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Putiruns Quilombolas: Experiências Pretagógicas nos Processos de

Implementação da Resolução 08/2012 em Mocajuba


Putiruns quilombolas: Pretagogic experiences in the implementation processes of
resolution 08/2012 in Mocajuba
Ellen Rodrigues da Silva Miranda*
Jesús Jorge Perez García**
Resumo: O presente texto trata sobre experiência – resultados do trabalho de pesquisa, com base em obser-
vações livres anotadas em caderno de campo, dos processos pedagógicos de implementação da Resolução
CNE 08/2012 – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, no município de Moca-
juba, Amazônia Paraense. Ocorridos desde março de 2021, nas Comunidades Quilombolas, esses processos
contribuem a fortalecê-las pelo direito a educação quilombola, gratuita de qualidade. Numa articulação das
Comunidades – Movimento Social Quilombolas – SEMEC, com processos coletivos, participativos para a pra-
tica de políticas públicas. A partir da proposta-plano de atividades de trabalho, construído e apresentado nas
comunidades, e aceito com sugestões, de forma participativa, nas Visitas Técnicas-Pedagógicas de 12 (doze)
Comunidades Quilombolas e 13 (treze) escolas, que deram base para encontros de formação nomeados
em comum acordo de Putiruns, em reconhecimento a cultura indígena presente nos territórios quilombolas
de Mocajuba/PA. Os principais resultados alcançados estão, nas metodologias participativas para a imple-
mentação das políticas públicas em territórios quilombolas, com os fatores das comunidades, articulando um
trabalho comunitário a partir da cultura, o trabalho e a identidade das comunidades.
Palavras-chave: Comunidades Quilombolas; Pretagogia; Resolução 08/2012; Metodologias.

Introdução1 08/2012 que trata sobre as Diretrizes Cur-


riculares Nacionais para Educação Esco-
O presente artigo trata sobre expe-
lar Quilombola, junto com as Comunidades
riências segundo (THOMPSON, 1981) re-
Quilombolas do município de Mocajuba/
lacionadas ao trabalho de pesquisa feito
PA, Amazônia Paraense2.
pela Coordenação de Formação da Educa-
ção Escolar Quilombola – CFEEQ/SEMEC Nesse sentido, esta exposição de
(Secretaria Municipal de Educação, Es- abordagem qualitativa, expressa a própria
porte e Cultura) durante os processos de “[...] realidade social, ou seja, o próprio di-
implementação da Resolução CNE-CEB namismo da vida individual e coletiva com
toda a riqueza de significados dela trans-
bordante”, conforme Minayo (1994, p. 15,
* Doutoranda em Educação pela Universidade Federal
do Pará (UFPA), é coordenadora pedagógica da Coor- grifo nosso). E, portanto, procura descre-
denação de Formação da Educação Escolar Quilombola ver dialogicamente com base em alguns
da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura autores como Nilma Lino Gomes (2017) e
(SEMEC) de Mocajuba, Pará.
** Doutor em Ciências Pedagógicas pelo Instituto Cen-
2. O Estado do Pará, como parte da Amazônia em sua to-
tral de Ciências Pedagógicas (ICCP) Habana, Cuba. É
talidade é composto por seis mesorregiões a saber: Baixo
professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Amazonas; Marajó; Metropolitana de Belém; Nordeste Para-
Janeiro (PUC-RJ) e assessor metodológico voluntário da
ense; Sudoeste Paraense; Sudeste Paraense. Por isso, as
Coordenação de Formação da Educação Escolar Qui-
compreendemos como diversidades que compõe as Amazô-
lombola da SEMEC-Mocajuba,
nias, pensadas no plural conforme Beltrão e Lacerda (2017).
1. Uma primeira versão deste artigo fora apresentada Neste sentido, para os propósitos deste artigo, nos focamos
no IV Colóquio de Políticas e Sociedades. Evento organi- na mesorregião do Nordeste Paraense, e microrregião do
zado pelo Programa de Pós-graduação em Educação e Baixo Tocantins, dentre os municípios que a compõe, consi-
Cultura, PPGEDUC/UFPA, campus Cametá/PA. deramos: Mocajuba, 31.917 habitantes (IBGE, 2022).

DOI: 10.47209/2675-6862.v.1.n.5.p.48-60.2022
Paulo Freire (1999a,b), de como tem ocor- Deste modo, faz-se necessário des-
rido no município de Mocajuba, Pará, pro- tacar dois pontos fundamentais nesta ex-
cessos pedagógicos de formação na im- posição: 1) O caráter da Consulta Prévia
plementação da resolução 08/2012. e Esclarecida, de acordo com a Conven-
Ações que acontecem desde março ção OIT 169 (2011, p.18), que em seu
de 2021, em 12 (doze) Comunidades Qui- artigo 6º garante dentre outros direitos,
lombolas a saber: Vizânia, Santo Antônio que os povos e comunidades tradicionais
do Vizeu, São Benedito do Vizeu, Itabatin- devem ser consultados, antes, durante e
ga, Uxizal, Mangabeira, Porto Grande, Mo- posteriormente sobre qualquer ação, que
jutapera, Bracinho do Icatu, São José de possa ou não ocorrer em seus territórios
Icatu, Tambaí-Açu e Mazagão e 13 (treze) e, 2) A justificativa da palavra Putirum,
Escolas Quilombolas – EMEIFQ3: Ângela que por razão de respeito aos originários
de Leão Mendonça; Emiliano Cabral de (povos indígenas), de origem tupi, signifi-
Santa Cruz; Euclides Moreira Pontes; Pe- ca trabalho em união, trabalho junto, mo-
regrino Dias Ribeiro; José Leite da Cruz; bilização, festa, alegria, isto é, o próprio
Pedro Balieiro; Beatriz Otoni Franco; Ma- Mutirão.
noel Reis; Porto Grande, Mojutapera; São Assim, por reconhecer que muito
Tomé; Artur Igreja; Luís Euzébio de Sousa. da cultura quilombola nos quilombos de
Para tanto, em termos procedimen- Mocajuba/PA e região possui significati-
tais de pesquisa, consideramos observa- va herança cultural dos povos originários,
ções livres anotadas em caderno campo, em comum acordo, fora decidido que os
de acordo com Triviños (1987), consenti- encontros de formação chamariam PU-
dos de forma livre e esclarecida por todas TIRUNS. De tal modo, tem sido grandes
as Comunidades Quilombolas do município Putiruns os processos pedagógicos de
de Mocajuba/PA, nas 12 (doze) visitas téc- participação e construção coletiva na for-
nicas pedagógicas, bem como, nos 4 (qua- mação da Educação Escolar Quilombola,
tro) Putiruns de Formação realizados pelas/ em Mocajuba/PA.
com as Comunidades, Movimento Social Esses processos em experiência de
Quilombola4, Coordenação de Formação implementação da resolução 08/2012, em
da Educação Escolar Quilombola – SE- Mocajuba/PA, tem encaminhado a com-
MEC, colaboradores/as5 e apoiadores/as6. preensão do que temos pensado como
noção-conceito que pode vir a ser: Pe-
dagogia[s] de Comunidades Quilombolas
na[s] Amazônia[s] Paraense. Nossas vi-
3. Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental
Quilombola. Reconhecidas pelos decretos municipal nº:
vências com as Comunidades Quilombo-
041/2021 e 028/2017. las a partir das ações da Coordenação de
4. GT Quilombola – UNBUNTU TOCANTINA, MALUN-
Formação da Educação Escolar Quilom-
GU (Coordenação das Associações Quilombolas do Es- bola, tem sido fundamental para construir-
tado do Pará), Associações Quilombolas, Coletivos de mos evidências para algumas hipóteses
Mulheres Quilombolas, Coletivos da Juventude Quilom-
bola, ADQ (Associação de Discentes Quilombolas), den-
reais, que são as Pedagogias presentes
tre outras organizações quilombolas. nos chãos dos territórios quilombolas e
5. Universidade Federal do Pará – Campus Tocantins -Ca- que precisam Pretagogizar as Escolas,
metá, através do GEPTE – Grupo de Estudos e Pesquisas Universidades, isto é, todos os espaços
sobre Trabalho e Educação; Projeto de Extensão e Pesqui- do saber sistematizado formais e não for-
sa coordenado pelo Professor Dr. Edir Augusto Dias Perei-
ra/UFPA, dentre outros Grupos de Estudos e Pesquisas da mais, negados historicamente e intencio-
UFPA e outras Universidades como PUC-Rio de Janeiro – nalmente ao povo preto, de forma a tentar
Núcleo de Estudos sobre Adultos/NEAd; UNIRIO – Univer- manter o status quo.
sidade do Rio de Janeiro – Grupo de Estudos em Educação
Ambiental/GEASUR; IFRO – Instituto Federal de Rondônia. Assim, temos compreendido o ato de
6. Fóruns de Educação do Campo local, estadual e re- Pretagogizar as Pedagogias presentes nos
gional, dentre outros/as parceiros/as.

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Territórios Quilombolas, de acordo como conceitual do que são as Pedagogias de
nos propõe Petit (2015), baseada nas tra- Comunidades Quilombolas na[s] Amazô-
dições orais africanas que constroem sa- nia[s] Paraense e de como Pretagogizar
beres. Logo, a Pretagogia: processos de implementação de políticas
[...] parte dos elementos da cosmovisão voltadas para educação escolar quilombo-
africana, porque considera que as parti- la. Deste modo, nos fazendo pensar tam-
cularidades das expressões afrodescen- bém, nas Pedagogias dos movimentos
dentes devem ser tratadas com bases socias negros e quilombolas como movi-
conceituais e filosóficas de origem mater-
na, ou seja, da Mãe África. Dessa forma,
mentos que educam, a partir das lutas por
a Pretagogia se alimenta dos saberes, direitos.
conceitos e conhecimentos de matriz afri- Portanto, este artigo está organizado
cana, o que significa dizer que se ampa-
ra em um modo particular de ser e estar em três sessões que se articulam. Assim
no mundo. Esse modo de ser é também sendo, a primeira apresenta descrições
um modo de conceber o cosmos, ou seja, e breve reflexão sobre a luta por direitos,
uma cosmovisão africana. (PETIT, 2015, que tem sido pedagógicas nos Territórios
p. 119,120) Quilombolas, desde que o povo preto foi
Daí que, temos pensado essas Peda- retirado à força da África em prol da ex-
gogias presentes nas 12 (doze) Comunida- pansão colonialista-capitalista, até os dias
des Quilombolas de Mocajuba/PA e suas atuais em que por conta do racismo es-
13 (treze) escolas, composta de diversos trutural no Brasil, ainda se tem tanta di-
saberes ancestrais africanos, somados as ficuldade de implementação de políticas
experiências de saberes dos povos origi- públicas voltadas a este povo, que ainda
nários (indígenas) e, ainda os saberes dos vivencia elementos e várias formas da
movimentos sociais quilombolas, como escravidão sobre o povo preto brasilei-
processos formativos, do que compreen- ro, descendente do povo preto da África.
demos por Pretagogias no plural. Portan- Neste contexto, esta sessão encaminha
to, de forma a ampliar o que nos propõe descrições e reflexões que partem do ma-
Petit (2015) através da oralidade africana, cro para micro e vice-versa, de forma a
adicionamos outros saberes que também compreender o contexto local mocajuben-
expressam a possibilidade de construção se, ou seja, do que tem motivado a cons-
da Educação Escolar Quilombola transfor- trução de processos, para a implementa-
madora. ção da resolução 08/2012, no município
de Mocajuba/PA.
Por isso, faz-se necessário também,
pensar sobre as Pedagogias de Comuni- Na segunda sessão, apresenta-se um
dades Quilombolas, que não estão sem- breve panorama dos processos pedagógi-
pre nas Pedagogias reproduzidas nas Es- cos, numa sequência de cinco elementos
colas Quilombolas, já que geralmente os fundamentais que encaminharam os cinco
“programas escolares, até agora, sempre passos principais, que conduziram a cons-
eurocêntricos, baseados em princípios trução metodológica com as Comunidades
até mesmo antagônicos aos das culturas Quilombolas e Coordenação de Formação
negras” (PETIT, 2015), tem contribuído a da Educação Escolar Quilombola, nos pro-
prevalecer o racismo nas escolas, daí ca- cessos de implementação da resolução
bendo algumas inquietações: Por que não 08/2012.
estão? A quem interessa não estar? O que Por fim, para continuar pensando-fa-
fazer para que estejam na Escola Quilom- zendo possibilidades de se Pretagogizar
bola? as Pedagogias, na luta por implementação
Em busca por compreender essa de políticas públicas para o povo-preto qui-
complexa e histórica realidade, Nilma Lino lombola no Brasil, encaminhamos algumas
Gomes (2017), contribui nesta construção considerações.

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Comunidades Quilombolas na luta pelo Esses povos, trazidos para o Brasil no
direito à Educação Quilombola e Educação período colonial, mantidos por muito tem-
Escolar Quilombola: Experiências po em cárcere pelo escravismo, nunca fo-
Pedagógicas em Mocajuba ram passivos, embora o opressor tentasse
A luta pelos direitos fundamentais, manter a escravidão, o povo preto trazido
para os povos negros arrancados da Áfri- da África, resistiu-lutou em terras brasilei-
ca, no período colonial, para serem escra- ras de diversas formas, e como fruto des-
vizados no Brasil, sempre foi luta pela vida. sas lutas formaram espaços de liberdade,
Aos povos negros arrancados da África, onde resistem-lutam até o presente tempo
não foi dada outra opção a não ser lutar histórico, isto é, em territórios quilombolas.
pela sobrevivência, mesmo quando se sui- As lutas que formaram esses es-
cidavam, assim o faziam em resistência e paços tempos de liberdade, construíram
luta pela vida. É por isso, que quando fa- muitas pedagogias e, com isso é valido
lamos de educação quilombola, a compre- ressaltar que compreendemos Pedagogia
endemos com base na cultura e trabalho não no sentido restrito etimológico grego7,
desenvolvido desde a criação dos quilom- muito menos a partir do campo empresa-
bos como espaço de resistência, que per- rial. A Pedagogia, que procuramos tratar
mitiu manter até o presente as tradições e aqui, trata sobre processos formativos que
identidade do povo negro e conquistar com integram experiências das relações sociais
esse espírito de rebeldia e luta – o respeito. tanto individuais como coletivas, ou seja,
Nesse sentido, como temos ouvido uma ciência da educação que conforme,
nas 12 (doze) Comunidades Quilombo- Libâneo (2001, p. 6) define “um campo de
las de Mocajuba/PA (reconhecidas até o conhecimentos sobre a problemática edu-
momento, pois há outras em processo de cativa na sua totalidade e historicidade e,
reconhecimento), nas observações livres ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora
que temos realizados, nas rodas de con- da ação educativa.” Portanto, entende-se
versas, conversas informais, entrevistas, aqui como ato educativo integrado a prá-
observações livres aos diferentes proces- tica educativa do fazer-se das atividades
sos de trabalho-formação-cultura, através humanas, de povos e comunidades tradi-
das Visitas técnicas Pedagógicas e Puti- cionais quilombolas.
runs realizados, devidamente consultadas Assim, os povos e comunidades tra-
previamente e concedidas de forma livre dicionais quilombolas do Brasil, em toda
e esclarecida, anotadas em caderno de sua diversidade, são riquíssimos em his-
campo, podemos afirmar que as lutas pelo tória, cultura, saberes, pois seus territórios
direito à educação quilombola e educação como espaços de liberdade, nunca estive-
escolar quilombola em tempos atuais, pre- ram isolados, conforme nos demonstrou
cede de lutas anteriores dos povos africa- Pinto (2001) em suas pesquisas na Região
nos ancestrais, desde que foram trazidos do Baixo Tocantins. Logo, foram e são for-
a força de seus territórios, para serem es- mados não somente pelo povo preto, mas
cravizados. por indígenas, ribeirinhos, dentre outros
Diante deste contexto, como nos disse povos, até mesmo brancos pobres, que
o Sr. Raimundo Maria Gonçalves Neves, da desde do processo de colonização se in-
Comunidade Remanescente de Quilombo corporaram aos quilombos também na luta
Tambaí-Açu: “...a nossa luta é antiga, não contra a exclusão.
é de agora, não foi de ontem que começou
essa luta, nem fui eu que comecei, foi muito
antes, há muito tempo atrás, que o nosso 7. Paidós (criança) e agogos (condutor). Portanto, con-
dutor de crianças, aquele que ajuda a conduzir o ensino.
povo começou a lutar pelo bom da vida” Assim sendo a pedagogia está ligada ao ato de condução
(Anotações de campo, 2021). do saber. Dicionário online, disponível em: https://www.
significadosbr.com.br/pedagogia. Acesso em: 31/11/2021.

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Daí que, pensar na luta pela Educa- Nesse sentido, compreende-se que
ção Quilombola integrada a Educação Es- a luta pela educação pública é uma luta
colar Quilombola, é também pensar em de todas e todos, mas protagonizada pela
toda a diversidade inerente a esse proces- classe trabalhadora, por isso, nos exige
so. E, também, compreendemo-las com to- aprendizagem e exercício democrático
das as suas especificidades, ou seja, a de permanente. Na busca pela construção de
que embora as 12 (doze) comunidades e as uma sociedade justa, que precisa participar
13 (treze) escolas, brevemente analisadas organizadamente para avançarmos, nas
neste artigo sejam quilombolas, cada terri- pautas de nossas bandeiras de lutas, exi-
tório se constrói de elementos próprios de gindo dos governantes a implementação
história-cultura, portanto, são diferentes. dos direitos através das políticas públicas,
E, vale destacar que estas especifici- mas também, se integrando e cobrando
dades, tem sido construída, também, como nossa participação por dentro do processo
“reconhecimento público de uma orienta- e não como objeto do mesmo.
ção educacional específica dirigida às co- Desta forma, pretagogizar as peda-
munidades quilombolas a partir da pressão gogias reproduzidas na escola quilombola,
dos Movimentos Quilombolas, pelo reco- é torna-las instrumentos de luta contra he-
nhecimento na CONAE, pelo próprio Con- gemônica. Luta, que também, é pela pe-
selho Nacional da Educação e pela União” dagogia da diversidade, em que se inclui
(BRASIL, 2012, p. 41). o povo preto quilombola. Instrumento do
Desta forma, após os tensionamen- campo educacional que está no cerne do
tos provocados pelo Movimento Social processo da emancipação social, confor-
Quilombola de Mocajuba/PA (Associações me Gomes (2017). Assim, faz-se necessá-
Quilombolas, Organizações Quilombolas, rio compreender que “[...] a escola pública,
Coletivos de Mulheres Quilombolas, Gru- mesmo sendo um direito social, se esque-
pos de Jovens, dentre outros) durante a ce de que ela é a instituição que mais rece-
eleição de 2020, o atual governo munici- be corpos marcados pela desigualdade so-
pal, ao inserir em sua proposta-programa cio-racial acirrada no contexto da globali-
de governo a pauta relacionada a Educa- zação capitalista”. (GOMES, 2017, p 134).
ção Escolar Quilombola, se dispôs a pôr Corpos, que necessitam de uma es-
em prática a implementação da Resolução cola que contribua na superação das de-
08/2012, instituindo a Coordenação de sigualdades construídas pelo capitalismo
Formação da Educação Escolar Quilom- em todas as dimensões, inclusive socio
bola no interior da Secretaria Municipal de racial. A Escola Quilombola, neste senti-
Educação, Esporte e Cultura/SEMEC. do, precisa seguir o projeto de sociedade
Para tal tarefa, foram convidadas a ar- que liberta e não o seu contrário, daí que
ticular este processo as duas Professoras ela não pode se fechar à comunidade. A
autoras deste artigo, residentes de territórios escola precisa ser tomada pela comunida-
quilombolas, atuantes no Movimento Social de e reproduzir a cultura que a representa.
Quilombola local, bem como, pesquisadoras A escola quilombola, portanto, precisa se
sobre a temática – Educação em Territórios tornar um espaço-tempo de desconstru-
Quilombolas. Preocupadas com tamanha ção de representações negativas sobre o
tarefa, solicitaram apoio institucional na SE- povo negro (GOMES, 2017), e isso é uma
MEC da equipe pedagógica, liderada pelo “necessidade sentida” (GARCÍA,2022),
Secretário de Educação, adjunto, professor também. Por isso faz-se necessário uma
Aldo Serrão, assim como procuraram par- práxis pedagógica escolar integrada a to-
cerias de assessoramento e contam com o das as lutas dos povos quilombolas, isto é,
Professor Dr. Jesús Jorge Perez García, de “integração de saberes sociais aos conhe-
maneira voluntaria do NEAd PUC-RJ. cimentos escolares, como unidade teórico-
-prática entre o experienciado-vivido pelos
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sujeitos a partir do trabalho e a produção povo ativamente na construção de uma
cultural acumulado sócio-historicamente” educação realmente inclusiva, onde todas
(RODRIGUES, 2020, p. 167). e todos construam liberdade, ou seja, a
Para tal tarefa, já que compreende- escola como espaço onde convergem os
mos ser possível, é importante tomarmos aprendizagem da memória histórico cultu-
como concreto, experiências de Pedago- ral dos quilombos.
gias Quilombolas em curso, como os pre- Processos de construção Pretagógica
sentes nos 12 (doze) Territórios do municí- com Comunidades Quilombolas na
pio de Mocajuba/PA e torná-las referências Implementação da Resolução 08/2012,
à medida que a cada passo se consolidem em Mocajuba
os processos de formação coletiva, a par-
tir do trabalho comunitário e o reconheci- Os processos iniciais para implemen-
mento de seus saberes e suas práticas, a tação das Diretrizes Curriculares Nacionais
fim de que se tornem mais representativas para Educação Escolar Quilombola – Re-
como pretagogias, conforme Petit (2015). solução 08/2012 do Conselho Nacional de
Educação (CNE), município de Mocajuba,
Nesse sentido, ressaltamos como Pará –, dão pistas para a resposta da in-
as lutas nas comunidades pelo direito à quietação que mobiliza este artigo – como
Educação Quilombola e Educação Esco- tem ocorrido no município de Mocajuba,
lar Quilombola se manifesta com toda sua Pará, processos pedagógicos de formação
força na articulação que se produz, de ma- na implementação da resolução 08/2012?
neira harmônica e sistemática entre os pro- Assim, cabe continuar problematizando –
cessos de formação no trabalho, música, de que forma tem se tornado possível?
dança, corpo, cantos, encantados, lendas,
artesanatos, no brincar, na poesia, grupos As Comunidades Quilombolas de
culturais, teatro, dentre outras culturas ma- Mocajuba/PA apontam, que essa possibili-
terializadas. Diversidade, como totalidade, dade tem sido construída, a partir de cinco
que produzem formação, educação, práti- dimensões-elementares fundamentais, a
cas pedagógicas que precisam, portanto, saber:
inserir-se na escola de forma educativa e 1) Esse processo perpassa de cons-
formativa no aprendizado e emancipa-la trução coletiva com as Comunidades
e torná-la integralmente como parte muito Quilombolas e nunca para as Comuni-
importante da Comunidade na preparação dades Quilombolas, ou seja, em todo
das crianças, jovens e o povo como conti- e qualquer processo, as Comunidades
nuidade histórica e não um anexo, como Quilombolas são soberanas;
temos observado, em algumas comunida-
2) Esse processo também perpassa
des.
pelo respeito a Consulta Prévia e Es-
Ao compreender este processo de clarecida, garantida pela Convenção
forma integrada comunidade-escola-co- 169;
munidade, movimentos sociais, associa-
3) Esse processo precisa ser liderado,
ções quilombolas, coletivos de mulheres,
articulado, coordenado, realizado com
o espaço da escola se redimensiona entre
participação plena das próprias Comu-
todos os componentes das comunidades
nidades Quilombolas;
quilombolas, expressados nas crianças,
jovens, mulheres, homens, outros gêne- 4) Esse processo, precisa garantir que
ros, pessoas com deficiências, assim como qualquer intervenção exterior, seja,
as pessoas mais velhos/as – anciães, as apenas na qualidade de parceiros/as,
quais por suas experiências são conside- colaboradores/as e/ou assessores.
rados professores/as, também. Oportu- Nunca na qualidade de protagonistas;
nizando, desta maneira a participação do

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5) Esse processo, precisa garantir, que de Coordenação de Formação da Educa-
a relação Gestão Municipal com as Co- ção Escolar Quilombola, no município de
munidades Quilombolas e Movimento Mocajuba/PA.
Social Quilombola, se dê sempre de Assim, foi apresentado proposta-pla-
forma participativa, coletiva, portanto, no de trabalho, com base no assessora-
democrática. mento colaborativo do Projeto de Exten-
Desta forma, compreendendo a fun- são: Cartografia Social e Práticas Educa-
damental importância destas cinco dimen- tivas: memória e identidade em Comuni-
sões-elementares, apontadas, solicitadas dades Remanescentes de Quilombos, da
em todas as 12 (doze) Comunidades Amazônia Tocantina Paraense, coordena-
Quilombolas nas Visitas Técnicas-Peda- do pelo Professor Dr. Edir Augusto Dias
gógicas que realizamos, apresentamos a Pereira/UFPA.
seguir os procedimentos metodológicos Nesta proposta, seguiram orienta-
das ações que nos permitiram, aproximar, ções de que todo o processo, de qualquer
adentrar, participar, construir processos natureza, que seja voltado para Povos/Co-
formativos com as Comunidades Quilom- munidades Tradicionais, precisa levar em
bolas, que tem tornado possível Preta- consideração a convenção internacional
gogizar a Implementação das Diretrizes 169-OIT, ou seja, de que todo o processo
Curriculares Nacionais para Educação seja participativo, coletivo, garantindo a
Escolar Quilombola, no município de Mo- consulta prévia e esclarecida às comuni-
cajuba/PA. dades quilombolas, por serem territórios
De tal modo, considerando os cin- étnicos, dentre outras orientações. A pro-
co dimensões-elementares fundamentais posta-plano, portanto, fora apreciada e
apresentadas, segue os passos dos cami- plenamente aceita pela SEMEC, no início
nhos que conduziram as ações das Comu- de abril de 2021.
nidades Quilombolas, Movimento Social Assim, ao iniciar a articulação dos
Quilombola e Coordenação de Formação processos de implementação das Diretri-
da Educação Escolar Quilombola, neste zes Curriculares Nacionais para Educação
processo: Escolar Quilombola, resolução 08/2012 –
1º passo: Construção da Proposta- do Conselho Nacional de Educação/CNE,
Plano de Atividades de Trabalho se construiu a necessidade de ampliar as
integrantes da coordenação, dadas as de-
A proposta da Coordenação de For- mandas de sistematização de dados das
mação da Educação Escolar Quilombola escolas, daí que a Professora Valdirene
– Secretaria Municipal de Educação, Es- Rodrigues Costa do Quilombo São Bene-
porte e Cultura/SEMEC, se construiu com dito do Vizeu, passou a ser membro da
base nas demandas do Movimento Social Coordenação, como Secretária Adminis-
Quilombola do município de Mocajuba, trativa, contratada.
incorporada ao programa de governo mu-
nicipal, como proposta de se instituir en- Instituída assim a Coordenação de
quanto coordenação, dando base para a Formação da Educação Escolar Quilom-
possibilidade posterior do Departamento bola, como parte da luta do Movimento So-
Municipal para Educação Escolar Quilom- cial Quilombola, o Prefeito Cosme Mace-
bola (DMEEQ). do Pereira, reconheceu em 20 de maio de
2021, através do decreto 041/2021, todas
Neste contexto, foram convidadas a as Escolas localizadas em territórios qui-
coordenar esses processos, pessoas resi- lombolas, como Escolas Quilombolas, in-
dentes em Territórios Quilombolas, de for- clusive, via Ministério da Educação (MEC).
ma a contribuir com a implementação da Esse reconhecimento por parte do gover-
Resolução 08/2012, articulando a proposta no municipal, tornou-se um ato histórico na

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região do Baixo Tocantins. E, desta manei- /or quilombola; Segunda – avanço na im-
ra Mocajuba/PA, tornou-se um dos poucos plementação da resolução municipal, via
municípios do Brasil a reconhecer escolas Conselho Municipal de Educação sobre as
quilombolas oficialmente, e o único da re- Diretrizes Municipais para Educação Es-
gião do Baixo Tocantins a produzir esse colar Quilombola; Terceira, a aprovado por
ato pioneiro. votação unanime na Câmara Municipal de
Logo, prosseguindo com o planeja- Vereadores/a pelo requerimento de criação
mento, a primeira ação da coordenação foi do Departamento Municipal da Educação
a realização de apresentação e apreciação Escolar Quilombola (DMEEQ), no interior
da proposta-plano de trabalho para as lide- do SEMEC.
ranças das Comunidades Quilombolas de E, como quarta conquista, visando
Mocajuba/PA, no dia 22 de maio de 2021. o acesso ao mercado institucional da Ali-
As lideranças presentes haviam sido todas mentação Escolar, fora realizado no dia 27
convidadas antecipadamente, com ma- de março de 2022, através da Rede Comu-
terial impresso da proposta-plano. Assim, nitária de Coletivos de Mulheres Quilom-
após a leitura atenta e levantamento de al- bolas, a I Feira Comunitária dos Coletivos
guns debates, críticas, a proposta foi acei- de Mulheres Quilombolas de Mocajuba/
ta e aprovada com sugestões. PA. Ação esta parte das reivindicações das
Desta forma, considerando os enca- Comunidades Quilombolas durante as visi-
minhamentos das lideranças do Movimen- tas técnicas pedagógicas.
to Social Quilombola, realizamos no dia 29 2º passo: Assessoramento metodológico
de maio de 2021, no Quilombo São José
de Icatu, o I Encontro de Planejamento Posterior ao passo fundamental da
com as comunidades quilombolas, mo- apreciação da Proposta-Plano, que se tor-
vimento social quilombola, professores/ nou, Plano de Atividades, aceito e aprova-
as e demais funcionários, que atuam em do com sugestões, a Coordenação dedi-
escolas quilombolas, SEMEC, Câmara de cou-se a reelaborar algumas partes altera-
Vereadores/a, colaboradores/as e parcei- das pelas críticas e sugestões da plenária
ros/as. Após um dia intenso de atividades do I Planejamento. Com as parceras de
de apreciação da Proposta-Plano de Tra- assessoramento voluntário, construímos
balho da Coordenação de Formação da os procedimentos metodológicos para as
Educação Escolar Quilombola, o mesmo Visitas Técnicas-Pedagógicas, que deram
foi aceito, aprovado com sugestões pelos/ base para os encontros de formação, os
as presentes. Ressalta-se, que na realiza- Putiruns.
ção de todos os eventos mediados pela Esta assessoria voluntária, possibili-
Coordenação, foram e são respeitados to- tou com que a Coordenação de Formação
dos os protocolos de saúde relacionados a da Educação Escolar Quilombola, pudesse
COVID/19. se planejar metodologicamente com técni-
Esses processos, citados, continu- cas participativas que conduziram a apro-
aram sistematizando-se e dando respos- ximação com as Comunidades Quilombo-
ta as demandas a tempos reprimidas nas las. Registra-se, que até o tempo históri-
comunidades. Isso, tem permito a partir co-presente, segundo as/os entrevistadas/
de muita luta com as comunidades e mo- os, ainda não haviam recebido atividades
vimento social através das Associações por parte da SEMEC, com esse caráter for-
Quilombolas, avançar. Logo, algumas con- mativo, especificamente voltado a modali-
quistas tem se apontado, como: Primeira dade da Educação Escolar Quilombola.
– reconhecimento por parte do ministério Daí que, o assessoramento metodo-
público municipal da necessidade de con- lógico, fora fundamental para adentrarmos
curso para cargo específico de professora com cuidado e respeito nas Comunidades

Afros & Amazônicos 55 Vol. 1, nº 5, 2022


Quilombolas. Desta maneira, desde a con- que atuam em Territórios Quilombolas,
fecção dos convites, programação até a junto com os Movimentos e organizações
realização das atividades nos chãos dos sociais que representam estes territórios
Territórios Quilombolas, houve um proces- são protagonistas do processo, e em to-
so minucioso de preparação da Coordena- dos os encontros do evento são estes
ção, com estudos sobre técnicas etnográ- que abrem e conduzem todas atividades
ficas, técnicas de atividades em grupos, do Putirum. A Coordenação de Formação
de formação dos Coletivos de Trabalhos da Educação Escolar Quilombo (CFEEQ/
– CTs, técnicas para anotações de cam- SEMEC) com isso, tem o papel de media-
po, técnicas participativas para escuta dos dora do processo.
sujeitos, técnicas de aprendizagem mútua, Nesse processo é considerado des-
dentre outras. de o início a criação durante a atividade
Para a realização das atividades de de espaços de trabalho comunitário, que
campo, houve um detalhado processo de propicie primeiro conhecer-se como gru-
trabalho, que exigiu da Coordenação de po, e quais são as expectativas de cada
Formação da Escolar Quilombola, além do participante, e a partir disto fazer análises
compromisso profissional, o compromisso das atividades realizadas, tanto em grupo
de militância. Assim, todo o processo de como individual para propiciar o intercâm-
procura por informar-formar, mais esclare- bio, o debate e o posicionamento a partir
cidamente possível as Comunidades Qui- de técnicas participativas de constituição
lombolas e Movimento Social Quilombola, do grupo e formação, que facilitam ouvir é
conduziu a Coordenação a produção de incorporar a comunicação como elemento
material didático próprio, de forma a tentar chave durante todo o desenvolvimento do
suprir as expectativas das Comunidades Putirum. Ser reconhecidos como parte de
Quilombolas e Movimento Social Quilom- esse processo, que sejam ouvidas suas
bola sobre a garantia da participação efeti- propostas e consideradas nos relatórios e
va em todo processo. sugestões apresentadas, constitui um ato
Dessa forma, a metodologia do Puti- político de extrema identidade, ainda mais
rum em síntese se constrói como aborda- quando as mesmas correspondem e res-
gem qualitativa, adotada em termos refe- pondem as necessidades sentidas dessas
rencias – das experiências dos círculos de comunidades quilombolas.
cultura de Paulo Freire (1999) e técnicas Assim, enquanto mediação dos cír-
participativas trabalhadas em movimentos culos de cultura que se configuram os Pu-
sociais campesinos na América Latina, re- tiruns, o objetivo é a formação para com-
conhecidas como método campesino-cam- preensão e prática, dos processos de im-
pesino (2013), assim como a utilização das plementação da resolução 08/2012, que
técnicas de trabalho comunitário da tese trata sobre as Diretrizes Curriculares para
de García (2016). Educação Escolar Quilombola, no municí-
Desse modo, no que se refere aos pio de Mocajuba/PA.
círculos de cultura freireano, compreen- Nesse sentido, nos primeiros mo-
de-se como experiência pedagógica, em mentos do Putirum, a CFEEQ a partir dos
que se procura envolver a todas e todos relatos de experiência e provocações que
os presentes nos encontros de formação se constroem durante as apresentações
de forma democrática, daí que zela-se das Comunidades Quilombolas, seus/suas
para que se garanta a participação em to- professoras e demais funcionários, movi-
dos os aspectos do evento. Por isso, os mentos e organizações sociais quilombo-
Putiruns iniciam com místicas, relatos de las, mapeia-se as palavras geradoras que
experiências. As Comunidades Quilombo- dão direção para os passos seguintes dos
las, Professores/as e demais funcionários Putiruns de Formação, em que se constro-

Afros & Amazônicos 56 Vol. 1, nº 5, 2022


em os debates, reflexões e proposições dos visitas. As Comunidades Quilombolas em
Coletivos de Trabalho (CTs), no momento parceria com a SEMEC, recebera a Coor-
que chamamos de estudo da temática do denação, que em alguns momentos foram
evento. Esses e os demais momentos dos acompanhadas pela presença do Proje-
círculos de cultura dos Putiruns, também to de Extensão coordenado por Pereira/
tem-se baseado nas técnicas participativas UFPA (2020-2022).
da metodologia campesino-campesino, em No entanto, em geral, somente a Co-
que se considera, o momento dos relatos ordenação permanecia nas Comunidades.
de experiencias, trabalhos em grupos e as A partir das visitas-técnicas, foi possível se
mesas temáticas com os formadores/as. aproximar das comunidades quilombolas.
Após, o momento de estudo, ocorre Os processos de escuta, através das rodas
o momento de apresentação das sínteses de conversas, entrevistas, conversas infor-
dos CTs (Coletivos de Trabalho), momento mais nas casas em que almoçamos, janta-
também, em que há espaço para pergun- mos, dormimos, acordamos, foram cruciais
tas, intervenções, proposições, avaliações. para compreendermos as dinâmicas que
Segue posteriormente, com síntese geral, movimentam as comunidades quilombolas,
organizada e apresentada pelos mediado- suas necessidades, suas experiências.
res deste momento. Finaliza-se o primeiro Essas visitas, proporcionaram fazer
dia de evento com churrasco e noite cul- levantamentos de dados sobre as escolas
tural – em que as Comunidades Quilom- em que constatamos a existência de 786
bolas, montam programação com várias estudantes quilombolas, 50 professores/
atividades artísticas, entre elas músicas, as, dentre estes/as 9 concursados e 41
danças, teatro, cinema, vendas de comi- contratados, bem como, os principais pro-
das típicas, artesanato etc. blemas que afetam estas comunidades e
No segundo dia de Putirum, ocorre o que tem dificultado a realização da edu-
aprofundamento de tudo que foi apresen- cação escolar quilombola de qualidade,
tado, pensando, discutido sobre a temáti- daí que entre as 12 (doze) comunidades
ca do evento, a partir de mesas temáticas quilombolas e 13 escolas, foram levanta-
em que pesquisadores, ativistas, militan- dos 159 problemas comuns (Anotações de
tes dos movimentos sociais, estudantes, campo, 2021). Esses problemas levanta-
representantes das Associações Quilom- dos geraram a produção de minutas, que
bolas, dentre outros, contribuem na forma- foram protocolados no gabinete da Prefei-
ção. Daí de forma a não concluir e dá con- tura, SEMEC.
tinuidade com encaminhamentos para os Apresentadas em audiência pública
próximos Putiruns, faz-se avaliação geral na Câmara Municipal de vereadores/a,
do evento, individualmente e coletivamen- essas minutas, a fim de produzir requeri-
te. Os Putiruns finalizam com o ritual do al- mentos para solução destes problemas le-
moço oferecido, organizado, por todas as vantados, dentre estes a situação precária
Comunidades Quilombolas. de algumas escolas, dificuldades extremas
3º passo: Visitas Técnicas-Pedagógicas que crianças e jovens enfrentam para che-
gar até a escola, por falta de transporte
As visitas Técnicas Pedagógicas fo- escolar, estradas e pontes em péssimas
ram realizadas em todas as 12 (doze) Co- condições, principalmente nos Quilombos
munidades Quilombolas e as 13 (treze) de Itabatinga e Uxizal, outra questão, den-
escolas. Estas visitas ocorreram entre dois tre os problemas levantados, foi a reivindi-
dias em cada comunidade quilombola. A cação da realização de concurso público,
coordenação previamente encaminhava em que se considere as e os quilombolas
convites com proposta-programação, in- como sujeitos de direito, conforme prevê a
dicando, também elementos de propos- resolução 08/2012.
tas-metodológicos de como ocorreriam a
Afros & Amazônicos 57 Vol. 1, nº 5, 2022
As visitas Técnicas-Pedagógicas, juba/PA, em prol do que lhes são comuns,
produziram além das minutas, relatórios, ou seja, a luta pelo direito a Educação Qui-
ofícios, requerimentos, pedidos encami- lombola. Nesse Quilombo, conforme os
nhados a diversos órgãos do governo mu- próprios moradores/as nos revelaram nas
nicipal, de forma a provocar ações, a partir rodas de conversas, nunca haviam recebi-
das demandas levantadas. Nesse sentido, do ações deste tipo, muito menos eventos
a Coordenação de Formação da Educa- nesta dimensão, se sentiram muito honra-
ção Escolar Quilombola, tem cumprido um dos e foi para todos os presentes um mo-
papel fundamental de luta pela educação, mento muito produtivo.
junto as Comunidades Quilombolas. Por O II Putirum, dando prosseguimento
isso, há avaliação de que a instituição da ao planejado, fora realizado no Quilombo
coordenação, foi um passo crucial de re- Porto Grande, nos dias 13 e 14 de agos-
conhecimento oficial da Educação Escolar to de 2021 e, da mesma maneira como foi
Quilombola, inclusive como modalidade sentido no Quilombo Uxizal o “esperançar”
de ensino, no município de Mocajuba/PA, foi muito mais fortalecido, com o tema:
conforme prevê a LDB 9394/96. Identidade e Território. Nestes Putiruns, a
Através das Visitas Técnicas Peda- partir de técnicas participativas, conforme
gógicas, foi possível construir, articular orientações da assessoria metodológica,
os Putiruns. A realização quatro Putiruns, foram criados Coletivos de Trabalhos –
que inclusive intencionalmente coincidiram CTs, que se incorporaram voluntariamen-
com alguns momentos de Visitas Técni- te, as ações da Coordenação de forma a
cas-Pedagógicas, se tornaram espaços colaborarem na organização dos Putiruns.
permanentes de formação tanto para pro- Assim sendo, os Putiruns possuem
fessoras/es quanto para todos/as que fa- equipe de trabalho composta por 9 (nove)
zem Educação nos Territórios Quilombolas CTs, a saber: Beija-Flor – cuida da orna-
e as pessoas das comunidades, que se mentação dos Putiruns; Japiin – da progra-
mobilizaram para garantir a qualidade das mação cultural; Igarapé – da parte técnica
atividades com muita hospitalidade. de iluminação, som, projeção etc; Xibé –
4º passo: Encontros de Formações – da articulação da alimentação; Castanhei-
Os Putiruns ra – das atividades com as crianças; Resis-
tência – trabalha com a Juventude Quilom-
Os Putiruns, como já mencionado an- bola; Guerreiras – Coletivos de Mulheres
teriormente, foram pensados, construídos, Quilombolas; Camaleão – articulação de
realizados de forma a garantir o processo transporte e o Coruja que secretaria todo
coletivo com as Comunidades Quilombo- o evento do Putirum, cuida também da
las, no mesmo sentido do que são os muti- comunicação, registro (imagens, vídeos,
rões permeados também de cultura indíge- fotos, gravações de áudios, anotações) e
na, daí que foram nomeados de Putiruns. divulgação.
Os espaços formativos proporciona- Esses CTs, além de construírem os
dos nos Putiruns, produziram nas Comu- momentos de estudos, debates, produzem
nidades Quilombolas, experiencias de “es- também, a mobilização dos Putiruns. Por-
perançar”, conforme Freire (1999b). Nesse tanto, faz-se necessário, registrar que os
sentido, no Quilombo Uxizal em que ocor- CTs são o sopro de vida dos Putiruns. Os
reu o I Putirum nos dias 26 e 27 de junho de Putiruns realizados pelas /com as Comu-
2021, com o tema: “Educação Quilombola nidades têm demonstrado, que quando o
e Educação Escolar Quilombola – Esco- povo se sente parte do processo, tudo flui
la que temos, Escola que necessitamos”, com mais força e significado.
deu-se o ponta pé inicial deste espaço que
tem sido fundamental para a rearticulação Por isso, o III Putirum, realizado nos
das Comunidades Quilombolas de Moca- dias 08 e 09 de outubro de 2021, no Qui-

Afros & Amazônicos 58 Vol. 1, nº 5, 2022


lombo Tambaí-Açu, com o tema: “Matrizes curam pretagogizar a implementação da
Pedagógicas Quilombolas: Agricultura fa- resolução 08/2012, em Mocajuba/PA ao
miliar, Gênero e Movimento Social”, con- se fazerem na ação coletiva-participativa.
solidou os processos formativos de intro- Tudo isso, tem sido pedagógico para todas
dução sobre Educação Quilombola e Edu- e todos que estão podendo participar. No
cação Escolar Quilombola, construindo final de cada Putirum, temos feito o exer-
encaminhamentos para realização de ou- cício de nos convocarmos a avaliação e,
tros Putiruns, Plenárias e Conferências de isso tem oportunizado o nosso aperfeiço-
Educação Escolar Quilombola, de forma a amento. Assim, os Putiruns, tem gerado
instituir o Departamento de Educação Es- demandas e novos processos, que temos
colar Quilombola no município de Mocaju- considerado como os próximos passos
ba/PA, bem como, as diretrizes municipais dos caminhos das nossas ações, enquan-
para Educação Escolar Quilombola, cons- to Coordenação de Formação da Educa-
truída com Comunidades Quilombolas e ção Escolar Quilombola.
todas suas diversidades. Portanto, assim como os mutirões
E, assim, aconteceu o IV Putirum re- quilombolas nunca acabam, pois a cada
alizado nos dias 17 e 18 de dezembro de mutirão outro mutirão é planejado, marca-
2021, no Quilombo São José de Icatu, com do, agendado, inclusive de um ano para o
o tema: Processos da Resolução Munici- outro, os Putiruns não acabam, não para-
pal e Criação do DMEEQ. ram, pois a formação é permanente. Esse
é o principal encaminhamento das Comu-
Considerações para continuar nidades Quilombolas e seus Movimentos,
pretagogizando Coletivos e Organizações Sociais Quilom-
Tecidas com o objetivo de demonstrar bolas. E, por aqui caminhamos, seguimos,
a forma como tem ocorrido no município de nesta “luta que não é minha só, ela é de
Mocajuba, Pará, processos pedagógicos todas/todos nós”, nos diz a ciranda quilom-
de formação na implementação da reso- bola e, que o Movimento Social Quilom-
lução 08/2012, segue as descrições deste bola, educador, reafirma ao nos ensinar
de trabalho de pesquisa realizado com as na luta-resistência cantando: “Essa luta é
Comunidades Quilombolas, desde de mar- nossa! Essa luta é do povo! Com os Qui-
ço de 2021, portanto, como processos em lombolas, que se faz um Brasil novo!”.
curso.
Referências
Nesse sentido, as breves análises
dessas descrições encaminham, que mu- BELTRÃO, Jane Felipe; LACERDA, Pau-
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prol da Educação Escolar Quilombola de
Mórula, 2017.
qualidade. Nestas lutas diárias, constroem
Pretagogias quilombolas, que precisam BRASIL. Convenção n° 169 sobre povos
ser integrar as escolas de suas comunida- indígenas e tribais e Resolução referente à
des. Logo, ao compreenderem que esse ação da OIT / Organização Internacional
processo é um processo coletivo, as Co- do Trabalho. – Brasilia: OIT, 2011.1 v.
munidades Quilombolas têm construído os BRASIL. Educação como prática da li-
Putiruns de formação ao tomarem para si a berdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
realização da Educação Quilombola. Terra, 1999 b.
Daí que, como já constatado, tanto BRASIL. O parecer da Resolução CNE/
as Visitas Técnicas-Pedagógicas quanto CEB 08/2012. Conselho Nacional de
os Putiruns se tornaram espaços de cons- Educação (CNE) – Câmara de Educação
trução de processos formativos, que pro- Básica. MEC. Brasília, 2012.

Afros & Amazônicos 59 Vol. 1, nº 5, 2022


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