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166 5.

Fı́sica da estrutura da matéria

5.11 Semicondutores, dı́odos, leds e transı́stores


Nos sólidos, os átomos estão a distâncias muito pequenas, da ordem de gran-
deza do angstrom, originando a sobreposição das funções de onda dos electrões
atómicos. Esta sobreposição das funções de onda, mantida pelas forças de
ligação entre as moléculas do sólido, faz com que os nı́veis de energia atómicos
deixem de ser discretos, ficando com uma estrutura em bandas de energia, se-
paradas por intervalos de energias, designados por lacunas (gaps) de energia.
Estas bandas de energia são uma caracterı́stica dos sólidos (figura 5.32).
A banda de energia dos electrões menos ligados ao núcleo atómico designa-
se por banda de valência (figura 5.32). A banda de valência tem origem no
nı́vel de energia de ligação menos energético dos electrões atómicos. A zero
graus kelvin, os electrões atómicos menos ligados têm energias de ligação na
banda de valência. A banda de energia menos energética e que, a zero graus
kelvin, está vazia é a banda de condução do sólido. Entre estas duas bandas,
existe um intervalo de energias proibidas para os electrões. Se um electrão
atómico adquire energia de modo a transitar para a banda de condução, o
electrão deixa de estar ligado ao átomo e pode deslocar-se ao longo do sólido,
com energia de ligação na banda de condução.

E
Banda de
condução Lacuna
de energia
0

Banda de
valência

estado sólido r0 r

Figura 5.32: Banda de valência e banda de condução dos electrões de um


sólido semicondutor, em função da distância entre átomos vizinhos. Nos me-
tais, as bandas de valência e de condução podem-se intersectar. Num material,
na transição de fase para o estado sólido, a distância média entre os átomos
vizinhos é r0 . No estado sólido, as funções de onda atómicas associadas a
átomos vizinhos interferem, originando nı́veis de energia organizados em ban-
das. Nos sólidos, os electrões menos ligados ao núcleo atómico têm energias
de ligação na banda de valência ou na banda de condução.

Suponha-se então um material à temperatura ambiente, digamos T = 300 K.


5.11. Semicondutores, dı́odos, leds e transı́stores 167

Neste caso, pelo teorema da equipartição da energia (secção 2.3), a energia de


agitação térmica dos electrões atómicos é 3kT /2 = 0.039 eV. Se o intervalo
de energia entre a banda de valência e a banda de condução é da ordem de
Egap = 0.04 eV, ou inferior, o sólido é um bom condutor de electricidade.
Neste caso, devido à agitação térmica, os electrões transitam da banda de
valência para a banda de condução, e podem deslocar-se ao longo do sólido.
Se a lacuna de energia entre a banda de valência e a banda de condução
está aproximadamente no intervalo 0.5 5 eV, o sólido comporta-se como um
semicondutor. Para lacunas de energia entre bandas maiores do que 5 eV, o
sólido é um isolante. Por exemplo, para o silı́cio, o intervalo de energia entre
as duas bandas é Egap = 1.11 eV.
Se Ev e Ec são as energias médias dos electrões nas bandas de valência e de
condução, respectivamente, pela lei de distribuição da energia de Boltzmann
(3.30), a razão entre as probabilidades de encontrar um electrão na camada de
condução e na camada de valência é
P(E = Ec ) (Ec Ev )/kT Egap /kT
Pc/v = =e =e .
P(E = Ev )
No caso do silı́cio, à temperatura ambiente (20 C), Pc/v = e 1.1/0.025 = 1.3 ⇥
10 19 . Nos metais ideais, Egap = 0 eV e Pc/v = 1.
Num semicondutor, ao misturar uma pequena quantidade de átomos ou im-
purezas com electrões no nı́vel de valência em número superior aos electrões
do nı́vel de valência do semicondutor, estes electrões transitam facilmente para
a banda de condução do sólido e as propriedades de condutividade eléctrica do
semicondutor alteram-se. Neste caso, fica-se com um semicondutor do tipo
n (de negativo), pois os electrões em excesso comportam-se como electrões
livres na banda de condução. Com este tipo de impurezas, os átomos do se-
micondutor ficam ionizados positivamente. Como o germânio tem 4 electrões
no nı́vel de valência e o arsénio tem 5 electrões no mesmo nı́vel, o germânio
com impurezas de arsénio é um semicondutor do tipo n, aumentando o valor
de Pc/v .
De igual modo, num semicondutor, ao misturar uma pequena quantidade
de átomos com electrões no nı́vel de valência em número inferior aos electrões
do nı́vel de valência do semicondutor, geram-se ligações covalentes entre á-
tomos do sólido e das impurezas, ficando assim, no nı́vel de valência, luga-
res disponı́veis para outros electrões. Estes lugares disponı́veis podem aceitar
electrões da banda de condução, deixando buracos ou lacunas de electrões na
banda de condução. Estes semicondutores são do tipo p (de positivo). Com
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este tipo de impurezas, os átomos do semicondutor ficam ionizados negativa-


mente. O germânio com impurezas de alumı́nio é um exemplo de um semi-
condutor do tipo p, pois o alumı́nio tem 3 electrões no nı́vel de valência.
Se um semicondutor do tipo n ou do tipo p é sujeito a uma diferença de
potencial, estabelece-se um campo eléctrico no interior do material, e tanto os
electrões como os buracos da banda de condução fluem em direcções opostas.
A condutividade dos semicondutores depende da densidade das impurezas e
pouco da temperatura.

a) p n b) p n
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + + + + + + + + - - - - - - - - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + + + + + + + + - - - - - - - - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + + + + + + + + - - - - - - - - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + + + + + + + + - - - - - - - - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + + + + + + + + - - - - - - - - -

c) p n d) p n
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + - -
+ + + + + + + + + + - - - - - - - - - - + + - -

V V

Figura 5.33: a) e b) Construção de uma junção p-n ou dı́odo. b) Em torno da


zona de contacto dos dois semicondutores de tipos p (+) e n ( ) gera-se uma
região onde não existem nem buracos nem electrões na banda de condução.
c) Dı́odo polarizado directamente. Neste caso estabelece-se uma corrente no
dı́odo. As setas indicam o sentido do movimento dos electrões e dos buracos.
d) Dı́odo polarizado inversamente. Neste caso, as cargas afastam-se da junção
e a corrente no dı́odo é interrompida.

O dı́odo é a junção de um semicondutor do tipo p com um semicondutor


do tipo n (figuras 5.33a) e b)). Ao juntar-se um semicondutor do tipo p com
um semicondutor do tipo n (junção p-n), os electrões da banda de condução
do semicondutor do tipo n difundem-se para a banda de condução do semicon-
dutor do tipo p e o processo inverso ocorre para os buracos. No semicondutor
de tipo n, junto à junção, fica uma zona carregada positivamente. No semi-
condutor de tipo p, junto à junção, fica uma região carregada negativamente.
Assim, a temperatura constante e na ausência de campos externos, em torno da
junção forma-se uma região sem electrões de condução ou de buracos. Neste
caso, a junção está em equilı́brio electrostático e não há corrente eléctrica (fi-
5.11. Semicondutores, dı́odos, leds e transı́stores 169

gura 5.33b)).35
Na polarização directa de um dı́odo (figura 5.33c)), os electrões e os bura-
cos da banda de condução deslocam-se no sentido da junção p n, estabele-
cendo-se uma corrente no dı́odo. Ao chegarem à junção, os electrões podem
ocupar os lugares vagos da banda de condução do semicondutor de tipo p e
não há interrupção de corrente.
No caso da polarização inversa de um dı́odo (figura 5.33d)), os electrões
e os buracos da banda de condução deslocam-se no sentido contrário ao da
junção p-n e a corrente no dı́odo é interrompida.
Numa junção de dois semicondutores p-n, sujeita a uma tensão variável,
como se mostra na figura 5.34a), quando, do lado da junção p, a tensão é po-
sitiva e do lado da junção n, a tensão é negativa, gera-se um fluxo de electrões
de n para p, ou seja, gera-se uma corrente no sentido de p para n.36 Quando
a polaridade nos terminais da junção é invertida, a corrente no circuito onde o
dı́odo está inserido é praticamente nula. Neste circuito, o dı́odo comporta-se
como um rectificador de corrente, figura 5.34b), sendo uma das componen-
tes electrónicas usadas na construção de fontes de alimentação de corrente
contı́nua.
Outra aplicação dos dı́odos é na construção de leds (light emitting diodes).
Neste caso, polariza-se o dı́odo com uma tensão positiva do lado da junção p e
uma tensão negativa do lado da junção n (polarização directa) (figura 5.34c)).
Assim, os electrões da banda de condução, ao viajarem para o semicondu-
tor p, caem na banda de valência e emitem um fotão com uma energia igual
à diferença de energias entre as bandas de condução e de valência. Combi-
nando vários tipos de dı́odos, com intervalos de energias proibidas diferentes,
consegue-se obter radiação visı́vel de várias cores. Como a radiação visı́vel
tem comprimentos de onda no intervalo 400 780 nm, as lacunas de energia
dos semiconductores usados na construção dos leds deverão estar no intervalo
1.59 3 eV.
Os ecrãs planos e os sistemas de iluminação de baixa potência são aplica-
ções da tecnologia dos dı́odos.
35 O princı́pio do dı́odo semiconductor foi descoberto pelo fı́sico por F. Braun, em 1874. No

entanto, o estudo das propriedades da junção p-n com silı́cio só foi desenvolvida nos anos 30-40
do século XX, pelo electroquı́mico Russel Ohl. Os seus trabalhos deram origem à invenção do
transı́stor. Em 1956, W. Shockley, J. Bardeen e W. Brattain receberam o prémio Nobel da Fı́sica
pela invenção do transistor.
36 Na electrónica, convencionou-se que a corrente eléctrica flui no sentido contrário ao do

movimento dos electrões.


170 5. Fı́sica da estrutura da matéria

a) c) V
b)
i
A VBA
p p

díodo
R
n t n
B

Figura 5.34: a) Configuração básica de um dı́odo (junção p-n) como elemento


electrónico activo de um circuito rectificador. b) Sinal alterno rectificado me-
dido entre os terminais A e B do circuito básico a). A tracejado está represen-
tada a tensão sinusoidal não rectificada. c) Configuração de um dı́odo como
led, produzindo fotões de comprimento de onda l . Os electrões fluem em
sentido contrário ao da corrente indicada.

c)
b)
a) c
b ic
b c
n p n
b
0.7 V
e c e
V1
e ie

Figura 5.35: a) Configuração básica de um transı́stor do tipo n-p-n. b) Circuito


de polarização directa de um transı́stor. c) Circuito de amplificação com um
transı́stor do tipo n-p-n, na configuração designada por base comum, usado
para acender um dı́odo led. Se V1 < 0.7 V, não há corrente entre a base e o
emissor e o led não acende. Se o dı́odo está polarizado, V1 > 0.7 V, a corrente
ie é amplificada relativamente à corrente na entrada do colector, ie > ic . Nas
figuras b) e c) representam-se os sı́mbolos electrónicos dos transistores do tipo
n-p-n e dos dı́odos.

O transı́stor é uma junção de semicondutores com pelo menos três termi-


nais, ligados a junções n-p-n ou p-n-p. Os transı́stores podem funcionar como
interruptores ou como amplificadores de corrente. Na figura 5.35 mostra-se a
estrutura e o modo de funcionamento de um transı́stor do tipo n-p-n. Designa-
se o semicondutor do tipo p por base (b) e os semicondutores do tipo n por
emissor (e) e colector (c). Quando se polariza directamente a junção n-p (e-b)
5.11. Semicondutores, dı́odos, leds e transı́stores 171

com uma diferença de potencial V1 0.7 V, o transı́stor fica polarizado e passa


corrente da base para o emissor (figura 5.35b)). Se a tensão de polarização é
inferior a 0.7 V, o transı́stor fica desligado, funcionando como um interruptor.
Quando o transı́stor está polarizado, pode-se introduzir uma corrente no co-
lector e a corrente à saı́da do emissor é amplificada. Neste caso, o transı́stor
funciona como um amplificador. Na figura figura 5.35c) está representado um
circuito de amplificação usado para acender um dı́odo led.
O desenvolvimento da tecnologia dos semicondutores e as técnicas de mi-
niaturização, revolucionaram a electrónica, abrindo caminho para a construção
dos computadores modernos.

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