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11/09/2023, 22:34 A química da felicidade | Super

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Ciência

A química da felicidade
Existe uma molécula que determina se as lembranças serão boas ou ruins. Veja esta e
outras descobertas da ciência sobre os mecanismos cerebrais ligados à felicidade. E a
relação disso com a polêmica dos antidepressivos.
Por Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro
19 jan 2023, 15h25

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(Felipe Del Rio/Superinteressante)

Você é feliz? E agora, neste exato momento, você está feliz? Esperamos que
sim. Mas, seja qual for o seu veredicto, você provavelmente hesitou um
pouquinho antes de responder.

Porque a felicidade é fugidia: às vezes conseguimos agarrá-la, e queremos ficar


assim para sempre, mas aí ela começa a escorrer como areia por entre os dedos –
ou simplesmente some, sem motivo aparente, para reaparecer tempos depois.

Como escreveu Machado de Assis, a felicidade é uma quimera: algo que você
passa a vida tentando alcançar, mas está sempre escapando. Ela é muito mais do
que ter saúde, dinheiro, liberdade e uma rede de apoio social – os critérios usados
pelo World Happiness Report, da ONU, para medir o grau de felicidade de uma
nação.

Na décima edição desse ranking, publicado em 2022, o Brasil aparece apenas na


38a posição; e os países mais felizes do mundo são, pela ordem, Finlândia,
Dinamarca e Islândia. A Finlândia, aliás, lidera o ranking há cinco anos. Só que

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18,8% da sua população tem algum problema psicológico, especialmente



depressão – o percentual mais alto da União Europeia. Você pode “ter” tudo, 
objetivamente, e mesmo assim não se sentir feliz.

Cada vez mais gente tenta resolver o problema recorrendo aos antidepressivos,
mas isso desencadeou um fenômeno curioso: ao mesmo tempo em que aumenta o
uso desses medicamentos, a porcentagem de deprimidos na sociedade segue
crescendo (1). Em 2013, segundo dados do IBGE, eram 7,6% dos brasileiros. Em
2019, antes da pandemia, 10,2%. Hoje, são 11,3%. Será que os remédios estão
mesmo funcionando?

No ano passado, um trabalho publicado por cientistas ingleses jogou lenha na


fogueira. Eles revisaram os dados de 17 grandes estudos, que somados avaliaram
mais de 100 mil pessoas, e chegaram a uma conclusão bombástica (2): não existe
relação entre a depressão e baixos níveis de serotonina no cérebro – o que a
maior parte dos antidepressivos trata.

A felicidade sempre parece estar um pouco à frente – como uma miragem no deserto. (Liniker
Eduardo/Superinteressante)

A notícia correu o mundo, com uma onda de manchetes dizendo que essas drogas
não funcionam, e seu efeito é mero placebo. Não é bem assim. Todos os
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antidepressivos que estão no mercado foram submetidos a testes clínicos, e



passaram (mais sobre isso daqui a pouco). 

O mais provável é que a felicidade, e a infelicidade, estejam relacionadas a


mecanismos cerebrais mais complexos do que se imagina. Nos últimos anos, a
ciência encontrou alguns sinais disso.

Descobriu, por exemplo, uma molécula que “carimba” cada uma das memórias –
e determina se ela vai ser positiva ou negativa. E que o cérebro possui uma malha
de circuitos, a chamada “Rede de Modo Padrão”, que pode ser decisiva para a
sensação de (in)felicidade.

Da Grécia ao tálamo

O que é, exatamente, a felicidade? Eis aí uma pergunta que só parece simples.


Ela é formada por alegria, otimismo, calma, prazer e diversos outros ingredientes,
mas é muito mais do que a soma deles – da mesma forma que um bolo de
chocolate não é uma simples pilha de manteiga, cacau e açúcar.

O melhor caminho para entender a felicidade parece estar em dois conceitos


propostos por Aristóteles na Grécia do século 4 a.C.: hedonia e eudaimonia.

A hedonia é imediata, e se manifesta em situações pontuais: reencontrar um filho


que volta de viagem, ver pela décima vez o seu filme favorito ou comer aquele
prato que você adora. Ela é aquela sensação súbita de felicidade após fazer ou
viver algo bom.

Já a eudaimonia é de longo prazo – um estado de espírito baseado em viver bem


a vida, seguindo critérios éticos e morais e buscando evoluir como indivíduo. É a
combinação dessas duas coisas que, para Aristóteles, compõe a felicidade.

O ranking da ONU mede coisas concretas, que levam à hedonia. Mas, quando
você pergunta a si mesmo se é feliz, na verdade está pensando na eudaimonia. E
ela é o saldo das experiências e emoções vividas. Ou seja, das suas memórias. Ao
gravá-las, o cérebro atribui a cada uma delas uma “valência emocional”.

E isso, no futuro, acaba influindo diretamente sobre a felicidade. Imagine o


seguinte cenário. Você está jantando na sua lanchonete preferida, onde vai

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sempre com seu namorado ou namorada. Agora pense no cheiro delicioso



daquele hambúrguer. 

Foi uma lembrança feliz, certo? Aquela memória tem valência positiva. Agora
imagine que você levou um pé na bunda, justo naquela lanchonete. Nunca mais
volta lá, por razões óbvias. Mas tempos depois está na casa de um amigo que
pede aquele mesmo lanche por delivery.

Desta vez, o sanduíche evoca em você uma memória ruim – com valência
emocional negativa. Percebeu? A lembrança do hambúrguer em si não mudou
(você continua sabendo exatamente que gosto, cheiro e textura ele tem), mas seu
significado sim.

Quanto mais memórias positivas você acumula, mais perto da felicidade estará.
Isso é óbvio. O que não é óbvio: aparentemente, o cérebro gasta mais energia
para carimbar uma memória como positiva – e, por isso, ele pode ser
naturalmente pessimista.

Em julho de 2022, um grupo de cientistas de várias instituições americanas


apresentou uma descoberta revolucionária: experiências em ratos haviam
mostrado que uma molécula, a neurotensina, era a responsável pela classificação
das memórias como positivas ou negativas (3).

Os pesquisadores ensinaram as cobaias a associar determinados sons a uma


experiência boa (ganhar alimento) ou ruim (levar um choque elétrico fraco). O
objetivo era formar neles as memórias daquelas coisas. Depois, os cientistas
poderiam evocá-las tocando aqueles mesmos sons [veja infográfico abaixo].

Ao mesmo tempo, os pesquisadores mediam o nível de neurotensina no cérebro


dos ratos – isso foi feito monitorando o tálamo, região cerebral onde essa
substância é produzida, e a amígdala, onde ela age.

Quando os bichinhos se lembravam da memória boa, a quantidade de


neurotensina aumentava; quando era a ruim, essa substância diminuía. Os
pesquisadores foram além, e criaram ratos geneticamente modificados para
produzir mais ou menos daquela substância.

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“Quando alteramos artificialmente a concentração de neurotensina na amígdala,



conseguimos mudar o comportamento dos ratos”, diz Hao Li, neurologista do 
Salk Institute e autor principal do estudo, que também contou com pesquisadores
do MIT, das universidades Harvard e de Michigan.

“É a quantidade de neurotensina disponível que gera o balanço entre o


processamento das memórias, que vai definir se elas serão positivas ou
negativas”, resume ele.

(Liniker Eduardo/Superinteressante)

A neurotensina é uma molécula formada por 13 aminoácidos. Foi identificada


pela primeira vez no cérebro de bois – e também está presente em outros animais,
humanos inclusive.

Ela circula por todo o sistema nervoso, embora sua maior concentração esteja no
hipotálamo (que regula funções básicas, como sede, apetite, temperatura corporal
e pressão arterial) e na amígdala (ligada ao comportamento social, ao controle
das emoções e ao medo).

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O estudo em ratos demonstrou que o cérebro deles precisa fazer mais esforço,

produzindo a neurotensina, para gravar memórias boas. Existe uma propensão à 
negatividade; e isso pode ser proposital.

“Acredito que a tendência a formar memórias ligadas ao medo seja resultado da


evolução: do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito
mais importante do que buscar recompensas”, afirma Li.

Não dá para assumir, automaticamente, que o cérebro humano também opere


dessa forma. Mas é bem possível que sim.

Na outra ponta da ciência, a psicologia, há uma série de estudos mostrando que a


mente humana é especialmente sensível a informações e acontecimentos
negativos: eles causam efeitos mais profundos e duradouros do que as
experiências positivas (4).

Você já deve ter notado isso. Quando acontece alguma coisa boa, a gente
eventualmente esquece dela – mas as ruins ficam na cabeça por muito mais
tempo. E a neurotensina (ou a ausência dela) pode ter a ver com isso.

O papel dessa substância na formação das memórias começou a ficar mais claro
em 2011, quando cientistas dos EUA e da China submeteram 460 voluntários a
análises genéticas e testes de memória (5).

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A depressão pode turvar tudo – e tornar impossível alcançar, ou mesmo enxergar, a felicidade. (Liniker
Eduardo/Superinteressante)

Os pesquisadores constataram que cerca de 5% daquelas pessoas apresentavam


duas mutações em um determinado gene, o NTSR1, que controla a quantidade de
receptores de neurotensina no cérebro. Elas tinham mais receptores da
substância, que por isso agia mais fortemente – e aqueles indivíduos se saíam
muito melhor em testes de memorização.

Mas a neurotensina não está ligada apenas às memórias; também pode influenciar
a resposta emocional imediata. Em 2021, cientistas da Alemanha e do Irã
submeteram 22 voluntários adultos a um procedimento experimental (6): eles
receberam uma corrente elétrica de baixíssima intensidade, 1,5 miliampère, sobre
o córtex frontal dorsolateral (dlPFC) ou o córtex pré-frontal ventromedial
(vmPFC) durante 15 minutos.

O objetivo do procedimento, feito com eletrodos colados na cabeça, era inibir a


atividade dessas regiões cerebrais – que, eis o pulo do gato, também possuem
receptores de neurotensina. São influenciadas por ela.

Durante o teste, cada voluntário era apresentado a uma coleção de 100 imagens,
mostrando cenas boas e ruins, e devia classificar o “grau de positividade” de cada
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uma delas em uma escala de 1 a 9 pontos (bem como seu grau de “excitação” e

“dominância”, ou seja, agressividade). A experiência foi repetida três vezes, com
um intervalo de 72 horas.

Os voluntários também classificaram as fotos sem receber o estímulo elétrico.


Resultado: quando estavam levando choquinhos no dlPFC, eles agiam de forma
mais negativa, davam notas mais baixas para as fotos.

Já quando o alvo era o vmPFC, os voluntários demoravam mais para se recuperar


dos estímulos emocionais causados pelas imagens mais fortes, e voltar a um
equilíbrio. Ou seja: essas duas regiões, sobre as quais a neurotensina age,
realmente influem no estado emocional.

A principal tese dos pesquisadores é a seguinte: se a neurotensina ficar em níveis


cronicamente baixos, estaria aberto o caminho para depressão e ansiedade.

Inclusive porque ela também tem outra função: ajuda a controlar a quantidade de
dopamina (7), um neurotransmissor relacionado à memória e à sensação de
prazer – e que, se estiver em níveis acima ou abaixo do ideal, pode levar à
depressão ou a comportamentos compulsivos.

“Pretendo continuar a explorar o papel dos neuropeptídeos (8), incluindo a


neurotensina, no controle das doenças mentais”, diz Li, que está inaugurando um
laboratório na Northwestern University, onde recentemente foi contratado, para
fazer isso.

As descobertas sobre a neurotensina podem abrir um novo ramo de estudos sobre


felicidade e depressão. Isso também vale para outro elemento pouco comentado,
mas igualmente influente, da arquitetura cerebral: a Rede de Modo Padrão.

A mente ruminante

O cérebro está sempre funcionando a todo vapor. Ele gasta muito mais energia do
que qualquer outro órgão (sozinho, queima 20% de todas as calorias que você
ingere), e isso acontece mesmo quando a mente está em repouso, sem prestar
atenção a estímulos externos ou raciocinar para tentar resolver alguma tarefa.

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Porque nesses momentos você continua pensando, só que em outras coisas: na



sua vida, nas demais pessoas, no passado, no futuro. Todo mundo fica assim, 
absorto, boa parte do tempo. Quando isso acontece, entra em ação a Rede de
Modo Padrão (DMN, na sigla em inglês), um conjunto de circuitos espalhados
por cinco regiões cerebrais [veja no infográfico abaixo].

(Liniker Eduardo/Superinteressante)

A existência da DMN foi teorizada pelo psiquiatra alemão Hans Berger, que em
1924 inventou o exame de eletroencefalograma (usado para monitorar as ondas
cerebrais). Cinco anos mais tarde, ele publicou uma sequência de artigos
científicos defendendo a tese de que o cérebro não desacelera quando a pessoa
está descansando – ele aciona regiões diferentes, mas continua trabalhando à
toda.

Era uma teoria polêmica para a época. Mas começou a ser comprovada na década
de 1950, quando a equipe do neurocientista americano Louis Sokoloff colocou
voluntários para resolver problemas matemáticos enquanto monitorava a
atividade cerebral deles.

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Como os exames de neuroimagem ainda não existiam, Sokoloff usou uma técnica

curiosa (9): fez os voluntários inalarem óxido nitroso, também conhecido como 
“gás hilariante” (porque deixa a pessoa relaxada e com vontade de rir).

Foi uma quantidade bem pequena, insuficiente para causar esses efeitos. Mas o
bastante para que as moléculas do gás se espalhassem pela corrente sanguínea e
penetrassem no cérebro dos voluntários.

Em seguida, as pessoas iam resolver os testes de matemática, e os cientistas


colhiam duas amostras de sangue delas: uma da artéria femural, na perna, e outra
da veia jugular, logo abaixo do cérebro.

O objetivo disso era pegar, ao mesmo tempo, sangue arterial (que está indo
irrigar os órgãos) e sangue venoso (que já passou por eles). Comparando a
quantidade de óxido nitroso nas duas amostras, você consegue saber o volume de
sangue que passou pelo cérebro – e, a partir daí, calcular o consumo de energia
dele.

Legal, né? Esse método foi inventado em 1944, e é usado até hoje. Mas voltando
ao estudo de Sokoloff. Depois dos testes de matemática, ele permitiu que os
voluntários descansassem, mas continuou fazendo as medições. E viu que o
consumo de energia do cérebro permanecia o mesmo quando as pessoas estavam
em repouso.

Com o passar das décadas, novas técnicas e estudos foram confirmando isso – e
exames de neuroimagem revelaram as regiões cerebrais envolvidas. No início
dos anos 2000, o neurologista Marcus Raichle, da Universidade de Washington,
encaixou a última peça: ele cunhou o termo “modo padrão” para definir o que o
cérebro faz nesses momentos de descanso.

As regiões cerebrais que formam a Rede de Modo Padrão estão conectadas


fisicamente entre si, e essas interligações evoluem com o tempo: alcançam seu
pico de desenvolvimento entre os 9 e 12 anos de idade. Elas também podem estar
diretamente relacionadas à felicidade.

Uma das características mais típicas da tristeza é ficar ruminando as coisas:


repetir muitas vezes os mesmos pensamentos negativos, que ocupam um tempo
enorme e vão assumindo um peso bem maior do que o real (o termo é uma
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referência aos animais ruminantes, como as vacas, que ficam um tempão



mastigando os alimentos). 

Quem tem depressão também costuma fazer isso. E o motivo pode estar na Rede
de Modo Padrão.

Há alguns estudos mostrando que, nas pessoas com a chamada “ruminação


depressiva”, a DMN apresenta um número exagerado de conexões com o córtex
pré-frontal subgenual (10), uma região do cérebro cuja hiperatividade está
relacionada à depressão.

É como se a rede trabalhasse demais ou de forma errada, e isso ajudasse a


desencadear pensamentos negativos. “As disfunções na Rede de Modo Padrão
certamente são um fator de desordem que contribui para a incidência de
depressão”, afirma o bioquímico Daniel Martins-de-Souza, diretor do laboratório
de neuroproteômica da Unicamp. A ruminação exagerada, fora de controle, pode
acabar com a felicidade de qualquer um.

A felicidade não é sólida; ela oscila, momento a momento. Uma hora nos
sentimos felizes e outra não, mesmo quando não há estímulos claramente
negativos – aquele hambúrguer que hoje nos parece delicioso, amanhã pode não
satisfazer (mesmo não havendo um fim de relacionamento envolvido na história).

Para tentar entender isso, é preciso voltar ao outro tipo de felicidade segundo
Aristóteles: a hedônica. E a ciência também tem descoberto coisas novas sobre
ela.

Nos anos 1950, experiências mostraram que, se você estimular eletricamente


certas áreas do cérebro de um rato, ele terá sensações prazerosas – e aprenderá a
pressionar uma alavanca para receber mais daquilo.

Por razões éticas, não dá para fazer esse tipo de teste em humanos (eles
provavelmente ficariam viciados). Mas, na década de 1970, a ciência conseguiu
identificar regiões cerebrais envolvidas no prazer – monitorando a atividade
cerebral de voluntários durante o orgasmo (11).

A área mais ativada foi a do septo cerebral, uma membrana bem no meio do
cérebro – a mesma que havia sido estimulada, e gerado uma forte reação, nos
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testes em ratos.
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Nas décadas seguintes, outros estudos foram mostrando que o prazer (em sua
definição mais ampla, não só sexual) envolve várias áreas do cérebro humano,
como a área tegmental ventral, o núcleo accumbens, o corpo estriado, o
hipocampo e a amígdala.

Por isso, alguns cientistas criaram o conceito de “córtex hedônico”: um conjunto


de regiões que se acende quando vivemos, esperamos ou nos lembramos de
alguma coisa prazerosa. Ainda é só uma ideia – não tem o mesmo nível de
comprovação, e aceitação científica, que a Rede de Modo Padrão.

A felicidade é alcançável. Mas ela sempre acaba sumindo, e reaparecendo, depois. E isso pode ter um
motivo. (Liniker Eduardo/Superinteressante)

As descobertas sobre a neurotensina e a DMN ilustram bem como a felicidade e


sua ausência são mais complexas do que parecem. Não dependem só dos níveis
de serotonina no cérebro – e isso pode explicar por que, como mostrou aquele
estudo inglês (12) do começo deste texto, não exista uma relação direta entre a
falta desse neurotransmissor e a depressão.

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O trabalho, publicado por cientistas da University College London, é categórico:



baixa serotonina não causa a doença. Ele também mostra, citando as conclusões 
de outros estudos, que o uso de antidepressivos pode até reduzir a quantidade de
serotonina no sangue.

Só tem um detalhe: na prática, esses remédios funcionam. Isso foi comprovado


por diversos estudos ao longo das últimas décadas, em pacientes das mais
variadas idades, etnias, histórico pessoal e condição social.

Em 2018, cientistas da Universidade de Oxford (13) revisaram os dados de 522


testes clínicos, que juntos reuniram mais de 100 mil adultos e avaliaram os 21
remédios antidepressivos mais usados no mundo. Todos se mostraram mais
eficazes do que o placebo.

“Os antidepressivos funcionam, ainda que seu mecanismo de ação seja conhecido
apenas de forma periférica”, diz Ricardo Alberto Moreno, do Instituto de
Psiquiatria da USP. E esse é o xis da questão: o que esses medicamentos fazem,
exatamente, ainda é um mistério. “Não sabemos como eles atuam dentro das
células”, admite Moreno.

É assim com muitos remédios. Até alguns dos mais banais, como o anti-
inflamatório paracetamol, não têm seu mecanismo de ação plenamente
compreendido pela ciência. No caso dos antidepressivos, há dois complicadores:
os mistérios do cérebro, que ainda são muitos, e a própria natureza da depressão.

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“Ela é uma doença multifatorial, com diferentes causas, nem todas endógenas.
Existem fatores ambientais importantes”, lembra Martins-de-Souza, da Unicamp.
“As experiências de vida são preponderantes. Há casos de pessoas que, quando
confrontadas com algumas situações-gatilho, disparam a doença. Isso não quer
dizer que a serotonina não esteja envolvida, de alguma forma que varia de acordo
com o paciente”, diz.

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Mas, afirma ele, está claro que a serotonina tem um papel menos determinante do

que se imaginava – e pode variar de uma pessoa para outra. “A psiquiatria 
caminha para tratamentos cada vez mais individualizados, que consideram o peso
de cada fator para cada pessoa, pensando em terapias e tratamentos que foquem
em cada uma das diferentes causas”, afirma.

Depressão e patologias à parte, a tristeza e a felicidade se complementam. Da


mesma forma que ninguém deve se afundar numa bad, também não é razoável
querer uma rotina 100% feliz, ao estilo Instagram. Não é assim que a vida, e a
mente, funcionam.

Todo mundo oscila entre o feliz, o não tão feliz, o alegre, o neutro, o
melancólico, o triste e mil outras emoções. Todas têm sua função. Inclusive
porque elas podem ser instrumentos da razão, nos ajudando a fazer julgamentos
rápidos e com menos esforço cognitivo.

Tanto é assim que até animais com cérebros extremamente simples, como as
abelhas, parecem ter algum tipo de reação protoemocional, e se guiar por ela.
Quando estamos felizes, ficamos mais dispostos a correr riscos e tentar coisas
novas. As abelhas também.

Uma experiência feita por pesquisadores ingleses mostrou que, quando esses
insetos recebiam um néctar doce, seus cérebros liberavam dopamina – e elas se
tornavam mais corajosas, explorando mais o ambiente e fugindo por menos
tempo de um ataque de predador simulado pelos cientistas (14). Já quando as
abelhas eram tratadas com flufenazina, uma droga que bloqueia a dopamina, isso
não ocorria.

As emoções também resolvem muitas coisas por nós. Imagine se você tivesse de
decidir, de forma fria e racional, tudo o que costuma resolver por impulso
emocional – como escolher o que vai comer, fazer ou dizer. Seria absurdamente
cansativo.

“As emoções parecem operar num nível mais abstrato, mas elas trazem
experiências relevantes do passado e leituras do contexto que contribuem para a
tomada de decisões”, afirma o físico e escritor americano Leonard Mlodinow em
seu livro Emocional: A nova neurociência dos afetos (ed. Zahar, 2022).

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Vale a pena andar na montanha russa das emoções – mesmo que isso signifique

encarar uma sequência interminável, muitas vezes imprevisível, de subidas e 
descidas. Por mais que estejamos sempre correndo atrás da felicidade, sabemos
que ela vai escapar e voltar sem muito controle, guiada por balés neuroquímicos
e ventos da vida.

E tudo bem, porque as coisas também precisam dos seus opostos. Se não
houvesse a escuridão da noite, jamais veríamos o sol nascer. Se tudo fosse feliz,
nada seria feliz.

***

Fontes

(1) How an Age of Anxiety Became an Age of Depression. A Horwitz, 2010.

(2)The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the


evidence. J Moncrieff e outros, 2022.

(3) Neurotensin orchestrates valence assignment in the amygdala. H Li e outros,


2022. (4) Not all emotions are created equal: The negativity bias in social-
emotional development. A Vaish e outros, 2008.

(5) Neurotensin
Receptor 1 Gene (NTSR1) Polymorphism Is Associated with
Working Memory. J Li e outros, 2011.

(6) The role of dorsolateral and ventromedial prefrontal cortex in the processing
of emotional dimensions. V Nejati e outros, 2021. (7) Presynaptic action of
neurotensin on dopamine release through inhibition of D2 receptor function. C
Fawaz, 2009.

(8) Os peptídeos são cadeias de aminoácidos unidos pelas chamadas ligações


peptídicas, ou seja, que combinam carbono e nitrogênio. (9) The determination of
cerebral blood flow in man by the use of nitrous oxide in low concentrations. S
Kety e C Schimidt, 1944.

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(10) Depressive
Rumination, the Default-Mode Network, and the Dark Matter of
 
Clinical Neuroscience. JP Hamilton e outros, 2015. (11) Pleasure and brain
activity in man. R Heath, 1972. (12) The serotonin theory of depression: a
systematic umbrella review of the evidence. J Moncrieff e outros, 2022.

(13) Comparative efficacy and acceptability of 21 antidepressant drugs for the


acute treatment of adults with major depressive disorder. A Cipriani e outros,
2018. (14) Unexpected rewards induce dopamine-dependent positive emotion–like
state changes in bumblebees. C Solvi e outros, 2016.

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