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AS CONCEPÇÕES DE GÊNERO NO ENSINO TÉCNICO, O

PATRIARCADO ESTRUTURAL E OS CAMINHOS FUTUROS DOS


ESTUDANTES: POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO PROPICIADAS
NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GEOGRAFIA

Nícolas Vieira da Costa


Estudante de mestrado do Programa de Pós-graduação em Geografia da
Universidade Estadual de Campinas
nicolasvcosta@gmail.com

Marcos de Oliveira Soares


Professor Doutor em Geografia adjunto da Universidade Federal de São
Carlos, campus Sorocaba
marcossoares@ufscar.br

Introdução

As relações patriarcais estabelecidas desde a formação da sociedade brasileira


contemporânea nos colocam em problemáticas explícitas sobre o ingresso de meninas e
meninos no mundo dos estudos e a percepção destas/destes em relação ao mercado de trabalho
atual, seja da forma pragmática que a sociedade incube em uma padronização de vida, como
também, na relação em que ambos gêneros tendem a seguir como concepção de futuro.
Desta forma, é importante se conceber que as funções que os gêneros tendem a ocupar
socialmente não condiz com a realidade que a sociedade impõe, portanto, o presente trabalho
nasce da observação do autor em seu período de estágio supervisionado, ocorrido no ano de
2019 em uma Escola Técnica Estadual (ETEC), onde acompanhou quatro turmas de Ensino
Técnico Integrado ao Médio (ETIM), nestas haviam os cursos técnicos de Mecânica,
Mecatrônica, Eletrônica e Alimentos; e busca compreender as escolhas de meninas e meninos
no que cerne aos estudos e profissões escolhidas para o futuro e como estas escolhas são
orientadas pela imposição do gênero.
Isto posto, o trabalho tem como base a pesquisa participante, onde foi aplicado um
questionário online anônimo com alunas e alunos da escola em questão, como também, com
estudantes de outras escolas públicas e particulares e universitários da região; subdividindo-se
em uma breve contextualização a respeito do papel do gênero na sociedade, na relação entre o
número de estudantes ingressantes na ETEC analisada e nos resultados obtidos pelos
questionários.
1. Fundamentação teórica

A fundamentação teórica que orienta o trabalho em questão se baseia primeiramente na


importância que o estágio supervisionado possui na formação do profissional de educação,
autoras como Lima e Pimenta (2006) informam que o profissional de educação possui um papel
de intervenção na realidade social, portanto, é a partir da vivência em sala de aula nos períodos
em que o autor realizou seu estágio que a percepção deste papel social surgiu e nas observações
sobre a composição das turmas acompanhadas que a questão sobre o gênero e sua imposição
no futuro manifestou-se, uma vez que de quatro turmas observadas, em três não haviam
praticamente alunas, enquanto na outra turma o contrário ocorria.
Portanto, para compreender em certo aspecto as imposições de gênero, foram utilizadas
como fundamentação autores como Beauvoir (1967) e Bourdieu (2012), a primeira autora
analisa a construção social que o gênero dita onde nesta “Ninguém nasce mulher: torna-se
mulher.” (1967, p. 9), esta afirmação conduz o leitor a repensar a estrutura social, visto que, a
padronização do gênero orienta não apenas o uso do corpo, como suas escolhas e
sociabilidades; já Bourdieu em conjunto com Beauvoir diz que há uma relação material de
trocas entre os corpos e é através dela que a objetificação do corpo feminino se propaga.
Brito e Santos (2015) informam que a reprodução da cultura sexista cria uma exclusão
das mulheres e homens nas posições sociais que cada um destes possui em seu cotidiano,
exclusão que gera como consequência preconceitos e o bullying dentro do ambiente escolar,
este que era composto por estudantes adolescentes, Maia (2014) informa que é neste período
da vida que diversos questionamentos da sexualidade nascem e muitas das vezes estes
adolescentes decidem pro reprimi-la, esta observação da autora em questão pode ser associado
com o estudo de Beauvoir.
Portanto é a partir da vivência e observação do estágio supervisionado foi decidido que
a melhor forma para se realizar o trabalho seria baseado na pesquisa participante, esta que
Marconi e Lakatos (2003) informam que esta metodologia dá um caráter exploratório para a
investigação, permitindo que haja uma inserção do observador no grupo analisado e trazendo
diferentes elementos de como é seu cotidiano e suas relações.

2. Resultados alcançados

A princípio a ideia para obtenção de informações era através de uma entrevista com os
alunos acompanhados no período do estágio, contudo, o pouco tempo disponível para a
realização destas foi determinante para a escolha de um questionário anônimo realizado através
da plataforma Google Formulários, para que preservasse a identificação das pessoas, bem
como, para que as respostas fossem obtidas de forma rápida e simples.
A pesquisa foi realizada de forma online, com um questionário baseado em informações
como: gênero da pessoa, idade (esta que foi determinada de quatro em quatro anos), tipo de
escola que estudou (estadual, municipal, técnica ou particular); e questões a respeito do ensino
técnico, tais como: se já realizou algum curso técnico; se acredita que alguns cursos possuem
públicos determinantemente masculinos/femininos; e se acredita que algum fator externo
dificulta na entrada de estudantes femininas em alguns cursos.
Foram obtidas 100 respostas, dentre elas, 54 eram pessoas do gênero feminino e 46 do
gênero masculino; ainda a respeito das informações gerais, 2 pessoas com idade entre 10-14
anos responderam, 60 tinham entre 15-19 anos, 28 tinham entre 20-24 anos, 8 tinham entre 25-
29 anos e 2 tinham mais de 30 anos de idade; sobre os tipos de escola que as pessoas estudaram,
28 eram de escolas estaduais, 4 de municipais, 56 de escolas técnicas, 5 de escolas particulares
e 7 de outras escolas.
A partir das respostas do questionário foi observado uma dualidade extremamente
significativa entre as pessoas do gênero feminino e pessoas do gênero masculino, na qual as
primeiras geralmente intercalavam a falta de meninas em determinados espaços escolares da
ETEC a fatores externos delas, como o machismo, o bullying e da imposição do gênero na
sociedade.
Foram obtidas respostas mais críticas das pessoas do gênero feminino, evidenciando
uma concepção do patriarcado estrutural afetando as escolhas e a vida de garotas desde muito
jovens, ainda nas respostas deste grupo também foi observado que algumas estudantes da
ETEC que faziam parte de um ETIM com um curso voltado ao público masculino, possuíam
dois contextos familiares antagônicos, onde em um a família se vangloria pela escolha de curso
da garota, enquanto no outro houveram questionamentos se o curso escolhido não “era de
homem?".
Em contrapartida, as respostas de pessoas do gênero masculino tendiam a problemática
da falta de estudantes femininas nos cursos por uma questão de gosto, falta de interesse e até
mesmo relacionando questões biológicas como força como um limitante para escolha de
determinados cursos técnicos por estudantes femininas.
Portanto, verificou-se que a problemática evidenciada da falta de garotas em
determinados cursos técnicos, bem como, na falta de garotos em outros cursos, de acordo com
pessoas do gênero masculino era dada através de uma opinião, com o senso comum de base;
porém algumas pessoas do gênero masculino, principalmente os que possuíam uma idade mais
avançada em comparação a outros, tinham uma visão mais crítica a respeito da imposição do
gênero na sociedade.
A hipótese levantada através das respostas é de que a determinação social do gênero é
imposta dentro e fora da escola, todavia, o meio escolar reforça estes aspectos, podendo ser
relacionada a falta de um currículo escolar que trabalhe a sexualidade de maneira ampla e que
não acabe por reforçar visões estereotipadas do mundo binário como o que vivemos.

Conclusões

Portanto, pode-se concluir este trabalho considerando-se três dimensões, sendo elas, a
primeira, que o estágio supervisionado é um campo de investigação e pesquisa que possibilita
que os estudantes se deparem com condições reais das/nas escolas e a partir destas possam
realizar práticas educativas; a segunda diz respeito à formação de educadores sobre o critério
da práxis, entendida como uma possibilidade de intervenção e possível transformação e a
terceira, é que se trata da concepção do gênero em uma Escola Técnica; desta forma, é deveras
necessário compreender que o papel estabelecido pelo gênero, este que regula padrões e normas
que carecem de ser revistas e desconstruídas é uma problemática que se mantém na estrutura
de toda a sociedade, uma vez que ela está no cerne de um padrão patriarcal.

Referências
BEAUVOIR, Simone. Infância. In: BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. 2 ed. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1967.

BOURDIEU, Pierre. Uma imagem ampliada. In: BOURDIEU, Pierre. A Dominação


Masculina. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, cap. 1, p. 15-67.

BRITO, Leandro Teófilo; SANTOS, Mônica Pereira. Diferentes formas de ser uma menina
na escola: apontamentos sobre feminilidades e os processos de inclusão/exclusão. Educação
Unisinos, Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 382-389, set./dez. 2015. Disponível em:
<https://doi.org/10.4013/edu.2015.193.08>. Acesso em 30 set. 2022.

LIMA, Marica Socorro Lucena; PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência: diferentes
concepções. Revista Poíesis Pedagógica, v. 3, n. 3-4, p. 5-24, 2006. Disponível em:
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MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi. Sexualidade e Educação Sexual. Redefor – Educação
Especial e Inclusiva, 2014. Disponível em:
<http://acervodigital.unesp.br/handle/unesp/155340>. Acesso em: 30 set. 2022.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia


Científica. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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