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Pós-Graduação em

Análise Existencial
e Logoterapia Frankliana

Vida e Obra de Viktor


Frankl
Revisão e Direção Geral
Luis Enrique Paulino Carmelo

Transcrição e Resumo
Filipe Italiano Leal
Bruno Afonso Alves da Silva

Revisão Ortográfica
Ana Carolina Cenedesi Machado Bertolini

Diagramação e Edição
Em Rota Produções

Material exclusivo para alunos do curso de Pós-Graduação em


Análise Existencial e Logoterapia Frankliana.
SUMÁRIO
QUAL A IMPORTÂNCIA DE CONHECER A VIDA
DE VIKTOR? | 6

FRANKL E SEUS ENTORNOS | 7

ANSCHLUSS - A ANEXAÇÃO DA ÁUSTRIA PELA


ALEMANHA | 9

A VIDA DE HITLER | 11

LEIS DE NUREMBERG (15/09/1935): | 13

FAMÍLIA FRANKL EM 1938 | 14

SITUAÇÃO DOS JUDEUS EM 1938 E A NOITE DOS


CRISTAIS | 17

FRANKL E O VISTO AMERICANO | 18

VIDA PROFISSIONAL DE FRANKL E PRIMEIROS


ESCRITOS | 19

TILLY GROSSER | 21

TRATAMENTO DO OFICIAL E DEPORTAÇÃO | 23


GUETO DE THERESIENSTADT | 24

FRANKL EM THERESIENSTADT E AUSCHWITZ |


27

PERGUNTAS | 29

FRANKL & FREUD | 33

FRANKL EM DACHAU | 34

RETORNO PARA VIENA | 36

VIKTOR E ELEONORE | 38

O AUTOR E SUA OBRA | 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: | 53
Vida e Obra de Viktor Frankl

Falar sobre a Logoterapia é falar sobre Frankl. Porém, quando falamos


sobre sua vida, é sobre o Viktor que falamos. Um homem que não queria ser
definido como alguém extraordinário, mas como um homem comum que
viveu uma vida extraordinária; alguém que viveu com as mesmas condições
e limitações que qualquer um de nós pode ter - alegrias e sofrimentos,
perdas e conquistas - e que, apesar de tudo isso, conseguiu viver uma vida
extraordinária. E, se Viktor é um homem como qualquer um de nós e pôde
fazer isso significa que todos nós também podemos fazê-lo. Esse é o valor
testemunhal de Viktor.
Ele nasceu com o mesmo “equipamento básico de humanidade” que
qualquer um de nós. Ele faz parte do grupo de pessoas comuns que puderam
ter uma vida extraordinariamente valiosa e importante.

QUAL A IMPORTÂNCIA DE CONHECER A VIDA


DE VIKTOR?
Certa vez, Viktor foi entrevistado por um professor muito importante de
Viena que lhe fez as seguintes perguntas:
Como Frankl desenvolveu a Logoterapia, uma teoria que diz sim a vida,
apesar de tudo?
Costumamos pensar que Frankl era uma pessoa otimista, de alegria fácil.
Alguns, inclusive, diriam que era ingênuo, inocente. Entretanto, ele responde
que desde muito pequeno já se viu surpreendido por uma vida que gerava
desesperança. Viktor era apenas uma criança quando se desata a Primeira
Guerra Mundial. Tanta destruição, tanto ódio e tanta morte fizeram-lhe
sentir, verdadeiramente, que a vida não tinha sentido. Porém, rapidamente,
ele raciocina sobre isso e chega à conclusão de que não poderia ser assim,
assumindo uma espécie de missão de arranjar um antídoto contra o niilismo.
Esta é sua motivação. A Logoterapia, portanto, não surge de um homem
ingenuamente otimista, mas de um homem que, desde criança, viveu na
própria carne o sofrimento.
Qual a relação entre a vida e a obra de um autor?
Frankl diz que a relação entre vida e obra de alguém está presente
sempre. Todos os grandes autores refletiram em sua obra aspectos da sua
vida pessoal. Nessa resposta ele se recorda de Freud, que, em sua vida pessoal,
tivera uma relação bastante complicada com a mãe. Diz, ainda, não ser raro
que psicanalistas reflitam parte de sua história clínica. Por outro lado, não
é de se estranhar que a obra de Adler, portador de uma deficiência física,

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

fale sobre vontade e poder. No caso dele - Frankl - a angústia do momento


em que ele cresceu se fez presente também na minha obra. E é por isso
que, quando queremos conhecer a obra de um autor, é sempre interessante
conhecer sua vida também.
No caso de Frankl, há ainda uma questão muito peculiar: escrever sobre o
que ele escreveu não é tão difícil, outros poderiam ter feito (e até o fizeram).
No entanto, o verdadeiramente significativo em sua obra é a relação de
absoluta coerência entre o que Frankl escreveu e o que Viktor viveu. Isso,
sim, é um diferencial: não é fácil encontrar um autor que tenha vivido à altura
do que escreveu. Isso acontece com Frankl. A vida de Viktor e a teoria de
Frankl possuem uma relação de coerência muito grande. Por isso, os cursos
de Logoterapia, habitualmente, começam com uma retomada de sua vida.
Ao estudar a Logoterapia de Frankl você se depara com toda uma vida: a
vida de Viktor Frankl.

FRANKL E SEUS ENTORNOS


Vamos ingressar agora no universo de Viktor Frankl: detalhes da sua vida,
o que se passava ao seu entorno (os aspectos sociais e políticos da época),
etc, pois tudo isso influenciou nas decisões que Viktor tomou.
Muitos acham que o ano importante de Viktor é 1942 - ano em que ele
foi deportado para os campos de concentração; outros acreditam ser 1945, o
ano em que ele saiu do campo. No entanto, o ano mais importante da história
deste homem é 1938, pois é nesse ano que suas condições de vida mudam;
a partir daí, ele tem que tomar uma das decisões mais importantes da sua
vida: ficar em Viena ou mudar-se para os Estados Unidos, sabendo que se
decidisse ficar ele iria para um campo de concentração. Mesmo tendo em
mãos a possibilidade de se mudar para os Estado Unidos, Viktor decidiu ficar
em Viena. Mais tarde, numa entrevista, ele dirá que decidiu por entrar no
campo porque sabia que chegaria a isso mais cedo ou mais tarde.
No mapa: em azul temos um braço do rio Danúbio, que rodeia toda
a cidade de Viena. De um lado do rio, circulado em vermelho, vemos o
centro da cidade de Viena, onde se encontram os palácios imperiais, uma
universidade, a catedral metropolitana, o centro comercial, etc. Do outro
lado do rio, se encontra Leopoldstadt, o segundo distrito de Viena.

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Vida e Obra de Viktor Frankl

Mapa da Cidade de Viena

É importante saber que a relação dos judeus com Viena já era uma
relação conflitante há centenas de anos. Alguns reis do Império Austro-
Húngaro - da família Habsburgo - eram muito antissemitas; enquanto outros
eram amigos dos judeus. Isso fez com que a situação dos judeus em Viena
fosse sempre muito instável: às vezes eram bem recebidos, às vezes eram
expulsos. O antissemitismo é, portanto, uma característica predominante na
cidade de Viena.
Por volta de 1700, o Imperador à época decidiu criar o distrito Leopoldstadt
para receber judeus perseguidos e expulsos da Polônia, da Rússia, etc. Esse
distrito, segundo a proposta do imperador, era para os judeus se integrarem
à comunidade de Viena. Em um segundo movimento migratório ocorrido
em meados do século XIX, também chegaram muitos judeus à Viena, dentre
eles a família do Dr. Sigmund Freud; pouco depois, chegaria a família de Elsa
Lion e Gabriel Frankl, respectivamente, a mãe e o pai de Viktor.
Para ficar mais clara a relação entre os vienenses e os judeus, é interessante
saber que o distrito de Leopoldstadt era chamado pelos vienenses de “ilha
de alho”, porque, supostamente, os judeus tinham um odor desagradável de
alho.
No Segundo Distrito de Viena, na Rua Czerningasse, número 6,
Departamento 25, Frankl nasceu e viveu com seus pais e irmãos até o
momento da sua deportação.

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ANSCHLUSS - A ANEXAÇÃO DA ÁUSTRIA PELA


ALEMANHA

Teatro Urania

Em 1938, no teatro Urania - um observatório com salas de conferências


- funcionava uma universidade popular. Viktor assistia ali aulas de filosofia,
particularmente interessado no pensamento de Schopenhauer.
Em 12 de março de 1938, o Urania sediou uma conferência. Porém, o
conferencista que daria a palestra ficou doente e não pôde comparecer.
Viktor, então, ao ser convidado para substituí-lo, deu uma palestra sobre
o sentido da vida. Essa data, no entanto, não é significativa por conta da
palestra de Frankl, mas por outro motivo: historicamente, essa data marca o
Anschluss, ou seja, o dia da anexação da Áustria ao 3º Reich.
Durante muito tempo, o império alemão havia perdido a Áustria por
questões políticas e de guerra, a qual acabou se incorporando ao Império
Austro-Húngaro. Entretanto, os alemães sempre quiseram recuperar a
Áustria. Tanto que, para a realização da proposta política de Hitler de recriar o
Império Alemão, uma das primeiras coisas a se fazer era recuperar a Áustria.
O discurso usado pelos alemães era de que a Áustria pertencia à Alemanha.
Terminada a Primeira Guerra, ocorre o desmembramento do império
Austro-Húngaro e a criação da primeira República da Áustria. Para isso,
foi necessário criar mecanismos de governos, escolher os dirigentes que
ocupariam cargos e demais processos para formação da nova República.
Durante esse difícil processo de organização, quem toma o governo é o
Partido Social-Cristão com a eleição de Engelbert Dollfuss para presidente
pela diferença de um único voto. Lamentavelmente, foi um governo facista
que ficou conhecido como austrofascismo. Dollfuss proibiu a atividade
política de todos os partidos, prendeu todos os líderes de oposição e

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Vida e Obra de Viktor Frankl

perseguiu a todos os que não estavam de acordo com seu governo.


Não obstante, dentro da Áustria nasce um pequeno grupo nacional-
socialista que começou a gerar ações de sabotagem ao governo de Dollfuss.
O exército da República da Áustria era leal ao seu presidente e resistia às
ações desse grupo. Porém, como havia muito desemprego e problemas
econômicos, logo se instaurou um quadro de convulsão social no país. E, por
causa dessa convulsão social e da pressão política dos nacional-socialistas, o
governo de Dollfuss se enfraqueceu até que se sucedeu um golpe de estado.
Do golpe, ocorrido em 1934, resultaram a tomada do poder pelo
exército da República da Áustria e o assassinato do presidente Dollfuss.
Em seu lugar, assumiu Kurt Schuschnigg. Em termos práticos, o governo
continuou sendo fascista, mas o golpe de estado (gerado pelos nazistas, mas
fracassado) enfureceu Hitler. A tentativa do Fuhrer de recuperar a Áustria
havia fracassado mais uma vez e, não podendo ele admiti-lo, impôs ao país
as seguintes condições ameaçadoras:
1. Que os nazistas que deram o golpe de estado permanecessem em
liberdade, sem serem presos;
2. Habilitar o Partido Nacional Socialista para que pudesse ter atividade
política;
3. Decretar que o povo da Áustria decidiu, por vontade própria, integrar-
se ao 3º Reich.
Caso não cumprisse as imposições acima, o exército alemão invadiria
e conquistaria a Áustria pela força. Praticamente, não havia possibilidade
de dizer “não” a Hitler. Schuschnigg, então, cumpre as duas primeiras
condições estabelecidas; porém a decisão de anexar a Áustria à Alemanha foi
postergada. Hitler, então, estipula o prazo de 12/03/1938 para o cumprimento
da imposição; à meia noite do dia 12/03/1938 o pedido da anexação da Áustria
teria que estar firmado, caso contrário, o exército alemão invadiria a Áustria.
Schuschnigg tentou postergar esse prazo; porém, quando chegou o dia
estabelecido como limite, 11/03, Hitler colocou parte do exército na fronteira
com a Áustria, a um passo de invadi-la. À meia noite, como o acordo não
estava assinado, Hitler ordenou ao exército que invadisse a Áustria. Após
algumas horas, ainda na madrugada de 12/03, Schuschnigg firma o decreto
pedindo para se tornar parte do 3º Reich. Assim, a Áustria foi conquistada
por Hitler através de uma invasão “pacífica”, sem que a Alemanha tivesse
que disparar um único tiro. A partir desse momento, a Áustria passa a estar
submetida ao governo de Hitler.

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Sua primeira ação foi suprimir a primeira República da Áustria. Em


seguida, mandou prender 70.000 austríacos opositores do Anschluss. E,
por último, realizou um plebiscito, em 10/04, para que o povo legitimasse a
anexação da Áustria pela Alemanha.

A VIDA DE HITLER
Hitler teve uma vida tortuosa desde criança. Era austríaco e havia ido à
Alemanha porque sentia que na Áustria era rechaçado permanentemente.
Quis ingressar na Escola de Belas Artes - pois gostava de desenhar e pintar
- e depois na Escola de Arquitetura, mas, em ambas, foi rechaçado por não
ter aptidão suficiente para o curso ou para a carreira. Também foi rechaçado
ao tentar ingressar no exército austríaco porque não reunia as aptidões
físicas necessárias; ao tentar fazer parte do coro de um convento, também
foi barrado por falta de habilidade vocal para tanto. Para viver, Hitler fazia
aquarelas e tentava vender ao público de um hotel famoso de Viena, porém,
as pessoas se negavam a comprar. É nesse contexto que Hitler se muda para
Alemanha: carregando um grande rancor, particularmente pela sociedade
vienense.
Isso explica a forma como Hitler entrou em Viena após a assinatura da
anexação da Áustria na madrugada de 12/03/1938: ele entra de maneira
triunfal, como que querendo reparar todo desprezo que lá havia vivido.

Cédulas emitidas para votação do plebiscito

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Vida e Obra de Viktor Frankl

Durante o plebiscito, a população votava na presença de um soldado


nazista. Os que votavam “não” eram presos imediatamente e terminavam
executados. O resultado da votação foi 97,73% a favor da anexação da Áustria
pela Alemanha.
Voltando ao dia 12/03: neste dia, enquanto Hitler se preparava para
ingressar de maneira triunfal em Viena, Viktor conduzia uma conferência
no teatro Urânia. As tropas formadas por oficiais da Gestapo e da SA (os
chamados “Camisas Pardas”) entraram em Viena para preparar a chegada
do Fuhrer; sua função era obrigar todas a população a sair de suas casas para
saudar Hitler, nem que para isso precisassem obrigar as pessoas por meio de
golpes e ameaças.
No Teatro Urania estavam, aproximadamente, 200 pessoas. O que se
esperava era que um soldado entrasse no Teatro e obrigassem todos a sair
para saudar Hitler. No entanto, isso não aconteceu. Um oficial da Gestapo
adentrou o local junto a um pequeno grupo de soldados e caminhou
em direção a Viktor. Este, porém, havia decidido que nada interromperia
a sua palestra até que ela acabasse. Foi então que, sem parar de fala aos
conferencistas, caminhou em direção ao oficial da Gestapo enquanto mirava
fixamente seu rosto. Olhando fixamente em seus olhos, “cara a cara” com
ele, Viktor seguiu assim até que finalizasse sua conferência. A essa altura,
Hitler já havia passado pela rua em frente ao local, sem que as 200 pessoas
fossem obrigadas a sair. O oficial deu meia volta e se foi.
Somente depois do ocorrido, Viktor se deu conta do que havia feito e
começou a tremer de medo; tomou suas coisas, cruzou o canal em casa, onde
encontrou sua mãe chorando desesperadamente: ela havia sido obrigada a
sair para saudar Hitler e já se dava conta de tudo o que viria a acontecer a
partir daquele momento.
A partir de então, implantam-se na Áustria as chamadas “Leis de
Nuremberg”; era um conjunto de leis racistas e antissemitas que estavam
em vigência desde 15 de setembro de 1935 na cidade de Nuremberg e que,
a partir de 13 de Março de 1938, passa a viger também na ex-República da
Áustria, agora parte do 3º Reich. Essas leis foram escritas por Wilhelm Frick,
político afeto a Julius Streicher, político nacional socialista, e ao próprio Adolf
Hitler.
“Os judeus devem ser extirpados como um tumor cancerígeno”

(Mein Kampf)

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As leis de Nuremberg marcam o início da discriminação e perseguição


sistemática e organizada ao povo judeu, não por razões religiosas, mas sim
raciais. O “espírito” dessas leis era negar a nacionalidade alemã aos judeus,
o que significava, na prática, privá-los de todos os direitos civis. A “solução”
final - o extermínio de todos os judeus - começa a ser aplicada a partir das
leis de Nuremberg.

LEIS DE NUREMBERG (15/09/1935):


▶ Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã: As mulheres judias
eram proibidas de ficar grávidas, pois considerava-se que a mulher judia
grávida era uma traidora da pureza superior do Reich. Para a mulher
judia, engravidar era considerado um delito gravíssimo, cuja pena prevista
era a prisão e posterior envio a um dos campos de trabalho forçado; ali,
consequentemente, ela abortaria a criança, podendo também morrer de
fome e de cansaço.
▶ Lei da cidadania do Reich: Definia quem poderia ser considerado
cidadão do Reich. Eram considerados impuros e não admitidos como
cidadãos do Reich: os judeus, os filhos de matrimônios mistos e um indivíduo
que, apesar de não ser judeu, tivera um avô judeu.
▶ Lei da identificação: Os judeus eram obrigados a usar a “estrela de
Davi” em seus casacos, para que todos pudessem identificá-los como judeus.
Os comércios judeus deviam ter um sinal na porta para mostrar que aquele
estabelecimento pertencia a um judeu; no mesmo sentido, os médicos
judeus tinham que colocar um sinal na porta dos seus consultórios.
▶ Todos os judeus tiveram que mudar o seu nome: todo homem judeu
teve que usar “Israel” como segundo nome; e toda mudar judia teve que
mudar seu segundo nome para “Sara”. A irmã de Viktor, por exemplo, Stella
Josefina Frankl, passou a chamar-se Stella Sara Frank. Viktor Emil Frankl
passou a chamar-se Viktor Israel Frankl. A intenção era garantir que todo
judeu fosse identificado como tal, com a intenção óbvia de persegui-los e
discriminá-los. As discriminações, nesse momento, já eram terríveis. É possível
dizer que a vida dos judeus já era, desde o dia 12 de março, praticamente
insuportável, antes mesmo das deportações aos campos.
▶ Lei da troca da bandeira: A bandeira oficial da República da Áustria
passou a ser a suástica.
▶ Lei contra a superpopulação nas escolas alemãs: Todos os alunos
judeus, em qualquer nível de escolaridade, foram expulsos da escola, ficando

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Vida e Obra de Viktor Frankl

sem direito à educação.


▶ Arianização da vida econômica: Se um alemão gostasse de uma casa
pertencente a um judeu, bastava pedir aos soldados que estes tiravam os
moradores judeus de lá, mesmo que estes fossem proprietários legítimos da
casa. Por isso, muitos judeus perderam suas casas, seus estabelecimentos
comerciais e outras propriedades. A realidade era que nenhum judeu tinha
mais o direito de propriedade.
▶ Restauração da Administração Pública: Nenhum judeu podia
trabalhar na Administração Pública; os que trabalhavam foram todos
despedidos.
▶ Restauração do exercício da Advocacia e da Medicina: Médicos
judeus só podiam atender pacientes judeus; advogados judeus só podiam
ter clientes judeu. A justificativa era que o corpo asqueroso de um judeus só
podia ser tocado por um médico judeu, e as mãos asquerosas de um judeu
não podiam tocar um corpo de um não judeu. Era, simplesmente, um ódio
racial.

FAMÍLIA FRANKL EM 1938


Esse era o contexto em que viviam todos os judeus, inclusive Frankl e sua
família, desde março de 1938.
À época, Viktor já era médico e trabalhava no hospital de Steinhof,
construído em 1905, que havia sido projetado por Otto Wagner, grande
artista austríaco iniciador da corrente conhecida como Art-Nouveau. Para
realizar o projeto, o artista colocara uma condição: no centro do hospital
deveria existir uma grande igreja, pois, para ele, havia uma estreita relação
entre saúde mental e espiritualidade religiosa. Viktor foi diretor do pavilhão 3
deste hospital, atendendo somente mulheres com intenção de suicídio. Ele
chegou a atender o número impressionante de 3.000 consultas.
É importante recordar que vivia-se, então, o período pós Primeira Guerra
Mundial, em que muitas mulheres haviam ficado viúvas, tendo que assumir
todas as responsabilidades da casa e da família. Para as mulheres judias
a situação era ainda mais difícil: com o ingresso do nacional socialismo,
eram abusadas permanentemente; e muitas dessas mulheres que haviam
sido violadas, abusadas ou que tinham muito medo de serem abusadas,
acabavam se suicidavam (ou pelo menos tentavam).
Frankl também trabalhava no hospital Rothschild (já não existe em
Viena), que atendia a comunidade judaica, e também em seu consultório

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particular.

Família Frankl. Da esquerda para direita: Walter (irmão), Stella


(irmã), Elsa (mãe), Gabriel (pai) e Viktor

Sua irmã Stella - que na ocasião já estava casada com Walter Bondy -
vivia em um edifício na Rua Alser Strasse, em um bairro muito elegante de
Viena, e ofereceu a Viktor um quarto neste prédio para que ele fizesse o seu
consultório particular. Só que Viktor não queria, pois pretendia continuar
trabalhando nos hospitais. Apesar disso, Stella e seu irmão, Walter (um
designer de interiores), arrumaram uma sala para que Viktor atendesse.
Porém, a realidade é que Viktor acabou não usando muito esse consultório
na Rua Alser Strasse, pois um alemão, amparado pela Lei da Arianização da
Economia, gostou do local e o reivindicou para si, deixando Viktor sem o seu
consultório.
O avanço dos nazistas e o Anschluss causavam pânico em muitos
judeus, inclusive na família de Frankl. Walter e sua esposa Elsa decidiram
sair de Viena e procurar um lugar que pudessem viver com tranquilidade e
segurança. A família de Frankl nunca mais teve notícias deles. Na verdade,
Walter e Elsa buscaram refúgio na Itália, pensando, ingenuamente, que lá

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Vida e Obra de Viktor Frankl

estariam mais seguros que a Áustria. Durante um tempo, ficaram exilados


no Vaticano, país que tinha imunidade diplomática e onde as tropas nazistas
não podiam entrar. Aliás, muitos judeus buscaram exílio no Vaticano durante
a perseguição, fato este que é desconhecido por muitos que apenas criticam
a atitude do Papa e da Igreja Católica durante a guerra.
Um dia, porém, por descuido, Walter e Elsa saíram da zona protegida e
foram presos pelo exército, sendo depois deportados para Auschwitz, onde
morreram. A família Frankl, portanto, havia se reduzido a quatro membros.

Viktor com a família da sua irmã Stella em Melbourne, Austrália,


em 1958.

Por sua vez, a irmã de Frankl, Stella, junto com o marido, Walter Bondy,
decidem sair de Viena após a tomada do seu apartamento pela Lei da
Arianização. A família Frankl tampouco ficou sabendo para onde foram.
Somente depois da guerra é que Viktor descobriu que ela tinha ido para a
Austrália. Stella foi a única da família Frankl que não passou pelos campos.
Ela teve dois filhos: Liesl e Peter Bondy. Com a saída de Stella de Viena, a
família Frankl ficou reduzida a três membros: Viktor e seus pais, Gabriel e
Elsa.

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Dessa forma, Viktor se sentiu na responsabilidade de ficar em Viena para


cuidar dos seus pais, já de idade (e judeus). O destino dos velhos judeus era
a câmara de gás, não havia outra possibilidade. Como filho único, Viktor
assume, então, a responsabilidade de cuidar de seus pais. Tudo isso se
passou em 1938.

SITUAÇÃO DOS JUDEUS EM 1938 E A NOITE DOS


CRISTAIS
A vida cotidiana dos judeus era absolutamente marcada pela perseguição
e pela discriminação. Os soldados alemães poderiam, se quisessem, agarrar
um judeu na rua, amarrar-lhe as mãos e pedir para que as pessoas cuspissem
nele ao passar, só por diversão. Para se ter uma ideia: nesta mesma época,
um famoso rabino de Viena foi obrigado, por exemplo, a limpar a rua em que
estava a sinagoga com a sua escova de dente. E cenas tristes como ocorriam
e aumentavam dia após dia.
Os judeus não podiam usar transporte público - táxi, ônibus, trem, nada
- e não podiam utilizar carros e bicicletas. O único meio era caminhar. Uma
grande quantidade de judeus ficou desempregada, de modo que a miséria
e a fome passaram a assolar muitos deles.
Alguns fatos históricos importantes:
▶ 28/10/1938: A Alemanha expulsa 17.000 judeus polacos da Áustria.
Porém, esses judeus não foram recebidos na Polônia, também já estava
dominada politicamente pelo 3º Reich, resultando em milhares de pessoas
que passaram a viver nas ruas, na mais absoluta pobreza, sujeitas a morrer
de fome ou de frio.
▶ 07/11/1938: Herschel Grynszpan - um jovem de 17 anos, filho de um dos
judeus morto de fome após ser expulso da Áustria na noite de 28/10 - ataca
um funcionário alemão em Paris, Ernst Vom Rath, que acaba falecendo. Este
episódio acaba por desencadear a fúria do Reich.
▶ 09/11/1938: Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich, faz
um discurso fortemente antissemita, dizendo existir uma organização judia
clandestina disposta a atacar o Reich. Goebbels diz, inclusive, que o ato do
jovem Grynszpan seria a primeira ação dessa força judia com a intenção de
derrubar o Reich. Com esse discurso totalmente falso, Goebbels encoraja as
forças de choque do partido - a SA, também conhecidos como “camisas-
pardas” - a executarem um ataque massivo contra a comunidade judaica,
em caráter de reparação pelo atentado e em defesa do Fuhrer e do 3º Reich.

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Vida e Obra de Viktor Frankl

▶ NOTA: A SA era a juventude do partido nazista. Eles eram tão selvagens


que o próprio Hitler, para poder controlá-los, teve que organizar a SS e a
Gestapo.
▶ A noite do dia 09 de Novembro de 1938 ficou conhecida como
kristallnacht - “Noite dos Cristais” ou “Noite dos Vidros Quebrados” - e terminou
com a destruição de mais de 250 sinagogas, mais de 7000 comércios, além
de saques feitos a cemitérios, a escolas e a casas de muitos judeus.
▶ 10 a 12/11/1938: os judeus acusados de fazer parte dessa organização
que na realidade não existia foram considerados culpados pelo que havia
ocorrido na noite dos cristais. Trinta mil (30.000) judeus foram presos e
deportados para os campos de trabalhos; além disso, decretou-se toque de
recolher para a população judaica, proibiu-se a reabertura dos comércios
destruídos e confiscou-se os bens dos seus proprietários e a cobrança do
seguro, a título de multa. Os presos tiveram que limpar e reparar os danos
causados na cidade. Por fim, o governo negou toda a sua participação
no trágico evento ocorrido. Quanto a Goebbels, divulgou apenas que iria
investigar o que havia acontecido.
▶ A noite de 9 de Novembro de 1938 havia sido uma antecipação do que
se sucederia. Os judeus estavam submetidos ao partido nacional socialista e
sozinhos no mundo.

FRANKL E O VISTO AMERICANO


Em meio a tudo isso, o jovem Viktor enfrenta um grande dilema. Durante
um tempo ele teve disponível o visto americano. A possibilidade de ir para
os Estados Unidos significava não só a chance de sair de Viena e salvar sua
vida, mas também uma grande oportunidade de dar visibilidade a sua
obra. Nas décadas de 40 e 50 ocorreu um grande avanço da Psicologia e da
Psicoterapia nos Estados Unidos; portanto, esse seria o momento ideal para
Viktor difundir a sua Análise Existencial. Frankl começava a ficar conhecido
e alguns sugeriram a ele que fosse aos EUA levando toda sua família.
Ocorre que, na noite dos Cristais Roxos, a ideia de que era o único
responsável pelos pais ficou ainda mais forte. Se, como os irmãos, ele também
saísse de Viena para ir aos Estados Unidos, o destino de seus pais seria a
deportação para os campos de extermínio. Carregando esse grande dilema,
Frankl se pôs a caminhar por Viena, buscando encontrar algo que o ajudasse
a decidir o que fazer. Ele chega, então, à Catedral da cidade de Viena, onde
estava ocorrendo um concerto, cobre sua estrela de Davi para que não o

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

reconhecessem como judeu, e entra na catedral. O concerto termina, mas


ele permanece ali para orar, pedindo a Deus que enviasse um sinal do céu
que lhe permitisse tomar a decisão correta: ir aos Estados Unidos e cuidar
de sua teoria ou ficar em Viena e cuidar dos seus pais biológicos. O que a
vida esperava dele nesse momento? Todos lhe diziam que se fosse para a
América, sua obra iria ajudar muita gente.
Ao sair da catedral, Viktor retorna para sua casa; ainda impressionado
com toda a destruição que havia visto pelas ruas, depara-se com um pedaço
de mármore que Gabriel, seu pai, havia tomado dos murais da sinagoga
onde servia todos os dias e que agora também estava totalmente destruída.
Fez isso de maneira muito ingênua, pensando que seria uma recordação do
templo que tanto amava. Viktor, então, pergunta o que era aquilo e seu pai
responde. Só que, nesse mármore havia uma letra hebraica gravada em ouro;
como Viktor não conhecia a língua hebraica, pergunta ao pai o que estava
escrito e ele respondeu que era um pedaço da tábua dos 10 mandamentos;
ali estava escrito: “honrarás ao teu pai e a tua mãe e Deus te dará vida
longa”. Viktor entendeu, nesse momento, que essa era uma mensagem da
Providência, o sinal do céu que tanto havia pedido.
E é nesse momento que ele decide ficar em Viena, mesmo sabendo
que seu destino seria a deportação para os campos de concentração. Viktor
esperou 1 ano para obter para os Estados Unidos. Todos em sua família viam
aquilo como uma vitória. E deixá-lo expirar era decidir por entrar nos campos.
Viktor sabia disso.
Naquela época, quando os judeus começaram a ser deportados,
houve uma determinação que todos os funcionários dos hospitais judeus
(desde médicos até o pessoal da limpeza) ficassem temporariamente
livres de ser mandados para os campos; como era importante que os
hospitais continuassem funcionando, todos seus funcionários seriam os
últimos a serem deportados. Frankl manteve-se no seu cargo de diretor do
departamento de neurologia do hospital. E essa foi a razão pela qual seus
pais não foram imediatamente deportados aos campos.

VIDA PROFISSIONAL DE FRANKL E PRIMEIROS


ESCRITOS
Juntamente com o Dr. Otto Potzl, Viktor traça uma estratégia para evitar
a deportação dos judeus com transtornos psiquiátricos. Estes eram os
primeiros a serem exterminados na câmara de gás, pois, para os nazistas,

19
Vida e Obra de Viktor Frankl

todos os judeus que tinham uma deficiência, ou seja, que não eram úteis
para o trabalho, deveriam ser incinerados. E o eram, de fato. Os deficientes
físicos, psiquiátricos, velhos, enfim, todos os que não tinham um “valor de
utilidade” por não poder trabalhar, eram incinerados. Dr. Frankl e Dr. Otto
Potzl alteravam os laudos dos pacientes que tinham problemas para salvá-
los. Por exemplo: se um paciente tinha um transtorno psiquiátrico, eles
colocavam no laudo que tinha problema cardíaco e, assim, o mantinham
no hospital, livrando-o da câmara de gás. Agindo assim, Frankl e Potzl se
expunham a um grande perigo, pois seriam executados como traidores do
Reich se fossem descobertos.
Dr. Potzl foi um dos grandes amigos de Frankl. Curiosamente, ele era
membro do partido nacional socialista, mas, de todas as maneiras, não era
um fanático pela ideologia nazista. Quando Viktor sai dos campos, em 1945,
reencontrou-se com Potzl
.

Escritos importantes de Frankl

O ano de 1939 foi também um ano duro. Viktor trabalhava quase


exclusivamente pensando na sua análise existencial, pensando numa
nova maneira de abordar a Psicopatologia. Dentro do hospital, começou a
aplicar tratamentos logoterapêuticos. Ainda em 1939, escreveu um artigo
chamado “Filosofia e psicoterapia”, que pode ser considerado como a ata de
fundação da análise existencial de Viktor Frankl. Neste artigo, ele propõe que
a cosmovisão pode ser também motivo de abordagem psicoterapêutica.

20
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Muitas vezes se comete o erro de pensar que a Logoterapia surgiu a partir da


experiência de Viktor nos campos de concentração, mas não: a Logoterapia
começou a se desenvolver em 1936, quando já tinha experiência tanto de
Steinhof, com os suicídios, como de Rothschild, com a implementação dos
tratamentos logoterapeuticos em pacientes com patologias psiquiátricas.
Porém, somente em 1939 Frankl escreveu o artigo com as bases do seu
pensamento.
Além disso, estando trabalhando em Rothschild, Frankl se encontra
não só com a possibilidade acadêmica e científica, mas também com
a possibilidade de escrever um livro. Começa, então, a dar forma a um
manuscrito que seria retirado de sua posse mais tarde, quando ele entra
nos campos. Esse manuscrito de 1941 é o fundamento do primeiro livro que
Frankl escreveria mais tarde: “A cura médica da alma” (do alemão, Ärztliche
Seelsorge).

TILLY GROSSER
O ano de 1941 é outra data importante na vida de Viktor, pois é o ano em
que ele conhece a enfermeira Matilde Tilly Grosser. Tilly era modista, gostava
de desenhar e confeccionar roupas de mulher. Porém, pela necessidade
do momento, havia se incorporado ao hospital como enfermeira do
departamento de Medicina. Eles se conheceram, simpatizaram-se um com
o outro e depois ficaram noivos.
A aparição de Tilly foi algo muito impactante para Viktor, pois ele já tinha
36 anos e, apesar de ter vivido de forma bastante promíscua em uma época
de sua vida, nunca havia ficado noivo. Era a primeira vez que se apaixonava
verdadeiramente por uma mulher. Um dia, estava passeando pelo Prater -
um parque de diversão bastante frequentado em Viena - e Tilly viu em uma
feira de artesanato uma pulseira com um globo terrestre envolvido por um
anel que dizia: “o amor faz o mundo girar”. Frankl presenteou Tilly com essa
pulseira como um símbolo de compromisso. Ela nunca mais tirou a pulseira
No dia 17 de Dezembro de 1941, depois de poucos meses de noivado, Viktor
e Tilly se casam. Um fato muito interessante: Viktor se casou com Tilly às 17h,
o último turno do dia para casar-se. No dia 18/12, pelas leis de Nuremberg,
o casamento entre judeus na Áustria se tornou proibido. Ou seja, o último
casamento que se celebrou em Viena, em 1941, foi o de Viktor e Tilly.
Após o casamento, foram viver em Leopoldstadt, onde viviam a maioria
dos judeus. Na mesma casa, na Rua Czerningasse 6, viviam os pais de Viktor,

21
Vida e Obra de Viktor Frankl

o casal Viktor e Tilly e a mãe e a irmã de Tilly. Pouco tempo depois de casados,
tiveram a feliz notícia de que Tilly estava grávida. O amor desse jovem casal
havia se traduzido numa gravidez. Porém, essa alegria foi seguida de uma
pena muito grande: naquela época, as mulheres judias não podiam ficar
grávidas; se chegasse ao conhecimento dos soldados alemães a notícia de
que Tilly estava grávida, ela seria imediatamente condenada a morrer nos
campos de trabalho. Sendo assim, a decisão mais dolorosa teve que ser
tomada: a interrupção da gravidez.

Casamento de Viktor Frankl e Tilly Grosser, em 1941

Uma das grandes dores de Frankl foi o seu filho não ter nascido. Na década
de 50, Viktor escreveu um livro chamado “Psicoterapia e Humanismo”,
dedicado a este filho.
Em 1942, a vida de Viktor consistia em trabalhar no hospital como diretor
do Departamento de Neurologia e viver com sua esposa Tilly - tendo passado

22
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

por essa penosa experiência da gravidez interrompida. Ele sabia que se


permanecesse no hospital nem ele nem ninguém da sua família seriam
deportados.

TRATAMENTO DO OFICIAL E DEPORTAÇÃO


Um dia, porém, chegou ao hospital um oficial da Gestapo e se apresentou
diante de Frankl. Pensou que havia chegado o momento da deportação. O
oficial tinha ouvido falar que o médico judeu tinha uns tratamentos novos
para os problemas emocionais e começou a interrogá-lo; queria saber o que
podia o médico podia fazer por um amigo dele que sofria de ataques de
pânico. O Dr. Frankl imediatamente compreendeu que não existia, de fato,
um amigo, e que quem sofria tais ataques era o próprio oficial que estava
diante dele. De toda forma, Viktor começou a dizer o que o suposto amigo
do oficial deveria fazer.
Depois de passar um bom tempo em atendimento no consultório, o oficial
se levantou e partiu. Na semana seguinte, retornou para seguir falando do
problema do seu amigo; e assim o fez por várias semanas. Viktor aplicou o
tratamento para que o oficial deixasse de sofrer ataques de pânico. Curado,
o oficial retornou na semana seguinte, desta vez para entregar a Frankl sua
carta de deportação. Ele entregou a Viktor a placa com a localização do
local para onde ele teria que se dirigir para ser deportado; esse endereço era
muito significativo, pois tratava-se da escola em que Frankl havia estudado.
Em Viena, todos os jovens que pretendiam fazer uma carreira universitária
teriam que estudar primeiro na escola da Rua Kleine Sperlgasse, número
2a. Para Frankl, foi uma alegria muito grande ingressar nessa escola, pois era
o início da sua carreira. Era para aquele lugar que tanto amava que Viktor
se dirigiria novamente, mas desta vez para ser deportado. Nessa escola se
reuniam todos os judeus para serem enviados aos trens que se dirigiam aos
campos.
A estratégia dos nazistas era perversa: diziam aos judeus que seriam
levados para um lugar onde poderiam viver felizes, um lugar com muito
conforto e onde nunca mais seriam perseguidos; “vendiam” a ideia de que
iriam para uma cidade só de judeus, onde nada os molestaria nunca mais.
Por isso, pediam aos judeus que levassem de suas casas somente o que
era objeto de valor (ouro, prata, jóias, pinturas, etc.), deixando todo o resto
(roupas, sapatos, elementos da cozinha, etc.), pois não precisariam mais
deles já que ganhariam tudo novo. Com isso, os nazistas não precisariam ir

23
Vida e Obra de Viktor Frankl

de casa em casa buscando objetos de valor, tudo já estaria com os judeus a


serem deportados.

Placa da deportação de Frankl

GUETO DE THERESIENSTADT
Viktor e Tilly, seus pais e sua sogra foram convocados para deportação;
em seguida, foram levados de trem até a estação terminal de Bauschowitz,
em Praga, na República Tcheca. De lá caminharam 1 hora até o gueto de
Theresienstadt, uma casa de descanso utilizada pela imperatriz Maria Teresa.
Essa casa tinha capacidade aproximada para hospedar 4000 pessoas, mas
lá chegaram a viver mais de 150.000 judeus por vez (no total, considera-se
que passaram mais de 1 milhão de judeus por lá). Ali não era propriamente
um campo de concentração, mas um gueto, um lugar de trânsito. Os judeus
chegavam lá e logo eram distribuídos a diferentes campos de concentração;
a maioria era levada a Auschwitz.
Em Theresienstadt, muitos prisioneiros eram artistas, médicos,
advogados, políticos, entre outros profissionais de destaque. Theresienstadt
tinha fins propagandísticos; lá eram filmados trechos da propaganda nazista
- que eram transmitidos ao mundo - mostravam judeus bem vestidos,
bem alimentados e vivendo em instalações bonitas. A mensagem nazista
era de que cuidavam dos judeus e davam a eles boas condições de vida.
No fim, os que por lá passavam eram igualmente enviados aos campos de
concentração.

24
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Uma das portas do gueto de Theresienstadt. O escrito diz: “o


trabalho nos fará livres”

Em Theresienstadt, os prisioneiros mais velhos morriam


espontaneamente, por causa das condições de vida. Isso era um facilitador
para os nazistas, que não tinham que executar tanta gente nos campos de
concentração. Foi neste local que morreu o pai de Viktor, por pneumonia,
em 13 de Fevereiro de 1942.
Em Theresienstadt também havia um alto número de suicídios,
motivados pelas condições de vida, pelo medo, pela fome e pelo desespero.
Lá, morreram muitas crianças, idosos, mulheres grávidas, e muitos também
se suicidaram. Ou seja, havia já em Theresienstadt uma certa forma de
extermínio sem que os nazistas tivessem que executar ninguém.
Neste local havia trabalhos forçados de todo tipo. Tilly, por exemplo, era
uma mulher que parecia ter muita habilidade manual; por isso, colocaram-
na para trabalhar na fábrica de munições. Como era o local de trânsito para
os campos de extermínio, era ali que se fazia uma primeira seleção para
decidir quem iria para cada campo.

25
Vida e Obra de Viktor Frankl

Elenco da obra musical Brundibár, no gueto de Theresienstadt

Houve também em Theresienstadt uma produção cultural e artística


admirável por parte dos prisioneiros. Todos ali trabalhavam com uma
finalidade: dar testemunho. Foi neste gueto que foi escrita e interpretada,
por exemplo, a obra Brundibár: uma comédia musical que fora interpretada
várias vezes no gueto, inclusive pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha
e outras pessoas livres do mundo. Era dessa forma que os nazistas faziam a
sua propaganda para o mundo passando uma mensagem de que os judeus
eram felizes. Todo o elenco desta obra - homens, mulheres e crianças, como
pode ser visto na foto acima - foi transportado para Auschwitz e incinerado
na câmara de gás quando deixaram de ser úteis para a propaganda nazista.

26
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Desenhos feitos pelos judeus encontrados enterrados em


Theresienstadt

Neste gueto, os judeus - adultos e crianças, artistas ou não - faziam


desenhos e os enterravam, com a finalidade de testemunhar e revelar para
a posteridade o que realmente era vivido naquele lugar. Além dos desenhos,
os judeus também escreviam poesias, músicas, novelas, obras de teatro, etc.

Pintura feita pelo artista Otto Ungar. A cena mostra os crematórios


e os carros utilizados para transportar os judeus mortos para
serem incinerados. Esse quadro foi recuperado e Frankl o teve em
sua casa.

FRANKL EM THERESIENSTADT E AUSCHWITZ


O primeiro evento de impacto na vida de Frankl depois de sua deportação
foi a morte do seu pai, Gabriel. Depois disso, ele tomou uma decisão: cada
vez que tivesse uma oportunidade de ver a sua mãe lhe daria um beijo, pois
aquele poderia ser o último.
Em Theresienstadt, Viktor se encontrou com o rabino Leo Baeck, um
homem tão importante na história do Judaísmo que os nazistas deram-lhe
a oportunidade de sair da Áustria; no entanto, o rabino não aceitou, dizendo

27
Vida e Obra de Viktor Frankl

aos nazistas que era um pastor e deveria estar onde o seu povo estava. Leo
Baeck foi, então, deportado ao gueto de Theresienstadt e lá permaneceu
durante toda a guerra, acompanhando e oferecendo apoio espiritual não só
os judeus, mas a qualquer prisioneiro que por lá passasse.
Além do rabino, também estava no gueto uma discípula sua, Regina
Jonas, a primeira mulher nomeada rabino na história do Judaísmo. Viktor
Frankl, Leo Baeck e Regina Jonas decidiram armar em Theresienstadt um
círculo de conferências clandestinas com a finalidade de sustentar o ânimo
e o espírito dos prisioneiros de Theresienstadt, além de prepará-los para o
que viria depois: o campo de concentração.
Organizaram um plano de prevenção psicológica (psicoprofilático) a fim
de preparar os judeus para suportarem os sofrimentos de Theresienstadt e
o sofrimento posterior dos campos. Dentre o material que se recuperou do
gueto (desenhos, partituras, escritos, etc.), estava este trecho escrito a mão
por Frankl, entre 1942 e 1944:

“Não há nada no mundo que capacite tanto um indivíduo para


superar adversidades externas ou aflições internas como a
consciência de ter um desafio na vida.”

Registro de transporte de Frankl de Theresienstadt para Auschwitz

28
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Viktor recebeu o Registro do transporte para Auschwitz. Tilly era operária


na fábrica de munição em Theresienstadt, e, apesar de ali, ter mais chances
de sobreviver, ao descobrir sobre a partida do marido, ingenuamente pede
para ir junto com ele, achando que permaneceria junto dele.
Nesse momento, o pai de Viktor já havia falecido; a mãe de Tilly já havia
sido enviada para a câmara de gás; e Elsa, a mãe de Frankl, permanecia em
Theresienstadt, embora seu destino já estivesse marcado: terminaria na
câmara de gás. Quando chegam em Auschwitz, Frankl e Tilly são separados:
Tilly vai para Bergen Belsen (campo de mulheres) e Viktor para Birkenau.
Ao se separarem fazem uma promessa: Viktor pede a Tilly que lhe prometa
que vai fazer todo o possível - inclusive favores sexuais, caso os oficiais os
exigissem - para sobreviver ao campo e reencontrar-se com ele em Viena ao
final da guerra.
Quando Viktor chega em Auschwitz, os soldados tiram dele o manuscrito
que havia escrito. Tilly pede a Viktor que prometa que, se ele sobrevivesse ao
campo iria escrever um livro assim que a guerra terminasse, pois ela já estava
certa de que seria um grande aporte para a humanidade. Viktor aceita a
promessa; diz que escreveria o livro, contanto que ela fosse a primeira que o
lesse.
Assim, foram separados um do outro. Não temos muita notícia de como
foi a vida de Tilly após essa separação. Porém, sabemos, a partir da história
de Frankl, como terminou a vida de Tilly e também sabemos que os dois
cumpriram suas promessas.
Por fim, 1938 é o ano que marca a história do mundo, da Áustria, de
Viena, de Viktor e, de alguma maneira, a nossa própria história, pois, sem a
resposta que esse homem deu não teríamos a análise existencial presente
na nossa vida.

PERGUNTAS
Qual a origem do ódio alemão pelo povo judeu?

O Império Austro-Húngaro foi a barreira histórica, política, militar e


religiosa que teve o ocidente antes do ingresso do oriente, particularmente
dos muçulmanos. Isso gerou uma postura muito extrema de defesa,
particularmente do cristianismo, diante da possibilidade do embate
com outros grupos. Isso gerou um rancor quase infantil contra os judeus,
entendidos como os responsáveis pela morte de Jesus. Dessa postura infantil

29
Vida e Obra de Viktor Frankl

começou a gerar um rancor coletivo.


Há outros fatores, no entanto. Um fator econômico, por exemplo: o único
bem portável dos judeus foi o conhecimento. Por isso, muitas personalidades
de destaque da nossa cultura (cientistas, filósofos,etc.) são judeus. Esse
conhecimento lhes outorgou certo poder, que se traduziu em dinheiro.
Tudo isso gerou uma animosidade. Historicamente: todo regime totalitário
se faz forte quando identifica um inimigo comum. Para Hitler, o inimigo
comum encontrado foi os judeus; ele aproveitou uma atitude antissemita e
manipulou, ideologicamente, as pessoas, para que todos cressem que havia
um inimigo que podia colocar em risco o progresso de toda comunidade.
Poderia ter sido outro inimigo num outro sistema totalitário. Todos os
sistemas totalitários, atuais inclusive, necessitam identificar um inimigo e
fazem dele o depositário do ódio coletivo.

Como surge Hitler como figura política na Alemanha?

Hitler começou apresentando à comunidade a recuperação da honra


que havia sido perdida depois da Primeira Guerra Mundial quando, com
a assinatura do tratado de Versalhes, marca-se a rendição do 2º Reich.
(Percebam que a Alemanha sempre teve uma ideologia imperial). Com o
tratado, os alemães tiveram que admitir a derrota e concordar que nunca
mais se preparariam militarmente e que nunca mais começariam uma
guerra; além disso, a Alemanha ainda teve que assumir compromissos
financeiros com diversos países da europa prejudicados pela guerra (esses
compromissos se estenderam até a década de 70). Hitler aparece com
um discurso de que reconquistaria a honra do povo alemão mostrando
novamente que são superiores. Muitos alemães judeus aplaudiam Hitler.
Muitos empresários judeus financiaram a campanha política de Hitler. Mas
ele precisava de mais poder e mais apoio para alcançar o que queria. E quando
um político não recebe apoio espontâneo das pessoas, uma das estratégias
mais eficazes é a manipulação ideológica, fazendo com que creiam que há
um inimigo comum. Foi o que fez Hitler, que tinha apoio político, mas não o
suficiente.
No ano de 1923, Hitler, que já tinha atividade política, organiza um golpe
de estado na Alemanha, uma revolução para tirar o presidente do poder o
presidente e ocupar o seu lugar. Entretanto, o golpe fracassa e Hitler é preso
como um rebelde revolucionário. Na prisão, ele começa a pensar numa

30
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

forma para conquistar mais poder político (o motivo pelo qual seu golpe
fracassara fora, justamente, a falta de poder político). Foi nesse momento
que ele decidiu que os judeus seriam os inimigos. Ali começa o ódio racial
que não existia até então; antes, havia o antissemitismo, mas não o ódio
racial. O ódio, em geral, não é gerado por uma situação natural. Pense no
ódio entre católicos e muçulmanos, entre esquerda e direita, entre católicos
e judeus, entre ricos e pobres: nenhum deles responde à natureza humana,
muito menos à Ontologia que nos ensina Frankl; o ódio entre as partes é
produto de uma manipulação ideológica e política.
Para exemplificar, vejamos o seguinte ocorrido no conflito entre Rússia
e Ucrânia: uma família ucraniana que teve a casa destruída por uma bomba
russa acolheu um soldado russo ferido e ligou para a sua mãe para avisá-la
que o filho estava são e salvo. Isso só reforça que o ódio não é espontâneo, não
é natural, não é humano, mas sim o produto de manipulações ideológicas.
Há sempre alguém se beneficiando do ódio.
Pode haver diferenças, modos distintos de pensar, até conflitos, mas o
ódio que propõe exterminar um povo não é natural.
Alguns dizem que os fins justificam os meios. Nenhum fim, no entanto,
por mais nobre que seja, justifica manipular uma pessoa. Há políticos que
conduzem processos e há políticos que manipulam pessoas. Isso marca a
diferença de duas políticas.
O antissemitismo é um tema religioso. Hitler tomou isso e o traduziu em
ódio racial, não religioso. São coisas distintas. Sua mensagem era algo como
“nós, alemães, temos uma genética superior e os judeus tem uma genética
quase animal, não são pessoas”. É difícil que uma pessoa mate a outra. Para
que eu possa matar alguém, tenho que antes despersonalizar o outro, ou
seja, tenho que transformar a vítima em algo que é menos que uma pessoa,
senão não posso matar.
Quando o filme “A lista de Schindler” estreou na Áustria, o seu diretor,
Steven Spielberg, esteve lá. Ele foi à Áustria especialmente porque queria
conhecer Viktor Frankl. Quando o visitou e convidou-o para a estreia de seu
filme, Steve fez uma confissão: o cineasta disse que o projeto inicial era fazer
um filme baseado no livro “Em busca de sentido”, ou seja, baseado na história
de Frankl nos campos de concentração; porém, os produtores pensaram
que a figura de Schindler teria êxito comercial maior que a de Frankl. Steven
disse que queria que Frankl fosse à estreia, pois muitas passagens do filme
de Schindler foram baseadas, na verdade, no famoso livro de Frankl. Há

31
Vida e Obra de Viktor Frankl

muitas passagens do filme que remetem aos escritos de Frankl em seu livro
e isso não é uma casualidade.
No filme de Schindler há uma cena em que o oficial do campo se levanta
pela manhã, arruma-se, coloca seu uniforme elegante, toma café da manhã
e se coloca a limpar sua arma. Para verificar se sua arma estava funcionando
corretamente, aproxima-se do balcão do seu departamento, mira os
prisioneiros que estavam ali e atira em um deles. Em seguida, guarda a arma
e segue a vida. Para que isso possa acontecer, esse homem que acaba de ser
executado não pode ser considerado uma pessoa, mas um animal; é como
se se matasse um mosquito. Essa foi a chave do ódio: era um tema racial. Se
você tem a casa cheia de insetos precisa exterminá-los porque podem picar
você, e causar doenças. Para fazer isso com pessoas, somente através de
uma manipulação ideológica.
O tempo que estamos vivendo está tão louco que, às vezes, parece
estarmos vendo se repetir muitas coisas que se passaram com Hitler. É uma
pena e uma preocupação muito grande.

Como encontraram o material escondido pelos judeus?

Todo material que se pode ver nos museus sobre holocausto espalhados
pelo mundo foi resgatado depois da guerra, quando muitos sobreviventes
declararam onde que esse material estava enterrado. Quando visitamos
um museu desses, vivemos a experiência de nos conectar com a maldade,
mas, por outro lado, também nos conectamos com a maravilha que é a
pessoa humana, que pode autotranscender, sem perder a sua dignidade.
Os mesmos desenhos e pinturas que nos dão calafrios, também devem nos
causar admiração pela natureza humana. Como bem disse Frankl, o mesmo
homem que foi capaz de inventar a câmara de gás e imaginar formas tão
terríveis de exterminar um povo, também é o homem que pode passar
através do inferno com a cabeça no alto.
Frankl fala de dois tipos de pessoas: as decentes e as que não o são. Só
que, ao invés de dizer pessoas “decentes” e pessoas que “não são decentes”,
ele falava de “santos” e “porcos”. A diferença entre eles é ética. Nesses museus
você vê o testemunho dos porcos, mas também o dos santos. Frankl diz que,
possivelmente, os santos são uma minoria no mundo atual. De todas as
maneiras, não é um desafio unir-se a essa minoria? Não é um desafio decidir
ser santo ao invés de ser porco? Essa é a questão que se coloca a cada um de

32
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

nós: de que lado vamos ficar?


Muitas das fotos dos campos de concentração que temos hoje só existem
porque os alemães pretendiam registrar como havia sido o processo de
extermínio da raça judia; queriam que todos soubessem quem eram os
judeus e como eles haviam desaparecido da Terra (muito parecido com os
museus sobre dinossauros). Para eles, o 3º Reich duraria 1000 anos. Essa era
a fantasia de Hitler.
Por essa razão há tantas fotos dos judeus nos campos e tantas
informações sobre os experimentos científicos que lá se faziam. Eles queriam
ser lembrados no futuro como os benfeitores que livraram o mundo dessa
praga que eram os judeus.
Sobre os experimentos científicos: um deles, por exemplo, consistia em
pegar uma mulher grávida e injetar gasolina para ver o que aconteceria. A
conclusão, obviamente, é que a pessoa morria. Para eles, isso era simplesmente
um novo conhecimento obtido. Um dos médicos mais conhecidos por esses
experimentos foi o Dr. Mengele.
Existem basicamente três tipos de materiais dos judeus encontrados
depois da guerra:
1. Material que os judeus fizeram e enterraram;
2. Fotos que os nazistas deixaram;
3. Fotos dos judeus antes de serem deportados.
Frankl, antes de ser deportado, recolheu uma série de pertences
pessoais e pediu a um amigo católico que os guardasse. Ele gostava de
escalar montanhas, era alpinista. Seus distintivos de alpinistas e algumas
poucas fotos foram deixados com esse amigo; parte desse material pode
ser recuperado. Porém, tudo o que ele tinha em seu consultório foi perdido,
tendo restado apenas as coisas que estavam em sua casa. Dentre as coisas
que ele mais se lamentava ter perdido estavam as cartas que ele havia
trocado com Sigmund Freud.

FRANKL & FREUD


Frankl, como todo jovem estudante de Viena, queria ser o Dr. Freud. Ele
era a referência máxima em Viena. Quando Frankl ingressou nos estudos,
Freud já havia se aposentado da Universidade, de forma que não pode tê-
lo como professor. Na sua inquietude, Viktor enviou uma carta a Freud. Na
casa em frente à casa de Viktor vivia Alfred Adler, que era vizinho e amigo
do pai de Viktor. A poucas casas dali vivia Sigmund Freud. Em um raio de

33
Vida e Obra de Viktor Frankl

10 quadras vivam Frankl, Adler e Freud, os fundadores das três escolas de


psicoterapia. Um dado mais curioso: ao lado do colégio primário de Viktor
havia um asilo municipal, onde viveu Adolf Hitler. Em um raio de 10 quadras
estavam Freud, Adler, Frankl e Hitler.
Para sua surpresa de Viktor, Freud responde sua carta e eles começam
a ter uma comunicação por escrito. Basicamente, Frankl fazia perguntas e
Freud as respondia. Certa vez, no entanto, Frankl não faz uma pergunta, mas
escreve uma reflexão que havia feito; para sua surpresa, novamente, Freud
pede autorização a ele para publicar tal reflexão na Revista Internacional de
Psicanálise, fazendo com Frankl se tornasse o primeiro e único autor não
psicanalista com um artigo publicado neste periódico.
O encontro entre Frankl e Freud foi algo que o marcou muito, pois o
famoso psiquiatra foi o seu primeiro grande mestre. Frankl descreveu o
encontro da seguinte forma:

“O primeiro encontro com Freud foi inteiramente casual. Eu estava


caminhando perto da universidade e me dei conta de que uma
pessoa caminhava diante de mim. Essa pessoa lembrou Freud,
mas pensei que isso seria impossível, pois este homem estava
desalinhado. Seu chapéu e seu casaco estavam bem gastos.
Ele não podia ser o grande Sigmund Freud, pensei. Levava uma
bengala preta com empunhadura de prata e ia batendo no
pavimento e movimentando sua boca. Segui-o. Eu pensei: se de
fato for Freud ele irá dobrar a esquina. Eu sabia seu endereço. Se
ele dobrasse a esquina iria em direção daquele que era Freud. E
ele dobrou a esquina. Me dirigi a ele dizendo: - Doutor Freud, meu
nome é Viktor Frankl. E ele me respondeu: - Viktor Frankl. Viena, 2º
distrito, Czerningasse 6, apartamento 25. Certo?”

Quando se encontraram, Viktor já estava desencantado da psicanálise e


estava na órbita de Adler. Lamentavelmente, essas cartas se perderam.

FRANKL EM DACHAU
Frankl foi levado para Auschwitz em 1944, mas não ficou muito tempo
por lá.
O exército alemão não obteve êxito em sua tentativa de avançar sobre
a Rússia, e foi obrigado a retroceder. De volta ao seu espaço, os alemães
tiveram que desarmar os campos de concentração na Polônia, pois os
russos avançavam. Para desarmar esses campos, especialmente Auschwitz,
o exército usou duas estratégias: (1) Alguns prisioneiros foram levados para
a Alemanha de trem; (2) enquanto outros tiveram que ir da Polônia para a

34
Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Alemanha caminhando. Dentre os judeus que voltaram a pé, muitos não


suportaram o esforço e morreram; os cadáveres iam ficando pelo caminho
(um deles é o da famosa Anne Frank). Viktor foi um dos que foi transportado
de trem da Polônia à Alemanha e passou a ser hospedado numa outra rede
de campos, que possuía um outro sistema: Dachau.
Dentro de Dachau, esteve primeiro em Kaufering e depois Tuerkheim
(ambos os campos pertenciam a Dachau). No campo de Dachau também
estava o padre José Kentenich (fundador de Schoenstatt); ele e Viktor foram,
inclusive, libertados no mesmo dia, no ano de 1945.
Quando Viktor chegou em Dachau, aconteceu um evento significativo:
a Europa estava infectada por uma epidemia de tifo (a guerra termina com
uma epidemia de tifo). Quando Viktor chegou a Dachau, os oficiais do
campo, sabendo que ele era médico, impuseram-lhe a tarefa de cuidar dos
prisioneiros que estavam enfermos. Não havia água potável, remédios ou
comida. De todas as maneiras, Viktor assumiu a responsabilidade de cuidar
deles como médico. Depois de semanas em Dachau, os oficiais do campo
reuniram os prisioneiros que ainda estavam com vida (já que muitos estavam
mortos ou enfermos) e fizeram o seguinte acordo: o exército aliado (EUA)
estava há poucos quilômetros de Dachau, chegaria ali em questão de dias e
liberaria os campos; os alemães sabiam que a guerra já havia terminado para
eles e que não fazia sentido seguir com os trabalhos no campo de Dachau.
Ofereceram, então, um caminhão para todos os prisioneiros que estavam lá
para que fugissem. Imagina o significado disso para os judeus: era como se
o próprio satanás estivesse abrindo as portas do inferno e deixando todos
livres para sair. Sem titubear, os judeus subiram no caminhão para ir o mais
longe possível do campo de concentração.
Quando disseram a Viktor para subir no caminhão para fugir ele negou;
disse que não poderia ir porque estava cuidando dos pacientes e não poderia
deixá-los. Os prisioneiros insistiram com ele, pois não poderia fazer nada pelos
pacientes - todos estavam quase mortos e não haviam medicamentos, nem
água, nem comida. O próprio Viktor, inclusive, já estava com sintomas de
tifo. Mas Viktor respondeu: a obrigação de um médico é curar; e quando não
pode curar, sua responsabilidade é acompanhar aquele que está sofrendo
em seu sofrimento, sem abandoná-los. Isso para nós, logoterapeutas, deve
ser entendido como um primeiro princípio terapêutico.
Pouco dias depois, o exército americano chegou às portas de Dachau e
liberou o campo; defrontaram-se com uma quantidade impressionante de

35
Vida e Obra de Viktor Frankl

mortos e, os que não estavam mortos, estavam muito enfermos, como foi
o caso de Viktor (que estava com tifo). Os americanos liberaram o campo
e levaram Viktor a Munique, onde estava a sede da cruz roxa do exército
americano. Viktor recuperou sua saúde em três semanas. Já recuperado, a
primeira pergunta foi sobre os camaradas que fugiram de caminhão; queria
saber onde estavam para que pudesse encontrá-los e comemorar com eles
a sua libertação. Foi nesse momento que descobriu que o caminhão dos
prisioneiros havia explodido poucos quilômetros depois de sair do campo e
ninguém sobrevivera. A verdade é que os oficiais do campo nunca quiseram
liberta-los. Eles não queriam que ficassem vivos pois denunciariam tudo
o que acontecia em Dachau; então, armaram um caminhão bomba para
retirar os judeus de lá, mandando todos os prisioneiros à morte.
Muitas pessoas, sabendo dessa história do caminhão, diziam a Viktor:
“que sorte a não ter subido ao caminhão!”; ao que Frankl respondia: não foi
sorte, eu simplesmente fiz o que devia fazer. Fazer o que deve ser feito nos
salva. Eis uma regra de ouro para nós, logoterapeutas.

RETORNO PARA VIENA


Frankl superou essa grande decepção pela morte dos camaradas e
começou a trabalhar como médico na Cruz Vermelha do exército americano,
assistindo soldados e outros camaradas feridos. Porém, sua obsessão era
voltar para Viena, pois estava seguro de que lá encontraria com sua amada
Tilly. No entanto, a guerra não estava formalmente terminada (estamos
falando aqui, mais ou menos, de abril de 1945; a guerra terminaria em maio)
e havia ainda alguns focos de combate, o que impedia Viktor de retornar
a Viena. Porém, ele tanto insistiu que um médico, chefe da Cruz Vermelha
do exército americano, outorgou-lhe uma permissão especial para que
fosse a Viena. Chegando lá, decepcionou-se ao vê-la totalmente destruída.
Todos os seus amigos haviam morrido ou desaparecido; os informes da Cruz
Vermelha Internacional confirmavam que seu irmão Walter e sua cunhada
Elsa tinham sido mortos em Auschwitz, bem como sua mãe. Não havia ainda
notícias de Stella, sua irmã. Mas o maior impacto de todos ele teve ao ver a
lista de mortos de Bergen Belsen: sua amada Tilly não havia sobrevivido
Frankl não tinha onde viver, não tinha um trabalho para realizar e nem
alguém a quem amar. Certamente, foi uma das horas mais escuras de sua
vida. Tudo era apenas ruínas.
Viktor vai, então, visitar seu amigo Paul Polak. Paul, católico e médico, foi

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

um dos grandes amigos de Viktor Frankl. Quando Frankl conseguiu visto


para ir aos Estados Unidos, Paul Polak prontificou-se a deixar tudo em Viena
para acompanhar o amigo. Ele foi o primeiro autor que falou de Logoterapia
depois de Frankl. Viktor encontra esse amigo e, segundo ele mesmo diz, foi
a primeira vez que teve a oportunidade de chorar desconsoladamente no
ombro de alguém. Neste momento, ele confessou a Paul que a única coisa
que lhe restava fazer era suicidar-se, pois nada mais tinha sentido para ele.
Muitos sobreviventes se suicidaram ao saírem dos campos e se
encontrarem numa situação muito similar a de Viktor.
Paul Polak contata um outro amigo de Viktor, Bruno Pitterman. Este fazia
fazia parte da juventude política do Partido Social Democrata e conseguiu
um trabalho para Frankl, designando-o como chefe do Departamento
de Neurologia da Policlínica de Viena. Também foi ele que conseguiu um
apartamento para que Frankl vivesse, que terminou por ser o apartamento
onde ele viveria até morrer.
Graças a Bruno, Viktor já tinha um lugar onde viver e um trabalho para
fazer. Mas ele havia feito uma promessa a Tilly: reescrever o livro que os
nazistas haviam destruído quando ele chegou em Auschwitz. Mas como
fazer isso se havia perdido todas as suas notas? O que ele tinha escrito no
campo era insuficiente para reescrevê-lo. A solução foi dada pelo amigo Paul
Polak: ele conservava consigo uma cópia do manuscrito que os nazistas
haviam destruído. Com esse manuscrito e as notas que trouxera do campo,
Frankl pôde voltar a escrever seu livro. Viktor, então, promete a Paul Polak
que voltaria a trabalhar e que escreveria o livro; mas não pode prometer
que, uma vez escrito o livro, não tiraria sua vida. Ele primeiro iria cumprir sua
promessa a Tilly - escrever o livro “A cura médica da alma” - e depois pensaria
no que fazer.
O livro foi lançado e esgotou-se em uma semana.
Frankl ainda escreveu outro livro: Um psicólogo no campo de
concentração. Só que neste ele não colocou seu nome como autor do
livro, pois quis publicá-lo de maneira anônima. Porém, as autoridades não
permitiram e colocaram seu nome. Um psicólogo no campo de concentração
foi um fracasso absoluto. Ninguém comprou; a maioria dos exemplares foi
queimada. Hoje, esse livro é publicado com o nome Em busca de sentido.
Além dos dois livros, Frankl também escreveu uma obra de teatro
chamada Sincronização em Birkenwald, traduzida para o espanhol pelo
próprio Claudio Garcia Pintos. Essa obra estreou em Buenos Aires em 2005,

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Vida e Obra de Viktor Frankl

como Frankl descreveu. Em 2009, estreou novamente, mas agora como uma
uma comédia musical chamada O sonho de Viktor Frankl.
Frankl também escreveu um tango - letra e música - dedicado a Tilly.
Na letra ele menciona que, durante a noite, em sonhos, ele reencontra Tilly;
e durante o dia, vive a angústia de esperar a noite, com a inquietude de
que, em sonhos, pudesse voltar a se encontrar com ela. Escreveu também
poesias, em que fala sobre a sua angústia.

VIKTOR E ELEONORE
Depois que retornou a Viena, Frankl trabalhou na Policlínica até se
aposentar.
No extremo oposto do prédio onde Frankl atendia ficava o Departamento
de Odontologia, cuja enfermeira chefe era Eleonore Katherina Schwindt.
Eleonore era filha de uma família muito humilde e católica de Viena.
Quando a Alemanha anexou a Áustria, todos os homens foram
incorporados exército alemão, inclusive o pai e os irmãos de Eleonore, que
foram enviados à frente oriental (Rússia). Quando ela terminou o colégio,
recebeu a notificação dizendo que também deveria se incorporar ao exército
alemão. Isso significava deixar sua mãe, já idosa, sozinha. Ela, então, vai até
a Policlínica e pede um trabalho como faxineira, pois os profissionais da
Policlínica não eram incorporados ao exército. Mas lá não estavam precisando
de funcionários para limpeza, e sim de enfermeiras. Então, ela começa a
trabalhar como enfermeira no Departamento de Odontologia da Policlínica
- considerado o serviço de Odontologia mais precioso de todo Reich - Freud,
inclusive, recuperava-se do seu câncer de mandíbula nesse serviço; e a irmã
de Hitler também havia sido atendida ali.
Eleonore era tão eficiente como enfermeira que, em pouco tempo,
nomearam-na chefe das enfermeiras.
Certa vez, o serviço de Odontologia precisava de uma cama para deixar
internado um paciente com câncer de mandíbula que havia sido operado,
mas não havia camas desocupadas na Policlínica. Sabia-se que no escritório
do Dr. Frankl havia uma cama, porém, ninguém se animou a pedi-la, pois ele
era um homem muito sério, praticamente não falava com ninguém e, por
isso, tinham medo dele (não sabiam que, na realidade, Frankl vivia era um
estado de angústia muito profunda). Eis que, então, a enfermeira Schwindt
foi pessoalmente pedir a cama a Frankl. Percorreu todo o edifício, parou
diante de Frankl e contou para ele o ocorrido, pedindo, na sequência, a cama

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

para internar o paciente. Frankl mirou-a fisicamente e respondeu que ele


mesmo iria preparar a cama para receber o paciente dela.
A enfermeira voltou surpreendida com a amabilidade de Frankl, não
entendia porque tinham medo de um homem tão amável, porque ninguém
quis falar com ele. O Dr. Frankl, por sua vez, também ficou surpreso e
perguntou para a sua assistente se ela já havia visto alguma vez olhos
tão lindos como o daquela enfermeira. No dia seguinte, Frankl cruzou os
corredores da Policlínica com Eleonore e disse a ela que tinha forte dor nos
dentes, mas que não se tratava pois tinha medo de dentista. A enfermeira,
então, respondeu que se Frankl não fosse se tratar, ela mesma iria buscá-
lo para levá-lo ao dentista. E assim o fez: no dia seguinte foi buscá-lo para
ser tratado; mas, na metade do caminho, Frankl confessou que não tinha
nenhuma dor de dente e nem medo de dentista, que a única coisa que
queria era ter uma desculpa para voltar a vê-la. E foi assim que começou
tudo, diz Eleonore, foi assim que os dois se apaixonaram.

Dia do casamento de Viktor e Eleonore, 18/07/1947

Mas a oficialização da união do casal não foi fácil. Viktor sabia que Tilly
estava morta, mas não tinha os documentos que comprovassem que era
viúvo. Viktor e Eleonore foram, então, viver juntos na casa de Frankl sem
estarem casados, o que era um escândalo muito grande à época. Ele, judeu;

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Vida e Obra de Viktor Frankl

ela, católica. Além disso, Viktor era 20 anos mais velho que Eleonore. Tudo
isso significou que ninguém os apoiou, pois a relação deles era vista como
um escândalo. Para agravar a situação, em pouco tempo Eleonore ficou
grávida. Quando chegaram os documentos que declararam Frankl viúvo,
eles se casaram e logo nasceu Gabriela Frankl, a única filha de Viktor. Foi
uma história de amor profunda, do começo ao fim.
Certa vez, aconteceu algo que marcou a história de amor de Viktor e
Eleonore. Recordam-se da pulseira com um globo que Viktor dera a Tilly
como sinal de compromisso e que ela usava sempre? Pois bem, essa pulseira
não tinha valor financeiro, de modo que nunca a roubaram de Tilly. Um dia,
Viktor cruza com um homem em Viena e percebe que ele estava com essa
pulseira na mão, girando-a no dedo. Frankl, então, para na frente desse
homem e pede para ver a pulseira, comprovando que, de fato, era a pullseira
de Tilly.
Como esse homem havia conseguido aquela pulseira? Quando a guerra
terminou, os aliados devolveram aos respectivos donos muitas das coisas
que os nazistas haviam roubado nos campos. Algumas coisas tinham a
identificação do dono; O que não possuía identificação foi leiloado em
pacotes. Dentro desses pacotes poderia haver coisas valiosas que poderiam
ser vendidas. O homem que encontrou havia comprado um desses pacotes
e nele estava essa pulseira, que, por não ter valor, não pôde ser vendida.
Viktor contou a história da pulseira e o homem o presenteou com ela.
Quando Eleonore voltou da Policlínica, encontrou Viktor no chão de
sua casa chorando desconsoladamente. Ao perguntar o que se passava,
Viktor mostrou a pulseira e lhe contou toda a história. Imaginem como
ele se sentiu ao rever aquela pulseira. Agora imaginem como Eleonore se
sentiu ao ver seu marido, com quem havia casado recentemente, chorando
desconsoladamente pela recordação da sua primeira mulher. Ela o deixou.
Eleonore comenta que Viktor ficou dois ou três dias sem levantar, chorando.
No terceiro dia, Eleonore voltou do hospital e sentiu uma angústia muito
grande, pois Viktor não estava em casa, havia saído. Pensou logo no pior.
Não obstante, Viktor logo voltou para casa com um pacote nas mãos e
deu a ela; era a pulseira de Tilly, porém, com uma diferença: havia nela um
coração que não estava ali antes. E de um lado do coração estava gravado o
número de Frankl quando prisioneiro no campo e, do outro lado, a palavra
amor. Viktor, então, disse a Eleonore: tudo o que tenho para oferecer a você
é o meu passado e o meu amor. Dali em diante, Eleonore passou a usar a

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

pulseira permanentemente.

O AUTOR E SUA OBRA


Para bem conhecer uma obra de alguém, é importante que antes se
conheça o seu autor.
Nem tudo que um autor escreve é resultado de uma pesquisa científica
ou de uma mente mais ou menos brilhante em que surgem ideias incríveis.
Existe uma pessoa por trás da obra, e muito desta pessoa, de sua vida, está
em suas obras. E isso não é diferente com Frankl
Alguns fatos importantes da vida do Dr. Frankl:
Em 1948 ele obteve o Doutorado em Filosofia, apresentando uma tese
sobre O Deus inconsciente (livro: La Presencia Ignorada de Dios). Neste livro,
Frankl fala de Deus. Interessante notar que, quando Frankl fala como médico
ele não fala nunca de Deus - por isso faz uso do conceito de “suprassentido”,
um sentido último que dá sentido a todos os sentidos - , mas quando fala
como filósofo, aí sim Frankl fala de Deus. Ele toma um cuidado muito
particular de não mesclar o âmbito da ciência e o da fé. Isso tem a ver com a
experiência do professor Rudolf Allers.
Oswald Schwarz - padre da Escola Alemã de Medicina Psicosomática - e
o psiquiatra Rudolf Allers foram dois dos grandes mestres de Frankl . Alguns
dizem que o pensamento de Frankl é adleriano, porém, na realidade, é um
pensamento muito mais allersiano que adleriano, porque Allers foi muito
mais seu mestre que Adler.
O Dr. Allers foi um grande psiquiatra que, lamentavelmente, não teve
grande notoriedade, possivelmente por ser muito católico e ter falado muito
de Deus em âmbitos científicos. Naquela época, o positivismo era fortíssimo;
e o cientista que falasse de Deus não era respeitado. De fato, com o avanço
do nazismo, o dr. Allers migra para os Estados Unidos e faz toda sua carreira
lá, porém, sem todo alcance que mereceria ter.
Em 1948 também ocorre outro fato importante: Frankl é nomeado
“professor associado” da Escola de Medicina da Universidade de Viena.
Em 1950 (confirmar) também escreveu outro livros muito importante:
“Homo Patiens”.
Em 1954, os trabalhos de Viktor Frankl começam a ter maior notoriedade.
Neste ano, ele foi convidado a dar conferências em Universidades de diversos
países da Europa (Inglaterra, Holanda, Polônia). Um fato muito significativo:
ele foi convidado pela Universidade de Cracóvia, na Polônia, para dar uma

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Vida e Obra de Viktor Frankl

conferências sobre Filosofia. Quando chegou lá, ficou surpreso ao notar


que a maioria dos alunos da Universidade já conheciam algumas de suas
ideias. Em uma conversa com o reitor da Universidade de Cracóvia, Frankl
fala comenta sobre isso e o reitor lhe explica que isso se devia a um jovem
professor de filosofia que era apaixonado por suas idéias e as ensinava aos
alunos. Esse professor era, nada mais e nada menos, que Karol Wojtyła, que
depois se tornaria o querido Papa, hoje santo, João Paulo II. O personalismo
de João Paulo II é exatamente o pensamento de Viktor Frankl. Frankl tinha
muita simpatia por João Paulo II.
Em 1954 Frankl fez sua primeira viagem para fora da Europa, seu destino
foi a Argentina, convidado por um grupo de humanistas argentinos que
havia estudado na Europa e conhecido sua obra. Sua viagem para Buenos
Aires também possibilitou a fundação da Primeira Sociedade de Logoterapia
do mundo, em 20/10/1954. As primeiras traduções para o espanhol dos livros
de Frankl foram dos livros: “Um psicólogo en el campo de concentración”,
“Homo Patiens” e “El Hombre Incondicionado”.
Desta forma, inicia-se uma relação afetiva entre Frankl e a América
Latina. Frankl disse, depois dessa viagem a Buenos Aires, que sentiu, pela
primeira vez, que suas ideias eram entendidas de uma maneira plena. Ele
sempre achou que o futuro da Logoterapia no mundo estaria na América
Latina.
Ainda em 1954, o professor Gordon Allport, um dos grandes humanistas
americanos, convida Frankl a dar conferências nos Estados Unidos, iniciando-
se, assim, uma relação muito intensa entre Frankl e os EUA. Ao longo de
sua vida, Frankl foi mais de 80 vezes aos Estados Unidos para dar cursos
e conferências. Allport é um dos principais promotores da Logoterapia nos
Estados Unidos, tendo traduzido muitos dos livros de Frankl para o inglês.
O Dr. Allport fundou, juntamente com Abraham Maslow, Carl Rogers
e Rollo May, uma linha de pensamento chamada humanismo americano.
Quando Allers mudou-se para os EUA, Frankl constantemente lhe enviava
seus artigos, livros e conferências. O Dr. Allers nunca contestava o que Frankl
enviava e passava esse material ao Dr. Gordon Allport e isso o fez muito
interessado no pensamento de Frankl.
Em 1955 acontece outro fato significativo que poucos sabem. Ele já era
reconhecido nas Universidades europeias e da América Latina e começava a
ter forte presença nos Estados Unidos. No entanto, em Viena sua obra não era
bem vista pelos seus colegas, que ainda estavam muito ligados à Psicanálise

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

freudiana. Quando chegava Frankl falando do “espírito” eles o desprezavam.


Isso o fez sofrer muito, pois não encontrava reconhecimento em seu próprio
país. Encontrou-se com sua irmã que estava na Austrália e ela pediu que ele
se mudasse para viver com ela. Muitos judeus que fugiram não voltaram aos
seus países de origem por medo. Stella foi uma delas, e insistia com Viktor
para que fosse viver na Austrália com ela. Embora ele quisesse, pois amava
Viena, o fato de não ser reconhecido no âmbito científico de Viena, fez com
que ele decidisse mudar para a Austrália com sua mulher e sua filha.
Até que um dia chegou à casa de Frankl uma senhora chamada
Marguerite Chajes, uma cantora lírica muito importante na Áustria, que tinha
acabado de voltar dos Estados Unidos. E lá nos Estados Unidos, Marguerite
fora convocada por um rabino muito especial do Brooklyn, chamado Mendel
Scheneerson, para pedir-lhe que, quando voltasse a Viena visitasse o D. Viktor
Frankl para transmitir-lhe uma mensagem.
Na verdade, Scheneerson não era um rabino, mas um rebe. Os rebes,
dentro da tradição judaica, são os rabinos que têm uma relação direta com
Deus, por isso são figuras muito importantes dentro do judaísmo. Há muitos
poucos rebes. Marguerite não conhecia o Rebe Schneerson, nem mesmo
conhecia Viktor. Na verdade, nenhum dos três se conheciam. Porém, tendo
em conta a autoridade do Rebe Scheneerson, Marguerite aceitou a missão
e, assim que retornou a Viena, foi cumprir sua promessa. A mensagem do
Rebe para Frankl foi a seguinte:

“O Rebe me pediu que lhe dissesse que não deve render-se. Deve
ser forte. Não se deixe molestar por aqueles que te ridicularizam.
Terá êxito e seu trabalho alcançará um grande avanço.”
(Rebe Schneerson)

Viktor ficou surpreso e aceitou a palavra do Rebe. Era como se Deus


mesmo falasse com ele. Frankl decide, então, permanecer em Viena, somente
por causa da palavra do Rebe.
Na semana seguinte, ele é nomeado professor titular da Universidade
de Viena. Para ele foi como a mensagem do mármore. Uma vez mais sentiu
que recebeu uma mensagem do céu que o pedia para deixar vencer o visto.
Viktor e o Rebe nunca se conheceram pessoalmente.
Frankl teve contato com personalidades importantes. Um dos seus
grandes amigos foi Martin Heidegger, amizade esta que gerou uma forte
dor de cabeça, pois para muitos Heidegger era o ideólogo do nazismo, de

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Vida e Obra de Viktor Frankl

modo que muito se questionou a amizade entre ele e Frankl. Heidegger foi
nomeado reitor da Universidade de Friburgo, na Alemanha.
Ocorre que, sempre que um sistema totalitário se instaura, ele obriga
todos os funcionários a se tornarem membros do partido do governo. E com
Heidegger não foi diferente. Quando ele é nomeado reitor da Universidade
de Friburgo, na Alemanha, é obrigado a se filiar ao partido nazista, tendo,
inclusive, que usar a cruz suástica na manga. Porém, quando Heidegger
percebe que seu pensamento estava se tornando o pensamento oficial do
nazismo, ele renuncia ao cargo de reitor. Para muitos, Heidegger é o filósofo
dos nazistas; mas Frankl dizia que, o que ninguém leva em conta é que ele
teve coragem de sacar a suástica e renunciar ao cargo de reitor no momento
em que os nazistas mais tinham poder.
Quando recebia uma personalidade, Frankl sempre pedia que lhe
deixasse uma mensagem por escrito.
Também trabalhou com com L. Binswanger (pensador da Análise
Existencial) e Karl Jasper (fundador da Psicologia Compreensiva).
Em 1960 também acontecem alguns episódios significativos. Como
já dito, o livro Um psicólogo no campo de concentração ocorre foi um
completo fracasso, não tendo vendido nada. Em 1954, em Buenos Aires,
chegou uma tradução em espanhol desse livro. Allport insistia que esse livro
fosse traduzido para o inglês, para ser mais difundido. Em 1959 foi publicado
Del campo de la muerte al existencialismo, novamente um fracasso editorial
terrível. A maioria dos exemplares foram queimados. O Dr. Allport não se
deu por vencido e buscou outra editora nos EUA e, em 1962, conseguiu
que o livro fosse publicado novamente. E editora, porém, impôs algumas
condições: primeiro, mudar o título do livro para algo menos dramático - de
del campo de la muerte al existencialismo passou a se chamar El hombre
em busca de sentido (Man’s search for meaning). E a segunda condição era
que Frankl agregasse um capítulo em que explicasse alguns conceitos de
seu pensamento. Com essas novidades, o livro foi editado e alcançou êxito
editorial absoluto. Desde então, esse livro é considerado pelos editores um
long seller.
NOTA: Um best seller é um livro que se publica e vende muito; mas um
long seller é um livro que se publica e os editores já sabem que sempre será
muito vendido.. De fato, até o dia de hoje esse livro é publicado e sempre
está esgotado. Foi feito um ranking dos livros mais lidos durante os anos da
pandemia e esse de Frankl está entre os mais lidos no mundo inteiro.

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Em 1961, Frankl foi como professor convidado para a Universidade de


Harvard.
Dentre as inúmeras viagens que fez aos EUA, numa delas, Frankl foi
convidado para visitar a estátua da liberdade. Diante da estátua, comentou
que ela estava incompleta, que deveria ser complementada com a estátua
da responsabilidade. Assim como na costa leste está a liberdade, na costa
oeste deveria ser colocada a estátua da responsabilidade, pois a liberdade
só pode ser compreendida corretamente se estiver acompanhada da
responsabilidade. Na década de 90, um grupo de pensadores decide tomar
em conta a proposta de Frankl e cria uma fundação que se chama “Fundação
Estátua da Responsabilidade”. Essa fundação se propôs a construir a
estátua da responsabilidade no porto de San Diego, na Califórnia. A ideia
era construir a Estátua da Responsabilidade com o mesmo tamanho da
estátua da liberdade. Contrataram um desenhador de monumentos para
projetá-la. E desde a década de 90, a fundação está fazendo campanhas
permanentes para arrecadar fundos para sua construção. A ideia da estátua
é passar a mensagem de que ou “Todos nos salvamos juntos ou vamos
morrer sozinhos”. A estátua possui um protótipo de 2m, mas ainda não pôde
ser construída, por falta de recursos.
Conversando uma vez com Eleanore sobre essa a estátua, Frankl - que
chegou a conhecer o projeto antes de morrer - disse não fazer tanta questão
de que se construísse uma grande estátua, pois mais importante seria que
cada um de nós fôssemos uma estátua de responsabilidade, que cada um
de nós déssemos testemunho de responsabilidade.
Em 1966 visitou o presídio de San Quentin, nos EUA, onde estavam
prisioneiros perigosos e pessoas condenadas à morte. Ele proferiu uma
conferência sobre o sentido da vida para os presos. Os condenados à pena de
morte, estavam em outro setor. Um deles, porém, escutou a conferência por
um alto-falante. Quando Viktor soube disso, pediu para vê-lo e entrevistá-lo.
Na ocasião, Frankl deu a ele um exemplar do livro Um homem em busca
de sentido. Poucos dias depois, esse homem foi executado, mas, antes de
morrer, deixou uma reflexão em que menciona o quanto a leitura do livro
de Frankl havia lhe ajudado a viver esse último tempo de vida. Esse homem
disse “este livro ocorreu em mim”, como se a mensagem do livro tivesse se
incorporado a ele e gerado uma transformação da sua atitude e do seu modo
de pensar. A partir desse momento, dessa experiência com este homem, é
que Frankl começou a falar de biblioterapia, ou seja, da utilização de livros

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Vida e Obra de Viktor Frankl

como recurso terapêutico. Ele dizia que, se o que havia sido terapêutico para
aquele homem tinha sido a leitura do livro.
O livro “Logoterapia em contos” do professor Claudio Garcia Pintos aborda
a biblioterapia. Começou no Brasil um movimento em torno disso, inclusive
com a escrita de livros com essa finalidade.
O livro The will to meaning (em português, A Vontade De Sentido -
Fundamentos E Aplicações Da Logoterapia) é um livro muito recomendável
pelo seguinte: Frankl é um pouco desordenado ao escrever. Não há um só
livro para entender os conceitos, porque em cada livro ele repete os conceitos
e agrega alguma coisa. Porém, este livro é um curso de Logoterapia que ele
deu nos EUA, por isso é um dos que está mais bem organizado. É como um
manual de Logoterapia.
Em 1970 são criados grupos de estudos durante as viagens que fazia
e é fundado o Instituto de Logoterapia na Universidade de San Diego. Os
institutos de Logoterapia, nesse momento, vão surgindo em todo os EUA.
Frankl era alpinista. Muitos caminhos nos Alpes recebem o seu nome por
ele ter sido o primeiro a explorá-lo. Em Mendoza, Viktor foi até a Cordilheira dos
Andes e a primeira coisa que fez foi beijar a montanha. Ele tinha um problema
de saúde, sequela dos tempos do campo de concentração, e morreu por causa
desse problema de coração. Começou a ter um problema de vista também,
estava praticamente cego quando morreu. Seguir escalando montanhas
era, portanto, um risco muito grande para ele, tanto pelo problema cardíaco
como pelo problema de vista. Os médicos e sua família lhe pediam para
deixar o alpinismo. Num dado momento, Viktor aceita e diz: vou deixar a
montanha, mas não penso em abandonar as alturas. Não entenderam muito
o que ele tinha querido dizer, mas ele sabia. Numa próxima viagem aos EUA,
teve aulas para aprender a ser piloto de avião. De fato, aprendeu e pilotou
aviões. Também pediu a Eleonore que fizesse o mesmo curso pelo seguinte
motivo: ele era um homem com problemas cardíacos, portanto, se houvesse
algum problema com ele durante o voo, alguém teria que pousar o avião.
Por isso, Eleonore aceitou o desafio e também aprendeu.
Em 1970 ocorre outro fato significativo. Frankl viaja para Roma a fim
de participar de um encontro. Ao chegar em Roma, foi contatado por
um enviado Papa Paulo VI, membro da Opus Dei, que lhe disse que Sua
Santidade gostaria de ter uma audiência privada com ele. Frankl aceita e
vai ao encontro do Papa juntamente com Eleanore (católica). Ao terminar
a audiência, Viktor já está indo embora quando o secretário do Papa vai ao

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

seu encontro e pede que ele volte, pois o Papa queria dizer-lhe algo mais.
Viktor volta ao Vaticano e o Papa, tomando-lhe as mãos, pede que reze por
ele. Viktor fica terrivelmente emocionado com a atitude do Papa. Como ele
podia pedir a um humilde psiquiatra judeu que rezasse por ele? Já em Viena,
Frankl fica sabendo que o Papa Paulo VI, quando ainda era um sacerdote
comum, fora encarregado de organizar no Vaticano o sistema de asilo aos
judeus perseguidos pelos nazistas. O homem que se tornara Papa, havia
arriscado sua vida ao acolher judeus perseguidos pelos nazistas - entre eles,
seu irmão Walter - nos anos mais obscuros do nazismo. O encontro com o
Papa Paulo VI foi um dos eventos mais importantes para Viktor.
Na década de 80, os congressos vão acontecendo um atrás do outro.
Dentre eles, o I Congresso Mundial de Logoterapia em San Diego, California.
Nessa época, surge a figura da Dra. Elisabeth Lukas, que fundou, em 1986
o Instituto de Logoterapia no sul da Alemanha. Foi a primeira pessoa a dar
um curso de capacitação em Logoterapia. Consideramos a dra. Elisabeth a
primeira e mais destacada discípula de Viktor Frankl. Foi a primeira vez que
uma pessoa apresentou uma tese de doutorado baseada no pensamento de
Frankl. A dra. Lukas vive hoje na Áustria.
Em 1988, em Viena, organizou-se o evento em el DIA DE LA MEMORIA
pelos 50 anos do Anschluss (anexação da Áustria a Alemanha). Um dos
oradores principais desse evento foi Frankl. Uma das questões que ele aborda
é a chamada “culpa coletiva”. Nesse sentido, todos os alemães são culpados
pelo holocausto - os que viveram à época do holocausto e todos os que
vierem depois deles - , todos os alemães são maus e devem ser depreciados.
Frankl nunca concordou com isso, pelo simples fato de que, para ele, a culpa
é PESSOAL. Porém, Frankl foi muito criticado por ser contrário ao conceito de
“culpa coletiva”. Não obstante isso, em 1968, ele se afirmou em sua posição de
uma maneira muito contundente, quando apresenta a ideia de que existem
duas classes de pessoas: santos e porcos; explica que há santos e porcos em
todos os grupos, nações e famílias. Não são todos maus ou bons. Portanto,
houve nazistas que expuseram suas vidas para salvar judeus, assim como
houve judeus que no campo de concentração roubavam comida dos seus
camaradas. Houve judeus porcos e nazistas santos. Esse posicionamento foi
o momento mais importante da história política de Viktor Frankl. O que ele
estava fazendo era uma verdadeira terapia coletiva, ele estava tratando uma
neurose coletiva, e liberando muitos jovens do peso que seguiam carregando
pelo erro de outros.

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Vida e Obra de Viktor Frankl

Nota: há uma minissérie em 4 capítulos estreiada em 1979 nos EUA


chamada Holocausto. QUando estreou nos EUA, teve uma audiência de 120
milhões de pessoas; na Alemanha e na Áustria, teve tal impacto que, a partir
dela, incorporou-se aos currículos das escolas alemãs e austríacas a temática
do holocausto, visando criar consciência nos futuros cidadãos de que isso
não deveria suceder nunca mais. Por ocasião da estreia desta série, Frankl foi
convidado por um programa de TV na Áustria para falar sobre a culpa coletiva.
Ele comenta que, toda vez que viaja aos EUA há alunos que o cercam com o
interesse de saber mais sobre suas experiências no campo de concentração
do que sobre Psicoterapia. Isso fez com que ele pensasse, a princípio, que
seria interessante mostrar algumas imagens sobre a vida no campo de
concentração; Mas que, depois, pensou que também gostaria de mostrar a
imagem de uma granja vizinha a um desses campo de concentração, cujos
donos eram um casal alemão que escondia muitíssimos judeus para que
não fossem deportados aos campos. Com isso, mostraria que nem todos os
alemães foram porcos. Esta temática foi importante e contante em Viktor
Frankl. Em muitos livros ele fala contra a culpa coletiva.
Em 1984, Frankl volta à zona sul da América Latina, desta vez para uma
visita a Porto Alegre. Essa passagem pelo Brasil se tornaria muito importante
na vida de Viktor por motivos que ele nem imaginava.
Frankl já estava no salão vip do aeroporto de Porto Alegre, prestes a retornar
a Viena, quando, em meio a tantas pessoas que tentavam um contato com
ele, notou uma senhora em particular que pedia incessantemente para falar
com o médico austríaco. Viktor, então, percebendo o desespero da mulher,
permitiu que ela entrasse. Era Ella Mayer, uma austríaca, sobrevivente dos
campos de concentração, que havia sido companheira de campo de Tilly, em
Bergen-Belsen. Viktor estava, agora, diante de uma amiga de Tilly, a quem
ela pedido que, caso sobrevivesse, buscasse Frankl para dizer que foi o amor
que sentia por ele e as recordações do tempo que passaram juntos que a
manteve viva em todo o tempo que esteve no campo
No livro O homem em busca de sentido(1945), Viktor conta que pedira a
Otto, um companheiro seu de campo, que lhe prometesse que, ele morresse
e Otto sobrevivesse, ele procuraria Tilly para dizer-lhe que o tinha mantido
vivo nos anos de campo fora o amor que sentia por ela; que os poucos meses
que passaram juntos, casados, foram tão importantes que permitiu a ele
ficar vivo no campo. Quando ouviu a mensagem de Tilly pela boca de Ella,
Viktor percebeu que eram as mesmas palavras que ele falaria a ela, caso não

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

houvesse sobrevivido.
Ella contou que Tilly sobrevivera ao campo, porém, acabou não resistindo
à tifo e morreu poucos dias depois de ser resgatada; disse também que
Tilly havia cumprido a promessa de sobreviver ao campo motivada pela
esperança de reencontrar Viktor.
Foi difícil se separar de Ella Meyer, mas tinha que ir. Viktor, entre lágrimas,
falou para Ella: dia 27/04/1945, dia em que saí do campo de Dachau começaram
a liberar-me. Hoje, 27/04/1984 terminaram de fazê-lo. Ele sentiu que foi o
momento que pôde encerrar a sua história no campo de concentração,
depois de tantos anos.
Em 1985 regressa à Argentina, convidado pelo presidente Dr. Raúl Alfonsín.
A Argentina havia saído de uma ditadura há poucos anos. A aula magna da
faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires tinha capacidade
para 900 pessoas. No momento da palestra de Frankl, no entanto, havia 1400
pessoas no local. Depois de 1985, ele ainda voltou 3 vezes para a Argentina,
recebendo várias distinções honoris causa, sendo que a mais importante foi
a recebida pela Universidade Católica Argentina (que nunca havia concedido
esse título para alguém que não fosse do clero).
Em 1988 Frankl viajou para Israel, onde teve seu segundo Bar Mitzvah (uma
segunda afirmação de sua fé judaica). Muito se ouve a respeito de uma suposta
conversão de Frankl ao catolicismo, mas isso não procede. Frankl nasceu e
morreu judeu. E mais: em sua vida privada era uma pessoa extremamente
religiosa; orava todos os dias de acordo com os costumes judeus. Mas isso
não impedia que Frankl tivesse muitos amigos não judeus, inclusive João
Paulo II e Madre Teresa de Calcutá. Viktor era filho de pais muito religiosos;
Gabriel Frankl, era um judeu de muita atividade em todos os serviços da
sinagoga. No entanto, apesar de a casa deles ser tradicionalmente judia,
Frankl possuía um sendo ecumênico muito importante. Quando criança,
por exemplo, costumava visitar o convento das monjas carmelitas que ficava
a uma quadra de sua casa. Todas as tardes, as monjas organizavam jogos,
serviam chocolate quente e, seguramente, ensinavam o catecismo católico
às crianças do bairro . E os pais nunca acharam inconveniente que seu filho
estivesse em meio às monjas católicas, mostrando a abertura ao catolicismo,
sem que isso significasse uma negação da própria fé. Numa visita a Buenos
Aires, os organizadores, sabendo que era muito religioso, levaram Frankl a
uma sinagoga central. Porém, quando podia escapar dos organizadores,
Frankl ia orar na catedral metropolitana de Buenos Aires, pois dizia haver um

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Vida e Obra de Viktor Frankl

clima na catedral que o fazia sentir a presença de Deus. Um dia uma pessoa
o reconhece na Catedral e questiona o que um judeu estaria fazendo num
templo católico; ao que Frankl respondeu: perdão, acaso Deus não está em
todas as partes?
Esse sentido ecumênico em Frankl, de alguma forma também se mostra
em sua postura como cientista: ele nunca vai estar contra algum autor;
geralmente, ele diz que concorda com algumas coisas e discorda de outras,
mas nunca vai contra o autor.
Nota: quando Frankl faleceu, em 1997, as pessoas que frequentavam a
Universidade Católica davam os pêsames ao professor Cláudio Garcia Pintos
e à professora Martha Iglesias, pois consideravam-nos familiares de Viktor.
Nos diários havia avisos sobre a morte de Frankl tanto com uma cruz, como
se Frankl fosse católico, quanto com uma estrela davi, dando certeza de que
ele era judeu, ou ainda sem símbolo nenhum, como se fosse agnóstico. Isso
por causa da duvida que circulava sobre a fé de Frankl.
Dos 10 livros mais influentes na América, O homem em busca de sentido
aparece em 8º lugar.
Em 1993 ele recebe uma nova distinção Honoris Causa, desta vez
outorgada pela universidade de Chicago. Ele é o cientista com mais
distinções honoris causas do século XX: são 30 distinções Honoris Causas
concedidas por Universidades dos 5 continentes. A distinção de Chicago
era a de número 30. No ato, a Universidade quis distinguir não só a Viktor
Frankl, mas também a Eleonore Frankl, considerando sua importância para
o desenvolvimento da Logoterapia, por isso ela também recebeu a distinção
honoris causa. Um pouco antes do evento, porém, Frankl disse que não queria
receber a distinção, pois desejava que, naquela noite, naquele ato, o mundo
inteiro estivesse atento somente a Eleanore. As autoridades da Universidade
aceitaram e assim aconteceu. Durante o ato, ele ficou sentado com o público
e quando chamaram Eleanore ao palco ela foi aplaudida pelas 3000 pessoas
presentes.no local. Quando ela saiu do palco, Viktor se aproximou, tomou o
rosto dela com as duas mãos e deu-lhe um beijo na testa. Isso, disse depois
Eleonore, é amor. Naquele momento as 3000 pessoas se colocaram de pé e
seguiram aplaudindo.
Nota: Muito provavelmente, se não houvesse Eleonore não estaríamos
falando hoje de Frankl. Ela foi suporte em todos os sentidos na vida dele. Ele
nunca escreveu nada: ele sempre ditava e era Eleonore quem escrevia. Essa
mulher consagrou sua vida a Viktor, viveu só para ele. Viktor não queria que

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

Eleonore cozinhasse, pois achava que era uma perda de tempo; só permitia
que ela o fizesse uma única vez por ano, para fazer uma receita especial que
ele gostava.
Em 1995, a pedido dos editores, Frankl decidiu escrever um pequeno
livro autobiográfico (Recollections em inglês, O que não está escrito em
meus livros em português). Também em 1995, o Conselho Pontifício para
os agentes da saúde escreveu um tratado de bioética em que declara a
Logoterapia como a psicoterapia privilegiada. Nunca antes, em 2000 anos
de história, a Igreja Católica havia sugerido em um documento como esse,
ao falar sobre saúde psíquica, uma linha de psicoterapia a ser seguida. Esse
documento foi emitido no pontificado de João Paulo II.
A última conferência de Frankl foi em 16/10/1996. O ano de 1996 foi um
ano muito difícil para Frankl. Ele teve perdas familiares, inclusive de sua irmã
Stella. A notícia da morte de sua irmã teve um impacto muito grande sobre
ele. A relação deles, desde crianças, era muito forte - ela era um dos amores
de Viktor. Tal foi o impacto da notícia de sua morte que, na tarde daquele
dia, ele sofreu um ataque cardíaco, tendo que ser internado com urgência.
A partir daí, ele nunca se recuperou completamente, tendo que ser assistido
todos os dias porque lhe faltava ar. De alguma maneira, o falecimento de
Frankl começa quando recebe a notícia da morte de sua irmã.
Em 1997 publica seu último livro, uma versão ampliada do Deus
inconsciente. Notem que um de seus primeiros livros é Man’s Search for
Meaning e o último chama-se Man’s Search for Ultimate Meaning.
Em 1997 chegamos ao ponto final da sua história. Viktor sofria do coração
e tinha um problema de vista, terminando sua vida praticamente cego.
Foi internado e disseram-lhe que a única alternativa era uma cirurgia para
colocação de cateteres, um procedimento arriscado para alguém em seu
estado de saúde, mas sem o qual ele corria o risco de morrer a qualquer
momento. Ele mesmo tomou a decisão de ser operado, livrando a família
dessa decisão. Ao chegar para operar, as enfermeiras choravam e ele as
apoiava. Antes de entrar, olhou para Eleonore e disse que havia deixado
uma mensagem para ela em um livro dele. Operou, tudo ocorreu bem, mas
faleceu poucos dias depois, em 02 de Setembro de 1997, na mesma semana
que faleceu Madre Teresa.
Anos antes de falecer, Frankl tinha recebido uma distinção especial pela
República da Áustria, outorgando-lhe honras como um dos filhos mais
importantes do país. Por causa disso, ele foi enterrado com as mesmas honras

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Vida e Obra de Viktor Frankl

de um presidente da Áustria. Em testamento, porém, Frankl renunciou a


todas as honras; não queria um funeral especial, queria ser enterrado no
setor judaico do cemitério municipal de Viena, na mesma tumba em que
estavam enterrados seus avós. E na lápide queria que escrevessem: Viktor
Emil Frankl, sua data de nascimento e sua data de morte, nada mais. Deixou
isso expresso em testamento: “cheguei a este mundo sendo Viktor Emil
Frankl e vou partir desse mundo sendo nada mais que Viktor Emil Frankl”.
Assim foi feito, conforme seu testamento. Eleonore encontrou no livro
Homo Patiens - dedicado a Elly - a mensagem que ele havia deixado a ela.
Originalmente, quando você abre este livro, na primeira página está escrito
Elly, nada mais. Mas quando ela abriu o livro encontrou algo a mais, escrito a
mão por Viktor: “para Elly, que soube transformar um homem que sofria em
um homem que amava”.
Não é costume dos judeus colocar flores nas tumbas, mas sim pedras.
Mas a tumba de Frankl é a única no setor judio que tem flores, porque sua
mulher é católica.
A motivação de Frankl sempre foi o amor que tinha à pessoa humana.
Como poderia, tendo sofrido o que sofreu, dizer que houve homens de
uniforme que eram santos? Ele só podia fazer isso porque era capaz de ver
a pessoa que estava atrás do uniforme. Como pode decidir ficar em Viena
sabendo que isso significava ir para um campo de concentração? Como
pode ter tratado o Oficial da SS que o haveria de deportar? Por que Frankl
tomou as decisões que tomou? Porque amava a pessoa humana.
Ser psicoterapeuta é uma profissão, mas tenha presente que formar-se
em Logoterapia é um desafio, uma decisão de vida.

“Com Frankl aprendi a amar a pessoa humana.” (Prof. Claudio


Garcia Pintos)

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Pós-Graduação em Logoterapia e Análise Existencial

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
▶ En El Principio Era El Sentido – Reflexiones en Torno al Ser Humano -
Viktor E. Frankl
▶ Um Sentido Para a Vida - Psicoterapia e Humanismo - Viktor E. Frankl

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