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ISSN 2675-4398

Transições
Centro Universitário Barão de Mauá

Título
Garantia dos princípios constitucionais na aplicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente

Autores
Natane Costa Mello
Alcides Belfort da Silva

Ano de publicação
2021

Referência
MELLO, Natane Costa; SILVA, Alcides Belfort. Garantia dos princípios
constitucionais na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Transições, Ribeirão Preto, v. 2, n. 1, 2021.

Recebimento: 29/03/2021
Aprovação: 10/06/2021
Natane Costa Mello – Alcides Belfort da Silva

GARANTIA DOS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS NA APLICAÇÃO DO
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

GUARANTEE OF CONSTITUTIONAL PRINCIPLES


IN THE APPLICATION OF THE STATUTE OF
CHILDREN AND ADOLESCENTS

Natane Costa Mello*


Alcides Belfort da Silva **

Resumo: O presente trabalho visa analisar os princípios constitucionais do


nosso ordenamento jurídico, em garantir a proteção das crianças e dos
adolescentes, na adequação aos princípios basilares do direito e no
âmbito processual, considerando a proteção integral prevista no Estatuto
da Criança e do Adolescente, verificando a existência de conflitos
aparentes entre as normas, e na hipótese de infringência de princípios
constitucionais em detrimento à proteção aos direitos da criança e do
adolescente, indicar a norma verdadeiramente aplicada à situação.

Palavras-chave: Princípios constitucionais. Direito. Estatuto da Criança e


do Adolescente.

Abstract: This paper aims to analyze the constitutional principles of our


legal system, in ensuring the protection of children and adolescents, in the
adequacy to the basic principles of law and in the procedural sphere,
considering the integral protection provided for in the Statute of the Child
and Adolescent, verifying the existence of apparent conflicts between
the norms, and in the hypothesis of infringing constitutional principles to
the detriment of the protection of the rights of children and adolescents ,
indicate the standard truly applied to the situation.

Keywords: Constitutional rules. Law. Estatuto da Criança e do


Adolescente.

* Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Advogada OAB/SP.


Contato: natanemello@gmail.com
** Doutorando em Tecnologia Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia da UNAERP. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNAERP. Professor
de graduação no Centro Universitário Barão de Mauá. O presente trabalho foi
realizado com apoio da CAPES – Código de financiamento 001. Contato:
alcides.belfort@baraodemaua.br

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INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar a efetividade da


proteção às crianças e às adolescentes, de modo a reduzir os danos
causados, garantindo o respeito e a adequação à legislação.
A salvaguarda dos direitos da criança e do adolescente em
respeito aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, de
forma a verificar se há o efetivo cumprimento dos direitos e garantias
preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela
recomendação nº 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), bem
como da não supressão de princípios basilares da Constituição Federal
(1988) durante a tomada dos depoimentos.
Com o advento da lei 13.431/2017, e as inovações trazidas no
procedimento para adoção dos menores, devem ser preservados os
princípios constitucionais, e a cidadania, visando garantir os direitos dos
menores, na condição de pessoa em desenvolvimento, de forma
prioritária e integral.
Com relação, à proteção integral à criança e ao adolescente,
e redução da “revitimização”, tendo em vista, a preservação ao devido
processo legal, durante todo o procedimento do depoimento pessoal.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Primeiramente, importante compreender a definição de


princípio, para então poder entender sua origem, objetivo e utilização no
âmbito processual. Celso Antônio Bandeira de Mello (1991) define
princípio como sendo:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão
e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

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racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a


tônica e lhe dá sentido harmônico”

A palavra princípio, em análise etimológica, é originária do


latim, lat principĭum, e significa ‘começo, exórdio, início’.
No direito, em síntese, os princípios têm diversas definições,
sendo três delas as principais, sendo a primeira a definição de princípio
como normal geral de grande valor no ordenamento jurídico, que seriam
um modelo ou exemplo a ser seguido pelas demais normas, respeitando
os valores ali expressos.
Em segunda definição, princípios são norteadores para
estabelecer normas específicas, que devem tomar como base o
princípio.
Por fim, a última definição para princípio seria de uma
generalização, a partir das normais preexistentes sobre diversas matérias.
Os princípios constitucionais são a base de todo o
ordenamento jurídico, trazidos pela Carta Magna de 1988, e se tratam
nada menos da origem de todas as normas editadas, e do próprio direito
em si, tendo em vista não ter como falar de sistema jurídico sem remeter-
se aos princípios trazidos pela Constituição.
A instituição dos princípios foi baseada na necessidade de
assegurar à sociedade o respeito aos seus direitos e garantias
fundamentais, dada a evolução da sociedade e a intervenção do
Estado nas relações interpessoais e com o próprio Estado, garantindo
maior segurança aos cidadãos.
Desse modo, os princípios direcionarão o melhor caminho a ser
tomado de forma a evitar injustiças entre os titulares de direitos.
O artigo 5º, da Constituição Federal enumera, de forma
genérica, diversos princípios a serem resguardados, sendo os mais
relevantes para esta discussão os princípios do devido processo legal,
contraditório e ampla defesa, e dignidade da pessoa humana.

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DEFINIÇÃO E FINALIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO


PROCESSO

A Constituição Federal de 1988, além de trazer diversos


princípios gerais, também traz à baila princípios relacionados
diretamente ao processo, direcionadas a garantir uma justiça eficiente e
justa aos interessados.
Antes de haver tal previsão legal, recorrentes eram as injustiças
e disparidades na aplicação do direito, tendo em visto o poder detido
por pequena parcela da população, que por seus privilégios, de forma
arbitrária, acabavam por suprimir os direitos dos demais entes da
sociedade, que não possuíam meios de defender seus direitos.
Após a Segunda Guerra Mundial, o processo passou a ter
importância para solução dos conflitos entre as partes, como principal
meio de aplicação do direito material.
A partir de então, a observância de princípios como da ampla
defesa e contraditório, devido processo legal, igualdade, juiz natural,
entre outros, passaram a ser filtros para validade das decisões proferidas
nos processos, o que vem sendo praticado desde então em nosso
ordenamento jurídico.
Neste sentido, o Novo Código de Processo Civil (2015), aliado
aos princípios constitucionais, preconiza sobre os direitos fundamentais:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá


aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência

Tal previsão é vista como um grande avanço no processo


constitucional, sendo a observância dos princípios constitucionais no
processo um fenômeno recente.

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Atualmente, os princípios constitucionais devem ser observados


na elaboração das leis, durante o processo legislativo, bem como na
aplicação das leis no processo pelos auxiliares da justiça, no poder
judiciário, sempre em conformidade com o que preconiza a Constituição
Federal.
Importante ressaltar, os princípios constitucionais do processo
são de suma importância diante de possíveis conflitos entre as normas
infraconstitucionais e constitucionais, estabelecendo, no caso concreto,
qual princípio será aplicado ao caso, consequentemente, prevalecendo
sobre os demais.

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Iniciando os princípios constitucionais em espécie, o princípio


do devido processo legal representa um dos princípios processuais mais
importantes de todo o ordenamento jurídico, sendo o mais abrangente.
Essa expressão deriva do direito inglês, denominado “Due
Process of Law”, previsto no “Statute of Westminster of the Liberties of
London”, que seria o direito a um processo justo.
A introdução expressa do princípio do devido processo legal se
deu somente na Constituição Federal de 1988, quando já consolidado o
Estado Democrático de Direito, demonstrando que até então não havia
grande preocupação com um processo justo e seguro para os cidadãos.
O princípio do devido processo legal está previsto no inciso LIV,
do artigo 5º da Constituição Federal, preconizando que “Ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”
(BRASIL, 2012).
Por sua abrangência, grande parte dos doutrinadores
considera que o princípio do devido processo legal comporta diversos
outros princípios, como o do juiz natural, o do duplo grau de jurisdição,

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da publicidade dos atos processuais, da motivação das decisões


judiciais, entre outros.
O princípio visa garantir o cumprimento de todas as normas
previstas em nosso ordenamento jurídico, pelo Estado, durante o trâmite
processual, passando por todas as instâncias e seguindo o rito processual
adequado, sempre de forma adequada à Constituição Federal.
O princípio do devido processo legal se aplica a todas as
matérias de direito, independentemente se perante o poder judiciário,
legislativo ou executivo, conforme segue:

O princípio do devido processo legal vale para qualquer


processo judicial (seja criminal ou civil), e mesmo para os
processos administrativos, inclusive os disciplinares e os
militares, bem como nos processos administrativos previstos
no ECA (TAVARES, 2006).

Importante ressaltar, diversos doutrinadores se insurgem contra


procedimentos que não asseguram o devido processo legal, como no
inquérito processual, baseado no Código de Processo Penal, alegando
que a Constituição Federal é afrontada diretamente, o que levaria a
nulidade de todos estes procedimentos inquisitórios.
O princípio do devido processo legal visa proteger o direito à
vida, à liberdade e à propriedade, seja material ou imaterial,
considerados direitos fundamentais pela Constituição Federal.
Atualmente, em razão da existência de garantias específicas
previstas na Constituição Federal, alguns doutrinadores, baseando-se em
decisão jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, afirmam que o
princípio caiu em desuso, valendo-se as partes de princípios mais
direcionados e específicos ao caso concreto, como o princípio do
contraditório e da ampla defesa.

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PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório e da ampla defesa deriva do


princípio do devido processo legal, porém com aplicabilidade mais
específica, sendo mais utilizado atualmente na defesa dos direitos dos
litigantes.
O princípio do contraditório e da ampla defesa está previsto no
inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal, preconizando que “Aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
os recursos a eles inerentes” (BRASIL, 2012).
Apesar de comumente mencionados de forma conjunta,
tendo em vista sua tênue diferenciação, o princípio do contraditório e o
princípio da ampla defesa possuem suas particularidades.
O princípio do contraditório diz respeito ao direito das partes de
tomarem conhecimento do quanto alegado pelos demais e ao direito
de se contrapor ao que foi dito, por meio de sua versão dos fatos, bem
como por meio probatório.
A expressão audiatur et altera pars, relacionada ao princípio do
contraditório, dispõe sobre a necessidade de informação de ambas as
partes quanto aos atos praticados no processo, com possibilidade de
manifestação e oposição.
Aqui deve-se mencionar a importância de outros princípios
constitucionais, aliados ao princípio do contraditório, como o da
imparcialidade do juiz, que deve promover a igualdade entre as partes,
tendo o mesmo direito de serem informadas e ouvidas, neste sentido:

A garantia fundamental da Justiça e regra essencial do


processo é o princípio do contraditório, segundo este
princípio, todas as partes devem ser postas em posição de
expor ao juiz as suas razões antes que ele profira a decisão.
As partes devem poder desenvolver suas defesas de
maneira plena e sem limitações arbitrárias, qualquer

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disposição legal que contraste com essa regra deve ser


considerada inconstitucional e por isso inválida (LIEBMAN
apud MARCATO, 1980).

Já o princípio da ampla defesa diz respeito à possibilidade da


parte de alegar toda a matéria pertinente ao seu direito, sejam fatos
constitutivos, por meio do direito de ação, ou de fatos modificativos,
impeditivos ou extintivos, por meio do direito de defesa, bem como de
prová-los por todos os meios de prova possíveis.
Importante ressaltar a importância do cumprimento deste
princípio, tendo em vista que por meio das alegações e provas trazidas
ao processo, a parte pode influenciar diretamente o convencimento do
juiz.
Em conformidade com o princípio da ampla defesa, a Súmula
Vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal preconiza:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter


acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado
por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa (BRASIL, 2009).

Assim, tendo objetivos parecidos, a unificação do princípio do


contraditório e da ampla defesa traz a garantia de informação de todos
os atos praticados pela parte contrária e pelos auxiliares da justiça,
podendo opor-se, além de provar todo o alegado pelos meios de provas
admitidos no processo, garantindo igualdade entre as partes.

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana é trazido pelo


inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal, que dispõe sobre o Estado
Democrático de Direito e seus fundamentos, conforme:

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela


união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 2012)

O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos mais


importantes trazidos pela Constituição Federal, remetendo-se
diretamente ao tratamento dos indivíduos de uma sociedade.
A dignidade da pessoa humana somente ganhou visibilidade
após a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, da
Organização das Nações Unidas (ONU), que menciona diretamente o
termo dignidade:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em


dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos
e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição. (ONU, 1948)

O conceito de dignidade de pessoa humana é amplo, tendo


em vista não se tratar somente de um princípio, mas de uma definição
abstrata do tratamento de cada indivíduo da sociedade, de forma a
assegurar-lhes segurança e respeito como pessoa humana.
Importante ressaltar que cada área do direito pode ter uma
interpretação e utilização diferente das demais áreas no que tange ao
princípio da dignidade da pessoa humana, de acordo com o objetivo
da legislação.
O Novo Código de Processo Civil trouxe, de uma forma geral,
uma constitucionalização das normas existentes no diploma legal, tendo,

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em seu artigo 8º, trazido, implicitamente, a previsão da dignidade da


pessoa humana como alicerce das normas de processo civil.

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá


aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Para o direito, o princípio da dignidade da pessoa humana é


a fonte dos valores de todos os demais princípios, não sendo somente
uma norma positivada a ser seguida, mas uma garantia inerente da
sociedade, tendo o direito a função de assegurar seu respeito e
cumprimento.

PRINCÍPIOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, com


base em seu artigo 227, adotou-se a ampla proteção e prioridade
absoluta dos direitos das crianças e adolescentes, como marco principal
na mudança do caráter atribuído aos menores e de seu tratamento.
Já em 1990, com a Convenção Sobre os Direitos da Criança e
o Estatuto da Criança e do Adolescente, são trazidos os primeiros traços
de tratamento diferenciado a crianças e adolescentes, que não são mais
tratados da mesma forma que adultos, tendo direitos e prioridades
exclusivas.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, os
menores passaram a ter tratamento específico, tendo em vista sua
condição de pessoa em desenvolvimento, com políticas próprias
voltadas a sua proteção, assim como os idosos, os portadores de
deficiência, as gestantes.
O ECA dispõe sobre os direitos das crianças e adolescentes, por
meio de princípios e regras de direito, além de elencar os crimes

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praticados contra os menores e sua sanção, as medidas de proteção, o


auxílio à família e sua guarda e tutela.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990).

A Lei 8.069/90 é norteada por princípios, originários da


Declaração Universal dos Direitos das Crianças, que definem a aplicação
e interpretação da lei no que tange às crianças e adolescentes.
Aliado à Constituição Federal de 1988, o ECA visa garantir os
direitos fundamentais da criança e do adolescente, por meio de
legislação específica, com princípios como a proteção integral, princípio
da prioridade absoluta, princípio da prevalência dos direitos dos
menores, entre diversos outros.
Os princípios trazidos pelo ECA são de extrema importância
para assegurar o amparo às crianças e aos adolescentes.

DEFINIÇÃO E FINALIDADE DOS PRINCÍPIOS

As normas trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescentes


são normas de ordem pública, que norteiam o ordenamento jurídico no
que se trata de crianças e adolescentes, devendo ser cumpridas,
obrigatoriamente, por toda a sociedade.
O Estado deve garantir o cumprimento das normas de
proteção às crianças e aos adolescentes, em razão de sua natureza jus
cogens, e do interesse do Estado em assegurar a proteção aos direitos
fundamentais.
Os princípios trazidos pelo ECA baseiam-se, principalmente, no
princípio da dignidade da pessoa humana, remetendo à importância do

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tratamento digno e respeitável aos menores, que são mais vulneráveis e


se encontram em desenvolvimento.
A importância destes princípios se encontra no fato de que, até
pouco tempo, os menores eram tratados como propriedade por seus
responsáveis, não como sujeitos de direitos, que necessitavam ter estes
direitos resguardados.
Após, foi reconhecida a importância de resguardar os direitos
e deveres das crianças e dos adolescentes, ocorrendo relevantes
mudanças no tratamento dos menores, principalmente com a
introdução do poder familiar, mudando a autoridade dos pais ou
responsáveis por estes menores.
Em suma, estes princípios nada mais são do que a expressão
dos valores trazidos pela sociedade, baseados nas normas já existentes e
na segurança necessária para assegurar a proteção às crianças e
adolescentes.

O Estatuto é regido por uma série de princípios genéricos,


que representam postulados fundamentais da nova
política estatutária do direito da criança e do
adolescente.
Em regra, o direito é dotado de princípios gerais genéricos,
que orientam a aplicação prática dos seus conceitos.
Assim, o Estatuto contém princípios gerais, em que se
assentam conceitos que servirão de orientação ao
intérprete no seu conjunto (NOGUEIRA, 1996).

Dentre estes princípios, destacam-se os princípios da proteção


integral, da prioridade absoluta, da prevalência dos direitos dos menores
e do melhor interesse do menor, que possuem maiores reflexos no
ordenamento jurídico.

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PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA

O princípio da prioridade absoluta está previsto no artigo 227,


da Constituição Federal, que preconiza:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,
2012).

O princípio da prioridade absoluta também está previsto no


artigo 4º e 100, parágrafo único, II, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, conforme:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade


em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta


as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que
visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários.
Parágrafo único. São também princípios que regem a
aplicação das medidas:
II - proteção integral e prioritária: a interpretação e
aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei
deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos
direitos de que crianças e adolescentes são titulares
(BRASIL, 1990).

O princípio traz a preferência das crianças e adolescentes nas


políticas e programas realizados pelo Estado referentes à saúde,

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educação, alimentação, lazer, cultura, profissionalização, bem como


para repressão de violência, discriminação, exploração.
Importante ressaltar que a aplicação deste princípio se dá em
todos os âmbitos, seja administrativo, judicial, social ou familiar, sempre
prevalecendo o interesse dos menores sobre os demais.
Por meio do princípio da prioridade absoluta, é possível
assegurar a concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos
na Constituição Federal, que possuem a atribuição de futuro da
sociedade.
A prioridade das crianças e adolescentes abrange o direito de
receber socorro e ser atendido nos serviços públicos prioritariamente,
além da prioridade nas políticas públicas e na destinação dos recursos
para sua proteção.

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL

O princípio da proteção integral foi trazido pela Convenção


sobre os Direitos da Criança, que trouxe a responsabilidade dos pais,
responsáveis e pelo Estado do cuidado dos menores, conforme redação:

Art. 3º, 2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar


à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários
para seu bem-estar, levando em consideração os direitos
e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas
responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade,
tomarão todas as medidas legislativas e administrativas
adequadas (BRASIL, 1990).

No Estatuto da Criança e do Adolescente, o princípio da


proteção integral está previsto no artigo 1º, que preconiza que “Esta Lei
dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” (BRASIL,
1990).
Além deste artigo, a proteção integral à criança e ao
adolescente ainda está previsto no artigo 3º, do Estatuto:

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Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990).

O princípio da proteção integral se deriva, diretamente, do


princípio da dignidade da pessoa humana, porém direcionado para às
crianças e adolescentes, de forma mais específica para atender às
necessidades dos menores.
Este princípio preconiza, em síntese, a proteção pela família,
pelo Estado e pelos demais responsáveis, dos menores que estão sob sua
guarda ou tutela, de forma ampla, assegurando o tanto quanto
necessário para seu desenvolvimento e bem-estar.
Neste princípio estão inseridos outros princípios, como o da
prioridade absoluta e a destinação privilegiada dos recursos e espaços
públicos para atividades culturais, esportivas e de lazer destinada aos
menores, inserido no artigo 59, que diz que “Os municípios, com apoio
dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de
recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer
voltadas para a infância e a juventude. ”
A proteção integral compreende valores como segurança,
saúde, cultura, esporte, lazer, religião e habitação, considerados básicos
para o desenvolvimento da criança e do adolescente em sociedade.
Isto significa que, além dos direitos garantidos aos adultos,
maiores de 18 anos, as crianças e adolescentes terão mais segurança
jurídica, garantida pelo Estado, para seu pleno amadurecimento.

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PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

O princípio do melhor interesse do menor tem origem no direito


anglo-saxônico, baseado no conceito de parens patriae, em que o
Estado age como pai de crianças e adolescentes, quando há abuso ou
negligência.
Na época em que surgiu, o princípio era aplicado, de forma
uniforme, para crianças e adolescente e para os loucos, sendo alterado
após o século 17, separando a proteção dos menores da proteção dos
enfermos mentais.
O princípio do melhor interesse do menor foi consolidado com
Declaração dos Direitos da Criança de 1959, aplicando-se a todas às
crianças e adolescentes, independentemente da sua situação.
Após, com a Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança, o princípio ganhou maior relevância, aliado ao princípio da
proteção integral, em busca de garantir os direitos fundamentais dos
menores.
O princípio tem o objetivo de garantir que o interesse do menor
seja sempre analisado, de forma individual, em cada caso que em seja
aplicado, com suas peculiaridades, bem como de forma geral,
considerando toda a sociedade.
Assim, quando analisado algum preceito ou norma, sempre
deverá ser levado em consideração a melhor aplicação para as
crianças e adolescentes, baseado nas suas necessidades, bem como
para sua elaboração, neste sentido:

Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as


circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do
melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos
fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou seja,
atenderá o princípio do melhor interesse toda e qualquer
decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos
fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Melhor
interesse não é o que o Julgador entende que é melhor

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para a criança, mas sim o que objetivamente atende à


sua dignidade como criança, aos seus direitos
fundamentais em maior grau possível. À guisa de exemplo,
vamos pensar em uma criança que está em risco, vivendo
pelas ruas de uma grande cidade, dormindo ao relento,
consumindo drogas, sujeita a todo tipo de violência.
Acolhê-la e retirá-la das ruas, mesmo contra sua vontade
imediata, é atender ao princípio do melhor interesse. Com
o acolhimento, busca-se assegurar o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao respeito como
pessoa, à sua dignidade, a despeito de não se atender,
naquele momento, ao seu direito de liberdade de ir, vir e
permanecer, onde assim o desejar. Trata-se de mera
ponderação de interesses e aplicação do princípio da
razoabilidade. Apesar de não conseguir assegurar à
criança todos os seus direitos fundamentais, buscou-se a
decisão que os assegura em maior número, da forma mais
ampla possível (MACIEL, 2014).

Portanto, os aplicadores do direito devem sempre prezar pelo


atendimento do interesse da criança e do adolescente, não só pela
instrumentalização processual, tendo em vista o reflexo no
desenvolvimento dos menores.

O DEPOIMENTO ESPECIAL E A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO

A nova legislação, por meio do depoimento especial, visa


assegurar a proteção integral e o melhor interesse do menor, de modo a
evitar a revitimização pelas crianças e adolescentes.
Entretanto, por ser um método aplicado principalmente no
processo penal, em que a penalização se dá por meio de restrição de
direitos ou privação de liberdade, deve-se sempre prezar pelo respeito
ao contraditório e a ampla defesa, de modo a evitar injustiças.
Anteriormente à previsão do depoimento especial, o Código
de Processo Penal já trazia, em seu artigo 217, a possibilidade de se colher
o depoimento da vítima por meio de videoconferência ou sem a
presença do Réu, caso haja algum prejuízo sério para a vítima, conforme
se pode conferir:

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Natane Costa Mello – Alcides Belfort da Silva

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá


causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à
testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a
verdade do depoimento, fará a inquirição por
videoconferência e, somente na impossibilidade dessa
forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na
inquirição, com a presença do seu defensor (BRASIL, 1941).

Assim, apesar do depoimento especial se tratar de medida


inédita no direito, se assemelha a procedimento já regulamentado, em
que a oitiva se dava em local apartado das demais partes em casos
excepcionais, para se preservar a vítima, sem qualquer irregularidade.
Doutrinadores se posicionam a favor da colheita do
depoimento especial, afirmando ser oportunizado às partes a ciências
dos atos e a possibilidade de reação, opondo-se ao que entenderem
inválido.
Pontua-se que o que seria capaz de tornar o ato nulo seria
somente eventual prejuízo a perfeita audição, visão ou comunicação
com a vítima durante o procedimento, o que prejudicaria a capacidade
de exercer o contraditório pela defesa.
Além da inovação trazida pela nova legislação estar de
acordo com os princípios constitucionais, ainda é um grande instrumento
na busca pela verdade real dos fatos durante a inquirição, sem gerar
maiores abalos emocionais e psicológicos aos menores vítimas e
testemunhas de violência.
Assim, o entendimento majoritário é de que o depoimento
especial trouxe benefícios ao processo, de modo a evitar nova exposição
à violência pela criança e pelo adolescente vítima ou testemunha
durante sua inquirição, observando princípios como o da dignidade da
pessoa humana, prioridade absoluta e proteção integral.

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CIDADANIA: PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS, DIFUSOS E


COLETIVOS

Os direitos metaindividuais abrangem toda coletividade de


forma indeterminada e indeterminável, e a utilização de ações coletivas
para resolução de conflitos em massa traz segurança jurídica, e
uniformização nas decisões acerca do tema que abrange toda
coletividade.
Nessa esteira, os competentes legitimados particulares para
tutela dos interesses coletivos, são as associações civis, as quais tenham
por finalidade em seu estatuto social, a proteção de interesses sociais,
que atinjam interesse de uma coletividade, para solução de conflitos em
massa.
O direito metaindivudual é definido Mancuso nos seguintes
termos, vejamos:

Não pertencem a uma pessoa física ou jurídica


determinada, mas a uma comunidade amorfa, fluida e
flexível, com identidade social, porém sem personalidade
jurídica (MANCUSO, 1994).

No mesmo caminho andam o conceito de cidadania, o qual


preconiza a efetivação dos direitos civis, políticos e social e econômicos,
como uma forma de bem-estar na sociedade:

A expressão cidadania tem origem na Roma antiga e


servia para designara condição social, política e jurídica
de uma pessoa, implicando a possibilidade de plena
participação na vida social, inclusive no governo. (...) Na
França da segunda metade do século XVIII, no quadro da
Revolução Francesa, quando eram combatidas as
injustiças sociais ligadas à discriminação, uma das
propostas era a eliminação dos privilégios da Nobreza.
Passou-se, então, a usaras expressões cidadão e cidadã
para indicar que já não haveria nobres e que todas as
pessoas, em condições de igualdade, poderiam participar
plenamente da vida social e influir sobre o governo. Assim,
a cidadania era a síntese da liberdade e da igualdade de

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Natane Costa Mello – Alcides Belfort da Silva

todos e implicava o direito de gozar de todos os benefícios


proporcionados pela vida social e de se fazer ouvir em
relação a todos os assuntos de natureza comum (DALLARI,
2001).

A origem do termo cidadania tem seu marco na antiga Grécia


onde o direito de participação influenciava nos poderes políticos à
época (JAGGER, 1986). Com a vinda da idade Média, a cidadania
perdeu um pouco de suas forças (BRAUDEL, 1965).
No Brasil o termo cidadania ganhou notoriedade com o
advento da Abolição da Escravatura, observemos:

O ponto de partida para a instauração da cidadania, civil


e política, no Brasil é a Revolução política burguesa, que,
entre 1888 (Abolição da escravidão) e 1891 (proclamação
da Constituição republicana), subverteu o sistema jurídico,
instaurando a forma-sujeito de direito em sua versão
elementar (o que significa o reconhecimento estatal de
todos os agentes da produção, independentemente de
sua posição na estrutura econômica — proprietário dos
meios de produção, trabalhador — como sujeitos
individuais de direitos). Seria inviável a concretização da
cidadania, civil ou política, na sociedade escravista
imperial, dada a total incompatibilidade da forma-sujeito
de direito com qualquer modo de produção escravista,
antigo ou moderno. Os escravos eram considerados como
"coisas" pelo direito escravista: e, portanto estavam
excluídos, por definição, da categoria dos sujeitos
individuais de direitos. Consequentemente, a forma
universalista e igualitária dos direitos individuais jamais
poderia se impor numa sociedade escravista. Tinham
razão, portanto os abolicionistas e os republicanos
radicais, quando sustentavam que, no Brasil imperial, não
havia direitos; apenas privilégios (vale dizer, prerrogativas
enunciadas em termos particularistas, pois formalmente
reservadas aos integrantes da ordem dos homens livres)
(SAES, 2001).

Inferimos que cidadania é a possibilidade de iniciativa


participativa na política do Estado Democrático de Direito, que segundo
Kildare Gonçalves Carvalho resume em:

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Liberdade-participação, que é assegurada a


determinada categoria de nacionais, os chamados
cidadãos. Portanto, há de se distinguir entre nacional e
cidadão: nacional é aquele que se acha vinculado ao
Estado por um liame jurídico-público, que o sujeita à
ordem jurídica estatal; já o cidadão é o nacional capaz de
exercer direitos políticos. Anote-se, contudo, que alguns
autores, tomam uma expressão pela outra, sem distingui-
las. Em nosso Direito no âmbito dos direitos políticos,
nacionalidade e cidadania não se equivalem: cidadão é
o nacional investido na condição de participante no
processo político (CARVALHO, 2006).

Para Zapata (2001), cidadania é conceituada como:

Esta concepción cobra fuerza a partir de los


planteamientos Aristotélicos que establecen la
importancia de un marco político para la configuración
del ciudadano, en donde el tipo de gobierno y régimen
demarca una manera particular de actuación. Para
Aristóteles, el tipo de gobierno se refiere a la forma de
actuación de la ciudadanía que podía estar orientada
hacíaelinterés individual o elite rés común, bajo elgobierno
de unos pocos o de uncolectivo; acorde conello, distingue
dos tipos de regímenes: losrectos, que privilegian la búsque
da delbien general frente al particular (monarquía,
aristocracia, república) y los desviados, que aventajanel
beneficio particular frente al común (tiranía, oligarquía,
democracia).1

No que tange a proteção dos direitos dos cidadãos, o


neoconstitucionalismo nada mais é que a constitucionalização dos
direitos, sendo necessária a concretização do exercício da cidadania
(SANCHIS, 2004).
Resumidamente a cidadania é o exercício de direitos e deveres

1 Este conceito leva a força de abordagens os aristotélicos que estabelecem a


importância de um quadro político para a configuração do cidadão, onde o tipo de
governo e regime define um modo particular de agir. Para Aristóteles, o tipo de governo
refere-se à forma de ação de cidadania que pode ser direcionada para o interesse
individual ou o interesse comum, sob o governo dos poucos, ou de um coletivo; De
acordo com este motivo, distingue dois tipos de regimes: os justos, que a prossecução
do interesse geral contra o particular (monarquia, aristocracia, República) e desviantes,
que está à frente do benefício particular contra o comum (tirania, oligarquia, privilégio
democracia). (Texto traduzido pelo autor)

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nas relações interpessoais e nas relações com o Estado, sendo que, para
o crescimento social deve ser preservada a manutenção dos direitos
sociais numa determinada sociedade.
Segundo Tejerina (2005), o conceituar cidadania, nada mais é
que o efetivo exercício de movimentos sociais, conforme a seguir:

Un primer ejemplo. La implementación del conjunto de


derechos civiles, políticos y sociales, entre lasmujeres ha
encontrado siempre flertes resistencias (…) Un segundo
ejemplo. La limitación em la extensión de los derechos de
ciudadania a colectivo sétnicamente diversos o com
pautas etno culturalmente diferenciadas de las
preexistentes em las sociedades (…) Unter cer ejemplo. Al
menos desde la década de 1960 y em algunos casos
mucho antes se vienen manifestando de manera
constante tendencias a ladisgregación dentreo de
estados naciónya constituídos por parte de grupos com
una personalidade propia.2

No Brasil, as elites não se interessam pelas classes menos


favorecidas, ficando estes indivíduos à margam da sociedade.
Desta forma, se faz necessário uma integração entre políticas
públicas e organizações sociais para defesa dos direitos coletivos dos
cidadãos.
O multiculturalismo é outro fenômeno que devemos trazer à
tona, de fundamental importância para dignidade da pessoa humana,
senão vejamos:

Multiculturalismo, justiça multicultural, direitos coletivos,


cidadanias plurais são hoje alguns dos termos que
procuram jogar com as tensões entre a diferença e a
igualdade, entre a exigência de reconhecimento da

2 Um excelente exemplo. A implementação de todos os direitos civis, políticos e sociais,


entre as mulheres sempre encontrou forte resistência (...) Um segundo exemplo. O em
limitação da extensão dos direitos de cidadania para coletivo etnicamente diversos ou
com orientações etno culturalmente diferenciadas das sociedades pré-existentes do MS
(...) Um terceiro exemplo. Pelo menos desde a década de 1960 e em alguns casos muito
mais cedo é vir manifestar de forma consistente para a desintegração de Estados-
nação dentro de tendências já constituída por grupos com uma personalidade. (Texto
traduzido pelo autor)

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diferença e de redistribuição que permita a realização da


igualdade. Essas tensões estão no centro das lutas de
movimentos e iniciativas emancipatórias que, contra as
reduções eurocêntricas dos termos fundamentais (cultura,
justiça, direitos, cidadania), procuram propor noções mais
inclusivas e, simultaneamente, respeitadoras da diferença
de concepções alternativas da dignidade da pessoa
humana (SANTOS, 2003).

Para Reis (1996), o exercício da cidadania traduz assunção de


responsabilidades frente ao interesse público, dentro os quais, podem
estar em desacordo com seus interesses particulares, desta forma, o
interesse público se sobrepõe ao interesse particular, ou seja, o interesse
da coletividade será analisado de forma ampla quando em detrimento
a interesse particular.
Nesse sentido, dentro da nossa temática de estudo, o Estatuto
da Criança e do Adolescente, é uma condição indispensável para
cidadania, e a garantida da dignidade da pessoa humana, resultando
na concretização dos direitos sociais, que dependem de uma
conscientização coletiva e cultural da sociedade, para criação de
políticas públicas em busca da preservação dos direitos das crianças e
dos adolescentes, como um direito de todos indistintamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto neste trabalho, percebe-se a busca pela


minimização dos danos causados às crianças e aos adolescentes vítimas
ou testemunhas de violência física, psicológica, sexual e a violência
institucional, iniciando-se com a prática do depoimento sem dano,
aplicado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e posteriormente
se concretizando com a entrada em vigor da Lei 13.431/2017.
O método, utilizado para oitiva das vítimas e testemunhas,
mediante depoimento em sala apartada, composta por aparatos de
áudio visual, realizado por meio de profissional interdisciplinar, visa

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garantir a proteção integral às crianças e adolescentes, bem como o


respeito a dignidade da pessoa humana, sem desrespeitar as garantias
constitucionais do processo.
No Brasil, sua introdução se deu pela dificuldade na colheita do
depoimento dos menores, muitas vezes não se alcançando a verdade
real dos fatos pelo método utilizado anteriormente, gerando
constrangimento e revitimização destes menores, sendo a nova
legislação primordial para a mudança deste cenário.
A nova legislação traz a mudança na produção de provas nos
processos de alienação parental e nos crimes perpetrados com violência
em que há crianças e adolescentes envolvidos, alterando o ambiente
em que é colhido o depoimento, não mais frio e formal, em sala de
audiências, mas em sala devidamente preparada para atender ao
menor.
A mudança também ocorre no profissional que irá intermediar
a colheita do depoimento, que não mais será um operador do direito,
mas um profissional capacitado para direcionar as perguntas aos
menores, de acordo com sua faixa etária e compreensão, evitando a
revitimização.
Existem posicionamentos contrários e favoráveis ao método do
depoimento especial, sendo que seus apoiadores preconizam a
necessidade de priorizar as crianças e adolescentes, pela sua condição
de pessoa em desenvolvimento, sendo severas as consequências da
revitimização sofrida durante a colheita de depoimentos, reafirmando os
princípios do ECA, como a proteção integral e o melhor interesse do
menor.
Quanto às posições contrárias, como tomado pelo Conselho
Federal de Psicologia e pelo Conselho Federal de Assistência Social, bem
como por uma parcela da doutrina, questiona-se a legalidade e a
observância de princípios constitucionais, entendendo haver violação ao

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devido processo legal e o cerceamento de defesa, bem como a eficácia


prática do depoimento.
Apesar do posicionamento contrário, o depoimento especial já
é aplicado em diversas comarcas de diversos estados, com adequação
das salas para colheita do depoimento, tendo os magistrados a
faculdade de optar por essa forma de depoimento, iniciando o processo
de minimização da revitimização.
O depoimento especial tem-se mostrado eficaz na redução do
dano causado durante o tramite do processo, sendo menos traumático
e humilhante para as vítimas e testemunhas, não possuindo a mesma
eficácia quanto ao dano causado pela violência direta experimentada
pelos menores.
Por fim, a aplicação do método do depoimento especial busca
garantir o cumprimento dos princípios constitucionais do processo, como
o devido processo legal e a ampla defesa e o contraditório, prezando
pela produção de provas por ambas as partes, bem como pelo direito
de reação e defesa durante a tomada do depoimento, extirpando
eventuais nulidades suscitadas pela defesa.

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