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INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
JUNHO DE 2008
Às cidades – mineiras ou pernambucanas
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Lélio e Lisa, queridos e eternos companheiros, que
durante toda a vida me deram apoio e carinho e me ensinaram a acreditar num mundo mais
humano.
Ao meu irmão, Daniel, que me deu coragem – mesmo sem saber – para criar asas e
À minha orientadora Heloisa, por abrir as portas para as discussões sobre o urbano
dificuldades da distância.
Ao meu avô Wilson, pelo exemplo de vida. Ao Teko, Chico, Pat, Gigi, pelo
carinho.
levantar.
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– Não tem nome nem lugar. Repito a razão pela qual quis
descrevê-la: das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir
aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem
um código interno, uma perspectiva, um discurso. É uma cidade
igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser
sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um
quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um
medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e
medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que
as regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que
todas as coisas escondam uma outra coisa.
Ítalo Calvino
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LISTA DE FIGURAS
5
LISTA DE QUADROS
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Sumário
Introdução ................................................................................................................... 8
Referências .................................................................................................................71
Anexo......................................................................................................................... 74
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Introdução
A maioria das cidades brasileiras surge a partir dos núcleos habitacionais localizados
no litoral brasileiro, com o objetivo de defender a costa explorada pelos colonizadores
portugueses da invasão de outros povos europeus.
O processo de ocupação portuguesa no Brasil foi todo orientado pela lógica
exploratória e objetivava o desenvolvimento do espaço a partir do modo de produção
capitalista mercantil, baseado principalmente na agricultura.
Na região Nordeste, a exploração baseou-se no plantio e beneficiamento da cana-
de-açúcar. O sistema de plantation introduzido nesta região, em certa medida inovador do
ponto de vista dos avanços técnicos da produção, apresenta uma forma social e política
específica de organização da agricultura, com características de concentração dos meios de
produção e exploração de mão-de-obra1.
A partir do século XIX, quando se intensifica o processo de industrialização
brasileira, começa também a vigorar o capitalismo industrial. Tal processo segue,
basicamente, o modelo de desenvolvimento capitalista avançado, adotado principalmente
em países europeus, mas que em sua versão periférica subordinada, acabou aprofundando
ainda mais os diferentes níveis de desigualdade na apropriação do espaço e,
conseqüentemente, do desenvolvimento sócio-espacial brasileiro.
Assim, o processo de ocupação reflete, em todo o país, um modelo de
desenvolvimento excludente, onde uma pequena parcela da população é detentora dos
meios de produção e grande parcela vende sua força de trabalho e sobrevive em condições
precárias.
Com a industrialização, consolidada no Brasil no século XX, vieram grandes
transformações sociais e econômicas. Pode-se destacar como central nessas mudanças o
fato de que, a partir de meados do século XX, com o desenvolvimento industrial, houve
um grande processo migratório para as cidades, somado à crise enfrentada pelos
trabalhadores do campo que começaram a sofrer com o processo de mecanização das
técnicas agrícolas, intensificando ainda mais o fluxo migratório campo-cidade.
Desta forma, nas primeiras décadas do século XX, intensifica-se o papel dos
núcleos urbanos como centro do desenvolvimento, não sendo vistos mais apenas como
2 São considerados pobres os indivíduos com renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo.
Os indigentes são aqueles com renda domiciliar per capita inferior a um quarto do salário mínimo. O
universo dos indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes (Dados do
Censo Demográfico do IBGE 2000).
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O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS,
fruto de um forte poder reivindicativo da população, é um dos instrumentos adotados
como forma de implementação de política urbana e fundiária na cidade do Recife, na
tentativa de garantir a regularização urbanística e fundiária para áreas pobres reconhecidas
como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, que foram instituídas pela Lei de Uso e
Ocupação do Solo Urbano do Recife, em 1983.
A minha proximidade com a experiência do Recife foi possível em função da
participação no Programa de Mobilidade Estudantil entre a Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG e a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, nos períodos letivos
2007/1 e 2007/2, quando freqüentei o Curso de Geografia da UFPE.
Nesse contexto, o presente trabalho busca abordar a problemática do espaço
urbano do Recife, resgatar as tentativas mais recentes de participação popular nos
processos de gestão urbana e analisar a experiência do PREZEIS, tendo como estudo de
caso a ZEIS Torrões, localizada na zona oeste do município, RPA 4, mais precisamente na
microrregião 4.2, com uma pequena área na microrregião 4.13. Dentre as sub-áreas da
ZEIS, será aprofundado o caso da comunidade Roda de Fogo, importante pólo de
resistência pela permanência da população no local de ocupação.
Os procedimentos metodológicos empregados na elaboração da monografia
consistiram em: 1) levantamento bibliográfico, abrangendo temas referentes à produção do
espaço urbano nas cidades brasileiras, à construção do espaço do Recife, à participação
popular e às políticas de gestão urbana; 2) levantamento e análise de material institucional
do PREZEIS, cedido pela Empresa de Urbanização do Recife – URB-Recife; 3) entrevistas
com representantes do poder público; 4) trabalho de campo na comunidade Roda de Fogo
e sua região, que propiciou o contato empírico com o PREZEIS através de entrevistas com
lideranças comunitárias.
Assim, é diante deste contexto que será estudada a experiência do PREZEIS
enquanto instrumento de urbanização e regularização de áreas pobres no Recife,
Pernambuco.
3 O Recife é, para fins administrativos, divido em seis Regiões Político-Administrativas (RPAs). Cada RPA
é, por sua vez, divida em três microrregiões, somando um total de dezoito microrregiões na cidade. A
RPA 4 é composta pela microrregião 4.1, que abrange os bairros Cordeiro, Ilha do Retiro, Iputinga,
Madalena, Prado, Torre e Zumbi; microrregião 4.2, que abrange os bairros Engenho do Meio e Torrões;
e microrregião 4.3, que abrange os bairros Caxangá, Cidade Universitária e Várzea.
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Esta monografia é composta de uma estrutura com quatro capítulos. O Capítulo 1
faz um breve resgate do processo de ocupação da cidade do Recife e são identificados os
principais agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano na capital
pernambucana. O Capítulo 2 dedica-se a abordar as áreas pobres existentes no município,
resgatar os momentos de participação popular nas gestões públicas municipais a partir de
meados do século XX e apresentar as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – do
Recife. No Capítulo 3 é apresentado e discutido o PREZEIS, sua estrutura de gestão, os
processos de urbanização e regularização fundiária, e realizado o estudo de caso, tendo
como objeto a ZEIS Torrões. Finalmente, no Capítulo 4 são tecidas as considerações finais
que puderam ser construídas com o respaldo de todo o desenvolvimento do trabalho.
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Capítulo 1 – A Construção do Espaço Urbano do Recife
A costa nordestina foi a primeira região do território brasileiro a ser explorada pelos
europeus. Em 1533 instalou-se o sistema de capitanias hereditárias, que obteve um
resultado geral que pode ser considerado desastroso – tanto em relação à produtividade da
colônia naquela época, quanto em relação à concentração de terras deixada como herança
para os dias de hoje – mas que, entretanto, permitiu que o lote de terra doado ao português
Duarte Coelho, a Capitania de Pernambuco, prosperasse, sobretudo com a indústria
açucareira.4
A Capitania de Pernambuco foi um dos principais centros econômicos da colônia
portuguesa, tendo seu dinamismo apoiado nos engenhos de açúcar e no porto, local de
trocas entre Colônia e Metrópole, ainda no século XVI. As vilas de Igarassu e Olinda
foram as duas primeiras a serem fundadas na capitania, sendo que Olinda desempenhou o
papel de centro do poder e da riqueza, até a chegada dos holandeses, em 1630.
As características físicas da planície localizada ao sul da colina onde se construiu
Olinda, um arrecife de arenito intermediando o Oceano Atlântico, a bacia do Rio Pina e a
bacia formada pela foz dos rios Beberibe e Capibaribe, onde se localizam duas grandes
ilhas, a do Recife propriamente dito e a de Antônio Vaz, propiciaram a instalação de um
porto flúvio-marinho que servia àquela vila, e onde começou a se desenvolver uma
povoação que teve sua estrutura social condicionada pela atividade portuária e composta
por pescadores, canoeiros, jangadeiros, artífices, colonos, soldados, mercadores,
negociantes, funcionários e clérigos (PONTUAL, 2001). A figura 1 ilustra a disposição dos
rios, das ilhas e dos recifes que conformam a região do porto do Recife.
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Figura 1 – Olinda e a futura cidade do Recife.
Fonte: BUENO, 1999, p.200.
5 Sobre a conquista holandesa e o declínio de Olinda como mais importante centro da capitania, ver
ANDRADE, 1998.
14
militares, como o Forte do Brum e o Forte das Cinco Pontas, localizados nos atuais bairros
do Recife e de São José, respectivamente. Ainda, grandiosos empreendimentos urbanísticos
como sistema de canais, pontes e palácios foram construídos durante o governo holandês.
As figuras 2 e 3 ilustram a paisagem recifense nesse período.
Figura 2 – Vista do porto a partir de Olinda Figura 3 – Bairro do Recife ao longe, visto da Ilha de
Antônio Vaz.
Fonte: Imagens de Frans Post, século XVII. In: www.longoalcance.com.br/brecife. Acesso 29 de maio 2008.
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O surgimento das usinas de açúcar, ao final do século XIX, representou o
aparecimento de uma elite que passou a dominar, apoiada na agroindústria açucareira, o
espaço e o quadro político do Recife. O início da industrialização, especialmente a indústria
têxtil, foi um fator que contribuiu para a produção do espaço em importantes áreas da
cidade, como os bairros de Santo Amaro, Boa Vista, Cordeiro, Várzea, Macaxeira e Torre
(PONTUAL, 2001) (Figura 5).
Na década de 1920, a estrutura social recifense era marcada por usineiros,
fornecedores de cana, famílias tradicionais dos coronéis do interior, comerciantes,
empresários industriais, uma classe média urbana e também o proletariado urbano. Assim,
na medida em que a divisão do trabalho na cidade vai se aprofundando, intensifica-se a
oposição entre os interesses sociais e assim os conflitos de classes, refletidos na apropriação
do espaço urbano.
Na primeira metade do século XX, com a aceleração do crescimento populacional
em função das migrações campo/cidade, e também pela expulsão de parte da população
pobre que habitava terrenos que começam a ser cobiçados pelo setor imobiliário (áreas
centrais e bem localizadas), através da demolição de mocambos, especialmente com a
criação da Liga Social Contra o Mocambo6, em 1939 (SOUZA, 2003), começa a haver o
aterramento de mangues, a ocupação de morros a noroeste e uma expansão urbana a oeste,
ao longo da Avenida Caxangá. Os vazios entre os "tentáculos" foram sendo ocupados,
consolidando uma mancha urbana que se espraia pela planície e começa a ocupar as áreas
de morros, principalmente na zona norte – são exemplos os bairros das Graças,
Encruzilhada, Água Fria, Beberibe, Casa Amarela (Figura 5).
6 De acordo com Souza (2003, p.17), até a década de 1960 o termo normalmente utilizado no Recife para
designar casebres insalubres da população pobre local era mocambo – palavra de origem africana. O termo
favela é mais recente, e passou a ser utilizado no Recife em paralelo com o seu equivalente local mocambo
nos anos 1960, e foi adotado por denominar um agrupamento de habitações improvisadas. Entretanto,
ambos os termos referem-se a uma mesma forma de morar, o habitat espontâneo insalubre.
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Figura 5 – Bairros do Recife.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.
7 Para mais detalhes sobre as COHABs em Pernambuco, ver também SOUZA, 2003.
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altitude que variam de 50 a 100 metros, e que circundam a planície flúvio-marinha em
forma de anfiteatro.
Essas colinas, pelas suas grandes dificuldades de urbanização, durante todo o século
XX, foram deixadas de lado no que diz respeito ao processo de planejamento urbano pelo
poder público, por não interessarem às classes mais abastadas da sociedade, às quais era
dirigido todo o processo de planejamento da cidade, fazendo com que essas áreas se
tornassem potencialmente atrativas ao processo de urbanização espontânea.
Os proprietários de tais áreas, por interesses econômicos, dividiram ilegalmente
suas terras, já que não tinham respaldo legal para o parcelamento, uma vez que eram áreas
consideradas impróprias para construção. Estas parcelas do solo urbano interessaram
especialmente à população mais pobre, que as adquiriu por preços muito baixos, tendo em
vista que não eram cobiçadas pela especulação imobiliária e também não possuiam título de
propriedade reconhecido do ponto de vista jurídico. Os morros de Casa Amarela, bairro
mais populoso do Recife, são um exemplo deste modelo de ocupação.
É importante ressaltar que esse processo de ocupação desordenada, ou melhor,
ordenada segundo uma lógica perversa, não se restringiu apenas às áreas de morro,
chegando também às áreas planas. Essas áreas, localizadas na planície e, portanto, mais
propícias à ocupação, foram historicamente ocupadas pelas camadas mais abastadas da
sociedade, o que de certa forma freou, num primeiro momento, a ocupação pela população
pobre. Este fato gerou uma série de conflitos fundiários, como é o caso da zona oeste, que
será tratado mais tarde no estudo de caso do presente trabalho.
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A parcela pobre da população, desprovida de condições de inserção adequada na
cidade, representa os grupos sociais excluídos, que encontram como possibilidades de moradia
algumas alternativas, como a subdivisão de velhas residências abandonadas pelas elites, os
conjuntos habitacionais construídos pelo Estado, o sistema de auto-construção em
loteamentos periféricos, e as ocupações e invasões que se transformam em favelas. Nas
primeiras possibilidades, os grupos sociais excluídos não são produtores diretos do espaço
urbano, pois estão atrelados à lógica de grandes atores como os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, e o próprio Estado. Entretanto, no momento em que ocupam,
invadem, e constroem suas moradias em assentamentos informais no meio urbano, estes
grupos passam a desempenhar o papel de agente social de produção do espaço urbano. De
acordo com Corrêa (2004),
Durante longo tempo, tais espaços foram considerados, pelo menos no que tange
ao planejamento urbano, à parte da cidade formal, legalizada, em função da exclusão
urbanística à qual são submetidos. Entretanto, a cidade informal, ilegal, é produto da
mesma lógica de produção que atende ao capital na cidade formal, porém representa o seu
outro lado, onde a pobreza, fruto das desigualdades extremas, é evidenciada, e transforma o
espaço sem seguir as normas e leis atuantes na cidade formal. Referindo-se à ausência de
comprometimento do urbanismo brasileiro com relação a estas áreas, Maricato (2000) nos
diz que "para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. (...) Trata-se de um lugar fora das idéias"
(MARICATO, 2000, p.122).
Mas a cidade real abrange a formalidade e a informalidade. E o reconhecimento de
que a ilegalidade constitui mais a regra do que a exceção (COSTA, 2006), como é explícito
no caso do Recife, aliado à forte reivindicação do movimento popular por condições de
reprodução, tem levado a experiências de intervenção nas áreas pobres, buscando tanto a
melhoria nas condições de urbanização quanto a inserção legal destas áreas no tecido
formal da cidade. A identificação de Zonas Especiais e o Plano de Regularização das Zonas
Especiais de Interesse Social – PREZEIS – são exemplos do reconhecimento não só da
existência de áreas carentes na cidade como também da necessidade de intervenção nas
mesmas.
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A cidade do Recife possui cerca de quatrocentas favelas espalhadas pelo tecido
urbano. Mais precisamente, de acordo com o Cadastro de Áreas Pobres9, banco de dados
desenvolvido pela Prefeitura Municipal (RECIFE, FADE/UFPE, 1998), existia no final da
década de 1990 um total de 421 áreas classificadas como pobres.
A extensão territorial ocupada pelas áreas de pobreza representa aproximadamente
15% dos 220km2 totais do Recife, e abriga cerca de 45% da população. Esta porcentagem
de habitantes em áreas pobres é relativamente alta, se comparado com outras metrópoles
brasileiras. O índice de Belo Horizonte, por exemplo, gira em torno de 20 a 25% de sua
população morando em favelas.
Com relação às características físicas dos locais ocupados por áreas pobres, das 421
áreas cadastradas, 35 se encontram em alagados, 142 em áreas de morro e 244 estão na
planície. Quanto à tipologia construtiva, a grande maioria, 391 áreas, apresenta moradias
em alvenaria. As restantes são em madeira, taipa, ou restos de materiais. Quanto ao grau de
pobreza, 85 áreas foram cadastradas como pobre, 267 como muito pobre e 69 como pobre
crítico.
Como já foi citado anteriormente, o tecido urbano do Recife é caracterizado por
uma forte mesclagem, não existindo áreas ocupadas por população de alta renda distantes
de áreas pobres. Assim, a espacialização das áreas pobres pode ser ilustrada pela figura no
anexo.
9 A terminologia "áreas pobres", e não "favela", adotada no cadastro é justificada pelos autores em função das
melhorias urbanas que podem ser encontradas, apesar de uma nítida diferenciação em termos de
configuração urbana. A definição de pobreza utilizada no cadastro refere-se à precariedade histórica de
inserção de pessoas em um ou mais circuitos da vida em sociedade: produção, consumo, acesso, fruição de bens públicos,
cidadania, entre outros. Foram considerados como área de pobreza os assentamentos que continham no
mínimo dez casas, número que difere do conceito do IBGE, que só considera como área de pobreza
aquela que contiver, no mínimo, cinqüenta e uma casas. Optou-se por essa postura, com o entendimento
de que o aparecimento de pelo menos dez casas, em um mesmo lugar, em curto espaço de tempo,
contém justificativas tais que permitem que o número aumente rapidamente, como por exemplo, uma
nova fonte de trabalho. Para a definição das áreas de pobreza, foram utilizados os seguintes parâmetros:
1) que esteja localizado em terrenos particulares, públicos ou em áreas non aedificandi; 2) que contenha padrão construtivo
majoritariamente de baixa qualidade ou precário; 3) cujo padrão urbanístico em desacordo com a legislação vigente, resulte
em espaços insalubres, promíscuos e descontextualizados; 4) que se constitua em um espaço impermeável da cidade. Foram
ainda utilizados, como indicadores de pobreza, indicadores sócio-econômicos – renda, educação e saúde
– e indicadores físico-ambientais – padrão construtivo, existência de melhoria urbana e configuração
urbana – classificando as áreas por grau de pobreza – pobre, muito pobre ou pobre crítico (RECIFE,
FADE/UFPE, 1998).
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As intervenções governamentais efetivas nas áreas pobres de assentamentos
populares no Recife vieram juntamente com o início do processo de abertura política do
final do regime militar.
A implementação de ações de melhoria urbana era feita basicamente com recursos
federais e estaduais, através de programas de urbanização e legalização da posse da terra. O
programa PROMORAR, criado em 1979 pelo governo federal, foi um marco de contraposição
à prática de construção de conjuntos populares na extrema periferia das cidades, que funcionava como um
mecanismo de expulsão da população pobre das áreas urbanas centrais (ARAÚJO et al, 1999, p.26). O
programa propunha a consolidação das favelas, com implementação de sistemas de infra-
estrutura viária e de saneamento, e promoção de melhorias habitacionais.
As primeiras áreas pobres a sofrerem ações de melhoria urbana implementadas pelo
poder público no Recife, substituindo as relocações das famílias nas periferias, foram
Brasília Teimosa, na zona sul, Coque e Coelhos, no centro.
Em 1980, adequando-se ao programa PROMORAR, a Prefeitura do Recife criou
vinte e seis áreas especiais, para as quais foram definidos procedimentos peculiares para a
elaboração de projetos urbanísticos. Este pode ser considerado o embrião da criação das
Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – três anos mais tarde (ARAÚJO et al, 1999).
Outra ação relevante do poder público nas áreas pobres do Recife, no período que
antecede a criação do PREZEIS, foi o Projeto Recife, que visava a requalificação,
valorização e comercialização imobiliária dirigida para as populações de média e alta renda,
integrada com a reabilitação de áreas de favelas na região da várzea do rio Capibaribe. De
modo geral, intervenções de maior porte mercantil na margem direita do rio subsidiaria
ações focais na margem esquerda. Foram elaboradas propostas que não se concluíram, e
algumas que resultaram em transformações concretas, como a criação de conjuntos
populares, como o Parque do Caiara, no bairro da Iputinga (ARAÚJO et al, 1999).
10 Tais dados, obtidos através do Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife (2005), consideram o
Censo Demográfico do IBGE de 2000, cuja pesquisa, vale ressaltar, suprimiu a variável que definia a
precariedade dos domicílios pelos materiais de construção utilizados, o que levou a uma queda no
número de domicílios precários, referentes ao déficit e à inadequação habitacionais.
11 Anteriormente, ainda nos séculos XVIII e XIX, a participação popular no Recife foi de grande
importância para movimentos como a Guerra dos Mascates, em 1710 e 1711, representando a disputa
entre os comerciantes do Recife (mascates) e a aristocracia rural de Olinda, e a Revolução Pernambucana,
movimento emancipacionista e republicano em 1817, fruto do descontentamento com os privilégios
concedidos aos portugueses.
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popular foi fortemente incentivada, tendo em vista a necessidade do apoio do povo à
coligação da Frente do Recife, da qual o prefeito fazia parte, em oposição à maioria na
Câmara Municipal de Vereadores.
As associações populares sempre tiveram como principais reivindicações a questão
da terra e da habitação, equipamentos coletivos e serviços de infra-estrutura, ou seja,
questões de caráter local. Questões políticas, a preocupação com problemas mais amplos
de desenvolvimento e cidadania e a articulação com outros movimentos começavam a ter
visibilidade e ganharam força na Federação das Associações de Bairro de Pernambuco –
FABEP, criada em 1963.
A gestão seguinte (1959/1962), com Miguel Arraes, do Partido Socialista Brasileiro
– PSB, manteve os ideais de participação popular, principalmente através do Movimento
Cultural Popular (MCP) que, segundo Leal (2003), estimulou o processo organizativo da
população, mas significou uma interferência na autonomia dos movimentos, uma vez que
várias lideranças acabaram se inserindo na administração do governo.
Em 1964, o então prefeito reeleito Pelópidas Silveira, atendendo às reivindicações
das associações, criou o Conselho das Associações de Bairro, fazendo com que o Conselho
de Planejamento contivesse um representante da FABEP. Tal avanço no processo de
participação popular foi interrompido, no mesmo ano, com o golpe militar.
Durante o período correspondente à ditadura militar, até 1978, o autoritarismo e a
repressão fizeram com que poucas entidades fossem criadas. Os investimentos eram
voltados para grandes obras e a população carente era tratada a partir de uma visão
higienista.
Durante as gestões dos prefeitos biônicos – indicados pelo regime militar – Gustavo
Krause (1979/1982) e Joaquim Francisco (1983/1985), ambos da Aliança Renovadora
Nacional – ARENA, houve um movimento de retomada da participação popular, com um
caráter populista. Um grande número de entidades do movimento social foi criado naquela
época em que o país vivia grande efervescência política, algumas fazendo oposição ao
governo local, outras atreladas aos projetos da prefeitura.
É precisamente neste contexto, em 1983, que foram instituídas pela Lei de Uso e
Ocupação do Solo as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, o que reconheceu
formalmente a existência de favelas na cidade. Tal zoneamento é de grande importância
para os argumentos desenvolvidos ao longo deste trabalho.
A primeira eleição municipal direta após a ditadura militar elegeu o prefeito Jarbas
Vasconcelos (1986/1988), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, que
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trouxe alguns novos instrumentos de planejamento, marcados por um novo cenário
político, o processo de redemocratização do país. São importantes: o Programa Prefeitura
nos Bairros (PPB), que visava à participação popular nas tomadas de decisões através de
fóruns de entidades do movimento social, cuja organização e legitimação eram estimuladas
a fim de garantir a articulação do governo com a sociedade; e o Plano de Regularização das
Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS, Lei Municipal nº 14.947/87, sancionada
em 1987, que visava regulamentar o Art. 14 da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que criou
as ZEIS. A proposta de elaboração desta lei contou com a participação de entidades do
movimento popular e da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. O
PREZEIS será objeto de estudo específico do próximo capítulo.
O segundo mandato de Jarbas (1993/1996), após a segunda gestão de Joaquim
Francisco (que desta vez não havia sido indicado, mas eleito, em 1989), manteve o PPB
que, revisado, significou um importante canal de descentralização política. No entanto,
segundo Santos (2006), o programa não foi capaz de romper com a barreira da democracia
representativa e construir uma nova cultura política no planejamento e gestão urbanos
através do exercício da democracia direta e participativa, tal como havia sido pensado.
Com relação ao PREZEIS, foi aprovada uma nova Lei em 1995. Como aspectos
inovadores, têm-se, dentre outros, a instituição de eleição direta para a escolha dos
representantes comunitários nas Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da
Terra - COMULs, que são instâncias de discussão e deliberação acerca dos projetos de
urbanização e regularização a serem desenvolvidos nas ZEIS, e a gestão do Fundo
Municipal do PREZEIS, que passa a ser atribuição do Fórum Permanente do PREZEIS,
um espaço institucional de articulação e deliberação dos segmentos que integram o
PREZEIS. Foram, ainda, instituídas as Câmaras de Urbanização, de Legalização, e de
Orçamento e Finanças, que contam, cada uma, com a participação de dois representantes
do segmento popular12.
O prefeito que se seguiu e governou de 1997 a 2000, Roberto Magalhães, do
Partido da Frente Liberal – PFL, manteve a base conceitual do PPB, embora no âmbito de
uma administração conservadora, oposta ao populismo de Jarbas Vasconcelos (SOUZA,
2004).
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Com a eleição de João Paulo, do Partido dos Trabalhadores – PT, para o governo
municipal do Recife, em 2000, desenhou-se a participação popular através do Orçamento
Participativo (OP) tal como existe hoje, salvo algumas alterações metodológicas. Nesta
gestão, com todos os esforços apontados para o OP, o PREZEIS sofreu uma diminuição
do seu espaço político, delineando-se certa competição entre os agentes desses dois
instrumentos de política urbana. Sobre isso, falaremos mais detalhadamente no próximo
capítulo.
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A reformulação da LUOS do Recife, em 1996, conformando a lei vigente até os
dias atuais, coincide com as alterações realizadas nas Leis de Uso de Ocupação do Solo de
outras cidades brasileiras. Tal coincidência remete ao momento da política urbana nacional
no período pós-Constituição de 1988 que configurou um processo de discussões sobre
novas leis, aprovadas, na sua maioria, na metade da década de 1990. Assim, podemos dizer
que o caso do Recife está inserido no contexto nacional de reflexões e práticas acerca das
questões urbanas.
Para o reconhecimento de uma área como ZEIS pelo poder público, de acordo
com o Artigo 17 da LUOS, são necessários os seguintes requisitos:
14 De acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, em 2000, dos 1.422.905 habitantes do
Recife, 583.724 residiam em ZEIS.
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Quadro 1 – Zonas Especiais de Interesse Social no Recife
MR Denominação da ZEIS Área (ha) Lei Reguladora COMUL
1.1 João de Barros 1,80 LM 15.096/88 DM 14.475/88
1.1 Santo Amaro 37,45 LUOS 14.511/83 -
1.3 Coelhos 25,10 LUOS 14.511/83 DM 14.060/87
1.3 Coque 76,30 LUOS 14.511/83 DM 14.062/87
2.1 Campo Grande 106,50 LM 15.866/94 DM 16.898/95
2.1 Ilha do Juaneiro 13,24 LUOS 14.511/83 -
2.2 Fundão de Fora 26,97 LUOS 14.511/83 -
2.3 Dois Unidos 34,34 LUOS 14.511/83 -
2.3 Linha do Tiro 62,40 LUOS 14.511/83 -
3.1 Altos do Mandu / Santa Isabel 69,20 LUOS 14.511/83 -
3.1 Apipucos 6,00 LM 16.220/96 -
3.1 Campo do Vila 1,34 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
3.1 Casa Amarela 895,00 LUOS 14.511/83 -
3.1 Poço da Panela 2,51 LM 15.949/94 -
3.1 Tamarineira 1,57 LM 16.090/95 -
3.1 Vila do Vintém 0,32 LM 15.979/94 -
3.1 Vila Esperança / Bodocó 4,06 LM 15.926/94 DM 16.880/95
3.1 Vila Inaldo Martins 0,46 LM 15.951/94 -
3.1 Vila Macionila / Mussum 1,36 LM 16.220/96 -
3.3 Vila São João 4,52 LM 15.947/94 DM 16.878/95
4.1 Caranguejo / Tabaiares 7,36 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
4.1 Mangueira da Torre 1,70 LM 14.947/93 DM 14.947/93
4.1 Prado 10,13 LUOS 14.511/83 DM 16.739/94
4.1 Sítio do Berardo 13,50 LUOS 14.511/83 DM 14.473/88
4.1 Sítio do Cardoso 14,57 LM 15.140/88 DM 14.715/89
4.1 Vila União 4,86 LUOS 16.176/96 -
4.2 Torrões 92,50 LUOS 14.511/83 DM 14.059/87
4.2 Vietnã 7,70 LUOS 14.511/83 -
4.2 Vila Redenção 5,34 LUOS 14.511/83 -
4.3 Brasilit 13,46 LUOS 16.176/96 DM 18.970/01
4.3 Campo do Banco 9,40 LM 15.925/94 DM 16.889/95
4.3 Rosa Selvagem 49,49 LM 16.089/95 DM 18.022/98
4.3 Sítio Wanderley 6,16 LM 16.102/95 -
4.3 Vila Arraes 8,05 LUOS 16.176/96 -
4.3 Vila Felicidade 6,40 LM 15.927/94 DM 16.879/95
5.1 Afogados 34,00 LUOS 14.511/83 DM 14.713/89
34
5.1 Mangueira 67,50 LUOS 14.511/83 DM 14.710/89
5.1 Mustardinha 51,44 LUOS 14.511/83 DM 15.630/91
5.1 Novo Prado 5,90 LUOS 14.511/83 DM 17.597/97
5.1 Vila do Sirí 1,75 LUOS 16.176/96 -
5.2 Beirinha 10,70 LM 15.161/88 DM 14.621/89
5.2 Caçote 37,10 LUOS 14.511/83 DM 17.597/97
5.2 Capuá 8,20 LUOS 14.511/83 -
5.2 Jardim Uchôa 8,80 LM 15.463/91 DM 15.736/92
5.2 Rua do Rio / Iraque 18,43 LM 15.122/88 DM 14.856/89
5.3 Areias 28,00 LUOS 14.511/83 -
5.3 Barro 28,22 LUOS 14.511/83 -
5.3 Cavaleiro 56,50 LUOS 14.511/83 -
5.3 Jardim São Paulo I 2,01 LM 16.219/96 -
5.3 Jardim são Paulo II 2,20 LM 16.21996 -
5.3 Planeta dos Macacos 27,63 LM 15.952/94 DM 16.906/93
5.3 Tejipió 13,60 LUOS 14.511/83 -
6.1 Aritana 1,00 LM 15.921/94 DM 17.123/95
6.1 Borborema 4,60 LM 15.141/88 -
6.1 Brasília Teimosa 72,70 LUOS 14.511/83 DM 14.061/87
6.1 Coqueiral 0,99 LM 16.415/98 DM 18.192/99
6.1 Coronel Fabriciano 0,80 LM 15.164/88 DM 14.855/89
6.1 Entra Apulso 8,33 LM 15.164/88 DM 14.523/88
6.1 Ilha de Deus 15,30 LM 16.103/95 -
6.1 Ilha do Destino 7,40 LM 15.997/94 -
6.1 Pina / Encanta Moça 42,31 LUOS 14.511/83 DM 14.497/88
6.1 Sítio Grande 66,50 LM 15.767/93 DM 16.920/95
6.2 Alto da Jaqueira 37,21 LUOS 16.176/96 DM 18.373/99
6.2 Greve Geral 1,51 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
6.2 Ibura / Jordão 149,00 LM 15.168/88 DM 14.711/89
6.3 UR 5, UR 12 / Três Carneiros 115,66 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
35
Figura 11 – Distribuição espacial das ZEIS do Recife
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.
37
Beirinha Teve seu processo de urbanização acelerado nos últimos anos, contudo
faltam algumas ações e parte das casas está sendo soerguida, por terem
ficado abaixo do nível da rua.
Brasília Teimosa Área com urbanização concluída.
Brasilit Passa por um processo de urbanização lenta, com ações prioritariamente
de pavimentação e drenagem. A sub-área Ilha das Cobras é a área mais
insalubre, com grande número de habitações precárias.
Caçote A urbanização tem evoluído muito nos últimos anos, contudo ainda faltam
muitas ações para sua conclusão. Ximboré é a sub-área mais precária, com
boa parte das casas às margens do rio, em situação precária.
Campo do Banco Teve um bom número de ações nos últimos anos, mas necessita de obras,
especialmente de pavimentação e drenagem.
Campo do Vila A área é muito densa e não possui infra-estrutura, mas existem
investimentos previstos.
Campo Grande Possui situações diferenciadas de urbanização, algumas com previsão de
investimentos assegurados por parcerias e outras sem previsão. As sub-
áreas Beira Rio e Jacarezinho merecem atenção especial pois não podem
ser consolidas por estarem às margens de cursos d’água, as famílias
precisam ser relocadas em conjunto habitacional. As demais sub-áreas
passam por processo de urbanização lento.
Caranguejo / Tabaiares Possui situações bem precárias de habitabilidade, com muitas casas às
margens dos cursos d’água e situações de insalubridade geradas a partir do
mau funcionamento do sistema de esgoto.
Coelhos As sub-áreas que precisam de mais investimentos dão Beco do
Esparadrapo e Coelhos 1, a primeira com necessidade maior de construção
de unidades habitacionais e a segunda de implantação de infra-estrutura.
Coque Possui níveis diferenciados de urbanização, com algumas vilas e conjuntos
habitacionais construídos, mais próximos de concluir a urbanização e áreas
de ocupação desordenada, mais precárias.
Coqueiral Área precária, sem infra-estrutura.
Entra Apulso Apresenta alguns trechos muito densos que precisariam de construção de
novas habitações para abertura de vias e implantação de infra-estrutura.
Ibura / Jordão Assim como as demais áreas de morro, vem sendo urbanizada de forma
lenta, com ações de contenção de encosta e pavimentação e drenagem.
Jardim Uchoa Teve seu processo de urbanização intensificado nos últimos anos, com
exceção da área do charco, que apresenta situações bem precárias.
Mangueira As sub-áreas mais precárias estão concluindo a urbanização. Com isso, a
área passa a depender de ações pontuais de pavimentação e drenagem para
concluir sua urbanização.
Mangueira da Torre A área não tem infra-estrutura.
Mustardinha A urbanização de áreas precárias está sendo concluída.
Novo Prado Teve seu processo de urbanização acelerado nos últimos anos, mas precisa
terminar de construir o habitacional e abrir algumas ruas.
Pina Possui muitas situações precárias de moradia, com grande número de
palafitas e falta de infra-estrutura. A exceção é a sub-área Encanta Moça,
que possui situações bem consolidadas.
Planeta dos Macacos Tem passado por um processo lento de urbanização, precisa de ações
pontuais para concluir o processo.
38
Prado Para concluir a urbanização da área, a sub-área Brega e Chique necessita de
construção de novas unidades habitacionais, para a abertura de vias.
Rosa Selvagem Processo de urbanização lento, com muitas ações a serem executadas.
Rua do Rio / Iraque A sub-área mais precária é o Iraque, com alta densidade construtiva, que
implicará em muitas remoções para a implantação de infra-estrutura.
Sítio do Berardo Precisa apenas da execução de algumas obras de pavimentação e drenagem
para concluir a urbanização.
Sítio do Cardoso Necessita de obras de pavimentação e drenagem para concluir a
urbanização.
Sítio Grande Apresenta situações precárias, especialmente as próximas ao mangue.
Torrões Apresenta situações distintas de urbanização, sendo as sub-áreas Torrões e
Sítio das Palmeiras as mais consolidadas. As situações mais precárias estão
nas sub-áreas Casarão e Rei do gado, ambas com alta densidade e
necessidade de novas unidades habitacionais.
UR-5 / Três Carneiros Assim como as demais áreas de morro, tem sofrido uma lenta urbanização,
com ações de pavimentação e drenagem, além das contenções de encostas.
Vila Esperança / Bodocó Foram executadas apenas algumas ações de urbanização. Necessita de um
grande número de novas unidades habitacionais.
Vila Felicidade Apresenta vias muito estreitas e falta de saneamento.
Vila São João Processo de urbanização lento, com situações precárias próximas ao açude
e ao canal.
É possível perceber que poucas das Zonas Especiais de Interesse Social do Recife
com COMUL instalada encontram-se em situação de conclusão do processo de
urbanização. Entretanto, as ações já realizadas representam um avanço que deve ser
considerado no que se refere às condições de habitabilidade da população residente.
39
Capítulo 3 – Plano de Regularização das Zonas Especiais de
Interesse Social
Leal (2003) afirma que as condições de habitabilidade nas áreas pobres e o forte poder
reivindicativo da população levaram o poder público a implantar novos mecanismos que viessem a alterar as
condições legais e sociais nessas áreas (LEAL, 2003, p.39), referindo-se à criação do Plano de
Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS. De acordo com a
autora, o PREZEIS favorece uma estabilidade com respeito à posse da terra ao delimitar as
ZEIS e assegura uma perspectiva de implantação de infra-estrutura e serviços urbanos.
O PREZEIS é uma lei que foi aprovada em 1987 e tem como objetivo fixar
normas, procedimentos e a estrutura de gestão, visando promover a urbanização e a
regularização fundiária das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.
O PREZEIS surge de uma grande mobilização, com a contribuição concreta de
vários setores do movimento popular e com o apoio da Comissão de Justiça e Paz da
Arquidiocese de Olinda e Recife, com o objetivo de regulamentar a Lei de Uso e Ocupação
do Solo Urbano, sendo uma das primeiras experiências brasileiras, do ponto de vista legal,
onde já se reconhecia o direito social à moradia como mais importante do que o direito à
propriedade, defendendo claramente o principio da função social da terra.
Como princípio fundamental da Lei do PREZEIS está o de respeitar as características
locais de cada comunidade, possibilitando que as ocupações permaneçam em seus locais de origem, desde que
essas áreas ofereçam condições de serem urbanizadas e legalizadas (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife,
1997, p.5), ou seja, busca respeitar a tipicidade da área.
A Lei do PREZEIS, portanto, trouxe consigo um avanço substancial na garantia da
permanência da população mais pobre em áreas que certamente poderiam ser
posteriormente ocupadas por empreendimentos orientados pelo processo de produção
capitalista da cidade. Na Lei do PREZEIS existem, de forma clara, instrumentos
urbanísticos e jurídicos de inibição à especulação imobiliária, como o estabelecimento do
tamanho dos lotes – o lote máximo para fins habitacionais a ser considerado para a ZEIS é
de 250m2, e o lote mínimo é de 18m2, havendo normas para desmembramentos e/ou
remoções caso existam lotes que não se adequem a estes padrões – tentando assim impedir
40
a construção de prédios de grande porte nas ZEIS, o que alteraria a tipicidade da ocupação
local e também o perfil dos moradores.
Como já foi dito anteriormente, o Recife, como outras cidades brasileiras, vivenciou
na metade do século XX um processo de expulsão da população pobre de áreas que
serviam ao mercado imobiliário, removendo esses moradores para áreas mais periféricas da
cidade, distantes de seus locais de trabalho e de equipamentos públicos coletivos. Com a
aprovação da Lei do PREZEIS esse processo de “expulsão branca” foi sendo minimizado.
O PREZEIS, por ser uma lei que, durante o processo de sua construção, aprovação
e implementação, sempre teve uma participação efetiva dos setores do movimento popular
recifense, mantém essa característica na sua gestão.
Com a Lei do PREZEIS, o poder público passa a reconhecer a sociedade civil
como segmento importante e essencial nos processos de planejamento e implantação da
urbanização e regularização fundiária nas Zonas Especiais de Interesse Social, criando
assim alguns canais de participação e interlocução, como a instalação das Comissões de
Urbanização e Legalização da Posse da Terra – COMULs, que se dá a partir da solicitação
da comunidade após a área ser reconhecida como ZEIS, e o Fórum do PREZEIS, que
serão detalhados adiante.
Devido ao viés participativo do PREZEIS, algumas mudanças foram acontecendo
no curso do processo, tendo em vista a própria dinâmica da questão urbana no Brasil, e
também no Recife, evidenciando a necessidade de atualizar e aperfeiçoar o funcionamento
do PREZEIS ao longo de sua existência.
Em 1995, a instância máxima de deliberação, o Fórum do PREZEIS, após um
processo de discussão amplo que envolveu todas as ZEIS, as COMULs e o governo
municipal, elaborou uma nova proposta de Lei do PREZEIS, aprovada pela Câmara
Municipal e sancionada pelo Poder Executivo, sob o número 16.113/95, substituindo a lei
aprovada em 1987 e tendo como mudanças centrais a discussão acerca da estrutura de
gestão e dos processos de regularização urbanística e fundiária nas ZEIS.
A escolha dos representantes dos moradores das ZEIS na COMUL é feita através
de processo eleitoral com voto direto e secreto, podendo participar do processo todos os
moradores da ZEIS e podendo concorrer às vagas todos os moradores com idade igual ou
superior a dezoito anos. Tal processo é regulamentado pelo Capítulo II do Decreto
Municipal nº 17.596/97. A duração do mandato dos membros da COMUL é de dois anos.
As atribuições da COMUL de cada ZEIS são:
42
sendo, portanto, de grande importância a criação e instalação da COMUL em todas as
ZEIS.
Três ZEIS no Recife já tiveram sua COMUL desativada – Coronel Fabriciano, João
de Barros e Greve Geral – o que indica que estas ZEIS já atingiram um bom nível de
urbanização e de legalização fundiária. O entendimento para desativação da COMUL parte
dos próprios representantes das ZEIS, devendo ser consenso entre a comunidade. Com a
COMUL desinstalada, a ZEIS passa a ter novamente somente um representante no Fórum,
assim como as ZEIS que nunca instalaram sua COMUL. Das três que já sofreram este
processo, apenas a ZEIS Greve Geral manteve uma participação ativa no Fórum do
PREZEIS, sendo inclusive seu representante eleito suplente da Coordenação do Fórum
(ver a seguir). As outras duas ZEIS, depois da desativação da COMUL, afastaram-se das
discussões do PREZEIS. É importante que, mesmo depois de atingir determinado grau de
urbanização e regularização, a área permaneça sendo uma Zona Especial de Interesse
Social, uma vez que as restrições para compra e venda dos imóveis se mantêm em vigor, e
assim evita-se abrir espaço para a especulação imobiliária.
A COMUL deve reunir-se quinzenalmente, sendo uma reunião na sede da Empresa
de Urbanização do Recife – URB-Recife, e outra na comunidade, buscando possibilitar
uma maior participação dos moradores nas discussões e definições da COMUL.
O Fórum do PREZEIS
I. Promover debates, encontros e seminários de capacitação sobre temas relacionados com o PREZEIS;
II. Gerir o Fundo do PREZEIS, nos termos da Lei Municipal número 15.790/93;
III. Articular, junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a solução das questões pertinentes às
ZEIS;
IV. Solicitar ao Executivo Municipal a criação e extinção das COMULs, com base nos pareceres emitidos
pelas Câmaras de Urbanização e Legalização;
V. Acompanhar e fiscalizar o funcionamento das instâncias do PREZEIS;
VI. Divulgar o PREZEIS;
43
VII. Promover articulação com a sociedade civil e poderes públicos em defesa do PREZEIS;
VIII. Acompanhar a tramitação de processos legislativos referentes às ZEIS e da legislação urbanística
aplicável a estas;
IX. Acompanhar as negociações necessárias à viabilização de recursos para o PREZEIS;
X. Representar os interesses das ZEIS junto ao Conselho de Desenvolvimento Urbano;
XI. Acompanhar os processos administrativos que versem sobre a transformação de novas áreas em ZEIS;
XII. Analisar e emitir parecer acerca da proposta de subclassificação das ZEIS e a revisão da mesma;
XIII. Captar recursos oriundos do Fundo de Desenvolvimento Urbano definidos nos Artigos 26 e 27 do
Plano Diretor da Cidade do Recife – PDCR.
44
fim do contrato a ONG deixa de participar. Isso vem acontecendo, segundo Josineide
Souza, da Gerência de Apoio à Participação Popular da URB-Recife e representante deste
órgão na Coordenação do Fórum do PREZEIS17, mais intensamente a partir de 2007.
Algumas ONGs que sempre estiveram presentes, atuantes não só na gestão mas nos
processos de urbanização e regularização fundiária, têm se afastado e deixado o segmento
popular sem assessoria, uma vez que, de acordo com Josineide, esse não é papel do poder
público.
O Fórum elege sua coordenação, que deve ser composta por um representante da
URB-Recife, um representante das ONGs e três representantes de entidades do
movimento popular e/ou comunidade, que terão uma ajuda de custo e serão eleitos através
do voto direto e secreto. A duração do mandato dos integrantes da Coordenação do
Fórum é de dois anos.
As atribuições da Coordenação do Fórum são:
45
Câmara de Urbanização
Câmara de Legalização
46
A atribuição da Câmara de Orçamento e Finanças está relacionada à fiscalização
da aplicação dos recursos do Fundo do PREZEIS, nos termos da Lei Municipal número 15.790/93.
Desta forma, a estrutura organizativa e de gestão do PREZEIS pode ser
representada de acordo com a figura 12.
48
ZEIS, conforme relato de Fernando Lima, morador da ZEIS Torrões e participante do
PREZEIS desde 199618.
Outro aspecto importante, que também já foi proposto e até mesmo
experimentado pelo PREZEIS, no entanto sem continuidade, de acordo com Josineide
Souza, representante da URB-Recife na Coordenação do Fórum do PREZEIS, é a
tentativa de regionalização das reuniões das COMULs, com a criação de instâncias
intermediárias, ou Fóruns Regionais do PREZEIS, tendo como referências as Regiões
Político-Administrativas (RPAs) e suas microrregiões. Tal regionalização buscaria, de
acordo com Moraes (2002), a compatibilização dos planos urbanísticos das ZEIS com
outros planos de maior abrangência, ampliando os horizontes dos atores que compõem as
COMULs, para que percebam as relações entre as suas localidades com o resto da cidade; e
a viabilização de um diálogo mais estreito com outros instrumentos de gestão urbana,
como os fóruns microrregionais de delegados do Orçamento Participativo, possibilitando a
discussão em conjunto das prioridades para a urbanização de áreas precárias, o que
permitiria unir esforços e recursos necessários à transformação destas áreas.
49
carência de infra-estrutura básica. A análise da Lei do PREZEIS deixa evidente a
preocupação com a regularização urbanística, existindo na lei um capítulo específico para
tratar do tema.
Desta maneira, a urbanização das ZEIS tem como princípio dotar essas áreas dos
serviços básicos de infra-estrutura urbana, contribuindo assim para que sejam superadas as más condições
de vida e insegurança ali existentes (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife, 1997, p.9).
O processo de urbanização pode ser dividido em três etapas principais, sendo a
primeira onde se dá o conhecimento da área em que está localizada a ZEIS, através da
realização de estudos preliminares que utilizam instrumentos como o levantamento
topográfico e a pesquisa sócio-econômica. Assim, é possível elaborar um diagnóstico da
ZEIS, que mostra como a área está estruturada e quais os principais problemas existentes.
A partir daí, é elaborado o Plano Urbanístico da ZEIS, que deve detalhar o parcelamento e
as normas de uso, ocupação e aproveitamento do solo urbano na área, e indicar as
estimativas de custos de todas as ações previstas (execução de obras, relocações quando
necessário, indenizações, etc.). Nesta etapa devem ser elaborados os Projetos Executivos
Específicos, com detalhamento técnico das propostas de engenharia, permitindo a
contratação das obras.
A segunda etapa refere-se à contratação dos serviços para execução das obras de
engenharia. A escassez de recursos representa um problema especial nesta etapa, e é no
Fórum do PREZEIS onde se define o uso dos recursos do Fundo Municipal do PREZEIS,
determinando quais áreas serão beneficiadas, quais ações serão realizadas e quanto de
recurso financeiro será liberado. Entretanto, podem ser utilizados também recursos
captados de outras fontes, a partir de negociações e pressões da comunidade, não se
restringindo apenas ao Fundo. As licitações para a seleção da empresa executora e a
fiscalização das obras cabem à URB-Recife, que deve se basear nas definições do Fórum e
nos Projetos Executivos Específicos.
A terceira etapa compreende o "controle urbanístico", a fiscalização sobre o espaço
físico da ZEIS, buscando evitar o desrespeito, por parte de moradores, aos parâmetros
definidos no Plano Urbanístico, o qual, com sua transformação em instrumento de
controle a ser regulamentado por decreto municipal, tende a se tornar um Plano Diretor
Urbanístico.
A COMUL tem um papel fundamental no processo de urbanização da ZEIS, pois
cabe a ela discutir o Plano Urbanístico, acompanhar sua elaboração, competência esta de
técnicos da URB-Recife, e sua implementação. A interlocução com o restante da
50
comunidade, tentado minimizar transtornos advindos da execução das obras, de relocações
das famílias, etc., e também com o Fórum do PREZEIS, é de responsabilidade da
COMUL.
A Câmara de Urbanização tem uma atuação importante no processo de
urbanização, produzindo subsídios técnicos para o Fórum.
51
indo de encontro à grande parte de outras experiências, onde o título de propriedade é
privilegiado pelas comunidades.
O processo de regularização fundiária geralmente é um processo lento, porém
importante, de modo a garantir definitivamente a permanência dos moradores nas áreas ocupadas e
impedir qualquer ação de expulsão por parte do proprietário (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife,
1997, p.12).
Para o processo de regularização fundiária nas ZEIS é necessário em primeiro lugar
identificar a quem pertence o terreno ocupado, se ao poder público ou a um particular,
para que se defina o instrumento jurídico a ser utilizado na legalização. O Executivo
Municipal é autorizado a utilizar os instrumentos jurídicos necessários, sendo os principais
para o PREZEIS o usucapião, nos casos de terreno particular, e a Concessão de Direito
Real de Uso – CDRU, quando o terreno é público. A doação como forma de transferência
de bens públicos municipais nas ZEIS é vedada pela Lei do PREZEIS.
Se o terreno é particular, utiliza-se o usucapião, que consiste na aquisição de um direito
real, pelo exercício da posse sobre um bem imóvel, com ânimo de dono, por um prazo determinado em lei
(AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999). Para a utilização deste mecanismo, é necessário
que o morador não possua outro imóvel, urbano ou rural, e ocupe o terreno por no
mínimo cinco anos, exclusivamente para moradia. O terreno não pode exceder 250m2 e
não pode ter havido em nenhum momento a tentativa de reintegração de posse por parte
do proprietário. O ocupante deve, então, dar entrada na Justiça com uma ação de
usucapião e, após o resultado, a sentença deve ser registrada no Cartório de Imóveis e o
ocupante passa a ser o proprietário do terreno. As ações de usucapião podem ser coletivas
ou individuais e o Executivo Municipal deve prestar assessoria técnico-jurídica para fins de
regularização fundiária.
Se o terreno é uma área pública, utiliza-se prioritariamente a Concessão de Direito
Real de Uso – CDRU – como instrumento para regularizar a posse da terra, que prevê
concessão por tempo indeterminado, renovável, podendo ser gratuita ou onerosa, e com destinação especificada
(AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999). Pela Lei do PREZEIS, o contrato ou termo
administrativo firmado entre o Poder Público e o ocupante tem a duração de cinqüenta
anos, podendo ser renovado por igual período. Os terrenos alvo deste instrumento não
podem ultrapassar 150m2 de área, e podem ter uso residencial, não-residencial (quando
comprovada sua utilização para sustento familiar) ou misto. Não é permito ao ocupante
alugar o imóvel, e para vendê-lo, é necessária uma permissão da COMUL e do Poder
Público concedente.
52
É papel da COMUL acompanhar o processo e esclarecer as etapas aos moradores.
A Câmara de Legalização deve acompanhar o conjunto de ZEIS que esteja vivenciando o
processo de regularização fundiária, promovendo discussões acerca dos problemas gerais,
elaborando propostas relativas à regularização e definindo estratégias que visam a agilização
dos processos, sobretudo com relação aos Cartórios, Poder Judiciário, e Secretaria de
Assuntos Jurídicos. As despesas relativas ao registro dos imóveis é responsabilidade do
Poder Municipal. O PREZEIS prevê a participação de Organizações Não Governamentais
– ONGs – no processo de regularização fundiária, que juntamente com a comunidade e o
órgão público assumem a responsabilidade pela execução dos projetos.
A ZEIS Torrões foi instituída em 1983, pela Lei de Uso e Ocupação do Solo
Urbano do Recife (LUOS nº 14.511/83), quando foram criadas as primeiras vinte e sete
ZEIS da cidade.
Localiza-se na zona oeste do Recife, no bairro dos Torrões – microrregião 4.2 –
com uma pequena parte no bairro do Cordeiro – microrregião 4.1 (Figura 13), numa área
de planície de várzea muito baixa, na margem direita do rio Capibaribe, originalmente
alagada (RECIFE, 2005).
A ZEIS Torrões encontra-se entre importantes vias de estruturação municipal,
como a Avenida Caxangá, ao norte, a Avenida do Forte, a leste, a Avenida Engenheiro
Abdias de Carvalho, ao sul e a BR-101, a oeste. A ZEIS Torrões é delimitada ao norte e a
leste pelo tecido formal do bairro dos Torrões, ao sul pela Avenida Engenheiro Abdias de
Carvalho e a oeste pela Rua Carneiro de Mariz (paralela à BR-101) (Figura 14).
53
Figura 13 – Mapa de localização da ZEIS Torrões.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.
É a quinta maior ZEIS em área, com 0,96 km2, menor apenas que as ZEIS Casa
Amarela (9,07 km2), Ibura/Jordão (1,64 km2), UR5/Três Carneiros (1,17 km2) e Campo
Grande (0,99 km2).19 Com relação à população, é a terceira mais populosa do Recife, com
54
aproximadamente 36 mil habitantes (RECIFE, 2001). Em primeiros lugares estão as ZEIS
Casa Amarela e Ibura/Jordão. De acordo com o Diagnóstico Urbanístico (ETAPAS,
PREZEIS, 2005), existem 6.611 famílias residentes na ZEIS Torrões.
56
mesmo que de forma improvisada, como um sistema de drenagem e a escavação de
cacimbas para obtenção de água.
O agravamento das condições de habitabilidade na área impulsionou a organização
dos moradores, que através do Conselho de Moradores de Bairro de Torrões – COMBAT
– conquistou algumas melhorias, como o aterro, a construção de um posto de saúde e a
pavimentação de algumas ruas (BARROS FILHO, 2000).
Em 1983 estas três localidades, Torrões de Dentro, Torrões de Fora e Sítio das
Palmeiras, foram transformadas em Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, passando
a serem conhecidas por ZEIS 10, ZEIS 11 e ZEIS 12, respectivamente.
A primeira conquista foi ainda em 1983, com o início de um processo de
regularização fundiária de um terreno da ZEIS 10, desapropriado pela URB-Recife para a
elaboração de um projeto de loteamento, que só foi registrado em 1992, e apenas em 1996
foram entregues noventa e oito títulos de CDRU (BARROS FILHO, 2000), o que
demonstra a lentidão deste processo.
Durante a década de 1980, as invasões em terrenos ainda não ocupados na área
continuaram e, mesmo com as tentativas da Prefeitura em impedi-las, consolidaram-se,
formando outras novas ocupações, que viriam a ser as sub-áreas da atual ZEIS Torrões.
Em 1982, ocorreu a ocupação da área que ficou denominada por Malvinas, em referência à
Guerra das Malvinas, conflito entre Argentina e Inglaterra ocorrido no mesmo ano. Parte
dos terrenos ocupados eram áreas particulares, outra em logradouro público – a Rua Inácio
Monteiro – e parte em área non aedificanti, nas margens do Canal dos Torrões.
Em 1985, houve a ocupação de uma área alagada da ZEIS 11, que foi parcialmente
aterrada pela Prefeitura, propiciando a construção de barracos. Houve também a tentativa
de demolição por parte do poder público, mas os invasores resistiram e permaneceram na
localidade que ficou conhecida por Asa Branca, em função de uma telenovela exibida na
época, que se passava numa cidade do mesmo nome.
Outra localidade, um terreno particular já habitado desde a década de 1960 em
condição de pagamento de foro, sofreu uma intensificação na ocupação em meados da
década de 1980, e com o falecimento do proprietário, os moradores deixaram de pagar o
foro (RECIFE, 2001). Em função da sua tranqüilidade, um morador a nomeou de Vila da
Paz.
Outra ocupação, em janeiro de 1987, deu origem à comunidade Roda de Fogo, a
qual será detalhada a seguir.
57
Em dezembro de 1987, foi instalada a Comissão de Urbanização e Legalização da
Posse da Terra – COMUL, pelo Decreto Municipal nº 14.059, nove meses após a provação
da Lei do PREZEIS, sendo uma das pioneiras. A partir de então, as ZEIS 10 e 11 se
fundiram em uma única ZEIS, que passou a ter o nome de ZEIS Torrões. A ZEIS 12, Sítio
das Palmeiras, e a comunidade Roda de Fogo permaneceram sem articulação com o
PREZEIS, até que em 1996, com a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano do
Recife, houve a ampliação do perímetro da ZEIS, que incorporou as duas localidades. A
justificativa seria a redução da burocracia do processo de regularização urbanística em
grande número de pequenas localidades próximas e com organizações comunitárias
próprias. A fusão foi criticada pelos representantes da antiga ZEIS Torrões, que
questionaram a geração de uma grande ZEIS com territórios políticos diversos (BARROS
FILHO, 2000). Entretanto, de acordo com Fernando Lima, morador de Roda de Fogo e
membro do PREZEIS, em entrevista concedida à autora em junho de 2008, a inserção da
localidade foi positiva e "oxigenou" a COMUL Torrões.
Já em 1997, uma pequena área alagada no interior da localidade Vila da Paz, é
ocupada por habitações precárias de madeira e papelão, e foi chamada de Rei do Gado,
mais uma vez em referência à uma telenovela exibida na época da invasão. A localidade
Casarão, tão recente quanto Rei do Gado, é uma ocupação bastante densa num antigo
casarão situado na comunidade Roda de Fogo, com acesso principal pela Rua Bicentenário
da Revolução Francesa.
A situação urbanística das sub-áreas integrantes da ZEIS Torrões é distinta
(Quadro 3). Torrões e Sítio das Palmeiras são as mais consolidadas, e Casarão e Rei do
Gado são as mais precárias, com alta densidade e necessidade de novas unidades
habitacionais, como já citado no quadro 2 (ver Capítulo 2). A figura 15 ilustra a divisão
interna da ZEIS Torrões em sub-áreas.
58
Roda de Fogo Área plana, com ruas bem definidas e de boa largura e imóveis predominantemente
construídos em alvenaria.
Sítio das Palmeiras Área plana, com vias bem definidas e imóveis predominantemente em alvenaria.
Torrões Área plana, parcialmente ordenada, com boa parte das vias bem definidas e
consolidadas. Os imóveis são em alvenaria.
Vila da Paz Área plana, parcialmente ordenada com imóveis predominantemente em alvenaria.
59
3.2.1. Roda de Fogo
60
Era uma alegria danada.
Como já foi citado, durante os primeiros anos da ocupação, Roda de Fogo não
fazia parte da ZEIS Torrões, que já havia sido instituída em 1983. A Associação dos
Moradores de Roda de Fogo chegou a discutir, em seu primeiro encontro, a inserção da
área na ZEIS, porém a Assembléia Geral dos Moradores não aprovou a proposta, o que,
posteriormente, foi positivamente avaliado, de acordo com o morador e membro do
PREZEIS Fernando Lima. De acordo com ele, a negociação entre os moradores e o
governo estadual, que possibilitou a garantia de uso do solo e assim a permanência na área,
ocorreu sem a intervenção municipal, o que não aconteceria caso a área já fosse
considerada parte de uma ZEIS, regulada por lei municipal. Em 1990, a Companhia de
Habitação de Pernambuco – COHAB/PE – elaborou um projeto de loteamento para Roda
de Fogo, que abrangia quase toda a extensão territorial da localidade. O traçado ortogonal
das quadras do loteamento, com um comprimento médio quatro vezes maior que a largura,
conferiu à localidade uma morfologia peculiar, distinta da "irregularidade" das ruas da ZEIS
Torrões e também das proporções das quadras de seu entorno "formal" (BARROS FILHO,
2000) (Figura 16).
Roda de Fogo faz limite com o Canal dos Torrões (Figura 17), a Rua Carneiro de
Mariz e a alça viária de acesso à BR-101, e tem acesso pelas mesmas (ETAPAS, 2005)
(Figura 18). Corresponde a mais de metade da área da ZEIS, ocupando 60 dos
aproximadamente 96 hectares totais (ver figura 15), e aproximadamente 20 mil habitantes,
de um total de 36 mil na ZEIS Torrões.
61
Figura 16 – Imagem de satélite da ZEIS Torrões.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.
62
Figura 17 – Canal dos Torrões. Figura 18 – Acesso a Roda de Fogo pela alça da BR 101.
Fotos da autora, junho de 2008.
A sub-área Roda de Fogo pode ser considerada bem estruturada. Possui algumas
ruas largas, das quais poucas pavimentadas, e a maioria das construções é em alvenaria. Na
localidade existem equipamentos sociais importantes, como uma escola de 2° grau – Escola
Estadual Pintor Lauro Villares (Figura 20); uma creche – Centro Municipal de Educação
Infantil Roda de Fogo (Figura 21); três postos de saúde – Cosirof (Comissão de Saúde
Independente de Roda de Fogo) (Figura 22), Sinos e Macaé; terminal de ônibus, com uma
linha de transporte metropolitano que atende à comunidade (Figura 23); e um centro
comercial bastante desenvolvido.
65
as expectativas em relação à transformação das condições de vida da população das ZEIS
foram, relativamente, frustradas, pois o PREZEIS, ao longo de sua trajetória, não se tornou
instrumento fundamental para alocação de investimentos no âmbito municipal; disputando
recursos com outros programas e definições governamentais.
Com relação à regularização fundiária, as ações de Concessão de Direito Real de
Uso – CDRU – para lotes em Roda de Fogo encontram-se em trâmite no Poder Judiciário.
Primeiramente, é necessário que o terreno, pertencente à antiga COHAB/PE, passe a ser
propriedade do Município, e então sejam feitos o recadastramento das famílias e a medição
dos lotes, para que a partir daí possa ser efetuada a regularização fundiária e os títulos de
propriedade passem aos moradores. Não há perspectiva próxima de conclusão deste
processo.
Não há ações de usucapião em Roda de Fogo, embora um pequeno trecho da
localidade se encontre em propriedade particular. O Centro Dom Helder Câmara –
Cendhec – ONG responsável por grande parte das ações de usucapião em todas as ZEIS
do Recife, possui cento e noventa ações individuais de usucapião na ZEIS Torrões, mas
todas são referentes às sub-áreas Asa Branca e Vila da Paz. Das cento e noventa, cinco já
obtiveram sentença, todas favoráveis. As outras encontram-se em trâmite no Poder
Judiciário. Segundo Magalhães et al (2005), desde 2000, a URB-Recife não libera novos
cadastros para ajuizamento de ações de usucapião na ZEIS Torrões, sob o argumento de
que há necessidade de revisão do levantamento topográfico e de um cadastramento social.
Isso revela que a dinâmica dos assentamentos espontâneos se sobrepõe à lentidão das
intervenções do poder público.
Dessa forma, é possível concluir que o processo de regularização fundiária em
Roda de Fogo é ainda precário, apesar de ser uma comunidade consolidada, com papel
importante no contexto urbano do Recife.
O PREZEIS é um instrumento complexo de planejamento urbano, que exige uma
constante relação da população com o poder público, e está diretamente relacionado a
decisões políticas, assim como qualquer outro programa de política urbana. Por isso, muitas
vezes ocorrem evoluções e involuções no processo, de acordo com as prioridades adotadas
em cada gestão do governo municipal.
A atual gestão privilegia o Orçamento Participativo – OP – como principal
instrumento de gestão urbana participativa, e em função disso as ações do PREZEIS não
têm se destacado na cidade como um todo. O pouco diálogo entre estes dois importantes
instrumentos impossibilita a soma de esforços no sentido de transformar a realidade dos
66
assentamentos populares. É fato que o poder de organização existente no âmbito do OP é
mais forte, e isto poderia ser aproveitado para cumprir as metas estabelecidas no âmbito do
PREZEIS. Por exemplo, a atuação pontual das obras que são executadas via OP poderia
estar inserida no contexto dos Planos Urbanísticos elaborados pelo PREZEIS, e assim o
processo de urbanização nas ZEIS se daria de forma mais rápida e planejada. Esta
discussão está inserida na necessidade de se avançar na relação entre planejamento e gestão
urbanos, evitando que sejam discutidas apenas as urgências e as situações críticas, em busca
de cidades mais justas onde sejam garantidos os direitos de toda a população, especialmente
daquelas historicamente menos favorecidas.
67
Capítulo 4 – Considerações Finais
68
Araújo et al (1999) em sua avaliação, gerando certa dificuldade de obtenção de dados, o que
pôde ser constatado no decorrer deste trabalho. Tal fato também influência certamente no
monitoramento das ações de forma abrangente e consequentemente na gestão de todo o
processo.
A reformulação da primeira lei, n° 14.947 de 1987, vindo a culminar na sanção da
lei vigente, n° 16.113/95, que estabeleceu a nova estrutura de gestão e procedimentos
específicos para os processos de urbanização e regularização fundiária nas ZEIS,
representou um avanço quanto à adequação a um novo cenário nacional pós-Constituição
Federal de 1988, onde o direito à moradia deve ser priorizado em relação ao direito à
propriedade.
Entretanto, a Lei do PREZEIS, de 1995, encontra-se defasada em relação à
realidade atual. É consenso entre lideranças comunitárias e técnicos da URB-Recife, como
pôde ser observado nas entrevistas realizadas, a necessidade de reformulação da lei, tanto
do ponto de vista da condução dos processos de urbanização e regularização como quanto
à forma de participação popular adotada.
Existe a necessidade, com relação à urbanização das favelas e áreas irregulares, de se
rever os planos que foram elaborados há anos e se discutir profundamente com a
comunidade elementos como largura de vias, implantação de equipamentos sociais e etc.
De acordo com Fernando Lima, em Roda de Fogo por exemplo não havia a necessidade de
ruas tão largas e quadras tão compridas. Segundo ele, "uma ZEIS deveria ter as casa boas e as
ruas estreitas, pois é um espaço de convivência". De fato, o alargamento e a pavimentação asfáltica
das vias podem levar a situações como o aumento demasiado do fluxo de veículos,
ocasionando acidentes, aumento de barulho, etc. É preciso ajustar os planos à realidade
atual de cada área.
O Estatuto da Cidade, de 2001, prevê a utilização de novos mecanismos de
regularização fundiária que ainda não vêm sendo adotados pelo PREZEIS, como o
Usucapião Coletivo e a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. Embora a Lei do
PREZEIS apenas indique a preferência pelo uso de instrumentos de regularização
fundiária, não vetando a utilização de outros, exceto a doação, falta a adequação do Plano a
estes novos instrumentos, à luz da nova legislação federal.
Existe também a necessidade de capacitação dos atores envolvidos no PREZEIS,
incentivando discussões acerca de ações integradas e do planejamento urbano como um
todo. Ainda, observa-se a pouca divulgação do PREZEIS, ao menos na atual gestão,
certamente em função de discordâncias políticas quanto à época de implantação do Plano.
69
A interação com outros instrumentos de planejamento e gestão urbanos não ocorre
de fato, e isto representa um entrave para maiores conquistas que poderiam ser obtidas.
Não só ações do Orçamento Participativo, como foi ressaltado no Capítulo 3, mas de
outros programas como o Capibaribe Melhor, o Saneamento Integrado, são muitas vezes
apresentados ao PREZEIS, mas não são discutidos em conjunto, com propostas de
participação comum dos atores envolvidos.
De acordo com Fernando Lima, "o PREZEIS é um gueto, e onde tem gueto a sociedade
não avança". Esta frase representa bem as dificuldades encontradas não só por
representantes do segmento popular, mas todos os envolvidos, na condução do processo
de formulação de política urbana.
O afastamento das Organizações Não Governamentais – ONGs – que vem sendo
observado nos últimos anos representa a perda de qualidade em instâncias como as
Câmaras, que servem de assessoria para as decisões do Fórum, e assim os processos se
tornam ainda menos dinâmicos, sem o apoio técnico de tais organizações aos setores
populares.
Dessa forma, a experiência do PREZEIS no Recife deve ser considerada como um
importante avanço, reconhecida nacionalmente, embora demande ajustes que permitam a
renovação deste instrumento de política urbana.
70
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73
Anexo
74
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Maria das Graças Duarte Paiva - (Coordenação)
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