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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ

ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA, METODOLOGIA E PRÁTICAS DE ENSINO

ANDRÉ LUÍS OLIVEIRA MAIA

ANÁLISE DO FILME “CAPITÃO FANTÁSTICO” USANDO COMO REFERÊNCIA


A TEORIA NATURALISTA DE ROUSSEAU

TABULEIRO DO NORTE
2023
O filme “Capitão Fantástico” é uma produção de comédia/drama do ano de 2016, com
direção e produção de Matt Ross. A história retrata a vida de Ben e seus seis filhos vivendo no
meio de uma floresta, pois o mesmo não quer submeter os filhos ao convívio de uma
sociedade capitalista que, segundo seus ideais, é prejudicial a natureza humana.

De início podemos observar as inspirações do filme na teoria naturalista de Rousseau,


pois como o filósofo mesmo defende: “Todo homem nasce bom, mas as relações sociais mal
estabelecidas o corrompe”. O roteiro reflete esse ideal com a decisão de Ben de levar seus
filhos para crescerem e viverem na floresta, com hábitos de vida muito diferentes daqueles
encontrados nos grandes centros urbanos.

O presente trabalho busca fazer uma análise crítica de algumas cenas do filme sob o
viés naturalista proposto por Rousseau. Procura-se identificar até onde o pensamento idealista
de Ben, aplicado aos seus filhos, é benéfico para eles e como o extremismo do seguimento
deste ideal pode prejudicá-los, refletindo uma fala que o mesmo faz em um dos diálogos com
seu filho Bodevan: “Marxistas podem ser tão genocidas quanto capitalistas”.

De início, o filme propõe uma imersão na forma de vida da grande família de Ben,
onde ele e os filhos, ao longo do dia, são expostos a exercícios de resistência, técnicas de
caça, execução de tarefas estabelecidas a cada membro da família bem como horários de
estudo, leitura e discussão em grupo. Aqui tem-se a aproximação da ideia do “bom selvagem”,
proposto por Rousseau, em que os indivíduos preservariam a sua inocência ao possuírem
maior contato com a natureza e longe das grandes cidades.

É bastante interessante observar nas crianças a proposta de mistura de


comportamentos selvagens com pensamentos críticos e filosóficos. De início somos
apresentados a cenas de caça e sobrevivência, semelhante a como vivem muitas tribos
indígenas, para depois vermos como esses mesmos indivíduos conseguem agir de forma
bastante racional e intelectual, mostrando grande conhecimento de literatura e música. Este
equilíbrio de pensamento relembra muito a pedagogia grega e sua formação integral, corpo e
espírito.

Toda essa formação integral, proposta por Ben, visa preparar os filhos para serem o
mais independentes possível. Diante disso, é impossível não relembrar os roteiros de ficção de
muitos filmes que mostram o quanto a sociedade não está preparada para um possível
apocalipse zumbi ou colapso energético. Essa convicção se assemelha muito a uma fala de
Rousseau que diz: “Viver é o que eu desejo ensinar-lhe. Quando sair das minhas mãos, ele
não será magistrado, soldado ou sacerdote, ele será, antes de tudo, um homem”.

Ao longo das cenas iniciais também nos é mostrado que a mãe das crianças, Leslie,
aprovava esse estilo de vida, em conformidade com o pai, porém estava na cidade fazendo
tratamento, pois estava acometida de alguma doença psicológica. Toda a vida harmônica e
feliz da família é balançada com a noticia da morte de Leslie, por suicídio. Nessa cena nos é
introduzido o quanto o Ben não tem receio de falar sobre temas considerados polêmicos para
crianças, deixando bem claro para as crianças a forma como a mãe delas morreu.

Confessor não saber ao certo até que ponto a educação naturalista de Rousseau entra
em conformidade com as decisões de Ben de não omitir certos assuntos polêmicos,
considerados adultos para as crianças, pois o mesmo filósofo defendia a ideia de não mais
considerar as crianças como adultos em miniatura, ressaltando suas especificidades e
preservação da infância. Isso é evidenciado futuramente através de diálogos com a tia paterna
das crianças, Harper e com o avô materno, Jack.

Com o anuncio da morte de Leslie e de seu funeral em rito cristão, a família se une em
uma missão de ir até a cidade e impedi-lo de acontecer, preservando o exótico desejo de seu
testamento em que a mesma pede que seja cremada enquanto realizam-se músicas e dança ao
seu redor e depois suas cinzas sejam jogadas num banheiro público e dado descarga. É no
desenvolver dessa missão que Ben questiona a ideia do que significa ser pai.

No caminho para a cidade há três cenas que merecem destaque. A primeira é quando
eles se reúnem para celebrar o feriado pessoal da família chamado de dia de Noam Chomsky,
herói pessoal de Ben. Neste momento, Rellian, segundo filho homem, questiona o porquê de
não celebrarem o Natal como toda família “normal” e em seguida é ridicularizado pelo pai e
pelos irmãos, com uma falsa oportunidade de defender seu ponto de vista, ou seja, as crianças
tinham liberdade para pensar e criticar livremente, desde que não fugisse dos ideais e das
crenças de Ben. Nessa mesma cena uma das crianças mais jovens é presenteada com um livro
que fala sobre os prazeres de ter relações sexuais, mais uma vez mostrando que Ben não
limita tais conteúdos para as crianças.

A segunda cena é quando os mesmos vão a um restaurante para comer, se deparam


com um cardápio que não estão habituados e as crianças tem curiosidade de experimentar
uma panqueca ou hamburguer, porém são proibidas pelo pai. É certo que Rousseau defende
que o preceptor não deve impor o saber a criança e nem pode deixá-la a puro espontaneísmo,
mas é ela própria quem deve aprender a lidar com os próprios desejos e conhecer os seus
limites, ficando claro que Ben deseja impor seus interesses individuais sobre as crianças mais
uma vez. Por outro lado, em seguida, o mesmo não vê problema ensinar as crianças a roubar
um supermercado para conseguirem comida.

A terceira cena é quando eles estacionam em um acampamento e Ben sai em campo


aberto completamente nu, constrangendo um casal de idosos, demonstrando mais uma vez
não se importar com as leis da grande cidade que ele tanto condena. Entretanto, é interessante
ver a reação que Bodevan tem ao ser descoberto com uma garota pela mãe da mesma,
pedindo-a em casamento com um discurso considerado arcaico na sociedade moderna, porém
evidenciando o respeito e cuidado que se deve ter em um relacionamento, possivelmente
ensinado pelo pai.

A falta de respeito com a vida em sociedade que ele tanta critica se segue quando eles
chegam à cidade, começando pelo desmerecimento da hospedagem oferecida por Harper em
sua casa, onde o mesmo quer impor os seus hábitos, mesmo que signifique contrariar os
pedidos da anfitriã. O desrespeito se segue no meio da celebração do velório de Leslie, em
que Ben resolve fazer um discurso polêmico e que não caberia para o momento, provocando a
raiva de Jack, fazendo ele e as crianças se retirarem do local.

Tudo isso contribui para a insatisfação de Rellian, que já há algum tempo culpa o pai
pela piora da doença da mãe e conseguinte por sua morte, fazendo-o fugir e ir ao encontro dos
avós maternos. Após conversa com Rellian, Bodevan decide falar para o pai o seu interesse de
ir para a faculdade, mostrando os aceites em renomadas universidades, recebendo, porém, a
reprovação do pai que afirma que ele não irá aprender nada importante em uma universidade.
Aqui Ben entra em confronto com a teoria de Rousseau que defende o ensino naturalista na
infância, mas para depois inserir a criança na sociedade, contrariando a educação
individualista.

Ben decide ir “libertar” o filho, porém não tem o apoio do mesmo e nem de Jack, que
ameaça chamar a polícia. Ele, no entanto, não desiste e decide enviar uma de suas filhas para
subir no grande telhado da casa de Jack e trazer Rellian de volta, fazendo-a cair e se
machucar, e poderia até ter morrido, como afirma o médico no hospital. Neste momento Ben
começa a repensar o seu papel de pai, sendo evidenciado ainda mais após o diálogo com Jack
que mostra quantas atitudes irresponsáveis ele fez que poderiam colocar a vida das crianças
em risco.
Após os acontecimentos, Ben reconhece suas falhas e decide deixar a guarda das
crianças com o avô Jack, partindo em viagem sozinho, depois descobrindo que as crianças,
inclusive Rellian, o seguiram e estavam escondidas no ônibus. Eles então decidem cumprir a
missão que se propuseram ao vir a cidade, violando o túmulo da mãe, a cremando e jogando
suas cinzas num banheiro público, dando descarga ao final.

Contudo, Ben reconhece que seu autoritarismo não era diferente daquele que era
imposto em sociedade pelo sistema capitalista e que ele condenava. Sua decisão de se isolar
na floresta não favorecia as crianças para a vida em sociedade e isso poderia as prejudicar
futuramente. Isso o fez manter seu modo de vida naturalista, porém morando na cidade,
deixando inclusive as crianças irem à escola e Bodevan viajar sozinho.

Ao meu ver, o inicio do filme aborda a visão que os críticos impuseram sobre a teoria
naturalista de Rousseau, ao modo de vida selvagem e individualista. No final, porém, pode-se
observar uma maior fidelidade aos ideais de Rousseau, com uma educação das crianças
voltada para a natureza, mas como preparação para o convívio em sociedade, pois a mesma já
não conseguiria corrompe-las com tanta facilidade.

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