um aumento
da ecogenicidade parenquimatosa, levando a uma perda da dita
DIFERENCIAÇÃO: INSUFICIÊNCIA RENAL "dissociação corticomedular". Conclusão: perda da "dissociação
AGUDA OU CRÔNICA? corticomedular" = nefropatia crônica.

VIDEO_10_NEF4

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reduzi-la até 0,6 g de proteína/kg de peso por dia mais a frente, quando os
pacientes mesmo assim desenvolverem acidose metabólica,
hiperfosfatemia ou manifestações urêmicas, mas nunca menos do que este
último valor (que é o mínimo recomendado pela OMS)! Cerca de 50%
dessas proteínas devem ser de " alto valor biológico", isto é, proteínas cujos
aminoácidos tendem a ser incorporados ao organismo do paciente, e não
desviados para a síntese de escórias nitrogenadas... Nos estágios terminais
Fig. 11: A dissociação córtico-sinusal (ou corticomedular). A: US de rim normal –
da doença renal crônica – quando o paciente já tiver iniciado a terapia de
observar a clara dissociação entre o parênquima renal (hipoecogênico – setas pretas) e
o tecido sinusal* (hiperecogênico – setas brancas). substituição renal – a quantidade de proteínas na dieta deve ser
B: doença renal crônica evidenciando um rim reduzido de tamanho e com perda desta aumentada, devido ao risco ainda maior de desnutrição (ver adiante).
dissociação – o parênquima renal fica mais ecogênico, assemelhando-se ao sinusal.
(*) Correspondente aos tecidos conjuntivo e gorduroso dos cálices e pelve renal.
FASE INICIAL DA SÍNDROME URÊMICA
(G3b, G4)
TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO DO
PACIENTE RENAL CRÔNICO Estes pacientes ainda têm diurese normal e creatinina plasmática entre
2,0-3,0 mg/dl. O tratamento visa basicamente o controle da hipertensão
arterial (mais grave nesta fase), da anemia e da osteodistrofia renal e
FASE PRECOCE DA NEFROPATIA CRÔNICA metabolismo cálcio-fósforo. A hipertensão arterial exige diureticoterapia
(ESTÁGIOS G1, G2 E G3a) com diuréticos de alça (furosemida) em altas doses. Doses de até 200
mg/dia de furosemida não raro são necessárias. Os casos refratários
A hipertensão arterial e a proteinúria são os principais problemas desta indicam associar outro anti-hipertensivo. Os inibidores da ECA ou BRA
fase. A hipertensão é causada ou agravada pela nefropatia. É decorrente devem ser feitos com muito cuidado, pelo risco de hipercalemia e retenção
principalmente da retenção de sódio e água, do aumento relativo do aguda de escórias nitrogenadas. Se o paciente tolerar, sem alterações
sistema renina-angiotensina ou da doença prévia. A conduta visa prevenir laboratoriais significativas (aceita-se um aumento de até 30-35% da
ou retardar a progressão da insuficiência renal e prevenir o aparecimento creatinina), estas drogas possuem importantes benefícios nesta fase...
de doenças cardiovasculares. O controle da pressão arterial, com um alvo Alguns pacientes renais crônicos, por conta do predomínio de alterações
< 140 x 90 mmHg (ou < 130 x 80 mmHg, se possível, na DRC da função tubular, também possuem dificuldade de conservação renal de
"proteinúrica") é a medida mais eficaz! As drogas de escolha são os sódio (um fenótipo classicamente conhecido como "nefropatia perdedora
inibidores da ECA ou BRA. Ao reduzirem a hiperfiltração dos néfrons de sal"), sendo propensos à hipovolemia e agudização da insuficiência
remanescentes, tais fármacos reduzem a proteinúria (mais do que os renal. Portanto, deve-se tomar cuidado com a restrição excessiva de sódio
outros anti-hipertensivos) e aliviam a hipertensão intraglomerular. Com na dieta desses doentes, especialmente quando ocorrem perdas
isso, retardam a progressão da nefropatia, atenuando a lesão glomerular extrarrenais de sal e água, como as perdas gastrointestinais (nestes casos, a
(GESF secundária) e tubular nos néfrons remanescentes. Um objetivo dieta não deve ser restrita em sódio, pelo contrário: um maior aporte
básico é reduzir a proteinúria para níveis < 0,5-1 g/dia, ou, caso isso não diário de sódio é necessário). Os tratamentos da anemia e da
seja possível, redução de pelo menos 50-60% do valor inicial. As osteodistrofia renal foram detalhados anteriormente (bom momento para
glomerulonefrites e vasculites devem ser tratadas agressivamente com revisá-los...) e deverão ser mantidos daí em diante.
corticosteroides e imunossupressores.

AGUDIZAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL


Evidentemente, qualquer outro fator de risco cardiovascular presente CRÔNICA
também deve ser combatido nesta fase – obesidade, sedentarismo,
tabagismo, dislipidemia, diabetes mellitus. Apesar de não se ter
Existem diversas causas de agudização da insuficiência renal crônica.
comprovado uma relação causal entre hiperuricemia e progressão da
Estas devem ser prontamente reconhecidas e tratadas. As principais são
doença renal crônica, a maioria dos nefropatas crônicos (75%) apresenta
hipovolemia (pré-renal), uso de drogas nefrotóxicas (radiocontrastes
esta alteração (pelo uso de diuréticos e redução da eliminação renal de
iodados, AINE, aminoglicosídeos) e obstrução (pós-renal). O
urato secundária à queda na TFG). A hiperuricemia deve ser tratada com
QUADRO DE CONCEITOS VI resume as principais etiologias... Lembre-
drogas redutoras da produção endógena de ácido úrico (ex.: alopurinol,
se que a bioquímica urinária não é capaz de estabelecer o diagnóstico de
em doses corrigidas), evitando-se os uricosúricos (drogas que aumentam a
azotemia pré-renal nos portadores de DRC, já que eles apresentam
excreção urinária de urato) por serem estes últimos menos eficientes na
aumento crônico da fração excretória de sódio e isostenúria (nos néfrons
DRC...
sobrecarregados, a função tubular de reabsorção do sódio filtrado sempre
é afetada em algum grau, assim como a capacidade de concentração
Outra conduta – considerada controversa e, na melhor das hipóteses, urinária)!
discretamente benéfica – é a restrição de proteínas na dieta! Os objetivos
dessa restrição são a diminuição da produção de escórias nitrogenadas e a
redução da "sobrecarga" de filtração glomerular... Idealmente, a dieta deve Todas as drogas de eliminação majoritariamente renal precisam ter
ser conduzida sob a supervisão de um nutricionista, pois já vimos o suas doses corrigidas. Por outro lado, drogas que têm > 70% de
quanto o renal crônico é propenso à desnutrição (hipercatabolismo, sua eliminação por via não renal (ex.: excreção hepática) de um
anorexia)... Nos estágios inicias da DRC, devemos tentar manter uma modo geral não necessitam de ajuste posológico na DRC.
ingesta proteica por volta de 0,8 g de proteína/kg de peso por dia, podendo

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DOENÇA RENAL EM FASE TERMINAL (G5)
Hipovolemia.

O paciente apresenta TFG < 15 ml/min/1,73 m², creatinina sérica > 6-8 Aminoglicosídeos.
mg/dl e ureia sérica > 120-180 mg/dl. O débito urinário pode estar normal
ou reduzido. Nesse momento, a indicação de algum método de AINE.
substituição renal é inquestionável! O melhor é o transplante renal, mas a
maioria dos pacientes acaba entrando no programa de diálise... Contraste iodado.
Eventualmente, alguns pacientes conseguem ser transplantados antes mesmo
de entrar no programa de diálise, e parece que esta conduta resulta num Inibidores da ECA/ant. angio II.
melhor prognóstico... Como vimos, a diálise não melhora vários sinais e
sintomas da síndrome urêmica. A dieta, neste momento, deve ter restrição Pielonefrite aguda.
proteica menos acentuada (1,2–1,3 g/kg/dia), tendo como principal
objetivo evitar a desnutrição proteicocalórica. Em relação aos distúrbios Nefropatia obstrutiva.
hidroeletrolíticos e acidobásicos, o paciente deve fazer restrição dos
seguintes elementos: sódio – 100 mEq/dia (reduzir a retenção volêmica),
potássio – 40 mEq/dia (evitar hipercalemia) e água – 1.000-1.500 ml/dia
1. IECA ou ant. angio II Retardar a progressão da
(reduzir ou prevenir a hiponatremia). Quando o bicarbonato sérico estiver
nefropatia.
persistentemente abaixo de 20 mEq/L, está indicada a reposição oral de
bicarbonato de sódio. A reposição de ferro e ácido fólico está indicada em
2. Restrição de proteína, Alterações na dieta.
todos os pacientes em programa de hemodiálise. O ácido fólico corrige a
fosfato, sódio, água e
hiper-homocisteinemia, importante fator de risco para eventos
potássio
cardiovasculares no renal crônico.

3. Carbonato de cálcio/se- Quelante de fosfato.


A reposição intravenosa de bicarbonato de sódio até pode ser velamer
feita, mas com muito cuidado, monitorizando-se os níveis
séricos de cálcio... Uma reposição excessiva e/ou rápida 4. Eritropoetina recombi- Tratamento da anemia.
demais, num paciente com calcemia limítrofe, pode nante SC Avaliar e corrigir estoques de
desencadear uma. crise tetânica hipocalcêmica ferro corporal antes.
Entenda como assistindo ao vídeo.
5. Vitamina D oral (calcitriol), Tratamento do hiperpara-
análogos de vit. D (parical- tireoidismo secundário.
CM115021 citol) e calciomiméticos
(cinacalcet)

Quadro de Conceitos Causas mais comuns de agudização da VIDEO_11_NEF4


VI DRC.

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1960, em Seattle, EUA, o primeiro paciente com insuficiência renal crônica
foi tratado com diálises repetidas. Dois fatores históricos foram
fundamentais para o sucesso da diálise em seres humanos: a descoberta da
heparina em 1922, e a invenção do celofane pela indústria de embalagens
(primeira membrana semipermeável utilizada neste método).

A experiência comprovou que muitos pacientes podem viver mais de 20


anos dependentes dos métodos dialíticos. A insuficiência renal grave não
deve mais levar ao óbito por problemas tais como encefalopatia,
pericardite, edema agudo de pulmão e hipercalemia, uma vez que a diálise
é capaz de controlá-los. Entretanto, os métodos de diálise são de custo
elevado e possuem algumas complicações graves, que serão descritas
adiante.

A diálise substitui parte da função excretória renal, estabilizando a


homeostase hidroeletrolítica, mas não substitui a função endócrina e,
portanto, não controla distúrbios como o hiperparatireoidismo
secundário, a osteodistrofia e a anemia. A reposição de calcitriol e
eritropoietina deve complementar a terapia da síndrome urêmica. Outro
ponto importante é o risco aumentado de doença cardiovascular
relacionado à síndrome urêmica, o que também não é corrigido pela
terapia dialítica. Os eventos cardiovasculares são responsáveis pela
maioria dos óbitos na insuficiência renal crônica.

O transplante renal, considerado atualmente como terapia de escolha para


a IRC avançada, hoje em dia possui excelentes resultados, principalmente
com a otimização do uso dos imunossupressores e dos métodos de
preservação dos rins de cadáver. Em longo prazo, o transplante renal custa
menos que a diálise, o que deveria fazer deste a principal opção utilizada
nos países em desenvolvimento, de modo a reduzir os enormes gastos do
Estado com os pacientes com IRC. Além disso, o transplante renal confere
uma qualidade de vida muito melhor que a diálise, pois corrige de fato a
disfunção renal.

DEFINIÇÃO E TIPOS

1
Apêndice DIÁLISE E OUTROS MÉTODOS DE

SUBSTITUIÇÃO RENAL Do ponto de vista médico, diálise é um método de depuração de


substâncias do plasma humano pelo fenômeno de difusão passiva, através
de uma membrana semipermeável. Para que esse fenômeno ocorra, é
necessário que o sangue do paciente entre em contato com algum tipo de
A diálise é uma técnica antiga, utilizada por químicos desde meados do membrana semipermeável, que separe o sangue de um líquido totalmente
século XIX, para remover solutos de uma solução. O método utiliza um isento das substâncias que precisam ser eliminadas do plasma. Esse
princípio físico-químico simples: a difusão. Um pequeno saco feito com líquido é preparado artificialmente e é denominado solução de diálise.
material semipermeável contém a solução com o soluto e é mergulhado
em um recipiente com água pura. Depois de algumas horas, dois O método dialítico pode ser realizado de duas maneiras:
fenômenos acontecem: parte da água, devido à pressão osmótica, é
transferida para o recipiente, aumentando o seu volume; e parte do soluto
1. Hemodiálise (HD): o processo é realizado em um circuito
é transferida para o compartimento externo, devido à difusão passiva.
extracorpóreo, utilizando-se uma membrana artificial. Um ou mais
vasos sanguíneos do paciente são puncionados para que seu sangue
Difusão passiva é o processo de transferência de um soluto, através de uma percorra um circuito tubular e passe pelo filtro (uma estrutura contendo
membrana semipermeável, do compartimento de maior concentração para um grande número de pequenos capilares, constituídos por um material
o de menor concentração. que serve como membrana semipermeável, banhados externamente pela
solução de diálise, como mostra a FIGURA 1 a seguir).
A diálise já havia sido aplicada à urina, no intuito de retirar ureia. Porém,
apenas após a Segunda Grande Guerra, pelos estudos de Abel, Thalheimer
e Kolff, o método de diálise foi pela primeira vez utilizado para remover
toxinas do corpo humano. Inicialmente, para tratar envenenamentos
agudos e, em seguida, para tratar a insuficiência renal. Foi um sucesso! Em

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toxicidade e os sinais e sintomas de uremia ainda não é bem conhecida,
porém a maior parte delas apresenta um peso molecular abaixo de 200
dáltons, o que as torna dialisáveis, pois o seu tamanho é inferior aos
"poros" do filtro de diálise. De uma forma geral, podemos dizer que a
rapidez de depuração de uma determinada substância pela diálise é maior
quanto menor for o seu peso molecular e tamanho, em relação aos "poros"
do filtro. Por isso, a ureia (peso = 60 da) é eliminada mais rapidamente
que a creatinina (peso = 113 da).

Fig. 1
Algumas moléculas de peso maior (entre 200 e 500 dáltons) são mais bem
depuradas pela diálise peritoneal do que pela hemodiálise, pois os "poros"
A solução de diálise é mantida em contínua circulação através do
dos capilares do peritôneo permitem a passagem de moléculas de maior
compartimento externo aos capilares do filtro, para que seja
tamanho. Como veremos adiante, métodos semelhantes à hemodiálise,
permanentemente renovada, de forma a facilitar a depuração dos solutos.
como a hemofiltração e a hemodiafiltração, são capazes de depurar
substâncias maiores do que 200 dáltons, como, por exemplo, algumas
Para aumentar a capacidade de renovação, a solução de diálise corre
toxinas da sepse.
contracorrente com o fluxo sanguíneo nos capilares do filtro (figura abaixo).

2. Diálise Peritoneal (DP): o processo de diálise é realizado dentro do CONTROLE ELETROLÍTICO E ACIDOBÁSICO
próprio corpo, utilizando-se o peritôneo como a membrana
semipermeável. A diálise tem um papel fundamental no controle eletrolítico e acidobásico.
A solução de diálise é preparada com concentrações eletrolíticas próximas
O peritôneo é um tecido extremamente vascularizado, contendo capilares às concentrações plasmáticas normais. Quando o sangue está separado da
de permeabilidade acentuada, e banhado externamente pelo líquido solução de diálise pela membrana semipermeável, as concentrações
peritoneal. Podemos infundir a solução de diálise dentro da cavidade tendem a se equilibrar. O equilíbrio não é completo pelo pequeno tempo
peritoneal, induzindo ascite. As substâncias se difundem do sangue (que de exposição, porém é intensificado pelo fluxo contracorrente da solução
passa pelos capilares peritoneais) para a cavidade peritoneal (contendo a de diálise. Na maioria das vezes, a solução de diálise não contém K+ e
solução de diálise), através do peritôneo. nem fosfato, pois esses eletrólitos geralmente estão em níveis muito
aumentados na insuficiência renal grave e devem ser intensamente
Depois de um tempo necessário para a difusão das substâncias do plasma depurados. Algumas vezes, entretanto, a diálise pode causar de fato
para o líquido peritoneal, este é retirado, sendo trocado por uma nova hipocalemia ou hipofosfatemia, principalmente se o nível sérico prévio
solução de diálise. desses eletrólitos não estiver muito elevado ou quando a diálise é feita no
método contínuo (ver adiante). Atualmente, considera-se conveniente uma
concentração de K+ de 2,0 mEq/L na solução de diálise. Um exemplo de
ASPECTOS FISIOLÓGICOS solução de diálise típica (para hemodiálise) é apresentado a seguir:

REMOÇÃO DE TOXINAS [Na+] = 134-140 mEq/L [K+] = 0-4 mEq/L

Enfim, quem são as substâncias depuradas na diálise? Inicialmente, achava- [Ca++] = ≥ 2.5 mEq/L [Mg++] = 0-1,5 mEq/L
se que a ureia era o grande "vilão" das manifestações clínicas da
insuficiência renal grave. Isso levou ao termo uremia ou síndrome urêmica
[Cl-] = 87-120 mEq/L [HCO3] = 25-40mEq/L
para descrever esta síndrome clínica. De fato, a ureia é a substância que se
acumula em maior concentração no plasma dos pacientes com síndrome
[Glicose] = 0-200 mg/dl
urêmica e possui um peso molecular de apenas 60 dáltons, o que a torna
uma substância facilmente dialisável. Porém, a injeção de ureia em
animais leva apenas a uma toxicidade baixa.
O bicarbonato não deve ser colocado na mesma solução com o cálcio,
pois pode haver a formação de carbonato de cálcio, que então precipita.
Quando a hemodiálise é feita com uma solução rica em ureia, de forma a As atuais máquinas de HD são microprocessadas, sendo capazes de liberar
manter os níveis plasmáticos desta substância inalterados, o paciente o bicarbonato de um modo que evita sua interação com o cálcio. O
continua apresentando melhora dos sinais e sintomas da síndrome bicarbonato é uma base melhor que o acetato e o lactato (antigamente
urêmica. Na verdade, a ureia é tóxica apenas quando em concentrações empregados como bases), pois o acetato está associado à hipotensão na
muito elevadas (> 380 mg/dl), quando pode contribuir para os sintomas HD e o lactato pode piorar a acidose láctica em indivíduos em estado de
gastrointestinais e para o sangramento urêmico. choque grave ou com insuficiência hepática.

Uma série de substâncias derivadas do metabolismo proteico e contendo A concentração de cálcio da solução de hemodiálise pode influir na
nitrogênio em suas moléculas, tal como a ureia, acumula-se na calcemia do paciente. Ela pode ser reduzida, caso haja hipercalcemia
insuficiência renal. Estas substâncias foram descritas no capítulo anterior desencadeada pela reposição de calcitriol. Geralmente, a concentração
e são denominadas "escórias nitrogenadas". A relação exata entre a sua recomendada deve ficar em torno de 2,5 mEq/L ou 5 mg/dl.

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Assim como a diálise depura substâncias nocivas para o organismo, como
ULTRAFILTRAÇÃO
as toxinas urêmicas, ela também pode depurar substâncias essenciais,
como nutrientes (ex.: aminoácidos), vitaminas hidrossolúveis e
A diálise ipsis litteris é um processo de remoção de solutos. Porém, oligoelementos, como o zinco e o ferro. Por isso, entre as complicações
durante a diálise pode-se também remover líquido. A remoção de líquido crônicas da diálise, estão os distúrbios carenciais. As vitaminas
durante a diálise é denominada ultrafiltração. O princípio físico que hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico) e, às vezes, o sulfato
determina o processo de ultrafiltração é o gradiente de pressão entre o ferroso e o zinco devem ser repostos no paciente em programa crônico de
capilar e a solução de diálise. Este gradiente é favorecido pela pressão diálise.
hidrostática do capilar e pela pressão osmótica da solução.

A diálise não corrige de forma satisfatória os seguintes problemas da


Ultrafiltração na hemodiálise: quando o sangue atinge os capilares do filtro síndrome urêmica: (1) hiperfosfatemia; (2) hipocalcemia; (3)
de hemodiálise, existe um gradiente de pressão hidrostática entre o sangue hiperparatireoidismo; (4) osteodistrofia renal; (5) anemia; (6) dislipidemia;
e a solução de diálise, chamado de Pressão Transmembrana (PTM). Este (7) aterosclerose acelerada; (8) miopatia; (9) cardiomiopatia. A
gradiente é o principal determinante da ultrafiltração na hemodiálise, hiperfosfatemia não é corrigida pela diálise, pois o fosfato não tem uma
sendo contrabalançado apenas pela pressão oncótica do plasma (em torno boa depuração pelo filtro (ou peritôneo). O paciente deve então receber o
de 25 mmHg, se a proteinemia estiver normal). A ultrafiltração, portanto, tratamento específico para estes problemas, como foi visto no capítulo
é maior na parte proximal do filtro, pois à medida que o líquido vai sendo anterior.
filtrado, a concentração de proteína do sangue vai aumentando, reduzindo
a ultrafiltração pelo efeito da maior pressão oncótica.
Outros sintomas, como astenia, anorexia, distúrbios do sono e cognição,
alterações psiquiátricas, disfunção sexual e deficit de crescimento em
Existe um coeficiente de ultrafiltração (KUf) próprio do filtro, dado em crianças, não melhoram ou podem melhorar apenas parcialmente com o
ml/h/mmHg. Podemos utilizar este coeficiente para calcular qual a pressão tratamento dialítico, causando grande impacto negativo na qualidade de
hidrostática (PTM) que devemos manter dentro do capilar para que seja vida destes pacientes. Estes sintomas residuais geralmente melhoram com
ultrafiltrada do paciente uma quantidade determinada de líquido na o transplante renal.
sessão dialítica:

EFICÁCIA DA DIÁLISE

Como medir se a diálise está cumprindo adequadamente a sua função? Uma


Ex.: queremos ultrafiltrar 4.000 ml em 6h de diálise; KUf = 2,0 medida qualitativa é o acompanhamento clínico do paciente, observando
ml/h/mmHg. os sinais e sintomas e os exames bioquímicos, para saber se está havendo
melhora desses parâmetros. Para quantificar mais precisamente a função
da diálise, utilizamos a dosagem da ureia plasmática, antes e depois da
PTM = 4.000 / (2 x 6) = 330 mmHg
sessão dialítica, e da ureia do dialisado. Calculamos o clearance de ureia
(K), em ml/min, e determinamos os seguintes parâmetros:
Ultrafiltração na diálise peritoneal: a pressão hidrostática dos capilares
peritoneais não pode ser ajustada. Portanto, a melhor maneira que temos
1. Taxa de redução da ureia plasmática.
para influir na quantidade de volume líquido ultrafiltrado na diálise
peritoneal é aumentando ou diminuindo a pressão osmótica da solução de Ideal: 65-70% de redução.
diálise. Isso é feito utilizando-se diferentes concentrações de glicose nas 2. KT/V.
soluções para diálise peritoneal. Existem dois tipos de solução em relação Ideal: entre 1,2 e 1,3.
à concentração de glicose: a 1,5% e a 4,25%, contendo, respectivamente,
1.500 mg/dl e 4.250 mg/dl de glicose. Misturando as duas soluções em
Na fórmula KT/V, K = clearance de ureia; T = duração da diálise; V =
partes iguais, teremos uma solução a 2,5% ou 2.500 mg/dl. Quanto maior
volume de distribuição da ureia no organismo. Não entraremos em
for a concentração de glicose na solução de diálise peritoneal, maior será a
detalhes sobre como calcular esses parâmetros. É importante sabermos, no
quantidade de líquido ultrafiltrado.
entanto, que uma taxa de redução da ureia plasmática < 65% e um KT/V
< 1,2 estão associados a uma maior morbidade e mortalidade. Valores

LIMITAÇÕES DA DIÁLISE acima de 70% e 1,3, respectivamente, não melhoram os resultados da


diálise.

A principal limitação da diálise é a ineficácia na depuração das toxinas


urêmicas de maior tamanho e peso molecular. Alguns produtos tóxicos HEMODIÁLISE: ASPECTOS TÉCNICOS
encontram-se fortemente ligados às proteínas plasmáticas, e outros
apresentam distribuição preferencial em outros compartimentos corpóreos
que não o plasma (ex.: liquor). Em ambas as situações, a diálise é menos ACESSO E CIRCUITO
eficaz na depuração destes produtos. Algumas manifestações clínicas da
síndrome urêmica podem permanecer ou necessitar de uma intensificação O acesso vascular ideal para a hemodiálise depende basicamente se há ou
da diálise, como a pericardite e a neuropatia periférica, pois provavelmente não caráter de urgência no procedimento, como pode ocorrer na uremia
são causadas por toxinas de maior peso molecular. aguda ou crônica agudizada. Nos casos de urgência, o acesso em geral é
uma veia profunda, na qual se instala um Cateter de Dupla Luz (CDL).
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Uma luz ("parte arterial") é utilizada para retirar o sangue do paciente Conforme se observa na FIGURA 2, o circuito de hemodiálise precisa
para o circuito e a outra para devolvê-lo ("parte venosa"). conter:

As veias mais utilizadas para a instalação do cateter de dupla luz


são a jugular interna e a femoral. A subclávia deve ser evitada,
uma vez que a presença de cateteres calibrosos nessa veia
aumenta o risco de estenose vascular, impossibilitando a posterior
confecção de uma fístula arteriovenosa no membro superior
ipsilateral...

A técnica de inserção do CDL é a mesma para a punção de uma veia


profunda para instalação de um cateter venoso comum. As complicações
são também as mesmas: pneumotórax, enfisema subcutâneo, hemotórax,
lesão arterial, embolia gasosa, embolia por ponta de cateter,
posicionamento errado do cateter.

O CDL não deve permanecer por longa data (mais de 15-21 dias), se
possível, pois existe risco considerável de infecção (maior no sítio
femoral), sendo o germe mais comumente envolvido o Staphylococcus
aureus. Em alguns casos, pode haver endocardite infecciosa relacionada ao
cateter!

Quando a hemodiálise é um procedimento eletivo, como na IRC, o acesso


venoso deverá ser permanente. Na verdade, o que é feito é um
procedimento para estimular a hipertrofia e dilatação ("arterialização") Fig. 2:
das veias antecubitais. Este procedimento é a fístula arteriovenosa cubital 1- "Parte arterial"
(ou fístula de Brescia-Cimino). 2- Bomba sanguínea
3- Heparina
Realizada por um cirurgião vascular, a fístula é uma anastomose entre a 4- Filtro de hemodiálise
artéria radial e a veia cefálica. Uma parte do sangue da artéria radial é 5- Entrada da solução de diálise
desviada para o sistema venoso antecubital, que passa a receber sangue 6- Saída do dialisado
com alta pressão. Depois de certo tempo, as veias antecubitais se 7- Manômetro
hipertrofiam e dilatam, permitindo uma fácil punção com agulhas 8- Detector de bolhas
calibrosas, a cada sessão de hemodiálise. Este é o tempo para "maturação 9- "Parte venosa"
da fístula", que pode ser de um a três meses. O nefrologista deve examinar
o local da fístula para avaliar a sua funcionalidade. Uma fístula
a. Uma bomba mecânica, para produzir um fluxo eficaz de sangue no
funcionante possui um frêmito acentuado à palpação, e as veias
circuito. Esse fluxo pode variar de 100-500 ml/min, dependendo se o
antecubitais apresentam-se dilatadas e com a parede mais espessa.
método é contínuo ou convencional, respectivamente (ver adiante).
Para que esses fluxos possam se estabelecer, a fístula AV precisa estar
Alternativas para o acesso vascular definitivo (ex.: pacientes com veias normofuncionante; caso contrário, não há como extrair o sangue com o
"finas" e "doentes" nos membros superiores, com menos perspectiva de fluxo programado.
"maturação" de uma FAV) são o enxerto de PTFE (politetrafluoretileno) e
os cateteres "tunelizados". O enxerto de PTFE é um tubo de material
b. Heparinização do circuito, para que o sangue não coagule na tubulação
sintético implantado cirurgicamente, de modo a criar uma anastomose
plástica, ou nos capilares do filtro. A dose de heparina geralmente
arteriovenosa. As agulhas do sistema de hemodiálise puncionarão o tubo
utilizada em uma sessão de hemodiálise convencional é de 5.000
de PTFE, e não a veia do paciente. O cateter "tunelizado" é inserido
unidades.
cirurgicamente (e não por punção percutânea), de modo que boa parte do
cateter fique por baixo do subcutâneo do paciente, aumentando a
c. Um manômetro e um dispositivo para regular a pressão hidrostática no
distância entre o ponto de entrada na pele e o ponto de entrada no
lado venoso, para determinar a quantidade de líquido a ser
intravascular. Tal fato reduz a probabilidade de translocação bacteriana a
ultrafiltrado.
partir da pele, evitando a chegada dos germes à corrente circulatória...
Ambos os tipos de acesso são mais duradouros (e acarretam menos
chance de infecção) do que o cateter de dupla luz convencional, porém, a d. Um detector de bolhas, para avisar ao médico ou enfermeiro que o
duração da patência dos mesmos tende a ser inferior a da fístula circuito contém bolhas de ar. As bolhas podem causar uma das mais
arteriovenosa tradicional, que por isso representa o tipo de acesso temíveis complicações da hemodiálise – a embolia gasosa.
preferido...

TRATAMENTO DA ÁGUA
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A solução de diálise, ao entrar em contato com o sangue, através da hemodinâmica ou um estado de doença crítica, geralmente aqueles
membrana dialítica (capilar do filtro), além de receber as substâncias internados no CTI, podem tolerar mal este tipo de diálise, pois podem ter
eliminadas do plasma, também pode transferir moléculas para o sangue episódios graves de hipotensão.
do paciente. Por isso, esta água precisa receber um tratamento especial
antes de ser usada para o preparo da solução de diálise.
Quando é retirado um volume de líquido do intravascular, este
A água deve passar pelos processos de filtração, deionização e osmose
volume deve ser reposto por líquido proveniente do compartimento
reversa. Este último consiste em passar, sob pressão, a água através de uma
intersticial (geralmente aumentado na insuficiência renal), para que
membrana semipermeável, removendo-se, assim, os contaminantes
não haja hipotensão. Na hemodiálise convencional, um volume
microbiológicos e 90% dos íons remanescentes. Com o advento da osmose
grande de líquido (ex.: quatro litros) é retirado em pouco tempo (ex.:
reversa, reduziram-se os casos de intoxicação pelo alumínio na diálise (ver
3-4h). A transferência de líquido do interstício para o intravascular
capítulo anterior).
não é imediata. Portanto, até que o deficit de volume intravascular
seja compensado pelo líquido proveniente do interstício, pode se
instalar um quadro de hipovolemia relativa, levando à hipotensão ou
TIPOS DE FILTRO choque.

Os filtros de HD contêm em seu interior milhares de pequenos capilares


Os pacientes com IRC que estão com o quadro clínico hemodinâmico
formados por um material que serve como membrana dialítica. O
estável geralmente não têm hipotensão significativa durante a sessão de
primeiro material utilizado foi o celofane, um polímero derivado da
hemodiálise e, quando isso acontece, pode ser rapidamente revertido com
celulose. O cuprofano é também derivado da celulose e era utilizado nos
infusão rápida de SF 0,9% no circuito de hemodiálise. Porém, os pacientes
filtros de HD.
com IRA ou IRC agudizada, em estado crítico, com instabilidade
hemodinâmica, têm hipotensão severa ou choque durante a sessão
A biocompatibilidade desses polímeros não é muito boa, pois é frequente dialítica, podendo contribuir para a morbimortalidade desses doentes.
a ocorrência de reações adversas decorrentes do contato do sangue com Assim, foram idealizados os métodos de hemodiálise contínuos. São eles:
esses materiais. Desse contato pode decorrer a ativação do sistema
complemento e de leucócitos, liberando mediadores inflamatórios e
CAVHD – Hemodiálise arteriovenosa contínua;
levando a uma reação anafilática.

CVVHD – Hemodiálise venovenosa contínua;


Foram desenvolvidos novos materiais para confecção da membrana do
filtro de HD. Alguns são derivados semissintéticos da celulose (acetato de
SLEHD – Hemodiálise lenta de baixa eficiência;
celulose, triacetato de celulose) e outros são totalmente sintéticos
(poliacrilonitrila – PAN, polimetilmetacrilato – PMMA e polissulfona).
Esses filtros são bem mais caros que os antigos, porém oferecem duas SCUF – Ultrafiltração lenta contínua.
grandes vantagens: maior biocompatibilidade e maior permeabilidade.
Os métodos contínuos retiram líquido e solutos lentamente durante um
A maior permeabilidade permite a utilização de altos fluxos dialíticos, período prolongado, geralmente de 12-24h. Apesar do clearance de ureia
com maior eficácia da HD. Podem eliminar substâncias de tamanho ser bem menor do que na HD convencional, o tempo de diálise é muito
médio (1.500-5.000 da) e ainda um pouco da ß-2-microglobulina, com maior, resultando em uma eficácia equivalente.
11.800 da, reduzindo a incidência de amiloidose relacionada à diálise (ver
adiante). Na CAVHD, são puncionadas artéria e veia femorais. O circuito de HD
recebe o sangue da artéria e devolve o sangue para a veia. Não é
Os filtros de HD podem ser reutilizados no mesmo paciente, contanto que necessária a bomba mecânica, pois o fluxo é determinado pela pressão na
o filtro seja adequadamente lavado e banhado em uma solução detergente artéria femoral. A eficácia deste método é, portanto, dependente da
específica, que pode ser o formaldeído, o glutaraldeído ou o ácido pressão arterial média, sendo por um lado mais fisiológico, mas, por
peracético-peróxido de hidrogênio. Depois de usados mais de sete vezes, outro, não controlável pelo médico. Se o indivíduo estiver hipotenso, o
muitos deles estão danificados e, nesse momento, devem ser substituídos fluxo da HD será muito baixo, comprometendo a eficácia do método.
por novos filtros. Outro fator limitante são as complicações vasculares no sítio de punção
arterial (sangramento grave, pseudoaneurisma, etc.); a CAVHD está
contraindicada em pacientes com doença das artérias femorais.
MÉTODOS
Na CVVHD, utiliza-se um cateter de dupla luz em uma veia profunda
O método de hemodiálise utilizado na IRC e frequentemente na IRA é a (femoral, jugular, subclávia). Como a pressão é venosa, o fluxo sanguíneo
denominada hemodiálise intermitente ou convencional. Este método se no circuito é determinado pela bomba mecânica. Esse fluxo é mantido
baseia na retirada rápida de solutos e líquido em pouco tempo, entre 100-150 ml/min (1/3 do fluxo da HD convencional). Em relação à
constituindo uma sessão de hemodiálise. Esta sessão deve durar entre 3-4h CAVHD, é de mais fácil manipulação, a eficácia é mais previsível e não
e deve ser realizada três vezes por semana, na IRC, ou mais tem as complicações da punção arterial.
frequentemente, nos casos de uremia aguda (ex.: todos os dias). O fluxo
sanguíneo utilizado para se conseguir um bom resultado dialítico deve ser Na SLEHD, também chamada de hemodiálise diária estendida, o fluxo
entre 300-500 ml/min. Os pacientes que apresentam instabilidade sanguíneo no circuito é de valor intermediário entre o da HD

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convencional e o dos métodos contínuos, o que permite uma duração da Ele será mais negativo quanto maior for a osmolaridade da solução
sessão de hemodiálise de cerca de 12h. A SLEHD mantém a principal dialítica (1,5%, 2,5% ou 4,25% de glicose) e menor for o tempo de
vantagem dos métodos contínuos (provocar menos instabilidade permanência.
hemodinâmica), e ainda consegue contornar uma de suas principais
desvantagens: o enfermeiro ou técnico de diálise não precisa ficar 24h "ao Um fator que reduziu bastante a incidência de peritonite relacionada à DP
lado" do paciente (para monitoração do procedimento e eventual correção foi o sistema fechado de equipos. Cada "banho" de dois litros é extraído de
de problemas)... um reservatório e é infundido após o seu devido aquecimento. A sessão de
DPI se completa, sem que haja manipulação da parte interna do equipo.
A SCUF, na verdade, é um método de ultrafiltração puro, sem diálise. É
utilizado o mesmo filtro de HD, porém não há infusão de solução de Os métodos ambulatoriais utilizados são os seguintes:
diálise. A quantidade de líquido ultrafiltrada mais uma vez depende da
pressão transmembrana, do KUf e do tempo total do procedimento, neste
CAPD – Diálise peritoneal ambulatorial contínua;
caso, em torno de 24-48h.

CCPD – Diálise peritoneal contínua com ciclômetro.


DIÁLISE PERITONEAL: ASPECTOS
TÉCNICOS A CAPD é um excelente método dialítico, do ponto de vista da qualidade
de vida do paciente. Um cateter de Tenckoff deve estar instalado e o
paciente aprende como trocar os "banhos de diálise" em seu cotidiano. O
ACESSO "banho" é trocado de 6/6h (quatro vezes ao dia). Cada "banho" contém
dois litros e permanece 6h na cavidade peritoneal enquanto ocorre
O acesso ideal mais uma vez vai depender se a diálise é urgente, e se o continuamente a diálise. É muito importante que o paciente saiba como
paciente vai necessitar ou não de diálise peritoneal cronicamente. Nos fazer a troca de forma asséptica e também reconhecer as principais
casos de uremia aguda, instala-se um cateter próprio dentro da cavidade complicações do método (ex.: peritonite). A CAPD é o método de diálise
peritoneal, por punção percutânea, geralmente na linha mediana, 2 cm peritoneal mais utilizado.
abaixo da cicatriz umbilical. A extremidade distal do cateter é fenestrada,
para facilitar a troca líquida, e é colocada na região pélvica da cavidade A CCPD, do ponto de vista da qualidade de vida, é ainda melhor que a
peritoneal. Por esse cateter a solução de diálise é infundida na cavidade CAPD, porém exige compra ou aluguel (e manutenção) de um aparelho –
peritoneal e drenada após o período de permanência. o ciclômetro. Ele tem a função de, ao ser ligado no sistema de equipos da
DP, produzir um fluxo contínuo dos "banhos de diálise". Assim, o
paciente só precisa se submeter à diálise a noite, enquanto dorme, pois em
A colocação do cateter de diálise peritoneal deve seguir uma 6-8h o ciclômetro efetua uma DP eficaz. É o próprio paciente (ou familiar)
antissepsia padronizada da pele abdominal e deve ser realizada de que conecta e desconecta os equipos e manuseia o aparelho.
forma rigorosamente asséptica, para reduzir a incidência da
principal complicação da diálise peritoneal – a peritonite infecciosa.
INDICAÇÕES E ESCOLHA DO MÉTODO

Na IRC, caso o programa de diálise escolhido seja a diálise peritoneal, o


acesso à cavidade peritoneal deve ser permanente. Um cateter especial, UREMIA AGUDA
chamado cateter de Tenckoff, é instalado cirurgicamente, devendo passar
por um "túnel" subcutâneo até atingir a cavidade peritoneal pélvica. Este A diálise, nesses casos, é um tratamento de urgência, visando evitar a
cateter contém um cuff de Dacron em cada extremidade do segmento morte por insuficiência renal. A insuficiência renal pode levar ao óbito por
subcutâneo, para reduzir a incidência de peritonite por germes da pele vários mecanismos. Os principais são: encefalopatia, sangramento,
adjacente. tamponamento cardíaco, edema agudo de pulmão, hipercalemia e acidose
metabólica. A diálise de urgência está indicada quando um ou mais desses
distúrbios que ameaçam a vida estão presentes (Tabela 1). Nos casos de
MÉTODOS
IRA com piora progressiva da função renal, a diálise deve ser indicada
antes de aparecer uma das situações acima, geralmente quando há
A diálise peritoneal pode ser realizada no hospital ou em caráter oligoanúria ou um rápido aumento da ureia e creatinina (ureia > 200
ambulatorial. O método de DP realizado no hospital é feito para os mg/dl; creatinina próxima a 10 mg/dl).
pacientes com IRA ou IRC agudizada e para os pacientes com IRC que
não têm condições socioeconômicas ou intelectuais para controlar uma
Tab. 1: Indicações de diálise de urgência.
DP ambulatorial.
Encefalopatia.
A DP Intermitente (DPI) é realizada pela troca sucessiva dos "banhos de
diálise", após um tempo de permanência da solução de diálise na cavidade Pericardite.
abdominal de 0-60 min. Geralmente são infundidos e drenados 20
"banhos" cada um com dois litros. O cateter utilizado pode ser o de Sangramento.
Tenckoff, em pacientes com IRC, ou um cateter comum de diálise
peritoneal. O balanço hídrico da DP deve ser anotado cuidadosamente. Edema agudo de pulmão.

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Hipercalemia > 6,5 mEq/L (refratária). HEMODIÁLISE OU DIÁLISE PERITONEAL?

Acidose metabólica com pH < 7,10 (refratária). Muitas vezes a escolha fica a critério do médico ou do paciente, contudo,
existem condições em que um dos dois métodos é mais indicado.

O método dialítico pode ser a HD ou a DP. A HD convencional pode não


ser bem tolerada nos pacientes que apresentam instabilidade As desvantagens da HD são basicamente o acesso vascular, a maior
hemodinâmica e insuficiência orgânica múltipla (principalmente se houver rapidez da extração de líquido e solutos, o uso da heparina e a necessidade
insuficiência hepática fulminante e/ou edema cerebral), pois pode agravar da ida ao hospital ou centro de diálise pelo menos três vezes por semana
a hipotensão arterial, com deterioração do quadro. A DP é mais bem (poucos pacientes têm condições financeiras para realizar a diálise em seu
tolerada nesses casos, porém é menos eficiente em depurar toxinas próprio domicílio). A rápida extração de líquido e solutos pode levar à
nitrogenadas em pacientes hipercatabólicos... Em tal situação, pode-se hipotensão e à isquemia miocárdica; a heparina pode levar ao
indicar a HD contínua (CAVHD ou CVVHD), a SLEHD, ou outros sangramento agudo, que pode ser grave. A vantagem principal é a maior
métodos como a hemofiltração contínua (CAVH ou CVVH) e a eficácia dialítica em indivíduos com altos níveis de "escórias
hemodiafiltração contínua (CAVHDF ou CVVHDF) – estes últimos serão nitrogenadas".
descritos adiante. Vale ressaltar que, na IRA, a literatura NÃO confirma a
superioridade de qualquer método de substituição renal sobre os demais, e As desvantagens da DP são basicamente o acesso à cavidade peritoneal,
a escolha fica muito mais por conta da disponibilidade local e expertise da contraindicado em casos de patologia abdominal ou cirurgia do abdome, e
equipe médica... a menor eficácia dialítica. Devemos lembrar, entretanto, que a DP tem
uma melhor depuração de moléculas de médio peso molecular. Isso pode
levar a outra desvantagem: a perda de proteína (pode chegar a 12 g/dia).
UREMIA CRÔNICA As altas concentrações de glicose nos "banhos" de DP podem elevar a
glicemia, aumentar a obesidade e/ou a hipertrigliceridemia. A vantagem
Os pacientes com IRC devem ser tratados conservadoramente nas fases principal é a facilidade dos métodos ambulatoriais, a extração lenta de
iniciais da disfunção renal e devem ser acompanhados de perto pelo líquido e solutos, e a não utilização da heparina (Tabelas 2 e 3).
ambulatório de nefrologia. O momento ideal para estes pacientes
entrarem em programa de diálise é um assunto que gera algumas Tab. 2: Preferência para a HD.
controvérsias. O ideal seria iniciar a diálise logo antes do surgimento de
sintomas urêmicos. Sabe-se que nos diabéticos a diálise precoce pode Insuficiência renal aguda / estado hipercatabólico.
diminuir a progressão das complicações da doença, como a retinopatia, a
neuropatia, a gastropatia e a microangiopatia. Porém, a diálise pode de fato Pacientes musculosos ou obesos.
piorar a qualidade de vida do paciente, devido aos inconvenientes do
próprio método. Atualmente, coloca-se o paciente em programa de diálise Problemas abdominais (hérnias, estomas, cirurgia recente,
quando a TFG está abaixo de 10 ml/min, momento em que a creatinina aneurisma de aorta abdominal, outros.).
plasmática costuma estar próxima de 10 mg/dl.
Lombalgia crônica.

Quando optamos por indicar o início da diálise, devemos explicar ao


paciente sobre o método, colocando as vantagens e desvantagens da HD e Hipoalbuminemia.
da DP, e educá-lo em relação aos cuidados a serem tomados. O paciente
em programa de diálise deve continuar com o tratamento conservador da Más condições socioeconômicas e educacionais.
IRC, com total enfoque para uma boa aderência à dieta. Quando
começam as sessões de diálise, o débito urinário costuma se reduzir mais Problemas psiquiátricos.
ainda, pois a eliminação de ureia e outros solutos pela diálise diminui o
efeito osmótico na diurese. A restrição proteica não deve ser excessiva,
Tab. 3: Preferência para a DP.
pois esses pacientes são predispostos à desnutrição. A perda de nutrientes
pela diálise pode piorar o estado nutricional. A diálise está associada à Pacientes magros e de baixa estatura ou crianças.
perda de vitaminas hidrossolúveis (complexo B, vitamina C, ácido fólico)
e oligoelementos (ferro, zinco). Deve-se estar atento para os sinais dos Doença coronariana sintomática ou ICC.
deficit corporais dessas substâncias. Algumas devem ser repostas de
rotina: piridoxina, vitamina C, ácido fólico e sulfato ferroso. Doença vascular periférica severa.

Ao ser programado o início da terapia dialítica, deve-se escolher entre DP Contraindicações à heparina (ex.: retinopatia diabética
ou HD. Se for escolhida a DP, deve-se marcar uma cirurgia de instalação proliferativa).
do cateter de Tenckoff. Após instalado, deve-se esperar pelo menos duas
semanas para utilizá-lo para DP. Se for a HD a escolhida e não houver Diabetes mellitus insulino-dependente.
urgência, programa-se com um cirurgião vascular a confecção da fístula
AV. O tempo ideal para maturação da fístula é de três meses, portanto
devemos antecipar o procedimento em relação ao momento do início da COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE
diálise.

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Infecção pelo vírus da hepatite B ou C ou pelo HIV.
COMPLICAÇÕES DA HEMODIÁLISE
Amiloidose por ß-2-microglobulina.
As complicações da HD podem ser divididas em agudas ou crônicas
(Tabelas 4 e 5). Doença cística renal adquirida.

Tab. 4: Complicações agudas da HD. RELACIONADAS AO ACESSO VASCULAR

Hipotensão por hipovolemia relativa.


Infecção do cateter de dupla luz.

Anafilaxia ao material do capilar do filtro.


Infecção da fístula AV (endarterite).

Anafilaxia ao óxido de etileno.


Trombose da fístula AV.

Efeito do acetato (hipotensão).


Síndrome do "roubo" arterial.

Outras causas de hipotensão.


NÃO RELACIONADAS À DIÁLISE, MAS COMUNS NA IRC

Distúrbios eletrolíticos (ex.: hipocalemia).


Osteodistrofia renal.

Cãibras.
Anemia por deficiência de eritropoietina.

Hipoxemia.
Aterosclerose acelerada, aumento da incidência de doença
isquêmica do miocárdio.
Desequilíbrio de diálise.

Pericardite urêmica.
Isquemia miocárdica.

Prurido.
Hipertensão arterial.

Sangramento agudo (heparina). As outras causas de hipotensão podem ser: reação anafilática; efeito do
acetato (se este estiver sendo usado como base); efeito da temperatura da
Embolia gasosa. solução de diálise, quando a 37°C; sangramento agudo ou isquemia
miocárdica. A anafilaxia se dá devido à ativação do sistema complemento
Tamponamento cardíaco. e dos leucócitos pelo contato do sangue com o material do capilar do filtro
de diálise, um fenômeno denominado bioincompatibilidade da membrana
do filtro.
A complicação mais comum durante uma sessão de HD convencional é a
hipotensão. Os dois principais mecanismos são a rápida extração de
A anafilaxia se manifesta com hipotensão, dispneia, lombalgia, dor
líquido intravascular pela ultrafiltração e a rápida extração de solutos. A
torácica, náuseas e vômitos. Como este fenômeno é mais comum no
ultrafiltração rápida leva à hipovolemia relativa (apenas do
primeiro contato com o filtro, podemos chamar de "síndrome do primeiro
compartimento intravascular), pois não há tempo hábil para que o líquido
uso". Eventualmente, a anafilaxia é ao óxido de etileno, substância
intersticial reponha o intravascular. A rápida retirada de solutos,
utilizada na esterilização do filtro.
principalmente da ureia, leva à súbita redução da osmolaridade
extracelular em relação à osmolaridade intracelular, levando à
transferência de líquido do extracelular para as células. As cãibras são complicações frequentes, geralmente devido à hipovolemia
transitória, à queda rápida da osmolaridade ou a distúrbios eletrolíticos.
A hipocalemia pode ocorrer quando a solução de diálise não contém
Tab. 5: Complicações crônicas da HD.
potássio, e pode levar à taquiarritmias graves. A hipoxemia se dá pela
RELACIONADAS À PRÓPRIA DIÁLISE perda de O2 pelo filtro ou pela anafilaxia, levando à deposição de
leucócitos nos alvéolos. Raramente, a hipoxemia é pela isquemia
Demência / osteodistrofia pelo alumínio. miocárdica ou por embolia gasosa.

Desnutrição proteicocalórica. A síndrome do desequilíbrio da diálise é caracterizada por um quadro


agudo de confusão mental, agitação ou torpor e, eventualmente,
Deficiência de vitaminas ou oligoelementos (incluindo anemia convulsões. O mecanismo é a queda abrupta da osmolaridade plasmática
ferropriva). pela extração de solutos, principalmente a ureia, levando a um ambiente
extracelular hipo-osmolar em relação às células (na uremia, a
Pseudogota, tenossinovite. concentração de ureia está aumentada tanto no plasma quanto nas
células).

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A transferência de líquido para as células leva ao edema celular, sendo os complicam mais, geralmente com estenose da anastomose venosa
neurônios as células mais suscetíveis a esse processo, e o paciente (hiperplasia da camada íntima na parede vascular).
desenvolve edema cerebral. Essa complicação é tratada com a lentificação
da diálise trocando pela DP. Em relação às complicações não relacionadas à diálise em si, destacamos
a aterosclerose acelerada, consequente à doença renal crônica, à
Uma complicação rara, mas bastante grave, é a embolia gasosa. As hipertrigliceridemia, à HAS e ao diabetes mellitus, causas muito comuns
máquinas antigas de HD possuíam um detector de bolhas visual, de IRC. A causa mais comum de morte nos pacientes com IRC em
precisando da atenção da equipe de enfermagem para constatar o "programa de diálise" é o evento cardiovascular.
problema e parar a HD. A entrada de grandes quantidades de ar na
circulação leva à oclusão dos vasos pulmonares por bolhas. O quadro é
caracterizado por dispneia súbita, cianose e hipoxemia. Pode ser grave e
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE PERITONEAL
levar o paciente ao óbito. O tratamento é a colocação na posição de
Trendelemburg reversa. As máquinas de HD atuais são microprocessadas As principais complicações da diálise peritoneal estão relacionadas na
e detectam a formação de bolhas no circuito com mais precisão, ativando Tabela 6.
alarmes e parando a HD.
Tab. 6: Complicações da DP.
Em relação ao sangramento agudo, vamos exemplificar o problema da
Peritonite infecciosa.
pericardite urêmica. A pericardite urêmica, como vimos, tem uma pré-
disposição a desenvolver um derrame pericárdico hemorrágico. Durante a
HD com heparina, o sangramento pericárdico pode ser acentuado, Peritonite química.

levando ao tamponamento cardíaco. A HD em si predispõe ao


tamponamento simplesmente por reduzir a pressão das câmaras cardíacas Hiperglicemia.
direitas. Portanto, no paciente com pericardite urêmica, a HD deve ser
realizada sem heparina, lavando-se o circuito frequentemente com SF Recorrência de hérnia abdominal.
0,9% para evitar a coagulação ou então se neutralizando a heparina com
protamina, infundida no final do circuito. Ruptura de víscera oca ou maciça.

Ruptura de aorta abdominal (fatal).


A demência relacionada à diálise é caracterizada por um quadro insidioso
de deficit cognitivo, fala balbuciante, ataxia, deficit motor e mioclonia. A
causa é a intoxicação pelo alumínio, presente em traços na solução de Ascite sintomática.

diálise. Vimos que o aprimoramento das técnicas de preparo da água para


diálise reduziu este problema. O tratamento é com o quelante Hipoalbuminemia.
desferoxamina.
Desnutrição proteica.

A pseudogota caracteriza-se por artrite ou tenossinovite devido ao


depósito de pirofosfato de cálcio. A amiloidose relacionada à diálise se
manifesta pelo acometimento osteoarticular, com dor óssea, artrite,
PERITONITE INFECCIOSA
tenossinovite e síndrome do túnel do carpo.A proteína amiloide, neste
caso, é derivada da ß-2-microglobulina, com peso molecular de 11.800 A principal complicação da DP é a peritonite infecciosa. Dependendo do
dáltons, que se acumula nos tecidos após cinco ou mais anos de diálise. rigor da antissepsia e assepsia, a incidência pode ser de 20-80%. Os germes
Não existe tratamento, mas a prevenção pode ser tentada, utilizando-se provêm da pele abdominal adjacente, sendo os principais o Staphylococcus
filtros de maior permeabilidade (mais caros). A doença cística renal aureus, o Streptococcus sp. e os Gram-negativos entéricos. A suspeita
adquirida é uma complicação da diálise de longa data; o mecanismo ainda clínica é pelo quadro de dor abdominal, com ou sem sinais de irritação
é obscuro. Pode se manifestar com dor lombar ou abdominal ou com peritoneal, associado à observação de um dialisado turvo. Geralmente há
hematúria. O problema mais preocupante é a evolução para câncer de uma celularidade > 100 leucócitos/mm3 no líquido peritoneal, com
células renais. predomínio de polimorfonucleares. No caso de peritonite fúngica ou
tuberculosa, o predomínio pode ser de linfócitos. Diante deste quadro,
está indicada a cultura do dialisado.
As infecções nos pacientes em HD podem ser adquiridas pela transmissão
parenteral, como a hepatite B e C e a infecção pelo HIV, ou pela
contaminação do acesso vascular pelos germes da pele adjacente. A O tratamento da peritonite bacteriana relacionada à diálise é a princípio
endarterite da fístula AV pode ser causa de febre de origem obscura e o com antibióticos colocados no "banho de diálise", em geral, os
germe principal é o Staphylococcus aureus. Este germe também causa aminoglicosídeos, associados à vancomicina, que pode ser aplicada de 7/7
sepse relacionada ao cateter de dupla luz, seguido em frequência pelos dias, pois a sua molécula não é dialisável. Um esquema de doses proposto
Gram-negativos entéricos e mais raramente pela Candida sp. Vimos que o é: vancomicina 1g IV de 7/7dias + amicacina 2 mg/kg no "banho de
cateter de dupla luz não deve permanecer por longo tempo, devido ao alto diálise" noturno da CAPD durante duas semanas.
risco de complicações.
Este tratamento pode ser modificado de acordo com o germe e o
A fístula AV tem uma meia-vida em dois anos, livre de complicações de antibiograma. Nos casos de peritonite fúngica, geralmente por Candida
60-75%. As próteses intravasculares têm uma meia-vida menor (30%), pois sp., é mandatório a retirada do cateter (mesmo sendo o Tenckoff), além do

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tratamento com fluconazol ou anfotericina B, por 4-6 semanas. O cateter A hemofiltração é feita em um circuito extracorpóreo, semelhante ao da
também deve ser retirado em caso de falha terapêutica para a peritonite hemodiálise, contendo um filtro de hemofiltração e um ponto de entrada
bacteriana ou infecção importante do "túnel subcutâneo". Infecções para a solução de reposição, que pode ser pré-filtro ou pós-filtro. A
brandas e superficiais da pele no entorno do orifício de entrada do cateter vantagem da reposição pré-filtro é manter o sangue mais diluído nos
podem ser tratadas com ATB tópico ou nitrato de prata, sem necessidade capilares, reduzindo a probabilidade da formação de microagregados e
de remoção do cateter. microcoágulos. A desvantagem é o maior custo, pois a quantidade de
solução de reposição utilizada será muito maior (a maior parte dos custos
do procedimento é com a solução de reposição).
OUTRAS COMPLICAÇÕES
O filtro de hemofiltração é diferente do filtro de hemodiálise. A
A peritonite química se dá geralmente quando se utilizam os "banhos"
permeabilidade de seus capilares é bem maior, permitindo a passagem de
hiperosmolares (2,5% ou 4,25%), pela própria irritação inerente a uma
substâncias de tamanho maior, podendo chegar a 20.000 dáltons. O
solução concentrada. Para evitar as complicações abdominais é
líquido formado dentro do filtro é denominado hemofiltrado, sendo
fundamental um prévio exame abdominal minucioso e a coleta de dados
drenado para o "lixo". Os componentes do circuito de hemofiltração estão
da anamnese sobre problemas abdominais. De todas, a mais temível é a
esquematizados na FIGURA 3. Neste esquema, a entrada da solução de
ruptura de aorta abdominal, que acontece principalmente em indivíduos
reposição é pós-filtro.
com aneurisma de aorta abdominal (contraindicação absoluta ao
procedimento).

HEMOFILTRAÇÃO E ANÁLOGOS

HEMOFILTRAÇÃO

A hemofiltração é um processo de remoção de solutos do plasma diferente


da hemodiálise. Uma grande quantidade de líquido passa por uma
membrana semipermeável, "levando consigo" os solutos, tal como ocorre
no processo de filtração glomerular. Este é o princípio físico da convecção
ou solvent drag, em que as moléculas de água "carreiam" os solutos que
podem passar pela membrana semipermeável. A hemofiltração artificial,
portanto, substitui até certo ponto a filtração glomerular: o processo é
muito semelhante.

No nosso rim, cerca de 140 litros são filtrados diariamente pelos


glomérulos (TFG = 100 ml/min), quase todo esse líquido sendo
reabsorvido pelo sistema tubular (138-139 litros por dia), sobrando 1-2
litros para formar a urina. Na hemofiltração artificial contínua, são
filtrados cerca de 36 litros em 24h pelo hemofiltro (25 ml/min). Caso a
maior parte deste líquido não retorne à circulação do paciente, ele
morrerá rapidamente de hipovolemia, portanto um equivalente da função Fig. 3:

reabsortiva tubular deve ser acrescentado ao processo. Como a reabsorção 1- "Parte arterial"
tubular é muito complexa, o que é feito é a reposição de um líquido 2- Bomba sanguínea (estabelece o fluxo)
contendo as concentrações eletrolíticas ideais para o paciente – a solução 3- Heparina
de reposição da hemofiltração. Uma solução de reposição típica é 4- Filtro de hemofiltração
apresentada a seguir: 5- Saída do hemofiltrado
6- Solução de reposição
7- Detector de bolhas
[Na+] = 140 mEq/L [K+] = 0 8- "Parte venosa"

[Ca++] = 1,6 mEq/L [Mg++] = 0,75 mEq/L A hemofiltração geralmente é utilizada de forma contínua, isto é,
utilizando-se fluxo sanguíneo baixo por período prolongado. O método
[Cl-] = 101 mEq/L [Lactato] = 45 mEq/L pode ser o arteriovenoso (CAVH) ou o venovenoso (CVVH). O exemplo
típico de CVVH é um fluxo de 125 ml/min durante um período de 24-48h.
[Glicose] = 200 mg/dl Dos 125 ml/min que passam pelos capilares do filtro, cerca de 25 ml/min
são filtrados, isto é, 20%. Esta é a fração de filtração, análoga à fração de
filtração glomerular.
Deve-se acrescentar KCl à solução em pacientes com normo ou
hipocalemia, até uma concentração de K+ de 4,0 mEq/L.

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sobrevida após cinco anos de 30-35%. As maiores causas de morte nessa
A hemofiltração tem a capacidade de eliminar substâncias de maior
população são as doenças cardiovasculares (principal) e as infecções.
tamanho e peso molecular. Teoricamente isso seria vantajoso, pois
Idade avançada, sexo masculino, raça "não negra", presença de diabetes
toxinas urêmicas maiores e alguns dos mediadores inflamatórios da
mellitus, desnutrição e cardiopatia são todos fatores de mau prognóstico
sepse (TNF-alfa, interleucinas, etc.) seriam eliminados com maior
no paciente em "programa de diálise"...
eficiência. Por outro lado, a desvantagem seria uma maior perda de
substâncias importantes, como nutrientes, vitaminas hidrossolúveis
O transplante renal atualmente oferece uma qualidade de vida melhor e
e medicamentos. O fato é que, até o momento, não existe nenhuma
uma sobrevida maior, quando comparado à diálise. Além disso, os custos
comprovação na literatura de que, em pacientes agudos, a
são bem menores, quando calculados em longo prazo. Infelizmente, a falta
hemofiltração – ou outros métodos de substituição renal – sejam
de doadores e, principalmente no nosso país, de recursos hospitalares e
superiores à hemodiálise em termos de redução da mortalidade...
ambulatoriais essenciais, o número de transplantes renais é muito inferior
ao número de pacientes dependentes de diálise. Vamos rever agora, de
O líquido eliminado pelo procedimento é o balanço entre a quantidade forma sucinta e didática, os principais conceitos acerca do transplante
hemofiltrada e a quantidade de solução reposta. As máquinas de renal (Tabela 7)...
hemofiltração atualmente são microprocessadas e têm um mecanismo de
controle automático do balanço líquido do procedimento. O hemofiltrado, Tab. 7
antes de ir para o "lixo", é pesado pela máquina, que automaticamente
O QUE EU NÃO POSSO DEIXAR DE SABER SOBRE
calcula quanto de solução de reposição tem que ser oferecido para
estabelecer o balanço programado. Por exemplo, podemos programar a TRANSPLANTE RENAL???
máquina para retirar do paciente 100 ml/h (2.400 ml/dia). Se a
hemofiltração for de 25 ml/min (ou 1.500 ml/h), para termos 100 ml/h de O transplante é melhor do que a diálise?
perda líquida, a solução de reposição deverá ser infundida a 1.400 ml/h Sim. Pacientes transplantados, mesmo os de maior idade,
(ou 23 ml/min). apresentam maior sobrevida e melhor qualidade de vida do que
pacientes com perfil semelhante que permanecem em programa
A hemofiltração é um método de alto custo, quando comparado à de diálise. Não se esqueça que a diálise não resolve todos os
hemodiálise, devido à quantidade de solução de reposição utilizada. problemas decorrentes da insuficiência renal (ex.: anemia,
osteodistrofia)... No caso dos diabéticos, existe ainda outra
vantagem: no DM1 pode-se fazer o transplante combinado rim-
HEMODIAFILTRAÇÃO pâncreas, com possibilidade de "cura" do diabetes.

A hemodiálise utiliza o processo de difusão passiva para eliminar os Existe diferença na incidência de rejeição quando o doador é
solutos indesejáveis e a hemofiltração utiliza o processo de convecção para uma pessoa viva ou um cadáver?
este intuito, necessitando da filtração de uma enorme quantidade de Nos dias de hoje não. A evolução da terapia imunossupressora
líquido, que deve ser reposta continuamente. A hemodiálise é melhor do fez com que a incidência de rejeição se tornasse praticamente
que a hemofiltração para eliminar as toxinas urêmicas de baixo peso idêntica em ambos os grupos (no início da era dos transplantes,
molecular, pois essas substâncias são mais bem eliminadas por difusão do o rim de cadáver apresentava uma taxa significativamente maior
que por convecção. A hemofiltração é melhor que a hemodiálise para de rejeição).
eliminar as toxinas urêmicas e sépticas de maior peso molecular, pois essas
substâncias não passam pelos "poros" do filtro de hemodiálise. TALVEZ,
Existe diferença na durabilidade do enxerto quando o doador é
o ideal para o paciente grave, com SIRS e IRA ou insuficiência de
uma pessoa viva ou um cadáver?
múltiplos órgãos, seja a adição dos dois processos ao mesmo tempo –
Sim. Os rins de cadáver têm probabilidade de sofrer períodos
hemodiafiltração. A hemodiafiltração normalmente é utilizada como
mais prolongados de isquemia, o que tende a causar lesões
método contínuo (CAVHDF ou CVVHDF), em pacientes graves
parenquimatosas irreversíveis que limitam a sobrevida do
internados em CTI.
enxerto no hospedeiro. Após cinco a dez anos, o número de
enxertos cadavéricos normofuncionantes é bem menor que o
No filtro de hemodiafiltração, os dois processos ocorrem: a convecção e a
número de enxertos oriundos de doadores vivos.
difusão. Enquanto uma parte do plasma é hemofiltrada, a porção restante
é hemodialisada.
A cirurgia de transplante renal é uma "grande cirurgia"?
Não... O enxerto é colocado na fossa ilíaca direita, sem invasão
Este procedimento tem alto custo em comparação com a hemodiálise ou a
da cavidade peritoneal. As anastomoses vasculares são feitas
hemofiltração isoladas. Como já enfatizado, até o momento não existem
com os vasos ilíacos externos, e o ureter é diretamente
evidências definitivas de que qualquer método de substituição renal seja
anastomosado na bexiga. Se não houver complicações
superior aos demais em pacientes com IRA...
perioperatórias (ex.: infecção da ferida cirúrgica), os pacientes
costumam receber alta num prazo médio de cinco dias!
PROGNÓSTICO
Quais são os principais critérios de elegibilidade para receber
A mortalidade do paciente com IRC em "programa de diálise", pela um transplante renal?
estatística americana, gira em torno de 18-20% ao ano, sendo a taxa de
1. expectativa de vida > 5 anos.
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2. ausência de contraindicações absolutas. Quais são os pré-requisitos para ser um doador cadavérico?
Ausência de câncer, hepatite viral crônica e infecção pelo HIV,
Então idade, transplante renal prévio e doença renal de base pois todos podem ser transmitidos ao receptor... Pacientes
não são contraindicações ao transplante renal? idosos e com algum grau de doença renal crônica costumavam
NÃO! Atualmente se tem transplantado com sucesso pacientes ser excluídos, porém, em vista da crescente demanda por
com > 60 anos, com múltiplos retransplantes e com qualquer transplante (não acompanhada por um aumento equiparável na
doença renal de base!!! oferta de órgãos), os critérios para doação de rim de cadáver
foram ampliados... Assim, atualmente definem-se critérios

Quais são as poucas contraindicações absolutas ao expandidos de doação cadavérica e critérios para doação após
transplante renal? morte cardíaca.
Os "critérios expandidos" são:
1. Expectativa de vida reduzida (< 5 anos).
1. Doador cadavérico > 60 anos.
2. Câncer.
2. Doador cadavérico > 50 anos com história de HAS e Cr > 1.5
3. Infecção ativa sem tratamento.
mg/dl.
4. Psicose grave.
3. Doador cadavérico > 50 anos com história de HAS e morte
5. Abuso e dependência ao álcool e/ou drogas ilícitas. por AVC.

4. Doador cadavérico > 50 anos com morte por AVC e Cr > 1.5
Quais são as contraindicações relativas ao transplante renal?
mg/dl.
1. Infecção ativa em tratamento (ex.: TB).
Os critérios para doação após morte cardíaca são:
2. Úlcera péptica ativa.
1. Falência da ressuscitação cardiopulmonar.
3. Doença coronariana.
2. Paciente em que se espera uma parada cardiorrespiratória
4. Hepatite crônica (incluindo B e C*). iminente.

5. Infecção pelo HIV*. 3. Parada cardiorrespiratória em vítima de morte cerebral.

6. Úlcera péptica ativa. 4. Paciente hospitalizado que evolui com parada


cardiorrespiratória.
7. Doença cerebrovascular.
Os órgãos obtidos de doadores que se enquadram nessas
8. Má adesão terapêutica.
categorias devem ser preferencialmente reservados para
* Muitos autores consideram que essas infecções são receptores em que a expectativa de sobrevida no programa de
contraindicações ABSOLUTAS ao Tx renal. Seu argumento é diálise seja inferior à do transplante (como é o caso, por
que a imunossupressão farmacológica após o transplante exemplo, de receptores mais idosos).
aumentaria de maneira excessiva o risco de infecções
oportunistas... Contudo, alguns centros de referência vêm
Existe risco de IRC progressiva no indivíduo que doou um de
testando protocolos de transplante renal nesses pacientes,
seus rins em vida?
sob condições altamente restritas.
Sim, mas esse desfecho é muito incomum, mesmo após 20
anos da doação! Em geral é necessário adquirir outro fator de
Que testes podem ser feitos para avaliar a compatibilidade
risco para nefropatia, como hipertensão arterial. Quando o
tecidual entre doador e receptor?
receptor é diabético tipo 1 e o doador é seu parente de 1º grau,
● Tipagem sanguínea ABO*. devemos avaliar o risco de DM no doador com pesquisa de
anticorpos anti-insulina e anti-ilhota pancreática, além de teste
● Tipagem do HLA classe I (A, B e C) e classe II (DR)**.
de tolerância à glicose.
● Prova cruzada entre soro do receptor e linfócitos do doador.

* O grupo Rh não interfere na histocompatibilidade do Quais são as características clínicas de um episódio de


transplante renal. rejeição ao enxerto?
** Essa tipagem pode ser feita por um "painel de anticorpos" Em geral, apenas elevação assintomática da creatinina (com ou
ou por modernas técnicas de sequenciamento genético. sem alterações do débito urinário), uma vez descartadas outras
causas (ex.: ITU, isquemia por trombose venosa ou arterial,
Quais são os pré-requisitos para ser um doador vivo? nefrotoxicidade medicamentosa)... Quadros exuberantes de
febre, edema e dor na topografia do enxerto são incomuns, não
Exame físico normal, presença de dois rins normofuncionantes,
devendo ser esperados! A biópsia confirma o diagnóstico,
arteriografia renal mostrando ausência de anormalidades na
revelando um padrão de nefrite intersticial.
artéria renal que dificultem a cirurgia e prolonguem o tempo de
isquemia do enxerto (ex.: múltiplos ramos arteriais, dilatações
aneurismáticas, etc.), mesmo grupo sanguíneo ABO e HLA Como é feita a imunossupressão para prevenir a rejeição?
compatível. Exceto nos casos de doação entre gêmeos idênticos, a
imunossupressão farmacológica é sempre necessária para evitar

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a rejeição... Podemos dividi-la em duas fases: (1) indução; (2) Candidíase orofaríngea;
manutenção. ● ITU.
● Indução: feita no momento do transplante, principalmente nos
2. "Precoces" (do 1º ao 6º mês):
casos taxados como de "alto risco" para rejeição (ex.:
compatibilidade parcial do HLA). As drogas de escolha são
● Pneumocistose;
"imunobiológicas". Estas podem ser "depletadoras" ou "não ● Citomegalovirose;
depletadoras" de linfócitos. No primeiro grupo, as opções são a
● Legionelose;
globulina antitimócito ou o alentuzumab (anti-CD52), que
reduzem agudamente o número de linfócitos T e B circulantes, ● Listeriose;
evitando a "sensibilização" do sistema imune no pós- ● Hepatites B e C.
transplante imediato. No segundo grupo, temos o anticorpo
antirreceptor de IL-2, que bloqueia especificamente linfócitos 3. "Tardias" (após o 6º mês):
T "ativados" (estratégia mais seletiva e com menos efeitos ● Aspergilose invasiva;
colaterais).
● Nocardiose;
● Manutenção: o esquema mais utilizado é a "terapia tripla" com
● Vírus BK, JC, SV40 (poliomavírus);
prednisona, inibidores da calcineurina e agentes
"antimetabólitos". ● Herpes-zóster;

APREDNISONA é dada em altas doses (200-300 mg) no dia do ● Hepatite B e C.


transplante, mantendo-se 30 mg/dia ao longo da primeira
Obs.: o principal poliomavírus é o BK (BKV), que representa uma
semana, seguindo um rápido "desmame" até chegar em 5-10
importante etiologia de perda tardia do enxerto. Assim, toda
mg/dia, que será a dose de manutenção.
disfunção de enxerto após o 6º mês de transplante deve ser
Os INIBIDORES DA CALCINEURINA são a ciclosporina e o avaliada para reativação do BKV! Cerca de 90% das pessoas
tacrolimus. A calcineurina é uma enzima dos linfócitos que induz teve infecção assintomática por este vírus na infância. O
a síntese de citocinas pró-inflamatórias, logo, seus inibidores problema é que ele permanece em estado latente no
diminuem a atividade linfocitária. O principal efeito colateral é parênquima renal e, na vigência de imunodepressão acentuada,
nefrotoxicidade, que faz diagnóstico diferencial com rejeição e sofre reativação gerando um quadro de nefrite intersticial
deve ser tratada com redução da dose ou troca do fármaco. progressiva (levando à fibrose e atrofia do parênquima). O
Os AGENTES ANTIMETABÓLITOS são a azatioprina e o mofetil diagnóstico é confirmado pela demonstração de virúria e viremia
micofenolato. Este último é a droga de escolha, por apresentar através da técnica PCR. Um teste de rastreio que costuma ser
maior eficácia e menor toxicidade hematológica. Inibem a feito antes da realização de PCR para BKV é a citologia urinária:
síntese de DNA e RNA, bloqueando a proliferação celular. O a presença das decoy cells (células epiteliais tubulares
micofenolato inibe uma enzima específica dos linfócitos, logo, é descamadas que apresentam inclusões virais e outras
mais "seletivo" do que a azatioprina. alterações citopáticas) indica reativação do BKV... O tratamento
consiste na diminuição da intensidade da imunossupressão.
● Alternativas: (1) na terapia tripla, podemos trocar o inibidor de
calcineurina ou o agente antimetabólito por um inibidor do Detalhe: "BK" é uma abreviação do nome do primeiro paciente
mTOR (sirolimus ou everolimus). Esta classe bloqueia, nos em que este vírus foi isolado, na década de 1970... NÃO TEM
linfócitos T, as vias de sinalização intracelular estimuladas por NADA A VER COM TUBERCULOSE!!!
citocinas pró-inflamatórias; (2) recentemente foi aprovada uma
nova estratégia para a terapia de manutenção... Trata-se do Quais são as outras complicações possíveis após o
imunobiológico belatacept, uma "proteína de fusão" que se liga transplante renal?
às moléculas coestimulatórias CD80 e CD86 presentes na ● Hipercalcemia: relacionada à persistência da hiperplasia e
superfície das células apresentadoras de antígeno. Esta
hiperatividade das paratireoides (hiperparatireoidismo
ligação bloqueia a estimulação dos linfócitos T pelas células
"terciário"). Pode induzir falência do enxerto.
apresentadoras, promovendo anergia e apoptose linfocitária.
Uma das vantagens é que o belatacept é ministrado por ● Hipertensão: relacionada à persistência do rim nativo doente,
infusão IV uma vez ao mês. rejeição ao enxerto, estenose de artéria renal ou toxicidade dos
inibidores de calcineurina.
Como tratar um episódio agudo de rejeição? ● Anemia: após o transplante, o paciente pode permanecer com
A estratégia padrão consiste na pulsoterapia com algum grau de insuficiência renal (ex.: TFG entre 30-50
metilprednisolona (500 a 1.000 mg IV/dia, por três dias). ml/min), apresentando os sinais e sintomas correspondentes a
essa fase da DRC.
Quais são as principais complicações infecciosas no paciente ● Câncer: o tratamento imunossupressor aumenta o risco de
transplantado e imunossuprimido? câncer em cerca de 100 vezes quando comparado à população
1. "Peritransplante" (1º mês): geral. De fato, cerca de 5-6% dos transplantados desenvolve
alguma neoplasia!!! As principais são: pele, lábios, Ca de colo
● Infecção da ferida cirúrgica (principal);
uterino e linfomas não Hodgkin.
● Reativação de herpes simples; ● Doença cardiovascular: muitos indivíduos já possuíam doença

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coronariana ou cardiomiopatia pela uremia crônica. Após o
transplante, as lesões preestabelecidas persistem, acarretando
aumento da morbimortalidade (mais de 50% dos óbitos após o
Tx renal são por causas cardiovasculares!).

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