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m,m._ I ATITUDES RACIAIS


DE PRETQS E MULATOS
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ANGELO DEL Vsccx-no (Presidente)
Paouo Lulz Guam (Vice~Presideme)
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Copyright © 2010 by Editora Sociologia e Politica

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Ficha catalogrifica - Editora Sociologia e Politica - FESPSP

Atitudes raciais de pretos e mulatos em S50 Paulo / Virginia Leone Bicudo,


A872 Marcos Chor Maio (0rg.) - Sao Paulo: Editora Sociologia e Politica, 2010.
192 p.

1. Ciéncias Sociais 2. Atitudes Etnico-Raciais 3. Negros e Aspectos Sociais


4. Sao Paulo (SP)
I. Bicudo, Virginia Leone. II. Maio, Marcos Chor l
4
ISBN; 978-85-62116-03-2 CDD 305. 816 I

lndice para cazilogo sistematico=

1. Ciéncias Sociais: Atitudes Emico-Raciais CDD 305.816

Imagém da capa.- Ampliagao de foto


de Virginia Leone Bicudo. Década de 1950.
(ver foto da pagina seguinte)
Fonte: Acervo pessoal de Rosa Zingg

Direitos Reservados a
Editora Sociologia e Politica
_1_ _ ._. Rua General Jai-dim, S22 - Vila Buarque
01223-010 — Sio Paulo — SP — Brasil
Tel. Fax 0 55 11 31257800
www.fespsp.0rg.br — editora@fespsp.org.br

l Printed in Brazil 2010


Foi feito depésito legal

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suIvIA|2Io

APRESENTAQ./3.0 ...................................................................... Al 9

PREFACIO ............................................................................. ‘A 11
l

INTRODUQAO; A CONTRIBUIQRO
DE VIRGTNIA LEONE BICUDO AOS ESTUDOS
sosm-: AS RELAQOES RACIAIS NO BRASIL .... .. .................. ..23
MARc0s Cnon MMO

ATITUDES RACIAIS DE PRETOS


E MULATOS EM SAO PAULO ........................... .. .................. ..61
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1
VIRGINIA LEONE BICUDO
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CADERNO DE IMAGENS ................................. .. ................ .. 165


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APRESENTAQAO

1
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A edigao ora apresentada da continuidade a série de publi-


cagoes sobre Historia das Ciéncias Sociais Brasileiras da Edi-
tora Sociologia e Politica da Fundagao Escola de Sociologia e
Politica de Sao Paulo (FESPSP).
Aqui, também, “Atitugtles raciais de negros e mulatos em Sao
Paulo” é uma homenagem a autora. Aluna e professora da Es-
cola de Sociologia e Politica, sociologa e psicanalista, pesquisa-
dora e profissional da safide e da educagao, Virginia Leone
Bicudo completaria, em 2010, cem anos de vida.
Nesta edigao, além_do tratamento critico do organizador e
dos colaboradores, esta a integra da dissenagao de Bicudo.
‘Até agora nao publicado, o texto teve oitografia e norrnas atu—
_ alizadas. Pela cessao dos direitos de publicagao da obra, bem
como pelo apoio constante, muito agradecemos a Rosa Zingg,
sobrinha de Virginia.
A0 fim do volume, um caderno de imagens compila fotos e
_ “documentos sobre a autora e sua trajetoria.

. Sao Paulo, novembro de 2010

lg Romuoo ESTRAMANHO DE ALMEIDA


Editora Sociologia e Politica - FESPSP

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I>IuzrAc|o
Acomoclagfio ou cansciéncia dc discriminagiio?

...s0u doeme e sei, portanto, onde déi (entrevistado n9 8)

Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em S470 Paulo‘


é importante documento de um periodo que mostra simulta-
neamente 0 processo de desenvolvimento das ciéncias sociais
brasileiras e a situagao do negro na capital paulista. Trata-se de / 71;
texto apresentado em 1945 por Virginia Leone Bicudo 21 divisfio
de estudos de Pos-Graduagao da Escola Livre de Sociologia e
Politica de Sao Paulo, naquele momento instituigao comple-
mentar da USP. No cenério da sociologia, entio se consolidan-
do nos cursos de ciéncias sociais fundados no decénio anterior
na cidade, a tese faz pane de um conjunto de pesquisas desen-
volvidas por professores e alunos daquela escola dedicado a
temética “populagoes marginais”, refericla a negros, imigrantes
japoneses e alemies?
A concepgao de rnarginalidade tem aqui um caréter defi-
nido estritamente se a confrontarmos as aplicagzoes do termo
em investigagoes desenvolvidas nos anos posteriores. Apoia-se
nas formulagoes de Everett Stonequist, que considerajriarginal’;
o individuo que age em um quadro de incerteza psicologica
1 Esse é o titulo original da dissenagzio dc Virginia Leone Bicudo. No titulo da presentc
publicagio suprimimos a palavra “Estudo". — Nora do Editor.
2 Para consullar as pesquisas sobre imigraeio desenvolvidas na Escola Livre dc Sociologia
e PoliLica dc Sio Paulo, ver Nucci (2010).

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§gm:M:___J J‘ _4_~.e__i ._-1--N.-_T,... .._
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por estar colocado entre dois mundos sociais (STONEQUIST, nais, e ainda a afirmacao e/ou conquista de um espaco cultural.
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1937). Essa situacao reflete—se em seu intimo, operando através O terceiro passo supoe-um duplo movimento, que compreende
de representacoes opostas em relacao a esses dois universos: os diferentes componentes da sociedade envolvente e o(s)
discordia e harmonia, at-racio e repulsa. Seriam problemas grupo(s) minorit£1rio(s): trata-se da acomodacao. Quando nao
experimentados por pessoas em processo de transicao entre consegue a realizacao deste objetivo; resta ao “grupo de fora"
duas culturas. Suas pesquisas foram realizadas junto a grupos abrir mao da maior___parte de suas caracteristicas diferenciado-
étnicos minoritarios da sociedade norte-americana. Trata-se ras e assumir 9l:2_1_S_§i_rr1ila<_;a"10; No sentido que Park lhe confere,
de desdobramento de conceitos cunhados por/1€6Bert“E.‘ Park) assimilafio é 0 processo de interpenetragio e fusao pelo qual
(1921, 1928, 1932 e 1937) que tém como fundamento a ideia individuos ou grupos adquirem lembrangas, sentimentos e ari-
de conflito cultural, o qual remete diretamente a formagio da tudes de outras pessoas ou outros grupos e partilham de sua
l
identidade (PARK, 1928, 1952 e 1937;gARK_;_gl_3URGUESS, 1921). experiéncia e historia, integrando-se a estes numa vida cultural
Lembremos que Park foi orientador c(i<-:*..1l§u>_r_1gal_d__EPigie__r§_Ac>n, 0 qual, comum (PARK; BURGUESS, 1921).
l
por sua vez, orientou a tese de Virginia Leone Bicudo. A visio de Park sobre a sociologia como a ciéncia do
"l,> Varios pontos desenvolvidos por Park embasam a argumen- comportamento coletivo permite que conceba atitude como
tacio deste livro, embora nem sempre sejam explicitarnente o modo de percepcao de pessoas ou objetos, elemento da
discutidos. Primeiramente, a nogao d'e rela§6es raciais, acom- personalidade que nao se confunde com as ideias de valor
panhada dos processos sociais referidos a qualidade dessas re- ou acao. O conceito pode ser usado por ele como estratégia
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lacoes; em segundo lugar, 0 conceito articuladoao para refletir sobre as transformacoes sociais, mas, ao mesmo
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Q1_e__interag:ao sociai; em terceiro, a conotacao atribuida a mu- tempo, se traduz em posicao de certo modo ambigua quando
iiI:
danya social; em quarto, a concepgao de mizrginqlida/cle. Ve- referida a mudanga e ao modo como as pessoas poderiam
jamos brevemente 0 significado dessas categorias para aquele provoca-las. De um ulado, conflito e acomodacio sucediam—se,
autor e verifiquemos como sao operacionalizadas por Virginia. e essa alternfincia teria a comunicacao como instrumento, pos-
‘Em sentido amplo, Park concebe as relacoes raciais presentes sibilitando o equilibrio nas diferentes situacoes em que ambos
em uma sociedade -— levando em consideracao a historia da aparecem. De outro, atribuia ao individuo a quase impossi-
imigracao — como estaveis ou tensas, as ultimas podendo ge- bilidade cle conhecimento do outro (a tese de Blindness, de
rar conflitos de varias ordens. Considera esse desenvolvimento William James), 0 que faz avangzar a analise e também a limita
através de passos sucessivos, representados pelos processos na diregao de compreender como as pessoas foram configura-
sociais de contato, competicio, acomodacao e assimilagao. das segundo as imposigoes dos conflitos grupais. Em outros
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‘: L-IE2;_.- Certamente, o contato significa situagio sine qua non para a termos, a tensao reside na dupla face apresentada pelas so-
existéncia e a evolugao dos outros processos. Segue-se a com- ciedades humanas: um aspecto é explicitado através dos con-
petigio, consequéncia da busca de lugares sociais e profissio- flitos entre individuos e grupos independentes pelo dominio
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economico, social, territorial; o outro mostra os elementos de cias de uma situacao social que condiciona a marginalidade. Em
sua sustentacao — consenso, solidariedade e objetivos sim- outros termos, as condicoes sociais que geram a marginalidade
bolicamente compartilhados? ficam intocadas numa reflexao que toma a direcao psicologico-
Dessa posicao decorre a conotacao conferida a mudanca cultural. Além disso, sem o estudo da situacao social que gera
social. Chamo a atengao do leitor para a no<;ao"operada por a marginalidade, fica comprometida a analise sobre as possibi-
Virginia Leone Bicudo, que lembra: “Consoante as observagoes lidades da competicfio em uma situacao de igualdade.
de Robert E. Park, as mudancas sociais comecam com as mu- Volto agora ao trabalho de Virginia Leone Bicudo. Seguindo
dancas nas atitudes condicionadas pelos individuos, operando- a reflexao das ciéncias sociais da época, que associam mu-
se posteriormente mudancas nas instituicoes e nos mores" (BI- danca social ao processo de integracao dos grupos na socie-
CUDO, 1945, p. 2; ver, neste volume, p. 64). dade envolvente, conforme procurei apontar anteriormente, as
Fisher e Strauss, em seu estudo sobre o interacionismo, mos- discussoes sobre a igualdade de condicoes para o exercicio
tram como essa concepcao de passagem auromatica entre in- da competicao estao ausentes dos objetivos de sua tese. No
dividuo e instituicoes configura a visao de Robert Park da so- entanto, apesar desse problema nao constar do protocolo da
ciedade como autorreguladora. Park podia ver o influxo de pesquisa, sua profunda intuicao sobre a situacao social do ne-
sulistas, de negros rurais para as cidades do Norte como causa gro permite a emergéncia, através das historias de vida e tam-
inevitavel de conflito racial, sem tratar esses choques como bém do estudo da “Associacao de Negros", do ponto central da
oportunidades de pressionar pelos programas de integracao questao, a qual so mais tarde entrara no debate da sociologia
racial. Os processos basicos de mudanca social estavam além brasileira sobre a questao racial. g
da legislacao. As pessoas resolveriam os problemas b€1SiCOS <16 A autora opera com a questao (daidentidade, mostrando
conflito e acomodacao muito melhor do que a legislacao pouco como esta se expressa em atitudes e mesrno na organizacao
realista (FISHER; STRAUSS, 1980, p. 609). ' da acao individual. Para o desenvolvimento dessa tematica, es-
Retomando o que foi dito antes, marginalidade, para Park, é tuda dois grupos — negros e mulatos —, sub_divididos segundo
um traco da personalidade. Apresenta-se como um fenomeno sua classe social, utilizando para essa classificacao a condicao
psicologico individual resultante de tensoes e conflitos decor- economica, a profissao e o nivel de instrucao dos entrevistados.
rentes de elementos antagonicos provenientes de culturas diver- Nos relatos, atitudes e expressoes sobre a acao individual se
sas incorporados pelo individuo em uma situacao de mudanca entrelagam. As historias de vida mostram os contatos primarios.
social (PARK, 1928). As criticas que tem sido feitas a essa con- A descricao da “Associacao dé Negros Brasileiros" e passagens
cepcao sao conhecidas, o que me poupa da retomada de seu do mensario “Os Descendentes de Palmares” dao a dir-nensao
exame. Lembro apenas um aspecto importante presente nessas das possibilidades da acao coletiva, tanto em direcao da as-
criticas: o enfoque no individuo ressalta apenas as consequen- similacao “dos grupos de cor a populacao branca", quanto da
3 Vcr a analise sobre Park de Coscr (1971). denuncia da discriminacao. ‘A

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A5p€CtO crucial da formulacao dessa identidade -—— 0 pro- dida que se tornavam maus. Com tristeza, eu identifiquei a cor
cesso de socializacao — é reconstruido através das histori- preta ao mal.” (ver, neste volume, p. 80).
I
as de vida,__estas mais aprofundadas nos casos dos negros A consciéncia da separacao entre os papéis profissionais e
pertencentes as classes sociais intermediarias. A situacao de os sociais aparece em inumeros relatos. A do chefe negro, que
l

contato ou nao com brancos durante a infancia é lembrada, recebe um convite de formatura de seu subordinado branco e
sem a analise direta da construcao do sey’ decorrente Aessas ouve o comentario deste no dia seguinte: “Ontem minha irma
relacoes. Mas, novamente, a sensibilidade da autora, via en- ficou preocupada vendo-me convida-lo para a festa de forma- >

trevistas, abre uma brecha para a visualizacao de novas pers- l tura e me censurou. Tranquilizei-a imediatamente, dizendo-lhe
pectivas abertas a analise: a) a percepcao tardia, por grande que o havia convidado porque sabia que o senhor nao iria.”
pane dos negros da existencia da discriminacao; b) os claros (ver, neste volume, p. 75). Ou ainda: “Ha tempos, fui home-
limites no desenvolvimento dos papéis sociais, economico- nageado com um almoco pelos meus amigos brancos. Estes
profissionais e culturais, que nao alcancam correspondéncia procuraram o Hotel d’Oeste para a homenagem, mas, quando
entre si; c) 0 isolamento autoimposto por negros e mulatos o gerente soube que o almoco seria oferecido a um preto, em-
que alcancaram ascensao social; d) 0 conflito existente entre bora me conhecesse, recusou aceitar a encomenda” (ver, neste
a acao na direcao da integracao-assimilacao e a aceitacao da volume, p. 76).
situacao racial. O isolamento social autoimposto por negros e mulatos surge
Um entrevistado, criado por brancos na casa de quem sua em varias narrativas. Como na do entrevistado que conta ser
mae trabalhava comodomestica, aponta para 0 fato de que sempre convidado por um amigo intimo branco as festas em
essas relacoes mascaram a situacao de discriminacao racial sua casa, “as quais nao compareco. No dia seguinte, sempre me
presente na sociedade. Sentia-se tratado “como igual” no ,seio telefona, indagando por que nao compareci. Houve uma festa
I
da familia; contudo, lembra; “Mas 0 vigario me advertia sem- I de formatura no Esplanada, convidou-me e nao fui, mas noto
que, nao sendo em sua casa, ele até hoje nao reclamou por eu
pre: ‘Lembre-se que vocé nao é igual a eles.’ Eu, porém, nfio
I
compreendia 0 sentido daquelas palavras. Somente muito mais nao ter ido” (ver, neste volume, p. 7). Ou na do dentista que
tarde as entendi” (ver, neste volume, p. 74).
Outro, profissional liberal, recorda a infancia pobre, cerca-
I

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diz: “Quanto mais minha consciéncia se foi esclarecendo, tanto
mais fui me afastando dos meios de recreagao. Nesses ambi-
entes nao me sinto bem” (ver, neste volume, p. 92).
l
II
da de restricoes e de sua descoberta da existéncia do precon- l

ceito racial, primeiramente por meio de um quadro na igreja, I


O conflito entre a “necessidade de assimila<_;ao” e a conscien-
lI
que representava um santo branco pisando na cabeca de um cia de existéncia da discriminacao aparece em varias falas. Sao
satanas negro. Depois, aos 7 anos de idade, lendo um livro, .15
expressivas desse conflito as palavras da funcionaria publica
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“onde uma figura representava os anjos bons e os maus. Havia <1
mulata que, de um lado, sente a dor da discriminacao e, de
me despertado a atencao o fato de os anjos escurecerem a me- ll
outro, evita o enfrentamento do problema, buscando “integrar-
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16 l7

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se”. No inicio da entrevista, diz: “A cor motiva grande complexo lhes permite forte coesao social, a qual abre espaco a reivin-
de inferioridade: a gente se sente inferior ao branco, feia, di- dicacoes de direitos.
ferente, e muitas vezes tem vergonha de si mesma" (ver, neste As vezes, o silencio diz muito mais do que as palavras. E
volume, p. 110). Mais adiante, afirma: “N50 seria capaz de amar interessante notar que Virginia nao se refere a movimentos so-
um preto ou um mulato, mas, desde que nao se percebam ciais que denunciem ou lutem contra a situacao de exclusao
tracos de ascendéncia preta, eu me casaria com uma tal pessoa. tantas vezes apontada nas entrevistas existentes no momento
O que importa é a aparéncia" (ver, neste volume, p. 111). de sua pesquisa.‘ Ela se refere a uma “Associacao de Negros
Ou ainda as afirmacoes da mulata — casada com um branco Brasileiros” e ao jornal por esta publicadof e indica seu ini-
—- que reconhece a existencia do preconceito de cor manifesto cio e seu fim: 1951 e 1957, respectivamente. Portanto, ambos
de varias maneiras: “Uns demonstram 0 preconceito com be- desapareceram no inicio do Estado Novo, e a pesquisa feita
nevoléncia exagerada e outros com muito desprezo. Naturali- pela autora encerrou-se antes do término deste periodo. A re-
dade ou igualdade no trato do branco para as pessoas de cor pressao exercida sobre os movimentos sociais na epoca pode
nao ha" (ver, neste volume, p. 111). E, no decorrer da conversa, ser considerada como uma das explicacoes que levam a que
mostra ambiguidade de sentimentos: “Nao tenho experiéncias varios entrevistados afastem a possibilidade de mobilizacoes
pessoais desagradaveis, porque fugi muito do negro, e, como direcionadas contra a discriminacao racial.
mulata, procurei me assemelhar ao branco" (ver, neste volume, O quadro de limitacao das liberdades caracteristico daquele
p. 112). Logo a seguir, afirma constatar 0 aborrecimento do momento é de grande importancia quando relacionado ao
marido “por eu ser de cor [...] demonstra pena ou vergonha componamento individual (veja-se 0 isolamento que alguns
quando observa algum traco fisico nos filhos. Estes ressenti- entrevistados se impoem). Nesse nivel, a recusa ao enfrenta-
mentos dele me ofendem, e nos poem em conflito” (ver, neste mento de varias situacoes sociais que “exp0riam" sua condicao
volume, p. 112). - racial caracteriza-se como estratégia de evitar 0 conflito, mas
Embora quase'sempre velada, a denuncia de uma socie- creio que as razoes sao mais amplas: pode representar, tam-
dade cruel — que, ao mesmo tempo, através dos comp0r- bém, a fuga a dor com que a discriminacao, expressa por varios
tamentos e acoes, afirma_a inferioridade racial e nega essa componamentos em relacao aos negros, os atingiria. A nao
afirmacao — coloca, para alguns entrevistados, a necessidade admissao clara da discriminacao talvez os protegesse naquele
de interiorizar, de algum modo, a dignidade que lhes e tantas dado momento, mas os afasta da analise do quadro em que
vezes negada. Por exemplo, um dos entrevistados lembra, de estao inseridos. Afasta-os de perceber 0 conflito como cons-
passagem, a longa historia'das sofisticadas civilizacoes airi- 4 Os dados foram coletados entre 1941 c 1945.
canas, embora nao as articulasse a sua difusao entre os bran- 5 Ela diz: “Por razoes obvias, 0 nome da associacao e, a seguir, 0 titulo do seu mensario
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sao ficticios“ (ver, neste volume, nota ii p. 122). Gracas a uma consulta que fiz a Mario
cos europeus. Outro inveja a situacao dos negros nos Estados 1
£5‘
Augusto Medeiros da Silva, a quem nao escapa nem mcsmo 0 mais obscuro boletim da
imprensa negra, pude identificar tanto a associacao quanto 0 jornal. Agradeco muito a ele,
Unidos, por viverem uma clara situacao de desigualdade que mas respeitarei o desejo da autora, nio os divulgando.

18 19
1
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titutivo da sociedade; e, no caso da discriminacao racial, _da opera como um impeditivo a coesao do grupo discriminado.
reflexao sobre as razoes que fundam esse conflito. Ou, ainda, funciona como obstaculo a movimentos sociais que
Embora a tese da existéncia de umatidemocracia racial_,no denunciem a precariedade da condicao do negro na sociedade
Brasil esteja por tras de varias narrativas dos entrevistados — brasileira. Sem fazer diretamente uma critica ao que sera pos-
e, segundo Pierson (BICUDO, 1945, p. 61; ver, neste volume, teriormente denominado “mito da democracia racial”, a tese de
p. 156), a mobilidade social do mulato expresse essa situacao Virginia Leone Bicudo, agora publicada como livro, contribuiu
-—, Virginia insiste em mostrar, mediante algumas entrevistas, a para 0 avanco dessa tematica e possibilitou novas abordagens
presenca da cotisciencia da exclusag Embora extrapolando os sobre 0 problema da discriminacao racial.
termos por ela us';a6§jEIi diria oflsentimento da discriminacao.
Veja-se, como ilustracao, a expressao “sou doente e sei por- Sao Paulo, novembro de 2010
tanto onde me doi” (ver, neste volume, p. 76), usada por um
ELIDE RUGAI BAsros
deles e que coloco como epigrafe deste prefacio. Professora titular do Programa de P6s-Graduagao
A vivéncia da discriminacao como dor lembra-me um conto em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (ZHVICAMP).

de Primo Levi. Ele, que foi sempre consciente das conspiracoes


contra a continuidade da vida, escreve sobre seu personagem:
Referéncias
Ruminou uma ideia sobre a qual nao pensava havia tempos, porque
sofrera bastante: que nao se pode extirpar a dor, nem se deve, pois BICUDO, Virginia Leone. Estado de atitudes raciais depretos e mu-
l
l
ela é nossa guardia. Frequentemente é uma guardii estupida, porque latos em Sao Paulo. 1945. Dissertacao (Mestrado em Ciéncia) — Es- l
inflexivel, fiel a sua tarefa com uma obstinagao maniaca, e nunca se cola Livre de Sociologia e Politica de Sao Paulo, Sao Paulo, 1945.
cansa, ao passo que todas as outras sensacoes se cansam, se dete-
rioram, especialmente as mais prazerosas. Mas nio se pode suprimir COSER, Lewis. Masters of Sociological Thought: ideas in historical
al dor, fazé-la calar, porque faz parte da vida, é a sua salvaguarda and social context. New York: Harcourt Brace jovanovich, 1971.
(LEVI, 2005, p. 91).
FISHER, Berenice M.; STRAUSS, Anselm L. O interacionismo. In:
De certo modo a tese da existencia de uma democracia racial
7 BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (Orgs.). Historia da analise
no Brasil funciona como a versamina do conto de Levi, droga socioldgica. Traducao de Waltensir Dutra. Rio de janeiroz Zahar
descoberta e aplicada por Kleber e capaz de transformar a dor Editores, 1980, p. 596-649.
em prazer. ja foi apontado por varios analistas da questao racial
como essa afirmacao funda uma consciéncia falsa da realidade LEVI, Primo. Versamina. In: LEVI, Primo. 71 contos. Traducao de
(varias vezes denunciada pelos entrevistados por Virginia) e Mauricio Santana Dias. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2005.

20 21
NUCCI, Priscila. Os intelectuais diante do racismo antiniponico no |NrRoouci\o= A coNrR|au|<;Ao
Brasil; textos e silencios. Sao Paulo: Annablume, 2010. or VlRGlNlA LEONE BICUDO
AOS ESTUDOS sonar AS REI.A;0Iss
PARK, R. E. Human Migration and the Marginal Man. American RACIAIS NO BRASII.
journal ofSociology, 55, p. 881-895', 1928.
MARCOS CHOR MAIo'
I
. Introduction. In: STONEQUIST, E. The Marginal Man: a
study in personality and culture conflict. New York: Charles Scrib- Desde crianpa ea sentia preconceito de cor. Queria 0 curso de socio-
ner's Sons, 1957. logia porque, se 0 problema era esse preconceito, eu deveria estadar
sociologia para me proteger do preconceito, que é formado ao nivel
. Introduction. In; YOUNG, Pauline V. The Pilgrims ofRus- Sociocultural (BICUDO, 1994, p. 6).
sian-Town; the community of spiritual christian jumpers in Amer-
ica. Chicago; University of Chicago Press, 1932. Os elos entre subjetividade, preconceito de cor e a Escola Livre
de Sociologia e Politica (ELSP) parecem evidentes no depoi-
PARK, R. E.; BURGUESS, E. W. Introduction ofthe Science ofSoci- mento de Virginia Leone Bicudo (1910-2003). Passaram-se pran-
ology. Chicago: University Of Chicago Press, 1921. camente cinco décadas desde que ela defendeu sua dissertacao
de mestrado intitulada Estado de Atitudes Raciais de Pretos e
STONEQUIST, E. The Marginal Man: a study in personality and Mulatos em Sdo Paulo (1945), investigacao pioneira sobre as
Culture Conflict. New York: Charles Scribner’s Sons, 1957. relacoes raciaié em um grande centro urbano, sob a orientacao
I
do s0ciol0g0/Donald Pierson. A pesquisa foi desenvolvida en-
i tre 0s anos 1941 e 1944 elagjdissertacao defendida no ano se-
guinte. Tendo por base estudos de caso, entrevistas, exame
de documentacéio da Frente Negra ,Brasileira (1931-1937) e do
jornal V02 da Raga, Virginia Bicudo traca um amplo painel das
relacoes sociais na cidade de Sao Paulo. Por meio do estudo
das “atitudes raciais" e orientada pelas intersegoes entre Socio-
logia, Antropologia e Psicologia Social — Bicudo apresenta um

' Sociologo, Doutor em Ciéncia Politica é Professor do Programa dc Pos-Graduacio cm


Historia das Ciéncias e da Sande da Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e pesquisador do
CNPq.

22 23
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-universo dividido em classes representado por negros, mulatos pela Escola Livre de Sociologia e Politica nos anos. 1940 e 1950.
e brancos. Este mundo desigual é permeado por conflitos, Educadora sanitaria, visitadora psiquiatrica, cientista social,
.a_ . .-‘A. lcompeticao, mobilidade social, busca de status, preconceito de professora universitaria, psicanalistaf divulgadora cientifica,
_cor e discriminacao racial. protagonista de diversas iniciativas no plano da institucionaliza-
_ A partir dos ricos depoimentos de homens e mulheres das 950 da psicanalise no Brasil, eis 0 mundo diverso em que Virgi-
camadas populates e medias , Virginia Bicudo demonstra, lem- nia transitou. Cabe entio conhecermos um pouco da trajetoria
brando as reflexoes de Dumont (1997, p. 303-316), que no mo- multifacetada de Virginia Bicudo em periodo de efervescencia
mento em que a percepcao hierarquica do mundo cede lugar intelectual na ELSP.
ao ideario igualitario, emerge 0 racismo. Assim, a sociologa
torna evidente a possibilidade do conflito racial em contexto Primeiros Tempos: da Educacio Sanitiiria as Ciencias Sociais

intelectual em que prevalecia a visao do consenso.


Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em Sao Paulo, junto com Virginia Leone Bicudo nasceu na cidade de Sao Paulo, filha /\ -1] '
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os trabalhos de Qiiéiikjggqeita, apresenta nova reflexio sobre de Joana Leone, branca, imigrante pobre de origem italiana, e in
as relacees entre’cor/ra<;_a45':£sse,,so§hl. Evidencia a persisten- de Teofilo Bicudo, negro e afilhado de fazendeiro de cafe em J7
cia do preconceito de cor mesmo'quando se atenua as dife- Campinas. O padrinho de Teofilo, Bento Augusto de Almeida
rencas sociais. O estudo suscita uma visao mais rica e matizada Bicudo, foi senador pelo Partido Republicano Paulista (PRP), _\_§_\‘_\ / ,"““

da producao das ciencias sociais desenvolvida por instituicoes positivista e fundador do jornal O Estado de Sao Paulo. Durante
a infancia e adolescencia residiu no bairro popular da Luz,
bm5ileiTa5- §9l2___?_€1iI.§9;5lQ..de..Donald ..Pietson, a Divisio de Es-
tudos Pos-Graduados da Escola Livre de Sociologia e Politica na Rua Sao Caetano, a Vila Economizadora, conjunto de habi-
produziu um conjunto de pesquisas, a exemplo-da investigagao tacoes construidas no final do século XIX que abrigava fun-
sociologica de Virginia Bicudo, que permite repensar os-esru- cionarios publicos, imigrantes e operarios (MEDRANO, 2006).
dos sobre as relacoes raciais no Brasil. ‘l La morou com os pais e cinco irmaos. Seu pai, Teofilo, contou
A partir das marcas da trajetoria de Virginia Bicudo, considero com o apoio financeiro do coronel Bicudo, quando se trans-
que ela concebeu o conflito como parte constitutiva da vida feriu para a cidade de Sao Paulo a fim de realizar sua formacio
social. Os achados sociologicos de sua dissertagao demestrado escolar. Estudou no tradicional Ginasio do Estado e ingressou,
contrapoem-se as visoes tradicionais acerca da existencia de har- por influencia politica do padrinho, nos Correios e Telégrafos,
monia racial na sociedade brasileira calcada no pressuposto de onde veio a se tornar alto funcionario. 6
que 0 preconceito de cor estaria subsumido ao de classe. bi 6 Virginia Leone Bicudo. Documentos Diversos, CEDOC-FESPSP; http://almanaque.info/
ProvinciaSP/PROVINCIASP.hr.m; hrtp://www.al.sp.gov.br/web/legislativo/parlament/capi-
sentido, o trabalho pioneiro de Bicudo,...a0-ladodas-~pesquisas tulo2/partellpdf, acessado em 23/03/2010; Os avos maternos de Virginia Bicudo vieram
da Sicilia (Italia) para 0 Brasil no fim do século XIX, no contexto da grande leva de imi-
realizadas por Oracy Nogueira, revelam o _protagonisrno-e‘a--atu- gracao italiana. Trabalharam em Campinas, na fazenda de cafe do coronel Bicudo. O pai
morou e trabalhou na fazenda do coronel Bicudo, sendo tratado como filho pelo coronel.
alidade dos estudos sobre as relacoes racia-is-no Brasilrea-lizados

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solacao.’ Ela foi chamada a lecionar em escol-a rural dc Maran-


duba (Ubatuba), mas- acabou seguindo outro destino, induzida
l pelo pai, ao ingressar no Curso de Educadores Sanitarios do
Instituto de Higiene de Sao Paulo.‘°
Criado em 1925, 0 Curso de Educadores Sanitarios do In-
stituto de Higiene estava voltado para professores primarios
devido a longa duracao do curso de enfermagem e '21 falta de
profissionais formados nesta area em Sao Paulo. A partir de
uma visao preventiva, os educadores ministravam conhecimen-
l
tos teoricos e praticos de higiene em escolas e centros de safide 1

Feiriilio de Virginia Leone Bicudo no coso do Vilo Economizodoro. Do esquerdo (FARIA, 2006, p.181). O surgimento do curso coincidiu com
poro o direilo veem-se os irmos Lourdes e Heleno, o moe, Dono joono, o irmo um momento de crescente profissionalizacao das mulheres das
Cormem com o boneco, 0 poi Sr. Teolilo Bicudo, Teolilo Filho e Virginlo Bicudo.
S00 Poulo, 3 de morco de IQZQ. . classes medias urbanas. As politicas educacionais entre as deca-
das de 1920 e 1940 foram fundamentals a inserczio gradativa das
Em 1955, a morte de Teofilo Bicudo levou a primogenita a mulheres no campo profissional e academico. As mudancas no
assumir a responsabilidade pelo sustento da familia.’ Da Luz ao sistema escolar, associadas as transformacoes mais amplas —
jardim Paulista, eis a circulacao de Virginia Bicudo pela geogra- como a urbanizacao e a industrializacao — contribuiram para a
fia da cidade espelhando o processo de mobilidade social me- redefinicao dos papeis sociais femininos nos centros urbanos
diante a educacao, espaco privilegiado no qual- as mulheres de da epoca. A expansao progressiva da economia impulsionou
classe media comecaram a ascender ao mundo das profissoes as atividades das mulheres para fora do mundo do trabalho
de-maior reconhecimento social. Em 1930, apos estudar na Es- domestico (AZEVEDO; FERREIRA, 2006, p. 217-220). Desse
cola do Bras'e no Ginasio do Estado, Bicudo concluiu o curso modo, a presenca das mulheres no curso de educadores san- I
l
l

secundario ria tradicional Escola Normal Caetano de Campos? itarios e nos servicos de saude representou um novo patamar
Em seguida, exerceu o magisterio na categoria de “professora no universo social feminino (ROCHA, 2005). A0 concluir o
substituta permanente" nos Grupos Escolares Carandiru e Con- curso de um ano em 1932 e realizar estagio no primeiro se-
mestre de 1955, Virginia Bicudo foi contratada pela diretoria do
A mac, Joana, foi baba da filha de criacao do coronel. Na fazenda, Teofilo e Joana sc Servico de Safide Escolar do Departamento de Educacao para
casaram. Postcriormcnte, Teéfilo foi estudar em Sao Paulo, por decisao de Bento Bicudo.
Entrevista de Rosa Zingg, sobrinha de Virginia Leone Bicudo, a Marcos Chor Maio. Sao 9 Esta informacao me foi concedida gentilmente pela psicanalista Maria Angela Moretz-
Paulo, 17/12/2009. sohn, da Divisao de Documentagao e Pesquisa da Historia da Psicanalise cla Sociedade
7 Entrevista de Rosa Zingg a Marcos Chor Maio. Sao Paulo, 17. dez. 2009. Brasileira de Psicanalise de Sao Paulo (SBPSP).
8 A tradicional instituicao pfiblica de ensino denominada Escola Mqdelo Caetano de Cam- 10 Entrevista de Rosa Zingg (2009). Lista de alunos da turma de 1932 do Curso de Educa-
pos, situada no bairro da Luz, em Sao Paulo, foi criada em 1890. Sobre a ideologia das dores Sanitérios. Centro de Memoria da Faculdade de Saude Pfiblica da Universidade de
escolas modelos,'ver Carvalho (2002). Sao Paulo.

20 27
fonte de conhecimento para as incipientes organizacoes de
planejamento econémico e desenvolvimento social (LIMONGI,
SBPSP
ise/
mi 1989; SIMOES, 2009; DEL VECCHIO; DIEGUEZ, 2009). Sob OS
_.._,.“c,_.
auspicios da ELSP foram realizados estudos sobre 0 negro; pa-
riuduPstu
drao devida e assistencia filantropica na cidade de Sao Paulo;
enquetes sobre preconceito e atitudes raciais; pesquisas de
opiniao publica, imigrantes, condicoes de trabalho e personali-
dade dos operarios; higiene mental e psicanalise; experiencia
social de doencas; estudos de comunidades rurais; projetos de
desenvolvimento de comunidade, etnologia indigena, etc.“
do
lPosquku
da
DuDlFun
iB sra:
uvmttiisenilutio Para contemplar 0 amplo e diversificado leque tematico de
Professor e colegos do Curso de Educodoro Sonitorio do lnslilulo de Higiene. suas pesquisas, sob ascendencia norte-americana, con-
Virginio é o primeiro do esquerdo poro o direilo, no primeIro fI|o, de roupo escuro,

'
chopéu e lenco bronco no pescoco. Soo Poulo, I932. tratou sociologos e antropologos estrangeiros, tais como: Horace '\

Davis, Samuel Lowrie, Donald Pierson, Radcliffe-Brown, e rece-


dar aulas de higiene em educandarios da cidade de Sao Paulo beu a visita temporaria de outros: Franklin Frazier, Melville Her-
I

(ZINGG, 2009). skovits, Charles Wagley (MASSI, 1989). Inspirando-se na Escola


a ingressou no curso de graduacao em Ciencias Sociologica de Chicago”, a ELSP adotou perspectiva interdiscipli-
Politicas e‘S?c:iais da Escola Livre de Sociologia e Politica (ELSP). nar como nas relacoes entre Antropologia, Sociologia e Psicologia I

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As ciencias sociais passaram a ser uma das alternativas profis- Social. Fez dos problemas urbanos e ruiais seus laboratorios. It

sionais emergentes para as mulheres“ e, no caso de Bicudo, O bacharelado da~ELSP tinha a duracao de tres anos e, no
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permitiu 0 aprofundamento da visada sociologica adquirida no periodo em que Virginia Bicudo foi aluna da Escola, a grade
ambito da educacao sanitaria, na estreita relacao entre puericul- curricular era composta das seguintes disciplinas: Biologia
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tura e condicoes de vida (MAIO, 2010). - Social, Economia Social, Estatisticas, Introducao a Economia,
Trazendo sua experiencia sanitarista, Bicudo matriculou-se Sociologia, Ciencia Politica, Contabilidade, Economia Interna-
em instituicao pioneira no campo das ciencias sociais no Brasil, cional, Financas Pfiblicas, Historia das Doutrinas Econemicas,
criada em 1953, fruto dos esforcos intelectuais de setores da Psicoténica, Administragao Publica, Contabilidade, Economia
elite paulista que buscavam alternativas politicas, a partir da Internacional, Educacao Nacional, Financas Publicas, Historia
formacao de quadros tecnicos, a derrota da Revolugao Constitu-
12 Ver Anuarios da Escola Livre de Sociologia e Politica.
cionalista de 1932. As Ciencias Sociais tornam-se importante 15 N0 final do seculo XIX, Chicago transformou-se num verdadeiro “laboratorio social”
em decorrencia dos problemas sociais advindos da urbanizagio e da industrializagao. As
Ciencias Sociais da Universidade de Chicago foi pioneira na proposta de uma sociologia
11 Sobre a presenga feminina nos cursos de ciencias sociais em Sao Paulo nos anos 1940 e
empirica tendo em vista propositos reformistas. (VALLADARES, 2005).
1950 ver Anuarios da ELSP. Ver tambem Miceli (1989).

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I-

Econémica do Brasil e Psicologia Social. Em 1958, Bicudo ba- ciais na ELSP, “imaginando que la (...) descobriria as causas da
charelou-se em Ciencias Sociais e Politicas sendo a Einica mu- dor e, portanto, 0 lenitiv0” (BICUDO, 1989, p. 95).“ Em alguns
lher formada numa turma de 8 alunos. depoimentos", ela revela que foi alvo de preconceito na infan-
Neste periodo, Virginia Bicudo conheceu 0 medico e psi- cia pelo fato de ser negra, chegando a0 dramatico relato sobre
canalista Durval Marcondes, que atuava no Servico _de Sande um episodio de discriminacao racial sofrido pelo pai:
Escolar desde meados da decada de 1920 e foi professor da
disciplina Higiene Mental para 0 Curso de Educadores Sani- “ Vou contar uma coisa tristissima da historia [de Teofilo Bicudo]. Ele I
tarios a partir de 1937. N0 ano seguinte, criou 0 Servico de queria fazer universidade. Na epoca era Curso Superior. E ele queria I
Higiene Mental Escolar (SHME) da Secretaria de Educacao do ir para Medicina. Entao estava no sexto ano do ginasio. Veja que I
Estado de Sao Paulo, ocasiio em que Virginia Bicudo tornou—se homem esforcado, hein? Veio de empregado domestico que ele era, ‘
visitadora psiquiatrica. O SHME funcionava por intermedio das depois foi subindo e fez 0 Ginasio do Estado. E quando terminou o
clinicas de orientacao infantil, cujas funcoes eram a prevencao Ginasio do Estado naquele ano, ele passava direto para Faculdade de
e 0 tratamento de problemas psiquicos da crianca (BICUDO, Medicina. Naquele tempo nao havia vestibular para Medicina. Termi- I
1941). Marcondes e Bicudo tinham outro elo em comum: a psi- nava 0 ginasio e entrava na Medicina ou em qualquer curso superior.
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canalista alema e judia Adelheid Koch) refugiada do nazismo. Entao, 0 professor que chamava Barros ou Barrrnhos, do ginasro do I
Ele a conheceu em 1956 e Bicudo tornou-se a primeira mulher filtimo ano, quando viu que meu pai ia para Faculdade de Medicina, I
a ser analisada por Koch, a partir de 1957. (BICUDO, 1989; reprovou. Porque ele disse que negro nao podia ser medic0."“‘ I |
SAGAWA, 2002). N0 inicio da decada de 1940, Bicudo passou
a lecionar, junto com Marcondes, as disciplinas Higiene Men- "Feofilo Bicudo tinha forte ascendencia sobre a filha. Ele era
tal e Psicanalise na ELSP. Esta parceria profissional e intelec- um pariimetro no plano etico, no mundo do trabalho e na
tual contribuiu para a transformacfio da instituicfio academica 16 Em outra enlrevista declara: "Foi dentro desse curso [de ciencias sociais da ELSP] que
eu tive a felicidade de pela primeira ve_z encontrar uma nocao de conflito psiquico, um
num imponante espaco de difusao e de institucionalizacao dos superego, um processo de sublimacao, um Freud. Entio pela primeim Yez cu soube que
K1fs31_beres psi” /em Sao Paulo, entre 0s anos 1930 e 1950.“ havia nao so conflito entre individuo e ambiente, mas havia conflito mental" (CANDIOTA,
1977, p.s). * - 1 . I’
17 O psicanalista Paulo Cesar Sandler_lembIa 0 comentirio de Bicudo: “Desde pequenina
eu fui vista como uma 'negrinha pobre‘. Quando cresci, meu crime foi ser mulher emanci-
“Na Escola dc Sociologia se estudava o problema do Negro”‘5: a pada". (SANDLER, 2004, p. 29). Em depoimento a Meyer (2004) Virginia recordou que: “Eu
fui criada fechada em casa, quando eu sai foi para ir A cscoln e foi quando pela primeira
pesquisa sobre atitudes raciais na E1.SP vez, na escola, a criancada comeqou: ‘negrirtha, negrinha‘. Quando cu estava dcntro dc
casa eu nunca tinha ouvido. Entao cu levei um susto” (p. 17-I8). Virginia Bicudo expos a
motivacao sociologica para o ingresso na ELSP, com base em sua vivencia do preconceito
Em diversas entrevistas, Virginia fala em “sofrimento” como um de cor: “Desde crianca cu sentia preconceito de cor. Qucria 0 curso de sociologia porque, S
se 0 problema era esse preconceito, eu devcria cstudar sociologia para me proteger do pre-
importante motivo para sua opcio pelo curso de ciencias so- conceito, que é formado ao nivel sociocultural" (BICUDO, 1994, p.6). Damasceno (2010, l
p.12) apoma para a importaincia dos estudos sobre os intelecluais negros no Brasil. _ _
14 Sobre a historia dos "saberes psi", ver Duane (2005). 5 18 Entrevista de Virginia Leone Bicudo. a Marcos Chor Maio em 25. Set. 1995; ver Maio
15 Entrevista de Virginia Leone Bicudo a Marcos Chor Maio em 25. Set. 1995; ver Maio, 2010. (2010). '

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1 centralidade que a educacao assumiu no seio da familia como 1 Pierson. !1\_Iogueira)elaborou dissertacao sobre o estigma na ex-
um meio indispensavel para a ascensao social. A vivéncia do periéncia social de tuberculosos, na qual se encontram os te-
racismo pela menina da Vila Economizadora transformou a ex- mas das atitudes sociais e dos estereotipos (NOGUEIRA, 2009).
periéncia social e individual do preconceito de cor em reflexao Publicou no curso de graduacao arrigo sobre o preconceito de
intelectual, nomeando-a “questao racial”. cor com base em investigagao sobre atitudes desfavoraveis de
Em 1942, Bicudo ingressou na recém-criada Divisao de Estu- anunciantes de Sao Paulo ao contratarem trabalhadores de cor
dos Pos-Graduados da ELSP, coordenada pelo sociologo norte- a partir de anuncios de procura e oferta de emprego do jornal
americano Donald Pierson (1900-1995)”. Sob a orientacao de Didrio Popular.
Pierson, elalse interessou pelos “estudos de atitudes”, na con- Quanto a natureza das atitudes adversas aos negros em Sao
fluéncia da sociologia com a psicologia social. Inicialmente, Paulo, esta nao se limitaria ao “preconceito de raga” e tampou-5
seu projeto de pesquisa se intitulava “Estudo da Consciéncia co ao “preconceito de classe”. Nogueira sugere uma “terceira
de Raga entre Pretos e Mulatos de Sao Paulo”2°, que ja revelava via”, o preconceito de -cor, que seria um “tipo de preconceito
o interesse da sociologa pelo tema das tensoes raciais. Indica- intermediario”, uma espécie de interseccao entre cor e classe, I
va ainda a proposta comparativa implicita com o caso baiano, nao se confundindo com o de estrato racial-— proprio ao mo-
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pesquisado por Pierson. delo nonte-amencano, no qual a ascefidencia negra, mesmo
O tema das relacoes étnicas e raciais adquiriu maior visibili- que longinqua, definiria a identidade racial do individuo -—
dade na agenda de pesquisas da ELSP no inicio dofsfianos 1940* nem com o preconnceit-:> de clas‘se,.1na medida em que negros
com os estudos acerca “da competicao entre diferentes ‘cores’ e e pardos localizados ern posicoeslifsociais elevadas na estrutura
nacionalidades” e “sobre atitudes raciais entre brancos e negros social nao estariam imunes a atributos negativos preconcebi-
em Sao Paulo”, utilizando questionarios, entrevistas e historias dos derivados da cor (NOGUEIRA, 1942, p. 557; CAVALCANTI,
de vida.” A ELSP estava em sintonia com as transforrnacoes 1996; MAIO, 2008). Diferente da chave interpretativa pierso-
urbano-industriais que vinham ocorren'do na cidade inspiran- niana, que privilegia o preconceito de classe, ele afirma que
do-Se nos estudos sociologicos sobre Chicago. processos de ascensao social nao cancelam as marcas raciais. I
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Dos trés alunos (Virginia Bicudo, Gioconda Mussolini e Ora- Em seu estudo sobre atitudes raciais, Bicudo apresenta afini-
1*, cy Nogueira) da primeira turrna do mestrado da ELSP (1942- dades com o trabalho Ce Nogueirar
1945), Bicudo e Nogueira realizaram pesquisas sobre atitudes Durante o meszrado (1942-1945), Bicudo cursou diversas disci-
raciais, chegando a conclusoes distintas do orientador Donald plinas que abordavam aspectos sociologicos e antropologicos so-
19 Sobre Donald Pierson, ver Corréa (1987). bre as relacoes étnico-raciais. Das disciplinas, professores e notas
20 Carta de Donald Pierson a Virginia Bicudo, 21. Ago. _1942. Acervo Virginia Leone Bicudo,
Divisao de Documentagio e Pesquisa da Histéria da Psicanalise da SBPSP.
alcangadas temos: Raga e Cultura (ministrada por Donald Pier-
i
21 A Tentative Outline of Expenditures for Research and Translations in Connection with son), na qual obteve nota 9,0; Negro no Brasil (Donald Pierson),
the Grant of the Rockefeller Foundation for the Year '1941, Sp. Acervo Donald Pierson.
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL)/UNICAMP. 9 e 1/4; Etnologia Brasileira (Herbert Baldus), 9,0; Assimilacao e

32 33

\-4;“.1=_ .,\-_ .
Aculturacao (Emilio Willerns), 6,0; Principios de Antropologia So- mud angas culturais, ' foi" analisado
- -
na intersegao~ entre
1 Valgfes
cial (A. R. Radcliffe-Brown), 6,0; Estudos da Sociedade (Donald coletivos e atitudes individuais, ressaltando a dimensao sub
Pierson), 9,0; Métodos nas Ciencias Sociais (Donald Pierson), 9,0; jetiva nas interacoes sociais. Nesse momento, as pesquisas 30-
Introducao a Antropologia Social (Antonio Rubbo Muller), 7,0." b re a t'ti udes raciais
" ' (pl'€CO1'lC€l[OS‘_€
- - -
estereotipos) .
enfgtizgvam
Da pléiade de professores e da diversidade de cursos, “Negro a s cg’t'icas ao determinismo
' ' biologico,
- 4 - ao suposto Cfl]'3_[ef
, m-
.
no Brasil", ministrado por Donald Pierson, foi a disciplina em ato a s acoes " humanas, buscando as razoes pSlCOSSOClOlOg|-.
~ - . ,
que Bicudo alcancou a maior nota. Na dissertacao, ela aborda cas das hostilidades entre grupos sociais -— étnicos religiosos
’ 1
tema concernente a tradicao das ciencias sociais brasileiras, do eco ‘ ‘
“°"“°°$* e‘C- (KLINEBERQ 194°» P- 546-547; RICHARDS,
persistente exercicio de reflexao sobre os problemas e desafios 1997). Em sintonia com esta perspectiva Robert Park concebe
recorrentes da sociedade em se constituir como nacao moderna. abs 3 t't ‘ de motivacoes
l udes 3 Pflfilr " ~ ~ -
economicas, - .
religiosas, de
O negro como questao é analisado nos anos 40 em contexto no usca d e status ou suscitadas
- . . . - a minorias,
pela discriminacao . .
qual as inquietudes intelectuais sobre nossa sociedade passam entre outras (PARK, 1931, p, 31)”,
a ser vistas mediante a critica ao ensaismo e pela afirmacao de
uma rigorosa producao do conhecimento cientifico no ambito ~§‘f:2T’." '5'-3*7.‘."-i‘:§‘»-‘§Y""‘.' '*;,ii -1: ~->;‘i':4i=;>:.~-~--.~"
‘-45- _‘:3'1L‘|';__\.\:,,";:{Z‘:’-L,\13r.$;,5.\Ly;1f\-‘1|€£.¢<Ii--M; . in: v. E 3;,» ~ _..-,;.~4;,-5;‘,
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. . . . . . . 1 .- . . . .
da incipiente institucionalizacao das ciencias sociais no Brasil,
_ ~ . . ‘£91--_1-i.‘-'.>;:+;§ "
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especialrnente em Sao Paulo e no Rio de Janeiro (VILHENA, ,,i§;;;¢,§&;;-
13%
~~ '33 5"“ "*1" ""
1997, p. 134-135). ,
Em seu estudo sobre a questao racial (BICUDO, 1945),
Virginia Bicudo combina ana l ise socio l ogica (estrutura d e c l as - , -H * “' *~"~
"‘
.. . . .
ses, mobilidade SOCl3.l, status, valores sociais, preconceito de
. i
r~ isgéq
- ' ' SOCl3.l
cor) corn psicologia - ( *1 atitudes
' ' ' " ). Converge assim
sociais ' .;.'.-..»i=.::~';;»~¢;a1i:1-‘.1.'_r.-3;§~'%>:=$*L-lie‘r¢e=-;.-~?§£i.Te; xi 1?‘?
Mi
Q
" - para sua formacao em ciéncias sociais associada a estudos e ._
" .- . . , . .
' experiencias no campo da psicanalise. Na trilha de Pierson, ela
. ‘ Ii.-.‘:*"_T'='~-=_;1i-@~.=.t§i§;
,
'
'2 F‘
_ escolheu tema frequentado desde as primeiras decadas do se- , ;
. _» , i=_,'. -,. _<,-,_.~_'.,-, .,.i,
culo XX pelo Depaitamento de Sociologia da Universidade de j. _ .. , 4<(1"5l¢il</’\i|‘5"“i ., , 13;, _,Q 7:
. , . 1- t ’ ' ’ . . ‘-’,3-T1Y‘iI-:11-;"< .~.-
Chicago, a exemplo do estudo classico de"Thomas e Znaniecki -*~.;’ '1,-35
. . . " ' .=?i='>"'5‘.=*1&£i4i J&.2i‘“fif' T ~<:i 1‘ i’
(1918), que abordam processos de aiustarnento dos irnigrantes 5 ,5; .
' " ' ‘
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poloneses nos EUA. Este fenomeno, traduzido por expressivas < 1 -1 1~ :1'%‘-;'1.<,i-;=:>¢*-*i")‘a»-“.-*;*. r‘7"~i-£'. -. ".
C > fFESPSP
onte:(EDO(/
1.
22 Ver carta de Donald Pierson a Virginia Bicudo, datada de 18 de maio de 1944, no Acervo
CQPQ do Original do disseriocéo de meslrodo
fv_ , de Virginia Leone Bicudo. S60 Poulo, ]Q45_
'51
Virginia Leone Bicudo, Divisio de Documentagqio e Pesquisa da Hisléria da Psicanilise da
. SBPSP. Os nomes dos professores das disciplinas podem ser encontrados nos anuarios da _.___g_
’ EISP (1942 a 1944), quando Bicudo fez os cursos. 23 sobre 3 expefiénfiifl dc Park no Brasil ver Valladares (2010)
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35
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Além de Park, Bicudo inspira-se em outro sociologo da Uni- illi“ '
nos de escolas publicas residentes em quatro bairros populares
versidade de Chicago, Ell5WOI'[l'1 Faris, que entende a atitude (Bela Vista, Santana, Bflfffl Funda e Mooca) e um de classe
dos individuos a partir de determinados objetos que, no caso .
media (Vila Mariana). As entrevistas foram realizadas com fa-
_ _. ,. a-0 da professora da ELSP, é o preconceito. Na.perspectiva de Faris miliares que frequentavam a Clinica de Orientacao Infantil da
4*‘
(1957, p. 9-11), as atitudes deveriam ser analisadas em momen- Secao "de Higiene Mental da Secretaria de Safide do Estado de
tos de crise, pois revelam periodos de desorganizacao social; Sao Paulo. Constou ainda do conjunto de depoentes“, ex-mili- L /1
ele segue interpretacao de Park, que concebe as atitudes como tantes da Frente Negra Brasileira (FNB), organizacao politica de
expressao de momentos de tensao, de transformacao social. Na ampla visibilidade nos anos 1930 em Sao Paulo, que foi coloca-
chave interpretativa de Park, “as mudancas sociais comecam da na ilegalidade pelo governo estadonovista, assim como ou-
com as mudancas nas atitudes condicionadas pelos individuos, tras organizacoes da sociedade civil (Andrews, 1991, 148-156).
opeiando-se posteriormente mudancas nas instituicoes e nos Bicudo utilizou também o jornal da FNB; Voz da Raga.”
‘mores”’ (BICUDO, 1945, p. 2; PARK, 1951, p. 27 e 43). A pesquisadora usou duaslvariaveis para qualificar seu uni-
A pesquisa de Virginia Bicudo foi realizada entre 1941 e 1944, verso: cor e classe social. Selecionou aspectos fenotipicos,
durante o Estado Novo e ao longo da Segunda Guerra Mundial. sendo que os preto‘s?6 foram classificados pela cor, pelos ca-
Utilizou sua experiéncia como visitadora psiquiatrica, que ja belos “encarapinhados” e pelos pais que exibiam semelhantes
vinha abordando criticamente, embasada em historias de vida, caracteristicas. O principio classificatorio para os entrevistados
Os casos da “chamada ‘crianca-problema” (BICUDO, 1942, p. mulatos goi um dos pais ser preto e outro branco, ou um pardo
42-43), alvos de preconceito ao serem transformadas em “cri- e outro‘ branco, ou ambos_pardos. Em termos de configuracao
ancas escorracadas [...] criancas estigmatizadas como peiversas” das classes sociais dos depoentes, as variaveis foram; renda,
(BICUDO, 1942a, p. 25). Elas seriam um fenomeno sociologico profissao e instrucao. (BICUDO, 1945, p.5).27
e psiquico derivado das tensoes familiares, do contexto social. Bicudo verificou que os negros de menor poder aquisitivo
O trabalho como visitadoia psiquiatrica expos Bicudo as apresentavam atitudes de maior rejeicao em relacao aos proprios
tensoes, preconceitos, violéncia e marginalizacao social que negros e mulatos, quando comparados com os brancos. Alguns
envolviam as criancas das camadas populares. Esta realidade
Z4 Foram realizadas mais de 30 entrevistas (BICUDO, 1945, p.5).
estava longe do consenso. Sua pratica profissional influenciou Z5 Bicudo deu nomes ficticios a FNB, denominada “Associagao dos Negros Brasileiros",
a perspectiva sociologica de Bicudo, ao conceber um mundo e o joi-rial Voz da Raga, intitulado “Os Descendentes de Palmares”. Uma das razoes para
0 uso dessas denominagoes diz respeito ao conteirto politico autoritario em que Bicudo
marcado pelQ__conflito social. Esta visada ganhou refinamento
L--—---—€___._ _. /
reaiizou a pesquisa. -
26 Em “Estudo de Atitudes Raciais entre Pretos e Mulatos em Sao Paulo", Bicudo utiliza
socio-antropologico na ELSP, especialmente no mestrado. predominantemente as categorias; preto, mulato e branco. Neste trabalho, uso os termos
negro, mulato e branco. _
Em sua investigacao, ela orientou-se pelos estudos de Noguei- 27 No caso da educacio, os critérios foram: 1) até o curso primério completo para as cama-
ra (1942), Pierson (1945) e Stonequist (1957) e poraitigos sobre das populares; 2) o curso secundario para os setores médios. Em termos de renda familiar,
Bicudo definiu acima de Cr$ 500,00 o perfil de classe média, e menos de Cr$ 500,00 as
“atitudes sociais” de Park e Faris. Elegeu relatos de pais de alu- classes populares (BICUDO, 1945, p.5).

36 37
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entrevistados declararam nao haver uniao entre os negros, pois ascendiam profissionalmente ou conseguiam um diploma de
eram “invejosos e competitivos". Outros afirmaram ser mais nivel superior, eles continuavam a sofrer constrangimentos no
bem tratados por brancos do que pornegros. De acordo com a meio social branco, o que provocaria a consciéncia de cor (BI-
analise dos relatos, tais atitudes de rivalidade entre os pretos e CUDO, 1945, p. 21-22). Reforgando a critica de seu depoen-
deconvivio mais harmonioso destes com os brancos estariam te a Pierson, Virginia considera Sao Paulo um contraponto a
calcadas no sentimento de inferioridade dos negros suscitado experiéncia baiana. Ela pondera que no caso paulista, “talvez
pelo grupo dominante. Ao perceberem os brancos como mais mais acentuadamente do que na Bahia, a posicao ocupacional
simpaticos, os negros das camadas populares seriam movidos inferior do negro incluiria aspectos da luta no nivel de status
por um mecanismo de evitacao do conflito com os brancos e social, isto é, com mais dificuldades venceriam os méritos pes-
assim produziriam uma compensagao ao sentimento de subal- soais, por que encontrariam maior resisténcia como negros"
ternidade (BICUDO, 1945, p. 65). (BICUDO, 1945, p. 42).
Em relacao aos negros das camadas medias, as atitudes ra- De acordo com Bicudo, entre os mulatos das camadas popu-
ciais apareceram com maior énfase, na medida em que os en- lares se observava consciéncia de cor mais acentuada do que
trevistados seriam alvos mais visiveis do preconceito de cor. entre os pretos do mesmo estrato social, pois manifestavam
Um deles, criado por brancos e com curso secundario, chegou atitudes de evitagao, receosos de serem chaniados de “negros”.
a colocar em duvida a citacao do socfologo Donald Pierson: Nos depoimentos, ficou evidente o desejo das mulatas das
Z-
€‘Afirma-se na Bahia, como fez o professor Pierson, que o negro classes baixas de procurar conjuges da mesma cor, pois nao
rico nao sofre preconceitos (sic). Tal afirmacao nao é verda- desejavam se unir a negros e tampouco sofrer preconceito por
- l
;’deira em Sao Paulo” (BICUDO, 1945, p. 9). O depoente contou terem se casado com brancos (BICUDO, 1945, p. 50).
“que passara por diferentes situacoes de preconceito no cotidi- No caso das atitudes dos mulatos das classes médias, os de-
j ano: nao ser convidado para festas na casa de amigos brancos, poimentos demonstrariam a presenca do sentimento de inferi-
sofrer restricoes na entrada em restaurantes da elite e nao con- oridade. Na ‘visao de Bicudo, eles ansiavam ser reconhecidos
seguir namorar mulheres brancas ou mulatas por oposicao das como brancos uma vez que estavam conscientes de que a cor
familias (BICUDO, 1945, p. 10-20). Os negros das classes medi- era uma barreira a ascensao social. (BICUDO, 1945, p. 56-57).
as tém ressentimento e sao pessimistas quanto a possibilidade Ela se inspira em Nogueira (1942), ao considerar que o mu-
de haver solidariedade entre brancos e negros. Estes, segundo lato procurava adquirir simbolos do grupo branco dominante,
Bicudo, peitencentes aos estratos médios, enfrentavam o sen- consciente de que a discriminacao estaria na razao direta da
timento de inferioridade provocado pelas atitudes de precon- associacao de sua cor com a origem africana. Este seria um
ceito dos brancos, mediante determinados meios de ascensao indicador preciso da existéncia no Brasil de “um preconceito L
K \..
social, tais como o casamento, o exercicio de profissoes liberais de cor, distinto do preconceito de raca ou de classe” (BICUDO,
1
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e da “boa aparéncia" (BICUDO, 1945, p. 22). Mesmo quando 1945, p. 58);
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Na S€gl1I1d3.Vp3I1I€ da disseitacao, Bicudo aborda, como men branco. Assim, a consciencia racial dos negros baianos seria
cionado acima, a Fijeiite Negra Brasileya (FNB), através de en- minima, pois as atitudes estariam no ainbito da chave classista.
trevistas com militanteshe analise demexemplares do poita-voz Diferente de Pierson, Bicudo indica a importancia da analise
da organizacao: o jornal I/oz da Raya. A instituicao era fruto do conflito social e do racismo. Os esforcos de pretos e mu-
l da mobilizacao dos estratos sociais medios que creditavam a
“barreira de cor” as condicoes adversas vividas pelos negros
latos pela conquista de novo status social, mediante investi-
mentos em educagao e formacao profissional, nao levariam a
I
"11?

na sociedade brasileira. O objetivo da FNB era criar uma soli- eliminacao “das distancias sociais na linha de cor”, devido a
dariedade entre os negros para a luta. “contra os obstaculos a persisténcia do preconceito de cor (BICUDO, 1945, p. 65). As
ascensao social em consequencia da cor” (BICUDO, 1945, p. tensoes sociais entre brancos e negros seriam mais explicitas,
47). Por meio da educacao, do trabalho, da valorizacao profis- tendo em vista as barreiras raciais impostas aos negros dos se-
sional e da acao politica, os negros seriam reconhecidos pelo tores medios, que procurariam ascender socialmente.
grupo branco dominante (BICUDO, 1945, p. 47). O estudo sociologico de Virginia Bicudo guarda afinidade
Na conclusao, Bicudo obseiva que, quanto mais 0 negro com investigacoes d€s€nVOlVid3§_SQI1'1BIl£€...I10$__,anOS 1950. Os
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ascende social e economicamente, maior e a possibilidade de limites a ascensao social de negros de classe media produzem
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ocorrer consciencia racial, destoando assim de seu orientador movimentos sociais a exemplo da FNB e processos de afirmacao
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Donald Pierson. Em Brancos e pretos na Bahia, Pierson (1945, de identidades raciais como caminho a superacao das “barrei-
-._._i, »
p. 421) conclui que “existe preconceito no Brasil, mas é pre- ras de cor”. Assim como Bicudo, inclusive com um capitulo in-
conceito antes _de classe que de raga, apesar de estar, ate certo titulado “Atitudes, Estereotipos e Relacoes Raciais”, o sociologo
l ponto, ligado a cor”. No capitulo “‘Ideologia racial’ e atitudes Luiz de Aguiar Costa Pinto (O Negro no Rio dejaneiro, 1955), II
raciaisf, ele constata, com base em pesquisa de fontes orais e chegou a conclusao semelhante a cientista social ao analisar a
docurrientais realizada em Salvador, a reduzida atencao confe- atuacao do Teatro Experimental do Negro na virada dos anos
i rida ao conflito racial ou ao seu controle pela sociedade baiana 1940 para os anos 1950.28
1
(PIERSON, 1945, p. 269-270). As atitudes raciais seriam carac- No final da Segunda Guerra Mundial, Virginia Bicudo apro-
terizadas por uma série de estereotipos, especialmente quanto a sentou reflexao inovadora, ao considerar a cor como importante
mulatos e negros. Pierson (1945, p. 295-296) ve a sociedade ba- variavel na produgao de desigualdades sociais em contexto in-
iana como “constituida em classes, em que a competigao toma telectual no qual prevalecia a maxima de que 0 preconceito de
antes a forma de iuta entre as classes (que por motivo de ordem classe seria reinante na sociedade brasileira._ Sua arguta analise
historica vierarn a coincidir em consideravel extensao com a sociologica antevé interpretacoes realizadas apenas na decada
cor) que de luta entre as racas ou cores em si rnesmas”. Os 28 Alem do trabalho de Pinto (1953), o estudo de Bi(1ldO (1945) aproicima—se da pesquisa de
negros que conseguem alcancar certo status social, segundo o Nogueira (1955) e se diferencia da analise de Bastide e Femandes (1955), a qual considera as
assimetrias raciais a partir das desigualdades sociais. Sobre as diferentes perspectivas presen-
sociologo, tenderiam a ser incorporados ao grupo dominante tes no Projeto Unesco, ver Maio (1997); sobre Pinto, ver Maio (2009) e Villas Boas (2006).

40 41

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de 50, no contexto do ciclo de pesquisas sobre as relacoes ra- 1:J5P,;aEc1.S2a Pontificia Universidade Catolica de sao Paulo, a
acu l_ e aclonal
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de P11050521 - de ]3.[1€ll'O)
(do Rio . . _ _
e a institu-
ciais no Brasil patrocinado pela Unesco.
tos [gm istas de educagao, psicologia e psiquiatria, o que revela
a re’ e i n te'ectual e institucional
' ~ - -
tecida .
por Klineberg. Neste
Virginia Bicudo no 'Projeto Unesco
periodo, foi criada a Sociedade de Psicologia de Sao Paulo
As
_ ‘P' t_eY_5e<-T0005
" entre SOC1ologia
~ ~ e psicologia
- - social
. adquiriram
. '
A0 concluir a primeira dissertacao de mestrado sobre a “questao
mais visibilidade no final dos anos 40, quando ainda se viviam 05
racial” defendida em uma instituicao universitaria brasilei-
ecos
I z I do Holocausto e a busca de inteligibilidade
" ~ - ~- A
de um fenomeno
ra, Bicudo continuou lecionando na ELSP e exercendo suas
inedito na historia da humanidade . Estudos de estereotipos , at‘i-
atividades de visitadora psiquiatrica e psicanalista. Em 1945,
tudes eI carater iiacional
' - -
foram alguns dos topicos da agenda de
conheceu o psicologo social Otto Klineberg, da Columbia Uni-
1 pesquisa em ciencias sociais do pos-guerra (KLINEBERG 1949)
versity, que chegara dos EUA com a missao de, a um so tempo,
Em setemb o - ~ ~ . ’ ‘
trazer a experiencia norte-americana no campo da psicologia Ed _ I dc 1949» 3 Orgilfllzacao das Nagoes Unidas para a
social para 0 Brasil e criar 0 Departamento de Psicologia da tluca 0ao, a C“ ' e a Cultura (UNESCO) aprovou uma agenda
lEl'lCl3.
Universidade de Sao Paulo (USP). Bicudo assistiu ao Seminario an inracista,
d _
so 9 1mP3CY0
' - - - . . _
C10 03115010, da visivel persistencia
de Psicologia Social,” oferecido por Klineberg na Faculdade de O-I'3.ClS[I'1O em diversos paises e do processo de descolonizagio
Filosofia, Ciencias e Letras (FFCL) da USP, em 1946. Foi ainda afncano 6 asiitiC°- Em 101100 C16 1950 foi inserido no programa
convidada a participar do livro Psicologia moderna, organizado da agencia internacional a realizacao de um ciclo de pesquisas
pelo psicologo canadense, durante a estada de Klineberg no Sobre as relasoes raciais no Brasil, pais considerado um contra-
Brasil, entre 1945 e 1947. Esta obra, publicada em 1955, teve exemp loM em mat’eria
' de racismo,
' - Comparada Com
em perspectiva
0 proposito de estimular 0 desenvolvimento da psicologia no | a experiencia internacional notadamente os EUA e a Afric d
' a 0
Brasil, em dialogo com outros campos disciplinares. A coletanea- 5"l <10 P05 Segunda guerra (MAIO 1999)
, .
contou com a colaboracao de pesquisadores oriundos da an-— Ono Khnebflg teve papel relevante como diretor interino do
tropologia, da psicologia social, da sociologia, da educacao, da Departamento de Ciencias Sociais e consultor da Unesco no de-
higiene mental e da psicanalise.” Eles estavam vinculados 2 g?€am€ntO da pesquisa sobre relacoes inter-raciais no Brasit
' e recomendou a~ Unesco que realizasse - .
ampla e dwersificada
29 A partir de 1945, Bicudo tornou-se professora-assistente da cadeira de Higiene Mental
da Faculdade de Higiene e Saiiide Piiblica da USP. Em 1946, comeqou a miriistrar o curso investia"o'¢' -~ -- -
an d8 Gab, in luindo regioes tradicionais e modernas no in- ,
de Higiene Mental na Faculdade de Enfermagem, anexa a Faculdade de Medicina da USP.
Deu aulas de Higiene Mental do Trabalho no curso de Organizacao Racional do Tiabalho io e o se - ~ 2
t _ war O C0mP1eX0 6 matizado padrao de relagoes
promovido pelo lnstituto de Organizagao Racional do Trabalho (ldon), além de participar raciais no pais (MAIO 1999 p 148) Enfatizou a imponfi . d
do curso dc Higiene Mental patrocinado pela Legiao Brasileira de Assisténcia (LBA). Ver ’ i ' - ncia a
Virginia Leone Bicudo. Documentos Diversos, CEDOC-FESPSP. inclusao dos aspectos psicossociais
' - - nas pesquisas- . qua_
e sugeriu
30 O livro Psicologia modema contem artigos que tratam de topicos como cultuia e perso- <

nalidade, diferencas individuais e grupais, atitudes e opinioes, etc. Fizei-am pane da coleti- 1 tro nomes: An‘‘ela Glnsberg,
' '
Cicero - -
Christiano de Souza, Betti_
nea, entre. outros, Durval Marcondes, Anita Cabral, Herbert Baldus, Mario Wagner Vieiia da
Cunha, Lourenco Filho, Virginia Leone Bicudo, Aniela Ginsberg e Betti Katzenstein.
Katzenstein e V‘irginia
' ' Bicudo.
' Quanto a~ ultima
- - - em
sugestao,

42 i. 43
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gs-1: Y‘-M :-2' ,
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lacionadas com a cor dos colegas e verificar a influencia das


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documento enderecado ao etnologo Alfred Metraux, chefe do
' A rel acoes
" intrafamiliares
' ' ' no desenvolvimento
- daquelas atitudes”
.
Setor de Estudos sobre Raga do Depaitamento de Ciencias So-
B ti _ - - -
( ICUD0, 1955, P- 2-7 228). Um questionario,-baseado nas per-
ciais da Unesco, Klineberg informou que Bicudo encontiava-se:
guntas “P6110 de quem vocé gostaria de sentar—se?" e “Perto de
[...] in the Division of Mental Health of the Sao Paulo School System, ‘
quem vocé nao gostaria de sentar-se?” (BICUDO, 1955 p. 229)
working with Dr. Durval Marcondes. [...] She is part Negro in origin,
foi u t'l' -' as atitudes
i izado para afeiir - - - ~ ou de mtimidade
de 1'€]€‘1§flO .’. . ’
and is very much interested in the problem of race relations. She
e aproinmacao entre os alunos, associando-as a cor da pele e
wrote quite a good master’s essay on the attitudes of Negroes in Sao
lembrando a escala de distancia social de Bogardus (1933)
Paulo to Negro-White relations. This was done under the direction of
Ao s erem indagados
' -
sobre os motivos -
das atitudes . l. 2
de 1'€]C1§30,
Donald Pierson of the Escola Libre [sic] (p. 7).“
os alunos citaram o fato de 0 colega negro ser “mau aluno mal
doso
“ ' , mal- educado e mau amigo - ii . Cabe destacar que os termos Y
Com estas credenciais, Virginia Bicudo foi incorporada a suio, porco,»pobre, negro ou de outta raga” foram pouco mi];
equipe do Projeto Unesco, Dando continuidade ao estudo re- zad
_ ‘O s , 0 que demonstra que foi. minima
, . . . 1 por motivos
a 1'€]€1QaO .
alizado no mestrado, ela pesquisou, a partir da coleta de in-
visivelmente raciais. Diante disso Bicudo ressaltou a hipotese de
I

formacoes de uma amostra significativa do alunado do entao


“os sentimentos hostis relacionados com a cor terem sido cen
curso pritnario de escolas _p,t'1l)__liC_;1S no municipio de Sao Paulo surados e portanto ca-muflados" (BICUDO, 1955, p. 244-245). 0
(4.520 escolares), as atitudes raciais na vida escolar. Incluiu na criterio racial so apareceu nitidamente em 18 das 8 072 respostas
pesquisa entrevistas ‘dde
criancas"eadolescentes d a das quanto aos mctivos
.' - ~ em relacao
de evitagao ~ ao colega de
(9 a 15 anos) das camadas populares e medias. O universo de- classe. Dentre as denominagoes atribuidas aos negros mais re-
lineado era composto por 86,520/0 de brancos, 6,86% de negros, le“-ad05> e1'1C0I1U?1I'11'$?-‘ “fllim, briguento, malcriado, malcompor-
5,99% de japoneses e 2,89% de mulatos. Os escolares foram tado, mal-educado, copiador” (BICUDO 1955 p 290)
classificados de acordo com o fenotipo, a saber; tracos fisicos, No caso dos familiares entrevistados, os brancos buscam
tipo de cabelo e cor da pele. A ocultar suas atitudes adversas em relacao a mulatos e negros.
Os objetivos da pesquisa eram “evidenciar os sentimentos e Um repertorio de comentarios foi acionado: “ha bons e maus
os mecanismos psiquicos de defesa manifestos nas atitudes re- entre brancos e pretos”; “sao todos humanos”' “o que faz as
5

pessoas diferentes e a educacao e a instrucao”. Todavia, evi-


51 “[...] na Divisao de Sande Mental da Secretaria de Educacao de Sao Paulo, trabalhando
tariam relacoes mais proximas em certas situacoes da vida pri-
com o dr. Durval Marcondes. [...] Ela tem ascendencia em parte negra e esta muito interes- Vflda, como casamentos com pessoas de cor. Outro grupo se
sada no problema das relacoes raciais. Ela escreveu uma disseitacao de mestiado muito
boa sobre as atitudes dos negros nas relacoes entre negros e brancos em Sao Paulo. Isto foi manifestaria francamente contra os negros demonstrando que
7
realizado sob a diregao de Donald Pierson da Escola Libre [sic] (p. 7)”, in Klineberg, Otto.
“Comments on memorandum regarding research on race relations in Brazil", 1/8/1950, p. estes seriam “perversos, maus, bebados, desonestos, vagabun-
4, in; Race Questions 8r Protection of Minorities. REG 525.1. Part II up to 31/VII/50 (BOX dos, ladroes e macumbeiros” (BICUDO 1955 p. 294)
REG 145). Unesco Archives. Traducao do autor.

44 45
Ao final do estudo, Bicudo chegou a conclusoes similares tizadas sobre 0 preconceito e a discriminacao racial no Brasil.
aquelas apresentadas em sua disseita<;50 d6 m0$"3d0- N3 Sua pesquisa foi tratada como mero “apendice", bem como
pesquisa patrocinada pela Unesco, ela apontou que o estu- as de Oracy Nogueira e Aniela Ginsberg, em Relag:6es Raciais
dante negro foi o que mais se rejeitou entre os escolares de cor, entre Negros e Brancos em Sao Paulo (BASTIDE; FERNANDES,
e que tal atitude ocorria porque o.negro “reafirmava as atitudes 1955). Na primeira pagina do livro consta que ele foi organi-
do branco como meio de defender-se de uma rejeicao de fora zado “sob a direcao dos professores Roger Bastide e Florestan
maior, a qual uma rebeliao aberta poderia acarretar" (BICUDO, Fernandes.” Logo no inicio do estudo de Bicudo, le-se uma nota
1955, p. 285). Bicudo apresentara semelhante visao em sua dis- de autoria de Paulo Duarte, jornalista, politico, antropologo,
senacao de mestrado; a presenca do conflito racial novamente um dos mentores intelectuais da Universidade de Sao Paulo,
aparece como a autora registra em sua analise sobre a Frente editor da revista Anhembi e personagem central nos intercam-
Negra Brasileira, na qual afirmou que os negros reprimiam Seu bios culturais e politicos Brasil-Franca (BASTOS, 1988). Ele foi
odio contra os brancos, temendo um contra-ataque destes (BI- o responsavel pela publicacao do livro com as pesquisas sobre
cuoo, 1955, p- 285)- as relacoes raciais em Sao Paulo. Em suas palavras:
Na dissertacao, Bicudo evidenciava que o preconceito de cor
aparecia como um impeditivo aos_grupos de cor: mesmo di- Concluiu-se no capitulo anterior [escrito por Florestan Fernandes], a

ante dos esforcos de negros e mulatos para elevar seu status publicacao do relatorio do inquerito Unesco-ANHEMBI sobre as re-
educacional e profissional, eles continuavam a sofrer restricoes lacoes raciais entre negros e brancos de S. Paulo. Para dar ideia da

no meio social dos brancos, devido a permanencia no Pais do maneira por que se realizou esse inquerito sob a direcao de Roger
preconceito de cor (BICUDO, 1945, p. 65)- A 00109 0P<}50 5009 0 Bastide e Florestan Fernandes, ambos professores da Universidade
branqueamento, ou seja: “a medida que o individuo ‘branqueia' de S. Paulo, iniciou-se a publicacao de alguns documentos ou, se 0
na cor e na personalidade encontra maior aceitacao social" (BI- quiserem, protocolos de pesquisa, que serviram de base a essa impor-
CUDO, 1945, p. 58). Nesta linha de pensamento, no estudo da tantissima investigacao social. A serie destes trabalhos foi selecionada
Unesco a pesquisadora notou que o preconceito quanto aos mu- dentro de numerosos relatorios parciais, sendo escolhidos os mais
latos tendia a dirninuir quando estes “embranqueciam”. Para Bi- impqrtantes de cada face das pesquisas realizadas. O presente foi
cudo, o fato de 0 mulato com “caracteristica de branco conseguir feito por d. Virginia Leone Bicudo, professora de Psicanélise e Hi-
integrar-se no grupo de brancos milita a favor da tese pela qual giene Mental da Escola de Sociologia e Politica de S. Paulo, a quem
a discriminacao do branco contra o negro corresponde a um aqueles ilustres professores [Bastide e Florestan] confiaram o estudo
preconceito de cor e nao de raga" (BICUDO, 1955, P- 291‘292)- das a_tiiudes dos alunos dos grupos escolares da Capital em relacao
Esta conclusao converge para a analise de Oracy Nogueira. com a cor dos seus colegas. A sua leitura demonstra bem o rigor e a
paiticipacao de Bicudo no “projeto Unesco?’ contribuiu seriedade com que se realizou o inquerito patrocinado pela Unesco e
para a producao de um conjunto de dados e analises sistema- pela revista ANHEMBI (BICUDO, 1955, p. 227).

46 47
Duarte afirma que o estudo de Bicudo seria orientado por independéncla de Sua Pesquisa sobre as relacoes raciais em
Bastide e Fernandes. Indo alem, ele o qualificou de “alguns ItaP@l1I1inga a comecar pelo contrato firmado diretamente com
documentos”, “protocolos de pesquisa”, “relatorios parciais". a Unesco, Bicudo nao teria manifestado qualquer I‘€a§;'iQ ,
. pu-
Na introducao de Roger Bastide nao ha qualquer mencao ao blica. Embo
g rfl, ate‘ o momento, nao
~ se tenha encontrado docu_
trabalho de Bicudo tampouco aos de Nogueira e Ginsberg. Di- glemos Q‘: Cgmprovem a existencia de um contmtq, entre a
ferente de Oracy Nogueira, que reagiu ao equivoco de Duarte g nescog e icu 0, 5 Semelhanca do que ocorreu com Nogueira,
.
publicando carta,” na revista Anhembi evidenciando a total e Provavel Clue tenha havido urn convite um contrato indi-
52 Em carta a Paulo Duarte, Nogueira, sentindo-se preiudicado pela forma como seu traba-
vidual com a organizacao internacional.
lho fora inserido na edigao da pesquisa da Unesco em Sao Paulo, historia sua insercao no A publicacao dos estudos de Virginia Bicudo e Oracy NQguei_
ciclo de investigacoes realizadas no Estado. Em primeiro lugar, afirma que sua participacao 1"'\-_
K

na pesquisa ocorreu a partir de negociacoes diretamente estabelecidas com Alfred Métraux fa Como “aPéndi¢e$” fepfesenta o retrato de uma época das
em dezembro de 1950. Em seguida, considera que o conjunto de estudos realizados em Sao r.

Paulo parece, em seu formato, com aqueles levados a efeito na Bahia, os quais procuraram ciencias sociais em Sao Paulo. A ELSP encontrava-se em crise
contrastar a capital com Comunidades do interior. Como 1a se encontrava em andamento institucional, especialmente a partir da saida, por mgtivgs de
“um estudo monografico do municipio de Itapetininga, julgou [...] Metraux mais razoavel e
viavel que aprofundasse meu estudo [...] ve, pois, V. S. que meu estudo nao pode ser consi- saiide, de D onald Pierson,
‘ - -
nos primeiros ,
anos da decada de
deiado nem como subsidio nem como apéndice do realizado pelos nossos amigos c muns,
os ilustres professores Bastide e Fernandes, nem, ainda, como tendo sido executad sob a 1950. Acrescentem-se as disputas academicas entre a ELSP e a
orientacao dos mesmos, como consta da capa do volume. Alias, 0 subtitulo posto n capa
—— ‘Ensaio sociologico sobre as origens, as manifestacoes e os efeitos do preconc ito de rnFFCL-USP.
1 55 EC omo diria
' ' Alfred Metraux.. elas seriam
- ..-iristituugnes
. .
cor no municipio (é meu o grifo) de Sao Paulo’ —— torna ilogica a inclusio do meu studo ttiva es”. ' '
stavam identificadas ~ ~ sociologicas
com tradicoes . , . _
dis-
no mesmo volume, pois como poderia um trabalho sobre o municipio de Itapetini ga ser
considerado parte ou subsidio de outro sobre 0 municipio de Sao Paulo, ambos realizados einttas que fie traduzem frequentemente em visoes, por vezes,
simultaneamente" (carta de Oracy Nogueira a Paulo Duarte, publicada em Anhembi, ano
V, n" 6, novembro de 1955, p. 554-555). Em sua resposta, Duane faz breve histérico da ori- s ereoti Pa 35, 21 €Xernplo da contraposicao - 2 visada
. ,_
ernpirica
gem do Projeto Unesco em Sao Paulo e revela completo desconhecimento das negociacoes (ELSP) versus perspectiva teorica abstrata (FFCL)
entre Nogueira e Métraux. Indo alem, afirma que, durante o processo de edicao do livro,
nao recebeu qualquer informagao por parte de Bastide, Fernandes ou Nogueiia a respeito O envolvimento de Bicudo com o ciclo de pesquisas da
da independencia do trabalho deste (iltimo. No entanto, Duarte nao perde a oportunida-
de para desqualificar Nogueira, ao considera-lo um desconhecido da revista Anhembi. UNESCO ocorreu simultaneamente as suas atividades na So_
Ademais, ao se referir_ao subtitulo, o jornalista comenta que “nos [da revista Anhembi] ciedade Brasileira de Psicanalise de Sig Paulg , na EL515 e n 0
estrahhamos que 0 [...] trabalho [de Nogueira] nao foSse sobre a Capital de S. Paulo, campo
principal da pesquisa. Atribuimos no entanto o fato a uma razao principal: 0 desejo do ServiPgo Ide Nlg1€l'l€
s~ H‘ ' - de Saude
Mental da Secretaria - do Estado de
professor Bastide, exato como sempre, de, ilustrar 0 inquerito para fins comparativos com
uma pesquisa numa cidade do interior” (carta de Paulo Duarte a Oracy Nogueira, publicada ao a . ’ . _ . . . .
d B. u Cp a decada de 1950 houve a ampliagao das lmclauvas
em Anhembi, ano V, 11° 6, novembro de 1955, p. 556). Fernandes (1986, p. 16), trinta anos
depois, lembia que, “por lapso editorial’ (devido provavelmerite ao desejo de Paulo Duarte Be cu O no (331000 da institucionalizacao
< ~ * - - ~ da psicanalise
. . no
salientar o trabalho de R. Bastide e F. Fernandes), 0 volume coletivo saiu com o titulo da rasi (BICUDO, 1989, p. 97). Em 1955, Bicudo viajou a Londi-es
primeira monografia. Ailém disso, os créditos de uma edicao cooperativa nao foram incor-
porados a pagina de‘rosto e um dos estudos arrolados no indice (publicado anterioimente i i Pam aP1'0fi-llldar seus conhecimentos psicanaliticos. Freqiientou
pela revista Anhembi) deixou de ser transcrito". O texto omitido da edicao de 1955 a que
se refere Fernandes_e “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem". Os
cursos no Instituto de Psicanalise da Sociedade Britanica e Se
i
trabalhos de Nogueira, Bicudo e Ginsberg foram excluidos da segunda edicio do livro.
2
Apenas os estudos d6_:'Femandes e Bastide foram republicados n0 volume 305 da Colegao =
Biasiliana, com uma mudanca do titulo da publicacao original; em vez.de “kelacoes raciais 33Metr80$ ,Alfd.“ '
re Rapport au Directeur '~ sur Mission
General -- au Bresil
,. (16 nov, _ 20 déc
entre negros e brancos em Sao Paulo", passa a ser Relayfies entre brancos e negros em Sao 1950)" p.1, in Race Questions & P ote 1' fM' ' " '
Paulo. Sao Paulo, Companhia Editoia Nacional, 1959, p. 8. _ (BOX REG 145), Unesco Archivesl C ‘on 0 mom“ REG 525-L PM " up to 51/WI/50
l
5

48 49
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1 ,_'

| r.

especializou em psicanalise da crianga na Tavistock Clinic, sob Atitudes Raciais de Pretos eMulatos em Sc'io_Paul0 é um encon-
a supervisao de Esther Bick (VALLADARES, 1996). Em 1956, tro bem sucedido da interdisciplinaridade (sociologia, antropo-
Nosso Mundo Mental, livro organizado a partir do programa da logia e psicologia social) presente nos estudos da Escola Livre de
radio Excelsior, apresentado por Virginia, e de sua coluna no Sociologia e Politica. A sociologa Virginia Bicudo é fruto desse
jornal Folba da Manbd, foi lancado em Sao Paulo. Trata-se de processo desenvolvido nos anos 1940 e 1950,. Arguta analise
uma obra de divulgacao cientifica utilizando meios de comuni- académica associada a sensibilidade em questoes socio-raciais
cacao de massa, algo inédito no campo da psicanalise no pais.“ sao as marcas de distincao do estudo de Virginia Bicudo.
Na década de 1960, de volta ao Brasil, apos cinco anos de es- Ha 15 anos, Virginia Bicudo concedeu-me uma entrevista
tudos na lnglaterra, Bicudo tornou-se professora e diretora do (MAIO, 2010). Nossa conversa aconteceu na entio residéncia
Instituto de Psicanalise da Sociedade Brasileira de Sao Paulo. da psicanalista, na Avenida 9 de julho. Em certo momento, ela
Em 1970, dando continuidade a seus esforcos em prol da ins- me mostrou orgulhosamente uma foto da turma de formatura
titucionalizacao da psicanalise no pais, ela fundou 0 Grupo do sr. Teofilo, seu pai, no prestigioso Ginasio do Estado. A0
Psicanalitico de Brasilia. N0 ano seguinte, Virginia organizou 0 me lembrar deste encontro, tao cheio de sentidos, eu o associo
Instituto de Psicanalise de Brasilia. Em 1976, iniciou 0 curso de a uma frase do sociologo Alberto Guerreiro Ramos: “E preciso
Formagao de Analistas de Criancas, com a colaboracao de Lygia nao carregar a pele como um fardo.”5*"
dc Alrfintara Arnarai (RGCPA c:ca {'1-'1 :2L!) £3 :5 _::12004, p.69).
r—l

.\i<- decorrer das décadas de 1980 e 1990, Virginia Bicudo par-


ticipou de Conferencias, jornadas, Encontros e produziu uma Referéncias
vasta obra. cientifica veiculada principalmente em periodicos
nacionais na area da psicanalise. ABRAO, Jorge L. F. Virginia Bicudo: a trajetoria de uma psicana-
Na ultima frase de uma entrevista publicada nos Cadernos lista brasileira. Sao P21UlO:_ Arteciéncia, 2010.
Pagu, Bicudo confessou, em tom bem-humorado: “eu sempre
brinco que estreei 0 diva no Brasil” (MAIO, 2010). Ela poderia ANDREWS, George Reid. Blacks and Whites in Sdo Paulo, Brazil,
ter ampliado o leque de evidéncias que confirmam sua trajetoria 1888-1988. Madison: University of Wisconsin Press, 1991.
impar de mulher que protagonizou a criagao e o desenvolvi-
mento de instituicoes e a produgao de conhecimento cientifico AZEVEDO, Nara; FERREIRA, Luiz Otévio. Modernizagao, politicas
no campo das ciencias sociais e da psicanalise. piiblicas e sistemas de género no Brasil: educagao e profissionali-
zagao feminina entre as decadas de 1920 e 1940. Cadernos Pagu.
34 O livro condensa wirios estudos sobre a personalidade desenvolvidos por Bicudo em
diferentes instituicoes dc ensinoz a ELSP, Associagio Brasileira dc Psicanalise e, principal-
mente, a Secio dc Higiene Mental do Sen/ico de Saude Escolar de Sao Paulo. A0 longo do 35 A frase de Guerreiro Ramos é a epigrafe do livro Fala Crioulo dc Haroldo Costa (1982).
livro, a autora ilustm seus conceitos teoricos por meio dc casos exemplares, que reconsti- Guerreiro disse-lhe a frase pessoalmente, conforme depoimcnto do produror cultural ao
tuem problemas familiares e situacoes coridianas (BICUDO, 1956). autor em 15. jun. de 2010.

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Analise das atitudes manifestadas nos casos apresentados
ciologia e Politica, 2008, p. 9-58. ‘ _
b) Casos de pretos das classes sociais intermediarias
VILHENA, Luis Rodolfo. Africa na tradicao das ciencias sociais no Analise das atitudes manifestadas pelos entrevistados
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pensamento sociologico brasileiro. Rio de janeiroz Editora FGV,
d) Casos de mulatos das classes intermediarias
2006.
Analise dos casos de mulatos das classes sociais
intermediarias
ZINGG, Rosa. Entrevista concedida a Marcos Chor Maio. Sao Pau-
lo, 17 dez. 2009. e) Atitudes reveladas numa associagao de homens
de cor por um dos membros da diretoria
Analise do material referente a “Associacao de
I Negros Brasileiros"
RESUMOS E HIPOTESES PARA PESQUISA POSTERIOR

60
1 _ ,r-.
'.1,.-.'.'-

INTRODUCAO

O presente trabalho e um estudo preliminar que visa ilustrar a


aplicacao de um metodo e uma tecnica na coleta de dados e
abrir caminho para pesquisas posteriores.
O problema abordado refere-se as atitudes raciais de pretos
e mulatos, em Sao Paulo. Atraves de alguns casos, procuramos
conhecer as atitudes de pretos e mulatos relacionadas com a
questao racial, a fim de levantar hipoteses que exigirao novas
observacoes para confirma-las, melhora-las ou substitui-las.
Na coleta do material, assumimos a posicao de observador,
procurando no mundo exterior as evidencias para a formacao
das hipoteses. Todavia, ao iniciar o trabalho de campo, pos-
suiamos um corpo de conhecimentos que nos sugeriu a esco-
lha do problema a estudar, assim como a orientacao do plano
de investigacao. Referimo-nos ao trabalho Negroes in Brasil, de
Donald Pierson (PIERSON, 1942b), o qual tomamos como base,
e ao trabalho de Everett V. Stonequist intitulado The marginal
man (STONEQUIST, 1937).
A atitude e um elemento da personalidade adequado para o
estudo de relacoes raciais. Sendo a atitude determinada pela
natureza original do homem e pelas condicoes sociais em que
vive, e necessario distinguir entre atitudes individuais e atitu-
des sociais. As atitudes sociais expressam o aspecto subjetivo
da cultura e conduzem ao conhecimento das condicoes so-
ciais que concorreram para sua formacao. Segundo expressao
de Faris (1937, p. 133), a atitude e o modo de conceber um
objeto. Constitui, portanto, um meio exato e fértil para o co-
nhecimento da atitude de uma pessoa pedir-lhe que defina
objetos particulares. As atitudes, diz o mesmo autor, repre-
sentam os aspectos estaveis e organizados da personalidade e

63
. . --i,;_ ,. ,
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‘LR 4-.

. J. I
.. . in 1;
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tendem a persistir enquanto funcionar bem e permitir a con- ff? '_. 3;
»- .-.. mesmo aquelas que em geral estejam intimamente ocultas por
.1:
duta para proceder de um modo satisfatorio. Evidencia-se a .‘ 1?,-V: censuras sociais, medos ou outros motivos.
*. - .3.
;<.- =.- ..
profunda significacao das atitudes no processo de interacao --=2
1 Entrevistamos mais de 30 pessoas para realizar nosso_-tra-
social. Nao menos significativo e o estudo das atitudes sociais :?:5':'- ('
.21? 1 balho de carater “exploratorio”, isto e, trabalho de sondagem
if .t
para a investigacao dos processos de mudanca social. Conso- 4
.'.
.‘.'¢i ‘Z
4
‘= com o objetivo de levantar hipoteses para pesquisas subse-
5-Ki"
ante as observacoes de Park (1931, p. 17), as mudancas sociais 5";-‘ -l.
~'-A. quentes com maior nfimero cle observacoes. Foi nosso intento
‘F4%..
comecam com as mudancas nas atitudes condicionadas pelos 2
‘_é,. obter um relativo nfimero de casos, a fim de que as hipoteses
individuos, operando-se posteriormente rnudancas nas insti- sugeridas pelo material coligido apresentassem certo grau de
3
tuicoes e nos mores. at...-.Ci validade. Impondo—se a limitagao da observacao, o numero
O metodo e a tecnica empregados na pesquisa foram o es- .‘i>.~7i7
A;/-.': de casos foi limitado‘ pela verificacao da variabilidade das ati-
-'!r'i|":'
tudo de caso e a entrevista. Procuramos conhecer as condicoes -;i.'::,~ tudes apresentadas nos diferentes casos. Alias, este e ‘o criterio
.».»'lI'»'.4-' I
de c-asos individuais e de uma associacao de “homens de cor”, ."2eZ"l-‘.5 adotado quando utilizamos a tecnica da entrevista: “O nfimero
._\

empregando como tecnicas de trabalho a entrevista e a analise ,. I


de entrevistas necessarias difere com a variabilidade da infor-
de opinioes emitidas no jornal mensario dessa associacao. O macao obtida. Quanto mais os entrevistados diferem em seus
... , . t ' . <__,,
material referente a associacao de homens de cor, demons- relatorios, tanto mais pessoas sao necessanas para en revistas
trando as atitudes assumidas-publicamente, valeu-nos para as (BINGHAN; MOORE, 1954, p. 56).
observacoes de aspectos da estrutura social, observacao esta Alem dos casos por nos entrevistados, tivemos a contribuicao
aprofundada no conhecimento de outros aspectos evidencia- 1 dos alunos do Seminario de Metodo dirigido pelo prof. Donald
dos pelas entrevistas. ' ' Pierson, os quais apresentaram observacoes sobre atitudes de
Para atingir a finalidade das entrevistas no conhecimento das pretos e mulatos em Sao Paulo.
atitudes sociais no que concerne a “raga”, demos sempre aten- Este trabalho foi realizado em Sao Paulo, tendo sido iniciado
cao aos aspectos de interacao entre o entrevistador e o entre em 1941 e terminado em 1944. Dos 30 casos apresentados, 11
vistado. Quanto ao primeiro, procuramos estar conscientes dos foram encontrados na Clinica de Orientacao Infantil da Secao
motivos pessoais que nos conduziram a pesquisa, bem como de Higiene Mental Escolar, representando, portanto, elementos
conhecer nossas atitudes sobre o problema em estudo para o das classes sociais que enviam criancas para os grupos esco- i
1
desenvolvimento cle autocontrole e autocritica e, assim, evitar lares. Visitando os grupos escolares da Capital, tomavamos o
interferir na entrevista e na interpretacao do material colhido endereco de escolares pretos ou mulatos e nos dirigiamos aos
com possivel projecao de condicoes pessoais. Quanto ao en- pais, dizendo-lhes que desejavamos conhecer as condicoes do
trevistado, consideramos o fenomeno do rapport ou da trans- ambiente afetivo para orienta-los na educacao dos filhos.
ferencia, procurando estabelecer as condicoes psicoafetivas em Procediamos exatamente como nos demais casos da Clinica, {ii 5
t.
que o entrevistado se dispoe a comunicar-nos suas atitudes, em que, visando a melhor ajustamento da personalidade da

64 65
7-

. 21 ‘.1’ >
1:;
L 11"
1 5'

.' 1
1
- <5
._ ATITUDES MANIFESTADAS POR INDIVIDUOS ENTREVISTADOS '
crianca, faz-se necessario 0 estudo do ambiente afetivo. De izyii,

fato, em todos os casos foi semPre imPY@5Ci"di"el uma On" ‘El.$5


Considerando que uma das formas de se conhecer determinada
entacao educativa. Esta situacao de dependémiifl dfl Clinica ;
1
situacao racial seja dada pelo status social do mestico, distribui-
na qual os pais dos escolares foram colocados facilitou-nos a
mos 0 material colhido nas entrevistas em dois grupos: em um
tarefa de estabelecer contato com pessoas estranhas. Os casos‘ <\
-
grupo, reunimos os pretos; em outro, agrupamos os mulatos.
foram colhidos em diversos grupos escolares, situados nos se-
Por sua vez, subdividimos cada grupo em dois subgrupos con-
guintes distritos: Bela Vista, Santana, Vila Mariana, Baffa Funda
soante a classe social.
e Mooca. Todos, com excecao de um, pertenciam a classe so-
Para a classificacao racial do ponto de vista social, que nem
cial “inferior”.
sempre coincide com a classificacao da antropologia fisica, ado-
As pessoas de cor das classes sociais intermediarias foram
tamos determinado criterio. Na categoria de pretos colocamos
procuradas por meio de apresentacoes, dc sorte que lnl<31Z11-
individuos de cor preta e cabelos encarapinhados, cujosipais
meme aquelas pessoas eram informadas sobre nosso intento.
apresentassem os mesmos tracos fisicos, e mulatos chamamos
Todas as entrevistas tiveram por finalidade conhecer as atitudes
aos dc cor parda, possuindo um dos genitores preto e outro
do individuo de cor referente ao preto, ao mulato e ao branco-
branco, ou um pardo e outro branco ou ambos os genitores
As relacoes raciais, no sentido mais amplo, conforme com-
pardos. Atraves das entrevistas, veremos que a concepcao do
preendeu Park (1939, P. 3), P0d@m abfanger mdas as aCOmO'
mulato de si proprio varia na razao de seu status social: uns se
dagroes nas quais algum equilibrio relativamente estavel foi al-
consideram pretos, enquanto outros se tem por brancos.
cancado, assim como as situacoes de conflito. Dentro de tao
Como criterio para a classificacao social dos'entrevistados
vasto terreno, circunscrevemos nossa obsefl/H9510 51$ atitudes Ta‘
baseamo-nos 1) na condicao economica, 2) na profissao e 3) no
ciais de pretos e mulatos. A priori, nao sabiamos quais fossem
nivel de instrucao, por observar que estes fatores constituiam:
as possibilidades de elaborar hipoteses sobre a situacao racial
elementos que determinam nos individuos a concepcao de
através da observacao de atitudes raciais. Podemos afirmar, en-
pertencer a classe social inferior ou dela se excluir.
tretanto, que so foram formuladas as hipoteses que, a nosso
Pertinentes a classe social “inferior”, consideramos os indi- -
parecer, o material permitiu.
viduos de pequena capacidade aquisitiva, cuja renda global da
Por dever de gratidao, aqui fica expressa uma homenagem
ao prof. Donald Pierson, que dedicadamente nos orientou em familia atingia a Cr$ 500,00, em media (com excecao do caso
rodo o desenvolvimento da pesquisa. A0 prof. Mario Wagner, n9 18), individuos com profissoes como motorista, operario, _
apresentamos nosso reconhecimento pela contribuicao na for- servente, cozinheira, empregada domestica e possuindo no
ma de critica construtiva. A0 prof. Dun/al Mflf¢0I1d@$, chefe da maximo curso primario.
Os individuos reunidos nas classes sociais intermediarias
Seccao de Higiene Mental Escolar, nossos sinceros agradeci-
apresentam capacidade aquisitiva acima de Cr$ 500,00, pos-
mentos pela contribuicao na coleta de dados.

66 67
I - . _
l"
5-1-1-5
it
l

suem profissoes liberais oulsao funcionarios publicos e tem no .11‘-» .


ha cinco enC<1)LZlsTeve_
menores a - filhos: possui. apenas duas meninas
sleis
.i,,.
minimo curso secundario. It
I ne in as e scolares. Zela pelas filhas e netas
E preciso notar que os s'a_larios correspondem as condicoes para que adquiram bons principios de moral E filh d
§>;i;Y_; E’ aqalfabeta
'
~ " - 7 sobre os - pretos,3 disse-nos;
- Quan to a sua opiniao
6 retos '
. p
economicas de 1941, epoca em que colhemos o material das x .1».
'1?-1'

entrevistas. 5
\|
_ Ospretos nao se casam, ajuntam porque sao criado; 1;; ad N
’ rg os. do
a) Casos de pretos da classe social “inferior” gosto de I/e’P’"@l‘0 casar com hranc01 efazerpouco
' caso do preto.

Caso n9 1 — Antonia pertence a classe “inferior”. E preta, e_ Caso n9 3 - josé é reto fil


pretos foram seus pais. Aparenta 40 anos. Reside na Vila Mariana idade Mora no ba'irro dp 7 hoPequena.
e Saracura de pretos.
Foi Tam 32sem
criado anos de
mfie
ha mais de 20 anos, onde seus pais possuiram uma chacara que em casa de uma familia espanhola Criou se ' ’
' ‘ POI s1 mesmo Foi
perderam. Ate ha poucos meses, dava pensoes a dornicilio, mas, servente de edreiro- ha - , . - '
, p : <l‘1a[f0 anos e operario. E alfabetiZ;,1dO_
obrigada a mudar-se de casa por demolicao do predio, perdeu a E casado com uma reta E: Q5 - ' filhos. Externou-nos as
S _ _ W P P SU1 dois
freguesia. Atualmente, trabalha por dia como empregada domes- eguintes opinioesz
tica. Possui quatro filhos: duas jovens de cor parda, de 18 e 16 -I
anos, e dois meninos pretos, um com 12 anos e outro com 10 —
em Nao
cas sou
N fanatico
f por esse n eg0: czo
' de unzao-~ de pretos. D12/zrto-me
. .
anos de idade. E analfabeta. Antonia relatou-nos o seguinte: 61- unca ui des rezado Do - - -
osPro'P"O5I "@8705, uns querem
P I melh
ser u meor- bem Com
do que OS I/izinhos.
outros ‘ Z/eggsEntre
As
. - , sou
— Os meusfilhos sao ilegitirnos. A primeira éfilha de um portugués, a mais hem tratado por branco do quepor .pam.CZ.O,,

segunda de um mulato, e os dois meninos sdofilhos de um ‘patricio" *1‘!


-0
[preto]. O portugués foi hom para mim; separei-me do preto porque Ci)??? ~— justinzutransferiu residencia do interior para Q
ele nao me ajudaz/a economicamente a criar os filhos. Nao quero " a cinco
I anos. E preta filha de pretos e casada com um
mails saber de liga§6es com ‘jpatricios”. Fui criadapor branco. Minha preto motorista. Possui um filho de 9 anos Aparenta 30
- - anos;
madrinha dizia sempre: “Por que ospretos nao se unem, para conse- trabalha C0mO emP re 88d a domestica.
' - E' alfabetizada.
. Quanro
guir vida melhor?” Hoje z/ejo que a raga de cor nao tem uniao, porque 805 pretos, afirma:
cada um quer ser mais que 0 outro.
_
Uéj Quased nao tenho rela§6es com genie de cot; porque sao
- pessoas in-
l
Caso n9 2 — Benedita e cozinheira. Conta 46 anos de idade. degOWS, esqam_ fi z/er-nos semPre ma leconomzcamente
' "ll J
ou lutando mm ll

Reside no bairro da Bela Vista. Criou-se em casa de distinta


familia em Sao Paulo, cujo chefe, ao falecer, deixou Cr$100,00,
Ӥas-1 entao cam satisfeitos . Dou - me melhor com os z/zzmhos
¢0S..' Desejaria ser hranca» mas quefvlzer. .. Nao
~ me smto
.
- - bran-
mfelizpor ser
I
:,.llI 1I
preta, mas pelas dificuldades econémicas e pela dO€7'Z§g de mamae. Q4
que recebe mensalrnente. Foi casada com um preto e enviuvou
ll
3.. .1
i, ii
iii _I‘..,.\
68 69 1; I vl

I
I
0"_.\

_. _i .

Caso n9 5 —— A entrevistada e preta, com 45 anos de idade, duas cozinheiras e tres operarias e um irmao adulto des
I 1 of-

e casada com um mulato empregado domestico. Possui dois deiro. E analfabeta. Do relato da entrevistada;
filhos, um mulato e um preto. Residem em Sao Paulo ha cinco
anos. Foi cozinheira de uma familia emcidade do Interior. E —- O brancofaz pouco caso do preto, por causa da cor. Quando me
analfabeta. Moram num barracao. Relato da entrevistada: mudei do Inte norpara
' " Paulo [ha 10 anos], sofri muito,
Sao . porque na
rua me xingava m de negra ou mextam- -
comigo. . passava
Certo dia,
— Tenho amizades tanto com pessoas de cor como com brancos. Ter por uma ma [Bela Vista], vestida com uma blusa branca erlgomada e
um filho mulato, mais claro do que nos, os pais, nao me dd nenhuma uma mo§a que sempre me aborrecia
- me disse:
- ..Mosca caida
. no lezte.
_' "
satisfacao, orgulho ou vaidade; ao contrario, gostaria que ele fosse Nao me contive e uirei-Ihe um tapa no rosto Nunca mais ela mex
- eu
mais escuro. Quartto o menino nasceu, era tao claro que descen- ' . Nas 10.745
Comlgo - dd “dade,
- quando a gente entra para comprar al-
fiaram, mas o pai de meu marido era branco. Acho os pretos mais guma coisa, so é atendida depois de muito esperar,
orgulhosos do que os brancos. Tenho uma vizinha mulata “gra-fina
veste-se bem e so se da com gra-finos, apenas cu mprimenta os vizinhos Analise das atitudes
' '
marufestadas nos casos apresentados
pretos. No Interior, trabalhei como cozinheira durante muitos anos em
casa defamilia de posses efui muito querida. Era eu quem preparava Os casos
_ A de pretos da' classe infenor’
- - apresentados evidenciam:
. .
ojantarpara pessoas de destaque que iam de Sao Paulo efui eu quem a) distancia social entre os pretos manifestada por atitudes
vestiu as noivas da casa. Muitas vezes senti o orgulho dospatroes, mas de rivalidade (“cada um quer ser melhor do que o outro") de
acho maior o orgulho entre pretos de melhor situacao. d rte -
e5Pf@Z0 ( e pior o desprezo de preto que melhora economi-
I

C
amen“? do que 0 do bf?1f\¢0 n ). <16 flntlpatla- .
( “ preto nao__
gosta
Caso n9 6 —- A entrevistada e preta e conta 43 anos de idade. do Pfeto ), d6 antagonismo (“os pretos sao contra os pretos”)
E empregada domestica, casada com um preto, 0 qual trabalha e d e l1'lVC]8
' ' ( “ os pretos sao
~ pessoas I1'1V6]OSflS,
- - d€SC]9.1T1
. V61‘-n()$
num bar (limpeza). Vivem com_Cr$ 450,00: Habitam um conico. sempre mal");
Temquatro filhos vivos e cinco monos, sendo tres na primeira b) os pretos entendem-se melhor com os brancos (“dou-me
infancia. E analfabeta. Afirmou-nos nao_ pensar na cor, dar-se melhor
’ _ ’ co ' ‘
_ m os vizinhos brancos n ),. todavia,- em face do branco,
bem com pretos e brancos. Tudo estava bem ate a mone (afoga- ha indicios do desejo de manter-se leal ao preto (“nao gQ5[Q de
do) do filho de 16 anos que ja ganhava para auxiliar a familia; ver preto casar-se com branco, e fazer pouco caso do preto»)
daquele desastre para ca e que se sente aborrecida e nervosa, A afirmacao de que “e pior o desprezo do preto” implica
chegando a nao tolerar as criancas do vizinho (brancas). algum?! P@F¢@P<;i0 de desprezo proveniente do branco assim I

Caso ng 7 -— Trata-se de uma pessoa de 28 anos de idade, como nadeXPT@55flO


b * as vezes_sou muito
- mais- bem tratada por
cor preta e solteira, com um salario de Cr$ 120,00, trabalhando ranco
I 0 ql-16 por preto » compreende-se que nem sempre
como empregada domestica. Possui cinco irmas adultas, sendo assim se passa. O preto demonstra sentir-se
- . ferido
mais . pelo .
|
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70 71
...-2?-."”"""“" -'~ I4
AA "
1?. . ‘I
. g g =I
.1-:_I

. §_; ';
i.aI'.i.*
4'
em Sao Paulo ha cerca d6 20 anos Possui cu
desprezo do proprio preto do que pelo do branco, talvez como 3725.1;
- rso secundario
e exerce uma profissao intelect
' ' _
resultado de seu sentimento de inferioridade, em virtude do
qual, ao mesmo tempo que acentua o antagonismo contra o Por sofrer em conse uencia
* - C1 ual‘ Qu€.1Xa Se amargameflte
5 suas eXperiencias dqesa8 radaveis
e preconcei-'50 dc cor. Relatamos
e humilhantes,
' . se
preto, torna-se mais suscetivel aquele sentimento, enquanto .,,,
. das quais
perante o branco “superior” diminui o sentimento de hostili- Originou
Se u aguda sensibilidade Para o trato diario
-- - com o bra;-ICQ,
dade e se faz menos suscetivel as reacoes do branco. 8 em-se suas palavras; .
Tais atitudes de antagonismo contra o preto e convivio com
_ A questao racial, no Brasil, prende-se a queda ,1 .
os brancos se constituiriam em urn dos fatores para a ausencia o regime escra-
de solidariedade observada entre os pretos e por alguns deles Uocmffl, Com a aboli§ao
" da escravatura, que aCar‘ret0u a 7-ulna
- de
muitosfazendeiros Vend _ .
lastimada. ' O Se “I ' umados» 05 fflzendeiros investiram
Do exposto, depreendemos a seguinte hipotese: as atitudes infllstamente seu odio
- C0ntra o negrot como e' faczlmente
- verificado
nas cidadesfagrigzosas
' - -
do interior. Em Sa P .
do preto da classe social “inferior” para o preto e para o bran-
co estariam baseadas em sentimento de inferioridade, o qual gerado pelo conv-zuzo
. com imigrantes. Afirma
0 aulo’ . como Ofez
Opreconcehtoparece
-se na Bahia
0 professor Pierson» que 0 negro rico
. nao sofre preconceitos
- ’ (sic) Tal
determinaria sentimento de antagonismo contra o preto e de
simpatia para o branco. A atitude de antagonismo do negro afirmflwio nao é verdadezra
' em Sao
~ Paulo - Em prlmezro
' - lugar podase
.
“firm” que nao ex-iste ne870 economicamente indé;Derzdente-’ pm-;,m_ k
resultaria em falta de solidariedade entre pretos, enquanto a
$0I flqui énférldemgg por ne ro TZCO
- a u '
atitude de simpatia para o branco nao somente torna o pre- - . _,. II
As e1¢;1><-mencias 4.- g
zarias mostram q ele ‘7”"f°”’”’””d°»
ue ~ ‘Educado- I; II
‘I!
to mais tolerante, como indiretamente concorre para atenuar
qualquer manifestacao de antagonismo da parte do branco, de quencias d“ Cor d“Pee
l - O Centroq dosF
mmbem ' eles
' " Sofrem
unczonarzos as come-
Pilblicog ygdou
a entrada a mogasformadas em nossas escolas secundarzas,
- - filhas de
onde maior convivio entre pretos e branco. ~ .-,

um intelectual que entre nos


' exerce su ~ - 'I1
my d “~9f""§0@$, unzcamente por $9 4

b) Casos de pretos das classes sociais intermediarias 61T epessoas de cor.

— Sob minha chefia trabalham uarios .


Quando focalizamos os pretos de profissoes liberais, intelec-
trgaua-me um convite defesta defowna7:z?izOSerrf::e.s:z1:aLd:s::zljgnnehi_ ?.T:-€—.;:=-*;.\,-r.-,_;.'-
tuais ou funcionarios de carteira, possuindo, portanto, melhores
No dia
ficou seguinte conta-
preocupactia '
Uend01rj'nzeng:nnUu:;;1i»:tea0 rapaz» ,,Ontem minha
, irma'
condicoes economicas e com instrucao no minimo de nivel . 4

secundario, observamos que as atitudes ligadas a cor eviden-


jg.
A1
IL.’
ciam-se de forma muito mais pronunciada do que quando nos
referimos ao preto da classe social “inferior”.
1'2!
censurou. Tranquilizei-a imediatamentg djhgnjdeiilhjeqjjr:1673i:/Z1 2::
vidado porque sabia que 0 senhor nao iria. ” Acidentes coma agfes S670
I-~
fl‘
,,-,.

.-II.
;;I‘.

Caso ng 8 —- Trata-se de um preto criado por branco que, Pequertmas coisas do branco que mefazem conflar desconfiandq Pas. I I
1!‘?!
saua dzante de um estahelecimento de diversdes quando, por algum mo- Iii,‘
transferindo-se de importante cidade paulista, fixou residencia r ,- H‘,
. I11,‘
I JI , I
I
'5 1I
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1
II

72 <
73 I‘.
'I
I
“W iv“ —

. - - - ' ' - 11 '


tivot Parei e ouvi que 4/8"‘-"" "IQ dmgla apalawa Dlzm me ope elm fdncia, teve receio de entrar no cassino em minha companhia.
, ,, A - '/'15, uenao estava
do estabelecimento: Voce M0 Pod? e””"” “qw u q
interessado em entrar naquela casa de diz/ersoes, insisti em saberporque — Disse-me alguém: “Aqueles negros da rua Direita deviamfazercomo
.
ndopode,-ya entrm; pedmdofalarao gerente. IIOygerente esta' mu:‘to ocu - vocé: estudar é viver no meio da gente. " O sindicato dos lojistas dirigiu
pado e nao pode atender um negro. "Acontece, porem, que no 1rl0"%’"t° um oficio ao delegado da Seguranpa Pessoal, pedindo providéncias
para 0 transito depessoaspela rua Direita, sabado e domingo, especial-
I
0 8erente adpareceutrabalho
a portaI 9indagando 0 que havia.
logo me indagou; Conheciamo-nos
e-Xpliquei-lhe o ocornkio. I
por causa 0 meu » mente com relapao as pessoas de cor. Es-ta atitude é consequéncia do
- que erapreto, d1Z
I/,:m,,d0_5epara oportetro, ‘ -lhe,- “Este Preto Potde entrar;
WIE preconceito de cor. Achamfeio aquele desfile de negros no centro, que
I ,. dog;-gpara mim: “Vamosen ra . u, constitui a unica manifestapdo da presenpa do negro em Sao Paulo.
ele manda em Sao Paulo. E U054"
I . . - “ di-me. I
que nao pretendia mais do que 414119/4 5a"5fa§a° dape Alegam oprejuizo para o comércio, mas se o negro da rua Direita tem I
I

baixopoder aquisitivo, eles z/do contar as patroas onde viram esta ou


_ A amizade do branco para O neg,-O é sempre interesseira. Dado o
aquela mercadoria e, neste sentido, estariam mais auxiliando do que
ca,-go que ocupo, ha interesse em me agradar; fora disso, pouco valor atrapalhando o comércio. Penso que a medida a tomar na solupao da
tenho; nao sou homenagead0 Simplesmemepela mmbapeSsOa' mas as concentrapao do negro na ma Direita consistiria em dar-lhe instrupao
aten§5es sao Pam “$f“"§5e5 que exer§O' e educa§do_ destaforma, o negro adquiriria melhores maneiras, as
mo§as nao se apresentariam em trajes de “soirée” na rua e nem con-
_ possuo amigos intimos brancos, com os quaisfiti criado na infan- versariam em U02‘ alta assuntos que nao sefalam na rua.
cia. Somos intimos até hoje; S630 P955045 ‘I149 Se bospedalm em mm’)?
casa, assim como eu e minhafamilia em casa deles. Ve_]o nest-as ami- — Tal atitude de preconceito em Sao Paulo nao é zinica — pelo mes-
Zades a gmpidao por minha mae ter criado pessoas dafamzlza deles. mo motivo, cogita-se de. tirar a Igreja do Rosario do largo Paissandu,
Quando crianpa, eu e eles sempre émmos tratada‘ 1€u‘fh_nemle' M78 i dizem que para erigir ali um monumento. Diseutindo 0 assunto com
vigario me advertia sempre: “Lemhre-se que vocé nao e 18"“ a 9 es- um branco catolico, respondeu-me: preciso limpar aqaele local,
Eu, porém’ nao compreendia o Sentido daquelas palavras. Somente tirar a Igreja dali. "
muito mais tarde as entendi. Mesmo estes amigos intimos derrtonstram
preconceito em certas ocasioes. Esta:/amos em Santos e termznavamos o — Ha dias, em Indianapolis, uma empregada matou a patroa, porque
jqmar, quando alguém sugeriu irmos ao cassino. Para la nos encamr esta a chamava de negra. Sao comuns as reapoes agressivaspor ofen-
nhamos, e um delesfala ao ouvido do outro. Pela "#770514 _ “NaO' ele sa. Tenho modo de pensar diferente do preto, em geral, que-acha que
é branco. " —, compreendi o que se passava e disse; "Nao vou ao cas- é necessario reagir contra o branco. O meu argumento e"o seguinte:
sino com uocé$; Poderia it? Porque 9" enmm-“' pois O gerente e amtgo voce é motorista de talfamilia e sua mulher é empregada-domestica;
meu, mas nao quero ir. " Insistiram para que eufosse, mas eu nao teria st voce reage, e depois como sustentar seusfilhos? Acho que a ‘condicao
I I
‘I9
prazer em estar la. Isto signyica que um amigo intimo: branco’ de m- do negro so podera melhorarpela divulgapao da instrupao entre eles.

, 74 -5?‘ 75
L-it-ii

I
>

— Ha tempos, fui bomenageado com am almogo pelos meus amigos a'e tanta admiragxio. Mais tarde, ao ingressar na profissao que atual-

brancos. Estes procuraram o Hotel a"Oeste para a homenagem, mas, mente axergo, fiai submetido a um exame. Entretanto, notei que 50-

quando 0 gerente soube que o almogo seria oferecido a am preto, em-'- mente de mim exigiram conhecimentos além do estzpulado para os

bora_ me conhecesse, recusou aceitar a encomenda. Foi necessario que outros. Depois de comprovar que tinha conhecimentoalém do espe-
1 rado, fui aceito no emprego.
se realizasse o almo§o em outro local, ' \
\1
\
I

—~ Um de meus mais intimos amigos brancos me convida para todas as — Consequentemente, resulta 6a'io, raiva e ressentimento da parte do

festas em sua casa, as quais nao compare§o. No dia seguinte, sempre negro. Eu perdoo, mas 0 negro sem educagdo briga. Viuo isolado de

me telefona, indagando por que nao compareci. Houve uma festa a'e certas situagoes sociais, e assim acontece com todos os negros de min-

formatara no Esplanada, convidowme e nao fui, mas noto que, nao ha classe — acham-se afastados ale certos aspectos da vida social.

sendo em sua casa, ele até hoje nao reclamou por eu nao ter ia'o.
—- Os pretos pouco se uisitam. Ha preconceitos entre 0 proprio preto

—~ Conuersando com um a'os meus saperiores, muito meu amigo, diz- Maitos nao querem demonstrara sua origem e por isso nao ge re11nem_

me nataralmenre; "Fiz uma campanba contra fulano; calcale um O negro "50 que’ 59" "@870 E" fa§0 qaestao a'e ser negro. Os pretos
negro -qaerendo ter determinado cargo.” Como estivéssemos diante sem ediwagfio nao gostam a'e mim.- dizem que uivo fazendo graga

de outros empregados, para nao enuergonba-lo, concordei com ele, para o branco, colocando o negro em ridicule. Uma sociedade recrea_
l
|
dizendo: “Essa gente poaco alcarlga e tem grandes pretensoes. ” En- tiua aepretos me uedou a entrada. Quando voa a amafesta, nas raras

tretanto, trataua-se ele am negro a'e valor; mas nao reagi para evitar vezes 611/“? U0”, procure sempre me apoiar em amigos brancos chega-
conflitos iniiteis. a'os, euitandoficar s6. Quando percebo que vouficar so, sem apoio de
uma pessoa mais cbegaa'a, retiro-me imediatamente. ~

-- Percebo que me tratam com deferéncia para encobrir qualquer-_


coisa. Existe preconceito a'e cor e a'e classe —— soil doente e sei portanto‘ Caso n9 9
l onde me a'6i. Opreto sobre na carreira ocupacional dandoo tnplo. Qe
para 0 branco for necessario saber A, o preto deverd saber/1, B 9 C —— Meus az/65 erampretos; residiram no Interior do estado de Sao Paulo.
‘ii Meu avo materno era portugaés e minha auo era preta. Ele se instaloa
M‘
415,.
7i __ Terminado o curso primario, fui prestar axames para o curso se- na cidade A. com uma banca para uender doces no mercado. Tinha
I1‘|
fir‘-.‘= cimdario na cidade uizinha. Dias depois, os jornais pablicaram Qs‘ duasfilbas. Ambas se casaram. Minba mae casou-se duas vezeg e teve
wt! I

N41
.,.
resaltados —~ ea estava colocado em terceiro lugar entre os concor- 12filbos, sendo am do primeiro casamento. Sou o segundofilbo. Mea
;, ii]
. ., irmao mais velbo é revisor de um jornal no Rio de_]anez‘ro_ Ele é um
i i], rentes. A minha colocagao despertou admiragao de todos 1161 cidadé.
.3“?

Muitos cbegauam a me pergantar; “Vocé é o preto-que tiroa o terceiro indiuiduoecordato. Nao se interessalpelo problema racial, nao sente

lugar nos exames?” Ea acbaua natural e nao compreendia o motivo como eu. Efesteiro. Abaixo a'e mim, havia um irmdo que faleceu aos

76 77
car; ea frequentemente pedia amostra de agacar para comer. Entrei
12 anos; depois, segue uma irma casada ba cinco anos com um prel0.
para o grupo escolar: /is vezes, nao tinha lancbe para leuar. Pelo meu
empregado no comércio. O cagula é casado, trabalha em um banco.
irmao, minha mae mandava pao e uma garrafinba com café. Mas,
Conuensa pouco, gosta de observar, é impuLsivo. Tem compreensao do
quando ela nao podia mandar-me o lancbe, encbia-me de tristezas,
problema racial, mas nao se interessa, porque acba inutil. E carnaoa-
vendo as outras criangas com marmelada, pao e manteiga. Mas ea
lesco. Os outros irmaos faleceram pequenos. Meu paifoi carpintezro,
naopedia. Como hoje, na infancia, eu nao sabia pedin Na entrada da
um artista dentro de sua profissao. Cantava e tocava bem. Nd “dade
escola, havia uma palmeira que daua coquinbos: eu ia comé-los para
A, foi um agitador. Formava sociedades no sentido de combater o pre-
me compensar e depois ia brincar. Nuncafui dado ao estudo. Nao me
conceito racial. Em sua cidadepermaflefiem mfamilias escrawcrams’
preocupava com os problemas diflceis durante as aulas, porque na
onde o negro se torna um submisso ou agitador. Meu pai “Si” ‘umves
escola eu nao conseguia resolué-los. Ia resolve-los depois, com vagar;
de bailes. Foi secretario, presidente e orador de varias sociedades. de
em casa. Parecia que a professora ia me por de castigo se errasse.
negros. Lembro-me de que meu pai linha 85”“) “’Teb“md°' "<1-Dulsiwa
Poucas vezes era cbamado a lousa, e tinha tanta vontade de ser. Gos-
Em casa, quase nao conversaua, mas tinha amigos, era muito diver-
tava de me levantarpara ler ou responderperguntas, prazer que rara-
tido, tocaua violao. Faleceu aos 35 anos de idade, atacado de variolvl
mente satisfiz. O que mais me impressionava, no tempo da escola, era
Eu contava com 7 ou 8 anos de idade.
um quadro dejesuitas entre fndios e um outro jesuita leuado pelo in-
dio para a fogueira. Todas as vezes que eu passasse pelo quadro tinha
— A. era uma cidade de pobres e ricos, onde os Primeiros Pasmvam
de olba-lo, e sentia a impressao de que também iria ser deuorado pelos
tremenda necessidade. Para o sustento das criangas, minha mae lava-
fndios. Eu nao gostava de estudar; mas aprendia com facilidade; fiz os
ua roupa e teve o auxilio de minha auo materna. A criangacla Se
quatro anos primarios sem repetir. Frequentaua também o extemato
ocupava na entrega de roupa lavada, em auxilz'araP“55“’e engomal
dirigidopelos padres, para ospobres: havia catecismo, joao-minboca,“
Eu nao gostava disso. Preferia ir ao mercado, onde osfazendeiros dd"
truques, recreio. Os padres brincauam conosco. Eles nos davam nota
uam Cr$ 1 OD para a molecada segurar 0 cavalo. A tarde, ea tinha
de acordo com a frequéncia. Eu me interessaua em ter boas notas, pois
meus Cr$ 5,00. Ou entao-eu leuaua os doces da vovo para o m€rCfld0-
que daz/am direito a umprémio: uma roupinba, um brinquedo, podia-
V Tfnbamos forte desejo de comer aqueles doces, mas estauamos proibi-
mos escolber. Fiz a primeira comunbao aos 12 anos. Voz/6 levaua-me a
dos, eram para ser vendidos. No caminho, porém, comiamos a fartar 0
igreja. Durante a pregacao, eu dormia. Mas Ia me impressionava mui-
arroz doce, tirando camadas de cima. Cobriamos novamente o arroz
to um santo com uma espada, pisando na cabeca de um satanas ne-
doce com canela em pd que le*vavflm0$ ¢$¢0"did°, Pam que 0°00 nao
gro. Depois de moco, uoltei aquela cidade para ver o quadro que tanto
percebesse. Eu tinha 8 ozg 9 anos e come§fll/Q Q C°mP’ee”de' a "eceS'
me impressionaua na infancia. Era sempreperto do santo temido que
sidade da vida — gostava imensamente de doces e nao podia Oblé-10$
vovo sentava. Por medo, eufugia da companbia dela, sem dizero mo-
porfalta de dinbeiro. D_a infanciaficou-me gravad0 0 4656.70 de Come’
tivo. Ela era enérgica e castigava-me. Eu fui o mais “trazido no ca-
doses e o fato de nao poder satzlsfazé-lo. Para mim, o doce eratudo.
36 Tipo de teatro popular dc marionetes.
Uma ¢asa comercial da cidade, naquele tempo, dava amostras de fl§11—

78 79
I
i

bresto". O satanas negro prendia 0 meu olbar. Aos 7 anos, mais ou porque cantava. Entrei'para 0 ginasio. Entao tinba esporte" e a com-
menos, ganbei um livro, onde umafigura representava os anjos bons panbia de rapazes bem arramados. Minbapatroa era enérgica. Certa
e os maus. Havia me despertado a atencao ofato de os anjos escurece- vez, ela me viu apanbar fratas
as escondidas epo-las na mala dd
rem oi medida que se tornavam maus. Com trzlsteza, eu identzfiquei a escola. Ela cbamou-me e indagou sobre 0 que eu leuava na mala, tirou
cor preta ao mal. Fui manboso quando crianga; era bastante que ti- asfratas e esfregou-me no meu rosto. Opiorfoi ter mancbado a blusa
rassem 0 que me pertencia para cborar. Era muito sentimental. Parece e ser obrigada a irpara o ginasio assim. Peripécias de quem nao éfil-
que depois de uma reuolugao, embarcamos daquela cidade para Sao ho: eu gostava de ir limpo, bem arramado. Ela castigava-me por eu
Paulo; ea teria 13 anos. Aqui a familia se desbaratou; um irmao foi nao terpedido. Eu gostaua muito de ir a matiné aos domingos. Quan-
com a madrinba, outrofoi com uma tia, pois minha mae nao podia do 9" “reinfll/6i", erapreso no quarto, priuado do cinema. Cborava até
sustentar todos. Na minba cidade natal, a situacao era diferente: mi- me conformar. Cbeguei ate o 39 ano ginasial. Certo dia, eu limpava 05
nha mae era conbecida, e as familias ricas ajudavam-na. Aqui, a moueis da sala dejantar; abri o acucareiro, tirei uma colber dg a;,;_
vida se tornou mais diflcil. Minba ma'e nao durou muito; ela estava Car e joguei-a na boca. O patrao, que observava meus movimentos,
muito doente. Lembro-me que uma ambulancia veio busca-la e, dois aproximou-se silenciosamente e virou-me a mao no rosto gem nada
dias depois, a noticianda morte dela. Antes de morrer; ela naofalava e dizer. Fiquei mudo, olbei-o, larguei ospanos efui para o quarta De lg
apenas escreueu para minba avo: “Nao maltrate meusfilhos. ” Minba nao sai. Pensei mil coisas boas e mas. Perdi 0 prazer de tudo. Eu nao
avo tinba génio esquisito, distribuiu as criancas. Cada um tomou queria olba-lo. Eu estava completamente mudado. Nao queria mais
rumo diferente. Minba auo e minba tia trabalbauam na cozinba de ficar la. No dia seguinte, nao fui a escola. Queria uoltar para Sao
umapensao. Fui para aquelapensao em companbia delas. Outro am- Paulo. A patroa me cbama e me explica que tinba sido para me cor-
biente, onde bauia borario para as refeicoes e ea tinha um quartinbo rigir. Nao aceitava nada, queria ir embora. “Entao uocé uai", decidiu
no porao. Comia e dormia melbor. A patroa tinba filhas mocas e um ela. Cbegando em Sao Paulo, procurei minba familia. Nao encontrei
menino mais ou menos da minba idade, com o qual brincaua. Apo- ninguém. Com um dinbeirinbo que possuia, fui para uma pensdo.
derei-me dos seus brinquedos e estudava em seus liuros. Ligauamos Comecei a procurar emprego. Nao procurei por muito tempo, porque
1
campainba e outro pequenos services desta ordem. Fui criando es- na pensao apareceu um bomem procurando empregado para irpara
3

pirito de curiosidade. Eu tinba medo do escuro efaziaforca para dor- 0 Interior. Aceitei 0 emprego,- partimos no dia seguinte. O senhor, do
mir logo e nao me lembrar de que estava so. La permaneci dois anos. estada de Minas, era dentista e fazendeiro. “Quero vocé para ajudar
Uma dasfilbas, casando-se, foi residir numa cidade do Interior. Man- em casa, irao sitio e, conforme vocé se portan fago-0 estudar; quero
E daram-me para la. Fui sozinbo. Contava 15 anos. Freqaentei uma fazé-lo genre. ”Muito mais tarde, eu soube que aquele senhor era casa-
i
escola de padres, curso de admissao ao ginasio. Em casa, tinba a do e separado dafamilia. A sua atual companbeira com seus doisfi-
r
obrigagéio do seruigo doméstico, limpar opo, vidros, etc. Eu gostaua da lbos, um rapaz de min/aa idade e uma rapariga, pggggygm por seus
\
escola, uoltaua satisfeito. Quase nao tinba com quem brincar. 1nuenta- filbos e por ligapao legal. Destes, mais tarde ele se separou por infide-
1
va brinquedo no quinta! com formigas, besouro. Tinba medo de gr-ilo, lidade da mulher. Ligou-se a outra mulber com dois filbos também.
E

8° 81
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Compreendi que 0 que levaua a tais ligacoes era a atracao por cri- _ _‘ cola normal. Voltei para a cidade onde bavia comegado o ginasio,
I
an;as, No novo emprego, eu deviafazer o mesmo seruico doméstico do com todas as despesas garantidas pelo velbo. Fiquei contente. Mas
qual nao gostaua. Eu limpaua a casa e 0 consultorio, no que era obser- comecei a pensar queficava mal o velbo pagar-me tudo, apesar do cu
vado. Limpava a broca e outros apetrecbos com tanto cuidado e capri- ser muito economico. Nao tendo, porém, aptidao alguma, procurei um
cbo que 0 patrao gostou e consentiu que euficasse mais no consultorio, lugar para tocar. Estauamos na febre do jazz. Consegui tocar no
que me despertaua curiosidade. Quando cbegaz/am clientes, ele nao ’j7'azz’” de um restaurante, a noite. Ganbaua Cr$ 200,00 por més. i
gostava que euficasse no consultorio. “Vocéprecisa aprender um ofi-
i Escrevi ao uelbo que a rmisica ja estava ualendo alguma coisa. No
cio disse-me um dia. Arranjou uma oficina de carpintaria e mecani- 'jazz", aprendi z/iolino, bateria e fui me tornando conbecido. Tais to-
ca para mim e para o ffilbo". lamos juntos. O trabalho consistia em catas despertaram-me a curiosidade por bebidas e ceias. Aquela ci-
fazer portas, assoalbos, 1/igotas — eu nao me dava bem com tal tra- dade tinba intensa vida noturna. Sofumei aos 20 anos. O velbo quase
balbo, preferia fazer canetas, trabalho mais delicado. Comecei a ja nao me mandava dinbeiro. Depois de um ano, fui visita-lo; fiquei
aprender a lustrar e, nas boras vagas, fazia canetas. Ofilbo do patrao gostando de uma moca. Procurei meios para com/ersar com ela, que
também nao gostava do trabalho. Ele aprendia violino. Eu sempre gos- sempre recusava. Nas uésperas de voltarpara a cidade onde estudava,
i tei de milsica. Tinba vontade de aprender um instrumento, mas nin- tomei decisao efuifalar com ela. Sai impressionado —— era o primeiro
i
guém me orientava. Com uma taquara, fiz uma flauta. Tocava de namoro, ideias completamente mudadas; terminar o curso deginasio,
ouvido, acompanbando ofilbo do patrao ao uiolino. O velbo, ouvindo- ganbar dinbeiro para me casar. Prometi escrever-lbe. Trocamos algu-
me, disse-me.- “Vocé vai aprender masica em Sao Paulo. " Nao saimos mas cartas. A vida nao se alterou — anos de estudo, de tocatas, de
mais de casa — jogauamosfutebol e tocauamos. Entao 0 uelbo me fez serenatas. Terminando o curso, volto. O velbo prouidenciou-me tra-
presente de uma flauta. Comecei a estudar miisica. Custei a aprender balbo em um' banco. O ordenado inicial era pequeno, e eu gostaua de
as figuras musicais. Finalmente, lia bem a milsica e tinha bom sopro. uestir-me bem, andar na moda. Tinba dificuldade em com/ersar com
O uelbo comecou a se entusiasmar comigo: "Esse negrinbo vai dar a moca. Ela era orfa, filha depreto e italia no. listaua sendo criadapela
genie dizia. Fazia questao de me apresentar aos conbecidos: "lisse é familia para a qualfazia servicos domésticos. A familia impedia-a que
o meu negrinbo. " Paulofoi estudar noutra cidade. Fiquei so. Mas antes com/ersasse comigo. Eu ia fazer-lbe serenatas e conuersavamos as es-
dissofundamos um clube defutebol. O uelbo obseruou-nos queprecisa- condidas. Criou-se um ‘jazz”, “Bico-doce”. Criei um com o nome “Bi-
uamos trabalbar para manter 0 clube; deu-nos um carrinbo de gara- co-azedo”. Em todas asfestas, tocavamos. Eu sempre amando a moca.
pa; aos sabados e domingos, nos dois vendiamos garapa pelas ruas. A familia nao tinha confianca em mim: “Moco de serenata nao da
Apuramos uns Cr$ 50,00. Compramos a bola e duas maquinas fo- futuro. ”Fiquei desgostoso, sem vontade de estudar; e comecei a beber.
tograficas; adaptamos nosso quarto para revelacoes. Cuidavamos tam- O velbo me aconselbava “Isso nao lbefica bem, uocé cbegou até aqui
bém de limpeza do carro. Certo dia, 0 uelbo disse-me; “Precisamos em sua carreira.” O velbo tinba um amigo fazendeiro, com o qual
providenciar sua transferéncia de ginasio para ca, afim de terminar combinou dar-me uma licao: mas eu nao sabia. Recebi ordem para ir
0 curso. “ Mas a transferéncia na'ofoi possivel na cidade so havia es-
37 Abreviatura de jazz-band, conjunto musical especializado no género jazzistico.

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até aquela fazenda, sob algum pretexto. La chegando, 0 fazendeiro banco, poucos sabiam que eu tinha 0 curso ginasial. Havia mais de
mandou-me para a roca, com ordem de me darem seruigo. Tinba um ano que ea estava como continuo. O gerentepromoveu-me a auxi_
como cama uma esteira sobre um caualete, como os camaradas. Fui liar de carteira, em cujo cargo permaneci um ano, passando a fun-
incumbido de levar comida aos camaradas. Foi-me um cboque. Mas cionario de carteira. As farnilias que daz/am festas iam procurar-me
eu tinha umfkicoforte e orgulbo, devia submeter-me sem queixa. En-' no banco—- eu era chefe do ‘jazz’; através do quefui me impondo no
quanto os camaradas almocaz/am, eu tinba de capinar. “Hei de aguen- banco. Somentefui a passeio, ansioso para 1/era namorada, depois de
tar sem dar 0 braco a torcer“, pensaz/a, “z/ou mostrar que sou traba- trés anos. Trajava-me bem.
lbador. “ Por tocar violao e cantar, fiquei estimado pelos camaradas. A
forma da vida deles me reuoltava. Alguns queriam sair de la e nao —— De Sao Paulo é enuiado um novo gerente para 0 banco. Visitando
podiam, faltava-lhes dinbeiro. Depois da revolta, fui me adaptando o banco e vendo-me, incumbiu-me de retirar-lbe os moi/eis da estacao.
ali, conformando-me. Afazenda era completamente isolada e so havia Dai em diante nao me deixou parar mais.- leuar recados a familia’ 1e.
um trem. Cbeguei a conclusao de que ali ea nao teriafuturo. La per- var Sapatos para consertar; etc. Até essa época, nao me tinha como ne-
maneci quatro meses, tomando parte no sofrimento daquela genie. gro. Nao me tinha despertado a atencao que pudesse existir diferenpa
Cansei-me efugi dafazenda. Nao podendo tomar 0 trem, fui a pé, até ou que quisessem me diminuir. Comecei a pensar.- “Sou empregado do
alcangar a estrada de rodagem e ficar a espera de algum caminbao banco; outros também sao e com igual categoria, e so a mim manda
que me conduzisse de volta. Em trapos, fui procurar 0 1/elbo. Contei-lbe levar sapatos para consertar. " Comecou a luta interior. Queria cbegar
1
as misérias da fazenda, que nada prometia como futuro, ganbandc a uma conclusao, compreensao. Nunca ninguém tinha me dito ser ne-
Cr$ 50,00 por més. Aquelawida tinha-me mudado a percepcao dc- gr.o, se bem que inconscientemente sempre me retraisse em tomarparte
sofrimento. O 1/elbo contou-me, entao, que havia sido uma ligzao, por "mo 0” "WIWTO; quer me ter como empregadinbo particular. Comecei
eu estarperdendo a nocao de ser alguma coisa, mas agora, que ea jai afazer tais seruigos de ma uontade; ndofazia certo, demorava-meprO_
estava com mais senso, ia me encaminbar. Comegamos a providenciar positalmente. Aborrecido com essa consciéncia de ser negro, tiro licenga
minha saida da cidade, por causa da moca. No banco ém que traba- do banco, com a ideia: “Tenbo economias, regresso para casar-me e me
lhava, descobri que iam criar uma coletoria noutra ciciade. Decidi ir emprego por la. " Regresso a cidade e, na noite do dia seguinte, you a
para la, para esquecé-la. O 1/elbo conseguiu minba remogao. Aceitei a casa da moca. Fizeram-me entrar na sala de visitas. Fiquei sguramente
unica vaga, que era a de faxineiro; nao me incomodei com isso. Nas umas duas boras a espera. Porfim, indaguei, e disseram-me que ela
vésperas da partida, fui despedir-me da moca; ela estava de acordo nao queria maisjalar comigo. Mandei-lbe dizer que tinba vindo com
- eu ia guardar o dinbeiro para nos casarmos. Na noydcidade, sen- boas intencoes, de casamento. Nem assim; disseram-me que ela estava
tia-me so, entre desconbecidos. Trabalbaz/a no banco, no seruico de cborando e nao queria aparecer. Retirei-mefazendo 1/arias conjeturas;
limpeza, ganbando Cr$ 150,00 por més. Fazia economia. Semprefui \ A
ela sempre deu-me demonstracoes de me querer bem; correspondi, tra-
capricboso; eu comprava toalbaseflores para 0 meu-quarto na pen- \» balbei. Sera que afamilia que a criou nao quer que ela se case comigo
sao. Tocava e cantava com as criangas; sempre gostei de criancas. N9 para nao perder uma empregadafiel? Sera que lbe incutiram para nao

84 85

vs
vflffi»-" " '
F
se casar com negro? Nao procurei saber. Aborreci-me; fiquei um mes aos amigos que nao era 0 que pensavam; eu era mais capaz. Tinba 0

na cidade e volteipara o banco. No trabalboja encontrava bostilidade; amorproprio espicacado. Depois de cinco anos de curso, dzplomei-me.
La nao percebi dzferenca entre os estudantes. Esqueci as penpécias an-
tudo era diferente para mim — o gerente que me cbamava para lim-
par um objeto... Havia uma moca que eu sabia gostava de mim, "1615 teriores. Procurei estudar para me porpor cima, porque eu sentia que

sempre euiteifalar-lbe sobre esse assunto, por estar inclinadopela outra. queriam me inferiorizar e meu esforgo era para nao me sentir inferior.
Barradg pela primeira, a'ecidi convensar com a ultima. Era uma m0§a Paguei 0 curso com economias que me sobraram e com auxilio do velbo,
dentista de muita experiéncia. Os primeiros contatos com clientesfo-
boazinha, mulatinba, filha de mulatos. Ela cantava no coro da igreja.
Eu ia fazer-lbe serenatas. No egoirito, tinba uma revolta: sempre an- ram cbeios de indecisao, defalta de confianca em mim, de medo de er-
rar. Naofiquei muito tempo com o velbo. Na Reuolucao de 30, vim para
dei direito, desde 16 anos tinha intencao de me casar. N630 106611161 1161
Sao Paulo, incorporar-me a classe que estava sendo chamada. Quando
economia. Passeava com a atual namorada. Os pais, porém, $9 °P"$e'
ram. Mais se assentou em minba mente que era devido ao preconceito ia embarcar, destacado para Itararé, terminou a Rez/olugao. Conheci

de cor. Ela me queria muito. Nunca conversei com os pais. Ela e os entre os soldados estudantes e me entusiasmei porficar em Sao Paulo.

vizinbos contavam que ela apanbavapor minha causa. D1448 118265 em Acbei Sao Paulo dzferente — fui reuer os lugares que se mantinham

quepasseipela casa dela, a mae mexingou de negrofeiticeiro, e me ati- gravadosna lembranca: a rua Sao Luiz afeira do largo do Aroucbe,

raram peclra. Nao quis mais namora-la; nao estava babituado aquele etc. Fiquei em Sao Paulo, mas nao tinba ideia sobre que fazer. Es-

tratamento. Disse-lbe que minba intencao era bonesta. Ela respondeu- crevi ao velbo sobre minha decisao. Nesse periodo de indecisao, acbei

me que tinha 20 anos e com 21 faria o que entendesse. Eu, porém, ti- conveniente dar uma cbegada a cidade natal, para descobrir meus

nbaperdido o entusiasmo. Alguns amigos souberam-— vexou-me. Nesse parentes. Encontrei um tio que me deu o endereco de parentes em Sao

periodo, vem o momento defraqueza: a economia que tinha gastei em Paulo. Vim procura‘-Ios. Encontrei minha lia materna casada, uma

cabarés. Entreguei-me a vida alegre. No banco, a mesma atitude do irma, um irmao e primos, cinco pessoas morando em um quartinbo.

gerente. Os colegas sempre me quiseram bem. Certo dia, ea estava mui!0 Deram-me um canto,- mas eu nao estava acostumado a morar mal,

aborrecie-10. O gerente me mandoufazer um seruicoparticulaf, T8611595- a ver a mulher sair cedo para o trabalho. Pensei em ir morar numa

me- eu era empregado do banco e nao empregado particular. lixaltamo- pensao. Mas nao ficaria bem. Minba tia sentiria. Além disso, tinha

nos. Ele me xingou de negrinbo. Nao bouve consequénciaspiores. Pedi uma irma solteira, ela precisava casar-se. Acbei que precisavam de

transferéncia para a matriz. Como nao me dessem, pedi demissao. mim e, por sentimentalismo, fiquei. Leuantava-mepela manba quando
ja nao tinha ninguém em casa; todos tinbam ido para 0 trabalho. Eu
— Decidi nao ser mais empregado de ninguém — ia procurar uma nao tinha com quem conuersar, estranbava. Sai a procura de empre-

profissdo liberal. Voltei para a casa do uelbo e, a conselho deste, corne- go, pois nao tinha dinheiro para montar um escritorio. Fui trabalhar
cei a prouidenciar ingresso numa escola Iivre de odontologia, noutra em protese, com um dentista. Aos poucos, fui conbecendo 0 meio de
cidade. Fui para la, fiz o curso com grande esfor;o de aplicacao, para vida dafamilia. Era esquisito cbamar minha tia de “titia”, como meus

reuidarperseguiyoes, ma uontade das m0§as, do gerente. Para mostra? irmdos, tomar-lhe a béncao. Vi que minha tia nao se dava com ogénio

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1 .: .,_.

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de minha irma; estavam sempre em conflito. Meuprimo mails vellao (40 negros que ex-igia uma conduta reta, comecei a namorar escondidq
1 ’*.'
anos de idade) era carnavalesco, meu irmao também. Convidavam- 1.‘
/.4, ' .
POrfim, [61/91 C0111 a mmba tia que naopoderia laaz/er cisao nafamilia
' e-
.A.
me, mas eu cbegava em casa e ia estudan cbamar/am-me de caipira. Se 9” mlbfllbavfl P91“ 0'”84l"iZ¢1§670 d0 negro. Ela confessou-se com um
- t
Tanto insistiram quefui a um baile de casamerzto. Fui pensando que Z” Padre, que a aconselbou a nao se opor.
.23!
¥f‘lJ
fosse, como no Interior; num grande salao. Mas encontrei mais a'e cem‘ _H
.5-X
.-rfl
— Lutava sempre com dificuldades economicas, mas, mesmo assim,
negros em uma salin/aa. Nao me senti bem ali, quis ir embora. Vi que
era meu deverpermanecer em casa até que minba irma se casasse. Ela tinha a intencao de organizar 0 consultorio para me ¢a_gay_ RQCO,-ri Q
.;?}\-'
contou-me que a tia a perseguia, impedia-a em todo namoro. Depois T -R‘. .
mi varios meios de empréstimos, sem nada conseguir. Fiz economiag tirei
-
de um ano mais ou menos, protegi 0 namoro dela com um rapaz, ate '»'ra-".*‘-
0 corisultorio a prestacoes e 0 montei. O trabalho ia bem. Neste interim,
iul‘l‘:f-7
quefizemos 0 casamento; hoje ela esta bem casada. Ensinei ao meu ‘fizz
‘-,".\"'»-
5-‘J-'5:
descobrem-sefaLsz_'fiscagoes na escola pela qual eu me laavia f0rmad0_
?‘.-7??
irmao carnavalesco, e ele se empregou no banco. Os velbosja me ti- _;,;§;:' Os diplomados por aquela escola tiveram de prestar exames para rea-
\a_,

nbam estima; eu oriental/a a casa. Outra prima também se casou, a bilitagao. Inscrevi-me; preparei-me e entrei em exame; fui reprovado.
x
qual também auxiliei. Meu irmao casou-se também. Ficamos eu, os Fiquei numa aflicao tremenda. Via a vida arruinada [fl5creyi_mg
velbos e o primo de maus costumes, que nunca quis trabalbar. Uma r Pam 61 Segunda época, e fui aprovado. Continuei a irabalban entusi-
ocasiao, minha tia zangou-se comigo, porque eu quis corrigir ofillao. asmado com 0 consultorio. Resolvi casar-me e pedi a moga. Marquei
Em conflito com ela e na situacao de sobrinbo, eu quis sair de casa. o casamento. Acontece que, nesta época, eu ja estava na diretoria da
Mas ela veio as boas, e eufiquei. Em 1933, conlaeci uma organizacao associacao. Com tantos afazeres e apazlxonado pela questao do negro,
de pretos. Propus lecionar os negros da sociedade, e aceitaram a pro- descuidei-me do consultorio e a clinica caiu. Pagava o consultorio a
posta. Toda noite, durante dois anos, lecionei. Entaofui convidado a prestacoes, o casamerzto se aproximava e eu nao produzia. Eu tinha
fazerparte da diretoria. Mostrava-me rejratario a namorar. Tinbam- de atender ao aspecto moral da situacao — eupoderiaprotelar ogqsa-
me como orgulboso; nao era tal, nao mepreocupaua com isso. Via esse mento, mas nao queria, acbava que naoficava bem. Resolvi cumprir a
aspecto com indiferenca; nao prestava atengao nas mogsas. As mocas I palavra, mesmo quefosse para perder tudo. /a havia comprado moveis,
manifestaz/am-me, e eu sempre desviava: nao tinha intencoes. Porfim, que vinha pagando. Faltavam irés meses para 0 enlace. A casa estava
fiquei gostando de uma moga daquela sociedade. Com/ersava com ela, alugada. Nao podia adiar. Minbafamilia acbaua-me louco. Casei-me
nunca, porém, dando demonstragao de minha intencao. Fstudando-a com todos os aparatos possiz/eis. Dentro do primeiro mes de casado,
sempre, procurando conhecer a familia. Ela percebia meu interesse. tudo se resolveu; entreguei o consultorio, e entao surgiu oproblema dos
Falavam. Eu tin/oa me babituado a fazer companbia aos velbos. Estes, clientes com 0 serzzigo comegado. Entreguei os moi/eis, pois as dupl;'ca_
,.\_ <\

especialmente minha tia, opuseram-se ao meu namoro. Eu tin/oa en- tas venciam. Sem poder exercer a profissao, nao podia pagar o aluguel
tao tréspreocupagoes importantess a obrigacao dos negros, 0 amorpor da casa. Desaluguei a casa efui morar com a sogra. De la, saia cedo 2

aquela moga e a necessidade de ganlaar din/aeiro, de me estabelecer. ‘.3,


para procurar empregc. Nao deixei a associacao de negros, onde nada
.;
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Encontrando oposicao em casa e pertencendo a uma associacao a'e . 5,; ganbava. Vinba para a cidade, sem saber onde tomar as reyeicoes.
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1?'. u.m-.-BIZ

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‘r

—- Tracos de minha personalidade: sou sentimental quando se trata


Essa vida durou cinco meses. O que mais me preocupava eram Os cli-
de sofrimento humano. Tendo de resolver situacoes sérias, de tomar
entes com seruico por terminar. Consigo trabalbar no e5crit<5t‘i0 de um
atitudes violentas, sinto-me bem, isto é, sou calmo até demais; resolvo
colega, atendendo-lbe os clientes em troca a'a p0$Si0.ilid“d@ de te'7"j'
com ponderacao, nao me descontrolo. Quandofaco um ato que depois
nar 0 trabalho dos meus clientes. Como ele til/esse muita clifliCd 9 W10
reprovo, nao me arrependo, mas fico com aquilo no pensamento du-
gostasse de trabalbar, propos-me um ordenado. Nao tendo despagat fui
1 rante meses. Assim, por exemplo, com amigos; se me desagradam, nao
guardando 0 ordenado. A sogra me queria bem» Ela. "4 Propfletdria ;i
5 e conbecia bem a situagao; as questoes de casa ela as resolvia com
sei discutir, fico magoado; procuro nao encontra-los, porquefico en-
vergonbado—— nao posso acreditar que tiuessem tal ou tal atitude. Sou
1

minha mulher. Depois de seis meses mais ou menos, dei a enlrfldfl de


impulsivo, com atitudes extremadas. Em todas as atitudes da associ-
t outro consultor-io, mas nao 0 retirei; continuei pagando. Minba mu-
acao, procurava impor respeito, demonstrar que eu era capaz defazer
1 lberpropos trabalbar. Descubro um concurso para uma Secretaria do
0 que ‘eles faziam,- procurava sempre enaltecer 0 negro que a mim
Estado. Ingressei para 0 funcionalismo, ganbando Cr$ 300,00; d@P0i$
se cbegasse bumildemente; dedico-me a uma atiz/idade apazlxonada-
defazer um concurso, passo a Cr$ 600, 00- Conseguipagar ‘Odo O Con“
mente e me preocupo porque sacrzfico outros trabalhos. Nao consegui
sultorio e monta-lo. Comprei novamente m<5l1913, aluguei C05“ de 67$
i barmonizar 0 consultorio com os trabalhos sociais. Nao seificar sem
300,00, montei-a. Minba mulher éfilba de mulatos. Ela é inteligente.
fazer nada; preciso tero que me preocupe, faca pensare lutar. Ve]'o-me
Ela compreende 0 problema do negro, mas nao gosta f10 meio, @541”-
com muita coisa para fazer a um so tempo. Ajo mais sob o dominio
ua-se. Ela tem irmaos; sao operarios, nao se interessflm P910 Problem“
do coracao do que do cérebro. Tenbo mais sentimento coletivo do que
racial. Minba mulher nao quis deixar de trabalha’? “Chanda 60”’/9'
ambigoes pessoais. Nao tinha equilibrio de sentimento. Sou de muita
1
niente ajudar a casa. Tendo ficado gfévidfil, foi obrigada 0 deixar O
boa-fé. Desejo intensamente ser querido, considerado. Faco um tra-
trabalho. Temos um filho com 7 meses. Estou estabilizado.
balho a um cliente e, se algum tempo depois, bauendo defeito, 0 cliente
uolta, em lugar de impor-lbe condigoes, faco 0 trabalho gratuitamente
— Quanto a minha saude, a unica doenca que "'1/eforam CQMPOM
pelo desejo d5 que a pessoafique satisfeita. Nao admito duuidas quanto
aos 8 anos de idade e “surmenage'5" na 0Ct1Si50 de decadéncla do
a minha capacidade. Cérta vez, um enfermeiro, durante todo 0 seu
' consultorio. Naquela ocasiao, eu me acbava sob 0 estado de luta espi-
. - ~ ' " d‘-la tratamento, manifestava desconfianca em minha especialidadeprofis-
ritual acumulado: um 110"/“do P"eC1P"ad0: 9“ "40 esperava P9 '
sional; percebia pelas perguntas quefazia sobre 0 tratamento. Dei-lbe
em casamento mas diante do cboro dela... Eu tinbapontos de interesse
I

r todas as explicacoes, inclusive sobre anatomia, e 0 despedi, De outra


s
t pessoa! antes de assumir aquele compromisso, Estava obcecado pela
| vez, eufecbava 0 gabinete dentario. Eram 11 horas da noite, quando
\
.1 4 V
assoeiacao onde a politica intema estava dificil; abanzionei a clinica
.',._,.
cbega uma senbora de automovel. Ela entra e me pergunta se eu era
\ e em consequéncia, as dificuldades economicas que se seguiram: fe-
W
ll‘ i capaz de lbe aliuiara dor. Examino 0 dente, faco 0 diagnostico~— ex-
cbamento do consultorio e da casa. Sentia angiistia, os pés e as maO$
tracao. Cobro-lbe Cr$ 1-00,00, porque perguntou se eu era capaz. Ela
frios Fiquei impossibilitado de trabalbar durante 6 meses.
recorreu a mim, porque aquela hora nao encontraua outro dentista.
38 Eslafa, esrresse.

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— Tenbo conflito mental.- um, devido a minba situacao racial; dois, ~ L-5;, fessorpreto, ba algum tempo, fez concurso para uma carteira de curso
—1‘,'=‘.5‘.'l’

devido a minba situacao social. Situacao racial; o conflito decorre *- => I-;~ .
' 1211 secundario. Foi aproz/ado, mas lbe opuseram obstaculos de ordem ad-
por eu nao alcancar uma explicagao para a existéncia de racas dife- ministrativa e mesmojuridica. O negro consciente sente isso como uma
rentes. As diferencas raciais sao explicadas de 1/ariasformas: religiosa, t L>
questao moral, porser negro. Fica abalado, desanimado, reuolucionario
social, etc. Vejo a desigualdade existente em varias racas, 0 que motiva por ser negro. Mesmo que o negro nao tenhapreocupacao com estefato,
-.;=.;",;.
conflito. Devia ser uma raca so. Situacao social.» acbo que a situacao , .-ggf. cbega a conclusao de que existe o preconceito racial. Uma vez que o
‘.359:
" negro suba economicamente, com melborpadrao de vida, desaparece
social nao se justzfica. Creio que o conflito racial tende a desaparecer
em face do conflito social. Muitas racas em situacao social elevada de sua mente, nao de todo, mas se atenua o pensamento sobre a exis-
desconbecem 0 problema racial: por exemplo, sirios ricos. A situaciio tencia de um problema puramenle racial. Aquele que esta em situacao
social influi na racial. Sao dois conflitos ligados. A situacao racial social inferior acumula a situacao racial. Nao existiria opreconceito se
podera desaparecer, prevalecendo‘ a social, por diferenca de posses. 50% das negrosfossem aceitos. Nao existe preconceito individual, mas
Por questoes economicas, sinto o conflito social em minha menze. coletivo. Em Sao Paulo, pode-se contar o numero minimo de negros que
tiveram ascensao social. Ha ma vontade ou vergonha de cbamar o ne-
— Meu ambiente social; quanto mais minha consciéncia sefoi esclare- gro, enaltecendo valores. A crianga negra deuia ter educacao dzferente
cendo, tanto maisfui me afastando dos meios de recreacao. Nesses am- da que recebe — nao basta ter o mesmo ensino. Na escola, o colega nao
bientes nao me sinto bem. Procuro convivio com pessoas quepensam e quer sentar com o negrinbo, ou brincar com o negrinbo. Nos contos es- 1

leem; meios de intelectuais brancos e pretos. Sou muito sociavel, gosto colares, o negrinbo esta sempre em posicao inferior. O negrinbo nunca
J
de conz/ersar e por isso sou procurado. Nao me sinto bem quando nao recita no palco,- é como 0 adulto que estuda e nao é aproveitado. A ami-
encontro pessoas para conversar. Nas palestras, tenho prevencao com zade entre brancos e negros é possivel. Eu consigo, me retraindo e indo
v

ideias que possam ofender. Todo branco conbece minbas ideias. Al- ao brancoprqyarado. Retraio-me no sentido de nao particzpar dafarra
guns, de inicio, entram em conflito, mas depois acabam amigos. Minbas dos brancos; faco questao dessa linba de conduta, porque é sempre o
ideias sao as de auxiliar as ragas oprimidas tidas como inferiores, que negro 0 culpado—-foi o negro quem levou o branco a bebida ou a outra
o sao socialmente. Ofunaamental seria tomar essas racas e trazé-las ao farra, aconteceu porque ele estava em companbia do negro, etc, Se me
nivel superior; colocando—as em condiciio que tivessem ascensao social,- convidam para umafesta de gala, vou e, se percebo dzferenca em me
.
estaria resolz/ida a questao, embora exista muita dificuldade para que tratar, eu me retiro, porque nao me sinto bem. O branco que me convi- .
dou, ja pensando em que eufosse menasprezado por alguém, procura I
subam. Os brancos me contestam, dizendo que este problema nao ex-
zste. Negam, porque nao tém conhecimento do problema. Também ha com modos espalbafatosos, indelicadospara o meu intimo, me enalte-
negros que acbam que o problema nao existe. A maioria dos brancos cer com apresentacoes bombasticas. Meu modo de pensar toma-sepior
que compreende o problema sente-0 como situacao social e nao racial. ainda — para estar eu ali é preciso um arauto; se minba presenca é
Como elemento da raga, acbo que para 0 negro ba dois problemas.- o forcada, nao é um ato natural, nao deveriapreocupar tanto aquele que
,1

me convida. Eu queria estar na reuniao naturalmente, como os outros, :=


racial e o social. Mas o que mais massacra o negro é 0 social. Um pro- I:
:1
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93 ix
|

. .
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l
e, se eu lbe disser que me desagradam tais exageros na apresentacao, quatro filhos pardos, os quais fizeram curso secundério. Relate-
o branco nao compreendera. Certa vez indagaram-me: “Se vocéfosse do entrevistado: '
convidado para uma festa de gala por brancos, vocé aceitaria o con-
vite e iria?” Aceitaria, por qué? “Porque quero convida-lo para minha — O preto é uma raga completamente inferior: nao vale nada. Evito.
festa deformatura. Mas se vocéfosse mal recebido quefaria?” Eu nao trabalbar com subordinados pretos, e, por outro lado, quero colocar o
consentiria em desfazer afesta, apenas convidarta vocés, que me convi- branco sob minha autoridade, submeté-lo no trabalho. Fui criado por,
daram, a se retirarem comigo, como protesto. brancos e me senti espezinbado. So possuo relacoes sociais com bran-
l
cos. As sociedades ale brancos nos vedam particzpar como socios. O l

— O sentimentalismo esta Iigado a minba situacao na infancia: éra- preto deve viz/er separado do branco. Acbo que o mulato deve evoluir,
mos 12 filbos, dificuldades economicas, proibicao para comer dOc€S- casando-se sempre com branco, para extinguir a raga.
A primeira restricao que a crianca sente é a que se prende a alimen-
tacao; ver na vitrina um doce e nao saber quando vai té-lo é um sofri- Caso n9 12 — Refere-se a um preto de 36 anos de idade,
mento. Depois, vem o sofrimento pelas diversoes, as quais nao se pode casado com uma parda. Trabalha n'o comércio e ganha Cr$
ir. Os individuos conscientes deveriam se reunir para resolver o pro- 900,00. Tem Curso primério. Relato do entrevistado:
blema da coletividade, ele tiraria satisfacoes pessoais.
-- Os pretos sao mais relaxados que os brancos. Acbo que 0 governo
Caso n9 10 — Trata-se de um preto de 58 M105 C16 idfldfi E devia tomar a iniciativa de educa-los. Ou entao os pretos deveriam
funcionzirio pflblico com os vencimentos de Cr$ 750,00. Possui unir-se e trabalbar no Interior, para em primeiro lugar organizar sua
curso secundério. Esti casado com uma mulher de Cor parda e
possui dois filhos menores. Relato do entrevistado:
vida economica. Nao existe preconceito do branco contra o preto, pois
é opropriopreto quefaz surgir situacoes de desprezo para ele, devido a
i
suas atitudes inferiores. Opreto so pensar em dancar. Epreciso instruir
___ N50 tenho fé nos pretos: sou contra os pretos. O preto é uma raca 0 negro para rnelborarsuas atitudes e entao ser aceito pelo branco.
.rniseraz/el de gente ignorante. Evito a companbia deles. Tenbo pre-
vencao corn 0 mulato. Considero o branco pela selecao que elefaz em Caso n9 13 — O entrevistado é preto. Tem 40 anos de idade.
festas, nao permitindo a entrada depreto. Procuro vestir-me bem para E casado com mulher branca de classe social inferior :21 sua, da
ter boa aparéncia. qual se separou por infidelidade dela. Possui trés filhos pardos
que vivem em sua Companhia. Exerce o funcionalismo pfiblico,
Caso n9 11 — Trata-se de um preto de 43 21008 de idfldfi E percebendo Cr$ 700, por més. Fez curso secundério. E pes-
l.
1 filho de pai preto e mfie parda. Exerce 0 funcionalismo pfiblico soa muito afetiva e sensivel. Notamos a preocupagio em se
1
ganhando Cr$ 800,00 por. més. Tem curso primirio. E casado vestir bem e falar conetamente. Apresenta-se ironico quanto £1
com mulher “branca” (filha de mile parda e pai branco). Possui questio de cor. Relato do entrevistado:
F.

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1 - O branco diz nao terpreconceito contra 0 negro, mas se contradiz contra o branco se explicaria por ter sofrido intenso processo
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nas acoes e atitudes. Observa-se a terwléncia do branco para rebazbcar 1.. I» < de identificacao. Nos 15 casos até agora apresentados, seis dos
.
0 negro. Eu me divirto com as dificuldades do branco para ocultar
4
entrevistados afirmaram ser criados por brancos e outros qua-
sea preconceito, quando, por exemplo, nao deseja convidar 0 negro t ..
tro tiveram intimo convivio com brancos na posicao de empre-
amigo, companbeiro, parafestasfamiliares. “Negro é negro; ondeja se gados. Tivetam pois, na infancia, mais contato com brancos
1
viu um negro doutor e uma negra de lavas!” Opreto, porsua vez, nao .:‘y_. =1
».. ». do que com pretos. No convivio intimo com brancos, o preto
as-'
,4 .
quer ser negro. Os animaisparecem mais inteligentes: um cavalo preto .1 Y
adquire as maneiras de pensar e sentir do branco também no
’ .~i‘_'
;-"
ou branco é serripre um cavalo, mas um bomempreto é um negro. 1,. que se refere ao proprio preto, passando a ter para o preto a
:3
mesma atitude e os mesmos sentimentos do branco. Em vinude
,1 E
Analise das atitudes manifestadas pelos entrevistados das dos contatos primarios da infancia e do mecanismo psiquico da
classes sociais intermedié.1'ias identificacao, 0 preto introjeta as ideias do branco e passa entao
a ver os pretos do ponto de vista do branco, desprezando-os.
Os pretos das classes sociais intermediarias demonstram ati- *e Vendo-se também a si proprio do ponto de vista do branco,
tudes que revelam marcada sensibilidade ligada a cor. Por um ‘-if-1
= perde o direito de reagir contra o branco. Suas energias sao 11.
lado, apresentam-se ressentidos e com odio, pela rejeicao do empenhadas no esforco de eliminar os motivos do conceito de
;'1*:?'.'
branco; de outro, desanimados e queixoso pela falta de solida- '};l't;i inferioridade, a fim de conquistar a consideracao do branco.
I
riedade entre pretos. Os sentimentos de magoa e revolta dirigi- Com mentalidade formada pelo branco, o preto desenvolve o
dos contra 0 branco nao sao inconscientes, como parece entre autoideal de branco, que-nao se expressa abertamente no dese- 1
1
os pretos da classe social “inferior”, mas conscientemente repri-
1
x
\
jo de ser branco. O preto luta para anular o sentimento de in- l
midos pelo medo de provocar atitudes de rejeigao mais acen- ferioridade desenvolvido em face das atitudes de restrigoes do
tuada. Sobre este aspecto, 0 entrevistado do caso n9 8 referiu-se
nos seguintes termos; “—- [...] Tenho modo de pensar diferente I branco. Empenha—se entao em consegiiir caracteristicas de sta-
tus superior, através do casamento, do exercicio lie profissoes
liberais, do cultivo intelectual e .da “boa aparéncia". .
do preto, em geral, que acha que é necessario reagir contra 0
branco. O meu argumento é 0 seguinte: vocé é motorista de Entre os pretos criados por brancos, observamos que uns
tal familia e sua mulher é empregada dOmé8li¢fl; V069 F6286» e conservam status social inferior, enquanto outros atingem as-
depois como sustentar seus filhos?” censao social. O exame do material coligido nas entrevistas
O negro, portanto, oculta seus sentimentos do branco como sugere que os primeiros foram criadas por brancos com o ob-
i
il jetivo de Lorna-las empregados domésticos e os segundos re-
;. defesa, desenvolvendo atitudes de submissao, amabilidade, hu-
morismo, etc. // ceberam a educacao e instrucao orientada dado o interesse da
,5.
O fato de 0 preto das classes sociais inteimediarias nao apre- \‘:-
-.-¢:
familia que os criava. Estes, educado pelos brancos com mais
is;
sentar atitudes diretamente ocorridas da hostilidade que sente 1;-
atencao, sao os que demonstram consciéncia de cor.
1?
~

A
96 -. 97

t
..__

-1. .'
E;
.
O sentimento de inferioridade ligado a consciéncia de cor, :I4 '- de terminar o curso. ” Mas a transferéncia naofoi possivel. n a ct.dade
. ,

a inteligéncia individual e o incentivo proveniente do contato ".'¢_~,':{: so bar/ia escola normal. Voltei para a cidade onde bavia come;ado o
;.g.~
primério com brancos parecem produzir atitudes que influen- :.u.
-BL
gmasio, com todas as despesas garantidas pelo velbo. Fiquei ¢om@m@_
-£1,
,.»~
ciam a ascensfio social do preto. PT. Mas comecei apensar queficava mal o velbo pagar-me tudo, apesar de

~- Podemos verificar a atuagfio de fator imeligéncia através das _:I§~_


; eu ser muito economico. Nao tendo, porém, aptidao alguma, prowrei
palavras dos entrevistados apresentados nos casos 8 e 9, res- um lugar para tocar. Estavamos
‘ -
nafebre do jazz. Conseguz. iomr no
pectivamente: jazz” de um restaurante, a noite. Ganbava Cr$ 200, 00por més _ Es-
crevi ao velbo que a musicaja estava valendo alguma ¢oi5a_

- Terminado o curso primario, fui prestar exames para 0 curso se-


cundario, na cidade vizinba. Dias depois, os jornais publicaram os Correlacionado com o fator inteligéncia , os contatos prima _
resultados — eu estava colocado em terceiro lugar entre os concor- rios entre preios e brancos constituiriam
. . . .
um estimulo .
eX[e1‘|()f
rentes. A minba colocacao despertou admiracao de todos na cidade. para a ascensao ocupacional dos primeiros.
Muitos cbegavam a me perguntar: “Vocé é 0 preto que tirou o terceiro NO Caso refi‘-‘rid° Sob HQ 8. observamos que o tratamento dis
Iugar nos exames?" Eu acbava natural e nao compreendia o motivo pensado ao entrevistado era o mesmo dado aos dois menings
de tanta admiracao. Mais tarde, ao ingressar na profissao que atual- da casa. Os trés meninos vestiam as mesmas roupas. Tao igual
mente exerco, fui submetido a um exame. Entretanto, notei que so- era o tratamento e tio intimo o contato com a familia que Q ¢;i_
mente de mim exigiram conbecimentos além do estipulado para os ava , IQ’ue_ na infancta nao
" lhe fora compreenslvel
~ a, advenencia
- .
outros. Depois de comprovar que tinba conhecimento além do espe- do vlganoi “Lembre'5e que V999 T150 é igual a eles ” Da familia
rado, fui aceito no emprego. que o criou recebeu também a orientagao para Seguir Q Cu]-so
secundario. Feito adulto, vamos encontra ‘ lo empenhando e ner-
— l...l O filbo do patrao também nao gostava do trabalho. Ele apren- gias para manter status social equivalente aos de seus irmaos
dia violino. Eu sempre gostei de musica. Tinba vontade de aprender de criacéio:
um instrumento, mas ninguém me oriental/a. Com uma taquara, fiz Circunstfincias de ambientes semelhantes as anterioi-Q5 en
uma flauta. Tocava de ouvido, acompanbando 0 filbo do patrao ao contramos no caso apresentado sob n9 9:
violino. O velbo, ouvindo-me, disse-me.» “Vocé vai aprender masica em
Sao Paulo. " Nao saimos mais de casa - jogavamosfutebol e tocava- — l...lMinba avo e minba tia trabalbavam na cozinba de umapensao
mos. Entao 0 velbo mefez presente de umaflauta. Comecei a estudar
musica. Custei a aprender asfiguras musicais. Finalmente, lia bem a - efezcoes e eu tmba um quartinbo no porao
musica e tinba bom sopro. O velbo comecou a se entusiasmar comigo.-
Corfu” e.dOrmia melhor‘ A Pam)“ "7100 fil0a5 "l0§as e um menino
“Esse negrinbo vai dar genre", dizia. [...] Certo dia, _o velbo disse-me: mais ou menos da minba idade, com o qual brincava. ApOderei-me
“Precisamos providenciar sua transferéncia de ginasio para ca, a fim dos seus brinquedos e estudava em seus livros. Ligavamos Campainba

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l e outro pequenos seruigos desta ordem. Fui criarzdo espzrito de curiosi


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"In Nos dois casos referidos, notamos: as circunstancias da infan-
dade. Eu tinba medo do escuro e fazia f0T§fl Pam down” logo 9 "00 1.7.?‘ cia, onde os contatos primarios entre brancos e pretos permitem
me lembrar de que estava so. La permaneci dois anos. Uma dasfllbas, ‘*1
A a integracao do preto. Mais tarde, em face da frustracao do
K=
casando-se, foi residir numa cidade do Interior. Mandaram-me para Y
desejo de conservar contatos primarios com brancos, verifica-
‘i
la. Fui sozinbo. Contava 15 anos. Frequentei uma escola de P0d"@5, l
I se 0 desenvolvimento da consciéncia de cor no conflito mental
curso de admissao ao ginasio. Em casa, tinha a obrigacao do servigzo l entre 0 desejo de consideracao e correspondéncia e a reali-
doméstico, limpar o po, vidros, etc. Eu gostava da escola, voltava sa- dade exterior aquém de suas aspiracoes, pelas restricoes que
1
pigfgipa Quase nao tinba com quem brincar. Inventava brinquedo no os brancos da mesma classe lhe fazem. Na solucao do conflito
quintal com formigas, besouro. Tinba medo de £079; P074”? Gamay“- mental, observamos a atuacao do fator capacidade intelectiva
Entrei para o ginasio. Entao tinba esporte e a companbia de rapazes do individuo e o incentivo oferecido pelo branco, que o criava
bem arrumados. para “fazé-lo genre“, nao apenas um empregado doméstico.
Entretanto, 0 acesso ocupacional nao lhe confere status so-
Aborrecendo-se com os patroes, deixa 0 ginasio no 59 H110 6 cial igual ao do branco do mesmo nivel profissional, economi-
volta para Sao Paulo, 51 procura de novo emprego: co e intelectual. O preto que sentia dele se exigirem maiores
esforcos para cursar escolas superiores ou obter um “bom” em-
— [...] Nao procureipor muito tempo, porque napensao apareceu Mm prego novamente se traumatiza com as restricoes que sofre
bomem procurando empregado para ir para o Interior. Aceitei o em- na esfera socialdo branco. Sente-se considerado apenas como
prego; pammog no dia seguinte. O senbor, do estado de Minas, era “profissional", nao como “pessoa”.
dentigta e fazendeiro. “Quero vocé para ajudar em casa, ir ao sitio e, A conquista de um diploma de escola superior» ou de um
cozzforme vocé seportar, fago-o estudar, quervfazelv 8909- U cargo dc responsabilidade nao garante ao negro a satisfacao do
desejo de ser aceito socialmente sem restricoes, conforme as
Alguns anosdepois, em consequéncia de experiencias desa- experiencias mencionadas no caso ng 8:
gradaveis por causa da cor, decide nao ser mais empregado de
ninguém e piocurar uma profissao liberal, “fazer 0 curso-com — Scb minha cbefla trabalbam varios mogos. Certo dia, um de-
grande esforco e aplicacao para revidar perseguicoes, ma Von- les entregava-me um convite de festade formatura em presenca de
[ade das mocas e do gerente, para mostrar aos amigos que nao sua irma. No dia seguinte, conta-me ingenuamente o rapaz: “Ontem
era 0 que pensavam, era capaz”. minba irmaficou preocupada vendo-me convida-lo para a festa de
O meio do qual se v-aleu para superar as frustragoes demons- formatura e me censurou. Tranquilizei-a imediatamente, dizendo-
-|~:
E.
trava a importancia do fator inteligéncia e do contato primario. lbe que o bavia convidado porque sabia que o senbor nao iria. " [...]
A escolha daiprofissao liberal baseava-se numa identificacao Possuo amigos intimos brancos, com os quaisfuicriado na infancia.
com 0 velho que 0 ajudava Somos intimos até boje; sao pessoas que se bospedam em minba casa,

_-_-;-.-£2

100 - lOl
_, l

assim como eu e minbafamzlia em casa deles. Vejo nestas amizades a dos desejos de consideracao e correspondéncia em virtude do
gratidao por minba mae ter criado pessoas dafamilia deles. Quando sentimento de inferioridade. A vida do preto torna-se uma luta
' \
crianca, eu e eles sempre éramos tratados igualmente. [...] Mesmo estes ,. continua, mais diretamente contra seu sentimento de inferiori-
amigos intimos demonstram preconceito em certas ocasioes. Estava- 1? dade, do que contra as atitudes do branco que motivam a con-
mos em Santos e terminavamos 0 jantar, quando alguém sugeriu ir- cepcao de siproprio. _'
mos ao cassino. Para la nos encaminbamos, e um delesfala ao ouvido v O ajustamento social do preto na forma de conformismo se-
!
do outro. Pela resposta — “Nao, ele é branco. "—, compreendi 0 que 1': ria coadjuvado pelas atitudes dos brancos que procuram evitar
se passava e disse.- “Nao vou ao cassino com vocés; poderia ir, porque susceptibilidades. Tais atitudes de branco, respeitando a sen-
§~_ sibilidade daqueles, facilitariam a repressao do sentimento de l
eu entraria, pois 0 gerente é amigo meu, mas nao quero ir. ”Insistiram i
para que eu fosse, mas eu nao teria prazer em estar la. Isto significa :,§.-
‘W
hostilidade do preto, situacao que explicaria a observacio da
Ea
que um amigo intimo, branco, de infdncia, teve receio de entrar no 3i'1Il., parte de negros de que nao possuem incentivos para uniao por
cassino em minba companbia. ;-' “nao serem tio espicacado pelos brancos".
Q O sofrimento do preto em face das restricoes sociais que
O diploma ou cargo de responsabilidade nao constitui 0 meio lhe sao impostas 0 faz invejar a situacao social e economica
suficiente para sua introducao em todos os aspectos da vida so- do negro norte-americana. Aquele sentimento de inveja sugere
cial. O preto, sendo novamente frustrado, procura ajustamento, que, se de um lado a segregacao dos negros em minoria racial
isolando-se. Isola—se do branco para evitar 0 sofrimento de ser denota 0 grau de distancia social na linha de antagonismo ra-
evitado pelo branco em certas situacoes sociais. Isola—se do cial, de outro a segregacao constituiria uma armadura coletiva
preto em consequéncia do mesmo sentimento de inferioridade dentro da qual o grupo se protege par obter a satisfacao de
que 0 leva a lutar pela aceitacao do branco. Considerando-se desejos vitais. Comparando com a situacao racial de Sao Paulo,
inferior, o negro nao pode alcancar a satisfacao dos desejos de a possibilidade de ascensao que 0 sistema de classes sociais
correspondéncia e consideracao (PIERSON, 1942a, p. 15-20) oferece evidencia menor distancia social na linha racial; mas,
através de outro preto. por outro lado, o individuo se vé mais exposto as rejeicoes
Enquanto 0s individuos de cor da classe social “inferior” se exteriores, assim como sem meios para alcancar a satisfacao de
acham dispersos entre os brancos, os pretos das classes inter- desejos vedados pelas classes dominantes.
mediarias, que se poderiam constituir em lideres, encontram-se
isolados, porque dominados pelo sentimento de inferioridade. c) Casos de mulatos da classe social “inferior”
Os pretos das classes sociais intermediarias tém para 0 mulato
da sua classe social os mesmos sentimentos de magoa, hostilidade Distinguimos os casos de mulatos entrevistados em um grupo
e desejo de aproxirnacao por se sentirem desprezados por ele. a pane dos pretos, seguindo o trabalho de Stonequist (1937),
Parece que na personalidade do preto prepondera a atuacao no qual mostra —- alias, ideia muitas vezes apontada pelos

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pesquisadores -— que 0 status e 0 papel d-3 um grilpo rnestico
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— Desde menina trabalbei em fabrica, até a idade dé 18 anos, quan-
1
particular podem ser tomado como indice do problema racial l|
1 do me uni ao companbeiro, certa de que nos casariamos. Meu pai e
mais largo, dada a circunstancia particular do hibriclo, que le- mirzba aud, até ha alguns meses, ignorauam que eu estava legalmente
<'
vanta para a cornunidade 0 problema especial de 'deterrninar .1»; lzgada a0 meu companbeiro. Viuemos em continue conflito, porque
seu lugar dentro da organizagao social. ' 4 ele nao se decidepor uma das mulheres. Muitas vezes, rive vontade de
.\ ,5
Caso n9 14 — Refere-se a uma moga de 18 anos cle idade de 3'3.‘-':‘»
dar na mulher dele, que com ele se casou com o anicofito de afasta-lo
cor parda. E filha ilegitima de mae preta e pai pardo. Possui trés . ,v’‘:37
_b de mim. Nao agrido quando ela vem fazer escandalo a minba porta,
1,1,
irmaos, pelo lado materno, sendo uma irrna de 16 anos, filha . K?
. 3!
lembrando que os jornais dariam a noticia “Uma negra... ou uma
de um portugués, um menino de 11 anos e outro de 10 anos, A‘ ’ '
parda espancou... ” Se eu fosse branca, ja a teria espancado. Muita
»:.*>~.1 .»
filhos de um preto. A entrevistada fez até 0 39 grau primario; é ;_ -E.1."
_._
5'
gehtépensa que, por ser de cor, a pessoa é relaxada. Gosto de genre que
Sq:

cozinheira Relata-nos 0 seguinte: ‘Y '1'-,


.'!:-
.5}
se arrama bem. Ha pessoas que nos desprezam por a gente ser de cor,
_: 1
l e tém razao; os de cor sao relaxados.
— Tenbo génio djferente de minha irma, que desobedece a mamae, 'rig»
»1'>‘!1..

saindo a noite. Ela é orgulbosa, xinga-me de negra, diz que nao é Caso n9 16 — A entrevistada é de cor parda, casada com um
minha irma. Meu pai era pardo, 0 dela era portugués, por isso ela
1,\'.
r
preto, tendo quatro filhos menores pretos. Transferiram-se de
despreza. Ela quer casar-se com branco e 56 namora brancos. Xinga F
Minas Gerais para Sao Paulo ha 10 anos. Seu marido é operario.
1'
de negros aos irmaos. Nao gosta de andar conosco na ma. Quando if Sao suas palavras;
saimos juntos, ela anda afastada dos outros. Penso em me casar aos
22 anos e com ‘]Datrici0”, para que nao falern de mim por nao ter — Casei-me com um preto para jamais ser chamada de “negra” pelo 1
1
procurado ’patrici0”, para me casar. ja ouvi brancofalar de minha marido, aopaaso que uma mulher mais clara do que 0 marido nunca 0
irma quando acompanbada por um namc-rado branco: “bandeira cbamara de “negro Vz'uem0sfecbaa’0s dentro da famflia, onde nao se
paulista disseram. Fico neruosa ouuindo tais coisas, e entao prefi-ro focaliza a cor. Minba sogra mic permitiu que asfilbas se casassem com
casar-me com um preto. Umafamilia de italianos, uizinbos, -proibe os bomens mais claros do que elas, para nao serem desprezadaspelo mari-
filhos de cbegarem a minha casa por quesiao ale con cena vez, casti- do, enquanto todos osfilbos se casaram com mulheres mais claras. Assim
garam as criangasporque aceitaram pao de minba casa. agiram para evitar que a corfosse motivo de desgostos, e somosfelizes.
¢

Caso n9 15 — Trata-se de uma parda de 28 anos de idade, que ha Caso n9 17 — A entrevistada, filha de pai branco, iraliano, le-
10 anos vive maritalmente como um individuo pardo, de 30 anos de nheiro, e mac preta, cozinheira, conta 32 anos de idade e esta casa-
idade, empregado de escn't6ri0. Este casou-se ha cinco anos com da com um rapaz branco, sapateiro, filho de italianos, ha 12 anos-.~
uma rnoca parda, costureira, da qual tem uma filhjnha, possuindo Ficou érfa de P3i aos 8 anos,-lendo de deixar 0 SYUP 0 escolar e
mais Lrés filhos com a companheira. Conta-nos a entrevistada: passar a trabalhar na fabrica até os 19 anos. Relata-nos 0 seg1.1in_te:

104 105
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1
4

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1:
5 — Minba mae dizia sempre as filbas que se casassem com homens "L muito boa familia, onde mantenbo boas relaydas. Moro bd I5 anos em

brancos. Este conselbo decorria de prdprifl e"¥7e"@‘"°i“1 Por ‘er “do 55- Sao Paulo, e quando aqui cbeguei semi dzferengra no tratopor causa da

um casamentofeliz, e pela obserz/a§¢70 41“ WW5» que’ cawda com um


;~ cor. Exiktepreconceito entre aspessoas de corpo_r inveja, mau olbado.
4‘ .'
preto, muito sofreu. Foi por influéncia de minha mae que me casei :_b~'-

com um homem branco. Aos 19 anos, fui refimd” dafdbflcai Porque


Kl‘-I O entrevistado é homem orgulhoso. Mora em cortigo e des-
eu gostava de um homem de cor Minba irma mau velba, a0 contrario, preza os vizinhos como gente de cortigo. Diz que esta proviso-
aré hoje se conserva solteira, a espera de um marido branco. Conbeci riamente naquela casa, pretendendo mudar-se logo.
meu marido numa festa familiar. /i primeira vista, ele acbou que eu Caso nQ 19 — Trata-se de uma senhora de mais de 50 anos
devia ser a “mocinba de casa Ceria vez, tendo me convidado para ir de idade, mulata. Seu maridoaé branco e ganha Cr$ 150,00, tra-
ao cinema e eu rejeitado 0 convite, formou um bom juizo a meu res- balhando na limpeza pfiblica. E analfabeta. Possui seis filhos,
peito. Pedida em casamento, rive muito medo de encontrar a oposipao estando cinco filhas casadas com branco e um filho casado com
da familia dele, por eu ser de cor. Isto nao se deu, fui bem T969514“- branca. Morou sempre no Interior, onde permanece a maior
Durame os seisprimeiros de casada, residi com meus sogros, ondefui parte de sua familia. Esta em Sao Paulo ha cinco anos. A en-
feliz, nao bavendo animosidade como axistia entre minha sogra e a trevistada insistiu para que conhecéssemos a beleza dos netos,
outra nora branca. Eu agradava minba sogra no trabalho: nunca rive criangas de olhos azuis e tez clara. Do relato cla entrevistada:
preguiya e tirava 0 trabalho das maos dela, poupando-a. Ainda boje,
aos sabados, vou a casa dela, lavar-lbe a baleria de cozinba. Estive — No Interior; eu coszurava e atendia as mulheres como parteira. Aqui
bospitalizada para fazer uma operayao e, durante minha auséncia, nao tenho calma para costurar; fico neruosa de ver lado sujo [habitagfio
meu marido teve propostas amorosas dentro de minha casa, p0i$ ele, coletiva]. N0 Interior; eu tinha uma casa ampla, enquanto aqui tenho
sendo sapateiro, trabalha em casa. Enfureci-me, tiue ciilmes e desejo de morar num qua110._ Lavo roupa para viz/er. Meus netos sao lindos,
de mata-lo. Briguei com aquela vizinba, que muito me ofendea, xin- lém olhos azuis e cabelos amarelos. As pessoas nao valem pela cor. Mas
gando-me de negra a toa. ba pessoas que na ma desconbecem um negro; isso esta errado. Esta
neta [menina de 12 anos, parda] éfeia, puxou as avds. Sempre lbe digo
Caso n9 18 —- O entrevistado é mulato, casado com mulher que ela nao éfilha legitima, masfoi dada e, apesar de ser brincadeira,
U1
.l preta e possui sete filhos. E agougueiro, tendo uma renda glo- ela cbora.
V,l
1,,
Y bal da familia superior 51 imponancia de Cr$ 1000,00. Do relato
‘I, I
ali} do entrevistado: Caso n° 20 — Trata-se de uma mulata de 35 anos de idade,
M“
empregada doméstica e analfabeta. E filha ilegitima de pai
_ Desejo que meu5filb0S sigam minba profissao, por ser um modofacil branco e mae preta. Foi criada por brancos, para os quais sem-
‘ . .»1.§.'-.7
de ganbar dinbeiro. Fag:0 questao que a minha famflia tenha boa ali- pre trabalhou na posicio de empregada doméstica, mas a eles
mentayao. Sou respeizado pelosfilbos. Fui criado no estado do Rio por se refere como “irmios de criagio”. Relatou-nos o seguinte;

1060 107
i
___ _ , ,. ~ 1'1
'
-él :1‘
Bi \ '.
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desprezo como negro que inibe suas reagoes, como no caso n9
1 — Perdi minha‘ mae aos 2 anos de idade. Nao corzheci me?‘ Pal» mas 1».-:1‘Y"
fl J1 V
sempre ouvifalar dele. Eu em 6117171?“ quando me disseram qlfe ele havia 1a
15, em que a entrevistada afirmou nao reagir para nao ter seu
>13
111

morrido, e mea patrao comproa uma besta da falefldfl de "?e“P“i1 9“


nome no jornal ligado a especificagao de sua cor. A consciéncia
adoraua aquala besta por que tinha perterzcido ao meu pai. dofri muito
de cor parece mais acentuada no mulato do que no preto da
quando cw-iang:a, porfalta de carinho. Trabalhei 12 anos a a pafrod mesma classe social. Observamos que 0 mulato age pensando
guarda-me 0 dinheiro, ela morrendo, eu nao 41”?‘ c°bm"me“$ irmdos de sempre na cor da epiderme, quando se case seja com um preto, I
J

crig§(Z0, para evitar desarmorzia. W110 $51 ndoflequmto bail¢’~§- A game seja com um mulato ou um branco. Ou se une a um preto, para
de cor nao presta, nao melhora; nao é genre unida; quando melbomm a
se defender de ser ridicularizado e desprezado pelo branco,
P03,-ago, procumm branco para casar. Epreciso clareara ra§a. como no caso ng 16, em que a entrevistada decidiu casar-se
l
'com preto, 0 mesmo acontecendo no caso ng 14; ou procurar
Caso ng 21 — Refere-se a uma mulata de 37 anos de idade, fugir do preto e ligar-se ao branco, pelo mesmo desejo de nao
, . ., - »~ - ‘ " ' ' 5_
operaria, viuva. POSSU1 tres filhos, dois dos qua1S $30 Opemno ser desprezado como preto. A possibilidade de 0 mulato poder
A soma dos salarios da familia perfaz a importancia de Cr$ se defender de ser desprezado como negro, unindo-se ao preto
800 00 por mes Sao analfabetos. Relatou-nos 0 seguinte: ca-
ou ao branco, refletiria atitudes exteriores do branco e do preto
sou-se aos 14 anos, com um pr@E01 homem Sem 111120 que_ nao para 0 mulato. Pode-se aceita-lo, como no caso ng 17, 6,pOCl6—
gostava de trabalhar, tendo falecido ha tres anos. Depois de se rejeita-lo, considerando-0 o negro, conforme 0 receio mani-
vifiva, mudou-se do Interior para Sao Paulo. Procura criar os festado pela entrevistada do caso ng 17.
filhos de forma que sejam amigos. O preto do sexo masculino parece ter preferéncia pelo mu-
lato e pelo branco para as ligagoes matrimoniais. Por sua vez,
1 1; -:1
— Quanta a cor; nunca serzti dificaldade por serpessoa de cor. Dou- a mulher mais clara o aceitaria como defesa e conformismo;
51.1
me tanto com brancos, como com prel‘05- .5@i que ha brancos que ales" neste sentido fala 0' caso n9 16.
prezam1 mas nunca senti isso. Minba melhor amiga é “ma Comp“- A consciéncia de cor apreselnra-se mais pronunciada no mu-
1
l

nheira branca defabrica. lato do que no preto, talvez_ em consequéncia da situacao de


11
I' 11 estar ligado biologica e socialmente aos dois grupos raciais.
-1-?
1'1|"3!
11 Anélise das atitudes manifestadas Esbatidos os tragos fisicos da raga dominada, ao mesmo tempo
.1 11,111
nos casos dos mulatos da classe social “inferior” em que apresenta tragos negroides, 0 hibrido teria 0 conflito
'12 mental exacerbado. Por um lado, é mais intenso o processo de
'1
~ ‘ nsi- identificagao com 0 branco, tendo mais oportunidades para se
A luz dos casos apresentados, tm§am05 35 Segumtes CO ~
@121
,1?,.1
,1
deragoes: 0 mulato da classe social “inferior” demonstra cons- aproximar do branco do que 0 preto; mas, por outro lado, as-
1:l ciéncia de cor através de atitudes orientadas no sentido C16 marcas raciais podem desenvolver a rejeigao social do branco.
15
evitar a ofensa de ser chamado do “ne8Y0”- E [50 Senslvel ao Tudo se passa como se o mulato, sentindo-se com mais direito
l
1; 109
1-; 108

13.. A-éau;

I mg;

1 de ser branco; se tornasse mais consciente das atitudes de res-


trigio do branco.
companbia de pretos ou mulatos, e, diante do branco, nao 0 sinto me
repelindo; dai me convencer que 0 desprezo da parte do branco nao
era tao forte como eu pensava. Convenci-me de que nao sou preta,

d) Casos de-inulatos das classes intetmedifiififls apenas descendo de preto pelo lado paterno. Hoje se espera que uma
coisa se realize e se da 0 contrario; atribuo a causa a cor. Por exemplo,
em questao de casamento, penso que até boje nao deu ceno por causa
Caso ng 22 -— A entrevistada é parda, solteira. Ficando orfa
|
I . A - ' ' “ s. O p ai foi far-
murto cedo, teve dc 21]Ud21I' a criar os irmao da cor. Apesar disso, sinto-me mais independente do complexo; nao
l1

macéutico. Com muita resisténcia, relatou suas ideias sobre a sou tao timida comofai. Evito a companbia depreto e do mulato, por

questio dc cor: ser um deles, por vergonha. Ninguém quer a companbia deles, a genre
tambémfica acanbada de andar com eles. Nao seria capaz deiamar
. . . . ' ' ‘ ‘ ele- um preto ou um mulato, mas, desde que nao se percebam trapos de
- Minba familia e mestzea, como todos os bras¢le1rOS_ O “"160
. - - - - ‘ ase reta. ascendéncia preta, ea me casaria com uma talpessoa. O que impona
mento escuro de minha familia foi minha auo paterml, KIM P
Meu pm‘ foi farmacéatico muito estimado por suas maneiras finas. é a aparéncia. /a rive muitas experiencias desagradaveis por causa

A familia branqueou sempre. Meus irmaos estao casados, szio fun- da cor. Ha dias, fui obrigada a discutir com duas pessoas estranbas,

cionariosferrovizirios. " brancas, por questao de lugar em uma condupao, e diz-me uma delas;
"A genre se meter com negro é nisso que da. " Nas atitudes com namo-
. - "0 brancas, rado, dezlxo que ele resolva se me quer ou nao. Se eu fosse branca,
A entrevistada considera-se branca. Suas cunhadas sa I
e com orgulho exibiu-nos a sobrinha de tez clara. De outro sobn- nao seria tao submissa, mas tomaria a iniciativa para encaminbar

nh01 que é PardO, diss@= “N90 sei POT que este 53'“ m°"="“‘“h°" ao casamento. '
Caso ng 23 ,_ Trata-se de uma moca parda de 28 anos de
. - - ' ' funciona- Caso n° 24 — A entrevistada é uma senhora parda de 31
1 idade, solteira. POSSU1 curso secundario e exerce 0 _
' anos de idade, casada com um branco, professor de curso se-
I lismo pfiblico Deu-nos suas opinioes nos seguintes termos:
' cundario. Disse-me o seguinte:
. - ' ' - I
— A cor motiva grande complexo de znfenondade a 89"“? 59 59” 9
.
.i7’lf€7101‘dO - dzferenle,
branco, feza, - ' vezes tem "ergo"b a de siA
9 mwms — Sob 0 ponto de vista estético, o preto ou 0 mulato, que apenas tern a
-
mesma‘ Consequentemente, manzfesta _se 0 retraimento,
' um sen t'men-
1 pretensao de ser branco, sao inferiores ao branco. Ha preconceito de cor
. - 0 que se manijesta em todas as atitudes daspessoas em geral: uns demons-
to de bamzldade, levando a pessoa H 81/lia?‘ “P“"eCe"- pelo deéprez '
- ~ Antzga
0s brancos nos colocam nessa situagao. ' mente, ea sen t‘za mm'to tram opreconceito com beneuoléncia exagerada e outros com muito des-

mais a atuagao daquele complexo; bvje, "40 tanto, Pofllue Procuro prezo. Naturalidade oa igualdade no trato do branco para as pessoas de
.
melborar mznba A - Quando aluna do gmllo 95601”? 9“ 1'mb a
aparencza. cor nao ba. Em consequéncia dopreconceito do branco, 0 negro se toma

vergonha deficar diante da classe, e so boje sei por qué. Nao ando em com complexo que 0 prejudica, porque, se ele tiver iniciativas, ele reali-

HO lll

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___7,J.-¢~:<< V, 1-1-1:-_—.<:-u:-:-.1 _
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Zara apenas a metade do que seria capaz, dada a inibigziopelo complexo negrinho, so na rua, o que sempre me causava aborrecimentos. Depois

de inferioridade. Ele é inibido em todas as atitudes. Nao tenho e.q>en'én- dos 15 anos, percebi que havia ma vontade da parte de cer10sprofes-
1 ciaspessoais desagradaveis, porquefltgi muito do negro, e, como mulata, sores devida a minha cor embora eu estudasse, nao me davam notas
lI
procurei me assemelhar ao branco. Desde muito crianca, ficou tao ar- para promocao. Assim, perdi quatro anos e me desencorajei de seguir

raigado em mim a atitude defugir da raga que nunca penso em mim 0 curso superior. Hoje, sei que aquelas reprova§6es tiveram forga pre-
em termos da cor, mas sinto e observo 0 que sepassa com outros. No aju.s"- ponderante em meu destina Dos 18 aos 21 anos, eu era diferente dos
tamento ao casamento, minha cor nao influiu durante oprimeiro 61110 outros, nao namorava. Quando consegui namorar, tratava-se de uma

de vida conjugal, porque meu marido considera 0 brasileira um mestzpo. moga da minha cor. Dois anos depois, casava-me com ela; nao que a

Sei que muitas vezes meu marido teve criticas desfavorfiveif P0’ 59 613' amasse, maspara fugir a outras dzficuldades de casa. Essefato se deu

cidir casar comigo, 0 que me magoou 6‘ 0f?"i"- 59 e“f°$$e bmma» 59”“ ha 10 anos. Atualmente, nao tenho conflitos ou problemas por causa
maisfeliz no casamento, porque mais natural, mais espontanea, menos da cor. Fiz esforgo para integrar-me na classe rnédia. Antes, meus ami-

inibida e menos preocupada com 0 ponto de vista ertético. Atualmente, gos eram mulatos. Entao, desagradava-me ouvir “vocé e fulano sao

sinto dzficuldade, porque vejo 0 aborrecimento do meu marido por eu inseparaveis”; ressaltavam aquilo que me unia, que havia de comum

ser de cor; passado o periodo deforte entusiasmo afaivo, ele comecou a entre eu e os amigos.- a cor. Comentarios desta natureza me levaram

sentir uma espécie de desapontamento por me ter como esposa: demors- a evitar a companhia de mulatos. Hoje, meus amigos sao brancos.
trapena ou vergonha quando observa algum trapofisico nosfilhos. E5385 Sinto-me considerada por eles; sao meus colegas de trabalho. E impos-

ressentirnentos dele me ofendem, e nospoern em conflito. sivel conciliar a classe de mulatos com a classe media de brancos. O
preconceito naforma que eu sinto é uma certa timidezpor uma ideia

Caso n9 25 — O entrevistado é pardo, de 54 anos de idade, fixa; nao tenho boa aparéncia. Entretanto, muitas vezes se pode ser

- funcionario pfiblico federal. E casado com uma parda e pos- apreciado. Sempre ha umas mas vontades contra a gente, devidas a

_ sui dois filhos menores pardos. Sempre residiu em Sao Paulo, cor, como tirar-nos 0 acesso. Grandeparte dos brancosfalam com boa

mas espera dentro em pouco ser removido para 0 Rio, tendo vontade sobre ospretos, encorajando-0s. Muitos amigosfazem questao

_€ ml‘ vista melhorar economicamente. Emitiu suas opinioes nos


da minha companhia; justificam-se, dizendo-me que nao sou preto. O

seguintes termos: ' preto esta em situacao inferior. Nao tem acesso nos empregos. Vive nos
botequins a gesticular, demonstrando mais aos brancos que é inferior.
— Nasci sem consciéncia de cor; isto é, nao sabia quefosse considera- Quando aparece um preto que se destaca, o brancofica admiradopelo
do diferente: creio quepor viver onde nao havia pretos. A primeira vez conceito que tem a'o preto como grupo. O mulato esta muito melhor

que tive um cboquefoi aos 7 anos, quando entreipara o grupo escolar Em bailes, opreto toma uma atitude de barbaro, dangando, pulando

Briguei no primeiro dia de aula.- um. menino me cbamou de negrinbo. e rindo muito. O mulato aa aos bailes urn carater civilizado, aproxi-

Com 0 tempo, fui conquistando a estima dos colegas e, esqueci 0 cheque. mando-se dos brancos. O mulato é mais competente e esta em melhor

No curso secundario, as pessoas mais educadas nao me cbamavam de situacao na vida. Ha preconceito entre 0 mulato e 0 preto. O mulato

H2 H3
fica aborrecida quando em seu baile comeca a aparecer muito preto. superiores, 0 negro sofre campanba. Eu senti oposieao do meio. Hoje
Os pretos sentem complexo de inferioridade pelo qual justificam seus me imponbopelo meu cargo. A campanba ou oposicao porpreconceito
fracassos: sou preto. varia com as classes sociais. O preconceito consiste em nao querer que 0
individuo de cor apare§a. O branco assim age em defesa propria Nisto
Caso nQ 26 -— O entrevistado é pardo e conta 35 anos de idade. vai um pouco de imitagao do que acontece nos Estados Unidos. Aqui,
Exerce uma profissfio liberal. Esta casado ha 10 anos com uma os brancos desejam impressionar 0 estrangeiro de que so existe genre
parda escura de cujo consorcio tem tres filhos; dois meninos par- branca. Procurar esconder o pretoja é da mentalidade do povo. Se um
dos e uma menina preta. Quando crianca, morava em companhia descendente depreto tiver aspecto de branco, mesmo que conbegam sua
de sua mac, em casa dos patroes desta. Relatou nos o seguinte: ascendéncia, passa por branco. Aqui nao se conformam com 0 fato de
um preto ocupar situagao superior Ao povo parece causar vergonha o
—- Toda a minha forga para fazer um curso superior vem em con- preto ter agao na vida social do Pais. O preto é muito intuitivo. Vem de
sequéncia da patroa de minha mae ter alegado a minha cor como uma civilizaeao antiga, decaida, queja teve o seu apogeu. Ha conceitos
obstaculo para cursar uma escola superior Ela alegava que ninguém erradosem torno do negro: ”opreto é desonesto", diz-se. O que acontece
procuraria um médico ou um advogado da minba cor. Entao, ela ten- é o preto serpessoa que vive com dtficuldade; vive mal, rouba quando
tou me encaminbar para 0 comércio, mas, como eu me opusesse, ela necessita ou por educagao defeituosa. O preto em si nao é trabalbador.
deixou de auxiliar-me, dizendo; ”Fag;a o que entender sozinbo; quero E mais sociavel que o descendentede indio. O preconceito dirigido ao
ver o que vocé vai dar. ” Diante da duvida da patroa quanto a minha mestipo obedece a leis de acordo com o predominio de rag;a em sua
capacidade, decidi seguir um curso superior e venci. Antigamente, eu personalidade e tragosflsicos. Um negro nao gosta de ver outro bem. ja
enfrentava combativamente as dificuldades; boje deixo que as coisas um negro em situacao melborfaz-lhe campanba contra: "Um elemento
tenbam seu curso, apenas tiro o corpo para que nao me atinjam. A de minha cor por cima quer dizer que eu sou inferior. "A diferenga de
minha posiyao social resulta de minha astucia e do esforco para estar situacdo entre 0 Brasil e os Estados Unidos é que aqui nao demonstra-
bem com todos, existindo também um desejo sincero defacilitar a vida ram ao negro 0 preconceito numa bostilidade aberta. A situagxio de
para todos. Ha anos, fundei uma sociedade de pretos, com 0fim de me- dependéncia em que 0 branco o mantevefez com que ele caisse de uma
lborar a situacao do preto, dando-lbe instrugao. Este meu intento nao vez. O negro saido do cativeiro, acostumado a depender, foi solto na
pode ir adiante, por encontrar obstaculos no proprio negro O negro rua. O negro vinha da Africa com organizagao tribal; aqui teve que se
nao suporta ver outro negro em situagao social melhor do que a sua; adaptar ao senhor, para depois ser abandonado. Na casa do senhor,
mas, independentemente de minba vontade, eu nao poderia ceder-lbe havia 0 preto antzpatizado e 0 que gozava de certas regalias, como
0 meu lugar melhor que exigia meu grau superior. O preconceito con- a preta quefazia doce na casa da sinba, o preto cocbeiro -—.p0rém,
tra o negro é variavel segundo a procedencia do indivuiuo, tempo de nao tendo voz ativa, nada podiam fazer em favor dos outros. Depois
radicagdo. O imigrante, por exemplo, vem do exterior com jutko for- de desorganizada a bierarquia negra, a aboligao vinba abandona-los
mado sobre o negro, sem ideias do preto civilizado. Nas nossas escolas na rua. Muitos nao sairam dafazenda, por nao terem para onde ir. A

H4 H5
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,7 7\

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1
abolicao resultou em independéncia de inalividuos e nao de blocos de
individuos. Portanto, apos a aboligao, nao podia haver uma igualdade
'14,‘.-E‘

_t_
. .-1
1 face ale outros, passo adiante, porque sao estupidos por natureza. Em
minha personalidade, 0 preconceito influi no sentido de desenvolver
l
1
entre pretos e brancos, e nem mesmo agora, O elemento branco com 3. meios para captar confianpa e amizade, desenvolvendo conveisacao
0 manda nas maos é quem predomina — -ha negros que gozam de em nivel mais elevado do que a mentalidade do amigo: introa'uzin-
‘ I351;
mel/gar 5m¢a§;a0, mas para servir de equilibrio em controvérsias. O que do-0 em lugares que ele desconbeca por acanbando Qoor exemplo, num
.
concorre para diminuir 0 preconceito sao os interesses circunstanciais. ...!-
.1,’ cabaréfino); demonstrando-lhe que flequento bons lugares; ou apre-
'.-
-'1:
Nos mestipos em que os trapos dos ascendentespretos se esbateram nota- ‘ cs.
..fi_.
sentando-o a bons amigos para proveito de interesse dele. Empenbo-me
se a preocupacao em ocultar sua origem por vergonha. em veneer daquele modo o preconceito, porque pode influir na ascen-
sao do cargo, e, afinal a'e contas, afinalidade da vida é evoluir. O pre-
Caso n9 27 —— O entrevistado é pardo, solteiro, contando 23 conceito limita meu circulo social, efico revoltado. Somos revoltados,
anos. Trabalha em escritorio comerciai. Seu pai é preto e exer- . Lei-
mas ninguém tem coragem a'e tomar uma atitude. Todos desejam uma
?“="'s=‘
.,_,1. 1_-
ce -o funcionalismo pfiblico. Suas irmas sao professoras nor- modificagtio imeaiata, que nao épossivel. Em consequéncia do precon-
malistas. Disse-nos 0 seguinte; J, . ceito, nao vejo nenbum grande juturo para mim, talvez também por
‘ 1
que nao continuei os estudos. Nao possofrequentar boas sociedades de
l 1
—- O problema racial é muito sério, principalmente no nivel social em 4 nivel superiora que ten/90. Com o estudo, poderia sufocar o preconceito.
que estou; é pior que num. nivel mais baixo. Quanto mais inteligente, é O preconceito pode ser vencido, mas nao totalmente.- "Fulano é dou-
ll

mais se sente e mais se sofle. A gente vive sempre espezinbada pelos ou- s
‘kt
tor mas é preto... ” Cinquenta por cento das pessoas nao consultariam
tros. Nao gosto depiadas sobre isso, principalmente quando se referern a t um médicc-preto. Nao gosto de andar com amigos pretos,- quando nao
mim— "O mestigo agora estaficando sabido./” Opreconceito existe co n- posso andar com os que desejo, ando so. Nao namoro pretas. fa tive
tra 0 preto e contra 0 mulato que querpassarpor branco. Nao posso ir namorada parda ou branca. As mulheres, quanto ao preconceito, tém
a certasfestas, pois seria impedido de entrar; ou por razow que amigos mentalidade diferente: para mim, é maisfacil conquistar uma branca
brancos me apresentam, como, por exemplo: "Nao va a talfesta, porque ale classe rnais baixa do que uma mulata. Sim, porque quem aceitar um
~os socios nao veio gostar e vocé nao vai se sentir bem la.” Ha firmas namorado :ie_corpara’a so podepertencer a classe mais inferior. A mu-
brasileiras que nao aceitam empregados ale cor. Diante dessas situap-fies lata tem maiores aspirapoes, quer ter um namorado branco. As brancas
1
de preconceito, fico com raiva. Noto que os colegas se convidam para Y
sao brancas; nesse particular, nao precisam desejar mais do que sao. A
festas em casa defamilia e nao me convidam; deduzo 0 motivo. Vejo-me ultima namorada que tive era parda,-, aparentemente trajava-se muito
1
gempre empgnbando em demonarar valor proprio, que sou inteligente u
bem, sendo moo que me levou mais a conquista-la, pois que ainda nao
‘1-
e em conquistar a amizade, para eliminar contra mim conceitos como conbecia 0 seu nivel mental. Infelizmente, depois que a conbeci interi-
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o a'e que “negro, quando nao suja na entrada, suja na saida". Diante ormente, foi uma completa decepgao: nao passava de uma bogal efazia
de alguns, procuro captar a amizade e a confiancfl, _C0m/6’1$¢md°1 fa" demonstrar claramente o seu interesse por mim, e assim sao a maioria
zendo-os ver que meu nivel de vida nao é mais baixo do que o deles; em delas. Penso que a melborforma para o negro progredir seria o método
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, - usado nos Estados Unidos, isto é, uma completa separacdo; teria ele de desgosto por nao ter cabelo bom [possui cabelos crespos, mas nao
- prgduzir para acompanbar o ritmo dos brancos. Poderemos afirmar encarapinhadosl. Nao sei porque tenho cabelo feio. Todos em minha
que 0 negro da classe alta dos Estados Unidos é sem duvida comparavel familia sao bonitos e tém cabelo bom. Nao possuo nenbum ascendente
—'ao liranco da classe media daqui. ll preto, do lado materno ou paterno.

,Caso n9 28 — Refere-se a uma mulata, de 25 anos de idade. Caso n° 30 — Trata-se de um mulato, de 24 anos de idade,
solteira, residindo com os pais. Exerce 0 funcionalismo pil- que trabalha em escritorio, percebendo Cr$ 500,00 por més; é
blico, percebendo Cr$ 500,00 mensais. Tem curso secundario. solteiro e reside com os pais. Possui curso secundario. Relato
Contefido da entrevista no tocante a cor: do entrevistado:

— Acbo que 0s pretos estiio em situacao muito inferior no sentido de — A instrucao seria 0 meio de eliminar a bostilidade e a inveja exis-
educacao e instrucao. Tao inferior que nem procuram reagir, mas tente entre as pessoas de cor e de aproxima-las mais ao branco. Mas
descem cada vez mais, entregando-se ao alcool e a0$ bflil@S- Pam 0 0 negro nao tem estimulo para estudar porque sabe que, depois de
mulato ha duas situacoes; uma parte dos mulatos se integra no meio formado, nao tera a oportunidade de ser aproveitado. Deste modo, tem
negro e a outra no meio de brancos, procurando valorizar-se dado 0 que se conformar com as ocupacoes de baixas categorias. As pessoas
preconceito do branco. O branco tem preconceito para os caracteris- de cor percebem 0 desinteresse do branco para elas e no intimo ocul-
ticos da cor. Sinto que existente preconceito contra mim, mas nao tam uma revolta. Nao se sentindo aceito pelo branco, 0 negro prefere
demonstram, porque sao educados; sou tratada como igual, porém viver isolado. Nao é possivel negar a existéncia depreconceito contra 0
tenho certeza que no intimo as pessoas sao diferentes, pelo menos nos negro, porém é velado pelo branco.
ambientes em que estive, no ginasio e atualmente no trabalho. Conse-
quentemente, evito a companbia depretos e mulatox Caso ng 31 — Refere-se a um mulato de 35 anos de idade,
casado com uma mulata. E funcionario poblico, percebendo
Caso ng 29 — Trata-se de um mulato de 25 anos de idade, I Cr$ 800,00 rnensais. Possui curso primario. Relato do entre-
jornalista, com vencimento acima de Cr$ 1.000,00. E c_asado vistado:
com moca branca, de classe social inferior a sua. Possui curso
secundario. O entrevistado considera-se branco e se impoe —- Estou ajustado, nao sinto problemas. Fuipreterido em acesso a car-
como tal, evitando abordar qualquer questao referente a cor. gos por ser mulato. Atualmente, estou satisfeito com uma promocao.
Relato do entrevistado: - Nao tenho ambigoes de raca. Acho que o preto é uma raca semfuturo
e evito andar em companbia dele. Trabalbo muito, além do servico do
— Moro em Sao Paulo ha dez anos. Nasci no Norte, onde vivi até 12 Estado, tendo conseguido construir uma casa propria. Minba maior
anos de idade, em companbia de minha mae e irmaos. Sinto grande ambicao é alcancar independéncia economica.

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Analise dos casos de mulatos das classes sociais intermediarias " l
I Refere-se 0 caso n9 26 a urn individuo de cor parda que con-
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seguiu fazer 0 curso superior e posteriormente exercer funcoes
.t.
Os mesticos das classes sociais intermediarias manifestam ati- equivalentes aos direitos conferidos pelo diploma, em '_conse-
tudes que revelam sentimento de inferioridade, vergonha de quéncia de lhe terernapontado a cor como obstaculo as as-
sua origem e marcada sensibilidade relacionada corn a cons- piragoes de fazer um curso superior. Nao obstante nosso en-
ciencia de cor. Esforcam-se no sentido de escapar da categoria trevistado ter vencido o curso superior, conserva aindatragos
de preto ou mesmo mulato, evitando a companhia daqueles e de personalidade ligadas, por um lado, as marcas raciais e, por
se aproximando do branco. Possuem intenso desejo de passar outro, a condicoes sociais: sentimento de inferioridade, timidez
por brancos, chegando a se verem brancos e dar énfase ao e desconfianca, reserva excessiva e autocritica exagerada, que
conceito de que os brasileiros sao todos mesticos, conforme as resultam em uma vida de relativo isolamento social. Seus conta-
palavras da entrevistada do caso n9 22. Conquistando simbo- tos sociais quase que se restringem ao ambiente de trabalho.
los caracteristicos do branco, 0 mulato consegue integrar-se no O entrevistado do caso n9 27 percebe restricoes sociais devi-
grupo dominante (caso n9 24). Todavia, nao desaparecem de das a cor pelo fato de nao poder frequentar festas familiares ou
sua personalidade a sensibilidade e 0 sentimento de inferiori- clubes de brancos, pela rejeicao de firmas brasileiras a pessoas
dade relacionados com a consciéncia de cor. de cor, pelapretericao no acesso de cargos e por certos concei-
As classes sociais intermediarias aceitam 0 mulato desde tos desfavoraveis referentes ao preto. O fato de 0 sentimento de
que ele se apresente como “branco”. Com 0 fim de nao ser inferioridade revestir-se de pensamentos relativos a cor denota
repelido como pessoa de cor, 0 mulato desenvolve tracos de que a situacao social lhe apresentou condicoes que tornaram
personalidade e determinadas atitudes. Encontramos 0 mulato possivel a objetivacao daquele sentimento ligado a cor.
evitando a companhia de pessoas de cor. A afirmacao do en- A afirmacao do entrevistado de que tem mais facilidade para
trevistado do caso n9 25 de que 0 “preto é inferior e 0 mulato, namorar moca branca da ‘classe “inferior” do que uma mulata
mais competente, acha-se em melhor situacao soCial" demons- de sua classe parece evidenciar a tendéncia das mulheres do
traria menor oposicao da parte do branco em relacao ao mu- grupo de posicao social inferior para se casarem com pessoas
lato. N0 caso em apreco, vimos que os tracos fisicos refletern, do grupo de posicao superior, fenomeno denominado hiper-
1 ‘I

no nivel mental, o pensamento obsessivo de nao possuir boa gamia. Por outro lado, a preferéncia do homem de cor pela l
l
aparéncia. Este pensamento indica possivelmente que as di- mulher branca, mesmo de classe inferior a sua, denota o valor
ficuldades de ascensao social estao diretamente ligadas a cor. que ele da a cor branca. Em geral, a mulher branca por ele
Ou, em outras palavras; desde que nao se perceba a origem conquistada é de nivel social inferior ao seu.
africana, 0 individuo nao sentira dificuldade para ingressar no As atitudes do mulato decorrentes da consciéncia de cor cons-
grupo dominante, a~ interacao social se dando como se ele tituem indicios da oposicao que ele encontre da parte do bran-
fosse branco." co, enquanto sua posicao integrada no grupo dominante indica

120 121

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a fragilidade da barreira que lhe é anteposta. Tal possibilidade mostra de maneira concludente o fato de que, se uma pessoa tiver
de alcancar status de branco da evidéncias da situacao racial em capacidade e competéncia geral, a dificuldade da cor pode ser e esta
Sao Paulo. As restricoes do branco para o mulato atuarn na pro- 5
sendo constantemente superada. Enquanto é indubitavelmente verdade
1
porcao em que o individuo apresenta tracos negroides associa- 11 que o status continua extensivamente a coincidir com a cor, o fato de
7

dos a tracos de personalidade com valores de status inferior. A‘ 1


-1 certos individuos, que sao bastante escuros e possuidores de traco ne-
1
medida que o individuo “branqueia” na cor e na personalidade, groides, iamais terem sido admitidos em clubes exclusivos e, por outro
encontra maior aceitacao social. “O que impoita é a aparéncia", a lado, terem alcancado posicoes de confianca e responsabilidade na
afirmou a entrevistada do caso n9 23. comunidade demonstra bastante claramente que, na Bahia, a cor esta
Os casos apresentados demonstram que nao temos o pre- subordinada a outros indices de identificacao de classe. A competéncia
conceito racial no sentido de uma atitude de antagonismo de individual contrabalanca a descendéncia racial na determinacao final
toda a populacao, atingindo a todos os individuos descentes de status. A cor é indubitavelmente um obstaculo. Mas tende sempre a
da raca dominada, mesmo quando remotamente. Entre nos, é ser esquecida, se o individuo em questao possuir outros caracteristicos,
suficiente que os tracos raciais sejam atenuados e que o indi- que identificam as classes “superiores”, tais como competéncia profis-
viduo apresente valores da classe dominante para ser integrado sional, capacidade intelectual, educacao, riqueza, boas maneiras e atra-
entre os brancos. tivo pessoal, e especialmente para as mulheres, beleza. Tudo isto sao
O mulato é discriminado na medida em que lembre sua caracteristicos que definem status numa sociedade mais baseada em
origem africana, principalmente pela cor. Esta observacao apoia classe do que em distincao de casta (PIERSON, 1942b, p. 204).
a hipotese de Nogueira (1942, p. 328-358), I10 $@I1lid0 de @Xl$tiT
entre nos um preconceito de cor distinto do preconceito de Entre nos, a cor apresenta o mesmo caracteristico das classes
raca e de classe. sociais, no sentido de poder ser superada, constituindo, por-
Na Africa do Sul ou nos Estados Unidos, 0 preconceito é tanto, urn dos fatores a se levar em conta na determinacao (Io
participado por todos os individuos do grupo dominante con- status social. As atitudes de consciéncia de cor do mulato, ape-
tra todos os descendentes do grupo dominado, mesmo contra sar de integrado no grupo dominante, seriam a manifestacao
aqueles que nao sejam identificados por marcas raciais, mas do fenomeno semelhante aquele que se verifica em individuos
unicamente pelo conhecimento de algum antecedente rernoto que subiram de uma classe para outra.
penencente 21 raca menosprezada.
Podemos aplicar aos casos apresentados a interpretacao do e) Atitudes reveladas numa associagao de homens de cor por
prof. Donald Pierson sobre a situacao racial na Bahia: um dos membros da diretoria

A aceitacao deles, de um negro ocasional, de algunsmulatos escuros, Para o estudo das atitudes raciais de pretos e mulatos,
bem como de numerosos mulatos claros nos circulos sociais superiores, através de uma instituicao, tomamos a “Associacao de Negros

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Brasileiros”,59 organizacao que se desenvolveu em Sao Paulo, >2/,1" Os dados que apresentamos parecem expressar os mesmos
entre 1931 6 1937-, fatos observados pelo prof. Donald Pierson, no que se refere
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Os dados foram obtido's_ por meio de entrevistas, de alguns .a concentracao dos negros nas camadas inferiores da escala
-.51;

documentos daquela instituicao e de opinioes emitidas em “Os ocupacional. Os dirigentes da “Associacao de Negros Brasilei-
‘.,’_y1;

descendentes de Palmares”, mensario da mesma instituicao. . *‘F»“'.1


111-11,1’
ros” estavam conscientes das‘ suas condigoes desfavoraveis na
Do material colhido, depreendemos os motivos individuais competicao com o branco, conforme o relato que obtivemos
E1.‘

e coletivos e os objetivos da associagao, assim como os obs- de um deles, segundo os termos de um manifesto lancado aos
taculos surgidos no seio dos agremiados ou os provenientes do ~1 negros e o programa que se tracaram.
exterior.
Quanto aos motivos que levaram um grupo de pretos cons- —— Diz o manifesto em um dos topicos; “Gozamos teoricamente a'e
cientes a desenvolver uma associacao, salientam-se as razoes todos os direitos, que juridicamente nos garante a propria Consti-
sociais, as de ordem economica e as de natureza “sentimental”. tuigao. ” Mas..., porforpas a’a sociedade, que estao inapelavelmente
O prof. Donald Pierson, em seu trabalho Negroes in Brazil, acima da lei ou contra ela, evitam-nos e ate nos expulsam das suas
encontrou na Bahia uma ordem social de livre competicao, irzstituigoes burocraticas, de utilidade politico-social, a’e erzsino e de
na qual os individuos competem largamente por uma P051950 formapao intelectual, moral e religiosa; abominam-nos nos o1fana-
baseada no mérito pessoas e favoraveis condicoes de familia. tos bospitais e demais casos a’e assisténcia social, eaté nas casas de
A competéncia individual tende a preponderar sobre a origem eoqiressoes economicas em que, com eficiéncia a’e capacidade e com-
étnica como um determinante de status social. _ peténcia poderiamos ganbar o pao delarasileiros e bumanos. Nao ha,
para nos justica social. Em situapoes a’e direitos, quando apelamos
Entretanto, a parte mais escura da populacao, como quase sempre no- J ll para quem no-la garanta, ja estamos antecipadamente derrotados na
tamos, tem lutado com as sérias desvantagens de terem seus pais, avos demanda. Relegam-nos, pois, a nos, brasileiros, a uma posigao bor-
e outros ascendentes proximos comecado “de baixo", como escravos da -'rivel ale inferioria'aa'e a’e desprestigio perante o nacional branco e, 0
classe branca dominante, e de exibirem sempre, em virtude da C01‘ 6 d6 que mais revolta, perante 0 estrangeiro. [...] Esbulbados ale posses pes-
outros caracteristicos fisicos, as marcar indeléveis da ascendéncia escrava, _ soais e coletiva, nao ha quem eficientemente advogue nossa causa,
simbolos indestrutiveis de baixo status. Nao é surpreendente, portanto, t enquanto muitos, ale nos, na ignorancia da situagao, nos esquecemos
0 fato de que os pretos relativamente puros estejam ainda concentrados dofuturo nosso.
nos empregos de baixo status e de pequeno salario, e tarnbém sua di-
minuicao gradual a medida que se sobe na escala ocupacional, até serem Fundamentando as razoes para promover a agremiacao dos
raramente encontrados nos niveis mais altos (PIERSON, 1942b, p. 177). negros, o entrevistado, que é uma_pessoa de cor preta, fun-
cionario publico e parricularmente exerce uma profissao libe-
39 Por razoes ébvias, o nome da associagao e, a seguir, 0 IiIUl° d°' 56" m¢“55"i° 53°
ficticios. ral, refere-se a condicoes precarias em que vivemos;

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1

1
— Procedendo a um inquerito, encontramos a maioria dos negrospas- venceriam os méritos pessoais, porque encontrariam maior re-
1 l
1
sa ndo privacoes terriveis: gra nae numero de desempregados, morando $1’ sisténcia como negros. Baseamo-nos, para esta hipotese, no
Ft.
mal acomodados em poroes imundos, na promiscuidade quefavorece depoimento do entrevistado:
a destruicao moral da familia. Pelas pesquisas realizadas por nos,
80% dos negros da Capital nao exercem profissao definida. O negro — Na Bahia e no Rio a'e_/aneiro nao nos foi possivel fundar a Associ-
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'-N.
é meio carpinteiro, meio mecanico, meia-c0lber;‘° nunca chegando a :7 agao ale Negros, porque os negros nao sentiam necessidade como aqui.
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ser oficial completo, ajudante disto ou daquilo. Apos a aboligao, pre-


.1?-. — Concluimos, por meio de inquéritos, que entre nos varios estabelect-
cisando ale um meio a'e vida, intitularam-se ‘jganbad0res". Hoje, nao {*2
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2“.-.
ha grande diferenca da natureza de services dos negros de 50 anos 1;,-..
1.1 mentos comerciais nao aceitavam negrospara seus servicos, fosse qual
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atras. Apenas 0s de hoje intitulam-se "biscateiros Entretanto, encon- -31 fosse a capacidade oferecida. As mulheres é que minoravam a situ-
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tramos negrosprofissionais competentes: mecanico, carpinteiro, eletri- >11»;
agao, trabalhando como empregadas domésticas e levando as sobras
cista, datilografo, taquigrafo e liberais. Mas nao ba servig:0 para eles. de comida da casa dos patroes. Em uma casa comercial que pedia
1
As ocupacoes do negro sao engraxate, ensacador; estafeta, faxineiro, empregados, depois de um preto ter demonstrado capacidade para
continuo, motorista, motorneiro, guarda-noturno, guarda-civil, cozi- correspondente, teuepor resposta.- "O sr. tem competéncia, mas é pena,
nbeiro, ferroviario, etc. nao aceitamos elementos a'e cor. "

— Historicamente, a desorganizagao moral e economica do negro se -— Nos concursos oficiais, as vagas nao eram preencbidas porpretos.
explica pela abolipao a'a escravatura, conferindo-lhe apenas a liber-
dade fisica, abandonando-0 na rua, depois de destruida a cultura — Em outro caso, tratava-se de um engenbeiro de cor, que se esgotou
afiicana pela escravidao. Vindo a libertagao, quando tinbam perdi- lecionando, a espera de colocacao que nunca conseguiu. Era rapaz
do sua cultura, encontraram-se os-negros desarmados para competir inteligente, medroso e timido. Alimentando-se mal, enfraqueceu, mor-
com os brancos, resultando uma queda economica e moral completa. rendo aos vinte e poucos anos, tuberculoso e indigente.
Em Sao Paulo, nao ha negros ricos, porque 0 imigrante tomou-lhes 0
comércio e por terem sido destituidos de seus benspelospaulistas. Estes, — Vém-se advogados bebendo, completamente entregues ao alcool,
quando bem economicamente, doaram terras aos negros e depois, em- por nao conseguirem trabalbar depois de formados. E por esta razao
pobrecidos, as retomaram, enganando-os. que 0 negro ingressa nas ocupacoes inferiores.

Em Sao Paulo, porém, talvez mais acentuadamente do que Os objetivos dos associados visavam, em primeiro piano, a
na Bahia, a posicao ocupacional inferior incluiria aspectos conquista de melhores condicoes economicas, como podemos
da luta no nivel de status social, isto é, com mais dificuldade ~ observar através do programa da associacao:
40 Servente d_e pedreiro. '
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a) Disseminacao da Associacao por todo o Brasil;

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b) Que nesses nucleos se promovesse intensa difusao do n) Fornecimento de transporte para‘ as caravanas .de propa-
ensino primario; . ganda;
c) Criacao das escolas profissionais mistas; o) Ser a Associacao considerada de utilidade publica nacio
d) Distribuicao de terras férteis e salubres aos negros; nal pelo governo da Republica. '-
e) Criacao de cooperativas, a fim de que nas terras distribui- Ainda que o programa da associa<;ao'focalizasse os aspectos
1

das pudessem os negros viver amparados economicamente, economicos para a obtencao de melhores condicoes materiais,
recebendo instrumento de trabalho, roupas, viveres, que lhes nao podemos concluir que tal tivesse sido o unico objetivo
seriam debitados em conta-corrente, para pagar com as suas dos agremiados. E que os dirigentes do gI'UpO viam na as-
colheitas entregues as cooperativas para venda; censao economica 0 meio de alcancar recursos materiais para
D Nesses nucleos coloniais, se difundiriam a instrucao conseguir a elevacao dos niveis intelectual e moral e, assim
primaria, profissional, técnica e militar, para que pudesse ser o aparelhados, se empenharem na luta pela conquista de reivin-
negro um cidadao e um soldado ao mesmo tempo; dicacoes sociais. Procuravam conseguir melhores condicoes
g) Nas capitais dos estados, se criariam Tiros de Guerra fili- economicas e fisicas, mas visavam também a elevacao do nivel
ados ao departamento da Associacao; intelectual e moral do negro, cuidando da instrucao, da edu-
h) Os negros diplomados nas escolas profissionais como arti- cacao e do desenvolvimento da consciéncia de cor. Sao ex-
fices teriam preferéncia para ingressar nos Arsenais de Guerra e pressoes de nosso entrevistado;
Marinha, na construcao de estradas de ferros e demais servicos
federais, e seriam infiltrados nas campanhas estrangeiras, es- —- Empregados em trabalho a’e- baixo salario, os negros se acbavam
pecialmente de metalurgica, petroleo e estrada de ferro, como absorvidos pelos problemas a’e prover a subsisténcia. Nao lbesficavam
elementos de acao imediata e vigilancia contra a sabotagem em tempo e energia para adquirir elementos intelectuais a fim a'e com-
caso de guerra imperialista contra o Pais; preender os determinantes sociais a’e sua miseravel condigao. Vimos
i) Fornecimento de sedes e Campos esportivos; ser necessario, em primeiro lugaig abrir caminho no campo economi-
j) Criacao, nas grandes cidades, de institutos médicos, hospitals co. Movemos campanba contra os estabelecimentos que nao queriam
e creches, que também serviriam para a internacao das criancas aceitar negros, pedindo apoio ao governo. Enviamos uma carta ao
durante as horas de trabalho das mulheres negras operarias; 1 interuentorfederal em Sao Paulo.-
k) Obra de amparo do negro invalido em servico ou pela 1
1
“Conbeceabres que somos do programa lancado pela revolucao tri-
velhice; ' unfante a'e 30, venbo em nome da Associagao protestar contra 0 nao
;- _>;.
11'?!
l) Fomecimento de livros para a criacao de bibliotecas nas /./‘» cumprimento do referido programa, na parte em que 0 mesmo se
sedes da Associacao; '11:“: refere aos brasileiros natos, os quais deveriam ser os unicos preferi—

m) Montagem de um prelo, em Sao Paulo, para a irnpressao a’os, nos empregospublicos, uma vezprovada sua capacidadeflsica,
de livros pe boletins; moral e intelectual; embora, porém, 0 programa nao se refira aos
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negros brasileiros especialmente, penso que, referindo-se a brasileiros E?",2‘-; ‘ — Elementos a'a Associacao de Negros experimentaram comprar in-
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,, natos, esteja tambem incluida a gente brasileira que é, foi e continua gressos para 0 ringue de patinacao de Sao Paulo. Sabiamos que nao
i sendo parte integrante a'a nacionalidade. Diante do que acabamos nos venderiam, mas nos submetemos a experiéncia. “Nao lhe pode-
de expor, ignoro, assim como todos os meus irmaos ignora m, o porqué remos vender ingressos”, disseram-nos na bilbeteria. Comunicamos o
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de continuar sendo o negro preterido em seu proprio Pais, para 0 fato ao governo. A imprensa pediu a intervencao da policia. Osjornais
qual nunca titubearia em derramar 0 seu sangue, e nao titubeara do Rio protestaram dizendo nao ser um caso de policia. Afinal, 0 chefe
1 ainda quao necessariofor a suaprépria vida em todas as campanbas de Policia deu um comunicado a imprensa, afirmando que os ne-
que tenbam porfinalidade a grandeza do Brasil que muito amamos. gros seriam garantidos, somente sendo proibida a entrada a elementos
Vou pois, ilustre patricio, entrar no assunto que nos trouxe a lbe es- que prejudicassem a ordem, sem distincao de cor. Em breve, 0 ringue
crever a presente carta.- a Guarda Civil de Sao Paulo esta repleta de fecbou as portas. Di/icultam a vida ao negro para vé-lo exasperado,
estrangeiros, uns naturalizados, outros nao; no Gabinete de Investi- infringir leis e depois dizer “é negro, é criminoso”, e prende-lo.
gacoes, no Palacio dajustica idem, e assim sucessivamente; entrando
na Guarda Civil, apesar de nossos pedidos, nao temos conseguido —~ A parte sentimental constitui a grande tragédia aberta ou silencio- \
1

,"\ colocar um negro sequer como guarda-civil, por ser sempre a eterna sa, determinada pelo preconceito de cor. O casamento é um problema.
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desculpa —- “nao ba vagas” -—, mas quase diariamente sao aa'miti- Inumeros negros intelectuais nao se casam, porque, para se casar com
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dos estrangeiros. ” mulber branca, teriam que tira-la de classe social inferiora sua. E nos
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W ‘Us; intercasamentos, embora os dois se amem, ha interferéncias sociais
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1|‘-1 —- E um erro pensar que os negros tencionam criar uma questao den- que prejudicam a barmonia do casal.
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$1’ E?‘ tro do Pais. Queremos apenas encontrar maioresfacilidades em todas
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llvn {fl as atividades. Que 0 negro seja integrado absoluta e completamente — Os negros nao tém consciéncia das condicoes que lbas trazem di-
em toda a vida brasileira (economica, politica, social e religiosa). O ficuldades. Diante das primeiras a'esilus6es,_ficam desorientados e
l—.~.§:§-=1? negro brasileiro deve cessar de ter vergonha de seu componente ra- pensam: “Meu mal é ser negro. " Se, porém, estivessem prevenidos, sa-
‘.1\.'!1
cial. Este problema somente se resolvera por esforco geral, uma edu- beriam desvencilbar-se de obstaculos. -'
ijf cacao nova, em que se cancele aquele sistema estulto de menosprezar
e negar o negro, em toda nossa evolucao historica ou de exalta-lo — O abandono do negro sem cultura prdpria pela abolicao, 0 awcilio
deforma contraproducente. Protestamos porque nos repelem, unica- mesquinbo do branco impediram que o negro se tornasse consciente de
mente como negro. sua miseravel condicao ligada a fatores sociais e nao aofator racial.
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'“' _< -;+_:,;'_-
O negro conformou-se com as migalbas dadas pelos brancos. Ele acha
11.rt!‘?
—- Além das condicoes bistoricas, que determinaram sua posicao que tem outros direitos, mas considera caritativos aos brancos, que
la economica inferior, ha um preconceito contra 0 negro que o tem preju- I:'\
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1,
5)“
lbe dao roupas usadas e sobras de alimentos. O negro'apadn'nbaa'o
dicado socialmente. .1 babituou-se a pedir ao branco e a se contentar com o querecebesse. O

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negro deve sua inferiorizagao a complacéncia do branco em posigao do negro contra 0 branco. Focalizaram-se, entao, as injustigas e, mais
superior; auxiliando-o com pequenos donativos. do que isso, as perseguicoes sofiidas pelo negro. Consequentemente, 0
negro desenvolveuforte animosidade contra o branco, a ponto de nao
- 0' trabalho que se move contra o negro é traigoeiro e disfargado. tolerar a presenca do branco dentro da agremiagao. Indagava b0stil-
Nao é jeito abertamente como nos Estados Unidos, onde o negro al- mente: “Que é que branco vemfazer aqui?” Viram-se os dirigentes em
cangia melhores situag:6es economicas. No Brasil, 0 negro é levado com apuros para que nao surgissem sérios conflitos. Nossa atitude também
sentimentalismo prejudicial, que conseguefazer dele um podre diabo estava refletindo-sefora. As patroas, antes de aceitar uma empregada
digno depiedade, um vencido ou um bandido. de cor, indagavam: da Associagao de Negros?”,- em caso de resposta
afirmativa, nao a aceitavam. Tao revoltadas se tornaram as associa-
» Focalizando os vérios aspectos de desenvolvimento da insti- das que nao eram desejadaspara empregadas. A imprensafecbou-nos
tuigio, poderemos evidenciar as atitudes dos pretos dentro do as portas, dando a entender ao povo desprevenido que estavamos cri-
grupo. O relato que se segue provém de nosso entrevistado: ando um caso no Brasil. A agitagaoprovocadafoi como que o rastilbo
para a explosao da bomba: houve um comeco de arregimentagao ne-
— A arregimentagao do negrofoi dificil. Ele nao tinba interesse numa gra no Brasil, e os brancos, entao, tremeram no pedestal de sua apre-
sociedade que nao tivesse 0 alvo recreativo de proporcionar bailes. goada superioridade racial.
Além disso, o negro nao confiava no proprio negro — quando um
branco tomava a palavra, era apoiado, mas, quando o negro falava, — A campanba exterior contra a Associagao nao cessava; polémicas
era rejeitado. Dentro da sociedade, o negro manifestava a mesma ati- foram travadas; artigos doutrinarios, conferéncias publicas e pri-
tude de menosprezo e falta de espirito de cooperagao que se observa vadas, entrevistas na imprensa, caricaturas nas revistas cariocas; en-
diariamente em face de negros intelectuais. O preto nao_procura os fim, manifestacoes que constituiram a ofensiva e contraofensiva ao
consultorios de pretos por desprezo; “Ora, um negro advogado!” Deste movimento. Entretanto, a onda de socios crescia, propagando-se em
modo, os negros de profissoes liberais tém da parte do negro falta de' Sao Paulo e pelo Interior; agregando individuos queja estavam embe-
confianca e o desprezo, e da parte dos brancos a exclamagao de que se bidos de nosso ideal e sentimento.
trata de “um negro inteligente”, mas sem nenbum apoio.
— Mas, por outro lado, lavrava a discordia entre os milbares de socios
— Os negros nao aceitam a estratzficagao social entre eles,’ motivo de descontentes com 0 regime arbitrario, violento, que vinba caracteri-
grandes dificuldades contra as quais a Associagcio lutou. — zando a diregao. A dissidéncia entre os lideres desenvolveu a descen-
fianca dos negros, enfraquecendo a uniao, ocasionando a retirada de
-- Concluindo pela falta de preparo para defender-se — pois o negro 1
muitos sécios. A crise interna culminou com a mudanca de diretoria,
fica bumilbando-se com o pensamento “meu mal é ser negro”—, o_s sendo iniciada nova orientagao aos trabalhos. Visando impor a As-
dirigentes da Associagao comegaram a desenvolver uma indisposigao sociagao aos brancos, organizamos um programa para desenvolver a

; 132 133

P 1

s.

-4

instrucao e elevar 0 nivel cultural e moral do negro. Procuramos pre- > Através do panido politico, ganhamos maiorforca de agao no Pais.
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parar 0 negro para bem apresenta-lo, a fim de dissipara impressdo de Pretendiamos colocar um representante politico para todo o Brasil e, \

hostilidade para 0 branco. Foram organizados vdrios depanamentos; se ndo tivéssemos votos suficientes, negociariamos os votos com pessoa
de nossa confianga. Em seus primeirospassos, o pariido apoiaria can-
._ 0 Departamento Educativo procediaa alfabetizacao por meio de didatos a deputados, senadores epresidentes da Reptiblica em troca de
cursos noturnos; ‘ algumas vantagens, até que pudéssemos adquirirfundos para fazer
propaganda para 0 negro votar em seus candidatos negros.
_ 0 Departamento Recreativo desenvolvia a declamacao, a dramati-
zacao e os bailes; :»_1i_;1.~;i:' — Conseguimos escolas publicas, e professoras negrasforam removi-
'5“.
das do Interior, para lecionar naquelas escolas. A Guarda Civil, pela
— O Departamento de Publicidade, através do mensario “Os Descen- '* i ??? primeira vez, teve negros em seu quadro.
1?‘: '
dentes de Palmares"; p

-
— Em 1937, como todas as organizapoes politicas do Pais, a Associ-
— O Departamento de Assisténcia Social, Médica e Dentaria. acao tevefecbadas suasportaspela Carta Constitucional de novembro
do mesmo ano. Por outro lado, a sociedade nao possuia recursos ma-
‘r
—~ Depois do desenvolvimento de algumas atividades dos diversos de- teriais para se manter até que se definisse sua situapao.
partamentos, convidamos associacoes de brancos e a imprensa para
assistirem a um festival. A nossa festa muito agradou, e assim atin- -— Em resumo, a Associacao de Negro teve a seguinte evolucao:
gimos a finalidade de cativar novamente a simpatia dos brancos.
Organizamos bailes moralizados, nao so para satisfazer aos negros -— Primeira etapa.- consistiu nos trabalbos de arregimentagao. Esse
descontentes, como meio de conseguirfundos para as despesas da es- trabalbo foi muito drduo, porque a libertacao de 88 trouxera-lbe
cola e da assisténcia social. Os bailes alcangavam uma renda de Cr$ fraqueza de cardter. Enquanto escravo, o negro tinha maisforga de
5. 000, 00, enquanto com dificuldade conseguiamos arrecadaras men- cardter para trabalbar; a fim de comprar a sua liberdade. Os negros
salidades de Cr$ 2,00. foram criados por brancos e tém mentalidade de_ branco, por isso se
consideram inferiores. Com a decadéncia moral e social do elemento
— Passou a Associacao a pleitear uma representacao politica. O re- negro, z/arios dos de sua rag:a envergonbam-se de sua epiderme es-
querimento foi debatido e negado. Apelamos para 0 Supremo Tri- cura ou de sua ascendéncia. Esses envergonbados constituem 0 maior
bunal. Objetavam.- “Para que um partido de negros, se somos todos obstaculo, prejudicando a formacao de uma consciéncia racial em
brasileiros?" Os outros nem sempre sentiram 0 que nos sentiamos e oposicao aos que constantemente negam osfeitos do negro no Brasil.
se acanbariam em dizer na Camara o pensamento donegro. Final- Esses elementos tém verdadeiro pavor de enfrenta-r ambientes de ne-
mente, foi-nos concedido o reconhecimento como entidade politica. gros, limitando-se a viver isolados e refratarios a qualquer movimento

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em defesa dos seus. Permanecem albeios. Ha de se notar que alguns — Procuramos dar ao negro nocoes de familia, interessando-0 no
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desses negros tém valor intelectual. 4.1 casamento dentro da lei, entusiasmando-o, oferecendo-lbe saloes para
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festejar 0 acontecimento. Tambémprocuramos interessa-lo na compra
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_- O primeiro presidente da Associacao foi um intelectual negro, que de terrenos. '
tinba mentalidade de branco, fato que determinava um afastamento :.r-\.

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entre ele e a massa. Era adepto do patrianovismo, discordando da Segundo os dados colhidos, a “Associagao de Negros Bra-
opinido dos outros. A animosidade da massa, crescendo, levou-o a sileiros” teve como proposito reunir os negros, a fim de pre-
demitir-se. para-los para lutar contra os obstaculos a ascensao social em
consequéncia da cor. Os meios de que se valeram consistiu
— Diante das dificuldades para a solidariedade do grupo, os dirigentes em: 1) desenvolver a consciéncia do grupo, ligada a atitudes
desenvolveram a associacdo dos negros contra os brancos. de antagonismo contra 0 branco; 2) desenvolver a conscien-
cia do grupo; pela divulgagao da instrugao, combater 0 ne-
Segunda etapa.- nova diretoria e nova orientacao. A luta passou a ser gro decaido e antagonista do proprio negro e evitar a atitude
de negros contra negros—— obrigar 0 negro a se agrerniar, a adquirir de antagonismo contra o branco; 5) conseguir a aceitagao do
nova mentalidade na instrucao e combater 0 negro decaido ou oposi- grupo dominante pelos valores profissional e educacional e
cionista. Organizaram-se 0s varios departarnentos. Muitos negros de- pela forga politica.
bandaram para outras organizacoes recreativas e nao culturais. A O desenvolvimento de antagonismo do preto para 0 bran-
Associacao continuou em seuproposito, procurando desenvolvera ins- co resultou em acentuagao da rejeigao por parte do segundo.
tituigaofamiliaij 0 interessepela economia, a elevapdo do negro para Resultados satisfatorios, do ponto de vista dos agremiados se
conquistar a simpatia do branco. Alcancada a fase de intercambio verificaram quando procuraram eliminar as atitudes de antago-
com associacoes de brancos, estava vencida a etapa. nismo para o branco, substituindo-a pela atitude de simpatia.
Conseguiram entao estabelecer intercambio social com associ-
Terceira etapa: pleiteamos 0 reconhecimento da Associagao como enti- agoes de brancos, o apoio da imprensa e o reconhecimento da
dade politica, a qual conseguimos depois de luta. associagao como entidade politica. Os resultados praticos se
l
fizeram sentir na colocagao de pretos em empregos ate entao 4
l

-- Quando a sociedade fecbou as portas pela transformagao politica para eles vedados e na remogao para a Capital de professoras
do Pais, em novembro de 1937, POssuiamos 120 delegacoes, sendo 33 de escola do Interior para as escolas da associagao.
em Minas Gerais, num total de 6.000 sécios. Um dos erros daprimeira f) Atitudes reveladas em “Os Descendentes de Palmares”,‘“
1 I
diretonfafoi o de se insurgir contra os bailes; nos procuramos propor- mensario da “Associacao de Negros Brasileiros” t
cionar bailes moralizados. Um outro erro foi o de desenvolver a luta “Os Descendentes de Pa1mares” foi um pequeno jornal de 54
contra o branco. 41 Por razoes obvias, 0 nome do mensario, assim como 0 da associagio, é ficticio.

136 137
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cm. por 48 cm, contendo quatro paginas, semanalmente edi- progressao ciclista daquelas eras quando do escravo; a familia jamais
tado em Sao Paulo, pela “Associagfio de Negros Brasileiro$"_ lhe fora possivel constituir pela dispersao de seus membros, arranca-
Nossas observagoes quanto as atitudes do negro por meio dos brutal ou astuciosamente de seu proprio habitat selvatico. E eram
daquele mensario referem-se aos dois filtimos anos de publi- pais que balbuciavam, estalando fibras do coracao vibratil e amoros.O,
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cagao, comeeando com a 50“ edigao, de 51 de dezernbro de o nome dos filhos, eram filhos que choravam o doce nome da mie,
1955, e terminando com a 70‘, editada em novembro de 1937. eram irmas, irmios entregues a senha "humanitaria" de outros homens
Os anigos de colaborados negros e mulalO$ COflIidO5 I105 sedentos de “civilizagao" — de progresso proprio haurido a custa
19 exemplares sugeriram-nos sua distribuicao em anigos que do suor, da dor e desgraga secular da raga negra. E sorrindo qual
se destinaram a: 1) promover a solidariedade dos negros, des- felizardos que vemos passar Treze de Maio, levando-nos para longe
penando-lhe a consciéncia de grupo, a fim de reunidos se con- do inglorioso jomadeio. E sorrindo que vemos a majestade da obra
stituirem em forca para a luta competitiva com outros grupos; que aqui nesta terra imensa de Santa Cruz — mercé de Deus — re-
2) enaltecer 0 negro, com o fim de eliminar seu sentimento alizamos, nessa formidanda extensao de progresso sempre crescente,
de inferioridade; 5) difundir a instmgao e a educagao moral, cujo alicerce, demarcagfio, defesa e economia, patrimonio, tradigao
para colocar o negro em melhores condigoes culturais na com- é dos nossos, é obra inegavel da raga martir (“Os Descendentes de
peticao com grupos nao negros. Palmares“, maio de 1956).
1) A fim de promover a solidariedade entre os negros,
procurar desenvolver a consciéncia de gI'UpO. Dos artigos que Estamos novamente no dia do povo negro. Treze de maio de 56...
denotam a finalidade de reunir os negros numa associacao e Justamente 48 anos de distincia dos nossos antepassados tio desa-
tentam promover lacos de uniao, relembrando situagoes pas- foitunados. Na verdade, nos de hoje na_o somos menos, porque eles
sadas e presentes eivadas de sofrimento, destacaremos os se- tiveram a liberdade material, e nos, a despeito de sermos libertos, con-
guintes trechos: tinuamos presos it escravidao pelo lado moral A raga negra no Brasil
é, incontestavelmente, vitima de impressionante injustiga. Injustica
E com prazer que experimentamos passar mais um marco da estrada tanto mais grave, quanto mais dura, quanto mais corre o tempo. Seb
da vida, distanciando-nos dos tempos inquisitoriais e semibérbaros, leitor se der ao trabalho de investigar o pensamento de cada homem
falhos de caridade crista, carentes de fratemidade humana, que se negro, letrado ou ignorante, hi de ficar pasmado. Ha uma perfeita
chamaram: escravidao. E lacrimejantes que sentimos a barbérie im- comunhao de ideias: todos, ou a maioria, pensam duma mesma forma
perante daquelas épocas; é lacrimejantes que vemos, comovidos e no tocante ao ideal. Todos sofrem do amesquinhamento e da diminui-
revoltados, as iniquidades praticadas contra homens, as atrocidades gao; sentem 0 preconceito e as preterigoes; sabem dos vexames e
cometidas contra-mulheres, as infamias de mil matizes promovidas do pouco caso. Sofrem pela marca indelével de sua epiderme, pelo
contra jovens, o desamparo em que ficavam as criangas. E com o crime de terem nascidos escuros. De nada lhes serve o saber, de muito
coragao confrangido, pungente de dor e paixao, que comparamos a menos lhe adiantam as qualidades boas e a competéncia. A tudo qtie

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"“.' aqui;“lides de Mercflrio”, mais adiante) parece consequéncia do
os faz superior se opoe um obstaculo; a cor. A instrugao, na opiniao -1'
geral, é o primeiro dos grandes remédios; é preciso a todo custo fugir
‘-,3
, ., mecanismo de COmp€n$ag:5o de sentimento de inferioridade.
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do analfabetismo. A economia o segundo a enfileirar. A formula unica Tornando-os conscientes do sofrimento dos antepassados e
de salvacio seria a uniao premente de todo elemento nacional. Todos .. 2: de quanto sofrem atualmente os descendentes, tentavam mo-
estao cientes que chegariam a vitoria somente pela Unidade Espiritual, :'~.- bilizar a energia para acoesao do grupo, ao mesmo tempo
pela reuniao de qualidades morals e intelectuais. E se essa uniao, que em que faziam esforcos para desenvolver objetivos comuns,
é a aspiracio geral da raga negra, nao se processar dentro em breve, apresentando ideais corno os de reivindicagoes: “Aurnenta sem-
continuaia a traicao sistematica que ela vem sofrendo e relegada a pre mais a compreensao das massas negras, a respeito de seu
planos inferiores. Convem reagir contra a onda avassaladora do pes- movimento de reivindicacao de direitos e aperfeigoamento nos
sirnismo e da desagregacao. Convém criar e amparar uma disciplina. deveres (“Os Descendentes de Palmares”, dezembro de 1935).
Convém criar, manter, fortificar um Espirito-Uno (“Os Descendentes
..*'»_;1-,.'3::1;1. Destituidos de todos os preconceitos de classes e categorias, vamos
de Palmares”, junho de 1936). 22..
1 unidos a conquista soberba de nossos superiores objetivos. E preciso
Nao relembremos a época gigantesca do “tinir de ferros e estalar de que se dé de fato a verdadeira carta de alforria ao homem negro, e que
acoites" dos negreiros e das senzalas, pelo priszna horripilante dos ele venha pela imposigao inteligente, em virtude da acao dos homens
quadros que nos desenham a memoria. Tenhamos apenas por histori- que a orientam (“Os Descendentes de Palmares”, abril de 1936).
co 0 martirio de nossa genre. Por razoes do coracao, tenhamos um
gesto de horror. Por licao da_ vida, que se precavenha [sic] 0 futuro na Que as durezas do passado sejam a melhor licao para 0 futuro... Es-
dor do passado. Nao tenhamos medo ao tinir de novos ferros, ao esta- tamos integralmente sujeitos aos deveres de cidadao e logicamente
lar de outros agoites. Construamos o futuro. Mocidade, aprendamos e temos jus ao direito correlato ao dever —— a integralizacao completa
edifiquemos para nao ser os Pai-joao do lirismo nem as Maes Negras
dos sacrificios. Bebemos no passado a inexperiéncia do presente e
-l da Raga Negra na Comunhao Brasileira, na sua elevacao moral e
intelectual, artistica, tecnica, profissional e fisica, na sua defesa e pro-
sustamos a nossa aljava de lutadores. Legioes inquieras e irrequietas, tecao social, juridica e economica (“Os Descendentes de Palmares",
a mocidade negra quer ver realizada a liberdade auroral de 88... Nao maio de 1956).
-._ _s-., _. -_.
mais se acena com a famosa igualdade que fez dormir a raga, pOiS ela
ja compreendeu que ha gradacoes e desigualdade (“Os Descendentes 2) Percebendo o sentimento de inferioridade como obstaculo
a realizacao do ideal de solidariedade e ascensao social do
de Palmares“, maio de 1937).
1 grupo negro, procuravam elimina-lo, enaltecendo-o:
. A linguagem rebuscada que se nota nos artigos do mensario
(“inglorioso j0rnadeio”, “formidanda extensio”, “sustarnos nos- A Associagao de Negros, em todo caso, se deve um servigo entre ou-
sa aljava” e “a liberdade auroral”, nos trechos reproduzidos até tros; a mocidade negra, olhando sobre si mesma, comecou a capacitar-

1 140 141
se de que andava inferior aos brancos no trajar. E um comeco de cons- 4.-w achavam mal deixar os negociantes italianos, sirios e outros, para
ii

ciéncia. E a verificacao de uma realidade nas aparéncias exteriores.


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.1, ir dar lugar ao patricio de cor preta. E o negro ficou somente nos
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Raro era em Sao Paulo, por exemplo, a negrinha que ousasse usar misteres pesados de produtor ou assalariado, ganhando misérias... E
»2
chapéu, de medo das chufas dosnbrancos e especialmente das bran- todavia com imenso gozo que comeco a ver negros perdendo o medo

cas. Hoje sao legioes as que usam essa indumentaria, que nada é em
7
4. de voltar as gemas de cor, desde verdureiros, as vezes com grande
si mesma, porém define uma atitude social. Também os mocos negros despeito dos outros, como temos observado. Os vendedores de jor-
L
tomaram brios e ja se apresentam com mais alinho, com mais decen- nais, até bem pouco tempo, eram unicamente brancos. O mesmo
cia. Esse comeco de consciéncia, como-dissemos, quanto a situacio se dava com 0s engraxates e outros servigos menos pesados. Pouco
aparente tende naturalmente a atingir o aspecto cultural, 0 aspecto é isso, mas ja é alguma coisa. Precisam os negros perder o amor as
moral. E para o que vai contribuindo a Associacao (“Os Descendentes profissoes de dependéncia, em que ficam eternamente submetidos a
de Palmares", abril de 1936). patroes que os desestimam e diminuem muitas vezes até no salario.
Nao é que queiramos sejam todos os negros comerciantes. Deve 0
Antigamente, antes das grandes imigracoes que vieram ARIANIZAR negro ser tudo quanto sao os outros... E também negociantes. E os
[sic] 0 Brasil por iniciativa dos ilustres estadistas da estupidez, o compradores negros nao devem fugir de comprar dos negociantes.
comércio do Pais estava nas maos ou de portugueses nacionalizados Muito pelo contrario. Percam, pois, o temor, patricios, sejam lojistas,
ou de seus filhos, e de negros livres, que livres vieram da Africa, ou vendeiros, mascates, como sao os outros... Facam concorréncia aos
negros forros. Estes podiam ser de muitas racas africanas, mas cre- estrangeiros. Gritem, apregoem suas mercadorias com coragem. E te-
mos com boas razoes serem principalmente das racas maometanas ou remos dado mais um passo a redencio da nossa Gente (“Os Descen-
maonfetizadas [sic] na cultura... Na Bahia e outras provincias em que dentes de Palmares", agosto de 1956).
predominaram os gestos e o orgulho nago ou hauca, o instinto mou-
risco ou semita do comércio predominou por muito tempo, e assim E do conhecimento gera] a grande influéncia do elemento negro nas
vimos neste século as tendas comérciantes dessa gente africana pom- coisas do Brasil Colonial... Por que entio preterir o negro nas fungoes
v
peando orgulhosamente, as vezes com inscrigoes em lingua ioruba que se coadunam com sua capacidade? Nao se justifica o provérbio
ou outras dos filtimos falantes delas. Isso passou. E ainda ha pouco, de que 0 negro é elemento inferior... De primeira ordem quer a As-
e quica ainda agora, manifestam-se provocantemente, nas fachadas sociagao que todos 0 sejam, dada sua compreensaor exata, como ci-
dos estabelecimentos do comércio, os letreiros alemaes, itallanos e dadao brasileiro, igual perante a Lei; e conscio do uso e gozo de seus
outros, e ultimamente, clamantes na Noroeste, os disticos japoneses... direitos, pode e deve ascender a todos os cargos eletivos do Pais. E
E 0 negro cada dia mais proletarizado, perdendo pelo roubo e outros assim 0 negro moderno, da era nova, era de forga e de inteligéncia,
processos mais ou menos licitos... as suas posses, ficou quase total- nao quer mais ficar na cozinha da Nacio. Hoje ele tem um caminho a
mente afastado das lides de Mercurio, cedendo lugar a todo mundo, seguir, e seguindo-0, vai ficar na sala de visitas (“Os Descendentes de
escorragado pelo preconceito também dos compradores, que, cremos, Palmares", setembro de 1936). '

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Nao ha o que um faca que outro nao possa fazer —- o valor deste maos. Mas se queixam também dos compradores que, dando
“oraculo” renova-se literalmente na lentidao dos sé-:ulos... Tais con- preferéncias ao imigrante, deixaram-nos reduzidos a penoria. '
ceitos de tamanha transcendéncia certificam e abominam profunda- 5) Pela elevacao dos niveis economico, intelectual e moral,
-3 1.‘ - . , _ ,_ _

mente os pontos basicos "dos sustentadores da inexisténcia de pri- ,. viam os agremiados o meio para a ascensao social do negro:
'
vilégios entre as racas e o saber humanos que se diferenciam apenas l

pela perfeicao cultural ou influéncia do meio... O desenvolvimento O negro, muito mais que 0 branco, é pobre individualmente e pauper-
progressivo que vem operando no antigo e misterioso contingente rimo coletivamente. As condicoes de vida para o negro sao dificultosas
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negro, mormente na sua rica e privilegiada regiao sul — onde se as- em extremo, pois agora vai ele saindo da condicao sen/il e estimu-
-Ts '
sinala a existéncia de numerosas cidades que surpreendem pelas suas . lando-se pro-independéncia financeira. Nao permitem ainda que cui-
perfeitas organizagoes urbanisticas... Para a raga negra universal, mor- demos com real vantagem do assunto, mas, entretanto, queremos crer
mente a sua juventude, esses dados dispensam maiores comentarios, que nao seja cedo para se ir despertando nos “egos” sociais o desejo
porque espelham radicalmente a importancia que assume esse ecc- de promover, a par da independéncia moral-intelectual, a autonomia
reconfortante na terra mater. Sede de nossa origem, transmitido pelo 5 economica. Infelizmente, aqui no Brasil, nosso Pais, e muito especial-
prestigioso orgao britanico, e por esse meio nao ficaremos privados mente em nosso amado Sao Paulo, o negro, [nao obstante varias tenta-
de expor ao mundo que as nossas capacidades intelectual e produtiva tivas, ainda nao conseguiu atirrgir o estado social e politico a que tem
nao sao aquelas delimitadas pelo nosso siléncio e retraimento (“Os direito, pela sua qualidade de precursor maximo e deste colosso que
<
Descendentes de Palmares”, dezembro de 1956). se chama Brasil dos brasileiros, e por mais que o queira e o faca, dada
a falta de educagao civica e literaria de que é possuido, dificilmente
Hoje, por intermedio de uma organizacao como a nossa, procuramos chegara a meta que por direito e justica lhe pertence. Nestas condigoes,
todos os meios para que sejam ditas as verdades sobre a nossa gente. o negro brasileiro, dentro do seu torrao natal, esta fadado a um papel
l
\ Pois que se nao estivermos alertas, so nos taxario Ce ineptos, incom- de inferioridade e sacrificio. Carregam-nos de trabalho e nao nos dao
\
petentes e outras coisas mais, num sentido maldoso para nos ames- os meios compativeis com as necessidades que nos rodeiam. Dai a
I
I
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quinhar perante os olhos do mundo civilizado. Tratando-se de fundar necessidade imperiosa de tornar-se uma realidade otil e de proporcoes l
\
grandiosas a nossa uniao de vistas. Seriamos indolentes se a nao con-
i
escolas, alfabetizando e dando um sentido de vida mais ritmada, ofe-
recendo assisténcia social ao negro, cremos que esse seja 0 melhor seguissemos, frente a compreensao e 0 capricho da maioria dos nossos
1

modo de 'se contribuir para a grandiosidade da nacionalidade e da patricios brancos, porque so assim farao um exame de consciéncia...
Nacio Brasileira (“Os Descendentes de Palmares", setembro de 1937). Percebendo agora do quanto temos sido ludibriados devido a nossa
fidelidade, lealdade e bom humor, a par de nosso pouco ou quase ne-
Em alguns artigos (como 0 de agosto de 1956), investem nhum cultivo intelectual, urge que procedamos com cautela, mas com
corn hostilidade aberta contra os imigrantes, por considera-los ~< conviccao esclarecida... O que podiamos e nao podemos tolerar e con
os usurpadores dos negocios que até entao estavam em suas sentir é que sejamos dia a dia dirninuidos pelos nossos iguais em alma
l
144 145

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5

e corpo e sangue, sob os epitetos mais vis, por nao termos a epiderme civilidade. A quase totalidade dos referidos passeantes sao bailarinos e,
branca (“Os Descendentes de Palmares", outubro de 1936). por isso, aos diretores dessas agremiacoes cabe a tarefa moralizadora.
Pelo brio de uma pléiade que reconduz a raga ao seu verdadeiro lugar,
A Associacao tem de incluir, no cadastro de suas realizacoes de as- é urgéncia por freios as libertinagens, aos atrevimentos que fazem da
sisténcia a defesa da raga martir, o combate sistematico ao alcoolismo, rua Direita dominical 0 espantalho das familias. Escola e moralizacio,
como medida salvadora e moralizadora. Campanha essa que devera respeito e sobriedade, mais elegancia, disciplina, educacao, antes que
também ser empreendida vigorosamente pelos chefes de familia, edu- l outras medidas sejam tomadas. A acio, pois, sociedades dancantes:
cadores culturais e domésticos, sociedades, clubes e outros coopera- disciplinar seus associados, ensina-los a se ponar como "genre" e, de-
dores (“Os Descendentes de Palmares", janeiro de 1937). pois, ao “footing” (“Os Descendentes de Palmares", marco de 1937).

Direito natural que assiste a todos os agrupamentos humanos, as para- Negro, nao te envergonhes de ser negro: Alista-te nas nossas fileiras,
das da elegancia, os “footings”, os passeios sao complementos dos ha- se é que queres elevar 0 nivel moral e intelectual do negro.
bitos sociais dos civilizados... A gente negra, minoria ja se vé, também Negro! Nao fraqueje, mire em o vosso simbolo, simbolo de nossa
gosta de "footings". Nada de estranhével, que lhe assiste logicamente gente e promete... Promete e avanca, que a caminhada através desses
esse direito natural... E a mesma ma Direita recebe a avalanche de pas- dias tenebrosos é espinhosa, para se alcancar o mais alto pincaro
seantes que rodam incessantemente, cobrindo, na curteza da trajetoria desse imenso e estremecido Brasil.
dessa via, distancia incalculaveis, Tudo muito bem. O que, porém, O sr. ou a sra. nio tem admiracao pela mfisica? Nao tem vontade de
nao pode prevalecer, o que de nenhum modo pode continuar é o aprender? Ora, porque nao procuram matricular-se no Curso Musical
circulo viciado daquela passeata; é a pouca vergonha que se nota; o da Associacao Brasileira de Negros? O professor Pedro ensina pelos
descaramento das acoes praticadas que fazem corar um frade de pedra. métodos mais prfiticos e eficazes.
E preciso acabar com os ajuntamentos de dom-juans sem escropulos,
de rodinhas de incomportados. E necessario extinguir esses focos de Experimente e vera. -
obscenidades que provocam as cenas mais escandalosas; esse misturar E tio bonito e tao fitil uma pessoa preparada.'O sr. ou a sra. nao
de homens e mulheres sem a minima sombra de pudor, sem nenhuma acham? _
compostura. E urgente terminar com esse relaxamento que depoe con- Por que entao nao se matriculam no curso de Formacao Social da
tra os nossos foros de raga progressista. E imprescindivel uma reforma Associacao Brasileira de Negros? Para a alfabetizacao, a Associacao
nos costumes, nos gestos, nas agoes e sobretudo nas galanterias de mantém dois cursos: diurno e noturno, para menores e adultos. Nao es-
Y
lupanar que ali campeiam livremente. E necessario cessar esse centro {Y tudara quem nao quiser. Para informacoes, na ppftaria da Associacao.
§_
desmoralizador da raga (nobre raga sobre a qual uma pequena mancha MORAL!... MORAL!... Eis 0 que é necessario que repitamos a todo
'7'.
Ti
se toma uma nodoa tremenda). As sociedades de bailes cumpre esse o momento neste caminhar incessante do progresso. E preciso que
trabalho salutar. So a roupa nao resolve o caso. E preciso codigo de preguemos a todo instante e em todas as rodas.~l\/loral... Moral...

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- Instrugio é 0 que 0 negro precisa. O negro deve procurar instruir-se, 1


negra pela mesticagern e pelo preconceito (pois geralmente o maior
se é que quer libertar-se dos grilhoes da ignorancia e quebrar as alge- inimigo do negro é 0 branco neto de pretos), 0 povo negro ficou sem
'mas vergonhas do preconceito que 0 aniquila. -- '1 T- chefes naturals... (“Os Descendentes de Palmares", dezembro de 1955).
_' Gostas de representar no palco? Tens dom para isso? Por que nao
procura desenvolver-se, inscrevendo-se no Departamento Dramatico Aqueles que dirigem a Associacao tem observado que, apesar de
D de Associacao Brasileira de Negros? Para melhores informacoes, pro- grandes esforcos, a obra de consolidacio da raga tem sido lenta.
cure o diretor desse Departamento todas as quartas-feiras, a noite, na Parece que ha um germe desconhecido, que ataca as nossas insti-
sede da Associacao. tuicoes, enfraquecendo-as e nao as deixando vicar em toda sua pu-
NEGROS: precisarnos de uma mocidade sadia, despida de vicios, janca... (“Os Descendentes de Palrnares", junho de 1936).
bastante obediente e liberta da ignorincia. Urge, pois, que trabalhe-
mos incessantemente para combater grandes males que ha séculos Mas por que nao se unern? Por que, sabendo-se vitimas de um mesmo
vem flagelando a nossa raca, No meio negro, é necessario que se mal, nao combatem, conjurando esforcos? Por que, se todos padecem
selecione e se expurgue a erva daninha, que a tenta corromper (“Os da mesma crise? Por que, sendo muitos os sofredores, ainda nao se
Descendentes de Palmares", dezembro de 1935). firmou em cada espirito, como se fora obsessio, a urgéncia de se
ir criando elos indestrutiveis a facanhuda acio dos desarticuladores?
O desenvolvimento da consciéncia de cor, para tomar re- Por que nao sufocar a tola vaidade de personalismo? Por que nao su-
1 alidade pratica 0 desejo de uniao, constituiu 0 primeiro ob- plantar a flora ma da incompreensio? Por que nao superar a ambicao
1
jetivo dos agremiados. Procuram os lideres demonstrar toda -—-—-1r—-
e a inteligéncia, se os louros da vitoria far-se-ao de todos? Por que, se
1
a situagio social de injusticas que vitimavam 0 negro e, por I
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é de interesse vital, essa familia nao se congrega sob uma so lei, para
1
1
outro lado, enaltecer-lhe "qualidades, valores e. sua grandiosa 1 desfazer injustigas? Por que acio dispersa, se, sendo ela conjunta, mais
lg .
contribuigio no Brasil Colonial. Considerararrr a urgéncia de facilmente alcancaria 0 alvo?.Por que nao estender mais a campanha
elevar 0 nivel economico, intelectual, moral e social do negro nacional? Por que essa desagregacao no agir, se todos sabem que da
por meio de processo educativo e pela forga politica, dado o uniao surgiria a independéncia almejada? Por que a incompreensao
reconhecimento da Associacao pelo governo. coletiva, se particularrnente o ideal de um é 0 ideal de todos? Por que
Entretanto, aquele programa de atividade da Associacao de cisao, se 0 programa é unico? Por que desnorteios, prevencoes, intran-
Negros, cuja filtima finalidade estava na “integracao completa sigéncias? Todos estao cientes que chegariam =1 vitoria somente pela
do negro em toda vida social do Pais”, encontrou dificuldade I
unidade espiritual, pela reuniio de qualidades morais e intelectuais.
para efetivacao: E se essa uniao, que é aspiracao geral da raga negra, nao se proces-
1
.\_’ sar em breve, continuara a traicao sistematica que ela vem sofrendo
.¢,:;.

Desfalcado de valores 3.fiI'Il'13.[lV31'1'1€nt€ negros, pelo branqueamento das e relegada sempre a planos inferiores. Convém reagir a onda avas-
epidermes dos antigos valores negros abastados, fugid_os :1 grei da gente saladora do pessimisrno e da desagregacio. Convém criar e amparar

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uma disciplina. Convém criar, manter, fortifrcar um Espirito Uno (“Os liberdade real quando o negro viver livre de preconceitos de outro

Descendentes de Palmares", junho de 1956). negro. E preciso para isso extinguir-se a burrice ("Os Descendentes de
Palmares”, junho de 1956).

Nao sabemos de mal maior que campeia entre nos que o da ignorin-
cia. Nao sabemos se é uma das contas de fatalidade que muito pesa Visitando um domingo a sede da Associacao, fiquei muito satisfeito
no rosario pesadissimo do infortonio lendario, que a raga descen- com tudo que observei na casa de meus irmaos negros. Com pesar,
dente de Cam carrega através dos tempos. Ela, a ignorancia, como vejo meus irmaos de cor que conseguiram seus diplomas de médico,
um estigma ferrenho e cruento aniquila o espirito de compreensio advogado, engenheiro, professor e dentista olhando com indiferenga
e tolerancia que devera ser o das massas negras no Brasil. Ela é res- para essa magnifica iniciativa de cultura, trabalho de educacao dos
ponsavel pela anarquia social de nosso meio e opera como gera- negros pequenos e humildes. Muitos dos nossos irmaos que tém seu
dora de odios inconcebiveis e de mesquinharias inimaginaveis. Ela faz pergaminho pelas nossas escolas superiores dizem que sua posigao
periclitar ou, pelo menos, estacionario 0 surto de progresso de nossas social nao permite imiscuirem-se com seus irmaos humildes e bogais
agremiacoes de maior vulto e destaque, provocando 0 personalismo (“Os Descendentes de Palmares”, julho de 1956).
tolo, as ambicoes de grupo, as inverdades e outros vicios nao menos
desagradaveis e degradantes. Ela é 0 germe da incompatibilidade que Do meu cantinho, tenho observado que o negro nao tem amor em
de ha muito atrapalha e muito impede a maior e melhor unificacao tudo que é seu. Quando se trata de uma associacio que nao é dele,
dessa familia imensa de negros nacionais... A burrice, a negacao de e o preto é chamado para prestar seu concurso, que seja gratis ou
toda capacidade, a deselegancia de critica, a baixeza de conceitos, a remunerado, ele vai com o peito descoberto, com amor, constancia
descortesia, as injusticas, as mistificacoes, etc. Nao acreditamos, hoje, e lealdade, em tudo e por tudo. Tenho observado que, em certas
na Zitoria do negro enquanto houver arraiais de ignorfincia crassa. casas comerciais, os meus irmaos pretos e mulatos ocupam um lugar
r
Urge reagir e construir. Reagir contra a mentalidade tacanha que nos humilde; fora em associacoes que nao sao dos nossos irmaos negros,
prende; reagir contra a pequenez do gesto; reagir contra a presuncao; os mesmos ocupam lugar elevado. Sabem, meus irmaos negros, por 1

reagir contra a intolerincia-, reagir contra o desrespeito; reagir contra que ocupam esse lugar? E porque eles sao pessoas de confianca
os insinceros é os trfinsfugas. Construir solidos “eus" morais; construir dos membros que compoem essas associacoes; esses irmaos negros,
Q.',~.
escolas e mais escolas, cursos e mais cursos... E um dever de nossas "rt-.
.,,_ na ausencia da diretoria, sao secretarios, tesoureiros, procuradores
associacoes abrir escolas, difundir instrugao, semear livros, criar uma :1? e zeladores e nao querem outra vida. Ha assim muitos dos meus
23;-
nova mentalidade que nao se curve as instigacoes, que nao tema os Z,-. irmaos negros que sao tudo nesta vida, porque estao cobertos desse
arreganhos, porque so sabe a verdade e age pela verdade e pelo di- elogio: este preto, sim, é preto na cor, mas branco nas agoes. Quan-
uma»
reito. Uma mentalidade diferente da de nossos dias, eivada de odios do uma associacio nao é de negro qualquer lugar lhe serve. Que
e mesclada dedespeitos. Nao se pode conceber o progresso coletivo incoeréncia, meus irmios negros! (“Os Descendentes de Palmares",
sem o progresso individual. A liberdade que gozamos so podera ser janeiro de 1937).

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Analise do material referente '21 1) O isolamento previo cede lugar ao contato cultural com L4
11

“Associagao de Negros Brasileiros” 1 Um grupo de estranhos. O ponto basico fundamental de um 1


‘ii:
movimento nacionalista é um opressor real ou imaginario e
1 7 7

O material colhido no estudo da “Associacao de Negros Bra.-_ um senso de opressao.


sileiros", por meio de entrevistas e pelas opinioes emitidas em 2) Muitos nativos, enquanto isso, receberam educacao e treing
seu rnensario, evidencia a natureza daquela associacao de ho- que os isolaram inconscientemente do resto do grupo, Pa,-nCi_
mens de cor como organizacao gerada pelo preconceito de pando agora, pelo menos em parte, de duas culturas, tornam-se
‘ii
cor entre negros. Considerando que “a causa de uma atitude “hibridos culturais”, sentindo-se estranhos a ambas. Ocorrendo
esta sempre num valor e numa atitude preexistentes” e que ao mesmo tempo a miscigenacao, surge um grupo de mesticos
“esta afirmacao equivale a dizer que o fenomeno individual cu]a margrnalrdade racial, acrescida a sua hibridacao cultural, os
tem arnbas as causas, a individual e a social” (PARIS, 1937), as 1!; ~_ torna ainda maiores estranhos nas duas culturas.
$1-._
atitudes dos pretos e mulatos referentes a cor reciprocarnente X. ,
-11:.’ 5) Desenvolvem-se as cidades, onde os nativos e os mesticos
-.1.
fundamentam a hipotese positiva quanto a existéncia de dis- ;l§-v tendem a se localizar na medida em que sao aceitos pelos
crirninacao de cor do branco para o negro. O fato de o mulato >2"
conquistadores, lrgando-se as culturas invasoras; na medida,
das classes sociais intermediarias nao participar na associacao, .4;
porern, em que nao sao aceitos, mas repelidos pelos conquis-
assim como a atitude do negro para ele e vice-versa — expres- _.,. tadores, voltam-se eles para sua propria cultura. Dizem even-
sa em afirmacoes como “geralmente o maior inimigo do negro tualmente aos nativos de sua terra; “Vocés sao melhores do que

é o branco neto de preto” ou “diante do desprezo, do desdém, >15-
m
<2-.
pensam; por que nao procuram melhorar para que nao nos
1?}.
do pouco caso e do desprestigio de que somos vitimas, espe- 1'-1
51: :
‘:2-V
envergonhemos de voces?"
cialmente da parte dos brasileiros brancos mesticos, cumpre =5.
4) Surgem, entao, lideresautoconscientes, quase invariav_el-
aos negros agir com seguranca e presteza” —- demonstram, em mente hibridos raciais e culturais, que se dedicam a despertar
tese, a exclusao do mulato (das classes sociais intermediarias) lit
na populacao nativa, com auxilio da imprensa nativa, da lin-
da coletividade de pretos. De modo geral, os mulatos que per- 51?; gua, da literatura e das artes de folle revividas, a consciéncia
tenceram a associacao eram pessoas da classe social “inferior” é¢é‘!~%%'
- "1
de grupo essencial ao ulterior desenvolvimento do movimen-
rt
e foram considerados pretos. to. “Estes homens marginais, que tinham deixado por algum
Citando alguns tracos caracteristicos da “historia natural" {-ii tempo seu proprio grupo e vivido ou tentado viver em outro,
dos movimentos nacionalistas, apresentados pelo prof. Donald voltaram agora definitivamente para seu grupo original, cheios
.;- 51
Pierson na Escola Livre de Sociologia e Politica de Sao Paulo, -'1}X. de sonhos e aspiracoes do que ele se pode tornar.”
‘-1
na décima quinta aula sobre raga e cultura, fazemos um dos 5) A consciencia de grupo espalha-se entre a populacao na-
pontos de referencia para a analise do movimento promovido
mi.
tiva e cresce de intensidade com o desenvolvimento conse-
pela “Associacao de Negros Brasileiros". 1-3,
-. 1 quente de novos desejos que se definem em termos formais.
i-5.
N,5.s-.-.,\.,v-'
r -.
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152 l1 153 7:

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151]
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6) Define-se finalmente um programa, que contém fmalmente Esta experiéncia realizada pela “Associacao de Negros Bra-
sileiros" parece denotar a acomodacio social entre brancos e
uma exigéncia de autonomia politica. '
O negro transportado para o Brasil, a fim de suprir as neces- pretos baseada no recalcamento de hostilidade entre eles, re-
calcamento revelado nas atitudes de submissao do preto, dado
sidades do trabalho escravo, era disp@rSO P6135 Pl3ma§9¢5 de
cana-de-acfrcar, sendolportanto, colocado em condicoes que seu temor as reacoes do grupo dominante.
favgreciam a perda mais rapida de sua organizacao social e Percebendo o aumento da reacao do grupo dominante, os
cultural. Por outro lado, através de contato primario COITI 0 lideres da associacio imprimiram nova orientacao para a con-
“senhor” ou na “casa-grande”, estava em situacoes propicias secucao dos planos de luta contra as restricoes feitas a cor.
para assimilar outra cultura. Consideraram que a luta devia dirigir-se nao diretamente contra
A “Associacao de Negros Brasileiros" apresenta-$6 COITIO ensaio o branco, mas contra o negro antagonista do proprio negro.
de um movimento coletivo, liderado por negros conscientes de Os dirigentes do movimento, considerando a ignorancia e o
seu status ligado a barreira da cor. Depois de intimo convivio com sentimento de inferioridade como geradores de antagonismo
o branco, do qual absorvera a cultura, o negro se sentia repelido entre os negros, passaram a empenhar-se em enaltecer a raga,
e afastado de algumas esferas sociais do branco, circunstancia que em promover a educacao e desenvolver a instrucao. Com a
o tornava consciente da cor. Procurou, entao, voltar-se Para 9 ne‘ t elevacao do nivel intelectual e moral, os lideres visavam desen-
gro, tentando reuni-lo com o fim de conseguir ascensao e acesso volver o sentimento de solidariedade e impor-se ao branco,
em todas as esferas sociais, a par do status ocupacional das classes para cuja finalidade se constituiram em entidade politica. Lasti-
sociais me,-medigrias que alguns desfrutavam. Os lideres negros I mavam, porém, que os negros médicos, advogados, engenhei-
tiveram de lutar contra a falta de sentimento de solidariedade en- ros, professores, etc., se mantivessem alheios ao movimento,
\
tre eles, ao mesmo tempo em que prestigiavam O brfl11C0- verificando-se um desfalque de elementos valiosos para a atu-
Dado o sentimento de rivalidade e antagonismo entre os ne- acao do grupo, e também referiram-se com animosidade a falta
gros, ainda que existindo o desejo de uniao, surgiam os obsta- de cooperacao do mulato. ~
culos para a efetivacao da agremiacao. Tais dificuldades seriam As dificuldades encontradals pelos agremiados para pro-
a expressao da intensidade com que o negro tinha incorporado mover o programa de reivinglicacao de direitos sociais, elimi-
,1. nando as restrigoes na base da cor, mais uma vez revelam o
ideias, atitudes e sentimentos do branco e, até certo p0t1I0,
a medida em que era aceitos pelo grupo dominante. Acha- grau em que o negro incorporou a cultura do grupo domi-
‘“".*"<-‘
ram os lideres necessario conduzir o negro contra o branco, $1 nante, inclusive os pontos de vista referentes a si proprio.
, .
demonstrando-lhe a condicao de inferioridade social em que Enquanto na classe social inferior o negro se ajusta por con-
viviam em consequéncia da opressao e discriminacao do bran- 1
1
formismo e convivio com o branco, o negro das classes sociais
co. Elevou-se a animosidade do preto contra 0 bIӢ1n<IO, mas
1-
intermediarias se ajusta isola'ndo-se e procurando compensar
também se desenvolveu a dos brancos contra o preto. a satisfacao do desejo de correspondéncia e consideracao

154 155
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i .
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3.
por meio das relacoes sociais circunscritas as esferas do sta- Em sua segunda conferéncia sobre “O Negro no Brasil”,
tus ocupacional. Donald Pierson considerou estar ocorrendo um aumento no
A mesticagem sempre operou em sentido favoravel a as- numero de mesticos, através do decréscimo do elemento afri-
similagao do negro a cultura e ao estoque biologico do grupo 1}§: cano, e nao do europeu, em varios pontos do Brasil.
dominante, dadas as circunstancias anteriores. Desde os tem- O mulato das classes sociais intermediarias nao participou
pos coloniais se desenvolveu no Brasil uma atitude positiva da “Associa<;ao de Negros Brasileiros”, fato que da um indicio
para o mestico. Tendo imigrado poucas mulheres brancas, os sobre sua posicao social e racial. Ele nao sentiu necessidade de
portugueses uniam-se as indigenas, ligacoes estas que posteri- se agremiar, talvez por se incorporar, mais facilmente do que o
ormente passaram a ser legalizadas pela Igreja. negro, ao grupo dominante.
A miscigenacao, disse o prof. Pierson na segunda confe-
rencia sobre “O Negro no Brasil” que proferiu na Escola Livre 5. RESUMOS E HIPOTESES PARA PESQUISA POSTERIOR

de Sociologia e Politica de Sao Paulo, principalmente quando 1I


ligada a intercasamento, resulta em lacos sentimentais entre Constituindo a situacao racial nosso campo de estudo, circuns-
pais e filhos, lacos que obstam o aparecimento de atitudes de crevemos a observacao a um aspecto particular nas atitudes
preconceito de raca e ao mesmo tempo colocam os mesticos raciais manifestadas por pretos e mulatos. Partindo do co-
em posicao favoravel a ascensao social. nhecimento do sentido manifesto das atitudes de tais individuos,
Gilberto Freyre, em Sobrados e mucambos, apresenta a as-
1
procuramos corr_por hipoteses sobre elas. Tivemos, portanto,
censao social do mulato relacionada a disposicao do “senhor” de abordar processos sociais e psicologicos para depreender O
para alforria-lo e aos contatos primarios com brancos por ser significado das atitudes manifestadas. Se conseguiamos definir
preferivelmente escolhido para empregado doméstico, e a as- os mecanismos psicologicosl pelos quais os individuos se ajus-
censao social ligada ao prestigio do bacharel, em uma socie- tavam, éramos forcados a depreender em funcao de que con-
dade cuja aristocracia se transferiu para-a toga. dicoes exteriores se estabeleciam. Parece-nos legitima a pos-
sibilidade de conhecerem-se até certo ponto as atitudes raciais
1 A favor da transferéncia deles (mulatos cor de rosa) do numero de
escravos para 0 dos livres ou de sua ascensao social de pretos para 3.
all-.
2'-1 .
de um grupo étnico, através das reacoes de outro grupo com
0 qual interaja. Fomos, pois, conduzidos a formular hipoteses
.1.»-
.,,._
brancos, houve sempre uma poderosa corrente de opiniao, ou antes sobre as imposicoes sociais decorrentes da estrutura social, o
de sentimento, isto desde o século XV11f. Em 1773 ja um alvara que equivale a dizer que também procuramos nas atitudes de
1115..
del Rei de Portugal falava de pessoas “tio faltas de sentimentos de pretos e mulatos 0 reflexo da atitude dos brancos.
Humanidade e de Religiao” que guardavam nas suas casas, escra- As relacoes raciais, segundo Park (1939, p, 3), “S50 as re-
vos mais brancos do que ele com os nomes de pretos e de negros lacoes que ordinariamente existem entre membros de grupos
1
(FREYRE, 1956, p. 327). étnicos e genéticos diferentes, os quais podem provocar con-
-1)::

156 s
1
~./. ~ 157
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.
.-i-,.
flito racial e consciéncia racial ou determinar o status relativo 1' Quanto aos mulatos da classe social inferior, sua conscien-
/ 11 ir
dos grupos raciais dos quais uma comunidade e composta . cia de cor parece mais pronunciada do que entre os pretos
Por meio de entrevistas e de opinioes emitidas nos jornais de da mesma classe social, por agirem sempre pensando na cor.
uma associacao de homens de cor, obtivemos elementos para Procuram defender-se da ofensa de ser chamado de “negro”,
conhecer as atitudes raciais de pretos e mulatos em Sao Paulo defesa que pode influir na escolha do conjuge. Este fato se
e formular hipoteses quanto a concepcao deles sobre si mes- acha fundamentado por varias atitudes dos entrevistados; no
mos, a consciéncia de cor, seu status ocupacional e social, e caso n9 14, a entrevistada afirma que se casara com “patricio”
sua acomodagao social. (preto) para que nao falem dela, ao passo que a irma evita 0
Distribuimos os casos entrevistados em dois grupos. Os indi- preto e deseja casar-se com branco; o caso n9 16 se refere a
viduos nao so procuram 0 convivio intimo com 0 branco, situ- uma parda que se casou com preto para jamais ser chamada
acao finica para lhes dar autoafirmacao, como se isolam do pre- de “negra” pelo marido; o caso ng 17 refere a situacao de uma
to. Lutam conscientemente para conseguir a aceitagao do grupo moga parda, contando mais de 50 anos de idade, que se con-
dominante. A luta é diretamente conduzida no sentido de elimi- serva solteira a espera de marido branco.
nar 0 sentimento de inferioridade proveniente da concepgao de A sensibilidade do mulato ligada a cor refletiria, no nivel
si proprio, concepcao esta que resulta da introjecao da atitude mental, o fato de socialmente ser aceito pelo preto e pelo bran-
do branco. Empenha—se, entao, em conseguir status ocupacional co. Mas, se pelo temor de ser chamado de “negro”, procura um
das classes sociais intermediarias, conquistando diploma de cur- preto para consorte, seria evidéncia de que o branco nao so
sos secundario e superior ou habilidades profissionais. Mas, ape- pode aceita-lo como pode rejeita-lo.
sar do esforco para valorizar 0 capital humano pela instrucao, Difere a posicao dos mulatos das classes sociais intermediari-
o preto continua sentindo-se rejeitado em certas esferas sociais, as, em razao de sentirem acentuada a necessidade de defesa de
— rejeicao que 0 traumatiza e desenvolve a consciéncia de cor. sua inclusao entre os pretos. Procuram casamento com branco
"_ As esferas sociais das quais se vé banido parece que se re~ I
ou descendentes de pretos com aparéncia de branco e fogem
\
Terem aquelas que exibiriam publicamente a intimidade entre 0 1 de todas as situacoes que possam identifica-los com 0 preto.
_ branco e 0 preto. Segundo 0 depoimento dos entrevistados, ha Por sentimento de vergonha, evitam sempre a companhia de
restricoes por parte do branco a presenca do preto em festas preto. Adquirindo simbolos do grupo dominante, 0 mulato
familiares ou para ser companheiro do branco em certos ambi- consegue integrar-se naquele grupo, mas em sua personali-
entes recreativos, cassinos, por exemplo, ou em festas de for- dade permanecem, como sequela, a hipersensibilidade ligada 21
fiiaturas. A distincao social se faz sentir no casamento, o qual, consciéncia de cor e ao sentimento de inferioridade.
conforme as palavras dos entrevistados, se torna um problema, Através dos entrevistados, observamos que o preto e o mu-
visto por ser obstado o casamento-de preto com pessoas bran- lato tem concepcao desfavoravel de si mesmos, como reflexo
-cas das classes sociais intermediarias. da concepcao do branco para eles, dada a influéncia dos con-

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atitudes de rejeicao, os agremiados resolveram imprimir dife-


Latos prirnarios, principalmente da infancia. Consideram—se
rente orientacao ao movimento. Tentaram uni-los, enaltecendo-
inferiores, feios, e se sentem envergonhados por sua origem.
os, valorizando-os pela instrucio, a fim de que, eliminando a
Quanto mais subimos nas classes sociais, tanto mais aumenta
concepcao de “gente inferior”, caissem as barreiras de distancia
a consciéncia de cor e tanto maior 0 esforco-despendido para
social para sua ascensao. A luta passou a ser do preto contra o
compensar o sentimento de inferioridade. Ao mesmo tempo
preto, ou melhor, dopreto contra a concepcao de inferioridade
em que se empenham em desenvolver valores pessoais, para.
ligada a cor_ Conseguiram cativar novamente a simpatia do
eliminar a concepcao desfavoravel, procuram a autoafirmacio
grupo dominante .e mesmo algumas vantagens como o ingresso
na conquista da aceitacao incondicional por parte do branco.
de pretos na Guarda Civil. Em todo movimento, encontrararn
Consequenternente, resulta uma luta por status social mais ar-
\
grande dificuldade por se sentirern desfalcados de elementos
dua, dadas as barreiras das distincias sociais na linha de cor. ~
de valor para o grupo — professores, médicos, advogados pre-
Os casos apresentados dernonstraram que obtém ascensao so- I»\
tos e mulatos — que se mantiveram alheios, isolados e afasta-
cial os individuos de cor dotados de inteligéncia e que desde a 1

dos do movimento.
infancia tiveram estimulos sociais nos contatos primarios com
A “Associagao de Negros Brasileiros” representou uma ten-
brancos. Entretanto, a ascensao ocupacional nao confere ao
tativa de pretos conscientes para lutar contra as restricoes do
preto o mesmo status social do branco, consideradas as res-
:§"">'-"‘.
branco, clespertando a consciencia de grupo, de5envQlvendO
tricoes demarcadas na linha de cor, ao passo que ao mulato
um programa definido de reivindicacoes referentes aos aspec-
garante sua inclusao no grupo dominante, embora em sua per-
sgffi: =
tos economico, social e politico. As dificuldades para conseguir
sonalidade permanecam as consequencias do conflito mental.
reuni—los e a indiferenca de preto e mulatos das classes sociais
A “Associacao de Negros Brasileiros”, segundo nosso ‘entre- l
‘E11- intermediarias revelam a intensidade com que o preto incorpo-
vistado, e as publicacoes do mensario daquela entidade, resul-
rou os ideais e conceitos do branco. __
tararn do esforco de pretos conscientes no sentido de reunir os
O material colhido pelas entrevistas e o referente_a “Associ-
pretos e despertar a consciéncia de grupo, a fim de eliminflr H -
'I'~.». acao de Negros Brasileiros” sugere as seguintes hipoteses:
concepcao de inferioridades ligadas as pessoas de cor e, deste K
1) Os individuos de cor tem concepcao desfavoravel de si
modo, vencer as barreiras para a ascensao social do negro. Para 2-.
,, ~.
._, ’.
4‘. proprios, em consequéncia de intenso processo de identificacao
desenvolver a consciencia de grupo e 0 sentimento de soli-
. 4i » através de contato primario com pessoas do grupo dominante,
"1. -i"
dariedade, os lideres do movimento relembravam 0 passado .‘,5?
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t of principalmente na infancia. _
comum de sofrimento da época da escravidao e as “injusticas”
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2) Os individuos da classe social inferior ajustani-se incons-
que, por preconceito, continuavam a atingi-los, restringindo- \

cientemente aquela concepcao, manifestando antipatia para o


lhes as possibilidades de vida melhor. Inicialmente, os lideres 11
9
‘i preto e simpatia para o branco, de onde resulta uma ordem
tentararn congregar os negros pela mobilizacao, de animosi- 4
social de relativo equilibrio. Pelas manifestacoes de atitudes de
dade contra o branco. Dada a reacao do branco, acentuando as L
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t 9&0 da con-
ativar a consciéncia de cor. ' '_ ¢@PCfl0 (16 inferioridade pela ascensao ocupacional- 7

5) A ascensao social do preto dar-se-ia através da ascensao d) Iffliflndo-se do mulato i além da ascensao OCupaciQna,l 0
ocupacional, sem entretanto eliminar de_todo a distincia social ca:;n;3:?ni’;:a:;i)n;Z sqflljlafsalgnclusaodno ,t;ruP0 dominante.
na linha de cor. Nas classes sociais interrnediarias, os individuos
manifestam consciéncia de cor, que se constitui em estimulo para sociais interrnediarias sugerimos 9.81;-l.-I poiesongllnante das Class-es
a luta por status. Dado 0 grau em que os pretos introjetararn os Criminafilo bflseada na cor visto erdir si e ‘fie tmfar-Se de dis-
pontos de vista do branco, também no que se refere a si proprios, o individuo apresente caracteristigas d gm C:gaO- desde que
eles se ajustam por conformismo e isolamento, isto e, conformam- medida em que sua pele vai “bran u:ali2Jl:O pminante e na
se lastimosos com as restricoes do grupo dominante e se isolam tanto, levada em conta sua ori gem. q O 7 nao sendo, por-
do preto, nos mesmos aspectos sociais vedados pelos brancos.
4) Embora hipersensivel, 0 mulato se integra no grupo domi-
nante, desde que apresente simbolos de valor positivo. Referéncias
5) “Quando algum equilibrio relativamente estavel foi al-
cancado, a intensidade da consciencia racial, que inevitavel-
BINGHAN’ Walter Van DYk¢; MOORE, Bruce Victor. How to Inter-
mente levanta uma luta por “status” e nao desaparece intei- view. New York; Harper & Bros., 1934_
ramente, estaria grandemente diminuida" (PARK, 1939, p. 4).
Ajustando-se pelo convivio intimo com os brancos, na classe FARIS, EllS wort h_ The Nature of Human Nature, and other Essays
social inferior, ou por conformismo 0 isolamento nas classes in Social Psycology. New York: McGraw-Hill 1937
sociais intermediarias os pretos cessam de lutar, resultando a
acornodacao social de relativo equilibrio. O preconceito racial, FREYRE, G'lb
1' erto. Sobrados e mucambos. Sao
- Paulo: Companhia
mais uma vez citando Faris (1937, p. 555), tende a ser susten- Editora Nacional, 1956.
tado por argumentos, sendo reconhecido como urn sentimento
de antipatia ou uma tendencia para afastar ou limitar os con- NOGUEIRA, _ o racy. Atitude
~ desfavoravel de alguns anunciantes
tatos sociais. Os dados colhidos demonstram que ha distancia
de Sao Paulo em r613950 aos emPF¢8ados de cor. Sociologia, Sao
social ou limitacao social entre os pretos e brancos, situacao \
Paulo’ v- 4, 11- 4, P. 528-558, 1942.
esta percebida quando se observam as classes interrnediarias. /
a
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6) A ordem social parece ter equilibrio na seguinte situacao: PARK, R0bert'E. Human Nature, Attitudes, and the MOres_ In;
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a) simpatia do preto para 0 branco; 1
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YOUNG, K, (Ed.). Social
- Attitudes.
- New York: Henry Holt & Co.,
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b) repressao de revolta e do descontentamento por medo da -'
1951, P- 17-45. __
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Primeira sede da Escola Livre de Sociologia e Politica (ELSP) no edificio do Fundacao


Escola de Comércia Alvares Penleodo localizada no Largo S60 Francisco, 19. Neste
endereco Virginia cursou a graduacaa, delendeu seu meslrada e lecianau.

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Formandos do bacharelado em Sociologia e Politica do EL§P em 1938. Da esquerda sar9/sr -- g --1Y;<i2>\g;~;.:,;:;-are:-.,=..s=@;-.5,»-1...,A12?;-’~:=:--‘»;-;z.> es,-.-_7>:V.i21,-'-.~r:=i>~,.;:-=2'i;,;:1l£1&;1-1.1;:5-V5115 ., . .1-_-,.. 1-;
para a direito: J. Costa Sobrinho; Antonio Rubbo Miiller; J. Si-queira Cunha; Virginia ilf MS
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Leone Bicudo; Massimo Guerrine; Olavo Baptisra Filho e; Mario G. Pereira; J. Lellis _. .-.’r-:l>Y:’11§?"?§>f~"'%l1>i=2¥>‘*?1=ii‘--Wxii-*‘7'¢Q4>Zé~'11% -1-I =1.-:>=;.'<*-3:;,V': 1.-'3-:-1 ; :si;r1af:¢.1E<:.:,rk\.-:=‘.=.».;'.-.>‘.-ea».-:= F :1» e_>3'J'='-‘ is = .-1,1.-;‘»'.*=r:--'=<:5.=.$*?;v.iEpi-
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Cardoso. SE10 Paulo, 1938. .- -. - V ~¢ VV--.~.~=(»>-:-V. .-_--;.~.;‘,.= -.;1.~.=<.. '\.~-_»Y-J.-1. 2;»-V1-_i:>-: » -‘-L-.=..V. ,-:-.Y;-,--;.-:':-:1:-*1‘:5;-ms-:;..-1.,,§:;-.1:'~:Ls 1:11‘-V-l\;_::_.l‘/._~JyY:"r'§T‘ ~... ri 7tT‘~.:11-Z;r_,:2‘-'2 .'
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L ‘ Documento do ELSP assinado pelo prol. Donald Pierson comunicando o aceite de Virginia
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’ (EDO(/
Fume: FESPSP
Leone Bicudo para 0 curso'de mestrado. Sao Paulo, 21 de agosto de 1942-.
Regisrro de empregado de Virginia Leone Bicudo no Escola de
Sociologia e Politica. S60 Paulo, 1940.

1 7° ~
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1 77
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1
I
ESCOLA LIVRE DE SOCIOLOGIA E POLITICA DE SAO PAULO
v (r'Nsrn‘u1cAo COMPLEMENTAR DA umvsasnmnz ma szo PAULO)
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, 18 de maio de 1944

Prezada Virginia Bicudo: . .


-Ale 5re.-me comunicar a noticia de
_ que foi aprovado
A . no_. .
"exanze compreensivo" para o gr-au ide Mestra, sendo» as segui-nlte's
as notasz ' » FumeA
Depm
Hmom/U/qFuvopaJd ohnfomdorflmnofi mes
Folos de reuniées e de escolares do Frenle Negro BfOSi|ei|'Q_ Décgdq de ]Q3Q
~ Pfifiéipios de Antnopologia Social
Estudo da Sociedade
Metodos nas Ciéncias Sociais >
Negro no Brasil ,
= Introduqio a Antropblogia Social
Raga e Cultura
. Q 1/4
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V. zim*"~f=»:A
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r Mnnipb " :1; ayiiiii‘ i - 1-I.=n4q;_. _. 7,‘;-‘.1. T
‘Etnologia Brasileira ~ '-_.-I_' " ,-=--‘win-1.31-,-c-.._|.'—|-_s_=;:-:-.,| _--_-
Assimilaqio e Aculturaqao O\O\ '~1\D \O \ _ ¢Q)_y_Qg;_qq;-. R.,,_'|i5‘;i1£; H;
A 'sua_t.ése deve ser eniregue, na formavdefinitiva,‘ .35 I.‘-,._ iI I’!I - <1:-..\:: i.- .~ _ :55,-j yr, _ 7
trés vias, ate o dia 19. de setembro. Por conseguinte, defie‘ s’-;== : ->_ - -
4:4 -=~:-is-‘
e_nt,z-egar-me logo o rascunho revista afim de eu ler, uma vez ' _
que é necessario haver tempo ‘igastante para 1) inoorporar ~minh;s
fir ' *'§"#7-'=:§. :"':%-i- -~r¢:'¢*-Pi
sugeaiiaea, 2) eu entregar a tese aos outros profesaorqs inter- ' , _4/_—
-L: ’.t'.‘fi'>slyg
;_.¢_,_ ..'._":-_,—. ‘"1-it
n:?.'-- "1-1,.’-=1"
jig‘
esaados afim de ser lida pg!‘ eles-, 3) incorpor-ar tambem as euag 9%‘-‘_—P1 ""»L'»"
;-1»~,Y- i -‘
x-12--v" _.'l'!
sugestfies, 4) preparar a COp1a final ate g data marcada. " ;-‘I '
1»? “:.."~ 'lT_"'77F1:-“5";i§_’JT§5;?!1Yféfz‘;-~.'.'?{{?){ L‘; "=
~‘r~;:""I-";i.:' 5:;;-=";-ii»’r;‘-$5;J~?¢K1€'I;‘.> I-i
‘:';~_‘i£i=- 7' ' -, =
' Sobre 1) a forma da pégina. de titulo para a oépm final, ‘
_ ~'
2) 0 tamanho do papel a usar, rogo-lhe obter 1nfo1*ma<;'5es do -,_-_~ _ .-.
- ~.Y—¢-is =’-' -1 ,.— .'.-..‘.:;.=_f“;-F: r 2 -_»_:Y. ~,-—-_'. 4;» '§“:& r-
Secretario da Escola Livre sobre as exigéncias a ease respeito} _ ~ \ _1:-1-h..\~,,.;~,
.~:r_:c=~-
,~__.~.5-»_=¢ig';i§‘;.'L:;?§§=§5"1 5:,-R-T121; -.~
de modo que todas as tesea tenham forma igual. A responsibili- - _. 771-.. ._‘L!ii..i_t—§,.,
~._i ’w:-1655 <~-~ __1§-.-Q.‘. n-, :.._r. -
i-‘vi
, 1I—._I ~}1_'§f.§a.1f}!izi*§§‘l‘?¥¢'
_.1 _ ___ 1_'jY"., ‘%_1_, ‘L’55?="Ah V
dade a este respeito cabe ao candidate. _ \ 11..-Z‘i§v .
-_ . _. :--Z/;.;:+:=;:z;@i*»=-“* lg 5%-~.¢
' Cordialmente, €:‘i§#1¢f;i-'¥;=#H-Y'aP:*e1=%%i<-*i:¢¢11i*s._.
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Donald Pierson = " '§E5_‘.-“:-';"{';,.’;""?"-?i5~%‘?§F{;ii:_.f;§=i'Z-iii?" -‘1f=*»{:<¢:J_1»
Diretor da z>1v1a'&o dei _ i _ :_J.= ~
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Estudos Post.-graduadoa . .‘ .~ M‘E _ ,‘_>n- _i~- _ 1.. ,1‘ '7 1: x._ 1» 51:“-i->-i~E3;g;-= ~
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Fame:
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Documenio, ossinodo pelo diretor do Divisdoyde Estudos Pé>sGroduodos do ELSP, Donald
Pierson, com as nolos dos di$Cip|inOS cursodos por Virginia Leone Bicudo para oblengdo ; Primeiro pdgino do iornol Voz do Roco, érgdq
do grou de mesire. S610 Poulo, I8 de maio de 1944. , -do Frente Negro Brasileira. Ele foi uiilizodo
y ccfmo fonte. de pesquisa por Virginia Bicudo.
i S00 Poulo, |u|ho de 1937.

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Donold Pierson, orieniodor de Virginia Leone Bicudo, em seu


gobineie no ELSP. Sdo Poulo, décodo de L940.
5

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ii
CEDOC/
one:ESPSP
Cologdo de grou do iurmo de Bochoréis e Mesires em Sociologia e Politico do ono de
1947. Virginia Bicudo, docenre do ELSP, oporece d esquerdo no segundo Lilo. Acirno
delo vé~se o professor Ocrovio do Cosro Eduardo e o suo Frente o professor Herbert
Boldus. Do lodo direito o primeiro do Filo de beco é Florestan Fernondes e 0 suo direiio
o diretor do ESP, Cyro Berlinck. S60 Poulo, L947.

SPSP
CE[ant10E/e: )1

Orocy Nogueira, segundo do direito poro esquerdo, L0! d0


mesmo turmo de Virginia Leone Bicudo no PosGroduo¢oo. Foto
do sociologo em suo cerimonio de formoturo de mestrodo. Sao
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Poulo, L945‘ ' ' if

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curni|ise/

1: do
Hisifiriu
1-: -

Pesqu'esn

lDuifin
vcnieusmfiode
en:m
Fu
Umo dos primeirczs reunioes do Sociedade Brasileira cle Psiconélise. ldeniiiicczm-se de pé,
do esquerdcz para 0 direito, Adelheid Koch, segundo do Filo, Virginia Bicudo cle chczpéu,
Durvc1L/\/\c1rCOnC|es é 0 quarto, Hermindo Morcondes, sua mulher, é 0 quinio, Frank Philips
é o sexio e FLc'1vio "Rodrigues Dias é o séiimo. _
Seniczdo, no centro, Arnc1|do Rclscovsky, psiccznczlisio czrgeniino. Com ele, médicos
do Insiiiuio de Higiene IV\enic1| e do Psiquioirio do Sonic: Cqscz cle Misericordio, ndo
identificados. S610 Poulo, décczdcz de L940. -

ii
il
I
L[.. 994ago

I do
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0/Cm

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O psiconolisio Wilired Bion (L 897-1979).

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Av ORIENTA 0.40 PSICOTERAPICA1.


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DE EDUCADORES E no EDUCANDO‘
Cuimu omocionain dc fmcano doc aduci-idem: — A pflcohrupln on u»
rhducaqio came main do ml iuslamoiila dc pananalldnda '
0 aanluia la,I| hull“ mm - 1111111111 1i1urganu1i dc um im- D0 11111-11, - 11vii11ii-in ’_ >1.
1 n1|i11¢1 num can 111- uuqu nnimunniu iiii ni1ii=1ii. viii nnu mim.» 1nii1. lH\l|\lQ
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publucodo em 1956 Bicudo. S610 Poulo, 1960.

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2.°; Hermindo Morcondes, esposo de Durvol, 4.“; Virginia Leone Bicudo, 5.“ ; Lygio
\/|rg|n|0 Leone Bncudo e 0 presldentejuscelmo Kubnschek no dlo 7 de sefembro de 1958 Amorol, 6.“; Durvol I\/Lorcondes, 7.° e; colegas psiconolislos. S60 Pou|c>, 27 de junho
em recepcdo no embcnxodo do Brosnl em Londres de 1968.

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Titulo ATITUDES RAc1A1s DE PRETOS E Mu1.ATOs EM SAO PAuLo

Autora VIRGLNIA Lsouz Bxcuvo

Organizador ' MARCOS CI-{OR MAID


Produgao Romuco Es'mAMAm~|o ms 1Au4|s|nA
Projeto gréfico de capa e miolo MOEMA CAvA1.cA:m '
Editoragio Eletrénica BA1usAnA Foussm DA Roam A
Digitalizagées Com Sowcoss GRA1=1cAs
Revisio de texto FRANK Rov Clm'xA Fsxuuznm
Revisao de provas Romuco ESTRAMANHO DE ALMEIDA
Secretaria Editorial R0sA MARIA ANDRADE GRILLO BBREITA
SILVIA APAR1-:c1nA SAMros TERRA
Psoao CATARINO

Formato 16 x 23 cm
1
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Mancha 11 x 17,5 cm
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Tipologia ITC Garamond e Futura
Papel Pousw SOFr 80 G/M2
CARTA0 SUPREMO 250 G/Ml
Nfimero dc pziginas 192

Tiragem 1 000 _
Impressio Prol Editora Grzifica Lida.

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