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Licenciatura em Economia

Introdução ao Pensamento Económico

Notas Pedagógicas 2018-2019

1. A Economia como ciência


e como objecto de conhecimento

José Castro Caldas


Maria de Fátima Ferreiro
A Economia como ciência
e como objecto de conhecimento

Economia: “boa administração ou ordem da casa, de


estabelecimento, bens particulares ou públicos; moderação nas
despesas; proveito que resulta de se gastar pouco; poupança;
harmonia das partes de um todo; ciência que se ocupa da produção e
consumo de bens e serviços, da circulação da riqueza e da
redistribuição do rendimento”1 . São diversos na língua portuguesa os
significados da palavra economia, mas alguns deles reflectem melhor
do que outros aquilo de que falamos quando dizemos que “estudamos
economia”.

A palavra tem origem no grego antigo – eco (casa, como em


ecologia) e nomia (de nomo, lei, norma, regra). Regras da casa? A
Economia é o estudo (ou a ciência) das regras da casa? Para os
gregos, quatro séculos antes de Cristo, era. Os filósofos da Grécia
Antiga, nomeadamente Xenofonte (430-354 a.C) e Aristóteles
(384-322 a.C.) usavam oikonomia para designar a “lei ou
administração da casa agrícola”, isto é, o conjunto dos preceitos que
regem, ou devem reger, a actividade do “senhor da casa” na obtenção
dos recursos necessários à vida da família. Mais tarde, os Romanos
adoptaram oeconomia, com o sentido de “disposição” ou “arranjo”, e
assim chegaram até nós dois dos significados da palavra economia
encontrados no dicionário que à primeira vista nos podem parecer

1 Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª Edição, Porto Editora.

!1
mais estranhos: “boa administração ou ordem da casa” e “harmonia
das partes de um todo” (boa disposição ou arranjo).

Hoje em dia, não é de “leis da administração da casa” que


falamos quando falamos de economia. Podemos eventualmente estar a
falar de leis, mas de leis científicas, não leis no sentido de preceitos ou
normas; falaremos de uma ciência, de uma ciência que estuda não “a
casa” familiar, mas a “casa comum”, a sociedade, a polis (mais uma
vez do grego, cidade).

Foi exactamente para vincar esta diferença entre “casa familiar”


e “casa comum” como objecto de estudo da Economia, a distinção
entre um velho e um novo significado de economia, que os filósofos
europeus do século XVIII adoptaram Economia Política2 como
designação para um domínio do saber que nessa época emergia e se
começava a autonomizar da Filosofia Moral3. A Economia Política era
assim no século XVIII o ramo da Filosofia Moral, ou a ciência que trata
da riqueza – produção, consumo, circulação e distribuição. Mas a
riqueza de que agora se está a falar é a riqueza da sociedade, da
nação, não a da família e as actividades de produção e consumo, os
processos de circulação e distribuição, são agora estudados tal como
ocorrem na sociedade. Encontramos assim na Europa do século XVIII
a origem de mais uma das definições de economia encontradas no
dicionário: “ciência que se ocupa da produção e consumo de bens e
serviços, da circulação da riqueza e da redistribuição do rendimento”.

2 Segundo Gide e Rist (cf. Histoire des Doctrines Economiques – depuis les physiocrates
jusqu’a nos jours, Dalloz, 6ª Ed., 2000) Antoine de Montchrétien, autor de um Traité de
l'Économie Politique publicado em 1615 teria sido o primeiro a utilizar a designação Economia
Política.

3 Filosofia Moral era a designação adoptada nos séculos XVII e XVIII para a reflexão acerca da
vida social, abarcando o domínio do que actualmente designamos por Ciências Sociais,
incluindo portanto a Economia.

!2
No entanto, hoje, é mais vulgar falar simplesmente de Economia
do que de Economia Política, embora o termo Economia Política ainda
seja utilizado muitas vezes para designar um domínio especializado da
Economia (ou correntes de pensamento económico) que tem em conta
as relações de poder e a interdependência entre política e economia.

A substituição de Economia Política por Economia como


designação de uma disciplina científica ocorreu em finais do século XIX
em Inglaterra. Alguns economistas da corrente marginalista, de que se
falará adiante, consideravam importante separar a Economia da
Política. A sua preocupação principal era afirmar a Economia como
uma “ciência”, fazer dela um saber “objectivo”, “isento de valores”,
susceptível de formalização matemática, em contraste com a Política
que descreviam como “uma arte”, dependente de valores e de
ideologias e irremediavelmente condenada à subjectividade e à
linguagem literária.

Vemos assim, em suma, que as definições do dicionário são


úteis. Elas proporcionaram uma curta, mas esclarecedora, viagem no
tempo e nos significados de economia. Ficaram de fora noções
relacionadas com poupança demasiados estreitas para abarcar tudo
aquilo de que se fala quando se fala de economia uma vez que a
Economia não é certamente a ciência da poupança, nem se limita a
estudar, embora também estude, esta actividade dos seres humanos.

Há, no entanto, um aspecto importante que o dicionário não


ajudar a esclarecer – a palavra economia na língua portuguesa designa
quer uma ciência social (nesse caso, escreve-se normalmente
Economia), quer aquilo que a Economia estuda, o objecto dessa

!3
ciência (nesse caso escrevemos normalmente economia, como em
“economia portuguesa” ou “economia mundial”)4.

Deste modo, quando falamos de economia tanto podemos estar


a referir-nos a uma ciência social como às actividades e fenómenos
que integram o objecto desta ciência; “estudar economia” é estudar a
ciência e conhecer a realidade a que esta ciência se refere.

A distinção entre Economia e economia, isto é, entre a ciência e


o objecto da ciência, pode servir de pretexto para abordar duas
questões prévias essenciais: o que é a Economia (enquanto ciência); o
que constitui o objecto da Economia. Como se verá, os economistas
não são unânimes nas respostas a estas questões. A Economia é uma
ciência plural em que diferentes correntes teóricas e doutrinárias
coexistem nem sempre na melhor das harmonias. As divergências
começam logo na concepção do que é a ciência económica e do seu
objecto.

Além disso, há outras ciências sociais interessadas nos


fenómenos que interessam aos economistas – o objecto da Economia
não é um território vedado a outras ciências sociais. Neste sentido
existe também pluralidade na abordagem ao objecto da Economia.

Nas secções que seguem neste texto serão abordados


sequencialmente os seguintes tópicos: (a) Economia enquanto saber;
(b) economia enquanto objecto; (c) pluralidade teórica na Economia; e
(d) pluralidade das abordagens ao objecto. Não se promete o

4 É curioso notar que esta ambiguidade da língua portuguesa não existe noutros idiomas,
nomeadamente no inglês, onde Economics designa a disciplina e economy designa o objecto
de estudo.

!4
impossível, ou seja, o esclarecimento total das questões da
metodologia da Economia; muitas destas questões são controversas e
mantêm-se em aberto. O que se segue é apenas um mapa de viagem.

1. Diferentes concepções de Economia enquanto saber

No princípio 5 a Economia, ou melhor a Economia Política, era


concebida como uma reflexão sistemática acerca da riqueza. A riqueza
era concebida por Adam Smith, um dos filósofos iluministas do século
XVIII com um contributo mais destacado para o advento da Economia
Política, como o conjunto dos “bens necessários à vida e ao conforto”
de todos os membros da sociedade.

A Economia segundo Stuart Mill

Esta concepção da Economia está ainda, de certa forma,


presente na definição apresentada por John Stuart Mill num dos textos
acerca da metodologia da Economia mais influentes do século XIX 6.
Nesse texto Mill apresenta a Economia (por ele ainda designada
Economia Política) como um ramo da Ciência Política. Enquanto a
Ciência Política trataria, segundo ele, “da totalidade da conduta do
homem em sociedade”, a Economia Política trataria do ser humano em
sociedade “mas apenas como um ser que deseja possuir riqueza e que
é capaz de julgar a eficácia relativa dos meios que permitem realizar
essa finalidade”.

5 Não é possível datar o “princípio” da Economia, mas por convenção é habitual referir a
origem da Economia enquanto domínio do saber (ou ciência) ao período do Iluminismo, isto é,
ao século XVIII.

6 Mill, John Stuart (1836), “On the Definition of Political Economy and the Method of
Investigation Proper to It” in Hausman, Daniel M. (Ed.), The Philosophy of Economics – An
Anthology, 2nd Ed., Cambridge University Press, 1994.

!5
A Economia Política de Stuart Mill é portanto, como a de Smith,
uma ciência da riqueza. No entanto, ao acrescentar a referência à
capacidade dos indivíduos de julgar a eficácia relativa dos meios para
alcançar o fim (a riqueza), Mill introduz algo de fundamental à noção
original – o pressuposto da racionalidade (entendida como capacidade
de julgar a eficácia relativa dos meios para a realização de fins ou
objectivos).

A Economia Política para Mill caracteriza-se principalmente por


pressupor que: (1) os seres humanos têm como único propósito a
persecução da riqueza (“abstraindo de todas as outras paixões ou
motivações humanas”); (2) os seres humanos são racionais, isto é,
capazes de escolher entre os meios disponíveis aqueles que mais se
adequam a este objectivo último. 7 É ainda possível acrescentar um
terceiro pressuposto à definição de Mill: o autor defende claramente
que estas abstracções da Economia Política só fazem sentido quando
se referem a alguns aspectos da conduta humana, ou esferas da
interacção social. Para Mill, “há alguns domínios dos assuntos humanos
em que a aquisição de riqueza é a finalidade reconhecida e principal.
São só esses os que a Economia Política considera”. O autor não é
muito específico quanto aos “domínios” que tem em mente, mas as
referências que faz ao longo do texto deixam claro que se refere à
produção, ao investimento, à aquisição de propriedade, à inovação
tecnológica, à repartição do rendimento e outras actividades e

7 Para Mill este ser humano que procura exclusivamente a riqueza de forma racional era
evidentemente uma abstracção. Segundo ele “nunca existiu um economista político que fosse
absurdo ao ponto de supor que a humanidade é assim constituída”. Para ele, a aquisição de
riqueza como objectivo único e a racionalidade eram abstracções necessárias como ponto de
partida para a dedução de leis económicas. Sempre que se tornasse manifesto que outras
motivações humanas, como a generosidade, o altruísmo, a honra, ou o despeito, participavam
na determinação da acção, estas e outras motivações deveriam ser tidas em conta pelo
economista.

!6
fenómenos que espontaneamente tendemos a identificar como
económicos.

Em suma, a noção de Economia de Mill envolve além do


pressuposto motivacional (1) e do pressuposto respeitante à
racionalidade (2), um pressuposto de delimitação do domínio (3): a
Economia Política diz respeito apenas a um domínio das relações
sociais onde a aquisição de riqueza é a motivação principal e as
escolhas são racionais.

A Economia segundo Lionel Robbins

Cem anos passados sobre este texto de Mill, Lionel Robbins


publicou um ensaio que o iria substituir como referência fundamental
da metodologia da economia8. A noção de Economia aí avançada, e
que até hoje é apresentada como definição “oficial” da disciplina em
muitos manuais introdutórios, modifica consideravelmente a de Mill. A
Economia, segundo Robbins, “é a ciência que estuda o comportamento
humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos
alternativos”. Esta definição é tudo menos clara e tem sido causa de
dores de cabeça de muitas gerações de economistas.

Antes de procurar clarificá-la, vale a pena assinalar que a


definição de Robbins, relativamente à noção e Mill, retém apenas um
dos pressupostos – o respeitante à racionalidade. Segundo Robbins, a
Economia trata da escolha de meios para realizar fins. Contrariamente
a Mill, Robbins não faz qualquer referência quer aos fins, ou
motivações, sejam eles a aquisição de riqueza ou qualquer outros,

8Robbins, Lionel (1935), “An Essay on the Nature and Significance of Economic Science”, in
Hausman, Daniel M. (Ed.), The Philosophy of Economics – An Anthology, 2nd Ed., Cambridge
University Press, 1994.

!7
quer ao domínio de aplicação, referindo apenas os contextos de
escassez.

Considere-se então mais em detalhe a definição de economia de


Robbins. O que é a Economia? É o estudo do comportamento em
situações em que os seres humanos estão confrontados com o desejo
de realizar múltiplos fins ou objectivos mas não dispõem de meios
para os realizar a todos plenamente. Os meios (ou os recursos, como
geralmente se diz) são escassos. A Economia, segundo Robbins,
refere-se portanto a contextos de escassez e interessa-se
fundamentalmente pela questão da escolha. O problema da escolha
consiste na descoberta de uma forma de afectar (ou repartir) os meios
disponíveis (o tempo, ou o dinheiro, por exemplo) aos fins
prosseguidos. Como devo, por exemplo, repartir as minhas vinte e
quatro horas pelo trabalho e pelo lazer, sabendo que quer o trabalho
(ou o rendimento que me proporciona), quer o lazer são para mim
importantes? Ou, então, como repartir o meu rendimento mensal por
diferentes bens e serviços? Robbins assume que a resolução do
problema de escolha pressupõe que o indivíduo seja capaz de
identificar a importância relativa dos diferentes fins, distribuindo os
meios entre eles de acordo com essa importância relativa. Nada refere
quanto à capacidade do indivíduo para encontrar a melhor solução
possível (a solução óptima do problema de escolha). No entanto, a
maior parte dos economistas que subscrevem a definição de Robbins
assume que os indivíduos têm efectivamente essa capacidade.

!8
A noção de Economia de Robbins é portanto muito abrangente: a
economia é a ciência da escolha (racional); refere-se a situações em
que a noção de escolha faz sentido – contextos de escassez9.

Objecções às definições de Mill e Robbins

Embora as noções de Economia de Mill e sobretudo a de Robbins


continuem a ser muito influentes, alguns economistas não se revêem
nelas e noutras afins. Os problemas que nelas identificam dizem
respeito quer aos pressupostos motivacionais (busca de riqueza em
Mill, egoísmo ou prossecução do interesse próprio noutras
formulações), quer à concepção de racionalidade que está implícita.

Começando pelos pressupostos motivacionais e como o próprio


Mill reconhecia, “não existe possivelmente nenhuma acção na vida de
um homem em que ele não esteja sob a influência imediata ou remota
de um outro impulso que não o desejo de riqueza”. Mill assumia
simplesmente que no domínio dos assuntos humanos a que referia a
Economia o desejo de riqueza se destacava de todos os outros ao
ponto de poder ser tomado como motivação única. A Economia como
ciência devia deduzir as suas leis da hipótese simples de que a procura
de riqueza é a única motivação, modificando-as a posteriori em caso
de manifesta desadequação com a realidade, incluindo, nesse caso,
outras motivações ou causas da acção.

Encarando a Economia como estudo da persecução da riqueza,


Mill assumia naturalmente que a riqueza é desejada pelos indivíduos.
O problema é que este pressuposto, pretendendo ser simplificador, cria

9 Efectivamente, se todos os objectivos ou fins puderem ser realizados simultaneamente, isto


é, se os meios são abundantes, não há, de facto, lugar para qualquer escolha.

!9
mais problemas do que aqueles que resolve. A obtenção de riqueza é o
fim último da acção ou é apenas um meio para realizar outros fins? A
que se destina a riqueza desejada? À satisfação de necessidades e
caprichos individuais? Ao sustento da família? À ajuda a desconhecidos
carenciados? Quando procura riqueza o indivíduo tem em conta custos
que a sua acção pode ter para outros, ou considera apenas as
consequências da acção para si mesmo?

Além disso, existem problemas na relação entre meios e fins. Os


meios de aquisição de riqueza são avaliados apenas na óptica do
contributo que dão para o fim único ou estão eles próprios sujeitos a
um julgamento independente? Os meios podem ser bons ou maus em
si mesmos? Será que alguns meios, porventura os mais eficientes, não
devem pura e simplesmente ser considerados? Existem ou não
obrigações normativas?

Em suma, a persecução da riqueza pode ter múltiplos


significados e envolver motivações muito distintas. O desejo de riqueza
pode impelir os indivíduos em direcções distintas.,

Face à percepção desta dificuldade, outros economistas


especificaram o pressuposto do desejo de aquisição de riqueza de Mill,
acrescentando-lhe o egoísmo ou a prossecução do interesse próprio.
Neste caso, embora esteja implícito que a riqueza é desejada, ela
passa a ser desejada pelo actor necessariamente para si, e não
também para outros ou só para outros – uma possibilidade que a
definição de Mill não excluía. Aos problemas anteriores, somam-se
agora outros: porque razão excluir à partida da Economia os
comportamentos que não podem ser considerados egoístas?

Dificuldades como esta levaram Robbins a abdicar dos


pressupostos motivacionais, remetendo os fins para a esfera dos
!10
desejos subjectivos, que a Economia não deveria investigar nem
discutir, e a centrar a sua concepção de economia na noção de
racionalidade.

O pressuposto da racionalidade suscita porém outros problemas.


Em primeiro lugar, deve notar-se que Mill e Robbins se referem a uma
noção particular de racionalidade. A racionalidade que têm em mente é
por vezes designada de racionalidade instrumental, isto é, uma
racionalidade que se refere à escolha dos melhores meios
(instrumentos) para atingir fins dados. Nesta acepção, “fins dados”
tanto pode significar “fins subjectivos”, que não se discutem, como se
diz dos gostos, como fins cuja determinação resulta do processo de
socialização dos indivíduos, cujo estudo a Economia deveria deixar
para outras ciências sociais. Em qualquer caso, não há, nesta
concepção de racionalidade, lugar para a reflexão individual sobre os
fins, nem para a escolha de fins. Em contrapartida, outras concepções
de racionalidade admitem que os seres humanos têm capacidade para
reflectir racionalmente acerca dos fins e para escolher os que
consideram valer a pena prosseguir. O problema é este: existindo
diferentes concepções de racionalidade dificilmente se compreende a
razão pela qual a Economia se deve vincular a uma delas, excluindo
outras.

Quando se assume que o agente não só é instrumentalmente


racional mas também perfeitamente racional, isto é, capaz de
identificar a melhor forma possível de distribuir os meios pelos fins,
surge um segundo problema identificado por Herbert Simon 10: o
agente pode pretender descobrir a solução óptima do problema de
escolha, mas não ser capaz de o fazer. O problema de escolha pode

10 Nobel da Economia em 1978.

!11
ser tão complexo que nem o maior computador disponível seria capaz
de obter uma solução em tempo útil. Nesse caso o agente está
condenado a utilizar procedimentos de resolução (heurísticas) que
permitem obter uma solução, embora sem garantia de que esta
solução seja a melhor possível. A racionalidade na perspectiva de
Simon seria limitada pelas capacidades cognitivas dos seres humanos.

Um terceiro problema do pressuposto da racionalidade relaciona-


se com o facto de nem toda a acção humana ser racional. A acção
pode de facto não decorrer de um processo de deliberação, sendo
antes uma resposta habitual, de rotina, irreflectida, a estímulos do
ambiente. Mesmo no caso das decisões económicas, nem sempre,
quem sabe raramente, os agentes deliberam antes de empreender um
curso de acção. A maior parte das operações e dos procedimentos
dentro de uma organização como uma empresa, são executados de
forma rotineira, sem que os indivíduos considerem a existência de
modalidades de acção alternativos e os respectivos prós e contras. De
resto, se o fizessem o mais provável é que a organização paralisasse.
Será que existe uma justificação válida para excluir este tipo de acção
das modalidades de comportamento que interessam à Economia?

As modalidades de acção que interessam à Economia podem não


ser racionais ainda num outro sentido. Elas podem ser simplesmente
irracionais. Os seres humanos, como se torna claro na mais recente
investigação num domínio designado de Economia Comportamental,
cometem erros de avaliação em muitas circunstâncias11. Mais, esses
erros são sistemáticos, isto é, não são corrigidos com a experiência.

11 Como por exemplo quando têm de escolher entre a fruição a curto prazo de um bem e a
fruição a longo prazo de um bem muito superior, ou quando têm que fazer escolhas
envolvendo acções com consequências incertas.

!12
Haverá alguma razão para a Economia excluir do seu campo,
modalidades bem identificadas de comportamento irracional?

Se levarmos a sério estes problemas, rejeitando portanto as


noções de Economia a que acima nos referimos, será que nos resta
alguma coisa sobre a qual seja possível construir uma definição da
disciplina? A resposta é afirmativa. A Economia pode ser concebida
não a partir dos pressupostos ou abstracções sobre as motivações e o
comportamento humano que assume como ponto de partida, mas dos
aspectos da realidade social que estuda prioritariamente. A Economia
pode ser definida a partir do seu objecto, como muitas outras ciências
o são. Economistas de todos os tempos têm adoptado noções deste
tipo que não vinculam a disciplina a quaisquer pressupostos
motivacionais ou concepções de racionalidade. O dicionário refere uma
delas: “ciência que se ocupa da produção e consumo de bens e
serviços, da circulação da riqueza e da redistribuição do rendimento”.

Não haverá problemas e limitações também nas definições


baseadas no objecto? A resposta a esta pergunta conduz à discussão
do objecto da Economia.

2. A economia como objecto

O que é que a Economia estuda? Qual é o seu objecto? Mil e


Robbins não foram muito claros a este propósito. Mill preocupou-se
sobretudo em estabelecer o modo como se deve estudar Economia, os
pressupostos de que deve partir. Quanto ao objecto, aquilo que estuda
ou o domínio, foi muito menos claro. Robbins foi ainda menos.
Segundo ele, a Economia refere-se a contextos de escassez. No

!13
entanto, na medida em que toda a actividade humana tem de fazer
face à escassez (nem que seja de tempo) não se compreende bem que
aspectos da vida em sociedade ficariam excluídos de um domínio da
Economia concebido nestes termos.

As dificuldades de Mill e de Robbins, assim como as das


definições baseadas no objecto, são compreensíveis. Efectivamente é
muito difícil, senão impossível, apresentar um critério geral de
delimitação do domínio da Economia. Igualmente difícil é estabelecer
uma lista exaustiva das actividades sociais e dos fenómenos que
competem aos economistas estudar. Assim como a definição do
dicionário é incompleta, pelo menos por não contemplar a poupança e
o investimento, todas as definições baseadas no objecto correm o risco
de o ser.

Além disso, existe um segundo problema porventura ainda mais


importante – a tentativa de identificação de aspectos da realidade
social que possam ser designados de económicos e separados de
outros não-económicos colide com o obstáculo que decorre do facto de
o objecto da Economia, como o de qualquer outra ciência, ser
“artificial”, construído pela própria ciência, e como tal sempre
provisório.

O objecto da Economia (enquanto ciência), aquilo que a


Economia estuda, é a sociedade. No entanto, a sociedade, que numa
perspectiva realista12 existe independente da consciência ou das ideias
que formamos acerca dela, só é apreendida como realidade na medida
em que existam na nossa mente formas ou imagens que o permitam

12 Uma perspectiva realista, em termos gerais, parte do reconhecimento de um mundo


independente da percepção e das representações que os indivíduos têm dele, por oposição ao
idealismo, segundo o qual o mundo não tem uma realidade independente das ideias formadas
acerca dele.

!14
fazer. Segundo Sedas Nunes13: “Tudo, na verdade, se passa como se o
real que nos envolve e do qual nós mesmos fazemos parte, fosse para
nós um texto que não podemos deixar de constantemente ler – e
portanto de ‘saber’ ler (...) e nós ‘sabemos’ de facto lê-lo; mas de uma
certa maneira”.

A realidade social que a Economia estuda existe apenas na sua


totalidade. No entanto, desenvolvendo diferentes modos de ler a
realidades – diferentes conceitos e modelos teóricos - as diferentes
disciplinas decompõem a realidade, construindo o seu próprio objecto.

Nesta perspectiva, o objecto da Economia, como o de todas as


outras ciências sociais, existe apenas em consequência de uma
construção conceptual operado pela própria disciplina.

As correntes da Economia que definem a disciplina a partir do


seu objecto confrontam-se claramente com a circularidade que resulta
do facto do objecto ser resultado de uma construção conceptual.
Consideremos uma definição baseada no objecto muito abrangente: “a
Economia estuda as actividades sociais orientadas para a criação e
reprodução das condições materiais da vida humana”. Mas o que são
“condições materiais” e o que é que as distingue de “condições
espirituais”? Afinal a vida humana, ou pelo menos a vida humana na
sua plenitude, não depende apenas de alimento e abrigo. A vida
humana e a sua reprodução ao longo do tempo requerem produção e
consumo. Mas quais são as actividades que devem ser consideradas
produtivas? O que distingue o trabalho fabril ou agrícola da criação
artística, ou mesmo da actividade de lazer? E o que é consumo?

13 A. Sedas Nunes, Op Cit.

!15
Refere-se apenas à transformação de bens materiais em vida, ou a
fruição de criações artísticas e a participação em rituais religiosos
também pode ser consumo? É a resposta a perguntas como estas o
que designamos por conceptualização. É através do exercício de
conceptualização – estabelecimento de categorias e do seu significado
– que o objecto da Economia, como o de todas as ciências sociais, vai
sendo construído. Este é um processo nunca finalizado porque os
conceitos estão sempre sujeitos a reelaboração. Por isso mesmo,
qualquer tentativa de estabelecer as fronteiras da Economia é um
projecto sem fim.

3. A pluralidade interna da Economia

A Economia, como as outras ciências sociais, são muitas vezes


caracterizadas em oposição a outras ciências pelo facto de coexistirem
no seu seio múltiplas correntes teóricas e doutrinais. Diferentes
economistas, muitas vezes reunidos em escolas de pensamento
diversas, elaboram os conceitos de forma distinta e isso leva-os a
construir teorias diferentes, muitas vezes antagónicas.

!16
De que forma os conceitos podem ser elaborados de forma
diferente por diferentes economistas? Tomemos como exemplo o
conceito de relação de trabalho, central para a Economia. Para alguns
economistas, e algumas escolas de pensamento económico, a relação
de trabalho não se distingue de uma qualquer troca de bens e serviços
por dinheiro – o trabalho exercido em troca de um salário é um serviço
prestado em troca de dinheiro como qualquer outro. Já para outros, a
relação de trabalho difere fundamentalmente de uma qualquer outra
troca mercantil. Enquanto o padeiro me cede o seu pão, ou o médico
me examina em troca de dinheiro, sem que tenham de aceitar
indicações ou comandos meus – eles não são meus empregados - o
assalariado não só cede o seu esforço como contrai a obrigação de
obedecer ao comando de quem o contrata (dentro de limites mais ou
menos especificados). A relação de trabalho assalariado envolve uma
cedência de autonomia, uma aceitação da subordinação que as trocas
mercantis dispensam. Partindo do princípio de que esta cedência de
autonomia, embora voluntária, existe muitas vezes porque o
trabalhador assalariado não dispõe de outra alternativa, somos levados
a considerar as razões da situação em que se encontra. Esta via
remete-nos rapidamente para conceitos como o de desigualdade no
acesso ao capital e classe social, entre outros. Estes conceitos são
irrelevantes para quem conceptualize a relação de trabalho como uma
relação mercantil, mas são centrais do outro ponto de vista –
enquanto na primeira perspectiva a relação de trabalho pode ser
incluída na categoria de troca mercantil, na segunda, a relação de
trabalho deve ser conceptualizada separadamente. Enquanto na
primeira alternativa o conceito de classe social é irrelevante, na
segunda é central.

!17
Neste caso, como em muitos outros, as categorias que são
consideradas, assim como o significado dessas categorias, não são os
mesmos e as diferenças de conceptualização conduzem a diferentes
teorias. O mesmo “texto” é lido a partir de códigos diferentes.

Pluralidade: indício de subdesenvolvimento ou característica


intrínseca?

A pluralidade das ciências sociais e também a da Economia é


muitas vezes apresentada como um indício de subdesenvolvimento.
Considera-se que uma ciência só o é verdadeiramente a partir do
momento em que partilha pelo menos um núcleo central de conceitos.
Por isso mesmo existe uma tendência para esconder a pluralidade do
público e mesmo dos estudantes de Economia. A Economia é então
apresentada não como uma disciplina atravessada por desacordos mas
como um corpo monolítico que se foi desenvolvendo ao longo do
tempo através de uma sucessiva correcção de erros passados. A
respeitabilidade da disciplina exigiria, nesta perspectiva, que as
querelas domésticas fossem escondidas dos leigos e dos aprendizes,
ficando reservadas aos mestres.

Pode, no entanto, dar-se o caso de a pluralidade ser uma


característica intrínseca às ciências sociais e a unidade ser um
horizonte inalcançável. Pode dar-se ainda o caso desta pluralidade ser
um elemento de vitalidade e não um sintoma de atraso.

Por que razão nas ciências sociais, contrariamente ao que sucede


nas ciências do mundo físico e da natureza, a pluralidade interna é tão
manifesta? Quando comparamos as ciências sociais com as ciências do
mundo físico e da natureza confrontamo-nos com pelo menos três

!18
tipos de diferença, senão essenciais, pelo menos de grau: (1)
enquanto na física e nas ciências da natureza é possível estabelecer
uma separação relativamente clara entre o observador e o observado,
nas ciências sociais o observador está imerso no objecto da
observação – a própria sociedade; (2) a posição que cada
“observador” ocupa na sociedade, pode condicionar a forma como a
observação é feita – aquilo que identifica como constituindo um
problema, a ordenação que faz da prioridade dos problemas a resolver
ou dos objectivos a realizar, o que considera ser um dado imutável, ou
uma variável passível de correcção, pode variar conforme o ângulo de
observação; (3) nos mundos físico e biológico, as ideias que temos
acerca deles, as teorias que a seu respeito construímos, não
modificam o seus mecanismos e o seu funcionamento – os átomos e
as moléculas não lêem tratados e portanto o seu comportamento não
pode mudar quando os tratados são escritos; o mesmo não se passa
no mundo social – as ideias construídas e comunicadas acerca da vida
social, sejam elas científicas ou não, podem influenciar e influenciam o
comportamento dos seres humanos14.

Em consequência, a identificação de categorias, o


estabelecimento de significados, as teorias que se constroem são
influenciadas pela “linguagem” que aprendemos em sociedade, pela
posição que nela ocupamos, ou pensamos poder vir a ocupar. Além
disso, uma vez que as ideias e teorias que comunicamos acerca da
sociedade encerram o potencial de poder modificar o comportamento

14 É bem possível, por exemplo, que uma teoria que se baseia no pressuposto de que os seres
humanos são sempre egoístas modifique o comportamento dos que nela acreditam. Quem
acredita verdadeiramente na teoria não pode deixar de esperar que todos aqueles com quem
se relaciona seja egoísta e passar a relacionar-se com eles com base nesse pressuposto,
comportando-se como nos comportamos face a um egoísta e não nos comportamos face a um
qualquer ser humano a quem atribuímos uma quota parte normal de generosidade.

!19
dos outros, as ideias que exprimimos acerca do comportamento
humano podem ser influenciadas pelas concepções que temos acerca
do que é ou deve ser esse comportamento.

Dito isto, talvez a pluralidade existente no interior da Economia


surja como menos estranha. Além disso, pode surgir também como
menos indesejável, na medida em que, possivelmente, a unidade do
campo disciplinar só seria realizável numa sociedade totalmente
homogénea.

Será que a Economia é menos ciência pelo facto de no seu


interior coexistirem diferentes correntes? Independentemente da
distinção entre o que é e não é ciência – um debate interessante
abordado nas disciplinas de metodologia – se considerarmos apenas
algumas das características da prática científica universalmente
aceites, podemos aceitar que a economia em nada fica diminuída no
seu estudo cientifico com o reconhecimento da pluralidade.

A prática científica no que tem de mais valioso caracteriza-se


essencialmente por ser uma reflexão que não parte de “verdades
reveladas” ou “argumentos de autoridade”, que está atenta à realidade
e que se submete ao argumento lógico, estando sempre aberta à
correcção do erro. A ciência é, em suma, uma reflexão colectiva, um
debate aberto, racional, não dogmático. Não se vislumbra, portanto,
por que razão a existência de pluralismo haveria de prejudicar esta
actividade e não estimulá-la.

Mas é também preciso reconhecer que para existir diálogo é


necessária uma linguagem partilhada e isso justifica a razão pela qual
os economistas tendem a cooperar em grupos que partilham essa
linguagem – escolas de pensamento e correntes teóricas. No entanto,
o diálogo entre escolas e correntes não é impossível e pode ser
!20
enriquecedor desde que exista um contacto dos economistas com as
diferentes correntes que lhes proporcione um domínio, mesmo que
rudimentar, dos “idiomas” de cada uma delas. Quando se defende um
ensino da Economia pluralista esse é um dos objectivos – proporcionar
aos futuros economistas um contacto com diferentes linguagens que
sustente a comunicação entre escolas de pensamento. Outro objectivo,
talvez mais importante ainda consiste no seguinte: mesmo que seja
necessário vir a optar por uma dada corrente de pensamento em
detrimento de outras, a escolha só é livre – na verdade, só é escolha -
se forem proporcionadas diferentes alternativas.

É ainda preciso assinalar que, e não obstante o pluralismo


interno da Economia, existe uma corrente particular, muitas vezes
designada Economia Neoclássica, que é dominante na disciplina. Esta
corrente subscreve concepções da disciplina afins à de Robbins, e
caracteriza-se sobretudo por uma observância estrita dos pressupostos
da racionalidade instrumental (a que normalmente associa o
pressuposto do egoísmo ou do interesse próprio) e pela defesa da
matematização como pré-requisito da cientificidade. Disciplinas como
a Microecomia ou parte da Macroeconomia, tal como são ensinadas na
maior parte das licenciaturas de Economia, estão associadas a esta
corrente principal, embora existam abordagens no interior da Micro e
sobretudo da Macroeconomia que divergem ou se situam na fronteira
desta perspectiva dominante. Um ensino da Economia completo
pressupõe também um bom domínio deste idioma maioritário.

4. A pluralidade nas abordagens ao objecto da Economia

!21
Foi sugerido acima que o objecto das várias ciências sociais é
construído por estas mesmas ciências ao longo do seu processo de
desenvolvimento. Mas as actividades e fenómenos sociais que
interessam a uma disciplina, que integram o seu objecto podem ser, e
são, integrantes também do objecto de outras disciplinas. A produção,
o consumo ou o trabalho, por exemplo, mas mesmo o investimento ou
a inflação são actividades e fenómenos que embora considerados
eminentemente económicos, são susceptíveis de interessar outras
ciências sociais e integrar o seu objecto. Neste sentido, o objecto da
Economia é susceptível de ser abordado não só dos diferentes pontos
de vista que coexistem no interior desta disciplina, como dos diversos
ângulos das diferentes ciências sociais. A pluralidade existe não só no
interior da Economia como na abordagem ao seu objecto.

O contacto com a perspectiva de outras ciências sociais a


respeito de actividades e fenómenos “económicos”, pode não apenas
enriquecer e complementar a análise da economia como também
modificá-la. Tome-se como exemplo o caso do consumo. Na
perspectiva da corrente dominante da Economia, o consumo é
encarado como uma actividade orientada para a satisfação de desejos
(às vezes necessidades) subjectivos, individuais, independentes dos
desejos e do nível de satisfação dos desejos alheios.

Na perspectiva da Sociologia, ou da Psicologia Social15 o


consumo é também resposta a desejos, mas entre estes há um que se
destaca – o desejo de status social. O Sr. Silva deseja um carro novo,
não porque o seu deixou de funcionar, mas porque um seu colega
comprou um de maior cilindrada. Nesta perspectiva, os desejos

15 Mas também de algumas correntes da Economia. Veja-se, nomeadamente, o


institucionalismo de Thorstein Veblen de que se falará adiante.

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individuais não são independentes dos desejos e do nível de satisfação
dos desejos alheios, mas antes dependentes de uma comparação com
outros indivíduos, do mesmo estrato social, ou de estrato “superior”.
Os desejos a que a actividade de consumo dá resposta resultam da
interacção social e obedecem a padrões sociais.

A perspectiva da Sociologia é reconhecida por economistas


“práticos”, especialistas em marketing e outros gestores.
Provavelmente, ela permite-lhes formular estratégias mais bem
sucedidas do que as inspiradas pela visão do consumo que é
dominante em Economia.

Para a Economia e para os economistas o conhecimento do


ponto de vista das outras ciências sociais sobre actividades e
fenómenos que integram o seu objecto não pode deixar de ser
relevante uma vez que: (1) pode ajudar a Economia a aperfeiçoar os
seus conceitos e as suas teorias; (2) a evidência empírica recolhida
com métodos característicos doutras disciplinas pode corroborar ou
infirmar resultados a que a Economia havia chegado utilizando os
seus; e (3), pode facilitar a aproximação das “linguagens” e facilitar o
diálogo entre profissionais de várias proveniências.

O reconhecimento do pluralismo na abordagem ao objecto da


Economia e do seu valor justifica uma aprendizagem da disciplina em
que diferentes saberes participem.

Estudar economia é estudar não só a ciência económica como as


actividades e fenómenos que integram o objecto desta ciência. Na
medida em que estas actividades integram também o objecto de
outras ciências sociais e humanidades, estudar economia envolve
também o conhecimento da perspectiva dessas disciplinas acerca
deles.
!23
5. Síntese

• A palavra Economia tanto designa uma ciência como o


objecto dessa ciência; “estudar economia” é estudar a ciência
e estudar as actividades e fenómenos que integram o objecto
da ciência;

• A Economia (como ciência) é concebida de forma diversa por


diferentes correntes do pensamento económico: identificamos
definições de Economia baseadas em pressupostos
motivacionais e noções de racionalidade específicas e
definições baseadas no objecto;

• Quanto ao objecto, sugeriu-se que o objecto da Economia,


como o de todas as ciências sociais, era construído pela
própria disciplina ao longo do seu processo de
desenvolvimento;

• Relativamente a outras ciências, a Economia (e outras


ciências sociais) são muitas vezes caracterizadas pela sua
pluralidade interna. Esta pluralidade pode não ser um sintoma
de subdesenvolvimento da disciplina mas uma característica
inerente às ciências sociais. Ao contrário de indesejável, pode
ser uma manifestação de vitalidade.

• Os objectos construídos pelas diversas ciências sociais não


são estanques. Actividades e fenómenos que integram o
objecto da Economia podem integrar (embora
conceptualizados de forma diferente) o objecto de outras
ciências sociais. Estudar economia é estudar não só a ciência

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económica como as actividades e fenómenos que integram o
objecto desta ciência. Uma vez que estas actividades
integram também o objecto de outras ciências sociais,
estudar Economia envolve também o conhecimento da
perspectiva dessas disciplinas acerca deles.

6. Bibliografia

Os manuais de introdução à Economia contêm normalmente


capítulos de abertura com referências à definição, ao método e ao
objecto da disciplina. Para saber mais e confirmar com os próprios
olhos que a Economia é uma ciência plural, vale a pena confrontar as
perspectivas apresentadas nas seguintes obras:

• Samuleson, Paul A. E William D. Nordhaus (1999), Economia,


16ª Ed., Lisboa: MacGraw-Hill (Capítulo 1).
• Stretton, Hugh (1999), Economics: A New Introduction,
London: Pluto Press (Capítulos. 1-5).
• Nunes, A. Sedas, (1977), Questões Preliminares Sobre as
Ciências Sociais, Editorial Presença/Gabinete de Investigações
Sociais.

Uma vez que os textos clássicos são muitas vezes os mais


instrutivos, recomendam-se um dos referidos no texto:

• Mill, John Stuart (1836), “On the Definition of Political


Economy and the Method of Investigation Proper to It” in

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Hausman, Daniel M. (Ed.), The Philosophy of Economics – An
Anthology, 2nd Ed., Cambridge University Press, 1994.

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