Você está na página 1de 10

ESTRUTURA SOCIAL E ANOMIA (1938)1

Robert K. Merton

Persiste uma notável tendência na teoria sociológica em atribuir o mau funcionamento


da estrutura social principalmente aos imperativos biológicos que não foram adequadamente
reprimidos pelo controle social. Nessa perspectiva, a ordem social é apenas um mecanismo de
“controle de impulso” e “processamento social” de tensões. Esses impulsos que resistem ao
controle social, salienta-se, não devem ser entendidos como biologicamente derivados.
Pressupõe-se que a não conformidade está enraizada na natureza original. Consequentemente,
a conformidade é o resultado de um cálculo utilitário ou do condicionamento sem
fundamentos. Este ponto de vista, entre outras deficiências, traz uma questão à tona. Não
fornece uma base para determinar as condições não biológicas que induzem os desvios dos
padrões prescritos de conduta. Nesse artigo, sugere-se que certas fases2 da estrutura social
geram circunstâncias nas quais os códigos de conduta constituem uma resposta “normal”.3

O esquema conceitual a ser esboçado foi construído para oferecer uma abordagem
sistemática e coerente para o estudo de fontes socioculturais de comportamentos desviantes.
Nosso objetivo principal é descobrir como algumas estruturas sociais exercem uma pressão
definida sobre pessoas na sociedade que se comprometem com comportamentos não
conformistas em vez de comportamentos conformistas. As muitas ramificações desse
esquema não podem ser discutidas; os problemas mencionados ultrapassam aqueles já
explicitados anteriormente.

Entre os elementos da estrutura social e cultural, dois são importantes para nossos
propósitos. Do ponto de vista analítico podem ser separados, embora isso não ocorra em
situações concretas. O primeiro consiste nas metas, nos propósitos e interesses culturalmente
definidos. Essas metas são mais ou menos integradas e envolvem graus variados de prestígio
e sentimento. Elas constituem um componente básico, mas não exclusivo, do que Linton
adequadamente chamou de “design para viver em grupo”. Algumas dessas aspirações
culturais estão relacionadas com os direcionamentos originais do homem, mas não são
determinadas por eles. A segunda fase da estrutura social define, regula e controla os modos
aceitáveis de alcançar as metas. Cada grupo social acopla sua escala de fins desejados com a

1
A maior parte das notas de rodapé foi omitida.
2
(Nota de Tradução) Tanto em Merton quanto em Parsons, o conceito de fases da estrutura social não se refere à
etapas, mas a aspectos da estrutura social, especificamente às normas institucionais e aos valores culturais.
3
“Normal”, no sentido que Durkheim usa em “As Regras do Método Sociológico”.
regulação institucional ou moral de procedimentos requeridos e permitidos para não se afastar
desses fins. Essas normas regulatórias e imperativos morais não coincidem necessariamente
com normas técnicas e de eficiência. Muitos procedimentos que do ponto de vista de
determinados indivíduos seriam mais eficientes em assegurar valores desejados, como
esquemas de estocagem ilegal de petróleo, roubo, fraude, estão excluídos da área institucional
de conduta permitida. A escolha de oportunidades é limitada por normas institucionais.

Dizer que esses dois elementos – metas culturais e normas institucionais – operam
juntas não é dizer que a gama de comportamentos e os objetivos alternativos tenham uma
relação constante. A ênfase sobre certas metas pode variar independentemente daquela sobre
os meios institucionais. Pode-se desenvolver uma ênfase desproporcional e, às vezes,
virtualmente exclusiva sobre o valor de metas específicas, envolvendo uma preocupação
relativamente pequena com os modos institucionalmente apropriados para perseguir essas
metas. O caso-limite, nesse sentido, ocorre quando os procedimentos disponíveis são
limitados apenas por considerações técnicas em detrimento de considerações institucionais.
Todo e qualquer mecanismo que permita a consecução de determinada meta seria permitida
nesse caso polar hipotético. Constitui um tipo de má integração cultural. Um segundo tipo
polar é encontrado em grupos cujas atividades originalmente concebidas como instrumentais
são transformadas em fins em si mesmos. O propósito original é esquecido e a adesão
ritualística para conduta prescrita institucionalmente torna-se virtualmente obsessiva.4
Estabilidade é amplamente assegurada e mudança desincentivada. As possibilidades de
comportamento são severamente limitadas. Desenvolve-se uma sociedade devota e amarrada
às tradições caracterizada pela neofobia. A psicose ocupacional da burocracia pode ser citada
como um caso. Finalmente, há tipos intermediários de grupos cujo equilíbrio entre metas
culturais e meios institucionais são mantidos. Esses são grupos significativamente bem
integrados e relativamente estáveis, mas que sofrem mudanças.

Um equilíbrio efetivo entre as duas fases da estrutura social é mantido enquanto a


satisfação aumenta para indivíduos que se conformam a ambas, isto é, à satisfação alcançada
dos objetivos e à satisfação obtida diretamente dos modos institucionalmente canalizados do
esforço para alcançar esses fins. O sucesso, em casos equilibrados como esse, tem um caráter
duplo: é contabilizado em termos de produto e em termos de processo, em termos de resultado
e em termos de atividade. Satisfações contínuas devem derivar exclusivamente da

4
Tal ritualismo pode ser associado com uma mitologia que racionaliza essas ações de modo que elas vêm a reter
seu status como meio, mas a pressão dominante direciona-se à rigorosa conformidade ritualística.
participação em uma ordem competitiva bem como vencer os outros competidores, se quiser
que a própria ordem seja mantida. Os sacrifícios ocasionais envolvidos em uma conduta
institucionalizada devem ser compensados por recompensas socializadas. A distribuição de
obrigação de status e papéis por meio da competição deve ser organizada de modo que
incentivos positivos para a conformidade a papéis e a adesão à obrigação de status sejam
oferecidas a todas as posições dentro da ordem distributiva. Condutas desviantes devem, pois,
serem vistas como um sintoma de dissociação entre as aspirações culturalmente definidas e os
meios socialmente estruturados.

Entre os tipos de grupos que resultam da variação dessas duas fases da estrutura
social, devemos nos preocupar principalmente com a primeira, ou seja, aquela que enfatiza
desproporcionalmente as metas. Essa afirmação deve ser reposicionada em uma perspectiva
apropriada. Nenhum grupo carece de códigos regulatórios que controlam a conduta, mas
variam em grau de como esses folkways, mores5 e controles institucionais são efetivamente
integrados com as metas difusas que fazem parte da matriz cultural. Convicções emocionais
podem agrupar o complexo de metas socialmente desejadas, enquanto mudam o apoio da
implementação culturalmente definida desses meios. Como veremos, certos aspectos da
estrutura social podem gerar valores invertidos e comportamento antissocial precisamente por
causa da ênfase diferencial nas metas e nas regulações. No caso extremo, o último será
corrompido pela ênfase na meta de modo que as possibilidades são limitadas apenas pela
disponibilidade de meios. A única questão relevante torna-se “qual o meio mais eficiente para
alcançar a meta desejada?”. O procedimento técnico mais viável, legítimo ou não, é preferido
à conduta prescrita institucionalmente. Conforme o processo continua, a integração da
sociedade vai se tornando mais frágil e a anomia acontece.

Assim, em competições esportivas, quando o objetivo da vitória é dissociado das


restrições institucionais e o sucesso na competição é interpretado como “vencer o jogo” em
vez de “vencer o jogo dentro das regras”, espera-se que o prêmio dependerá do uso de meios
ilegítimos, desde que sejam tecnicamente eficientes. A estrela do time adversário é
sorrateiramente esmurrado, o lutador furtivamente paralisa seu oponente com um golpe
engenhoso, mas ilícito; a universidade subsidia alunos cujos talentos se restringem ao esporte.
A ênfase na meta diminui a satisfação em cumprir a meta de forma honesta de modo que a
satisfação resume-se a um resultado vitorioso. Pelo mesmo processo, a tensão gerada pelo

5
(Nota de Tradução) Na Sociologia, diferenciam-se folkways e mores. Ambas são proibições morais, mas alguns
autores associam a primeira a sociedades menos complexas ou a proibições tradicionais e a segunda com
proibições mais racionalizadas, ligadas a sociedades modernas.
desejo de vencer em um jogo de pôquer é aliviada por uma negociação de quatro ases ou
quando o culto do sucesso tornou-se completamente dominante, por meio de uma troca sagaz
de cartas por debaixo da mesa. O fingimento de um desmaio e o delito publico denunciam
claramente que as regras institucionais do jogo são conhecidas por aqueles que se esquivam
delas, mas que a vontade de atingir suas metas (se dar bem) é maior do que o respeito por
elas. São imagens microcósmicas do macrocosmo social.

Naturalmente, esse processo não se restringe à esfera do esporte. O processo pelo qual
a exaltação da meta gera uma desmoralização literal, como na desinstitucionalização, dos
meios caracteriza muitos grupos nos quais as fases não estão altamente integradas. A ênfase
extrema na acumulação de riqueza como símbolo de sucesso na nossa sociedade milita contra
o controle efetivo dos modos institucionalmente regulados de conseguir uma fortuna. Fraude,
corrupção, vício, crime, em suma, o inteiro catálogo de comportamentos proscritos, tornam-se
cada vez mais comuns quando a ênfase no sucesso a qualquer custo culturalmente induzido se
divorcia da coordenação institucional. Essa observação é de importância crucial em âmbito
teórico ao examinar a doutrina de que o comportamento antissocial deriva da força dos
imperativos biológicos face às restrições societais. A diferença está entre uma interpretação
estritamente utilitária, que percebe as metas humanas como aleatórias, e uma análise que
encontra essas metas como derivadas dos valores básicos da cultura.

Nossa análise mal para nesse ponto. Devemos nos voltar para a estrutura social na
qual temos que lidar com a gênese social das taxas e os tipos de características do
comportamento desviante das diferentes sociedades. Até então, rascunhamos três tipos ideais
de ordem constituídas por padrões distintos de relação entre metas culturalmente estabelecidas
e meios. Partindo desses tipos de padrão cultural, encontramos cinco tipos lógicos possíveis
de modos de ajuste ou adaptação de indivíduos dentro do grupo ou sociedade voltadas para a
consecução de metas culturais. Elas são esquematicamente apresentadas na tabela, no qual (+)
significa “aceitação”, (-) significa eliminação e (+_) significa rejeição e substituição de novas
metas e padrões.

adaptação Metas culturais Meios institucionalizados


I conformidade (+) (+)
II inovação (+) (-)
III ritualismo (-) (+)
IV Isolamento (-) (-)
V rebelião (+-) (+-)
Nossa discussão da relação entre essas respostas alternativas e outras fases da estrutura
social pode ser precedida pela observação de pessoas que mudam de uma alternativa a outra
conforme se engajam em diferentes atividades sociais. Essas categorias referem-se a ajustes
de papéis em situações específicas, não a personalidades em sua totalidade. Tratar do
desenvolvimento desse processo em várias esferas de condução introduziria uma
complexidade que foge aos objetivos do artigo. Por essa razão, preocupar-nos-emos
principalmente com a atividade econômica em seu sentido amplo, “a produção, a troca, a
distribuição e o consumo de bens e serviços” na nossa sociedade competitiva, dentro da qual a
riqueza tem forte peso simbólico. Nossa tarefa é procurar alguns dos fatores que exercem
pressão para que os indivíduos se engajem em algumas das respostas logicamente possíveis.
Essa escolha, como veremos, não é nada aleatória.

Em toda sociedade, a Adaptação 1 (conformidade às metas imbricadas culturalmente e


os meios) é a mais comum e amplamente difundida. Se não fosse assim, a estabilidade e a
continuidade da sociedade não seriam possíveis. A rede de expectativas que constitui toda
ordem social é sustentada pelo comportamento de seus membros na primeira categoria.
Comportamento de acordo com os papéis convencionais orientados pelos valores básicos do
grupo é mais regra do que exceção. É esse fato sozinho que permite falar de um agregado
humano como abrangendo um grupo ou sociedade.

Conversivelmente, a Adaptação IV (rejeição de metas e meios) é a menos comum.


Pessoas que se “ajustam” estão, a rigor, na sociedade, mas não fazem parte dela. Do ponto de
vista sociológico, elas seriam os “alienígenas”. Não compartilham o quadro comum de
orientação, eles podem ser enquadrados dentro da população apenas no sentido ficcional.
Nessa categoria, estão psicóticos, psiconeuróticos, autistas crônicos, párias, exilados,
vagabundos, andarilhos, mendigos, ébrios crônicos e viciados. Eles abandonaram, em certas
esferas de atividade, as metas estabelecidas culturalmente, em uma inibição completa em um
caso polar e seus ajustes não estão de acordo com as normas institucionais. Isso não significa
que em alguns casos as fontes de seu ajuste comportamental não façam parte da mesma
estrutura social que eles repudiaram ou que a sua própria existência dentro de uma área social
não constitua um problema para a população socializada.

Esse modo de ajuste ocorre, desde que as fontes estruturais estejam envolvidas,
quando tanto as metas quanto os procedimentos institucionalizados foram assimilados pelo
indivíduo e imbuído com diferencial e alto valor positivo, mas que os instrumentos
institucionalizados os quais prometem uma medida de compromisso bem sucedido com as
metas não estão disponíveis ao indivíduo. Nesses casos, resulta um conflito mental ambíguo
na medida em que a obrigação moral de adotar os meios institucionais entra em conflito com
a pressão de recorrer a meios ilegítimos (que podem ser eficazes para atingir as metas)
enquanto o indivíduo é afastado dos meios legítimos e efetivos. A ordem competitiva é
mantida, mas o indivíduo frustrado e impotente por não poder concorrer nessa ordem
afasta-se. Derrotismo, silêncio e resignação são manifestados em mecanismos de escape os
quais, em última instância, levam o indivíduo a “escapar” das exigências da sociedade. É uma
alternativa que aflora dos fracassos contínuos em perseguir as metas por meios legítimos e
uma inabilidade de adotar a rota ilegítima por causa das proibições internalizadas e
compulsões institucionalizadas, enquanto não se renunciou ainda ao valor supremo do sucesso
a qualquer custo. O conflito é resolvido ao eliminar as metas e os meios. A escapada é
completa, o conflito é eliminado e o indivíduo é socializado.

Note-se que onde há a frustração deriva da inacessibilidade dos meios institucionais


efetivos de buscar metas econômicas ou qualquer tipo de sucesso altamente valorizado é que
as Adaptações II, III e V (inovação, ritualismo e rebelião) são possíveis. O resultado será
determinado por uma personalidade particular e, assim, por uma base cultural particular
envolvida. A socialização inadequada resultará em uma resposta inovadora enquanto o
conflito e a frustração são eliminados, renunciando os meios institucionais e mantendo a
aspiração ao sucesso; uma assimilação extrema de demanda institucional levará ao ritualismo
no qual a meta é deixada de lado como fora de seu alcance, mas a conformidade aos mores
persiste; e a rebelião ocorre quando a emancipação dos padrões regentes, devido às
frustrações ou perspectivas marginais, leva à tentativa de construir uma “nova ordem social”.

Nossa maior preocupação é com o ajuste de ilegitimidade. Isso envolve o uso de meios
convencionalmente proscritos, mas eficientes em obter, pelo menos, algo parecido com o
sucesso culturalmente definido, - riqueza, poder e outros. Como vimos, esse ajuste ocorre
quando o indivíduo assimilou a ênfase cultural no sucesso sem internalizar igualmente as
normas moralmente prescritas sobre os meios para atingir essas metas. Vem, então, a questão:
quais fases da nossa estrutura social predispõem a esse modo de ajuste? Podemos examinar
um exemplo concreto, efetivamente analisado por Lohman, que nos dá uma pista da resposta.
Lohman mostrou que áreas especializadas no crime organizado nas redondezas do norte de
Chicago constituem uma resposta normal à situação na qual a ênfase cultural no sucesso
pecuniário foi absorvida, mas no qual há pouco acesso aos meios convencionais e legítimos
de obter tal sucesso. As oportunidades profissionais nessa área estão limitadas a trabalhos
braçais. Dada a estigmatização do trabalho braçal, e seu correlato, o prestígio do trabalho de
terno e gravata, está claro que o resultado é uma deformação sob a forma de inovação das
práticas. A limitação de oportunidade para trabalhadores não qualificados e o resultado da
baixa renda não podem competir em termos de padrões convencionais de conquistas com a
alta renda vinda do crime organizado.

Para nossos propósitos, a situação envolve duas características importantes.


Primeiramente, o comportamento antissocial é “convidado” por certos valores convencionais
da cultura e pela estrutura de classe envolvendo acesso diferenciado às oportunidades para a
busca legitimada baseadas em prestígio de metas culturais. A falta de alta integração entre
elementos de meios e fins do padrão cultural e certas estruturas de classe combinadas
favorecem uma frequência aumentada de conduta antissocial nesses grupos. A segunda
consideração é de igual significância. Em resposta a primeira característica, o esforço legítimo
é limitado pelo fato de que o avanço em direção aos símbolos desejados de sucesso por meio
dos canais convencionais é, apesar de nossa ideologia de oportunidades a todos, relativamente
rara e difícil para aqueles limitados por pouca educação formal e poucos recursos
econômicos. A pressão dominante de padrões de grupos de sucesso está no enfraquecimento
gradual dos esforços legítimo e inefetivos concomitante ao aumento dos esforços ilegítimos e
efetivos. As demandas culturais feitas sobre essas pessoas nessa situação são incompatíveis.
De um lado, elas são orientadas a acumular riqueza e, de outro, lhes são negadas
oportunidades efetivas de fazer isso institucionalmente. As consequências dessa
inconsistência estrutural são personalidade patológica, conduta antissocial e/ou atividade
revolucionária. O equilíbrio entre meios e fins designados culturalmente torna-se altamente
instável com a ênfase progressiva em obter prestígio de qualquer forma. Nesse contexto, Al
Capone representa o triunfo da vitória amoral sobre o fracasso moralmente prescrito, quando
os canais de mobilidade vertical estão fechados ou estreitados em uma sociedade que coloca a
riqueza econômica em primeiro lugar e a ascensão social para todos os membros.

A última qualificação é primordialmente importante. Sugere-se que as outras fases da


estrutura social, além da extrema importância no sucesso pecuniário, devem ser consideradas
se quisermos entender as fontes sociais do comportamento antissocial. Uma alta frequência do
comportamento desviante não é gerada apenas pela falta de oportunidades ou sua ênfase sobre
o pecuniário. Uma estrutura de classe comparativamente rígida ou uma ordem feudalística ou
de castas pode limitar as oportunidades muito mais do que a nossa sociedade faz. É apenas
quando o sistema de valores culturais exalta, acima de qualquer coisa, certos valores comuns
de sucesso para a população em geral enquanto sua estrutura social restringe rigorosamente ou
elimina completamente o acesso aos modos legítimos de alcança-los para considerável parte
da população que o comportamento antissocial acontece em escala. Em outras palavras, nossa
ideologia igualitária nega a existência de grupos ou indivíduos que não podem competir por
sucesso pecuniário. O mesmo corpo de símbolos de sucesso é apresentado como desejável por
todos. Espera-se que essas metas transcendam as fronteiras de classe, não que fiquem presos a
elas, mas a organização social de fato é tal que existem diferenciais de classe no acesso a
esses símbolos de sucesso. Frustração e desejos não realizados levam à busca por válvulas de
escape de uma situação intolerável culturalmente induzida; ou uma ambição não aliviada pode
culminar em tentativas ilícitas de alcançar os valores dominantes. A ênfase norte-americana
em sucesso pecuniário e a ambição de todos convidam a ansiedades exageradas, hostilidades,
neuroses e comportamento antissocial.

A análise teórica pode ir bem além ao explicar as correlações variáveis entre crime e
pobreza. Pobreza não é uma variável isolada. É um complexo de variáveis sociais e culturais
interdependentes. Quando observado em contexto, representa coisas muito distintas. Pobreza
dessa forma, e a consequente limitação de oportunidades, não são suficientes para induzir uma
taxa notavelmente alta de comportamento criminoso. Mesmo muito mencionada “a escassez
em meio à abundância” não levará necessariamente a esse resultado. Somente à medida que a
pobreza e a desvantagem na competição por valores culturais aprovados para todos os
membros da sociedade estão ligadas com acumulação de dinheiro como símbolo de sucesso é
antissocial conduz a um resultado “normal”. Assim, a pobreza é menos altamente
correlacionada com crime no sudeste europeu do que nos Estados Unidos. As possibilidades
de mobilidade vertical nessas áreas europeias pareceriam menos que nesse país de modo que
nem a pobreza per se nem sua associação com a oportunidade limitada é suficiente para dar
conta das variadas correlações. É apenas quando a configuração completa é considerada, a
pobreza, a oportunidade limitada e um sistema compartilhado de símbolos de sucesso, que
nós podemos explicar a alta associação de pobreza e crime em nossa sociedade quando
comparada a outras sociedades de estrutura de classe mais rígida com diferentes símbolos de
sucesso para cada classe.

Em sociedades como a nossa, então, a pressão de sucesso baseado em prestígio tende a


eliminar as limitações sociais efetivas sobre os meios empregados para esses fins. A doutrina
“os fins justificam os meios” torna-se o princípio orientador da ação quando a estrutura
cultural exalta exageradamente a meta e a organização social limita exageradamente limita o
recurso possível pelos meios aprovados. Dito de outra forma, essa noção e comportamento
associado reflete uma falta de coordenação cultural. Nas relações internacionais, os efeitos
dessa falta de integração são notoriamente visíveis. Uma ênfase sobre o poder nacional não é
prontamente coordenada com a organização inepta do legítimo, por exemplo, meios
internacionalmente definidos e aceitos de perseguir essa meta. O resultado é uma tendência de
negação das leis internacionais, de tornar os tratados como letra morta, usar detalhes técnicos
para guerras não declaradas, bombardear civis como algo racional, da mesma forma que as
mesmas situações sociais induzem a mesma influência de ilegitimidade entre indivíduos.

A ordem social que descrevemos necessariamente produz esta “tensão em direção à


dissolução”. A pressão de tal ordem dirige-se a ultrapassar aquela dos competidores. A
escolha dos meios dentro do âmbito do controle institucional persistirá enquanto os
sentimentos, que apoiarem um sistema competitivo (por exemplo, derivando a possibilidade
de superar competidores e, assim, disfrutar das respostas favoráveis dos outros), são
distribuídos por todo o sistema de atividades e são confinadas meramente ao resultado final.
Uma estrutura social estável demanda uma distribuição equilibrada de influência entre os
vários segmentos. Quando ocorre uma mudança na ênfase da satisfação derivada da
competição em si mesma para uma satisfação quase que exclusivamente derivada da vitória, a
pressão leva à quebra da estrutura regulatória. Com o enfraquecimento resultante dos
imperativos institucionais ocorre uma aproximação da situação erroneamente apontada pelos
utilitaristas como típica de sociedades nas quais cálculos de vantagem e medo de punição são
as únicas agências reguladoras. Nessas situações, como Hobbes observou, a força e a fraude
vêm a constituir as únicas virtudes na vista de eficiência relativa em perseguir metas, - que
não foram para ele, naturalmente, culturalmente derivados.

Deveria estar claro de que a discussão em andamento não está cravada em um


horizonte moralista. Quaisquer que sejam os sentimentos de um escritor ou um leitor no que
se refere aos desejos éticos de coordenar as fases meios-metas da estrutura social, deve-se
concordar que a falta de coordenação leva à anomia. Na medida em que a maioria das funções
gerais da organização social é oferecer a base para o cálculo ou a regularidade do
comportamento, é extremamente limitada, no que se refere à efetividade, como esses
elementos da estrutura tornam-se dissociados. No extremo, a previsibilidade virtualmente
desaparece e o que pode culturalmente ser chamado de caos cultural ou anomia aparece.

Essa afirmação, sendo breve, está também incompleta. Não incluiu um tratamento
exaustivo de vários elementos estruturais que predispõem mais a uma resposta alternativa do
que a outra; negligenciou, mas não negou a relevância, os fatores que determinam a
incidência específica dessas respostas; não enumerou as várias respostas concretas que são
constituídas por combinações de valores específicos de variáveis analíticas; omitiu, ou incluiu
somente como desdobramento lógico, qualquer consideração das funções sociais
desempenhadas por respostas ilícitas; não testou todo o potencial explicativo do esquema
analítico ao examinar um grande número de variações de grupo na frequência de
comportamento desviante ou conformista; não lidou adequadamente com a conduta rebelde
que busca remodelar radicalmente o quadro de referência; não examinou a relevância do
conflito cultural para uma análise da má integração entre metas culturais e meios
institucionais. Sugere-se que esses e outros problemas relacionados podem ser
proveitosamente analisados por esse esquema.

Você também pode gostar