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HISTÓRIA DO PENSAMENTO

ECONÔMICO
AULA 1

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

Economia e as escolas anteriores a Adam Smith

Neste estudo, vamos percorrer os principais caminhos de ideias que


culminaram no surgimento e desenvolvimento da Ciência Econômica. Para
tanto, nosso primeiro tópico será uma reflexão sobre a historiografia do
pensamento econômico, para subsidiar as análises que faremos sobre as
produções textuais dos economistas que estudaremos.
Como nascemos e crescemos em um mundo dominado pelo sistema
capitalista, fica difícil imaginar o que havia antes dele. Por isso, faremos uma
breve passagem pelo pensamento econômico da Antiguidade e da Idade Média,
já que as ideias são construções de longa duração, ou seja, mesmo que a HPE
só tenha se maturado com os fisiocratas, como veremos adiante, há diversas
ideias que já circulavam anteriormente e que contribuíram de alguma forma com
a construção da economia política enquanto ciência.
Em seguida, partiremos para a compreensão da Economia Política
considerada contemporânea, justamente por já estar relacionada à busca por
entender o funcionamento do capitalismo. Duas escolas são fundamentais para
compreender a transição do feudalismo para o capitalismo: mercantilista, da
“época em que o capitalismo deu seu primeiro salto para a existência” (Rubin,
2014, p. 34), e fisiocrata, que a partir de François Quesnay conseguiram dar ao
pensamento econômico um formato cientificamente mais sofisticado.
A HPE é fundamental para compreender a esfera econômica de nossa
existência,assim, espero que você se dedique e que tenha bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

Para a maioria da população brasileira, é natural pensar que para


conseguir comprar alimentos, pagar aluguel e contas de casa, ou consumir
qualquer outro tipo de bem, é necessário o trabalho. Com o trabalho é que se
deve conseguir dinheiro para fazer esses pagamentos. Também é natural pensar
que, se esse salário não for o suficiente para a sobreviência do indivíduo e de
sua família, ele poderá pegar um empréstimo em um banco, por exemplo, para
o qual pagará alguma taxa de juros.

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Entretanto, todas essas questões que nos parecem normais e naturais
nem sempre foram a ideia dominante. Houve um tempo em que o trabalho era
considerado degradante e apenas os escravizados o deveriam fazer, assim
como a ideia de cobrar juros era considera imoral. Além disso, já foi considerada
absurda a ideia de comprar algo e vender posteriormente por um preço maior.
Você já pensou que as concepções de mundo que possuímos hoje são
construções da sociedade em que vivemos? Que diversas ideias comuns em
épocas passadas foram desafiadas por pessoas que, por distintas razões,
pensavam diferente e conseguiram transformar o mundo com esses
questionamentos? Que a economia não possui leis restritas e está sempre em
debate, justamente se transformar conforme a própria sociedade se transforma?
Nesta etapa, convidamos você a abrir sua mente para um universo de
ideias que desafiam nossa compreensão e que já transformaram o mundo
diversas vezes. Com isso, conseguimos subsídios para questionar nosso
contexto atual e nossa sociedade, entendendo que as coisas não são tão
imutáveis quanto tantas vezes nos parece, observando apenas o tempo em que
vivemos. A História do Pensamento Econômico nos auxilia a pensar a história
da própria sociedade. O que podemos descobrir ao desvendá-la?

TEMA 1 – REFLEXÕES SOBRE HISTORIOGRAFIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO

Créditos: Vipman/Shutterstock.

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A História do Pensamento Econômico é a disciplina basilar para
compreender a própria economia política. Mas, se na economia política
estudamos as teorias, na HPE buscamos compreender também as condições
históricas em que tais ideias se desenvolveram, pois “só pela contextualização
das teorias na história do pensamento econômico é que podemos avaliar com
propriedade as questões de fundo que estão envolvidas no debate econômico”
(Oliveira; Gennari, 2009, p. 1). Ou seja, para compreender as discussões que
eram feitas, precisamos compreender os problemas daqueles contextos.
Nesse sentido, fica claro que os economistas não lidam sempre com as
mesmas questões: a economia é uma ciência social justamente porque estuda
uma matéria que se modifica constantemente. Ao tratar sobre o pensamento
econômico na Antiguidade ou na Idade Média, por exemplo, precisamos
considerar que a noção de economia não existia como a entendemos
atualmente, ainda que houvesse produção material. Existiam, portanto, reflexões
de questões econômicas, mas não teorias econômicas propriamente ditas.
Enquanto o pensamento da Antiguidade refletia a economia escravista da
época, o pensamento da Idade Média refletia o feudalismo como modo de
produção (Rubin, 2014). As produções eram, mais naturais no sentido de que
visavam à autossuficiência e não ao lucro, como ocorre no modo de produção
capitalista. Apesar disso, é importante ter, no mínimo, algumas noções do que
se discutia na Antiguidade e na Idade Média, porque muitas dessas ideias
fundamentaram discussões posteriores.
Já no mercantismo, as ideias econômicas começaram a se adensar,
tomando forma mais próxima ao caráter científico que esses estudos assumiram
no século XVIII – um período de transição do feudalismo para o capitalismo, que
inclui a busca pelo caminho das Índias e a conquista da América, além de
diversas outras mudanças que alteram constantemente as perspectivas
econômicas. Assim, os chamados mercantilistas escrevem nesse caráter
transitório, mais prático do que teórico, visando resolver as questões que
surgiam sem ter clara ideia de como funcionava aquele mundo.
Os fisiocratas também atuaram em um mundo transitório. Situados na
França e vivendo os conflitos bélicos com os ingleses, na Guerra dos Sete Anos
(1756-1763), deram um significativo passo na compreensão do sistema
capitalista em formação naquele momento. Mas é apenas posteriormente que
Adam Smith inaugura um estudo da economia com um “modelo abstrato

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completo e relativamente coerente da natureza, da estrutura e do funcionamento
do sistema capitalista” (Hunt, 2021, p. 33).
A partir de então, diversos pensadores desenvolveram as teorias que
fazem parte da construção da Ciência Econômica, sendo a maioria deles
europeus, visto que a partir da conquista e colonização de diversas partes do
mundo por aquele continente ideias, costumes e religiões foram sobrepostas ao
que havia originalmente em cada território conquistado. Assim, a HPE deve ser
pensada nesse contexto de construção de um mundo capitalista eurocentrado.

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TEMA 2 – NOÇÕES SOBRE PENSAMENTO ECONÔMICO NA ANTIGUIDADE
E NA IDADE MÉDIA

Créditos: Scaliger/adobestock.

A palavra economia tem origem na expressão grega oikonomikos, em que


oikos significa casa e nomik se relaciona à ideia de administração. Desse modo,
o conceito estava mais próximo às noções de economia doméstica ou
administração do lar. No pensamento da Grécia Antiga, a política era o núcleo
ordenador da sociedade e a economia era algo ainda não tão bem definido, mas,
de certa forma, submisso a essa esfera da existência. A primeira referência a
essas ideias de economia teria sido o texto Ho oikominikos, do pensador grego
Xenofonte (430 a.C.-354 a.C.). Mas foi Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) quem
desenvolveu as ideias gregas que ficaram mais marcadas na HPE.
Para Aristóteles, a economia era a forma natural com que as famílias
adquiriam bens para as necessidades humanas. Já o acúmulo de riquezas por
meio do comércio de dinheiro e/ou de empréstimos ele chamava de crematística,
uma forma antinatural justamente por buscar a riqueza como um fim em si
mesmo e era, portanto, a criação de riqueza infinita, antinatural porque nascia
de si mesma e podia seguir se reproduzindo indefinidamente, uma vez que
contrariava as leis naturais, era imoral, antiética.

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Créditos: MidoSemsem/Adobe Stock.

Entretanto, visto que as pessoas acumulavam variadas quantidades de


bens e uns possuíam mais do que outros, era natural que alguma permuta
ocorresse na sociedade. A esse tipo de intercâmbio Aristóteles chamou de arte
de aquisição, só que o pensador percebeu que a troca poderia ocorrer pelo valor
de uso do bem (quando a pessoa troca para atender à sua necessidade de
consumo) e pelo valor de troca (quando a transação é realizada vendendo o
produto por um valor mais caro do que foi comprado, visando acumular dinheiro)
(Oliveira; Gennari, 2009). Era uma percepção bastante primitiva sobre o valor
quando comparada às desenvolvidas teorias sobre o tema na Economia Política
a partir de Adam Smith, já no século XVIII.
Aristóteles contribuiu ainda com algumas considerações acerca do

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dinheiro, ao concluir que não é o valor intrínseco (valor do material com que é
feito o dinheiro) que o faz valer como meio de troca, mas, sim, a crença coletiva
ou o costume da comunidade em utilizá-lo. Além disso, apesar de acreditar que
a moeda surgiu para facilitar as trocas, o pensador percebeu que ela estava
sendo utilizada para acumular valor e multiplicar riquezas por meio dos
empréstimos. Por muito tempo, esse caráter de acumulação foi considerado
odioso no mundo ocidental, chegando a ser encarado como pecado no período
medieval, em que era bastante presente o conceito de usura.
Depois de Aristóteles, podemos avançar alguns séculos e observar
considerações importantes desenvolvidas no Império Romano (27 a.C.-
476 d.C.). Mesmo ainda não havendo o desenvolvimento de teorias econômicas,
o sistema de direitos privados individuais criados pelo sistema jurídico romano
possibilitou pensar a economia sob outros aspectos, já mais separada da política
e das discussões sobre ética.
Prosseguindo nessa resumida linha histórica, chegamos ao período em
que o pensamento era dominado pela Igreja: a Idade Média (século V ao
século XV). O principal pensador medieval foi Santo Tomás de Aquino (1225-
1274), que se inspirava também em Aristóteles e condenava o comércio feito
com o objetivo de acumulação. Nesse sentido, o que Aristóteles considerava
antinatural, os pensadores medievais consideravam imoral (Rubin, 2014). O
trabalho, o comércio, a usura, dentre tantos outros temas, foram objetos de
debate nesse longo período da Idade Média, marcado pelo crescimento da
economia mercantil, que foi forçando a mudança, pouco a pouco, de muitas das
regras canônicas em voga (Oliveira; Gennari, 2009), abrindo caminho para as
ideias chamadas mercantilistas.

TEMA 3 – MERCANTILISMO

O mercantilismo marcou os séculos XVI e XVII como um conjunto de


práticas econômicas que consolidaram a transição entre o feudalismo e o
capitalismo. Os pensadores desse período consideravam que a maior fonte de
acumulação de riquezas era o comércio. Por isso, criavam e defendiam políticas
de Estado que estimulassem as práticas mercantis e que aumentassem o
entesouramento de riquezas, sobretudo ouro e prata. Nesse período, observa-
se a intensificação de uma economia monetária, seja para trocas comerciais
privadas, seja para as questões de política econômica.
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Créditos: Thicha/Adobe Stock.

A própria ideia de fazer política econômica é algo bastante característico


dessa fase, na qual se percebe o surgimento do mercado enquanto entidade e
do Estado como unidade central para a regência da economia. A aliança entre o
capital mercantil e as monarquias absolutistas originaram um sistema interestatal
capitalista que se consolidou ao final daquele período. Os mercantilistas eram,
portanto, defensores do capital mercantil que disputavam com os interesses da
agricultura e das manufaturas. A combinação entre esses interesses poderia
assumir distintas formas, dependendo do país que observamos.
Nesse sentido, a construção de um pensamento econômico passou pela
necessidade dos mercantilistas de defender que seus interesses particulares
coincidiam com os interesses gerais, tanto da sociedade quanto do Estado. Para
isso, os mercantilistas necessitavam “estabelecer uma relação causal entre
diferentes fenômenos econômicos” (Rubin, 2018, p. 61), criando uma análise
mais abrangente do funcionamento da economia e da sociedade que foi dando
base para o desenvolvimento do que entendemos hoje como Economia Política.
O mercantilismo é dividido em duas fases. Na primeira, os mercantilistas
defendiam que a principal forma de enriquecer o tesouro do Estado era privando
a saída de metais preciosos do território. Um dos modos de fazê-lo era pelas
políticas de câmbio, pois acreditava-se que a desvalorização da moeda
encarecia as mercadorias importadas; era o chamado mercantilismo primitivo,
marcado por um sistema de equilíbrio monetário que refletia a grande
escassez de metais preciosos que vivia a Europa naquele período (Rubin, 2018).
Mas o avanço da conquista da América mudou essas concepções. A
descoberta de ricas fontes de metais preciosos no novo mundo latino-americano
levou as monarquias europeias, sobretudo a Coroa espanhola, a intensificar a
expansão marítima e instituir monopólios para o comércio com suas colônias, de
modo a manter os metais preciosos dentro do país. A inundação de ouro e prata

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que esse processo desencadeou na Europa alterou as estratégias
mercantilistas, que passaram a se pautar num sistema de equilíbrio comercial
(Rubin, 2018), defendido mediante políticas protecionistas que incentivassem a
produção agrícola e manufaturada interna e desestimulassem a compra de
produtos acabados no exterior, garantindo uma balança comercial positiva.
O pensamento mercantilista surgiu com discursos mais práticos, mas
oportunizou a alguns pensadores o desenvolvimento de ideias econômicas mais
teóricas e científicas, como no caso do inglês William Petty (1623-1687), ou mais
filosóficas, como no caso de David Hume (1711-1776). Destaca-se também o
nome de Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), ministro e conselheiro econômico
de Luís XVI, na França, que implantou diversos códigos e regulamentos para
produção de manufaturas e comércio exterior, visando proteger indústria interna
e promover exportações.
Uma curiosidade: o ministro francês Jean-Baptiste Colbert foi interpretado
pelo ator Steve Cumyn na série televisiva Versailles. Apesar de ser um seriado
de ficção, a ambientação do roteiro no período do reinado de Luís XIV permite
identificar alguns acontecimentos e processos históricos importantes daquele
período. A terceira e última temporada da série é a mais interessante para nos
aproximarmos de alguns dos problemas econômicos da época mercantilista.
Mas, lembre-se de que a série é uma ficção e deve ser vista como tal!
No mercantilismo, a transição entre feudalismo e capitalismo revela a
redução do poder dos senhores feudais e o fortalecimento dos Estados, com
guerras e expansões imperialistas sendo motivadas a buscar o enriquecimento
estatal. Era uma disputa constante entre os Estados, como se a riqueza de um
representasse a pobreza de outro. Nesse sentido, o período mercantilista é
marcado por uma intensa aliança entre os donos do dinheiro e os detentores de
poder, ou seja, entre capital e Estado. Mas esse processo não ocorreu
igualmente nos diferentes países europeus, de modo que o processo francês
desencadeou um novo movimento no pensamento econômico: a fisiocracia.

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TEMA 4 – FISIOCRACIA: FISIOCRATAS COMO REFORMADORES SOCIAIS

Créditos: Andrii Yalanskyi/Shutterstock.

Os fisiocratas eram reformadores sociais franceses que se inspiraram


principalmente na obra de François Quesnay para interpretar os problemas da
França e propor soluções (Hunt; Lautzenheiser, 2021). A principal ideia deles era
a de que apenas a terra gera riqueza, de modo que a sociedade deveria ser
pautada nas leis naturais que eles acreditavam reger o mundo. Assim, os
fisiocratas se opunham aos mercantilistas: ao invés do comércio e da indústria,
enfocavam na agricultura e ao invés de acreditarem na intervenção do Estado,
defendiam as leis naturais.
Com isso, desenvolveram sugestões e teorias sobre o funcionamento da
política francesa. Primeiro, esses pensadores perceberam que as políticas
mercantilistas desenvolvidas por Colbert realmente possibilitaram que a indústria
de artigos de bens de luxo francesa prosperasse e se tornasse referência no
mercado internacional. Entretanto, as restrições às exportações de grãos, por
exemplo, e as demais políticas voltadas à agricultura não traziam prosperidade
à França como levavam aos ingleses. A diferença fundamental era que na
França a produção agrícola tinha técnicas atrasadas e era realizada, sobretudo,
por camponeses empobrecidos – algo bastante distinto do contexto britânico.
As propostas fisiocratas passavam por uma reforma social na França que
deveria excluir todas as restrições anteriormente impostas pelo Estado (como

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tarifas, impostos e subsídios) e reorganizar a política de terras, para criar no país
uma agricultura capitalista que produzisse em grande escala. Para financiar a
estrutura estatal, bastaria um único imposto, segundo os fisiocratas, pago sobre
as atividades agrícolas (Hunt; Lautzenheiser, 2021). Essas propostas fisiocratas
mexiam com a estrutura da sociedade francesa, pois enfraqueceriam a nobreza
feudal e fortaleceriam a classe dos agricultores capitalistas.
Por isso, essa escola de pensamento, fundamentalmente de seguidores
de Quesnay, ofereceu mais discussões teóricas e ideias do que políticas
efetivas. Uma excessão foi a passagem de Anne Robert Jacques Turgot (1727-
1781) pelo ministério da Fazenda francês, entre 1774 e 1776, que conseguiu
implementar algumas reformas e logo foi forçado à renúncia, justamente por
mexer com os interesses das classes reacionárias francesas. Ao invés de
reforma, portanto, a França passou pela Revolução, iniciada em 1789, levando
a outro caminho de desenvolvimento rumo à economia capitalista.

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TEMA 5 – IDEIAS ECONÔMICAS DE QUESNAY

François Quesnay era francês e viveu de 1694 a 1774. Na época, era


médico, e hoje podemos dizer que também era economista. Como médico,
chegou a cuidar do rei Luís XV e viver no palácio de Versalhes, onde passou a
se dedicar ao estudo da economia. Quesnay escreveu sua principal obra em
1758, o Tableau Économique (Quadro Econômico), considerada uma grande
descoberta científica pelos fisiocratas, mas que, caída no esquecimento, só foi
retomada e aclamada novamente por Karl Marx já no século XIX.

Créditos: Everett Collection/Shutterstock.

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Com Tableau Économique Quesnay foi o primeiro a dividir a economia em
setores e demonstrar como eles se relacionavam, utilizando conceitos médicos
– como fluxos, circulação, órgãos e funções – para tal (Vasconcellos; Garcia,
2001, p. 15). O texto traz basicamente um modelo econômico de ciclos anuais,
que “mostra os processos de produção, circulação das moedas e das
mercadorias e a distribuição de renda” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 30).
Para Quesnay, o ano começava com a colheita realizada, de modo que
acompanhava ao longo do texto o processo de circulação dessa produção,
analisando no agregado as transações realizadas entre as classes. A terra está
no centro desse modelo, pois é ela que gera riqueza, enquanto a indústria e o
comércio são estéreis. O economista considerava que as nações se dividem em
três classes: produtiva (agricultores e capitalistas agrícolas), proprietários
(incluindo Coroa e clero), e estéril (comerciantes e trabalhadores industriais).
Repare que a classe produtiva é composta por agricultores e capitalistas,
ou seja, há uma parte que vende sua força de trabalho para sua própria
subsistência (agricultores), e outra parte que possui renda maior do que o
necessário (capitalistas). Esse é um ponto importante por ser bastante distinto
do que se verificou nas situações que estudamos anteriormente: na Grécia
Antiga o trabalho era servil ou escravo, sendo considerado degradante; na Idade
Média o feudalismo se caracterizava pelo trabalho do servo, que recebia um
pedaço de terra sobre o qual produzia para sustentar a si e ao senhor feudal; e
no mercantilismo a escravidão fez parte da própria acumulação de riquezas pelo
comércio transatlântico de escravos.
Assim, na teoria de Quesnay há uma situação relativamente nova para
pensar a economia: o trabalho assalariado. Essa questão será fundamental para
compreender o funcionamento do capitalismo e, por isso, é um ponto central no
desenvolvimento da Economia Política. Nesse sentido, ainda que Quesnay não
tenha desenvolvido uma teoria acerca de valor e salários, ele percebeu que havia
diferença entre o que era pago a esses grupos dentro das classes que ele
delimitou. Na classe produtiva, a diferença entre o pagamento aos capitalistas e
aos trabalhadores era explicado pela complexidade do trabalho, ou seja, os
capitalistas tinham um trabalho mais complexo com a administração da produção
e por isso recebiam mais do que os agricultores que faziam o trabalho braçal.
Entretanto, aos fisiocratas era mais importante compreender como a
riqueza se formava e circulava na sociedade, o que foi demonstrado pelo quadro

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de Quesnay, no qual os trabalhadores rurais produzem o suficiente para cobrir
despesas e investimentos necessários para o ano seguinte, assim como a renda
que os capitalistas deveriam pagar aos proprietários de terra. Estes últimos não
produziam riqueza, apenas recebiam a renda excedente do processo produtivo,
considerada um presente da natureza. Esses valores recebidos pela classe
ociosa seriam gastos com os produtos agrícolas e industriais dessa economia.

Saiba mais

Quesnay desenvolveu um quadro para explicar seu modelo. Como


exemplo, considera que a riqueza produzida por uma nação hipotética era de
5 bilhões, que se distribuía entre as classes da seguinte forma:
CLASSE DOS
CLASSE PRODUTIVA CLASSE ESTÉRIL
PROPRIETÁRIOS
•Adiantamentos •Renda •Adiantamento
anuais desta classe no de 2 bilhões para esta desta classe na soma
montante de 2 bilhões, classe; de 1 bilhão,
•que produziram 5 •destes, 1 bilhão é •despendida pela classe
bilhões, despendido em compras estéril em compras de
à classe produtiva, matérias-primas à
•dos quais 2 bilhões são
•e o outro bilhão em classe produtiva.
produto líquido ou
compras à classe estéril.
renda.

Fonte: Adaptado de Quesnay, 1996, p. 212.

*Os adiantamentos anuais consistem nas despesas feitas anualmente com os trabalhos do
cultivo; esses adiantamentos devem ser distinguidos dos adiantamentos primitivos que foram os
fundos para estabelecer o cultivo e que valem cerca de cinco vezes mais que os adiantamentos
anuais.

Desse quadro, as principais conclusões são:

• A classe produtiva produziu 5 bilhões a partir dos 2 bilhões adiantados;


• A classe dos proprietários não produz, mas despende a renda/excedente
do processo produtivo em consumo;
• A classe estéril não produz riqueza, pois o 1 bilhão recebido a partir das
compras da classe dos proprietários será gasto com a compra de 1 bilhão
em suprimentos à classe produtiva.
A partir dessa análise, Quesnay propõe diversas considerações e
problemas que mostram porque apesar dos equívocos, o autor trouxe um grande
avanço à Economia enquanto ciência. Para compreender melhor o modelo de
Quesnay, leia a parte inicial de seu livro (Quesnay, 1996, p. 211 a 218). Uma
forma mais didática do modelo é apresentada também por Rubin (2014) no
capítulo 15, intitulado O Tableu Économique de Quesnay.

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Nesse modelo, portanto, era necessário que a moeda estivesse
circulando perfeitamente, ou seja, que todos os produtos seriam vendidos ao
longo do período e pagos com dinheiro, de modo que o entesouramento aparecia
como um problema, pois tirava a moeda de circulação. Esse problema também
foi bastante debatido por economistas posteriores.
Quesnay e os fisiocratas iniciaram a utilização do termo laisse-faire na
economia para explicar que natureza e racionalidade deveriam mover o sistema
econômico, que funcionaria tão mais perfeitamente quanto menos interferência
estatal tivesse. Eles nunca conseguiram provar essa teoria, pois antes que
aprofundassem a tentativa a Revolução Francesa mudou todo o sistema francês.

TROCANDO IDEIAS

Como vimos ao longo desta etapa, a economia nem sempre foi vista como
uma esfera autônoma da existência humana. Na Grécia Antiga, estava
subordinada à política e à moral, no mercantilismo estava suborndinada ao
poder, aos Estados. Com os fisiocratas, entretanto, essa esfera finalmente vai
ganhando autonomia e sendo entendida enquanto tal. Outro importante ponto de
mudança é com relação ao trabalho, que passa por um processo compulsório ao
assalariado, assim como as percepções acerca do comércio e da acumulação
foram se tranformando.
Nesse contexto, toda discussão acerca da moral, das leis da natureza e
do próprio funcionamento da sociedade foi se alterando. Em 1723 foi publicado
na Grã-Bretanha o livro A fábula das abelhas ou vícios privados, benefícios
públicos, escrito por Bernard de Mandeville. O texto é uma sátira britânica que
explicava como o vício era fundamental para a emergência do capitalismo nas
sociedades. Ela rejeitava que a natureza humana fosse essencialmente positiva,
demonstrando que os vícios geravam benefícios públicos.
Um vídeo muito interessante sobre esse texto foi publicado pelo canal da
Universidade de Amsterdam no YouTube, disponível em: <https://www.youtu
be.com/watch?v=y-6qdHzSDug&t=214s&ab_channel=SocialSciences-UvA>.
Acesso em: 16 ago. 2022. Esse link direciona ao vídeo oficial, mas você pode
encontrá-lo com as legendas em português nessa mesma plataforma. Depois de
assistir, responda: se a sociedade capitalista necessita de vícios privados para
prosperar, assim como de crimes e corrupções, como afirmou Mandeville, você
acha que a luta contra a corrupção deve ser uma bandeira mais importante dos
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políticos brasileiros do que um projeto com políticas econômicas e sociais que
visem ao desenvolvimento para o Brasil?

NA PRÁTICA

Para melhor assimilar os conteúdos aprendidos nesta etapa, responda às


seguintes questões:

1) O que é crematística e por que ela é considerada antinatural?

2) Qual era a atividade econômica mais importante para os mercantilistas e


qual era o maior objetivo de suas políticas?

3) Quem eram os fisiocratas e qual a principal ideia desse grupo?

4) Quais foram as classes sociais identificadas por Quesnay em seu Tableu


Économique? Por quais grupos elas eram compostas?

FINALIZANDO

Nesta etapa, tratamos da História do Pensamento Econômico pré-


clássica, passando pelas percepções sobre a economia registradas desde a
Grécia Antiga até o início do período capitalista. A transição do feudalismo para
o capitalismo marca a emergência de um pensamento econômico mais
propositivo, que como vimos, foi passando a perceber a economia como uma
esfera autônoma da existência. Com a reflexão acerca dessa historiografia,
vimos que esses economistas não eram inferiores intelectualmente, mas
“estavam escrevendo numa época de transição socioeconômica em que as
características do sistema capitalista emergente estavam permeadas de muitos
vestígios do antigo sistema” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 31).
Ainda que o capitalismo esteja em constantes mudanças e avanços, os
fundamentos sociais e econômicos identificados por muitos pensadores, tanto
clássicos como os anteriores, ainda podem ser percebidos. Nesse sentido, é
fundamental a todo economista contemporâneo dominar a história do
pensamento econômico para compreender seu próprio meio e interpretar o
mundo em que vive.

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REFERÊNCIAS

FONSECA, E. G. da. Reflexões sobre a historiografia do pensamento


econômico. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 235-259, maio-
agosto. 1996.

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do Pensamento Econômico: uma


perspectiva crítica. Tradução de André Arruda Villela. 3. ed. Rio de Janeiro: Gen
- Grupo Editorial Nacional. Publicado pelo selo da Editora Atlas, 2021.

OLIVEIRA, R. de; GENNARI, A. M. História do Pensamento Econômico. São


Paulo: Saraiva, 2009.

QUESNAY, F. Quadro econômico dos fisiocratas. In: PETTY, W.; QUESNAY, F.


Obras econômicas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

RUBIN, I. I. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Editora


UFRJ, 2014.

VASCONCELLOS, M. A. S.; GARCIA, M. E. Evolução do pensamento


econômico: breve retrospecto. In: VASCONCELLOS, M. A. S.; GARCIA, M. E.
Fundamentos de economia. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 14-22.

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RESPOSTAS

1) A crematística foi uma categoria criada por Aristóteles para explicar o


acúmulo de riquezas por meio do comércio de dinheiro e/ou de
empréstimo, considerando que isso não era economia para ele. Era
considerada uma forma antinatural justamente porque buscava a riqueza
como um fim em si mesma, e não para a subsistência.

2) A atividade econômica mais importante era o comércio, e o maior objetivo


era o acúmulo de riquezas na forma de metais preciosos.
3) Os fisiocratas eram reformistas franceses. A principal ideia era que
apenas a terra gera riqueza, de modo que a sociedade deveria ser
pautada nas leis naturais que eles acreditavam reger o mundo.
4) Classe produtiva (agricultores e capitalistas agrícolas), classe dos
proprietários (incluindo Coroa e clero), e classe estéril (comerciantes e
trabalhadores industriais).

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HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ECONÔMICO
AULA 2

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

Anteriormente, tratamos sobre a História do Pensamento Econômico pré-


clássica, passando por noções da Antiguidade sobre economia e avançando
para o debate entre mercantilistas e fisiocratas. Nesta etapa, veremos como o
caráter científico da Economia Política avançou na chamada Escola Clássica.
Em um período de profundas transformações na sociedade, entre meados do
século XVIII e meados do século XIX, a Revolução Industrial consolidou o
capitalismo na Inglaterra e possibilitou novas percepções acerca do
funcionamento desse sistema.
Primeiro com Adam Smith e depois com David Ricardo, a Economia
Política deu um salto à existência de fato. Cátedras dessa disciplina começaram
a ser criadas nas universidades e a distribuição das rendas geradas por tão
grande aumento na produtividade, sobretudo com o surgimento das fábricas,
tornou o debate fecundo. Por isso, nosso primeira tópico desta etapa será o
contexto histórico desse período, para compreender as conjunturas em que
Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo, os mais importantes
economistas da Escola Clássica, desenvolveram suas teorias, conforme
veremos nos outros quatro tópicos.
Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

Crises econômicas, polarizações políticas, pandemia, guerra... Diante de


tantos acontecimentos e incertezas, compreender o mundo em que vivemos e
fazer projeções futuras sobre o sistema econômico se torna ainda mais difícil.
Os economistas da Escola Clássica também viveram um período de intensas
transformações com as revoluções de independência dos países americanos, a
Revolução Francesa, as Guerras Napoleônicas, epidemia de cólera...
Além disso, a Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista
naquele período, enquanto hoje vemos a Revolução 4.0 transformar nossa
conjuntura:

Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará


fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos
relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a
transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano
tenha experimentado antes", diz Klaus Schwab, autor do livro A Quarta
Revolução Industrial, publicado este ano. (Perasso, 2016)

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TEMA 1 – O CONTEXTO HISTÓRICO DA ESCOLA CLÁSSICA

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Enquanto o mercantilismo advogava pelo comércio e os fisiocratas o


combatia em defesa da agricultura, a Escola Clássica surgiu tendo como
protegida a classe dos capitalistas (Rubin, 2014). Nesse processo de transição
cada vez mais intenso do modo de produção, sobretudo na Inglaterra, os
mercadores passaram a conquistar maior importância nos processos produtivos
de mercadorias. Como os mercados para compra de matérias primas e venda
da produção se expandiam e se distanciavam do produtor, estes passaram a
depender dos comerciantes para realizar as transações.
As atividades econômicas foram pouco a pouco se tornando mais
especializadas. Dominando o comércio e o transporte, os negociantes
começaram a encomendar mercadorias aos produtores, fornecendo as matérias
primas e tornando-se donos dos produtos. As restrições às manufaturas que
remontavam às guildas se tornaram obsoletas diante do vultuoso crescimento
produtivo que ocorria naquele contexto. Mudanças na legislação permitiram o
surgimento de oficinas artesanais independentes e produções domésticas de
grande escala, cada vez mais intermediadas pelos comerciantes.
Muitos desses produtores endividaram-se tanto com os negociantes que
necessitaram vender suas ferramentas e ficar apenas com sua força de trabalho
para garantir a própria sobrevivência. Com isso as manufaturas se multiplicavam

3
pela Inglaterra, começando a reunir trabalhadores para a produção em um
mesmo ambiente, superando as produções domésticas. Agora muitos
trabalhadores recebiam salários, pagos pelos empresários das manufaturas.
Elas ainda se diferenciavam das fábricas: enquanto essas últimas se
caracterizavam pelos maquinários, a manufatura seguia utilizando
essencialmente o trabalho manual. Mas a crescente demanda por produtos
ingleses no exterior estimulou o desenvolvimento de maquinário, que
favoreceram principalmente o setor têxtil e a metalurgia. Esses
aperfeiçoamentos foram resultado de um longo processo de invenções
precedentes, como a Spinning Mule, de 1779, que combinava tecnologias das
duas máquinas anteriores e chegava a produzir duzentos vezes mais fios do que
sem ela (Rubin, 2014).
Na metalurgia, novas técnicas permitiram a utilização do carvão e do
ferro, de modo que se deixava de depender de lenha para a produção. Mas a
mais importante invenção desse período foi da máquina a vapor. Com ela, já não
seria necessário montar as fábricas perto de rios para utilizar a energia
hidráulica, ocasionando o deslocamento de diversas empresas ao longo do
território inglês. A máquina a vapor também foi resultado de invenções
anteriores, mas foi o aperfeiçoamento de James Watt em 1781 que transformou
uma bomba de sucção de água das minas em uma máquina a vapor universal,
utilizada inicialmente na produção têxtil e metalúrgica, passando por outros
ramos até chegar ao transporte (Rubin, 2014).

Figura 1 – James Watt estudando o aperfeiçoamento da máquina Newcomen

Créditos: Archivist/Adobe Stock.

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Nesse processo de transformação de manufaturas em fábricas, trabalhos
que antes eram desenvolvidos após muito tempo de estudo e aprendizado nas
guildas, foram fragmentados de forma tão específica que pessoas sem nenhuma
experiência puderam aprender rapidamente. A divisão social do trabalho, que
era representada pelas diversas empresas individuais (como a separação da
produção do transporte, por exemplo), apareceria agora também sob a forma de
divisão técnica, com cada trabalhador realizando uma parte do processo dentro
de um mesmo espaço.
A sociedade aparecia dividida em classes: capitalistas, trabalhadores
assalariados ou proletários, e ainda os proprietários de terras. A divisão do
trabalho colocava a produção em constante crescimento. Nesse contexto de
imenso progresso material, sobretudo na Inglaterra e Escócia, é que Adam Smith
se deparou com as bases que fundamentaram sua teoria econômica, que
inaugurou a chamada Escola Clássica da Economia Política.
Adam Smith e David Ricardo foram os mais importantes expoentes da
Escola Clássica, mas diversos economistas escreviam e contribuíam com o
debate desse período, que vai da segunda metade do século XVIII até meados
do século XIX. Um deles, que veremos nesta etapa é Thomas Malthus, mas além
dele há Jeremy Bentham, Jean-Baptiste Say e Nassau William Senior, com seu
subjetivismo racionalista; William Thompson e Thomas Hodgskin com a
economia política dos pobres; Frédéric Bastiat e John Stuart Mill, que debatiam
formas distintas de utilitarismo (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Conforme veremos a seguir, Smith foi o pensador que inaugurou a Escola
Clássica.

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TEMA 2 – ADAM SMITH – CRESCIMENTO ECONÔMICO, ACUMULAÇÃO E
PREÇOS, COMÉRCIO INTERNACIONAL

Créditos: Everett Collection/Shutterstock.

Adam Smith (1723-1790) era escocês e viveu em seu país durante a maior
parte de sua vida. Um dos maiores diferenciais de sua trajetória, com relação
aos economistas anteriores, era o fato de ser professor universitário, tendo
cursado as universidades de Glasgow e Oxford (1737-1746). Sua principal obra
é intitulada Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das
Nações, de 1776.
Dentre tantos nomes, “Adam Smith pode ser chamado de o economista
do período manufatureiro da economia capitalista” (Rubin, 2014, p. 204), pois
percebeu naquele período de transição, antes das fábricas dominarem o mundo,
diversas normas que regeriam o sistema capitalista, como veremos no tópico a
seguir.
Segundo Winston Fritsch (2004, p. 16), o modelo de Adam Smith, que era
essencialmente empírico, enfatizava o “crescimento econômico como o
fenômeno a ser explicado e o crescimento de produtividade e acumulação de
capital como suas causas finais”. Nesse sentido, Smith rompe com a ideia de
6
direito natural de Quesnay analisando a economia política como uma ciência
independente, o que se torna um grande feito da Escola Clássica (Rubin, 2004).
Seu método é individualista, pois analisa o lado econômico da sociedade
como um conjunto de indivíduos que se unem por seus interesses individuais,
tendo a troca como o intercurso necessário para essa coesão (Rubin, 2014). É
nesse sentido que Smith profere uma de suas mais conhecidas frases: “Não é
da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos
nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse”
(Smith, 1996, p. 74).
Assim, na teoria de Smith, se os fenômenos socioeconômicos advêm
desses interesses individuais, logo a economia possui leis e lógicas próprias,
que não devem sofrer interferência do Estado. Por essa ideia Smith é conhecido
também como um pai do liberalismo econômico. Para ele, o papel do Estado
estava na defesa da segurança externa, na proteção contra a opressão de um
indivíduo a outro e na realização de algumas atividades sociais (Rubin, 2014).
O crescimento econômico seria promovido, portanto, pelas ações não
intencionais que os interesses individuais acarretavam, ou seja, era como se
uma “mão invisível” conduzisse o conjunto das ações individuais para o bem
comum. Esse crescimento possuía inclusive uma ordem natural, que iniciava
com a agricultura, passava pela manufatura urbana e atingia seu auge no
comércio exterior (Hunt; Lautzenheiser, 2021).

2.1 Acumulação e preços

Adam Smith também teve importantes ideias para explicar os preços na


economia, embora não tenha conseguido desenvolver uma coerente teoria
acerca do valor. Sua primeira ideia era a de que o valor é definido pelo trabalho:
“O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original que foi pago por
todas as coisas. Não foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho, que foi
originalmente comprada toda a riqueza do mundo [...]” (Smith, 2004, p. 87).
Assim, é através do trabalho que se produz riqueza, sendo ele a principal origem
da riqueza das nações.
Entretanto, com a divisão do trabalho, uma pessoa não produz todos os
bens de que necessita, de modo que fica dependendo do trabalho de outra
pessoa que produza bens de seu desejo ou necessidade. Com essa percepção,
Smith já demonstra possuir o entendimento de que não basta analisar o trabalho
7
em si, é necessário colocá-lo dentro de um sistema de interdependência entre
os indivíduos, e considerar que a partir de seus próprios interesses é que a
economia funciona, conforme vimos no tópico anterior. Portanto, afirma Smith,

O valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas não


tenciona usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la por outros
bens, é igual à quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dá
condições de comprar ou comandar. Consequentemente, o trabalho é
a medida real do valor de troca de todas as mercadorias. (Smith, 1996,
p. 87)

Ao falar em “condições de comprar ou comandar” (grifo nosso), Smith


levanta outro ponto importante sobre a distribuição da riqueza: há pessoas que
acumulam poder e dinheiro suficiente para comandar o trabalho de outras.
Apesar das importantes percepções que Smith teve e fundamentaram análises
posteriores, ele considerou que a tese de que o trabalho determinaria os preços
só valeria para as economias iniciais, anteriores à acumulação de capital.
Isso porque conforme os homens foram tomando as terras e os recursos
naturais como propriedade privada e os capitalistas passaram a controlar os
meios de produção, o valor de troca (preço) passou a ser determinado por três
componentes: os salários, os lucros e os aluguéis. Mas se os preços dependiam
desses componentes, qual era o preço dos salários, dos lucros e dos aluguéis?
Smith não conseguiu responder essa questão suficientemente, embora tenha
deixado várias hipóteses interessantes sobre o tema (Hunt; Lautzenheiser,
2021). Sua teoria, portanto, nesse ponto, caiu em uma circularidade que só foi
resolvida posteriormente.
Adam Smith analisa mais profundamente a produção, diferente dos
mercantilistas e fisiocratas que consideravam primordialmente o comércio e a
terra, respectivamente. À época de Smith ainda não havia ocorrido a Revolução
Industrial, então ele considerava que a divisão do trabalho era a principal razão
pela qual a produtividade do trabalho havia crescido tanto e continuaria
crescendo, aumentando as riquezas de toda a sociedade. Vejamos agora como
Thomas Malthus pensava essas questões.

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TEMA 3 – THOMAS MALTHUS – ECONOMIA E DEMOGRAFIA

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Thomas Malthus (1766 – 1834) era inglês, de família aristocrata. Estudou


na Universidade de Cambridge e se tornou professor posteriormente, ocupando
“a primeira cátedra inglesa de Economia Política” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p.
55). Sua mais conhecida teoria foi a lei da população, que fez uma relação entre
a economia política e a demografia. Fundamentalmente, a ideia era a de que a
população aumentava em progressão geométrica (duplicaria a cada geração)
enquanto a produção de alimentos aumentaria em proporção aritmética, ou seja,
se a reprodução humana não fosse contida, faltaria alimentos.
Sendo assim, Malthus acreditava que havia dois tipos de controles para
evitar a superpopulação: o controle preventivo e o positivo. O primeiro reduzia
as taxas de natalidade (esterilidade, abstinência sexual, controle de
nascimentos); já o segundo aumentava a taxa de mortalidade (miséria, fome,
guerras etc.). Os pobres não deveriam receber qualquer auxílio, portanto, pois a
pobreza era o resultado da multiplicação populacional que os pobres deveriam
evitar, de modo que as mortes originadas da miséria possibilitariam, junto aos
controles preventivos, uma convergência entre a quantidade de pessoas e de
alimentos disponíveis.
O período em que Malthus viveu foi bastante intenso do ponto de vista
das lutas de classes na Inglaterra. A Revolução Industrial foi aumentando a
pobreza e a miséria da população, ao mesmo tempo em que a aristocracia e a
burguesia capitalista disputavam o controle do Parlamento inglês, tendo como
“razão última [...] decidir se a Inglaterra deveria continuar com uma economia
agrícola relativamente autossuficiente ou transformar-se numa ilha dedicada
basicamente à produção industrial” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 55).

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Em seus textos, Malthus posicionava-se em defesa dos interesses da
aristocracia rural, em contraposição a Smith e Ricardo, que defendiam a
burguesia industrial (Rubin, 2014). Com isso, argumentava que o aumento da
renda dessa classe traria prosperidade a todo o país, defendendo a estratégia
de manter e até aumentar a taxação sobre os cereais importados. Isso porque,
segundo ele, os proprietários de terras gastavam sua renda de forma a equilibrar
a produção e o consumo, já que eles consumiam sem produzir.
Esse consumo improdutivo Malthus chamava de serviços pessoais,
representado tanto pelo consumo de alimentos e bens de luxo quanto pela
contratação de empregados, que por sua vez também teriam renda para
consumir. Nesse sentido, essa classe seria importante para resolver outra
questão importante na teoria de Malthus: diferente do que havia sido afirmado
por Smith, ele acreditava que no capitalismo havia a possibilidade de crises
generalizadas, ou seja, ele não acreditava que a oferta e a demanda sempre
encontrariam um equilíbrio.
Para Malthus, o capitalismo possuía um problema de insuficiência de
demanda efetiva, ou seja, apesar de as riquezas serem produzidas, nem sempre
elas originavam consumo suficiente. Isso ocorria porque as pessoas poderiam
guardar dinheiro, sem investir nem gastar em nada, apenas acumulando para o
futuro. Os capitalistas, eram um exemplo desse problema, justamente porque
eles estavam acumulando fortunas e nem tinham tempo para gastá-las.
Assim, como poderia ser evitada essa crise de superprodução? Para
Malthus, que defendia a aristocracia rural, era necessário o aumento da renda
dessa classe, pois essa tudo gastava, o que garantiria a demanda efetiva
necessária ao sistema. Nesse sentido, as ideias e teorias de Malthus estavam
bastante alinhadas às suas opiniões particulares sobre diversas questões.
A lei de população, por exemplo, baseava-se na ideia de “que quase todas
as pessoas eram impelidas por um desejo quase insaciável de prazer sexual”
(Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 63) e por isso a reprodução humana era tão
acelerada; assim como que “Existem pessoas azaradas que na grande loteria da
vida tiraram o bilhete em branco” de modo que “a partir das leis inevitáveis da
nossa natureza, alguns seres humanos devem sofrer por causa da necessidade”
(Malthus, 1996, p. 310). Malthus defendia, portanto, que os pobres deveriam se
conformar com sua posição na sociedade e que deveriam evitar a procriação
para não piorar o problema, tanto deles mesmos quanto de toda a sociedade.

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Malthus escreveu alguns de seus textos para responder a teorias, debates
e opiniões que circulavam naquele momento, posicionando-se, como pudemos
perceber até aqui, sempre a favor dos ricos. Seu “Ensaio sobre a população”,
publicado pela primeira vez em 1798 respondia ao francês Marquês de
Condorcet e ao inglês William Godwin, que defendiam a classe trabalhadora. Já
o texto “Princípios de Economia Política e considerações sobre sua aplicação
prática” ele desenvolveu como resposta a David Ricardo, considerado um dos
clássicos da Economia Política, como veremos no tópico a seguir.

TEMA 4 – DAVID RICARDO – VALOR E RENDA DA TERRA

Créditos: Juulijs/Adobe Stock.

David Ricardo (1772 - 1823) nasceu em Londres e era filho de um rico


banqueiro judeu. Se Smith era o economista da manufatura, Ricardo era o
economista da fábrica (Rubin, 2014). Ele viu o rápido desenvolvimento de
maquinários na Inglaterra e o trabalho manufatureiro sendo suplantado por
muitas máquinas que aumentavam a produtividade e reduziam a quantidade de
trabalhadores na produção.

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Ele teria iniciado o estudo da economia política de forma despretensiosa,
mas acabou sendo considerado o “teórico mais rigoroso entre os economistas
clássicos”, já que desenvolveu o mais lógico modelo abstrato sobre o
funcionamento do capitalismo (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 77). Seu mais
importante trabalho foi o livro Princípios da economia política e tributação,
publicado em 1817.
Já no prefácio de seu texto, Ricardo afirma que a principal questão da
Economia Política é determinar as leis que regulam a distribuição do produto
total da terra entre as três classes da sociedade: os proprietários de terra, os
donos do capital ou capitalistas e os trabalhadores (Ricardo, 1982). Buscando
resolver essa questão, Ricardo desenvolveu diversas teorias, dentre as quais
destacam-se a teoria do valor-trabalho, a teoria da renda da terra e a teoria das
vantagens comparativas e comércio internacional, que veremos no último tópico
desta etapa.

4.2 Valor-trabalho

Na teoria do valor-trabalho, Ricardo afirma que o valor de uma mercadoria


é definido pela quantidade de trabalho despendido, 1 referindo-se “àquelas
mercadorias cuja quantidade pode ser aumentada pelo exercício da atividade
humana, e em cuja produção a concorrência atua sem obstáculos” (Ricardo,
1982, p. 44). Duas premissas são fundamentais nessa teoria: há livre-
concorrência entre os produtores e a maquinaria pode aumentar a eficiência do
trabalho, transferindo seu próprio valor para o produto. A teoria do valor-trabalho
foi definida por Ricardo da seguinte forma:

O valor de troca das mercadorias produzidas seria proporcional ao


trabalho dedicado à sua produção — não somente à produção
imediata, mas também à fabricação de todos aqueles implementos ou
máquinas necessários à realização do trabalho próprio ao qual foram
aplicados. (Ricardo, 1982, p. 50)

4.2 Renda da terra

Já para pensar a renda da terra, Ricardo parte do pressuposto de que o


aumento da população demanda um aumento na produção de alimentos. À

1
Há uma exceção: há produtos que não são submetidos à reprodução e que podem ter seu
valor definido pela escassez, como “estátuas e quadros famosos, livros e moedas raras, vinhos
de qualidade peculiar” etc. (Ricardo, 1982, p. 44).
12
medida que essa demanda aumenta, terras menos férteis e mais afastadas
passarão a ser utilizadas. É necessário mais trabalho para produzir nessas terras
a mesma quantidade de produtos da terra mais fértil, por isso a renda do
capitalista diminui, já que ele precisa pagar mais trabalhadores. Para facilitar a
compreensão, vamos chamar a terra mais fértil de 1 e a menos fértil de 2.
Se o capitalista da terra 2 tem que pagar mais trabalhadores do que o da
terra 1, este último teria uma renda maior. Só que essa diferença, segundo
Ricardo, era apropriada pelo dono da terra, que passa a cobrar uma renda maior
do capitalista justamente por sua terra ser mais fértil e, portanto, mais rentável.
Se uma terceira terra fosse adicionada a esse esquema, mais trabalho seria
necessário para produzir e mais renda seria gerada aos proprietários da primeira
e da segunda terra.
Ou seja, Ricardo percebeu que o valor do produto agrícola seria
determinado pela quantidade de trabalho despendido na terra menos produtiva,
e que quanto mais terras de menor qualidade fosse incorporada nesse processo
produtivo, menor seria o produto líquido 2. Com isso, mais renda seria apropriada
pelos proprietários de terra, e menos renda seria acumulada pelos capitalistas.
Como era o capitalista que aumentava a prosperidade da sociedade, já
que com seus investimentos eram aumentadas as taxas de emprego e mesmo
dos salários, esse processo de apropriação de renda pelos proprietários de
terras deveria ser evitado. Com isso Ricardo respondia a uma questão que
estava em voga naquele momento: defendia o fim da taxação à importação de
cereais, para que o preço dos alimentos fosse reduzido e com isso os capitalistas
obtivessem maior lucro. Ricardo era, portanto, inimigo intelectual de Malthus,
que defendia os interesses da classe dos proprietários de terra.
Vejamos, no último tópico, mais uma das importantes contribuições de
Ricardo à Economia Política: a teoria das vantagens comparativas.

2
Produto líquido é definido pela quantidade total produzida menos os custos de produção
necessários.
13
TEMA 5 – A TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS E O COMÉRCIO
INTERNACIONAL

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O livro Princípios da economia política e tributação, de David Ricardo, na


última versão publicada pelo autor, possui 32 capítulos, sendo o sétimo deles
dedicado ao comércio exterior. Ricardo teria sido o primeiro a advogar pelo livre-
comércio entre as nações afirmando que os dois países envolvidos na transação
seriam beneficiados, mesmo que um deles tivesse uma produção mais eficiente
que o outro. Para tanto, a mesma teoria utilizada para o comércio interno não
poderia ser utilizada para o comércio internacional, pois a produtividade do
trabalho diferia em cada nação. Como exemplo, ele utilizou Portugal e Inglaterra
para desenvolver essa teoria do comércio internacional.
Nesse exemplo, Portugal produzia vinho e a Inglaterra produzia tecidos.
Para que os dois países obtivessem vantagens no comércio entre eles, seria
necessário observar a vantagem relativa da produção e comércio de cada um
desses bens. O exemplo pode ser acompanhado no Quadro 1, a seguir. O
quadro demonstra que a Inglaterra necessita de 100 horas para produzir uma

14
unidade de tecido e 120 horas para uma unidade de vinho. Já Portugal, necessita
de 90 horas para a produção de tecido e 80 horas para o vinho. Observando
essas três primeiras colunas do quadro, somos levados a acreditar que é mais
vantajoso a Portugal produzir os dois produtos.

Quadro 1 – Número de horas necessárias para produzir uma unidade de tecido


e vinho na Inglaterra e em Portugal

Razão entre o preço Razão entre o preço


Tecido Vinho do vinho e o preço do tecido e o preço
do tecido do vinho
Inglaterra 100 120 1,20 0,83

Portugal 90 80 0,88 1,12

Fonte: Elaborado com base em Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 100.

O que Ricardo afirma, entretanto, é que os países devem observar os


preços relativos desses produtos (lembremos que pela teoria do valor-trabalho
Ricardo assume que a quantidade de trabalho determina o valor das
mercadorias, de modo que mais trabalho deixa mais caro o produto). Os preços
relativos demonstram, portanto, que para Portugal produzir vinho, ele despende
88% do tempo despendido para a produção do tecido. Como para a Inglaterra
essa relação é de 120%, vale mais a pena a Inglaterra consumir o vinho
português.
Do mesmo modo, ainda que o preço absoluto do tecido português seja
mais barato, na comparação com o preço do vinho ele acaba se tornando mais
caro que o tecido inglês (em Portugal o preço relativo do tecido é 1,12 enquanto
na Inglaterra é 0,83). Isso significa que seria mais vantajoso Portugal dedicar-se
à produção de vinhos e comprar os tecidos da Inglaterra, porque assim estaria
focando no produto que necessita menos horas de trabalho, ao invés de
despender o tempo com outra produção menos produtiva.
A divisão internacional do trabalho, portanto, contribuiria para o aumento
da produtividade e da riqueza em ambos os países, já que aumentaria a taxa de
lucro dos capitalistas. Se, diante do exemplo dado, Portugal e Inglaterra fizessem
as trocas como propôs Ricardo, na proporção de um para um (uma unidade de
vinho trocada por uma unidade de tecido) cada país poderia consumir mais vinho
e mais tecido gastando menos tempo de trabalho do que se os dois países se
dedicassem às duas atividades (Hunt; Lautzenheiser, 2021).

15
TROCANDO IDEIAS

Estamos finalizando esta etapa e provavelmente o que aprendemos sobre


a Escola Clássica lhe ajudou a compreender um pouco mais sobre o modo de
produção capitalista e sobre como as discussões em torno de seu funcionamento
se desenvolveram. Como tratamos no início desta etapa, diversas conexões com
o mundo atual podem ser depreendidas desses estudos. Há análises, inclusive,
que levantam as possibilidades de mudanças no próprio sistema capitalista. Leia
o texto disponível no link abaixo e responda: você acha que o mundo está
entrando em uma nova fase do capitalismo?

Saiba mais
Entenda mais do assunto acessando o artigo da BBC disponível no link a
seguir. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-
57353573>. Acesso em: 31 ago. 2022.

NA PRÁTICA

Para ajudar a assimilar os diversos conteúdos aprendidos nesta etapa,


responda as seguintes questões:

1) O que gera a riqueza das nações e o que aumenta a sua produtividade,


segundo Adam Smith?
2) O que enuncia a lei da população de Thomas Malthus e que problema
era gera na sociedade? Quais são tipo de controle? Cite um exemplo para
cada tipo.
3) Como Smith definia o valor e o que enuncia a teoria do valor-trabalho de
Ricardo?
4) O que enuncia a teoria das vantagens comparativas?

*As respostas estão após as Referências.

FINALIZANDO

Nesta etapa, conhecemos algumas das principais teorias e discussões


que foram desenvolvidas pela chamada Escola Clássica da Economia Política.
Tendo em conta que essa escola tem como contexto o processo da Revolução
Industrial em sua fase mais intensa, é possível perceber como as ideias vão
amadurecendo e se tornando mais lógicas a partir das percepções que o passar
16
do tempo proporciona. Nesse sentido, vimos que para Malthus e Ricardo, que
passaram boa parte da vida debatendo economia entre eles, muitas questões já
apareciam de forma mais clara do que apareciam para Adam Smith, que viveu o
início desse processo.
Esses três autores, Smith, Malthus e Ricardo, são os mais importantes
dentre diversos economistas que compõe a Escola Clássica. As teorias sobre o
valor, população, renda da terra e comércio internacional, dentre tantas outras,
fundamentaram diversas teorias posteriores que visaram analisar e interpretar o
funcionamento do modo de produção capitalista. Mas, como parte de um
processo de construção do Pensamento Econômico, essa escola também
recebeu aprovações e críticas de economistas posteriores, sendo o mais notável
deles o famoso Karl Marx, sobre o qual trataremos posteriormente.

17
REFERÊNCIAS

FRITSCH, W. Apresentação. In: SMITH, A. A Riqueza das Nações:


Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 2004. Coleção Os Economistas. v. 1.

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do Pensamento Econômico: uma


perspectiva crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Gen - Grupo Editorial Nacional, 2021.

MALTHUS, T. R. Princípios de Economia Política e considerações sobre sua


aplicação prática; Ensaio sobre a População. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1996. Coleção Os Economistas.

PERASSO, V. O que é a 4ª Revolução Industrial e como ela deve afetar nossas


vidas. BBC, 22 out. 2016. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-37658309>. Acesso em: 31 ago. 2022.

RICARDO, D. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo:


Editora Abril Cultural, 1982. Coleção Os Economistas.

RUBIN, I. I. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Editora


UFRJ, 2014.

SMITH, A. A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua natureza e suas


causas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. Coleção Os Economistas. v. 1.

18
RESPOSTAS

1) O trabalho gera riqueza e a divisão do trabalho aumenta sua


produtividade.
2) Que a população cresce em proporção geométrica enquanto a produção
de alimentos cresce em proporção aritmética, ocasionando a fome. Há o
controle preventivo (abstinência sexual, controle populacional,
esterilidade) e o controle positivo (guerra, desastres).
3) Primeiro Smith acreditou que o valor era definido pelo trabalho, mas
indicou que isso só valeria para um período anterior ao capitalismo, em
que o valor é definido pelos salários, lucros e renda da terra. Já Ricardo
afirma que o valor é determinado pela quantidade de trabalho necessária
para a produção da mercadoria.
4) A teoria das vantagens comparativas argumenta que o comércio
internacional pode ser benéfico aos países mesmo quando há diferença
de eficiência produtiva.

19
HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ECONÔMICO
AULA 3

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

Nesta etapa, estudaremos alguns aspectos da obra de Karl Marx. Ele foi
um dos maiores estudiosos do capitalismo e foi quem formulou uma das teorias
e análises mais desenvolvidas da economia política acerca desse modo de
produção. Vivendo no século XIX, Marx presenciou a consolidação da Revolução
Industrial e se aproximou de movimentos políticos da classe trabalhadora.
Identificou a exploração e miséria dos trabalhadores como parte constituinte do
capitalismo e como contradição: essa condição permitia tanto a reprodução do
capital e do capitalismo quanto permitiria a sua ruína.
Conceitos como dialética, contradição, processo histórico etc. aparecem
nos textos de Marx como elaborações e abstrações que refletem a ação dos
homens no processo produtivo. Ao mesmo tempo em que foi um pensador que
deixou o legado de diversos escritos científicos, dentre os quais se destaca O
Capital, também militou em movimentos operários e escreveu importantes
manifestos, como o Manifesto do Partido Comunista de 1848. Foi um dos
pensadores mais influentes de todos os tempos.

Saiba mais

Para compreender um pouco do importante conceito da dialética de Marx,


sugerimos a leitura de um texto bastante didático de Leandro Konder, na
tradicional Coleção Primeiros Passos:
KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. (Coleção
Primeiros Passos)
Ao longo desta etapa, veremos algumas das mais importantes
contribuições de Marx para o pensamento econômico, iniciando pela crítica da
economia política e passando pela natureza social da produção de mercadorias.
Depois trataremos de conceitos como mais-valia, acumulação primitiva e
alienação. Materiais de apoio como textos, vídeos e filmes serão sugeridos ao
longo da etapa.

CONTEXTUALIZANDO

A atualidade das interpretações de Marx é apresentada sob diversos


aspectos, porque sua obra ultrapassa os limites disciplinares, sendo estudada
tanto na economia quanto na sociologia, história, filosofia etc. Além disso, a
2
profundidade e a complexidade de seus textos permitem inúmeras
interpretações, de modo que o debate sobre seus trabalhos segue em constante
atualização.

Saiba mais

Até aqui, contextualizamos o tema de estudo com a Revolução 4.0.


Vejamos agora como ela pode ser compreendida com base nas discussões
desenvolvidas por Karl Marx acerca do modo de produção capitalista:
REVOLUÇÃO 4.0 e a lição de Marx. Revista Ihu, 1 set. 2017. Disponível
em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571238-revolucao-4-0-e-a-licao-
de-marx>. Acesso em: 26 jul. 2022.

TEMA 1 – CRÍTICA DE MARX À ECONOMIA CLÁSSICA

Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 em Trier, uma das mais antigas
cidades alemãs, que remonta ao Império Romano. Iniciou os estudos em Direito,
na Universidade de Bonn, mas logo transferiu-se para a Universidade de Berlim,
onde se dedicou mais aos estudos de filosofia e história, tornando-se Doutor em
Filosofia em 1841. Sua principal obra, O Capital, é o maior dentre os diversos
trabalhos publicados de Marx. Essa obra é dividida em três livros, tendo sido
apenas o primeiro deles publicado pelo próprio Marx. Os demais foram
organizados e publicados por seu amigo Friedrich Engels após a morte de Marx,
que ocorreu em 1883 em Londres, na Inglaterra.

Figura 1 – Karl Marx

Crédito: Georgios Kollidas/Adobe Stock.


3
Friedrich Engels (1820-1895) foi fundamental para a aproximação de Marx
à economia política. Engels frequentou cursos livres, mas não chegou a se
formar na universidade, tendo sido um “incansável autodidata” (Gorender, 1996,
p. 8). Sendo filho de um industrial têxtil, logo teve contato com operários que
militavam no partido cartista, se aproximou do socialismo e estudou economia
política. Seu contato com Marx se deu por meio da publicação de um texto de
Engels intitulado Esboço para uma crítica da economia política, em 1844, que
Marx teria lido e considerado brilhante.

O Esboço de Engels focalizou as obras desses economistas [clássicos


ingleses] como expressão da ideologia burguesa da propriedade
privada, da concorrência e do enriquecimento ilimitado. Ao enfatizar o
caráter ideológico da Economia Política, negou-lhe significação
científica. Em especial, recusou a teoria do valor-trabalho e, por
conseguinte, não lhe reconheceu o estatuto de princípio explicativo dos
fenômenos econômicos. Se estas e outras posições seriam
reformuladas ou ultrapassadas, o Esboço também continha teses que
se incorporaram de maneira definitiva ao acervo marxiano. Entre elas,
a argumentação contrária à “Lei de Say” e à teoria demográfica de
Malthus. Mais importante que tudo, porém, foi que o opúsculo de
Engels transmitiu a Marx, provavelmente, o germe da orientação
principal de sua atividade teórica: a crítica da Economia Política
enquanto ciência surgida e desenvolvida sob inspiração do
pensamento burguês (Gorender, 1996, p. 8).

Assim, a relação entre em Marx e Engels foi não apenas como uma
profícua parceria de trabalho, de modo que publicaram juntos alguns textos,
como também de uma sólida amizade.

Figura 2 – Marx e Engels

Crédito: Philipk76/Adobe Stock.

4
Em sua crítica à economia política, Marx foi bastante influenciado por
Adam Smith e David Ricardo em diversos aspectos de sua teoria; também
considerou John Stuart Mill como antagonista intelectual, e citou Thompson e
Hodgskin com alguma frequência. A todos esses, porém, e mais ainda a Malthus,
Senior, Say e Bastiat, Marx teceu diversas críticas (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
A principal questão para Marx é que, com uma relativa exceção de Smith, faltava
aos economistas a perspectiva histórica, porque eles analisavam as relações de
produção como se tivessem apenas uma forma possível: a capitalista.
Segundo Hunt e Lautzenheiser (2021, p. 176), duas eram as principais
distorções identificadas por Marx nos textos dos clássicos: “a primeira era a
crença de que o capital era um elemento universal em todos os processos de
produção [da história], e a segunda era que toda atividade econômica podia ser
reduzida a uma série de trocas”. O capital, se entendido como o trabalho
passado constituído em instrumento de produção, como dizia Ricardo, poderia
mesmo ser considerado como uma relação geral e eterna da natureza na
economia política, porque ele sempre foi necessário nos diversos modo de
produção (Hunt; Lautzenheiser, 2021). Entretanto, o capital é uma relação
específica do modo de produção capitalista, segundo Marx, e não algo natural.
É uma relação entre proprietário e não proprietário que se relacionam por
meio da compra e da venda da força de trabalho. Quando os clássicos assumem
a propriedade privada como sagrada, eles ignoram que cada modo de produção
possuía a sua própria forma de propriedade, sendo essa forma a que determina
a distribuição de riquezas na sociedade (Hunt; Lautzenheiser, 2021). No modo
de produção capitalista, a força de trabalho está submetida a um momento prévio
que é a compra: a compra da mercadoria força de trabalho. Essa ideia, que faz
os clássicos pensarem que representa um individualismo harmonioso, de
igualdade e liberdade porque todos são livres para comprar e vender, ignora a
própria relação de produção conflituosa e as contradições mais pungentes desse
sistema. Veremos nos próximos tópicos alguns meios pelo qual Marx constrói
sua teoria.

5
TEMA 2 – NATUREZA SOCIAL DA PRODUÇÃO DE MERCADORIAS

Figura 3 – Natureza social da produção de mercadorias

Fundamentado na percepção histórica de que o capitalismo tem um modo


de funcionamento e características próprias, Marx buscou compreender que
especificidades são essas que o diferenciam de outras formas de produção. A
mais fundamental é entender a natureza histórica e social específica da
reprodução do capital. Nesse sentido, o tema pelo qual Marx inicia a obra O
Capital é justamente a produção e circulação de mercadorias.
A mercadoria é algo que satisfaz as necessidades humanas e passa a ser
produzida especificamente para a troca, por isso só pode ser entendida dentro
da constituição histórica das relações sociais mercantis: “A representação do
produto como mercadoria supõe uma divisão de trabalho tão desenvolvida
dentro da sociedade, que a separação entre valor de uso e valor de troca, [..] já
se tenha completado” (Marx, 1996a, p. 287).

Saiba mais

O valor de uso é um produto com qualidades úteis destinado a atender a


certas necessidades, sendo uma medida qualitativa. O valor de troca de uma
mercadoria deve ser entendido como “a relação entre a quantidade dessa
mercadoria que se poderia conseguir em troca de uma certa quantidade de outra
ou outras mercadorias”, sendo uma medida quantitativa (Hunt; Lautzenheiser,
2021, p. 179).
Como já vimos, em um primeiro momento, os produtores dependiam um
dos outros para as trocas, pois um produzia o que o outro necessitava. A relação
era, portanto, social e indispensável entre os produtores.
Sendo assim, quando o sistema não era ainda capitalista, essa relação
poderia ser traduzida na fórmula

M–D–M

6
em que a mercadoria (M) era trocada por dinheiro (D) para ser trocada
novamente por mercadoria (M). Para Marx, esse processo demonstrava a
metamorfose da mercadoria em dinheiro (M – D), representada pela venda, e a
metamorfose do dinheiro em mercadoria (D – M), que era a compra. Nesse
exemplo, o objetivo é vender para trocar, de modo que se inicia e se termina o
processo com o mesmo valor. Há uma mudança apenas qualitativa.
Em um estágio mais desenvolvido desse processo, entretanto, a relação
se torna distinta. É o estágio em que já há um capitalista do qual os trabalhadores
dependem para comprar seus produtos de subsistência, no qual Marx percebeu
que há uma fonte de poder do capitalista sobre os trabalhadores. Aqui o objetivo
já não é apenas a troca, mas sim a produção de mais dinheiro. Vejamos alguns
aspectos desse ponto.
Esse processo de ascensão do poder do capitalista sobre a classe
trabalhadora se combinou, segundo Marx, com uma sociedade dominada pelo
valor de troca. Para isso, foi preciso a consolidação de três condições:

1. A especialização dos produtores;


2. A separação do valor de uso do valor de troca; e
3. Um mercado amplo com uso generalizado da moeda (Hunt;
Lautzenheiser, 2021, p. 182).

Nesse contexto, as relações já não são estabelecidas diretamente entre


produtores, mas sim entre objetos, com a mediação feita por uma instituição
social: o mercado (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 179). Além disso, do ponto de
vista do capitalista, o objetivo também já não é a troca e sim a multiplicação de
seu capital. O capitalista emprega dinheiro para comprar uma mercadoria para
vendê-la novamente, alterando a fórmula inicial para

D–M–D

Segundo Marx (1996a, p. 270):

O ciclo M — D — M parte do extremo de uma mercadoria e se encerra


com o extremo de outra mercadoria, que sai da circulação e entra no
consumo. Consumo, satisfação de necessidades, em uma palavra,
valor de uso, é, por conseguinte, seu objetivo final. O ciclo D — M —
D, pelo contrário, parte do extremo do dinheiro e volta finalmente ao
mesmo extremo. Seu motivo indutor e sua finalidade determinante é,
portanto, o próprio valor de troca.

Entretanto, que sentido faria trocar dinheiro por uma mercadoria e receber
o mesmo dinheiro de volta? Escreveu Marx (1996a, p. 270) que “intercambiar

7
por meio de um rodeio, dinheiro por dinheiro, o mesmo pelo mesmo, parece uma
operação tão sem finalidade quanto insossa”. O que o capitalista busca, na
verdade, é receber mais dinheiro ao final do processo, o que seria representado
pela fórmula

D – M – D’

Esse movimento é o que transforma o dinheiro em capital, segundo Marx,


que chama a diferença entre D e D’ de mais-valia:

Esse incremento, ou o excedente sobre o valor original, chamo de


mais-valia (surplus value). O valor originalmente adiantado não só se
mantém na circulação, mas altera nela a sua grandeza de valor,
acrescenta mais-valia ou se valoriza (Marx, 1996a, p. 271).

Vejamos no próximo tema alguns desdobramentos dessa descoberta.

TEMA 3 – MAIS-VALIA, TROCA, ESFERA DA CIRCULAÇÃO E DA PRODUÇÃO

Figura 4 – Mais-valia, troca, esfera da circulação e da produção

Apesar de a forma D – M – D’ nos levar a pensar que a mais-valia se dá


na esfera da circulação, Marx demonstrou que é na esfera da produção que ela
se mostra e se produz. Na circulação ela se esconde, porque o que aparece é a
troca entre iguais, em que cada um entrega o que tem em troca do que quer.
Mas seria a relação entre trabalhador e capitalista mediada por igualdade? O
trabalho poderia ser considerado uma mercadoria que caiba nessa fórmula como
qualquer outra? Marx diz que não. Ele explica que a mais-valia se dá justamente
na apropriação que o capitalista faz do excedente gerado pelo trabalho de seu
contratado (Hunt; Lautzenheiser, 2021). Isso só poderia ocorrer na esfera da
produção, porque a troca em si não gera valor.
É nessa esfera da produção, segundo Marx (1996a, p. 293), que “há de
se mostrar não só como o capital produz, mas também como ele mesmo é
produzido, o capital”. Na esfera da produção, a fórmula D – M – D’ é modificada
porque são inseridos alguns processos:

8
D – M... P... M’ – D’

Nessa nova fórmula, demonstra-se que o capitalista utiliza dinheiro para


comprar meio de produção (dinheiro transformado em mercadorias, D – M);
essas passam por um processo de produção (...P...) e se transformam em
mercadorias acrescidas de mais-valia e, consequentemente, dinheiro acrescido
de mais-valia (M’ – D’). É essa capacidade do capital de produzir e ao mesmo
tempo reproduzir as condições de sua reprodução o que intriga Marx, e que ele
estuda e explica ao longo de sua obra.
Mas, afinal, como é extraída a mais-valia? Primeiro, Marx compreendeu
que existe uma diferença entre trabalho e força de trabalho: “O trabalho não é
senão o uso da força de trabalho, cujo conteúdo consiste nas aptidões físicas e
intelectuais do operário” (Gorender, 1996a, p. 37). Essa diferenciação foi um
significativo avanço com relação às teorias de Smith e Ricardo sobre o valor-
trabalho.
Para Marx, quando o capitalista compra a força de trabalho, ele utiliza o
seu valor de uso, que é a “concretização de seu trabalho potencial”; entretanto,
quando o trabalho é executado, ele cria um novo valor, que não está incorporado
ao preço pago pelo capitalista na forma de salário (a matéria-prima possuía um
valor que é alterado com o trabalho e torna-se mercadoria, valendo mais do que
a matéria-prima). O capitalista se apropria dessa mais-valia, e geralmente o faz
com crédito: o capitalista contrata o trabalhador, mas só o paga ao final do
período trabalhado, geralmente depois de um mês.

Saiba mais

De acordo com Marx (1996, p. 291), “Que esse fornecimento de crédito


não é nenhuma fantasia vã, mostra-o não só a perda ocasional do salário
creditado quando ocorre bancarrota do capitalista, mas também uma série de
efeitos mais duradouros.”.
A liberdade do trabalhador se resume, portanto, a trabalhar ou morrer de
fome. A existência da força de trabalho como mercadoria se constitui pela
monopolização dos meios de produção por parte do capitalista, que coloca o
trabalhador sob a única opção de vender sua força de trabalho para poder
sobreviver (Hunt; Lautzenheiser, 2021). Essas são algumas das especificidades
do capitalismo, que demonstram que nem sempre a sociedade funcionou da
mesma forma, e que esse modo de produção não é natural nem eterno:
9
Uma coisa, no entanto, é clara. A Natureza não produz de um lado
possuidores de dinheiro e de mercadorias e, do outro, meros
possuidores das próprias forças de trabalho. Essa relação não faz
parte da história natural nem tampouco é social, comum a todos os
períodos históricos. Ela mesma é evidentemente o resultado de um
desenvolvimento histórico anterior, o produto de muitas revoluções
econômicas, da decadência de toda uma série de formações mais
antigas da produção social. (Marx, 1996a, p. 287).

Então quando e como o modo de produção capitalista teria iniciado?

TEMA 4 – ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E DE CAPITAL

Figura 5 – Acumulação primitiva

Crédito: Robert van der Baar/Adobe Stock; Parilov/Adobe Stock.

Como se formaram as duas classes que são basilares para o modo de


produção capitalista (operários sem propriedades versus capitalistas)? Quando
Marx escreveu sobre esse processo, sobretudo no capítulo XXIV do Livro 1 de
O Capital, ele intitulou o texto como “A assim chamada acumulação primitiva”,
como resposta às teorias que os economistas haviam criado para responder a
essa questão.

10
Marx foi bastante irônico em diversas partes de seu trabalho, sendo um
dos exemplos justamente o início desse capítulo XXIV. Nele, Marx foi criticando
como os economistas descreviam o que eles mesmos chamaram de
“acumulação primitiva”, comparando esse problema na economia política ao
caso do pecado original na teologia:

A lenda do pecado original teológico conta-nos, contudo, como o


homem foi condenado a comer seu pão com o suor de seu rosto; a
história do pecado original econômico no entanto nos revela por que
há gente que não tem necessidade disso (Marx, 1996b, p. 339).

O que ele buscava desmontar logo no início desse texto, portanto, era a
tese idílica de que a classe capitalista havia emergido enquanto tal porque
possuía um comportamento moderado e comedido e até mesmo alguma
superioridade moral, como teriam argumentado Malthus, Say, Senior, Bastiat e
Mill (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 200). Era como se uma classe tivesse
enriquecido por que economizou e outra tivesse ficado pobre porque gastou
todas as suas riquezas. Marx critica e contesta essa interpretação: a chamada
acumulação primitiva seria na realidade uma história de apropriação “inscrita nos
anais da humanidade com traços de sangue e fogo” (Marx, 1996b, p. 341).
Então ele prossegue seu argumento com uma análise sobre a história
inglesa que trata sobre a dissolução dos vínculos feudais, com a expropriação
do povo do campo de sua base fundiária, o confisco dos bens da igreja, a
apropriação do Estado e seus bens pela classe burguesa, que representam, por
um lado, a transformação de uma grande massa popular em proletariados e, por
outro, o acúmulo de riqueza e poder sobre uma classe que, utilizando-se da
pilhagem, transforma bens comunais em propriedade privada e capital.
Nessa história se inclui também o aumento das riquezas por meio de mais
condições violentas e sanguinárias, como os processos de colonização da
América e de escravidão na África, dentre os quais podemos incorporar a
pilhagem de metais preciosos e outras riquezas naturais que exterminavam
povos originários em prol do enriquecimento europeu. Esse enriquecimento,
entretanto, não foi para toda a Europa, mas sim para apenas parte dela, que,
como classes privilegiadas, construíam seus patrimônios com o sangue
derramado em diversas partes do mundo.
O fundamento era “libertar” os homens da servidão feudal e da coação de
suas vivências comunitárias, mas esse movimento se fez retirando dessas
pessoas qualquer possibilidade de sobrevivência que não fosse pelo trabalho
11
assalariado, justamente para garantir as condições de produção e de reprodução
do capital de forma ampliada:

A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a


propriedade das condições da realização do trabalho. Tão logo a
produção capitalista se apoie sobre seus próprios pés, não apenas
conserva aquela separação, mas a reproduz em escala sempre
crescente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser
outra coisa que o processo de separação de trabalhador da
propriedade das condições de seu trabalho, um processo que
transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de
produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores
assalariados. A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada
mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de
produção. Ele aparece como “primitivo” porque constitui a pré-história
do capital e do modo de produção que lhe corresponde (Marx, 1996b,
p. 341).

Saiba mais

A Profª Virgínia Fontes é uma das grandes estudiosas brasileiras dos


trabalhos de Karl Marx. Ela explica a acumulação primitiva de forma bastante
didática na TV Boitempo, em vídeo que pode ser acessado no link a seguir:
O QUE É acumulação primitiva? Léxico Marx com Virgínia Fontes. TV
Boitempo, 18 maio 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=odEH0AEFMvc&t=53s>. Acesso em: 26 jul.
2022.
Quando se consolida o capitalismo, entretanto, e os capitalistas dominam
o sistema se assegurando na propriedade privada, eles passam a ser árduos
defensores da lei e da ordem: “a lei da propriedade privada e a ordem do modo
de produção e circulação capitalista” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 202).
Acumular capital se torna o impulso incessante do sistema e a concorrência entre
capitalistas intensifica ainda mais esse processo, pois o que não conseguisse
tomar a frente nessa disputa poderia ser “engolido” pelos vencedores.
Essa concorrência entre capitalistas pela acumulação de capital teria
quatro principais consequências: “a concentração econômica, a tendência à
queda da taxa de lucro, os desequilíbrios e crises setoriais e a alienação e a
crescente miséria da classe operária” (Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 202).
Veremos a seguir esse último ponto: o importante conceito de alienação.

12
TEMA 5 – MAQUINARIA E ALIENAÇÃO

Marx considera que a virtuosidade do capitalismo é constituir as


condições que estabelecem as classes sociais modernas: os capitalistas e os
trabalhadores. Além disso, esse é um novo momento do desenvolvimento das
forças produtivas sociais, em que se generaliza e universaliza a união dos
indivíduos no interior dos processos produtivos. Isso porque, como já vimos com
Adam Smith, a divisão do trabalho coloca os trabalhadores dentro de um mesmo
espaço para a produção em um processo produtivo fragmentado de trabalho.
Marx pressupõe a união desses trabalhadores como a constituição de
uma força social que ele chama de trabalhador coletivo. Ou seja, a união dos
trabalhadores constitui uma força que não existe na natureza. Se a união e o
processo produtivo se apresentam em qualquer momento histórico, e a isso Marx
chama de cooperação, a manufatura constitui um modo específico chamado de
cooperação manufatureira.
Nos períodos pré-capitalistas, a cooperação era um momento eventual:
terminadas as tarefas, terminava a cooperação. E isso não modificava a base
produtiva da sociedade. Na manufatura, entretanto, a cooperação não é um
momento casual do processo de produção: ela é constitutiva do processo
produtivo. Ou seja, não há manufatura sem divisão do trabalho e sem
cooperação.
Além disso, a própria divisão do trabalho manufatureira é dinâmica e
modifica constantemente as condições nas quais se organiza. Ainda assim, para
Marx, a manufatura é apenas um modo transitório de produção. Só com o
desenvolvimento da maquinaria é que o capital consegue desenvolver as
condições técnicas com as quais se autorreproduz.
As máquinas são, portanto, resultado da união técnica e científica dos
elementos que se apresentaram separados pela própria manufatura (a
fragmentação do trabalho e as ferramentas). Essas ferramentas especializadas
e sua diversificação são elaboradas dentro de um setor específico que nasce na
manufatura: o setor de ferramentaria. Esse setor é o gérmen da revolução
técnica do período seguinte, o da maquinaria e da grande indústria, onde se
aplica a ciência no processo produtivo.

13
Figura 6 – Maquinaria e alienação

Crédito: Karandaev/Adobe Stock.

Nesse sentido, os estudos que Marx realiza sobre a maquinaria revelam


que o aperfeiçoamento das máquinas é um momento superior do
desenvolvimento das forças produtivas, representando um grau mais objetivo e
alienado do trabalho social. Objetivo porque materializa a união dos
trabalhadores de duplo modo: o trabalho geral e o trabalho universal. Alienado
do trabalho social porque a máquina desloca os trabalhadores do processo
produtivo através do que hoje chamamos de desemprego tecnológico.

Saiba mais

O trabalho geral se refere à cooperação espacial, ou seja, algo que hoje


chamaríamos de trabalho de equipe, não necessariamente limitado pelo espaço
(poderia ser, por exemplo, uma equipe de trabalho virtual). Já o trabalho
universal é aquele que preserva e aprofunda as realizações do trabalho humano;
em outras palavras, é aquele que reatualiza as conquistas do trabalho passado
nos processos presentes de produção (por exemplo, o computador que
incorpora e atualiza aprendizados constantemente, desde a criação dos
primeiros circuitos eletrônicos).

14
Figura 7 – Máquina industrial

Crédito: Phonlamaiphoto/Adobe Stock.

Por outro lado, se mantido dentro da fábrica, o trabalhador torna-se


alienado do processo produtivo, convertendo-se em apenas uma parte dele e
não se reconhecendo nem no produto nem na atividade produtiva. Ele necessita
trabalhar, mas o produto já não o pertence, ele possui apenas a sua força de
trabalho.

Saiba mais

Você já deve ter ouvido falar sobre o filme Tempos Modernos, de Charles
Chaplin, ou provavelmente deve se lembrar de cenas do personagem apertando
parafusos ou embrenhando-se às grandes engrenagens da fábrica em que
estava trabalhando. Esse filme é uma excelente ilustração do que estamos
discutindo nesta parte da nossa etapa, ao colocar o personagem principal como
uma mera parte do processo de produção da mercadoria.
O filme já está em domínio público e pode ser assistido gratuitamente no
Youtube no seguinte link:
TEMPOS Modernos (1936), de Charles Chaplin, filme completo em 720p
e legendado em português. Cine Antiqua – filmes clássicos, 29 dez. 2019.

15
Dispobnível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZUtZ8q_vkKY>. Acesso
em: 26 jul. 2022.
Esse estranhamento do trabalhador com o próprio trabalho faz com que
ele não se sinta livre nessa atividade. Sendo assim, ele só é livre para fazer suas
funções mais animais como comer, dormir, procriar etc. enquanto sua atividade
mais humana, esse trabalho que visaria a um fim consciente, ele o faz sentindo-
se um animal, porque ele não pertence a si mesmo, mas sim ao outro, ao
capitalista: “o animal torna-se humano, e o humano torna-se animal” (Marx, 2010,
p. 83).

Saiba mais

Há um debate entre os marxistas sobre a correta tradução do conceito de


Marx: se seria alienação ou estranhamento, mas não entraremos aqui neste
debate. Por ora, basta saber que poderá haver essa diferenciação de palavra
dependendo da tradução utilizada em cada edição da obra de Marx.

Saiba mais

O conceito de alienação em Marx é bastante complexo e objeto de muitos


debates entre os pesquisadores marxistas. Assista ao vídeo do Prof. Ricardo
Antunes para aprofundar-se um pouco mais na interpretação dessa ideia:
O QUE É ALIENAÇÃO? Léxico Marx com Ricardo Antunes. TV
Boitempo, 15 jan. 2021. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=VR4kD_9kY4M>. Acesso em: 26 jul. 2022.

TROCANDO IDEIAS

Em outro momento, discutimos, por meio do estudo dos economistas


clássicos, se o capitalismo poderia estar entrando em uma nova fase neste
contexto contemporâneo.

Saiba mais

Nesta etapa, recomendo a leitura do texto “‘Capitalismo sem rivais’: o


mundo inteiro sob um mesmo sistema”, disponível no Jornal Nexo, acessível no
link a seguir:

16
MILANOVIC, B. ‘Capitalismo sem rivais’: o mundo inteiro sob um mesmo
sistema. Nexo, 28 maio 2020. Disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2020/05/28/%E2%80%98Capit
alismo-sem-rivais%E2%80%99-o-mundo-inteiro-sob-um-mesmo-sistema>.
Acesso em: 26 jul. 2022.
Com base neste texto e nos aprendizados alcançados sobre Marx e sua
teoria, responda: você acha que é possível enxergar uma alternativa ao
capitalismo ou ele é realmente um sistema sem rivais? Você concorda com o
autor sobre a ideia de que na disputa entre os capitalismos liberal estadunidense
e político chinês nenhum deles deve dominar todo o planeta?

NA PRÁTICA

Para assimilação dos conteúdos que aprendemos hoje, responda às


seguintes questões:

1. Qual foi a principal crítica de Marx à economia política clássica?


2. Explique a seguinte fórmula de produção de mercadoria e de capital em
Marx:

D – M - ... P ... – M’ – D’

Respostas:

1. A principal questão, para Marx, é que com uma relativa exceção de Smith,
faltava aos economistas a perspectiva histórica, porque eles analisavam
as relações de produção como se tivessem apenas uma forma possível:
a capitalista.
2. No capitalismo, o dinheiro compra as mercadorias para passar pelo
processo produtivo, onde a força do trabalho incorpora valor ao produto,
gerando uma nova mercadoria de valor superior, que será vendida por um
valor em dinheiro superior ao valor inicialmente gasto pelo capitalista (D –
M - ... P ... – M’ – D’).

FINALIZANDO

A obra de Karl Marx é de tamanha grandiosidade e complexidade que


muitos estudiosos ao longo desses mais de dois séculos desde o seu nascimento

17
seguem analisando e debatendo seus escritos. Nesse sentido, aprendemos
nesta etapa apenas algumas das ideias desenvolvidas por esse pensador. Na
crítica aos economistas clássicos, Marx aponta a falta de percepção histórica
que não permite perceber as especificidades do modo de produção capitalista
no tempo, como se elas tivessem existido sempre.
É necessário, segundo Marx, entender a natureza histórica e social da
reprodução do capital, que é específica. Assim ele ressalta a importância dos
estudos históricos para a economia, com os quais ele perceber a natureza da
produção social de mercadorias, a mais-valia gerada nos processos produtivos,
o processo de acumulação de capital que origina as classes, a alienação gerada
pelo desenvolvimento da mercadoria, a miséria dos trabalhadores e as
condições que o próprio capitalismo desenvolve para sua reprodução e
destruição. Isto é, considerando essas como apenas algumas das contribuições
de Marx para a compreensão da economia.

18
REFERÊNCIAS

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do pensamento econômico: uma


perspectiva crítica. 3. ed. Tradução de André Arruda Villela. Rio de Janeiro: Gen
- Grupo Editorial Nacional, 2021; São Paulo: Atlas, 2021.

GORENDER, J. Apresentação. MARX, K. In: _____. O Capital: crítica da


economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Economistas).
Livro Primeiro. Tomo 1.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural,


1996a. (Coleção Os Economistas). Livro Primeiro. Tomo 1.

_____. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996b.
(Coleção Os Economistas). Livro Primeiro. Tomo 2.

_____. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.

19
HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ECONÔMICO
AULA 4

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

Escola Neoclássica

Nesta etapa, vamos discutir alguns dos principais temas da Escola


Neoclássica, sobretudo por meio das contribuições de Alfred Marshall (1842 –
1924). Antes dele, porém, diversos autores desenvolveram ideias, conceitos e
teorias que serviram de base aos desenvolvimentos teóricos de Marshall.
Vejamos rapidamente alguns deles como forma de introduzir o tema da nossa
etapa.
A Escola Neoclássica tem por base filosófica o utilitarismo, que pode ser
definido como a crença de que a essência das motivações humanas é a busca
por maximizar o prazer e minimizar a dor. Combinada a essa ideia, o
individualismo sobre o qual tratamos na etapa sobre Adam Smith também é
fundamental para compreender o pensamento econômico dessa escola, que
considera que a natureza humana tem caráter egoísta e competitivo e, por isso,
a sociedade de mercado funcionaria tão pacificamente sob o sistema capitalista.
Foram importantes representantes dessa linha de pensamento
econômico: Jeremy Benthan (1748 – 1832), com a mais clássica formulação do
utilitarismo; Jean Baptiste Say (1767 – 1832), com a lei dos mercados, e Nassau
William Senior (1790 – 1864), com sua abordagem teórica que considerava a
Economia Política como uma “ciência pura”.
Além deles, Claude Frédéric Bastiat (1801 – 1850) desenvolveu a teoria
chegando a um utilitarismo puro com conclusões lógicas, enquanto John Stuart
Mill (1806 – 1873) ainda mesclava o utilitarismo com a perspectiva do trabalho
(Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 108).
Posteriormente, William Stanley Jevons (1835 – 1882), com a Teoria da
Utilidade Marginal, Carl Menger (1840 – 1921), fundador da escola austríaca, e
Léon Walras (1834 – 1910), que formulou a Teoria do Equilíbrio Geral,
prosseguem a perspectiva individualista e utilitarista dos anteriores, formulando
a teoria do valor-utilidade que fundamenta a ortodoxia da economia neoclássica,
ampliando a concepção de equilíbrio econômico geral e desenvolvendo o
conceito de marginalismo (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Desta forma, a teoria do valor-utilidade, fundamentada na perspectiva do
mercado, surgia em contraposição à teoria do valor-trabalho (que vimos com
Smith e Ricardo), que se pautava na perspectiva da produção (Hunt;
2
Lautzenheiser, 2021). Já o conceito de marginalismo permitiu a demonstração
lógica e matemática de como a utilidade determinava os valores, pois, além de
entender a natureza humana como essencialmente racional e calculista, permitia
cálculos complexos que muitos consideraram dar o caráter “científico” à
Economia.
Discutindo as contribuições de Marshall e, posteriormente, de John Bates
Clark, vamos compreender um pouco mais sobre a Escola Neoclássica na
História do Pensamento Econômico. Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

A Teoria Neoclássica é bastante marcada pela busca por transformar a


Economia de modo a inserí-la em um padrão do que seria considerado “ciência”.
Mas será que a Economia pode mesmo ser enquadrada dessa forma, com
cálculos e generalizações como a ciência física, por exemplo? John Rapley,
economista político na Universidade de Cambridge, escreveu um texto bastante
instigante sobre esse assunto:
Leia mais em disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/externo/2018/02/17/Poucas-coisas-
s%C3%A3o-t%C3%A3o-perigosas-como-economistas-com-
%E2%80%98inveja-de-exatas%E2%80%99>. Acesso em: 17 ago. 2022.

TEMA 1 – A CONTRIBUIÇÃO DE MARSHALL À TEORIA DE UTILIDADE E À


TEORIA DA DEMANDA

Crédito: Andrei/AdobeStock.

3
Alfred Marshall (1842 – 1924) nasceu em Londres, era matemático e foi
por vários anos professor de economia política na Universidade de Cambridge.
Sua principal obra é intitulada Princípios de Economia e foi publicada em 1890,
podendo ser considerada, junto

com A Riqueza das Nações de Adam Smith, e os Princípios de Ricardo,


um dos grandes divisores de águas no desenvolvimento das ideias
econômicas, representando a transição da antiga para a moderna
Economia. (Strauch, 1996, p. 5)

Um dos principais conceitos para compreender suas teorias é o de


utilidade marginal decrescente, que foi formulado também por Jevons, Menger e
Walras. É a ideia de que a utilidade de um bem tende a reduzir a cada acréscimo
a sua quantidade, ou seja, se você está com fome, o primeiro pão que comer
tende a possuir uma utilidade maior a você por matar a sua fome, e a cada pão
a mais, menor sua utilidade já que o primeiro já cumpriu a função principal. Nas
palavras de Marshall (1996, p. 160): “A utilidade marginal de uma coisa para um
indivíduo diminui a cada aumento da quantidade que ele já possui dessa coisa”.
O que Marshall obteve mais sucesso em explicar para além dos demais
economistas que citamos é sobre a relação entre essa utilidade marginal
decrescente e a teoria da demanda, ou seja, como maximizar a utilidade por
meio da troca. Ele fez isso baseado em duas hipóteses: primeiro, que a curva de
utilidades marginais do indivíduo, negativamente inclinada, era constante;
segundo, que a utilidade marginal da moeda também era constante. Desta
forma, ele criou um elo entre as duas curvas, de utilidades e de preços (Hunt;
Lautzenheiser, 2021, p. 248).
Nesse sentido, a grande inovação de Marshall

introduzida no pensamento econômico foi a criação de um modelo


isolado, em condições bem definidas, no qual as relações entre as
variáveis do sistema podiam ser estabelecidas de maneira exata, de
forma a traduzir o funcionamento de um mercado composto por uma
única firma e um único consumidor. (Oliveira; Gennari, 2009, p. 155)

Essa é a análise do equilíbrio parcial, portanto, que examina apenas a


relação entre os mercados de uma ou duas mercadorias, ou apenas uma firma
e um consumidor. A expressão latina ceteris paribus significa “tudo ou mais
constante”, aparecerá com frequência, demonstrando como esse tipo de análise,
ao analisar mercados ou situações bastante específicas, ignora os efeitos que
outros mercados podem possuir sobre esses dados, ao menos nessa análise
compartimentada que se realiza.

4
Ao analisar a utilidade dessa forma, a teoria do valor de Marshall se
mostrou determinada pela troca, mais especificamente pela oferta e pela
demanda, modelo teórico básico da Escola Neoclássica. Nesse modelo, há dois
pontos focais: a família e a firma, ou o consumidor e o produtor. As famílias são
donas dos fatores de produção e consumidoras dos bens de consumo finais; já
as firmas compram os fatores de produção e vendem os produtos de consumo
finais.
Com isso, enquanto as famílias visam maximizar sua utilidade, as firmas
visam maximizar seus lucros. Nessas relações e tomadas de decisões racionais
e calculadas, os preços são determinados pela oferta e pela demanda que
sempre tendem ao equilíbrio. A curva da demanda, que representaria, portanto,
o consumo do indivíduo, demonstraria que a queda do preço da mercadoria
levaria a um aumento do consumo deste, desde que tudo ou mais se mantivesse
constante.

Família Firma
Donas dos fatores de Compram fatores de
produção produção

Consomem bens de consumo Vendem bens de consumo

Maximizar utilidade Maximizar lucro

Fonte: Talita Alves de Messias.

Da mesma forma, o aumento nos preços poderia reduzir o consumo sobre


certa mercadoria, já que se considerava que as mercadorias poderiam ser
substituídas por outras de mesma utilidade. A demanda total seria então
representada pelo somatório das curvas de demandas individuais. Vejamos, a
seguir, como funciona a curva da oferta, por meio da Teoria da Firma de
Marshall.

5
TEMA 2 – A TEORIA DA FIRMA DE MARSHALL

Crédito: VectorMine/Adobe Stock.

Na Teoria da Firma, busca-se explicar as decisões das empresas ou das


firmas para maximizar seus lucros, ajustando suas produções e seus custos
conforme os preços, que, em geral, eram dados, ou seja, a firma não interferia.
Nesse sentido, a curva da oferta era determinada pelas curvas dos custos das
firmas. Para desenvolver esses modelos, Marshall considerava que a firma
estava em concorrência com diversas outras empresas e, por isso, sua curva da
oferta era representada por uma firma média, que ele chamava de “firma
representativa”.
Havia, porém, uma discussão fundamental para a compreensão das
decisões das firmas: o tempo. Nesse sentido, Marshall inseriu outra inovação ao
pensamento econômico ao analisar os efeitos produzidos pela passagem do
tempo na análise econômica:

Isso porque o elemento tempo, que é o centro das principais


dificuldades de quase todos os problemas econômicos, é, em si
mesmo, absolutamente contínuo: a Natureza não conhece uma divisão
absoluta entre períodos longos de tempo e períodos curtos, mas
passamos de uns a outros por gradações imperceptíveis, e o que é um
período curto para um problema é um longo para outro. (Marshall,
1996, p. 57)

Com essa percepção, Marshall reconheceu quatro tempos para a análise


econômica: o tempo de mercado, o curto e o longo prazo, e o tempo secular.
Enquanto no tempo de mercado o preço é determinado pela demanda e a oferta

6
era fixa, no curto prazo, já seria possível alterar a oferta por meio de mudanças
nos custos variáveis, enquanto se mantinham os custos fixos. Já no longo prazo,
tanto a demanda quanto a oferta podem ser alterados. No último tempo, o
secular, os preços poderiam se alterar pelas mudanças no conhecimento e nos
hábitos das gerações (Oliveira; Gennari, 2009).
A curto e longo prazo, é que Marshall se dedica mais em seus estudos.
Com a análise do tempo, foi possível “reconciliar o princípio clássico do custo de
produção com o princípio da utilidade marginal” (Strauch, 1996, p. 27), porque o
custo de produção era analisado no longo prazo enquanto a utilidade marginal
era analisada no curto prazo, sendo os dois fundamentais, nessa teoria, para a
determinação do valor.
No que diz respeito às decisões das firmas, Marshall introduziu dois
importantes conceitos na análise econômica: primeiro, a ideia de que os
empresários estavam sempre buscando reduzir os custos de produção
substituindo um fator de produção por outro, de modo que os fatores escolhidos
representavam sempre a escolha com menor custo; segundo, que havia uma lei
de rendimentos decrescentes, que explicava porque um fator de produção não
podia ser muito mais utilizado do que outro (por exemplo, se a firma passasse a
empregar mais trabalho com relação à quantidade utilizada de capital, o retorno
do trabalho passaria a ser decrescente a partir de certo ponto, a cada quantidade
de trabalho adicional) (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
A essa altura, talvez você já tenha percebido que a substituição dos
fatores de produção pela firma é semelhante à substituição dos bens de
consumo pelas famílias e que a lei dos rendimentos decrescentes do
desequilíbrio entre os fatores de produção se assemelha à lei da utilidade
marginal decrescente que vimos no tópico anterior. Sendo assim:

Uma das grandes inovações introduzidas por Marshall foi analisar o


lado da oferta por meio de instrumentos e conceitos simétricos aos
utilizados para a análise da demanda, criando uma teoria integrada que
atenda a exigências de universalidade e cientificidade, decisivas para
o seu reconhecimento pelo mainstream. (Oliveira; Gennari, 2009, p.
159)

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Família Firma
Substituição dos Substituição dos
bens de consumo fatores de produção

Lei da utilidade Lei dos rendimentos


marginal decrescentes

Fonte: Talita Alves de Messias.

TEMA 3 – MARSHALL E A DEFESA IDEOLÓGICA DO CAPITALISMO

Crédito: Hyejin Kang/Adobe Stock.

Segundo Hunt e Lautzenheiser (2021), a defesa ideológica do capitalismo


por Marshall advinha de várias ideias do darwinismo social evolucionário que ele
havia incorporado à sua própria teoria. Questões ideológicas fazem parte das
construções teóricas, por mais que os estudiosos, cientistas e pesquisadores
tentem neutralizá-las. A ciência é feita por pessoas, logo, a ideologia também faz
parte dela. Por exemplo, o próprio Marshall teria sido o autor neoclássico que
mais compreendeu que, ao analisar a economia com o postulado de que ela
tende ao equilíbrio, as conclusões seriam construídas de modo a reafirmar essa
premissa:

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Todo o modelo do equilíbrio, tanto o parcial como o geral, depende da
admissão a priori de que o equilíbrio é uma propriedade do sistema
econômico, que a livre atuação das forças de mercado tende a
conduzir o sistema ao estado de equilíbrio. Daí se segue a teoria que
procura reafirmar a premissa. Foi necessário esperar até a crise de
1929 para que essa convicção sofresse um abalo consistente.
(Oliveira; Gennari, 2009, p. 165)

Isso porque a crise de 1929 colocou em xeque o postulado do equilíbrio.


Nesse sentido, na economia, enquanto ciência social aplicada, muitas vezes, os
pensadores acabam por não conseguir resolver algumas contradições teóricas
devido justamente às suas orientações de classes (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Hunt e Lautzenheiser (2021) chamam atenção para a máxima latina que aparece
junto ao título do livro de Marshall: Natura Non Facit Saltum, ou seja, “a natureza
não dá saltos”.
Com essa frase, Marshall argumentava que o progresso humano era lento
e que, por isso, a tentativa de acelerar os processos não traria bons resultados:
na verdade, para Marshall, só poderia trazer mais miséria. Assim, mesmo que a
estrutura social pareça, muitas vezes, injusta, sua persistência por um longo
período de tempo provaria que suas características positivas superam as
negativas (Hunt, Lautzenheiser, 2021). Assim era o capitalismo, para Marshall.
Diferente do que discutiam os socialistas e mesmo Karl Marx, que vimos
em conteúdos anteriores, Marshall acreditava na “doutrina da organização
natural” que levava cada pessoa a ser guiada por seus próprios interesses e,
com isso, alcançar a satisfação das necessidades do mundo, ou seja, a doutrina
da “mão invisível” (Hunt, Lautzenheiser, 2021).
Para o professor de Cambridge, o salário pode ser entendido como “uma
remuneração pelo esforço e desprazer do trabalho”, enquanto o juro
representava “a remuneração por um sacrifício, por uma abstinência de
consumo” ou uma “espera de consumo”, nas palavras de Marshall (Oliveira;
Gennari, 2009, p. 163). Se o capitalismo havia sido cruel com os operários, isso
havia ficado no passado, já que os capitalistas estavam se tornando
“cavalheiros” e se preocupando com os pobres (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Ainda assim, argumentam Oliveira e Gennari (2009, p. 164-165), Marshall
percebia claramente “que a livre ação das formas de mercado eram eficazes
para promover a eficiência do sistema econômico, mas seus efeitos não eram
necessariamente benéficos do ponto de vista do bem-estar social” (Oliveira;
Gennari, 2009, p. 164-165). Por isso, era necessária alguma interferência estatal

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na economia, por meio de impostos e subsídios, que garantissem o aumento da
utilidade líquida do consumidor e o bem-estar máximo (Oliveira; Gennari, 2009).
Por isso, a partir de Marshall, a teoria marginalista e a neoclássica se
dividiram em duas vertentes: a primeira fazia uma defesa teórica e abstrata do
livre mercado, de modo que o Estado deveria interferir o mínimo na economia,
visando apenas a garantia das condições perfeitas de concorrência e livre
mercado; já a segunda defendia uma discussão mais aprofundada acerca dos
efeitos da busca cega pela eficiência causados no bem-estar social, integrando
a Escola do Bem-Estar (Oliveira; Gennari, 2009).

TEMA 4 – CLARK E A DEFESA DA PROPRIEDADE PRIVADA

Crédito: Olivier Le Moal/Adobe Stock.

John Bates Clark (1847 – 1938) nasceu em Rhode Island, nos Estados
Unidos, estudou em Amherst, em Massachusetts, assim como teve passagens
pela Alemanha, tendo sido professor em diversas universidades na Europa e nos
Estados Unidos. Seu mais famoso livro, The Distribution of Wealth: A Theory of
Wages, Interest and Profits (A Distribuição da Riqueza: Uma Teoria de Salários,
Juros e Lucros), foi publicado em 1899.
Clark desenvolveu uma teoria mais bem formulada do que foi tentado por
Marshall para explicar a distribuição da riqueza, porque avaliava os efeitos das
variações marginais nas proporções em que os insumos eram combinados.

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Desta forma, conseguiu desenvolver mais claramente um princípio de
substituição do trabalho e do capital (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Com sua teoria da distribuição da renda, Clark demonstrava que o
princípio que rege as recompensas dos capitalistas era o mesmo que
recompensava os operários, sempre com base no que cada um produziu. Nesse
sentido, não haveria excedente nem exploração. Assim como vimos em
Marshall, ele acreditava na “lei natural”. Ele considerava que, se aplicada
perfeitamente, essa lei poderia garantir a distribuição a cada um conforme o que
houvesse criado. Era isso que ele buscava explicar no livro The Distribution of
Wealth.

Embora os salários possam ser ajustados por barganhas livres entre


indivíduos, os salários resultantes dessas transações tendem – como
afirmamos aqui – a ser iguais àquela parcela do produto industrial que
pode ser associada ao próprio trabalho; embora os juros possam ser
ajustados também pela negociação livre, tendem, naturalmente, a ser
iguais à fração do produto que possa ser separadamente atribuída ao
capital. Quando, no sistema econômico, surgem direitos de
propriedade – isto é, quando o trabalho e o capital se apoderam do que
o Estado passa a tratar como propriedade do trabalho e do capital – o
procedimento social fica de acordo com o princípio em que se assenta
o direito de propriedade. Na medida em que não seja obstruído,
distribui a cada um o que ele tenha especificamente criado. (Clark,
1899, apud Hunt, Lautzenheiser, 2021)

Sendo assim, na visão de Clark, as propriedades são distribuídas também


de forma justa e correta. Para o autor, as propriedades privadas, sobretudo a
posse de terras, era uma razão instintiva para que trabalhadores buscassem se
inserir na classe possuidora de riqueza, ou seja, a busca pela propriedade
privada era algo movido por instinto. Nesse sentido, a defesa da propriedade
privada era um sentimento moral da população, que era expressa na forma de
lei. Ou seja, a lei existia porque as pessoas defendiam a propriedade privada.
Assim Clark buscava deixar claro a sua contrariedade com respeito às
ideias socialistas de fim da propriedade privada, sobretudo no caso das terras,
em que os argumentos de seus rivais eram mais fortes. Por isso, Clark defendia
sobretudo a propriedade de terras, considerando esta como “uma defesa de
todos os tipos de propriedade privada de fatores de produção” (Hunt;
Lautzenheiser, 2021, p. 265).
Entretanto, se a distribuição de rendas e mesmo a propriedade são
resultados dos esforços produtivos de cada proprietário, o que poderíamos dizer
de terras e propriedades herdadas? As heranças não são resultados dos
esforços do herdeiro, de modo que este já pode iniciar sua vida sem necessitar
11
trabalhar. Isso seguiria sendo justo? Essa é uma das críticas apontadas à teoria
da distribuição de Clark, assim como se apontou que estruturas como
monopólios e monopsônios não remuneram conforme sua produtividade
marginal (Brue, 2006).
Críticos apontariam ainda para o fato de que a teoria de Clark apresenta
um raciocínio circular, já que, desde o começo, a renda teria que ter sido
distribuída justamente, já que, em sua teoria, é a distribuição de renda que define
o consumo, e o consumo que define o que é produzido (Brue, 2006). Mas o
mundo foi sempre regido por um mesmo modo de produção capitalista? O
mundo foi sempre regido por essa “lei natural” em que acreditava Clark?
A História prova que não, assim como vimos um pouco das discussões
sobre Economia no mundo pré-capitalista. Então não se inicia o capitalismo com
uma distribuição justa, de modo que mesmo que a “lei natural” fosse real, a
distribuição já teria começado desigual e injusta, invalidando a teoria de Clark.

Sendo assim, afirma Brue (2006, p. 269):

A maioria dos economistas contemporâneos conclui que a teoria da


produtividade marginal ajuda a explicar como a renda é distribuída em
uma sociedade capitalista, mas isso é muito inadequado como
justificativa ética para a distribuição observada.

Crédito: Antonov Maxim/Shutterstock.

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TEMA 5 – AS RELAÇÕES DE CLASSE CAPITALISTA, SEGUNDO A TEORIA
NEOCLÁSSICA DA DISTRIBUIÇÃO

Crédito: TimeShops/Adobe Stock.

Na Teoria Neoclássica, o processo econômico é visto como uma série de


trocas de coisas equivalentes, em que todos saem beneficiados porque trocam
o que possuem por algo que lhes é mais útil. O mundo é formado por indivíduos
egoístas, racionais, calculistas, maximizadores de utilidade, que são agrupados
em família. As propriedades dos fatores de produção são direitos naturais,
inalienáveis.
Nesse sentido, a economia é harmônica, regida por uma “lei natural”, em
que todos buscam e alcançam seus interesses e maximizam a utilidade de tudo.
As famílias vendem seus fatores de produção e compram produtos de consumo.
Já os empresários vendem os bens de consumo após comprar os fatores de
produção. As famílias buscam maximizar sua utilidade, enquanto os empresários
buscam o lucro.
O lucro, porém, não existe em uma economia concorrencial e em
equilíbrio. “Então”, apontam Hunt e Lautzenheiser (2021, p. 265), “o empresário
neoclássico está sempre fazendo esquemas, se preocupando, comprando e
vendendo, em busca de um sucesso ilusório e quimérico”, como em um trabalho
de Sísifo. Para Clark (1899 apud Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 265), “os preços
normais são preços sem lucro” que cobrem todos os salários (inclusive do
empresário e todo setor administrativo), assim como os juros sobre o capital que
foi necessário para gerar a empresa.
Como existiria concorrência, na Teoria Neoclássica, os empresários
estarão disputando os compradores e, por isso, não poderão adicionar lucro aos
preços, porque assim estariam deixando de vender, perdendo para os
13
concorrentes que mantivessem os preços a nível de custos. Assim, se o lucro
surge, ele desaparece, ficando como algo apenas residual. Se não existe lucro,
portanto, não existe excedente, não existindo nada além da remuneração justa
referente à riqueza gerada pelo trabalho.
Se não existe excedente, não existe classe, nem antagonismo de classe,
nem exploração. O que diferencia as pessoas é um certo caráter moral mais
elevado que garante a abstinência que nem todos conseguem alcançar. Essa
abstinência, essa espera por fazer o dinheiro trabalhar no tempo, esse sacrifício
realizado, é uma virtude que poucos teriam. É o que separa o trabalhador do
empresário.
O texto sugerido no início deste material ajuda a compreender por que a
busca por tornar a economia uma ciência nos parâmetros de uma ciência exata
é um erro: justamente porque a economias são construções sociais, em
constantes movimentos e transformações. Isso não significa que não seja
possível encontrar padrões e permanências, mas, sim, que análises estáticas
ficam impossibilitadas de capturar as essências desses processos.
O próprio Clark teria reconhecido que sua teoria da distribuição é estática,
mas, ainda assim, ele acreditava que mesmo o mundo sendo dinâmico, as leis
estáticas seriam “leis reais que se reafirmam depois de cada alteração dinâmica
na economia” (Brue, 2006). Só que Clark não desenvolveu nenhuma análise
histórica, nenhuma análise que fosse abrangente e dinâmica que pudesse
comprovar essas suas teorias. Com isso, a teoria neoclássica pode ajudar a
compreender recortes bastante específicos do funcionamento da economia, mas
não a compreender as dinâmicas do sistema capitalista.

TROCANDO IDEIAS

Ao longo de nosso estudo, tivemos contatos com diversas formas de


compreender a economia, seja pela Economia Política discutida pelos clássicos
e Marx, ou pela Teoria Econômica abordada pelos neoclássicos. No vídeo
indicado a seguir, o Prof. Júlio Pires desenvolveu um interessante resumo acerca
da abordagem neoclássica. Assista ao vídeo e responda no fórum: por meio dos
estudos que desenvolvemos até aqui, você já seria capaz de apontar com que
tipo de abordagem da economia você tende a se identificar? Justifique sua
resposta. Link disponível em:

14
<https://www.youtube.com/watch?v=f0XuUj7Furs&ab_channel=CasadoSaber>.
Acesso em: 17 ago. 2022.

NA PRÁTICA

Para reforçar os conteúdos aprendidos nesta etapa, responda as


seguintes questões:

1) Quais são as bases filosóficas da Escola Neoclássica? De acordo com


essas linhas de pensamento, o que move as motivações humanas e como
é entendido o caráter da natureza humana?
2) Explique o conceito de utilidade marginal decrescente e cite dois
pensadores econômicos que formularam esse conceito.
3) Segundo a teoria de Clark, como se dá a distribuição de riquezas na
economia? Que questionamentos podem ser feitos sobre essa teoria?

FINALIZANDO

Nessa etapa, tratamos sobre a Escola Neoclássica, uma escola do


pensamento econômico bastante influente no mundo atual. Os neoclássicos
tiveram como uma de suas preocupações centrais estruturar a Economia Política
de modo a transformá-la em uma ciência mais próxima às ciências exatas, tendo
a Física como exemplo. Com isso, os neoclássicos deixaram de falar em
“Economia Política” para tratar de “Teoria Econômica”, privilegiando-se as
análises estáticas em detrimento das análises históricas e, portanto, dinâmicas.
Nesse sentido, o marginalismo foi um movimento bastante importante
para o desenvolvimento dessa escola, porque apresentava uma demonstração
lógica e matemática para a análise econômica. A definição do valor pela utilidade
pôde ser mais bem quantificada e explicada, fazendo da relação entre a oferta e
a demanda um dos mais importantes modelos no ensino de economia.
Essas análises podem ser bastante interessantes para o estudo de casos
bastante específicos, recortados no tempo e no espaço. Para análises mais
amplas, porém, eles podem mostrar-se deficientes, já que a economia é
resultado de processos sociais cheio de especificidades, de tempo e de espaço,
que deixaram de ser consideradas pelos neoclássicos.
Ainda assim, os argumentos e análises dessa escola mostram-se
bastante influentes, assim como as filosofias nas quais ela se baseia: o

15
utilitarismo e o individualismo. A defesa da propriedade privada também se
mostra bastante marcante nessa escola e acaba pautando muitos dos debates
sobre esse assunto na sociedade.
Por fim, chegamos ao fim da nossa quarta aula de História do Pensamento
Econômico, aprendendo mais uma das formas de pensar e fazer a ciência
econômica. É possível, com nossos estudos até aqui, que você já tenha se
identificado com alguma escola ou linha de pensamento, mas também é possível
que, diante de tantas possibilidades, você ainda não se veja tendendo para
qualquer lado desses debates. Não se preocupe, não há certo ou errado nessa
situação. O importante é que você prossiga os estudos com dedicação,
mantendo-se curioso e aberto às diversas visões possíveis sobre essa ciência
social aplicada tão fascinante, que é a Economia.

16
REFERÊNCIAS

BRUE, S. L. História do Pensamento Econômico. 6. ed. São Paulo: Thomson


Learning, 2006.

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do Pensamento Econômico: uma


perspectiva crítica. Tradução de André Arruda Villela. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Atlas, 2021.

MARSHALL, A. Princípios de Economia: uma introdução. Vol. 1. São Paulo:


Editora Nova Cultural, 1996. Coleção Os Economistas. v. 1.

OLIVEIRA, R. de; GENNARI, A. M. História do Pensamento Econômico. São


Paulo: Saraiva, 2009.

STRAUCH, O. Introdução: ensaio biobibliográfico sobre Alfred Marshall. In:


MARSHALL, A. Princípios de Economia: uma introdução. São Paulo: Editora
Nova Cultural, 1996. v. 1. (Coleção Os Economistas)

17
Gabarito

1) O utilitarismo e o individualismo. As motivações humanas são causadas


pela busca por maximizar o prazer e minimizar a dor, enquanto o
individualismo entende a natureza humana como sendo de caráter
egoísta e competitivo.
2) É a ideia de que a utilidade de um bem tende a reduzir cada acréscimo à
sua quantidade, ou seja, se você está com fome, o primeiro pão que
comer tende a possuir uma utilidade maior a você por matar a sua fome,
e a cada pão a mais, menor sua utilidade já que o primeiro já cumpriu a
função principal (Marshall; Jevons; Menger; Walras).
3) Segundo Clark, o princípio que rege as recompensas dos capitalistas é o
mesmo que recompensa os operários, sempre com base no que cada um
produziu. Se a distribuição de rendas e mesmo a propriedade são
resultado dos esforços produtivos de cada proprietário, o que poderíamos
dizer de terras e propriedades herdadas? Se é a distribuição de renda que
define o consumo, e o consumo que define o que é produzido, o mundo
teria sempre sido justo com relação a essa distribuição para que hoje ela
seja conforme o que cada um produz?

18
HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ECONÔMICO
AULA 5

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

A Escola Keynesiana

Prezado(a) leitor(a), em conteúdos anteriores estudamos a Escola


Neoclássica, aprendemos alguns de seus pressupostos, assim como alguns
fundamentos filosóficos e ideológicos dessa corrente econômica. Na etapa de
hoje vamos estudar um dos mais influentes economistas do século XX: John
Maynard Keynes. Apesar de sua formação ser bastante neoclássica e de até
defender essa corrente, Keynes acabou desenvolvendo uma teoria que colocou
muitos pressupostos neoclássicos em xeque.
A teoria keynesiana foi bastante polêmica, no sentido de que gerou e
ainda gera muitos debates. Além disso, outras escolas econômicas foram
geradas a partir dessa teoria, como a pós-keynesiana e o novo-keynesianismo.
Keynes foi não apenas um importante teórico da Economia como também teve
papel ativo na reconstrução do mundo pós-guerra, ainda que algumas de suas
principais ideias tenham sido vencidas.
Nesse sentido, iniciaremos tratando sobre o contexto teórico da análise
de Keynes, para compreender, posteriormente, sua defesa da Teoria da
Distribuição e sua análise das depressões capitalistas. Nos dois últimos temas,
analisaremos a eficácia das políticas keynesianas e os fundamentos ideológicos
das ideias de Keynes.
Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

‘Até como keynesiano eu sou melhor’, teria se vangloriado o imodesto


Paulo Guedes ao criticar as propostas de financiamento de uma
expansão do programa Bolsa Família (ou prorrogação do auxílio
emergencial) pela via do aumento de impostos. Uma interpretação
keynesiana possível para a fala atribuída ao ministro da Economia é a
de que uma elevação de tributos no atual contexto de crise seria
prejudicial à recuperação econômica, já que, tal como um corte de
gastos e investimentos públicos, retiraria recursos disponíveis para a
demanda privada. (Carvalho, 2021)

Saiba mais
Saiba mais sobre o assunto em:
<https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2021/A-s%C3%BAbita-
preocupa%C3%A7%C3%A3o-keynesiana-de-Guedes>. Acesso em: 17 ago.
2022.
2
TEMA 1 – O CONTEXTO TEÓRICO DA ANÁLISE DE KEYNES

Crédito: SMD90/Shutterstock.

John Maynard Keynes nasceu em 1883, em Cambridge. De família


abastada, teve desde cedo acesso ao melhor da educação formal e informal da
época. Ao longo de sua formação, dedicou-se principalmente ao estudo da
matemática, da filosofia e das humanidades. Só após a conclusão do ensino
formal é que se voltou para os estudos relacionados à Economia. A partir de
1908 passou a lecionar a disciplina de Economia na Universidade de Cambridge
e intensificou seus estudos na área da economia ortodoxa, a partir de suas
principais referências na época: Alfred Marshall, Arthur Cecil Pigou, John Stuart
Mill, David Ricardo e Adam Smith.
A teoria de Keynes foi formulada em um contexto conceitual influenciado
predominantemente pela ortodoxia econômica, em que vigoravam os princípios
3
ideológicos do utilitarismo neoclássico e do capitalismo do laissez-faire, entre os
quais, elencam-se como principais os seguintes:

• a teoria da distribuição baseada na produtividade marginal, segundo a


qual cada fator de produção era remunerado de acordo com o valor
marginal que gerava na produção;
• o princípio da “mão invisível”, que assegurava que a busca dos interesses
individuais levaria ao bem-estar de toda a sociedade;
• a fé na natureza automática e autorregulável do mercado, que defendia
que os governos não deveriam intervir no funcionamento da economia, a
não ser para fazer cumprir os contratos e defender os poderes da
propriedade privada (Hunt; Lautzenheiser, 2013).

Do ponto de vista teórico da economia neoclássica, o funcionamento da


economia pode ser explicado por um fluxo circular da renda e de bens e serviços,
em que o dinheiro vai das empresas para as pessoas em forma de salários,
lucros, juros e aluguéis, e retorna depois às firmas, quando o público adquire
bens e serviços. Assim, as empresas vendem tudo o que produzem e obtêm
lucros satisfatórios, dando continuidade ao processo.
Mas, nesse fluxo, podem ocorrer três vazamentos: poupança (quando as
pessoas não gastam toda a renda que ganham), importações (quando as
pessoas compram bens e serviços de empresas estrangeiras) e impostos (o
dinheiro gasto com impostos é retirado do fluxo da renda). Na teoria neoclássica,
cada um desses vazamentos pode ser assim compensado: o dinheiro gasto com
produtos importados é compensado por meio da renda obtida com exportações;
os impostos são usados pelo governo para comprar bens e serviços, devolvendo
o dinheiro para o fluxo circular; e a poupança (guardada no banco) se transforma
no valor tomado de empréstimo pelos empresários para fazer novos
investimentos.
Assim, igualando-se as respectivas variáveis (importações com
exportações; impostos com gastos do governo; e poupança com investimento),
os vazamentos são corrigidos e os gastos de toda a economia serão exatamente
iguais ao valor de toda a produção, fazendo com que tudo o que for produzido
seja vendido e reine a prosperidade. Dessa forma, segundo os neoclássicos,
demanda e oferta agregadas seriam sempre iguais, porque a oferta e a demanda
levariam ao equilíbrio das transações internacionais; as consideradas boas

4
políticas fiscais manteriam o orçamento equilibrado (impostos sendo iguais aos
gastos do governo); e a taxa de juros sempre igualaria a poupança e o
investimento (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Com relação à igualdade entre a poupança e investimento, Keynes
desenvolveu uma interpretação diferente. Segundo os neoclássicos, os
indivíduos sempre preferiam o consumo presente no consumo futuro, portanto,
as pessoas só poupariam quando recebessem uma recompensa para fazer isso,
e essa recompensa era a taxa de juros. Assim, quanto mais alta a taxa de juros,
mais as pessoas poupariam. Da mesma forma, os responsáveis pelas firmas
precisavam tomar empréstimos para investir e tinham de pagar por esses
recursos. Quanto mais baixa a taxa de juros, mais baratos os recursos e mais
eles investiriam.
Segundo a interpretação neoclássica, a concorrência criava
automaticamente uma taxa de juros em que poupança e o investimento sempre
se igualariam. Isso significava que todos os três vazamentos do fluxo renda-
gastos seriam automaticamente corrigidos, e a demanda agregada seria
automaticamente igual à oferta agregada no pleno emprego. Nesse contexto
teórico, se os mercados se ajustam automaticamente, quanto menos os
governos interferirem na economia melhor será, pois evitam-se, inclusive, ações
corruptas ou autoritárias que desequilibrem o mercado.
No entanto, o sistema capitalista de mercado sempre sofreu com crises e
instabilidades, nunca se ajustando tranquila e automaticamente ao equilíbrio
com pleno emprego. Em fins do século XIX, o desenvolvimento do mercado de
capitais mundiais e os progressos na produção e nos transportes provocaram
imensas concentrações de poder industrial em corporações gigantescas, trustes
e cartéis, levando a duas consequências principais: a concorrência não
regulamentada tornou-se extremamente custosa e prejudicial para essas
empresas gigantescas; e o novo cenário reduziu significativamente o grau de
flexibilidade e capacidade de ajuste que o mercado apresentava anteriormente.
Assim, com as diversas crises econômicas desde o final do século XIX até
a Grande Depressão dos anos 1930, a crença no mercado autorregulado tornou-
se cada vez mais custosa para os capitalistas. Nesse contexto, foram criadas
uma série de comissões reguladoras governamentais e leis antitruste
ostensivamente voltadas para a promoção da concorrência, para salvar as
grandes empresas da chamada concorrência desleal. Argumentava-se que “o

5
governo só intervinha na situação econômica para assegurar o funcionamento
harmonioso e benéfico da mão invisível” (Hunt; Lautzenheiser, 2013, p. 350).
No entanto, com o agravamento das crises, a teoria neoclássica não
oferecia alternativas, pois, de acordo com seus preceitos, as depressões não
aconteciam. Por isso, ela necessitava ser drasticamente modificada. Foi a essa
tarefa que se dedicou Keynes, em sua obra intitulada A Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, propondo medidas para
preservar o funcionamento pleno do sistema capitalista (Hunt; Lautzenheiser,
2013).

TEMA 2 – KEYNES E A DEFESA DA TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO

Crédito: JrCasas/AdobeStock.

Como vimos em conteúdos anteriores, a teoria neoclássica da distribuição


baseia-se no conceito de produtividade marginal dos fatores de produção e
concorrência perfeita em todos os mercados. Em outras palavras, cada um
recebe de acordo com sua produção, e quanto mais caro o fator de produção,
menor a sua demanda. Essa relação é condição necessária para o resultado de
pleno emprego dos fatores de produção no equilíbrio de longo prazo do sistema.
A implicação lógica desse resultado é a ideia de que o crescimento de longo
prazo é determinado pelo lado da oferta da economia, e não da demanda.

6
Vamos supor que o trabalho seja um fator de produção homogêneo.
Nesse caso, a concorrência dos trabalhadores pelos empregos disponíveis e dos
capitalistas pelos trabalhadores disponíveis irá fazer com que os salários sejam
iguais à produtividade do último trabalhador empregado. Isso porque nunca será
economicamente vantajoso para o capitalista pagar a um trabalhador adicional
um salário superior ao produto adicional que obtém ao empregá-lo.
Os capitalistas irão empregar trabalho até o ponto em que a taxa de
salário real prevalecente no mercado se iguale à produtividade marginal do
trabalho. Obtém-se, dessa forma, a função demanda de trabalho, segundo a qual
a quantidade demandada de trabalhadores irá aumentar se o preço do trabalho
(salário real) cair. Como a quantidade disponível de trabalhadores é dada,
segue-se que os rendimentos do trabalho serão determinados no ponto em que
a quantidade demandada de trabalho se igualar à quantidade disponível de
trabalhadores (Oreiro, 2018).
Keynes basicamente concordava com a teoria neoclássica da distribuição,
como concordava com quase todos os princípios da teoria neoclássica. Um
ponto fundamental em que Keynes discordava era com relação à crença de que
a demanda agregada sempre seria igual à oferta agregada no nível da renda de
pleno emprego. Entretanto, quando Keynes afirmou, na Teoria Geral, que
discordava da economia neoclássica, teve o cuidado de reafirmar que
concordava com seu primeiro postulado, de que o salário é igual ao produto
marginal do trabalho.
O economista inglês argumentou que para aumentar o emprego, os
salários teriam de baixar e os lucros teriam de aumentar, ou seja, se a
maximização dos lucros motivasse os capitalistas a empregar trabalhadores até
o salário igualar ao valor de seu produto marginal, a diminuição do salário real
dos trabalhadores seria a única resposta para o desemprego.
Isso poderia ser feito de duas maneiras: (i) o salário nominal poderia ser
baixado e os preços dos bens-salários poderiam permanecer constantes (opção
recomendada pela maioria dos neoclássicos); e (ii) o preço dos bens-salários
poderia aumentar e os salários nominais permanecerem constantes ou
aumentarem mais lentamente. Ou seja, ou se baixavam os salários se
mantivessem os preços, ou aumentavam os preços sem aumentar os salários.
Apesar de as duas formas serem prejudiciais ao poder de compra dos

7
trabalhadores, Keynes considerava que os trabalhadores nunca aceitariam a
primeira alternativa, mas aceitariam a segunda (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Por fim, a teoria neoclássica foi se chocando com a realidade econômica.
Na perspectiva dessa teoria, a oferta de trabalho é que determina o salário e o
nível total da produção. No entanto, se esse pressuposto estivesse correto,
assim como o da teoria da distribuição, a queda brusca de empregos na década
de 1930 teria resultado em um aumento substancial da produtividade marginal
do trabalho. A consequência teria sido um aumento dos salários. Como na
realidade os salários reais não tinham aumentado, tendo em muitos casos
diminuído, concluía-se que os trabalhadores empregados estavam recebendo
salários reais substancialmente menores do que sua produtividade marginal
(Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Outro pressuposto neoclássico foi posto à prova com a Grande Depressão
dos anos 1930. Segundo os neoclássicos, só existiria desemprego se os
trabalhadores se recusassem a trabalhar pelo valor da produção marginal do
trabalho (desemprego voluntário). Ou seja, quando parecia existir desemprego,
era apenas porque os trabalhadores se recusavam a aceitar os cortes salariais,
que eram necessários para igualar o salário ao menor valor do produto marginal
que resultaria quando fossem empregados mais trabalhadores. Mas milhões de
trabalhadores estavam ansiosos para trabalhar naqueles anos, mesmo
recebendo os salários vigentes, mas não conseguiam emprego (Hunt;
Lautzenheiser, 2013).

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TEMA 3 – KEYNES E A ANÁLISE DAS DEPRESSÕES CAPITALISTAS

Crédito: Spyarm/AdobeStock.

Na sua Teoria Geral, Keynes argumentou que em épocas de depressão


a taxa de utilização da capacidade produtiva do capital físico caía rapidamente,
assim como o número de trabalhadores empregados. Esse fenômeno acentuou
uma característica que o economista keynesiano, Dudley Dillard, identificou
como “o paradoxo da pobreza em meio da abundância potencial, uma das graves
contradições do capitalismo moderno” (Dillard, 1986, p. 51).
Esse paradoxo explica como os que possuem menos renda tendem a
consumir tudo o que recebem, diferentemente dos que possuem mais riquezas,
que gastam uma parte e investem a outra. Esse investimento, porém, depende
das expectativas dessa sociedade de renda mais alta, de modo que, muitas
vezes, essa riqueza poderá ficar parada ou entesourada, enquanto a
comunidade espera pelos empregos que seriam gerados pelos investimentos.
Esse desequilíbrio, portanto, não se ajusta automaticamente.
Com isso, Keynes reforçava suas duas principais divergências com
relação à doutrina neoclássica da automaticidade: (i) ele acreditava que o nível
de renda agregada era uma variável muito mais importante do que a taxa de
juros para avaliar o nível da poupança (mesmo aceitando que a taxa de juros
tem alguma influência sobre a poupança); e (ii) a taxa de juros representava o
preço da moeda, ou seja, ela igualava a demanda e a oferta de moeda, o que
9
era bastante diferente da ideia neoclássica de que era o equilíbrio entre
poupança e investimento (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Com relação à primeira divergência, Keynes chamou de “função
consumo” esse princípio de que o levou a abandonar a teoria neoclássica da
poupança. Na “função consumo” eram os níveis de renda que determinavam os
níveis de consumo e de poupança. Dessa ideia decorreu outros dois conceitos:
o de “propensão marginal a poupar”, que media o quanto a poupança variava a
cada variação da renda, e o de “propensão marginal a consumir”, que da mesma
forma calculava a relação entre uma variação da renda e a variação resultante
no consumo (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Já no que diz respeito à divergência sobre a natureza da taxa de juros,
que para Keynes era determinada pela oferta e demanda de moeda, ele
explicava a partir dos seguintes preceitos. A oferta de moeda era constante,
determinada pelo Banco Central ou pelas autoridades monetárias. Já demanda
por moeda (chamada de preferência pela liquidez), era determinada por três
motivos: o motivo-transação (necessidade de moeda para transações correntes
pessoais e comerciais); o motivo-precaução (o desejo de se ter segurança
quanto ao equivalente, em moeda, de uma certa proporção de recursos totais);
e o motivo-especulação (objetivo de obter lucros, sabendo-se melhor do que o
mercado sobre o futuro) (Keynes, 1985).
A parcela da demanda por moeda derivada do motivo-especulação estava
relacionada com a taxa de juros, ou seja, parte da demanda por moeda dependia
das expectativas quanto ao que aconteceria com a taxa de juros no futuro.
Portanto, a quantidade de moeda demandada para fins especulativos diminuía
com o aumento da taxa de juros e aumentava com a queda da taxa de juros.
Isso porque com o aumento da taxa de juros, é preferível investir em títulos do
governo, por exemplo, do que especular na bolsa de valores. Já na situação
contrária, com uma taxa de juros mais baixa, o mercado financeiro pode trazer
maiores rendimentos.
Já para entender a teoria da taxa de juros de Keynes e sua relação com
a poupança e o investimento, podemos analisar outra situação: se há um
excesso de poupança com relação ao investimento, as pessoas estão gastando
menos, de forma que a demanda agregada seria menor do que a oferta
agregada. Isso significaria que estariam sobrando produtos à venda. Nesse
caso, as empresas, ao verem seus estoques aumentarem, diminuiriam a

10
produção no momento seguinte, gerando desemprego e consequente
diminuição da renda agregada.
Com a queda na renda, o público gastaria ainda menos na compra de
bens e serviços no período seguinte. Então, os empresários, verificando que
mesmo com o nível mais baixo de produção não conseguiam vender tudo o que
tinham produzido, novamente reduziam a produção, reproduzindo o movimento
espiral de baixa. Esse processo continuaria até as quedas na renda terem
reduzido a poupança, a ponto de ela não ser mais superior ao nível mais baixo
de investimento. Com esse nível baixo de renda, reestabelecia-se o equilíbrio e
a economia se estabilizava. O custo, entretanto, seria muito alto: um nível de alto
desemprego e muita capacidade ociosa (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Em alguns casos, o problema poderia ser solucionado se as autoridades
monetárias aumentassem a oferta monetária até o ponto em que a taxa de juros
igualasse os níveis de poupança e investimento. Porém, em determinadas
situações, isso não bastava. Keynes argumentava que, se a taxa de juros que
igualasse os níveis de poupança e investimento a pleno emprego fosse muito
baixa, a política monetária poderia não ser capaz de baixar a taxa de juros o
bastante, porque as pessoas esperariam que ela iria subir muito no futuro, e
prefeririam reter dinheiro, mesmo com grande aumento da quantidade de
moeda. Esse fenômeno monetário Keynes identificou como armadilha da
liquidez.
A solução proposta por Keynes era então de que o governo poderia
interferir quando a poupança superasse o investimento, tomando emprestado o
excesso de poupança e gastando o dinheiro em projetos úteis para a sociedade.
Esse tipo de Política Fiscal não deveria levar ao aumento da capacidade
produtiva da economia nem diminuir as oportunidades de investimentos no
futuro, levando assim ao equilíbrio em pleno emprego (Hunt; Lautzenheiser,
2013).

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TEMA 4 – EFICÁCIA DAS POLÍTICAS KEYNESIANAS

Crédito: VZ_Art/AdobeStock.

A publicação da Teoria Geral de Keynes, em 1936, gerou grandes


debates e divergências, sobretudo até o início da Segunda Guerra Mundial,
quando os governos começaram a aumentar consideravelmente seus gastos
com armamentos e as economias voltaram a crescer com a queda do
desemprego. Durante os anos da guerra, em função dos enormes gastos
governamentais, a maioria das economias capitalistas se transformou
rapidamente, passando de uma situação de grave desemprego para uma
escassez crescente de mão de obra.
Boa parte dos economistas da época concordava que essa experiência
comprovou as ideias de Keynes e que o capitalismo poderia ser salvo se o
governo usasse corretamente seu poder de tributar e gastar dinheiro. Nos
Estados Unidos, em 1946, foi criada a Lei do Emprego, obrigando o governo a
manter o pleno emprego. Além disso, foram realizadas conferências para discutir
os objetivos que deveriam guiar as políticas de governo na nova era keynesiana,
em que as depressões não mais deveriam existir (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Embora os enormes gastos governamentais em tempos de guerra tenham
tirado a economia norte-americana da estagnação e depressão, o otimismo dos
economistas keynesianos do pós-guerra não durou muito tempo. Com o passar
dos anos, novas recessões surgiram, tornando-se cada vez mais complexas.
Sem dúvida, as depressões ocorridas nos Estados Unidos depois da Segunda
Guerra Mundial foram bastante menos severas do que a Grande Depressão da
década de 1930, pelo menos até a crise do subprime, de 2008-2009.

12
Em fins da década de 1980, com o fim da Guerra Fria, parecia que o
incentivo às despesas militares poderia diminuir, no entanto, estas
permaneceram elevadas e o perigo de redes terroristas se tornaram o novo
motivo para os enormes gastos militares. Desde a Segunda Guerra Mundial, as
taxas de desemprego nunca se aproximaram das taxas que se verificaram na
grande depressão, mantendo-se abaixo dos 5% em média desde os anos 1950
até os 1970, e não ultrapassando os 10% até o início da grande crise financeira
mundial em 2007 (Hunt; Lautzenheiser, 2013).
Embora o que aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial possa ser
menos impressionante do que a visão otimista de muitos economistas
keynesianos que escreveram na década de 1940, dada a estagnação e a quase
desintegração do capitalismo na década de 1930, pode-se dizer que, durante
aproximadamente três décadas, as políticas inspiradas nas teorias keynesianas
funcionaram razoavelmente bem (Hunt; Lautzenheiser, 2013).

TEMA 5 – FUNDAMENTOS IDEOLÓGICOS DAS IDEIAS DE KEYNES

Crédito: Andrey Popov/AdobeStock.

Durante a década de 1920, grandes economias capitalistas atravessavam


sucessivas crises que acabaram culminando na Grande Depressão dos anos
1930, que gerou desemprego em massa em diversos países. Diante dessa
realidade, instigado pela observação prática do mundo real, Keynes começou a
se afastar da ortodoxia econômica, principalmente no que diz respeito ao
princípio baseado na Lei de Say, segundo o qual não poderia haver escassez de
poder de compra.
Além disso, a existência de mecanismos automáticos do livre mercado,
responsáveis por ajustar automaticamente os salários, os preços e os juros,
garantia de que a demanda não fosse inferior ao nível de produção de pleno

13
emprego. A partir da crítica a esse princípio, Keynes procurou fundamentar
teoricamente sua explicação sobre as causas do desemprego e apresentou
como solução a proposição de intervenção do Estado como mecanismo gerador
de demanda efetiva, como meio de garantir que o nível de emprego se
mantivesse elevado (Keynes, 1985).
Sua tentativa de teorizar a respeito da superação dos princípios
neoclássicos resultou na sua obra A Teoria Geral do Juro, do Emprego e da
Moeda. Apesar de classificada como uma obra controversa por diversos autores,
e ainda ser tema de acalorados debates até os dias atuais, pode-se afirmar que
a mensagem central do texto é a de que o sistema capitalista é intrinsecamente
instável e que a chamada “mão invisível” do mercado não leva ao equilíbrio entre
o interesse individual dos agentes econômicos racionais e o bem-estar social.
Ao contrário, o automatismo do mercado pode gerar crises profundas que
ameaçam até a perpetuação do sistema. Essas crises, segundo Keynes,
ocorrem por conta da insuficiência de demanda agregada efetiva. Para estudar
as flutuações nos níveis de produto e emprego, Keynes começou por explicar as
principais determinantes da demanda e da oferta agregadas. Afirmou que os
níveis de produção e emprego são determinados pela igualdade entre a oferta e
a demanda agregadas, sem a garantia de que todos aqueles que queiram
trabalhar possam efetivamente encontrar emprego (Keynes, 1985).
Keynes centrou sua análise principalmente nos determinantes da
demanda agregada, decompondo-a em demanda por bens de consumo e
demanda por bens de investimento. A demanda por bens de consumo depende,
em primeiro lugar, da renda e, depois, da taxa de juros. Nesse ponto, sua
contribuição reside na hipótese de que o nível de consumo cresce
proporcionalmente menos do que a renda corrente.
A demanda por bens de investimento, por outro lado, depende da
expectativa de lucro futuro dos empresários e da taxa de juros. Portanto, como
a demanda por bens de consumo tem uma relação estável com a renda, as
flutuações da demanda agregada estão associadas aos movimentos do nível de
investimento. Em um cenário de crescimento, com expectativas otimistas de
lucro futuro, os investimentos geram mais empregos, maior nível de produto e
de renda e, portanto, maior nível de consumo e poupança. Com recessão,
perspectivas pessimistas de lucro geram quedas no lucro da indústria, no
emprego e renda e, por isso, nos níveis de consumo e poupança (Keynes, 1985).

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Para Keynes, é nas flutuações do nível de investimento que reside a
chave para a compreensão dos movimentos cíclicos do capitalismo. Em
qualquer decisão de investimento, o capitalista tenta prever a evolução futura do
mercado para o produto que ele deseja produzir, assim como o salário que ele
espera pagar ao trabalhador e o preço e a disponibilidade da matéria-prima a ser
transformada. As incertezas sobre essas variáveis são a fonte primária da
instabilidade dos investimentos e, consequentemente, do nível de emprego.
Em condições normais, o empresário estima a taxa de retorno de seu
investimento a partir do lucro esperado, calculado a partir de sua visão sobre o
comportamento das variáveis envolvidas no processo produtivo. Se essa taxa de
retorno é maior que a taxa para a obtenção de fundos ou de aplicação de
recursos no mercado financeiro (a taxa de juros), então ele se sente motivado a
realizar o investimento. Portanto, a instabilidade do sistema capitalista pode advir
tanto de flutuações nas expectativas empresariais sobre o lucro futuro como do
comportamento da taxa de juros (Keynes, 1985).
É importante lembrar que, do ponto de vista ideológico, embora Keynes
tenha sido taxado como radical por alguns de seus colegas economistas
ortodoxos neoclássicos, seu objetivo ao desenvolver sua teoria, que implicou
premissa neoclássica da automaticidade do mercado autorregulado era salvar o
capitalismo da destruição. Além do mais, Keynes tentou manter válidos os outros
dois principais princípios da economia neoclássica, o da teoria da distribuição
baseada na produtividade marginal, e o da eficiência alocativa do mercado.
Conclui sua obra enfatizando a continuidade da validade da teoria neoclássica,
a despeito de suas proposições que a haviam alterado em partes:

[...] se nossos controles centrais tiverem êxito em criar um volume de


produto agregado que corresponda, o mais de perto possível, ao pleno
emprego, a teoria clássica (neoclássica) torna a ser válida deste ponto
em diante. [...] enquanto a ampliação das funções do governo,
envolvido na tarefa de ajustar a propensão a consumir e a propensão
a investir, pareceria a um jornalista do século XIX ou a um financista
americano contemporâneo um ataque terrível ao individualismo, eu a
defendo não só como único meio praticável de se evitar a destruição
das formas econômicas existentes, como também como a condição
para o bom funcionamento da iniciativa individual (quer dizer, a busca
do lucro). (Keynes, 1985, p. 256-257).

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TROCANDO IDEIAS

Com base nas crises econômicas mais recentes, responda no Fórum se


você acredita que a economia tende à estabilidade e ao equilíbrio, com ausência
de crises, ou se a economia capitalista se aproxima mais do modelo keynesiano
no qual predomina a instabilidade e a propensão a crises.

NA PRÁTICA

Como forma de assimilar os conteúdos aprendidos, responda:

1) Com relação à análise das crises capitalistas, quais são as duas principais
divergências de Keynes com relação à teoria neoclássica?

2) Para Keynes, qual seria o principal determinante do investimento?

Respostas:

1) DIVERGÊNCIA (1): ele acreditava que o nível de renda agregada era uma
variável muito mais importante do que a taxa de juros para avaliar o nível
da poupança (mesmo aceitando que a taxa de juros tem alguma influência
sobre a poupança); DIVERGÊNCIA (2): a taxa de juros representava o
preço da moeda, ou seja, ela igualava a demanda e a oferta de moeda, o
que era bastante diferente da ideia neoclássica de que era o equilíbrio
entre poupança e investimento.

2) A expectativa.

FINALIZANDO

Nessa etapa estudamos um pouco da contribuição teórica de um dos mais


influentes economistas do século XX. Suas ideias se transformaram em diversas
políticas econômicas desde a publicação de seu principal texto, provocando o
debate econômico, sobretudo na questão da intervenção do Estado na
economia, enquanto gerador de demanda efetiva.
Do ponto de vista das políticas econômicas, as categorias de Keynes se
converteram em um amplo conjunto de expressões macroeconômicas, como
política fiscal, política monetária, gasto público, política tributária, política
expansionista ou contracionista que fazem parte dos jargões até dos jornais e
revistas ao tratarem sobre economia.

16
É interessante notar, no contexto da História do Pensamento Econômico,
como Keynes parte da economia neoclássica, a reafirma, reinventa, cria outra
teoria, e acaba por gerar outras escolas. Por um longo período do século XX,
portanto, a teoria keynesiana foi hegemônica, pelo menos desde o fim da
Segunda Guerra Mundial até os anos 1970. A crise que se inicia nos anos 1970
também tem impacto sobre a hegemonia do pensamento keynesiano, abrindo
espaço para as teorias macroeconômicas de natureza neoclássica.

17
REFERÊNCIAS

CARVALHO, L. A súbita preocupação keynesiana de Guedes. Nexo Jornal. 21


jan. 2021. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2021/A-
s%C3%BAbita-preocupa%C3%A7%C3%A3o-keynesiana-de-Guedes>. Acesso
em: 9 jun. 2022.

CHICK, V. Sobre moeda, método e Keynes: ensaios escolhidos. Campinas:


Editora da Unicamp, 2010.

DILLARD, D. A teoria econômica de John Maynard Keynes: teoria de uma


economia monetária. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1986.

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do Pensamento Econômico: uma


perspectiva crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

KEYNES, J. M. A Teoria do Emprego, do Juro e da Moeda. 2. ed. São Paulo:


Nova Cultural, 1985. (Os Economistas).

OREIRO, J. L. Macrodinâmica Pós-Keynesiana: crescimento e distribuição de


renda. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

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HISTÓRIA DO PENSAMENTO
ECONÔMICO
AULA 6

Profª Talita Alves de Messias


CONVERSA INICIAL

A Escola Institucionalista e os Pós-Keynesianos

Em nosso estudo, percorremos parte dos caminhos para chegar às duas


grandes áreas da Ciência Econômica: a micro e a macroeconomia. A teoria
microeconômica é formulada basicamente pela escola neoclássica, ao passo
que a teoria macroeconômica se fundamenta na economia keynesiana. A
chamada síntese neoclássica, que integrou a teoria keynesiana e a economia
neoclássica, foi desenvolvida principalmente pelo economista britânico John
Hicks, apresentada em um artigo publicado em 1937, e popularizada pelo
economista estadunidense Paul Samuelson, com a publicação de sua obra
Economics, em 1948:

A teoria keynesiana iria fornecer os conhecimentos necessários para


manter o pleno emprego e o sistema de mercado operaria dentro desse
quadro keynesiano para alocar recursos e distribuir renda de acordo
com os princípios tradicionais da ideologia neoclássica. (Hunt;
Lautzenheiser, 2021, p. 413-414)

Ao longo do século XX, a síntese neoclássica gerou diversos debates.


Estudiosos do keysianismo reivindicaram a essa teoria um caráter muito mais
crítico à teoria neoclássica, e desenvolveram o que ficou conhecido como a
escola pós-keynesiana. Aqui, a oposição era entre o caráter “equilibrista” da
síntese neoclássica, ou seja, em que tudo tende ao equilíbrio, com a inserção do
elemento da incerteza, debatido pelos economistas pós-keynesianos, conforme
veremos no Tema 3.
Por outro lado, marxistas retomavam a discussão da teoria do valor-
trabalho, discutindo o que veio a ser conhecido nos meios marxistas como o
problema da transformação, isto é, como transformar o valor em preço. Iniciando
uma nova discussão, ainda na primeira metade do século XX, apareceu a teoria
schumpeteriana, com uma abordagem bastante original acerca do
desenvolvimento econômico por meio da inovação.
Nesta etapa, passaremos por todos esses debates. A ideia é termos
conhecimento acerca dessas diversas discussões, que são parte da História do
Pensamento Econômico (HPE). Isso não significa, entretanto, que com nosso
estudo tenha esgotado o debate. Há diversas outras correntes importantes da
HPE que não tivemos tempo de analisar, como as teorias do imperialismo, ou a

2
escola institucionalista. Por isso, sugerimos a você observar as referências
bibliográficas e siga buscando novos conhecimentos.

CONTEXTUALIZANDO

Até que ponto o desenvolvimento da Ciência Econômica nos permite


compreender a conjuntura econômica em que vivemos? Será que os notáveis
desenvolvimentos teóricos na HPE, que acompanhamos ao longo desse estudo,
estão próximos o suficiente da realidade do sistema capitalista? O estudo do Dr.
Emilio Chernavsky, intitulado “Crise e perplexidade: os economistas diante da
ruptura do padrão de crescimento global” 1, aponta a perplexidade com que
muitos economistas se depararam com a crise de 2008-2009. Esse artigo,
publicado em 2012, traz diversas citações que demonstram as previsões
equivocadas realizadas por diversos economistas importantes do período, ou
mesmo por instituições, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por que
essa crise não foi prevista pelos grandes economistas do mundo? Leia o texto
de Chernavsky para compreender o papel que a Ciência Econômica pode
desempenhar na prevenção, previsão e resolução das grandes crises mundiais.

TEMA 1 – TÓPICOS SOBRE A HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO


DESDE A DÉCADA DE 1920

Figura 1 – Desenvolvimento do pensamento econômico

Crédito: Funtap/Adobe Stock.

1
Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/revistas/index.php/rtm/issue/view/10>. Acesso em: 11
jul. 2022.
3
Como trabalhamos ao longo desse estudo, a HPE trata de analisar o
desenvolvimento das ideias, teorias e escolas que formaram a Ciência
Econômica como a conhecemos hoje. Essa análise, entretanto, passa não
apenas pelas ideias, mas também pelos contextos em que foram desenvolvidas.
Além disso, a amplitude alcançada por muitas dessas ideias na história
econômica mundial é fundamental para a compreensão do desenvolvimento do
próprio sistema capitalista.
Segundo Karl Polanyi (2012), importante historiador econômico, a
civilização do século XIX se firmava em quatro instituições: o sistema de
equilíbrio de poder (que garantiu que não houvesse guerra prolongada e
devastadora entre as grandes potências na Europa entre 1815 e 1914); o padrão
ouro internacional (baseado na libra, moeda inglesa); o mercado autorregulável;
e, o Estado liberal.
Você deve reconhecer as duas últimas instituições, pois assim como a
“mão invisível” e a teoria da distribuição da renda baseada na produtividade
marginal, elas fazem parte da teoria neoclássica, funcionando como pilares do
utilitarismo (Hunt; Lautzenheiser, 2021). Entretanto, ao longo do século XIX, ao
mesmo tempo em que essas ideias neoclássicas passaram a ser mais debatidas,
desenvolvidas e mais profundamente formuladas, as crises econômicas
tornaram-se cada vez mais frequentes e mais graves.
Hunt e Lautzenheiser (2021, p. 350-351) afirmam que, se na primeira
metade do século XIX, os Estados Unidos só tiveram duas crises econômicas
graves (1819 e 1837), e a Inglaterra teve quatro (1815, 1825, 1836 e 1847), na
segunda metade do século elas passaram a ser cinco nos Estados Unidos (1854,
1857, 1873, 1884 e 1893), e seis na Inglaterra (1857, 1866, 1873, 1882, 1890 e
1900). Ao mesmo tempo, sobretudo a partir do último quarto do século XIX, a
Inglaterra expandia seu império pelo mundo e se consolidava como a principal
economia mundial, coordenando o sistema monetário internacional por meio do
sistema libra-ouro.

4
Figura 2 – O imperialismo britânico por volta da década de 1920 representado
em um mapa

Crédito: mustafa/Adobe Stock.

As crises não apenas aumentaram em quantidade, como também em


gravidade, culminando na maior crise já vista pelo mundo capitalista, iniciada em
24 de outubro de 1929 com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque
(Estados Unidos). Na época, poucos dias antes do crash, um dos mais
importantes economistas neoclássicos da época, o estadunidense Irving Fisher
(1867-1947), havia dado declarações afirmando que ele não acreditava que
poderia haver um crash e que esperava que o mercado de ações estivesse em
níveis ainda mais altos nos próximos meses (Chernavsky, 2012).
Ainda segundo Chernavsky (2012, p. 62), essas afirmações de Fisher
“mostram nitidamente o afastamento da ciência econômica da época em relação
à realidade que se descortinava à sua frente, manifesto em sua incapacidade de
compreendê-la e fazer afirmações válidas a seu respeito”. Nessa crise, nefasta
até pelo menos 1932, “o mito do mercado autoajustado tinha perdido sua
utilidade lógica” para muitos economistas neoclássicos (Hunt; Lautzenheiser,
2021, p. 352). Especificamente, a Lei de Say (de que a oferta cria sua própria
demanda) mostrou-se falseada pela crise.
Dez anos após o crash, outra questão impactaria gravemente a economia
mundial: o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ao longo da primeira
metade do século XX, portanto, grandes acontecimentos políticos e econômicos
impactaram o mundo de diversas formas, possibilitando abrir novos caminhos à
5
Ciência Econômica. Assim surgiram a teoria keynesiana, a teoria
schumpeteriana e a pós-keynesiana.
De todo modo, o que a história capitalista nos mostra, é que a teoria
econômica desvinculada da história e das experiências concretas acumuladas
nesse sistema até o presente, pode colocar os economistas em uma ilusão
acerca da compreensão do próprio sistema.

TEMA 2 – A TEORIA DOS PREÇOS DE SRAFFA

Figura 3 – Teoria dos preços

Crédito: MarekPhotoDesign.com/Adobe Stock.

Piero Sraffa (1898-1983) foi um economista italiano, que, como estudioso


das obras de David Ricardo, as editou juntamente às correspondências do
economista britânico. Seu principal trabalho, Produção de mercadorias por meio
de mercadorias, foi publicado em 1960, mas começou a ser desenvolvido desde
o final dos anos 1920 (Sraffa, 1983). Segundo Possas (1983), o fio condutor da
obra de Sraffa se concentra em dois pontos principais: primeiro, recuperar a
problemática teórica dos clássicos, principalmente no que diz respeito à questão
do excedente; segundo, a crítica à teoria marginalista com base em seus
pressupostos e conceitos.

6
Os preços, para Sraffa, estão longe de ser determinados pela oferta e pela
demanda, ou mesmo pelo que foi considerado um uso distorcido das noções de
rendimentos decrescentes, já que Ricardo a utilizava apenas para a teoria da
distribuição e das terras, e os marginalistas estenderam para qualquer fator de
produção e a relacionaram aos preços (Possas, 1983). A partir dessas negações,
ele desenvolveu sua própria teoria – baseada na teoria do preço de David
Ricardo. O economista italiano conseguiu, desse modo, encontrar uma
alternativa para o problema da falta de uma medida invariável de valor, criando
a mercadoria-padrão.
A mercadoria-padrão era uma representação de todas as mercadorias
básicas utilizadas na produção de outras mercadorias, de modo que tanto o
produto quanto os meios de produção contêm quantidades distintas dessa
mercadoria-padrão. Diferente das mercadorias simples, ela conserva seu preço
mesmo se variarem os salários e os lucros (Singer, 1997). É essa mercadoria-
padrão que funcionaria, portanto, como uma medida invariável de valor.
Entretanto, Sraffa tem como base de seu pensamento a teoria do valor-
trabalho, de modo que a mercadoria-padrão serve então para quantificar a longa
série de preços de outras mercadorias que serviram para fazer a mercadoria-
padrão, transformando esses valores passados em um valor atual. Esses valores
são baseados na quantidade de trabalho despendido. Desse modo, no sistema
de produção de mercadorias por meio de mercadorias (que intitula seu livro), “os
preços relativos, os salários e os lucros são determinados, em última análise,
pelo tempo de trabalho que é gasto na produção dessas mercadorias” (Singer,
1997, p. 9).
Mas essa teoria envolve ainda outra inovação de Sraffa com relação aos
clássicos: os salários não representariam apenas a subsistência do trabalhador,
como também poderiam incluir uma parte do excedente. Dessa forma, os
salários seriam compostos por uma parte fixa – a subsistência –, e uma parte
variável – o excedente. Para facilitar o cálculo, entretanto, ele considera todo o
salário como variável, considerando o consumo dos trabalhadores como parte
das mercadorias utilizadas no processo de produção.
Nesse sentido, o excedente seria considerado “toda a produção que
excede a reposição de mercadorias usadas na produção” (Hunt; Lautzenheiser,
2021, p. 447). Esse excedente seria destinado então aos lucros e aos salários,

7
ligando a determinação dos preços a uma análise da distribuição. Assim, Hunt e
Lautzenheiser (2021, p. 453) definem que

o que Sraffa fez foi definir como excedente toda a produção acima dos
meios físicos de produção usados no processo de produção e então
mostrar como, dadas as condições técnicas de produção, variações
nos salários e nos lucros afetavam os preços.

Muitos consideraram que o problema da transformação do valor em preço


estava resolvido com essa teoria de Sraffa. Entretanto, muitos outros
encontraram falhas ou questões que Sraffa não teria conseguido resolver, dando
prosseguimento ao debate sobre a teoria do valor-trabalho.

TEMA 3 – A ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA

Figura 4 – A economia pós-keinesiana

Crédito: VectorMine/Adobe Stock.

Depois do esforço de John Hicks e Paul Samuelson para integrar a


economia keynesiana à economia neoclássica, muitos economistas recusaram
essa abordagem. Joan Robinson (1903-1983) e Piero Sraffa (1898-1983) foram
dois desses economistas. Sraffa – estudado no tema anterior – e a economista
Joan Robinson, britânica pupila de Keynes. Ela desenvolveu a ideia da
concorrência imperfeita, demonstrando que os preços não são os únicos critérios
do comprador, que pode levar em consideração os custos de transporte, a
qualidades dos serviços de vendas, além de outras garantias ou vantagens
(Oliveira; Gennari, 2009). Com isso, ela contrariava um dos principais
pressupostos teóricos neoclássicos.
8
Outro autor muito importante para a compreensão das ideias que viriam a
formar a chamada escola pós-keynesiana é o economista polonês Michal Kalecki
(1899-1970), que, em 1933 (três anos antes de Keynes), formulou uma teoria
acerca do papel da demanda efetiva na dinâmica capitalista. Por mais que a
teoria keynesiana tenha sido muito mais difundida, a teoria de Kalecki tem
importância fundamental ao keynesianismo, trazendo uma abordagem bastante
original inspirada em Marx e em marxistas. Diversas de suas ideias foram
incorporadas pelos pós-keynesianos, de modo que, como afirmou Joan
Robinson, “Poucos da atual geração de ‘keynesianos’ param para indagar
quanto eles devem a Kalecki e quanto realmente a Keynes” (Miglioli, 1977, p.
13).
Desse modo, a escola pós-keynesiana se desenvolveu principalmente a
partir da década de 1970, incorporando à análise keynesiana as contribuições
de Kalecki, Robinson e Sraffa, entre outros. Segundo José Luís Oreiro e Luiz
Fernando de Paula (2003),

A escola pós-keynesiana desenvolveu-se principalmente a partir da


década de 1970, procurando responder as críticas ao keynesianismo
feitas por economistas monetaristas e novo-clássicos, de linhagem
neoliberal, buscando, a partir dos desenvolvimentos teóricos originais
de John Maynard Keynes, esquecidos e deformados pelo “velho
keynesianismo” de Tobin, Solow e Samuelson, desenvolver uma
abordagem alternativa que procure dar explicações convincentes
sobre o funcionamento do “mundo real”.

Os pós-keynesianos são marcados, portanto, por ter o desenvolvimento


econômico como preocupação central, buscando desenvolver análises sobre a
economia real. Para tanto, baseiam-se em estudos de situação histórica
concreta, no tempo histórico, diferenciando-se dos neoclássicos, que utilizam um
“tempo lógico”, que não sendo verdadeiro, funciona como um exercício abstrato
(Hunt; Lautzenheiser, 2021, p. 439).
Isso significa dizer que os pós-keynesianos consideram a irreversibilidade
do tempo – ou seja, se o capitalista resolve fazer um investimento, ele
dificilmente poderá voltar atrás e, com isso, já muda uma situação concreta. É
nesse sentido, portanto, que a análise pós-keynesiana torna-se mais realista que
a neoclássica, que trabalha sobre a lógica do tempo e não sobre sua concretude.
Por isso uma das ênfases dos estudos pós-keynesianos é justamente na
incerteza: “o ajustamento depende, dentre outras coisas, de como os agentes
econômicos interpretam o passado e do que esperam do futuro” (Hunt;
Lautzenheiser, 2021, p. 439). Dito de outro modo, as expectativas dos agentes
9
é que vão definir sua propensão a poupar, e é essa propensão que define a
participação da renda dos capitalistas na renda total.
Isso porque as poupanças dos capitalistas não necessariamente serão
transformadas em investimentos, contrariando o que afirmam os neoclássicos.
Para os pós-keynesianos, a incerteza pode levar a diversas formas de se reter
dinheiro no futuro, de modo que é o investimento que determina a poupança.
Nesse caso, a moeda e o sistema financeiro tornam-se fundamentais porque dão
possibilidades de financiamento. O capitalista pode, por exemplo, conseguir um
financiamento para fazer um investimento e, com isso, guardar seu próprio
dinheiro na poupança.
Essa escola, portanto, integra também os mercados monetários e
financeiros às suas teorias para conseguir uma apreensão mais completa da
realidade econômica. A escola pós-keynesiana possui uma associação
internacional (Post-Keynesian Economics – PKE) e uma revista acadêmica
específica (Journal of Post Keynesian Economics). São considerados pós-
keynesianos, além dos já citados Robinson e Sraffa, economistas como Nicholas
Kaldor (1908-1986), Hyman Minsky (1919-1996), Sydney Weintraub (1914-
1983), entre muitos outros. No Brasil, a difusão dessa escola deu-se
principalmente pelo professor Fernando José Cardim de Carvalho.

TEMA 4 – A TEORIA SCHUMPETERIANA

Figura 5 – A teoria schumpeteriana

Crédito: VectorMine/Adobe Stock.

10
Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) era austríaco, tendo se graduado
em seu país e lecionado em países europeus e nos Estados Unidos.
Considerado bastante precoce em seus estudos e influência, Schumpeter
formulou sua teoria antes dos 30 anos: aos 25 anos, publicou o livro A natureza
e a essência da economia política (1908) e, três anos depois, Teoria do
desenvolvimento econômico (1911). Essas são apenas duas de suas
publicações, mas que o estabeleceram como importante teórico econômico.
Em meio à disputa mundial entre socialismo e capitalismo, Schumpeter
publicou o livro Capitalismo, socialismo e democracia (1942), “obra considerada
por muitos como um trabalho pessimista por concluir pelo inevitável triunfo do
socialismo e o consequente desaparecimento do capitalismo” (Costa, 1997, p.
8). Entretanto, Schumpeter não era socialista. Sua análise teórica o levou a
essas conclusões. O economista admirava e respeitava as ideias de Karl Marx,
mas era de fato influenciado por Léon Walras (citado na etapa sobre a escola
neoclássica), por meio do qual Schumpeter se interessou pelas formulações
matemáticas e econométricas, utilizando modelos econômicos para a
compreensão do sistema capitalista (Costa, 1997).
Podemos concentrar as contribuições de Schumpeter em três áreas:
primeiro, a história da análise econômica, que ele realizou em um livro publicado
após sua morte, em 1954; depois, seus estudos teóricos acerca do
desenvolvimento capitalista; por fim, sua análise sobre ciclos econômicos. Um
dos importantes diferenciais de suas teorias é que ele coloca o empresário
empreendedor como agente fundamental do desenvolvimento econômico
capitalista, pois ele desempenha uma função econômica específica: a realização
de novas combinações de meios de produção e de crédito, gerando inovação.
Ou seja, o empresário empreendedor é o que leva a invenção à prática.
Essa inovação é importante porque é o que possibilita romper o fluxo
circular, ou seja, esse equilíbrio a que tenderia a economia. O empresário
empreendedor tem a utilização da intuição como uma de suas características,
tanto para a criação de oportunidades, quanto de produtos, inserindo novos
desejos aos consumidores e, com isso, criando novos hábitos de consumo e
mercados pela “destruição-criadora”, ou seja, eliminando velhos hábitos de
consumo para a criação de outros. É esse movimento gerado pela inovação que
movimenta a economia por dentro, levando-a ao desenvolvimento.

11
Além disso, a teoria schumpeteriana contribuiu também com a ideia de
que o crédito possui papel fundamental no desenvolvimento econômico.
Schumpeter explica que o crédito é a principal forma para o empreendedor
conseguir dinheiro para novas aquisições, para que consiga, então, realizar
novas combinações de fatores de produção. Nesse sentido, os bancos criam
esse poder de compra necessário para os processos de inovação, tornando-se
agentes, ou mesmo substitutos do capitalista (Schumpeter, 1997). O crédito é,
portanto, muito mais importante para o empreendedor – para financiar as
inovações –, do que para o consumo.

TEMA 5 – RENASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DO VALOR


TRABALHO

Figura 6 – Valor e preço

Crédito: cacaroot/Adobe Stock.

O renascimento e desenvolvimento da teoria do valor-trabalho está ligada


ao que foi nominado, na economia política, como “o problema da transformação”,
que se refere à questão de como transformar valor em preço, ou seja, como
transformar esse conceito abstrato de valor em algo da realidade empírica – os
preços. Nessa linha, rejeita-se a ideia de que os preços se formam apenas pela
variação da oferta e da demanda, pois essa seria uma explicação superficial
(Gorender, 1996).

12
Enquanto Smith e Ricardo transformavam o valor em preço por meio do
valor-trabalho, Marx entendeu que era necessário realizar uma transição com
mediações dialéticas para a correta apreensão dessa dinâmica. Marx discutiu
isso no terceiro livro de O capital, cujo tema central é “o processo global da
produção capitalista”, publicado por Engels após a morte de seu amigo.
A discussão desse problema se desenrolou desde a publicação dos livros
de Marx, com a formulação de diversas soluções, porém sem que se resolvesse
o problema efetivamente, pois sempre restavam “pontas soltas”. Até que, em
1960, houve a publicação de Produção de mercadorias por meio de mercadorias,
de Sraffa. Embora muitos tenham considerado que a mercadoria-padrão de
Sraffa tivesse resolvido o problema, essa opinião não era unânime.

Se, por um lado, era preciso admitir o mérito da crítica aos postulados
neoclássicos, tampouco era possível fechar os olhos à oposição entre
Marx e Sraffa, uma vez que o último colocara sua demonstração do
movimento dos preços sobre a base das quantidades físicas das
mercadorias (retornando ao enfoque de Ricardo [...]). Do ponto de vista
teórico, isso equivalia a tomar por um atalho que excluía o valor-
trabalho, a mais-valia e a composição orgânica do capital. Que excluía,
por conseguinte, o essencial da Economia Política marxiana.
(Gorender, 1996, p. 49)

Ou seja, Sraffa desenvolveu sua teoria demonstrando que,


independentemente da discussão sobre a mais-valia de Marx, era possível
encontrar uma medida de valor invariável em qualquer economia capitalista.
Desse modo, ao mesmo tempo em que Sraffa colaborava com o
desenvolvimento dessa tese marxista, ele possibilitava que ela fosse
considerada menos importante (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Essa ideia foi debatida pelo economista Alfredo Medio (1938-), em um
artigo publicado em 1972. Medio apresentou uma solução em que a mercadoria-
padrão de Sraffa ajudasse a explicar a natureza e as origens dos lucros que Marx
havia levantado pela teoria do valor-trabalho, ligando-a à análise dos preços de
produção, também levantada por Marx (Hunt; Lautzenheiser, 2021).
Além de Medio, outros pesquisadores entraram nesse debate. Há uma
corrente que utilizava o chamado método iterativo de cálculo, que se iniciou com
Shibata, em 1933, e se desenvolveu com os trabalhos de Brody, Okishio, Shaikh,
Morishima, Catephores, Panizza e Pala, nas décadas de 1970 e 1980; outra
corrente, chamada new solution, new approach ou new interpretation surgiu na
década de 1980, com Duménil, Lipietz, Duncan Foley, Glick, Erbahr e Simon
Mohun (Paula, 2000).

13
Uma terceira corrente, também iniciada nos anos 1980, contou com a
contribuição de Wolff, Callari e Roberts, Fred Moseley e Ramos, e Rodriguez,
conhecidos pela busca pela construção de um sistema chamado sistema único
simultâneo; por fim, uma quarta corrente da mesma década, conhecida como
sistema único temporal foi formulada por Kliman e McGlone, Freeman, Carchedi,
Perez, Ernst, Langston, Maldonado Filho e Borges Neto (Paula, 2000).
Essa grande quantidade de pesquisadores citados demonstra a
vivacidade desse debate sobre a teoria do valor-trabalho, sobretudo nos anos
1980, quando o mundo estava ainda dividido pelos dois modos de produção
coexistentes naquele momento: o socialista e o capitalista. A Guerra Fria é,
portanto, um momento interessante para análise da História do Pensamento
Econômico, pois a opção metodológica e teórica dos pesquisadores podia levar
a consequências para além da vida acadêmica, afetando muitas vezes a vida
econômica e pessoal desses economistas.

TROCANDO IDEIAS

Ao longo de nosso estudo, foi possível perceber que a Ciência Econômica


está longe de ser uma ciência exata. Os debates sobre economia envolvem
diversas escolhas que os economistas fazem, tanto em termos teóricos quanto
em função de suas próprias visões de mundo. Na seção “Contextualizando”,
sugerimos a leitura de um artigo sobre como os economistas reagiram à grave
crise de 2008-2009, a mais grave crise desde a Grande Depressão dos anos
1930.
Por isso, sugerimos agora a leitura do artigo “Por que o mundo corre risco
de ter uma nova recessão global” 2, de Marcelo Roubicek, que aborda a
possibilidade de uma nova crise global. Exercite, no Fórum, sua análise
econômica, respondendo à seguinte questão: O mundo estaria mesmo diante de
uma crise iminente no contexto atual? Justifique sua resposta.

NA PRÁTICA

Um bom exercício para assimilarmos os conteúdos aprendidos é


desenvolver um quadro com os tópicos discutidos ao longo de todo nosso

2
Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/06/13/Por-que-o-mundo-corre-
risco-de-ter-uma-nova-recess%C3%A3o-global>. Acesso em: 11 jul. 2022.
14
estudo. Para tanto, desenvolva e preencha um quadro como o do exemplo a
seguir. Você pode utilizar esse modelo ou acrescentar outras colunas. O
importante é que você consiga sistematizar as informações.

FINALIZANDO

Nesse estudo, pudemos observar um panorama geral da formulação do


pensamento econômico, conhecendo os principais pensadores, teorias e
escolas, e alguns de seus conceitos e ideias fundamentais.
Entretanto, isso não significa que tenhamos citado e falado sobre todos
os pensadores importantes de Economia. Se você analisar alguns livros
diferentes sobre História do Pensamento Econômico, por exemplo, verá como
cada autor pode fazer uma seleção diferente, mostrando o que ele considera
como mais fundamental a ser estudado.
Nesse sentido, é importante que estejamos buscando conectar essas
diversas perspectivas para conseguir sistematizar nosso próprio aprendizado.
Para tanto, persista em seus estudos, com curiosidade, dedicação e mente
aberta sempre.
Até breve!

15
REFERÊNCIAS

CHERNAVSKY, E. Crise e perplexidade: os economistas diante da ruptura do


padrão de crescimento global. Rev. Tempo do Mundo, vol. 4, n. 3., p. 47-74.
Brasília: IPEA, 2012. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/revistas/index.php/rtm/issue/view/10>. Acesso em: 11
jul. 2022.

COSTA, R. V. da. Introdução. In: SCHUMPETER, J. A. Teoria do


desenvolvimento econômico: ensaio sobre as mudanças cíclicas e a longo
prazo da Economia Capitalista. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

GORENDER, J. Apresentação. In: MARX, K. O capital: crítica da economia


política – Vol. 1. Livro 1. Tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1996.

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, M. História do pensamento econômico: uma


perspectiva crítica. 3. ed. Tradução de André Arruda Villela. Rio de Janeiro:
Grupo Editorial Nacional, 2021.

MIGLIOLI, J. Apresentação. In: KALECKI, M. Teoria da dinâmica econômica.


São Paulo: Nova Cultural, 1977.

OLIVEIRA, R. de; GENNARI, A. M. História do pensamento econômico. São


Paulo: Saraiva, 2009.

OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. de. Pós-keynesianos e o intervencionismo estatal.


Valor Econômico, 1º Caderno, ano 4, n. 882,. São Paulo: Grupo Globo, 6 nov.
2003.

PAULA, J. A. de. A dialética valores e preços. Brazilian Journal of Political


Economy, v. 20, n. 4. 2000, p. 480-500. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/rep/a/FvZPcw3jZfyS7CXkPS5Mmtb/?lang=pt>. Acesso
em: 11 jul. 2022.

POLANYI, K. A grande transformação. 2. ed. Tradução: Fanny Wrabel. Rio de


Janeiro: Elsevier, 2012.

POSSAS, M. L. Apresentação. In: SRAFFA, P. Produção de mercadorias por


meio de mercadorias. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

16
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma
investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo:
Nova Cultural, 1997.

SINGER, P. Apresentação. In: SRAFFA, P.; ROBINSON, J. Textos


selecionados. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

SRAFFA, P. Produção de mercadorias por meio de mercadorias. São Paulo:


Abril Cultural, 1983.

17
GABARITO

Sugestão de resposta (outros dados e formas podem ser inseridos)

Principais
Período Palavras-chave
teóricos
William Petty
Séc. XVII e Metais preciosos, comércio, monopólios,
Mercantilismo David Hume
XVIII protecionismo, política cambial
Colbert
Terra, leis naturais, natureza, reforma
Séc. XVII e
Fisiocratas François Quesnay social, agricultura, imposto único,
XVIII
circulação, laissez-faire
Revolução industrial, acumulação,
Adam Smith
Séc. XVIII e comércio internacional, mão invisível,
Escola clássica Thomas Malthus
XIX liberalismo, individualismo, lei da
David Ricardo
população, valor-trabalho
Operariado, contradição, dialética,
Karl Marx
Karl Marx Século XIX materialismo histórico, mais-valia,
Engels
alienação, excedente
Utilitarismo, individualismo, marginalismo,
Jevons, Menger,
Escola Séc. XIX e mercado, oferta e demanda, ceteris
Walras, Marshall,
neoclássica XX paribus, firma, família, equilíbrio,
Clark, Fisher
abstinência, estática
Escola John Maynard Moeda, incerteza, demanda efetiva,
1936
keynesiana Keynes expectativa
Robinson, Sraffa,
Minsky, Kaldor,
Escola pós- Década de Tempo histórico, incerteza, concorrência
Weintraub,
keynesiana 1970 imperfeita, desenvolvimento econômico
Cardim de
Carvalho
Teoria A partir dos Ciclos econômicos, empresário
Schumpeter
schumperiana anos 1920 empreendedor, crédito, inovação

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