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Texto de Estudo Nº 06

NÍVEIS DE COMPREENSÃO LEITORA


Ana Célia Clementino Moura
Smith e Goodman, dois precursores dos estudos sobre leitura, consideram que ler se constitui
uma troca entre leitor e texto, com o fim primeiro de compreender, de obter respostas a perguntas
elaboradas pelo leitor, antes, durante e depois da leitura. Na interação com o texto, o leitor faz predições
acerca do que vai ler, seleciona pistas que o conduzam ao encadeamento das ideias, compara, confirma
ou refuta suas hipóteses, reelaborando-as quando necessário, sempre com o objetivo de construir o
sentido do texto. Assim, corroboramos com os autores, no sentido de asseverar que o processo da leitura
é interativo, analítico, estratégico e construtivo. Interativo, visto que toda a construção do sentido ocorre
por meio da interação entre leitor e texto, ou seja, a leitura exige o envolvimento dos conhecimentos do
leitor com as informações do texto; analítico, posto que a compreensão se dá do todo para as partes, das
unidades maiores para as menores; estratégico, porque o leitor faz uso das estratégias desenvolvidas ao
longo de sua experiência leitora, quer seja estratégia de predizer informações que aparecerão no texto,
de selecionar as informações relevantes para a construção do sentido do texto, de estabelecer
correlações entre partes do texto, dentre outras; construtivo, uma vez que o leitor exerce um papel ativo
antes, durante e depois da leitura com vistas à construção do significado do que leu.
Nenhum texto, por si só, expressa significado; todo ele fornece direcionamentos para que o
próprio leitor construa o significado do material lido. Para alcançar essa construção, o leitor se vale de
seus conhecimentos do sistema de escrita e das convenções da linguagem escrita, ou seja utiliza-se dos
saberes linguísticos, das estruturas textuais que conhece, dos conhecimentos específicos do conteúdo
tratado no texto e, também, de conhecimentos de mundo adquiridos ao longo de sua vida. Todos esses
conhecimentos podem ser considerados conhecimentos prévios, visto terem sido adquiridos previamente
àquele momento em que a leitura está sendo realizada.
Havemos de destacar que a interação do leitor com o texto pode ocorrer em níveis mais
superficiais ou mais profundos, dependendo de alguns fatores, entre eles, o propósito com que ele lê.
Assim, costuma-se hierarquizar a compreensão da leitura em três níveis: literal, inferencial e crítico.
Vale lembrar que essa classificação tem caráter puramente didático, não devendo, portanto,
servir de motivo para que se adote uma sequência rígida nas aulas de leitura. Defendemos ser este um
conhecimento essencial para o professor por consideramos que, se o professor tem domínio dos níveis
de compreensão leitora, ele poderá diagnosticar o nível em que se encontra o seu aluno e, assim, irá
realizar um trabalho consciente e consistente com a leitura, com o objetivo de, cada vez mais,
desenvolver as habilidades leitoras do aluno.

1. Nível de compreensão literal


O nível de compreensão literal envolve as informações explícitas, ou seja, tudo aquilo que está
exposto na superfície do texto. Como o termo sugere, são as informações apresentadas literalmente.
Esse tipo de compreensão é importante, porque se constitui ponto de partida para os demais.
Concebendo o professor que o texto se constrói por meio de uma rede de ligações, de relações,
ou seja, que o texto não é simplesmente um ajuntamento de palavras e frases, irá incentivar seu aluno a
detectar essas relações e utilizá-las a fim de construir significados. Dentre algumas formas de explorar a
compreensão literal, destacamos: relações de coerência; relações de coesão; identificação de palavra do
contexto, tomando como base as relações de sentido entre palavras.
É claro que nem todos esses aspectos aqui enumerados são encontrados em um mesmo texto.
Caberá ao professor explorar aqueles que estiverem no texto ou, caso existam vários, ele pode abordar
os mais evidentes ou os que mais contribuírem para a compreensão.
A seguir, vamos exemplificar e, sempre que possível, tecer algum comentário que explicite, na
prática, como esses conteúdos poderão ser abordados em sala de aula.

I) Relações de coerência
O conceito de coerência é bastante abstrato porque essa é uma característica que não pode ser
atribuída apenas aos elementos linguísticos. Na verdade, a coerência é uma espécie de “lógica” do texto; é
o que dá textualidade a um determinado material escrito, ou seja, o que faz com que um conjunto de frases,
um encadeamento de ideias seja reconhecido como texto.
Didaticamente, pode-se verificar a coerência de um texto através de alguns tipos de relações que
se estabelecem entre suas partes, como: a) o reconhecimento da ideia principal e dos detalhes que dão
sustentação à ideia principal; b) o estabelecimento das relações de causa e efeito explicitadas no texto; c) a
identificação da sequência temporal; d) a identificação da sequência espacial, dentre outros fatores.
Observemos quão rica pode ser a abordagem da compreensão literal em sala de aula.

“O objetivo deste Informe é divulgar o cenário epidemiológico e a distribuição espacial e temporal da


COVID-19 em Fortaleza. Os dados, no que se referem aos casos, foram atualizados pelo IntegraSUS às 6h55 do dia
30 de agosto de 2022. A análise de mortalidade foi realizada com base na confirmação laboratorial de novos óbitos
atualizada às 9h25 do dia 30 de agosto de 2022 pela SMS-Fortaleza. Uma tabela com o número de casos e mortes
por COVID-19, assim como a taxa de mortalidade, de acordo como bairro de residência dos pacientes, está incluída
em anexo. Entre os dias 23 e 29 de agosto de 2022, a proporção de positividade das amostras (RT-PCR) de
Vejamos as informações que estão aí contidas:
1. Objetivo de divulgar o cenário epidemiológico e a distribuição espacial e temporal da
COVID-19 em Fortaleza.
2. Os dados são atualizados pelo IntegraSUS.
3. Os dados foram atualizados às 6h55 do dia 30 de agosto de 2022.
4. A análise da mortalidade é confirmada por exames laboratoriais.
5. A análise da mortalidade toma como base os óbitos.
6. A análise da mortalidade foi atualizada às 9h25 do dia 30 de agosto de 2022.
7. Existe uma tabela com o número de casos e de mortes.
8. Existe uma tabela com a taxa de mortalidade considerando o bairro de residência do
paciente.
9. Entre os dias 23 e 29 de agosto de 2022, a positividade dos testes de residentes em
Fortaleza foi de 1%.
10. Os testes foram realizados pelos laboratórios da rede pública.

Nesse pequeno trecho, existem 10 informações: uma que é básica e as demais que explicitam
aspectos específicos da básica e lhe dão maior credibilidade. Qual seria a informação principal?
Certamente a de número 1. Vale observar que todas as outras vêm reforçar a afirmação de que este
Informe pretende divulgar o cenário epidemiológico e a distribuição espacial e temporal da COVID-19 em
Fortaleza. O autor, para assegurar a clareza da informação 1, insere as demais. Observe que todas as
informações inseridas acrescentam um detalhe que alimenta o alcance do objetivo do texto.
Atividades de redução (retirada das informações secundárias) e de encaixe (introdução das
informações secundárias) são de grande valor para desenvolver nos alunos a habilidade de distinguir o
que é essencial do que é secundário. Isso, naturalmente, ajudará os alunos na produção de resumos e
esquemas, enfim, na compreensão do texto.
Não há como negar que os textos expositivos e argumentativos se prestam melhor para esse
tipo de atividade. Geralmente os parágrafos dissertativos são formados por uma idéia básica e outras
secundárias. A escolha do texto, claro, é um ponto importante a ser observado pelo professor quando ele
pretende desenvolver habilidades leitoras específicas no seu aluno.
Vejamos outro exemplo.

Turismo brasileiro cresce 47,7% em abril, aponta FecomercioSP


O turismo brasileiro faturou R$ 15,3 bilhões em abril, crescendo 47,7% em relação ao mesmo período do
ano passado, segundo dados do levantamento do Conselho de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo
(FecomercioSP). Houve também alta de 32,2% no acumulado do ano. No entanto, em comparação com abril de
2019, ano anterior à pandemia, o setor teve queda de 7,5%.
A FecomercioSP avalia que os feriados de sexta-feira santa, Tiradentes e os desfiles de carnaval
contribuíram para o crescimento, considerado significativo, em abril deste ano e que a variação do mês demonstra
sólida recuperação do turismo no Brasil. No mesmo período do ano passado, o setor cresceu 36%. Diante disso, a
entidade acrescenta que “a alta não é resultado de uma base fragilizada de comparação, em razão dos efeitos da
pandemia, mas um indicativo real de melhora nas perspectivas do turismo nacional”.
O maior crescimento ocorreu na atividade de transporte aéreo, com aumento de 159,7% na comparação
anual e faturamento de 4,6 bilhões no mês, voltando ao nível que faturava em abril de 2019 – já com o valor corrigido
pela inflação – conforme apontou a FecomercioSP.
Para explicar o resultado, a entidade cita que as empresas estão ampliando a malha aérea com novas
rotas e a demanda tem acompanhado este movimento. Outro motivo apontado foi o aumento no valor das
passagens, que sofre influência da alta do querosene de aviação.”
htpps://agenciabrasil.ebc.com.br; acesso em 03/09/2022.

Pensemos em que perguntas o professor poderá fazer, para que os alunos percebam a relação
causa/efeito:
§ Quais as causas apontadas no texto, para o crescimento do turismo no Brasil?
§ Em que medida feriados contribuem para o crescimento do turismo no Brasil?
§ O querosene usado na aviação sofre alta de preço. Qual a consequência disso para o
turismo no Brasil?
Vale destacar que as relações de causa e efeito são geralmente encontradas em textos
expositivos, argumentativos e, em alguns casos, narrativos. Estes últimos também são promissores para
que sejam trabalhadas as sequências temporal e espacial. Enfim, reforçamos: uma tarefa crucial do
professor é escolher textos que lhe permitam desenvolver as diversas habilidades leitoras de seus
alunos.
Perceber a ordem em que ocorrem os fatos e a sequência das ações nas narrativas, por
exemplo, são habilidades que demonstram compreensão, por parte do leitor. Através de atividades de
reestruturação de textos, os alunos poderão desenvolver estratégias que favoreçam a aquisição dessas
habilidades. O professor poderá recortar o texto e pedir que os alunos façam a remontagem ou, ainda,
escrevendo as partes em faixas de cartolina, que poderão ser distribuídas com a turma e organizadas em
um painel, na parede da sala.
dessa discussão, eles observarão que recursos o leitor costuma usar para perceber a organização de um
texto e passarão a monitorar a própria leitura, o que certamente os fará progredir em termos de
compreensão leitora.
Como defendemos que entre autor e leitor existe uma espécie de “pacto”, ou seja o autor
escreve e se utiliza de determinados recursos a fim de tornar o texto legível, o leitor, por sua vez, procura
apreender esses recursos, para construir de forma mais fiel o sentido do texto.
Em trechos descritivos, a sequência espacial se constitui um dos recursos importantes para a
compreensão, uma vez que ajuda o leitor a ir construindo em sua mente o “retrato” que o autor “pintou”,
através das palavras.
Vejamos exemplos de descrições com orientação espacial variada nos textos elaborados para
este material. O professor poderá criar seus textos e, claro, poderá também usar textos publicados que
tenham a orientação a ser explorada.

a) de dentro para fora


Quando acordou viu que estava num quarto de cor cinza, sem móveis. Continuou a olhar e descobriu uma
pequena janela fechada, empurrou-a esperançoso de reconhecer onde estava. Conseguiu abri-la. Só assim
percebeu que ao redor daquele lugar havia um grande matagal e que estava sozinho, distante de casa.

b) de fora para dentro


Desde cedo, vimos que os torcedores dirigiam-se para o local da competição, ansiosos para encontrarem
boas acomodações, agitando freneticamente as bandeiras dos seus clubes. Os ônibus transportam a multidão de
vários cantos da cidade; torcedores que vinham em seus carros enfrentavam filas enormes. As bilheterias fervem de
gente ainda em busca de comprar ingresso. As arquibancadas tomam um colorido extraordinário com a enorme
massa de torcedores que as ocupam vestindo camisas e empunhando bandeiras de seus times.

c) do geral para o particular


No final da festa, todos foram embora. Ficamos sozinhos, sentados na calçada, olhando o céu, apreciando a
imensidão do firmamento. Naquela noite, a lua alva e redonda era testemunha do nosso amor; ao longo se viam
estrelas reluzentes. Bem acima de nós, brilhava a constelação do Cruzeiro do Sul.

d) do particular para o geral


O comércio, com suas inúmeras lojas, começa a abrir. Descortinam-se as suas chamativas vitrines com tudo
que possa atrair os olhares dos consumidores, que, desde cedo, ocupam as calçadas. Os automóveis passam em
alta velocidade, uns buzinando, outros chegam até a ameaçar a vida dos pedestres. Os edifícios apresentam alturas
diferenciadas, fachadas cheias de letreiros. A cada quadra um novo atrativo, aqui uma cafeteria com seu cafezinho
aromático, ali uma confeitaria cheia de guloseimas, lá adiante uma sorveteria convidativa. Eis toda a alegria de uma
rua onde se vive o progresso à luz do sol.

e) De cima para baixo


Em época de seca, a paisagem do sertão cearense é uma só: olhando para cima, à procura de alguma
nuvem que possa ser interpretada como sinal de chuva, o sertanejo vê apenas um céu exageradamente azul e, no
topo, um sol dourado e ofuscante, que faz jus ao título de astro-rei. Voltando a visa para o chão, ele se depara com a
terra seca, estorricada, refletindo a luz do Sol. Aqui, acolá, um animal morto de inanição e, em meio a tudo isso, levas
de retirantes tentando escapar da fome e da sede.

f) De baixo para cima


Desde cedo, na praça central da cidade, as pessoas se aglomeravam para ver a fonte luminosa
funcionando, além do poço que data do século passado. Quando se ouvia o relógio tocar, era hora de olhar para
cima, apreciar, na “coluna da hora”, o relógio cujo estilo denunciava aos seus apreciadores a relíquia que era. Os
frequentadores da praça tinham mais o que admirar lá em cima: a iluminação sofisticada, acionada automaticamente
ao pôr do sol.

II) Relações de coesão


Chamamos coesão textual toda e qualquer relação de interdependência que se estabeleça
entre os elementos de um texto, de modo que a interpretação de um desses elementos esteja ligada à
interpretação dos outros.
Koch diz que a coesão pode ser referencial e sequencial.
Koch (2002, p. 31) define coesão referencial como “aquela em que um componente da
superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis a partir do universo
textual. Ao primeiro denomino forma referencial ou remissiva e ao segundo, elemento de referência ou
referente textual.”
A coesão sequencial trata dos mecanismos responsáveis pela progressão textual, ou seja, das
expressões que estabelecem “ligações” entre as informações novas, conectando-as, formando uma
espécie de “corrente”.

III) Identificação de palavras através do contexto, relações de sentido entre palavras


Para Mary Kato (1995, p. 57), o texto escrito consta de “um conjunto de pegadas a serem
utilizadas para recapitular as estratégias do autor e através delas chegar aos objetivos”.
Por exemplo, em “os fatos aconteceram com tamanha rapidez que todos ficaram estupefatos,
perplexos, pasmos, admirados”, mesmo que algum desses termos que descrevem a forma como as
pessoas ficaram seja desconhecido do leitor, ele poderá chegar ao significado fazendo associação com
algum dos quatro citados. Nesse caso, ele se valeria da sinonímia.
Pode ainda se valer de outros conhecimentos. Em, por exemplo, “minha mãe cuida com amor
de todas suas flores: rosas, orquídeas, gardênias, cactos e camélias”. Mesmo que o leitor desconheça
alguma dessas flores, ele saberá, pela enumeração feita, que todas são flores.
Como se pode perceber, é muito importante, sim que o professor trabalhe a compreensão
leitora em seu nível literal visto que é a partir da materialidade do texto que os outros níveis serão
alcançados.

2. Nível de compreensão inferencial


O nível de compreensão inferencial envolve as informações não literais, não explícitas, ou seja,
tudo aquilo que está posto no texto, no entanto não aparece em sua superfície. Como vimos, os
significados literais pertencem ao componente linguístico. O que dizer dos significados não literais? Não
há dúvidas de que seus valores estão inscritos no próprio léxico e tomam por base uma informação
posta, ou seja uma significação literal, a partir da qual são feitas as inferências. Veremos que há um
grande repertório de palavras na língua que por si mesmas veiculam informações implícitas.
Por exemplo, se dizemos “Marcelo parou de fumar”, assegura-se a informação de que ‘Marcelo
fumava’ ancorada no verbo ‘parar’. A categoria dos verbos nos parece bastante produtiva no tocante ao
poder de gerar inferência. Podemos, rapidamente, pensar em alguns verbos que por si só suscitam
informações implícitas: romper, clarear, parar, começar, modificar, fechar, continuar, organizar etc. Se
dizemos “O candidato rompeu com os partidos aliados”, o verbo ‘romper’ nos permite inferir que havia
partidos aliados aos quais o candidato estava unido; se dizemos “os torcedores começaram a acreditar
no time”, o verbo ‘começar’ nos autoriza dizer que os torcedores estavam desacreditados no
desempenho do seu time e houve uma mudança de atitude, indicada exatamente pelo verbo ‘começar’.
Em “Pedro foi reeleito presidente do Partido Verde”, além de podermos inferir que ‘houve
eleições para presidente do Partido Verde’, pode-se ainda garantir que Pedro já havia sido eleito antes.
Essa informação é garantida pelo prefixo re–, presente em ‘reeleito’. O mesmo se constata em “Os meus
pais enriqueceram vendendo bolos, tortas e salgados”. Tem-se aí a garantia de que os pais do falante
não eram ricos, e o prefixo en–, juntamente com o sufixo –ecer, usados na palavra “enriquecer” me
autorizam dizer que eles passaram de um estado (pobreza) a outro (riqueza).
Ainda no tocante aos prefixos, quando dizemos “meu texto desconfigurou quando abri em outro
computador” havemos de assegurar que o texto já havia sido configurado, o prefixo des– informa ao
leitor que houve uma mudança na configuração do texto.
Os prefixos, como re–, des– en–, in–, con–, embora se constituam morfemas que se agregam a
outros morfemas, por si só apresentam traços semânticos específicos, por isso são ricos produtores de
implícitos. Em: “Os dados dessa pesquisa são inconsistentes”, o prefixo in– garante que o leitor não pode
confiar nos resultados trazidos pela pesquisa, devido seus dados não apresentarem confiabilidade,
informação construída a partir do termo ‘inconsistentes’.
A compreensão inferencial ancora-se também, de forma bastante produtiva, nos advérbios.
Quando dizemos “o café está mais frio do que o chá”, a informação de que o café está frio é dada no
texto, literal; mas a de que o chá está frio é alcançada a partir da comparação que é feita por meio de
´mais... do que’.
Em “Após a entrada do professor os alunos fizeram silêncio”, a informação de que os alunos
fizeram silêncio depois que o professor entrou é dada, mas a garantia de que eles conversavam até
aquele momento nos é dada pelo uso da circunstância temporal sob o comando do “após”. Temos
igualmente uma circunstância temporal em “o resultado da nossa avaliação ainda não chegou até nós”.
Infere-se que o resultado já deveria ter chegado. O “ainda” nos dá autoriza a inferência.
Analisando o enunciado “Se Pedro for eleito presidente do Partido Verde, faremos um almoço
em sua homenagem”, as inferências – a) haverá eleições para presidente do Partido Verde; b) Pedro é
candidato a presidente do Partido Verde; c) O partido Verde precisa de presidente – a que chegamos são
estruturadas com base na circunstância condicional.
Os pronomes são igualmente uma classe gramatical que autoriza a produção de significações
implícitas. Quando dizemos “quem ousou discordar do técnico?”, é possível, sim, garantir que alguém
discordou visto que se está procurando saber quem o fez. Em “quantos jogadores foram expulsos no jogo
de ontem?”, o inquiridor sabe que foram expulsos jogadores visto questionar ‘quantos’. Ou seja, os
pronomes interrogativos – quem, quantos –, nesses dois enunciados, favorecem a compreensão
inferencial.
Há infinitas formas de o professor desenvolver a habilidade de seu aluno de fazer inferências.
Ele pode tirar conclusões que podem ser alcançadas a partir do texto, autorizadas pelo texto, sem que lá
elas estejam; o professor pode ainda trabalhar com traços de personagens construídos a partir de ações
explícitas das personagens.
Consideramos de extrema importância que o professor desenvolva essa habilidade leitora com
seu aluno visto que reconhecer os pressupostos, compreender o que está posto nas entrelinhas vai
contribuir para o desenvolvimento, inclusive, do uso de recursos argumentativos.
A título de exemplo de exploração do nível de compreensão inferencial, apresentamos uma
questão do ENEM 2021:

Questão
A história do futebol brasileiro contém, ao longo de um século, registros de episódios
racistas. Eis o paradoxo: se, de um lado a atividade futebolística era depreciada aos olhos
da “boa sociedade” como profissão destinada aos pobres, negros e marginais, de outro,
achava-se investida do poder de reapresentar e projetar a nação em escala mundial. A Copa
do Mundo no Brasil, em 1950, viria a se constituir nesse sentido, em uma rara oportunidade.
Contudo, na decisão contra o Uruguai sobreveio o inesperado revés. As crônicas esportivas
elegiam o goleiro Barbosa e o defensor Bigode como bodes expiatórios, “descarregando nas
costas” dos jogadores os “prejuízos” da derrota. Uma chibata moral, eis a sentença proferida
pelo tribunal dos brancos. Nos anos 1970, por não atender às expectativas normativas
suscitadas pelo estereótipo do “bom negro”, Paulo César Lima foi classificado como
“jogador-problema”. Ele esboçava a revolta da chibata no futebol brasileiro. Enquanto
Barbosa e Bigode, sem alternativa, suportavam o linchamento moral na derrota de 1950,
Paulo César contra-atacava os que pretendiam condená-lo pelo insucesso de 1974. O
jogador assumia as cores e as causas defendidas pela esquadra dos pretos em todas as
esferas da vida social. “Sinto na pele esse racismo subjacente”, revelou à imprensa
francesa: “Isto é, ninguém ousa pronunciar a palavra ‘racismo’. Mas posso garantir que ele
existe, mesmo na Seleção Brasileira”. Sua ousadia consistiu em pronunciar a palavra
interdita no espaço simbólico do discurso oficial para reafirmar o mito da democracia racial.
Disponível em: https://observatorioracialfutebol.com.br. Acesso em 22 jun. 2019 (adaptado)

O texto atribui o enfraquecimento do mito da democracia racial no futebol à


A) responsabilização de jogadores negros pela derrota na final da Copa de 1950.
B) projeção mundial da nação por um esporte antes destinado aos pobres.
C) depreciação de um esporte associado à marginalidade.
D) interdição da palavra “racismo” no contexto esportivo.
E) atitude contestadora de um “jogador-problema”.

In: https://enem.inep.gov.br. Acesso em 04.09.2022.


3. Nível de compreensão crítica
No nível de compreensão crítica pede-se que o leitor formule um juízo de valor acerca do que
leu. Para que o leitor teça sua crítica sobre o material a que teve acesso, estima-se que ele compare as
ideias apresentadas no texto com fatos, conhecimentos externos, quer vindos do professor, quer
adquiridos em sua vivência, no seu grupo social, na sua família, na internet ou em quaisquer outros
meios que lhe proporcionem posicionar-se em relação ao conteúdo do texto.
Desenvolver a compreensão crítica do leitor promove o desenvolvimento racional, visto que a
avaliação se define por meio de julgamentos, de valorações. Isso envolve a eleição de critérios
apropriados para a formulação do julgamento e vai habilitando seu aluno a tomar decisões, algo
imprescindível na sua vida.
O professor, quando aborda questões de compreensão crítica, deve estar ciente de que elas
geram informações diferentes acerca de um mesmo fato, elas permitem uma variedade de respostas.
Entretanto, estas respostas devem estar ancoradas em critérios eleitos pelo leitor para tecer sua crítica
ao texto.
Consideramos de extrema relevância lembrar ao professor que o desenvolvimento crítico de
seu aluno é importantíssimo. Não nos referimos a crítico como ao simples ato de “ser opositor a tudo e a
todos”, mas ser crítico no sentido de compreender o que leu, analisar a situação de produção em que o
texto foi escrito ou dito, identificar as ideias veiculadas e, a partir daí, posicionar-se por meio de
argumentos sólidos. Pensar criticamente é pensar de forma racional, é procurar ter ciência de seus
próprios conhecimentos sobre o assunto e de seus sentimentos – se o texto propiciar envolvimento
pessoal, impacto emocional – para ser capaz de organizar seus pensamentos e de reorganizá-los
quantas vezes forem necessárias, acomodando novas ideias e novos pontos de vista aos seus
previamente existentes.
Para concluir, gostaria de relembrar ao professor que o desenvolvimento da leitura com os
alunos é de uma extrema significação, de uma importância sem paralelos. Acreditamos – e pesquisas
comprovam – que a forma como a leitura é experienciada determinará o modo como o indivíduo vê o
mundo, o modo como ele se porta na sociedade, o modo como ele interage e argumenta, o modo como
ele percebe a si mesmo e aos outros. E, ter ciência de tudo isso só fará com que o próprio professor
conceba como inquestionavelmente valioso o seu trabalho.

4. Aplicação dos níveis de compreensão leitora


De acordo com as orientações da Base Nacional Comum Curricular, faz parte do trabalho da
escola a abordagem dos Temas Contemporâneos Transversais, quais sejam: meio ambiente, ciência e
tecnologia, multiculturalismo, cidadania e civismo, economia, saúde.
Os Temas Contemporâneos Transversais são tópicos que fazem parte do dia a dia dos
indivíduos, dão a eles base para que compreendam o mundo em sua atualidade. Assim, estes temas
podem ser trabalhados de forma interdisciplinar, visto que pertencem a diversas áreas do conhecimento,
enquadram-se no conteúdo de diferentes disciplina do currículo escolar.
Ora, se o professor tem como objetivo trabalhar a leitura explorando os níveis de compreensão
leitora, focalizar os Temas Contemporâneos Transversais vai contribuir enormemente para o
desenvolvimento do pensamento crítico do indivíduo sobre a realidade; a discussão desses temas se
presta para que se torne consciente do seu papel na sociedade. E, claro, para alcançar o nível crítico, a
compreensão perpassa pelo nível literal e o inferencial.
Sugerimos o texto que segue para exploração dos níveis de compreensão leitora.

Prefeitura de Fortaleza expande projeto de lixeiras subterrâneas na Capital


A Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger), lançou um
edital para licitar 40 novas unidades de lixeiras subterrâneas na cidade. A iniciativa faz parte do projeto
Fortaleza Cidade com Futuro e conta com recursos provenientes do Banco de Desenvolvimento da América
Latina (CAF). O projeto de implantação dos novos equipamentos foi idealizado pela Fundação de Ciência,
Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), em parceria com a Seger. A ação colabora para beneficiar a
população que pretende participar e contribuir com a coleta seletiva.
Para o secretário da Seger, Arcelino Lima, as novas lixeiras subterrâneas irão suprir a necessidade de
destinação do lixo doméstico, produzido diariamente na cidade. “Inicialmente, os 40 pontos estarão localizados
numa região piloto abrangendo parte dos bairros Centro, Praia de Iracema, Aldeota, Meireles, Varjota e
Mucuripe. As lixeiras irão servir de complemento a outras iniciativas que já funcionam em Fortaleza, como é o
caso dos Ecopontos”.
O projeto prevê a instalação das lixeiras subterrâneas em diversos locais da cidade, em maior
quantidade do que os Ecopontos, para que a população possa ter um acesso rápido e facilitado e destinar
corretamente seus resíduos, evitando o surgimento de pontos de lixo irregulares na cidade. Hoje, a Capital
possui 19 lixeiras subterrâneas sob supervisão da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos
(SCSP). Elas estão instaladas nos bairros Barra do Ceará, Cristo Redentor, Pirambu, Jacarecanga, Meireles,
Centro, Cais do Porto e Mucuripe.
O vice-presidente da Citinova, Victor Macêdo Lacerda, ressalta que o projeto-piloto já está em
andamento e passará por uma avaliação. “O objetivo do projeto-piloto de 40 lixeiras é verificar o grau de adesão
da população em função da quantidade de pessoas residindo no entorno e da quantidade de resíduos
produzidos diariamente. O monitoramento dos dados e informações do projeto-piloto irá embasar o
planejamento para a expansão para toda a cidade”, revela.
A escolha dos locais tem como critérios a quantidade de pessoas residindo no entorno, a produção
diária de resíduos, pontos de descarte irregular de resíduos catalogados (pontos de lixo) e áreas de difícil
acesso onde não há coleta domiciliar. Os cinco primeiros pontos já em implantação ficam na Praça do Campo
do América, na Praça das Flores, na Praça do Centro Cultural Dragão do Mar, na Praça Luíza Távora e na
Praça da Igreja de Nossa Senhora da Saúde (Mucuripe).
https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/categoria/meio-ambiente.

Elabore uma atividade, questões por meio das quais você explora a compreensão literal, a
inferencial e a crítica.

REFERÊNCIAS
ALLIENDE Felipe e CONDEMARÍN, Mabel. Leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1987.
GOODMAN, Kenneth S. “O processo da leitura: considerações a respeito das línguas e do
desenvolvimento”. In: FERREIRO, Emília e PALÁCIO, Margarida. Os processos de leitura e escrita:
novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes,1995.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas-SP: Ed. Da UNICAMP, 1993.
KOCH. Ingedore Grunfeld Villaça. A Coesão Textual. São Paulo: Contexto. 2002.
MOREIRA, Nadja da Costa Ribeiro. “Orientações para o ensino da leitura”. In: Revista de Letras.
Fortaleza: 7(1/2) – janeiro/dezembro, 1984.
PIETRI, Emerson. Práticas de leitura e elementos para a atuação docente. Rio de Janeiro: Lucerna,
2007.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura: ensaios. São Paulo: Global, 2009.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
ZANDWAIS, Ana. Estratégias de leitura: como decodificar sentidos não-literais na linguagem verbal.

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