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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO- UEMA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO: CIÊNCIAS SOCIAIS/ BACHARELADO – MATUTINO

DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA CONTEMPORÂNEA

DOCENTE: KARINA BIONDI

DISCENTE: LAIANE DE JESUS SANTOS PEREIRA

• Atividade referente à segunda nota da unidade 2

FICHAMENTO DE RESUMO

Referência: WILLERSLEV, R. Percepções da presa: caça, sedução e metamorfose


entre os Yukaghirs da Sibéria. Anuário Antropológico, [S. l.], v. 37, n. 2, p. 57–75,
2018. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/7230. Acesso
em: 6 jan. 2024.

O objetivo desse artigo é enfatizar o seguinte aspecto: a manutenção da estabilidade


do eu ou da individualidade é, de fato, uma façanha praticamente inatingível entre os
Yukaghirs, onde ninguém se define apenas por si mesmo, mas sim por outros também.
Os Yukaghirs da Sibéria possuem uma relação complexa com a natureza e a caça.
Suas percepções sobre a presa envolvem não apenas a habilidade de caçar, mas
também rituais de sedução e uma compreensão profunda da metamorfose, vendo os
animais como seres com poderes místicos. A caça não é apenas uma questão de
sobrevivência, mas é intrinsecamente ligada à sua cultura e visão de mundo, refletindo
uma conexão espiritual e prática com o ambiente natural.
Os Yukaghirs acreditam que o mundo é cheio de visões, e essas visões não se
limitam apenas a algo que podemos ver. Tudo tem olhar: as águas, os rios, os lagos
e até as sombras e, todos são e estão sujeitos a visão, caçador e presa. A caça não é
vista para eles como o simples ato de caçar, mas sim ao ato de “fazer amor”. Pois os
Yukaghirs veem a caça como uma sedução entre o caçador e a presa, um processo
de mão dupla, e está relacionada à tentativa do caçador em aderir a identidade da
presa.

Segundo os Yukaghirs, uma categoria de seres pode se metamorfosear facilmente


em outra: humanos se tornam animais, animais se transformam em humanos e os
mortos se convertem nos vivos. Não há limites rígidos aqui, apenas uma infinita
sequência de transições.

Os caçadores Yukaghirs Se descrevem como “pessoas com corpos abertos” na


língua Yukaghir significa “carne crua”. Onde eles passam por um processo de
“desumanização” e passam a assumir uma identidade com referência no animal que
estão caçando. E para isso, há um ritual em que os Yukaghirs antes de irem caçar
removem o cheiro de humano indo para a sauna. Os caçadores não usam sabão, mas
sim espanadores de bétula para se limparem, isso serve para atrair a presa.

Abstinência sexual também é um pré-requisito por pelo menos um dia. Pois a


atenção sexual do caçador deve estar concentrada apenas no animal e ligada ao ser
espiritual, e também, a atividade sexual deixa um certo odor humano. Para os
Yukaghirs, é importante que o caçador se identifique com sua presa, afinal a própria
natureza exige isso. Assumir a identidade do animal não está relacionada ao tornar-
se “natural”. Na língua Yukaghir não existe essa palavra, nem mesmo “cultura” como
propriedade unicamente humana, todos veem o mundo de maneira igual e idêntica
dentro de sua esfera existencial.

Segundo Eduardo Viveiros de Castro (1998), para os Yukaghirs o corpo define o que
se vê: como você se vê, como vê os outros, e a construção do mundo depende do
tipo de corpo que você possui.

A fim de evitar cair na predação, por sua vez, os caçadores utilizam diversas táticas
de deslocamento e substituição para esconder o fato de que são os responsáveis pela
morte violenta do animal. Portanto, imediatamente após abater o alce, eles esculpem
uma pequena e rudimentar figura em madeira, que é pintada com linhas feitas com o
sangue do animal abatido. Essa figura é considerada como um modelo diminuto do
“caçador do animal”. De acordo com os caçadores, o espírito sentirá o cheiro do
sangue de sua “criança” pintado no corpo da figura e irá atacá-la. Enquanto isso, os
caçadores podem dividir o animal e transportar a carne para o acampamento. No
entanto, a figura de madeira é deixada no local da morte como uma espécie de
representação física do “assassino”, atraindo assim a fúria do espírito.

Durante o verão, o acampamento dos caçadores são tendas feitas por ter sido
grosso de algodão, mas muitos no inverno vivem em cabanas. A narrativa dos
caçadores não deve ser vista apenas como uma forma de troca de conhecimento,
mas sim como uma poderosa ferramenta mágica para “humanizar” os caçadores. É
através dessa linha conceitual que eles conseguem se libertar do perigoso estado de
incerteza da caça e reconstruir uma identidade mais estável e segura como seres
humanos, retornando ao espaço do acampamento. Para eles a linguagem é algo que
dificulta, em vez de promover, a autenticidade para entender as coisas.

Segundo os Yukaghirs e como descrito no artigo, a linguagem é como o corpo


humano, uma faceta insuperável daquilo que significa ser humano. Isso não indica
que a linguagem seja considerada um atributo exclusivamente humano. No mundo
dos Yukaghirs, os humanos não têm nada que os não-humanos não possuam, pelo
menos vestígio, e a linguagem não é uma exceção. Dessa forma, é considerado que
as diversas espécies animais se comunicam em suas próprias línguas, da mesma
maneira que se acredita que elas vivem vidas similares às dos humanos: enquanto
perambulam pela floresta, elas se disfarçam como predador ou presa (assim como os
humanos fazem ao sair para caçar), mas, quando estão em seus territórios e
acampamentos, deixam de lado suas vestes peludas, adotam a forma humana e falam
suas próprias línguas “humanas”.

O autor conclui dizendo que para os Yukaghirs, o conceito de pessoalidade não se


refere a uma classe específica de seres ou entidades; pelo contrário, engloba as
relações. Não poderia haver um caçador sem a presa, assim como uma pessoa viva
não existiria sem as almas dos mortos, pois a pessoalidade de alguém é alcançada
através da conexão com suas encarnações passadas ou com o animal caçado. Dessa
forma, a pessoa yukaghir é essencialmente relacional, não tendo uma existência
própria e separada das interações que faz parte.
O estudo de Rane Willerslev sobre as percepções da presa entre os Yukaghirs da
Sibéria revela um complexo tecido cultural entrelaçado com a natureza e a vida
selvagem. Ao explorar os elementos de caça, sedução e metamorfose, ele desvenda
não apenas as práticas de subsistência, mas também as profundas conexões
espirituais e simbólicas entre esse povo e o ambiente que os rodeia.

Palavra-chave: Yukaghirs; caçador; presa; linguagem; corpo.

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