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Bases Neurológicas
do Desenvolvimento
Disciplina: Bases Neurológicas da Aprendizagem

Modalidade de Curso
Curso livre de capacitação profissional

Pedagógico do Instituto Souza


atendimento@institutosouza.com.br
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BASES NEUROLÓGICAS DA APRENDIZAGEM

GIOVANA ROMERO PAULAI; BÁRBARA COSTA BEBERII; SANDRA BOSCHI BAGGIOIII; TIAGO
PETRYIV (ADAPTADO)

I
Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria
II
Fonoaudióloga, Especializanda em Fonoaudiologia com área de concentração em Linguagem pela Universidade
Federal de Santa Maria
III
Fonoaudióloga, Especializanda em Fonoaudiologia com área de concentração em Linguagem pela Universidade
Federal de Santa Maria
IV
Fonoaudiólogo, Especializando em Fonoaudiologia com área de concentração em Audição pela Universidade
Federal de Santa Maria

REVENDO CONCEITOS IMPORTANTES

Este texto tem o intuito de discutir a aprendizagem, por meio de um estudo das
funções neurais no processamento das informações. Com isso, pretende-se abordar
a aprendizagem sob a óptica neuropsicológica. Não é intenção discutir
especificamente os distúrbios da aprendizagem, porém, é inevitável não efetuar tais
correlações.

Para melhor compreender a aprendizagem, sob o ponto de vista da maturação


nervosa, é necessário saber como o comportamento acontece, a fim de investigar os
processos neurais de sua mudança.

A neuropsicologia é a ciência que tem por objeto o estudo das relações entre as
funções do sistema nervoso e o comportamento humano1.
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A neuropsicologia pretende inter-relacionar os conhecimentos da psicologia


cognitiva com as neurociências, desvendar a fisiopatologia do transtorno e, sobre
esta base, encarar racionalmente a estratégia de tratamento2.

Entende-se como neuropsicologia o estudo dos distúrbios das funções superiores


produzidos por alterações cerebrais, investigando, especificamente, os distúrbios
dos comportamentos adquiridos, pelos quais cada homem mantém relações
adaptadas com o meio. Somente há pouco mais de cem anos é que se passou a
conhecer o funcionamento ao nível do córtex cerebral, por meio do estudo das
lesões espontâneas localizadas e ressecções parciais do cérebro, que permitiram
demonstrar que as diversas partes hemisféricas não possuem a mesma função e
que existe uma organização cerebral semelhante em todos os indivíduos 3.

A neuropsicologia entende a participação do cérebro como um todo, no qual as


áreas são interdependentes e inter-relacionadas, funcionando comparativamente a
uma orquestra, que depende da integração de seus componentes para realizar um
concerto. Isso se denomina sistema funcional. Dessa maneira, sabe-se que, a partir
do conhecimento do desenvolvimento e funcionamento normal do cérebro, pode-se
compreender alterações cerebrais, como no caso de disfunções cognitivas e do
comportamento resultante de lesões, doenças ou desenvolvimento anormal do
cérebro4.

É através da neuropsicologia que podemos compreender os processos mnêmicos,


perceptivos, de aprendizado e de solução de problemas, dentre outras atividades
cognitivas5.

Quando falamos de aprendizagem estamos nos referindo a um processo global de


crescimento, pois toda aprendizagem desencadeia, em algum sentido, crescimento
individual ou grupal6.

Às vezes, os termos aprendizagem e conhecimento são utilizados como sinônimos,


porém, é por meio do processo de aprendizagem que se adquire conhecimento, no
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entanto, o conhecimento resultante do processo não pode ser confundido com


aprendizagem. Em alguns manuais de psicologia da aprendizagem, a aprendizagem
é definida como "uma mudança de comportamento resultante de prática ou
experiência anterior"7. Já, para outros autores, a aprendizagem é a mudança de
comportamento viabilizada pela plasticidade dos processos neurais cognitivos8.

A aprendizagem é um processo contínuo, que opera sobre todos os dados que


alcançam um umbral de significação, dependendo, essencialmente, da memória e
da atenção. A capacidade de especialização cerebral em armazenar dados
('engramas') para a sua utilização posterior permite, mediante a memória, codificar e
decodificar informação; existem vários tipos de memória (sensorial, curto prazo ou
de trabalho, e longo prazo) que podem trabalhar, não só sequencialmente, mas
também em paralelo, dependente basicamente da plasticidade sináptica. Atenção
permite focalizar atividades conscientes dependentes de sistemas e subsistemas
anátomo-funcionais, que trabalham como redes em paralelo, permitindo uma
atuação simultânea e interativa nas tarefas cognitivas9.

Os transtornos de aprendizagem representam a consequência de um transtorno na


organização funcional do sistema nervoso central, em geral de caráter leve, mas
com consequências de considerável importância para o futuro social da criança, já
que perturbam a conduta pedagógica esperada de acordo com sua inteligência
normal. Desde o ponto de vista etiopatogênico, estes transtornos se inserem dentro
das alterações funcionais (disfunções), porém sua base é evidentemente orgânica9.

Dificuldades, transtornos, distúrbios e problemas de aprendizagem são expressões


muito usadas para se referir às alterações que muitas crianças apresentam na
aquisição de conhecimentos, de habilidades motoras e psicomotoras, no
desenvolvimento afetivo e outras10.

Há alunos com dificuldades para aprender, cuja afecção mais evidente é a


deficiência de aprendizagem, apesar de adequadas inteligência, visão, audição,
capacidade motora e equilíbrio emocional. Estudos sobre a neuropsicologia da
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aprendizagem demonstram que, nesse grupo, a generalizada integridade orgânica


convive com a deficiência na aprendizagem. Esta pode se manifestar como
dificuldades motoras ou psicomotoras, de atenção, memorização, compreensão,
desinteresse, escassa participação e problemas de comportamento10.

MATURAÇÃO NERVOSA

A noção de maturação nervosa é uma das mais fundamentais para se explicar o


processo de aprendizagem11. Psicólogos acreditam que os comportamentos não
podem ser externados até que seu mecanismo neural tenha se desenvolvido12.

A aprendizagem infantil, no que tange ao processo escolar em geral, está


intimamente relacionada ao desenvolvimento da criança, às figuras representativas
desta aprendizagem (escola, professores), ambiente de aprendizagem formal,
condições orgânicas, condições emocionais e estrutura familiar. Qualquer
intercorrência em um ou mais destes fatores pode influenciar, direta ou
indiretamente, o processo de aquisição da aprendizagem 6.

Um dos aspectos fundamentais envolvidos com a aprendizagem é a valorização dos


processos neurais, além do fato de diferentes formas de aprendizagem envolverem
não só circuitos neurais diferentes, mas diversos mecanismos fundamentais, que
devem ser ressaltados13.

O cérebro humano é um sistema complexo que estabelece relações com o mundo


que o rodeia por meio de fatores significativos como: a especificidade das vias
neuronais, que da periferia levam ao córtex informações provenientes do mundo
exterior; e, a especificidade dos neurônios, que permitem determinar áreas motoras,
sensoriais, auditivas, ópticas, olfativas, etc, estabelecendo inter-relações funcionais
exatas e ricas que são de extrema importância para o aprendizado 13.
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O processo de aprendizagem exige um certo nível de ativação e atenção, de


vigilância e seleção das informações. A ativação, por meio da vigilância, conecta-se
com a atenção no sentido da capacidade de focalização da atividade. São
elementos fundamentais de toda atividade neuropsicológica, essenciais para manter
as atividades cognitivas, inibindo o efeito de muitos neurônios que não interessam à
situação. Sem uma organização cerebral integrada, intra e interneurossensorial, não
é possível uma aprendizagem normal. Os processos de codificação e decodificação
são de extrema importância, quando se abordam problemas de aprendizagem. A
linguagem, oral e escrita, receptiva ou expressiva, faz parte com toda sua
especificidade, do sistema cognitivo. Distinguindo a dimensão de percepção e
gnose, como sendo o reconhecimento modal específico por meio de analisadores
visuais, auditivos e somestésicos do processamento conceptual e ação, como
pensamento e resposta (verbal ou não-verbal), a linguagem é um dos componentes
fundamentais na organização cognitiva e nos processos complexos da
aprendizagem. Os componentes cognitivos e as regiões cerebrais, que os
processam, constituem um todo interconexo3.

A aprendizagem resulta da recepção e da troca de informações entre o meio


ambiente e os diferentes centros nervosos. Desta forma, a aprendizagem inicia com
um estímulo de natureza físico-química advindo do ambiente que é transformado em
impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos11.

Prestar atenção, compreender, aceitar, reter, transferir e agir são alguns dos
componentes principais da aprendizagem. Assim, a informação captada é submetida
a contínuo processamento e elaboração, que funciona em níveis cada vez mais
complexos e profundos, desde a extração das características sensoriais, a
interpretação do significado até, finalmente, a emissão da resposta 13.

As áreas de projeção estão relacionadas com a sensibilidade, a motricidade, e as


áreas de associação e de sobreposição estão relacionadas com funções psíquicas
complexas: gnosias, linguagem, esquema corporal, memória, emoções, etc 14.
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O aprender implica em certas integridades básicas, que devem estar presentes,


quando oportunidades são oferecidas para a realização da aprendizagem. Essas
integridades são caracterizadas em três níveis:

• Funções psicodinâmicas - à medida que o organismo internaliza o observado


ou o experienciado, começa a assimilar hierarquicamente, pelos processos
psíquicos, devendo, portanto, existir controle e integridade psicoemocional
para que ocorra a aprendizagem;
• Funções do sistema nervoso periférico - responsáveis pelos receptores
sensoriais, que são canais principais para aprendizagem simbólica. Uma
subcarga sensorial implicaria em privação do cérebro de estimulação básica,
para o crescimento e amadurecimento dos processos psicológicos;
• Funções do sistema nervoso central - responsável pelo armazenamento,
elaboração e processamento da informação, resultante da resposta
apropriada do organismo15.

Considerando a aprendizagem humana como processamento de informações,


veremos que os processos "centrais" são modificações e combinações que ocorrem
nas estruturas cognitivas. Na verdade, o aprendiz é concebido como um
manipulador inteligente e flexível, que busca a informação e trata de organizá-la,
integralizá-la, armazená-la e recuperá-la, quando necessário, de forma ativa e
ajustada às estruturas cognitivas de que dispõem internamente16.

O modelo neuropsicológico aplicado aos transtornos de aprendizagem assume que


estes constituem a expressão de uma disfunção cerebral específica, causada por
fatores genéticos ou ambientais que alteram o neurodesenvolvimento17.

A investigação neuropsicológica permite conhecer a estrutura interna dos processos


psicológicos e da conexão interna que os une. Ela também nos possibilita realizar
um exame pormenorizado das alterações que surgem nos casos de lesões cerebrais
locais, assim como as maneiras pelas quais os processos psicológicos são alterados
por essas lesões. Esse exame também se estende ao processo ensino-
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aprendizagem em geral, pois nos permite estabelecer algumas relações entre as


funções psicológicas superiores (linguagem, atenção, memória, etc.) e a
aprendizagem simbólica (conceitos, escrita, leitura, etc.), ou seja, o modelo
neuropsicológico das dificuldades da aprendizagem se preocupa em reunir uma
amostra de funções mentais superiores envolvidas na aprendizagem simbólica, as
quais estão, obviamente, correlacionadas com a organização funcional do cérebro.
Sem essa condição "sine qua non", a aprendizagem não se processa normalmente
e, neste caso, podemos nos deparar com uma disfunção ou lesão cerebral 1.

Muitos procedimentos de aprendizagem se apoiam precisamente em um marco de


referência que inclui a noção clássica de psicomotricidade, o conhecimento implícito
que o sujeito possui de seu próprio corpo, estático e em movimento, e sua relação
com os objetos externos. O desenvolvimento da somatognosia, normalmente, se
realiza posterior ao uso dos diversos componentes corporais: assim, por exemplo,
uma criança de cinco anos possui uma notável capacidade manipulativa, entretanto,
suas gnosias digitais se mostram bastante imaturas18.

Em geral, os testes que seguem a orientação neuropsicológica apresentam algumas


diferenças com os que se utilizam habitualmente em psicopedagogia. A
neuropsicologia explora funções pontuais da mente que correspondem, por sua vez,
a áreas e circuitos bem identificados do cérebro. Mas, na realidade, a diferença na
abordagem que propõe a neuropsicologia não se apoia tanto no tipo de teste
utilizado, mas, sim, no reconhecimento das síndromes e quadros clínicos
caracterizados sobre as bases anátomo-funcionais do cérebro19.

No processo ensino-aprendizagem, a avaliação global das funções psicológicas


deve levar em conta todo o mecanismo cerebral, nos seus níveis sucessivos de
evolução. Sendo assim, a avaliação neuropsicológica é a única forma possível de se
avaliar uma determinada função, posto que somente quando a mesma é colocada à
prova (mediante testes específicos), podemos observar sua integridade ou
comprometimento20.
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A exploração neuropsicológica na infância pode ser dividida em dois grandes


grupos:

• a investigação mais rigidamente conduzida sob a forma de uma bateria


sistematizada, levando-se em conta, na inclusão de cada item, os
mecanismos subjacentes à função examinada;
• o exame menos sistemático decorrente da re-leitura neuropsicológica do
próprio psicodiagnóstico clássico e de toda produção escolar dos dados da
anamnese, bem como da observação do comportamento 21.

NEUROPSICOLOGIA INFANTIL

Para identificar precocemente alterações no desenvolvimento cognitivo e


comportamental, a neuropsicologia infantil se tornou um dos componentes
essenciais das consultas periódicas de saúde infantil, sendo necessária a utilização
de instrumentos adequados a esta finalidade (testes neuropsicológicos e escalas
para a avaliação do desenvolvimento). A importância desses instrumentos reside,
principalmente, na prevenção e detecção precoce de distúrbios do
desenvolvimento/aprendizado, indicando de forma minuciosa o ritmo e a qualidade
do processo e possibilitando um "mapeamento" qualitativo e quantitativo das áreas
cerebrais e suas interligações (sistema funcional), visando a intervenções
terapêuticas precoces e precisas4.

A contribuição da avaliação neuropsicológica da criança é extensiva ao processo de


ensino-aprendizagem, pois nos permite estabelecer algumas relações entre as
funções corticais superiores, como a linguagem, a atenção e a memória, e a
aprendizagem simbólica (conceitos, escrita, leitura, etc.). O modelo neuropsicológico
das dificuldades da aprendizagem busca reunir uma amostra de funções mentais
superiores envolvidas na aprendizagem simbólica, as quais estão, obviamente,
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correlacionadas com a organização funcional do cérebro. Sem essa condição, a


aprendizagem não se processa normalmente4.

As disfunções cerebrais, bem como as lesões, interferem no processamento das


informações: recepção (ocasiona problemas perceptuais); integração (surgem
dificuldades na retenção-memória e elaboração); e expressão (surgirão distúrbios na
ordenação, seqüencialização, planificação e execução), sendo essas informações
envolvidas pelo aprendizado5.

As funções psicológicas e o funcionamento cerebral são descritos, considerando o


cérebro como um sistema inter-relacionado a partir de três unidades funcionais:

• unidade para regular o tono, a vigília e os estados mentais (área de projeção


que abrange a formação reticular);
• unidade para receber, analisar e armazenar informações (área de projeção
que abrange parietal, occipital e temporal primários; área de associação que
abrange parietal, occipital e temporal secundários);
• unidade para programar, regular e verificar a atividade (área de sobreposição
que abrange as áreas pré-frontais e frontais)22.

Cada unidade funcional compreende, portanto, um conjunto de órgãos ou de áreas


corticais que, em termos interdependentes, constituem o grande sistema
neuropsicológico da aprendizagem humana23.

A maturação cognitiva e comportamental é consequente à estrutural e à fisiológica e


esta se produz de maneira diferente, cronológica e qualitativamente, nas distintas
regiões cerebrais24.

De certa forma, a aprendizagem é fruto do desenvolvimento dessas unidades


funcionais que estão organizadas verticalmente e se estabelecem geneticamente da
primeira unidade (reflexos) à terceira unidade (intenções), passando pela segunda
unidade (experiências e ações multissensoriais). Assim, por exemplo, as
aprendizagens complexas, como a leitura, assentam sobre aprendizagens
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compostas, como a discriminação e identificação perceptiva, que, por sua vez,


decorrem de aprendizagens simples, como a aquisição de postura bípede e das
aquisições preensivas na primeira idade1.

A leitura, um dos processos mais complexos da aprendizagem, compreende a


discriminação visual de símbolos gráficos (grafemas) por meio de um processo de
decodificação que se passa na segunda unidade, só possível com um processo de
atenção seletiva regulada pela primeira unidade. Posteriormente, e ainda na mesma
unidade, há que selecionar e identificar os equivalentes auditivos (fonemas) por
meio de um processo de análise e transdução, de síntese e comparação, a fim de
edificar a busca da significação (conjectura) e avaliar os níveis de compreensão
latentes. A partir daqui, surgirá uma nova operação de equivalência que compreende
a codificação, ou seja, a rechamada dos articulemas que são executados e
verificados na área da Broca, isto é, na terceira unidade. Dos motoneurônios
superiores frontais, a linguagem interior se transformará em linguagem expressiva,
por meio da oralidade, ou seja, da produção de sons articulados. É este o todo
funcional que caracteriza a aprendizagem da leitura. É dentro desse conjunto
funcional que se pode verificar um distúrbio ou disfunção neuropsicológica que pode,
por consequência, redundar numa dificuldade de aprendizagem 23.

No que se refere aos problemas de aprendizagem, tem sido assinalado que


reprovações escolares têm múltipla etiologia, justificando, portanto, múltiplo
enfoque21.

A relevância da abordagem neuropsicológica da aprendizagem está no


reconhecimento dos quadros clínicos caracterizados sobre as bases anátomo-
funcionais do cérebro, e não no tipo de teste utilizado.

Ao fornecer subsídios para investigar a compreensão do funcionamento intelectual


da criança, a neuropsicologia pode instrumentar diferentes profissionais, tais como
médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos, promovendo uma
intervenção terapêutica mais eficiente.
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Somente dessa forma é que as dificuldades de aprendizagens serão melhor


compreendidas e, principalmente, tratadas.

NEUROPSICOLOGIA DA MEMÓRIA HUMANA

Maria Gabriela Menezes Oliveira; Orlando F. A. Bueno (ADAPTADO)

Departamento de Psicobiologia - Escola Paulista de Medicina

O termo neuropsicologia refere-se, originalmente, a investigações de desordens de


percepção o, memória, linguagem, pensamento, emoção o e ação em pacientes
neurológicos (Shallice, 1988), ampliado para abarcar o resultado de numerosos
estudos complementares em animais de laboratório, como se depreende do uso que
dele fazem Squire e Butters (1984). No seu uso original ele designava o trabalho
conjunto de psicólogos, neurologistas e neurocirurgiões, e no seu uso mais
generalizado -e este é o aspecto fundamental que necessita ser destacado - ele
continua a refletir o trabalho em cooperação o de psicólogos, neurologistas,
neurocirurgiões, neuroanatomistas, neurofísiologistas e outros neurocientistas. É
nossa crença que somente este trabalho cooperativo pode fazer avançar o
conhecimento a respeito do cérebro e do comportamento. O que se segue é uma
tentativa de resumo de resultados obtidos nas últimas duas ou três décadas num
campo particular da neuropsicologia, a neuropsicologia da memória humana, que
neste período conheceu um crescimento espetacular.

Amnésia do lobo temporal medial

A década de 50 foi um marco na história da neuropsicologia da memória. Em 1954 o


neurocirurgião Scoville descreveu o caso do paciente H.M., por ele operado em
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1953, o qual começou a apresentar uma grave e inesperada deficiência de memória


logo após a ablacão bilateral do lobo temporal medial. Brenda Milner e
colaboradores publicaram vários trabalhos relatando os resultados obtidos em testes
formais de memória e inteligência executados neste paciente (Milner, Corkin &
Teuber, 1968; Scoville & Milner, 1957). Estes resultados confirmaram amplamente
os relatos informais de seus familiares, de médicos e de pesquisadores, os quais
constataram que H.M. não conseguia recordar nenhum evento pessoal ou público
ocorrido após a cirurgia (amnésia anterógrada), além de sempre subestimar a
própria idade e não reconhecer amigos aos quais havia sido apresentado após o
ano de 1953.

Apesar deste profundo e persistente quadro amnésico, o paciente H.M. tinha uma
inteligência superior, era capaz de estabelecer diálogos normalmente, desde que
não fosse distraído, e tinha preservada sua memória para eventos remotos, sendo,
porém, incapaz de lembrar com acuidade eventos ocorridos até cerca de três anos
antes da cirurgia (amnésia retrógrada). Em testes de percepção o seu desempenho
era normal, indicando que o prejuízo observado não era devido à incapacidade de
registrar novas informações (Milner et al., 1968; Scoville & Milner, 1957). A memória
de curto prazo de H.M. achava-se preservada (Milner et al., 1968), assim como a
sua capacidade de adquirir novas habilidades motoras e cognitivas (Corkin, 1968).
Além disso, ele também conseguia aprender, e reter na memória por algum tempo, o
trajeto de labirintos visuais e tácteis muito simples (onde o número de pontos de
escolha a serem lembrados não excedesse a capacidade da memória de curto
prazo), embora a aquisição o destas tarefas de labirinto fosse extremamente lenta
(Milner et al., 1968). Foi demonstrado também que H.M. era capaz de se beneficiar
do efeito de pré-ativação (Corkin, 1984), efeito no qual a performance do indivíduo
pode ser facilitada ou enviesada por informações apresentadas previamente, sem
que o sujeito se dê conta disso. O paradigma básico dos estudos de pré-
ativação (priming) é aquele imaginado por Warrington e Weiskrantz (1970), que
consiste em apresentar uma lista de palavras e subseqüentemente testar os sujeitos
através de dois testes. Um dos testes é de reconhecimento, no qual a tarefa é
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identificar no meio de várias palavras quais foram apresentadas anteriormente. O


outro teste é de completamente de palavras, no qual são dadas as letras iniciais
para que se forme a palavra completa. H.M., assim como outros amnésicos,
tipicamente completava as palavras de acordo com a lista apresentada previamente,
mas não conseguia reconhecer as palavras que constavam desta lista. O paciente
H.M. foi exaustivamente estudado ao longo dos anos e muito se sabe sobre as
características de sua amnésia, mas o seu não é, de modo algum, o único caso
descrito na literatura. Em 1958 Penfield e Milner descreveram vários casos de
cirurgia de ablação unilateral do lobo temporal medial, que incluía a amígdala e boa
parte do hipocampo. Destes pacientes, dois desenvolveram um quadro amnésico
semelhante ao observado em H.M.. Estudos post-mortem mostraram que o
hipocampo do hemisfério cerebral não operado se apresentava necrótico e
provavelmente inoperante (Penfield & Mathieson, 1974). Portanto, a síndrome
amnésica só aparecia quando havia comprometimento bilateral desta estrutura.
Estes achados mostraram um claro envolvimento do hipocampo no processamento
de informações mnemônicas, o que já havia sido sugerido em 1900 por Bechterew,
que descreveu alterações neuropatológicas no lobo temporal medial de uma pessoa
que havia apresentado problema de memória durante a sua vida (citado por Zola-
Morgan, Squire & Amaral, 1986). Síndrome amnésica semelhante pode ser
observada em pacientes pós-encefalíticos, nos quais há lesões extensas do lobo
temporal medial, incluindo hipocampo, amígdala e uncus (Damasio, Eslinger,
Damasio, Van Hoesen & Cornell, 1985). O hipocampo também tem sido
responsabilizado pela amnésia que se manifesta após oclusão da artéria cerebral
posterior (Benson, Marsden & Meadows, 1974) ou após isquemia cerebral (Volpe &
Hirst, 1983).

Síndrome amnésica, amnésia global ou amnésia orgânica

A síndrome amnésica é definida por algumas características positivas - das quais a


mais importante é uma severa amnésia anterógrada - concomitantes e ausência de
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outros déficits cognitivos (linguagem, raciocínio, capacidade intelectual, habilidades


sociais, percepção, etc). Amnésia retrógrada pode aparecer, porém em graus
variados e restrita aos anos, meses ou dias que antecederam o agente amnésico. A
memória para eventos remotos se conserva intacta, todavia. Pacientes com amnésia
do lobo temporal medial apresentam capacidade preservada de aprender tarefas
que envolvam apenas habilidades motoras, perceptuais ou cognitivas (como as
tarefas de perseguição o de um ponto giratório, de traçado bimanual, e de escrever
ou ler palavras invertidas por um espelho, ou como solucionar o jogo da Torre de
Hanói e congêneres), ou seja, que não exijam a lembrança de eventos específicos.
Um bom exemplo para ilustrar esta dissociação apresentada por pacientes
amnésicos encontra-se no experimento realizado por Cohen e Squire (1980), no
qual os sujeitos liam tríades de palavras invertidas como num espelho, durante três
dias. Com o treino, o tempo de leitura, tanto de sujeitos normais como de
amnésicos, caía igualmente, revelando que a habilidade de ler palavras invertidas
estava sendo bem aprendida. Esta habilidade persistiu por três meses, pelo menos.
Porém, testes de reconhecimento revelaram que os amnésicos se esqueciam muito
mais rapidamente das palavras específicas que foram apresentadas durante o
treino. A esta dissociação o os autores chamaram sugestivamente de " saber como"
e " saber o quê".

O condicionamento clássico da resposta de piscar o olho é outro exemplo de


aprendizagem e retenção de longo prazo preservados em pacientes amnésicos
(Weiskrantz & Warrington, 1979).

A memória de curto prazo, avaliada através do desempenho em testes de


capacidade (span) de memória ou através do efeito de recência em testes de
recordação livre de palavras, também não é afetada nestes pacientes (Baddeley &
Warrington, 1970; Brooks & Baddeley, 1976).

A síndrome amnésica não se restringe a uma modalidade sensorial específica, nem


à qualidade do material apresentado (verbal, seja escrito ou falado, e não-verbal),
sendo, por isso mesmo, também chamada de amnésia global (Cohen, 1984; Rozin,
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1976; Squire, 1982b). No entanto, lesões focais do lobo temporal direito (não-
dominante) e do esquerdo revelaram, respectivamente, que o hipocampo direito
desempenha papel crítico na memorização do material difícil de verbalizar (como
rostos e sons não-familiares, padrões visuais abstratos) e de material disposto
espacialmente, e que o hipocampo esquerdo está mais relacionado com a memória
de material verbal (Jones-Gotman, 1986; Jones-Gotman & Milner, 1978; Smith &
Milner, 1981).

A síndrome amnésica ou amnésia global é também conhecida como amnésia


orgânica. Este termo refere-se ao fato da amnésia provir de uma alteração orgânica
resultante de cirurgia, ruptura de aneurismas, anóxia, tumores cerebrais, infecções,
lesões cerebrais por penetração, traumatismo craniano, etc.

A estrutura crítica: o hipocampo?

Desde o trabalho pioneiro de Scoville e Milner (1957) o hipocampo tem sido


considerado a estrutura crítica no desencadeamento da síndrome amnésica
associada ao lobo temporal medial, pois observa-se uma correlação entre o grau de
prejuízo e a magnitude do comprometimento do hipocampo. Alguns autores, no
entanto, questionaram a conclusão de que a ausência do hipocampo seria
necessária e suficiente para causar o quadro amnésico e lançaram algumas
explicações alternativas. Horel (1978) propôs que a estrutura crítica para as funções
mnemônicas seria o pedúnculo temporal (um sistema de fibras que conectam a
amígdala e o córtex temporal a outras estruturas subcorticais). Segundo o autor,
esta região necessariamente seria atingida no procedimento cirúrgico utilizado para
remover o lobo temporal medial. Estudos com primatas não-humanos comprovaram
posteriormente que a lesão do pedúnculo temporal não provoca prejuízo em testes
de memória. Aparentemente este tipo de lesão leva a um déficit de aprendizagem
em tarefas onde se exige a discriminação entre padrões visuais diferentes (Zola-
Morgan & Squire, 1984; Zola-Morgan, Squire & Mishkin, 1982). Este déficit
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provavelmente se deve a um problema no processamento de informações visuais e


não de memória propriamente (Zola-Morgan & Squire, 1984).

Mishkin (1978, 1982), por sua vez, não nega a importância do hipocampo, mas
sustenta que o extraordinário déficit de memória observado em pacientes como H.M.
é devido a lesões conjuntas de hipocampo e amígdala. Mishkin verificou, em
macacos, que a lesão bilateral conjunta de hipocampo e amígdala produz um
prejuízo maior que lesões bilaterais de qualquer uma destas duas estruturas feitas
isoladamente. Macacos com este tipo de lesão conjunta apresentavam prejuízos em
tarefas nas quais pacientes amnésicos também mostravam dificuldades (Squire,
Zola-Morgan & Chen, 1988; Zola-Morgan & Squire, 1985).

Zola-Morgan, Squire e Amaral (1989), entretanto, puseram em dúvida as conclusões


tiradas por Mishkin em relação à contribuição da amígdala na gênese da síndrome
amnésica. Segundo estes autores, lesões controladas em macacos, que realmente
só atinjam a amígdala, poupando o cortéx adjacente (conseguidas através de
técnicas estereotóxicas), não apenas não produzem efeito em várias tarefas de
memória, como também não potencializam os efeitos da lesão hipocampal. Eles
sugeriram, então, que o prejuízo observado por Mishkin deve-se ao fato de que as
lesões produzidas por ele atingiram, além da amígdala, áreas corticais adjacentes
(córtex perirrinal, giro para-hipocampal), e apontam uma provável contribuição
destas áreas no prejuízo de memória. E realmente a lesão conjunta bilateral do
hipocampo e destas áreas corticais (poupando a amígdala, porém) produziu um
efeito deletério maior em testes de memória do que a lesão apenas do hipocampo
(Squire & Zola-Morgan, 1991).

Revendo as evidências disponíveis na literatura sobre casos de lesões na amígdala,


além de estudos de registro e estimulação desta estrutura em seres humanos,
Sarter e Markowitsch (1985) propuseram um papel mais restrito para a amígdala: ela
seria responsável pelos eventos mnemônicos que têm um significado emocional
para o sujeito.
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O caso do paciente R.B. foi o primeiro relatado no qual uma lesão restrita ao
hipocampo produziu amnésia anterógrada, sem sinais de outros déficits cognitivos
ou de amnésia retrógrada significativa. Este paciente ficou amnésico devido a um
episódio isquêmico, e após sua morte o exame histológico do cérebro mostrou que
havia lesão bilateral restrita ao campo CA1 do hipocampo (Zola-Morgan, Squire &
Amaral, 1986). É importante notar, entretanto, que o déficit observado no paciente
R.B. não era tão severo quanto o observado no paciente H.M.

Estes achados indicam que a formação hipocampal (entendida como o conjunto que
inclui o giro denteado, o corno de Amon, o subículo e o córtex entorrinal) e mais o
córtex perirrinal e para-hipocampal desempenham papel de fundamental importância
na memória, presumivelmente devido às conexões recíprocas entre estas estruturas
e o neocórtex associativo posterior. Em consonância com esta ideia está o relato de
perda de memória em primatas devida à desconexão entre o córtex intertemporal
(área TE) e o sistema límbico (Mishkin, 1982).

AMNÉSIA DIENCEFÁLICA

A síndrome descrita primeiramente por Korsakoff no século passado (citações em


Lhermitte & Signoret, 1972; Victor, Adams & Collins, 1971), é outra patologia que
apresenta a perda de memória como um de seus sinais mais marcantes. Esta
síndrome é causada por deficiência de tiamina, geralmente secundária a desnutrição
associada com alcoolismo crônico, com possível contribuição dos efeitos tóxicos do
álcool per se (Butters, 1985; Lishman, 1981; Victor et al., 1971). Em pacientes
portadores desta doença constatou-se, através de autópsia, que o lobo temporal
medial se apresenta intacto. A lesão cerebral centra-se principalmente em estruturas
do diencéfalo, sendo que as mais atingidas são o núcleo medial dorsal do tálamo e
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os corpos mamilares no hipotálamo (Mair, Warrington & Weiskrantz, 1979; Victor et


al., 1971).

Pacientes de Korsakoff apresentam amnésia global anterógrada persistente,


semelhante à encontrada em pacientes com lesão bilateral do lobo temporal medial
(Butters, 1985; Mair et al., 1979; Parkin, 1984). Amnésia retrógrada também é uma
característica marcante, sendo mais difícil para os pacientes se lembrarem de
eventos que ocorreram logo antes do início da doença do que de eventos mais
remotos, como por exemplo da infância (Butters, 1985; Shimamura & Squire, 1986).
Testes formais de amnésia retrógrada, como o teste de personalidades famosas de
Albert, comprovaram a existência deste gradiente de dificuldade (Albert, Butters &
Levin, 1979). Além da amnésia anterógrada e retrógrada, os pacientes com
Korsakoff apresentam alguns outros déficits cognitivos, principalmente em tarefas
que envolvam resolução de problemas, atribuídos geralmente a atrofia de regiões
neocorticais (Butters, 1985). Assim como a amnésia do lobo temporal, a amnésia
diencefálica também é de natureza seletiva, pois estes pacientes são capazes de se
beneficiarem do efeito de pré-exposição (Shimamura, 1986) e de aprenderem
habilidades percepto-motoras (Brooks & Baddeley, 1976), apesar da severa amnésia
anterógrada.

Não existe consenso na literatura a respeito do comprometimento da memória de


curto prazo na síndrome de Korsakoff. Baddeley e Warrington (1970) e Brooks e
Baddeley (1976) notaram que, em vários testes de memória de curto prazo, estes
pacientes não apresentaram alteração. Entre estes testes estava a tarefa de
memória de curto prazo de Brown-Peterson, na qual Baddeley e Warrington (1970)
observaram um esquecimento normal em seus pacientes amnésicos. Cermak,
Butters e Good-glass (1971) e Butters, Lewis, Cermak e Goodglass (1973) obtiveram
em tarefa semelhante resultados opostos ao de Baddeley e Warrington (1970).
Butters e Cermak (1974) atribuíram este resultado conflitante principalmente ao fato
de que os outros autores utilizaram pacientes de diversas etiologias (não apenas
com a doença de Korsakoff), e também ao fato de que a metodologia por eles
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empregada permitia que os pacientes tivessem um tempo para repetir mentalmente


a informação apresentada, facilitando, assim, a execução da tarefa.

Pacientes com lesões penetrantes confirmam o envolvimento de estruturas do


diencéfalo na memória. O paciente N.A. ficou amnésico após sofrer um acidente
com um florete em miniatura que penetrou em sua narina e atingiu estruturas do
diencéfalo. Depois do acidente, ele não conseguia relembrar a maioria dos eventos
correntes pouco tempo após eles terem acontecido (amnésia anterógrada), e nem
de eventos que ocorreram logo antes da lesão (amnésia retrógrada). Sua amnésia
não era acompanhada de qualquer outro déficit intelectual ou perceptual (Teuber,
Milner & Vaughan, 1968). Inicialmente achava-se que a lesão se restringia ao núcleo
medial dorsal esquerdo do tálamo (Squire & Moore, 1979), porém, dez anos após,
Squire, Amaral, Zola-Morgan, Kritchevsky e Press (1989) verificaram, através de
exames com ressonância magnética nuclear, que outras estruturas como os corpos
mamilares, o trato mamilotalâmico esquerdo, entre outras, também foram atingidas.

Outro paciente (B.J.) tornou-se amnésico após um acidente com um taco de bilhar
que, à semelhança de N.A., penetrou por sua narina atingindo o cérebro.
Ressonância magnética nuclear mostrou que a lesão atingiu principalmente os
corpos mamilares, permanecendo o tálamo intacto. A amnésia apresentada por este
paciente, entretanto, restringia-se a materiais verbais (Dusoir, Kapur, Byrnes,
Mackinstry & Hoare, 1990).

Embora seja comum atribuir o prejuízo de memória observado em pacientes com a


doença de Korsakoff a lesões de estruturas como o núcleo medial dorsal do tálamo
e/ou corpos mamilares (Mair, Warrington & Weiskrantz, 1979; Victor, Adams &
Collins, 1971), outros autores sugerem que, mais importante que a destruição das
massas nucleares mencionadas, seria a lesão do trato mamilotalâmico e da lâmina
medular interna do tálamo (Cramon, Hebel & Schuri, 1985; Graff-Radford, Tranel,
Van Hoesen & Brant, 1990; Markowitsch, 1988). O trato mamilotalâmico conecta os
corpos mamilares aos núcleos do grupo anterior do tálamo. Pela lâmina medular
interna trafegam fibras que conectam o núcleo medial dorsal do tálamo ao córtex
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prefrontal, córtex cíngulado anterior e amígdala. A dificuldade em se chegar a uma


conclusão definitiva a respeito de qual estrutura diencefálica seria crítica no
desenvolvimento da síndrome amnésica reside no fato de que a maioria das lesões
observadas não se restringe a um determinado grupo de fibras ou núcleos
(Markowitsh, 1988).

Em resumo, do ponto de vista neuroanatômico, dois grandes tipos de amnésia


global estão amplamente documentados: a amnésia temporal e a amnésia
diencefálica. Controvérsias a respeito das estruturas envolvidas no primeiro caso
parecem satisfatoriamente resolvidas; na amnésia diencefálica ainda não.

Amnésia do lobo temporal e amnésia diencefálica: uma única entidade?

Dada a interconexão entre o hipocampo e os corpos mamilares através da fímbria-


fórnix, entre os corpos mamilares e núcleos do grupo anterior do tálamo através do
trato mamilotalâmico e entre a amígdala e o núcleo medial dorsal do tálamo, alguns
pesquisadores consideram que qualquer interrupção bilateral deste circuito provoca
a síndrome amnésica, que seria única em essência (Baddeley & Warrington, 1970;
Warrington & Weiskrantz, 1974; Weiskrantz, 1987).

A identidade entre a amnésia do lobo temporal medial e a amnésia diencefálica é


controversa, porém. Embora existam muitas semelhanças entre os dois quadros,
algumas diferenças também foram observadas. Por exemplo: ao contrário dos
pacientes com lesão de lobo temporal medial, pacientes com Korsakoff geralmente
não percebem que têm problemas de memória e confabulam; também a amnésia
retrógrada apresentada por estes últimos parece ser mais notável (Parkin, 1984).
Diferença importante apontada por vários autores (Lhermitte & Signoret, 1972;
Parkin, 1984; Rozin, 1976; Squire, 1982a) é que pacientes com a síndrome de
Korsakoff freqüentemente apresentam sintomas que são tópicos de danos ao lobo
frontal. Estas diferenças, segundo Parkin (1984), sugerem que a amnésia do lobo
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temporal e a amnésia diencefálica são entidades distintas. Advogando a favor da


identidade entre amnésia do lobo temporal e diencefálica, porém, Squire (1982a)
argumenta que os déficits cognitivos adicionais apresentados pelos pacientes com
Korsakoff não são essenciais para a caracterização da síndrome amnésica, mas,
influenciam a forma final do quadro apresentado. Em especial, este autor realça o
comprometimento do lobo frontal nestes pacientes. Alguns outros autores, porém,
acreditam na existência de mais uma diferença entre a amnésia temporal e a
diencefálica, diferença esta que dificilmente poderia ser atribuída a outro déficit
cognitivo que não ao problema de memória. Mais especificamente estes dois tipos
de amnésia difeririam quanto à velocidade de esquecimento de materiais
armazenados na memória de longo prazo. A velocidade de esquecimento de
pacientes com lesão de diencéfalo, como N.A. e doentes de Korsakoff seria normal,
enquanto que pacientes com lesão do lobo temporal medial esqueceriam
anormalmente rápido (Lhermitte & Signoret, 1972; Mayes & Meudell, 1984; Parkin,
1982). Entretanto, em trabalho recente, Mckee e Squire (1992) não observaram
diferenças estatisticamente significativas nas curvas de esquecimento de pacientes
com lesão de lobo temporal medial e pacientes com lesão de diencéfalo.

Quantos tipos de memória existem?

Seja única ou múltipla em sua origem, a síndrome amnésica é de natureza seletiva,


pois, embora os pacientes amnésicos, tanto diencefálicos como temporais, não
consigam se lembrar da maioria dos eventos que experienciam no dia-a-dia, muitas
funções de aprendizagem e memória estão preservadas, como por exemplo, a
capacidade de adquirirem habilidades motoras, cognitivas e perceptuais e a
capacidade de se beneficiarem do efeito de pré-exposição. Este fato levanta a
questão fundamental a respeito da existência de diferentes sistemas de memória.
Existiria pelo menos um segundo sistema de memória, independente de estruturas
como o lobo temporal medial e o diencéfalo, através do qual seriam processadas
aquelas funções preservadas. Vários pesquisadores, de fato, têm argumentado a
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favor da existência de múltiplos sistemas de memória (Cohen, 1984; Poulos &


Wilkinson, 1984; Squire, 1986; Squire & Zola-Morgan, 1988;Tulving, 1983).

A noção de que a memória poderia ser dividida em componentes é antiga. Ainda no


século passado William James1 (citado por Waugh & Norman, 1965) definiu, por
introspecção, os conceitos de memória primária e memória secundária. A memória
primária se estenderia por um curto prazo de tempo e dela fariam parte eventos
pertencentes ao "presente psicológico" que após serem percebidos ainda não
deixaram a consciência. A memória secundária pertenceria ao "passado psicológico"
e já esteve ausente da consciência. Posteriormente estes conceitos evoluíram em
memória de curto prazo (ou memória imediata) e memória de longo prazo,
respectivamente. Atualmente existe alguma evidência experimental que permite
diferenciar memória de curto prazo (retenção de itens por apenas alguns segundos)
de memória de longo prazo (retenção de itens por intervalos maiores) (Baddeley &
Warrington, 1970). A memória de curto prazo tem capacidade limitada (máximo de
sete a nove itens) e o material nela armazenado apresenta uma taxa de
esquecimento bem rápida (em torno de segundos). Apesar desta rápida taxa de
esquecimento, a informação pode ser mantida por mais tempo na memória através
de reverberação (rehearsal) (Atkinson & Shiffrin, 1971). Estudos neuropsicológicos
têm confirmado e estendido a noção de memória de curto prazo, sob a rubrica de
memória operacional(working memory) (Baddeley, 1986). Na síndrome amnésica,
aparentemente, a memória de curto prazo encontra-se preservada, embora alguma
discussão ainda exista com relação ao possível déficit deste tipo de memória
apresentado por pacientes com Korsakoff.

Além da distinção tradicionalmente feita entre memória de curto e longo prazo, os


estudos com pacientes amnésicos, relatados acima, levaram à distinção entre
memória declarativa e memória de procedimento, dissociadas tanto funcionalmente
como anatomicamente (Cohen, 1984; Squire, 1986).

A memória declarativa é a habilidade de armazenar e recordar ou reconhecer


conscientemente fatos e acontecimentos; a lembrança pode ser declarada, isto é,
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trazida à mente verbalmente como uma proposição, ou não verbalmente como uma
imagem (Saint-Cyr, Taylor & Lang, 1988; Squire, 1986). Seria este tipo de memória
que estaria afetada em pacientes amnésicos.

A memória de procedimento é a capacidade de adquirir gradualmente uma


habilidade percepto-motora ou cognitiva através da exposição repetida a uma
atividade específica que segue regras constantes. Esta capacidade é implícita e
independe da consciência, só podendo ser aferida através do desempenho do
paciente (Saint-Cyr et al., 1988; Squire, 1986). Pacientes amnésicos teriam este tipo
de memória preservada.

A aprendizagem de novas habilidades é um exemplo do que Schacter (1987a,


1987b) denomina memória implícita, isto é, conhecimento que para ser demonstrado
não requer referência explícita a um episódio particular. A memória implícita
contrapõe-se à memória explícita, que implica na recordação consciente de
experiências vividas. O termo memória implícita, por ser mais genérico que memória
de procedimento, permite acomodar melhor, nesta categoria, o efeito de pré-
ativação que se apresenta intacto em pacientes amnésicos e pode ser observado
após uma única exposição ao estímulo. Cohen (1984) considera a memória
declarativa e a de procedimento mais ou menos como sinônimos de memória
explícita e memória implícita, respectivamente.

Para Mishkin e Petri (1984) o produto do sistema de memória de procedimento é


um hábito, e não uma memória propriamente dita, produto, esta última, do sistema
declarativo. Com esta distinção entre hábito e memória pretendem estes autores
remeter o sistema de aprendizagem de procedimento aos estudos clássicos do
behaviorismo (aprendizagem de estímulo-resposta). Lembremo-nos de que no
sistema de Hull o conceito de hábito ocupa posição central em sua teoria da
aprendizagem (Hilgard, 1975).

Tulving (1983) propôs ainda uma outra distinção conceituai entre o que ele chama
de memória episódica e memória semântica. O termo memória episódica refere-se
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ao armazenamento de informações pessoais que permite ao indivíduo se lembrar de


eventos dos quais participou no passado. A memória semântica capacita o indivíduo
a adquirir conhecimento factual do mundo, ou seja, conhecimento impessoal de
fatos relevantes.

Estas diversas variantes de conceituação e principalmente de terminologia têm


gerado certa confusão na literatura. Uma tentativa de estabelecer uma taxonomia
para a memória, tentando acomodar várias destas divisões em um sistema coerente
levou ao seguinte quadro, modificado de Squire (1986):

A memória declarativa ou explícita incluiria as memórias episódica e semântica. A


memória de procedimento ou implícita incluiria habilidades (motoras, perceptuais e
cognitivas), efeito de pré-ativação, condicionamento clássico, habituação,
sensitização e tudo que foi aprendido mas que só pode ser aferido através do
desempenho (Squire, 1986). Estes diversos tipos de memória pertenceriam à
memória de longo prazo. Este quadro, entretanto, não é universalmente aceito.
Mishkin e Petri (1984), por exemplo, consideram que o seu sistema de
memória estaria relacionado com memória episódica ou declarativa e utilizam os
termos memória semântica e de procedimento como pertencentes a um mesmo
sistema: ao sistema de hábito. Parte pelo menos das dificuldades deste sistema de
classificação deriva da ambiguidade dos conceitos de memória episódica e memória
semântica.
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ESTRUTURAS CEREBRAIS ENVOLVIDAS COM MEMÓRIA IMPLÍCITA

As estruturas cerebrais envolvidas na memória implícita certamente abarcam regiões


muito mais extensas do sistema nervoso e ainda não foram bem identificadas. Além
disso, o conceito de memória implícita engloba vários tipos de memória que, embora
satisfaçam todos os critérios de independência da consciência, são dessemelhantes
entre si em outros aspectos.

O envolvimento do corpo estriado na memória de procedimento foi sugerido por


Mishkin, Malamut e Bachevalier (1984). Segundo eles, o neoestriado, principalmente
o núcleo caudado, teria um papel importante no estabelecimento do que ele chama
de hábito. Por suas conexões anatômicas, o neoestriado seria uma estrutura
apropriada para promover ligação entre estímulos e ações, pois recebe projeções de
várias áreas do córtex, incluindo áreas sensoriais, e envia fibras a estruturas
subcorticais que fazem parte do sistema de controle dos movimentos (Mishkin &
Appenzeller, 1987).

Algumas evidências diretas deste envolvimento já existem. Na tentativa de melhor


caracterizar demências de etiologias diversas, Martone, Butters e Payne (1984)
compararam o desempenho de pacientes portadores do mal de Huntington, de
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Korsakoff e indivíduos normais no teste de leitura de palavras invertidas, no qual


tríades de palavras eram apresentadas de forma que parecessem projetadas em um
espelho. O procedimento foi determinado de forma que os indivíduos fossem
submetidos a uma tarefa de aprendizagem de habilidade perceptual (teste de
memória de procedimento) e a uma tarefa de reconhecimento de palavras já vistas
(teste de memória declarativa). Na primeira tarefa os experimentadores mediam o
tempo que o indivíduo demorava para ler cada tríade. Na segunda tarefa, os sujeitos
deviam apontar, no meio de uma lista, as palavras apresentadas anteriormente. Os
resultados mostraram uma dupla dissociação no desempenho de pacientes com
Huntington e Korsakoff, ou seja, os pacientes com Korsakoff tiveram um
desempenho pobre na tarefa de reconhecimento mas aprenderam tão
eficientemente quanto indivíduos normais a tarefa de ler as palavras invertidas. O
desempenho dos indivíduos com Huntington foi inferior ao desempenho dos
controles normais nesta última tarefa. Na tarefa de reconhecimento, entretanto, seu
desempenho foi normal. O mal de Huntington é uma doença transmitida
geneticamente que resulta em uma atrofia progressiva dos gânglios da base. Os
sintomas mais comuns são a presença de movimentos coreiformes e de um
processo de demenciação. Martone et al. (1984) sugeriram então que pacientes cuja
demência é resultado de atrofia nos gânglios da base, têm problemas mais
relacionados à aquisição de conhecimento procedimental. Entretanto, a patologia
apresentada por estes pacientes é complexa e os prejuízos cognitivos não se
restringem à memória de procedimento. Em verdade, estes pacientes não
apresentam desempenho normal em alguns testes de memória declarativa que
envolvem recordação livre, mas apresentam, se não desempenho normal, pelo
menos próximo ao normal, em tarefas de reconhecimento (Butters, 1985). É possível
entretanto que alguns prejuízos observados em pacientes com Huntington sejam
devidos a alterações corticais também presentes nestes indivíduos (Saint-Cyr, Taylor
& Lang, 1988). Saint-Cyr et al. (1988) encontraram em pacientes com a doença de
Parkinson - portadores, portanto, de disfunção dos gânglios basais - prejuízo seletivo
numa tarefa cognitiva tida como exemplo de aprendizagem de procedimento (torre
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de Hanoi simplificada), enquanto que o desempenho em testes de memória


declarativa permanecia intacto.

Segundo Squire (1986), o efeito de pré-ativação encontra-se reduzido em doentes


de Alzheimer, o que pode ser uma pista para envolver o córtex cerebral com este
fenômeno. Alguns outros estudos apontam para o córtex posterior como uma das
estruturas responsáveis pela pré-ativação, independentemente de regiões límbico-
diencefálicas essenciais para a memória declarativa (Cave & Squire, 1992).

O papel essencial do cerebelo no condicionamento clássico de respostas motoras


(piscar o olho) foi estabelecido claramente por Thompson e seus colaboradores,
trabalhando com coelhos (Thompson, 1986). Em seres humanos o cerebelo parece
desempenhar papel semelhante, pois uma lesão na circuitaria cerebelar de uma
paciente provocou um grande déficit na aquisição de condicionamento clássico da
resposta de piscar (Solomon, Stowe & Pendlbeury, 1989).

Perspectivas

Estudos neuropsicológicos têm conseguido fazer a identificação de estruturas e


conexões cerebrais importantes para a memória, ou mais precisamente, para as
memórias, pois a existência de múltiplos sistemas de memória vem sendo atestada
por tais estudos.

Em que pese o grande progresso ocorrido na área, muito resta por descobrir e
muitos pontos polêmicos precisam ser esclarecidos, como a questão da identidade
ou não da amnésia do lobo temporal medial e da amnésia diencefálica.
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Grande empenho está sendo colocado atualmente na identificação de estruturas


relacionadas ao processamento de informações dos tipos abarcados pelo conceito
de memória implícita.

O papel de cada estrutura, isto é, o que cada uma delas faz para tornar possível as
funções psicológicas abrangidas sob a rubrica geral de memória, continua quase
inteiramente um mistério. Outra questão pouco tocada ainda refere-se à s interações
entre as diversas estruturas envolvidas.

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Educação, Inclusiva e Legislação

Constituição Federal, através do artigo 205, garante o direito à educação a


todos os indivíduos. Quando a constituição se refere ao termo “todos os indivíduos”,
subtende-se que não há distinção. No artigo 206 é ressaltada a igualdade de
condições para acesso e permanência na escola. Observa-se então que, a
constituição garante a todos o direito de a educação sem distinção de raça, sexo,
cor, origem ou deficiência. Fica claro que não é permitido nenhum tipo de
discriminação ou impedimento da matrícula do indivíduo com deficiência na rede
regular de ensino. A Conferência Mundial em Educação Especial, organizada pelo
governo da Espanha na cidade de Salamanca, em cooperação com a UNESCO, em
1994, ressalta que o direito de cada criança a educação é proclamado na
Declaração Universal de Direitos Humanos e foi fortemente reafirmado pela
Declaração Mundial Sobre Educação para Todos. Na Declaração de Salamanca
ficou estabelecido que

Toda criança tem direito fundamental a educação, e deve ser dada a


oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem” e
“toda criança possui características, interesses, habilidades e
necessidades de aprendizagens que são únicas. Qualquer pessoa
Página 32 de 51

portadora de deficiência tem o direito de expressar seus desejos com


relação à sua educação, tanto quanto estes possam ser realizados. Pais
possuem o direito inerente de serem consultados sobre a forma de
educação mais apropriada às necessidades, circunstâncias e aspirações
de suas crianças. (MEC/SEESP, 2006:33)

A inclusão requer mais que integração, mas respeito à individualidade de


cada um, considerando as necessidades e desejos apresentados pelo indivíduo com
deficiência e a opinião da Família em relação ao sujeito incluído.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB


9.394/96), o Atendimento Educacional Especializado, Assegurado no artigo 58,

§ 1º e § 2º, ressalta que: 7§ 1º. Haverá, quando necessário, serviço de


apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades
da clientela de Educação Especial. § 2º. O atendimento educacional será
feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em
função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua
integração nas classes comuns de ensino regular. (LDB 9.394/96).

O artigo da LDB assegura o serviço de apoio especializado, ou atendimento


educacional especializado, aos indivíduos com deficiência sempre que for
necessário para atender as necessidades de cada aluno. Quando não for possível a
integração do aluno nas classes comuns de ensino regular, poderá ocorrer o
atendimento educacional através do serviço de apoio especializado.

A lei Nº 10.845, de 5 de março de 2004, institui o programa de


Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às pessoas com
Deficiência e ressalta no artigo 1º que:

Fica instituído, no âmbito do Fundo Nacional de desenvolvimento da


Educação – FND, programa de complementação ao Atendimento Educacional
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Especializado às Pessoas Portadoras de deficiências – PAED, em cumprimento do


disposto no inciso III do artigo 208 da Constituição, com os seguintes objetivos:

I – garantir a universalização do atendimento especializado de


educandos portadores de deficiência cuja situação não permita a
integração em classes comuns de ensino regular;
II – garantir, progressivamente, a inserção dos educandos portadores de
deficiência nas classes comuns de ensino regular.” (MEC/SEESP, 2006:
190).

A lei citada destaca a necessidade de garantir às crianças com


necessidades especiais nas escolas inclusivas, apoio e suporte extra que
assegurem uma educação efetiva evitando-se o encaminhamento dessas crianças a
escolas, classes ou seções permanentes de Educação Especial, salvo exceções,
quando há incapacidade do aluno frequentar a classe regular de ensino.

Há estruturas de ação em Educação Especial, adotadas pela Conferência


Mundial em Educação Especial, que se compõe de aspectos que visam à
implementação de políticas, recomendações e ações governamentais que visão
aspectos de melhoria para a Educação Especial, dentre eles estão incluídos os
serviços externos de apoio à Educação Especial.

De acordo com a LDB (artigo 58), existe a possibilidade do Atendimento


Educacional Especializado, ocorrer fora do ambiente escolar, entretanto, o ensino
regular não deve ser substituído, e sim, apoiado através de intervenções que visem
o aprendizado e o desenvolvimento do aluno. A importância do apoio ou suporte ao
professor que possui em sala de aula um aluno com deficiência é percebida através
da dificuldade que o educador apresenta em alfabetizar esse aluno, visto que,
normalmente as salas de aula do ensino regular público, onde a inclusão ocorre de
forma mais efetiva, normalmente apresentam problemas de superlotação. Tal fato
impossibilita o professor de desenvolver com este aluno, um trabalho mais
específico que atenda suas reais necessidades.
Página 34 de 51

Para crianças com necessidades educacionais especiais uma rede


contínua de apoio deveria ser providenciada, com variação desde a
ajuda mínima na classe regular até programas adicionais de apoio à
aprendizagem dentro da escola e expandindo, conforme necessário, à
provisão de assistência dada por professores especializados e pessoal
de apoio externo. (MEC/SEESP, 2006:335)

Click e assista ao vídeo do MEC sobre Inclusão

https://www.youtube.com/watch?v=T5E_8ct-JEA

O DESPREPARO PARA PRÁTICA INCLUSIVA

O despreparo e o medo do desconhecido ainda pairam sobre as salas de


aula frente à inclusão. Incluir um aluno na escola regular vai muito além de permitir a
frequência e participação do mesmo nas aulas sem dá-lo condições para aprender.
A inclusão requer participação ativa no processo de ensino e aprendizagem,
socialização e vivência. Para que isto ocorra de forma efetiva é necessário que a
escola se organize funcionalmente e estruturalmente para receber este aluno e
incluí-lo. O currículo deve ser adaptado às necessidades dos alunos, promovendo
oportunidades que se adéquem as habilidades e interesses diferenciado na intenção
de promover a inclusão de todos.

A Educação Especial deve fazer parte do cotidiano da escola, abrangendo a


educação básica e o ensino superior, na intenção de garantir aos alunos que
necessitem de apoio especializado e de intervenção pedagógica adequada, uma
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maior eficiência no processo de ensino e aprendizagem, dentro do contexto no qual


está inserido.

O movimento nacional para incluir todas as crianças na escola e o ideal de


uma escola para todos vêm dando novo rumo às expectativas educacionais para os
alunos com necessidades especiais.
Esses movimentos evidenciam grande impulso desde a década de 90 no
que se refere à colocação de alunos com deficiência na rede regular de ensino e têm
avançado aceleradamente em alguns países desenvolvidos, constatando-se que a
inclusão bem-sucedida desses educandos requer um sistema educacional diferente
do atualmente disponível. Implicam a inserção de todos, sem distinção de condições
linguísticas, sensoriais, cognitivas, físicas, emocionais, étnicas, socioeconômicas ou
outras e requer sistemas educacionais planejados e organizados que deem conta da
diversidade dos alunos e ofereçam respostas adequadas às suas características e
necessidades.
A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta
que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de
direitos e de oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional
favorável. Impõe-se como uma perspectiva a ser pesquisada e experimentada na
realidade brasileira, reconhecidamente ampla e diversificada.
Ao pensar a implementação imediata do modelo de educação inclusiva nos
sistemas educacionais de todo o país (nos estados e municípios), há que se
contemplar alguns de seus pressupostos. Que professor o modelo inclusivista
prevê? O professor especializado em todos os alunos, inclusive nos que apresentam
deficiências?
O plano teórico-ideológico da escola inclusiva requer a superação dos
obstáculos impostos pelas limitações do sistema regular de ensino. Seu ideário
defronta-se com dificuldades operacionais e pragmáticas reais e presentes, como
recursos humanos, pedagógicos e físicos ainda não contemplados nesse Brasil
afora, mesmo nos grandes centros. Essas condições, a serem plenamente
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conquistadas em futuro remoto, supõe-se, são exequíveis na atualidade, em


condições restritamente específicas de programas-modelos ou experimentais.

O que se afigura de maneira mais expressiva ao se pensar na viabilidade do


modelo de escola inclusiva para todo o país no momento, é a situação dos recursos
humanos, especificamente dos professores das classes regulares, que precisam ser
efetivamente capacitados para transformar sua prática educativa. A formação e a
capacitação docente impõem-se como meta principal a ser alcançada na
concretização do sistema educacional que inclua todos, verdadeiramente.
É indiscutível a dificuldade de efetuar mudanças, ainda mais quando
implicam novos desafios e inquestionáveis demandas socioculturais. O que se
pretende, numa fase de transição onde os avanços são inquietamente almejados, é
o enfrentamento desses desafios mantendo-se a continuidade entre as práticas
passadas e as presentes, vislumbrando o porvir; é procurar manter o equilíbrio
cuidadoso entre o que existe e as mudanças que se propõem.
Observe-se a legislação atual. Quando se preconiza, para o aluno com
necessidades especiais, o atendimento educacional especializado preferencialmente
na rede regular de ensino, evidencia-se uma clara opção pela política de integração
no texto da lei, não devendo a integração – seja como política ou como princípio
norteador – ser penalizada em decorrência dos erros que têm sido identificados na
sua operacionalização nas últimas décadas.
O êxito da integração escolar depende, dentre outros fatores, da eficiência
no atendimento à diversidade da população estudantil. Como atender a essa
diversidade? Sem pretender respostas conclusivas, sugere-se estas, dentre outras
medidas: elaborar propostas pedagógicas baseadas na interação com os alunos,
desde a concepção dos objetivos; reconhecer todos os tipos de capacidades
presentes na escola; sequenciar conteúdos e adequá-los aos diferentes ritmos de
aprendizagem dos educandos; adotar metodologias diversas e motivadoras; avaliar
os educandos numa abordagem processual e emancipadora, em função do seu
progresso e do que poderá vir a conquistar.
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Alguns educadores defendem que uma escola não precisa preparar-se para
garantir a inclusão de alunos com necessidades especiais, mas tornar-se preparada
como resultado do ingresso desses alunos. Indicam, portanto, a colocação imediata
de todos na escola. Entendem que o processo de inclusão é gradual, interativo e
culturalmente determinado, requerendo a participação do próprio aluno na
construção do ambiente escolar que lhe seja favorável. Embora os sistemas
educacionais tenham a intenção de realizar intervenções pedagógicas que propiciem
às pessoas com necessidades especiais uma melhor educação, sabe-se que a
própria sociedade ainda não alcançou níveis de integração que favoreçam essa
expectativa.

Click e assista ao vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=krYIZ_6UtrQ

PRÁTICAS INCLUSIVAS NAS ESCOLAS

Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada, devendo


firmar a convivência no contexto da diversidade humana, bem como aceitar e
valorizar a contribuição de cada um conforme suas condições pessoais.
A educação tem se destacado como um meio privilegiado de favorecer o
processo de inclusão social dos cidadãos, tendo como mediadora uma escola
realmente para todos, como instância sociocultural.
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A prática escolar tem evidenciado o que pesquisas científicas vêm


comprovando: os sistemas educacionais experimentam dificuldades para integrar o
aluno com necessidades especiais. Revelam os efeitos dificultadores de diversos
fatores de natureza familiar, institucionais e socioculturais.
A maioria dos sistemas educacionais ainda baseia-se na concepção
médicopsicopedagógica quanto à identificação e ao atendimento de alunos com
necessidades especiais. Focaliza a deficiência como condição individual e minimiza
a importância do fator social na origem e manutenção do estigma que cerca essa
população específica. Essa visão está na base de expectativas massificadas de
desempenho escolar dos alunos, sem flexibilidade curricular que contemple as
diferenças individuais.
Outras análises levam à constatação de que a própria escola regular tem
dificultado, para os alunos com necessidades especiais, as situações educacionais
comuns propostas para os demais alunos. Direcionam a prática pedagógica para
alternativas exclusivamente especializadas, ou seja, para alunos com necessidades
especiais, a resposta educacional adequada consiste em serviços e recursos
especializados.
Tais circunstâncias apontam para a necessidade de uma escola
transformada. Requerem a mudança de sua visão atual. A educação eficaz supõe
um projeto pedagógico que enseje o acesso e a permanência – com êxito – do aluno
no ambiente escolar; que assume a diversidade dos educandos, de modo a
contemplar as suas necessidades e potencialidades. A forma convencional da
prática pedagógica e do exercício da ação docente é questionada, requerendo-se o
aprimoramento permanente do contexto educacional. Nessa perspectiva é que a
escola virá a cumprir o seu papel, viabilizando as finalidades da educação.
Em uma dimensão globalizada da escola e no bojo do seu projeto
pedagógico, a gestão escolar, os currículos, os conselhos escolares, a parceria com
a comunidade escolar e local, dentre outros, precisam ser revistos e
redimensionados, para fazer frente ao contexto da educação para todos. A lei nº
9.394 – de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – respalda, enseja e oferece
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elementos para a transformação requerida pela escola de modo que atenda aos
princípios democráticos que a orientam.

Click e assista o incrível


vídeo sobre a professora cadeirante

https://www.youtube.com/watch?v=ieasHdgWDJA

A REDEFINIÇÃO DO OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL

A Educação Especial tem sido atualmente definida no Brasil segundo uma


perspectiva mais ampla, que ultrapassa a simples concepção de atendimentos
especializados tal como vinha sendo a sua marca nos últimos tempos.
Conforme define a nova LDB, trata-se de uma modalidade de educação
escolar, voltada para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania.
Como elemento integrante e indistinto do sistema educacional, realiza-se
transversalmente, em todos os níveis de ensino, nas instituições escolares, cujo
projeto, organização e prática pedagógica devem respeitar a diversidade dos alunos,
a exigir diferenciações nos atos pedagógicos que contemplem as necessidades
educacionais de todos. Os serviços educacionais especiais, embora diferenciados,
não podem desenvolver-se isoladamente, mas devem fazer parte de uma estratégia
global de educação e visar suas finalidades gerais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais preconizam a atenção à diversidade
da comunidade escolar e baseiam-se no pressuposto de que a realização de
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adaptações curriculares pode atender a necessidades particulares de aprendizagem


dos alunos. Consideram que a atenção à diversidade deve se concretizar em
medidas que levam em conta não só as capacidades intelectuais e os
conhecimentos dos alunos, mas, também, seus interesses e motivações.
A atenção à diversidade está focalizada no direito de acesso à escola e visa
à melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, irrestritamente, bem
como as perspectivas de desenvolvimento e socialização. A escola, nessa
perspectiva, busca consolidar o respeito às diferenças, conquanto não elogie a
desigualdade. As diferenças vistas não como obstáculos para o cumprimento da
ação educativa, mas, podendo e devendo ser fatores de enriquecimento.
A diversidade existente na comunidade escolar contempla uma ampla
dimensão de características. Necessidades educacionais podem ser identificadas
em diversas situações representativas de dificuldades de aprendizagem, como
decorrência de condições individuais, econômicas ou socioculturais dos alunos:
• Crianças com condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e
sensoriais diferenciadas;
• Crianças com deficiência e bem dotadas;
• Crianças trabalhadoras ou que vivem nas ruas;
• Crianças de populações distantes ou nômades;
• Crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais;
• Crianças de grupos desfavorecidos ou marginalizados.
A expressão necessidades educacionais especiais podem ser utilizadas para
referir-se a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua elevada
capacidade ou de suas dificuldades para aprender. Está associada, portanto, a
dificuldades de aprendizagem, não necessariamente vinculada a deficiência(s). O
termo surgiu para evitar os efeitos negativos de expressões utilizadas no contexto
educacional – deficientes, excepcionais, subnormais, superdotados, infradotados,
incapacitados etc. – para referir-se aos alunos com altas habilidades/superdotação,
aos portadores de deficiências cognitivas, físicas, psíquicas e sensoriais. Tem o
propósito de deslocar o foco do aluno e direcioná-lo para as respostas educacionais
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que eles requerem, evitando enfatizar os seus atributos ou condições pessoais que
podem interferir na sua aprendizagem e escolarização.
É uma forma de reconhecer que muitos alunos, sejam ou não portadores de
deficiências ou de superdotação, apresentam necessidades educacionais que
passam a ser especiais quando exigem respostas específicas adequadas.
O que se pretende resgatar com essa expressão é o seu caráter de
funcionalidade, ou seja, o que qualquer aluno pode requerer do sistema educativo
quando frequenta a escola. Isso requer uma análise que busque verificar o que
ocorre quando se transforma as necessidades especiais de uma criança numa
criança com necessidades especiais. Com frequência, necessitar de atenção
especial na escola pode repercutir no risco de tornar-se um portador de
necessidades especiais. Não se trata de mero jogo de palavras ou de conceitos.

Click e assista ao vídeo sobre a


política de inclusão do MEC

https://www.youtube.com/watch?v=_P3gBZZ1YJI

O QUE A ESCOLA PODE FAZER PARA DAR RESPOSTAS ÀS NECESSIDADES

Falar em necessidades educacionais especiais, portanto, deixa de ser


pensar nas dificuldades específicas dos alunos e passa a significar o que a escola
pode fazer para dar respostas às suas necessidades, de um modo geral, bem como
aos que apresentam necessidades específicas muito diferentes dos demais.
Considera os alunos, de um modo geral, como passíveis de necessitar, mesmo que
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temporariamente, de atenção específica e poder requerer um tratamento


diversificado dentro do mesmo currículo. Não se nega o risco da discriminação, do
preconceito e dos efeitos adversos que podem decorrer dessa atenção especial. Em
situação extrema, a diferença pode conduzir à exclusão. Por culpa da diversidade ou
de nossa dificuldade em lidar com ela?
Nesse contexto, a ajuda pedagógica e os serviços educacionais, mesmo os
especializados – quando necessários – não devem restringir ou prejudicar os
trabalhos que os alunos com necessidades especiais compartilham na sala de aula
com os demais colegas. Respeitar a atenção à diversidade e manter a ação
pedagógica “normal” parece ser um desafio presente na integração dos alunos com
maiores ou menos acentuadas dificuldades para aprender.
Embora as necessidades especiais na escola sejam amplas e diversificadas,
a atual Política Nacional de Educação Especial aponta para uma definição de
prioridades no que se refere ao atendimento especializado a ser oferecido na escola
para quem dele necessitar.
Nessa perspectiva, define como aluno portador de necessidades especiais
aquele que “... por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos
no domínio das aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, requer
recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas.” A classificação
desses alunos, para efeito de prioridade no atendimento educacional especializado
(preferencialmente na rede regular de ensino), consta da referida Política e dá
ênfase a:
• portadores de deficiência mental, visual, auditiva, física e múltipla;
• portadores de condutas típicas (problemas de conduta);
• portadores de Superdotação.
A educação especial pode ser oferecida em instituições públicas ou
particulares. As políticas recentes de educação especial têm indicado as seguintes
situações para a organização do atendimento:
• Integração plena na rede regular de ensino, com ou sem apoio em sala de
recursos.
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• Classe especial em escola regular. Pelas dificuldades de integração dos


alunos em salas de ensino regular, algumas escolas optam pela organização de
salas de aula exclusivas ao atendimento de alunos com necessidades especiais.
• Escola especializada, destinada a atender os casos em que a educação
integrada não se apresenta como viável, seja pelas condições do aluno, seja pelas
do sistema de ensino.

Click e assista ao vídeo sobre


a resposta da escola à inclusão

https://www.youtube.com/watch?v=w8EDNWyJKg0

A INTEGRAÇÃO DE ALUNOS NEE (NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS)


NAS ESCOLAS REGULARES

A integração dos portadores de necessidades educativas especiais no


sistema de ensino regular é uma diretriz constitucional (art. 208, III), fazendo parte
da política governamental há pelo menos uma década. Mas, apesar desse
relativamente longo período, tal diretriz ainda não produziu a mudança necessária
na realidade escolar, de sorte que todas as crianças, jovens e adultos com
necessidades especiais sejam atendidos em escolas regulares, sempre que for
recomendado pela avaliação de suas condições pessoais. A concepção da política
de integração da educação especial na rede regular de ensino abrange duas
vertentes fundamentais:
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• O âmbito social, a partir do reconhecimento das crianças, jovens e adultos


especiais como cidadãos e de seu direito de estarem integrados à sociedade o mais
plenamente possível;
• O âmbito educacional, tanto nos aspectos administrativos (adequação do
espaço escolar, de seus equipamentos e materiais pedagógicos) quanto na
qualificação dos professores e demais profissionais envolvidos. O ambiente escolar
como um todo deve ser sensibilizado para uma perfeita integração. Propõe-se uma
escola integradora, inclusiva, aberta à diversidade dos alunos, no que a participação
da comunidade é fator essencial.
Entre outras características dessa política, são importantes a flexibilidade e a
diversidade, quer porque o aspecto das necessidades especiais é variado, quer
porque as realidades são bastante diversificadas no país. Quanto às escolas
especiais, a política de inclusão as reorienta para prestarem apoio aos programas de
integração.
Enquanto modalidade de ensino, a educação especial deve seguir os
mesmos requisitos curriculares dos respectivos níveis de ensino aos quais está
associada. No entanto, de modo a considerar as especificidades dessa modalidade
de ensino e auxiliar no processo de adaptação à nova política de integração, os
sistemas de ensino contam atualmente com o documento Adaptações curriculares.
Esse documento define estratégias para a educação de alunos com necessidades
educativas especiais e orienta os sistemas de ensino para o processo de construção
da educação na diversidade.
Os currículos devem ter uma base nacional comum, conforme determinam
os arts. 26 e 27 da LDBEN, a ser suplementada e complementada por uma parte
diversificada, exigida, inclusive, pelas características dos alunos.
Em casos muito singulares, em que o educando com graves
comprometimentos mentais e/ou múltiplos não puder beneficiar-se de um currículo
que inclua formalmente a base nacional comum, deverá ser proposto um currículo
especial para atender suas necessidades, com características amplas apresentadas
pelo aluno.
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O currículo especial – tanto na educação infantil como nas séries iniciais do


ensino fundamental – distingue-se pelo caráter funcional e pragmático das
atividades previstas.
Alunos com grave deficiência mental ou múltipla têm, na grande maioria das
vezes, um longo percurso educacional sem apresentar resultados de escolarização
previstos no Inciso I do art. 32 da LDBEN: «o desenvolvimento da capacidade de
aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo».
Nesse caso, e esgotadas todas as possibilidades apontadas no art. 24 da
LDBEN, deve ser dada, a esses alunos, uma certificação de conclusão de
escolaridade, denominada «terminalidade específica». Terminalidade específica,
portanto, é «uma certificação de conclusão de escolaridade, com histórico escolar
que apresenta, de forma descritiva, as habilidades atingidas pelos educandos cujas
necessidades especiais, oriundas de grave deficiência mental ou múltipla, não lhes
permitem atingir o nível de conhecimento exigido para a conclusão do ensino
fundamental, respeitada a legislação existente, esgotadas as possibilidades
pontuadas no art. 24 da Lei n.º 9.394/96 e de acordo com o regimento e a proposta
pedagógica da escola».
A referida certificação de escolaridade deve possibilitar novas alternativas
educacionais, tais como o encaminhamento para cursos de educação de jovens e
adultos e de preparação para o trabalho, cursos profissionalizantes e
encaminhamento para o mercado de trabalho competitivo ou não.
A educação especial para o trabalho é uma alternativa que visa à integração
do aluno com deficiência na vida em sociedade, a partir de ofertas de formação
profissional. Efetiva-se por meio de adequação dos programas de preparação para o
trabalho, de educação profissional, de forma a viabilizar o acesso das pessoas com
necessidades educacionais especiais em cursos de nível básico, técnico e
tecnológico, possibilitando o acesso ao mercado formal ou informal. As adequações
efetivam-se por meio de:
• Adaptação dos recursos instrucionais: material pedagógico, equipamento,
currículo e outros.
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• Capacitação de recursos humanos: professores, instrutores e profissionais


especializados.
• Eliminação de barreiras arquitetônicas.
A educação especial para o trabalho pode ser realizada em escolas
especiais, governamentais ou não, em oficinas pré-profissionais ou oficinas
profissionalizantes (de forma protegida ou não), em escolas profissionais do sistema
S (SESI, SENAI, SENAC, etc.), em escolas agrotécnicas e técnicas federais ou em
centros federais de educação tecnológica e em outras congêneres.
Os arts. 3º e 4º do Decreto n.º 2.208/97 contemplam a inclusão de alunos
em cursos de educação profissional de nível básico, independentemente de
escolaridade prévia, além dos cursos de nível técnico e tecnológico. Assim, alunos
com necessidades especiais também podem, com essa condição, beneficiar-se
desses cursos, qualificando-se para o exercício de funções demandadas pelo
mundo do trabalho.
A educação para o trabalho oferecida aos alunos com necessidades
especiais que não apresentarem condições de se integrar aos cursos
profissionalizantes acima mencionados deve ser realizada em oficinas
profissionalizantes protegidas, com vista à inserção não-competitiva no mundo do
trabalho.
Sendo a educação especial uma modalidade de ensino que perpassa os
diversos níveis de ensino, o nível de formação exigido equivale aos requisitos para
atuação nos respectivos níveis de ensino aos quais está associada. Sendo assim,
para atuação na educação infantil e no primeiro segmento do ensino fundamental,
exige-se formação mínima em nível médio, na modalidade Normal. Para atuação no
segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio, exige-se formação
em nível superior.
A partir de 2007, a formação mínima exigida para atuação nos respectivos
níveis de ensino e, portanto, na modalidade de educação especial será a licenciatura
plena, obtida em nível superior.
O Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Especial,
também desenvolve o Programa Nacional de Capacitação de Recursos Humanos,
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dirigido aos profissionais que atuam no ensino regular. O Programa prevê


atendimento gradual dos municípios brasileiros, utilizando-se de recursos da
educação à distância, de modo a possibilitar maior oferta de atendimento aos alunos
com necessidades educacionais especiais.
O conhecimento da realidade da educação especial no país é ainda bastante
precário, porque não se dispõe de estatísticas completas nem sobre o número de
pessoas com necessidades especiais nem sobre o atendimento. Somente a partir do
ano 2000, o Censo Demográfico passou a oferecer dados mais precisos, permitindo
análises mais profundas da realidade.
A Organização Mundial de Saúde estima que em torno de 10% da
população de um país têm necessidades especiais de diversas ordens: visuais,
auditivas, físicas, mentais, múltiplas, distúrbios de conduta e, também, superdotação
ou altas habilidades. Se essa estimativa se aplicar ao Brasil, estima-se a existência
de cerca de 15 milhões de pessoas nessa condição.
A informação mais recente de que se dispõe, em âmbito nacional, foi obtida
pelo Censo Demográfico de 1991, que investigou a existência de pessoas
portadoras de cegueira, surdez, paralisia, falta de membros ou parte deles e
deficiência mental, em uma amostra com aproximadamente 10% dos domicílios do
país. Apuradas as respostas, a parcela de pessoas portadoras de deficiência foi
calculada em 1,5% da população brasileira, bem inferior, portanto, às estimativas
dos organismos internacionais de saúde.
De qualquer forma, o atendimento nos estabelecimentos escolares mostra-
se muito inferior ao necessário. Em 1999, havia cerca de 311 mil alunos
matriculados, distribuídos da seguinte forma: 53,8% deficientes mentais; 12,6% com
deficiências múltiplas; 12,6% com deficiência auditiva; 4,9% com deficiência física;
4,6% com deficiência visual; 2,7% com problemas de condutas típicas. Apenas 0,4%
com altas habilidades/superdotados e 8,5% com outro tipo de deficiência.
Assim como o movimento inclusivo exige mudanças estruturais para as
escolas comuns e especiais, ele também propõe que haja uma articulação entre os
diferentes profissionais envolvidos neste processo. O diálogo entre diversos
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profissionais é necessário para o aprofundamento e melhor desempenho, seja do


aluno, do professor ou do especialista.
No entanto, o diálogo só acontece quando as partes que se respeitam
mutuamente e não assumem uma posição de superioridade de conhecimento e de
dominação sobre o outro. Desta forma, para que cada espaço se organize e cumpra
com o que se propõe, sem ocupar ou se sobrepor ao trabalho do outro, faz-se
necessário destacar:
• Escola (sala comum): Espaço educacional responsável pela saída da vida
particular e familiar para o domínio público tem função social reguladora e formativa
para os alunos. A escola cabe ensinar a compartilhar o saber, introduzir o aluno no
mundo social, cultural e cientifico, ou seja, cabe a escola socializar o saber
universal.
• Atendimento Educacional Especializado: Tem por objetivo ampliar o ponto
de partida e de chegada do aluno em relação ao seu conhecimento. Não se atém a
solucionar os obstáculos da deficiência, mas criar outras formas de interação, de
acessar o conhecimento particular e pessoal. É de caráter educacional, mas ao
contrário da escola que trabalha o saber universal, o AEE trabalha com o saber
particular do aluno, aquilo que traz de casa, de suas convicções visando propiciar
uma relação com o saber diferente do que possui ampliar sua autonomia pessoal,
garantir outras formas de acesso ao conhecimento (como por exemplo, através do
BRAILLE, LIBRAS, uso de tecnologia, uso de diferentes estratégias de pensamento,
etc.)
• Atendimento Clínico: Preocupam-se com os sintomas específicos, as
patologias apresentadas em cada área, que são trabalhados de maneira a superar
ou reabilitar o indivíduo nas manifestações que ocorrem. Exemplo: o fonoaudiólogo
trabalhará com a dificuldade de linguagem expressiva ou receptiva, melhorando a
condição da pessoa neste aspecto, o fisioterapeuta buscará, por exemplo, melhorar
os movimentos perdidos, etc.
Sabemos que a pessoa é um ser indivisível, em que cada uma de suas
partes interage com a outra, influenciando e determinando a condição do seu
funcionamento e crescimento como pessoa. Como exemplo, podemos citar o
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atendimento educacional especializado, que na construção do conhecimento toca


em questões subjetivas para o aluno, o que fatalmente acarretará consequências no
seu desenvolvimento global e consequentemente na resposta ao atendimento
clínico.
Se uma instituição especializada mantém o atendimento educacional e
clínico, esses especialistas devem interagir, embora cada um mantenha os limites
de suas especificidades. E mesmo naquelas escolas especiais e comuns que não
têm o propósito de desenvolver o atendimento clínico, o diálogo com os
especialistas é fundamental. E que esta interação não se estabeleça para encerrar
as possibilidades do aluno em um diagnóstico que contempla apenas as
deficiências, mas para descobrir saídas conjuntas de atuação em cada caso.
Todos esses três saberes: o clínico, o escolar e o especializado devem fazer
suas diferentes ações convergir para um mesmo objetivo, o desenvolvimento das
pessoas com deficiência. O atendimento educacional especializado foi criado para
dar um suporte para os alunos deficientes para facilitar o acesso ao currículo.

De acordo com o Decreto nº 6571, de 17 de setembro de 2008:

Art. 1o A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de


ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma deste Decreto,
com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.

§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de


atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados
institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à
formação dos alunos no ensino regular. § 2o O atendimento educacional
especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a
participação da família e ser realizado em articulação com as demais
políticas públicas.

O AEE é um serviço da Educação Especial que identifica, elabora e organiza


recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras para a plena
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participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Ele deve ser
articulado com a proposta da escola regular, embora suas atividades se diferenciem
das realizadas em salas de aula de ensino comum. (MEC, 2009).
Deve ser realizado no período inverso ao da classe frequentada pelo aluno e
preferencialmente, na própria escola. Há ainda a possibilidade de esse atendimento
acontecer em uma escola próxima. Nas escolas de ensino regular o AEE deve
acontecer em salas de recursos multifuncionais que é um espaço organizado com
materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profissionais com formação para o
atendimento às necessidades educacionais especiais, projetadas para oferecer
suporte necessário a estes alunos, favorecendo seu acesso ao conhecimento.
(MEC, 2007).
O atendimento educacional especializado é muito importante para os
avanços na aprendizagem do aluno com deficiências na sala de ensino regular. Os
professores destas salas devem atuar de forma colaborativa com o professor da
classe comum para a definição de estratégias pedagógicas que favoreçam o acesso
ao aluno ao currículo e a sua interação no grupo, entre outras ações que promovam
a educação inclusiva.
Quanto mais o AEE acontecer nas escolas regulares nas que os alunos com
deficiências estejam matriculados mais trará benefícios para esses, o que contribuirá
para a inclusão, evitando atos discriminatórios.

Click e assista

https://www.youtube.com/watch?v=S7hu2sthM2I
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Referências

CURY, Carlos Roberto Jamil. Os fora de série na escola. Campinas: Armazém do Ipê, 2005.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 4024/61. Brasília :
1961.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 5692/71. Brasília :
1971.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília :
1996.
CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação Especial. Porto Alegre : Mediação, 1999.
GUHUR, Maria de Lourdes Perioto. A representação da deficiência mental numa perspectiva
histórica. Revista Brasileira de Educação Especial. Marília : UNESP, 2000.
MAZZOTA, M.J.S. Educação Especial no Brasil. Histórias e Políticas Públicas. São Paulo : Cortez,
1996.
MINTO, César Augusto. Educação Especial: da LDB aos PNE. Revista Brasileira de Educação
Especial. Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília : UNESP, 2000.
OLIVEIRA, Valeska Fortes (Org). Imagens de professor: significações do trabalho docente. Ijuí :
UNIJUI, 2000.
STAINBACK, Susan; STAINBACK, Willian. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre :
Artmed, 1996.
TUNES, Elizabeth. Identificando concepções relacionadas à prática com o deficiente mental.

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