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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

Urbanização e Regularização de Áreas Pobres no Recife, PE:


a experiência do PREZEIS

Monografia apresentada à disciplina


Geografia Aplicada B do Curso de Geografia
Diurno, Modalidade Bacharelado, do
Departamento de Geografia, IGC/UFMG, pela
aluna Júlia Baptista Piancastelli de Siqueira como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Geografia, sob a orientação da
Professora Doutora Heloísa Soares de Moura
Costa.

JUNHO DE 2008
Às cidades – mineiras ou pernambucanas

2
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Lélio e Lisa, queridos e eternos companheiros, que

durante toda a vida me deram apoio e carinho e me ensinaram a acreditar num mundo mais

humano.

Ao meu irmão, Daniel, que me deu coragem – mesmo sem saber – para criar asas e

conhecer outras realidades.

Ao Rodrigo, companheiro amado, pela paciência e compreensão nos momentos de

desatino, e principalmente pelas preciosas orientações como geógrafo recifense que se

dedica à luta do povo.

Aos amigos e companheiros da graduação, pelos momentos de aprendizado, seja na

sala de aula, no campo ou na beira da fogueira.

À minha orientadora Heloisa, por abrir as portas para as discussões sobre o urbano

e pela atenção dedicada.

À amiga Yuri, pelo companheirismo e pelas ajudas imprescindíveis para vencer as

dificuldades da distância.

Ao amigo Heitor, pelo apoio bibliográfico e pelos ensinamentos sobre o Recife.

Ao meu avô Wilson, pelo exemplo de vida. Ao Teko, Chico, Pat, Gigi, pelo

carinho.

Ao Tangará, pelo refúgio de sempre, pela reposição de energias.

À Capoeira, onde há alguns anos venho tentando aprender a malícia de cair e

levantar.

3
– Não tem nome nem lugar. Repito a razão pela qual quis
descrevê-la: das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir
aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem
um código interno, uma perspectiva, um discurso. É uma cidade
igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser
sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um
quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um
medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e
medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que
as regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que
todas as coisas escondam uma outra coisa.

Ítalo Calvino

4
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Olinda e a futura cidade do Recife 14


Figura 2 – Vista do porto a partir de Olinda 15
Figura 3 – Bairro do Recife ao longe, visto da Ilha de Antônio Vaz 15
Figura 4 – Cidade do Recife em 1870 16
Figura 5 – Bairros do Recife 18
Figura 6 – Foto – Antiga Fábrica da Macaxeira 22
Figura 7 – Foto – Armazéns do Cais José Estelita 22
Figura 8 – Foto – Bairro de Boa Viagem 23
Figura 9 – Foto – Imóvel da Moura Dubeux Engenharia 23
Figura 10 – Foto – Palafitas no bairro do Pina, às margens do rio Capibaribe 24
Figura 11 – Distribuição espacial das ZEIS no Recife 36
Figura 12 – Esquema de organização das instâncias do PREZEIS 47
Figura 13 – Mapa de localização da ZEIS Torrões 54
Figura 14 – Sistema viário da ZEIS Torrões 55
Figura 15 – Sub-áreas da ZEIS Torrões 59
Figura 16 – Imagem de satélite da ZEIS Torrões 62
Figura 17 – Foto – Canal dos Torrões 63
Figura 18 – Foto – Acesso a Roda de Fogo pela alça da BR 101 63
Figura 19 – Foto – Escola estadual 63
Figura 20 – Foto – Creche municipal 63
Figura 21 – Foto – Posto de saúde COSIROF 63
Figura 22 – Foto – Terminal de ônibus 63
Figura 23 – Foto – Comércio em Roda de Fogo 64
Figura 24 – Foto – Entrada para a ocupação Casarão 64
Figura 25 – Foto – Rua com necessidade de serviços de drenagem 65

5
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Zonas Especiais de Interesse Social no Recife 34

Quadro 2 – Estágio de urbanização das ZEIS com COMUL instalada 37

Quadro 3 – Breve descrição das sub-áreas da ZEIS Torrões 58

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Sumário

Introdução ................................................................................................................... 8

Capítulo 1 – A Construção do Espaço Urbano do Recife ..........................................13

1.1. Processo de ocupação............................................................................13

1.2. Agentes sociais e a produção do espaço urbano .................................. 20

Capítulo 2 – Uma Radiografia do Recife .................................................................. 25

2.1. Áreas pobres da cidade ......................................................................... 25

2.2. A participação da população ................................................................ 27

2.3. As ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social ....................................31

Capítulo 3 – Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social....... 40

3.1. O PREZEIS como instrumento de política urbana ............................. 40

3.1.1. Instâncias do PREZEIS ........................................................................41

3.1.2. O Fundo Municipal do PREZEIS........................................................ 47

3.1.3. O processo de urbanização das ZEIS .................................................. 49

3.1.4. O processo de regularização fundiária nas ZEIS..................................51

3.2. A ZEIS Torrões..................................................................................... 53

3.2.1. Roda de Fogo........................................................................................ 60

Capítulo 4 – Considerações Finais............................................................................ 68

Referências .................................................................................................................71

Anexo......................................................................................................................... 74

7
Introdução

A maioria das cidades brasileiras surge a partir dos núcleos habitacionais localizados
no litoral brasileiro, com o objetivo de defender a costa explorada pelos colonizadores
portugueses da invasão de outros povos europeus.
O processo de ocupação portuguesa no Brasil foi todo orientado pela lógica
exploratória e objetivava o desenvolvimento do espaço a partir do modo de produção
capitalista mercantil, baseado principalmente na agricultura.
Na região Nordeste, a exploração baseou-se no plantio e beneficiamento da cana-
de-açúcar. O sistema de plantation introduzido nesta região, em certa medida inovador do
ponto de vista dos avanços técnicos da produção, apresenta uma forma social e política
específica de organização da agricultura, com características de concentração dos meios de
produção e exploração de mão-de-obra1.
A partir do século XIX, quando se intensifica o processo de industrialização
brasileira, começa também a vigorar o capitalismo industrial. Tal processo segue,
basicamente, o modelo de desenvolvimento capitalista avançado, adotado principalmente
em países europeus, mas que em sua versão periférica subordinada, acabou aprofundando
ainda mais os diferentes níveis de desigualdade na apropriação do espaço e,
conseqüentemente, do desenvolvimento sócio-espacial brasileiro.
Assim, o processo de ocupação reflete, em todo o país, um modelo de
desenvolvimento excludente, onde uma pequena parcela da população é detentora dos
meios de produção e grande parcela vende sua força de trabalho e sobrevive em condições
precárias.
Com a industrialização, consolidada no Brasil no século XX, vieram grandes
transformações sociais e econômicas. Pode-se destacar como central nessas mudanças o
fato de que, a partir de meados do século XX, com o desenvolvimento industrial, houve
um grande processo migratório para as cidades, somado à crise enfrentada pelos
trabalhadores do campo que começaram a sofrer com o processo de mecanização das
técnicas agrícolas, intensificando ainda mais o fluxo migratório campo-cidade.
Desta forma, nas primeiras décadas do século XX, intensifica-se o papel dos
núcleos urbanos como centro do desenvolvimento, não sendo vistos mais apenas como

1 Para aprofundamento nesse assunto, ver MINTZ, 2003.


8
consumidores do excedente da produção alimentar advindo do campo (SOUZA, 1996).
Em meados do mesmo século, o processo de urbanização se intensifica com a transferência
do foco da produção do campo para a cidade, a partir de uma alteração da ênfase do
modelo econômico, que passa do agrícola para o industrial, acompanhado do crescimento
do setor de serviços.
Com o avanço da urbanização nos moldes do desenvolvimento capitalista, são
criadas, ou intensificadas, disparidades sociais e econômicas, intrínsecas à manutenção
deste modelo, difíceis de serem revertidas.
De acordo com Carlos (1997), é na cidade onde se materializa a necessidade de
reprodução do capital, ou

o produto espacial expressa as contradições que estão na base de uma


sociedade de classes e manifesta a segregação decorrente das formas de
apropriação da terra que têm sua lógica no desenvolvimento desigual das
relações sociais dentro da sociedade (CARLOS, 1997, p.28)

A problemática do uso do solo urbano se fundamenta na propriedade privada do


solo (SINGER, 1979) e se apresenta, obviamente, como uma questão intrínseca às cidades,
sejam elas grandes ou pequenas, ricas ou pobres. Ainda com a contribuição de Carlos
(1997),

a cidade representa espaço materializado, ao mesmo tempo em que


representa uma determinada forma do processo de produção e
reprodução de um sistema específico, portanto, a cidade é também uma
forma de apropriação do espaço urbano produzido. Enquanto
materialização do trabalho social, é instrumento da criação de mais-valia,
é condição e meio para que se instituam relações sociais diversas. Nessa
condição apresenta um modo determinado de apropriação que se
expressa através do uso do solo (CARLOS, 1997, p.27).

No Recife não foi diferente. Importante pólo do Nordeste brasileiro, a capital


pernambucana evidencia as desigualdades regionais ocasionadas por uma organização do
espaço nacional voltada para o Sudeste, em detrimento das outras regiões. O forte êxodo
rural levando migrantes do agreste e do sertão para a metrópole da zona da mata agrava a
precariedade das condições de obtenção de trabalho, serviços básicos de infra-estrutura e
moradia. O quadro de paralisação econômica pelo qual passava a região nordestina
9
especialmente até a primeira metade do século XX, com elevadas taxas de crescimento
demográfico, a questão das secas no semi-árido, o latifúndio improdutivo, as deficiências
de transportes, o analfabetismo, a carência alimentar, entre outros, eram drasticamente
sentidos no Recife, a "metrópole natural do Nordeste" (PONTUAL, 2001).
A parcela da população classificada como pobres e indigentes2, segundo o Atlas de
Desenvolvimento Humano no Recife (2005), é de 45% do total da população recifense.
Assim como em outras cidades brasileiras, não existem no Recife zonas ocupadas por
população de alta renda distante de áreas pobres. O espaço urbano do Recife é
caracterizado por uma forte mesclagem dessas áreas no tecido urbano, combinando-se na
paisagem edifícios de luxo e habitações de baixo padrão, ocupações em morros e áreas
alagadiças e palafitas nas beiras de rios e mangues.
Mesmo diante deste cenário, e também em função dele, Recife é uma cidade que foi
palco de várias lutas populares em defesa, principalmente, do direito à terra e à moradia
como garantia de direitos básicos, destacando-se também pela reivindicação de melhorias
urbanas e equipamentos sociais. Sempre possuiu um movimento social bastante organizado
e atuante, abrigando as primeiras experiências do país no que diz respeito às organizações
de base do movimento popular, associações de moradores, grupos de jovens, de mães, de
mulheres, de saúde, de educação, de cultura, etc. (ETAPAS, 1989).
A relação com o Estado, principal responsável pelo atendimento às reivindicações
do movimento popular recifense, representou, através das diferentes gestões municipais –
uma vez que é para o município que se dirigem a maior parte das reivindicações do
movimento – avanços e entraves no que diz respeito à conquista de direitos. Mesmo
durante a ditadura militar, a resistência da população se manteve muito forte, conseguindo
obter avanços na luta do povo organizado.
Desta forma, o quadro de extremas desigualdades sociais, aliado à forte tradição de
organização do movimento popular na capital pernambucana, conforma um cenário que
merece ser analisado e discutido no âmbito da Geografia, considerando o espaço urbano e
suas relações sócio-espaciais, os processos de implementação de políticas públicas e de
participação popular que buscam garantir direitos de acesso à cidade, além de condições
mínimas de desenvolvimento social e humano.

2 São considerados pobres os indivíduos com renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo.
Os indigentes são aqueles com renda domiciliar per capita inferior a um quarto do salário mínimo. O
universo dos indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes (Dados do
Censo Demográfico do IBGE 2000).

10
O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS,
fruto de um forte poder reivindicativo da população, é um dos instrumentos adotados
como forma de implementação de política urbana e fundiária na cidade do Recife, na
tentativa de garantir a regularização urbanística e fundiária para áreas pobres reconhecidas
como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, que foram instituídas pela Lei de Uso e
Ocupação do Solo Urbano do Recife, em 1983.
A minha proximidade com a experiência do Recife foi possível em função da
participação no Programa de Mobilidade Estudantil entre a Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG e a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, nos períodos letivos
2007/1 e 2007/2, quando freqüentei o Curso de Geografia da UFPE.
Nesse contexto, o presente trabalho busca abordar a problemática do espaço
urbano do Recife, resgatar as tentativas mais recentes de participação popular nos
processos de gestão urbana e analisar a experiência do PREZEIS, tendo como estudo de
caso a ZEIS Torrões, localizada na zona oeste do município, RPA 4, mais precisamente na
microrregião 4.2, com uma pequena área na microrregião 4.13. Dentre as sub-áreas da
ZEIS, será aprofundado o caso da comunidade Roda de Fogo, importante pólo de
resistência pela permanência da população no local de ocupação.
Os procedimentos metodológicos empregados na elaboração da monografia
consistiram em: 1) levantamento bibliográfico, abrangendo temas referentes à produção do
espaço urbano nas cidades brasileiras, à construção do espaço do Recife, à participação
popular e às políticas de gestão urbana; 2) levantamento e análise de material institucional
do PREZEIS, cedido pela Empresa de Urbanização do Recife – URB-Recife; 3) entrevistas
com representantes do poder público; 4) trabalho de campo na comunidade Roda de Fogo
e sua região, que propiciou o contato empírico com o PREZEIS através de entrevistas com
lideranças comunitárias.
Assim, é diante deste contexto que será estudada a experiência do PREZEIS
enquanto instrumento de urbanização e regularização de áreas pobres no Recife,
Pernambuco.

3 O Recife é, para fins administrativos, divido em seis Regiões Político-Administrativas (RPAs). Cada RPA
é, por sua vez, divida em três microrregiões, somando um total de dezoito microrregiões na cidade. A
RPA 4 é composta pela microrregião 4.1, que abrange os bairros Cordeiro, Ilha do Retiro, Iputinga,
Madalena, Prado, Torre e Zumbi; microrregião 4.2, que abrange os bairros Engenho do Meio e Torrões;
e microrregião 4.3, que abrange os bairros Caxangá, Cidade Universitária e Várzea.

11
Esta monografia é composta de uma estrutura com quatro capítulos. O Capítulo 1
faz um breve resgate do processo de ocupação da cidade do Recife e são identificados os
principais agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano na capital
pernambucana. O Capítulo 2 dedica-se a abordar as áreas pobres existentes no município,
resgatar os momentos de participação popular nas gestões públicas municipais a partir de
meados do século XX e apresentar as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – do
Recife. No Capítulo 3 é apresentado e discutido o PREZEIS, sua estrutura de gestão, os
processos de urbanização e regularização fundiária, e realizado o estudo de caso, tendo
como objeto a ZEIS Torrões. Finalmente, no Capítulo 4 são tecidas as considerações finais
que puderam ser construídas com o respaldo de todo o desenvolvimento do trabalho.

12
Capítulo 1 – A Construção do Espaço Urbano do Recife

1.1. Processo de ocupação

A costa nordestina foi a primeira região do território brasileiro a ser explorada pelos
europeus. Em 1533 instalou-se o sistema de capitanias hereditárias, que obteve um
resultado geral que pode ser considerado desastroso – tanto em relação à produtividade da
colônia naquela época, quanto em relação à concentração de terras deixada como herança
para os dias de hoje – mas que, entretanto, permitiu que o lote de terra doado ao português
Duarte Coelho, a Capitania de Pernambuco, prosperasse, sobretudo com a indústria
açucareira.4
A Capitania de Pernambuco foi um dos principais centros econômicos da colônia
portuguesa, tendo seu dinamismo apoiado nos engenhos de açúcar e no porto, local de
trocas entre Colônia e Metrópole, ainda no século XVI. As vilas de Igarassu e Olinda
foram as duas primeiras a serem fundadas na capitania, sendo que Olinda desempenhou o
papel de centro do poder e da riqueza, até a chegada dos holandeses, em 1630.
As características físicas da planície localizada ao sul da colina onde se construiu
Olinda, um arrecife de arenito intermediando o Oceano Atlântico, a bacia do Rio Pina e a
bacia formada pela foz dos rios Beberibe e Capibaribe, onde se localizam duas grandes
ilhas, a do Recife propriamente dito e a de Antônio Vaz, propiciaram a instalação de um
porto flúvio-marinho que servia àquela vila, e onde começou a se desenvolver uma
povoação que teve sua estrutura social condicionada pela atividade portuária e composta
por pescadores, canoeiros, jangadeiros, artífices, colonos, soldados, mercadores,
negociantes, funcionários e clérigos (PONTUAL, 2001). A figura 1 ilustra a disposição dos
rios, das ilhas e dos recifes que conformam a região do porto do Recife.

4 Para aprofundamento no assunto, ver SCHWARTZ, 1988.

13
Figura 1 – Olinda e a futura cidade do Recife.
Fonte: BUENO, 1999, p.200.

A chegada dos holandeses, em 1630, e o incêndio de Olinda, em 1631, marcaram a


transferência do centro da capitania para o Recife – ou cidade Maurícia ou Mauricéia, em
atenção ao Conde Maurício de Nassau5 – que deixa de ser apenas um porto para se tornar
o centro político e econômico. Grandes transformações ocorreram na estrutura urbana do
Recife durante a ocupação holandesa. Datam desta época importantes construções

5 Sobre a conquista holandesa e o declínio de Olinda como mais importante centro da capitania, ver
ANDRADE, 1998.

14
militares, como o Forte do Brum e o Forte das Cinco Pontas, localizados nos atuais bairros
do Recife e de São José, respectivamente. Ainda, grandiosos empreendimentos urbanísticos
como sistema de canais, pontes e palácios foram construídos durante o governo holandês.
As figuras 2 e 3 ilustram a paisagem recifense nesse período.

Figura 2 – Vista do porto a partir de Olinda Figura 3 – Bairro do Recife ao longe, visto da Ilha de
Antônio Vaz.
Fonte: Imagens de Frans Post, século XVII. In: www.longoalcance.com.br/brecife. Acesso 29 de maio 2008.

O período de ocupação holandesa findou em janeiro de 1654, quando ocorreu a


rendição e expulsão holandesa do Recife, no processo que foi chamado de Insurreição
Pernambucana, e representou a volta do domínio de Portugal.
Desta vez, os portugueses se estabeleceram no Recife, que já apresentava uma boa
infra-estrutura urbana, e no início o século XVIII foi elevado à categoria de Vila. O núcleo
urbano já se estendia além das ilhas e passou a ocupar lentamente o continente, onde hoje
se localiza o bairro da Boa Vista. Nesta época a estrutura urbana, não mais apoiada numa
arquitetura de defesa militar, contava com elementos religiosos, como igrejas e conventos,
característicos da ocupação portuguesa.
Em 1823, a sede do governo passa oficialmente ao Recife, consolidando a
supremacia em relação a Olinda, tanto em termos políticos quanto em termos econômicos.
O acesso à terra era, desde então, restrito em função da pouca terra firme
disponível, uma vez que o território do Recife é cortado por uma rica rede fluvial e
formado por diversas áreas impróprias à ocupação, como os alagados da planície, as áreas
de mangue e as áreas de morro. As áreas alagadiças, bem como alguns manguezais, foram
sendo aterradas posteriormente, passando a ser ocupadas também.
Ao final do século XIX, permanecia a concentração de pessoas e de atividades nos
bairros do Recife, Santo Antônio e São José, caracterizados por espaços compactadamente
15
urbanos, e os bairros da Boa Vista e Santo Amaro constituíam áreas urbanizadas menores e
esparsas (PONTUAL, 2001). É importante ressaltar que algumas áreas ao longo das
margens do rio Capibaribe, bem como a região hoje consolidada como o bairro da Várzea,
localizado na zona oeste, onde o rio adentra o município, já apresentavam uma ocupação
apoiada no “retalhamento dos antigos engenhos” e nas vantagens trazidas pela utilização das
águas do rio e garantida pela importância do transporte fluvial, ainda na primeira metade do
século XIX (VILLAÇA, 1998).
As vias de circulação abertas naquele tempo obedecem a um padrão de irradiação a
partir do núcleo central, representado pelo Marco Zero da cidade, e seguem as condições
topo-hidrográficas da planície. Estabelece-se, de acordo com Pontual (2001), a "cidade
tentacular", com avenidas radiais que representam a malha viária principal, e conectam o
centro não só às outras áreas do Recife, mas ao interior do território pernambucano (Figura
4).

Figura 4 – Cidade do Recife em 1870.


Fonte: VILLAÇA, 1998, p.215.

16
O surgimento das usinas de açúcar, ao final do século XIX, representou o
aparecimento de uma elite que passou a dominar, apoiada na agroindústria açucareira, o
espaço e o quadro político do Recife. O início da industrialização, especialmente a indústria
têxtil, foi um fator que contribuiu para a produção do espaço em importantes áreas da
cidade, como os bairros de Santo Amaro, Boa Vista, Cordeiro, Várzea, Macaxeira e Torre
(PONTUAL, 2001) (Figura 5).
Na década de 1920, a estrutura social recifense era marcada por usineiros,
fornecedores de cana, famílias tradicionais dos coronéis do interior, comerciantes,
empresários industriais, uma classe média urbana e também o proletariado urbano. Assim,
na medida em que a divisão do trabalho na cidade vai se aprofundando, intensifica-se a
oposição entre os interesses sociais e assim os conflitos de classes, refletidos na apropriação
do espaço urbano.
Na primeira metade do século XX, com a aceleração do crescimento populacional
em função das migrações campo/cidade, e também pela expulsão de parte da população
pobre que habitava terrenos que começam a ser cobiçados pelo setor imobiliário (áreas
centrais e bem localizadas), através da demolição de mocambos, especialmente com a
criação da Liga Social Contra o Mocambo6, em 1939 (SOUZA, 2003), começa a haver o
aterramento de mangues, a ocupação de morros a noroeste e uma expansão urbana a oeste,
ao longo da Avenida Caxangá. Os vazios entre os "tentáculos" foram sendo ocupados,
consolidando uma mancha urbana que se espraia pela planície e começa a ocupar as áreas
de morros, principalmente na zona norte – são exemplos os bairros das Graças,
Encruzilhada, Água Fria, Beberibe, Casa Amarela (Figura 5).

6 De acordo com Souza (2003, p.17), até a década de 1960 o termo normalmente utilizado no Recife para
designar casebres insalubres da população pobre local era mocambo – palavra de origem africana. O termo
favela é mais recente, e passou a ser utilizado no Recife em paralelo com o seu equivalente local mocambo
nos anos 1960, e foi adotado por denominar um agrupamento de habitações improvisadas. Entretanto,
ambos os termos referem-se a uma mesma forma de morar, o habitat espontâneo insalubre.

17
Figura 5 – Bairros do Recife.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.

Nas décadas de 1960 e 1970, intensifica-se a política de retirada da população pobre


da zona central, embora desta vez a intervenção estatal refletisse maior preocupação com a
18
questão da habitação popular. Foram construídas moradias, embora em número
insuficiente (SOUZA, 2003) para abrigar a população que foi retirada dos mocambos. O
Serviço Social Contra o Mocambo (denominação que a Liga Social Contra o Mocambo
adquiriu em 1945) era responsável não só pela construção das moradias, mas também pela
implantação e gestão de centros de assistência social nos conjuntos residenciais edificados.
As companhias de habitação popular (COHABs), criadas em 1965, ocuparam o papel de
produtor de moradias populares, dispondo de recursos do Banco Nacional da Habitação –
BNH. Assim como em outras cidades brasileiras, as COHABs foram um marco
importante, entretanto, não conseguiram atingir de fato a maioria da população mais
carente, que não obteve meios de arcar com os custos das novas habitações, além de não
terem construído um número suficiente de unidades7.
A mancha urbana avança, assim, em quase toda a extensão territorial da cidade, e a
proporção espaço edificado/espaço vazio aumenta consideravelmente (PONTUAL, 2001).
O aumento populacional somado ao processo de expulsão da população pobre das
áreas centrais, impulsionados pelo modelo de desenvolvimento urbano capitalista, que
acaba por privilegiar algumas regiões da cidade, traz consigo uma série de problemas
fundiários, de infra-estrutura, sociais e econômicos, que promovem uma urbanização
excludente observável não só no Recife, mas na maioria das cidades brasileiras.
Com esse processo de ocupação, veio também um processo de surgimento de
favelas em várias áreas da cidade do Recife, considerando favela qualquer conjunto de
moradias improvisadas e insalubres, independente da situação jurídica do terreno em que
elas se localizam (SOUZA, 2003).
Atualmente, as favelas do Recife estão espalhadas no tecido urbano da cidade,
fazendo Souza (2003) afirmar que "(...) é muito difícil traçar sobre esse tecido um círculo imaginário
de um quilômetro de raio que não contenha nenhuma porção de favela em seu interior" (SOUZA, 2003,
p.27). Essa afirmativa evidencia o elevado grau de disseminação atingido no Recife por esta
modalidade de ocupação urbana.
Ainda na década de 1940, durante o governo de Agamenon Magalhães, a política de
erradicação de mocambos8 trouxe à questão habitacional recifense um problema que se
tenta resolver até os dias atuais, que é a ocupação das encostas das colinas argilosas, de

7 Para mais detalhes sobre as COHABs em Pernambuco, ver também SOUZA, 2003.

8 Ver SOUZA, 2003.

19
altitude que variam de 50 a 100 metros, e que circundam a planície flúvio-marinha em
forma de anfiteatro.
Essas colinas, pelas suas grandes dificuldades de urbanização, durante todo o século
XX, foram deixadas de lado no que diz respeito ao processo de planejamento urbano pelo
poder público, por não interessarem às classes mais abastadas da sociedade, às quais era
dirigido todo o processo de planejamento da cidade, fazendo com que essas áreas se
tornassem potencialmente atrativas ao processo de urbanização espontânea.
Os proprietários de tais áreas, por interesses econômicos, dividiram ilegalmente
suas terras, já que não tinham respaldo legal para o parcelamento, uma vez que eram áreas
consideradas impróprias para construção. Estas parcelas do solo urbano interessaram
especialmente à população mais pobre, que as adquiriu por preços muito baixos, tendo em
vista que não eram cobiçadas pela especulação imobiliária e também não possuiam título de
propriedade reconhecido do ponto de vista jurídico. Os morros de Casa Amarela, bairro
mais populoso do Recife, são um exemplo deste modelo de ocupação.
É importante ressaltar que esse processo de ocupação desordenada, ou melhor,
ordenada segundo uma lógica perversa, não se restringiu apenas às áreas de morro,
chegando também às áreas planas. Essas áreas, localizadas na planície e, portanto, mais
propícias à ocupação, foram historicamente ocupadas pelas camadas mais abastadas da
sociedade, o que de certa forma freou, num primeiro momento, a ocupação pela população
pobre. Este fato gerou uma série de conflitos fundiários, como é o caso da zona oeste, que
será tratado mais tarde no estudo de caso do presente trabalho.

1.2. Agentes sociais e a produção do espaço urbano

Tendo em vista os processos de ocupação e de expansão da malha urbana


comentados anteriormente, torna-se necessário abordar a questão dos agentes responsáveis
pela produção e reprodução do espaço urbano do Recife.
Não apenas a ocupação do ponto de vista histórico, mas a dinâmica da
(re)produção do espaço urbano balizada pela economia capitalista, determinaram uma
apropriação desigual e elitizada, configurando uma paisagem que evidencia os contrastes
duma sociedade de classes.
O acesso a bens e serviços produzidos socialmente depende da possibilidade da
população arcar com seus custos, ou seja, possuir renda para pagar por eles. A habitação,
por exemplo, se encaixa nos bens cujo acesso é seletivo, já que grande parcela da população
não pode pagar pelo aluguel, ou comprar um imóvel.
20
Nas palavras de Singer (1979),

em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A


propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda
monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas
o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um
mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento
tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que
significa que uma parte correspondente da população não tem meios
para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte
da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os
direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade
pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins
especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos,
etc... (SINGER, 1979, p.33)

A formação e a transformação do espaço urbano do Recife ocorrem, assim como


em todas as cidades capitalistas, através da atuação complexa de agentes sociais concretos,
que buscam garantir seus interesses ao suprir as necessidades de reprodução das relações de
produção. Esta atuação materializa-se na (re)organização do espaço, na alteração dos tipos
e densidades de uso do solo, na deterioração ou renovação de áreas, no suprimento de
infra-estrutura, etc.
Corrêa (2004) distingue os grandes agentes que produzem e consomem o espaço
urbano em proprietários dos meios de produção; proprietários fundiários; promotores imobiliários; o
Estado; e grupos sociais excluídos. A apropriação da renda da terra está necessariamente
embutida na atuação dos três primeiros agentes, atendendo aos interesses da sociedade
capitalista de reprodução das relações de produção, e a tentativa de minimizar os conflitos
de classe é particularmente um papel do Estado (CORRÊA, 2004, p.12).
Os proprietários dos meios de produção representam principalmente os grandes
industriais, que consomem grandes áreas em função da demanda de suas atividades. Ao
longo da formação dos centros urbanos brasileiros as necessidades locacionais de tais
atividades foram se modificando. Se, num primeiro momento, era necessário estar próximo
do centro, do porto, das áreas fornecedoras de matéria prima, etc, hoje as alterações na
dinâmica de fluxos e transportes permitem que as indústrias se localizem em áreas mais
afastadas, onde os preços dos terrenos são mais baixos, e o custo da mão-de-obra é menos
oneroso. No Recife, é possível perceber resquícios das atividades industriais de décadas
21
passadas, edifícios industriais como grandes galpões de fábricas, sobretudo têxteis,
abandonados em bairros próximos ao centro ou na própria área central, além de armazéns,
hoje também abandonados, localizados próximo ao porto, destinados ao estoque de
mercadorias diversas. São exemplos a Fábrica da Macaxeira (Figura 6) na Avenida Norte,
zona norte, a fábrica de estopa da Avenida Caxangá, zona oeste, os armazéns do Cais José
Estelita, no centro (Figura 7).

Figura 6 – Antiga Fábrica da Macaxeira. Figura 7 – Armazéns do Cais José Estelita.


Fotos da autora, maio de 2008.

No Recife, os proprietários fundiários estão ligados à elite açucareira. Muitos dos


bairros hoje consolidados eram engenhos de açúcar ou sítios de famílias abastadas, que
foram sendo arrendados, loteados, vendidos ou ocupados. Os engenhos localizados onde
hoje são áreas nobres, com bairros de população de alta renda, foram em geral loteados e
vendidos. É o caso do bairro de Casa Forte. Já os bairros mais periféricos, oriundos
também de antigos engenhos, e que hoje abrigam uma população de renda mais baixa,
foram em grande parte ocupados, como é o caso de grande parte da zona oeste da cidade.
Em algumas áreas, os proprietários fundiários se mesclam com os promotores imobiliários,
promovendo a implementação de infra-estrutura, loteando e vendendo terrenos. O caso do
bairro de Boa Viagem (Figura 8) é um exemplo de periferia que foi alvo de investimentos
dos proprietários – com o apoio do Estado – e tornou-se um bairro de status social e
econômico, já na segunda metade do século XX.
Os promotores imobiliários têm uma atuação importante no espaço urbano atual do
Recife, especialmente atendendo às demandas da população de alta renda, com a
construção e venda de edifícios de luxo. Não há interesse econômico em produzir
habitações populares, uma vez que esta não é uma demanda solvável, ou seja, não pode
22
arcar com os custos da habitação produzida nos moldes da economia capitalista. Grandes
construtoras dominam o mercado imobiliário recifense, como a Moura Dubeux
Engenharia, atuante em grande parte das capitais nordestinas (Figura 9). Atualmente, com a
liberação de crédito habitacional pelo governo federal, parte desta situação começa a
mudar. A produção de habitação para as camadas de renda média e média-baixa se
intensifica, alterando bastante a distribuição espacial da valorização fundiária em várias
cidades brasileiras. Trata-se de um aquecimento generalizado do mercado, ao que parece.
No Recife, pode-se citar o exemplo da Construtora Tenda S.A., que opera também em
outros estados, e que começa a construir imóveis em áreas menos privilegiadas, com preços
mais acessíveis.

Figura 8 – Bairro de Boa Viagem. Figura 9 – Imóvel da Moura Dubeux Engenharia


em construção.
Fotos da autora, junho de 2008.

A atuação do Estado na organização espacial da cidade é ampla. O Estado capitalista


atua nos campos industrial, fundiário e imobiliário, além de ser o agente regulador do uso,
ocupação e parcelamento do solo através da legislação. É responsável pela implantação de
serviços públicos de interesse social, como saneamento, pavimentação, etc. Entretanto, isto
não se dá de modo homogêneo, privilegiando os interesses da classe dominante, que
geralmente está no poder, e assim,

é decorrente de seu desempenho espacialmente desigual enquanto


provedor de serviços públicos, especialmente aqueles que servem à
população, que o Estado se torna o alvo de certas reivindicações de
segmentos da população urbana. (CORRÊA, 2004, p.24-25)

23
A parcela pobre da população, desprovida de condições de inserção adequada na
cidade, representa os grupos sociais excluídos, que encontram como possibilidades de moradia
algumas alternativas, como a subdivisão de velhas residências abandonadas pelas elites, os
conjuntos habitacionais construídos pelo Estado, o sistema de auto-construção em
loteamentos periféricos, e as ocupações e invasões que se transformam em favelas. Nas
primeiras possibilidades, os grupos sociais excluídos não são produtores diretos do espaço
urbano, pois estão atrelados à lógica de grandes atores como os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, e o próprio Estado. Entretanto, no momento em que ocupam,
invadem, e constroem suas moradias em assentamentos informais no meio urbano, estes
grupos passam a desempenhar o papel de agente social de produção do espaço urbano. De
acordo com Corrêa (2004),

é na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos,


que os grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes
modeladores, produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos
independentemente e a despeito de outros agentes. A produção deste
espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo
tempo, uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às
adversidades impostas aos grupos sociais recém-expulsos do campo ou
provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação,
que lutam pelo direito à cidade. (CORRÊA, 2004, p.30)

É esta resistência à qual se refere Corrêa que caracteriza a realidade de vários


assentamentos existentes na cidade do Recife. Conforma a base da organização do
movimento popular, que reivindica e luta por melhorias das precárias condições de
habitação que refletem, de certa maneira, uma ausência do Estado nestas áreas. A figura 10
ilustra um tipo de moradia em favela comum no recife, as palafitas.

Figura 10 – Palafitas no bairro do Pina, às margens do rio Capibaribe.


Foto da autora, junho de 2008.
24
Capítulo 2 – Uma Radiografia do Recife

2.1. Áreas pobres da cidade

Depois do breve resgate do processo de ocupação da cidade do Recife, e da


identificação dos principais agentes responsáveis pela produção de seu espaço urbano, nos
deteremos naqueles espaços construídos pelos grupos sociais excluídos, que são as favelas ou
áreas pobres existentes na cidade. De acordo com Fernandes (1998),

as favelas brasileiras são o resultado da combinação de fatores históricos


envolvendo tanto o setor formal quanto os processos informais de
reprodução das relações sociais de produção especialmente a
determinação dos custos do trabalho urbano-industrial, bem como os
processos de desenvolvimento urbano e de especulação imobiliária
(FERNANDES, 1998, p.135).

Durante longo tempo, tais espaços foram considerados, pelo menos no que tange
ao planejamento urbano, à parte da cidade formal, legalizada, em função da exclusão
urbanística à qual são submetidos. Entretanto, a cidade informal, ilegal, é produto da
mesma lógica de produção que atende ao capital na cidade formal, porém representa o seu
outro lado, onde a pobreza, fruto das desigualdades extremas, é evidenciada, e transforma o
espaço sem seguir as normas e leis atuantes na cidade formal. Referindo-se à ausência de
comprometimento do urbanismo brasileiro com relação a estas áreas, Maricato (2000) nos
diz que "para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. (...) Trata-se de um lugar fora das idéias"
(MARICATO, 2000, p.122).
Mas a cidade real abrange a formalidade e a informalidade. E o reconhecimento de
que a ilegalidade constitui mais a regra do que a exceção (COSTA, 2006), como é explícito
no caso do Recife, aliado à forte reivindicação do movimento popular por condições de
reprodução, tem levado a experiências de intervenção nas áreas pobres, buscando tanto a
melhoria nas condições de urbanização quanto a inserção legal destas áreas no tecido
formal da cidade. A identificação de Zonas Especiais e o Plano de Regularização das Zonas
Especiais de Interesse Social – PREZEIS – são exemplos do reconhecimento não só da
existência de áreas carentes na cidade como também da necessidade de intervenção nas
mesmas.

25
A cidade do Recife possui cerca de quatrocentas favelas espalhadas pelo tecido
urbano. Mais precisamente, de acordo com o Cadastro de Áreas Pobres9, banco de dados
desenvolvido pela Prefeitura Municipal (RECIFE, FADE/UFPE, 1998), existia no final da
década de 1990 um total de 421 áreas classificadas como pobres.
A extensão territorial ocupada pelas áreas de pobreza representa aproximadamente
15% dos 220km2 totais do Recife, e abriga cerca de 45% da população. Esta porcentagem
de habitantes em áreas pobres é relativamente alta, se comparado com outras metrópoles
brasileiras. O índice de Belo Horizonte, por exemplo, gira em torno de 20 a 25% de sua
população morando em favelas.
Com relação às características físicas dos locais ocupados por áreas pobres, das 421
áreas cadastradas, 35 se encontram em alagados, 142 em áreas de morro e 244 estão na
planície. Quanto à tipologia construtiva, a grande maioria, 391 áreas, apresenta moradias
em alvenaria. As restantes são em madeira, taipa, ou restos de materiais. Quanto ao grau de
pobreza, 85 áreas foram cadastradas como pobre, 267 como muito pobre e 69 como pobre
crítico.
Como já foi citado anteriormente, o tecido urbano do Recife é caracterizado por
uma forte mesclagem, não existindo áreas ocupadas por população de alta renda distantes
de áreas pobres. Assim, a espacialização das áreas pobres pode ser ilustrada pela figura no
anexo.

9 A terminologia "áreas pobres", e não "favela", adotada no cadastro é justificada pelos autores em função das
melhorias urbanas que podem ser encontradas, apesar de uma nítida diferenciação em termos de
configuração urbana. A definição de pobreza utilizada no cadastro refere-se à precariedade histórica de
inserção de pessoas em um ou mais circuitos da vida em sociedade: produção, consumo, acesso, fruição de bens públicos,
cidadania, entre outros. Foram considerados como área de pobreza os assentamentos que continham no
mínimo dez casas, número que difere do conceito do IBGE, que só considera como área de pobreza
aquela que contiver, no mínimo, cinqüenta e uma casas. Optou-se por essa postura, com o entendimento
de que o aparecimento de pelo menos dez casas, em um mesmo lugar, em curto espaço de tempo,
contém justificativas tais que permitem que o número aumente rapidamente, como por exemplo, uma
nova fonte de trabalho. Para a definição das áreas de pobreza, foram utilizados os seguintes parâmetros:
1) que esteja localizado em terrenos particulares, públicos ou em áreas non aedificandi; 2) que contenha padrão construtivo
majoritariamente de baixa qualidade ou precário; 3) cujo padrão urbanístico em desacordo com a legislação vigente, resulte
em espaços insalubres, promíscuos e descontextualizados; 4) que se constitua em um espaço impermeável da cidade. Foram
ainda utilizados, como indicadores de pobreza, indicadores sócio-econômicos – renda, educação e saúde
– e indicadores físico-ambientais – padrão construtivo, existência de melhoria urbana e configuração
urbana – classificando as áreas por grau de pobreza – pobre, muito pobre ou pobre crítico (RECIFE,
FADE/UFPE, 1998).

26
As intervenções governamentais efetivas nas áreas pobres de assentamentos
populares no Recife vieram juntamente com o início do processo de abertura política do
final do regime militar.
A implementação de ações de melhoria urbana era feita basicamente com recursos
federais e estaduais, através de programas de urbanização e legalização da posse da terra. O
programa PROMORAR, criado em 1979 pelo governo federal, foi um marco de contraposição
à prática de construção de conjuntos populares na extrema periferia das cidades, que funcionava como um
mecanismo de expulsão da população pobre das áreas urbanas centrais (ARAÚJO et al, 1999, p.26). O
programa propunha a consolidação das favelas, com implementação de sistemas de infra-
estrutura viária e de saneamento, e promoção de melhorias habitacionais.
As primeiras áreas pobres a sofrerem ações de melhoria urbana implementadas pelo
poder público no Recife, substituindo as relocações das famílias nas periferias, foram
Brasília Teimosa, na zona sul, Coque e Coelhos, no centro.
Em 1980, adequando-se ao programa PROMORAR, a Prefeitura do Recife criou
vinte e seis áreas especiais, para as quais foram definidos procedimentos peculiares para a
elaboração de projetos urbanísticos. Este pode ser considerado o embrião da criação das
Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – três anos mais tarde (ARAÚJO et al, 1999).
Outra ação relevante do poder público nas áreas pobres do Recife, no período que
antecede a criação do PREZEIS, foi o Projeto Recife, que visava a requalificação,
valorização e comercialização imobiliária dirigida para as populações de média e alta renda,
integrada com a reabilitação de áreas de favelas na região da várzea do rio Capibaribe. De
modo geral, intervenções de maior porte mercantil na margem direita do rio subsidiaria
ações focais na margem esquerda. Foram elaboradas propostas que não se concluíram, e
algumas que resultaram em transformações concretas, como a criação de conjuntos
populares, como o Parque do Caiara, no bairro da Iputinga (ARAÚJO et al, 1999).

2.2. A participação da população

(...) a cidade aparece como produto apropriado diferencialmente pelos


cidadãos. Essa apropriação se refere às formas mais amplas da vida na
cidade; e nesse contexto se coloca a cidade como o palco privilegiado das
lutas de classe, pois o motor do processo é determinado pelo conflito
decorrente das contradições inerentes às diferentes necessidades e
pontos de vista de uma sociedade de classes. Como conseqüência surgem
os movimentos sociais urbanos pelo direito à cidade no seu sentido
27
pleno – o habitar e tudo que isso implica, não se restringindo apenas à
luta por equipamentos urbanos. (CARLOS, 1997, p.23)

Recife tem um forte histórico de lutas e mobilização popular, destacando-se entre


as demais cidades brasileiras. Seu grande crescimento populacional, proveniente
principalmente de um contingente vindo do interior, não foi contemplado com a
correspondente oferta de bens de consumo coletivo e também não pôde ser totalmente
absorvido pelo mercado de trabalho. Ainda, a organização histórica da cidade e sua
apropriação pelas elites locais levaram a um traçado urbano heterogêneo que reflete a
injustiça do modo de produção no qual se apoiou, configurando espaços que foram sendo
ocupados pela população pobre. O déficit habitacional, ainda hoje, representa uma questão
complexa na capital pernambucana. De acordo com Miranda (2005), o total de domicílios
no Recife em 2000 era de 377.553, para uma população de 1.422.905 habitantes. O déficit
habitacional calculado com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000 chegava a
12,5%, revelando a necessidade de 47.327 novas habitações. Foram considerados, ainda,
além do déficit, inadequação por adensamento, inadequação por infra-estrutura e
domicílios sem sanitário, representando 8,9%, 44,4% e 2,5%, ou 33.639, 167.613 e 9.342,
respectivamente10.
Tais problemas fazem parte da realidade da cidade desde o começo do século XX, e
ainda hoje são em parte responsáveis pela manutenção de um dos maiores índices de
desigualdade social do país, bem como pelas nítidas contradições urbanas.
A organização do movimento popular no Recife não é recente11, sendo que nas
décadas de 1940 e 1950 houve uma intensificação no surgimento de entidades e associações
que, segundo Cézar (1985), não pode ser considerado espontâneo. Momentos políticos e,
em especial, em meados da década de 1950, durante a campanha e o mandato do prefeito
Pelópidas Silveira (1955/1959), do Partido Comunista Brasileiro – PCB, a organização

10 Tais dados, obtidos através do Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife (2005), consideram o
Censo Demográfico do IBGE de 2000, cuja pesquisa, vale ressaltar, suprimiu a variável que definia a
precariedade dos domicílios pelos materiais de construção utilizados, o que levou a uma queda no
número de domicílios precários, referentes ao déficit e à inadequação habitacionais.

11 Anteriormente, ainda nos séculos XVIII e XIX, a participação popular no Recife foi de grande
importância para movimentos como a Guerra dos Mascates, em 1710 e 1711, representando a disputa
entre os comerciantes do Recife (mascates) e a aristocracia rural de Olinda, e a Revolução Pernambucana,
movimento emancipacionista e republicano em 1817, fruto do descontentamento com os privilégios
concedidos aos portugueses.

28
popular foi fortemente incentivada, tendo em vista a necessidade do apoio do povo à
coligação da Frente do Recife, da qual o prefeito fazia parte, em oposição à maioria na
Câmara Municipal de Vereadores.
As associações populares sempre tiveram como principais reivindicações a questão
da terra e da habitação, equipamentos coletivos e serviços de infra-estrutura, ou seja,
questões de caráter local. Questões políticas, a preocupação com problemas mais amplos
de desenvolvimento e cidadania e a articulação com outros movimentos começavam a ter
visibilidade e ganharam força na Federação das Associações de Bairro de Pernambuco –
FABEP, criada em 1963.
A gestão seguinte (1959/1962), com Miguel Arraes, do Partido Socialista Brasileiro
– PSB, manteve os ideais de participação popular, principalmente através do Movimento
Cultural Popular (MCP) que, segundo Leal (2003), estimulou o processo organizativo da
população, mas significou uma interferência na autonomia dos movimentos, uma vez que
várias lideranças acabaram se inserindo na administração do governo.
Em 1964, o então prefeito reeleito Pelópidas Silveira, atendendo às reivindicações
das associações, criou o Conselho das Associações de Bairro, fazendo com que o Conselho
de Planejamento contivesse um representante da FABEP. Tal avanço no processo de
participação popular foi interrompido, no mesmo ano, com o golpe militar.
Durante o período correspondente à ditadura militar, até 1978, o autoritarismo e a
repressão fizeram com que poucas entidades fossem criadas. Os investimentos eram
voltados para grandes obras e a população carente era tratada a partir de uma visão
higienista.
Durante as gestões dos prefeitos biônicos – indicados pelo regime militar – Gustavo
Krause (1979/1982) e Joaquim Francisco (1983/1985), ambos da Aliança Renovadora
Nacional – ARENA, houve um movimento de retomada da participação popular, com um
caráter populista. Um grande número de entidades do movimento social foi criado naquela
época em que o país vivia grande efervescência política, algumas fazendo oposição ao
governo local, outras atreladas aos projetos da prefeitura.
É precisamente neste contexto, em 1983, que foram instituídas pela Lei de Uso e
Ocupação do Solo as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, o que reconheceu
formalmente a existência de favelas na cidade. Tal zoneamento é de grande importância
para os argumentos desenvolvidos ao longo deste trabalho.
A primeira eleição municipal direta após a ditadura militar elegeu o prefeito Jarbas
Vasconcelos (1986/1988), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, que

29
trouxe alguns novos instrumentos de planejamento, marcados por um novo cenário
político, o processo de redemocratização do país. São importantes: o Programa Prefeitura
nos Bairros (PPB), que visava à participação popular nas tomadas de decisões através de
fóruns de entidades do movimento social, cuja organização e legitimação eram estimuladas
a fim de garantir a articulação do governo com a sociedade; e o Plano de Regularização das
Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS, Lei Municipal nº 14.947/87, sancionada
em 1987, que visava regulamentar o Art. 14 da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que criou
as ZEIS. A proposta de elaboração desta lei contou com a participação de entidades do
movimento popular e da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. O
PREZEIS será objeto de estudo específico do próximo capítulo.
O segundo mandato de Jarbas (1993/1996), após a segunda gestão de Joaquim
Francisco (que desta vez não havia sido indicado, mas eleito, em 1989), manteve o PPB
que, revisado, significou um importante canal de descentralização política. No entanto,
segundo Santos (2006), o programa não foi capaz de romper com a barreira da democracia
representativa e construir uma nova cultura política no planejamento e gestão urbanos
através do exercício da democracia direta e participativa, tal como havia sido pensado.
Com relação ao PREZEIS, foi aprovada uma nova Lei em 1995. Como aspectos
inovadores, têm-se, dentre outros, a instituição de eleição direta para a escolha dos
representantes comunitários nas Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da
Terra - COMULs, que são instâncias de discussão e deliberação acerca dos projetos de
urbanização e regularização a serem desenvolvidos nas ZEIS, e a gestão do Fundo
Municipal do PREZEIS, que passa a ser atribuição do Fórum Permanente do PREZEIS,
um espaço institucional de articulação e deliberação dos segmentos que integram o
PREZEIS. Foram, ainda, instituídas as Câmaras de Urbanização, de Legalização, e de
Orçamento e Finanças, que contam, cada uma, com a participação de dois representantes
do segmento popular12.
O prefeito que se seguiu e governou de 1997 a 2000, Roberto Magalhães, do
Partido da Frente Liberal – PFL, manteve a base conceitual do PPB, embora no âmbito de
uma administração conservadora, oposta ao populismo de Jarbas Vasconcelos (SOUZA,
2004).

12 As instâncias e a estrutura do PREZEIS, tais como as COMULs, o Fórum Permanente, as Câmaras e o


Fundo do PREZEIS, serão aprofundados no próximo capítulo.

30
Com a eleição de João Paulo, do Partido dos Trabalhadores – PT, para o governo
municipal do Recife, em 2000, desenhou-se a participação popular através do Orçamento
Participativo (OP) tal como existe hoje, salvo algumas alterações metodológicas. Nesta
gestão, com todos os esforços apontados para o OP, o PREZEIS sofreu uma diminuição
do seu espaço político, delineando-se certa competição entre os agentes desses dois
instrumentos de política urbana. Sobre isso, falaremos mais detalhadamente no próximo
capítulo.

2.3. As ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social

A primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano (LUOS) aprovada no


município do Recife em 1983 (Lei nº 14.511, de 17 de janeiro de 1983) classificou o solo
urbano em zonas segundo o uso: comercial, industrial, residencial, preservação ambiental e
de especial interesse social; determinando, para cada uma, usos de solo permitidos ou
tolerados e taxas de ocupação definidas.
Reconhecendo formalmente a existência de favelas na cidade do Recife, bem como
o direito à permanência das mesmas nos locais onde se encontram, foram instituídas as
Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, que são definidas como áreas de assentamentos
habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos
pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária (LUOS). Com a
criação da ZEIS, a administração municipal admitiu a necessidade de uma iniciativa de
reabilitação e integração daqueles assentamentos ao conjunto da cidade (ARAÚJO et al, 1999).
A delimitação das ZEIS trouxe a possibilidade de atuação e intervenção do Estado
nas áreas pobres e de ocupação irregular da cidade sob o princípio do respeito às suas
características locais. Representa uma mudança na concepção do tratamento de favelas,
anteriormente voltado para a remoção e relocação dos moradores para áreas distantes,
através da construção de habitações populares em terrenos pouco valorizados.
Com a transformação de uma área em Zona Especial de Interesse Social, garante-
se, mesmo que num primeiro momento sem a regularização fundiária dos lotes e a titulação
de posse e/ou propriedade, a permanência da população no local. Entretanto, a criação das
ZEIS não dispunha de instrumentos de inibição da ação especulativa do mercado
imobiliário, posto que, mesmo reconhecendo as características particulares dos
assentamentos e propondo a regularização dos lotes, uma vez integradas as ZEIS à
estrutura da cidade, as leis do mercado tratariam de estabelecer sua dinâmica normal de
estruturação urbana. Foi com o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse
31
Social – PREZEIS (a ser aprofundado no próximo capítulo) que foram introduzidos
mecanismos de proteção contra as ações de especulação imobiliária do mercado, como o
estabelecimento de lotes mínimos e a proibição de remembramentos, reforçando a
conservação das características das ocupações locais, bem como do perfil social dos
ocupantes.
Recife não foi a primeira cidade a demarcar áreas de assentamentos populares como
zonas especiais. Belo Horizonte definiu mecanismos legais associados a programas de
reabilitação de áreas faveladas também em 1983, com o Programa Municipal de
Regularização de Favelas – PROFAVELA, que criou, na Lei de Uso e Ocupação do Solo,
um setor especial, o SE-4, que passa a reconhecer as favelas, anteriormente classificadas
13
como áreas de preservação permanente da cobertura vegetal . A experiência belorizontina do
PROFAVELA tem bases próximas à experiência recifense, no que diz respeito ao
zoneamento, aos objetivos e à participação das comunidades, assim como da Igreja
Católica, no processo de criação dos programas e planos de intervenção. Entretanto,
diferenciam-se, de acordo com Araújo (1999), pelo acervo de instrumentos legais
desenvolvidos e o nível de complexidade dos arranjos institucionais para interação
governo-sociedade, que colocam a experiência do Recife numa situação peculiar.
Na Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1983 foram criadas vinte e sete ZEIS,
embora o universo de favelas no Recife girasse em torno de duzentas favelas. As áreas
delimitadas como ZEIS abrigavam, muitas vezes, mais de uma área pobre, configurando
sub-áreas. Entretanto, muitas áreas ainda permaneceram sem o respaldo legal de garantia de
permanência dos moradores no local.
A nova Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano do Recife, sancionada em 1996
(Lei nº 16.176/96), adota o zoneamento que divide o território do Recife em trinta e três
unidades urbanas e quatro zonas, que são as Zonas de Urbanização Preferencial – ZUP; as
Zonas de Urbanização de Morros – ZUM; as Zonas de Urbanização Restrita – ZUR; e as
Zonas de Diretrizes Específicas – ZDE. As ZDEs compreendem as áreas que exigem
tratamento especial na definição de parâmetros reguladores de uso e ocupação do solo,
classificando-se em Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural –
ZEPH; Zonas Especiais de Proteção Ambiental – ZEPA; Zonas Especiais de Centros –
ZEC; Zona Especial do Aeroporto – ZEA; Zonas Especiais de Atividades Industriais –
ZEAI; e Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, objeto deste trabalho.

13 Para mais detalhes sobre a experiência do PROFAVELA, ver FERNANDES, 1998.

32
A reformulação da LUOS do Recife, em 1996, conformando a lei vigente até os
dias atuais, coincide com as alterações realizadas nas Leis de Uso de Ocupação do Solo de
outras cidades brasileiras. Tal coincidência remete ao momento da política urbana nacional
no período pós-Constituição de 1988 que configurou um processo de discussões sobre
novas leis, aprovadas, na sua maioria, na metade da década de 1990. Assim, podemos dizer
que o caso do Recife está inserido no contexto nacional de reflexões e práticas acerca das
questões urbanas.
Para o reconhecimento de uma área como ZEIS pelo poder público, de acordo
com o Artigo 17 da LUOS, são necessários os seguintes requisitos:

I. Ter uso predominantemente habitacional;


II. Apresentar tipologia de população com renda familiar média igual ou inferior a três salários mínimos;
III. Ter carência ou ausência de serviços de infra-estrutura básica;
IV. Possuir densidade habitacional não inferior a trinta residências por hectare;
V. Ser passível de urbanização.

Atualmente, existem no Recife sessenta e seis Zonas Especiais de Interesse Social,


que ocupam uma área total de 25,92 km2, o que representa aproximadamente 11% do
território total do município, que é de 220 km2. A população residente nas ZEIS ultrapassa
os 40% da população total recifense14. Trinta e cinco delas possuem Comissão de
Urbanização e Legalização da Posse da Terra – COMULs – instaladas por Decreto
Municipal (DM), três tiveram sua COMUL desativada e vinte e oito não possuem
COMUL15. Do total das ZEIS, quatro se localizam na Região Político-Administrativa –
RPA 1 (Centro), cinco na RPA 2 (Norte), onze na RPA 3 (Nordeste), quinze na RPA 4
(Oeste), dezessete na RPA 5 (Sudoeste) e quatorze na RPA 6 (Sul) (Figura 11). As datas de
criação das ZEIS variam, sendo que algumas foram instituídas pela Lei de Uso e Ocupação
do Solo Urbano (LUOS nº 14.511/83 e LUOS nº 16.176/96) e outras por Leis Municipais
(LM) diversas (Quadro 1).

14 De acordo com o Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, em 2000, dos 1.422.905 habitantes do
Recife, 583.724 residiam em ZEIS.

15 Sobre as COMULs – Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra – falaremos mais


detalhadamente no próximo capítulo.

33
Quadro 1 – Zonas Especiais de Interesse Social no Recife
MR Denominação da ZEIS Área (ha) Lei Reguladora COMUL
1.1 João de Barros 1,80 LM 15.096/88 DM 14.475/88
1.1 Santo Amaro 37,45 LUOS 14.511/83 -
1.3 Coelhos 25,10 LUOS 14.511/83 DM 14.060/87
1.3 Coque 76,30 LUOS 14.511/83 DM 14.062/87
2.1 Campo Grande 106,50 LM 15.866/94 DM 16.898/95
2.1 Ilha do Juaneiro 13,24 LUOS 14.511/83 -
2.2 Fundão de Fora 26,97 LUOS 14.511/83 -
2.3 Dois Unidos 34,34 LUOS 14.511/83 -
2.3 Linha do Tiro 62,40 LUOS 14.511/83 -
3.1 Altos do Mandu / Santa Isabel 69,20 LUOS 14.511/83 -
3.1 Apipucos 6,00 LM 16.220/96 -
3.1 Campo do Vila 1,34 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
3.1 Casa Amarela 895,00 LUOS 14.511/83 -
3.1 Poço da Panela 2,51 LM 15.949/94 -
3.1 Tamarineira 1,57 LM 16.090/95 -
3.1 Vila do Vintém 0,32 LM 15.979/94 -
3.1 Vila Esperança / Bodocó 4,06 LM 15.926/94 DM 16.880/95
3.1 Vila Inaldo Martins 0,46 LM 15.951/94 -
3.1 Vila Macionila / Mussum 1,36 LM 16.220/96 -
3.3 Vila São João 4,52 LM 15.947/94 DM 16.878/95
4.1 Caranguejo / Tabaiares 7,36 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
4.1 Mangueira da Torre 1,70 LM 14.947/93 DM 14.947/93
4.1 Prado 10,13 LUOS 14.511/83 DM 16.739/94
4.1 Sítio do Berardo 13,50 LUOS 14.511/83 DM 14.473/88
4.1 Sítio do Cardoso 14,57 LM 15.140/88 DM 14.715/89
4.1 Vila União 4,86 LUOS 16.176/96 -
4.2 Torrões 92,50 LUOS 14.511/83 DM 14.059/87
4.2 Vietnã 7,70 LUOS 14.511/83 -
4.2 Vila Redenção 5,34 LUOS 14.511/83 -
4.3 Brasilit 13,46 LUOS 16.176/96 DM 18.970/01
4.3 Campo do Banco 9,40 LM 15.925/94 DM 16.889/95
4.3 Rosa Selvagem 49,49 LM 16.089/95 DM 18.022/98
4.3 Sítio Wanderley 6,16 LM 16.102/95 -
4.3 Vila Arraes 8,05 LUOS 16.176/96 -
4.3 Vila Felicidade 6,40 LM 15.927/94 DM 16.879/95
5.1 Afogados 34,00 LUOS 14.511/83 DM 14.713/89
34
5.1 Mangueira 67,50 LUOS 14.511/83 DM 14.710/89
5.1 Mustardinha 51,44 LUOS 14.511/83 DM 15.630/91
5.1 Novo Prado 5,90 LUOS 14.511/83 DM 17.597/97
5.1 Vila do Sirí 1,75 LUOS 16.176/96 -
5.2 Beirinha 10,70 LM 15.161/88 DM 14.621/89
5.2 Caçote 37,10 LUOS 14.511/83 DM 17.597/97
5.2 Capuá 8,20 LUOS 14.511/83 -
5.2 Jardim Uchôa 8,80 LM 15.463/91 DM 15.736/92
5.2 Rua do Rio / Iraque 18,43 LM 15.122/88 DM 14.856/89
5.3 Areias 28,00 LUOS 14.511/83 -
5.3 Barro 28,22 LUOS 14.511/83 -
5.3 Cavaleiro 56,50 LUOS 14.511/83 -
5.3 Jardim São Paulo I 2,01 LM 16.219/96 -
5.3 Jardim são Paulo II 2,20 LM 16.21996 -
5.3 Planeta dos Macacos 27,63 LM 15.952/94 DM 16.906/93
5.3 Tejipió 13,60 LUOS 14.511/83 -
6.1 Aritana 1,00 LM 15.921/94 DM 17.123/95
6.1 Borborema 4,60 LM 15.141/88 -
6.1 Brasília Teimosa 72,70 LUOS 14.511/83 DM 14.061/87
6.1 Coqueiral 0,99 LM 16.415/98 DM 18.192/99
6.1 Coronel Fabriciano 0,80 LM 15.164/88 DM 14.855/89
6.1 Entra Apulso 8,33 LM 15.164/88 DM 14.523/88
6.1 Ilha de Deus 15,30 LM 16.103/95 -
6.1 Ilha do Destino 7,40 LM 15.997/94 -
6.1 Pina / Encanta Moça 42,31 LUOS 14.511/83 DM 14.497/88
6.1 Sítio Grande 66,50 LM 15.767/93 DM 16.920/95
6.2 Alto da Jaqueira 37,21 LUOS 16.176/96 DM 18.373/99
6.2 Greve Geral 1,51 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97
6.2 Ibura / Jordão 149,00 LM 15.168/88 DM 14.711/89
6.3 UR 5, UR 12 / Três Carneiros 115,66 LUOS 16.176/96 DM 17.597/97

Onde: MR – Microrregião; LM – Lei Municipal; DM – Decreto Municipal.


Fonte: Agenda PREZEIS, 2007.

É possível ocorrer a incorporação de áreas vazias contíguas às ZEIS, vindo a alterar


seu limite territorial, desde que sejam destinadas à relocação de habitações e/ou edificação
de equipamentos comunitários e sociais que sejam de interesse da ZEIS.

35
Figura 11 – Distribuição espacial das ZEIS do Recife
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.

Com a criação do Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social –


PREZEIS, em 1987, começaram a ser elaborados planos e projetos especificamente para
36
cada uma das ZEIS. Entretanto, até 1993, não havia uma fonte de recursos que
possibilitasse a implementação das ações, visando concretizar os projetos elaborados. A
instituição do Fundo Municipal do PREZEIS16 e seus recursos iniciais viabilizaram ações
de urbanização total em duas ZEIS: Coronel Fabriciano, na microrregião 6.1 e João de
Barros, na microrregião 1.1. Os recursos, após o momento de priorização destas áreas,
foram sendo investidos em outras ZEIS, porém de maneira pontual e com ações
fragmentadas, tendo em vista a dificuldade, do ponto de vista orçamentário, de executar
todas as obras previstas nos planos de uma só vez. As dificuldades encontradas no
processo de urbanização das ZEIS se devem, além da questão dos recursos, a
contemplarem muitas vezes ações desenvolvidas em tempos diferentes, com técnicas diferentes, que se
encontram em estados de conservação diferentes e desafiadas a responder por demandas diferentes as da época
de sua implantação (ETAPAS, 2005, p.12).
Algumas ações pontuais são às vezes prejudiciais, resultando em situações de
insalubridade como, por exemplo, a priorização da pavimentação das ruas, que mesmo
sendo estreitas e sem sistema de esgotamento sanitário, são impermeabilizadas. Nem todas
as ZEIS possuem planos urbanísticos, o que dificulta a implantação de ações que
contribuam de fato para o processo de urbanização da área. Alguns programas integrados
resultantes de parcerias ou financiamento externo vêm sendo implantados em algumas
áreas, como em sub-áreas da ZEIS Mangueira e sub-áreas da ZEIS Mustardinha, ambas na
microrregião 5.1 (ETAPAS, 2005).
O Quadro 2 traz um panorama do estágio de urbanização em que se encontram as
ZEIS que possuem COMUL instalada, de acordo com o diagnóstico urbanístico da ZEIS,
realizado pela Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social – ETAPAS, em 2005.

Quadro 2 – Estágio de urbanização das ZEIS com COMUL instalada


ZEIS situação
Afogados A conclusão da urbanização da ZEIS depende da urbanização da sub-área
Padre Miguel e da realização de algumas obras pontuais nas demais sub-
áreas.
Alto da Jaqueira Como as demais áreas de morro da cidade, passa por um processo lento de
urbanização, com ações quase sempre pontuais.
Apipucos Praticamente urbanizada, faltando apenas algumas ações de estabilização de
encostas na sub-área Serra Pelada.
Aritana A conclusão da urbanização depende da construção de conjunto
habitacional.

16 Sobre o Fundo do PREZEIS falaremos mais detalhadamente no próximo capítulo.

37
Beirinha Teve seu processo de urbanização acelerado nos últimos anos, contudo
faltam algumas ações e parte das casas está sendo soerguida, por terem
ficado abaixo do nível da rua.
Brasília Teimosa Área com urbanização concluída.
Brasilit Passa por um processo de urbanização lenta, com ações prioritariamente
de pavimentação e drenagem. A sub-área Ilha das Cobras é a área mais
insalubre, com grande número de habitações precárias.
Caçote A urbanização tem evoluído muito nos últimos anos, contudo ainda faltam
muitas ações para sua conclusão. Ximboré é a sub-área mais precária, com
boa parte das casas às margens do rio, em situação precária.
Campo do Banco Teve um bom número de ações nos últimos anos, mas necessita de obras,
especialmente de pavimentação e drenagem.
Campo do Vila A área é muito densa e não possui infra-estrutura, mas existem
investimentos previstos.
Campo Grande Possui situações diferenciadas de urbanização, algumas com previsão de
investimentos assegurados por parcerias e outras sem previsão. As sub-
áreas Beira Rio e Jacarezinho merecem atenção especial pois não podem
ser consolidas por estarem às margens de cursos d’água, as famílias
precisam ser relocadas em conjunto habitacional. As demais sub-áreas
passam por processo de urbanização lento.
Caranguejo / Tabaiares Possui situações bem precárias de habitabilidade, com muitas casas às
margens dos cursos d’água e situações de insalubridade geradas a partir do
mau funcionamento do sistema de esgoto.
Coelhos As sub-áreas que precisam de mais investimentos dão Beco do
Esparadrapo e Coelhos 1, a primeira com necessidade maior de construção
de unidades habitacionais e a segunda de implantação de infra-estrutura.
Coque Possui níveis diferenciados de urbanização, com algumas vilas e conjuntos
habitacionais construídos, mais próximos de concluir a urbanização e áreas
de ocupação desordenada, mais precárias.
Coqueiral Área precária, sem infra-estrutura.
Entra Apulso Apresenta alguns trechos muito densos que precisariam de construção de
novas habitações para abertura de vias e implantação de infra-estrutura.
Ibura / Jordão Assim como as demais áreas de morro, vem sendo urbanizada de forma
lenta, com ações de contenção de encosta e pavimentação e drenagem.
Jardim Uchoa Teve seu processo de urbanização intensificado nos últimos anos, com
exceção da área do charco, que apresenta situações bem precárias.
Mangueira As sub-áreas mais precárias estão concluindo a urbanização. Com isso, a
área passa a depender de ações pontuais de pavimentação e drenagem para
concluir sua urbanização.
Mangueira da Torre A área não tem infra-estrutura.
Mustardinha A urbanização de áreas precárias está sendo concluída.
Novo Prado Teve seu processo de urbanização acelerado nos últimos anos, mas precisa
terminar de construir o habitacional e abrir algumas ruas.
Pina Possui muitas situações precárias de moradia, com grande número de
palafitas e falta de infra-estrutura. A exceção é a sub-área Encanta Moça,
que possui situações bem consolidadas.
Planeta dos Macacos Tem passado por um processo lento de urbanização, precisa de ações
pontuais para concluir o processo.

38
Prado Para concluir a urbanização da área, a sub-área Brega e Chique necessita de
construção de novas unidades habitacionais, para a abertura de vias.
Rosa Selvagem Processo de urbanização lento, com muitas ações a serem executadas.
Rua do Rio / Iraque A sub-área mais precária é o Iraque, com alta densidade construtiva, que
implicará em muitas remoções para a implantação de infra-estrutura.
Sítio do Berardo Precisa apenas da execução de algumas obras de pavimentação e drenagem
para concluir a urbanização.
Sítio do Cardoso Necessita de obras de pavimentação e drenagem para concluir a
urbanização.
Sítio Grande Apresenta situações precárias, especialmente as próximas ao mangue.
Torrões Apresenta situações distintas de urbanização, sendo as sub-áreas Torrões e
Sítio das Palmeiras as mais consolidadas. As situações mais precárias estão
nas sub-áreas Casarão e Rei do gado, ambas com alta densidade e
necessidade de novas unidades habitacionais.
UR-5 / Três Carneiros Assim como as demais áreas de morro, tem sofrido uma lenta urbanização,
com ações de pavimentação e drenagem, além das contenções de encostas.
Vila Esperança / Bodocó Foram executadas apenas algumas ações de urbanização. Necessita de um
grande número de novas unidades habitacionais.
Vila Felicidade Apresenta vias muito estreitas e falta de saneamento.
Vila São João Processo de urbanização lento, com situações precárias próximas ao açude
e ao canal.

Fonte: ETAPAS, 2005.

É possível perceber que poucas das Zonas Especiais de Interesse Social do Recife
com COMUL instalada encontram-se em situação de conclusão do processo de
urbanização. Entretanto, as ações já realizadas representam um avanço que deve ser
considerado no que se refere às condições de habitabilidade da população residente.

39
Capítulo 3 – Plano de Regularização das Zonas Especiais de
Interesse Social

3.1. O PREZEIS como instrumento de política urbana

Leal (2003) afirma que as condições de habitabilidade nas áreas pobres e o forte poder
reivindicativo da população levaram o poder público a implantar novos mecanismos que viessem a alterar as
condições legais e sociais nessas áreas (LEAL, 2003, p.39), referindo-se à criação do Plano de
Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS. De acordo com a
autora, o PREZEIS favorece uma estabilidade com respeito à posse da terra ao delimitar as
ZEIS e assegura uma perspectiva de implantação de infra-estrutura e serviços urbanos.
O PREZEIS é uma lei que foi aprovada em 1987 e tem como objetivo fixar
normas, procedimentos e a estrutura de gestão, visando promover a urbanização e a
regularização fundiária das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.
O PREZEIS surge de uma grande mobilização, com a contribuição concreta de
vários setores do movimento popular e com o apoio da Comissão de Justiça e Paz da
Arquidiocese de Olinda e Recife, com o objetivo de regulamentar a Lei de Uso e Ocupação
do Solo Urbano, sendo uma das primeiras experiências brasileiras, do ponto de vista legal,
onde já se reconhecia o direito social à moradia como mais importante do que o direito à
propriedade, defendendo claramente o principio da função social da terra.
Como princípio fundamental da Lei do PREZEIS está o de respeitar as características
locais de cada comunidade, possibilitando que as ocupações permaneçam em seus locais de origem, desde que
essas áreas ofereçam condições de serem urbanizadas e legalizadas (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife,
1997, p.5), ou seja, busca respeitar a tipicidade da área.
A Lei do PREZEIS, portanto, trouxe consigo um avanço substancial na garantia da
permanência da população mais pobre em áreas que certamente poderiam ser
posteriormente ocupadas por empreendimentos orientados pelo processo de produção
capitalista da cidade. Na Lei do PREZEIS existem, de forma clara, instrumentos
urbanísticos e jurídicos de inibição à especulação imobiliária, como o estabelecimento do
tamanho dos lotes – o lote máximo para fins habitacionais a ser considerado para a ZEIS é
de 250m2, e o lote mínimo é de 18m2, havendo normas para desmembramentos e/ou
remoções caso existam lotes que não se adequem a estes padrões – tentando assim impedir

40
a construção de prédios de grande porte nas ZEIS, o que alteraria a tipicidade da ocupação
local e também o perfil dos moradores.
Como já foi dito anteriormente, o Recife, como outras cidades brasileiras, vivenciou
na metade do século XX um processo de expulsão da população pobre de áreas que
serviam ao mercado imobiliário, removendo esses moradores para áreas mais periféricas da
cidade, distantes de seus locais de trabalho e de equipamentos públicos coletivos. Com a
aprovação da Lei do PREZEIS esse processo de “expulsão branca” foi sendo minimizado.
O PREZEIS, por ser uma lei que, durante o processo de sua construção, aprovação
e implementação, sempre teve uma participação efetiva dos setores do movimento popular
recifense, mantém essa característica na sua gestão.
Com a Lei do PREZEIS, o poder público passa a reconhecer a sociedade civil
como segmento importante e essencial nos processos de planejamento e implantação da
urbanização e regularização fundiária nas Zonas Especiais de Interesse Social, criando
assim alguns canais de participação e interlocução, como a instalação das Comissões de
Urbanização e Legalização da Posse da Terra – COMULs, que se dá a partir da solicitação
da comunidade após a área ser reconhecida como ZEIS, e o Fórum do PREZEIS, que
serão detalhados adiante.
Devido ao viés participativo do PREZEIS, algumas mudanças foram acontecendo
no curso do processo, tendo em vista a própria dinâmica da questão urbana no Brasil, e
também no Recife, evidenciando a necessidade de atualizar e aperfeiçoar o funcionamento
do PREZEIS ao longo de sua existência.
Em 1995, a instância máxima de deliberação, o Fórum do PREZEIS, após um
processo de discussão amplo que envolveu todas as ZEIS, as COMULs e o governo
municipal, elaborou uma nova proposta de Lei do PREZEIS, aprovada pela Câmara
Municipal e sancionada pelo Poder Executivo, sob o número 16.113/95, substituindo a lei
aprovada em 1987 e tendo como mudanças centrais a discussão acerca da estrutura de
gestão e dos processos de regularização urbanística e fundiária nas ZEIS.

3.1.1. Instâncias do PREZEIS

A Comissão de Urbanização e Legalização da Posse da Terra

As Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra – COMULs –


podem ser instaladas após o reconhecimento da área como ZEIS e são caracterizadas como
espaços institucionais de caráter deliberativo no que se refere aos projetos de urbanização e regularização
41
jurídica a serem desenvolvidos pelo Poder Executivo Municipal na respectiva Zona Especial de Interesse
Social – ZEIS (Artigo 1º do Decreto Municipal nº 17.596/97, que regulamenta o
funcionamento das Comissões de Urbanização e Legalização das ZEIS, nos termos
prescritos pela Lei Municipal nº 16.113/95 – Lei do PREZEIS).
Cada COMUL é composta dos seguintes membros:

I. Um representante da Empresa de Urbanização do Recife – URB-Recife;


II. Um representante do órgão público responsável pela execução do projeto de urbanização e regularização
fundiária;
III. Um representante indicado pela entidade civil que preste assessoria à comunidade e por ela escolhida;
IV. Dois representantes das comunidades, moradores da ZEIS, cuja eleição será acompanhada pela
Coordenação do Fórum do PREZEIS.

A escolha dos representantes dos moradores das ZEIS na COMUL é feita através
de processo eleitoral com voto direto e secreto, podendo participar do processo todos os
moradores da ZEIS e podendo concorrer às vagas todos os moradores com idade igual ou
superior a dezoito anos. Tal processo é regulamentado pelo Capítulo II do Decreto
Municipal nº 17.596/97. A duração do mandato dos membros da COMUL é de dois anos.
As atribuições da COMUL de cada ZEIS são:

I. Divulgar o PREZEIS na respectiva área;


II. Definir as prioridades das áreas a partir das discussões com a população;
III. Coordenar e fiscalizar a elaboração e execução dos planos de urbanização e regularização fundiária;
IV. Dirimir os conflitos referentes à urbanização e regularização fundiária em consonância com os planos
de regularização urbanístico-fundiária específico;
V. Viabilizar a participação da população nas diversas etapas dos processos de urbanização e
regularização fundiária;
VI. Elaborar, quando da conclusão dos trabalhos de urbanização e regularização fundiária, parecer de
encerramento a ser apresentado ao Fórum do PREZEIS, o qual extinguirá a COMUL.

As ZEIS que possuem COMUL instalada têm direito a dois representantes na


composição do Fórum do PREZEIS, e as ZEIS sem COMUL instalada têm direito a
apenas um representante, o que significa que as primeiras terão maior poder de voto,

42
sendo, portanto, de grande importância a criação e instalação da COMUL em todas as
ZEIS.
Três ZEIS no Recife já tiveram sua COMUL desativada – Coronel Fabriciano, João
de Barros e Greve Geral – o que indica que estas ZEIS já atingiram um bom nível de
urbanização e de legalização fundiária. O entendimento para desativação da COMUL parte
dos próprios representantes das ZEIS, devendo ser consenso entre a comunidade. Com a
COMUL desinstalada, a ZEIS passa a ter novamente somente um representante no Fórum,
assim como as ZEIS que nunca instalaram sua COMUL. Das três que já sofreram este
processo, apenas a ZEIS Greve Geral manteve uma participação ativa no Fórum do
PREZEIS, sendo inclusive seu representante eleito suplente da Coordenação do Fórum
(ver a seguir). As outras duas ZEIS, depois da desativação da COMUL, afastaram-se das
discussões do PREZEIS. É importante que, mesmo depois de atingir determinado grau de
urbanização e regularização, a área permaneça sendo uma Zona Especial de Interesse
Social, uma vez que as restrições para compra e venda dos imóveis se mantêm em vigor, e
assim evita-se abrir espaço para a especulação imobiliária.
A COMUL deve reunir-se quinzenalmente, sendo uma reunião na sede da Empresa
de Urbanização do Recife – URB-Recife, e outra na comunidade, buscando possibilitar
uma maior participação dos moradores nas discussões e definições da COMUL.

O Fórum do PREZEIS

O Fórum do PREZEIS foi instituído de acordo com o Artigo 34 da Lei do


PREZEIS, e regulamentado pelo Decreto Municipal nº 17.595/97. É caracterizado como
um espaço institucional de articulação e deliberação dos diversos segmentos que integram o PREZEIS
(Artigo 1º do Decreto Municipal nº 17.595/97).
São atribuições do Fórum:

I. Promover debates, encontros e seminários de capacitação sobre temas relacionados com o PREZEIS;
II. Gerir o Fundo do PREZEIS, nos termos da Lei Municipal número 15.790/93;
III. Articular, junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a solução das questões pertinentes às
ZEIS;
IV. Solicitar ao Executivo Municipal a criação e extinção das COMULs, com base nos pareceres emitidos
pelas Câmaras de Urbanização e Legalização;
V. Acompanhar e fiscalizar o funcionamento das instâncias do PREZEIS;
VI. Divulgar o PREZEIS;
43
VII. Promover articulação com a sociedade civil e poderes públicos em defesa do PREZEIS;
VIII. Acompanhar a tramitação de processos legislativos referentes às ZEIS e da legislação urbanística
aplicável a estas;
IX. Acompanhar as negociações necessárias à viabilização de recursos para o PREZEIS;
X. Representar os interesses das ZEIS junto ao Conselho de Desenvolvimento Urbano;
XI. Acompanhar os processos administrativos que versem sobre a transformação de novas áreas em ZEIS;
XII. Analisar e emitir parecer acerca da proposta de subclassificação das ZEIS e a revisão da mesma;
XIII. Captar recursos oriundos do Fundo de Desenvolvimento Urbano definidos nos Artigos 26 e 27 do
Plano Diretor da Cidade do Recife – PDCR.

Em relação à composição do Fórum do PREZEIS, são integrantes:

I. Dois representantes de cada ZEIS com COMUL instalada;


II. Um representante de cada ZEIS sem COMUL instalada;
III. Quatro representantes das entidades gerais do movimento popular;
IV. Dois representantes de entidades de pesquisa;
V. Dois representantes de entidades profissionais;
VI. Um representante da Câmara Municipal do Recife;
VII. Seis representantes da Empresa de Urbanização do Recife – URB-Recife, sendo um representante de
sua presidência;
VIII. Um representante da Secretaria de Políticas Sociais;
IX. Um representante da Secretaria de Planejamento Urbano e Ambiental;
X. Um representante da Secretaria de Finanças;
XI. Um representante da Secretaria de Assuntos Jurídicos;
XII. Um representante da COHAB/PE;
XIII. Um representante de cada Organização Não Governamental (ONG) integrante do PREZEIS.

O Fórum do PREZEIS deverá se reunir mensalmente, em plenárias que ocorrerão


no auditório da URB-Recife. Todos os participantes das plenárias têm direito a voz, porém
só têm direito a voto os integrantes do Fórum.
A Lei do PREZEIS prevê a participação de Organizações Não Governamentais –
ONGs – a fim de que estas prestem assessoria ao segmento popular, na intenção de
colaborar com a gestão do PREZEIS. Entretanto, apesar de estar disposto em lei, é
comum serem firmados contratos entre as ONGs e o poder público, e muitas vezes, com o

44
fim do contrato a ONG deixa de participar. Isso vem acontecendo, segundo Josineide
Souza, da Gerência de Apoio à Participação Popular da URB-Recife e representante deste
órgão na Coordenação do Fórum do PREZEIS17, mais intensamente a partir de 2007.
Algumas ONGs que sempre estiveram presentes, atuantes não só na gestão mas nos
processos de urbanização e regularização fundiária, têm se afastado e deixado o segmento
popular sem assessoria, uma vez que, de acordo com Josineide, esse não é papel do poder
público.
O Fórum elege sua coordenação, que deve ser composta por um representante da
URB-Recife, um representante das ONGs e três representantes de entidades do
movimento popular e/ou comunidade, que terão uma ajuda de custo e serão eleitos através
do voto direto e secreto. A duração do mandato dos integrantes da Coordenação do
Fórum é de dois anos.
As atribuições da Coordenação do Fórum são:

I. Representar o Fórum Permanente do PREZEIS perante qualquer instância;


II. Coordenar as plenárias do Fórum, encaminhando votações e deliberações;
III. Divulgar o PREZEIS;
IV. Acompanhar o funcionamento das Câmaras;
V. Acompanhar o processo de escolha dos representantes das comunidades para as COMULs.

Outras instâncias que compõem a estrutura de gestão do PREZEIS são as Câmaras


de Urbanização, de Legalização e de Orçamento e Finanças, instâncias consultivas e de
caráter técnico que tem por finalidade subsidiar o Fórum do PREZEIS. Cada Câmara é
composta por dois representantes do segmento popular, dois representantes da URB-
Recife e dois representantes das ONGs. Hoje, de acordo com Josineide Souza, a
participação das ONGs se restringe à Câmara de Legalização. As outras instâncias contam
efetivamente apenas com representantes do poder público e do segmento popular.
As Câmaras se reúnem mensalmente, na sede da URB-Recife, e trimestralmente se
reúnem com a Coordenação do Fórum, para elaboração do planejamento estratégico do
Fórum.

17 Entrevista concedida à autora em junho de 2008.

45
Câmara de Urbanização

São atribuições da Câmara de Urbanização:

I. Propor políticas para intervenção urbanística para as áreas ZEIS;


II. Estimular e acompanhar a elaboração dos projetos urbanísticos das ZEIS de acordo com as diretrizes
traçadas nesta Lei;
III. Promover a articulação com outras entidades e instituições que trabalham a questão do planejamento
urbano na cidade;
IV. Estudar e propor técnicas e processos alternativos para a execução dos projetos urbanísticos nas áreas
ZEIS;
V. Acompanhar as ZEIS em processo de urbanização, avaliando o desenvolvimento das obras;
VI. Manifestar-se acerca dos pareceres emitidos pelo poder público municipal no que se refere às áreas a
serem transformadas em Zonas Especiais de Interesse Social;
VII. Propor o ordenamento das prioridades de aplicação dos Recursos do Fundo do PREZEIS, no que se
refere à urbanização, de acordo com os planos de trabalho das COMULs com os critérios estabelecidos
pelo Fórum do PREZEIS e da disponibilidade do recurso;
VIII. Elaborar parecer relativo a instalação e extinção de COMULs;
IX. Acompanhar o processo de subclassificação das ZEIS.

Câmara de Legalização

São atribuições da Câmara de Legalização:

I. Elaborar proposta para a regularização fundiária das ZEIS;


II. Acompanhar o plano de regularização fundiária nas ZEIS, em suas diversas etapas operacionais;
III. Elaborar parecer sobre as áreas ZEIS em conflitos fundiários, a fim de subsidiar a ação do Fórum do
PREZEIS;
IV. Manifestar-se acerca dos pareceres exarados pelo poder público municipal tangentes as áreas a serem
transformadas em ZEIS;
V. Ordenar as prioridades para a aplicação dos recursos do Fundo do PREZEIS, no que se refere à
regularização fundiária, de acordo com os planos de trabalho das COMULs, os critérios estabelecidos
pelo Fórum do PREZEIS e a disponibilidade de recursos;
VI. Elaborar parecer relativo à instalação e extinção de COMULs.

46
A atribuição da Câmara de Orçamento e Finanças está relacionada à fiscalização
da aplicação dos recursos do Fundo do PREZEIS, nos termos da Lei Municipal número 15.790/93.
Desta forma, a estrutura organizativa e de gestão do PREZEIS pode ser
representada de acordo com a figura 12.

Figura 12 – Esquema de organização das instâncias do PREZEIS.


Fonte: Adaptado de ARAÚJO et al, 1999, p.52.

Sendo: Fórum PREZEIS – instância máxima de discussões e definições políticas relativas ao


conjunto das ZEIS, responsável também pela gestão do Fundo do Municipal do
PREZEIS;
Coordenação – instância de representação política do PREZEIS;
Câmaras – câmaras temáticas de assessoria técnica do Fórum ao PREZEIS;
COMUL – espaços de discussões e definições relativas ao planejamento e fiscalização das
ações nas ZEIS.

3.1.2. O Fundo Municipal do PREZEIS

O Fundo Municipal do PREZEIS foi instituído pela Lei nº 15.790/93, e constitui-


se em um instrumento de política urbana para permitir a captação e gestão de recursos
destinados às ações previstas no PREZEIS.
Constituem as receitas do Fundo:

I. Dotações consignadas na Lei do Orçamento ou em créditos adicionais;


II. Transferências intergovernamentais;
III. Transferências de instituições privadas;
IV. Transferências do exterior;
V. Transferências de pessoas físicas;
VI. Transferências de convênios;
VII. A receita proveniente da Concessão de Direito Real de Uso nas ZEIS;
47
VIII. A receita proveniente da aplicação financeira dos seus próprios recursos;
IX. Doações;
X. Outras receitas que lhe sejam destinadas.

A administração do Fundo é competência do Fórum do PREZEIS, que, em


interação com as COMULs, deve formular a política de urbanização e legalização da terra
para as ZEIS, fixando objetivos, metas e estratégias de ação a curto, médio e longo prazo;
aprovar a proposta orçamentária do Fundo; supervisionar a execução do orçamento do
Fundo; avaliar a execução de programas, projetos e ações do PREZEIS; aprovar os
balancetes trimestrais e a prestação anual de contas do Fundo; e instituir Comissões
Técnicas ou grupos de trabalho.
A Empresa de Urbanização do Recife – URB-Recife é responsável pela operação e
contabilidade do Fundo, colocando a infra-estrutura e os recursos humanos necessários à
sua disposição. As decisões de competência do Fórum devem ser respeitadas pela URB-
Recife quando da operação do Fundo, e esta deve prestar contas através de balancetes
trimestrais e anuais. O prazo de duração do Fundo é, de acordo com a lei que o institui,
indeterminado.
O PREZEIS apresenta, assim, uma estrutura bem desenvolvida que visa à gestão
participativa de áreas pobres reconhecidas como ZEIS. Entretanto, alguns problemas
podem ser identificados e merecem ser comentados.
Uma questão importante refere-se à dificuldade de se adaptar a máquina
administrativa às práticas exigidas pelo sistema de co-gestão, apesar da criação de
departamentos e divisões destinados especificamente à condução de processos relativos às
ZEIS (MORAES, 2002). Ainda, a pouca agilidade nas instâncias de decisão e deliberação,
em especial nas reuniões do Fórum, dificulta a efetivação dos processos necessários ao
andamento do PREZEIS. A estrutura ainda é, mesmo com certos avanços de
descentralização, marcadamente burocrática, o que reduz a agilidade do processo.
Vale ressaltar ainda que o modelo de participação construído para gerir o PREZEIS
não assegura de fato a busca por uma democracia participativa, mas privilegia de certo
modo uma democracia representativa, na medida em que apenas os representantes das
comunidades participam das esferas de decisão. Algumas propostas já foram elaboradas no
sentido de reverter minimamente esta realidade, como, por exemplo, a realização de
grandes assembléias onde pudesse participar o maior número possível de moradores das

48
ZEIS, conforme relato de Fernando Lima, morador da ZEIS Torrões e participante do
PREZEIS desde 199618.
Outro aspecto importante, que também já foi proposto e até mesmo
experimentado pelo PREZEIS, no entanto sem continuidade, de acordo com Josineide
Souza, representante da URB-Recife na Coordenação do Fórum do PREZEIS, é a
tentativa de regionalização das reuniões das COMULs, com a criação de instâncias
intermediárias, ou Fóruns Regionais do PREZEIS, tendo como referências as Regiões
Político-Administrativas (RPAs) e suas microrregiões. Tal regionalização buscaria, de
acordo com Moraes (2002), a compatibilização dos planos urbanísticos das ZEIS com
outros planos de maior abrangência, ampliando os horizontes dos atores que compõem as
COMULs, para que percebam as relações entre as suas localidades com o resto da cidade; e
a viabilização de um diálogo mais estreito com outros instrumentos de gestão urbana,
como os fóruns microrregionais de delegados do Orçamento Participativo, possibilitando a
discussão em conjunto das prioridades para a urbanização de áreas precárias, o que
permitiria unir esforços e recursos necessários à transformação destas áreas.

3.1.3. O processo de urbanização das ZEIS

A implantação de infra-estrutura básica nas ZEIS é de extrema importância, uma


vez que em sua maioria são áreas desprovidas de drenagem, pavimentação de vias públicas,
esgotamento sanitário, abastecimento de água, contenção de encostas de morros, etc., além
da falta de moradias dignas. A necessidade de urbanização das ZEIS não difere da
necessidade geral das demais áreas pobres do Recife (ver Capítulo 2). Tal carência é ainda
mais agravada durante o período de chuvas no Recife, quando ocorrem freqüentemente
alagamentos nas áreas planas e há um risco alto de deslizamento de encostas nas áreas de
morros.
É certo que o problema da carência de infra-estrutura básica atinge quase todas as
cidades brasileiras, sendo potencializado nas grandes metrópoles, e Recife não é diferente
do contexto nacional. A baixa capacidade de investimento pode ser considerada um
agravante no Recife, o que é prejudicial do ponto de vista financeiro e orçamentário com
relação à tentativa de minimizar estes problemas.
O PREZEIS, portanto, a partir das suas instâncias e dos instrumentos legais
constituídos, procura intervir nas ZEIS para minimizar a problemática relacionada à

18 Entrevista à autora em junho de 2008.

49
carência de infra-estrutura básica. A análise da Lei do PREZEIS deixa evidente a
preocupação com a regularização urbanística, existindo na lei um capítulo específico para
tratar do tema.
Desta maneira, a urbanização das ZEIS tem como princípio dotar essas áreas dos
serviços básicos de infra-estrutura urbana, contribuindo assim para que sejam superadas as más condições
de vida e insegurança ali existentes (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife, 1997, p.9).
O processo de urbanização pode ser dividido em três etapas principais, sendo a
primeira onde se dá o conhecimento da área em que está localizada a ZEIS, através da
realização de estudos preliminares que utilizam instrumentos como o levantamento
topográfico e a pesquisa sócio-econômica. Assim, é possível elaborar um diagnóstico da
ZEIS, que mostra como a área está estruturada e quais os principais problemas existentes.
A partir daí, é elaborado o Plano Urbanístico da ZEIS, que deve detalhar o parcelamento e
as normas de uso, ocupação e aproveitamento do solo urbano na área, e indicar as
estimativas de custos de todas as ações previstas (execução de obras, relocações quando
necessário, indenizações, etc.). Nesta etapa devem ser elaborados os Projetos Executivos
Específicos, com detalhamento técnico das propostas de engenharia, permitindo a
contratação das obras.
A segunda etapa refere-se à contratação dos serviços para execução das obras de
engenharia. A escassez de recursos representa um problema especial nesta etapa, e é no
Fórum do PREZEIS onde se define o uso dos recursos do Fundo Municipal do PREZEIS,
determinando quais áreas serão beneficiadas, quais ações serão realizadas e quanto de
recurso financeiro será liberado. Entretanto, podem ser utilizados também recursos
captados de outras fontes, a partir de negociações e pressões da comunidade, não se
restringindo apenas ao Fundo. As licitações para a seleção da empresa executora e a
fiscalização das obras cabem à URB-Recife, que deve se basear nas definições do Fórum e
nos Projetos Executivos Específicos.
A terceira etapa compreende o "controle urbanístico", a fiscalização sobre o espaço
físico da ZEIS, buscando evitar o desrespeito, por parte de moradores, aos parâmetros
definidos no Plano Urbanístico, o qual, com sua transformação em instrumento de
controle a ser regulamentado por decreto municipal, tende a se tornar um Plano Diretor
Urbanístico.
A COMUL tem um papel fundamental no processo de urbanização da ZEIS, pois
cabe a ela discutir o Plano Urbanístico, acompanhar sua elaboração, competência esta de
técnicos da URB-Recife, e sua implementação. A interlocução com o restante da

50
comunidade, tentado minimizar transtornos advindos da execução das obras, de relocações
das famílias, etc., e também com o Fórum do PREZEIS, é de responsabilidade da
COMUL.
A Câmara de Urbanização tem uma atuação importante no processo de
urbanização, produzindo subsídios técnicos para o Fórum.

3.1.4. O processo de regularização fundiária nas ZEIS

A questão central das iniciativas de regularização fundiária está associada ao difícil


acesso à terra para populações de baixa renda. A luta pela terra, segundo Azevedo &
Cavalcanti (1999), assume duas dinâmicas: a primeira referente à omissão do Estado e a
segunda referente a movimentos populares na luta pela posse da terra e as invasões
massivas que infringem a legislação e colocam-se à margem da ordem jurídica dominante,
exigindo do Estado respostas e soluções que variam de acordo com interesses políticos.
A necessidade da regularização fundiária está ligada ao direito da população em
relação às condições mínimas de reprodução social. Resolver esta questão representa,
segundo Costa (2006), uma conquista considerável em termos de condições materiais de
vida e, em muitos casos, o reconhecimento da existência civil, uma vez que algumas
práticas sociais só reconhecem o indivíduo quando está associado a um bem imóvel.
Entretanto, a priorização da regularização jurídica dos terrenos vem sendo questionada.
Ainda de acordo com Costa (2006), se forem garantidos, em determinado assentamento, as
condições de habitabilidade, o acesso a equipamentos sociais e de lazer, o direito à
permanência no local e um espaço de diálogo com o Estado, até que ponto deve ser
prioridade a titulação da terra e do imóvel como propriedade privada?
No caso do PREZEIS, a análise da lei supõe que a urbanização da área deva
preceder a legalização da mesma. No geral, as comunidades querem garantir sua segurança,
tendo a propriedade comprovada por títulos, mas também a melhoria da qualidade de vida
com melhores condições de habitabilidade. Segundo Josineide Souza, os processos de
regularização urbanística e fundiária não devem ser desvinculados, mas sim andar
paralelamente. Entretanto, se há a garantia de permanência da população no local, não
havendo riscos de expulsão, a implementação de infra-estrutura se apresenta mais urgente.
Mesmo com o interesse em ter seus lotes e imóveis regularizados, a população geralmente
opta por privilegiar as ações referentes à urbanização. Isto representa uma consciência no
que se refere à necessidade de condições estruturais para a reprodução social da população,

51
indo de encontro à grande parte de outras experiências, onde o título de propriedade é
privilegiado pelas comunidades.
O processo de regularização fundiária geralmente é um processo lento, porém
importante, de modo a garantir definitivamente a permanência dos moradores nas áreas ocupadas e
impedir qualquer ação de expulsão por parte do proprietário (FASE-NE, Cendhec, URB-Recife,
1997, p.12).
Para o processo de regularização fundiária nas ZEIS é necessário em primeiro lugar
identificar a quem pertence o terreno ocupado, se ao poder público ou a um particular,
para que se defina o instrumento jurídico a ser utilizado na legalização. O Executivo
Municipal é autorizado a utilizar os instrumentos jurídicos necessários, sendo os principais
para o PREZEIS o usucapião, nos casos de terreno particular, e a Concessão de Direito
Real de Uso – CDRU, quando o terreno é público. A doação como forma de transferência
de bens públicos municipais nas ZEIS é vedada pela Lei do PREZEIS.
Se o terreno é particular, utiliza-se o usucapião, que consiste na aquisição de um direito
real, pelo exercício da posse sobre um bem imóvel, com ânimo de dono, por um prazo determinado em lei
(AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999). Para a utilização deste mecanismo, é necessário
que o morador não possua outro imóvel, urbano ou rural, e ocupe o terreno por no
mínimo cinco anos, exclusivamente para moradia. O terreno não pode exceder 250m2 e
não pode ter havido em nenhum momento a tentativa de reintegração de posse por parte
do proprietário. O ocupante deve, então, dar entrada na Justiça com uma ação de
usucapião e, após o resultado, a sentença deve ser registrada no Cartório de Imóveis e o
ocupante passa a ser o proprietário do terreno. As ações de usucapião podem ser coletivas
ou individuais e o Executivo Municipal deve prestar assessoria técnico-jurídica para fins de
regularização fundiária.
Se o terreno é uma área pública, utiliza-se prioritariamente a Concessão de Direito
Real de Uso – CDRU – como instrumento para regularizar a posse da terra, que prevê
concessão por tempo indeterminado, renovável, podendo ser gratuita ou onerosa, e com destinação especificada
(AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999). Pela Lei do PREZEIS, o contrato ou termo
administrativo firmado entre o Poder Público e o ocupante tem a duração de cinqüenta
anos, podendo ser renovado por igual período. Os terrenos alvo deste instrumento não
podem ultrapassar 150m2 de área, e podem ter uso residencial, não-residencial (quando
comprovada sua utilização para sustento familiar) ou misto. Não é permito ao ocupante
alugar o imóvel, e para vendê-lo, é necessária uma permissão da COMUL e do Poder
Público concedente.

52
É papel da COMUL acompanhar o processo e esclarecer as etapas aos moradores.
A Câmara de Legalização deve acompanhar o conjunto de ZEIS que esteja vivenciando o
processo de regularização fundiária, promovendo discussões acerca dos problemas gerais,
elaborando propostas relativas à regularização e definindo estratégias que visam a agilização
dos processos, sobretudo com relação aos Cartórios, Poder Judiciário, e Secretaria de
Assuntos Jurídicos. As despesas relativas ao registro dos imóveis é responsabilidade do
Poder Municipal. O PREZEIS prevê a participação de Organizações Não Governamentais
– ONGs – no processo de regularização fundiária, que juntamente com a comunidade e o
órgão público assumem a responsabilidade pela execução dos projetos.

3.2. A ZEIS Torrões

A ZEIS Torrões foi instituída em 1983, pela Lei de Uso e Ocupação do Solo
Urbano do Recife (LUOS nº 14.511/83), quando foram criadas as primeiras vinte e sete
ZEIS da cidade.
Localiza-se na zona oeste do Recife, no bairro dos Torrões – microrregião 4.2 –
com uma pequena parte no bairro do Cordeiro – microrregião 4.1 (Figura 13), numa área
de planície de várzea muito baixa, na margem direita do rio Capibaribe, originalmente
alagada (RECIFE, 2005).
A ZEIS Torrões encontra-se entre importantes vias de estruturação municipal,
como a Avenida Caxangá, ao norte, a Avenida do Forte, a leste, a Avenida Engenheiro
Abdias de Carvalho, ao sul e a BR-101, a oeste. A ZEIS Torrões é delimitada ao norte e a
leste pelo tecido formal do bairro dos Torrões, ao sul pela Avenida Engenheiro Abdias de
Carvalho e a oeste pela Rua Carneiro de Mariz (paralela à BR-101) (Figura 14).

53
Figura 13 – Mapa de localização da ZEIS Torrões.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.

É a quinta maior ZEIS em área, com 0,96 km2, menor apenas que as ZEIS Casa
Amarela (9,07 km2), Ibura/Jordão (1,64 km2), UR5/Três Carneiros (1,17 km2) e Campo
Grande (0,99 km2).19 Com relação à população, é a terceira mais populosa do Recife, com

19 Dados obtidos no Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife (2005).

54
aproximadamente 36 mil habitantes (RECIFE, 2001). Em primeiros lugares estão as ZEIS
Casa Amarela e Ibura/Jordão. De acordo com o Diagnóstico Urbanístico (ETAPAS,
PREZEIS, 2005), existem 6.611 famílias residentes na ZEIS Torrões.

Figura 14 – Sistema viário da ZEIS Torrões.


Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.

O processo de ocupação da área remonta ao período holandês, quando surgiu nas


proximidades uma povoação conhecida por Arraial Novo do Bom Jesus (BARROS
FILHO, 2000). Em função da distância do núcleo urbano do Recife e da existência de
55
engenhos ribeirinhos, que seguiam a várzea do rio Capibaribe (ver Capítulo 1), grande parte
da região se manteve como um imenso alagado pertencente ao Engenho do Meio. Em
1831, as terras do engenho foram incorporadas ao Patrimônio da União, e com o
desmembramento do engenho, a região foi dividida em sítios e seus proprietários
obtiveram licenças de aforamento (BARROS FILHO, 2000). A ocupação a partir de então
deu-se de forma pacífica, quando os donos dos sítios consentiram que os alagados fossem
aterrados, ocupados e utilizados para plantação de leirões, mediante o pagamento de foro
(RECIFE, 2001).
Na década de 1940 a ocupação deu-se de forma efetiva, com a chegada de uma
grande leva de mocambeiros expulsos da área central do Recife em função da política de
erradicação de mocambos (ver Capítulo 1).
A produção de cerâmica, a partir da retirada da matéria-prima argila do solo pelos
moradores, foi um atrativo para outras famílias que ocuparam também a região, em busca
de trabalho (RECIFE, 2001). Esta atividade, ao longo do tempo, provocou a formação de
barreiros.
A origem do nome Torrões está ligada à formação de torrões de terra, ocasionada
ou pela atividade de produção de cerâmica (AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999) ou em
decorrência da área ser alagada, ao passar o inverno chuvoso as águas secarem e no verão a
terra ficar toda rachada (RECIFE, 2001).
A ocupação dava-se primordialmente através da construção de pequenas moradias
de taipa, e aos poucos, os alagados foram sendo cada vez mais aterrados (AZEVEDO &
CAVALCANTI, 1999), possibilitando a instalação de mais famílias na área.
Com a consolidação da ocupação, a região passou a ser dividida em duas
localidades, conhecidas por Torrões de Fora e Torrões de Dentro, de acordo com a
localização mais distante ou mais próxima do centro comercial que se formou
(AZEVEDO & CAVALCANTI, 1999).
Na década de 1960, uma região próxima, utilizada para o plantio de hortaliças, foi
ocupada por desabrigados do bairro de Santo Amaro, no centro da cidade, e passou a ser
conhecida como Cuba, vindo depois a se chamar Sítio das Palmeiras (BARROS FILHO,
2000).
Até o final da década de 1970, estas comunidades ficaram à margem de qualquer
intervenção estatal, que na área se resumiu à construção da Avenida Abdias de Carvalho.
Os moradores então construíram por conta própria algumas melhorias na infra-estrutura,

56
mesmo que de forma improvisada, como um sistema de drenagem e a escavação de
cacimbas para obtenção de água.
O agravamento das condições de habitabilidade na área impulsionou a organização
dos moradores, que através do Conselho de Moradores de Bairro de Torrões – COMBAT
– conquistou algumas melhorias, como o aterro, a construção de um posto de saúde e a
pavimentação de algumas ruas (BARROS FILHO, 2000).
Em 1983 estas três localidades, Torrões de Dentro, Torrões de Fora e Sítio das
Palmeiras, foram transformadas em Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, passando
a serem conhecidas por ZEIS 10, ZEIS 11 e ZEIS 12, respectivamente.
A primeira conquista foi ainda em 1983, com o início de um processo de
regularização fundiária de um terreno da ZEIS 10, desapropriado pela URB-Recife para a
elaboração de um projeto de loteamento, que só foi registrado em 1992, e apenas em 1996
foram entregues noventa e oito títulos de CDRU (BARROS FILHO, 2000), o que
demonstra a lentidão deste processo.
Durante a década de 1980, as invasões em terrenos ainda não ocupados na área
continuaram e, mesmo com as tentativas da Prefeitura em impedi-las, consolidaram-se,
formando outras novas ocupações, que viriam a ser as sub-áreas da atual ZEIS Torrões.
Em 1982, ocorreu a ocupação da área que ficou denominada por Malvinas, em referência à
Guerra das Malvinas, conflito entre Argentina e Inglaterra ocorrido no mesmo ano. Parte
dos terrenos ocupados eram áreas particulares, outra em logradouro público – a Rua Inácio
Monteiro – e parte em área non aedificanti, nas margens do Canal dos Torrões.
Em 1985, houve a ocupação de uma área alagada da ZEIS 11, que foi parcialmente
aterrada pela Prefeitura, propiciando a construção de barracos. Houve também a tentativa
de demolição por parte do poder público, mas os invasores resistiram e permaneceram na
localidade que ficou conhecida por Asa Branca, em função de uma telenovela exibida na
época, que se passava numa cidade do mesmo nome.
Outra localidade, um terreno particular já habitado desde a década de 1960 em
condição de pagamento de foro, sofreu uma intensificação na ocupação em meados da
década de 1980, e com o falecimento do proprietário, os moradores deixaram de pagar o
foro (RECIFE, 2001). Em função da sua tranqüilidade, um morador a nomeou de Vila da
Paz.
Outra ocupação, em janeiro de 1987, deu origem à comunidade Roda de Fogo, a
qual será detalhada a seguir.

57
Em dezembro de 1987, foi instalada a Comissão de Urbanização e Legalização da
Posse da Terra – COMUL, pelo Decreto Municipal nº 14.059, nove meses após a provação
da Lei do PREZEIS, sendo uma das pioneiras. A partir de então, as ZEIS 10 e 11 se
fundiram em uma única ZEIS, que passou a ter o nome de ZEIS Torrões. A ZEIS 12, Sítio
das Palmeiras, e a comunidade Roda de Fogo permaneceram sem articulação com o
PREZEIS, até que em 1996, com a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano do
Recife, houve a ampliação do perímetro da ZEIS, que incorporou as duas localidades. A
justificativa seria a redução da burocracia do processo de regularização urbanística em
grande número de pequenas localidades próximas e com organizações comunitárias
próprias. A fusão foi criticada pelos representantes da antiga ZEIS Torrões, que
questionaram a geração de uma grande ZEIS com territórios políticos diversos (BARROS
FILHO, 2000). Entretanto, de acordo com Fernando Lima, morador de Roda de Fogo e
membro do PREZEIS, em entrevista concedida à autora em junho de 2008, a inserção da
localidade foi positiva e "oxigenou" a COMUL Torrões.
Já em 1997, uma pequena área alagada no interior da localidade Vila da Paz, é
ocupada por habitações precárias de madeira e papelão, e foi chamada de Rei do Gado,
mais uma vez em referência à uma telenovela exibida na época da invasão. A localidade
Casarão, tão recente quanto Rei do Gado, é uma ocupação bastante densa num antigo
casarão situado na comunidade Roda de Fogo, com acesso principal pela Rua Bicentenário
da Revolução Francesa.
A situação urbanística das sub-áreas integrantes da ZEIS Torrões é distinta
(Quadro 3). Torrões e Sítio das Palmeiras são as mais consolidadas, e Casarão e Rei do
Gado são as mais precárias, com alta densidade e necessidade de novas unidades
habitacionais, como já citado no quadro 2 (ver Capítulo 2). A figura 15 ilustra a divisão
interna da ZEIS Torrões em sub-áreas.

Quadro 3 – Breve descrição das sub-áreas da ZEIS Torrões


Sub-área Breve descrição
Asa Branca Área plana, parcialmente ordenada, com casas predominantemente em alvenaria.
Parte da área era um antigo alagado, que foi aterrado para a construção de um
conjunto habitacional.
Casarão Área plana, com alta densidade construtiva e parcialmente ordenada.
Malvinas Área plana, sujeita a alagamento e parcialmente ordenada. A maioria das casas são
em alvenaria.
Rei do Gado Área desordenada, altamente densa e boa parte dos imóveis continua em situação
precária.

58
Roda de Fogo Área plana, com ruas bem definidas e de boa largura e imóveis predominantemente
construídos em alvenaria.
Sítio das Palmeiras Área plana, com vias bem definidas e imóveis predominantemente em alvenaria.
Torrões Área plana, parcialmente ordenada, com boa parte das vias bem definidas e
consolidadas. Os imóveis são em alvenaria.
Vila da Paz Área plana, parcialmente ordenada com imóveis predominantemente em alvenaria.

Fonte: ETAPAS, 2005.

Figura 15 – Sub-áreas da ZEIS Torrões.


Fonte: ETAPAS, 2005.

59
3.2.1. Roda de Fogo

A comunidade Roda de Fogo, hoje uma sub-área da ZEIS Torrões, surgiu da


ocupação de um terreno pertencente ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em
1987. Tal terreno pertencia inicialmente a particulares e tornou-se propriedade, no período
pós-guerra, da Companhia Rádio Internacional do Brasil, depois chamada de ITT
Comunicações Mundiais S.A. Em 1969, o terreno foi comprado pelo Instituto de
Administração Financeira da Previdência Social – IAPAS, autarquia federal vinculada ao
Ministério da Previdência Social (BARROS FILHO, 2000).
O terreno, que corresponde a aproximadamente 60 hectares, próximo ao bairro do
Engenho do Meio, era destinado à construção da “Cidade Previdenciária”, um conjunto
habitacional para os funcionários da Previdência, e foi ocupado por cerca de quatrocentas
famílias, procedentes de bairros vizinhos, que se instalaram e demarcaram seus lotes
(RECIFE, 2001).
Após três anos de pressão popular, os moradores conseguiram suspender uma
liminar de despejo que havia sido impetrada pelo IAPAS, e obtiveram a garantia do uso do
solo através de negociação com o governo estadual, na época sob a gestão do governador
Miguel Arraes (1987/1990), do Partido Socialista Brasileiro – PSB. Na realidade, houve o
repasse da terra do governo federal para o governo estadual, e este concedeu a permanência
da população na área.
A origem do nome Roda de Fogo é contada pelos moradores e justificada pelos
círculos de fogo que se formavam quando queimavam a vegetação existente no terreno,
preparando-o para a ocupação. Entretanto, como em várias outras comunidades no Recife,
coincide com telenovelas transmitidas pela Rede Globo de Televisão na época da
ocupação. Alexandre Costa, morador que participou de todo o processo de ocupação,
transformou a história da comunidade em literatura de cordel, típica da região nordestina, e
assim descreve:

Perto do Sítio das Palmeiras,


Que em sua sede se juntava,
Entravam no meio do mato,
Que se chamava “bimba de macaco”,
Cheio de pelo coçava.
Levaram muitos pneus,
Para área ser queimada,

60
Era uma alegria danada.

Formou-se grande círculo de fogo,


Para depois a área ser demarcada.
Então vendo aquela chama circular,
Alguém logo gritou:
Olha, é uma roda de fogo!
Como na época estava em cena,
Uma novela da Globo,
Uma mulher gritou: É Roda de Fogo!

E o povo todo animado gritava:


Roda de Fogo! É Roda de Fogo!
(...)
Alexandre Costa, 2007.

Como já foi citado, durante os primeiros anos da ocupação, Roda de Fogo não
fazia parte da ZEIS Torrões, que já havia sido instituída em 1983. A Associação dos
Moradores de Roda de Fogo chegou a discutir, em seu primeiro encontro, a inserção da
área na ZEIS, porém a Assembléia Geral dos Moradores não aprovou a proposta, o que,
posteriormente, foi positivamente avaliado, de acordo com o morador e membro do
PREZEIS Fernando Lima. De acordo com ele, a negociação entre os moradores e o
governo estadual, que possibilitou a garantia de uso do solo e assim a permanência na área,
ocorreu sem a intervenção municipal, o que não aconteceria caso a área já fosse
considerada parte de uma ZEIS, regulada por lei municipal. Em 1990, a Companhia de
Habitação de Pernambuco – COHAB/PE – elaborou um projeto de loteamento para Roda
de Fogo, que abrangia quase toda a extensão territorial da localidade. O traçado ortogonal
das quadras do loteamento, com um comprimento médio quatro vezes maior que a largura,
conferiu à localidade uma morfologia peculiar, distinta da "irregularidade" das ruas da ZEIS
Torrões e também das proporções das quadras de seu entorno "formal" (BARROS FILHO,
2000) (Figura 16).
Roda de Fogo faz limite com o Canal dos Torrões (Figura 17), a Rua Carneiro de
Mariz e a alça viária de acesso à BR-101, e tem acesso pelas mesmas (ETAPAS, 2005)
(Figura 18). Corresponde a mais de metade da área da ZEIS, ocupando 60 dos
aproximadamente 96 hectares totais (ver figura 15), e aproximadamente 20 mil habitantes,
de um total de 36 mil na ZEIS Torrões.
61
Figura 16 – Imagem de satélite da ZEIS Torrões.
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Recife, 2005.

62
Figura 17 – Canal dos Torrões. Figura 18 – Acesso a Roda de Fogo pela alça da BR 101.
Fotos da autora, junho de 2008.

A sub-área Roda de Fogo pode ser considerada bem estruturada. Possui algumas
ruas largas, das quais poucas pavimentadas, e a maioria das construções é em alvenaria. Na
localidade existem equipamentos sociais importantes, como uma escola de 2° grau – Escola
Estadual Pintor Lauro Villares (Figura 20); uma creche – Centro Municipal de Educação
Infantil Roda de Fogo (Figura 21); três postos de saúde – Cosirof (Comissão de Saúde
Independente de Roda de Fogo) (Figura 22), Sinos e Macaé; terminal de ônibus, com uma
linha de transporte metropolitano que atende à comunidade (Figura 23); e um centro
comercial bastante desenvolvido.

Figura 19 – Escola estadual. Figura 20 – Creche municipal.

Figura 21 – Posto de saúde COSIROF. Figura 22 – Terminal de ônibus.


Fotos da autora, junho de 2008.
63
Sobre o comércio em Roda de Fogo, vale a pena ressaltar que há uma oferta de
produtos e serviços variados (Figura 23). A Associação de Moradores desenvolveu uma
campanha para que os próprios moradores investissem no comércio local, fazendo o
capital circular dentro da comunidade. De acordo com Fernando Lima, morador de Roda
de Fogo desde o momento da ocupação, a campanha deu certo, e hoje não há a
necessidade de deslocamento da população para consumir em outras localidades. O
comércio na localidade intensificou-se em meados da década de 1990, e chega a atrair
consumidores de bairros formais próximos, como do Engenho do Meio, em função dos
preços mais baixos.
A área mais crítica de Roda de Fogo é o Casarão, antiga estrutura ocupada por
várias famílias que subdividiram o mesmo espaço (Figura 24), que embora seja considerado
uma sub-área da ZEIS Torrões, se localiza dentro de Roda de Fogo (ver figura 16). O
Plano Urbanístico prevê a compra de terreno para a construção de um conjunto
habitacional e posterior remoção dos moradores, e a área seria destinada à implantação de
equipamentos sociais de lazer. Entretanto, este processo se encontra parado em função da
dificuldade de aquisição do terreno por parte da Prefeitura.

Figura 23 – Comércio em Roda Fogo. Figura 24 – Entrada para a ocupação Casarão.


Fotos da autora, junho de 2008.

No entanto, a consolidação urbanística de Roda de Fogo não se deve a recursos


oriundos do fundo do PREZEIS. O Plano Urbanístico para a área foi elaborado, mas a
execução das obras não foi prevista através de Projetos Executivos. A pavimentação da
maioria das ruas, por exemplo, foi conquistada pela comunidade através de outros
instrumentos, como o Orçamento Participativo, como é o caso da Rua Maestro Jonny
Johnson – onde se localiza o Canal dos Torrões, que está inacabada em função da
64
necessidade de remoção de moradias, e outras como a Rua Revolução Praieira, e a Rua
Mestre Vitalino; ou até mesmo por intervenções de vereadores, como é o caso da Rua dos
Sinos. Mesmo com a existência de várias ruas e becos sem pavimentação e com
necessidade urgente de serviços de drenagem (Figura 25), não há obras específicas em
processo de licitação e/ou execução previstas pelo PREZEIS.

Figura 25 – Rua com necessidade de serviços de drenagem.


Foto da autora, junho de 2008.

De acordo com técnicos da URB-Recife20, a justificativa para a ausência de


intervenção do PREZEIS na área seria a pouca mobilização das lideranças comunitárias de
Roda de Fogo, que não atingiram a presença mínima de 75% de presença nas reuniões do
Fórum do PREZEIS, necessária para garantir a priorização dos recursos para a sua ZEIS.
Entretanto, este fato é curioso tendo em vista o alto grau de politização observado nas
entrevistas realizadas com os moradores além do histórico de mobilização e luta da
comunidade. É possível que este “esvaziamento” do PREZEIS tenha ocorrido em função
da priorização da mobilização para o OP por parte da população, o que se justifica pela
maior capacidade de investimento e conseqüente execução de obras pelo OP, em função da
vontade política do governo, e que acaba por fazer com que a comunidade opte pela
participação neste espaço.
A questão dos recursos é também um entrave para o desenvolvimento do processo
de urbanização nas ZEIS. Moraes (2002), em sua avaliação sobre o PREZEIS, afirma que

20 Entrevista realizada pela autora em junho de 2008.

65
as expectativas em relação à transformação das condições de vida da população das ZEIS
foram, relativamente, frustradas, pois o PREZEIS, ao longo de sua trajetória, não se tornou
instrumento fundamental para alocação de investimentos no âmbito municipal; disputando
recursos com outros programas e definições governamentais.
Com relação à regularização fundiária, as ações de Concessão de Direito Real de
Uso – CDRU – para lotes em Roda de Fogo encontram-se em trâmite no Poder Judiciário.
Primeiramente, é necessário que o terreno, pertencente à antiga COHAB/PE, passe a ser
propriedade do Município, e então sejam feitos o recadastramento das famílias e a medição
dos lotes, para que a partir daí possa ser efetuada a regularização fundiária e os títulos de
propriedade passem aos moradores. Não há perspectiva próxima de conclusão deste
processo.
Não há ações de usucapião em Roda de Fogo, embora um pequeno trecho da
localidade se encontre em propriedade particular. O Centro Dom Helder Câmara –
Cendhec – ONG responsável por grande parte das ações de usucapião em todas as ZEIS
do Recife, possui cento e noventa ações individuais de usucapião na ZEIS Torrões, mas
todas são referentes às sub-áreas Asa Branca e Vila da Paz. Das cento e noventa, cinco já
obtiveram sentença, todas favoráveis. As outras encontram-se em trâmite no Poder
Judiciário. Segundo Magalhães et al (2005), desde 2000, a URB-Recife não libera novos
cadastros para ajuizamento de ações de usucapião na ZEIS Torrões, sob o argumento de
que há necessidade de revisão do levantamento topográfico e de um cadastramento social.
Isso revela que a dinâmica dos assentamentos espontâneos se sobrepõe à lentidão das
intervenções do poder público.
Dessa forma, é possível concluir que o processo de regularização fundiária em
Roda de Fogo é ainda precário, apesar de ser uma comunidade consolidada, com papel
importante no contexto urbano do Recife.
O PREZEIS é um instrumento complexo de planejamento urbano, que exige uma
constante relação da população com o poder público, e está diretamente relacionado a
decisões políticas, assim como qualquer outro programa de política urbana. Por isso, muitas
vezes ocorrem evoluções e involuções no processo, de acordo com as prioridades adotadas
em cada gestão do governo municipal.
A atual gestão privilegia o Orçamento Participativo – OP – como principal
instrumento de gestão urbana participativa, e em função disso as ações do PREZEIS não
têm se destacado na cidade como um todo. O pouco diálogo entre estes dois importantes
instrumentos impossibilita a soma de esforços no sentido de transformar a realidade dos

66
assentamentos populares. É fato que o poder de organização existente no âmbito do OP é
mais forte, e isto poderia ser aproveitado para cumprir as metas estabelecidas no âmbito do
PREZEIS. Por exemplo, a atuação pontual das obras que são executadas via OP poderia
estar inserida no contexto dos Planos Urbanísticos elaborados pelo PREZEIS, e assim o
processo de urbanização nas ZEIS se daria de forma mais rápida e planejada. Esta
discussão está inserida na necessidade de se avançar na relação entre planejamento e gestão
urbanos, evitando que sejam discutidas apenas as urgências e as situações críticas, em busca
de cidades mais justas onde sejam garantidos os direitos de toda a população, especialmente
daquelas historicamente menos favorecidas.

67
Capítulo 4 – Considerações Finais

O Recife apresenta uma enorme desigualdade sócio-espacial, e seu espaço urbano é


produto do processo histórico de ocupação refletindo o desenvolvimento excludente
próprio do modo de produção capitalista existente nas cidades. Abriga uma grande
quantidade de áreas pobres e irregulares, espalhada por todo o tecido urbano,
caracterizando a necessidade de intervenção do poder público.
A tradição de mobilização social é talvez um reflexo da precariedade em que vive
quase metade da população. As políticas urbanas adotadas pelo Município nas últimas
décadas demonstram certa preocupação com as áreas pobres e algumas tentativas de aliar a
participação popular à gestão urbana.
O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS –
foi criado com base em princípios pertinentes a elementos e discussões sobre reforma
urbana, como a valorização da função social da propriedade; o combate à especulação
imobiliária; o respeito às características sócio-espaciais locais de cada comunidade; e o
incentivo à participação popular. Dessa forma, representou, à época, uma política
inovadora ao tratar de intervenções em favelas e áreas pobres. Entretanto, algumas críticas
e considerações merecem ser traçadas.
Um ponto fundamental relativo à política determinada pelo PREZEIS refere-se à
delimitação das áreas alvo de tais intervenções. O estabelecimento das Zonas Especiais de
Interesse Social no Recife representou, de fato, um grande avanço no que se refere ao
reconhecimento da existência de favelas no tecido urbano da cidade. No entanto, não só na
época da criação das ZEIS, mas principalmente na realidade atual, existe um número muito
maior de favelas e áreas pobres em situação precária fora dos limites das ZEIS, que
merecem – e muitas vezes recebem, via outros instrumentos de gestão urbana – ações de
urbanização e de legalização da posse da terra. Assim, a grande importância das ZEIS está
principalmente relacionada à garantia de permanência da população no local de origem do
assentamento espontâneo, e de fato, nesse aspecto, representou um avanço nas políticas
que seriam traçadas para a cidade.
Com relação à estrutura de gestão e funcionamento do PREZEIS, podemos
concluir que a pouca agilidade nos processos de decisão e deliberação acarreta atrasos e o
não desenvolvimento de muitas ações. A própria estrutura física, de sistematização de
informações, não se encontra em perfeito estado de funcionamento, como já observava

68
Araújo et al (1999) em sua avaliação, gerando certa dificuldade de obtenção de dados, o que
pôde ser constatado no decorrer deste trabalho. Tal fato também influência certamente no
monitoramento das ações de forma abrangente e consequentemente na gestão de todo o
processo.
A reformulação da primeira lei, n° 14.947 de 1987, vindo a culminar na sanção da
lei vigente, n° 16.113/95, que estabeleceu a nova estrutura de gestão e procedimentos
específicos para os processos de urbanização e regularização fundiária nas ZEIS,
representou um avanço quanto à adequação a um novo cenário nacional pós-Constituição
Federal de 1988, onde o direito à moradia deve ser priorizado em relação ao direito à
propriedade.
Entretanto, a Lei do PREZEIS, de 1995, encontra-se defasada em relação à
realidade atual. É consenso entre lideranças comunitárias e técnicos da URB-Recife, como
pôde ser observado nas entrevistas realizadas, a necessidade de reformulação da lei, tanto
do ponto de vista da condução dos processos de urbanização e regularização como quanto
à forma de participação popular adotada.
Existe a necessidade, com relação à urbanização das favelas e áreas irregulares, de se
rever os planos que foram elaborados há anos e se discutir profundamente com a
comunidade elementos como largura de vias, implantação de equipamentos sociais e etc.
De acordo com Fernando Lima, em Roda de Fogo por exemplo não havia a necessidade de
ruas tão largas e quadras tão compridas. Segundo ele, "uma ZEIS deveria ter as casa boas e as
ruas estreitas, pois é um espaço de convivência". De fato, o alargamento e a pavimentação asfáltica
das vias podem levar a situações como o aumento demasiado do fluxo de veículos,
ocasionando acidentes, aumento de barulho, etc. É preciso ajustar os planos à realidade
atual de cada área.
O Estatuto da Cidade, de 2001, prevê a utilização de novos mecanismos de
regularização fundiária que ainda não vêm sendo adotados pelo PREZEIS, como o
Usucapião Coletivo e a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. Embora a Lei do
PREZEIS apenas indique a preferência pelo uso de instrumentos de regularização
fundiária, não vetando a utilização de outros, exceto a doação, falta a adequação do Plano a
estes novos instrumentos, à luz da nova legislação federal.
Existe também a necessidade de capacitação dos atores envolvidos no PREZEIS,
incentivando discussões acerca de ações integradas e do planejamento urbano como um
todo. Ainda, observa-se a pouca divulgação do PREZEIS, ao menos na atual gestão,
certamente em função de discordâncias políticas quanto à época de implantação do Plano.

69
A interação com outros instrumentos de planejamento e gestão urbanos não ocorre
de fato, e isto representa um entrave para maiores conquistas que poderiam ser obtidas.
Não só ações do Orçamento Participativo, como foi ressaltado no Capítulo 3, mas de
outros programas como o Capibaribe Melhor, o Saneamento Integrado, são muitas vezes
apresentados ao PREZEIS, mas não são discutidos em conjunto, com propostas de
participação comum dos atores envolvidos.
De acordo com Fernando Lima, "o PREZEIS é um gueto, e onde tem gueto a sociedade
não avança". Esta frase representa bem as dificuldades encontradas não só por
representantes do segmento popular, mas todos os envolvidos, na condução do processo
de formulação de política urbana.
O afastamento das Organizações Não Governamentais – ONGs – que vem sendo
observado nos últimos anos representa a perda de qualidade em instâncias como as
Câmaras, que servem de assessoria para as decisões do Fórum, e assim os processos se
tornam ainda menos dinâmicos, sem o apoio técnico de tais organizações aos setores
populares.
Dessa forma, a experiência do PREZEIS no Recife deve ser considerada como um
importante avanço, reconhecida nacionalmente, embora demande ajustes que permitam a
renovação deste instrumento de política urbana.

70
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73
Anexo

Espacialização das áreas pobres do Recife

Fonte: Seplam – Projeto PNUD BRA/01/032

74
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Fonte: Prefeitura do Recife - Projeto PNUD BRA/01/032

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Integração Nacional
LIMITE DAS ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL - ZEIS SISTEMA VIÁRIO Ermelinda Gonçalves
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SEPLAM - PROJETO PNUD BRA/01/032
VIAS PRINCIPAIS
ÁREAS POBRES LOCALIZADAS EM ZEIS (CADASTRO URB - RECIFE 1998) ESCALA GRÁFICA APOIO OPERACIONAL: RECIFE - CARTA DAS ÁREAS POBRES
LIMITE DE MUNICÍPIO
ÁREAS POBRES LOCALIZADAS FORA DAS ZEIS (CADASTRO URB - RECIFE 1998) Carlos Borba BASE CARTOGRÁFICA E PRODUÇÃO GRÁFICA
1000 500 0 100 0 Metros MUNICÍPIO DO RECIFE SEPLAM/Projet o PNUD:
CURSOS D'ÁGUA An dré Meireles de Vasconcelos
ÁREAS POBRES RECENTES LOCALIZADAS FORA DAS ZEIS (PESQUISA BIRD/HABITAÇÃO INFORMAL-2005) Luis Guilherme Morais FONTE: SEPLAM - Projeto PNUD BRA/01 /032 SEPLAM/Projet o PNUD:
LIMITE DE RPA Projeção Cartográfica: UTM AGÊNCIA CONDEPE/FIDEM: Base Cartográfica - Cint hia Ramo s de Carvalh o
DATUM: SAD 69 Carta da Nucleação e Planta Topográfica Cadastral - PTC
# ÁREAS POBRES RECENTES (PESQUISA BIRD/HABITAÇÃO INFORMAL-2005) (localização expedita) Meridian o Central : 33 ° W Valmir Rogério da Silva ESCALA: 1/25.000
DATA: JULHO/2005
SEPLAM/DIRCON - Geop roce ssamento:
José Rica rdo Pereira da S ilva

APOIO: FUNDAÇÃO JOÃO PI NHEI RO - FJ P, AGÊNCIA CONDE PE/ FIDEM

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