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Um país se faz com homens e livros" ­ 04/09/2007

João Luís de Almeida Machado

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Temos que ler mais e mais e desde cedo!

As estatísticas nacionais quanto à leitura indicam que os brasileiros lêem muito pouco. Em média, apenas quatro
brasileiros em cada 10 têm algum contato com livros em nosso país, os outros seis (para ser mais exato, 61%),
têm muito pouco ou nenhum contato com livros. E mesmo os demais 39% não praticam a leitura com alguma
freqüência...

Na verdade o índice de leitores regulares de nosso país é de, aproximadamente, 16% (percentual relativo à
quantidade de pessoas no Brasil que possuem o equivalente a 73% de todos os livros aqui existentes e que
estão em mãos de particulares).

Há no país apenas 1.500 livrarias e em cerca de 1.300 cidades do Brasil não existem bibliotecas públicas. Só a
título de comparação, somente a aquisição de livros para bibliotecas públicas nos Estados Unidos supera a
compra total desse artigo por brasileiros e pelas instituições aqui existentes. (Os dados aqui apresentados
constam de uma pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, realizada em 2001).

O livro é, para os brasileiros, um produto muito caro e, em virtude disso, acabou se tornando um luxo pelo qual
as pessoas, especialmente as mais humildes (de menor poder aquisitivo), não se dispõem a adquirir.
Impressiona também saber que os dados relativos à leitura de jornais e revistas do Brasil, quando comparados
com os de países vizinhos onde a escolarização e a valorização da cultura são maiores, como é o caso da
Argentina, são menores...

As políticas públicas nacionais não consideram investimentos em livros (a não ser em impressos didáticos) como
merecedores de cotas maiores dos orçamentos municipais, estaduais ou federal. Nesse sentido não há registros
expressivos de melhoria dos acervos das bibliotecas públicas e nem de projetos de leitura de grande
envergadura.

O que vemos é a luta de alguns apaixonados pelos livros, como professores, jornalistas, profissionais liberais ou
membros das alas mais cultas das cidades, manifestando­se em favor da leitura e da melhoria das bibliotecas de
seus municípios (quando elas existem), mas mesmo essa mobilização é escassa e pouco produtiva...

Além dos necessários gastos com tecnologias de ponta e projetos em informática educacional, urge que os
governos e a sociedade civil se mobilizem em favor dos livros, senão seremos eternamente, uma nação de
pessoas incultas em sua maioria e estaremos fadados a continuar sendo apenas "burros de carga" que fazem o
trabalho pesado e alimentam o desenvolvimento alheio...
O amor pela leitura é despertado não só nas escolas, mas também a partir do exemplo que brota nas famílias.
Pais leitores são um grande e marcante incentivo ao surgimento de novas legiões de leitores.

Tatiana Belinky, escritora de literatura infantil, nascida em 1919, declarou em reportagem ao Estadinho,
suplemento infantil do jornal “O Estado de São Paulo”, em abril desse ano, que:

"O que motiva uma criança a ler é ver os pais, tios e avós lendo."

"(Na escola) apontar o dedo e dizer "leia" é uma bobagem, isso é uma vacina contra a leitura. O negócio é
brincar de abrir o livro. Cada sala de aula deveria ter uma estante com uns 15 livros. A estante tem de estar ao
alcance da mãozinha da criança porque se ela tiver um livro por perto, irá abrir..."

"Meu pai lia muitas histórias para mim. Eu ficava fascinada com aqueles sinaizinhos, as letras, falavam com meu
pai e não falavam comigo e tinha vontade de decifrar aquilo..."

Em tempo... Vale lembrar que Tatiana foi amiga de Monteiro Lobato e adaptou as obras do escritor para a TV
Tupi. Trata­se certamente de uma pessoa cuja experiência e orientação devem mobilizar nossa atenção. A
leitura é um dos melhores e mais fortes aliados para que a educação se concretize. Projetos de leitura que
mobilizem com sucesso as crianças a partir da educação infantil, com as professoras sendo orientadas e
preparadas para atuarem efetivamente como contadoras de histórias podem sensibilizar os alunos e fazer com
que eles se animem e entrem com entusiasmo no mundo da leitura.

A continuidade, nos primeiros anos do ensino básico, a partir da alfabetização também depende de projetos que
permitam as escolas contar com bibliotecas equipadas, atualizadas e trabalhadas como bases de leitura e
pesquisa orientadas a partir de projetos pedagógicos que incluam essas bases como fundamentos operacionais
de trabalhos e pesquisas a serem realizadas pelos estudantes.

Nesse sentido torna­se fundamental que os educadores conheçam a biblioteca, participem da escolha de novos
títulos para os acervos, cobrem de seus coordenadores e diretores a atualização das coleções disponíveis em
suas bibliotecas escolares (ou ainda, que se mobilizem em favor da criação de uma boa biblioteca em suas
escolas, recurso esse tão primordial quanto a instalação de laboratórios de informática, quadras de esporte ou
ainda de salas de arte e laboratórios de ciências) e pressionem as autoridades públicas para a consecução de
projetos regulares e permanentes de leitura nas redes públicas de ensino.

A superação do analfabetismo funcional, aquele que se estabelece mesmo quando o sujeito foi introduzido às
letras e aparentemente sabe ler e escrever, mas que na prática revela­se inócuo, pois o cidadão não é formado
para compreender com profundidade aquilo que lê ou escuta quando a informação é mais burilada e complexa,
depende de projetos que lhe equipem para enfrentar com êxito as mais difíceis empreitadas em leitura.
Os planejamentos pedagógicos das escolas devem criar pontes que liguem diretamente as salas de aula as bibliotecas escolares e
públicas. “O hábito cria o monte”, como popularmente dizem, o que, na prática significa que quanto mais contato com a literatura
as crianças tiverem, maior será a sua familiarização com os livros.

Nesse sentido o investimento em bibliotecas e projetos de leitura nas escolas revela­se como “pedra de toque”
para que o Brasil se torne uma nação de pessoas alfabetizadas, esclarecidas, cidadãs, éticas e politizadas.
Capazes de questionar, de inquirir, de pensar com mais profundidade, de criar e também de atuar com maior
profissionalismo e independência.

Sou bastante realista para compreender que o surgimento de uma população mais esclarecida e atuante em
nossa nação contrasta com os interesses espúrios da classe política dominante, que prefere manter a massa na
ignorância para fazer uso político da mesma e orientar, como nos tempos da República Velha, suas preferências
a partir de versões modernas dos cabrestos daquele tempo.

Mesmo assim insisto na questão, pois penso que, como educador e cidadão que pautou sua formação em uma
educação na qual os livros foram companheiros constantes e inseparáveis, que me levaram a uma compreensão
maior dos fatos, eventos, fenômenos e relações que a todos envolvem, não há formação plena, crítica, que
capacita para a análise e para o pleno exercício da cidadania (em seus direitos e deveres) sem a leitura e que,
não há possibilidade real disso se efetivar sem livros e bibliotecas.

A célebre frase de Monteiro Lobato, que utilizei como título para esse artigo de forma proposital, mais do que
simplesmente enriquecer esse texto, tem o propósito de nos fazer pensar com mais carinho e engajamento a
questão para que realmente se realizem e se concretizem projetos e movimentos em favor dos livros, das
bibliotecas e da leitura.

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