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Capítulo 139

Premonições de guerra

[N/T: daqui até o ponto de vista do Arthur é tudo lembrança da vida passada
dele.]

“Tudo limpo, Nico. Depressa!” Eu sussurrei, olhando por cima do ombro para o
caso de alguém passar, já que ver dois garotos adolescentes encolhidos na
frente da porta de uma casa significava apenas problemas.

“Apenas fique de guarda, Grey. Eu acho que estou perto de destrancá-la.” Meu
companheiro de cabelos escuros sussurrou de volta enquanto trabalhava na
maçaneta da porta.

Eu assisti em dúvida enquanto Nico se atrapalhava com os grampos de cabelo


que ele roubou de uma das meninas mais velhas, no buraco da fechadura.
“Tem certeza que você pode abrir?”

“Isto é…” Ele disse impaciente através dos dentes cerrados, “muito mais difícil
do que aquele cara no beco fez parecer.”

De repente, a maçaneta da porta clicou e nossos olhos brilharam. “Você


conseguiu!” Eu exclamei em um sussurro alto.

“Curve-se para os meus poderes!” Nico proclamou, segurando o grampo de


cabelo colorido que ele usou para destrancar a fechadura.

Eu bati em seu ombro e pressionei um dedo nos meus lábios. Nico empurrou
o grampo de cabelo de volta em seu bolso com zíper e acenou para mim antes
de nós entrarmos na porta de madeira na ponta dos pés.

“E você se certificou de que os donos estão fora hoje?” Verifiquei, examinando


a casa meticulosamente mobiliada.

“Eu examinei esta casa semana passada. O marido e a esposa saem neste
horário e não voltam por mais de uma hora. Temos bastante tempo para pegar
algumas coisas e ir.” Respondeu Nico, com os olhos procurando por algo de
valor que pudéssemos colocar em uma sacola.
Deixando escapar uma respiração profunda, eu pensei que era necessário.
Roubar de alguém—por mais ricos que eles fossem—não soava certo para mim,
mas ouvi a conversa entre a diretora do orfanato e o pessoal do governo. Eu
só consegui ouvir alguns comentários, mas parecia que nosso orfanato estava
em perigo porque não tínhamos dinheiro suficiente.

“Isso deve ser o suficiente.” Nico balançou a cabeça enquanto nós dois
olhamos para dentro da mochila que trouxemos.

“Agora, como vamos conseguir dinheiro por isso?” Eu questionei. “Não


podemos dar a diretora Wilbeck todas essas jóias.”

“Estou muito à frente de você.” Ele sorriu. “Eu encontrei um cara disposto a
pagar em dinheiro por qualquer coisa que ele achar interessante.”

“E esse ‘cara’ está bem comprando de duas crianças de doze anos de idade?”

“Ele não faz perguntas, eu não faço perguntas. Simples assim.” Nico deu de
ombros enquanto saímos pela porta.

Tomando o caminho de volta para a parte de trás da cidade, nós nos


misturamos com a multidão de pessoas caminhando ao longo da calçada
rachada. Mantendo a cabeça baixa e andando depressa, viramos à esquerda
em um beco. Tecendo através das pilhas de lixo e caixas empilhadas de sabe-
se lá o que, nós paramos na frente da porta vermelha desbotada protegida por
trás de outra porta de metal fechado.

“Estamos aqui.” Nico falou enquanto ele apontava para a bolsa. Deslizando-a
dos meus ombros e entregando-a para ele, meu amigo bateu à porta quatro
vezes em um ritmo desconhecido.

Arrumando o cabelo preto e estufando o peito, ele soltou um par de tosses e


estreitou os olhos para parecer mais intimidante—por mais intimidante que
qualquer criança magricela de dez anos pudesse ser, de qualquer forma.

Depois de alguns segundos, um homem velho e esguio, vestindo um terno


surrado, saiu do outro lado da porta vermelha. Ele olhou para nós por trás do
portão de metal com um olhar examinador.
“Ah, a criança bastante persistente. Vejo que você trouxe um amigo.” Disse ele,
sem vontade de abrir o portão.

Nico soltou outra tosse para limpar a voz. “Eu trouxe alguns itens em que você
pode ter interesse.”

Meu amigo falou em um tom mais profundo do que o normal, mas


surpreendentemente, não soava falso. Ele abriu o saco de cordão nas mãos
para mostrar ao homem magro, de olhos estreitos, uma olhada em algumas
das jóias que acabáramos de roubar.

Erguendo uma sobrancelha, o homem soltou a fechadura do portão, abrindo-


o ligeiramente com um rangido estridente. Enquanto ele examinava a área ao
nosso redor, ele se abaixou para examinar a bolsa. “Não é uma coleção ruim.
Você roubou isso da sua mãe, talvez?”

“Sem perguntas, lembra?” Nico lembrou, apertando a corda para fechar a


bolsa. “Agora podemos entrar e discutir preços?”

O homem magro olhou em volta mais uma vez com suspeita em seus olhos,
mas finalmente nos deixou entrar. “Feche a porta atrás de você.”

Quando chegamos na delicada loja, uma espessa camada de fumaça nos


cumprimentou. Do outro lado da sala, dois homens sopravam nuvens de
fumaça, cada um com um cigarro entre os dedos. Enquanto a densa nuvem
cinza cobria grande parte de seus traços faciais, eu podia ao menos distinguir
suas formas gerais. Um dos homens era corpulento—músculos claramente
exibidos por baixo da regata. O outro homem era muito mais redondo, mas
com membros grossos e firmes que mostravam que ele não era mais fraco do
que o outro homem.

“Venha crianças. Vamos acabar com isso.” Disse o homem magro enquanto
coçava suas bochechas não barbeadas.

Nico e eu trocamos olhares, mas só ele foi até o balcão enquanto eu olhava ao
redor das prateleiras mostrando vários livros e aparelhos.

Depois de alguns minutos, meu olhar caiu sobre um livro fino e esfarrapado.
Das poucas palavras que consegui distinguir da lombada do livro, parecia ser
um manual de instruções bastante antigo sobre o ki. Cuidadosamente
removendo-o da prateleira, a primeira coisa que me impressionou foi que
metade da capa da frente havia sido arrancada.

Meu primeiro instinto foi colocá-lo de volta; afinal de contas, o orfanato tinha
livros em condições muito melhores no desenvolvimento do núcleo para uso
de ki. No entanto, meus dedos pareciam se mover por conta própria enquanto
folheavam as páginas. Dentro dele havia fotos e diagramas de uma pessoa em
poses diferentes com flechas e outras linhas ao redor da figura. Eu queria levar
comigo e estava meio tentado a pedir o preço, mas me contive de volta. Este
livro era um luxo quando precisávamos de dinheiro para salvar nossa casa.

Enquanto eu continuava minha tentativa de discernir as vagas instruções,


perdi o interesse, e meus olhos continuaram caindo sobre os dois homens
jogando cartas na mesa dobrável. Os dois estavam olhando para Nico
enquanto ele e o dono da loja faziam negócios. Eu enterrei meu rosto no livro
antigo, dando uma espiada por trás das páginas. Eu não tinha certeza do que
eles estavam fazendo, mas eu não queria ficar tempo suficiente para descobrir.

Felizmente, Nico tinha acabado de terminar sua transação e se aproximou de


mim, dando um rápido sorriso antes de voltar a colocar seu rosto estoico.

“Você achou algo interessante?” Ele perguntou, olhando o livro na minha mão.

“Não é nada.” Eu disse, rapidamente colocando o livro fino e sem capa na


prateleira.

“Você pode levá-lo se quiser” Disse o dono da loja, por trás, enquanto apoiava
o cotovelo no balcão da frente. “Ninguém sabe ler e está apenas acumulando
poeira aqui.”

“Realmente?” Eu perguntei, suspeita surgindo no meu rosto.

Ele revelou seus dentes anormalmente brancos em algo parecido com um


sorriso quando ele assentiu.

Sem outra palavra, rapidamente enfiei o livro na bolsa e murmurei um


agradecimento a ele. Quando Nico e eu saímos da loja pela porta de trás da
qual havíamos entrado, meu amigo abriu o zíper da jaqueta e me mostrou o
maço de dinheiro enrugado.

“Veja, eu te disse que tudo daria certo.” Ele sorriu.

“Eu acho que sim.” Eu respondi, ainda cético sobre todo esse esforço. Eu me
senti mal pelo casal que morava lá, mas me consolo com o fato de não
levarmos muito de suas joias. Nico explicou que apenas levar alguns itens
levantaria suspeitas, mas hesitariam em chamar as autoridades para possíveis
roubos.

Além disso, como o casal que morava lá passava bem da idade da


aposentadoria, os policiais provavelmente iriam supor que haviam esquecido
ou perdido os itens. Soltei um suspiro de alívio quando voltamos para o
orfanato. Quanto mais longe estávamos da cena do crime, melhor eu me
sentia.

“Pelo que mesmo que eu vim aqui, Nico?” Eu perguntei, desviando das pessoas
enquanto caminhávamos pela rua. “Parece que você fez tudo sozinho.”

“Ei, você conseguiu um livro com tudo isso, certo?” Nico deu um tapinha no
meu ombro. “Além disso, é mais divertido.”

“Estamos sendo seguidos.” Interrompi, sussurrando enquanto continuava


olhando para frente. Eu tinha sentido dois pares de olhos praticamente
perfurando um buraco nas minhas costas logo que saímos da loja, mas como
estávamos indo em linha reta, não pude ter certeza. No entanto, eu consegui
vislumbrar um dos caras e o reconheci instantaneamente como um dos
fumantes da loja.

“Por aqui.” Ordenou Nico em um tom abafado.

Quando chegamos à periferia da cidade, entramos à direita em um beco,


pulando em cima de uma lata de lixo para alcançar o outro lado da cerca
trancada.

Eu caí agilmente em meus pés quando Nico agarrou a cerca para evitar perder
o equilíbrio quando ele caiu em pé. Rapidamente, corremos pelo antigo beco
que cheirava a uma mistura de cocô de rato e ovos podres. Escondidos atrás
de uma pilha particularmente grande de lixo, nós esperamos.

Logo, dois pares de passos podiam ser ouvidos, ficando mais altos à medida
que se aproximavam.

“Pequenos ratos tornaram isso fácil para nós.” Uma voz rouca riu.

“Uma sepultura apropriada para eles.” Uma voz grave respondeu.

“São os dois homens da loja!” Nico amaldiçoou quando rapidamente se


escondeu atrás do lixo depois de dar uma olhada.

“Eu sabia.” Eu cliquei com minha língua enquanto meus olhos começaram a
procurar por algo que eu pudesse usar como uma arma.

“Eles provavelmente estão aqui para recuperar o dinheiro para o dono da loja
ou roubá-lo para si mesmos.” Deduziu Nico, segurando o dinheiro na jaqueta
com força.

De repente, uma figura escura saltou do outro lado da pilha de lixo que
estávamos escondendo atrás, lançando uma sombra gigante sobre nós.

“Surpresa!” O bandido barrigudo exclamou com um sorriso sinistro.

“Corra!” Eu gritei para Nico, empurrando meu amigo para frente.

Ele não teve tempo de retrucar enquanto caminhava rapidamente pelo


estreito beco escurecido pelos prédios altos à nossa volta.

Quando o homem musculoso balançou sua mão musculosa, eu recuei para


longe. O ar agudo da força de seu golpe fez cócegas no meu nariz quando eu
imediatamente abaixei e ataquei com uma tábua quebrada que eu tinha visto
no chão logo abaixo de suas costelas.

O homem corpulento se curvou, mais por surpresa do que por dor. Eu usei essa
chance para ir em direção a Nico, que estava sendo perseguido pelo
companheiro redondo do bandido corpulento. Mas antes que eu pudesse
chegar lá, o homem derrubou Nico, tirando o fôlego do meu amigo.
Enquanto Nico ofegava, o capanga de corpo de abóbora levantou a perna
direita sobre o corpo de meu amigo.

“Por aqui, porco!” Eu rugi, esperando que a provocação o fizesse virar.

“O que você disse?” O bandido rosnou, virando-se para mim.

Eu não parei de correr quando o bandido musculoso se aproximou por trás.


Minha mente girou, pensando em possíveis maneiras de sair dessa situação,
apesar do quão desesperadora parecia.

Meus olhos dispararam ao redor até que eles caíram sobre a visão de um prego
solto preso dentro de um muro de tijolos de um edifício próximo, a quase três
metros do chão.

Amaldiçoando mais uma vez sob a minha respiração, eu fintei à minha direita
pouco antes de o musculoso atrás de mim poder me agarrar. Esquivando para
o lado sem sequer olhar para trás, pulei para cima, na esperança de alcançar
o prego.

Quando meu corpo disparou, por algum motivo, tudo ao meu redor ficou
silencioso. O mundo ao meu redor desacelerou quando pude ouvir meu
coração batendo irregularmente, como se todos os outros sons tivessem sido
apagados.

Eu percebi no meio do salto que eu não conseguiria alcançar o prego, mas eu


estava surpreendentemente calmo. Minha visão periférica entrou em foco
como se eu estivesse olhando tudo ao meu redor de uma só vez. Utilizando
uma rachadura profunda em um dos tijolos inferiores, eu me levantei para
alcançar o prego enferrujado.

Quando arranquei o prego, empurrei a parede com os pés para acelerar em


direção ao bandido robusto. Eu podia ver lentamente a expressão do homem
mudar de surpresa para uma concentração sombria. Eu podia claramente ver
seu braço direito prestes a interceptar meu ataque de alguma forma, só de ver
a contração no ombro direito dele.
Usei a mão livre para me afastar do braço direito, formando um arco em minha
direção. Naquele mesmo instante, enfiei o prego na minha mão diretamente
no olho dele, sentindo a sensação da ponta se enterrando lá dentro.

No uivo estridente do brutamontes, o mundo voltou ao normal. Eu caí


graciosamente em uma pilha de caixas velhas quando meu oponente
freneticamente agarrou seu rosto, com muito medo de chegar perto do prego
em seu olho esquerdo.

“Vamos.” Eu insisti, puxando um Nico de olhos arregalados para cima para ficar
de pé. Eu olhei para trás mais uma vez para identificar o bandido musculoso
tentando cuidar da lesão de seu amigo sem sucesso.

Sem fôlego e suando de todos os poros do meu corpo, nós saímos atrás de
uma loja de conveniência fora da cidade.

Enquanto nos inclinávamos contra a parede, cansados demais para nos


importar com quantos bêbados e sem-teto vomitavam e urinavam aqui, Nico
arrancou sua jaqueta e levantou a camisa para se refrescar.

“Isso é o porquê você veio.” Ele ofegou, batendo na minha coxa. “Oh cara, se
você pudesse se ver, Grey! Seu corpo voou como aqueles reis lutando em
duelos!”

Eu balancei a cabeça, ainda tentando recuperar o fôlego. “Eu não sei o que fiz.
Tudo começou a se mover muito devagar.”

“Eu sabia que tinha isso em você!” Meu amigo respirou. “Lembra daquela vez
que Pavia deixou cair todos os pratos ao seu lado?”

“Sim. Eu os peguei, por quê?”

“Você pegou três pratos e duas tigelas, Gray!” Nico exclamou. “E você nem
estava prestando atenção quando ela os deixou cair.”

“Quero dizer, pegar algo caindo é uma coisa, mas isso não tem nada a ver com
brigas.” Argumentei, afundando ainda mais contra a parede.
“Você vai perceber em breve.” Ele respondeu, cansado demais para continuar
discutindo. “Agora vamos, eu não quero fazer tarefas extras por estar fora
depois do pôr do sol!”

“Vamos.” Eu concordei, correndo ao lado dele.

Chegamos à antiga casa de dois andares que servia de orfanato um pouquinho


antes do jantar—tempo de sobra para nos lavarmos e estar na hora certa sem
levantar suspeitas. Nico abriu devagar a porta dos fundos, encolhendo-se
quando a velha dobradiça começou a ranger. Mantendo as luzes apagadas,
entramos na ponta dos pés no corredor apagado e, quando estávamos prestes
a chegar aos nossos quartos, a voz clara da diretora do orfanato chamou da
sala de estar.

“Grey, Nico. Vocês podem vir aqui por um momento?” Ela disse em uma voz
calma, mas assustadoramente severa.

Nico e eu trocamos olhares, medo evidente em nossos olhos. Nico


rapidamente jogou sua jaqueta e bolsa de cordão no quarto e fechou a porta.

“Você acha que ela já descobriu?” Eu sussurrei.

“Eu normalmente diria que seria impossível, mas é da diretora de que estamos
falando.” Nico respondeu, seu comportamento normalmente confiante
sombreado pelo medo.

Chegamos à sala de estar bem iluminada, nossas roupas sujas e nosso cabelo
e rosto indisciplinados.

Sentada em perfeita postura no sofá estava nossa diretora, uma mulher idosa
que todas as crianças chamavam de Feiticeira. Logo ao lado dela havia uma
garota da nossa idade, com cabelos castanhos empoeirados que caíam sobre
os ombros e uma pele cremosa. Ela usava um vestido vermelho luxuoso que
nem o dinheiro que acabamos de conseguir podia comprar.

A diretora nos encarou com uma sobrancelha levantada, mas não questionou
nosso estado de desalinho. Suavemente agarrando a pequena mão da garota
desconhecida, as duas caminharam em nossa direção.
Quando as duas se aproximaram, eu não pude deixar de tremer com os olhos
frios e sem emoção da garota quando ela levantou o olhar para combinar com
o meu.

“Grey. Nico.” A diretora cutucou a garota de cabelos castanhos suavemente.


“Eu gostaria que vocês conhecessem Cecilia. Vocês três têm a mesma idade,
então espero que você possa mostrá-la os arredores e se tornarem amigos.”

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN:

Meus olhos se abriram como se eu tivesse apenas piscado, mas parecia que eu
estava dormindo há dias. Sentei-me na minha cama, uma mistura de
sentimentos pesando nos meus ombros.

Por que essa lembrança veio a mim depois de tanto tempo? Pensei. Minhas
entranhas se contorceram de culpa ao pensar em Nico e Cecilia.

“Está tudo bem?” Sylvie perguntou, enrolada na sua forma em miniatura ao pé


da minha cama.

“Sim, estou bem.” Eu menti, passando meus dedos pelo meu cabelo longo e
bagunçado que agora passava pelo meu queixo.

O sonho tinha sido tão real e preciso que parecia que eu estava de volta à
Terra na minha vida anterior.

Fiquei atordoado, incapaz de sair da cama, quando alguém bateu na porta do


meu quarto.

“Entre.” Respondi, pensando que era meus pais ou minha irmã. No entanto, um
homem que parecia ter vinte e poucos anos, vestido com roupas pretas sob
uma fina armadura de couro usada por batedores, entrou. Ele abaixou a
cabeça em uma reverência respeitosa antes de passar uma mensagem.

“General Leywin, o local de encontro do mensageiro Alacryano foi decidido. O


comandante Virion me pediu para informá-lo para se preparar para encontrar
o mensageiro junto com ele e Lorde Aldir.”

“Entendido. Eu sairei em dez minutos.” Eu respondi, saindo da cama.


“Devo enviar uma serviçal para ajudá-lo a se preparar?” Ele perguntou.

Eu balancei a cabeça. “Não há necessidade.”

“Muito bem.” O homem saiu depois de outra reverência, fechando a porta atrás
de si.

Depois de me lavar rapidamente, amarrei meu cabelo no alto da cabeça,


deixando minha franja cair logo depois da minha testa. Com meu cabelo
amarrado e meu corpo vestido com uma túnica branca fina adornada com ouro
para complementar o manto escuro que eu usava sobre ela, eu parecia um
nobre muito arrojado. Eu ainda não estava acostumado com o aperto das
calças neste mundo, mas eu tinha que admitir que isso oferecia grande
mobilidade e liberdade ao lutar.

“Uma aparência bastante elegante para alguém prestes a lutar em uma


guerra.” Observou Virion quando me aproximei dele e Aldir com Sylvie ao meu
lado. Enquanto o robe de guerra de Aldir estava praticamente iluminado pela
quantidade de ouro e pedras preciosas que continha, Virion usava um manto
preto simples, ainda estando de luto pelo assassinato da diretora Cynthia.

“Obrigado.” Eu pisquei, alisando minha manga.

Apenas alguns dias se passaram desde aquele dia, mas Virion parecia ter
envelhecido um século durante esse período.

Pela marca preta de metal que se projetava do peito de Cynthia, era óbvio que
o assassinato foi feito por alguém que possuía os poderes do Clã Vritra. Era
improvável que um membro do clã tivesse realizado o ataque, pois isso
comprometeria o acordo não-asura na guerra, mas isso não significava que um
de seus descendentes não poderia ter feito isso.

A única pergunta que estava na minha mente—e na de Virion—era como eles


haviam feito isso. De acordo com os guardas e a enfermeira sob seus cuidados,
ninguém havia visto alguém sair ou entrar naquele andar e a porta que havia
sido fechada e trancada também não havia sido adulterada. Tudo menos um
fato permaneceu um mistério; que de alguma forma, os Vritras estavam
envolvidos.
“Os navios estão a um dia de chegar a nossa costa, Arthur. Você está pronto
para encontrar este mensageiro?” Virion perguntou.

“Você está pronto?” Eu perguntei de volta, genuinamente preocupado. “Você


não vai matar o mensageiro, certo?”

Revelando um leve sorriso, o avô de Tessia balançou a cabeça.

Aldir deu um passo à frente em rumo do portão de teletransporte brilhante.


“Bom, então devemos partir.”

Capítulo 140
Ultimato

Cenas das memórias que eu pensei ter esquecido piscaram na minha cabeça a
cada piscar de olhos, me assombrando em plena luz do dia enquanto nos
preparávamos para seguir nosso caminho para o local designado onde nos
encontraríamos com o mensageiro.

‘Você está bem, Arthur?’ A preocupação de Sylvie tocou minha mente.

Estou bem, Sylv. Além do fato de você me chamar pelo meu nome agora. Eu
respondi, acariciando suas pequenas orelhas.

‘Vovô disse que é importante que eu mantenha a dignidade dos dragões.’ Meu
vínculo ergueu seu pequeno focinho para o alto, ela andando ao meu lado
quando saímos do portão de teletransporte que Aldir tinha conjurado.

Chegamos perto de uma pequena cidade de pescadores chamada Slore, a mais


de dez quilômetros ao sul de Etistin.

Bem, eu não posso dizer que você não era mais fofa antes quando você
costumava me chamar de “Papa” Eu sorri.

‘Não se preocupe. Eu ainda vejo você como meu pai!’ Ela confortou, esfregando-
se de lado contra a minha perna enquanto caminhávamos.

“Eu ainda não me sinto bem em fazer esta reunião sem nenhum plano de
backup.” Disse Virion cautelosamente.

Nós estávamos numa pequena clareira em uma elevação logo acima da cidade
de Slore. A ocasional brisa úmida trazia consigo um forte cheiro do mar, me
deixando pegajoso apesar do ar gelado.
“Se este mensageiro tiver a audácia de agir contra nós, terei todo o direito de
intervir.” Assegurou Aldir, com um leve sorriso aparecendo em sua expressão
relaxada enquanto seu único olho aberto olhava para frente.

“Com a forma como o lado dos Vritras vem planejando tudo—criando asuras
mestiços, mutantes com bestas de mana do nosso continente e agora os
navios—não consigo imaginar quanto tempo Agrona planejou isso. E não posso
deixar de pensar que esta guerra é mais um jogo para ele do que um esforço
apaixonado.”

“Se Agrona fosse tão fácil de prever, ele nunca teria chegado tão longe.”
Reconheceu Aldir com relutância. “Ele, assim como todos os outros asuras que
residem neste mundo, é proibido de participar diretamente dessa guerra,
então vem criando maneiras de contornar isso, sendo a mão todo-poderosa
que move suas peças de xadrez—pelo menos para o seu lado.”

“E quem é a mão todo-poderosa que move as peças para o nosso lado?” Virion
perguntou com uma sobrancelha levantada.

“Você é quem lidera esta guerra, não é?” Aldir lembrou.

Virion encolheu os ombros com ceticismo. “Isso é o que digo a mim mesmo à
noite.”

“Certo.” Eu intervi. “Este é o local de encontro?”

“Claro que não.” Virion soltou um suspiro, amarrando o longo cabelo branco.

“Este é o mais longe que eu posso nos levar antes de irmos para o nosso
destino real” Esclareceu Aldir. “Nosso destino é no meio do oceano.”

“Lidere o caminho.” Eu apontei.

Os pés de Aldir se levantaram lentamente do chão quando uma aura leitosa


cobriu tanto ele quanto Virion. Logo, a aura ergueu Virion no ar também. Os
lábios de Virion fecharam-se quando todos os músculos do corpo dele ficaram
tensos como um gato apanhado pela nuca.

Quando os dois dispararam acima das nuvens, Sylvie subitamente correu para
a beira do penhasco.

‘Salte!’ Sylvie deu um chiado quando de repente pulou da borda.

Sem pensar duas vezes, segui meu vínculo. Quando me levantei da encosta
íngreme, aproveitei para admirar a vista privilegiada da cidade movimentada
diretamente abaixo de mim.

Assim que meu corpo começou a descer, a figura maciça de Sylvie apareceu
abaixo, pegando-me do ar com um estalo de suas asas poderosas. Eu acariciei
a base de seu longo e preto pescoço enquanto nós disparávamos através das
nuvens.

Sylvie, você engordou? Brinquei, observando as duas figuras minúsculas de


Aldir e Virion à nossa frente.

‘Essa piada está ficando velha, você sabe’ Sylvie resmungou.

Não para mim. Solto um grito refrescante com toda força dos meus pulmões
que foi soprado pelo vento áspero que cortava contra nós enquanto
acelerávamos.

Sylvie ficou algumas dezenas de metros atrás de Aldir enquanto surfávamos


no topo das nuvens. Estando muito acima no céu, o único som que podia ser
ouvido era o assobio agudo de ar ao nosso redor, tornando a viagem pacífica
apesar de seu propósito.

Enquanto eu olhava aturdido para a cena azul e branca em torno de nós, minha
mente vagou de volta para Epheotus depois que eu tinha acabado de terminar
o meu treinamento. O brusco rei dos asuras queria me ver antes de eu voltar
para Dicathen. Esse foi o segundo encontro que tive com lorde Indrath e
também o momento em que percebi quem era Myre.

A asura idosa que me curou e me ensinou a ler feitiços usando o Realmheart


estava sentada ao lado do Lorde Indrath com um sorriso divertido no rosto
agora jovem.

Enquanto eu ficava sem palavras com a boca entreaberta, Lorde Indrath me


fez um sinal simples: “Tenho certeza de que você se lembra da minha esposa,
Myre.”

Desnecessário dizer que a reunião não tinha ido como eu pensava que seria.
Por um lado, o senhor Indrath tinha sido muito menos crítico em comparação
com a primeira vez que nos encontramos; ele até—de uma forma estranha—
reconheceu minha melhora, embora tenha acrescentado que se eu não tivesse
aprendido com a ajuda de Myre, então eu seria uma causa perdida.

Antes de partir, lorde Indrath me deixou com um conselho. O que era estranho
era que ele ativou sua habilidade de éter, congelando o tempo para todos os
presentes—até mesmo sua esposa—exceto por nós dois. Enquanto olhava
fixamente para o rei dos asuras assim como Myre, Sylvie, e os guardas
permaneciam estáticos, ele me deixou uma mensagem enigmática:

‘É mais sensato fechar o coração à princesa elfa’

Isso foi tudo o que ele disse antes de retirar seus poderes e mandar os guardas
escoltarem Sylvie e eu de volta para Windsom e Wren que estavam nos
esperando do lado de fora.

‘Estamos quase lá’ Sylvie anunciou, me trazendo de volta ao presente.


Aldir e Virion haviam parado acima das nuvens, esperando que nós os
alcançássemos.

“Eu tenho certeza que não preciso dizer isso para você, mas eu vou de qualquer
maneira. Ninguém sabe o quanto os Vritras realmente sabem, então seria
prudente manter sua verdadeira força escondida durante esta reunião.” A voz
de Aldir soou desconfortavelmente em meu ouvido como se ele estivesse
sussurrando ao meu lado.

“E Sylvie?” Eu gritei, sem saber se Aldir iria me ouvir.

“Lady Sylvie terá que se transformar de novo em miniatura” Respondeu Aldir.


“Eu vou te segurar, Arthur.”

‘Vou manter um perfil baixo por enquanto, mas não vou ficar escondido durante
a guerra. Se eu quiser protegê-lo, será assim com você nas minhas
costas’ declarou Sylvie ao se transformar em sua forma de raposa branca.

Não muito tempo depois de começar a cair em queda livre, Aldir mergulhou
embaixo de Sylvie e eu, envolvendo-nos na mesma aura que cobria Virion.

Quando caímos sob a camada de nuvens abaixo de nós, despencando através


do manto branco, a umidade no ar umedeceu nossas roupas, até que
avistamos o oceano cintilante ondulando suavemente em todas as direções.

Apesar da visão fenomenal do trecho interminável de água, meu olhar


instantaneamente focou nas manchas escuras espalhadas pelo oceano à
minha direita. Cerca de algumas dezenas de quilômetros ao norte, pude ver a
frota de navios Alacryanos indo em direção à costa, perto da cidade de Etistin,
a capital de Sapin.

‘Olhe para baixo’ Apontou Sylvie. Flutuando no topo do oceano havia uma
plataforma quase do tamanho de uma pequena casa.

Quando descíamos apenas algumas dezenas de metros acima de Virion e Aldir,


pude distinguir duas pequenas figuras que haviam se misturado à plataforma
em que estavam paradas de longe.

De repente, um arrepio percorreu minha espinha. Todos os pelos do meu corpo


estavam em pé, e eu podia sentir meu coração batendo mais rápido quanto
mais perto chegávamos da plataforma.

“Lá estão eles.” Eu disse em voz alta para ninguém em particular. “Mas eu não
acho que eles são mensageiros comuns.”

Chegando no topo da plataforma com um pouso suave, nós três com Sylvie
atrás de mim caminhamos em direção ao centro, meus maxilares cerrados ao
ver os dois supostos mensageiros.
Pelo familiar tom de pele cinza pálido e olhos vermelhos marcantes, eu sabia
que eles eram parte do Clã Vritra.

“Bem-vindo à nossa humilde morada.” O mais alto dos dois zombou, com os
braços esguios abertos.

Virion estreitou os olhos. “Presumimos que estaríamos nos encontrando com


um mensageiro. Essa posição parece estar abaixo de vocês dois.”

“Estou lisonjeado, mas neste momento somos meros mensageiros!” Ele


respondeu com um sorriso exagerado enquanto seu companheiro permanecia
em silêncio.

Examinando os dois Vritras separadamente, apesar de sua ancestralidade e


sangue, os dois não poderiam ser mais diferentes. O da minha esquerda era
um pouco mais alto que eu, com uma postura ereta. O Vritra tinha os olhos
profundos sob as pálpebras pesadas, dando uma qualidade misteriosamente
encantadora ao seu rosto severo. Com cabelos negros bem cortados e sua
armadura preta justa sob uma capa roxa, o Vritra parecia alguém dos sonhos
de todas as mulheres, se não fosse pelo par de chifres que se projetava acima
de suas orelhas.

O outro Vritra—que estava falando—estava bem acima dos dois metros,


erguendo-se acima de todos, apesar de sua postura curvada. Seus longos e
finos braços pendiam de seus lados como se tivessem saído de suas órbitas.
Este Virtra não usava armadura; em vez disso, seu corpo estava
completamente enrolado em bandagens grossas e escuras debaixo de um
manto preto surrado que se empoleirava em seus ombros. Franjas bagunçadas
espreitaram debaixo de seu capuz esfarrapado, acentuando sua aparência
peculiar.

Esta é a minha primeira vez cara a cara com um Vritra, por isso fiquei surpreso
ao ver quanto menores eram os chifres do Vritra usando a capa roxa
comparados com o Vritra que atacou Sylvia na caverna durante a minha
infância. No entanto, o fato de que eu não conseguia sentir o nível que esses
dois mensageiros estão, eles estavam propositalmente escondendo suas
auras ou eram apenas muito mais fortes do que eu.

“Eu sou Cylrit e este é o Uto. É uma honra conhecê-lo, Aldir. Nós, tenentes,
ouvimos falar muito sobre os famosos asuras em Epheotus.” Como se Virion e
eu não existíssemos, o olhar de Cylrit se fixou no de Aldir, mas nem isso foi por
respeito. “Eu confio que você vai apoiar o pacto e permanecer um não-
combatente?”

Eu não pude deixar de me surpreender com o quão casualmente ele


mencionou que ele era um tenente. Isso significava que ele era uma das
principais figuras nessa guerra que realmente era permitido lutar—logo abaixo
das Quatro Foices.
“Supondo que o seu lado faça o mesmo? Então sim.” Respondeu Aldir, seu
olhar tão penetrante quanto o de Cylrit.

“É uma vergonha. Eu queria tentar lutar contra um asura, mas eu acho que vou
ter que me contentar com o abate de alguns milhares de inferiores.” O Vritra
chamado Uto cuspiu, cravando os olhos em mim.

O magro Vritra deu um passo em minha direção, esticando o pescoço para


baixo com um sorriso de escárnio. “Eu entendo porque o Sr. Caolho e Vovô
estão aqui, mas eu não esperava ver o menino maravilha, Arthur Leywin, nos
agraciar com sua presença.”

Eu não tinha certeza de como os Vritras tinham ouvido falar de mim, mas
mantive minha fachada fria. “Eu poderia dizer o mesmo para você. Para que
prazer devemos aos tenentes por mostrar seus rostos aqui?”

“Como Cylrit disse, nós simplesmente não queríamos enviar um mensageiro


inocente para ser capturado e torturado para obter informações. Porque isso
é o que eu faria.” Os olhos vermelhos e oblíquos de Uto me espiaram em busca
de sinais de medo ou raiva.

Em vez disso, retornei sua provocação com um sorriso. “Eu não posso esperar
para encontrá-lo no campo de batalha.”

Ele respondeu com um olhar assassino, seus lábios se espalhando em um


sorriso perverso. “Porque esperar? O que eu mais amo é cortar a carne de
crianças.”

“Uto! Chega.” Cylrit repreendeu.

“O quê?” Uto deu de ombros inocentemente. “Sr. Um Olho aqui não pode nos
tocar de qualquer maneira.”

“Nem eu gostaria de tocar em qualquer imundo Lessuran.” Aldir respondeu


apaticamente enquanto olhava nos olhos esguios do Vritra. “Agora. Já que não
viemos aqui para trocar frivolidades, continuem com sua mensagem e
desapareçam da minha vista.”

Pela ligeira contração nas sobrancelhas de Uto, eu poderia dizer que sua
tentativa de provocar Aldir tinha saído pela culatra. No entanto, antes que o
magro Vritra tivesse a chance de responder, Cylrit esticou um braço na frente
de Uto para detê-lo.

“A mensagem que Sua Majestade me encarregou de entregar aos líderes da


Dicathen é simplesmente esta: Entregue a família dominante e a misericórdia
será dada àqueles que a merecem. Continue resistindo e nosso exército
erradicará a todos sem discrição.” Recitou Cylrit, com o olhar ainda só em Aldir.

“Você chama isso de termos?” Virion explodiu. “Isso é um ultimato unilateral!”


Uto revelou um desprezo arrogante enquanto abaixava a cabeça para ficar ao
nível dos olhos de Virion. “Seja grato por você ter a escolha. Não se preocupe.
Se você decidir pela primeira opção, prometo ser mais gentil ao cortar
diretamente sua cabeça. “

Cylrit olhou fixamente para seu companheiro. “Nós não fomos enviados aqui
para incitar uma luta, Uto.”

“Essa nunca foi a minha intenção, apenas um aviso amigável da próxima


batalha.” O magro Vritra respondeu, mas depois se virou para Virion com um
sorriso perverso. “Espero encontrar você e sua neta, Rei Elfo. Vou me certificar
de me divertir completamente enquanto assiste impotente.”

Desconsiderando o aviso de Aldir, dei um passo à frente, pronto para puxar a


espada no meu anel de dimensão, mas naquele instante Virion se moveu
primeiro.

Em um instante, seu punho fez contato com a mandíbula de Uto. O avô de


Tessia já havia ativado sua segunda fase, uma mortalha negra cobrindo todo
o corpo e a cabeça dele, mas eu ainda conseguia distinguir a raiva em seus
olhos.

A cabeça de Uto imediatamente retrocedeu com o golpe, levantando-o do chão


e soprando o capuz que cobria a cabeça dele.

“Isso meio que fez cócegas.” O Vritra esguio rosnou, estalando o pescoço. O
nariz de Uto se projetou em um ângulo estranho, mas meus olhos estavam
colados em seus chifres.

Não era a forma ou o tamanho de seus chifres que me surpreendeu.

Não, era a falha familiar em seu chifre esquerdo. A falha que a Lança, Alea,
tinha feito com o último suspiro.

Capítulo 141
O que a guerra significa para todos

As imagens assombrosas do cadáver ensanguentado de Alea, com os membros


brutalmente decepados e núcleo destruído, inundaram minha mente
enquanto eu olhava para o defeito no chifre esquerdo de Uto.

Qualquer restrição que me impedia de matar o Vritra desapareceu enquanto


eu avançava em direção a Uto.

“Foi você?” Eu perguntei, minha voz gotejando com malícia quando me


aproximei de Uto.

A preocupação de Sylvie passou por minha mente, mas não adiantou.


A cada passo que eu dava, o autocontrole que me continha durante esse
encontro desapareceu. Mana saia do meu corpo como uma tempestade,
chocando os Vritras e tirando Virion de sua indignação.

“Foi você quem matou Alea?” Eu continuei, dando mais um passo.

“O que foi isso, pirralho?” Uto estalou, seus olhos franzidos em impaciência.

“A Lança na masmorra que teve todos os seus membros arrancados antes de


morrer…” Eu esclareci com minha voz gelada. “Foi você?”

“Ahh…” O Vritra expressou, seus lábios se curvando para cima.

Apenas pelo tom de sua voz, eu já sabia a resposta. Provocar Virion e usar sua
neta como isca era uma coisa, mas o fato de ele ser o responsável pela tortura
horrível e morte de Alea agora dava gravidade à suas ameaças.

Ele tem que morrer.

“Aquela pequena e linda elfa? E se fui eu, moleque?” Uto sorriu.

Eu abri minha boca para responder, mas Aldir não me deu chance de agir aos
meus impulsos, aparecendo na minha frente com um olhar severo. “Isso é o
que ele quer que você faça. Não deixe que ele te provoque.”

Eu soltei uma respiração profunda. É claro que eu sabia que Uto estava nos
provocando de propósito—qualquer um com metade do cérebro podia ver
isso. Quanto a saber se era premeditado ou apenas porque ele é impulsivo,
tive a sensação de que era as duas coisas.

Engolindo o gosto amargo na minha boca, ignorei Uto. De frente para Cylrit,
perguntei: “Teria mais alguma coisa que precise ser discutida? Ou seria essa
ameaça previsível tudo o que você veio para dizer?”

“Você terá dois dias para decidir.” respondeu Cylrit, insensivelmente. “Se as
três famílias reais de Dicathen não tiverem sido oferecidas até então, vamos
tomar isso como sua resposta.”

Eu olhei de volta para Virion que finalmente voltou a si.

“Nós estamos de saída.” Virion disparou com um olhar quando ele


casualmente alisou sobre as rugas em seu manto.

Quando me virei para sair com Virion e Aldir, a voz de Uto se estendeu por trás.

“Você deveria ter ouvido os gritos dela”, ele riu friamente. “Quase me fez
querer não matá-la; Mantê-la viva para continuar a fazê-la gritar, sabe?”

Eu podia sentir meu sangue fluindo mais rápido quando eu pisei em direção à
borda da plataforma, com a cabeça pulsando.
Aldir percebeu meu olhar enquanto se preparava para me levantar com sua
aura, mas eu o parei. Imbuindo gelo, raio e vento, atribui mana à minha mão,
levantei o braço e virei para encarar Uto.

O fino e translúcido feixe de elementos fundidos perfurou a estreita abertura


entre os dois Vritras, criando um vendaval crepitante em seu caminho. Quando
o raio passou por eles e entrou na água, o oceano se partiu com a força do
meu feitiço. As ondas instantaneamente congelaram antes que uma corrente
de eletricidade quebrasse o gelo em pedaços de vidro cintilante.

Pude ver a expressão de Uto se contrair lentamente com dúvida e choque,


enquanto até o rosto frio de Cylrit mostrava surpresa quando a chuva de cacos
de gelo choveu sobre nós.

“Se decidirmos ou não continuar com a guerra, eu realmente espero te


encontrar novamente, Uto.” Me virei quando a plataforma sombria em que
estávamos começou a se agitar.

Quando Aldir ergueu Virion, Sylvie e eu no ar, eu segurei a vontade de me virar.


Olhando para o rosto de Virion, cheio de preocupação e frustração, eu poderia
dizer que ele estava pensando sobre as palavras do Vritra.

“Você não está realmente considerando a oferta deles, certo?” Eu perguntei


enquanto subíamos acima das nuvens.

“Não, mas se eles se mantiverem fiéis à sua palavra, imaginem quantas vidas
inocentes serão salvas.”, disse Virion, as rugas entre as sobrancelhas se
espessando.

Eu não pude deixar de zombar. “É um enorme ‘se’ para sacrificar você e sua
família…”

“Arthur está certo.”, Aldir entrou na conversa. “Você sabe o que aconteceria
com o mundo sob as regras dos Vritras. Mesmo Epheotus não estará seguro se
Agrona for capaz de povoar dois continentes com raças misturadas com seu
sangue. Vai ser uma questão de algumas gerações antes que eles ataquem o
resto dos Asuras também.”

“Eu sei.” Virion suspirou. “Eu não estou ansioso para os protestos que, sem
dúvida, se formarão a partir da minha escolha.”

“Você vai dizer a todos?” Eu perguntei, surpreso.

O avô de Tess assentiu solenemente. “A confiança é uma serpente


inconstante; ganhada com muito trabalho duro, e tão facilmente perdida. É
necessário que o líder tenha a confiança de seu povo, mas o quanto você acha
que eles confiarão em mim depois de perceber que estou basicamente usando
a vida deles como moeda de troca?”
“Não muito.” Eu admiti, ainda relutante com a ideia. No entanto, eu não
questionaria as decisões de Virion. Quanto à liderança, ele tinha muito mais
experiência do que eu, mesmo com minhas duas vidas.

Eu poderia oferecer uma perspectiva diferente, mas no final das contas, eu


confiava nas escolhas dele, assim como Aldir. Quando o Asura veio a Dicathen,
matando os Greysunders assim que chegou, imaginei que ele tentaria
controlar Virion como uma espécie de marionetista ao fundo. No entanto, Aldir
simplesmente protegeu e aconselhou Virion, nunca forçando-o a agir. Isso
dizia muito sobre o respeito que o Asura tinha por ele.

Quando voamos de volta para a costa ocidental, Virion coordenou os planos


com um artefato de transmissão mental para o público sobre o que
supostamente aconteceria amanhã.

Apenas com os fragmentos da conversa que consegui pegar de Virion


murmurando para o artefato, parecia que todas as figuras importantes da
guerra estariam presentes no discurso. As Lanças, os membros reais das três
raças e outras famílias nobres influentes deveriam se reunir e ficar ao lado de
Virion ao fazer seu discurso como um sinal de respeito.

Chegamos de volta à sala circular no castelo através do portão de


teletransporte em apenas algumas horas. Antes de sair da câmara de tijolos
sem graça, Virion deu um tapinha nas minhas costas.

“Descanse um pouco, Arthur. Lorde Aldir e eu vamos cuidar do resto a partir


daqui.” O elfo de cabelos brancos disse com um sorriso cansado.

“Eu posso ajudar.”, eu protestei. “Há muito que vocês precisam planejar se o
anúncio for feito amanhã, certo?”

“Deixe que eu me preocupo com isso.”, ele rejeitou. “Sua família está aqui,
agora mesmo, esperando por você. Receio que, após o início da verdadeira
guerra, a quantidade de tempo que você poderá gastar com seus entes
queridos seja limitada.”

“Ouça Virion.” Concordou Aldir. “A julgar pelo seu pequeno presente de


despedida para os lessurans antes, você preparou seu corpo. Agora, use esse
tempo para preparar sua mente e coração.”

Cansado e sujo da jornada, eu não protestei mais, e seguimos nossos caminhos


separados. Os alojamentos do castelo ficavam nos andares superiores, para
onde eu estava indo agora. Não importa quantas vezes eu viesse a este castelo,
era impossível imaginar o tamanho dessa estrutura flutuante para acomodar
quase cem pessoas, enquanto ainda tinha espaço para comodidades de luxo.

Subindo as escadas com Sylvie correndo silenciosamente atrás de mim, pensei


em como a vida de todos mudaria durante a guerra. Até agora, as batalhas
eram isoladas pra lá das Grandes Montanhas, nunca atingindo a civilização.
Não houve vítimas civis, apenas militares. Mas assim que os navios atracassem
na fronteira ocidental, tudo isso mudaria e, para os civis ignorantes, será uma
surpresa.

Eu temia como os habitantes normais—os não nobres—levariam o anúncio de


Virion. Na melhor das hipóteses, eles relutantemente aceitariam, mas na pior
das hipóteses, protestos surgiriam, e os cidadãos que os soldados de Dicathen
estavam tentando proteger nos trairiam pela esperança cega de que as forças
alacryanas os deixassem viver se cooperassem.

Saí da escada no quarto andar e fiz meu caminho pelo corredor largo,
iluminado por orbes montados nas duas paredes. O corredor se ramificava em
corredores mais estreitos com portas a cada poucos metros.

“Como você acha que vamos encontrar nossos pais, Sylv?” Perguntei, virando
em um corredor aleatório na esperança de encontrar alguém que soubesse.

“Procurar por assinaturas de mana parece ser um pouco além dos limites aqui
e provavelmente iria alarmar alguns dos magos.” Sylvie concordou. “Que tal
bater em todas as portas até encontrarmos alguém que possa nos dizer?”

Virei outra direita em um caminho e aventurei-me mais a fundo até que uma
visão familiar chamou minha atenção. Um largo arco levava a um jardim no
pátio do lado de fora do castelo. Eu nunca pensei que veria uma área tão
aberta em um castelo voador, mas o vasto céu alaranjado de um belo pôr do
sol, obscurecido pela barreira transparente que o cercava, iluminava a área.
Brincando no gramado bem cuidado, havia grupos de crianças, algumas
brigando com amigos, outras simplesmente se perseguindo.

O que me fez parar foi a visão de um imponente urso-pardo brincando entre


as crianças que corriam. Vi uma desconfortável Ellie ao lado de seu vínculo,
conversando com algum garoto loiro de sua idade.

O peito estufado, o queixo erguido, um sorriso falso que não alcançava seus
olhos… Se eu não soubesse melhor, eu diria que ele estava tentando flertar
com minha preciosa irmã.

“Acabe com ele, Sylv. Faça-o gritar como um castrado.” eu sorri maldosamente.

Meu perverso vínculo correu até minha irmã, perguntando-me na minha


cabeça o que era um castrado, quando a besta de mana de Ellie pegou o
menino loiro pela parte de trás de seu colarinho e o atirou para longe.

O urso—acho que Boo era o nome dele—e eu trocamos olhares por um breve
segundo. Eu dei a ele um aceno de aprovação austero quando levantei meu
polegar direito.
Boo respondeu com um polegar peludo também, ainda sentado ao lado da
minha irmã, e foi nesse momento que eu senti que, afinal, Boo não seria uma
má companhia para a minha irmã.

“Sylvie?” Ellie exclamou quando notou a pequena raposa branca correndo em


sua direção. Olhando para cima, seu rosto se iluminou quando ela me viu.
“Irmão?”

As crianças—todos nobres que vieram aqui por segurança—sacudiram a


cabeça, deixando de lado o que quer que estivessem fazendo. Alguns dos pais
próximos, sentados nas cadeiras do pátio conversando entre si, se viraram
para olhar para mim.

Enquanto caminhava em direção a minha irmã, pude sentir os olhos de todos


me seguindo. Ellie pegou Sylvie e abraçou-a com força antes de olhar de volta
para mim. “Irmão, você já voltou?”

“Sim.” eu sorri, olhando para os espectadores. Mergulhando minha cabeça,


sussurrei no ouvido da minha irmã. “Por que eles estão todos olhando para
mim?”

“Não há um nobre em Dicathen que não saiba quem é Arthur Leywin.” Ela riu.
“Você deveria ver como esses nobres me tratam.”

“Então é isso. Eu pensei que tinha feito algo errado com seus amigos aqui.” Eu
soltei uma risada aliviada. Virando-se para Boo, que permaneceu sentado em
suas pernas traseiras, levantei a mão. “Bom te ver, Boo!”

A gigantesca besta de mana respondeu com um grunhido baixo e recebeu


minha mão com uma grande pata.

“Quando vocês dois ficaram tão próximos?” Ellie ficou maravilhada.

“Homens com objetivos comuns tendem a se unir rapidamente.” Respondi, nós


dois acenando um para o outro mais uma vez.

“O que? Não, não importa, isso não é importante. É bom que você esteja aqui
agora. Você tem que pará-los.” Ellie emendou, sacudindo a cabeça.

“O que? Parar quem de quê?” Eu podia ouvir a preocupação em sua voz. Ellie
me puxou de volta para fora do pátio, longe das outras crianças e pais
enquanto seus olhos corriam nervosamente para a esquerda e para a direita.

“São mamãe e papai.” Ela disse solenemente. “Eles decidiram se juntar à


guerra.”

Capítulo 142
Inesperadamente
Deixando Sylvie com minha irmã, fui até o quarto dos meus pais. Caminhei pelo
corredor, meu ritmo crescendo a cada passo até chegar em frente à porta
rotulada “Família Leywin”.

Eu respirei fundo para firmar meus nervos. O pensamento do que Ellie disse,
que meus pais realmente planejavam participar da guerra, me encheu de
desconforto. Um baque surdo ressoou quando bati na porta de madeira.

“Está aberto”, a voz quente da minha mãe soou do outro lado.

As dobradiças rangeram quando eu girei a maçaneta e abri a porta. Malas


estavam abertas no chão com roupas dobradas cuidadosamente ao lado delas.
Entrei e olhei em volta para encontrar meu pai polindo as manoplas, com uma
armadura de cota de malha estendida ao lado dele. Minha mãe, que estava
andando na direção da porta para cumprimentar o visitante, parou quando me
viu. Ela mascarou sua surpresa com um sorriso carrancudo enquanto meu pai
baixou o olhar assim que ele viu minha expressão.

“Então é verdade.” Eu murmurei, pegando uma braçadeira polida ao lado do


meu pai.

“Filho.” Meu pai largou a luva e o pano, mas permaneceu sentado.

“Nós não estávamos esperando sua volta tão cedo.” Minha mãe acrescentou,
dando mais um passo em minha direção.

“Vocês estavam pensando em sair sem dizer nada para mim?” Eu perguntei,
meu olhar ainda focado na braçadeira na minha mão.

“Claro que não. Mas queríamos terminar a preparação antes de você voltar.”
Minha mãe levantou a mão, hesitando um pouco antes de colocá-la no meu
ombro.

Uma mistura de sentimentos tomou conta de mim enquanto eu apertava com


força a armadura de metal—confusão sobre por que eles decidiram lutar de
repente, irritação por não terem se incomodado em discutir essa decisão
comigo, e raiva por eles serem dispostos a arriscar suas vidas quando Ellie
tinha apenas doze anos.
Eu finalmente ergui meu olhar das minhas mãos e olhei para o meu pai. “Eu
pensei que vocês esperariam até que Ellie ficasse mais velha antes de entrar
na guerra.”

“O comandante Virion nos aconselhou a ficar até que Ellie ficasse mais velha
ou até que você viesse.” Disse meu pai, com o olhar firme.

“Eu não acredito que vocês de repente decidiram lutar na guerra só porque eu
voltei.” Eu respondi em dúvida.

“Nós não decidimos.” Minha mãe respondeu, sua mão apertando meu ombro
com mais força.

“Acabei de receber uma transmissão de Helen.” Meu pai se levantou, seu olhar
excepcionalmente cruel quando ele testou suas manoplas. “Eles foram
atacados em uma masmorra enquanto todos se preparavam para sair. Eles
ficaram para trás para conseguir algum tempo para os soldados mais jovens
escaparem, mas…”

“Mas?” Eu ecoei. Meu pai, Reynolds Leywin, o homem que sempre suportou
dificuldades com um sorriso otimista, olhou para cima com um olhar gelado.
“Adam não conseguiu.”

“Não.” Eu balancei a cabeça. “Isso é impossível. Eu estive lá ontem. Fui eu quem


limpou a masmorra e matou o mutante escondido dentro.”

Meu pai assentiu solenemente. “Aparentemente, depois que você saiu,


enquanto todos se preparavam para partir, outra horda de bestas de mana
liderada por um mutante atacou-os. Helen acha que o andar inferior da
primeira masmorra estava ligado a outra masmorra.”

“A luta foi uma bagunça porque ninguém esperava uma batalha. Os Chifres
Gêmeos e alguns outros soldados veteranos ficaram e conseguiram algum
tempo para todos os outros.” Continuou minha mãe. “Felizmente, o mutante
era apenas da classe B, mas como seu exército era maior e os pegou
desprevenidos, houve mais mortes do que o necessário… incluindo a de
Adam.”
Um silêncio estéril permaneceu no quarto depois que minha mãe terminou de
falar. Eu não podia acreditar que alguém que eu tinha visto ontem estava
morto. De repente, uma sensação de perfuração me fez ficar de pé; Tess estava
naquela masmorra!

“Quem mais morreu?” Perguntei. Apesar da minha preocupação, eu não queria


parecer insensível à morte de Adam perguntando se Tess estava bem.

“Isso foi tudo que consegui ouvir de Helen. Era uma transmissão de
emergência, então a mensagem era bem curta, mas vendo que ela não incluía
mais ninguém, imaginei que os outros que morreram eram soldados que não
conhecíamos.” meu pai acrescentou com um suspiro. “Embora o Comandante
Virion provavelmente saiba mais agora desde que algum tempo passou.”

Helen certamente teria mencionado se algo tivesse acontecido com Tess, mas
isso ainda me deixava desconfortável, para dizer o mínimo.

“Sinto muito pelo que aconteceu com Adam.” consolei meu pai. Adam não era
o meu favorito dos Chifres Gêmeos, pois eu achava que seu temperamento
rápido e seu sarcasmo cínico eram desagradáveis, mas ele foi leal. Debaixo de
seu exterior impaciente e irritadiço havia um camarada de confiança que
ficava ao lado de meus pais enquanto eles estavam nos Chifres Gêmeos.

Agora eu podia ver porque a atmosfera que cercava meu pai era tão pesada.

“Não entenda mal, Arthur. Nós não estamos fazendo isso por culpa—a vida de
um soldado está sempre em perigo.” Disse meu pai.

“Mesmo assim…” eu disse, balançando a cabeça.

Eu sabia que estava sendo irracional. Meu pai tinha todo o direito de lutar nas
batalhas que ele escolheu. Mas foi o meu próprio egoísmo de querer manter
aqueles que eu amava seguros que me fizeram querer tentar.

Não importava o nível do seu núcleo ou o quanto você sabia sobre


manipulação de mana. Não importa o quanto você fortaleceu seu corpo ou
pesadamente você se equipou, a morte poderia vir a qualquer momento em
uma batalha; não importa quão forte eu me tornasse, eu acreditava
firmemente nisso. No entanto, meu pai estava disposto a arriscar a vida dele
e da minha mãe sendo que não era apenas desnecessário, mas também
imprudente.

“Arthur, não é culpa dele.” Minha mãe consolou. “Sou eu quem quer voltar para
os Chifres Gêmeos e ajudar na guerra.”

“O que?” Eu soltei, completamente tomado de surpresa. “Você quer ir para a


guerra?”

Ela assentiu. “Sim.”

“Ma-Mas você não pode…” Eu me virei para o meu pai, perplexidade


praticamente escrita no meu rosto. “… Quero dizer, papai disse que você evita
usar magia porque algo aconteceu no passado. Porque agora…?”

Minha mãe lançou um olhar para meu pai, que baixou a cabeça em um aceno
solene. “Arthur, sente-se.”

Eu obedeci, sentando-me ao pé da cama enquanto minha mãe reunia seus


pensamentos.

“O que mais meu mari—seu pai te contou?” Ela me olhou culpada enquanto
corrigia suas palavras, mas eu não levei isso para o coração. Ela me pediu
tempo para aceitar quem eu era, e eu poderia dizer que, sendo excessivamente
consciente, ela estava tentando.

“Isso é tudo o que ele me disse…” Eu disse. “… Ele disse que o resto deveria
ser dito por você quando estivesse pronta.”

“O que nunca dissemos a você, Arthur, sobre os Chifres Gêmeos, é que na


verdade havia mais um membro.”

Minhas sobrancelhas franziram quando olhei para o meu pai, que permaneceu
em silêncio.

“O nome dela era Lensa, uma talentosa e jovem fortalecedora na época.”


Continuou minha mãe.

Ela continuou me contando a história de uma maga muito brilhante e


esperançosa que havia se juntado aos Chifres Gêmeos logo depois que meu
pai trouxe uma jovem Alice da Cidade de Valden. Os olhos de minha mãe se
arregalaram quando ela descreveu como ela e Lensa se deram bem
imediatamente, a ousadia e franqueza de Lensa combinavam bem com a
timidez da minha mãe. Lensa tinha se saído bem como aventureira, mesmo
sem a ajuda de um grupo, a ponto de já ser bastante conhecida. Então, quando
ela perguntou aos Chifres Gêmeos se ela poderia participar do grupo, foi uma
surpresa para todos.

Minha mãe fechou os olhos e parou para respirar. “Fazia apenas dois anos
desde que ela se juntou quando o acidente ocorreu.”

Minhas sobrancelhas franziram em apreensão quando imaginei que tipo de


acidente havia acontecido, quando minha mãe sorriu levemente. “Não é uma
calamidade dramática que ocorreu; a vida de todos não é tão animada quanto
a sua.”

Envergonhado, deixei escapar uma risada desconfortável enquanto coçava


minha bochecha.

“Fomos descuidados e caímos em uma emboscada por um bando de Ferrões.


Nenhum de nós sofreu nenhum ferimento grave e eu pensei muito pouco
quando curei as feridas superficiais de todos. Minha mãe franziu os lábios para
não chorar. “O negócio de ser uma emissora é que todos esperam que você
saiba como curar todos os ferimentos—que sua magia é uma cura ‘tudo em
um’—quando isso realmente não é o caso.”

Meu pai colocou uma mão consoladora nas costas de minha mãe enquanto
seu corpo estremecia.

“Eu também não sabia naquela época porque não fazia tanto tempo desde que
eu havia despertado e nunca treinei completamente os diferentes aspectos da
cura; Eu não achava que precisava.” Limpando as lágrimas, ela olhou para mim
com olhos vermelhos. “Fechei as feridas de todos, porém o veneno das pontas
dos ferrões infectou a carne abaixo. Seu pai e todos os outros puderam ser
tratados a tempo antes que pudesse causar algum dano, mas para Lensa, a
ferida estava perto de seu núcleo de mana, e depois que eu fechei suas feridas,
o veneno se espalhou.”
Eu respirei profundamente. “Então…”

“Sim. Seu núcleo de mana se infectou até o ponto em que ela não podia mais
praticar manipulação de mana. Eu havia roubado da minha amiga e
companheira de equipe a única alegria verdadeira em sua vida.”

“Pelo menos ela ainda está viva,” eu disse, tentando confortá-la até que ela
balançou a cabeça.

“Ela saiu sozinha em uma masmorra e nunca mais voltou.” Disse minha mãe.
“Ela sempre disse que queria morrer gloriosamente em batalha, mas entrou
em uma masmorra de alto risco sem poder usar magia para se matar. E você
sabe qual é a parte engraçada?”

Minha mãe olhou para cima, tentando evitar que mais lágrimas caíssem
enquanto ela zombava. “Se eu não tivesse fechado a ferida, o médico teria sido
capaz de extrair facilmente o veneno. Ela provavelmente estaria bem se eu não
tivesse curado ela.”

Eu abri minha boca, esperando que as palavras se formassem, mas nenhum


som saiu. Meu pai também permaneceu em silêncio, a mão ainda gentilmente
acariciando as costas de minha mãe.

Depois de alguns minutos, minha mãe se recompôs. “Eu tenho tido medo de
usar minha magia para algo mais do que lesões menores desde então. Quando
estávamos a caminho para Xyrus e fomos atacados, mal consegui curar seu pai
quase morrendo. Mas depois que você nos contou sobre o seu… segredo e saiu
para treinar, a Senhora Rinia também me ajudou enquanto estávamos
escondidos naquela caverna. Duvido que a morte de Adam fosse um sinal, mas
depois de tudo o que os Chifres Gêmeos fizeram por seu pai e por mim, acho
que é hora de estarmos lá para eles.”

A resolução nos olhos da minha mãe deixou claro que ela não disse tudo isso
na esperança de obter minha aprovação.

“Essa não é a única razão,” meu pai disse em um tom abafado. “Agora que você
está de volta, está me matando pensar que você tem lutado na guerra
enquanto estamos aqui, em segurança, cruzando os dedos e esperando por
boas notícias.”
“Mas e se algo acontecer com algum de vocês? O que vai acontecer com Ellie
então?” Argumentei, ainda desconfortável em deixá-los ir para a batalha.

“O mesmo vale para você, Arthur. Não importa o quão forte você seja, a morte
raramente vem de uma fraqueza; Ela se esgueira quando sua guarda está
baixa. Eu protegerei sua mãe e você pode apostar que nosso objetivo nessa
guerra será sair inteiros e voltar para você e sua irmã, mas você tem que fazer
o mesmo.” Meu pai parou por um segundo enquanto seu olhar endureceu.
“Podemos não ter criado você como pensamos que tínhamos com as memórias
de sua vida passada e tudo mais, mas você pode estar certo de que Ellie o vê
como seu irmão amoroso, por isso não fique tão ansioso para se sacrificar por
um vago ‘bem maior’. Saia dessa guerra em segurança. Mesmo se perdermos
essa guerra, sempre haverá uma chance de revidar. A única situação em que
você realmente perde é quando você morre, porque não há segundas chances
depois disso.”

Eu não pude deixar de soltar uma risada suave. “Bem…”

“Você sabe o que eu quero dizer!” Meu pai falou, provocando um leve sorriso
de minha mãe.

De repente, uma batida apressada chamou nossa atenção para a porta. Depois
de trocar olhares com meus pais, eu disse: “Está aberto”.

A porta de madeira se abriu para revelar Virion com o mesmo manto preto que
usava hoje cedo em nosso encontro com o Vritra. “Rapaz, você já soube?”

“Comandante Virion!” Meus pais se levantaram de seus assentos.

“Por favor. Apenas Virion está bem para os pais de Arthur,” ele respondeu com
um rápido aceno de mão.

“É sobre o ataque?” Eu imaginei, julgando pela sua expressão perturbada.

“Bom, você soube, então.” Virion assentiu. “E você contou a seus pais?”

“Foram meus pais que me disseram.”


As sobrancelhas de Virion se levantaram em leve surpresa, mas ele
simplesmente soltou um suspiro ao ver meus pais. “Então vocês devem ter
ouvido o que aconteceu com o seu ex-membro de grupo.”

Meu pai respondeu com um aceno solene.

“Você tem minhas mais profundas condolências.” Lamentou o avô de Tess.


“Alguns dos soldados que estavam lá chegaram ao castelo agora. Eu vim
buscar o Arthur, mas tenho certeza de que pelo menos o líder dos Chifres
Gêmeos está aqui. Gostaria de vir conosco?”

Depois de mandar uma rápida transmissão para Sylvie—de que estaríamos no


andar de baixo e para que ela ficasse com Ellie—nós quatro corremos para a
sala de teletransporte.

As imponentes portas de ferro que protegiam a sala de teletransporte haviam


sido deixadas abertas enquanto os soldados, ainda desgastados pela batalha,
tropeçavam do portão brilhante no centro da sala, alguns ainda com as armas
desembainhadas e ensanguentadas.

Os guardas cobriam as paredes para o caso de alguém que não fosse soldado
de Dicathen atravessar o portal enquanto as criadas e as enfermeiras
esperavam com gaze, frascos de antissépticos e pomada para dar tratamento
aos soldados gravemente feridos.

Avistando Helen primeiro, eu chamei a atenção dos meus pais para a direção
dela.

Nem preciso dizer que ela estava em um estado miserável. Seu protetor de
metal no peito estava rachado com apenas um fragmento de sua ombreira
ainda presa a ela. A armadura de couro que protegia o resto do corpo de Helen
tinha cortes, alinhados com sangue seco, mas sua expressão não era de
cansaço ou dor. Havia uma tempestade furiosa em seus olhos enquanto ela
descia a plataforma com o arco quebrado ainda na mão.

“Helen!” Meu pai gritou. Meus pais imediatamente correram em direção a


Helen. A expressão da líder dos Chifres Gêmeos suavizou-se ao ver meus pais
quando ela recebeu o abraço deles.
Deixando Virion, que ainda esperava ansiosamente que Tess atravessasse o
portal, fiz meu caminho em direção a Helen.

“Estou feliz que você esteja segura.” Eu disse, dando-lhe um abraço gentil.
“Sinto muito pelo que aconteceu com Adam… Se ao menos eu tivesse ficado lá
com vocês—”

“Não.” Helen me parou. “Nada de bom vem de pensar assim. O que aconteceu,
aconteceu. A melhor coisa a fazer é focar em como vamos fazer com que
aqueles malditos Alacryanos e seus animais de estimação mutantes paguem.”

“O que você tem que focar agora é descansar.” Disse minha mãe. “Venha,
teremos uma enfermeira cuidando de você.”

Minha mãe guiou Helen, que insistia que estava bem, com meu pai seguindo
bem atrás deles. Eu imaginei que eles contariam a Helen sobre seus planos de
se juntar novamente aos Chifres Gêmeos, mas eu permaneci na sala para
esperar que Tess voltasse.

Os soldados que escaparam tinham conseguido alcançar um dos portões


ocultos de teletransporte dentro da Clareira das Bestas, mas sem tempo para
contabilizar o número de homens e o fato de que a horda de bestas de mana
ainda poderia tê-los emboscado fora do calabouço me preocupava mais
enquanto o tempo passava e Tessia não aparecia.

Não mais do que alguns minutos poderiam ter passado, mas pareceu uma
eternidade enquanto rostos desconhecidos saíram do portão de
teletransporte. Finalmente, um rosto familiar surgiu do portal; era o garoto
chamado Stannard.

Ele tinha alguns arranhões em sua túnica e calça, e seu rosto estava sujo, mas
considerei o fato de que não havia sangue nele como um sinal positivo.

Eu não hesitei em correr para ele, puxando-o para o lado quase que
instantaneamente quando ele saiu do portão.

“Woah! O que—”
“Onde está Tessia? Ela estava com você?” Eu bombardeei, apertando seu braço
com força.

“Arthur Leywin?” Seu rosto contorceu. “Aí. Seu aperto é um pouco forte.”

Eu o soltei imediatamente, meu olhar ainda mudava entre Stannard e o portão


de teletransporte apenas no caso de Tess sair.

“Desculpe, Stannard. Eu ouvi sobre a emboscada na masmorra. Onde está o


resto do seu time?” Perguntei, impaciente. O nível de ruído na sala aumentara
à medida que mais soldados enchiam a área. Alguns gemiam de dor enquanto
outros conversavam com os guardas e os informavam sobre o que havia
acontecido.

“E-eles devem ter ficado atrás de mim.” Ele respondeu, olhando para trás. “Foi
muito louco. Tivemos que continuar correndo só para o caso de eles nos
perseguirem.”

Stannard estava tremendo quando seus joelhos se dobraram. Coloquei seus


braços sobre meus ombros e o ajudei a ir para o lado onde ele podia sentar e
encostar-se à parede.

Olhando para o estado de todos, Helen havia claramente abrandado a


gravidade da emboscada para meus pais. Enquanto eu desviava da multidão
de soldados, vi o restante dos companheiros de equipe de Tess.

A garota chamada Caria estava carregando o garoto contra o qual eu duelei—


Darvus, eu acho—nas costas, com os pés arrastando no chão por causa da
diferença de altura.

A pequena fortalecedora estava facilmente carregando seu companheiro de


equipe apesar das múltiplas feridas em seu corpo. Seu cabelo castanho
encaracolado estava bagunçado, coberto de sangue nas extremidades, e sua
armadura de couro estava esfarrapada sem chance de reparo.

Correndo até eles, levantei o inconsciente Darvus e comecei a carregá-lo,


surpreendendo Caria.

“Obrigada.” Ela respondeu humildemente enquanto eu a guiava para Stannard.


Quando desci Darvus, o fortalecedor de cabelos selvagens acordou. Deixando
escapar um gemido de dor, seus olhos vidrados focaram em mim. Assim que
ele percebeu quem estava olhando, seus olhos se estreitaram. “Você… por
causa dessa sua técnica maldita, eu não consegui reunir mana para lutar!”

Apesar de sua raiva, sua voz saiu rouca e fraca.

“Eu sinto muito. Eu realmente sinto.”

Darvus se apoiou contra a parede antes de voltar à inconsciência, juntando-se


ao Stannard adormecido.

Eu peguei uma jarra de água de uma serva passando e dei para Caria. Ela
imediatamente enterrou a cabeça dentro da jarra de vidro, engolindo a água
antes de passá-la de volta para mim, completamente vazia.

“Caria.” Eu gentilmente sacudi seu ombro para impedi-la de cair no sono. “Eu
preciso saber o que aconteceu com Tessia.”

Os olhos de Caria estavam meio fechados quando ela abriu a boca para
explicar. Ela estava prestes a falar quando, em vez disso, seus lábios se
curvaram em um sorriso. Ela apontou para trás, sem palavras.

Confuso, olhei por cima do ombro. Afastando-se do portal, suja, com roupas
esfarrapadas, cabelos desgrenhados, armadura amassada e rachada, mas viva
e inteira, estava Tessia.

Capítulo 143
Números por trás da idade

PONTO DE VISTA DE TESSIA ERALITH:

Saí do portão de teletransporte para uma plataforma, sentindo-me cansada e


frustrada. Eu poderia ter ajudado lá, mas eles não me deixaram. Os soldados
que ficaram para trás para lutar todos ecoaram as mesmas palavras—que eu
precisava ir e minha segurança era prioridade.

Qual diabos era a razão de treinar tão duro se todos me tratassem como uma
escultura de vidro?

Eu soltei uma respiração profunda, na esperança de expulsar a frustração do


meu corpo, mas o que aconteceu foi lembrar ao meu corpo o quanto eu estava
com sede. Olhando em volta para a multidão de soldados, guardas e
enfermeiras, eu procurei por alguém segurando um copo de água para saciar
minha garganta seca. Então eu vi meus companheiros de equipe.

Stannard e Darvus estavam dormindo contra a parede enquanto Caria estava


sentada, falando com alguém, quando ela apontou para mim.

O homem com quem ela estava conversando se manteve agachado quando ele
virou a cabeça.

Meu peito ficou apertado quando ele se levantou. Suas sobrancelhas franzidas
e olhar afiado devido a situação em seu entorno instantaneamente relaxaram
quando seus olhos encontraram os meus.

Era Art.

Eu não pude deixar de olhar distraidamente enquanto ele caminhava em


minha direção. A primeira vez que eu o vi em dois anos, ele estava coberto de
sangue e sujeira, parecendo um monstro encarnado. No entanto, o Art que
estava se aproximando de mim agora era completamente diferente. Vestido
com uma túnica branca pontiaguda forrada luxuosamente com ouro e um
longo manto preto que parecia encobri-lo em mistério, ele exalava uma
espécie de grande aura que depreciava toda família real em Dicathen. Seu
longo cabelo estava preso, acentuando as linhas afiadas de sua mandíbula,
enquanto mechas de cabelo ruivo caíam sobre sua testa que se enrugava e
passavam por seus olhos azuis com seu sorriso de tirar o fôlego.

Ele estava quase em cima de mim quando saí do meu torpor. Havia soldados
e guardas nas proximidades que me obrigavam a manter a minha postura.
Fazia pouco tempo desde a última vez que eu tinha visto Art e a julgar pelo seu
comportamento desde a última vez que nos encontramos em público, tenho
certeza que ele não gostava de reuniões emocionais.

Deixando escapar uma tosse rouca, tentei ficar mais alta, inchando-me com o
máximo de equilíbrio e dignidade que pude apesar de minha aparência
desleixada.

Eu estendi minha mão para cumprimenta-lo, mantendo minha expressão séria.


“É bom ver você tão cedo, Arth-”

Meu gesto foi ignorado quando uma mão poderosa passou por baixo do meu
braço, aterrissando com firmeza nas minhas costas enquanto ele me puxava
para ele. Eu tropecei para frente pela força repentina e meu rosto pressionou
contra a túnica fina, me banhando em seu calor.

Eu tinha sido abordada, perseguida e cortejada por quase todos os homens


corajosos o suficiente para olhar além da minha linhagem, mas a única coisa
que eu sentia por eles era pena ou aborrecimento. No entanto, neste
momento, meu corpo parecia estar congelado e derretido ao mesmo tempo
enquanto permanecia imóvel em seu abraço.

Se foi a sala inteira que ficou em silêncio ou se foi meu senso de audição que
acabou de desaparecer, eu não sei dizer, mas meus outros sentidos ficaram
sobrecarregados. De dentro do porto seguro de seus braços robustos, um leve
toque de carvalho e uma brisa fresca do oceano encheu meu nariz quando
senti o lado de seu rosto enterrar em meu pescoço.

Meus membros permaneciam congelados, mas meu estômago vazio


continuava a flutuar incontrolavelmente, enquanto o braço de Art apertava
apenas um pouquinho mais.

“Estou feliz que você esteja bem.” Art finalmente falou. Seu hálito quente
soprou contra o meu pescoço, causando arrepios na espinha.

Meus braços se contraíram, instintivamente, querendo abraçá-lo de volta, mas


os olhares penetrantes de todos ao nosso redor me fizeram parar.

“Cla-claro, eu estou bem.” Eu disse, mal reunindo forças para afastá-lo, apesar
de que cada fibra do meu corpo queria que eu o puxasse para mais perto. Eu
podia sentir o sangue subindo pelo meu pescoço até o topo da minha cabeça
enquanto olhava para Art, seu rosto a poucos centímetros de distância do meu.

Eu podia ver seus olhos se movendo, observando cada característica do meu


rosto enquanto ele me estudava. Ele soltou uma respiração profunda, como se
um grande peso tivesse sido removido, e olhou para mim com um sorriso
gentil. “Vamos. Eu vou levá-la ao seu avô.”

Parecia que eu estava nadando em algum tipo de líquido espesso e viscoso na


minha cabeça. O mundo ficou embaçado com conversas abafadas e sombras
de pessoas que eu não consegui entender. Meu corpo parecia se mover por
conta própria, agindo e respondendo instintivamente enquanto minha mente
continuava recordando minha chegada de volta ao interior do castelo. Agora
que eu estava apenas lembrando, minha mente começou a analisar cada ação
e inação da cena, tentando colocar significado em cada coisa que Art fazia
naquele momento—a firmeza, a ternura de seu abraço, o desespero e alívio
que emanavam dele quando seus olhos se fixaram em mim.

Repeti a cena uma ou outra vez na minha cabeça, criticando cada pequeno
detalhe. No entanto, a conclusão a que cheguei todas as vezes foi a mesma. Eu
odiava o quão composto ele era toda vez que nos encontrávamos. E, depois de
todo esse tempo, eu odiava como ainda me sentia fraca e desamparada na
frente dele.

Eu não pude ver Art muito depois de nosso primeiro encontro no castelo. Fui
arrastada por uma equipe de enfermeiras assim que meu avô me soltou de
seu abraço e escoltou para o meu quarto. Depois de verificar para ter certeza
de que meus colegas de equipe tinham sido atendidos, eu me sentei na minha
cama, encontrando conforto no fato de que meu quarto mobiliado de forma
simples estava exatamente como eu o deixei.

Quando as enfermeiras tiraram minha armadura e me enxugaram com toalhas


perfumadas, senti meu corpo afundar cada vez mais fundo nos lençóis até que
o mundo desaparecesse na escuridão.

“―deve contar a ela, Virion.” A voz familiar de Art me tirou do meu sono.
Esfregando meus olhos, eu olhei para o sol da manhã mal aparecendo acima
da camada de nuvens abaixo de nós.

O meu cérebro levou um segundo para avaliar a situação antes que um


pensamento assustador me ocorresse. Eu imediatamente espiei debaixo das
minhas cobertas, deixando escapar um suspiro de alívio ao me ver vestida.

“Ela vai descobrir eventualmente. Você não pode esconder algo assim dela; é
impossível.” A voz abafada de Art veio do outro lado da porta. Ele falou em um
tom abafado, mas suas palavras soaram claramente em meus ouvidos.

“Tudo bem se ela descobrir mais tarde, mas ela não está pronta para isso.
Agora shhhhh!! E se ela ouvir?” Meu avô sussurrou de volta.

“Ela vai ouvi-lo se você a respeitar o suficiente para dizer a ela. Se ela descobrir
de qualquer outra pessoa, o que você acha que ela vai fazer?” Art argumentou
de volta, sua voz ficando mais afiada.

“Droga, garoto. E se ela decidir ir? O que faremos?”

“Vamos descobrir depois de ouvir sua resposta. Virion, você e eu sabemos do


que sua neta é capaz, uma vez que ela se concentre em algo.”

“Eu sei.” Meu avô retrucou. “Eu não posso… com a Cynthia morrendo pelas
mãos daqueles desgraçados dos Vritra aqui mesmo neste castelo. E se…”

Eu não pude ouvir o resto da conversa enquanto meu coração começou a bater
mais e mais alto. Mestre Cynthia está morta? Isso é impossível, certo?

Mestre Cynthia sempre esteve acima de qualquer um que eu conhecia em


termos de habilidades mágicas. Sua perícia em manipulação de mana estava
no mesmo nível—talvez até acima—do vovô. Ela me ensinou tudo, do controle
básico à execução avançada de feitiços enquanto se luta com espadas.

Não há como ela ser morta tão facilmente. Eu tentei me convencer, mas minhas
mãos tremiam enquanto eu segurava firmemente o meu cobertor.

Sentei-me na cama, enxugando uma lágrima que escapou dos meus olhos e
esperei que os dois entrassem.

“Entre.” Eu respondi imediatamente depois que eles bateram na porta.


Art, vestido simplesmente com uma túnica cinza e calça preta com o cabelo
amarrado em um nó, entrou primeiro, seguido pelo meu avô que estava
usando o mesmo manto preto que ele usava ontem.

Art olhou para mim e soltou um suspiro quando ele fechou os olhos. “Quanto
você ouviu?”

“Tudo.” Eu respondi com naturalidade.

Meu avô deu um passo à frente, o rosto franzido de preocupação. “Pequena—


“Leve-me até ela, por favor.” Eu o interrompi, saindo da cama para encontrar
algo para vestir por cima da minha camisola

Fiquei em silêncio enquanto descíamos as escadas de pedra, o único som


vinha de nossos passos ecoantes enquanto meu avô me guiava e Art seguia de
perto atrás de mim.

Meu avô continuava olhando para trás, mas não disse nada até chegarmos ao
último andar onde as masmorras e celas estavam.

“Por que a Mestre Cynthia está escondida em um lugar tão imundo e


degradante, reservado para assassinos e traidores?” Eu exigi.

“Nós não temos um cemitério neste castelo, Tessia. Estamos mantendo-a aqui
até que as circunstâncias nos permitam seguramente dar a ela um enterro.”
Meu avô respondeu pacientemente. “E a masmorra está vazia desde o início
desta guerra, depois que transferimos todos os prisioneiros para masmorras
mais remotas no chão.”

O chão da masmorra diferia muito do resto do castelo. Fungos cresciam entre


os blocos de pedra e o mofo forrava as dobradiças de madeira sobre as quais
o artefato iluminante se apoiava. O cheiro sujo e mofado misturava-se com o
odor quase tóxico da decomposição e lixo. A área parecia propositalmente
projetada para repelir os prisioneiros ali mantidos. O que meu avô disse era
verdade—apenas um silêncio vazio ocorria em vez dos gritos e gemidos dos
prisioneiros.

Na extremidade mais distante do chão, havia uma única porta de metal com
um soldado de guarda.

“Abra a porta.” Meu avô ordenou.

O guarda blindado balançou a cabeça, sua expressão escondida debaixo do


capacete, quando ele deu um passo para o lado e virou a maçaneta
enferrujada sem se virar. Quando a porta de metal guinchou contra o chão
irregular, um caixão de pedra impecável estava no centro da cela vazia com
uma pequena pilha de flores no topo.
“Apenas algumas pessoas sabem de sua morte.” Meu avô explicou, subindo e
gentilmente colocando a mão no topo do caixão de pedra.

“Ela merece uma cerimônia pública. Todos os seus alunos do passado, os


professores que ensinaram na Xyrus… ela não merece estar aqui.” Eu
murmurei.

Meu avô assentiu. “Eu sei—”

“Então por quê?” Eu disse asperamente. “Por que minha mestra está
apodrecendo em um canto dessa masmorra? Por tudo que ela fez para este
continente, ela merece um caixão de diamantes e um funeral em todo o país!
Ela merece tudo menos… isso.”

“Tessia…” Vovô botou a mão suavemente nas minhas costas, na esperança de


conter minha raiva.

“Como você pôde esconder isso de mim, vovô? Se eu não tivesse ouvido você
através da porta, quando eu teria descoberto? Depois da guerra?” Eu zombei,
encolhendo a mão enquanto minha visão borrava por causa das minhas
lágrimas. “Há mais alguma coisa que você está escondendo de mim? Apesar
de tudo o que fiz para tentar mostrar a você que eu sou madura, você ainda
me trata como uma criança…”

“Isso é porque você é uma criança”, retrucou Art.

“O que?” Eu soltei, meu rosto ficando vermelho de raiva ao invés de vergonha.


“Como você pode—você deveria saber melhor do que ninguém como eu estou
me sentindo, mas você me chama de criança? Você de todas as pessoas?”

Meu amigo de infância tinha uma expressão calejada enquanto eu bufava de


frustração, olhando-me com um olhar severo que me fez duvidar da lembrança
de ontem dele me abraçando carinhosamente.

“Talvez seja porque eu conheço você e o vovô Virion tão bem que estou
dizendo isso, Tess. O que você está fazendo agora—desnecessariamente se
colocando em perigo apenas para provar alguma coisa—não é diferente do que
uma criança fazendo birra.” Continuou Art.

“Arthur.” Meu avô cortou. “Basta.”

“Co-como você se atreve!” Eu fervi, com lágrimas rolando pelo meu rosto.

“Se você parasse um minuto para pensar em toda essa situação, perceberia
porque seu avô tinha que manter tudo isso em segredo. O que você acha que
aconteceria se ele anunciasse que alguém foi morto por nosso inimigo na
suposta localização mais segura do continente?” Art disse com seu olhar
implacável.
“Bem, sinto muito que nem todo mundo é tão inteligente quanto você!” Eu
retruquei.

O olhar de Art se suavizou. “Você tem apenas dezessete anos, Tess―”

“E você tem apenas dezesseis anos. No entanto, vovô, mestre Aldir e até mestre
Cynthia nunca olhavam para você como criança, apesar de você ser mais novo
do que eu.” Argumentei.

“Se eles me veem como um adulto, isso é algo que eles concluíram por conta
própria, não por mim tentando provar isso.” Ele respondeu.

“Como isso é ao menos justo?” Eu sufoquei um soluço. “Você pode fazer o que
quiser, porque você é bom o suficiente, mas não importa o quanto eu tente e
o que eu faço, sempre serei uma donzela que precisa de proteção!”

“Não é isso, Tessia. Seu avô e eu―”

“O que? Vocês me querem tão confinada e isolada de qualquer coisa


potencialmente perigosa ou potencialmente angustiante que você não pode
nem mesmo me dizer que minha própria mestra foi morta?” Eu cortei com meu
rosto entorpecido pela raiva. “Ou é porque―”

“Porque, se disséssemos, a primeira coisa que você teria em mente seria


enfrentar o Vritra que matou Cynthia, tentando se vingar, e acabar morta!”
Arthur explodiu.

Essa foi a primeira vez que eu o ouvi levantar a voz até esse ponto, atordoando
não só eu e o vovô, mas também o guarda do lado de fora.

“Você… você não tem como saber disso.” Eu neguei.

“Eu não tenho?” Arthur pressionou. “Porque eu acho que sei que você está
agindo dessa forma não é porque Virion não falou sobre a morte diretora
Goodsky. Você não está brava com ele, você está com raiva de si mesmo por
abandonar sua mestra para provar a todos o quão forte e útil você seria para
a guerra.”

“Is-isso não é sobre…” Eu não conseguia terminar minha frase enquanto eu


desmoronava, soluçando incontrolavelmente de joelhos.

“Arthur! Eu acho que você disse o suficiente.” meu avô rosnou. “Guarda.
Acompanhe-o para fora.”

Eu não olhei para cima para ver Art sair. Eu não sabia que tipo de expressão
ele tinha em seu rosto, ou se ele sentia muito. Foi demais.

“Tessia. vamos ter algum tempo juntos para prestar nossos respeitos a Cynthia.
Eu tenho certeza que, mais do que ter milhões de pessoas em uma cerimônia,
ela prefere ter os poucos que ela realmente amava de luto por ela.” Vovô se
ajoelhou ao meu lado, gentilmente acariciando minhas costas trêmulas.
“Depois disso, vou contar tudo.”

Com um aceno de cabeça trêmulo, deixei escapar um sussurro rouco.


“Obrigada.”

Nós dois nos viramos para encarar o caixão de pedra lisa em que minha mestra
residia, ondas de emoções continuando a se mexer e girar dentro de mim.

Capítulo 144
Aliados inestimáveis

[N/T: E lá vamos nós com mais um capítulo de flashback…]

“Entendo seu problema, Grey, mas não tenho certeza se sou a melhor pessoa
para ajudá-lo com isso.” Disse a diretora com um suspiro. “Não importa o
quanto a sua reserva de ki seja diferente da maioria das crianças da sua idade,
você ainda é uma criança com muito tempo para isso. No entanto, e digo isso
como uma lição de vida geral, se você se encontrar sem recursos, use o que
tem quando mais precisa.”

Eu ponderei sobre sua solução enigmática para o meu problema de ki.

“Obrigado, diretora Wilbeck.” Eu sorri antes de sair pela porta.

“Oh, além disso Grey…” A diretora chamou de trás de sua mesa.

Eu parei, espiando com minha cabeça para fora da porta. “Sim?”

“Cecília está se dando bem com você e Nico?”

“Bem.” Eu fiz uma pausa. “Além de seus pequenos acidentes, eu diria que
estamos lentamente nos aproximando dela!”

“Ela não disse uma palavra para vocês dois, não é?” A diretora Wilbeck
suspirou.

“Não!” Eu afirmei confiante. “Nem uma única.”

“Muito bem. Eu realmente espero que vocês dois continuem tentando tirá-la
da concha. Se alguém pode fazer isso, são vocês dois.”

Voltei para o escritório dela. “Diretora?”

“Hmm?”

“Por que você está se esforçando tanto para sermos amigos de Cecília?”
Perguntei.
Os lábios da diretora se curvaram em um sorriso gentil quando ela se levantou
da cadeira. “Isso, meu filho, é uma história que eu espero que ela te conte por
si mesma.”

“Bem, eu quero dizer, ela parece normal o suficiente, mas todo mundo está
com medo dela por causa desses acidentes que acontecem de vez em quando.”
Eu coei a minha cabeça. “Quero dizer, Nico e eu não estamos assustados ou
qualquer coisa, mas há algumas crianças que foram enviadas para a
enfermaria por causa dela, então eu pensei que seria melhor saber mais para
ajudá-la.”

Andando em volta da mesa, a diretora Wilbeck despenteou meu cabelo. “Seu


trabalho não é ajudá-la; é ser amigo dela. Deixe que eu a ajude.”

“Sim, mãe.” Eu saudei.

Os olhos gentis e revirados da diretora se arregalaram de surpresa com minhas


palavras.

“É diretora Olivia ou diretora Wilbeck para você, Grey.” Sua voz era firme, mas
seus olhos traíam suas palavras.

Eu não queria sair. Eu queria ficar em seu escritório e ajudá-la com a pilha de
papéis que pareciam nunca diminuir, mas sabia que ela nunca me deixaria
ajudar; como uma gravação quebrada, ela sempre dizia que era o trabalho
dela, não o meu.

Arrastando meus pés para fora do pequeno escritório, eu caminhei pelo


corredor em direção ao meu quarto.

Eu frequentemente imaginava minha vida como filho da diretora Wilbeck. Sua


voz severa, porém amorosa, me repreendia toda vez que me metia em
confusão. Eu faria o que pudesse para ajudá-la em casa: lavar a louça, tirar o
lixo e cortar a grama. E quando ela chegasse em casa, eu massageava seus
ombros que ela sempre parecia estar esfregando dolorosamente devido ao
estresse.

Nico disse que era estranho para eu fazer tanto por minha mãe, dizendo que
geralmente era tarefa de uma filha ajudar a mãe, mas eu não concordava. Se
eu tivesse alguém como a diretora Wilbeck como mãe, eu me certificaria de
cuidar dela. Eu ajudaria a tingir as mechas brancas de seu cabelo castanho e
uma vez que tivesse idade suficiente, ganharia muito dinheiro e compraria
roupas extravagantes e até mesmo um carro e uma casa para ela.

Talvez essa fosse a diferença entre alguém que conhecia seus pais como Nico
e alguém como eu, que não tinha uma única lembrança de como seus pais
eram. Ele odiava seus pais e qualquer menção ao sobrenome dele, Sever, o
desligaria como um fusível.
Quanto a alguém como eu, que não tinha sobrenome, havia um estranho
conforto imaginando ser Grey Wilbeck, filho de Olivia Wilbeck.

O rangido agudo da tábua do chão sob meus pés me tirou da minha fantasia,
e suspirei derrotado.

Ajoelhei-me acima da tábua do assoalho desalinhada e a coloquei de volta em


seu lugar. Testando o chão com os meus pés, deixei escapar um aceno
satisfeito com o silêncio da prancha.

Olhando para cima, um grupo de crianças corria pelo corredor, perseguindo


um ao outro.

“Grey! Eu vou te pegar!” Uma menininha chamada Theda deu uma risadinha
quando se aproximou de mim com os braços esticados.

“Ah é?” Eu estendi minha língua. “Eu aposto que você não vai!”

Theda aceitou o desafio enquanto acelerava o passo. Assim que ela estava
dentro do alcance, ela bateu na minha cintura, na esperança de pegar minha
camisa, mas eu facilmente girava, saindo do seu alcance.

Eu soltei uma risada vitoriosa. “Você vai ter que se esforçar mais do que…”

Eu balancei para a minha direita, bem a tempo de evitar a mão de Odo.

O resto das crianças com que Theda estava jogando juntaram-se a ele,
decidindo que eles eram todos “ele” neste jogo improvisado de pega-pega.

Enquanto os garotos e garotas me enchiam de braços estendidos para cobrir


mais terreno, mergulhei e passei facilmente por eles. Eles agitaram seus
apêndices desesperadamente enquanto tentavam utilizar todas as partes de
seus corpos na esperança de me marcar, mas era inútil.

Theda e seus amigos ficaram espertos e me cercaram, aproximando-se


lentamente de mim enquanto riam animadamente.

Uma vez que eles chegaram perto o suficiente, as crianças ficaram impacientes
e todas saltaram em mim.

Assim que suas mãos estavam prestes a me tocar, eu pulei e agarrei a corrente
quebrada que costumava suportar um antigo lustre antes que ele tivesse que
ser vendido. Usando o impulso do meu salto, eu balancei a corrente, agarrando
com força para não escorregar.

Theda, Odo e seus amigos se atrapalharam por perder seu alvo.

Balançando na velha corrente, aterrissei a poucos metros de distância e


plantei minhas mãos em meus quadris, rindo vitoriosamente. “Vocês estão
cinco anos atrasados para poder tocar o poderoso Grey!”
“Não é justo!” Odo gemeu, esfregando a cabeça.

“Sim! Você é muito rápido!” Theda concordou, saindo do emaranhado de


crianças.

“Xiu! Apenas os fracos reclamam quando enfrentam a derrota!” Eu disse,


aprofundando minha voz. “Agora eu vou! Meus poderes heroicos são
necessários em outro lugar!”

Eu corri para longe enquanto as crianças riam entre si.

“O poderoso Grey chegou!” Anunciei, abrindo a porta do meu quarto.

“Sim, Sim. Feche a porta quando entrar.” Nico respondeu, nem mesmo se
virando para olhar para mim enquanto se atrapalhava com algo em sua cama
bagunçada.

“As crianças são mais divertidas do que você.” Eu estalei minha língua. “O que
você está fazendo afinal?”

Nico levantou a mão direita, coberta por uma luva preta felpuda, com um
sorriso orgulhoso no rosto.

“Você está fazendo tricô agora?” Eu perguntei com um sorriso, pegando a luva.

Nico estendeu a mão enluvada, segurando meu antebraço.

De repente, uma onda de dor irradiava como uma intensa cãibra muscular
vinda do toque de Nico.

Meu amigo e companheiro de quarto imediatamente soltou com um olhar


presunçoso colado em seu rosto. “Nunca subestime o poder do tricô.”

“Que diabos?” Meu olhar se alternava entre sua luva e meu braço dolorido.

“Muito legal, certo?” Nico olhou para sua mão enluvada. “Depois de todo o
confronto com esses bandidos, eu estava pesquisando uma maneira de me
defender no caso de algo assim acontecer de novo. E depois de compilar
minhas anotações, de um livro bastante interessante que encontrei no meio
do material sobre condução de ki, consegui desenvolver essa luva!”

“Como funciona? Por que meu braço de repente cedeu quando você me
agarrou?” Eu perguntei, meus dedos coçando para agarrar a mais nova criação
de Nico.

“É muito legal, na verdade”, disse Nico, batendo minha mão para longe.
“Existem essas microfibras na palma das luvas que podem conduzir o ki até
certo ponto. As microfibras se alongam em reação ao meu ki e alcançam os
músculos quando eu toco em alguém. Há uma pequena pedra condutora de ki
no interior da luva que aproveita o ki que eu emito e dispara através das
microfibras e no músculo do meu inimigo, que, neste caso, era o seu braço.”

“Isso é muito legal, mas por que você não aprende a lutar como eu?”

“Primeiro de tudo, você nunca aprendeu a lutar. E eu preciso ter brinquedos


como esses, porque ao contrário de alguém—seus olhos se voltaram para
mim—eu não tenho os reflexos de algum carnívoro primitivo. Se eu tivesse que
dizer, meus reflexos variam entre uma preguiça e uma tartaruga.”

Eu não pude evitar uma risada com a comparação. “Bem, a luva parece útil e
tudo, mas parece que você só vai ganhar algum tempo.” eu apontei,
flexionando minha mão apertada.

“Sim. E outra desvantagem é que as microfibras, que eu tive que comprar com
parte do dinheiro que recebemos de penhorar as joias, não duram muito
tempo.” Suspirou Nico ao tirar a luva preta e felpuda.

Eu olhei para as pilhas de livros empilhados em todo o seu lado da sala. “Tenho
certeza que você vai pensar em algo. A propósito, como você deu o dinheiro
que recebemos para a diretora?”

“Ah! Eu dei para um cara que eu conheço. Ele deu à diretora Wilbeck uma
doação generosa em troca de uma porcentagem como custo do serviço.”

Eu gemi. “Quanto do dinheiro acabou realmente no orfanato? Com você


comprando seus livros e material e dando uma taxa a um cara que você mal
conhece, duvido que até metade do valor tenha chegado à diretora.”

“Eu não tive outra escolha. De jeito nenhum a Olivia pegaria dinheiro de nós.
Ela só começaria a nos bombardear com perguntas.”

“É diretora Wilbeck.” Eu corrigi, batendo na cabeça do meu amigo.

“Além disso, tenho alguns livros que você também pode usar! Olha só!” Nico
exclamou, apontando com o polegar para uma pequena pilha de livros atrás
dele.

“Oh!” Eu podia sentir meus olhos se iluminarem quando eu alcancei os livros.


“Muito bem. Esse ‘magnimo’ cavalheiro vai te perdoar.”

“É magnânimo.” Nico gargalhou, balançando a cabeça.

Incapaz de pensar em uma boa resposta, decidi deixar para lá quando a sala
começou a tremer.

Eu gemi. “Não me diga que―”

“Sim, é Cecilia novamente. Ela está tendo outro acidente.” Disse Nico.
Enquanto as ondas de agitação sem ritmo continuavam, permanecemos em
nossas camas. “Desta vez é mais do que o habitual.” Eu indiquei.

Nico se levantou e colocou a luva. “Vamos dar uma olhada.”

“É perigoso! Lembra-se do que aconteceu com um dos voluntários que tentou


segurá-la?”

“Sim! Aquele homem, que mais parecia um urso, não conseguia nem chegar
perto dela.” Nico balançou a cabeça com a dolorosa lembrança. “Eu
simplesmente não suporto ficar esperando assim até Cecilia desmaiar. Eu não
consigo imaginar o quanto isso está machucando-a”.

Eu soltei um suspiro e me levantei também quando um pensamento me


ocorreu. Meus lábios se curvaram em um sorriso. “Você gosta dela, não é?”

“De jeito nenhum! Eu nem conheço a garota!”

Eu não respondi quando meu sorriso se alargou.

As sobrancelhas de Nico se contraíram. “Tudo bem! Eu só acho que ela é um


pouco bonita. Isso é tudo!”

“Mhmm.” Dei de ombros, evitando um tapa do meu amigo.

Pedaços de gesso quebrado do teto choveram pelo corredor enquanto todo o


orfanato tremia.

Vi Theda e Odo se escondendo embaixo da mesa de jantar junto com algumas


das outras crianças mais novas a caminho do quarto de Cecilia.

Virando à esquerda no final do corredor, Nico e eu paramos em frente a uma


porta de ferro que ficava isolada, longe de todos os outros cômodos da casa
gigante. A diretora Wilbeck já estava lá com alguns dos voluntários adultos que
ajudam a limpar e manter o orfanato.

O tremor havia se intensificado e um dos voluntários chamado Randall, um


homem gentil e corpulento em seu auge que ajudava no jardim, preparou-se
para entrar enquanto outro trabalhador estava prestes a abrir a porta.

Não havia como Randall conseguir chegar até Cecilia com a intensidade desse
surto. Tirando a luva da mão de Nico, corri para a porta.

“Mas o q―Grey!” Nico gritou.

Antes que alguém tivesse a chance de reagir, passei por Randall e entrei no
quarto assim que a porta se abriu. Uma vez lá dentro, meu corpo desviou-se
por instinto, mal se esquivando de uma força que fez Randall bater contra a
parede do corredor. Eu tinha ouvido falar sobre a peculiaridade de Cecilia, mas
ir contra isso de cabeça fez as histórias parecerem uma história para dormir.
Preparando-me, corri em direção ao centro da grande sala onde Cecília estava
deitada, convulsionando-se enquanto um olhar de pânico atingia seu rosto
quando ela me viu. Essa garota misteriosa que a diretora Wilbeck havia trazido
era uma irregularidade entre os usuários de ki. Embora até mesmo o praticante
mais capaz, na melhor das hipóteses, fosse capaz de produzir uma pequena
rajada de energia com o seu ki, Cecilia era capaz de enviar torrentes de ki em
torno dela–era essa a proporção de sua reserva de ki.

No entanto, ela não era capaz de controlá-lo, e pelo que a diretora me disse,
as explosões de ki aconteceram à menor provocação de suas emoções.

Enquanto muitos usuários de ki iriam ver esse poder como um presente, para
uma adolescente como ela, eu só via isso como uma maldição.

Indo apenas por instinto, eu fui capaz de me esquivar desajeitadamente das


explosões de ki que dispararam contra mim. Uma vez atingido eu ficaria
inconsciente, no mínimo.

Suor frio rolou pelo meu rosto enquanto eu brincava com uma força quase
invisível que tinha o poder de quebrar meus ossos como um galho.

Senti uma leve brisa, fazendo-me instantaneamente rolar para a esquerda. Um


baque alto ressoou na parede atrás de mim enquanto eu evitei outra explosão
de ki.

Estendi minha mão enluvada, esperando poder alcançá-la, quando meus


instintos me alertaram mais uma vez e pulei desajeitadamente para a direita.

Outro baque ecoou atrás de mim quando a onda de ki de Cecilia atingiu a


parede.

“V-você não pode!” Cecília disse com os dentes cerrados. “Você vai se
machucar.”

Sua cama, em que ela estava deitada, fora demolida, enquanto o travesseiro e
a espuma do colchão estavam espalhados pelo chão. Comecei a rastejar em
sua direção, imediatamente rolando quando senti outra explosão de ki
chegando.

Desta vez, porém, a borda da explosão conseguiu arranhar meu braço direito.

Deixei escapar um grito contido quando me forcei a engatinhar mais rápido,


ignorando o meu braço latejante. Desesperadamente estendendo a mão
esquerda, eu quis que o pouco ki que eu conseguisse reunir fosse para a luva
que Nico tinha feito e rezei para que minha ideia funcionasse.

Consegui colocar minha palma logo acima do estômago de Cecília, onde ficava
o centro de ki. Exercendo todo o meu ki, senti a luva de Nico pulsar.
Cecilia soltou um suspiro de dor, seus olhos amendoados se arregalando um
pouco antes de fechar quando ela caiu inconsciente. Mechas do cabelo loiro
de Cecília caíram sobre seu rosto enquanto suas bochechas coradas
começaram a voltar para sua cor cremosa original.

Tentei levantar-me, mas meu corpo se recusou a ouvir devido ao uso excessivo
de ki.

Que lamentável, pensei, antes de me juntar a Cecilia em seu sono.

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN:

“Senhor! Por favor, acorde!” Uma voz desconhecida me acordou, me


arrastando para fora das memórias indesejadas com as quais eu estava
sonhando.

Quando minha visão focalizou, eu mal conseguia distinguir a forma de uma


mulher, suas feições sombreadas pela luz do sol diretamente lançada em seu
rosto. “Senhor! Estou te implorando. Por favor, precisamos de você lavado e
preparado para o discurso do Comandante Virion!”

A serva apertou meu braço suavemente quando eu me afastei dela, ainda meio
adormecido.

“Saia do caminho. Eu vou acordá-lo.” uma voz familiar grunhiu quando um


estalo alto ressoava de sua direção.

Eu imediatamente me levantei, pegando o projétil de relâmpago na minha


mão.

“Bairon. Um desprazer em te ver de novo.” Falei bruscamente, ainda de mau


humor por causa de minha discussão com Tessia ontem.

“Eu vejo que você aprendeu alguns truques novos.” Bairon respondeu com a
mão ainda estendida.

Fazia mais de dois anos desde a última vez que vi a Lança de cabelos loiros.
Ele não tinha mudado muito, exceto que ele tinha cortado o cabelo curto e a
carranca em seu rosto era ainda mais dura.

“Você não sabe que é desonroso atacar alguém pelas costas?” Perguntei,
pulando da minha cama.

“Bem, estamos em tempos de guerra.” Ele deu de ombros antes de se virar e


sair pela porta. “Agora se troque. O resto das Lanças já estão no portão de
teletransporte.”

Eu assisti quando Bairon, cujo irmão eu tinha matado, saiu do meu quarto. Ele
e eu sempre teremos nossas diferenças, mas eu entendi o que ele quis dizer
quando disse que estávamos em tempos de guerra: nós dois éramos aliados
inestimáveis.

A serva timidamente se aproximou de mim. “Se-senhor, por favor. Eu odiaria


continuar incomodando, mas…”

“Tudo bem, Rosa. Acabei de obter o consentimento direto do Comandante


Virion para acelerar o processo.” interrompeu outra serva muito mais
corpulenta ao entrar, puxando um grande carrinho coberto por um lençol.

A criada chamada Rosa trocou olhares entre ela e eu. “Te-Tem certeza, Milda?
Acho que não devemos fazer nada que possa ofend—”

Milda ergueu um dedo carnudo para silenciar sua parceira. Ela então se virou
para mim com um olhar severo enquanto enrolava as mangas da blusa. “Agora,
senhor. Se você não estiver de bom humor ou não for capaz de se lavar, ficarei
feliz em entrar no chuveiro com você e te lavar.”

Eu inadvertidamente dei um passo para trás em horror. “Não, não. Estou com
vontade de me lavar sozinho.”

“Muito bem.” Disse ela. “Depois de se lavar, por favor, vista-se com este
conjunto de armaduras que Lord Aldir preparou para o discurso de hoje.”

Milda removeu dramaticamente o lençol que cobria o carrinho que trouxera,


revelando um manequim incrivelmente vestido com a armadura que eu logo
usaria.

Capítulo 145
Da sacada

“Eu estou ridículo.” Resmunguei, cambaleando para mais perto do espelho


para me estudar.

A armadura chapada era vistosa e ineficiente em design. Meu peito e ombros


estavam protegidos por uma ombreira de prata e uma gorjeira que alcançava
meu queixo, que só permitia o mínimo de movimento de meu pescoço. Ainda
mais restritivo, meu quadril e coxas eram guardados por uma escarcela que
me proibia de levantar minhas pernas. Os sutis detalhes nas minhas manoplas
e grevas combinavam com as do meu peitoral e uma capa vermelha brilhante
caía até a parte de trás dos meus joelhos, cobrindo a grande espada decorativa
amarrada na parte inferior das minhas costas.
“Você está imponente, Senhor.” A tímida criada elogiou quando começou a
amarrar meu cabelo.

“Qualquer um que pode lutar direito enquanto usa essa armadilha mortal
merece o meu respeito.” Eu respondi, tentando levantar meus braços acima
dos meus ombros.

‘Bem, pelo menos você vai parecer impressionante para a plateia.’ Sylvie
pontuou da minha cama, ainda meio adormecida.

SHHH! Você tem sorte de não estar usando nenhuma armadura. Respondi.

‘As minhas escamas são a minha armadura.’ Sylvie arqueou as costas,


espreguiçando-se como uma gata quando saltou da cama com agilidade.

“Certo! Tudo pronto.” Anunciou a serva, colocando cuidadosamente uma faixa


dourada para prender meu cabelo. “Esta armadura não é apenas majestosa,
tem muitas runas protetoras nela!”

“Eu entendo a armadura, mas devo levar esta espada comigo também? Eu
tenho uma, e também é bem legal!” Eu disse, pegando a Dawn Ballad de meu
anel dimensional.

A tímida serva esfregou seu cabelo castanho curto enquanto seus olhos se
moviam desconfortavelmente. “É-é muito bonita, senhor, mas—”

“É muito fino! Isso não faz você parecer poderoso!” a serva parecida com um
urso cortou, segurando firmemente o meu ombro com suas mãos carnudas.
“Perfeito. Você está pronto para ir!”

Eu olhei para minha espada de fio azulado, forjada magistralmente por um


asura excêntrico, e a coloquei de volta em sua bainha antes de respirar fundo
e colocá-la no meu anel dimensional.

Enquanto eu caminhava rigidamente para fora da sala, Sylvie, ainda relutante


em falar, a menos que estivéssemos completamente sozinhos, zombou na
minha cabeça. ‘Aposto que você vai impressionar a multidão com sua nova
armadura!’
Espero ficar de fora durante todo este discurso. Eu sei que Virion queria todos
os personagens principais aqui hoje para aumentar a moral, mas acho que as
lanças são o suficiente para isso. Pensei quando descemos o corredor vazio.

Os moradores e a maioria dos trabalhadores dentro do castelo tinham sido


escoltados através do portão no início da manhã para que pudessem
encontrar um lugar no meio da multidão. Eu não tive a chance de ver minha
família hoje, mas eles deixaram uma mensagem com a serva tímida dizendo
que estavam ansiosos para me ver na sacada.

‘Eu não posso acreditar que Virion tenha decidido fazer o discurso em Etistin.
Não é para onde os navios Alacryanos estão indo?’ Sylvie expressou,
preocupada enquanto se aninhava no meu ombro.

Eu acho que faz sentido. É uma espécie de aposta, mas se for bem feito—e tenho
certeza de que é a intenção de Virion—a multidão verá nossa força muito mais
imponente de perto do que seus navios de longe.

Eu acho.

Até mesmo descer as escadas tornou-se uma tarefa difícil nessa volumosa
armadura, e fiquei cada vez mais tentado a pular no centro da escada espiral,
independentemente de quem pudesse estar inconvenientemente no fundo.

O rangido agudo das minhas caneleiras de metal no caminho de pedra em


direção à sala de teletransporte ecoou pelo corredor estreito, alertando os
dois guardas estacionados da minha presença. Uma vez que cheguei às
familiares portas de ferro, tanto o guarda fortalecedor quanto o feiticeiro me
receberam com uma reverência cortês quando começaram a destrancar a
imponente entrada da sala circular.

“Todo mundo está esperando lá dentro.” anunciou o fortalecedor quando ele


abriu a porta de metal, revelando as figuras centrais dessa guerra.

Era uma visão e tanto ver Bairon Wykes, Varay Aurae e Aya Grephin, as três
Lanças restantes, em pé, vestindo armaduras brancas com decorações tão
vibrantes quanto as minhas.
Percebi que Virion, que estava mais perto do portão de teletransporte, havia
tirado o manto negro de luto, substituindo-o por uma luxuosa túnica verde-
oliva que caía sobre os joelhos por cima de um par de calças brancas de seda.
A túnica não tinha adornos nobres; era forrada com um corte áureo que
combinava com a faixa dourada ao redor de sua cintura. Uma argola de bronze
estava bem acima das sobrancelhas enquanto seu cabelo caía solto sobre os
ombros, numa cortina de branco.

Ao lado do comandante, o ápice da autoridade em torno dessa guerra, estavam


seu filho e pai de Tess, Alduin Eralith e sua esposa Merial.

Alduin usava uma túnica prateada com decoração e design semelhantes aos
de seu pai, enquanto Merial usava um elegante vestido prateado, obviamente
destinado a combinar com o marido.

“Olha quem finalmente decidiu aparecer.” Virion disse com um aceno de


aprovação enquanto olhava para o meu traje.

“Comandante Virion.” Abaixei a cabeça respeitosamente, voltando-me para os


pais de Tess. “Rei Alduin, Rainha Merial. Já faz algum tempo.”

“De fato.” Alduin sorriu, esfregando o queixo enquanto me olhava com um


olhar examinador, já Merial respondeu com um leve aceno de cabeça.

Então me voltei para Blaine e Priscilla Glayder, os antigos rei e rainha de Sapin.

“Rei Blaine e Rainha Priscilla. Faz mais tempo ainda,” eu disse com um sorriso
educado, curvando-me tanto quanto a minha armadura me permitia.

Blaine envelheceu desde a última vez que o vi. Mais traços de cinza cobriam
seu cabelo cor castanho-fogo. Uma túnica preta de seda por baixo de grandes
ombreiras de metal que cobriam seus ombros e gola lhe davam uma aura
intimidadora. Sua esposa, Priscilla, por outro lado, optou por usar um vestido
preto esvoaçante forrado com gravuras de flores prateadas. Seu cabelo preto
estava amarrado, expondo seu pescoço que parecia quase branco puro em
contraste com seu traje escuro.
Os dois reis e rainhas não pareciam ser diferentes, mas cada um deles possuía
um ar de dignidade que só poderia atordoar a multidão que estava esperando
por eles.

“Você cresceu.” Merial apontou, seus olhos afiados parecendo olhar através de
mim e não para mim.

“O crescimento vem com a idade.” Respondi.

“Claro que sim,” Blaine grunhiu. “E você continuará a crescer, não apenas em
altura, mas também em força, que é o que eu preciso de um dos meus
melhores soldados.”

Olhei de relance para Bairon e Varay, as lanças de Blaine e balancei a cabeça.


“Independentemente das minhas raízes ou raça, com uma guerra desta escala,
gostaria de me considerar um soldado deste continente.”

“É bom finalmente conhecer você, Arthur.” Um anão idoso que estava de pé ao


lado de Virion e os dois reis e rainhas se aproximou, ficando entre Blaine e eu
enquanto estendia a mão.

Enquanto ele só alcançava o meu esterno, ele estava em pé com os ombros


retos, fazendo-o parecer mais alto do que ele realmente era. Ele tinha uma
cicatriz que corria pelo lado esquerdo do rosto, passando pelo olho esquerdo
fechado até o queixo. No entanto, o olho que estava aberto exalava uma
qualidade suave, prejudicando sua aparência robusta.

Aceitei sua mão grande, notando a textura de uma lixa nas palmas das mãos
dele. “Peço desculpas pela minha ignorância, mas acho que não tive o prazer
de conhecê-lo.”

“Meu nome é Rahdeas, e não, você não teve.” Ele riu. “Mas eu ouvi um pouco
sobre você das cartas que Elijah me escrevia.”

Meus olhos se arregalaram em realização. “Então você deve ser…”

“Sim. Eu sou aquele que tomou conta de Elijah quando ele era uma criança.”
Ele olhou para mim com um sorriso solene que enviou uma dor aguda no meu
peito.
‘Esse é o guardião de Elijah?’ Sylvie falou em minha cabeça, surpresa.

“Me-me desculpe, eu não consegui chegar lá a tempo de ajudá-lo.” Eu disse,


abaixando o olhar enquanto ignorava o meu vínculo.

Rahdeas sacudiu a cabeça. “Não é sua culpa. Aquela criança sempre foi um ímã
para problemas.”

Apertando a mão dele com as minhas duas mãos agora, eu olhei direto nos
olhos dele. “Se ele ainda estiver vivo, vou trazê-lo de volta para você. Eu te dou
minha palavra.”

“Obrigado.” Ele sussurrou, soltando minhas mãos que de alguma forma


pareciam tão frágeis agora.

“Rahdeas é o novo representante dos anões. Nós estaremos indo na frente.”


Virion falou. “O porteiro receberá minha transmissão e mandará você passar
quando for a hora certa.”

Quando os seis atravessaram o portão, a sala de teletransporte ficou em


silêncio. Eu fiz uma nota mental para ter certeza de passar mais algum tempo
com Rahdeas. Eu estava curioso para saber como era o Elijah jovem e o homem
que o criou.

De repente, senti um leve toque no meu ombro, ou melhor, devido a minha


armadura, ouvi um leve toque no meu ombro. Virando-me, fiquei cara a cara
com a lança chamada Aya Grephin.

“Já nos vimos antes, mas eu nunca lhe dei o prazer de me apresentar.” Ela
sorriu timidamente, colocando o cabelo preto ondulado atrás da orelha
enquanto balançava a mão para eu aceitar. “Meu nome é Aya Grephin.”

Havia algo de errado em sua voz. Um timbre sedutor de uma fraca doçura
falado em um volume que faz com que você queria se inclinar mais perto dela
para ouvir o que ela tinha a dizer. Do fascínio em sua voz ao modo como ela
se portava, que a fazia parecer irresistível. Cada movimento que ela fazia com
as mãos e dedos fazia meus olhos focarem neles, mas não parecia natural. Eu
senti a magia em sua voz.
“Bem, então.” Eu sorri, dando um passo para trás. “É um prazer ser
formalmente apresentado, Aya Grephin.” Eu sabia que ela estava esperando
por um beijo nas costas da mão dela, mas eu agarrei a mão dela e apertei-a
em seu lugar.

“Espero que possamos nos dar bem.” Disse ela, seu sorriso inabalável quando
ela estalou a mão para trás. Observando-a se virar e voltar para seu local
original, os quadris balançando, eu não pude deixar de ficar inquieto.

Além de sua pretensiosa sedução, apenas por estar perto dela, eu sabia que a
Lança élfica restante não era brincadeira. Eu tinha visto por mim mesmo que
Varay era mais forte que Bairon, mas eu ainda queria ver Aya lutar. Pelo que
eu tinha dito, e por seu codinome de Lança, Phantasm, ela era supostamente
uma das Lanças mais mortais. Estando perto dela e tendo ela me encarando,
era fácil ver que essas alegações não eram infundadas.

“Eu vejo que seu treinamento foi bem. Você acabou de passar do estágio prata
inicial e para meados do prata-médio.” Varay, que estava me estudando
silenciosamente, finalmente falou.

Em contraste com Aya, Varay se mantinha de uma maneira muito reservada e


digna. Eu tinha notado que ela havia cortado o longo cabelo branco, logo
depois do pescoço. A franja de Varay estava presa para o lado, revelando uma
pequena cicatriz logo acima da sobrancelha direita que qualquer um poderia
perder de vista se não estivessem olhando de perto.

Seus olhos castanhos escuros eram afiados e pontudos, enquanto suas


sobrancelhas pareciam perpetuamente franzidas enquanto ela continuava
olhando para mim.

Sylvie arqueou suas costas, mostrando suas pequenas presas para a


Lança. Tudo bem, Sylv. Ela é uma aliada, lembra?

“Eu ainda tenho um longo caminho a percorrer se eu quiser entrar no estágio


branco.” Eu disse a Varay, erguendo os olhos para longe de seu olhar intenso.

“Não tanto quanto você pensa.” Respondeu a lança de cabelos brancos.

“O que isso quer d-”


“Porteiro! Quanto mais devemos esperar?” Bairon interrompeu quando ele
impacientemente bateu com o pé coberto de armaduras no chão.

“Ge-General Bairon,” O porteiro idoso recuou. “O Comandante Virion ainda


não… Ah! Acabei de receber notícias dele agora. Por favor, entre!”

Bairon foi em direção ao portão de teletransporte primeiro, ansioso para sair


dessa sala de confinamento.

‘Bem, isso foi desconfortável’ Pensou Sylvie.

Me fale sobre isso. Fiz um sinal para Aya e Varay irem na minha frente. A elfa
cheia de curvas me jogou uma piscadela quando ela passou por mim enquanto
a expressão de Varay permanecia firme enquanto ela olhava para mim e Sylvie.

Quando eu passei pelo portão de teletransporte, a cena ao meu redor ficou


borrada. Na chegada, não pude deixar de me encolher com a súbita diferença
no nível de ruído. Saudações irromperam de baixo fazendo com que o castelo
ou a estrutura que estávamos, claramente tremesse.

Sylvie e eu tínhamos chegado em uma grande sala retangular que dava para a
grande sacada. Virion e o resto dos reis e rainhas se levantaram, acenando
para a multidão. Não eram apenas eles—ao lado de seus pais estavam Tess,
Curtis e Kathyln, todos acenando para a imensa multidão que eu podia ver até
mesmo lá de trás.

“Por favor, generais, preparem-se para seguir o sinal do Comandante Virion.”


Uma serva magra instruiu enquanto ela arrumava o cabelo de Aya que tinha
sido soprado de volta pelo vento gelado do oceano.

“Generais?” Eu perguntei confuso para a criada.

“Arthur, Lady Sylvie, vejo que vocês dois finalmente estão aqui.” Uma voz
familiar gritou por trás.

Olhando para trás por cima do ombro, vi Aldir sentado em frente a um jogo de
chá, um copo na mão enquanto seu terceiro olho me encarava.

“Eu vejo que você está ficando nas sombras.” Eu cumprimentei o Asura quando
Sylvie abaixou sua pequena cabeça em um aceno de cabeça.
“Esse é o meu trabalho.” Disse ele, segurando a xícara em um brinde solitário.

“Bem, você pode me dizer qual é o meu trabalho agora? Porque eu não sou
uma Lança, o que significa que eu não sou general.”

“Paciência. Você só tem que esperar cinco segundos.” disse ele, servindo-se de
outra xícara do pote.

Os aplausos haviam diminuído a essa altura quando Virion começou a falar.


“Muitos de vocês viajaram muito para estar aqui, e isso me enche de orgulho.
Como todos vocês devem ter notado, ao lado de mim estão seus líderes, as
pessoas que protegeram este continente, bem como aqueles que protegerão
este continente no futuro.”

Outra onda de gritos irrompeu quando Rahdeas, a família Glayder e a família


Eralith acenaram mais uma vez.

“No entanto, enquanto estes são os heróis que vocês veem na luz, há heróis
das sombras que continuamente arriscam suas vidas para lutar por este
continente. Eu gostaria que todos vocês me ajudassem a receber as Lanças de
Dicathen!”

Varay, Aya e Bairon marcharam até a beirada da sacada com a cabeça erguida
e os ombros encaixados, enquanto Virion e as famílias reais se viravam para
saudá-los.

Uma ovação ainda mais alta explodiu quando as três lanças apareceram. O
arranjo caótico de gritos e aplausos logo se tornou um canto coletivo que se
tornou mais e mais alto.

“LANÇA-AS, LANÇA-AS, LANÇA-AS”

Depois de minutos de cantos contínuos, Virion levantou a mão, silenciando


centenas de milhares—se não milhões—de humanos, elfos e anões.

“Todos! Estamos em um momento de guerra—Virion falou severamente depois


de um momento de silêncio. Sei que metade das Lanças estão ausentes e isso
não é por engano. Alguns estão no meio de uma missão e não puderam vir.”
Troquei olhares com Aldir na mentira de Virion, mas não fiz nenhuma
observação. Eu sabia o que a revelação de que uma das Lanças já havia sido
morta faria com a multidão.

Virion continuou: “As Lanças constantemente derramam sangue e lágrimas


para manter Dicathen em segurança, mas é nestes tempos de incerteza que
não podemos mais confiar apenas nos fortes. Devemos lutar juntos para
manter nossas casas em segurança.”

“Na estreia das Lanças, quase quatro anos atrás, fizemos uma promessa
dizendo que o título de Lança não seria predeterminado por nascimento ou
status, mas obtido com muito trabalho, talento e força. Hoje é a marca de uma
nova era, e com essa nova era vem novos heróis. Um tal herói foi descoberto
e está aqui conosco hoje. Por favor, dêem as boas vindas comigo, nossa mais
nova Lança: Arthur Leywin!”

Capítulo 146
Discurso e declaração

Virion, Rahdeas, as lanças e as duas famílias reais se voltaram para mim


enquanto eu caminhava em direção à borda da sacada. Os aplausos
acenderam para um volume ensurdecedor na minha aparição enquanto Virion
esperava por mim no final.

Enquanto Bairon e Varay tinham expressões calejadas em seus rostos ao passo


que me deixavam passar, os lábios de Aya se curvaram em um sorriso tímido
enquanto ela assentia com aprovação.

A expressão de Tess ainda era brusca devido à discussão de ontem, enquanto


os olhos de Kathyln se enrugavam em um sorriso raro. Seu irmão, Curtis,
acenou enquanto seus pais e o resto das figuras centrais na sacada se
juntavam ao aplauso da multidão.

Quando pisei na sacada, o sol da manhã brilhou no céu, cobrindo o mundo


abaixo com um manto de luz. Quando meus olhos se acostumaram com a luz,
eu não pude deixar de me maravilhar com a visão.

Os milhões de pessoas—humanos, elfos e anões—se juntaram, como se


tocassem o horizonte. Agrupados firmemente, na esperança apenas de
estarem centímetros mais perto de seus líderes. Um ar de entusiasmo, respeito
e júbilo poderia ser sentido até aqui.

“O quê?” Virion sorriu. “Nunca teve uma multidão de mais de um milhão de


pessoas torcendo por você?”
Eu balancei a cabeça com um sorriso desamparado no meu rosto, pensando
comigo mesmo quantas vezes eu tive na minha vida passada. “Foi ideia sua?”

“Por quê? Você está com raiva?” Virion se virou para a multidão, me
empurrando para frente para que as pessoas abaixo pudessem ter uma visão
melhor de mim.

“Se tivesse sido alguém além de você? Sim.”

“Bom. Agora continue sorrindo e acene para eles. Eles podem ver você em uma
projeção em grande escala atrás de nós.”

Dando uma olhada rápida na enorme projeção atrás de mim, não pude deixar
de pensar em Emily Watsken quando me revelou, em aula, que foi ela quem
desenhou essa invenção. Olhando para trás, levantei um braço e acenei para
a massa, Sylvie seguindo o exemplo em cima do meu ombro.

Os aplausos lentamente se suavizaram em um zumbido de excitação quando


todos, exceto Virion e eu, recuamos para a parte de trás da sacada. “Agora.
Você por acaso não teria um discurso pronto para a guerra que está por vir,
certo?”

“Você está brincando comigo, certo?” Eu me esforcei para manter um sorriso


calmo.

“Eu quero que você seja o único a fazer o anúncio.” Disse Virion, sua voz
inabalável quando ele me entregou o artefato de amplificação de voz que ele
havia colocado em seu colarinho.

“Virion. Eu não posso.” Minha voz vacilou quando as pessoas abaixo esperaram
animadamente por alguém falar. “Eu nem mesmo me preparei para aceitar
essa posição como uma Lança e muito menos fazer um discurso como uma.”

“Eu não queria que você se preparasse. Esse é seu povo Arthur. Você cresceu
entre eles e as pessoas vão ouvi-lo com muito mais sinceridade e empatia do
que se algum nobre falasse.”

“Isso é só se eu fizer um discurso bem pensado.” Argumentei quando me virei


para apertar a mão de Virion como uma desculpa para prolongar o inevitável.

“Eu confio em você. Apenas fale com seu coração.” Virion deu um passo para
trás enquanto o fluxo de aplausos silenciava em um descanso ansioso.

Embora até as pessoas mais próximas na massa não fossem maiores do que a
unha do meu polegar de onde eu estava, eu ainda fui capaz de encontrar meus
pais entre eles com minha irmã montada no ombro gigante de Boo.

A apreensão que vinha com o olhar de despreparo diminuía quando trancava


meus olhos em minha mãe. Mesmo com a visão aumentada, eu mal conseguia
distinguir o sorriso gentil em seu rosto, mas isso era o suficiente.
Eu sabia o que dizer.

Deixando escapar uma respiração profunda, fiquei na beira da sacada do


castelo e liguei o artefato amplificador de voz.

Um zumbido alto ressoou, indicando que o artefato estava ligado. Dei mais um
passo à frente, então estava inclinado para frente no corrimão da sacada,
esperando pacientemente que os últimos dos aplausos diminuíssem.

“Apesar da minha idade, li inúmeros livros sobre a história e a economia deste


continente. No entanto, em nenhum desses livros explica o que faz seus
cidadãos amarem seu país. Alguns historiadores especulam que é porque eles
nasceram em tal lugar que eles têm uma inclinação natural para sua terra
natal. Um autor com o nome de Jespik Lempter argumentou que há um efeito
complicado que começa com os líderes sendo capazes de sustentar seu povo,
até os pais serem capazes de alimentar seus filhos. Ele afirmou que, enquanto
esse fluxo de segurança no sustento for mantido, a lealdade natural ao país
que o abastece é mantida.”

“Eu digo isso porque não concordo com as duas afirmações. Eu acredito que a
lealdade não é uma manobra calculada pelos cidadãos e nem é tão singular
que vidas possam ser arriscadas com base na área em que alguém nasceu. Eu
acho que é bastante presunçoso tentar encontrar uma única fórmula
abrangente para lealdade.”

“Mas uma coisa é certa: a lealdade é sempre mais fácil de ser mantida quando
os tempos são fáceis. É fácil torcer por seu rei quando seus filhos são bem
alimentados e sua terra é próspera. É fácil reunir-se atrás de um exército
quando você sabe que vai ganhar. Mas agora não é como naqueles tempos.
Através desta guerra, a sua lealdade para com este país—para com todo este
continente—será testada, porque haverá momentos em que você será
confrontado com a escolha entre morrer com o seu povo, ou esperar viver com
os seus inimigos.” O ar em torno da multidão escureceu quando minha voz caiu
em um sussurro, mas eu continuei.

“O fato de eu estar aqui em cima agora representa a escolha que eu vou fazer
quando chegar a hora para mim, mas não é por causa do meu título como uma
Lança. Minha lealdade não foi comprada, nem foi dada de graça. A minha
lealdade a este continente e a todos os que nele nasceram foi nutrida pela
minha infância no campo, depois como aventureiro, como estudante, como
professor e, agora, será provada como uma Lança.”

“Claro, este continente e seus líderes têm suas falhas, mas o que ninguém
pode dizer é que eles não tentaram. A união dos três reinos para formar o
Conselho seria impensável há algumas gerações, mas os líderes das três raças
deixaram de lado seu orgulho e suas diferenças para se unir e compartilhar os
recursos entre si para melhorar este continente e aqueles que vivem nele.
Embora a discriminação ainda possa existir, essa terra em que vivemos
pertence a todos nós, e um pouco além dessa cidade está um exército a bordo
de mais de cem navios que se aproximam de nossas terras. Nós tivemos a
opção de abandonar as vidas de todas as famílias reais que serviram este
continente em troca de tomar nossas terras sem lutar ou de presumir com essa
guerra uma escala maior e muito mais devastadora.”

“Comandante Virion estava pronto para desistir de sua própria vida para
proteger este continente—para protegê-los—mas eu disse que não era o dever
dele, já que isso não afeta apenas as vidas dele e de sua família, mas a vida de
todos aqui.”

Eu me virei e fiz sinal para Virion e todos os outros se aproximarem. “Prefiro


lutar e arriscar morrer pela vida que amo aqui, em vez de trair meus irmãos na
esperança de uma promessa de que nossos inimigos—inimigos que já
separaram famílias—podem ou não manter.”

“Mas não me atrevo a falar por todos neste continente. A única coisa que posso
dizer com plena confiança é que, se tiver a chance, cada um de nós aqui em
cima lutará até nossos últimos suspiros para proteger esse continente dos que
se atreverem a nos invadir.”

Tudo ficou em silêncio durante o que pareceram horas até que uma única voz
quebrou o silêncio.

“Vida longa à Dicathen.”

Essa proclamação única desencadeou uma erupção. Como se a multidão de


mais de um milhão de pessoas tivesse coreografado sua alegria, um canto
trovejante ressoou, sacudindo o chão e o próprio castelo em que estávamos.

“Vida longa à Dicathen. Vida longa à Dicathen. Vida longa à Dicathen”

Eu desliguei o artefato amplificador de voz e soltei um suspiro profundo de


alívio quando Sylvie pulou do meu ombro.

Quando a alegria chegou ao clímax, meu vínculo transformou-se de sua forma


perolada de raposa na de um dragão todo-poderoso.

Foi quando ela abriu as asas que percebi mais uma vez o quanto ela havia
crescido ao longo dos anos. Sua envergadura da asa ultrapassou a largura da
sacada enquanto rajadas de vento atingiam a multidão com cada batida de
suas asas negras.

Enquanto eu estava surpreso que ela iria se revelar agora sem me dar qualquer
aviso, eu segui e desembainhei a espada gigante nas minhas costas e segurei
no ar, assim como o meu vínculo enfrentou o céu e soltou um rugido
ensurdecedor que sacudiu o próprio ar ao nosso redor, instilando medo e
reverência para as pessoas reunidas abaixo de nós.

Embora a intromissão de Sylvie tenha interrompido imediatamente os cantos


da multidão, um grito ainda mais alto explodiu em nossa poderosa exibição
Voltei-me para ver olhos arregalados com a reviravolta dos acontecimentos.

“Eu pensei que você não tinha nada preparado.” Disse Virion com uma
sobrancelha levantada.

Dei de ombros em resposta quando Sylvie voltou para a forma de filhote e


pulou no meu ombro. “Eu não tinha.”

‘Eu fiz bem, certo?’ Sylvie tocou em minha mente.

Você transmitiu a mensagem, sua exibicionista. Respondi, despenteando a


pele da cabecinha do meu vínculo.

Curtis aproximou-se de mim, radiante de excitação. “Essa última parte foi


ótima. Quero dizer, ouvi dizer que Sylvie era um dragão dos estudantes que
estavam lá na escola quando fomos atacados, mas…”

O príncipe soltou um suspiro melancólico enquanto olhava entre Sylvie e eu


antes de dar um passo à frente e acenar para a massa cativada rugindo nossos
nomes.

Depois de vários minutos recebendo os aplausos da multidão, nós lentamente


voltamos para o castelo. Enquanto eu caminhava de volta, não pude deixar de
notar que Tess se afastava, voltando para o portão de teletransporte de onde
havíamos vindo, sem dar uma palavra para nenhum de nós.

“Posso entender que Tessia ainda está com raiva de mim?” Perguntei a Virion,
que estava andando ao meu lado.

“Louca, frustrada, irritada, ofendida, não sei ao certo, mas sei que o que quer
que ela esteja sentindo por você não é bom.” Ele riu. “Agora, eu tenho certeza
que você tem algumas coisas para tratar com sua família, mas eu preciso de
você de volta ao castelo assim que terminar.”

“Eu voltarei ao castelo assim que me despedir dos meus pais, mas ainda não
tenho certeza se seria melhor manter minha irmã no castelo ou deixá-la com
eles.” Eu disse.

“Há muitas crianças e mães que vão estar no castelo. Algumas delas são até
professores em academias de magia, então pode ser benéfico para ela ficar lá,
mas isso é apenas se ela está bem em se separar de você e de seus pais.”
Observou ele.

“Sim, você tem razão. Eu vou tentar convencê-la.”

Virion assentiu enquanto cavava o bolso interno de seu manto. “Há uma última
coisa sobre o que você precisa pensar.”

Ele puxou a mão para fora e abriu na minha frente para revelar uma moeda
preta do tamanho de sua palma. A moeda brilhava ao menor movimento,
chamando minha atenção para as gravuras complexas que estavam gravadas
em cima dela. “Este é um dos artefatos que me foram confiados. Eu tinha dado
este e o outro artefato ao meu filho quando sai do trono, mas depois da morte
de Alea, ele me devolveu, dizendo que eu deveria escolher a próxima Lança.”

Fiquei ali em silêncio por um momento, hipnotizado pela moeda oval que
parecia pulsar na mão de Virion. “Então este é o artefato que Alea tinha?”

“Sim. Vinculá-lo com o seu sangue e o meu irá desencadeá-lo, dando-lhe o


impulso que permitiu que todas as outras Lanças invadissem o estágio branco.
Eu sei que você não é um Elfo, mas eu ficaria honrado se você servir como uma
Lança sob meu comando.

Minhas mãos tremeram, tentadas a aceitar seu presente que me daria uma
melhor chance de lutar contra as Quatro Foices e seus Retentores.

Deixando escapar um suspiro, balancei a cabeça. “Eu vou lutar por você mesmo
sem esse vínculo, mas não posso aceitar isso. Eu posso me arrepender, mas
não parece certo eu trapacear no meu caminho para o estágio branco. Eu vou
chegar lá sozinho.”

“Boa escolha.” A voz familiar e rouca de um certo Asura surgiu de trás de mim.

Eu olhei para trás por cima do meu ombro para ver o Asura de olhos roxos
caminhar, seus braços atrás das costas.

“Lorde Aldir.” Virion fez uma reverência brusca, com a palma da mão ainda
aberta para o Asura ver.

Aldir levantou a moeda da mão e estudou-a com um olhar para baixo. “Embora
este artefato possa lhe dar um tremendo aumento de força, ele inibe muito o
potencial de crescer ainda mais.”

O Asura jogou a moeda de volta para Virion enquanto continuava falando.


“Normalmente, eu recomendaria que qualquer ser inferior aproveitasse a
oportunidade para usar isso, especialmente nesses momentos perigosos, mas
Arthur, você é um caso diferente. Seu talento de lado, e o sangue de dragão de
Lady Sylvie corre em suas veias e a poderosa vontade de sua mãe dentro de
seu núcleo de mana. Pode ser um risco durante a guerra, mas eu sugiro que
você não tome isso.”

“Obrigado pelo esclarecimento.” Eu respondi. Dando uma olhada ao redor,


notei que, enquanto Blaine e Priscilla Glayder permaneciam aqui, Curtis e
Kathyln, junto com Tess e seus pais tinham ido embora.

“Você está voltando para o castelo agora também?” Perguntei a Virion.

Virion assentiu solenemente. “Há muito para se preparar. Blaine e Priscilla vão
ajudar a preparar esta cidade com a ajuda de suas Lanças nesse meio tempo.
Não saberemos aonde exatamente eles chegarão ou como eles serão
espalhados, mas é vital protegermos essa cidade. Felizmente, os navios ainda
estão a alguns dias de distância.”

“Compreendo. Eu te encontrarei de volta assim que eu tenha cuidado de tudo


aqui.”

Quando Virion e Aldir se prepararam para atravessar o portão de


teletransporte, o Asura de cabelos brancos voltou-se, correspondendo ao meu
olhar com seu único olho roxo. “Arthur, você está pronto para esta guerra?”

Meus lábios se curvaram em um sorriso enquanto eu soltei uma risada. “Não,


mas eu não planejo perder para aqueles malditos Vritras.”

Aldir sorriu de volta e se virou de novo. “Ótimo. Isto é o que eu gosto de ouvir.”

Capítulo 147
Função

Quando Virion e Aldir voltaram para o castelo, fiquei para trás para impedir
que meus pais, que insistiam em se juntar aos Chifres Gêmeos e ajudar na
guerra, fossem embora. Quando nos despedimos, tentei dissuadi-los de irem
perto da costa ocidental, onde a luta seria a mais pesada, mas eles foram
contra.

O que me frustrou foi que eu não podia culpá-los por isso também; para eles,
esta terra era a sua casa e protegê-la era apenas natural. Para mim, talvez
houvesse certo distanciamento, apesar de ter crescido aqui apesar de me
lembrar da minha vida anterior. Eu tratei Dicathen como minha casa porque
era onde minha família estava, e foi um grande fator a respeito do porque eu
decidi lutar contra os Vritra.

Removendo o resto da minha armadura, sentei no meu lugar e soltei um


suspiro profundo.

“Droga.” Eu amaldiçoei, esfregando minhas têmporas.

“Discutir com eles não foi a melhor maneira de se despedir.” Sylvie falou
enquanto se deitava, descansando a cabeça em suas patas do topo da mesa
de chá polida.

“Obrigado por me lembrar disso,” revirei os olhos, “eu simplesmente não


entendo por que eles não escutam o meu conselho. Eu não disse nada de
errado.”

“Você basicamente disse para eles irem para alguma área remota e ficarem
escondidos.” Ela respondeu.

“Essas não foram as palavras que eu usei.” Eu respondi, chutando minhas


botas.
“Mas é isso que você quis dizer.”

“Eu só quero que eles fiquem seguros.” Eu murmurei, admitindo.

Sylvie pulou da mesa de chá e pousou no braço da minha cadeira. “Se eles
estivessem mais preocupados com sua própria segurança, seus pais não se
importariam em entrar na guerra.”

“Bem, estou mais preocupado com a segurança da minha família do que com
esta guerra. Eu sou grato que eles estão pelo menos deixando Ellie para trás,
mas isso não significa que eles devam arriscar suas vidas.”

Meu vínculo assentiu com a cabeça. “Eu sei.”

“Eu só espero que eles saibam que eu estou preocupado com eles como filho
deles, não como um…” Eu deixei minha voz sumir enquanto eu soltava outro
suspiro profundo.

“Vai ser difícil para eles discernir agora que eles sabem.” Disse Sylvie
suavemente, colocando uma pata reconfortante no meu braço.

Eu afundei em meu assento enquanto olhava para o meu vínculo por um


momento. “Quando exatamente você descobriu o que eu era, afinal?”

“Acho que sempre soube, mas nunca consegui pensar no termo para descrevê-
lo. Nós compartilhamos pensamentos, afinal de contas.”

“Todos os pensamentos?” Eu perguntei, atordoado.

“Mhmm.”

“Mas você só responde quando eu falo diretamente com você. E eu não ouço
seus pensamentos a menos que você esteja falando diretamente para minha
mente.”

“Para mim, falar à sua mente é como falar em voz alta. Eu aprendi a manter
alguns pensamentos ocultos; eu não posso dizer o mesmo sobre você.” Ela riu.

Meus olhos se arregalaram de horror. “Isso significa que-”

“Eu sei sobre seu tumulto emocional constante quando se trata de Tessia?
Sim.” ela sorriu.

Eu soltei um suspiro.

“Não se preocupe. Eu escutei todos os seus pensamentos fugazes desde que


nasci. Eu não comecei a entender até um pouco mais tarde, mas eu me
acostumei com isso ao longo dos anos,” ela consolou, seus dentes afiados
ainda aparecendo enquanto seu sorriso permanecia.
“Bem, eu não me acostumei com nada.” Resmunguei.

O sorriso de Sylvie desapareceu quando ela olhou para mim com seus
brilhantes olhos amarelos. “Vamos lutar em breve. Meu avô me disse enquanto
me treinava que, mesmo que eu ainda esteja longe de alcançar o nível de um
verdadeiro Asura, o sangue dele ainda corre através de mim. Isso significa que,
embora eu possa lutar ao seu lado nessa guerra, não sou invencível. A melhor
maneira de permanecermos vivos é confiar um no outro.”

“Claro.” Eu disse, confuso com o que trouxe isso.

“Estou dizendo isso porque tenho coisas que escondi de você—coisas que
acabei de descobrir recentemente, e sinto que você é a única pessoa em quem
posso confiar minha vida.” Ela respondeu, lendo minha mente.

“Sylv, você sabe que pode confiar em mim com o que quer que seja. Afinal, eu
te criei desde que você nasceu.”

“Obrigado.” Meu vínculo saltou do braço para o meu assento e apoiou a cabeça
no meu colo.

Houve um momento de silêncio enquanto eu pensava no que ela dizia. Eu sabia


que ela podia ler meus pensamentos, mas, como ela mencionou, isso
realmente não importava. Não importa o quão curioso eu estivesse, não me
incomodei em perguntar a ela quais eram essas “coisas” que ela descobriu; ela
já teria me dito se quisesse. O que me preocupou foi o fato de que essa era a
primeira vez que ela expressava algum tipo de medo por sua vida. Apesar de
nossos inúmeros encontros com situações perigosas, ela sempre permaneceu
forte e destemida, mas agora eu podia sentir sua apreensão em relação a essa
guerra.

Eu gentilmente acariciei a cabeça macia de Sylvie. “Como você ficou tão


inteligente assim? Parece que desde que voltei de Epheotus, você teve esse
enorme crescimento. E não me venha com seu ego crescente.”

“Você está apenas amargo porque está aceitando conselhos de vida de uma
raposa mais nova que você. E sempre aprendi rápido—por que você acha que
eu sempre ficava no topo da sua cabeça?”

“Então você estava aprendendo observando o nosso entorno?” Eu perguntei.

“Sim. E ajuda muito você saber de tantas coisas e eu tendo livre acesso aos
seus pensamentos.” Ela confirmou enquanto se aninhava mais perto da minha
perna.

Eu poderia dizer que ela estava cansada, enquanto eu tinha mil perguntas
sobre sua mudança aparentemente súbita no comportamento, eu sabia que
tinha que esperar.
Meus olhos permaneceram focados na respiração constante do meu vínculo
enquanto ela dormia profundamente. Ela realmente não mudou muito. Ainda
havia uma sensação de imaturidade em sua voz, apesar da mudança na
maneira como ela falava; parecia que ela estava se forçando a se tornar mais
madura.

Eu não tinha certeza do que Lord Indrath tinha feito em meu vínculo enquanto
a treinava, mas uma coisa era certa—ela tinha percebido que é uma Asura.

Quando a respiração de Sylvie se tornou mais lenta e mais rítmica, inclinei a


cabeça para trás na cadeira, olhando para o teto plano do meu quarto
enquanto organizava meus pensamentos.

Enquanto Virion e o resto não sabiam disso, Windsom tinha me dito como eram
Agrona e o resto de seu clã. Ele e o resto dos Vritras estavam experimentando
o que os Asuras chamavam de “raças menores” antes mesmo de terem
escapado para Alacrya. Os poucos relatos de magos que haviam aparecido na
Muralha não eram nada de especial, mas eu sabia que eles eram simplesmente
bucha de canhão destinada a criar desordem com as bestas de mana sob seu
controle para dividir nossas forças.

Se o que Windsom disse era verdade, então a horda de navios se aproximando


de nossa costa incluiria magos com sangue Asura correndo em suas veias. E
isso foi há séculos atrás. Eu só podia imaginar o quanto eles haviam
progredido desde então e o que eles fariam com o povo de Dicathen se Vritra
ganhasse esse cerco. Este lugar seria apenas um terreno fértil para os soldados
que Agrona usaria para conquistar Epheotus.

“Arthur.”

A grave voz rouca me tirou dos meus pensamentos. “Não há algum tipo de
etiqueta para bater ao entrar no quarto de alguém, ou pelo menos usar a porta
para isso?”

“O tom de sua resposta me diz que as coisas não vão bem com o negócio que
você teve que cuidar?” Aldir disse enquanto calmamente se sentou no sofá em
frente a mim.

“Por que você está aqui? Eu pensei que você estaria com o Conselho.” Eu disse,
ignorando suas palavras.

“Há algo que eu preciso de você.” Respondeu Aldir, com o olhar penetrante de
seu olho roxo brilhante dirigido a mim.

Eu olhei de volta, meu olhar inabalável. “E o que seria?”

Houve um silêncio tenso até que Aldir soltou um suspiro.


“Sua ajuda.” Admitiu Aldir. “Lord Indrath me disse para confiar em seu
julgamento ao longo da guerra, e depois do seu discurso anterior, acho que
entendi o porquê.”

“O que Lord Indrath quis dizer quando disse que confia no meu julgamento?”
Perguntei. Quando me sentei, Sylvie acordou, mas voltou a dormir quase
imediatamente depois.

“Lord Indrath percebeu que sua contribuição para essa guerra não deveria se
limitar a ser apenas uma ‘espada’. Embora haja momentos em que você será
necessário em campo, enviá-lo para todas as batalhas que ocorrerem só vai
cansar você. Nos momentos em que você não precisar, você estará ao meu
lado no conselho, elaborando estratégias conosco e nos dando sua opinião.”

“Deixe-me ver se entendi; você quer que um adolescente de dezesseis anos


tome decisões que mudam vidas com o Conselho?” Eu zombei.

“Além do fato de que você é apenas um ‘ser menor’, você não é uma criança
normal. Não pense que esse olho é apenas uma decoração bonita. Eu sabia
que havia algo em você na primeira vez que nos encontramos, mas foi apenas
pelas palavras de lorde Indrath que percebi o quanto.”

“Existe algo que eu recebo em troca por ajudá-lo?” Eu perguntei, descansando


a cabeça na minha mão.

Os olhos de Aldir se estreitaram. “Eu vim de boa-fé para pedir sua ajuda, mas
é para nosso benefício que você coopere. Perder essa guerra significa morrer,
ser escravizado ou pior. Não apenas para você, mas também para seus entes
queridos.”

“Você poderia pelo menos me atirar um osso.” Eu suspirei. “Sim, vou ajudar,
mas não tenho certeza de quanto dos meus conselhos o Conselho está
disposto a ouvir. Virion pode ouvir, mas o resto…”

“Deixe que eu me preocupe com isso,” Respondeu Aldir. “além disso, você não
estará apenas em reuniões. Eu tenho outros planos para você também.”

“Quando você diz ‘outros planos’ desse jeito, parece meio sinistro.” Eu ri.

“Como eu disse; você é uma potência nessa guerra—talvez mais do que as


Lanças dadas há alguns anos. Eu certamente não desperdiçaria suas
habilidades fazendo com que você sentasse junto daqueles ‘seres menores’—
quero dizer o Conselho—brigando uns com os outros.”

Eu balancei a cabeça e soltei uma risada desamparada. “Deve ser frustrante


para você, estar aqui e impedido de ajudar, apesar da quantidade de mão de
obra que você poderia fornecer apenas por si mesmo.”
“Minha hora vai chegar. Se a defesa deste cerco for bem sucedida, então nosso
exército de Asuras poderá cuidar de Agrona e sua força enfraquecida com a
ajuda do exército Dicatheano.”

“Parece que esta guerra está longe de terminar.” Eu suspirei.

“Sim, mas essa luta será o começo de uma nova era. Se Dicathen vencer e lutar
ao lado de nós, Asuras, Agrona e seu clã de traidores e vira-latas cairão e todos
terão acesso a um novo continente.”

Aldir parecia esperançoso, quase empolgado, apesar do habitual


comportamento calmo.

“Você perdeu alguém para Agrona, não é?” Perguntei, vendo a expressão no
rosto do Asura.

“Muitos de nós perdemos um ente querido naquela batalha—não, seria melhor


descrever como um massacre.” Aldir respondeu com a sobrancelha sob o
terceiro olho se contorcendo.

“Bem, você ouviu o que eu disse a Virion; não tenho nenhuma intenção de
perder esta guerra, mas se você vai pedir minha ajuda nisto, precisa confiar no
conselho que eu dou.”

Deixando escapar uma risada no nariz, ele respondeu: “Nunca pensei que em
todos os meus anos, um ‘inferior’ falaria comigo desse jeito.”

“Bem, esses ‘inferiores’ estão lutando suas batalhas para você, pelo menos,
tenha a decência de chamá-los pelo nome real de sua raça.” Eu respondi com
um sorriso.

“Você pede muito, Arthur Leywin, mas muito bem.” O Asura de cabelos brancos
levantou-se, alisando as rugas em seu manto de marfim. “Já era hora de voltar
para a sala de reuniões. Preocupa-me toda vez que deixo esses inferi—pessoas
sozinhas por muito tempo. Nós estaremos esperando você em breve.”

Eu soltei uma risada. “Claro, eu vou descer em breve, mas estou curioso sobre
algo.”

“O que é?” O Asura respondeu, olhando por cima do ombro.

“As duas lanças restantes que não puderam se juntar a nós hoje. Eu sei que
você disse há dois anos que eles estão trabalhando com você, mas você não
os matou ou algo assim, certo?”

Aldir sacudiu a cabeça. “Mesmo eu não seria tão imprudente a ponto de matar
uma Lança por capricho. Embora os enviados políticos possam ser
substituídos, o poder de uma Lança pode levar anos para se desenvolver,
mesmo se eles tivessem uma compatibilidade particularmente alta com o
artefato. Eu planejei trazer o assunto sobre esses dois na reunião, mas desde
que você falou sobre isso, eu gostaria de sua opinião sobre este assunto.”

Eu balancei a cabeça com fervor quando o Asura revelou o que ele estava
planejando usando as duas Lanças, quando uma ideia me ocorreu. Meus lábios
se curvaram em um sorriso perverso quando eu soltei uma risada desonesta.
“Nada mal, mas tenho uma ideia melhor.”

Capítulo 148
Primeira designação

Uma nuvem de neblina gelada se formou a cada respiração enquanto eu


caminhava em direção ao acampamento movimentado. Os soldados
montaram suas tendas e acenderam fogueiras atrás de uma formação de
grandes rochas de duas dezenas de metros de altura sob um penhasco junto
à costa. Os suaves lampejos de fogo e trilhas de fumaça se destacavam à
distância, mas a imponente barricada de pedras servia como uma defesa
natural de qualquer um vindo das águas.

Eu pude distinguir alguns vigias estacionados no topo do penhasco sobre o


acampamento, pouco visíveis, mesmo com a visão aprimorada, devido à
camada de neblina ao redor de toda a praia.

Envolvendo o manto de lã em volta de mim, me envolvi em outra camada de


mana para manter afastados os ventos fortes do inverno.

Quase lá. Informei Sylvie, que estava enterrada nas camadas das minhas
roupas.

Meu vínculo colocou a cabeça para fora e quase imediatamente se escondeu


dentro da minha capa depois de deixar escapar um grunhido amargo.

Para um ser tão poderoso, você com certeza é fraca para o frio. Eu provoquei,
continuando a última parte da nossa jornada.

‘Não foi você que teve que voar através daquele vento amaldiçoado. Parece que
minhas asas têm buracos nelas, mesmo nessa forma.’ Reclamou ela. ‘E eu não
sou fraca para o frio, eu simplesmente o odeio’.

Eu soltei uma risada suave enquanto mantinha meu ritmo. Desde que
recusamos qualquer tipo de trégua com Alacrya, Aldir não arriscaria quebrar o
acordo dos asuras, criando portais de teletransporte. Isso significava que eu
tinha que confiar em Sylvie para transporte de longa distância em qualquer
lugar longe dos portões de teletransporte já existentes. Eu só a fiz se
transformar uma milha ou mais de distância para não chamar atenção.

De acordo com o pedido de Virion, eu deveria ficar com esta divisão e ajudá-
los no improvável cenário de que navios Alacryanos fossem enviados até aqui
ao longo da costa. No entanto, sem o conhecimento dele, eu tinha adicionado
outro item à sua agenda.

Andando pelo fundo do penhasco, escondi minha presença. Enquanto a


maioria dos magos escondia sua presença ao rescindir sua mana, meu
treinamento em Epheotus me ensinou que um equilíbrio perfeito de saída de
mana através dos meus canais e a entrada de mana através de minhas veias
de mana me permitiria permanecer escondido até mesmo das bestas mais
alertas enquanto seria capaz de usar mana.

Pude avistar uma barraca bastante grande, em forma de casa, perto do sopé
do penhasco onde a formação de pedras se encontrava. A julgar pelo fato de
que a tenda estava localizada na área mais segura do grande acampamento
semicircular e que era três vezes o tamanho de qualquer uma das outras
tendas de má qualidade ao redor, eu só podia supor que ela pertencia ao
capitão.

Quando cheguei perto da borda do acampamento, peguei alguns pedaços de


madeira ao longo do caminho e, naturalmente, passei pelos soldados de
repouso.

Ninguém parecia se importar; com meu capuz para cima e uma braçada de
galhos e gravetos, eu provavelmente parecia com qualquer outro jovem
soldado desejando ansiosamente ganhar um título contribuindo na guerra.

Alguns dos soldados experientes, polindo suas armas e armaduras contra a


delicada luz do fogo, olharam na minha direção com pouca consideração
enquanto um grupo de soldados mais jovens—obviamente conjuradores de
descendência nobre com base em seu traje embelezado e cajados vistosos—
zombavam e sorriam do meu traje simples.
‘Aqueles palhaços ignorantes não têm ideia de quem eles estão
zombando,’ Sylvie sibilou enquanto espiava suas expressões. ‘Eles são
melhores usados como iscas.’

Pega leve, eu a acalmei. Você com certeza aprendeu alguns insultos coloridos
de Lord Indrath.

Ao me aproximar mais do acampamento, passei pela cozinha. Grandes


fogueiras ardiam dentro de poços de barro formados através da magia,
alinhadas de forma ordenada, com guisados borbulhando tentadoramente
dentro de vasos, enquanto grandes homens de peito largo se agarravam em
pedaços de carne.

“Limpe as panelas para a carne no espeto! Benfir e Schren, preparem-se para


começar a distribuir o ensopado!” Uma mulher bem pequena, com uma
expressão feroz, soltou ordens com uma concha na mão, mais como uma arma
do que como uma ferramenta.

A mulher empunhando a concha olhou por cima do ombro quando passei por
ela. Ela me deu um aceno respeitoso, o que me pegou de surpresa, já que eu
assumi que ninguém reconheceria quem eu era tão longe da civilização.

Eu quase cheguei à grande tenda no canto mais distante do acampamento


quando o choque estridente de metal com metal chamou minha atenção.
Soltando os galhos que eu tinha em minhas mãos, espiei o grupo de soldados
que formava um círculo em torno da fonte dos sons, vendo dois ajudantes
envolvidos em uma luta amistosa. Os guinchos afiados de suas espadas
atraíram faíscas, mesmo com a camada de mana cobrindo suas lâminas,
enquanto pareciam os ataques um do outro com óbvia habilidade.

“Você ficou melhor, Cedry.” Disse o soldado de cabelos curtos. Enquanto ele
parecia um pouco mais baixo que eu, seus braços pareciam quase
anormalmente longos. Ele usava sua estrutura esbelta e membros longos e
flexíveis a seu favor, oferecendo ataques rápidos e irregulares com adagas
duplas.

“E ainda assim, você é um saco de se enfrentar, Jona.” A garota chamada Cedry


respondeu com um sorriso confiante quando ela abaixou o golpe de Jona. Ela
estava claramente em desvantagem com suas manoplas contra um adversário
que se destacava em ataques de longo alcance, mas ela não estava perdendo.

Quando ela se abaixou agilmente, tecendo e aparando o duplo ataque de Jona,


algo nela despertou meu interesse.

Não descobri o que até que me concentrei em suas orelhas até perceber
porque me senti assim.

Ela é meio-elfa. Eu apontei para Sylvie, que perdeu o interesse no combate e


voltou para dentro do meu manto.

Na minha observação, meu vínculo espiou a cabeça para fora. ‘Oh! Ela é. Nós
não encontramos ninguém além daquele Lucas mal-humorado.’

Mal-humorado para dizer o mínimo. Eu ri, meu olhar ainda na luta.

‘Não deveríamos notificar o capitão da nossa chegada primeiro?’ Lembrou


Sylvie.

Você está certa. Eu me distraí. Pensei, me afastando do duelo.

‘Você sempre fica distraído quando se trata desses tipos de lutas.’ brincou ela.

Há algo sobre o combate corpo a corpo que faz uma luta emocionante, ao
contrário de conjuração de longo alcance. Eu concordei, andando de volta.

Quando chegamos à grande tenda branca, um guarda blindado segurando uma


alabarda me parou. “Que negócios você tem aqui?”

“Esta é a tenda do capitão?” Eu perguntei, meu capuz ainda cobrindo metade


do meu rosto.

“Eu disse, que negócio você tem aqui?” O guarda repetiu, seu olhar implacável.

Deixando escapar uma respiração profunda, eu segurei um medalhão.

Após o ver, os olhos estreitos do guarda se arregalaram em choque. Seu olhar


se desviou do medalhão de ouro de volta para mim com um olhar de horror
para o erro que ele tinha cometido. “E-eu sinto muito, Gen–”
“Shhh.” Falei antes que ele pudesse terminar de falar. Eu levantei minha mão.
“Eu não quero que minha visita cause uma agitação, então vamos apenas
manter isso entre nós.”

“Si-sim, senhor.” Ele balançou a cabeça furiosamente quando ele abriu a aba
da tenda.

Quando entrei na tenda espaçosa, uma rajada de calor inundou meu corpo.
Parecia que uma camada de gelo estava derretendo do meu rosto quando tirei
meu manto. A primeira coisa que eu não pude deixar de notar foi o falcão
aninhado perto da entrada.

‘Eu me lembro dela.’ Sylvie entrou na minha cabeça quando ela pulou para o
chão.

Eu me virei para a mulher sentada atrás de uma pequena mesa de madeira,


despreocupada com a intrusão.

“Professora Glory.” Eu cumprimentei com um sorriso fraco quando ela


finalmente olhou para cima, seu rosto se iluminando com a visão de seu antigo
aluno. Minha antiga professora de Mecânica de Combate em Equipe parecia a
mesma de sempre com sua pele bronzeada e cabelo moreno amarrado bem
atrás da cabeça. Enquanto ela usava uma armadura leve, mesmo dentro da
tenda, suas duas espadas gigantes inclinavam-se contra uma gaveta atrás
dela.

“É bom ver você, General Leywin.” Ela sorriu, dando a volta em sua mesa.

“Por favor, me chame de Arthur.” Eu disse impotente.

“Então eu prefiro se você apenas me chame de Vanesy.” Disse ela, abrindo os


braços. “Afinal, eu não sou mais sua professora.”

Aceitando seu abraço, notei que esta era a primeira vez que ouvi o primeiro
nome da professora Glory. “Bem então. Você se importa em me dar um breve
relato da situação aqui, Vanesy?”

Soltando-me de seu firme aperto, Vanesy reconheceu Sylvie com um aceno


educado antes de chegar atrás de sua mesa. Depois de um momento
remexendo, ela estendeu um pergaminho enrolado, mas começou a falar antes
mesmo que eu pudesse abri-lo.

“Agora, sou apenas eu e minha divisão de aproximadamente três mil. Minha


divisão é do lado menor, mas temos conosco cinquenta e oito magos, vinte
dos quais são conjuradores, enquanto dez são fortalecedores de longo alcance
para compensar os números.” Ela recitou.

Eu assenti em compreensão enquanto folheava o pergaminho. “Deveria haver


um outro capitão junto com você, certo?”

“O capitão Auddyr e sua divisão estão fazendo a marcha até aqui da cidade de
Maybur. Eu posso mandar uma transmissão, se você quiser.” Minha antiga
professora respondeu.

“Não há necessidade. Verdade seja dita, eu não estou nem esperando que um
navio se desvie tão para o sul.” Eu admiti, entregando a Vanesy de volta o
pergaminho.

“Eu ouvi sobre o seu grande plano para aqueles Alacryanos desgraçados até a
costa.” Ela riu. “Você acha que vai funcionar?”

“Isso vai atrasá-los e, com alguma sorte, afundar alguns de seus navios.”

“É uma pena não estarmos lá para ver.” Disse ela com pesar. A professora de
olhos brilhantes que eu tinha lutado lado a lado antes na Cripta da Viúva, em
seguida, puxou um frasco de couro de sua gaveta, mordendo a rolha antes de
engolir o que eu só poderia assumir que era álcool.

“Quer um gole, General Leywin?” Ela piscou, segurando o frasco.

“Eu sou menor de idade, você sabe.”

Vanesy zombou. “Se você tem idade suficiente para ir para a guerra, já tem
idade para beber.”

Meus lábios se curvaram em um sorriso quando peguei seu frasco e tomei um


gole. O líquido fumegante queimou minha garganta quando entrou no meu
estômago, aquecendo minhas entranhas.
‘É inteligente inibir-se assim antes de uma batalha?’ Perguntou Sylvie com um
tom de desaprovação.

Relaxa, é só um gole. Eu respondi.

Sufocando a tosse, entreguei a garrafa de couro a minha antiga professora.


“Isso é muito bom.”

“Mhmm,” Vanesy concordou. “embora você precise de um pouco mais do que


isso para se manter aquecido lá fora. Você não está congelando nessa sua
roupa fina?”

Eu olhei para o meu traje. Enquanto eu não estava esperando uma batalha, eu
estava vestido para uma. Minha roupa cinza estava apertada, com a manga
chegando ao meu pulso. Embora aparentemente fino, ele era elástico o
suficiente para eu me mover livremente, mas também forte o suficiente para
suportar lâminas afiadas até certo ponto. A única coisa que eu usava era uma
simples túnica preta que cobria os meus ombros. As mangas pararam nos
cotovelos, permitindo-me o movimento desimpedido dos meus braços.

Eu balancei a cabeça. “Eu me acostumei a constantemente me cercar de mana


para me manter aquecido. Honestamente, até mesmo esse manto é só por
causa da aparência.”

“Por que isso? O comandante Virion queria que eu falasse na frente dos
soldados de qualquer maneira—você sabe, por motivação.”

“Sobre isso,” Eu sorri. “vamos adiar isso até o capitão Auddyr chegar. Esperava
me divertir um pouco no acampamento.”

“Uh, oh.” Minha ex-professora gemeu. “O que está querendo?”

Eu balancei a cabeça em desaprovação. “Isso é de alguma maneira a forma de


se falar com seu superior?”

“Tudo bem,” Ela cedeu. “só não vá ferir mortalmente meus soldados.”

“Que tipo de pessoa você acha que sou?” Respondi inocentemente, colocando
minha capa de volta enquanto eu voltava para a porta de pano.
“Há algum soldado que reconheça quem eu sou?” Perguntei, lembrando-me
do chefe de cozinha que se curvava para mim.

“Estamos muito longe de qualquer tipo de comunicação em massa.


Recentemente recebi uma carta escrita por um mensageiro com as últimas
atualizações, mas não anunciei nada ainda.” Ela respondeu. “Além disso, com
seu cabelo desgrenhado e essas roupas simples, você passaria facilmente
como um novo recruta vindo do interior.”

“Há um velho ditado que um homem sábio parece fraco quando ele é forte e
forte quando ele é fraco.” Eu respondi, apontando para a deslumbrante
armadura gravada com decorações intrincadas que ela tinha.

“É para proteção, não para se exibir.” Ela argumentou.

“Não quando o design da armadura combina com a armadura de seu vínculo.”


Eu provoquei, olhando para a armadura de prata pendurada em uma barra ao
lado de Torch.

“Você se tornou um espertalhão desde que se tornou uma lança.” Ela


resmungou.

“Oh, por favor, eu tenho sido um espertinho muito antes de me tornar uma
lança.” Eu rebati.

Minha ex-professora gargalhou quando ela se recostou na mesa. “‘Parecer


fraco quando você é forte’, eu gostei disso.”

“Sinta-se livre para roubá-lo.” Eu disse enquanto saía da tenda. Eu não poderia
dizer a minha ex-professora que essa citação era de um general antigo da
minha vida anterior, mas ela não parecia estar curiosa sobre sua origem.

‘O que você quer fazer?’ Perguntou Sylvie curiosa, aninhada no topo da minha
cabeça.

Avaliar a competência do estado atual de nossos soldados, é claro.

O senso de dúvida de Sylvie inundou minha mente quando ela soltou um


suspiro. ‘Você quer dizer brigar com eles?’
Só por um pouquinho.

‘Mesmo sendo seu vínculo, às vezes me vejo preocupada que o destino deste
continente depende fortemente de você.’

Capítulo 149
Uma simples cozinheira

Quando levantei a aba da tenda, avistei o guarda estacionado do lado de fora.


Assim que nossos olhos se encontraram, seu corpo gigante endureceu em uma
saudação frenética. “Ge-Gen—”

“Lembre-se…” Eu lembrei, piscando para o guarda aterrorizado enquanto


pressionava meu dedo nos meus lábios.

Sem esperar por uma resposta, voltei ao crescente grupo de soldados que
gritavam mais alto do que antes.

A luta entre a garota meio-elfa chamada Cedry e Jona, de braços longos,


parecia ter chegado ao fim quando um novo par de lutadores lutava em uma
plataforma de terra que um mago havia erigido.

O duelo casual dos dois soldados havia se transformado em um evento


completo, enquanto o público movia troncos e troncos de árvores para fazer
assentos. Alguns dos membros mais entusiasmados da multidão começaram a
fazer apostas com seus colegas, das fatias de carne de suas refeições seguintes
a recursos mais preciosos, como o álcool, que haviam contrabandeado dentro
de bolsas de água escondidas. Tudo somado, o acampamento tinha uma
atmosfera exultante que era indiferente às circunstâncias atuais deste
continente.

Me misturando com a multidão, eu fiz o meu caminho em direção à arena


improvisada, onde encontrei Cedry e Jona observando do chão.

“Foi uma boa luta.” Eu comentei, me sentando ao lado do soldado


empunhando punhais chamado Jona. “Quem ganhou?”
A meio-elfo que lutou usando manoplas, assim como meu pai, olhou para mim
com um sorriso vitorioso enquanto levantava a mão ostensivamente na frente
de Jona.

Jona bagunçou seu cabelo curto e despenteado em frustração. “Uma vez,


Cedry. Você ganhou uma vez.”

“A primeira vitória de muitas.” Ela riu.

Eu ri, olhando para as duas brigando. “Eu queria ter visto como terminou.”

Deixando escapar uma risada, Jona estendeu a mão. “Meu nome é Jona, e a
garota imatura ao meu lado é Cedry. Eu não acho que vi você por perto. Você
é um novo recruta?”

“Eu acho que você pode dizer isso.” Eu balancei ambas as mãos. “Você pode
me chamar de Arthur.”

“Bem, Arthur, a julgar por como as coisas estão indo, parece que vamos poder
aproveitar muito mais lutas hoje à noite.” Disse Jona, se concentrando na luta
que estava ocorrendo no momento.

A luta acabara de terminar com um fortalecedor grande, parecido com um


urso, finalmente acertando um golpe final em seu oponente. Quando o
soldado derrotado pulou da arena, cuidando de sua face ferida, meu olhar caiu
sobre Jona e Cedry mais uma vez. As feições de Jona eram bastante comuns,
com ângulos agudos e um leve nariz pontudo. Cedry, por outro lado, se
destacava um pouco mais. Com seu olhar radiante que parecia cheio de vida e
seu comportamento lúdico. Eu não ficaria surpreso se ela fosse popular entre
homens e mulheres. Apenas no curto tempo em que me sentei ao lado delas,
pelo menos uma dúzia de colegas passou por aqui, fazendo piadas ou
parabenizando-a por sua vitória.

“-caipira! Tire sua cabeça da bunda.” uma voz alta e arenosa estalou.

Eu me virei em direção à fonte da voz apenas para ver o fortalecedor que


parecia um urso olhando para mim.
Olhei em volta até perceber que ele estava falando comigo. “Eu realmente
pareço que vim do campo?” Perguntei a Jona.

“Pare de ir atrás de novos recrutas, Herrick, e tenha as bolas para pelo menos
treinar com alguém em sua categoria de peso.” Cedry sussurrou de volta,
provocando um uivo de riso do resto da multidão.

Eu me levantei. “Está bem. Estamos apenas nos divertindo, certo?”

“Si-Sim.” O Herrick careca rapidamente concordou. “Estou usando essa chance


para mostrar aos novos recrutas algumas dicas!”

Tirando minha capa com Sylvie dentro, subi para o palco elevado e estendi a
mão. “Bem, então, por favor, me dê muitas dicas.”

Herrick agarrou minha mão, apertando-a um pouco demais para um gesto


caloroso. “Eu vou te dar o primeiro movimento.”

Soltando a minha mão, ele abriu os braços com um sorriso arrogante colado
em seu rosto oleoso enquanto seus olhos olhavam para um grupo de garotas
sentadas na plateia.

Enquanto o corpo de Herrick parecia um pouco redondo demais para ser


eficiente em batalha, a camada de mana envolvida em torno dele me dizia que
ele era um mago competente.

Querendo ver como ele lutava, eu limitei a quantidade de mana que eu usei
no meu corpo enquanto me aproximei o suficiente para atacar.

Quando meu punho se aproximou de seu abdômen, pude ver a mana reunindo
onde ele pensou que eu acertaria. O aumentador gigante mal se encolheu
quando meu punho afundou em seu estômago redondo.

“Você vai ter que se esforçar mais do que isso, pirralho caipira!” Ele riu
enquanto me afastei.

Eu apertei minha mão. “Tão forte.”

“Agora, permita-me instrui-lo.” Seu sorriso cresceu quando ele olhou


novamente para o grupo de meninas nos observando.
Ele balançou a mão gigante para me tirar da plataforma. Tomando o golpe, eu
caí de bunda de forma embaraçosa, mas sem ferimentos. “Oh cara, eu não
pude nem reagir.”

Havia um pouco de irritação no rosto do meu oponente quando ele assumiu


que eu ia sair da arena, mas seu sorriso arrogante ainda estava lá. “Você tem
sorte que eu me segurei ou você teria voado. Aqueles desgraçados de Alacrya
não vão pegar leve com você, apesar de tudo.”

“Você está certo. Obrigado.” Eu tentei parecer entusiasmado como um garoto


do campo que agora fazia parte de um exército cheio de magos de sangue
nobre, mas estava se tornando cansativo.

A luta continuou por mais alguns minutos com Herrick tentando me tirar da
arena usando suas mãos carnudas enquanto eu fingia receber todo o peso de
seu ataque apenas para tropeçar alguns metros.

“Vamos, Herrick. Eu sei que você está pegando leve com ele, mas não fique
mimando ele o dia todo!” Um soldado gritou enquanto seus colegas
concordavam.

“E-eu só não quero machucar o garoto, sabe?” Ele respondeu, sua frustração
evidente em seu rosto.

Até agora, eu tinha percebido isso pelos calos em suas mãos e a forma como
seus braços atacavam naturalmente, ele usa um machado pesado como sua
arma primária. No entanto, além de seu controle decente no fortalecimento
do corpo, ele não tinha outros truques na manga. Decidindo que a minha
avaliação sobre ele havia acabado, usei a chance quando Herrick se aproximou
para me agarrar torcendo meu corpo e jogando-o sobre meus ombros para
fora da arena.

Todo o ato parecia um grande erro. Até mesmo Herrick ficou surpreso ao ver a
si mesmo olhando para mim do chão.

“E-Espere, eu tropecei!” Ele gritou, olhando ao redor desesperadamente


enquanto acenava com as mãos. “Isso não conta.”
A multidão explodiu em gargalhadas e vaias enquanto zombavam de Herrick
do palco.

Mesmo usando apenas dez por cento da minha mana e retendo qualquer uso
de feitiços elementares, Herrick era uma piada. Mas eu não pude dizer isso em
voz alta, claro.

“Parece que eu tive sorte.” Eu disse impotente no palco enquanto coçava


minha bochecha.

“Eu queria vencer a bunda gigante de Herrick, mas acho que nada pode ser
feito.” Uma mulher alta com o cabelo preto amarrado atrás da cabeça saltou
para a arena. “Vamos ver se realmente foi apenas sorte, novato.”

“Por favor, vá com calma comigo.” Eu disse com apatia.

Minha oponente tinha mais de um metro e oitenta, apenas alguns centímetros


a mais do que eu, mas seu corpo magro e tonificado a fazia parecer ainda mais
alta do que realmente era. Com uma pele escura, olhos estreitos e afiados para
complementar seu cabelo preto liso, ela parecia uma pantera pronta para
atacar.

“Estou acostumada a lutar com um bastão, então eu apreciaria se você usasse


uma arma também.” Disse ela quando um bastão de madeira apareceu do anel
dimensional em seu dedo. Do anel que ela acabara de usar e das cores ricas
de suas roupas, era óbvio que ela era nobre, mas esse fato parecia trivial para
ela.

“Não mate a criança, Nyphia!” Gritou sua amiga com uma preocupação
genuína.

Eu ri timidamente. “Desculpe, o ferreiro está consertando minha espada agora,


mas eu posso…”

“Alguém dê ao garoto uma espada do tamanho dele.” Disse Nyphia,


impaciente, enquanto esticava o pescoço.
Um soldado desconhecido me jogou sua espada curta ainda na bainha quase
imediatamente. Soltei um suspiro quando cuidadosamente tirei a lâmina de
sua bainha e a cobri em mana para enfraquecer o corte.

Ao contrário de Herrick, meu novo oponente não baixou a guarda quando ela
se inclinou em uma posição baixa. Ela segurou seu bastão de madeira com a
ponta apontada para o chão enquanto seus olhos felinos olhavam diretamente
para mim.

“Pobre rapaz, sendo marcado por Nyphia.” Alguém murmurou atrás de mim.

Deixando escapar um suspiro, tomei uma postura também. Eu estava


esperando para usar este evento casual para ter uma noção de alguns dos
soldados aqui, mas essa garota parecia ter outros planos. “Você está pronta?”

A aumentadora de pele escura soltou uma zombaria irritada, como se eu a


tivesse ofendido de alguma forma. “Você está pronto?”

Ela se lançou sobre mim como um relâmpago assim que assenti em resposta.
Seu corpo permaneceu baixo, mesmo quando ela estava no alcance, enquanto
puxava seu cajado para perto de seu corpo, pronta para me atingir.

Apenas pelo seu primeiro ataque, eu poderia dizer que tipo de lutador Nyphia
era. Seu controle sobre mana era excelente, em um nível diferente de Herrick,
mas ela não tinha experiência real. Seus movimentos foram rápidos, mas
também óbvios. Sua intenção quase vazou de seu corpo com cada ataque que
ela tentava. Provavelmente, ela só teve experiência lutando contra alguns
guardas ou outros profissionais com medo de machucá-la, o que não ajudou
com seu temperamento curto e sua confiança exagerada.

Cada estocada, golpe, impulso e balanço que ela jogou em mim, eu parei ou
me esquivei, mas apenas por pouco. Do lado de fora, parecia que eu estava
sendo empurrado para trás enquanto tentava desesperadamente
acompanhar. Para Nyphia, seu temperamento alcançou um novo recorde após
cada tentativa fracassada de acertar um golpe sólido.

Quando meu pé de trás se inclinou para fora da borda da plataforma em que


estávamos, eu usei o impulso excessivamente grande de Nyphia para mandá-
la fora dos limites e terminar a partida, mas ela manteve o equilíbrio com a
ajuda de seu cajado

Pulando de volta para o centro, ela balançou a cabeça. “Não dessa vez. Amber,
levante uma jaula ao redor da arena!”

“Esta é apenas uma competição amistosa, não uma partida até a morte.”
Argumentei.

Ela discordou. “Não, isso é prática para a guerra que está bem na frente dos
nossos narizes. E na guerra, não há ‘fora dos limites’.” Ela acenou com a cabeça
por cima do ombro. “Amber. A gaiola.”

Sua amiga, ou lacaio, se levantou e levantou um portão de terra ao redor da


arena com um pequeno canto e um aceno de sua varinha, me prendendo com
esse gato raivoso que se considerava um poderoso tigre.

Eu olhei ao redor e enquanto alguns dos soldados compartilhavam olhares de


preocupação, nenhum deles falou. Eu estava começando a me arrepender de
toda essa ideia de “me misturar” e fui tentado a simplesmente explodir a arena
e sair, mas me segurei. Com a possibilidade de um navio Alacryan, ou vários,
desviando para esta costa, eu não queria correr nenhum risco.

Com a experiência da minha vida passada, eu percebi que as pessoas se


tornam complacentes na presença de um poderoso aliado. Eles esperam
receber a vitória do conforto das linhas de traz quando alguém tão venerado
quanto uma lança está entre eles. Pelo menos, esse foi o caso da minha vida.
Eu poderia estar errado, quem sabe, talvez ter uma lança com eles lhes daria
a confiança e zelo para lutar mais, mas eu estava cético sobre isso.

“Você tem um bom ponto.” Eu fingi um sorriso, permanecendo no personagem.


“Por favor, me ensine bem.”

Com nossas armas prontas, começamos mais uma vez. Uma luta real,
especialmente se envolvesse uma arma afiada, levaria apenas alguns
segundos para chegar a uma conclusão. Mas com mana tão abundante quanto
era neste mundo, tornando os erros mais perdoáveis do que no meu mundo
anterior, os lutadores pouco fizeram para corrigir suas falhas e, em vez disso,
se concentraram em tornar seus pontos fortes ainda melhores. Até eu sucumbi
a esse erro quando cheguei a este mundo pela primeira vez; isto é, até que
isso foi espancado para fora de mim pelos Asuras em Epheotus.

Nyphia correu em minha direção mais uma vez, desta vez fugindo antes de usar
a outra extremidade de seu cajado em um rápido movimento ascendente.

Eu me esquivei o suficiente para sentir o cheiro de carvalho vindo de seu


cajado polido e rebati empurrando seu cajado com a mão livre. Isso a
desequilibrou; eu terminei deslizando o pé atrás do pé de trás e empurrando
para frente.

Com a força do meu corpo assimilado junto com a mana adicionada, Nyphia
foi lançada caindo para trás. A multidão de soldados que ficaram tensos desde
que a gaiola tinha sido conjurada soltou gritos de assombro perplexo com a
virada dos acontecimentos.

Me encarando de forma maligna quando seu rosto ficou vermelho de vergonha


e raiva, Nyphia foi incapaz de formar as palavras adequadas para se expressar
quando uma voz rouca e suave soou da multidão. “Se importa se eu me juntar
à diversão?”

“Você não está se juntando a nada! Eu apenas tropecei–” as palavras da nobre


de pele escura ficaram presas em sua garganta quando ela percebeu de quem
era a voz. “Ma-Madame Astera!”

Nyphia abaixou a cabeça enquanto falava. “Perdoe-me por minha grosseria!”

A mulher a que meu oponente se referia como Madame Astera não era outra
senão a cozinheira chefe que me olhava respeitosamente quando cheguei
aqui. A chef pulou por cima da jaula com uma agilidade que fez o movimento
de Nyphia parecer infantil.

Eu dei uma rápida reverência, lembrando de manter o caráter. “Posso ter o


prazer de saber com quem estou lutando?”

Madame Astera fez uma rápida reverência com o avental. “Apenas uma simples
cozinheira.”

Capítulo 150
Contemplação

“Só uma cozinheira?” Eu repeti. “De alguma forma, eu tenho dificuldade em


acreditar nisso.”

A chefe de cozinha encolheu os ombros, desamarrando o avental e jogando-o


para Nyphia. “Os títulos são apenas um enfeite preso na frente do seu nome
para estabelecer uma hierarquia, então sim, eu sou a Chef Astera. Prazer em
conhecê-lo.”

Surpreso pelas súbitas palavras de sabedoria, curvei a cabeça em resposta. “E


eu sou Arthur. O prazer é meu.”

“Bem então, Arthur, vamos dar um show para os soldados ansiosos aqui antes
que eles comecem a procurar briga.” Seus lábios se curvaram em um sorriso
confiante enquanto ela segurava a concha em sua mão.

“Claro. Essa será sua arma?”

“Não seja bobo. Seria desrespeitoso lutar com uma ferramenta usada para
cozinhar.” Deixando escapar uma gargalhada, Madame Astera fez um sinal para
um dos soldados na frente de sua arma—uma espada curta, muito parecida
com a que eu estava pegando emprestada. “Agora, pegue leve com uma
velhinha como eu.”

Com isso, ela desapareceu de vista a uma velocidade que nenhum “simples
cozinheiro” poderia ter se movido. Madame Astera piscou à vista no ar acima
de mim, já em posição de ataque, seu belo rosto brilhando com uma animação
selvagem.

Com um rápido desvio, eu trouxe minha espada também. Faíscas dançaram em


torno de nós quando a borda da minha lâmina encontrou a dela. Antes da
espada de Madame Astera atingir o chão, ela chutou a guarda da minha espada
para ganhar distância.

Com apenas uma quantidade mínima de mana infundida no meu corpo e


espada, minha mão ficou entorpecida por bloquear seu ataque. “Apenas uma
simples cozinheira?” Eu confirmei.

“Apenas uma simples cozinheira.” Ela respondeu com uma piscadela antes de
correr para mim mais uma vez.

Nossas espadas se tornaram meros borrões no espaço entre nós, com Madame
Astera e eu desencadeando uma enxurrada de ataques.

Seu pequeno corpo se movia com uma agilidade coordenada que


impressionaria Kordri, o asura que me treinou. Nós dois evitamos estocadas e
cortes um do outro com um mínimo de movimento. Se não fosse pelo suor que
cobria nossos rostos e pescoços, seria como se estivéssemos errando de
propósito.
Eu aumentei minha saída de mana para vinte por cento, mas, assim como eu,
ela parecia estar se segurando também porque ainda estávamos em um
impasse.

Nenhum de nós tinha o luxo de falar, pois tomava todo o nosso foco para
acompanhar os ataques um do outro, mas nossas emoções se mostraram
através de nossas expressões. Este não era um duelo de magia; apenas uma
competição de pura maestria da espada.

Senhora Astera tinha um sorriso eufórico em seu rosto suado enquanto ela
continuava seu ataque implacável e em algum lugar ao longo do caminho,
percebi que eu estava sorrindo também.

A cada golpe que ela fazia, eu contra-atacava com outro, mas ela se esquivava
perfeitamente até que suas costas estavam contra a gaiola de barro. Eu decidi
não aumentar minha mana, mas em vez disso, usei o ambiente a meu favor.
Mergulhando abaixo de sua cintura, eu trouxe minha espada em posição de
ataque.

Ela não tinha para onde se mexer, além de para a direita—ou melhor, era o que
eu pensava.

Mesmo quando ela estava a apenas um braço de distância de mim, ela chutou
a parede e se impulsionou diretamente para mim. Eu rapidamente girei no meu
pé direito, girando bem a tempo de sua lâmina passar pela minha bochecha.
As mesas haviam se virado; agora era minhas costas que estavam contra a
parede.

“Tenho certeza de que havia um ditado que dizia algo do tipo ‘até um rato
atacará quando encurralado’.” Disse Madame Astera, com a espada levantada,
em guarda.

Eu sorri. “Bem, parece que eu sou o rato encurralado agora.”

“Por isso minha cautela?” Ela sorriu, apertando o punho de sua espada
levantada. “Agora, por que você não para de se segurar, Arthur?”

“No meio de um duelo tão empolgante, acho que trazer qualquer coisa além
de fortalecimento básico seria desrespeitoso com o caminho da espada.”
Respondi.

“Palavras sábias de alguém tão jovem.” Ela assentiu em aprovação. “Então


vamos subir as coisas mais um nível?” Uma onda de mana de repente explodiu
do meu oponente quando ela deu um passo para trás.

Os soldados da primeira fila estremeceram com a repentina rajada de energia,


enquanto outros tiveram que se inclinar para a frente para não tombarem para
trás em seus assentos.
Com um sorriso, aumentei minha saída de mana para quarenta por cento. Uma
onda espessa de mana explodiu de mim também, mas assumiu uma forma
diferente da de Madame Astera. Enquanto sua mana assumiu a forma de um
vendaval agudo e caótico, o meu manifestou-se em um pulso de onda
refinado.

O sorriso de Madame Astera desapareceu quando ela olhou para mim com
admiração. Sacudindo-se fora de seu torpor, ela moldou sua mana em uma
armadura espessa em torno dela antes de se atirar em mim. A força de seu
passo inicial criou uma pequena cratera sob seus pés, sacudindo toda a arena.

No espaço de uma única respiração, sua espada já estava a centímetros da


minha garganta, mas a força de seu ataque já havia lançado uma lança de
vento passando por meu pescoço, apenas para criar um buraco na parede
atrás de mim.

Eu podia ver porque alguém como Nyphia estava com tanto medo dessa
“simples” cozinheira. Depois que seu ataque inicial falhou, ela saltou para trás
e se reposicionou, apertando sua postura como uma serpente enrolada,
pronta para atacar.

Mas desta vez fui eu quem atacou. Eu corri para frente, sem criar nenhum som,
enquanto eu relampejava ao lado dela com minha espada no meio do balanço
quando ela imediatamente se abaixou. Sem tempo para se preparar, seu
movimento era desleixado, mas o fato de que ela foi capaz de reagir ao meu
ataque mostrou o quanto seus instintos eram assustadores.

Ela balançou para trás com um movimento brusco antes de pular de volta
novamente. Desta vez, ela não esperou que eu golpeasse, em vez disso atacou
mais uma vez. Eu levantei minha espada, mas percebi no meio do caminho que
sua punhalada era uma finta quando ela mergulhou em um grande balanço na
minha perna; ela queria que eu saltasse para me esquivar para que ela
pudesse me pegar no ar.

Em vez disso, eu trouxe minha espada para baixo.

Um estridente estalo ressoou das nossas duas lâminas se chocando. Um


profundo tremor subiu pelo meu braço do impacto antes que minha espada
se quebrasse.

Por um momento, ficamos ali, ambos atordoados com a virada dos


acontecimentos até eu soltar. “É a minha derrota, Chef Astera.”

“Não, eu não posso aceitar isso. Foi só a qualidade da sua espada…”

Eu balancei a cabeça. “Eu acho que é hora de jantar de qualquer maneira,


certo?” Eu andei até o soldado que eu tinha emprestado a espada. “Sinto muito
pela sua espada. Eu vou te dar uma nova.”
“O qu… ah, sim, claro. Não há problema…” sua voz sumiu enquanto ele olhava
para mim sem expressão. Não foi até que percebi sua expressão de assombro
que percebi o quão quieto o acampamento havia se tornado. Olhei em volta
para ver todos com a mesma expressão que o soldado à minha frente, o único
som que ocasionalmente fazia crepitar a madeira vindo das fogueiras.

“Você ouviu o menino, mexam suas bundas ou fiquem com fome pelo resto da
noite!”, Gritou Astera. “Estamos indo com tudo hoje à noite!”

Com isso, a multidão silenciosa explodiu em aplausos quando os grandes


cozinheiros começaram a distribuir pratos empilhados com comida
fumegante.

A atmosfera rapidamente se tornou festiva quando Madame Astera trouxe


barris de bebida alcoólica. Eu vi Vanesy tentando limitar a quantidade de
álcool que passava, mas depois ela cedeu, tomando um copo para si mesma.

Eu não tinha certeza se era uma boa ideia beber quando deveríamos estar à
procura de qualquer navio perdido, mas as chances de isso acontecer eram
muito escassas para realmente impedi-los de ter pelo menos uma boa noite.

Depois de alguns drinques, os soldados se tornaram mais extrovertidos.


Alguns começaram a cantar enquanto outros o acompanhavam, usando um
tronco oco como um instrumento percussivo improvisado. As canções
pareciam mais contos melódicos de aventureiros sem nenhum pensamento
real colocado no ritmo, mas era agradável—especialmente com algumas
bebidas em mim também.

‘Deveria uma Lança sucumbir à pressão dos colegas e beber tanto?’ Sylvie
repreendeu, optando por ficar dentro da minha capa para se aquecer.

Quem disse que é pressão dos colegas? Eu respondi, tomando outro gole,
saboreando o entorpecimento quente que se espalhava do álcool e do fogo
também.

“Você se importa se eu me juntar a você?” Madame Astera se sentou ao meu


lado junto à chama dançante com um copo de licor na mão. “Então, quem
exatamente é Arthur?”

“Ninguém em particular.” Eu respondi, grato, já que os curiosos soldados que


me rodeavam começaram a se dispersar assim que a chef chegou. “E eu pensei
que você já soubesse.”

“Eu sabia que você não era apenas um garoto normal.” Ela deu de ombros
antes de engolir o resto da bebida em seu copo.

Eu segui o exemplo e tomei outro gole também. “Então eu posso perguntar


quem você é?”

“Eu te disse, eu sou apenas uma–”


“Sim, a resposta ‘simples cozinheira’ não vai servir.” Eu interrompi.

Ela soltou uma gargalhada que não combinava com sua pequena estrutura.
“Tudo bem, eu vou responder. Mas você provavelmente poderia ter descoberto
por alguns dos soldados daqui—muitos deles eram meus alunos, afinal de
contas. “

“Então você era professora? Na Xyrus?”

“Oh, por favor, eu prefiro engolir um galão de areia de fogo do que ensinar
naquela escola.” Ela retrucou.

“Eu fui um estudante lá.” Eu respondi, fingindo parecer ofendido.

“Então você sabe o quão pé no saco são as crianças de lá.” Ela respondeu com
um sorriso.

“Não posso discutir com isso.” Eu suspirei quando meu peito afundou na
lembrança de algumas memórias indesejadas.

“Depois da guerra com os elfos, decidi me aposentar ensinando na Lanceler


Academy.” Disse ela, olhando ociosamente para o fogo através de seu copo
vazio. “Você já ouviu falar de nós, certo?”

“Claro.” Respondi, pensando no tempo que passei pesquisando pela outrora


famosa escola localizada na cidade de Kalberk, perto do centro de Sapin. “A
lendária escola para quaisquer candidatos a soldados de elite.”

“Exceto depois da guerra, havia pouca demanda por soldados.” Ela respirou,
embaçando seu copo. “Mais nobres queriam que seus filhos frequentassem
Xyrus agora que havia pouca tensão entre as raças.”

“Eu entendo.” Murmurei. “Ainda. Esta guerra contra os Alacryanos deveria ter
trazido novos estudantes para a Lanceler. Sem ofensa, mas o que você está
fazendo aqui como chef? “

“Isso é uma história para outra hora.” Ela riu. “Uma hora com mais bebida.”

Eu levantei meu copo. “Eu aceito essa oferta.”

“Agora, na sua história. O que um talento como você está fazendo aqui, e por
que no mundo você decidiu ir para Xyrus com esse nível de habilidade com a
espada?”

“Porque eu poderia me virar sozinho com a espada. Era na magia que precisei
de ajuda para melhorar.” Respondi.

Seus olhos se arregalaram quando ela olhou para mim. “Sem brincadeiras?”
Eu soltei uma risada quando o barulho de passos de armadura chamou minha
atenção. “General—quer dizer, senhor.” O guarda que estava estacionado do
lado de fora da tenda da Professora Glory cobriu sua boca com o seu erro, seus
olhos arregalados e medrosos quando ele trocou olhares entre mim e Madame
Astera.

Apesar do clamor ao nosso redor, todos na vizinhança pareciam ter ouvido


quando, de repente, sacudiram a cabeça em nossa direção.

O guarda continuou falando, baixando a voz em uma tentativa inútil de corrigir


o erro. “O capitão Auddyr chegou e a capitã Glory está longe de ser
encontrada.”

Deixando escapar um suspiro, voltei para o chefe de cozinha, as sobrancelhas


franzidas em confusão. “Bem, aí está minha história.”

“Ele disse: ‘General’.” Madame Astera se virou para o guarda, “você disse
‘General’, certo?”

Sem saber como responder, o guarda me procurou por respostas, mas eu


apenas me levantei, com cuidado para não acordar meu vínculo adormecido.

“Vamos. Vamos encontrar sua capitã.” Voltei-me para a chef, segurando meu
copo vazio. “Até uma hora com mais bebida.”

Seu rosto relaxou quando ela soltou um sorriso. “Sim.”

Enquanto caminhávamos de volta para a tenda principal, eu examinei o topo


das grandes pedras, esperando encontrar minha ex-professora. Conhecendo-
a, eu duvidava que ela pudesse relaxar completamente.

“Ah, aí está ela.” Eu disse, apertando os olhos.

O guarda levou um momento para avistar sua figura sombria sentada em cima
da pedra que compunha a parede frontal do acampamento.

“Obrigado.” O guarda se preparou para sair, mas eu o segurei de volta.

“Deixe-me. Diga ao capitão Auddyr que eu vou me encontrar com ele amanhã
de manhã.”

“Mas o capitão…”

“Está tudo bem.” Interrompi, entregando-lhe meu copo vazio. “Não há nada
acontecendo e eu bebi um pouco demais para entreter um homem que não
conheço hoje à noite.”

“Sim, General.” Com uma saudação, o guarda desviou em direção à tenda.


Respirando fundo, formando uma nuvem de neblina na minha frente, envolvi
meu corpo em uma mortalha de vento antes de me preparar para pular. A fina
camada de gelo debaixo dos meus pés se espalhou quando eu me joguei do
chão.

‘Para onde estamos indo agora?’ Perguntou Sylvie, parecendo visivelmente


sonolenta mesmo com a transmissão mental.

Certificando-me de que minha preciosa subordinada está bem, eu respondi


enquanto eu andava atrás de Vanesy.

Minha ex-professora deu uma rápida olhada por cima do ombro antes de virar
a cabeça para o oceano cinzento iluminado pelo luar. “Quer outra bebida?”

“A vigia devia estar bebendo?” Eu ri, sentando-me ao lado dela quando Sylvie
saiu da minha capa de lã.

“Olha quem fala, General, com suas bochechas da cor de tomates maduros.”
Ela zombou, preguiçosamente acariciando meu vínculo que tinha se enrolado
entre nós.

“Dê-me isso.” Tomando o frasco de suas mãos, eu tomei outro gole do líquido
quente que fez cócegas na minha garganta.

Recostando-se em suas mãos, minha ex-professora olhou para a lua crescente.


“Ei, você acha que poderemos vencer esta guerra?”

“Não tenho certeza, mas farei tudo o que puder para ter certeza.” Prometi.

“De alguma forma, apesar do fato de que você tem metade da minha idade, eu
acho conforto em suas palavras, como se você realmente tivesse certeza
disso.”

Voltei a pensar no acontecimento há três anos que sempre pesara na minha


cabeça. “Eu perdi muitas pessoas antes. Quero ter certeza de que não farei de
novo.”

“Você está falando sobre o que aconteceu em Xyrus?” Ela perguntou, suas
sobrancelhas franzidas em preocupação.

Eu apenas balancei a cabeça em resposta enquanto olhava para a visão


hipnotizante do oceano antes de me voltar para o minha ex-professora. “O que
resta da Academia Xyrus agora?”

Vanesy olhou para mim, seu rosto se contorceu em uma careta, mas ela
permaneceu em silêncio.

Eu continuei. “Tessia não se lembra muito e Curtis e Kathyln agem como se


nada tivesse acontecido—como se eles não quisessem aceitar o que
aconteceu. O que exatamente aconteceu antes de eu chegar?”
“Arthur. O que está feito está feito. Eu lhe dizendo isso só vai fazer você…”

“Eu preciso saber, Vanesy. Eu deveria ter perguntado muito mais cedo, mas eu
criei desculpas para não fazer isso.”

Deixando escapar uma respiração profunda, minha ex-professora assentiu.


“No comitê disciplinar, Doradrea foi a primeira a ser encontrada morta.
Theodore foi ferido gravemente e não foi capaz de resistir, mesmo com a ajuda
dos emissores da guilda dos aventureiros. Claire Bladeheart desapareceu
desde então e nem mesmo seu tio sabe onde ela está e…”

Minha cabeça pulsou quando ela listou os nomes das pessoas que eu conhecia
que agora se foram. Sua voz soava abafada, mas os nomes que ela dizia
tocavam claramente na minha cabeça. “E?”

“Kai Crestless era um dos membros radicais que o Vritra, Draneeve, tinha com
ele. Kai e o resto dos lacaios encapuzados desapareceram com Draneeve, junto
com Elijah.” Ela continuou. “Ele é a razão pela qual Curtis provavelmente não
queira falar desse desastre.”

“Eu entendo.” Eu murmurei, mudando meu olhar de volta para o oceano.

Por um longo momento, nenhum de nós falou. A comoção que desceu abaixo
de nós e o leve barulho da maré da noite ao longe foi tudo o que preencheu o
silêncio enquanto eu pensava no meu curto tempo em Xyrus. Sabendo agora
o que tinha acontecido me deu uma chance para uma verdadeira reflexão.
Muitas vezes, me peguei esquecendo as velhas lembranças da minha vida
passada. Mais e mais, o meu eu do passado se afastava de mim, permitindo
que eu me tornasse a pessoa que eu queria ser neste mundo. Mas neste
momento, eu me encontrei desejando voltar para o velho eu—para o frio e
racional eu, que tinha suprimido suas emoções para não ter nenhuma
vulnerabilidade a ser usada contra ele.

Não era como se eu não tivesse adivinhado o que tinha acontecido, mas ouvir
o que aconteceu fez de repente muito real. Meu peito torceu, como se o sangue
que corria através do meu coração tivesse engrossado em alcatrão enquanto
lutava para manter uma batida estável.

Uma gota quente de líquido rolou pelo meu rosto gelado quando senti os
músculos do meu queixo tremerem como os de uma criança. Rangendo meus
dentes na esperança de suprimir minhas emoções indesejadas, eu me afastei
da minha subordinada. Eu não pude deixar de imaginar quantas pessoas que
eu conhecia acabariam morrendo comigo sendo incapaz de fazer qualquer
coisa para pará-los—até mesmo as pessoas que eu conheci hoje. Quantos
deles sobreviveriam a esta guerra?

Eu me virei para Vanesy para ver seus ombros tremendo enquanto ela
segurava firmemente seu frasco. Rapidamente, enxugando uma lágrima,
levantei-me.
Sylvie. Faça-me um favor e fique de guarda durante a noite.

‘Claro.’ ela respondeu com um tom suave e reconfortante que eu raramente


ouvia. Meu vínculo voltou para sua forma original, surpreendendo minha
antiga professora. Com um poderoso bater de suas asas negras, Sylvie
disparou, quase invisível enquanto se misturava com o céu noturno.

“Venha.” Eu estendi minha mão para Vanesy. “A noite é jovem, e não parece
que os soldados tenham alguma intenção de parar. Como capitão, imagino que
é seu dever se juntar ao invés de ficar deprimida por aqui.”

Capítulo 151
Manhã seguinte

[N/T: e mais um flashback…]

Eu levantei minha espada improvisada, um pedaço de madeira grosseiramente


entalhado envolto em toalhas para dar peso. Enquanto eu contava na minha
cabeça com cada balanço para baixo, uma voz suave me tirou do meu transe.
“Grey. É hora do café da manhã.”

Olhando por cima do meu ombro, avistei Cecilia pela porta com uma toalha
limpa dobrada em seus braços. “Oh, obrigado!”

Ao me aproximar, Cecilia me entregou a toalha. “Eu ainda tenho que ajudar a


arrumar a mesa.” Ela anunciou antes de ir embora rapidamente.

Eu observei Cecilia caminhar de volta pelo corredor mal iluminado, lembrando


do incidente quase um ano atrás, quando eu quase morri tentando salvá-la da
explosão de seu ki.

Apesar de sua maneira distante de falar, sua atitude em relação a todos no


orfanato havia definitivamente melhorado.

Depois que me limpei, voltei para dentro também, certificando-me de fechar


a porta da tela de malha para os insetos do verão zumbirem apenas lá fora.

“Alguém aparentemente está passando pela puberdade, julgando pelo cheiro


vindo de seu corpo.” A figura do corpo magro de Nico se aproximou de mim de
um corredor que se cruzava.

“Seu suor começa a feder quando você passa pela puberdade?” Eu perguntei,
cheirando minha camisa sem mangas.

“Supostamente, de acordo com um artigo que eu li sobre hormônios.” Ele deu


de ombros.

Cheirando um pouco do cheiro rançoso pela primeira vez, estremeci. “Cecilia


provavelmente cheirou isso também.”
“Ela reagiu de alguma forma?”

“Não, ela só me deu uma toalha e foi embora.” Eu disse enquanto limpava meu
corpo mais com a toalha, esperando que eu tirasse mais o cheiro de mim.

“Sua devoção a permanecer fiel ao seu caráter indiferente é forte.” Nico


balançou a cabeça.

Eu ri. “Eu não acho que ela está tentando ser tal personagem.”

“Eu imploro para diferir, meu amigo. Na semana passada, depois de eu


terminar de adulterar a luva de choque—nome em trabalho, a propósito—em
um pingente que ela poderia carregar em volta do pescoço, ela se recusou!”

Erguendo uma sobrancelha, sorri para meu amigo. “Oh? Você deu a Cecilia um
colar?”

“Como você sempre consegue escolher o que quer ouvir? O que você vai fazer
quando for para uma escola de verdade?” Ele suspirou. “E além disso, acho
que ela gosta mais de você—com ela lhe dando uma toalha e tudo.”

“Bem, eu salvei a vida dela, você sabe.” Eu provoquei, colocando um braço ao


redor do meu amigo magrelo que eu tinha passado em altura nos últimos
meses.

“Seu cavaleiro de armadura suada.” Disse ele, beliscando o nariz.

Tornou-se cada vez mais evidente que Nico começou a desenvolver


sentimentos por Cecilia, a rainha do nosso orfanato. Não era segredo que
Cecilia era popular entre os garotos daqui, mas todos que reuniram coragem
para fazer uma jogada foram rejeitados. Nico, com sua mistura eficiente de
orgulho e baixa auto-estima, encontrou outras maneiras de fazer Cecília notá-
lo sem revelar seu interesse por ela.

Deixando escapar um suspiro, inclinei-me mais fortemente em meu amigo


magro, fazendo-o lutar para nos impedir de cair. “Eu não tenho mais certeza
sobre ir à escola.”

“O que?” Nico finalmente conseguiu se libertar do meu braço. “Por quê? Você
sabe que eu só brinco com sua inteligência.”

“Não é isso,” Eu ri. “é caro e a diretora Wilbeck já tem dificuldade em enviar


até mesmo algumas crianças para a escola.”

“Então, o que você planeja fazer?” Meu amigo perguntou, suas sobrancelhas
franzidas seriamente.

“Eu não sei ainda, mas talvez apenas ajude como pessoal do orfanato quando
eu tiver idade suficiente. Nos dias de hoje, eu estava pensando em ir a uma
instituição para melhorar meu ki. Eu sei que eles oferecem aulas gratuitas e
outras coisas se você é qualificado.” Dei de ombros.

“Você está brincando, certo?” Ele fumegou, parando no meio do corredor. “Eu
sei que devemos muito a Diretora Wilbeck e eu entendo que você quer pagá-
la, mas ficar aqui para fazer isso é coisa quem pensa pequeno; com seu talento,
você pode fazer muito mais quando tiver uma educação adequada!”

“O que me leva ao porque eu estava pensando na institui…”

“Isso não é educação.” Interrompeu Nico. “Essas instituições são projetadas


para produzir soldados estúpidos e encontrar potenciais candidatos a reis. Eu
li alguns diários sobre esses lugares—como os alunos trabalham até o ponto
de quase morte; como os candidatos são expulsos se não acompanharem.”

“Você soa como a diretora.” Eu resmunguei quando comecei a andar


novamente.

“Porque você não tem nenhuma motivação para fazer alguma coisa. Claro, você
gosta de treinar, mas você não tem objetivo depois disso.” Ele suspirou. “A
escola é um lugar onde você pode descobrir o que quer fazer enquanto
aprende sobre esse mundo sem restrições ou preconceitos como a
instituição.”

“Bem, o dinheiro ainda é um problema.” Observei. “Se queremos ir para a


escola, tem que ser até o próximo ano.”

A expressão de Nico suavizou meu cumprimento. “Que bom que você tem um
amigo que realmente pensa e planeja para o futuro. Eu quase consegui
economizar dinheiro suficiente com nossas pequenas “missões” para que nós
pudéssemos ir à escola—é claro, apostando no pressuposto de que eu
receberia pelo menos uma bolsa parcial de estudos.”

“Espere, você não deveria dar o dinheiro para o orfanato?”

“Eu dei,” Nico colocou uma expressão inocente “só não dei tudo.”

Deixando escapar um gemido, balancei a cabeça. “Eu deveria saber.”

“Depois de termos uma educação adequada, podemos ajudar adequadamente


a diretora e as crianças aqui. Eu garanto que será melhor para o orfanato
assim.” Meu amigo me deu um tapinha nas costas. “Vamos. Vamos para a sala
de jantar antes que nossa comida esfrie.”

“Por que não economizar dinheiro suficiente para levar Cecilia para a escola
com a gente também?” Eu provoquei uma última vez enquanto seguia Nico
pelo corredor.

“Calado! Estou dizendo que não tenho interesse nela!” Retrucou ele,
recusando-se a olhar nos meus olhos.
PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN:

Abri os olhos para ser saudado pelo brilho do sol da manhã. Mesmo seus raios
macios, escondidos atrás de uma camada de nuvens, de alguma forma
pareciam perfurar minhas retinas. A dor na minha cabeça pulsava
ritmicamente—uma lembrança constante dos copos, se não das garrafas, de
álcool que eu consumira durante o resto da noite.

Apertando os olhos, tentei me levantar, mas imediatamente recuei por baixo


da minha capa de lã que usava como cobertor, deixando escapar um gemido
doentio pela boca seca e pegajosa de saliva grossa.

De repente, meu manto—a única coisa que me protege do mundo exterior—foi


arrancado de mim.

“Bom dia, General.” A voz familiar de Vanesy soou de cima. O timbre brilhante
da voz da minha ex-professora era normalmente fácil para os ouvidos, mas
através do poder do álcool, sua voz saiu cortante e áspera.

“Como seu superior, eu ordeno que você devolva meu cobertor e me deixe
dormir.” Eu murmurei impaciente.

“Não pode ser feito. Você foi o que decidiu adiar a reunião com o Capitão
Auddyr para manhã.” Disse ela, puxando meu corpo involuntário para cima.
“Coloque um pouco de água fria no seu rosto e nos encontre na tenda.”

“Aqui. Leia isso antes de se encontrar comigo e com o capitão Auddyr.” Vanesy
me entregou uma pequena pilha de papéis presos juntos antes de sair.

Resmungando baixinho, levantei-me, tomando meu ambiente pela primeira


vez hoje. De alguma forma, eu consegui chegar ao topo do penhasco com vista
para o acampamento.

‘Você não conseguiu fazer nada ontem à noite’ A voz de Sylvie soou na minha
cabeça como um chute no cérebro.

Com calma, Sylv. Minha cabeça está me matando. Eu reclamei quando vi meu
vínculo em sua forma de dragão se aproximando da floresta atrás de mim. O
que aconteceu, afinal?

“Eu arrastei seu corpo bêbado para aqui cima para deixá-lo dormir sem fazer
papel de bobo antes mesmo de anunciar a todos a sua posição.” Ela
repreendeu em uma voz suave que eu não tinha ouvido em poucos dias.

“Como foi a patrulha ontem à noite? Nada incomum?” Eu perguntei, tentando


mudar de assunto.

Brilhando intensamente antes de encolher-se em uma raposa branca


perolada, ela pulou no meu ombro. “Foi silencioso. Havia uma espessa camada
de neblina por toda a costa oeste, então não consegui encontrar navios
inimigos. Eu teria ido mais longe, mas eu estava com medo de que eles
pudessem me encontrar.”

“Você fez bem.” Eu disse. “Agora, onde tem um lugar onde eu possa lavar meu
rosto?”

“Deve haver estações de lavagem no acampamento, mas há um riacho próximo


na floresta que eu acho que você vai preferir” Ela respondeu, um nevoeiro se
formava na frente de seu focinho enquanto ela falava.

“Riacho então.”

O ar fresco ajudou meu estado de recuperação, mas foi o primeiro respingo de


água fria no meu rosto que realmente limpou a minha cabeça. Eu gostaria de
poder lavar as toxinas no meu cérebro também, mas eu estava pelo menos em
um estado totalmente funcional no momento em que Sylvie e eu chegamos na
frente da tenda do capitão.

Olhando as informações nos documentos que Vanesy me deu, eu espiei para


ver o familiar guarda estacionado do lado de fora da tenda da minha ex-
professora. “Você. Qual o seu nome?”

“É Mable Esterfield, senhor—quero dizer, General.” Afirmou ele, olhando


diretamente para a frente dele com uma postura rígida.

“Que nome bonito e impróprio.” Eu comentei, batendo-lhe no ombro enquanto


ele me olhava com uma expressão confusa.

Entrando na tenda, fui recebido por uma rajada de ar quente da pequena


lareira ao lado da mesa.

Ao lado da minha ex-professora, havia um homem preparado da cabeça aos


pés em trajes militares excessivamente elegantes. Ao lado dele, Vanesy parecia
um mero soldado enquanto, comparado aos dois, eu não passava de um
menino camponês.

Com cabelos louros prateados penteados para trás por trás de suas orelhas
estreitas, o capitão Auddyr estava parado com as costas retas. Embora ele não
parecesse mais velho que meu pai, havia rugas em seu rosto que me diziam
com que frequência ele passava a vida de cara feia. Suas sobrancelhas e olhos
profundos pareciam atravessar-me com uma expressão de como ele olharia
para um filho rebelde.

“Capitão, este é o General Arthur Leywin. Arth… General Leywin, este é o


capitão Jarnas Auddyr, capitão da 2ª Divisão.” Minha ex-professora
apresentou-me enquanto eu e o capitão Auddyr nos encaramos.

“É um prazer conhecer você, capitão.” Eu cumprimentei com um sorriso,


levantando meu braço.
O capitão Auddyr devolveu meu gesto e apertou minha mão. “O prazer é meu,
General.” Disse ele com um grunhido, voltando-se imediatamente para Vanesy
depois. “Capitã Glory. Minha divisão acampou na floresta próxima ao topo do
penhasco. Seria melhor que ambas as divisões se familiarizassem antes de
reunir nossas forças.”

Minha ex-professora me lançou um olhar desconfortável antes de responder


ao seu colega capitão. “Concordo. Precisamos que as duas divisões estejam
acostumadas uma com a outra o mais rápido possível. General Leywin, qual
você acha que é a melhor maneira de dividir nossas forças em caso de um
ataque?”

Eu olhei de volta para o pacote de papéis que me foram dados por Vanesy pela
manhã. Continha os números dos esquadrões dentro de cada unidade que os
chefes haviam reunido para que o Capitão Auddyr fizesse parte de sua divisão.
Eu estava olhando através do número de magos e soldados de infantaria
quando o capitão Auddyr falou.

“Integrar nossas divisões para que todos os nossos soldados estejam


alinhados e em posição de receber um ataque na Costa seria o melhor.”
Declarou ele.

Minha ex-professora balançou a cabeça. “Capitão Auddyr. O General Leywin foi


encarregado de supervisionar nossas divisões, então seria melhor…”

“O General Leywin é responsável, como uma lança, por garantir que nossas
divisões estejam prontas em caso de um ataque, mas como uma poderosa
lança, ele deve estar ciente de que os capitães são os melhores informados de
suas próprias divisões.” Capitão Auddyr cortou. enquanto continuei lendo o
pequeno maço de papéis.

‘Estou com vontade de dar um tapa nele com o meu rabo’ Sylvie grunhiu, quase
me fazendo rir.

Depois de terminar a leitura superficial da divisão do Capitão Auddyr, devolvi


os papéis a Vanesy. “Parece que não sou necessário aqui então. Eu vou apenas
pegar algo para comer.”

“General Leywin!” Vanesy gritou por trás.

Eu olhei por cima do meu ombro. “Sim?”

“Não há nada que você gostaria de acrescentar?” Ela respondeu,


desconfortável com o progresso de nossa reunião.

“Bem, se você quer meus dois centavos, eu diria que alocar cem por cento de
uma força em uma posição nunca é uma jogada inteligente.” Eu dei de ombros.
A testa do capitão Auddyr se contorceu quando ele tentou mascarar seu
desprezo. Era óbvio que ele não estava acostumado a ser desafiado, ainda
mais por alguém mais jovem que ele.

“Nós somos a última forma de defesa na costa ocidental, no caso de qualquer


navio Alacryano perdido vir do oceano. Onde mais eles poderiam
atacar, General?” Ele sussurrou, enfatizando meu título como se fosse um
insulto.

“Capitão. Estou tentando ser civilizado aqui.” Eu disse, me virando. “Como você
disse, o Comandante Virion me pediu para estar aqui no improvável evento de
que o pior cenário ocorra, então essa é a perspectiva com a qual estou vindo.”

Eu dei outro passo em direção a ele, meu comportamento indiferente se


dissipando. “No entanto, sugiro que você não confunda minha indiferença com
esse assunto com alguma noção equivocada de que você segura as rédeas
aqui. Compreende?”

O capitão Auddyr deu um passo involuntariamente para longe de mim, o suor


forrando as laterais de seu rosto carrancudo. “Entendido.”

Eu assenti. “Bom. Eu nunca pretendi desempenhar um papel prático nas


decisões que você toma, então deixarei isso para vocês dois.”

Quando voltei e preparei-me para sair, no entanto, os uivos de gritos distantes


chamaram minha atenção. Nós três trocamos olhares, todos nós confusos
quanto ao que estava acontecendo.

Nós saímos da tenda para ver todos os soldados olhando para cima—alguns
ainda com tigelas de comida em suas mãos—em direção ao penhasco de onde
vinham os gritos e choros. Todos pararam em transe, tentando descobrir o que
estava acontecendo, quando um objeto voou da borda do penhasco e rolou
para baixo, aterrissando perto de nós.

Era uma espada ensanguentada com um braço cortado, vestido de armadura,


ainda segurando o cabo da espada.

Capítulo 152
O caminho da magia

Os dois capitães atrás de mim ficaram atordoados enquanto todos olhavam


para o braço cortado—a mão ainda apertando a espada—formando uma poça
de sangue abaixo dela.

“Soldados de guarda! Aguardem pela batalha!” Eu rugi, projetando minha voz


o mais alto e distintamente possível para chamar a atenção de todos.
Os soldados presentes despertaram de seus atordoamentos com minhas
ordens. Os novos recrutas correram para seus pertences enquanto se
atrapalhavam colocando sua armadura. Os aventureiros veteranos e soldados
experientes, já usando suas roupas de baixo da armadura, dobraram-se
habilmente em seus equipamentos de proteção enquanto os gritos e tinidos
afiados de metal continuavam ecoando de cima do penhasco.

Os capitães Glory e Auddyr já estavam vestidos com armaduras leves e tinham


voltado aos seus sentidos, ambos um pouco envergonhados por sua fraca
resposta à situação.

“Capitão Auddyr. A armadura neste braço não é algo que um transeunte teria—
é um traje militar. Você não disse que sua divisão estava estacionada no
penhasco?” Eu gritei quando o acampamento cresceu alto de atividade.

O capitão de rosto áspero empalideceu de horror quando estudou a armadura


mais uma vez. Quando ele estava prestes a subir o penhasco, segurei-o por
seu gorro de metal que protegia seus ombros e peito. “Fique aqui até a divisão
estar pronta.”

“Me solte! Meus soldados estão sendo atacados sem o líder deles!” O capitão
Auddyr sibilou, sem nenhum traço de seu antigo eu arrogante e composto.

Apertando mais forte, eu o puxei para perto. “Capitão. Se você for sozinho e
for morto, seus soldados estarão em uma posição pior do que estão agora.”

Examinei o acampamento enquanto a capitã Glory liderava sua divisão em uma


formação organizada. A maioria dos soldados já estavam preparados e
agrupados com base em sua posição. Em vez de um grande grupo, Vanesy
dividiu suas forças em unidades separadas, cada uma composta de suas
próprias fileiras de soldados de infantaria, fortalecedores, arqueiros e magos.

Apenas a partir de um olhar superficial, aqueles na frente de cada unidade


eram soldados de infantaria—humanos e elfos regulares com armaduras
grossas e escudos grandes, já que eles estavam sofrendo o impacto de um
ataque. Ao longo dos flancos estavam os responsáveis pelos feitiços e
arquearia, enquanto disparavam flechas e feitiços.
A cabeça—o líder de uma unidade, como Dresh—estava posicionada logo atrás
dos soldados, um local ideal para dar ordens e proteger os feiticeiros também.

Vanesy olhou para mim e sinalizou que ela estava pronta. Deixando de lado o
capitão Auddyr, fiz sinal para ela se juntar ao seu companheiro capitão
enquanto eu me movia para trás, onde os ferreiros e cozinheiros estavam
agrupados.

Quando a divisão começou a subir a encosta íngreme do penhasco, não pude


deixar de pensar em quem estava atacando. Estávamos perto da fronteira sul
de Sapin, onde o reino subterrâneo de Darv começou. No começo, pensei
imediatamente em um ataque de besta de mana, mas o ponto de corte no
braço decepado era muito limpo para ter sido feito por garras ou presas. Era
possível que eles tivessem sido atacados por alguns dos bandidos nômades
sobre os quais eu havia lido que viajavam acima do solo ao longo das partes
do sul de Dicathen. Também poderia ser um grupo radical que se opunha à
guerra com Alacrya, mas não havia como saber com certeza.

“Madame Astera, você vai ficar bem aqui?” Eu perguntei assim que vi a chef
que agora estava vestindo uma armadura chapeada.

“Sem problemas aqui. A capitã Glory ordenou a alguns dos fortalecedores que
ficassem para nos proteger, mas eu também estou aqui, lembra?” Ela me deu
um sorriso confiante.

“Você está certa. Eu vou sair então.” Eu estava prestes a voltar para o penhasco
quando Madame Astera agarrou meu braço.

“Arthur,” Ela disse, sua expressão gravemente séria. “cuidado nunca é demais.”

Eu dei a ela um rápido aceno quando eu fiz sinal para Sylvie sair. “Eu espero
que você pratique o que você prega.”

‘Está tudo bem eu me transformar em público tão cedo?’ Meu vínculo


perguntou quando ela pulou da minha capa.

Não há necessidade de se segurar agora. Eu preciso saber o que está


acontecendo lá e rápido.
O corpo pequeno de Sylvie começou a brilhar e se expandiu na forma de um
poderoso dragão. Suas escamas de obsidiana brilhavam do sol da manhã,
envergonhando o oceano cintilante. Seus olhos amarelos translúcidos me
olhavam com inteligência e uma ferocidade animal. Os cozinheiros
corpulentos e os ferreiros de peito largo, com braços grossos como o meu
torso, ficaram boquiabertos em reverência quando alguns tombaram como
crianças aprendendo a andar.

Eu pulei para a base do pescoço do meu vínculo e agarrei uma ponta sulcada.
Eu olhei por cima do meu ombro mais uma vez só para ver a expressão
apavorada estampada no rosto delicado de Madame Astera enquanto as
grandes asas de Sylvie batiam para baixo para produzir um poderoso vendaval.

Sylvie chutou o chão e balançou as asas mais uma vez para se levantar. Os
fortes ventos produzidos por baixo assustaram as unidades de marcha
lideradas por suas cabeças com a Capitã Glory e Auddyr na frente, mas eu já
estava longe demais para entender qualquer uma das suas expressões.

Eu tinha planejado voar diretamente para onde a divisão do Capitão Auddyr


deveria estar, mas Sylvie, em vez disso, subiu na camada de nuvens
acima. ‘Arthur, você deve saber antes de nos envolvermos na batalha que estou
limitada no que posso fazer para ajudar’.

Você está falando sobre o tratado do asura, onde eles não podem ajudar? Eu
perguntei, com medo de não ser capaz de lutar ao lado do meu vínculo.

‘Essa é uma área de preocupação sobre a qual Aldir me alertou, mas não é só
isso. Com o processo de despertar que o Avô Indrath me fez passar para meus
poderes de aether, ainda vai demorar um pouco até que eu possa ajudá-lo com
qualquer magia. Até que meus poderes estejam totalmente despertos e sob
controle, ficarei limitada ao que posso fazer fisicamente nesta forma. Me
desculpe por não ter contado antes.’

Eu acariciei o lado do pescoço grande do meu vínculo, me repreendendo por


não levar em conta a condição do meu vínculo. Eu sabia que seu treinamento
foi interrompido por mim, mas eu nunca percebi o tempo crucial que tinha
sido para ela. Não, não precisa se desculpar. Pelo menos eu sei agora.
Não demorou muito para chegarmos onde os sons da batalha estavam vindo,
mas o fato de que um braço decepado foi capaz de navegar pelo penhasco me
fez pensar que havia algo mais acontecendo. Nós podíamos ouvir o som de
uma batalha que se seguiu, mas somente quando voamos abaixo da camada
de nuvens bloqueando a nossa visão, que percebemos a gravidade da situação
em questão.

‘Isso não pode ser possível.’ Os pensamentos de Sylvie estavam cheios de


descrença pela visão abaixo, mas para alguém que tinha visto as surpresas da
guerra, eu só podia ver isso como um erro de cálculo—bastante grave.

Lá embaixo, num campo de grama manchado de vermelho e preto, com sangue


e fumaça, estava o que só podia ser o exército alacryano.

Sua força de cerca de cinco mil homens estava atualmente envolvida com a
divisão do capitão Auddyr. Os soldados não eram maiores do que os insetos
daqui, mas era fácil distingui-los. Ao contrário do exército de Dicathen, os
soldados alacryanos pareciam ter uma cor padronizada de vermelho escuro
estampada em sua armadura cinza escura.

As costas de Sylvie se agitaram em preparação para mergulhar, mas eu a


parei. Não. Vamos ficar escondidos aqui por enquanto.

‘Ficar escondido? Aliados estão morrendo lá e você quer ficar escondido?’ A


raiva era evidente em suas palavras, mas eu sabia que ela já conhecia minhas
intenções.

Não podemos nos envolver em todas as batalhas. Neste momento, nossa


prioridade é saber o que estamos enfrentando. Eu mantive meu olhar
firmemente preso na cena abaixo, lamentando não ter nenhum pergaminho
de transmissão para me comunicar com Virion enquanto rangia os dentes para
lidar com a minha ociosidade.

‘Como eles conseguiram chegar até aqui sem que soubéssemos? Eles podem
não ter encontrado uma grande cidade ainda, mas os anões deveriam saber
que um exército estava marchando por suas terras.’

“Talvez eles soubessem.” eu murmurei para mim mesmo, tomando nota do


caminho fraco que eles criaram durante a marcha deles. Mudança de planos.
Sylv, você pode ficar escondida e seguir a trilha que os Alacryanos fizeram a
caminho daqui? Eu os ajudarei enquanto estiver me misturando como um
soldado comum.

‘E se você entrar em apuros? Estarei muito longe para ajudar.’ Eu podia ouvir
a desaprovação em sua voz.

A divisão de Vanesy vai chegar em breve e eu tenho um mau pressentimento de


que, mesmo que os superemos em números, será uma batalha perdida para
eles sem mim.

‘Mais um motivo para eu ficar e ajudá-lo.’ Sylvie argumentou.

Por favor. Se o que eu suspeito é verdade, essa guerra pode não ser tão simples
quanto “nós contra eles”. Você é a única aqui que pode fazer a viagem e voltar
rápido o suficiente. Eu vou ficar em segurança, Sylv.

‘Tudo bem. Mas no momento em que eu sentir que você está em perigo, eu
voltarei e levarei você embora, esteja você consciente ou não.’ Sylvie soltou um
grunhido.

Obrigado. Eu dei um tapinha no meu vínculo antes de me deixar cair de costas.


O ar fresco do inverno parecia chicotes afiados me atacando enquanto eu
alcançava o chão. Eu intencionalmente me afastei da batalha para não
despertar atenção.

Pouco antes de aterrissar em um aglomerado de árvores, envolvi meu corpo


em mana, apagando minha presença antes de lançar um feitiço de vento. Com
a abundância de galhos e folhas para retardar minha queda, e com a ajuda da
magia para suavizar meu pouso, consegui alcançar o chão sem causar muito
barulho, ainda que um pouco confuso.

“As coisas que eu faço para me misturar.” Eu murmurei, pegando galhos


quebrados e folhas do meu cabelo. Eu permaneci escondido dentro do grosso
aglomerado de árvores até que ouvi a divisão de Vanesy chegar.

“Tred! Vester! Leve as suas unidades para um flanco esquerdo. Dirk! Sasha! À
direita!” A voz de Vanesy ressoou com uma precisão confiante. “O restante de
nós, nos agrupamos com as forças do Capitão Auddyr e atingimos os
Alacryanos desgraçados de frente!”

Saindo correndo, alcancei a Capitã Glóry. Por instinto, Vanesy girou suas duas
espadas para mim antes de perceber quem eu era.

“Droga, Arthur. Não me assuste assim!” Ela suspirou. “O que você está fazendo
aqui de qualquer maneira? Eu vi você e seu vínculo voar para fora daqui.

“E deixar minha preciosa subordinada para trás?” Eu sorri. “Não. Mandei Sylvie
para uma missão secundária igualmente importante.”

“Bem, é muito reconfortante ter você conosco, mas você tem alguma ideia de
como uma força alacryana desse tamanho conseguiu passar por nós?”

Eu balancei a cabeça. “Que tal deixarmos alguns vivos para tentar obter a
resposta deles?”

Os lábios de Vanesy se curvaram em um sorriso perverso quando ela ergueu


as duas espadas longas. “Isso soa como um plano.”

Os soldados de Vanesy rugiram, homens e mulheres, quando chegaram ao


exército alacryano. Fiquei para trás por um minuto, observando o aço cortando
carne. Murmúrios indistinguíveis soaram dos feiticeiros enquanto eles
preparavam seus feitiços enquanto arqueiros lançavam rajadas de flechas de
trás da proteção dos fortalecedores e soldados de infantaria.

Mas meu foco estava nos soldados alacryanos. A sensação desconfortável que
tive desde vê-los do céu só piorou quando eles começaram a retaliar.

Por alguma razão absurda, eu esperava que nossos inimigos fossem algo como
os Vritras—monstros do mal. No entanto, olhando para eles, eles não eram
diferentes dos nossos soldados, exceto adornados em cinza escuro e
vermelho. Este fato só me ocorreu quando troquei olhares com um soldado
inimigo.

Os olhos do soldado se estreitaram quando ele se preparou para atacar. Eu


peguei uma espada manchada de sangue do chão enquanto ele corria em
minha direção. Quando tentei sentir que nível era o seu núcleo, fiquei surpreso
por não conseguir detectá-lo. O soldado abriu os braços enquanto seus dedos
se curvavam como garras. De repente, sem mesmo o influxo de mana para me
avisar, manoplas de mana na forma de garras gigantescas se manifestaram em
torno de suas mãos. Ele atacou com suas garras de mana a uma velocidade
feroz.

Eu me abaixei, apenas para ver uma fileira de árvores atrás de mim cair na
força do ataque do meu oponente. Com a velocidade de seu feitiço e o poder
por trás dele, eu só podia supor que ele era pelo menos um fortalecedor de
núcleo amarelo—talvez até um núcleo prateado.

Eu rebati com um balanço para cima com a minha espada fortalecida quando
uma barreira translúcida brilhou logo abaixo do mago, protegendo a área
debaixo de seu peito, onde eu estava mirando.

Mas que diabos. Eu bati minha cabeça sobre o meu ombro, sentindo que o
feitiço não tinha vindo dele. Cerca de dez metros de distância de mim estava
outro soldado, com as mãos estendidas e as sobrancelhas franzidas em
concentração. Percebendo que meu foco estava direcionado para ele, seus
olhos se arregalaram de surpresa quando ele apontou suas mãos para mim.

O painel translúcido que protegera meu oponente inicial moveu-se e ampliou-


se, servindo de muro entre mim e o feiticeiro. Eu nunca vi alguém manipular
uma barreira para tal eficiência, então era óbvio que eu tinha que o eliminar
primeiro. No entanto, o soldado com garras já havia se reposicionado neste
momento, não me deixando outra escolha senão acabar com ele.

Soltando a espada que encontrei no chão, corri em direção ao meu oponente.


Pouco antes de atingir a distância de ataque, eu pisei com força, conjurando
um pilar de terra bem em frente aos pés do meu oponente.

Desta vez, seja porque o mago atrás de mim não esperava o feitiço ou não
sentiu a necessidade de bloqueá-lo, uma barreira não se formou. O ajudante
tentou desviar, mas o pilar ainda atingia suas costelas. O que me chocou, no
entanto, foi o som que meu feitiço produziu no impacto; o som de ossos
quebrando debaixo de sua armadura agora amassada. Esse idiota não
fortaleceu seu corpo?
Rangendo os dentes com uma expressão de dor, o ajudante ignorou sua lesão
óbvia e correu em minha direção com suas garras de mana. Com meus punhos
envoltos em eletricidade, eu encontrei de frente seu ataque, esperando que
ele contra-atacasse ou usasse outro feitiço, mas ele não o fez. Meu punho
coberto de raios quebrou suas garras de mana e quebrou seu pulso no
impacto.

Eu me segurei para eliminá-lo, minha curiosidade levando a melhor sobre


mim. Ele era alguém que não representava uma ameaça real para mim, mas
algo sobre como ele—como eles lutaram, não fazia o menor sentido. Eu pensei
que o oponente na minha frente fosse um fortalecedor experiente, mas seu
corpo não estava nem protegido por mana. Se não fosse pela barreira que
guardava a mão dele no último minuto, o braço dele teria sido arrancado.

O soldado fortalecedor estava de joelhos, o braço esquerdo pendendo para o


lado. Um lampejo de descrença e temor foi escrito em seu rosto antes de o
soldado estalar a língua, virando o olhar para o soldado que estava atirando
barreiras. “Ei, Escudeiro!” Ele latiu. “Fortalecimento total do corpo, agora!”

Capítulo 153
Um soldado normal

Múltiplas batalhas acontecendo ao mesmo tempo, o som de metal se


chocando e feitiços disparados ressoando no ar. O fedor de madeira
queimando oprimia todos os outros cheiros enquanto uma fina camada de
fumaça nos rodeava.

No entanto, apesar do caos, minha batalha com o aumentador parecia


confinada—quase isolada—como se os soldados ao nosso redor nos deixassem
em paz. Se as pessoas próximas estavam muito concentradas em suas próprias
lutas ou se havia algum tipo de ilusão, eu não sabia exatamente, mas isso me
deixou com mais perguntas.

Apenas pela pequena luta que eu tive com esse aumentador e seu ajudante,
agora a apenas alguns metros de distância, eu poderia dizer que suas táticas
de combate eram fundamentalmente diferentes das nossas. O conjurador
manifestou um fino véu de mana ao redor do corpo do aumentador ao seu
comando. Enquanto os ferimentos do meu oponente permaneciam, ele não
parecia mais cansado quando se levantou com vigor renovado.

Com um estalo de sua língua, ele tirou os olhos de mim e focou seu olhar em
outro lugar. Era óbvio que ele estava sinalizando para outra pessoa, mas ele
estava olhando em uma direção diferente de onde o conjurador que o
protegera estava.

Com um aceno sério, seu olhar caiu de volta para mim. Mana envolveu suas
mãos na mesma forma de garra de antes e, assim que ele se preparou para
atacar, o leve assobio ficou mais alto atrás de mim, confirmando minha
suspeita.

Lembrando meu treinamento de interpretação de mana com Myre em


Epheotus, eu fui tentado a ativar o Realmheart para terminar isso
rapidamente, mas decidi não utilizar qualquer coisa que atraísse muita
atenção para mim mesmo.

Eu me virei a tempo de ver uma rajada de fogo vindo em minha direção.


Condensando um vendaval para espiralar ao redor da minha mão como uma
broca, eu dispersei o feitiço de fogo apenas para me afastar imediatamente do
ataque do aumentador. As raízes cobertas de musgo nas proximidades
pegaram fogo das brasas espalhadas do feitiço do conjurador. A outrora
exuberante clareira dentro da floresta estava se transformando em um poço
de sangue e fogo enquanto mais e mais corpos de soldados de ambos os lados
começaram a se acumular no chão.

Os movimentos do aumentador eram bastante concisos e bem coordenados,


apesar do terreno irregular, mas anos de disputa contra Kordri fizeram seus
ataques parecerem lentos. Ele aterrissou com destreza, mas suas garras de
mana apenas atingiram o ar.

“Ele estava certo. Você não é apenas um soldado de infantaria.” Ele cuspiu
enquanto girava de volta, preparando-se para me atacar mais uma vez.

Ele só é capaz de usar essas garras de mana?

“Ele?” Perguntei perplexo sobre quem poderia ter lhe dado essa informação.

Ele permaneceu em silêncio e correu em minha direção, usando um toco de


árvore como base para saltar com as garras de mana prontas para atacar.

Eu me posicionei para enfrentar o ataque, mas quando suas garras estavam a


poucos centímetros do meu rosto, eu retirei meu próprio punho e balancei
para a esquerda. Eu dirigi meu punho em direção às costelas abertas do
aumentador quando o véu de mana ao redor de seu corpo se juntou em
direção à área que eu pretendia atacar.

Meu punho fortalecido foi recebido com um baque sólido antes da barreira de
mana proteger as costelas do meu oponente. Apenas a força do meu soco fez
com que o aumentador caísse no chão, mas quando ele se levantou, havia
apenas uma expressão de frustração, não de dor.
Eu olhei por cima do ombro, focando meu olhar no conjurador novamente.
Com as sobrancelhas tricotadas em concentração e as mãos tremendo, eu
poderia dizer que ele era o único que bloqueou meu ataque, não o
aumentador. O que me confundiu, e defendendo ainda mais minha suspeita,
foi como os soldados ao redor do conjurador pareciam ignorá-lo—tanto
aliados quanto inimigos.

Existe realmente algo como uma ilusão ao nosso redor?

No mesmo momento, outra bola de fogo disparou em minha direção, mas era
pouco mais do que um incômodo neste ponto. O feitiço veio de uma direção
diferente, mas eu sabia onde o conjurador estava escondido: a quinze metros
de distância, diretamente à frente, posicionado em algum lugar no topo de um
aglomerado de grandes rochas cobertas de musgo.

“Ela está lá, certo?” Eu perguntei com um sorriso, apontando em sua direção.

O rosto do aumentador empalideceu, mas ele permaneceu em silêncio. Ele


levantou-se com a ajuda de uma árvore próxima, apesar de sua fadiga, o
desespero era evidente em seu rosto machucado. Mantendo seus profundos
olhos fixos nos meus, ele bateu palmas apenas uma vez. Assim que ele fez,
várias imagens do aumentador começaram a se formar ao meu redor,
resolvendo minha suspeita—havia ilusão ou alguma magia para enganar
minha percepção envolvida.

Logo, havia pelo menos uma dúzia de figuras do aumentador em poses


diferentes—pareciam muito vivas—todas prontas para atacar.

Olhei para as ilusões que se manifestavam ao meu redor, percebendo que nem
os soldados de Dicathen e nem os Alacryanos sabiam o que estava
acontecendo, soltei uma risada abafada.

“Isso é engraçado?” O aumentador rosnou, sua voz vindo de todos os clones


também.

“Eu sinto muito.” Eu suspirei, ainda sorrindo. Olhando para cima, examinei os
cerca de uma dúzia de aumentadores, todos com garras brilhantes de mana
que não podiam ser distinguidas umas das outras. “Graças a essa ilusão, posso
me soltar um pouco.”

Focando minha consciência profundamente no meu núcleo de mana, eu ativei


o Realmheart. Uma explosão de mana saiu de dentro de mim quando minha
visão se desvaneceu em um estado acromático. Eu podia sentir o calor
confortável enquanto as runas brilhantes escorriam pelos meus braços e pelas
minhas costas enquanto meu longo cabelo começava a brilhar com um toque
de uma tonalidade prateada ao invés de ficar completamente branco.

Os clones que antes pareciam idênticos em meu estado normal agora não
passavam de aglomerados de mana em forma de homem. Todos, exceto um,
pareciam ser uma massa de partículas brancas de mana. O que me
surpreendeu foi que a ilusão não foi invocada pelo conjurador escondido, mas
pelo ‘escudeiro’.

Travando o meu olhar no aumentador, era óbvio pela sua expressão que ele
sabia que havia algo terrivelmente opressivo em mim. Gotas de suor rolaram
pelo seu rosto enquanto ele me olhava com uma perplexidade de medo.
Ignorando sua cautela, o aumentador—acompanhado de todos os seus
clones—correu em minha direção.

Ao mesmo tempo, o conjurador evocou outra explosão de fogo—maior, desta


vez—em sincronia com a investida do aumentador. Aumentando meu uso de
mana, ignorei as ilusões do aumentador e mirei nas garras de mana do
aumentador real de frente, quebrando seu feitiço. Agarrando com força a mão
exposta, usei seu impulso para direcioná-lo em direção à explosão de fogo.

Eu tive um vislumbre dos olhos do meu oponente se arregalando de horror


antes de ser atingido pelo peso total do feitiço de seu aliado.

Várias camadas de barreiras tentaram proteger o aumentador, mas todas se


quebraram devido à força da explosão. Ainda assim, a vida do aumentador foi
preservada graças a isso.

Os clones ilusórios piscaram antes de desaparecer quando voltei minha


atenção para o conjurador escondido na árvore.

Sem palavras, eu levantei meu braço esquerdo e juntei mana nas pontas dos
meus dedos.

“Escu–Cayfer! Proteja Maylin!” O aumentador rugiu, ainda lutando para se


levantar do chão.

O conjurador chamado Cayfer que o aumentador havia se referido como


“escudeiro” assentiu furiosamente quando terminei de preparar meu feitiço.
Vinhas irregulares de eletricidade enrolaram-se no meu braço como uma
serpente, reunindo-se nas pontas do meu indicador e dedo do meio.

Usando meu braço direito para ajudar a estabilizar minha mira, concentrei-me
no conjurador escondido que agora estava claramente visível graças ao
Realmheart.

“Liberar.” Eu murmurei.

A fina bala de relâmpago saiu das pontas dos meus dois dedos, penetrando
diretamente através das árvores que ficavam entre mim e a maga escondida.

As camadas de barreiras translúcidas que se formaram no caminho da bala


foram instantaneamente quebradas até que meu feitiço atingiu o aglomerado
de rochas que eu estava mirando.
Não houve nenhum grito dramático ou uivo de dor à distância, apenas o suave
baque do corpo flácido da maga caindo da pedra.

“Não! Maylin!” Gritou aquele que conjurou a barreira enquanto corria em


direção ao seu companheiro caído, abandonando seu posto.

Quando o mago caiu e a concentração de Cayfer se rompeu, a ilusão que nos


cercava desapareceu. Como se uma janela tivesse sido aberta, o mundo ficou
mais claro ao meu redor e o volume antes quase silencioso da batalha
continuou em plena explosão. Não demorou muito para que eu me envolvesse
no caos da batalha.

Eu cessei o Realmheart, mas tirei a Dawn Ballad de meu anel dimensional. A


espada translúcida brilhou quando sua lâmina se arqueou ao meu redor,
tirando sangue onde quer que atinja seu alvo.

A batalha entre os dois lados durou menos de uma hora, mas o chão estava
coberto de cadáveres e partes do corpo—pernas e cabeças decepadas, além
de braços cortados ainda jorrando sangue.

O ar frio do inverno fez pouco para mascarar o cheiro azedo de sangue e carne
queimada, enquanto o denso conjunto de árvores ao redor da batalha
amplificava ainda mais a cacofonia de gritos.

Mesmo que o inimigo estivesse em menor número, eles tinham muito mais
magos do que nossas divisões. Aumentadores com armas imbuídas de mana
perfuraram nossos soldados enquanto conjuradores atacavam à distância.

Inimigos atacaram-me no calor da batalha, alguns com técnicas únicas, como


o aumentador com garras de mana que não podia ser visto—chicotes de fogo,
armaduras feitas de pedra. Havia um aumentador inimigo que matou vários
dos nossos soldados, jogando água em suas gargantas até que eles se
afogassem.

No entanto, nada disso fez diferença para mim. Minha mente ficou dormente
em um ponto enquanto meu corpo parecia estar se movendo sozinho. Eu matei
apenas um punhado de homens, mas eu já estava escorregadio de sangue.
Minha túnica e calça grudaram na minha pele, porém eu não sabia se era
devido ao suor ou sangue.

Palavras dificilmente eram ditas no meio da batalha. Palavras eram inúteis. Em


vez disso, soldados de ambos os lados soltavam gritos primitivos enquanto
lutavam, embriagados com adrenalina enquanto balançavam suas armas.

Quando eu tirei minha lâmina do peito sangrento de outro homem, eu estalei


minha língua. Não havia nada de bom nisso. A morte de uma fera era uma
coisa, mas os dois lados eram do mesmo tipo.
Eu chutei o corpo mole e usei suas roupas para limpar o sangue da minha
espada. Eu tinha conservado muito da minha mana, mas lutar constantemente
por quase uma hora tinha afetado meu corpo.

Eu examinei os outros soldados quando a visão de uma pessoa familiar atraiu


meu olhar. Ela acabara de desviar o machado do oponente para o chão quando
seu olhar pousou no meu também. Seus lábios estavam curvados em um
sorriso confiante enquanto ele se posicionava para enfiar a manopla no rosto
do oponente.

PONTO DE VISTA DE CEDRY

Eu avancei, escorregando e balançando fora do alcance do Alacryano até que


ele estivesse aberto. Então levei minha manopla para o lado dele, o
satisfatório estalar de suas costelas indicava que ele estava caído.

“Puta.” O homem de olhos estreitos cuspiu enquanto se curvava, com o sangue


vazando de seus lábios. Ele agarrou desesperadamente em mim para não cair,
suas mãos pousando sobre o forro de couro protegendo meu peito. Com um
sorriso lascivo nos olhos semicerrados, ele usou o último pouco de sua força
para arrancar minha armadura de mim.

Quebrando seu pulso com um golpe firme, eu retirei o desgraçado feio de sua
miséria com uma batida firme em sua cabeça. Eu não pude deixar de sorrir,
exultante e emocionada com a vitória enquanto um intenso furor crescia
dentro de mim.

Outro tolo tentou se esgueirar pelas minhas costas, mas eu me esquivei de sua
espada e dei a volta. Um Alacryano de barba curta ergueu o escudo enquanto
se preparava para atacar novamente.

Meu coração batia forte e tudo parecia um pouco lento como na noite anterior,
depois de dez canecas de cerveja. Eu balancei meu punho, fortalecendo meu
corpo e manopla, e dei um soco direto no escudo de metal do soldado.

O choque produziu um som agudo que feriu meu ouvido, mas a força do meu
ataque fez com que o soldado barbudo largasse o escudo. Eu não dei a ele
tempo para se recuperar, girando para fora da minha perna principal para
ganhar força para um chute.

Os olhos do soldado se arregalaram quando ele tentou desesperadamente


levantar o braço para bloquear meu ataque, mas seu braço protetor não
levantou, ainda entorpecido pelo choque do meu soco anterior. Ele não pôde
trazer sua espada para cima rápido o suficiente quando a minha mão alcançou
seu saliente pomo de Adão.

O soldado caiu para trás, contorcendo-se com as mãos em volta do pescoço


enquanto lutava para respirar. Depois de um gorgolejo desesperado, seu corpo
ficou flácido diante de mim.
Eu soltei um rugido terrível. Nenhum homem pode me depreciar aqui. Só a
força é absoluta no campo de batalha!

Meu grito atraiu a atenção de um homem com machado próximo. Enquanto


seu corpo era muito maior que o meu, seus movimentos eram lentos. Quando
ele desceu, seu machado começou a brilhar amarelo enquanto uma camada
de mana começou a se espalhar por seu corpo. Olhando para a diferente
afinidade elementar de mana em torno de seu machado em relação ao seu
corpo, parecia que alguém havia lançado um feitiço para protegê-lo, mas eu
não tive tempo para questionar. Eu não tive tempo para me surpreender. Força
é absoluta.

Eu coloquei toda a minha mana no meu punho direito quando virei meu corpo
para o lado para evitar seu ataque. Vi um vislumbre do meu reflexo quando o
golpe do seu machado desceu; havia um sorriso eufórico—quase
enlouquecido—colado no meu rosto.

Usei o impulso de seu ataque e desviei o machado para o chão quando o vi.
Era o garoto do campo que derrotou todos contra os quais lutou—até Madame
Astera. Houve conversas de alguns dos soldados mencionando que o garoto
era uma Lança. Eu zombei da noção ridícula na época, mas como eu estava
aqui, a apenas algumas dezenas de metros dele e da pilha de cadáveres
espalhados ao redor dele, eu não pude deixar de me perguntar se eles estavam
certos.

Meus olhos finalmente encontraram os dele, mas em vez da expressão calma


e brincalhona que ele usou durante toda a noite passada, seus olhos se
arregalaram quando ele desesperadamente falou alguma coisa para mim.

Eu não conseguia ouvir o que ele estava dizendo, mas não importava, eu
perguntaria depois. Ele ainda estava lutando para tirar a arma do chão,
quando senti uma dor aguda no peito.

Em um instante, toda a minha força e furor foram drenados. Minhas mãos não
podiam mais se fechar em punhos. O chão de repente parecia mais perto
quando percebi que tinha caído de joelhos. Eu olhei para a fonte da minha dor,
apenas para ver um buraco onde meu peito costumava estar.

Eu instintivamente tentei cobrir o buraco com as mãos, só sentia uma dor


ardente espalhada na palma da minha mão. Eu tirei meu olhar do meu
ferimento para o chão na minha frente, encontrando a minha resposta lá –
uma cratera queimada a apenas trinta centímetros de diâmetro.

Eu perdi a sensação nas minhas pernas quando caí no chão. Eu fiquei com
sono e frio, meu último pensamento era o quão alta a grama manchada de
sangue parecia daqui.

Capítulo 154
Mudança de marés

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

Eu rangi meus dentes ao ver o corpo de Cedry caindo no chão. O portador de


machado inimigo ergueu a arma do chão e se se preparando para atacar, com
seu ar de desprezo arrogante expondo seus dentes amarelos, quando uma
lâmina fina se projetou para fora de sua gorjeira.

Quando o corpo do portador do machado caiu, Jona, amigo de Cedry, apareceu.


Com um puxão firme, ele tirou sua adaga ensanguentada do homem que ele
tinha acabado de esfaquear antes de se ajoelhar ao lado de Cedry.

Idiota. O que você está fazendo no meio de uma batalha?

Eu estava tendendo a deixá-lo; é o que Grey teria feito. Mas me lembrei da


noite passada—a conversa que tivemos antes de eu subir para lutar no ringue
e a noite despreocupada de bebedeira que se seguiu pouco depois. Eu os
conhecia apenas um pouco mais do que os inimigos que eu estava
enfrentando, mas os sentimentos que nós compartilhamos na noite anterior—
embora meio bêbados—pesaram na minha consciência, me cutucando para
ajudá-lo.

Com um estalar irritado da minha língua, eu corri em direção a Jona, que estava
embalando carinhosamente o corpo de Cedry em seus braços. Um aumentador
inimigo, puxando a ponta de sua lança da cabeça de um soldado, avistou Jona.
Mesmo debaixo do capacete que cobria grande parte do seu rosto, era óbvio
que ele estava rindo por sua sorte.

Concentrando-se no chão logo abaixo de seus pés, atirei um espinho de pedra


no inimigo. O portador da lança evitou por pouco um ferimento fatal, caindo
desajeitadamente no chão enquanto agarrava sua hemorragia.

Eu aumentei a saída de mana para o meu corpo e corri em direção ao soldado


ferido. Como ele estava deitado no chão com dor, eu pisei em seu peito para
mantê-lo estável.

Impiedosamente, eu dirigi a Canção do Amanhecer profundamente no peitoral


do portador da lança e vi a luz se apagar em seus olhos.

Com um movimento fluido, eu deslizei minha espada para fora e a balancei,


me livrando do sangue na lâmina, antes de puxar Jona pela nuca.

“Você precisa sair daqui”, eu rosnei, sacudindo-o.

Ele olhou de volta para mim, seus olhos cheios de lágrimas. “Cedry, você vai
ficar bem.” Ele murmurou com seu olhar distante enquanto se agarrava ao
corpo de sua companheira meio-elfo como uma criança.
Os afiados assobios das flechas que chegavam e o leve chiar de feitiços se
aproximando me chamaram a atenção, mas com os dois braços ocupados, eu
só podia fazer esse tanto. Eu tinha sido pão duro em meu uso de mana
pensando apenas no improvável cenário em que eu teria que lutar contra uma
das quatro Foices ou um Retentor, mas se eu quisesse levar Jona e Cedry para
um lugar seguro, eu precisaria gastar mais mana do que eu gostaria.

A voz de Grey ecoou na minha cabeça, castigando-me, pedindo-me para deixá-


los e conservar minha mana para o pior cenário possível.

Amaldiçoando sob a minha respiração, eu derrubei Jona com um soco firme


em seu plexo solar. Seu corpo tremeu com o choque que eu adicionei para
garantir que ele estivesse frio enquanto eu o levantava sobre meus ombros e
usava meu braço livre para colocar o corpo da meio-elfo debaixo do meu
braço.

O cadáver magro de Cedry pesava mais do que o corpo de Jona enquanto eu a


segurava pela sua cintura. Eu não podia fazer nada sobre seus braços e cabelo
loiro arrastando no chão, mas o corpo inconsciente de Jona pareceu se
ofender, seus braços balançando em direção a ela do meu ombro, como se
estivesse tentando pegá-la.

Ignorando o desejo rastejante de simplesmente deixá-los cair no chão, liberei


a mana que eu estava conservando. Um senso inebriante de poder correu para
fora do meu núcleo, espalhando-se para os meus membros e me enchendo de
força renovada. Sintonizando o clamor caótico ao meu redor, concentrei-me
inteiramente na mana que me cercava.

Por causa da camada de fumaça e fogo em expansão, fiz uma barreira em


espiral ao nosso redor enquanto me preparava para levá-los de volta à base.
Uma camada translúcida de mana girou em torno de nós quando uma torrente
de vento e pedras começou a se moldar em uma esfera.

Fortalecendo meu corpo, eu empurrei o chão. Imediatamente, tive que apertar


minha mão ao redor de Jona e Cedry para evitar que caíssem. A barreira que
conjurei permaneceu forte enquanto flechas e feitiços a bombardeavam.
Faíscas acenderam cada vez que um inimigo atingia minha barreira, desviando
ou redirecionando qualquer coisa que viesse em nossa direção, mas o feitiço
estava constantemente consumindo minhas reservas de mana.

Graças à técnica de rotação de mana que eu aprendi com Sylvia, até mesmo
uma magia supérflua como essa poderia ser recuperada em um período de
tempo razoavelmente curto.

Eu atravessei o campo de batalha, rangendo os dentes para lidar com o peso


dos meus dois passageiros, enquanto me concentrava apenas em manter a
barreira ativa apesar dos intensos ataques sobre ela.
Meu corpo estremeceu quando um feitiço particularmente poderoso
bombardeou minha barreira, mas eu me mantive firme e aumentei a
quantidade de mana na barreira. Gritos dos soldados inimigos ordenando que
seus subordinados me abatessem ecoavam dentro da floresta.

Pelo menos com todos os seus feitiços concentradas em mim, Vanesy e seus
soldados terão mais facilidade. Pensei.

Assim que eu estava fora da batalha principal, eu liberei o meu feitiço.


Imediatamente, uma flecha fortalecida roçou minha bochecha, tirando sangue.
A força da flecha derrubou uma árvore ao meu lado, me pegando de surpresa.

Com o corpo flácido de Jona caído sobre o meu ombro, eu tive que me virar
para ver quem eu estava enfrentando. Antes que eu pudesse identificar meu
atacante, mais duas flechas zuniram em minha direção.

Eu mal tive um segundo para reagir, mas isso seria suficiente. Deixando
escapar uma respiração profunda, eu murmurei: “Static Void”

As flechas mortais estavam a poucos centímetros de mim quando eu soltei a


primeira fase do meu legado do dragão. O mundo ficou quieto enquanto até
os sons caóticos da batalha se ensurdeciam.

Em um movimento rápido, posicionei meu pé direito no topo de uma flecha e


mordi o eixo da outra flecha. Liberando o Vazio Estático, meu pescoço
imediatamente sacudiu devido à força da flecha na minha boca enquanto a
flecha debaixo do meu pé enterrava no chão.

Chicoteando minha cabeça na direção do atacante, eu liberei uma torrente de


mana pura. Por um momento, o céu da tarde ficou escuro enquanto pássaros
aterrorizados disparavam das árvores e enchiam o céu, sentindo a intenção
maliciosa que eu deixei escapar.

Eu fiquei lá por apenas um segundo, olhando para o espaço onde eu pensava


que o arqueiro inimigo estava, sua flecha na minha boca, avisando-o do que
eu era capaz se ele me atrapalhasse.

Minha ameaça implícita parecia ter funcionado, porque não havia mais flechas
ou feitiços na minha direção. Voltando, eu entrei na densa floresta, fazendo
meu caminho de volta para a borda do penhasco de onde viemos.

“Arthur? O que aconteceu?” Uma voz gritou quando eu botei Cedry e Jona no
chão na borda do acampamento.

Eu olhei para cima para ver Madame Astera, com sangue no rosto e no avental
uma vez branco. Percebendo o meu olhar, ela olhou apenas para sacudir a
cabeça com um leve sorriso. “Não se preocupe, não é meu sangue. Eu estou
apenas ajudando os médicos e emissores a tratar alguns dos feridos que foram
trazidos de volta.”
Eu assenti. “Entendo. Nesse caso, por favor, cuide dela—apontei para Cedry—e
também de Jona.”

Sem esperar pela resposta do chefe de cozinha, virei-me em direção ao


penhasco, pronto para voltar, quando algo puxou minha bota.

“Por quê? Por que você não a salvou como você me salvou?” A voz rouca de
Jona tremia quando ele apertou meu tornozelo.

“Eu não posso salvar todos os soldados em uma guerra.” Respondi, incapaz de
olhar para trás e encará-lo.

“Mentiroso… eu aposto que você poderia se você realmente quisesse. Você é


uma Lança, certo? Eu não tinha certeza até que você pegou a flecha com a
boca. Por um segundo, pensei que estava sonhando porque a flecha parou no
meio do voo.”

Eu rangi meus dentes em frustração—não para ele, mas para mim mesmo—e
fiz minha perna livre de seu aperto. “Como eu disse, minha prioridade não é
salvar cada soldado com quem me deparo na guerra.”

“Poderíamos não nos conhecer por tanto tempo, mas se Cedry estivesse viva,
não haveria como ela ter pensado em você como ‘apenas um
soldado’, General.” Havia veneno misturado ao chiado do meu título.

Me virando, eu levantei Jona pela gola de sua camisa mais uma vez e puxei-o
para perto. “Sinto muito por sua amiga, Jona, mas tire sua cabeça da bunda.
Há inimigos lá fora mais fortes do que você pode imaginar—mais forte do que
qualquer aventureiro que você provavelmente adorou—e você quer que eu
gaste toda a minha energia para salvar todos aqui? Se eu fizer isso, quem vai
pará-los? Quem vai parar os líderes inimigos que podem nivelar uma
montanha se eles quiserem?”

O ódio e a culpa dos olhos de Jona desapareceram, substituídos por culpa e


tristeza quando lágrimas rolaram por suas bochechas. “O que eu vou fazer
então? Eu prometi a ela quando éramos pequenos. Eu finalmente ia cumprir a
promessa… ia pedir para ela se casar comigo.”

Com suas palavras, meu peito doeu, torcendo em nós quando minha
respiração ficou curta e irregular. Eu lutei para manter a compostura enquanto
olhava para o rosto de Jona.

“Eu vou cuidar dele, Arthur.” Madame Astera sussurrou, puxando Jona de volta
pelos ombros. “Vá em frente.”

Eu dei um breve aceno de cabeça e tirei meus olhos de Jona. Voltando para o
penhasco, minha mente estava nublada com pensamentos sobre Jona e Cedry.
Eu os vi lutando, eu os vi brigar, e os vi rir juntos, mas nunca pensei muito no
relacionamento deles.
“Droga.” Eu amaldiçoei enquanto ziguezagueava através da densa variedade
de árvores. Os sons da batalha ficaram mais altos, mas meus pensamentos
estavam focados nas últimas palavras de Jona.

O leve assobio de uma flecha me levou de volta à realidade. Eu girei para sair
do caminho do projétil e conjurei várias facas de arremesso de gelo
condensado, jogando-as no arqueiro inimigo sem perder o ritmo. O grunhido
de dor do arqueiro e o som surdo de seu corpo caindo da árvore soaram atrás
de mim.

Alguns passos depois, um raio de eletricidade crepitou em minha direção. O


feitiço era poderoso, mas pela maneira como se ramificava e enfraquecia, eu
poderia dizer que o conjurador era inexperiente na magia desviante.
Afastando-me, juntei mana às pontas dos meus dedos mais uma vez e soltei o
feitiço.

Ao contrário do raio do meu atacante, o meu disparou como uma bala. No


entanto, assim que o meu feitiço estava prestes a acertar o alvo, uma parede
de metal ergueu-se do chão, desviando a faixa de luz inofensiva para o céu até
que ela se dissipasse.

Irritante. Enquanto lutava contra os Alacryanos, comecei a ver um padrão. Para


cada aumentador ou conjurador lutando, parecia haver outro conjurador
diferente, cujo único dever era protegê-los. O arqueiro anterior não parecia
ser um aumentador, o que explica por que ele caiu tão facilmente.

Como os feiticeiros e aumentadores inimigos não estavam focados em se


proteger enquanto lutavam, seus ataques eram muito mais implacáveis e
impetuosos.

Meu humor azedou desde que deixei Jona e Cedry de volta ao acampamento,
e meu temperamento cresceu à medida que mais e mais inimigos atacavam.

“Ótimo! Sabe de uma coisa? Quanto mais eu matar, menos meus soldados
morrerão!” Cuspi, revelando um sorriso ameaçador. “Realmheart!”

Conjuradores e aumentadores que estavam escondidos agora se destacavam


como polegares enquanto preparavam seus ataques. Quando as partículas se
juntaram ao redor deles, girando e girando em preparação, ficou claro que tipo
de feitiços elas estavam conjurando, mas eu precisava de mais tempo para
combatê-los.

Todos os pensamentos de conservação desapareceram quando eu mais uma


vez libertei a primeira fase do meu legado do dragão. O mundo congelou mais
uma vez e eu rapidamente avaliei os feitiços necessários para combater os
ataques de doze inimigos diferentes. “Três rajadas de fogo, uma saraivada de
pedras afiadas, flechas fortalecidas, um raio, balas condensadas de água, e um
dos conjuradores estava planejando enterrar meus pés para impedir que eu
me movesse. Fácil o suficiente.” Eu murmurei. Como eu pensei, conjurar a
barreira mais cedo para salvar Jona atraiu muita atenção.

Segundos marcados dentro do reino suspenso do Static Void. Meu corpo


parecia mais pesado, mas eu não me importava. Isso não era nada. Eu liberei
o Static Void assim que eu estava pronto e retaliei.

Imediatamente, feitiços foram detonados de todos os lados, uma cacofonia de


gritos e gemidos se misturou também. Soldados inimigos e aliados olharam ao
redor, confusos com a explosão repentina.

Enquanto eu soltava a respiração, eu não pude deixar de sorrir de satisfação.


Além de cancelar os feitiços dos inimigos como Lady Myre havia me ensinado
usando a interpretação de mana, sobrecarreguei os feitiços dos soldados de
Alacryan, causando um tiro mortal pela culatra.

“Que tal, Jona! Você está satisfeito?” eu bufei.

“Arthur!” Uma voz claramente me chamou por trás.

Olhando por cima do meu ombro, avistei a capitã Glory. Ela tinha uma
expressão endurecida enquanto suas duas longas espadas pingavam sangue.
Seu cabelo uma vez amarrado tinha se soltado e estava coberto de lama e
sangue seco, e sua armadura não estava melhor, mas ainda havia um fogo em
seus olhos.

“Você está um caco.” Meus lábios formaram um sorriso dolorido, aliviado ao


ver um rosto familiar.

O canto dos lábios dela se curvou em um sorriso. “Isso não é algo que você diz
para uma mulher, mesmo durante a guerra.”

“Eu vou manter isso em mente”, eu ri.

“De qualquer forma, você que fez aquilo?” Vanesy perguntou, olhando ao
redor.

Eu assenti. “Eu estava testando uma coisa.”

“Testando algo durante a batalha? Você nunca muda.” Ela soltou um suspiro.
“Você acha que pode fazer isso de novo?”

“Provavelmente”, eu respondi quando, de repente, os pensamentos de Sylvie


entraram na minha cabeça. ‘Arthur, eu estou voltando’. Houve uma inundação
de emoções que foram misturadas com sua mensagem: preocupação,
desespero e medo.

O que aconteceu? Você já encontrou alguma coisa? Mandei de volta ao meu


vínculo, suas emoções afetando as minhas.
‘Não, eu tive que parar no meio do caminho…’ Ela ficou em silêncio por um
momento, mas havia uma sensação sombria como um presságio que fez meu
coração bater mais rápido até que ela falou de novo. ‘Alguém está vindo em
sua direção. Arthur, ele é… ele é forte.’

Capítulo 155
Porque estou aqui

Meu batimento cardíaco acelerou e minhas palmas ficaram escorregadias de


suor quando as emoções de Sylvie foram transmitidas para mim, mas eu não
tive tempo para descansar; Com seus conjuradores e arqueiros por perto
sofrendo ferimentos graves, os fortalecedores e soldados inimigos foram
rápidos em se aproximar de nós.

“Nós temos alguém vindo em nossa direção. Não fique com medo agora.”
Minha ex-professora riu. Seu tom alegre não combinava com os gritos e
estrondos de armas ressoando no fundo.

“Medo? Eu tenho sofrido todos os ataques de seus conjuradores e arqueiros,


tentando estabelecer um padrão em seus ataques.” Eu respondi, sacando a
Dawn’s Ballad e enterrando sua lâmina afiada através do peitoral de um
soldado inimigo em um movimento rápido.

“Foi assim que você foi capaz de detonar essas explosões agora?” Vanesy
perguntou enquanto aparava um grande martelo de guerra. Foi emocionante
ver minha ex-professora lutar de perto sem se segurar. Seu estilo de luta,
combinado com a utilização da terra e do fogo de uma maneira única para
conjurar vidro, produziu uma série de ataques brilhantes. Ela era capaz de criar
uma camada de vidro afiado em torno de suas espadas para estender seu
alcance, derrubando os inimigos a vários metros de distância.

“Não, aquilo foi outra coisa.” Puxei minha espada de um inimigo diferente.
“Vanesy. Devemos acabar com essa batalha em breve, ou pelo menos tirar ela
daqui.”

“Você diz isso como se nós estivéssemos–” Vanesy se esquivou, evitando por
pouco a cabeça de um machado. “–prolongando propositalmente essa
batalha.”

Eu balancei a Dawn’s Ballad, enviando uma forte onda de vento contra o


atacante da minha ex-professora. Com um assobio agudo, o sangue escorria
do pescoço desprotegido do alacryano. Ele só foi capaz de soltar um gorgolejo
suave antes de desabar no chão com os olhos arregalados e frenéticos
enquanto suas mãos pressionavam seu ferimento fatal.

Meu tom ficou severo quando eu respondi. “Eu admito que minhas prioridades
podem ter sido um pouco diferentes até agora, mas não há tempo. Leve a
batalha para outro lugar—qualquer lugar longe daqui.”
Sua testa se enrugou. “O que está acontecendo?”

“Tem alguém vindo, alguém tão forte—se não mais forte—do que eu. Tire todos
daqui para que não sejam apanhados no nosso fogo cruzado.”

A testa franzida de Vanesy se aprofundou. “Nosso? Você não pode estar


falando que–”

Eu assenti gravemente. “É por isso que estou aqui—pro caso de algo assim
acontecer. Tire todo mundo daqui.”

“Eu sei que você é forte—na verdade, eu não consigo entender o quão forte
você realmente é—mas, droga, isso não significa que você não pode precisar
de nenhuma ajuda!”

Meus olhos se afrouxaram quando eu dei à minha ex-professora um olhar de


preocupação, mas permaneci em silêncio.

“Merda.” Minha ex-professora amaldiçoou, examinando o campo de batalha.


Ela olhou para mim com um olhar resoluto. “Tudo bem, mas é melhor você
voltar vivo ou eu vou te tirar do inferno só para te mandar de volta.”

Eu não pude deixar de soltar um risinho devido a sua ameaça ridícula. “Eu
prometo.”

Vanesy deu um passo para trás e me saudou antes de Torch descer do céu. A
capitã saltou para o falcão e gritou: “Dicatheanos! Recuar!”

Assim, a maré da batalha mudou. Vanesy voou para o alto, reunindo seus
homens que talvez não tivessem ouvido, mas nossos soldados já haviam
começado a se afastar enquanto se defendiam de nossos inimigos.

Eu observei como nossos soldados se retiravam, impedindo quaisquer


inimigos que tentassem persegui-los, mas havia muitos.

Tudo bem, eu disse a mim mesmo. Os soldados de Alacrya não eram o


problema. As divisões de Vanesy e do capitão Auddyr teriam que dar conta.

Guardei a Dawn’s Ballad e fiz meu caminho até a borda da clareira. Saltando
em uma árvore, conjurei uma almofada de vento sob meus pés e fui para o sul,
pulando de um galho para outro.

Logo depois da clareira, as árvores mansas, uniformemente espaçadas e


mantidas por lenhadores da cidade vizinha, tornaram-se mais selvagens e
densas. Havia grandes árvores espalhadas abaixo, caídas em tempestades. O
inverno rigoroso tinha arrancado boa parte da casca, mas pela fina camada de
gelo no solo intocado, parecia que o Exército Alacryano não havia passado por
aqui quando subiram.
O único som ao meu redor era o farfalhar das folhas e os ocasionais estalos
de ramos da vida selvagem.

Sylvie. Você está aí? Quão perto você está?

Eu fui recebido apenas com o silêncio de minhas tentativas repetidas de


estabelecer contato com meu vínculo. Ou ela estava muito longe, o que não
deveria ser o caso, ou intencionalmente me ignorando.

‘Se não é um rapaz fofo. Poderia ser que você está perdido?’

Eu me encolhi devido a voz desconhecida que soou na minha cabeça, quase


caindo do galho em que estava empoleirado. Chicoteando minha cabeça para
a esquerda e para a direita, tentei localizar a fonte do som.

Eu queria me mover, mas meu corpo congelou—não do frio, mas de um medo


tangível. Um profundo sentimento de pavor subiu como uma maré crescente,
lenta, mas constante, enquanto eu inspecionava a área.

Mesmo com visão e audição aumentadas, eu não consegui encontrá-la. No


entanto, eu sabia que ela estava lá, sua voz alta e áspera ainda arranhava o
interior dos meus ouvidos.

‘Você está, talvez, procurando por mim?’ Sua voz estridente gritou dentro da
minha cabeça como uma lâmina grossa sendo arrastada contra o gelo. Eu rangi
meus dentes, tentando manter a calma. Minha mente sabia que ela estava
intencionalmente me intimidando, mas meu corpo não podia deixar de ser
vítima de sua tática.

Sua voz parecia vir de todos os lados e ao mesmo tempo dentro de mim. Meus
membros ficaram duros quando meu coração bateu forte o suficiente para sair
da minha caixa torácica.

Sem pensar duas vezes, mordi meu lábio inferior. Quando a dor e o gosto
metálico do sangue se espalharam pela minha língua, me libertando do
domínio de sua intenção de matar, imediatamente ativei o Realmheart.

A antes exuberante paisagem verde e marrom caía em tons de cinza com


apenas manchas de cor irradiando da mana ao meu redor.

Incapaz de ver qualquer fonte de flutuação de mana, comecei a duvidar do que


ouvi—não, eu queria duvidar do que ouvi. De repente, um lampejo de luz
passou zunindo pelo canto do meu olho como uma sombra verde. Era quase
impossível seguir o movimento da sombra, mas se eu mantivesse meus olhos
desfocados, poderia vislumbrar seu movimento.

A sombra verde parou. De sua localização, parecia que ela estava dentro do
tronco de uma árvore a cerca de nove metros de distância.
‘Bons olhos, garotinho. Bons olhos.’ Ela se moveu mais uma vez, viajando de
dentro de uma árvore para outra, usando galhos como se fossem túneis,
deixando para trás traços de mana verde doentia. Meus olhos dispararam,
tentando seguir seu movimento quando ela soltou uma gargalhada que ecoou
na densa floresta.

“Seus olhos parecem que estão girando, querido.” Ela brincou, sua voz
estridente tão alta como se estivesse dentro da minha cabeça.

“Estou aqui?” Ela perguntou, mais longe dessa vez.

“Que tal aqui?” Sua voz irritada soou à minha esquerda.

Ela soltou uma risadinha infantil. “Talvez eu esteja aqui!”

Sua voz parecia se tornar mais distante do que antes. Ela estava tentando me
evitar?

“Eu poderia estar lá…” ela provocou mais uma vez, sua voz subitamente veio
de vários metros à minha direita.

“Ou eu poderia estar bem aqui!” De repente, um braço saiu de dentro da árvore
em que eu estava empoleirado.

Eu não tive tempo para reagir quando a mão dela agarrou meu pescoço,
espalhando uma dor lancinante na minha garganta e no colarinho. Fui
levantado no ar, segurado pelo meu pescoço, quando a fonte da voz estridente
saiu da árvore.

Segurei seu braço pálido e esquelético, manchado com marcas descoloridas


enquanto tentava me libertar de seu aperto. Ela estava usando um vestido
preto cintilante que acentuava a estrutura alta e doentia do corpo. Eu podia
praticamente ver suas costelas através do pedaço de tecido que pareceria
elegante se tivesse sido usado por qualquer outra mulher.

Eu lutei para levantar o meu olhar alto o suficiente para ver seu rosto, mas o
que me olhou de volta foi uma máscara de cerâmica com um rosto de boneca
magistralmente desenhado. Cabelos longos e negros estavam amarrados em
dois rabos de cavalo atrás da cabeça com um laço amarrado em cada
extremidade.

“Nossa, que menino bonito você é.” Ela sussurrou por trás de sua máscara, os
olhos desenhados olhando diretamente para mim.

Como um raio de eletricidade, um arrepio impediu meu giro nas suas palavras,
me fazendo lutar mais. Meu pescoço parecia estar sendo constantemente
marcado enquanto a dor ardente se tornava quase insuportável. Lutando com
o último fio de minha consciência, eu dirigi mana às minhas palmas.
Com o Realmheart ainda ativo, eu podia ver fisicamente as especificações de
mana azul reunidas em torno de minhas mãos, se transformando em um
branco cintilante enquanto eu formava um feitiço. Apertando minha mão em
torno de seu pulso, liberei meu feitiço.

[Zero Absoluto]

Ela imediatamente soltou meu pescoço e puxou seu braço para longe do meu
alcance. Após o lançamento, eu caí da árvore, batendo em um tronco oco no
chão.

“O cachorrinho até que sabe morder.” Ela repreendeu de cima da árvore.

Eu rapidamente me levantei, ignorando a dor ardente que ainda irradiava do


meu pescoço, mas a mulher já estava na minha frente, olhando através dos
pequenos buracos da máscara. Seu braço direito estava descolorido e inchado
onde eu pude tocá-la brevemente com o feitiço.

Ela balançou a cabeça. “Não importa. Vou ter que ser um pouco mais rigorosa
no seu treinamento.”

Meu corpo involuntariamente deu um passo para trás. Ela não tinha intenção
de me matar; ela só me queria como um tipo de animal de estimação.

“Qual é o seu nome, meu querido?” Ela sussurrou, desviando o olhar enquanto
enterrava o braço direito dentro da árvore atrás dela.

“Minha mãe me disse para não falar com estranhos, especialmente aqueles
tão… estranhos como você.” Eu respondi, encolhendo-me devido a dor
enquanto eu cuidadosamente tocava a ferida no meu pescoço. Normalmente,
graças à assimilação do legado de Sylvia, eu já estaria sentindo meu corpo se
curando, mas a lesão que ela infligiu era diferente.

“Não se preocupe. Nós vamos nos familiarizar em breve.” Ela respondeu,


puxando o braço de volta para fora da árvore, não havia nenhuma marca
deixada pelo meu feitiço em seu braço. A árvore que ela puxou o braço para
fora agora tinha um buraco aberto, como se alguém tivesse marcado com
ácido.

Ela deu passos largos, as pernas marcadas por cicatrizes afundando no chão
como se estivesse atravessando a água. “Infelizmente, não temos muito tempo
porque tenho tarefas a terminar. Alguma chance de você voluntariamente ser
escravo dessa bela dama?”

Eu tirei a Dawn’s Ballad de meu anel dimensional. “Desculpe, vou ter que
recusar.”

“Eles sempre recusam.” A mulher esquelética soltou um suspiro quando ela


balançou a cabeça. “Tudo bem, metade da diversão é quebrar a vontade de
um escravo desobediente.”
Quando ela terminou de falar, mana com cor de alga apodrecida começou a se
reunir sob meus pés. Imediatamente, eu pulei para trás, bem a tempo de evitar
um grupo de mãos escuras que saíam do chão. Os braços humanóides ou de
mana arranhavam o ar antes de afundar de novo no solo corroído.

A mulher inclinou a cabeça, mas eu não pude ver sua expressão através de sua
máscara perturbadora. Através do Realmheart, os feitiços pareciam ter um
atributo semelhante ao da madeira, como Tessia, mas cada feitiço que ela
conjurava, deixava uma marca de corrosão no chão.

Eu deslizei meus dedos pelo meu pescoço em chamas, com medo do que eu
veria no meu reflexo. Mais da mana verde escura reunido em torno da
misteriosa inimiga, mas antes que ela tivesse a chance de terminar seu feitiço,
eu atirei um espeto de pedra do chão ao lado dela. Observei a lança de terra
se dissolver instantaneamente no momento em que ela entrou em contato
com ela.

“Você está apenas prolongando o inevitável, meu querido.” Ela arrulhou em


sua voz alta e áspera que me fez querer arrancar meus ouvidos.

Ela levantou os dois braços, conjurando mais poças de mana no chão e nas
árvores ao meu redor, visíveis apenas por causa da minha visão única.

Meu primeiro pensamento foi como eu deveria poupar mana durante esta
batalha quando percebi pela primeira vez em muito tempo que eu não tinha
razão para me segurar. Muito provavelmente, ela era uma Retentora ou uma
das Foices, um dos principais inimigos, que passei anos treinando para lutar
contra na terra dos Asuras.

Abrindo a parede metafórica que eu construí para controlar minha mana, senti
uma onda de mana saindo do meu núcleo. As runas outrora turvas que corriam
pelos meus braços e costas brilhavam intensamente, aparentes mesmo
através do manto grosso que eu usava na minha camiseta.

Partículas de mana em azul, vermelho, verde e amarelo saíram do meu corpo


enquanto a mana ao meu redor girava e se juntava, atraída para o meu corpo
como mariposas para o fogo.

“Parece que eu encontrei alguém especial.” Ela cruzou os braços erguidos,


invocando seu feitiço. Dezenas de armas parecidas com videiras irromperam
do chão e dispararam dos troncos e galhos das árvores próximas.

Minha expressão permaneceu calma, sua intenção imponente não me afetava


mais, quando as mãos desfiguradas de mana me alcançaram com seus dedos
finos. Uma pequena cratera se formou no chão abaixo dos meus pés enquanto
eu corria em direção à feiticeira delgada, ignorando seu feitiço.

Eu me abaixei e balancei, desviando das mãos parecidas com videiras que


seguiam o meu movimento, nunca quebrando meu ritmo quando cheguei à
feiticeira. Eu estava a apenas alguns centímetros de distância, mas a mulher
nem sequer recuou, confiante na aura que dissolveu meu feitiço anterior.

“Zero Absoluto.” Eu sussurrei, fundindo o feitiço completamente ao redor do


meu corpo.

As mãos verdes escuras que congelaram centímetros antes do contato se


tornaram uma estátua perturbadora que apenas os filósofos poderiam dar
sentido.

Meu primeiro instinto foi usar a Dawn’s Ballad, mas eu estava com medo de
que minha espada acabasse como a lança de pedra, então dei um último
passo, logo antes de seus pés, e forcei a aura de gelo a se transformar em uma
luva ao redor da minha mão esquerda como a que o aumentador fez no
começo da minha batalha anterior. Quando meu feitiço colidiu com sua aura,
uma nuvem de vapor sibilou, bloqueando minha visão.

Levou apenas uma respiração para perceber que o vapor era tóxico. Meu corpo
imediatamente reagiu, me deixando de joelhos em um ataque de tosse quando
minhas entranhas e pele começaram a queimar. O gás tóxico ao meu redor já
tinha derretido muitas das minhas roupas, expondo as runas em meus braços.
Foi o desvanecimento das runas douradas que me tiraram do meu torpor.

As runas, transmitidas a mim por Sylvia e o próprio símbolo de como tudo isso
começou, me tiraram do frio aperto da escuridão.

Eu prontamente criei um pequeno vácuo para sugar as toxinas dos meus


pulmões. Ajudou, mas sem ar para respirar e o oxigênio dos meus pulmões
sugados, fiquei com apenas alguns segundos até desmaiar.

O nevoeiro, por mais tóxico que fosse, cobriu-me dos olhos da bruxa. Ela supôs
que eu já teria desmaiado, ou pior, então usei essa oportunidade. Localizando
sua assinatura de mana com a ajuda do Realmheart, eu esperei pela
oportunidade certa para atacar enquanto lutava contra a falta de vontade do
meu corpo de ficar consciente.

Segundos pareciam horas, me fazendo lembrar do tempo gasto com a minha


consciência dentro do Orbe de Aether, quando ela finalmente chegou perto o
suficiente. Embora ela não conseguisse sentir a flutuação de mana ao meu
redor devido aos efeitos do Mirage Walk, eu só podia rezar para que ela não
conseguisse ver o brilho da minha espada.

Com o resto de energia, eu acionei o Static Void, parando o tempo ao meu


redor enquanto eu explodia em pé e a atingia com a Canção do Amanhecer.
Minha espada estalava quando parecia atravessar o espaço, imbuída de um
relâmpago branco reluzente que parecia quase sagrado quando libertei o
tempo, pouco antes de minha lâmina fazer contato com seu rosto.
A força do meu ataque espalhou a nuvem de ácido cobrindo nós dois, mas
mesmo sem ver, eu sabia que de alguma forma eu errei meu alvo. Estremeci
quando meu olhar caiu para a lâmina na minha mão, ou melhor, o que restava
dela. A ponta da Canção do Amanhecer, forjada por um Asura, tinha sido
corroída, e uma polegada da lâmina original desaparecida. No entanto,
observando o leve traço de sangue na minha lâmina, mudei meu olhar para a
bruxa.

Eu só pude ver a ponta de seu queixo afiado quando sua cabeça foi puxada
para trás, uma fina trilha de sangue rolando pelo lado de seu pescoço. A
floresta inteira parecia ter se acalmado de medo, já que o único som que ouvi
foi a quebra de sua máscara no chão de terra.

Capítulo 156
A batalha de uma lança

“Onde está minha máscara?”

As mãos da bruxa tocaram em seu rosto, ainda afastadas da minha linha de


visão.

“Minha máscara. Eu preciso da minha máscara.” ela continuou repetindo


quando percebeu que seu rosto estava agora nu. A bruxa arrancou a sua
cabeleira negra desgrenhada, arranhando os rabos-de-cavalo e usando o
cabelo arruinado como cortina para cobrir o rosto. Ela se ajoelhou no chão,
recolhendo os pequenos pedaços de sua máscara quebrada enquanto
continuava resmungando.

Eu soltei respirações irregulares enquanto lentamente me afastei com medo


do que ela poderia fazer. Eu usei o Static Void com o Realmheart ativado e, em
troca, a ponta da minha espada havia desaparecido.

A palhada de cabelos negros desgrenhados que caíam sobre o rosto dela se


agitavam quando ela começou a encaixar os pedaços quebrados em uma
tentativa desesperada de conserta-los. De repente, ela agarrou a pilha que ela
estava desesperadamente recolhendo, arranhando o chão junto.

“Minha máscara!” Ela gritou, segurando os cacos até que suas mãos sangraram.

Observando as partículas de mana reunidas para formar uma aura verde


escura ao redor dela, não tive tempo para pensar.

As fracas partículas púrpuras de éter começaram a vibrar quando ativei o


Static Void mais uma vez. Ignorando o protesto do meu corpo, corri para atacar
a bruxa antes que a aura corrosiva a envolvesse completamente de novo.

Com o tempo parado, eu poderia percorrer a distância entre nós sem temer
que ela fosse capaz de reagir a isso, mas ao contrário da minha tentativa
anterior, eu não seria capaz de utilizar a mana da atmosfera—apenas as
poucas reservas que eu tinha deixado no meu núcleo.

Os cipós irregulares brancos estalaram ao redor da lâmina da minha espada


enquanto eu corria em direção à bruxa. Com o feitiço consideravelmente mais
fraco do que o meu ataque anterior, uma sensação de dúvida começou a
rastejar dentro de mim.

Eu liberei a arte de éter que congela o tempo enquanto a ponta plana da minha
espada se enterrava na abertura da aura verde logo acima do joelho esquerdo
dela. A sensação sempre familiar de perfuração da carne através do metal foi
acompanhada pelo crepitar da eletricidade se espalhando pelo corpo da
bruxa. No entanto, o sangue que vazou de sua ferida não era o mesmo
vermelho que veio da mão dela, mas sim um verde lamacento.

No local de onde a ferida deveria ter sido aberta, uma espécie de sangue verde
escuro começou a coagular ao redor da Dawn’s Ballad.

Quando a bruxa ergueu o olhar do chão, seu cabelo espesso e duro se abriu,
ela revelou para mim o que ela estava tão desesperadamente tentando
esconder.

Eu puxei a Dawn’s Ballad, querendo nada mais do que recuar. Não era apenas
a pele retorcida que parecia mais envelhecida do que a casca das árvores
seculares que nos cercavam, ou as duas fendas estreitas entre suas bochechas
afundadas. Não era nem seus lábios finos de couro que eram mais escuros do
que o cabelo dela ou os dentes irregulares manchados de amarelo.

Era o seu olhar de gelar o sangue, irradiando do macabro par de olhos


disformes, que me encheram de uma sensação de medo. Diferentemente de
qualquer monstro ou fera que eu enfrentei desde que vim a este mundo, seus
olhos escuros e vazios que pareciam ter sido arrancados e empurrados para
dentro de seu crânio me fizeram pensar se este era o tipo de demônio que
brotava das profundezas do inferno.

“Agora que você me viu neste estado, temo que eu não possa mantê-lo como
um animal de estimação.” Ela murmurou, quase sussurrando enquanto
segurava minha espada com uma de suas mãos ensanguentadas.

Eu estremeci involuntariamente enquanto ela falava. Minha mente girou


quando tentei debilmente puxar a Dawn’s Ballad, tentando descobrir o que
fazer nessa situação.

Quando afastei meu olhar de seu olhar aterrorizante, assisti em desespero


quando sua aura quase envolveu todo o seu corpo.

Incapaz de reunir a força para acionar o Static Void novamente, olhei para as
minhas pernas. Eu ainda podia ouvir a voz de Lady Myre, alertando-me para
não usar o Burst Step novamente. Olhando para cima, a nuvem verde e escura
se espalhou lentamente até que só faltavam lacunas na largura de uma pena.

Eu tomei minha decisão.

Deixando de lado minha espada preciosa, soltei um suspiro agudo para me


preparar para a dor que viria em breve. Como os pistões de um motor no meu
antigo mundo, a mana explodiu em músculos específicos em progressão com
um tempo preciso num intervalo de menos de um milissegundo, permitindo
que meu corpo saísse instantaneamente da minha posição original.

Eu cerrei os dentes devido a dor entorpecente que fazia parecer que os ossos
da minha parte inferior estavam lentamente queimando dentro de um fogo, e
enfiei minha mão através do abismo fraco em sua aura. Mesmo com a minha
mão unida ao Zero Absoluto, os efeitos de deterioração de suas defesas
penetraram na minha mão ao entrar em contato com a pele dela.

A bruxa soltou um grunhido de dor quando ela tentou se afastar, mas meu
aperto em torno de seu braço direito permaneceu forte.

A carne da minha mão nua logo ficou dolorosamente vermelha quando mais e
mais camadas de carne começaram a corroer. No entanto, os efeitos do meu
feitiço mostraram sinais de funcionamento. Seu braço direito, que segurava
minha espada enfiada em sua coxa esquerda, ficou com uma cor doentia e
escura. Ao contrário do congelamento que ocorria na natureza, o braço dela
começou a congelar de onde eu estava segurando-a e não a partir dos dedos.
Ela não podia mais mover o braço enquanto as camadas de pele e tecidos
congelavam.

Antes que os efeitos do Zero Absoluto pudessem se espalhar para o corpo dela,
a bruxa se agarrava ao braço congelado com a outra mão, arrancando o
membro completamente do ombro.

Uma dor aguda e ardente se espalhou da minha mão, lembrando-me do


ferimento que eu sofrera em troca de seu braço decepado, que se quebrou
como vidro quando o deixei cair no chão.

Eu não tinha certeza se era uma coisa boa ou não, mas olhando para baixo, a
ferida aparentava ser pior do que parecia. Quase como se a pele da minha mão
esquerda tivesse sido mergulhada em uma massa de ácido, pus amarelo se
formou na carne crua da minha mão, enviando uma onda de dor mesmo com
a mais leve contração.

Arrancando um pedaço de pano no final do meu manto, eu gentilmente o


envolvi em torno da minha mão ferida, mantendo minha mandíbula apertada
durante todo o processo.
“Como você se atreve!” A bruxa rosnou. Com um fogo enlouquecido em seus
olhos verdes ocos, ela arrancou pedaços de seu cabelo preto grosso para
revelar um pequeno toco logo acima de sua testa.

“Eu sou uma Vritra! Eu vou me certificar de que você sinta as consequências
de fazer uma dama passar por tal… desgraça!” Ela gritou enquanto arrancava
mais de seu cabelo mutilado. “Eu vou derreter seus membros e mantê-lo como
um troféu! Eu vou cortar sua língua e te alimentar através de um tubo para que
você possa apenas sonhar em morrer!”

“Oh? Você terá que pelo menos ser uma Foice para pensar em fazer isso.” Eu
bufei, esperando que ela mordesse a isca.

“Uma Foice? Uma Foice?” ela uivou, mancando em direção a uma árvore
próxima com a Dawn’s Ballad ainda empalada no joelho esquerdo. “Vou
eliminar essa mulher condescendente da face de Alacrya e tomar o lugar dela!
Só porque ela é um pouco atraente e seus grunhidos a favorecem, ela acha
que é melhor que eu? Eu vou mostrar a ela o quão degradante é ser sua serva!”

Lembrando-me de como a bruxa havia curado sua mão antes, a enfiando


dentro de uma árvore, ignorei os gritos de protesto das minhas pernas e corri
até ela.

Ela balançou seu único braço, liberando uma rajada da fumaça que quase
derreteu meus pulmões.

Ativei o Burst Step mais uma vez, evitando a fumaça venenosa e diminuindo a
distância em um piscar de olhos. Gavinhas de relâmpago negro enrolaram-se
em volta do meu braço direito. Em vez de tentar romper a aura corrosiva e
arriscar-me a mutilar a outra mão, agarrei a alça da minha espada ainda
incrustada na coxa dela. Agindo como um condutor, os ramos de eletricidade
enrolaram minha espada em torno do corpo da bruxa.

Seu corpo imediatamente endureceu e se sacudiu em um ataque de


convulsões da corrente de relâmpago passando por seu corpo. Eu podia vê-la
tentando lutar contra, mas fiquei esperançoso quando seus olhos vazios
viraram para trás.

Sua cabeça se contraiu, mas ainda havia força nela enquanto seus olhos
brilhantes lentamente voltavam ao foco. O rosto retorcido da bruxa rachou
como terra seca enquanto manchas de pele carbonizada se espalhavam por
seu corpo.

Por favor, apenas morra. Eu implorei em minha cabeça enquanto minhas


reservas decrescentes de mana me faziam temer pela possibilidade de reação
da adversária.

De repente, eu fui arrancado da bruxa. Como se eu tivesse sido cutucado por


um marcador de ferro, uma dor intensa irradiava do meu ombro quando fui
jogado de volta ao chão. Sem olhar para trás, eu cobri minha mão em uma aura
de gelo e estendi a mão por cima do ombro para arrancar os dedos de mana
que ela conjurou.

A bruxa mais uma vez tentava desesperadamente alcançar uma árvore


próxima, a poucos metros de distância, quando conjurei uma parede de terra.

Apesar da parede espessa em torno dela, ela continuou com seu andar
cambaleante, inalterada. A aura verde em torno dela, apesar de estar
enfraquecida por causa do meu ataque anterior, ainda conseguiu dissolver
facilmente a parede.

Eu não tive escolha a não ser confiar no Burst Step mais uma vez para impedi-
la de curar suas feridas quando uma voz familiar demais soou na minha
cabeça.

‘Arthur!’ Sylvie chorou quando seu corpo grande projetou uma sombra sobre
minha cabeça.

Sincronia perfeita, eu respondi, minha voz soava tensa mesmo na minha


cabeça. Reunindo tanto mana quanto meu corpo permitiria sem sucumbir aos
duros efeitos da reação, conjurei uma torrente de vento sob os pés da bruxa.

“Pegue!” Eu rugi quando enviei o meu adversário em espiral no ar em direção


ao meu vínculo.

Sylvie imediatamente mergulhou e agarrou a bruxa usando suas longas garras.


Com o estado enfraquecido da bruxa, sua aura teve pouco efeito no meu
vínculo. Suas escamas blindadas a mantinham protegida por tempo suficiente
para que ela voasse para o céu.

As duas se perderam nas nuvens enquanto Sylvie continuava carregando a


Vritra.

‘Ela perdeu a consciência.’ Declarou Sylvie, a transmissão mental soando


distante e abafada.

Derrube-a aqui. Eu transmiti, ainda no chão.

‘Eu vou fazer um pouco mais do que derrubar.’ Ela grunhiu.

Depois de meditar um pouco mais para um último feitiço, eu me esforcei para


levantar, minhas pernas trêmulas mal me mantendo de pé.

Com meu braço bom levantado, convergi mana para formar a ponta de uma
lança. As runas em meus braços tremulavam e esmaeciam, mas ainda
permaneciam, me ajudando a utilizar o máximo de mana possível na
atmosfera. Eu podia sentir a temperatura cair quando a lança de gelo se
expandiu para o tamanho de uma árvore.
Enquanto eu condensava firmemente o gelo, a bruta ponta que eu conjurei
tomou forma em uma poderosa lança grande o suficiente para ser empunhada
por um titã. A lança mudava continuamente, refinando-se ainda mais quando
eu a condensava e a moldava com a mana dos arredores.

Sentindo minhas pernas doendo, eu rapidamente ergui o chão ao meu redor


para apoiar minhas pernas, plantando-me no chão em uma tala de barro.

Compresso e afiado, o feitiço que antes era do tamanho de uma árvore estava
agora a poucos metros de mim, a lança de gelo, ainda suspensa no ar, brilhava
como o céu durante a Constelação de Aurora que ocorria a cada década.

O gosto de metal encheu minha boca enquanto o sangue corria pelo meu
queixo, era meu corpo me avisando do estado deplorável em que eu estava.

Momentos depois, avistei a bruxa. A outrora poderosa Vritra, que parecia


quase intocável, descia como um fragmento de meteoro. Sylvie deve tê-la
jogado, pela velocidade que ela estava despencando em minha direção;
demorou apenas algumas respirações para que ela ficasse perto o suficiente
para calcular onde ela pousaria.

O corpo mutilado da Vritra caiu direto na ponta da minha lança, e


instantaneamente, meu corpo estremeceu devido à força.

Eu podia sentir o apoio de terra que eu conjurei ceder quando a lança se


enterrou no corpo da bruxa.

Com a força que restava nas minhas pernas, consegui me afastar antes de ser
atingido pelo peso total do impacto da Vritra contra minha lança.

Uma rajada de pedras e árvores lascadas bombardearam minhas costas


quando uma explosão estrondosa ressoou, ecoando por toda a floresta e
sacudindo todas as árvores nas proximidades.

Eu saia e retomava a minha consciência quando caí no chão com meu corpo
batendo em troncos velhos e galhos e o que mais estava no chão da floresta
antes do tronco de uma grande árvore finalmente me parar.

‘Aguente, papai!’ Gritou Sylvie.

Eu pensei que… era indigno de você… me chamar… de papai. Eu deixei escapar


com minha consciência vacilando.

Ela permaneceu em silêncio. Eu só podia sentir as emoções desenfreadas


escapando dela—desespero, culpa, raiva, tristeza.

Com a minha percepção do tempo não confiável, eu não sabia quanto tempo
levou para Sylvie chegar aqui, mas seu focinho preto estava pairando sobre
mim quando percebi que ela estava ao meu lado.
Seus olhos amarelos translúcidos estavam cheios de lágrimas quando ela
lentamente abriu a mandíbula. Meu elo soltou um suspiro suave, mas ao invés
de ar, uma névoa roxa brilhante me envolveu.

A cacofonia de dores que eu tinha em todo o meu corpo logo se apagou


quando a névoa calmante penetrou em mim.

“Vivum”, eu murmurei fracamente.

‘Não fale.’ Ela repreendeu enquanto continuava me curando.

Assim como sua avó. Eu dei conta de dar um sorriso fraco. Para um dragão tão
assustador, seus poderes acabaram sendo bastante… dóceis.

Um leve sentimento de diversão despertou em meu vínculo com meu


comentário: ‘Se você tem energia para esse humor manco, tenho certeza de que
vai ficar bem’.

Claro, quem você acha que eu sou?

‘Uma criança imprudente e idiota que não tem senso de autopreservação.’ Ela
grunhiu enquanto fechava a mandíbula. ‘Eu te avisei do inimigo vindo em sua
direção, mas você ainda decidiu que era necessário lutar contra ela por conta
própria!’

Deixando escapar um intenso esforço de tosse, acariciei suavemente o focinho


do meu vínculo.

Eu sinto muito. Pelo menos acabou… acabou, certo?

“Veja por si mesmo.” Sylvie disse em voz alta, o timbre suave e macio em sua
voz era calmante depois de ouvir tanto dos gritos da bruxa.

Eu me apoiei na base da árvore com a qual colidi usando meu cotovelo


enquanto meu vínculo se movia para o lado.

A menos de quinze metros de distância, havia uma cratera do tamanho de uma


casa com uma fina camada de poeira ainda aparente. No centro da grande
depressão estava a lança de gelo enterrada até a metade no chão, enquanto o
corpo sem vida da bruxa ficava pendurado no ar com a lança empalada no
peito.

O vapor ainda saia do corpo da bruxa, enquanto sua pele corrosiva tentava
corroer o gelo, mas sem sucesso.

Ela estava morta.

Capítulo 157
Altura do pináculo
PONTO DE VISTA DO CAPITÃO JARNAS AUDDYR

“Ulric.” Eu sussurrei, sinalizando para ele ir para a esquerda enquanto eu me


agachava atrás de um tronco caído. O aumentador maciço reuniu
silenciosamente sua pequena equipe de cinco magos e começou a atravessar
as densas árvores.

“Brier.” Eu inclinei minha cabeça na direção do pequeno caminho à nossa


direita, sinalizando meu outro comandante e suas tropas para me seguirem.
Brier balançou a cabeça em resposta quando ele desembainhou suas duas
adagas serrilhadas. O aumentador bem construído navegou rapidamente pela
floresta densa, seu andar longo e confiante. Eu segui atrás dele e suas tropas
alguns passos atrás com meus dedos ansiosamente posicionados no aperto
do meu artefato, pronto para atacar.

Eu tive que agradecer a tempestade fria que uivava constantemente através


das árvores, balançando os galhos e arrancando sua folhagem. Isso serviu para
encobrir o som de nossos passos enquanto nos aprofundávamos na floresta.

As clareiras eram frequentes, mas eu dirigi minhas tropas para longe delas,
caso estivéssemos expostos a esse ‘grande perigo’ sobre qual a Capitã Glory
havia me alertado. Eu suprimi a vontade de zombar de sua ridicularidade—
acreditar nas palavras de um adolescente que de alguma forma se esgueirou
em seu caminho para ser uma Lança. Ele provavelmente inventou suas
suspeitas sobre esse poderoso inimigo para poder escapar sozinho e evitar a
batalha.

Vou ficar de olho nele se eu o pegar fugindo. Eu pensei. Talvez a minha


participação crítica em expulsar as forças Alacryanas e capturar a Lança
trapaceira me renderá uma promoção bem merecida.

Eu segui a Capitã Glory de má vontade quando ela do nada começou a ordenar


que suas tropas recuassem. Foi meu erro confiar cegamente em seu
julgamento.

Depois de ser informado pela Capitã Glory sobre o que ela havia sido instruída
a fazer pela Lança, eu imediatamente trouxe minhas tropas de volta. Ela teve
a coragem de jogar fora a batalha e arriscar trazer a luta inteira para os
cozinheiros e médicos do acampamento, mas eu não sou seu subordinado.

A batalha se tornou caótica depois que as tropas da capitã Glory começaram


a recuar, deixando apenas as minhas tropas para lutar. No entanto,
aproveitando o fato de que os alacryanos tentaram ir atrás das tropas da
Capitã Glory, foi fácil para meus soldados dominarem um monte de forças
inimigas ocupadas.

Melhor ainda, a capitã Glory recebera suas consequências por ter tão pouco
julgamento no meio de uma batalha; ela sofreu uma lesão considerável ao seu
lado que me deixou no comando de ambas as tropas. Com minha experiência
como comandante, rapidamente juntei as duas forças aliadas desarticuladas
e retomamos a luta até que uma explosão ressoou um pouco ao sul de onde
estávamos lutando.

Inesperadamente, os líderes inimigos começaram a ordenar a seus soldados


que recuassem, deixando-nos com uma vitória excepcional. O som das minhas
tropas animadas me encheu de uma sensação de satisfação que me lembrou
de o que significava ser uma figura de poder.

Retomando meus deveres como general interino responsável por ambas as


divisões, ordenei a todos os soldados fisicamente aptos que pegassem o corpo
de um aliado e voltassem para o acampamento. Eu também ordenei a
recuperação de qualquer soldado alacryano, se ainda estivesse vivo, para que
eles pudessem ser interrogados mais tarde.

Eu queria ir direto ao Conselho e conversar com eles sobre o que tinha


acontecido aqui, mas a Capitã Glory me parou. Ela suspeitava que o garoto
Lança e o inimigo que ele estava lutando tinha algo a ver com a explosão e
queria que eu levasse algumas tropas para ver o que aconteceu.

Se não fosse pela possibilidade de prender o menino por fugir no meio da


batalha e a chance de tomar o lugar dele como uma Lança, eu teria recusado.

Talvez as divindades estivessem finalmente me recompensando pelo meu


serviço ao rei Glayder e agora, a totalidade de Dicathen. Eu me tornaria um dos
pináculos do poder deste continente.

Quanto mais caminharmos para o sul, mais cuidadosos tínhamos que ser com
nossos passos. Quando o sol se pôs, a névoa começou a se acumular entre os
troncos grossos das árvores, obscurecendo o chão até mesmo abaixo de nós.
Mais do que a possibilidade de um inimigo imaginário, eu queria pegar o
garoto desprevenido e acidentalmente quebrar um galho poderia fazê-lo
correr e complicar a tarefa.

Minhas fontes no castelo do Conselho me disseram que Arthur não havia


aceitado o artefato concedido a cada uma das Lanças para aumentar seus
poderes, mas ser descuidado seria um erro. Por mais que ele seja covarde, o
menino ainda era uma Lança, afinal.

Brier, minha mão direita, parou e fez um gesto sem palavras para eu ir.
Passando pelos soldados em sua unidade, cheguei à frente do que parecia ter
sido um dia uma árvore.

Olhando para o lodo escuro agrupado no centro do tronco da árvore, eu


lentamente estendi a mão quando Brier bateu na minha mão. Meus olhos se
estreitaram enquanto eu lançava um olhar para meu subordinado, mas Brier
apenas balançou a cabeça e mergulhou uma faca sobressalente, amarrada a
sua coxa, na poça.
Com um chiado fraco, a lâmina da faca foi completamente dissolvida em
questão de meros segundos. Deslocando meu olhar para o resto da árvore que
caiu recentemente, apontei para ele, certificando-me de que esse ácido foi o
que causou isso.

Brier assentiu em resposta e continuamos nossa jornada até que um de seus


homens—ou melhor, uma mulher—apontou mais algumas árvores com a
mesma corrosão no meio de seus troncos. Algumas árvores ainda estavam de
pé, com o ácido apenas fazendo um pequeno buraco, enquanto outras eram
derretidas até as raízes.

O estalo afiado acima de nós fez com que todos virássemos imediatamente em
direção ao som. A mulher rapidamente colocou uma flecha no arco e atirou
instantaneamente.

A flecha atingiu com precisão a fonte do som… um galho. Deixando escapar um


suspiro agudo, estudei o galho que havia caído, apenas para perceber que
havia partes dele corroídas pelo mesmo ácido nas árvores. Eu lancei um olhar
ameaçador para a arqueira e imediatamente ela abaixou a cabeça,
desculpando-se. Incompetente.

Sinalizando a todos para continuarem, fiquei perto da retaguarda da equipe


para o caso de algo acontecer.

Enquanto os ventos continuavam a banhar as árvores ao nosso redor, a


floresta estava estranhamente quieta. Não havia sons de animais nas
proximidades e eu ainda não tinha escutado o canto de nem uma única ave—
quase como se os habitantes da floresta tivessem corrido por suas vidas.

De repente, um grito de dor ressoou, penetrando através das árvores em


nossos ouvidos. A quietude da floresta só parecia amplificar o som enquanto
todos olhavam para mim em busca de orientação.

Do timbre profundo do grito, soava como Ulric, mas realmente valeria a pena
dar nossa posição se ele já tivesse sido apanhado? Quer fosse a Lança ou o
suposto inimigo que ele estava enfrentando, o elemento surpresa era uma das
nossas únicas vantagens.

Brier, que era amigo íntimo de Ulric muito antes de se juntar à minha divisão
como chefe, olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. Seus olhos
pareciam dizer para deixá-lo ir, mas fiz sinal para ele esperar. Eu separei nosso
time de cinco em dois grupos, com Brier no time de três. Nós lentamente nos
espalhamos com a arqueira ao meu lado, enquanto o grupo de Brier
lentamente caminhava em direção ao som do grito de Ulric.

A densidade das árvores diminuiu quando nos aproximamos de uma grande


clareira, com mais e mais sinais do ácido evidente ao nosso redor. O chão
embaixo abruptamente caiu quase nos fazendo cair em uma névoa misteriosa
que se tornou mais densa quando nos aproximamos da clareira. Com a
arqueira me cobrindo, Brier e seu grupo a alguns passos à minha esquerda,
soltei o cabo do meu artefato, a Stormcrow, e imbuí mana para transformá-lo
em uma poderosa alabarda.

Com a horrível névoa verde bloqueando nossa visão e o chão desnivelado


abaixo, eu suprimi a tentação de voltar para o acampamento usando o
pensamento de me tornar uma Lança e ergui meu braço; segurando três dedos,
eu silenciosamente contei.

Três.

Dois.

Um.

Deixando escapar um rugido, Brier cortou com suas adagas serrilhadas,


desencadeando uma torrente de fortes vendavais para dissipar a névoa
potencialmente perigosa.

Mas o que…

Minha vontade de lutar desapareceu quando a névoa verde clareou. A


Stormcrow quase escorregou dos meus dedos soltos enquanto todos nós
estávamos de pé, com as mandíbulas soltas, na cena apenas alguns metros à
frente.

Nós havíamos, sem saber, tropeçado na beira de uma enorme cratera. No


centro havia uma enorme e imponente lança que fazia com que meu
inestimável artefato, transmitido em minha família por gerações, parecesse
um palito usado. E empalado nele era o que parecia ser um demônio esguio.

O chão chiava sob o monstro suspenso com o mesmo ácido escuro escorrendo
de seu corpo grotesco. Um chiado fraco soou do demônio quando a névoa
verde espirrava continuamente de sua ferida aberta, mas estava
indubitavelmente morta.

Mas talvez a única coisa mais marcante do que a cena abaixo fosse a do dragão
de obsidiana tão casualmente dormindo ao lado do menino caído contra uma
árvore do outro lado da cratera, um garoto que não poderia ser outro senão
Arthur. Se não fosse pelo fato de que eu tinha visto o dragão quando Arthur
foi nomeado como uma Lança, o medo atualmente agarrando meu peito
poderia apenas ter espremido a vida do meu coração.

Por um segundo, pensei que tanto o menino quanto seu vínculo haviam
morrido durante a luta, mas a constante subida e descida do corpo do dragão
dizia o contrário. Eu ergui meu olhar do dragão negro para ver Ulric no chão
do outro lado da cratera. Suas tropas, menos uma, estavam amontoadas ao
redor dele, cuidando dos cotocos onde costumava estar seu braço e perna
esquerdos.
Talvez o menino tenha morrido em batalha. Pensei, esperançoso. Eu avaliei a
situação o melhor que pude dessa distância. Era difícil ver o estado do garoto
daqui, mas pela respiração ofegante da besta imponente ao lado dele, é
seguro dizer que ambos sofreram algum tipo de dano.

Eu afrouxei meu aperto ao redor da Stormcrow. “Recupere o corpo do general.”

Brier sinalizou para um de seus homens ir em frente quando Ulric, que agora
estava localizado onde estávamos, agitou seu único braço.

“Não!” Ulric e suas tropas gritaram, mas o subordinado de Brier já havia pulado
na cratera para chegar ao outro lado onde Arthur estava.

De repente, assim que o subordinado de Brier passou correndo pelo demônio


esguio, um tentáculo sombrio emergiu de seu corpo, apertando seu tornozelo.

O soldado uivou de dor, mas ao invés de puxar seu corpo, o tentáculo cortou
seu pé que estava protegido com mana, enviando-o para o centro da cratera.
O braço do soldado aterrissou dentro da poça de lama verde e quase
imediatamente o ácido percorreu sua armadura e carne até não restar sequer
osso.

O soldado, que estava gritando em agonia, embalou o coto de seu braço


quando o tentáculo que o agarrou mais cedo arrastou o resto de seu corpo
para a poça.

Ficamos ali em silêncio, horrorizados, os únicos sons vinham do ácido que


passava pelo corpo do soldado e a arqueira vomitando atrás de mim.

“Não chegue perto daquele monstro!” Ulric bufou com sua voz abafada pela
dor. “O-o general disse que não atacará se você mantiver a distância.”

“O que está acontecendo?!” Eu rugi, perdendo a compostura. “Dê-me um


relatório!”

“Nó-nós não sabemos exatamente, capitão!” Uma das tropas de Ulric cuspiu.
“Sentimos flutuações de mana nas proximidades, de modo que exploramos a
área quando o comandante Ulric e Esvin escorregaram e caíram na cratera. O
comandante Ulric foi capaz de sair, mas Esvin…”

“Esse monstro ainda está vivo?” Eu perguntei, dando um passo para trás no
caso de outro tentáculo brotar de seu corpo.

“Não, não está.”

Eu virei rapidamente minha cabeça em direção à fonte da voz rouca, apenas


para ver que o menino estava agora acordado. “Você!” Eu levantei a Stormcrow,
apontando para Arthur. “Você tem alguma coisa a ver com isso?”
“Com a morte daquela Retentora? Sim.” Seu olhar permaneceu duro e voz
também. “Com as mortes dos seus soldados? Isso seria por causa dos feitiços
de defesa automática daquela coisa que ainda estão ativos, mesmo depois
que ela morreu.”

Eu podia sentir minhas bochechas queimando de vergonha enquanto o garoto


falava comigo como se eu fosse um idiota. “Po-por que você não os ajudou
então, ou nos advertiu?”

“Eu sinto muito, você queria que eu colocasse uma placa de advertência?” O
menino zombou. “Francamente, estou tendo dificuldade em me manter
consciente, imagine avisar magos que obviamente não queriam ser
encontrados.”

“General Arthur, você estava sob suspeita de fugir em batalha, mas agora que
novas informações vieram à tona, pediremos que você venha conosco para
que possamos levá-lo ao Conselho para mais questionamentos.” Eu anunciei,
com medo de dar um único passo, apesar da confiança anterior de Ulric.

“Eu irei para o castelo por minha própria conta. Neste momento, tenho outros
assuntos a tratar.” Respondeu o menino, enquanto permanecia sentado contra
a árvore.

“Eu temo que isso não seja possível, General.” Eu disse com os dentes
cerrados. “Informações sobre os líderes inimigos são cruciais e o Conselho
precisa ser informado imediatamente.”

Reunindo o meu juízo, eu caminhei em direção ao garoto—me afastando do


alcance dos tentáculos—quando os olhos do dragão de obsidiana se abriram,
congelando cada um de nós à vista.

Seu brilhante olhar de topázio me penetrava diretamente, fazendo meu corpo


murchar em reflexo. Os olhos do dragão continham uma ferocidade e
sabedoria que fez com que cada besta de mana que já venci ficasse parecendo
uma boneca de pelúcia.

“Dê outro passo se você quiser perder a cabeça.” O dragão rosnou, mostrando
suas presas.

“I-isso fala!” Brier gritou, recuando com medo.

Segurando a alça da Stormcrow com mais força para suprimir o instinto do


meu corpo de recuar, respondi. “Minhas desculpas, poderoso dragão. Não
temos intenções de ferir seu mestre. Nós simplesmente desejamos trazê-lo em
segurança para o Conselho e fazer com que suas feridas sejam tratadas”.

O dragão soprou uma névoa de ar de seu focinho, quase como se tivesse


zombado de minhas palavras. “Minha promessa ainda permanece, Capitão. Se
der outro passo–”
“Basta.” Arthur cortou enquanto se inclinava contra o dragão para se levantar.
Ele deu passos lentos em minha direção, mas não tinha intenção de parar.

Ele era bastante alto para alguém de sua idade, de pé apenas alguns
centímetros de mim, mas eu não pude deixar de sentir como se ele fosse de
alguma forma superior sobre mim. Inconscientemente, meu corpo saiu do
caminho de Arthur enquanto passava por mim—sem uma única palavra—e
seguiu para o centro da cratera onde o tentáculo matou um dos meus
soldados.

Eu amaldiçoei em minha cabeça—não Arthur, mas em mim mesmo por ser tão
ignorante. Foi só agora que comecei a perceber a distância entre mim e esse
garoto.

Fiquei em silêncio enquanto Arthur caminhava com cuidado pelo terreno


íngreme. Mesmo quando o menino chegou ao alcance da videira corroída feita
de alguma mana misteriosa, o tentáculo congelou e quebrou com o contato.

Artur colocou casualmente um pé sobre a poça capaz de derreter até mesmo


armaduras e ossos. Quando o ácido congelou para um estado sólido, o garoto
pisou nele e estendeu a mão em direção ao monstro, puxando uma espada
desgastada. “Sylvie, vamos embora.”

O dragão de obsidiana bateu suas asas, criando uma onda de vento abaixo
dele. O dragão pairou sobre Arthur e abaixou o rabo para seu mestre se
agarrar.

Montado em cima do poderoso animal, Arthur embainhou a espada e olhou


para mim com um olhar severo. “Traga a Capitã Glory ou alguém capaz de levar
o cadáver do inimigo para o Conselho.”

Havia um tom em suas palavras que me faria punir qualquer outra pessoa além
dele, mas eu segurei minha língua. O medo ainda persistindo em mim e a
pressão esmagadoramente imponente que Arthur irradiava enquanto ele dava
suas instruções me fez perder toda a confiança que restava.

Ele realmente era uma Lança.

Eu embainhei minha arma e me apoiei sobre um joelho. “Sim, General.”

Capítulo 158
Esconderijo

Nico, Cecília e eu permanecemos em silêncio, olhando para as palavras


impressas na folha de papel em nossas mãos enquanto nos sentávamos ao
redor da mesa do pátio.

“E-Entramos.” Eu murmurei, não tirando os olhos da minha carta de aceitação.


“Eu não posso acreditar que nós entramos.”
“Fale por você mesmo. O único com quem eu e Cecília estávamos preocupados
era você, Grey.” Nico gargalhou, mas nem mesmo ele conseguiu esconder sua
excitação quando seus lábios se abriram em um largo sorriso.

“Eu não posso acreditar.” Cecília sussurrou, sua voz tremia.

“Woah! Você está chorando, Cecília?”

“Nã-não. Eu só tenho algo em meus olhos é só isso.”

Eu finalmente tirei meus olhos da carta de aceitação na minha mão para ver
Cecília enxugando apressadamente os olhos com as pontas das mangas, as
bochechas cor de creme vermelhas de sempre.

“Parabéns, vocês três.” A voz clara da diretora Wilbeck soou na entrada do


quintal.

“Diretora!” Nico exclamou, orgulhosamente segurando sua carta para ela ver
como um troféu.

“Preciso encontrar alguns quadros extras para pendurar essas cartas.” Ela
sorriu enquanto caminhava em nossa direção, dando um abraço em cada um
de nós.

Olhando para o sorriso gentil em seu rosto, uma pontada de culpa atingiu meu
peito. Ela era a mulher que me criou como um filho desde que eu me lembrava,
mas eu estava indo egoisticamente para uma cidade distante. “Diretora… você
tem certeza que está tudo bem nós irmos? Eu posso ficar e ajudar no orfanato!
Não é grande coisa. De qualquer maneira, eu não sou bom em estudar como
Nico e Cecília; além disso, é caro e você está ficando velha– ouch!” Eu gritei,
esfregando minha testa ardente.

“Eu vou levá-lo para a academia, mesmo se eu tiver que arrastar você pela sua
cueca.” Ela repreendeu, com o dedo enrolado, pronto para me acertar
novamente. “Depois de comprovar que todos esses anos de esforço tentando
criar um encrenqueiro como você valeram a pena, você quer o quê? ficar aqui?
Não no meu turno.”

“Nico é o encrenqueiro. Eu apenas fui arrastado!” Eu protestei, levantando as


mãos para proteger minha testa do ataque.

“Então eu acho que o senhor encrenqueiro também merece um desses.”


Declarou a diretora, sacudindo a testa do meu melhor amigo com a velocidade
e a precisão de um soldado treinado.

“Ow! Grey! Qual é!” Nico chorou, esfregando vigorosamente a testa dolorida.

Eu sorri vitoriosamente quando ouvi uma risada suave ao meu lado. Nico e eu
viramos nossas cabeças para ver Cecília sorrindo pela primeira vez.
Nós dois olhamos com os olhos arregalados e boquiabertos, enquanto até a
diretora ficou surpresa.

“Ela finalmente quebrou?” Nico sussurrou, se inclinando perto dos meus


ouvidos.

Eu bati em meu amigo com o cotovelo, meus olhos estranhamente grudados


na visão de Cecília rindo. Meu peito apertou e senti meu rosto ficar quente,
mas foi só quando Cecília percebeu que estávamos todos olhando que eu
percebi que estava corando, assim como ela estava.

Eu rapidamente me virei e me levantei para evitar o seu olhar, sem outra razão
além de desviar a atenção do meu rosto.

A diretora Wilbeck deve ter visto através de mim porque ela me deu aquele
sorriso desonesto que a faz parecer dez anos mais nova.

“É melhor eu voltar para dentro crianças. A escola não começa por algumas
semanas, mas façam uma lista das coisas que vocês precisam para que não se
esqueçam de nada quando um dos voluntários levar vocês para a cidade.” A
diretora voltou para a porta de correr de que ela tinha acabado vir, virando
mais uma vez antes de entrar. “E parabéns de novo, vocês três.”

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

‘Estamos chegando perto da fronteira.’ A voz de Sylvie falou na minha cabeça,


me tirando do meu sono. As nuvens brancas, ainda borradas de meus olhos
desacostumados, lentamente voltaram ao foco enquanto eu pisquei. Eu olhei
para baixo e notei que tínhamos acabado de passar pelo Canal Sehz, que corria
através da cidade de Carn e Maybur até a costa oeste.

Como você está se sentindo? Eu perguntei, esticando meu pescoço e costas


doloridos enquanto minhas pernas pendiam do lado da base do pescoço do
meu vínculo.

‘Eu deveria te perguntar o mesmo. Eu admito que usar meus poderes me drenou
mais do que eu esperava, mas você definitivamente se supera.’ Sylvie
repreendeu, estendendo suas grandes asas para desacelerar a nossa descida.

Soltei um suspiro que foi varrido pelo vento impetuoso. Eu sei. Parece que eu
tenho um longo caminho a percorrer se eu realmente quiser enfrentar uma
Foice cara a cara.

‘Somos ambos jovens; o tempo é um luxo que temos a sorte de ter. Nós só
precisamos permanecer cuidadosos e não fazer nada precipitado… como tentar
ir sozinho contra um Retentor.’

Prometo não deixar isso acontecer de novo, e, além disso, você salvou o dia lá
no final. Eu consolei, acariciando seu pescoço escamoso.
Meu vínculo não respondeu, em vez disso, reagiu com uma onda de frustração
e desamparo que eu só podia rir.

Nós pousamos na terra instável logo acima da fronteira que leva ao Reino de
Darv. O solo da floresta outrora úmido se tornava seco e duro, com rachaduras
alinhadas a cada centímetro. A rota comercial que os anões e os humanos
usavam para trocar mercadorias ficava perto do canto leste de Darv, junto às
Grandes Montanhas, de modo que não havia estradas visíveis tão longe em
direção à costa.

“Ainda está frio.” Eu resmunguei enquanto meu manto se agitava ao vento.

‘Você deveria deixar crescer escamas como eu.’ brincou Sylvie enquanto
abaixava o corpo para me deixar descer.

“Eu já estou feliz por ainda ser capaz de reunir mana suficiente para evitar o
congelamento.” Eu lentamente levantei minha perna que estava ao redor do
pescoço do meu vínculo, mas assim que minhas pernas tocaram o chão, senti
uma dor aguda. Toda a parte inferior do corpo me mandou desmoronar no
chão.

‘As lesões em suas pernas não estão melhorando.’ A voz de Sylvie estava
envolta em preocupação e culpa, como se ela fosse a responsável pela
dor. ‘Talvez seja melhor se você continuar andando comigo’

“Não.” Eu ofeguei, botando mais mana nas minhas pernas como uma solução
temporária. “Se minhas suspeitas estiverem corretas, precisaremos ficar
calados e já corremos o risco de ser expostos ao descermos tão baixo.”

‘Muito bem.’ O corpo grande de Sylvie começou a brilhar quando ela voltou
para sua forma de raposa. Em vez de andar em cima de mim como de costume,
ela troteou ao meu lado.

“Parece que a previsão de Lady Myre estava certa.” Eu disse, tomando medidas
cuidadosas. “Mesmo depois de ser curada com a Arte de Éter, Vivum, a parte
inferior do meu corpo fica parecendo de quando eu era um recém-nascido.”

‘O controle e conhecimento da vovó sobre o éter no caminho do vivum é muito


maior do que o meu. Talvez se ela estivesse aqui…’ Outra onda de culpa tomou
conta de mim enquanto minhas orelhas pontudas caíam.

Pare com o mau humor. Eu repreendi, pegando o ritmo enquanto nos


aventurávamos no território dos anões. O aviso da sua avó foi bastante vago,
mas acho que com algum descanso e com a ajuda do meu corpo assimilado, eu
devo ficar bem.

Eu tentei esconder o quão sem confiança eu estava com minhas próprias


palavras, mas era óbvio que minhas emoções haviam vazado para ela. Por
causa do quão intensas as explosões de mana foram em cada um dos meus
músculos, eu deveria estar agradecido por eu ser capaz de andar, mas eu não
pude deixar de ficar frustrado com a fraqueza do meu corpo. Usar o Burst Step
duas vezes me deixou com ossos quebrados e músculos rasgados quase
irreparáveis se não fosse por Sylvie. Eu estremeci com o simples pensamento
da expressão da minha mãe, se ela fosse ver o estado em que eu estava… ela
ou qualquer emissor teria sido capaz de me curar?

Engolindo os pensamentos desanimadores, examinei a área. À minha frente


havia uma vasta extensão com vários tons de marrom e amarelo. As poucas
plantas espalhadas por ali consistiam em galhos e arbustos quebrados,
carregados pelo vento da floresta ou ervas daninhas que brotavam das
rachaduras no chão. Observei as grandes pedras que se espalhavam no caso
de precisarmos nos esconder ou nos proteger dos fortes ventos, mas até agora
não havia sinais de atividade.

As planícies irregulares desciam e subiam para formar desfiladeiros. Dos livros


que eu lera e do que Elijah me contara, muitas das ravinas e barrancos
espalhados por todo o Reino de Darv tinham entradas escondidas paras as
cidades subterrâneas onde os anões realmente viviam.

Eu solto um suspiro profundo. “Vamos começar.”

Alcançando as profundezas do meu núcleo de mana onde o Legado do Dragão


de Sylvia residia, eu ativei o Realmheart mais uma vez.

Quando a sensação familiar tomou conta de mim mais uma vez, meu corpo
protestou imediatamente. Eu rapidamente cambaleei para o lado e vomitei os
restos de qualquer comida parcialmente digerida que eu tinha no estômago e
quando tudo isso acabou, vomitei uma bile escura.

Meu peito arfava e o mundo girava ao meu redor, mas, felizmente, eu ainda
era capaz de manter o Realmheart que era crucial para essa tarefa.

‘Talvez devêssemos voltar na próxima vez. Com a minha linhagem, estou quase
certa de que vou herdar o Realmheart assim que meus poderes se
desenvolverem completamente. Podemos voltar e procurar juntos.’

Eu balancei a cabeça. Não funciona assim. Até lá, as flutuações de mana na


atmosfera causadas pelos soldados e pela Retentora terão se equilibrado. A
pesquisa tem que ser feita agora.

‘Equilibrado?’

A mana na atmosfera retornará ao seu estado original. Expliquei, voltando


minha atenção para as partículas de mana nas proximidades, para detectar
qualquer sinal de anormalidade.

Quando eu experimentei essa perspectiva pela primeira vez enquanto estava


com o Realmheart ativo, as partículas pareciam caóticas, como partículas de
poeira empurradas e puxadas pela mais leve brisa, mas esse não era o caso.
Durante o curto tempo que passei com Lady Myre, ela me explicou como a
mana e o éter se comportavam em seu estado natural.

Cada elemento da mana atmosférica se comporta em seu próprio padrão. A


mana do atributo da Terra permanece perto do solo, se deslocando levemente
como areia fina rolando colina abaixo. A mana dos atributos água e vento se
movem de forma semelhante, mas as partículas de água eram muito mais
escassas. O atributo fogo está espalhado por toda parte, pulsando e fluindo,
quase como se estivesse dando vida ao planeta.

Éter, no entanto, se comporta como se cada partícula tivesse sua própria


consciência. Alguns se moviam ao lado das partículas da terra, enquanto
outros se reuniam em torno do vento e da água, atribuindo-lhes mana,
pastoreando-os como se fossem ovelhas. O que Lady Myre disse sobre o éter
ser o copo que continha o líquido, essa força parecia interagir com a mana de
uma maneira especial.

Por causa do grande número de soldados alacryanos que de alguma forma


tinham penetrado no Reino de Sapin, eu esperava que houvessem alguns
rastros prolongados de flutuação de mana, mas a tarefa de realmente destacar
discrepâncias mínimas no céu infinito de partículas provou ser ainda mais
difícil do que parecia.

Para tornar essa tarefa ainda mais difícil (porque já era muito fácil), tive que
limitar meu uso de mana para apenas fortalecer meu corpo. Mesmo o próprio
ato de absorver mana criaria flutuações que interfeririam; eu não seria capaz
de diferenciar o meu uso de mana do dos alacryanos.

Dando longos passos, Sylvie e eu contornamos uma formação rochosa ao


longo da fronteira que separava Sapin e Darv. Por sorte, os soldados não
conseguiram esconder sua trilha na floresta. Sylvie foi capaz de descobrir onde
eles tinham atravessado, mas neste deserto rochoso, onde o vento varria
constantemente todos os vestígios de atividade, fiquei com a tarefa incômoda
de localizar traços de flutuações de mana.

Depois de uma hora, Sylvie finalmente perdeu a paciência.

‘Não deveríamos estar indo para a costa em busca de sinais de navios


Alacryanos? Eu não entendo porque estamos perdendo tempo aqui. Além disso,
você deveria estar descansando, não vagando por este deserto miserável.’

Eu pensei que você fosse capaz de ler minha mente. Eu brinquei, virando minha
cabeça para longe de uma forte explosão de vento arenoso.

‘Não é assim que funciona. São principalmente emoções que surgem e


pensamentos muito básicos. Agora eu só sinto uma forte sensação de suspeita
vindo de você, mas fora isso–’
Eu encontrei algo. Quase disse em voz alta quando parei abruptamente. Eu
estava olhando para o céu o tempo todo, mas eu não notei nada estranho até
que eu vi uma mancha escura no chão. Mesmo com uma fina camada de areia
seca cobrindo-a, havia uma pequena, mas inegável, poça de terra úmida.

Me ajoelhando, esfreguei a terra molhada entre meus dedos só para ter


certeza. Eu olhei para o céu mais uma vez e finalmente vi o que estava faltando.
Havia uma pequena falha na mana de atributo de água nas proximidades de
onde o solo estava molhado.

‘O que está acontecendo?’ Sylvie falou, olhando para a sujeira na minha mão.

Parece que alguém ficou com sede. Respondi.

Examinando a área, encontrei mais áreas onde a atmosfera era desprovida de


mana de atributo de água. Seguindo a leve trilha, fomos para o sudeste, longe
da costa, até chegarmos à beira de uma ravina estreita.

Venha. Vamos descer.

Nós lentamente descemos a encosta íngreme, o vento assobiava mascarando


todos os outros sons. Uma vez que estávamos no fundo da ravina, a leve trilha
daquela escassez de mana de atributo de água desapareceu, mas isso não
importava.

“Droga.” Eu murmurei baixinho, olhando para baixo do penhasco. “Eu estava


realmente torcendo para que eu estivesse errado.”

‘Sua suspeita… não me diga…’ Uma onda de realização veio do meu vínculo
quando ela sentiu o estrondo do chão oco debaixo de nós.

Sim. Mesmo depois disso, eu ainda tenho apenas oitenta por cento de certeza,
mas suspeito que o exército alacryano com que lutamos entrou em Dicathen
com a ajuda dos anões.

Capítulo 159
Abaixo da superfície

Uma aliança entre os anões e os Alacryanos resultaria em severas implicações,


mas apesar do meu palpite, eu precisava confirmar que minhas suspeitas não
eram parte do meu ceticismo exagerado.

Levei mais ou menos uma hora para achar uma das entradas ocultas para o
reino subterrâneo dos anões, e isso só foi possível graças ao Realmheart.

‘Sua respiração está irregular.’ Sylvie notou de dentro do meu manto enquanto
eu cuidadosamente passava meus dedos pelas delicadas ranhuras,
camufladas para parecerem comuns no penhasco.
Está tudo bem. Eu só utilizei o Realmheart mais do que deveria. Eu respondi
enquanto olhava para meus braços. Sem as runas douradas gravadas em mim
e com minha visão voltando ao normal, eu percebi o quão pálido meu corpo
estava. Não era de forma alguma a palidez cremosa que a maioria das
mulheres desejava, era o tipo de palidez doentia que faz você se preocupar
com seu bem-estar.

‘Eu sinto que não deveria te lembrar, mas existe um conceito chamado
moderação que faz maravilhas no corpo e mente, sabe?’

Ignorando o sermão do meu vínculo, eu tentei entrar na passagem oculta mais


uma vez. Apesar de fortalecer meu corpo com mana, a porta de pedra não se
mexeu.

Deve haver algum jeito de abrir isso. Estou deixando algo passar. Eu continuei
tateando, minhas mãos envoltas em mana de atributo terra através do
comprimento da porta oculta.

‘Talvez você precise ser um anão para entrar.’ Sylvie sugeriu.

Não. Eu duvido que haja alguma assinatura de mana específica que apenas
anões possam emitir, além dos desviantes. Se esse fosse o caso mais de oitenta
por cento da população não conseguiria passar pelos próprios portões. Não,
tem que ser algo diferente… Acho que descobri!

Eu imediatamente me ajoelhei fazendo Sylvie cair do meu manto pelo devido


ao movimento súbito.

Você pode não ser um anão, mas um anão definitivamente construiu isso.
Sendo assim você precisa agir como um. Eu passei meus dedos pela parede de
pedra mais uma vez removendo o arbusto que cobria a metade inferior da
porta oculta.

‘Ah, a altura!’ Ela exclamou, sua voz animada ecoando na minha mente
enquanto ela saltava para meu ombro.

Depois de vários minutos procurando uma maçaneta, alavanca ou botão que


abrisse o mecanismo fechado, eu finalmente achei. Mais ou menos cento e
vinte centímetros do chão próximo ao topo da porta, minha mão esquerda
afundou na abertura. De primeira pareceu que minha mão tocou alguma
espécie de seiva ou substância parecida com cola, mas quando eu envolvi
minha mão com mana a viscosidade da parede mudou. Enquanto eu mexia no
mecanismo da porta eu percebi que não se tratava de quanto atributo terra
você envolvia a mão, mas sim de níveis precisos e específicos enquanto inseria
a mão na fechadura.

Se os níveis de mana pudessem ser medidos de um a dez, então eu precisaria


achar a combinação correta entre esses números para destrancar com sucesso
a porta.
Toda vez que eu chutava errado o número do nível de mana e tentava inserir
minha mão com profundidade na fechadura, a terra ao redor da minha mão se
tornava mais viscosa, tirando minha mão da fechadura.

“Droga!” Eu xinguei suspirando, depois da minha vigésima tentativa falha de


abrir a porta. Meio tentado explodir a porta eu inspirei profundamente e
liberei o Realmheart mais uma vez.

Imediatamente uma dor abrasadora fluiu do meu núcleo para o meu corpo e
membros. Eu me inclinei e caí sobre meus joelhos numa série intensa de
tosses, eu não vomitei apenas bile e comida dessa vez, mas também sangue.

Uma onda de insatisfação e preocupação fluiu de Sylvie.

Eu juro, se você disser algo sobre moderação de novo…

‘Vamos acabar logo com essa missão, depois você poderá descansar
apropriadamente.’ Ela respondeu.

Com um aceno febril, eu pus peso nas minhas pernas para me levantar, apenas
para cair de costas. Com a pouca mana que me restava utilizada para manter
o Realmheart eu tirei a mana das minhas pernas para abrir a fechadura.

Eu pude sentir as emoções do meu vínculo enquanto ela me espiava. Se


mantendo em silêncio, Sylvie me ajudou a sentar, enquanto erguia minhas
costas com sua cabeça.

Respirar era como engolir agulhas, mas eu estava grato por poder ativar o
Realmheart mais uma vez. Sem perder tempo eu tentei alcançar a fechadura,
minha mão quase não alcançando com a ajuda de Sylvie. Usando o pouco de
mana que restava eu envolvi minha mão com mana de atributo terra.

Imediatamente, eu pude sentir as partículas de mana se reunirem no buraco


da fechadura. Quando eu inseri o nível correto de mana na minha mão, as
partículas brilharam e dispersaram, permitindo o avanço da minha mão sem o
medo de ter que começar de novo.

Eu aposto que dragões nunca pensaram em utilizar o Realmheart em coisas


como essa. Eu sorri enquanto minha mão submergia da parede acima de meu
antebraço.

‘Coisas como abrir uma porta? Isso seria impróprio para nós.’ Meu vínculo
grunhiu.

Situações exigem adaptações meu pequeno dragão peludo. Eu repliquei,


mexendo a mão enterrada profundamente na fechadura da porta. Com um
clique satisfatório a porta deslizou e se abriu fazendo um ruído.

Eu me virei e olhei para meu vínculo que estava sustentando meu corpo
quebrado em pé, dando uma piscadela cheia de orgulho.
‘Eu tenho vergonha de ter me referido a você como “papai” um dia.’ Mesmo em
sua pequena forma de raposa tinha um palpável senso de zombaria enquanto
ela rolava os olhos.

Olha, foi você que chocou por minha causa. Desativando o Realmheart eu
limpei o fino rastro de sangue que escorreu da minha boca, e realoquei a
minúscula quantidade de mana que me restava para as pernas.

Trabalhando com um único digito de porcentagem da minha mana eu mal


conseguia ter o luxo de usar minhas pernas mutiladas, até me manter em pé
era uma tarefa árdua.

Usando a parede como suporte eu não perdi tempo e segui pelo estreito
corredor. A passagem tinha cerca de um metro e meio de largura e seu teto
raspava sobre minha cabeça nas curvas, era mais um túnel tosco do que um
corredor. Felizmente, havia velas iluminando o caminho, dispostas em
pequenos buracos ao longo das paredes. Sem necessidade de usar mana para
qualquer coisa além de reforçar minhas pernas eu pude utilizar a rotação de
mana para encher meu núcleo vazio.

Eu podia sentir o calor das velas, mas após viajar através do duro vento
arenoso, o calor era muito bem-vindo. Eu me prendi ao lado esquerdo do
corredor, parte porque era mais oculto e parte porque eu precisava de suporte
enquanto caminhava pelo corredor que ia se inclinando lentamente. Enquanto
Sylvie trotava cuidadosamente alguns passos à frente, checando e testando
qualquer coisa remotamente suspeita que poderia abrigar uma armadilha
oculta.

‘Isso é realmente uma boa ideia? Você não está em condições de lutar. E se
encontrarmos um inimigo? Eu estou limitada ao que posso fazer nessa forma e
mesmo se descobrirmos que os anões são aliados dos Alacryanos, o que
poderemos fazer?’ Meu vínculo bombardeou enquanto caminhávamos pelo
corredor.

Não é uma boa Idea, mas precisamos fazer isso. Eu respondi com
seriedade. Você está certa, eu não posso lutar e aqui não tem lugares que
possamos nos esconder caso encontremos um inimigo, mas não podemos
perder tempo nos recuperando. Se eu estiver certo nos podemos obter provas,
eu sei que Virion e Aldir vão nos ouvir.

‘Tudo bem, mas nosso acordo continua. Se formos expostos eu vou quebrar a
parede e nos tirar daqui.’

De acordo. Eu respondi enquanto caminhávamos pelo corredor mal iluminado


quando algo luminoso que não era uma vela apareceu a distância. Olhamos
um para o outro e meu vínculo e eu fomos na direção da luz.

O túnel se curvava ligeiramente quanto mais nos aproximávamos da luz e


minha audição captou alguns ecos ao longe. Os barulhos aumentavam à
medida que nos aproximávamos, mas acontecia muitas coisas ao mesmo
tempo para que eu pudesse captar sons específicos. Havia conversas, ecos,
múltiplos passos, assim como o ressoar de metal. Finalmente depois de alguns
minutos desconcertantes avistamos a saída do túnel.

Com minhas costas contra a parede eu a contornei em direção a saída com


cuidado, para não tropeçar em alguma pedra ou mesmo causar algum ruído
que pudesse alertar algum guarda próximo. Sem sentir qualquer coisa próxima
a saída Sylvie e eu nos esgueiramos para a beira da mesma, onde uma sombra
curta nos protegeria de qualquer olhar inesperado.

Nós olhamos boquiabertos a magnitude do lugar onde ‘tropeçamos’. O


corredor estreito se abria numa enorme caverna, com um teto que tinha forma
de um domo perfeito, por um momento eu achei que não estávamos mais no
subsolo. Ao invés de velas, tochas massivas se alinhavam ao longo das paredes
revelando quão imensa a caverna realmente era e quem estava dentro.

Deixando escapar, mentalmente, uma enxurrada de xingamentos depois de


espiar. No centro da caverna, dois andares abaixo, estava um gigantesco portal
de teletransporte cercado por anões e tropas Alacryanas que saiam do portal
brilhante.

Antes de poder observar melhor o que estava acontecendo, o som de passos


no corredor por onde havíamos vindo me fez dar meia volta. A gigantesca
caverna parecia com uma colmeia, onde dezenas de outros túneis semelhantes
ao que estávamos eram alinhados uniformemente ao longo das paredes.
Dezenas de escadas esculpidas na pedra eram rentes as paredes, onde cada
uma delas levava a um túnel diferente, e se aproximando do túnel por onde
Sylvie e eu viemos, se aproximava um pelotão de soldados Alacryanos.

‘Eu vou nos tirar daqui.’ Meu vínculo declarou, seu corpo começando a brilhar.

Ainda não! Focando em uma das entradas alguns metros à frente, eu fiz com
que algumas pedras desmoronassem. Eu imediatamente escutei o barulho das
vestes e do metal assim que os soldados se viraram.

Usando a oportunidade, eu rapidamente peguei meu vínculo e a segurei com


firmeza contra meu peito, me achatando contra a esquina entre a entrada e a
parede o máximo que pude. Utilizando a mana que reuni no caminho até aqui,
ergui uma cortina de pedra ao nosso redor.

“Foi apenas uma pedra solta. Vamos continuar.” O soldado liderando o pelotão
grunhiu.

Prenda a respiração. Eu ordenei a Sylvie enquanto ativava o Mirage Walk.


Alterando a atmosfera de mana ao nosso redor para esconder nossa presença,
algo que nunca precisei fazer desde que voltei a Dicathen, mas com soldados
inimigos marchando a apenas alguns passos de nós, eu não queria correr
qualquer risco.
Dentro do caixão de terra, eu estava cercado pela escuridão, podia ouvir a
marcha sincronizada dos soldados enquanto passavam por nós, com passos
deliberados ecoando nas paredes do túnel. Eles estavam tão perto que eu
podia ouvir seus sussurros.

“Quando você pensa que voltaremos para casa?” Uma voz murmurou.

“Por que? Já está sentindo falta da sua família?” Uma voz rouca zombou.
“Apenas foque em adquirir algumas recompensas durante essa Guerra. Seu
sangue irá te agradecer assim que puderem mudar daquele barraco que você
chama de casa.”

“Grande Vritra, calados!” Uma voz sibilou. “Nosso time inteiro irá ficar a noite
de guarda se vocês continuarem com isso.”

[Kbsurdo: ‘Grande Vritra’ nesse caso aqui é mais como ‘meu deus’.]

Eu não pude evitar de ficar absorto com a conversa. Seu jeito de falar era meio
semelhante ao nosso, mas alguns termos como ‘sangue’ e ‘Grande Vritra’ eu só
pude compreender pelo contexto. Isso me fez pensar. Como podem dois
continentes que mal tiveram contato ter uma linguagem tão parecida?

‘Meu avô me disse que foi por causa da intervenção dos Asuras.’ Meu vínculo
entrou na conversa, com a voz que demonstrava estar tensa, mesmo na minha
mente. ‘Os Asuras enviavam representantes com frequência para auxiliar o
progresso de Alacrya e Dicathen quando preciso. Ele explicou como eles
tomavam forma de seres inferiores, embora extremamente inteligentes, e os
ajudavam no progresso através dos séculos.’

‘Foi assim que os Asuras entregaram os artefatos para nós no passado?’ Eu


perguntei.

‘Sim. Exceto que aparentemente fazemos isso desde antes daquilo. Os artefatos
foram uma medida drástica para impedir a extinção completa dos seres
inferiores.’

Entendo. Eu ponderei, era estranho pensar que os gênios do meu antigo


mundo eram deidades enviadas para assegurar nossa sobrevivência e
progresso.

Enquanto os minutos passavam lentamente as conversas dos soldados


serviram como forma de alívio para o desconforto de nossa situação. Sem
nenhuma rachadura no caixão para respirarmos, ele se tornou incrivelmente
sufocante e quente, eu tentei apenas focar no Mirage Walk para nos ocultar de
qualquer um com sentidos afiados quando uma batida balançou a fenda
selada que estávamos dentro.

“O que você está fazendo?” Outro soldado sussurrou impaciente.

A fenda tremeu mais uma vez.


‘Estou pronta para lutar, fique atrás de mim.’ Meu vínculo informou, sua voz se
tornando um rosnado perfurante em minha mente.

Apenas espere! Eu rebati, tentando impedir meu coração de saltar pra fora do
peito.

“Esse lado na entrada é um pouco diferente do que o outro lado.” O soldado


falou hesitante para seu companheiro. “E é um pouco oco quando eu bato.”

Houve uma breve pausa em que eu temi que ele fosse a frente com a
investigação, mas para minha surpresa seu companheiro apenas zombou.

“Vritra misericordioso, eu sabia que você era um pouco imaturo, mas não fique
atrasando os outros só porque viu algo estranho. Nós estamos em um
continente diferente.”

Eu quase deixei escapar um suspiro de alívio assim que ouvi os passos se


afastando lentamente em direção ao túnel de onde viemos.

Depois de ter certeza que todos os soldados passaram por nós e que ninguém
mais vinha, eu abri um pequeno buraco no caixão para observar os arredores.
Apenas depois de alguns minutos eu desativei meu feitiço.

‘Nós temos o que viemos buscar, agora vamos embora reportar a situação ao
Virion e cuidar de suas lesões.’ Sylvie suplicou.

Ok, vamos! Eu concordei. Mesmo com a habilidade única de cura pelo éter de
Sylvie, minhas pernas estavam à beira do colapso e o único descanso que tive
foi quando desmaiei em suas costas no caminho até aqui.

Já contemplando o melhor jeito de reportar as críticas notícias a Virion e Aldir


e as precauções que eu deveria tomar em caso de precisar combater as duas
Lanças dos anões, eu olhei por acaso para o teto em forma de domo da
caverna, quando os soldados alacryanos subitamente se ajoelharam de frente
para o portal de teletransporte.

Depois de confrontar dois Retentores e até mesmo ter derrotado um, eu pensei
que eu estava pronto para combater uma Foice. Mesmo sob a suspeita de que
os anões estavam traindo Dicathen eu estava confiante que eu venceria essa
guerra. Mas uma figura vestida em obsidiana saiu do portal, eu não pude evitar
de me sentir abalado. Estando aqui, mal me mantendo sobre meus dois pés,
eu me senti um mero galho contra impetuosos ventos. Eu senti desespero.

Capítulo 160
Procedimento de cura

A figura misteriosa liberou uma pressão sufocante pela caverna quando saiu
pelo portão. Até Sylvie, que estava tão ansiosa para sair, estava petrificada
enquanto olhava impotente para baixo.
Com o resto de seu corpo aparecendo através do portal de teletransporte,
meus olhos imediatamente se fixaram em seus chifres.

Os chifres que eu vi em todos os outros Vritras pareciam meramente


ameaçadores—como se fossem parte feras—mas olhando para aqueles dois
chifres se projetando de suas têmporas se curvando para trás da coroa de sua
cabeça, eles exalavam um senso de prestígio e realeza, como uma tiara
colocada gentilmente em sua cabeça. Ao contrário dos chifres negros sombrios
que eu vi até agora, os chifres obsidianos desse Vritra brilhava como pedras
preciosas, em contraste com sua juba cor de pérola que passava seus ombros
estreitos.

Enquanto o Vritra olhava ao redor fui capaz de olhar rapidamente seu rosto
antes de recuar para a entrada do túnel, com medo de que o Vritra fosse capaz
de me sentir mesmo com o Mirage Walk ativado.

Foi então que percebi que essa aura opressiva vinha de uma garota que não
parecia mais velha que Tessia. Ela possuía traços elegantes, olhos negros e um
corpo magro escondido por robe feito de pelos cor de obsidiana, mesmo entre
uma multidão de anões, ela parecia pequena.

Após alguns segundos, reuni a coragem para olhar para baixo mais uma vez.

“Se-senhorita Nezera?” um soldado Alacryano barrigudo cumprimentou de


forma visivelmente confusa enquanto permanecia de joelhos na frente de uma
multidão de anões ajoelhados.

“Onde está Cylrit?” A Vritra fêmea perguntou friamente, encarando um dos


muitos soldados Alacryanos que cercavam o portal e os anões ajoelhados.

A soldado que Senhorita Nezera reconheceu imediatamente se levantou.


“Comandante Cylrit está atualmente acampado próximo à costa norte de
Sapin, aguardando sua chegada para começar o ataque, Senhorita Nezera.”

“Muito bem. Vamos partir.” Sua suave voz se espalhou como uma brisa fria, me
dando calafrios apesar da distância entre nós.

“Sim, Senhorita Nezera!” A soldado saudou, reunindo as tropas para seguir a


graciosa Vritra.

Porém quando ela passou pelo soldado que mencionou seu nome primeiro em
surpresa, ele disse. “Perdoe minha grosseria, Senhorita Nezera, mas e a nova
Foice? Fui instruído para levá-lo ao Comandante Uto.”

Houve um momento de silêncio enquanto todos ao redor trocavam olhares


ansiosos entre Senhorita Nezera e o soldado alto. Ela encarou o soldado com
um olhar frio e sem emoção até que finalmente falou. “Ele não está pronto.
Melzri e Viessa ainda estão trabalhando nele.”
“E-entendi.” O soldado respondeu, seus ombros se relaxaram. “Peço desculpas
por faze-la perder tempo.”

Pelo seu discurso, era óbvio que ela também era uma Foice, mas eu não queria
acreditar—que tal ser, comparável à um asura, era um oponente que eu
deveria enfrentar. Melhor ainda, o número de Foices que temos que nos
preocupar aumentou.

‘Outra Foice?’ Sylvie ecoou, sua voz com preocupação.

Vamos lá, vamos embora daqui. Falei para meu vínculo. Agora que uma Foice
entrou na guerra, levar esta informação de volta ao castelo é essencial.

Eu olhei uma última vez para a Foice chamada Nezera quando ela olhou por
cima dos ombros também.

Por uma fração de segundo, o olhar dela passou pelo túnel em que estávamos
nos escondendo e nossos olhos se encontraram.

Seu olhar eventualmente passou por mim naquele momento, seus olhos frios
se fixaram em mim com o foco de um predador.

Não havia dúvidas, ela sabia que eu estava aqui.

Meu corpo endureceu, como se cada gota de sangue do meu corpo tivesse
congelado. Minha mão ficou suada e meus batimentos aumentaram ao ponto
de eu ficar com medo de que a caverna inteira pudesse ouvir. Ainda assim, ela
se virou e continuou a subir as escadas da mesma maneira imperturbável e
indiferente de antes.

‘O que há de errado?’ meu vínculo perguntou.

Fiquei parado, com medo de me mover. Somente após ela sair que eu consegui
respirar. Acho que ela me viu.

Sentindo minha apreensão, ela sabia que eu não estava brincando, deixando-
a ainda mais inquieta. ‘Agora, podemos ir? Ou você quer esperar que o resto do
exército Alacryano saiba que estamos aqui…’

Não pude deixar de soltar um sorriso irônico. É nesses raros momentos que
meu vínculo mostrava vislumbres de sua imaturidade. Sim. Vamos lá.

Saindo do túnel, fomos agraciados pelo ‘tão prazeroso’ ar do deserto. Sylvie e


eu concordamos em não voar até que alcançássemos a floresta na fronteira
de Sapin e Darv. Porém, após um quilômetro e meio de caminhada cuidadosa,
meu corpo cedeu à um ataque de calafrios. Após constantemente usar o
Mirage Walk no caso de soldados alacryanos sentirem minha flutuação de
mana, minha reserva escassa foi drenada. Usando o resto da mana para
fortalecer minhas pernas, fiquei apenas com meu manto para me proteger do
vento e areia.
Já faz um tempo que eu senti esse frio. Apertei minha mandíbula para meus
dentes não rangerem. Encostando minhas costas contra uma rocha para me
proteger do vento, eu amarrei meu manto ao meu redor.

‘Só mais um pouquinho. Estamos quase lá. Eu deveria usar éter mais uma
vez?’ Meu vínculo me perguntou enquanto olhava pro meu estado lamentável.

Não. Eu mal posso manter minha Rotação de Mana neste estado. Usar éter
chamaria atenção de soldados, ou pior, da Foice.

‘Okay.’ Abraçando minha perna para fazer o que podia para me aquecer, nós
ficamos parados por um momento até que o vento diminuísse.

Após meticulosamente seguir em rumo a floresta, andando em zigzag de uma


rocha para outra no caso de algum soldado alacryano estar escondido da fraca
luz da Lua crescente, eu quase chorei quando vi as sombras das árvores na
distância.

Apenas alguns minutos dentro da floresta, o vento diminuiu significantemente


e—apesar de estar a mesma temperatura—meu corpo lentamente começou a
esquentar.

‘Vamos descansar aqui um pouco.’ Sylvie disse, apontando com seu focinho
para um tronco oco.

Nós devíamos… voltar para o castelo. Respondi, minhas pálpebras ficando


pesadas com cada palavra.

Meu vínculo me cutucou em direção ao tronco. ‘Precisamos colocar alguma


distância entre nós e os soldados de qualquer forma. Apenas uma hora de
soneca. Neste ritmo você vai congelar sem ter mana para te proteger enquanto
voarmos.’

Havia um poder reconfortante nas palavras dela que pareceu drenar o resto
de energia que eu tinha. De repente fui atingido com uma onda de fadiga, e
me joguei no tronco oco. Minha consciência lentamente escurecia, a última
coisa que vi foi Sylvie colocando algumas folhas em cima de mim para me
aquecer.

Apesar do meu estado fraco, o sono profundo me evitava. Pela tensão de ser
emboscado com pouca força para me proteger e a recente mudança nos
eventos, minha mente se esforçava para pelo menos ficar meio-consciente.

Após descansar os olhos e corpo por cerca de uma hora, Sylvie e eu saímos do
conforto de nossa coberta de folhas. Sem a necessidade de usar mana para
fortalecer minhas pernas enquanto montava Sylvie, eu fui capaz de me
proteger dos ventos.
A jornada de volta ao castelo foi silenciosa apesar dos sons do vento. Não
houve qualquer conversa entre nós, já que ambos estávamos perdidos em
pensamentos.

A guerra se tornou exponencialmente mais complicada agora que sabemos


que os anões estão ajudando as forças Alacryanas. Não era mais preto e
branco, nós contra eles. Havia também a possibilidade de somente uma facção
específica dos anões estarem ajudando o inimigo, mas se Rahdeas, guardião
adotivo de Elijah e agora líder dos anões, têm algo a ver com isso, isso significa
que estamos com menos duas Lanças.

Assumindo o pior, a única coisa positiva que vêm disso é que Rahdeas ainda
está agindo como se estivesse do nosso lado. Isso significa que ou ele tem
mais a ganhar sendo um agente duplo ou que ele não está confiante o
suficiente para desafiar abertamente o resto do Conselho.

‘Chegamos.’ Sylvie anunciou.

Olhando para cima, eu podia ver o castelo flutuante entre camadas de nuvens.
Os pontos ao redor da grande estrutura eram soldados montados em bestas
de mana voadoras. Com o sol inabalável brilhando diretamente acima,
projetando sombras no mar de nuvens abaixo do castelo e guardas voadores,
era uma vista imponente que certamente faria cair o queixo de qualquer um
que nunca visitou, mas para mim, tudo que eu queria era hibernar na primeira
superfície confortável que eu visse.

A maior parte de entradas eram através de portais dimensionais, então


quando nos aproximamos os guardas imediatamente nos cercaram. As armas
brilhantes dos soldados e seus vínculos preparados para a batalha. Porém,
quando chegamos perto o suficiente para que os soldados percebessem quem
somos, eles formaram duas linhas, criando um caminho aéreo para que Sylvie
e eu seguíssemos para a entrada.

“General Arthur!” Os guardas saudaram em união do topo de suas bestas


voadoras. Nós lentamente seguimos o caminho, até que as portas duplas que
eram mais altas que Sylvie se abriram.

Era óbvio que o Capitão Auddyr já havia chegado, já que havia um time de
médicos e emissores esperando por mim. A plataforma de pouso teve uma
enxurrada de atividade assim que as portas se abriram. Médicos e emissores
que foram ordenados a ficar lá até que eu chegasse—alguns casualmente
jogando cartas—rapidamente largaram o que estavam fazendo e
imediatamente se prepararam para me tratar.

Uma enxurrada de barulhos incompreensíveis por todos os cantos


bombardeou meus ouvidos. Assim que Sylvie pousou, os médicos começaram
a trabalhar, e trouxeram uma engenhoca parecida com uma maca.
“Estou bem.” Eu resmunguei, minha voz dificilmente saindo. “Deixe-me falar
com Virion primeiro.”

“Amarrem ele e não deixem ele andar.” Sylvie ressoou, assustando todos na
sala—inclusive eu. Meu vínculo sempre se limitou a falar com poucas pessoas
além de mim, e mesmo assim ela ainda preferia se comunicar telepaticamente.

Surpreendido pelos comandos repentinos de meu vínculo, eu obedeci aos


desejos de Sylvie e permiti ser carregado pela maca, enquanto ambos médicos
e emissores começaram a me examinar. Meu vínculo se transformou em sua
forma de raposa e caminhou ao meu lado enquanto eu era movido da
plataforma de pouso para uma sala médica adequada.

Não demorou muito para os médicos determinarem onde estavam meus


ferimentos durante nossa pequena viagem até a sala médica; melhor ainda, eu
ouvi um dos médicos suspirando que provavelmente era mais fácil listar as
partes do corpo que não estavam danificadas.

Isso era sempre reconfortante.

Vindo de um período e local que a tecnologia era avançada, sempre tive uma
péssima impressão da medicina desse mundo, mas a mesa virou e eu os
subestimei. O que esse mundo não consegue alcançar com tecnologia,
consegue com magia. Times de magos desviantes, cujo poderes são
especializados na área médica, estavam esperando por mim enquanto eu era
levado para uma sala quadrada com teto arqueado.

Enquanto o tempo passava eu sentia meus ferimentos e as privações do meu


corpo me afetando. Com a adrenalina que me mantinha acordado diminuindo,
parecia que meus membros tinham virado pesos de chumbo. Tive dificuldade
para ficar acordado enquanto os médicos e emissores começaram a examinar
meu corpo cuidadosamente.

Após eles terminarem mais um round de exames preliminares, um mago idoso


de nome Mendul entrou na sala. O homem gordo, e de mandíbula quadrada se
apresentou como um desviante capaz de ajustar e melhorar sua visão usando
mana, sendo assim capaz de individualmente observar diferentes camadas de
um corpo. Mesmo que fosse o sistema ósseo, muscular ou nervoso, ele era
capaz de ver tudo.

Mendul continuou analisando meu corpo usando uma caneta para desenhar
diretamente em dezenas de áreas no meu corpo enquanto tirava notas, eu
focava todos meus esforços em continuar consciente.

“Onde está o Comandante Virion?” Eu perguntei após Mendul terminar de


marcar meu corpo como se fosse uma espécie de mapa.
“Minhas desculpas, General Arthur. Comandante Virion está atualmente fora
do castelo.” A resposta veio de um homem de meia idade, magro, vestido com
um manto verde claro.

Julgando pelo modo que ele coordenava os outros médicos, emissores e


outros desviantes na sala, eu supus que ele é o líder do time médico daqui.
Enquanto normalmente eu seria um pouco mais cortês com o homem que está
liderando minha cura, eu não pude deixar de soltar um tom de impaciência
enquanto falava. “Ele está fora? Onde? Quando ele vai voltar?”

“E-ele não disse.” Ele respondeu se desculpando. “Eu só consegui o ver saindo
com Capitão Auddyr e Capitã Glory junto com General Aya.”

Eu afundei na cama elevada em que estive desde que me colocaram nessa


sala, com cuidado para não fechar meus olhos por muito tempo com medo de
cair no sono. Se Virion teve que sair com Auddyr e Vanesy e levou uma Lança
com eles, provavelmente voltaram para o local que eu derrotei a serva da Foice
na floresta perto da fronteira sul de Sapin.

Apesar de minha condição, não pude deixar de me preocupar. Eles talvez


passem pelo pelotão de alacryanos que estavam marchando para o Norte. Ou
pior, aquela Foice talvez tente encontrar o servo que matei.

‘Não estou tão preocupada com a Foice, já que ela pareceu ir para uma direção
diferente, mas você está certo sobre o pelotão.’ Meu vínculo respondeu.

Talvez você deva ir avisa-los?

‘E deixar você aqui sozinho? Após descobrir que os anões são aliados dos
Vritra? Você perdeu seu cérebro?’

Eu olhei rapidamente ao redor da sala e vi ambos elfos e anões junto com os


médicos humanos, todos esperando por demais instruções enquanto
preparavam ferramentas e medicamentos diversos.

Droga. Xinguei. Sei que ela está certa. Tudo bem. Eu acho que só me resta orar
pela segurança deles.

‘Virion tem uma lança com ele. Não tente cuidar de tudo sozinho. Eles ficarão
bem sem você.’ ela me confortou. ‘Eu ficarei aqui para ter certeza de que esses
médicos não farão nada suspeito. Apenas descanse e foque em melhorar.’

“E quanto a Aldir?” Eu perguntei esperançoso.

“Mais uma vez, desculpe.” o médico líder abaixou a cabeça. “Somente


Comandante Virion sabe o paradeiro do Lorde Aldir. Eu mesmo só o vi uma vez,
muito brevemente.”
Eu só pude suspirar em frustração, e a última parcela de força me deixou.
“Tudo bem. Então qual o plano? Você chegou em um diagnóstico dos meus
ferimentos?”

O líder médico virou para Mendul, que deu um passo à frente em minha
direção e olhou para suas anotações antes de falar. “General Arthur, seus
ferimentos são únicos em complexidade. Para ser franco, se não fosse por seu
corpo assimilado e nível de seu núcleo de mana, você seria incapaz de
permanecer consciente. Mesmo assim, não posso deixar de ficar surpreso em
o vê-lo tão animado, apesar de tudo.”

Olhei para baixo para Sylvie, que estava sentada no chão ao lado da minha
cama. Tenho que te agradecer por isso.

‘De nada.’ Ela respondeu secamente. ‘Embora, eu temo que terei que fazer isso
novamente no futuro.’

Lancei em meu vínculo um olhar fraco antes de olhar para Mendul. “Então, que
tipo de procedimento devo esperar?”

O desviante ficou desconfortável enquanto acariciava sua barba curta. “Os


ferimentos na parte inferior de seu corpo se curaram, mas não perfeitamente.
Em ordem para você ser capaz de andar sem o uso de mana, nós temos que,
com muita precisão, quebrar seus ossos e partir seus tecidos em partes
pequenas, e guiá-los para que se curem corretamente.”

Abrindo meus olhos cansados, olhei para o líder médico que estava
silenciosamente esperando por demais instruções. Não tenho certeza se
porque eu estava desesperado para ficar bem novamente, ou porque eu passei
por inúmeras cirurgias após batalhas durante meu tempo como rei no meu
mundo anterior, mas minha mente estava em paz.

Eu dei um último olhar no meu vínculo antes de fechar os olhos. Num lugar
que qualquer um pode potencialmente me ferir, eu estava agradecido por ter
Sylvie aqui.

“Vá em frente.”

“Sim, General Arthur!” O médico magro acenou firmemente. “Tenha certeza,


após ouvir de sua condição pelo Capitão Auddyr, Comandante Virion não
poupou esforços em juntar a maioria dos magos de elite das três raças para
ter certeza que estará de volta com toda a força.”

“Estarei sob seus cuidados.” Quando sussurrei, os magos e médicos na sala


imediatamente se curvaram.

“Seldia, é com você.” Mendul disse.


Uma jovem elfa se aproximou de mim, com um sorriso gentil. Ela estendeu sua
mão, pressionando minha testa com seu indicador. “Me desculpe pela
intrusão.”

Quando ela fechou os olhos, uma onda calmante irradiou da ponta dos seus
dedos até minha cabeça e pelo resto do meu corpo. Meus olhos se fecharam,
enquanto um cobertor de escuridão se enrolou gentilmente ao meu redor.

Capítulo 161
Por que você está chorando?

“Para onde agora, Nico?” Eu perguntei, alegremente balançando as sacolas de


plástico cheias de materiais escolares que eu carregava.

“Ainda temos que pegar nossos uniformes, certo?” Cecilia respondeu,


envolvendo um livro em seus braços como se fosse um bebê.

“Não faz duas horas que fomos avaliados. Faremos dessa nossa última
parada.” Nico respondeu. Ele olhava para baixo para seu pequeno caderno.
“Precisamos comprar mochilas e calculadoras.”

Nós três passeávamos casualmente nas calçadas da cidade. As ruas eram


antigas e tortas, feitas com pedras de pavimentação que mudavam de lugar
pelo peso dos pedestres que passavam. Prédios tediosos nos cercavam, se
misturando com o céu cinza escuro. Uma chuva recente cobria o cheiro
normalmente sujo daquela área com um aroma fresco de terra, poças d’água
se juntavam e enchiam os buracos das ruas negligenciadas.

Arcastead não era nem de longe uma cidade prazerosa e atrativa. Ainda assim,
neste momento, tudo ao nosso redor parecia suportável. Dos sem-teto
espreitando atrás das latas de lixo nos becos até os soldados carrancudos que
ameaçavam prender qualquer um que acidentalmente esbarrasse neles, a
visão cotidiana deste lugar que eu tanto odiava, de alguma forma me parecia
charmosa.

Nico soltou um suspiro, me tirando do meu transe. “Nossos uniformes devem


ser os mesmos que o de todos, mas se formos para lá com mochilas
desgastadas será muito óbvio que somos órfãos. Eu não gostaria que fôssemos
excluídos pelos outros estudantes.”

“Tudo bem.” Eu cedi, seguindo Nico enquanto ele atravessava a rua.

O sol se pôs quando tínhamos terminado de comprar todos os materiais


necessários para começar nossas vidas como estudantes. Quando nos
dirigimos à periferia de Arcastead, o número de soldados e luzes de rua se
tornaram mais escassos, nos deixando mais alerta. Nico e eu conhecíamos a
área bem o suficiente para fugir de bandidos e sequestradores em potencial,
mas ter Cecilia conosco fazia o caminho de volta ao orfanato ser mais tenso.
“Você está animada para ir à escola, Cecilia?” Nico perguntou calmamente,
esperando acabar com o silêncio embaraçoso.

Suas sobrancelhas estavam franzidas em pensamento, mas no fim ela acenou


e com um sorriso que estava se tornando mais frequente ultimamente. “Estou
nervosa e assustada, mas sim.”

Quando eu estava prestes a entrar, um ruído leve atraiu minha atenção.


Fingindo estar checando dentro da sacola de materiais escolares, eu espiei
atrás de nós para ver uma sombra atrás do beco.

“—certo, Grey?” Nico cutucou meu braço.

“Huh?” Eu virei minha cabeça de volta para frente.

“Sheesh, não se distraia enquanto estiver com a gente.” Nico repreendeu. “Eu
sei que já estivemos por aqui centenas de vezes, mas é muito perigoso sonhar
acordado desse jeito.”

Coçando minha nuca, soltei um sorriso irônico. “Erro meu.”

“E eu estava dizendo para Cecilia que estaremos lá caso aconteça algo com
ela.” Nico acenou.

Cecilia, que estava andando ao lado de Nico, soltou uma risadinha quando eu
ouvi outro barulho fraco.

Um calafrio desceu por minha coluna. Eu podia sentir meu coração batendo
contra minha caixa torácica, tentando se libertar. De repente, eu estava com
respiração pesada. A respiração superficial e irregular que eu ouvi tantas vezes
em filmes quando o personagem principal estava assustado.

Eu estava assustado. Eu sabia pelo que, mas meu corpo estava me dizendo
para correr—para fugir dali.

Pelo canto do meu olho vi algo brilhar rapidamente contra a luz tremulante da
rua, e mais uma vez, o mundo ficou em velocidade lenta ao meu redor.

Investi nas calçadas, derrubando tanto Nico e Cecilia na rua suja.

“Corram!” Eu gritei enquanto ouvia o clique de outro projétil sendo carregado


nas sombras.

Embora assustado e confuso, Nico foi capaz recobrar seus sentidos.


Abandonando suas sacolas, ele levou nossa amiga desorientada até um beco
próximo.

Parecia que alguém tinha tomado controle do meu corpo quando eu


instintivamente mergulhei e peguei o livro de Cecilia. Eu levantei o livro de
capa dura e posicionei no meu peito, a tempo de sentir a força do projétil me
empurrar para trás.

Olhei rapidamente e vi um objeto parecido com uma seringa preso ao livro.


Um líquido claro saía dele, pingando no chão.

Não era uma bala. Eu sabia disso com certeza.

A lembrança da minha ida ao zoológico com a Diretora Wilbeck veio à mente.


Era uma daquelas agulhas que atiravam em animais para fazê-los dormir.

Arrancando a agulha do livro, eu segui Nico e Cecilia para dentro do beco


estreito.

“Atrás deles! Eu não me importo com o que farão com os meninos, só


mantenham a garota viva.” Uma voz rouca deu ordens por trás de mim.

“Continuem correndo!” Minha voz ecoou através das pedras desgastadas


enquanto eu corria, mergulhando rumo às escadas de incêndio desgastadas e
saltando sobre latas de lixo.

Não demorei para alcançar meus amigos, o que significava que não levaria
muito tempo para que os bandidos atrás da gente nos alcançassem.

Nico estava bem, mas havia uma trilha de sangue escorrendo pelas suas
pernas e braços através de arranhões enquanto corria. Eu derrubei latas de
lixo de metal e caixas, atirando tudo que fosse duro nos perseguidores numa
tentativa desesperada de os atrasar.

“Eles… vão… nos alcançar.” Nico arquejou, ficando sem fôlego.

“Por que eles estão atrás de nós?” Cecilia arquejou enquanto ela utilizava toda
sua energia e foco em não tropeçar em alguma coisa no chão.

Eu balancei a cabeça, ignorante de tudo além do que o homem tinha dito.


“Nico, você ainda tem aquela luva com você?”

“Eu devia—espere, você não está pensando seriamente em—”

“Você consegue pensar em outra maneira?” Eu o cortei, minha voz atada com
impaciência.

Ao sinal de Nico, nós viramos à esquerda dentro de um beco estreito. Os


passos de nossos perseguidores ficavam mais altos enquanto se aproximavam
de nós.

Com má vontade, Nico colocou a mão no bolso de sua jaqueta. Após achá-la,
ele estendeu seu braço para me entregar, quando Cecilia a tomou de sua mão.

“Cecilia?” Nico exclamou.


“E-eu faço.” Cecilia gaguejou, colocando a luva felpuda.

Estupefato pela coragem repentina da garota, eu quase tropecei numa pilha


de roupas abandonadas. “É muito perigoso. E você ainda não consegue
controlar seu ki!”

“Todos ouvimos o que aquele homem gritou mais cedo.” Cecilia bufou. “Eles
não podem me matar, certo?”

Eu olhei para Nico por assistência, mas ele também não conseguiu pensar em
uma resposta.

Xingando baixinho, apertei meu pulso ao redor da seringa em minha mão.

“Tudo bem. Nico, tem um plano?”

Os olhos do meu amigo estreitaram pelo jeito que ele pensava. “Fazemos um
logo ali.” Ele ordenou calmamente.

Eu olhei por cima dos ombros e vi os dois perseguidores vestidos em preto a


menos de seis metros de nós.

Nós viramos rapidamente em um beco amplo atrás de um restaurante antigo.


Eu esperava que nós continuássemos a correr, mas Nico me puxou pelas
minhas mangas.

“Cecilia, fique de bruços como se tivesse tropeçado em algo. Grey, venha


comigo.” Nico sibilou, me levando para trás de um amontoado de latas de lixo.

Meu coração batia forte como um tambor, alto o suficiente para me fazer
pensar se nossos perseguidores poderiam ouvir.

Levou alguns segundos para que os dois homens em preto chegassem na


esquina.

O cara da direita falou em seu pulso. “Senhor, nós estamos vendo a garota.”

“A garota tropeçou e parece que os garotos a abandonaram. Permissão para


proceder?” O perseguidor da esquerda perguntou.

Diferente dos bandidos que tentaram assaltar Nico e eu alguns meses atrás,
estava óbvio que esses dois eram profissionais. Eles foram até Cecilia com
cuidado, mas para nossa surpresa, nossa amiga tímida e quieta começou a
berrar.

“Pessoal! Não me abandonem!” Ela chorou e começou a se arrastar para longe.


“Por favor!”

O homem da direita zombou baixinho e balançou a cabeça. Ele andou para


frente, pisando na perna de Cecilia.
Cerrei os dentes enquanto Cecilia soltava um choro, mas dessa vez, Nico
parecia mais irritado do que eu. Seus olhos continham um ódio que fez até eu
ter medo.

Enquanto o homem que pediu por permissão para proceder permaneceu


alguns metros atrás, o perseguidor da direita se agachou e agarrou Cecilia pelo
casaco.

Ele pegou o dispositivo de comunicação em sua cintura e falou. “Nós temos


ela.”

Cecilia aproveitou completamente a oportunidade para se agarrar e implantar


sua luva no rosto do perseguidor.

Um grito estridente saiu da garganta de Cecilia. Como todas as vezes que ela
saía de controle, uma explosão de ki emergiu dela. Porém, parte de seu ki
desenfreado fluiu pelo seu braço até sua mão.

O perseguidor que tinha agarrado Cecilia não foi capaz de gritar já que seu
corpo estava tendo espasmos.

Uma poça foi formada no chão entre as pernas da vítima enquanto Cecilia se
soltou de seus braços.

Nico espremeu meu braço e corremos para a ação. Nico se jogou nas pernas
do perseguidor que não estava ferido enquanto eu fui em rumo de seu esterno.

Eu pensei que o flash de luz o desorientaria por tempo suficiente para


terminarmos essa luta rapidamente, mas ele se recuperou rápido o suficiente
para reagir ao nosso ataque.

Saindo do alcance de Nico, ele chutou meu amigo para longe enquanto ele
lançou seu braço direito para baixo.

Desviei de seu ataque e me aproximei para atacar sua garganta exposta, o


pegando de surpresa.

Confiante que acertaria o ataque eu cheguei perto, somente para ele inclinar
a cabeça e estender sua mão esquerda em direção ao meu pescoço numa
velocidade assustadora.

Eu me engasguei quando a mão gelada daquele homem apertava minha


garganta e me levantava do chão.

“Você tem potencial garoto.” Ele zombou, me trazendo para perto dele. “Uma
pena que você tenha que morrer aqui.”

Com menos de um braço de distância entre nós, eu fui capaz de ver o rosto do
homem pela primeira vez. Seu nariz e boca estavam cobertos por uma
máscara, mas não importava. Com seu olho esquerdo cicatrizado sendo
marrom e o direito verde, eu seria capaz de encontrar ele a quilômetros de
distância.

Minha visão estava escurecendo e eu podia sentir minha força deixar meu
corpo, mas apesar da situação eu lancei para o homem cujo olho tem duas
cores, um sorriso.

Orando para que não importa que ser superior me ajudasse, eu afundei a
ponta da seringa dentro do pescoço do homem.

“Que—” Ele engasgou, me soltando assim que caia no chão.

Sem tempo a perder, eu rapidamente acordei Nico que estava inconsciente e


ajudei Cecilia a se levantar.

“Nó-nós conseguimos.” Cecilia sussurrou enquanto se apoiava em mim. Suas


pernas tremiam, não pelo frio, mas por medo, e em suas bochechas desciam
lágrimas.

“Bom trabalho, vocês dois.” Nico murmurou fracamente enquanto colocava o


outro braço de Cecilia ao redor de seus ombros para apoiá-la.

“Sim, conseguimos.” Acenei com a cabeça. “Agora vamos. Precisamos sair


daqui antes que mais deles apareçam.”

“Seria melhor nos matar e correr para bem longe, pirralhos.”

Virei minha cabeça por cima do ombro para ver o cara de olhos com duas cores
se contorcendo no chão.

“Você não tem lugar algum para voltar.” Ele murmurou, sua voz falhando pelos
efeitos do líquido claro. “Tive certeza disso.”

“Vamos, Grey.” Nico apressou o passo, apertando seu braço ao redor de Cecilia
para mantê-la em pé.

Nenhum de nós falou nada enquanto andávamos até o orfanato. Até mesmo
as ruas estavam quietas exceto pelas sirenes distantes. Parecia que não
queríamos aceitar o que aconteceu conosco; que quase fomos mortos sem
motivo. Eu queria olhar para frente. Eu queria olhar pro fato de que estamos
indo pra escola na cidade em breve. Teríamos que comprar novos materiais,
mas tudo bem. Tudo ficaria bem assim que chegássemos no orfanato e a
Diretora Wilbeck nos levasse embora de Arcastead.

Cecilia conseguia andar por si própria após algumas esquinas, o que era uma
melhoria incrível já que ela ficaria inconsciente por horas após suas explosões
de ki.

“Obrigado pela ajuda.” Cecilia murmurou, quebrando o silêncio enquanto ela


timidamente entregou o que tinha sobrado da luva preta para Nico. A luva de
choque que meu amigo fez foi reduzida à um amontoado de lã pela explosão
de ki de Cecilia. “Me desculpe por sua luva.”

“Não se preocupe com isso.” Nico colocou os restos da luva dentro de sua
jaqueta esfarrapada e olhou para mim com um sorriso. “Pelo menos fui capaz
de ver do que ela era capaz graças a você. Grey foi completamente inútil.”

“Faça piada comigo o quanto quiser. Mas fui eu quem salvou vocês hoje.”
Regozijei, mostrando minha língua para Nico.

Inesperadamente, Nico respondeu seriamente. “Você está certo. Não ajudei em


nada naquela luta.”

“E-ei, eu só estava brincando.” Eu gaguejei, uma pontada de culpa apertou meu


peito.

“Nico, foi graças a sua luva que fomos capazes de escapar deles.” Cecilia
consolou.

“Sim!” Eu rapidamente concordei, andando na frente deles. “E eu aposto que


você vai aprender a fazer ferramentas e armas muito melhores após ir à
escola!”

A expressão de Nico clareou devido a nossas palavras. Tirando os restos da


luva de choque, ele as apertou com força com um fervor nos olhos.
“Precisamos de novos materiais primeiro. A diretora vai ficar furiosa!”

Cecilia soltou uma risada. “Ela pode até mesmo nos fazer voltar amanhã de
manhã para achá-los!”

Eu deixei os dois atrás de mim aproveitar o momento já que os dois


explodiram em risadas. As noites de verão eram mais quentes, mas parecia
diferente do normal. O ar estava seco com um cheiro de fumaça que só ficava
mais forte a cada momento… por quê?

Viramos a esquina para a rua em que nosso orfanato ficava, e encontrei minha
resposta.

Nico e Cecilia se aproximavam por trás, mas seus passos pareciam ecoar e suas
vozes abafadas devido ao som de sangue pulsando em meus ouvidos.

De repente, as palavras do homem com olhos marrom e verde ecoaram na


minha cabeça: “Você não tem casa para voltar.”

Eu fiquei imóvel quando meu olhar se fixou na visão do orfanato em chamas.


Carros de polícia, bombeiros e ambulâncias estavam amontoados em frente a
nossa casa.

Então eu a vi.
Sendo carregada em uma maca. Um paramédico havia coberto ela com uma
lona, cobrindo seu rosto, mas eu a vi. Eu vi a Diretora Wilbeck.

Eu corri, deixando Nico e Cecilia para trás. Eu desviei dos policiais que
protegiam o perímetro e empurrei os paramédicos.

As pessoas gritavam ao meu redor, mas eu não conseguia ouvir o que estavam
dizendo. Tudo o que eu ouvia era o sangue pulsando em meus ouvidos.

Eu tirei a lona que cobria a Diretora Wilbeck.

Sangue—muito sangue. Seus olhos estavam fechados.

Porque eles estão fechados?

Eu a sacudi. Ela precisava acordar.

Nico, Cecilia e eu fomos atacados por pessoas ruins, mas conseguimos fugir.
Tudo devia estar bem agora.

Eu a sacudi muito forte. Seu braço caiu mole da borda da maca. Seus olhos
continuavam fechados.

As palavras daquele homem ecoavam em minha cabeça mais uma vez como
ferro quente contra meu crânio. “Vocês não têm lugar algum para voltar.”

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

“Arthur!”

Meus olhos abriram enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto.

Tudo estava um pouco embaçado, mas eu podia dizer que eu estava no meu
quarto dentro do castelo. Minha respiração estava lenta e irregular enquanto
minha mão esquerda agarrava algo macio e quente.

“Arthur.” uma voz familiar e calma me chamou novamente.

Eu virei minha cabeça, piscando as lágrimas que se formavam em meus olhos


para longe.

Perto de mim, segurando minha mão, estava Tessia. Seus olhos estavam
vermelhos e havia lágrimas descendo pelos seus olhos também.

“Tessia?” Minha voz saiu um pouco seca e rouca. “Por que você está chorando?”

“Idiota.” Ela abafou sua risada, sorrindo enquanto lágrimas desciam pelas suas
bochechas. “Eu poderia te perguntar a mesma coisa.”

Capítulo 162
Interrupção

Meu olhar permaneceu sobre Tess. Ela estava sorrindo–gargalhando–tanto de


alívio quanto de vergonha enquanto enxugava as lágrimas.

Esta foi a primeira vez que vi a minha amiga de infância depois da cerimônia
em que me deram o título de Lança, mas fazia ainda mais tempo desde a última
vez que nos falamos.

Desde então, a princesa élfica mudou. Havia uma leve cicatriz ao longo de seu
couro cabeludo acima da orelha direita que teria passado despercebida se ela
não tivesse amarrado o cabelo. Cicatrizes de batalhas eram visíveis ao longo
de seus braços, enquanto o antebraço esquerdo tinha uma bandagem fresca
em volta dele.

“Você está ferida.” Eu observei, limpando gentilmente a linha de sangue que


vazava através de seu curativo.

Percebendo minha expressão sombria, ela agarrou minha mão cicatrizada com
ambas as mãos. “Oh, por favor, eu tenho mais lesões por tentar cozinhar do
que lutar de verdade.”

Eu soltei uma risada irônica com o pensamento. Eu não me afastei dela. Apesar
dos calos nas palmas das mãos e nos dedos, a mão dela era macia e quente
comparada à minha.

Tessia continuou a expressar sua preocupação, sacudindo a cabeça. “Você tem


alguma ideia de como eu estava com medo quando ouvi as notícias através do
meu capitão?”

“Seu capitão? Isso significa que você foi promovida a uma comandante?” Eu
perguntei, olhando para a expressão atordoada da princesa.

“Você é inacreditável. Seus pensamentos vão imediatamente para saber se fui


promovida a uma comandante? Você quase morreu Arthur!”

“Estou feliz que você esteja bem.” Eu disse com um sorriso.

Tess soltou um suspiro, apoiando a cabeça no meu braço. “Eu nem tenho
forças para discutir com você.”
Eu soltei uma risada, apertando a mão de Tess. O tempo pareceu desacelerar
por um breve momento enquanto nós dois ficamos assim em silêncio.

“Você tomou medidas tão cuidadosas para ter certeza que todo mundo estaria
seguro que eu nunca pensei em quão perigosa seria essa guerra pra você.”
Tess levantou a cabeça, olhando para mim com seus brilhantes olhos turquesa.
“Vendo você assim em uma cama cheia de ferimentos, é um lembrete frio de
que você é apenas humano e não um mago e guerreiro indestrutível.”

Eu ri. “É assim que eu pareço para você a maior parte do tempo? Alguma figura
indestrutível?”

“Com a maturidade emocional de uma criança.” Ela terminou com um largo


sorriso.

“Isso são modos de falar com um general?” Eu repreendi, tentando manter um


rosto sério enquanto ela lutava para fazer o mesmo.

“Minhas desculpas, General Arthur.” Ela respondeu, com uma risada em sua
voz.

De repente, a porta do meu quarto se abriu. Entrando abruptamente estava


Virion Eralith, o comandante de todo o exército Dicathen e seu filho Alduin
Eralith, seguido por sua esposa, minha irmã mais nova Eleanor, Sylvie e alguns
guardas. Atrás deles estava o urso de dois metros e meio de altura de Eleanor,
mastigando casualmente uma fatia de carne com desinteresse nos olhos
diante da mudança dos acontecimentos.

A sala ficou silenciosa mais uma vez. Os pais de Tessia e minha própria irmã
fingiram ignorar a situação, recusando-se a fazer contato visual conosco. Os
guardas arrastaram-se desajeitadamente enquanto Virion tossia
desconfortavelmente enquanto endireitava o roupão.

O comandante de Dicathen limpou a garganta, seu olhar vagava pela sala


enquanto tentava manter um comportamento digno.

“Vovô?” Tess exclamou estupefata.


“Eu vejo que você não gastou muito esforço mobiliando este quarto, Arthur.”
Observou ele, ainda incapaz de olhar em nossos olhos.

“Vocês estavam escutando?” O rosto de Tess estava vermelho como uma


beterraba enquanto ela levantava um dedo acusador para sua família.

Virion balançou um dedo em negação. “Claro que não, querida. Nós


simplesmente ouvimos o bem-estar de Arthur, um general estimado que havia
sido tragicamente…”

O comandante foi incapaz de terminar sua desculpa enquanto se esquivava de


um livro que Tess tinha pego da mesinha de cabeceira e jogado nele.

Eu soltei uma risada, sentando na minha cama enquanto meu olhar se fixava
em minha irmã desajeitadamente segurando meu vínculo.

‘Sua irmã estava esperando pacientemente você acordar.’ Sylvie informou.

Não fazia muito tempo desde que eu tinha visto a minha irmã pela última vez,
mas só agora eu parecia ter percebido o quão grande ela tinha ficado. Eu não
podia mais chamá-la de minha pequena irmã.

“Venha aqui, Ellie.” Eu disse suavemente.

O lábio inferior de minha irmãzinha tremeu quando lágrimas começaram a


inundar seu rosto. Deixando de lado o meu vínculo, ela correu para os meus
braços, quase me tirando o ar.

“Eu estava tão preocupada!” Ela disse com raiva, sua voz se quebrando em
soluços. “O que teria acontecido se você tivesse morrido?”

“Estou bem, El.” Eu persuadi enquanto seu rosto permanecia enterrado no meu
peito. Estendi a mão para acariciar o cabelo castanho da minha irmã quando
percebi que os ferimentos que eu tinha recebido da feiticeira ainda estavam
lá. Minha expressão escureceu com a visão da feia cicatriz vermelha que se
espalhou por toda a minha mão esquerda até o meu pulso como se a pele
tivesse sido queimada. A lesão diminuiu bastante e parecia como se tivesse
alguns anos de idade, graças às habilidades de Sylvie com Vivum, mas toda a
minha mão tinha adquirido um tom de rosa doentio.
Boo, o vínculo de Ellie, me encarou com um olhar desconfiado enquanto ele
roía um osso, mas me permitiu continuar abraçando sua mestra.

Sylvie casualmente pulou na minha cama e se enrolou ao meu lado. Ela não
disse nada, mas uma onda de alívio inundou meu vínculo.

Depois que o caos inicial diminuiu, Alduin e Merial tiveram que partir devido a
problemas com uma das cidades élficas no Norte. Minha irmã permaneceu um
monte de fungadas e soluços por algum tempo enquanto suas emoções
oscilavam de tristeza e culpa por todo o caminho para a raiva.

Esfregando as lágrimas de seus olhos, o olhar de Ellie pousou na minha mão


cheia de cicatrizes. “Como você pode se machucar assim?”

“Cicatrizes desaparecem.” Eu disse com um sorriso fraco, na esperança de


dispensar suas preocupações.

As aparências físicas nunca tinham sido de grande importância para mim, mas
ainda era um pouco estressante ver o quão ruim eram as marcas que meus
ferimentos haviam deixado para trás. Trabalhando com a coragem, saí
cuidadosamente da cama, certificando-me de que minhas pernas fossem
capazes de me carregar.

Ficar de pé sobre as minhas duas pernas sem a ajuda de mana era uma bênção
que eu sempre tinha dado como certa. Eu dei passos lentos e firmes em
direção ao espelho enquanto todos na sala observavam com apreensão.

Respirando fundo, olhei para cima para estudar meu reflexo e imediatamente
pude ver o preço que a batalha com a Retentora tinha feito no meu corpo.
Mesmo sem tirar meu robe, meu olhar imediatamente pousou no meu pescoço.
As mesmas cicatrizes vermelhas que cobriam minha mão e pulso foram
marcadas na minha garganta.

Desatando a banda na minha cintura, eu tirei meu robe, então eu estava


apenas vestindo minha roupa de baixo.

Uau, estou um caco.


‘Você poderia estar muito pior. Sylvie concordou, com sua costumeira falta de
fofura.

Cicatrizes de comprimentos variados estavam espalhadas por todo o meu


corpo tonificado, como lascas e rachaduras em uma estátua antiga,
desgastada pelo tempo e pelas forças da natureza. Mais das cicatrizes
vermelhas eram visíveis no meu ombro e nas minhas costas. As cicatrizes que
desciam pela minha cintura até os joelhos eram particularmente horríveis—
como se alguém tivesse rasgado as pernas peça por peça e costuradas
grosseiramente.

“Considere uma dádiva de Deus que você foi capaz de se recuperar até o estado
em que está agora.” Uma voz clara soou, me despertando dos meus
pensamentos.

Lançando um olhar de lado, avistei o Asura de três olhos, Aldir, entrando no


meu quarto.

“Mestre.” Cumprimentou Tess, levantando-se da cadeira. As bochechas da


minha amiga de infância estavam vermelhas quando ela desajeitadamente se
posicionou longe de mim.

Percebendo que era provavelmente a minha falta de roupa que a deixava


desconfortável, eu botei de volta meu roupão antes de cumprimentar o Asura.
“Aldir.”

“Arthur Leywin.” Ele assentiu antes de baixar a cabeça para Sylvie. “Lady
Sylvie.”

“O que você disse agora. O que você quis dizer?” Eu perguntei, me sentando
ao lado de Virion no sofá de couro.

Sentado em frente a nós ao lado de Tess, ele apontou o dedo em direção a um


anel no dedo esquerdo. “Você se lembra da pérola de elixir que Windsom lhe
dera há alguns anos? Aquela que você nunca usou?”

Depois de procurar dentro do meu anel de dimensão, não consegui encontrar


a pérola dourada que guardei para me ajudar a entrar no estágio do núcleo
branco. “O que aconteceu com ela?”
“É o que deu ao seu corpo a força para recuperar o estado em que você está
agora.” O Asura soltou um suspiro, endireitando o robe de lavanda. “Mesmo
com uma equipe de Inferiores especializada em artes mana médicas,
juntamente com Lady Sylvie usando suas artes de éter—embora
inexperientes—ainda foram necessários os efeitos do poderoso elixir para
curá-lo.”

“Eu estou supondo que você ou o Windsom não estão autorizados a me dar
outro elixir, certo?” Eu perguntei esperançoso.

O Asura de três olhos balançou a cabeça. “Desde que a guerra começou, não
podemos arriscar que o tratado seja quebrado.”

“Droga.” Eu amaldiçoei, inclinando a cabeça para trás no sofá.

“Desculpe te chutar enquanto você já está pra baixo, mas eu acho que você
ainda pode querer isso.” Virion entrou na conversa, tirando a Canção do
Amanhecer de seu anel de dimensão. “Eu fui capaz de retirar sua espada do
cadáver da Retentora.”

Meu coração afundou quando me foi entregue a espada uma vez


impressionante. A lâmina translúcida da Canção do Amanhecer tinha
entorpecido enquanto sua ponta fora derretida pelas habilidades corrosivas
da Retentora, jogando fora o delicado equilíbrio da espada.

Embainhando-a na bainha que eu carregava dentro do meu anel, olhei para a


palma da mão direita. Wren havia embutido uma pedra que ele próprio refinou
chamada de Aclorita, que deveria se transformar em uma arma especial.

Agora seria um ótimo momento para uma nova arma, pensei na minha mão.

‘Arthur.’ A voz de Sylvie soou. ‘Eu disse a Aldir alguns dos eventos que
ocorreram, mas eu acho que seria melhor se você conversasse em detalhes
sobre isso com ele e Virion.’

Certo.
Lentamente me levantando do meu lugar, eu caminhei até a minha irmãzinha
que ficou em silêncio o tempo todo. “Ellie. Você pode esperar por mim lá fora
enquanto eu falo sobre algumas coisas?”

Levantando uma sobrancelha cética, ela respondeu: “Só se você prometer não
sair sem ao menos dizer adeus.”

Coçando minha bochecha, soltei uma risada irônica. “Eu prometo.”

“Tudo bem.” Ela se levantou de seu assento e caminhou em direção à porta


antes de olhar por cima do ombro com uma expressão orgulhosa. “Eu queria
mostrar a você o que tenho trabalhado.”

“Oh?” Eu levantei uma sobrancelha, pensando que ela estava se referindo a


um feitiço que ela estava praticando. “Eu mal posso esperar!”

Depois que minha irmã fechou a porta atrás dela, os únicos que ficaram dentro
do meu quarto eram o atual comandante de Dicathen, um Asura, meu vinculo
e Tessia.

“Deixe-me lhe falar sobre que aconteceu desde a batalha com o Retentor.”
Comecei.

“Espere. Vamos convocar uma reunião oficial com o resto do Conselho.”


Interrompeu Virion, levantando-se.

“Não. Eu quero que isso seja ouvido apenas pelos seus ouvidos. O que você
escolhe fazer com esta informação, depende apenas de você.”

Tess levantou a mão tímida. “Eu devo sair?”

“Tudo bem.” Eu balancei a cabeça. “Antes de começar, quero apenas saber uma
coisa.”

“E o que seria?” Aldir respondeu, tomando nota de que meu olhar estava
direcionado a ele.

“Quem tem controle sobre a Mica Earthborn e Alfred Warned, as duas Lanças
dos anões—você, ou Rahdeas?”
O único olho roxo do Asura que estava aberto se estreitou em pensamentos
enquanto ele continuava me encarando. “Eu ainda estou atualmente no
controle sobre as duas lanças. Por que você pergunta?”

Levou mais tempo do que eu esperava para discutir sobre os eventos que se
seguiram após a batalha com a Retentora.

Como esperado, Virion e Tessia ficaram perplexos com a evidente traição dos
anões. A expressão de Aldir permaneceu firme; se ele ficou surpreso, ele fez
um trabalho perfeito escondendo isso.

No entanto, apesar da surpresa inicial, Virion se recuperou rapidamente. “Se


os anões realmente se aliaram com o exército alacryano, então será muito
mais difícil evitar que as batalhas cheguem às cidades civis. Você foi capaz de
discernir se era apenas uma facção separada de anões ou se era mais em larga
escala do que isso?”

“Eu não posso dizer com certeza, sem obter algumas respostas de Rahdeas.”
Eu disse com os dentes cerrados, lamentando sobre as circunstâncias que
envolviam o ex-guardião de Elijah.

“A notícia de uma Foice aparecendo é preocupante.” Acrescentou Aldir. “Se ela


pretende causar estragos com seu Retentor ao seu lado, bem como toda uma
divisão de tropas, então isso não é algo que uma ou duas Lanças possam
enfrentar, mesmo com um exército apoiando-as.”

“É por isso que preciso saber de quem é a lealdade das duas Lanças dos
anões.” Respondi. “Uma batalha em larga escala está se aproximando e eu não
quero nenhum obstáculo imprevisto.”

Capítulo 163
De lança para irmão

Deixando Sylvie no meu quarto para descansar, eu me aventurei pelos


corredores iluminados do castelo. Olhando para os meus pés enquanto dava
passos cuidadosos, foi a primeira vez que notei os padrões vibrantes do tapete
grosso nos corredores residenciais superiores. Foi uma coisa engraçada de se
notar; Eu ultimamente estive com tanta pressa e sempre tive um objetivo que
nunca olhei para baixo para apreciar as sutilezas ao meu redor.
Não demorei muito para encontrar Ellie, que estava sentada perto de uma
grande janela, olhando para o mar de nuvens enquanto acariciava o grosso
pelo de seu vínculo. Boo abriu um olho, sentindo a minha presença, mas voltou
para a soneca depois de ver que era eu.

“Posso me juntar a você?”, Perguntei.

“Você não precisa perguntar.” Ela sorriu fracamente, olhando para mim antes
de olhar para o céu azul mais uma vez.

Me sentei ao lado dela no chão, admirando o brilho das nuvens ondulantes e


o brilho dos raios de sol acima. Eu podia ver a ponta de uma montanha ao
longe, mas, além disso, apenas uma extensão infinita de branco e azul.

“Você sente falta deles?” Ellie falou em uma voz suave. “Mamãe e papai.”

“Não tanto quanto eu deveria” Eu admiti. “Eu me preocupo com eles, sei que
eles estão seguros lá fora, mas muitas coisas estão acontecendo.”

Houve um momento de silêncio enquanto minha irmã simplesmente


continuava acariciando seu vínculo.

“Você sabe, há muitos adultos e crianças que vêm até mim dizendo quão
sortuda e afortunada eu sou por ter um irmão como você. Os que não têm
inveja de mim têm ciúmes de você; você é uma Lança, é talentoso em magia e
luta e tem o reconhecimento de todos os líderes desse continente. Você sabe,
alguns até dizem que você pode se tornar um dos próximos líderes quando
ficar mais velho.” Minha irmã soltou uma zombaria. “Mas é engraçado. Eu
nunca te disse isso, mas houve um tempo em que te odiei. Senti que era por
sua causa que minha vida agora era assim. Eu te culpei por mamãe e papai se
sentirem como se também precisassem ajudar na guerra, e te culpei por não
poder ter uma vida regular na escola com salas de aula e um monte de
amigos.”

Minha irmã estava olhando para longe de mim quando ela virou o corpo para
Boo, mas eu podia ver a mão acariciando seu vínculo tremendo enquanto seus
ombros tremiam. “Ellie…”

“Mas o engraçado é que eu não te culpo mais. Como posso culpá-lo quando
sua vida era pior que a minha? A maioria das lembranças que tenho de você
foi entrando e saindo de casa, cheio de ferimentos, com histórias
inacreditáveis de como você enfrentou esse ou aquele monstro. Foi muito
divertido e maravilhoso ouvir isso na época – achei que você era tão legal e
forte – mas sinto que agora posso entender melhor. As coisas que você teve
que desistir para chegar onde está hoje…”

Minha irmã apressadamente enxugou os olhos com as mangas e se virou para


mim com os olhos vermelhos e um largo sorriso forçado.
Eu estendi a mão para ela, mas ela pegou minha mão e a apertou antes de se
levantar. “Uau! Agora que tirei isso do meu peito, vamos! Eu quero te mostrar
algo.”

“O que é tudo isso?” Perguntei quando chegamos ao terraço ao ar livre do


castelo.

Meu olhar varreu as dezenas de tábuas de madeira penduradas em vários


galhos de árvores. Enquanto havia flechas se projetando das tábuas, havia
mais no chão e ao redor dos troncos das árvores.

“No que eu tenho trabalhado!” Minha irmã proclamou orgulhosamente como


seu vínculo enrolado no chão ao lado dela com um bocejo distante. Ellie estava
anormalmente animada depois da nossa conversa na janela, como se estivesse
tentando esquecer.

Tentando não pensar muito sobre o comportamento inconsistente de minha


irmã, observei enquanto ela pegava um arco curto de aspecto peculiar
encostado em um pilar e uma flecha perdida próxima com a ponta enterrada
na grama.

Levantando o arco flexível e posicionando a flecha presa ao nível dos olhos,


ela segurou a respiração ainda trêmula e levou um momento para mirar antes
de soltar a corda.

A flecha fina assobiava enquanto cortava o ar, se curvando ligeiramente em


torno de uma tábua e acertando um alvo de madeira diferente atrás dela.

Genuinamente impressionado, eu aplaudi minha irmã, mas ela levantou a mão


e balançou a cabeça. “Agora, veja isso.”

Levantando o arco mais uma vez, ela murmurou um breve canto. A ponta de
seu dedo indicador que estava segurando o arco começou a emitir um brilho
suave e quando minha irmã lentamente puxou a corda para trás, a mana se
transformou em uma fina e brilhante flecha.

Eu permaneci em silêncio, metade por foco, metade por surpresa, enquanto


Ellie disparava a flecha de mana em um alvo próximo. A flecha emitia um
zumbido suave ao invés de um assobio agudo enquanto se aproximava
apressadamente de seu alvo, mas antes que fosse capaz de alcançar a
prancha, a flecha se dissipou.

Deixando escapar um suspiro, os ombros da minha irmã afundaram. “Eu juro


que consegui alcançar o alvo há alguns dias.”

“Isso foi incrível!” Exclamei.

“Porém eu falhei.” Ela respondeu desapontada.


“Você tem apenas doze anos, Ellie! A maioria das crianças da sua idade mal
consegue conjurar uma bola de mana e muito menos atirar tão longe.” Eu disse
com minha voz ainda cheia de entusiasmo.

Minha irmã ficou em silêncio por um momento enquanto ela distraidamente


olhava para o arco.

“Você não está feliz que seu querido irmão está impressionado depois de tudo
isso praticando?” Uma voz soou por trás.

Olhei por cima do ombro para ver uma dupla bastante estranha saindo para o
terraço: Emily Watsken e Helen Shard.

“Surpreso, General?” Helen sorriu, percebendo minha confusão.

Enquanto era razoável que Emily entrasse e saísse do castelo desde que ela
era a aprendiz sob Gideon, vê-la com o líder dos Chifres Gêmeos e a cabeça
atual de um grande pelotão de soldados me deixou confuso por um instante.

No entanto, com o arco peculiar na mão de Ellie e sua habilidade repentina no


arco e flecha, eu só poderia colocar dois e dois juntos.

“Eu não vou negar isso.” Respondi de volta com um sorriso.

“Você parece ter passado por muita coisa.” Emily notou meus ferimentos.

“Apenas como qualquer outro soldado lá fora.” Eu dei de ombros.

Depois que Ellie e eu cumprimentamos as duas amigas, conversamos em torno


da mesa redonda do pátio. Nós discutimos como minha irmã estava se
esforçando na manipulação de mana apesar do despertar ainda jovem.

“Você está tendo dificuldades?” Perguntei à minha irmã. “Por que você não me
contou? Eu poderia ter ajudado.”

“Você é um general agora, e mesmo antes disso, você estava sempre ocupado.
Eu não queria te incomodar com isso. Além disso, mamãe e papai estavam me
ajudando antes de saírem.”

Minha irmã tentou soar alegre, mas o tênue tom soturno em sua voz, junto com
nossa conversa anterior, fez meu peito doer.

“Eu parei por um dia para dar uma olhada nela depois de terminar uma volta
pela dungeon e ela me pediu ajuda.” Helen entrou na conversa, tentando
levantar o humor. “Eu não sou uma maga, então eu não poderia exatamente
ajudá-la, então pedi ao artífice, Gideon, para fazer alguns testes nela. Ele
penhorou o que ele chamou de ‘uma tarefa’ para Emily aqui, e foi quando
descobrimos sobre seu pequeno dom.”
Eleanor soltou uma risada tímida enquanto esfregava a cabeça. “Eu não
chamaria isso de dom.”

“Que dom?” Eu exigi, minha curiosidade crescia.

“Eu acho que vai ser mais fácil para você apenas mostrar para o seu irmão
impaciente, Ellie”, Helen riu.

“Tudo bem.” Ela concordou. Erguendo a mão, concentrou-se no centro da


palma da mão quando um fraco orbe de mana se manifestou. Embora não
houvesse atributos, o orbe puro de mana começou a mudar lentamente de
forma até que sua forma, uma vez esférica, se transformou em uma estrela de
sete pontas.

“Veja, depois que eu avaliei Eleanor,” Emily enfatizou sua participação


enquanto se inclinava para frente, “percebi que ela levava jeito para moldar
mana em formas detalhadas. Normalmente, se você pode fazer uma bola de
fogo em um cubo de fogo não importa realmente, mas se você é capaz de
conjurar o corpo de uma flecha com uma ponta em particular, então você pode
potencialmente ter um arsenal infinito de flechas que inimigos não serão
capazes de prever.”

“Bem, a solução para as flechas foi minha ideia.” Acrescentou a líder dos
Chifres Gêmeos.

“Tudo bem, pare de brigar.” Eu cortei.

Minha irmã soltou uma risadinha. “Ambas foram de grande ajuda! Helen tem
sido muito rigorosa, mas útil em me ensinar tiro com arco e Emily me fez esse
arco como uma ferramenta de treinamento.”

“Essa sou eu te ajudando.” Helen respondeu com um sorriso. Ela se virou para
mim. “Eu estive dentro e fora do castelo, então ela está aprendendo sozinha,
mas seu crescimento é realmente muito assustador. É como se fosse um dom
da família Leywin.”

Limpando a garganta para chamar nossa atenção, a artífice sardenta ajustou


os óculos, depois explicou o mecanismo do arco que ela havia personalizado
especificamente para minha irmã. “O arco ainda está em fase de testes, e
requer certa dose de delicadeza, mas, como Helen disse, sua irmã pega o jeito
assustadoramente rápido.”

“Eu ainda tenho um longo caminho a percorrer.” Ellie rebateu.

Olhando atentamente agora, notei os calos e as bolhas frescas em seus dedos


e palmas, provas de seu esforço.

“Obrigado, a vocês duas por ajudar minha irmã assim.” Eu me virei para a
minha irmãzinha, despenteando o cabelo dela. “E eu sinto muito por não ter
estado lá para você.”
“Como eu disse, eu não culpo você. Você está apenas fazendo o que precisa.”
Ela encolheu os ombros. “Além disso, Helen me disse que mamãe e papai estão
longe de batalhas, então eu não estou muito preocupada com eles, mas eu sou
apenas grata quando você volta em um só pedaço.”

Meu coração foi sacudido mais uma vez pela culpa, e entendi porque ela disse
que me culpou por nossos pais participarem da guerra. É por isso que eles
foram embora, eles não queriam apenas sentar em segurança e esperar
enquanto rezavam para não ouvirem notícias da minha morte.

“Eu sinto muito por sempre preocupar você.” Eu disse suavemente, incapaz de
fazer qualquer outra coisa além de pedir desculpas.

O olhar de Ellie estava fixo nas cicatrizes ao redor da minha garganta, mas ela
não disse nada, e de certa forma, isso me doeu ainda mais.

Minha irmãzinha de fato cresceu muito mais rápido do que eu queria. A


inocência infantil e o egoísmo que ela já teve, foram embora.

“De qualquer maneira, o que você está fazendo aqui de volta no castelo tão
cedo, Helen?” Minha irmã mudou de assunto.

“Ah, certo! Os comandantes e superiores foram chamados para o castelo para


uma grande festa hoje à noite.” Ela respondeu. “O real motivo para o evento
era para ser um segredo, mas já havia vazado, aparentemente, um Retentor foi
derrotado!”

“Sério?” Os olhos de Emily se iluminaram. “Você acha que foi uma Lança?”

“Nada está confirmado, mas é provavelmente o mais certo! Tudo o que sei é
que o próprio Comandante Virion levou uma pequena equipe para recuperar
o corpo.” Respondeu Helen.

“As coisas estão melhorando então!” Minha irmã se animou. “Estou feliz.”

Passando o olhar de Helen para Emily, depois para minha irmã e voltando,
pensei por um segundo que elas estavam me provocando, mas depois de
alguns minutos apenas ouvindo elas, percebi que elas estavam seriamente
apenas fofocando. Eles realmente não sabem quem matou o Retentor?

No entanto, pensando bem, cheguei ao castelo vários dias depois do corpo do


Retentor ter sido retirado. Havia uma equipe de médicos esperando minha
chegada, mas agora duvidava que tivessem sido informados do motivo dos
meus ferimentos.

“Espere, então uma comemoração estará acontecendo hoje à noite?” Eu


perguntei, desviando a conversa de volta ao seu caminho original.

“Sim, não é por isso que você está de volta ao castelo também?” Helen
respondeu com uma sobrancelha levantada.
Minha irmã respondeu em meu lugar. “Meu irmão teve que voltar porque se
machucou.”

“O que? Como? Onde? Você está bem?” Emily bombardeou.

“Eu apenas fui descuidado. Não é grande coisa.” Fiquei tentado a dizer-lhes a
verdade, especialmente minha irmã, mas achei que Virion tinha uma razão
para manter tudo isso em segredo.

“Foi uma grande coisa!” Minha irmã beliscou meu lado. “Você ficou mais de um
dia inconsciente e, mesmo assim, ainda tem essas cicatrizes.”

Estremecendo quando ela torceu minha pele ainda mais, pedi desculpas mais
uma vez para minha irmã, assegurando-lhe que eu não iria cometer o mesmo
“erro” novamente. O assunto da conversa mudou, mas para o resto da nossa
pequena reunião durante a tarde, Helen me olhou com olhos duvidosos.

Voltando para o meu quarto, fui saudado pelo meu vínculo. ‘Como foi passar
tempo com sua irmã?’

“Ellie está crescida agora”, eu suspirei.

‘Você faz isso soar como se fosse algo ruim.’ Respondeu Sylvie.

“Sabedoria e maturidade decorrem de duras circunstâncias difíceis, é uma


coisa dolorosa de se ver como um irmão mais velho. Mas pelo menos consegui
alcançá-la e aprender um pouco mais sobre o que está acontecendo em sua
vida. Você sabia que ela está aprendendo tiro com arco de Helen? Ela e Emily
ainda vieram com essa nova prática de combinar conjuração com arco e flecha
para Ellie!”

Sylvie soltou pequenas lufadas de ar da narina dela, e foi só depois de um


segundo que percebi que ela estava rindo. ‘Eu não te via tão excitado há
tempo.’

“Isso não é verdade”, eu rebati.

‘Oh?’ Sylvie levantou a cabeça, olhando para mim da cama. ‘Diga isso aos seus
lábios sorridentes.’

“Xiu!” Eu descartei. Apesar das palavras pesadas de minha irmã, era agradável
passar um tempo com ela. “Como você está se sentindo?”

‘Lenta, pesada, sonolenta e fraca.’ Ela mandou, enrolando-se de volta em uma


bola. ‘É como ser um filhote de novo.’

“Bem, supostamente há esse grande evento acontecendo mais tarde hoje à


noite. Você gostaria de ir?” Perguntei.
‘Eu passo.’ Ela respondeu, sua voz se tornando apática. ‘Apenas me traga um
pouco de comida.’

Tomando um assento no sofá, eu soltei uma risada. “Eu vou pedir para as
empregadas trazerem um pouco.”

‘Certifique-se de que seja carne.’

“Vá dormir.”

Com o zumbido suave de Sylvie tornando o quarto frio e silencioso um pouco


mais calmo, eu levei algum tempo para resolver meus pensamentos.
Procurando no meu anel dimensional, peguei a Dawn’s Ballad, colocando-a
gentilmente na mesa de chá na minha frente.

Eu não pude impedir outro suspiro escapar dos meus lábios enquanto olhava
para o pobre estado da minha arma. Essa espada esteve ao meu lado por
quase cinco anos. Sem a necessidade de polir, afiar ou até mesmo limpar a
lâmina enquanto aguentava praticamente qualquer coisa, a Dawn’s Ballad foi
realmente um recurso valioso.

Estudando a espada, avaliei que, mesmo quando danificada, era melhor do


que qualquer outra espada que eu provavelmente encontraria.

Eu não tinha ideia se e quando a arma que o Asura peculiar, Wren, implantou
em mim se manifestaria, então seria imprudente confiar em tê-la durante a
próxima batalha.

Meus pensamentos então mudaram para minha recente jornada para Darv. Eu
precisava ter certeza se Rahdeas era ou não o líder dessa conspiração, e se
sim, o que eu deveria fazer. Mesmo que o pai adotivo de Elijah não estivesse
no controle das duas Lanças dos Anões, de acordo com Alduin e Merial, ele
ainda tinha muito apoio dos cidadãos anões em geral. Junto com o fato de que
a insatisfação geral dos anões da família Glayder e dos humanos era profunda,
matá-lo significaria uma revolta em massa dos anões.

Eu não sabia quanto tempo tinha passado, mas como a sala já estava escura,
não demoraria muito até o evento.

“Arthur? Você está aí, certo? Eu estou entrando!” Com um estrondo alto, a porta
do meu quarto se abriu e uma multidão de empregadas e guardas entrou com
Virion logo atrás.

Eu não tive tempo para me preparar, ou mesmo reagir, enquanto os guardas


empurravam a mobília para o lado para dar espaço no centro, enquanto uma
horda de criadas começava a me despir.

O que mais me perturbou, no entanto, foi como me acostumei a ser jogado em


situações como esta. Devo chamar isso de Efeito Virion?
Virion se aproximou, já elegantemente vestido com um manto negro com
ornamentos prateados que acentuavam seu cabelo prateado amarrado atrás
dele. “Agora, você provavelmente está surpreso por-”

“Não.” Eu o interrompi. “O que é que você está planejando desta vez, meu
velho?”

Algumas empregadas ofegaram com a minha resposta grosseira, mas Virion


apenas acenou para que continuassem. “Eu vejo que invadir o seu quarto e
abruptamente ter uma equipe de empregadas tirando sua roupa não o coloca
no clima mais amistoso. Sem ofensas. Eu tomei a liberdade de organizar este
evento como uma espécie de ‘armadilha inofensiva’ para o nosso querido
Rahdeas, e você, meu futuro neto, terá o papel principal.”

Capítulo 164
Velho conhecido

PONTO DE VISTA DE TESSIA ERALITH

A figura parada na minha frente com a cabeça levemente inclinada e usando


um vestido luxuosamente decorado de preto cintilante. O tecido de seda subia
logo acima da base do pescoço, com sutis adornos adicionando um toque
feminino. As mangas cobriam o comprimento do braço com os mesmos
delicados babados nas pontas, enquanto o vestido caía no lado mais curto –
chegando logo abaixo dos meus joelhos.

Mechas de cabelo com cor metálica caíam de um lado em rodopios


perfeitamente organizados que contrastavam fortemente com a cor escura de
seu traje.

Depois de usar armaduras e estar coberta de sujeira nos últimos meses, eu


não conseguia acreditar que a pessoa em frente ao espelho era eu.

“Você está linda.” Minha mãe alternou o olhar entre mim e meu reflexo com
um sorriso caloroso no rosto. Olhando para ela sentada corretamente em uma
cadeira ao meu lado, no entanto, eu não pude deixar de perder a confiança,
mesmo no meu novo vestido.

Embora eu soubesse que ela era muito mais nova que meu pai, minha mãe
ainda deveria estar além de seu ápice. No entanto, seu brilhante cabelo
prateado ainda era exuberante, seus olhos azuis ainda radiantes e sua pele
ainda jovem e flexível. Ela e meu pai já tinham terminado de se preparar para
o evento, e ao contrário do meu vestido escuro, minha mãe usava um lindo
vestido rosa que fluía suavemente, enfatizando sua cintura fina e quadris
largos, mantendo uma elegância reservada.

Eu me estudei, virando para a esquerda e para a direita, para que pudesse ver
todos os ângulos enquanto uma equipe de empregadas acenava com opiniões
reservadas. “Eu não tenho tanta certeza sobre isso. O vestido é um pouco
sombrio, não é? Talvez eu deva usar algo um pouco mais brilhante?”

“Eu acho que o preto faz você parecer madura.” Ela respondeu. “O que vocês
acham meninas?”

“Eu concordo.” A empregada respondeu rapidamente. “Isto foi feito por um


famoso tecelão de seda na cidade de Kalberk, que projetou especificamente
para você, Lady Tessia. O laço e os enfeites adicionam um toque muito bonito,
enquanto a forma e a cor geral do vestido dão uma – perdoe minhas palavras
– aparência muito sensual.”

“Sensual?” Eu ponderei, virando para a esquerda e para a direita mais uma vez.

“Laylack, o designer, acredita que a roupa em si não deveria ser bonita. Em vez
disso, a roupa deve ressaltar e acentuar a beleza do usuário.” Acrescentou uma
jovem criada. “Eu acho que esse vestido faz um bom trabalho nesse aspecto.
Se eu não soubesse melhor, pensaria que seus cabelos e olhos estavam
realmente brilhando em contraste com o vestido.”

“Oh, por favor. Vocês, garotas, disseram a mesma coisa para mim quando vesti
minha armadura pela primeira vez! Eu não posso confiar em nenhuma de
vocês.” Argumentei incapaz de esconder o sorriso que surgia no meu rosto
amuado. Uma onda de risos encheu a sala enquanto as criadas completavam
apressadamente os últimos retoques.

Saindo do meu quarto, vi Stannard, Darvus e Caria conversando um com o


outro.

“Sua Majestade.” Os três enrijeceram ao ver minha mãe antes de cumprimentá-


la em uníssono.

“Sr. Berwick, o Sr. Clarell e Sra. Rede.” Minha mãe respondeu com um sorriso
suave antes de virar a cabeça para mim. “Tessia, vejo você lá em cima. Tenho
assuntos a tratar com seu pai e os outros membros do Conselho.”

Como o evento estava sendo realizado no andar mais alto do castelo, minha
mãe foi escoltada para a escada enquanto permanecemos no corredor com
dois guardas do castelo.

Meus três amigos e membros da equipe esperaram silenciosamente minha


mãe e suas criadas saírem antes de se voltarem para mim com sorrisos
insolentes.

“Você me parece muito bem, Princesa.” Darvus, vestido em um elegante terno


preto, me cutucou com o cotovelo quando fizemos o nosso caminho para as
escadas. Sua juba geralmente indisciplinada era penteada para trás com óleo,
enquanto a estrutura do traje fazia um bom trabalho de atenuar sua forma
corpulenta.
“Você está sendo bruto, Darvus.” Caria suspirou quando ela se virou para mim.
“Mas ele não está mentindo. Você está linda.”

Era óbvio que minha pequena amiga fez muito esforço para a ocasião, e valeu
a pena. Complementando sua aparência fofa e seu cabelo encaracolado
ondulava, havia um vestido verde que descia até o meio da coxa dela, um
comprimento que seria desaprovado pela geração mais velha se ela não
estivesse usando calças por baixo.

“Obrigado, mas eu não percebi o quão desconfortável eu ficaria com estas


roupas.”

“Pelo menos você fica bem em sua roupa.” Stannard reclamou por trás. “Eu
pareço um pássaro ornamental com esse traje.”

O resto de nós riu quando Standard agitou seu robe azul como se fossem asas.
Em vez de usar um terno como Darvus, Stannard escolheu usar um luxuoso
manto de feiticeiro, que parecia mais decorativo do que funcional.

“De qualquer forma,” eu voltei para Caria, que estava andando ao meu lado.
“Você está bem encantadora. Está tentando conseguir um dos meninos nobres
no evento?”

O rosto de Caria imediatamente avermelhou, mas ela tentou parecer calma


enquanto respondia. “P-por favor! A maioria dos nobres mais jovens presentes
provavelmente são herdeiros de suas famílias, o que significa uma coisa: eles
são super pretensiosos! Sério, eles se escondem em segurança para proteger
sua linhagem enquanto saboreiam vinho.”

“Meu irmão mais velho é um desses herdeiros de que você fala.” Respondeu
Darvus. “E você tem absoluta razão sobre ele.”

“Então talvez ajude Stannard a encontrar uma moça simpática para se acalmar
depois que a guerra acabar.” Acrescentei.

“Sim, por favor.” Ele acenou com a cabeça fervorosamente. “Eu gostaria muito
disso.”

“Ei! Por que você não me ajuda?” Reclamou Darvus.

“Shush!” Caria estendeu a mão e bateu no braço de seu amigo de infância. “Por
que a princesa de Elenoir apresentaria as pessoas a um pedaço de músculo
tão grosseiro?”

“Desculpe?” Darvus apertou seu coração como se tivesse sido esfaqueado.


“Depois que eu gentilmente convidei vocês dois… esse é o agradecimento que
eu recebo?”

“Tessia nos teria convidado mesmo se você não tivesse.” Retrucou Stannard.
“Não importa! Só vou aproveitar a oportunidade para ouvir o grande anúncio
e comer uma boa comida.” Disse Caria.

“Eu também estou curiosa para saber qual será o anúncio.” Eu disse.

“Seu avô nem lhe contou? Deve ser grande.” Disse Darvus com as sobrancelhas
erguidas.

Quando chegamos à escada, o tráfego havia parado por causa do grande


volume de pessoas tentando entrar, mas em meio a nossas brincadeiras
inúteis e conversas sobre missões recentes, o tempo passou rápido.

Diferentemente de alguns eventos passados realizados pelo Conselho, este


também estava aberto a nobres fora do castelo, então a grande escadaria
espiralada estava cheia de nobres, desacostumados a estarem apinhados em
lugares tão apertados, expressando em voz alta suas reclamações. Alguns
usaram a oportunidade de se gabar casualmente para seus pares sobre a
grande extensão de terra e riqueza que suas famílias tinham em um volume
não tão casual, na esperança de impressionar potenciais pretendentes nas
proximidades. Enquanto eu sentia alguns olhares em minha direção, poucos
nobres tiveram a audácia de tentar se aproximar de mim. Aqueles que fizeram
foram facilmente assustados pelos meus guardas.

Era evidente como Caria e Stannard estavam desconfortáveis no meio de


tantos nobres. Enquanto Caria teve alguma exposição desde que sua família
serviu a família de Darvus por gerações, Stannard veio de um contexto mais
humilde.

“Eu já estou cansado.” Resmungou Stannard quando era empurrado e puxado


pela multidão.

“Você acha que é ruim aqui, imagine como está lotado nos andares inferiores,
perto do portão de teletransporte.” Consolou Darvus.

Caria concordou. “Sim, ouvi dizer que há muitos nobres vindos de fora do
castelo, já que é a primeira vez desde que a guerra começou que o castelo está
aberto para pessoas além dos moradores.”

Avançando lentamente em direção ao andar de cima, não pude deixar de olhar


em volta de vez em quando, na esperança de talvez ver Arthur. As chances
eram de que ele ainda estivesse descansando ou ele viria mais tarde, mas
meus olhos pareciam inconscientemente procurar por uma cabeça de longos
cabelos ruivos.

Como se estivesse lendo minha mente, Caria perguntou: “A propósito, onde


está seu belo amante?”
“Ele não é meu amante!” Eu disse um pouco alto demais, virando a cabeça ao
nosso redor. “E ele se machucou recentemente, então acho que ele está
descansando… provavelmente.”

“O senhor Lança se machucou?” Darvus ofegou zombeteiramente. “Eu acho que


ele não é tão forte quanto eles dizem que ele é.”

“E mesmo assim ele chutou seu traseiro, não foi?” Stannard disse
inocentemente.

“Cale a boca!” Meu amigo corpulento respondeu antes de encarar Caria. “E ele
não é tão bonito. Com o cabelo comprido, aposto que as pessoas o confundem
com uma garota.”

“Aww, alguém está com ciúmes?” Caria sorriu. “Ouvi dizer que depois da
pequena aparição de Arthur na masmorra, havia muitas garotas caidinhas por
ele.”

“Parece que a nossa princesa agora tem que se defender dos Alacryanos,
bestas de mana mutantes e ainda da concorrência.” Stannard riu.

“Vocês sabem que eu posso rebaixar todos vocês agora, certo?” Eu ameacei.

Depois de meia hora subindo a escada, finalmente chegamos ao último andar


do castelo. Olhando para cima, eu – junto com todos que acabaram de sair da
escada – soltei um suspiro de espanto. Assim como o terraço do andar
residencial, o topo do castelo estava envolto em uma barreira transparente
em forma de cúpula, de modo que todo o local parecia estar ao ar livre.

O sol estava começando a se pôr, de modo que todo o castelo estava cercado
por uma extensão infinita de um magenta e laranja ardente. Orbes de luz
flutuavam acima de nós dentro da barreira em forma de cúpula, lançando
brilhos suaves. Com centenas de nobres elfos, humanos e anões, todos
vestidos meticulosamente, e uma orquestra tocando uma variedade de flautas
e instrumentos de cordas para preencher as lacunas nas conversas, subindo
para o andar de cima parecia como se eu tivesse sido transportado para uma
hipnotizante Terra das fadas.

Darvus soltou um longo assobio em apreciação enquanto o olhar de Stannard


passava de um lugar para outro maravilhado.

“É lindo.” Suspirou Caria.

“Ugh, eu vi minha família.” Darvus gemeu. “Caria, vamos lá. Vamos


cumprimentá-los agora e acabar logo com isso.”

Quando Caria foi impedida por seu amigo de infância, vi Emily, vestida com um
vestido amarelo brilhante que parecia ter algumas manchas, servindo-se de
uma bebida perto do palco vazio. A aprendiz de artífice parecia despreocupada
com os olhares de desprezo de um desgosto dos nobres próximos enquanto
casualmente terminava sua bebida de um só gole.

“Emily!” Stannard gritou antes que eu tivesse a chance de chamá-la.

“Ah! Pequeno Stannard! Princesa!” Emily cumprimentou, acenando com o copo


vazio.

Eu caí em uma gargalhada ao vê-la, sem consideração ou preocupação com a


aparência externa, correndo desajeitadamente enquanto ela levantava o
vestido.

Emily estava respirando pesadamente no momento em que ela chegou até nós.
“Finalmente, pessoas que conheço!”

“Eu não esperava ver você aqui.” Eu disse depois de cumprimentar minha
amiga com um abraço.

“Quem você acha que foi responsável por configurar todos esses artefatos de
iluminação?” Ela revirou os olhos.

“Você fez tudo isso?” Exclamou Stannard.

“Bem, certamente não foi meu mestre despreocupado e preguiçoso.” Ela


murmurou amargamente.

“É assim que você conseguiu essas manchas?” Eu ri.

Emily olhou para baixo e ofegou. “Ah não! Eu nem percebi isso! Deve ter sido
quando eu estava colocando mais fluido de condução de mana.

“Ei, Emily. Não é o seu mestre ali?” Stannard apontou para perto das mesas
onde, eis que o mestre artífice Gideon estava alternando entre morder uma
perna de galinha e beber um copo de vinho.

“Velho desgraçado.” Emily murmurou antes de pisar nele. “Mestre Gideon!”

O velho artífice engasgou com a perna de galinha que ele estava comendo no
alto clamor de Emily enquanto nós dois a seguíamos com a cabeça baixa de
vergonha.

“Seu velho morcego! Depois de deixar de lado todo o trabalho dizendo que
você estava se ‘sentindo mal’, você aparece aqui para beber e comer?” Emily
bufou, arrebatando a perna de galinha que Gideon estava tentando dar outra
mordida.

“Você precisa elevar tanto sua voz, querida aprendiz? Eu estou bem na sua
frente.” Gideon resmungou, tomando um gole do seu copo antes de perceber
a nossa existência. “Princesa Tessia, Stannard… prazer em ver vocês dois ainda
vivos. Isso é sempre bom.”
“Já faz um tempo.” Eu cumprimentei de volta enquanto Stannard se curvou
respeitosamente.

Emily soltou um suspiro derrotado quando ela devolveu a comida do seu


mestre. “Você geralmente não liga para esse tipo de evento. O que te traria
aqui além da comida e bebidas grátis?”

“Recebi uma tarefa bastante interessante do seu avô,” – ele olhou para mim –
“então estou apenas matando o tempo até então. Além disso, devo ver a
pessoa que ouso dizer que é mais inteligente do que eu em todo este
continente.”

“Tem alguém mais esperto que você, mestre Gideon?” perguntou Stannard,
genuinamente surpreso.

Enquanto isso, Emily se inclinou, os olhos brilhando de curiosidade. “O que é


essa tarefa?”

“O amante da princesa, Arthur.” Gideon suspirou maravilhado. “Cara, o que eu


daria para poder extrair todos os segredos da cabeça daquele menino.”

“O que. É. Essa. Tarefa.” Emily apertou o braço de seu mestre.

“Isso. É. Segredo.” Gideon zombou de volta, batendo nela antes de esfregar seu
braço.

O excêntrico velho artífice seguiu atrás de um mordomo segurando um prato


de comidas, enquanto Emily perseguiu seu mestre para tentar obter mais
informações.

Então você estará aqui. Um leve sorriso escapou dos meus lábios.

“Como isso é possível?” resmungou Stannard para si mesmo. “Não há como


Arthur ser mais esperto que o Mestre Gideon.”

“Se eu não conhecesse Arthur desde que éramos crianças, eu provavelmente


não acreditaria em Gideon também.” Eu consolava.

Quando comecei a seguir após Emily e seu mentor, meu olhar se dirigiu para
uma multidão reunida no topo da escadaria onde havíamos chegado.

Eu reconheci a cabeça saindo da multidão. Com o cabelo preto ainda dividido


ao meio e olhos afiados, suavizados por seus óculos grossos, era
inegavelmente o gerente do salão da guilda de Xyrus.

“Tessia?” Meu amigo de cabelos loiros gritou, tirando-me do meu torpor.

“S-sim? O que foi?”


“Eu só perguntei se você queria tentar procurar por Darvus e Caria.” Seus olhos
azuis pálidos alternavam entre mim e onde eu estava olhando.

“Você vai em frente.” Eu disse, já caminhando em direção à pequena multidão.


“Me encontro com vocês mais tarde.”

Empurrando de lado as pessoas reunidas, fui em direção ao homem familiar


quando meus olhos avistaram a garota da minha idade que ele e vários
guardas estavam protegendo da multidão.

“Claire!” Eu disse.

A ex-líder do comitê disciplinar, aquela cujo estado e paradeiro havia sido


mantido escondido pela família Bladeheart, estava em pé no centro onde os
nobres se reuniram.

“Princesa Tessia.” Kaspian Bladeheart, tio de Claire, cumprimentou.

“Já faz um tempo.” Eu reconheci.

“Tio, é um pouco sufocante aqui. Deixe-me tomar um pouco de ar fresco com


a princesa Tessia.” Disse Claire.

As sobrancelhas do gerente do Salão da Guilda, normalmente inexpressivas,


franziram-se em preocupação. “Mas-”

“Vai ficar tudo bem.” Ela deu ao seu tio um sorriso suave antes de me puxar
através da multidão.

Permaneci em silêncio enquanto fazíamos nosso caminho até a beira do


telhado do castelo, onde um pequeno conjunto de escadas conduzia a um
convés com vista para o céu.

Nenhuma de nós falou enquanto nos encostávamos ao corrimão. A mistura de


ruídos em torno do grande evento foi abafada pelo assobio do vento contra a
barreira que nos cercava.

“Você está ótima.” Eu finalmente disse.

Eu não estava mentindo. Claire era uma veterana que eu, junto com muitos
outros alunos, admiramos na escola – sempre brilhante e sem medo de
enfrentar desafios de frente. Ao vê-la hoje, vestida com um vestido de marfim
com um xale fino sobre os ombros, senti que um ar suave e calmo substituirá
sua aura normalmente viva e animada. Não foi só isso, no entanto. Eu não
conseguia dizer o que era, mas algo parecia diferente nela.

“Eu aprecio isso.” Ela soltou uma risada suave enquanto sorria levemente. “E
eu acho que você provavelmente já ouviu o suficiente sobre como você está
linda hoje à noite.”
“Principalmente por amigos e familiares.” Eu ri de volta. “Suas palavras são
mais obrigatórias do que qualquer outra coisa.”

Claire sorriu de volta, divertida, mas estava quieta entre nós mais uma vez
enquanto eu engolia as perguntas que eu, assim como vários nobres que
estavam reunidos em volta, queriam fazer.

“Ouvi dizer que você está liderando uma equipe em campo.” Disse ela.

“Sim. Embora seja relativamente recente”.

“Eu estou com ciúmes.” Ela continuou. “Você deve ter ficado muito mais forte.”

“Oh não, ainda tenho muito a aprender.” Respondi. “Eu ainda tenho que
controlar minha vontade da besta completamente e minha conjuração de
longo alcance está uma bagunça desde que eu me concentrei em melhorar
minha com a espada.”

“Entendo.” Ela balançou a cabeça.

“Eu não acho que eu já te disse isso, mas as técnicas dos Bladeheart
desempenharam um papel importante na modelagem da minha esgrima.” Eu
continuei. “Falando nisso…”

Percebendo minha hesitação, ela balançou a cabeça. “Eu ainda pratico com a
espada de vez em quando, mas não tanto quanto antes.”

“Suas feridas ainda estão…”

Ela balançou a cabeça. “Meus ferimentos de Xyrus estão na maior parte


curados.”

“Isso é ótimo!” Eu disse um pouco alto demais. “Você planeja participar da


guerra então?”

“Não.” Ela respondeu de forma seca.

“Oh.” Fiquei surpresa com a resposta de Claire. Ela sempre teve um forte senso
de justiça, o que foi uma grande parte do motivo pelo qual ela foi selecionada
como líder do comitê disciplinar. “Sua família não aprovou por causa do que
aconteceu na escola?”

“Não é isso.” Ela olhou para as estrelas que nos cercavam em cima.

“Eu não entendo,” Eu pressionei. “há poucos minutos, parecia que você queria
participar da guerra. E se sua família está bem com isso e seus ferimentos
melhoraram—”

“—Meus ferimentos físicos ficaram melhores.” Ela interrompeu, nivelando o


olhar comigo.
Ela começou a tirar as alças do vestido, pegando-me desprevenida. Ela se
virou, então ela estava de costas para mim, antes de abaixar o vestido para
revelar a grande cicatriz na parte inferior das costas.

Enquanto ela tinha outras cicatrizes de feridas passadas, nenhuma delas


comparou com a grande desfiguração ao lado de sua espinha. Levantando o
vestido, ela se virou para mim com sua expressão calejada. “Mas a única coisa
que os emissores e médicos não conseguiram consertar foi o meu núcleo de
mana.”

Minha mão subiu para a minha boca quando eu inadvertidamente soltei um


suspiro afiado. Eu agora percebi o que estava diferente na antiga líder do
comitê disciplinar. A coisa que eu não pude discernir. “En-então…”

Ela assentiu com a cabeça, com o rosto mascarado com uma expressão que
me dizia que ela havia aceitado isso há muito tempo. “Eu não posso mais usar
magia.”

Capítulo 165
Centro das Atenções

Apesar de passar uma grande parte da minha vida aprendendo a me comportar


adequadamente – o que dizer e como dizer em várias situações – eu ainda era
incapaz de reunir as palavras apropriadas para responder a Claire.

Eu só podia imaginar qualquer tipo de pedido de desculpas ou consolo saindo


como lamentável ou insensível, afinal de contas, como eu poderia ousar dizer
a ela que ‘tudo ficará bem’ depois de reclamar sobre a minha falta de
progresso em uma parte da vida dela que ela nunca mais conseguiria voltar,
quanto mais progredir?

Para minha surpresa, Claire deu uma risada suave.

“Sinto muito, é apenas sua expressão. Se eu não soubesse o contexto, teria


pensado que você tinha acabado de engolir um inseto ou algo assim.” Explicou
ela, notando minha confusão. “Não se preocupe. Eu realmente aceitei isso.”

“Mas ainda assim…” Eu murmurei.

“Está tudo bem.” Claire dispensou, sacudindo a cabeça. “Eu já disse isso ao
meu tio, mas planejo ajudar onde eu puder na Instituição da Espada
Bladeheart que minha família administra. Eu imaginei que treinar novos
soldados poderia ser minha maneira de ajudar nesta guerra.”

Eu não consegui responder. Foi ela quem quase morreu e agora era incapaz de
praticar magia, ainda assim foi ela quem tentou levantar o ânimo enquanto eu
estava aqui, desanimada.

“Claire!” Uma voz clara de repente explodiu por trás.


Nós dois observamos o filho mais velho da família Glayder e sua irmã no topo
da escada. Os olhos do príncipe Curtis estavam fixos em Claire, as
sobrancelhas franzidas de preocupação e frustração. A princesa Kathyln,
envolta em um vestido branco cintilante, embora conhecida por ser
inexpressiva, tinha os olhos vermelhos cheios de lágrimas, as mãos delicadas
e pálidas cerradas ao lado de seu corpo.

Antes que Claire pudesse dizer uma palavra, os dois correram e abraçaram sua
ex-líder.

“É bom ver vocês dois também.” Disse Claire, lutando para respirar.

O príncipe Curtis liberou Claire, sua expressão ainda uma mistura de


preocupação e raiva. “Você sabe o quão preocupados todos nós estávamos?
Você está aqui significa que está bem, certo?”

“O que aconteceu?” Kathyln acrescentou.

Sentei-me e observei os três conversarem. Claire contou a Curtis e Kathyln a


mesma história que ela me contou. Vendo seus rostos escurecerem, imaginei
que devo ter parecido muito com eles a pouco.

Assim como eu, Curtis congelou, incapaz de formar uma resposta depois que
Claire revelou sua incapacidade de manipular a mana. No entanto, para minha
surpresa, Kathyln falou.

“Você é muito forte.” Ela respondeu.

Ela ergueu o olhar aguado e olhou fixamente para a ex-líder. “Eu acho que ser
capaz de superar um obstáculo tão grande e seguir em frente com um sorriso
diz muito mais sobre você do que a cor de um núcleo de mana.”

Atordoada com suas poderosas palavras. Eu mudei meu olhar para ver que
Claire tinha endurecido com a resposta da princesa.

Lágrimas começaram a rolar por suas bochechas. “Hã?”

Surpresa com seu estado, Claire apressadamente enxugou-as com as palmas


das mãos, mas as lágrimas se recusaram a parar. “I-isso é embaraçoso. Eu não
posso acreditar que estou chorando agora.”

Meu peito latejava, observando-a chorar quando a Princesa Kathyln a abraçou


mais uma vez. Curtis se virou para mim e baixou a cabeça, mas os dois ficaram
em silêncio.

As fungadas de Claire logo se transformaram em risadas quando ela riu de seu


próprio estado. “Olhe para mim. Eu mal estava apresentável antes, e agora
estou chorando!”
“Para quem você está tentando ser apresentável?” Eu provoquei, tirando uma
risada dos três. Assim, o gelo derreteu e eu andei até eles.

“Princesa Tessia.” Curtis sorriu enquanto ele acenou educadamente. “Peço


desculpas por não a cumprimentar imediatamente.”

“Princesa Tessia.” Replicou Kathyln, baixando a cabeça.

“Não tem problema.” Eu sorri de volta. “E devemos ser capazes de agir de


forma um pouco mais confortável, considerando que já fomos colegas de
escola. Certo, Curtis, Kathyln?”

“Você está certa.” Curtis sorriu. “E sim, já faz um tempo, Tessia.”

“É bom ver você de novo.” Disse Kathyln com um sorriso tão fraco que eu quase
confundi com um leve espasmo.

Os três se acomodaram em torno de uma mesa de pátio próxima. Eu não estava


particularmente perto deles, mas nós quatro tínhamos um amigo em comum
que nos ajudou a nos unir rapidamente: Arthur.

Os três tinham muito a dizer sobre o meu amigo de infância e, em pouco


tempo, estávamos compartilhando as risadas sobre as histórias que o
envolviam.

“Ele sempre parece tão encorpado e maduro.” Claire riu. “E então eu o vejo
fazendo coisas estranhas, como brigar pela carne no prato com seu vínculo no
refeitório.”

“Me fale sobre isso. Eu o conheço há mais de uma década e eu ainda não posso
colocar o dedo no que ele está pensando.” Eu suspirei.

“Como era Arthur quando ele era mais jovem?” Perguntou Kathyln.

Eu tive que pensar por um momento antes de responder. “Eu me lembro dele
sendo muito mais frio. Ele mantinha distância de todos. Mesmo durante os
tempos em que rimos juntos e provocávamos um ao outro, sempre parecia
haver alguma restrição da parte dele. É claro que eu não tinha nenhuma pista
naquela época, mas olhando para trás agora, Arthur já percorreu um longo
caminho como uma pessoa decente.”

“Houve momentos em que eu estava realmente com ciúmes dele.” Curtis


admitiu, coçando a bochecha de vergonha.

“Ele é certamente alguém que a maioria dos caras ficaria com ciúmes quando
se trata de magia e luta, mas ele falha em outros aspectos.” Eu respondi.

“E quais aspectos podem ser?” Claire sorriu maliciosamente. “É talvez


conhecer o coração feminino?”
“Eu não tinha um aspecto específico em mente!” Eu desviei o olhar, esperando
que o céu noturno pudesse mascarar minhas bochechas em chamas.

Claire virou a cabeça para a princesa quieta. “Sua rival mais temível no amor
não pode sequer admitir seus sentimentos, Kathyln.”

“O que? Rival em amor?” exclamou Curtis, voltando-se para a irmã também.


“Quem? Arthur?”

O rosto pálido da princesa uma vez virou um tom tão brilhante de vermelho,
eu temi que ela pudesse desmaiar. “N-não. Quer dizer, isso não importa. Eu
acho que Arthur combina muito mais com a princesa Tessia.”

“Isso não pode!” Claire continuou a provocar. “Você não pode desistir sem
lutar.”

Curtis pulou, falando para sua irmã sobre como ela é muito nova para namorar,
enquanto Kathyln negou todas as acusações feitas por Claire, dando uma
olhada rápida para mim.

Eu sorri junto, mas também dei uma olhada na princesa sentada à minha
frente. Olhos grandes e escuros com longos e grossos cílios em um rosto tão
pequeno que você poderia cobrir com uma mão. Pele leitosa e um corpo tão
pequeno e delicado que até eu queria proteger. Além do fato de que ela era
uma feiticeira desviante extremamente talentosa, ela não tinha falhas.

Eu me pergunto se Arthur prefere o tipo fofo e reservado.

“Tessia?”

Saí do meu torpor ao som da voz de Curtis. “Ah, desculpe. Eu estava pensando
em outra coisa.”

“Está bem. Eu estava curioso para saber onde Arthur estava. Eu não o vi em
nenhum lugar por aqui.”

“Eu vi ele hoje de manhã.” Respondi. “Ele ainda estava se recuperando, então
eu não acho que ele viria para o evento, mas acontece que ele vai.”

“Arthur se machucou?” Kathyln deixou escapar, surpreendendo seu irmão e


Claire.

Eu assenti. “Ele está bem agora. Supostamente, foi um erro da parte dele, mas
sinto que eles não estão me contando tudo.”

“Arthur não é o tipo que comete um erro durante uma briga.” Observou Curtis.
“Eu me pergunto o que aconteceu.”
Claire soltou um suspiro profundo. “Você sabe… eu lentamente fui aceitando
a minha lesão, mas se há uma coisa que eu lamento, é ser incapaz de lutar ao
lado de Arthur durante esta guerra.”

“Também estou curioso para saber como ele seria. Se ele está como ele foi
durante o incidente na Xyrus, eu sei que valeria a pena.” Disse Curtis.

Memórias de quando os soldados e eu encontramos Arthur no topo da


montanha de cadáveres ainda enviavam arrepios pela espinha. Era uma parte
do Arthur que eu não me importaria de nunca mais ver.

Continuamos nossas conversas até que se tornou aparente pelo aumento


drástico no nível de ruído que algo estava acontecendo.

“Acho que já é hora de voltarmos ao saguão principal.” Claire sugeriu enquanto


se levantava. O resto de nós começou a segui-la até os degraus quando ela de
repente parou.

“O que há de errado?” Eu gritei enquanto ela estava rígida no topo da escada,


mas a minha preocupação tinha sido respondida no momento em que
chegamos a ela.

Vestindo um elegante conjunto de armadura composto apenas por uma


ombreira e caneleiras feitas de mithril estava a Lança Zero, Varay Aurae.
Tradições que datam de quando os receptores desses artefatos lendários
operam nas sombras os forçaram a serem referidos apenas por seus
codinomes.

Depois que esses receptores se tornaram públicos como Lanças, esses


‘codinomes’ raramente eram usados, mas eu sempre achei que eles eram
legais.

“Mestre.” Kathyln imediatamente se curvou.

“General Varay.” Eu cumprimentei.

“Boa noite.” Ela assentiu, trocando seu olhar de Kathyln para o irmão e de volta
para mim. “Estou aqui para acompanhar vocês três durante o evento. Claro, a
senhorita Bladeheart é bem-vinda para se juntar a nós.”

“Claire. Você está bem?” Eu perguntei, sacudindo-a gentilmente.

Dando um passo para trás, ela se virou para mim com um sorriso irônico. “S-
Sim, é só que, desde que eu não posso mais usar mana, a aura da General
Varay – mesmo suprimida – me paralisou por um segundo. Eu estou bem
agora.” Ela acrescentou apressadamente, vendo as expressões preocupadas
nos nossos três rostos.
Continuamos andando, mas meus pensamentos voltaram para Claire e todas
as coisas que ela agora era incapaz de fazer que todos nós tínhamos dado
como certo.

“Mesmo em um lugar como este, elas se destacam.” Uma voz murmurou a


poucos metros de distância, me afastando dos meus pensamentos.

“Você realmente tem que colocá-los em um padrão totalmente diferente.”


Sussurrou outra voz, desta vez mais perto. “E aqui eu pensei que as meninas
em Kalberk eram bonitas.”

“Você gosta daquelas senhoras primárias e adequadas?” Seu amigo


respondeu. “Ouvi dizer que as garotas de Blackbend estão mais ‘dispostas’, se
você sabe o que quero dizer.”

Seu amigo escondeu um riso atrás de um punho enluvado, mas imediatamente


petrificou quando percebeu que meus olhos estavam nele. Eu suprimi a
vontade de repreendê-los; Eu provavelmente teria feito isso em um volume
que todos pudessem ouvir no passado, mas isso não era nada novo nem
valeria a pena. Além disso, meu olhar parecia suficiente para calá-lo por
enquanto.

Errado será dizer que, andando ao lado do general Varay com Curtis, Kathyln
e a misteriosa filha da família Bladeheart que não tinha sido vista após o
incidente de Xyrus até agora, cabeças viravam para a esquerda e direita.
Olhando em volta, vi homens de famílias nobres cutucando seus
companheiros, tentando ser discretos da mesma forma que as garotas
tentavam ser discretas enquanto olhavam Curtis.

Eu tinha que admitir que, enquanto ele e Darvus usavam roupas muito
parecidas, os dois não poderiam parecer mais diferentes. Enquanto Darvus –
com o cabelo penteado para trás e o traje ornamentado com um pouco de
ouro demais – parecia mais um bandido malvestido do que um nobre, não
havia dúvida para ninguém aqui que Curtis era a realeza.

Andando pelo corredor cheio de nobres, eu fiquei grata por ter a General Varay
conosco. Mesmo os nobres mais ousados não se atreveram a avançar em nossa
direção com uma Lança ao nosso lado.

Claire se inclinou para mim. “Como vocês se acostumaram a receber tanta


atenção? É absolutamente estressante.”

Eu sorri e sussurrei de volta. “Só não tropece em seus próprios pés.”

“Ótimo.” Ela olhou para baixo. “Agora, estou consciente de meu próprio andar.”

Chegando perto da frente do palco, avistei meus pais junto com o resto do
Conselho sentado contra a parede quando o salão inteiro de repente
escureceu.
Suspiros de surpresa e murmúrios de confusão surgiram. Embora eu não tenha
conseguido melhorar minha visão como os fortalecedores, assimilar-me com
o Guardião de Elderwood melhorara muito meus sentidos a ponto de ver que
os membros do Conselho trocavam olhares confusos.

O barulho dentro do salão diminuiu lentamente, já que a maioria tinha


começado a assumir que isso fazia parte do evento, até que apenas o suave
movimento das roupas podia ser ouvido.

Passos ecoaram no topo do palco de madeira, criando ainda mais suspense


entre os convidados até que um artefato iluminado flutuando acima do palco
iluminou um pilar de luz no palco para revelar meu avô.

“Obrigado a todos por esperarem!” Sua voz aguda soou com autoridade,
evocando aplausos dos nobres, mas eu só pude suspirar de vergonha.

Todo mundo parecia amar a teatralidade, mas eu os achei brega. Meu avô, a
pessoa com maior autoridade em Dicathen durante esta guerra, certamente se
vestiu para o papel. Com um rico manto cor de vinho embelezado com enfeites
de ouro e joias negras reluzentes. Até o cabelo dele parecia brilhar como
pérolas – provavelmente com a ajuda da iluminação – enquanto ele
permanecia em pé com as mãos cruzadas atrás dele.

Depois que os aplausos cessaram, meu avô falou. “Primeiro, deixe-me pedir
desculpas a todos aqui. Eu sei que pouco foi dito sobre o propósito deste
evento. Isso foi feito intencionalmente – não por precaução e certamente não
por segurança. Não, isso foi feito para surpreender toda e qualquer pessoa
aqui hoje.”

Cabeças se viraram quando nobres se entreolharam em confusão, se


certificando de que haviam ouvido direito.

“Sim, todos vocês ouviram corretamente.” Ele riu. “Algumas notícias positivas
na forma de uma surpresa são algo que todos nós precisamos nestes tempos
difíceis.”

Murmúrios de concordância soaram daqueles em torno de nós.

“Então… como eu mantive todos vocês esperando o suficiente, permitam-me


apresentar a vocês nosso primeiro passo em direção à vitória nesta guerra!
Nós viemos hoje para elogiar o responsável por erradicar um poder central do
lado inimigo – um Retentor!” Meu avô deu um passo para o lado quando um
ruído zumbido ressoou por baixo. O palco se partiu ao meio enquanto uma
figura horripilante vestida em um túmulo de gelo era erguida.

Os nobres mais próximos do palco deram vários passos para trás com medo,
alguns dos mais fracos chegaram a tropeçar.
Caindo em um estado de estupor enquanto eu olhava para o Vritra, senti
alguém puxando meu braço. Olhando para trás, vi Claire mal conseguindo ficar
de pé quando seu rosto ficou mortalmente branco. “Claire?”

Eu rapidamente peguei minha amiga, mantendo-a em pé pela cintura. “Você


quer ir mais longe?”

“Não.” Ela balançou a cabeça. “Eu preciso ser capaz de suportar pelo menos
isso.”

Foi doloroso para mim ver alguém que uma vez eu admirei ser tão impotente,
mas deixei-a ficar e voltei-me para o palco. Para alguém ser capaz de emanar
uma aura tão nociva mesmo depois da morte, eu só podia imaginar o quão
forte deve ter sido.

Quando vi pela primeira vez que o Vritra tinha sido envolto em gelo, e de tal
forma que senti o frio de até onde eu estava, meu olhar inconscientemente
virou-se para a general Varay, mas ela parecia tão atordoada quanto todos os
outros na sala.

E o olhar dela não estava fixo no monstro desfigurado.

Olhei de volta para o palco e vi outra pessoa vindo de trás, escondida nas
sombras atrás da coluna de luz que brilhava no Retentor envolto em gelo.

E mesmo que eu devesse esperar algo assim depois de todos esses anos, eu
não esperava. Assim como a general Varay e todos os outros nesta sala, fiquei
atordoada quando Arthur entrou em cena para que todos pudessem ver.

Capítulo 166
Significado

Todos no salão prenderam a respiração, esperando silenciosamente que


Arthur falasse quando ele apareceu.

Ele ficou em pé sem palavras e examinou a galeria ao ar livre do alto do palco.


Cada pessoa presente parecia enraizar a imagem de Arthur em suas mentes no
momento em que ele alcançou os holofotes.

Eu tinha visto o meu amigo de infância apenas algumas horas antes, então
fiquei ainda mais atordoada com o quão diferente ele parecia comparado à
quando eu estava com ele naquela época. Seus longos cabelos ruivos estavam
presos frouxamente em um nó atrás da cabeça, unidos por um alfinete
ornamental. Em vez do habitual traje formal dos humanos, ele usava um robe
de seda como os elfos. No entanto, ao contrário do nosso traje tradicional, as
mangas soltas do seu manto mal passavam pelos cotovelos, revelando luvas
finas e justas que cobriam seus braços inteiros. Completando seu refinado
conjunto de roupas, havia uma rica pele de animal, branca como a neve, jogada
sobre um dos ombros.

Não fazia muito tempo desde que ele apareceu na frente do mundo, adornado
com uma armadura extravagante que deslumbrava todos que tinham vindo
assistir. No entanto, vendo-o lá dentro da coluna de luz em seu traje elegante,
ele não parecia apenas deslumbrante. Ele irradiava um outro mundo que eu
só senti quando vi o Mestre Aldir.

Distraída por sua transformação, só percebi quando Arthur virou a cabeça,


espiando profundamente o Tenente de Vritra envolto em gelo, que as
queimaduras vermelhas que marcaram seu pescoço não eram mais visíveis.

Ele se virou para nos encarar antes de falar, sua voz saindo baixa e firme.
“Exibir um cadáver como uma espécie de troféu ou lembrança para as massas
se embasbacar é algo que eu desaprovo profundamente, mas as pessoas que
participam deste evento hoje não fazem parte das massas. Cada nobre aqui
tem trabalhadores, civis e habitantes em suas terras que esperam
impacientemente notícias sobre esta guerra, e até agora, suposições vagas e
teorias infundadas eram as únicas coisas que vocês poderiam lhes dar.”

Arthur fez uma pausa, mas a multidão permaneceu em silêncio, esperando


fielmente que ele falasse de novo. “Nascido em um ambiente humilde,
consegui escalar para onde estou agora, graças à minha família e aos amigos
que conheci ao longo do caminho. Eu sou agora uma Lança, a mais nova, mas
não sou a mais forte. As Lanças lá fora, algumas que estão lutando batalhas
enquanto falamos, estão escalões acima de mim no poder, mas mesmo eu fui
capaz de derrotar um Retentor, um dos chamados “maiores poderes” do
exército Alacryano.”

Quando Arthur parou mais uma vez e os murmúrios animados começaram a


soar da multidão, percebi que essas interrupções em seu discurso eram
intencionais. Ele era um ano mais novo do que eu e, com sua formação, não
tinha sido ensinado nem preparado para coisas como discursos ou
complicações sociais, mas era capaz de utilizar cada respiração, palavra, pausa
e movimento para assumir o controle da multidão.

“Como vocês podem ver. Eu não sofri ferimentos da minha batalha com essa
força supostamente poderosa e estou saudável o suficiente para conversar
assim entre uma multidão de nobres.” Ele sorriu, provocando risos de todos
ao meu redor.

Colocando uma de suas mãos enluvadas no túmulo de gelo, ele desviou o olhar
para onde o Conselho estava sentado. “Este símbolo não é apenas a minha
oferta ao Conselho que me concedeu este papel, mas também um presente
qual espero que todos possam levar para casa e espalhar para o seu povo –
em sentido figurado, é claro.”
Aplausos e risadas irromperam depois que Arthur se curvou, sinalizando o fim
de seu discurso. Os artefatos de iluminação voltaram quando Arthur saiu do
palco e meu avô voltou.

“Por favor, sintam-se livres para dar uma olhada no Vritra, e espero que vocês
aproveitem o resto da noite.” Com isso, alguns guardas substituíram meu avô
no palco quando o Conselho chegou primeiro.

Enquanto eles tentavam esconder o seu espanto, era óbvio pela sua expressão
que realmente era a primeira vez deles vendo o cadáver também. Vi como
meus pais, assim como os pais de Curtis e Kathyln, estudavam o túmulo
congelado. Apenas o ancião anão chamado Rahdeas manteve distância, sua
expressão era sutilmente tensa.

“Princesa Tessia, gostaria que eu te levasse ao cadáver?” perguntou Varay com


um raro indício de antecipação em seus olhos aguçados.

Não querendo decepcionar a Lança, Curtis, Kathyln, Claire e eu a seguimos


para o palco onde mais e mais nobres começaram a cercar a Vritra congelada.

Chegando à frente das instalações onde os soldados estavam de guarda,


examinei o cadáver lá dentro. Foi difícil para mim olhar para o Vritra por muito
tempo. Em termos de atributos físicos, aquilo – ela – parecia humana, mas
olhando para as duas cavidades ocas onde seus olhos deveriam estar, me
encheu de um medo que não poderia ser bloqueado pela mana.

Vendo Varay olhar atentamente para todos os ângulos do Vritra com as mãos
movendo-se ao longo do túmulo de gelo enquanto Claire estudava o cadáver
incansavelmente, de repente me lembrei.

“Claire.” Eu gentilmente puxei sua manga. “Espere aqui mesmo! Deixe-me ir


buscar Arthur!”

“O que? Tessia, não-”

Ignorando Claire, eu rapidamente fiz meu caminho até a parte de trás do palco
atrás das cortinas.

“Esta área é proibida.” – uma guarda feminina estacionada atrás do palco


recuou alguns passos – “Princesa Tessia?”

Eu sorri, rapidamente inventando uma desculpa. “Meu avô está esperando que
eu me encontre com ele.”

A guarda desviou o olhar para a escada estreita ao lado dela. “O general Arthur
e o comandante Virion ordenaram que ninguém descesse estas escadas, nem
mesmo o resto do Conselho.” Respondeu ela, hesitante.

“Eu sei. Eles me disseram para não dizer ao Conselho que estou aqui também.”
Eu menti. “Agora, por favor, os dois estão me esperando.”
Ela pensou mais uma vez por um momento, mas se afastou com um aceno de
cabeça, fazendo sinal para eu descer.

Eu não agradeci a ela – isso seria suspeito. Eu apenas balancei a cabeça e desci
a escada que era larga o suficiente para apenas uma pessoa de cada vez.

A escada parecia espiralar indefinidamente. Se não fosse pelas pequenas


nuances em cada um dos designs dos artefatos iluminantes, eu pensaria que
havia algum tipo de mágica ilusória ali.

Eu silenciei meus passos com magia de vento enquanto descia mais a escada.
Eu sabia que o que estava fazendo era errado – mesmo que fosse apenas
Arthur e meu avô – mas eu estava curiosa demais para descobrir quais eram
esses assuntos importantes e por que eles precisavam até mantê-los em
segredo do Conselho.

Quando cheguei perto o suficiente para ouvir vozes fracas murmurando atrás
de portas fechadas, retirei minha magia antes de descer mais alguns passos.
Tanto o vovô quanto o Arthur eram incrivelmente sensíveis às flutuações de
mana, então, se eu quisesse espiar, teria que confiar apenas na minha audição.
Felizmente, por causa dos meus sentidos aprimorados após a assimilação da
minha besta, eu pude entender o que eles estavam dizendo, e pelo som, o
artífice Gideon estava lá também.

“Não se esforce, pirralho.” Meu avô grunhiu.

“Estou bem. Eu não precisei usar magia, então é apenas fadiga física mais do
que qualquer outra coisa.” Arthur respondeu, sua voz soando fraca comparada
com a forma como soava no palco. “Essa pasta no meu pescoço é bastante
sufocante.”

“Melhor não tocar ou a substância vai se desgastar mais rapidamente.” Gideon


murmurou. “Você não gostaria que suas cicatrizes aparecessem durante a
festa.”

Arthur soltou o que eu mal conseguia distinguir como um suspiro. “Certo, eu


ainda tenho que voltar lá.”

“Claro que você tem. Você é a estrela do evento.” Respondeu o avô. “Seu
discurso foi convincente o suficiente, por isso talvez não seja necessário que
você fique até o final.”

“Ótimo. Gideon, como foi a gravação?” Arthur perguntou.

“Foi um aborrecimento tentar capturar as imagens nos momentos exatos que


você especificou, pois ainda há um pequeno atraso entre o momento em que
eu aperto o gatilho e quando a foto é tirada – espere, deixe-me tomar nota
disso para que eu possa consertá-la.”

“Foque-se, Gideon.” Arthur estalou, sua voz impaciente.


“Eu sei que você acabou de ter suas pernas violentamente rasgadas em uma
bagunça e mal colocadas juntas, mas isso não é desculpa para ficar mal-
humorado comigo.” Gideon resmungou. “De qualquer forma, eu fui capaz de
capturar as imagens do rosto de Rahdeas quando Virion anunciou pela
primeira vez o Vritra, então quando Arthur apareceu pela primeira vez, e
quando Arthur disse que ele não sofreu nenhum ferimento.” Observou Gideon.

“Aqui, deixe-me ver isso.” Disse meu avô. “O que Rahdeas estava olhando
nessa foto?”

“Não o que, mas quem.” Arthur respondeu. “Ele está olhando para a general
Varay, que estava no meio da multidão. Sugeri ao pai de Tessia que tivéssemos
a Lança cuidando das crianças reais.”

“Então, Rahdeas pensou que a general Varay foi quem matou o Vritra?” Gideon
perguntou.

“Espere. É por isso que você congelou o cadáver do Rententor? Para fazê-lo
pensar que foi Varay?” Meu avô interrompeu com sua voz soando surpresa.

“Eu queria que ele pensasse que a Lança mais forte era responsável por matar
uma das forças mais fortes do exército Alacryano antes que fosse revelado que
eu o matei.” Explicou Arthur.

“Você sempre tem alguns truques na manga, não é?” Meu avô riu.

“Olhe para o rosto de Rahdeas quando viu pela primeira vez a Vritra subindo
envolto em gelo. Ele está surpreso e olha imediatamente em direção a Varay.”
O artífice apontou. “Então olhe para a imagem dele depois que Arthur aparece
e então quando ele anunciou como ele, a mais fraca das Lanças, tinha chutado
a bunda do Retentor sem sofrer uma lesão.”

“Há um choque e raiva.” Observou meu avô. “A maioria ficaria surpresa e


progressivamente se sentiria mais feliz ao saber que o suposto mais fraco
entre as Lanças é mais forte do que um dos núcleos do exército Alacryano.”

“Isso ainda não prova que Rahdeas está ajudando ativamente os Alacryanos,
mas isso nos dá uma boa ideia de sua posição sobre tudo isso.” Acrescentou
Arthur. “Saberemos com certeza na próxima batalha quando…”

A voz de Arthur sumiu. Eu não pude ouvir mais nada deles.

Lorde Rahdeas está ajudando os Alacryanos?

Eu precisava ouvir mais. O que Arthur estava planejando nessa próxima


batalha?

Eu desci mais alguns passos para chegar mais perto, mas eu ainda não
conseguia ouvi-los.
Que se dane. Eu sabia que era arriscado, mas decidi aproveitar a chance e
torcer para que o estado enfraquecido de Arthur me permitisse usar apenas
um pouquinho de magia quando uma onda repentina de mana irrompia de
baixo. Eu cobri meu rosto com meus braços por instinto.

“Então, nós tínhamos um pequeno rato.” Meu estômago afundou quando


percebi que a voz de Arthur estava a poucos centímetros de mim.

“Surpresa”, eu disse fracamente.

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN:

Eu sorri de volta para a minha amiga de infância enquanto ela tentava sorrir.
Virion, que seguia atrás de mim, soltou um suspiro quando percebeu que era
sua própria neta que estivera ouvindo.

“Você sabe, os meninos não gostam de garotas que bisbilhotam assim.” Gideon
riu.

O olhar de Tess cintilou para mim antes de desviar o olhar. “E-Eu não estava
bisbilhotando. Vim para cá para procurar Arthur e a guarda me deixou entrar
facilmente.”

“Sim, eu tenho certeza que a guarda deixou.” Virion respondeu antes de lançar
uma barreira em torno de nós quatro. “Agora, o quanto você ouviu?”

“O bastante.” Ela respondeu enquanto sua expressão se tornava séria. “O


Senhor Rahdeas realmente…”

“Ainda não temos certeza.” Interrompi. “É muito cedo para assumir ou agir com
base em qualquer informação que tenhamos coletado até agora.”

Seu olhar caiu, abatido. “Entendo.”

“Há mais alguma coisa que precisamos tratar, Virion?” Olhei por cima do meu
ombro para o velho elfo.

“Eu acho que nós abalamos Rahdeas o suficiente. Bom trabalho hoje,
moleque.” Virion respondeu com um aceno de cabeça.

Eu voltei para a minha amiga. “Então você gostaria de me acompanhar pelo


resto do evento?”

Ela foi surpreendida no início, mas seus lábios se curvaram em um sorriso


brilhante. “Claro!”

Subindo as escadas de volta, fomos recebidos por música animada e risadas,


juntamente com o tilintar frequente de vidro.
“O clima certamente se tornou festivo.” Eu notei quando Tessia causalmente
enganchou seu braço ao redor do meu.

“Se eu não fizer isso, todos os nobres de perto tentarão me pedir para dançar
ou bebermos algo juntos.” Ela explicou, olhando para o outro lado.

“Todos os nobres, hein?” Eu enfatizei. “Minha humilde amiga de infância


certamente se tornou confiante.”

Ela afirmou seu aperto em volta de mim, apertando meu braço enquanto
acenava para os nobres próximos que a cumprimentavam.

Incapaz de expressar minha dor com tantos olhos observando, eu me inclinei


casualmente em direção a ela, tirando seus dedos do meu braço enquanto eu
sussurrava: “A mesma velha Tessia, recorrendo à violência, eu vejo.”

“É porque só a violência parece funcionar em alguém tão lento quanto


você, general.” Ela respondeu com um sorriso fingido.

Enquanto caminhávamos pelo grande espaço aberto da festa, fui recebido à


esquerda e à direita por nobres de cidades distantes e, apesar de suas
travessuras infantis, Tess foi uma grande ajuda durante a noite. Ela apontou
para os convidados notáveis que eu deveria cumprimentar e compartilhar uma
bebida com e outros que ficariam muito satisfeitos com apenas uma saudação
sincera.

Enquanto eu tinha experiência em eventos como este em minha vida anterior,


eu sabia muito pouco da política envolvendo os três reinos. Tess, por outro
lado, sabia exatamente quem era importante e que tipo de personalidades
eles tinham. Sutilmente liderando a conversa e a tornando breve, certificando-
se de não os ofender, Tess facilitou minha noite.

Talvez a única desvantagem de ter ela ao meu lado fosse a ocasional encarada
e beliscar de pele sempre que ela me pegava enviando um sorriso para as
senhoritas próximas que me cumprimentavam.

Eu acho que a cortesia só deve ser estendida aos membros da sociedade fora
do alcance potencial de namoro.

“Irmão!” Ellie gritou da multidão.

Olhando em volta, avistei-a animadamente agitando o braço em meio a um


grupo de amigos. Mesmo a partir daqui eu podia ver o bracelete cintilante
embutido com o núcleo de besta rosa de uma Phoenix Wyrm que eu tinha
conseguido para ela e para mamãe. Acenando de volta, eu caminhei até eles
quando minha irmã inesperadamente colocou os braços em volta da minha
cintura.

“Ellie?” Eu disse, surpreso quando Tess riu ao meu lado.


“E-E-Ele realmente é seu irmão!” Uma menina com rabo de porco em um
vestido fofo gaguejou quando ela puxou a manga de Ellie.

“Meninas, eu gostaria que vocês conhecessem meu irmão e a Princesa Tessia.”


Ela anunciou, inflando o peito enquanto ela unia os braços ao redor do meu
outro braço.

“É uma honra, general Arthur! Princesa Tessia!” Uma garota de cabelos


encaracolados em um vestido branco excessivamente enfeitado
cumprimentou.

“Você foi tão legal lá em cima, general Arthur!” Exclamou outra garota,
aproximando-se de nós. “É verdade que você não sofreu nenhum dano quando
derrotou o Retentor?”

Olhando para os olhares cintilantes das garotinhas, de repente me senti


envergonhado.

“Embora ele pareça bonito e frágil, ele é um dos mais fortes magos de todos
em Dicathen.” Tess respondeu por mim.

“Você tem tanta sorte de tê-lo como seu irmão.” Uma menina pequena com
cabelo curto e um vestido bonitinho com babados suspirou. “Meu irmão mais
velho não foi capaz de entrar em Xyrus, então ele está indo para alguma
academia sem nome na cidade de Carn, enquanto meu pai enviou meu
segundo irmão para lutar na guerra depois de causar problemas com a filha
de outro nobre.”

Eu assisti em silêncio enquanto minha irmã voltava a fofocar com suas amigas.
Era um alívio vê-la sorrir ao invés de derramar lágrimas pelos meus ferimentos
e nossos pais estarem longe.

Dando à minha irmã outro abraço, Tess e eu nos afastamos de seu grupo.

“É engraçado como minha irmã sempre encontra a necessidade de me


apresentar a todos que ela conhece.” Sorri. “Mesmo em sua festa de sétimo
aniversário na Mansão Helstea, ela contou para todos os seus amiguinhos.”

“Ela só quer mostrar seu irmão mais velho.” Tess riu, segurando levemente o
meu braço. “Até meninas de sua idade gostam de fofocar e se gabar do que
têm e, para Ellie, seu único irmão é uma grande fonte de orgulho.”

“Bem, eu estou feliz que ela parece estar cercada por garotas.”

“Tenho certeza de que sua irmã é muito popular entre os garotos.” Provocou
Tessia.

Eu congelei, olhando de volta para minha irmã e suas amigas, apenas para ver
um pequeno grupo de meninos nobres se aproximando delas.
Tess puxou meu braço. “Venha agora, não seja autoritário.”

Meus olhos se voltaram para a parte de trás do local, onde um grande urso
marrom estava roendo um osso grosso. Sentindo meu olhar, o elo de minha
irmã me encarou com olhos inteligentes. Eu sacudi a cabeça, apontando para
Ellie e seu grupo.

Boo virou-se e, depois de notar o grupo de meninos, acenou com a cabeça uma
vez.

Eu assenti de volta.

Ele sabia o que tinha que ser feito.

“O que você está fazendo?”, Perguntou Tess.

Me virei e continuei andando a tempo de ouvir um grunhido alto e os gritos


assustados de garotinhos atrás de mim. “Nada.”

Depois de cumprimentar mais alguns nobres, me sentei em uma cadeira.


Minhas pernas estavam à beira de tremer, mas eu ainda estava feliz com o
quanto elas tinham curado.

Eu olhei para cima para ver Tess procurando por alguém, esticando o pescoço
enquanto ela andava na ponta dos pés para ver além da multidão.

“Espere aqui.” Ela desabafou, imediatamente saindo para a multidão. Depois


de algum tempo, eu a vi caminhando de volta com a general Varay ao seu lado
com um olhar abatido no rosto.

“General.” Eu cumprimentei, levantando do meu assento.

“General.” Ela repetiu, seus olhos me examinando.

“Eu sinto muito, Arthur.” Tess de repente se desculpou. “A general Varay disse
que ela foi embora. Ela não queria ver você.”

“Do que você está falando?” Respondi. “Quem não queria me ver?”

Tess soltou um suspiro. “Claire Bladeheart. Ela estava aqui hoje.”

Capítulo 167
A confiança para…

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

“Quantas tropas você precisa?” Rei Blaine perguntou quando todos nós
olhamos para o mapa detalhado espalhado pela mesa redonda.
“Três – não – duas divisões devem ser suficientes.” Respondi.

“General Arthur. A costa oeste é onde precisamos alocar a maioria de nossas


forças.” Rahdeas respondeu, colocando o dedo perto de Etistin e Telmore City.
“Enviar quase vinte mil soldados para o norte tornará essa área vulnerável
demais”.

“Eu tenho que concordar com o Ancião Rahdeas.” Acrescentou o rei Alduin. “Há
várias batalhas perto da costa que acontecem há dias. Retirar até mesmo uma
única divisão penderia a balança a favor do inimigo”.

Rainha Priscilla, rolou o pergaminho de transmissão que ela estava lendo.


“Ainda estamos evacuando civis de Telmore e Etistin. Se as forças na costa
forem retiradas, nossas tropas serão empurradas para trás e as batalhas
acontecerão nas cidades.”

“Comandante, talvez possamos mandar algumas tropas élficas estacionadas


perto da cidade de Asyphin até a beira da fronteira, mas duas divisões parecem
viáveis.” Avisou a rainha Merial, com as sobrancelhas franzidas de
preocupação.

Virion, sentado à minha frente, levantou o olhar para todas as Lanças em pé


atrás de seus respectivos detentores de artefatos. “Generais? O que vocês
acham?”

“A vaga suspeita do pirra— General Arthur, baseada em evidências do que ‘ele


viu’ não justifica o sacrifício de uma cidade ou duas.” O general Bairon quase
cuspiu.

“Deixando de lado o tom desagradável de Bairon, ele fez um bom argumento.”


Disse Mica, a Lança anã que não parecia mais velha que minha irmã. “Mover
essa quantidade de tropas algumas centenas de quilômetros, leva algum
tempo, mesmo com a ajuda de portões de teletransporte.”

“General Aya? General Varay? General Olfred?” perguntou Virion. “Vocês todos
concordam?”

O general Olfred, o mais velho entre as Lanças, assentiu. “É muito arriscado.”

“Desculpe, General.” A Lança élfica sussurrou ao meu lado antes de falar. “Eu
também concordo que não é sábio.”

Todos nós olhamos para Varay, a única outra Lança que eu não estaria
confiante em derrotar.

“Se a afirmação do General Arthur for verdadeira, seria a escolha certa enviar
tantas tropas – se não mais – para o norte.” Respondeu a Lança secamente.
Foi surpreendente ter o apoio da General Varay, mas funcionou contra mim
neste caso. No entanto, Virion aproveitou suas palavras para trazer a ideia que
eu realmente queria.

“A General Varay tem razão, se o que o General Arthur afirma ser verdade, as
tropas precisam ser enviadas. Afinal de contas, apenas um Retentor foi visto
desde o início da guerra – se um Retentor e uma Foice estivessem liderando o
próximo ataque, os danos seriam catastróficos e incomensuráveis.”

Todos concordaram com a cabeça.

“Portanto,” Virion fez uma pausa, deslocando os olhos de uma Lança para
outra “proponho que enviemos duas Lanças junto com o general Arthur ao
norte, para investigar se realmente haverá ou não um grande ataque liderado
por um Retentor e uma Foice.”

O resto dos membros do conselho imediatamente olharam uns para os outros,


esperando que alguém apresentasse uma razão contra isso.

“Comandante.” O Rei Blaine falou. “As Lanças são as figuras centrais das
divisões em batalha agora. Com eles desaparecidos por muito tempo, a moral
diminuirá e se um Retentor ou Foice aparecer em batalha…”

“Rei Glayder,” Virion interrompeu, seu olhar penetrante perfurando o rei


humano. “por que você acha que as Lanças se abstiveram de participar da
maioria das batalhas até agora?”

O rei ruivo permaneceu em silêncio.

“É bem simples. Não vale a pena.” Continuou Virion. “Feitiços destrutivos de


larga escala lançados por qualquer uma de nossas Lanças matariam não
apenas o exército deles, mas também o nosso. Mesmo se tivéssemos todos
recuando, este é o nosso lar. A terra será destruída e inabitável. Mesmo que as
Lanças retenham seu poder e ajudem os soldados no campo com a espada na
mão, ainda haverá baixas e mortes, além do risco de atrair os Retentores ou
as Foices dos Alacryanos.”

“Tenha sempre em mente enquanto luta, que nossos cidadãos têm que viver
nesta terra. O objetivo é vencer essa guerra, mas também preservar o máximo
possível de nossas cidades.” O olhar autoritário de Virion mudou de um rei ou
de uma rainha para outra, direcionando essa lição para todos os presentes
nesta sala. “Com isso dito, se enviar duas Lanças é o suficiente para evitar uma
batalha em larga escala com Foices e Retentores lutando do outro lado, então
eu diria que é um pequeno preço a pagar. Nossas tropas podem passar alguns
dias sem que seus líderes segurem suas mãos.”

Embora expressões de relutância fossem evidentes nos rostos dos líderes, eles
lentamente concordaram com a cabeça.
Virion juntou as mãos com um sorriso. “Bom, agora quais são as duas Lanças
acompanharão Arthur nessa investigação no norte?”

Uma mão fina subiu do outro lado da mesa. “Embora Lorde Aldir seja o
detentor do artefato para minhas duas Lanças, já que ele não está aqui, acho
que é seguro assumir que eu posso ser voluntário para enviá-las com Arthur.”

Eu resisti ao impulso de sorrir na mudança dos acontecimentos. Tudo estava


indo como eu havia planejado.

Virion também manteve a calma, parecendo estar ponderando a decisão de


Rahdeas.

“De fato! Já que Lorde Aldir não está presente, eu acho que é natural ter as
Lanças dos anões sob o comando do Ancião Rahdeas.” O Rei Blaine concordou.

“As batalhas estão ocorrendo em Sapin, então eu concordo que enviar o


General Olfred e a General Mica seria uma opção ideal.” Acrescentou a rainha
Merial.

Virion assentiu lentamente, como se quase relutasse. “Muito bem, o General


Olfred e a General Mica, temporariamente sob o comando do Ancião Rahdeas,
devem seguir para o norte com o General Arthur para investigar a possibilidade
de um Retentor e uma Foice planejarem um ataque.”

Ambas as Lanças dos anões se curvaram respeitosamente assim como eu.

“Esta é uma missão de reconhecimento, mas deixo a situação ao seu


julgamento. A prioridade é não alertar os inimigos, especialmente se um
Retentor ou Foice estiver presente. Se as circunstâncias permitirem uma
chance realista de evitar uma batalha em grande escala, vocês poderiam
conduzi-la. Lembre-se, nossa prioridade é manter a batalha longe dos civis.”
Acrescentou Virion. “Prepare-se para sair amanhã ao amanhecer. O resto das
lanças, dispensados.”

Andando pelo corredor escuro do lado de fora da sala de reuniões, eu soltei


um suspiro profundo. Eu sempre odiei reuniões como essas, sempre tensas e
cheias de maneiras indiretas de dizer não ou dar uma razão para não fazer
algo que atrapalhasse seus próprios ganhos. Embora o Conselho parecesse ser
uma frente unificada de líderes de todas as três raças, os ideais arraigados e
o egoísmo em relação ao seu próprio reino eram mais aparentes do que
qualquer outra coisa. O rei Glayder, que estava com muito medo de agir desde
que Aldir o ameaçou depois de matar os Greysunders por sua traição, tornou-
se mais sincero. Apenas com Virion ali o Conselho funcionava ligeiramente
bem.

Embora Virion e eu tenhamos conseguido o resultado final que queríamos,


este foi apenas o começo. Eu cocei meu pescoço; O curativo de Gideon faz
minha pele coçar muito, mas eu não consegui tirá-lo até ficar sozinho. O truque
para parecer ileso funcionou durante o evento há algumas horas, e eu
aproveitei um pouco do resto da noite, mas uma coisa pesou na minha cabeça.
Claire esteve na festa; ela me viu.

Ela me viu, mas não queria que eu a visse. Eu não a via desde Xyrus, e a última
visão dela que eu lembrei foi que ela estava sendo empalada. Tentei pensar
nas razões pelas quais ela me evitava, mas o som de passos atrás de mim me
levou de volta à realidade.

“Parece que vamos estar juntos em uma missão!” Uma voz alta soou vários
passos atrás.

“General Mica, General Olfred.” cumprimentei educadamente, me virando para


eles.

“Apenas me chame de Mica.” A anã infantil sorriu enquanto o General Olfred


simplesmente assentiu em reconhecimento.

“Eu prefiro manter as formalidades.” Eu recusei gentilmente. “Vocês são meus


seniores como Lanças, afinal.”

“Pelo menos o menino sabe algumas maneiras, apesar de sua educação


deficiente.” Disse o general Olfred com uma sobrancelha levantada.

Rapaz, nós realmente vamos nos dar bem.

A única impressão real que tive do general Olfred foi quando fui levado para o
castelo flutuante depois do incidente na Academia Xyrus. Ele me salvou do
irmão de Lucas, general Bairon. No entanto, isso foi simplesmente porque ele
estava seguindo ordens.

“Bem, se você me der licença. Eu deveria descansar um pouco para a longa


jornada de amanhã. Abaixei a cabeça antes de voltar para a escadaria
principal.”

Andando até os andares residenciais, sondava a mente de Sylvie para ver se


ela estava acordada. Vendo que meu vinculo estava em um sono profundo, fiz
um pequeno desvio.

Alcançando a sala no final do corredor, eu bati na porta de madeira grossa.

“Estou indo.” Tessia gritou.

A porta se abriu sem um único rangido e do outro lado estava Tess. Ela estava
vestida com roupa de dormir, mas o cabelo dela ainda pingava água.

“É você Arthur?” Tess engasgou. “O que você está fazendo aqui?”

“Desculpe,” Eu sorri. “você estava esperando alguém?”


“S-Sim, Caria deveria vir. Arthur, o que há de errado?” Ela perguntou, notando
meu olhar vazio.

“Nada. É só que você parece diferente de quando estava no evento.”

Tess envolveu uma toalha em volta da cabeça enquanto ela fazia uma careta
para mim. “Uau! Obrigado por me avisar disso!”

Percebendo meu erro, eu rapidamente balancei a cabeça. “Não, eu quis dizer


isso de um jeito bom. Você se parece mais com a Tessia com quem passei três
anos naquela época.”

“Você precisa trabalhar em suas habilidades de flerte.” Ela suspirou. “Não,


espere, na verdade. Não trabalhe nelas.”

Eu soltei uma risada. “Você quer dar uma voltinha comigo?”

Depois de colocar um robe fino sobre a roupa de dormir, ela me seguiu pelo
corredor em direção à varanda onde minha irmã havia montado suas tábuas
de alvo. Nenhum de nós falou no caminho enquanto estávamos lado a lado.
Ao contrário do evento, nossos braços não estavam ligados, mas de alguma
forma parecíamos mais íntimos.

Chegamos ao terraço gramado cercado por árvores, mas continuamos


caminhando até chegarmos ao limite. Sentado contra o tronco grosso de uma
árvore próxima, olhei para o céu noturno. As nuvens abaixo de nós se moviam
lentamente, vagamente iluminadas pela grande lua acima.

“As estrelas são lindas.” Eu admirava. Vindo de um mundo onde as cidades


iluminadas mascaravam as estrelas, poder ver um espetáculo tão sereno era
uma bênção que eu passara a apreciar.

“São em noites calmas como essas que às vezes me pergunto se realmente há


uma guerra acontecendo abaixo de nós.” Tess disse suavemente. “Eu às vezes
saio daqui e imagino que as nuvens abaixo de nós são o oceano e eu estou
flutuando sem rumo em um barco. Infantil, certo?”

“Eu acho que você tem o direito de ser um pouco infantil às vezes.” Eu disse.
“Você é a chefe de uma unidade inteira agora. Você é responsável pelas vidas
que leva e isso nunca será um fardo fácil de carregar, não importa quanta
experiência você ganhe.”

“Você diz isso como se tivesse sido um.” Ela respondeu, trazendo os joelhos
perto do peito. “Você é tecnicamente um general, mas as Lanças não lideram
os soldados.”

“Você está certa, e a respeito disso é muito mais fácil para mim. O principal
dever de uma Lança é, sozinho, dominar um inimigo do seu calibre.” Voltei-me
para a minha amiga de infância. “O que me leva a porque eu queria ver você.”
“Tem algo a ver com o que você falou com o vovô e Gideon?”

“Era tão óbvio?”

“Você não é do tipo que faz algo tão sentimental quanto isso sem motivo. Você
tem que ir embora por um longo tempo, fazer algo perigoso de novo, ou
ambos.” Ela comentou.

Eu soltei uma risada. “Eu realmente sou um livro aberto neste nível?”

“Você é mais como um capítulo aberto.” Tess sorriu. “Há algumas partes que
são tão óbvias, mas há momentos em que eu sinto que não te conheço.”

“Por exemplo?”

Ela balançou a cabeça. “Bem, por um lado, eu quero saber como você é
especialista em tudo o que você decide fazer – qual é o seu segredo?”

“Segredo?”

“Magia, luta, artifício, discursos – inferno, até espionagem e estratégia militar.”


Ela listou. “Eu sei, reclamar sobre como é injusto não vai mudar nada. Eu só
estou curiosa.”

Eu segurei minha língua. A tentação de revelar tudo sobre minha vida passada
para Tess vinha crescendo a cada vez que a via, mas agora não era a hora.
“Acabei lendo muitos livros quando era mais jovem.”

“Eu não sei o que eu estava esperando.” Seu olhar estava cheio de dúvidas,
mas ela não me questionou mais.

“Tess. Eu não sei por que você está com tanta pressa, mas você está indo bem.”
Eu a consolei.

“É simplesmente frustrante.” Ela sorriu cansada.

“Frustrante?”

“Eu tento o meu melhor para alcançar você. Meu núcleo de mana está apenas
um passo atrás do seu, sou uma domadora de bestas assim como você e eu
estudei com alguns dos melhores professores do continente, além de um
Asura – assim como você. No entanto, sinto que quanto mais me aproximo de
você, mais distante você fica.”

“Tess…”

“Apenas me prometa que você vai voltar em segurança.” Ela gentilmente


passou o dedo no meu pescoço, onde minha cicatriz havia se estabelecido. A
atadura que eu tinha aplicado para esconder a marca feia começou a sair
devido ao feitiço da água de Tess. “Eu não me importo com quantas cicatrizes
você voltar, contanto que você esteja em um pedaço e respirando.”

Eu podia sentir meu rosto começando a queimar com suas palavras. Tentei
pensar em algo para nos distrair quando pensei em nossa discussão diante do
túmulo de Cynthia Goodsky. Tanto daquela vez como agora, ela se empolgou
com a mesma coisa. “Por que é tão importante para você me alcançar, Tess?”

Por um momento, o mundo ao nosso redor ficou quieto enquanto ela olhava
para o céu noturno. “Porque só então eu terei a confiança para lhe dizer que
eu te amo novamente.”

Antes que eu pudesse processar suas palavras, Tess se virou para mim mais
uma vez. Seu olhar suavizou quando ela me deu um sorriso tão genuinamente
doce, com um tom de timidez, que fez um calor súbito correr através de mim.

Capítulo 168
A vista do céu

PONTO DE VISTA DE OLFRED WAREND

Não me surpreendeu quando o Ancião Rahdeas veio me visitar, contando como


ele trouxera para casa um menino humano. Eu estava familiarizado com sua
bondade; Eu também recebi sua boa vontade, afinal de contas.

Ele me tirou das ruas cruéis das cavernas superiores, me dando comida e
abrigo em sua própria casa. Tratando-me como se eu fosse seu sangue, ele me
ensinou a ler e escrever e, depois de descobrir minha inclinação natural para
a magia, até me ensinou o básico da manipulação de mana. Mas mesmo assim,
eu fui cauteloso. Crescer sem um lar ou família me ensinou a desconfiar de
todos.

Sempre houve um pensamento incômodo de que talvez esse homem estivesse


apenas me apoiando para me vender um dia. No entanto, esse não foi o caso.
Os anos se passaram alegremente e minhas suspeitas se evaporaram há muito
tempo – passei a me considerar seu filho.

Depois de me formar como um dos maiores conjuradores do instituto


Earthborn, localizado na capital de Vildoral, fui escolhido para ser um dos
aprendizes que se tornariam os futuros guardas da família real.

Os Greysunders eram gananciosos e desprezados por toda a sua raça, sempre


descontentes com a forma como eram vistos – inferiores aos humanos e elfos.
Mas eu servi o rei e a rainha fielmente e com o mais alto respeito; isso é o que
Rahdeas me ensinou.

Depois de décadas servindo a família real com fidelidade, houve uma conversa
sobre a escolha das próximas duas lanças e eu me tornei um dos candidatos.
No começo, planejei abandonar o torneio privado. Se eu quisesse minha vida
vinculada a alguém, seria para ninguém além de Rahdeas.

Rahdeas tinha respeitado essa decisão até o dia em que ele trouxe para casa
o garoto que ele chamou de Elijah. Sem me dar nenhum detalhe de como ele
se deparou com uma criança humana, Rahdeas me pediu para ser uma lança
que servisse fielmente à família real. Eu argumentei, dizendo que os
Greysunders não eram aqueles que eu desejava ligar minha vida, mas Rahdeas
assegurou, com a máxima confiança, que seria apenas temporário e que eu
estaria ligado a ele no final.

Eu tinha aprendido servindo como guarda para a família real, que os


Greysunders estavam no poder desde a criação de Darv, mas Rahdeas de
alguma forma era capaz de garantir o contrário.

Ele era o homem que eu respeitava como pai e salvador. Mesmo se eu


desobedecesse ao rei, eu não desobedeceria a Rahdeas.

Mais uma década se passou e o menino humano cresceu sob os cuidados de


Rahdeas e, pela primeira vez na história, as Lanças foram apresentados em
público. Rahdeas era gentil, mas também um homem que, apesar de seu amor
por seu povo, mantinha seus pensamentos para si mesmo.

Ele nunca me disse o que quis dizer, quando falou que minha ligação de alma
com os Greysunders não era permanente. Ele nunca me disse por que ele
manteve nossos laços em segredo do menino. Ele nunca explicou exatamente
quem foi que lhe falou que esse garoto deveria ser o salvador dos anões.

“Você está quieto, Olfred.” Disse Rahdeas do outro lado da grande sala circular.
“Qual é o problema?”

“Nada, meu senhor.” Eu ergui meu olhar longe da janela e enfrentei o homem
que me criou.

“Olfred! Eu lhe disse para me chamar de Rahdeas quando estivermos


sozinhos.” Ele repreendeu gentilmente. “Agora sente-se. Tome uma bebida
com este velho.

“Eu envelheci também.” Eu me sentei na frente dele, recebendo uma taça.

“A visão da lua é magnífica, não é?” Ele suspirou depois de tomar um grande
gole de sua taça que parecia minúscula em sua grande mão.

“É sim.” Eu concordei.

“Que equívoco ignorante feito por humanos e elfos. Eles acham que só porque
vivemos no subsolo, preferimos cavernas ao invés de edifícios. Com aqueles
vendáveis insuportáveis que cobrem toda a Darv, eles não pararam uma vez
para pensar que não construímos torres altas e prédios porque não
conseguimos?”
Eu balancei a cabeça, olhando pela janela mais uma vez depois de tomar um
gole. “Ignorância leva a falsas suposições e interpretações.”

“Essa é uma grande verdade. Mas os tempos de mudança estão sobre nós.”
Rahdeas traçou a cicatriz escorrendo pelo olho esquerdo. “Chegou a hora, meu
filho.”

Estendendo a mão por cima da mesa, Rahdeas gentilmente agarrou meu pulso,
apertando sua mão sobre a minha. “Há dúvidas ou hesitações nublando sua
mente?”

“Nenhuma… Pai.” A palavra parecia estranha para mim. Eu nunca disse isso em
voz alta, apesar de sempre pensar. No entanto, eu sabia que me arrependeria
se não dissesse antes que meu tempo acabasse.

O canto dos olhos de Rahdeas se enrugou em um sorriso gentil quando ele


segurou minha mão com firmeza. “Bom… Meu único arrependimento é que
você não estará aqui para ver o triunfo de nosso pessoal. Se você tivesse sido
ligado a mim ao invés daquele Asura.

Eu balancei a cabeça. “Há algumas coisas que não podemos mudar. Mas há
uma coisa que eu queria que você soubesse”.

“O que seria?”

“Eu conheço as suas ambições para o nosso povo, mas não é por isso que estou
fazendo isso. Nosso povo foi o que me desprezou e me espancou enquanto eu
estava nas ruas. Eu só quero que você saiba que a razão pela qual eu posso
fazer tudo isso sem dúvida é porque é o que você deseja.”

Fechando seu único olho que enxergava, Rahdeas assentiu devagar. “Bom
filho. Muito bem.”

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

Me sentei na beira da minha cama, removendo o broche que segurava meu


cabelo para cima. Meu vínculo soltou um grunhido suave de reconhecimento
antes de voltar a dormir, me deixando na silenciosa paz da noite.

A voz de Tess ecoou na minha cabeça, suas palavras entrando em conflito com
minhas prioridades.

“…para te dizer que te amo de novo.” Repeti suavemente para mim mesmo.
Havia apenas algumas coisas que eu realmente queria nesta vida. Não foi
fama, poder ou riqueza, eu tive isso e muito mais durante a minha vida
anterior. O que eu queria, e a razão pela qual eu estava lutando nessa guerra,
era simplesmente envelhecer com meus entes queridos, algo que eu não era
capaz de fazer como Grey. Por isso, eu estava disposto a ir contra quaisquer
inimigos, Asuras ou não.
Minha única dificuldade era lutar contra a tentação de abandonar tudo. Houve
momentos em que eu queria apenas fugir para a borda da Clareira das Bestas
com Tess e minha família.

Minha ganância frequentemente questionava cada um dos meus movimentos.

Esta não é a sua guerra, Arthur.

Suas pernas estão quase aleijadas e você tem cicatrizes em todo o corpo; você
não fez o suficiente?

Você está lutando pelo seu povo novamente. Você fez isso em sua última vida e
viu onde isso te trouxe?

Deixando escapar um suspiro, percebi por que eu estava constantemente


afastando Tess para longe, dando-lhe desculpas ou respostas indiretas
adiando o nosso encontro futuro.

Eu estava com medo.

Eu estava com medo de que, se eu a deixasse entrar, minha ganância se


tornaria incontrolável, medo de que eu jogaria fora Dicathen para salvar os
poucos que eu realmente amava.

O tempo gotejava enquanto eu estava perdido em meus pensamentos e


quando percebi, o sol nascente, coberto sob as nuvens, deu ao céu um tom
alaranjado.

Removendo o traje luxuoso que estava usando desde o evento na noite


passada, coloquei uma camisa confortável e colete, enfiando as pontas da
minha calça em minhas botas antes de colocar uma capa grossa sobre os meus
ombros. “É hora de ir, Sylv.”

Os brilhantes olhos amarelos de Sylvie se abriram. Pulando da cama, ela andou


ao meu lado, me observando enquanto eu cuidadosamente aplicava a atadura
especial para esconder a grande cicatriz no meu pescoço. ‘Estou pronta.’

Antes de me dirigir para as escadas, parei no quarto da minha irmã e bati na


porta dela. “Ellie, é seu irmão.”

A porta se abriu, revelando minha irmã em meio bocejo, com o cabelo crespo
de um lado e liso no outro. Atrás dela, deitado de bruços ao lado da cama,
estava Boo. Ele nos espiou com um olho antes de voltar a dormir. “Irmão? o
que há de erra…”

Ela parou no meio da frase, olhando para as minhas roupas. “Você está saindo
de novo? Já?”

Forcei um sorriso que não chegou aos meus olhos. “Eu voltarei em breve.” Eu
puxei minha irmã em meus braços.
“Você não tem que voltar logo, apenas volte vivo.” Ela me apertou forte antes
de se afastar. Ellie se ajoelhou e fez o mesmo com o meu vínculo antes de
voltar. Minha irmã sorriu largamente, mas as lágrimas já haviam começado a
brotar nos cantos dos olhos.

Eu despenteei seu ninho de cabelo castanho-claro. “Eu prometo.”

Descendo as escadas, fui recebido por uma alegre Mica e Olfred de cara séria
na frente do corredor que levava à sala de teletransporte.

O rude e idoso anão, que subiu até meus ombros apesar de sua postura ereta,
imediatamente se afastou de mim quando eu cheguei e seguiu pelo corredor.
“Vamos viajar voando e não pelos portais”.

A general Mica, por outro lado, passeava vagarosamente ao meu lado. Pelo
sorriso em seu rosto pequeno e macio, alguém poderia pensar que ela estava
a caminho de um piquenique.

“Mica está animada para finalmente ir em uma missão com você.” Disse ela
enquanto nos arrastávamos atrás do General Olfred. “As outras lanças falam
de você, embora nem tudo seja bom.”

“Você sempre se refere a si mesmo na terceira pessoa?” Perguntei.

“Na maior parte do tempo, por quê? Isso está fazendo você se apaixonar por
Mica?” Ela piscou. “Mica pode parecer assim, mas Mica é um pouco velha
demais para você.”

“Que pena.” Eu disse, incapaz de evitar que o sarcasmo vazasse da minha voz.

“Vamos nos apressar, o tempo gasto nesta jornada significa o tempo gasto
longe das batalhas já existentes.” O general Olfred falou quando os soldados
montando guarda na frente da sala de aterrissagem abriram as portas.

Os artesãos e trabalhadores que estavam lá dentro deixaram o que quer que


estivessem fazendo e nos saudaram quando chegamos. Uma pessoa, no
entanto, caminhou em nossa direção com um sorriso inocente.

“Ancião Rahdeas.” cumprimentou o general Olfred, se curvando


profundamente, enquanto Mica e eu simplesmente baixávamos a cabeça.

“Lancas.” O sorriso de Rahdeas se aprofundou, a cicatriz correndo pelo olho


esquerdo se curvando. “Desculpe minha intrusão, eu apenas queria me
despedir de todos vocês pessoalmente.”

“É uma honra.” Respondeu o general Olfred.

Rahdeas andou até mim, olhando silenciosamente com seus olhos cansados.
Quando ele sorriu para mim, eu não pude deixar de desejar que essa pessoa
não fosse um traidor, que eu suspeitei dele erroneamente.
Eu ainda lamento o fato de que eu não fui capaz de proteger Elijah, e até o
pensamento de perseguir e finalmente matar o homem que criou meu amigo
como seu próprio sangue deixou um gosto amargo na minha boca.

Rahdeas colocou uma mão grande gentilmente no meu braço. “Você deve estar
cansado da sua batalha anterior. Pelos Asuras, esperamos que suas suspeitas
se revelem falsas, para que você possa voltar correndo e descansar um pouco.”

Enquanto sua expressão e gesto pareciam genuínos, as palavras de Rahdeas


pareciam cuidadosamente escolhidas. No entanto, respondi com um sorriso.
“Sim, vamos esperar que seja isso.”

Talvez eu esteja suspeitando demais dele, pensei. Ele era o guardião de Elijah,
afinal.

‘Embora esse possa ser o caso, você não deve levar isso em conta tão
pesadamente em relação às suas suspeitas agora.’ Aconselhou Sylvie.

Soltando meu braço, Rahdeas deu mais um aceno significativo para suas
lanças antes de caminhar em direção ao fundo da sala.

Olfred liderou o caminho para o porto do outro lado da grande sala. “Estamos
prontos para partir. Não voe abaixo das nuvens.”

“Seu vínculo será rápido o suficiente para acompanhar Mica e Olfred?” Mica
perguntou.

A orgulhosa Sylvie soltou um sopro de ar pelas narinas antes de se transformar


em um dragão de tamanho normal. O chão do castelo tremia enquanto os
trabalhadores ao redor de nós recuavam instintivamente, apesar de já terem
visto meu vínculo antes.

“Eu vou conseguir.” Ela ressoou quando sua longa cauda me varreu e me
colocou na base do seu pescoço.

A parede à nossa frente baixou em um mecanismo de ponte levadiça,


enquanto o piso abaixo de nós se estendia em uma grande pista de decolagem.

Eu quase fui jogado para fora pelos ventos estridentes que atingiam o grande
corpo de Sylvie. Enquanto o telhado e os múltiplos terraços eram protegidos
por uma barreira transparente de mana, fomos atingidos com a força total dos
ventos a uma altitude de mais de vinte mil pés.

Nossas vozes perdidas no vento, o general Olfred apenas apontou na direção


que deveríamos seguir. Imediatamente, a general Mica e Olfred decolaram em
nuvens.

Eu nunca me canso dessa visão. Pensei, olhando para fora enquanto o sol da
manhã se tornava mais proeminente, lançando um brilho etéreo nas nuvens.
‘Concordo.’ Sylvie respirou fundo antes de abrir as asas. Deixando o vento levar
seu corpo para fora do cais, seguimos logo atrás deles, sem saber qual seria o
resultado dessa jornada.

Capítulo 169
Uma Noite dos Anões

O primeiro dia inteiro foi passado nas costas de Sylvie. Sem uma palavra
murmurada para qualquer uma das duas lanças anãs, viajamos até a noite cair
quando minhas pernas não aguentavam mais andar em cima das escamas,
mesmo com a proteção de tecido grosso e mana. Não apenas isso, mas as
horas agarradas firmemente na base do pescoço do meu vinculo estava
sobrecarregando minhas pernas.

Por minha causa, paramos à noite e acampamos perto da base das Grandes
Montanhas, a poucos quilômetros ao norte da cidade de Valden.

“Por favor, sirva-se.” Estendi um espeto de peixe grelhado em direção ao


general Olfred e Mica.

Mica aceitou alegremente os peixes de água doce carbonizados, triturando os


ossos como se não existissem, mas a velha lança apenas balançou a cabeça.

“Se você tem energia para cozinhar, talvez devêssemos sair em breve”, disse
ele, ignorando minha cortesia enquanto seus olhos permaneciam plantados
em um livro que ele trouxe.

“Não ligue para ele”, disse Mica, com a boca ainda cheia de peixe. “O velho não
come comida dada por alguém em quem não confia plenamente.”

Concordei, jogando o peixe que eu tinha grelhado para o general Olfred para
Sylvie. Com um estalo do pescoço, o peixe desapareceu dentro de sua boca.
Meu vínculo permaneceu em sua forma dracônica original, enrolado na beira
do nosso pequeno acampamento. Por causa de suas escamas negras, Sylvie
quase desaparecia apesar de sua grande estrutura. A única parte visível dela
são seus dois olhos afiados de topázio que pareciam pairar no escuro.

‘Esses pequenos pedaços fazem pouco mais do que ficar presos entre os
dentes’ resmungou Sylvie na minha cabeça.

Eu sei, mas você terá que se contentar com isso por enquanto. Além disso, você
pode facilmente passar semanas sem comer, respondi, colocando o peixe no
espeto. A pele carbonizada do peixe estava cheia de uma doçura defumada do
fogo, enchendo minha boca de sabor, apesar de não ter sido temperada.

‘Sim, mas eu como pelo sabor, e não pelos nutrientes’, ela respondeu.

Talvez você possa encontrar algumas bestas de mana mais ao norte. Ainda
estamos muito perto de Valden.
O resto da refeição foi bastante tranquila, exceto pelo barulho suave do
córrego próximo, onde eu havia pegado o peixe e o estalar ocasional de um
galho no fogo.

Olfred não disse uma palavra depois de rejeitar meu peixe, permanecendo
imóvel, quase como uma estátua, enquanto se recostava no encosto de terra
que havia erguido enquanto lia seu livro encadernado em couro. A única vez
que ele desviou o olhar do livro foi quando a general Mica começou a
cantarolar enquanto ela penteava o cabelo curto e encaracolado.

Com um olhar de puro desgosto com a melodia desafinada, não pude deixar
de abrir um sorriso. Felizmente, a general Mica ficou bastante quieta durante
o resto da noite, me dando tempo para refinar meu núcleo de mana.

Apesar de estar no estágio central do núcleo de prata, me sentia fraco por


estar cercado por lanças e meu vínculo que era um Asura. Com Dawn’s Ballad
danificada e minhas pernas debilitadas, senti como se tivesse dado um passo
atrás, mesmo após o treinamento em Epheotus. Uma coisa que eu tinha
certeza era que eu não podia mais usar o Burst Step novamente se quisesse
manter minha capacidade de andar.

Depois de uma hora reunindo mana da atmosfera, refinando-o em meu núcleo


e repetindo o processo, senti o olhar de alguém.

Abri um olho apenas para ver Mica a poucos centímetros de mim, olhando
atentamente, enquanto até Olfred fechava o livro para observar.

“Esta é a primeira vez que Mica sente algo assim”, Mica sussurrou.

“O que há de errado?” Eu perguntei, olhando de relance entre as duas lanças.

“Seu processo de refinamento” respondeu Olfred, estreitando os olhos em


pensamento. “Geralmente não é muito aparente quando alguém refina seu
núcleo”

“Mas quando você faz isso, parece que o corpo de Mica está sendo puxado em
sua direção!” Mica interrompeu animadamente.

“Eu nunca percebi isso”, respondi. “Talvez porque eu sou um quadra


elementar?”

Mica soltou um suspiro. “Quadra?”

“Então foi assim que você se tornou uma lança, apesar da sua idade. Eu ouvi
isso sendo discutido uma vez pelo Conselho, mas pensar que esse era
realmente o caso” sussurrou Olfred como se estivesse falando sozinho.

“Como é ser capaz de utilizar tantos elementos?” Mica perguntou enquanto se


aproximava mais, com seus grandes olhos praticamente brilhando.
‘Cuidado com o que você revela’ Sylvie aconselhou por trás, seu corpo ainda
aparecendo como se estivesse dormindo.

Eu sei, pensei de volta. “Ainda existem alguns elementos que são difíceis de
entender, como a gravidade, mas, na maioria das vezes, é praticar e sempre
refletindo sobre qual feitiço e elemento usar em situações específicas.”

“Certo, certo.” Mica assentiu com fervor. “Conhecer tantos feitiços é inútil se
você não souber quando usá-los.”

“Deve haver elementos com os quais você se sinta mais confortável”, disse
Olfred.

Eu assenti. “Tem.”

“Ei, Mica deve ensiná-lo a manipular a gravidade?”

Eu recuei, sentindo o cheiro do peixe grelhado no hálito de Mica. “Acho que é


mais uma questão prática do que qualquer coisa. Há momentos em que posso
usá-lo, mas não é algo em que estou confiante.”

“É realmente fácil, você sabe” Mica insistiu, estendendo a palma da mão. “Você
só precisa imaginar o mundo subindo ou descendo. Então você pega em sua
mão e solta!”

Incapaz de entender a explicação de Mica, olhei de volta para Olfred.

O velho anão revirou os olhos. “Você teria mais facilidade em aprender com
uma pedra. Senhorita Earthborn vem de uma longa linhagem de famosos
anões conjuradores, mas mesmo entre eles, ela é considerada um
gênio. Aprendendo magia através da intuição, ela nem conhece os conceitos
rudimentares da manipulação de mana. “

“Earthborn?” Eu repeti. “Onde eu ouvi esse nome antes?”

“Seus ancestrais fundaram o instituto Earthborn”, ele respondeu


simplesmente, voltando ao seu livro.

Eu olhei para Mica atordoado. Eu sabia que todas as lanças tinham forças
distintas, mas nunca me ocorreu que essa maga aparentemente avoada seria
de uma família tão influente. Pouca história dos anões foi ensinada ou escrita
em Sapin, mas o instituto Earthborn ainda se destacou como uma das
principais razões pelas quais os anões foram capazes de permanecer no
mesmo nível do reino de Sapin, apesar de sua população e território serem
menores. Mesmo depois que a Academia Xyrus começou a aceitar raças
diferentes, muitos dos nobres anões ainda escolheram enviar seus filhos para
Earthborn para suas disciplinas mais específicas e áreas de estudo adequadas
para anões.

“Mica é incrível e ainda por cima é linda, certo?” A anã pequena estufou o peito.
O general Olfred deixou escapar um escárnio, com o rosto escondido atrás do
livro. “Aquilo novamente? Aplaudo sua confiança, mas se você é tão bonita,
por que é que você não tem experiência em relacionamentos enquanto se
aproxima dos quin…”

[Kbsurdo: escárnio – o que é feito ou dito com intenção de provocar riso ou


hilaridade acerca de alguém ou algo; caçoada, troça, zombaria.]

Ele não conseguiu terminar sua sentença, pois teve que se defender de um
enorme machado de guerra que aparentemente apareceu do nada. O chão
embaixo do velho general se separou pela força exercida pela general Mica.

Com um sorriso inocente que parecia conter um demônio feroz por dentro,
Mica balançou a arma mais uma vez. “Você deve saber que a razão pela qual
ainda tenho que investir em um homem é que meus gostos não se encaixam
no padrão dos anões.”

Eu cheguei mais perto de Sylvie, não querendo fazer parte dessa disputa.

‘Acho que gostava mais dela quando ela se referia na terceira pessoa’ admitiu
Sylvie.

Eu concordo plenamente.

Olfred, que instantaneamente ergueu um escudo de terra solidificada acima


dele para se proteger da arma de seu companheiro, soltou outro escárnio. “Por
favor, a única razão pela qual você não foi banida descaradamente é por causa
de seu histórico. Talvez você encontre um humano com um gosto único por
garotinhas que o tiram do sério.”

A força da gravidade aumentou ao nosso redor, e tornou-se difícil respirar sem


a ajuda de mana para fortalecer meu corpo. O fogo se foi, a madeira que
outrora estava queimando foi reduzida a escombros.

Eu olhei para os dois, estupefato ao ver duas lanças, que são o pináculo do
poder em toda Dicathen, brigando como crianças.

“Nós vamos” soltei um suspiro, me recompondo “Nós vamos atrair atenção se


vocês dois continuarem assim.”

Ignorando-me, o general Mica balançou seu machado gigante mais uma vez,
mas em vez de quebrar o golem de pedra que o general Olfred conjurou, seu
machado destruiu o golem em pedrinhas. “Eu não vejo você com uma amante
em seus braços, Oldfred!”

“O fato de você ter se tornado uma lança com suas palhaçadas infantis nunca
deixa de me surpreender”, resmungou Olfred, erguendo outro golem desta vez
muito maior.
Soltando um suspiro, juntei partículas de água das árvores próximas e molhei
os dois até que ambos estivessem pingando.

Os dois sacudiram a cabeça “Vocês terminaram?”

Mica estalou a língua. “A culpa é de Oldfred, trazendo à tona a idade de uma


dama.”

“Esses que nasceram bebendo leite de um cálice de prata precisam ser


educados sobre sua ignorância”, murmurou Olfred.

Lutando contra o desejo de revirar os olhos, vi como os dois se retiravam para


seus próprios cantos do acampamento. General Mica, com um único golpe de
seu pé minúsculo, ergueu uma cabana do chão. Grande o suficiente para quase
caber Sylvie dentro. A casa de pedra tinha paredes com textura e veio
equipado com uma chaminé que logo começou a soprar fumaça.

O general Olfred, por outro lado, escolheu construir seu lar embaixo, dentro
da encosta do penhasco, a poucos metros de distância do nosso
acampamento. O barro o penhasco à sua frente brilhava em um vermelho
profundo e começou a derreter para formar uma poça de rocha derretida. Uma
grande área quase imediatamente esvaziou e eu fui capaz de vislumbrar os
detalhados móveis de pedra do lado de dentro antes que a lança fechasse a
entrada aberta que ele havia feito sem sequer olhar para trás.

“Muito secreta”, eu murmurei impotente antes de voltar e rastejar debaixo de


uma das asas negras de Sylvie como uma tenda improvisada.

‘Talvez você fique mais confortável conjurando uma barraca também’ sugeriu
Sylvie.

Eu me sentirei mais seguro aqui, caso eles decidam fazer algo enquanto
durmo, respondi lentamente.

Eu entrava e saia de consciência quando cenas da minha vida passada


passaram entre as calmarias pacíficas do sono. Memórias que eu queria
esquecer ressurgiu como vermes em um dia chuvoso.

Depois da noite em que a diretora Wilbeck foi assassinada meus objetivos


haviam mudado. Apesar de Nico e Cecilia tentarem me convencer a ir à escola,
eu não tinha intenção de tentar ser um garoto normal como a diretora queria
que eu fosse. Eu me odiava por ser incapaz de protegê-la, a mulher que me
criou como mãe quando todos os outros adultos me consideravam uma praga
ou um fardo. Ela cuidou de mim, não querendo nada em troca, exceto a minha
própria felicidade e, por um tempo, pensei ter encontrado.

Durante esse curto período de minha vida com Nico e Cecilia ao meu lado no
orfanato com a diretora Wilbeck para cuidar de nós e nos repreender, eu era
feliz como qualquer criança normal. Ela não tinha pecados, ela não fez nada
de errado. A diretora era o tipo de pessoa que desistia de seu próprio almoço
por um homem sem-teto pelo qual acabara de passar, mas a vida retribuiu sua
bondade com uma morte horrível e sangrenta.

O orfanato foi deixado para outro diretor e depois de alguns meses, as crianças
riam como se nada tivesse acontecido.

Não eu, no entanto. Fiquei obcecado em descobrir quem havia enviado


aqueles assassinos atrás de mim, Nico e Cecilia, além da diretora Wilbeck.

As palavras de Nico tocaram claramente. “O que você vai fazer quando os


encontrar? Você vai matá-los por conta própria? Com a sua habilidade?”

Foi quando eu percebi que tinha que ficar mais forte. Ao retirar minha
inscrição para a escola, me matriculei em um dos institutos militares onde
candidatos são treinados para o exército.

Ambos, Nico e Cecilia tentaram mudar minha decisão. Eles pediram que eu
desse à escola a chance de me libertar da minha obsessão. Olhando para trás
agora, eu gostaria de ter ouvido eles. Minha vida teria sido muito menos
dolorosa e solitária se tivesse.

Talvez o que eu mais me arrependa, além de me recusar a ouvi-los, fosse


permitir que os dois me seguissem até o instituto de treinamento. Eu os
aconselhei a não fazerem isso na época, mas se eu tivesse me esforçado mais,
empurrando-os para mais longe de mim, pelo menos minha vida teria sido a
única afetada.

‘Arthur. Devemos partir antes que o sol nasça.’ A voz do meu vínculo tocou
suavemente, mas eu ainda acordei com um suspiro.

‘Você estava tendo pesadelos de sua vida passada novamente’, afirmou ela em
vez de perguntar.

Você sabia sobre isso? Eu perguntei, sentando-me.

‘Sim, embora eles venham em flashes, eu consigo identificá-los. Você parece


estar recebendo isso com mais frequência’ respondeu ela, preocupada.

Tenho certeza de que não é nada, respondi, saindo debaixo da asa de Sylvie.

‘Eu certamente espero que seja esse o caso’ ela disse, duvidosa.

Respondi com um sorriso, encerrando nossa conversa mental.

“Vamos almejar alcançar a costa norte até o final do dia de hoje”, anunciou
Olfred enquanto destruía as tendas de pedra que ele e Mica haviam conjurado,
enquanto Mica estava cobrindo nosso acampamento no caso de aventureiros
ou caçadores se aproximarem demais.

Minhas suspeitas sobre o envolvimento das duas lanças na traição de Dicathen


haviam diminuído após o comportamento delas na noite passada, mas
permaneci cauteloso. Conjurando uma pequena rajada de vento, ajudei os dois
a cobrir nossos vestígios e estávamos de volta no nosso caminho.

Capítulo 170
Velhas Raízes

Uma névoa de magenta e laranja se espalhou pelo horizonte, dando vida ao


oceano tranquilo à distância. Sylvie e eu descemos perto da borda das grandes
montanhas. As figuras sombrias de Mica e Olfred lançaram uma sombra sobre
nós enquanto levitavam acima de nós, preparando-se para me pegar logo
depois que Sylvie se transformasse em sua forma de raposa.

Ainda estávamos a vários quilômetros de distância da costa norte, mas não


podíamos nos dar ao luxo de voar mais perto. Supondo o pior, uma foice pode
ser capaz de sentir flutuações substanciais de mana mesmo a essa distância.

Sylvie se agarrou a mim assim que ela encolheu. Ao mesmo tempo, estendi a
mão, agarrando a mão estendida de Mica. Lá descemos lentamente, perto o
suficiente da enorme cadeia de montanhas para evitar atenção
indesejada. Enquanto eu era capaz de pousar facilmente, mesmo desta altura,
fazê-lo significaria que eu provavelmente achataria as árvores próximas e
talvez até afundasse o chão com a força que eu teria que usar. Tão relutante
quanto eu devia admitir, era muito mais simples confiar na lança para me
carregar para baixo.

“Essa é uma cicatriz muito ruim que você tem em sua mão!” Mica observou, sua
voz quase inaudível pelo vento.

“É uma ferida antiga.” Eu abri um sorriso. Eu me certificara de esconder a


cicatriz na minha garganta com o curativo oculto, mas a cicatriz na minha mão
esquerda foi um pouco problemática para pessoas que não me conheciam
muito bem.

A pequena lança assentiu, a força de seu aperto em volta do meu braço ficou
mais forte, apesar de seus dedos de aparência delicada.
Aterrissamos na base das Grandes Montanhas, em um campo de grama seca e
pedras onde ventos gelados assobiavam ao nosso redor.

“A partir de agora, a mana deve ser reduzida ao mínimo”, disse Olfred,


enquanto examinava o ambiente à procura de alguém por perto.

Eu balancei a cabeça em concordância. Eu era capaz de usar mana sem que


fosse detectado através do Mirage Walk, mas essa informação era melhor
continuar em segredo.

“Suponho que você tenha um plano para encontrar o retentor e a foice em


questão?”, observou a lança com uma atitude rude.

“Um pouco” tirei a máscara branca que mantinha desde que me tornei
aventureiro e o casaco preto feito do pelo de uma raposa. Essa era a roupa
que eu usava junto com a máscara, uma vez que tinha a capacidade sutil de
desviar o foco do usuário. Vestindo-o sobre as minhas roupas, eu também
peguei uma capa grossa do meu anel de dimensional e a coloquei sobre meus
ombros.” Precisamos seguir em direção à estrada principal, então tire suas
capas e coloque os capuzes.

Olfred estudou meu casaco preto com um olhar curioso. “Um efeito
intrigante. Você já foi assassino ou ladrão?”

“Não”, eu ri, olhando para minha roupa. “Eu simplesmente não queria me
destacar.”

Com um aceno de desdém, ele e Mica seguiram o meu pedido, cada um tirando
uma capa luxuosa de pele de besta rica em mana.

Sem dizer uma palavra, fui até Mica enquanto pegava uma capa de reposição
do meu anel. Deixando-o cair no chão, pisei nele, manchando a capa marrom
com sujeira e grama antes de entregá-la à lança pequena. “Use isso em seu
lugar.”

“V-você acabou de soltá-lo e pisar nele!” Mica exclamou, pasma.


“Eu sei”, respondeu enquanto eu deixava cair minha própria capa e pisava
nela, esfregando meus calcanhares para cobri-la completamente com sujeira
e grama. “Nós dois seremos os escravos de Olfred.”

“Por que Mica não pode ser o mestre?” Ela bufou, segurando minha capa
sobressalente com apenas dois dedos.

“Porque você tem a aparência de um estudante do ensino médio”, eu respondi


abruptamente com um sorriso inocente. Olfred soltou uma pequena risada
enquanto apertava sua capa de pele.

Olhando furiosamente para o grupo, ela relutantemente colocou a capa de


volta em seu anel e colocou a suja que eu havia lhe dado.

“Desculpe. Isso é para medidas de segurança” falei. Inclinando-me, mergulhei


meu dedo em um pedaço de terra lamacenta.

“Não, por favor”, Mica implorou, protegendo o rosto com o capuz da capa.

“Somos escravos que viajam a uma longa distância. Seria natural estar sujo e
seria uma boa maneira de passar despercebido.” Sem esperar seu
consentimento, tirei o capuz e a sujei seu rosto antes de fazer o mesmo
comigo.

Eu abaixei minha cabeça e despenteei meu cabelo comprido até que ele
cobrisse a maior parte do meu rosto. Depois de colocar o capuz da minha capa,
entreguei a máscara que estava segurando para Olfred. “Use isso junto com
sua capa e, se alguém perguntar, é para esconder uma cicatriz horrível que
você recebeu anos atrás.”

Olfred assentiu, aceitando a máscara. Quando ele deslizou sobre o rosto e


apoiou o capuz, não pude deixar de me lembrar do meu tempo como
aventureiro sob o disfarce de Note.

A faixa azul que descia até o buraco do olho direito da máscara havia
desaparecido ao longo dos anos, mas com a altura de Olfred sendo
semelhante à altura que eu tinha quando eu era aventureiro, junto com a
máscara e a capa, realmente trouxe de volta memórias.
“A máscara se encaixa bem”, disse Olfred, sua voz soando mais profunda pelos
efeitos da máscara. “Ah? Tem esse tipo de função também.”

“Mica quer ir para casa”, a pequena anã ficou de mau humor, seu rosto jovem
coberto de lama seca enquanto seus cabelos curtos apareciam em cachos
bagunçados debaixo da capa suja e esfarrapada.

Como está meu disfarce? Eu perguntei ao meu vínculo, virando-me para


encará-la.

‘Vai ter que servir, embora me preocupe o que aconteceria se alguém olhasse
com muita atenção.’ Sua pequena cabeça felina assentiu em aprovação.

Por que isso soa mais como um insulto do que um elogio?

‘É um pouco dos dois’ sua voz calma riu na minha mente. Sylvie pulou dentro
da minha capa, já que ela precisava estar escondida da vista enquanto eu me
passava como escravo.

“Você tem certeza de que ninguém suspeitará de nós?” A voz profunda de


Olfred retumbou por trás da máscara.

“Ninguém vai procurar pelas lanças, e há muitos aventureiros que gostam de


usar máscaras”, respondi, seguindo ao lado de Mica por trás do nosso mestre
temporário. “Além disso, há um velho ditado que diz que o melhor lugar para
se esconder é à vista de todos. Quem suspeitaria de um nobre e seus dois
escravos que foram atacados por bandidos no nosso caminho para o norte
para escapar das batalhas?”

“Enquanto você faz uma observação, nunca ouvi falar desse ditado. Talvez seja
usado apenas por humanos?” perguntou Olfred.

“Algo assim”, eu ri, lembrando agora que eu tinha aprendido isso na minha
vida anterior.

Nós caminhamos por horas em silêncio. Eu constantemente usava o Mirage


Walk para fortalecer minhas pernas com mana enquanto escondia as
flutuações, satisfeito por Mica e nem Olfred serem capazes de notarem algo
errado.
Executei o plano que Virion e eu tínhamos pensado com Sylvie. Supondo que
Olfred e Mica fossem traidores, eu não sabia o que eles planejavam fazer
comigo. No pior dos casos eles me matariam quando tivessem a chance,
enquanto outro cenário eles me levarem ao Vritra. Em qualquer um dos casos,
os dois anões não me atacariam tão descaradamente com Sylvie por
perto. Mesmo que eles pudessem nos dominar, seria uma luta dura e iria atrair
atenção, mesmo nas áreas mais remotas.

Se eu fosse com eles, levaria eu e Sylvie ao retentor ou foice para nos dispor
ou nos capturar rapidamente. Dito isto, a única maneira real de certifique-se
de que o plano deles nos levasse ao esconderijo deles era agir
intencionalmente como se eu não os pudesse encontrar.

Com Realmheart, eu poderia usar as flutuações visíveis de mana para


encontrar a base do Vritra. Depois de alguns dias levando-os na direção
errada, eles desistiriam e iriam voltar – no caso em que minhas suspeitas
estejam erradas – ou me forneceriam sugestões ou dicas que levariam Sylvie
e eu à nossa morte.

‘Seu plano baseia-se em muitas suposições’ observou meu vínculo, arrastando-


se para dentro do bolso da minha capa. ‘E se eles te levarem aos Vritras à
força?’

Duvido muito que eles quisessem revelar sua posição. Você não pode ficar
muito melhor do que ter um dos membros do conselho como espião. É por isso
que é seguro para mim assumir que eles tentariam evitar suspeitas até ter
certeza de que podem se livrar de nós sem chamar a atenção.

‘Então vamos fugir se parecer que estão tentando nos levar até eles?’ Sylvie
perguntou, seu tom duvidoso.

Se pudermos voltar depois de encontrar a localização da base do Vritra sem


lutar com Olfred e Mica, esse será o melhor cenário, respondi seguindo de perto
o nobre mascarado que estava posando como meu mestre. Mas por precaução,
Virion enviou outra lança atrás de nós.

Sylvie não respondeu, mas uma onda de surpresa inundou minha mente.

Você não pode senti-la, pode?


‘Não, não posso’, ela admitiu. ‘É a lança élfica’?

Mhm. Apesar de seu comportamento, ela recebeu o codinome ‘Phantasm’ por


causa de sua capacidade de enganar e se esconder dos oponentes.

‘Um assassino’ observou Sylvie.

Nós dois conversamos mentalmente, diminuindo a passagem do tempo


enquanto caminhávamos pelas planícies acidentadas.

Ao longo do caminho, ativei Realmheart em breves momentos, tentando captar


qualquer flutuação de mana ao nosso redor. Eu tive que ter cuidado para não
deixar as duas lanças veem meus olhos, mas meu capuz e franja comprida
foram capazes de esconder o fato de que minhas pupilas mudaram de azul
para uma lavanda clara.

Enquanto continuamos nossa jornada para o noroeste, as árvores se tornaram


mais abundantes à medida que as planícies se transformavam lentamente em
acres de floresta. Com rotação de mana, a habilidade que aprendi com Sylvia,
constantemente reabastecendo meu suprimento de mana enquanto usava o
Mirage Walk para ocultar a flutuação de mana ao meu redor causado pelo uso
de magia, o tempo que passei andando se tornou uma espécie de treinamento.

“Nós conseguimos”, Mica suspirou quando finalmente alcançamos a estrada


principal. A trilha de terra era larga o suficiente para acomodar duas
carruagens com um grande espaço entre elas, embora houvesse rastros de
rodas pelo uso, parecia não haver carruagens à vista.

“Para onde agora, garoto?” A voz profunda de Olfred tocou.

“Nós seguimos a estrada para a cidade mais próxima”, eu simplesmente


respondi.

“Mais caminhada?” Mica gemeu em protesto.

“A cidade mais próxima não está muito longe”, eu consolava.

Mica e eu mantivemos nossas cabeças baixas enquanto seguíamos atrás de


Olfred no lado da trilha. De repente, peguei o leve ruído de cascos e rodas de
madeira.
Ambas as lanças se animaram menos de um segundo depois, captando o som
também. Nós três paramos e esperamos a carruagem aparecer na nossa linha
de visão. Puxada por dois cavalos marrons, um manchado perto de seu
focinho, a carruagem de madeira era conduzida por um cavalheiro mais velho
com uma roupa de viagem verde e marrom junto a um jovem que não parecia
muito mais velho que eu.

À medida que se aproximavam, era evidente como os dois cavalos estavam


desnutridos. Suas costelas estavam claramente visíveis enquanto seus
casacos e crinas perderam qualquer tipo de brilho que normalmente recebem
dos nutrientes em seus alimentos.

Olfred acenou com os braços na carruagem que se aproximava. “Olá!”

Com um rápido puxão dos reinados, os cavalos e a carruagem pararam


empoeirados.

“Você está perdido?” disse o homem mais velho, seus olhos examinando as
roupas de Olfred, enquanto o mais novo olhava para Mica e eu, desconfiado.

“Meus escravos e eu estávamos a caminho do norte quando nossa carruagem


foi atacada por alguns bandidos”, explicou Olfred, sua voz firme enquanto ele
dramaticamente contou uma história de aflição. “Eles cortaram meus cavalos
e tentaram nos roubar. Felizmente, meus escravos foram capazes de combater
os bandidos.”

“Essas duas crianças?” Os olhos do homem mais velho se estreitaram.

Olfred balançou a cabeça. “Não, não. Escravos diferentes, mas infelizmente


eles não duraram muito tempo pela infecção de suas feridas.”

“Mmm. E a máscara?” O motorista perguntou com uma sobrancelha


levantada. Ele e o homem mais jovem agarraram os punhos dos punhais
embainhados em suas cinturas. Pela forma desajeitada que seguravam os
punhais, parecia que suas armas eram mais para intimidação.

“Meu pai insistiu que eu escondesse minha identidade nesses tempos


perigosos”, respondeu Olfred com uma risada fraca enquanto levantava as
mãos em submissão percebendo as armas também.
“Tempos perigosos, de fato, como você já experimentou.” O homem mais velho
afrouxou o aperto na arma. “Escravos de luta são difíceis de encontrar e ainda
mais difícil de comprar desde que a guerra começou. Sinto pela sua perda.”

“Uma grande perda”, concordou Olfred.

“Bem, os tempos são difíceis para todos nós. Não sei se meus cavalos
aguentam o peso de mais pessoas” o homem mais velho passou os dedos
pelos barba desgrenhada quando ele soltou uma tosse.

“Naturalmente, você será compensado”, respondeu Olfred calmamente


enquanto procurava sua capa de pele e pegava duas moedas de prata.

O homem mais jovem estendeu a mão e pegou as moedas de prata, testando


sua flexibilidade com os dentes antes de dar uma aprovação ao motorista.

“Suba então”, o homem mais velho fez um gesto para Olfred. “Mas seus
escravos terão que andar.”

“É claro” disse Olfred sem hesitar.

Eu peguei um olhar da expressão devastada de Mica antes que ela abaixasse


a cabeça novamente. Sem dizer uma palavra, puxei a lança infantil e esperei a
carruagem retomar antes de segui-lo com Mica.

“Mica vai matar aquele velho”, Mica murmurou, com o rosto escondido sob o
capuz.

“Apenas aguente um pouco mais. A próxima cidade fica a apenas uma hora de
distância.”

“Você está familiarizado com este campo rural?” Mica perguntou.

“Claro”, eu disse suavemente. “Afinal, aqui é minha cidade natal.”

Capítulo 171
Dentro da Taverna

O fogo trêmulo das luzes da rua brilhava nas proximidades, uma visão para os
olhos doloridos depois de horas de caminhada sem parar. Eu tinha voltado
para Ashber, a pequena cidade onde nasci, pela primeira vez em mais de dez
anos.

“Mica está pronta para uma bela caneca fria de cerveja”, o general sussurrou,
lambendo os lábios secos e rachados.

Eu balancei a cabeça sem dizer nada, mantendo meu ritmo acelerado para
combinar com a velocidade da carruagem que estávamos atrás.

“Só por curiosidade, senhor. Quantos escravos você possui?” o homem mais
jovem perguntou ansiosamente, seus olhos estreitos se deslocando entre
Olfred e eu.

“Eu nunca contei”, respondeu Olfred com um encolher de ombros. “Temos


muitos em casa, alguns de minha propriedade e outros de minha família.”

“Uau.” O homem mais jovem suspirou. “Se você tem tantos, que tal deixar esses
dois escravos conosco – ai!”

O homem mais velho e barbudo recostou-se na cadeira e bateu na cabeça do


garoto.” Você tem merda na cabeça? Quem em sã consciência daria seus
escravos!”

O garoto esfregou a cabeça, arrumando o cabelo loiro sujo.” Eu estava apenas


perguntando, velho. Sheesh!”

“Desculpe pelo meu garoto. Eu tive que criá-lo sozinho depois que a mãe dele
fugiu, e as maneiras nem sempre eram uma prioridade na minha lista de coisas
para ensinar a ele.”

“Sem ofensa”, disse Olfred com uma risada profunda.” Normalmente eu


poderia ter deixado com você uma vez que chegue ao meu destino, mas esses
dois oferecem pelo menos um pouco de segurança nesses tempos caóticos. “

O garoto estalou a língua. “Que azar.”

Algo sobre os dois não parecia certo para mim. Além do fato de que não havia
outras carruagens indo e voltando tão perto da cidade, também não havia
bagagem na carruagem. Suas únicas armas pareciam ser as facas que
afivelaram à cintura, o que provia quase nenhuma proteção.

Eles pareciam razoavelmente desconfiados no primeiro contato, mas se


abriram com muita facilidade, como se esperassem um motivo para confiar em
nós. No entanto, estávamos quase em Ashber e nada parecia errado.

“Bem, aqui estamos”, anunciou o motorista barbudo, puxando as rédeas para


parar a carruagem. “Estamos apenas passando por essa cidade, então seria
melhor se você andasse apartir daqui.”

“Você vai viajar a noite toda?” perguntou Olfred, com ceticismo na voz.
“Estamos com pressa para chegar em um pequeno posto avançado a apenas
uma hora de distância”, o garoto de cabelos loiros respondeu com uma risada,
soltando a trava nas costas para deixar Olfred sair.

“Bem, de qualquer forma, obrigado pela carona.” Olfred entregou ao garoto


uma moeda de prata extra antes de pular da carruagem.

O motorista acenou para Olfred antes de retomar seu caminho. Com um


grunhido irritado, os dois cavalos começaram a trotar, puxando a carruagem
para uma estrada de terra mais estreita que se desviou para a esquerda.

“Eles precisam trabalhar um pouco na atuação”, disse Olfred, balançando a


cabeça quando começou a andar.

“Então não era só eu”, respondi.

“Tanto faz. Enquanto houver álcool e uma cama aconchegante, Mica ficará
feliz.”

Quando nós três entramos na cidade, eu não pude deixar de notar como as
ruas estavam vazias. Parte da minha memória de Ashber era como ela era tão
animada para uma cidade tão pequena. Os aventureiros eram escassos no
norte, mas um pequeno rio que fluía perto da cidade fazia da área um ótimo
lugar para se cultivar. Após a morte de Lensa, meu pai trouxe minha mãe aqui
para esta cidade remota e conseguiu um emprego aqui protegendo os
agricultores e suas plantações contra os lobos frequentes ou bestas de mana
perdidas que vieram das Grandes Montanhas. Com os agricultores acordando
cedo para cuidar de suas colheitas e passando as tardes vendendo nas ruas
do mercado de Ashber ou frequentando comerciantes, a noite era quando
todos realmente encontravam tempo para descontrair e divertir-se.

Meu pai costumava voltar para casa à noite, tropeçando em seus próprios pés
depois de beber com os agricultores locais. Eu esperava alguma mudança
devido a guerra, mas nunca esperei que Ashber se tornasse uma cidade
fantasma.

As lâmpadas das ruas espalhadas brilhavam intensamente, mas não havia


sinais de pessoas próximas. Nós três sentimos alguém no beco, suas feições
estavam escondidas pelas sombras. Depois de um momento, porém, a pessoa
saiu correndo, seus passos sem ritmo ficaram mais fracos até que o único som
que ouvimos veio de nós mesmos.

Nós três nos entreolhamos, mas permanecemos calados. Olhando em volta, a


maioria dos edifícios estavam vazio ou interditados. Tábuas de madeira foram
pregados nas janelas, enquanto as correntes seguravam a entrada da frente
de uma loja. Eu ativei o Realmheart para detectar flutuações de mana, sem
esperar muito.
No entanto, eu podia ver as distorções na mana atmosférica por toda a
cidade. Houve magos aqui recentemente.

“Sinto pessoas espalhadas, mas parece haver uma congregação de quarenta e


poucos a alguns quarteirões de distância”, resmungou Olfred.

“Mica sentiu quarenta e três”, a pequena lança murmurou ao meu lado.

“Eu pensei que concordamos em não usar magia”, eu disse, irritado. “E se


houver magos Alacryan ou Vritras por perto que possam capturar?”

“Não era necessário mana para senti-los”, respondeu Olfred enigmaticamente.

O que? Eu quase disse em voz alta. Se eles conseguissem detectar as pessoas


com precisão, todo o meu plano poderia ser comprometido.

“Isso é bom”, eu menti. “Parece que seremos capazes de pegar o esconderijo


dos Alacryans mais cedo do que eu esperava.”

“Provavelmente ainda vai levar algum tempo. A mica só consegue sentir as


pessoas a uma curta distância e, mesmo assim, é meio confuso. O mesmo vale
para Olfred.” Mica explicou.

“Vocês dois estão falando demais para escravos” respondeu Olfred, antes de
soltar a voz em um sussurro. “Só porque não podemos usar magia não significa
que nossos inimigos estão vinculados pela mesma desvantagem. Suponha que
nossas vozes sempre sejam ouvidas.”

Eu sabia que ninguém estava por perto – pelo menos ninguém que estava
manipulando mana – e Olfred também deveria, fazendo parecer que ele só
queria que Mica parasse de falar sobre seus limites, mas o anão idoso tinha
razão. Concordei e continuei seguindo alguns passos atrás de Olfred com Mica
em silêncio fervendo de frustração ao meu lado.

Virando uma esquina depois de passar por um prédio particularmente alto e


desgastado, eu sabia exatamente onde estava essa “congregação” que Olfred
e Mica haviam mencionado.

Nuvens de fumaça saíam visivelmente da chaminé do que parecia uma


taberna. A grande cabana que tinha um telhado torto com falta de ladrilhos,
mas se destacava de todos os outros edifícios esfarrapados e choupanas
próximas, era o único lugar com luz vinda de dentro.

Nós nos aproximamos com pouca hesitação, movidos pelo pensamento de


uma boa refeição temperada e uma cama macia.

“Sinto cheiro de carne sendo grelhada” disse Sylvie quando nos aproximamos,
farfalhando impacientemente dentro da minha capa.
Olfred se virou e nós três nos entreolhamos antes de abrir a porta de madeira
lascada. Meu nariz respirou avidamente o cheiro pungente de álcool, fumaça
e uma variedade de alimentos e especiarias indiscerníveis. Um clamor de uma
dúzia de conversas, todas tentando subjugar uma à outra ressoou por toda a
grande taberna, com o som de copos tilintando e palmas batendo
acompanhando-os.

As pessoas – maioria homens – sentados nas mesas mais próximas da porta


se viraram para nós, alguns com bochechas coradas, outros com irritação.

“Esperamos para nos sentar?” A voz de Olfred soou por trás de sua máscara.

“Você é responsável por encontrar seu próprio lugar em estabelecimentos


como esses”, eu disse, puxando meu capuz para baixo para cobrir mais o meu
rosto enquanto resistia ao desejo de rir.

Agarrei o pulso de Mica e segui atrás de Olfred enquanto ele passava pelos
clientes e mesas. Era impossível não notar os olhares enquanto nós
passávamos. Um homem corpulento, com cabelos longos e emaranhados,
propositadamente se inclinou para trás, na esperança de esbarrar em um de
nós como uma desculpa para começar uma comoção.

“Esqueçe. São apenas quarenta e dois” disse Mica, apontando para um cão
com presas que ficava perto do dono, com alguma coisa vazando do focinho.

Eu levantei uma sobrancelha. “O que?”

“Quarenta e duas pessoas, não quarenta e três como Mica disse


anteriormente. Mica confundiu esse bicho de mana com duas pessoas”
explicou ela.

“Apenas quarenta e duas pessoas; entendi”, respondi.

Continuando pelo labirinto de pessoas, tentei captar qualquer conversa que


pudesse aliviar minhas suspeitas sobre esse lugar. Eu fui capaz de pegar uma
parte do diálogo de uma mesa em meio ao clamor: “… Fui capaz de pescar
alguns peixes hoje à noite”.

Enquanto o homem tonificado com vários dentes perdidos poderia estar


simplesmente falando sobre pegar uma truta ou algum outro vertebrado
aquático, olhares suspeitos me disseram que a conversa deles não era tão
inocente.

Eventualmente, nos sentamos em torno de uma mesa trêmula no canto mais


distante da taberna ao lado do banheiro. Um mau cheiro causado pela
ausência de um encanamento adequado assaltou meu nariz, me livrando de
todos os vestígios do apetite que eu havia acumulado.

“O que vai ser para você hoje à noite?” Uma garçonete perguntou enquanto
despreocupadamente puxava o vestido sujo para expor ainda mais seus
seios. Ela se inclinou em cima da mesa ao lado de Olfred, ostensivamente
convidando seus olhos para o decote dela, enquanto ela própria examinava
sua fina capa.

Mica e eu aparentemente não existíamos enquanto ela balançava coquete ao


lado de Olfred, esperando ele pedir.

“Vou tomar três canecas de cerveja gelada e qualquer guisado que você tiver
hoje à noite junto com um pouco de pão”, disse Olfred, imperturbável por suas
tentativas de cortejar ele.

“Imediatamente”, ela murmurou enquanto gentilmente passava um dedo pelo


braço dele. Se foi outra tentativa de seduzi-lo ou medir a qualidade de sua
capa, eu não sabia, mas percebi que ela não era a única que notava o potencial
valor de Olfred.

“Ugh. Qual é o sentido de exibir esses pedaços de gordura?” Mica murmurou,


enojada.

“Pela primeira vez, concordamos em algo”, disse Olfred com um aceno de


cabeça. “Uma mulher deve ter uma constituição firme e muscular e a pele
grossa para combinar.”

Optei por ficar de fora da conversa, aproveitando o tempo para me esgueirar


nos olhares da taverna. Com o Realmheart ativado mais uma vez, eu poderia
dizer que magia tinha sido usada e isso não aconteceu há muito tempo.

Uma aura distorcida de mana cercava uma mesa particularmente grande ao


longo da parede oposta. Um homem de meia-idade, de túnica, pendia da
mesa. Ao contrário de seus companheiros, ele estava bem arrumado. Seus
olhos redondos cintilaram lascivamente para as duas empregadas domésticas
escassamente vestidas em cada um de seus braços finos que se revezavam
para lhe dar frutas e cerveja. Com as bochechas ocas e uma linha fina de
cabelo, era evidente que as duas servidoras não estavam lhe agradando por
causa de sua boa aparência.

Apenas pelo quão alto e altivo ele falava, e pela maneira como seus colegas
riam e acenavam com o que quer que saísse de sua boca, não havia dúvida o
homem de olhos redondos era importante – se não estivesse no controle. Pela
forma como as partículas se reuniram ao seu redor, parecia que ele havia
conjurado uma camada de mana para fortalecer e proteger seu corpo.

Ele não era o único; só com uma olhada superficial, vi alguns aumentadores
que estavam expelindo uma fina camada de mana sobre a pele para
proteção. No entanto, a densidade e pureza da mana que envolvia seus corpos
estavam em um nível muito inferior ao dos soldados alacyranos que eu havia
enfrentado perto da costa sudoeste. Se eu tivesse que adivinhar, eles eram
mercenários ou aventureiros de níveis inferiores. Em comparação, o esqueleto
sendo ensanduichado por duas meninas estava em um nível muito mais alto.
Mas não foi isso que me incomodou. Não era o ar sutil de hostilidade na
taberna ou a quantidade suspeita de magos presentes. Eu conhecia aquele
homem. Algo em seu olhar perverso e seu rosto torto trouxeram emoções
amargas, mas eu não conseguia identificar o porquê.

‘O que está acontecendo?’ Sylvie perguntou, percebendo minha preocupação.

Sylvie, dê uma olhada rápida na mesa à minha esquerda, do outro lado da


taverna. Você reconhece alguém?

Meu vínculo sussurrou dentro da minha capa antes que seu focinho pequeno
aparecesse. Seus olhos inteligentes percorreram a sala, concentrando-se na
área que eu havia direcionado quando um sentimento aversão vazou dela. ‘Ele
é aquele canalha que tentou usar o rei para me tomar a força durante o evento
do leilão Helstea. Acredito que o nome dele era algo parecido com…’

O homem levantou-se e mancou em direção ao bar, mantendo um peso


mínimo na perna esquerda enquanto usava um bastão de madeira para
manter o equilíbrio. Assim que eu percebi sua lesão, seu nome imediatamente
inundou minha mente junto com o resto das minhas memórias dele.

É o Sebastian.

Capítulo 172
Dentro da Taverna II

“O que há de errado?” Mica sussurrou, inclinando-se para perto com a cabeça


inclinada para baixo, de modo que apenas a metade inferior do rosto estivesse
visível. “Você reconhece alguém?”

Balançando a cabeça, voltei para a minha mesa. “Ninguém importante.”

Uma garçonete diferente – muito menos carinhosa – chegou com o nosso


pedido. Ela colocou as três canecas de cerveja na frente de Olfred junto com
uma única tigela de sopa contendo um pedaço de pão desleixadamente
submerso dentro do líquido pegajoso.

“Por favor, traga mais duas tigelas”, disse Olfred enquanto deslizava uma
caneca sobre a mesa na minha frente e de Mica.

“Há uma barraca a uma quadra para alimentar seus escravos”, disse ela com
repugnância.

Ignorando sua atitude, Olfred simplesmente mexeu o ensopado laranjado com


o pedaço de pão. “Foi uma longa jornada. Eles vão ter que comer aqui hoje de
noite.”

Eu não me incomodei em ver sua reação, mas ela saiu sem palavras. Minha
mente estava focada na caneca fria de cerveja borbulhando na minha
frente. Eu apertei a borda fria da caneca contra meus lábios secos, saboreando
a leve queima do meu esôfago quando o líquido gaseificado chegou ao meu
estômago.

Porra, isso é bom.

Mica quase terminou sua caneca inteira de uma só vez. Seu corpo estremeceu
quando ela soltou um suspiro feliz. “Até essa cerveja barata tem um sabor
divino para Mica agora mesmo.”

Com uma risada silenciosa, levantei minha caneca para outro gole. Pelo canto
dos meus olhos, vi a mesma garçonete sussurrando para um dos os homens
sentados na mesma mesa que Sebastian, apontando um dedo na nossa mesa.

“Parece que teremos convidados”, murmurei para as duas lanças enquanto


terminava minha bebida. Sylvie se escondeu mais fundo na minha capa
enquanto eu puxava um pouco mais sobre o meu rosto, só por precaução.

Alguns instantes depois, um homem grande, de barba desgrenhada, veio à


nossa mesa e, com ele, uma mulher baixa e corpulenta, com um sorriso esnobe
e roupas tão reveladoras quanto, se não mais do que as empregadas
domésticas daqui.

O homem barbudo olhou para mim e Mica com uma sobrancelha levantada e
um olhar de expectativa. Levantei-me sem dizer uma palavra, puxando Mica
de seu assento também, e ficamos atrás de Olfred.

A mulher, vendo as duas canecas meio vazias, soltou um bufo. “Você realmente
não deveria estar estragando seus escravos assim. Isso os faz pensar que
podem agir. “

“Como trato meus escravos não é da sua conta” respondeu Olfred secamente,
deslizando outro pedaço de pão debaixo da máscara. “Agora o que eu posso
fazer por vocês dois? Espero que você possa manter as coisas sucintas.”

“Sucinto?” O homem zombou. O encosto de madeira gemeu em protesto


quando ele se recostou no banco, mas continuou se segurando. “Algumas
palavras bonitas tem aí. Você deve ter cuidado com essas partes,
especialmente se estiver viajando do sul. “

Pude ver os dois tentando avaliar Olfred. Mica poderia passar como uma
criança humana, mas eu estava preocupado que eles percebessem que Olfred
não era humano.

“Obrigado pelo conselho”, respondeu Olfred, enquanto continuava encarando


os dois.

“Queríamos dar-lhe uma recepção calorosa por aqui”, disse a mulher,


inclinando-se para a frente nos cotovelos.
“Nós graciosamente viemos depois de ver como você trata seus escravos”,
continuou a companheira, lançando um olhar aguçado para Mica e eu. “Nós
temos uma linha inteira de escravos à venda que eu sinto que você estaria
interessado. “

Meu queixo apertou com as palavras dela. Imaginei uma sala cheia de crianças
e adultos, mal vestida e alimentada, mantida apenas como mercadoria.

“Vou ter que recusar educadamente”, respondeu a velha lança quase que
imediatamente.

“Não diga isso.” A corpulenta mulher deslizou para a beira do assento para
ficar mais perto de Olfred. “Temos uma fina linha de meninas e mulheres, se
você não estiver procurando por um escravo mais prático. “

“Temos até anões e elfos”, acrescentou o homem grande, seus lábios rachados
se curvando em um sorriso lascivo.

Houve um momento de silêncio antes de Olfred responder. “Pensei que após


a formação do Conselho, a escravidão inter-racial tivesse sido proibida?”

“É por isso que vai custar-lhe um braço e uma perna, se você quiser comprar
um.” O homem soltou uma gargalhada rouca com sua própria piada – ou com
o que ele considerava uma.

Se a lança estava com raiva, ele fez um bom trabalho ao escondê-la. Mica, por
outro lado, se mexeu ao meu lado. Consegui sentir a quantidade minúscula de
mana vazando dela, mas mesmo essa pequena quantidade foi suficiente para
me encher de inquietação. Pouco tempo depois da união das três raças, os
líderes dos três lados fizeram um esforço coletivo para abolir a escravidão. No
entanto, livrar-se da escravidão de uma só vez não só causaria insatisfação
entre os proprietários de escravos, mas haveria ramificações severas na
economia ao se livrar essencialmente de uma grande parte da força de
trabalho.

Para remediar isso, uma coisa em que o Conselho vinha trabalhando


diligentemente era adotar uma abordagem passo a passo; recompensando
proprietários que libertaram seus escravos e taxavam com impostos pesados
os proprietários que os mantinham.

Embora a escravidão existisse nos três reinos, sempre houve uma alta
demanda por escravos anões e, em particular, élficos de Sapin. Ao menos era
isso que Vincent, proprietário da casa de leilões Helstea, me disse.

Olfred empurrou gentilmente a tigela de ensopado. “Pensando melhor. Talvez


eu esteja um pouco curioso sobre o que você tem a oferecer.”
A mulher se aproximou um pouco mais, com o rosto contorcido no que
considerava sedutor. “Eu sabia que você estaria interessado. Vou avisar nosso
chefe.”

“Tudo bem se eu pelo menos me ajeitar em uma estalagem em algum lugar


próximo?” perguntou Olfred. “Nossa jornada tem sido um pouco difícil.”

A mulher fixou os olhos em seu companheiro antes de fazer um gesto com a


cabeça. Com um aceno de cabeça, ele acenou com um braço gigante para um
velho que estava secando ociosamente os copos com uma toalha. “Um quarto
para o cavalheiro e seus dois escravos!”

A mulher não deu a Olfred a chance de contestar, levando-o para a porta dos
fundos com o companheiro barbudo logo atrás. Desta vez, os homens e
mulheres sentados em nosso caminho ergueram suas cadeiras, abrindo
caminho enquanto seus olhares nos perfuravam.

Antes de entrar no corredor dos fundos com o ancião curvado, olhei de novo
para Sebastian, que estava sorrindo em nossa direção com uma garçonete
sussurrando algo em seu ouvido.

Assim que entramos no corredor mal iluminado, grande parte do clamor da


taverna diminuiu. Mica e eu seguimos atrás de Olfred silenciosamente
enquanto a lança mascarada respondeu à brincadeira ociosa da mulher
corpulenta.

“Aqui é o seu quarto, senhor. São duas pratas.” O velho estendeu a palma da
mão vazia enquanto a outra mão segurava uma chave enferrujada.

Duas pratas? Para um quarto sujo aqui em Ashber? Eu não pude acreditar. Era
razoável poder comprar um terreno aqui com duas pratas.

‘Nunca me interessei pela moeda deste continente, mas até para mim parece
ridículo’ respondeu Sylvie, incrédula.

No entanto, Olfred continuou desempenhando seu papel de nobre ingênuo e


cansado, enquanto produzia duas moedas cintilantes de dentro de sua capa.

Sem nem mesmo agradecer, o velho largou a chave na mão de Olfred e


cambaleou de volta para a taverna. A mulher, por outro lado, parecia ainda
mais paqueradora depois que Olfred produziu as moedas, chegando a apertar
o braço de Olfred antes que ela e seu companheiro voltassem.

“Nos encontraremos dentro de uma hora na taverna.” Ela se virou e deu uma
piscadinha para Olfred.

Fechando a porta atrás de nós, imediatamente bati meu punho contra a


parede. Como meu punho não estava coberto de mana, uma dor chocante
subiu pelo meu braço mas mesmo isso foi bem-vindo. O fato de não poder
fazer nada pelos escravos e pela minha cidade – eu merecia o pior.
Soltando um suspiro, examinei o quarto que não era maior que o banheiro que
eu tinha na minha casa em Ashber. Havia uma cama e cômoda
espremidos; mesmo levando em conta a pequena estrutura de Mica, ela e eu
teríamos que dormir sentados.

Tirando o capuz, Mica imediatamente pulou na cama, enterrando o rosto no


travesseiro antes de soltar um grito.

“Você fez bem em se conter com aqueles dois”, elogiei, removendo minha capa
também. “Aquela mulher, especialmente.”

Tirando a máscara, Olfred respondeu: “Sua aparência encantadora não


compensava o fato de ela ter capturado alguém da minha raça.”

Eu pisquei, ainda incapaz de me acostumar com os gostos dos anões.

“Se não fosse por essa missão, Mica teria achatado toda a taverna!” Mica gritou,
sua voz abafada do travesseiro.

“Meus pensamentos eram os mesmos”, respondeu Olfred. “Nossas


circunstâncias, no entanto, nos forçam a ser discretos.”

Eu me virei para a lança mais velha. “Se decidirmos agir, nossa missão é
prioritária. Não há problema em ir com eles para ver esses escravos – de fato,
isso nos dá uma cobertura melhor para se movimentar. “

Olfred assentiu em resposta quando ele tirou a capa e a jogou sobre a cômoda
de madeira.

Sentei-me ao pé da cama enquanto Sylvie fumegava ao meu lado.

Algo em sua mente?

‘Não entendo por que haveria uma alta demanda por escravos de diferentes
raças. É porque os humanos sentem pena de escravizar alguém de sua mesma
raça?’ meu vínculo perguntou.

Não. Por mais assustadoramente, muitas famílias nobres praticavam


cruzamentos com seus escravos anões ou élficos para que seus filhos pudessem
ter uma vida melhor e melhor potencial como mago. Lucas Wykes foi um
produto dessa prática.

Sylvie não respondeu, mas devido ao nosso vínculo, eu podia sentir a raiva
dela derramando; eu não a culpo. Quando li pela primeira vez sobre os elfos,
pensei em eles como esta raça mística com uma alta afinidade pela
magia. Essa crença foi reforçada pelo fato de que minha estadia em Elenoir foi
principalmente com a família real. Quando penso na época em que havia
resgatado Tessia de comerciantes de escravos, eu deveria ter imaginado que
eles procuravam por crianças ou adultos mais fracos e desavisados.
O Conselho havia proibido a escravidão inter-racial há alguns anos, mas depois
de ver esses dois, parece que ainda estava acontecendo.

‘E a floresta ao redor do reino élfico? Não deveria impedir a maioria dos outros
seres, exceto elfos e animais nativos?

É por isso que os escravos élficos são tão raros. Os comerciantes não precisam
apenas ser lutadores hábeis, eles precisam ter cães capazes de guiá-los através
da floresta de Elshire.

Desprezo derramado fora do meu vínculo. ‘Para ir tão longe…’

Vindo de uma casa modesta, meus pais nunca teriam condições de pagar por
um escravo, mesmo que quisessem. Isso, por sua vez, de certa forma
obscureceu meu encontro com escravos. Ainda assim, o fato de estar
acontecendo na minha cidade natal mais do que apenas me irritou.

“Se não conseguirmos lidar com isso diretamente, Mica vai informar o
Conselho do que está acontecendo aqui”, disse a lança pequena
abruptamente, disparando sobre a cama.

Eu balancei a cabeça, sem me preocupar em me virar para encarar o anão. “Soa


como um plano.”

A pousada tinha um banheiro no final do corredor e, quando Olfred saiu da


sala para usá-lo, um homem desconhecido com uma pequena adaga presa à
cintura o escoltou até lá. Enquanto Olfred disse que o homem era bom o
suficiente, era óbvio que um lugar como esse não oferecia esse tipo de
serviço. Estávamos basicamente presos aqui.

Uma hora se passou num piscar de olhos. Decidimos que era melhor Mica ficar
para trás, caso ela não fosse capaz de controlar seu temperamento. Apesar de
numerosas queixas dela, a lança infantil dormiu como um tronco assim que
sua cabeça bateu no travesseiro improvisado que ela havia feito ao enrolar a
capa dela.

Nós dois nos vestimos mais uma vez antes de abrir a porta. Era óbvio para nós,
mesmo antes, que havia pessoas esperando do lado de fora, mas nós
permanecemos casuais.

“Descansou bem?” A mulher corpulenta perguntou, sua voz um pouco mais


distorcida do que quando ela veio a nós pela primeira vez.

A julgar pelas bochechas coradas que seu companheiro tinha, parecia que os
dois estavam bebendo enquanto isso.

“Venha! Siga-nos desta maneira. Nosso líder quer se encontrar com você”
disse a mulher, aproximando-se de Olfred.
Fiquei em silêncio enquanto seguia atrás do meu mestre até o homem barbudo
falar. “Seu escravo menor não vai se juntar a nós?”

“O corpo dela não está acostumado a viajar distâncias tão longas”, respondeu
Olfred sem se virar. “Eu não pensei que seria um problema apenas deixando-
a dormir no quarto.”

Os lábios do homem barbudo se curvaram em um sorriso malicioso.

“Ah! Então o corpo dela está acostumado a outras coisas” ele riu, cutucando
Olfred com o cotovelo.

Revirei os olhos. Esse macaco não tem senso de decência?

O clamor abafado da taverna ficou mais alto quando nos aproximamos da


entrada. Enquanto o estabelecimento ainda estava ocupado, a mesa mais
próxima de nós estava aberta com apenas uma pessoa sentada. Sebastian.

“Líder, eu os trouxe aqui”, a mulher falou, o calafrio em sua voz inexistente.

Líder? Eu quase disse em voz alta, meus olhos olhando para cima para ter uma
visão melhor do mágico careca. Eu não tinha ressentimento em relação a
Sebastian. Mesmo naquela época, quando eu ainda era um menino neste
mundo, eu o via ganancioso e sem vergonha, mas insignificante. O desejo
infantil que ele tinha pelo meu vínculo, e o fato de ele ter usado o rei para me
‘coagir’ a desistir dela me irritava, mas eu nunca pensei que ele estaria aqui.

Mesmo se ele tivesse recebido punição naquela época por suas ações na casa
de leilões, duvido que isso tenha levado a algo além de um aviso. Ele era
nobre; ele não deveria ter nenhum interesse em uma cidade remota como
Ashber.

“Você pode sair.” Ele os dispensou com um aceno de mão. Os olhos redondos
de Sebastian me inspecionaram e eu podia senti-lo sondando meu núcleo de
mana. Ele não seria capaz de sentir nada, é claro. Mesmo se eu ainda não
estivesse no estágio do núcleo branco, eu estava em um nível alto o suficiente
em que ele não seria capaz de detectar traços da minha mana. Seu olhar se
moveu de cima do meu esterno para o meu rosto, mas ao ver meu cabelo
desgrenhado e o rosto manchado de sujeira, seu foco se voltou para Olfred.

“É um prazer”, Sebastian disse com um sorriso largo, aparentemente


inocente. “Permita-me recebê-lo na minha cidade.”

Capítulo 173
Conduzindo negócios

“Prazer em conhecê-lo” disse Olfred com a pouca cortesia que conseguiu


reunir. “Meu nome é Cladence da casa…”
Sebastian levantou a palma da mão, interrompendo a lança
mascarada. “Deixe-me parar você aqui. Nomes de casas não são necessários
em provações como essa. Eu vou simplesmente chamar você de Cladence e
você pode me chamar de Sebastian.”

“Muito bem”, respondeu Olfred. “Sebastian.”

“Bom.” O mago de olhos redondos assentiu em aprovação. “Agora. Antes de


irmos aos negócios…”

Sebastian murmurou um cântico enquanto acenava com o braço


ostensivamente. Depois de alguns instantes, uma proteção translúcida nos
cobriu, amortecendo o clamor da taberna. Uma demonstração óbvia, mas não
muito impressionante, da magia dos atributos do vento. Ainda assim, joguei
como escravo ingênuo e soltei um suspiro de espanto.

O olhar do mago mudou de mim para Olfred, mas vendo que seu convidado
mascarado não mostrava nenhum sinal discernível de reverência por essa
demonstração, os lábios de Sebastian se curvaram levemente em uma careta.

“Está um pouco barulhento aqui e as pessoas presentes não são as mais


educadas”, disse ele, inclinando-se para pegar uma das canecas cheias de
cerveja no centro da mesa. “Desculpe-me pelo comportamento dos meus
subordinados. Incomodando você assim quando você finalmente se senta
para descansar, eu vou ter que repreendê-los.”

Olfred estendeu a sua mão grande segurando o cabo da caneca com


força. “Isso não é um problema. Obrigado pela hospitalidade aqui na
pousada.”

“Hospitalidade?” O mago careca olhou incrédulo para a lança mascarada antes


de soltar um bufo. “Você e eu sabemos que esse tipo de lugar é adequado para
porcos.”

A lança mascarada soltou uma risada antes de tomar um gole de sua caneca.

Era óbvio que Sebastian estava olhando para a cabeça de Olfred, tentando dar
uma olhada em como seu rosto estava embaixo da máscara.

“Algo está errado?” A lança respondeu depois de perceber.

Sebastian encolheu os ombros com indiferença enquanto bebia da caneca


também. “Só estou curioso sobre a história por trás da sua máscara. Eu já vi
aventureiros vestindo de tempos em tempos, mas nunca nobres.”

Olfred coçou a cabeça. “É muito óbvio que sou um nobre?”

“Bem, é preciso conhecer um”, Sebastian disse com orgulho.


“Eu imaginei”, a lança assentiu. “A julgar pela sua aparência e habilidade
mágica, você parecia deslocado aqui também.”

Comparado aos homens desagradáveis, a maioria dos quais vestidos de


trapos, Sebastian realmente parecia com seu gibão ricamente tingido.

Os olhos de Sebastian brilharam de alegria com a bajulação de Olfred. “De


fato. Eu ficaria ofendido se você tivesse pensado em mim como esses
diabinhos.”

A lança mascarada bateu sua caneca de volta na mesa. “Eu seria um tolo se o
fizesse!”

Durante o resto da conversa, parecia que os dois realmente se deram bem. Se


Olfred era realmente bom em atuar ou ele na verdade achou Sebastian amável.
Eu não tinha certeza, mas depois de mais algumas canecas de cerveja,
Sebastian estava com a cara vermelha e soluçando. Foi quando sua verdadeira
personalidade saiu.

“Então… que tipo de garota você está procurando?” Sebastian perguntou, com
seus olhos vidrados.

“O que faz você pensar que estou procurando uma garota?” Olfred respondeu.

O mago careca soltou uma risadinha quando apontou um dedo para a lança
mascarada. “Por favor. Meus subordinados me disseram como você
praticamente se iluminou quando eles mencionaram que eu tinha elfos e
anões em estoque.”

Olfred parou por um momento, e eu quase tive medo de que a lança dissesse
algo que ele não deveria.

“E se eu estiver?” Olfred respondeu, sua voz profunda saindo arrastada.

Sebastian levantou as duas mãos em um gesto apaziguador. “Eu não


julgo. Para que ter dinheiro e poder, se você não pode gastar com o que você
quer.”

“Claro!” Olfred bateu a caneca na mesa de madeira, mas soltou um suspiro


profundo. “É por causa daquelas mulheres nobres e da maneira que olham
para mim.”

Onde ele está indo com isso?

Inclinando-se para a mesa, Olfred apontou para a máscara. “Você sabe a


verdadeira razão pela qual eu uso essa máscara sufocante? É porque eu tenho
cicatrizes em todo o meu rosto por conta de um incêndio em casa.”

“Ah, sério?” Sebastian perguntou, intrigado.


“Sim, e o pior é que esse incidente aconteceu comigo quando eu ainda era
adolescente. Os ferimentos que consegui minha perna atrapalharam meu
crescimento, não apenas meu rosto estava desfigurado, mas agora sou uma
cabeça mais baixo que meu maldito escravo!” Olfred disparou um dedo para
mim enquanto eu estava ali, perplexo.

Mesmo sabendo a verdadeira identidade de Olfred, não pude deixar de


adivinhar se esse incidente realmente havia acontecido em algum momento
de sua vida.

‘Ele passa muita credibilidade’, comentou Sylvie, ouvindo a conversa deles.

Eu que o diga.

“Nem me diga!” Sebastian terminou outra caneca de cerveja e colocou-a em


cima da mesa antes de limpar a espuma em volta dos lábios. “Quando eu
estava servindo a família real, as mulheres corriam para ter a chance de ir para
a cama comigo, mas depois de ser dispensado da minha posição, essas
mesmas vagabundas me tratavam como de algum tipo de inseto!”

“Você serviu a família real?” Olfred exclamou. “Por que você se aposentou?”

Sebastian rangeu os dentes, os nós dos dedos ficando brancos de quão duro
ele estava segurando a caneca. “Por causa daquele maldito pirralho.”

“Pirralho? Que pirralho?” perguntou Olfred.

O mago de olhos redondos jogou sua caneca no chão, que quebrou com o
impacto. Isso atraiu olhares cautelosos das mesas próximas. O resto da
taverna que antes era embaçada com o feitiço amortecedor de barulho de
Sebastian ficou mais clara por causa de seu estado embriagado.

“Sou um mago de atributos duplos, quase no estágio laranja sólido, mas o


único respeito que posso obter é desses macacos sujos!”, exclamou ele
acenando com o braço para os homens de aparência vil e as poucas mulheres
que não pareciam muito melhores dentro da taverna.

Olfred levantou o copo no ar. “Para aquelas cobras rasas e miseráveis! Que
eles enruguem e cedam como os trapos soltos que são!”

Sebastian bufou alegremente enquanto ria da lança. “Eu sabia que encontrei
um bom homem quando vi você entrando por aquelas portas! Agora vamos
pegar alguns brinquedos novos para você brincar!”

Os dois saíram cambaleando da taberna. Sebastian mal conseguia andar com


a lesão na perna que eu havia quebrado quando ainda era criança.

“Ei você. Venha aqui.” Ele gesticulou para mim enquanto se inclinava contra a
parede da taberna.
Eu silenciosamente respeitei e fui até o mago embriagado quando ele
repentinamente passou o braço em volta do meu ombro, inclinando-se
pesadamente contra mim.

“Você não se importa se eu usar seu escravo como uma bengala, certo
Cladence?”

“Claro que não. É para isso que servem os escravos” respondeu Olfred,
enquanto eu engolia o desejo cada vez maior de quebrar a outra perna de
Sebastian.

‘Este homem está realmente testando minha paciência’, disse Sylvie com uma
raiva fervente que combinava com a minha.

Nós três saímos da taberna com a mulher corpulenta e o homem barbudo


seguindo logo atrás. Eu praticamente tive que carregar o esbelto mago
enquanto sua perna flácida se arrastava no chão.

“Você sabe… levei meses para ser capaz de tolerar esse posto avançado, mas
eu não sinto falta da minha antiga posição”, Sebastian zumbiu enquanto
fizemos nosso caminho pelas ruas escuras de Ashber. “As pessoas aqui fazem
mais do que apenas me respeitar – elas me temem. Eu sou um deus para eles.”

O mago bêbado deu um tapinha complacente na minha bochecha enquanto


olhava para cima para ver meu rosto dentro do meu capuz. “Você viu minha
magia antes, certo? Eu posso te matar com o estalar dos meus dedos.”

Aguenta Arthur. Por enquanto.

Quando eu não respondi, Sebastian continuou a bater nas minhas bochechas


com a palma da mão, cada tapa ficando um pouco mais forte. “Você é surdo,
ou você está desrespeitando-me por causa da minha perna?”

“Não ligue para ele” disse Olfred, colocando a mão no ombro de Sebastian. “O
garoto não pode falar.”

“Bah! Cladence, de que serve guardar bens danificados como ele?” cuspiu o
mago careca. “Que tal eu lhe fazer um favor e comprá-lo de você? Eu tenho
alguns senhores que gostam de garotos como ele.”

“Tentador!”, respondeu a lança, tropeçando nas próprias pernas. “Mas ele não
é meu. É do meu pai, e a última vez que penhorei uma de suas coisas, ele me
cortou do dinheiro dele por um mês inteiro!

“V-Vê?” Sebastian soluçou. “Esse é o tipo de coisa que eu não sinto falta. O
dinheiro da família é bom e tudo, mas não é verdadeiramente seu. Minha
riqueza é minha. Cem por cento meu!”

Olfred assentiu. “Verdadeiramente invejável.”


Viajamos para o outro lado da cidade por ruas sem nome, cheias de casebres
gastas e becos cheios de pilhas de lixo. Ao longo do caminho, o mago bêbado
tropeçou inúmeras vezes nas ruas negligenciadas, cheias de rachaduras e
buracos, e cada vez que isso acontecia ele soltava uma série de maldições para
mim.

“Graças aos céus que você não era meu escravo. Algo em você me irrita” ele
cuspiu enquanto olhava para mim através dos olhos brilhantes sem saber que,
se ele estivesse sóbrio e se preocupasse em olhar com cuidado, ele poderia
ter reconhecido quem eu era.

Eu podia sentir uma fúria violenta crescendo, mas não era minha. Sylvie, ainda
escondida nas profundezas da minha capa, estava prestes a explodir quando
finalmente chegamos.

À nossa frente havia um amplo edifício de pedra sólida de um andar. Apenas


de uma olhada superficial, a estrutura pareceu ter mais de duzentos metros
de diâmetro e com várias dezenas de metros de largura. Havia dois guardas
preguiçosamente sentados contra a parede ao lado da entrada da frente.

Eu tinha certeza de que um edifício desse tamanho não existia em Ashber


quando morava aqui, o que levantou as questões: Sebastian o construiu? E se
ele fez, quantos escravos ele capturou para exigir uma prisão tão grande?

Os guardas se levantaram, saudando desajeitadamente em


sincronia. “Senhor!”

Seus olhares cintilaram em suspeita entre mim, seu chefe que estava
encostado fortemente em mim e o Olfred mascarado. Um dos guardas
já segurava o punho de sua espada bruta, semelhante a um facão, presa às
costas.

“Abra as malditas portas, idiotas inúteis!” Sebastian latiu. “Temos um cliente.”

“Sim, senhor!” Eles responderam em sincronia desta vez antes de separar as


duas portas de metal deslizantes.

Acho que vou descobrir quantos escravos ele está segurando aqui em
breve, pensei enquanto levava Sebastian pela entrada com Olfred apenas ao
meu lado.

O cheiro me atingiu primeiro. Uma mistura de odores desagradáveis foi


amplificada pelo ar úmido e pegajoso causado pela falta de ventilação
adequada. Mesmo Olfred visivelmente recuou do cheiro enquanto Sebastian
apenas acenou com as mãos na frente do nariz. Havia pouco visível ao lado da
tremulação luzes e o alçapão no chão alguns metros à nossa direita.

‘Algo não parece certo’ alertou Sylvie.


Eu também sinto isso, mas, novamente, se você pensar onde estamos, seria
estranho parecer normal, respondi, dando outro passo. Meu peito apertou e os
meus pelos estavam arrepiados, mas eu ignorei o protesto do meu corpo. Se
eu ia voltar e salvar as pessoas que estavam aqui, eu tinha que saber seu
layout e aproximadamente quantos foram presos.

“Alguém morreu aqui de novo?” Ele disse com raiva.

Um homem magro e esfarrapado, de macacão, e um avental sujo saiu correndo


de um dos corredores mal iluminados das celas. “Senhor! Minhas desculpas
pelo cheiro. Eu estava apenas limpando!”

Sebastian finalmente se afastou de mim, sozinho com a bengala de madeira


que a corpulenta mulher carregava para ele. “O que aconteceu?”

O feiticeiro de olhos redondos começou a mancar pelo corredor central,


checando cada uma das celas da prisão que eu presumi terem escravos lá
dentro. Era estranho o quão silencioso era esse lugar. Não houve lamentos de
tristeza ou pedidos de ajuda. Estudei cada um deles enquanto seguia
Sebastian com Olfred. Todos eles estavam vestidos de trapos, amontoados no
canto mais distante da cela. Quando eles olharam para nós, senti calafrios no
escuro com os olhos vazios que todos compartilhavam.

Não olhe, enviei para Sylvie enquanto ela se mexia do interior da minha capa.

‘É tão ruim’, respondeu Sylvie, mais como uma afirmação do que como uma
pergunta.

Eu cerrei os dentes. Eles são tratados pior que o gado.

“Era uma das mulheres grávidas”, respondeu a pessoa que estava limpando ao
pousar o esfregão que estava segurando antes de seguir seu chefe. “Ela
morreu dando à luz. “

“O bebê. Ele sobreviveu?” Sebastian perguntou, imperturbável.

“Teremos que esperar mais alguns dias para ter certeza, mas a menina recém-
nascida parece saudável agora.”

Sebastian assentiu em aprovação. “Excelente. O recém-nascido valerá mais do


que aquela vagabunda de qualquer maneira.”

Enquanto o feiticeiro lentamente mancava pelos corredores, notei as


diferentes reações de cada um dos escravos. Alguns tremeram
incontrolavelmente quando Sebastian passou, outros tinham olhares
maldosos, alguns apenas tinham olhares distantes e vazios.

“Os anões e os elfos são mantidos mais abaixo, mas” – Sebastian virou-se para
encarar Olfred, um sorriso lascivo no rosto magro e pastoso – “você vê alguém
que você está morrendo de vontade de colocar em suas mãos?”
A lança mascarada levantou a mão. “Na verdade…”

Antes que eu pudesse reagir, a terra embaixo de Sebastian começou a se


envolver, cobrindo os pés e subindo pelas pernas.

“Huh?” Sebastian soltou enquanto tentava sair da terra nascente.

Virei minha cabeça em direção à lança mascarada. “O que você está fazendo?”

A lança permaneceu em silêncio enquanto ele continuava seu feitiço. Era


lento, mas ele estava fazendo de propósito. Eu podia ver o mago de olhos
arregalados de medo e confusão.

“O-o que seus idiotas estão fazendo! Peguem eles!” – o mago usou sua bengala
de madeira para disparar contra Olfred quando ele soltou um grito agudo de
agonia. A terra que consumiu suas pernas e continuava subindo, seu corpo
começou a ficar vermelho escuro. Um leve chiado pôde ser ouvido em meio a
seus gritos quando o cheiro de carne queimada chegou ao meu nariz.

O feitiço que Olfred lançou sobre Sebastian não foi para prendê-lo – era para
torturá-lo lentamente.

“Olfred!” gritei sem sucesso. O carcereiro se afastará o mais longe possível de


Sebastian. Eu podia ouvir os passos dos dois subordinados atrás de nós.

“Droga”, eu assobiei, girando a tempo de pegar o braço do homem corpulento,


pouco antes de sua adaga alcançar a lança.

Duvido que a fraca tentativa lhe causasse algum mal, mas, no entanto, esses
dois eram problemas.

“Fora do caminho!” O bruto cuspiu enquanto ele balançava o outro braço.

Sem um pingo de hesitação, dei um soco no braço do homem. Um estalo agudo


ecoou da colisão pouco antes de sua mão cair ao seu lado.

O homem barbudo soltou um uivo de dor, deixando sua adaga cair para apoiar
o braço quebrado.

Eu peguei sua adaga enferrujada quando ela caiu e dei uma rasteira logo
abaixo dos joelhos da corpulenta mulher. Ela caiu no chão, mas antes que
pudesse levantar eu enfiei a adaga de sua companheira em sua mão,
espetando-a no chão.

Olhei por cima do ombro para ver como Sebastian se saiu contra a lança, mas
tudo o que vi foi uma estátua de lava derretida na forma de um mago. Ele
estava morto, envolto em uma tumba de magma endurecido.
“Que diabos!” Eu bati, agarrando o ombro da lança mascarada. “Mesmo se você
o quisesse morto, você poderia matá-lo sem usar magia desviante. O que você
fará se o Vritra perceber o que aconteceu aqui?”

“Suas preocupações são em vão”, disse Olfred calmamente, tirando a máscara.

Confuso, ativei Realmheart. Eu queria ver quanta flutuação de mana foi


causada pelo feitiço da lança, e se era possível permanecer oculto apesar
desse revés.

No entanto, o que vi me deixou ainda mais confuso. Havia partículas de mana


movendo-se erraticamente ao redor do cadáver de Sebastian, mas também
havia flutuações de mana ao nosso redor. Ou um feitiço de larga escala foi
usado ou uma batalha ocorreu aqui recentemente.

Eu girei, a visão trêmula e as palmas das mãos úmidas. Meus instintos já


tinham sentido o que estava acontecendo antes mesmo de eu ver o familiar
Vritra se aproximando de mim.

Capítulo 174
O abraço da mãe Terra

A figura andava com uma marcha confiante, os braços magros, bagunçados,


envoltos em bandagens negras penduradas ao seu lado. Ele estava um pouco
curvado, o que o fez parecer um pouco mais baixo do que realmente era, mas
ele ainda estava bem acima de um metro e oitenta. Mesmo antes de ele ter
chegado perto o suficiente para eu ver o rosto dele, eu já sabia quem ele era.

Como eu poderia esquecer o retentor que matara a lança que eu substituí?

“Uto.” Eu disse calmamente, apesar do meu interior furioso.

Seus lábios escuros se abriram em um sorriso sinistro. “Olá, garoto maravilha.”

“Retentor Uto”, Olfred cumprimentou com uma reverência estranhamente


rígida.

Eu reprimi meu desejo de zombar a lança. Apesar da reviravolta dos


acontecimentos, fiquei realmente aliviado por ter sido Uto. Ao contrário Cylrit
ou qualquer outro Vritra, seu motivo era óbvio.

Uto ignorou a lança anã quando se aproximou de mim com os braços


estendidos. “Você não pode imaginar como estou animado por ter você aqui.”

“Sério?” Eu sorri, brincando junto. “Na verdade, eu estava esperando um


retentor diferente”.

Pude ver Olfred reagir pelo canto do olho.


“Oh?” Uto baixou a cabeça, então seu olhar estava nivelado com o meu. Seu
nariz cinza pálido estava praticamente tocando o meu. “Você parece saber um
pouco mais do que eu pensei que você saberia.”

Com Realmheart ainda ativo, eu pude ver claramente sua aura, a auréola
brilhante de poder estalando caoticamente como sua própria natureza. Mas
mesmo sem isso, eu podia sentir a pressão no ar ao seu redor. Uma tensão
palpável que estava espremendo o ar dos meus pulmões.

“Os dois humanos.” Sylvie lembrou de dentro da minha capa.

Os dois subordinados do Sebastian petrificado estavam em um ataque de


espasmos enquanto encaravam Uto com os olhos arregalados. Eles não
sabiam quem ele era, mas seus corpos eram capazes de sentir a força do ser
diante deles.

“Vamos levar nossa luta para outro lugar”, eu disse simplesmente, voltando
meu olhar para o Vritra.

Uto inclinou a cabeça. “Luta? Por que você acha que um menor como você vale
meu tempo?”

“Porque você está aqui”, respondi, perdendo a paciência. “Se tudo o que você
queria era me matar ou me capturar rapidamente, então tenho certeza de que
Olfred e poucos de seus soldados seriam suficientes.”

O retentor não respondeu com seu olhar parecendo… sem graça.

De repente, ele caiu na gargalhada. “Eu posso ver por que muitos de vocês
tentam tanto manter seus motivos ocultos. Para momentos como este, quando
deveria ser uma surpresa.”

Ele se virou e fez um gesto de desprezo. “Lidere o caminho.”

“Retentor Uto!” Olfred deixou escapar. “As instruções de Lorde Rahdeas eram
para lidar com essa questão de maneira limpa, para minimizar as chances
de…”

A lança nem sequer teve a chance de terminar quando ele soltou um grito de
dor. Um espinho preto disparou do chão sob Olfred, espetando o nariz da
lança.

“Você acha que eu dou a mínima para o que seu mestre traidor acha que é o
melhor curso de ação?” Uto cuspiu, olhando por cima do ombro antes de
continuar caminhando em direção à porta.

Eu verifiquei os dois subordinados. Eles estavam inconscientes, mas ainda


respiravam. Enquanto eu caminhava em direção à entrada de onde eu vim, eu
verifiquei o maior número de escravos que pude. A maioria deles estava com
frio e os que estavam conscientes provavelmente estavam em um estado
melhor do que os que não estavam. Dei uma última olhada em Olfred, que
havia erguido um pilar de pedra sob os pés para ficar alto o suficiente para
desalojar o nariz do espinho preto.

Apesar das minhas suspeitas, essa curta viagem foi preenchida com uma fraca
esperança de que minhas dúvidas não fossem verdadeiras. Agora que estavam
confirmadas, era difícil embrulhar minha cabeça em torno das emoções que
se manifestam dentro de mim. Eu nunca fui bom nisso na minha vida anterior,
e pensei que tinha ficado um pouco melhor nessa vida, mas aparentemente
não o suficiente.

Quebrei uma das três miçangas que Aya havia me dado, ativando seu efeito
antes de jogá-la no grande alçapão da entrada. Os olhos de Olfred cresceram
ao ver isso, sabendo exatamente o que isso significava.

PONTO DE VISTA DE OLFRED WAREND

Eu amaldiçoei, me repreendendo pela virada dos eventos. Pensar


que ela estaria por perto. Não houve tempo.

Esfregando meu nariz perfurado que já havia começado a curar, desci ao


chão. A terra obedeceu, separando-se debaixo de mim para fazer um caminho
para o chão embaixo do prédio que servia de cobertura.

Caí no chão subterrâneo abaixo, fazendo vários soldados gritarem de surpresa.

O nível subterrâneo que eu havia feito era muito maior que a estrutura da
prisão acima dele. Aqui, milhares de soldados conseguiram ficar em modo de
espera.

“Evacuem as instalações imediatamente.” ordenei, minha voz ecoando nas


grandes paredes da câmara.

Uma mistura de respostas. Os soldados Alacryanos se entreolharam enquanto


outros ignoravam descaradamente meu comando. Eu e eles estávamos
lutando pela mesma causa, mas como este era o continente onde eu nasci,
eles me viram como um traidor incapaz de liderá-los, apesar da diferença no
poder e experiência.

Repeti meu pedido mais uma vez, desta vez causando o terremoto à nossa
volta. Não tivemos tempo.

Os soldados começaram a se mover lentamente em direção às escadas que


levavam de volta à superfície. Ajudei-os erguendo mais algumas escadas, mas
quando a luz dos artefatos pendurados nas paredes começaram a explodir um
por um, eu sabia que era tarde demais.

Amaldiçoei, erguendo uma dúzia de cavaleiros de magma ao meu redor, mas a


câmara enegreceu para um estado quase totalmente escuro.
Gritos de confusão dos soldados ricochetearam nas paredes que antes
serviam de proteção e cobertura. Agora eu temia que esses homens
estivessem em uma prisão.

Eu me envolvi em uma barreira protetora de mana enquanto enviava pulsos


por toda a câmara subterrânea na esperança de localizá-la.

“Saia, Aya. Haverá outro Vritra – uma foice – em breve. Se você fugir agora,
posso garantir que você sairá viva.” Tentei argumentar com ela. Não senti
remorso por esses soldados de ascendência estrangeira, mas eles faziam parte
de um plano maior e o tempo estava se esgotando. Se Aya escapou e foi capaz
de notificar o asura Aldir da minha traição, seria fácil para ele simplesmente
me matar apenas invocando o artefato que eu estava vinculado, mas a essa
altura, talvez eu prefira isso sobre o que ela pode fazer aqui.

“Tão carinhoso.”

Seu sussurro roçou no meu ouvido, como se ela estivesse ao meu lado.

Meu cavaleiro de magma prontamente atacou com sua espada. Um arco


ardente de lava foi lançado na direção do sussurro de Aya apenas para colidir
com a parede. O ataque se espalhou em faíscas brilhantes com o impacto,
iluminando a sala escura por apenas um segundo. Foi quando eu notei isso.

Névoa.

Toda a câmara subterrânea estava submersa em uma espessa camada de


névoa em turbilhão que quase parecia ter uma mente própria. E dentro desta
névoa, o caos se seguiu.

Flashes esporádicos de feitiços iluminaram a vasta câmara quando os


soldados começaram a retaliar contra o intruso, mas mesmo estes se tornaram
menos frequentes enquanto Aya trabalhava.

“Eu tenho que te agradecer por prender tantos Alacryanos em um só lugar.”


ela sussurrou novamente, desta vez ao lado do meu outro ouvido. “Fez meu
trabalho muito mais simples.”

“Chega de seus truques e ilusões!” Eu rugi. “Venha e lute comigo cara a


cara! Você não tem vergonha como lança?”

“Vergonha?” A voz de Aya ecoou em uníssono de pelo menos doze locais


diferentes ao mesmo tempo. “É uma questão de bom senso, querido. Por que
eu jogaria fora uma das poucas vantagens que tenho?”

Havia uma leviandade em suas palavras que parecia arrogante nessa


situação. Ela sempre foi assim. Nem um pingo de seriedade na sua fachada
sempre presente.
“Você não me deixa escolha.” respondi entre dentes. “Me livrar de uma lança,
pelo menos, compensará o meu erro.”

Bati minha palma no chão, criando abismos em todo o chão e nas paredes da
câmara que iluminavam um vermelho ardente. A temperatura dentro do meu
domínio recém-criado subiu drasticamente, enquanto o magma brilhante que
derramava dos abismos iluminava a expansão subterrânea.

A névoa que encheu a área estava evaporando lentamente enquanto meus


sentidos se afiavam. O feitiço de Aya funciona como a névoa presente na
Floresta de Elshire, exceto que também servia de âncora para ela se
movimentar livremente e quase instantaneamente.

Apesar das quantidades crescentes de mana de fogo e terra ao meu redor, não
parecia bom. Meu primeiro instinto teria sido escapar para um local aberto
onde eu pudesse pelo menos evitar a névoa, mas isso significaria abandonar
os cerca de mil soldados presos aqui. Fiquei tentado a apenas elevar toda a
câmara subterrânea à superfície, mas isso significaria destruir o edifício acima
de nós. Eu não derramaria sangue inocente, especialmente o da minha própria
espécie.

Eu examinei meu entorno. Muito do que eu pude perceber foi obscurecido pela
névoa, mas a terra me disse quantos estavam pelo menos em pé e quantos
jaziam mortos ou incapacitados. Nesse curto espaço de tempo, mais de um
quarto já havia caído.

Amaldiçoei mais uma vez, mas me arrependi de fazê-lo imediatamente depois,


quando uma risada arejada ressoou ao meu lado.

“A fortaleza mental inexpugnável de Olfred Warend está desmoronando


lentamente?” Aya sussurrou atrás de mim desta vez.

Um grupo de soldados em posição defensiva estava lançando feitiços antes de


cada um começar a cair no chão, apertando o pescoço.

Não poderei proteger ninguém nesse ritmo, pensei pouco antes de uma
debandada de serpentes com chifres aparecer de repente com fervor mortal.

Eu ignorei as ilusões. Em vez disso, pedi que três das fendas no chão entrassem
em erupção. Três explosões de lava derretida coalesceram em uma colisão
ardente onde eu senti a flutuação da mana de Aya.

Meu feitiço acertou.

“Como esperado. Não posso baixar minha guarda contra você” ela riu,
brilhando à vista. Aya estava segurando o braço queimado.

Enquanto isso, gritos de horror e choque ecoavam dos soldados que não
conseguiam distinguir entre o que era real e o que era suas ilusões doentias.
“Suas ilusões são tão sádicas como sempre, Aya”, cuspi em desgosto. “Esse
hábito doentio de torturar suas vítimas é o motivo de você estar sempre
excluída, mesmo entre o seu próprio povo.”

“Eu vi aquela estátua adorável que você fez lá em cima”, respondeu Aya,
desaparecendo de vista. “Se você me perguntar, eu prefiro que minha
respiração seja sugada dos meus pulmões do que ser queimado lentamente
até a morte em uma tumba derretida.”

“Essa imundície mereceu.” Ergui outro cavaleiro de magma no local de sua


voz. “Eu dei a ele o mesmo destino daqueles que ele escolheu escravizar por
ganhos monetários.”

“Essa é a mesma lógica que o levou a trair Dicathen?” Seu tom era agudo, o
que era raro para Aya.

“Vocês elfos nunca entenderam as dificuldades pelas quais nosso povo


passa. Mesmo após sua guerra com os humanos, os anões ainda são tratados
como classe baixa. Só porque nosso povo prefere aprimorar nossas
habilidades mágicas para criar ao invés de destruir, somos menosprezados e
usados. Confio na decisão que Lorde Rahdeas escolheu tomar para unir armas
com os Vritra e seu exército Alacryano.”

“Você acha que o Vritra se importaria com Rahdeas e seu povo? Os Vritra e
todos os outros asuras nos chamam de seres menores porque não somos nada
para eles!” Ela disse com mais emoção do que eu já a tinha visto exibir. “Você
leu o relatório que recebemos, não foi? Como o Vritra realizou experimentos
com os Alacryanos a fim de aprimorar seu exército para lutar contra os outros
clãs Asura! Eles querem fazer o mesmo aqui, com o seu – com
o nosso povo. Anões, humanos e elfos!”

Agora!

Eu sugava o máximo de mana que podia, criando uma explosão devastadora


de fogo e pedra ao meu redor.

A névoa ilusória se dissipou para revelar a lança élfica.

Ela inclinou a cabeça. “Você desistiu de proteger os alacyranos?”

“Os que sobraram estão mortos. Os outros escaparam pelos túneis que criei
enquanto você estava tão ocupado me dando uma palestra” respondi.

Aya ainda usava sua máscara de apatia, mas eu pude notar pela leve contração
em sua testa que ela tinha calculado mal.

Sem hesitar, corri em sua direção. Aya revidou, correndo de volta enquanto
jogava crescentes de ar comprimido em mim. No entanto, eu não estava mais
em uma situação em que eu tinha outras pessoas para proteger.
Lajes de lava do chão e paredes ao nosso redor começaram a gravitar ao meu
redor, me envolvendo para formar um traje protetor de rocha derretida. As
lâminas de ar comprimido lascavam minha armadura mágica, mas novas lajes
de rocha derretida preenchiam as lacunas.

As lanças de magma que eu havia convocado dispararam, em chamas, na


direção da lança élfica, mas Aya era muito rápida. Mesmo sem a névoa
ocultando seus movimentos, ela foi capaz de superar com facilidade os golens
e reduzi-los a pedregulhos ao mesmo tempo.

O tempo parecia diminuir enquanto lutávamos. Não consegui igualar a


velocidade dela, mas ela não conseguiu superar minhas defesas.

“Parece que estamos em um impasse.” eu disse enquanto regenerava outra


rachadura na minha armadura.

Aya tinha manchas de queimadura na pele onde meu magma conseguiu


queimar através de sua aura defensiva, mas ela ainda estava relativamente
sem ferimentos.

“Bem, se esse duelo continuar por mais uma hora, você realmente terá a
vantagem”, disse ela com um sorriso alegre que não alcançou completamente
os olhos dela.

“Como eu disse antes. Outro Vritra está chegando em breve. Não é tarde para
você fugir.”

Ela respondeu atirando uma enxurrada de lâminas de ar de todas as direções.

Ignorando o dano à minha armadura que já estava se consertando, moldei o


magma no meu braço esquerdo em uma lança irregular.

Eu ataquei Aya enquanto simultaneamente conjurava picos de lava do chão


abaixo e da parede atrás dela.

Por um momento, pensei que meu ataque tivesse atingido com sucesso, até
que seu corpo se desvaneceu em pedaços de ar.

Amaldiçoei suas ilusões.

A batalha continuou, mas parecia que Aya não tinha intenção de me


bater. Seus ataques ficaram menos confiantes. Parecia que ela estava
perdendo mana, mas meus instintos me mantiveram cauteloso. Ela estava
planejando algo.

Abaixei minha guarda propositadamente, esperando que ela chegasse mais


perto.
Ela mordeu a isca, aparecendo logo acima de mim com um turbilhão de ar
concentrado em uma ponta de lança em volta do braço. Ela atingiu a coroa do
meu capacete, quebrando-o e quase perfurando minha cabeça também.

Reagindo instantaneamente, o traje de magma que me protegia começou a


envolver o braço de Aya, mantendo-a no lugar. Os olhos do elfo se arregalaram
de horror quando eu a perfurei com uma mão revestida com mana.

Aya tentou falar, mas apenas suspiros gaguejaram quando eu torci meu braço
ensanguentado para dentro para garantir que ela não sobreviveria. “Você é
forte e engenhosa, Aya, mas paciência nunca foi seu ponto forte. Se é de algum
consolo, nunca desejei que chegasse a isso.”

Puxei meu braço para trás, mas ele não se mexeu.

Foi quando eu vi os fios finos e de cabelo de mana presos em todo o meu traje.

Eu imediatamente tentei cortar os fios finos de mana, mas meus ataques foram
direto através deles.

“Você está certo”, a voz Aya sussurrou ao meu lado. Desta vez, era realmente
ela. “Eu sou bastante engenhosa.”

Ela me mencionou uma vez sobre um feitiço que estava desenvolvendo, mas
pensar que ela era capaz de fazer isso.

Os fios de mana brilhavam e eu senti o ar em meus pulmões convulsionar. Eu


ainda estava respirando apenas porque ela queria. Agora eu percebi que nossa
briga, ela estivera cuidadosamente aguardando para esse momento.

“Surpreso?” Ela disse. “Eu precisava de um caminho para o sempre vigilante


Olfred enfraquecer suas defesas, e a única maneira de fazer isso é quando
pensar que está na vantagem. Também ajudou que seu enorme pedaço de
rocha mantivesse seus sentidos entorpecidos.”

Os finos fios de mana que se ligavam às pontas de seus dedos brilhavam mais
uma vez e uma dor aguda perfurou meu peito.

No entanto, em vez de me matar, ela continuou falando, aproveitando sua


vitória. “Lembro-me de que você tem um fascínio pela minha magia, Olfred.
Independentemente da raça, o corpo de todos tem uma proteção natural
contra a magia estrangeira. É por isso que os magos da água não podem
apenas drenar fluidos do corpo de um ser humano ou por que os magos da
terra não podem simplesmente manipular o ferro no sangue de alguém.”

“Todo mago capaz está ciente dessa premissa básica, mas ser capaz de
estabelecer um vínculo para manipular diretamente o corpo de alguém usando
mana… como?”

“Não importa”, ela respondeu secamente.


Meus pulmões estremeceram quando eu forcei uma última respiração
profunda. Apesar do meu nível de força, esse sentimento de que minha
respiração era permitida por alguém era nada mais do que aterrorizante.

Eu levantei minhas mãos em submissão quando me virei lentamente para


encarar Aya. Seus olhos geralmente gentis eram afiados – da mesma maneira
que eram em relação a seus inimigos. “Eu sei apenas pelo seu olhar que meu
destino está selado. E não seria razoável pedir-lhe que tenha piedade de Lorde
Rahdeas, mas por favor, poupe Mica. Ela não participou disso. Eu tive que
drogá-la, caso ela de alguma maneira encontrasse um caminho até aqui.”

As sobrancelhas de Aya se contraíram levemente em pensamentos antes de


responder: “Eu vou manter isso em mente, mas não cabe a mim decidir.”

Eu respondi com um aceno de cabeça. Essa foi a melhor resposta que eu


poderia esperar obter. “Apesar das nossas divergências, foi uma honra
trabalhar com você.”

Eu pensei ter visto um pedaço de remorso naqueles olhos frios, mas nunca
seria capaz de confirmar. Minha respiração me deixou como se tivesse sido
arrancada dos meus pulmões. Minha visão escureceu quando senti o aperto
frio da Mãe Terra me puxar de volta para seu abraço.

Capítulo 175
Apareça

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

Um vislumbre do sol nascente podia ser visto atrás das Grandes Montanhas,
projetando uma grande sombra sobre as clareiras, uma planície de grama com
grandes pedregulhos e toras lascadas espalhadas por toda a área.

Este lugar parecia fazer parte da floresta circundante muito tempo antes de
uma avalanche. A neve ainda permanecia, escondida em manchas nas sombras
dos escombros de árvores caídas.

Uto estava a cerca de uma dúzia de metros, balançando os braços como se


estivesse fazendo um alongamento matinal.

‘Arthur.’ A voz de Sylvie estava cheia de inquietação.

Eu sei, respondi, tirando minha capa de lã. Até eu já posso sentir a diferença
entre ele e o outro Retentor que lutamos.
“Você sabe o que mais motiva um inimigo?” Uto perguntou, esticando o
pescoço longo e fino.

Eu não respondi. Em vez disso, tirei a Dawn’s Ballad do meu anel dimensional
e a desembainhei.

“Você não sabe? Descobri que um inimigo que busca vingança que retalia com
o mais… gosto.” ele respondeu com indiferença.

Um brilho etéreo envolveu a lâmina verde-azulada da minha espada, apesar


da falta de luz ao nosso redor. Ver os restos irregulares da ponta quebrada
ainda envia uma dor no meu coração, mas eu sabia que, mesmo nessa
condição, a Dawn’s Ballad era a melhor arma que eu poderia ter agora.

Eu levantei meu olhar para combinar com o de Uto antes de responder. “Você
acha que isso é uma batalha por vingança?”

“Não é?” Ele deu de ombros, dando um passo mais perto enquanto tocava seu
chifre lascado. “Você ficou muito irritado quando descobriu que eu era o único
responsável por matar aquela elfa.”

“Minha primeira vez em que a conheci foi quando ela estava morrendo.”
respondi, dando um passo à frente também. “Portanto, a vingança não seria o
meu motivador. Eu simplesmente considero você como alguém que precisa ser
descartado.”

Uto franziu a testa. “Bem, isso é decepcionante. Aqui estava eu, tão empolgado
que você estaria determinado a usar cada grama do seu ser para buscar
vingança por sua camarada, companheira ou até possivelmente amante –
desconsidere isso, você é um pouco jovem para ela, a menos que ela goste
desse tipo de…”

O retentor esbelto continuou a murmurar em sua fantasia até que


abruptamente bateu palmas. “Ah! Elfa do vovô! Sua preciosa neta é da sua
idade, não é? Considerando o quão perto você está dessa família, faria mais
sentido gostar dela do que aquela lança elfa…”

A lâmina de gelo em forma de foice que eu lancei no retentor esbelto dissipou-


se depois de atingir um espinho preto que se manifestou no chão na frente
dele. Os espinhos de metal manchados de tinta congelaram com o impacto,
mas permaneceram inteiros.

“Vê? É esse tipo de raiva e impaciência que eu estava ansioso.” Ele estalou os
dedos em arrependimento. “Eu deveria ter matado a pequena princesa elfa ou
talvez um membro da sua família antes de esperar você aparecer.”

“Você terminou?” Eu perguntei entre dentes, segurando minha espada em uma


posição ofensiva.

Uto apenas deu de ombros. “Você pode muito bem ter esse seu pequeno
vínculo. Você vai precisar de toda a ajuda possível.”

“Saia, Sylvie.” eu disse em voz alta enquanto meu olhar permaneceu preso no
Retentor.

Meu vínculo pulou para fora da minha capa, seus olhos afiados e escamas se
arrepiaram.

“É uma pena que as circunstâncias que nos cercam não sejam tão unidas
quanto eu pensava, filhote. Aquela explosão elementar que você atirou em
mim antes deixou uma impressão profunda, veja você. Isso me fez pensar que
te machuquei profundamente – pessoalmente.” Uto soltou uma respiração
profunda e exagerada. “Não importa. Vamos ver se você pode me divertir por
pelo menos alguns minutos.”

Uto deu um passo à frente, mas ao contrário dos passos casuais que tinha
antes, o espaço ao seu redor de repente distorceu. Sua presença tornou-se
quase palpável no ar quando cada passo enviava ondas de vibrações ao solo.

Eu imediatamente liberei Realmheart enquanto Sylvie mudava para sua forma


dracônica.

“Um wyvern?” Uto perguntou, inclinando a cabeça.

Com os poderes de Sylvie selados desde o nascimento por Sylvia, ela se


parecia com uma fera de mana muito poderosa, mas não mais do que isso. Eu
tinha ficado cauteloso desde a guerra, mas foi um alívio ver como nem um
Retentor poderia dizer.
“Por quê? Isso te assusta?” Eu empurrei.

Ele respondeu com um sorriso malicioso antes de despreocupadamente


apertar sua mão direita.

Com o Realmheart ampliando minha afinidade com a mana do ambiente que


nos cerca, meu corpo sentiu a perturbação na minha frente antes que eu
pudesse realmente ver. Sylvie e eu corremos em direções opostas bem a
tempo de evitar a enxurrada de espinhos negros que se manifestaram
instantaneamente abaixo nós.

O chão em que tínhamos acabado de pisar agora parecia a parte de trás de um


porco-espinho grande e raivoso com cada um dos espinhos de três metros
brilhando ameaçadoramente.

“Brande sua arma, filhote!” Ele cuspiu, puxando um grande arpão preto do
centro da palma da mão.

Eu trouxe a Dawn’s Ballad perto do meu lado quando apontei a ponta fraturada
da arma para Uto. As runas brilhando no meu braço queimavam com um calor
reconfortante quando comecei a unir a mana ao meu redor.

A lâmina da minha espada brilhava em uma variedade cintilante de cores


enquanto infundia gelo, fogo, raios e vento. Era só porque a arma era Dawn’s
Ballad, que foi capaz de se manter forte, apesar da quantidade dominante de
mana sendo carregada nele.

Vamos! Eu avancei com Sylvie ao meu lado.

Eu segurei minha espada baixa enquanto corria em direção ao Retentor. O


chão embaixo da minha arma estilhaçou sob sua aura, mas arruinar a natureza
era o mínimo da minha preocupação.

Com um sorriso maníaco, Uto avançou também, seu arpão recuou como uma
cobra pronta para atacar.

Em um instante, minha lâmina encontrou a dele, criando uma onda esférica a


partir da força do nosso impacto. Os elementos infundidos na minha lâmina
surgiram, mas Uto aguentou sem esforço.
Ele balançou as sobrancelhas enquanto nossas armas ainda estavam
entrelaçadas. “Nada mal.”

‘Se abaixe’ ordenou Sylvie.

Imediatamente depois, meu vínculo atingiu-o com sua cauda longa nas
laterais assim que eu caí no chão.

Uto voou para o lado, batendo em uma pedra próxima que se espatifou com o
impacto.

O véu de destroços ainda não havia desaparecido quando eu ataquei com


Dawn’s Ballad.

A terra tremeu violentamente quando meu ataque arrancou um pedaço grande


do chão. A onda de choque derrubou a fileira de árvores mais próxima de Uto.

“Ele ainda está vivo.” informou Sylvie, que já estava preparada para o próximo
ataque.

Eu me abaixei, colocando mais mana ao redor do meu corpo em caso de um


ataque surpresa, mas em vez de uma retaliação aos nossos ataques, uma
risada ecoou dentro da cavidade deprimida do solo. Mais uma vez, vi as
flutuações tremeluzentes da mana ao meu redor. Picos finos evocados do
nada enquanto grandes pilares do metal preto disparavam das sombras sob
pedregulhos e troncos caídos.

Me defendi dos finos espinhos com a Dawn’s Ballad, que enviou uma
quantidade impressionante de força pelos meus braços. Enquanto isso, Sylvie
derrubou os grossos pilares que brotavam das sombras mais escuras. Suas
escamas grossas conseguiram suportar a maior parte do ataque, mas o grande
volume e intensidade dos ataques nos deixou feridos e sangrando.

Não nos cure, ordenei quando Sylvie juntou mana em sua respiração. Ainda
não, pelo menos.

Felizmente, os espinhos não estavam cheios de veneno, mas era quase injusto
como o retentor era capaz de conjurá-los do nada.
Até magos avançados da terra tiveram que moldar a terra ao seu redor antes
de dispará-los. Uto parecia ser capaz de apenas manifestar seus ataques onde
ele quisesse.

“Eu esperava mais, filhote.” Uto suspirou enquanto saía da depressão da terra
que eu havia criado desde o meu último ataque.

Defenda minhas costas, enviei Sylvie, sugando mais mana do meu núcleo de
mana para dentro do meu corpo. Eu podia ver meu cabelo comprido ficar
branco enquanto ia mais fundo no reino do Realmheart. As runas ficaram mais
complexas e eu pude sentir as marcas nas minhas costas também. A mana ao
meu redor parecia ansiosa para obedecer aos meus pensamentos. Eles
giraram ao meu redor, formando perfeitamente feitiços que normalmente
precisariam de imensa concentração.

A Dawn’s Ballad estava estampada em uma aura prateada de gelo, enquanto


meu punho esquerdo estalava com tentáculos de raios negros.

As sobrancelhas de Uto estavam franzidas, mas ele não teve tempo de pensar
quando eu cheguei, desencadeando uma torrente de ataques. Minha espada
cristalina não era mais do que um borrão, deixando apenas faixas de prata em
seu caminho. Eu tecia socos, cotoveladas, joelhadas e chutes, como Kordri me
ensinou em nossos anos de treinamento. Para cada vez que eu balançava a
Dawn’s Ballad, ele imediatamente rebatia com um espinho preto, que
congelava e se espatifava com o impacto. Enquanto isso Sylvie ficava logo
atrás, usando suas escamas e garras para cortar os ataques intermináveis de
espinhos negros que Uto estava conjurando. Logo a área ao nosso redor se
tornou uma ruína de escombros congelados e pontas cortadas de metal preto.

‘Isso não é bom, Arthur. Os ataques de Uto são maiores em volume’ resmungou
Sylvie.

Meus olhos continuaram presos no Retentor, que ainda não havia recebido
uma única ferida. Toda vez que parecia que eu estava prestes a acertar um
ataque, uma folha negra de metal se formaria ao redor da área, protegendo
seu corpo.

Vou ter que aumentar um pouco.


Os grossos tentáculos de um raio preto enrolados em volta do meu braço
retrocederam ao meu sinal. Eu internalizei a magia do raio, aumentando meu
tempo de reação, reforçando meus neurônios com magia relâmpago.

O próprio mundo parecia desacelerar. Meus sentidos estavam mais afiados –


quase avassaladores. As cores pareciam brotar enquanto as minúsculas
partículas de mana visível através do Realmheart ganhavam vida.

Eu balancei a Dawn’s Ballad mais uma vez enquanto eu mergulhava facilmente


sob o impulso de Uto. Quando minha lâmina estava prestes a acertar o lado
exposto dele, eu a vi.

Vi a magia negra do Retentor, que parecia instantânea, rapidamente se fundir


exatamente onde meu ataque estava prestes a atingir. Eu redirecionei
imediatamente meu ataque para cima, logo abaixo do braço dele.

Eu podia ver a horrível mana se movendo – reagindo – ao meu novo


ataque. Mas não chegou a tempo. Fingi meu ataque mais uma vez, em vez de
dirigir meu punho em seu esterno.

O Retentor se curvou com o ataque. Ele deu um passo para trás para se manter
de pé enquanto uma trilha fina de fluido escuro demais para ser sangue
escorria pelo canto de sua boca.

Surpreso que meu ataque tivesse realmente acertado, eu parei por um


instante antes de avançar com outro ataque.

Está nas sombras, Sylv! Eu gritei internamente. Esses espinhos pretos só podem
se manifestar em áreas de escuridão. É por isso que seus feitiços são sempre
mais poderosos quando saem de lugares mais escuros, como debaixo de uma
pedra ou de um tronco.

A mão de Uto ficou borrada. Apesar de estar em Realmheart e ter o


Thunderclap Impulse aumentando minhas reações, eu não conseguia ver
completamente seu ataque.

Seu punho me bateu como um trem. Mesmo com a densidade de mana


protegendo meu corpo, eu me senti entrando e saindo da consciência. Quando
consegui me recompor, eu estava a seis metros da minha posição anterior,
com as costas apoiadas no tronco quebrado de uma árvore.

Sylvie estava segurando Uto, o sangue de suas feridas frescas cobrindo suas
escamas negras. Com suas habilidades seladas por Sylvia, ela não foi capaz de
manter o ritmo com Uto mais do que eu era capaz, mesmo com suas defesas
superiores.

Levantando-me, ponderei mais uma vez se devo ou não confiar no Burst Step
para superar Uto, mas o tom agudo de Sylvie me interrompeu.

‘Você ficará aleijado pelo resto da vida se usar o Burst Step novamente!’

É melhor do que morrer aqui, não é? Enviei de volta, a frustração pingando da


minha voz.

‘Existem melhores opções para explorar antes de usarmos isso!’ ela sussurrou
enquanto torcia seu corpo grande, evitando o ataque de Uto. Ela jogou o
Retentor para longe com a asa antes de se lançar diretamente em
mim. ‘Prepare-se!’

Percebendo que ela não iria parar, eu pulei e me prendi na base de seu
pescoço, pouco antes de ela chutar o chão. Nós quase-instantaneamente
voamos cerca de trinta metros e ela continuou a voar mais alto.

Qual é o seu plano?

‘Como você disse, é a sombra! Ele é capaz de manifestar aqueles espinhos de


metal de onde quer que ele queira das sombras’ explicou ela, assim que
atingimos uma altura em que a montanha não estava bloqueando o sol.

Estremeci com os raios brilhantes, mas soube imediatamente o que Sylvie


pretendia.

Nós estávamos lutando em uma sombra gigante!

‘Exatamente. Foi assim que ele conseguiu conjurar seus ataques de onde
quisesse. Se lutarmos com ele aqui, ele ficará muito mais limitado em onde
pode atacar.
Eu constantemente me levantei nas costas de Sylvie. Ela e eu nunca brigamos
juntos assim. No meu mundo anterior, eu tive que passar horas treinando para
lutar a cavalo e imaginamos que isso seria muito mais fácil do que lutar
centenas de pés acima do solo em um dragão voador.

Mal tive tempo de encontrar meu equilíbrio em cima de Sylvie quando Uto
apareceu a poucos metros acima de nós com uma lança preta na mão.

A lança outrora negra, que brilhava como metal, parecia desbotada agora que
ele tinha que confiar na sombra que seu corpo fazia como uma âncora para
seus feitiços.

Cuidando para não machucar Sylvie, eu me afastei de suas costas enquanto


envolvia meu corpo em um turbilhão esférico.

Ativando o Thunderclap Impulse mais uma vez, eu bati direto na lança do


Retentor. Sylvie estava certa; com a falta de sombra, seus ataques não vinham
de todas as direções, apenas das partes do corpo que não estavam voltadas
para o sol. Pregos pretos se projetavam para fora de seu corpo, mas os pregos
não eram tão densos ou imponentes.

“Você é muito esperto, filhote. Fico feliz que você conheça minha fraqueza”
disse Uto, sua voz abafada pelo vento.

Foi estranho lutar no ar. Assim como Uto foi contido pela falta de sombra,
fiquei limitado pelo fato de não conseguir voar. Sylvie se manobraria ao meu
redor, agindo como uma plataforma para pular.

Tente não ficar muito perto, caso Uto tente usar a sombra do seu corpo, enviei
Sylvie enquanto corria para outro ataque.

Com os efeitos do Thunderclap Impulse aprimorados pelo Realmheart, pensei


que poderíamos vencer. Trilhas de icor vazaram das feridas que consegui
infligir a Uto, mas o que me perturbou foi sua expressão.

Seu rosto que outrora fora de alegria maníaca, se suavizou com o de… tédio.

“Mesmo com essa grande desvantagem, você não conseguiu um único golpe
significativo.” disse ele, com a voz sombria. “É… decepcionante.”
“Desculpe, mas não estou lutando com você para impressioná-lo”, cuspi,
girando ao redor. A ponta fraturada da Dawn’s Ballad afundou no peito de
Uto. Eu fiz a mana que tinha se unido à lâmina sair de controle fazendo o corpo
inteiro de Uto ficar envolto em gelo, fogo, raios e vento.

Eu mantive meu aperto na minha espada quando senti nós dois começando a
cair. Por um momento, pensei que tinha feito. Eu pensei que o tinha matado.

Esse era o caso… até que vi um redemoinho preto se manifestar de onde minha
espada tinha acertado nele. Meu ataque conseguiu destruir a maioria das
ataduras com as quais ele havia se enrolado apenas para revelar o que
pareciam piercings.

Pequenos pregos de metal estavam por todo o seu tronco e membros, e para
meu horror, cada um desses piercings de metal projetava sua própria pequena
sombra ao redor dele corpo inteiro.

O chifre de Uto brilhava com uma luz negra arroxeada enquanto a sombra de
seus incontáveis piercings se espalhava inteiramente ao redor do corpo.

Tentei puxar a Dawn’s Ballad para fora do peito de Uto, mas não importava
quanta mana eu desse ao meu corpo, eu não era forte o suficiente para
arrancá-la.

“Se você percebesse minha fraqueza no pouco tempo que trocamos, você não
acha que eu teria descoberto isso há muito tempo?” Sua voz saiu abafada da
máscara negra que cobria toda a cabeça e o rosto, além dos chifres.

“Sylvie!” Eu disse em voz alta, soltando a Dawn’s Ballad.

Meu vínculo imediatamente se reposicionou para me pegar, quando um pico


preto subiu rapidamente do corpo de Uto.

Eu tirei mais mana do meu núcleo, manifestando uma luva de gelo em volta da
minha mão direita quando atingi o projétil preto. Se eu me esquivasse, o
ataque teria atingido Sylvie, mas consegui redirecionar seu ataque
surpresa. Antes, pensei que sim.
Ele apontou um dedo para baixo, como se estivesse me avisando de algo. Eu
não conseguia ver a expressão de Uto por trás de sua máscara de sombra, mas
eu jurei que podia vê-lo sorrindo.

Menos de um segundo depois, senti a pontada aguda de algo contra a minha


pele que vinha de baixo de mim.

Com a arte mana de atributo relâmpago interno melhorando minhas reações,


tocando no ether misterioso ao meu redor, ativei a primeira fase da vontade
do dragão.

Aevum, o controle ao longo do tempo. Com pouco domínio e discernimento


sobre essa habilidade poderosa, consegui parar brevemente o tempo ao meu
redor. Lady Myre tinha me dito que o éther não podia ser manipulado, mas sim
influenciado, mas no meu caso, parecia que eu estava apenas explorando a
influência que Sylvia já teve sobre o aevum.

As cores mudaram enquanto as partículas roxas do éter ao meu redor tremiam


violentamente. Uto, Sylvie e até o espinho preto que quase se alojou nas
minhas costas param abruptamente. Com o último ataque de Uto não mais em
movimento, eu fui capaz de girar meu corpo para evitar todo o impacto.

Liberar distorção – o que eu escolhi chamar de fase um – foi como deixar


escapar o fôlego depois de estar debaixo d’água até a beira do afogamento. Eu
mal consegui reunir meu fôlego quando o espinho preto voou, deixando um
grande corte nas minhas costas em vez de um buraco aberto.

Meu corpo caiu, mas assim que eu caí nas costas de Sylvie, Uto reagiu. Ele
apareceu ao meu lado e atingiu eu e meu vínculo com o punho preto dele.

Espiralando em direção ao chão como um cometa, entrei e saí da consciência


mais uma vez. Meu corpo inteiro estava em agonia, então eu tive dificuldades
em discernir qual parte de mim estava exatamente quebrada.

Sem nem ao luxo de gritar de dor, tentei desesperadamente proteger-me e a


meu vínculo usando magia.

Mude para a sua forma de raposa! Eu chorei desesperadamente, mas em vez


de obedecer, ela apertou o corpo em uma bola, me cobrindo com os braços,
pescoço, corpo e asas. Eu podia sentir o calor de sua barriga quando ela me
agarrou com mais força.

Ela soltou um rosnado. ‘Você não tem mana suficiente para suportar o
impacto. Pelo menos meu corpo será capaz de bloquear um pouco da força.’

Tola, eu respondi. Até em meus pensamentos eu parecia fraco.

Eu me preparei para o impacto, mas ele nunca veio. Antes, nunca


senti. Quando recuperei a consciência, eu estava no centro de uma cratera
mais exausto.

Sylv? Eu tentei me levantar, mas meu corpo se recusou a ouvir.

Sylvie? Enviei mais uma vez. Sem resposta.

Um gemido fraco escapou da minha boca quando eu virei meu corpo para ver
que o corpo de Sylvie ainda estava embaixo de mim, mas seus membros
estavam abertos e havia pontas pretas por toda parte abaixo de nós –
quebradas, algumas saindo dela.

“Não.” Eu balancei meu vínculo.

“Sylvie. Acorde.” Eu balancei mais.

“Isso não tem graça. Sylvie!” Eu rolei o corpo dela, coçando-me em um espinho
próximo.

“Sylvie, por favor!” Minha visão embaçou e eu pude sentir meu coração
tentando sair do meu peito.

Uma onda de pânico tomou conta de mim, entorpecendo-me de toda a minha


dor. Eu me arrastei desesperadamente, tentando retirar um espinho preto do
braço dela. Eu rangi meus dentes, segurando soluços enquanto tentava pensar
em uma maneira de ajudar meu vínculo.

“Éter.” eu murmurei sem fôlego enquanto eu segurava minhas mãos contra seu
corpo. Foi um tiro no escuro, mas eu tive que tentar.
Eu ativei Realmheart mais uma vez. Cada centímetro do meu corpo gritava de
dor pela reação, mas eu segurei. Com as partículas de mana e éter visíveis,
tentei desesperadamente guiar as partículas roxas no corpo de Sylvie.

“Por favor”, implorei.

As partículas roxas de éter ao redor de Sylvie começaram a tremer, como se


respondendo ao meu desesperado grito de socorro. Os pedaços de éter
rodaram e vazaram lentamente no corpo de Sylvie.

Eu não sabia o que iria acontecer. Eu pensei que, uma vez que Sylvie fosse
capaz de me curar através do éter, seu corpo seria capaz de se curar através
éter também.

Incapaz de manter o Realmheart ativo por mais tempo, caí de joelhos, meu
rosto contra a base do pescoço de Sylvie.

“Você vai ficar bem,” eu respirei. “Você tem que ficar bem.”

Vários espinhos pretos perfuraram o corpo e os membros de Sylvie, mas eu


não tinha força para puxá-los. Eu tentei atingir o espinho preto que a
empalara, esperando que se soltasse do chão.

Eu bati. Eu ataquei novamente. Eu ataquei até não poder mais condensar


mana e meus dedos sangrarem.

“Sua besta vai viver”, uma voz feminina soou nas proximidades. A voz era
calma e madura.

Aya?

Desesperado e esperançoso, me virei e olhei para cima, exceto que não era
ela. Longe disso.

Era uma menina, mas não era Aya.

Era a garota que eu tinha visto na caverna em Darv.

Era a Foice. Exceto… na mão dela estava Uto. E ele aparecia morto.

Capítulo 176
A primeira Foice

Eu a encarei silenciosamente.

O suor encharcou minha pele e minha cabeça inteira latejava. Minha língua
parecia um pano seco, meu corpo sentia medo, mas meu cérebro estava
perdido em uma teia de pensamentos. Eu podia sentir as engrenagens girando
enquanto meu cérebro tentava criar um cenário em resposta a essa mudança
nos eventos. No entanto, a conclusão veio…

Não havia saída.

Sem mana sobrando no meu núcleo, meu corpo à beira do colapso da reação,
e meu vínculo incapacitado, eu fiz a única coisa que pude fazer. Eu esperei.

Eu esperei a mulher em pé perto da borda da cratera que o corpo de Sylvie


havia feito. Ao contrário dos Retentores que eu tinha visto até agora, ela
parecia fundamentalmente diferente.

Seus cabelos eram longos e refletiam o sol como ametista líquida. Ao contrário
da bruxa, Uto, ou Cylrit, cujos os aspectos variavam em tons doentios de cinza,
a pele dessa mulher tinha a qualidade de alabastro polido. Seus olhos eram
tão penetrantes quanto seus longos chifres pretos que espiralavam como os
de uma impala.

Além de sua aparência não natural, o que mais me impressionou foi sua aura
– ou melhor, a falta dela.

Ao contrário de quando aprendi a esconder minha presença, a aura da Foice


parecia estar lá, mas contida – contida como uma bomba devastadora pronta
para explodir. A única vez que senti isso foi quando conheci lorde Indrath. O
avô de Sylvie e o atual líder dos asuras tinham a mesma presença sufocante
que deixava todo mundo desconfiado de quando ele poderia explodir.

Engoli em seco, que foi o maior movimento que fiz desde que tomei
conhecimento da chegada da Foice.

No entanto, ela permaneceu imóvel. Aquilo foi um bom sinal. Se ela quisesse
me matar, poderia ter feito isso agora. Eu queria perguntar por que ela estava
atualmente segurando o Uto inconsciente ou morto pelos cabelos, mas não
conseguiu juntar a coragem.

Eu tinha certeza de que nem Sylvie, nem eu, tínhamos feito nada com Uto, o
que significava que ele havia excedido seus limites com aquele último ataque
ou que essa Foice tinha algo a ver com o estado atual de Uto. Ambas as opções
pareciam improváveis.

Permanecendo imóvel, continuei ganhando passivamente mana através da


rotação de mana. Meu corpo queimou e meu núcleo se opôs à reação, mas eu
suportei. Não havia nada que eu pudesse fazer, não importando quanta mana
ganhasse. Eu não poderia escapar com Sylvie nessa condição e não havia como
deixá-la para trás. Meu cérebro tremeu com a noção de que poderia valer a
pena lutar contra essa Foice, mas esse pensamento foi rapidamente levado
por todas as fibras do meu ser.

Então eu permaneci na mesma posição exata, olhando para a Foice de cabelo


roxo. Dezenas de cenários possíveis passaram por meus pensamentos, mas o
que ela fez foi algo que eu nunca teria previsto.

Estendendo a mão livre, a Foice arrancou os chifres de Uto, um por um, como
se estivesse arrancando flores. Permanecendo em silêncio, ela casualmente
jogou os dois chifres em mim e meu corpo reagiu imediatamente. Como se os
chifres fossem bombas – pelo que eu sabia, elas poderiam ser – eu me encolhi
em uma bola, protegendo meus sinais vitais. Posicionei-me entre os chifres
cortados e meu vínculo nas fracas esperanças de poder de alguma forma
proteger meu dragão de duas toneladas, mas nada aconteceu. Os dois chifres
pretos rolaram e pararam ao lado dos meus pés anticlimáticamente.

Cauteloso, deixei os chifres no chão e fixei meus olhos na Foice. Suas ações
não faziam sentido; pelo que eu havia entendido, os chifres de Vritra eram uma
parte importante de si mesmos. Por que ela faria isso com seu aliado?

Quando pensei que suas ações não poderiam ser mais imprevisíveis, a Foice
ergueu Uto pelos cabelos e atravessou seu corpo com uma lâmina fina do que
parecia ser pura mana. O que me surpreendeu mais do que a lâmina roxa
mortal que se projetava no esterno de Uto foi o fato de ele permanecer
inconsciente.
Se era porque eu estava exausto – física e mentalmente – ou a Foice tinha algo
planejado, eu não conseguia entender o significado por trás de suas
ações. Nesse ponto, fiquei mais chocado com o fato de que ela era capaz de
penetrar tão facilmente o núcleo de Uto.

Núcleos de mana eram partes densas e hipersensíveis do corpo que se


tornavam mais resistentes quanto mais alto o estágio do usuário. Ser capaz de
atravessar sem Uto estar em completa agonia significava que essa Foice havia
matado o Retentor ou feito algo mais do que simplesmente deixando-o
inconsciente.

A Foice jogou Uto como uma boneca de pano na cratera em direção a Sylvie e
eu.

“Foi uma batalha difícil, mas você conseguiu derrotar Uto. Você foi capaz de
mantê-lo vivo, mas por medidas de segurança, você perfurou seu núcleo para
garantir que ele não poderá usar nenhuma arte de mana. Você fez isso para
poder levá-lo de volta e interrogá-lo.” Disse a Foice, como se estivesse lendo
um roteiro.

Minha resposta inicial foi perguntar o que estava acontecendo, mas essa Foice
parecia o tipo de pessoa que desprezava perguntas desnecessárias que
desperdiçavam seu tempo. Através do poder mágico da dedução, parecia que
ela não concordava com essa guerra ou tinha sua própria agenda pessoal. Se
isso significava que eu não morreria hoje, eu poderia trabalhar com qualquer
um dos motivos.

Eu fiz uma pergunta diferente.

“Seria pedir muito o seu nome?” Eu murmurei, minha voz traindo qualquer tipo
de confiança que eu estava tentando projetar.

Houve um ligeiro aumento em uma de suas sobrancelhas, mas essa foi a única
mudança em sua expressão que ela exibia – externamente, pelo menos.

Depois de uma pequena pausa, ela respondeu de maneira inexpressiva. “Seris


Vritra.”
Me levantando do chão, consegui me sentar com as costas apoiadas no corpo
de Sylvie. Meu corpo parecia pesar tanto quanto Sylvie, mas eu fiz o meu
melhor para parecer equilibrado.

“Obrigado, Seris Vritra. Não vou esquecer essa gentileza.” Eu curvei minha
cabeça respeitosamente. Não estava claro se essa Foice era inimiga ou aliada,
mas mesmo assim salvou minha vida e a de Sylvie. Por isso, o mínimo que eu
podia fazer era agradecê-la, independentemente de sua raça e postura nesta
guerra.

Seris abriu um leve sorriso. “Menino peculiar.”

A Foice girou, preparando-se para sair, mas pouco antes de desaparecer, ela
disse: “Pelo nosso bem, fique mais forte – rápido. Os chifres de Uto serão um
recurso inestimável para você, se você conseguir extrair a mana que está
armazenada dentro.”

De olhos arregalados, peguei cuidadosamente os dois chifres do tamanho de


punhos e os guardei dentro do meu anel. Quando olhei para trás, Seris havia
desaparecido.

Eu não tinha certeza se era porque Uto estava inconsciente ou porquê Seris
havia destruído o núcleo dele, mas a cama de espinhos negros que Sylvie tinha
me protegido com seu próprio corpo havia desintegrado. As feridas de Sylvie
já estavam fechando e sua respiração ficou mais relaxada. Eu pensava que
magos de núcleo branco curavam-se rapidamente, mas a taxa de recuperação
de Sylvie era realmente visível.

Com a preocupação do meu vínculo morrer aqui desaparecendo, concentrei


minha atenção no Retentor inconsciente e sangrando. A Dawn’s Ballad ainda
estava atravessando seu peito, mas deslizou facilmente quando eu dei um
puxão. Minha espada quase não deixou um corte no corpo de Uto, mas o
ataque aparentemente indiferente de Seris foi capaz de atravessar facilmente
o corpo e o núcleo dele.

“Parece que tenho muito o que fazer antes de tentar enfrentar outro Retentor,
sem falar em uma Foice.” Murmurei para mim mesmo. Eu odiava admitir, mas
com a aparição de Seris, eu havia perdido completamente minha vontade de
revidar. Fazia um tempo desde que eu me sentia tão impotente e desta vez
também, não era um bom sentimento.

Com mana suficiente reunida, tentei usar magia. Quando o fiz, meu núcleo
agitou-se, enviando-me um ataque de agonia. Mana queimou quando eu a
canalizei através do meu corpo, mas eu fui capaz de envolver o corpo de Uto
no gelo.

Apesar de quase morrer em várias ocasiões diferentes momentos atrás, havia


uma sensação de calma que me cercava. Havia coisas que eu deveria estar
fazendo agora: ajudar Aya se sua batalha já não tivesse terminado, informar
Mica sobre a traição de Olfred, mas agora, eu não podia. Nesse estado
enfraquecido, eu não poderia ajudá-los, mesmo que quisesse, então cedi ao
desejo do meu corpo e descansei.

Inclinei minhas costas pesadamente contra o corpo de Sylvie, sua respiração


rítmica quase terapêutica. Eu geralmente nunca me deixo cair em ilusões e
pensamentos de fantasias melancólicas, mas agora, eu senti que
merecia. Deixando meus pensamentos vagarem, eu me permiti imaginar minha
vida depois da guerra. Eu me permiti alguns pensamentos felizes, mesmo que
eles não se tornassem realidade.

Pensamentos de mim mesmo, crescido – talvez até com barba – com uma
família própria. O rosto de Tess surgiu em minha mente e imediatamente eu
resisti ao desejo de continuar meu devaneio. Mas eu merecia essa pequena
pausa fantástica.

Então eu deixei as cenas continuarem. Tess parecia mais velha, mais madura,
mas ainda deslumbrante. Ela sorriu brilhantemente para algo que eu tinha
acabado de dizer, com suas bochechas com apenas um leve tom de
vermelho. Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha antes de me olhar
com um olhar tímido. Ela deu um único passo em minha direção, mas de
repente estávamos peito a peito. Tess ficou na ponta dos pés quando fechou
os olhos. Seu rubor se aprofundou e seus longos cílios estremeceram.

Assim que ela apertou os lábios, Tessia foi subitamente arrancada dos meus
braços. Eu estava cercado pela escuridão, mas consegui distinguir vagamente
a figura da pessoa em pé na minha frente, a poucos metros de distância.
Era eu. O antigo eu.

O que faz você pensar que pode ter essa felicidade – que você merece essa
felicidade? O antigo eu falava, ou melhor, uma voz sem forma ecoava a partir
da sua localização.

Depois do que você fez com eles, você acha que pode simplesmente esquecer e
seguir em frente? Eles morreram por causa de suas escolhas. Eles pagaram o
preço pelo seu egoísmo.

Se você é o rei Grey ou Arthur Leywin, você só pode existir sozinho.

Se você é o rei Grey ou Arthur …

… Gray ou Arthur …

… Arthur…

“Arthur!”

Eu me levantei acordado. Na minha frente estava Aya.

Sua expressão imediatamente se suavizou e um lampejo de alívio brilhou em


seus olhos. “Você não acordava, por mais que eu o sacudisse. Eu comecei a me
preocupar que algo aconteceu durante a luta.”

“Estou apenas um pouco cansado.” Eu agrupei um sorriso para tranquilizá-la.

Aya assentiu. “Eu estou contente que você esteja bem.”

Olhando para a lança élfica, notei que o rosto dela estava muito mais pálido
do que costumava ser, mas além disso, não havia feridas visíveis. “Como foi do
seu lado? “

A expressão de Aya escureceu. “Alguns soldados alacryanos conseguiram


escapar. Quanto ao traidor, eu pude executá-lo.”

Traidor. Executar. Eu pensei sobre a escolha de palavras da elfa. Era como se


ela estivesse se distanciando do fato de ter matado um ex-camarada. Eu não
poderia culpá-la, a morte de Olfred deixou um gosto amargo na minha boca,
mas Aya havia trabalhado com Olfred por mais tempo do que eu.
“E Mica?” Perguntei.

Aya balançou a cabeça. “Eu vim aqui logo após terminar meu trabalho na base
oculta dos Alacryanos para ajudá-lo, mas vejo que isso era desnecessário.”

Por um breve momento, pensei em contar a lança sobre Seris e como ela havia
me ajudado, mas optei por não. Não havia um raciocínio difícil por trás, mas
queria saber mais sobre Seris antes de dizer qualquer coisa. “Foi uma batalha
difícil, mas fui capaz de derrotá-lo com a ajuda de Sylvie.”

Houve um lampejo de dúvida nos olhos de Aya, mas ela imediatamente se


recuperou com um breve aceno de cabeça. “Estou feliz que vocês dois tenham
passado por isso inteiros. Nós vencemos.”

“Obrigado.” Eu disse, acariciando o corpo de Sylvie. “Não parece que


vencemos. Conseguimos derrubar um Retentor, mas junto com ele, um
membro do Conselho e uma lança – talvez até duas.”

“Eu acho que é seguro deixá-lo com apenas uma lança.” Respondeu Aya
enquanto encarava Uto, cujo corpo congelado eu havia deixado em pé.

“Então Mica não fazia parte disso?”

Aya balançou a cabeça. “Ela ainda precisa ser interrogada, mas eu duvido
muito.”

Soltei um suspiro, descansando minha cabeça no corpo de Sylvie. Eu podia


sentir meu vínculo em meus pensamentos novamente – uma mistura de
emoções que ela estava sentindo dentro de seus sonhos.

“Com a prisão de Rahdeas e o interrogatório de Mica, juntamente com o


interrogatório desse Retentor, será agitado quando voltarmos ao castelo”, eu
disse, mais para mim do que para Aya.

A lança soltou uma risada suave enquanto ela se esticava. “Definitivamente


será, então descanse um pouco aqui enquanto puder.”

Sorri fracamente para Aya, pensando que haveria muito em minha mente para
descansar: O que pensar das ações de Seris, como utilizar os chifres para ficar
mais forte, e como explicar os pesadelos recorrentes sobre minha vida
passada. No entanto, na batalha entre meu corpo e mente, meu corpo
prevaleceu e sucumbi à calmaria atraente do sono.

Capítulo 177
Vislumbre acinzentado

“Próximo! Cadete Gray, sem sobrenome. Por favor, suba na plataforma.” Disse
o pesquisador com um jaleco imaculado do outro lado do vidro.

Os olhos semicerrados do pesquisador nunca deixaram sua prancheta. “Por


favor, coloque sua mão dominante no globo e aguarde por mais instruções.”

Segui as instruções enquanto alargava meus ombros e estufava o peito – como


se minha postura fosse ajudar neste teste.

“Agora, cadete Grey, o globo é um sensor que vai medir o nível do seu Ki. Por
favor, injete seu Ki no sensor até que eu lhe de o sinal para parar.”

Respirando fundo, tirei o ki do esterno e o deixei subir e atravessar meu braço


direito na esfera de vidro. Meu ki, que estava sendo medido dentro do sensor,
pareciam gotas de tinta dentro da água. Girando e se expandindo por dentro,
vi que os pesquisadores anotaram com olhares de decepção.

Quase um minuto se passou e eu já estava suando profusamente, minha mão


tremendo no topo do globo.

“Você pode parar.” O mesmo pesquisador notificou pelo interfone, sua voz
soando ainda menos impressionada do que no começo. “Por favor, prossiga
para os campos de treinamento para a parte final da sua avaliação.”

Saí pela porta pela qual tinha entrado, dando uma espiada enquanto os
pesquisadores discutiam minha pontuação atrás da janela de vidro. Aquele
que tinha me dado as instruções soltou um suspiro e balançou a cabeça.

Andando pelo corredor bem iluminado, parei no final de uma linha formada
por cadetes, esperando a minha vez pela parte final da avaliação.

“Ei… você sabe qual será o último teste?” O jovem grande e volumoso na minha
frente na fila perguntou nervosamente.

“Fizemos testes que mediram nossa acuidade mental, força física e, agora,
nosso ki. Apenas pelo processo de eliminação, este último pode só ser isso.”

Os olhos do adolescente musculoso se iluminaram quando ele sorriu


presunçosamente. “Oh… isso! Haha! Eu sou bom nisso.”

Soltei uma pequena risada divertida com a mudança simplória de atitude. Era
o mesmo para mim – eu também era bom nisso.
A fila começou a se mover novamente e entramos em um grande auditório com
um teto de pelo menos trinta metros de altura. Já havia uma quantidade
razoável de cadetes que se reuniram em locais designados com um instrutor
liderando cada grupo. Meus olhos examinaram a área na esperança de
encontrar Nico ou Cecilia, mas eu não consegui encontrar nenhum deles.

Havia também um instrutor na frente da nossa linha, guiando cada um dos


novos cadetes para um grupo diferente. O instrutor apontou para a direita em
uma multidão de cadetes nervosos perto do canto oposto e o garoto volumoso
na minha frente confiante se vangloriava do grupo designado.

“Cadete Grey, sem sobrenome.” Dizia o instrutor.

Eu sufoquei o desejo de fazer uma careta toda vez que um membro do instituto
apontou o fato de que eu não tinha nome de família. Por que isso importa
aqui?

“Prossiga para o Grupo 4C até a metade do canto esquerdo do auditório. O piso


é marcado para sua conveniência.” Disse o instrutor, apontando para o local
apropriado.

Eu dei-lhe um breve aceno e caminhei até o meu grupo, que era uma mistura
de aproximadamente uma dúzia de homens e mulheres de todos os
tamanhos. Uma menina pequena que parecia ter a minha idade ficou confiante
com os braços cruzados. Ela propositalmente vazou traços de seu ki para que
todos ao redor pudessem sentir isso. Um garoto tonificado, com cabelos bem
cortados permaneceu corajoso com um sorriso arrogante. A julgar pela crista
presa no bolso do peito, ele era de uma família militar. Sem dúvida, ele foi
criado para ser um membro proeminente das forças armadas – talvez até um
candidato a desafiar a posição de rei.

Em meio ao grupo, estava nosso instrutor – um homem corpulento que parecia


estar na casa dos quarenta anos com um bigode mais bem arrumado que seus
cabelos ralos.

“Cadete Grey?” O instrutor perguntou com uma sobrancelha levantada


enquanto lia sua prancheta.

“Sim, senhor.” Assenti respeitosamente. Não faz sentido ser brusco com o
homem responsável por determinar minha estatura dentro dessa academia
militar.

“OK! Parece que todo mundo está aqui então.” Ele disse, colocando a
prancheta na axila e apertando as mãos. “Olá a todos. Todos vocês podem se
referir a mim como instrutor Gredge. Antes de começar, gostaria de dizer
algumas palavras.”

Os cadetes do nosso grupo se sentaram ao redor dele em círculo para que


todos pudessem ver.
“Como muitos de vocês devem ter adivinhado, esta última parte do exame será
um combate prático. Eu tenho todos os resultados do nível ki deste grupo aqui
e, apesar de não divulgar o nível de ki de ninguém, vou lhe dizer agora que
todos diferem. Parte do combate prático significa que você nem sempre terá
o luxo de poder lutar contra alguém com o mesmo nível de ki que você. Às
vezes você terá sorte e será confrontado com um oponente que mal consegue
fortalecer o punho—”

Alguns cadetes do nosso grupo riram disso.

“Outras vezes, você encontrará situações em que o oponente tem uma


quantidade de ki muito maior do que você.” Continuou o instrutor, segurando
sua prancheta mais uma vez. “Independentemente, você será julgado por sua
capacidade de se adaptar de acordo e, o mais importante, prevalecer.”

Trocamos olhares entre o nosso grupo antes que um adolescente magricelo


que parecesse alguns anos mais velho do que eu erguesse o braço e
falasse. “Os rumores de que os cadetes podem morrer durante este teste, é
verdade?”

O instrutor Gredge coçou a barba. “Altamente improvável. As armas aqui são


embotadas e suavizadas. Além disso, eu vou acompanhar cuidadosamente as
lutas e intervir quando necessário.”

Havia alguns cadetes no grupo que ainda estavam ansiosos, apesar da


segurança do instrutor. Eu não poderia culpá-los. A diferença nos níveis de ki
fazem uma enorme diferença em força e agilidade – o suficiente para que
mesmo uma arma amolecida pudesse ser mortal.”

O instrutor pigarreou para chamar nossa atenção. “Como todos sabem, o


exame é importante para determinar e garantir o futuro de um cadete nesta
academia. Aqueles que se saírem bem aqui serão bem apoiados pela academia
e receberão recursos para aprimorar suas habilidades enquanto aqueles que
falharem serão negligenciados e eventualmente expulsos. É injusto, mas é
assim que a vida funciona. Gostaria de perguntar se algum de vocês tem
alguma dúvida, mas como estamos com pouco tempo, então vamos começar.”

Nosso instrutor rechonchudo acenou com a mão, acenando para que alguns
dos cadetes perdidos do nosso grupo saíssem do caminho. Ele então pegou
uma chave do seu bolso e a inseriu na parede. Foi quando notei as costuras
fracas no chão.

A parede se abriu para revelar um porta-armas, enquanto, ao mesmo tempo,


painéis de material parecido com vidro erguiam-se das finas costuras no
chão. Dentro de segundos, uma área de aproximadamente três metros
quadrados foi cercada pelas paredes claras que subiam dezenas de metros de
altura.
“Primeiro será o cadete Janice Creskit contra o cadete Twain Burr. Escolha uma
arma de sua escolha e entre na arena.” Instrutor Gredge acenou para a porta
e os painéis se abriram.

A menina de porte pequeno que exibia seu ki pegou uma lança embotada
enquanto o adolescente magricela que acabara de perguntar ao instrutor se
era possível morrer cuidadosamente pegou um escudo e espada. Os dois
seguiram o instrutor dentro da área fechada, os painéis se fechando atrás dele.

“Os golpes de relance serão ignorados e julgarei se a partida irá ou não


parar. Até lá, lute com o com todo seu coração.” Nosso instrutor se colocou
entre Janice e o ansioso Twain. “Comecem!”

Twain deu um pulo para trás e imediatamente caiu em uma posição defensiva,
segurando seu escudo de fibra de vidro enquanto mantinha sua espada
embotada perto do seu corpo.

Janice, por outro lado, atacou seu oponente. Um baque surdo ecoou quando
sua lança colidiu com o escudo de Twain, mas ela não cedeu. Sem considerar
sua segurança, ela soltou um conjunto selvagem de empurrões, empurrando
Twain para trás a cada golpe.

A pequena garota atacou como um gato, rápida e ágil, mas muito


emocional. Twain, embora suas sobrancelhas tricotadas mostrassem
incerteza, parecia ter percebido isso quando ele cronometrou seu próximo
passo para aparar a lança de Janice.

Ela cambaleou apenas um passo, mas era tudo o que Twain precisava. Ele
rapidamente balançou a espada e a acertou no ombro. Eu esperava que ela se
contorceria com dor ou pelo menos recuar, mas, apesar do golpe direto, uma
camada translúcida de ki protegia o ombro de Janice.

Com um sorriso presunçoso estampado no rosto da cadete Janice, ela bateu


com a mão na espada de Twain e o atacou com o mesmo ombro que tinha
acabado de receber o golpe. Twain se curvou. Janice seguiu passando a arma
nas pernas de Twain, varrendo-o de seus pés – literalmente.

A adolescente magricela caiu no chão e pouco antes de Janice derrubar a


cabeça da lança no rosto de Twain, o instrutor Gredge interceptou.

“Partida encerrada. Os dois cadetes retornam ao resto do grupo.” Ele disse


sem cerimônia, soltando a lança.

Houve um momento de silêncio quando nosso instrutor anotou algumas coisas


em sua prancheta enquanto Twain e Janice saíam da arena.

“Como se trata de uma prova e não de uma aula, não iremos relatar os
acontecimentos desta partida. Vocês podem especular entre si. Enquanto isso,
Cadete Gray e Cadete Vlair, da Casa Ambrose, por favor, pegue uma arma do
porta-armas e venham.”

Murmúrios ressoaram do nosso grupo ao ouvir o nome ‘Ambrose’.

O garoto bonito e tonificado, que parecia ter quase a minha idade, foi até
Janice.

“Posso usar a lança?” ele perguntou, estendendo a mão.

A garota que acabara de lutar como um gato selvagem de repente se tornou


mansa quando ela lhe entregou a lança embotada. “Claro.”

Peguei uma espada com cerca da metade da largura que Twain havia usado
antes de entrar na área fechada.

“É isso aí, cadete Grey?” Vlair perguntou com uma sobrancelha levantada. “A
espada que você escolheu geralmente é combinado com um suspensório ou
outra espada.”

Eu balancei minha cabeça. “Eu estou bem assim.”

“Preparem-se” Disse Vlair dando de ombros.

“Comecem.” O instrutor Gredge sinalizou com um aceno de sua prancheta.

Ao contrário de Janice, Vlair assumiu uma posição muito mais neutra com sua
lança. Eu não conhecia muitas posições para a arma em particular, mas apenas
com o instinto sozinho, eu sabia que ele era muito melhor com a arma do que
Janice.

Eu aumentei a força do meu aperto em volta da minha arma, mas mantive a


lâmina baixa. Os olhos de Vlair se estreitaram, quase como se ele estivesse
insultado por eu não ter tomado uma posição adequada.

Com um escárnio, meu oponente avançou. Sua arma tornou-se um borrão, mas
meu corpo sabia onde seria. Eu evitei seu primeiro impulso com apenas a
menor contração da minha cabeça e eu me escondi sob o golpe rápido que se
seguiu depois.

O minuto seguinte continuou com Vlair incapaz de dar um único golpe em


mim. Eu sabia que um único golpe provavelmente seria o meu fim, mas eu tive
que guardar meu ki limitado para quando eu pudesse realmente
atacar. Enquanto isso, Vlair tinha uma aura consistente de ki envolvendo seu
corpo e arma que era impressionante. Os cadetes anteriores conseguiram se
proteger com o ki até certo ponto, Janice mais que Twain, mas ser capaz de
estender seu ki em sua arma em nossa idade era algo que veio com talento e
trabalho duro.
Sua lança contundente assobiou na minha bochecha com precisão, mas eu
permiti que meu corpo fizesse seu trabalho. Seus movimentos estavam
embaçados e ele parecia estar usando uma técnica que dobrava e curvava sua
lança para uma gama maior de ataques, mas ele ainda era lento – pelo menos
para mim. Ao contrário dos atacantes que tentaram sequestrar Cecilia, ele não
tinha a ferocidade indutora de medo que eles tinham.

Apesar de me acostumar com essa sensação ao longo dos anos, ainda era
estranho a maneira como meu corpo se movia perfeitamente com meus
pensamentos. Eu sabia que isso era uma habilidade injusta de ter, mas eu vi
isso mais como uma compensação por minha baixa reserva de ki.

Enquanto o Sr. Ambrose continuava atacando, sua combinação precisa de


ataques logo ficou atolada de emoções. Frustração e impaciência assumiram,
amortecendo seus ataques e deixando seu corpo mais aberto. Aproveitei esse
fato e entrei. Fortalecendo a bola do meu pé com ki, corri depois de
redirecionar a lança para cima, para que suas costelas ficassem expostas no
lado direito.

Eu balancei minha espada, atingindo-o de forma limpa logo abaixo da axila. O


corpo de Vlair cambaleou com o impacto, mas eu pude perceber pela sensação
agora que não fez muito por causa da rica camada de ki que o protegia.

“Chega. A partida terminou.” Declarou o instrutor Gredge.

“O que? Aquele golpe mal fez cócegas! Eu ainda posso lutar!” Vlair respondeu,
com raiva nos olhos.

“Não há vitória nesses jogos, Cadete Ambrose. Já vi o suficiente de vocês, e é


por isso que estou concluindo esta partida.” Nosso instrutor disse com um
aborrecimento evidente em seu tom.

Ele olhou para mim. “Eu discordo que você já viu o suficiente. O garoto acabou
de dar um golpe de sorte.”

O instrutor Gredge balançou a cabeça. “O golpe de sorte foi dado depois


que você não conseguiu acertar um único golpe por exatamente um minuto e
oito segundos. Agora antes que você perca mais pontos, saia da arena para
que os outros cadetes possam ter sua chance.”

Vlair olhou para mim e nosso instrutor, mas saiu depois de jogar sua lança no
chão.

Os exames terminaram logo depois, dando aos cadetes algum tempo para
descansar e comer enquanto o painel de resultados era carregado.

“Este assento está ocupado? Claro que não.” Uma voz familiar perguntou e
respondeu por trás. Nico me cutucou com o cotovelo antes de se sentar em
frente a mim, suas mãos carregando a mesma bandeja de comida que eu
recebi e atualmente estava comendo. Cecilia seguiu logo atrás, atirando-me
um sorriso antes de ela se sentar ao lado de Nico.

Eu ignorei a provocação de Nico, engolindo meus legumes no vapor antes de


perguntar: “Como foram os testes de vocês? O amuleto funcionou?”

Cecilia levantou a mão direita para me mostrar o pequeno alfinete do tamanho


de uma moeda no centro da palma da mão. “Funcionou que uma beleza. A
julgar pela reação dos testadores, eu provavelmente estava em torno da
média, não significativamente acima da média.”

“Eu deveria ter chamado o amuleto mostrador-de-ki-não-significativamente-


acima-da-média!” Nico riu quando apontou o garfo para mim. “Eu disse que
funcionaria.”

Eu respeitava a resiliência e a capacidade de adaptação de Nico. Ele foi


indubitavelmente afetado pela morte da diretora Wilbeck, mas não deixou que
isso afetasse a ele por muito tempo. Ele se recuperou e nos empurrou –
especialmente eu – para continuar trabalhando em direção a um objetivo. Eu
sei que muitas vezes, ele brinca para cobrir suas emoções, mas acho que seu
carisma era muito necessário em nosso grupo.

Eu assenti. “Estou feliz que sim… embora eu ainda ache que seria melhor se
vocês dois estudassem regularmente. Não é tarde demais eu ach—”

“E eu te disse que estamos juntos.” Nico interrompeu. Seus olhos brilharam


com intensidade por um momento, mas depois se soltaram. “Além disso, este
lugar possui um centro de pesquisa e várias oficinas disponíveis para os
alunos do departamento de engenharia.”

“Nico está certo.” Cecilia entrou na brincadeira, brincando, mas sem realmente
comer sua comida. “Todos nós temos coisas que podemos aprender estando
aqui.”

“Tudo bem, mas temos que ter cuidado.” Abaixei minha voz e me aproximei
dos meus amigos. “Não sabemos exatamente qual grupo ou organização
estava perseguindo Cecilia.”

“Você está se preocupando demais.” Nico dispensou. “O novo limitador de ki


que construí deve durar o suficiente para que eu possa procurar por algumas
peças aqui e torná-lo mais estável.”

Conversamos um pouco mais, mas nossos olhos continuavam voltando para o


grande relógio acima da cozinha. Não éramos apenas nós – todos estavam
ansiosos pelo anúncio.

Nico afastou sua bandeja de comida. “Bem, eu não posso mais comer essa
bosta de rato. Quer apenas ir ao quadro agora?”

“Claro.” Eu disse. “Podemos conseguir um lugar melhor.”


Saímos do corredor e voltamos para fora. O sol brilhava no céu, mas apenas
com prédios, árvores e arbustos artificiais ao nosso redor, a academia parecia
sufocante.

“Os cadetes de engenharia também estão separados em divisões?” Eu


perguntei a Nico a caminho.

Meu amigo balançou a cabeça de um lado para o outro. “Sim e não. Nós,
os cadetes mais intelectuais, ainda precisamos usar o ki para criar ferramentas
e gadgets, então há prioridade a quem tem uma grande quantidade de ki, mas
não é tão pesada quanto os cadetes marciais. Eu vou ser colocado na primeira
divisão, que é a via rápida, ou segunda divisão.”

“Queria que fosse assim tão simples para nós.” Cecilia suspirou. “Por que os
cadetes marciais têm divisões que vão até cinco?”

Nico deu de ombros. “É como a vida é. Enfim, espero que vocês dois entrem na
mesma divisão, se não na mesma classe. Dessa forma, Grey, você pode bater
em qualquer garoto que chega muito perto de Cecilia.”

Eu não pude deixar de sorrir com isso. Nico disse isso de ânimo leve, mas eu
percebi que ele estava envergonhado com suas palavras. Mesmo depois de
todos esses anos, ele ainda não disse nada sobre seus sentimentos por Cecilia.

Quando chegamos ao grande pátio onde o quadro seria atualizado, já havia


uma grande multidão de cadetes tentando chegar o mais perto possível do
quadro.

“Parece que todo mundo aqui teve a mesma ideia que nós.” Cecilia murmurou.

“Não há escolha a não ser avançar.” Disse Nico enquanto me empurrava para
frente. “Lidere o caminho, cadete!”

Depois de dez minutos espremendo centenas de cadetes, chegamos perto o


suficiente do quadro onde pudemos ler as grandes palavras carregando na
tela.

“Nico, seu lábio inferior está sangrando!” Cecilia exclamou. “Você foi
acertado?”

“Infelizmente, eu não saí ileso depois de levar um cotovelo perdido na minha


cara para proteger você!” Nico disse dramaticamente.

Eu balancei minha cabeça. “Nico morde o lábio quando está nervoso,


frustrado, concentrado ou tudo o que precede. Ele provavelmente mordeu
forte demais.”

Nico clicou sua língua. “Espertinho.”


Nesse momento, a tela piscou e acendeu. Palavras – nomes e números –
apareceram na tela em linhas. Os cadetes atrás de nós nos empurraram para
a frente tentando chegar o mais perto possível para encontrar seus nomes.

Encontrei o Nico com bastante facilidade. Ele foi colocado na divisão um,
classe um – o nível mais alto. Vi o nome de Vlair Ambrose em seguida; ele era
a primeira divisão classe cinco da lista de cadetes marciais, o que significa que
ele mal chegara à primeira divisão. O nome de Cecilia apareceu em seguida,
mas o guincho contido de prazer que ela deixou escapar me disse que havia
encontrado seu nome também.

Eu olhei para baixo, procurando pelo meu nome, mas meu coração afundava
quanto menor a minha linha de visão, desde que quanto mais baixo o nome
aparecesse, menor a divisão e classe era. O nome de Cecilia apareceu bastante
cedo desde que ela foi colocada na divisão dois, classe quatro, mas quando
eu encontrei meu nome, eu sabia que o meu objetivo de me destacar na
academia e ficar forte o suficiente para encontrar e derrubar as pessoas ou
grupos que mataram a diretora Wilbeck seria muito mais difícil do que eu
pensava.

Murmurei meu nome e divisão, dizendo várias vezes, caso eu tivesse lido
errado. “Grey. Divisão quatro, classe um.”

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

Meus olhos abriram para ver o teto familiar do meu quarto de volta ao castelo
flutuante. Fiquei agradecido por não ter experimentado outro pesadelo, mas
esse sonho ainda deixou um gosto incrivelmente amargo na minha boca.

“Hora de levantar, Syl.” Eu me parei, lembrando que meu vínculo estava na


enfermaria médica do castelo.

Ontem pareceu mais um sonho do que o sonho que eu realmente


tive. Felizmente, a viagem de volta foi apenas para a cidade principal mais
próxima que tinha um portão de teletransporte. Vários soldados tiveram que
ajudar a transportar Sylvie do local de nossa batalha para o portal, mas ela foi
capaz de voltar com segurança e ser tratada.

Não pude ver Mica desde que ela foi presa para interrogatório. Varay e Bairon
foram se encontrar com a lança anã caso ela decidisse revidar, mas voltou aqui
de bom grado. Quando voltei aqui ao meio-dia, Rahdeas já havia sido colocado
em uma das celas para ser interrogado posteriormente, juntamente com Uto.

Olhando para o lado de fora enquanto eu tomava banho, percebi que era de
manhã cedo, o que significava que dormi o resto do dia até a noite. Meu corpo
ainda estava lento e quente devido à reação, mas dormir por mais de dezoito
horas parecia ter feito maravilhas para mim.
Quando saí do banho, ouvi passos parando na frente do meu quarto. A pessoa
nem teve a chance de bater quando eu chamei, “Quem é?”

A voz de uma mulher desconhecida soou do outro lado da porta. “General


Arthur. Recebi instruções para ajudá-lo a se preparar e escoltar você para a
sala de reuniões.”

Olhando para o meu corpo gotejante coberto de cicatrizes, de repente me senti


desconfortável com o pensamento de alguém olhando para ele. As cicatrizes
no meu pescoço e a mão esquerda com as quais a bruxa Retentora me deixou
foram as piores, mas eram apenas duas dentre muitas que cobriam meu
corpo. Mana e a vontade do dragão de Sylvia ajudaram tremendamente a
minha taxa de recuperação, mas significava que as cicatrizes se formaram mais
rapidamente para selar as feridas, não para tornar a pele perolada nova.

“Estou quase terminando, então espere do lado de fora por apenas um


minuto.” Eu disse, vestindo apressadamente calças e uma túnica com gola alta
antes de cobrir minhas mãos com luvas finas. Não era necessário esconder
minhas cicatrizes desde que os traidores foram capturados, mas me senti
melhor ao fazê-lo.

Certificando-me de que a Dawn’s Ballad estivesse em segurança dentro do


meu anel de dimensão, junto com os chifres cortados de Uto, preparei minha
mente para a interminável reunião estratégica e questionamentos em breve.

Capítulo 178
Conduta estratégica

A curta caminhada até a sala de reuniões foi preenchida por um silêncio


constrangedor entre mim e a secretária élfica imaculadamente vestida.

Eu queria parar no quarto da minha irmã, mas a elfa insistiu que a reunião
tivesse prioridade. Meus olhos se afastaram e eu me vi procurando por alguém
familiar— principalmente Tess. Provavelmente foi por causa daquela cena
maldita que imaginei nos abraçando, prestes a nos beijar.

Para minha decepção e preocupação, a secretária me informou que Tessia e


sua equipe haviam retornado ao seu posto nas Clareiras das Feras.

“Quando eles foram embora?” Eu perguntei.

“Eles partiram ontem ao nascer do sol, general Arthur.” Ela respondeu quase
roboticamente antes de parar em frente à sala de reuniões fechada.
O guarda de cada lado da porta de madeira imediatamente se afastou, abrindo
a entrada ao nós ver se aproximando.

Os dois guardas bateram no punho das lanças no chão em


saudação. “General.”

Entrei na sala circular depois de dispensar a secretária, encontrando o olhar


do Conselho e das outras lanças.

Não demorou muito para que a reunião começasse quando todos


estivéssemos reunidos— menos Aldir, nosso embaixador desaparecido dos
asuras. No entanto, como Rahdeas e Olfred não estavam mais no Conselho, a
sala de reuniões, outrora apertada, parecia assustadoramente espaçosa.

Mal tínhamos nos sentado quando o rei Glayder soltou sua raiva. Batendo os
punhos na mesa circular em que estávamos sentados, o rei corpulento rugiu:
“Qual era o sentido de lorde Aldir assumir o controle do artefato se ele iria
fugir para quem sabe onde!”

“Não é hora de estourar em algo que não podemos mudar.” Alduin disse
irritado.

“Ele está certo.” Concordou Priscilla Glayder. “Há coisas mais urgentes que
precisamos cobrir se quisermos nos recuperar desse revés.”

Blaine olhou incrédulo para a esposa, mas a rainha ignorou o olhar do marido.

Merial, que estava sentada ao lado do marido, finalmente tirou os olhos da


pilha de pergaminho que ela estava passando e falou. “Eu reuni e li vários
relatos do que aconteceu, um dos quais foi de Aya, mas acho melhor
começarmos com o relato de Arthur sobre o que aconteceu.”

“Eu concordo.” Virion falou, virando seu olhar cansado para mim. O homem era
velho desde que eu o conhecia, mas os últimos anos realmente puniram seu
corpo e psique. Isso foi evidenciado pelas profundas bolsas escuras sob seus
olhos e pela maneira como seu rosto se contorcia em um perpétuo olhar
severo.
Os cabelos ruivos de Blaine estavam praticamente em chamas quando ele se
recostou na cadeira, fervendo como uma chama ansiosa para ser alimentada
com combustível para liberar sua raiva mais uma vez.

“Claro.” Eu disse, descansando os braços sobre a mesa. Normalmente, as


lanças ficavam atrás do respectivo suporte de artefato, mas com os assentos
extras disponíveis e o fato de que, mesmo em pé, afetou meu corpo fatigado,
fui autorizado a sentar.

Recapitulando os eventos a partir do dia em que Olfred, Mica e eu partimos


em nossa missão não demorou muito. Os membros do Conselho me paravam
de vez em quando, se precisassem de esclarecimentos ou mais detalhes, mas,
caso contrário, deixaram-me falar.

Além de omitir os detalhes de que não fui eu quem derrotou Uto, mas seu
aliado, contei tudo ao Conselho. Até o final de minha história, Virion assentiu,
pensativo.

“Como é que Arthur, que ainda não alcançou o estágio do núcleo branco,
conseguiu derrotar não um, mas dois Retentores enquanto uma lança havia
sido morta de maneira impotente?” Blaine perguntou, com tom de suspeita em
sua voz.

Os olhos de Virion se estreitaram. “O que você está tentando ganhar por ser
tão cético em relação ao general Arthur?”

“Talvez saber como ele saiu vitorioso em ambos os encontros para que possa
preparar melhor o resto das lanças em futuras batalhas contra os Retentores
e Foices.” Disse Blaine com um encolher de ombros.

Priscilla colocou a mão no braço do marido, tentando intervir. “Queri-”

“O rei Blaine tem razão.” Interrompi. “O primeiro Retentor contra o qual eu


havia lutado não era tão forte quanto Uto— o Retentor que agora
aprisionamos. Mesmo assim, saí com essas cicatrizes e uma espada quebrada
que havia sido forjada por um asura.”
Todo mundo, menos Virion, mostraram algum sinal de surpresa no rosto
quando tirei a luva da mão esquerda e puxei a túnica para expor meu pescoço,
mas nenhum deles disse uma palavra.

Eu continuei. “Uto, por outro lado, tinha a capacidade de matar eu e Sylvie a


qualquer momento, mas não era isso que ele estava procurando. O Vritra em
particular parecia querer desfrutar de uma boa batalha. Quando eu não
parecia ser uma grande ameaça, ele abaixou a guarda para tentar incitar raiva
por ameaçar matar aqueles que são mais próximos de mim. Sylvie e eu fomos
capazes de aproveitar seu descuido e destruir seus chifres.”

“Como você sabia que destruir os chifres de um Vritra teria algum efeito sobre
sua capacidade de lutar?” Uma voz clara soou atrás de Priscilla. O quem fez a
pergunta foi Varay Aurae.

Eu balancei minha cabeça. “Eu não sabia. Duvido que até os asuras soubessem,
caso contrário, eles teriam nos contado. Mas eu me lembro da última lança,
Alea, mencionando como Uto ficou furioso quando ela cortou um fragmento
do chifre dele.”

Minha mentira não era a mais bem pensada, mas mencionar Alea parecia
convencer até Blaine e Bairon, que estavam me estudando criticamente ao
longo da minha história. Parecia errado enganar a todos, especialmente
Virion. Mas eu não confiava em ninguém neste momento e sabia que contar ao
Virion agora— sem nenhuma idéia do que era o objetivo de Seris— apenas
sobrecarregaria mais o comandante.

“O poder do Retentor pareceu diminuir significativamente depois que


destruímos seus chifres,” Enfatizei ‘destruído’ “e logo conseguimos nos
sobrepor. Depois de imobilizar Uto, a única coisa que lembro é da general Aya
me acordando.”

“Obrigado pela explicação.” Disse Virion após uma breve pausa. “Rainha
Priscilla, você gostaria de discutir a próxima questão de negócios?”

Com um aceno de cabeça, a rainha falou.

“O fator mais crucial nesta guerra agora é a aliança com os anões. Com
Rahdeas preso e mantido para interrogatório, não temos alguém para liderar
efetivamente os anões. Além disso, após o reconhecimento do general Arthur
em Darv, é óbvio que uma facção ou múltiplas facções estão voluntariamente
ajudando o exército Alacryano.”

“E se enviarmos algumas forças militares de Sapin para Darv para


supervisionar os anões?” Alduin sugeriu.

O rei Blaine, que já havia se acalmado, balançou a cabeça. “A presença militar


dos humanos só assustaria os anões ainda mais pensando que queremos
controlá-los. As coisas ficarão ainda mais descontroladas se forçarmos nosso
caminho para isso.”

Uma ideia surgiu em minha mente, mas vendo o resto das lanças relativamente
silenciosas, eu não tinha certeza se tinha autoridade para falar. Apenas as três
lanças presentes não tinham conhecimento de táticas militares e políticas em
larga escala, devido ao seu foco no combate. Independentemente, comecei
com uma pergunta. “A prisão de Rahdeas foi tornada pública?”

O rei Blaine levantou uma sobrancelha. “Não, não foi. Parte desta reunião é
para discutir como lidar com o traidor e o fato de estarmos sem uma lança e
não podemos substituí-lo porque nosso embaixador dos asuras saiu de
férias.”

“Então por que não usar isso a nosso favor?” Eu sugeri, esperando que alguém
entendesse.

Felizmente, Virion fez. Seu rosto se iluminou como quando Tessia e eu éramos
apenas crianças. “Brilhante! Arthur, lembre-me de nunca lutar uma guerra
contra você.”

Virion não precisou explicar muito antes que todos os outros na sala
entendessem e até oferecessem ideias sobre como atualizar minha ideia. As
pessoas aqui eram inteligentes, afinal.

Basicamente, o Conselho disfarçou que Rahdeas nunca foi preso. Eles teriam
que fazer Rahdeas contar como ele se comunicava com seu povo, mas depois
disso, eles poderiam enviar ordens como se fossem do próprio Rahdeas.
“Não seríamos capazes de fazer algo radical como fazê-los ir imediatamente
contra os Alacryanos, já que Rahdeas tinha sido tão empenhado em ajudá-los,
mas podemos pelo menos proteger as informações se passando por
ele.” Disse Merial, excitada.

A atmosfera na sala ficou um pouco mais clara à medida que a esperança


borbulhava lentamente. A próxima lista da agenda estava discutindo como
proceder com o interrogatório da general Mica e o interrogatório de Uto.

“O interrogatório do general Mica será realizado por mim, enquanto a general


Aya cuidará do Vritra que aprisionamos.” Anunciou Virion. “No entanto, o
interrogatório de Rahdeas deve ter prioridade neste momento para garantir a
lealdade dos anões. Alguém pensa o contrário?”

O resto de nós balançou a cabeça. Todos concordamos. Ter o controle de Darv


era crucial para vencer esta guerra.

“Bom.” Virion continuou. “Então discutiremos os detalhes sobre o


interrogatório da general Mica e do Retentor em nossa próxima reunião.”

O Conselho continuou cobrindo vários outros itens da agenda, muitos dos


quais referentes à condição de uma cidade específica.

Merial, que estava organizando as pilhas de pergaminho em torno de sua


mesa, pegou o próximo assunto para discutir. Seu olhar piscou para mim
enquanto ela hesitou um segundo antes de entregar o pedaço de papel ao
sogro.

Os lábios de Virion estavam em uma linha sombria enquanto lia o relatório,


mas quando ele terminou de ler, havia um olhar de alívio em seu rosto. “O
próximo assunto é uma rota de suprimentos. Houve outro ataque a uma de
nossas carruagens, transportando suprimentos para a Muralha. Felizmente, a
carruagem esteve perto o suficiente de Blackbend City para que os reforços
pudessem chegar lá a tempo.”

“Quantas mortes?” Priscilla perguntou.

“Três mortes e quatro feridos, todos comerciantes empregados pelo grupo


Helstea.” Merial lia em voz alta.
“Malditos anões.” Murmurou o rei Blaine com raiva. “Como se os Alacryanos
não fossem um pé no saco! Por causa deles, nossos inimigos têm acesso à sua
rede subterrânea que leva a quem sabe até onde que fica na fronteira sul do
meu reino.”

Um mau pressentimento surgiu a menção do nome Helstea, mas, considerando


todas as coisas, o dano poderia ter sido pior. “Bem, felizmente eles foram
capazes de voltar a tempo.”

Merial olhou para mim e parou por um instante. “Sim. Também ajudou o fato
de que o grupo encarregado de proteger a carruagem tinha um emissor com
eles – Alice Leywin.”

Eu pensei que tinha entendido errado por um momento, mas pelos olhares
tensos daqueles ao meu redor, eu sabia que não tinha.

Virion falou primeiro em um tom tranquilizador. “Como o relatório dizia,


nenhum dos chifres gêmeos foi morto.”

A única coisa que pude reunir naquele momento foi um aceno de cabeça
cansado. A voz do velho elfo soou abafada contra o pulsar do sangue correndo
na minha cabeça. Virion tinha acabado de dizer que meus pais e os chifres
gêmeos estavam vivos, mas parecia que fui superado com um sentimento de
eles apenas evitaram a morte. De repente, aquelas três mortes que Merial lera
em voz alta soaram muito mais reais. Poderia ter sido eles e eu não teria sido
capaz de fazer qualquer coisa sobre isso.

“Arthur?” Uma voz preocupada tocou.

Saindo do meu transe, olhei de volta para o comandante. “Desculpe, eu estou


bem. Por favor continue.”

Eu tinha mil perguntas, mas todas eram pessoais. Meus pais e eu tivemos uma
separação menos do que o ideal. Meu egoísmo de querer escondê-los em
segurança dentro do castelo não ajudou a consertar nosso relacionamento
ainda frágil depois que eu revelei meu segredo. Eles me disseram que queriam
ajudar na guerra, mas o pensamento deles realmente em perigo nunca havia
ressurgido até agora.
A tentação de simplesmente sair desta sala e descer à superfície para
encontrar meus pais cresceu, mas eu sabia que eles me desaprovariam
abandonando meus deveres para apenas checá-los. Relutantemente,
concentrei minha atenção novamente no assunto em questão.

O Conselho estava discutindo uma maneira de otimizar as rotas de suprimento


de Blackbend, a principal cidade perto do canto sudeste de Sapin, até a
Muralha.

“Que tal uma rota subterrânea?” O rei Alduin sugeriu, apontando perto do
centro do mapa que eles haviam acabado de desenrolar.

O rei Blaine balançou a cabeça, inclinando-se para a frente e apontando


abaixo da área onde Blackbend estava localizado. “A cidade está muito perto
do Reino de Darv. Provavelmente já haverá dezenas de passagens
subterrâneas que os anões cavaram ao longo do tempo. Vai ser muito perigoso
tentar isso até garantirmos nossa aliança com eles.”

“Como é Blackbend?” Eu perguntei, olhando de perto o mapa.

“A economia de Blackbend gira em torno de produtores de batata de vilarejos


e aventureiros próximos, por causa da proximidade com as Clareiras da Besta.
A cidade é atualmente responsável pelo fornecimento de rações e pela
fabricação de armas— principalmente flechas— para os soldados, é por isso
que é crucial haver um meio de transporte seguro para a Muralha.” Respondeu
a rainha Priscilla, seriamente.

“O terreno ao redor é basicamente de terras agrícolas planas, o que dificulta


que as carruagens que transportam suprimentos passem despercebidas.”
acrescentou Bairon, falando pela primeira vez nesta reunião.

“Obrigado.” Eu disse a ambos. O conhecimento da rainha era informativo, mas


também me fez perceber que minha pergunta era vaga. A resposta que recebi
de Bairon era o que eu precisava saber.

À medida que o Conselho discutia mais ideias sobre como garantir melhor a
rota de suprimentos, minha mente se desviou para maneiras pelas quais as
pessoas deste mundo não seriam capazes considerar. Pensando no navio que
eu ajudei Gideon a projetar alguns anos atrás, olhei para o mapa. Infelizmente,
não havia rio perto da Muralha ou da cidade de Blackbend, mas isso me deu
uma ideia.

“Rei Blaine,” Eu o chamei, interrompendo a discussão. “quantos anões hábeis


em manipulação de metal que você pode conseguir para nos ajudar?”

“Existem inúmeros magos de metal— ou modeladores de metal como se


chamam— entre os anões, mas aqueles que são confiáveis o suficiente para
uma grande tarefa,” O rei parou para pensar por um segundo. “Um punhado,
talvez.”

A rainha Priscilla concordou com a cabeça.

Sem pausa, virei-me para o pai de Tess. “Rei Alduin, quantos elfos hábeis em
magia da natureza você consegue reunir?”

O rei élfico olhou para sua esposa enquanto ele esfregava o queixo bem
barbeado.

Merial começou a olhar através de outra pilha de papéis quando Aya


falou. “Quatro, atualmente em espera. O restante está em missões.”

“Isso é sobre o quê?” Virion perguntou.

“Eu voltarei para explicar assim que eu resolver a logística dessa ideia com
Gideon.” Eu disse distraidamente, as engrenagens em minha mente
trabalhando furiosamente enquanto eu raciocinava como esse plano acabaria
por acelerar o processo de transporte de suprimentos, além de manter os
passageiros e trabalhadores— principalmente meus pais e os chifres gêmeos—
seguros.

A reunião terminou logo depois e levantei-me para sair da sala sufocante


quando Virion me segurou. “Antes de partirmos, eu gostaria de falar alguma
coisa.”

Fiquei em silêncio, curioso, esperando-o continuar.

“Em tempos de guerra, é impossível recompensar todas as ações


realizadas. No entanto, acho que matar não um, mas dois Retentores,” O
comandante alternava seu olhar de mim para Aya. “além de eliminar um
traidor perigoso e subjugar um esquema que poderia ter potencialmente
matado milhares de civis, pede algum tipo de recompensa. “

“Obrigado, comandante Virion,” Disse Aya educadamente. “mas o que eu fiz foi
nos ajudar a vencer esta guerra, não por uma recompensa pessoal.”

Virion assentiu. “General Arthur? E você?”

Eu aprendi na minha vida passada que, em situações como essa, é melhor


descartar a recompensa e agradecer a ele por sua gentileza, mas essa também
era a oportunidade perfeita para abordar algo que vinha pesando em minha
mente desde a última batalha contra Uto.

“Na verdade, há algo que… há algumas coisas que eu gostaria.” eu disse


inocentemente.

Os dois reis e rainhas me olharam surpresos, mas Virion simplesmente soltou


uma risada. “Muito bem, deixe-me ouvi-los!”

Fui até o quarto de Ellie, para que pudéssemos visitar Sylvie juntos, me
sentindo muito mais alegre— feliz até.

Até Virion ficou atordoado no começo quando lhe disse que queria suspender
as missões em breve. Eu não o culpo; nós tínhamos acabado de perder uma
lança, possivelmente duas, e agora ter outra dizendo que queria uma folga
teria um preço enorme do nosso lado.

No entanto, eu precisava de algum tempo para treinar e, depois de explicar


que, com a guerra escalando no ritmo que estava, não teria muita chance
depois. Ele concordou… um pouco.

“Dois meses é o máximo que posso oferecer, e mesmo assim não posso
prometer que você não será enviado se algo importante acontecer.” Ele disse
com relutância.

‘Algo importante’ parecia um pouco ambíguo, mas era justo.


“Além disso, como você não participará de missões, será obrigado a participar
das reuniões do Conselho.” Acrescentou. “Levando em conta o que já
aconteceu no passado, eu sei que tê-lo aqui— levando em conta em seus
pensamentos— será útil.”

Isso foi um pouco mais difícil de engolir. Uma das poucas coisas que eu temia
agora e na minha vida anterior eram reuniões como a de hoje. No entanto, eu
precisava de tempo para estudar e absorver os chifres de Uto que a Foice havia
referido como um ‘recurso inestimável’.

“Por curiosidade, como você planeja treinar aqui no castelo?” Alduin


perguntou antes de eu sair.

“É parte do que eu preciso a como recompensa.” Eu respondi levantando


quatro dedos. “Preciso de quatro conjuradores, cada um com afinidade
elementar diferente.”

“Quatro?” Virion repetiu. Os membros do Conselho estavam obviamente


confusos, mas eu sabia pelo brilho nos olhos das lanças que eles entenderam
o que eu havia planejado.

Os corredores estavam vazios, então minha caminhada até o quarto de Ellie


foi ininterrupta. Pensei em como cumprimentar minha irmãzinha. Eu sabia que
era difícil para ela esperar por mim e nossos pais, sem saber quando
voltaríamos. Sendo o irmão atencioso que sou, bati na grande porta de
madeira que tinha sido remodelada para se ajustar ao vínculo dela e, com uma
voz estridente e ofegante, eu lamentei. “Ellie… é o fantasma do seu irmão. Eu
vim para assombrá-la!”

Eu não precisava ser um gênio para deduzir que minha irmã não estava se
divertindo quando ela murmurou friamente do outro lado da porta. “Boo,
ataque.”

Infelizmente, foi só depois que um urso de trezentos quilos veio me atacar que
eu percebi que talvez o senso de humor de minha irmã se parecesse mais com
o de nossa mãe.
Meu corpo voou de volta para o outro lado do corredor quando o corpo de Boo
bateu contra mim. Mais impressionado que as paredes não tivessem
desmoronado impacto, empurrei a fera de mana enorme.

“É bom ver você também, amigo.” Eu ri cansado, evitando a poça de baba se


formando debaixo dele.

A fera soltou um grunhido, borrifando uma mistura de saliva e espuma no meu


rosto.

“Fantasma? Sério, irmão?” Minha irmã resmungou, com os braços cruzados em


zombaria.

Afastei Boo e limpei meu rosto pingando com uma manga. “Haha, não posso
dizer que não mereço isso.”

Não demorou muito para a carranca severa de Ellie amolecer. Ela andou e
passou os braços em volta de mim. “Bem-vindo de volta, irmão.”

Eu gentilmente afaguei a cabeça da minha irmã e pude sentir a tensão no meu


corpo se desenrolando pela primeira vez desde que cheguei ao castelo. “É bom
estar de volta.”

Capítulo 179
Um navio para terra

Um raio de luz atravessou as árvores, curvando-se levemente antes de atingir


seu alvo— um poste de madeira não maior que minha cabeça. Houve um
barulho satisfatório quando a flecha de mana se alojou no centro do poste,
criando um buraco através dele antes de se dissipar.

“Bom tiro!” Eu exclamei, aplaudindo.

Minha irmã fez uma reverência em resposta antes que seus lábios se
curvassem em um sorriso satisfeito. “Eu sei!” Ela disse arrogantemente.

Saindo de cima de Boo, seu vínculo titânico que eu estava deitado


preguiçosamente sob sua barriga, Ellie pulou para Sylvie e eu. Minha irmã
pegou meu vínculo. “O que você achou, Sylvie? Você está impressionada?”

“Muito impressionada.” Ela respondeu em voz alta, sua voz suave entrelaçada
de fadiga.
“Sylvie ainda está se recuperando, Ellie.” Eu repreendi.

Minha irmã colocou a raposa branca de volta na almofada em que ela estava
enrolada. “Hehe. Desculpe, Sylvie.”

Fazia apenas dois dias desde que voltamos ao castelo. Sylvie ganhou
consciência ontem, mas está se recuperando em uma velocidade
impressionante. Enquanto Virion e o resto do conselho reuniram os quatro
conjuradores que ficariam comigo pelos próximos dois meses, passei algum
tempo com minha irmã.

Eu mantive o fato de que nossos pais e os chifres gêmeos haviam sido atacados
em segredo de Ellie. Uma parte de mim sabia que ela merecia saber, mas eu
também queria mantê-la ignorante até que não fosse mais possível.

Um desejo egoísta de um irmão egoísta.

“Então, você é capaz de disparar com precisão enquanto o Boo é sua


montaria?” Eu perguntei com um sorriso malicioso, meu olhar se voltando para
a besta mana dormindo de bruços.

Ellie ficou de mau humor com minha pergunta. “Ugh, ainda não. Helen fez com
que parecesse tão fácil quando ela me mostrou, mas eu não consegui acertar
um único tiro decente enquanto Boo estava se mexendo. Não ajuda o fato que
ele corra como se estivesse tentando propositalmente me tirar de suas
costas.”

A besta mana parecida com um urso soltou um grunhido de negação à


distância.

“Você também!” minha irmã brincou antes de se abaixar para pegar seu arco.

Meu olhar caiu na mão dela quando ela se abaixou para pegar a arma. Calos
cobriram seus dedos enquanto vergões recém-formados preenchiam os raros
lugares da mão que ainda não estava endurecida pelo uso excessivo.

“Quanto tempo você pratica, El?” Eu perguntei.

Minha irmã pensou por um segundo antes de responder. “Eu realmente não
acompanho, mas o sol se põe enquanto treino, então talvez umas seis ou sete
horas?”

Meus olhos se arregalaram. “Todo dia?”

Ellie simplesmente deu de ombros. “Eu acho.”

“Que tal estudar ou brincar com os amigos?”

“As aulas no castelo são apenas uma vez por semana e eu posso terminar o
material de estudo que eles me dão em um dia.” Respondeu ela. Ellie então
hesitou antes de continuar. “Quanto aos amigos… quero que você saiba que
sou muito popular.”

“Realmente?” Eu disse com uma sobrancelha levantada.

Cavando sob meu olhar implacável, ela soltou um suspiro. “Bem, não é minha
culpa que eu não tenha absolutamente nenhum interesse nas coisas que eles
falam. Como é possível que um grupo de garotas fale sem parar sobre meninos
e roupas por horas?!”

Uma risada escapou da minha garganta e eu pude sentir minha expressão


suavizar. “Tenho certeza de que há algumas crianças da sua idade interessadas
em magia.”

Percebendo que nossa conversa não terminaria logo, minha irmã puxou uma
cadeira e sentou-se. “Bem, havia alguns, mas quando eles despertaram, seus
pais saíram do castelo ou apenas mandaram seus filhos para uma das
principais cidades para que eles ingressassem em uma escola de magia.”

Nem todas as crianças teriam as conexões que minha irmã teve de ser
ensinada por um mago neste castelo. Era compreensível que os pais gostariam
que seus filhos ainda aprendessem a utilizar seu núcleo recém-formado,
mesmo com o perigo potencial da guerra atingindo-os.

Eu olhei para minha irmã enquanto ela brincava com o cordão do seu arco
antes de perguntar cuidadosamente: “Você também queria frequentar uma
academia de magia?”

“É claro,” Ela respondeu sem hesitar. “mas eu sei que você, mamãe e papai se
preocupariam.”

Estremeci com as palavras da minha irmã. Ela tinha apenas doze anos, mas
suas palavras refletiam uma maturidade que eu não tinha muita certeza de
que queria que ela tivesse. Falando por experiência própria, sabia como era
crescer rápido demais. Era mais um desejo egoísta meu que minha irmã
continuasse sendo uma garota fofa e inocente que se preocupava apenas com
o que vestir na festa de aniversário de sua amiga.

Afastando meus pensamentos, lancei um sorriso gentil para ela. “Vou


conversar com mamãe e papai quando tiver a chance e perguntar a eles sobre
te mandar para a escola.”

Os olhos de Ellie se arregalaram. “Realmente?”

“Supondo que eles lhe deem o OK, eu ainda vou querer enviar um guarda com
você para protegê-lo caso algo aconteça. Eu sei que pode ser um pouco
sufocante ter alguém com você o tempo todo, então vou tentar encontrar
alguém com quem você se sinta confortável, mas…”

Minha irmã chocou-se em mim em um abraço firme. “Obrigado, irmão.”


“Não tenha muitas esperanças.” Eu respondi, minha voz saindo como um
chiado pelo quão forte ela estava me apertando.

“Muito tarde!” ela riu, soltando seu aperto em mim antes de pegar seu
arco. “Vou ter que praticar mais se quiser vencer aqueles nobres esnobes.”

Continuei meu papel de espectador entusiasmado, saboreando o céu limpo e


o doce aroma do orvalho da manhã no gramado. Ellie continuou a atirar mais
flechas de mana em alvos distantes com uma precisão extraordinária. Levaria
muito tempo até que ela se sentisse tão confortável com o arco quanto Helen
Shard, mas ela tinha suas próprias forças que a líder dos Chifres Gêmeos não
podia esperar replicar.

Ellie ainda tinha que desenvolver uma afinidade com um elemento, então
estava limitada a disparar mana pura. Foi uma pena que não houvesse muito
que eu pudesse fazer para ajudá-la a desenvolver uma afinidade, já que isso
dependia principalmente de suas próprias ideias, mas foi emocionante vê-la
crescer e se desenvolver.

‘Seus pensamentos fazem parecer que você deseja ter seus próprios filhos.’ A
voz de Sylvie subitamente invadindo minha cabeça me assustou.

“Próprios filhos?” Eu disse em voz alta, assustando minha irmã.

A flecha de mana de Ellie se desviou do céu, dissipando-se antes de atingir a


barreira do castelo. “O que?”

“Não é nada.” Eu sorri, lançando um olhar afiado para o meu vínculo quando
minha irmã se virou.

Sylvie se remexeu na almofada, olhando para mim com uma expressão astuta
de diversão em seu rosto vulpino.

Volte a dormir. Enviei, resmungando em minha mente.

Continuei assistindo os movimentos aparentemente repetitivos de Ellie


murmurando, puxando seu arco enquanto uma flecha translúcida se formava
entre seus dois dedos, firmando sua mira e depois disparando.

Ela pulava o processo de entoar os tipos de flechas em que era mais versada,
mas outras vezes precisava descrever o tipo de flecha que queria moldar com
a mana com precisão. Na trigésima vez que ela disparou sua flecha, eu me
perguntava como Boo era capaz de dormir tão facilmente com Ellie em suas
costas.

“General Arthur?” uma voz soou por trás.

Meus olhos se abriram e me virei para ver um elfo segurando uma prancheta,
vestido com um traje branco que estranhamente lembrava um jaleco do meu
mundo antigo. O que chamou minha atenção foi a cor dos olhos dela— ou
melhor, as cores. Um anel de rosa brilhante cercou cada uma de suas pupilas,
depois mudou para um azul brilhante nas extremidades externas de suas íris.

Percebendo meu olhar fixo, ela se curvou, pensando que eu estava esperando
uma saudação formal.

O elfo ficou como se estivesse de costas para uma prancha de madeira


enquanto anunciava: “O artífice Gideon chegou ao castelo e está esperando
você.”

“Você está indo?” minha irmã perguntou, jogando o arco por cima do ombro.

“Sim. Eu tenho algumas coisas para discutir com o velho.” Respondi. Voltando
quando segui atrás do elfo incomum, disse à minha irmã. “Provavelmente não
poderei jantar com você, então não espere.”

Minha irmã assentiu. “Entendi. Diga oi para Emily por mim, se tiver a chance
de vê-la.”

“Ok.”

‘Ficarei aqui com Eleanor.’ Disse Sylvie, grogue.

Certo. Vou atualizá-la quando voltar, Sylv.

Eu segui silenciosamente ao lado da secretária élfica enquanto ela liderava o


caminho com passos confiantes.

“Existe um nome pelo qual eu possa te chamar?” Eu perguntei.

A elfa parou abruptamente, curvando-se profundamente, de modo que seus


cabelos loiros amarrados firmemente em um rabo de cavalo caíram sobre sua
cabeça. “Perdoe-me por não me apresentar. Meu nome é Alanis Emeria e fui
designada pessoalmente pelo comandante Virion para ser sua secretaria.”

Eu abaixei minha cabeça em resposta à sua saudação. “Bem, Alanis. É um


prazer conhecê-la, mas estou tendo dificuldade em acreditar que você é
apenas uma secretaria a julgar pela quantidade de mana que você ocultou.”

A elfa de meia-idade piscou, seus olhos multicoloridos brilhando, mas, por


outro lado, parecia imperturbável. “Como esperado de uma lança. Permita-me
esclarecer. Eu fui designada pelo comandante Virion para ser sua secretaria
enquanto você treina aqui. Era meu desejo conhecê-lo o mais rápido possível.”

Não entendi muito bem qual era o papel dela como minha secretaria durante
o treinamento, mas antes que eu tivesse a chance de perguntar, vi a figura
familiar de Gideon correndo em nossa direção todo suado.
“Eu vim assim que ouvi do comandante Virion!” Ele bufava excitado, com sua
voz ecoando pelos corredores estreitos. “Que tipo de ideia engenhosa que
você teve nesse seu crânio enviado por Deus?”

O velho artífice mal podia esperar até chegarmos a uma das salas vazias
usadas para reuniões de nobres ou líderes militares.

“Diga tudo, garoto!” Gideon disse assim que Alanis fechou a porta atrás de
nós. “E está tudo bem essa elfa ouvir isso?”

A atendente élfica lançou um olhar de desaprovação para Gideon em seu


discurso pouco casual, mas permaneceu quieta.

Eu não pude deixar de sorrir vendo o velho artífice mexer em seu assento em
antecipação. Olhando atentamente para ele, era difícil imaginar que eu
conhecesse esse velho há mais de dez anos. As rugas entre as sobrancelhas e
a boca se aprofundaram em comparação com aquele tempo, sem dúvida foi
pelo tempo ele passou franzindo a testa em frustração.

“Todo mundo vai saber mais cedo ou mais tarde, e ela é aparentemente minha
secretaria pessoal a partir de hoje, então é melhor tê-la informada, certo?” Eu
perguntei, virando-se para Alanis.

“Parte do meu trabalho será diminuir outros encargos enquanto você se


concentra no treinamento, então sim, seria útil para mim manter-me
informada.” Ela disse com seus olhos rosa e azul parecendo mudar de tom.

“Mais treinamento? O que mais você pode treinar depois de ser pessoalmente
ensinado por deuses— asuras, quero dizer.” Ele ponderou, esfregando o
queixo.

“Sempre há espaço para treinamento.” Eu disse. “Mas voltando ao assunto,


quais são os estados das minas atuais que foram usadas para escavar a fonte
de combustível necessária para nossos navios?”

Os olhos de Gideon se iluminaram. “Oh, você quer dizer as minas de


Combustium? Ainda estão sendo escavados cinco das principais.”

Eu levantei uma sobrancelha. “Combustium?”

“Eu mesmo dei o nome.” O artífice sorriu. “Você me disse que precisaria de um
mineral com características definidas, capazes de alimentar o motor a vapor
que nós projetamos— acho que você chamou de carvão? De qualquer forma,
dos minerais atualmente conhecidos, que não são muitos, apenas um deles
produziu a quantidade de energia necessária para abastecer um navio inteiro
com eficiência. As características são um pouco diferentes do carvão que você
mencionou, então eu decidi nomear de outra coisa. Enfim, esse material é
incrível. Cinco quilos de combustível podem abastecer um navio inteiro por
cerca de vinte quilômetros na velocidade máxima!”
“É ótimo ouvir isso.” Eu disse, cortando Gideon. Com medo de que ele se
aprofundasse mais, fui direto ao ponto. “O que planejei envolve uso de
combustível para um modo de transporte diferente; especificamente um navio
que será usado para viajar por terra.”

“Um navio para terra?”

Eu assenti. “Exceto, eu estava pensando em chamá-lo de ‘trem’.”

“Trem?” Gideon ecoou incrédulo. “De que bunda de besta de mana você tirou
um nome assim?”

“Você quer as plantas ou não?” Eu zombei.

Gideon levantou os braços de uma maneira apaziguadora. “Será Trem então.”

O artífice se preparou para o projeto imediatamente. Ele praticamente


despejou um laboratório inteiro de seu anel dimensional em seu polegar.

Embora Gideon entendesse rapidamente como o trem operaria, ainda


demorou algumas horas explicando os detalhes de como as ferrovias e as
paradas funcionariam. Não percebi quanto tempo se passou até que meu
estômago revirou e roncou de fome.

“Acho que cobri tudo o que você precisa para começar.” Eu disse, examinando
os desenhos e especificações no grande pergaminho que estava pendurado na
parede de trás da sala de reuniões.

“Isso vai mudar tudo.” Gideon murmurou, mais para si mesmo do que para
Alanis ou para mim. “Os rios vão ser um pé no saco se nós quisermos conectar
a cidade de Blackbend a Kalberk ou Eksire, mas com alguns magos de água e
terra…”

“Vamos nos concentrar na ferrovia de Blackbend à Muralha.” Eu interrompi. “É


claro que criar ferrovias para outras grandes cidades será importante, mas
precisamos criar uma rota segura para os suprimentos que vão para as
Grandes Montanhas, se quisermos que nossas tropas lá sobrevivam.”

“É claro, mas isso…” Gideon parou por um segundo enquanto seus olhos
examinavam o grande mapa de Dicathen que tínhamos sobre a mesa. “Bem,
seremos capazes de formar novas grandes cidades com isso.”

Enquanto eu respeitava Gideon por sua visão sem limites, era frustrante ter
que mantê-lo nos trilhos. No entanto, sua última declaração chamou minha
atenção e despertou minha curiosidade.

“O que você quer dizer com formar novas grandes cidades?” Eu perguntei,
olhando por cima do mapa.
Para minha surpresa, Alanis, que estava em silêncio até agora, falou. “Acho que
o artífice Gideon quer dizer é que, até agora, as cidades dos três reinos foram
predeterminadas com base em onde encontramos ou escavamos portões de
teletransporte. Se isso der certo, um modo seguro de transporte que, embora
não seja tão rápido quanto os portões, pode transportar suprimentos e
mercadorias em massa e ainda por cima pessoas, nos permitirá construir
grandes cidades em qualquer local.”

“Não poderia ter dito melhor.” Disse Gideon, aprovando.

Sentindo-me rígido, estiquei os braços e as costas. “Fico feliz em ver minha


ideia mudando o curso da história.”

“Rapaz, dizendo algo assim de maneira tão irreverente para um artífice


renomado… eu deveria apenas entregar minha túnica marrom e arrumar um
novo hobby.” Gideon suspirou impotente. “Eu sempre tive um talento especial
para pescar.”

“Você não pode se aposentar ainda.” Eu sorri, indo para a porta. “Você estará
encarregado de mostrar essa ideia ao Conselho na próxima reunião.”

“Eu? Por mais que eu ame ser o centro das atenções, por que você está me
dando crédito por isso?” Gideon perguntou.

“Será mais fácil conseguir o apoio de todo o Conselho se a ideia vier de um


‘artífice de renome’. Precisamos da ajuda deles se você quiser uma equipe de
mágicos capazes e alguns comerciantes ou aventureiros familiarizados com a
área para mapear a melhor rota de Blackbend à Muralha.” Respondi, checando
mentalmente algumas das coisas que precisamos. “Enfim, estou morrendo de
fome. Vou ver o que posso vasculhar no refeitório.”

“Posso pedir ao chef que prepare uma refeição equilibrada e a entregue no


seu quarto.” Sugeriu Alanis.

Acenei minha mão em despedida. “Está bem. Não há razão para incomodar o
chef apenas por uma refeição.”

“Espera! Quando você vai voltar para o campo?” Gideon perguntou.

Eu olhei para ele por cima do ombro. “Eu vou ficar por alguns meses. Estarei
principalmente no espaço de treinamento, mas vou parar de vez em quando
para verificar como você está, se é isso que você está perguntando.”

O velho artífice deixou escapar um escárnio, revirando os olhos. “Estou


honrado, mas não foi por isso que perguntei. Emily tem trabalhado em
algumas coisas que precisam ser testadas.”

“Você percebe que está pedindo a um general que seja seu manequim de teste,
não é?” Eu perguntei com um sorriso.
“Relaxe, Ó Grande. Prometo que também serão úteis para você. Eu mesmo os
examinei e, embora não queira admitir, se o artefato funcionar, vai mudar a
maneira como os conjuradores e os aumentadores treinam.”

Eu mudei meu olhar para Alanis, que também expressou um certo grau de
curiosidade. “Bem, você terá que convencer minha secretaria.”

O velho artífice soltou uma risada áspera enquanto eu saía pelas portas. Eu
podia ouvi-lo murmurando para si mesmo por trás. “O garoto percorreu um
longo caminho.”

Capítulo 180
Vislumbre de Alacrya

Com o estômago cheio de sobras e Alanis, minha assistente de treinamento,


dispensada durante a noite, recuperei Sylvie de Ellie e voltei para meu quarto.

“Você está pronta?” Eu perguntei ao meu vínculo, que estava esperando na


cama enquanto eu tomava banho.

“Então. Por que você está tão empolgado?” ela respondeu, mexendo-se
impaciente em sua forma de raposa.

Não foi fácil tentar desviar meus pensamentos do “saque” que eu tinha
conseguido ao lutar contra Uto para surpreender Sylvie. Eu tive que me distrair
pensando em números e pensamentos aleatórios para confundi-la no caminho
de volta.

Depois de me certificar de que a porta estava trancada e de ativar os feitiços


de percepção da terra e do vento, finalmente retirei os dois chifres de
obsidiana do meu anel.

Os olhos afiados do meu vínculo se arregalaram quando ela olhou para os


cristais pretos que antes faziam parte de um Retentor. “Não me diga…”

“Sim,” Eu disse animadamente. “São os chifres de Uto.”

“Por quê?” ela perguntou confusa.

Percebendo que ela nunca ouviu a história completa, resumi tudo o que
aconteceu depois que ela foi nocauteada depois de me salvar do último
ataque de Uto.

Quando terminei minha história, o rosto vulpino de Sylvie estava torcido para
mostrar uma mistura de emoções.

“É assustador pensar com que facilidade poderíamos ter sido mortos.” Disse
ela após uma longa pausa.
Eu assenti. “Eu não pude fazer nada quando Seris apareceu. Mas mesmo que
ela não tivesse, não tenho certeza de que seríamos capazes de derrotar Uto.”

“Parece que à medida que ficamos mais fortes, nossos inimigos também
ficam.” Ela suspirou. O olhar dela voltou para os dois chifres na cama. “Então,
esses chifres supostamente contêm grandes quantidades de mana que você
pode extrair? É realmente seguro confiar na Foice?”

“Considerando que os Asuras são proibidos pelo tratado de nos ajudar e Seris
poderia ter me matado se ela quisesse, não acho que seja muito arriscado.”

Sylvie pensou por um momento enquanto apalpava os chifres do tamanho de


sua cabeça. “Bem… se eles ajudarem você a seu núcleo para o estágio branco,
certamente irá nós ajudar.”

Eu peguei apenas um dos chifres. “Isso será suficiente para mim. Você extrai o
outro.”

Meu vínculo abriu sua boca, pronto para contestar, mas eu a interrompi. “Você
disse que seu corpo ainda está passando pelo processo de despertar que
Lorde Indrath fez você sofrer. Eu sei que seu corpo está constantemente
extraindo mana do ambiente, e é por isso que você está dormindo mais, então
tenho certeza extrair mana do chifre de Uto ajudará a acelerar esse processo.”

“Para ser honesta. Não tenho sido tão ativa na tentativa de acelerar o processo
de despertar.” Respondeu Sylvie. “Receio que, com o meu despertar como um
asura, não poderei mais ajudá-lo.”

“Você quase morreu naquela última luta, Sylv.” Eu disse, colocando minha mão
no topo da cabeça pequena do meu vínculo. “Além disso, sua mãe lançou um
poderoso feitiço antes de você nascer para esconder você. É por isso que,
mesmo na sua forma dracônica, ninguém foi capaz de dizer que você era uma
asura.”

“O avô mencionou isso, mas à medida que eu ficar mais forte, ficará mais difícil
esconder o que sou.” Respondeu Sylvie amargamente.

Uma onda de tristeza inundou minha mente e eu pude sentir os trechos da


história que lorde Indrath havia contado a Sylvie sobre sua mãe.

“Não sei exatamente o que vai acontecer quando você ficar forte o suficiente
para despertar, mas superaremos esse obstáculo quando chegarmos lá.” Eu a
confortei.

“Como sempre fazemos.” Meu vínculo concordou com um sorriso.

Segurando cuidadosamente o chifre preto em minhas mãos, dei uma olhada


para Sylvie. “Então… devemos começar agora?”

Sylvie colocou uma pata no chifre na frente dela. “Não vejo por que não.”
Depois de me reposicionar mais confortavelmente, respirei fundo. Comecei
devagar, sondando o interior do chifre com um fio da minha mana.

Como elixires, o conteúdo armazenado no interior seria distribuído em contato


com a mana purificada de um mago. Com os chifres, no entanto, não havia
reações visíveis mesmo depois de procurar mais a fundo.

Minutos passavam sem sinal de nada guardado dentro dos chifres de


Uto. Comecei a considerar a possibilidade de que a mana interior pudesse ter
sido dispersada ao ser cortado da cabeça do Retentor, quando de repente
uma força indescritível puxou minha mente.

Diferente de qualquer elixir— ou qualquer coisa, aliás— que eu usei no


passado, minha consciência parecia estar sendo sugada.

Senti uma onda de pânico enquanto sentia que ia desmaiar.

Literalmente. Uma sombra se espalhou, cobrindo minha visão e todos os meus


outros sentidos até que eu estivesse simplesmente na escuridão.

Acalme-se, Arthur. Seu corpo ainda está em segurança dentro do seu quarto.

Isso não me ajudou em nada. O fato de minha mente ter sido forçada a um
certo estado e estar vulnerável me assustou. Vindo para este mundo, eu nasci
com um novo corpo— novas características físicas que levei anos para me
adaptar— mas minha mente era a mesma durante as duas vidas. Meu cérebro,
ou toda parte do meu cérebro responsável por minhas memórias e
personalidade, foi minha ao longo dos meus anos como Grey e Arthur.

No momento, senti minha consciência à mercê de qualquer força que me


arrastasse para onde quer que estivesse.

Eu estava cercado pela escuridão, mas não estava totalmente escuro. As


sombras ao meu redor se deformavam e se agitavam como vários tons de tinta
escura. Foi uma sensação surreal— perceber algo sem corpo. De alguma forma,
eu podia sentir a força ao meu redor, deslizando na escuridão, mas eu não
tinha um corpo.

Depois do que pareceram horas flutuando sem pensar no mar de escuridão,


a força que me rodeava lentamente começou a mudar. Era diferente dos
movimentos caóticos e erráticos até agora— as sombras pareciam estar sendo
afastadas. O véu de obsidiana começou a se levantar lentamente, e o que eu
fiquei era diferente da vista do meu quarto como eu esperava.

Não. Eu estava em pé na frente de um homem desconhecido dentro de uma


catedral extravagante com teto abobadado, vitrais belos e fileiras
intermináveis de bancos cheios de observadores brilhando em reverência. O
homem, que não parecia mais velho que meu pai, usava uma túnica cerimonial
e estava ajoelhado em na minha frente em respeito.
“Fale.” Eu disse impaciente, exceto que a voz que saiu não era minha. Era de
Uto.

Até a palavra que falei não foi por minha vontade.

“Eu, Karnal de Blood Vale, mago de nível sete, venho humildemente a você
para buscar sua orientação.” Afirmou o homem, com o olhar baixo, para que
eu só pudesse ver a coroa de seu cabelo castanho-acinzentado curto.

Um sentimento de aborrecimento borbulhou em ‘mim’, mas acabou sendo


substituído pelo sentimento de resignação.

A mesma voz que assumiu a minha, falou com cortesia contida. “Vale…
Enquanto sua linhagem tem pouco sangue de Vritra, seus ancestrais nos
serviram bem. Tire sua túnica.”

Karnal curvou-se mais profundamente em agradecimento antes de tirar o


manto cerimonial preto. Ele então se virou para me mostrar suas costas. Eu vi
que havia uma gravura na espinha que parecia ser três impressões separadas
pelo espaçamento.

Uma figura magra parada ao lado, com o rosto coberto por um capuz solto,
deu um passo em minha direção e leu em voz alta um livro: “Uma marca ao
despertar e duas cristas, uma conquistada por um ato de bravura e outra
desbloqueada pelo domínio da marca inicial.”

Sem a menor cerimônia, assenti e acenei para ele se vestir.

O homem ainda ajoelhado de costas para mim vestiu o roupão antes de se


virar. Ele ainda estava olhando para baixo, o que parecia ‘me’ aborrecer.
Pensamentos da pessoa que eu estava assumindo se infiltraram em mim,
revelando seus sentimentos interiores. Eu parecia vagamente impressionado
que o ser menor na ‘minha’ frente conseguiu desbloquear um brasão
dominando a marca que ele tinha recebido, mas o fato de ambos brasões
serem de magia defensiva reduziu meu humor.

Soltando um suspiro abafado, declarei: “Pela sua lealdade à nação de Vechor,


destacando-se na última batalha contra a nação de Sehz-Clar, eu— Uto,
Retentor de Kiros Vritra— concedo a sua entrada no Cofre Obsidiano para ter
a chance de ganhar um emblema.”

A multidão que se reuniu para assistir ao espetáculo mundano explodiu em


aplausos. O homem ajoelhado na minha frente se permitiu escorrer uma
lágrima antes que ele se levantasse e finalmente encontrasse meus olhos. Ele
ergueu o punho direito sobre o coração e a palma esquerda sobre o esterno
em uma saudação tradicional. “Pela glória de Vechor e Alacrya. Pelo Vritra!”

“Pela glória de Vechor e Alacrya. Pelo Vritra!” A platéia atrás dele rugiu em
uníssono.
A cena distorceu, e eu me vi sentado na minha cama. Uma substância
semelhante a uma névoa estava saindo do chifre que eu estava segurando, e
estava sendo sugado para o centro da palma da mão direita— onde Wren Kain
havia incorporado o Acclorite.

Eu rapidamente soltei o chifre, levando minha mão para o mais longe possível
dela. Levei um segundo para inspecionar meu núcleo de mana e, para meu
desânimo, não havia nenhum sinal do meu núcleo melhorando.

“Droga.” Eu amaldiçoei. Em vez de meu núcleo absorver a mana do chifre de


Uto, a mana havia sido desviada para o Acclorite.

Assim como Wren Kain havia avisado, a gema era capaz de alterar dependendo
das mudanças no meu corpo, minhas ações e até pensamentos. O Acclorite
estava constantemente se alimentando da mana dentro de mim,
constantemente moldando sua forma eventual, então dizer que a adição da
mana de Uto a joia me encheu de desconforto era um eufemismo.

O que está feito está feito. Eu não gostei da ideia da minha futura arma
parecida com os poderes de Uto, mas neste momento, qualquer coisa ajudaria
se isso significasse que aceleraria o processo.

Voltando-me para Sylvie, não fiquei surpreso ao encontrá-la ainda absorvendo


o conteúdo da chifres. Ao contrário de mim, parecia ser mais fácil para ela
absorver a mana de Uto. O que me surpreendeu foi o fato de o sol já estar
nascendo.

Passei a noite inteira revivendo uma das memórias de Uto, o que implorou
pela pergunta… o que suas memórias significavam?

O evento que ocorreu na memória não era muito enigmático, mas havia tantos
termos desconhecidos sendo lançados que parecia arrogante.

Ao ouvir a palavra ‘sangue’ dentro da caverna em Darv, eu sabia que


provavelmente era apenas o termo deles para família, mas palavras como
marca, brasão, e emblema voaram sobre minha cabeça. Eu sabia o que
eles queriam dizer no contexto literário, mas eles os usavam como se
quisessem dizer algo inteiramente. Estas marcas, brasões— quaisquer que
fossem— foram conquistadas ou desbloqueadas? Ou foi apenas o caso da
pessoa ajoelhada…

Exceto, quando Uto disse que aquela pessoa— Karnal— teria a chance de
ganhar um ’emblema’ no Cofre Obsidiano, todos pareciam estar em
êxtase. Ignorando o nome ameaçador de Cofre Obsidiano, que francamente
soou como o covil maligno de um bruxo em um livro de histórias, onde ele
guardava tesouros roubados, o próprio homem parecia muito orgulhoso. Isso
significava que mesmo a chance de ganhar um emblema era grande coisa.
Outra série de perguntas que veio à mente quando se refere à menção de
Vechor… uma nação presumivelmente em guerra com Sehz-Clar, outra nação.
Pela saudação, eu poderia extrapolar que na nação de Vechor fazia parte de
Alacrya. Além disso, assumindo que os asuras não estavam mentindo,
Epheotus, Alacrya e Dicathen são os únicos três continentes deste mundo, o
que significaria Sehz-Clar era outra nação em Alacrya.

Por que duas nações do mesmo continente em que estávamos em guerra


lutavam entre si? Talvez as nações juraram lealdade durante essa guerra? Ou
havia um exército separado composto por todas as nações e treinado em
conjunto para dissipar qualquer inimizade que os membros das nações tiveram
um para o outro?

Eu balancei minha cabeça, tentando fisicamente me livrar do fluxo


interminável de perguntas e pensamentos correndo desenfreado em minha
mente.

Essa lembrança me deixou curioso, no entanto. Fiz uma anotação mental para
aprender mais sobre isso, talvez do próprio Uto. O Conselho ordenou às nossas
forças para recolher prisioneiros quando possível para interrogá-los, mas na
maioria dos casos, isso levou o preso a cometer suicídio ou a ser muito baixo
na cadeia de comando para saber algo útil. Foi a primeira vez que tivemos uma
fonte potencialmente útil de informações em nossas mãos, embora seria difícil
conhecê-lo.

Eu estava começando a cair em outra vala sem fundo de


perguntas. Felizmente, minha atenção foi desviada por uma série de batidas
perfeitamente espaçadas que parecia mais como alguém martelando um
prego na minha porta.

“General Arthur. É Alanis Emeria. Estou aqui para acompanhá-lo aos campos
de treinamento para encontrar os quatro assistentes de treinamento que você
solicitou.” Ela disse com uma voz clara e taciturna.

“Estou indo.” Eu respondi, rindo para mim mesmo. Não é apenas o discurso
dela, até a batida dela é robótica.

Sem tomar banho, mudei para uma roupa mais justa, adequada para treinar e
segui minha assistente pessoal de treinamento para os campos de
treinamento que ficavam no piso inferior. Pensei em levar Sylvie comigo, mas
pensei que seria melhor não incomodá-la.

No caminho, encontramos Emily Watsken, ou melhor, ela nos encontrou.

“D-desculpe!” Ela bufou, a maior parte do rosto escondida atrás de uma caixa
grande que estava tentando carregar sozinha.

“Aqui, deixe-me ajudar.” Tirei a caixa dos braços dela, surpreso pelo peso dele.
“Obrigado… oh, Arth-General Arthur! No momento ideal!” A artífice estava
praticamente ofegante, mas ela tinha um sorriso largo no rosto quando ela
reconheceu em quem quase tropeçou.

Emily virou-se para Alanis, ajustando os óculos. “Você deve ser Alanis! É um
prazer conhecer você!”

“Da mesma forma.” Respondeu a elfa. “Presumo que você seja Emily
Watsken. Fui informado de que estaríamos colaborando em nossos esforços
para ajudar no treinamento do General Arthur.”

Pelas rugas entre as sobrancelhas de Emily, ela parecia estar processando a


série de palavras de Alanis, mas acabou assentindo. “Sim! Como você em breve
vera, acho que sua magia em particular e o conjunto de artefatos que eu criei
funcionarão bem um com o outro!”

“Estou feliz que vocês duas estão se dando bem, mas vamos primeiro à sala
de treinamento. Esta caixa parece que está ficando mais pesada.” Brinquei,
levantando a caixa grande.

“Oh! Desculpe, e obrigado por carregá-la! Eu pensei que meus braços cairiam
dos meus ombros!” Emily exclamou, correndo pelo corredor até a entrada da
sala logo à frente. “Vamos lá, todo mundo está esperando!”

Capítulo 181
Gadgets e magia

Eu não sabia o que esperar dos meus parceiros de treino. Meu pedido foi de
última hora, então em algum lugar na parte de trás da minha cabeça eu estava
imaginando apenas soldados de dentro do castelo.

Havia muitos conjuradores e aumentadores aqui designados como precaução


para manter os residentes em segurança. Notei bem cedo que muitos deles
eram bastante capazes, portanto, pedir a alguns para serem parceiros de
treinamento parecia razoável.

O que eu não esperava era a presença pesada de três anciãos, obviamente


poderosos, dentro dos campos de treinamento, ao lado de Kathyln e uma
pessoa que parecia presunçosa ao lado de Virion.

“Ah, você está aqui!” Virion ficou de pé, pegando a caixa das minhas mãos e
colocando-a no chão antes de me guiar em direção ao grupo. “Eu quero que
você conheça a todos.”

Olhei por cima do ombro e vi Emily me dando adeus como uma mãe mandando
o filho para um campo de batalha.
“Eu sei que vocês já estão familiarizados,” Disse Virion, apontando para
Kathyln. “mas, por uma questão de formalidade, esta é a princesa Kathyln, da
realeza Glayder e sua guardiã, Hester Flamesworth.”

A idosa de cabelos grisalhos puxada para trás em um coque mergulhou a


cabeça em uma saudação formal.

“Flamesworth?” Eu soltei, surpreso.

“Ah, então você está familiarizado com a minha família.” Disse a mulher, com
uma pitada de orgulho em sua voz.

“Sim. Bastante familiar, na verdade.” Respondi. O sobrenome chamou minha


atenção, mas eu rejeitei qualquer pergunta que surgisse em minha mente e
me concentrei na princesa.

“É uma surpresa agradável vê-la, Kathyln, mas o que você está fazendo
aqui?” Eu perguntei.

“A princesa Kathyln é uma notável conjuradora de afinidade de gelo agora no


estágio central amarelo escuro.” Respondeu Hester. “O comandante Virion me
pediu para ajudá-lo, general Arthur, com seu treinamento, mas meu trabalho
principal é manter a princesa segura o tempo todo. Por estar aqui juntos,
estamos alcançando dois objetivos ao mesmo tempo.”

Olhei de volta para Kathyln, que assentiu timidamente em


concordância. “Nada mais a fazer além do meu treinamento ocasional com a
mestre Varay, então estou aqui para ajudar.”

“A princesa e um cavaleiro. Par clássico.” O anão rude sentado em um pilar de


pedra levantado sorriu. Ele coçou o nariz grande e bulboso que levava a um
arbusto espesso de branco cobrindo a metade inferior do rosto. Ele era alto
em comparação com a maioria dos anões que eu já tinha visto, mas isso pode
ter sido uma ilusão causada por seu assento elevado. Uma coisa, com certeza,
era que seu corpo parecia ser composto completamente de músculos. Com
grosso, como bulbos estriados de carne endurecida cobrindo seus braços e
corpo, eu estremeci quando ele agarrou minha mão com a sua mão grande e
calejada.

“Prazer em conhecê-lo, jovem general. Meu nome é Buhndemog Lonuid, mas a


maioria me chama de Buhnd” Ele disse, com um aperto implacável.

Se era para me avaliar ou afirmar seu domínio sobre uma lança jovem—
possivelmente arrogante— eu não sabia, mas retribuí sua saudação com um
aperto firme.

A assimilação pela qual passei quando criança depois de herdar a vontade de


dragão de Sylvia significava que meu corpo era mais forte do que parecia. Isso
com o fato de eu ter praticamente vivido toda essa vida com uma espada na
mão significava que eu poderia me segurar mesmo contra essa bola de
músculo barbada.

Um pequeno sorriso se abriu no canto dos lábios e ele soltou. “Nada mal, nada
mal.”

“Cuidado, Buhnd. O garoto não se tornou uma lança com apenas um rosto
bonito.” Brincou Virion. “Arthur, esse cabeça de músculo tem sido meu amigo
íntimo por alguns anos. Ele pode parecer assim, mas é um gênio quando se
trata de magia de afinidade com a terra. Garanto que você aprenderá muito.”

“O que há de errado com a minha aparência?” Buhnd estalou. “Quero que você
saiba que ainda sou o homem das mulheres em casa.”

“Ninguém disse que havia algo errado com ela.” Virion descartou. “Agora, pare
de ser sensível.”

Estudei os dois brigando, segurando minha língua de todas as perguntas que


eu tinha.

Apenas pela aura grossa e prateada que ele emitia, quase visível a olho nu, ele
era definitivamente um indivíduo poderoso. Se ele é tão próximo de Virion, eu
não entendi por que ele não foi escolhido para ser o representante dos anões
ao invés de Rahdeas.

Por causa dos eventos recentes, era óbvio que Virion havia apresentado Buhnd
como amigo para aliviar minhas suspeitas iniciais dele, mas apenas o fato de
ele ser um anão que eu nunca tinha visto antes me deixou nervoso.

Eu acho que isso me faz racista. Eu suprimi uma risada.

A raça neste mundo era muito menos sutil do que no meu mundo antigo, mas
nunca me considerei discriminar com base nas aparências externas ou locais
de nascimento. No entanto, testemunhar uma facção bastante grande de
anões cooperando com nossos inimigos, além de ter sido pessoalmente traído
por um anão poderoso me enrijeceu em relação a minha mente justa
anteriormente.

Minha atenção voltou-se abruptamente para a única pessoa a quem eu fui


introduzido por um bocejo alto e ranzinza.

Como se o bocejo tivesse sido sua sugestão para ser apresentado, Virion
falou. “Arthur, este é Camus Selaridon. Ele é um-”

“O garoto não precisa saber mais do que o meu nome. Estou aqui para lutar
com ele. Qualquer informação além disso é irrelevante.” Camus o interrompeu.

Fiquei chocado ao ver Virion sendo repreendido. Ele era o líder de todo o
exército deste continente, afinal. Mais uma vez, segurei minha língua depois
de ver a expressão imperturbável de Virion, mas fiz uma anotação mental para
perguntar ao comandante quem exatamente Camus era em segredo.

Supondo que o ancião misterioso não gostasse de uma saudação excessiva,


eu simplesmente abaixei minha cabeça e me apresentei antes de observá-lo
mais de perto. Longos cabelos loiros prateados caíam sobre os ombros em
mechas desgrenhadas, cobrindo a testa e os olhos. Orelhas pontudas dos
lados da cabeça, indicando que ele era descendente dos elfos. Ao contrário da
maioria dos elfos que eu conheci, ele não se importava com sua aparência
externa e, pelo cheiro que emana de suas roupas e corpo, higiene.

“Bem!” Virion quebrou o silêncio. “Tenho certeza de que todos vocês vão se
familiarizar nessas próximas semanas, então, enquanto eu adoraria ficar e
observar, tenho o prazer de passar meu tempo olhando montanhas de papel!”

Com um suspiro cansado, nosso comandante deixou a sala de treinamento


com os ombros um pouco mais caídos do que antes.

A partida de Virion nos deixou com um momento de silêncio que eu usei para
inspecionar a sala de treinamento.

O lugar não era nada extravagante, apenas um grande campo de terra com
pouco menos de cinquenta metros de comprimento e não mais de trinta
metros de largura cercado por paredes e um teto de metal reforçado com
mana. Havia um pequeno lago no canto esquerdo da sala, mas fora a porta do
lado oposto, era apenas um grande espaço para treinar.

A visão de Emily agitando entusiasticamente o braço para nós chamou minha


atenção.

“Eu terminei de configurar a maior parte! Há um monte de coisas que eu quero


revisar antes de começar seu treinamento.” Ela disse, limpando o suor de sua
testa.

Olhando para o equipamento que surgiu da gigantesca caixa de madeira que


eu estava carregava, fiquei surpreso com o quão familiar ele parecia. Era um
painel de metal do comprimento de meu braço cheio de medidores e
maçanetas. Parecia algum tipo de centro de controle antigo de um navio do
meu mundo anterior, com exceção dos cristais de ambos os lados. Um era
grande e claro, enquanto o menor tinha uma tonalidade azulada.

O painel tinha um conjunto de fios que levavam à parede da sala de


treinamento—mais especificamente, um grande disco preso à parede. Eu não
tinha prestado muita atenção quando olhei antes, mas os discos de metal não
pareciam fazer parte do design. Eles pareciam estar embutidos na parede e
estavam espaçados uniformemente.

O painel que Emily cuidadosamente tocou parecia uma forma arcaica da


tecnologia do meu mundo anterior.
“Ah! Mais uma coisa!” Emily exclamou, praticamente mergulhando a cabeça
primeiro na caixa. Ela pegou o que parecia ser peças de uma armadura de
couro, mas com os mesmos fios conectando as diferentes partes. Embutido no
centro inferior do que parecia ser o peitoral do conjunto, com o mesmo cristal
azul que estava na extremidade direita do painel de metal.

Emily levantou a armadura de couro em seus braços e caminhou até


mim. “Emeria, se não se importa em me ajudar a colocar isso no general
Arthur.”

“Claro.” Alanis assentiu, e eu me vi vestido com uma roupa um tanto ridícula.

A ‘armadura’ parecia mais um receptor sensorial do que roupas protetoras. Eu


seria forçado a usar luvas, peitoral, braço, perna e sapatos durante todo o
treinamento.

“Perfeito. Ficou bom em você!” Emily disse aprovando, ajustando minha


couraça para que o cristal azul embutido nela estivesse diretamente sobre
meu esterno, a área onde meu núcleo de mana estava localizado.

“Obrigado.” Eu respondi timidamente, completamente não convencido. A


armadura parecia volumosa, mas era macia e flexível o suficiente para que eu
não estivesse muito preocupado sobre isso dificultando meus movimentos.

Kathyln e os três anciãos assistiram em silêncio, encantados com a visão desse


equipamento incomum, até que Buhnd finalmente falou. “Então, qual é
exatamente o objetivo de todos esses brinquedos?”

Emily trocou os óculos e falou. “Não quero estragar nada, mas acho que um
pouco de atenção é justo. O General Arthur é uma anomalia em nosso
continente—sendo o único mago quadra-elementar conhecido e tudo mais—
então, enquanto ele tem se destacado na maioria dos aspectos da
manipulação de mana, chegou a minha atenção que ele começou a estagnar
na utilização de magia elementar.”

“E o treinamento dele com os asuras?” Perguntou Kathyln.

“Isso foi principalmente treinamento técnico em combate corpo a corpo.”


Respondi. “Enquanto eu aprendi algumas técnicas, Emily está certa em que eu
ultimamente dependia muito da magia do gelo e de raio. Espero que,
treinando com todos, eu possa utilizar melhor todos os elementos que sou
capaz de controlar.”

“Entendo, entendo.” Buhnd acariciou sua barba antes de tremer. “Sim, até
mesmo pensar em usar um outro elemento me dá dor de cabeça. Ser um
quadra-elementar, além de poder usar gelo e raio… ugh.”
“A capacidade mental do general Arthur não é tão restrita quanto a sua, por
isso tenho certeza de que ele aprenderá.” Hester concordou com um sorriso
gravado no rosto enrugado.

Buhnd sacudiu a cabeça. “O que você disse, vovó? Minha capacidade mental
é totalmente irrestrita!”

A maga do fogo balançou a cabeça, deixando escapar um suspiro.

“Agora,” Emily carregou o painel de metal e gentilmente o colocou no chão


perto de nós. “em vez de discutir, eu apreciaria se vocês quatro colocassem
suas mãos aqui e colocassem parte de sua mana no cristal claro para ligar o
dispositivo.” Ela apontou para a extremidade esquerda do painel de metal.

Hester e Buhnd se entreolharam, tentando mentalmente decidir qual deles iria


primeiro, quando Camus se aproximou e colocou a palma de sua mão sobre o
cristal claro.

“Assim, certo?” De repente, um vasto turbilhão rasgou seu corpo e girou em


torno dele protetoramente.

Emily soltou um grito assustado antes de cair de costas com a força


repentina. O resto de nós foi capaz de se preparar e ver como o vendaval feroz
condensado na mão em cima do cristal. A gema outrora clara se iluminou em
um tom de cinza pouco antes de todo o painel vibrar. Os medidores
balançaram irregularmente antes de se estabelecerem no lugar.

“Mostre-se.” Resmungou Buhnd.

Eu estava tão focado no painel que, quando a sala zumbiu de todas as


direções, instintivamente levantei uma camada de mana ao redor do meu
corpo.

“É apenas o aparelho ligando.” Emily consolou rapidamente. Pela maneira


como os outros magos presentes entraram em uma posição defensiva, parecia
que eles ficaram tão surpresos quanto eu.

“Eu serei a próxima.” Disse Hester, avançando calmamente.

Depois de colocar a mão no cristal, ela murmurou uma única


palavra. “Queimar.”

Um inferno ardente irrompeu de seu corpo, fazendo seu manto vermelho


parecer completamente feito de fogo. O chão ao seu redor ficou chamuscado,
mas o que me surpreendeu foi que, quando um dos tentáculos de chamas
chicoteava contra mim, não havia calor. O que parecia uma exibição descarada
de força se tornou uma demonstração de seu controle sobre o elemento.
O painel de metal zumbiu mais uma vez, desta vez um pouco menos. Além
disso, poderia ter sido apenas a minha imaginação, mas eu jurei que ouvi
Hester estalando a língua.

“Minha vez!” Buhnd declarou, flexionando os dedos antes de colocá-lo


cuidadosamente sobre o cristal que havia retornado ao seu estado
transparente.

Houve uma batida de silêncio antes que o chão embaixo de nós começasse a
tremer. Seixos e pedras soltas começaram a pairar no chão como uma aura de
topázio brilhante cercava o anão barbudo.

“Uh, anciãos. Eu amo o entusiasmo e tudo… mas isso não era para ser uma
disputa.” Emily murmurou fracamente com sua voz instável devido ao tremor.

“Para um homem de verdade, tudo é uma disputa.” Buhnd sorriu


maliciosamente antes de soltar um suspiro agudo. Imediatamente, a terra
rachou, espalhando-se de seus pés enquanto a aura amarela se reunia em sua
mão.

O painel tremeu e emitiu um ruído familiar antes que o cristal sugasse e


transferisse a mana que Buhnd havia fornecido.

O anão musculoso soltou um grunhido satisfeito e se afastou. Emily


imediatamente inspecionou seu aparelho para ver se algum dos anciãos
tinham o danificado.

“Princesa Kathyln.” Ela chamou. “Se você quiser. Eu acho que apenas um pouco
mais será suficiente. “

A princesa assentiu, colocando uma mecha de cabelo preto atrás da orelha


antes de enviar uma onda de mana também. Apenas pela expressão tensa em
no rosto de Kathyln, eu sabia muito bem que ela não tinha intenção de recuar
do desafio não dito entre os mais velhos.

A temperatura caiu a um grau perceptível quando uma névoa de geada rodou


em torno da princesa. Algumas das rochas perto dela já começaram a congelar
quando a geada começou a tomar forma no que pareciam serpentes
translúcidas. As serpentes de gelo deslizaram no ar ao seu redor antes de se
enrolar o braço dela e desaparecendo no cristal em que ela estava com a
palma da mão.

O aparelho de Emily vibrou com fervor enquanto o cristal claro começou a girar
em uma variedade de cores.

A artífice começou a girar alguns botões antes de girar o cristal agora colorido
até que um clique alto ocorreu.

“Eu vou ligá-lo agora.” Emily anunciou sem esconder sua ansiedade.
Ela empurrou o cristal até que ele estivesse totalmente dentro do painel e eu
quase pude ver a mana viajando do dispositivo através de fios espessos nas
hastes na parede. Todo mundo assistia enquanto fios de mana multicolorida
começavam a disparar de uma haste para outra, espalhando-se
exponencialmente até os fios conectarem as hastes de metal umas às outras
em um padrão de favos.

“O que no mundo…” Buhnd respirou, seu pescoço esticado enquanto olhava


para as paredes e o teto da sala.

“O chão tem os mesmos sensores enterrados.” Acrescentou Emily


orgulhosamente. “Agora, antes de analisar o que tudo isso é, general Arthur,
acredito que a senhorita Emeria tem algo que ela precisa fazer.”

Eu me virei para a minha atendente de treinamento. “Alanis?”

Ela caminhou até mim depois de largar a prancheta que estava


segurando. “Não vai demorar muito, general Arthur. Por favor, me dê sua mão.”

Curioso, tirei a luva, deixando-a balançar pelo arame ao qual estava


presa. Alanis envolveu delicadamente as duas mãos em volta da minha e
começou cantar com os olhos fechados.

Quando ela terminou, os olhos de Alanis se abriram. Seus olhos certamente


eram rosa e azuis, mas quando ela olhou para mim mais uma vez, a cor de seus
olhos se tornou um prata cintilante. Uma fraca aura esmeralda pulsou em
torno dela e começou a se espalhar em mim também.

“Por favor, fique parado por um momento, general Arthur.” Disse ela, sua voz
parecendo ecoar. Os olhos prateados de Alanis dispararam para a esquerda e
para a direita, para cima e para baixo, estudando-me profundamente até que
sua aura verde desapareceu e seus olhos prateados voltaram às cores
normais.

“As varreduras estão completas.” Alanis anunciou antes de voltar e rabiscar


furiosamente.

“O que é que foi isso?” Eu perguntei. A mão que a elfa segurou formigou.

Alanis ergueu os olhos da prancheta e abriu a boca para falar quando Emily
rapidamente a cobriu. “Hehe, vamos contar tudo mais tarde. Por enquanto, por
que não começamos o treinamento?”

Buhnd concordou, balançando os braços. “Meus membros estavam


começando a calcificar por ficarem parados por tanto tempo.”

Hester revirou os olhos. “Eu dificilmente acho isso possível, mas concordo com
o anão. A princesa Kathyln me contou muito sobre você, general Arthur, e estou
bastante curiosa para ver se você cumpre os padrões extremamente altos
dela.”
“Não desse jeito.” Kathyln rapidamente alterou, afastando seu tutor.

Sorrindo, eu a segui e os três idosos até o centro da sala. Nós nos distanciamos
cerca de dez metros uns dos outros e eu estava cercado por todos os lados. A
princesa se posicionou perto da lagoa no canto traseiro, com Buhnd à
esquerda e o silencioso Camus à sua direita. Minha mente disparou enquanto
eu tentava decidir em qual eu deveria começar a enfrentar. A adrenalina
percorreu meu corpo, se misturando com a mana que estava fluindo através
dos meus membros. A sensação familiar da minha boca seca e suor frio
rolando pela minha bochecha me disse tudo o que eu precisava saber nesta
situação em que eu me encontrava.

A pressão que os quatro emitiram enviou calafrios para minha espinha, mas
meu sorriso só aumentou. Lambi meus lábios e me abaixei em uma postura
defensiva. “Vamos começar.”

Capítulo 182
Avaliação dos anciões

Assim que as palavras saíram da minha língua, os anciãos não perderam tempo
em seu ataque. Hester se moveu primeiro, formando uma bola de fogo na
palma da mão. Com um estalo de seu pulso, a esfera ardente disparou em
minha direção, crescendo à medida que se aproximava.

Eu me virei para contra atacar quando o chão embaixo de mim se moveu


abruptamente, me deixando sem equilíbrio. Com quase nenhum tempo para
reagir agora, eu girei enquanto retirava a Dawn’s Ballad do meu anel. Em um
movimento fluido, lancei uma onda de choque da minha lâmina, explodindo a
bola de fogo prematuramente antes de recuar.

“Tropeçando em seus próprios pés, jovem general?” Buhnder riu, suas mãos
brilhando em uma aura amarela.

“Para alguém com tantos músculos, você certamente usa truques baratos.” Eu
zombei, levantando-me do chão.

O anão deu de ombros. “Não fui eu que caiu de bunda no chão.”

Eu respondi ao seu comentário malicioso com um sorriso, mantendo-me


atento para qualquer outro movimento que os outros dois façam. Eu não tive
que esperar muito tempo.

Camus casualmente lançou uma lâmina de vento em minha direção. A lâmina


se aproximou violentamente, abrindo um caminho no chão por onde havia
percorrido.

Usei a Dawn’s Ballad para bloquear o ataque de Camus quando a lâmina


subitamente se distorceu antes de explodir.
“Primeira lição de lutar como um conjurador. Seja imprevisível.” Camus
murmurou.

Uma rajada de vento quase me jogou de volta no chão. Desta vez, no entanto,
fui capaz de reagir rápido o suficiente. Eu apunhalei minha espada no chão,
colocando mais força do que normalmente faria para embutir a ponta
quebrada da minha espada no chão de terra para me apoiar contra a explosão.

Olhei para trás e vi dezenas de lanças de gelo irregulares, cada um com o


tamanho do meu braço, voando em minha direção.

Retirando mana para fora do meu núcleo, eu balancei meu braço livre,
liberando uma onda de fogo.

Os grandes fragmentos de gelo evaporaram com um assobio das minhas


chamas, mas antes que eu pudesse continuar meu ataque, três painéis
triangulares de pedra subiram do chão ao meu redor e desabaram um sobre o
outro.

Preso dentro da pirâmide da terra, minha visão escureceu.

Isso está ficando chato, pensei.

Lutar contra conjuradores era fundamentalmente diferente de lutar contra


fortalecedores. Eles mantinham distância e atacavam de longe.

Com um estalo do meu dedo, acendi uma chama para estudar meu
entorno. Apenas três paredes se unindo em um ponto a cerca de seis metros
acima de mim.

“Eu poderia tentar lutar como um conjurador também.” Murmurei para mim
mesmo, colocando a Dawn’s Ballad de volta no meu anel.

Enviei uma corrente de mana de terra ao solo e, em um segundo, consegui


distinguir as posições de todos os quatro, bem como as duas figuras ao longe—
que eu assumi serem Emily e Alanis.

Buhnder deve ter percebido o que eu fiz, porque quase imediatamente depois,
espinhos de pedra começaram a sobressair das paredes.

Anão astuto, sorri.

Os espinhos se alongaram, se aproximando. Era agora ou nunca.

Depois de aumentar a chama que usei para a luz, conjurei uma onda de gelo
com a outra mão. Eu juntei os dois elementos opostos, criando uma explosão
de vapor, espalhando-o até encher o local inteiro.

“O vapor está vazando. Cuidado com um ataque surpresa.” Alertou


Hester. “Princesa, aproveite a umidade do vapor.”
Oh droga.

Acenei para que um raio surgisse ao redor do meu corpo, carregando-o e


contendo-o quando senti a temperatura do ar nublado ao meu redor
despencar. Eu podia ver fragmentos flutuantes de gelo se formando, mas meu
feitiço estava terminado.

“Explosão!” Eu assobiei, descarregando as correntes de raios que


serpenteavam ao redor do meu corpo. Gavinhas de eletricidade surgiram,
quebrando o chão e as paredes sem esforço até que a pirâmide de pedra que
Buhnder conjurou desmoronou.

Uma grande nuvem de poeira, detritos e vapor cobria grande parte da vista,
mas Camus de alguma forma me encontrou porque o velho elfo estava a
apenas alguns passos de distância com vendaval enrolando em seus braços.

Sem palavras, o mago do vento empurrou, me enviando para trás com toda a
rajada de vento.

Direto para Hester.

A anciã estava me esperando do outro lado com um globo totalmente formado


de chamas azuis pronto para disparar.

Com pouco tempo para torcer meu corpo no ar para me defender do ataque,
eu enfrentei o peso total das chamas de safira.

PONTO DE VISTA DE KATHYLN GLAYDER

Hester Flamesworth estava servindo a família Glayder por mais de duas


décadas, e, embora eu sempre respeitasse suas proezas mágicas, era por causa
de seus talentos que ela tinha a tendência de ser um pouco orgulhosa. Então,
quando vi a forma de Arthur sendo consumida pelas chamas azuis que a
diferenciava de todos os outros conjuradores de Sapin com atributos de fogo,
eu sabia que ela via Arthur como uma pessoa que ela precisava derrotar a todo
custo.

Minha mão inconscientemente tentou alcançou Arthur. Não mais do que


alguns segundos poderiam ter passado quando as chamas azuis começaram a
girar. No começo eu achei que era Hester, mas quando o cone de fogo se partiu
com Arthur intacto—além das poucas pontas queimadas de seus longos
cabelos—eu sabia que ele de alguma forma dispersara as chamas por conta
própria.

Arthur soltou uma tosse antes de falar. “Essa passou perto.”

Os olhos do meu guardião se arregalaram um pouco antes de fingir


compostura. “Impressionante, general Arthur, mas parece que você está nos
levando de maneira leviana.”
O Ancião Buhndemog levantou um braço musculoso. “Eu concordo. Se isso é
tudo que você pode fazer, temo que precisemos de muito mais que dois meses
para treinar você.”

“É difícil se motivar se você obviamente se segura assim.” Acrescentou o Ancião


Camus antes de soltar um bocejo alto e se sentar.

Eu fiz uma careta. Foi-me dito que o Ancião Camus já foi um membro distinto
do exército élfico, mas pensar que ele era um indivíduo tão mal-educado…

Talvez se eu fosse Arthur, pudesse ter ficado ofendido por sua conduta, mas,
para minha surpresa, ele começou a rir.

“Desculpe. Muitas vezes me pego tentando igualar o nível dos meus


oponentes. É um mau hábito que eu tenho.” Ele disse, limpando a poeira
calmamente.

De repente, uma onda de mana inundou Arthur como se uma represa tivesse
acabado de desmoronar. Meu corpo instintivamente se afastou da força e
quando eu olhei para cima, pude ver que Camus estava de pé—todos os sinais
de sua letargia desapareceram—enquanto Hester e o Ancião Buhndemog já
engrossaram sua aura para proteção.

No centro de todos nós estava Arthur, exceto que sua forma havia
mudado. Seus longos cabelos agora brilhavam como pérolas líquidas e
símbolos dourados corriam pelo comprimento de seus braços. Se a presença
de Arthur era forte antes, era totalmente opressiva agora.

“Não usarei esta forma pelo restante do treinamento, mas, como as lutas de
hoje servem para nos familiarizarmos, eu graciosamente irei com tudo.” Ele
disse a todos, de costas para mim.

A armadura de couro bruto em que Emily o vestira agora parecia quase


majestosa sob o nevoeiro vívido de mana que envolvia Arthur. Quando ele
virou eu pude ver completamente seus olhos de ametista. Eu estava tendo
dificuldade para encontrar a palavra certa para descrevê-los.

Etéreo? Ilustre? Soberano? Mesmo essas palavras não pareciam retratar


adequadamente como aqueles olhos pareciam abalar meu núcleo.

Eu já tinha visto esta forma uma vez na Academia Xyrus, quando ele lutou
contra Lucas, mas foi a primeira vez que vi isso de perto.

“Agora sim!” O Ancião Buhndemog exclamou, embora o leve tremor em sua voz
expusesse seu desconforto.

“Espalhar!” A voz de Hester soou com autoridade quando ela pulou para trás e
preparou seu feitiço. Ela sabia—todos sabiam—que a mesa tinha virado. O
segundo round ainda não havia começado, mas eu já sentia que a vantagem
numérica que tínhamos havia desaparecido.
Enquanto a presença de Arthur se espessava, a voz habitual dentro da minha
cabeça subiu, dizendo que tudo era inútil.

Não! Você sempre faz isso, Kathyln. Pare de duvidar de si mesmo.

Mordi o lábio, repreendendo-me pelo meu pessimismo. Desde o meu


despertar, me disseram constantemente como eu era talentosa como maga,
mas eu sempre encontrava alguma maneira de dizer a mim mesma que algo
estava faltando. Talvez seja por isso que a impressão de Arthur sobre mim
quando nos conhecemos durante o leilão permaneceu tão clara… mesmo
depois de todos esses anos. Quando criança, e mesmo agora, ele era
inteligente, talentoso, sociável, sabia o que queria e tinha um sorriso que
poderia iluminar o mundo.

Recuperando minha compostura, eu me vi cara a cara com Arthur mais uma


vez. Pelo seu olhar, eu sabia que ele estava me esperando, de alguma forma
sentindo que minha mente estava em outro lugar.

Fazendo tudo o que pude para evitar que meu constrangimento chegasse ao
meu rosto, eu rapidamente assenti e assumi uma postura.

Seus lábios se arregalaram para formar um leve sorriso e ele me deu um aceno
em troca. Nesse mesmo instante, Arthur desapareceu, deixando apenas uma
pegada no chão endurecido e alguns tentáculos de eletricidade. No momento
em que meus olhos se voltaram para onde ele apareceu, o Ancião Camus foi
chutado a algumas dúzias de metros no ar até a terra abaixo dele moldar e
amortecer seu impacto.

Raios negros se enroscaram ao redor de Arthur enquanto seus olhos


procuravam seu próximo alvo. Pouco antes que ele pudesse se mover
novamente, o chão se levantou em torno de seus pés prendendo-o no lugar.

Pare de olhar e vá ajudar, eu disse a mim mesma.

Usando a água da lagoa próxima como catalisador, moldei-a em uma lança


gigante congelada. Assim que o lancei, senti o Ancião Camus empurrar minha
lança de gelo com sua magia do vento, acelerando-a a uma velocidade que eu
não poderia ter alcançado sozinha.

Nosso ataque cooperativo rasgou o ar, espiralando violentamente em direção


a Arthur. Exceto, o homem em questão ainda estava no lugar, olhando
diretamente para a lança gigante de gelo com apenas uma mão em defesa.

Ele não vai tentar se esquivar?

Pensei em dispersar o feitiço, mas o comandante Virion havia enfatizado como


precisávamos ser sérios sobre isso para ajudar Arthur.
Para minha surpresa, quando o feitiço estava a centímetros de distância, meu
feitiço se dispersou. Arthur ainda estava afastado do vendaval que cercava
meu ataque, mas a lança de gelo que conjurei havia quebrado.

Camus me lançou um olhar como se perguntasse se eu era ou não. Eu


rapidamente balancei minha cabeça, minhas sobrancelhas franzidas em
confusão.

Tenho certeza de que não fui eu.

Arthur voltou a ficar de pé, sem ser afetado—com um pouco de satisfação no


rosto.

Os anciãos e eu trocamos olhares, ninguém sabia exatamente o que havia


acontecido.

“Bah!” O Ancião Buhndemog bateu o pé, erguendo uma pedra gigante do chão
ao lado dele. “Me mostre mais! A menos que alterar a cor dos seus cabelos e
olhos são a única coisa que você consegue fazer.”

Arthur sorriu maliciosamente. “De bom grado.”

Meu amigo e agora oponente se tornou um borrão. Desta vez, eu pude seguir
sua forma fraca, apenas um pouco.

Ele enviou uma onda de choque de mana ao Ancião Buhndemog, mas o anão
esperava isso. Ele esculpiu a pedra ao seu lado para se tornar um escudo
gigante de pedra.

Uma cratera se formou onde a onda de choque atingiu o escudo, mas não
passara de uma distração. Quando o escudo bloqueou seu feitiço, Arthur já
havia mirado Hester com uma lança de raio preto na mão.

Ele não está atacando você porque tem medo de machucá-la, Kathyln, a voz
sussurrou em tom de provocação.

Respirando fundo, concentrei-me em um feitiço que a general Varay havia me


ensinado. Foi um feitiço que eu nunca gostei de usar, pois significava que
precisava estar perto do meu oponente, mas a preocupação de Arthur nessa
situação era pior. Eu não gostava do meu estado lamentável.

“Seraph of Snow.”

Camadas de gelo espalharam-se pelo meu corpo, cobrindo-me em seu aperto


gelado. Minhas roupas endureceram em armadura, enquanto uma camada
branca cobriu completamente meu corpo e a metade inferior do meu rosto.

Com meu corpo fortalecido, corri direto para Arthur, que estava sendo atacado
por todos os outros.
O Ancião Camus estava correndo, enviando lâminas de vento e cobrindo o
Ancião Buhndemog e Hester sempre que eram derrubados por Arthur.

Arthur lançou uma lança de raio em Camus, mas ela explodiu no ar graças à
intervenção de Hester.

Todos sentiram a presença do meu feitiço, mas Arthur estava preocupado


demais para perceber.

O gelo que cobria meu braço mudou de forma com o meu pensamento,
estendendo-se e afiando-se em uma lâmina de gelo.

Eu balancei a lâmina da mesma maneira que a general Varay me ensinou por


mais de um ano.

Minha lâmina cortou suas costas, derramando sangue que já havia


congelado. A cabeça de Arthur voltou para mim, seu olhar mais de surpresa do
que de dor. Ele girou e lançou uma lâmina de vento em mim, mas a camada de
gelo que me cobria amorteceu o feitiço.

Sem a necessidade de bloquear fisicamente, continuei meu ataque. Recuando


minha outra mão, empurrei para fora, lançando uma onda de choque de geada
em Arthur.

Meu oponente rapidamente bloqueou meu ataque, mas ele ainda foi
empurrado de volta—direto para o Ancião Buhndemog.

Os instintos de Arthur eram desumanos, já que ele já torcia o corpo e se


preparava para defender quando um vendaval de vento o girou
incontrolavelmente.

O anão idoso o viu chegando e um sorriso animado se estendeu por sua barba
branca. Ele colocou o punho na posição de socar enquanto a terra ao seu redor
tremia.

Pedaços do chão voaram, combinando-se em torno de seu punho para formar


uma luva gigante de pedra. Hester fortaleceu o ataque imbuindo com uma
chama azul ao redor do punho de terra.

Um estrondo doloroso ressoou quando o punho de pedra flamejante do


Ancião Buhndemog se conectou diretamente a Arthur.

“Oh! Isso foi tão bom!” O ancião anão sorriu, sacudindo o fogo em volta do
punho.

Também dispersei meu feitiço, saboreando o calor que logo se seguiu.

Arthur sentou-se da cratera que seu corpo—agora de volta ao normal—


conseguiu criar no chão. Esticando o pescoço, ele soltou um gemido. “Você me
pegou lá.”
O Ancião Buhndemog deu uma risada calorosa em concordância. “A princesa
certamente salvou o dia! Nós três estávamos basicamente em um impasse e
eu suspeitei que o jovem general nem estivesse dando tudo de si.”

“Não sou capaz de manter essa forma indefinidamente e já estava ficando sem
força”. Arthur balançou a cabeça. “Mas sim, eu não estava esperando você para
vir até mim como uma espécie de ninja do gelo, Kathyln.”

Inclinei minha cabeça, confusa. “Ninja… gelo?”

“Uh, nada.” Arthur soltou uma risada irônica, coçando a nuca. “Eu não deveria
ter te levado de maneira leviana, só isso.”

Eu Corei.

Felizmente, o Ancião Camus chamou sua atenção, estendendo a mão e


puxando Arthur para seus pés.

“Menino interessante.” Disse o ancião quieto com o menor traço de sorriso.

“Parece que teremos muito o que discutir.” Acrescentou Hester. “Acho que será
uma experiência de aprendizado para todos nós.”

Todos concordamos com isso.

***

Nós cinco nos reagrupamos perto da entrada da sala de treinamento com


Emily Watsken e Emeria.

“Antes de analisar a pequena avaliação de hoje, eu só queria ouvir algum


feedback.” Abordou Emily. “Claro, nossa linda senhorita Alanis Emeria
planejou um cronograma de treinamento rigoroso para o general Arthur, mas
no geral, se houver alguma dúvida, deixe-me saber.”

Emeria assentiu, sua expressão inexpressiva. “O feedback é crucial.”

“Acho seguro dizer a todos, especialmente ao general Arthur, que o maior


problema é a preocupação com a segurança.” Observou Hester.

“Ah sim!” Na verdade, estou trabalhando em algo para ajudar a resolver esse
problema, mas ele ainda precisa de alguns ajustes.” Respondeu Emily.

“Posso perguntar exatamente o que é? Estou muito curioso.” Arthur perguntou.

“É um dispositivo que basicamente lê com que quantidade de mana o usuário


está sendo atingido, acionando um mecanismo de defesa de última hora para
evitar um ataque letal.” Respondeu a artífice quase mecanicamente.
“Se um artefato como esse pudesse ser construído, não poderia ser dado a
todos os soldados em batalha?” O Ancião Buhndemog refletiu.

Emily hesitou. “Poderia, mas–”

“Seria astronomicamente caro.” Concluiu Emeria. “Além disso, o mecanismo


defensivo funcionaria apenas para esse único ataque. Em um ambiente de
treinamento, o oponente pararia, mas no campo de batalha, outro ataque seria
tudo o que o inimigo precisaria para terminar o trabalho.”

O Ancião Buhndemog acariciou sua barba. “Verdade. Bom ponto.”

“Sim, os artefatos são extremamente caros de fabricar, não apenas pelo custo,
mas pela raridade do material. São necessárias escamas de Fênix para fazer o
artefato e a família Glayder nos deram tão graciosamente algumas para o bem
dos meus novos dispositivos de treinamento.” Emily informou, olhando para
mim com um olhar apreciativo.

Eu não sabia que papai e mamãe ainda tinham um pouco guardado.

“Falando em dispositivos de treinamento, para que serve exatamente esse


traje?” Arthur perguntou, cutucando a gema em seu peitoral de couro. “Estou
assumindo que isso, e aqueles placas por toda a parede não são para
decoração.”

Com isso, Emily sorriu brilhantemente. Até Emeria tinha um traço de excitação
brilhando em seus olhos. “Tudo, meu amigo, desde a desagradável armadura
e as placas estranhas em toda a sala, é para gravar e medir tudo o que tem a
ver com a forma como você faz a magia do inferno fora das pessoas!”

Capítulo 183
Medindo magia

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

Medir e gravar ‘a magia que sai das pessoas’, era uma maneira pouco intuitiva
de descrever um processo desconhecido para um grupo de magos idosos—e
dois adolescentes.

No entanto, uma vez que Emily abafou seu entusiasmo e começou a explicar
lentamente as funções dos discos por toda a sala e do painel de metal cheio
de medidores, assim como a armadura de couro que eu estava usando, eu
podia ver a emoção borbulhando no rosto de todos.

“Então as coisas anexadas por toda a sala servem como detectores de algum
tipo para registrar o quão poderoso é um feitiço?” Camus perguntou,
inclinando a cabeça.
Emily assentiu. “A palavra ‘poderoso’ é um termo vago, mas sim. Os discos são
bastante difíceis de fabricar, porque cada um deles precisa ser resistente o
suficiente para receber o impacto, mas sensível o suficiente para transmitir
com precisão o feedback ao meu painel de gravação. Apesar que esse é apenas
um de seus principais aspectos; o outro, vou explicar daqui a pouco.”

“O que eram aquelas linhas brilhantes conectando os discos mais


cedo?” Hester perguntou.

“Boa pergunta!” Emily assentiu. “Bem, veja bem, um feitiço raramente será do
tamanho de apenas um sensor, então eu precisava que cada disco fosse
colocado relativamente próximos um do outro com sensores no meio, para
que, mesmo quando um feitiço tenha vários metros de diâmetro, os discos
possam medir com precisão o impacto ou a força do feitiço. Eu criei um novo
termo para essa medida—é chamado de força por unidade ou fpu. As trilhas
brilhantes de mana, que acendem uma vez que são alimentados o suficiente—
neste caso, pela princesa Kathyln e pelos quatro anciões—servem como
sensores que conectam cada disco um ao outro para que eu possa medir com
mais precisão a fpu de um feitiço assim que for lançado no campo de discos.”

Pude ver mais do que alguns olhos vidrados de confusão pela explicação
animada de Emily, então fiquei tentado a ficar quieto e deixá-la ficar sem
palavras para dizer, mas eu estava curioso sobre algo também. “Então os
discos agem como sensores depois de serem atingidos por um feitiço. E se eu
hipoteticamente disparar uma rajada de vento contra o Ancião Buhnd e ele a
bloqear? O feitiço nunca alcançaria nenhum dos discos, portanto esse feitiço
não seria medido?”

Os olhos de Emily se iluminaram. “Como esperado, você percebeu


rapidamente uma das deficiências. Percebi nos primeiros estágios o mesmo
problema. Se esses discos fossem apenas alvos para serem atingidos, o
impacto que eles recebem é suficiente para obter uma leitura precisa da força
do feitiço. Mas em casos onde ocorre uma luta, mais da metade dos feitiços
seria ilegível ou imprecisa, na melhor das hipóteses, devido a ser parcial ou
totalmente atenuado por um contra-ataque do lado oposto. Eu disse
anteriormente que a gravação por contato direto era apenas um dos principais
aspectos dos discos. A outra também é a razão pela qual eu precisava cobrir
toda a sala. Cada um dos discos não apenas envia trilhas visíveis de mana para
os discos ao redor deles, mas também cria uma espécie de ‘pressão’ que pode
ler a força de um feitiço assim que ele é formado.”

“É por isso que eu tive que ajudá-lo a colocar todos esses discos tão fundo do
chão?” Buhnd perguntou, coçando a cabeça.

“Exatamente, e assim os discos não atrapalham, mesmo quando se usa magia


da terra!” Ela respondeu. “Graças ao Ancião Buhnd, a instalação dos discos no
subsolo foi fácil. É através dos sensores no chão, por todas as paredes e no
teto que a mana manipulada pode ser medida mesmo sem precisar que
qualquer um dos discos seja atingido fisicamente com um feitiço.”
“Ok, então basicamente ter essa câmara completamente cercada por esses
discos cria uma sala onde a mana pode ser medida.” Simplifiquei.

Emily apertou os lábios. “Bem… sim, se você quiser resumir um trabalho inteiro
de seis meses em uma frase, acho que sim.”

Eu soltei uma risada. “Acredite, eu sei muito bem o que você criou aqui é uma
maravilha tecnológica que ajudará os magos a se desenvolverem muito mais
rápido no futuro, mas acho que nenhuma das pessoas aqui tem planos de ser
artífices.”

“Verdade.” Emily admitiu, ainda fazendo beicinho.

“Então você explicou o que os discos e o painel fazem, mas e essa armadura
que você me fez usar?” Eu perguntei.

“Ah, eu fiz essa armadura por causa da Emeria.” Respondeu a artífice, voltando
o olhar para Alanis.

Minha assistente de treinamento assentiu antes de falar. “A senhorita Wykes


observou a possibilidade de que esse ‘ambiente’ possa ter um efeito sobre
minha habilidade, então ela criou esse traje para que eu possa fazer leituras
precisas durante todo o seu treinamento.”

“Essa é uma explicação bastante vaga. Se eu não te conhecesse melhor, diria


que você está tentando manter sua capacidade escondida, assim como Emily
com sua invenção.” Brinquei com minha assistente robótica.

Ela era, no entanto, menos do que divertida. Sua expressão permaneceu


inexpressiva. “General Arthur, você pediu detalhes do processo da senhorita
Wykes, não da minha habilidade. Se você está curioso sobre a minha
habilidade, por favor me diga.”

“Farei isso.” Eu respondi surpreso. Ao contrário de Emily, minha assistente de


treinamento não parecia muito interessada em explicar tudo e qualquer coisa
relacionada a um determinado assunto. “Então, Alanis, o que sua habilidade
faz?”

O elfo com cara de inexpressiva assentiu, satisfeito com minha pergunta


direta. “Depois de fazer uma conexão física com um indivíduo, sou capaz de
utilizar magia de afinidade com a natureza para observar com precisão o fluxo
de mana do referido indivíduo.”

Eu ouvi uma risadinha de Buhnd. Dando uma olhada, vi o anão nas


proximidades cutucando Camus com o cotovelo e sussurrando: “Hehe,
conexão física de fato.”

Eu segurei um suspiro enquanto Camus simplesmente ignorou o anão lascivo.


“Então, isso faz de você uma desviante da magia da natureza?” Eu perguntei
curioso.

Embora se soubesse que as formas superiores de magia do vento, da água, da


terra e do fogo eram som, gelo, gravidade e raio, respectivamente – com a
magia do metal e do magma especificamente uma especialidade dos anões –
pouco se sabia sobre o que exatamente a magia da natureza era. Foi
reconhecido que apenas os elfos eram capazes de utilizar a magia da natureza,
o que fez os pesquisadores de magia acreditarem que era uma espécie de
especialidade desviante de vento e água, como o magma era uma combinação
especializada de fogo e terra. Um exemplo da magia da natureza foi a
manipulação de plantas, como o que Tess conseguiu, mas nunca tinha ouvido
falar de ler o fluxo de mana usando a magia da natureza.

“Se minha habilidade é uma forma evoluída de magia da natureza ou um uso


periférico especializado dela, não tenho certeza.” Ela respondeu. “Contudo, o
comandante Virion me encarregou de fornecer feedbacks precisos sobre o seu
fluxo de mana ao longo do curso de seu treinamento, como eu fiz com as
outras lanças.”

“Você ajudou as outras lanças também?” Eu perguntei. Não fiquei tão surpreso
com o fato de os outros terem sido ajudados por ela, mas com o fato de que
Virion não tinha me falado sobre Alanis até agora.

“Sim.” Ela revelou.

“Quão intrigante.” Falou Hester. “Até que ponto essa magia sensorial mostra
sobre o general Arthur?”

Alanis pegou um pequeno diário, encadernado por couro gasto. Ela folheou
várias páginas antes de ler em voz alta: “A taxa que o fluxo de mana do General
Arthur sai do seu núcleo e vai para as extremidades é de aproximadamente
ponto quatro seis segundos (ou 460 milésimos de segundos) para
fortalecimento. Para lançar feitiços, há aproximadamente um aumento de
quarenta por cento no tempo para feitiços de atributos do vento e um
aumento de cinquenta e cinco por cento nos feitiços de atributos da terra em
comparação feitiços de atributo relâmpago. Magia de fogo e água não foram
usadas o suficiente durante a sessão, de modo que nenhuma leitura pôde ser
feita.”

“O ponto quatro seis segundos é muito específico. Como você conseguiu medir
o tempo com precisão?” Camus perguntou, com seu interesse também
despertando.

Alanis pegou um pequeno dispositivo em forma de cubo no interior de sua


jaqueta. “A senhorita Wykes generosamente me forneceu esse dispositivo de
contagem de tempo.”
Ela apertou um pequeno botão na lateral e o cubo começou a zumbir antes de
rapidamente apertá-lo novamente. Ela nos mostrou o topo do cubo, e mostrou
o tempo, até uma fração de segundo.

“Nunca pensei que veria uma ferramenta tão inútil.” Resmungou Buhnd,
obviamente desinteressado na análise desses números.

“Absurdo. Esse dispositivo pode medir a rapidez com que você pode correr de
um extremo a outro da sala com esses tocos curtos que você chama de
pernas.” Hester zombou, um sorriso presunçoso em seu rosto.

Buhnd soltou um bufo alto. “Por que uma coisa tão plebéia como correr
quando eu posso fazer a terra debaixo de mim mover meus pés, sua bruxa
velha?”

Os dois começaram a brigar mais uma vez, me fazendo pensar qual era o
relacionamento deles. Mas não eram apenas as brigas deles, quando
estávamos lutando, todos os três anciãos tinham um estranho grau de
coordenação, como se já tivessem lutado juntos antes.

Fiz uma anotação mental para perguntar a Kathyln ou Virion mais tarde.

Voltando minha atenção para os dois elfos, parecia que Alanis tinha acabado
de responder à pergunta de Camus, que eu tinha perdido.

“Entendo.” Respondeu o velho elfo, pensativo. “Eu não gostaria de incomodar


muito a senhorita Wykes sobre isso, então eu mesmo vou adquirir alguns
materiais.”

“Não há realmente nenhum problema, Ancião Camus.” Emily falou. “Eu estava
planejando melhorar o traje de Arth– general Arthur de qualquer
maneira. Fazer mais alguns não seria muito difícil assumindo que eu tenha os
materiais em mãos.”

“O que está acontecendo?” Eu sussurrei, inclinando-me para Kathyln.

“O Ancião Camus perguntou se era possível a senhorita Emeria fazer leituras


para várias pessoas.” Respondeu Kathyln, se distanciado um passo de mim.

Ops. Um pouco perto demais para ela.

Também me distanciei, lembrando que a princesa sempre foi cautelosa com


sua ‘bolha’ pessoal. “Isso vale para você também?”

Ela assentiu. “Estou curiosa para saber como é a velocidade do meu fluxo de
mana se compara aos outros.”

O aspecto da comparação trouxe à mente um monte de perguntas que eu


queria perguntar a Emily, mas não era hora de perguntar agora. Em vez disso,
me virei para a minha assistente de treinamento. “Alanis, quais eram meus
números depois que usei Realmhea– quero dizer, depois que meus cabelos e
olhos mudaram de cor?”

Todos olhavam para o elfo com expectativa. Até Hester e Buhnd, cujas brigas,
talvez até flertando, pararam para ouvir sua resposta.

Alanis só precisou virar uma página no caderno antes de responder. “A


eficiência de conjuração de feitiços do general Arthur, desde o estágio de
invocação mental para a modelagem física da mana elementar, aumentou
quase cinco vezes em todos os espectros de elementos e…”

“E?” Buhnd pressionou enquanto todos prendiam a respiração.

Alanis balançou a cabeça. “Minhas desculpas, general Arthur. Não gravei o


fortalecimento do seu corpo após a alteração de sua forma.”

“Está tudo bem.” Eu a consolava. “Foi porque não houve diferença suficiente
nos tempos?”

“Ah não. Não foi por isso.” Alanis alterou, os olhos arregalados. “Eu não gravei
porque simplesmente não consegui. General Arthur, a velocidade de
fortalecimento do seu corpo já está a par com a maioria das lanças. Após a
transformação, no entanto, a velocidade de fortalecimento do seu corpo foi
rápido demais para eu tentar medir.”

***

“Como está seu irmão nesses dias?” Eu perguntei, esperando preencher o


silêncio desconfortável no corredor.

Estávamos andando em um dos andares residenciais do castelo. A visão clara


da lua e das estrelas do lado de fora nos dizia que o treinamento tinha ido
mais longe do que o pretendíamos após nossa discussão aprofundada sobre
os os gadgets de Emily e a capacidade desviante de Alanis. Com todo mundo
já dormindo ou trabalhando nos níveis mais baixos, o castelo parecia quase
abandonado.

“Curtis está se saindo muito melhor agora que meu pai finalmente permitiu
que ele deixasse o castelo—sob supervisão, é claro.” Respondeu Kathyln com
um pouco de inveja. “Ele descreveu em seu último pergaminho de transmissão
como era gratificante ser um dos instrutores assistentes de treinamento da
Academia Lanceler.”

“Você não teve tanta sorte, eu acho?”

“Eu esperava que ficar mais forte como mago me desse um pouco mais de
liberdade, mas a imagem que meu pai tem de mim permanece a de uma tímida
princesinha.” Ela suspirou.

Eu ri. “Bem, para ser justo. Você é bem tímida.”


“Dis-Disseram-me que me tornei mais extrovertida!” Kathyln respondeu,
confusa. “Até a ideia de participar como sua parceira de treino foi por minha
insistência…” A voz dela sumiu.

“O que é que foi isso?”

Ela acelerou o passo, caminhando na frente. “Não é nada.”

Caminhamos em silêncio mais uma vez e me vi prestando atenção a estranha


caminhada de Kathyln. Seus passos tinham uma cadência quase monótona,
cada passo feito nas pontas dos pés para emitir pouco som. Ela era pequena,
mas cada passo exalava uma confiança que parecia bem ensaiado. Se eu não
a conhecesse, apenas andando, eu pensaria que ela era apenas mais um nobre
arrogante e pretensioso.

Ela parou e, quando eu levantei os olhos, a encontrei olhando para mim com
um pequeno levantar na sua sobrancelha esquerda. “Está tudo bem?”

Percebendo que eu havia passado os últimos minutos olhando para as pernas


dela, eu corei. “N-não, quero dizer que sim, está tudo bem.”

“Seus passos são muito quietos. Eu não sabia se você ainda estava andando
atrás de mim.” Disse Kathyln, esperando por mim para podermos caminhar
lado a lado.

“Eu poderia dizer o mesmo para você.” Eu ri. “Se eu não pudesse vê-la na minha
frente, eu pensaria que você era um fantasma.”

“A mamãe era muito rigorosa com qualquer coisa que pudesse ser vista por
aqueles que estavam ao nosso redor. Curtis e eu fomos forçados a receber
lições que cobriam tudo o que podia se esperar de alguém do sangue real.”
Respondeu Kathyln.

“Oh! Minha mãe mandou Ellie frequentar esse tipo de aula quando ela era
pequena. Exceto que a única coisa que ela parecia aprender era como escapar
das tarefas dizendo que elas ‘não eram para damas’.” Eu suspirei.

Kathyln tinha um leve sorriso. “Ellie é sua irmã, correto? Abreviação de


Eleanor?

“Sim. Você a conheceu? Ela geralmente está na varanda ao ar livre praticando


tiro com arco.”

“Eu já a vi ocasionalmente, mas nunca falei com ela.” Ela respondeu.

“Ela pode ser um pouco intimidadora com o urso que sempre anda com ela.”
Eu admiti. “Vou ter que apresentá-la adequadamente a ela algum dia. Tenho
certeza ela ficaria animada em conhecê-la.”
O sorriso de Kathyln aumentou até um ponto em que realmente parecia um
sorriso. “Eu… gostaria disso.”

Continuamos conversando enquanto seguíamos para o quarto dela. Hester


originalmente deveria escoltar a princesa de volta, mas eu queria sair da sala
de treinamento e planejava conseguir algo para comer depois, então me
ofereci. O velho mago estava relutante, mas saber que Kathyln estava com uma
lança e a excitação de medir a fpu de seus feitiços superavam todo o resto.

Ela, junto com os outros dois anciões, ficaram para trás com Emily e Alanis
para medir a força de seus feitiços. Se alguém estivesse de pé absolutamente
imóvel e quieto, era possível sentir o castelo tremer de vez em quando.

O quarto de Kathyln estava apenas alguns metros à frente quando me


lembrei. “O seu tutor conhece Buhnd pessoalmente?”

Ela assentiu. “Todos os três anciões se conhecem.”

Minhas sobrancelhas se levantaram em surpresa. “Realmente? Como?”

Os três desempenharam papéis cruciais na última guerra entre humanos e


elfos. Darv enviou soldados para ajudar Sapin durante a guerra, e é assim que
Hester e o Ancião Buhnd se conhecem. Depois que a guerra terminou, os
líderes dos três reinos foram obrigados a participar de uma cúpula realizada
a cada alguns meses na tentativa de consertar as relações quebradas. Ouvi o
nome do Ancião Camus e do Ancião Buhndemog serem mencionadas várias
vezes por Hester. Eles costumavam treinar juntos antes.”

“Isso explica sua impressionante coordenação durante o treino.” Observei.

Eu queria perguntar mais sobre Hester e a Casa Flamesworth em geral, mas


estávamos do lado de fora da porta de Kathyln há um tempo e agora parecia
mais apropriado perguntar diretamente a Hester.

“Você vai ficar bem sozinha, princesa?” Eu provoquei quando Kathyln


destrancou cuidadosamente a porta com um toque da palma da mão. Meu
quarto não tinha um leitor de assinaturas de mana, mas, novamente, ter um
provavelmente não me faria muito bem.

“Papai tomou precauções extras com os reforços no meu quarto.” Disse ela
antes de tirar um pingente de aparência familiar do pescoço. “Eu também
tenho isso.”

“Isso é feito de uma fênix, certo?” Eu perguntei, sabendo onde eu tinha visto.

“Estou impressionado que você saiba o que é com um olhar tão breve.”
Respondeu ela. “O artífice, Gideon, fez isso do núcleo e de uma escama de uma
fênix.”
“É lindo.” Eu disse, omitindo o fato de ter trocado dois dos mesmos artefatos
de Gideon quase dez anos atrás pelas plantas do navio de motor a vapor. Ellie
e minha mãe ainda as usavam agora, uma das razões pelas quais eu conseguia
dormir um pouco mais tranquilo a noite.

“Obrigada.” Ela colocou o pingente de fênix de volta dentro de sua blusa. “E


obrigada por me levar de volta. Fiquei feliz em ver Hester tão ansiosa, mas
conhecendo ela, ela não teria ficado comigo.”

“Não tem problema.” Respondi. “É o mínimo que posso fazer por reservar um
tempo para me ajudar com meu treinamento.”

Ela balançou a cabeça. “É um treinamento para mim também. Não há


necessidade de me agradecer por isso.”

“Bem, então vamos treinar duro e ficar ainda mais fortes.” Estendi a mão.

Kathyln olhou para minha mão aberta por um momento antes de aceitar
cuidadosamente o gesto.

A palma da mão e os dedos dela estavam mornos ao toque—até quentes—e


sua mão permaneceu absolutamente imóvel em minhas mãos. Garantindo
gesto amigo não se prolongasse até uma duração desconfortável, apertei
delicadamente a mão dela antes de soltar. “Boa noite.”

Sem sequer uma pausa, ela afastou a cabeça e fechou a porta. Do outro lado
da porta dela, ouvi um abafado: “Boa noite, A-Arthur.”

Capítulo 184
Aspectos imprevisíveis

Nico deu um tapa nas costas do meu colete de duelo. “Você está pronto, Grey?”

Continuei o último conjunto de alongamentos, mais do que ansioso para soltar


meu corpo. Estávamos na área de espera subterrânea, onde dezenas de outros
estudantes praticavam suas técnicas nos tapetes acolchoados ou andavam de
um lado para o outro ansiosamente até o nome ser chamado por um dos
oficiais.

“Mais preparado impossível, eu acho.” Eu finalmente respondi enquanto


balançava meus braços.

“Vamos. Você tem que ser mais confiante do que isso, mais ambicioso.”
Pressionou Nico. “Eu sei o quanto você sofreu, sendo intimidado por todos da
segunda e primeira divisão…”
“Como você poderia saber o quanto eu sofri?” Eu cortei, irritado. “Passar da
Divisão Quatro para a Divisão Três no ano passado fez com que suas
‘brincadeiras’—a maioria das quais terminava com vergões e ossos
quebrados—fossem piores do que eu não ‘conhecer meu lugar’.”

“Foi mal.” Nico gaguejou, surpreso com a minha nitidez.

“Você está na primeira turma da Divisão Um, respeitada por professores e


colegas. Embora eu tenha orgulho de você por isso, não pense que isso se
traduz em que você saiba o que eu passei nos últimos anos.”

Ele assentiu. “Eu estava apenas tentando ajudar.”

Eu soltei um suspiro. “Está bem. Sinto muito por ter te repreendido. Estou
realmente cansado daqueles nobres exibindo os nomes de suas casas como
um distintivo para fazer o que quiserem comigo.”

“Sim. Não ajuda que a maioria dos pais sejam generosos doadores da
academia. Isso serve apenas para que os professores fechem os olhos para
estudantes sem família para apoiá-los como nós.”

“Pelo menos eles te tratam bem.” Eu disse, sentando-me de costas contra a


parede fria. “Ser melhor do que eles intelectualmente não parece prejudicar
seu ego quase tanto quanto ser melhor em combate.”

“Graças a Deus,” Nico riu. “pelo menos você pode se defender.”

Eu concordei. “Só espero que os juízes não sejam tão injustos quanto têm sido
e que eu finalmente consiga entrar na segunda divisão.”

“Sério. Mesmo que seu nível de ki não seja tão alto, levando em consideração
sua capacidade geral de combate, você deveria ter ido no mínimo para a
Divisão Dois ano passado. Ainda não acredito que eles te seguraram, mesmo
depois que você espancou aquele garoto orgulhoso.”

Soltando uma risada, perguntei. “Lembra-se dele me provocando antes do


início da partida, dizendo que poderia me vencer com uma mão?”
Nico reprimiu uma risada com medo de que o garoto em questão estivesse em
algum lugar na grande sala. “Essa partida terminou tão rápido que ele sequer
teve tempo de tirar a mão do bolso.”

“No entanto, aqui estou eu, participando desses duelos fraudulentos de


avaliação.” Bati minha cabeça contra a parede, deixando a dor maçante levar
o meu desespero.

“Sobre isso,” Nico abaixou a voz. “eu ouvi dos outros estudantes de engenharia
que há um novo juiz este ano, considerado frio e imparcial.”

Eu levantei uma sobrancelha. “Como os estudantes de engenharia saberiam


disso?”

Nico soltou uma tosse e desviou o olhar. “Supostamente, ela também é uma
mulher de aparência muito atraente. Você sabe como é o pessoal da
engenharia… Eles são um bando de tarados.”

“Parece que isso inclui você também.” Eu sorri. “Eu me pergunto o que Cecilia
vai pensar quando eu contar isso a ela.”

“V-você não faria isso.” O rosto de Nico empalideceu. “Depois de tudo o que
fiz para tentar ajudá-lo.”

Nesse momento, uma voz rouca chamou meu nome pelo interfone. “Cadete
Grey para a Arena Seis. O não comparecimento resultara em uma perda
automática. Mais uma vez, cadete Grey para a Arena Seis.”

Peguei a espada de duelo que me foi emprestada para a avaliação e pisquei


para Nico. “Vou manter seus pequenos interesses e dos cães da engenharia
para mim.”

Nico soltou um suspiro de derrota e fez um sinal para eu ir.

Depois de acenar de volta para meu amigo, subi a rampa que levava à
superfície. Eu tive que levantar a mão para me proteger do sol do meio-dia até
que meus olhos pudessem se ajustar, e quando isso aconteceu eu me
encontrei no centro de um amplo estádio ao ar livre.
Plataformas circulares pontilhavam o grande campo de grama. Estudantes e
professores da academia cercaram as plataformas, alguns julgando ou
escoltando enquanto outros estavam lá apenas para assistir aos amigos ou o
próximo adversário.

As arquibancadas ao redor do estádio estavam cheias de pessoas, muito


distantes para reconhecer, não que eu conhecesse alguém. Pelos eventos
anteriores era fácil presumir que a maioria dos adultos sentados eram
membros das famílias dos estudantes que participam dos duelos de avaliação
de hoje.

Fui na direção da placa que dizia ‘Arena Seis’, deslizando pelas multidões em
volta das arenas.

“Ótimo, uma audiência.” Murmurei para mim mesmo. Havia um grande grupo
de idades variadas conversando animadamente entre si. Um homem idoso
musculoso levantou os braços na arena, dando conselhos de última hora para
o garoto da minha idade até que o árbitro magro o informou para não se apoiar
na arena.

Eu mal tinha espaço para subir as escadas que levam à arena de duelos e,
durante todo o caminho, olhos me encararam. Alguns tentando me avaliar
para fazer sua própria previsão sobre se o filho, primo, sobrinho ou qualquer
que seja a relação deles com o garoto na arena, se ele poderia me vencer.

Na plataforma da arena, apenas eu, o garoto que eu estaria enfrentando e o


árbitro. As rodadas posteriores nas avaliações teriam um painel de juízes
‘imparciais’ também, mas este foi apenas o primeiro.

“Nos deixe orgulhosos, Simeon!” O homem musculoso de antes rugiu.

“Você pode fazer isso, Simmy!” Uma mulher de cabelos cacheados gritava
animadamente.

“Senhor, a barreira será levantada em breve, então evite inclinar-se para a


frente na arena. Não vou lembrá-lo novamente.” Disse o árbitro esbelto de
maneira severa.

“Pai, por favor!” O garoto chamado Simeon gemeu, afastando o pai.


Sem mais demoras, o árbitro pegou uma chave e deslizou ao longo da
extremidade da arena. Imediatamente, uma luz piscou ao nosso redor, criando
uma parede translúcida com cerca de dez metros de altura.

“Armas em posição.” Anunciou o árbitro. “Regras de duelo tradicionais se


aplicam. A partida terminará quando um de vocês ceder ou quando a barreira
de proteção em torno do colete de duelo se despedaça. Os pontos serão
ganhos em golpes sólidos. Cadete Grey, cadete Simeon Cledhome, vocês estão
prontos?”

Eu mantive a lâmina da minha espada baixa, segurando apenas com uma mão,
enquanto Simeon assumia uma pose mais tradicional com as duas mãos firmes
na alça e a lâmina posicionada verticalmente na frente dele.

Nós dois inclinamos a cabeça em reconhecimento, nossos olhares fixos um no


outro.

“Comecem!”

Imediatamente, Simeon se lançou, limpando a distância de mais de três


metros entre nós em um único passo. Ele concentrou o ki na perna de trás,
empurrando e redistribuindo de volta para o resto do corpo depois de ganhar
o momento que ele queria alcançar—não era algo fácil de se fazer.

No entanto, sua explosão parecia um passeio pelas águas viscosas em meus


olhos. No momento em que sua espada estava em posição para esfaquear meu
colete, eu estava vendo três diferentes cursos de ação.

Eu fui com o mais simples, girando para que sua arma embotada mal
deslizasse pelo meu peito.

Executando a mesma técnica que Simeon, concentrei o ki na perna e no tronco


para apoio. Em um golpe rápido, entrei no alcance e girei usando minha perna
e quadris para impulso. Dessa forma, mesmo que eu não tenha fortalecido
meu braço com ki, a força do meu ataque foi suficiente para derrubar Simeon.

Pouco antes da minha espada o atingir, ele conseguiu torcer o corpo para que
o ombro esquerdo tomasse a força do golpe, não o colete.
“Gah!” Simeon soltou um grito de dor quando a mão direita deixou cair a
espada e segurou o ombro ferido.

Eu tinha certeza de que ele cederia, então fiquei na minha posição, meus olhos
se deslocando entre o árbitro e Simeon.

Um baque abafado chamou minha atenção e pude ver o pai batendo


violentamente na barreira. “Levante-se, Simeon! Levante-se!”

Depois de uma série de gemidos e xingamentos, meu oponente estava de pé


novamente, seu braço esquerdo balançando frouxamente ao seu lado,
enquanto seu braço direito lutava para segurar sua espada longa.

Lancei um olhar de dúvida para o árbitro, mas ele balançou a cabeça. A partida
não terminou.

Em um ato de desespero, Simeon tentou me pegar desprevenido enquanto


minha atenção estava no árbitro. Ele correu mais uma vez, sacrificando sua
velocidade alocando a maior parte de seu ki no braço. Com o braço direito
fortalecido, ele foi capaz de balançar facilmente a pesada espada de duelo.

Sua teimosia era respeitável, mas a partida já havia terminado.

Eu bati na mão direita, fazendo com que Simeon largasse a arma


imediatamente. Sem parar, eu girei e chutei sua coxa direita, que estava
desprotegida pelo ki.

Simeon soltou um grunhido enquanto se ajoelhava. A ponta da minha espada


já estava esperando por ele debaixo do queixo.

“E-eu me rendo.” Ele respirou.

“Não!” Seu pai protestou, batendo violentamente contra a barreira. “O garoto


trapaceou! De jeito nenhum meu Simeon perderia para um rato sem nome!”

“Chega!” O árbitro repreendeu. “Os duelos de avaliação do cadete Simeon


Cledhome ocorrerão entre os outros cadetes derrotados, enquanto o cadete
Grey vai avançar. Isso é tudo!”
Com isso, o árbitro retirou a barreira e nos permitiu sair. Simeon desceu as
escadas como se sua alma tivesse acabado de murchar. Eu quase senti mal por
ele. Seu controle do ki era considerado muito bom, já que a maioria das
crianças da minha divisão estava aprendendo fortalecimento básico do corpo,
não alocação de ki.

Sua mãe imediatamente lhe deu um abraço e cuidadosamente acariciou seu


ombro ferido, enquanto seu pai encarava as espadas, como se a perda de seu
filho fosse por minha causa. Acho que sim, então olhei para trás e fiz um gesto
respeitável ao homem musculoso da Casa Cledhome.

Eu sorri—sorri educadamente. Agora… se ele via isso como rude ou arrogante,


isso já era com ele.

PONTO DE VISTA DE ARTHUR LEYWIN

“Com o que você estava sonhando?” Uma voz grossa familiar perguntou, me
assustando.

Meus olhos se abriram para ver Virion, seu rosto a apenas trinta centímetros
do meu, enrugado com um sorriso largo.

“Gah!” Eu gritei, correndo e quase colidindo de cabeça com o velho.

Pelo lado, eu podia ouvir Emily e minha irmã rindo enquanto até Boo e Sylvie
bufavam de diversão.

“Droga, Virion. Seu rosto é aterrorizante.” Eu amaldiçoei, reunindo meu juízo.

“Você estava com um sorriso tão grande que eu tive que acordá-lo e descobrir
com o que você estava sonhando.” O velho elfo riu. “Talvez foi
um daqueles sonhos?” Ele continuou balançando as sobrancelhas
sugestivamente.

“Você tem certeza de que está apto para liderar todos os exércitos deste
continente?” Eu gemi, lutando contra o desejo de revirar os olhos.

O comandante, que estava sentado casualmente no chão ao meu lado, com as


costas contra a parede fria de metal da sala de treinamento como qualquer
outro ancião que você pode encontrar em uma cidade rural, simplesmente
encolheu os ombros. “Tenho certeza de que sorrir lascivamente enquanto
dorme em um ambiente público não é muito adequado para uma lança.”

“Não era um sorriso lascivo!” Eu protestei.

“Foi meio assustador.” Ellie entrou na conversa.

“Foi apenas um sonho de quando eu era mais jovem. Você sabe, quando os
tempos eram mais simples.” Retruquei.

Não era mentira. Apenas não toda a verdade.

Ellie trocou olhares com o meu vínculo antes de encolher os ombros.

‘Foi outro sonho da sua vida anterior?’ Sylvie me perguntou com preocupação
em sua voz.

Eu não me preocuparia muito com isso, Sylv. Eu consolava.

Desviando o olhar do meu vínculo vulpino, vi Kathyln e os três anciãos


terminarem o aquecimento. Apenas um dia se passou desde a primeira sessão
de treinamento, mas o fato de que eu não conseguia dormir enquanto tentava
extrair mana dos chifres de Uto sem que o acclorite na minha mão direita,
absorvesse-a primeiro, fez parecer que uma semana se passou.

A última coisa que eu lembrava foi entrar na sala de treinamento e ver minha
irmã e Boo com Virion. Enquanto Emily e Alanis preparavam o equipamento de
treinamento para Kathyln e os anciãos, eu me sentei e conversei com o
comandante. Eu tinha perguntado a ele sobre a minha assistente de
treinamento pessoal e como ele até encontrou alguém como ela e por que ele
nunca se incomodou em me dizer.

Virion explicou como conheceu Alanis quando visitava uma unidade


estacionada perto da fronteira sul de Elenoir, onde a floresta de Elshire
terminava. Ele tropeçou em Alanis em uma das tendas de médico, ajudando
um soldado que havia sido emboscado pelos animais corrompidos. Enquanto
ela estava apenas como enfermeira lá, Virion aparentemente viu o verdadeiro
valor de sua magia desviante e a levou ao castelo. Durante o tempo que eu
estava treinando em Epheotus, Virion fez com que todas as lanças passassem
por uma avaliação de Alanis, para que pudessem melhorar onde o fluxo de
mana era mais fraco ou mais lento.

Virion me explicou que as bestas corrompidas eram o que os soldados


chamavam de bestas de mana infectadas pelos Vritra foi a última coisa que
pude lembrar antes de acordar com a visão do rosto do velho pairando sobre
o meu.

Tentando me livrar do cansaço persistente, levantei-me e me estiquei.

“Parece que o garoto está pronto.” Exclamou Virion, apontando Emily.

A artífice correu para mim, carregando o equipamento de treinamento que ela


conseguira atualizar em tão pouco tempo.

Em vez de toda armadura de couro usada para recuperar as ondas de mana


necessárias para Emily registrar o poder dos meus feitiços sem atrapalhar as
leituras internas de Alanis, agora eu só tinha que prender algumas faixas nos
braços e pernas e usar um peitoral fino com uma gema embutida.

Depois que terminei de colocar o novo equipamento, minha assistente de


treinamento se aproximou de mim com os olhos colados no caderno.

“General Arthur. Eu terminei de compilar o cronograma de treinamento para


as próximas sete semanas para melhorar o tempo de fluxo de mana durante o
fortalecimento do corpo e feitiços dos seus elementos de menor
afinidade.” Ela disse, erguendo o olhar para mim enquanto me entregava seu
caderno.

“As duas primeiras semanas serão de treinamento individual.” Notei depois de


um olhar superficial. “Esse provavelmente não é o melhor uso do tempo,
considerando que eu só tenho dois meses, certo?”

“Eu concordo.” Ela assentiu, pegando de volta o caderno. “No entanto, seu
objetivo em tudo isso, general Arthur, mergulhando em cenários de combate
envolvendo todos os elementos, é adquirir o conhecimento de quais
elementos podem ser melhor utilizados, dependendo da situação, a fim de
aplicar nas batalhas posteriores, correto?”
Seu processo de pensamento era muito mais técnico, mas ela entendeu o
essencial. “Certo.”

“Embora seja louvável que você esteja disposto a se tornar um manequim de


treinamento para atingir esse objetivo, é impraticável por um motivo
principal.”

Sua declaração despertou minha curiosidade. “Continue.”

“É de meu entendimento, depois de sua avaliação com seus quatro


treinadores, que a principal razão para o seu problema, perdoe minha
franqueza, decorre de quão solidificado seu estilo de luta já é.” Ela
respondeu. “É do meu entendimento que você já tentou treinar com seus
elementos de menor afinidade antes inibindo à força seus elementos mais
fortes, correto?”

“No entanto, mesmo depois de fazer isso, uma vez que você se permitiu voltar
aos seus elementos mais confortáveis, seu estilo de luta voltou ao que eu reuni
como combate corpo a corpo com integração elementar em seus ataques.”

“Isso parece certo.” Eu disse, pensando sobre o meu estilo de luta


principal. Muitas das minhas habilidades melhoraram desde o meu tempo
como Grey, mas meu estilo principal, que era o uso da espada e do corpo,
ainda existia—embora tenha melhorado após meu treinamento com o Asura
Kordri.

“Para que seu corpo aprenda novas maneiras de lutar fora dos métodos
usuais, é necessária uma transição lenta, além de outro importante
componente. Imprevisibilidade.” Eu poderia dizer pelos olhos de Alanis que
ela estava quase tão entusiasmada com os esquemas de treinamento quanto
Emily.

“General Arthur, você começará com uma luta individual contra os quatro
parceiros de treinamento aqui hoje. Eles trocarão de lugar em tempos
aleatórios para que seu corpo não tenha a chance de se acostumar.” Explicou
ela em tom sério. “Além disso, para cada sessão, você não poderá para usar
um elemento.”

“E qual elemento é esse?” Eu perguntei, olhando suas anotações.


O elfo geralmente inexpressivo mostrou um sorriso pequeno. “Isso será
escolhido aleatoriamente e alternado aleatoriamente, general Arthur.
Imprevisibilidade, lembra?”

“Parece que a minha ideia original de lutar sem cérebro no quatro contra um
se tornou muito mais complicada.” Eu ri.

“Os regimes de treinamento que ela fez para as outras lanças eram igualmente
complicados.” Comentou Virion, levantando-se.

Depois de tirar o roupão, Virion foi até a porta. “Estarei sempre a ver como as
coisas progridem. Alanis, não quebre Arthur. Eu ainda preciso dele.”

Alanis assentiu severamente, como se tivesse considerado seriamente uma


possibilidade.

Com isso, o velho elfo despediu-se. Kathyln e os anciãos, que tinham acabado
de se aquecer, mostraram seus respeitos quando o comandante foi embora.

“O equipamento está pronto para começar!” Emily exclamou assim que a porta
se fechou atrás de Virion.

Olhei em volta para a sala de treinamento, vendo Kathyln secando a testa com
um lenço e Hester endireitando os vincos em sua túnica justa. “Então, quem
eu vou enfrentar primei…?”

O chão debaixo dos meus pés subiu bruscamente como uma mola, me
lançando no ar.

Fiquei surpreso por talvez uma fração de segundo antes de perceber que tinha
que ser Buhnd. Fazia menos de um dia desde que conheci a bola barbada de
músculo e ele já estava se tornando um pouco previsível.

Meu corpo foi lançado cerca de seis metros no ar e quando consegui me torcer
para enfrentar meu primeiro oponente, o velho anão estava me esperando
com um sorriso largo, seus braços esbugalhados se esticaram, como se
esperassem que eu o abraçasse.

Um sorriso surgiu no meu rosto enquanto eu juntava mana na minha mão.


Pelo menos eu não vou ficar entediado.

Capítulo 185
Professor convidado

“Troquem!” Alanis gritou no momento em que meu punho infundido pelo


vento estava prestes a acertar o peito de Camus.

Eu murmurei uma série de maldições, parando meu ataque. Como é que, nos
últimos dias, as partidas sempre parecem parar em momentos tão
inconvenientes? Ela tem que estar fazendo isso de propósito.

Como que para responder à minha acusação, meu treinador esclareceu


dizendo: “Exatamente vinte minutos se passaram. O Ancião Camus será
substituído pelo Ancião Hester. General Arthur, por favor, restrinja sua magia
da água.”

Limpei o suor escorrendo pelo meu rosto, tentando respirar até meu próximo
oponente chegar. Ter minha magia da água banida significava que eu não
podia usar gelo também. Quão frustrantemente conveniente para Hester, que
estaria em desvantagem contra esses dois elementos.

Dando uma olhada na plateia, eu poderia dizer que todos estavam prestando
muita atenção à minha última luta contra Camus, minha irmã particularmente.

A anciã aproximou-se de mim até estarmos a uma dúzia de metros de


distância. Amarrando seus longos cabelos grisalhos em um coque, ela se
preparou para uma postura de duelo. Ser um mago do estágio prata significava
que, embora sua força estivesse na conjuração, ela poderia facilmente
fortalecer seu corpo. O fato de que ela usava roupas justas e optou por usar
um anel de conjuração, em vez do bastão ou varinha tradicional, significava
que ela queria a flexibilidade de longo alcance e combate a curta distância.

“Comecem.” Alanis afirmou, sua voz amplificada pelo artefato em que ela
estava falando.

Hester imediatamente estalou o dedo, uma faísca acesa entre o dedo médio e
o polegar.
A brasa azul era apenas uma distração.

Como eu não estava usando o Realmheart, meus olhos não podiam ver as
flutuações na mana, mas eu podia senti-lo. Meu corpo, aprimorado através da
assimilação com a vontade do dragão de Sylvia pareceu instintivamente sentir
que eu estava em perigo.

Eu rapidamente me movi de volta, bem a tempo de ver uma explosão de fogo


detonar onde eu estava parado.

A explosão causou uma nuvem de fumaça, obstruindo minha visão e a de


Hester.

Ela não esperava me acertar com isso, quer que eu a perca de vista.

Eu balancei meus braços, manipulando a nuvem de poeira entre nós para


disparar para frente. A rocha e a areia no ar congelaram por um segundo antes
de irromper em uma onda de choque de detritos.

Como eu havia previsto, a forma de Hester apareceu. Ela conseguiu se proteger


com um painel de fogo. Foi a minha vez de revidar.

Fortalecendo minhas pernas, eu impulsionei para frente, juntando fogo azul


em meus punhos.

Eu golpeei o painel de fogo, esperando que minha chama dominasse a


dela. Seu feitiço se desintegrou, mas, para minha surpresa, Hester não estava
mais atrás do painel de fogo que ela conjurou.

Foi quando eu senti de novo, o instinto primitivo que me disse que eu estava
em perigo. Desta vez, veio de baixo dos meus pés.

Fogo azul rodou embaixo de mim antes de irromper em um pilar de


chamas. Por um momento, minha visão ficou azul quando um calor intenso
tomou conta de mim.

Minha aura bloqueou o ataque por tempo suficiente para eu manipular o fogo
antes de me prejudicar. Se eu acumular muito dano, o artefato defensivo em
minha armadura seria ativado, fazendo-me perder.
Justo quando o calor estava se tornando insuportável, eu pude dissipar o
ataque de Hester e quebrar a coluna de fogo… apenas para me encontrar
cercado por uma dúzia de esferas de fogo, cada uma da altura de um adulto.

A julgar pelo fato de que eu não podia ver ou sentir Hester, e que cada globo
de fogo seria capaz de ter uma mulher adulta por dentro, eu sabia que ela
estava dentro de um dos globos.

Se ela estava tentando me irritar com todas essas distrações, estava


funcionando.

Eu pisei no chão, conjurando espinhos de barro. Apenas metade dos espinhos


atingiu seus alvos.

Nota para si mesmo. Pratique mirar com a magia da terra.

Os espinhos que atingiram perfuraram diretamente as esferas de fogo,


causando a dispersão. Mas não demorou muito tempo para novas esferas de
chamas manifestassem e tomassem o seu lugar.

Antes que eu pudesse atacá-los novamente, os globos flamejantes brilharam


antes de lançar seus ataques.

Cada globo parecia ter uma mente própria, pois os ataques disparados por
eles eram diferentes um do outro. Um globo disparou uma barragem de
pequenas balas de fogo, enquanto outro começou a girar e liberar chamas.

Fui forçado a ficar na defensiva pela enxurrada de ataques vindos de todas as


direções. Ergui um muro de pedra do chão para bloquear a barragem de balas
e lancei uma lâmina de vento na bola de fogo, detonando o feitiço
prematuramente.

Minha mente disparou, tentando pensar no meu próximo passo. Eu não podia
continuar na defensiva, mas não fazia ideia dentro de qual esfera flamejante
que ela estava se escondendo.

A tentação de usar o Realmheart cresceu, mas eu sabia que isso era apenas
um atalho para resolver minha inadequação, utilizado a maior parte da minha
mana.
Pense Arthur. Como eu tentaria lutar comigo se eu fosse Hester?

A única estratégia em que eu conseguia pensar era me irritar até que eu


baixasse a guarda. Essa foi a resposta.

Soltei um rugido de frustração, lançando ondas de choque de vento e rajadas


de fogo nos globos. Claro, os que eu destruí foram substituídos por outros,
mas continuei meu ataque aparentemente agitado.

Juntando relâmpagos ao redor dos meus braços e pernas, eu avencei,


atingindo as esferas de fogo de perto.

Para cada globo que atingi, outros dois tomaram seu lugar até mais de trinta
esferas pairarem ao meu redor.

A quantidade de mana que ela possui é impressionante.

As esferas começaram a ondular desta vez enquanto brilhavam mais. Eu


pensei que eles iam explodir, mas em vez disso cada um dos globos
flamejantes dispararam uma corrente de fogo condensada em mim.

Este é o ataque final? Eu pensei, percebendo que as esferas diminuíram


quando liberaram seu raio flamejante.

Coloquei minha melhor expressão de surpresa e horror e esperei até que todas
as correntes de fogo estivessem prestes a me atingir antes de agir.

Juntando uma grande quantidade de mana no meu núcleo, eu cobri meu corpo
inteiro em uma armadura de fogo. Controle absoluto era necessário para
impedir que o fogo me machucasse, mas usar isso junto com o último ataque
de Hester faria parecer que eu fui atingido.

Mesmo com várias camadas extras de mana pura e mana de fogo me


protegendo da barragem de Hester, senti o fogo chamuscando as
extremidades do cabelo.

Eu temi por um segundo que eu realmente pudesse sair dessa careca, mas
minha aura se manteve—e a maior parte dos meus cabelos—seguro.
Ouvi Ellie me chamar horrorizada pelo rugido das chamas, mas mantive meu
foco no oponente. Eu sabia que Hester não a abaixaria sua guarda mesmo após
isso.

A próxima parte seria a parte mais difícil.

Um aspecto a considerar para um mago multi-elementar era sua força para


não apenas saber quando utilizar cada um de seus elementos,
mas como utilizar vários elementos em conjunto um com o outro.

Mantendo a barreira flamejante ao redor do meu corpo, eu separei uma parte


do meu foco para que eu pudesse manipular o chão debaixo de mim.

Senti minhas chamas tremerem—um sinal de que minha concentração estava


vacilando.

Quase. Suportando o calor crescente ao meu redor enquanto eu manipulava


um buraco no chão para que eu caísse lá dentro, eu esperei até finalmente ver
a silhueta de Hester através da camada de fogo entre nós.

Agora!

Eu desativei meu feitiço de proteção no momento em que caí no chão,


imediatamente cobrindo o chão acima de mim, então fiquei completamente
submerso abaixo.

A terra tremeu com o que eu assumi ser o próximo ataque de Hester.

Sem perder tempo, empurrei a terra ao meu redor, utilizando o feitiço de


percepção sísmica para sentir onde todos estavam. Senti uma onda a terra de
um local diferente—era o mesmo feitiço de percepção que eu usara, exceto
muito mais forte.

Concentrando-me na tarefa em questão, moldei a terra ao meu redor,


permitindo-me mover-me lentamente no subsolo.

Eu sabia que especialistas como Buhnd eram capazes de atravessar o subsolo


tão facilmente como se estivessem debaixo d’água, mas, infelizmente, eu não
estava nesse nível.
No entanto, não importava. Foi a vez de Hester ser pega de surpresa.

Levei apenas dois segundos para reunir mana à minha direita primeiro para o
meu ataque final. Assim que eu estava pronto, limpei a terra acima de mim e
fui até a superfície infundindo mana de vento sob meus pés.

Um raio negro enrolou em meu braço direito como uma serpente cruel pronta
para atacar. Logo abaixo de mim, de pé no chão, estava Hester, com seus
braços envolto em um fogo formado por longas lâminas com finas mechas de
eletricidade enroladas em volta deles—sem dúvida, seu verdadeiro movimento
final.

Hester virou-se para me encarar no momento em que meu corpo desceu. Era
tarde demais. Eu estava dentro do alcance de ataque e ela não estava na
segurança de seu orbe de fogo.

Nós estávamos jogando com a minha força agora.

Os lábios do meu oponente se moveram—se ela estava xingando ou cantando


um feitiço, eu não sabia dizer—quando ela ergueu as lâminas flamejantes do
braço.

O relâmpago preto se soltou do meu braço quando soltei o raio em Hester. As


gavinhas negras rasgaram o ar até nossos dois feitiços colidiram.

Uma esfera de fogo e raio se formou a partir do impacto, ficando maior e mais
brilhante até finalmente explodir conosco no epicentro.

PONTO DE VISTA DE KATHYLN GLAYDER

A explosão obscureceu nossa visão de Arthur e Hester. Meus olhos viraram


para a irmã mais nova de Arthur; Eu estava preparada para conjurar uma
barreira, caso a onda de choque chegasse até nós, mas o vínculo dela já havia
se movido, puxando-a para perto com o corpo posicionado para bloquear
qualquer resquício da explosão causada pelos feitiços em colisão.

Com a irmã mais nova de Arthur sendo o alvo da minha preocupação, eu


esqueci de me proteger da onda de choque que detonou.
Me preparei para o impacto, tentando erguer uma parede de gelo a tempo,
mas, para minha surpresa, o chão embaixo de mim afundou. Eu me encontrei
alguns metros abaixo da superfície, a onda de choque passando
inofensivamente acima de mim.

Depois que a explosão cessou, fui levantada de volta e fiquei cara a cara com
o Ancião Buhnd.

“Cuidado, princesa”, ele sorriu antes de voltar sua atenção para a origem da
explosão.

A nuvem de detritos causada pela explosão diminuiu e pude ver as duas


figuras.

Arthur, embora despenteado, estava de pé. Meu guardião, por outro lado,
recuara—um brilho rosa suave ao redor dela sinalizando que o artefato
defensivo foi acionado.

O Ancião Buhnd juntou as mãos, obviamente empolgado. “Haha! Brilhante!”

“O artefato funcionou perfeitamente!” Watsken exclamou de lado, animada


por um motivo diferente.

“É preocupante que você esteja tão surpreso com o mesmo dispositivo


destinado a impedir que meu irmão morra.” A irmãzinha de Arthur murmurou,
dando um tapinha na poeira do seu urso.

“Eu não fiquei surpresa!” A artífice protestou. “Mas feliz por não haver
complicações inesperadas.”

“Mhmm.” A irmã de Arthur lançou um último olhar de dúvida para senhorita


Watsken antes de voltar seu foco para o vínculo.

“Quais eram as leituras de fluxo de mana do general Arthur durante essa


batalha?” O Ancião Camus perguntou à Srta. Alanis. Eu escutei, curiosa sobre a
melhoria de Arthur nos últimos dias.

Os olhos da senhorita Alanis brilhavam em uma infinidade de cores enquanto


ela avaliava os dados internos de Arthur. Eventualmente, suas íris voltaram às
cores originais.
“O fluxo de mana do general Arthur para lançar feitiços na terra e no vento
aumentou quatro por cento e dois por cento, respectivamente.”

“E isso é… uma coisa boa?” O Ancião Buhnd perguntou, suas sobrancelhas


grossas unidas em confusão.

“A taxa de crescimento do general Arthur é… impressionante, para dizer o


mínimo. Já faz menos de uma semana, mas as melhorias que ele fez em seus
elementos periféricos é notável.” Ela respondeu antes de registrar suas mais
recentes descobertas em seu diário.

“Acho que você seria mais útil na guerra se liderasse um grupo maior de
soldados do que tentar empurrar seu velho corpo.” Uma voz familiar soou
atrás de nós.

Meus olhos se arregalaram quando percebi que era o comandante Virion


acompanhado pelo general Bairon e pela mestre Varay.

Eu imediatamente abaixei minha cabeça em respeito.

“Não há necessidade de tais formalidades. Só estou aqui para verificar meu


general mais jovem.” O comandante Virion riu. “Na verdade, deixe-me pedir
desculpas antecipadamente.”

Eu levantei minha cabeça timidamente, encarando a Mestre Varay. Minha


professora de magia de gelo me encarou com seu olhar forte antes de virar
sua atenção às consequências da falsa batalha de Hester e Arthur.

“Essa agressividade passiva está abaixo de você, Virion—quero dizer,


comandante.” Respondeu o Ancião Camus com um leve sorriso.

“Parte do meu trabalho é garantir que meus ativos mais fortes sejam os mais
eficazes possíveis.” O comandante Virion recuou, sorrindo amigavelmente
enquanto ele apertou o ombro do Ancião Camus.

“O que você está pedindo desculpas?” O Ancião Buhnd perguntou. “Não me


diga que vai interromper nossa brincadeira—treinamento! Eu estava prestes a
ser o próximo!”
“Na verdade, a princesa Kathyln estava programada para ir primeiro.” Corrigiu
Miss Emeria.

Mestre Varay se aproximou de mim com uma marcha casual, parando na minha
frente. Ela, com ternura, pegou um pedaço de entulho que havia se alojado
dentro meu cabelo. “Já faz um tempo, Kathyln. Você ficou mais forte.”

Corando, eu rapidamente passei os dedos pelos cabelos, tentando me livrar


de quaisquer outros sinais da minha aparência desleixada. “Obrigada
mestre. Eu tenho crescido em força enquanto treino ao lado dos anciãos e do
general Arthur.”

Ela assentiu antes de mudar o olhar para trás de mim. Olhei para trás e vi
Arthur puxando Hester de volta. Eu pude distinguir os lábios de Arthur
movendo-se, mas era impossível ouvir o que ele estava dizendo.

“Acabei de chegar de uma missão e tenho um raro tempo livre.” Ela começou
tirando a capa forrada de pele sobre os ombros.

O rico tecido azul da meia-noite caiu no chão, revelando o traje de batalha


exclusivo da Mestre, uma armadura marinha mínima com detalhes dourados
que pareciam um presente dos Asuras quando ela o usava.

Saí do caminho e a deixei passar, já sabendo o que ela ia perguntar.

“Pelo menos o show vai ser divertido.” Resmungou o Ancião Buhnd quando se
sentou em uma cadeira de pedra que acabara de conjurar.

“Umm, ge-general Varay. Não sei se o artefato tem combustível suficiente para
resistir a um duelo desse calibre.” Disse Emily, levantando a mão trêmula.

Sem quebrar o passo, Mestre Varay encarou Arthur. Mesmo em seu estado
desgrenhado e desgastado, os olhos de meu ex-colega brilhavam quando sua
boca se curvou em um sorriso.

“Bairon. Ajude a senhorita Watsken a abastecer seu artefato para meu


pequeno duelo contra nossa mais nova lança.”

Capítulo 186
Beleza da magia

PONTO DE VISTA DE KATHYLN GLAYDER

Eu assistia enquanto Arthur e Varay estavam frente a frente a apenas uma


dúzia de pés de distância. A presença deles colidiu terrivelmente, deixando a
sala com um clima pesado enquanto eles apenas esperavam.

Finalmente, a voz tensa da senhorita Watsken resmungou por trás, como se ela
já estivesse se arrependendo do que estava prestes a dizer. “A-a barreira está
pronta… eu acho.”

Sua voz era suave, mas Varay e Arthur devem ter ouvido porque as auras
engrossavam ao seu redor. Um véu brilhante de prata azulada cercava Varay
ao contrário da aura de Arthur, que era uma miríade de tons diferentes—sem
dúvida por causa de suas múltiplas afinidades.

O comandante Virion, junto com os anciãos e até o general Bairon observavam


em silêncio, cada um deles com medo de piscar e acabarem perdendo alguma
coisa da luta. Eu podia simpatizar com eles, estava o mais perto que pude sem
me pôr em perigo.

Apenas a mera visão deles era inspiradora. Eu senti uma sensação de orgulho
vendo Varay e a presença que ela tinha em uma sala cheia de Mestres de
magia. Eu não tinha dúvida de que, independentemente das muitas sessões
de duelo que eu poderia proporcionar a Arthur, treinar apenas uma vez com
Varay era mais valioso.

De repente, o corpo de Varay tremeu e desapareceu. Arthur reagiu


instantaneamente, sua forma brilhando bem a tempo de evitar o primeiro
ataque da Mestre.

Por onde sua lança congelada passava no chão, o gelo se espalhava.

Arthur parecia querer testar sua própria magia de gelo contra Varay, porque
ele respondeu lançando uma onda de choque de geada.

Com um movimento do pulso, Varay dispersou a onda de choque, usando o


gelo de Arthur para alimentar sua própria magia. A névoa branca girou,
formando uma dúzia de lanças de gelo ao redor dela. Ela apertou o punho e
as lanças de gelo responderam ao seu chamado seguindo em direção a seu
oponente.

Por mais impressionante que fosse o controle de Varay sobre o gelo, a


velocidade de Arthur em evitar sua barragem de ataques era ainda mais
esplêndida. Seu corpo parecia ter se dividido e multiplicado a partir das
imagens posteriores. Ouvi dizer que ele era capaz de ir ainda mais rápido, mas
que seu corpo não era capaz de lidar com o estresse.
Alguém ao meu lado clicou na língua. Eu me virei para ver Buhnd com uma
expressão de frustração. “Vejo que o jovem general estava se segurando
contra nos.”

“Arthur tem uma tendência de se segurar com alguém que ele suspeita ser
mais fraco que ele. Contra Varay, ele pode ir com força total.” O comandante
Virion disse, com os braços cruzados.

“Por que ele não está usando aquela forma dele—Realmheart, eu acho que foi
assim que ele chamou.” Hester perguntou, com seu rosto ainda tenso do seu
duelo contra Arthur.

“Eu acho que é para que ele possa aproveitar a luta por mais tempo.”
Respondeu uma voz leve. “Não é todo dia que você pode ver meu irmão tão
feliz.”

A irmã mais nova de Arthur estava assistindo no topo de seu vínculo como se
estivesse em transe. Ela tinha o mesmo olhar que eu sempre via Arthur quando
ele estava realmente focado alguma coisa. Eles realmente se pareciam.

Um estrondo alto chamou minha atenção de volta para a batalha. Onde antes
havia apenas um campo de terra, agora era uma extensão de um campo
congelado. Varay, que tinha acabado de bloquear um ataque de Arthur, acenou
com o braço e manipulou a neve ao seu redor. Um vórtice de geada voltou à
vida, formando uma serpente.

O Ancião Buhnd assobiou em apreciação enquanto todos os olhares seguiam


a criação de Varay. Uma geada formava o corpo comprido do dragão enquanto
as garras e presas eram feitas de gelo.

O dragão de gelo abriu a boca para Arthur, que se preparou. Chamas azuis
brilhantes enrolavam em seus braços, derretendo a neve ao seu redor
enquanto o olhar permaneceu fixo no poderoso dragão.

“Movimento inteligente, desistindo de jogar com os pontos fortes dela.”


Elogiou Hester.

Arthur abaixou a postura, cravando as pernas traseiras no chão em busca de


apoio antes de desencadear seu ataque ardente.

As vinhas enroladas de fogo azul ao redor de seus braços se uniram antes de


explodir em uma explosão devastadora no dragão do gelo.

Os dois feitiços se colidiram, envolvendo os dois em uma esfera em expansão


de vapor e detritos.

“Cuidado!” O Ancião Camus resmungou, conjurando uma barreira de vento ao


nosso redor.
Todos nós nos preparamos para a onda de choque que surgiu da colisão. O
chão tremia e rachava enquanto pedaços de rocha e gelo bombardearam o
feitiço protetor ao nosso redor.

Quando a nuvem de vapor e poeira desapareceu, pude ver duas figuras no


ar. Varay estava voando com duas dúzias de esferas de gelo do tamanho de
seus punhos circulando ao redor dela. Arthur estava descendo lentamente,
usando a magia do vento para se manter flutuando.

Com um movimento dos braços, Arthur soltou uma torrente de lâminas de


vento em Varay. No entanto, antes que as lâminas a alcançassem, elas
pareciam diminuir e sair fora do curso.

“A pressão do ar diminui quando o ar esfria.” Arthur riu. “Me sinto idiota por
esse último ataque.”

“Admitir suas deficiências é um avanço.” Reconheceu Varay com a menor


sugestão de um sorriso no rosto.

Com um movimento do pulso, as esferas de gelo se lançaram em direção a


Arthur, mas não diretamente nele.

Arthur pareceu sentir o perigo que eles representavam, porque ele


imediatamente se cobriu de um turbilhão de fogo azul.

“Ele está utilizando fogo e vento para amplificar o poder de seu feitiço.”
Comentou Hester.

No momento em que as esferas de gelo estavam prestes a explodir, Arthur


desencadeou sua tempestade de fogo. O fogo azul rugiu, engolindo o feitiço
de Varay.

O turbilhão de fogo permaneceu, escondendo Arthur dentro. Eu esperava que


as chamas azuis logo se dissipassem, mas as brasas giravam como se
estivessem sendo sugadas.

Foi quando eu vi.

As chamas azuis haviam convergido, cobrindo a gigantesca lança de raio de


Arthur em uma camada de chamas azuis.

“Nada mal.” Admitiu o general Bairon, com o olhar fixo na temível lança de
fogo e raio.

“Seria bom se ele pudesse manipular metal como base do ataque.” O Ancião
Buhnd murmurou.

Quando o corpo de Arthur desceu lentamente no ar, ele lançou seu


feitiço. Assim que o fogo e a lança de raios foram liberados de suas mãos, uma
rajada de vento girou em torno dele e seu ataque. A lança rasgou o céu,
acelerando rapidamente com o vento que ele havia acrescentado no último
minuto.

O Ancião Camus assentiu em aprovação. “Usando o vento como um feitiço de


apoio.”

Varay estava ciente da força do feitiço de Arthur porque ela conjurou camadas
e mais camadas de barreiras protetoras de gelo.

Infelizmente, Arthur parecia ter previsto isso porque a camada de fogo ao


redor da lança de raio derreteu através de cada camada de proteção que Varay
conjurou.

A maioria das pessoas presentes parecia ansiosa para saber se Varay seria
capaz ou não de bloquear o ataque de Arthur. Enquanto eu queria para torcer
por Arthur, eu sabia que ele não era o único a se segurar.

A lança elementar explodiu ao entrar em contato com o corpo de Varay,


jogando-a de volta no ar com sua forma envolvida em fogo e raios. Arthur
aterrissou no chão, seu corpo caiu um pouco à frente de exaustão.

“Então ela usou essa forma.” O general Bairon sorriu.

A irmã de Arthur e aqueles que não sabiam do que ele estava falando o
olharam confusos, mas eu já estava esperando. Eu aprendi essa forma dela
depois de tudo.

“Eu sugiro que você dê um passo mais alto também, general Arthur.” Disse
Varay, com sua forma agora visível.

Era a forma que Arthur chamava de ‘ninja’ de gelo, exceto que estava em um
nível superior. Varay estava agora completamente coberta de gelo, como se
seu corpo fosse esculpido em gelo. Cada mecha de cabelo parecia um fio
cristalino enquanto seus olhos brilhavam em um azul cintilante.

Arthur sorriu, olhando em apreciação. “Suponho que é hora de encerrar isso.”

Ele fechou os olhos e soltou um suspiro. Aquela ação casual pareceu mudar
toda a atmosfera da sala. Enquanto a forma de Varay exalava uma presença
de admiração, Arthur estava distorcendo o próprio espaço ao seu redor.

Eu já tinha visto essa forma antes, mas ainda causava arrepios na espinha.

Arthur abriu os olhos, sua íris agora tinha magnífico tom de lavanda e seus
longos cabelos ruivos se tornaram um branco brilhante. Mas não foi só
isso. Arthur estava murmurando algo baixinho. Logo depois, uma onda de
raios negros envolveu seu corpo.

“Oh-oh meu Deus.” Miss Watsken murmurou. “General Bairon. Você se


importaria de colocar mais mana no artefato?”
“Boa ideia.” Concordou Hester. “Nós vamos ajudar também. Buhnd, você deve
fazer um bunker ao nosso redor.”

Logo, a terra ao nosso redor afundou alguns metros, de modo que todos
tivemos que ficar de pé para ver a luta. Um parecia uma estátua translúcida
esculpida, enquanto a outra parecia uma poderosa divindade em forma
humana.

“Então. Você acha que pode vencer Arthur em uma luta?” O comandante Virion
perguntou casualmente ao general Bairon.

A lança permaneceu em silêncio enquanto ele colocava mana no cristal no


painel, com seu olhar focado em Varay e Arthur.

Voltei minha atenção para eles também bem a tempo de ouvir uma série de
estouros no espaço entre eles.

“O que está acontecendo?” A irmã de Arthur perguntou, apertando os olhos.

Também não tenho certeza, pensei.

“O general Arthur está usando um feitiço, mas, por algum motivo, não é visível.”
Explicou a senhorita Emeria, confusa também.

“O garoto está contra atacando os feitiços de Varay antes mesmo de se


manifestarem.” Respondeu o general Bairon, rangendo os dentes.

“Como isso é possível?” Hester perguntou.

“Tem algo a ver com essa forma.” Respondeu o comandante Virion com seus
olhos afiados arregalados de espanto.

Eu percebi que os sons ‘pop’ eram da mana colidindo e cancelando uma à


outra.

A forma de Arthur ficou turva e desapareceu, apenas para reaparecer atrás de


Varay, com a perna erguida no ar. Ele atacou e uma onda de choque de mana
e eletricidade arrebentou, mas foi imediatamente recebido com uma rajada de
gelo.

Varay respondeu com um movimento do braço dela. Arthur a parou com a mão,
mas o chão embaixo deles se partiu com a força.

Arthur e Varay agora estavam envolvidos no combate corpo a corpo. Toda vez
que a Mestre tentava formar um feitiço, eles se dissipavam imediatamente.

Ainda assim, ela parecia estar se segurando contra ele. Varay havia formado
uma espada cristalina em cada uma das mãos, enquanto Arthur também a
tinha. exceto um pouco mais fino.
Suas espadas de gelo lascavam a cada bloqueio e ataque, seus restos
quebrados brilhando com o reflexo das luzes da sala. Ambas as armas eram
formadas a partir de gelo, mas apenas a espada conjurada de Arthur parecia
quebrar, enquanto a espada de Varay permaneceu forte.

Apesar dessa desvantagem, no entanto, eu poderia dizer que, em combate a


curta distância, Arthur estava em vantagem. Seus movimentos, os que eu pude
ver, eram fluidos, mas imprevisíveis. Cada corte e estocada se conectava em
uma combinação interminável de ataques o tempo todo, formando uma nova
espada de gelo toda vez que sua arma anterior quebrava. Mesmo com meus
olhos destreinados, eu podia dizer que cada um de seus ataques tinha
significado, como se ele estivesse lentamente guiando Varay em uma dança
elegante.

O que me chamou mais minha atenção, no entanto, não foi a sua


impressionante espada, mas sua expressão. Ele estava sorrindo, praticamente
radiante.

Ah, ele está se divertindo, pensei em minha mente tentando lembrar de


quando considerava magia tão divertida.

Incapaz de recordar um caso particular, concentrei-me na luta de Varay. É uma


rara oportunidade para a Mestra exibir sua habilidade. Eu preciso tomar notas.

Arthur estava lutando diretamente, enquanto Varay tentava usar ataques de


longo alcance enquanto o atacava. No entanto, devido à sua capacidade de
combater todos os feitiços, ela ficou com apenas um combate a curta
distância.

“Oi, Camus. Quer apostar? Acho que o jovem general vai ganhar essa.”
Murmurou o Ancião Buhnd com os olhos fixos na batalha.

“É difícil avaliar quem está na frente.” Respondeu o Ancião Camus, sem


responder à pergunta real de seu companheiro. “A velocidade do general
Arthur e seus reflexos estão vários níveis acima do general Varay, mas a defesa
da general Varay parece ser capaz de permitir mais erros.”

“Eu concordo.” Acrescentou Hester. “A maioria dos ataques do general Arthur


não consegue penetrar nessa forma coberta de gelo, enquanto ela parece ter
a flexibilidade de manipular essa armadura em qualquer forma ou arma que
ela queira.”

“Incrível. A velocidade de fluxo de mana do general Arthur está


constantemente acelerando.” Miss Emeria respirou, deslocando o olhar entre
o bloco de notas e Arthur.

“Então você quer apostar ou não?” O Ancião Buhnd resmungou.

“Vou apostar no general Varay.” Declarou Hester.


“General Arthur para mim.” Respondeu o Ancião Camus.

“Varay para mim.” Afirmou o general Bairon.

O comandante Virion riu. “Vamos ver quem ganha.”

Capítulo 187
Mentalidade ofensiva

Olhando para cima, fixei meus os olhos em Varay enquanto ela voltava à sua
forma normal, o gelo que estava a envolvendo derretendo lentamente.

“Bom duelo, general Arthur.” Reconheceu Varay, estendendo a mão.

Agarrei seu braço e permiti que ela me levantasse. “Como esperado, ainda há
uma lacuna entre nós.”

“Se você fosse capaz de manter essa forma por mais tempo, haveria uma
chance de você me dominar.” Admitiu a lança.

“Eu considero essa forma um poder emprestado, não meu.” Eu ri, batendo na
poeira da minha roupa. “Eu pensei que tinha dominado o gelo em grande
parte, mas te ver hoje me faz duvidar de mim mesmo.”

Varay revelou apenas um leve sorriso antes de ir em direção a minha irmã e


ao resto da nossa platéia.

Assim que voltamos ao grupo, os anciãos, Bairon e Virion—que estavam


trocando moedas de ouro entre si por razões que desconheço—ansiosamente
começaram a me bombardear com sugestões e críticas sobre o que fiz de
errado durante minha sessão de luta com Varay.

“Seus feitiços de fogo são fortes, mas você gastou uma quantidade
desnecessária de mana para cada um deles.” Começou Hester.

“Isso mesmo,” Buhnd entrou na conversa. “E houve muitos casos em que


utilizar a magia da terra seria mais benéfico, mas você escolheu voltar aos seus
elementos de maior afinidade.”

Minha cabeça girava enquanto eu tentava manter contato visual com todos
que estavam falando comigo até Alanis falar. “Anciãos. Eu acredito que seria
mais benéfico para o general Arthur, se falássemos um de cada vez em um
ambiente mais controlado.”

“Eu concordo.” Acrescentou o general Virion. “Vamos nos reunir e examinar o


que nosso jovem general fez de errado!”

Com isso, me vi em uma cadeira de pedra, graciosamente erguida por Buhnd,


sentado em um círculo como uma criança e seus colegas de classe para uma
atividade em grupo. Exceto que meus colegas de classe talvez são algumas das
figuras mais poderosas e influentes de todo esse continente.

Ellie e Boo se juntaram a nós no círculo, mas permaneceram em silêncio


enquanto todos começaram a apontar casos específicos em minha última luta,
onde havia algo melhor que eu poderia ter feito.

“Usar o vento para reforçar seus feitiços foi uma boa ideia, mas sua aplicação
foi em um nível básico.” Explicou Camus. “Por exemplo, em vez de usar o vento
para ’empurrar’ a lança do raio, por que não integrá-la ao redor de todo o
feitiço? Dessa forma, você criaria uma força giratória para fortalecer seu poder
penetrante sem usar muito mais mana.”

Eu estava refletindo sobre a análise do ancião élfico quando outra voz


falou. Era Bairon.

“Devido à natureza do elemento, moldar o raio é muito mais difícil do que


moldar o fogo. Um ataque mais eficiente estaria moldando o fogo em uma
forma penetrante e revestindo-a com raio.” Ele disse severamente.

“O-obrigado… pelo conselho.” Eu disse, surpreso por sua ajuda. Eu entendia


que estávamos do mesmo lado e tudo, mas ainda fui eu quem matou seu irmão
brutalmente.

Não me interpretem mal, Lucas merecia cada grama do que eu fiz com ele e
muito mais, mas isso não necessariamente impediria Bairon de levar pro lado
pessoal as minhas ações contra sua família.

“Permitam-me apenas dar uma visão.” Disse Varay. “Seu controle sobre o gelo
é bom, mas como seu oponente, era muito óbvio para mim que sua magia de
gelo servia apenas como uma distração. Tenho certeza de que a princesa
Kathyln também viu isso.”

A princesa assentiu. “Além do feitiço Zero Absoluto, a maior parte de sua


manipulação no gelo serve para desviar a atenção de seu inimigo dos feitiços
de raios mais poderosos.”

Eu me tornei tão previsível?

Como se respondesse ao meu pensamento, Varay acrescentou. “Sua


velocidade e encadeamento de feitiços compensam essa ligeira falha, mas eu
suspeito que isso, em uma batalha prolongada, pode levar à sua derrota.”

“Vou manter seu conselho em mente. Obrigado,” eu alternei meu olhar para
Kathyln. “Vocês duas.”

Virion aproveitou esta oportunidade, levantando-se do assento de pedra e


apertando as mãos. “Bem, peço desculpas por nossa pequena
interrupção. Continue com o treinamento, Arthur. Minhas expectativas de seu
crescimento são altas, especialmente porque você está tirando uma folga do
campo de batalha.”

O comandante me deu uma piscadinha antes de caminhar em direção à


entrada com as mãos atrás das costas. As duas lanças seguiram de perto de
ambos os lados dele e meus olhos seguiram suas figuras até as grandes portas
se fecharem atrás deles.

“Isso foi cansativo.” Disse Emily, soltando um suspiro profundo.

“Estar em uma sala com duas lanças e o comandante Virion realmente não
deixa espaço para respirar.” Minha irmã acrescentou, caindo em cima de Boo.

“Três lanças,” Eu corrigi. “Seu irmão também é uma lança, você sabe.”

“Bem, você é meu irmão primeiro.” Ela dispensou com um aceno de mão.

Levantei-me da cadeira e estiquei os membros doloridos. “Eu vou aceitar isso


como um elogio.”

“Acabou o treinamento pro hoje?” Kathyln perguntou com seus olhos baixos.

Emily foi até o painel, lendo cuidadosamente um dos indicadores. “Bem, ainda
há muita mana armazenada aqui de antes se você quiser continuar treinando.”

“Soa como um plano!” Buhnd exclamou, levantando-se da cadeira. “Eu estou


com vontade de alongar meu corpo depois de assistir a luta. Você toparia uma
pequena partida, princesa?”

Kathyln assentiu ansiosamente e seguiu atrás do ancião anão até o outro


extremo do campo de treinamento.

“Acho que vou embora primeiro.” Disse minha irmã, no meio do bocejo.

“Você quer que eu te acompanhe até o seu quarto?” Eu perguntei.

Ellie balançou a cabeça, dando um tapinha no corpo grosso de Boo. “É para


isso que eu tenho Boo.”

Eu balancei a cabeça, dando um sorriso para ela. “Boa noite.”

Com os olhos semicerrados, ela me fez uma saudação fraca. “Boa noite,
anciãos. Boa noite, Emily. Boa noite, Srta. Emeria. E boa noite, Lança Arthur.”

Eu zombei. “Garota atrevida.”

Minha irmã piscou os olhos inocentemente antes de sair da sala, deixando


apenas Emily, Alanis e os dois anciãos restantes.

“Sua irmã é muito diferente de você, general Arthur.” Comentou Alanis.


Eu não pude deixar de sorrir. “Ela definitivamente puxou mais nosso pai.”

“E você se parece mais com sua mãe?” A assistente élfica perguntou com seus
olhos focados nas figuras de Kathyln e Buhnd.

Eu assisti os dois também, ajustando o equipamento de duelo antes de


começar a treinar. “Não tenho certeza. Eu gostaria de pensar que sou uma
mistura de ambos.”

“Com quem mais você se pareceria se não fosse com um deles?” Hester
perguntou.

Eu simplesmente dei de ombros, incapaz de formar uma resposta melhor,


quando ouvi um bocejo por trás.

Olhando por cima do ombro, pude ver a cabeça de Emily balançando enquanto
ela lutava para ficar acordada.

“Emily!” Gritei, assustando a artífice.

Emily se atrapalhou com os botões do painel, como se estivesse


trabalhando. “Não estou dormindo!”

“Ninguém disse que você estava.” Eu ri. “Mas talvez você deva descansar um
pouco.”

“O general Arthur está certo.” Afirmou Alanis. “Eu tenho conhecimento básico
de como operar o dispositivo.”

A artífice soltou outro bocejo, ajustando os óculos. “Obrigado, mas está tudo
bem. Preciso coletar mais dados e comparar o FPU dos Generais Varay e Arthur
da última batalha.”

“Falando nisso, você realmente não nos forneceu nenhum dado durante
minhas sessões de treinamento com os Anciões nos últimos dias.” Eu disse.

“Eu estive pensando sobre isso também.” Acrescentou Camus, desviando o


olhar do duelo de Kathyln e Buhnd. “Estou curioso para ver a força de meus
feitiços.”

“Sim, claro. No entanto, os números não terão realmente nenhum significado


para eles individualmente.” Explicou Emily. “Atualmente, tenho alguns
assistentes em várias academias testando versões mais baixas desse artefato
para obter gravações dos estudantes de lá, para que pudéssemos ter
resultados o suficiente para formar um espectro.”

“Ah, então o FPU é destinado a ser usado para realizar comparações entre
outros magos?” Eu confirmei.
A artífice assentiu excitada. “Exatamente! Posso, no entanto, comparar as
leituras de FPU entre os magos presentes aqui, porém seria mais confiante nas
medições gerais após coletar mais dados.”

Os lábios de Camus se curvaram em um sorriso, seus olhos escondidos por trás


da franja loira prateada. “Gostaria de saber quem entre nós Anciões é o mais
forte.”

Os dois anciãos logo entraram em uma discussão sobre quem eles achavam
mais forte, enquanto eu concentrava meu olhar em Kathyln e Buhnd.

O duelo estava chegando ao fim. Kathyln estava quase sem fôlego, enquanto
Buhnd mal acabara de suar. Picos de gelo e a terra os cercava e pequenas
crateras espalhavam-se pelo chão, mas ninguém tinha feridas visíveis além da
fadiga. Não foi até que finalmente a princesa inclinou a cabeça em um arco
sinalizando que o duelo havia terminado.

“Você está pronto para um pequeno aquecimento com este velho elfo?” Camus
perguntou de repente, virando-se para mim. “Eu quero te mostrar algo.”

Minha reserva de mana estava quase completamente esgotada e meus


membros doíam, mas o ancião despertou meu interesse. “Certo. Só se Hester
não se importar.”

“Não se importe comigo.” A guardiã de Kathyln dispensou. “Vou ficar aqui e


julgar vocês dois de longe.”

Nós dois passamos por Buhnd e Kathyln a caminho do outro lado da sala de
treinamento. Estendi minha mão para a princesa, esperando um high-five. Em
vez disso, tudo o que consegui foi um olhar confuso antes que ela timidamente
apertasse minha mão entre suas mãos.

Eu reprimi uma risada, repreendendo-me por esperar que uma princesa


conhecesse uma saudação casual que talvez nem existisse neste mundo.

“Vocês dois terminaram?” Camus perguntou com um sorriso.

Kathyln, que eu percebi que ainda estava segurando minha mão, rapidamente
soltou e saiu correndo.

Posicionando-nos a alguns metros de distância, apertei as faixas em volta dos


meus membros e me preparei para começar.

Camus abaixou sua postura, estendendo uma palma aberta para mim. “Antes
de começarmos, quero que você dê um soco em mim aqui.”

“O que?”

“Um soco, bem aqui nesta palma que eu estendi tão elegantemente.”
“Apenas um soco?” Eu confirmei confuso.

“Um soco fortalecido, um que você bateria em seus inimigos.” Ele abriu as
pernas um pouco mais. “Vamos lá, eu estou pronto.”

“Okay.” Dei de ombros antes de percorrer os poucos metros entre nós. Fixando
meu pé logo abaixo do braço estendido, virei meus quadris, cintura, ombro e
braço em um movimento fluido. A mana aumentou, fluindo em conjunto com
o soco para produzir um efeito conciso e explosivo sem desperdiçar uma gota.

Assim que meu punho estava prestes a bater na palma de Camus, de repente,
parecia que eu estava tentando forçar meu punho através de uma espessa
camada de piche. Eu poderia ver meu próprio punho diminuindo a velocidade,
quase fazendo barulho, que caiu suavemente na mão aberta de Camus.

O velho elfo agarrou meu punho e o sacudiu como se estivéssemos apertando


as mãos. “Olá.”

Eu peguei minha mão do seu alcance. “Que raios foi aquilo?”

“Você é um rapaz inteligente, descubra.” Respondeu o ancião.

Olhando para o meu punho ileso, passei pelo que acabara de


acontecer. Depois que minha surpresa inicial acabou, foi bastante fácil deduzir
que ele de alguma forma usou o vento para amortecer meu soco, exceto que
eu mal senti flutuações de mana em torno de sua mão.

“Já descobriu?” Camus perguntou.

Minhas sobrancelhas franziram em pensamento. “Você usou o vento para


parar meu soco.”

“Um pouco amplo para uma resposta, você não acha?” O ancião soltou uma
risada. “Eu tive uma ideia nesses últimos dias, mas seu duelo com o general
Varay foi o que me fez ter certeza.”

“Podemos tentar isso de novo?” Eu perguntei, dando um passo para trás.

Ele levantou a palma da mão novamente. “Certo.”

Eu o soquei novamente, resultando no mesmo efeito. Eu o soquei mais uma


vez, incapaz de entender exatamente como ele estava usando o vento para
conseguir isso.

“Mais uma vez.” Eu disse, a frustração vazando da minha voz.

A teoria básica da mana afirma que a colisão de elementos semelhantes se


enfraquece ou se cancela completamente com base na produção de mana.
Utilizando a teoria que eu havia aprendido em um dos muitos livros que tinha
lido quando bebê, eu fortaleci meu punho com a mana de atributo do vento.

Eu restringi minha produção de mana, já que dispersar a técnica de Camus não


era meu objetivo. Quando dei um soco novamente, desta vez, senti. A pressão
do ar.

Meu punho atingiu mais firme desta vez, soando um sólido tapa que fez o elfo
tomar um passo para trás.

Ele esfregou a mão machucada. “Você pegou rápido.”

“Você usou a pressão do ar!” Eu sorri animadamente. “Você criou um vácuo ao


meu redor e aumentou a pressão do ar na palma da mão para diminuir a
velocidade do meu punho.”

O ancião inclinou a cabeça. “Você usa termos estranhos, mas parece que você
entendeu a essência.”

“Isso é brilhante! Como você pensou em fazer isso?” Eu perguntei, incapaz de


conter minha emoção.

Este era um mundo em que o progresso científico estava a quilômetros de


onde eu vim. No entanto, Camus descobriu como utilizar um dos princípios
avançados de pressão do ar não apenas em si mesmo, mas também em seu
oponente, para criar um efeito poderoso.

Por que eu não pensei nisso? Eu me perguntei. Eu tinha o conhecimento em


mim, mas não consegui aplicá-lo a um aspecto tão importante deste mundo.

A voz de Camus me trouxe de volta à realidade. “Você provavelmente está


pensando ‘por que eu não pensei nisso’, certo?”

Eu olhei para cima. “Si-sim.”

“É o que eu suspeitava desde o início.” Respondeu Camus. “Hester, Buhnd, a


princesa e eu estamos aqui porque você queria mergulhar em todos os
elementos, na esperança de que você entenda um pouco de como utilizamos
nossa magia, para que você possa incorporá-la ao seu próprio estilo, certo?”

“Basicamente.” Eu concordei.

A voz do ancião ficou afiada. “Bem, o problema está no fato de o seu ‘estilo’
ser tão distorcido, que você nunca pensou em usar a miríade de elementos
que você tem à sua disposição em medidas defensivas, além da maneira óbvia
de levantar um muro.”

“Você só pensou no vento em forma de lâmina ou tornado. Você pensa na terra


como um espinho ou uma parede, mas dominar essas afinidades elementares
significam conhecer as sutilezas de sua natureza que nem sempre são visíveis
ou voltadas para matar seu inimigo.” Camus me repreendeu com sem seu
comportamento sardônico habitual. “Eu vi você estudando essas marcas no
chão durante o duelo de Buhnd com a princesa. Você sabe que é isso?”

A resposta óbvia teria sido uma cratera de um ataque, mas eu sabia que não
era, então balancei a cabeça. “Não, não sei.”

“Mestres na magia da terra podem redirecionar a força do ataque de um


oponente para o chão abaixo deles. Fazer isso com precisão pode anular quase
todos os ataques físicos.”

Fiquei parado, incapaz de responder.

Camus soltou um suspiro. “Você está tecnicamente em uma posição mais alta
do que eu, então suponho que seja rude dar uma aula, mas deixe-me terminar
com isso. Sua utilização dos elementos é boa—ótima, na verdade. No entanto,
você escolhe constantemente moldar seus feitiços e ataques para causar
danos ao seu oponente ou fortalecer a si mesmo para desviar do oponente e,
embora isso possa ser bom para duelos individuais, as batalhas que você
enfrentará nem sempre serão desse jeito. O tempo que você tem aqui é curto,
então vamos fazer valer a pena.”

Eu percebi que fazia um tempo desde que eu havia recebido uma aula
assim. Deixou um gosto amargo na minha língua, mas ele foi humilde.

Camus estendeu a mão e sorriu.

“Você está certo. Obrigado, Camus.” Voltei o gesto, apertando sua mão.

Capítulo 188
Passos de dragão

“Você precisa ser melhor do que isso, jovem general.” Buhnd sorriu,
balançando o dedo.

Infundindo fogo nos minis tornados que eu tinha em minhas mãos, eu me


preparei para tentar acertar o anão ancião mais uma vez quando uma
enxurrada de orbes de vento veio de cima.

Com um clique da minha língua, ignorei a provocação de Buhnd e concentrei


minha atenção no ataque de Camus. Evitei facilmente as esferas de vento até
que o chão sob meus pés se elevou e enrijeceu em volta da minha perna, me
deixando imóvel.

Um dos orbes do vento me acertou de raspão no ombro, mas parecia que eu


tinha sido atingido por uma bala de canhão.

Eu segurei a necessidade de amaldiçoar e apenas cerrei os dentes com a dor.


É assim que você quer jogar.

Minha reação inicial foi erguer uma parede de terra ou gelo na esperança de
bloquear a barragem de Camus, mas nesses últimos dias eu estava
constantemente tentando pensar em melhores maneiras de combater certas
situações.

Muitas vezes, isso significava executar vários cenários e tentar pensar em


várias maneiras de contornar isso, levando em consideração o custo de mana
e resistência física.

Os orbes de vento pareciam quase sólidos, mas na verdade era um turbilhão


embalado em uma esfera. Jogando fora minha resposta habitual de erguer
uma parede sólida para deter o feitiço do vento, envolvi meus braços em
vendavais condensados.

Em vez de tentar bloquear o ataque, usei minhas manoplas de vento para


redirecionar as esferas de vento. Como eu esperava, o choque de ventos
impulsionou as esferas de Camus em direções diferentes.

“Vocês dois terão que fazer melhor do que isso.” Eu sorri, apontando as
manoplas de vento. Com outro pensamento, atirei minhas manoplas no que
estava prendendo minhas pernas no chão.

“Conceito interessante.” Disse Camus, aprovando, enquanto continuava


flutuando acima de mim em um redemoinho de vento.

“Essa arrogância será a sua morte.” Acrescentou Buhnd com um sorriso


ansioso.

O velho anão começou a correr em minha direção quando pedaços do chão


começaram a se reunir ao seu redor, formando uma armadura de pedra no
meio de sua corrida.

Enquanto isso, Camus manteve distância e preparou outro feitiço.

Eu esperava outra enxurrada de vento do elfo, mas, em vez disso, um vendaval


se formou logo atrás do anão, acelerando abruptamente sua investida de
forma que seu punho de pedra estava ao alcance antes que eu pudesse piscar.

Buhnd foi rápido, mas ainda tive tempo de reagir—ou assim eu pensava.

Quando tentei levantar o braço para bloquear seu punho fortalecido, fui
recebido com uma resistência. Mais uma vez, a sensação familiar de meu corpo
estar submerso em um líquido viscoso tomou conta de mim.

Camus, enquanto acelerava o movimento de Buhnd, também estava


aumentando a pressão do ar ao meu redor para me desacelerar.
Antes que eu pudesse romper seu feitiço, meu rosto foi recebido com o toque
amoroso do punho de pedra gigante de Buhnd.

Minha visão brilhou em preto por uma fração de segundo e me vi no chão com
a forma de pedra de Buhnd a poucos metros de distância.

Ignorando o zumbido agudo no meu ouvido, forcei-me a focar. As engrenagens


em minha mente zuniram em excesso e eu me peguei pensando sobre as
fendas que se formavam no chão sempre que Buhnd lutava. Toda vez que ele
recebia um ataque físico, uma cratera se formava sob sua pés como se um
meteoro tivesse colidido.

No começo, eu pensei que era a força dos feitiços que causou a rachadura do
solo abaixo de Buhnd, mas eu sabia que não era tão simples assim.

“Tente bloquear isso!” Buhnd exclamou, levantando um braço de pedra no


ar. A pedra que compunha o grosso punho blindado mudou e convulsionou
como se estivesse ganhando vida. O braço revestido de pedra de Buhnd logo
mudou de forma para um martelo gigante com o dobro do seu tamanho.

Uma rajada de vento cobriu o martelo quando ele estava prestes a bater em
mim.

Se isso me acertar, será meu fim com certeza.

As lembranças das crateras que Buhnd formou continuaram a piscar em minha


mente quando de repente entendi.

Ainda deitado no chão, levantei a mão diretamente no caminho do martelo


gigante. Fortaleci meu corpo, mas não da maneira protetora que normalmente
fazia. Em vez disso, imaginei um caminho de mana de terra, parecido com um
túnel, dentro e fora do meu corpo.

Vi um traço de hesitação no rosto de Buhnd, mas não havia como ele parar o
ataque agora que estava a poucos centímetros de mim.

Se isso não funcionar, vou sentir muita dor. Pensei.

O martelo atingiu minha palma como um meteoro e eu pude sentir meu corpo
inteiro protestar. Normalmente, se eu tentasse bloquear um ataque tão forte
com apenas uma mão, meu braço teria quebrado, mas, em vez disso, o chão
abaixo de mim se partiu com a força.

Eu me encontrei no epicentro de uma cratera do tamanho do meu quarto com


a mão ainda estendida. Meu braço, ombro, costelas e costas estavam
doloridos, mas eu tinha conseguido.

Buhnd, ainda usando sua armadura de pedra, olhou para mim, incrédulo, até
que um sorriso apareceu em seu rosto barbudo. “Você é um pouco assustador,
general.”
Eu sufoquei uma risada, tentando me levantar quando uma onda de dor se
apressou.

Eu menti. Não eram apenas algumas partes do meu corpo que estavam
doloridas, eram todas as fibras do meu corpo.

“O-oww.” Eu resmunguei, finalmente conseguindo me sentar.

Buhnd dispersou sua armadura de terra e estendeu a mão robusta. “Dói, não
é?”

“Extremamente.” Eu admiti. “Você fez parecer nada.”

“Bem, eu tenho melhor controle sobre essa técnica do que você e não seria
estúpido o suficiente para tentar desviar a força de um ataque tão forte em
primeiro lugar.” Respondeu o anão. Ele tentou colocar meu braço sobre seu
ombro, exceto que minhas pernas estavam arrastando desajeitadamente no
chão devido a nossa diferença de altura.

“Aqui, deixe-me ajudar.” Disse Camus enquanto flutuava no chão. Uma


corrente ascendente me levantou quando Camus mergulhou a cabeça abaixo
do meu outro braço.

“Eu estava prestes a carregar o garoto como a princesa que ele é.” Buhnd me
deu uma piscadela.

Revirando os olhos, apoiei-me em Camus. “Deixe-me com alguma dignidade.”

“Você assumiu um risco, mas acha que valeu a pena?” Camus zombou, os olhos
ainda cobertos por trás da franja.

“Por enquanto, sim, mas vamos ver como meu corpo se sente sobre isso
amanhã de manhã.” Eu gemi, mancando ao lado do elfo.

Minha irmã veio correndo para mim, seu olhar cheio de preocupação. “Você
está bem? Quero dizer, eu sei que você é forte e tudo, mas você acabou de
fazer uma grande cratera.”

Emily, que estava seguindo a minha irmã, ajeitou os óculos enquanto espiava
a zona de luta. “Felizmente a cratera não alcançou os discos subterrâneos.”

“Obrigado pela sua preocupação, Ellie.” Lhe dei um sorriso cançado antes de
voltar meu olhar para minha assistente logo atrás. “Eu vou ficar bem… certo,
Alanis?”

Seus olhos mudaram para o tom multicolorido por um segundo antes de voltar
para suas cores originais. “O choque interrompeu seu fluxo de mana, que é a
causa de suas dores internas. Sugiro que descanse um pouco, general Arthur.”
“Boa ideia.” Concordou Buhnd. “Lembro de minhas primeiras tentativas de
tentar o feitiço de desvio de força. Você tem sorte de ter escapado com apenas
alguma dor.”

“Ou habilidade.” Minha irmã apontou presunçosamente.

Buhnd riu. “Ou habilidade.”

“De qualquer maneira, Hester e a princesa Kathyln estão visitando o príncipe


Curtis na Academia Lanceler.” Camus mencionou, cuidadosamente me
colocando no chão.

“Ooh, eu posso imaginar os olhos daqueles aspirantes a cavaleiros brilhando


de suor quando vêem a princesa.” Suspirou Emily. “Eu deveria ter ido com ela.”

Minha irmã assentiu melancolicamente. “Eu também. Eu ouvi do meu amigo


que muitos caras lá são bonitos… e musculosos.”

“Eleanor! Você tem apenas doze anos!” Eu falei.

“Não me venha com ‘Eleanor’! Sou uma senhorita curiosa isolada do mundo
por causa da minha educação diferenciada por ser a querida irmã da lança
mais jovem do continente!” Ela lamentou, enxugando uma lágrima inexistente.

Emily caiu na gargalhada enquanto até Alanis parecia se divertir enquanto eu


olhava para minha irmã.

“Não seja tão superprotetor! Tive minha primeira esposa quando tinha a idade
de sua irmã.” Buhnd bufou.

“Bem, humanos e anões têm padrões sociais diferentes para esse tipo de
coisa.” Protestei.

“Ooh, você está sendo racista, irmão.” Minha irmã balançou a cabeça em
desaprovação quando Buhnd agarrou seu coração em fingido
desespero. Enquanto isso, Camus e Alanis pareciam estar se divertindo, mas
nenhum parecia ter a intenção de me apoiar.

Eu estalei minha língua. “Bem, senhorita Eleanor, tenho certeza de que os


meninos vão flertar com você sabendo que seu irmão pode faze-los
desaparecer do continente com um estralar de dedos.”

O rosto de Ellie empalideceu quando ela ofegou. “Você não faria.”

Satisfeito com a reação dela, eu simplesmente dei de ombros, deixando sua


imaginação assumir o controle antes de fazer o meu caminho para a borda da
sala de treinamento.
Sentei-me contra a parede fria, respirando enquanto observava Emily e minha
irmã arrumar alguns dos equipamentos de treinamento e Buhnd conversava
com Alanis.

Camus sentou-se ao meu lado. “Sua irmã tem bastante personalidade.”

“Sim.” Eu ri.

O velho elfo soltou um suspiro. “Você deve estar preocupado com ela devido
a guerra.”

“Ela e meus pais são uma grande parte do motivo de eu ter entrado nessa
guerra.” Respondi, olhando alegremente para a visão de minha irmã e Emily
rindo no meio de suas conversas.

“Compreensível.” Respondeu Camus. “Proteger seus entes queridos é o maior


motivador para os soldados em batalha, mas também é a perda daquele você
quer proteger que faz com que os soldados se afastem.”

“Parece que você fala por experiência própria.” Eu disse seriamente, virando
meu olhar para ele.

“Uma história antiga para outra hora, mas sim. É a razão pela qual fiquei em
reclusão por tanto tempo.”

Eu pisquei. “Mas Virion mencionou que você é o chefe de uma unidade agora?”

“Um título vazio. Depois que perdi minha esposa e minha visão durante a
última guerra, não tive nenhuma intenção de lutar novamente.” Ele murmurou.
“Antes disso, eu apenas contribuía com o comandante.”

“Espera. Sua visão?” Eu repeti, minhas sobrancelhas franzidas em confusão.

Camus ergueu a franja loira-prateada para revelar dois olhos fechados com
uma cicatriz irregular atravessando as duas pálpebras.

“Espera. Você está me dizendo que não foi capaz de ver esse tempo todo?” Eu
disse, incapaz de tirar o olhar dele.

“Surpreso?” O elfo sorriu, deixando a franja cair sobre o rosto.

“Claro que estou surpreso. Estamos treinando há algumas semanas juntos e


nem suspeitei de nada. Quero dizer, além de sua destreza em combate, suas
manobras e seu comportamento não revelam o fato de que você não pode
ver.”

“Eu ainda posso ver.” Ele corrigiu. “Ver com os olhos é uma prática tão plebéia
quando seu controle sobre o vento permite que você sinta até a menor
mudança ao seu redor.”
Soltei um suspiro afiado, espantado. Após um momento de silêncio, perguntei.
“É isso que você tem praticado depois de se aposentar?”

“Definitivamente tomou uma grande parte do meu tempo.” Ele zombou.

“Eu aposto.” Assenti, me perguntando se ele poderia dizer o que eu estava


fazendo.

“No meu nível, sentir o movimento no ar de você concordando é fácil.” Disse


ele como se estivesse lendo minha mente. “Mas não consigo ver os detalhes
das expressões, é por isso que me disseram que posso parecer rude ou
grosseiro.”

“Eu vejo—sem trocadilhos.” Eu rapidamente corrigi.

“Não se importe tanto. Me acostumei com isso rapidamente.” Ele dispensou.

Eu hesitei. “Você… sente falta disso?” Claro que ele sentiria falta, seu
idiota. Quem não sentiria falta de ter um de seus sentidos?

“Às vezes.” Ele disse suavemente. “Mas, ao mesmo tempo, o fato de que a
última coisa que vi com meus olhos foi minha esposa me permite mantê-la
intacta dentro de mim.”

Não chore, Arthur. Não chore.

“Isso é triste, mas… bonito.” Eu encolhi, lutando para manter minha voz
tremendo. “Eu adoraria ouvir sua história em algum momento.”

“Você é jovem, general Arthur. Nada de bom resulta em ouvir histórias trágicas
quando há uma guerra inteira à sua frente.” Respondeu Camus limpando sua
garganta. “Agora vá e descanse um pouco e volte amanhã com uma mente
renovada.”

Eu cuidadosamente me levantei. “Ok… te vejo amanhã então.”

Camus acenou diretamente para mim, nenhum sinal de que sua visão estava
prejudicada. “E se eu sentir o cheiro de você pensando em ir com calma comigo
agora que você sabe, eu vou te bater com tudo que tenho…”

“Não se preocupe.” Eu disse, balançando a cabeça. “Na verdade, estou com um


pouco mais de medo de você agora.”

Os lábios do elfo se curvaram em um sorriso satisfeito. “Bom.”

Capítulo 189
Dentro do cofre
Meus pensamentos voltaram à visão da forma de Sylvie mudando enquanto
ela absorvia a mana do chifre de Uto. Fazia alguns dias desde aquela noite,
mas sua mudança inexplicável de forma me preocupou. Meus dias foram
agitados; se eu não estava treinando, estava em uma reunião ou aconselhando
Gideon com o projeto do trem ou aconselhando Virion sobre vários aspectos
da guerra. Mesmo assim, meus pensamentos sempre voltavam ao que eu vi
naquela noite.

Sylvie não parecia sentir que havia algo errado—pelo contrário. Meu vínculo
ficou totalmente apaixonado pelo chifre e pela mana que ele fornecia para
ela. Depois daquela noite, ela me pediu um espaço privado para poder
continuar absorvendo a mana do retentor sem interrupções. Eu não a vejo
desde então—a única coisa que me conforta é os traços calmos de seu estado
mental que ela emitia através de nossa conexão.

“—neral Arthur!”

Eu me levantei na cadeira com a voz estridente, apenas para ver que todos na
sala estavam olhando para mim. A grande mesa redonda que tinha substituído
sua antecessora tinha as três lanças restantes além de mim e dos cinco
membros do Conselho, todos sentados em grandes cadeiras
almofadadas. Juntando-se a nós hoje para a reunião emocionante e divertida,
estava Gideon, que parecia estar totalmente concentrado em pegar alguma
coisa em sua orelha esquerda.

Ah, certo, eu estava em uma reunião.

“Você está se sentindo bem, general Arthur?” Perguntou o rei Glayder, sua
expressão misturada mais com irritação do que preocupação.

Eu me mexi no meu lugar. “Claro.”

A linha de visão do rei baixou para a minha mão. Eu segui o seu olhar, apenas
para perceber que a pena que eu tinha na mão tinha quebrado ao meio com
meu aperto.

Limpando a garganta, eu enfrentei todos. “Me desculpe. Fiquei perdido em


meus pensamentos por um momento. Por favor continue.”

“Passamos ao tópico do chamado ‘trem’ que você e o Artífice Gideon estão


desenvolvendo. Esperávamos que vocês dois fossem capazes de nos dar uma
atualização de como está indo.” Declarou a rainha Eralith, seu olhar alternando
entre eu e Gideon, que estava sentado alguns assentos à minha esquerda.

Gideon e eu discutimos no dia anterior sobre os detalhes finais do


projeto. Estávamos prontos para avançar para a construção do veículo para
garantir uma rota de suprimento rápida e segura da cidade de Blackbend até
o muro.
“Ah, sim.” O artífice alisou um vinco em seu jaleco sujo “O navio—quero dizer,
o trem será capaz de carregar pelo menos vinte vezes mais suprimentos do
que utilizar esquadrões de carruagens como temos feito até agora.”

“E quanto aos perigos em potencial ao atravessar de de Blackbend até o


muro?” Varay perguntou com um olhar curioso. “Pelo que eu li, esse ‘trem’
parece ter um caminho definido ao qual está limitado. Isso não tornaria mais
fácil para os bandidos, ou mesmo os alacryanos, atacarem e cercarem?”

“Concordo. Eu imagino que seja fácil destruir uma parte da pista em que o trem
depende.” Acrescentou Aya casualmente.

“Ambos ótimos pontos, generais!” Gideon exclamou. “Arth—o general Arthur e


eu também vimos essa armadilha e criamos uma solução.”

“Oh? E o qual seria essa solução?” Virion perguntou com uma sobrancelha
levantada.

O artífice respondeu com um sorriso sarcástico. “Colocar no subsolo,


comandante!”

Houve um momento de silêncio em que a realeza e as lanças presentes


refletiram sobre a solução antes que o rei Glayder falasse com um tom
áspero. “O custo de fazer tudo isso seria muito grande, você não acha?”

Gideon soltou uma tosse e olhou para mim, seus olhos praticamente me
implorando para assumir. Sendo o renomado artífice que ele era, Gideon teve
a riqueza e influência para criar a maioria das invenções que ele queria, mas,
na verdade, calculando o custo e o benefício de criar algo em uma escala tão
grande como isso, era estranho para ele.

Felizmente, depois de ter lido numerosos livros sobre economia e de ter sido
ensinado pessoalmente pelo astuto e engenhoso líder do Conselho em meu
mundo anterior, Marlorn, eu tive a resposta. “Você está pensando da maneira
errada, rei Glayder. Os custos iniciais podem parecer altos, mas esse projeto
serve para potencialmente resolver três problemas ao mesmo tempo.”

“Estou ouvindo.” Ele respondeu com uma sobrancelha levantada enquanto


todos se inclinavam um pouco mais perto.

Respirei fundo e reuni meus pensamentos. “Além do principal problema que


estamos tentando resolver, que é uma maneira mais eficiente de transportar
suprimentos para soldados estacionados no Muro, a construção do trem ajuda
a resolver dois problemas periféricos. Um é o custo prejudicialmente
crescente de compras de bestas domesticadas de mana por conta do estado
em que as Clareiras das Feras está atualmente, enquanto a outra é a crescente
pobreza.”
“Aumento da pobreza? Que bobagem.” Bairon deixou escapar. “Por causa da
guerra, os negócios estão crescendo!”

“Deixe o general Arthur terminar!” A rainha Glayder cortou bruscamente, me


surpreendendo.

“Obrigado.” Eu me dirigi à mãe de Kathyln antes de continuar. “Para não


parecer frio, os negócios em expansão beneficiam principalmente os
proprietários e clientes altamente qualificados, não os cidadãos de classe
baixa. Rainha Glayder, eu imagino que você tem relatórios de várias cidades
mencionando um crescente número de tumultos causados por aumentos de
impostos e preços de bens básicos por causa da demanda da guerra, correto?”

Ela folheou várias páginas da bela pilha de papéis à sua frente. “Como você…
sabia disso?”

Explicar tudo seria complicado, então eu apenas dei de ombros. “Simples


relação de causa e efeito. Esta guerra tem precedência sobre todo o resto, o
que significa que serão dadas prioridades às pessoas que fazem parte desta
guerra. Para todos os outros, simplesmente significa um aumento no custo de
vida enquanto seus salários podem, mas não necessariamente,
aumentar. Mais do que isso, por causa dos vários ataques perto das costas e
fronteiras, os pescadores não conseguem pescar e as terras agrícolas foram
destruídas.”

“E então você está dizendo que este projeto será um meio de criar empregos
para essas pessoas?” O rei Eralith terminou.

Eu assenti. “Esse caminho subterrâneo usando o trem será um grande projeto


que não pode ser concluído com apenas alguns magos competentes de terra. E
enquanto os magos serão necessários para a segurança dos trilhos em locais
predeterminados; há muitas tarefas que podem ser realizadas por
trabalhadores normais durante o processo de construção e manutenção.”

“Esses são bons argumentos, general Arthur, mas que tal usar escravos?” O rei
Glayder argumentou. “Não seria apenas mais eficiente e econômico que eles
realizem o trabalho em vez de pagar trabalhadores?”

Em vez de responder, olhei para Virion. Um dos muitos tópicos que discutimos
envolveu escravidão, e a pergunta de Blaine agora caiu em uma das
explicações que eu dei ao comandante.

“O trabalho escravo tem seus limites à medida que o trabalho se torna mais
qualificado, rei Glayder. Eu não acho que deveríamos pensar neste projeto do
trem como um empreendimento único, mas o começo de uma nova era. A
introdução do motor a vapor fornecerá uma nova linha de trabalho para
trabalhadores que não precisam de magia. Se os trabalhadores realmente
constroem os trilhos ou os projetistas planejam as rotas de uma cidade para
outra, todos exigem habilidades que nunca resultarão daquilo que um escravo
é forçado a fazer.” Ele afirmou com confiança.

A sala de reuniões ficou em silêncio pela primeira vez no que pareceu horas,
até que uma mão de manga branca se levantou.

Todos se voltaram para Gideon, que estava apoiando a cabeça em uma mão
enquanto ele levantava a outra. “Eu não sabia se era apropriado falar neste
silêncio bastante desconfortável. De qualquer forma, eu só queria dizer que
esse projeto será realmente o começo de muitos e será um terreno fértil para
promover novos conjuntos de habilidades. Se possível, prefiro não trabalhar
com escravos obrigados a estar lá, pois sem dúvida eles estarão fazendo o
mínimo necessário, o que reduzirá a produtividade desse projeto bastante
urgente.”

Com isso, a discussão terminou e todos votaram anonimamente em um pedaço


de papel. Depois de revisar os resultados, fiquei feliz que as horas de
discussão sobre o assunto não foram para nada. O projeto de construção da
rota e trem subterrâneos foi concedido juntamente com várias políticas
pertinentes ao projeto—uma das quais incluiu a proibição do trabalho
escravo. Confiei em Gideon, que seria o chefe deste projeto, para ser capaz de
gerenciar adequadamente a cadeia de comando para que as pessoas que
participarem neste projeto possam trabalhar—se não liderar—o próximo
projeto de rota.

Foi interessante ver uma nova era começar lentamente—uma era que só existia
em livros didáticos no meu velho mundo—se desenrolar aqui. Esta ‘revolução
industrial’ que talvez tenha começado com a introdução do motor a vapor sem
dúvida foi apressada pela guerra com Alacrya.

Embora nunca fosse alguém que apoiasse a guerra, tive que admitir que isso
trouxe alguns aspectos favoráveis à mesa.

“Nossas pequenas ‘conversas’ parecem estar dando frutos.” Virion riu


enquanto caminhávamos por um corredor estreito o suficiente para acomodar
três pessoas lado a lado.

Dois guardas armados seguiram de perto enquanto um liderava o caminho


apenas alguns passos à nossa frente.

“Você quer dizer minhas palestras perspicazes sobre guerra e economia?” Eu


corrigi.

“Oh, cale-se. Considero isso o pagamento por abrigar você enquanto você era
uma criança por mais de três anos.” Replicou o velho elfo.

Dei de ombros. “Eu não me importo. Tenho certeza de que você chegaria a uma
conclusão semelhante sobre o uso de trabalho escravo de qualquer maneira.”
“Provavelmente não tão eloquentemente como eu coloquei na reunião.”
Admitiu Virion. “Os elfos proíbem a escravidão há mais de cem anos, mas foi
por razões morais. Eu não tinha pensado nos benefícios econômicos até que
você apontou na semana passada.”

“Bem, em um mundo dividido principalmente por pessoas que podem usar


magia e pessoas que não podem, é difícil ver muitas coisas do passado.” Eu
disse enquanto continuamos nossa caminhada pelo corredor descendente.

“Você parece estar em um mundo que não é dividido por usuários mágicos e
pessoas normais.” Brincou Virion.

Respondi com um sorriso que não chegava aos meus olhos, optando por um
silêncio que durou até chegarmos a uma porta grossa de metal com apenas
um guarda presente.

O jovem elfo—evidente por suas longas orelhas saindo dos cabelos cortados—
era de baixa estatura, mas com músculos flexíveis estriados protegido
minimamente por armaduras. Pude notar por sua rica aura amarela que, como
eu, qualquer forma de armadura grossa mais atrapalharia do que protegeria. O
guarda estacionado tinha duas espadas curtas sem adornos que se curvavam
na ponta pendurada em sua cintura, em oposição às lanças dos soldados os
seguindo, mas mesmo de relance pude ver que ele poderia acabar com todos
os três soldados ‘nos protegendo’.

Seus olhos que estavam vidrados de tédio se animaram quando ele viu Virion
e eu. “Boa noite, comandante Virion e… general Arthur. Ou já é de manhã? Peço
desculpas porque não há janelas aqui para eu possa saber.”

“Não faz muito tempo, Albold.” Virion respondeu com um sorriso antes de se
virar para mim. “Arthur. Esse aqui é Albold Chaffer da casa Chaffer. A família
dele é uma forte família militar que serve a família Eralith há gerações. Albold,
tenho certeza que você já ouviu falar de Arthur Leywin.”

“Disseram-me que ele pode se tornar o novo herdeiro da família Eralith.” Disse
Albold, com os olhos afiados brilhando de interesse.

Soltei uma tosse, lançando um olhar afiado para Virion. “Novo herdeiro?”

“Bem, general Arthur, quando a família real não tem um filho, o homem que se
casa com a…”

Estendi a mão. “Entendi.”

“Sempre quis conhecer pessoalmente o jovem general, mas estava pres—


abençoado com o dever primordial de guardar essa porta.” Disse ele
apontando para a grossa porta de metal. “Eu imaginei que era você vindo aqui,
mas é difícil acreditar que você é ainda mais imponente do que eu havia
imaginado.”
Inclinei minha cabeça. “Tenho certeza que estive escondendo minha
presença.”

“A família Chaffer é conhecida por seus sentidos bastante assustadores.”


Explicou Virion.

“O que ele está fazendo aqui, então?” Eu perguntei, em relação ao elfo não
muito mais velho que eu. “Suas habilidades seriam mais adequadas para o
campo, não?”

“Albold estava nas Clareiras da Besta até que ele desafiou uma ordem direta
de seu comandante.” Virion suspirou. “Normalmente, isso acabaria com ele
recebendo um rebaixamento e algumas punições rigorosas, mas eu conhecia
o garoto e aconteceu de eu estar no local, então o peguei e o coloquei aqui.”

“E minha gratidão por esse gesto é tão ilimitada quanto o mar do


norte!” Albold sorriu, curvando-se profundamente.

Os guardas atrás de nós murmuraram algumas palavras de desaprovação, mas


pararam quando Albold os encarou.

“Enfim, chega desse problema.” Disse Virion secamente. “Albold, vamos entrar
e tranque a porta assim que passarmos por ela.”

“Sim, comandante!” O elfo fez uma saudação antes de destrancar a porta e


abri-la.

Um cheiro sujo e mofado infundido com o cheiro de decomposição


imediatamente bombardeou meu nariz quando a entrada da masmorra foi
aberta.

“Tenham uma estadia agradável, pessoal.” Disse Albold, gesticulando para


dentro como um guia turístico.

Virion revirou os olhos e murmurou algo sobre contar ao pai de Albold


enquanto seguia atrás do soldado principal. Foi divertido ver Albold enrijecer
e empalidecer depois de ouvir sobre seu pai.

Surpreendentemente, o primeiro nível da masmorra não foi tão ruim quanto


eu me lembrava quando cheguei aqui depois do incidente em Xyrus. A área
estava relativamente bem iluminada com celas espaçosas que pareciam estar
vazias por um tempo. Se não fosse pelas misteriosas paredes de pedra que
inibem a manipulação de mana e se as celas tivessem portas em vez de barras
de metal reforçadas, pareceria que os projetistas deste castelo ficaram
preguiçosos depois de chegar a esta área e apenas decidiram chamá-la de uma
masmorra.

Ainda assim, a falta de ventilação era sufocante e, enquanto as celas estavam


praticamente vazias, também parecia que elas não eram limpas há muito
tempo.
“Isso traz algumas lembranças desagradáveis?” Virion perguntou, me pegando
estudando a cela exata em que eu estava trancado.

“Tipo isso. Eu estava pensando em como era engraçado ter acabado de voltar
de uma reunião com o homem que conspirava ao lado dos Greysunders e dos
Vritra para me matar.” Expliquei, ignorando os olhares cautelosos dos guardas
ao nosso redor.

A voz de Virion ficou séria. “Se tivesse sido exclusivamente ao meu critério, eu
os teria prendido, mas lorde Aldir estava certo em que nós precisamos dos
Glayders. Os Greysunders sempre tiveram um domínio fraco sobre seu reino,
mas os Glayders são respeitados, quase reverenciados por quase todos
humanos. Sapin estaria em caos se soubessem o que aconteceu. Não é algo
que precisamos para esta guerra.”

Eu assenti. “Falando nisso, onde está esse asura de três olhos, afinal? Ele não
apareceu nem mesmo depois do que aconteceu com Rahdeas e Olfred.”

“Asura de três olhos… é por causa de sua jornada para Epheotus que você pode
ser tão casual com os asuras?” Virion soltou uma risada. “E eu não consigo me
comunicar com lorde Aldir através do artefato de transmissão que ele me deu.”

“Isso não é bom.” Suspirei quando comecei a caminhar novamente para o final
da masmorra. “Falaremos mais sobre isso mais tarde.”

“Concordo.” Virion respondeu solenemente, seguindo de perto.

Chegamos ao final do andar, onde duas celas haviam sido montadas para se
tornar uma sala grande e espaçosa. A cela tinha uma cama grande coberta com
bichos de pelúcia e um sofá com um jogo de chá decorado em uma mesinha à
sua frente. Atualmente, ocupando o sofá, estava uma menina balançando a
cabeça para dormir enquanto lia um livro.

Fiz um gesto para o guarda destrancar a cela e entrei. “Ei, Mica. Desculpe por
demorar tanto para visitá-la.”

A lança largou o livro e esticou as pernas e os braços finos. “Olá, Arthur.”

Conversamos um pouco enquanto Virion e os guardas esperavam do outro


lado da cela. O velho elfo tinha uma expressão sombria, sem dúvida pela culpa
de tê-la escondida aqui enquanto as investigações ainda estavam em
andamento.

Devido à sua posição e ao fato de Olfred e Rahdeas terem traído Dicathen, o


assunto teve que ser examinado com o maior cuidado possível antes que lhe
fosse permitida a liberdade.

A lança anã e eu conversamos sobre coisas sem importância, enquanto a


informava sobre como meu treinamento estava progredindo. Ela tentou me
dar algumas dicas sobre magia da gravidade, mas tive dificuldade em seguir
suas explicações sem sentido.

“Não demorará muito até que a equipe que Virion enviou tenha reunido
evidências suficientes.” Eu consolava.

Mica me deu um sorriso. “Mica sabe. Não se preocupe comigo e faça o que você
tem que fazer. Mica não culpa ninguém senão aquele velho desgraçado,
Rahdeas.”

“Bem, eu vou lhe dizer agora que a cela dele não é tão boa quanto a sua.” Eu
ri.

Ela assentiu. “Tire Mica daqui logo, ok? Ficar sozinha aqui sem poder usar
magia é tão chato.”

“Claro!” Prometi, dando-lhe um abraço antes de sair da cela.

Acenei mais uma vez antes de seguir Virion e os guardas até a porta enigmática
no final do corredor.

“Pronto?” Virion perguntou, sua expressão sombria.

“Vamos acabar com isso.”

Eu pensei que o fedor do primeiro nível da masmorra era ruim, mas o nível
mais baixo era indutor de vômito.

Eu podia sentir meu estômago revirar com o odor acre e metálico de produtos
químicos e sangue. Suprimindo o desejo crescente de vomitar, segui Virion
pelo lance escuro de escadas até chegarmos a uma pequena área que abrigava
os criminosos mais hediondos. Fiquei surpreso por poder usar magia lá dentro,
mas examinando as paredes e os cofres fechados da sala, eu tinha quase
certeza de que o uso da magia se limitava apenas à pequena passagem entre
as celas.

Um homem musculoso, de avental ensanguentado, com o rosto coberto por


uma máscara negra, nos cumprimentou junto com um homem magro, idoso,
de costas curvadas e nariz empinado.

“Comandante. General. Estamos honrados em vê-lo aqui.” O velho falou com


uma voz irritante.

“Gentry.” Virion cumprimentou de volta. “Leve-nos para Rahdeas primeiro.”

O ancião olhou para mim com incerteza, mas respondeu com um assobio. “Ao
seu comando.” O ancião murmurou.
Seguimos atrás do ancião quando ele praticamente deslizou para uma
pequena cela à nossa esquerda e gesticulou com um arco. “Aqui está o
criminoso.”

Apesar de ser o cuidador de Elijah e basicamente sua figura paterna, eu tinha


pouco carinho pelo traidor, mas até eu tinha dificuldade em dizer com
confiança que ele merecia estar no estado em que estava agora.

A cela estava escura e as sombras censuravam a maioria de seus ferimentos,


mas eu podia dizer pelos cortes e manchas de sangue em seu corpo
completamente nu que ele estava sendo constantemente torturado. Suas
mãos que estavam amarradas na cadeira em que ele estava sentado estavam
ensanguentadas nas pontas.

Suas unhas foram arrancadas, notei com um estremecimento.

Mais do que os ferimentos físicos, o que me deu arrepios foi a expressão vazia
de Rahdeas. Seus olhos estavam enevoados e um rastro de saliva desceu do
canto de sua boca.

“Ah, o estado atual dele é causado pelos efeitos colaterais do meu


interrogatório.” Disse o homem idoso, percebendo meu olhar.

“Gentry é especialista em magia do vento e de som para criar alucinações para


interrogatórios.” Explicou Virion.

Foi nessas ocasiões que pensei na verdadeira função da magia. Assim como a
tecnologia, a magia poderia ser tão facilmente usada para destruir quanto
poderia ser usado para criar algo bom.

“O traidor é forte. Acho que vai demorar um pouco mais para quebrá-lo.”
Afirmou Gentry amargamente.

“É imprescindível que possamos descobrir o que ele sabe.” Respondeu Virion


secamente, lançando um olhar desdenhoso para Rahdeas antes de voltar para
o velho. “Agora, o que dizer do Retentor?”

“Ah sim. Ele é um espécime mais fascinante. Sua pele é muito grossa e mesmo
com sua incapacidade de usar magia, é muito forte mentalmente também. Eu
sinto que estamos perto para quebrá-lo embora. Mantê-lo no cofre pequeno,
para que seu movimento seja limitado, o deixou louco.” Disse o velho com
alegria.

Virion lançou um olhar de desaprovação para Gentry, mas não disse nada.

Soltando uma tosse, Gentry fez um gesto para que o seu associado abrisse a
abóbada grossa com runas inscritas em cada centímetro da caixa. Parecia mais
como um caixão para uma criança. “Por favor, tenha cuidado,
comandante. General. Embora o cofre evite que o Vritra use magia, ele ainda é
bastante forte e ele está em um estado de espírito bastante louco agora.”
O cofre se abriu e eu me vi com os olhos presos em Uto vestido com roupas de
contenção. Apenas um olhar foi suficiente para me dizer que ele estava longe
de ser quebrado.

O retentor abriu um sorriso quando ele me deu uma piscadinha. “Olá filhote.”

Capítulo 190
Estado de espírito solitário

A voz sinistra de Uto enviou arrepios por minha espinha, e embora ele
estivesse restrito e trancado dentro de uma cela anti-magia, não pude evitar
de me preocupar.

Para todos nessa sala fui eu quem derrotou Uto, mas a verdade é que Sylvie e
eu, juntos, mal conseguimos arranhá-lo.

“Você parece um pouco desconfortável, Uto.” Provoquei, mascarando qualquer


sinal de fraqueza.

O sorriso do Retentor desapareceu, sendo substituído por um rosnado. “O que


você fez com meus chifres, filhote?!”

Tirando o chifre negro do meu anel dimensional, comecei a casualmente jogá-


lo para cima em sua frente. “Oh, você quer dizer isso aqui?”

“Seu pequeno insolen—”

“Pare.” Eu o cortei. “Eu não estou aqui para trocar insultos com você. E tenho
coisas melhores para fazer.”

A face cinzenta de Uto escureceu, seus olhos se tornando selvagens. “Eu juro
por Vritra que se eu sair daqui você desejará ter morrido naquele dia.”

Eu balancei minha cabeça lentamente.

“Tenho certeza que mais do que sair ou me causar dor, há outra coisa que você
deseja.” Inclinando-me mais perto de Uto com um sorriso arrogante
estampado no rosto, eu continuei. “Eu sei que o fato de você não ter ideia de
como perdeu pra mim está lentamente te corroendo por dentro agora mesmo.”

Eu não pensei que o rosto do Retentor poderia ficar ainda mais irritado, mas
Uto rangeu os dentes, chacoalhando-se desesperadamente para se libertar.

“Feche isso.” Eu disse, meus olhos ainda presos aos dele até que a grossa porta
inscrita com runas se fechasse firmemente.

“O que foi iss…”


Coloquei um dedo sobre os lábios para silenciar o Comandante confuso. Foi
só depois de nós quatro voltamos para a entrada deste nível da masmorra que
falei baixinho. “Deixe-o por enquanto.”

“Ento e eu estivemos torturando-o fisicamente e mentalmente, mas eu nunca


vi o Retentor tão transtornado.” Gentry murmurou enquanto seu parceiro
musculoso assentia ao seu lado.

“Eu duvido que alucinações e dor física irão funcionar com aquele
sadomasoquista arrogante.” Repliquei.

Virion virou sua cabeça. “Sadomaso… Que?”

“Não é nada.” Eu sorri levemente antes de me virar para Gentry. “Não abra a
cela dele.”

O ancião curvado franziu as sobrancelhas. “Sem ofensas, General, mas pela


minha experiência, é melhor insistir enquanto seu estado mental está uma
bagunça como agora. Além disso, e se durante esse tempo ele descobrir como
perdeu para você?”

“Ele não vai.” Assegurei. “Isso vai enlouquecê-lo lentamente. Deixe-o cozinhar
até que eu decida voltar”

“Eu não gosto desse seu olhar.” Virion murmurou. “O que você está
planejando?”

“Eu irei interrogá-lo quando a hora chegar.” Respondi.

***

“Você está pronto?” Emily perguntou atrás do crescente número de painéis.


Ela parecia estar dentro da cabine de um avião da minha vida passada.

“Quase.” Eu respondi quando terminei de amarrar a última faixa em meus


braços. Estremeci quando apertei a faixa com muita força.

Droga.

“Vamos seguir com o cenário de três contra um hoje, então por favor foco,
General Arthur.” Alanis informou, notando a expressão vazia em meu rosto
enquanto eu pensava na visita de hoje mais cedo à masmorra.

Levantei-me e balancei os braços, pronto para me soltar. “Entendi. Qual


elemento estarei restringindo para a primeira parte?”

Os olhos da minha assistente de treino brilharam em sua familiar variedade


de cores enquanto ela ‘me analisava’ antes de olhar para suas notas. “Água. E
sua forma desviante claro.”
Andei até o outro extremo da sala de treinamento, parando cerca de onze
metros de distância de Camus, Hester e Kathyln. Encontrar Uto me deixou
nervoso. Eu estava confiante na masmorra que Uto não descobriria como eu o
derrotei, porque não fui eu quem o derrotou.

Que tipo de Lança eu sou se não consigo vencer uma Foice, muito menos um
Retentor?

Assim que Alanis deu o sinal para começar, eu avançei em direção a Hester,
deixando apenas uma marca no chão.

Em um único movimento fluido, condensei uma camada de vento em volta da


minha mão, moldando-a, afiando-a em uma lâmina transparente antes de
atacar horizontalmente no torso da maga do fogo.

Os olhos de Hester se arregalaram com um pouco de surpresa, mas, ao


contrário de outros magos, ela era competente o suficiente para responder até
ao meu ataque rapido.

Sabendo que o fogo era fraco para uma forma tão comprimida de vento, ela
optou por bloquear meu ataque agarrando meu braço enquanto fortalecia seu
corpo com mana.

Você pode ter uma vantagem no conhecimento sobre a magia de fogo, mas se
acha que pode tentar me derrotar no combate corpo a corpo…

Eu a deixei agarrar meu braço, mas agarrei o braço que ela estava usando para
me segurar. Hester estava em uma posição que a ajudava a resistir a uma força
que empurrava quando a puxei de volta, ela tropeçou para frente.

Utilizando esse momento, eu girei e posicionei meu quadril debaixo do centro


de gravidade para jogá-la no chão.

Hester soltou um suspiro agudo quando suas costas atingiram o chão. Assim
como eu me preparei para outro ataque para ativar seu artefato que protegia
sua vida, uma rajada de água me encharcou completamente.

Antes que eu tivesse a chance de me virar para meu atacante, a água que
cobria meu corpo congelou, restringindo qualquer tipo de movimento.

Fortaleci meu corpo com uma camada de fogo, me descongelando, mas Hester
já havia usado meu breve momento de incapacidade para se distanciar.

Ignorando Hester por um breve momento enquanto ela se recuperava, corri


em direção à princesa enquanto prendia as pernas dela com o chão abaixo
dela. Pegando-a desprevenida, Kathyln imediatamente cobriu seu corpo no
gelo como antes, sem dúvida uma técnica que aprendeu com Varay.
Com o corpo fortalecido, ela tentou se libertar dos grilhões de terra. Eu não
lhe dei a chance. Ao me aproximar dela, eu continuamente manipulava o chão
ao seu redor para reforçar e subir.

Foi uma ideia que tive ao assistir Olfred. O caixão de magma em que ele havia
preso e executado Sebastian. É claro que eu não tinha intenção de fazer a
mesma coisa, mas assim como quando os magos de terra usam uma armadura
de rocha, um poderia facilmente envolver outro na mesma armadura para lhes
retirar a liberdade de mobilidade.

Kathyln lutou para se libertar enquanto eu continuava meu feitiço. Toda vez
que ela quebrava um pedaço de pedra, uma grande laje tomava seu lugar,
lentamente subindo seu pequeno corpo.

A princesa estava coberta até o pescoço, enquanto uma camada de gelo


tentava enfraquecer lentamente a integridade da magia de terra que a
prendia.

Já era tarde demais. Juntei mana em meu punho, formando uma luva de
relâmpagos crepitantes. Uma pontada de culpa me acertou quando levantei
meu punho para dar o golpe final.

Ela tem o artefato de proteção de vida, Arthur. Além disso, você não pode se
dar ao luxo de ser pegar leve com ninguém se você quer mesmo vencer essa
guerra.

Kathyln me encarou com seriedade sem nenhum sinal de medo. No momento


em que meu punho estava prestes a entrar em contato com ela, no entanto,
uma rajada de vento me empurrou de volta, em direção ao centro de uma
formação giratória de vento logo acima do solo.

“Erupção!” Camus gritou, aproveitando meu breve desequilíbrio,


desencadeando o poderoso ciclone que ele estava preparando.

Minha visão foi obstruída por paredes de vento ao meu redor e, por um
momento, tudo ficou mortalmente imóvel. Qualquer tipo de som foi lavado
pelo rugido constante do tornado. Logo me vi ofegante—ofegando por estar
neste funil de baixa pressão do ar.

“Irritante.” Eu murmurei entre uma respiração tensa.

As paredes do ciclone se fecharam, ameaçando girar e me jogar onde quisesse,


mas, felizmente, o oxigênio restante que eu havia deixado dentro de mim
permitiu que meu cérebro revidasse.

Minha reação inicial foi me enterrar no subsolo—essa teria sido a escolha mais
inteligente. No entanto, talvez por causa da diminuição do suprimento de
oxigênio, eu me vi imaginando Uto na minha frente. Seu sorriso selvagem que
parecia dizer: ‘Tudo o que você pode fazer é correr ou se esconder diante de
algo maior que você’ provocou uma raiva que eu não sentia há muito tempo.

Para o inferno com a estratégia. Se eu não consigo nem encarar isso, como vou
enfrentar as Foices?

Depois de ancorar meus pés no chão usando a magia da terra, comecei a


conjurar uma corrente oposta para dispersar o poderoso feitiço de vento
lentamente.

Quando meu feitiço colidiu com o feitiço de Camus, as lágrimas começaram a


se formar. Parecia que eu estava perto de neutralizá-lo quando senti uma dor
irradiar através de minhas costas, me empurrando para frente. Com os pés
apoiados no chão, me curvei desajeitadamente, empurrando com as palmas
das mãos para me recompor.

Eu amaldiçoei em minha mente, com medo de desperdiçar ar desnecessário,


enquanto olhava para o objeto que me havia acertado pelas costas. Era um
grande pedaço de gelo. Pior ainda, não era o único. Girando ao meu redor
havia várias dezenas de pedaços de gelo—cada um com pelo menos duas vezes
o tamanho da minha cabeça.

Ainda assim, continuei minha tentativa de dispersar o feitiço tornado de


Camus. Claro, poderia ser a minha teimosia. Eu estava inflexível, desesperado
para vencer contra esse ‘inimigo’ que se elevou sobre mim. À medida que o
tornado se aproximava de mim, mais meu corpo se tornava um saco de
pancadas para as pedras de gelo.

Eu tinha que parabenizar Kathyln pela criatividade em seus pedaços de


gelo; alguns eram apenas pedras pesadas, mas outros tinham arestas afiadas
que cortavam através das minhas roupas.

Apesar dos repetidos golpes, meu corpo estava entorpecido. Eu estava tonto e
uma forte sensação de fadiga tomou conta de mim.

A única coisa que me fez seguir em frente foi a noção de que superar esse
feitiço era, de alguma forma, vencer Uto.

Minha mente continuou a ter esses pensamentos irracionais até que percebi
que era tarde demais e que as pedras de gelo haviam desaparecido e, em seu
lugar, estava um fogo crescente se uniu ao tornado—fundindo-se em um
ciclone flamejante.

Foi quando minha visão começou a visualizar a figura de Uto e se tornou uma
alucinação total. Só durou cerca de alguns segundos até eu apagar com meus
últimos pensamentos culpando a falta de oxigênio por minhas ações sem
sentido.
Parecia que eu tinha apenas piscado, mas quando abri meus olhos novamente,
eu estava olhando para Kathyln com o teto da sala de treinamento visível atrás
dela. Eu estava deitado.

Uma sensação fria irradiava da minha testa. Percebi que era um lenço gelado
quando apalpei.

“Seu corpo ainda está um pouco quente. Continue assim.” Insistiu Kathyln,
colocando o pano de volta em mim com apenas um toque de preocupação em
seu rosto.

“Obrigado.” Eu murmurei. “E desculpe por aquilo.”

Ela balançou a cabeça. “Estávamos treinando. Embora os anciãos possam ter


opinião diferente.”

“Droga, temos uma opinião diferente!” A voz familiar de Buhnd cresceu.

Apenas um momento depois, seu rosto barbudo apareceu na minha


visão. “Você lutou como uma criança birrenta. Eu sei que você sabia que havia
cerca de doze maneiras diferentes de você sair dessa situação sem tentar
encará-la de frente.”

“Sim, eu sabia.” Eu disse entre os dentes. “Mas eu queria ver se eu poderia


dominar a combinação de feitiços deles. Se eu não posso nem fazer isso, como
deveria derrotar todos os Retentores e Foices restantes?”

Buhnd abriu a boca como se estivesse prestes a dizer algo, mas permaneceu
em silêncio. Foi Camus quem falou.

“Você está sentindo a pressão, não está?” ele disse suavemente.

Eu não respondi. Não pude.

Para eles, posso ser simplesmente um jovem prodígio, mas tinha as


lembranças e o intelecto de um rei. Para mim, admitir a observação de Camus
significava que mesmo apesar da minha vantagem, eu era fraco.

“Uma guerra não é travada sozinho.” Continuou Camus, deixando escapar um


suspiro. “Embora possuir o título e a responsabilidade de uma lança possa
fazer parecer de outra forma.”

Hester falou, sua voz castigadora vindo de um pouco mais longe. “Você não é
uma figura importante o suficiente para todo esse continente confiar apenas
em você.”

“Você está certa.” Eu ri.

Kathyln colocou um dedo no pano que havia colocado na minha testa,


esfriando-o com magia. “Assim como o povo de Dicathen depende das lanças,
você também precisa confiar que seus soldados compensarão o que você não
pode fazer.”

Abaixei o pano, deixando sua frieza penetrar nos meus olhos. E por um minuto
eu não disse e não fiz nada, me recompondo.

“Eu sinto que estou em terapia.” Eu ri, levantando-me rapidamente. Ao meu


redor não estavam apenas Kathyln e os mais velhos, mas também Emily e
Alanis. As duas permaneceram caladas, mas tinham traços de preocupação no
rosto. “Obrigado a todos por me ajudarem com meu treinamento e por me
manter sob controle.”

O rosto severo de Hester suaviza enquanto ela assentia. “Acho que podemos
pular as discussões de hoje, pois tenho certeza de que o jovem general sabe
exatamente o que ele fez errado.”

“Descanse um pouco! Estou me coçando para ir a loucura amanhã!” Buhnd


concordou enquanto socava a palma da mão aberta.

“Vou garantir que o artefato da vida volte ao seu estado normal


amanhã! Mesmo que eu tenha que ficar acordada a noite toda!” Emily
assegurou.

Eu assenti. “Vejo todo mundo amanhã então.”

Perdido em meus próprios pensamentos, eu nem percebi que estava andando


até chegar à minha porta.

Cansado demais para me lavar, afundei na cama, meus olhos procurando por
Sylvie até lembrar que ela estava se isolando em outro quarto.

Está tudo bem, Sylv? Eu estendi a mão.

Meu vínculo não respondeu, mas o leve traço de seu calmo estado de espírito
foi suficiente para uma resposta.

Deitado de costas, estendi minha mão em direção ao teto. Essa mão—esse


corpo com o qual eu havia me acostumado pelos vinte anos que eu tinha vivido
como Arthur, me senti tão pequeno quando pensei no meu tempo como Grey.

Meus pensamentos voltaram à minha vida anterior e às várias vezes em que


lutei no Paragon Duel, uma batalha individual entre dois Reis de seus
respectivos países. Enquanto os duelos de Paragon careciam da atrocidade e
do sangue das guerras normais, o peso dessas batalhas era muito mais
pesado.

Soltando um suspiro, lembrei a mim mesmo: “Esta guerra não é travada


sozinha, Arthur.”
Capítulo 191
Percentual mágico

Abrindo meus olhos, eu lentamente soltei o aperto no chifre de Uto. Levei


outro momento para examinar o estado do meu núcleo de mana e meu corpo.

Eu estava perto do caminho para o núcleo branco, que antes parecia tão longo,
era quase palpável.

Estou feliz por não ter aceitado o artefato de Virion depois de me tornar uma
lança, pensei.

Saindo da cama, toquei a mente de Sylvie, certificando-me de que nada estava


errado. Satisfeito com seu silêncio calmo, comecei a alongar meu corpo cheio
de energia.

Soltando um suspiro agudo, realizei uma série de ataques que aprendi com
Kordri enquanto treinava com ele em Epheotus. Não era uma combinação
rigorosa de movimentos, mas mais uma utilização de todos os movimentos do
corpo, mantendo velocidade e precisão—conectando cada soco, chute,
cotovelo, joelho, permanecendo flexível para qualquer resultado. Um
verdadeiro mestre desse estilo de luta, como o Asura de quatro olhos, podia
derrubar uma unidade inteira e a única coisa que os soldados veriam seria um
simples monge passeando entre eles.

Sincronizando o tempo do meu fluxo de mana, que havia melhorado


substancialmente durante o meu treinamento com Kathyln e os anciãos, meus
ataques criaram ondas de choque no ar. Eu queria me mover mais rápido e
com mais agilidade, mas não era um Pantheon como Kordri, muito menos um
Asura. Incorporando mana nas fibras musculares e nos ligamentos para
utilizar potência e velocidade máximas com a menor quantidade de
movimento físico—semelhante ao que o clã Thyestes faz—apenas levaria aos
mesmos resultados que o Burst Step para as minhas pernas.

Talvez alcançar o reino acima do núcleo branco fortaleça meu corpo, pensei
esperançosamente em meio a uma combinação de chutes.

Bem quando eu girei meu corpo para terminar a sequência com um golpe na
palma da mão, a cabeça gigantesca de Boo entrou no meu quarto pela porta,
bem no caminho do meu ataque.

Boo foi atingido por uma onda de vento do meu golpe na palma da mão,
fazendo com que toda a pele flácida em torno de seu focinho e orelhas se
movessem loucamente.

O vínculo de minha irmã e eu olhamos em silêncio por um momento antes que


ele soltasse um grunhido e sacudisse a cabeça peluda.
“Pfft!” Eu me inclinei para frente e comecei a rir.

A cabeça de Ellie entrou no meu quarto. “O que é tão engraçado? Boo deveria
assustá-lo.”

Incapaz de formar palavras enquanto tentava, sem sucesso, reprimir minha


risada, fiz sinal para minha irmã vir até mim.

Confusa, ela passou pela forma corpulenta de seu vínculo e entrou no meu
quarto.

“Olha isso.” Eu ri, desta vez conjurando uma rajada de vento no rosto de Boo. O
rosto do urso feroz ondulava como líquido, as pontas da pele acima do seu
maxilar superior batendo para revelar um conjunto de dentes sob uma camada
rosa de gengiva.

Minha irmã riu antes de desmoronar também; seu vínculo não era tão
divertido. Levamos quase todo o caminho até a sala de treinamento para nos
recompor.

Provavelmente era infantil rir tanto de algo tão trivial, especialmente


considerando a minha idade mental, mas quem se importa. Eu não tinha rido
tanto em eras e isso ajudou a diminuir a tensão e o estresse.

“Vocês dois parecem alegres por uma manhã tão cedo.” Disse Emily,
bocejando, com as mãos montando o painel roboticamente, como se tivessem
uma mente própria. “Ou ainda é noite…”

“Você virou outra noite, Emily?” Minha irmã perguntou, preocupada.

“Foi outra noite inteira consecutiva, na verdade. É a última sessão de


treinamento do seu irmão, então senhorita Emeria e eu queríamos ter todos
os dados desses dois meses compilados até hoje.” Ela riu com os olhos
semicerrados.

“Lembre-me de agradecer adequadamente a vocês duas por seus esforços.”


Eu disse, meus olhos procurando por qualquer sinal da elfa. “Onde está Alanis
agora?”

“Ah, que droga, eu aprendi muito com isso também, então não é preciso
agradecer. Quanto à senhorita Emeria, eu praticamente tive que forçá-la a
dormir um pouco.” Emily respondeu, soltando outro bocejo. “Ela deve estar
aqui log—ah, lá vem todo mundo!”

Entrando primeiro pelas grossas portas de metal estavam Buhnd e


Camus. Buhnd estava esticando os braços, sorrindo enquanto dizia algo a
Camus. Atrás deles estavam Hester e Kathyln. A anciã da família Flamesworth
endireitava um vinco na túnica de treino justa de Kathyln. A princesa me viu e
ficou um pouco mais brilhante enquanto tentava se afastar de sua guardiã.
Alanis, que geralmente tinha a máscara de uma empresária profissional,
parecia sem alma hoje. Seus passos normalmente deliberados eram lentos
enquanto ela seguia atrás do resto.

Levou alguns minutos para que todos equipassem seus equipamentos de


proteção, mas logo fui posicionado nos campos de treinamento com Kathyln,
Camus, Hester e Buhnd me cercando. Suas expressões eram sérias, assim
como a minha. Percorri um longo caminho nos últimos dois meses—o
suficiente para vencê-los algumas vezes. Eles sabiam que, se não estivessem
completamente focados, poderiam perder novamente e não poderiam se
deixar derrotar no último dia de treinamento.

“Qual foi a aposta de novo?” Buhnd gritou por trás.

“Virion vai nos dar um banquete em comemoração ao final das minhas ‘férias’.”
Eu sorri, olhando por cima do ombro. “Claro, ele tendo de pagar pelo custo de
tudo não é divertido, então sugeri que o perdedor dessa última batalha
pagasse por toda a festa.”

Hester revirou os olhos. “Considere pago pela graciosa casa


Flamesworth. Quanto pode custar um jantar?”

Alanis, ouvindo nossa conversa, falou usando um artefato que aprimora o


som. “Contabilizando o custo dos barris de álcool de setenta anos fermentado
a partir de grãos raros encontrados apenas nas regiões remotas das Clareiras
das Bestas, bem como os custos aproximados da abundância de carnes finas—
todos dos quais os preços aumentaram desde o início da guerra—já calculei
para o comandante Virion o custo da festa comemorativa como algo em torno
do valor de cerca de vinte mil peças ouro.”

Os olhos de Hester se arregalaram depois de ouvir o custo exorbitante. Ela


soltou uma tosse enquanto tentava fingir compostura. “B-bem, eu acredito
que vai estragar a experiência gratificante de ganhar se eu simplesmente
pagasse a refeição imediatamente. Talvez seja melhor determinar quem paga
o banquete com esta partida; dessa forma, será muito mais memorável para
todos.”

Eu não pude deixar de sorrir, vendo a anciã geralmente composta ficar tão
perturbada.

“Não vou pegar leve com você só porque você é jovem, general.” Disse Camus,
sorrindo. “O orgulho deste velho não permitirá.”

“Eu concordo com o ancião Camus.” Acrescentou Kathlyn. “Talvez ganhando de


você agora dê a meu pai e minha mãe motivos suficientes para me deixar
ajudar na guerra.”

“Que maldade princesa. Me usando como um trampolim.” Respondi,


abaixando minha postura.
“Como esta é a batalha final simulada, o general Arthur não terá nenhum
elemento restrito.” A voz de Alanis soou novamente. “Por favor, comecem!”

“Para o álcool!” A voz rouca de Buhnd rugiu, avançando por trás.

Vendo que eu estava cercado, eu tinha uma quantidade limitada de opções.


Com meus sentidos aumentados pela mana e pela adrenalina, concentrei-me
na maior ameaça.

Embora Buhnd estivesse avançando enquanto formava uma maça gigante de


pedra e Camus estava recuando enquanto rajadas de vento se reuniam em
seus braços, na verdade, eram os níveis de mana de Kathyln que
representavam a maior ameaça no momento.

Um truque antigo, mas eficaz, afrouxei o chão de pedra ao meu redor e levantei
os detritos para formar uma nuvem de poeira ao meu redor e de Kathyln.

Manipule a terra sob os meus pés para saltar para a frente e diminua a
resistência do ar enquanto corro, recitei para mim mesmo.

Não foi tão instantâneo ou sutil quanto o Burst Step, mas executar esses dois
passos—ou seja, utilizar terra e vento—me permitiu melhorar minha
aceleração inicial sem sobrecarregar meu corpo.

Senti meu corpo acelerar, o ar deslizando por mim inofensivamente até


Kathyln estar a poucos metros de distância.

A princesa inspirou bruscamente de surpresa e tentou lançar seu feitiço, mas


eu não permiti. Utilizando o vento mais uma vez, criei um vácuo na palma da
minha mão, puxando—a diretamente para o meu aperto.

Agarrando o pulso de Kathyln, eu torci e joguei-a por cima do ombro


diretamente em Buhnd.

Sentindo uma picada na mão que a tocara, olhei para baixo e vi uma camada
de gelo em volta dos meus dedos.

Ela reagiu rapidamente. Lancei uma onda de calor para derreter, enquanto
tomava nota da posição de Kathyln junto à lagoa.

Nesse momento, a sala se iluminou com dezenas de esferas crepitantes


espalhadas acima.

As lembranças de Ember Wisps de Lucas de quando eu estava prestes a me


tornar um aventureiro me vieram a mente. Exceto, esses ‘tufos’ não eram de
fogo, mas globos concentrados de eletricidade. Mais uma vez, tomei nota.

Camus aproveitou a oportunidade para lançar seu feitiço também, lançando


duas lanças gigantes de vento que giravam ferozmente como uma broca.
Eu me movi rapidamente, esquivando-me de uma das lanças de vento que
perfuravam um buraco no chão antes de dispersar. A outra lança, no entanto,
foi capaz de mudar direção, me seguindo enquanto esculpia uma trilha no
chão por onde passava.

Estou realmente começando a me perguntar se aquele velho elfo é realmente


cego.

Continuei correndo, mas não foi sem rumo. Eu avancei em direção a Buhnd
com a lança de vento atrás de mim. Eu fiz o meu melhor para parecer que eu
queria um confronto frontal e parecia ter funcionado. O anão barbudo vestiu
a armadura e se ancorou no chão enquanto ele segurava sua maça como um
jogador profissional de beisebol do meu velho mundo.

Eu avancei contra ele, condensando o fogo azul em minhas mãos. Eu fingi


tempo suficiente para Buhnd começar a balançar sua maça. Foi quando eu
soltei meu feitiço de fogo no chão abaixo de mim e pulei. A força da minha
chama me lançou ao céu como um foguete, fazendo com que a maça gigante
de Buhnd colidisse com a broca de vento de Camus.

Meu momento durou quase um segundo porque, imediatamente, uma


enxurrada de gelo subiu da lagoa abaixo, no mesmo momento em que Hester
decidiu disparar os globos de relâmpago.

Por que eles não podem simplesmente lançar seus feitiços um por um, eu
resmunguei comigo mesmo, meu cérebro procurando pela melhor maneira de
lidar com isso.

Eu sorri quando um vislumbre de uma ideia surgiu em minha mente. Eu tinha


que agir rápido, no entanto.

Sem qualquer restrição para o gasto de mana, soltei uma onda de choque
contra as lascas de gelo que se aproximavam rapidamente.

O gelo bombardeou a parede de fogo, produzindo vapor e um apito agudo.

Minha visão periférica avistou o aumento do brilho das esferas relâmpago


prestes a disparar, mas eu não podia me preocupar com isso agora.

Sem perder tempo, manipulei a umidade causada pela colisão da magia de


Kathyln e meu ataque elemental oposto enquanto diminuía a velocidade
descida com uma corrente de ar.

Eu moldei a água que eu havia reunido em uma grande barreira ao meu redor
quando o feitiço de Hester lançou uma barragem de raios em minha direção.

A água manipulada pelo feitiço de Kathyln, que utilizava a água cheia de


minerais da lagoa, era um ótimo condutor.
A bolha de água ao meu redor começou a borbulhar quando a explosão de
eletricidade atingiu. Um zumbido profundo encheu a sala de treinamento
enquanto os raios cintilavam na superfície da água ao meu redor.

Preciso me livrar dessa coisa antes de chegar no chão.

Manipulando a água eletricamente carregada, modelei-a e atirei-a


diretamente em Buhnd, aquele que seria mais fraco para essa combinação de
elementos.

Buhnd não teve chance. Seu artefato de vida foi ativado, formando uma
barreira protetora rosa, momentos depois que o fluxo comprimido de água
bateu nele e eletrocutou-o.

Nem era necessário dizer que, depois que Buhnd saiu do jogo, as marés da
batalha haviam mudado. Embora ainda demorasse um pouco, depois de
destruir a lança de gelo de Kathyln usando combinação da técnica de
amortecimento a ar de Camus e do redirecionamento cinético de Buhnd,
consegui tirar Kathyln da batalha.

“Alguém realmente não quer pagar pela sua própria festa.” Camus sorriu.

“Eu nem sei se consigo pagar o banquete.” Eu respondi com uma risada.

Restando apenas Hester e Camus e o fato de eu ter acesso total a todos os


meus elementos, demorou mais vinte minutos, mas consegui subjugar eles.

Eu me joguei de volta no chão, meu peito arfando e meu núcleo de mana


doendo. “Eu… eu ganhei.”

Camus soltou um suspiro, encostado na parede enquanto recuperava o fôlego.


“Parabéns, mas há assuntos mais urgentes.”

“Eu concordo.” Hester assentiu ao lado dele enquanto secava o suor na testa
com um lenço. “Quem vai pagar pelo custo exorbitante do banquete?”

“Não foi decidido que os perdedores pagariam?” Buhnd perguntou, confuso.

Eu me sentei. Também achei.

“É verdade, mas por que machucar muitos quando você pode quebrar apenas
um?” Camus acrescentou, um sorriso se formando em seu rosto. “Eu voto que
Buhnd pague pela refeição desde ele foi quem saiu primeiro, fazendo com que
perdêssemos.”

“O que?!” Buhnd berrou. “De onde você tirou essa ideia?”

“Eu também voto em Buhnd.” Respondeu Hester imediatamente mostrando as


mãos.
“Hester!” Os olhos do anão se arregalaram antes de se virar para Kathyln.
“Princesa. Você não pensa da mesma maneira que aqueles morcegos velhos,
não é?”

Kathyln, que estava com minha irmã e Emily, desviou o olhar de Buhnd e
levantou a mão também.

Pude ver o queixo do anão barbudo cair quando ele começou a contar o custo
teórico da refeição extravagante com os dedos. Depois de um minuto, Buhnd
endireitou sua postura e pigarreou. “Cavalheiros. Senhoras. Estamos em
tempos de guerra. Devemos poupar recursos para os nossos amados soldados
lá fora no campo. Não é verdade, senhorita Emer—argh! Maldito morcego! Solte
minha orelha!”

“De que adianta dar álcool de setenta anos aos soldados, seu tolo? Não tente
escapar disso!” Hester estalou enquanto arrastava seu companheiro por sua
orelha enquanto o resto de nós ria.

Depois que todos se acalmaram, nos acomodamos em círculo para nosso


último debate. Era uma sensação agridoce. Dois meses se passaram, mas eu
formei laços com os mais velhos e conheci a princesa distante um pouco
melhor durante esse período. No final, Kathyln havia começado conversar mais
com Emily e Ellie, até saindo juntas do castelo de vez em quando.

Uma pequena parte de mim queria esquecer o fato de que havia uma guerra
acontecendo abaixo de nós, mas com Tess e meus pais lá fora, eu sabia que
realmente não seria capaz de relaxar até que a guerra terminasse.

“Agora, o momento em que tenho certeza de que todo mundo estava


esperando!” A voz alegre de Emily soou, me tirando dos meus pensamentos.
“Alanis tem o registro do progresso da utilização do fluxo de mana de Arthur
enquanto eu compilava os dados do general Arthur, princesa Kathyln, anciãos
Camus, Hester, Buhnd e fiz uma referência cruzada com os dados que recebi
dos meus assistentes, variando entre estudantes de algumas academias e
alguns soldados.”

Emily deve ter notado os traços de ceticismo escritos no meu rosto enquanto
mencionava a diversidade e o tamanho da amostra.

“Tem sido muito difícil conseguir um número maior de participantes, este


continente está em guerra e tudo.” Disse ela com tristeza. “Essa medida é algo
estou planejando padronizar e promover ativamente com a ajuda do mestre
Gideon, para obter dados e será um processo contínuo. Por enquanto, vocês
terão que se contentar com as duzentas amostras que recebi de vários magos.”

Buhnd remexeu na cadeira de pedra. “Bem? Continue com isso, garota. Apenas
cerca de um quinto da minha bunda está no meu assento agora, com toda essa
expectativa.”
Eu suprimi uma risada. A reação do ancião barbudo me lembrou um aluno
esperando ansiosamente que suas notas fossem devolvidas pelo professor.

Emily não achou a impaciência de Buhnd tão divertida quanto eu e começou a


vasculhar rapidamente sua pilha de papéis até que seus olhos brilharam
quando eu assumi que ela finalmente encontrou o que procurava.

“OK! Vou começar com o ancião Buhnd, já que ele parece ser o mais curioso.”
Começou Emily. “Esteja ciente de que esses dados não levam em consideração
o domínio sobre mana, simplesmente a produção bruta de força que seu
feitiço contém durante a batalha.”

A jovem artífice se encolheu quando viu o olhar intenso de Buhnd perfurar ela
enquanto ele esperava seus resultados. Limpando sua garganta, Emily falou.

“Baseado em quanto o FPU do ancião Buhnd é maior comparado à média de


dados limitados que adquirimos, ele está aproximadamente nos noventa e um
por cento.”

“Noventa e um por cento do que? De maneira alguma que noventa e um por


cento da população é melhor que eu!” Buhnd deixou escapar, batendo os pés
no chão.

Eu ri, incapaz de reprimir minha risada quando Emily olhou para o velho anão
incrédula.

Hester apenas soltou um suspiro e balançou a cabeça.

“Isso significa que apenas nove por cento da população tem um FPU mais alto
do que você.” Respondeu Camus, incrédulo pela ingenuidade de seu
companheiro.

“Oh…” A postura de Buhnd se endireitou e um sorriso apareceu. “Heh! Oh.”

Hester revirou os olhos enquanto eu vi minha irmã tentando cobrir o sorriso


com a mão.

“Novamente, esses dados não podem ser considerados completamente


precisos, pois a quantidade de dados é tão pequena e muito tendenciosa em
relação a determinadas informações demográficas.” Emily explicou.
“Provavelmente, o percentual de todos aumentará à medida que mais dados
forem coletados.”

As palavras pareciam ter entrado por um ouvido e saído pelo outro, já que a
palavra ‘orgulho’ estava praticamente escrita no rosto de Buhnd.

Emily continuou virando-se para Camus. “A FPU do ancião Camus está em


noventa e três por cento.”
Buhnd parecia ter voltado à realidade porque suas sobrancelhas se contraíram
quando ouviu o valor. Camus simplesmente assentiu em reconhecimento.

Hester… não foi tão legal.

“O FPU da anciã Hester é, na verdade, o mais alto de todos ficando em noventa


e quatro por cento.”

Ellie soltou um leve assobio enquanto os olhos de Buhnd se arregalaram.


Hester aproveitou esse momento exato para lançar um olhar para o ancião
anão, junto com um sorriso arrogante.

“Bah! Os dados não são considerados completamente precisos, lembra?”


Buhnd recitou, furioso.

“Eu não disse nada.” Hester deu de ombros. Ela apagou o sorriso no rosto, mas
o brilho nos olhos afiados ainda mostrava seu conteúdo.

Acho que há uma alta afinidade pela magia na família Flamesworth, pensei,
lembrando a competência de Jasmine em magia—embora não seja em magia
de fogo.

Emily virou-se para Kathyln, sorrindo. “Princesa Kathyln, seu FPU está em…”

A princesa levantou a mão, balançando a cabeça. “Prefiro não ser saber. Me


conhecendo, me comparar com os outros vai atrapalhar mais do que ajudar.”

Alanis concordou com a princesa, mas permaneceu quieta quando Emily


finalmente se virou para mim. “Por fim, a FPU de Arth—General Arthur está em
noventa por cento.”

Os olhos de Buhnd brilharam mais uma vez quando ele trotou para mim e
colocou a mão no meu ombro. “Você crescerá com o tempo, jovem general,
mas por enquanto parece que meu FPU é apenas um pouco mais alto que o
seu.”

“Parece que sim”, sorri, esperando o mesmo. Desde o início, a produção de


mana bruta dos velhos era mais forte que a minha. Eu tinha a vantagem de ser
capaz de utilizar todos os quatro elementos básicos e a forma desviante de
dois e fundir vários elementos em um único ataque geralmente teria
resultados mais devastadores do que um único feitiço elementar, mas, em
média, eu sabia que os anciãos iriam sair por cima.

“Grande conversa para alguém que foi nocauteado primeiro em uma partida
de quatro contra um contra o ‘jovem general’.” Zombou Hester.

Buhnd fez uma careta, ficando vermelho. “Você quer levar isso para o campo,
sua velha morcega?”

A testa de Hester se contraiu de raiva. “Novamente com a ‘velha morcega’!”


“Chega de brigas!” Camus interrompeu, sentando-se no assento de pedra que
Buhnd conjurou para todos nós. “Emeria, o tempo que passamos com o jovem
general gerou frutos? “

A elfa baixou a cabeça com respeito. “A taxa de fluxo de mana do general


Arthur acelerou em uma quantidade notável. Eu acredito que esses dois meses
tenham sido utilizados em todo o seu potencial.”

“Isso é bom.” Camus suspirou, virando-se para mim—um gesto que achei
estranho agora que sabia que ele podia ver o mesmo sem me encarar. Eu achei
que era mais um gesto para mim do que ele.

Alanis caminhou até mim, entregando-me um pequeno diário encadernado


com couro. “Isto é para você, general Arthur. As gravações detalhadas da minha
análise sobre esse período estão escritas aqui. Tomei a liberdade de apontar
áreas de potencial crescimento para que você possa ter um treinamento mais
guiado enquanto eu não estou com você.”

“Obrigado.” Eu disse sinceramente, segurando cautelosamente o pequeno


livro. “Você realmente se superou.”

“Foi um prazer trabalhar com você.” Ela respondeu com um gesto cortês.

Buhnd bateu palmas, chamando toda a nossa atenção. “Tudo certo! Eu não sei
sobre todos vocês, mas estou morrendo de fome e minha mente continua
voltando àqueles barríeis de álcool de setenta anos!”

“Sim.” Concordou Hester. “E o pensar que Buhnd que vai pagar por tudo isso
certamente tornará tudo mais saboroso.”

Eu podia ouvir Buhnd resmungar quando os três anciãos se dirigiram para a


porta. Eu conduzi o resto a segui-los também. Todos eles mereceram o tempo
para relaxar e se divertir.

“Você tem certeza que eu posso ir? Parece uma festa para as pessoas
realmente importantes.” Minha irmã perguntou, hesitando.

Eu dei um tapinha na cabeça da minha irmã. “Claro que você está convidada.
É melhor eu ver você e Boo comendo o suficiente para deixar o ancião Buhnd
desabrigado!”

Seu vínculo gigantesco soltou um grunhido de confirmação antes de pegar


Ellie com o focinho e sair em disparada.

Sorrindo com a visão, olhei para trás e vi a jovem artífice lutando com alguns
artefatos dentro de seu pequeno cockpit de painéis. “Nós somos os últimos
Emily.

“Estou quase terminando de limpar! Você pode seguir em frente!”


Não querendo fazê-la se apressar mais do que ela já estava, eu segui seu
conselho. “É melhor você estar lá, a menos que queira deixar Ellie sozinha na
festa.”

PONTO DE VISTA DE EMILY WATSKEN

Eu rapidamente reuni a variedade de papéis que estavam espalhados por todo


o chão atrás do meu artefato de medição de FPU—trabalhando no nome ainda.

Depois de colocar cuidadosamente os componentes do painel na caixa de


madeira, organizei os papéis por cima, observando o nome de Arthur na folha
de cima. Isto foram as leituras de FPU que eu consegui reunir enquanto ele
estava naquela forma angelical em que seus cabelos ficaram brancos. Eu
pensei que tinha perdido.

Soltando uma risada, balancei a cabeça, amassando a folha de papel. “Noventa


e nove por cento. Isso não pode estar certo.”

Capítulo 192
Coma, beba, seja feliz

Depois de outra tentativa fracassada de tentar coagir Sylvie a fazer uma pausa
e vir se juntar a mim para o jantar, eu cedi. Assim que eu atravessei as
imponentes portas duplas de madeira manchada, abertas para mim por dois
guardas vestidos de prata, minhas preocupações foram substituídas pela
admiração. Parecia que eu tinha entrado em um lugar diferente.

Talvez eu tivesse.

Olhei por cima do ombro para ter certeza de que não havia atravessado um
portão de teletransporte disfarçado de porta. Confirmando que eu ainda
estava de fato, dentro do castelo, levei um tempo para saborear as vistas, sons
e aromas ao meu redor.

Enquanto o tamanho da sala de jantar não era nada de extraordinário, os


detalhes da decoração me deixaram sem fôlego. O próprio teto abobadado fez
com que essa sala parecesse uma estrutura separada do castelo, e a luz
ambiente lançada pelos orbes flutuantes acima deu vida a uma cena que vinha
direto de um livro de figurinhas de princesa.

Ao contrário da extravagante festa onde o corpo congelado do Retentor


parecido com uma bruxa havia sido mostrado como um incentivo moral para
as muitas casas nobres que estavam assistindo, este evento emitiu uma
atmosfera acolhedora e íntima—com um pouco de um conto de fadas surreal
misturado.

Peguei dois copos de qualquer bebida exuberante que o líquido púrpuro


pudesse ser de um mordomo meticulosamente vestido, quase tão imóvel
quanto uma estátua entregando um deles para Emily, que estava ao meu lado.

Quando minha irmã tentou pegar uma também, eu a puxei de volta. “É álcool.”

Ellie estalou a língua e continuou andando. Não demorou muito para que seu
descontentamento desaparecesse.

“Tudo parece tão… mágico!” Ellie ficou maravilhada, incapaz de formar uma
palavra melhor para se descrever. “Cheira incrível aqui, mas onde está toda a
Comida?”

“Ainda é um jantar, não uma festa.” Expliquei, apontando para a longa mesa
retangular coberta com uma toalha de mesa perfeitamente branca e coberta
com pratos e copos vazios perfeitamente organizados. “A comida será trazida
quando todos estiverem aqui e sentados.”

O álcool—notei com entusiasmo—estava espalhado contra a parede dos


fundos em grandes barris de madeira.

“Estou ficando com fome apenas com o cheiro do ar daqui.” Emily suspirou,
quase babando.

Eu balancei a cabeça em concordância. O ar estava denso com uma mistura de


especiarias, molhos e ervas que, estranhamente, pareciam se harmonizar ao
invés de colidir. Misturado com a união da variedade de ingredientes da
cozinha estava o sutil aroma de carvalho queimando e estalando na lareira no
canto mais distante do acolhedor refeitório.

Ellie puxou minha manga. “Tem certeza de que não precisamos nos arrumar
para isso?”
“O lugar é muito mais chique do que Virion havia dito, mas sim, tenho certeza.”
Assegurei. “Este deveria ser um jantar confortável para comemorar antes de
voltar para o campo, minha querida irmã.”

“Eu sou sua única irmã.” Ela respondeu, seus olhos ainda curiosamente
olhando.

“Então você sabe que estou dizendo a verdade.” Eu disse suavemente.

Ellie soltou um gemido com a minha resposta espirituosa. “Tanto faz.”

“Eu posso imaginar o quão ‘confortável’ será… com o Conselho, as lanças e os


anciãos todos reunidos em um só lugar.” Emily entrou na conversa com seu
sarcasmo praticamente palpável.

Eu simplesmente sorri, interrompendo as duas para apreciar minha bebida


roxa em paz. Apesar de ser uns dos últimos a sair, Emily, minha irmã e eu fomos
os primeiros a chegar.

Quando me sentei nos fundos para apreciar o calor do fogo, vi Kathyln


entrando escoltada por Hester. Ambas usavam vestidos de noite que, embora
minimamente adornado, ainda parecia muito elegante… e caro.

Ellie e Emily não hesitaram em atirar-me olhares ao verem isso, culpando-me


mentalmente por seus trajes relativamente informais.

Pisquei e levantei meu copo, agora meio vazio. Kathyln pensou que eu estava
gesticulando para ela e ergueu o copo levemente também, sorrindo
timidamente antes de voltar sua atenção para Emily e minha irmã.

A anciã Hester se aproximou de mim com um copo na mão também. “Parece


que você já se sente mais à vontade–tanto em traje e comportamento.”

“Eu pensei que deveria ser um jantar casual.” Eu funguei, segurando meu copo
na direção dela.

“Isso não é casual?” Ela sorriu, brindando meu copo com o dela antes de nós
dois tomarmos um gole.
“Casual é vestir suas calças um pouco maiores, para que você possa desfrutar
confortavelmente de qualquer comida requintada que nos for apresentada
hoje à noite.” Eu disse com confiança.

Hester olhou para mim com um olhar curioso antes de rir. “Costumo esquecer
que você não é de uma casa nobre, sem ofensa.”

Eu ri. “Tudo bem. É sempre divertido ver alguns dos nobres tentando esconder
seu desprezo quando uma lança como eu faz algo descaradamente
‘impróprio’.”

“A etiqueta adequada está enraizada em todos desde a infância.” Admitiu


Hester. “Minha mãe desmaiaria se o visse nesse traje em uma ocasião como
essa.”

“Verdade seja dita, minha mãe provavelmente também desmaiaria se


soubesse que eu estava participando desse tipo de jantar vestindo isso.” Eu ri,
sentindo uma pontada de culpa e tristeza com a menção de meus pais.

Bebemos um pouco de nossas bebidas em silêncio, observando o movimento


caótico do fogo como se fosse um show.

Terminando a última bebida roxa, perguntei a Hester algo que estava em


minha mente desde que a conheci. “Hester. Se você não se importa comigo
perguntando, qual é o seu relacionamento com Jasmine Flamesworth?”

Hester, que estava observando o fogo tão intensamente quanto eu, desviou o
olhar para mim. “Vocês dois são conhecidos?”

Eu assenti.

Ela levou alguns momentos para reunir seus pensamentos antes de soltar um
suspiro. “Então eu acho que é seguro assumir que a família Flamesworth lhe
deu uma impressão bastante negativa.”

“Ficou um pouco melhor desde que te conheci, mas sim.” Confessei.

“Jasmine é a filha do meu irmão mais novo, minha sobrinha.” Ela começou,
girando o líquido restante no copo.
Hester começou a me contar um pouco sobre a família Flamesworth. A história
de Jasmine não era algo que ainda não havia sido me contado ou algo que não
pudesse adivinhar. Basicamente, o irmão mais novo—aquele com mais orgulho
na linhagem de magos de fogo de sua família—pensava em Jasmine como uma
vergonha para a Casa Flamesworth. A princípio, ele fez tudo o que pôde para
tentar extrair qualquer potencial latente em afinidade com o fogo, esperando
que ela pudesse até ter duas afinidades elementais. Uma vez que seu pai
percebeu que o vento era a única afinidade que sua filha tinha, ele a isolou
até que ela tivesse idade suficiente a chutou logo depois.

O tom de remorso de Hester ao longo da história ajudou a acalmar um pouco


da raiva que eu sentia pela família deles, mas ainda havia um gosto amargo
na minha boca.

“Seu irmão, onde ele está agora?” Eu perguntei.

“Trodius é um capitão com sua divisão sendo uma das principais forças da
Muralha.” Respondeu ela. “Você não planeja…”

“Não, não tenho intenção de prejudicar seu irmão.” Zombei, voltando-me para
ver alguns rostos familiares. “Eu só estava curioso. Ah, e sobre o seu
comentário sobre todos os nobres com etiqueta adequada enraizadas neles…”

Buhnd e Camus tinham acabado de entrar pelas portas. Enquanto Camus


usava uma túnica élfica tradicional, Buhnd aparentemente havia decidido
participar do evento disfarçado com o que parecia ser um fazendeiro.

Hester, seguindo meu olhar, revirou os olhos quando viu o ancião anão
terminar um copo em um gole e continuar pegando mais dois antes de
caminhar para nós. “Sempre existem pontos fora da curva.”

Eu ri. “Um ponto fora da curva de fato.”

Não demorou muito tempo para o resto dos convidados entrar. Virion me
parabenizou pelo meu treinamento com um abraço e um comentário malicioso
sobre Tess não ser capaz de comparecer. Cumprimentei Merial e Alduin Eralith,
os pais de Tess, cordialmente, trocando algumas gentilezas. Alduin meio que
se desviou, falando sobre a guerra e alguns dos dilemas que ele estava tendo
ao alocar os exércitos élficos em torno de Elenoir quando Merial o repreendeu
por estar falando sobre isso aqui e o arrastou para longe. Meus cumprimentos
com o rei Blaine e a rainha Priscilla—ou foram o Sr. e a Sra. Glayder? Apesar
das famílias reais terem abandonado seus títulos como reis e rainhas, era
sempre desconfortável discernir como abordá-los exatamente—eram até mais
sucinto. Enquanto a mãe de Kathyln era brusca por padrão, eu sabia que o ex-
rei de Sapin ainda achava desconfortável eu estar por perto, um humano que
se tornou uma lança pelos elfos. Provavelmente alguém que ele considerava
desleal ao seu reino natal.

Desnecessário dizer que, quando terminei de conversar e brindar


(consequentemente bebendo) com os anciãos e o Conselho, minhas inibições
haviam diminuído a um grau perceptível. Isso só foi perceptível para mim
quando abracei Bairon e repeti que ‘não havia ressentimentos’. A lança tentou
se afastar sem chamar a atenção, mas eu usei uma das técnicas que aprendi
com Camus para criar um vácuo entre ele e eu.

Encontrar aplicações da vida real para feitiços era o próximo passo no


domínio, afinal.

Depois dessa minha peça, soltei a lança furiosa e comecei a cumprimentar


Varay e Aya. As duas lanças tinham acabado de voltar de uma missão perto da
fronteira entre Sapin e Darv após avistamentos de outro
Retentor. Infelizmente, o Retentor se foi quando chegaram. Nós continuamos
falando até que uma surpresa inesperada apareceu. Usando um vestido
amarelo brilhante que parecia ter pertencido a uma criança estava Mica.

“Mica!” Exclamei, chamando a atenção de todos para a entrada. A anã,


obviamente desacostumada com um vestido tão esvoaçante, corou com a
atenção. Em vez de encolher, no entanto, a lança anã estufou seu peito, ergueu
o queixo e se aproximou de mim.

Puxei a anã para um abraço, o que foi um pouco estranho, considerando que
ela tinha cerca da metade da minha altura. Virion veio e colocou a mão no
ombro dela.

“Nossos batedores em Darv encontraram evidências suficientes para garantir


ao resto do Conselho que Mica—ou devo dizer a general Mica—não estava
envolvida com a trama de Rahdeas e Olfred com o Vritra.” Explicou Virion com
um sorriso.

“A lealdade de Mica sempre será para o país.” Confirmou a lança. “Mas Mica
está um pouco confusa, pois não há anões no Conselho e Lorde Aldir está
desaparecido.”

“Nós temos muito o que discutir e posições a serem preenchidas, mais isso
pode ser resolvido amanhã”, confortou Virion. “Hoje à noite, vamos aproveitar
a comida, as bebidas e a companhia que temos.”

Virion nos deixou para continuar suas rondas, conversando com todos na sala,
enquanto Mica e eu conversamos um pouco mais. Mantivemos nossa conversa
alegre. Eu brinquei com ela sobre seu vestido com babados, enquanto ela
respondia que parecia que eu tinha vindo direto de uma sessão de
treinamento. Ela riu quando eu disse a ela que estava certa.

O toque agradável de um sino sinalizou para que todos se reunissem em volta


da mesa. Mordomos e empregadas escoltaram todos os participantes a
assentos pré-determinados. Supostamente, ser uma das principais razões
desse jantar acontecer me colocou no final da mesa, em frente a Virion com
Kathlyn à minha direita e minha irmã à minha esquerda. O Conselho se
espalhou pela mesa em direção ao outro lado, perto de Virion, enquanto as
lanças e os anciões se sentaram em direção ao centro. Depois que todos
sentaram, Virion bateu sua colher na taça de vidro para chamar a atenção de
todos antes de falar.

“Eu vou ser rápido, pois sei que não sou o único com fome. Eu acredito que é
importante que até nossos soldados mais fortes tenham a oportunidade de
descansarem e serem felizes. Sim, nós estamos em guerra, mas em guerra ou
não, sempre haverá uma batalha amanhã, então reservem um tempo para
aproveitarem hoje. Bebam, comam, riam, para que todos possam enfrentar o
amanhã com a chama renovada!”

Todos nós aplaudimos, enquanto a voz rouca de Buhnd gritando, “Sim, porra!”,
soou no meio dela. Nossos aplausos provocaram uma debandada organizada
de criados carregando pratos. Era uma refeição completa, começando com
uma sopa cremosa decorada com flores comestíveis e folhas colocadas com
precisão. Meu estômago desconfortável—provavelmente devido à grande
quantidade de álcool que eu bebi—acolheu os sabores quentes e ricos. O
toque sutil de uma especiaria desconhecida complementava a espessura da
sopa, enquanto as folhas e as guarnições de flores adicionavam um toque
surpreendente de frescura.

“Isso é tão bom!” Ellie exclamou entre colheres de sopa. A tigela de cerâmica
de sopa havia sido levada, substituída por uma bandeja de prata com duas
tiras do que parecia peixe cru. Os pedaços de carne translúcida com traços de
dois molhos diferentes praticamente derreteram na minha boca. Os molhos
verde e marrom não eram familiares, mas era uma mistura de sabores e gostos
levemente ácidos que serviam pra mascarar a salinidade indesejada do fruto
do mar e trazia à tona seus sabores desejados.

Ao engolir um segundo pedaço de peixe, uma pontada no meu abdômen fez


eu me curvar. Eu bebi demais? Eu me perguntava, lançando um olhar de lado
para o grande barril de licor inestimável que havia sido convenientemente
colocado logo atrás do assento de Buhnd.

“Você está bem?” Kathyln perguntou, com seu prato completamente limpo.

“Estou bem”, sorri, largando o garfo. Por fim, minha teimosia se recusou a
deixar passar a oportunidade de tomar uma bebida alcoólica tão cara. Eu
levantei meu copo, tomando outro gole e rolando o intenso líquido cor de
caramelo na minha boca para apreciar seu sabor. Deixei que os sabores
aromáticos cobrissem minha boca antes de finalmente engoli-lo, deixando a
agradável queimadura passar pela minha garganta.

“Posso tentar?”, minha irmã implorou mais uma vez após me ver saboreando
a bebida. Eu estava prestes a recusar seu pedido novamente, mas parei. “Bem.
Apenas um gole.”

“Uh, Ellie?” Emily entrou na conversa, arregalando os olhos quando minha irmã
pegou o copo redondo. “Você tem certeza disso?”

Ignorando-a, minha irmã imediatamente levou o copo aos lábios. Como


esperado, ela certamente não tomou ‘apenas um gole’ e engoliu uma grande
porção de licor. Já preparado para o que estava por vir, lancei um pequeno
vácuo circular de vento que sugou o spray de líquido que saía da boca de
minha irmã enquanto ela tossia. Os criados nas proximidades imediatamente
entraram em ação, entregando à minha irmã um guardanapo novo enquanto
eles abriam um recipiente para eu ‘despejar’ o líquido cuspido de Ellie nele.

“Se-seu idiota”, Ellie chiou, tentando não chamar mais atenção do que ela já
havia. “Você sabia que isso iria acontecer!”. Suprimindo a risada que estava
quase saindo, eu olhei pra ela, sem expressão. “É claro. Por isso eu disse não
tantas vezes.”

“Você poderia ter me avisado!” ela protestou bebendo o copo de água que a
criada atrás dela tão sensivelmente colocou ao lado do prato de Ellie.

“Eu poderia”, eu concordei, deixando minha irmã horrorizada.

Emily controlou a amargura de minha irmã, contando-lhe algumas das


modificações que ela fez no novo arco de Ellie.

Depois que os pratos foram limpos, outro prato—menor—foi colocado no lugar.


Antes mesmo de eu olhar para baixo para ver o que era, o cheiro já havia me
contagiado. Um punhado de mariscos com suas conchas negras abertas, sua
carne se aquecendo em um caldo saboroso que eu praticamente podia provar
pelo meu nariz. Complementando o marisco, havia ao lado cogumelos
salteados que pareciam realmente acesos em fogo. O criado cobriu os
cogumelos com um copo de cristal para extinguir as chamas suaves. Assim que
ele levantou o copo, um sabor rico de qualquer licor que o chef usara pra
inflamar os cogumelos espalhou-se pelas proximidades.

“Peixe cru e agora fungo flamejante? Interessante e saboroso!” Eu ouvi Emily


enquanto ela sussurrava para minha irmã, que assentiu furiosamente em
concordância.

As conversas flutuavam no ar enquanto a música suave tocada por um trio de


músicos fazia uma música confortável para acompanhar o jantar. Inclinei-me
para a frente, sentindo outro cheiro dos aromas complementares de mariscos
e cogumelos quando outra dor aguda apunhalou meu esterno.

Eu sou alérgico a alguma coisa? Eu pensei, trazendo um cogumelo perto do


meu nariz em suspeita. Com a dor desaparecendo tão rapidamente quanto
havia chegado, decidi deixar o álcool púrpura enquanto passava a mão na
boca cheia de cogumelos. A flexibilidade firme do cogumelo quando eu o
mordi dissipou todas as suspeitas restantes que eu tinha da comida. Se sou
alérgico a este cogumelo, que assim seja. Sofrerei sabendo que foi por uma
boa causa. Ao longo dos próximos pratos, eu comi em silêncio. Kathyln não era
muito conversadora e as poucas vezes que falou foi para responder a sobre o
que minha irmã e Emily estavam conversando.

Meus pensamentos começaram a voltar-se para a guerra e as próximas


batalhas, meu único consolo sendo os pratos requintados que nunca pareciam
parar e meu copo de licor que nunca se esvaziou. Desde carnes macias que
pude cortar com o garfo, até um javali inteiro talhado com tanta precisão que
eu duvidava que pudesse replicar a tarefa mesmo com meu domínio de
espada. Havia outros pratos mais bizarros que exibiam as partes mais
“indesejadas” de determinadas bestas de mana como supostas iguarias. Foi
quando o jantar se tornou mais animado—provavelmente devido ao álcool no
sistema de todos—que eu tive outro episódio de dor no meu estômago. Desta
vez, foi uma dor mais forte, como se alguém estivesse lentamente apertando,
torcendo e arrancando meu interior. Foi quando eu percebi isso não era meu
estômago ou meu fígado como eu pensava.

Era o meu núcleo de mana.

“Algo está errado, Arthur? Você parece pálido”—disse Virion, notando meu
estado do outro lado da mesa. Levantei-me do meu lugar, sentindo mais do
que um arrependimento enquanto olhava para o caranguejo fumegante
intocado no meu prato.

“Me desculpe, todo mundo, mas acho que vou ter que encerrar a noite por
aqui”, Virion se levantou também, sua expressão cheia de preocupação.
Levantando a mão para detê-lo, fui até à porta, tomando cuidado para não
tropeçar. “Por favor, divirtam-se. Hoje estou um pouco cansado e acho que
exagerei no álcool.”

Sem olhar para trás, fui para o meu quarto, uma mão usando a parede como
apoio, enquanto a outra pressionava meu plexo solar.

Há algo de errado com o meu núcleo de mana?


Suor frio percorreu meu rosto quando a dor forte se tornou mais intensa.
Quando cheguei ao meu quarto, me encolhi em uma bola no chão, incapaz de
alcançar minha cama. Meu medo e preocupação cresceram ao lado da dor, até
que um pensamento passou pela minha cabeça. Enviando uma pulsação de
mana para o meu anel, retirei o chifre de Uto e instintivamente comecei a
absorver seu conteúdo como uma criança alcançando seu leite da mãe.

Ganhando e perdendo a consciência, o tempo passou como se estivesse preso


em um pote de seiva. Tudo parecia lento e a dor fria e lancinante aumentou
até que logo se tornou insuportável.

Duas coisas aconteceram no que pareceu um período de segundo.

Primeiro, senti uma onda de energia e poder incomparáveis em todo o meu


corpo. Eu podia sentir isso nos meus poros e nas pontas do meu cabelo.

Então eu desmaiei.

Capítulo 193
Selo Rompido

Eu olhei para fileira de juízes que espiavam da plataforma, assim, dando uma
visão superior para o estádio principal. Sentada no meio da fileira havia uma
alta e bem torneada mulher, com cabelos vermelhos como chamas, que se
enrolavam por suas costas. Dois olhos afiados que fariam até um leão
selvagem recuar com respeito me olharam com interesse enquanto o resto dos
juízes murmurou entre si sobre os resultados da partida.

Perguntei-me o que exatamente tinha para acontecer. Meu oponente,


candidato à divisão dois, que estava no teste para uma vaga na primeira
divisão, desmaiou atrás de mim enquanto os médicos se aproximavam com
uma maca.

Houve uma percepção apreensiva conforme os juízes continuavam discutindo


que eles poderiam muito bem estar determinando se deveriam subir-me de
divisão ou manter-me na Divisão Três.

Eu podia ver Nico e Cecilia no canto do meu olho, esperando tão intensamente
pelo veredito quanto eu durante minha primeira competição enquanto
participante dessa academia – quando eu ainda acreditava que resultados
justos poderiam ser alcançados através de trabalho duro.

Depois do que pareciam eras, um homem idoso e magro com bigode branco
se arrumou um pouco meticulosamente – provavelmente pra compensar pela
sua cabeça careca – pigarreou pra chamar a atenção de todos. “Cadete Grey,
sem sobrenome. Enquanto sua partida foi impressionante, especialmente sua
demonstração de artes marciais, o baixo nível de utilização do seu ki durante
o torneio deixou claro que alguns fundamentos básicos estão claramente
faltando e precisam ser cuidadosamente revisados. Portanto, Cadete Grey
passará pra Classe Um da Terceira Divisão.”

Eu podia sentir meu sangue ferver debaixo da minha pele enquanto fazia tudo
o que eu podia pra suprimir minha raiva. Eu cerrei os punhos, rangi os dentes,
enrolei os dedos dos pés – qualquer coisa para impedir-me de atacar o juiz e
todo esse sistema da academia. Nesse momento, uma gargalhada ecoou por
toda a arena. Minha raiva ardente foi instantaneamente sufocada quando eu
olhei pra cima, pasmo, enquanto a juíza ruiva continuava rindo com vontade.
Porém, não apenas eu fiquei chocado com as ações dela, como o resto dos
juízes, que viraram repentinamente suas cabeças na direção da colega, com
expressões que variavam de choque a raiva e a constrangimento.

O público que esteve esperando silenciosamente pelos resultados da rodada


final murmurou entre si, esperando receber algumas respostas da virada dos
eventos.

Finalmente, depois da juíza ruiva se acalmar, ela soltou um suspiro enquanto


limpava uma lágrima. “Minhas desculpas, pensei que o juiz Drem estivesse
brincando com o garoto dizendo que ele precisava ‘rever seus fundamentos’”.

Com a menção de seu nome, o juiz de bigode ficou vermelho até o topo de sua
cabeça brilhante. “Lady Vera. Pela santidade dos duelos de avaliação anuais,
seu comportamento é inaceitá—”

“Não.”, a mulher ruiva que o juiz se referiu com tremendo respeito, apesar da
diferença de idade, interferiu categoricamente.

“O que é um comportamento inaceitável, e embaraçosamente patético, é essa


tentativa de segurar esse garoto porque ele não é de uma casa nobre.”

Claramente despreparado pra ser respondido de maneira tão ríspida, o juiz


Dem gaguejou o que ele esperava que fossem palavras. “O qu- Como ousa… Eu
não fiz tal –”

“Então, como você pode justificar o Cadete Grey em uma divisão que não seja
Divisão Um?” Lady Vera interrompeu novamente. Neste ponto, eu realmente
esperava que essa senhora tivesse forças ou apoio pra justificar sua falta de
respeito pelo juiz mais velho.

O Juiz Dem tentou o seu melhor pra recuperar o juízo, deixando escapar outra
tosse. “Como afirmei anteriormente, a utilização de ki do Cadete Grey é
ausente—”
“Errado”, ela interrompeu instantaneamente novamente, fazendo com que o
juiz mais velho praticamente evaporasse de frustração e vergonha. “A
utilização de ki do garoto é pelo menos um passo à frente até dos estudantes
da Classe Dois da Divisão Um. O que você chama de utilização de ki “ausente”
é na verdade ele compensando seus níveis de ki baixos em um grau quase
impressionante.”

Os outros juízes sentados atrás do painel eram obviamente mais baixos em


termos de hierarquia do que o juiz Drem, porque a única coisa que eles
estavam fazendo nesse ponto era alternar sem palavras seus olhares entre
Lady Vera, Juiz Drem, e eu.

“Lady Vera”, o juiz velho disse com os dentes cerrados. “Embora eu seja grato
pela sua compreensão do assunto, eu sou juiz há quase vinte anos agora. Por
favor, retribua o respeito que eu lhe mostrei mostrando-me o respeito que eu
ganhei neste campo.”

Lady Vera bate os dedos no painel em que estava sentada, contemplando por
um momento antes de assentir. “Certo. Vou respeitar seu veredito, juiz Drem.”

Entretanto, antes que eu tivesse a chance de ficar desapontado com isso, a


figura de Lady vera desapareceu de vista.

“Que merda é—”

Ela apareceu acima de mim e aterrissou com um baque suave. Apesar do fato
de eu ter testemunhado tudo, eu ainda estava em descrença com o fato dela
ter limpado o espaço que nos separava tão casualmente quanto eu pisaria fora
de uma calçada.”

“Criança. Como o juiz ‘Handlebars’ disse, você ainda vai estar na divisão Três,
mas o que você me diz sobre eu me tornar sua mentora pessoal?”

N/PR: “Handlebars refere-se ao estilo de bigode que o personagem


provavelmente tem, aquele que parece um guidão de bicicleta.”

Eu pensei por um momento – até mesmo virei-me para Nico e Cecilia, para ter
certeza de que o que eu estava vivendo era real. Eu não sabia quem essa
mulher era, mas a maneira que ela era segura de si e a habilidade
impressionante de movimento que ela usara pra limpar a distância que a
maioria dos soldados de elite não ousariam tentar me fez correr o risco.

Ignorando a fileira horrorizada de juízes, bem como a multidão atordoada, eu


segurei a mão dela. “Eu aceito sua oferta.”

VISÃO DE ARTHUR LEYWIN

Eu acordei no chão com minha mão estendida na minha frente, bem como o
meu sonho tinha terminado. No entanto, ao invés da mão aparentemente frágil
de Lady Vera segurando a minha, eu estava segurando firmemente o chifre de
Uto.

A pedra obsidiana que antes brilhava como uma joia sinistra agora tinha
rachaduras e lascas pelo seu exterior cinza opaco. Demorou um momento
comigo me perguntando como eu cheguei nessa posição quando eu me
lembrei de repente. Como se eu tivesse sido atingido por um raio, eu me
levantei rapidamente. Eu olhei para meus arredores pela primeira vez desde
que acordei, aliviado por ainda estar no meu quarto e ele estar relativamente
intacto. Olhando pela janela, ainda era de noite, o que significava que eu fiquei
inconsciente por apenas algumas horas.

Focando meus sentidos no meu interior, concentrei minha atenção no meu


núcleo de mana – meu núcleo de mana que não tinha o brilho prateado
cintilante que antigamente tinha, ao invés disso, brilhava intensamente como
um sol branco.

“Eu consegui”, eu murmurei incrédulo. Eu mantive a concentração no meu


núcleo por alguns minutos, apenas assimilando as novas e estranhas
sensações que vieram com meu avanço. A minha parte paranoica fez isso
apenas pra ter certeza de que eu não estava imaginando coisas.

Eu não estava. Agora eu era um mago de núcleo branco.

Em êxtase, enviei um pulso de mana por todo o meu corpo. O fluxo de mana
foi contínuo e quase instantâneo. Eu não tive a chance de ler as anotações de
Alanis no caderno que ela me deu, mas eu tive a sensação de que talvez ela
tivesse que atualizar alguma das leituras.

Sem parar, eu estendi minha mão – palma pra cima – e comecei a moldar a
mana. Comecei com algo relativamente fácil, fazendo uma pequena esfera de
mana pura. Isso era equivalente a alongar antes de uma corrida. Depois disso,
comecei a fazer exercícios mais complicados. Aumentei a esfera de mana e a
encolhi o mais rápido possível. Então eu dividi a esfera de mana em duas
menores. Depois que eu tinha cerca de uma dúzia de pequenas esferas de
mana flutuando acima da minha mão, acendi algumas delas unindo partículas
de mana de afinidade do fogo na atmosfera enquanto eu congelava outro
conjunto de esferas e assim por diante. Após alguns minutos do exercício, eu
tinha várias dezenas de diferentes esferas elementares, todas orbitando em
volta da minha palma.

Ao longo de tudo isso, eu tinha um sorriso largo no meu rosto que eu só notei
depois que minhas bochechas começaram a doer. Existiam centenas de
variações desses exercícios de manipulação, todos destinados a ajudarem os
magos a melhorarem a magia orgânica – um termo que tinha muitos nomes,
mas todos significavam uma coisa: mágica que não precisava de gestos ou
encantamentos para conjurar.
Grande parte da magia ensinada nas aulas iniciais da Academia Xyrus
concentrava-se em magia estagnada, que consistia essencialmente em magias
limitadas em variações e usos pra reproduzir de forma fácil e consistente. Os
gestos e encantamentos que tantos magos usaram e ainda hoje usam
ajudaram guiando os seus subconscientes conforme eles moldavam a sua
mana no feitiço que desejavam. A desvantagem era que a maioria desses
gestos e encantamentos basicamente dizia aos oponentes: ‘Ei, eu vou jogar
uma bola de fogo em você’. Era bastante fácil para qualquer mago decente
combater essa magia estagnada. A magia orgânica que eu aprendi tão
naturalmente desde que eu era uma criança, graças à compreensão da mana
da minha vida anterior, era muito mais difícil de conjurar e controlar. Toda vez
que eu lançava uma simples lâmina de vento no meu oponente com um
simples movimento do meu braço, meu cérebro estava basicamente dando
instruções detalhas da mana que eu coloquei no feitiço para obter a forma,
tamanho, velocidade, trajetória, ângulo, etc. Tudo correto.

Entrar no estágio de núcleo branco não foi tão inspirador quanto eu esperava
que fosse, mas foi definitivamente um grande passo à frente – mais do que
qualquer um dos avanços anteriores para os próximos estágios de núcleo.

Meu controle e minha ‘delicadeza’ sobre a mana definitivamente haviam


aumentado um pouco, quase como se o avanço no núcleo branco também
tivesse afetado minha percepção.

Eu pensei de volta em alguns momentos do passado, quando as Lanças


demonstraram um pouco da sua maestria em magia. A habilidade de Olfred de
conjurar golens de magma assustadoramente realistas bem como o controle
magnífico de Mica sobre um elemento abstrato como a gravidade foram todos
os motivos que confirmaram minha afirmação. Colocando Alea de fora, eu
nunca tive a chance de ver Aya lutar. Bairon foi capaz de transformar um raio
em uma lança gigante que parecia quase tão detalhada quanto uma magistral
arma artesanal e, recentemente, fiquei cara a cara com o dragão de Varay feito
completamente de gelo.

É por isso que todas as Lanças são tão habilidosas em manipular mana? Eu
pensei, suspirando. Outro pensamento me ocorreu também. Voar. Geralmente,
voar de maneira hábil significava atenção constante ao seu corpo e gasto de
mana o tempo tudo, tudo isso enquanto prestava atenção em outra coisa,
como lutar. Essa era a razão da maioria dos magos não voar, mesmo que
pudessem – que uso tinha o voo quando precisava de foco total para usá-lo e
o gasto de mana era ridiculamente alto?

Se manipular mana ficou tão fácil assim, então eu pude ver como as Lanças
eram capazes de voar facilmente enquanto conversavam casualmente comigo
ou até mesmo lançavam feitiços. Ansioso para saber quais eram meus limites,
fiquei tentado a ir imediatamente para a sala de treinamento e testar algumas
teorias – eu estava especialmente animado para ativar o Realmheart apenas
para ver o que eu podia fazer. No entanto, uma dor aguda surgiu na minha
cabeça, me arrancando dos meus pensamentos.
‘A-Arthur! Algo está acontecendo…’

A voz de Sylvie soou na minha cabeça, mas soou abafada e distorcida.

‘Sylvie? O que tem de errado?’

Chamei por ela várias vezes, mas não tive resposta. Sentimentos de excitação
e euforia foram imediatamente substituídos por preocupação e medo
enquanto eu descia o lance de escadas até a pequena sala de treinamento na
qual ela se isolara.

Virei a maçaneta de metal frio da porta, mas estava trancada. “Sylvie, eu estou
aqui! Você pode me escutar?”

Sem resposta.

Eu virei a maçaneta mais forte, esperando que ela estivesse emperrada, mas,
como não estava, fiz um buraco perto da maçaneta, tornando o mecanismo de
trava inútil. Empurrando para abrir a porta, eu parei completamente no meu
primeiro passo com a visão à minha frente. De pé no fundo da sala mal
iluminada, havia uma garotinha de olhos arregalados, uma túnica preta
simples com dois chifres pretos inconfundíveis que se projetavam dos lados
da cabeça dela.

Eu pensei que estava vendo coisas no começo. Culpei a pouca iluminação e as


sombras lançadas pelos chifres por pregarem peças nos meus olhos, mas
quando me aproximei e a garota olhou pra cima e nossos olhares se cruzaram,
eu sabia.

“Sylvie? Essa é você?”

A garota abriu um sorriso inquieto, um traço de medo e agitação evidente em


seus brilhantes olhos de topázio. “O-Olá, Arthur.” Nós dois permanecemos lá.
Nenhum de nós sabia o que fazer, o que falar, como reagir. Eu ainda não
conseguia acreditar. Meus olhos me disseram que eu estava vendo uma garota
que não tinha mais que oito ou nove anos, cabelos compridos e ondulados da
mesma cor pálida de trigo do ventre de sua forma dracônica; olhando
atentamente, seu cabelo bagunçado mais se parecia com penas suaves do que
com fios de cabelos reais. Pouco do pequeno rosto da garota era coberto por
seus cabelos, já que sua franja mal cobria metade da testa. Seus olhos
amarelos e redondos se moveram inquietos sob o meu olhar examinador até
que ela enviou uma transmissão mental.

“Por quanto tempo você vai ficar me olhando assim?”

Pego de surpresa, encolhi-me, não pelas próprias palavras, mas pelas


emoções contidas nelas. Ao contrário de antes, eu podia sentir as emoções
que ela estava sentindo enquanto se comunicava através da minha mente. Do
jeito de agora, como ela se sentia desconfortável e envergonhada, mas ao
mesmo tempo animada e ansiosa. Era estranho sentir emoções que não eram
minhas pelo meu cérebro; nunca foi assim antes. No máximo, Sylvie poderia
me enviar uma emoção extremamente forte para mim, que parecia mais que
ela estava me dizendo como se sentia – nunca foi tão… íntima, por falta de
uma palavra melhor.

“Desculpa”. Eu falei em voz alta. “Eu ainda estou digerindo tudo nesse
momento. O que exatamente aconteceu?”

“Depois de absorver a mana do Retentor do chifre que você me deu, eu


finalmente fui capaz de quebrar o selo que você e o meu avô disseram que
minha mãe tinha colocado em mim para manter-me escondida.” A disparidade
entre sua voz infantil e suas palavras me assustou, mas eu assenti em
entendimento.

“Então, ao quebrar o selo, você conseguiu desbloquear a forma humana na qual


os Asuras foram capazes de se transformar?”

“Sim”, disse ela, olhando para suas mãos pequenas. “Pra falar a verdade, eu
não tive a chance de realmente estudar as mudanças em meu corpo, então eu
não posso te dizer o que exatamente está acontecendo nesse momento, mas –
” Sylvie se balançou abruptamente e cambaleou, quase caindo pra frente antes
de recuperar o equilíbrio.

“Sylvie? Você está bem?” eu perguntei, preocupado.

Sylvie ficou no lugar por um momento, congelada. Eu fui cautelosamente até


ela, incapaz de compreender o que estava errado, quando ela lentamente
olhou para cima.

Quando nossos olhos se encontraram novamente desta vez, entretanto, um


calafrio percorreu minha espinha. Sua aparência era a mesma – nada havia
mudado – mas sua presença, seu comportamento, seu olhar, eram
completamente diferentes. Tanto que eu involuntariamente me afastei dela.

‘Sylvie’ endireitou-se, balançando o pescoço de um lado para o outro, como se


estivesse esticando seu corpo.

Nota: entende-se por ‘pigarrear’ o ato de tossir pra limpar a garganta, sabe
quando você tá com aquele incômodo na garganta e tosse para se livrar? É
esse o pigarrear, ou imagine uma figura importante tossindo pra poder dar um
discurso.

“Ah, ah”, disse ela, pigarreando. “Você pode me ouvir, certo?”

Eu levantei uma sobrancelha, sem saber como responder.

“Vou aceitar esse gesto como um sim”, disse ela com desdém.

“Quem é você?” eu perguntei, estreitando meus olhos.


‘Sylvie’ sorriu maliciosamente, uma expressão que não parecia natural em seu
rosto. “Sou grato por você estar na mesma sala quando a conexão foi
finalmente estabelecida. Isso torna as coisas muito mais fáceis.”

“Quem. É. Você?” Eu repeti.

Seu sorriso malicioso mudou para um sorriso.

“Agrona.”

Capítulo 194
O Homem Por Trás do Véu

Eu podia sentir o sangue abandonar o meu rosto, mas mantive-me firme.


Apesar da revelação casual, pude perceber que Syl—Agrona, estava
observando minha reação atentamente. Os mesmos dois olhos amarelos
brilhantes que pareciam tão inocentes e confusos apenas alguns momentos
atrás agora estavam rubis brilhantes e carregavam uma confiança e
autoridade inabaláveis – ele poderia facilmente dizer que era algum tipo de
metamorfo inteligente de um planeta diferente e ainda assim eu teria sido
obrigado a acreditar nele. Não dando nenhum vestígio de que suas palavras
tiveram algum efeito sobre mim, fiz um simples gesto com a mão, lançando
vários feitiços simultaneamente. A porta se fechou e uma placa grossa de
pedra brotou para barrar a entrada enquanto uma camada de vento
rodopiante nos cercava, silenciando qualquer som que pudesse vazar da sala.
Eu também conjurei uma camada no chão, caso alguém chegasse perto.

“Sylvie está segura enquanto você está no controle do corpo dela?” Eu


perguntei.

“Sylvie… um bom nome.” Agrona respondeu como se saboreasse o som. “Sim,


o que eu estou usando pra falar com você dessa maneira é um feitiço inofensivo
que eu embuti nela quando ela ainda era um ovo. Sylvie está simplesmente
dormindo.” Duas cadeiras de pedra surgiram do chão e eu me sentei,
gesticulando para Agrona fazer o mesmo. Agrona sentou-se, recostando-se no
assento prazerosamente.

“Obrigado pela hospitalidade e por manter o juízo. Torna a comunicação tão


mais fácil sem você tentar me matar.”

“Você está possuindo meu vínculo, então machucar você não seria muito
eficaz”, respondi calmamente.

Ele encolheu os ombros. “Eu não seria capaz de lutar muito, já que eu não
posso usar técnicas de mana como essa, eu acho. Devemos conversar sobre
algo um pouco mais importante do que as várias falhas desse método de
comunicação?”
Segundos se passaram em silêncio, apenas com o assobio fraco do feitiço de
vento nos cercando, enquanto nós dois nos encarávamos. Meu cérebro entrou
em um turbilhão com a atividade, tentando entender a repentina mudança de
eventos enquanto pensava em uma maneira inteligente de tirar proveito disso.
Afinal, não era todo dia que você podia calmamente ter uma reunião individual
com o líder do inimigo no meio de uma guerra. Mas já que ainda estava tendo
dificuldade para acreditar em tudo isso, com minha preocupação com Sylvie
estava constantemente me incomodando, mesmo que conectada à minha.
Ainda com minha calma aparente, minha mente não conseguia manter uma
linha coerente de pensamento. Então eu fiz a única pergunta que me
incomodava desde que ele assumiu o controle da Sylvie.

“Você disse que estava agradecido por eu estar na mesma sala quando você fez
a conexão. Por que você procurou apenas por mim?”

“Pergunta justa. A primeira razão, e a mais óbvia, é que tenho certeza de que a
maioria dos membros de sua liderança não seriam muito gentis comigo
invadindo seu território domiciliar na forma de uma garotinha. Supondo que
eles até acreditassem em mim, isso os assustaria, tendo em vista que eu
poderia invadir a localização mais ‘segura’ do continente”, respondeu ele.
“Embora, seria divertido ver a reação deles.”

“E a segunda razão?”

“Porque” – ele se inclinou para frente e sorriu – “você é o único nesse


continente que me interessa”.

Eu não esperava essa resposta. O que o líder de um clã Asura renegado, com
centenas, senão milhares, de anos. Achou interessante a meu respeito?
Independentemente como fosse, não poderia ser uma coisa boa.

Minha expressão deve ter me traído porque o Asura soltou uma risada
bruscamente. “Não se preocupe, eu não vou te prender de repente no chão e ir
até você. Supondo que meus gostos subitamente se alterassem dessa maneira,
ainda seria um pouco inapropriado nessa forma, não é?” Revirei os olhos como
a suposta mente genial por trás da guerra intercontinental faria, incapaz de
jogar cara ou coroa com suas emoções.

“Você é muito mais excêntrico do que eu imaginava… Quase sociável”,


comentei. Agrona levantou uma sobrancelha, divertido.

“Talvez você me viu como um ditador, decidido a tornar o mundo todo meu
enquanto vestia uma capa de seda?”.

“Algo parecido.”

Ele assumiu uma expressão grave enquanto se inclinava para frente. “Bem…
você está parcialmente certo!” Agrona deu um sorriso. Ele se recostou de novo,
como se não conseguisse encontrar uma posição confortável para ficar
parado. “Não deixe que esse comportamento agradável o engane. Eu tenho
meus objetivos e ambições, e um rosto que mostro ao meu povo em público.
Mas quanto à minha personalidade, depois de passar gerações e gerações
entre vocês seres menores, que parecem mudar seus costumes éticos e sociais
por capricho, é uma dor acompanhar a aparência digna e culta. Por exemplo,
em meu continente, há apenas algumas centenas de anos, costumavam ser
normais execuções e torturas públicas – merda, eles até traziam lanches e
assistiam a isso como entretenimento gratuito. Agora? De alguma forma ficou
chocantemente horrível para eles.” Ele acenou a mão com desdém. “Eu tenho
o meu pessoal para lidar e administrar os seres menores com base no seu senso
de certo e errado em constante mudança.”

Uau, ele fala muito. Ainda assim, havia muito conhecimento contido em seu
pequeno discurso. Pelo que eu vi enfrentando os soldados Alacryanos e,
sinceramente, meu próprio preconceito baseado nos Vritras loucos como Uto
e a bruxa, eu imaginei que o continente inimigo fosse um terreno abandonado
horrível cheio de seres menores escravizados para fazer os serviços de Vritra.
Mas, pelo que Agrona acabou de dizer, Alacrya parecia ser uma terra qualquer
em desenvolvimento normal com líderes que realmente se importavam com
os cidadãos.

“Esse seu olhar de agora.” Ele apontou um dedo para mim. “Aquele olhar
irritante de surpresa agradável… Você estava pensando que é estranho eu
realmente dar a mínima para os seres menores em Alacrya, hein.”

“Bem, pelo que os Asuras me disseram, você estava realizando experimentos


com as raças menores e procriando com eles antes mesmo de ser expulso de
Epheotus”, eu comentei. Eu esperava que ele ficasse bravo – pelo menos
irritado, mas sua expressão ficou sombria. “A melhor mentira é dizer apenas
metade da verdade, suponho. Kezess ou aquele lacaio dele, Windsom, nunca
lhe disseram o motivo pelo qual fiz tudo isso, disseram?”

Então, o primeiro nome de Lorde Indrath é Kezess, observei internamente


antes de responder. “Era pra construir um exército capaz de derrubar os outros
Asuras, não?”

“Isso foi tudo que eles te disseram?” Agrona revirou os olhos, batendo os dedos
com impaciência no apoio de braço da cadeira. “Arthur, você acha que um dia
eu acordei querendo cometer genocídio contra meus irmãos?”.

“Qualquer motivo que você tenha não é justificativa para o que você está
tentando fazer”, afirmei firmemente. Ele deixou escapar uma risada.

“Eu deveria mais ou menos esperar que você tivesse a mesma mentalidade que
Kezess e o resto de seus subordinados.” Irritado, eu perguntei: “Como assim?”

“Vamos supor que você viveu neste continente sem poder usar magia, quão
diferente todos os que você conhece o tratariam hoje? As famílias reais? Elas
não olhariam na sua direção. Seus colegas de Xyrus? Você nunca os conheceria
e provavelmente apenas faria amizade com bandidos e agricultores de sua
própria classe social. Sua família? Bem, eles podem ser os únicos que te
amariam, mas isso não significa que eles não ficariam desapontados em seus
corações com sua ausência de talento.”

Eu levantei uma sobrancelha. “E essa pessoa hipotética supostamente se


relaciona com você?”

“Os basiliscos em geral eram notórios entre outras raças, mas imagine se os
membros de seu clã e sua família o desprezassem pelo minúsculo talento que
você não tinha controle. O mesmo Lorde Indrath que o aprovou daquela
maneira brusca e nobre dele nem achou que valia a pena respirar na minha
direção”, Agrona cuspiu, com seus dedos arranhando o apoio de braço.

“E você achou justificável brincar desumanamente com a vida de incontáveis


‘seres menores’ para ficar mais forte?” eu atirei de volta.

Ele inclinou a cabeça. “Você derrama lágrimas pelas formigas em que pisou?”

A raiva ardia em meu estômago, mas pelo seu tom de voz e expressão, não
parecia que ele estava me desprezando. Ele realmente sentia que os seres
menores eram insetos para ele. Eu soltei um suspiro.

“Era ingênuo pensar que poderíamos ter uma conversa racional.” Agrona abriu
os braços, olhando para mim com um sorriso orgulhoso.

“O que eu consegui através desses experimentos beneficiou não apenas a mim


mesmo, mas os seres menores em Alacrya a tal ponto que eles me adoram –
não por medo, mas por reverência. Para eles, eu sou o salvador deles.”

“Salvador?” Eu zombei. “Você de alguma forma limpou as memórias de matar


e torturar os ancestrais de seu povo ou algo assim?”

“Matar e torturar… eu posso sentir a amargura em suas palavras daqui de


Alacrya, Arthur”, disse ele, fingindo uma expressão magoada. “Bom, eu apenas
utilizei os inúmeros seres menores disponíveis para mim, afim de fortalecer as
habilidades inerentes à minha própria espécie. Tenho certeza de que esses
sujeitos de teste são gratos por eu ter feito uso deles para realizar algo
inimaginável para as gerações futuras.”

Eu queria dar um tapa no olhar malicioso de seu rosto, mas esse maníaco
egoísta realmente acreditava que o que ele fazia era certo.

“O que você conseguiu realizar de tão grandioso para as gerações futuras que
substitui as décadas de você conduzindo experimentos nos habitantes de
Alacrya?” eu perguntei, brincando junto.

“Eu vou responder sua pergunta com uma outra pergunta”, ele gesticulou. “Eu
sei que a estatística aproximada de mago para não-mago em Dicathen é de 1
em cada 100. Quanto você acha que é a estatística em Alacrya?”
Eu fiquei calado.

Agrona sorriu. “É de um em cada cinco.”

“Uma em cin-cinco?” Eu cuspi.

“Inimaginável pelos seus padrões também, certo?” Ele me deu uma piscadela.

“Admito que o que você conseguiu fazer é impressionante, mas não tem medo
de que, com muito da população como magos, aqueles que ainda guardam
rancor vão se unir e revoltar-se?”

Agrona olhou para mim por um segundo em silêncio antes de começar a rir.

“Oh… Você não estava brincando”, ele disse entre risadas depois de ver minha
expressão. “Como eu disse anteriormente, meu povo, se eles têm alguns dos
meus genes, ou se ainda são seres menores de sangue puro, eles reverenciam-
me. Por causa do processo estruturado de despertar que eu criei para eles,
muitos deles podem utilizar magia para melhorar suas vidas mundanas.”

“Você está me dizendo que gastou tempo e esforço para criar esse método para
quê? Pro benefício real dos Alacryanos?” eu perguntei, cético. “Eu ouvi dos
Asuras, mas como aparentemente eles são tão distorcidos em suas opiniões, eu
quero ouvir da sua boca. Qual é o seu objetivo com tudo isso?”

“Oh, é essa a parte em que o vilão cai em um monólogo e revela seus planos
nefastos ao herói justo?” ele respondeu animadamente, amassando seus
dedos.

Eu balancei minha cabeça. “Você é louco.”

“Loucura é relativa,” ele disse, inabalável. “E quanto à sua pergunta, não tenho
intenção de lhe dizer nada.”

“Você disse antes que estava interessado em mim. Presumi que era porque você
queria minha ajuda, mas esconder seu objetivo em tudo isso dificilmente me
faz querer ir para o seu lado”, eu forcei, esperando obter uma resposta dele.
Agrona recostou-se.

“Eu nunca esperei que você viesse pro meu lado nessa pequena conversa. Eu
lhe disse tudo isso na esperança de você se afastar da guerra.”

“O quê? Por que eu faria –”

Agrona levantou a mão. “Antes de dizer não, considere isso. Até agora, eu tenho
progredido de maneira muito conservadora nesta guerra – evitando mortes
civis desnecessárias uma vez que eu tenho uso para elas – mas isso não
significa que eu vou continuar sendo assim. Você mal se agarrou à sua vida até
agora, mas esse é só o começo. Estatisticamente falando, qual a probabilidade
do seu lado vencer esta guerra com sua família e outros entes queridos vivos
depois de tudo?” Ele parou antes de falar novamente. “Você pode se esconder,
procurar refúgio em Alacrya, qualquer coisa na verdade, desde que você não se
torne um oponente do meu exército. Garanta isso, e eu irei garantir que você e
seus entes queridos serão deixados intocados.”

Seria uma mentira falar que uma pequena parte de mim não estava tentada.
“O que você ganha comigo fazendo isso? Dizendo-me para me esconder ou ir
para Alacrya significa que você me quer vivo. Por quê? Se não estou do seu lado,
eu não sou uma ameaça?”

“Apesar de como eu posso ser percebido e do que fiz para chegar onde estou
hoje, não acredito que aliados possam ser feitos através da força. Se eu te
quero do meu lado, não o farei através de ameaças.” Nós dois ficamos em
silêncio por um tempo. Ele estava esperando que eu respondesse, e eu não
sabia como responder. Eu queria recusar – eu definitivamente deveria recusar
– mas, por algum motivo, suas palavras carregaram um peso que realmente
me fez pensar.

“Na verdade, parece que você está pensando sobre isso”, ele riu. “Como um
pequeno agradecimento por isso, eu vou revelar algumas coisas que você pode
ou não ter ficado curioso.” Agrona alisou as rugas do vestido preto que o corpo
de Sylvie estava usando. “Primeiro. Seus pais foram atacados não muito tempo
atrás enquanto transportavam suprimentos para suas forças na Muralha,
certo?” Eu me levantei do meu assento, mana se juntando ao redor do meu
corpo inteiro. Agrona levantou as mãos em um gesto apaziguador, ainda
sentado. Seus olhos, no entanto, eram ferozes. “Você pode não acreditar em
mim quando digo isso, mas seus pais ficaram intocados porque eu desejei. Por
último. Os Asuras estão fora de contato com seus líderes, certo?” Ele não
esperou que eu respondesse. O Asura que possuía meu vínculo ficou de pé,
mantendo sua postura. “É porque alguns Asuras, incluindo Aldir e Windsom,
tentaram se infiltrar no meu castelo em Alacrya, esperando que eles
conseguissem me matar enquanto minhas forças estavam divididas…”

“Tentaram? Isso significa que eles falharam”, eu respondi, com meu coração
batendo mais rápido. “Não. Nem meu lado, nem os Asuras em Epheotus
desejavam isso, mas eles tiveram que pagar por desrespeitar o tratado, então
fizemos outro acordo.”

Eu estava com medo de perguntar, mas perguntei assim mesmo. “Qual foi o
acordo que você fez?”

“Os Asuras em Epheotus não podem mais ajudá-lo de nenhuma maneira


durante esta guerra”, respondeu ele, aproximando-se um pouco. “Windsom,
Aldir e o resto dos Asuras que você conheceu abandonaram você e Dicathen.”

Eu queria dizer que eu permaneci imperturbável e aceitei as notícias


rapidamente, mas isso seria uma mentira. Na minha cabeça, eu estava usando
todas as maldições que conhecia para expressar a frustração e pânico que
borbulhavam por dentro de mim. Finalmente, depois de ganhar compostura
suficiente para formar palavras novamente, eu falei.

“…Por que você está me dizendo tudo isso?”

“Para apelar pra você, é claro. Estou tentando definitivamente colocar você do
meu lado de bom grado, lembra?” Agrona piscou. “Sinceramente, eu não
consigo ver de onde a sua lealdade aos Asuras vem. Kezess e os outros Asuras
que ajudaram a treinar vocês. Fizeram isso apenas visando os ganhos deles e
você simplesmente colaborou porque você precisava ficar mais forte para
manter seus entes queridos em segurança. Parece mais um acordo comercial
para mim.” Eu balancei minha cabeça. “Mesmo assim. Você disse que tem sido
conservador durante esta guerra, mas enquanto você se comportou bem até
agora, seus Retentores massacraram soldados com alegria.”

“Exatamente como você disse. Soldados”, Agrona apontou, estalando seus


dedos. “E realmente… acho que não é justo trazer isso à tona quando seu lado
tratou meus homens com a mesma hospitalidade. Eu diria que congelar minha
pobre Jagrette e exibir seu cadáver como uma espécie de troféu na frente dos
seus nobres dificilmente é melhor do que o que ela ou qualquer um dos meus
outros soldados fizeram.”

Eu estava sem palavras. Eu nem fiquei surpreso que Agrona de alguma forma
soubesse de tudo isso neste momento, apenas que ele estava certo. O silêncio
envolveu a sala, trazendo à atenção o som do vento assobiando ao nosso
redor.

“O que discutimos hoje não é algo que você possa organizar em alguns
minutos, então vou te dar algum tempo para pensar sobre tudo”, ele finalmente
disse, quebrando o silêncio. “Além disso, Sylvie parece estar se mexendo do seu
sono, então, depois que você pensar sobre isso, me dê uma resposta depois
recitando esse feitiço para Sylvie.” Ele murmurou uma série de palavras
estrangeiras através da transmissão mental, permitindo que eu me lembrasse.

“Eu aconselho você a fazer uma escolha em breve, no entanto. Como eu disse
anteriormente, estamos progredindo para o próximo estágio desta guerra e
garanto que não será para o benefício de seu lado. Dando-lhe este acordo, não
lhe concede imunidade contra danos se você recusar ou adiar sua resposta.”

“Espere“, eu gritei. “O que você me disse antes… Que eu era o único neste
continente em que você estava interessado. Você nunca me disse o porquê
disso.”

“Suponho que não faz mal em lhe contar.” Agrona bateu com o dedo no queixo,
pensando por um momento. “Digamos que gostei de conversar com um velho
amigo seu, Rei Grey.”

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