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Éric Laurent
julgamento de Eichmann, com o objetivo de extrair elementos para uma discussão sobre
responsabilidade que todo ser falante possui com relação ao inconsciente e ao seu modo
pulsão de morte. O conceito de biopolítica e estado de exceção trabalhados por Agamben são
Abstract: This article retakes the notions of responsibility and banality of evil in Hannah
Arendt’s theorizing on totalitarianism in the Nazi regime and Eichmann’s judgement, with the
1
O presente artigo retoma e desenvolve apresentação realizada no Núcleo de Psicanálise e Direito, do Instituto
de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais – Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais, em
22/09/2008. Texto enviado para publicação na Revista Psicologia: Ciência e Profissão, 2023.
speaking-being has for the unconscious and its mode of relationship with jouissance,
jouissance and make possible a treatment of the death drive. The concept of biopolitics and
state of exception developed by Agamben are also taken up, aiming to discuss the
responsibility of the insane offender, as an indispensable element for the civilizing process,
indicating the difference between punishment and responsibility that psychoanalysis makes
possible.
Resumen:
El artículo retoma las nociones de responsabilidad y banalidad del mal a partir de la lectura
Eichmann, con el objetivo de extraer elementos para una discusión sobre la responsabilidad,
responsabilidad que tiene todo ser hablante en relación con el inconsciente y su modo único
responsabilidad puede funcionar como una ficción articuladora capaz de legitimar los
desarrollado por Agamben, con el objetivo de discutir la responsabilidad del loco infractor,
que a violência que caracteriza a ação da pulsão de morte é ineliminável. Contudo, tende-se a
não reconhecer sua ação silenciosa e insuprimível. Considerando que nos momentos de
guerra a vertente destrutiva da pulsão de morte prevalece, o autor pondera que a guerra vai
1932/1996). Quais recursos permitiriam lidar com a destruição que caracteriza a ação da
pulsão de morte, que pode atingir as relações entre os seres falantes e os processos
2020) correlato a um declínio do uso da palavra (Gomes, 2020). Para pensarmos as questões
abertas diante dessa constatação, retomamos neste artigo algumas contribuições de Hannah
responsabilidade, bem como alguns elementos trazidos pela psicanálise para a discussão
articular o sujeito ao seu modo singular de gozo, elemento êxtimo2 que se constitui para o ser
falante a partir do encontro com a língua. Ainda que os atos de um ser que fala sejam
inevitavelmente escapa, o sujeito é sempre responsável por sua posição, como afirma Lacan
(1966/1998 ).
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termo forjado por Lacan para designar o aspecto exterior e ao mesmo tempo íntimo que caracteriza o gozo.
buraco que decorre do fato de o ser falante ser afetado pelo sexo. O trabalho da psicanálise
envolve sempre lidar com essa falha, esse buraco da função do significante que Lacan
nomeia de real. O real indica a impossibilidade da relação sexual para o ser falante, na
medida em que essa relação só pode ser apreendida a partir da linguagem, do significante, e
justamente por isso sempre falha, rateia. Diferentemente dos animais que têm a copulação
falante não pode contar com um saber prévio que lhe permita orientar-se no campo sexual. É
O termo gozo designa o excesso produzido pelo uso da língua que se incrusta na
Essa perturbação no corpo resultante do fato de sermos seres de fala é uma consequência da
fora do sentido e tem inclusive a propriedade de dissolver o sentido. Ele está ligado à
como o mais além do princípio do prazer. Segundo Laurent (2016), “o gozo é o que faz
desordem no simbólico e não pode encontrar aí nem seu lugar, nem seu laço: ele se apresenta
como irrupção ou emergência” (p. 209). Designa um resto da constituição do sujeito a partir
do encontro com a língua que faz parte do sintoma de cada um e pelo qual se é, em última
instância, responsável.
pois tendemos a excluir tudo aquilo que nos parece repugnante. Entretanto, diz ele, pela via
da análise, posso chegar a saber que isso que é rejeitado “não apenas ‘está’ em mim, mas vez
e outra ‘age’ também desde mim para fora” (Freud, 1925/1987, p. 147). Dessa forma, esse
elemento exterior e ao mesmo tempo íntimo, que o sujeito tende a não reconhecer como
próprio e que define a sua posição de gozo é de sua própria responsabilidade (Gomes, 2020).
Esse elemento corresponde ao mal que cada um porta consigo. De acordo com Miller (2008),
No que se refere à dimensão do ato, para todo ser falante existe um aspecto fora de si
que perpassa o momento em que ele se dá e só depois se torna possível reconstituir o que se
passou. Nesse sentido, a psicanálise, segundo Miller (1999), é uma ética das consequências
tempo jurídico e ético. Além de sua definição pela lei positiva, Lacan busca para ele um
ato, não há sujeito, há gozo. Cottet considera que “nessa situação de ‘destituição subjetiva’ e
de cola no objeto, a escolha de gozo torna obsoleta toda deliberação” (Cottet, 2008, p. 35). É
uma escolha forçada, não livre, definida pelo gozo que é visado. Mas essa opacidade não
banalidade do mal, bem como alguns elementos que irão fazer parte do conceito de
instituições, lideranças; a única certeza que se tem é de que a vontade mutável do Fürher
deve ser obedecida de forma incondicional. Segundo Eichmann, as palavras de Hitler tinham
“força de lei”. A ideia de movimento é central nesse sistema de governo, as regras mudam
continuamente de acordo com a vontade do líder, mas estão sempre presentes compondo uma
nova ordem.
ao funcionamento da estrutura, para que se torne possível o domínio total dos homens. Para
governo totalitário, que segue diretrizes nazifacistas. Toda atividade autônoma é extinta,
exigindo-se a lealdade total e irrestrita ao líder. Do ponto de vista político, o que se busca é a
mundo. O sujeito desejante, na sua simples existência, é uma ameaça ao movimento total.
transformação da sociedade em massa. Uma atomização das relações coletivas precede essa
A queda das paredes protetoras das classes transformou as maiorias adormecidas, que
existiam por trás de todos os partidos, numa grande massa desorganizada e desestruturada de
indivíduos furiosos que nada tinham em comum exceto a vaga noção de que as esperanças
Arendt considera que as massas não se reúnem em torno de interesses comuns, não se
O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu
número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa
atinge o corpo social, incluindo as relações familiares, o que é mostrado pelo alto número de
delações de parentes durante o regime nazista. No sistema totalitário, a transformação da
sociedade em massa seria o primeiro passo para atingir o objetivo da dominação total: que os
O governo totalitário conta com o apoio das massas. Mas, o que sustentaria a relação
Arendt (1989) propõe a tese de que o indivíduo isolado teria grande atração pelo
O discurso do líder totalitário não faz apelo ao sentido, não apresenta coerência, mas
vai se desintegrando até restar como pura voz que convoca o gozo. É o império da violência
sem sentido. Quanto a esse aspecto, o totalitarismo pode ser lido como um sistema cujo
programa maior seria reduzir o sujeito à condição de objeto, realizando um gozo mortífero. A
voz do líder funciona como um imperativo do supereu e a política nazista busca obter dos
homens uma obediência de cadáveres (kadavergehorsam). Para Serge Cottet (2008), é pela
falha inerente ao simbólico que o supereu, em sua vertente de imperativo de gozo, pode se
mundo não totalitário. Entretanto, novos decretos e regras eram constantemente criados,
modo de governo, configurando-se como primeiro passo para transformação daqueles que
não aderem às proposições do governo, dos apátridas, dos desempregados e dos indesejáveis
que em Kafka (2001), ainda há o processo que leva o sujeito à condenação, mesmo que ele
não saiba por que está sendo acusado e que os dispositivos de defesa não funcionem. No
totalitarismo, por outro lado, abole-se o direito processual, não havendo quaisquer
dispositivos que permitam a defesa. Assim, os mecanismos que a civilização construiu para
realidade compartilhada.
Para Arendt (1989), essa substituição da realidade produz uma crença na ideia de que
“tudo é possível”, cuja figuração maior é o campo de concentração, local onde se produz a
domínio total do homem, produz adesão pela suspensão da norma e de qualquer juízo,
convocando o gozo e causando uma destruição sem precedentes. Assim, os prisioneiros dos
campos de concentração são reduzidos à condição de objeto, e a humanidade, ao que ela tem
foram banidos pela lei e se tornaram, por isso, extermináveis. Giorgio Agamben define o
estado de exceção como um terreno anômico, “onde o que está em jogo é uma força de lei
sem lei. Essa força de lei é seguramente um elemento místico, ou melhor, uma ficção pela
qual o direito tenta anexar a anomia” (Agamben, 2003, p. 4). O autor esclarece que a exceção
não é sem relação à norma. Ela designa um caso singular excluído da norma geral, que é,
contudo, capturado no ato de exclusão. Não se trata, portanto, de uma simples exclusão, mas
de uma inclusão que se dá pela captura no momento da exclusão. O estado de exceção porta
uma vocação, que é a de garantir a articulação entre dois elementos heterogêneos: o nomos e
a anomia, a lei e as formas de vida. Agamben (2002) recupera essa ideia em Carl Schmitt,
para dizer que a soberania, como estado de exceção, passou a ser lugar comum na vida
o soberano tem a possibilidade de se colocar legalmente fora da lei, com seu poder de
por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal” (Agamben, 2003, p. 2).
O autor acrescenta que “soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer
homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e insacrificável, é a vida que
foi capturada nessa esfera.” (Agamben, 2002, p. 91). Os gregos utilizavam dois termos para
se referir à vida: Zoé, que designa o simples fato de viver que caracteriza os seres vivos e
constitui a vida natural, e Bios, que designa a maneira de viver característica de um indivíduo
ou grupo e constitui a vida política. A implicação da vida natural (Zoé) na política que
Agamben (2002) afirma que a exceção funciona como uma relação de bando. Retoma
banimento da comunidade, que implica ser abandonado pela lei como um fora da lei, deixado
à margem, num espaço que não é dentro nem fora do ordenamento, em que a vida e o direito,
Agamben (2002) parte de elementos trazidos por Michel Foucault e Hannah Arendt
para pensar a biopolítica e o estado de exceção. Em alguns momentos de sua obra, Foucault
ressalta que a vida natural tornou-se central na política. No século XVIII, houve uma
viver” ao “direito de causar a vida ou devolver à morte” (Foucault, 1988, p. 130). O corpo
passou a fazer parte dos cálculos do poder e tornou-se alvo da política, levando à
surgimento das disciplinas. Foi a partir dessa mudança que surgiram as políticas higiênicas e
eugênicas, com a proposta de alcançar “melhorias” na população das cidades e nas raças,
dirigiu seus investimentos à dimensão biológica do corpo. Para que se pudesse garantir a
oferta de força de trabalho, a vida em sua dimensão biológica e a saúde da nação passaram a
fazer parte dos cálculos do poder soberano, como problemas a serem tratados. Esse poder
soberano pode decidir sobre o estado de exceção, ou seja, sobre a vida e a morte.
seria exatamente a inclusão da vida nua, que é antiga, mas o fato de que a exceção cada vez
mais se torna a regra e o espaço da vida nua vai deixando a margem do ordenamento para
adentrar o espaço político, fazendo com que interno e externo, direito e fato, bios e zoé,
passem a fazer parte de uma zona de indiferenciação irredutível. O autor define a biopolítica
como “a crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos cálculos do
poder” (Agamben, 2002, p. 125). Para ele, teria escapado a Hannah Arendt o fato de que essa
“radical transformação da política em espaço da vida nua (ou seja, em um campo) legitimou e
tornou necessário o domínio total” (Agamben, 2002, p. 126). O campo de concentração seria,
cadáveres. Aqueles que foram tomados pelo regime totalitário como indesejáveis ou
supérfluos e, portanto, poderiam ser eliminados, são transformados num primeiro momento
em mortos-vivos:
silencioso consentimento a tais condições sem precedentes resultam daqueles eventos que,
direitos, como quaisquer cidadãos. O passo seguinte seria então a morte real produzida pelos
massacres administrativos.
descumprimento das ordens. Ninguém que se negou a participar de um massacre foi punido
fazê-lo.
Para pensar o mal que surge com o totalitarismo, Hannah Arendt (1989) parte do
conceito de mal radical proposto por Kant – filósofo que antecipa a dimensão política do mal
demoníaco – para abordar a banalidade do mal, forma contemporânea do mal que desafia
civilização operada no governo nazista tem como correlato a dificuldade de pensar essa nova
forma de mal no quadro dos sistemas político e legal existentes até então. O totalitarismo traz
uma ruptura que desafia a política contemporânea, pois surge como uma possibilidade. Nas
palavras de Hannah Arendt, “as soluções totalitárias podem muito bem sobreviver à queda
dos regimes totalitários sob a forma de forte tentação que surgirá sempre que pareça
Entretanto, essa novidade, segundo Badiou (1995), não pode ser lida como um
superioridade dos arianos. A política nazista não se constitui como um processo de verdade,
apesar de suscitar a fidelidade do povo alemão, pois ao invés de convocar um vazio, convoca
poder, Hannah Arendt considera que haveria nesse modo de governo uma destruição do
político. É sobre esse ponto que incide a crítica de Badiou às ideias da autora, afirmando que
há sim uma política nazista. Arendt define a política como o cenário do “estar junto”.
Entretanto, Hitler buscava o “estar junto” dos alemães. Para Badiou (1995, p.75), “podem
Contudo, esse seria tema para outra discussão e aqui nos interessa retomar as contribuições
do carrasco nazista em 1961, Hannah Arendt (1983) escreve um texto em que recolhe do
desfazendo um mito em torno de sua figura: onde se poderia esperar um monstro, dado as
Arendt toma para si a tarefa de trazer à luz o que até então fora silenciado por seu povo,
trazendo implicações morais que vão além do que pudera imaginar (Souki, 1998). Desvela-se
diante da sugestão de que não publicasse o livro, Arendt o publica, seguindo seu
compromisso de apresentar a verdade dos fatos. Nesse sentido, podemos pensar a publicação
Arendt afirma que “o problema com Eichmann é que havia muitos iguais a ele e que, a
maioria não era nem pervertida nem sádica, eram e ainda são terrível e aterradoramente
Ela pôde constatar que Eichmann não apresentou nenhuma grande motivação para os
seus atos, ao contrário, não alimentava nenhum ódio especial aos judeus e tinha entre eles
parentes aos quais prestou ajuda. Dizia ter o desejo de construir uma carreira de acordo com
padrões de uma “sociedade respeitável” e tinha Hitler como modelo de sucesso, por ter
começado sua carreira como simples cabo do exército alemão. Em suas palavras: “Bastava o
seu sucesso para provar que eu devia me subordinar a esse homem” (Arendt, 1983, p. 143).
totalitário, que, em última instância, visava dar às ações do governo uma aparência de
normalidade.
3
Arendt aponta, nesse sentido, que os judeus facilitaram, de certo modo, o trabalho dos nazistas, pois
organizaram listas contendo seus nomes, das quais os nazistas se apropriaram para enviá-los aos campos de
concentração
Segundo Rinaldi, no governo nazista,
lugar dos termos “extermínio”, “eliminação” e “assassinato”, visavam construir uma nova
infligido ao outro, ao invés de dizerem “Que coisas horríveis eu fiz com as pessoas”, diziam:
“Que coisas horríveis eu tive de ver na execução de meus deveres, como essa tarefa pesa
sobre os meus ombros” (Arendt, op.cit:122). Essas “regras”, integradas à lei enquanto
executor da lei a objeto dessa lei, em que a piedade invertia sua direção e voltava-se para ele
próprio. É esse mascaramento que sustenta o paradoxo que Eichmann apresentou, ao final do
processo, de condenar a ordem nazista, ao mesmo tempo que reafirmava sua lealdade a ela,
sem nenhuma culpa. Vê-se aqui o lugar do carrasco como objeto do gozo do Outro, na sua
O texto de Lacan Kant com Sade (1963/1998) permite esclarecer o que se encontra em
jogo nessa submissão à lei moral kantiana. Sade torna possível mostrar, na relação
torturador-torturado, o objeto que aponta a dimensão do gozo, do qual Kant tenta se esquivar
ao se ater à dimensão do ideal. Lacan mostra, assim, a face do gozo obscuro, cego e tirânico
Os significantes “politicamente corretos” são usados para distorcer a ordem comum e tentar
construiu para moderar o gozo que atinge a própria dimensão da linguagem, a qual aparece
Quanto a esse aspecto, Arendt se recusa a adotar a concepção de que haveria um sentido
1983, p. 172).
Durante o julgamento, a defesa argumentou que Eichmann seria apenas uma “pecinha
sem importância” (Arendt, 1983, p. 297) na engrenagem que tinha como objetivo chegar à
chamada Solução Final. A tese da defesa era de que ele não agiu como homem, mas como
um funcionário e nada mais. O promotor, contudo, considerava que ele seria um motor da
engrenagem burocrática nazista. A Corte, por sua vez, concluiu que um crime dessa ordem
“só poderia ter sido cometido por uma gigantesca burocracia, usando os recursos do governo”
(Arendt, 1983, p. 297), sem, contudo, desresponsabilizar Eichmann e culminando com sua
condenação à morte.
responsabilidade dos estados e dos povos” (Souki, 1998, p. 83), particularmente, dos que
inteiro obedece a um monstro? Atenta a essa problemática, Hannah Arendt (2004) propõe que
colocou-se como responsável pelos problemas gerados pelos antigos governantes da França,
mas não pode ser considerado culpado por eles, pois não se pode culpar alguém por atos que
Cabe, ainda, ressaltar a questão do descuido apontado pela autora, quando ela indica a
banalidade estaria ainda no fato de Eichmann ter se tornado um dos maiores assassinos do
governo nazista também por esse descuido que nos remete à ação da pulsão de morte, e não
por uma natureza demoníaca. Eichmann demonstrou, durante o julgamento, um descuido com
a vida de outrem que em última instância estendia-se à sua própria vida, pois seus atos e seu
fora dos homens e, assim, desumanizá-los” (p. 297). Trata-se de um sistema que automatiza
as ações, que se tornam protocolares, e prescinde da reflexão, da ética que perpassa cada
desejante. Nesse sentido, a burocracia pode ser tomada como uma das formas de
o uso da palavra, oferecer ao ser falante a possibilidade de tomar a palavra torna-se cada vez
mais essencial, favorecendo que no lugar do descuido produzido pela burocracia possa ser
resgatada a responsabilidade de cada um. Desse modo, cabe, por um lado, pensarmos o lugar
nos remete à presença da clínica nas instituições como possibilidade de uma experiência
suas invenções singulares. No lugar do descuido produzido pela burocracia, pode-se ofertar
responsabilidade deve ser pensada justamente a partir do saber-fazer próprio de cada um.
como poderíamos pensar a responsabilidade de sujeitos que praticaram atos fora da lei e
comete um crime, a Psiquiatria Forense, via de regra, considera que não possui a capacidade
de entender o caráter ilícito do fato ou que não pode se determinar de acordo com esse
inimputáveis não poderiam responder pelo ato. A Justiça absolve-as impropriamente e aplica
a medida de segurança.
ordenamento, em que se encontra abandonado pela lei. No Brasil, encontramos essa figura no
recrudescia e imperava no ocidente, esse instituto jurídico retira dos loucos infratores a
presumidamente perigosos e, portanto, sem garantias legais como os demais cidadãos que
respondem por crimes. Quem recebe uma pena sabe por quanto tempo irá responder, há um
limite da pena estabelecido por lei, não sendo permitida a prisão perpétua em nosso país. O
mesmo não acontece com os submetidos à medida de segurança, que não tem tempo máximo
de duração, mas deve durar enquanto persistir a suposta periculosidade do agente. Considerar
alguém como perigoso implica tomá-lo como objeto do controle, dispensando o sujeito e sua
constitucionais advindas com a Norma Suprema de 1988 (Brasil, 1988/2013), mas ainda
assim continua sendo aplicada. Como esclarece Agamben (2002, p. 25), “a exceção é uma
espécie de exclusão. Ela é um caso singular, que é excluído da norma geral”. É uma exclusão
que suspende a norma, mantendo certa relação com esta, produzindo uma zona de indiferença
cabo é sua própria condição existencial) realiza o louco, que comete um injusto penal, como
vida nua. Trata-se, pois, de um espaço jurídico dissonante de toda a sistemática penal. A cisão
dividido, excluído e rejeitado, no caso também o normal e o patológico, para que seja incluído
como fundamento. (...) Pode-se dizer que o fundamento do direito penal tal como está posto
se dá por essa extração do louco e sua recaptura no sistema penal através de uma exceção.
constitui na relação com a exceção, pois ao suspender-se, abre espaço para a exceção, que
assim constitui a regra como tal. Essas complexas relações topológicas entre interno e externo
No que se refere ao louco, trata-se de algo que é muito mais amplo, não se limitando
ao abandono pela lei, no campo do Direito Penal. Tomar a loucura como exceção é uma
fundamental dessa vergonhosa e triste realidade é mostrado pela expectativa de vida dessa
população, que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é entre 10 e 20 anos menor
que o restante da população em geral. De acordo com a OMS, “pessoas que sofrem de
antes do que a população em geral, principalmente devido a doenças físicas evitáveis” (OMS,
2022, p. 3). Nesse sentido, Oliveira (2022) aponta que pessoas com sofrimento psíquico têm
menos acesso aos serviços de saúde do que a população em geral. Esse dado deveria ser
amplamente divulgado e debatido e não nos deixar adormecer, pois traz à luz que há uma
determinada classe de indivíduos cuja vida importa menos, aos quais se atribui menos valor e
exceção em que vivem, que remonta à vida nua matável do Homo Sacer recuperado por
Agamben em sua obra. Como vimos anteriormente, quando a vida nua entra nos cálculos do
de grande parte dessas instituições em nosso país, constituindo um novo modelo de atenção à
saúde mental, com a criação de serviços substitutivos e a possibilidade de oferecer um
tratamento digno à loucura. Esse movimento avança lentamente em direção à extinção dos
manicômios judiciários do país, verdadeiros espaços de exceção que seguem expondo a vida
nua matável dos loucos infratores. Cabe ao Estado a construção de novas respostas que os
considere como sujeitos de direitos e torne possível que tenham uma vida digna, garantindo
Althusser em seu livro O futuro dura muito tempo, acontecem em momento de intensa
angústia e o sujeito passa ao ato num instante “fora de si”. De acordo com a psicanálise
lacaniana, todo ato porta, em alguma medida, essa dimensão “fora de si”, por sermos seres de
linguagem atravessados pelo inconsciente. Mas nem por isso somos menos responsáveis por
nossos atos. Ao contrário, a possibilidade de responder pelos atos deveria ser assegurada a
todo ser falante, tal como apontado por Althusser (1985/1992), pois é um recurso civilizatório
1924/1987; Gomes, 2002). No seu extremo, ela pode produzir a tortura, dando vazão às
separar as duas noções se pretendemos lançar mão de recursos civilizatórios que possibilitem
dispensado, pois sem ela a experiência humana não pode chegar a nenhum progresso. A
experiência humana implica sempre um regime de gozo que pode ser tratado pela via da
experiência humana. Tomar cada sujeito como responsável por sua posição é uma aposta da
Para finalizar, lembro uma advertência feita por Lacan em 1954: “Acaso não sabemos
que nos confins onde a fala se demite começa o âmbito da violência, e que ela já reina ali,
mesmo sem que a provoquemos?” (Lacan, 1954/1998, p. 376). Para fazermos frente à
violência e podermos lidar com o resto que acompanha civilização nomeado por Freud de
pulsão de morte, é essencial sustentar a clínica, nos diversos espaços da cidade, incluindo as
instituições, com a oferta que lhe é inerente para que o sujeito tome a palavra, enquanto
cuidado e do tratamento pela palavra ainda é uma aposta, para que a potência das invenções
Referências
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Althusser, L. (1985/1992). O futuro dura muito tempo; seguido de Os fatos. São Paulo:
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Dumará.
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