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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

José Gledson Nogueira Moura

Prosa, Música,
Poesia
A condição humana por
Raul Seixas

Natal/RN
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

JOSÉ GLEDSON NOGUEIRA MOURA

PROSA, MÚSICA, POESIA


A CONDIÇÃO HUMANA POR RAUL SEIXAS

NATAL/RN
2020
JOSÉ GLEDSON NOGUEIRA MOURA

PROSA, MÚSICA, POESIA


A CONDIÇÃO HUMANA POR RAUL SEIXAS

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte para fins
de obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Maria da


Conceição Xavier de Almeida.

NATAL/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA

Moura, José Gledson Nogueira.


Prosa, música, poesia: a condição humana por Raul Seixas /
José Gledson Nogueira Moura. - Natal, 2020.
140f.: il.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós - Graduação em Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.
Orientadora: Profa. Dra Maria da Conceição Xavier de Almeida.

1. Raul Seixas - Tese. 2. Condição Humana - Tese. 3. Prosa -


Tese. 4. Música - Tese. 5. Poesia - Tese. I. Almeida, Maria da
Conceição Xavier de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316:78

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710


JOSÉ GLEDSON NOGUEIRA MOURA

PROSA, MÚSICA, POESIA


A CONDIÇÃO HUMANA POR RAUL SEIXAS

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte para fins de obtenção do título de Doutor
em Ciências Sociais.

Aprovada em: ___/___/2020

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria da Conceição Xavier de Almeida - Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________________________
Profa. Dra. Josineide Silveira de Oliveira – Examinador Externo
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Aldemir Farias - Examinador Externo
Universidade Federal do Pará - UFPA

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Fagner Torres de França – Examinador Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Júnior – Examinador Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Iran Abreu Mendes – Examinador Suplente Externo
Universidade Federal do Pará - UFPA

_________________________________________________________________
Profa. Dra. Eugênia Maria Dantas – Examinador Suplente Interno
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Eu dedico essa tese às primeiras pessoas que estão sentadas ali na fila.
Muito Obrigado!

Ao meu pai José Maia Moura,


E se eu perder coragem
Pra seguir viagem
A fé que me faltar
Eu vou buscar com você meu pai
(Ê Meu Pai, Raul Seixas/Cláudio Roberto, 1980).

A minha mãe Maria da Conceição Nogueira Moura,


Teu nome é Yemanjá
E é Virgem Maria
É Glória e é Cecília
Na noite fria
Oh minha mãe, minha filha
Tu és qualquer mulher!
Mulher em qualquer dia
(Ave Maria da Rua, Raul Seixas/Paulo Coelho, 1976).

Ao meu irmão Jackson Nogueira Moura,


Lembro, Pedro, aqueles velhos dias
Quando os dois pensavam sobre o mundo
Hoje eu te chamo de careta, Pedro
E você me chama vagabundo
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
(Meu Amigo Pedro, Raul Seixas/Paulo Coelho, 1976).

A minha companheira Alexandra Katiuscia de Sousa Freire,


Quando a gente se tornar rima perfeita
E assim virarmos de repente uma palavra só
Igual ao nó que nunca se desfaz
Famintos um do outro como canibais
Paixão e nada mais!
(Coisas do Coração, Raul Seixas/Kika Seixas/Cláudio Roberto, 1983).

Ao meu moleque maravilhoso, José Henrique Freire Moura,


Nada tão belo como uma criança dormindo
Nem tão profundo como dormir sem sonhar
Nem tão antigo como o sonho dos teus olhos
Nem tão distante como a hora de acordar
(Cantiga de Ninar, Raul Seixas/Paulo Coelho, 1976).

A minha orientadora Maria da Conceição de Almeida,


Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
(Ouro de Tolo, Raul seixas, 1973).

Ao meu parceiro na composição dessa tese, Raul Santos Seixas,


Eu já ultrapassei a barreira do som
Fiz o que pude às vezes fora do tom
Mas a semente que eu ajudei a plantar já nasceu!
Eu vou, vou m’embora apostando em vocês
Meu testamento deixo minha lucidez
Vocês vão ter um mundo bem melhor que o meu!
(Geração da Luz, Raul Seixas/Kika Seixas, 1984).
AGRADECIMENTOS

É chegada a hora de poder externar toda a gratidão às pessoas e


instituições que contribuíram para que esse sonho se tornasse realidade. Tenho
a sensação que as linhas e as palavras a seguir são insuficientes para
agradecer cada apoio, incentivo, motivação e aprendizado recebido ao
longo da jornada do doutorado. Gratidão é a expressão que me move nesse
momento de fazer os agradecimentos. Muito obrigado de coração a todos
aqueles que colaboraram para a construção desse trabalho.

Ao carpinteiro do universo. Responsável pela poesia da vida, do mundo,


da natureza, do cosmos.

A minha orientadora, querida Ceiça, como carinhosamente a chamo.


Que ser humano incrível. Que educadora ética e competente. Sempre
preocupada com a formação humana para além dos altos muros da
universidade. Toda vez que perguntado por alguém se é bom ser seu aluno,
digo que é excelente. E emendo: mas ser orientando é muito melhor. Quanto
aprendizado nesse convívio de quatro anos. Das orientações coletivas a uma
simples troca de mensagens ou de áudio estava ali um conhecimento a ser
aprendido. Faltam palavras, Ceiça, para descrever a gratidão de ser seu
Raulzito como passou a me chamar.

A Raul Santos Seixas, protagonista e parceiro generoso na composição


desta tese. Obrigado por sua música e poesia. Sem elas a vida seria mais difícil.

Ao Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM e a todas as pessoas


que são partes integrantes desse lugar mestiço. Espaço coletivo e
transdisciplinar de construção do conhecimento que faz do
compartilhamento um operador cognitivo fundamental das relações
humanas. Lugar onde a ciência é feita com risos, de forma criativa, ousada,
leve, sem jamais perder o rigor que o trabalho acadêmico exige.
Aos meus pais, artesãos desse ser humano que sou hoje. Devo tudo a
vocês. Sou grato pelo companheirismo, por cada ensinamento, palavra e
dedicação de vocês nesses 35 anos. Sou grato por ser seu filho. Amor talvez
seja a expressão que melhor descreva a nossa relação.

Ao meu irmão, que sempre se colocou disponível para ajudar em todos


os momentos. Teria sido mais difícil ainda terminar essa tese se não fossem as
nossas conversas nos dias que passei trancado aí no apartamento em
Fortaleza durante a elaboração do trabalho.

A minha companheira, parceira e cúmplice de vida, que suportou nos


últimos anos e nos últimos meses sem se queixar, um momento sequer, da
minha prioridade colocada para o término do doutorado, O que seria de mim
e do nosso filho se não fosse a sua força para segurar todas as barras que
enfrentamos. Te amo!

Ao meu filho, que mesmo sendo criança parecia entender as ausências


do papai. Agradeço cada abraço, cada cheiro, cada pergunta, quando
voltava das viagens. Peço desculpas pelos dias, semanas, meses que passei
longe de você, meu filho. Peço perdão pelas vezes que não pude buscá-lo
na escola, pelos passeios que não pude levá-lo, pelas brincadeiras que não
pude fazer. Pelas suas doenças que muitas vezes não pude confortar.
Compartilho aqui aquele nosso segredo: Papai te ama.

A todos os meus familiares maternos e paternos pelo incentivo e torcida


pelo meu sucesso.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em


Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Aos meus colegas de doutorado da turma 2016. Embora o convívio
coletivo tenha sido por pouco tempo, as trocas de experiências foram intensas
e gratificantes.
A CAPES, pela oportunidade de bolsa concedida na segunda metade
do doutorado, fundamental para o prosseguimento dos estudos.

Ao Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho e ao Prof. Dr. Alex Galeno pelas
contribuições no processo de qualificação.

Aos professores que compõem a banca examinadora, grato pela leitura


atenciosa e pelas valorosas contribuições que certamente surgirão.

As amizades que cultivei em Natal. Muitas saudades meus amigos.


Abraços fraternos para: Jair Moisés, Mônica Reis, Luan Gomes, Lídia Borba,
Louize Gabriela, Alaim Passos, Adeílton Dias e Juliana Rocha. Grato pelos
momentos marcantes do nosso convívio nessa jornada dos últimos anos.

A minha tia Rosa Moura e aos meus primos David, João Paulo e Isabelle
pela acolhida sempre que precisava vir a Natal.

A Ângelo Felipe pela amizade e companheirismo. Vamos lá Belchior.

A minha mais nova amiga Nayara Katrine.

A Adeílton Dias pela tradução do resumo para o espanhol.

A todos que fazem o Curso de Licenciatura Interdisciplinar em


Educação do Campo (LEDOC) da Universidade Federal Rural do Semi-Árido
pelo compartilhamento de experiências de vida e conhecimento.

As amigas Maria do Carmo (in memorian) e Sarah Rafaele pela força


que sempre me deram.

A todos que de algum modo contribuíram para a realização desta tese.


A minha imensa gratidão.
Água Viva
Eu conheço bem a fonte
Que desce daquele monte
Ainda que seja de noite
Nessa fonte tá escondida
O segredo dessa vida
Ainda que seja de noite

Êta fonte mais estranha


Que desce pela montanha
Ainda que seja de noite
Sei que não podia ser mais bela
Que os céus e a terra bebem dela
Ainda que seja de noite
Sei que são caudalosas as correntes
Que regam céus, infernos
Regam gentes
Ainda que seja de noite
Aqui se está chamando as criaturas
Que desta água se fartam mesmo às escuras
Ainda que seja de noite
Ainda que seja de noite

Eu conheço bem a fonte


Que desce daquele monte
Ainda que seja de noite
Porque ainda é de noite
No dia claro desta noite
Porque ainda é de noite
No dia claro desta noite
Raul Seixas; Paulo Coelho, Gita, 1974.
“... Eu sou tão grande ator, tão bom ator que eu finjo que eu sou cantor e
compositor e todo mundo acredita...”.
Raul Seixas em entrevista ao jornalista Pedro Bial, 1983.
RESUMO

A tese tem como tema a condição humana a partir da obra musical de


Raul Santos Seixas. Por que pensar sobre a condição humana a partir da arte,
da poesia, da música? Entendendo a poesia, o teatro, o cinema, a literatura,
a música e as artes como experiências humanas que podem contribuir para
uma consciência e um conhecimento de si, da relação com o outro e da
inserção do indivíduo na sociedade, a tese assume como propósito reaver as
partes necrosadas da ciência de modo a injetar fluxos de pensamentos
criativos, anti-paradigmáticos e críticos e a construir a possibilidade de
arquitetar uma nova gramática da ciência, uma nova partitura musical da
narrativa do conhecimento sobre o mundo e a humanidade por meio da
música. Partindo da consideração de que, nas artes, há um pensamento
profundo sobre a condição humana, problematizo por meio da poesia e da
música de Raul Seixas a sua compreensão a respeito da nossa condição de
humanidade. A pesquisa se desenvolveu no sentido de promover reflexões
sobre a constituição do ser humano como biológico e cultural, como universal
e, ao mesmo tempo, diverso e singular, como prosaico e poético, reafirmando
a nossa existência como Sapiens sapiens demens. O trabalho tem como
estímulo e base o fenômeno da cultura e a consequente diversidade de
experiências que a condição humana possibilita na vida em sociedade. Ao
caminhar pelo itinerário da vida e obra de Raul Seixas por meio de suas
composições e do diálogo com o pensamento de autores como Edgar Morin,
Conceição Almeida, Edgard Carvalho, Nuccio Ordine, Giorgio Agamben,
entre outros, tensiono a figura de Raul como sendo a expressão da prosa, da
música, da poesia.

Palavras-chave: Raul Seixas. Condição Humana. Prosa. Música. Poesia.


ABSTRACT

The current thesis has as its theme the human condition as it is expressed
in the musical work of Raul Santos Seixas. Why should we think about the human
condition based on art, poetry, music? Understanding poetry, theater, cinema,
literature, music and the arts as human experiences that can contribute to an
awareness and knowledge of the self, of the relationship with the other and of
the insertion of the individual in society, the thesis assumes as its purpose to
recover the necrotic parts of science in order to inject streams of creative, anti-
paradigmatic and critical thoughts and to build the possibility of architecting
a new grammar of science, a new musical score of the knowledge narrative
about the world and humanity through music. Starting from the consideration
that, in the arts, there is a profound thought about the human condition, I
problematize, through the poetry and music of Raul Seixas, his understanding
of our condition of humanity. The research was developed in order to promote
reflections on the constitution of the human being as biological and cultural,
as universal and, at the same time, diverse and singular, as prosaic and poetic,
reaffirming our existence as Sapiens sapiens demens. The work is stimulated
and based on the phenomenon of culture and the consequent diversity of
experiences that the human condition makes possible in life in society. While
walking through the itinerary of Raul Seixas' life and work through his
compositions and dialogue with the thoughts of authors such as Edgar Morin,
Conceição Almeida, Edgard Carvalho, Nuccio Ordine, Giorgio Agamben,
among others, I tension the figure of Raul as being the expression of prose,
music, poetry.

Keywords: Raul Seixas. Human Condition. Prose. Music. Poetry.


RESUMEN

La tesis aborda como temática la condición humana a partir de la obra


musical de Raul Santos Seixas. ¿Por qué pensar sobre la condición humana a
partir del arte, de la poesía, de la música? Comprendiendo la poesía, el teatro,
el cine, la literatura, la música, las artes como experiencias humanas que
pueden contribuir para una consciencia y un conocimiento de uno mismo, de
la relación con el otro y de la inserción del individuo en la sociedad, la tesis
asume como propósito recuperar las partes necrosadas de la ciencia de
modo a inyectar flujos de pensamientos creativos, anti-paradigmáticos y
críticos. También propone construir la posibilidad de organizar una nueva
gramática de la ciencia, una nueva partitura musical de la narrativa del
conocimiento sobre el mundo y sobre la humanidad por intermedio de la
música. Partiendo de la consideración de que en las artes hay un profundo
pensamiento sobre la condición humana, problematizo por intermedio de la
música de Raul Seixas su comprensión sobre nuestra condición de humanidad.
El transcurrir de la investigación ha caminado en el sentido de reflexionar sobre
la constitución de ser humano como biológico y cultural, como universal y al
mismo tiempo diverso y singular, como prosaico y poético, reafirmando
nuestra existencia como sapiens sapiens demens. Tomando como estímulo y
como base el fenómeno de la cultura y la consecuente diversidad de
experiencias que la condición humana posibilita en la vida en sociedad, la
tesis fue producida en ese tono. Al caminar por el itinerario de la vida y obra
de Raul Seixas por intermedio de sus composiciones y del diálogo con el
pensamiento de autores como: Edgar Morin, Conceição Almeida, Edgard
Carvalho, Nuccio Ordine, Giorgio Agamben, entre otros, tensiono la figura de
Raul como siendo la expresión de la prosa, de la música, de la poesía.

Palabras-clave: Raul Seixas. Condición Humana. Prosa. Música. Poesia.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Raul com os olhos arregalados parecendo espiar algo...... 28


Figura 2 - Raul segurando objeto semelhante a um relógio 42
despertador...............................................................................
Figura 3 - Fotos das capas dos álbuns de Raul...................................... 67
Figura 4 - Raul fazendo pose de pensador............................................. 105
Quadro 1 - Veja quanto disco na estante I (DISCOGRAFIA)................... 91
Quadro 2 - Veja quanto disco na estante II (ÁLBUNS PÓSTUMOS).......... 98
FAIXAS

PRELÚDIO ..................................................................................................................... 15
Vem surgindo de trás das montanhas azuis, olhe o trem ................................... 21
Meu despertar para a condição humana ........................................................... 26
O primeiro contato com o Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM. 28
Este caminho que eu mesmo escolhi .................................................................... 30

METAMORFOSE AMBULANTE ....................................................................................41


A condição Sapiens sapiens demens....................................................................51
Um ser dotado de música e de poesia..................................................................55

AS AVENTURAS DE RAUL SEIXAS NA CIDADE DE THOR .......................................... 61


O Início, o fim e o meio – Uma narrativa musical ................................................66

RAUL SEIXAS E RAULZITO SEMPRE FORAM O MESMO HOMEM? UMA CONCEPÇÃO


COMPLEXA DO SUJEITO ...........................................................................................99
E as perguntas continuam sempre as mesmas: Quem eu sou? De onde venho?
Onde vou dar? ..........................................................................................................104
Quero ser o homem que sou (Dizendo a verdade) - O Homo Complexus ... 113
O mistério do universo – o singular e o universal ................................................118

AGORA EU VOU CANTAR POR CANTAR – A ÚTIL INUTILIDADE DA MÚSICA.......123

CAMINHOS .............................................................................................................133

CAMINHOS II ...........................................................................................................137
Eu conheço bem a fonte que desce daquele monte .....................................138
Inspirações e outros escritos ..................................................................................140
15

PRELÚDIO

Sonho que se sonha só


É um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto
É realidade
Raul Seixas, Gita, 1974.
16

Pesquisar é desafiador. É uma experiência única. Mesmo para quem já


é iniciado, não é um exercício fácil. A cada aventura de se lançar no mundo
da pesquisa, surgem novos desafios e curiosidades que nos levam a novas
possibilidades de aprendizagem. Esses desafios e a vontade de conhecer
devem ser encarados e aproveitados como um processo que é parte
integrante da jornada do conhecimento.
Desde o momento inicial que somos atraídos pelo tema que queremos
pesquisar até o momento final da escrita do trabalho e da defesa da tese, há
toda uma trajetória de construção do conhecimento que vai sendo trilhada e
um conjunto de saberes que vão sendo articulados que nos proporcionam
diferentes aprendizados. A condição de ser um eterno aprendiz e a humildade
em reconhecer que não existem respostas definitivas e completas são
elementos fundamentais na busca do ato de conhecer.
Escrever uma tese também não é tarefa das mais simples. É um dos
momentos mais aguardados do percurso de formação doutoral. Embora
tenha sido prazeroso e gratificante desenvolver um trabalho de pesquisa
sobre alguém que provoca em mim as mais diferentes inquietações, reações
e interrogações, a arte da escrita demanda dedicação, conhecimento e
inspiração.
Conhecimento sobre o tema de pesquisa proposto, inspiração para
traduzir a leitura e as explicações do fenômeno estudado e dedicação para
articular um texto que demonstre nossas interpretações dos fenômenos e os
resultados da imersão na temática pesquisada é tarefa semelhante ao ato de
compor. Exige egoísmo, sacrifício, compartilhamento, parceria, solidão,
concentração, foco, disciplina, intuição, esforço, ousadia, imaginação e
criatividade.
Construir uma tese nos coloca diante de inúmeros estados de ser e de
muitas sensações também: excitação, medo, euforia, alegria, precaução,
entusiasmo, dúvida, dor, orgulho; são alguns dos sentimentos que nos
acompanham no ato da escrita. Esses estados emocionais são para
Conceição Almeida componentes responsáveis pelo modo como produzimos
nossas mundovisões e nossa compreensão do mundo. Tem influência direta
17

na forma como articulamos a nossa visão sobre a realidade e no modo como


a interpretamos.

É importante assinalar que a emoção não pode ser entendida


unicamente como um estado de espírito que produz satisfação,
contentamento, prazer, mas como uma mobilização cognitiva
que inclui também os estados de fúria, rebeldia e
descontentamento (ALMEIDA, 2004, p. 7).

Todo conhecimento se dá pela emoção. É inevitável a presença desses


diferentes sentimentos na construção do conhecimento. Não podemos nos
desconectar dessa condição. Ter a consciência disso é fundamental para
compreendermos como as hipóteses, conceitos, teorias e as interpretações se
articulam nas explicações dos fenômenos.
A visão tradicional do pensamento científico, conforme nos diz Edgar
Morin, eliminou o sujeito, a consciência, a autonomia. Para o autor:

Conhecer é produzir uma tradução das realidades do mundo


exterior. De meu ponto de vista, somos produtores do objeto
que conhecemos; cooperamos com o mundo exterior e é está
co-produção que nos dá a objetividade do objeto. Somos co-
produtores de objetividade. Por isso faço da objetividade
científica não apenas um dado, mas também um produto. A
objetividade concerne igualmente a subjetividade (MORIN,
2007, p. 111).

Na ciência, como afirma Sheldrake (2014), o uso da imaginação faz


parte do fazer científico. A experiência imaginária é algo que não está
separada de um corpo, sem sofrer nenhum tipo de influência. De acordo com
o autor, a ciência está se tornando dogmática, o que tem inibido cada vez
mais a curiosidade científica, refletindo tal condição na perda do vigor, da
vitalidade e da ousadia.
Nas palavras do biólogo, é preciso ousadia ao cientista. É preciso
abandonar os dogmas que impedem ou restringem o questionamento e a
imaginação. É preciso que a ciência seja mais interessante e divertida.
18

Estou convencido de que a ciência está sendo restringida por


pressuposições que se enrijeceram em dogmas, mantidos por
fortes tabus. Essas crenças protegem a cidadela da ciência
tradicional, mas age como uma barreira ao pensamento
aberto (SHELDRAKE, 2014, p. 20).

Para Rupert Sheldrake, a busca da verdade e a ilusão da objetividade


fazem com que o cientista engane os outros e a si mesmo. Tal acontecimento
é reflexo da ideia de que o conhecimento está desvinculado do corpo. Ou
seja, que a mente estaria desconectada do corpo, não sendo afetada por
qualquer tipo de emoção. O que é um grande equívoco. Corpo, mente,
emoções se articulam de forma inseparáveis em qualquer atividade, incluindo
a do cientista.
A experiência vivenciada nesse trabalho misturou todo tipo de pulsões,
emoções, sentimentos, o que certamente influenciou no humor durante o
exercício cognitivo de interpretar o fenômeno estudado e de colocar no
papel as impressões e explicações no momento da elaboração do texto.
As crises de choro pela ausência do aconchego do lar, a distância
geográfica e emocional da família e dos amigos, os momentos de
enclausuramento para se dedicar a pesquisa, as dúvidas acerca da minha
capacidade de empreender tal jornada, o medo do notebook não resistir aos
mais de dez anos de uso, a alegria e o entusiasmo por estudar algo que
realmente me interessa, a possibilidade de conquistar o tão sonhado título de
doutor e as inúmeras privações que tive que passar para que conseguisse
finalizar o texto são algumas das expressões que me marcaram ao longo desse
processo de elaboração da tese.
Essa tese foi escrita em diferentes lugares e momentos no transcorrer do
percurso doutoral. Natal e Mossoró no estado Rio Grande do Norte e Fortaleza
a capital do Ceará foram refúgios onde as linhas que aqui estão foram
escritas. O trabalho tem a marca da mestiçagem geográfica e das fronteiras
borradas desses lugares.
A tese tem como tema a condição humana a partir da obra musical de
Raul Santos Seixas. Partindo da consideração de que nas artes há um
pensamento profundo sobre a condição humana, problematizo por meio da
19

poesia e da música do referido artista a sua compreensão a respeito da nossa


condição de humanidade.
O transcorrer da pesquisa caminhou no sentido de refletir sobre a
constituição do ser humano como biológico e cultural, como natureza e
cultura, como universal e ao mesmo tempo diverso e singular, como sapiens-
demens. Tendo como estímulo e por base o fenômeno da cultura e a
consequente diversidade de experiências que a condição humana possibilita
na vida em sociedade, a tese foi produzida a partir desse tom.
Ao caminhar pelo itinerário da vida e obra de Raul Seixas por meio de
sua arte, tensiono a articulação entre ambas como inseparáveis para o
surgimento de ideias que vão sendo elaboradas por meio da experiência
humana. Reflito sobre os diferentes e diversos contextos por meio dos quais
essa obra artística foi construída e como essa vida foi sendo vivida, como
pontos que se colocam enquanto fundamentais nessa busca a partir da
poesia e da música de compreensão sobre a condição humana.
Suas dezenas1 de composições revelaram-se para mim como crônicas
de sua e das nossas vidas. Se caracterizaram para mim como crônicas da
humanidade. Os primeiros hobbies, desejos, frustrações, alegrias, amizades,
amores, as separações, os medos, as paranoias, a necessidade de liberdade,
a esperança, o pessimismo, o faze o que tu queres, o indivíduo, a sociedade,
os sonhos, o cotidiano do país, as doenças, as internações, a fuga da
insuportável realidade, a dependência do álcool, as questões filosofais da
existência humana, entre outros temas, são exemplos de força e potência de
suas músicas diante da percepção sobre o humano.
Por que pensar sobre a condição humana a partir da arte, da poesia,
da música? Entendendo a poesia, o teatro, o cinema, a literatura, a música,
as artes como experiências humanas que podem contribuir para uma
consciência e um conhecimento de si, da relação com o outro e da inserção
do indivíduo na sociedade, a tese assume como propósito reaver as partes

1Na biografia “Raul Seixas – Não diga que a canção está perdida” publicada no final de
2019, o jornalista Jotabê Medeiros afirma que Raul Seixas deixou 312 canções registradas
como composições suas, além de dezenas de músicas inéditas nas mãos de parceiros.
20

necrosadas da ciência de modo a injetar fluxos de regeneração anti-


paradigmáticos e críticos. Construir a possibilidade de arquitetar uma nova
gramática da ciência, uma nova partitura musical da narrativa do
conhecimento sobre o mundo e a condição humana por meio da música.
Talvez possamos abrir nossas lentes mentais para que vejamos os
indivíduos em sua simplicidade e subjetividade, sua inserção social e histórica,
suas pulsões, paixões, amores, ódios, ambições, ciúmes, medos.

Essas expressões artísticas incitam-nos a consciência das


realidades humanas, especialmente nas relações afetivas de
pessoa a pessoa, a inserção numa família, classe, sociedade,
nação, história, em suma, incitam-no a consciência do caráter
complexo da condição humana (MORIN, 2001, p. 19).

A arte nos coloca diante da existência humana e fala profundamente


de nós mesmos. Daí sua importância como modo de conhecimento profundo
das relações entre os humanos e da vida social.
Claude Lévi-Strauss dirá em O pensamento selvagem (1989) que a arte
se insere a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento
mítico ou mágico. Para o antropólogo, que buscou na condição da
diversidade humana as invariantes do pensamento, o artista tem ao mesmo
tempo características tanto do cientista como do bricoleur. Assim, a arte
como modelo reduzido, que é a linguagem da bricolagem, favorece um olhar
mais amplo e abrangente sobre os fenômenos.
Raul foi um pouco cientista e um pouco bricoleur. Suas composições
proporcionam um olhar ampliado sobre a realidade. Seus experimentos
musicais permitem criar e recriar uma leitura do mundo a partir de suas ideias
e daquilo que pensava sobre as mais diferentes questões.
O prêmio Nobel de química Ilya Prigogine (2009) fala da arte como
sendo a metáfora que representa a ciência no século XX. Não sem razão, na
mesma tonalidade no livro Meus Filósofos, Edgar Morin identifica no
Surrealismo um dos movimentos artísticos - filosofícos que marcaram suas
interrogações. Foi, por exemplo, a partir do Surrealismo que o autor reativou
as aspirações à poética da vida. “Eu diria que o surrealismo foi um dos
21

acontecimentos culturais, e mesmo filosófico, mais ricos do século XX. Foi um


movimento no qual a poesia, o pensamento, a ação, a vida se
entrefecundavam” (MORIN, 2013, p. 155).
Também não por acaso, Raul, quando perguntado numa entrevista a
Jay Vaquer em nove de agosto de 1972 sobre literatura, diz que é mais pelo
Surrealismo. Admirava as ideias e características contidas ali. Como afirma
Edgar Morin (2013), o Surrealismo é uma forma de revolta pela poesia e para
a poesia. Recusa-se a reduzir a poesia ao poema e fazer dela apenas uma
expressão literária pura e simples. A poesia é uma verdade para ser vivida. As
canções do artista demonstravam justamente isso. Poesia e música para
serem vividas e experimentadas. Foi isso que o artista fez. Viveu da poesia,
para poesia e com a poesia.
Em suas mais diferentes manifestações, a arte revela um olhar sobre o
mundo e sobre a condição humana. Além de possuir uma potência na
perspectiva da compreensão da realidade, da experiência da existência
humana, da vida em sociedade, a arte expressa o âmago da nossa vida.
A obra artística de Raul Seixas nos faz descobrir o quanto a música pode
nos aproximar de um entendimento de quem somos. O quanto às múltiplas
referências da linguagem musical podem nos revelar as contradições
humanas (ALMEIDA; KNOBBE, 2003, p. 141).
As composições de Raulzito2, nascido em 28 de Julho de 1945, ano da
explosão das bombas atômicas, como costumava dizer, teve grande
ressonância, disse o que queria dizer ao mundo e expôs o seu ponto de vista
sobre a humanidade, sobre si e o outro. A música era o veículo responsável
por levar a mensagem.

Vem surgindo detrás das montanhas azuis olhe o trem

Comecei a ouvir o artista ainda na adolescência. Por volta dos doze


anos de idade escutei algumas de suas músicas pela primeira vez no rádio,

2Até a transição para a carreira solo de cantor, Raulzito era a forma como Raul Seixas
assinava a autoria de suas composições,
22

onde esporadicamente tocavam as músicas mais conhecidas do cantor,


consideradas pelo grande público e por parte da mídia como sendo seus
maiores sucessos. “Ouro de Tolo”, “Metamorfose Ambulante”, “Tente outra
vez”, “Maluco Beleza”, “Mosca na Sopa”, “Sociedade Alternativa”, “Gitã”, “Eu
também vou reclamar”, “Eu nasci há 10 mil anos atrás”, “Meu amigo Pedro”,
“Carimbador Maluco”, “Cowboy Fora da Lei”, “Novo Aeon”, “Medo da
Chuva”, “Let Me Sing, Let Me Sing”, “O dia em que a terra parou”, “Aluga-se”,
entre outras músicas que costumam serem as mais executadas em programas
de rádios e figuram como as mais tocadas em qualquer playlist do cantor.
Embora sentisse atração e curiosidade pela sonoridade, melodias,
batidas, voz, refrões, letras, as condições financeiras e a pouca oferta de CD’s
na cidade onde nasci não permitiam consumir de forma mais constante sua
obra. Ficava a depender dos programas de rádio que vez ou outra tocava
alguma música do artista ou algum raro programa de televisão que trazia
alguma reportagem sobre o cantor. Era uma frustração enorme se interessar
por algo que chamava atenção e despertava interesse e não poder usufruir.
Intuitivamente acreditava que as suas músicas não se resumiam apenas
aquelas canções que tocavam nas rádios. Isso me levava a crer que havia
um conjunto de composições que ia além daquelas que eram exibidas na
mídia televisiva ou radiofônica. Acreditava que havia mais do que um lado A.
Apostava na existência de um Lado B. Ou seja, que havia ainda um vasto
repertório a ser conhecido e explorado por mim. Mas o fato de não possuir
condições materiais para adquirir os álbuns ou qualquer outra forma de
gravação me impediu de ter acesso a uma significativa parte do seu
repertório. O que não me desanimou, mesmo sendo frustrante.
Passei a minha adolescência e início da juventude ouvindo músicas de
Raul Seixas, bandas de rock nacional e internacional, cantores e bandas de
diversos gêneros musicais, ora pelo rádio ora pela televisão ora por um
pequeno toca fitas que tínhamos em casa. Quando comecei a ter
oportunidades de conhecer de forma mais ampla e profunda a sua obra não
hesitei. Comecei a entrar no seu universo musical.
23

No final da década de 1990 e início dos anos 2000, já com 17 anos e


com aparelho de som em casa, mandei gravar minhas primeiras fitas-cassete
que guardo até hoje, exclusivamente com suas músicas. Já no Ensino Médio
(1999--2001), esperava o término das aulas e saia correndo na minha bicicleta
para chegar a uma loja de CD’s próxima a escola que estudava no centro da
cidade para pesquisar o que tinha do cantor nas estantes. Perdi as contas de
quantas vezes fui até a referida loja para apreciar aquelas prateleiras repletas
de CD’s.
É sabido que o menino Raul matava aula para ir escutar Rock n Roll (Elvis
Presley, Litlle Richard, Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Bo Didley, Chuck Berry,
entre outros) o dia todo na loja de discos Cantinho da Música em Salvador,
levando-o a repetir a 2ª série do Curso Ginasial no Colégio São Bento por três
vezes.
Eu não chegava a tanto, mas quando ia ao estabelecimento de discos,
passava preciosos minutos vendo as capas dos CDs, pesquisando nos
encartes os nomes das músicas, os seus parceiros e o ano que foram gravadas
as composições e os álbuns. As várias idas à loja resultavam quase sempre em
gravações de fitas-cassete. Selecionava os álbuns e pedia que fossem
gravados. Foi guardando muitas vezes o dinheiro do lanche da escola ou
qualquer outro trocado que recebia que comecei a mandar gravar as
primeiras fitas com suas músicas.
O acesso ao universo artístico de Raul Seixas, até então reduzido, foi
aumentando sem parar. De músicas esporádicas que ouvia nas rádios, passei
a ouvi-lo de forma mais constante e intensa. Percebi de fato que sua obra
musical não se resumia apenas às músicas que eram tocadas nas rádios,
sacralizadas pela mídia especializada, pelos críticos musicais, pelo público em
geral como sendo os grandes sucessos do cantor ou como sendo as melhores.
O que inevitavelmente tornava essas músicas como sendo as mais
conhecidas do artista, já que eram as mais tocadas. Confirmava assim aquela
intuição inicial de que a obra do compositor e cantor não se restringia apenas
há alguns hits. Era uma obra ampla e que demandava da minha parte a
vontade de conhecê-la.
24

Ainda que meu acesso às músicas de Raul fosse limitado, as que eu tinha
em mãos já me causavam uma sensação diferente e indescritível, o que me
movimentava a querer muito mais. Comecei a experimentar e vivenciar
aquele universo musical na prática. Nessa mesma época comecei a
frequentar em Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, Russas, cidades da
região do Vale do Jaguaribe no estado do Ceará minhas primeiras festas de
rock. Halloweens, tributos a bandas e artistas de rock nacional e internacional,
além de festivais, passaram a fazer parte do universo de diversão de um jovem
que começava a sair de casa. Músicas do artista estavam sempre presentes
nesses ambientes, tocadas ou por bandas covers, por artistas que o imitavam
ou por bandas que faziam sons variados. A presença de alguma banda ou
cantor que fizesse menção ao artista já me chamava atenção e despertava
o desejo de querer ir ao evento.
Foi durante esse mesmo período que outro acontecimento me marcou.
Num domingo à noite, em plena celebração da missa das 19 horas, na igreja
matriz de Limoeiro do Norte - CE, para minha surpresa, e creio que para de
muita gente ali, o padre fez referência a Raul Seixas durante o sermão. Fez
menção justamente a música que nomeia a abertura da tese. Ao final da
homilia citou a canção “Prelúdio”: “Sonho que se sonha só é só um sonho que
se sonha só\Mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas, Gita,
1974). O padre destacava a ideia da coletividade e da união como uma
força importante. Fiquei extasiado, jamais imaginei ouvir qualquer referência
ao artista dentro de um templo religioso. Mesmo não sabendo precisar a data
exata do acontecimento, aquilo ficou gravado na minha memória. Ouvir um
padre recitando Raul foi inesquecível.
Ao ingressar na graduação (2003-2007) no início do ano de 2003 no
curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) o interesse pela obra do cantor não só permanecia como aumentava.
Comecei a frequentar uma pequena loja de discos que havia na
universidade. A loja reunia um acervo dos mais diferentes gêneros musicais, as
estantes estavam sempre repletas de discos de cantores e bandas nacionais
e internacionais. Para minha alegria, a loja contava com diversos álbuns de
25

Raul para a venda. Tanto discos em vinil (LP’s) como CD’s eram
comercializados no espaço. Sempre que podia comprava algo relacionado
ao artista.
Entre os anos de 2005 a 2007, como bolsista de iniciação científica do
Programa de Educação Tutorial (PET) na graduação, o que me rendia um
valor em dinheiro, comecei a comprar os meus primeiros CD’s, DVDs, pôsteres,
visitar sebos e adquirir os primeiros vinis e frequentar cada vez mais festas de
tributo à obra artística do cantor.
Essa identificação com sua música nunca me impediu de curtir outros
artistas de rock ou de outros gêneros musicais. Contudo, a sonoridade
provocada pela potência da música de Raul e a força da linguagem de sua
poesia me mobilizava de alguma forma à condição de admirador do referido
artista e a inquietação de buscar mais informações sobre sua trajetória musical
e consequentemente pessoal.
Mesmo não pertencendo a nenhum fã-clube ou comunidades virtuais
sobre Raul Seixas que já existiam espalhados às dezenas por todo o Brasil na
primeira década dos anos 2000, fui ampliando o meu conhecimento tanto
sobre a obra musical do artista como sobre o homem. Raul disse certa vez que
a “música é apenas a vomitada de cada pessoa, uma cusparada. É a
expressão de cada um... Música é abrir a boca e emitir sons” (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 27-28). A música para Raul era fundamental, expressão de
um conjunto de sentimentos internalizados colocados para fora por meio dos
sons e das palavras.
A partir da relação e do diálogo entre as chamadas ciências humanas
e a arte, comecei então a vislumbrar a música como um elemento
potencializador de compreensão dos aspectos do indivíduo, da vida em
sociedade e dos diferentes fenômenos da existência humana.
Comecei a perceber na música um operador cognitivo potente capaz
de oferecer as chaves para abrir as portas da compreensão sobre a condição
humana nos seus mais diferentes aspectos. Algo que veio a se confirmar mais
tarde com o amadurecimento da proposta de pesquisa apresentada e
selecionada para ingresso no doutorado e a concretização dessa tese.
26

Meu despertar para a condição humana

No final da graduação, início de 2007, já no último semestre letivo


(2006.2) do curso, uma disciplina obrigatória chamada “Sociedade e
Natureza”, ministrada pela professora Jarileide Cipriano da Silva, provocou um
interesse desconhecido e uma curiosidade ainda maior sobre as discussões
envolvendo a relação natureza e cultura. Embora já tivesse tido contato com
a discussão sobre essa relação ao longo da graduação por meio das
disciplinas de Antropologia, especialmente pela perspectiva de Claude Levi –
Strauss, o interesse por essa temática cresceu de forma significativa desde
então. A partir de temas como relação indivíduo/natureza/sociedade;
religação do homem com a natureza; o planeta como sistema vivo auto-
organizador; a crise ecológica e a sustentabilidade dos sistemas vivos,
problematizamos ao longo das aulas as múltiplas relações entre sujeito,
natureza, cultura, sociedade.
O referencial teórico para os debates foram os textos de Boris Cyrulnik
Do sexto sentido: o homem e o encantamento do mundo (1999), Claude Lévi-
Strauss, “Natureza e Cultura” (1982), Edgar Morin, O Paradigma Perdido: a
natureza humana (1973), Daniel Quinn, Ismael: um romance da condição
humana (1998), entre outros, além dos filmes Guerra do Fogo (1981), de Jean
Jacques Annaud, O Enigma de Kasper Hauser (1974), de Werner Herzog e
Instinto (1999), de Jon Turteltaub.
Do diálogo que se estabelecia em sala de aula, muitas inquietações e
interrogações passaram a se fazer presentes naquele momento. Somos
descendentes dos macacos? Temos um ancestral comum que deu origem ao
que se designou humano? A partir de que momento isso foi possível? Somos
resultado de um processo evolutivo? Existe de fato uma natureza humana ou
somos completamente seres culturais? Foram questões que passaram a
circular na minha mente e a fazer parte do meu imaginário.
Na medida em que as aulas transcorriam apareciam mais perguntas
motivadas pelas leituras dos textos e pelos debates em relação aos filmes. A
27

humanidade surgiu num determinado momento específico ou passou por um


processo evolutivo que culminou nas formas que temos hoje? Onde acaba a
natureza? Onde começa a cultura? Somos natureza e cultura? Ou a cultura
eliminaria toda e qualquer forma de uma suposta natureza humana? Onde
teria começado de fato a cultura e onde a natureza humana se extinguiria?
Qual o momento de ruptura? Como se deu a passagem de um para o outro?
Ao mesmo tempo em que esses questionamentos surgiam, muitas
possibilidades e caminhos para reflexão também se apresentavam como
pertinentes para problematização e compreensão dessas dúvidas. Estava
entrando numa perspectiva de pensar sobre os referidos fenômenos que até
então não haviam sido apresentados a mim. Estava entrando num mundo
novo.
A constituição do homem como um complexo
individual/biológico/social; a percepção da diversidade de possibilidades de
experiências que a condição humana possibilita e as múltiplas relações que
ela proporciona; a compreensão da natureza humana, a necessidade de
compreender a história da humanidade e o destino do homem foram pontos
cruciais no decorrer das discussões.
A disciplina, que poderia ser apenas mais uma no histórico da minha
graduação, acabou sendo um suspiro de ar fresco e revigorante para quem
chegara naquela altura da jornada de quatro anos, cansado física e
mentalmente. O contato com essa perspectiva de visão de mundo e
compreensão dos fenômenos desencadeou em mim tempos depois novas
percepções sobre a vida, o mundo, o universo. Estava plantada ali a semente
sobre a condição humana que mais tarde germinaria em outras ideias.
28

Figura 1 - Raul com os olhos arregalados parecendo espiar algo

Fonte: www.google.com.br

O primeiro contato com o Grupo de Estudos da Complexidade - GRECOM

No segundo semestre de 2009, durante o curso de mestrado (2009-2011)


do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fui atraído no ato da
matrícula pela disciplina Teorias Contemporâneas da Cultura, ministrada pela
professora Maria da Conceição Xavier de Almeida.
Dentre as disciplinas que constavam na relação disponível para
matrícula, acabei por me interessar por aquela que na minha imaginação
estava circunscrita a discussão sobre cultura a partir da Antropologia
enquanto ciência. Pelo menos era a ideia que eu tinha. Imaginava uma
29

discussão proporcionada por antropólogos ou pensadores das ciências


humanas e sociais acerca do fenômeno cultura em diferentes aspectos.
Quando veio a primeira sessão o impacto foi inevitável. A partir da
apresentação a respeito da concepção, enfoque, temas e autores do curso,
fiquei meio paralisado diante daquelas informações. Para minha surpresa, dos
autores listados no programa da disciplina estavam: biólogos; físicos; químicos;
matemáticos; etólogos e também antropólogos. A partir daí passei a
compreender a Antropologia não mais como uma disciplina, mas como uma
dimensão epistemológica, como um fundamento para compreensão da
condição humana que interliga diferentes domínios. Os domínios da cultura
e da natureza.
Ilyia Prigogine Ciência, Razão e Paixão (2009), Tereza Vergani em A
criatividade como destino: transdisciplinaridade, cultura e educação (2009),
Frans de Wall com Eu, primata, por que somos o que somos (2007), Henri Atlan
em A ciência é inumana? Ensaio sobre a livre necessidade (2004), Basarab
Nicolescu no texto Morte e Ressureição da Natureza (2003), Georges Balandier
com O Dédalo – para finalizar o século XX (1999), Edgar Morin em O método
3 (2001), O método 4 (2001) e O método 6 (2005), Boris Cyrulnik: O homem, a
ciência e a sociedade (2004), Claude Lévi-Strauss com o clássico As estruturas
elementares do parentesco (1992), Edgard Carvalho com A natureza
redescoberta (2009), Conceição Almeida e o ensaio Borboletas, homens e rãs
(2002), Michel Serres n’O incandescente (2005), Bruno Latour com Jamais
fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica (1994) eram pensadores
presentes na bibliografia de referência do curso, dos quais apenas uns três ou
quatro desses nomes eu conhecia minimamente e já tinha feito alguma
leitura. Foi justamente na disciplina da graduação citada anteriormente que
conheci alguns desses autores que constavam no programa da disciplina do
mestrado.
A reação imediata foi pensar o seguinte: O que estava fazendo naquele
lugar? Fiz a matrícula na disciplina que queria? A disciplina é Teorias
Contemporâneas da Cultura? Ao final do primeiro encontro a confusão
estava instalada nos meus pensamentos. Junto com um colega de mestrado
30

começamos a nos questionar se o nosso lugar era mesmo ali. Se havíamos


feito a escolha correta da disciplina diante daquele quadro de opções que
nos foi apresentado para matrícula. Mesmo apesar do impacto do primeiro
encontro, felizmente continuamos.
No final da disciplina, depois da abordagem de temas como: a
dimensão humana; cultura e resiliência; fundamentos da cultura; diversidade
cultural; panorama da cultura no século XX e XXI; cultura científica e cultura
humanística; cultura como linguagem, regra e comunicação entre outros e
da participação ao longo do curso de Edgard Carvalho, Boris Cyrulnik, Wani
Pereira e Ubiratan D’Ambrósio, me sentia completamente deslocado, mas ao
mesmo tempo em êxtase com os temas e as discussões proporcionadas.
Se entre os objetivos da professora estava o de nos tirar do lugar comum
e o de nos provocar um deslocamento, ela realmente conseguiu. Cheguei ao
final do curso encantado pelas discussões e pela postura ética como a
disciplina havia sido conduzida.
Saí com uma compreensão da cultura como sendo construída por um
conhecimento transdisciplinar e complexo, aberto e inacabado. As palavras
de Conceição Almeida num pequeno texto ao apresentar a disciplina resume
bem à forma como passei a perceber a cultura:

O fenômeno da cultura passa a ser agora compreendido como


simultaneamente biológico, simbólico, histórico, metahistórico,
uno e diverso, padrão e desvio, singular e universal, consciente
e inconsciente, material e imaterial, psicológico e espiritual,
imanente e transcendente, físico e metafísico, cognitivo e
précognitivo (ALMEIDA, 2009, p. 1).

Foi a partir dessa dimensão que passei então a enxergar o fenômeno


da cultura como algo para além do social e histórico.

Esse caminho que eu mesmo escolhi

Por que pensar então sobre a condição humana a partir do diálogo


com a complexidade? Conhecer o humano é situá-lo no universo, como
31

afirma Morin (2012a). É compreender em sua singularidade, em sua inscrição


local um universo particular. A questão “Quem somos nós?” é inseparável de
outras como “Onde estamos?”, “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”.
De pretenso escritor a produtor de discos, de compositor a cantor de
iêiêiê realista como costumava dizer, o canceriano Raul Santos Seixas, por
exemplo, afirmava que sua personalidade era impossível de definir com
palavras. “Sou um monte de coisas, partículas juntas que formam Raul Seixas”
(SEIXAS. In: SOUZA 1993, p. 15).
Edgar Morin reitera a perspectiva pela qual o ser humano nos é revelado
na sua complexidade, ou seja, ao mesmo tempo biológico e totalmente
cultural.

O cérebro por meio do qual pensamos, a boca, pela qual


falamos, a mão com a qual escrevemos, são órgãos totalmente
biológicos e, ao mesmo tempo, totalmente culturais. O que há
de mais biológico – o sexo, o nascimento, a morte – é, também
o que há de mais impregnado de cultura. Nossas atividades
biológicas mais elementares – comer, beber, defecar – estão
estreitamente ligadas a normas, proibições, valores, símbolos,
mitos, ritos, ou seja, ao que há de mais especificamente cultural
(MORIN, 2012a, p. 40).

O conceito de homem tem uma dupla entrada: uma biofísica e uma


psicossociocultural. Duas entradas que se remetem segundo Edgar Morin.
Como podemos então problematizar a condição humana? Como
explicar a relação natureza e cultura, a vida social e a riqueza da sua
diversidade? Mais uma vez pergunto: Por que pensar sobre a condição
humana a partir de diferentes expressões e manifestações promovidas pela
arte? Nesse caso, pela poesia e pela música.

Paradoxalmente, são as ciências humanas que, no momento


atual, oferecem a mais fraca contribuição ao estudo da
condição humana, precisamente porque estão desligadas,
fragmentadas e compartimentadas. Essa situação esconde
inteiramente a relação indivíduo, espécie, sociedade, e
esconde o próprio ser humano. Tal como a fragmentação das
ciências biológicas anula a noção de vida, a fragmentação
32

das ciências humanas anula a noção de homem (MORIN,


2012a, p. 41).

Para Morin, seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada,


que concebesse a humanidade em sua unidade antropológica e em suas
diversidades individuais e culturais. Religar a cultura científica e cultura
humanística como condição fundante para a compreensão do humano.
Contrário a rótulos e classificações, algo que destetava, Raul Seixas
sempre se questionava quem era. Onde estava metido esse Raul que ele
mesmo não sabia responder. Dizia que não estava ali ou aqui, muito menos
nos rótulos prontos para serem usados. Era inclassificável.

Onde está Raul? No intelectual? No menino família? No hippie,


no político? No eterno hipocondríaco? No sensual? No
estudante de filosofia? No compositor popular? Ou quem sabe
no poeta modernista? No cínico? No produtor de discos? No
professor de inglês ou no niilista? No pára-raio das angústias de
outrem? No confessor eterno? No cantor de folk songs? No
revolucionário (ou nesse liberal moderno)? No esteta? No
apático? No descontente? No neurótico? No covarde? Ou no
valente? No ateu ou no que tem medo de almas do outro
mundo? No homem frio e impassível? Ou por detrás dos olhos
do menino romântico assustado? No agnóstico? No boêmio
apaixonado?... No psicólogo, no libidinoso e pornográfico?
(SEIXAS, In: SOUZA, 1993, p. 28).

O paradoxo da condição humana é fundamental e pertinente para


pensar a figura do artista e sua produção poético-musical. Ele dizia que
expressava tudo nas letras de suas músicas. Que a letra das músicas era uma
manifestação muito pessoal da situação de suas vivências e experiências. Ou
seja, de como ele via e sentia e de como deveria dizer sobre as coisas, ou
simplesmente não dizer nada (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 76). Não dizer nada
não fazia o estilo do cantor. Sua poesia sempre estava afiada, pronta para
dizer algo para o mundo.
A letra da música “Mosca na Sopa”, presente no LP Krig-Ha, Bandolo!
de 1973, disco de estreia da carreira solo do cantor, reflete características
desse espírito que fazia parte da atitude do artista. De dizer aquilo que queria
33

por meio da sua música. De fazer da sua guitarra uma espada na mão e do
rock o seu grito.

Eu sou a mosca que posou em sua sopa


Eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar

Eu sou a mosca que perturba o seu sono


Eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar

E não adianta vim me detetizar


Pois nem o DDT pode assim me exterminar
Porque você mata uma e vem outra em meu lugar

Atenção, eu sou a mosca


A grande mosca
A mosca que perturba o seu sono
Eu sou a mosca no seu quarto a ZUMZUMZUMzumbizar
Observando e abusando
Olhe pro lado agora!
Eu tô sempre junto de você
Água mole em pedra dura
Tanto bate até que fura
Quem-lhe?
Quem-lhe
A mosca, meu irmão
Mosca na Sopa, Raul Seixas, Krig-Há, Bandolo! – 1973.

Raul era a verdadeira mosca na sopa. Estava sempre a perturbar aquilo


ques estava estabelecido. Sua poesia e música refletiram os inúmeros
sentimentos e características que compõem a condição humana.
Retomo mais uma vez a pergunta: Por que então pensar sobre a
condição humana a partir do diálogo com as ciências da complexidade? O
34

pensamento complexo religa diferentes áreas do conhecimento, aceita o


paradoxo, a incerteza e o inacabamento como propriedades dos fenômenos
e do sujeito observador, admite o erro e a existência de uma linha tênue entre
realidade, ilusão, ficção.
A complexidade pode ser compreendida como um estado de ser dos
fenômenos, mas também como uma estratégia de pensar, um desafio que a
mente pode e deve ultrapassar. Uma perspectiva de ler e narrar o mundo,
onde o princípio da incerteza está tatuado (ALMEIDA, 2012a). Nada mais
pertinente do que pensar sobre Raul e sua música a partir das noções de
incerteza, inacabamento, ilusão, ficção e realidade. O artista produziu tudo
isso.
A pesquisa caracterizada pelo pensamento complexo, como afirma
Conceição Almeida (2012b), apresenta um método que escapa do
chamado modelo-padrão para a compreensão da realidade, exige um olhar
para o nosso próprio olhar, exige a nossa inclusão em nossa visão de mundo,
exige compreender a importância do desvio e do aparentemente
insignificante. O método complexo se apresenta como estratégia, como algo
em construção, inacabado, que se transforma, ou seja, como um método vivo
que religa saberes e supera a cisão entre cultura científica e cultura
humanística.
Morin, Ciurana e Motta (2003), ao caracterizarem o método complexo,
apresentam o método como uma disciplina do pensamento. Algo que deve
ajudar a qualquer um a elaborar sua estratégia cognitiva, situando e
contextualizando as informações, conhecimentos e decisões. O método é
estratégia inteligente para dar respostas às incertezas.

Em seu diálogo, o pensamento complexo não propõe um


programa, mas um caminho (método) no qual ponha a prova
certas estratégias que se revelarão frutíferas ou não no próprio
caminhar dialógico. O pensamento complexo é um estilo de
pensamento e aproximação da realidade. Nesse sentido, ele
gera sua própria estratégia inseparável da participação
inventiva daqueles que o desenvolvem (MORIN; CIURANA;
MOTTA, 2003, p. 31).
35

Desde meu ingresso no doutorado, duas mudanças se apresentaram


como relevantes para a atitude que passou a ser posta em prática na relação
com o fenômeno a ser estudado. A primeira diz respeito a uma ampliação
significativa do conhecimento e da fundamentação epistemológica que
iluminou o presente trabalho. E como reflexo da primeira, a segunda refere-se
ao método, o caminho que foi construído para aproximação da realidade
estudada.
Meu impulso inicial foi estabelecer algo programado sobre o que fazer
com o fenômeno e o chamado objeto de pesquisa. O que se instalou nesse
impulso primeiro foi o método como programa, ou seja, como um conjunto de
receitas para chegar a um resultado previsto. Um conjunto de regras certas e
permanentes, passíveis de serem seguidas mecanicamente (MORIN;
CIURANA; MOTTA, 2003). A princípio, estabeleci o que fazer com a obra de
Raul Seixas, determinando de imediato como trabalhar com o referido
material que tinha em mãos. Naquele momento não deixei a obra falar,
cantar. De forma impositiva já fui logo estabelecendo o que e como iria fazer.
Silenciei a música de Raul.
Porém, uma inversão da lente, uma mudança de rota provocada por
um aprofundamento epistemológico do fazer científico guiado pela
complexidade, que aponta para a necessidade de um sujeito pensante e
estrategista, transformou a minha relação com o fenômeno estudado.
Ao invés de dizer o que e como fazer, a imersão na referida obra artística
fez com que eu vivenciasse o método como estratégia, ou seja, o método
como caminho, que se refaz ao caminhar. A partir daí, percebi que
determinar um programa como receituário a ser reproduzido para utilizar na
pesquisa, estava fadado ao fracasso. Reproduzir mais do mesmo não
agregaria conhecimento novo.
A entrada e o mergulho na obra de Raul, provocaram e acenderam
outras questões, pulsões, problemas, temas que até então não haviam se
revelado. O método passou a ser visto por mim como um operador gerador
de suas próprias estratégias, que nos ajuda a conhecer, como algo que surge
durante a pesquisa.
36

O programa constitui uma organização predeterminada da


ação. A estratégia encontra recursos, faz contornos, realiza
investimentos e desvios. O programa efetua a repetição do
mesmo no mesmo, ou seja, necessita de condições estáveis
para a sua execução. A estratégia é aberta, evolutiva, enfrenta
o imprevisto, o novo. O programa não improvisa nem inova, mas
a estratégia sim. O programa só pode experimentar uma dose
fraca e superficial de riscos e de obstáculos em seu
desenvolvimento... A estratégia tira proveito de seus erros. O
programa necessita de um controle e de uma vigilância. A
estratégia não só necessita deles, mas também a todo
momento, de concorrência, iniciativa, decisão e reflexão
(MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p. 29).

A minha relação com o método foi então modificada. Procurei me


desvencilhar do método como programa e comecei a construir minhas
próprias estratégias de pesquisa. A estratégia passou a compor a tessitura da
pesquisa e a própria escrita da tese. Isso foi determinante para a realização
do trabalho. Experimentar estratégias que me conduzissem a pensar de forma
mais original sobre o fenômeno.
Passei a mergulhar nas composições (letras e músicas) da discografia
do artista. Do primeiro ao último álbum lançado em vida, foram quase
duzentas composições ouvidas, lidas, relidas, recitadas, cantadas e
reproduzidas incontáveis vezes nas mais diferentes plataformas de música.
Discos de vivil, CD’s, You Tube, Spotify foram as plataformas onde pude
escutar repetidas vezes o repertório do artista. Deixei a obra falar. Deixei Raul
cantar. As leituras das composições, a escuta repetida das músicas foram
imprescindíveis na busca do entendimento da condição humana no interior
de suas canções. Deixei a voz e o som ecoarem para que eu pudesse entrar
na obra do artista. Para que pudesse tentar ser o próprio Raul Seixas.
O aprofundamento na obra do cantor provocou ao mesmo tempo um
conhecimento relevante sobre a sua condição artística e poética e a
compreensão das músicas como operadores cognitivos importantes para as
reflexões que foram levantadas no percurso da pesquisa. Ainda que a
matéria-prima principal para o desenvolvimento do trabalho tenha sido as
37

letras da sua extensa discografia, outros elementos foram fundamentais na


aventura de conhecer a vida, a poesia e a música do cantor.
A nova imersão no itinerário da vida e obra do artista contou também
com um conjunto de leituras relacionadas a sua produção musical e pessoal.
Livros biográficos, livros contendo transcrição de entrevistas a diversas rádios
e programas de televisão de diferentes emissoras, livro com o conjunto3 das
suas composições, livros com escritos pessoais (diários) que trazem rabiscos,
anotações, reflexões, poesias e textos de autoria de Raul mas que foram
organizados por outras pessoas. Livros que discutem algum aspecto e
fragmento referentes à sua vida e obra, além de dois documentários sobre a
sua trajetória artística: 20 Anos Sem Raul Seixas (MZA Music, 2009), produzido
por Marco Mazzola, que traz o DVD Documento Histórico Raul Seixas Também
é Documento de 1998, dirigido por Paulo Severo. E um filme mais recente, Raul
– O início, o Fim e o Meio (Paramount, 2012), dirigido por Walter Carvalho, que
retrata a trajetória do cantor por meio de imagens raras de arquivo, encontros
com familiares, conversas com artistas, produtores e amigos.
A sequência da tese reflete um conjunto de metamorfoses que o projeto
de pesquisa inicial apresentado ao PPGCS da UFRN vivenciou nesse percurso
de quatro anos do doutorado. Reflete também a contribuição direta ou
indireta de outros trabalhos desenvolvidos no GRECOM, que identificam na
música uma forma de leitura do mundo e uma narrativa fundamental para
compreensão da condição humana e de diversos outros fenômenos.
Portanto, os estudos e pesquisas que têm por referência a música, a
noção de complexidade e a concepção de cultura como fenômeno
caracterizado pela universalidade e diversidade da condição humana, foram
referências para o trabalho. Como, por exemplo, a tese “Compor e educar
para descolonizar”, de autoria do historiador e professor da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia, Carlos Alberto Pereira da Silva, defendida no

3
O livro “Raul Seixas: uma antologia” (1992,) escrito e organizado por Toninho Buda e Sylvio

Passos, contém todas as letras das composições gravadas por Rau Seixas na sua discografia.
38

Programa de Pós – Graduação em Educação da UFRN em 2009. O autor


apresenta a noção de DESdesenvolvimento como um operador cognitivo
potencializador da descolonização do imaginário. Tal noção é construída
através de diversas canções de compositores brasileiros para elaborar
alternativas de sair da dominação de um imaginário colonizador presente,
segundo o autor, nas ideias e na perspectiva de desenvolvimento existente no
Brasil nas últimas quatro décadas.
Outro trabalho inspirador e que aposta na música como fonte
inesgotável de aprendizagem e na experiência musical como importante na
formação humana é a dissertação “Bandas de Música, Escolas de Vida”. De
autoria do professor da Escola de Música da UFRN, Ronaldo Ferreira de Lima,
a dissertação foi defendida no PPGCS da referida universidade e
transformada em livro no ano de 2015, como obra integrante da Coleção
Saberes da Tradição, do GRECOM. A partir da história e do percurso da
formação musical de duas experiências: a da Filarmônica Hermann Gmeiner
do “Projeto Aldeia SOS” de Caicó - RN e da Filarmônica 24 de Outubro do
município de Cruzeta – RN, o autor problematiza a compreensão do percurso
da aprendizagem musical de crianças e jovens das referidas filarmônicas.
Realiza tal reflexão através do diálogo música e complexidade, abordando
assim os aspectos da condição humana presentes na experiência musical.
Tal qual o protagonista da pesquisa desenvolvida para o doutorado, as
transformações e as mudanças foram constantes no decorrer dessa trajetória.
O presente texto traz além desse prelúdio, mais quatro faixas da narrativa
musical que foi composta nesta jornada artística, científica, poética, musical
sobre a condição humana.
Definido pelo Dicionário Miniaurélio (2001) como ato ou exercício prévio,
ou em se tratando de música como introdução de uma obra musical, o
prelúdio representa aqui a primeira faixa e se caracteriza por trazer: os
sentimentos que tomaram conta de mim na escritura da tese; as motivações
que me levaram a escolha do tema de pesquisa; a inserção do tema
enquanto problemática nas ciências da complexidade e a relação desse
trabalho com outras pesquisas já realizadas no GRECOM; além dos aspectos
39

referentes ao método como estratégia no processo de imersão no repertório


musical do artista e a narrativa do texto a partir da composição da tese
naquilo que estou denominando de faixas4.
Na segunda faixa, proponho discutir as mudanças, as transformações,
as contradições, a ambiguidade e a metamorfose como características
fundamentais da nossa condição de humanidade e da nossa relação com o
universo. Por meio do diálogo entre Edgar Morin (2012b), Conceição Almeida
(2012a) e Raul Seixas a partir de suas composições, anotações e impressões
sobre a vida, problematizo o que é ser humano a partir da condição de sermos
Ssapiens sapiens demens e do próprio Raul como sendo um ser dotado de
música e poesia.
Na terceira faixa faço uma apresentação do itinerário da trajetória
musical de Raul Seixas levando em consideração a sua construção como
artista e a produção de sua obra. Como ele diz na música “As Aventuras de
Raul Seixas na Cidade de Thor”, afirmava não ter nada a ver com a linha
evolutiva da música popular brasileira. Porque a única linha que conhecia era
a linha de empinar uma certa bandeira.
A quarta faixa discute a concepção de sujeito e a noção de homem
genérico propostas por Edgar Morin a partir da ideia de Homo complexus por
meio da narrativa musical (COMPOSIÇÕES) e pessoal de Raul Seixas. Portanto,
problematizo a figura do artista através da concepção complexa de sujeito e
das categorias de universalidade e singularidade propostas por Morin (1996),
(2012b). Procuro tensionar onde o cantor e sua obra poética se universaliza e
se singulariza.
Por fim, a última faixa tem como proposta a tentativa de elaboração de
um manifesto da revolta. De acordo com Edgard Carvalho (2012a), a palavra
revolta significa originalmente interrogação, renovação e renascimento. Essas
três palavras expressam de forma visceral os fundamentos da obra e da vida
de Raul Seixas. Nesse sentido, a partir da condição humana revelada pela
sua obra artística, pela contemporaneidade (AGAMBEN, 2009) de suas ideias

4 Os títulos dos capítulos e dos tópicos fazem referência as composições de Raul.


40

e inspirado no livro A utilidade do inútil de Nuccio Ordine (2016), o manifesto


presente nesta tese procura refletir sobre as possibilidades e a necessidade de
mudanças de atitudes dos seres humanos frentes aos desafios que se impõem
no nosso tempo. Mas como provocar essa mudança? A resposta talvez esteja
na poesia, na música, na sonoridade das palavras. Toca Raul!
41

METAMORFOSE AMBULANTE
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Sobre o que é o amor


Sobre que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator

É a um objetivo num instante


Eu quero viver nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Vou desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada...
Do que ter aquela velha...
Raul Seixas, Krig-Ha, Bandolo! 1973.
42

O que é ser humano? O que é a condição humana? Como reconhecer


a humanidade? Como caracterizá-la? Como decifrá-la? Como compreendê-
la? Afinal, de que somos feitos? É possível refletir sobre a condição humana a
partir da vida de um indivíduo?
Raul afirmava: “O Universo me espanta e não posso imaginar que este
relógio exista e não tenha um relojoeiro” (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 184).
Podemos a partir dessa afirmação problematizar a nossa relação com o
universo. E perceber o quanto fomos ao longo do tempo desconectados e
apartados dele. Como seres integrantes desse univervo, fomos sendo
separados da sua composição.

Figura 2 - Raul segurando objeto semelhante a um relógio despertador

Fonte: www.google.com.br
43

O primeiro grande desafio é reconhecer e aceitar que há ausência de


uma compreensão complexa do mundo e do próprio ser humano. Fomos
apresentados desde muito cedo à fragmentação, à separação, ao
esgarçamento entre o ser humano e a natureza e assim fomos ensinados à
simplificar a nossa existência no mundo. Isso se tornou a regra.
O cenário científico atual tem contribuído para isso. A ciência tem
caminhado para uma especialização e fragmentação do conhecimento que
reforça a separação da cultura científica da cultura humanística, o que
amplia ainda mais a simplificação sobre a compreensão do que somos.
No geral, não nos vemos no universo. Não identificamos o nosso lugar
nesse complexo que é esse desconhecido e nos contentamos com as
explicações rasas sobre o que nos define. Aqueles que escapam a essa lógica
compreendem que a vida é muito mais e muito menos do que se pode
imaginar e que a nossa relação com a natureza e o cosmos é fundante da
condição humana. Raul não se contentava com o que estava dado. Parecia
sempre através da música buscar explicações para os mais diferentes
fenômenos que afligem a condição humana. Sempre buscava explicação
para tudo.
A separação da cultura científica e a cultura das humanidades têm
dominado, nas palavras de Edgard de Assis Carvalho, o panorama atual da
ciência e suas pesquisas.

Com isso, o sujeito e o objeto permanecem estranhos um ao


outro. Redutos de um poder sem poder, o pensamento
disciplinar impede a concretização de uma política de
civilização, não decifra o enigma do homem, não contribui
para a construção da democracia cognitiva (CARVALHO,
2012b, p. 134).

É o modo de conhecimento que inibe assim nossa possibilidade de


conceber o complexo humano e decifrar o enigma do homem e do universo.
É na contradição de que quanto mais conhecemos menos compreendemos
o ser humano que essa ciência fragmentária se alimenta. O que faz o homem
44

permanecer esse desconhecido para si mesmo. Hoje mais por má ciência do


que por ignorância (MORIN, 2012b, p. 16).
Há urgência de uma nova articulação do saber e de uma reflexão
fundamental do conhecimento do conhecimento. Contrariando e rejeitando
a ideia de um pensamento mutilador, que divide, separa, fragmenta e
empobrece a compreensão da realidade, Edgar Morin, ao tratar do
problema epistemológico da complexidade nos traz as explicações sobre as
condições bioantropológicas da construção do conhecimento. Por meio da
biologia fundamental do conhecimento e das condições socioculturais onde
esse conhecimento é produzido, Morin (2002) nos aponta a compreensão da
nossa condição de sermos ao mesmo tempo biológicos e culturais.
O pensamento do autor nos leva a tomada de consciência dos limites
do nosso conhecimento. Revelando-nos que essa busca não é um exercício
simples. É uma jornada onde o princípio da incerteza, segundo o próprio Morin
(2002), está inscrito na natureza do conhecimento.
A relação do homem com a natureza não pode ser concebida de
forma reducionista, nem de forma disjuntiva como aponta o autor. Não
podemos eliminar o ser humano do universo. A humanidade é uma entidade
planetária e biosférica.
Precisamos de um pensamento que tente juntar e organizar os
componentes da complexidade humana. Precisamos de um diálogo plural
entre diferentes saberes e áreas do conhecimento científico. “O ser humano,
ao mesmo tempo natural e supranatural, deve ser pesquisado na natureza
viva e física, mas emerge e distingue-se dela pela cultura, pensamento e
consciência” (MORIN, 2012a, p. 40).
Portanto, como afirma Edgar Morin (2012a), a Terra é a totalidade
complexa físico-biológica-antropológica, onde a vida é uma emergência da
história da Terra, e o homem uma emergência da história na vida terrestre.
Devemos pensar a vida na vida. Entender que somos um caso possível na
história do universo. Dele fazemos parte. E trazemos conosco todas as
transformações, mudanças, contradições, ambiguidades e bifurcações
existentes nessa relação.
45

Reconhecendo e admitindo essa condição, o segundo grande desafio


é justamente a urgência em reverter essa nossa disposição à simplificação e
esse empreendimento a fragmentação e ao reducionismo que fomos
aprendendo a executar, a reproduzir e a transmitir.
É necessária uma nova articulação do saber e de uma reflexão
fundamental sobre a condição humana que seja contrária e rejeite a ideia de
um pensamento fragmentáro, que divide, separa e reduz substancialmente a
compreensão do próprio homem.
Superar essa fragmentação é importante para entender a
complexidade da vida e do ser humano. Esse conhecimento do humano deve
ser, como diz Edgar Morin (2012b): mais científico, mais filosófico e muito mais
poético. Acrescento, mais musical também. Uma articulação entre diversos
saberes é condição chave para a compreensão da humanidade. É o que
propõe essa tese. Uma articulação entre arte e ciência através da música
como forma de religar e compreender a realidade e a experiência da
existência humana no universo. E sobre o que é ser humano.
No livro Os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro (2000), Edgar
Morin coloca como imperativo fundamental para o presente e para o futuro,
ensinar a condição humana. Resgatar a unidade comum da humanidade e
reconhecer a diversidade cultural a tudo que é humano como sendo um
operador cognitivo fundamental para acionar o pensamento reflexivo sobre
a nossa condição. É preciso reconhecer que há uma unidade humana e há
uma diversidade humana. Essa equação complexa precisa ser ensinada e
compreendida.

É a unidade humana que traz em si os princípios de suas


múltiplas diversidades. Compreender o humano é
compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na
unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a
multiplicidade do uno (MORIN, 2000, p. 56).

Conceição Almeida atribui à diversidade cultural a nossa maior dádiva


no projeto do inacabamento do humano, afirmando que a cultura como um
conjunto de saberes, fazeres, regras, crenças, estratégias e mitos, se expressa
46

pela diversidade, criatividade e inovações. “Em síntese, a condição humana


diz respeito a um indivíduo que é, ao mesmo tempo, pó de estrelas e o único
animal que sonha acordado e cria sua história, alimenta seus mitos e projeta
futuros” (ALMEIDA, 2012a, p. 173). Podemos pensar e refletir sobre quem somos
e sobre as nossas atitudes e ações no decorrer da vida. Podemos pensar sobre
o próprio pensamento.
Raul foi esse ser. Evidenciou como ninguém esses elementos de
animalidade e humanidade que nos constituem. Demonstrou como poucos o
quanto o termo humano é rico, contraditório e ambivalente. Na poesia
denominada “No Espelho”, expõe esse indivíduo que se interroga sobre sua
condição e que busca uma posição no mundo:

Às vezes quando me olho no espelho


Sinto medo. Medo de mim.
Eu não me conheço
Sou esquisito, sou humano
Uso óculos, como, bebo, fumo,
Defeco
Mijo
Olho-me no espelho
E esse dá-me de volta quem sou
Duas longas coisas saindo do corpo:
São braços, pêlos, peles, nariz pontiagudo.
Duas orelhas presas na cabeça
Olho os dedos. Meus olhos me assustam...
... Faço abstração mental de que eu nunca vi...

E continua a se questionar sobre aquela imagem que vê diante do


espelho. Procura-se no espelho e não acha. Vê a existência de um ser humano
mais acha esquisito. “É realmente esquisito”. E sentencia: “Eu sei que eu não
sou aquilo e o que eu sou, o espelho não pode me mostrar... AINDA... eu não
brilho... Ainda...” (SEIXAS. In: SEIXAS, 1996, p. 12).
47

Raul parece expor através do espelho nos faltar algo para compreender
quem somos. Expõe a nossa incompletude e o nosso inacabento. O olhar no
espelho e não se enxergar é sintomático do nosso distanciamento com o
universo, com o mundo e com nós mesmos.
Apesar de estarmos, ao mesmo tempo, dentro e fora da natureza e de
sermos seres simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais,
cerebrais, espirituais, não temos consciência de nosso enraizamento com a
Terra e menos ainda com o cosmo. Não compreendemos que somos filhos do
cosmo, mas,

até em consequência de nossa humanidade, nossa cultura,


nosso espírito, nossa consciência, tornamo-nos estranhos a esse
cosmo do qual continuamos secretamente íntimos. Nosso
pensamento, nossa consciência, que nos fazem conhecer o
mundo físico, dele nos distanciam ainda mais (MORIN, 2012a, p.
38).

Trazemos dentro de nós o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo,


mas, não nos damos conta que deles estamos separados. O tornamos
invisíveis. Temos a capacidade de conhecer esses mundos, mas nos
recusamos a visitá-los e a compreendê-los como parte integrante deles.
Continuamos pela ignorância, pelo comodismo e pelo reducionismo que
fomos ensinados a pensar, a afastá-los e invisibilizá-los. Distanciando-nos cada
vez mais desse complexo que é a vida e o ser humano.
Seguindo as pegadas e as pistas deixadas por Edgar Morin, percebemos
que nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura são responsáveis por
nos guiar para longe do universo e para o desenraizamento do cosmo, da
vida, da Terra. É preciso se reconectar a esses elementos. A existência humana
não faz sentido se não conseguirmos entender essa relação que caracteriza
a nossa vida.

Abrir-se ao cosmo é entrar na aventura desconhecida, onde


talvez sejamos, ao mesmo tempo, desbravadores e desviantes;
abrir-se a physis é ligar-se ao problema da organização das
partículas, átomos, moléculas, macromoléculas, que se
encontram no interior das células de cada um de nós; abrir-se
48

para a vida é abrir-se também para as nossas vidas (MORIN,


2012a, p. 36).

Isso resultaria numa contribuição para a formação de uma consciência


humanística e ética de pertencer à espécie humana, que só pode ser
completa com essa consciência de caráter matricial da Terra para a vida, e
da vida para a humanidade. Daí a necessidade de ensinar a condição
humana.
“Nós, seres vivos, por consequência os humanos, filhos das águas, da
Terra e do Sol, somos uma formiga, talvez um feto, da diáspora cósmica,
algumas migalhas da existência solar, um frágil broto da existência terrestre”
(MORIN, 2012b, p. 26-27). É necessário retomar esse enraizamento com a Terra,
o universo e a vida.
No refrão da música “S.O.S.”, Raul pede ao disco voador que o leve
para o encontro de outras estrelas. Como se implorasse para se conectar com
aquilo que nos foi distanciado, pede que o leve a outros mundos, outros
lugares, outros universos.

Ô Ô Ô seu moço do disco voador


Me leve com você, prá onde você for
Ô Ô Ô seu moço, mas não me deixe aqui
Enquanto eu sei que tem tanta estrela por aí
S.O.S, Raul Seixas, Gita, 1974.

Conhecer tantas outras estrelas por aí e outros planetas, revelam a


condição do artista de buscar a compreensão dos mistérios da vida e da
existência humana. Ficar por aqui alheio ao que se passa no universo não faz
sentido para Raul. No texto “Pouso Pacato em Plutão” (1969) diz:

Estou perdido na varanda de Mercúrio sem asas para perseguir


o meu eco... Sentado, sozinho, sem medo de cair, às sete horas
de cores e uma mistura, eu pouso pacato em plutão, montado
numa borboleta gigante, tranquila, quieta e colorida... (SEIXAS.
In: SEIXAS, 1996, p. 72).
49

Desejava pegar um disco voador e ir embora conhecer o


desconhecido. Mas enquanto o disco não vinha continuava a fazer careta no
espelho como ele afirmava. Continuava a produzir poesia e canções.
Apontando para um conhecimento que respeite a identidade
complexa do humano a partir das mais variadas faces do homem, Margarida
Knobbe afirma que a condição humana se manifesta em variadas
intensidades a depender do fenômeno em estudo e que não é um conceito
abstrato nem algo que se pegue: “Ela é uma correlação de forças físicas,
biológicas, psíquicas, culturais, sociais, históricas – que inventa modos de
existência” (ALMEIDA; KNOBBE, 2003, p. 135). Existir talvez tenha sido um
grande fardo para o artista.
Numa poesia, chamada de “Espelho Eu a Vaeras” (1984), Raul continua
a questionar aquilo que vê diante do espelho:

Espelho eu
Será que sou aquele que estou vendo
Em frente a mim e diante do espelho?
Ou aquele que nunca quis ver,
Eu mesma.
Será que sou assim como me vejo?
Magro, bêbado, belo e feio...

E finaliza afirmando: “Além de homem, bêbado/ É meu amado que


estou vendo em mim/ É o meu próprio eu, / Sou assim” (SEIXAS. In: SOUSA, 1993,
p. 166). Mesmo com tanta insistência ao espelho, o mistério parece não ser
decifrado. As perguntas teimam em continuar. O reflexo ainda está
embaçado e confuso. As dúvidas persistem em permanecer. O desconhecido
teima em desafiar as interrogações do cantor.
A trajetória de Raul Seixas demonstrou na sua breve passagem por esse
mundo que o ser tem várias vidas, desempenha diferentes papéis e vive a
existência em parte de fantasias, em parte de ações. O seu cancioneiro e a
50

sua poesia nos permite inserir e situar a condição humana no cosmo, na vida,
na Terra e ao mesmo tempo, na cultura, na sociedade, na história, na estética.
Como nenhum outro compositor, foi produto e produtor de sua música,
de sua obra, de sua vida. Foi criador e criatura da sua existência, da sua arte.
Soube compreender e manusear como poucos o fato de ter consciência de
sua própria consciência, característica fundamental da nossa condição e
emergência extraordinária da mente humana. Talvez por isso, achava mais
difícil fazer o próprio papel na vida do que encarnar outros personagens. Era
mais difícil ser Raul Santos Seixas do que simplesmente Raul Seixas. Ou seria o
contrário?
Em relação à consciência, por exemplo, disse:

Sendo esta consciência a única coisa perfeita e original em


cada ser humano, sinto que ela não é somente particular a
cada indivíduo; existe uma consciência geral e comum a todos.
A ‘Grande Consciência’ perfeita e eterna. O todo da vida. Para
uma consciência particular chegar à perfeição total de ser ao
ponto de culminar na ‘Grande Consciência, é preciso sentir a
importância do fato e dedicar-se apaixonadamente por ‘viver
para ser’, já que somos para viver’ (SEIXAS. In: SOUSA, 1993, p.
188).

Reconhecia a desumanidade como uma característica humana.


Cantou o sofrimento dos humanos submetidos à crueldade do mundo e da
vida. Cantou o seu e o nosso sofrimento.

Meu sofrimento é fruto do que me ensinaram a ser


Sendo obrigado a fazer tudo mesmo sem querer
Quando o passado morreu e você não enterrou
O sofrimento do vazio e da dor
Ficam ciúmes, preconceito de amor...

... Minha cabeça só pensa aquilo que ela aprendeu


Por isso mesmo, eu não confio nela eu sou mais eu
51

Sim... pra ser feliz e olhar as coisas como elas são


Sem permitir da gente uma falsa conclusão
Seguir somente a voz do seu coração...
Aquela Coisa, Raul Seixas; Kika Seixas, Cláudio Roberto, Raul Seixas, 1983.

A condição Sapiens sapiens demens

Somos filhos do tulmulto. O planeta terra nasceu do caos e somos


resultados da interação/organização/ordem/desordem. Raul é reflexo desse
complexo.

O ser humano não é físico somente nas suas partículas, átomos


e moléculas: sua auto-organização origina-se de uma
organização físico-química tendo produzido qualidades
emergentes que constituem a vida, sendo que todas as suas
atividades auto-organizadoras necessitam de processos físico-
químicos (MORIN, 2012b, p. 27).

A vida, portanto, é resultado dessas inúmeras convulsões que ocorreram


há bilhões de anos e a humanidade reflete todo esse processo. Nós somos a
ressonância desses acontecimentos.
Num texto sem título de 1984, Raul se pergunta sobre a natureza do
universo. A partir de vários questionamentos problematiza sobre a sua criação,
como ele é feito e se temos nós alguma importância para ele.

Fo criado por uma entidade divina? Foi um crescimento vindo


de um processo gradual? De que ou qual substância o universo
é feito? Como é que ele muda? O universo se importa comigo
ou com você, ou somos para ele um mero grão de areia duma
praia vastíssima? (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 208).

E sobre o papel do ser humano no universo, continua a se questionar:


“Podemos mudar o universo ao nosso gosto sem que isso interfira
profundamente no conceito primordial do qual ele foi gerado? Ou com essa
interferência ele nos destruirá?” (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 208).
52

Para o cantor, sempre existiram alguns problemas primordiais que


provocaram a mente da humanidade. Além da natureza do universo e qual
o papel do ser humano nele, Raul se questiona também sobre o que é bom e
o que é mau, qual a natureza de Deus, do livre arbítrio, da liberdade, da
mente e da matéria.

3 - O que é bom e o que é mau? Como podemos saber o que


é que é bom e o que é que é mau? Foi algo divino que de
antemão já tinha estipulado os parâmetros do que seria bem e
o que seria mal, ou bem e mal são conceitos de uma cultura
local? ... 4 - Qual é a natureza de Deus? Seria Deus um ser muito
semelhante ao homem que governa o universo ou um espírito
que açambarca tudo? 5 – Livre – arbítrio Somos indivíduos livres
que podemos fazer nossas próprias escolhas e determinar
nossas atitudes ou somos determinados pelo destino do qual
não temos controle algum? Podemos determinar o amanhã ou
o amanhã já nos está determinado desde o princípio da vida?
(SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 208)

Em relação à mente e à matéria faz as seguintes perguntas: a matéria


é uma criação da mente ou a mente é meramente outro tipo de matéria?
Como é que a mente permanece pura e ao mesmo tempo mora dentro de
um corpo matéria? O que é e como seria o mundo sem nossa mente? Seria
possível conceber essa possibilidade ou isso é completamente impossível?
Raul diz que todo ser humano é um filósofo no verdadeiro sentido da
palavra. E que todos temos um modo especial de ver o mundo. A filosofia de
cada uma seria então o significado que o mundo tem para nós. Como nós o
percebemos.
Para Conceição Almeida a condição humana poderia ser
compreendida, por exemplo, como uma aventura marcada pela
conjugação de três esferas: os determinismos (como aquilo que é da ordem
do que está posto); as circunstâncias (como aquilo que nos é dado a
experimentar na nossa história singular); e as escolhas (a arte estratégica de
decidir entre determinismos e circunstâncias) (ALMEIDA, 2012a, p. 153).
A partir do diálogo com Morin (2012b), podemos compreender que
toda a aventura cósmica, telúrica e biológica parece obedecer a uma
53

dialógica entre harmonia e cacofonia. A condição humana na sua


constituição carrega consigo todos os elementos dessa aventura.
E o ser humano, a partir das suas aptidões organizadoras e cognitivas,
tem a capacidade de criar novas formas de vida, psíquicas, espirituais e
sociais que dão ou não sentido à sua existência. Foi isso que Raul fez ao longo
de sua vida. Com uma inteligência acima da média e uma percepção nítida
e ousada da realidade e do mundo, conseguiu criar diversas vidas e revelar a
complexidade da condição humana.
Nas palavras de Edgar Morin:

Desde essa altura surge a face do homem escondida pelo


tranquilizador e emoliente conceito de sapiens. É um ser duma
afetividade intensa e instável, que sorri, ri, chora, um ser ansioso
e angustiado, um ser gozador, ébrio, extático, violento, furioso,
amante, um ser invadido pelo imaginário, um ser que conhece
a morte, mas que não pode acreditar nela, um ser que segrega
o mito e a magia, um ser possuído pelos espíritos e pelos deuses,
um ser que se alimenta de ilusões e quimeras, um ser subjetivo
cujas relações com o mundo objetivo são sempre incertas, um
ser sujeito ao erro e a vagabundagem, um ser úbrico que produz
desordem (MORIN, 1973, p. 108).

O ser humano, oriundo dessa aventura, tem a singularidade de ser


cerebralmente SAPIENS – DEMENS. Carrega ao mesmo tempo, a
racionalidade, o delírio, a hubris, a destrutividade (MORIN, 2012b). Somos,
como afirma Conceição Almeida (2012a), um acontecimento chamado
homem, uma forma de vida que atende pelo codinome de sapiens sapiens
demens.
É a partir desses elementos que fundamentamos a nossa condição de
humanidade. E mais do que isso, é preciso reconhecer essa nossa condição.

Além disso, nossa história é fruto de uma dinâmica complexa


que qualifica a condição humana como sendo a permanente
oscilação entre forças de emancipação e regressão, ordem e
desordem, avanço e retrocesso, vida e morte, repetição e
inovação. É a partir do interior mesmo dessa dinâmica
complexa que emerge a condição reflexiva dos humanos
(ALMEIDA, 2012a, p. 217).
54

Somos sábios e loucos! Somos seres dotado de razão e desrazão;


sapiência e demência. Homo sapiens é também Homo demens. Portanto, o
ser humano é complexo e traz em si, de modo bipolarizado, características
antagônicas, complentares, contraditórias. E graças a essas características
foram possíveis os saltos no desenvolvimento da humanidade. Graças à
poesia, à música, à pintura, à literatura, às artes, foi possível o desenvolvimento
do homem. Graças ao demens, sobretudo, que se devem as rupturas e as
brechas por onde o sapiens foi se complexificando. Devemos a desordem os
grandes saltos da humanidade.

Sendo assim, é necessário pensar que o desfraldamento do


imaginário, que as derivações mitológicas e mágicas, que as
confusões da subjetividade, que a multiplicação dos erros e a
proliferação da desordem, longe de terem constituído
desvantagens para o Homo sapiens, estão muito pelo contrário,
ligados aos seus prodigiosos desenvolvimentos (MORIN, 1973, p.
109).

Seria, como afirma Morin (1973), irracional, louco e delirante ocultar o


componente irracional, louco e delirante do humano. E que o século XXI
deverá abandonar a visão unilateral que define o ser humano apenas pela
sua condição de racionalidade, técnica, utilitarismo e obrigatoriedade. É
preciso refletir sobre a condição humana também a partir da sua outra face.
Ou seja, do erro, da desordem, da loucura, da fantasia, da poesia, da
criatividade. Sem o demens não haveria poesia e música. Sem a desordem
estaríamos condicionados eternamente à ordem.

Pelo contrário, precisamos de sobrepor a cara séria,


trabalhadora, aplicada, do Homo sapiens e cara
simultaneamente diferente e idêntica do Homo demens. O
homem é louco-sensato. A verdade humana comporta o erro.
A ordem humana comporta a desordem. Por consequência,
trata-se de averiguar se os progressos da complexidade, da
invenção, da inteligência, da sociedade, se efetuaram apesar,
com ou por causa da desordem, do erro, da fantasia. E nós
responderemos que foi ao mesmo tempo por causa, com e
apesar, visto que a resposta adequada só pode ser complexa
e contraditória (MORIN, 1973, p. 110-111).
55

Um ser dotado de música e de poesia

A música é um componente importante para refletir sobre o demens. A


poesia e a diversidade presentes na sonoridade da música de Raul nos leva a
essa percepção sobre a condição humana. Da correlação de forças
simultâneas que estão presentes em nós e que são ao mesmo tempo
diferentes e idênticas, antagônicas e complementares.
Na música “Século XXI”, composta em parceria com Marcelo Nova,
podemos pensar através da poesia como essa forças racionais e poéticas se
comportam. A necessidade de avançar para os novos tempos, mas a
incapacidade de reconhecer que os velhos tempos passaram e que devem
ficar para traz, são exemplos desse embate.

Há muitos anos você anda em círculos


Já não lembra de onde foi que partiu
Tantos desejos soprados pelo vento
Se espatifaram quando o vento sumiu

Você vendeu sua alma ao acaso


Que por acaso estava ali de bobeira
E em troca recebeu os pedaços
Cacos de vida de uma vida inteira...

... Você cruzou todas as fronteiras


Não sabe mais de que lado ficou
E ainda tenta e ainda procura
Por um tempo que faz tempo passou...
Século XXI, Raul Seixas; Marcelo Nova, A Panela do Diabo, 1989.

Raul é um exemplo claro e marcante dessa condição. Era dotado de


uma racionalidade que o levava a um conhecimento objetivo do mundo
exterior, com capacidade de elaborar estratégias eficazes e realizar análises
56

críticas sobre a realidade. Ao mesmo tempo suas atitudes como artista eram
dotadas muitas vezes de uma desmesura.
Como compositor e produtor musical, conseguiu captar de forma muito
rápida os macetes da indústria fonográfica da época e a lógica comercial do
negócio para compor músicas que pudessem vender bem e produzir discos
ou compactos que fizessem sucesso e fossem estouro de vendas.
Foi um excelente produtor musical. É considerado por quem é do ramo
da música como tendo sido um grande profissional de estúdio. Em parceria
com o também produtor Mauro Mota, foram responsáveis no início da
década de 1970, por inúmeros sucessos da música popular do país. Com seu
terninho preto, de óculos e carregando sua mala 007, era considerado por
muitos dos artistas contratados da então gravadora CBS o melhor e mais
responsável produtor.

Raul e Mauro se postavam em todas as fases da produção de


um álbum: eram compositores, escolhiam material do álbum,
atuavam como diretores criativos, supervisionavam arranjos e
fases do processo de gravação e ainda tocavam instrumentos.
E bem. (MEDEIROS, 2019, p. 62)

Na condição de produtor musical, participava de todo o processo de


elaboração do álbum. A racionalidade existente aí e a experiência como
produtor foi fundamental na construção mestiça e múltipla do artista Raul
Seixas, especialmente no aprendizado em compor canções que se tornassem
sucessos de vendas.
Como artista, tinha a consciência de que queria deixar a sua marca.
Algo que ficasse registrado e demonstrasse a sua passagem por esse mundo.
Nunca deixou de sonhar com o sucesso, sempre quis estar em evidência na
cena musical.
Em determinados momentos da carreira, chega a desabafar em alguns
escritos sobre o fato de estar esquecido pela mídia. Num pequeno fragmento
escrito de 1982, confessa engolir seus sentimentos, sua arte, suas emoções. O
que para ele era assustador. Diz-se profundamente magoado por não ouvir
57

suas músicas tocando nas rádios, nem ser chamado para programas de
televisão (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 47).
Por mais que detestasse o sistema, queria provocá-lo e enfrentá-lo
permanecendo nele. Embora fizesse parte do monstro SIST como ele
chamava, soube utilizar de forma inteligente o próprio sistema. Tinha
consciência das relações presentes neste espaço.

... O monstro sist. É retado


E tá doido pra transar comigo
E sempre que você dorme de touca
Ele fatura em cima do inimigo

A arapuca está armada


E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar
Num buraco de rato
De rato você tem que transar...
As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor, Raul Seixas, Gita, 1974.

Raul queria, dentro dessa racionalidade, eternizar a sua obra e o seu


trabalho, nem que para isso fosse preciso como fez várias vezes ao longo da
carreira, enfrentar os empresários da indústria musical, defendendo sempre
suas posições. Teve que jogar o jogo quase sempre no campo do adversário.
Como forma de registro de sua mensagem, de posteridade da sua obra, na
composição “Geração da Luz” diz o seguinte:

Eu já ultrapassei a barreira do som


Fiz o que pude às vezes fora do tom
Mas a semente que eu ajudei a plantar já nasceu!
Eu vou, eu vou m’embora apostando em vocês
Meu testamento deixo minha lucidez
Vocês vão ter um mundo bem melhor que o meu...
58

Geração da Luz, Raul Seixas; Kika Seixas, Metrô Linha 743, 1984.

Ao mesmo tempo também era dotado de desrazão, loucura, delírio,


imaginário, lúdico, criatividade, poesia. Algumas músicas do seu repertório,
como por exemplo, “Na Rodoviária”, faz inúmeras referências que parecem
não fazer sentido algum, não conectar-se a nada, ou simplesmente parecem
não querer dizer nada. Aladim, Cinderela, James Dean, Al Capone, Bruce
Lee...

O oboé e a flauta soam


Assim como os sinos ecoam
Em ecos nobres procedentes do oriente
Nada de novo no front
Treze vezes
Anteontem
Ah, meu Deus
O invento da vela
Cinderela e Aladim
Abracadabra e Abramelin
Abre-te Sésamo, James Dean
Noves fora zero – Nada
Al Capone Bruce Lee
Você pode também estar aqui
Na lista telefônica
Assim como a vela...
Na Rodoviária, Raul Seixas; Oscar Rasmussem, Por Quem os Sinos Dobram,
1979.

A complexidade do humano se deve, portanto, a essa composição de


sabedoria e loucura. De racionalidade e desrazão. No ser humano, como
afirma Edgar Morin (2012b), o desenvolvimento racional-empírico-técnico
jamais anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético.
59

Raul que o diga! Fez das suas composições um exemplo pertinente da


nossa condição de complexidade. Da nossa condição de sermos
simultaneamente, sábios e loucos. Suas canções permitem deixar a nu os
antagonismos e as contradições da condição humana.
Temos lido e reconstruído o mundo a partir do que Conceição Almeida
(2012a) denomina de cosmologias imaginárias. Através da música, Raul
realizou uma leitura de mundo. A música se tornou para o artista uma espécie
de linguagem singular de percepção da realidade.

A linguagem, portanto, é a encruzilhada essencial do biológico,


do humano, do cultural, do social. A linguagem é uma parte da
totalidade humana, mas a totalidade humana está contida na
linguagem... A vida da linguagem é muito intensa nas gírias e
poesias, nas quais as palavras acasalam-se, gozam, enchem-se
de conotações que invocam e evocam, com a explosão de
metáforas, o desabrochar de analogias, frases sacudindo as
cadeias gramaticais, alçando a liberdade (MORIN, 2012b, p. 37)

Raul fez-se na música que o fez. Construiu uma linguagem própria


dentro da condição universal da linguagem. Caracterizou-se como alguém
que foi possuído pela música, pelos sons. Compunha suas canções e ao
mesmo tempo era composto por elas também. Na música “Cantar”, em
parceria com Cláudio Roberto, revisita a sua obra e externa a necessidade de
cantar por cantar.

Eu já falei
Sobre disco voador
E da Metamorfose que sou
Eu já falei só por falar
Agora eu vou cantar por cantar...

Já fui mosca na sopa


Zumbizando em sua mesa
Também já fui Maluco Beleza
Eu já reclamei só por reclamar
60

Agora eu vou cantar por cantar...


Cantar, Raul Seixas; Cláudio Roberto, Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, 1987.

Raul, na condição de sapiens-demens, foi um ser dotado de música e


poesia. Continua a cantar...
61

AS AVENTURAS DE RAUL SEIXAS NA CIDADE DE THOR

Tá rebocado meu compadre Se eu não estiver com Deus, meu


Como os donos do mundo piraram filho
Eles já são carrascos e vítimas Eu estou sempre aqui de olho
Do próprio mecanismo que criaram aberto

O monstro SIST é retado A civilização se tornou tão


E tá doido pra transar comigo complicada
E sempre que você dorme de Que ficou tão frágil como um
touca computador
Ele fatura em cima do inimigo Que se uma criança descobrir
O calcanhar de Aquiles
A arapuca está armada Com um só palito para o motor
E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar Tem gente que passa a vida inteira
Num buraco de rato Travando a inútil luta com os galhos
De rato você tem que transar Sem saber que é lá no tronco
Que está o coringa do baralho
Buliram muito com o planeta
E o planeta como um cachorro eu Quando eu compus fiz Ouro de
vejo Tolo
Se ele já não aguenta mais as Uns imbecis me chamaram de
pulgas profeta do apocalipse
Se livra delas num saculejo Mas eles só vão entender o que eu
Hoje a gente já nem sabe falei
De que lado estão certos No esperado dia do eclipse
cabeludos Acredite que eu não tenho nada a
Tipo estereotipado ver
Se é da direita ou da traseira Com a linha evolutiva da Música
Não se sabe mais de que lado Popular Brasileira
A única linha que eu conheço
Eu que sou vivo pra cachorro É linha de empinar uma certa
No que eu estou longe eu tô perto bandeira

Eu já passei por todas as religiões


Filosofias, políticas e lutas
Aos 11 anos de idade eu já desconfiava
Da verdade absoluta

Raul Seixas e Raulzito


Sempre foram o mesmo homem
Mas pra aprender o jogo dos ratos
Transou com Deus e com o lobisomem
Raul Seixas, Gita, 1974
62

Influenciado pelo que denominava subcultura do rock’n’roll, Raul Seixas


afirmava que o rock era o melhor ritmo para se dizer uma porção de coisas.
Até tomar consciência disso nunca havia pensado o quanto a música poderia
ser um veículo importantíssimo para dizer o que queria. O rock era o melhor
som para dizer o que sentia e a música o operador fundamental da
mensagem a ser transmitida.
Em entrevista a Ana Maria Bahiana realizada em 1975, Raul disse que
até que o rock o pegasse, a música era uma coisa secundária. O que o
preocupava eram os problemas da vida e da morte, do homem, de onde vim,
pra onde vou. “Não que eu não gostasse. Mas era uma coisa intuitiva, e eu só
cantava o que me entrava no ouvido, não me preocupava em saber,
procurar letra para aprender, nunca fui fã. Apenas cantava” (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 13). Raul escutava o que se ouvia em casa. Luiz Gonzaga,
música cubana, mexicana, guarânias, carnavais, boleros e o que tocasse no
rádio.
Seu contato com o rock’n’roll ocorreu praticamente no calor dos
acontecimentos que estavam repercutindo nos Estados Unidos em meados
da década de 1950. Foi apresentado ao rock graças a sua proximidade com
o consulado norte americano em Salvador, Bahia.
Tendo como referência os discos e revistas que eram lhe passados às
mãos pelos garotos americanos com os quais tinha interação, começou a
conhecer o fenômeno musical do rock’n’roll que acabara de nascer na
América do Norte e o blues dos negros americanos antes mesmo das músicas
terem chegado ao Brasil. Com nove, dez anos passou a falar o que ele
denominava de inglês caipira a partir do convívio com os garotos americanos
do consulado e graças aos discos de rock que escutava.
Tempos depois a música se converte em uma maneira de expressar as
inquietações, angústias e interrogações que o acompanharam desde a
adolescência. Por volta dos onze anos já estava preocupado com a filosofia
sem o saber. Questões de ontologia, metafísica e outras já o incomodavam.
Pensava que era maluco e que ninguém queria lhe contar sobre essa
condição, confessa numa entrevista a Jay Vaquer em nove de agosto de
63

1972. Ficava sozinho pensando por horas e horas trancado no quarto criando
seu próprio mundo. Um mundo interior, desinteressado do mundo externo
(SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 74).
Devido a esse contato com os americanos do consulado passou a ouvir
discos de Elvis Presley, Little Richard, Fats Domino, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis,
Gene Vicent, entre outros. Passou a conhecer de fato o rock’n’roll.

Eu ouvia os discos de Elvis Presley até estragar os sucos. O rock


era como uma chave que abriria minhas portas que viviam
fechadas. O rock era muito mais que uma dança para mim, era
todo um jeito de ser. Eu era o próprio rock. Eu era James Dean,
o Rebel Without a Cause. Eu era Elvis Presley quando andava e
penteava o topete. (SEIXAS, In: PASSOS; BUDA, 1992, p. 76).

“Foi nesse contato que eu mergulhei no rock’n’roll, como quem acha o


caminho, aquele sonho maluco de ser cantor” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 43).
Dizia-se atraído pela batida, pelo ritmo tribal que a música provocava.
Passava a assumir um comportamento novo produzido pelo descobrimento
do rock’n’roll.

O que me pegou foi tudo, não só a música. Foi todo o


comportamento rock. Eu era o próprio rock, o Teddy Boy da
esquina, eu e minha turma. Porque antes a garotada não era
garotada, seguia o padrão do adulto, aquela imitação do
homenzinho, sem identidade (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 15).

O rock passou a ser percebido por Raul como uma porta de saída,
como a vez de falar para o mundo, de subir num banquinho e dizer que estava
ali. Ser cantor de rock passou a ser seu desejo.
Os comportamentos assumidos pela atitude advinda do rock se
caracterizavam pela maneira de vestir, pelo modo de falar, de agir e das
atitudes que faziam parte da tendência comportamental dos jovens
adolescentes da época. Raul, por exemplo, afirmava que era o Elvis Presley
quando andava e penteava o topete. Em depoimento a Luciane Alves (1993),
a mãe de Raul, Maria Eugênia Seixas afirmou que o adolescente só queria
saber de música e namoradas.
64

Encarava o rock’n’roll como uma revolução dos padrões


comportamentais, como uma rebeldia pura sem a consciência exata do que
se estava fazendo. Mas principalmente, como uma maneira de demarcar
uma identidade distinta dos pais. Raul achava que os jovens iriam dominar o
mundo e que a revolução seria inevitável.
A relação com a música foi ficando cada vez mais intensa. Passou a
não frequentar mais escola para ouvir música numa loja de discos em
Salvador, o que lhe rendeu várias reprovações no colégio. Sua mãe, no
mesmo depoimento a Luciane Alves (1993), diz que Raul foi um ótimo aluno
durante o curso primário, o que lhe rendeu algumas medalhas de honra ao
mérito. No segundo grau, porém, deu trabalho. Pois foi quando começou a se
dedicar profissionalmente a música.
Tornou-se um aficionado do rock. Chegou a dizer que nunca aprendeu
nada no colégio. Apenas a odiá-lo. “Eu era um fracasso na escola. A escola
não me dizia nada do que eu queria saber. Tudo que aprendia era nos livros,
em casa, ou na rua” (SEIXAS. In: PASSOS; BUDA, 1992, p. 77). Gostava de ficar
em casa lendo e escrevendo.
O gosto pela leitura o acompanhou desde cedo e talvez por influência
da biblioteca do pai, leu livros de astronomia, sobre o universo e outros
mistérios que envolvem a vida. Ler e escrever sempre estiveram presentes na
vida de Raul, paixões que o acompanharam por toda a vida. O Livro dos
Porquês do Tesouro da Juventude era um de seus preferidos.
Além de viver no quarto trancado fazendo suas leituras, desenhava
revistas em quadrinhos aos nove anos para vender a seu irmão quatro anos
mais novo. Criava, roteirizava a história, desenhava, vendia e lia para o irmão
o gibi produzido, e isso lhe rendia alguns trocados da mesada do irmão.
Um personagem sempre estava presente nos quadrinhos desenhados
por ele. Era um cientista maluco chamado Mêlo que viajava no tempo pelo
universo. “Era uma parte de mim, o cara imaginativo, buscando as respostas,
o eu fantástico, viajando fora da lógica em uma maquinazinha em que só
cabia um só passageiro... Mêlo-eu” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.13).
65

A ideia de ser escritor como Jorge Amado era algo que lhe atraia muito.
Escrever o dia todo, viver dos livros, camisa aberta no peito e um cigarro
caindo do lado eram tudo que queria. “Eu achava lindo sentar em frente à
máquina com aquela camisa branca bem largona, sabe? Como nas fotos de
Jorge amado” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.129).
Foi por meio da música que tomou consciência de que a forma de
comunicação proporcionada seria muito mais rápida que a literatura,
especialmente num país que não gosta de ler como o Brasil. A música teria
uma potência muito maior e mais rápida como forma de dizer de maneira
direta o que se pensava.
Por meio da música Raul Seixas expunha seu ponto de vista sobre a
humanidade. Dizendo o que queria dizer ao mundo pela poesia de suas letras
e pela sonoridade de suas músicas.
Incitado certa vez a falar de suas composições, Raul disse que era difícil
falar das coisas que escrevia, pois o que queria dizer já estava nas letras, já
estava lá.
Como, por exemplo, na letra da música “Ouro de Tolo” que diz o
seguinte em determinado trecho:

...Eu devia agradecer ao Senhor


Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73

Eu devia estar alegre


E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa...
66

...Eu devia estar contente


Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir


E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado...
Trecho da letra Ouro de Tolo, Raul Seixas, Krig-Há Bandolo, 1973.

A insatisfação, o inconformismo, a crítica à classe média estão


evidentes na letra da canção. O que para Raul era difícil de acordo com suas
palavras, era dissecar o trabalho numa análise para além do que já estava
dito nas letras de suas músicas. “Já está lá. Tudo expresso nas letras” (SEIXAS.
In: PASSOS, 2012, p. 76).

O início o fim e o meio – Uma narrativa musical


67

Figura 3 - Fotos das capas dos álbuns de Raul

Fonte: www.google.com.br

Depois de conhecer o rock’ n ’roll, a música tomou outra dimensão na


sua vida. Aquele garoto que queria ser um escritor comparável a Jorge
Amado conhecera outra paixão. Outra pulsão passou a mobilizar sua vida. A
música tomou conta do seu ser. À medida que foi experimentando,
vivenciando e aprendendo o novo gênero musical, sentiu a necessidade de
dizer coisas, de fazer músicas, o que o levou no final da década de 1950 e
início dos anos 1960 na cidade de Salvador a formar seus primeiros grupos de
rock.
Junto com os irmãos Délcio e Thildo Gama formou o seu primeiro grupo
musical: Relâmpagos do Rock. Fez vários shows em clubes de Salvador e
chegou a se apresentar na TV Itapoan, onde foram chamados de conjunto
de música de cowboy. Um pouco depois, já com outra formação o grupo
passa a se chamar The Panthers (Os Panteras). Raul dizia que conjunto
naquela época tinha que ter nome de bicho.
Raulzito e Os Panteras entraram pela primeira vez no estúdio em 1964
para gravar duas canções: ‘Nanny’, de Gino Frey e ‘Coração Partido’, versão
de Raul Varella Seixas, pai de Raul, para a Musiden, cantado por Elvis Presley
68

em Saudades de um Pracinha. O compacto nunca foi lançado, mas o


acetato passou a ser executado pelas rádios da época na capital baiana
(PASSOS; BUDA, 1992, p. 92-93). O grupo passou a fazer muito sucesso na
cidade de Salvador e consequentemente no interior da Bahia.

O grupo durou oito anos. No início agente pagava para


aparecer na TV, e apresentavam a gente como música de
cowboy. Em 1960 o grupo já estava bem melhor, tinha baixo
elétrico. Era uma guitarra acústica Del Vecchio pintada de
amarelo vivo e cordas de baixo importadas de São Paulo. Foi
uma festa quando as cordas chegaram. Bebemos todas as
garrafas de vinho do meu pai. Passávamos dias ouvindo discos.
Horas e horas pegando detalhes naqueles discos todos
arrebentados. A gente viajava pelo interior da Bahia, tocando
Rock pelo interior baiano, e as reações das pessoas, quando eu
caía no chão com o microfone, era indescritível (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 20).

A partir dessa imersão total no rock, abandona o colégio de vez e passa


a se dedicar inteiramente a música. Só viria a frequentar a escola tempos
depois, para provar ao pai da sua primeira esposa que era fácil ser burro.
Influenciado agora não só por Elvis Presley (assistiu O Prisioneiro do Rock 28
vezes), mas também pelos Beatles, passou a sacar como ele mesmo disse que
o rock poderia ser usado como um veículo. “Eu usava o rock como revolta,
uma revolta irracional. Mas os Beatles canalizaram a coisa, eles mostraram o
outro lado de tudo. Me disseram: Vai, entre na máquina, entre na ratoeira, vá
lá e faça, curta” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 21). Depois do contato com os
Beatles, começou a desenvolver suas ideias dentro da música. Passou a
compor suas próprias canções.

Foram os Beatles que me deram a porrada. Foi quando os


Beatles chegaram e passaram a cantar as próprias coisas deles
que eu vi, poxa, esses caras estão cantando realmente a vida
deles, estão dizendo o que há pelo mundo, o que pensam.
Então eu posso fazer a mesma coisa, dizer exatamente o que
penso em minhas músicas. Foi quando eu comecei a compor,
juntando tudo no meu caderninho (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.
21).
69

Em entrevista a Ana Maria Bahiana em 1975, afirmou que 1964 foi a


melhor época d’Os Panteras, o que ele chamou de fase áurea. De acordo
com Raul, o grupo tinha aparelhagem, nome, era o conjunto mais caro da
Bahia, excursionava pelo interior tocando Beatles e era respeitado pra burro.
Em 1966, inicia o namoro com a americana Edith Wisner. Filha de um
pastor protestante, este acaba exigindo que Raul abandone a vida artística e
retome os estudos para que pudesse se casar com sua filha. Raul faz o
supletivo e presta vestibular para a Faculdade de Direito, passando entre os
primeiros lugares. Em 1967 casa-se com Edith. No mesmo ano, Jerry Adriani
convida Raulzito para acompanhá-lo numa turnê. Raul reúne novamente Os
Panteras e acompanham o cantor da jovem guarda. Por insistência e convite
de Jerry Adriani, Raul e Os Panteras vão ao Rio de Janeiro (PASSOS; BUDA,
1992, p. 94).
Lançam o primeiro e único disco do grupo em 1968: Raulzito e Os
Panteras. “Foi o primeiro LP que gravei na Odeon. Foi um LP louco rapaz. Um
LP extremamente filosófico, metafísico, ontológico, que falava em sete
xícaras, ou seja, as sete perguntas aristotélicas” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.
96). Esse é o primeiro álbum da discografia oficial de Raul Seixas. Nele o cantor
já demonstrava uma de suas grandes paixões: trem. Na composição Trem 103,
faz menção ao trem que levou o seu amor e pede que o leve também.

Trem trem
Levou o meu bem
Trem trem
Me leva também
Eu não quero ficar
Sozinho aqui
Oh, trem me leva
Que eu também quero ir
Quero encontrar o amor que perdi
Trecho da letra Trem 103, Raulzito, Raulzito e Os Panteras, 1968.
70

Com uma discografia composta por 22 álbuns lançados em vida, além


de outros que foram lançamentos póstumos, Raul Seixas lançou disco até a
véspera de sua morte em 21 de Agosto de 1989. Seu último álbum foi lançado
em 19 de Agosto do mesmo ano de seu falecimento, portanto, dois dias antes
da sua morte. O álbum A Panela do Diabo foi resultado da parceria e da turnê
de shows realizados ao longo daquele ano com Marcelo Nova.
Depois de a primeira tentativa fracassar e passar fome por dois anos no
Rio de Janeiro, ou na cidade maravilhosa, como diz na música “Ouro de Tolo”,
retorna a Salvador. Passa por momentos difíceis na capital baiana. Depressão,
desilusão e outros sentimentos passam a tomar conta de Raul, que retorna a
viver trancado no seu quarto. “Desde garoto eu tinha essa ideia de deixar
escrito tudo o que eu vivenciava. Escrevendo e guardando, eu sentia que
estava marcando as minhas pegadas pela vida” (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p.
11). O sonho de ser cantor e fazer sucesso tinha sido adiado, pelo menos por
aquele período.
Devido ao seu conhecimento em música, acaba retornando para a
cidade do Rio de Janeiro no início dos anos de 1970 para ser produtor da
gravadora CBS a convite do diretor da época. Compõe músicas e produz
discos de sucessos para vários cantores da Jovem Guarda: Jerry Adriani,
Diana, Trio Ternura, Tony & Frankye, entre outros. Sua experiência como
produtor musical acabou sendo fundamental para sua formação artística,
seja na condição de compositor, de cantor ou mesmo de produtor. O estúdio
era uma espécie de laboratório onde ele testava os seus experimentos.

Os Beatles aprenderam no estúdio, e eu também. Aprendi os


macetes todos, aprendi a fazer a música fácil, que diz direitinho
o que a gente quer dizer. Eu já sabia que gostava de palco. Mas
foi no Rio, depois dos Panteras que desisti mesmo de ser escritor.
Vi que os sulcos do disco levavam muito melhor o que eu queria
dizer (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 45).

Em 1971, aproveitando-se da condição de produtor, juntamente com


Miriam Batucada, Edy Star e Sérgio Sampaio lança o seu segundo disco,
Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10. Raul chegou
71

a dizer em entrevista ao Pasquim que esse disco foi quando ele botou as
manguinhas de fora. Foi quando ele começou a fazer o trabalho. De acordo
com Raul, o disco mostrava o panorama atual do que estava acontecendo,
o caos todo daquela época, início dos anos de 1970 (SEIXAS. In: PASSOS, 2012,
p. 96).
O disco era composto de diversos ritmos e sons: samba, marchinha, jazz,
baião e trazia composições de Raul Seixas e Sérgio Sampaio, exceto numa
música. O disco acabou sendo retirado do mercado pela gravadora na
época, que alegou não ser a linha seguida por ela. Hoje é um dos álbuns mais
raros e cultuados pelos fãs de Raul Seixas. Chegando a custar algumas
centenas de reais no mercado.
Raul fala orgulhoso do disco em entrevista a Jay Vaquer. “Valeu a pena,
apesar de ter vendido pouco. Nós nos divertimos muito. Foi também a primeira
vez que fiz algo para ser consumido e do qual me senti paranoicamente
orgulhoso e feliz” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 75). O disco traz na sua última
faixa a composição Dr. Pacheco, letra que demonstra sua capacidade de
percepção e leitura do cotidiano.

Lá vai o nosso herói Dr. Pacheco


Com sua careca inconfundível
A gravata e o paletó
Misturando-se as pessoas da vida
Lá vai Dr. Pacheco
O herói dos dias úteis
Misturando-se as pessoas que o fizeram

Formado, reformado, engomado


Num sorriso fabricado
Pela escola da ilusão
Tem jeito de perfeito
No defeito
Sem ter feito com proveito
72

Aproveita a ocasião
Trecho da letra de Dr. Pacheco, Raul Seixas, Sociedade da Grã-Ordem
Kavernista Apresenta Sessão das 10, 1971.

O álbum encerra com o público vaiando e o som de uma descarga de


privada, revelando o fato de Raul gostar de realizar seus experimentos e
inovações no estúdio.
No ano seguinte, incentivado por Sérgio Sampaio, primeiro artista
produzido por ele na CBS, inscreve duas músicas no VII Festival Internacional
da Canção (FIC). Mesmo não gostando muito de festival, Raul acaba
inscrevendo “Let Me Sing, Let Me Sing” e “Eu Sou Eu e Nicuri é o Diabo”. As
duas composições são classificadas na fase eliminatória e interpretadas
respectivamente no festival por Raul e pelo grupo Os Lobos.
A música “Let Me Sing, Let Me Sing” chegou as finais do festival. E mesmo
não tendo sido a vencedora, chamou a atenção, especialmente pela mistura
do rock com o baião na sua sonoridade e pela a apresentação explosiva e
contagiante de Raul no palco.

Let me sing, let me sing


Let me sing my rock’n’roll
Let me sing, let me swing
Let me sing my blues and go, say
Tenho 48 quilo certo
48 quilo de baião
Num vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto eu não lhe abro mão
Num vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto eu não lhe abro mão

Let me sing, let me sing


Let me sing my rock’n'roll
Let me sing, let me swing
73

Let me sing my blues and go, say

Não quero ser o dono da verdade


Pois a verdade não tem dono, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, né mais quatro, não
Se o "V" de verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco, n'é mais quatro, não
Trecho da letra de Let Me Sing, Let Me Sing, Raul Seixas; Nadine Wisner, Let Me
Sing My Rock and Roll, 1985.

Em relação à música “Let me Sing, Let me Sing”, em entrevista


concedida a Jay Vaquer em nove de agosto de 1972, afirma ter influência
das duas correntes: o rock e o baião. Identifica uma semelhança enorme
entre o rock primitivo que veio do country e o baião que é o nosso country.
Sua trajetória musical sofre influência dessas duas correntes: o rock e o baião
(SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 76).

Daí eu juntei Luiz Gonzaga e Elvis. Eu não fiz um ritmo Rock-


baião. Isso foi informação musical. Aconteceu... O som de Let
me Sing é de 1956; apesar de parecer uma gozação eu acho
esta música seriíssima. É apenas o início de um trabalho muito
grande que eu pretendo desenvolver degrau por degrau
(SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 14).

Raul afirmava ainda que não tinha estilo e sim muita coisa para dizer. E
que dizia. A música passou então a ser a forma de comunicação mais direta
para Raul Seixas. Chegando a dizer por várias vezes que sua música era fácil,
boba, direta. O festival o projetou artisticamente e foi contratado pela
gravadora Philips. O festival se caracterizou como uma espécie de rito de
passagem, segundo a antropóloga Rosana Teixeira (2008).
Em 1973 lança o seu primeiro disco solo, Krig-Há, Bandolo! O álbum traz
algumas músicas “As minas do Rei Salomão”; “A hora do trem passar;
Rockixe”; “Cachorro Urubu”) da então parceria iniciada com Paulo Coelho,
74

que havia conhecido alguns meses antes devido a uma reportagem sobre
discos voadores (PASSOS; BUDA, 1992, p. 96). A parceria durará por alguns
anos, vindo a repercutir em diversas composições e outros álbuns gravados
pelo cantor. Perguntado pelo jornal O Pasquim, em Novembro de 1973 onde
fica Krig-Há, afirma:

Krig-Há seria um rótulo. É uma sociedade que existe hoje o


mundo inteiro, com vários nomes. Aqui no Brasil nós batizamos
com o nome Krig-Há, que é o grito de guerra do Tarzan. Você
deve ter lido Tarzan né? Krig-Há significa cuidado!... É. Aí vem o
inimigo. Tinha o dicionário de Tarzan na primeira página. Você
lia e tinha a tradução. E sabia aquilo decorado. Mas essa
sociedade promove acontecimentos. O primeiro
acontecimento que essa sociedade promoveu foi o disco, o LP
Krig-Há, Bandolo! (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 82-83).

A composição “Al Capone” presente no disco demonstra a potência


das letras de Raul Seixas e a força da sua mensagem no disco solo de estreia,
que além da referida música trazia ainda “Ouro de Tolo” (que havia sido
gravada anteriormente num compacto simples e que havia vendido números
expressivos), “Metamorfose Ambulante”, “Mosca na sopa”, “How Could I
Know”, “Dentadura Postiça”.

Hei, Al Capone, vê se te emenda


Já sabem do teu furo, nego
No imposto de renda

Hei, Al Capone, vê se te orienta


Assim desta maneira, nego
Chicago não aguenta

Hei, Júlio César, vê se não vai ao senado


Já sabem do teu plano para controlar o estado
Hei, Lampião, dá no pé desapareça
Pois eles vão a feira exibir tua cabeça...
75

Trecho da letra de Al Capone, Raul Seixas, Krig-Há, Bandolo!, 1973.

Durante o show do álbum era distribuído um Gibi/Manifesto chamado A


Fundação de Krig-Há, de autoria de Raul Seixas e Paulo Coelho com design
de Adalgisa Rios, então mulher de Paulo Coelho na época. Em entrevista ao
jornal O Pasquim, instigado a falar mais dessa sociedade ele diz o seguinte:

Como eu estava dizendo, essa sociedade promove


acontecimentos. O primeiro foi o LP. O segundo foi uma
procissão que foi muito bem sucedida, foi muito bonito. A gente
levou uma bandeira na rua foi uma explosão. Porque vocês
sabem que tem havido uma série de implosões. E a terceira foi
esse show de teatro, esse show que nós estamos fazendo agora.
E a quarta vai ser o Piquenique do Papo. Nós vamos convidar
todos os artistas, de todos os campos, os, comunicadores, de
artes plásticas, de cinema, de teatro. E vamos fazer um
piquenique bem suburbano no Jardim Botânico (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 85).

Questionado ainda sobre qual o fim específico dessa sociedade, a que


ela se propunha, e se seguia alguma filosofia, afirma que essa sociedade não
surgiu imposta por nenhuma verdade, ou nenhum líder. Segundo o próprio
Raul, tratava-se de uma tomada de consciência de uma nova tática, de
novos meios em relação à melhoria das coisas (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 85).
Estava lançada a semente do que veio a ser denominado um pouco
depois de sociedade alternativa. Aderir à sociedade alternativa causou a
Raul Seixas e o seu parceiro Paulo Coelho diversos problemas diante do
contexto de censura ditatorial que o país vivia naquela época da década de
1970.
Além de possuir muitas composições já censuradas, a divulgação do
Gibi/Manifesto provocou reações contrárias por parte dos militares em
relação ao que estava sendo divulgado. A ideia de uma sociedade diferente,
livre, mais justa, de alguma forma desafiava os militares e incomodava o
establishment.
A imaginação e a criatividade do artista eram características
marcantes do trabalho de Raul Seixas, seja nas composições, nos shows ao
76

vivo, nas gravações dos discos em estúdio, na divulgação dos álbuns, nas
apresentações em programas de televisão ou até mesmo nas entrevistas que
eram concedidas a jornais, revistas, etc.
Depois de terem os Gibi/Manifesto recolhidos, passa a enfrentar
problemas cada vez maiores com a censura e com a perseguição política,
especialmente por conta das ideias referentes à sociedade alternativa.
Juntamente com Paulo Coelho e esposas de ambos, vão para os
Estados Unidos em 1974. Depois de alguns meses, voltam devido ao sucesso
da música Gita para lançar o disco de mesmo nome. Gita é o segundo álbum
solo de Raul Seixas. O disco fez um enorme sucesso, o que lhe rendeu seu
primeiro disco de ouro. Nesse mesmo ano, separa-se da sua esposa Edith, que
acaba retornando com a filha do casal para os Estados Unidos (PASSOS;
BUDA, 1992).
Foi nessa mesma época (1973/74) que Raul Seixas passou a se interessar
e a se envolver com temas como magia, misticismo, esoterismo, sociedades
esotéricas, o que acabou tendo influência no referido disco que acabara de
ser lançado em 1974.

O ano de 1974 foi terrível pra mim. Foi um ano marrom. Eu fiquei
perdido, confuso, apavorado. Eu queria respostas, eu queria
descobrir... tudo... descobrir tudo. Eu estava envolvido
profundamente com Paulo Coelho, e nós mergulhamos mesmos
no esoterismo. Eu via uma saída por aí, queria descobrir.
Conheci uma pessoa chamada Marcelo, uma pessoa muito
importante, e foi na mão dele que Aleister Crowley deixou o
Livro da Lei; ele é o continuador da obra de Crowley. Ele nos
iniciou numa sociedade esotérica. Paulo saiu logo, mas eu
continuei, depois entrei para uma outra, mais elevada... eu
estava envolvidíssimo. E de repente descobri que a luz, o
conhecimento, tem de vir de você mesmo. É claro que eu
precisava passar por tudo isso pra descobrir. Agora eu estou
comigo. Estou bem comigo, do mesmo modo como todos
deviam estar bem consigo mesmos (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.
31).

A influência de algumas das ideias do mago inglês Aleister Crowley


pode ser observada diretamente na letra da música “Sociedade Alternativa”.
77

Mas se eu quero e você quer


Tomar banho de chapéu
Ou discutir Carlos Gardel
Ou esperar Papai Noel
Então vá!
Faze o que tu queres
Pois é tudo
Da Lei! Da Lei!
Viva! Viva!
Viva A Sociedade Alternativa
Viva! Viva!
Viva A Sociedade Alternativa...

O número 666 chama-se Aleister Crowley


Viva! Viva!
Viva! A Sociedade Alternativa
Faz o que tu queres há de ser tudo da lei
Viva! Viva!
Viva! A Sociedade Alternativa
A Lei de Thelema
Viva! Viva!
Viva A Sociedade Alternativa
A Lei do forte
Essa é a nossa lei e a alegria do mundo
Viva! Viva! Viva!
Viva o Novo Aeon
Trecho da letra de Sociedade Alternativa, Raul Seixas; Paulo Coelho, Gita,
1974.

Tempos depois Raul Seixas vai dizer que Gita foi um disco doutrinário,
que ele estava pondo pra fora o lado de Jesus Cristo, que adora sofrer pelas
pessoas, mostrar-lhes o caminho. “Já reparou na capa? Estou eu lá, de dedo
78

pra cima, veja se é possível! Como se eu quisesse indicar caminho para as


pessoas. Mas é o retrato mesmo do que fui no passado” (SEIXAS. In: PASSOS
2012, p. 31). A letra de “Gita” revela aspectos dessa característica doutrinária
que Raul fala do disco.

Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando


Foi justamente num sonho que Ele me falou
Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado

Você pensa em mim toda hora


Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar

Eu sou a luz das estrelas


Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar

Eu sou o medo do fraco


A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou

Gita! Gita! Gita! Gita! Gita!


Trecho da letra de Gita, Raul Seixas; Paulo Coelho, Gita, 1974.

Ainda influenciado pelas ideias de Aleister Crowley, mas agora numa


perspectiva de mais independência e autoral em relação ao seu
79

pensamento, lança em 1975, também pela gravadora Philips, o disco Novo


Aeon. Ao falar sobre o álbum diz o seguinte:

Este álbum é todo em cima do Livro da Lei, que Aleister Crowley


recebeu, ditado por um ser do Novo Aeon. Mas não é...
apostólico. São simplesmente coisas que eu descobri e digo,
porque tenho esses meios de dizer, porque meu trabalho é dizer,
sacar, dizer. Sou o cientista que faz a granada que o soldado
lança para explodir tudo. Não levei Aleister Crowley totalmente
a sério, não. Aliás, eu acho que é isso que ele queria. Tirei coisas
dele para mim, aproveitei (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 50).

Ao contrário de Gita, o profeta, o guru, o mestre começa a dar lugar a


outro Raul Seixas. O disco Novo Aeon como afirma o próprio Raul, é um novo
modo de ver, de pensar, uma civilização nova. E que mesmo tendo inspiração
no Livro da Lei de Aleister Crowley, é muito parte dele também. Suas próprias
ideias e interpretações acerca das diferentes influências que o marcaram
começam a aparecer de forma mais independente. (SEIXAS. In: PASSOS, 2012,
p. 32). A letra da música “Tente Outra Vez” sintetiza de certa forma o espírito
das ideias que coloca no disco.

Veja
Não diga que a canção está perdida
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida
Tente oura vez
Beba
Pois a água viva ainda tá na fonte
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não não não...
Queira
Basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo
Vai, tente outra vez

Tente
80

E não diga que a vitória está perdida


Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez
Trecho da letra de Tente Outra Vez, Raul Seixas; Paulo Coelho; Marcelo Mota
Novo Aeon, 1975.

Comercialmente o disco foi um fracasso. Ao contrário de Gita que havia


vendido 600.000 cópias, o álbum Novo Aeon não teve o mesmo sucesso de
vendas. No entanto, Raul demonstrava felicidade pela elaboração do disco,
afirmando que foi um momento particularmente dele e que o disco é o do
caminho individual. Pois segundo ele, fez uma coisa sua, em cima do que
havia descoberto, mesmo que algumas das ideias de Aleister Crowley
estivessem presentes. “Eu tirei coisas dele, toques dele, fiz uma coisa minha”
(SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 31).
Em 1976, ainda pela gravadora Philips, lança o disco Há Dez Mil Anos
Atrás e encerra além do seu contrato com a referida gravadora a parceria
com Paulo Coelho. Raul diz em entrevista concedida a Aloysio Reys e
publicada pelo Jornal de Música em Novembro de 1976 que o disco é uma
retrospectiva de todo o processo histórico do qual todos são testemunhas.
Raul Seixas não quis assumir a condição de ser o narrador desse
processo histórico. “Eu coloquei na boca de um profeta porque achei que
seria mais comercial, ia motivar mais as pessoas. Eu estou aqui para deixar a
minha impressão digital sobre o planeta e é isso que eu estou fazendo nesse
disco” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 109).

Um dia, numa rua da cidade,


Eu vi um velhinho sentado na calçada com uma
Cuia de esmola e uma viola na mão
O povo parou para ouvir
Ele agradeceu as moedas
E cantou essa música
Que contava uma história
81

Que era mais ou menos assim...


Trecho inicial da letra de Eu nasci há dez mil anos atrás, Raul Seixas; Paulo
Coelho, Há Dez Mil Anos Atrás, 1976.

Em 1977 assina contrato com uma nova gravadora, a recém-


inaugurada WEA. Lança o disco O Dia em Que a Terra Parou em parceria com
o amigo Cláudio Roberto, um dos principais parceiros durante sua trajetória
artística. No álbum estão composições como Maluco Beleza, a faixa título do
disco, “O dia em que a terra parou”, “Sapato 36”, “Que luz é essa?”, entre
outras canções. Na música Você traz os seguintes questionamentos

Você alguma vez se perguntou por quê


Faz sempre aquelas mesmas coisas sem gostar
Mas você faz e a vida é curta

Por que deixar que o mundo lhe acorrente os pés


Finge que é normal está insatisfeito
Será direito
O que você faz com você
Por que você faz isso por que

Detesta o patrão no emprego


Sem ver que o patrão sempre esteve em você
E dorme com a esposa
Por quem já não sente amor
Será que é medo
Por que
Você faz isso com você...
Trecho da letra de Você, Raul Seixas; Cláudio Roberto, O Dia em Que a Terra
Parou, 1977.
82

Nesse mesmo ano, se separa de Glória, sua segunda esposa. Mais uma
vez presencia a partida de mulher e filha para os Estados Unidos. É dessa
época também o consumo cada vez mais exagerado de bebidas alcóolicas,
o que começa a agravar os problemas de saúde do artista e a tornar sua
relação com a gravadora conturbada.
Em 1978, depois de passar alguns meses numa fazenda no interior da
Bahia se recuperando da pancreatite agravada pelo excesso de álcool,
retorna com uma nova companheira, Tânia Mena Barreto e grava mais um
disco pela WEA, Mata Virgem, retomando a parceria com Paulo Coelho no
referido álbum. Na letra de “As Profecias”, os dois tratam do fim do mundo.

... Está em qualquer profecia


Dos sábios que viram o futuro
Dos loucos que escrevem no muro
Das teias, do sonho remoto
Estouro, explosão, maremoto
A chama da guerra acesa
A fome sentada na mesa
O copo com álcool no bar
O anjo surgindo no mar
Os selos de fogo, o eclipse
Os símbolos do Apocalipse
Os séculos de Nostradamus
A fuga geral dos ciganos
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia...
Trecho da letra de As Profecias, Raul Seixas; Paulo Coelho, Mata Virgem, 1978.

No ano seguinte lança seu último disco pela WEA, Por Quem os Sinos
Dobram, agora em parceria com o argentino Oscar Rasmussen (PASSOS;
BUDA, 1992). Ainda no ano de 1979, separa-se de Tânia Mena Barreto,
conhece Kika Seixas, com quem passa a viver a partir de 1980 e com quem
83

Raul tem sua terceira filha, Vivian Seixas. A letra de “Movido a Álcool” revela
traços do humor, ironia e de sua relação com o álcool.

... Derramar cachaça em automóvel


É a coisa mais sem graça
De que eu já ouvi falar
Por que cortar assim nossa alegria
Já sabendo que o álcool também vai acabar?

Veja, o poeta inspirado em Coca-Cola


Que poesia mais sem graça ele iria expressar?
É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos nós temos que sonhar...
Trecho da letra de Movido a Álcool, Raul Seixas; Tânia M. Barreto; Oscar
Rasmussem, Por Quem os Sinos Dobram, 1979.

O fim dos anos 1970 e início de 1980 marca uma virada profissional de
altos e baixos em sua trajetória. Assina contrato com uma nova gravadora, a
CBS. Passa a morar na cidade de São Paulo depois de muitos anos no Rio de
Janeiro e lança o disco Abre-te Sésamo em 1980. Passa ainda por uma cirurgia
no pâncreas no Hospital Albert Einstein, o que o deixa hospitalizado por
algumas semanas.
Como ele próprio afirmava em tom de ironia, é um disco em
homenagem a abertura política brasileira. “Em Abre-te Sésamo está presente
essa agulha incisiva que penetra no calcanhar de Aquiles do sistema” (SEIXAS.
In: PASSOS, 2012, p.115).

... Lá vou eu de novo


Brasileiro nato
Se eu não morro eu mato
Essa desnutrição
84

Minha teimosia braba de guerreiro


É o que me faz o primeiro dessa procissão

Fecha a porta!
Abre a porta!
Abre-te sésamo

E vamos nós de novo


Vamos na gangorra
No meio da zorra
Desse vai-e-vem
É tudo mentira
Quem vai nessa pira
Atrás do tesouro do Ali-bem-bem...
Trecho da letra de Abre-te Sésamo, Raul Seixas; Cláudio Roberto, Abre-te
Sésamo, 1980.

Em entrevista ao repórter Ricardo Porto de Almeida do Jornal Canja, em


outubro de 1980, diz que o disco versa sobre os anos 1980.

Sabe, eu estou só contando a história do que está acontecendo


neste momento: nada. Abre a porta, feche a porta, essas
coisas. Inclusive tem uma música chamada Aluga-se o Brasil,
que é muito simpática. Como é mesmo o nome do rapaz?
Delfim Netto, né?... É o que a música diz. Tem pau-Brasil, tem a
Amazônia no fundo do quintal, tem o Oceano Atlântico, tem
vista para o mar. A solução para o nosso povo é rodar, alugar o
Brasil. E nós não vamos pagar nada (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.
117).

De acordo com Rosana Teixeira, no aspecto político, Raul Seixas parecia


não ser levado mais tão a sério pela ditadura militar. Mesmo com as críticas a
política e a economia do país em músicas como “Abre-te Sésamo” e “Aluga-
se”, as referidas canções não sofreram nenhum tipo de censura. Ao contrário
de músicas como “Baby”, “Conversa pra boi dormir” e “Rock das Aranha”,
85

que não tratavam de política mas tiveram problemas com a censura


(TEIXEIRA, 2008, p. 82-83).
Em 1981, Raul Seixas rompe o contrato com a CBS que havia lhe pedido
um disco em homenagem a Lady Diana. Raul se recusa e rescinde o contrato
com a gravadora. Ainda em 1981, é fundado em São Paulo, por Sylvio Passos,
o primeiro fã clube de Raul Seixas, o Raul Rock Club. Segundo Sylvio Passos, o
fã clube foi criado com o “objetivo de estudar, divulgar, preservar e dar
continuidade aos trabalhos e estudos iniciados por Raul” (PASSOS; BUDA, 1992,
p. 100). Raul apoia a criação e confere o título de Raul Seixas Oficial Fã-Clube.
O ano de 1982 produz alguns acontecimentos que marcam a sua
carreira. Em Fevereiro, participa do Festival de Música na Praia, na praia do
Gonzaga na cidade de Santos, São Paulo para um público estimado de cerca
de 180.000 pessoas, com transmissão pela televisão feita pela TV Cultura. Em
Maio, durante um show numa Feira Folclórica na cidade de Caieiras, estado
de São Paulo é acusado de impostor de si mesmo, quase sendo linchado pelo
público e chegando a ser detido pelo delegado da cidade por não portar os
documentos que o identificassem.
Depois de dois anos sem gravadora e passando por momentos cada
vez mais difíceis na carreira e na vida pessoal, seu estado de saúde se
deteriora. Assina contrato com o Estúdio Eldorado em 1983 e lança o álbum
Raul Seixas. Também é lançado simultaneamente o livro As Aventuras de Raul
Seixas na Cidade de Thor pela Shogun Arte Editora do seu antigo parceiro e
amigo Paulo Coelho.
O único livro escrito por Raul traz anotações dos sete aos 21 anos de
idade. Participa ainda no mesmo ano do especial infantil Plunct, Plact, Zumm
da Rede Globo de Televisão com a música o “Carimbador Maluco”. Música
essa que rende a Raul Seixas o seu segundo disco de ouro.

Plunct – Plact – Zummm


Não vai a lugar nenhum
Plunct – Plact – Zummm
Não vai a lugar nenhum
86

Tem que ser selado, registrado


Carimbado, avaliado, rotulado
Se quiser voar
Prá lua: a taxa é alta
Pro sol: identidade
Mas, já pro seu foguete viajar pelo universo
É preciso o meu carimbo dando
Sim, Sim, Sim...
Trecho da letra de Carimbador Maluco, Raul Seixas, Raul Seixas, 1983.

Mesmo sendo para um especial infantil, Raul não deixou de aprontar


das suas. A música faz referência às ideias anarquistas de Proudhon.
Pela mesma gravadora, é lançado em 1984 o disco Raul Seixas ao Vivo
– Único e Exclusivo. O álbum é resultado de um show ao vivo feito na
Sociedade Esportiva Palmeiras na cidade de São Paulo em 1983.

Esse show foi demais. Foi adiado, porque na primeira vez eu caí
doente, mas, quando eu finalmente eu fiz, foi demais. Tinha
gente que se agarrava nas minhas pernas, que pulava no
palco, e olha que eu estava cantando coisas que a maioria
nem conhecia, nem sequer tinha nascido quando aqueles rocks
foram sucesso (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 37)

Vinculado agora a gravadora Som Livre, com quem assinara contrato


no início de 1984, Raul lança em Junho do mesmo ano o disco Metrô Linha
743. Quando da elaboração do disco, Raul afirmava que seria um disco em
preto e branco, onde ele iria juntar uma concepção musical a uma
concepção visual. “O colorido aprisiona a imaginação. O preto e branco é
mais forte, é livre porque dá asas a cada um de projetar sua imaginação; de
criar o que você sente sem se prender ao óbvio das cores impostas pelo
colorido do mundo” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 56). A música “O Messias
Indeciso” reflete sonoramente essa tonalidade que o artista imprimiu ao disco.
87

Certa vez houve um homem


Comum como um homem qualquer
Jogou pelada descalço
Cresceu e formou-se em ter fé

Mas nele havia algo estranho


Lembrava ter vivido outra vez
Em outros mundos distantes
E assim acreditando-se fez
(Sim)...

Ah! quantas ilusões


Ah! quantas ilusões
Nas luzes do arrebol
Quantos segredos terá?
Quantos segredos terá?...
Trecho da letra de O Messias Indeciso, Raul Seixas; Kika Seixas, Metrô Linha
743, 1983.
Nessa mesma época persistem ainda os problemas com a censura, com
a frágil saúde e com o seu relacionamento com Kika Seixas, que acaba
terminando.
Em Maio de 1985, numa iniciativa inédita no Brasil, o Raul Rock Club
lança o álbum Let Me Sing My Rock and Roll, primeiro disco produzido e
distribuído de forma independente por um fã-clube brasileiro. O disco traz
músicas e depoimentos que não tinham sido incluídos nos discos oficiais,
exceto a música “Canto para minha morte” que foi incluída a pedido do
próprio Raul, que talvez já pressentisse de alguma forma que a sua vida na
Terra estava acabando.

Eu sei que determinada rua que eu já passei


Não tornará a ouvir o som dos meus passos,
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos,
88

E que
eu nunca mais vou abrir;
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa,
Pode ser que esta pessoa esteja me vendo pela última vez;
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar...
Trecho da letra de Canto Para Minha Morte, Raul Seixas; Paulo Coelho, Let Me
Sing My Rock and Roll, 1985.

O refrão: Vou te encontrar vestida de cetim\ Pois em qualquer lugar


esperas só por mim\ E no teu beijo provar teu gosto estranho\ Que eu quero
e não desejo mas tenho que encontrar\ Vem mas demore a chegar\ Eu te
detesto e amo\ Morte, morte, morte que talvez\ Seja o segredo desta vida,
expressa sua relação de amor e medo com a morte.
Depois de mais um período sem gravadora, afastado do show buzines
e com sua credibilidade abalada, devido à quebra de contratos, ausências
em shows, brigas com as gravadoras, o agravamento de seus problemas de
saúde, causados pelo excesso de álcool e já com uma nova companheira,
Lena Coutinho, assina em 1986 contrato com a Copacabana. Lança em 1987
o disco Uah – Bap Lu – Bap – Lah – Béin – Bum!, o grito do rock and roll.
Os problemas de saúde e as rotineiras internações atrapalharam a
gravação do disco, que deveria ter sido lançado ainda em 1986, mas só foi
possível no ano seguinte. A composição “Canceriano Sem Lar” reflete os
períodos das constantes internações vividas pelo o artista no decorrer da
carreira, principalmente na década de 1980.

Estou sentado em minha cama


Tomando meu café pra fumar
Estou sentado em minha cama
Tomando meu café pra fumar
É, é, porém, mas, todavia
Eu sou um canceriano sem lar
89

Eu tomo café pra mim não chorar


Pergunto à nuvem preta quando o sol vai brilhar

Estou deitado em minha vida


E o soro que me induz a lutar
Estou na Clínica Tobias
Tão longe do aconchego do lar
All right, man
Play the blues

Eu tomo café pra mim não chorar


Pergunto à nuvem preta quando o sol vai brilhar
Estou sentado em minha cama
Tomando meu café pra fumar
Estou sentado em minha cama
Tomando meu café pra fumar
Trancado dentro de mim mesmo eu sou, um canceriano sem lar
Trecho de Canceriano Sem Lar - Clínica Tobias Blues, Raul Seixas, Uah – Bap Lu
– Bap – Lah – Béin – Bum!, 1987.

A música “Cowboy Fora da Lei” estoura e rende o terceiro disco de ouro


da carreira artística de Raul Seixas. Participa ainda em 1987 da gravação da
faixa “Muita Estrela, Pouca Constelação” da banda Camisa de Vênus ao lado
de Marcelo Nova, fã declarado de Raul Seixas e com quem viria a assumir
depois parceria no último disco.
Em 1988, também pela gravadora Copacabana, Raul Seixas lança o
seu último disco solo, A Pedra do Gênesis. No álbum, volta a falar de temas
como esoterismo, sociedade alternativa, misticismo:

Todo homem tem direito


De pensar o que quiser
Todo homem tem direito
90

De amar a quem quiser...


Trecho de A Lei, Raul Seixas, A Pedra do Gênesis, 1988.

Além de temas relacionados à sua frágil saúde, devido os problemas


ocasionados pelo álcool. A música “Check-Up”, por exemplo, fala dos
remédios que tomava.

Acabei de dar um check-up na situação


O que me levou a reler
Alice no País das Maravilhas
Acabei de tomar meu Diempax
Meu Valium 10 e outras pílulas mais
Duas horas da manhã
Recebo nos peito um Triptanol 25
E vou dormir quase em paz...
Trecho de Check-Up, Raul Seixas, A Pedra do Gênesis, 1988.

Depois de quase três anos longe dos palcos, no final de 1988 participa
de show de Marcelo Nova na Concha Acústica do Teatro Castro Alves em
Salvador e a partir daí saem numa turnê de 50 shows pelo país no ano de 1989.
A turnê resultou no último trabalho de Raul Seixas. O disco Raul Seixas e
Marcelo Nova - A Panela do Diabo foi lançado pela WEA em agosto de 1989,
poucos dias antes da sua morte. A composição “Banquete de Lixo” faz uma
breve retrospectiva de momentos de sua vida: estadia nos Estados Unidos,
internações em clínicas de recuperação, shows\turnês, amores, casamentos
e parecia anunciar o fim que estava próximo:

... Fui levado na marra pois enfermeiro quando agarra


É que nem ordem de prisão
A ambulância me esperava
E aí o que rolava internação e injeção
91

E lá em Serra Pelada, ouro n meio do nada


Dor de barriga desgraçada resolveu me atacar
O show estava começando
E eu no escuro me apertando e autografando sem parar

O hoje é apenas um furo no futuro


Por onde o passado começa a jorrar
E eu aqui isolado onde nada é perdoado
Vi o fim chamando o princípio pra poderem se encontrar

Muitas mulheres eu amei e com tantas me casei


Mas agora é Raul Seixas que Raul vai encarar
Nem todo bem que conquistei, nem todo mal que eu causei
Me dão direito de poder lhe ensinar...
Trecho de Banquete de Lixo, Raul Seixas; Marcelo Nova. A Panela do Diabo,
1989.

Finaliza a letra com o seguinte recado: “Não sou nenhuma ficção\ E


assim torto e de verdade, um abraço e até outra vez”. A própria melodia e o
tom melancólico da música pareciam marcar a despedida do cantor.
Os dois quadros a seguir trazem a listagem da discografia do artista. O
primeiro quadro relaciona a discografia oficial. E o segundo traz a relação de
álbuns que foram lançados após a sua morte5.

Quadro 1 – Veja quanto disco na estante I (DISCOGRAFIA)

ANO ÁLBUM GRAVADORA


Raulzito e Os Panteras

Brincadeira (Mariano Lanat) Por quê? Pra quê? (Eládio


Gilbraz) Um Minuto Mais (“I Will”, de Dick Glasser.
Versão: Raulzito) Vera Verinha (Raulzito e Eládio

5 Número que pode variar para mais ou para menos de acordo com algumas listas de
diferentes pesquisadores.
92

Gilbraz) Você Ainda Pode Sonhar (“Lucy in the Sky with


1968 Diamonds”, de John Lennon e Paul McCartney. ODEON
Versão: Raulzito) Menina de Amaralina (Raulzito) Triste
Mundo (Mariano Lanat) Dê-me Tua Mão (Raulzito)
Alice Maria (Raulzito, Eládio Gilbraz, Mariano Lanat)
Me Deixa Em Paz (Mariano Lanat, Raulzito, Carleba)
Trem 103 (Raulzito) O Dorminhoco (Carleba, Eládio
Gilbraz, Mariano Lanat, Raulzito).

Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta


Sessão das Dez (Com Edy Star, Miriam Batucada e
Sérgio Sampaio)

Êta Vida (Raul Seixas e Sérgio Sampaio) Sessão das 10


(Raul Seixas) Eu vou botar pra ferver (Raul Seixas) Eu
1971 acho graça (Sérgio Sampaio) Chorinho CBS
Inconsequente (Sérgio Sampaio e Erivaldo santos)
Quero ir (Raul Seixas e Sérgio Sampaio) - Soul Tabarôa
(Antônio Carlos e Jocafi) Todo mundo está feliz (Sérgio
Sampaio) Aos Trancos e Barrancos (Raul Seixas) Eu não
quero dizer nada (Sérgio Sampaio) Dr. Paxeco (Raul
Seixas) Finale.

Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock

Rock Around The Clock (Max C. Freedman e Jimmy De


Knight) Blue Suede Shoes (Carl Perkins) Tutti Frutti (Little
Richard) Long Tal Sally (Little Richard, Robert “Bumps”
Blackweel e Enotris Johnson) Rua Augusta (Hervé
Cordovil) O Bom (Carlos Imperial) Poor Little Foor
(Shelley) Bernadine (J. Mercer) Estúpido Cupido
(Stupid Cupid) (N. Sedaka e H. Greenfield. Versão:
Fred Jorge) Banho de Lua (Tintarella di luna) (Filippi e
Migliacci. Versão: Fred Jorge) Lacinhos cor de rosa -
The Great Pretender (Buck Ram) Diana (Paul Anka)
1973 Little Darling (M. Williams) Oh! Carol (H. Greenfield e N. POLYFAR
Sedaka) Runaway (Del Shannon e Max Crook)
Marcianita (Marcone e Aldereti. Versão: Fernando
Cesar) É Proibido Fumar (Roberto Carlos e Erasmo
Carlos) Pega Ladrão (Getúlio Cortes) Jambalaya
(Hank Williams) Shake, Rattle and Roll (Charles E.
Calhoun) Bop-a-Lena (M. Tillis e W. Pierce) Only You
(Andy Rand e Buck Ram) Vem quente que eu estou
fervendo (Carlos Imperial e Eduardo Araújo).

Krig-ha, Bandolo!
93

Introdução (Raul, aos nove anos cantando “Good


Rockin Tonight”) Mosca na Sopa (Raul Seixas)
Metamorfose Ambulante (Raul Seixas) Dentadura
Postiça (Raul Seixas) As Minas do Rei Salomão (Raul
1973 Seixas e Paulo Coelho) A Hora do Trem Passar (Raul PHILIPS
Seixas e Paulo Coelho) Al Capone (Raul Seixas e Paulo
Coelho) How Could I Know (Raul Seixas) Rockixe (Raul
Seixas e Paulo Coelho) Cachorro Urubu (Raul Seixas e
Paulo Coelho) Ouro de Tolo (Raul Seixas).

Gita

Super-Heróis (Raul Seixas e Paulo Coelho) Medo da


Chuva (Raul Seixas e Paulo Coelho) As Aventuras de
Raul Seixas na cidade de Thor (Raul Seixas) Água Viva
(Raul Seixas e Paulo Coelho) Moleque Maravilhoso
1974 (Raul Seixas e Paulo Coelho) Sessão das 10 (Raulzito) PHILIPS
Sociedade Alternativa (Raul Seixas e Paulo Coelho) O
Trem das Sete (Raul Seixas) S.O.S. (Raul Seixas) –
Prelúdio (Raul Seixas) Loteria da Babilônia (Raul Seixas
e Paulo Coelho) Gita (Raul Seixas e Paulo Coelho).

O Rebu (Trilha sonora da novela da TV Globo)

Como vovó já dizia (Raul Seixas e Paulo Coelho) Por


quê (Raul Seixas e Paulo Coelho) Planos de Papel (Raul
Seixas) Catherine (Paulo Coelho) Murungando (Raul
Seixas) O Rebu (Raul Seixas e Paulo Coelho) Um som
para Laio (Raul Seixas) Se o rádio não toca (Raul Seixas
1974 e Paulo Coelho) Água Viva (Raul Seixas e Paulo SOM LIVRE
Coelho) Tema dançante (Roberto Menescal) Vida a
prestação (Raul Seixas e Paulo Coelho) Senha (Paulo
Coelho) Trambique (Adilson Manhães e José Roberto
Kelly).

1975 20 Anos de Rock (Reedição do Álbum Os 24 Maiores PHILIPS


Sucessos da Era do Rock)

Novo Aeon

Tente outra vez (Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo


Motta) Rock do Diabo (Raul Seixas E Paulo Coelho) A
Maçã (Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta) Eu
sou egoísta (Raul Seixas e Marcelo Motta) Caminhos
(Raul Seixas e Paulo Coelho) Tu és o MDC da minha
1975 vida (Raul Seixas e Paulo Coelho) A verdade sobre a PHILIPS
94

nostalgia (Raul Seixas e Paulo Coelho) Para Noia (Raul


seixas) Peixuxa (o amiguinho dos peixes) (Raul seixas e
Marcelo Motta) É fim de mês (Raul Seixas) Sunseed
(Raul Seixas e Space Glow) Caminhos II (Raul Seixas,
Paulo Coelho e Eládio Gilbraz) Novo Aeon (Raul Seixas,
Cláudio Roberto e Marcelo Motta).

Há Dez Mil Anos Atrás

Canto para minha morte (Raul Seixas e Paulo Coelho)


- Meu amigo Pedro (Raul Seixas e Paulo Coelho) Ave
Maria da rua (Raul Seixas e Paulo Coelho) Quando
você crescer (Raul Seixas, Paulo Coelho e Jay Vaquer)
1976 O dia da saudade (Raul Seixas e Jay Vaquer) Eu PHILIPS
também vou reclamar (Raul Seixas e Paulo Coelho) As
minas do Rei Salomão (Raul Seixas e Paulo Coelho) O
Homem (Raul Seixas e Paulo Coelho) Os Números
(Raul Seixas e Paulo Coelho) Cantiga de ninar (Raul
Seixas e Paulo Coelho) Eu nasci há dez mil anos atrás
(Raul Seixas e Paulo Coelho).

Raul Rock Seixas

My way (Jerry Capehart) Trouble (Jerry Leiber e Mike


Stoller) The diary (Howard Grinfield Neil Sekada) My
baby left me (Arthur Crudup) Thirty days (Chuck Barry)
Rip it up (John Marascalco e Robert Blackwell) All I
have to do is dream (Boudleaux Bryant e Felice Bryant)
Put your head on my shoulder (Paul Anka) Dear
someone (Ce Coben) Do you know what it means to
miss New Orleans (Eddie DeLange e Louis Alter) Lucille
1977 (Albert Collins e Richard Penniman) Corrine Corrina (J. FONTANA
Mayo Williams, Bo Chatman e Mitchell Parish) Ready
Teddy (John Marascalo e Robert Blackweel) Hard
headed woman (Claude Demetrius) Baby i Don’t Care
(Jerry Leiber e Mike Stoller) Just Because (Raul Seixas e
Jay Vaquer) Bye Bye Love (Boudleaux Bryant e Felice
Bryant) Be bop a lula (Gene Vincent e Tex Davis)Love
letters in the sand (Charles Kenny, J. Frederick Coots e
Mick Kenny) Hello Mary Lou (Gene Pitney) Blue moon
of Kentuncky (Bill Monroe) Asa Branca (Luiz Gonzaga
e Humberto Teixeira).

O Dia em Que a Terra Parou

Tapanacara (Raul Seixas e Cláudio Roberto) Maluco


Beleza (Raul Seixas e Cláudio Roberto) O Dia em que
95

a Terra parou (Raul Seixas e Cláudio Roberto) No fundo


1977 do quintal da escola (Raul Seixas e Cláudio Roberto) WEA
Eu quero mesmo (Raul Seixas e Cláudio Roberto)
Sapato 36 (Raul Seixas e Cláudio Roberto) Você (Raul
Seixas e Cláudio Roberto) Sim (Raul Seixas e Cláudio
Roberto) Que luz é essa? (Raul Seixas e Cláudio
Roberto) De cabeça pra baixo (Raul Seixas e Cláudio
Roberto).

Mata Virgem

Judas (Raul Seixas e Paulo Coelho) As profecias (Raul


Seixas e Paulo Coelho) Tá na Hora (Raul Seixas e Paulo
Coelho) Planos de Papel (Raul Seixas) Conserve seu
1978 medo (Raul Seixas e Paulo Coelho) Negócio é WEA
(Eduardo Brasil e Cláudio Roberto) Mata virgem (Raul
Seixas e Tânia Menna Barreto) Pagando Brabo (Raul
Seixas e Tânia Menna Barreto) Magia de Amor (Raul
Seixas e Paulo Coelho) Todo mundo explica (Raul
Seixas).

Por Quem os Sinos Dobram

Ide a Mim Dada (Raul Seixas e Oscar Rasmussen)


Diamante de Mendigo (Raul Seixas e Oscar
Rasmussen) A Ilha da Fantasia (Raul Seixas e Oscar
Rasmussen) Na Rodoviária (Raul Seixas e Oscar
1979 Rasmussen) Por quem os sinos dobram (Raul Seixas e W. BROSS
Oscar Rasmussen) O Segredo do Universo (Raul Seixas
e Oscar Rasmussen) Dá lhe que Dá (Raul Seixas e
Oscar Rasmussen) Movido a Álcool (Raul Seixas, Oscar
Rasmussen, Tânia Menna Barreto) Réquiem para uma
flor (Raul Seixas e Oscar Rasmussen).

Abre-te Sésamo

Abre-te Sésamo (Raul Seixas e Cláudio Roberto)


Aluga-se (Raul Seixas e Cláudio Roberto) Anos 80 (Raul
Seixas e Dedé Caiano) Ângela (Raul Seixas e Cláudio
Roberto) Conversa pra boi dormir (Raul Seixas) Minha
1980 Viola (Raul Varella Seixas) Rock das “Aranha” (Raul CBS
Seixas e Cláudio Roberto) O conto do sábio chinês
(Raul Seixas) Só pra variar (Raul Seixas, Kika Seixas e
Cláudio Roberto) Baby (Raul Seixas e Cláudio Roberto)
Ê meu pai (Raul Seixas e Cláudio Roberto) A beira do
Pantanal (Raul Seixas e Cláudio Roberto).
96

Raul Seixas

D.D.I. (Discagem Direta Interestelar) (Raul Seixas e Kika


Seixas) Coisas do Coração (Raul Seixas, Kika Seixas e
Cláudio Roberto) Coração Noturno (Raul Seixas, Kika
Seixas, Raul Varella Seixas) Não fosse o Cabral - Quero
Mais (Raul Seixas, Kika Seixas e Cláudio Roberto) Lua
1983 Cheia (Raul Seixas) O Carimbador Maluco (Raul ELDORADO
Seixas) Segredo da Luz (Raul Seixas e Kika Seixas)
Aquela Coisa (Raul Seixas, Kika Seixas e Cláudio
Roberto) Eu sou eu, Nicuri é o Diabo (Raul Seixas)
Capim Guiné (Raul seixas e Wilson Aragão) Babilina
(Vincent e Davis. Versão: Raul Seixas) So Glad You’re
Mine (Arthur Big Boy Crudup).

Raul Seixas ao Vivo – Único e Exclusivo

My Baby Left me (Arthur Crudup) Ain’t She Sweet (Jack


Yellen e Milton Ager) So Glad You’re Mine (Arthur
Crudup) Do you know what it means to miss New
1984 Orleans (Louis Alter e Eddie DeLarge) Barefoot Ballad ELDORADO
(Dolores Fuller e Lee Morris) Blue moon of Kentuncky
(Bill Monroe) Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira) Roll Over Bethoveen (Chuck Berry) Blue Suede
Shoes (Carl Perkins) Be Bop a Lula (Davis e Gene
Vincent).

Metrô Linha 743

Metrô Linha 743 (Raul Seixas) Messias Indeciso (Raul


Seixas e Kika Seixas) Meu Piano (Raul Seixas, Kika Seixas
e Cláudio Roberto) Quero ser o homem que sou
(Dizendo a verdade) (Raul Seixas, A. Simeone e Kika
1984 Seixas) Canção do Vento (Raul Seixas e Kika Seixas) SOM LIVRE
Mamãe eu não queria (Raul Seixas) Mas I Love You
(Pra ser feliz) (Rick Ferreira e Raul Seixas) Eu sou egoísta
(Raul seixas e Marcelo Motta) Trem das Sete (Raul
Seixas) Geração da Luz (Raul seixas e Kika Seixas).

Let Me Sing My Rock and Roll

Introdução (Raul no estúdio Free, Dezembro de 1979)


- Let me sing, Let me sing - Teddy Boy Rock Brilhantina
- Eterno Carnaval Caroço de Manga (Raul Seixas e
Paulo Coelho) Loteria da Babilônia (Raul Seixas e Paulo
Coelho) Não pare na pista (Raul Seixas e Paulo
1985 Coelho) - Como vovó já dizia (Raul Seixas e Paulo R. ROCK CLUB
97

Coelho) Um som para Laio (Raul Seixas) Rua Augusta


(Hervé Cordovil) O Bom (Carlos Imperial) Canto para
minha morte (Raul Seixas e Paulo Coelho) Love is
Magick (Raul Seixas e Space Glow) Blue moon of
Kentancky (Bill Monroe) - Asa Branca (Luiz Gonzaga e
Humberto Teixeira) 2ª parte da Introdução
(Depoimento de Raul Seixas, Dezembro de1979).

Raul Rock Volume 2

As Aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor (Raul


Seixas) Não para na pista (Raul Seixas e Paulo Coelho)
Tu és o MDC da minha vida (Raul Seixas e Paulo
Coelho) A verdade sobre a nostalgia (Raul Seixas e
1986 Paulo Coelho) Teddy Boy, rock e brilhantina (Raul FONTANA
Seixas) Loteria da Babilônia (Raul Seixas e Paulo
Coelho) Como vovó já dizia (Raul Seixas e Paulo
Coelho) Al Capone (Raul Seixas e Paulo Coelho) Ave
Maria da rua (Raul Seixas e Paulo Coelho) Um som
para Laio (Raul seixas) Rockixe (Raul Seixas e Paulo
Coelho) S.O.S. (Raul Seixas).

Uah- Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!

Abertura Quando acabar o maluco sou eu (Raul Seixas


Lena Coutinho e Cláudio Roberto) Cowboy fora da lei
(Raul seixas e Cláudio Roberto) Paranóia II (Raul Seixas
1987 Lena Coutinho e Cláudio Roberto) I Am (Raul Seixas) – COPACABANA
Cambalache (Enrique Discépolo) – Loba (Raul Seixas
Lena Coutinho e Cláudio Roberto) Canceriano sem
Lar (Clínica Tobias Blues) (Raul seixas) Gente (Raul
seixas e Cláudio Roberto) Cantar (Raul Seixas e
Cláudio Roberto).

A Pedra do Gênesis

A Pedra do Gênesis (Raul Seixas, Lena Coutinho, José


Roberto Abrahão) A Lei (Raul Seixas) Check-up (Raul
Seixas) Fazendo o que o diabo gosta (Raul Seixas e
Lena Coutinho) Cavalos Calados (Raul Seixas) Não
1988 quero mais andar na contramão (No No Song – David COPACABANA
P. Jackson e H. Axton. Versão: Raul seixas e Lena
Coutinho) I Don’t Really Need You Anymore (Raul
Seixas e Cláudio Roberto) Lua Bonita (Zé do Norte e Zé
Martins) Senhora Dona Persona (Raul Seixas e Lena
Coutinho) - Areia na Ampulheta (Raul Seixas).
98

Raul Seixas e Marcelo Nova – A Panela do Diabo

Be Bop a Lula (Gene Vincent e Bill Davis) Rock’ n’ Roll


(Raul Seixas e Marcelo Nova) Carpinteiro do Universo
(Raul Seixas e Marcelo Nova) Quando eu Morri
(Marcelo Nova) Banquete de Lixo (Raul Seixas e
1989 Marcelo Nova) Pastor João e a Igreja Invisível (Raul WEA
Seixas e Marcelo Nova) Século XXI (Marcelo Nova e
Raul Seixas) Nuit (Raul Seixas e Kika Seixas) Best Seller
(Marcelo Nova e Raul Seixas) Você roubou meu vídeo
cassete (Raul seixas e Marcelo Nova) Cãimbra no pé
(Marcelo Nova e Raul Seixas).

Fonte: Elaborado pelo autor (2020)

Quadro 2 – Veja quanto disco na estante II (ÁLBUNS PÓSTUMOS)


ANO ÁLBUM GRAVADORA

1991 Eu, Raul Seixas PHILIPS

1992 O Baú do Raul PHILIPS

1993 Raul Vivo ELDORADO

1994 Se o Rádio Não Toca ELDORADO

1998 Documento MZA

2005 O Baú do Raul Revirado _

2014 Eu Não Sou Hippie (Show ao vivo no Cine Teatro ELDORADO


Patrocínio, Patrocínio – MG, 1974).
2014 Isso Aqui Não é Woodstock, Mas Um Dia Pode Ser ELDORADO
(Show ao vivo no II Festival de Águas Claras – SP, 1981).
Fonte: Elaborado pelo autor (2020)
99

RAUL SEIXAS E RAULZITO SEMPRE FORAM O MESMO


HOMEM? UMA CONCEPÇÃO COMPLEXA DO SUJEITO

Eu sou a areia da ampulheta


O lado mais leve da balança
O ignorante cultivado
O cão raivoso inconsciente
O boi diário servido em pratos
O pivete encurralado

Eu sou a areia da ampulheta


O vagabundo conformado
O que não sabe qual o lado
Espreito pesadas pirâmides
Cachaceiro mal amado
O triste-alegre adestrado

Eu sou a areia da ampulheta


O que ignora a existência
De que existem mais estados
Sem ideia que é redondo
O planeta onde vegeta
Eu sou a areia da ampulheta

Eu sou a areia da ampulheta


Mas o que carrega sua bandeira
De todo lugar o mais desonrado
Nascido no lugar errado
Eu sou... Eu sou você
Areia da Ampulheta, Raul Seixas, A Pedra do Gênesis, 1988.
100

No paradoxo proposto por Morin (2012b), de que “quanto mais


conhecemos, menos compreendemos o ser humano”, assumimos a condição
de que permanecemos um mistério para nós mesmos. Por meio de sua poesia
e de suas atitudes ao longo de sua trajetória artística, Raul Seixas demonstrou
o quanto permaneceu misterioso para ele mesmo e para os outros. Mesmo
afirmando muitas vezes que já não tinha dúvidas sobre si e que sabia dos
caminhos e como eles são o mistério sempre esteve presente na sua vida
(SOUZA, 1993, p. 24).
Numa carta inacabada intitulada “Trabalho”, escrita para seu irmão
Plínio Seixas em 1970, por exemplo, diz que já não há mais escapatória para
nossa civilização: “Somos prisioneiros da vida e temos que suportá-la até que
o último viaduto nos invada pela boca adentro e viaje eternamente nos nossos
corpos” (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 24). Curiosamente, acabou se tornando
nome de viaduto na sua cidade natal.
Viver a realidade sempre foi um desafio para Raul. Aos 26 anos se
queixava. “Tudo me cansa: as revelações da vida, a vida, a presença
constante da morte nos meus calcanhares, nos meus ouvidos, a ausência de
uma estrutura posta sobre ou sob os arcos, aros, erros... saco tudo isso!”
(SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 26).
Ao recuperar T. S. Eliot, para quem o gênero humano não pode suportar
um excesso de realidade, Edgar Morin sentencia que não podemos suportar
excesso de lucidez. No final da vida, Raul demonstrava já não mais suportar a
realidade, como afirmou em diversas oportunidades Kika Seixas, uma de suas
companheiras.
Sua criação artística parece de fato surgir da ligação entre a loucura
por não suportar essa realidade, e a consciência da mesma a partir do grau
de lucidez que tinha sobre a vida, sobre as coisas e sobre o próprio mundo.

Aí eu penso: como viver o momento presente se o futuro não


me deixa seguir sossegado? Bem que eu gostaria de não saber
101

de nada, de não entender as coisas tão profundamente ao


ponto de fazer uma energia nociva ao meu mundo já agitado
por si só (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p.25).
A letra de “Maluco Beleza” soa como uma válvula de escape diante
dos acontecimentos da vida, dos infortúnios da existência e dos problemas
gerados pela consciência do real.

Enquanto você se esforça pra ser


Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real
Controlando a minha maluquez
Misturada com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Trecho da letra de Maluco Beleza, Raul Seixas; Cláudio Roberto, O Dia em que
a Terra Parou, 1977.

A música como linguagem da alma humana nos oferece a


possibilidade de conhecer mais profundamente o nosso ser. Quanto mais
avançamos na tentativa de conhecer sobre Raul Seixas, mais mistérios
aparecem para compreendermos a condição de humanidade que surge de
sua poesia.
As artes, incluindo aí a literatura, a poesia, a música, o cinema, a pintura
não são somente meios de expressão estética, mas também modos de
conhecimento da condição humana. Pergunta Edgar Morin: “Todo artista
criador não é, de uma certa maneira, possuído pela obra que cria e histérico
102

no sentido em que dá existência a uma emancipação do espírito?” (MORIN,


2012b, p. 107). Com Raul Seixas não foi diferente e foi ao mesmo tempo. “Meu
peito está inchado, é a criação que pede passagem, meu vômito” (SEIXAS, In:
SOUZA, 1993, p. 8). Era possuído pela sua criação, mas ao mesmo tempo
estava cansado de descobrir as coisas.
A contradição, a ambiguidade que acompanham a condição humana
também está presente na obra do artista. Diante das contradições e
ambiguidades presentes em sua vida, suas ações, atitudes e trajetória musical,
conseguiu por meio da criatividade e da imaginação que emerge de suas
composições, dar sentido a reprodução do real e colocar a realidade na
produção do imaginário.
Em um de seus escritos, “Autoanálise”, afirma: “temo o possível
desgoverno da minha mente criando algo que eu não quero ver” (SEIXAS. In:
SOUZA, 1993, p. 24). Ao mesmo tempo em que tinha consciência da sua
criação, Raul Seixas nos coloca diante do impasse em relação ao ato criador.
Do seu reconhecimento ou não do papel do inconsciente e do imaginário no
exercício da sua criação. Qualquer criação humana, como afirma Morin
(2012b), inconsciente ou consciente, imaginário e real colaboram. É preciso
reconhecer o papel do inconsciente e do imaginário no processo criativo, mas
aceitar o seu mistério.
Numa passagem de outro escrito, “Uma coisa” de 1970, Raul fala sobre
fazer música e poesia. “... fazer poema é um saco; música outro saco, porque
poemas e músicas eu tenho que fazer para os outros e nunca no momento
exato!!!...” (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 26). Para alguém que apostou na
música como veículo de comunicação e expressão do ser, o desabafo,
demonstra uma irritação diante da vida. Mas como ele próprio afirmou, há
momentos de felicidade e momentos de infelicidade.
Em início da década de 1970, na condição de produtor musical da
gravadora CBS, alvez já não se contentasse mais em apenas fazer músicas de
sucessos para outros artistas. Durante esse período, produziu discos de sucessos
para cantores e grupos da Jovem Guarda, além de ser o descobridor de
Sérgio Sampaio, primeiro artista a ser lançado por ele como produtor.
103

O desejo de ser cantor já tornava a reaparecer para aquele rapaz


tímido, engravatado, que usava óculos e carregava uma mala de executivo
para o emprego de produtor. Começa então a revelar-se como um indivíduo
humano que tem a capacidade, como afirma Morin (2012b), de ser um ser de
mil e uma utilidades. Era produtor, compositor, multi-instrumentista e cantor.
A letra da canção “Mas I Love You” (Pra Ser Feliz) problematiza essa
condição de quere ser ou deixar de ser o que quiser a partir do amor.

O que é que você quer?


Que eu largue isso aqui?
É só me pedir
Soldado ou bancário
Garçom ou chofer
Eu paro de ser

De ser cantor
É só dizer
Prá não morrer
Meu único amor...
Trecho da letra de Mas I Love You, Raul Seixas; Rick Ferreira, Metrô Linha 743,
1984.

A partir das diversas atividades que exerceu antes de se tornar o artista


consagrado que foi e de refletir sobre questões políticas, místicas, pessoais,
filosóficas, esotéricas, cotidianas, religiosas, ontológicas, metafísicas,
sentimentais, presentes em suas composições, dos projetos inacabados e dos
sonhos inalcançados, Raul demonstrou ter habilidades as mais diversas dentro
do cenário musical.

Estou sempre experimentando, inventando, não se pode é


deixar parar, porque quando se para apodrece e fede. Tem-se
que conservar o dinamismo e buscar. O que? Não sei, não
importa. Buscar. As portas estão sempre abertas para as
104

pessoas; é questão de coragem de aceita-las abertas e entrar.


Eu entrei, entro e viajo e apenas começo agora a grande
viagem: “Raul Seixas no país das Maravilhas (SEIXAS. In: SOUZA,
1993, p. 32)

Mas, afinal, quem foi Raul Santos Seixas? Quem foi Raulzito? Quem foi
Raul Seixas? Quem foi esse indivíduo? Quem foi esse produtor? Quem foi esse
compositor? Quem foi esse cantor? Quem foi esse sujeito?

Eu na realidade sou um ator que não quero parar e só


interpretar um personagem; eu quero interpretar o garotinho
sem barba da novela das sete, o mocinho da novela das oito,
o viado do filme pornô, o intelectual esquizofrênico Raul Seixas
(o cantor), e de repente meu campo ficou restrito a somente
interpretar um personagem. Eu queria ser um dos personagens
de Hitchcock, de Felini, de Nelson Rodrigues, da História da
humanidade tipo Nero, Calígula, Jesus, Crowley. (SEIXAS. In:
SOUZA, 1993, p. 38).

Raul foi tudo e foi nada. Foi raso, foi largo e profundo. Foi o início, o fim
e o meio dele mesmo. Foi um ser humano que se fez artista de muitos
personagens: foi pantera, hippie, beatnick, foi católico, budista, protestante.
Para não se alienar e ser apenas o compositor carismático como afirmava ser,
não bastava. Era a verdadeira metamorfose ambulante.

E as perguntas continuam sempre as mesmas: Quem eu sou? De onde venho?


Onde vou dar?
105

Figura 4 - Raul fazendo pose de pensador

Fonte: www.google.com.br

As questões filosóficas fundamentais da vida sempre o atormentaram.


Desde as primeiras descobertas da infância, passando pelos arroubos da
juventude até os últimos momentos de sua existência nesse mundo, as
interrogações permearam o universo existencial de Raul Seixas. O seu quarto
sempre foi companheiro de suas angústias, perturbações, inquietações,
felicidades, confissões, infelicidades, desabafos, solidão, fugas, composições
e tudo mais que possa caber lá dentro das quatro paredes. Como em “Para
Noia”, por exemplo, onde relata alguns de seus medos.

Quando esqueço a hora de dormir


E de repente chega o amanhecer
Sinto uma culpa que eu não sei de que
Pergunto o que é que eu fiz?
Meu coração não diz e eu...
Eu sinto medo!
Eu sinto medo!
106

Se eu vejo um papel qualquer no chão


Tremo, corro e apanho para esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
E eu gosto de escrever, mas...
Mas eu sinto medo!
Eu sinto medo!
Trecho da letra de Para Noia, Raul Seixas, Novo Aeon, 1975.

Ao explicar essa composição, afirmava que Para Noia é como se fosse


uma garota. E que era assim que ele via o medo. “Foi um dia que fiquei
encucado toda a noite e tive muito medo quando vi o dia nascendo. Terror
mesmo. Aí decidi: ou eu luto com o medo, ou ele me vence” (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 33). Foi brigando com seus fantasmas interiores e exteriores
que saiu essa composição. Sempre estava com a sensação de estar sendo
observado, principalmente quando estava só e era noite e silêncio.
Ao falar, por exemplo, sobre sua primeira tentativa de emplacar Raulzito
e Os Panteras no Rio de Janeiro, faz o seguinte relato a Jay Vaquer em nove
de agosto de 1972:

Casei em 1967 e vim para a cidade maravilhosa. Passei dois


anos na pior condição que um casal pode passar. Quando
cheguei com a mala de couro forrada de pano forte, brim
cáqui, eu trazia essa mala cheia de ideias e a cabeça cheia de
dez anos de espera. O peito só faltava arrebentar. Mas, pouco
a pouco, foram os sonhos se transformando em pesadelos. E
como nada dava certo, fui obrigado a voltar para Salvador,
para talvez ser um bancário ou coisa parecida (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 74).

Esse período foi muito difícil psicologicamente para Raul. Recolhia-se no


seu quarto e evitava manter qualquer contato com as pessoas. Estava fora de
mim, afirmava. “Desse período eu não quero falar porque ele é muito escuro,
muito confuso. Vivia trancado no meu quarto, lendo o tempo todo. Lendo e
escrevendo” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 75).
107

O fato de num primeiro momento não ter conseguido emplacar


artisticamente na cidade do Rio de Janeiro provocou reações que refletiram
diretamente nas suas composições daquele momento. Vivia trancado no
quarto lendo e escrevendo, declarando ter escrito as melhores coisas nessa
fase. Algumas de suas composições que viriam a se tornar sucesso anos mais
tarde são dessa época e foram escritas nas paredes do seu quarto.
Sabia da preocupação que causava a sua mulher e a família, mas era
um momento muito complicado, no qual a reclusão fazia parte do seu
comportamento, evitando qualquer conversa. Atribui a sua recuperação a
segunda chance que teve no Rio de Janeiro, quando foi chamado
justamente para ser produtor da CBS. “Talvez eu tivesse trilhado o caminho da
paranoia se não tivesse tido a chance que tive” (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p.
75). A arte o salvou naquele momento. O fato de estar em contato outra vez
com a arte o tirou do caminho da paranoia.
A música se tornou para Raul uma forma de registrar os vestígios
deixados por ele vividos naqueles momentos difíceis de sua existência. Diante
da solidão que muitas vezes o acompanhava, apesar de estar cercado por
pessoas, conseguiu produzir canções que revelam um conhecimento sobre o
mundo e sobre a humanidade. Seu ato de compor estava impregnado pelas
mais diferentes sensações. E as paredes do quarto faziam o registro desses
momentos. Morin afirma que:

A criação nasce do encontro entre o caos genésico das


profundezas psicoafetivas e a pequena chama da consciência.
A criação é um jogo que se realiza a partir de uma aptidão
organizadora (competência), que catalisa em mensagem,
ideia, forma, tema musical o que era apenas tumulto, ruído e
cacofonia (MORIN, 2012b, p. 126).

As composições acabaram sendo irrigadas pelas profundas forças da


afetividade, angústias, desejos, temores e tantas outras sensações.
A invenção e a criatividade também faziam parte do universo do artista.
Suas habilidades desenvolvidas e testadas nos estúdios das gravadoras
durante a produção de seus álbuns ou de outros cantores até as histórias que
108

criava sobre o contato com discos voadores, o encontro com John Lennon
em Nova Iorque, as entrevistas que concedia, entre outras tantas aventuras
vividas pelo artista durante sua trajetória, comprovam o quanto Raul era
inventivo e sabia extrair daquelas situações experiências para sua vida e suas
composições.
Perguntado, por exemplo, por Jay Vaquer sobre uma maravilha, Raul
responde:

O universo. O que eu só sei que não sei. O que está lá. No outro
lado do espelho. A mente. A vida. Os fenômenos inexplicáveis.
Paranoia. Loucura. Sonho. Cosmos. Consciência cósmica. 2001.
Homo Futurus. Velocidade Vetônica. E sobre o adágio na sua
parede diz o seguinte: Que o mel é doce é que coisa que me
nego a firmar, mas que parece doce eu afirmo plenamente
(SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 78).

Assim como os grandes pensadores que segundo Morin (2012b) tem a


capacidade de modificar nossa maneira de ver o mundo, suas composições
propõe uma tradução e uma reconstrução da realidade. Pelo menos comigo
foi assim. A forma como Raul percebia, vivenciava, compreendia ou não a
vida, refletia na sua arte, na sua poesia, nas suas músicas, na sua visão de
mundo. Naquilo que queria dizer por meio de suas composições e na
mensagem que queria transmitir.
A música “Sapato 36” em parceria com Cláudio Roberto, faz referência
à opressão e à vontade de se libertar das imposições.

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez

Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
109

E andar do jeito que eu gosto...


... Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade...
Trecho da letra de Sapato 36, Raul Seixas; Cláudio Roberto, Há Dez Mil Anos
Atrás, 1976.

Dizia não trazer respostas e que cantava para sua saída. Se ele
conseguia sair, todos podiam sair pelas próprias portas. Afirmando que a vida
é o nosso único bem e que só pertence a nós mesmos. Podemos fazer dela o
que quisermos.
Ao problematizarmos sua condição como indivíduo, ou seja, como
alguém que tem consciência de sua subjetividade, pensamos não somente
como indivíduo, mas também como sujeito. Para Edgar Morin, um sujeito
supõe um indivíduo, mas a noção de indivíduo só ganha sentido ao comportar
a noção de sujeito.
Morin coloca o indivíduo como peça chave na trindade (indivíduo,
sociedade, espécie). É fundamental a noção de sujeito para
compreendermos a condição humana e as relações que se evidenciam a
partir dessa referida trindade. Como afirma Morin:

Nenhum outro indivíduo pode dizer Eu em meu lugar, mas todos


os outros podem dizer Eu individualmente. Como cada indivíduo
vive e experimenta-se como sujeito, essa unicidade singular é a
coisa humana mais universalmente partilhada. Ser sujeito faz de
nós seres únicos, mas essa unicidade é o aspecto mais em
comum (MORIN, 2012b, p. 75).

A concepção de sujeito proposta por Edgar Morin tem como


fundamento uma base biológica. A ideia de autonomia é inseparável da ideia
de auto-organização e de indivíduo como fundamento do sujeito (MORIN,
1996). Uma primeira consideração da noção de sujeito para Morin estar em
dizer que o egocentrismo é a própria definição do sujeito no qual o Eu
110

posiciona-se como o centro de seu mundo. Mesmo estando só, o sujeito


nunca é isolado, pois o Outro e o Nós o habitam.
O sujeito Raul era único. O artista também. Suas composições são
únicas. Sua poesia é única. Suas atitudes também. Ninguém pode dizer Eu em
meu lugar ou no lugar do outro. Ninguém pode dizer Eu no lugar de Raul Seixas.
Raul era o centro do seu próprio mundo, agia a partir do seu Eu. O Eu é
único para cada um. Logo, o sujeito é egocêntrico, mas o seu egocentrismo
não o leva somente ao egoísmo. Na música “Carpinteiro do Universo”,
composta em parceria com Marcelo Nova, está sempre presente a vontade
de querer ajudar alguém.

Carpinteiro do universo inteiro eu sou


Carpinteiro do universo inteiro eu sou

Não sei por que nasci pra querer ajudar


a querer consertar o que não pode ser
Não sei pois nasci para isso e aquilo
E o enguiço de tanto querer

Carpinteiro do universo inteiro eu sou


Carpinteiro do universo inteiro eu sou

Estou sempre pensando em aparar o cabelo de alguém


E sempre tentando mudar a direção do trem
À noite a luz do meu quarto eu não quero apagar
Pra que você não tropece na escada, quando chegar
Carpinteiro do universo inteiro eu sou
Carpinteiro do universo inteiro eu sou

O meu egoísmo é tão egoísta


Que o auge do meu egoísmo é querer ajudar
Mas não sei por que nasci
111

pra querer ajudar a querer consertar


O que não pode ser
Trecho da letra de Carpinteiro do Universo, Raul Seixas; Marcelo Nova, A
Panela do Diabo, 1989.

O egocentrismo do sujeito favorece não somente o egoísmo, mas


também o altruísmo. Ao querer ajudar o outro, como evidencia a
composição, somos capazes de dedicar o nosso Eu a um Nós e a um Tu (Morin,
2012). Num escrito de 1983, Raul Seixas fala sobre ajudar os outros:

Eu sou simples, acanhado, educado, incapaz de ferir alguém


com este propósito. Sou primeiramente o cara que só quer ver
tudo e todo mundo feliz. A mim não importa pensar que estou
triste pois sei que sou feliz. Por ser feliz é que eu aguento numa
boa, a infelicidade do próximo. Podem vir a mim; aqui está o
seu abrigo, eu jamais me negarei a receber e ajudar quem quer
que seja de qualquer nível ou raça. Minha função é essa
(SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 48).

Está presente mais uma vez aí o altruísmo que emana do egoísmo do


próprio sujeito. No entanto, mesmo vivendo para si e para o outro
dialogicamente, como afirma Morin, o egocentrismo pode constranger o
altruísmo, sofrendo o sujeito a pressão de forças contraditórias muito
poderosas. Na música “Eu sou egoísta”, a força altruísta perde espaço para o
egocentrismo. A vontade de ajudar cede lugar então à afirmação de que se
é egoísta, de que se é. Eu faço. Eu vou. Eu quero. Eu sou.

...Eu sou estrela no abismo do espaço


O que eu quero é o que eu penso e o que eu faço
Onde eu tô não há bicho-papão
Eu vou sempre avante no nada infinito
Flamejando meu rock, o meu grito
Minha espada é a guitarra na mão...

...Enquanto eu provo sempre o vinagre e o vinho


112

Eu quero é ter tentação no caminho


Pois o homem é o exercício que faz

...Eu sei... sei que o mais puro gosto do mel


É apenas defeito do fel
E que a guerra é produto da paz...

...Se você acha o que eu digo fascista


Mista, simplista ou anti-socialista
Eu admito, você tá na pista
Eu sou ista, eu sou ego
Eu sou ista, eu sou ego
Eu sou egoísta, eu sou
Eu sou egoísta, eu sou
Por que não
Trechos da letra de Eu sou Egoísta, Raul Seixas; Marcelo Motta, Novo Aeon,
1975.

O sujeito vai oscilar entre o egocentrismo e o altruísmo como demostra


as duas composições anteriores. O Eu sou eu nos coloca diante da auto -
objetivação. Segundo Morin (1996), o Ego acaba sendo uma objetivação do
Eu para si mesmo, permitindo ao Eu refletir-se e reconhecer-se objetivamente.
O Ego diferente do Eu é ao mesmo tempo idêntico a ele.
A noção de sujeito comporta uma dualidade interior. Cada um de nós
dialoga consigo mesmo. Raul Seixas diante da solidão estava num verdadeiro
face a face entre si e não - si (MORIN, 2012b, p. 86).
No caso da mentira, por exemplo, revela-se nossa aptidão a
duplicação, ao mesmo tempo em que temos a possibilidade de esconder
para nós mesmos essa duplicação. Assim, o Ego mentiroso consegue se
autoconvencer da sua própria sinceridade.
Entre as inúmeras histórias contadas por Raul Seixas ao longo da carreira,
está a de um suposto encontro com John Lennon nos Estados Unidos. Em várias
113

entrevistas para jornais e revistas especializadas em música, sempre que


perguntado sobre o suposto encontro, Raul Seixas contava a história a partir
do mesmo enredo, mas com algumas variações. Em entrevista a Ricardo Porto
de Almeida em Outubro de 1980, quando perguntado sobre John Lennon
afirma:

Aí fui para os EUA, me encontrei com Bob Dylan, encontrei o


John Lennon, que segurou a minha barra lá. Conversei muito
com ele. Veio perguntando quais eram os problemas. Quem era
a figura assim, tipo assim, do Brasil. Sempre tem um George
Washington, sempre tem um Fidel Castro. Eu pensei, pensei... D.
Pedro I, não pode. Falei, e ele com seus oculozinhos, bicho.
Quem? Quem? Quem? Aí disse: Getúlio Vargas. Bicho, me saí
muito bem. Contei a história toda, a história do Brasil (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 116).

Numa outra entrevista concedida ao jornalista Walterson Sardenberg a


revista Amiga em 1982, Raul Seixas conta a seguinte história quando
perguntado sobre a época em que conheceu John Lennon:

Foi incrível! Eu fui com um repórter do Cruzeiro. Nem me lembro


mais o nome do sujeito. O Lennon estava, naquela fase,
separado da Yoko, e o tal repórter já chegou perguntando
sobre o assunto. Na mesma hora um guarda-costas nos botou
para fora. O John ficou mesmo ultra cabreiro com a gente. Aí
eu consegui explicar a ele quem eu era, e o clima melhorou.
John acabou interessadíssimo no Brasil: na sua história. Ele era
libriano, tipo da pessoa que ouve mais do que fala (SEIXAS. In:
PASSOS, 2012, p. 124).

A simulação é uma característica marcante da nossa condição


humana, e Raul Seixas revelou esse traço a partir das personalidades e de seus
diferentes personagens.

Quero ser o homem que sou (Dizendo a verdade) - O Homo Complexus

Partindo desses princípios, podemos caracterizar Raul Seixas ao mesmo


tempo como produto e produtor da sua condição. Assim como sua música,
114

que pode ser percebida como uma construção a partir das interações que o
artista vivenciou e experienciou no decorrer da sua vida em sociedade.
A arte de Raul Seixas pode ser compreendida como resultado da
interação que estabeleceu com os outros indivíduos na vida em sociedade a
partir de um Eu egocêntrico que o fez ser centro do mundo nas suas ações,
nas suas atitudes, naquilo que pensou e naquilo que disse.
De acordo com o que Edgar Morin nos propõe, o sujeito é por natureza
fechado e aberto. Estando sempre numa relação ambivalente.

Vivemos, de fato, num circuito de relações interdependentes e


retroativas que alimenta, de maneira, ao mesmo tempo,
antagônica e complementar, a racionalidade, a afetividade, o
imaginário, a mitologia, a neurose, a loucura e a criatividade
humanas (MORIN 2012b, p. 126-127).

Diante da racionalidade, da técnica, da lógica, do cálculo presentes


na dura realidade da vida do sapiens, o cinema, os livros, a música, o álcool
foram para Raul uma forma de suportar a realidade. Seja na condição de
amante da sétima arte, da literatura, da música, seja na condição de
compositor que a partir das suas canções expressou a sua imaginação, o
lúdico, a loucura, o delírio, a afetividade, Raul Seixas conseguiu como poucos
expressar o componente da loucura, da irracionalidade, do delírio do ser
humano de forma consciente e inconsciente por meio de suas músicas.
A nossa condição de demens pode ser observada em inúmeras
composições de Raul Seixas, nas quais a afetividade, o amor, o estético, o
mitológico, o mistério, a religiosidade estão presentes. Na música “Nuit”,
encontra-se uma ode ao feminino. Uma referência à deusa egípcia da noite,
princípio feminino de tudo segundo a tradição esotérica:

Eu, eu ando de passo leve pra não acordar o dia


Sou da noite a companheira mais fiel qu'ela queria!
Amo a guerra, adoro o fogo
Elemento natural do jogo, senhores:
Jamais me revelarei!
115

Jamais me revelarei!

E quão longa é à noite.


A noite eterna do tempo
Se comparado ao curto sonho da vida
Chega enfeitando de azul
A grande amante dos homens
Guardando do sol, seu beijo em comum
Seja bom ou o que não presta
Acendo as luzes para nossa festa, senhores:
Eu sou o mistério do sol!
Eu sou o mistério do sol!

Mas é com o sol que eu divido toda a minha energia


Eu sou a noite do tempo
Ele é o dia da vida
Ele é a luz que não morre
Quando chego e anoiteço
O sol dos dois horizontes
A mais perfeita harmonia
Trecho da letra de Nuit, Raul Seixas; Kika Seixas, Raul Seixas e Marcelo Nova –
A Panela do Diabo, 1989.

O estado poético e o estado prosaico, a nossa condição sapiens-


demens, o Homo complexus foram vivenciados por Raul Seixas a partir da sua
obra artística e da sua experiência de vida. As dezenas de canções, os cinco
casamentos, as difíceis relações com o mercado musical, empresários e as
gravadoras, os graves problemas de saúde, a insuportável realidade, os vícios,
os altos e baixos da carreira artística, o pouco convívio com as três filhas, o
sucesso, a timidez, a euforia, o otimismo, o pessimismo, as viagens para os
Estados Unidos, as reclusões, os sumiços, as parcerias, os projetos inacabados,
as ideias não concretizadas, as relações familiares, as relações com a
116

imprensa, foram acontecimentos que marcaram a existência de Raul Seixas


diante da sua passagem por essa vida e caracterizaram sua condição de
humanidade de forma singular.
A realidade humana é o produto de uma simbiose entre o racional e o
vivido. A música tornou-se para Raul Seixas o elemento fundamental da sua
existência e do equilíbrio ou desequilíbrio entre seus duplos. As suas
composições proporcionaram nutrir a sua vida de imaginário e sensibilidade,
sem a qual a vida seria ainda muito mais difícil diante de tanta racionalidade
e técnica presentes nesse mundo.
A afetividade serve de ligação entre o homo sapiens e o Homo demens.
Invade e é invadida em todas as manifestações do Homo complexus. Está
presente nas nossas vidas. A música de Raul Seixas bebeu da afetividade, e o
próprio amor cantado pelo artista em diversas composições, demonstra
também a nossa condição sapiens-demens. Na música “Love is Magik”,
composta por Raul Seixas e Glória Vaquer, sua segunda esposa, ele canta o
amor como uma manifestação e uma chama mágica, um jogo sagrado.

Love is a magick manifestation


Love is a magick flame
Love is a magick manifestation
Love is a sacred game
Yes, with the suns I go
Like a new "star" I flow
High! As the mountains
I'm gone
Deep! As the oceans
Making love

Love is a magick manifestation


Love is a magick flame
Love is a magick manifestation
117

Love is a sacred game


Trecho da letra de Love is Magik Raul Seixas; Space Glow, Há Dez mil anos
atrás, 1976.

O amor é a grande poesia no mundo prosaico moderno e a grande


expressão da afetividade. Como afirma Edgar Morin no livro Amor, Poesia,
Sabedoria: “O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor
da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se
um com outro” (MORIN, 2005, p. 9). Entre tantos sentimentos cantados por Raul
Seixas em suas composições, o amor sempre esteve presente e foi cantado
de diversas formas durante a sua obra poética musical. Em A maçã, faz
referências ao amor livre, sem ciúmes, sem perseguições, sem cobranças.

Se esse amor
Ficar entre nós dois
Vai ser tão pobre amor
Vai se gastar...
Se eu te amo e tu me amas
Um amor a dois profana
O amor de todos os mortais
Porque quem gosta de maçã
Irá gostar de todas
Porque todas são iguais...

... Amor só dura em liberdade


O ciúme é só vaidade
Sofro, mas eu vou te libertar
O que é que eu quero
Se eu te privo
Do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar...
118

Quando eu te escolhi
Para morar junto de mim
Eu quis ser tua alma
Ter seu corpo, tudo enfim
Mas compreendi
Que além de dois existem mais...
Trechos da letra de A Maçã, Raul Seixas; Paulo Coelho; Marcelo Motta, Novo
Aeon, 1975.

As composições de Raul Seixas foram a expressão maior do seu estão


poético. Viveu de forma intensa o estado poético, o que lhe proporcionou
durante sua vida segurar, vivenciar e suportar por determinados momentos a
prosa da existência. Sua obra nos revela sua experimentação tanto pelo
estado poético como pelo estado prosaico, no qual o lúdico, o imaginário, o
prosaico, a racionalidade, a poesia, a objetividade, o cálculo, a afetividade
convivem dialógica e recursivamente. Sempre no campo da tensão.
“Não podemos escapar da dialógica sapiens-demens, pela qual se
tece a condição humana. Assumir o jogo dialógico
racionalidade/afetividade, prosa/poesia, é assumir o destino humano”
(MORIN, 2012b, p. 154). Viver poeticamente significa viver intensamente a vida
em sua poesia e em sua racionalidade, na sua ludicidade, no estético e no
conhecimento.

O mistério do universo – o singular e o universal

Cada indivíduo vive e se experimenta como sujeito singular por meio de


uma subjetividade singular que é diferente em cada um de nós, mas é ao
mesmo tempo comum a todos. Somos unos, singulares, duplos, plurais e
diversos.

Somos portadores, como um microcosmo, do universo e da


vida. Mas não somos seres explicados somente pela
119

cosmologia, pela física e pela biologia. Somos portadores da


cultura na sua universalidade humana e nas suas características
singulares. Somos os criadores e as criaturas da esfera do espírito
e da consciência. Somos os criadores e as criaturas dos reinos
do mito, da razão, da técnica, da magia. Estamos enraizados
em nosso universo e em nossa vida, mas nos desenvolvemos
para além disso. É nesse além que se dá o desenvolvimento da
humanidade e da desumanidade da humanidade (MORIN,
2012b, p. 50).

Raul Seixas como um ponto no holograma. Como alguém que traz em


si e ao mesmo tempo constitui um cosmo, trouxe:

multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma


infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no
real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na
transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios embrionários
em suas cavidades e profundezas insondáveis (MORIN, 2000, p.
57).

Um ser que carregou em sua singularidade toda a humanidade, toda a


vida, mas também todo o cosmo. Incluindo aí todos os mistérios que
compõem a condição humana. As composições e a poesia de Raul Seixas
constituem uma linguagem poderosa. Ao mesmo tempo em que expressam
a experiência de vida de um sujeito, são portadoras de uma compreensão
sobre nossa condição de ser humano a partir dos paradoxos, das
contradições, da ambiguidade, dos duplos e da nossa condição de
universalidade e singularidade.
Perguntado em diversas ocasiões sobre que tipo de música fazia, Raul
Seixas passou a dizer num determinado momento da sua carreira artística que
o que ele fazia era Raulseixismo. “Não quero ler nem ouvir mais nada, por um
bom tempo. Quero descobrir o que é meu mesmo, o que sou capaz de fazer
sozinho (SEIXAS. In: PASSOS, 2012, p. 83)”.
Embora influenciado pela filosofia, música, literatura, cinema,
psicologia, rock dos anos de 1950, Beatles, contracultura, a busca pelo
autoconhecimento foi um mistério e um desafio que Raul Seixas levou até o
último álbum, até o último som de sua vida, até a última partitura de suas
120

inquietações. Fazer de sua música fonte de conhecimento de si e do outro foi


para o compositor/cantor uma obstinação.
Como sua música é impregnada de universalidade? Como se
explicitam as singularidades de suas composições? Onde se singulariza as suas
composições? O que fez dele um ser singular e ao mesmo tempo universal? O
que o tornou singular na cena musical brasileira? O que fez Raul Seixas ser o
artista que foi? Compor as músicas que compôs? Viver da maneira que viveu?

Meu nome é Raul e eu acho ele forte; o som de um rugido no


início e um uivo de lobo no final. Sinto-me impelido nesse
momento a escrever sem pudor, sem medo das palavras,
significados, valores, pois o que importa neste momento é que
vou escrever sobre mim. Sou eu sem interferências externas...
Cada ser é seu próprio universo! Abomino qualquer tentativa de
agregação entre pessoas que são diferentes e julgam pensar
igual. Mentira!!! Toda espécie de agrupamento na vida é uma
tentativa de fortalecimento, necessidade de amparo. Medo de
saber que é lindo ser diferente de todos os demais (SEIXAS, In:
SOUZA, 1993, p. 57).

Em dois pequenos textos, intitulados “Situações vergonhosas” e “Listas


das tentativas de controlar situações”, ambos de 1987, expressa, a partir de
sua escrita e de seus sentimentos, aspectos da condição humana, onde o erro
e a ilusão, além da contradição, fazem parte da nossa vida.
No primeiro texto fala de suas vergonhas alcoólicas, dizendo que na
condição de cantor e compositor de nome e da delicadeza do seu trabalho
jamais poderia ter mostrado ao mundo algumas atitudes e episódios
chocantes que marcaram a sua carreira, segundo as suas próprias palavras.
Entre essas referidas situações ele lista as seguintes: as bebedeiras e algumas
quebradeiras em hotéis após os shows; o episódio na cidade de Caieiras em
São Paulo, onde de tão bêbado o público achou que não era ele que estava
ali, pois esquecia as letras das próprias músicas; o não comparecimento há
alguns shows; os problemas com álcool e outras drogas; o fato de ter
abandonado a primeira esposa e filha no primeiro apartamento comprado
pela Caixa Econômica Federal; as inúmeras internações em hospitais
psiquiátricos e as dívidas em bares da redondeza por onde morava.
121

No segundo texto, Raul lista as tentativas de controlar as situações a


partir da seguinte pergunta “se eu não controlei o álcool, como poderia
embriagado por ele, controlar uma série de situações e pessoas?” (SEIXAS. In:
SOUZA, 1993, p. 176). Ter o controle das vendas dos discos pelos contratos
feitos por advogados sobre os direitos autorais; impor ordem e disciplina em
casa seja por meio da lista de compras ou da educação e horários rígidos
para as crianças; controle dos cheques e a dificuldade de lidar com dinheiro.
Raul afirmou que tentou controlar a vida e jamais obteve êxito.
Ele disse mesmo ridicularizar essas tentativas. Sempre foi um
questionador diante daquilo que não queria fazer. Nos fragmentos da letra da
música “Você”, expõe a nossa relação com aquilo que fazemos sem gostar a
partir da nossa inserção na sociedade que vivemos e nas atividades que
desempenhamos.

Você alguma vez se perguntou por quê?


Faz sempre aquelas mesmas coisas sem gostar
Mas você faz,
Sem saber por que
Você faz e a vida é curta

Por que deixar que o mundo lhe acorrente os pés


Fingir que é normal estar insatisfeito
Será direito
O que você faz com você
Por que você faz isso, por quê?

Detesta o patrão no emprego


Sem ver que o patrão sempre esteve em você
E dorme com a esposa por quem já não sente amor
Será que é medo? Por quê
Você faz isso com você?
122

Por que você não para um pouco de fingir


E rasga esse uniforme que você não quer
Mas você não quer
Prefere dormir e não ver
Por que você faz isso, por quê?...
Trecho de Você, Raul Seixas; Cláudio Roberto, O Dia em que a Terra parou,
1977.

A música e a poesia de Raul Seixas revela nossa capacidade e


incapacidade de lhe dar com os paradoxos e as contradições humanas. Ao
mesmo tempo problematiza a tensão essencial em querer ocupar o lugar de
demiurgo de sua própria vida e da tragédia da servidão e do abandono aos
quais todos estamos condenados.
Dessa perspectiva, é possível, mesmo no caso do sujeito que viveu os
limites dos sapiens-demens, encontrar chaves para compreender a condição
humana? Sim e não. Talvez seja melhor reconhecer os limites das linguanges,
das palavras tanto quanto das teorias e interpretações das ciência. A
condição humana é da ordem do inenarrável e do intraduzível. Talvez ela só
possa ser vivida no mistério, no desamparo, na incompletude, mas também,
simultaneamente, no gozo e no êxtase. É mais provável que ela seja a única
contingência de viver por viver.
Vai lá, Raul, agora vamos cantar por cantar.
123

AGORA VOU CANTAR POR CANTAR – A ÚTIL INUTILIDADE


DA MÚSICA

O sol da noite agora está nascendo


Alguma coisa está acontecendo
Não da no rádio nem está
Nas bancas de jornais

Em cada dia ou em qualquer lugar


Um larga a fábrica, outro sai do lar
E até as mulheres, dita escravas
Já não querem servir mais
Ao som da flauta da mãe serpente
No para-inferno de Adão na gente
Dança o bebê
Uma dança bem diferente

O vento voa e varre as velhas ruas


Capim silvestre racha as pedras nuas
Encobre asfaltos que guardavam
Histórias terríveis

Já não há mais culpado nem inocente


Cada pessoa ou coisa é diferente
Já que assim baseado em que você pune
Quem não é você?
Ao som da flauta da mãe serpente...

Querer o meu não é roubar o seu


Pois o que eu quero é só função de eu
Sociedade Alternativa
Sociedade Novo Aeon
É um sapato em cada pé
Direito de ser ateu ou de ter fé
Ter prato entupido de comida que cê mais gosta
É ser carregado ou carregar gente nas costas
Direito de ter riso, de prazer
E até direito de deixar Jesus sofrer

Novo Aeon, Raul Seixas; Cláudio Roberto; Marcelo Motta, Novo Aeon, 1975.
124

Passados trinta anos6 da sua morte, a figura de Raul Seixas continua a


despertar grande interesse e curiosidade do público. O cantor e suas diversas
criações teimam em zumzumbizar nos nossos ouviados e a perturbar nosso
sono. O seu vasto repertório tem sido visitado e revisitado por diferentes
gerações. Suas canções ainda estão presentes nas rádios, nos programas de
televisão e principalmente nas diferentes plataformas de acesso a música na
internet.
Desde a sua partida da Terra, a sua discografia tem sido relançada.
Trabalhos acadêmicos7 nas mais diversas áreas do conhecimento têm
discutido a sua obra a partir de diferentes aspectos. Livros sobre o artista com
múltiplas abordagens são lançados quase que anualmente8. É nesse
caldeirão que a sua música se renova e a eternidade de sua mensagem
como ele queria vai permanecendo, especialmente, na medida em que
novos fãs vão surgindo e se tornando admiradores do conjunto da obra do
artista.
Com toda essa vitalidade e potência que sua música proporciona, Raul
Seixas seria então um contemporâneo no sentido que Giorgio Agamben o
define? As composições do artista podem ser compreendidas como
contemporâneas? O que Raul disse a partir da sua música pode ser encarado
como contemporâneo? Ele é um homem do seu tempo? Ou um homem
distante do seu tempo? Quais os segredos e mistérios que o fazem

6 Em Agosto de 2019 a morte do artista completou trinta anos. Diversas iniciativas espelhadas
ao longo do ano passado por todo o país relembraram a data. Shows tributos, passeatas,
lançamentos de livros, entre outras manifestações marcaram as celebrações de homenagem
a Raul seixas em diferente lugares do país.
7 Monografias, dissertações e teses tem constantemente procurado decifrar a partir de

diferentes leituras e olhares a sua produção artística. Os trabalhos envolvendo alguma


temática relacionada à obra ou vida de Raul podem ser encontrados nas áreas de
Sociologia, Antropologia, Letras, Direito, Comunicação, História, entre outras.
8
Um dos maiores desafios enfrentados por mim quando fui escohido pelo tema de pesquisa,
foi justamente me lançar no desafio de pesquisar sobre alguém que é tão cantado em prosa
e verso. De acordo com o jornalista Jotabê Medeiros (2019), já foram publicados mais de
sessenta livros sobre Raul.
125

permanecer mais vivo do que nunca na cena musical brasileira e na cabeça


de muita gente? Por que sua música atrai tanto interesse?
Num relato sobre a sua própria existência, diz:
Minha existência caminha muitos anos a frente do meu corpo,
e é justamente meu corpo frágil, magro, esquálido e desprovido
de reservas de energia que tem que suportar as demandas da
mente atribulada, terrivelmente neurotizada pela civilização
(SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 25).

A música parecia sugar toda a energia corpórea do artista. Por mais


simples que fossem as letras das canções, nelas estavam presentes e
externada as suas inquietações. Estava simplesmente dito aquilo que ele
queria dizer.
Agamben entende que pertence verdadeiramente ao seu tempo, e é
verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente
com este, nem está adequado as suas pretensões, sendo, portanto, nesse
sentido, inatual (AGAMBEN, 2009, p. 58). Este argumento nos coloca diante de
um deslocamento e de um anacronismo que está presente na relação do
homem com o seu tempo.

Aí eu penso: como viver o momento presente se o futuro não


me deixa seguir sossegado? Bem que eu gostaria de não saber
de nada, de não entender as coisas tão profundamente ao
ponto de fazer uma energia nociva ao meu mundo já agitado
por si só! (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 25).

Raul foi capaz de perceber e apreender o seu tempo justamente


porque não estava perfeitamente encaixado nele. Embora pertencesse a ele,
ao mesmo tempo dele se distanciava. Suas composições, suas músicas, suas
atitudes como artista expressava a sua condição de pertencer ao seu tempo
e dele se distanciar. Era um homem de seu tempo. Podia até detestá-lo, mas
a ele pertencia.
A contemporaneidade é uma singular relação com o tempo como
afirma Agamben, que adere a este e ao mesmo tempo dele toma distância.
O tempo acaba se caracterizando como aquele que adere e ao mesmo
126

tempo se distancia por meio de uma dissociação e um anacronismo. Mais do


que outros de sua época, Raul conseguiu compreender o seu tempo
justamente por essa capacidade de deslocamento e essa possibilidade de
manter fixo o olhar sobre ele. A sua música expressa essa relação de alguém
que não está adequado às pretensões de seu tempo, mas que ao mesmo
tempo consegue compreendê-lo, decifrá-lo, entender as diferentes
transformações.
O contemporâneo, assim como o poeta, deve manter fixo o olhar no
seu tempo. A partir desta definição, o autor nos propõe outra entrada para
refletir sobre o que é contemporaneidade. “Contemporâneo é aquele que
mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o
escuro” (AGAMBEN, 2009, p. 62).
Contemporâneo, portanto, é aquele que sabe ver na obscuridade, que
sabe ver nas trevas, que sabe ver no escuro. Mas o que é tudo isso? O que é
ver na escuridão? O que significa ver na obscuridade? Raul de fato conseguiu
enxergar na escuridão? Conseguiu olhar para além da claridade da luz?
Conseguiu perceber entre luzes e sombras quem somos? Quem era?

Eu já estou cansado de descobrir as coisas e meus vinte e quatro


anos representam a própria eternidade diante da vida. A fossa
existencial é uma constante, e não há alternativa de fuga, pois
os momentos são momentos e a felicidade – já está claro – não
existe em tempo eterno (SEIXAS. In: SOUZA, 1993, p. 25).

O escuro nem sempre é aquilo que não enxergamos ou aquilo que


deixamos de ver. A escuridão pode ser a própria luz. De acordo com
Agamben, contemporâneo é o sujeito que não se deixa cegar pelas luzes da
razão e que consegue enxergar a parte da sombra. Luz e escuridão são
inseparáveis. Raul Seixas faz a seguinte pergunta numa música chamada
“Que luz é essa?”.

Que luz é essa que vem vindo lá do céu?


Que luz é essa que vem vindo lá do céu?
Que luz é essa?
127

Que vem chegando lá do céu?


Que luz é essa que vem vindo lá do céu?
Brilha mais que a luz do sol
Vem trazendo a esperança
Prá essa terra tão escura
Ou quem sabe a profecia das divinas escrituras
Quem é que sabe o que é que vem trazendo esse clarão
Se é chuva ou ventania, tempestade ou furacão
Ou talvez alguma coisa que não é nem Sim nem Não
Que luz é essa, gente
Que vem chegando lá do céu...
Letra da música Que Luz é essa?, Raul Seixas e Cláudio Roberto, O Dia em que
a Terra Parou, 1977.

Perceber o escuro do presente e essa luz que procura nos alcançar e


não pode fazê-lo, como afirma Agamben, significa ser contemporâneo. Por
isso, os contemporâneos são raros, diz o autor.

E por isso ser contemporâneo é antes de tudo, uma questão de


coragem: porque significa ser capaz não apenas de manter fixo
o olhar no escuro da época, mas também de perceber nesse
escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente
de nós (AGAMBEN, 2009, p. 65).

A música de Raul Seixas conseguiu provocar uma fratura e uma ruptura


com o seu tempo. Suas composições conseguiram não só manter fixo o olhar
no seu tempo percebendo a escuridão de sua época, como também
identificou a luz que se aproximava diante do contexto vivenciado e
experimentado pela sua condição de humanidade na vida em sociedade.
Diante de um cenário cada vez mais caótico, confuso e problemático,
onde o fantasma do autoritarismo, da perseguição, da intolerância, da
censura, da violência cognitiva de um pensamento mutilador que esquarteja
a condição humana da natureza persiste em continuar nos assombrar, a
poesia de Raul nos chama ao enfrentamento e a luta.
128

Nos chama a religação, a nos conectar com o que foi retirado de nós.
Propõe tomada de atitudes por nós humanos frente aos desafios existentes
nesses tempos obscuros e incertos. Sua música nos leva a refletir sobre as
possibilidades e a necessidade de mudanças, frente aos grandes e graves
problemas que estão colocados para a humanidade.
A música foi para Raul Seixas um mecanismo para dizer a verdade ao
poder e um veículo para expressar toda a sua criatividade e genialidade
como marcadores da nossa condição demens. Sua poesia provocou e ainda
provoca abalos sísmicos. A desordem estabelecida por sua música reforça a
loucura como um elemento constitutivo da condição humana e a própria
desordem como característica distintiva do nosso ser.
Talvez sair da fábrica da ordem seja a mensagem fundamental que
ecoa de sua música. Um som que vai ter ressonância e propagação na
politização do pensamento. É isso. A sua arte, por meio da música, politizou o
pensamento. A sua música se caracterizou como um instrumento que
antecipou aspectos do cotidiano da vida social que muitas vezes passaram
despercebidos pelas teorias e tratados das chamadas ciências humanas e
sociais.
Reside aí um aspecto primordial da originalidade do artista. A sua obra
pode ser compreendida como uma matriz viva do seu pensamento. Os
inúmeros personagens de sua personalidade são partituras complexas da
condição humana onde estão constituídas a vida e a obra construída por sua
música e poesia.
Canta, Raul. Nos ajuda a ser útil e a nos tornarmos pessoas melhores
diante de um mundo degenerado e de um cenário em que a humanidade
parece não saber para onde ir. O seu legado musical e poético nos oferece
possibilidades de reflexão frente aos desafios que estão por aí. Vamos cantar.

1. É precio sonhar. Nós ainda podemos sonhar. Nós devemos sonhar:


Pense num dia com gosto de infância/Sem muita importância procure
lembrar/Você por certo vai sentir saudades/Fechando os olhos verá/Doces
meninas dançando ao luar/Outras canções de amor/Mil violinos e um cheiro
129

de flores no ar... (Você ainda pode sonhar – Lennon; Mc Cartney/ Versão


Raulzito).

2. É preciso querer. É preciso ter coragem:


Quero ir/Quero um pouco/Espera/Quero ir/Pela primavera/Quero ir/Seu
pensar já era... (Quero ir, Raul Seixas e Sampaio).

3. Vamos misturar baião ao rock e rock ao baião. É preciso valorizar a


mestiçagem. Viva o mestiço. Vamos borrar as fronteiras:
Não quero ser o dono da verdade/Pois a verade não tem dono não/Se o V
de verde é o verde da verdade/Dois e dois são cinco, né mais quatro não...
(Let Me Sing, Let Me Sing, Raul Seixas e Nadine Wisner).

4. Vamos olhar para o espelho. É preciso refletir e tentar descobrir quem


somos:
É você olhar no espelho/Se sentir um grandíssimo idiota/Saber que é humano,
ridículo,/Limitado, e que só usa dez por cento de sua cabeça animal/E você
ainda acredita que é um doutor/Padre ou policial/E que está contribuindo
com sua parte/Para o nosso belo quadro social... (Ouro de Tolo, Raul Seixas).

5. É preciso enfrentar o sistema. Sair da lógica imposta por uma visão de


mundo assentada no ter :
... A arapuca está armada/E não adianta de fora protestar/Quando se quer
entrar/Num buraco de rato/De rato você tem que transar... (As Aventuras de
Raul Seixas na cidade de Thor, Raul Seixas).

6. Vamos cantar o amor. Gritar pelo o amor. É preciso amar. Vamos


celebrar a afetividade, a amizade:
... Por isso, é por isso que de agora em diante/Pelos cinco mil alto falantes/Eu
vou mandar berrar o dia inteiro/Que você é/O meu máximo/Denominador/
Comum (Tu És o MDC da Minha Vida,Raul Seixas e Paulo Coelho).
130

7. Vamos refletir sobre a morte:


...Vou te encontrar/Vestida de cetim/Pois em qualquer lugar/Esperas só por
mim/E no teu beijo/Provar o gosto estranho/Que eu quero e não desejo/Mas
tenho que encontrar/Vem/Mas demore a chegar/Eu te detesto e amo/ Morte,
morte, morte que talvezSeja o segredo desta vida (Canto para minha morte,
Raul seixas e Paulo Coelho).

8. É preciso pensar no dia em que a Terra parou. Vamos discutir os


problemas da Terra e nossa existência. Vamos procurar nos reconectar
com a nossa mãe:
Essa noite eu tive um sonho de sonhador/Maluco que sou , eu sonhei... /Com
o dia em que a Terra parou/Com o dia em que a Terra parou/Foi assim num
dia em que todas as pessoas/Do planeta inteiro resolveram que ninguém ia
sair de casa, como se fosse combinado/E em todo o planeta naquele dia
ninguém saiu de casa, ninguém... (O dia em que a Terra parou, Raul seixas e
Cláudio Roberto).

9. Vamos pensar sobre o fim do mundo. Vamos pensar nas profecias. É


preciso problematizar a vida:
Está em qualquer profecia/Dos sábios que viram o futuro/Dos loucos que
escrevem no muro/Das teias, do sonho remoto/Estouro, explosão,
maremoto/A chama da guerra acesa/A fome sentada na mesa/O copo com
álcool no bar/O anjo surgindo no mar/Os selos de fogo, o eclipse/Os símbolos
do Apocalipse/Os séculos de Nostradamus/A fuga geral dos ciganos/Está em
qualquer profecia/Que o mundo se acaba um dia (As Profecias, Raul Seixas
e Paulo Coelho).

10. É preciso pensar sobre o homem. É preciso pensar sobre a condição


humana. Vamos pensar sobre a humanidade da humanidade:
Fruto do mundo/Somos os homens/Pequenos girassóis/Os que mostram a
cara/Enorme as montanhas/Que não dizem nada/Incapaces los hombres/
131

Que hablam de todo/Y sufrem callados (Réquiem Para uma Flor, Raul Seixas
e Oscar Rasmussem).

11. Vamos pensar sobre o Brasil. É preciso pensar sobre o nosso país. Vamos
enfrentar os nossos problemas:
Lá vou eu de novo/Um tanto assustado/Com Ali-Babá e os 40 ladrões/Já não
querem nada/Com a Pátria Amada/E cada dia mais/Enchendo os meus
botões/Lá vou eu de novo/Brasileiro nato/Se eu não morro eu mato essa
desnutrição/Minha teimosia braba de guerreiro/É o que me faz o primeiro
dessa procissão... (Aluga-se, Raul Seixas e Cláudio Roberto).

12. É preciso viver a poesia. Vamos viver a vida. Contemplar a natureza:


Amanhece, amanhece, amanhece/Amanhece, amanhece o dia/Um leve
toque de poesia/Com a certeza que a luz/Que se derrama/Nos traga um
pouco de alegria... /Olha a fonte, olhe os montes/Horizonte/Olha a luz que
enxovalha e guia/A lua se oferece ao dia E eu guardo cada pedacinho de
mim Prá mim mesmo Rindo louco, louco Mais louco de euforia (Coração
Noturno, Raul Seixas, Kika Seixas, Raul Varella Seixas).

13. Vamos cantar a desobediência. É preciso cantar contra a tirania:


Larga dessa cantoria menino/Música não vai levar você a lugar nenhum Peraí
mamãe, guenta aí/Mamãe, eu não queria/Mamãe, eu não queria/ Mamãe,
eu não queria/Servir o exército... (Mamãe Eu não queria, Raul Seixas).

14. É preciso cantar Rock n Roll:


... Tem uma banda que eles já vão contratar/ Que não cria nada, mas é boa
em copiar/A crítica gostou, vai ser sucesso ela não erra/Afinal lembra o que
se faz na Inglaterra ( Muita Estrela, Pouca Constelação, Raul Seixas e Marcelo
Nova).

15. Vamos cantar a liberdade. É preciso viver a liberdade:


132

Todo homem tem direito/De pensar o que quiser/Todo homem tem direito/De
amar a quem quiser/Todo homem tem direito/De viver como quiser/Todo
homem tem direito/De morrer quando quiser... (A Lei, Raul Seixas).

16. Vamos cantar a criatividade, a loucura e a desordem. É preciso celebrar


a música. Vamos cantar por cantar!

A arte de Raul é a expressão do Amor, Poesia e Sabedoria. Ou ainda,


da Prosa, Música, Poesia. E fim de papo!
133

CAMINHOS

Você me pergunta
Aonde eu quero chegar
Se há tantos caminhos na vida
E pouca esperança noar
E até a gaivota que voa
Já tem seu caminho no ar
O caminho do fogo é a água
O caminho do barco é o porto
O do sangue é o chicote
O caminho do reto é o torto
O Caminho do bruxo é a nuvem
O da nuvem é o espaço
O da luz é o túnel
O caminho da fera é o laço
O caminho da mãoé o punhal
O do santo é o deserto
O do carro é o sinal
O do errado é o certo
O caminho do verde é o cinzento
O do amor é o destino
O do cesto é o cento
O caminho do velho é o menino
O da água é a sede
O caminho do frio é o inverno
O do peixe é a rede
O do pio é o inferno
O caminho do risco é o sucesso
O do acaso é a sorte
O da dor é o amigo
O caminho da vida é a morte
Raul Seixas,Paulo Coelho, Eládio Gilbraz, Novo Aeon, 1975
134

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução


Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009.

ALMEIDA, Maria da Conceição de. Ciência da complexidade e educação:


razão apaixonada e politização do pensamento. Natal: EDUFRN, 2012a.

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ALMEIDA, Maria da Conceição de. Introdução a ementa do componente


curricular Teorias Contemporâneas da Cultura oferecido pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande
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ALMEIDA, Maria da Conceição de. Um Itinerário do Pensamento de Edgar


Morin. Caderno IHU ideias, ano 2, n. 18, 2004. Disponível em
http://www.ihu.unisinos.br\imagens\stories\cadernos\ideias\018cadernosihu
ideias.pdf. Acesso em: 29 jan. 2020.

ALMEIDA, Maria da Conceição de; KNOBBE, Margarida Maria. Ciclos e


Metamorfoses: uma experiência de reforma universitária. Porto Alegre: Sulina,
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ALVES, Luciane. Raul Seixas: o sonho da sociedade alternativa. São Paulo:


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CARVALHO, Edgard de Assis. A natureza recuperada. In: ALMEIDA, Maria da


Conceição de; CARVALHO, Edgard de Assis. Cultura e pensamento
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CARVALHO, Edgard de Assis. Ética complexa e conhecimento científico. In:


ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgard de Assis. Cultura e
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI: o


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LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Taadução de Tânia


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LIMA, Ronaldo Ferreira de. Bandas de músicas, escolas de vida. Natal:


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135

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São Paulo: Todavia, 2019.

MORIN, Edgar. Meus filósofos. Tradução Edgard de Assis Carvalho e Mariza


Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2013.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma – reformar o
pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012a.

MORIN, Edgar. O método 5: a humanidade da humanidade. Tradução


Juremir Machado da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2012b.

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MORIN, Edgar; CIURANA, Emílio–Roger; MOTTA, Raul Domingo. Educar na era


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PASSOS, Sylvio (org.). Raul Seixas por ele mesmo. 2. ed. São Paulo: Martin
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PASSOS, Sylvio; BUDA, Toninho. Raul Seixas: uma antologia. São Paulo: Martin
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PRIGOGINE, Ilya. Ciência, razão e paixão. Organização Maria da Conceição


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SEIXAS, Kika. Raul Rock Seixas. 2. ed. São Paulo: Globo, 1996.

SHELDRAKE, Rupert. Ciência sem dogmas: a nova revolução científica e o fim


do paradigma materialista. Tradução Mirtes Franges de Oliveira Pinheiro. 1.
ed. São Paulo: Cultrix, 2014.

SILVA, Carlos Alberto Pereira da. Compor e educar para descolonizar.


Orientadora Maria da Conceição Xavier de Almeida. 2009. 129 f. Tese
(Doutorado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2009.

SOUZA, Tárik de (org.). O baú do Raul. Seleção de Kika Seixas. 17 ed. São
Paulo: Globo, 1993.

TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Krig-há, Bandolo! Cuidado, aí vem Raul Seixas.


Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
137

CAMINHOS II

Assim como
Todas as portas são diferentes
Aparentemente
Todos os caminhos são diferentes
Mas vão dar todos no mesmo lugar
Sim
O caminho do fogo é a água
Assim como
O caminho do barco é o porto
O caminho do sangue é o chicote
Assim como
O caminho do reto é o torto
O caminho do risco é o sucesso
Assim como
O caminho do acaso é a sorte
O caminho da dor é o amigo
O caminho da vida é a morte
Raul Seixas, Paulo Coelho, Eládio Gilbraz, Novo Aeon, 1975
138

ANEXO 1: Eu conheço bem a fonte que desce daquele monte

1. Prelúdio (Raul Seixas, 1974).


2. Mosca na Sopa (Raul Seixas, 1973).
3. Metamorfose Ambulante (Raul Seixas, 1973).
4. S.O.S. (Raul Seixas, 1974).
5. Aquela Coisa (Raul Seixas, Kika Seixas, Cláudio Roberto, 1983).
6. Século XXI (Raul Seixas e Marcelo Nova, 1984).
7. As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (Raul Seixas, 1974).
8. Geração da Luz (Raul Seixas e Kika Seixas, 1984).
9. Na Rodoviária (Raul Seixas e Oscar Rasmussem, 1979).
10. Cantar (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1987).
11. Trem 103 (Raulzito, 1968).
12. Dr. Pacheco (Raul Seixas, 1971).
13. Let Me Sing, Let Me Sing (Raul Seixas e Nadine Wisner, 1972).
14. Al Capone (Raul Seixas, 1973).
15. Sociedade Alternativa (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1974).
16. Gita (Raul Seixas, 1974).
17. Tente Outra Vez (Raul Seixas, Paulo Coelho, Marcelo Motta, 1975).
18. Eu Nasci há Dez Mil Anos Atrás (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976).
19. Você (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1977).
20. As Profecias (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1978).
21. Movido a Álcool (Raul Seixas, Tânia Mena Barreto, Oscar Rasmussem, 1979).
22. Abre-te Sésamo (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1980).
23. Carimbador Maluco (Raul Seixas, 1983).
24. O Messias Indeciso (Raul Seixas e Kika Seixas, 1983).
25. Canto Para Minha Morte (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976).
26. Canceriano Sem Lar (Raul Seixas, 1987).
27. A Lei (Raul Seixas, 1988).
28. Check-Up (Raul Seixas, 1988).
29. Banquete de Lixo (Raul Seixas e Marcelo Nova, 1989).
30. Areia da Ampulheta (Raul Seixas, 1988).
139

31. Maluco Beleza (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1977).


32. Mas Y Love You (Raul Seixas e Rick Ferreira, 1984).
33. Para Noia (Raul Seixas, 1975).
34. Sapato 36 (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1976).
35. Carpinteiro do Universo (Raul Seixas e Marcelo Nova, 1989).
36. Eu Sou Egoísta (Raul Seixas e Marcelo Motta, 1975).
37. Nuit (Raul Seixas e Marcelo Nova, 1989).
38. Love is Magick (Raul Seixas e Space Glow, 1976).
39. A Maçã (Raul Seixas, Paulo Coelho, Marcelo Motta, 1975).
40. Novo Aeon (Raul Seixas, Paulo Coelho, Marcelo Motta, 1975).
41. Ê Meu Pai (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1980).
42. Ave Maria da Rua (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976).
43. Meu Amigo Pedro (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976).
44. Coisas do Coração (Raul Seixas e Kika Seixas, 1983).
45. Cantiga de Ninar (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976).
46. Ouro de Tolo (Raul Seixas, 1973).
47. Água Viva (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1974).
48. Você ainda pode sonhar (Lennon; Mc Cartney/ Versão: Raulzito, 1968).
49. Quero ir (Raul Seixas e Sérgio Sampaio, 1971).
50. Tu És o MDC da Minha Vida (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1975).
51. O dia em que a Terra parou (Raul seixas e Cláudio Roberto, 1977).
52. As Profecias (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1978).
53. Réquiem Para uma Flor (Raul Seixas e Oscar Rasmussem, 1979).
54. Aluga-se (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1980).
55. Coração Noturno (Raul Seixas, Kika Seixas, Raul Varella Seixas, 1983).
56. Mamãe Eu não queria (Raul Seixas, 1984).
57. Muita Estrela, Pouca Constelação (Raul Seixas e Marcelo Nova, 1987).
58. Caminhos (Raul Seixas, Paulo Coelho, Eládio Gilbraz, 1975).
59. Caminhos II (Raul Seixas, Paulo Coelho, Eládio Gilbraz, 1975).
60. Que luz é essa? (Raul Seixas e Cláudio Roberto, 1977).
61. Você ainda pode sonhar (Lennon; Mc Cartney/ Versão Raulzito).
140

ANEXO 2: Inspirações e outros escritos

FRANS, Elton. Raul Seixas: a história que não foi contada. Redação de
Roberto Moura. São Paulo: Irmãos Vitale, 2000.

LUCENA, Mário. Raul Seixas: metamorfose ambulante (Vida, alguma coisa


acontece; morte, alguma coisa pode acontecer). 1. ed. São Paulo: B&A,
2009.

LUCENA, Mário. Raul Seixas: a verdade absoluta. São Paulo: MacBel Oficina
de Letras, 2002.

MUGNAINI JÚNIOR, Airton. Raul Seixas: eu quero cantar por cantar. São
Paulo: Sampa, 1993.

SOUZA, Isaac Soares de. Dossiê Raul Seixas. São Paulo: Universos dos Livros,
2011.

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