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Sabemos que o leitor fluente precisa ser capaz de decifrar aquilo que está escrito e, ao
mesmo tempo, precisa produzir sentido para aquilo que está lendo. Por isso, é tão
importante que o leitor seja capaz de deslizar pelo texto, de decifrar o que está escrito
sem maiores dificuldades, porque assim consegue dedicar mais energia cognitiva para
a compreensão do que está lendo, ou seja, é mais capaz de produzir sentido para aquilo
que lê.
Já deu para entender que toda prática de leitura exige o uso simultâneo de mais de uma
atividade cognitiva, não é mesmo? Agora, vamos tentar situá-lo nessa discussão com
uma analogia bastante comum.
E o que essa analogia tem a ver com o nosso tema? Como já foi adiantado, tal qual
andar de bicicleta, e diversas outras ações que realizamos e nem nos damos conta, a
leitura exige o uso de habilidades que devem ser acionadas simultaneamente. Enquanto
você lê este texto, por exemplo, algumas habilidades estão sendo mobilizadas: a
decodificação das palavras e a compreensão do sentido produzido a partir da interação
entre elas, o sentido que assumem no contexto do texto e os sinais de pontuação, além
da relação que estabelecem com seu conhecimento particular de mundo e suas
experiências anteriores de leitura. Provavelmente, essas operações se deram de tal
forma que você nem se deu conta desses detalhes.
Não foi necessário somar V com O e C com Ê para decifrar o pronome “Você”. O mero
passar de olhos pelo termo já o fez reconhecer a palavra. Também não precisou parar
para refletir sobre o significado da mesma: de cara, soube que o termo fazia referência
à sua pessoa, que é o leitor desse texto. E, ao avançar sobre o trecho, percebeu o uso
do ponto de interrogação, o que o fez mudar o tom da frase, transformando-a em uma
pergunta. Inclusive, antes de terminá-la, o sinal da vírgula sinalizou uma pausa, seguida
de uma expressão informal que reforçou a intenção de interagir com o leitor: “não é
mesmo?”
Embora toda essa explicação seja um tanto longa, tais ações foram realizadas de forma
automática pelo seu cérebro. E é disso que se trata a fluência, a capacidade de realizar
habilidades simultâneas durante a decodificação e compreensão de um texto. Ler com
fluência significa ler sem embaraços, sem grandes dificuldades para decifrar o que está
escrito, de modo que um leitor fluente é aquele que consegue “deslizar” pelo texto.
A fluência em leitura é essa capacidade de deslizar pelo texto, de decifrar o texto, sendo
capaz de traduzir as palavras em sons e ao mesmo tempo de observar os sinais de
pontuação que dão entonação ao texto. Sendo assim, o leitor fluente é aquele que
consegue:
Ser fluente é uma condição fundamental para compreender o que se lê. Daí a
importância de se avaliar a fluência, visto que saber o nível em que se encontram os
estudantes no processo de alfabetização é uma informação valiosa para o professor
planejar suas ações pedagógicas.
Todos nós sabemos que, durante a alfabetização, é natural que a criança encontre
dificuldades, tropece entre uma sílaba e outra e trave algumas batalhas com palavras
desconhecidas. Mas sabemos que, caso não receba o suporte necessário, esses
tropeços poderão se intensificar e fazer com que, nos anos seguintes, ao interagir com
textos de diferentes disciplinas, novos obstáculos apareçam. E assim, da infância até a
vida adulta, cada barreira não superada dará lugar a outra ainda maior.
A fluência não é o mesmo que a compreensão do texto. Ela é o elo entre a decodificação
das palavras à compreensão daquilo que foi lido. Assim, podemos afirmar que a fluência
é constituída por meio de três pontos fundamentais relacionados à leitura: precisão,
velocidade ou automaticidade e prosódia. Vamos entender cada um separadamente.
Desta forma, a avaliação de fluência objetiva diagnosticar se o estudante já possui a
capacidade de ler em voz alta de uma forma rápida, precisa e expressiva. Isso é
importante, pois a falta de fluência leitora tem sido observada como um dos fatores para
a dificuldade de compreensão de textos escritos, o que gera consequências negativas,
como a desmotivação para a leitura.
Bem, a respeito da compreensão de textos, pelo menos nos últimos cinquenta anos,
pesquisadores e professores têm se debruçado sobre o tema, buscando entender quais
os processos cognitivos e as habilidades envolvidas para a construção da compreensão
de textos. E nessa caminhada, nessa trajetória, buscaram também desenvolver
modelos, portanto, que expliquem o desenvolvimento da compreensão de textos. E um
desses modelos é a visão simplificada da leitura. Esse modelo traz uma seguinte
fórmula, dizendo que a compreensão leitora (a compreensão de textos) é o resultado da
decodificação de palavras escritas vezes [x] a linguagem oral, ou seja, a questão da
construção do próprio vocabulário receptivo e produtivo.
“Simple View of Reading”Visão simplificada da leitura
Esse modelo, um modelo multiplicativo, aponta para o fato de que, para que possamos
ter uma leitura fluente, é preciso compreender a linguagem oral e precisamos identificar
sem qualquer esforço as palavras escritas.
Significa, portanto, que, se um desses fatores multiplicativos for igual a zero, o resultado
será zero.
Isso quer dizer que, se um desses fatores, a decodificação de palavras escritas ou a
linguagem oral, for igual a zero, vai ser muito difícil, praticamente impossível, de se
construir a compreensão, o sentido daquilo que se lê. De um modo semelhante inverso,
quanto maior for um dos fatores multiplicativos, maior será o resultado desse processo,
ou seja, mais hábil se torna a leitura do texto escrito.
Bom, quando falamos aqui nesse modelo, ele traz a decodificação de palavras escritas,
nós estamos nos referindo a um processo que não ocorra de forma silabada, ou seja,
que ele não exija um grande esforço cognitivo para o desenvolvimento dessa tarefa,
desviando a energia que deveria ser empregada para a compreensão dos textos. Nesse
sentido, o processo de automatização da decodificação é essencial para a
compreensão dos textos escritos. Vamos, portanto, caminhando para o conceito de
fluência e sua importância no processo do desenvolvimento de leitores hábeis.
Como eu disse anteriormente, nos últimos cinquenta anos, diversos pesquisadores vêm
discutindo o papel da fluência na aprendizagem da leitura nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. E esses pesquisadores apontam para alguns aspectos que estão
envolvidos nesse processo: a velocidade com o que se lê; a precisão, a exatidão com
que se lê — então, se associarmos a ideia de velocidade e precisão caminhamos para
o sentido de automaticidade da decodificação —; e a prosódia, que envolve os
processos relacionados, por exemplo, à entonação da leitura, à pontuação e às pausas
de sentido que são dadas quando se lê.
E, pensando nisso, podemos colocar uma pergunta: o que os bons leitores fazem?
E diante dessa pergunta, para entendermos um pouco melhor o que esses bons leitores
fazem, vamos ver o exemplo de um texto que começou a circular na internet no ano de
2003 e surpreendeu pesquisadores do Departamento de Ciência Cognitiva, da
Universidade de Cambridge, na Inglaterra, citada como autora do estudo presente.
Com certeza vocês conhecem, já viram circulando esse texto. Isso é interessante,
porque, na verdade, não era resultado de uma pesquisa, porque os pesquisadores da
Universidade de Cambridge desconheciam isso, mas, de uma certa maneira, aponta
sim para algo que é essencial. Ao nos depararmos com esse texto, cada um de nós é
capaz de ler e compreender o que está posto aqui.
Por que isso é possível? Porque nós somos leitores experientes, nós somos leitores que
já vencemos a etapa de decodificação e reconhecimento das palavras. Nós pulamos,
portanto, essa etapa da leitura dos fonemas. Nós identificamos a silhueta da palavra.
Isso não tem a ver, como está colocado no texto, com a primeira ou a última letra. Isso
significa que, mesmo com as letras embaralhadas, o nosso cérebro sabe reconhecer
qual a palavra conhecida mais próxima daquela bagunça. Então, nós somos capazes
de ler e avançar nesse processo e construir o sentido desse texto.
Essa discussão agora nos encaminha para outro modelo, desenvolvido em 2001,
conhecido como modelo ou gráfico de cordas, o qual nós vemos na ilustração a seguir:
Esse gráfico traz, portanto, as habilidades essenciais relacionadas ao reconhecimento
de palavras e à compreensão da linguagem, o que já havia sido apresentado lá no
modelo da visão simplificada de leitura. Mas, nesse caso, acontece um detalhamento
das habilidades relacionadas a essas duas dimensões: reconhecimento de palavras e
compreensão da linguagem. Portanto, traz os muitos elementos que contribuem para
uma leitura qualificada.
Nós podemos, portanto, observar, nesse gráfico, que nós temos a importância da
automatização. Então, no sentido logo abaixo, vamos começar pelo campo de baixo,
que é o reconhecimento das palavras, que diz respeito à dimensão da consciência
fonológica, à capacidade de decodificar e de reconhecer visualmente as palavras.
Essas habilidades têm que ser cada vez mais automáticas, ou seja, não devem exigir
esforço do leitor para realizar a tarefa envolvida no reconhecimento de palavras.
Portanto, a energia cognitiva ela deve voltar para a dimensão da compreensão da
linguagem, que envolve o conhecimento prévio (de fatos, de conceitos); do
vocabulário (que diz respeito à extensão desse vocabulário, à precisão do vocabulário,
à capacidade de estabelecer links desse vocabulário); no sentido das palavras, da
estrutura da língua (no que diz respeito à sintaxe, à semântica, à morfologia); ao
raciocínio verbal (que é extremamente importante a capacidade de fazer inferências,
reconhecer e construir sentido de metáforas, por exemplo); além de essencial, porque
nós estamos falando aqui da leitura, da compreensão de textos escritos, que é o
conhecimento de letramento, ou seja, os conceitos de impresso no que diz respeito
aos gêneros e às tipologias textuais que circulam em sociedade.
E essa dimensão tem que ser cada vez mais estratégica, porque o esforço, como eu
disse desde o início de todo o processo de compreensão, deve ser voltado para a
estratégia de extrair sentidos do texto. Então, automatizando-se os processos de
reconhecimento de palavras, caminhamos no sentido de direcionamento de energia
para os processos cognitivos envolvidos na compreensão do texto. Isso significa que o
resultado que nós teremos é uma leitura fluente, coordenada, com reconhecimento de
palavras e compreensão daquele texto sem exigir esforço do sujeito leitor.
Vejamos, por exemplo, o fragmento de texto a seguir para que possamos compreender
o que significa isso na prática. Bom, vou fazer aqui uma leitura de um trechinho de um
texto como simulando, como se fosse a leitura de alguns estudantes. Imaginemos o
seguinte:
“O le-le-le... o le-le-ão d-d-do le-é-é... la-la-la-lajo... lajo... lago. Cer...cer... certa vez, um
leão que ca-ca-caminha... caminha... caminhava pe-pe-pelas mon... z...z...zen... sentiu
muita zede”.
“O leão do lago. Certa vez, um leão que caminhava pelas montanhas sentiu muita sede.
Encontrou, então, um lago de águas espelhadas e se aproximou”.
Pensemos nessas duas leituras. A primeira leitura é hesitante, silabada, sem observar
as pausas, entonação das frases do texto, sem precisão na pronúncia de alguns
fonemas no contexto em que eles aparecem. Já a segunda leitura é fluída, firme, sem
qualquer hesitação, obedecendo às pausas de sentido do texto e a entonação. Se
considerarmos, hipoteticamente, que se trata da leitura de dois alunos distintos, o aluno
que faz a primeira leitura, exemplo de uma leitura que exige muito esforço de
decodificação, não há uma automatização nesse processo, o que vai comprometer a
compreensão do texto, pois há toda uma carga da energia cognitiva voltada para o
reconhecimento das palavras, voltada para o reconhecimento das letras e dos sons das
letras, ou seja, está focada nos fonemas e, quando muito, nas palavras, no conceito de
palavras.
Ao nos depararmos com estudantes que realizam uma leitura como essa hipotética
segunda leitura, observamos que teremos conseguido atingir o objetivo do trabalho com
a leitura, que é extrair os sentidos do texto, então estaremos diante de um leitor hábil.
Pensar em fluência e leitura não se limita apenas a uma questão de velocidade, mas
sim a relação que essa velocidade ou, melhor dizendo, que o impacto que a
automaticidade dos processos de reconhecimento de palavras na capacidade do sujeito
empregar energia para compreender o que está lendo. Isso significa que devemos sim
pensar na fluência e leitura, retomando o que eu já disse um pouco mais atrás, como o
elo efetivo entre esses os processos de decodificação com a compreensão de textos.