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PREFÁCIO

Nietzsche é um filósofo inquietante e incómodo. Em períodos e


contextos distintos, a sua obra foi alvo de interpretações radical‑
mente diferentes, até mesmo por estudiosos da sua obra. Nietzs‑
che presta‑se a estas interpretações con­flituosas, porque filosofa
com um martelo aforístico e um estilo literário intenso. Apesar de
os muitos alvos que ataca serem evidentes, as razões e implicações
das suas críticas podem levar a muitas e diferentes interpretações.
Nietzsche usa esta abordagem em busca de uma originalidade e
autocriação audaciosas. É isso que faz dele um excelente filóso‑
fo‑patrono dos empreendedores.
Com frequência, os empreendedores procuram causar dis‑
rupção num determinado setor por meio da criação de novos pro‑
dutos e serviços baseados em tecnologias e mercados dinâmicos.
Nietzsche tentou causar disrupção na filosofia do seu tempo atra‑
vés de aforismos estilísticos que desafiavam métodos académicos
sóbrios e tradicionais. Os empreendedores desenvolvem as suas
empresas com novas culturas empresariais e novos modelos de
negócio. Nietzsche desenvolveu a sua filos­ofia através de uma mu‑
dança a nível estrutural, uma questão metamorfoseada, um im‑
perativo poético. Os empreendedores competem com velocidade,
originalidade e estratégia — fornecendo soluções modernas para
problemas clássicos. Nietzsche competia, derrubando sistemas fi‑
losóficos antigos — substituindo ídolos antigos (valores, religiões)
pela humanidade moderna.
Tal como Dave e Brad referem neste livro, o próprio Nietzs‑
che opunha‑se a qualquer atividade comercial e considerava que
quem empreendia uma atividade deste tipo carecia, grosso modo,
de interesse e ambição. Afinal de contas, a maior parte dos em‑
presários do seu tempo compunha‑se de burgueses proprietários
do lojas locais, presos aos padrões e convenções rotineiros do dia
a dia num estabelecimento comercial. Ao passo que Nietzsche,
em contrapartida, sentia que o maior intento da alma humana

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Nietzsche para empreendedores

era procurar a evolução da sua espécie: evolução da identidade,


da cultura, de uma nova mentalidade. Tratava‑se, mais especifi‑
camente, da evolução para a originalidade absoluta: a criação do
“nunca antes visto”.
Nietzsche condensa o empreendedorismo nestas aspirações.
Construir o novo. Renovar as instituições. Conceber os mercados
e os clientes como evolutivos — e uni‑los na sua evolução. Niet‑
zsche era um disruptor, da mesma forma que os empreendedores
também são disruptores. Ao passo que filósofos e filólogos estu‑
daram os clássicos para honrar e consolidar a história, Nietzsche
queria derrubar esses ídolos para criar uma nova filosofia. Quando
alcançam uma posição de mercado, empresas e proprietários in‑
dustriais trabalham para se manter aproximadamente no mesmo
nível. Por outro lado, os empreendedores esforçam‑se por revolu‑
cionar as indústrias através de novos produtos e serviços com base
em novas tecnologias e modelos de negócio alternativos.
Mas para além de sagrar um filósofo excecional do empreen‑
dedorismo, porque é que este livro é importante?
Nietzsche aguardava igualmente com expetativa para ver no
que é que a humanidade se podia e devia tornar: Ecce Homo (“Eis
o homem”). Paralelamente, alguns dos melhores empreendedo‑
res são também grandes humanistas. Isto pode ser surpreendente
para alguns, uma vez que costumamos ver os empreendedores,
antes de mais nada, como capitalistas ou tecnólogos. Mas pensar
no que somos, enquanto humanos, e em quem nos podemos tor‑
nar encontra paralelo na forma como os empreendedores influen‑
ciam a evolução de produtos, clientes e mercados.
Esta é, em parte, a razão por que a filosofia pode ser funda‑
mental para o empreendedorismo. Naturalmente, existem mui‑
tos empreendedores e executivos que pensam que a filosofia é,
no mínimo, inútil. Desse ponto de vista, empreendedores e fi‑
lósofos residem em extremos opostos de um espectro de utilida‑
de: os empreendedores são fazedores pragmáticos com teorias
baseadas no senso comum designadas para satisfazer os desejos
e necessidades atuais do público que servem; os filósofos geram
teorias grandiosas, mas abstratas, que podem ser intelectualmen‑
te impressionantes, mas não sobrevivem a uma interação com o
mundo.

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prefácio

Haverá certamente filósofos que se perdem nos detalhes. Con‑


tudo, se aliarmos o pensamento à ação, obtemos uma combinação
bastante poderosa.
Uma das minhas expressões preferidas é: em teoria, não há
qualquer diferença entre a teoria e a prática. A implicação: na
prática, há diferenças significativas entre a teoria e a prática. Não
obstante, ambas são fundamentalmente importantes. A prática
guiada pela teoria — em que a teoria melhora com a prática — é
a abordagem mais forte. A filosofia ensina‑nos a pensar em teo‑
rias gerais. A filosofia ensina‑nos a ter precisão no pensamento
e na linguagem. A filosofia ensina‑nos a construir uma teoria, a
testar a sua veracidade e, em seguida, a desenvolver essa mes‑
ma teoria. E o empreendedorismo faz o mesmo, se o aplicarmos
corretamente!
Outras disciplinas — da física à economia e à psicologia —
focam‑se em domínios mais específicos e ensinam‑nos a desen‑
volver teo­rias nesses domínios. Mas a generalidade da filosofia é o
atributo que faz dela uma das peças preferidas da caixa de ferra‑
mentas de um empreendedor. É frequente que os empreendedo‑
res sejam originais na forma como fazem negócio: uma nova forma
de angariar ou envolver os clientes, uma nova plataforma tecno‑
lógica, uma nova estratégia de negócio ou abordagem operacio‑
nal, um novo modelo de negócio. No geral, estas inovações esca‑
pam às teorias e estruturas atuais, pelo que são necessárias novas
formulações para as expressar — tais como objetivos, estratégias,
sistemas novos. A filosofia faculta os termos gerais que permitem
formular uma nova teoria.
Por fim, a filosofia diz sobretudo respeito à natureza humana.
A filosofia é o amor pela sabedoria, a busca da verdade e do co‑
nhecimento. A esta busca subjazem teorias de natureza humana:
Quem somos nós que procuramos a verdade e o conhecimento?
Que tipos de verdade conseguimos alcançar? Que atitude de‑
monstramos com respeito a essas verdades?
Acredito que uma teoria da natureza humana está implícita
em qualquer percurso empresarial. Quem somos nós para querer‑
mos este novo prod­uto ou serviço em detrimento de produtos e
serviços já existentes? Quem somos nós para que esta nova forma
de angariar clientes singre? Quem somos nós para continuarmos
profundamente envolvidos com este novo produto ou serviço?

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Nietzsche para empreendedores

Como acredito que os projetos de empreendedorismo reque‑


rem uma teoria específica sobre a natureza humana, costumo co‑
meçar com uma observação filosófica sempre que falo em público
sobre investimento. Por exemplo, durante praticamente duas dé‑
cadas, tenho andado a dizer que investir na Internet dos consumi‑
dores significa investir em um ou mais dos sete pecados mortais.
Normalmente, os estudantes de gestão acham que nos tornamos
adeptos do investimento ao aprendermos conceitos como Custo
de Aquisição de Clientes (CAC), Valor Vitalício (LTV, do inglês Li‑
fetime Value), margens operacionais, diferenciação competitiva,
e por aí fora. Contudo, todos os projetos empresariais visam um
CAC ou LTV no futuro, por isso, como podemos chegar lá? Quem
somos, na medida em que permaneceremos envolvidos com este
produto em escala? A filosofia ajuda‑o a pensar de forma incisiva
na sua teoria da natureza humana e na forma como isso se relacio‑
na com os seus objetivos empresariais.
Regressemos a Nietzsche e examinemos o porquê de ele, em
particular, ser um filósofo talhado para ser patrono dos empreen‑
dedores. Nietzsche revoltava‑se contra uma prática filosófica es‑
tupidificante que exaltava o passado — especificamente os ideais
e as imagens de antigos pensadores e líderes. Queria recentrar‑se
no agora, naquilo que a humanidade era e no que poderia vir a
tornar‑se.
Como parte da sua revolta, Nietzsche filosofava com um mar‑
telo: queria destruir as velhas mentalidades que aprisionavam
as pessoas ao passado e, assim, equipá‑las melhor por forma a
abraçarem a possibilidade da novidade. O desejo de Nietzsche de
mudar mentalidades é também a razão para ter enfatizado novos
estilos de argumentação. Ao passo que a maior parte dos filóso‑
fos iniciaria uma discussão da forma clássica ou citando um dos
grandes nomes da história, Nietzsche liderava a discussão com
um aforismo que chamasse a atenção ou uma narrativa mitológica
completamente nova.
Ele era, sobretudo, um disruptor de religiosidade e conven‑
ções, sempre em busca de formas novas e originais para exercer
oposição e mostrar a razão, jamais se contentando com o status
quo.
Este é exatamente o tipo de mentalidade que os empreendedo‑
res deveriam adotar. É por isso que uma prática diária de filosofia

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prefácio

pode ser o veículo para um empreendedor passar do bom para o


ótimo. E também a razão pela qual uma prática diária de Nietzsche
é um excelente hábito filosófico para empreendedores.
Em O Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche exclama, “É preciso ser
um animal ou um deus para viver sozinho — diz Aristóteles. Dei‑
xou de fora o terceiro caso: é preciso ser ambos — um filósofo.”
A versão do empreendedor pode rezar mais ou menos assim:
“Aristóteles diz que, para visionar um novo produto que modi‑
fique o modelo, há que ser ou um louco ou um génio. Está‑se a
esquecer do terceiro caso, ambos — um empreendedor.”
No final, a lealdade cega de Nietzsche à novidade tornou‑o
incómodo — e valioso. A mudança acarreta sempre alguns pro‑
blemas — como, por exem­plo, os problemas causados por empre‑
endedores que criam “disrupção”. Para alcançar um futuro novo
e melhor, é primeiro necessário rejeitar o velho. Um dos heróis
americanos modernos mais eficientes no campo dos direitos cí‑
vicos, o falecido congressista John Lewis, tinha uma ótima forma
de descrever os problemas como algo essencial. “Arranjem bons
problemas, problemas necessários”, costumava ele dizer. Os bons
problemas são a forma como progredimos, tanto nos mercados
como em sociedade.

Reid Hoffman
Empreendedor, investidor, filósofo ocasional
Março de 2021

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INTRODUÇÃO
N ietzsche? Para empreendedores?
Estávamos no final de janeiro de 1988, cerca de nove me‑
ses depois de termos dado início ao processo de transformação do
negócio de consultoria em nome próprio de Brad, a Feld Tech‑
nologies, numa empresa a sério. Tínhamos vividos juntos na fra‑
ternidade universitária e éramos amigos chegados quando abri‑
mos o nosso primeiro escritório do outro lado da rua, em frente à
nossa casa da fraternidade em Cambridge. Planeávamos recorrer
a programadores de software inteligentes, mas económicos, para
criar um software empresarial. Contratámos meia dúzia de pro‑
gramadores compostos, na sua maioria, por estudantes universi‑
tários da nossa fraternidade, que trabalhavam a meio‑tempo. Não
dispúnhamos de qualquer financiamento para além do cartão de
crédito de Brad e dos 10 $ com os quais havíamos comprado as
ações ordinárias.
Dave entrou no escritório de Brad depois de calcular os re‑
sultados financeiros preliminares para janeiro. Até então, as
contas tinham estado praticamente niveladas, mas as notícias
eram agora deprimentes: perdêramos 10,000 $ num só mês. Fo‑
mos apanhados de surpresa e foi com algum esforço que con‑
seguimos destrinçar o que tinha corrido mal. Em vez de estar a
faturar horas aos clientes, Dave havia passado a maior parte do
tempo a gerir os programadores que se encontravam, em regime
parcial, a trabalhar primariamente em projetos futuros. Brad ti‑
nha vendido equipamento informático, o que rendia margens de
lucro bruto reduzidas, em vez de faturar horas aos clientes. Uma
grande parte das nossas receitas desse mês provinha de um pro‑
gramador universitário altamente produtivo, mas imprevisível,
chamado Mike, que estava a trabalhar no projeto de um cliente
faturável.
Antes de termos tido oportunidade para perceber o que ha‑
víamos de fazer, Mike despediu‑se, alegando necessidade de se

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INTRODUÇÃO

concentrar nos estudos. Agora, não nos restava alternativa senão


despedir toda a gente, fechar o escritório que arrendávamos ao
mês, vender todo o mobiliário do escritório e deslocar o negócio
para os nossos apartamentos na baixa de Boston. Foi um proces‑
so excruciante. Brad questionou‑se se tínhamos falhado, quando
ainda mal começáramos. A preocupação de Dave era conseguir
pagar a renda. Tínhamos discussões prolongadas sobre o futuro do
negócio, incluindo se haveríamos ou não de continuar.
Mas tínhamos projetos que nos eram pagos. Já não tínhamos de
gastar tempo a gerir pessoas e percebemos o que abonava a nosso
favor. Os resultados de fevereiro foram suficientemente bons para
nos apaziguar e, em março, foram ainda melhores. Igualmente
importante, aprendemos algumas lições cru­ciais e chegámos a
uma conclusão bastante diferente de como queríamos que o ne‑
gócio evoluísse. A experiência de bater no fundo e as lições que daí
tirámos ficaram profundamente inculcadas em nós e na cultura da
nossa empresa à medida que fomos desenvolvendo a empresa de
forma progressiva e metódica.
Avancemos 30 anos para o momento de escrita deste livro.
Dave andava a ler Assim Falou Zaratustra. Encontrou uma passa‑
gem que dizia que as montanhas mais altas se erguem do mar e
que esse facto está “inscrito nas paredes dos seus cumes”. Devido
à nossa experiência na Feld Technologies — e reiteradamente des‑
de então —, soubemos imedi­atamente que tinha de ser um capí‑
tulo do livro. Imaginámos o consolo e os ensinamentos de que te‑
ríamos beneficiado com a leitura (e a compreensão) desta citação,
com a leitura de um curto ensaio como aquele no capítulo Bater no
Fundo, em que a rigidez e a promessa da situação são apresentadas
preto no branco, ou com o conhecimento da história de Walter
Knapp sobre a queda e o renascimento de Sovrn, uma empresa ge‑
nuinamente disruptiva.
Foi assim que escrevemos a maior parte dos capítulos e foi as‑
sim como este projeto começou. Lendo Nietzsche, demos conta de
ideias que nos evocaram sit­uações, perguntas e preocupações que
costumavam surgir durante a nossa experiência como investido‑
res empresarial e de risco. Nietzsche era hábil com as palavras, e
percebemos que algumas ideias eram bem formuladas e estavam
embrulhadas num bonito invólucro. Começámos a fazer expe‑
riências no sentido de expandir o pensamento a partir dos seus

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Nietzsche para empreendedores

aforismos incisivos e a recolher histórias de empreendedores, e foi


então que se fez clique.
A Feld Technologies nunca foi uma empresa disruptiva, apesar
das nossas ambições. Estabilizou nos dois milhões de dólares em
receita antes de a vendermos em 1993. Como tínhamos construí‑
do uma base sólida para um determinado tipo de sucesso, nunca
mais voltámos a atingir um ponto muito baixo e, por conseguinte,
nunca mais tivemos a dolorosa oportunidade de repensar as nos‑
sas premissas. Este ponto é também incluído no capítulo Bater no
Fundo e ilustra o porquê de não termos simplesmente ignorado
Nietzsche, escrito uns quantos ensaios e compilado umas quantas
histórias sobre empreendedores. Nietzsche — sentado ou a cami‑
nhar, sozinho, em sofrimento físico, quase cego — entregava‑se a
pensamentos profundos, os quais logrou partilhar com o mundo.
Procurámos seguir o seu exemplo, refletindo intensamente e pon‑
derando sobre outros ângulos e situações aos quais a citação se pu‑
desse aplicar. Queremos que faça o mesmo, tendo em mente que
as obras de Nietzsche exerceram uma grande influência ao longo
de todo o século xx e início do século xxi.
Na literatura sobre gestão e empreendedorismo, por vezes a
inspiração é mais útil do que o conhecimento. Apesar de este li‑
vro conter bastantes informações práticas, pretendemos pô‑lo a
pensar a partir de uma perspetiva diferente. Abordamos questões
como liderança, motivação, comportamentos éticos, criativida‑
de, cultura, estratégia, conflito e conhecimento. Incitamo‑lo a
pensar na sua essência e na da sua empresa. De si, esperamos que
questione e reflita nestas ideias e que não se limite a pô‑las em
prática. Se formos bem‑sucedidos, umas vezes irá ficar zangado
e, noutras, sentir orgulho. Por vezes, irá pôr em causa o que re‑
almente sabe e, noutras alturas, dará tudo o que tem. Esperamos
que a combinação da linguagem colorida de Nietzsche, as nossas
formulações e algumas histórias de empreendedores lhe sirvam de
inspiração intelectual, emocional e empresarial.
Nietzsche não era adepto de atividades comerciais ou comer‑
ciantes. Via as primeiras como atividades grosseiras e os últimos
como pessoas desprovidas de dignidade. No entanto, desconfia‑
mos que, se Nietzsche vivesse nos dias de hoje, teria uma visão
diferente dos empreendedores. Prezava a intensidade e o fer‑
vor, valorizava profundamente os criadores de coisas e escrevia

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INTRODUÇÃO

detalhadamente sobre os “espíritos livres” que não se sentem


amarrados à tradição ou a normas culturais. Nietzsche encarava
a sua missão como a “reavaliação de todos os valores” e tencio‑
nava desestabilizar toda a tradição moral da Europa dos finais do
século xix.
O nosso subtítulo, Um Livro para Disruptores, repercute os
subtítulos de Humano, Demasiado Humano: Um Livro para Es‑
píritos Livres e de Assim Falou Zaratustra: Um Livro para Todos e
para Ninguém. Escolhemo‑lo porque almejamos alcançar um pú‑
blico constituído por empreendedores que aspirem alterar com‑
pletamente a indústria ou criar uma nova, por oposição a empre‑
endedores que ainda estão a iniciar um negócio. A personagem
Zaratustra de Nietzsche diz, “Poupa‑me de todas as pequenas vi‑
tórias!... Reserva‑me para uma grande vitória!” Esta é a mentali‑
dade do empreendedor disruptor. Se está a desestabilizar criando
e a criar desestabilizando, Friedrich Nietzsche seria o seu grande
fã, e nós também.
Nietzsche é um autor difícil de ler, e muitas das suas citações
famosas são imperscrutáveis. Procurámos tornar Nietzsche aces‑
sível por meio de citações curtas que adaptámos à linguagem do
século xxi. Apenas uma pequena parte das palavras contidas neste
livro é da autoria de Nietzsche, pelo que não tem com que se preo‑
cupar; não irá matá‑lo — apenas torná‑lo mais forte.
Nietzsche é frequentemente incompreendido e algumas im‑
pressões convencionais sobre a sua pessoa e a sua filosofia são
desconcertantes. Pode ter ouvido dizer que as suas ideias foram
usadas no Terceiro Reich. Pode ter lido em artigos recentes que ele
é uma inspiração para a “direita alternativa”. Observámos que a
maioria das fortes afirmações sobre a filosofia substantiva de Niet‑
zsche é suspeita, especialmente se proveniente de leigos. Com um
pouco de esforço, é possível encontrar nas obras de Nietzsche uma
linguagem atual que mostra que as preocupações e alegações mais
comuns são forçadas ou exageradas. Para o corroborar e abordar
algumas dúvidas que possa ter, incluímos um anexo intitulado
Não Acredite em Tudo o Que Ouve Sobre Nietzsche, onde examina‑
mos a história jornalística da alegada ligação à direita alternativa
e descobrimos que é, sobretudo, clickbait. Francamente, não te‑
ríamos escrito este livro se achássemos que tais alegações tinham
alguma razão de ser.

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Nietzsche para empreendedores

Em Silicon Valley e noutras comunidades de startups, a filosofia


do Estoicismo é popular e está na moda. A uma data altura ao longo
deste projeto, percebemos que a abordagem de Nietzsche represen‑
ta uma sequela produtiva e saudável do Estoicismo, em particular
para o empreendedor disruptivo. Para Nietzsche, a prontidão es‑
toica para carregar fardos, manter a concentração na tarefa e fazer
o que é necessário independentemente do desconforto é apenas o
primeiro estágio do desenvolvimento pessoal. Esse estágio é neces‑
sário, mas não é suficiente, para nos permitir reimaginar o mundo
e criar valores e propostas de valor totalmente novos. Se segue os
princípios estoicos, este livro dá‑lhe um vislumbre de como pode
desenvolver com base nesses alicerces. Se não está familiarizado
com o Estoicismo, não se preocupe, pois este movimento tem bas‑
tantes elementos em comum com o primeiro estágio preconizado
por Nietzsche e encontrará aqui uma série de ideias similares.
Foram vários os empreendedores de sucesso que estudaram
filosofia na universidade, como Reid Hoffman, do LinkedIn, Peter
Thiel, do PayPal e Stewart Butterfield, do Flickr e da Slack. Mui‑
tos outros encontram orientação, conforto ou estimulação men‑
tal em ler filosofia ou usar abordagens filosóficas para pensar so‑
bre o mundo. Apesar de termos a expetativa de lhe oferecer uma
visão global sobre Nietzsche e a sua filosofia, o nosso contri­buto
não substitui a leitura da sua obra original. Estudar Nietzsche com
mais profundidade pode ser transformador e agradável. Se o fizer,
irá sentir consideravelmente mais desconforto — e reflexão pro‑
funda — do que as amostras que selecionámos e as nossas simples
interpretações podem oferecer.

COMO É QUE O LIVRO ESTÁ ORGANIZADO

O livro contém 52 capítulos individuais (um para cada semana)


e está dividido em cinco secções principais (Estratégia, Cultura,
Espíritos Livres, Liderança e Métodos). Cada capítulo começa com
uma citação de um dos livros de Nietzsche, usando uma tradução
do domínio público, seguida da nossa própria adaptação da cita‑
ção para linguagem do século xxi. Em seguida, encontra um breve
ensaio onde se aplica essa citação ao empreendedorismo. Cerca
de dois terços dos capítulos incluem uma narrativa escrita por ou

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INTRODUÇÃO

sobre um empreendedor que conhecemos (ou ouvimos falar) a


narrar uma história real sobre a sua experiência pessoal e como se
aplica à citação, ao ensaio ou a ambos.
A palavra “semana” consta do subtítulo para enfatizar a im‑
portância de dar tempo para que cada citação, e o ensaio e exem‑
plo que a sucedem, penetre e encontre ressonância na sua própria
situação empresarial. Em vez de espremer capítulo após capítu‑
lo, encorajamo‑lo a refletir na citação, no ensaio e no relato ao
longo de uma semana de trabalho. Aplica‑se a uma determinada
situação a que assistiu na sua empresa? Parece‑lhe útil ou, antes,
contrário ao que precisa de fazer? Há outras pessoas dentro da sua
organização que poderiam tirar partido de ler, pensar sobre ou
discutir o capítulo? Não se limite a passar os olhos pelo capítulo —
detenha‑se a mastigá‑lo.
Se nunca leu Nietzsche e não tem por hábito ler textos escritos
no século passado, encorajamo‑lo a começar cada capítulo com
a leitura da nossa adaptação da citação. Só depois leia a citação
original. Regresse a ambas depois de ler o ensaio. Esforce‑se na
associação dos aforismos a estas ideias para o ajudar a reter a ideia
no seu dia a dia. Não se acanhe de ler o capítulo uma segunda ou
terceira vez durante a semana.
Não tem de ler os capítulos por nenhuma ordem em particu‑
lar, e não há pré‑requisitos ou obrigações para o fazer. Sempre que
os capítulos estiverem interligados, fazemos a devia referência no
texto. Abra o livro num capítulo que lhe desperte o interesse e co‑
mece por aí.
As primeiras duas secções principais, Estratégia e Cultura, di‑
zem respeito ao seu negócio. As duas seguintes, Espíritos Livres
e Liderança, são sobre si enquanto líder e empreendedor. Méto‑
dos versa maioritariamente sobre comunicação. Os capítulos que
pertencem a cada secção principal estão ordenados por forma a
proporcionarem um fluxo leve e lógico.
Nem as secções principais nem o livro como um todo consti‑
tuem um tratamento abrangente de Nietzsche ou do empreende‑
dorismo. Nietzsche não escreveu sobre empreendedorismo, mas é
surpreendente ver a extensão da sua obra que pode ser aplicada ao
mesmo. Não obstante, há grandes lacunas. Mesmo com respeito
aos seus pretensos temas, as obras de Nietzsche não são sistemati‑
camente abrangentes.

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Nietzsche para empreendedores

Incluímos três anexos, mas nenhum deles é indispensável


para compreender o livro. O Anexo 1 contém uma biografia e
um apanhado das pessoas que influenciaram e foram influencia‑
das por Nietzsche. O Anexo 2 é o ensaio Não Acredite em Tudo o
Que Ouve Sobre Nietzsche, à laia de introdução à sua vida e obra.
O Anexo 3 cita as fontes e os tradutores das citações de Nietzsche
que selecionámos.

A NOSSA ABORDAGEM INTERPRETATIVA

Não somos estudiosos de Nietzsche nem este livro é um tratado


académico sobre Nietzsche. Tão‑pouco somos académicos do em‑
preendedorismo, e este livro não é um tratado académico sobre
matérias relacionadas com empreendedorismo. Contudo, dispo‑
mos efetivamente de uma vasta experiência em empreendedo‑
rismo, tanto na qualidade de fundadores como de investidores.
O nosso objetivo é juntar algumas ideias de Nietzsche com a nos‑
sa experiência, linha de raciocínio e alguns exemplos de empre‑
endedores que conhecemos, para lhe proporcionar perspetiva e
inspiração para a sua jornada empresarial. Escolhemos citações de
Nietzsche que refletem aspetos importantes do empreendedoris‑
mo, dando preferência às que são plenas de significado e de cor e
evitando as opacas. Embora tenhamos procurado dar uma visão
geral da obra completa de Nietzsche, sabemos que devemos ter
passado ao lado de algumas grandes citações.
Apoiamo‑nos nas interpretações superficiais das palavras e
metáforas de Nietzsche ao invés de nas alusões intrincadas e sim‑
bolismos subtis discutidos nos círculos de crítica literária. Tais in‑
terpretações aprofundadas tendem a ser controversas e estão fora
do âmbito da escrita de um livro que tem como objetivo ajudá‑lo
a pensar sobre si e o seu negócio. Escrevemos os ensaios de um
modo normativo, mas isso não significa que tenha de concordar
connosco.
Tomámos algumas liberdades no que respeita à aplicação das
ideias de Nietzsche no domínio do empreendedorismo. Muitas das
citações referem‑se a pessoas do mundo das artes: artistas, poetas
e compositores. A noção de líder de Nietzsche é, normalmente, a
de um líder filosófico (tal como ele próprio se via) ou político. Nós

28
INTRODUÇÃO

vemos os empreendedores como outro tipo de criadores, líderes e


disruptores e acreditamos que as ideias de Nietzsche são suficien‑
temente profundas e gerais para acolherem a nobre aplicação que
fazemos delas. Em alguns casos, poucos, foi a citação de Nietzsche
que serviu de inspiração para o ensaio, mas não fizemos uma apli‑
cação ou interpretação direta da mesma.
Perceberá também que algumas dos relatos dos empreende‑
dores não encaixam na perfeição com nenhumas das palavras de
Nietzsche ou com a nossa própria formulação. Não incluímos estes
relatos para fazer valer o nosso ponto de vista, embora alguns aca‑
bem por conseguir este propósito. Em vez disso, os relatos ilus‑
tram o percurso mental de um empreendedor em particular após
ter lido a citação e o ensaio. Tão‑pouco se deverá sentir limitado
pelas opiniões e ideias que o capítulo possa abordar ou sugerir.
Os relatos são histórias reais, não são parábolas falsas. Niet‑
zsche sugeria muitas vezes que as nossas abstrações e princípios
gerais são uma forma de ilusão e são frequentemente enganado‑
res. Por isso, estes relatos não se limitam a dar cor — fornecem um
ângulo concreto e independente do assunto em questão. Tal como
Gilles Deleuze disse no seu clássico livro Nietzsche e a Filosofia,
“A história verídica é para a vida o que o aforismo é para o pensa‑
mento: algo a ser interpretado”. Nesse contexto, a palavra “relato”
pressupõe uma interpretação, razão pela qual a escolhemos. Não
verificámos os factos dessas histórias, e não devem ser analisadas
como uma tentativa de fazer jornalismo objetivo. Antes, cada uma
é uma interpretação de um empreendedor de alguma coisa impor‑
tante que lhe aconteceu.
Não temos dúvidas de que Nietzsche haveria de gostar des‑
te livro, pois ele disse, “Os piores leitores são os que agem como
soldados saqueadores: retiram aquilo de que precisam, cobrem o
resto com uma pilha desordenada de lixo e difamam o conjunto”.
Esperamos não termos feito como na segunda parte da frase, mas
fomos, sem dúvida, seletivos naquilo que poderíamos usar.
Por fim, tenha em mente o que Nietzsche disse sobre a sua
obra: “Considerando que também isto é apenas uma mera inter‑
pretação — e quem se atreverá a contestá‑lo? — bem, nesse caso,
tanto melhor”. Até mesmo a sua afirmação de que tudo é interpre‑
tação é apenas mais uma interpretação.

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ESTRATÉGIA
C omeçamos com “estratégia”, uma palavra usada excessiva e
indevidamente no meio empreendedor. Uma simples pesqui‑
sa no Google conduz‑nos à toca do coelho das definições clássi‑
cas, A Arte da Guerra, de Sun Tzu, as cartas de Peter Drucker, e um
livro inteiro de Michael Porter (Competitive Strategy) que parece
constar da bibliografia de mais MBA do que qualquer outro livro,
desde sempre.
Embora Nietzsche não tenha sido um teórico de gestão ou
líder, os seus instintos sobre estratégia eram prescientes. Isto
deve‑se ao facto de as suas visões terem por base elementos per‑
manentes da natureza humana e da psicologia, bem como um co‑
nhecimento intenso da história. Ele compreendia de forma instin‑
tiva a diferença entre uma alteração incremental e uma inovação
fundamental. Reconhecia que não existe um único modo correto
de agir. Sobretudo, ele sabia que a mudança requer tempo, mesmo
quando parece ocorrer de um dia para o outro.
A palavra “planeamento” é muitas vezes deixada de fora da
estratégia, a menos que nos estejamos a referir ao “processo de
planeamento estratégico”. Nietzsche oferece‑nos perspetiva tanto
sobre a importância como sobre a dificuldade de planear, espe‑
cialmente no con­texto de progresso ambicioso e disrupção. Quan‑
do tentamos concretizar algo, temos de compreender a diferença
entre marcos e metas.
Lembre‑se: a escrita de Nietzsche pode ser desafiante. Leia‑a
devagar e em voz alta, para si. Pondere escrever o que leu numa
folha para reforçar o que ele lhe diz e o ajudar a lembrar‑se do
capítulo mais tarde. A seguir, repita depois de ter lido o capítulo.

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DOMINAR

“Como Conquistar. — Não devemos desejar a vitória


quando se tem apenas o propósito de superar o
adversário por um fio de cabelo. Uma boa vitória é
aquela com que o vencido se regozija, e tem de haver
nela algo de divino que evita a humilhação.”

Por outras palavras: não devemos almejar


vitórias acanhadas. Uma boa vitória é de tal
modo inspiradora e esmagadora que até mesmo
quem perde fica impressionado e não se sente
humilhado pela derrota.

E mpresas grandes e estabelecidas com produtos amadurecidos


tendem a concentrar‑se em melhorias e vantagens incremen‑
tais. Um aumento de um décimo de um ponto percentual nas quo‑
tas de mercado ou um aumento de dois cêntimos na receita bruta
num produto com margens reduzidas pode significar milhões de
dólares em rendimento líquido.
Otimizações como estas não competem aos empreendedores.
As suas oportunidades não se traduzem em melhorias incremen‑
tais, nem mesmo substanciais. Precisa de romper completamente
com o status quo e oferecer uma nova forma de agir que seja, pelo
menos, dez vezes melhor do que a norma. Não estamos a exagerar
— “iox” é uma regra de ouro conceptual para alguns investidores,
não apenas para o retorno do seu investimento, mas também em
termos da melhoria que o produto tem de aportar.
Há razões práticas para isto. Os negócios estabelecidos têm
processos operacionais, estruturas organizacionais, relações na
indústria e estratégias de venda testados e comprovados. Quanto a

33
Nietzsche para empreendedores

si, não tem nada disto. Há riscos consideráveis em defini‑los, e um


único erro pode deitar por terra a utilidade do seu produto.
Alguém que detém um cargo tem uma marca. Mesmo se essa
marca não for totalmente respeitada, os clientes vê‑la‑ão como
uma aposta segura, ainda que não ideal. Qualquer mudança im‑
plica compromissos, e os clientes irão oferecer resistência à mu‑
dança se isso lhes trouxer ganhos potenciais relativamente pe‑
quenos. Os investidores procuram empresas com capacidade de
crescimento rápido, o que só pode acontecer se aquilo que tiver
para oferecer for radicalmente melhor. Os colaboradores moti‑
vam‑se muito mais com a perspetiva de “mudar o mundo” do que
com modificações ligeiras; é uma das razões por que se juntam a
startups.
Estas melhorias disruptivas não são sempre o resultado de
nova tecnologia. Por vezes, novos processos organizacionais, mo‑
dalidades de entrega do serviço ou abordagens de vendas e ma‑
rketing proporcionam grandes melhorias. Novas abordagens a
problemas existentes nestas áreas podem ser tão drásticas e avas‑
saladoras como produtos totalmente novos.
É improvável que os concorrentes incumbentes se “regozijem”
quando lhes destabilizar o negócio e causar a ruína da sua linha de
produtos estabelecidos. Mas quando executivos e contribuidores
individuais desses mesmos incumbentes mostrarem interesse em
trabalhar na sua empresa, saberá que criou algo “divino”. Dado que
estão familiarizados com a área de negócio, alguns irão perceber
que é o futuro. Não se sentem humilhados porque a sua empresa
os derrotou — em vez disso, encontram nova inspiração numa in‑
dústria que já conhecem.
Quando pensar em oportunidades, tente imaginar uma que
seja tão atrativa que os colaboradores progressistas dos incum‑
bentes fiquem entusiasmados com a sua oferta. Poderá, inclusiva‑
mente, tentar abordar alguns diretamente.
Para mais sobre como encontrar oportunidades que criem
mudança disruptiva, consulte Fazer o Óbvio, Uma Jogada Madura
e Desvio. Para outro ângulo sobre pensar em grande, consulte Em‑
preendedorismo em Série.

34
ENCONTRAR O SEU CAMINHO

“Este — é agora o MEU caminho, — onde está o teu?’


Assim respondi a quem me perguntou pelo ‘caminho’.
Porque O caminho — não existe!”

Por outras palavras: as pessoas costumam


perguntar‑me como devem agir numa
determinada situação. Eu digo‑lhes como é
que eu faço, mas depois pergunto‑lhes como é
que elas vão fazer, uma vez que não há uma só
forma de fazer alguma coisa.

A filosofia de Nietzsche realça que há muitas formas de olhar


para as coisas e diferentes formas de viver. A sua abordagem
chama‑se “perspetivismo” e aplicamo‑la ao empreendedorismo,
sugerindo que existem muitas formas de criar um negócio e ser
empreendedor. Neste livro, oferecemos intencionalmente con‑
selhos contraditórios e aludimos à ideia do “efeito de chicote do
mentor”, tal como observámos no programa Techstars. No final,
independentemente do conselho que receber, cabe‑lhe a si tomar
a decisão definitiva sobre o rumo que quer tomar para si e para a
sua empresa.
Já alguma vez se perguntou como é que os empresários expe‑
rientes sabem qual a resposta certa para uma determinada situ‑
ação? Muitas vezes, parecem estar bastante seguros do caminho
certo a seguir e poderão recomendar‑lhe que siga a mesma via.
Têm experiência comercial para suportar as suas crenças, mas será
que realizaram estudos controlados e imparciais com uma amostra
repre­sentativa? Examinaram amplamente o espetro de condições
que validam a sua visão? Quase de certeza que não. Em alguns

35
Nietzsche para empreendedores

casos, poderá haver alguma investigação académica que mostre


que determinadas abordagens funcionam melhor ou pior. Mesmo
nesses casos, pode ser difícil estabelecer as ações precisas que de‑
vemos tomar ou o espetro de circunstâncias nas quais encontram
aplicação.
Em grande parte do tempo, os empresários baseiam a sua
experiência e sabedoria em histórias reais e crenças de base in‑
fundadas ao invés de as basearem em evidência empírica sólida.
O campo da aprendizagem automática mostra que a inferência é
mais efetiva com mais dados, pelo que, quando estamos perante
alguém que viu muitos exemplos, uma visão intuitiva é capaz de
ter alguma validade, e é aqui que as estatísticas entram.
Por exemplo, se uma executiva tiver formado uma grande e
bem‑sucedida equipa de vendas em várias organizações, o seu
instinto na contratação de comerciais poderá ter algum mérito.
Em contraste, alguém que construiu um grande e bem‑sucedido
negócio poderá ter a capacidade de o ajudar a pensar na sua pró‑
pria estratégia e poderá acreditar que sabe qual é a melhor es‑
tratégia para si, no entanto, não tem como saber, com certeza,
se é a correta. Os investidores que já presenciaram o desenrolar
de muitas estratégias poderão ter um melhor conhecimento das
especif­icidades de potenciais estratégias. Contudo, nunca se es‑
queça de que a experiência diz respeito ao passado, que o mun‑
do está em constante mudança e que a taxa da mudança está a
acelerar.
A prática de empreendedorismo está mais profissional e pa‑
dronizada do que estava há algumas décadas. O crescimento de
fontes de financiamento padronizadas, incluindo não só o capi‑
tal de risco, mas também redes de “investidores‑anjos” e acele‑
radoras, leva a crer que só existe uma maneira certa de fazer as
coisas. Todos usam termos e condições semelhantes e estruturam
os conselhos de administração de forma análoga. Tendem a con‑
centrar‑se em categorias tecnológicas comparáveis. Em parte, isto
deve‑se ao desejo dos investidores de facilitar a sua vida, assim
como de aumentar as hipóteses de sucesso empresarial à medida
que definem a sua noção de sucesso. A quinta‑essência do em‑
preendedor moderno que ruma contra a corrente é aquele que se
autofinancia e constrói um negócio sem recorrer a financiamento
externo nem a programas de aceleradoras.

36
ESTRATÉGIA

Mesmo havendo uma única forma certa de gerir o seu negó‑


cio (e é provável que não haja), ninguém sabe ao certo qual é. As
prioridades e as experiências idiossincráticas irão colorir qualquer
conselho que receber. Terá, assim, de encontrar o seu próprio
caminho.
Há uma linha ténue entre fazer as coisas à sua maneira e co‑
meter erros de principiante. Os empreendedores de primeira via‑
gem costumam insistir que a forma como o mundo funciona em
certos aspetos está errada e empenham‑se em fazer o contrário no
seu negócio. Em resultado, não é o mundo que muda ou melhora,
mas sim o empreendedor que aprende da forma mais difícil por‑
que é que o mundo é como é. Por vezes, o melhor conselho que
pessoas experientes lhe podem dar é simplesmente dizerem‑lhe
como é que toda a gente faz determinada coisa. Isto, em si, tem
um grande valor.
Qualquer área que tente inovar irá requerer um esforço con‑
siderável. Se o seu negócio não só oferecer um novo produto, mas
também usar uma estrutura organizacional totalmente nova, uma
abordagem de distribuição original e uma estratégia de financia‑
mento sem igual, então, boa sorte. É bastante provável que, en‑
quanto combate a resistência inevitável numa área, perca a ba‑
talha noutras. Se quer conquistar a Europa, não procure fazê‑lo
simultaneamente em duas frentes.
É um “toma lá, dá cá”. Não há uma única forma de construir e
gerir o negócio. Tem de encontrar o seu próprio caminho. Mas tal
não significa que o possa fazer “às três pancadas” e esperar que dê
certo. Se inovar em demasiadas áreas ao mesmo tempo, será es‑
magado pelos obstáculos que vai encontrar para onde quer que se
vire. Nietzsche era pessoa para apreciar este tipo de adver­sidade;
mas lembre‑se de que, durante a sua carreira como escritor, ele foi
pouco conhecido e foram poucos os livros que vendeu.
Para mais sobre as implicações de trilhar o seu próprio cami‑
nho, consulte Desvio, Dois Tipos de Líderes e Consequências. Para
saber mais sobre como consultores experientes o podem ajudar a
evitar cometer erros de principiante, consulte Maturidade. Para
mais sobre avaliar os conselhos que recebe de investidores e outras
pessoas, consulte Crenças Fortes e Ao Rubro.

37
Nietzsche para empreendedores

Um Relato de Daniel Benhammou


FUNDADOR E CEO DA ACYCLICA

A minha primeira startup era uma empresa chamada Hamilton Sig‑


nal. Aceitei uma pequena quantia oferecida por familiares e amigos
para a financiar, mas na maior parte tratou‑se de autofinanciamen‑
to. A ausência de capital parecia estar a inibir o nosso crescimento e
acabou por ter um custo pessoal, uma vez que todos os meses tinha
de apertar os cordões à bolsa. Quando a vendi, a Hamilton continu‑
ava a ser uma empresa pequena, embora eu tenha conseguido ficar
com a maior parte dos lucros.
Quando, há vários anos, fundei a Acyclica, abordei investido‑
res (tanto anjos como capitalistas de risco) acerca do meu plano, na
esperança de que o cap­ital de investimento me permitisse avançar
mais depressa e evitar a pressão diária de ter fluxo de caixa. Esta‑
vam relutantes em acreditar na viabilidade de um negócio dedicado
a vender tecnologia a agências públicas para aumentar o tráfego
e reduzir o congestionamento. Estavam preocupados com o longo
ciclo de vendas inerente aos processos das agências públicas e com
a incerteza sobre a nossa capacidade de implementar e crescer sufi‑
cientemente depressa. Como de costume, o tamanho e a diferencia‑
ção do mercado também os afligiam.
Naquela altura, estava convicto de que o negócio tinha pernas
para andar e que, através da construção e venda de um produto, eu
poderia mostrar aos investidores o potencial deste mercado. Então,
voltei a autofinanciar‑me; as receitas da Acyclica aumentaram 3
milhões de dólares, com uma base de clientes e uma rede de distri‑
buição estabelecidas. Estava pronto para voltar aos capitalistas de
risco. Trabalhei na minha apresentação, aconselhei‑me com ami‑
gos e consultores e encetei reuniões com potenciais investidores.
A experiência foi notavelmente similar às minhas tentativas
anteriores. Apesar da demonstração do nosso sucesso, os investi‑
dores potenciais estavam nervosos com a possibilidade de investir
numa empresa com clientes do setor público. Após seis meses fo‑
cado em angariar dinheiro, percebi que não podia dar‑me ao luxo
de continuar a insistir nos becos sem saída. Retomei imediatamente
as rédeas do meu negócio. Com capital limitado, concentrámo‑nos
em trabalhar através de parceiros. Isto permitiu‑nos fazer subir
as vendas, a distribuição e a assistência ao cliente de uma forma

38
ESTRATÉGIA

que é económica e eficiente, mas não exige muito investimento de


capital.
Ainda assim, todas as reuniões com os investidores de risco,
investidores de capital privado e potenciais compradores desafia‑
ram‑me com boas questões, as quais, de outra forma, nunca me te‑
ria colocado. O processo de pensamento levou‑nos a dedicar o foco
para o valor estrat­égico dos dados que recolhemos. Embora conti‑
nuemos a trabalhar sobretudo com utilizadores finais do setor públi‑
co, o negócio, em si, converteu‑se num negócio de dados. Continuo
otimista de que o verdadeiro valor da Acyclica será alicerçado nos
dados e na nossa forte rede de clientes do setor público.

39
FAZER O ÓBVIO

“Também Digno de um Herói. — Eis aqui um herói


que nada fez senão sacudir a árvore quando os frutos
estavam maduros. Acham que isso é pouco? Pois olhem
bem para a árvore que sacudiu.”

Por outras palavras: alguns heróis são‑no,


porque fizeram algo que, agora, nos parece
óbvio. Será que isso torna a sua ação menos
heroica? Basta olhar para o resultado.

Uma startup prospera por estar no sítio certo à hora certa. Como
chegou lá e quão difícil foi a viagem não é muito importante do
ponto de vista do negócio.
No mundo competitivo de hoje, o processo de empreender
novos riscos e procurar oportunidades é profissionalizado e metó‑
dico. É invulgar simplesmente encontrar uma “árvore com os fru‑
tos maduros”, ou seja, um problema empresarial por resolver, mas
pronto a ser resolvido. Muitas vezes, a mesma oportunidade foi
vista por outros empreendedores. Caso contrário, os investido‑
res podem interpretar a ausência de concorrentes como um sinal
de perigo. Poderia indicar que não há mercado, que é demasiado
cedo ou que o empreendedor não está familiarizado com as práti‑
cas habituais.
Alguns empreendedores conseguem encontrar fruta madura
que ainda ninguém tenha descoberto. Muitas vezes, estão ativos
numa indústria ou numa função que dominam. Este ponto de
vantagem permite‑lhes ver novas opor­tunidades conforme vão
surgindo. Dá‑lhes uma visão das soluções que funcionarão e serão
chamativas perante potenciais clientes que enfrentam os mesmos
prob­lemas. Apesar de muitos outros nesse setor se poderem dar

40
ESTRATÉGIA

conta do prob­lema, são poucos os que estão equipados ou motiva‑


dos para encontrar soluções.
Se é um especialista do seu domínio, não precisa de procurar
mais longe ou de se esforçar mais para além de resolver um gran‑
de problema que vê todos os dias. Se é empreendedor, mas não é
especialista em nada, fará bem em encontrar um sócio que o seja.
Este sócio irá ajudá‑lo a descobrir oportunidades que estão pron‑
tas para serem exploradas e poupar‑lhe uma dose considerável de
sofrimento, evitando erros resultantes da falta de familiaridade
com o domínio. Por último, um sócio que seja especialista num
domínio poderá poupá‑lo a meses ou anos de aprendizagem da
estrutura da indústria, dos seus pressupostos e dos intervenientes
mais importantes. Sobretudo, ajuda‑o a abordar um problema que
está pronto para ser resolvido.
Não obstante, um empreendedor sem especialização pode
encontrar uma boa oportunidade antes que outros o façam. Isto
envolve uma combinação de sorte com experimentação rápida,
testes de hipóteses e iteração. As startups otimizadas e expedi‑
tas começam direcionadas para uma área geral e depois vão ex‑
plorando variações num produto e no mercado para encontrar
a correspondência entre produto e mercado. Às vezes, há uma
oportunidade ao virar da esquina, outras vezes, não. Às vezes, o
empreendedor é o primeiro a encontrá‑la, mas outras vezes, não.
Encontrar a “fruta madura” é só o início. De seguida, tem de
“sacudir a árvore”. Tem de se comprometer com a ideia e criar o
produto, a base de clientes e a organização. Nem toda a gente se
predispõe a fazê‑lo, e é isso que faz de si um empreendedor... e
um herói.
Para mais sobre o processo de encontrar oportunidades madu‑
ras, consulte Informação, Bater no Fundo e Uma Jogada Madura.

Um Relato de Jason Mendelson


SÓCIO FUNDADOR DA EMERITUS E DO FOUNDRY GROUP
E COFUNDADOR DA SRS ACQUIOM

Depois de ler esta história, perceberá porque é que não me con‑


sidero um herói. Suponho que qualquer um que tenha um sentido
de iniciativa para dar realmente início a alguma coisa em vez de

41
Nietzsche para empreendedores

simplesmente se queixar é digno de crédito, mas eu apenas resolvi


um enorme problema que tinha.
Quando uma empresa é comprada, é extremamente raro que
todo o preço da compra seja pago no momento do fecho do negó‑
cio. Há quase sempre uma quantia que fica “sob custódia” de um
dos fundos para proteger o comprador no caso de algumas das re‑
presentações no acordo estarem inválidas. Um exemplo simples
disto pode ser uma empresa alienante ter contraído uma dívida a
um fornecedor que é substancialmente maior do que o indicado no
balancete. Pode também ser necessário proceder a um pagamento
adicional ou a outros processos pós‑venda obrigatórios. Para gerir
isto, os documentos da transação nomeiam um “representante dos
acionistas” para representar os interesses dos acionistas alienantes.
Em termos históricos, esta nomeação funcionava como um género
de reflexão posterior, decidida à última hora graças ao “voluntaris‑
mo” de um dos acionistas vendedores.
Em 2000, fui contratado como Conselheiro Geral da Mobius
Venture Capital (que, na altura, se chamava Softbank Technology
Ventures). A Mobius era um grande fundo, com 2,5 mil milhões de
dólares sob gestão. Naquela época, havia umas poucas empresas
pequenas de capital de risco que tinham um conselheiro geral, mas
nenhuma das grandes tinha. Quando os nossos investimentos fo‑
ram comprados, eu fui naturalmente nomeado como representan‑
te dos acionistas. Fazia parte das minhas funções de advogado. No
espaço de poucos anos, fui representante dos acionistas de cerca de
30 empresas. Fui provavelmente uma das primeiras pessoas a vi‑
ver esta situação em massa, porque, antes disso, as funções eram
alargadas a mais pessoas. Acabei por ter a meu cargo um volume
significativo, mas gerível, de trabalho e tornei‑me especialista na
representação de acionistas.
Fui o representante dos acionistas num negócio grande e fatí‑
dico com um depósito fiduciário de 200 milhões de dólares. A tran‑
sação estipulava uma data específica até à qual o comprador de‑
veria reivindicar o depósito. Uns dias depois do prazo, recebi uma
reivindicação da totalidade do dinheiro. Disse ao comprador que
lamentava, mas tinham chegado tarde demais. Como resultado,
abriram um processo contra a empresa que estava a vender e pro‑
cessaram‑me a mim também no valor de 150 milhões de dólares.
Isto foi uma reviravolta nas minhas funções.

42
ESTRATÉGIA

À data, eu estava a braços com uma mudança para o Colo‑


rado, tanto para con­tinuar a colaborar com a Mobius, como para
cofundar um novo fundo, o Foundry Group, com alguns dos meus
sócios. Uma das tarefas que me competia era arranjar um novo te‑
lefone com número do Colorado, pelo que visitei a loja de teleco‑
municações da cadeia AT&T. O meu crédito foi recusado: apesar de
apresentar um relatório de crédito fantástico, tinha histórico do tal
processo judicial. Tive uma epifania — não me davam um telefone
novo porque era representante de acionistas!
Apesar de me ter comprometido com o Foundry Group, a nossa
angariação de fundos não estava a correr sobre rodas. Decidi come‑
çar um negócio que resolveria o meu problema de ser representante
de acionistas e — quem sabe? — pudesse igualmente servir como pla‑
no de reserva no caso de não conseguirmos angariar dinheiro para o
nosso primeiro fundo? Conhecia outros conselheiros gerais que esta‑
vam a começar a ter o mesmo problema de representação de acionis‑
tas, mas, mais importante do que isso, era normal que os acionistas
da empresa alienante estivessem em desvantagem relativamente ao
comprador, porque eram raros os casos dos que tinham um represen‑
te com experiência. Ter um representante de acionistas externo de
“referência” seria uma mais‑valia em praticamente todas as transa‑
ções de aquisição. Esta era a “fruta madura” que a SRS Acquiom iria
colher da árvore (em inglês, SRS significa “Shareholder Representa‑
tive Services”, ou serviços de representação de acionistas).
Tinha assumido um compromisso com o Foundry, pelo que não
poderia ser eu a gerir a SRS, e precisava de encontrar um cofunda‑
dor e CEO. Tinha uma série de critérios e percebi que o meu amigo
e colega Paul Koenig era a escolha perfeita. O único problema era
que Paul estava a um ou dois anos de gerir a sua própria sociedade
de advogados — com o seu nome inscrito na porta. Foram precisas
três semanas para que aceitasse a minha proposta.
A SRS é agora o interveniente dominante nos serviços de re‑
presentação de acionistas. Paul é um CEO fantástico e é um herói
por ter tido a coragem de deixar uma carreira estável e lucrativa
como fundador de uma sociedade de advogados. O Foundry anga‑
riou o seu primeiro fundo em 2007, e eu consegui transferir todas
as responsabilidades como representante de acionistas para a SRS.
Desde então, nunca mais fui designado para essa função e já posso
ter quantos telefones ou números de telefone quiser.

43
SUPERAR OBSTÁCULOS

“Surpresa na Resistência. — Quando chegamos a um


ponto em que somos capazes de ver através de algo,
acreditamos, doravante, que nos isso não nos trará
mais resistência — e eis que somos surpreendidos
com a revelação de que, lá porque conseguimos ver
através de algo, isso não quer dizer que conseguimos
penetrá‑lo em profundidade. É o mesmo tipo de tolice e
surpresa que acomete a mosca que esbarra numa janela
envidraçada.”

Por outras palavras: achamos que, se


compreendemos alguma coisa, seremos sem
dúvida capazes de a superar. Surpreende‑nos
quando as coisas acontecem como esperamos,
mas não parecemos ser capazes de fazer nada
para as mudar. Isto é tão pateta como
a mosca que investe repetidamente
contra uma janela.

Por vezes, o empreendedorismo parece‑se a uma pista de obstá‑


culos. Por cada passo que dá em frente, há algo a bloquear‑lhe o
caminho. Tem de passar‑lhe por cima ou contorná‑lo, por isso
precisa sempre de mais tempo do que o esperado para executar os
seus planos.
Muitos empreendedores são otimistas. Consegue ver aonde
quer ir e tem a confiança e o entusiasmo necessários para o levar
lá. Quando surge um obstáculo inesperado, é apanhado de sur‑
presa. Nietzsche capta bem este sentimento — quase conseguimos
ouvir a mosca a bater contra o vidro, desesperada por sair para a

44
ESTRATÉGIA

rua. Consegue ver o caminho diante de si, mas continua a ser sur‑
preendida pelo vidro.
É difícil quebrar este padrão. Para que o seu negócio singre,
tem de definir metas audaciosas para a equipa e alcançá‑las. Ain‑
da assim, sabe que vão surgir obstáculos imprevistos, alguns dos
quais não será capaz de superar só por se esforçar mais. Isto cria
um conflito propício a gerar desilusão.
Não há nenhuma solução milagrosa para resolver este proble‑
ma. O primeiro passo, contudo, é deixar de se surpreender e abor‑
recer quando acontece.
O segundo passo é aprender a reconhecer quando não é pos‑
sível superar um obstáculo pela persistência. Às vezes, as coisas
demoram mais tempo do que esperava. Noutras, adotou a aborda‑
gem errada. Para ilustrar isto, vamos alargar a metáfora da janela
de vidro. Uma janela pode estar aberta e ser apenas uma questão
de encontrar a fresta aberta. Ou a janela pode estar fechada e a
única solução ser voar pela casa à procura de outra saída. Durante
quanto tempo vai continuar a investir na mesma janela antes de
procurar uma alternativa?
Do mesmo modo, não há uma resposta simples a esta pergun‑
ta. Porém, ao estar ciente de que a solução poderá não passar nem
pela persistência nem por uma mudança de estratégia, vai melho‑
rar as suas hipóteses. Em determinadas situações, conselheiros
expe­rientes poderão ajudá‑lo a fazer essa avaliação.
Não fique surpreendido se voar contra uma janela. E, se isso
acontecer, reflita bem sobre quando e até que ponto deve mudar
de direção para superar o contratempo.
Para mais sobre conselheiros experientes, consulte Maturida‑
de. Para ângulos diferentes sobre a persistência, consulte Persis‑
tência, Paciência na Disrupção e Decisões Firmes.

Um Relato de Ralph Clark


CEO DA SHOTSPOTTER

A ShotSpotter cria um sistema que combina hardware e software para


detetar, localizar e alertar sempre que ocorrem disparos de armas
de fogo, visando reduzir a taxa de criminalidade e salvar vidas.
Quando entrei na empresa como CEO, a estratégia de vendas e

45
Nietzsche para empreendedores

implantação passava pela venda direta aos municípios. Dos clien‑


tes faziam parte as cidades e os departamentos policiais mais so‑
fisticados a nível tecnológico dos Estados Unidos da América. Uma
vez efetuada a venda e instalados os dispositivos e o software, os
clientes ficavam por sua conta, contando apenas com assistência
técnica e manutenção.
Para a equipa que fundara a empresa, isto parecera‑lhes o
caminho óbvio rumo ao sucesso, mas não havia um aumento nas
vendas. Havíamos deparado com uma janela. Para chegar à raiz do
problema, passei bastante tempo com os clientes existentes, bem
como com clientes potenciais que ainda não tinham adotado a tec‑
nologia. O que concluí foi fascinante. Os clientes consideravam‑se
tecno­logicamente aptos, mas, examinados de perto, apresentavam
competências demasiado restritas e com recursos limitados. Em
termos práticos, a sua capacidade para trabalhar com tecnologia
nova e diferente era reduzida.
Percebi também que não estavam a usar o sistema ativamente.
Quando os sondei e escutei empaticamente a mensagem nas entre‑
linhas, senti que estavam desconfortáveis com a posição em que os
sistema os colocava. Nem todos os alertas equivaliam a disparos
reais de armas de fogo, e tinha de haver alguém respon­sável por
fazer essa avaliação. Se respondessem a um falso positivo, desper‑
diçavam recursos, e se não respondessem a um positivo verdadeiro,
poderia haver fatalidades. Uma vez que os departamentos policiais
são muitas vezes responsabilizados injustamente por julgamentos
feitos no calor de uma crise, resistiam a esta nova fonte de informa‑
ção imperfeita.
A minha solução era mudar completamente o modelo de negó‑
cio. Decidi oferecer a ShotSpotter como um serviço por subscrição,
no qual iríamos gerir todo o software e implementar e manter o hard-
ware. Iríamos, sobretudo, ter um centro de operações que monito‑
rizasse todos os alertas emitidos pelo sistema, fazer uma avaliação
caso a caso e reportar ao departamento policial competente apenas
os sons de disparos com alta probabilidade de serem tiros reais.
Depois de apresentar esta nova estratégia, que eu achava que
iria abrir a janela, esbarrei com um obstáculo que eu próprio criei.
A equipa não estava totalmente de acordo com esta manobra. Não
estava convencida de que eu estava a fazer uma leitura correta do
mercado e estava preparada para insistir na estratégia de vendas

46
ESTRATÉGIA

da empresa, talvez com pequenas alterações ou apenas para envi‑


darem mais esforços. Houve quem resistisse de forma ativa, outros,
de forma passiva.
Tomei outra decisão, que foi ainda mais difícil: a minha nova
estratégia estava correta e quem não concordasse não poderia
acompanhar os avanços da empresa. Reuni toda a gente e expli‑
quei que tínhamos atracado num porto novo e íamos deitar fogo
às embarcações. Não iríamos retomar a estratégia antiga, mas sim
apostar na nova. Ficámos sem algumas pessoas, mas os que per‑
manecerem connosco acederam fazer da nova estratégia um suces‑
so. Felizmente, comprovou‑se que eu tinha razão, atualmente, a
ShotSpotter salva vidas por todo o mundo.

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