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Funções inversas

Cálculo I - 2023-1 Funções inversas trigonométricas


O Teorema da Função Inversa

1 Funções inversas
1.1 A noção Intuitiva
A noção de função inversa é bastante natural. Grosso modo, podemos imaginar que uma função rea-
liza determinada operação sobre um valor do seu domínio e a inversa deve “desfazer” essa operação e
retornar ao ponto inicial. Se o domínio de uma função é um conjunto de pessoas e a operação é subir
escada, é bastante intuitivo que a operação inversa deveria ser: descer escada. Da mesma forma, se
o domínio é um conjunto de folhas de papel e a operação sobre cada elemento do conjunto é dobrar
papel também parece razoável sugerir que operação inversa seja desdobrar papel. Esses dois exemplos,
ingênuos e imprecisos, podem dar informações importantes sobre as principais características daquilo
que o senso comum chama de “inverso”; a matemática trará precisão e formalismo a essa noção.

Duas coisas devem ser ressaltadas nos dois exemplos:


• se as duas operações são efetuadas consecutivamente, o elemento que sofre as alterações retorna
a seu “estado inicial”. Ou seja, se alguém sobe uma escada, depois desce, não sai do lugar; ou
se começa em cima, desce e depois sobe, também não sai do lugar. Da mesma forma, se uma
folha de papel é dobrada e, depois, desdobrada, ela não se altera; ou, se um papel dobrado é
desdobrado e dobrado novamente, ele volta ao seu “estado inicial”. O que se pode extrair desse
senso comum para o universo matemático? Espera-se que, se duas funções são uma inversa da
outra, quando avaliadas consecutivamente, não alteram o elemento em que foram avaliadas. Qual
a operação que pode traduzir a ideia de avaliação consecutiva? A composição! Pensando desse
modo seria coerente dizer que, dadas duas funções reais, representadas por f e g, g será inversa
de f se (g ○ f )(x) = x, para todo x no domínio de f , ou (f ○ g)(y) = y para todo y no domínio de
g.
• Só pode subir quem está em baixo e só pode descer, quem está em cima. Da mesma forma,
só pensamos em dobrar o papel desdobrado e só desdobramos o que já foi dobrado. A ideia,
traduzida para o formalismo matemático, é que uma função f e sua inversa não são avaliadas
no mesmo conjunto. Só faz sentido pensar na inversa de f como “inversa” de alguma coisa, em
valores que já foram previamente calculados por f . Em outras palavras, a inversa de f tem
domínio na imagem de f . Se chamarmos de x o elemento em que f é calculada e de y o elemento
na imagem de f (f (x) = y), a inversa de f será calculada em y. Ou seja, podemos reescrever o
que foi dito no parágrafo anterior, como: g será inversa de f , se (g ○ f )(x) = x para todo x no
domínio de f , ou (f ○ g)(y) = y para todo y na imagem de f .

Para exemplificar o que estamos dizendo, agora especificamente no ambiente das funções reais, vamos
revisitar parte do Exemplo 4.1 da Seção 4 do texto Regra da Cadeia, com algumas alterações de letras
para as funções ficarem alinhadas com as notações aqui utilizadas.
Exemplo 1.1 (Exemplo 4.1 da Seção 4 do texto Regra da Cadeia) Consideremos as funções f (x) =
y+1
3x − 1, x ∈ R e g(y) = , y ∈ R e vamos recalcular g ○ f e f ○ g:
3
(3x − 1) + 1 3x
(g ○ f )(x) = g(f (x)) = f (3x − 1) = = =x
3 3
y+1 y+1
(f ○ g)(y) = f (g(y)) = f ( ) = 3( )−1=y+1−1=y
3 3
Observe que obtivemos, (g ○ f )(x) = x, x ∈ R, e (f ○ g)(y) = y, y ∈ R, de modo que g satisfaz aos
requisitos de ser a inversa de f . Observe que D(f ) = D(g) = Im(f ) = Im(g) = R. Vamos analisar mais
detalhadamente como “funcionam” estas funções:

Podemos ver que f “atua” sobre a variável x multiplicando por 3 e depois subtraindo 1. Se, ao calcular
f , obtivermos um valor y, é razoável pensar que somando 1 a y e depois dividindo por 3, teremos a
função inversa. Esquematicamente:

×3 −1
x z→ 3x z→ 3x − 1 = y
y+1
x= ←Ð[ y + 1 ←Ð[ y
3
÷3 +1
Ou seja, o que f “faz”, g “desfaz” e, equivalentemente, o que g “faz”, f “desfaz”:
f
x z→ y
g
←Ð[

Vamos passar então às formalizações.

1.2 Formalizando a Intuição


Vamos proceder dando uma roupagem mais científica e formal às noções que comentamos anterior-
mente. Estamos falando de funções e isso exige que sejam explicitados domínio e contradomínio.
Vamos chamar de D(f ) o domínio de f e de x um elemento de D(f ). Conforme mencionado, vamos
escolher o conjunto imagem de f para contradomínio (discutiremos melhor a adequação dessa escolha
posteriormente) e representar por y um elemento na imagem de f . Traduzimos isso considerando uma
função:
f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆ R
x z→ y
Considere agora a função g, cujo domínio é a imagem de f e o contradomínio é D(f ), que representamos
como:
g ∶ Im(f ) ⊆ R Ð→ D(f ) ⊆ R
y z→ x
E, finalmente, formalizamos a definição:

Definição 1.1 Dadas duas funções:

f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆ R g ∶ Im(f ) ⊆ R Ð→ D(f ) ⊆ R


e
x z→ y y z→ x

dizemos que g é a função inversa da f se, e somente se, para todo x em D(f ), (g ○ f )(x) = x e, para
todo y na imagem de f , (f ○ g)(y) = y.

Notação: Denotamos g por f −1 .


Da Definição 1.1, f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆ R é invertível e g ∶ Im(f ) ⊆ R Ð→ D(f ) ⊆ R é sua inversa
se, e somente se,

y = f (x), x ∈ D(f ) ⇔ x = g(y), y ∈ Im(f ). (1)

De fato, da Definição 1.1, se g é a inversa de f , segue que (g ○ f )(x) = x, x ∈ D(f ) e (f ○ g)(y) = y,


y ∈ Im(f ). Portanto,

y = f (x), x ∈ D(f ) ⇒ g(y) = g(f (x)) = x, y ∈ Im(f ).

e, da mesma forma,

x = g(y), y ∈ Im(f ) ⇒ f (x) = f (g(y)) = x, x ∈ D(f ).

Observe que, como f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆ R é invertível e g ∶ Im(f ) ⊆ R Ð→ D(f ) ⊆ R é sua


inversa, se, e somente se, (1), (1) também pode ser utilizada como definição de função inversa.

Esquematicamente, f e g = f −1 funcionam da seguinte forma:


f
x z→ y
f −1
,
←Ð[

Dadas duas funções f e g, como podemos verificar se f e g são inversas uma da outra? Ora, da
Definição 1.1, respeitando-se os domínios e contradomínios das funções, basta verificarmos se (f ○g)(y) =
y e (g ○ f )(x) = x. Mais tarde, veremos que se impusermos a exigência de f ser injetora, poderemos
nos limitar a calcular apenas uma das composições, i.e. (f ○ g)(y) = y ou (g ○ f )(x) = x.

Exemplo 1.2 (Exemplo 2.1 da Seção 2 do texto Regra da Cadeia revisitado com algumas altera-
ções) Vamos
√ verificar se as funções f ∶ R → [−4, ∞] e g ∶ [−4, ∞] → R dadas por f (x) = x2 + 4x e
g(y) = y + 4 − 2 são inversas uma da outra. Para fazermos esta verificação, precisamos determinar
(f ○ g) e (g ○ f ). Já calculamos estas duas funções no Exemplo 2.1 e encontramos que (f ○ g)(y) = y,
y ∈ [−4, ∞], mas (g ○ f )(x) = ∣x + 2∣ − 2 =/ x, x ∈ R. Temos, portanto, que f e g não são uma a inversa da
outra. Porém, se modificarmos o domínio de f , criando a função f1 ∶ [−2, ∞) → [−4, ∞), encontramos
que (g ○ f1 )(x) = ∣x + 2∣ − 2 = x + 2 − 2 = x. Portanto, temos
√ que as funções f1 ∶ [−2, ∞) → [−4, ∞) e
2
g ∶ [−4, ∞) → [−2, ∞) dadas por f1 (x) = x + 4x e g(y) = y + 4 − 2 são uma a inversa da outra. Diante
do que houve neste exemplo, dadas duas funções f e g, para verificar se uma é a inversa da outra,
tenha muito cuidado e não calcule apenas uma das composições, para não tirar uma conclusão errada.
Mais tarde voltaremos a este exemplo, e veremos o fato de f não ser injetiva foi o fator responsável
por (g ○ f )(x) =/ x, x ∈ R.

Dada uma função f , mesmo provado que sua inversa existe, nem sempre é possível apresentá-la expli-
citamente. Mas, em alguns caso simples é possível sim explicitar f −1 . Nestes casos possíveis, dada f ,
como devemos proceder para encontrar f −1 ?

De (1), temos que, se f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆ R é invertível e f −1 ∶ Im(f ) ⊆ R Ð→ D(f ) ⊆ R é sua


inversa, então y = f (x), x ∈ D(f ) ⇔ x = f −1 (y), y ∈ Im(f ). Portanto, para f ∶ D(f ) ⊆ R Ð→ Im(f ) ⊆
R, partindo-se de f (x) = y, se conseguirmos isolar a variável x, colocando-a em função de y, somente
utilizando equivalências (⇔), estaremos de fato obtendo a função f −1 . Confira o exemplo a seguir.
Exemplo 1.3 Considere f (x) = 2x − 3, x ∈ R. Determine f −1 , se possível.

Seguindo o procedimento indicado acima, dado f (x) = 2x − 3, fazendo f (x) = y, temos que y = 2x − 3.
Portanto, segue que
y+3
y = 2x − 3 ⇔ 2x = y + 3 ⇔ x = .
2
y+3
Desta forma, de (1), concluímos que f −1 (y) = , y ∈ R. Observe que os passos para obter x em
2
função de y foram “desfazendo” sucessivamente as operações que f realizou. Observe que, f “atuou”
sobre a variável x multiplicando por 2 e depois subtraindo 3 ao resultado. E, de fato, nossa primeira
passagem acima com o objetivo de isolar x foi somar 3 a y (“desfazendo” a última operação de sub-
trair 3) e depois dividir por 2 o resultado encontrado (“desfazendo” a operação de multiplicar por 2).
Esquematicamente:

×2 −3
x z→2x z→ 2x − 3 = y
y+3
←Ð[ y + 3 ←Ð[ y
2
÷2 +3

Exemplo 1.4 Dado a > 0, a =/ 1, considere as funções

f ∶ R Ð→ (0, ∞) g ∶ (0, ∞) Ð→ R
e
x z→ ax y z→ loga (y)

Lembre-se que foi definido que loga (y) = x significa que x é o expoente que devemos dar à base a, de
modo a obter x, ou seja,
loga (y) = x, y ∈ (0, ∞) ⇔ ax = y, x ∈ R.
Observe que a equivalência acima é exatamente a definição equivalente de função inversa dada em (1).
Concluímos assim, que f é invertível e g é sua inversa, i. e. as funções f (x) = ax , a > 0, a =/ 1, x ∈ R
e g(y) = loga (y), y ∈ (0, ∞) são uma a inversa da outra. De fato, calculando f ○ g e g ○ f , para ilustrar,
obtemos:

(f ○ g)(y) = f (g(y)) = f (loga (y)) = f (x) = ax = y, y ∈ (0, ∞) (2)

(g ○ f )(x) = g(f (x)) = g(ax ) = g(y) = loga (y) = x, x ∈ R. (3)

Observe ainda que (f ○ g)(y) = f (g(y)) = f (loga (y)) = aloga (y) e que (g ○ f )(x) = g(f (x)) = g(ax ) =
loga (ax ), de modo que as igualdades (2) e (3) acima podem ser reescritas como:

aloga (y) = y, y ∈ (0, ∞) (4)

loga (ax ) = x, x ∈ R (5)


Como ln(y) ∶= loge (y), segue que as funções

f ∶ R Ð→ (0, ∞) g ∶ (0, ∞) Ð→ R
e
x z→ ex y z→ ln(y)

são funções inversas uma da outra, i. e. as funções f (x) = ex , x ∈ R e g(y) = ln(y), y ∈ (0, ∞) são
uma a inversa da outra. Temos, portanto, que

eln(y) = y, y ∈ (0, ∞) (6)

ln(ex ) = x, x ∈ R (7)

Exemplo 1.5 Considere f ∶ R Ð→ (0, ∞) dada por f (x) = e3x+2 . Determine f −1 , se possível.
√ √
Seguindo o procedimento indicado, dado que f (x) = e3x+2 , fazendo-se f (x) = y, temos que y = e3x+2 .
Portanto,
√ (∗) ln(y 2 ) − 2
y= e3x+2 ⇔ y 2 = e3x+2 , y > 0 ⇔ 3x + 2 = ln(y 2 ), y > 0 ⇔ 3x = ln(y 2 ) − 2, y > 0 ⇔ x = , y > 0.
3
ln(y 2 ) − 2
De (1), concluímos que f −1 (y) = , y > 0.
3
√ √
(*) Nesta passagem, utilizamos que b2 = a, a > 0 ⇔ ∣b∣ = a, portanto, teremos que b = ∣b∣ = a
se, e somente se, b > 0.

Para ilustrar, vamos também calcular (f ○ g)(y) e (g ○ f )(x).

√ ln(y 2 ) − 2
(g ○ f )(x) = g( e3x+2 ) (f ○ g)(y) = f ( )
ln(y 2 ) − 2 √ 3
= ln(y 2 )−2
√3 3( 3
)+2
2
ln ( e3x+2 ) − 2
= √e 2
ln(y )−2+2
=
3
= √e 2
e ln(y )
=
ln(e3x+2 ) − 2 = √e
3 = y2
3x + 2 − 2 = ∣y∣
=
3 = y (y ∈ (0, ∞))
1
= (3x) = x
3
= x

Observe que, conforme esperado, (f ○ g)(y) = y e (g ○ f )(x) = x.

1.3 A existência da função inversa


Pensar se uma função f ∶ A → B tem uma função inversa é um processo relativamente independente
de determinar essa função (caso exista). Em geral, conforme observado, é bastante improvável, para
uma função arbitrária, que se consiga determinar uma fórmula para sua inversa, mesmo quando se tem
certeza de que a função é inversível. Queremos determinar condições para que a inversa exista, mesmo
quando esta não possa ser explicitada.

Dada uma função f ∶ A Ð→ B, sabemos que a função inversa deve ser definida com domínio em B
e contradomínio em A. Isso significa que todo elemento de b ∈ B precisa ter uma correspondência
com um elemento a ∈ A de tal modo que f (a) = b. Para que isso aconteça é necessário que B seja a
imagem de f . Em outras palavras, f deve ser sobrejetora. Lembre-se que uma função é sobrejetora se,
e somente se, seu contradomínio é igual a sua imagem. O Diagrama de Venn na figura 1 ilustra o que
acontece quando a Imagem de f e o contradomínio (B) são diferentes, isto é: existem elementos em
B que não são imagem de nenhum valor em A. Se tomarmos, por exemplo, F ∈ B na figura, não será
possível determinar f −1 (F ) e, portanto, não teremos uma função inversa com domínio em B.

B
C
A
D
c
f E
d H
G
e F
I
f

Figura 1: O contradomínio é diferente da imagem

Uma segunda condição é que todo elemento b ∈ B deve ter uma correspondência com um único elemento
de A para que, mais uma vez, a definição de função seja satisfeita. Para que isso ocorra, dados a1 e a2
em A precisamos garantir que f (a1 ) ≠ f (a2 ). Em outras palavras, f deve ser injetora. Lembre-se que
uma função f é injetora se, e somente se, dados x1 e x2 no domínio de f ,

f (x1 ) = f (x2 ) ⇐⇒ x1 = x2 .

O diagrama de Venn a seguir ilustra o que pode acontecer se a função não for injetora. Se tomarmos
D na imagem de f , vemos que a relação inversa poderia associá-lo a dois valores distintos e, portanto,
não seria uma função.

B
A f
C
c
D
d
E

e F

f
g

Figura 2: A função não é injetora.


As duas condições mencionadas implicam que f deve ser bijetora. Lembre-se que uma função é bijetora
se, e somente se, ela é injetora e sobrejetora.

De um modo geral, a sobrejetividade não se mostra um grande problema, pois uma função não-
sobrejetiva pode ser transformada em uma nova função sobrejetiva, escolhendo-se a imagem a função
como contradomínio da nova função; já a injetividade, esta precisaria ser verificada. Confira o exemplo
a seguir.

Exemplo 1.6 Vamos verificar se a função f ∶ R+ Ð→ R descrita por f (x) = x3 + 2 tem uma função
inversa.

• f é injetora? √ √
Suponha que x1 e x2 em R+ (x1 , x2 ≥ 0) são tais que x1 3 + 2 = x2 3 + 2. Então,
√ √ (∗)
x1 3 + 2 = x2 3 + 2 ⇔ x1 3 + 2 = x2 3 + 2 ⇔ x1 3 = x2 3 ⇔ x1 = x2 .

Isto nos permite concluir que x1 = x2 e f é injetora.


(*) Nesta passagem, levamos em conta que x1 e x2 ∈ R+ , de modo que x1 3 + 2 ≥ 2 e x2 3 + 2 ≥ 2.

• f é sobrejetora?
Não é difícil ver que a imagem de f é sempre positiva e, portanto, f não é sobrejetora.
√ √
Assim, a função f não é inversível.
√ Todavia, como √x3 + 2 ≥ 2 sempre que x ≥ 0, podemos definir
uma nova função g ∶ R+ Ð→ [ 2, ∞), com g(x) = x3 + 2, que será inversível, pois escolhemos o
contradomínio igual à imagem de f .

Exemplo 1.7 Considere a relação que a cada x associa o valor −x2 +3x+1. Vamos definir uma função
inversível (isto é: escolher domínio e contradomínio) com essa relação. Se tomarmos R como domínio
sabemos que o gráfico será uma parábola com concavidade para baixo como na Figura 3. Observando o
gráfico, verificamos que R não serviria como domínio de uma função invertível com esta relação, pois
não teríamos uma função injetora (por quê?). Mas, perceba que qualquer intervalo que não contenha o
ponto (3/2, 0) (o vértice da parábola) no seu interior, serviria como domínio de uma função injetora,
3 3
e, portanto, invertível em sua imagem. Podemos escolher , por exemplo, D1 = (−∞, ], D2 = [ , ∞),
√ √ 2 2
3 − 13 3 + 13
D3 = (−∞, ], D4 = [ , ∞) etc. Na opção de domínio D1 , o x do vértice da parábola
2 2
y = −x2 + 3x+ é o limite superior do intervalo e na opção D2 , o x do vértice da parábola y = −x2 + 3x+
é o limite inferior do intervalo; já a opção de domínio D3 tem como limite superior do intervalo a
menor raiz de −x2 + 3x + 1 = 0 e a opção de domínio D4 tem como limite inferior a maior raiz de
−x2 + 3x + 1 = 0. Novamente observando o gráfico, para as opções de domínio D1 e D2 , o contradomínio
3 13
seria o intervalo (−∞, f ( )] = (−∞, ) e para as opções de domínio D3 e D4 , o contradomínio seria
2 4
o intervalo (−∞, 0].
4

−4.5 −2.5 −0.5 1.5 3.5 5.5 7.5


−1

−2

−3

−4

−5
f

Figura 3: É possível escolher vários intervalos aonde a função terá inversa.

De posse do conhecimento da necessidade da bijetividade da função f para possuir uma inversa e ilumi-
nados pelo exemplo anterior, vamos voltar ao Exemplo 1.2 analisar melhor o problema que encontramos
lá.

Exemplo 1.8 (Exemplo 1.2 revisitado) Voltando à função f ∶ R → [−4, ∞] dada por f (x) = x2 + 4x,
observe que seu gráfico é uma parábola com concavidade para cima, que corta o eixo x nos pontos
(0, 0) e (−4, 0), com vértice no ponto (xv , yv ) = (−2, −4). Desta forma, como xv = −2 é um ponto
interior do domínio de f , f não é uma função injetora. Portanto, não possui inversa. Esta foi a
essência do problema que enfrentamos ao tentarmos inverter a função f . Ela não é invertível, pois
não é injetora! Para que consigamos inverter f é necessário restringir seu domínio de forma que o xv
não seja um ponto interior a ele. No Exemplo 1.2, quando criamos a função f1 ∶ [−2, ∞) → [−4, ∞]
dada por f1 (x) = x2 + 4x, ficamos diante de uma função bijetora
√ que é invertível e, conforme visto, sua
inversa é a função g ∶ [−4, ∞] → [−2, ∞) dada por g(y) = y + 4 − 2. Você pode estar se perguntando se
poderíamos ter escolhido o intervalo (∞, −2]. Poderíamos, mas a inversa não seria a função g! Vamos
calcular quem seria a função inversa da função f2 ∶ (∞, −2] → [−4, ∞] dada por f2 (x) = x2 + 4x. Vamos
seguir o procedimento indicado, que é escrever y = x2 + 4x e depois isolar x, escrevendo-o como função
de y. Assim procedendo, encontramos que

2 2
(∗) −4 ± 16 + 4y √
y = x + 4x ⇔ x + 4x − y = 0 ⇔ x = ⇔ x = −2 ± 4 + y.
2
(*) Nesta passagem, resolvemos a equação do segundo
√ grau ax2 + bx + c√
= 0, onde a = 1, b = 4 e c = −y.
Conseguimos então duas relações: g1 (y) = −2 + 4 + y e g2 (y) = −2 − 4 + y que invertem a relação
f (x) = x2 + 4x. Isso não significa que f possui duas inversas, muito pelo contrário, significa que é
preciso mexer no domínio da função f para que possa existir uma inversa. As duas possibilidades
sugerem que duas novas funções invertíveis podem ser criadas,√mexendo-se no domínio. Lembre-se
√ que
a inversa, quando existe, é única. Observe que g1 (y) = √−2 + 4 + y ≥ −2 e g2 (y) = −2 − 4 + y ≤ −2,
portanto, g1 ∶ [−4, ∞) → [−2, ∞), dada por g1 (y) = −2 + 4 + y é a inversa de √ f1 ∶ [−2, ∞) → [−4, ∞)
2
dada por f1 (x) = x + 4x e g2 ∶ [−4, ∞) → (−∞, −2], dada por g2 (y) = −2 − 4 + y é a inversa de
f1 ∶ (−∞, −2] → [−4, ∞), dada por f2 (x) = x2 + 4x.

Cabe observar que o estudo de existência da inversa (mesmo quando não pode ser calculada) é de
suma importância. Imagine, por exemplo, que determinada função f associa o grau de poluição do
subsolo com a quantidade de defensivos agrícolas encontrada em um produto. Se soubermos que essa
função é inversível, por exemplo, podemos mensurar a variação de contaminação do subsolo, medindo
a contaminação do produto.

Sob o ponto de vista matemático, é interessante notar que funções inversíveis têm propriedades que
podem ser deduzidas da inversibilidade. Por exemplo, uma função inversível em determinado domínio,
sempre será monótona - crescente ou decrescente - naquele domínio; também, se a função for monótona,
será inversível. A figura 4 ilustra o que acontece quando a função não é monótona. Como, nesse caso,
ela cresce e depois decresce (ou vice-versa) alguma reta horizontal, (y = constante) vai intersectar
o gráfico de f em mais de um ponto. Todos os pontos de interseção (da forma (x, k)) têm a mesma
imagem, mas os valores da primeira coordenada (x) em cada um deles é diferente. Esse comportamento
mostra que a função não é injetora.

3
A1 A2
2

−5 −4 −3 −2 −1 1 2 3 4 5 6 7
−1

−2

Figura 4: Se a função não for monótona, existe uma reta horizontal que intersecta o gráfico em mais
de um ponto, o que mostra que a função não é injetora.

Dado o gráfico de uma função f , você pode utilizar o procedimento acima mencionado para determinar
se trata-se do gráfico de uma função injetora. Se você traçar alguma reta horizontal e ela intersectar
o gráfico de f em mais de um ponto, f não é uma função injetora.

1.4 Relação entre o gráfico da função e o gráfico da inversa


Para as funções:
f ∶ A Ð→ B f −1 ∶ B Ð→ A
e ,
a z→ b b z→ a
sabemos que (a, b) pertence ao gráfico de f se e somente se (b, a) pertence ao gráfico de f −1 . A figura
5 ilustra o fato de que os pontos (a, b) e (b, a) são simétricos em relação à reta y = x.
2.2

(b, a) (a, a)

y=x

(a − b)

(b, b) (a, b)

−0.6 2.6

Figura 5: Note a simetria entre os pontos (a, b) e (b, a).

Pela razão mencionada acima, é frequente, para traçar o gráfico da inversa, fazer o rebatimento (em
relação à essa reta) do gráfico da função. Esse procedimento é útil mas deve ser feito com o enten-
dimento de que, ao fazer isso, estamos “misturando os eixos”. Procedendo assim, a função inversa
f −1 que durante o texto escrevemos como x = f −1 (y), precisaria ser escrita como y = f −1 (x), ou seja,
também ter como variável independente a variável x e como variável dependente a variável y. Assim
procedendo, e esboçando o gráfico das funções f e f −1 no mesmo sistema de eixos coordenados, observe
que a projeção do gráfico de f no eixo x, que representa o domínio de f é igual à projeção gráfico de
f −1 no eixo y, que representa a imagem de de f −1 ; e, da mesma forma, a projeção do gráfico de f −1
no eixo x, que representa o domínio de f −1 é igual à projeção gráfico de f no eixo y, que representa a
imagem de de f .

x3
A figura 6 mostra o gráfico de f (x) = , x ∈ R em azul e de sua inversa em verde. Observe a simetria
8
em relação à reta y = x pontilhada. Além disso, note que a expressão da inversa pode ser obtida,
x3
conforme sabido, escrevendo y = e isolando x, conforme feito abaixo.
8
x3 √ √
y= ⇔ x3 = 8y ⇔ x = 3 8y ⇔ f −1 (y) = 3 8y.
8
Agora, para traçarmos os dois gráficos no mesmo sistema de coordenadas, conforme observado, devemos
usar a letra x para a variável da inversa e√usarmos o eixo horizontal para o domínio√tanto da f , quanto
da f −1 , ou seja, escrevemos y = f −1 (x) = 3 8x, x ∈ R, em vez do usual x = f −1 (y) = 3 8y, y ∈ R.
Figura 6: Note que a interseção entre os gráficos da f e da f −1 ocorre sobre a reta y = x.

2 Inversas das funções trigonométricas


Seja f ∶ A → B uma função. Lembremos que f tem uma inversa, f −1 ∶ B → A, se e somente se f e uma
função bijetora (isto é a função f é simultaneamente injetora e sobrejetora).

2.1 Inversa da função seno


Observemos o gráfico da função sen ∶ R → R.

Claramente ela não é injetora, pois, por exemplo, sen(0) = sen(π).

Também ela não é sobrejetora pois observando o gráfico da função vemos que sua imagem é o intervalo
[−1, 1].

Logo, a função sen ∶ R → R não tem inversa. Porém, podemos restringir seu domínio e seu contrado-
mínio de tal forma a obter uma nova função que seja bijetora.

O seguinte gráfico representa a função

π π
sen : [− , ] → [-1,1]
2 2
x ↦ y = sen(x)
π π
Vemos pelo gráfico que sen ∶ [− , ] → [−1, 1] é uma função bijetora e portanto ela tem uma inversa
2 2
que é chamada de arco seno e é denotada pelo símbolo arcsen.

Então temos uma nova função:


π π
arcsen: [−1, 1] → [− , ]
2 2
y ↦ x = arcsen(y)

que tem como gráfico


Observe que para o esboço do gráfico de arcsen, escrevemos y = arcsen(x). Em particular, temos que
arcsen é uma função contínua.

Note que a função arcsen ∶ [−1, 1] → [− π2 , π2 ] é uma função ímpar, uma vez que é a inversa da função
π π
sen ∶ [− , ] → [−1, 1], que é uma função ímpar. Logo, temos que
2 2
arcsen(−x) = −arcsen(x), ∀x ∈ [−1, 1]
π π
Sendo, portanto, sen ∶ [− , ] → [−1, 1] e arcsen ∶ [−1, 1] → [− π2 , π2 ] inversas uma da outra, segue que
2 2
π π
x = arcsen(y) , −1 ≤ y ≤ 1 ⇐⇒ y = sen(x) , − ≤x≤ .
2 2
Ou seja,
π π
arcsen(sen(x)) = x, ∀x ∈ [− , ] ⇐⇒ sen(arcsen(y)) = y, ∀y ∈ [−1, 1].
2 2
Em outras palavras ainda:

π π
(*) x = arcsen(y) é o único valor em [− , ] que satisfaz sen(x) = y.
2 2

Vamos resolver alguns exemplos para entendermos melhor esta nova função.

√ √
3 3
Exemplo 2.1 Vamos calcular arcsen ( ). Da propriedade (*), temos que x = arcsen ( ) é o
2 2
√ √
π π 3 π 3
único valor em [− , ] que satisfaz sen (x) = . Como sabemos que sen ( ) = , e sendo que
2 2 √ 2 3 2
π π π 3 π
∈ [− , ], concluímos que arcsen ( )= .
3 2 2 2 3

1 1
Exemplo 2.2 Vamos calcular arcsen ( ). Da propriedade (*), temos que x = arcsen ( ) é o único
2 2
π π 1 π 1 π π π
valor em [− , ] que satisfaz sen (x) = . Como sabemos que sen ( ) = , e sendo que ∈ [− , ],
2 2 2 6 2 6 2 2
1 π
concluímos que arcsen ( ) = .
2 6

1 1
Exemplo 2.3 Vamos calcular sen (arcsen ( )). Observe que definindo x = arcsen ( ), nosso objetivo
7 7
1
é calcular sen(x). Mas, pela propriedade (∗), temos que x = arcsen ( ) é o único valor em [−1, 1] que
7
1 1 1 1
satisfaz sen (x) = . Como sen (x) = , concluímos que sen (arcsen ( )) = .
7 7 7 7

Observando a forma como o exemplo acima foi resolvido, podemos concluir que

sen (arcsen (y)) = y, y ∈ [−1, 1] .


π π
Exemplo 2.4 Vamos calcular arcsen (sen ( )). Da propriedade (∗), temos que x = arcsen (sen ( ))
7 7
π π π π π π
é o único valor em [− , ] que satisfaz sen (x) = sen ( ). Como ∈ [− , ] , concluímos que
2 2 7 7 2 2
π π
arcsen (sen ( )) = .
7 7

Observando o exemplo acima, será que também vamos concluir que arcsen(sen(y)) = y? Antes de
responder de forma afoita que sim, observe que não invertemos a função seno definido na reta, mas sim
uma restrição da função seno a um intervalo em que o seno é um para um. Confira o exemplo abaixo
para entender melhor o que foi dito.

Exemplo 2.5 Vamos calcular arcsen(sen(π)). Podemos ficar tentados a responder que é π, mas pela
π π
propriedade (∗), temos que x = arcsen (sen(π)) é o único valor em [− , ] que satisfaz sen (x) =
2 2
π π
sen(π) = 0. Como único ângulo x entre − e − , cujo seno é igual a 0, é x = 0, temos que
2 2
π π
arcsen(sen(π)) = arcsen(0) = 0. Então, atenção! a resposta não é π, já que π ∉ [− , ]. Neste
2 2
caso, devemos procurar o ângulo nesse intervalo que tenha o mesmo valor do seno de π.

π π
Dos exemplos acima, observe que arcsen(sen(y)) = y, apenas se y ∈ [− , ]. Caso contrário, devemos
2 2
procurar o ângulo nesse intervalo que tenha o mesmo valor do seno de y.

2.2 Inversa da função cosseno


O gráfico da função cos ∶ R → R é

Claramente ela não é injetora pois, por exemplo, cos(0) = cos(2π).

Também ela não é sobrejetora, pois observando o gráfico da função vemos que sua imagem é o intervalo
[−1, 1].

Logo, a função cos ∶ R → R não tem inversa. Porém, podemos restringir seu domínio e seu contradomí-
nio de tal forma a obter uma nova função que seja bijetora.

O seguinte gráfico representa a função

cos : [0, π] → [-1,1]


x ↦ y = cos(x)
Vemos pelo gráfico que cos ∶ [0, π] → [−1, 1] é uma função bijetora e portanto ela tem uma inversa que
é chamada de arco cosseno e é denotada pelo símbolo arcos.

Então temos uma nova função:

arcos: [−1, 1] → [0, π]


y ↦ x = arcos(y)

O gráfico de arcos(x) é

Observe que para o esboço do gráfico de arcos, escrevemos y = arcos(x).

Note que a função arcos é uma função contínua.

Sendo, portanto, cos ∶ [0, π] → [−1, 1] e arcos ∶ [−1, 1] → [0, π] inversas uma da outra, segue que

x = arcos(y) , −1 ≤ y ≤ 1 ⇐⇒ y = cos(x) , 0 ≤ x ≤ π.

Ou seja,
arccos(cos(x)) = x, ∀x ∈ [0, π] ⇐⇒ cos(arcos(y)) = y, ∀y ∈ [−1, 1].
Em outras palavras ainda:

(*) x = arcos(y) é o único valor em [0, π] que satisfaz cos(x) = y.

Vamos resolver alguns exemplos para entendermos melhor a função arco cosseno.
1 1
Exemplo 2.6 Vamos calcular arcos (− ). Da propriedade (**), temos que x = arcos (− ) é o único
2 2
1 2π 1 2π
valor em [0, π] que satisfaz a cos (x) = − . Como sabemos que cos ( ) = − , e sendo que ∈ [0, π],
2 3 2 3
1 2π
concluímos que arcos (− ) = .
2 3

1 1
Exemplo 2.7 Vamos calcular arcos ( √ ). Da propriedade (**), temos que x = arcos ( √ ) é o único
2 2
1 π 1 π
valor em [0, π] que satisfaz a sen (x) = √ . Como sabemos que cos ( ) = √ , e sendo que ∈ [0, π],
2 4 2 4
1 π
concluímos que arcos ( √ ) = .
2 4


Exercício: Qual é o valor de arcos (cos ( ))?
2

2.3 Inversa da função tangente


π
O gráfico da função tg ∶ R − { + kπ, ∣ k ∈ Z} → R é
2

Ela é sobrejetora, pois observando o gráfico da função, vemos que sua imagem é todo o conjunto R.
Porém, não é injetora, pois, por exemplo, tg(0) = tg(π).
π
Logo, a função tg ∶ R − { + kπ, ∣ k ∈ Z} → R não tem inversa. Porém, podemos restringir seu domínio,
2
de tal forma a obter uma nova função que seja bijetora.

O seguinte gráfico representa a função

π π
tg : (− , ) → R
2 2
x ↦ y = tg(x)
π π
Vemos pelo gráfico que tg ∶ (− , ) → R é uma função bijetora e portanto tem uma inversa que é
2 2
chamada de arco tangente e é denotada pelo símbolo arctg.

Então temos uma nova função:


π π
arctg: R → (− , )
2 2
y ↦ x = arctg(y)
com gráfico

π π
Esta função tem como domínio o conjunto R e sua imagem é o conjunto (− , ).
2 2
Note que f (y) = arctg(y) é uma função contínua. Podemos ver pelo gráfico que
π π
lim arctg(x) = e lim arctg(x) = − .
x→+∞ 2 x→−∞ 2
π π π
Isto é, as retas y = e y = − são assíntotas horizontais. Este fato é consequência que das retas x =
2 2 2
π
e x = − serem assíntotas verticais do gráfico da função tangente.
2

π π
Note que a função arctg ∶ R → (− , ) é uma função ímpar, uma vez que é a inversa da função
2 2
π π
tg ∶ (− , ) → R, que é uma função ímpar. Logo, temos que
2 2
arctg(−x) = −arctg(x), ∀x ∈ R.
π π π π
Sendo, portanto, tg ∶ (− , ) → R e arctg ∶ R → (− , ) inversas uma da outra, segue que
2 2 2 2
π π
x = arctg(y) , y ∈ R ⇐⇒ y = tg(x) , − < x < .
2 2
Ou seja,
π π
arcstg(tg(x)) = x, ∀x ∈ (− , ) ⇐⇒ tg(arctg(y)) = y, ∀y ∈ R.
2 2
Em outras palavras ainda:

(*) x = arctg(y) é o único valor em (− π2 , π2 ) que satisfaz tg(x) = y.

3 Teorema da Função Inversa


3.1 Introdução
O Teorema da função inversa (global) que vamos tratar nos dá uma condição prática, em muitos casos,
fácil de verificar, para garantirmos que uma dada função possui inversa diferenciável em um intervalo.
Além disso, temos uma relação entre a derivada da função e de sua inversa em pontos correspondentes,
que nos permite fornecer a derivada da inversa sem precisarmos calculá-la. Vamos tentar intuir essa
relação através das considerações seguintes.

Observando a Figura 7, percebemos que o gráfico da função f em azul possui derivada positiva em
todo seu domínio (retas tangentes com inclinação positiva em cada ponto) e, portanto, será crescente
e consequentemente, injetora.

Figura 7: Observe quef ′ (x) > 0, ∀x ∈ D(f ).

Tomando como contradomínio o conjunto imagem da f , ela será bijetora e, portanto, inversível. O
gráfico da inversa f −1 em verde na Figura 8 é obtido invertendo abscissa e ordenada do gráfico da f ,
pois se (x, f (x)) pertence ao gráfico da f , então (f (x), x) pertence ao gráfico da f −1 .

Sabemos que se a função f possui derivada no ponto (a, f (a)), então a função p, dada por p(x) =
f (a) + f ′ (a)(x − a), aproxima a função f numa vizinhança de a, isto é, f (x) ≈ p(x), para x suficiente-
mente próximo de a.

Seria pedir demais que a inversa de p aproximasse f −1 numa vizinhança do ponto f (a)? Lembre-se
que o gráfico de p é a reta tangente ao gráfico de f no ponto (a, f (a)). Desta forma, se esboçarmos
o gráfico de f e sua reta tangente no ponto (a, f (a)) e, no processo de obter o gráfico de f −1 , fizer-
mos a reflexão do gráfico de f , acompanhado de sua reta tangente, em torno da reta y = x, vamos
encontrar o gráfico de f −1 e uma reta r que se mostra obviamente tangente ao gráfico de f −1 no ponto
(f (a), a). Da forma com que r foi obtida, r e a reta tangente ao gráfico de f são simétricas em rela-
ção à reta y = x, indicando que são gráficos de funções inversas uma da outra. Então, não, não seria
demais pedir que a inversa de p aproximasse f −1 numa vizinhança do ponto f (a); seria até bem natural.

Na Figura 8, em laranja, temos a reta tangente ao gráfico da f em um ponto (a, f (a)) e, em vermelho,
a reta tangente ao gráfico da f refletida em relação á reta y = x. Observe que não há como a reta em
vermelho não ser a reta tangente ao gráfico de f −1 no ponto (f (a), a).

Figura 8: Observe a simetria em relação à reta y = x, tanto das funções, quanto das retas tangentes.

Observe que a inversa de p é obtida fazendo y = p(x) e isolando x. Ou seja, para encontrar p−1 ,
procedemos como abaixo.
1 1
y = f (a) + f ′ (a)(x − a) ⇔ y − f (a) = f ′ (a)(x − a) ⇔ x − a = (y − f (a)) ⇔ x = a + (y − f (a)).
f ′ (a) f ′ (a)
1
Obtemos, assim, que p−1 (y) = a + (y − f (a)). Realizando a troca entre as variáveis x e y para
f ′ (a)
1
podermos utilizar o mesmo sistema de eixos coordenados, encontramos: p−1 (x) = a + (x − f (a)).
f ′ (a)
Sendo assim, se realmente o gráfico de p−1 for a reta tangente ao gráfico de f −1 no ponto (a, f (a)), isto
1
é, se a reta y = a + ′ (x − f (a)) for a reta tangente ao gráfico de f −1 no ponto (f (a), a), podemos
f (a)
1
concluir que f −1 é uma função diferenciável no ponto f (a) e que (f −1 )′ (f (a)) = ′ . A menos de
f (a)
“pequenos detalhes”, nosso raciocínio contém a essência do Teorema da Função Inversa que veremos na
próxima seção.
3.2 O Teorema da Função Inversa
Teorema 1 Seja f ∶ I ⊂ R Ð→ R, dada por y = f (x), uma função diferenciável em um intervalo aberto
I. Se f ′ (x) ≠ 0, ∀x ∈ I, então f ∶ I Ð→ Im(f ) ⊂ R é invertível em I, f −1 é diferenciável em Im(f ) e
1
(f −1 )′ (y) = (∗)
f ′ (f −1 (y))
Obs:
1 1
1) (f −1 )′ (y) = = , onde f (x) = y.
f ′ (f −1 (y)) f ′ (x)

2) Uma vez demonstrado que a f −1 é diferenciável, a relação (∗) é obtida usando a regra da cadeia.
De fato, sabemos que f ○ f −1 (y) = y, derivando os dois lados em relação a y e usando a regra da
cadeia do lado esquerdo, obtemos
1
f ′ (f −1 (y)).(f −1 )′ (y) = 1 ⇒ (f −1 )′ (y) = .
f ′ (f −1 (y))

3) A relação obtida no item anterior f ′ (f −1 (y)).(f −1 )′ (y) = 1 nos diz que os pontos onde tanto a f
quanto a f −1 são deriváveis não podem ter derivada nula. Para ilustrar esta observação, vamos
voltar ao raciocínio inicial de fazer a reflexão do gráfico de f com sua reta tangente no ponto
(a, f (a)) para obter o gráfico de f −1 e a reta ao gráfico de f −1 no ponto (f (a), a). Lembre-se que
o único caso em que o gráfico de uma função g possui reta tangente em um ponto (x0 , g(x0 )), mas
g ′ (x0 ) não existe, é quando a reta tangente neste ponto é vertical. Porém, a única possibilidade da
reta tangente ao gráfico de f −1 no ponto (f (a), a) ser vertical é se a reta tangente ao gráfico f no
ponto (a, f (a)) for horizontal, o que equivale a f ′ (a) = 0. Portanto, para f −1 ter derivada em todos
os pontos de um intervalo, precisamos eliminar a possibilidade de f ′ zerar em algum ponto deste
intervalo.

4) Observe que, embora seja preciso eliminar a possibilidade de f ′ zerar em algum ponto do intervalo
para que f −1 seja diferenciável no intervalo, para a simples existência da inversa, é possível ter um
ponto x0 no intervalo em que f ′ (x0 ) = 0. Veja o caso da função f (x) = x3 , x ∈ R. Temos que
f ′ (0) = 0, mas, como a função f é monotonamente crescente, f é invertível. Mas, é claro que sua
inversa não é derivável em x0 = 0.

Exemplo 3.1 Vamos mostrar que f (x) = x3 + x2 + 2x + 1, x ∈ R é invertível em R, calcular f −1 (1) e


(f −1 )′ (1) .
Observe que f ′ (x) = 3x2 + 2x + 2 > 0, ∀x ∈ R, pois ∆ < 0 e o coeficiente do termo de grau 2 é positivo.
Portanto, pelo Teorema da Função Inversa (TFI), a f é invertível em R. Note que f (x) = x3 +x2 +2x+1 =
1 ⇔ x3 + x2 + 2x = 0 ⇔ x(x2 + x + 2) = 0 ⇔ x = 0. Assim, f (0) = 1, o que significa que f −1 (1) = 0. Além
1 1
disso, (f −1 )′ (1) = ′ = , pois f ′ (x) = 3x2 + 2x + 2 ⇒ f ′ (0) = 2.
f (0) 2
Observe que, no exemplo anterior, mesmo não conseguindo explicitar a inversa da função f , consegui-
mos calcular sua derivada no ponto y = 1. Portanto, seríamos capazes de fornecer uma aproximação
para f −1 (y) se y for suficientemente próximo a 1.

Exemplo 3.2 A derivada de arcsen(y), y ∈ (−1, 1).


Podemos usar o teorema da função Inversa para derivar arcsen(y). Consideremos, então, y = sen(x),
x ∈ (−π/2, π/2), com imagem em (−1, 1) e sua inversa x = arcsen(y), y ∈ (−1, 1), com imagem em
(−π/2, π/2). A derivada de y = sen(x) é y ′ = cos(x), que não se anula em (−π/2, π/2). Portanto:
1 1
(arcsen)′ (y) = =
cos(arcsen(y)) cos(x).

Mas, pela identidade trigonométrica


√ fundamental, cos2 (x) = 1 − sen2 (x) = 1 − y 2 . Portanto, como
cos(x) > 0, segue que cos(x) = 1 − y 2 . Logo, obtemos

1
(arcsen)′ (y) = √
1 − y2

Exemplo 3.3 A derivada de arcos(y), y ∈ (−1, 1).

Podemos usar o TFI para derivar arcos(y). Consideremos, então, y = cos(x), x ∈ (0, π), com imagem
em (−1, 1) e sua inversa, x = arcos(y), y ∈ (−1, 1), com imagem em (0, π) . A derivada de y = cos(x)
é y ′ = −sen(x), que não se anula em (0, π). Portanto:
1 1
(arcos)′ (y) = =−
−sen(arcos(y)) sen(x).

Mas, pela identidade trigonométrica


√ fundamental, sen2 (x) = 1 − cos2 (x) = 1 − y 2 . Portanto, como
sen(x) > 0, segue que sen(x) = 1 − y 2 . Logo, obtemos

1
(arcos)′ (y) = − √
1 − y2

Obs: Note que as funções arcsen e arcos não são deriváveis (derivada lateral) em 1, nem em −1, pois
tanto seno quanto o cosseno possuem derivada nula nos pontos correspondentes, o que nos levaria a
retas tangentes verticais nos gráficos das inversas após a simetria em relação à reta y = x.

Exemplo 3.4 A derivada de arctg(y), y ∈ R.

Podemos usar o TFI para derivar arctg(y). Consideramos , então, y = tg(x), x ∈ (−π/2, π/2), com
imagem em R e sua inversa, x = arctg(y), y ∈ R, com imagem em (−π/2, π/2). A derivada de y = tg(x)
é y ′ = sec2 (x), que não se anula em (−π/2, π/2). Portanto:
1 1
(arctg)′ (y) = =
sec2 (arctg(y)) sec2 (x)

mas, sec2 (x) = 1 + tg2 (x) = 1 + y 2 . Logo, obtemos

1
(arctg)′ (y) =
1 + y2
Exemplo 3.5 A derivada de ln(y), y ∈ (0, +∞).

Embora já tenhamos apresentado (e utilizado!) a derivada da função ln, conforme prometido, vamos
demonstrar a fórmula da sua derivada. Podemos usar o TFI para derivar ln(y). Consideremos , então,
y = ex , x ∈ R, com imagem em (0, ∞) e sua inversa, x = ln(y), y ∈ (0, ∞), com imagem em R (cf.
Exemplo 1.4). A derivada de y = ex é y ′ = ex , que não se anula em R. Portanto:
1 1
(ln)′ (y) = = .
eln(y) y
Ou seja,
1
(ln)′ (y) =
y

Exemplo 3.6 A derivada de loga (y), a > 0, a =/ 1, y ∈ (0, +∞).

Podemos usar o TFI para derivar loga (y). Consideremos , então, y = ax , a > 0, a =/ 1, x ∈ R, com
imagem em (0, ∞) e sua inversa, x = loga (y), y ∈ (0, ∞), com imagem em R (cf. Exemplo 1.4). Vamos
inicialmente utilizar a regra da cadeia para calcular a derivada de y = ax . Observe que a = eln(a) ,
portanto, ax = (eln(a) )x = exln(a) . Desta forma, utilizando a regra da cadeia, temos que

(ax ) = (exln(a) ) = exln(a) (xln(a)) = ln(a) ax .

Temos assim que, y ′ = ln(a)ax , que não se anula em R, segue do TFI que
1 1
(loga )′ (y) = log
= .
ln(a)a a (y) ln(a) y

Ou seja,
1
(loga )′ (y) =
ln(a) y

3.3 O Teorema da Função Inversa (local)


Já vimos que nem sempre é fácil saber se uma função tem uma inversa. Genericamente falando, o
Teorema da Função Inversa na versão local, isto é, em torno de um ponto, se propõe a estabelecer
condições que garantam a existência de uma função inversa (não necessariamente em todo o domí-
nio/contradomínio), diferenciável e, no caso dessas condições serem satisfeitas, o teorema relaciona a
derivada da inversa com a derivada da função da mesma forma que o TFI visto na seção anterior.
O primeiro ponto a observar é que o teorema só estabelece condições para a existência de uma
inversa local. Isto é: dada uma função f , fixados x0 e f (x0 ), o teorema vai estabelecer condições sob
as quais fica garantida a existência de uma função:

f˜ ∶ Ix0 Ð→ If (x0 ) (8)

diferenciável, inversível, com inversa diferenciável. Em (8), Ix0 e If (x0 ) são intervalos abertos contendo,
respectivamente, x0 e f(x0 ) e f˜ associa a cada x ∈ Ix0 o valor de f (x).
Observe que essa função f˜ em (8) não é exatamente a função f original: seu domínio e contradomínio
não coincidem necessariamente com os de f . No entanto, em muitas situações, para não ficarmos com
a notação carregada, continuamos a usar a notação f em vez de f˜, desde que não cause confusão, tendo
em mente que se trata de um restrição.
Considere o gráfico de uma função f (x) na figura 9. Essa função não é inversível. Mas podemos
definir, a partir de f , duas novas funções:

f1 ∶ Ix0 Ð→ Iỹ f2 ∶ Ix1 Ð→ Iỹ


e
x Ð→ f (x) x Ð→ f (x)

Essas “novas” funções (muitas vezes chamadas restrições de f ) têm função inversa (pois são bijetoras).
Nesse caso, dizemos que f tem inversa local.

Iỹ

Ix0 Ix1
x0 x1

Figura 9: Podemos pensar em inverter uma função com domínio em Ix0 e Imagem em Iỹ e também
uma função com domínio em Ix1 e imagem em Iỹ .

A fim de delimitar bem o contexto do Teorema da Função Inversa, acrescentamos que ele só cuida
de funções localmente de classe C 1 e tenta identificar a existência de inversa local diferenciável.

Teorema 2 Seja f ∶ I ⊂ R Ð→ R uma função de classe C 1 em um intervalo aberto I. Suponha que


existe x0 ∈ I, com y0 = f (x0 ), tal que f ′ (x0 ) ≠ 0. Então, existem intervalos abertos Ix0 e Iy0 , em torno
de x0 e y0 , respectivamente, tais que a função restrição da f :

f˜ ∶ Ix0 Ð→ Iy0
x z→ y = f (x)

é inversível, a inversa é diferenciável, e:


1 1
(f˜−1 )′ (y) = = (9)
f˜′ (x) f ′ (x)

Destacamos duas observações aqui:

• O Teorema afirma que f tem inversa local perto de um ponto em que a derivada não é 0. O
Teorema não afirma nada sobre pontos em que a derivada é 0.

• A expressão da derivada da inversa no Teorema relaciona a derivada de f −1 (y) com a derivada


de f em x, em que x e y se relacionam pela expressão, y = f (x).
Exemplo 3.7 f é uma função C 1 e inversível em R. O diagrama a seguir informa valores de f (x) e
f ′ (x) para alguns pontos x ∈ R.
f f′
1 Ð→ 3 1 Ð→ π
f √ f′
2 Ð→ 0 2 Ð→ 2
f f′
3 Ð→ −1 3 Ð→ −2
f f′
4 Ð→ 2 4 Ð→ 2/3

Quanto vale (f −1 )′ (0)?


Queremos derivar a inversa em y = 0. Olhando as hipóteses, vemos que f (2) = 0. Portanto, na
equação em (9), associamos y = 0 com x = 2 para escrever:
1 1
(f −1 )′ (0) = =√
f ′ (2) 2
Usando o mesmo raciocínio, podemos ver que:
1 3
(f −1 )′ (2) = =
f ′ (4) 2

Exemplo 3.8 Considere y = f (x) = esen(x) + 2x, x ∈ R. Queremos usar o Teorema da Função Inversa
em uma vizinhança de x = 0. Começamos verificando que essa função é de classe C 1 (R). Calculamos
f ′ (x) = cos(x)esen(x) + 2. Assim, f ′ (0) = 3. Observamos que f (0) = 1 e, portanto, sabemos que
Existe uma inversa local, f −1 (y) com domínio em algum intervalo em torno de 1 e imagem em algum
intervalo em torno de 0. Sabemos também que essa inversa é diferenciável e podemos conhecer valores
aproximados de f −1 (y), para valores de y próximos de 1. Para isso, derivamos a inversa em y = 1:
1 1
(f −1 )′ (1) = =
f ′ (0) 3

Agora usamos a definição de derivada para aproximar (f −1 )′ (y) perto de y = 1 e escrevemos:


1 1
f −1 (y) ≈ f −1 (1) + (y − 1) = (y − 1)
3 3
para obter a aproximação.

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