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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DISCIPLINA: SOCIOLOGIA III
DOCENTE: PROF. DR. FERNANDA RIOS PETRARCA
DISCENTES: CHRISTINE SANDES DA CONCEIÇÃO, JULIANA DOS SANTOS
CARNEIRO, DANILO GASPAR RAMOS FREIRE E TAIONARA DA CRUZ
SANTOS

A PROFISSÃO DE ENFERMAGEM: GÊNESE DA ESCOLHA,


HIERARQUIA E CONFLITOS SOB A PERSPECTIVA TEÓRICA DE
NORBERT ELIAS.

SÃO CRISTOVÃO – SE
2023

Introdução
Nosso grupo escolheu fazer esse trabalho sobre a profissão da enfermagem,
pensando em uma perspectiva analítica com a fundamentação teórica de Norbert
Elias, examinando os conflitos e hierarquias presentes no ambiente de trabalho, bem
como as decisões que culminaram a escolha de atuação de nossas amostras
posteriormente apresentadas.
Para conduzir nossa pesquisa, a metodologia utilizada em nossa pesquisa foi
a análise bibliográfica, com artigos ligados à área da saúde e das ciências sociais, e
entrevistas semiestruturadas, aplicando questionários divididos em trinta perguntas e
agrupados em três blocos: o primeiro sobre gênero e tempo de trabalho, motivação
que resultaram na escolha da profissão e por último, às hierarquias. Conseguimos
aplicar cinco entrevistas com profissionais de diferentes setores da área, desde
técnicas de enfermagem a enfermeiras. Buscamos pensar em um recorte brasileiro
e sergipano, enfatizando uma bibliografia nacional.
Nosso objetivo com essa pesquisa é analisar a estruturação dessa profissão
e como isso influencia atualmente nas divisões de hierarquias, bem como
compreender as dinâmicas de poder e as relações sociais que permeiam o campo
da enfermagem, à luz da perspectiva teórica de Norbert Elias. Justificamos nosso
trabalho pela relevância presente na profissão de enfermagem na prestação de
cuidados de saúde, bem como pela necessidade de compreender as complexas
interações sociais que moldam o ambiente de trabalho dos profissionais de
enfermagem. Além disso, a pesquisa visa preencher uma lacuna na literatura
existente, oferecendo uma visão mais profunda das questões relacionadas à
hierarquia e poder na enfermagem, contribuindo assim para uma melhor
compreensão desse campo.
Estruturamos nosso trabalho da seguinte forma: A nossa primeira parte será
sobre a sócio história da enfermagem em aspectos mais gerais e como se formou no
Brasil, buscando compreender como iniciou a formação dessa profissão, fazendo
uma análise referente ao seu contexto de especialização de funções sociais (Elias,
2001, pg. 90). A segunda parte de nosso trabalho visa a partir de nossos dados
coletados, debater e estudar os casos e os resultados obtidos dentro da perspectiva
do Norbert Elias e os teóricos selecionados. Por fim, apresentamos nossa análise
final, que engloba todo o trabalho realizado.

Sócio-história da enfermagem na análise teórico-metodológica de Norbert


Elias
A história da enfermagem possui profundas raízes sociais, estreitamente
vinculadas à representação feminina. Desde a Idade Média, as mulheres
desempenharam um papel informal no cuidado dos doentes, um compromisso que
ganhou formalização nos mosteiros, onde freiras exerciam essa nobre função. No
entanto, um divisor de águas ocorreu no século XIX, durante a Guerra da Crimeia
(1853-1856), quando uma enfermeira britânica de nome Florence Nightingale
protagonizou uma transformação significativa na qualidade de vida dos soldados.
Diante da falta de higiene e cuidados específicos, esses combatentes sofriam com
infecções mortais, por sua vez, revolucionando a história da enfermagem moderna.

No Brasil, a enfermagem formal também se consolidou no século XIX, com a


chegada de enfermeiras qualificadas da Europa. A influência de Florence
Nightingale foi fundamental para a criação da primeira Escola de Enfermagem da
Santa Casa do Rio de Janeiro. Além disso, em São Paulo, a enfermeira Anna Nery
desempenhou um papel crucial ao fundar a Escola de Enfermagem em 1890. Essa
instituição foi reconhecida pelo governo, solidificando Anna Nery como a pioneira da
enfermagem no Brasil. Também se destacou como voluntária na Guerra do
Paraguai, sendo reconhecida como a primeira enfermeira voluntária do Brasil.

Norbert Elias, em sua teoria argumenta que as relações sociais são moldadas
ao longo do tempo e sua contextualização cultural, torna-se relevante analisar a
história da enfermagem a partir dessa ótica. Profissões, por outro lado, são funções
sociais especializadas que as pessoas desempenham em resposta a necessidades
especializadas de outras (Elias, pg. 99) Enfermeiras e enfermeiros desempenham
um papel fundamental de promoção da vida, o potencial vital, o bem estar dos seres
humanos na sua individualidade, complexidade e integralidade (Pires, pg. 742). Essa
função social especializada envolve conjuntos especializados de relações humanas,
onde a atuação das enfermeiras tem um impacto profundo na vida das pessoas.
Vimos no texto “Gênese da profissão naval” do Norbert Elias, que a profissão
dos Tarpaulins era destinada a classes inferiores, a relação entre cavalheiros e
marujos na Marinha era altamente influenciada pela relação entre os estratos aos
quais eles pertenciam (Elias, pg. 101), que não tinha nenhuma ligação com a
realeza, algo parecido ocorreu na estruturação da profissão da enfermagem, onde
no seu início os cuidados eram realizados por mulheres de classes inferiores, como
prostitutas, viúvas, cozinheiras, ou seja, mulheres que estavam abaixo do nível
social e por isso eram destinadas a realizar o trabalho “sujo”, que ninguém da alta
sociedade gostaria de executar. Porém, anos mais tarde com a era da moderna, o
aprimoramento das técnicas em enfermagem, levaram mulheres ricas a procurarem
a profissão, como a sua pioneira Florence Nightingale, jovem, britânica e rica,
tornou-se pioneira da enfermagem após ajudar os soldados na guerra da Crimeia,
com as suas técnicas aprimoradas de cuidado, conseguindo reduzir o índice de
mortalidade dos mesmo de 40% para apenas 5%. O contexto de aprimoramento de
técnicas, está diretamente ligada ao conceito de Norbert Elias, apontando as
disparidades que poderiam surgir ora em virtude de mudanças técnicas, ora em
consequência de condições e exigências sociais (Elias, pg. 91). Além disso, visava a
importância da formação contínua, do aprendizado prático e da adaptação as
mudanças nas prática, pois este aprimoramento na visão do Elias, ajudou na
evolução social e cultural ao longo do tempo.

A evolução das técnicas também estão diretamente ligadas a hierarquia e as


designações da posição desse profissional dentro do seu ambiente de trabalho,
através dessas especializações, são criadas hierarquias de conhecimento, onde
esse enfermeiro especializado ocupará de maior prestigio, diferente dos demais.
Essas questão também ocorrem na medicina, onde muitas das vezes o mesmo os
médicos se acham os donos do conhecimento nato das habilidades dentro um
hospital, o que pode acarretar uma inferiorização da enfermagem de forma geral.

Ao analisarmos todo o contexto histórico da profissão de enfermagem,


conseguimos identificar um padrão em alguns aspectos sociais que envolvem essa
profissão, um desses aspectos é a questão de gênero. Desde o início da
estruturação dessa profissão, possuía um viés mais “feminilizado”, pela
representatividade do comportamento social atribuídos às mulheres de um trabalho
já associados aos “saberes e habilidades naturais” (Pereira, pg. 47), a mulher
sempre foi colocada na posição daquela que é responsável pelo cuidado e a
delicadeza. Apesar da evolução tecnológica e maquinária, e uma diversidade de
gênero de atuação em suas áreas, a grande maioria dos profissionais em
enfermagem continuam ao público feminino. Como destacado por Padilha e
Borenstein:
”História da Enfermagem confunde-se com a história das mulheres, que usufruiu e
contribuiu para as transformações da nova História, que alterou o conceito de
documentação (pelo valor da história oral), que diversificou objetos de estudo (a
identidade profissional, o cuidado, os uniformes, as relações de poder, o masculino e
o feminino, o processo de trabalho, entre outros), como foco de interesse
historiográfico.” (Padilha; Borenstein, pg. 535)

Assim, a história da enfermagem não pode ser compreendida isoladamente,


mas sim como parte integrante da luta e das contribuições das mulheres ao longo da
história. Essas transformações ampliaram o escopo de estudos na área, refletindo
que, necessitamos compreender as relações entre os sexos, a partir da noção de
uma construção social (Pereira, pg. 53).

Análise dos dados tabulados a partir da pesquisa de campo.


Estudo de caso: Entrevista #1
Ao percorrermos todo o trajeto da profissão de enfermagem, observamos os
diversos obstáculos que os profissionais dessa área enfrentou e enfrentam até nos
dias atuais, esses obstáculos podem ser psicológicos ,cansaço excessivo,
administrativos, entre outros que implicam no bem estar físico e moral desses
profissionais. Também estivemos a par das relações de hierarquia, e sua
importância na organização dessa classe, entretanto ficou claro que em alguns
casos essa hierarquia se torna demasiadamente fomentadora de conflitos internos, o
que pode abalar as relações pessoais e profissionais, além de influenciar
diretamente no cuidado que é transmitido para o paciente.

Buscando entender melhor como funcionam as hierarquias, os conflitos e as


relações profissionais dessa área tão importante na saúde, foi realizado entrevistas
baseadas em um questionário de 30 questões com perguntas especificas, mas ao
mesmo tempo deixando o entrevistado a vontade para descrever de maneira livre as
suas experiências. Em uma dessas entrevistas realizadas notou-se alguns aspectos
relevantes para o nosso trabalho, a entrevistada, uma técnica de enfermagem, que
trabalha já há 4 anos na área e está no último período do superior em enfermagem,
quando questionada sobre hierarquia, informou que onde a mesma trabalhava não
presenciou nenhum abuso de poder partindo dos enfermeiros para os técnicos, e
que acontecia o contrário, os técnicos não toleravam ordem de enfermeiros,
principalmente se esse era novo no setor, porém a mesma afirma que na questão da
hierarquia de médicos para enfermeiros, a mesma confirma que havia alguns
abusos, onde os médicos tratavam os enfermeiros como se fossem inferior, na
maioria das vezes os médicos se achavam mais inteligentes e geralmente se acham
os senhores do hospital. Ainda sobre a hierarquia e seus benefícios e malefícios , a
mesma relata que a hierarquia é importante para a organização do trabalho, mas
que esta deve ser gerada de forma correta, pois caso o contrário, será fomentadora
de conflitos.

Referente ao conflito, a entrevistada informa que é importante estes existam,


pois segundo ela, eles ajudam no desenvolvimento, porém isso irá depender muito
da mediação, e que a maioria dos conflitos são gerados devido as questões de
distribuição das escalas, e mesmo que ajudem na evolução dos profissionais,
quando não solucionados de maneira correta, podem acarretar problemas referente
ao cuidado com o paciente. Ao adentrarmos nas questões do cuidado indagamos a
entrevistada se em algum momento ela enfrentou desafios específicos quando
entrou no mundo da enfermagem, a mesma disse que sim e especificou, dizendo
que a insegurança foi o seu maior desafio, pois é um trabalho que lida com a vida e
qualquer erro pode ser fatal. A mesma contou uma experiência que vivenciou, onde
ela se encontrava em um setor novo e em um horário que não era acostumada, e
devido a falta de uma evolução de medicação de um outro profissional, ela não
administrou o medicamento, o que fez com que o paciente tivesse um mal estar,
esse episódio acabou afetando seu psicológico e só aumentou a sua insegurança.
Esse depoimento nos deu uma clara noção do quanto o profissional de enfermagem
nada mais, nada menos que um conjunto de ações, onde caso um erre, o outro pode
vim a errar e isso pode custa o bem estar do paciente e até a sua vida. Esses
problemas e outras situações podem levar o profissional a desistir da área, pois
abala o emocional do mesmo, quando questionada se já pensou em desistir da
profissão, a mesma disse que sim e fez um relato.

Entrevistada (E): “Uma vez eu estava estagiando na ala da oncologia,


e tinha uma senhora internada, eu cuidei dela e pedi para Deus, para
que ela não viesse a óbito no meu plantão, mas infelizmente foi já no
fim do meu plantão que ela faleceu...essa paciente me marcou muito,
pois eu tinha perdido minha avó recentemente para um câncer“

Ao retomarmos na questão de hierarquias, a mesma ressaltou que não teve


experiência com o abuso devido ao seu gênero ou raça, por nenhum dos
profissionais, e acrescenta que o fato dela ser do sexo feminino, facilita o contato
com o paciente, e até mesmo a ganhar sua confiança, referente a questão racial,
como uma mulher auto declarada negra , informa que nunca sofreu nenhum tipo de
tratamento diferente, ou preconceito racial, mas confessa que raramente viu um
médico negro no hospital, onde em sua maioria os médicos são brancos .

Concluindo, a partir desse caso, conseguimos ter uma visão mais íntima dos
processos enfrentados no dia-a-dia por alguns desses profissionais, processos
esses que implicam diretamente nas relações sociais e profissionais de cada um,
fazendo muitas vezes com que o mesmo se sinta desvalorizado no seu ambiente de
trabalho, levando-o a duvidar de suas capacidades, além de ter que lidar com a
pressão constante e com o peso da responsabilidade de lidar com a vida do
próximo, afetando diretamente seu estado físico, emocional e moral.

Estudo de caso: Entrevista #2


Partindo do segundo caso, iremos analisar duas enfermeiras, Alice, uma
enfermeira com 26 anos de idade, cuja formação ocorreu há menos de 2 anos, e
com menos de 1 ano de experiência no campo da enfermagem, é contrastada com
Gilsanira, uma técnica em enfermagem de 61 anos de idade, que acumula mais de 6
anos de experiência profissional. Essas duas profissionais do setor de enfermagem,
notáveis por suas distintas características demográficas e respostas ao questionário,
suscitaram reflexões relevantes. Durante o processo de entrevista, destacou-se o
fervor e a dedicação que ambas demonstraram em relação à sua profissão.
Contudo, em relação à questão da hierarquia dentro da enfermagem, emergiu uma
discrepância notória entre suas perspectivas.

Quando inquirida sobre a existência de hierarquia na profissão de


enfermagem, Alice expressou:

Entrevistada (A): "não existe uma relação de hierarquia, a enfermeira


como uma das suas atribuições tem que liderar toda equipe de
enfermagem, porém, não deve ser considerado como uma relação
hierárquica."

Esboça a convicção de que não existe uma relação estrita de hierarquia, pois,
embora seja uma das responsabilidades das enfermeiras liderar toda a equipe de
enfermagem, esta liderança não deve ser concebida como uma relação hierárquica.
Para Alice, a imposição de hierarquias pode engendrar divisões e desigualdades
desnecessárias, tornando a comunicação e a colaboração mais desafiadoras e,
potencialmente, restringindo as oportunidades de crescimento.

Por outro lado, Gilsanira percebeu hierarquias bem definidas e visíveis dentro
da profissão de enfermagem, que, em sua visão, podem conferir benefícios
significativos, mas também acarretar prejuízos se não forem administradas
adequadamente. Ela enfatiza que as hierarquias podem contribuir para aprimorar a
coordenação das atividades, otimizar o fluxo de trabalho e fornecer orientação
necessária. Mesmo reconhecendo casos frequentes de abuso de poder, Gilsanira
aponta que as hierarquias podem, de forma positiva, promover o respeito e a
responsabilidade no ambiente de trabalho.

Ambas as entrevistadas compartilham a observação de que os conflitos são


uma ocorrência comum na enfermagem, tendo presenciado e vivenciado situações
de atrito. Muitas vezes, esses conflitos têm sua origem na comunicação ineficaz
entre os profissionais, comprometendo a qualidade do cuidado prestado aos
pacientes e gerando níveis de estresse significativos. Em suma, a análise revela que
as disparidades entre essas duas profissionais transcendem não apenas a idade, a
experiência e os pensamentos, mas também incluem diferenças sociodemográficas,
com Alice representando uma enfermeira branca de classe média e Gilsanira sendo
uma técnica em enfermagem negra de baixa renda.

Estudo de caso: Entrevista #3 e #4

Os dados mais contundentes destas duas entrevistas, giram em torno da mescla


entre as perguntas do questionário e falas das próprias entrevistadas. Procurei me
aproximar e tornar o diálogo vivo, não mecânico por conta do questionário, para que
as duas entrevistas tivessem melhores resultados junto com as amostras coletadas.
Em nenhum momento foi gravado áudio ou vídeo, sempre procurei fazer nos
intervalos das alternativas ainda relacionados ao tema e dentro do eixo central do
questionário. Voltado aos motivos que levaram a entrevistada a escolha da
profissão, sobre as hierarquias no trabalho e neste caso, se eram visíveis em suas
percepções ou não, e sobre os possíveis conflitos existentes.

Ao entrevistar uma mulher que é técnica em enfermagem e que está em seu último
período no ensino superior e que corresponde ao grupo de 40 a 50 anos, e que
trabalha na área há mais de 6 anos, obtive informações muito valiosas em relação à
profissão de enfermagem. Quando perguntada sobre o que influenciou na escolha
da profissão, ela deu uma resposta aberta, relatando:

" Sempre tive paixão pela área. Sempre quis ajudar os outros. E como a área da
saúde sempre precisa de gente pra trabalhar, uni o útil ao agradável"

A entrevistada ainda relatou em conversa, que seus pais eram analfabetos, e que a
escolha partiu exclusivamente dela. E que uma das grandes dificuldades foi
equilibrar os estudos com trabalho, já que casou-se cedo.
Quando indagada sobre as hierarquias na profissão e se eram visíveis, ela contou
que havia uma diferença dos hospitais privados para o público. A entrevistada, em
relato antes de dar sua resposta, disse que trabalhou em ambos. Que no momento
desta pesquisa trabalhava no público, mas que nos hospitais particulares, as
estruturas hierárquicas eram muito bem claras.

"No hospital particular nós temos medo de ser demitidos. A pressão é ainda maior
quando se trata do auxiliar ou técnico. " - Disse a entrevistada.

Ainda neste trecho, ela menciona que os auxiliares não existem mais, e que os
hospitais particulares contratam apenas técnicos, e que nas funções de auxiliares e
técnicos houve uma espécie de fusão em suas atribuições. Entretanto, ainda existe
um hospital particular na capital aracajuana, que contrata apenas auxiliares de
enfermagem, ainda que muitos destes profissionais sejam técnicos recebem por
auxiliares, e que sua carga de trabalho é intensa, cheia de pressão e que a relação
do enfermeiro para o, neste caso, auxiliar é muito mais rígida e intensa.

"Geralmente o São Lucas (Hospital São Lucas) pega muitos profissionais e demitem
muitos também" disse a entrevistada.

Aqui é possível notar, ainda que por relatos e não em específico nos dados gerados
pela tabulação, que existe a precarização do trabalho, já que o auxiliar neste caso,
ganha menos que o técnico. O hospital então contrata um número expressivo de
funcionários para não só atender suas demandas, mas não pagar o proporcional ao
trabalho realizado.

Disse a entrevistada as seguintes palavras anotadas em meu caderno:

"Foi um dos piores lugares que passei trabalhando como técnica."

Quando perguntada sobre qual seria as principais diferenças entre as hierarquias


dos hospitais públicos e privados, a entrevistada relatou que no público as técnicas
enfrentavam os enfermeiros(a), o que não ocorria no privado. Mas que jamais no
ambiente público enfrentava o enfermeiro (a) chefe.

Esse relato foi importante para compreender a estrutura das hierarquias no público e
no privado, ainda que não tenha sido este o objetivo da pesquisa.
No ambiente privado, especificamente ao São Lucas, de onde a entrevistada
trabalhou primeiramente, e do hospital Primavera, o último local onde passou
particular antes de trabalhar no público, a cadeia da hierarquia começa por
auxiliares/ técnicos de enfermagem e enfermeiros(a). Nesta ordem. Já no público,
técnicos de enfermagem, enfermeiros(a), enfermeiros(a) , chefes e enfermeiros(a)
geral/diretor. O enfermeiro geral/diretor, neste caso, é o responsável por todos os
setores do hospital em questão. A entrevistada não sabia definir a nomenclatura ao
certo. E neste relato, diz não ocorrer tal estrutura no particular.

Pelo que pude entender, distribuição das funções e subfunções são mais visíveis no
público, já no particular ocorre uma pressão ainda mais intensa nas atribuições das
funções e uma menor cadeia.

Quando perguntada se já testemunhou excessos hierárquicos, a entrevistada disse


que passou por duas situações. Uma vez no privado, de um enfermeiro para com
um auxiliar/técnico e no público de um médico com um técnico.

Neste último caso, ao qual ela mesma contou a história sobre o público e que
apenas fiquei ouvindo, o médico havia prescrito a quantidade exacerbada de
remédio para um paciente oncológico, e ela achou aquilo muito estranho, pois pelos
seus conhecimentos práticos e pelos seus estudos, a quantidade seria fatal. Detalhe
importante, o médico prescreve mas quem aplica a medicação são os técnicos.
Quando ela foi perguntar ao médico se não tinha se confundido com a quantidade
da dose, ele a agrediu verbalmente, tomando a receita da mão de maneira violenta e
prescrevendo outra quantidade, agora que condizia com a quantidade aceitável ao
organismo do paciente.

"Médico não erra, nós (técnico e enfermeiros) erramos. Médico apenas se


confunde."

Essa frase é muito emblemática e marca a hierarquia e a estrutura de opressão que


acarreta os profissionais da enfermagem.
Na segunda entrevista, os dados mais contundentes giram em torno das hierarquias
e conflitos. A entrevistada faz parte do grupo de idade de 29 a 39 anos e já trabalha
na área de 1 a 3 anos.

Quando indagada sobre os motivos que levaram a enfermagem, mencionou uma


vocação natural pelos cuidados ao outro e que sempre pensou em fazer fisioterapia
ou enfermagem. Muito pelo fato da avó ser muito debilitada e ela sempre ajudar nos
cuidados, e querer realizar tais funções de maneira mais técnica. Mas por questões
de condições financeiras, apenas conseguiu o curso técnico. No tópico sobre
hierarquias, quando perguntei se poderiam beneficiar a profissão, antes de dar a
resposta ela disse que o excesso de hierarquia pode prejudicar tanto os profissionais
quanto os pacientes. E contou um relato de uma técnica de enfermagem que estava
no início de suas atribuições, que administrou a dose de um medicamento a um
paciente e este entrou em coma. Quando constatado ao médico que prescreveu a
medicação foi julgada e afastada de suas atribuições. E nem mesmo os colegas
profissionais da enfermagem prestaram solidariedade a técnica. Umas semanas
após o ocorrido ela suicidou-se.

"A pressão que passamos todos os dias, as pessoas não têm noção do que
passamos. - disse a segunda entrevistada.

Quando perguntei sobre o paciente que entrou em coma, ela respondeu que passa
bem, e que o médico permanece no trabalho.

Ela menciona que os motivos de tanta tensão entre enfermeiros e técnicos é mais
uma questão de comunicação, que sempre ocorre por conta da rotina puxada de
encontro de informações importantes, o que causa um estresse no ambiente de
trabalho. Já em relação aos médicos, aqueles, como dito por ela, superiores na
escala de hierarquia, os conflitos ocorrem por pensarem que sabem mais que os
técnicos e enfermeiros, quando na verdade são muitos destes profissionais que
acabam por corrigir as falhas. Vale lembrar que a entrevistada trabalha em uma
instituição particular também de Aracaju. E que para entender melhor estes relatos,
seria preciso um aprofundamento maior neste campo de estudo, com uma base
teórica variada para entender as especificidades da pesquisa científica.

Ambas as entrevistadas deram relatos parecidos relacionados aos motivos que


levaram a profissão, hierarquia e conflitos. Os relatos sobre as hierarquias entre as
duas entrevistadas são sensíveis para entender o desenvolvimento desta profissão
essencial para a saúde dos cidadãos, e a compreensão das relações sociais e suas
medicações dentro deste cenário nos dá a oportunidade de desvendar o que o social
não apresenta apenas com o olhar superficial.

Considerações finais

Sobre as considerações finais deste trabalho, é importante ressaltar que para uma
abordagem mais completa em relação a estas questões levantadas é preciso
expandir o número de entrevistados em vários universos possíveis. Constatamos
que o nosso questionário precisa ser melhor planejado, e que para obter uma
eficiência dos dados, seria preciso abordar nos três universos de especialização da
enfermagem, tanto de auxiliar, técnico e enfermeiro.

No que desrespeito aos dados coletados e a gênese da escolha da profissão, ficou


claro com os dados aqui apresentados, que a origem familiar destes profissionais
não teve impacto direto na escolha desta profissão, e sim algum outro evento que
somente relataram ser uma vocação ou vontade de ajudar outros indivíduos.

Já no que desrespeito a hierarquias, ficou claro que a percepção hierárquica da


maioria dos entrevistados é clara e vai variar de ambiente para ambiente de trabalho
a intensidade da imposição de poder. E ainda que essas hierarquias gerem algum
tipo de estresse pessoal, ainda consideram benéfico para a organização e
continuidade da profissão.

Por conseguinte, relação aos conflitos, os dados apresentados nos mostra que os
conflitos são evidentes na maior parte dos ambientes de trabalho da enfermagem, e
que os conflitos de comunicação são os mais recorrentes.

Os de médicos e enfermeiros, estando relacionados e correlacionados a hierarquias,


igualmente são visíveis e recorrentes, o que comprova a nossa hipótese inicial de
que os médicos exercem uma coerção por conta da sua posicso e relação com
suposto conhecimento. Entretanto, ficou com tarado igualmente só dados que a
maior parte dos profissionais entrevistados não procuraram jura para a resolução
dos conflitos. Que entra em contrate com a teoria de Elias sobre a dificuldade de
sanar determinados conflitos.
Em suma, acreditamos que fomos além dos nossos objetivos com está pesquisa,
desvendando um lado da enfermagem que para muitos do nosso grupos,
desconhecida. Acreditamos que mais estudos podem ser, e devem ser,
desenvolvidos para entender melhor como se dá a relação de enfermeiras e
médicos, sociedade e profissionais da saúde.

Referência bibliográfica

ELIAS, Norbert. Estudos sobre a gênese da profissão naval: Cavalheiros e


Tarpaulins. In: Mana. Vol. 7, nº 1, 2001, p. 89-116;
PIRES, Denise. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Revista
Brasileira de Enfermagem, Brasília, 2009. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/reben/a/SZLhTQGyxHDZKfdzZDBhRPS/
PEREIRA, Audrey Vidal. Os tempos e as relações de gênero: o cotidiano de
enfermeiras e enfermeiros a partir do tempo de trabalho no hospital. Rio de
Janeiro, UFF, 2013.
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/7678/ve_Audrey_Pereira_ENSP_20
13.pdf?sequence=2&isAllowed=y

PADILHA, Maria Itayra Coelho de Souza; BORENSTEIN, Miriam Susskind. História


da Enfermagem: Ensino, Pesquisa e Interdisciplinaridade. Escola Anna Nery,
Revista de Enfermagem, 2006.

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