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INSTITUTO D E P S I C O E D U C A Ç Ã O

TRANSFORMACIONAL

CNPJ: 50.312.284/000-35

Formação Psicanálise Clinica

João Lisboa – MA
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INSTITUTO DE PSICO EDUCAÇÃO


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CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

MÓDULO I

Sumário

DISCIPLINAS/UNIDADES

UNIDADE 1: PSIQUIATRIA I 4

UNIDADE 2: PSIQUIATRIA II 24

UNIDADE 3: CAUSAS DO COMPORTAMENTO ANORMAL 60

UNIDADE 4: PROCESSO PSICANALÍTICO I 87

UNIDADE 5: PROCESSO PSICANALÍTICO II 106

UNIDADE 6: FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICANALÍTICA I 137


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DICAS PARA UM BOM APRENDIZADO DURANTE O CURSO

Organizem seus horários de estudos, procurando variar seu planejamento do programa,


alternando entre ler, escrever, resolver atividades. O ideal seria dedicar 2 (duas) horas
diárias ao seu estudo. Sabemos, porém,
Que em determinados dias à disponibilidade de tempo será pequena e, em outros, será
bem maior, havendo uma compensação natural;

Estabeleça um tempo de reserva, pois imprevistos podem ocorrer.

Melhore sua concentração através de um programa de treinamento pessoal, observando


os seguintes pontos:
· Estude uma coisa de cada vez;
· Separe as fases de trabalho das de descanso;
· Sempre que possível, estabeleça horário para estudar;
· Avalie suas capacidades e estabeleça metas possíveis de atingir.

Lembre-se que você não está sozinho, ou sozinha colocamos a sua disposição para tirar
suas dúvidas em relação aos conteúdos, atividades, e exercícios no decorrer do curso.
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Unidade

PSIQUIATRIA I 1
Índice:

Introdução
A Psiquiatria e suas Relações com a Psicanálise e a Neurologia
Classificações, Definições e outras Controvérsias
Entrevista e Exames Psiquiátricos
A Entrevista Psiquiátrica
O Exame do Estado Mental
Transtornos Cognitivos
Delirium
Demência
Transtornos Amnésticos
Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos
Esquizofrenia
Esquizofrenia Tipo Paranóide
Esquizofrenia Tipo Desorganizado, ou Hebefrênico
Esquizofrenia Tipo Catatônico
Esquizofrenia Tipo Indiferenciado
Esquizofrenia Tipo Residual
Transtorno Esquizofreniforme
Transtorno Esquizoafetivo
Transtorno Delirante
Transtorno Psicótico Breve
Outros Transtornos Psicóticos
Transtornos de Humor
Transtornos Depressivos
Transtorno Depressivo Maior
Transtorno Distímico
Transtornos Bipolares
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Transtorno Bipolar I
Transtorno Bipolar II
Transtorno Ciclotímico
Transtornos de Ansiedade
Pânico
Fobias

Introdução

A Psiquiatria e suas Relações com a Psicanálise e a Neurologia

A Psiquiatria é a especialidade médica que lida com as antigamente chamadas


“doenças mentais”, ou seja, com todos os transtornos que podem afetar as funções da
“mente” humana. Como é difícil, se não impossível, definir claramente o que é a “mente”, torna-
se naturalmente complicado definir-se o que é e qual área de atuação da Psiquiatria.

Historicamente, a Psiquiatria se “desdobrou” como especialidade da Neurologia, tendo em Freud,


com seus estudos e o desenvolvimento da Psicanálise, uma grande “alavanca” para seu
estabelecimento como especialidade individualizada. Freud não era um Psicólogo ou Psiquiatra,
mas sim um Neurologista, que acreditava serem os distúrbios mentais, bem como a mente “em
si”, decorrentes de funções físicas e químicas, normais ou patológicas, do Sistema Nervoso
Central, negando até o fim a possibilidade da existência de fenômenos místicos, paranormais,
etc. Era portanto, uma visão materialista do ser humano, bem condizente com o pensamento da
época, e ainda hoje prevalecendo no círculo medico, principalmente entre os Neurologistas.

Já os Psiquiatras, dependendo de suas escolas de formação, têm uma visão mais ou menos
materialista, admitindo ou não a existência de fenômenos “não-materiais” (espirituais, místicos
ou paranormais), mas sempre com uma abordagem da mente e do pensamento muito mais
direcionada ao conteúdo e à manifestação deste conteúdo, do que à anatomia e à fisiologia dos
órgãos do Sistema Nervoso, como é o caso da Neurologia.

Como já seria de se esperar, existem muitas áreas “limítrofes” entre as duas especialidades, e
às vezes nem mesmo os médicos de outras especialidades sabem ao certo para quem devem
encaminhar um paciente que tenha distúrbios do sono, da fala, da memória, ou até do humor,
para citar alguns exemplos.

E o Psicanalista, aonde fica? Bem, segundo a opinião de muitos médicos, a Psicanálise não
deveria ser exercida por Psicanalistas ou Psicólogos, mas apenas por Psiquiatras. Outros, talvez
menos egocêntricos (ou com menos receio de “perder o mercado”), percebem a impossibilidade
de uma pessoa se aprofundar em seus estudos em tantas áreas distintas, e recebem até com
alívio a formação de pessoas especializadas em uma terapêutica “não biológica”, para quem
possam encaminhar seus pacientes que não tenham indicação de tratamento medicamentoso,
ou mesmo que possam ter um beneficio do tratamento complementar, “biológico” e psicoterápico
(especificamente, em nosso caso, psicanalítico).
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Certamente, a “polêmica” está longe de terminar, mas gradualmente vão se estabelecendo e se


reforçando as posições e funções de cada profissional, num mundo onde o equilíbrio entre a
“super-especialização” e a “hiper-generalização” torna-se cada

vez mais precário, deixando-nos, como profissionais em formação, muitas vezes um tanto
“perdidos”... Será que ainda veremos o dia em que alguém será especialista na unha do dedo
mínimo da mão esquerda, ou o bom senso ainda prevalecerá?

Parafraseando um antigo professor de “pré-vestibular”: “O extremo da especialização é o


indivíduo que sabe tudo sobre absolutamente nada, enquanto que o da generalização é aquele
que sabe nada sobre absolutamente tudo!”

Classificações, Definições e outras Controvérsias

A necessidade de se definirem e classificarem as coisas, pessoas, doenças, enfim tudo o que se


encontra à nossa volta, sempre existiu na Humanidade, desde os tempos mais remotos. A própria
estrutura da linguagem é baseada em um sistema de definições e classificações, e a nossa
linguagem molda de maneira importante a nossa visão do mundo que nos cerca, possibilitando
que o nosso entendimento do mesmo se estabeleça e se amplie.

Por outro lado, os sistemas de classificação e as definições sempre se mostram limitados, uma
vez que restringem em “categorias” aquilo que, na verdade, é sempre um “contínuo”! Como
excelente exemplo, podemos citar as cores: Nossos cérebros têm a capacidade de diferenciar
milhões de cores diferentes, mas só temos nomes para umas poucas delas (geralmente,
dependendo da língua em questão, de algumas unidades e no máximo poucas dezenas de
nomes diferentes para as cores). Assim, agrupamos mentalmente as experiências sensoriais em
categorias, classificando várias tonalidades diferentes como “verde” ou “azul”, e ocasionalmente
especificando com adjetivos que muitas vezes são de interpretação individual (como “verde-
abacate” ou “azul-calcinha”...). E mesmo se conseguíssemos criar um nome diferente para cada
uma das mais de 16 milhões de cores passíveis de diferenciação (para se ter uma idéia, o novo
dicionário “Aurélio”, edição 2000, tem apenas 435.000 verbetes!!!), ainda assim estaríamos
limitando a “realidade” a partir de nossa percepção da realidade!!!

Aldous Huxley, em “As Portas da Percepção”, de 1954 (citado por Richard Bandler e John Grinder
em “A Estrutura da Magia”), explica que “... a função do cérebro, do sistema nervoso e dos órgãos
dos sentidos é principalmente eliminativa e não produtiva. Cada pessoa é a cada momento capaz
de lembrar tudo o que já lhe aconteceu e de perceber tudo o que está acontecendo em toda parte
do universo. A função do cérebro e do sistema nervoso é de proteger-nos de sermos engolfados
e confundidos por esta massa de conhecimento em grande escala inútil e irrelevante, pela
interceptação da maior parte do que, de outra forma, deveríamos perceber ou lembrar a qualquer
momento, e deixando somente essa seleção bem pequena e especial que provavelmente é de
uso prático”... “Para formular e expressar o conteúdo desta consciência reduzida, o homem
inventou e elaborou incessantemente estes sistemas de símbolos e filosofias implícitas que
chamamos línguas. Cada indivíduo é a um só tempo o beneficiário e a vitima da tradição
lingüística na qual ele nasceu – beneficiário, na medida em que a língua lhe dá acesso ao registro
acumulado da experiência de outras pessoas, vítima na medida em que a língua confirma nele a
crença de que a consciência reduzida é a única consciência, e ela confunde seu sentido de
realidade, de modo que ele está inteiramente apto a tomar seus conceitos por dados, suas
palavras por coisas reais”.
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Em Medicina, em Psicologia, e em Psicanálise, não é diferente: acabamos por tomar os


conceitos, definições e classificações por Realidade, e se não tivermos cuidado, esses sistemas
complicados, criados para nos orientarmos por entre a infinita gama de

variabilidade que existe entre os seres humanos, passam a ser considerados não mais como
simples guias, ou normas, mas como a expressão completa da realidade!

Os vários sistemas de classificação usados na Psiquiatria tiveram origem juntamente com a


Medicina “oficial”, com Hipócrates, que já no século V a.C. introduziu os termos “mania” e
“histeria” como formas de doença mental. Cada era, desde aí, criou seu próprio sistema de
classificação, e as disputas e dissidências desde o tempo de Freud fizeram com que muitos
sistemas de classificação e nomenclatura persistissem, até hoje, concomitantemente, com seus
adeptos segundo essa ou aquela escola de pensamento.

Para que pudesse haver um certo consenso na chamada “literatura científica”, além de
padronização em estatísticas de saúde (afetando desde os seguros de vida e de saúde, até as
decisões dos chefes das nações), as “doenças” foram classificadas pela Organização Mundial
de Saúde, fazendo a Classificação Internacional de Doenças, atualmente em sua 10ª revisão (o
chamado CID-10). Já os Psiquiatras americanos, que desde 1869 iniciaram uma classificação
própria das patologias mentais (na época lançada pela American Medico-Psychological
Association, que mais tarde viria a se transformar na American Psychiatric Association),
publicaram separadamente um Manual de Diagnostico e Estatística de Transtornos Mentais, em
1952, cuja mais recente revisão, de 1994, é conhecida como o DSM-IV.

Atualmente, portanto, são essas as duas classificações mais amplamente utilizadas, uma vez
que os Estados Unidos, e em menor grau alguns países Europeus, “dominam” a produção
científica atual. Ambas são muito semelhantes, uma vez que as comissões que prepararam cada
uma delas trabalharam em estreita proximidade, na tentativa de padronizar e reduzir as
diferenças significativas de redação entre os dois sistemas. No final desta apostila, incluímos um
tabela com a classificação dos transtornos mentais do DSM-IV.

Uma das evoluções que se fizeram, nessa tentativa de definição e padronização, foi o fato de
não mais serem os problemas mentais classificados como “loucura”, ou mesmo como “doença”,
sendo preferida a palavra “transtorno”, implicando em não haver necessariamente um distúrbio
que caracterize a pessoa afetada como “diferente” (o que sempre foi motivo de preconceito e
segregação), mas apenas como acometida de uma condição que, por si, prejudica a si mesma
ou às pessoas que com ela convivam. Ainda assim, está implícito um certo grau de segregação,
principalmente quando se incluem os transtornos sexuais, que para alguns são verdadeiras
aberrações (e portanto devendo ser consideradas doenças, requerendo um tratamento para
serem eliminadas), enquanto para outros são apenas questão de opção pessoal. O
homossexualismo e o bissexualismo, que já foram (por muito tempo) incluídos nessa categoria,
hoje não são mais considerados nem mesmo “transtornos”, sendo apenas “opção” ou
“orientação”...

Outro grande problema gerado pela aceitação “radical” dos sistemas de classificação e que à
primeira vista pode não ser tão aparente, é a aceitação implícita do modo “americano” de pensar
e de agrupar os distúrbios, que implica também em um agrupamento tanto por semelhança clinica
como por fisiopatologia, ou seja, pressupõese que os grupos de transtornos descritos se
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originariam de causas semelhantes, devendo, portanto, serem tratados de maneira semelhante.


Em si, este é um raciocínio válido, porém nunca é demais lembrar que existem enormes
interesses econômicos norteando, direta ou indiretamente, os lideres e as comissões
encarregadas de formularem tais classificações.

Basta lembrar que uma única medicação, não por acaso um anti-depressivo, é responsável por
uma grande porcentagem do faturamento da indústria farmacêutica, não só a americana, mas
agora inclusive em quase todo o mundo!

Também seria oportuno lembrar que a filosofia típica americana é baseada num conceito
materialista do Universo, sendo muito recente, e ainda pouco difundida, a idéia do “Homem
Integral”, composto de inseparáveis corpo-mente-espirito, e a visão holística do Ser Humano, que
deve, portanto, ser incorporada a toda tentativa de abordagem diagnóstica ou, principalmente,
terapêutica, tanto mais quando se trata de transtornos da mente, essa porção tão pouco
compreendida de nosso Ser.

Para finalizar esta seção, fica um trecho de nosso escritor, Machado de Assis, que com sua
inteligência aguçada e sua crítica sagaz, nos premiou com o excelente conto “O Alienista”, onde
a personagem do ilustre Dr. Simão Bacamarte, após ter internado em sua “casa de loucos” a
maior parte da cidade, decide rever seus conceitos sobre a loucura, da seguinte maneira:

“E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os
loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.
- Todos?
- Todos.
- É impossível; alguns sim, mas todos...
- Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de manhã à Câmara.

De fato o alienista oficiara à Câmara expondo: primeiro: que verificara das estatísticas da vila e
da Casa Verde que quatro quintos da população estavam aposentados naquele estabelecimento;
segundo: que esta deslocação de população levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria
das moléstias cerebrais, teoria que excluía da razão todos os casos em que o equilíbrio das
faculdades não fosse perfeito e absoluto; terceiro: que, desse exame e do fato estatístico,
resultara para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta e,
portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como
hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto; quarto: que à
vista disso declarava à Câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar
nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas;...”

ENTREVISTA E EXAMES PSIQUIÁTRICOS

A Entrevista Psiquiátrica

A entrevista inicial, para o Psiquiatra, é fundamental para todo o processo de tratamento do


paciente. É aqui que se definem os objetivos, se estabelecem os diagnósticos ou hipóteses
diagnósticas, e se obtêm a maior parte dos recursos para iniciar a terapêutica, seja ela “biológica”
ou “psicoterápica”.
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Dentro da entrevista, o item de maior importância na determinação do sucesso diagnóstico e


terapêutico é o estabelecimento de um rapport adequado. Quanto menor for o rapport, mas difícil
será a obtenção de dados fidedignos, o estabelecimento de uma comunicação adequada, e a
obtenção de uma adesão adequada ao tratamento.

Durante a entrevista, deve-se, ainda, dentro dos limites específicos de cada caso, procurar
determinar a queixa principal do paciente, e a partir desta, estabelecendo inicialmente um
diagnóstico diferencial provisório, aprofundar-se em questões mais ou

menos especificas, procurando caracterizar ou afastar cada um dos diagnósticos possíveis.


Muitas vezes, são obtidas respostas vagas ou obscuras, e dependerá da habilidade do psiquiatra
ser persistente, na tentativa de esclarecer esses pontos, sem deixar que se quebre o rapport
obtido.

É importante, também, deixar que o paciente fale livremente, por algum tempo, para que se possa
observar o grau de conexão de seus pensamentos, usando para isto uma mistura de questões
abertas e fechadas. Assuntos possivelmente difíceis ou constrangedores não devem deixar de
ser abordados, embora com bastante delicadeza, inclusive, e especialmente, a questão dos
pensamentos suicidas, e de possíveis tentativas prévias de suicídio.

A entrevista incluirá indagações sobre o histórico pessoal e familiar do paciente, devendo sempre
serem detalhados dados a respeito de doenças prévias ou subjacentes, tratamentos previamente
utilizados, incluindo a duração dos mesmos, os resultados obtidos, e possíveis efeitos colaterais.
É importante tentar estabelecer uma “linha do tempo”, mesmo que a ordem dos dados não seja
obtida de maneira seqüencial, e também o modo de instalação dos sintomas.

Muitas vezes, será necessário obterem-se dados de familiares, os quais poderão ser obtidos na
presença do paciente ou não. Em algumas ocasiões, pode ser necessário marcar-se uma
entrevista em separado com um ou mais dos familiares ou contatos sociais do paciente, porém
sempre respeitando a necessidade absoluta de sigilo, o que por vezes pode ser difícil, uma vez
que os familiares geralmente estão emocionalmente envolvidos, gerando ansiedade e co-
morbidade. É imperativo que se tenha sempre em mente que nunca devemos trair a confiança
do paciente, sob pena de vermos o tratamento absolutamente impossibilitado.

Situações específicas, como nos casos de pacientes deprimidos com potencial suicida, dos
pacientes delirantes, dos pacientes violentos, e também dos pacientes catatônicos, exigem uma
habilidade especial por parte do examinador, que só com a prática vai se refinando, mas
recomendações e “dicas” a respeito podem ser encontradas em diversas fontes na literatura.

Ao final da entrevista, deve-se dar ao paciente (e, se for o caso, aos seus acompanhantes) uma
chance de fazer perguntas, respondendo-as de maneira sucinta porém direta, já em busca do
estabelecimento de um “contrato terapêutico”. É de fundamental importância procurar transmitir
um senso de confiança e, se possível, de esperança, ao final da entrevista inicial, facilitando a
manutenção da rapport para os futuros encontros.

O Exame do Estado Mental

O exame psiquiátrico, diferentemente do exame físico de outras especialidades, é realizado


concomitantemente à obtenção dos dados de história clínica, dependendo fundamentalmente da
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capacidade de observação do psiquiatra. É possível introduzirem-se alguns testes “formais”


específicos, como testes de memória, atenção, capacidade para cálculo, orientação têmporo-
espacial, orientação visuo-espacial, leitura, escrita, entre outros.

Basicamente, a descrição do estado mental (que pode variar muito de uma consulta a outra)
envolve a descrição da aparência, do comportamento, da fala, das ações e dos pensamentos do
paciente.

É de extrema importância o registro do humor e do afeto, bem como da adequação das respostas
emocionais do paciente. O humor pode ser definido como uma emoção abrangente que colore a
percepção que a pessoa tem do mundo, sendo importantes a profundidade, a intensidade, a
duração e também as flutuações do humor. Já o afeto é a expressão externa da resposta
emocional, podendo ser observado também nas expressões faciais e atitude corporal, incluindo-
se a quantidade e amplitude do comportamento expressivo. O afeto pode ser congruente ou
incongruente com o humor, e tal congruência deve ser anotada. Além disso, deve ser observada
a adequação das respostas emocionais do paciente ao contexto tanto da situação da consulta
quanto ao assunto que está sendo discutido.

O registro da fala deve incluir a quantidade, a velocidade de produção, e a qualidade da produção


verbal, anotando-se os possíveis distúrbios, como a gagueira
(tartamudez), o sotaque, os distúrbios do ritmo, e as afasias.

Devem-se observar possíveis distúrbios de percepção, como alucinações e ilusões, notando-se


não só o sistema sensorial afetado, mas também o seu conteúdo. Também o pensamento deve
ser analisado, tanto em seu processo, ou forma, referindo-se ao modo como o paciente reúne
suas idéias e as associa, quanto em seu conteúdo, ou seja, suas idéias, crenças, preocupações,
etc.

É importante avaliar a capacidade para o pensamento abstrato, o nível de inteligência (ou


capacidade intelectual), o controle de impulsos, e por fim, a sua capacidade de julgamento e
insight sobre si mesmo e seus problemas.

Ainda dentro do exame do estado mental, deve-se incluir a avaliação do psiquiatra sobre a
confiabilidade das informações prestadas pelo paciente.

Transtornos Cognitivos

Cognição, em medicina e em Psicologia, é definido como “o conjunto dos processos mentais


usados no pensamento, na percepção, na classificação, reconhecimento, etc.”, ou seja, a
capacidade de conhecer, de perceber o mundo à nossa volta. Os distúrbios cognitivos, portanto,
são aqueles em que esses processos, essa capacidade, encontram-se diminuídos.

Os transtornos cognitivos são subdivididos em três síndromes principais, o delirium, a demência


e os transtornos amnésticos.

Delirium

O delirium é uma síndrome, não devendo ser confundido com o sintoma delírio. Enquanto este é
um sintoma, caracterizado por um distúrbio do julgamento da realidade, que não se modifica em
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face a um raciocínio correto e lógico, aquele é um conjunto de sinais e sintomas, comuns a várias
afecções, e que se caracteriza por uma comprometimento de início agudo da consciência,
geralmente acompanhado de comprometimento global das funções cognitivas, e de curso breve
e flutuante, podendo melhorar rapidamente, se a causa for identificada e eliminada.

Comumente encontram-se associados alterações do humor, da percepção, e do comportamento,


muitas vezes com agitação psicomotora e reações violentas, outras com diminuição global da
atividade psicomotora. Também podem ser encontrados tremores, nistagmo, asterixis,
incoordenação motora, incontinência urinária, e disartria.

Suas causas são variadas, estando entre as principais as doenças do SNS (epilepsia,
traumatismo craniano, encefalites, doenças vasculares cerebrais), doenças sistêmicas
(insuficiência cardíaca, insuficiência renal aguda, insuficiência hepática), e intoxicação ou
abstinência de agentes farmacológicos ou tóxicos. A abstinência do álcool é talvez a causa mais
conhecida pela população em geral de delirium, sendo classicamente denominada delirium
tremens.

Demência

A demência, em contraste com o delirium, é uma síndrome caracterizada por múltiplos


comprometimentos nas funções cognitivas, mas sem comprometimento da consciência. Podem
ser afetadas na demência a inteligência geral, a aprendizagem, a memória, a linguagem, a
orientação, a percepção, a atenção e concentração, o julgamento, e as habilidades sociais, além
da solução de problemas, e até a própria personalidade. Isto acarreta um comprometimento
significativo no funcionamento social ou ocupacional, geralmente causando situações de
desconforto importante, em geral mais aos familiares do que ao próprio paciente.

Sendo uma síndrome, também pode ter diversas causas, e o seu curso depende dessa etiologia,
podendo ser progressivo ou estático, permanente ou reversível, mas quase sempre de início
insidioso. Estima-se que aproximadamente 15% dos indivíduos com demência tenham causas
reversíveis, caso o tratamento seja instituído a tempo, antes da ocorrência de um dano
irreversível, o que acentua a necessidade de encaminhamento e investigação etiológica tão logo
quanto possível.

A maioria dos casos de demência é devida a doença de Alzheimer (50 a 60% dos casos), e uma
boa porcentagem dos casos restantes (10 a 20% do total) é devida a distúrbios vasculares
(demência por múltiplos infartos, doença de Binswanger), podendo ainda ser causada por outros
processos neurodegenerativos (como as doenças de Parkinson e de Pick), traumatismo craniano,
tumores cerebrais, distúrbios metabólicos, doenças inflamatórias sistêmicas, e até infecções,
inclusive a AIDS, entre outras.

Na maior parte dos casos, o comprometimento da memória é importante, aparecendo


precocemente no desenvolvimento da doença, e tipicamente acometendo em primeiro lugar a
memória recente, para só nos estágios mais avançados prejudicar a memória remota.

Transtornos Amnésticos

Os transtornos amnésticos são caracterizados pelo único sintoma de transtorno de memória,


causando um comprometimento significativo no funcionamento social ou ocupacional.
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Diferentemente da demência não existem quaisquer outros sinais ou sintoma de


comprometimento cognitivo além da memória, e nem a atenção nem a consciência encontram-
se prejudicadas, como no delirium.

A amnésia pode ser anterógrada (comprometimento da capacidade de aprender e reter novas


informações), ou retrógrada (distúrbio da capacidade para recordar um conhecimento
anteriormente aprendido).

As principais causas de transtornos amnésticos são condições médicas sistêmicas, como a


deficiência de tiamina, a vitamina B1 (denominada Síndrome de Korsakoff), a hipoglicemia e a
hipóxia, condições primariamente cerebrais, como convulsões,

tumores e infecções (por exemplo a encefalite herpética), e substâncias químicas, sejam


medicamentos, sejam drogas ou substâncias de abuso, incluindo o álcool.

Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos Esquizofrenia

A Esquizofrenia é a “psicose por excelência”, desafiando neurologistas e psiquiatras através da


história da Medicina, e cuja fisiopatologia ainda está longe de ser compreendida. Diferentemente
das neuroses, onde processos psicológicos muitas vezes podem ser desvendados, como
processos causadores dos sintomas, e dos distúrbios do humor, que têm em si uma “lógica
intrínseca”, e que apresentam episódios de remissão completa e funcionamento normal entre os
“surtos”, os pacientes esquizofrênicos fogem às tentativas de compreensão, e mesmo nos
períodos de “remissão”, apresentam pensamento muitas vezes incongruente e desafiador.

O paciente “típico” com esquizofrenia poderia ser aquilo que está no imaginário popular como o
“louco varrido”, com delírios e alucinações em profusão, e objeto de tantas piadas e preconceitos.
Talvez isto denote o muito comum medo do desconhecido, e a incapacidade das pessoas para
lidar com aquilo que é muito diferente de si. De fato, é uma das opiniões difundidas entre os
médicos o fato de ser necessário, de certo modo, “entrar no mundo do esquizofrênico”, para
poder abordá-lo de modo terapêutico.

A etiologia da esquizofrenia está ainda longe de ser definida, e dados de pesquisas são
absolutamente desnorteantes, como por exemplo o fato de as pessoas que futuramente
apresentam esquizofrenia têm uma maior probabilidade de terem nascido no inverno e início da
primavera, e menor probabilidade de terem nascido no final da primavera e no verão. Assim no
hemisfério Sul, os esquizofrênicos nascem mais nos meses de Julho a Setembro, enquanto que
no hemisfério Norte, de Janeiro a Abril. Também a distribuição geográfica da esquizofrenia é
incompreensível, com algumas regiões apresentando uma prevalência desproporcionalmente
alta da doença. Além disso, os estudos com gêmeos monozigóticos apresentam uma taxa de
concordância de 50%, o que significa que existe uma interação entre fatores biológicos genéticos
e ambientais, além de fatores psicológicos não compreendidos, embora o achado de que gêmeos
monozigóticos criados por pais adotivos têm esquizofrenia na mesma razão que seus irmãos
gêmeos criados pelos pais biológicos sugira que a influência genética supera a influência
ambiental (psicológica ou biológica). Apesar de tantas incertezas, o estudo dessa patologia é
extremamente intrigante e apaixonante, qualquer que seja a óptica pela qual se aborda a
questão!
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Os sintomas que caracterizam a esquizofrenia em todos os seus subtipos são os delírios, as


alucinações, o discurso desorganizado, o comportamento amplamente desorganizado ou
catatônico, e sintomas negativos, ou seja, embotamento afetivo, mutismo ou avolição. Bastam
dois destes sintomas (ou mesmo apenas um, quando são delírios bizarros, ou as alucinações
consistam de vozes que comentam o comportamento ou os pensamentos da pessoa, ou duas ou
mais vozes conversando entre si), presentes por uma porção significativa de tempo durante o
período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso), para caracterizar a esquizofrenia,
desde que os sintomas levem a uma disfunção social ou ocupacional, e que persistam sinais
contínuos da perturbação (incluindo sintomas prodrômicos ou residuais) por pelo menos 6 meses.
Devem ser excluídos, para o diagnostico, os transtornos do humor, a existência de uma condição
médica geral ou uso de substâncias que possam levar aos sintomas.

Caracteristicamente, os períodos de “remissão” são incompletos, apresentando muito


freqüentemente sintomas negativos, principalmente o embotamento afetivo, ou até os mesmo
sintomas descritos, embora de forma atenuada, sendo este estado conhecido muitas vezes como
“defeito” esquizofrênico.

Além das características gerais, descritas acima, dividimos a esquizofrenia em alguns “subtipos”,
o Paranóide, o Desorganizado (ou Hebefrênico), e o Catatônico, havendo também a
caracterização dos tipos Indiferenciado e Residual.

Esquizofrenia Tipo Paranóide

Na esquizofrenia paranóide existe uma preocupação significativa com um ou mais delírios ou


alucinações auditivas freqüentes, e não se encontram proeminentes nem o discurso nem o
pensamento desorganizados, nem tampouco o comportamento catatônico ou o afeto embotado
ou inadequado. Em geral os delírios são de perseguição ou de grandeza, sendo os pacientes
tipicamente tensos, desconfiados, e freqüentemente hostis e agressivos, mas às vezes podem
se comportar bastante bem, socialmente, tendo a inteligência intacta nas áreas não invadidas
pelos delírios.

Esquizofrenia Tipo Desorganizado, ou Hebefrênico

Na esquizofrenia hebefrênica, ou desorganizada, são proeminentes o discurso desorganizado, o


comportamento desorganizado, e o afeto embotado ou inadequado, sem no entanto serem
satisfeitos os critérios para o tipo catatônico (vide a seguir). Os pacientes são geralmente ativos,
porém de uma maneira desprovida de propósito, com o pensamento extremamente desagregado,
e um contato pobre com a realidade. Geralmente há um grande prejuízo na aparência e no
comportamento social, e as respostas emocionais são inadequadas, sendo comum o paciente
gargalhar sem qualquer razão aparente.

Esquizofrenia Tipo Catatônico

A forma catatônica da esquizofrenia caracteriza-se principalmente pelas alterações na atividade


psicomotora, com imobilidade motora (com estupor ou flexibilidade cérea), atividade motora
excessiva, aparentemente desprovida de propósito, e não influenciada por estímulos externos,
às vezes com uma rápida alternância entre os extremos de estupor e excitação. São comuns
extremos negativismo, caracterizado por uma resistência aparentemente despropositada a toda
e qualquer instrução, ou manutenção de uma postura rígida contra tentativas de imobilização,
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mutismo, peculiaridades do movimento voluntários, evidenciadas por posturas inadequadas ou


bizarras, movimentos estereotipados, maneirismo proeminentes, trejeitos faciais proeminentes,
ecolalia (repetição de palavras ou sons) e ecopraxia (imitação de gestos e atitudes). Muitas vezes
acabam ferindo a si mesmo ou a outrem, durante o estupor ou a excitação, e às vezes chegam
à desnutrição ou à exaustão, o que pode exigir cuidados clínicos.

Esquizofrenia Tipo Indiferenciado

Quando não se pode caracterizar nenhum dos tipos acima, o paciente esquizofrênico é
classificado como sendo de tipo indiferenciado. Em geral observa-se características mistas, com
delírios de temas diferentes, agitação e pensamento desorganizado, porém sem critérios
completos para caracterizar um dos subtipos.

Esquizofrenia Tipo Residual

Se o paciente não apresenta delírios ou alucinações proeminentes, nem discurso desorganizado


ou comportamento amplamente desorganizado, nem comportamento catatônico, mas existem
evidências contínuas de perturbação caracterizada por sintomas negativos, ou os sintomas acima
de forma atenuada, como crenças estranhas ou experiências perceptuais incomuns, caracteriza-
se a esquizofrenia como sendo do tipo residual. São evidentes o embotamento emocional, o
retraimento social, o comportamento excêntrico, além de pensamento ilógico e afrouxamento das
associações. Se existem delírios ou alucinações, elas não são proeminentes, nem
acompanhadas por forte afeto.

Transtorno Esquizofreniforme

O transtorno esquizofreniforme é idêntico à esquizofrenia, exceto pela duração de seus sintomas,


que é de pelos menos um mês, porém menos de seis meses, com retorno à normalidade após a
resolução do quadro. A grande diferença se faz em relação ao prognostico, uma vez que o
transtorno esquizofreniforme pode ter um bom prognóstico, que é evidenciado por alguns
aspectos “preditivos”, principalmente o aparecimento de confusão ou perplexidade, no auge do
episódio psicótico! Também a ausência de embotamento afetivo, o bom funcionamento social e
ocupacional antes da doença, e a rápida instalação dos sintomas psicóticos proeminentes (ou
seja, um período prodrômico curto, menor que 4 semanas), são indicadores de provável bom
prognóstico. Outro aspecto é que, quanto mais breve for a doença, melhor tende a ser o
prognóstico.

Os pacientes com transtorno esquizofreniforme têm uma tendência significativa de entrar em um


período de depressão após o período psicótico, melhorando se acompanhados
psicoterapicamente.

Transtorno Esquizoafetivo

O transtorno esquizoafetivo tem características tanto da esquizofrenia quanto dos transtornos do


humor (vide abaixo), incluindo todos os sinais e sintomas da esquizofrenia, acompanhados de
episódios de mania e transtornos depressivos, podendo os sintomas da esquizofrenia serem
concomitantes ou alternados com os transtornos de humor. A evolução tanto pode ser na forma
de exacerbações e remissões, como nos transtornos de humor, como um curso deteriorante a
longo prazo.
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Transtorno Delirante

O transtorno delirante é um transtorno psiquiátrico onde os sintomas proeminentes são os


delírios. Foi chamado, anteriormente, de “paranóia”, ou “transtorno paranóide”, porém os delírios
não são necessariamente sempre de natureza persecutória, tornando tais termos inadequados.
Os delírios no transtorno delirante podem ser de grandeza, eróticos, de ciúmes, somáticos ou
mistos, além de persecutórios.

A diferenciação com a esquizofrenia se faz pela ausência de outros sintomas vistos nesta última,
como alucinações proeminentes, embotamento afetivo, transtornos do pensamento, catatonia,
além da natureza de seus delírios não ser tão bizarra quanto nos esquizofrênicos. Em geral, são
coisas até plausíveis, ainda que improváveis. Também o comprometimento funcional é mais leve,
quando comparado à esquizofrenia.

Já a diferenciação com os transtornos do humor se faz pelo fato de que os pacientes com
transtorno delirante não apresentam toda a gama de sintomas afetivos vistos nos transtornos do
humor, embora tenham um humor consistente com o conteúdo de seus delírios.

Os delírios podem ser de vários tipos, classificados em erotomaníacos (uma outra pessoa,
geralmente de posição mais elevada, estaria apaixonada pelo indivíduo), grandiosos (delírios de
valor, poder, conhecimento, identidade ou de relação especial com uma pessoa famosa ou
divindade), ciumento (delírios de que o parceiro sexual é infiel), persecutório (o indivíduo ou
alguém próximo a ele está sendo, de algum modo, maldosamente tratado), somático (algum
defeito físico ou condição médica geral específica), ou misto (mais de um dos tipos acima, sem
predomínio de um deles).

Transtorno Psicótico Breve

Transtornos psicóticos breves são episódios de curta duração (de um dia até um mês), em que
pelo menos um sintoma importante de psicose aparecem, em geral com início súbito. Nem
sempre incluem todo o padrão sintomático apresentado na esquizofrenia, sendo também mais
comuns os sintomas afetivos, confusão, e comprometimento da atenção, do que na
esquizofrenia. Sempre deve ser afastada uma causa médica geral, ou o uso de alguma
substância, seja medicamentosa ou de abuso.

Os transtornos psicóticos breves podem ser desencadeados ou não por fatores estressantes
acentuados (como numa situação de guerra, por exemplo), ou por uma série de fatores
estressantes menos importantes, que em conjunto se tornassem demasiadamente intensos. São
incluídos aqui os episódios iniciados dentro das primeiras 4 semanas do puerpério, que
caracteriza uma síndrome específica, de psicose puerperal (que é mais específica, incluindo
delírios, depressão, e pensamentos da mãe sobre ferir o bebê ou a si mesmo, com risco
considerável de se cometerem o infanticídio ou o suicídio).

Outros Transtornos Psicóticos

Outros transtornos psicóticos incluem os transtornos devidos a condições médicas gerais (muito
comumente distúrbios neurológicos e distúrbios metabólicos), e os transtornos psicóticos
induzidos por substâncias (seja por intoxicação, seja por abstinência).
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Também existem transtornos raros, atípicos, como o transtorno psicótico compartilhado


(aparecendo em uma pessoas que tem um relacionamento de longo prazo com outra pessoas
com síndrome psicótica similar), a psicose autoscópica (alucinações nas quais um “fantasma” do
próprio corpo da pessoas é visto, como em um espelho), a síndrome de Capgras (delírio de que
todas as pessoas relacionadas ao paciente foram substituídas por cópias exatas, impostores,
que se comportam de maneira idêntica), e síndromes especificas ligadas a certas culturas, como
o koro (delírio de que o pênis do paciente está encolhendo, e desaparecerá em seu abdômen,
causando a morte), em populações do sudeste asiático e algumas áreas da China, e o wihtigo
(delírio de ter sido transformado em um monstro gigante, que se alimenta de carne humana, o
wihtigo, ou windigo), em índios Cree, Okibway e Salteaux, na América do Norte, entre outras.

Transtornos de Humor

O humor, estado emocional interno de uma pessoa, varia normalmente em uma pessoa, segundo
suas experiências de vida, seus sucessos e fracassos em seus projetos, seus relacionamentos,
suas ambições. Dessa maneira, o humor pode estar elevado, deprimido, ou neutro, em uma
ampla faixa da variação, e as pessoas apresentam um repertório igualmente variado de
expressões afetivas. Geralmente, as pessoas estão mais ou menos no controle de seus humores
e afetos, levadas em consideração, evidentemente, as alterações surpreendentes da própria
existência (como a perda súbita de um ente querido, ou ganhar um grande prêmio em um sorteio,
por exemplo).

Os transtornos do humor constituem um grupo de condições clínicas caracterizadas pela perda


deste senso de controle, e uma experiência subjetiva de grande sofrimento, geralmente sendo
relatada uma qualidade inefável, porém distinta, do estado patológico pelos pacientes. É
importante frisar-se uma certa dissociação entre o humor do paciente e seu estado psicossocial
“real”, embora nos casos de depressão maior, muitas vezes, a funcionalidade social e pessoal
acabem por ser comprometidas, levando a uma congruência do humor e do seu estado “real”.

Os transtornos do humor são divididos em transtornos depressivos e transtornos bipolares, sendo


os pacientes com episódios unicamente de mania (humor elevado, patologicamente)
classificados como tendo transtorno bipolar I, sendo raros os casos em que não se manifestem
também episódios depressivos, no curso da doença destes pacientes.

Infelizmente, com a opressão sócio-econômica cada vez maior, imposta pelos modelos e padrões
ocidentais de vida, voltada principalmente para a valorização da posição econômica e social, em
detrimento dos valores morais, interpessoais, e religiosos, observar-se uma tendência indiscutível
dos indivíduos permanecerem a maior parte do tempo nas faixas deprimidas do continuum do
humor, facilitando a tendência, também influenciada pelos interesses econômicos, de se
diagnosticarem e tratarem em excesso os transtornos do humor, em especial a depressão leve
e a distimia. Outro fator que contribui para esse excesso diagnóstico e terapêutico são as
consultas cada vez mais breves, ditadas pelas pressões dos sistemas de saúde pública e privada
(planos de saúde), e pela má formação dos médicos, em geral, quanto à visão holística do Ser
Humano.

Transtornos Depressivos
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Os transtornos depressivos são caracterizados basicamente pelo humor deprimido, onde a perda
de interesse ou prazer acompanham a sensação de tristeza, a desesperança, a sensação de
inutilidade. O suicídio é uma preocupação constante quando se trata de pacientes deprimidos,
uma vez que cerca de dois terços deles pensa em se matar, e de 10 a 15% efetivamente cometem
o suicídio.

Praticamente todos os pacientes deprimidos queixam-se de uma diminuição de energia, com


dificuldade para terminar tarefas, comprometimento do desempenho na escola ou no trabalho, e
motivação diminuída para assumir novos projetos e tarefas.

A insônia também é freqüente, especialmente e caracteristicamente despertando de madrugada,


com múltiplos despertares durante a noite, quando geralmente ficam pensando sobre seus
problemas.

A maioria dos pacientes tem perda de apetite, com correspondente perda de peso, porém alguns
tem a reação contrária. Também o aumento de sono, principalmente a sonolência diurna, pode
ser relatado. Quase sempre os pacientes deprimidos tem, concomitantemente, queixa de
ansiedade, e é comum encontrarem-se já em uso de medicamentos ansiolíticos.

Basicamente, existem duas entidades clínicas relacionadas apenas à depressão, o transtorno


depressivo maior, e o transtorno distímico, estando a depressão presente também nos distúrbios
bipolares.

Várias condições médicas não-psiquiátricas podem levar a episódios de depressão, como


também algumas substancias químicas, com uma lista bastante extensa de condições e
substâncias potencialmente envolvidas, que devem ser afastadas antes de se diagnosticar um
transtorno depressivo.

Transtorno Depressivo Maior

Para se diagnosticar o transtorno depressivo maior, é necessário que haja pelo menos um
episódio depressivo maior, que necessita de um período mínimo de duas semanas de duração,
para ser caracterizado, havendo pelo menos 5 dos sintomas descritos, concomitantemente,
havendo pelo menos o humor deprimido ou a perda de prazer ou interesse. Com esses critérios
mais “rígidos”, espera-se padronizar um pouco melhor o diagnóstico da depressão, embora em
nosso meio nem sempre os critérios sejam utilizados corretamente.

Os episódios depressivos maiores podem ainda ser classificados segundo sua gravidade, desde
o episodio leve, passando pelo moderado, até os severos, com ou sem aspectos psicóticos, que
por sua vez podem ser congruente com o humor ou não. Os transtornos depressivos maiores
também são divididos em episódios únicos, os recorrentes, quando há na história pelo menos
dois episódios depressivos maiores, com pelo menos 2 meses de intervalo, durante os quais não
são satisfeitos os critérios para episódio depressivo maior.

O luto, ou seja, a situação de perda de um ente querido, também pode levar uma pessoa a reunir
os critérios diagnósticos para um episódio depressivo maior, porém não deve ser considerado
como tal, a menos que uma resolução do quadro não ocorra, ou que os sintomas se tornem
especialmente severos, com ideação suicida, sentimento de culpa (não apenas por omissão),
mumificação, ou seja, manter os pertences do falecido exatamente como estavam antes do óbito,
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ou uma reação de aniversário particularmente severa, ocasionalmente incluindo uma tentativa do


suicídio.

O curso dos transtornos depressivos maiores é de início agudo, embora sintomas depressivos
significativos possam ser vistos em cerca de metade dos pacientes, mas sem um transtorno de
personalidade definido pré-mórbido, e em geral o primeiro episódio depressivo maior ocorre antes
dos 40 anos de idade. Um episódio depressivo maior não tratado dura aproximadamente de 6 a
13 meses, sendo que a duração dos episódios tratados é em média de 3 meses, sendo este o
tempo mínimo para o tratamento com antidepressivos, uma vez que sua suspensão precoce
quase sempre resulta no retorno dos sintomas. Com a progressão do transtorno, a tendência dos
episódios é de ficarem mais freqüentes, e de maior duração, com uma média de 5 ou 6 episódios
ao longo de 20 anos. De 5 a 10% dos pacientes com um diagnostico inicial acabam por ter
episódios maníacos, num período de 6 a 10 anos do primeiro episódio depressivo, após uma
média de 2 a 4 episódios depressivos maiores.

O prognóstico do transtorno depressivo maior não é tão benigno como acreditam alguns,
comparando com a esquizofrenia. Se é verdade que a maioria dos pacientes recupera-se
completamente após um primeiro episódio, a taxa de recorrência dos episódios é extremamente
alta, chegando a 75% nos 5 primeiros anos. Isso faz deste um transtorno crônico, com recaídas,
e com tendência ao intervalo entre as recaídas de diminuir, e a gravidade de cada episódio de
aumentar, o que pode ser melhorado com o tratamento psicofarmacológico profilático.

Transtorno Distímico

O transtorno distímico se diferencia do transtorno depressivo maior principalmente pelo fato de


que os sintomas são crônicos, e não-episódios. Caracteriza-se por um humor deprimido (ou
irritável, no caso de crianças e adolescente) durante a maior parte do dia, na maioria dos dias,
cronicamente.

O termo “distimia” significa, literalmente, mal-humor, mas foi alterado na última revisão do DSM
para “transtorno distímico” (provavelmente pra uniformizar a nomenclatura). Antes de 1980,
várias denominações haviam sido dadas para a mesma situação clínica, como “neurose
depressiva”, “personalidade ciclotímica”, “personalidade melancólica”, “depressão
caracterológica”, etc.

Os sintomas clínicos são similares aos do transtorno depressivo maior, porém sua presença é
constante, e em geral de menor severidade, podendo variar em gravidade ao longo do tempo.
Apesar desta severidade menos intensa, o que pesa realmente para o diagnostico diferencial é
a falta de episódios delimitados. Por definição, também, os pacientes distímicos não têm
quaisquer sintomas psicóticos. Deve-se estar atento, no entanto, para sintomas comuns no
transtorno distímico, como a preocupação obsessiva com questões relacionadas à saúde, e
queixas freqüentes de tratamento injusto por parentes, e pessoas de convívio próximo, que
podem ser erroneamente interpretadas como delírios persecutórios ou somáticos, sendo mesmo
difícil, por vezes, a diferenciação.

São comuns o divórcio, o desemprego, e os problemas sociais, em decorrências do transtorno


distímico, além de dificuldades de concentração, levando a baixo desempenho escolar ou
profissional, e as queixas físicas e sua investigação (às vezes prolongada) podem fazer com que
o paciente perca muitos dias de trabalho, e até compromissos sociais.
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A estimativa entre os pacientes com transtorno depressivo maior é de que 40% satisfaçam
também os critérios para transtorno distímico, uma situação conhecida como depressão dupla.
Estes pacientes têm prognóstico pior do que aqueles com transtorno depressivo maior “puro”,
devendo ser tratados com direção para ambos os transtornos. O abuso de álcool e outras
substâncias, como estimulantes, maconha, etc., também é extremamente freqüente em co-
morbidade com os transtornos distímicos, muitas vezes sendo difícil determinar se o transtorno
distímico levou ao abuso da substancia, ou foi um efeito do mesmo.

O tratamento dos pacientes com transtorno distímico, classicamente, sempre foi apenas com
psicoterapias, das mais diversas modalidades, sendo muito freqüente a indicação do tratamento
psicanalítico, porém os resultados das terapias de longo prazo, como a psicanálise, deixam muito
a desejar, sendo muito mais eficazes as terapias breves, sendo nos EUA dado ênfase às terapias
comportamentais e cognitivas, bem de acordo com a sua maneira de ver o mundo, voltada para
objetivos imediatos e de “funcionalidade”. Talvez por isso, também, têm-se dado ênfase à
terapêuticas farmacológica, que obviamente melhora os sintomas apresentados, bem como o
desempenho profissional e social, porém não pode ser suspensa, trazendo, de certo modo, uma
nova dependência farmacológica, muitas vezes rejeitada em nosso meio. Talvez a melhor
abordagem seria uma terapêutica combinada, com os antidepressivos sendo indicados numa
fase inicial, concomitantemente com a psicoterapia, até que esta possa trazer resultados
suficientes para que o paciente possa prescindir dos medicamentos.

Transtornos Bipolares

O que caracteriza os transtornos bipolares, diferenciando-os dos transtornos depressivos, são os


episódios de humor anormalmente elevado, chamados de episódios maníacos, ou de mania.
Estes são caracterizados por humor expansivo anormal, e persistentemente elevado, ou irritável,
com auto-estima inflada, ou sentimentos de grandiosidade, necessidade diminuída de sono, “fuga
de idéias”, com fala acelerada, estando o paciente mais falante que o normal, ou relatando certa
“pressão” para continuar falando, ou com a experiência subjetiva de que os pensamentos estão
“correndo”, distração, aumento na atividade dirigida a um ou outro objetivos, agitação
psicomotora, e engajamento excessivo com atividades agradáveis com alto potencial para
conseqüências dolorosas.

Se os sintomas são suficientemente graves para causar comprometimento acentuado no


funcionamento social ou ocupacional, ou nos relacionamentos costumeiros com os outros, ou
para exigir hospitalização, como um meio de evitar danos a si mesmo e a outros, ou ainda se
existem aspectos psicóticos, o episódio é caracterizado como maníaco. Do contrario, o episódio
é chamado de hipomaníaco, mas para caracterizar a hipomania, é necessário que haja uma
mudança inequívoca no funcionamento, que não é característica da pessoa, quando
assintomática, e também que as perturbações no humor e a mudança no funcionamento sejam
observáveis por outros.

Para caracterizar episódios maníacos ou hipomaníacos, é ainda fundamental que se afaste a


possibilidade de serem decorrentes do uso, abuso ou abstinência de substâncias, incluindo os
tratamentos antidepressivos, e também outras terapias somáticas antidepressivas, como a
eletroconvulsoterapia (ECT), terapia com luzes, etc. Também a existência de uma condição
médica geral, como o hipertireoidismo, impede o diagnóstico de episódios maníacos ou
hipomaníacos, devendo ser abordadas como episódios devidos à condição em questão.
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Os transtornos bipolares se dividem em transtorno bipolar I, transtorno bipolar II, transtorno


ciclotímico.

Transtorno Bipolar I

Antigamente chamado apenas de transtorno bipolar, o transtorno bipolar I é caracterizado pela


presença de um conjunto completo de sintomas de mania durante o curso do transtorno. Pode
haver um episódio maníaco único ou recorrente, sendo possível um ou mais episódios
depressivos entre os episódios recorrentes de mania. Para caracterizar o transtorno bipolar I,
episódio maníaco único, é necessária a ausência de qualquer episódio depressivo maior no
passado. Caso seja o primeiro episódio maníaco, mas com episódio(s) depressivo(s) no passado,
já se pode caracterizar o transtorno bipolar I com episódios recorrentes.

Existem também os episódios mistos, em que tanto os critérios para um episódio depressivo
maior quanto os critérios para um episódio maníaco se encontram presentes ao mesmo tempo.

No curso do transtorno bipolar I podem haver também episódios hipomaníacos, porém é


necessário, para o seu diagnóstico, pelo menos um episódio maníaco ou misto.

Um paciente em episódio maníaco é geralmente expansivo, e freqüentemente contagia as


pessoas com quem se relaciona, podendo às vezes ser difícil o diagnóstico, por uma relação
contra-transferencial. Muitas vezes elabora histórias complexas, de difícil verificação quanto à
sua veracidade, dando a impressão, à primeira vista, de seus relatos. Geralmente as pessoas
não envolvidas com o paciente não reconhecem o humor inusitado do paciente, mas os familiares
e pessoas de convívio próximo percebem nitidamente a sua mudança. Muitas vezes, por verem
frustrados seus “planos mirabolantes”, os pacientes passam gradualmente de um estado de
euforia para outro de irritabilidade, e podem tornar-se agressivos.

No hospital, tendem a testar insistentemente os limites das regras, transferir responsabilidades


por seus atos para outrem, promover a discórdia entre as equipes de tratamento, por vezes
seduzindo, por vezes agredindo o pessoal direta ou indiretamente envolvido em seus cuidados.
Fora do hospital, têm tendência a abusar de álcool, e às vezes de outras drogas, engajar-se em
jogo patológico, chamar muito a atenção sobre si, com roupas de cores berrantes, maneiras
espalhafatosas, e tom de voz elevado. Têm geralmente senso de convicção e propósito elevados,
preocupandose freqüentemente com idéia religiosas, políticas, financeiras, etc., muitas vezes
evoluindo para sistemas delirantes complexos, tão mais difíceis de se diferenciar de sistemas
filosóficos “normais” quanto maior for a bagagem cultural prévia do indivíduo.

O curso do transtorno bipolar I é quase sempre um de recorrências, sendo raro que permaneçam
com episódios maníacos únicos. Apenas 7% dos pacientes não tem uma recorrência dos
sintomas, e a grande maioria, na verdade, inicia pela depressão (75% das vezes nas mulheres,
e 67% nos homens). A grande maioria tem tanto episódios maníacos quanto depressivos, porém
de 10 a 20% permanecem tendo apenas episódios maníacos. Os episódio maníacos, sem
tratamento, duram por volta de três meses, não devendo a terapêutica ser interrompida antes de
decorrido este período. O tempo entre os episódios costuma diminuir com a progressão do
transtorno, mas costuma estabilizar-se após 5 ou 6 episódios, em cerca de 6 a 9 meses de
intervalo. Alguns pacientes, entretanto, têm episódios com ciclagem rápida, trazendo maior
angústia a seus familiares, amigos e colegas.
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O prognóstico é pior do que o do transtorno depressivo maior, com apenas 50 a 60% dos
pacientes adquirindo um controle significativo de seus sintomas com a terapia profilática das
recorrências com medicação, e com uma alta freqüência de sintomas crônicos, com delírio social
significativo em cerca de um terço dos pacientes. Apenas 15% dos pacientes com transtorno
bipolar I permanecem bem, a longo prazo, a despeito do tratamento medicamentoso e
psicoterápico.

Transtorno Bipolar II

O transtorno bipolar II é caracterizado por episódios depressivos maiores, associados a episódios


de hipomania, sem episódios de mania, nem episódios mistos. Na verdade, pode ser difícil
distinguir episódios de hipomania de uma certa euforia natural, nos pacientes que se recuperam
de um episódio depressivo maior. Também os episódios de hipomania podem ser
desencadeados pelo uso de antidepressivos, caso em que não se pode fazer o diagnóstico de
transtorno bipolar II.

Esta categoria diagnóstica só foi introduzida na 4ª revisão do DSM, portanto é uma categoria
“nova”, sobre a qual não dispomos, ainda de estudos suficientes. Aparentemente, trata-se de um
diagnóstico estável, permanecendo os pacientes com o mesmo diagnóstico numa revisão após
5 anos do primeiro diagnóstico. Parece ser uma doença crônica, exigindo tratamento a longo
prazo, sendo ainda incerto se o tratamento indicado para o transtorno bipolar I tem a mesma
eficácia no transtorno bipolar II, mas sendo certo que o tratamento isolado com antidepressivos
deve ser visto no mínimo com cautela, pela alta freqüência de precipitação de um episódio
maníaco.

Transtorno Ciclotímico

Em termos sintomáticos, o transtorno ciclotímico é uma forma leve do transtorno bipolar I,


caracterizando-se por episódios de hipomania e de depressão leve, jamais satisfazendo os
critérios para episódios depressivos maiores, nem para episódio maníacos, com presença mais
ou menos constante dos sintomas por dois anos (ou um ano, no caso de crianças e
adolescentes).

Os sintomas são idênticos aos do transtorno bipolar I, exceto por serem menos severos, ou de
menor duração. Os pacientes que têm os sintomas depressivos como proeminentes tendem a
procurar auxílio psiquiátrico com muito maior freqüência do que aqueles em que são mais
evidentes os sintomas hipomaníacos. Quase todos os pacientes têm também períodos de
sintomas mistos, com irritabilidade acentuada.

As pessoas com transtorno ciclotímico têm uma tendência ao insucesso profissional e social,
devido à sua condição, mas alguns pacientes podem chegar a resultados consideráveis no
trabalho, por haverem trabalhado muitas horas por dia, em decorrência da falta de necessidade
de sono.

Os ciclos do transtorno tendem a ser muito mais curtos que os do transtorno bipolar I, com
alterações irregulares e súbitas de humor, às vezes ocorrendo em questão de horas.
Freqüentemente os pacientes sentem que seu humor está fora de controle, levando a stress e
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irritabilidade. O abuso de álcool e de outras substâncias é comum, com cerca de 5 a 10% dos
pacientes apresentando dependência de uma ou mais substâncias.

O início dos sintomas é geralmente insidioso, na adolescência e início da idade adulta, por vezes
comprometendo o desempenho escolar, e sua capacidade de socialização. O prognóstico é
variável, com cerca de um terço dos pacientes evoluindo para um transtorno de humor maior,
mais comumente o transtorno bipolar II. Os demais tendem a ter um curso crônico, necessitando
de tratamento medicamentoso e psicoterápico de longo prazo, muitas vezes por toda a vida.

Transtornos de Ansiedade

A ansiedade é uma resposta bio-psicológica normal, comum não apenas a todos os seres
humanos, como também à maior parte da escala biológica animal, e tem a função biológica de
promover um estado de alerta mais aguçado, levando o indivíduo a se preparar antecipadamente
para enfrentar uma possível ameaça à sua integridade física. Um sinal similar de alerta é o medo,
distinguindo-se da ansiedade pelo fato de ser especificamente direcionando, a uma ameaça
conhecida, externa, definida, enquanto a ansiedade é dirigida a ameaças desconhecidas, vagas,
internas, ou de origem conflituosa.

Toda pessoa que já viu em um ambiente obscuro, com probabilidade de ocorrência de eventos
surpreendentes, sabe como são as sensações da ansiedade, marcadas pela ação do Sistema
Nervoso Autônomo Simpático, com transpiração, taquicardia, desconforto abdominal,
inquietação, midríase (dilatação das pupilas), etc. Tal reação tem a intenção de preparar o
indivíduo para fugir ou lutar, e em tempos remotos deve ter servido para a preservação da nossa
espécie (e de outras), na constante luta pela sobrevivência.

No entanto, em dias atuais, tal reação raramente se justifica, uma vez que ficamos ansiosos
geralmente por “perigos” que não trazem riscos reais à nossa existência, como contas por pagar,
empregos por manter, relacionamentos pessoais por estabelecer ou romper... Quem pode dizer
que nunca ficou ansioso por um primeiro encontro com uma pessoa amada?

OBS.: O próprio nome “Simpático” para o sistema adrenérgico, que comando esta reação, é
devido ao fato de que nos tornamos mais atraentes ao termos nossas pupilas dilatadas, nossas
faces ruborizadas, nossa respiração acelerada... Talvez por isso se diga que o Amor e o Perigo
andem sempre de mãos dadas!

O estudo e entendimento da ansiedade está na verdade no cerne da própria psicanálise, e as


diversas formas de manifestação da ansiedade e o seu tratamento, na linha psicanalítica, serão
estudadas em todo o decorrer do curso. Cabe aqui citarmos apenas algumas entidades clínicas
especificas, em que o tratamento psicanalítico, embora indicado, deve ser acompanhado de pelo
menos uma avaliação quanto a adequação de uma terapêutica biológica.

Pânico
Desde 1980, na publicação do DSM-III, foi oficialmente definido o conceito do transtorno de
pânico, e evidências importantes foram se acumulando a seu respeito. Hoje não há dúvida de
que o tratamento deve incluir terapêutica medicamentosa associada à psicoterapia.

O transtorno de pânico, também chamado de Síndrome do Pânico, é caracterizado pela


ocorrência espontânea e inesperada de ataques de pânico. Estes têm duração relativamente
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breve, geralmente de alguns minutos a menos de uma hora, e são caracterizados por intensa
ansiedade ou medo, acompanhados de sensações somáticas como palpitações, taquipnéia e
sudorese. Muitas vezes os pacientes com pânico procuram inicialmente os clínicos e
cardiologistas, suspeitando eles mesmos de algum distúrbio em seus corações, pulmões ou
estômagos, muitas vezes submetendose a uma série de exames complementares, e após
resultarem negativos os exames, são encaminhados diretamente ao psicanalista, com rótulo de
“histéricos”.

A freqüência dos ataques de pânico é variável, desde apenas alguns ataques durante o ano até
várias vezes por dia. Freqüentemente, o distúrbio é acompanhado por agorafobia (do grego agorá
= assembléia, praça pública + phobia = medo), ou medo de estar sozinho em lugares públicos
ou abertos e amplos, especialmente se a saída deste lugar se torne difícil, no caso de ocorrer
uma crise de pânico. Isto pode levar a uma séria disfunção pessoal e social, prejudicando o
indivíduo em situações não diretamente relacionadas, como o trabalho e coisas simples, como
fazer compras em um supermercado, por exemplo. Aparentemente, a agorafobia é uma
conseqüência dos ataques de pânico, desenvolvendo-se à medida em que os pacientes se
tornam receosos de seus ataques e de suas conseqüências.

Durante um ataque de pânico, o paciente geralmente tem um sensação de medo extremo, de


morte e catástrofe iminentes, mas não consegue identificar a fonte destes temores. Isto pode
levar a uma certa confusão, que se associa a uma dificuldade de concentração, agravados pelos
sintomas físicos. Mesmo contra qualquer raciocínio “lógico”, o paciente interrompe e procura
abandonar qualquer situação em que se encontre, para buscar ajuda. Esses sintomas
desaparecem, rapidamente ou gradualmente, após em média 20 a 30 minutos (raramente
durando mais de uma hora). Às vezes os pacientes chegam a ter episódios de síncope
(desmaios) durante os ataques (cerca de 20% dos pacientes).

O transtorno de pânico tem seu início geralmente no final da adolescência e início da idade adulta,
e tem em geral um curso crônico, porém muitas vezes benigno, com cerca de 30 a 40% estando
livres de sintomas a longo prazo, 50% com sintomas leves, que não afetam significativamente
suas vidas, e apenas 10 a 20% com sintomas importantes. O tratamento farmacológico,
associado à psicoterapia, tem alto índice de eficácia, embora muitas vezes haja uma elevada
taxa de recaída, mesmo quando o tratamento medicamentoso se estende por períodos de um
ano ou mais.

Fobias

Uma fobia é um medo irracional que provoca o constante esquivar-se do objeto, atividade ou
situação temidos, com importante sofrimento do indivíduo, que reconhece sua reação como
sendo excessiva. Além da já citada agorafobia (vide acima), caracterizam-se também as fobias
específicas (em relação a um objeto, animal, sangue, elevador, etc.) e as fobias sociais, com
medo de humilhação em vários contextos sociais, como falar em público, ou até urinar em um
toalete público.

Geralmente as fobias levam o indivíduo a evitar (ou tentar evitar) o estímulo específico, por vezes
levando a situações extremamente embaraçosas, como por exemplo ter de viajar grandes
distâncias de carro ou ônibus, enquanto todo o resto de uma equipe profissional ou de um grupo
social viaja em um avião, ou ter que subir vários andares em escadas, por medo de elevadores.
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Não existem drogas específicas para o tratamento das fobias, e a psicanálise deve ser um pouco
mais “agressiva”, pela tendência destes pacientes a se esquivarem dos objetos de suas fobias.
As várias técnicas de terapia breve, principalmente a hipnoterapia e a terapia de
dessensibilizaçao têm se mostrado mais eficazes na resolução destes transtornos.

Unidade

PSIQUIATRIA II 2
Índice

Transtorno Obsessivo-Compulsivo
“Stress” Agudo e Pós-traumático
Ansiedade Generalizada
Transtornos Somatoformes
Transtorno de Somatização
Transtorno Conversivo
Hipocondria
Dor e Transtorno Doloroso
Transtornos Dismórfico Corporal
Transtornos Factícios
Transtornos Dissociativos
Amnésia Dissociativa
Fuga Dissociativa
Transtorno Dissociativo de Identidade (Personalidade Múltipla)
Transtornos de Despersonalização
Transe Dissociativo
Transtornos Sexuais
Disfunções Sexuais
Parafilias
Transtornos de Identidade de Gênero
Transtornos Alimentares
Aneroxia Nervosa
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Bulimia Nervosa
Transtornos do Sono
Dissonias
Parassonias
Transtornos Relacionados a Substâncias
Medicamentos mais Comumente Usados em Psiquiatria e Neurologia, e Outras
Terapias “Biológicas”
Antidepressivos
Antipsicóticos (Neurolépticos)
Ansiolíticos e Indutores de Sono
Anti-Parkinsonianos
Anti-Convulsivantes
Eletroconvulsoterapia (ECT)
Psicocirurgia
Homeopatia
Acupuntura
Terapias “Alternativas”
O Efeito Placebo e a “Cura pela Fé”
Conclusão
Apêndice A: Classificação dos Transtornos Mentais do DSM-IV
Bibliografia
Trabalho

Transtorno Obsessivo-Compulsivo

O transtorno obsessivo-compulsivo, como o nome indica, é caracterizado pela ocorrência


de obsessões e compulsões. Uma obsessão é um pensamento, sentimento, idéia ou
sensação intrusiva, enquanto que compulsão é um comportamento consciente,
estandardizado e recorrente, como contar, verificar, evitar ou lavar. As obsessões levam
a um aumento da ansiedade da pessoa, enquanto que a execução das compulsões leva
a uma sensação de redução da ansiedade. Quando um indivíduo com transtorno
obsessivo-compulsivo resiste à realização da compulsão, a ansiedade aumenta, até que
ele se veja praticamente “obrigado” a realizá-la.

Um paciente obsessivo-compulsivo percebe o caráter irracional de suas obsessões, e


experimenta tanto a obsessão quanto a compulsão como ego-distônicas. As obsessões
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invadem insistente e persistentemente a consciência, e um sentimento de medo ansioso


acompanha a manifestação central, levando a pessoa a tomar medidas contra a idéia ou
impulso inicial. A pessoa que sofre de obsessões e compulsões sente na maioria das
vezes um forte desejo de resistir-lhes, porém cerca de metade dos pacientes oferece
efetivamente pouca resistência à compulsão.

Independentemente de quão vívida e compelidora seja a obsessão ou compulsão, a


pessoa reconhece-as como absurdas e irracionais, evidenciando-as como algo alheio a
si mesmo, estranhas à experiência que a pessoa tem de si como um ser psicológico.

O padrão mais comum é o de uma obsessão de contaminação (ou sujeira), seguida por
uma compulsão para lavar ou limpar, ou ainda para esquivar-se do objeto ou pessoa
supostamente contaminada. O segundo padrão em freqüência é uma obsessão de
dúvida, seguido de uma compulsão à verificação, geralmente com a obsessão
envolvendo algum padrão de perigo ou violência (esquecer o gás ligado, ou a porta
destrancada, com as possíveis conseqüências de explosão ou de invasão, por exemplo).
Outros padrões comuns envolvem pensamentos obsessivos meramente intrusivos, sem
compulsões associadas, geralmente pensamentos repetitivos com conteúdo sexual ou
agressivo repreensível aos olhos do paciente, ou a necessidade de simetria ou precisão,
ou ainda obsessões religiosas, entre outras.

O tratamento farmacológico vem ganhando força por sua eficácia a curto prazo, e pelos
achados recentes de alterações orgânicas cerebrais nos pacientes com transtorno
obsessivo-compulsivo, porém ainda não se pode determinar se estas alterações seriam
a causa desta condição, pois a maioria dos estudos têm achado resultados discrepantes.
A psicanálise tem sido desconsiderada como alternativa terapêutica, embora existam
relatos informais de sucesso, e não haver dúvida em relação à necessidade de
psicoterapia coadjuvante à farmacoterapia.

“Stress” Agudo e Pós-traumático

Traumas emocionais intensos podem levar praticamente qualquer pessoa a uma reação
aguda de stress. Esses traumas incluem, por exemplo, experiências de combate,
catástrofe naturais, agressão física, estupro, acidentes sérios, entre outros. O transtorno
de stress pós-traumático consiste de revivência do evento traumático através de sonhos
e de pensamentos durante a vigília, hiperexcitação persistente, e evitação persistente de
coisas que lembrem do trauma. Se os sintomas ocorrem por um breve período de tempo
(de dois dias a quatro semanas), classifica-se como stress agudo, e se eles persistem
por mais de um mês, caracteriza-se o stress póstraumático.

Nestes casos, o tratamento psicoterápico pode necessitar de auxílio de tratamento


medicamentoso, sendo uma das indicações claras de ansiolíticos e indutores do sono. A
psicanálise tem um papel importante no stress pós-traumático, sendo mais indicadas as
terapias breves para as situações agudas.
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Ansiedade Generalizada

A ansiedade e preocupação excessivas, com expectativa apreensiva exagerada,


ocorrendo na maioria dos dias, por um período de pelo menos 6 meses, sendo
considerado difícil, pelo indivíduo, controlar sua preocupação, e na ausência de outro
transtorno específico ao qual a ansiedade estaria dirigida (como por exemplo ataques de
pânico), caracterizam o transtorno de ansiedade generalizada, segundo o DSM-IV. Estão
associadas a inquietação, a sensação de estar “com os nervos à flor da pele”,
fatigabilidade, dificuldade para concentrar-se, “brancos” ou “lapsos de memória”,
irritabilidade, tensão muscular (muitas vezes levando a cefaléias, lombalgias, ou dores
localizadas em um ou outro membro), e insônia, classicamente com grande dificuldade
para conciliar o sono, desde o início da noite (em contraste com a insônia dos transtornos
depressivos, que aparece com despertares durante a madrugada).

A ansiedade generalizada está associada a pressões psicossociais cada vez maiores,


sendo uma das grandes aflições dos “tempos modernos”, juntamente com as formas
mais leves da depressão e da distimia. Seu tratamento é eminentemente psicoterápico,
embora haja um uso intenso, e provavelmente pouco discriminado de ansiolíticos, o que
pode estar levando a um aumento na incidência de transtornos relacionados a estas
substâncias, principalmente o abuso e a dependência. A legislação específica para a
prescrição e venda destas medicações, no Brasil, até agora, não parece ter coibido a
prática comum, de muitos médicos não psiquiatras, de prescreverem abusivamente
benzodiazepínicos, sem ao menos encaminhar para uma avaliação psiquiátrica, ou ao
menos para uma psicoterapia.

Transtornos Somatoformes

Os transtornos somatoformes são um grupo de transtornos que incluem sintomas físicos


para os quais nenhuma causa ou explicação orgânica adequada pode ser encontrada.
Os transtornos somatoformes não são simulações conscientes ou transtornos factícios,
mas causam desconforto ao paciente, que freqüentemente reluta em aceitar o
diagnóstico como sendo “apenas” de origem psicológica. Em geral, o diagnóstico deve
ser mesmo um diagnóstico de exclusão, tendo sido afastadas as hipóteses de patologias
orgânicas não psiquiátricas, antes de o paciente ser encaminhado para
acompanhamento psicoterápico.

Esta aula não se deterá muito nos transtornos somatoformes, assim como nos
transtornos factícios, dissociativos, alimentares, sexuais, de sono e os relacionados a
substâncias, uma vez que tais condições devem ser mais profundamente estudadas no
restante do curso, assim como os transtornos de ansiedade, vistos acima. Para um maior
aprofundamento na visão “psiquiátrica” destas condições, recomenda-se o “Compêndio
de Psiquiatria”, de Kaplan e outros (vide Bibliografia).

Transtorno de Somatização
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O que caracteriza o transtorno de somatização são os múltiplos sintomas somáticos, que


não podem ser explicados por exames físicos e exames auxiliares. A multiplicidade de
sintomas, e os múltiplos sistemas orgânicos “afetados” o diferenciam dos demais
transtornos somatoformes, principalmente do transtorno conversivo.
Caracteristicamente, é um transtorno crônico, que leva o paciente a múltiplas consultas
médicas, com múltiplos especialistas, e a submeter-se a múltiplos exames auxiliares,
muitas vezes bastante dolorosos, ou no mínimo desconfortáveis, o que pode aumentar
ainda mais o sofrimento do paciente.

A somatização, juntamente com a conversão, eram chamada anteriormente de histeria,


numa (falsa) suposição de que tais transtornos somente acometessem as mulheres (do
grego hystera = útero). Realmente, os transtornos de somatização são mais freqüentes
nas mulheres do que nos homens, numa proporção de 5 até 20 mulheres para cada
homem afetado (embora as estatísticas mais altas estejam provavelmente adulteradas
pelo fato de que existe uma tendência, mais antiga, de não se considerar o diagnóstico,
nos homens...). Extra-oficialmente, comenta-se que o distúrbio, quando acomete
indivíduos do sexo masculino, é muito mais intenso, e os sintomas tendem a ser mais
elaborados, dificultando ainda mais a diferenciação com patologias orgânicas “reais”.
Não há dados oficiais que confirmem esta afirmação, bem como não há uma tendência
a um aumento de incidência de homossexualidade entre os homens com transtornos de
somatização.

Transtorno Conversivo

Diferentemente do transtorno de somatização, o transtorno conversivo caracteriza-se


pela presença de um ou mais sintomas neurológicos, que não podem ser explicados por
uma condição neurológica conhecida, nem detectada por exames auxiliares. A
especificidade dos sintomas, exclusivamente neurológicos, diferencia a conversão da
somatização, onde podem existir sintomas neurológicos, porém sempre acompanhados
de sintomas relativos a outros órgãos ou sistemas.

Os sintomas, como paralisias, cegueira, distúrbios da fala, tonturas, ou convulsões, entre


outros, podem tornar difícil a diferenciação com patologias realmente neurológicas,
tornando obrigatória a avaliação por um especialista, que muitas vezes pode ter
dificuldade para descartar completamente algum distúrbio neurológico orgânico.

O transtorno conversivo tende a ser agudo (contrastando com a somatização), com a


resolução espontânea dos sintomas, quase sempre em alguns dias, ou no máximo em
um mês. Apenas os casos em que o transtorno é recorrente (por volta de 25%), ou
naqueles em que os sintomas não regridem em poucos dias, está indicado o tratamento
psicanalítico clássico. As terapias breves e os ansiolíticos podem ser usados em casos
agudos, para mais rápida resolução dos sintomas.
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O termo “conversivo” foi introduzido por Freud, com base em seu trabalho com Anna O.,
que é um “clássico” obrigatório para o entendimento da psicanálise como um todo, e
especificamente da conversão, seus mecanismos e seu tratamento.

Hipocondria

Derivado do termo antigo hypochondrium (“abaixo das costelas”), o termo hipocondria


refere-se à condição em que o paciente acredita e teme ter uma doença grave, ainda não
detectada, interpretando erroneamente sintomas somáticos, convicção esta que persiste
apesar de avaliações repetidas e garantias médicas de que não há nada gravemente
anormal em seu organismo, e do curso benigno de sua condição ao longo do tempo. Esta
convicção, no entanto, não é tão fixa a ponto de constituir um delírio, nem se restringe a
uma preocupação circunscrita com a aparência, mas causa sofrimento significativo, ou
prejuízo ao funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida
do indivíduo. O paciente pode ou não ter insight de que a preocupação com a idéia de
ter uma doença grave é excessiva ou irracional, porém esse insight não o ajuda a eliminar
a mesma.

Mais comumente iniciado entre 20 e 30 anos de idade, e com uma duração de pelo menos
6 meses (há casos com menor duração, geralmente relacionados a stress importante,
mas estes não podem ser caracterizados como hipocondria), tem curso episódico, com
intervalos quiescentes e episódios de hipocondria de vários meses a anos de duração. A
psicoterapia é geralmente pouco eficaz, tanto quanto as drogas ansiolíticas e
antidepressivas, porém em geral o prognóstico é benigno, com melhora espontânea
eventual, ou com manutenção dos sintomas sem outras complicações, exceto nos casos
em que exames médicos mais invasivos, ou terapêuticas direcionadas a achados clínicos
supervalorizados tragam complicações iatrogênicas.

Dor e Transtorno Doloroso

A presença de dor, não completamente explicada por uma condição médica, não
psiquiátrica, associada a prejuízo funcional e sofrimento emocional, e com relação causal
plausível com fatores psicológicos, caracteriza o transtorno doloroso. Esta definição
acaba por deixar muito aberto o diagnóstico, uma vez que a presença e intensidade de
dor é sempre uma questão extremamente subjetiva, e nunca é possível eliminar ou
assegurar-se com certeza absoluta de componentes psicológicos para qualquer queixa
de dor, mesmo quando existe uma patologia orgânica evidente.

O tratamento com analgésicos comuns geralmente não melhora as dores psicogênicas


(ou o componente psicogênico da dor), porém o uso de analgésicos opiáceos pode ser
freqüente, o que leva a uma grande tendência à dependência e abuso de tais
medicamentos, como também acontece com os ansiolíticos e antidepressivos.

As psicoterapias breves e a psicanálise têm sucesso variável no manejo destes


pacientes, dependendo sua indicação específica de diversas variáveis, sempre com
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acompanhamento clínico, lembrando que a dor é um fenômeno fisiológico importante


para a nossa integridade física, alertando-nos quanto a alterações orgânicas várias.

Transtornos Dismórfico Corporal

O transtorno dismórfico corporal é uma preocupação com um defeito corporal imaginário,


ou uma distorção exagerada de um defeito mínimo ou sem importância, que acarreta
sofrimento significativo ou prejuízo na vida pessoal, ocupacional ou social do paciente.
As preocupações mais comuns envolvem defeitos faciais (principalmente em relação ao
nariz), nos cabelos, na pele, e na constituição geral do corpo. Se a intensidade da
perturbação for tão grande a ponto de poder ser considerada um delírio, não se faz o
diagnóstico de transtorno dismórfico corporal, mas sim de transtorno delirante, tipo
somático.

Talvez uma boa parte do recente aumento da procurar por procedimentos estéticos
reparadores (cirurgia plástica, aumento de seios e nádegas, lipoaspiração, remoção de
rugas, etc.) esteja refletindo uma tendência ao aumento da freqüência deste transtorno,
determinada ou facilitada por fatores psicossociais...

Transtornos Factícios

Os transtornos factícios distinguem-se dos transtornos somatoformes por haver uma


produção deliberada de sinais e sintomas, com um objetivo aparente de assumir um
papel de paciente, de ser hospitalizado, e às vezes de ser submetido a exames ou até
cirurgias. Existe uma qualidade compulsiva nessa produção, porém os comportamentos
são considerados voluntários, por serem deliberados e dirigidos a uma finalidade, ainda
que não possam ser controlados.

Não existem incentivos externos para este comportamento, e se existirem (como no caso
de vantagens econômicas, esquiva de responsabilidades legais, ou obtenção de atenção
específica de alguma pessoa intimamente relacionada) não se faz diagnóstico de
transtorno factício, mas sim de Simulação.

É uma condição extremamente refratária a qualquer tipo de tratamento, com freqüência


ocorrendo de o paciente fugir do hospital, ou simplesmente deixar de aparecer nas
consultas ou sessões de terapia. A reação dos médicos, ficando geralmente irritados com
as mentiras e engodos do paciente, e o receio de estar desconsiderando uma situação
clínica real, dificultam ainda mais o manejo, levando a alta incidência de procedimentos
invasivos, e conseqüentemente de iatrogenias.

Transtornos Dissociativos

A disfunção fundamental nos transtornos dissociativos consiste na perda por parte do


paciente do sentimento unitário de si mesmo como ser humano único, com uma única
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personalidade básica. Esta consciência de si como personalidade única pode se alterar


também em pessoas normais, saudáveis, como por exemplo acontece no fenômeno da
hipnose, na meditação, etc. Outros exemplos comuns de dissociação corriqueira são
encontrados em períodos de desatenção durante uma conversa ou uma aula, ou também
estados em que a atenção se encontra aumentada, como ao “viajar” durante uma boa
leitura, por exemplo.

A dissociação patológica surge, provavelmente, como uma defesa psíquica contra um


trauma, seja físico ou emocional. O grau de dissociação, e a maneira individual de cada
paciente reagir, determinam a formação de síndromes distintas.

Amnésia Dissociativa

Embora a amnésia seja comum a quase todos os transtornos dissociativos, caracterizase


a amnésia dissociativa quando os fenômenos de dissociação estão limitados à memória.
Basicamente, o paciente perde a capacidade para recordar informações já armazenadas
em sua memória, geralmente aquelas que dizem respeito a um evento traumático ou
estressante. A capacidade para aprender novas informações, no entanto, é mantida.

Uma forma comum é a amnésia para a própria identidade pessoal, mas com memória
intacta para informações gerais. O término da amnésia é em geral abrupto, e a
recuperação é completa, com baixa incidência de recorrências. No entanto, a
psicoterapia é quase sempre recomendada, para que haja uma integração adequada das
memórias à personalidade do indivíduo, e para resolução de conflitos que possam estar
na base do transtorno agudo.

Fuga Dissociativa

Na fuga dissociativa, o paciente, além de perder memória de seu nome, família, passado,
etc., afasta-se fisicamente de seu lar habitual, trabalho e locais costumeiramente
freqüentados (muitas vezes afastando-se da cidade), muitas vezes assumindo uma
identidade completamente nova, embora essa identidade, em geral, seja menos
completa do que as personalidades alternativas vistas no transtorno dissociativo de
identidade, além de não haver uma alternância entre as identidades antiga e nova.

O paciente, durante o período de fuga, tem completa amnésia para a sua vida e ligações
passadas, mas não tem consciência plena de ter esquecido de algo, e não perde
capacidades anteriormente aprendidas. Em geral, não dá mostras de estar comportando-
se de maneira extraordinária, procurando levar uma vida calma, banal, atraindo para si o
mínimo de atenção.

Esta situação tem rendido várias histórias na ficção, especialmente de cunho romântico,
como em novelas de TV e romances dirigidos ao público feminino, encontrados em
bancas de revistas.
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Transtorno Dissociativo de Identidade (Personalidade Múltipla)

Antes chamado de transtorno de personalidade múltipla, o transtorno dissociativo de


identidade é um transtorno crônico, cuja causa envolve quase sempre um evento
traumático, geralmente abuso físico ou sexual, na infância. As pessoas com transtorno
dissociativo de identidade têm duas ou mais personalidades distintas, cada uma delas
determinando o comportamento e as atitudes durante o período em que predomina. O
número médio de personalidades distintas situa-se na faixa de 5 a 10, com freqüência
estando 2 ou 3 evidentes quando do diagnóstico, e as demais surgindo no decorrer do
tratamento.

A transição de uma personalidade a outra é súbita, e em geral dramática. Geralmente há


amnésia, para cada uma das personalidades, da existência e dos eventos ocorridos
durante o predomínio de cada uma das outras personalidades. Algumas vezes, no
entanto uma ou mais personalidades não são atingidas por esta amnésia, tendo acesso
a todas ou algumas das informações e lembranças das outras.

Este é considerado o mais grave e crônico dos transtornos dissociativos, e o tratamento


envolve psicoterapia, sendo de difícil condução, podendo ser considerado um dos
maiores desafios para um terapeuta, que muitas vezes pode ter que recorrer a diversas
abordagens, e esforçar-se por engajar várias das personalidades diferentes no
tratamento.

Alguns casos foram relatados em romances que se tornaram populares, sendo


recomendada a sua leitura, como forma de maior compreensão dos sentimentos e
nuanças destes pacientes.

Transtorno de Despersonalização

Alteração persistente e recorrente na percepção de si mesmo, atingindo um grau em que


o senso da própria realidade é temporariamente perdido, o transtorno de
despersonalização caracteriza-se por episódios ego-distônicos em que os pacientes
sentem-se mecânicos, em sonho, ou distanciados do próprio ego, mas percebem a
irrealidade de seus sintomas. Tal alteração pode ocorrer normalmente em pessoas
sadias, só sendo considerada patológica quando assume proporções persistentes e
recorrentes, levando a sofrimento ou prejuízo no funcionamento pessoal, social ou
ocupacional.

As sensações podem incluir alterações corporais, como sentir que suas extremidades
estão maiores ou menores que o normal, ou até duplicação, sentindo-se “fora do corpo”
ou até em dois lugares ao mesmo tempo.
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É importante afastarem-se as causas orgânicas de tais sensações, como a epilepsia, e


as lesões de lobo parietal (que levam a sensações peculiares no hemicorpo
contralateral).

Transe Dissociativo

Entre os “transtornos dissociativos sem outra especificação”, o DSM-IV inclui o


“transtorno de transe dissociativo”, episódios isolados ou episódios de alteração de
consciência, identidade ou memória, inerentes a determinados locais e culturas.
Geralmente caracterizados localmente como “possessão”, sendo especificado que “o
transe ou estado de transe não é aceito como um componente normal de uma prática
cultural ou religiosa coletiva. Esta definição acaba por levar a uma intromissão de
diagnóstico psiquiátricos em assuntos religiosos, sendo por isso bastante discutível. Além
disso, o próprio transe hipnótico pode, de certo modo, ser qualificado como um transe
dissociativo, aumentando o desconforto quanto a esta categoria diagnóstica.

Transtornos Sexuais

Não iremos nos deter nos inúmeros meandros do estudo da sexualidade normal e
patológica. Apenas citaremos os grandes grupos de transtornos sexuais listados no
DSM-IV, lembrando sempre que a orientação sexual, se hetero, homo ou bissexual, NÃO
é considerada, por motivos do “politicamente correto”, um possível transtorno, não
havendo categoria diagnóstica para a homossexualidade.

Disfunções Sexuais

As disfunções sexuais englobam os distúrbios do desejo, da excitação sexual, do


orgasmo, dor sexual, e as disfunções devidas a condições médicas gerais e ao uso de
substâncias.

Parafilias

As parafilias, caracterizadas por fantasias sexuais especializadas e intensas, e


necessidades e práticas sexuais que, em geral, são de natureza repetitiva, e muitas
vezes

angustiam a pessoa, foram e são extensivamente estudadas pela psicanálise, havendo


vasta literatura a respeito. Incluem-se a pedofilia, o exibicionismo, o voyeurismo, o
frotteurismo, o masoquismo e o sadismo sexuais, o fetichismo transvéstico, o fetichismo,
a zoofilia, e uma categoria “sem outra especificação”, que inclui ainda a necrofilia, a
coprofilia, a urofilia, entre outras.
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Transtornos de Identidade de Gênero

Os transtornos da identidade de gênero constituem uma categoria à parte, dentro dos


transtornos da sexualidade, aparentemente representando mecanismos diversos
daqueles encontrados nas disfunções sexuais e nas parafilias, e também mostrando-se
qualitativamente diferentes do homossexualismo ou do transvestismo (fetichismo
transvéstico).

A identidade de gênero é um estado psicológico que reflete o senso de si mesmo como


pertencente a um gênero, masculino ou feminino, baseado em conjuntos de atitudes
culturalmente determinados, bem como padrões de comportamento e outros atributos
associados (culturalmente) com a masculinidade ou feminilidade. O papel de gênero, por
outro lado, é o padrão comportamental externo que reflete o senso interno da pessoa
quanto à sua identidade de gênero, correspondendo a uma declaração pública do
gênero. Geralmente, a identidade e o papel de gênero são congruentes, ou seja, a
pessoa tem um senso de si mesma como homem ou como mulher, e age de acordo,
segundo os padrões de sua cultura.

O papel e a identidade de gênero devem ser diferenciados também do sexo (ou sexo
biológico), limitado às características anatômicas e fisiológicas sexuais, macho ou fêmea,
e da orientação sexual, que é a tendência de respostas erótica da pessoa, sendo
homossexual, heterossexual ou bissexual.

O aspecto essencial do transtorno de identidade de gênero é uma angústia intensa e


persistente do indivíduo em relação ao seu sexo “atribuído”, e um desejo ou insistência
para ser de outro sexo, muitas vezes com a tentativa de se passar por um membro do
sexo oposto, e a crença de que “nasceram no sexo errado”. É comum ouvir-se a
expressão “sinto que sou uma mulher aprisionada num corpo masculino”, ou viceversa.

Tal sentimento geralmente está presente desde a infância, podendo ou não se manifestar
por atitudes e interesses mais característicos do outro sexo, e às vezes já na infância a
expressão declarada de sentirem-se meninos, quando são meninas, ou vice-versa.

Adolescentes e adultos com esta condição geralmente procuram alternativas biológicas


para efetuar essa mudança para o sexo que acreditam ser o “certo” para si, com o uso
de hormônios e cirurgias, hoje sendo possível a “troca de sexo” até mesmo para a
genitália externa. Cabe lembrar que tais procedimentos cirúrgicos não alteram o “sexo
biológico”, não alterando a genitália interna (ou pelo menos não a substituindo), muito
menos os cromossomos sexuais.

Esses indivíduos podem ter atração sexual pelo mesmo sexo, pelo sexo oposto, ou por
ambos os sexos. Quando tem atração pelo mesmo sexo (biológico), não se consideram
homossexuais, uma vez que têm a convicção plena de pertencerem ao sexo oposto.
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Existem síndromes geneticamente determinadas, aonde falta ou excesso de


cromossomos sexuais, ou defeitos congênitos nas glândulas sexuais, levam a condições
intersexuais, com pseudohermafroditismo, virilização, feminilização, ou até
hermafroditismo verdadeiro, que acabaram por ser incluídas entre os transtornos de
identidade de gênero “sem outra especificação”.

O tratamento do transtorno da identidade de gênero tende ao fracasso, se a tentativa for


reverter o transtorno. A cirurgia de reatribuição sexual (“troca de sexo”) é o que melhores
resultados tem apresentado, embora uma cautelosa seleção dos pacientes deve ser
realizada, incluindo uma tentativa de “teste”, onde os candidatos à cirurgia se passam
efetivamente pelo sexo oposto, durante três meses a um ano, para verificar, em termos
simples, “se é isto mesmo que desejam”. São também prescritos hormônios, provocando
as alterações secundárias em seus organismos, o que em alguns casos é até suficiente
para o seu bem estar psíquico, dispensando a necessidade de uma cirurgia.

O papel do psicanalista, nesses casos, é pequeno, mas pode ser um bom adjuvante,
para que haja uma melhor adaptação e integração da pessoa, qualquer que seja o estado
orgânico atingido.

Transtornos Alimentares

Entre os transtornos alimentares, sobressaem duas síndromes bastante conhecidas, e


altamente desafiadoras quanto ao manejo terapêutico, a anorexia nervosa e a bulimia
nervosa. A anorexia nervosa, que já foi amplamente divulgada quando personalidades
conhecidas como Karem Carpenter ou Lady Diana Spencer foram acometidas, pode
inclusive ser fatal, sendo um problema considerável e preocupante para o profissional de
saúde. É o tipo de patologia que sempre deve envolver mais de um profissional, não
devendo nunca o psicanalista assumir sozinho todo o acompanhamento do paciente,
mas obtendo cooperação de psiquiatra e clínico, no mínimo.

Não confundir tais patologias com as reações comuns de praticamente todos os


indivíduos, de aumentarem ou diminuírem a ingestão calórica em resposta ao stress.

Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa é caracterizada por uma perturbação da imagem corporal, e busca


incessante de magreza, levando freqüentemente a um estado de inanição, tendo seu
início geralmente na adolescência, e sendo muito mais freqüentes em mulheres do que
em homens. As pacientes sentem-se paradoxalmente gordas, recusando-se a se
alimentarem, com um medo intenso de ganhar peso, mesmo quando o espelho e a
balança mostrem claramente o absurdo dessa situação. Há uma negação persistente do
baixo peso corporal, que às vezes persiste até quando chegam ao nível de desnutrição.

O termo “anorexia” é inadequado, pois não ocorre realmente perda de apetite, mas uma
evitação quase obsessiva dos alimentos, principalmente os mais calóricos, enquanto a
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tendência para colecionar receitas culinárias e a paixão por preparar refeições


elaboradas para os outros evidenciam que estes pacientes estão na verdade
constantemente pensando em comida. Alguns pacientes não conseguem controlar
continuamente a restrição voluntária da ingestão de alimentos, e têm, ocasionalmente,
episódios de voracidade, em geral em segredo, quase sempre à noite, e freqüentemente
seguindo-se indução de vômitos. Muitos pacientes usam também laxantes e mesmo
diuréticos, com a finalidade de perderem peso, e engajam-se em exercícios intensos,
sempre com a intenção de “queimar” as calorias.

Em geral, nas mulheres, ocorre também uma amenorréia, ou seja, uma interrupção dos
ciclos menstruais, que não ocorre, em geral, se a paciente utiliza contraceptivos. A
amenorréia reflete as alterações hormonais, decorrentes da inanição.

Existe uma alta taxa de co-mordidade com transtornos depressivos, com uma freqüência
de até 50% de transtornos depressivos maior ou distímico. Em geral, o prognóstico de
pacientes anoréxicos é ruim, com algumas remissões, mas uma grande tendência a
apresentarem recaídas, e apesar da resposta a curto prazo a praticamente qualquer tipo
de tratamento, nas fases que requerem hospitalização (como única forma de nutrir
adequadamente o paciente), ser boa, há relatos de altas taxas de mortalidade a médio
prazo, chegando até a 18%.

A psicoterapia tem um papel fundamental no manejo adequado a longo prazo desses


pacientes, mas para que seja eficaz deve haver um excelente rapport, dada a tendência
de negação e receio de engordar, não desejando o tratamento por imaginarem que este
levá-los a engordarem em demasia.

Bulimia Nervosa

A bulimia nervosa é mais comum que a anorexia, e consiste em episódios recorrentes de


consumo de grandes quantidades de alimentos, acompanhados por um sentimento de
perda do controle, e freqüentemente de culpa, depressão ou ojeriza por si mesmo.
Seguem-se comportamentos compensatórios, como vômitos auto-induzidos, uso de
laxantes e uso de diuréticos, jejum, exercícios excessivos, para evitar o ganho de peso.

A bulimia diferencia-se da anorexia por ser episódica e recorrente (enquanto a anorexia


é crônica, contínua), e por não haver perda de peso, mantendo-se os pacientes em geral
dentro do peso normal, podendo estar abaixo ou até acima deste. Caso os episódios
ocorram exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa, são considerados parte
desta, e não como transtorno separado.

O prognóstico é em geral bem melhor do que o da anorexia, com uma resposta


relativamente boa à psicoterapia, e na maioria dos casos não necessitando de
hospitalização, exceto nos raros casos em que a purgação (vômitos, laxantes, diuréticos)
se torna severa a ponto de acarretar distúrbios hidro-eletrolíticos e metabólicos. Em
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alguns casos não tratados, há inclusive a possibilidade de remissão espontânea dos


sintomas em um a dois anos, e existe ainda uma prevalência ainda não estimada, mas
provavelmente alta, de episódios bulímicos isolados, principalmente em mulheres
adolescentes, sendo relatado até 40% em universitárias.

Os fatores sociais, com as pressões exercidas pelos padrões atuais de magreza como
sinônimos de beleza, e como pré-requisito para o sucesso pessoal, profissional e sexual,
podem estar ajudando a aumentar a incidência tanto da bulimia quanto da anorexia
nervosas.

Transtornos do Sono

Os transtornos do sono são estudados em outro capítulo do curso (Neurologia), cabendo


aqui apenas uma rápida definição de termos. São classificados em dissonias,
parassonias, e transtornos do sono devidos a outros transtornos mentais ou a outras
condições médicas.

Os sintomas básicos dos transtornos do sono são a insônia (dificuldade para iniciar ou
para manter o sono), a hipersonia (quantidades excessivas de sono e sonolência diurna),
as parassonias (fenômenos incomuns ou indesejáveis que aparecem subitamente
durante o sono ou no limiar entre o sono e a vigília) e as perturbações no ciclo-vigília
(deslocamento do sono a partir do período circadiano desejado).

O estudo do sono está intimamente ligado a um dos aspectos mais importantes da


psicanálise, que é o estudo e interpretação dos sonhos. Cabe lembrar que os
mecanismos fisiológicos exatos dos sonhos são ainda absolutamente desconhecidos,
ficando o seu estudo, por enquanto, restrito às abordagens analíticas das diversas
escolas psicoterápicas, todas com grande influência do pensamento Freudiano.

Dissonias

São problemas primários do sono, incluindo a insônia primária, a hipersonia primária, a


narcolepsia, o transtorno do sono relacionado à respiração, e o transtorno do ritmo
circadiano do sono (ou do ciclo de sono-vigília).

Insônia primária é a dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou a existência de um sono


não revigorante, na ausência de outras patologias físicas ou mentais. Geralmente está
associada a uma má higiene de sono, e a um certo nível exagerado de ansiedade, sem
ser caracterizado nenhum transtorno específico de ansiedade.

Hipersonia primária é a ocorrência de sonolência excessiva, sem causas orgânicas ou


psíquicas determináveis.

A narcolepsia é uma síndrome que consiste em sonolência diurna excessiva, e


manifestações anormais do sono REM, com alucinações hipnagógicas, cataplexia e
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paralisia do sono. O sintoma mais comum são os ataques de sono, com episódios de
sono irresistível, às vezes de duração de poucos segundos, ocorrendo várias vezes
durante o dia.

Os transtornos do sono relacionados à respiração incluem várias perturbações


respiratórias que atrapalham o sono normal, sendo importante lembrar da Síndrome da
Apnéia Obstrutiva do Sono, que caracteriza-se por múltiplos episódios apnéicos durante
o sono, levando a múltiplos pequenos despertares, ou pelo menos superficializações do
sono.

Os transtornos do ritmo circadiano do sono caracterizam-se pelo mau alinhamento entre


períodos desejados e reais de sono. Incluem as mudanças de fuso horário, as mudanças
freqüentes de turno de trabalho, a fase atrasada ou avançada de sono (não conseguir
dormir tão cedo ou tão tarde quanto se deseja).

Parassonias

As parassonias são fenômenos indesejáveis ou incomuns que aparecem durante o sono


ou no limiar entre a vigília e o sono (adormecendo ou despertando). Incluem-se entre as
parassonias os pesadelos, o terror noturno, o sonambulismo, e outros como o bruxismo,
o sonilóqio e a paralisia do sono.

O pesadelo, como todos já tivemos oportunidade de constatar, é um sonho longo e


assustador, do qual o indivíduo geralmente desperta assustado, com as sensações
fisiológicas do stress.

O terror noturno, por outro lado, é um despertar que ocorre durante o sono Não-REM
profundo (estágios 3 e 4), com emissão de um grito alucinante, seguindo de
manifestações que lembram o estado de pânico, tipicamente não respondendo às
tentativas de ser acalmado por outrem, e que evoluem ou para o retorno ao sono, ou
mais raramente para um estado transitório de confusão e desorientação. Nenhum sonho
é recordado, e o evento em geral é inteiramente esquecido pelo paciente (embora seja
intensamente estressante para os familiares, especialmente porque ocorre
principalmente em crianças).

O sonambulismo consiste em episódios de uma seqüência de comportamentos


complexos, também se iniciando durante as fases 3 e 4 do sono NREM, com amnésia
total do evento por parte do paciente, que pode realizar desde pequenos atos, como
sentar-se ou falar, até andar, e mesmo dirigir! Também terminam com a volta ao sono
normal, ou com permanência em vigília com confusão e desorientação transitórias. É
mais comum em crianças, iniciando-se entre 4 e 8 anos de idade, porém podendo
persistir, em raros casos, até a vida adulta.

Bruxismo significa ranger os dentes durante o sono (derivado da adaptação irregular do


grego brýchein, literalmente “ranger os dentes”), ocorrendo em todo o sono, com
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predomínio no estágio 2. A condição, muitas vezes despercebida tanto por pacientes


quanto por seus familiares, tem um importante papel em patologias dentárias, sendo
muitas vezes percebidas em consultórios odontológicos, por suas conseqüências.

Sonilóquio significa falar durante o sono, e pode acontecer independentemente do


sonambulismo, sendo bastante comum, tanto em crianças quanto em adultos. Apesar do
imaginário popular em contrário, não é comum que as pessoas revelem segredos
profundos durante o sono!

Transtornos Relacionados a Substâncias

O uso e abuso de substâncias químicas é um dos mais vastos e controversos campos,


não só na área de saúde, como na política, na economia, na educação, na religião, em
resumo, em todas as áreas de atividade e de conhecimento humano. Desde o momento
em que o primeiro ser humano ingeriu ou inalou a primeira planta ou extrato que desse
a ele um estado diferente de satisfação, percepção ou atividade, os efeitos benéficos
dessa descoberta se fizeram acompanhar das conseqüências indesejáveis, para o
próprio indivíduo e para seus pares. Talvez seja esta, principalmente, a metáfora principal
do episódio bíblico de Eva, Adão e a “maçã” (pobre fruta, inocente, porém tão mal
falada...).

Atualmente, o uso de substâncias, ilegais ou não, como forma de buscar algum tipo de
bem-estar, torna-se cada vez mais alarmante, por envolver imensas quantidades de
recursos financeiros, e um altíssimo índice de criminalidade associada. Isto é verdadeiro
não apenas em relação às “drogas” como se entende em senso estrito (das quais, em
nosso meio, a maconha, a cocaína e o “crack” são as mais importantes), mas
principalmente das “drogas legais”, como os medicamentos psicoativos, os solventes
orgânicos (como a “cola de sapateiro”), e em escala alarmante, embora em geral
ignorada, o tabaco e o álcool. Este último, por ter uma aceitação social quase universal
(em contraste com o tabaco, que já gozou de prestígio muito maior, porém hoje vê
campanhas importantes contra o seu uso), tem minimizada sua responsabilidade nos
diversos distúrbios, por ele direta ou indiretamente influenciados.

Não cabe aqui uma exposição detalhada e minuciosa de todas as nuanças do uso e
abuso de substâncias químicas, uma vez que o assunto é extremamente extenso,
merecendo inclusive um ou dois módulos do curso especificamente para si. Certamente
irão aparecer no consultório de cada psicanalista não apenas pacientes com problemas
pelo uso ou abuso direto de álcool ou outras substâncias, mas uma ampla gama de
pacientes com transtornos indiretamente produzidos por este abuso, desde cônjuges ou
filhos de dependentes, até pessoas cujas vidas foram marcadas por ruína, financeira,
moral ou social, devido ao envolvimento de alguém com uma ou mais substância citadas,
ou ao falecimento de alguém que se envolveu com a “roda-viva” do álcool e das drogas.
As implicações e ramificações são tantas, que poder-se-ia até dizer que não há sequer
uma pessoa, na face da Terra, que não esteja sendo influenciada, de um modo ou de
outro, pelo uso e abuso de álcool ou outras drogas.
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Para se ter uma idéia do problema, um candidato à presidência do EUA, no início da


década de 90, chegou a chamar a situação de “estado de guerra química”, e isto sem
considerar o tabaco e o álcool!

As substâncias químicas podem causar, diretamente, vários problemas. O primeiro deles


é o abuso, caracterizado pela presença de um ou mais sintomas produzidos diretamente
pela droga, que tenha interferido na vida da pessoa, de modo negativo. Toda pessoa que
já bebeu além da conta, sentiu-se “grogue”, e falou alguma impropriedade, ou teve algum
problema em seus relacionamentos pessoais, diretamente desencadeado por esse
episódio, sabe o que é o abuso do álcool.

O abuso, dependendo da substancia, da dose, da freqüência e da duração, pode também


levar a danos orgânicos, irreversíveis ou não, como é o caso das lesões na medula e no
cerebelo, causadas pelo abuso do álcool, ou das graves lesões cerebrais causadas pelo
“crack”.

Além do abuso, o segundo problemas grave relacionado ao uso de substâncias é o


desenvolvimento de dependência. A dependência pode ser “apenas” comportamental (ou
dependência psicológica, como é comumente conhecida), ou ser também física, que é
caracterizada pelo desenvolvimento de tolerância (a necessidade de doses crescentes
para se obterem os mesmos efeitos) e do aparecimento de sintomas de abstinência
(sinais e sintomas físicos que ocorrem após a interrupção ou a diminuição do uso regular
da substância).

Outro conceito cada vez mais levado em consideração é o da co-dependência, que gosto
de chamar de “dependência no dependente”. Este é um conceito, é claro, puramente
psicológico, e implica numa “atração” inconsciente de certas pessoas a se relacionarem
com dependentes, muito comumente encontrado em cônjuges de alcoólatras!

O tratamento e manejo dos transtornos relacionados às drogas é certamente


multidisciplinar, havendo a necessidade de união de esforços de diversos profissionais,
de diversos setores da sociedade, para que o combate possa ter alguma chance de ser
eficaz. Assim, o trabalho do Psicanalista deve ser somado ao de médicos, psicólogos,
assistentes sociais, líderes religiosos, políticos, militares, empresários, e praticamente
todos os que se interessarem pela construção de um mundo melhor.

Medicamentos mais Comumente Usados em Psiquiatria e Neurologia, e


Outras Terapias “Biológicas”

Certamente não tentaremos ensinar a prescrição de medicamentos ou de outras terapias


“biológicas”. Lembrando a todos que a prescrição de qualquer medicamento é, no Brasil
e na maior parte do mundo, atribuição exclusiva dos médicos. Mesmo outros profissionais
graduados na área de saúde, como psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e
farmacêuticos, não estão aptos, em hipótese alguma, a prescrever qualquer tipo de
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tratamento biológico. (Os veterinários podem e devem prescrever seus medicamentos


para os animais, mas não para certos “animais” que ainda circulam por aí disfarçados de
seres humanos...).

O que tentaremos nesta última seção de nosso módulo é mostrar um apanhado geral das
drogas mais usadas, sem nos preocuparmos com a descrição de seus efeitos (desejados
ou colaterais), suas doses usuais, indicações, contra-indicações, ou mecanismos de
ação. Trata-se apenas de uma rápida exposição, descompromissada, com caráter
apenas introdutório, procurando citar apenas as drogas disponíveis no Brasil, com seus
nomes comerciais associados.

Antidepressivos

As drogas antidepressivas são as mais prescritas entre as drogas de uso psiquiátrico,


especialmente depois da introdução dos inibidores seletivos de recaptação da
Serotonina, amplamente divulgados pela imprensa como a “pílula da felicidade” (o
conhecido “Prozac”).

Basicamente existem três classes de antidepressivos: os inibidores da Monoamino


Oxidase (IMAO), os tricíclicos (e tetracíclicos), e os inibidores seletivos da recaptação da
Serotonina (ISRS).

São exemplos de IMAO:


• Moclobemida (Aurorix®); • Tranilcipromina (Parnate®);
• Selegilina (Niar®, Elepril®).

Exemplos de tricíclicos:
• Amitriptilina (Tryptanol®);
• Imipramina (Tofranil®, Imipra®);
• Clomipramina (Anafranil®);
• Nortriptilina (Pamelor®)

Exemplo de tetracíclico:
• Maprotilina (Ludiomil®).

Exemplo de ISRS:
• Fluoxetina (Prozac®, Nortec®, e muitos outros!); • Paroxetina (Aropax®);
• Sertralina (Zoloft®).

Cabe ainda citar o Lítio (Carbolitium®), usado no controle e profilaxia dos episódios
maníacos dos transtornos bipolares.

Antipsicóticos (Neurolépticos)
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Os antipsicóticos, antes chamados de Neurolépticos (essa denominação é ainda muito


freqüente) são, basicamente, antagonistas de receptores Dopaminérgicos. Sua
classificação não cabe aqui, sendo importante apenas citar alguns dos mais utilizados:
• Clorpromazina (Amplicitil®);
• Trifluoroperazina (Stelazine®);
• Levomepromazina (Neozine®);
• Periciazina (Neuleptil®);
• Tioridazina (Melleril®);
• Haloperidol (Haldol®);
• Tiotixeno (Navane®); • Risperidona (Risperdal®);
• Pimozida (Orap®).

Ansiolíticos e Indutores de Sono

Os benzodiazepínicos são os medicamentos mais comuns para diminuir a ansiedade, e


também para induzir o sono. Além desses dois efeitos, também têm um efeito
anticonvulsivante, sendo alguns deles utilizados para este fim. São alguns
benzodiazepínicos: • Alprazolam (Frontal®);
• Clordiazepóxido (Psicosedin®);
• Clonazepam (Rivotril®);
• Clobazam (Frisium®);
• Clorazepato (Tranxilene®);
• Diazepam (Valium®, Diempaz®, entre outros);
• Estazolam (Noctal®);
• Flurazepam (Dalmadorm®);
• Flunitrazepam (Rohypnol®);
• Lorazepam (Lorax®);
• Mildazolam (Dormonid®);
• Zolpidem (Stilnox®); • Bromazepam (Lextotan®);
• Cloxazolam (Olcadil®).

Outra droga, não aparentada aos benzodiazepínicos, com efeito ansiolítico, é a Buspirona
(Buspar®). Esta não tem efeito indutor de sono, nem anticonvulsivante.

Uma droga utilizada para induzir o sono, uma das mais antigas, e que hoje é usada quase
que exclusivamente na indução do sono para realização de eletroencefalogramas, é o
Hidrato de Cloral (não disponível exceto sob manipulação).

Outra classe ainda de efeitos hipnóticos e sedativos, praticamente abandonada para este
uso, são os barbitúricos. Apenas o Fenobarbital (Gardenal®, Edhanol®, Fenocris®) e a
Barbexaclona (Maliasin®) são ainda utilizados, mas só no tratamento das epilepsias, por
suas propriedades anticonvulsivantes, bem como o Tiopental (Thionembutal®,
Thiopental®), este apenas em casos gravíssimos de crises epilépticas que não cessam
(o “estado de mal epiléptico”), e apenas de uso intra-hospitalar.
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Anti-Parkinsonianos

Muitas drogas foram desenvolvidas para o tratamento da Doença de Parkinson, sendo


também usadas, em psiquiatria, para combater os efeitos colaterais de drogas
antipsicóticas. São algumas delas:

• Selegilina (Niar®, Elepril®);


• Biperideno (Akineton®);
• Amantadina (Mantidan®);
• Bromocriptina (Parlodel®, Bagren®);
• Triexifenidil (Artane®);
• L-Dopa (Sinemet®, Prolopa®);

Anti-Convulsivantes

O tratamentos das epilepsias, com drogas eficazes para a prevenção das crises tanto
focais quanto generalizadas, tem progredido bastante, com o desenvolvimento de novas
drogas, com bons resultados, e relativamente poucos efeitos colaterais. Além dos
barbitúricos (vide acima), e de alguns dos benzodiazepínicos (Clonazepam, Clobazam,
Dizepam), incluem-se também:

• Carbamazepina (Tegretol®);
• Oxcarbazepina (Trileptal®);
• Valproato ou Ácido Valpróico (Depakene®, Valpakine®, Valprin®); • Fenitoína
(Hidantal®, Fenital®, Epelin®);
• Lamotrigina (Lamictal®).

Eletroconvulsoterapia (ECT)

A eletroconvulsoterapia, ou como é mais conhecida nos meios populares, “terapia com


eletrochoques”, tem sido cada vez menos utilizada em psiquiatria, em grande parte pelo
grande mal estar que tal procedimento causa ao público em geral, associando a ECT a
tratamento “punitivo”, que efetivamente existiu (e infelizmente ainda existe) em muitos
manicômios, que são na verdade mais propriamente “depósitos de loucos” (ou de
pessoas inconvenientes para seus familiares) do que hospitais voltados para o
tratamento e reintegração de doentes à sociedade, especialmente em nosso país.

No entanto, a ECT tem, provavelmente, seu lugar na terapêutica psiquiátrica, sendo


eficaz no manejo agudo de episódios depressivos graves e episódios maníacos. A sua
realização, longe de ser um procedimento doloroso e traumático, deve ser procedida sob
anestesia geral, oxigenação, e medidas para minimizar os efeitos somáticos das
convulsões induzidas.

Uma crítica plausível para esta prática é o fato de que não se sabe o mecanismo da
melhora pela ECT, porém o mesmo também se pode dizer da maioria das drogas, e de
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terapias como a acupuntura e a hipnose, mas os bons resultados obtidos indicam a


manutenção dessas armas terapêuticas, mesmo que sob bases empíricas.

Psicocirurgia

A cirurgia como arma terapêutica para os transtornos mentais teve seu período de glória,
culminando com o Prêmio Nobel recebido pelo português Egas Moniz, em 1949, pelas
suas descobertas nesta área, principalmente a introdução da lobotomia frontal, para o
controle de pacientes com personalidades violentas (psicopáticas). No entanto, os
conceitos foram mudando, as medicações se tornando mais eficazes, e os efeitos
negativos das cirurgias se evidenciando, levando a psicocirurgia ao ostracismo,
chegando ao ponto de se cogitar a retirada do prêmio de Egas Moniz! Atualmente, os
avanços na área da Neuropsicologia, e nas técnicas microcirúrgicas, têm dado novo
ímpeto às pesquisas na área de psicocirurgia, agora mais propriamente chamada de
Neurocirurgia Funcional. Ainda são poucas as indicações, e pequenas as estatísticas,
mas é possível que nas próximas décadas assistamos a um “renascimento” da cirurgia
cerebral como tratamento das patologias mentais.

Homeopatia

A Homeopatia tem lugar importante no tratamento dos distúrbios mentais, especialmente


naqueles em que um mecanismo psicossomático é importante. O princípio da
Homeopatia, do “semelhante curando o semelhante”, difere radicalmente dos princípios
da Medicina Ocidental, mas se assemelha em muito à Medicina Oriental, com seus
conceitos de desequilíbrios energéticos, e a consideração do ser humano como Homem
Integral.

Acupuntura

O mesmo que se disse para a Homeopatia pode ser aplicado à Acupuntura, com a
diferença nas bases teóricas e práticas do tratamento, que se baseia na estimulação
direta de pontos energéticos específicos, espalhados pelo corpo. O efeito, no entanto,
seria o mesmo: equilíbrio energético do Ser como um Todo.

Terapias “Alternativas”

Existe um “modismo” muito grande em se criarem “terapias alternativas”, como os


Florais de Bach, Terapia Ortomolecular, tratamentos à base de raízes e plantas
“medicinais”, etc. Deve-se ter certa cautela em avaliar cada uma destas terapêuticas,
pois os interesses financeiros envolvidos podem ser muito grandes, e o “marketing”
costuma nos levar a falsas impressões. Pessoalmente, não nego o possível valor de cada
uma destas alternativas, porém me abstenho de indicá-las, até mesmo por absoluto
desconhecimento de causa.
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O Efeito Placebo e a “Causa pela Fé”

Todas as terapêuticas ditas “biológicas” não podem se abster de possuírem um efeito


“não biológico”, pelo efeito conhecido por “efeito Placebo”. O efeito Placebo é a
constatação de que qualquer medicamento fornecido ao paciente, desde que este
acredite em sua melhora, produzirá uma substancial melhora, e até mesmo a cura, em
qualquer tipo de problema, mesmo os que sejam aparentemente físicos em sua
totalidade (como numa fratura óssea, por exemplo). Algumas pessoas acreditam que o
que se chama de cura pela Fé seja apenas e tão somente o efeito Placebo, que se torna
tão mais intenso quanto maior for a crença de que a cura se efetuará.

Em minha opinião, isto pode ser verdadeiro apenas em parte, pois há registros, na
história de todas as religiões, de pessoas especiais, que obtinham um índice de cura de
praticamente 100%, como no caso de Jesus Cristo. É certo que mesmo que Ele afirma a
uma das suas “pacientes”: “...a sua Fé te curou!” Mas parece evidente que lá havia algo
mais do que o “simples” (porém totalmente incompreendido) efeito Placebo...

Deixo estas questões em aberto, para muitas discussões e conversas animadas, em que
certamente nenhuma conclusão definitiva poderá ser alcançada, mas muita boa Filosofia
será produzida!

Conclusão

O estudo das alterações e patologias da mente é certamente fascinante e intrigante, e


talvez só possamos começar a ousar uma compreensão de suas nuanças quando
começarmos a penetrar, um pouco que seja, nos mundos em que vivem os pacientes,
entrando, como convidados, nos meandros de suas mentes, de suas Almas. Como
convidados, devemos manter uma atitude respeitosa, nunca nos esquecendo de que ali
somos apenas isto: visitas!

Apresentamos, de modo certamente incompleto, parcial, um apanhado geral da


Psiquiatria, como é mais comumente aceita no Ocidente, hoje. Certamente, essa é uma
visão “americanizada”, e como tal vastamente criticável do assunto. Mais ainda, com
certeza esses conceitos irão se alterando ao longo do tempo, como já o foram até aqui...
Nos serve, entretanto, de introdução, de base para um maior estudo, e de
questionamentos futuros. Espero que cada um de vocês saiba interpretar de maneira
crítica cada informação aqui colhida, tanto quanto têm avaliado criticamente todos os
módulos deste curso. Afinal, a Psicanálise é, acima de tudo, o exercício do raciocínio, da
comparação, da lógica, chegando deste modo a um “novo” modo de fazer Ciência, cujo
pontapé inicial foi dado por Sigmund Freud: a Ciência da Alma!

Apêndice A: Classificação dos Transtornos Mentais do DSM-IV

TRANSTORNOS GERALMENTE DIAGNÓSTICADOS PELA PRIMEIRA VEZ NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA


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Retardo Mental
Obs.: Esses são classificados no eixo II
317 Retardo Mental Leve
Retardo Mental Severo
Retardo Metal Severo
Retardo Mental Profundo
319 Retardo Mental. Gravidade Não Especificada
Transtornos de Aprendizagem 315.0
Transtorno da Leitura
Transtorno da Matemática
Transtorno da Expressão Escrita
315.9 Transtorno da Aprendizagem SOE
Transtorno das Habilidades Motoras
315.4 Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação
Transtornos da Comunicação
315.31 Transtorno da Linguagem Expressiva
315.31 Transtorno Misto da Linguagem Receptivo-Expresssiva
315.39 Transtorno Fonológico
307.0 Tartamudez
307.9 Transtorno da Comunicação SOE
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento
299.0 Transtorno Autista
299.80 Transtorno de Rett
299.10 Transtorno Desintegrativo da Infância
299.80 Transtorno de Asperger
299.80 Transtorno Invasivo do Desenvolvimento SOE
Transtorno de Déficit de Atenção e Comportamento Disruptivo
314.xx Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade
.01 Tipo Combinado
.00 Tipo Predominantemente Desatento
.01 Tipo Predominantemente Hiperativo- Impulsivo
314.9 Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade
SOE
312.8 Transtorno de Conduta
313.81 Transtorno Desafiador de Oposição
312.9 Transtorno de Comportamento Disruptivo SOE Transtornos
de Alimentação da Primeira Infância
Pica
Transtorno de Ruminação
307.59 Transtorno de Alimentação na Primeira Infância
Transtorno de Tique
307.23 Transtorno de Tourette
307.22 Transtorno de Tique Motor ou Vocal Crônico
307.21 Transtorno de Tique Transitório
307.20 Transtorno de Tique SOE
Transtornos de Eliminação
- Encoprese
787.6 Com Constipação e Incontinência por Hiperfluxo
307.7 Sem Constipação e Incontinência por Hiperfluxo
307.6 Enurese (Não devido a uma Condição Médica Geral)
Outros Transtorno da Infância ou Adolescência
309.21 Transtorno da Ansiedade da Separação
313.23 Mutismo Seletivo
313.89 Transtorno Reativo de Vinculação na Infância 307.3
Transtorno de Movimento Estereotipado
303.9 Transtorno da Infância ou Adolescência SOE.
DELIRIUM, DEMÊNCIA, TRANSTORNO AMNÉSTICO E OUTROS TRANSTORNOS COGNITIVOS
Delirium
293.0 Delirium Devido a uma condição Médica Geral
- Delirium por Intoxicação com Substância
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- Delirium por Abstinência de Substância


- Delirium Devido a Múltiplas Etiologias
780.09 Delirium SOE
Demência
290.xx Demência do Tipo de Alzheimer, com Início Precoce
.10 Sem Complicações
.11 Sem Delirium
.12 Com Delírios
.13 Com Humor Deprimido
290.xx Demência do Tipo de Alzeimer, com Início Tardio
.0 Sem Complicações
.3 Com Delirium
.20 Com Delírios
.21 Com Humor Deprimido
290.xx Demência Vascular
.40 Sem Complicações
.41 Com Delirium
.42 Com Delírios
.43 Com Humor Deprimido
Demência Devido e Outras Condições Médicas Gerais 294.9
Demência Devido à Doença do HIV
294.1 Demência Devido a Traumatismo Craniano
291.1 Demência Devido à Doença de Parkinson
294.1 Demência Devido a Doença de Huntington
294.10 Demência Devido à Doença de Pick
294.10 Demência Devido à Doença de Creutzfeldt-Jakob
294.1 Demência Devido a Outra Condição Médica
- Demência Persistente Induzida por Substância
- Demência Devido a Múltiplas Etiologias
294.8 Demência SOE
Transtornos Amnésticos
294.0 Transtorno Amnéstico Devido a uma Condição Médica Geral
- Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Substância
294.8 Transtorno Amnéstico SOE
Outros Transtornos Cognitivos 294.9
Transtorno SOE
TRANSTORNOS MENTAIS DEVIDO A UMA CONDIÇÃO MÉDICA GERAL NÃO ESPECIFICADA EM OUTRO LOCAL
293.89 Transtorno Catatônico Devido a uma Condição Médica Geral
310.1 Alteração da Personalidade Devido a uma Condição Médica Geral
293.9 Transtorno Mental SOE Devido a uma Condição Médica Geral
TRANSTORNOS RELACIONADOS A SUBSTÂNCIAS
Transtornos Relacionados ao Álcool
Transtornos por Uso de Álcoo
303.90 Dependência de Álcool
305.00 Abuso de Álcool
Transtornos Induzidos por Álcool 303.00
Intoxicação com Álcool
291.8 Abstinência de Álcool
291.0 Delirium por Intoxicação com Álcool 291.0
Delirium por Abstinência de Álcool
291.2 Demência Persistente Induzida por Álcool
291.1 Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Álcool
291.x Transtorno Psicótico Induzido por Álcool
.5 Com Delírios
.3 Com Alucinações
291.8 Transtorno de Humor Induzido por Álcool
291.8 Transtorno de Ansiedade Induzido por Álcool
291.8 Disfunção Sexual Induzida por Álcool
291.8 Transtorno do Sono Induzido por Álcool
291.8 Transtorno Relacionado ao Álcool SOE
48

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Transtornos Relacionados a Anfetaminas (ou Substância Tipo-Anfetamina)


Transtornos por Uso de Anfetamina
304.40 Dependência de Anfetamina
305.70 Abuso de Anfetamina
Transtornos Induzidos por Anfetamina 292.89
Intoxicação com Anfetamina
292.0 Abstinência de Anfetamina
292.81 Delirium por Intoxicação com Anfetamina
292.x Transtorno Psicótico Induzido por Anfetamina
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
291.8 Transtorno de Humor Induzido por Anfetamina
291.8 Transtorno de Ansiedade Induzido por Anfetamina
291.8 Disfunção Sexual Induzida por Anfetamina
291.8 Transtorno do Sono Induzido por Anfetamina
291.8 Transtorno Relacionado à Anfetamina SOE
Transtorno Relacionados à Cafeína
Transtornos Induzidos por Cafeína
305.90 Intoxicação por Cafeína
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Cafeína
292.89 Transtorno do Sono Induzido por Cafeína
292.9 Transtorno Relacionado à Cafeína SOE
Transtornos Relacionados a Canabinóides
Transtorno por Uso de Canabonóides 304.30
Dependência de Canabinóides
305.20 Abuso de Canabinóides
Transtornos Induzidos por Canabinóides
292.89 Intoxicação com Canabinódes
292.81 Delirium por Intoxicação com Canabinódes
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Canabinóides
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzidos por Canabinóides
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzida por Canabinóides
292.9 Transtorno Relacionado a Canabinóides SOE
Transtornos Relacionados à Cocaína
Transtorno por Uso de Cocaína
304.20 Dependência de Cocaína
305.60 Abuso de Cacaína
Transtornos Induzidos por Cocaína 292.89
Intoxicação com Cocaína
292.0 Abstinência de Cocaína
292.81 Delirium por Abstinência de Cocaina
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Cocaina
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
292.84 Transtorno de Humor Induzido por Cocaína
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Cocaína
292.89 Disfunção Sexual Induzida por Cocaína
292.89 Transtorno do Sono Induzido por Cocaína
292.9 Transtorno Relacionado à Cocaína SOE
Transtornos Relacionados a Alucinógenos
Transtorno por Uso de Alucinógenos
304.50 Dependência de Alucinógenos
305.50 Abuso de Alucinógenos
Transtornos Induzidos por Alucinógenos
292.89 Intoxicação com Alucinógenos
292.89 Transtorno Perceptual Persistente por Alucinógenos (Flasbacks)
292.81 Delirium por Intoxicação com Alucinógenos
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Alucinógenos
49

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.11 Com Delírios


.12 Com Alucinações
292.84 Transtorno de Humor Induzido por Alucinógenos
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Alucinógenos
292.9 Transtorno Relacionado a Alucinógenos SOE
Transtorno Relacionados a Inalantes
Transtorno por Uso de Inalantes
304.60 Dependência com Inalantes
305.90 Abuso de Inalantes
Transtornos Induzidos por Inalantes
292.89 Intoxicação com Inalantes
Delirium por Intoxicação com Inalantes
Demência Persistente Induzida por Inalantes
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Inalantes
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
292.84 Transtorno de Humor Induzido por Inalantes
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzidos por Inalantes
292.9 Transtorno Relacionados a Inalantes SOE
Transtorno Relacionados à Nicotina
Transtornos por Uso de Nicotina
305.10 Dependência de Nicotina
Transtornos Induzidos por Nicotina
292.0 Abstinência de Nicotina
292.9 Transtorno Relacionado à Nicotina SOE
Transtornos Relacionados a Opióides
Transtornos por Uso de Opióides
304.00 Dependência de Opióides
305.90 Abuso de Opióides
Transtornos Induzidos por Opióides 292.89
Intoxicação com Opióides
292.0 Abstinência de Opióides
292.81 Delirium por Intoxicação com Opióides
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Opióides
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
292.84 Transtorno de Humor Induzido por Opióides
292.89 Disfunção Sexual por Opióides
292.89 Transtorno do Sono Induzidos por Opióides
291.9 Transtorno Relacionado ao Opióides SOE
Transtornos Relacionados à Fenciclidina (ou Substância Tipo-Fenciclidina)
Transtornos por Uso de Fenciclidina
304.90 Dependência de Fenciclidina
305.90 Abuso de Fenciclidina
Transtornos Induzidos por Fenciclidina
292.89 Intoxicação com Fenciclidina
292.81 Delirium por Abstinência de Fenciclidina
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Fenciclidina
.11 Com Delirios
.12 Com Alucinações
292.84 Transtorno de Humor Induzido por Fenciclidina
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Fenciclidina
292.9 Transtorno Relacionado à Fenciclidina SOE
Transtornos Relacionados a Sedativos, Hipnóticos e Ansiolíticos Transtornos
por Uso de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos

304.10 Dependência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos


305.40 Abuso de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
50

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Transtornos Induzidos por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.89


Intoxicação com Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
292.0 Abstinência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
292.81 Delirium por Intoxicação com Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
Delirium por Abstinência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
Demência Persistente Induzida por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
Transtorno Amnésico Persistente Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
Transtorno de Humor Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
292.89 Disfunção Sexual Induzida por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.89
Transtorno do Sono Induzido por Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos 292.9
Transtorno Relacionado a Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos SOE
Transtorno Relacionados a Múltiplas Substâncias
304.80 Dependência de Múltiplas Substâncias
Transtornos Relacionados a Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
Transtornos por Uso de Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
304.10 Dependência de Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.89 Abuso de Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
Transtorno por Uso de Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.0 Intoxicação com Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.81 Abstinências de Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
Delirium por Intoxicação com Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
Demência Persistente Induzida por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
Transtorno Amnéstico Persistente Induzido por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.xx Transtorno Psicótico Induzido por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
.11 Com Delírios
.12 Com Alucinações
Transtorno de Humor Induzido por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.89 Transtorno de Ansiedade Induzido por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.89 Disfunção Sexual Induzida por Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.89 Transtorno de Sono Induzido por OutrasSubstâncias (ou Substâncias Desconhecidas)
292.9 Transtorno Relacionado a Outras Substâncias (ou Substâncias Desconhecidas) SOE
ESQUIZOFRENIA E OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS
295.xx Esquizofrenia
.30 Tipo Paranóide
.10 Tipo Desorganizado
.20 Tipo Catatônico
.90 Tipo Indiferente
.60 Tipo Residual
295.40 Transtorno Esquizofreniforme
295.70 Transtorno Esquizoafetivo
297.1 Transtorno Delirante
298.8 Transtorno Psicótico Breve
297.3 Transtorno Psicótico Compartilhado
293.xx Transtorno Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral
.81 Com Delírios
.82 Com Alucinações
- Transtorno Psicótico Induzido por Substância (consultar Transtornos Relacionados a substâncias para códigos
específicos às substâncias)
298.9 Transtorno Psicótico SOE
TRANSTORNO DE HUMOR 1
= Leve
2= Moderado
3= Severo Sem Aspectos Psicóticos
4= Severo Com Aspectos Psicóticos
5= Em Remissão Parcial
6= Em Remissão Plena
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0= Inespecificado
Transtornos Depressivos
296.xx Transtorno Depressivo Maior
.2x Episódio Único
.3x Episódio Recorrente
300.4 Transtorno Distímico
311 Transtorno Depressivo SOE
Transtornos Bipolares
296.xx Transtorno Bipolar I
.0x Episódio Único Maníaco
.40 Episódio Mais Recente Hipomaníaco
.4x Episódio Mais Recente Maníaco
.6x Episódio Mais Recente Misto
.5x Episódio Mais Recente Depressivo
.7x Episódio Mais Recente Inespecificado
296.89 Transtorno Bipolar II
301.13 Transtorno Ciclotímico
296.80 Transtorno Bipolar SOE
293.83 Transtorno de Humor Devido a uma Condição Médica Geral
- Transtorno de Humor Induzido por Substância (consultar Transtornos Relacionados a substâncias para
códigos específicos às substâncias)
296.90 Transtorno de Humor SOE
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
300.01 Transtorno de Pânico Sem Agorafobia
Transtorno de Pânico Com Agorafobia
Agorafobia Sem História de Transtorno de Pânico
300.29 Fobia Específica
300.23 Transtorno Social
300.3 Transtorno Obsessivo-Compulsivo
309.81 Transtorno de Stress Pós-Traumático
308.3 Transtorno de Stress Agudo
308.02 Transtorno de Ansiedade Generalizada
300.89 Transtorno de Ansiedade Devido a uma Condição Médica Geral
- Transtorno de Ansiedade Induzido por Substância (consultar Transtornos Relacionados a substâncias para
códigos específicos às substâncias)
300.00 Transtorno de Ansiedade SOE
TRANSTORNOS SOMATOFORMES
300.81 Transtorno de Somatização
300.81 Transtorno Somatoforme Indiferenciado
300.11 Transtorno de Conversão
307.xx Transtorno Doloroso
.80 Associado com Fatores Psicológicos
.89 Associado com Fatores Tanto Psicológicos Quanto com uma Condição Médica Geral
300.7 Hipocondria
300.7 Transtorno Dismórfico Corporal
300.81 Transtorno Somatoforme SOE
TRANSTORNOS FACTÍCIOS
300.xx Transtorno Factício
.16 Com Sinais e Sintomas Predominantemente Psicológicos
.19 Com Sinais e Sintomas Predominantemente Físicos
.19 Com Sinais e Sintomas Psicológicos e Físicos Combinados
300.19 Transtorno Factício SOE
TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS
Amnésia Dissociativa
Fuga dissociativa
Transtorno Dissociativo de Identidade
300.6 Transtorno de Despersonalização
300.15 Transtorno Dissociativo SOE
TRANSTORNOS SEXUAIS E DE IDENTIDADE DE GÊNERO
Disfunções Sexuais
52

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Transtornos do Desejo Sexual


302.71 Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo
302.79 Transtorno de Aversão Sexual
Transtornos de Excitação Sexual
302.72 Transtorno da Excitação Sexual Feminina
Transtorno Erétil Masculino
Transtornos Orgásmicos
Transtorno Orgásmico Feminino
Transtorno Orgásmico Masculino
Ejaculação Precoce
Transtornos de Dor Sexual
Dispareunia (Não Devido a uma Condição Médica Geral)
306.51 Vaginismo (Não Devido a uma Condição Médica Geral)
Disfunção Sexual Devido a uma Condição Médica Geral
625.8 Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo na Mulher Devido a uma Condição Médica Geral
608.89 Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo no Homem Devido a uma Condição Médica Geral
607.84 Transtorno de Ereção Masculina Devido a uma Condição Médica Geral
625.0 Dispareunia Feminina Devido a uma Condição Médica Geral
608.89 Dispareunia Masculina Devido a uma Condição Médica Geral
625.8 Outra Disfunção Sexual da Mulher Devido a uma Condição Médica Geral
608.89 Outra Disfunção Sexual Masculina Devido a uma Condição Médica Geral
- Disfunção Sexual Induzida por Substância (consultar Transtornos Relacionados a substâncias códigos
específicos às substâncias)
302.70 Disfunção Sexual SOE
Parafilias
304.2 Exibicionismo
302.81 Fetichismo
302.89 Frotteurismo
302.2 Pedofilia
302.83 Masoquismo Sexual
302.84 Sadismo Sexual
302.3 Fetichismo Transvéstico
302.82 Voyeurismo
302.9 Parafilia SOE
Transtorno de Identidade de Gênero
302.xx Transtorno de Identidade de Gênero
.6 em Crianças
.85 em Adolescentes ou Adultos
302.6 Transtorno de Identidade de Gênero SOE
302.9 Transtorno Sexual SOE
TRANSTORNOS ALIMENTARES
307.1 Anorexia Nervosa
330.51 Bulimia Nervosa
307.50 Transtorno Alimentar SOE TRANSTORNOS
DO SONO
Transtornos Primários do Sono
Dissonias
307.42 Insônia Primária
307.44 Hipersonia Primária
347 Narcolepsia
780.59 Transtorno do Sono Relacionado à Respiração
307.45 Transtorno do Ritmo Circadiano do Sono
307.47 Dissonia SOE
Parassonias
307.47 Transtorno de Pesadelo no Sono
307.46 Transtorno de Terror no Sono
307.46 Transtorno de Sonambulismo
307.47 Parassonia SOE
Transtornos do Sono Relacionados a um Outro Transtor no Mental
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307.42 Insônia Relacionada a um Outro Transtorno Mental


307.44 Hipersonia Relacionada a um Outro Transtorno Mental
Outros Transtornos do Sono
780.xx Transtorno do Sono Devido a uma Condição Médica Geral
.52 Tipo Insônia
.54 Tipo Hipersonia
.59 Tipo Parassonia
.59 Tipo Misto
- Transtorno do Sono Induzido por Substância (consultar Transtornos Relacionados a substâncias para códigos
específicos às substâncias)
TRANSTORNOS DO CONTROLE DOS IMPULSOS NÃO CLASSIFICADOS EM OUTRO LOCAL
312.34 Transtorno Explosivo Intermitente
312.32 Cleptomania
312.33 Piromania
312.31 Jogo Patológico
312.39 Tricotilomania
312.80 Transtorno do Controle dos Impulsos SOE
TRANSTORNOS DE AJUSTAMENTO
309.xx Transtorno de Ajustamento

.0 Com Humor Depressivo


.24 Com Ansiedade
.28 Com Transtorno Misto de Ansiedade e Depressão
.3 Com Perturbação da Conduta
.4 Com Perturbação Mista das Emoções e Conduta
.9 Inespecificado
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
OBS.: Esses são codificados no Eixo II
301.0 Transtorno da Personalidade Paranóide
301.20 Transtorno da Personalidade Esquizóide
301.22 Transtorno da Personalidade Exquizotípica
301.7 Transtorno da Personalidade Anti-Social
301.83 Transtorno da Personalidade Borderline
301.50 Transtorno da Personalidade Histriônica
Transtorno da Personalidade Narcisista
Transtorno da Personalidade Esquiva
301.6 Transtorno da Personalidade Dependente
301.4 Transtorno da Personalidade Obsessivo- Compulsiva
301.9 Transtorno da Personalidade SOE
OUTRAS CONDIÇÕES QUE PODEM SER FOCO DE ATENÇÃO CLÍNICA
316 Fatores Psicológicos Afetando a Condição Médica
Escolha nome com base na natureza dos fatores:
Transtorno Mental Afetando a condição Médica
Sintomas Psicológicos Afetando a Condição Médica
Traços de Personalidade ou Estilo de Enfrentamento Afetando a Condição Médica
Comportamentos Ma-Adaptativos Afetando a Condição Médica
Resposta Fisiológica Relacionada ao Stress Afetando a Condição Médica
Fatores Psicológicos Inespecíficos ou Outros Fatores Afetando a Condição Médica
Transtornos dos Movimentos Induzidos por Medicamentos
332.1 Parkinsonismo Induzido por Neurolépticos
333.92 Síndrome Neuroléptica Maligna
333.7 Distonia Aguda Induzida por Neurolépticos
333.99 Acatisia Aguda Induzida por Neurolépticos
333.89 Discinesia Tardia Induzida por Neuropléticos
333.1 Tremor Postural Induzido por Medicamentos
333.90 Transtorno dos Movimentos Induzidos por Medicamentos SOE
Outro Transtorno Induzido por Medicamentos
995.2 Efeitos adversos de Medicamentos SOE
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Problemas de Relacionamento
V619 Problema de Relacionamento Relacionado a um Transtorno Mental ou Condição Médica Geral
V61.20 Problema de Relacionamento Entre Pai e Filho
V61.1 Problema de Relacionamento com Parceiro
V61.8 Problema de Relacionamento com Irmãos
V62.81 Problema de Relacionamento SOE
Problemas Relacionados ao Abuso ou Negligência
V61.21 Abuso Físico da Criança (código 995.5 se foco de atenção é a vitima)
V61.21 Abuso Sexual da Criança (código 995.5 se foco da atenção é a vítima)
V61.21 Negligência da Criança (código 995.5 se foco da atenção é a vítima)
V61.1 Abuso Físico do Adulto (código 995.5 se foco da atenção é a vítima)
V61.1 Abuso Sexual do Adulto (código 995.5 se foco da atenção é a vítima)
Condições Adicionais que Podem Ser um Foco de Atenção Clínica
V15.81 Falta de Adesão ao Tratamento
V65.2 Simulação
V71.01 Comportamento Anti-Social no Adulto
V71.02 Comportamento Anti-Social na Criança ou Adolescente
V62.89 Funcionamento Intelectual Borderline
780.9 Declínio Cognitivo Relacionado à Idade
V62.82 Luto
V62.3 Problema Acadêmico
V62.2 Problema Ocupacional
313.82 Problema de Identidade
V62.89 Problema Religioso ou Espiritual
V62.4 Problema de Aculturação
V62.89 Problema de Fase de Vida
CÓDIGOS ADICIONAIS
300.9 Transtorno Mental Inespecificado (não-psicótico)
V71.09 Nenhum Diagnóstico ou Condição no Eixo I
799.9 Diagnóstico ou Condição Protelados no Eixo I
V71.09 Nenhum Diagnóstico no Eixo II
799.9 Diagnóstico Protelado no Eixo II

Baseado no “Diagnostic and Statistical Manual os Mental os Mental Disorders”, 4ª ed. Americam
Psychiatric Association, 1994.

Referências

Freud, S.: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.

Kaplan, H. I., Sadock, B. J. e Grebb, J. A.: Compêndio de Psiquiatria – Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica.

Louzã Neto, M. R., Motta, T., Wang, Y. P. e Elkis, H. (orgs.): Psiquiatria Básica.

Adams, R. D. e Victor, M.: Princípios de Neurologia.

Gilman, A. G., Goodman, L. S. e Gilman, A.: As Bases Farmacológicas da Terapêutica.

Bandler, R. e Grinder, J.: A Estrutura da Magia – Um Livro Sobre Linguagem e Terapia Schreiber, F. R.: Sybil

Thigpen, C. H. e Cleckley, H. H.: As Três Faces de Eva

Ferreira, A. B. H.: Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa

Esta Unidade foi produzida pelo Dr. Sérgio W. Baumel.


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Avaliação: Psiquiatria

Em cada um dos casos a seguir, escreva as suas impressões diagnósticas, descrevendo


os diagnósticos diferenciais, e a sua conduta, como psicanalista, perante um paciente
com esta história (encaminhamento, proposta terapêutica, etc.)

Caso 1:

Paciente do sexo masculino, 30 anos, casado há três anos, sem filhos, auxiliar de
produção. Vem à consulta acompanhado da mãe. Queixa-se de estar “muito nervoso”,
tendo piorado progressivamente nos últimos meses. Refere ter “explosões”, muitas vezes
por motivos fúteis e às vezes tem consciência da desproporção de suas reações, após
as mesmas.

Há mais ou menos 2 meses vem tendo a idéia de que sua esposa o está traindo, embora
a mesma nunca tenha lhe dado motivo para tal desconfiança, e tem consciência deste
fato. Refere saber ser verdade que a esposa não o trai, porém não consegue evitar tal
idéia. Tem sido agressivo, chegando a agredi-la por trás, arremessando um copo de vidro
contra suas costas.

Refere que seus sintomas o têm prejudicado também no trabalho, onde notou uma
diminuição de rendimento, que não sabe se é percebida pelos superiores. Não tem mais
contato praticamente nenhum com seus colegas de trabalho, ficando isolado a maior
parte do tempo.
Refere fazer uso de bebidas alcoólicas há vários anos, e há 8 a 10 anos ingerindo
diariamente um mínimo de 3 garrafas de cerveja e nos finais de semana chegando a
mais de 24 garrafas de cerveja. Refere também já ter feito uso de cocaína, por um
período de aproximadamente 1 ano, tendo interrompido o uso há uns 7 meses.

Sua mãe relata que o paciente teve uma convulsão com 2 anos de idade, única, tendo
feito tratamento até os 6 anos de idade, tendo um desenvolvimento psicológico, motor e
intelectual normal, sendo por ela considerado “sempre um bom menino”.

O paciente ainda relata dificuldade para dormir, demorando a iniciar o sono, e com
múltiplos despertares durante a noite, sentindo-se cronicamente cansado.

Ao exame, o paciente mostra-se agitado, com fala acelerada e em tom alto e agressivo,
com as conjuntivas avermelhadas, e uma tendência e não parar de movimentar suas
mãos, ora mexendo nos objeto sobre a mesa ora apertando seus próprios antebraços. O
exame clínico geral e neurológico são normais.

Caso 2:

Paciente de sexo feminino, 42 anos, separada há 4 anos, com dois filhos (menino de 14
anos e menina de 17 anos), dona de casa, vem à consulta acompanhada pela mãe.
56

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Queixa-se de “depressão”, dizendo ter sido diagnosticada como tal por médica
psiquiatra, tendo sido receitado “Tryptanol”, que refere “não fazer efeito”, tendo
interrompido o tratamento por conta própria, não mais voltando para novas consultas
com sua médica (foi a um total de três consultas). Refere “não ter vontade de fazer
nada”, sem ânimo para sair, mesmo para realizar tarefas simples. Diz permanecer
sozinha, isolada, sem conversar até mesmo com seus filhos.

Refere ter vontade de chorar, porém não o faz, nem sozinha, nem quando na presença
de familiares.

Nega alteração significativa do sono, porém às vezes acorda de madrugada, com certa
dificuldade para voltar a dormir. Às vezes tem a impressão de que as pessoas de seu
convívio estão a perseguindo, culpando-a por todas as discussões e todos os problemas.
A paciente não se sente especialmente culpada, e ao contrário, insiste em atribuir falhas
e culpas a várias pessoas de seu convívio, inclusive seus filhos, sua mãe, e seu ex-
marido. Acredita que seus sintomas são “naturais”, e que “qualquer pessoas que passe
tanta raiva” quanto ela ficaria do mesmo modo.

Durante a entrevista,a paciente não mostra expressões faciais que denotem angústias
falando em um tom casual dando a impressão de que está narrando eventos e situações
de pouco ou nenhum conteúdo emocional. Muitas vezes, ao ser questionada
especificamente sobre algum detalhe, responde com informações inteiramente diversas.
Quando questionada sobre seu sono, por exemplo, respondeu dizendo que seus filhos
adolescentes “dão muito trabalho, não é doutor?”

Muitas vezes interrompe a seqüência de idéias, mudando rapidamente de assunto, sem


concluir seu raciocínio inicial.

A sua atenção está diminuída, em relação ao examinador, evitando contato visual,


geralmente permanecendo com o olhar “perdido”, mesmo enquanto está respondendo a
questões ou formulando-as. Nos demais aspectos, não apresenta alterações de exame
físico geral nem neurológico.

Alguns dias depois da primeira entrevista, sua mãe retorna com a irmã da paciente, e
ambas relatam que a mesma passou a se comportar com “explosões” de agressividade,
muitas vezes gratuita, chegando a agredir fisicamente seu filho, sem motivo aparente, e
sem dizer a razão para tal ato. Após alguns momentos, volta ao normal, como se nada
houvesse ocorrido. Em outra ocasião, telefonou à sua mãe apenas para dizer que estava
“ótima”, e que “tudo está muito bem”, desligando a seguir, sem maiores explicações.

Caso 3:

Paciente de sexo masculino, de 42 anos, trazido à sala de emergência pela polícia, por
ter se envolvido em uma discussão e briga no restaurante onde trabalha. Ao ser
interrogado pela polícia, deu o nome de Pedro dos Santos, mas não tinha nenhum
57

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documento de identidade. Ele chegou à cidade há algumas semanas, e começou a


trabalhar na cozinha, preparando refeições rápidas. Dizia não se recordar onde
trabalhara ou vivera antes de sua chegada à cidade. Não possuía ficha policial. Sabia o
nome da cidade onde estava e a data atual. Admitiu ser algo incomum sua incapacidade
para recordar os detalhes da sua vida pregressa, mas não parecia muito abalado com
isso.

Não havia evidência de abuso de álcool ou drogas, e um exame físico descartou


traumatismo craniano ou qualquer outra anormalidade física ou neurológica.

A policia emitiu uma descrição do homem, e descobriu que se ajustava à descrição de


José Paulo de Oliveira, desaparecido há um mês de uma cidade há mais de 100
quilômetros dali.

Uma visita da Sra. Oliveira confirmou a identidade do paciente como José Paulo de
Oliveira. A Sra. Oliveira explicou que, por um ano e meio antes de seu desaparecimento,
o marido trabalhara como gerente júnior em uma grande empresa, tendo dificuldades
consideráveis no trabalho. Foi ignorado para uma promoção, e recebeu duas críticas de
seu supervisor em seu trabalho. Vários de seus subordinados haviam pedido demissão,
e o paciente considerava impossível atingir os objetivos de produção.

O estresse no trabalho tornou difícil a convivência com o paciente, em casa.


Anteriormente uma pessoa calma e gregária, tornou-se retraído e crítico com relação à
esposa e aos filhos. Imediatamente antes do seu desaparecimento, teve uma violenta
discussão com o filho de 18 anos. O filho chamou-o de “fracassado” e saiu de casa para
viver no apartamento de alguns amigos. Dois dias após esta discussão, o paciente
desapareceu.

Ao ser levado à sala onde sua esposa o esperava, o paciente declarou que não a
conhecia, parecendo visivelmente ansioso, com sudorese intensa, esfregando suas
mãos uma sobre a outra com freqüência.

Caso 4:

Paciente de 20 anos, solteira, estudante universitária, no início do ano de 2000 iniciou


quadro progressivo de “tristeza”, direcionada especificamente a problemas na faculdade,
sem afetar seu relacionamento amoroso (tem um namorado “fixo” há bastante tempo),
nem tampouco os relacionamentos familiares, onde desfruta ambiente especialmente
harmônico. Os relacionamentos com amigos e colegas de faculdade também
permaneceram bons, porém relata progressiva diminuição da vontade de sair ou divertir-
se, e em especial em relação aos estudos, chegando a “trancar matricula” no primeiro
semestre de 2000.

Em maio de 2000 iniciou tratamento com Fluoxetina 20mg/dia, e psicoterapia com


utilização de hipnoterapia e técnicas de inspiração psicanalítica de Maio a Agosto de
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2000. Foram utilizadas técnicas de regressão, sem no entanto conseguir-se identificar


episódios traumáticos que pudessem ser imputados como fatores para o quadro.
Utilizadas também sucessivamente metáforas, intercaladas com sessões de discussões,
de modo mais pragmático, de seus problemas e possíveis soluções, mostrando melhora
progressiva dos sintomas.

Em Agosto mostrava-se bem, com excelente reintegração social, sendo reduzida e


suspensa medicação antidepressiva, permanecendo bem por aproximadamente 6
meses, sem medicação.

Em Janeiro de 2001, após quadro de gastroenterite aguda, iniciou episódios de “medo”


intenso, associado a dispnéia, sensação precordial pouco definida, náuseas e dor
abdominal, e a idéia obsessiva de que qualquer alimento iria “fazer mal”, de que iria ficar
doente e morrer. Passou agudamente a ter medo de dirigir e de ficar sozinha, mas nega
sensações de tristeza ou diminuição da volição, bem como ideações suicidas.

As crises têm aparecido espontaneamente, mas a maior parte das vezes está associada
ao alimentar-se, ou até à simples idéia de comer, tendo chegado ao ponto de ingerir
líquidos, e ainda assim com muitas restrições.

Caso 5:

Paciente do sexo feminino, 29 anos, mãe de dois filhos, solicitou autorização médica para
uma cirurgia para retirada de cistos nas mamas. Descreveu os cistos como aumentando
rapidamente, e insuportavelmente dolorosos. Enquanto chamava a atenção para os seus
seios, observou: “São tão grandes e tão sensíveis ao toque. Que simplesmente não
consigo ter relações – nem pensar nisso”.

Ela também sentia uma dor lombar incapacitante, que se irradiava para baixo, e fazia
suas pernas “cederem” subitamente, fazendo-a cair. Ao dizer isso, fez um trejeito de dor,
acrescentando: “Ah, lá vem de novo, minhas costas doem o tempo todo. A dor é tão forte
que afeta o meu relacionamento com as crianças. Uma dor assim transforma qualquer
pessoa em uma fera”. (Ela estivera, anteriormente sob suspeita de abusar dos filhos).
Também queixou-se de “falta de ar” e de uma tosse seca, que não a deixavam subir
ladeiras.

Sua história médica começou na puberdade, com dor e excesso de sangramento às


menstruações. Aos 18 anos realizou uma cirurgia exploratória para um possível cisto
ovariano, e sofreu outra intervenção cirúrgica, posteriormente, por suspeita de
aderências intestinais. Também tinha uma história de sintomas recorrentes do trato
urinário, embora jamais tenha sido claramente documentada a presença de
microorganismos. Teve um resultado normal no exame para “aumento da tireóide”. Em
diferentes ocasiões, recebeu os diagnósticos de cólon espástico, enxaqueca e
endometriose.
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Dois casamentos, ambos com homens alcoólatras e abusivos que se recusaram a pagar
pensão alimentícia para os filhos, terminaram em divórcio. Ela perdeu vários empregos,
por causa de excessivas faltas ao trabalho. Durante os períodos em que se sentia pior,
passava a maior parte do dia em casa, em trajes de dormir, enquanto os parentes
cuidavam das crianças. Tinham uma história de dependência de “calmantes” e
narcóticos, e afirmou que começara a usar analgésicos para sua dor nas costas e
“exagerei com eles”.
O exame físico revelou inconsistências no tecido mamário, mas nenhuma massa
claramente evidente, e os achados da mamografia foram normais.

Caso 6:

Dona-de-casa de 46 anos, encaminhada para consulta pelo Psiquiatra de seu esposo. O


marido contou que a esposa tinha ataques de tontura que a deixavam incapacitada,
quando discutiam conflitos conjugais.

Em sua consulta, a paciente descreveu a impressão de ser dominada por sensações de


extrema tontura, acompanhada por ligeira náusea, quatro ou cindo noites por semana.
Durante esses ataques, o aposento à sua volta assumia uma aparência “fugidia”, e ela
sentia-se flutuando, incapaz de manter seu equilíbrio.

Inexplicavelmente, os ataques quase sempre ocorriam por volta das 16 horas. Ela
geralmente precisava deitar-se no sofá e freqüentemente não se sentia melhor até às 19
ou 20 horas. Após sua recuperação, habitualmente passava o resto da noite assistindo
à televisão. Com maior freqüência, adormecia na sala, não indo para cama antes das 2
ou 3 horas.

Foi considerada saudável fisicamente por seu Clínico, por um Neurologista, e um


Otorrinolaringologista, em mais de uma ocasião. Exames de sangue, incluindo testes de
tolerância à glicose, e de neuroimagem (incluindo Ressonância Magnética do encéfalo)
não mostraram qualquer anormalidade.

Indagada sobre seu casamento, a paciente descreveu o marido como um tirano,


freqüentemente fazendo exigências e abusando dela e dos quatro filhos. Admitiu que
detestava a chegada dele em casa, sabendo que ele comentaria que a casa estava
desarrumada e o jantar, se estivesse preparado, não lhe agradava. Desde o começo de
seus ataques, quando fica incapacitada de preparar o jantar, o marido e os quatro filhos
jantam e lanchonetes ou pizzarias. Ao voltarem, ele acomoda-se para assistir a algum
programa de televisão no quarto, e as conversar entre os dois são mínimas. Apesar disto,
a paciente declarou que ama e necessita muito do marido.

Caso 7:
Estudante universitário sexo masculino, 20 anos, queixou-se ao seu Clínico de
dificuldades para estudar porque nos últimos seis meses, tornara-se progressivamente
preocupado com pensamentos que não conseguia afastar. Toda noite passava horas
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repassando os eventos do dia, especialmente interações com amigos e professores


interminavelmente corrigindo, em sua mente, todos os erros e enganos. Descreveu o
processo como sendo semelhante a tocar uma a fita de vídeo de cada acontecimento
repetidas vezes, em sua mente, indagando a si mesmo se se comportara
apropriadamente e dizendo a si mesmo que dera o melhor de si ou dissera a coisa certa
a cada momento do dia. Ele fazia isso sentado à sua escrivaninha, supostamente
estudando; não raro olhava para o relógio após um desses períodos de ruminação e
percebia que, para sua surpresa, duas ou três horas haviam se passado. Suas notas, em
declínio, o preocupavam.
Quando questionado, admitiu um ritual de duas horas para se aprontar quando ia
encontrar-se com amigos. Da mesma forma, barbear-se, tomar banho, pentear os
cabelos e vestir-se eram atos que exigiam perfeição. Além disso, por vários anos era
perseguido por certas superstições que terminaram por dominar sua vida diária, que
incluíam evitar certos prédios enquanto atravessava o campus, sentar-se sempre no
terceiro assento da quinta fileira em sua sala de aula e alinhar seus livros e lápis em uma
certa configuração sobre a carteira, antes de estudar.

Unidade

CAUSAS DO COMPORTAMENTO ANORMAL 3

Ao discutir a dinâmica do desenvolvimento e do ajustamento da personalidade, como ao


descrever o que ocorre quando a tensão se torna excessivamente severa, preparamos o
caminho para um exame das causas do comportamento anormal – desenvolvimento
deficiente e tensão excessiva.

Para compreender a causa, é muitas vezes útil dividir os fatores causais em categorias
biológicas e sociológicas. As perturbações mentais que reconhecidamente se baseiam
em patologia do cérebro – por exemplo, infecção sifilítica do cérebro ou degeneração
cerebral na senilidade – são denominadas orgânicas ou biogênicas. Quando não existe
patologia cerebral conhecida e a perturbação se baseia, presumivelmente, em
suposições falsas, capacidades inadequadas e outras condições que levam a reações
desajustadoras à tensão, perturbação é denominada psicogênicas. Finalmente, existem
perturbações cuja natureza é fundamental sociogênica – em que os fatores sociológicos,
por exemplo, as privações econômica e cultural, provocam deformações no
desenvolvimento ou criam tensões excessivamente grandes para o ajustamento
saudável. No entanto, quando os fatores biológicos, psicológicos ou sociológicos
desempenham o papel dominante, lidamos sempre com uma interação de determinantes
que contribuem, em graus diferentes para a perturbação mental.
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Os fatores causais são também freqüentemente divididos em causas que precipitam e


causas que predispõem à doenças. Os fatores de predisposição aparecem antes e
preparam o caminho para psicopatologia posterior, pois reduzem a capacidade de
ajustamento do indivíduo – por exemplo, no caso de fadiga ou superproteção dos pais.
As causas precipitantes representam a condição específica – por exemplo, doença
cerebral ou decepção amorosa – que foi excessiva para o indivíduo e precipitou os
sintomas. Em determinado caso o padrão exato de causas de predisposição e
precipitação pode não estar claro, e o que precipita os sintomas de hoje pode tornar-se
um fator de predisposição para o comportamento de amanhã.

Fatores constitucionais e Relação com o desenvolvimento anormal


comportamento anormal
Fator constitucional físico Seu papel não está esclarecido, mas
desproporções do corpo, fraqueza e feiúra
parecem ligadas mais comumente à
psicopatologia do que robustez e aspecto físico
atraente.
Nível de energia e atividade Aparentemente ligado ao fato de o indivíduo
desenvolver reações agressivas ou mais
interiorizada à tensão; assim se liga ao tipo de
perturbação apresentada se o indivíduo ficar
mentalmente doente.
Reatividades Autônomas Elevada reatividade emotiva talvez esteja ligada
a reação excessiva a pequenas e formação de
temores condicionados desnecessários;
reatividade emotiva deficiente talvez leve à
socialização inadequada através de poucas
reações condicionais.
Plasticidade do corpo Resistência à Ajuda a determinar a tolerância a tensão
infecção biológica, bem como qual sistema de órgãos
será mais vulnerável a perturbações em sistema
do corpo ligado ao funcionamento cerebral.

Sensibilidade Determina, em parte, os tipos de tensão a que a


criança é mais vulnerável, e o grau de tensão
que pode tolerar sem desorganização do
comportamento. Influi na maneira de a criança
perceber o mundo.
Dotação intelectual, outras aptidões Influi nas oportunidades de triunfo da criança,
quando colocada em competição, e assim influi
também na auto confiança baseada em
realização.
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Condição indesejável Desenvolvimento típico da personalidade da


criança
Rejeição Sentimentos de insegurança e isolamento.
Busca de atenção, negativismo,
comportamento hostil. Incapaz de dar e
receber afeição.
Superproteção – domínio Submissão, inadequação, falta de iniciativa,
tendência para dependência passiva nas
relações com outros.
Mimo excessivo Egoísmo, exigência, incapacidade para tolerar
frustração. Rebelde diante da autoridade,
excessiva necessidade de atenção, falta de
responsabilidade.
Perfeccionismo – ambições não- A criança interioriza os padrões não-realistas
realistas para a criança dos pais o fracasso inevitável leva à frustração
contínua, sentimento de culpa, auto
condenação e auto desvalorização.
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Padrões morais rígidos e não realistasDesenvolvimento extremo de consciência


moral. Tendência para rigidez conflitos graves
auto condenação e auto
Tabela sumária de relações defeituosas entre pais e filhos

desvalorização.
Disciplina defeituosa Excesso de liberdade ligado à insegurança,
agressividade anti-social. A disciplina severa
geralmente leva a excessiva condenação do
eu por comportamento agressivo, a disciplina
incoerente geralmente resulta em falta de
valores estáveis para a orientação do
comportamento, com tendência para
incoerência e vacilação ao enfrentar
problemas.
Rivalidade entre irmãos Hostilidade direta ou indireta, insegurança,
falta de auto confiança, regressão.
Desavença conjugal e lares desfeitos Angústias, tensão, insegurança, falta de uma
base segura no lar, tendência para avaliar o
mundo como um lugar perigoso e inseguro.
Lealdades conflitivas, falta de modelos
adequados para o desenvolvimento adequado
do ego.
Os pais como modelos deficientes Interiorização de atitudes de valores imorais e
socialmente indesejáveis, que
freqüentemente levam problemas com a
justiça.

Perturbações neuróticas

Nas perturbações neuróticas, encontraremos tendências patológicas de desenvolvimento


no interior da personalidade do indivíduo que levam a avaliações errôneas de problemas
ambientais, a conflitos graves e a maus ajustamentos pessoais e sociais. Quase sempre
tais tendências patológicas mostram uma longa história de desenvolvimento, que
geralmente começa em relações defeituosas entre pais e filhos; estas conduzem a
atitudes imaturas e deformadas com relação ao eu e ao mundo ambiente.
Conseqüentemente, diante de situações de tensão que quase todos poderiam enfrentar
satisfatoriamente, tais indivíduos sentem angústia grave e passam a empregar padrões
neuróticos e doentios em defesa. As respostas neuróticas a tais tensões podem
apresentar muitas formas – por exemplo, ataques de angustias, fobias e obsessões. Os
neuróticos são angustiados, infelizes e ineficientes, que geralmente não precisam de
hospitalização, mas apesar, disso, precisam de muito auxilio psicológico.
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O núcleo Neurótico

A seqüência fundamental no desenvolvimento das perturbações neuróticas geralmente


segue o seguinte esquema: a) desenvolvimento defeituoso da personalidade –
imaturidade, deformações – de que resultam fraquezas específicas na estrutura de
personalidade; b) avaliação de algumas tensões comuns da vida como se fossem
terrivelmente perigosas e ameaçadoras; c) aparecimento de severa angústia; d)
desenvolvimento de padrões neuróticos de defesa para enfrentar as ameaças e as
angústias; e) finalmente, círculos viciosos, com redução de eficiência e grande número
de sintomas secundários – por exemplo, fadiga crônica e insatisfação.

Encontra-se a mesma seqüência, seja quando empreendimento – seja quando decorrem


do mundo externo – por exemplo, fracasso em algum empreendimento – seja quando
decorrem da vida interior, por exemplo, de hospitalidade reprimida ou de desejos sexuais.
O fator fundamental em qualquer caso é a angustia intolerável, provocada quando os
aspectos vulneráveis da personalidade são colocados sob tensão e a adequação básica
e o valor da personalidade são ameaçadas.

Embora seus sintomas específicos apresentem muita variação, os neuróticos têm em


comum algumas características da personalidade, decorrentes de imaturidade,
fraquezas e avaliações defeituosas de si mesmo e de seus problemas.

CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE NEURÓTICA

1. Inadequação e baixa tolerância de tensão

O neurótico se vê como basicamente inadequado. Isso é geralmente indicado pela


necessidade de apegar-se a outros para conseguir apoio. Em alguns, no entanto,
tentando negar sua inadequação ao lutar para vencer e dominar os outros.
Freqüentemente seus sentimentos subjacentes de inadequação se manifestam numa
busca desesperada de conjugue forte e vital, que torne sua vida aparentemente segura
e significativa. Nem é preciso dizer que tais esperanças geralmente estão destinadas a
desilusão, por causa das insuficiências pessoais do neurótico.

2. Angústia e temor

Como o neurótico enfrenta várias tensões que percebe como ameaçadas, a angústia é
um fator difuso, subjacente a todas as neuroses. Às vezes a angústia é aguda – por
exemplo, em ataques de angústia – mas é mais comum que o neurótico crie várias
defesas para reduzi-la. Tais defesas, no entanto, raramente são adequadas, e
usualmente continua a haver considerável quantidade de angústia e temor.
Freqüentemente a angústia do neurótico é intensificada por seus sintomas, por ele
reconhecidos como irracionais, mas que não pode controlar. Além disso, os temores e
conflitos subjacentes, controlados pela defesa neurótica podem aparecer de vez em
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quando e apresentar a terrível possibilidade de um colapso de toda a estrutura defensiva.
Freqüentemente isso é representado simbolicamente por temores irracionais de
acidente, doença ou insanidade.

3. Tensão e irritabilidade

Como o neurótico está ironicamente angustiado e amedrontado, está continuamente


mobilizado para a ação defensiva e pronto a reagir excessivamente a pequenos
aborrecimentos e contratempos que a pessoa normal superaria sem dificuldades. Além
disso, sua contínua mobilização leva a um aumento da tensão geral do corpo, o que é
também desagradável e perturbador.

4. Egocentrismo e relações interpessoais perturbadas

O egocentrismo, a irritabilidade e a inadequação fundamental do neurótico impedem que


forme relações satisfatórias com outras pessoas e faz com que fique cego para os
sentimentos dos outros, bem como para seu papel nessas relações insatisfatórias.
Freqüentemente faz exigências irrealistas àqueles que o cercam, e tenta encontrar em
sua identificação, sua afeição e sua aprovação, a segurança que não sente em si mesmo.
Mas como suas insaciáveis, representam uma carga impossível para os outros e,
finalmente, estes tendem a afastá-lo. Esta rejeição, por sua vez, aumenta a insegurança,
a hostilidade e a desconfiança do neurótico.

5. Rigidez e falta de auto conhecimento

Embora o neurótico possa queixar-se de seus sintomas, geralmente tem pouca


compreensão das causas da sua dificuldade ou da inadequação de suas reações. Pode
admitir que seu medo de reuniões sociais seja um aborrecimento irracional, mas não
sabe por que sente isso, nem como pode livrar-se de tal aborrecimento. A rigidez e a falta
de auto conhecimento do neurótico também levam a sentido reduzido da realidade. Isso
se reflete não apenas em sua incapacidade para avaliar objetivamente sua situação e
perceber maneiras mais eficientes para enfrentá-las, mas também num sentido pouco
claro do eu. Como continuamente reage de acordo com formas que não compreende,
mas é incapaz de evitar, não é surpreendente que sinta certa confusão quanto à sua auto
identidade.

6. Insatisfação e infelicidade

Por causa de seus temores, suas preocupações, conflitos e orientação geral a vida, os
neuróticos tendem a serem tensos pessimistas e, de modo geral, insatisfeitos com sua
situação de vida. Geralmente têm vagos sentimentos de que algo está faltando ou de
que algo está errado, mas não são capazes de localizar a origem de sua dificuldade.

7. Sintomas psicológicos e somáticos


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Os neuróticos apresentam grande amplitude de sintomas psicológicos e somáticos. Num
nível psicológico, encontramos angústia, preocupações, fobias, obsessões, compulsões
e outros sintomas que descreveremos logo adiante. Aqui, deve-se indicar que as
manobras neuróticas de defesa – por exemplo, as fobias e obsessões – são também
sintomas. Entre os sintomas somáticos devem ser mencionados: tensão, fadiga,
indigestão, maior freqüência de micção, contrações musculares, suor excessivo,
palpitações cardíacas, dores de cabeça ocasionadas por tensão, sensações de
sufocação e um conjunto de dores vagas. O exame médico geralmente não revela base
orgânica para tais queixas, mas o neurótico freqüentemente as interpreta como prova de
patologia orgânica e tem muita preocupação hipocondríaca.

REAÇÃO DE ANGÚSTIA

Este é o mais comum dos vários padrões de reação neurótica, e constitui


aproximadamente de 30 a 40 por cento de todas as perturbações neuróticas. Caracteriza-
se por angústias e preocupações crônicas, que podem sem acentuadas por repetidos
episódios de angústia aguda. Nem a expectativa angustiada e nem os ataques de
angústia aguda parecem decorrer de qualquer ameaça específica. Esta reação difere de
outras reações neuróticas pelo fato de a angústia ser sentida diretamente – por isso se
diz que a angústia é “livre” ou “flutuante”. Em outras reações neuróticas a angústias se
reduz pelo desenvolvimento de fobias, obsessões e outras reações de defesa. O
neurótico angustiado está, em grande parte, sem tais defesas e, por isso, está à mercê
de sua angústia.

Sintomas

Nas reações de angústias existe um estado relativamente constante de tensão,


inquietação e mal estar difuso. O indivíduo apresenta irritabilidade generalizada, tem
dificuldade para concentrar e sofre de insônia. Geralmente tem dificuldade para tomar
decisões e teme a possibilidade de cometer um erro. Pode haver náusea branda, perda
de apetite e alguma perda de peso. Pode ter palpitações de coração sem razão aparente,
e pode apresentar mudanças cardiovasculares – por exemplo, pressão arterial e ritmo
mais rápido de pulso. Fundamentalmente, o individuo sofre de um estado crônico de
alarme e mobilização.

REAÇÃO ASTÊNICA (neurastenia)

Uma reação astênica se caracteriza por fadiga crônica, física e mental, e por um conjunto
de dores. Não há acordo entre as estimativas de incidência, mas as reações astênicas,
pelo menos em forma branda, são relativamente comuns e provavelmente representam
10 por cento ou mais das perturbações neuróticas. De modo geral, adultos de meia idade
– sobretudo donas de casa frustradas – aparecem os mais à neurastenia. As reações
neurastênicas são também mais comuns em níveis sócio econômicos mais baixos.
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Sintomas

Nas reações astênicas a queixa fundamental do paciente é a fadiga física e mental. Tem
dificuldade para concentração, distrai-se facilmente, não tem o vigor necessário para
realizar atividade até a sua completação satisfatória. Mesmo tarefas secundárias
parecem exigir esforço bérculeo. Usualmente gasta muito tempo em sono, numa tentativa
de combater a fadiga; no entanto, apesar da quantidade de sono acorda cansado.

Além da fadiga crônica, o neurastênico geralmente tem várias outras queixas somáticas:
dor ou “peso” na cabeça, indigestão, dores na região dos rins, pequenas tonturas,
sensibilidade excessiva a pequenas irritações, sensações de fraqueza.

REAÇÃO DE CONVERSÃO (histeria)

A reação de conversão ou histeria é uma defesa neurótica em que aparecem sintomas


de algumas doenças físicas, sem que exista qualquer patologia orgânica subjacente. É
um dos mais estranhos e desconcertantes síndromes psicopatológicos.

Sintomas

Numa época em que os médicos já não acreditam que alguém “fique” cego, mudo ou
paralítico, de repente os pacientes apresentam menos tais sintomas e maior número de
dores e queixas vagas, mas dificilmente diagnosticadas como funcionais. No entanto, as
reações de conversão podem simular grande amplitude de doenças orgânicas, e são
muito numerosos os sintomas específicos que podem aparecer.

1. Sintomas sensoriais

Qualquer um dos sentidos pode ser incluído em reações de conversão. As formas mais
comuns são as seguintes:

Anestesia – perda de sensibilidade


Hipoestesia – perda parcial da sensibilidade
Hiperestesia – sensibilidade excessiva
Analgesia – perda de sensibilidade à dor
Paretesia – sensações excepcionais – por exemplo, vibrações

Reações dissociativas

As reações dissociativas, freqüentemente classificadas como um tipo de histeria inclui


amnésia, fugas, personalidade múltipla e sonambulismo. Em todos esses casos, o
paciente consegue afastar, parte de sua vida. Embora tais condições estejam muito
relacionadas e sigam padrões dinâmicos semelhantes aos das reações de conversão,
merecem consideração separada e minuciosa. As reações dissociativas – como a
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exclusão do sonambulismo – correspondem a menos de cinco por cento de todas as
perturbações neuróticas.

Sintomas

Na reação de amnésia típica, o paciente não pode lembrar seu nome, não sabe sua idade
nem sua residência, não reconhece os pais, parentes ou amigos. Apesar disso, seus
padrões de hábito – por exemplo, capacidade para escrever, falar e assim por diante –
continuam intatos, e com a exceção da amnésia, parece muito normal.

No estudo de amnésia, o indivíduo pode afastar-se ainda mais de seus problemas, ao


apresentar o que se denomina “estado de fuga”.

REAÇÃO DE FOBIA

Uma reação de fobia é um medo contínuo de algum objeto ou situação que não
apresentam perigo real para o paciente, ou em que o perigo é aumentado
desproporcionalmente com relação à sua gravidade real. A lista seguinte de fobias
comuns e seus objetos dão certa indicação da variedade de situações e objetos em torno
do quais as fobias podem centralizar-se:

Acrofobia – lugares altos


Agarofobia – lugares abertos
Algofobia – dor
Astrofobia – tempestades, trovão e relâmpagos Claustrofobia
– lugares fechados
Monofobia – estar só
Nictofobia – escuridão
Patolfobia – doença Pirofobia
– fogo
Sifilofobia – sífilis
Zoofobia – animais ou um animal determinado

Sintoma

Quase todos nós temos pequenos irracionais, mas nas reações de fobia, tais medos são
intensos e interferem nas atividades cotidianas do paciente. Por exemplo, um paciente
com claustrofobia pode dar grandes voltas para não entrar numa sala pequena ou num
corredor, ainda que tenha uma necessidade de fazê-lo. Os pacientes usualmente
admitem que não tenha causa real para ter medo do objeto ou da situação, mas dizem
que não conseguem impedir isso. Se não se submetem ao medo e não inventa a situação
de fobia, são denominadas por angústia, que pode variar de leves sentimentos de mal
estar e aflição até um ataque agudo de angústia.
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REAÇÕES OBSESSIVO-COMPULSIVAS

Nas reações obsessivo-compulsivas, tal como ocorre nas fobias, o paciente reconhece a
irracionalidade de seu comportamento, mas parece obrigado a pensar em algo em que
não deseja realizar. Tais reações irracionais, obsessivas e compulsivas, são numerosas
e variadas, e parecem constituir aproximadamente de 20 a 30 por cento de todas as
perturbações neuróticas.

Sintomas

Quase todos nós já tivemos experiência de pensamento de natureza obsessiva – por


exemplo. Pensamentos contínuos a respeito de uma viagem próxima ou de um encontro
com namorada, ou de uma melodia que aparentemente não somos capazes de tirar de
nossa cabeça. No entanto, no caso de reações obsessivas, os pensamentos são muito
mais constantes, parecem irracionais para o paciente e interferem em seu
comportamento diário.

REAÇÕES NEURÓTICAS DEPRESSIVA

Nas reações neuróticas depressivas o indivíduo reage a alguma situação dolorosa de


tensão, como excessiva tristeza e abatimento e, freqüentemente, não consegue voltar ao
normal depois de um período razoável de tempo. Em alguns casos, uma disposição de
leve depressão continua depois do desaparecimento dos sintomas mais graves. As
reações neuróticas depressivas parecem constituir aproximadamente a 20 a 30 por cento
das perturbações neuróticas.

Sintomas

A aparência geral do paciente é de abatimento, desinteresse e tristeza. Geralmente existe


um nível elevado de angústia e preocupação, juntamente com atividade reduzida, auto
confiança limitada, interesses restritos e uma falta geral de iniciativa. O paciente
usualmente se queixa de dificuldades para concentração, embora seus problemas reais
de pensamento não estejam mais lentos. Freqüentemente tem dificuldade para dormir, e
pode acordar e ser incapaz de adormecer novamente. Em muitos casos, tem queixas de
somáticas e sentimentos de tensão, inquietação e vaga hostilidade.

ESQUEMA DE PERTURBAÇÕES NEURÓTICAS

Reação Angústia
Sintomas principais: Angústia “livre”, geralmente interrompida por ataques agudos.
Dinâmica básica: Controle de ameaças internas ou externas por simples repressão.
A angústia ainda não está “detida” ou controlada por defesas do ego.
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Astenia
Sintomas principais: Sentimentos de fraqueza, fadiga, falta de entusiasmo; queixas
somáticas.
Dinâmica básica: Proteção do eu com relação à angústia despertada por situação
insatisfatória de vida à qual o indivíduo se sente preso. Extremo desânimo – sentese
muito cansado e doente para continuar a lutar.

Conversão
Sintomas principais: Simulação de doenças orgânica real – pode incluir diferentes
sintomas sensoriais, motores ou de doenças somática.
Dinâmica básica: Ficar doente para fugir de situação de tensão que provoca angústia

Dissociação
Sintomas principais: Amnésia, fuga, personalidade múltipla, sonambulismo.

Dinâmica básica: Fuga a conflitos que provocam angústia através de isolamento ou


dissociação de pólos opostos do conflito; na reação de fuga, por exemplo, o conflito
entre a luta e afastamento é resolvido por amnésia e busca de outro lugar.

Fobia
Sintomas principais: Medos irracionais, que o indivíduo reconhece serem irracionais, mas
que levam a angústia se não forem observados.
Dinâmica básica: Medo contínuo e condicionado ou reação defensiva para proteger o eu
de tensão que provoca angústia, através de deslocamento de angústia do perigo real
para aspecto simbolicamente ligado a essa tensão, e que protege o paciente da
necessidade de enfrentá-la.

Obsessivo-compulsiva
Sintomas principais: Pensamentos ou impulsos contínuos que o indivíduo compreende que
são irracionais, mas que não pode evitar.
Dinâmica básica: Reações de defesa que protegem o indivíduo contra ameaças internas
ou externas através de atividades substitutivas, formação de reação, isolamento
entre os desejos que provocam angústia e sua base afetiva, oposição ao medo
através de rituais compulsivos e uma “ordenação” obsessiva da situação, de forma
que tudo esteja sob controle e nada possa estar errado.

Neurótica – depressiva
Sintomas principais: Sentimentos de desânimo, abatimento, autodepreciação.
Dinâmica básica: Extremo desânimo, resultante de adversidade ambientais; parte da
angústia é despertada por tais adversidades, moderada por intropunitividade (auto
castigo).

GAGUEIRA
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A gagueira apresenta um bloqueio espasmódico de alguns sons da fala. Pode variar de
ligeira dificuldade com as sílabas iniciais de algumas palavras até contrações violentas e
incapacidade para conseguir emitir um som inicial.

Quase todos os gagos fazem caretas, movimentos da cabeça e do corpo que


acompanham a repetição. Nos casos graves, pode haver respiração acelerada,
contrações faciais e agitação de todo o corpo. Tudo isso representa uma “luta interna”
para falar. Depois dessa perturbação momentânea, no entanto, a fala torna-se suave e
fluente até o bloqueio seguinte.

Dinâmica – Verifica-se que a gagueira é uma perturbação desconcertante. Muitas


explicações têm sido propostas.

1. Predisposição hereditária. Os pesquisadores que aceitam este ponto de vista


geralmente supõem dois fatores básicos na causação da gagueira – uma predisposição
herdada para o colapso das funções da fala sob tensão e algum fator imediato de tensão
que precipita a perturbação.

2. Teorias neurológicas. As teorias da gagueira acentuaram, freqüentemente, o


ferimento de cérebro, seja por lesão no nascimento, seja por doença. Neste caso, supõe-
se que mesmo um dano mínimo ao cérebro poderia causar perturbações na coordenação
das funções motoras da fala.

3. Teorias psicológicas. Muitas teorias psicológicas foram apresentadas para explicar


a gagueira. De modo geral, as teorias psicanalistas viram a gagueira como um estado
emocional. Supõe-se que a gagueira satisfaça uma necessidade oral infantil, assim o
gago inconsciente deseja gaguejar.

ROER UNHAS

Num momento ou outro, provavelmente um quinto de todas as crianças e adolescentes


rói unhas. A incidência parece ser ainda mais elevada entre gagos, crianças em
instituições coletivas e indivíduos que enfrentam exigências que provocam tensões. A
incidência do hábito de roer unhas é elevada durante o período da adolescência e
decresce depois disso.

O hábito de roer unhas tem sido explicado como:

a) um substituto para masturbação;


b) uma inferiorização de hostilidade;
c) fixação no estágio oral de desenvolvimento;
d) um método para educação de tensão.
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Os que têm esse hábito tendem, mais freqüentemente, a explicá-lo como resultante de
um desejo de se manterem ocupadas, de gastar um excesso de energia, de reduzir a
angústia ligada à tensão.

TIQUES

Um tique é uma contração ou espasmo muscular, persistente e intermitente, muitas vezes


restrito a um grupo localizado de músculos. O termo é usado de maneira ampla para
incluir: piscar de olhos, repuxar a boca, lamber os lábios, levantar os ombros, virar o
pescoço, “tosse” nervosa, fungar, fazer caretas e muitos outros movimentos. Em alguns
casos – por exemplo, na tosse nervosa – o indivíduo pode estar consciente de seu tique.
Usualmente, no entanto, realiza o ato de maneira tão habitual, que está completamente
inconsciente de sua ocorrência.

O tratamento de tiques exige psicoterapia voltada para ajustamento mais eficiente da


personalidade e para redução do nível de tensão geral do paciente ou da tensão ligada
a determinadas situações.

ENURESE

O termo enurese refere-se à descarga habitual e involuntária de urina depois da idade de


três anos. Pode ocorrer durante o dia, mas é mais freqüente durante a noite (urinar na
cama). O enurético infantil geralmente urina durante o sono profundo, enquanto que o
adulto enurético geralmente o faz com sono leve (Ditman e Blinn, 1955; Pierre et al,
1961). Entre jovens adultos, a enurese freqüentemente ocorre em sonhos em que o
paciente imagina que está urinando num banheiro, mas acorda e observa que molhou a
cama. Às vezes sonhos têm conteúdo sexual, e ao ato de urinar está aparentemente
muito ligado à satisfação sexual. A enurese pode variar, quanto à incidência, de
ocorrências noturnas regulares até casos esparsos em que o indivíduo está sob grande
tensão.

Dinâmicas. A enurese pode resultar de diferentes condições orgânicas – entre as quais


patologia cerebral e perturbações no sistema geniturinário. No entanto, na grande maioria
dos casos parece resultar de causas psicológicas, e não orgânicas.

Nas crianças, a enurese tem sido explicada de várias formas entre as quais as seguintes:
a) expressão indireta de angústia;
b) tentativa de mostrar necessidade de auxílio e atenção dos pais;
c) expressão de hostilidade muitas vezes inconsciente, contra os pais;
d) indicação de imaturidade e perturbação emocional;
e) resultado de capacidade inadequada da bexiga.

Quase todos os pesquisadores acentuam a relação perturbadas da família e


desajustamento emocional como antecedentes de crianças enuréticas – sobretudo
condições que levam a angústia ou hostilidade contínuas.
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COMPARAÇÃO ENTRE PERTURBAÇÕES NEURÓTICAS E PSICÓTICAS

Fator de comportamento:
Neurose: Leve grau de descompensação da personalidade; são atingidos o contato com
a realidade e a atuação social.
Psicoses: Elevado grau de descompensação de personalidade; contato com a realidade
é muito atingido; o paciente fica impossibilitado de atuação social.

Natureza do sintoma:
Neurose: Grande amplitude de sintomas psicológicos e somáticos, mas não há
alucinação ou outros desvios extremos em pensamentos, sentimentos ou ação.
Psicoses: Grande amplitude de sintomas com delírios, alucinações, embotamento
emocional e outros comportamentos muito anormais.

Orientação:
Neurose: O paciente raramente perde orientação no ambiente
Psicoses: O paciente freqüentemente perde orientação no ambiente

Auto conhecimento:
Neurose: O paciente freqüentemente tem certeza da compreensão da natureza do
seu comportamento.
Psicoses: O paciente raramente tem compreensão da natureza de seu
comportamento.

Aspectos sociais:
Neurose: O comportamento raramente é prejudicial ou perigoso para o paciente ou para
a sociedade.
Psicoses: O comportamento freqüentemente é prejudicial ou perigoso para o paciente
ou para a sociedade.

Tratamento
Neurose: O paciente raramente precisa de internamento em hospital.
Psicoses: O paciente geralmente precisa de internamento em hospital.

AS PSICOSES FUNCIONAIS

Nas perturbações psicóticas, o paciente apresenta uma grave descompensação de


personalidade, com marcante deformação da realidade e perda de contato com esta. É
incapaz de ligar-se efetivamente com outras pessoas ou seu trabalho, e geralmente
precisa ser hospitalizado. Assim, de modo geral, as psicoses são muito mais graves e
perturbadas do que as neuroses, embora seja necessário acentuar que não existe um
limite bem claro entre os dois tipos de doenças: as neuroses confundem-se
imperceptivelmente com as psicoses, na medida em que existem graus crescentes de
desorganização ou descompensação da personalidade.
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O termo insanidade é freqüentemente empregado para indicar pacientes psicóticos. Esse


termo tem mais conotação social e legal do que conotação médica, e indica perturbação
mental tão severa que o indivíduo é considerado incapaz de cuidar de sua vida,
desempenhar suas responsabilidades e seus deveres sociais, ou ser responsável por
suas ações.

CLASSIFICAÇÃO E SINTOMAS DE PSICOSES

Os sintomas psicóticos podem decorrer de tensões psicológicas, de patologias cerebral


e orgânicas, ou de interação das duas coisas. Por isso, as perturbações psicóticas são
divididas em duas categorias gerais – psicoses funcionais e orgânicas – de acordo com
o fato de haver ou não uma patologia cerebral demonstrável e ligada à doença. As
psicoses funcionais são divididas nos quatro seguintes tipos ou agrupamentos básicos:

1. Reações esquizofrênicas. Um grupo de perturbações psicóticas em que existe


grande tendência para fugir à realidade, com “embotamento” emocional, desarmonia
e marcantes perturbações em processos de pensamentos, ilusões, alucinações e
estereotipias são comuns.

2. Reações paranóides. Em que o paciente:

a) tem delírios, geralmente de perseguição ou de grandes, mas sob outros aspectos,


mantém uma estrutura de personalidade relativamente inata, ou

b) manifesta um estado paranóide, com delírios e alucinações mas sem a deterioração


mais grave dos esquizofrênicos paranóides.

3. Reações afetivas. Que incluem extremas flutuações de humor, com perturbações


em pensamento e comportamento. Aqui existem dois subgrupos principais: reações
maníaco depressiva e reações psicóticas depressiva.

4. Reações psicóticas involutivas. Que indicam depressão anormal, agitação e


angústia durante o período involutivo, sem história anterior da psicose.

ANOMALIAS DA SEXUALIDADE

Impotência e frigidez. A impotência é ausência de satisfação sexual no homem, ou


incapacidade para consegui-la. Embora a fadiga, a preocupação e várias doenças
possam temporariamente atingir a potencia sexual, a impotência prolongada ou
permanente antes de 55 anos de idade, e quase sempre resulta de conflitos psicológicos.

Os principais fatores psicológicos na impotência podem ser resumidos da seguinte forma:


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1. Medo. Este medo pode ligar-se a ferimento pessoal ou perda possível de potência
por causa de masturbação, ou pode ligar-se a intensos sentimentos de vergonha e
inferioridade diante do sexo oposto, ou pode ligar-se a possível descoberta e castigo.
Num estudo de 50 homens impotentes, cuja idade de 25 a 58 anos, Snoussi et al. (1959)
acentuaram muito o medo centralizado na capacidade da pessoa para desempenhar o
papel de homem e o medo de rejeição e humilhado pela mulher. O indivíduo fica
consciente de si mesmo, sente–se inadequado e prevê o fracasso, e essa atitude ajuda
a provocar este último.

2. Falta de afinidade emocionai com o par sexual. Neste caso, o indivíduo pode estar
apaixonado por causa pessoa, de forma que intensos sentimentos de infidelidade e culpa
interferem em seu comportamento sexual, ou pode achar seu par sexual fisicamente
repugnante; pode também haver intensos sentimentos de hostilidade ou oposição em
conseqüência de discussões ou conflitos anteriores. Às vezes, uma ligação excessiva
com a mãe pode levar a sentimentos relativamente inconscientes de infidelidade e, por
isso, à impotência.

Geralmente essa inadequação sexual leva a muita preocupação e auto desvalorização.


É comum que tais pessoas sintam que tem algo profundamente errado e que nunca
poderão conseguir felicidade conjugal. Inicia-se um círculo vicioso; os temores e dúvidas
a respeito da própria adequação fazem com que a pessoa fique menos adequada.

A frigidez na mulher corresponde à impotência do homem. As causas básicas da


frigidez são psicológicas, e a frigidez, aparentemente não apresenta uma ausência de
desejo sexual, mas um bloqueio devido a conflitos emocionais.

Além dos mesmos freqüentemente encontrado no caso da impotência (medo, falta de


afinidade emocional com o par e homossexualidade), dois outros fatores podem interferir
na frigidez. Quando o par é “inépto” – grosseiro ou indevidamente rápido, ou preocupado
apenas com sua satisfação, - o desprazer e a decepção quanto a idéias românticas
podem causar muitos danos psicológicos.

Ao discutir a impotência e a frigidez é freqüentemente difícil distinguir entre indivíduos


impotentes e frígidos e aqueles que têm pouco impulso sexual e, de modo geral, são
sexualmente apáticos. Nos dois primeiros casos, no entanto, a pesquisa geralmente
revela fatores psicológicos que provocam a inibição ou repressão de desejo sexual, ou a
incapacidade do indivíduo para sentir satisfação sexual, embora tenha desejo de obtê-
la.

Satiríase e ninfomania. Satiríase e ninfomania significam atividade sexual exagerada


ou excessiva, respectivamente no homem e na mulher. Tais indivíduos podem apresentar
desejo sexual intenso e quase contínuo, e centralizar suas vidas em torno dessa
atividade.
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Se existe resposta para esse problema, parece estar em considerações psicológicas e
não fisiológicas. Quando o indivíduo sente um desejo sexual quase insaciável e centraliza
seu comportamento em prazeres sexuais, seja como:

a) fuga a seus problemas,


b) compensação para várias frustrações e
c) como meio de gabar-se de masculinidade ou feminilidade ou adequação, talvez
possamos dizer que seu comportamento sexual é excessivo.

Tais exigências sexuais excessivas podem ocorrer no matrimonio ou podem apresentar


um padrão de comportamento sexual promíscuo ou sob outras formas anômalas.

Violação. Na violação, como a promiscuidade e na prostituição, o comportamento sexual


usualmente se dirige para um objeto normal de sexo, mas o comportamento ocorre sob
condições anti-sociais.

Embora as personalidades anti-socais constituam o maior grupo de autores desse delito,


a violação imposta pode também estar ligada a outras formas de psicopatologia. Kopp
(1962) descreveu o delinqüente aparentemente submisso que parece ajustar-se à
descrição de uma personalidade passivo-agressiva. Seu comportamento anti-social
agressivo está aparentemente ligado a uma contenção de hostilidade e tensão, e depois
se sente culpado e muito preocupado com o bem estar de sua vítima. A redução de
controles interiores em reações maníacas, esquizofrenia e outras psicoses, pode também
levar a assalto físico e, às vezes à violentação imposta.

Homossexualidade. Aqui nos interessamos por relações eróticas entre pessoas do


mesmo sexo.

Problemas dos homossexuais. É inevitável que os homossexuais tenham dificuldade


para conseguir ajustamentos adequados na vida profissional e sexual, bem como na
atividade social geral, pois a sociedade condena intensamente suas atividades.

Muitos vivem com medo contínuo de identificação, perda de emprego e desonra social,
embora social sintam que tem direito à sua forma de ajustamento sexual. Outros sentem
que seus desejos sexuais são inteiramente errados; estão em permanentes conflitos
íntimos. Sobretudo quando o homossexual vive só e não está ligado a um grupo
organizado de homossexuais, tende a estar em guerra constante consigo e a sentir-se
inseguro, preocupado e solitário.

Padrões homossexuais. As relações homossexuais incluem vários tipos de padrões


sexuais. Um homem homossexual pode sempre assumir um papel feminino, ou pode
desempenhar um papel feminino numa ocasião, e masculino em outra. De forma
semelhante, uma mulher homossexual pode desempenhar apenas um papel masculino,
ou pode alternar entre papel masculino e feminino.
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Entre as principais experiências condicionantes que, segundo se verifica, levam à
diferenciação do comportamento sexual numa direção homossexual, e não
heterossexual, devem ser mencionados os seguintes:

a) Experiências homossexuais iniciais. Um fator freqüente é a sedução inicial


durante a infância, antes que o comportamento sexual esteja bem diferenciado numa
direção heterossexual. East (1946) verificou que a sedução no início da juventude era o
fator ambiental isolado mais comum nos antecedentes. De forma semelhante, Bieber
(1962) verificou que mais da metade de um grupo de 106 homens homossexuais tinham
tido experiências homossexuais antes de 14 anos de idade, o que acontece apenas com
um quinto de um grupo de controle de 100 heterossexuais.

b) Padrão patogênico familial. Bieber (1962) também verificou um padrão comum de


interação familial nos antecedentes de homossexuais geralmente a mãe, frustrada por
uma relação conjugal infeliz, estabelece uma relação íntima e fechada com o filho que
se torna sedutor e romântico, e que quase chega ao contato físico. O filho, super
estimulado sexualmente, sente angústia e culpa por causa de seus sentimentos
incestuosos, e a mãe, consciente de seus sentimentos e temerosa de expor seus
impulsos incestuosos, desestimula sinais explícitos de masculinidade. O pai, despeitado
diante do filho rival, também deixa claro que a masculinidade que o filho está
desenvolvendo é ofensiva. Freqüentemente o pai mostra preferência por uma filha, e o
filho com inveja, deseja ser uma moça.

c) Ser educado como pessoa do outro sexo. As vezes, a mãe que desejava muito
ter uma filha educa seu filho como se fosse uma menina, fazendo como se fosse uma
menina, fazendo com que tenha cabelos longos, vestindo-se com roupas de menina e
incutindo nele atitudes e interesses tipicamente femininos.

d) Experiências sociais traumáticas. Quando uma menina ou um menino são


ridicularizados, repelido ou humilhado em seus esforços para aproximar-se se de
pessoas do sexo oposto, podem voltar-se para a homossexualidade como uma fonte
mais segura de afeição e expressão sexual.

Em seu estudo de 106 homens homossexuais, Bieber (1962) acentuou o efeito da


rejeição e humilhação pelo grupo de colegas. Durante a meninice, quase todos os
pacientes que estudou tinham sido patologicamente dependente de suas mães,
supersensíveis a ferimento físico, e temiam expor-se às brincadeiras dos colegas e
humilhação imposta por este. Menos de um quinto tinha participado dos jogos usuais de
menino, mais da metade tinha sido isolada, um terço tinha brincado principalmente com
meninas. Evidentemente, esse afastamento com relação à participação em grupo de
colegas não favorece o desenvolvimento de identificação masculina.

e) Angústia de castração. As interpretações psicanalíticas acentuam os medos iniciais


do homem com relação à castração, reforçados pelo choque da observação de órgãos
genitais femininos. Supõe-se que a idéia de ficar sem um pênis é excessivamente
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angustiante para alguns homens, e por isso procuram uma moça com um pênis. Nesse
sentido, o homem homossexual está tão preparado para a posse de um pênis, que se
recusa a aceitar sua falta, mesmo em seu par sexual. Nas mulheres, segundo a teoria
psicanalista, a observação dos órgãos sexuais masculinos pode levar a temores de
violação ou a sentimentos de inveja. Tais temores e pensamentos podem interferir no
prazer sexual e permitir as relações sexuais apenas quando podem ser realizadas longe
da presença de um órgão genital masculino. No entanto, embora os homossexuais
freqüentemente apresentam medo de órgãos genitais femininos e aversão a estes, tais
atitudes não parecem decisivas na determinação inicial de homossexualidade. Parece
que tais angústias iniciais, quando ocorrem, tornam-se importantes apenas quando são
reforçadas por outras fontes de angústia que influem em todo o curso de
desenvolvimento psicossexual.

f) Prolongada privação heterossexual. Nas prisões, nas instituições correlacionais e


outras situações em que os sexos são agregados durante longo período de tempo,
existem marcantes aumentos de comportamento homossexual. Huffman (1960)
considera o comportamento homossexual tão freqüente nas prisões que deve ser
considerado um dos “riscos profissionais” do preso. No entanto, indicou que os indivíduos
que participam de atos homossexuais nas prisões podem não considerar-se como
homossexuais e freqüentemente negam a existência de qualquer tendência
homossexual. Freqüentemente supõem que estejam demonstrando sua masculinidade
ao seduzir novos detentos. Embora tais atividades homossexuais, os presos condenados
a penas muito longas podem ficar confusos quanto ao papel sexual. Depois da obtenção
de liberdade, tais indivíduos podem procurar crianças ou adolescentes (Huffman, 1960).

Pedofilia

Na pedofilia, o objeto sexual é uma criança ou um jovem adolescente. A intimidade sexual


geralmente inclui manipulação dos órgãos genitais da criança ou inserção parcial ou
completa. As vezes, a criança é induzida a pegar os órgãos sexuais do pedófilo, ou, em
casos de relações homossexuais entre um homem adulto e um menino, a participar em
contatos genitais orais ou em sodomia. Quase todos os pedofílicos são homens, embora
tais práticas as vezes sejam realizadas por mulheres.

O padrão etiológico da pedofilia varia consideravelmente. No caso de delinqüentes


jovens (homens), no entanto, geralmente estamos diante de indivíduos que se sentem
nitidamente inadequadas quando se aproximam de pessoas do outro sexo e tem intenso
medo de rejeição e humilhação. Esses indivíduos inadequados e imaturos focalizam sua
atenção em crianças, como meio mais seguro para satisfazer suas necessidades sexuais
e evitar possível fracasso e auto desvalorização.

Em outros casos, parece que estamos diante de psicopatologia difusa que enfraqueceu
seus controles internos – por exemplo, no alcoolismo crônico, parecia a degeneração senil
ou por arteriosclerose cerebral. A pedofilia e o exibicionismo são os delitos sexuais mais
comuns, entre eles os cometidos por pacientes senis ou com arteriosclerose. Aqui,
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naturalmente, pode haver uma combinação de controles internos reduzidos, regressão e
medo de impotência.

Bestialidade

Na bestialidade, os animais são usados para a realização de excitação e satisfação


sexual.

Quando não existem oportunidades para a relação heterossexual normal, a bestialidade


tem sido mais ou menos tolerada. No entanto, pode ser considerada nitidamente
patológica quando o indivíduo prefere ter relações sexuais com animais, embora tenha
oportunidades para relações heterossexuais. Isto pode ocorrer por causa de intenso
estabelecido prévio de padrões de bestialidade, ou em alguns casos pode refletir medo
e inadequação diante de pessoas do sexo oposto. Aqui, evidentemente, o medo que o
indivíduo tem de ser rejeitado e humilhado pelo sexo oposto é semelhante ao que ocorre
na pedofilia, e, como veremos, no exibicionismo.

Exibicionismo

No exibicionismo, o prazer sexual é obtido através da exposição dos órgãos genitais em


lugares públicos ou semi públicos, usualmente para pessoas do sexo oposto ou para
crianças. As vezes, as demonstrações são acompanhadas por gestos sugestivos ou
atividades de masturbação, mas é mais freqüente que ocorra apenas exposição.

Aparentemente, existem três fatores dinâmicos básicos subjacentes ao exibicionismo.


Em primeiro lugar, em muitos casos o exibicionismo parece representar uma forma
imatura de aproximar-se do sexo oposto, baseada em informação inadequada, atitudes
puritanas com relação à masturbação, e às relações sexuais, sentimentos intensos de
acabamento e inferioridade, e, freqüentemente, excessiva ligação com a mãe.

Muito ligado a esses antecedentes de imaturidade e excessiva ligação a mãe, existe o


segundo fator dinâmico básico: dúvidas e temores quanto à sua masculinidade. Em
conseqüência de sua intensa identificação feminina (com sua mãe), e juntamente com
escrúpulos e temores comuns ligados a atividades de masturbação, o exibicionismo tem
uma intensa necessidade de demonstrar sua masculinidade e sua potência.

Em casos muito raros, um outro fator – hostilidade – também apresenta interferência.


Aqui, as atividades exibicionistas parecem apresentar uma forma de expressão para
impulsos hostis com relação a pessoas do outro sexo com relação à sociedade de modo
geral. Em vez de iniciar incêndios, roubar ou praticar outros atos anti-sociais, o indivíduo
se exibe, como forma de vingar-se de rejeições e frustrações que atribui a outros. Em
tais casos, o exibicionismo pode ser acompanhado por atos agressivos, e a vítima pode
ser surrada ou atacada de outras maneiras. Mas isso é raro. Geralmente como já
indicamos, o comportamento limita-se à exibição dos órgãos genitais, de forma que os
exibicionistas não são, geralmente, os perigosos psicopatas apresentados por muitas
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histórias de jornais. Usualmente respondem bem à psicoterapia destinada a ajudá-los a
conseguir ajustamentos heterossexuais mais maduros.

Voyeurismo

Uma das anomalias mais freqüentes é, sem dúvida, o voyeurismo, também conhecido
por scoptofilia ou mixoscopia. O indivíduo é quase sempre incapaz de realizar o ato
sexual – os velhos impotentes ou os jovens que sofrem de timidez mórbida integram a
maioria dos casos e encontram prazer em observá-los realizados por outros. Em muitos
casos, no entanto, não é necessário ver realizar o ato em si. Para alguns pacientes a
contemplação do ato é indispensável à sua satisfação; para outros, a visão dos órgãos
genitais do sexo oposto é suficiente. Existem homens que se satisfaz com o simples fato
de ver uma mulher subindo por um lugar íngreme ou escada ou inclinar-se em posição
provocante. Outros encontram prazem presenciando a copulação dos animais, e há até
os que o encontram vendo defecar ou urinar.

Necrofilia

Na necrofilia a excitação e a satisfação sexual são obtidas através de vista de um cadáver


feminino ou através de relações sexuais reais com esse cadáver.

Sadismo

Sadismo é um termo derivado do nome Marquês Sade (1740-1814) que, para obtenção
de prazer sexual, submetia suas vítimas a cruelmente tão desumana que finalmente foi
detido como insano. Embora o termo tenha adquirido um sentido mais amplo, de forma
que inclui a crueldade de modo geral, limitaremos nosso uso à obtenção de prazer sexual
através da provocação de dor no par sexual. A dor pode ser infligida fisicamente – por
exemplo, por chicotadas, mordidas ou beliscões – ou pode ser infligida verbalmente,
através de observações humilhantes ou crítica diante de outras pessoas.

O comportamento sexual sádico geralmente ocorre no homem. Pode variar, quanto à


intensidade, desde fantasias leves, até beliscões ou chicotadas e, em casos extremos,
mutilação grave ou até morte. Em alguns casos, as atividades sádicas conduzem ato
sexual ou terminam este último; em outros, a satisfação sexual completa é obtida na
prática do ato sádico em si mesmo. Um pode cortar uma moça com uma navalha ou
atingi-la com uma agulha, sentido um orgasmo durante esse processo.

Tem havido várias tentativas para explicar a dinâmica do sadismo sexual.

Entre os fatores mais importantes já acentuados encontram-se os seguintes:

1. O sadismo sexual com apenas uma expressão de uma atitude mais geral de
destruição e o sadismo com relação a outras pessoas. Neste caso, o indivíduo sente-
se frustrado e rejeitado, e procura – através de comportamento hostil e destrutivo –
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conseguir sentimentos compensatórios de poder e importância e, ao mesmo tempo,
vingança contra o mundo que o maltratou.

2. Comportamento sádico ligado a intensas atitudes com relação a sexo,


considerado como pecaminoso e degradante. Se um indivíduo acha que a
sexualidade normal é inaceitável, as atitudes sádicas podem protegê-lo da necessidade
de ver todas as conseqüências sexuais de seu comportamento sexual, bem como um
castigo imposto a ela.

3. Comportamento sádico decorrente de experiências iniciais em que a excitação


sexual se ligou à imposição de dor. Tais associações podem ocorrer sob diferentes
condições. No desenvolvimento sexual inicial, muitas crianças em suas fantasias
sexuais, visualizam um ataque violento de um homem contra uma mulher. Tais idéias
são acentuadas por outros, artigos de jornais sobre ataques sádicos a mulheres, bem
como numerosas experiências cotidianas em que a provocação de dor num animal ou
em pessoas provoca intensas emoções e, involuntariamente, excitação sexual. Já
notamos nessa ligação entre a estimulação sexual e qualquer situação emocional
intensa, sobretudo durante o período da adolescência.

4. Comportamento sádico que ocorre de angústia de castração. As vezes o


indivíduo tenta resguardar uma potencia sexual reduzida ou em declínio, real ou
simplesmente temida. Muitos sádicos são tímidos, femininos, com reduzidos impulsos
sexuais; seu comportamento sexual, que por sua vez desperta o sádico para maior
intensidade de excitação sexual, o que permite o orgasmo. O sádico consegue pouca ou
nenhuma satisfação se sua vítima permanece passiva e não responde aos estímulos
dolorosos. Na realidade, muitas vezes deseja que sua vítima ache excitante e agradável
a dor, e pode até exigir que a vítima mostre excitação de prazer, mesmo quando sinta
agulhas no corpo ou outros ferimentos. No sadismo baseado em angústia da castração,
mesmo o assassinato do par sexual resultaria, presumivelmente, não no desejo sádico
de causar dor e morte, mas do seu desejo de derramar sangue, que é um poderoso
estimulante emocional. Na realidade, o ferimento geralmente atinge as partes do corpo
que – como o pescoço e o abdômen – tendem a apresentar maior hemorragia. Além,
disso, a estimulação sexual aumenta pela inquietação e excitação no comportamento
sádico. Isso é verdade mesmo no caso de atos sádicos menores – por exemplo, cutucar
uma mulher com agulha e depois fugir.

5. O comportamento sexual sádico como parte de um quadro mais amplo de


psicopatologia. Na esquizofrenia, nas reações maníacas e em outras formas graves de
psicopatologia, o comportamento sexual sádico e os rituais sádicos podem ocorrer em
pessoas psicopatologia predispostas, como conseqüência do desvio de processos
simbólicos e da redução de coerções de comportamento, já discutidas. De forma
semelhante, em alguns tipos de personalidade anti-social, nos quais a excitação sexual
e a imposição de dor ficaram associadas, a falta de inibição e de coerção moral,
característica da personalidade anti-social, pode lançar o indivíduo em graves padrões
sádicos.
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Masoquismo

No masoquismo o indivíduo consegue prazer sexual ao fazer com que outras pessoas
provoquem sua dor. O termo deriva do nome do romancista austríaco Leopod V. Sacher
Masoch (1836-1895), cujas personagens insistam terreamente no prazer sexual da dor.
Tal como ocorre no sadismo, o termo masoquismo ampliou-se para fora do campo sexo,
a fim de incluir prazer obtido com renúncia, sofrimento físico de expiação na auto
flagelação religiosa, e dificuldade e sofrimento de modo geral. No entanto, para nossos
objetivos imediatos, limitaremos nossa discussão aos aspectos sexuais do
comportamento masoquista.

As atividades masoquistas podem limitar-se a fantasias de maus tratos que sejam


sexualmente estimulantes, ou podem abranger grande amplitude de atividades que
provocam dor – por exemplo, amarrar, pisar, semi estrangulação, bater, beliscar, cutucar
com alfinetes e maus tratos verbais.

Os fatores dinâmicos subjacentes ao comportamento sexual masoquista são,


fundamentalmente, semelhantes, aos encontrados em práticas sexuais sádicas; a única
diferença é que, em vez de infligir a dor, masoquista sofre a dor. Foram delineados quatro
padrões:

1. O masoquismo sexual como expressão de uma atitude masoquista mais geral


diante da vida. Neste caso, supõe-se que o indivíduo tenha enfrentado frustrações
insuportáveis na vida, através de uma orgia de infelicidade e auto degradação que,
aparentemente, elimina o sofrimento de derrotas específicas na vida. Na realidade, isso
pode realmente dar considerável satisfação, dada nossa crença cristã nas virtudes do
sofrimento de correção e força tornam-se ligados a sofrimento e sacrifício pessoal. Os
padrões masoquistas tendem a ocorrer principalmente quando o indivíduo desenvolveu
atitudes de vergonha, repugnância e culpa com relação ao comportamento sexual. Em
tais casos, o masoquista aparentemente sofre uma pena, e isso, permite o seu prazer
sexual. Vale dizer, o masoquista paga antes, e não depois, pelo comportamento
carregado de culpa. Aqui sem dúvida, o masoquista não deseja necessariamente sofrer
a crueldade, mas apenas preparar o caminho para o prazer sexual.

2. Comportamento masoquista decorre de experiências anteriores em que a


experiência de dor esteve ligada a excitação e prazer sexual – por exemplo, situações
de intensa emoção, livros, histórias e artigos de jornal referentes a comportamento
masoquista. Em alguns casos, as mães que exageram a brutalidade e a dor de suas
primeiras relações sexuais podem impressionar profundamente suas filhas com relação
entre a dor e prazer sexual. Experiências posteriores – por exemplo, masturbação
dolorosa ou defloração – podem servir para reforçar essa associação inicial.

3. Masoquismo como um meio de aumentar o prazer sexual. Algumas vezes o


comportamento sexual masoquista das mulheres representa uma tentativa para
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aumentar a excitação emocional do ato sexual e, assim, levar a maior satisfação sexual.
Esta dinâmica é indicada, num sentido geral, em algumas frases comuns – por exemplo,
as que exprimem o desejo de ser “afogada em beijos” e “triturada pelos seus braços”. As
atividades eróticas masoquistas raramente tem como resultado um ferimento grave; ao
contrario, aproxima-se de uma representação em que as injúrias e a dor são usadas com
fonte de antecipação de prazer e aumento de excitação, através de comportamento
proibido ou anômalo. Evidentemente, mesmo aqui muitas vezes existem antecedentes
de atitudes iniciais que ligam o prazer sexual à dor.

4. Comportamento sexual masoquista como formação de reação a impulsos


sádicos. Esse padrão tem sido acentuado por teóricos psicanalistas. Supõe-se que
atitudes éticas aprendidas levem à repressão de impulsos sádicos e à formação de
atitudes religiosas com certo colorido masoquista. Tais atitudes são depois desenvolvidas
parece desejar situações em que seja favorecido para o domínio do comportamento
sexual. No entanto, as vezes a repressão pode fracassar e o masoquista pode,
sadicamente, matar ou mutilar seu par sexual.

Transvestismo

O transvestismo é um fenômeno muito freqüente, quase tanto como a


homossexualidade. As pessoas que tem esta tendência conseguem ocultá-la, em geral
muito eficazmente, ao ponto de seus parentes mais próximos amiúde não se darem conta
da mesma. Ainda mais: podem elas levar uma vida sexual absolutamente normal,
embora, como observa Havelock Ellis, seu vigor sexual costuma estar abaixo do termo
médio.

A maneira como o transvestismo se produz levanta o mesmo problema que a origem da


homossexualidade. Alguns insistem sobre seu caráter adquirido na maioria dos casos e
acreditam que um apego muito estreito a mãe tenha quase sempre algo a ver com a
evolução dessa tendência. Em compensação, Magnus Hirschfel e os que o seguem,
afirmam que o transvestismo não é uma tendência adquirida, porém inata, e que
simplesmente se acentua à medida que o sujeito vai avançando em idade. Em todo caso,
um fator aparentemente casual pode, de repente, desenvolvê-lo por completo.

Magnus Hirschefel distingue dez categorias de transvestistas: o transvestista completo,


o tranvestista parcial (que se contenta em usar meias e roupas interiores de seda, sendo
homem, e roupa interior de homem no caso de ser mulher), o transvestista de nome (que
adota um nome de batismo pertence ao sexo oposto, como George Sand, por exemplo),
o transvestista constante (que permanece assim durante toda sua vida), o transvestista
metatrópico, que busca o amor das mulheres varonis sendo homem, e os homens
efeminado, sendo mulher, o transvestistas bissexual e, finalmente o transvestista
homossexual.

Narcisismo
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O narcisismo, que deve seu nome ao herói lendário grego que se enamorou de sua
própria imagem ao vê-la refletida em águas de uma fonte, é outra forma de perversão de
objeto. Melhor ainda: esta anomalia foi designada com outro nome por especialistas que
a estudaram. Magnus Hirschfeld, a denomina autônomo sexualismo e de autista, por
abreviação os indivíduos por seu próprio corpo. “O narcisismo”, disse o doutor Hesnard,
“consiste essencial e primariamente no fato de que o indivíduo em questão – criança,
adolescente ou adulto – experimenta uma atração especial, de natureza sexual, por seu
próprio ser, e especialmente por seu próprio corpo, por sua própria imaginação e por seu
próprio intelecto.

O infantilismo

O infantilismo e a perversão oposta a gerontofilia, podem ser incluídos na categoria das


perversões de objeto, posto que os indivíduos afetados por estas aberrações procurem
um objeto de amor normal: uma criança ou um ancião. O que daqui diferencia o anormal
do pervertido é somente a desproporção na idade.

Enquanto as outras aberrações têm uma origem física ou psicológica, o infantilismo é


uma aberração devida principalmente aos transtornos fisiológicos. É evidente que as
perturbações físico anormal, porém, neste caso, não estamos diante das fixações
traumáticas que se encontram nas raízes de tantas outras perversões.

Existem duas classes de homens que se sentem atraídos pela infância: os jovens de
vinte a trinta anos de idade, cuja condição fisiológica não evoluída os assemelha às
crianças, e os velhos em que a semelhança se produz por uma regressão da atividade
sexual. Para ilustrar o primeiro destes tipos, recordamos a observação de Magnus
Hirschfel sobre um jovem de vinte e quatro anos de origem burguesa. Foi condenado por
conduta incidente depois de haver sido apanhado in frangranti com dois meninos de nove
e dez anos, respectivamente. Entregava-se com estes, a masturbação recíproca, o que
lhe proporcionava uma completa satisfação. Neste caso a puberdade havia se retardado
e quando perto dos dezessete anos teve consciência das necessidades sexuais, achou
que seus desejos não tinham outro objeto que os meninos de dois a dez anos de idade.
Sua perversão lhe provocava tormentos morais e, ao ouvir falar de um tratamento
consistente na castração, dirigiu-se ao relatar a fim de submeter-se a esta intervenção
cirúrgica. Na terceira semana, depois de operado, sua tendência pervertida começou a
declinar e s crianças já não lhe proporcionavam outro prazer que o estético. Finalmente
este último prazer desapareceu também e o jovem foi liberado da obsessão sexual.

Os anais da medicina forense registram inúmeros casos de anciãos entregues ao ato


sexual com meninos e meninas. São as vezes pessoas de um passado honrado,
impelidos às ações imorais simplesmente por perturbações em sua vida sexual. Estas
perturbações são amiúdes acompanhadas por transtornos mentais, muito mais
pronunciadas no caso dos dipsomaníacos. O infantilismo dos anciãos, embora odioso
em si mesmo, torna-se freqüência, ainda mais horrível pela adição de incesto. Seus
próprios filhos costumam ser presas fáceis para este tipo de paciente, e a maioria dos
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casos de incesto, que tanto comovem, são causadas pelo infantilismo senil, agravado
quase sempre pelo alcoolismo.

Gerontofilia

A gerontofilia é uma tendência similar ao infantilismo, porém com a diferença de que o


objeto do desejo é uma pessoa muito mais velha.

Além das causas fisiológicas, esta perversão, segundo as teorias de Freud, tem uma
origem psicológica. Esta escolha atribui às crianças o amor sexual aos pais do sexo
oposto, fenômeno designado sob o nome de “Complexo de Édipo”. Quando o
desenvolvimento do sexo infantil não se dá normalmente o sujeito ao mesmo tempo em
que se afasta do objeto de seu desejo, pode reter uma preferência pelas pessoas de
mais idade. De modo que o jovem se sentiria atraído pelas mulheres que lhe
recordassem sua mãe. E a jovem atraída pelos homens mais velhos que lhe recordassem
seu pai.

Necrofilia

Entramos agora na necrofilia, a mais repugnante de todas as aberrações, devido o seu


macabro.

Tentou-se explicar de muitas maneiras esta triste atração sexual pelos cadáveres. A
escola freudiana vê na necrofilia lembranças da infância, do amor sentido pela mãe
adormecida e a fixação dos primeiros atribuem estas tendências patológicas a certa
negligencia sexual que introduz a buscar uma companheira dócil incapaz de oferece a
menor resistência.

Feiticismo

É o costume de atribuir valor erótico a algumas peculiaridades, ou a detalhes físicos da


pessoa amada, mesmo a um objeto inanimado pertencente a essa pessoa.

O que se coloca em lugar do objeto sexual é alguma parte do corpo (tal como o pé ou
cabelo) que é, em geral, muito imprópria para finalidades sexuais, ou algum objeto
inanimado que tenha atribuível com a pessoa que ele substitui e, de preferência, com a
sexualidade dessa pessoa, (por exemplo, uma peça do vestuário ou de roupa intima).
Tais substitutos são, com alguma justiça assemelhados aos fetiches e quem os
selvagens acreditam incorporados os seus deuses.

Os especialistas, especialmente os psicanalistas, muito se preocupam com a origem do


feiticismo. Alguns atribuem a um trauma ou a um acidente que data da infância ou da
puberdade, enquanto que outros, embora admirem esta possibilidade, não a aceitam sem
certas reservas. Havelock Ellis desenvolve a primeira teoria, ao mesmo tempo que
admite o papel desempenhado pela predisposição: “a precocidade sexual, é
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indubitavelmente, uma condição favorável a tal desvio. Uma criança precoce e
anormalmente sensível a presença de pessoas do sexo oposto, antes que a puberdade
haja estabelecido nela os canais normais do desejo sexual está particularmente propensa
a converter-se em presa das extravagâncias do simbolismo.

REFERÊNCIAS

1. Nuttin, Joseph – Psicanálise e Personalidade - Agir


2. Kleim, Melanie – Os Progressos da Psicanálise – Guanabara
3. Jung, C. G. – Psicogênese das Doenças Mentais – Vozes
4. Kobut, Heinz – A Psicologia do Self – Imago
5. Maldavsky. David – Estruturas Narcisistas – Imago
6. Fenichel, Otto – Teoria Psicanalista das Neuroses – Ateneu
7. Freud, Segmund – Obras Completas – CD-ROM
8. Laplanche & Pontais – Vocabulário de Psicanálise – Martins Fontes
9. Brenner, Charles – Noções Básicas de Psicanálise – Imago
10. Garcia, Luiz Alfredo – Freud e o Inconsciente – J-Z-E
11. Silva, Gastão Pereira – Para Compreender Freud – Loyola

EXERCÍCIO PARA FIXAÇÃO DA UNIDADE / MATÉRIA.

1. Quais são as causas do comportamento anormal? Explique-as.

2. Qual a importância dos fatores constitucionais para o desenvolvimento do


comportamento anormal.

3. Qual a importância das ralações defeituosas entre pais e filho para o desenvolvimento
do comportamento anormal?

4. O que significa “perturbações neuróticas”?

5. Qual o “esquema” da seqüência fundamental do desenvolvimento das perturbações


neuróticas?

6. Quais são as características da personalidade neurótica? Explique-as.

7. Fale sobre quatro perturbações neuróticas destacando as reações, sintomas


principais e dinâmica básica.

8. Quais são os sintomas sensoriais mais comuns na reação de conversão?


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9. Quais são as fobias mais comuns?

10. Como tem sido explicado “gagueira” e “roer unhas”?

11. Como trem sido explicado a enurese nas crianças?

12. Como podemos agrupar as psicoses funcionais?

13. Fale sobre as seguintes “anomalias da sexualidade”: impotência e frigidez, satiríase e


ninfomania, exibicionismo, voyeurismo e feiticismo.

14. Quais as principais causas que leva ao homossexualismo? Explique-as

15. Quais são os fatores mais importantes usados para explicar a dinâmica do sadismo
sexual?

16. Quais os quatro padrões que foram delineados para explicar o masoquismo?

17. Faça uma pesquisa na sua cidade e responda:


a) Quais foram as principais anomalias da sexualidade ocorridas nos últimos 02
anos?
b) Qual foi o tratamento dispensado ao agressor e à vítima?
c) Quais as conseqüências psicossocial para agressor e à vítima?
d) Na sua avaliação, como psicanalista em formação, quais foram os procedimentos
corretos e errados?

e) Qual o procedimento que não foi desenvolvido e que você desenvolveria?


f) Na área de prevenção, o que poderia ser realizado? O que você está fazendo para
ajudar?

Unidade

PROCESSO PSICANALÍTICO I 4
ÍNDICE

I – O Processo Psicanalítico 1 – O que é?


2 – Analisabilidade
3 – O Par Analítico
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II – Passos do Processo Psicanalítico
1 – Ambiente – Disposição de um consultório
2 – Anamnese
3 – Entrevista
4 – O Contrato Analítico:
- A questão das anotações
- Uso do Divã
- Intercâmbio de tempo e dinheiro
- Freqüência e duração das sessões

- Tempo provável para um tratamento psicanalítico - Férias


- Regra da Livre Associação
- Pagamento das Faltas
- Mudança de horários
- O material onírico
- Regra de abstinência
5 – Postura do Psicanalista
III – A Livre Associação
1 – Definição
2 – O processo
3 – Um exemplo detalhado de Associação de Idéias
4 – Questionário para atuação do Psicanalista

O PROCESSO PSICANALÍTICO

1 – O que é?

Embora lidando com uma palavra aparentemente simples, quando contextualizamos a


mesma à Psicanálise observamos que começa a ser objeto de polêmica. Entretanto,
vamos nos prender à significação mais simples, embora encontremos mesmo assim uma
possível dificuldade, quando se trata de sua semelhança com Situação Analítica. Por
enquanto consideraremos Processo como sinônimo de Situação Analítica.

Pretendendo definir Processo Psicanalítico, queremos dizer que o tratamento


psicanalítico tem um sítio, um lugar, e esse lugar é encontrado dentro da Situação
Analítica. O processo é então o conjunto de fases sucessivas dentro da situação como
um todo. E, em particular, a Situação fica sendo “a configuração total das relações
interpessoais que se desenvolvem entre o Psicanalista e seu paciente.”

Podemos criar um conceito mais simples ainda, se dissermos que o Processo inclui todos
os procedimentos havidos entre Psicanalista e paciente, desde a escolha do primeiro até
a RTN (reação terapêutica negativa) que o paciente experimenta quando de fato seu
tratamento já está encerrado.
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2 – Analisabilidade

Segundo os didatas mais famosos, toda vez que não existir uma contra-indicação
específica e irrecusável, a Psicanálise é indicada.

Entretanto, falando das contra-indicações, podemos relacionar as de natureza familiar,


religiosa, amizade etc... Mas, seriam todos os pacientes analisáveis? Seriam todos os
pacientes analisáveis por quaisquer Psicanalistas? Há enfermidades do universo
psíquico que não são analisáveis?

Outras perguntas poderiam ser levantadas, contudo tentaremos responder estas que nos
parecem mais prementes.

Seriam todos os pacientes analisáveis?

Embora do ponto de vista etiológico, da natureza da enfermidade, o sejam, há pacientes


que não preenchem os requisitos para tal. E nesse caso, até os fatores inteligência,
cultura, universo religioso, etc. podem contra-indicar. Nesse caso o paciente não
produzirá o suficiente para o processo de interpretação ou não acompanhará o raciocínio
sempre avançado do Psicanalista. Um outro fator que não podemos descartar é a idade.

Seriam todos os pacientes analisáveis por quaisquer Psicanalistas?

Quando estivermos diante de um paciente analisável, precisamos ainda considerar a


possibilidade do tal não ser analisável por nós. Há sempre a fenomenologia que pode
contra-indicar. Por exemplo: A Contra-transferência Negativa Imediata. Além deste fator,
pode o paciente apresentar uma postura e característica de personalidade desfavorável
à constituição do Par Analítico. Isto exige muito cuidado na fase das entrevistas.

Há enfermidades do psiquismo que não são analisáveis?

Certamente, todas as enfermidades psicogênicas, em princípio, não oferecem condições.


É claro que estamos agora lidando com o conceito de estrutural. Entretanto, há certos
casos de esquizofrenias que parecem responder a uma análise profunda. Diante dessas
considerações, uma outra pergunta se levantará: Quais são os pacientes tributários da
psicanálise? Os Neuróticos. Só existe um tratamento eficaz para as neuroses –
Psicanálise. O tratamento psiquiátrico para as neuroses é apenas sintomático. É como
tirar a febre de alguém com infecção. Entretanto incluímos neste roteiro um capítulo sobre
Psicanálise e Paciente Psiquiátrico.

Por outro lado, temos ainda duas outras questões a considerar nesta parte:

• A Psicanálise pode contribuir para os pacientes não indicados? Sim. A Psicanálise


cura as neuroses, ajuda aos psicóticos e não agrava quaisquer enfermidades.
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• Os Psicanalistas têm que ser rigorosos na questão da analisabilidade? Em princípio
sim. Pelo menos nos casos de contra-indicação familiar, de amizade etc... Contudo
não será fácil recusar um paciente, especialmente se levarmos em conta as
necessidades financeiras e a natureza sacerdotal de que nossa profissão se reveste.
Não se deve, contudo, forçar uma situação que se saiba ser improdutiva.

Vamos dar, ainda que resumidamente, os critérios da Dra. Zetzel de analisabilidade:

• A capacidade de manter a confiança básica em ausência de uma gratificação imediata;

• A capacidade de manter a discriminação entre o objeto e o self na ausência do objeto


necessitado;

• A capacidade potencial de admitir as limitações da realidade.

Finalizando, teremos sempre bastante dificuldade com os pacientes que tendem a


desenvolver prematuramente uma intensa transferência erótica desde as entrevistas face
a face.

3 – O Par Analítico

A figura do Par Analítico (e não casal) surge em decorrência da analisabilidade. Se os


requisitos para a situação analítica não forem atendidos, certamente que paciente e
psicanalista formarão uma dupla de estranhos. Queremos afastar desde já a idéia de que
o Par Analítico engloba aspectos transferenciais. Não engloba, mas predispõe ao
surgimento da mesma. E se não ocorrer a transferência, o trabalho será inútil, não haverá
cura. Assim, para entender o mesmo, temos que considerar se um determinado paciente
vai responder melhor a um analista do que a outro, ou que um analista pode tratar melhor
uns pacientes do que outros. Par Analítico, é, portanto, o melhor analista para
determinado paciente e o paciente adequado para determinado analista.

Vale ainda considerar que essa figura não surge com imediatismo, sendo necessário um
tempo determinado de contato para se ter idéia de sua medida. Isto torna fundamentais
as entrevistas.

II – PASSOS DO PROCESSO PSICANALÍTICO

1 – O ambiente – disposição de um consultório

Do ponto de vista metodológico, ambiente não faz parte do processo. Entretanto, se


precisamos dele para tal, não podemos ignorar a sua importância. É claro que existe
ambiente e ambiente. Também sabemos que as pessoas se sentem melhor em função
de certas disposições, cores etc... Assim, pensemos um pouco sobre um ambiente
adequado para a prática psicanalítica. Disposição de um Consultório ou Gabinete:
• A sala não deve ser pequena em demasia;
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Deve possuir os móveis apenas necessários;


• Não deve ter nas paredes nada que chame a atenção;
• A cortina deve ser de cor neutra;
• Deve-se evitar enfeites sobre a mesa ou coisas que pareçam ostentação;
• Se tiver estante, nela devem ter apenas livros;
• Deve ser ambiente afastado de ruídos sistemáticos;
• A limpeza e disposição dos móveis e demais pertences deve ser rigorosa;
• O divã deve ser confortável e suficientemente largo para acomodar quaisquer
pacientes;
• A cadeira do analista deve estar disposta por detrás do divã, de maneira que o
analista não seja visto pelo paciente enquanto livremente associa; • Não deve ter
telefone nem campainha que soe dentro dessa sala, etc...;
• Deve existir uma ante-sala levemente decorada.

O ambiente deve oferecer ao paciente oportunidade de bem estar. Ele deve ter a
sensação de que aquele local é o mais agradável possível para os 50 (cinqüenta)
minutos a que tem direito.

2 – Anamnese

Em Psicanálise, anamnese não é entrevista. Reservamos para a entrevista um caráter


formal de oportunidade para termos uma visão anímica do paciente.

A anamnese é o primeiro, ou segundo, contato. É a ocasião em que o paciente chega ou


é trazido, e neste caso já temos uma forte contra-indicação para a análise. O ideal é que
o paciente venha de livre e espontânea vontade. Se bem que às vezes necessite de
apoio, do encorajamento de alguém, da família ou não.

Na anamnese primeiramente ouvimos as razoes de nossa procura, e, em certos casos


já podemos refugar um paciente neste estágio, se constatarmos tratar de psicótico, de
alguém que já conhecemos, se já tivemos algum tipo de negócio com o mesmo, enfim.
Ainda quando pensamos na anamnese convém ressaltar que sua utilização nos
proporcionará uma compreensão da situação atual do paciente.

Mas como proceder na anamnese? Vejamos a seguinte sugestão: Fazer a ficha do


paciente. Esta ficha deve ter:
• Nome completo;
• Data de nascimento;
• Filiação;
• Estado Civil;
• Nível cultural;
• Condição sócio-econômica;
• Condição sócio-econômica e cultural da família (pais);
• Número de irmãos;
• Relação com os irmãos;
• Desempenho escolar;
• Como se relaciona na sociedade;
• Religião e como pratica essa religião;
• Grau de conhecimento da psicanálise;
• Enfermidades que possui;
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• Enfermidades de que padeceu, inclusive as doenças próprias da infância; • Lesões


provocadas por enfermidades;
Acidentes que padeceu;
• Cirurgias que padeceu;
• Quantidade de amigos;
• Hábitos;
• Passatempo preferido;
• Medos;
• Cumpre notar que outras perguntas podem ser aqui elencadas com o propósito de se
permitir uma maior introspecção por parte do paciente. Já na anamnese é necessário
que observemos os aspecto comportamentais do mesmo.

De posse dessas informações e outras que poderão ser obtidas com as respostas a
certas perguntas do chamado “Interrogatório forçado”, o psicanalista terá uma visão da
analisabilidade e das possibilidades de formação do par analítico, bem como das
condições econômicas que darão sustentação ao processo.

Na anamnese o Psicanalista não deve prometer nada, além de sua boa vontade para
com o caso, mas deixando claro que tudo vai depender do processo de entrevista. Não
podemos garantir cura, nem mesmo se poderemos continuar com o caso, se bem que
isto é mais teórico do que prático.

3 – Entrevista

Já disse que em Psicanálise anamnese não é entrevista. Entrevista é um termo


reservado para algum encontro de tipo especial, não para contatos regulares. Trata-se
portanto do que se faz antes de empreender um tratamento psicanalítico. Sua finalidade
é, de modo mais amplo que na anamnese, decidir se a pessoa que consulta deve realizar
um tratamento psicanalítico ou de outra natureza. Também nela se terá uma visão
profunda das contra-indicações.

Na entrevista devemos facilitar ao entrevistado a livre expressão de seus processos


mentais, o que nunca se consegue com um enquadre formal de perguntas e respostas,
embora durante a mesma possamos submeter algumas perguntas ou pedir que o futuro
paciente fale sobre algo específico.

Algumas considerações resumidas sobre a entrevista:

• Tanto melhor será o campo da entrevista quanto menos participe o entrevistador;


• É comum observarmos pacientes com forte dose de ansiedade e/ou angústia na
entrevista;
• O analisado deve ser informado que a entrevista tem a finalidade de responder a uma
consulta sobre sua análise mental e seus problemas, para ver se necessita de
tratamento.
• A entrevista se realiza sempre face a face e o uso do divã está formalmente afastado;
• A entrevista não se baseia nas regras de Livre Associação, embora já se inicie uma
espécie de ensaio da mesma;
• O Psicanalista deve influenciar com atitudes não-verbais;
• O Psicanalista deve anotar ao máximo, de modo elegante, tudo que interesse à
decisão quanto à analisabilidade;
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• O Psicanalista não deve interpretar nem fazer diagnóstico durante a entrevista.


Suas palavras devem induzir apenas;
O Psicanalista não deve recorrer a procedimentos que evitem a ansiedade, como o
apoio ou a sugestão, e tampouco resolvê-la com o instrumento específico da
interpretação;
• No fim de cada entrevista já predomina a angústia de separação, que será fortalecida
no curso da análise;
• A entrevista deve ter tempo limitado, como duas, três ou mais sessões, não deve ser
arrastada indefinidamente;
• Deve ser distinta do processo de Psicanálise formal, de maneira que o paciente saiba
onde terminou e começou a outra;
• A entrevista informa sobre fatos fundamentais, não como objeto de análise, mas
como para definir se será ou não possível o trabalho de análise;
• Na entrevista, também, o paciente poderá chegar à conclusão de que esse
Psicanalista não lhe é indicado, sem contudo abrir mão do tratamento com um outro
(é comum pacientes que vão de analista em analista, até encontrar um indicado,
embora isso já possa ser estudado como uma busca de um profissional que satisfaça
suas fantasias à priori), etc.

4 – O Contrato Analítico

Vamos tomar um termo das relações civis para designar certo procedimento necessário
à prática psicanalítica.

Antes de definirmos o Contrato Psicanalítico, precisamos entender que uma das


estratégias da Entrevista é preparar o futuro paciente para subscrever o metafórico
Contrato Psicanalítico. Esta expressão deve ficar circunscrita ao jargão dos
psicanalistas, sem conotações legais.

Mas, o que é? É um acordo sobre as bases ou as condições do tratamento.

“Vale a pena assinalar... que o contrato psicanalítico não só implica direitos e obrigações,
mas também riscos, os riscos inerentes a todo o empreendimento humano”.

O Contrato Psicanalítico poderá ser democrático ou autoritário. Aquele é o que tem em


conta as necessidades do tratamento e as harmoniza com o interesse e a comodidade
de ambas as partes (paciente e analista). Lembremos que a cada obrigação do analisado
corresponde simetricamente uma do analista. No contrato autoritário, temos a busca da
conveniência do analista antes que preservar o desenvolvimento da tarefa. Há também
um tipo menos comum, que é o demagógico, em que o psicanalista satisfaz o paciente
em prejuízo do processo.

Surge naturalmente, a pergunta: Quando deve ser formalizado o Contrato Psicanalítico?


Na fase inicial das entrevistas. Pode mesmo ser alinhavado durante as entrevistas,
entretanto, deve haver um momento em que se trate apenas dele. Um momento quando
o paciente se veja de frente com obrigações definidas, com algo que ele terá que
respeitar, uma vez que pretende a cura, o seu bem estar.

Generalidades sobre o Contrato Psicanalítico:


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• Não é um documento formal, escrito;


• Deve incluir os elementos tradicionais, que veremos, bem como a possibilidade de
sua alteração;
Deve prever uma certa flexibilidade que não comprometa o andamento do processo
nem do tratamento;
• Deve frisar bem a responsabilidade do Psicanalista;
• Deve esclarecer que tudo que o paciente faça, não faça, falte etc., será objeto de
interpretação, etc.

Principais itens do Contrato Psicanalítico:

A questão das anotações:


Devemos informar ao paciente que temos o direito de anotar elementos colhidos da Livre
Associação que considerarmos necessários para interpretações futuras ou para dirimir
dúvidas quando de resistências contumazes apresentadas pelo paciente. Mas é preciso
constar que as anotações não são obrigatoriedade, uma vez que há psicanalistas que
simplesmente não anotam nada.

Aconselhamos, contudo, que todos anotem determinadas coisas, porque a pura e


simples postura audível, por melhor que seja a memória do Psicanalista, poderá provocar
uma sensação de inutilidade das suas palavras, com acentuado descrédito pelo nosso
trabalho.

USO DO DIVÃ

O divã não é um sofá, onde o paciente senta se quiser. Trata-se de um instrumento do


nosso trabalho. Entretanto, não devemos impor ao paciente como algo obrigatório, com
pena de nosso Contrato tornar-se autoritário, o que deve ser evitado. Devemos, isto sim,
esclarecer quanto a sua utilidade, o seu emprego histórico desde o mestre, Freud.

Qual a razão do Divã? Freud o concebeu para possibilitar o maior relaxamento possível
ao paciente enquanto fala. Ele tem por objetivo tirar o paciente da rotina de atividades
musculares, diminuir as tensões, afastar as responsabilidades com equilíbrio e outras
que consomem bastante energia. O divã é fundamental também porque permite ao
psicanalista posicionar-se em relação a ele de modo a ficar menos exposto, diminuindo
assim a carga transferencial e o constrangimento dos olhares insinuativos, que são
responsáveis pela contra-transferência, fenômeno que pode ameaçar todo o trabalho.

No contrato deve ficar claro que o divã é para o Psicanalista como a cadeira do equipo
de um dentista, e tantas outras. O divã oferece condições para que não haja compressão
das juntas e ainda, como já mencionamos, oferece uma melhor oportunidade para a
relaxação, tornando-se assim, indispensável ao exercício da Psicanálise.

Intercâmbio de tempo e dinheiro

O dinheiro da psicanálise tem uma função econômica por excelência. Pode parecer
absurdo esta afirmação, uma vez que dinheiro é sempre fator econômico. Só que o termo
econômico em psicanálise tem outro significado. É uma carga de valores que domina
uma relação. O dinheiro tem aqui importância diferente dos demais
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atendimentos médicos ou paramédicos. E tanto assim que empregamos o nome sessão
em vez de consulta. Além do mais, o paciente de psicanálise gasta muito mais e durante
muito tempo, de modo como não despendem recursos quaisquer outros pacientes,
excetuando os casos de internações e cirurgias.

Deve ficar claro que o paciente precisa do analista para resolver os seus problemas e
este tem um preço e uma competência que lhe coloca ao dispor. O Psicanalista deve ser
rígido na questão dos honorários, não atendendo de graça, sob nenhuma hipótese. E
por quê? Quem não pode pagar pela análise também não será beneficiado por ela. Sem
falar nos complexos que seriam plasmados, dentre eles o de inferioridade, o de devedor
eterno etc...

O Psicanalista informará que aqueles 50 (cinqüenta) minutos lhe pertencem (ao


paciente), que deve pagar por eles.

Quanto à questão do valor (axiologia), é inversamente proporcional aos problemas


enfrentados e às dificuldades deles advindas.

No contrato, o Psicanalista deve fixar o seu preço, o modo de pagamento, podendo ser
por sessão, semanal ou mensal, sendo este o preferido. Podemos também ter preços
diferenciados, de acordo com as condições do paciente e a quantidade de sessões
semanais. Entretanto, que nunca um paciente saiba o quanto os demais estão pagando.
Não devemos ter uma tabela de preços afixada.

Finalizando, o Psicanalista não deve ter como fonte de preocupação as alegações


financeiras do paciente, ter pena, ou mesmo trocar idéias sobre tais problemas. Quanto
a isto, ouvimos, como a qualquer outro problema. Não nos esqueçamos de que tudo
deve ser interpretado.

Freqüência e duração das sessões

Freud psicanalisava com 05 (cinco) sessões semanais, dando folga apenas nos fins de
semana e feriados.

Com o passar do tempo as condições econômicas e do próprio tempo de que se dispõe


têm mudado. Nos últimos anos temos encontrado uma situação intermediária que
satisfaz – três sessões por semana. Mesmo assim é muito difícil encontrar quem possa
arcar com tamanha despesa. E por causa desses complicadores, tem-se optado por
duas sessões e, não havendo outra maneira, uma sessão.

Mas seria isto um barateamento da Psicanálise? Não. É uma adaptação da ciência de


Freud aos tempos bicudos em que vivemos. Mas, não enganemos os nossos pacientes
– é muito difícil trabalhar assim. A Psicanálise acaba virando uma psicoterapia comum,
com pequeno alcance material reprimido.

O que fazer? O Psicanalista precisa, ao menos neste caso, forçar um pouco para que
o paciente entenda a necessidade de uma freqüência mais amiúde, pelo menos duas
vezes por semana, mesmo que isto sacrifique suas economias e obrigue a uma
mudança radical nas suas contas pessoais.
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Quanto à duração das sessões, é igualmente histórico e comprovado que um período de
cinqüenta minutos é adequado. É tempo suficiente para o paciente relaxar e começar a
falar. Não devemos diminuir o tempo com a desculpa de abaixar o preço. Não devemos
aumentar igualmente por qualquer hipótese.

Vale a pena tomar cuidado com certas correntes modernas de psicanálise que pregam
a possibilidade de gasto de tempo menor. Os Lacanianos têm imaginado sessões de até
cinco (05) minutos, o que é um absurdo.

Tempo provável de um Tratamento Psicanalítico

Embora haja psicoterapias rápidas, algumas até com fundamentação psicanalítica, vale
lembrar que psicanálise não se preocupa com o fator tempo. Não podemos submeter ao
tempo fatores ponderáveis e que dependerão de circunstâncias mil para virem à tona. O
próprio processo psicanalítico está sujeito a vais-e-vens que cada caso determina. Além
disso, existe o problema potencial da relação: Neurose – profundidade – conseqüência
– personalidade – caráter – psicanalista – questões do par analítico – intensidade da
transferência – complicação da contra-transferência – inteligência do paciente – idade –
RTN etc. Tudo isto acena para a impossibilidade de fixação de prazos. Contudo, a
experiência tem mostrado que, em média, um tratamento completo dura cerca de cinco
anos. Pode ir até dez anos. Em alguns casos é interminável.

Quando falamos na possibilidade de uma análise interminável, quase sempre


causamos um bom susto. Mas não é difícil argumentar. Basta lembrar que muitas
enfermidades somáticas são mais ou menos assim: cardiopatias, diabetes, neuropatias,
reumatismo etc., têm que ser tratadas a vida toda. Não há cura do ponto de vista do
banimento da enfermidade do organismo. Sem falar nos casos renais crônicos que
obrigam o paciente à hemodiálise três vezes por semana, permanecendo ali cerca de
quatro horas. E ninguém desiste por causa disto.

Férias

O Psicanalista deve contratar também o seu período de descanso semanal, nos feriados
e anual. Estas férias devem atender também às necessidades de descanso financeiro
do paciente quando de um período de cessação de trabalho, que funciona bem para
realimentar as esperanças e fortalecer a transferência, quando for o caso.

Podemos optar por trinta dias corridos ou dois períodos de quinze dias. Entretanto, esses
períodos devem ser fixados de antemão. Muito raramente se admite alteração nessa
cláusula. O trabalho ininterrupto, sem a observância do período de descanso, é contra-
indicado por todos os motivos.

Regra da Livre Associação

No contrato fixamos também que o nosso trabalho tem uma metodologia rígida, não por
uma questão de intransigência, mas de princípio, de doutrina. A regra áurea é Livre
Associação de Idéias. Psicanálise é isto. Fora dessa regra o que existe é método
catártico, apoio, papoterapia, condutoterapia, menos Psicanálise. Nosso objetivo, o da
Psicanálise, é tornar o inconsciente, o Id, consciente. Pretendemos e conseguimos trazer
todo material recalcado no Id para a superfície, para o consciente, para o ego. Uma vez
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à tona, interpretamos e o próprio paciente se dará conta dos problemas, suas causas e
aprenderá a conviver com os tais, e, se for o caso, promoverá a catarse.

Naturalmente que o paciente não se envolverá tão facilmente assim. Leva algum tempo
para entender e conseguir falar o que vai passando pela mente. Durante bom tempo ele
vai tentar dialogar com o psicanalista, o que evitamos, com o silêncio absoluto.

Será necessária uma ligeira palestra do psicanalista ensinando o paciente o que é Livre
Associação. Pode ser recomendável que se dê alguma coisa a respeito para o paciente
ler. Podemos fazer certos exercícios que introduzam no método, etc... De qualquer
maneira, tratamento psicanalítico não é um papo em dias e horas e local marcados.

Pagamento das Faltas

Embora este critério não seja exclusivo da psicanálise, tem para nós uma importância
capital. O paciente às vezes foge das sessões por motivos conscientes ou inconscientes.
De qualquer maneira tais motivos são resistência. Mesmo quando diz que não tinha
dinheiro, razão pelo que optamos pelo pagamento mensal, para evitar esta desculpa.

Deve ficar claro que a sessão agendada é dele e ele paga, quer compareça ou não. Isto
aumenta a responsabilidade do tratamento.

Devemos ser rígidos nesta cláusula, dado à fenomenologia presente e intensa. Não
devemos estender também o aumento inesperado de sessões semanais, fora do que se
contratou, a não ser por motivos bem claros e discutidos, pois pode tratar-se de
necessidade transferencial que não deve ser alimentada ou fortalecida. O processo deve
ter a necessária rigidez, porque tudo é tratamento.

Mudança de Horários

É bastante comum ser solicitada em pacientes fóbicos, ansiosos ou limítrofes


(especialmente esquizofrênicos). Não deve ser em proibida nem incentivada. Damos
bom exemplo quando subordinamos toda a nossa vida aos compromissos da
psicanálise. Se o psicanalista hoje e amanhã troca o horário das sessões por motivos
fúteis, é claro que o paciente vai se sentir no mesmo direito, e isto nos é adverso.

O Material Onírico

Psicanalista que se preza não pode fugir dos sonhos nem possuir deles idéias místicas,
fantásticas, sobrenatural, religiosa ou banal. O sonho é o melhor material que a mente
fornece. No sonho as informações são completas e livres de bloqueios. Vêm, contudo,
revestidas de simbolismos aparentemente intransponíveis.

O que fazer com os sonhos? Interpretá-los à luz da técnica freudiana, fartamente


estudada. Não se interpreta sonhos sob a ótica da astrologia, ou do jogo do bicho.
CUIDADO! Lembremos também que os sonhos são reconhecidos até mesmo na Bíblia
como material merecedor de crédito.
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Todo sonho é satisfação de uma necessidade. É claro que não estamos falando dos
sonhos proféticos, mas daqueles produzidos pelo inconsciente para romper a barreira
do superego, das censuras.

A interpretação dos sonhos será estudada à parte.

Regra de Abstinência

Por abstinência entendemos o não envolvimento do psicanalista com os afetos ou os


problemas do paciente. É claro que existe a contra-transferência que cada analista terá
que trabalhar, embora não ocorra com a mesma intensidade com todos os pacientes, e
nem mesmo durante toda a nossa vida.

CUIDADO! É de Freud esta máxima: “Se quisermos que alguém nos abra o coração,
devemos começar por abrir o nosso”. Ela serve para tudo, menos para a prática
psicanalítica.

À primeira vista poderia parecer justo que o psicanalista permitisse, da parte do paciente,
a visão de seus próprios defeitos e de seus próprios anímicos, abrindo a sua vida íntima
aos olhos do analisado. Mas esse modo de proceder não acarreta nenhuma vantagem
ao tratamento, pelo contrário. Incapacita o paciente no sentido de vencer as suas
resistências profundas, provocando-lhe, cada vez mais e mais, uma curiosidade
insaciável, chegando mesmo a encontrar na análise do psicanalista encantos e atrativos
bem mais interessantes que a sua própria análise. Sem falar no fato de que o analista
informaria sobre sua contra-transferência, seus afetos pelo paciente.

Nessa linha de raciocínio, também o psicanalista não se interessa pelo paciente. Não
existimos para satisfazer o paciente. Não temos como satisfazer e não nos deve
interessar nem mesmo como é que o paciente o conseguirá.

5 – Postura do Psicanalista

O Psicanalista não deve provocar distanciamento com a máscara de semideus ou super-


homem. Deve ser uma figura natural, que inspire confiança e não provoque especulação
além das fenomenológicas naturais.

O Psicanalista deve vestir-se bem, sem ostentação. Não deve usar roupas anacrônicas
nem modismo demasiado. Deve, contudo, ser uma pessoa agradável, quer pela
indumentária, quer pela higiene geral. Precisa ouvir sem manifestar susto com o
conteúdo comunicado. Não pode manifestar escrúpulo nem qualquer espécie de
julgamento.

Na recepção do paciente deve estender-lhe a mão para um bom-dia, boa-tarde ou


boanoite, sem exageros. Nada de beijinhos ou tapinhas – essas coisas serão
interpretadas pelo paciente como afetividade e favorecerão ou fortalecerão a
transferência.

Quando o paciente falar algum gracejo, devemos rir de leve. Se não o fizermos,
provocaremos o constrangimento inibitório. Não devemos rir às gargalhadas com o
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paciente – o paciente é que está em análise, não nós. Não podemos dar ao paciente a
idéia de que a sessão nos interessa de modo pessoal, que nos sentimos bem com ela
etc.

E quando de encontros fora do consultório? Cumprimentamos, sem fazer referência à


condição de paciente e psicanalista. Não devemos apresentar o paciente a outros como
tal. Não devemos “nos abrir”, nem mesmo nesta situação. Paciente é paciente, em
qualquer lugar que esteja.

III – LIVRE ASSOCIAÇÃO

1 – Definição

Como definição, podemos dizer que é o caudal de idéias que se relacionam entre si e
que são verbalizadas sem preocupação lógica ou estilo.

A livre Associação é parte fundamental do Processo Psicanalítico. Sem ela não existe
Psicanálise, porém monólogo ou diálogo. O Processo Psicanalítico não consiste em um
paciente falando o que consegue lembrar ou simplesmente ocupando os ouvidos do
analista. Na Livre Associação fala-se do que vem naturalmente à cabeça e não daquilo
que procuramos no material mnético.

Podemos afirmar que leva algum tempo para um paciente Associar Livremente. Quando
muito, começa falando desembaraçadamente, o que não é o mesmo.

Para a Livre Associação é fundamental o uso do Divã. Ali o paciente encontra uma
posição de conforto que favorece essa manifestação do inconsciente mais naturalmente.

Lembremos que todo material recalcado ao inconsciente está ali como que colado,
arraigado. Não é fácil desprendê-lo. Certas condições mínimas são necessárias. A mais
eficiente é aquela em que o indivíduo é convidado a falar em uma posição que
normalmente não utiliza para tal, e sim para dormir. Há uma predisposição mental ao
relaxamento próprio do sono e à capacidade de verbalizar.

2 – O processo da Livre Associação

É indiferente o tipo de material que se tenha, que o paciente apresente: pode ser a
história de analisado, as recordações infantis ou mesmo a história da enfermidade;

Não é um interrogatório nem um diálogo travado entre Psicanalista e paciente. Algumas


vezes fazemos perguntas, mas não sistematicamente. Aliás, procedemos melhor quando
as nossas perguntas induzem uma compreensão e praticamente não existem resposta.

A Psicanálise visa sondar o inconsciente para trazer à tona da consciência as idéias que
aí se acham recalcadas e libertá-las através da compreensão. É verdade que tal
libertação é, de certa forma, um pouco de aplicação do método catártico. Contudo, quem
traz à tona tais idéias latentes é o paciente, não o analista. O Psicanalista não é
escafandrista, um mergulhador. No máximo atua dando corda à imaginação mnética.
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O paciente escolhe o ponto de partida de sua conversação. Entretanto, cabe ao


Psicanalista perceber se sua conversa não passa de “um contar do dia a dia”. Às vezes
o paciente fala muito, exatamente para não falar o pouco que deve. A conversa funciona
muitas vezes como bloqueio, resistência. Desse modo, o psicanalista pode alertar sobre
a improdutividade do material verbalizado, mas isto com muito cuidado. Devemos
ensinar que o paciente deve falar o que apareça sem esforço de recordação na mente,
e não falar por falar;

O paciente não deve raciocinar sobre o que está dizendo; quando ocorre o raciocínio, o
que há de fato é uma seleção, como se o psicanalista pudesse definir o que é importante
e o que não é. Na base dessa seleção é encontrada a resistência. Uns dizem: “Lembrei
de algo, mas isso não é importante, não tem nada a ver”. É exatamente aí que temos
que trabalhar e fazê-lo entender a presença de uma resistência, de um bloqueio.

O paciente não deve se preocupar com o que está dizendo. Deve agir como que estando
a “pensar em voz alta”. Transmite todas as idéias que forem surgindo, mesmo que sejam
agressivas, pareçam vergonhosas, banais, conflitem com os seus costumes. Aliás uma
das coisas mais responsáveis pelo recalque é exatamente o “pensar de um modo e falar
de outro”. Isto é cometido pelos padrões culturais e pela hipocrisia das religiões etc.

Sintetizando: “Coloque-se diante do Psicanalista como um passageiro olhando da janela


de um trem, em velocidade, e, vá narrando o que se passa na tela da sua imaginação”.
(Dr. Gastão Pereira da Silva)

3 – Um exemplo detalhado de Associação de Idéias

Uma aula sobre como trazer à tona as idéias recalcadas.

Obs.: O conteúdo que incluímos sob este título foi extraído do livro de J. Ralph,
“Conhece-te pela Psicanálise”.

Vou ensinar ao aluno como se deve pescar. E não só como pescar, mas também, o lugar
bom para uma boa pescaria.

Mas não se trata de peixes, trata-se de pescar idéias. Não as alheias, mas as suas
próprias idéias.

É verdade que, sob certas condições, precisamos pescar as idéias dos outros; mas,
comumente não há necessidade disso. Há muitos indivíduos, com efeito, que com a
maior sofregidão, nos oferecem as suas, graciosamente, sob a forma de convicções e
de preconceitos. A média dos indivíduos recusa-se a admitir qualquer associação com
sua última atitude mental; e com que energia procuram demonstrar que suas idéias são
próprias, espontâneas e desinteressadas.

Não, o que pretendo agora é ensiná-lo a pescar as próprias idéias. Naturalmente, elas
lhe interessam muito. Mas vai uma grande distância entre interessar-se por uma coisa e
possuí-la e gozá-la integralmente.

De nada nos vale uma ótima coisa, que apreciamos muito e pela qual muito nos
interessamos, se não podemos utilizá-la justamente quando e como queremos.
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E se não o podemos fazer, é porque a coisa não nos pertence de fato, e, se por acaso a
consideramos nossa, somos, positivamente, vítimas de uma ilusão.

Nesta pescaria, que empreenderemos juntos, vamos adotar um anzol mental. Será uma
pesca extremamente prática e de grande proveito para a sua personalidade.

Quero ensiná-lo a trazer à consciência (de modo que se possam confrontar) as idéias
responsáveis pelo seu temperamento: as boas e as más, as fortes e as fracas.

Nas profundezas do inconsciente há um grande sortimento de idéias e lembranças que


a gente supõe serem próprias, originais; na realidade, a natureza e as tendências do
procedimento consciente são condicionadas por esses elementos mentais submersos.

Poucas, entretanto, são as pessoas que têm a noção exata de suas próprias reservas
mentais, ou uma noção inteligente dos alicerces inconscientes sobre as soterradas
(idéias). E, quando afluem, escolhemos as que são utilizáveis, rejeitando as restantes
para as profundidades do espírito.

O nosso equilíbrio mental depende do critério de seleção: se o critério na escolha é bom,


será o nosso benefício; se mau, o nosso bem-estar sofrerá os prejuízos resultantes.

Há, ainda, uma outra maneira de pensar, a que devemos referir, de passagem: é o sonho
acordado, o devaneio. É um modo de pensar que não dá vantagens ao indivíduo na luta
pela vida. Com efeito, a atenção em vez de se dirigir, intencionalmente, a um objeto
mental definido, é atraída, nesse caso, pelas idéias – desejos. Representa um esforço
para alcançar uma via imaginária e que não se consegue na vida real. Sendo um meio
de se fugir às realidades da vida, constitui uma espécie de ópio mental, que devemos,
portanto, evitar a todo o custo.

O que o aluno vai conhecer agora é uma outra atitude mental, onde a atenção não é,
nem dirigida, nem atraída, mas assiste, como um espectador passivo, ao desfile das
idéias que, sob certas condições, aparecem no horizonte da consciência. Essa atitude é
conhecida, tecnicamente, sob o nome de Livre Associação de Idéias.

Na Livre Associação as idéias fluem e se sucedem sem intervenção consciente, sejam


agradáveis ou desagradáveis, importantes ou não, na aparência. O que não significa que
basta levantar a tampa do caldeirão do inconsciente para que transborde uma variada
procissão de idéias e, com isso, se obtenha um resultado proveitoso. Não. O resultado
pode ser inteiramente outro.

Sabemos que toda idéia que surge na consciência tem suas raízes nas profundidades
do espírito; e sabemos, também, que se pudéssemos seguir essas raízes, desde a
consciência até as suas origens no inconsciente, haveríamos de chegar à origem dessa
idéia, isto é, às lembranças soterradas das quais ele não é mais do que a expressão.

Tomemos uma determinada idéia; coloquemo-la, como se fosse uma isca, na


consciência. Abstenhamo-nos de qualquer análise consciente; afastemos toda a crítica,
todo o juízo, toda a coordenação, enfim, toda e qualquer forma de intervenção
consciente; deixemos que outras idéias venham juntar-se à primeira, que faz o papel de
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isca, apenas por uma associação puramente simpática, que entre elas possa existir.
Vamos obter, assim, uma Livre Associação de Idéias.

Nesse processo, a idéia que ocupa em um determinado momento o campo da


consciência, liberta-se atraindo para si a idéia imediata, exclusivamente em virtude de
uma associação simpática que as une. Não entra no processo nenhuma interferência
intelectual.

O pensamento consciente, ao contrário, é um processo essencialmente de seleção;


somos nós que atraímos as idéias para a consciência e, então, depois de analisá-las,
julgá-las, medi-las, retemos as que nos convêm e rejeitamos as que não nos interessam.

Para se obter uma boa associação de idéias é necessário afastar completamente esses
esforços intelectuais e assumir, perante a consciência, a atitude de simplesmente
espectador do que vai acontecer. Deve-se assistir à procissão de idéias sem interpor
nenhuma influência intelectual.

Essa atitude mental não é difícil de se obter. É antes uma questão de habilidade. E, uma
vez conseguida, basta um pouco de prática para repeti-la, sempre que se entender ser
útil e necessária.

Lembre-se sempre que nenhuma idéia penetra na consciência por ação do acaso.

Toda idéia que, mesmo que seja por um tempo mínimo, ocupa o centro da consciência,
aí não entrou por acaso. Ou foi empurrada pelas influências subjacentes, ou foi atraída
pelas condições de superfície.

Se, como no exemplo da idéia – isca, nos abstivermos de qualquer influência intelectual
sobre ela, vai se operar uma associação livre de idéias, constituída das lembranças que
são as suas próprias raízes; e deixando que essas associações se realizem livremente,
num fluxo ininterrupto e contínuo, a consciência há de reconhecer, por fim, a lembrança
exata que constitui a sua origem.

Na Livre Associação, a idéia estimuladora (isca), que se encontra na consciência, está


presa, por laços bem definidos, a um conjunto de lembranças localizado em algum ponto
da vasta região do inconsciente; e se pudéssemos seguir a linha de associações que
une entre si estes dois fatores, haveríamos de conhecer, rápida e nitidamente, a
influência que as memórias soterradas exercem sobre a nossa conduta consciente. E
isso porque teríamos assim conseguido ligar o efeito à causa.

Resumindo:

A Livre Associação de Idéias é a VIA RÉGIA que conduz à compreensão do processo


pelo qual a conduta é controlada pelo espírito inconsciente; se o método for bem
aplicado, pode-se, mesmo, reconstruir a personalidade consciente, abrindo-se aos
nossos olhos perspectivas de maravilhosas possibilidades.

4 – Questionário para atuação do Psicanalista


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Observação importante

O presente questionário sugerido por Gastão Pereira da Silva, poderá ser usado quando
das resistências, entretanto, é melhor não utilizá-lo do que empregá-lo mal. Cuidado!

A – Relação Edipiana:

1. De que se lembra você em relação ao corpo de sua mãe?


2. Recorda você alguma coisa das partes sexuais de sua mãe?
3. Foi você alguma vez impressionado com algum detalhe do corpo de sua mãe?
4. Quais são as lembranças mais antigas que você tem de sua mãe?
5. Era sua mãe carinhosa ou severa?
6. Sua mãe o castigou alguma vez?
7. Em que consistia o castigo?
8. Que espécie de carícias você recebia de sua mãe?
9. Você a admirava?
10. Você a viu alguma vez enferma?
11. Você a viu morta?
12. Você tocou alguma vez nas suas partes sexuais, nos seus seios, ou alguma outra
parte do seu corpo?
13. Viu você alguma vez o contato sexual entre seu pai e sua mãe?
14. Você a viu alguma vez urinando ou defecando?
15. Tinha a sua mãe aspectos atrativos?
16. Ama você sua mãe? Por quê?
17. Você a temeu alguma vez?
18. Ela o assustava quando o olhava?
19. Desejou você alguma vez a sua morte?

Nota: No caso de se tratar de um paciente do sexo feminino, todas estas perguntas


devem ser dirigidas ao pai.

B – Relação com crianças:

1. Interessa-se você pelas partes sexuais das crianças?


2. Em que consistem as suas atividades sexuais?
3. Que pensa você da micção ou da defecação?
4. Acredita que as crianças devem ser castigadas?
5. Gosta de crianças? Por quê?
6. Quais foram os momentos mais felizes que você passou entre elas?
7. Deseja ter filhos? Por quê?
8. Gostaria de ter um menino ou uma menina?
9. Deseja você que este se pareça com algum membro de sua família? Por quê?

C – Relação com os animais


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1. Gosta de animais? Por quê?
2. Eles o assustam?
3. Teve alguma vez medo de ser devorado por animais?
4. Foi mordido por algum? Quantas vezes?
5. Gosta de torturar ou ferir animais?
6. Viu alguma vez o coito de algum animal?
7. Que efeito produz em você os úberes de uma vaca?
8. Comparou alguma vez as partes sexuais de algum animal com as suas?
9. Viu nascer algum animal?
10. Sabe você o que isto significa?
11. Teve você alguma fantasia ou intento sexual com algum animal?
12. Sonha com animais?
13. Qual é o animal que lhe causa aversão?
14. Já pensou alguma vez que não devemos matar nem comer os animais?

D – Relação com o próprio corpo:

1. Que pensa você do seu físico?


2. É você um sexual?
3. Acha-se efeminado (ou masculinizado)?
4. Qual é para você a parte mais importante do corpo?
5. Qual é a parte do corpo que você tem mais perfeita?
6. Tem medo de sofrer golpes nas partes sexuais?
7. Acredita que a masturbação é um mal?
8. Que acha você das partes sexuais do sexo oposto?
9. Envergonha-se de ser surpreendido nu? Por quê?

E – Relação com as funções do próprio corpo:

1. Quando se masturbou pela primeira vez?


2. Em que circunstâncias?
3. Realizou a masturbação espontaneamente? Ou lhe disseram que o fizesse?
4. Como se realizou? Usou as mãos? A realizou por outros meios?
5. Em que pensava ou pensa durante a masturbação?
6. Por que se masturba?
7. Como se sente, uma vez realizada a masturbação?
8. Você foi criado com mamadeira ou com seio?
9. Lembra-se como mamava?
10. Recorda-se de ter visto alguém mamar?
11. Que impressão lhe produz o seio feminino?

F – Relações Amorosas:

1. Que é amor?
2. Qual é o tipo de pessoa preferida?
3. Seria você capaz de persistir em uma atitude amorosa sem ter satisfação sexual?
4. Gosta em geral das pessoas a quem julga superiores, iguais ou inferiores a você?
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5. Que pensa você das chamadas perversões sexuais?


6. Que pensa você do ciúme?

G – Situação de família:

1. Foi você criado pela sua mãe, por algum parente ou por estranhos?
2. Teve você companheiros na infância?
3. Quais eram os brinquedos escolhidos?
4. Em que colégio esteve? Quais as lembranças que traz desse tempo? Era interno
ou externo?
5. Que livros você lia quando era pequeno?
6. Que classe de divertimentos você preferia?
7. Qual é a pessoa que exerce maior autoridade sobre você em sua família?
8. Quais eram as suas idéias religiosas? Quais são agora?

H – Sobre a morte:

1. Pensa você constantemente na morte?


2. Qual é a idéia que lhe ocorre quando pensa nela?
3. Tem você medo da morte, de morrer ou de ser morto?
4. Desejou alguma vez morrer ou ser morto? Quando e como?
5. Chegou você a pensar no suicídio? Que processo seria preferível?
6. Estabelece você alguma relação entre o amor e a morte?
7. Como imagina você a vida depois da morte?
8. Tem medo de ver um cadáver?
9. Já pensou na morte de pessoas queridas?
10. Desejou a morte de algumas delas?
11. Pensou em matar alguém?
12. Já matou animais? Quais?
13. Que espécie de morte comove mais a você?
14. Rápida, lenta?

Essas perguntas podem ser ampliadas, melhoradas e até modificadas ligeiramente.


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Unidade

PROCESSO PSICANALÍTICO II 5
ÍNDICE

IV – Aliança Terapêutica
V – Transferência
VI – Contra-transferência
VII – Resistência
1 – Definição
2 – Tipos de Resistências
3 – Generalidades sobre Resistências
VIII – Os Mecanismos de Defesa – Tipos sublimados de Resistências
IX – Angústia de Separação
X – A Interpretação
XI – Etapas da Análise
XII – Vicissitudes do Processo Psicanalítico
XIII – Leitura da reflexão: Essência e regra de auto-análise sistemática (Karen Horney)
Anexo I
Anexo II
XIV – Leitura para reflexão: O papel do psicanalista no hospital psiquiátrico Anexo III
XV – Bibliografia
IV – ALIANÇA TERAPÊUTICA

Na primeira parte deste estudo abordamos o chamado Par analítico. Vimos na ocasião
que o par analítico constitui a combinação do melhor Psicanalista para determinado
paciente, e vice-versa.

Na seqüência e combinação de fatores, em decorrência deste par, surgem a


transferência e a contra-transferência, que estudaremos dentro em pouco.

Antes, porém, aparece este delicado assunto, a Aliança, por muitos confundida com
transferência. Mas não confundamos – a transferência ocupa uma parte definida do
universo psicanalítico. Nem tudo que ocorre na situação analítica é transferência. Temos,
contudo, que reconhecer que a linha divisória entre a Aliança Terapêutica e a
Transferência é muito tênue.

Como defini-la? Segundo Zetzel, Aliança Terapêutica é uma espécie de transferência


racional. Essa transferência racional se caracteriza, sobretudo, por não ter o aspecto de
neurose, o que chamamos de neurose de transferência. A diferença está na intensidade,
racionalidade, consciência de que os afetos que surgem não são frutos de paixão mas
do relacionamento. Por outro lado, a transferência se reveste da irracionalidade,
envolvimento afetivo que não permite ao paciente distinguir os níveis de sentimentos.
107

Podemos situar melhor a Aliança Terapêutica em relação à Transferência, do seguinte


modo: A Aliança Terapêutica é favorável, colaboradora do processo, enquanto que a
transferência, embora fundamental para a cura, em princípio opera negativamente, tende
a atrapalhar. Aparece como embaraço que deve ser interpretado, caso contrário
inviabiliza o tratamento, que se perpetuará.

A experiência tem-nos ensinado também outra coisa: a Aliança Terapêutica não


necessita de interpretação, nem teríamos como fazê-lo.

Precisamos confessar, entretanto, que a diferença entre a neurose de transferência e a


aliança não é absoluta. É mais uma diferença de compreensão do paciente do que de
natureza de sentimentos. Em suma, o que o paciente sente, em ambos os casos, é a
mesma coisa. Mas a posição e análise pessoal do paciente difere.

Uma outra situação interessante, é que na transferência a luta do psicanalista é para


interpretá-la, afastá-la, dando lugar à possibilidade de instalação da dinâmica
interpretativa. Na aliança terapêutica ocorre exatamente o contrário: o Psicanalista a
reforça. Ele precisa da manutenção desse clima para sustentar a confiabilidade.

Finalizando, diríamos que o ideal da transferência é que se transforme ou evolua para a


Aliança Terapêutica. Uma coisa é que ambos não se encontrarão ao mesmo tempo em um
paciente. Outra coisa se discute: Pode existir Aliança Terapêutica sem o processo inicial da
transferência.

V – TRANSFERÊNCIA

Definição: Atitudes, sentimentos e fantasias que um paciente experimente, na situação


analítica, em relação ao seu Psicanalista, muitas das quais emergem, de modo
aparentemente irracional, de suas próprias necessidades inconscientes e conflitos, em
vez de circunstâncias reais de suas relações com o analista. Assim, o paciente atribui,
inconscientemente, características de seu pai, mãe, irmãos, etc. ao analista, enquanto
este representará qualquer dessas pessoas em relação ao paciente.

A teoria da transferência é uma das maiores contribuições de Freud à ciência e também


o pilar do trabalho psicanalítico.

A transferência precisa ser entendida como um falso enlace, que tem, em princípio, dois
objetivos, ambos inconscientes:
a. Satisfazer as necessidades propriamente inconscientes, confundindo a pessoa do
Psicanalista com as pessoas que faltaram ou faltam na vida do paciente;
b. Evitar a subida do mundo inconsciente ao consciente, funcionando desse modo como
resistência, como dissimulação, com o fim de direcionar as energias mentais para um
lado que embargue a manifestação do universo inconsciente.
108

Em ambos os casos, “a transferência que se destina a ser maior obstáculo para a


Psicanálise, se converte em seu auxiliar mais precioso, quando se consegue detectar
em cada caso (e manifestação) e traduzi-la para o enfermo”.

Em qualquer caso, a transferência jamais poderá ser entendida como uma fraqueza de
caráter, como “safadeza” do paciente, mas como algo inevitável às pessoas mais sérias.
É sempre um problema da personalidade no que diz respeito às neuroses, carências,
etc. As pessoas que sufocam as manifestações transferenciais, o que conseguem é
plasmar mais uma carência, fortalecendo assim o patrimônio neurótico.

Não nos esqueçamos também que a transferência não é fenômeno exclusivo das
relações psicanalíticas, mas acha-se presente em todo trabalho relacional. E é pior nas
outras profissões e contatos, porque os envolvidos não têm o conhecimento científico do
que está ocorrendo, tomando, de acordo com o lado, como oportunidade de satisfação.
A confusão que segue será sem precedentes nessas vidas.

VI – CONTRA-TRANSFERÊNCIA

Definição: As atitudes, sentimentos e fantasias que o psicanalista experimenta, muitas


das quais provêm, aparentemente de modo irracional, de suas próprias necessidades e
conflitos psíquicos, e não de circunstâncias reais de suas relações com o paciente.

A contra-transferência pode ser, como deduzimos da definição, conseqüência de


carências do Psicanalista, de problemas não resolvidos desse profissional. Pode
também ser conseqüência da situação psicanalítica em si. Nesse caso, é, “uma resposta
emocional do Psicanalista aos estímulos que provêm do paciente, como resultado da
influência do analisado sobre os sentimentos inconscientes do profissional”.
(Etchegoyen).

Se na transferência temos que estar atentos para interpretá-la, de igual maneira


precisamos estar atentos aos nossos sentimentos e sempre dispostos à
autointerpretação, com pena de ficarmos vencidos no relacionamento e impedidos de
trabalhar em benefício do paciente.

Quando falamos na Aliança Terapêutica que deve ser uma evolução da transferência, a
própria transferência racional, de certa forma postulamos o mesmo para a
contratransferência. Nesse caso, quando nos interpretamos, quando identificamos os
motivos dessa afetividade etc., transformamos esse sentimento intenso no
correspondente à Aliança Terapêutica, a que chamamos descendente. Essa Aliança
Terapêutica Descendente, que vem do Psicanalista, é igualmente um importante
instrumento do processo, porque liga o psicanalista ao paciente, sem interdependência
ao nível de sentimento.

VII – RESISTÊNCIA

1 – Definição
109

É a oposição a qualquer tentativa de revelação de um conteúdo inconsciente. A maior


ou menor intensidade da luta travada pelo paciente contra o analista que ameaça pôr a
descoberto esse conteúdo oculto constitui sempre uma medida de força repressora, isto
é, de resistência.

Temos, como grande objetivo da resistência, manter a neurose. A razão desse


procedimento inconsciente reside no mal-estar que a revelação da neurose ocasiona. O
paciente, também inconscientemente, opta pelo desprazer de manutenção do recalque,
com o qual já está acostumado.

2 – Tipos de Resistências:
a. Resistência consciente – é a retenção intencional de informações por parte de um
paciente, causada pela vergonha, medo de rejeição, temor de perder a
consideração do analista. Aceita-se que, subentendidos na resistência
consciente, haja sempre motivos inconscientes;
b. Resistência inconsciente – aquela produzida pelo inconsciente de modo
defensivo, sem que o paciente perceba. Tão somente atua ou deixa de atuar. O
tipo mais conhecido é denominado atos falhos (falhados).

3 – Generalidades sobre resistências:


• Os atos falhos ou lapsos são os esquecimentos, os cortes, as “evitações” que o
inconsciente pratica com uma intenção definida. Aparece nos erros de leitura, de
escrita, nas trocas de nomes, empregos de palavrões em momentos de
solenidades e até em discursos e sermões;
• A própria transferência é um tipo de resistência, porque visa cercear o processo
e redirecionar os contatos;
• Resistência é tudo aquilo que impede que o sujeito transfira o material reprimido
para o consciente;
• A resistência pode manifestar-se no paciente que fala muito, colocando o seu dia-
a-dia para servir de manto sobre o seu passado;
• A resistência pode ser encontrada no silêncio. Em todo caso precisa ser
interpretada;
• A crítica a todo comentário do analista é sempre uma resistência;
• Também a aceitação de tudo que o profissional fale pode ser resistência, na
medida em que limita o avanço do mesmo, é a cortesia que protege a necessidade
de reviver seus conflitos instintivos.

VIII – OS MECANISMOS DE DEFESA


Tipos sublimados de resistências

Em alguns casos, os mecanismos de defesa podem ser interpretados como resistências.


Também podem ser tratados como mecanismos de adaptação do Ego. São

atuações que visam dar um tratamento sintomático aos complexos e aos deslizes,
quando a consciência se sente desequilibrada.
110

Segundo Otto Fenichel, eis os principais encontrados na situação analítica:


1. Sublimação – Ocorre quando os impulsos neuróticos são canalizados para um fim
nobre, sadio;

2. Negação – É, como o termo designa, a negação de um impulso, quando a pessoa


mascara um determinado instinto;

3. Projeção – Quando o paciente transfere para outrem os seus sentimentos, impulsos


e padecimentos, quando sentimos e dizemos que o outro é que sente;

4. Introjeção – É uma espécie de incorporação, o ato de tragar, engolir o problema.


Ocorre quando o paciente padece e incorpora como seu, só seu, e de certa forma
há um contentamento com esse ato, sem ainda tratar-se de masoquismo;

5. Repressão – É uma tentativa de ignorar os problemas sentidos, normalmente dizendo


que não tem problema algum;

6. Formação reativa – toda tentativa de defender a personalidade de algum perigo


iminente;

7. Mecanismos secundários – Anulação, aleamento, regressão, bloqueios de afetos,


protelação de afetos, desprezo de afetos;

8. Racionalização – Talvez o mais nobre dos mecanismos, que se trata da tentativa de


auto-justificação de todos os atos, posições e cometimentos. É o esforço que o
indivíduo faz para não se sentir culpado jamais.

IX – ANGÚSTIA DA SEPARAÇÃO

Fenômeno que percebemos, em alguns casos, desde as entrevistas, onde o paciente


apresenta uma sensação de abandono, quando o seu tempo vai terminando, como se
estivesse para perder algo muito caro.

Na Angústia de Separação aparece um suave quadro de depressão situacional.

A Angústia de Separação é diretamente proporcional à transferência e à Aliança


Terapêutica. No caso de pacientes com forte resistência, que retardam ao máximo a
instalação desses fenômenos, também se notará uma frieza, um corte do cordão
umbilical indolor.

Em casos de pacientes psicóticos, não-tributáveis da psicanálise, junto aos quais se


esteja praticando uma psicoterapia de fundamentação psicanalítica, notar-se-á que a
angústia de separação pode incluir certos tipos agressivos de evitação. Pode também o
paciente insistir em continuar, ter surtos na saída, simular insegurança, quadros fóbicos
etc.

X – A INTERPRETAÇÃO

A interpretação é o instrumento mais nobre da psicoterapia.


111

Entendemos por interpretação o método de deduzir o que o paciente tem em sua alma
e lhe comunicarmos. A interpretação, é, portanto, a aplicação da racionalidade ao
material que nos é oferecido através da Livre Associação. É quando o psicanalista
entende e junta os fatos, montando o quebra-cabeça com o material mnético
apresentado.

A interpretação se dá sobre coisas lógicas apresentadas pelo paciente que, entretanto,


não se vê com lógica alguma quando fala. Entretanto, em face do arrazoado do
psicanalista, há a compreensão, a clareza. E, com o passar do tempo, à medida que o
tempo de análise aumenta, o paciente já vai percebendo, e algumas vezes se antecipa
à interpretação. Mas, nesse caso, algumas vezes erra.

Quando o paciente se antecipa na interpretação, o que temos nem sempre é insight, mas
a inveja do psicanalista e a tentativa de tomar o seu lugar.

Na interpretação o psicanalista precisa ser curto e educado. Não deve se estender em


uma palestra longa, que dê lugar a divagações. Sempre que possível deverá interpretar
com linguagem indagativa, fazendo perguntas que induzam uma resposta. Esse caso é
aparentemente melhor, porque o paciente fica com a sensação de ter concluído a
respeito. Tem mais facilidade de aceitar do que se tivesse recebido uma idéia pronta.

Na interpretação o Psicanalista tem um aliado – o insight. Este termo tem, em


psicanálise, uma significação maior do que a terminológica. O insight acontece no
paciente, e será proporcional à inteligência dele e à disposição ou vontade de descobrir
a sua verdade. Depende também de uma boa aliança terapêutica. Nele o paciente vê
claramente, em um momento, toda a verdade da interpretação. Normalmente o insight
desencadeia uma aceleração no processo associativo, em alguns casos fazendo o
paciente calar, para, por algum tempo, desfrutar das memórias ligadas à verdade da
interpretação.

XI – ETAPAS DA ANÁLISE

Quando dizemos que há etapas, o que queremos dizer é que na evolução do processo
psicanalítico, há momentos característicos, definidos, distintos de outros, momentos com
uma dinâmica especial que os distingue. Aliás, tudo nesta vida tem princípio, meio e fim.

Vejamos as três etapas clássicas da análise:

• Primeira etapa – A abertura da análise. Vai da primeira sessão (anamnese) até mais
ou menos uns três meses quando estamos com contrato de duas a três sessões
semanais. Nesta fase temos os ajustes necessários, o início da transferência etc.;

• Segunda etapa – O mesmo que etapa média. É a menos típica e mais longa e
criativa. Começa quando o analisando compreendeu e aceitou as regras do jogo,
como Livre Associação, interpretação, ambiente permissivo etc... Prolonga-se por um
tempo variável até que a enfermidade originária (ou sua réplica, a neurose de
transferência) haja desaparecido ou tenha-se modificado substancialmente;
112

• Terceira etapa – O término da análise. Não se prolonga por muito tempo. Deve durar,
contudo, o suficiente para que a Reação Terapêutica Negativa (RTN) seja vencida,
para que a angústia da separação definitiva seja igualmente interpretada e assumida.

Como vemos, a análise, que vem de resolver problemas, no fim, por causa do intenso e
duradouro relacionamento, acaba tornando-se um problema. Entretanto, o tal não será
enfermidade e tem caráter gratificante.

Em alguns casos – Freud mesmo já o considerou – nos deparamos com o caso de


Análise interminável, sem que o paciente seja psicótico. São pessoas que, embora
tenham os problemas resolvidos, não conseguem suficiente força e independência. O
mais comum é que sejam pessoas submetidas a uma intensa carga de neuroses atuais,
neuroses estas que, com o tempo e complexibilidade da vida vão aumentando. Algumas
pessoas precisam de apoio, uma espécie de muleta, tornando a análise interminável.

XII – VICISSITUDES DO PROCESSO PSICANALÍTICO

Toda ciência, bem como todo relacionamento, apresenta suas dificuldades naturais.

Precisamos estar conscientes de que há fatores que dificultam sobremaneira a análise:


idade avançada, condições econômicas, religiosidade, inteligência de menos.

Por outro lado, a inteligência de mais também pode dificultar.

Entre as principais vicissitudes, temos:

• Insight – Tanto a sua ausência, nos “desinteligentes” (burros), quanto a sua fartura,
podem atrapalhar. Além do mais, em termos de interpretação, quantas vezes o
paciente vê uma coisa e o psicanalista vê outra.

• Elaboração – É o tempo que o paciente gasta para se organizar e reagir à postura


do Psicanalista. É o conjunto de fatores que diz que o paciente assumiu a sua
condição, compreende o papel do profissional e pratica as partes que lhe cabe;

• Actinh-out – Problema difícil de explicar. Poder-se-ia dizer que se trata de uma ação
fora da situação analítica ou que tem por objetivo afastar o paciente ou o Psicanalista
de seu suporte. Mas para simplificar, é quando o paciente faz uma coisa em vez da
outra.

CONCLUSÃO

Todo esse nosso trabalho não visa esgotar nem reunir toda problemática que nos
envolve, mas alinhar as situações mais comuns.
113

Cresçamos em Freud.

Leitura para reflexão

XIII – ESSÊNCIA E REGRA DA AUTO-ANÁLISE SISTEMÁTICA (Karen Horney)

Visto como já examinamos o trabalho psicanalítico sob diversos pontos de vista, e vimos,
através de um exemplo extenso, o processo geral por que uma pessoa se psicanalisa a
si mesma, dificilmente será necessário – e parecerá mesmo redundante – discutir
sistematicamente a técnica da auto-análise. Os comentários a seguir, portanto, apenas
ressaltarão, certas considerações, muitas das quais já mencionadas a outros respeitos,
que merecem atenção especial quanto se atua sobre o próprio eu.

Conforme vimos, o processo de livre associação, de auto-expressão franca e sem


reservas, é o ponto de partida e a base permanente de todo o trabalho analítico –
autoanálise ou análise profissional -, mas não é, de maneira alguma, uma proeza fácil.
Poderia imaginar-se que este processo fosse mais simples quando se trabalha sozinho,
porquanto, nesse caso, não há ninguém para interpretar mal, criticar, intrometer-se ou
revidar; além disso, não é tão humilhante manifestar-se a respeito de coisas de que a
gente possa envergonhar-se. Até certo ponto isso é verdade, embora também seja
verdade que uma pessoa de fora, pelo simples fato de estar escutando, proporciona
estímulo e encorajamento. Não há dúvida alguma, porém, que quer se esteja
trabalhando só ou com um analista, os maiores obstáculos à livre expressão estão
sempre dentro da pessoa. Esta anseia tanto por ignorar

que pode esperar é uma certa aproximação do ideal das associações livres. Em vista
destas dificuldades, a pessoa que trabalha só deve lembrar-se, de tempos em tempos,
que estará agindo contra seus verdadeiros interesses se deixar de lado ou eliminar
qualquer idéia ou sentimento que venha à tona. Deve lembrar-se, igualmente, de que a
responsabilidade é exclusivamente sua: não há ninguém senão ela para adivinhar um
elo que esteja faltando ou para investigar acerca de um vácuo deixado em suspenso.

Este escrúpulo é particularmente importante com referência à expressão de sentimentos.


A este propósito, há dois preceitos que deve-se ter em mente. Um, é o de que a pessoa
deve procurar exprimir o que sente realmente, e não o que deve sentir por força de
tradições ou de seus próprios padrões morais. Deve, ao menos, dar-se conta de que
pode haver um hiato imenso e significativo entre os sentimentos genuínos e os adotados
artificialmente, e deve perguntar-se, às vezes – não enquanto estiver associando, mas
posteriormente – o que sente deveras sobre o assunto. A outra regra é que deve dar
rédeas tão largas quanto possível a seus sentimentos. Isto, também, é mais fácil de dizer
do que de fazer. Pode parecer ridículo sentir-se tremendamente magoado por uma
ofensa aparentemente banal. Pode ser incrível e desagradável desconfiar e odiar alguém
que nos é muito chegado; pode-se não ter dúvidas em admitir um esboço de irritação,
mas achar-se assustador constatar que a ira está deveras presente. Deve lembrar-se,
contudo, que, no que toca às conseqüências externas, nenhuma situação é menos
perigosa do que a da análise, para uma expressão real dos sentimentos. Na análise só
importa a conseqüência interior, e esta consiste em identificar-se a intensidade total de
114

um sentimento. Pois, em questão psicológica, também, não se pode enforcar quem ainda
não foi capturado.

Evidentemente, ninguém é capaz de desentocar à força sentimento que estão


reprimidos. Tudo o que qualquer um pode fazer é não refrear o que está ao seu alcance.
Com toda a boa vontade do mundo, Clara, no início de sua análise, não teria podido
sentir ou exprimir mais ressentimentos contra Peter do que o fez, mas, à medida que a
análise progrediu, tornou-se capaz de perceber a intensidade real de seus sentimentos.
Sob um certo ponto de vista, toda a evolução por que ela passou pode ser descrita como
uma liberdade crescente para perceber o que de fato sentia.

Mais uma palavra quanto à técnica da livre associação: é indispensável abster-se de


raciocinar enquanto se estiver associando. O raciocínio tem seu lugar na análise e são
muitas as oportunidades para utilizá-lo – depois. Mas, segundo já foi acentuado, a
essência mesma da livre associação é sua espontaneidade. Por conseguinte, a pessoa
que estiver tentando fazê-la, não deve procurar chegar a uma solução raciocinada.
Suponha-se, por exemplo, que você está tão cansado e bambo que gostaria de arrastar-
se até a cama e declarar-se doente. Aí você olha para fora, da janela de um segundo
andar, e dá tento de que está pensando que se você caísse no máximo quebraria o
braço. Isto o espanta. Você não sabia que estava desesperado, tão desesperado a ponto
de querer morrer. A seguir, você ouve um rádio tocando no andar de cima, e pensa, com
uma certa irritação, que gostaria de dar um tiro no sujeito que está ouvindo o rádio. Você
conclui, com razão, que deve haver raiva, além de desespero, no fato de sentir-se
doente. Até aqui você vai indo bem. Você já se sente menos paralisado, porquanto se
está furioso com alguma coisa talvez possa encontrar a razão para isso. Mas, aí você
começa a pesquisar conscientemente, num frenesi, o que é que pode tê-lo enfurecido.
Examina todos os incidentes que ocorreram antes de sentir-se tão cansado. É possível
que você atine com a provocação, mas o mais provável é que toda sua busca consciente
dê em nada – e que a causa real lhe ocorra meia hora mais tarde, depois de você ter
desanimado ante a futilidade de suas tentativas e de ter desistido da investigação
consciente.

Tão improdutivo quanto essas tentativas de forçar uma solução é o procedimento de uma
pessoa que, mesmo quando deixa a mente trabalhar em liberdade, procura descobrir o
significado de suas associações, ligando-as umas às outras. Seja o que for que o leva a
fazer isso, quer se trate de impaciência, de uma necessidade de ser inteligente ou de um
receio de dar saída a idéias e sentimentos incontroláveis, esta intromissão do raciocínio
propende a perturbar a situação de repouso necessária à livre associação. É verdade
que o significado de uma associação pode surgir espontaneamente. A série de
associações de Clara, que terminou com a letra do cântico religioso, é um bom exemplo
disto: as associações dela mostraram um grau crescente de lucidez, apesar de não ter
sido feito nenhum esforço consciente para entendê-las. Por outras palavras, os dois
processos – auto-expressão e compreensão – as vezes podem coincidir. Sem embargo,
no que toca a esforços conscientes, eles devem ser conservados rigorosamente
separados.

Se estabelecermos assim uma distinção clara entre a livre associação e a compreensão,


quando é que se pára de associar e tenta-se compreender? Felizmente, não há regra
alguma para isso. Enquanto os pensamentos estiverem fluindo livremente, não há motivo
para detê-los artificialmente: mais cedo ou mais tarde, serão contidos por algo mais fortes
115

do que eles mesmos. Quiçá a pessoa chegue a um ponto onde se sinta curiosa de saber
o que é que tudo aquilo significa; toque, de repente, em uma corda emocional que
prometa lançar luz sobre algo que a incomoda; fique, simplesmente, sem idéias, o que
pode ser um sinal de resistência, mas também pode indicar que esgotou o assunto, por
enquanto; ou pode apenas dispor de tempo limitado e queira ainda tentar interpretar suas
anotações.

Quanto à compreensão das associações, é tão infinita a gama dos temas e combinações
de temas que pode apresentar-se, que não é possível fixar quaisquer regras a respeito
do significado dos elementos individuais dos contextos individuais. Certos princípios
fundamentais são estudados no que tange à participação do analista no processo
analítico; entretanto, forçosamente muito é deixado a cargo da habilidade, presença de
espírito e capacidade de concentração de cada um. Por isso, limitar-me-ei a ampliar o
que já foi dito, acrescentando algumas observações sobre o intuito que deve presidir à
interpretação.

Quando uma pessoa pára de associar e começa a examinar suas anotações, com o fim
de compreendê-las, seu método de trabalho deve mudar: em lugar de ficar inteiramente
passiva e receptiva ante tudo o que acontecer, tornar-se ativa. Agora, o raciocínio dela
entra em ação. Prefiro exprimir isso, entretanto, de forma negativa: ela não mais exclui
o raciocínio, pois mesmo agora ela não o emprega com exclusividade. É difícil descrever
exatamente a atitude que deve ser adotada ao procurar apreender o significado de uma
série de associações. Por certo, o processo não deve degenerar em um mero exercício
intelectual. Se quiser isso, será melhor jogar xadrez, prever a evolução da política
mundial, ou dedicar-se a palavras cruzadas. Um esforço para conceber interpretações
perfeitamente escorreitas, sem perder nenhuma conotação possível, talvez gratifique-
lhe a vaidade, demonstrando a superioridade de sua inteligência, mas dificilmente a
levará mais próximo de uma verdadeira compreensão de si mesma. Um esforço assim
chega mesmo a oferecer algum perigo, pois pode impedir o progresso ao produzir uma
confortável impressão de “eu-sei-tudo”, enquanto, de fato, ela apenas catalogou dados
isolados sem ter sido tocada por coisa alguma.

O outro extremo, um “insight” meramente emocional, é bem mais valioso. Se não for
posteriormente aperfeiçoado, tampouco é o ideal a atingir, porquanto deixa fugir muitas
pistas significativas, malgrado não estejam ainda nítidas de todo. Mas, consoante vimos
na análise de Clara, um “insight” deste gênero pode pôr alguma coisa em marcha. No
início do trabalho, ela teve uma sensação intensa de estar extraviada, decorrente do
sonho com a cidade estrangeira; foi mencionado, então, que embora seja impossível
verificar se essa experiência emocional teve qualquer repercussão ulterior na análise, a
inquietação resultante pode ter afrouxado o tabu rígido que ela possuía face aos vínculos
complexos que a prendiam a Peter. Outro caso ocorreu perante a batalha final de Clara
contra sua dependência, quando sentiu franca resistência a governar a própria vida; ela,
então, não tinha a menor noção intelectual do significado deste “insight” emocional, e,
no entanto, ajudou-a a sair de um estado de impotência letárgica.

Em vez de desejar produzir uma obra-prima científica, a pessoa que está trabalhando
sozinha deve deixar sua interpretação ser dirigida por seu interesse. Deve simplesmente
ir empós daquilo que lhe atrai a atenção, que lhe desperta a curiosidade, que toca uma
corda emocional em seu íntimo. Se for suficientemente flexível para deixar-se guiar por
seu interesse espontâneo, pode ficar razoavelmente certa de que intuitivamente
116

escolherá os assuntos que, no momento, lhe forem mais acessíveis à compreensão, ou


que se enquadrarão no problema em que ela estiver trabalhando.

Presumo que este conselho suscitará algumas dúvidas. Não estarei advogando uma
excessiva tolerância? Será que o interesse do indivíduo não o levará a escolher assuntos
com os quis está familiarizado? Não significará isto ceder ante as resistências? Isto será
estudado. Como lidar com as resistências, basta dizer, aqui, que é verdade que deixar-
se levar pelos próprios interesses, significa adotar o caminho de menor resistência. Mas,
a menor resistência não quer dizer a mesma coisa que nenhuma resistência. O princípio
significa, essencialmente, a busca dos assuntos que, no momento, são os menos
reprimidos. E é este, exatamente, o princípio que o analista aplica quando apresenta
suas interpretações. Ele, como já foi salientado, escolhe para interpretar os fatores que,
segundo crê, o paciente pode apreender perfeitamente na ocasião, e renuncia a
aventurar-se por problemas que ainda estão muito reprimidos.

Toda a auto-análise de Clara ilustra a validade deste procedimento. Aparentemente sem


querer, nunca se deu ao trabalho de atacar nenhum problema que não evocasse uma
reação nela, mesmo que estivesse praticamente “na cara”. Sem nada saber acerca do
princípio de orientação pelo interesse, intuitivamente o aplicou através de todo seu
trabalho, e isso foi-lhe muito útil. Um exemplo pode representar muitos. Na série de
associações que concluiu com o primeiro aparecimento do devaneio sobre o grande
homem, Clara identificou somente o papel desempenhado em sua relação pela
necessidade de proteção. As sugestões referentes a suas outras expectativas dos
homens, foram por ela postas de lado inteiramente, malgrado fossem óbvias e se
destacassem no devaneio. Esta escolha intuitiva levou-a a adotar a melhor linha de ação
possível. Ela absolutamente não avançou por terreno conhecido: a descoberta de que a
necessidade de proteção era parte integrante de seu “amor”, foi uma descoberta de um
fator até então desconhecido. Portanto, conforme deve estar ainda na lembrança do
leitor, esta descoberta constitui a primeira incursão contra sua ilusão querida de “amor”,
o que foi, por si mesmo, um passo penoso e incisivo. Tomar, ao mesmo tempo, o
problema agravante de sua atitude parasitária com relação aos homens, teria sido
certamente por demais árduo, a menos que o tratasse de forma superficial. Isto leva-nos
a um último pormenor: não é possível absorver mais do que um “insight” importante de
cada vez. A tentativa de fazê-lo será nociva a ambos, ou a todos eles. Qualquer “insight”
relevante requer tempo e concentração total, para que possa “assentar” e enraizar-se.

A compreensão de uma série de associações exige flexibilidade, não só na direção do


trabalho, como acabamos de ver, mas também no modo de abordar. Por outras palavras,
na seleção de problemas a gente deve orientar-se pelos interesses emocionais
espontâneos, bem como pela inteligência; também no estudo dos problemas que
aparecem, deve-se passar com facilidade do pensamento deliberado para a apreensão
intuitiva das ligações. Este último requisito pode ser comparado à atitude necessária
quando se estuda uma pintura: pensamos a respeito da composição, da combinação de
cores, das pinceladas e de coisas do mesmo jaez, mas também levamos em conta as
reações emocionais provocadas em nós pela pintura. Isto corresponde, igualmente, à
atitude que o analista adota face às associações de um paciente. Enquanto estou
escutando o que o paciente me diz, às vezes medito intensamente sobre possíveis
significados, chegando a uma conjetura só por deixar a conversa do paciente agir sobre
minhas faculdades intuitivas. A verificação de qualquer conclusão, contudo, não importa
como se tenha chegado a ela, sempre impõe completa atenção intelectual.
117

Uma pessoa pode achar, naturalmente, que em uma série de associações nada lhe
desperta o interesse em particular; ela apenas vê uma ou outra possibilidade, mas nada
de esclarecedor. Ou, no extremo oposto, pode achar que mesmo que se detenha em
uma conexão, certos outros elementos também a impressionam. Em ambos os casos,
será bom que anote à margem as questões deixadas em suspenso. Talvez no futuro, ao
recapitular suas anotações, as possibilidades meramente teóricas tenham algum
significado para ela, ou as perguntas guardadas possam ser agora examinadas em maior
detalhe.

Há, ainda, um último escolho a ser citado: nunca aceite mais do que você pode acreditar
deveras. Este perigo é maior na análise regular, especialmente se o paciente é daqueles
que tendem a concordar com afirmações peremptórias. Mas também pode desempenhar
um papel quando a pessoa confia em seus próprios recursos. Ela pode sentir obrigada,
por exemplo, a aceitar o que quer que de “mau” surja a seu respeito, e a desconfiar de
uma “resistência” caso hesite em fazê-lo. Ficará mais garantida, porém, se encarar sua
interpretação como simples tentativa, sem procurar convencer-se de que é definitiva. A
essência da análise é a verdade, e isto deve aplicar-se igualmente à aceitação ou não
das interpretações.

O perigo de fazer uma interpretação desorientadora, ou pelo menos improfícua nunca


pode ser eliminado, mas não se precisa temer isso excessivamente. Se a pessoa não
baqueia, mas prossegue dentro da mentalidade certa, mais cedo ou mais tarde
aparecerá uma trilha mais proveitosa, ou então se dará conta de estar em um beco sem
saída e talvez até aprenda alguma coisa com essa experiência. Clara, por exemplo,
antes de empenhar-se na análise de sua dependência, passara uns dois meses
escavando à procura de uma suposta necessidade de impor sua vontade. Graças aos
dados que surgiram posteriormente, podemos entender porque ela se deixou arrastar
naquela direção. Ela me contou, todavia, que durante essas tentativas nunca tivera uma
convicção nem de longe semelhante às que sentiu mais tarde, durante o período
relatado. Ademais, o fato de Peter censura-la frequentemente por ser dominadora. Isto
ilustra dois pontos acima assimilados: a importância de seguir os próprios interesses, e
a de não aceitar nada sem plena convicção. Conquanto esta busca inicial de Clara tenha
se traduzido por um desperdício de tempo, deu em nada sem prejuízo algum, e não a
impediu de realizar trabalho altamente construtivo mais tarde.

O caráter construtivo do trabalho de Clara deveu-se não só à conexão intrínseca das


interpretações dela, mas igualmente ao fato de sua análise, naquele período, mostrar
um notável grau de continuidade. Sem pretender concentrar-se em um problema – por
longo tempo ela nem soube qual era – tudo em que ela se embrenhava acabava sendo
uma contribuição para o problema de sua dependência. Esta constante concentração
inconsciente em um único problema, que a levou a abordá-lo inexoravelmente de
ângulos sempre novos, é conveniente, mas raramente conseguida na mesma medida.
Podemos explicá-la, no caso de Clara, por estar ela vivendo, na época, sob uma pressão
formidável – cuja intensidade só reconheceu perfeitamente mais tarde – e, daí,
inconscientemente, aplicar todas suas energias na resolução de problemas que
contribuíam para esta. Uma situação assim compulsória não pode ser criada
artificialmente; quanto mais absorvente for o interesse da pessoa em um problema,
porém, tanto mais próxima desta será a concentração conseguida.
118

A auto-análise de Clara ilustra muito bem as três etapas da análise: identificação de uma
tendência neurótica, compreensão de suas implicações, e descobrimento de suas inter-
relações com outras tendências neuróticas. Na análise de Clara, como sói ocorrer muitas
vezes, as etapas recobriram-se até certo ponto: ela identificou muitas das implicações,
antes de finalmente localizar a própria tendência. Tampouco fez qualquer esforço para
executar qualquer etapa definida em sua análise: ela não se dispôs deliberadamente a
descobrir uma tendência neurótica, nem examinou deliberadamente as ligações entre
sua dependência e sua modéstia compulsiva. A identificação da tendência veio por si
mesma; e, analogamente, os elos de conexão entre as duas tendências tornaram-se
cada vez mais visíveis, quase que automaticamente, à proporção que o trabalho analítico
foi progredindo. Por outras palavras, Clara não escolheu os problemas – pelo menos
conscientemente – mas os problemas vieram a ela, e ao se exibirem revelaram uma
continuidade orgânica.

Houve, na análise de Clara, uma continuidade de outra espécie, ainda mais importante,
e mais possível de ser emulada; em nenhum momento houve qualquer “insight” que
ficasse isolado ou desligado. O que vimos desenvolver-se, não foi um acúmulo de
“insights”, mas sim uma configuração estrutural. Mesmo que cada “insight” de per si, que
o indivíduo obtenha esteja certo, ele ainda pode privar-se dos maiores benefícios do
trabalho se os “insights”permanecerem dispersos.

Portanto, Clara, após reconhecer que se deixara afundar na desgraça porque


secretamente acreditava que com isso poderia obter ajuda, podia ter-se limitado a
localizar a origem dessa tendência na infância e a encará-la como uma crença infantil
persistente. Isso talvez lhe ajudasse um pouco, por que ninguém gosta realmente de ser
desgraçado sem uma boa razão; na vez seguinte em que se visse sucumbindo ante uma
crise de desgraça, talvez se sentisse desprevenida. Mas, na melhor hipótese, essa sua
maneira de tratar o “insight” teria diminuído, com o passar do tempo, os ataques
flagrantes de infelicidade exagerada. E esses ataques não eram a expressão mais
importante da tendência. Ou então, ela poderia não ter ido além da etapa seguinte, de
ligar sua descoberta com sua real falta de agressividade e de reconhecer que sua crença
em ajuda mágica podia substituir uma forma ativa de enfrentar as dificuldades da vida.
Isto, embora ainda inadequado, teria auxiliado bem mais, porque teria aberto um novo
incentivo para pôr fim a toda atitude de impotência que se ocultava por detrás daquela
crença. Mas, se ela não tivesse associado a crença na ajuda mágica com sua
dependência, e visto uma como parte integrante da outra, não teria podido superar
completamente a crença, porque faria sempre a restrição inconsciente de que se ao
menos pudesse encontrar o “amor” permanente, sempre poderia contar com ajuda. Foi
só porque viu essa conexão, e reconheceu a falácia de uma tal expectativa e o tremendo
preço que tinha de pagar por ela, que a introvisão teve o efeito radicalmente libertador.

Assim, não é absolutamente uma questão puramente de interesse teórico uma pessoa
descobrir como um traço de personalidade está implantado em sua estrutura, com
múltiplas raízes e efeitos; também é da máxima importância terapêutica. Este requisito
pode ser expresso em termos familiares de dinâmica: é preciso conhecer-se a dinâmica
de uma tendência antes de poder mudá-la. Mas, esta palavra é como uma moeda que
com o uso vai ficando fina e um tanto gasta. Além do mais, sugere comumente a idéia
de forças impulsoras, e pode ser interpretada aqui como significando que se deve apenas
procurar essas forças, quer nos primeiros anos da infância quer no presente. Neste caso,
a noção de dinâmica seria enganosa, porquanto a influência que uma tendência exerce
119

na totalidade da personalidade é tão importante quanto os fatores que determinam sua


existência.

Não é de modo algum somente em questões psicológicas que é essencial esta


percepção das inter-relações estruturais. As considerações por mim salientadas aplicam-
se com o mesmo peso, por exemplo, às questões de doença orgânica. Nenhum bom
médico considerará uma doença do coração como um fenômeno isolado. Ele também
levará em conta como o coração é influenciado por outros órgãos, como os rins e os
pulmões. E ele deve saber que o estado do coração, por sua vez, afeta outros sistemas
do corpo: por exemplo, a circulação do sangue ou o trabalho do fígado. Seu
conhecimento das influências dessa ordem irão auxiliá-lo a entender a intensidade da
perturbação.

Se é assim essencial, no trabalho analítico, não perder-se em detalhes dispersos, como se pode
conseguir a desejada continuidade? Teoricamente, a resposta está implícita nos parágrafos
precedentes. Se uma pessoa fez uma observação pertinente ou conseguiu um “insight”, deve
examinar como a peculiaridade desvendada manifesta-se em várias áreas, quais as suas
conseqüências e quais os fatores de sua personalidade por ela responsáveis. Isto, porém, pode
ser encarado como uma afirmação assaz imaginária. Deve-se ter em mente, entretanto, que
qualquer exemplo sumário necessariamente dá a impressão de uma clareza e simplicidade que
na realidade não existem. Ademais, um exemplo desses, destinado a mostrar a variedade de
fatores a serem identificados, não pode indicar as experiências emocionais que a pessoa tem ao
analisar-se e, por conseguinte, só dá uma imagem unilateral e supraracionalizada.

Tendo em mente estas restrições, suponhamos uma pessoa que observou que, em dadas
situações em que gostaria de participar de discussões, fica com a língua presa porque receia as
possíveis críticas. Se ela permitir esta observação arraigar-se em si, começará a matutar acerca
do receio em questão, visto como não é proporcional a qualquer risco real. Pensará porque o
medo é tão grande que lhe impede não só de exprimir suas idéias, mas também de pensar
claramente. Perguntar-se-á se o medo é maior do que sua ambição, e se é maior do que
quaisquer considerações de ordem prática, que, pelo bem de sua carreira, tornem conveniente
causar uma boa impressão.

Tendo obtido assim um interesse pelo problema, procurará verificar se dificuldades semelhantes
fazem-se sentir em outros setores de sua vida e, em caso afirmativo, de que forma se revestem.
Examinará suas relações com mulheres: será que ele é tímido demais para aproximar-se delas
receando que encontrem defeitos nele? E que dizer de sua vida sexual? Esteve impotente
durante algum tempo por não poder esquecer-se de um insucesso? Reluta em ir a Festas? Como
é que age quanto a compras? Dá gorjetas exageradas porque teme que, de outra forma, o
vendedor o considere sovina? Ainda mais, quão vulnerável é ele exatamente com relação a
críticas? O que basta para deixá-lo embaraçado ou para fazê-lo sentir-se melindrado? Ele fica
magoado quando sua esposa critica abertamente sua gravata ou fica incomodado quando ela
apenas elogia João por combinar sempre a gravata com as meias?
120

Essas considerações dar-lhe-ão uma impressão da intensidade e extensão de sua


dificuldade e de suas várias manifestações. Quererá saber, então, como é que ela afeta
sua vida. Já sabe que o deixa inibido em muitos setores. Ele não pode afirmar-se; é
muito complacente com o que os outros esperam dele; portanto, nunca pode ser ele
mesmo, mas sim tem que desempenhar automaticamente um certo papel. Isto o deixa
ressentido contra os demais, pois parecem dominá-lo, além de rebaixar seu amorpróprio.

Finalmente, procura os fatores responsáveis pela dificuldade. O que o deixou tão receoso
de críticas? Pode recordar-se de que seus pais fizeram-no apegar-se a padrões muitos
severos, e pode lembrar-se de uma série de incidentes em que foi repreendido ou em
que o fizeram sentir-se deslocado. Mas também terá de pensar em todos os pontos
fracos de sua verdadeira personalidade que, em sua totalidade, tornam-no dependente
dos outros e, por isso, fazem-no considerar a opinião que fazem dele como da máxima
importância. Se puder encontrar respostas para todas essas perguntas, seu
reconhecimento de que teme as críticas não mais será um “insight” isolado, mas verá a
relação deste traço com toda a estrutura de sua personalidade.

Pode bem ser perguntado se com este exemplo eu quero dizer que uma pessoa que haja
descoberto um novo fator deve deliberadamente esquadrinhar suas experiências e seus
sentimentos das várias maneiras indicadas. Por certo que não, pois um procedimento
desses envolveria o mesmo perigo de um domínio meramente intelectual, que já foi
discutido. Pelo contrário, ela deve assegurar-se um período de contemplação. Deve
meditar sobre sua descoberta mais ou menos da forma que um arqueólogo que
descobriu uma estátua enterrada, muito mutilada, olha seu tesouro de todos os ângulos
até que as formas originais revelem-se à sua mente. Qualquer fator novo que a pessoa
identifique é como a luz de um projetor voltada para certos domínios de sua vida,
iluminando pontos que até então haviam permanecidos no escuro. Ela quase não é
obrigada a vê-los, se ao menos estiver verdadeiramente interessada em conhecer-se.
Estes são pontos em que a orientação de um especialista seria particularmente útil.
Nessas ocasiões, um analista ajudaria efetivamente o paciente a ver o significado da
descoberta, fazendo uma ou outra pergunta sugerida por ele e ligando-a a descobertas
anteriores. Quando não se dispõe de um auxílio exterior desses, a melhor coisa a fazer
é abster-se de prosseguir correndo na análise, recordando que um novo “insight”
significa a conquista de território novo, e procurando beneficiar-se dessa conquista
consolidando a vantagem obtida. Podemos estar bem certos de que a razão pela qual
as pessoas interessadas não atinaram com essas perguntas, foi somente por ter o seu
interesse acabado com o afastamento de suas dificuldades imediatas.

Se perguntássemos a Clara como foi que conseguiu tão notável continuidade em sua
análise, provavelmente ela daria a mesma resposta dada por uma boa cozinheira quando
lhe é pedida uma receita: a resposta, em suma, é que segue seu “instinto”. No caso da
análise, contudo, essa resposta não é tão satisfatória como no de uma omelete. Ninguém
pode tomar por empréstimo os “instintos” de Clara, mas todos possuem seus “instintos”
próprios pelos quais se podem guiar. E isso traz-nos de volta a algo que foi discutido
acima, ao tratarmos da interpretação de associações; é útil ter uma noção daquilo que
se está procurando, mas a procura deve ser dirigida pela iniciativa e pelo interesse da
própria pessoa. Deve-se aceitar o fato de que se é um ser humano, movido por
necessidade.
121

ANEXO I

Processo Didático de Estágio – Análise Didática com Paciente-Piloto

1 – O que é?

Trata-se do processo didático eleito pela nossa Instituição para substituir com eficácia o
velho sistema de Análise Didática empregado desde os primórdios da Psicanálise.

A instituição entende que a Análise Didática nos velhos moldes, tanto acrescenta e
resolve os problemas pessoais do futuro Psicanalista, como pode ser usada como meio
de manipulação e exploração do futuro Psicanalista por Profissionais Didatas e/ou
instituições (Sociedades Psicanalíticas) que buscam mais a obtenção de meios do que
propriamente a formação e a ciência.

Assim, aliando o conhecimento já transferido à história e às técnicas direcionais que


ministramos, além de toda Teoria necessária, implantamos um processo que propiciará
o estágio, o auto-conhecimento, o amadurecimento como profissional e o meio, com
suas adversidades e gratificações, todos necessários ao engajamento definitivo nesta
ciência/arte.

2 – Precedentes do Processo

Este processo vem sendo utilizado no Brasil através da ABPC (Academia Brasileira de
Psicanálise Clínica) especialmente com os alunos de outras cidades, isto é, fora de sua
sede, com resultados exuberantes.

Processo semelhante foi empregado com sucesso pela Escola Superior de Psicanálise
de São Paulo, que orientava imediato trabalho de estágio, com credenciamento precário
de todos os Psicanalistas em Formação.

Temos também, fartos relatos dos mais modernos institutos de formação de


Psicanalistas ou Terapeutas Europeus, tanto na área de Instrução Sistemática
(Universidades Regulares), quanto na área de formação livre ou à distância, que
empregam semelhante sistemática, sempre sob avaliação direta do órgão para isto
constituído.

Podemos acrescentar também que a Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, vem
empregando tal processo (ligeiramente adaptado) nos Cursos de Mestrado e
Especialização nas áreas de Psicanálise, com ótimo aproveitamento.

Precisamos levar em conta também que o advento das universidades à distância vem
impondo novas formas de amadurecimento profissional diferentes das tradicionais, e que
isto é marca de desenvolvimento e de novos tempos. Não é possível que só na
Psicanálise tenhamos que manter um processo rígido e eterno, imutável, quando tudo o
mais sofre aperfeiçoamento.
122

Se é verdade que o Psicanalista em Formação vai deparar com situações embaraçosas,


não é menos verdade que sendo exaustivamente analisado só tenha visto mesmo o seu
próprio caso, que não ajuda tanto diante dos casos dos outros, totalmente diferentes.

3 – A eficácia

O nosso processo é eficaz por oferecer oportunidade de ver casos enquanto o


Psicanalista em Formação avança no estudo das teorias e das técnicas. O aluno, em
estágio laborativo, terá, por isso mesmo, o privilégio de submeter as teorias à prova
enquanto nelas amadurece.

Neste terreno, vale pensar ainda no fato do aluno em estágio estar muito atento às
ligações com sua própria história. É oportunidade para ab-reação provocada de seus
próprios recalques, uma vez que o material externalizado pelos pacientes, passa a
funcionar como isca dentro do Psicanalista em Formação.

Levamos em consideração ainda que o processo dá ensejo a que o Psicanalista em


questão tenha uma melhor mensuração de sua fragilidade, o que é fundamental para
respeitar o próximo. É muito comum Psicanalistas que assumem ares de onipotente.
Temos constatado alguns, até exaustivamente analisados, que só viram mesmo seu
próprio caso, fazerem, a partir de sua análise, uma projeção desenfreada – vêem todos
os pacientes como sendo eles ontem.

4 – O paciente-piloto

Deve ser objeto de escolha e convite por parte do Psicanalista em Formação dentre
pessoas do seu universo de atividade e relacionamento.

Devem ser convidados 3 (três) a 6 (seis) pacientes, deixando-lhes claro que vão
funcionar como “doentes”, embora não o sejam, para fins de um projeto terapêutico que
você está desenvolvendo.

Os pacientes-piloto devem ser pessoas de boa formação intelectual e que não ofereçam
dificuldades a priori. Devem ser evitadas pessoas pelas quais o Psicanalista tenha certa
predisposição, tanto positiva quanto negativa.

O Psicanalista em Formação deve esclarecer que o objetivo não é resolver problemas


dessa pessoa, mas observar e formular teorias impessoais de interesse psicanalítico,
bem como possibilitar a reflexão do analista sobre seus próprios problemas, comparados
com os valores e lembranças de outra pessoa sadia.

Por outro lado aconselhamos que o Psicanalista em Formação procure acolher também
pacientes que tenham conhecidos problemas, mas, nesse caso, não digam que foram
por isso convidados. Sugerimos também que sejam recebidos pacientes psicóticos para
observação diferencial (neste caso o convite é feito a família, com o intuito de ajudar
etc.), podendo todos os escolhidos serem neuróticos e psicóticos.

5 – A postura do Psicanalista em Formação


123

Você deve explicar toda a sistemática psicanalítica antes de iniciar o trabalho


propriamente dito, excetuando-se o caso dos pacientes neuróticos e psicóticos.

Você deve explicar também que mesmo durante a anamnese o paciente não está
obrigado a responder, podendo simplesmente deixar de comunicar. Ele não será
obrigado a dar respostas que lhe causem constrangimento, pois o objetivo não está no
paciente, mas no Psicanalista.

Uma vez posto todo o processo perante o paciente, o trabalho é iniciado pela anamnese.

6 – As possibilidades junto a outros tipos de pacientes

Aqui estamos admitindo que o Psicanalista em Formação monte o seu trabalho didático
de estágio sob a fórmula de Atendimento Comunitário, gratuito ou não. Neste caso, o
convite é feito a pessoas com patologias conhecidas, não deixando de informar que o
seu trabalho é ao nível de estágio e que está autorizado a clinicar temporariamente.
Neste caso não deve ser dito ao paciente que o objetivo é tirar lições também.

Entretanto, deve ficar claro ao paciente, caso seja gratuito. O processo terá fim com o
encerramento do estágio. A partir dali o Psicanalista estará impedido de atuar
gratuitamente.

7 – O “modus faciendi”
a. O paciente será tratado de modo formal;
b. Deverá ser usado o Divã ou substituto, com freqüência;
c. O paciente será conhecido por um pseudônimo, de domínio apenas do paciente
e do Psicanalista;
d. As fichas de controle didático e de fatos do paciente serão preenchidas pelo
pseudônimo;
e. Será dispensado o pseudônimo no caso do previsto no item 6 (seis) deste anexo;
f. Seja dada aos pacientes a garantia de inviolabilidade total;
g. O Psicanalista em Formação fica impedido de fazer qualquer espécie de
referência em público ou não sobre casos clínicos dos seus pacientes, quando
esses estiverem presentes;
h. O Psicanalista em Formação se portará como Psicanalista e não como médico,
pedagogo, psicótico, pastor etc., tão somente interpretando ou dando apoio, em
caso de Psicóticos;
i. Toda vez que tiver às mãos pacientes surtados ou com psicoses instaladas, com
quadro de irrealidade clara, deve encaminhá-los a um Psiquiatra, solicitando-lhe
posição sobre a validade de um acompanhamento psicanalítico e os limites do
mesmo;
j. O Psicanalista em Formação deverá redobrar os cuidados quando da
interpretação, procurando exaurir todas as variantes antes de externá-la.

8 – O controle

O Psicanalista em Formação preencherá, para cada paciente, uma ficha com


relatório final. Tal relatório será feito quando o paciente tiver alta ou abandonar o
tratamento.
124

9 – O tempo

Sugerimos que os pacientes sejam submetidos a um período de cerca de 60


(sessenta) sessões. Entretanto, em caso de abandono, cada situação será avaliada
pelo Conselho Acadêmico da nossa Instituição.

Sugerimos que o número de pacientes seja ampliado para evitar o vácuo de


pacientes durante o processo.

Obs.: Toda vez que um paciente parar ou abandonar o tratamento, a ficha será
completada e remetida para o Conselho Acadêmico.

10 – O Credenciamento

O Psicanalista em Formação receberá, em data estabelecida pelo conselho


acadêmico, uma Certidão Credencial com número e prazo de validade.

11 – Os riscos

Quando ouvimos muito e bem, encaminhamos corretamente, falamos o mínimo e


interpretamos com zelo e prudência, os riscos são quase que totalmente eliminados.

12 – O órgão de acompanhamento

O Conselho Acadêmico, sob a presidência do Pr. Davi Oliveira Boa Sorte D.D. e
constituído de todos os Psicanalistas didatas e professores desta Sociedade, reunir-
se-á mensalmente para acompanhar e responder às solicitações dos Psicanalistas
em Formação. Entretanto, a Diretoria do Conselho responderá no imediatismo.

13 – E se você quiser análise?

Aconselhamos você a começar o processo. Caso sinta necessidade, sugerimos


procurar um Psicanalista da doutrina Ortodoxa, para, pelo menos, 15 (quinze)
sessões. Para tanto, deverá ocultar sua condição de Psicanalista em Formação.

Leitura para reflexão

XIV – O PAPEL DO PSICANALISTA NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO


Thomas Freeman

A psicanálise é geralmente considerada como um método de tratamento que tem


sua melhor aplicação em certos tipos de neurose. Tais estados se encontram em
contraste com os que são mais comumente achados nos hospitais psiquiátricos. Os
casos de neuroses que lá encontramos são caracterizados por sintomas tão graves,
que impedem o paciente de levar uma vida normal, com seus compromissos em
relação ao lar e ao trabalho. Os hospitais psiquiátricos são também ocupados por
pacientes que sofrem de formas diferentes de perturbação mental – as psicoses
orgânicas e funcionais. Tais pacientes não se consideram enfermos. O observador
imparcial pode, justificadamente, perguntar: o que pode um psicanalista fazer de útil
125

se estiver trabalhando num hospital psiquiátrico, confrontado com várias centenas


de pacientes cujas condições são geralmente consideradas inadequadas para seu
método de tratamento? Que contribuição pode ele prestar à terapia e ao tratamento?

O propósito desta palestra é tentar responder a estas perguntas. Antes de fazê-lo,


contudo, é necessário relembrar que, para desordens mentais graves, não
dispomos, até o momento, de nenhum tratamento etiologicamente fundamentado.
Os atuais métodos físicos de tratamento, que incluem a terapia de eletrochoque e as
várias drogas tranqüilizantes e anti-depressivas, são medidas sintomáticas. Não
combatem as causas do funcionamento mental anormal, mas apenas mantêm sob
controle as manifestações clínicas mais perturbadoras. É quase impossível predizer
seu efeito no caso individual, e o tratamento do paciente não pode se basear
inteiramente em sua aplicação. Isto implica em que estas medidas físicas só podem
ser encaradas como um dos aspectos da abordagem terapêutica. Outras
considerações devem ser levadas em conta quando se planeja o tratamento de um
paciente. É aqui que a psicanálise tem um papel a desempenhar.

Antes de apresentar um relato acerca do que a psicanálise e o psicanalista têm a


oferecer à clínica do hospital psiquiátrico, ou de detalhar as dificuldades que tais
empreendimentos acarretam, é necessário oferecer uma definição operante da
psicanálise. Não é ela apenas um método especial de psicoterapia, mas oferece uma
série de conceitos e hipóteses, cujo propósito é explicar como e porque surgem os
sintomas e sinais das diferentes doenças mentais. Os conceitos psicanalíticos são
de dois tipos: primeiro, os conceitos descritivos que identificam os fenômenos
clínicos específicos; segundo, os conceitos explanatórios que fornecem uma
descrição de como surgem certos fenômenos. Exemplo dos primeiros é o fenômeno
da resistência, que inevitavelmente aparece no tratamento de uma doença
psiconeurótica; uma ilustração do segundo é fornecida pelo conceito das repressões.
Este conceito oferece uma explicação de porque certos pensamentos, desejos ou
lembranças são automaticamente afastados da consciência e não podem ser
trazidos de volta quando se quer. O emprego desse tipo de conceitos permite que
se realize uma comunicação entre aqueles que se acham diretamente interessados
no cuidado e no tratamento do paciente.

Uma apreciação completa do modo pelo qual o psicanalista pode influenciar


beneficamente a doença de um paciente é inteiramente impossível, sem que se
tenha uma certa familiaridade com as principais características da teoria psicanalítica
da formação do sintoma. A psicanálise oferece uma teoria desenvolvimental do
funcionamento mental. Os processos mentais são encarados como simples e não
organizados ao nascimento, mas, à medida que o indivíduo cresce, eles se tornam
complexos e integrados. Na doença mental, há uma perda das capacidades
psicológicas mais avançadas e estas são substituídas por funções que foram outrora
apropriadas para um estágio primitivo do desenvolvimento mental. É muito comum,
por exemplo, que a criança fique com medo quando está sozinha. Há certas formas
de neurose nas quais o paciente se sente aterrorizado por ser deixado sozinho em
casa o por achar-se só na rua. Aqui, pareceria que a capacidade adulta de
independência e autoconfiança foi perdida e substituída por um estado mental que
fora outrora apropriado para a infância. Esta teoria que tenta explicar os sintomas
mentais como sendo, primeiro, a perda das capacidades adultas e, segundo, a sua
substituição por atividades apropriadas a estágios primitivos da vida mental, baseia-
126

se principalmente em idéias apresentadas por Hughlings Jackson, médico inglês do


século XIX, a fim de explicar a modalidade de origem dos sintomas da doença
neurótica. Ele, por sua vez, derivava sua teoria da evolução e dissolução do distúrbio
nervoso da obra do filósofo inglês Herbert Spencer.

Em termos simples, então, os sinais e sintomas das moléstias neuróticas e psicóticas


são de dois tipos. Uma das categorias consiste nas capacidades e habilidades que
foram perdidas. A segunda categoria abrange todos os pensamentos, idéias,
emoções e experiências subjetivas inapropriadas e irracionais, que se achavam
ausentes antes do

desencadeamento da doença. Em perturbações mentais como a esquizofrenia e as


melancolias, o paciente perdeu o uso de várias das funções mentais necessárias a
uma adaptação ambiental satisfatória. A fala, o pensamento voltado para a realidade,
a capacidade de concentração, os poderes perceptivos e a memória podem estar
desorganizados. A psicanálise descreveu todas estas funções cognitivas altamente
desenvolvidas, tal como operam no indivíduo sadio, juntamente com o conceito do
ego, e constrastou-as com os processos inorganizados e indiferenciados do id.

Os pacientes psicóticos perdem a capacidade se relacionar com os outros, e esta


perturbação nos relacionamentos é uma característica marcante de tais estados. O
paciente pode tornar-se insensível, abstraído e indiferente quanto aos que o cercam.
Além dessas mudanças, o paciente apresenta um grande número de manifestações
novas e fora do comum. Nutre idéias irracionais que insiste serem corretas, apesar
das contradições apresentadas pela realidade. Pode experimentar falsas
percepções (alucinações) e seu pensamento assume uma qualidade mágica; os
desejos, bons ou maus, tornam-se realidade. Esses fenômenos delirantes e
alucinatórios assumem agora, para o paciente, uma importância maior que o mundo
da realidade. Os objetos fantasiosos dos delírios e das alucinações parecem
substituir as antigas relações com pessoas reais. Há breves ocasiões, entretanto,
em que o paciente parece recuperar sua antiga capacidade de relacionar-se com os
outros, e isto proporciona uma oportunidade para a intervenção terapêutica. Os
psicanalistas acreditam que a nova realidade do paciente é a expressão de uma
realidade psíquica exposta pela doença. Sua segunda realidade, ou realidade
psíquica, permanece reprimida no indivíduo sadio.

Novas manifestações aparecem também na vida instintiva do paciente. Em situações


onde antes pode ter sido gentil e atencioso, torna-se agora impulsivamente
agressivo. Muito amiúde há uma grande ansiedade quanto à sua identidade sexual.
Teme estar mudando de sexo; pode notar sinais disso em seu corpo e obter
confirmação nas atitudes dos que o cercam. Torna-se preocupado com o
homossexualismo e pode realmente experimentar sentimentos homossexuais.
Surgem também outros fenômenos que não se necessita examinar aqui.

No caso das neuroses graves, os pacientes não apresentam a ampla perda das
funções mentais característica do paciente que sofre de uma psicose. Eles mantêm
a capacidade de se comunicar através da fala e, assim, podem adaptar-se facilmente
ao ambiente hospitalar, sabendo-se doentes. Acham-se perturbados,
primordialmente, em seu relacionamento com os outros. Entretanto, a natureza
desse distúrbio é quase qualitativamente distinta daquela do paciente psicótico. O
127

paciente neurótico não se afasta dos outros, nem usa como substituto uma realidade
falsa constituída por objetos de delírio, como faz o paciente psicótico. Ele se apega
ainda mais às pessoas que o cercam, mas este apegamento é de um tipo muito
especial. Ele não pode existir sem seus objetos (empregando um termo psicanalítico)
e lhes faz grandes exigências. É aqui que se pode notar indicações de atitudes
mentais que, embora novas na vida adulta, caracterizaram outrora o comportamento
da primeira infância posterior. É esta perturbação das relações interpessoais que
frequentemente conduz à hospitalização, uma vez que os que cercam o paciente
são incapazes de fornecer-lhe a segurança e a satisfação pelas quais está se
esforçando.

A posição psicanalítica é a de que em ambas as categorias de enfermidade – na


neurose e na psicose – há, em diferentes graus, uma perda das funções mentais
adultas e sua substituição por atitudes, sentimentos, desejos e idéias apropriados a
fases iniciais do desenvolvimento infantil. A psicanálise utiliza o conceito de
regressão para descrever este movimento para trás da vida mental, de um estado
mais adiantado para outro menos adiantado. Na psicose, ocorre também algo
mais. A forma pela qual o mundo e os que nele se acham são percebidos pelo
paciente não é semelhante a nada que já tenha sido experimentado, mesmo na
infância. É como se uma espécie de função mental irrompesse

na consciência, possuindo características semelhantes aos sonhos do indivíduo


sadio. No entanto, o fato decisivo para o psicanalista é que, mesmo na psicose, a
totalidade da vida mental não é desorganizada pela doença. A regressão – o
movimento para trás – do funcionamento mental e a desorganização do ego não são
completas. Há sempre uma certa capacidade para estabelecer relacionamentos e
resquícios de um funcionamento cognitivo sadio, mesmo nos pacientes mais
perturbados. No caso da neurose, o problema é diferente. O paciente pode
relacionar-se com o psicanalista, psiquiatra ou enfermo, mas a qualidade do
relacionamento nem sempre auxilia os esforços terapêuticos.

Quando a psicanálise pela primeira vez se defrontou inicialmente com desordens


mentais que exigiam hospitalização, o principal interesse dos clínicos foi descobrir
até que ponto o método era aplicável a tais condições. Relatos de esforços
terapêuticos surgem na literatura psicanalítica inicial. Em 1926, foi criado na
Alemanha um hospital psicanalítico, onde pacientes psicóticos, viciados em drogas
e neuróticos graves podiam ser tratados.

Logo tornou-se aparente (Simmel, 1929) que o tratamento psicanalítico de pacientes


gravemente enfermos era um empreendimento muito mais complicado e difícil que
a psicanálise das neuroses. Era necessário fornecer condições que assimilassem
prontamente os concomitantes afetivos da doença e da terapia, os quais se
entrelaçavam rapidamente. As reações ao psicanalista, descritas através do conceito
de transferência, não se confinavam ao consultório, apesar da interpretação, mas
estendiam-se facilmente a outros membros da equipe hospitalar e a outros
pacientes. Vínculos intensos e ambivalentes desenvolviam-se com a equipe de
enfermagem, vínculos excluídos da situação de tratamento.

A fim de lidar com esses problemas, teve que ser estabelecido um estreito contato
entre o psicanalista e a equipe de enfermagem. O intercâmbio de informações que
128

se realizava em tais reuniões possuía o efeito de fazer o pessoal do hospital


compreender que a conduta do paciente no hospital era, acima de tudo, devida à
repetição de relacionamentos infantis emocionalmente carregados, isto é,
transferências. Este conhecimento possibilitou que atendentes e enfermeiros
encarassem o paciente e suas reações com o hospital sob um novo ângulo.

A possibilidade de utilizar o método psicanalítico com pacientes hospitalizados foi


rapidamente aproveitada por psiquiatras americanos. De fato, Sullivan (1932), no
Sheppard and Enoch Pratt Hospital, em Baltimore, estava tratando de pacientes
esquizofrênicos através de uma psicoterapia baseada na psicanálise,
contemporaneamente às tentativas que se faziam na Alemanha. Sullivan
reconheceu a necessidade de a equipe de enfermagem receber um treinamento
especial, se é que se pretendia que seus membros fizessem uma contribuição
máxima ao regime de tratamento. Ele se achava à vanguarda daqueles que não
apenas discerniam o potencial terapêutico do enfermeiro, mas também reconheciam
a necessidade de tornar explícita a maneira pela qual este potencial deveria ser
objetivado.

Poucos anos mais tarde, esforços sérios de tratar pacientes esquizofrênicos por meio
da psicanálise foram colocados em prática na Menninger Clinic, em Chericolt Lodge,
e em um ou dois hospitais psiquiátricos norte-americanos. Desde então, criou-se
uma literatura ampla, que fornece detalhes acerca dos meios pelos quais os
pacientes podem ser psicanaliticamente abordados. Foi dada atenção às
modificações da técnica de tratamento e dispensou-se consideração especial aos
modos pelos quais os pacientes devem ser manejados no decurso do tratamento.

Foi no decorrer desses esforços pioneiros que se tornou aparente o potencial


terapêutico da comunidade hospitalar. O efeito benéfico da hospitalização fora
observado em ocasiões anteriores, mas foi somente durante o tratamento
psicanalítico de pacientes internados que se tornou possível conceptualizar, ou seja,
tornar explícito, o que conduzia à melhora clínica. Achava-se agora ao alcance do
psiquiatra identificar e descrever as causas daquilo que antes se pensava serem
recuperações espontâneas e, além disso, criar as condições que facilitassem tais
desenvolvimentos. Já em 1936 William Menninger propunha que programas
especiais de terapia ocupacional fossem preparados para cada paciente, programas
esses baseados nos problemas centrais que haviam formado a predisposição à
doença.

Tais programas baseavam-se num reconhecimento da influência terapêutica que o


enfermeiro e terapeutas ocupacionais e recreacionais podiam exercer sobre o
paciente, em resultado do relacionamento surgido da missão instrutiva. Eles foram
entusiasticamente adotados por um certo número de hospitais americanos antes de
1939, e demonstraram que a introdução da psicanálise no hospital psiquiátrico
possuía implicações muito mais amplas do que simplesmente o tratamento intensivo
de um pequeno número de pacientes. Demonstraram, de maneira notável e
dramática, de quão grande ressonância podia ser a influência terapêutica da
psicanálise.

Nos hospitais psiquiátricos britânicos a psicanálise seguiu uma evolução


inteiramente diversa. Embora seu efeito tenha sido profundo, ele foi menos evidente
129

e direto que nos Estados Unidos. Antes de 1939, a psicanálise não desempenhava
papel algum nos hospitais psiquiátricos britânicos. Talvez houvesse umas poucas
exceções nos casos em que as teorias psicanalíticas eram discutidas e se faziam
algumas tentativas de experimentar o método psicanalítico. A tradição do tratamento
psicanalítico de pacientes individuais no hospital psiquiátrico não surgiu da mesma
maneira que nos Estados Unidos. Após 1945, o impacto da psicanálise apresentava-
se menos concentrado que no hospital psiquiátrico americano e, sendo mais difuso,
sua influência deveria fazer-se sentir mais na esfera da clínica do hospital
psiquiátrico do que no caso individual.

Os fundamentos para o emprego das idéias psicanalíticas nos hospitais psiquiátricos


britânicos foram estabelecidos durante os anos de guerra. No Hospital Militar de
Northfields, métodos de tratamento em grupo baseados em princípios psicanalíticos
foram introduzidos por Bion, Rickman e Foulkes. Main (1946) e outros estenderam
esta atividade, a fim de incluir grupos de enfermaria e grupos recreacionais. Em
todos os pontos de contato entre pacientes e equipe, estabeleceram-se canais de
comunicação, de modo a facilitar a troca de informações referentes ao status do
grupo e dos indivíduos que o formavam. Este trabalho preparou o palco para a
introdução da abordagem da comunidade terapêutica.

Foi Jones (1952) quem reconheceu, com base na compreensão psicanalítica, que
os vínculos transferenciais que os pacientes têm com a comunidade hospitalar em
geral podiam ser explorados para fins terapêuticos. Achou ele que os conflitos
subjacentes aos sintomas e as dificuldades comportamentais poderiam vir a se
manifestar através do veículo de comunicação de seus pensamentos, sentimentos e
fantasias acerca de suas experiências enquanto se achavam no hospital. As
discussões, tanto em grupos pequenos como em grandes, permitiria a expressão
dessas reações e, ao mesmo tempo, daria à equipe médica e de enfermagem a
oportunidade de oferecer ao paciente uma avaliação baseada na realidade dessas
reações.

Deste modo, Jones esperava realizar uma análise do conflito do paciente, não na
terapia individual, mas no grupo. Acreditava que, através desse processo, o paciente
viria a se identificar mais facilmente com os valores do grupo e do hospital, o que o
fortaleceria e suplementaria o efeito benéfico resultante da análise de um ou mais
conflitos conscientes, pré-conscientes e inconscientes.

O trabalho de Jones apresenta uma aplicação de conceitos psicanalíticos que tem


como objetivo o fornecimento de uma estrutura hospitalar que possa influenciar
positivamente os pacientes. A aproximação dele ao paciente se dá através do
ambiente hospitalar e não diretamente pelo tratamento psicanalítico, como ocorre
nos hospitais americanos. Embora as idéias de Jones tenham sido
entusiasticamente adotadas em muitos lugares, a base teórica de tais
desenvolvimentos foi amiúde negligenciada, tornando assim a técnica
excessivamente empírica. São consideráveis os problemas que tal situação
engendra. Eles podem corromper o potencial terapêutico e pôr em risco a viabilidade
da comunicação hospitalar.

Até este ponto, apresentou-se um breve esboço das maneiras pelas quais a
psicanálise contribuiu para a psiquiatria hospitalar na Grã-Bretanha e nos Estados
130

Unidos. O tratamento intensivo de casos individuais, que ocorre nos hospitais


americanos menores e melhor equipados, nunca constituirá um empreendimento
prático na Grã-Bretanha, mesmo que se pensasse que este fosse um curso de ação
desejável. Que lugar a psicanálise deveria ocupar no hospital psiquiátrico britânico,
e que papel deveria o psicanalista assumir?

O psicanalista tem um duplo objetivo quando empreende o tratamento psicanalítico


de uma neurose. Espera compreender a sintomatologia, transmitir este
conhecimento ao paciente e, no processo, colaborar para a melhora ou remoção dos
sintomas. Suas ambições não são menores quando decide intervir no caso de um
paciente de hospital psiquiátrico. Neste caso, infelizmente, acha-se privado do aliado
que a parte sadia e integrada da personalidade fornece no caso do paciente
psiconeurótico considerado adequado para o tratamento psicanalítico normal. No
caso do paciente hospitalizado, a capacidade de cooperação é limitada, e ele não
pode estabelecer um relacionamento suficientemente forte para tolerar os
desapontamentos, demoras e ansiedades que, inevitavelmente, acompanham o
tratamento psicanalítico. As dificuldades são ainda maiores no caso de um paciente
psicótico, que possui apenas a mais limitada capacidade para se relacionar. O
psicanalista reconhece que será incapaz de conduzir um tratamento psicanalítico
porque não há tempo para tal empreendimento e porque a tentativa estaria quase
fadada a revelar-se infrutífera. Entretanto, ele retêm seu objetivo original de tentar
compreender o sentido e a significação dos fenômenos clínicos e, tendo por base
esta compreensão, prescrever o procedimento que será útil para o manejo e
tratamento.

Talvez o modo mais fácil de transmitir como o psicanalista pode intervir


beneficamente no caso de um paciente internado seja apresentar uma série de
ilustrações clínicas extraídas de pacientes com psicoses esquizofrênicas. O primeiro
paciente era um jovem de vinte anos de idade, que progressivamente se alienara
daquilo que o cercava. Expressava idéias de estar sendo espionado; ficava imóvel
durante horas, sentado numa cadeira; adotava posturas fora do comum. Quando foi
admitido pelo hospital, mostrava-se incooperativo, não se misturava com os outros
pacientes e era virtualmente inacessível. Não melhorava com a administração de
drogas do tipo fenotiazina. Descobriu-se considerar ele os enfermeiros como
perseguidores, acusando-os de serem inimigos disfarçados. Identificava
erroneamente, isto é, confundia visualmente, os enfermeiros com um ou outro
desses perseguidores. O resultado disso foi que se tornou menos acessível a
enfermeiros e médicos. Por sorte desenvolveu um apreço por uma terapia
ocupacional, e foi através dela que pôde-se obter informações acerca das atitudes
do paciente para com a equipe médica e de enfermagem. Mesmo aqui, entretanto,
havia momentos em que acreditava ser ela uma outra pessoa, e gritava e praguejava
contra ela. Um desapontamento muito leve em suas relações bastou para que ele se
recusasse a vê-la de novo.

Este caso foi mencionado porque ilustra duas características dos pacientes
psicóticos seriamente perturbados. Primeiro, mostra como a capacidade do paciente
de conhecer a realidade do meio ambiente através das funções de seu ego
(percepção, fala, pensamento, memória) acha-se submersa sob uma realidade
psicótica, a qual, incluindo suas fantasias irracionais, altera-lhe de tal modo o
julgamento que pessoas reais como enfermeiros e médicos vêm a ser confundidas
131

como figuras de seus delírios. Isto leva o paciente a opor-se aos enfermeiros e aos
médicos, e resulta em agir ele de maneira autoprejudicial. Neste caso, os próprios
meios empregados para ajudar o paciente atuam como fonte de agravamento da
doença.

A segunda característica ilustrada por este exemplo é que o paciente não perdeu
inteiramente a capacidade de se relacionar com figuras reais. Esta capacidade,
porém, é limitada e fraca em sua expressão. Ninguém pode dizer, a princípio, com
quem o paciente será capaz de estabelecer um vínculo. Neste caso, foi com a
terapeuta ocupacional. O vínculo era fraco e foi fácil e irrecuperavelmente rompido
pelo desapontamento. O fato de que vínculos emocionais possam ocorrer nas
doenças psicóticas significa que a influência terapêutica é possível. A tarefa do
psicanalista, portanto, é descobrir se tal capacidade existe e para onde é dirigida.
Isto só pode ser feito por sua comunicação direta com a equipe de enfermeiros e
auxiliares.

É inevitável que alguns pacientes, para sua própria segurança, tenham de ser
confinados, e, então, a realidade psicótica amiúde resulta numa piora do seu estado,
levando-os a crer que se acham cercados por perseguidores. O confinamento com
pacientes do mesmo sexo pode ter resultados adversos, por outra razão. Se um
paciente se encontra preocupado com problemas de identidade sexual, e, em
conseqüência da doença, experimenta a sensação de que seu corpo é parcial ou
inteiramente feminino, pode acreditar que está atraindo ou será sexualmente atraído
pelos outros pacientes. Com muita freqüência, o comportamento incooperante,
agressivo ou aterrorizado de pacientes pode ser remontado a estas causas: a
intrusão da realidade psicótica ou o surgimento de tendências homossexuais na
consciência. Os psicanalistas, compreendendo que ambos os tipos de experiências
podem surgir na psicose, acham-se alertas quanto à sua ocorrência. Quando fazem
sua aparição, medidas apropriadas devem ser tomadas, a fim de aliviar os temores
do paciente, transferindo-o para uma situação em que sua liberdade não seja
restringida.

Quando pacientes psicóticos são tratados psicoterapeuticamente, podem surgir


certos problemas que, no caso de um paciente psiconeurótico que se submete a
tratamento psicanalítico, podem ser superados. Uma jovem paciente que sofria de
uma moléstia esquizofrênica estava sendo vista várias vezes por semana. Era filha
única e sal doença começara quando a mãe morrera de câncer. Vivia com o pai.
Quando a doença começou, a paciente ficou preocupada com uma série de idéias
irracionais. Julgava que seu pai fosse homossexual e estava convencida de que ela
própria também o era. Ouvia as pessoas dizendo isto no trabalho, nas ruas, e mesmo
em casa, quando ali não havia ninguém. Acabou por fugir de casa, em pânico,
temendo que o pai fosse atacá-la sexualmente. Posteriormente, no hospital, revelou
que experimentara sentimentos sexuais em relação ao pai.

Durante o curso da psicoterapia, manifestaram-se tendências eróticas em relação ao


analista, tal como havia ocorrido com o pai. No caso de uma paciente neurótica que
desenvolve fantasias sexuais com relação ao analista, seria possível apelar para a
sua parte razoável e sadia e demonstrar que estas manifestações constituíam uma
repetição do relacionamento com o pai, que agora atuavam como uma resistência
ao progresso do tratamento e esta resistência dissipar-se-ia com o tempo. No
132

presente caso, a paciente achava-se envolvida demais com suas idéias, não havia
um ego razoável a quem apelar e seus controles eram deficientes. O conhecimento
de fora a perda da mãe que a levara ao movimento para trás (à regressão) da vida
mental e ao surgimento de atitudes instintivas infantis fez com que o tratamento fosse
temporariamente abandonado e que os cuidados com a paciente fossem
continuados pela encarregada da enfermaria, sob a supervisão do analista. Nestas
circunstâncias, a enfermeira, “in loco”, pode ajudar a paciente a recuperar o controle.
A continuação do tratamento com o analista teria apenas exaltado a sexualidade e
as ansiedades que esta originara.

Sob circunstâncias ideais, seria necessário, nos hospitais psiquiátricos, decidir quem
é a pessoa mais indicada para ter contato com o paciente, se deve ser homem ou
mulher, moço ou velho. A melhora ou a deterioração do estado mental amiúde se
deve aos fatores que foram descritos. O psicanalista se encontra em posição de
cuidar que o manejo do paciente seja de tal ordem, que não vá de encontro ao efeito
benéfico do tratamento por drogas ou psicoterapia.

O psicanalista pode também ajudar os pacientes diretamente, através do emprego


de métodos de grupo. Ele encontra-se numa posição favorável para empreender
esta espécie de tratamento, devido a seu conhecimento de que as formas de
relacionamento que se realizarão no grupo serão repetições de relacionamentos que
estão ocorrendo na enfermaria do hospital, que ocorreram em casa, ou na infância.
Pacientes com neuroses graves e estados depressivos podem ser tratados através
de terapias de grupo, mas, nesta, tal como no tratamento individual, a natureza
divergente da capacidade de se relacionar conduz a sérias dificuldades. Entretanto,
mesmo quando a influência terapêutica positiva é limitada, o analista obtém um
quadro muito claro da doença do paciente e da maneira de seu desenvolvimento.

A terapia de grupo, tal como, na realidade, todas as espécies de intervenção


terapêutica, requer a mais íntima cooperação com a equipe de enfermagem e com
todos os médicos que estejam diretamente ligados aos pacientes. Já fizemos
referência à maneira pela qual as reações dos pacientes tendem a transbordar do
consultório para a enfermaria, onde encontram expressão com relação aos outros
pacientes e à equipe de enfermagem. Isto significa que enfermeiros e médicos
devem achar-se especialmente informados acerca dos pacientes individuais e,
particularmente, conhecedores de maneira pela qual os pacientes transferem para
eles suas atitudes e comportamentos com referência a maridos, esposas, pais e
irmãos.

O psicanalista tem como tarefa revelar o potencial terapêutico que existe em todos
aqueles que têm contato com o paciente. A teoria psicanalítica fornece os conceitos
que ajudam a descrever os processos que atuam nestas relações interpessoais e,
com seu auxílio, o que era latente passa a ser manifesto e comunicável. Caso se
pretenda que tal abordagem obtenha sucesso, entre os membros da equipe de
médicos e enfermeiros os canais de comunicação devem estar abertos. A forma que
tomarão, isto é, se deve haver reuniões estabelecidas ou discussões informais é
secundária quanto à criação de um meio pelo qual todos possam relatar suas
experiências com os pacientes. Deste modo, o amplo conhecimento que enfermeiros
e terapeutas ocupacionais acumularam através dos anos pode tornar-se
aproveitável. Tais informações revelam quão numerosas são as influências que
133

atuam sobre um paciente durante sua estada no hospital e impedem que o psiquiatra
ou psicanalista acredite ter sido uma pílula especial ou uma interpretação específica
que conduziu a uma mudança nos sintomas do paciente.

A questão é: como psiquiatra e enfermeiro vêm a reconhecer que os sintomas do


paciente e a maneira pela qual se relaciona (isto é, com o médico, com o enfermeiro
e com outros pacientes) são, em essência, uma repetição do modo pelo qual outrora
se relacionou com os outros? No que concerne á equipe médica, não pode haver
melhor maneira de aprender a reconhecer os fenômenos em questão que o
tratamento, sob supervisão, de um ou mais pacientes psiconeuróticos através de
uma psicoterapia que deve começar com a seleção de pacientes apropriados. Se
não for possível encontrá-los no hospital psiquiátrico, procuram-se casos adequados
nos ambulatórios.

A relação médico-paciente torna-se o centro do programa de instrução. Isto é


particularmente vital, uma vez que o psiquiatra em formação subestima a potência
do efeito das forças emocionais que atuam nesta relação, seja na psicoterapia, seja
em outra forma de tratamento. Muito rapidamente o psiquiatra em formação
descobre que as dificuldades de comunicação do paciente são devidas a
pensamentos e sentimentos pré-conscientes a respeito do terapeuta. Dá-se conta
das alusões à situação de tratamento que o paciente faz constantemente, as quais
torna manifestas e utiliza para fortalecer a confiança do paciente em sua capacidade
terapêutica. O objetivo da instrução é permitir que o psiquiatra em formação observe
as resistências, a transferência e os conflitos subjacentes aos sintomas. O psiquiatra
pode utilizar o conhecimento que obteve em muitas situações diferentes, o que o
impede de ignorar as influências psicológicas que atuam na terapia orgânica, ao
mesmo tempo em que reconhece os sinais indicadores de que um paciente que não
está em psicoterapia estabeleceu espontaneamente um relacionamento com ele.
Com este conhecimento, acha-se apto a explorar o relacionamento para fins
terapêuticos, o que é particularmente valioso com pacientes psicóticos.

Uma tarefa mais difícil é transmitir esse conhecimento à equipe de enfermagem, mas
tal pode ser feito se tomar-se em consideração as resistências dos enfermeiros e se
elas forem manejadas com bastante tato e paciência. Somente quando enfermeiro e
atendentes vêm a reconhecer que os sintomas e o comportamento são, em larga
escala, o resultado da regressão, é que estão aptos a adotar uma atitude mais
objetiva e menos emocional com relação a seus pacientes.

O psicanalista também pode contribuir para a pesquisa. Seu treinamento alerta-o


para a complexidade dos estudos clínicos e seu conhecimento acerca da realidade
psíquica e da transferência impede-o de super-simplificar as dificuldades
metodológicas que assediam a pesquisa clínica. Os psicanalistas reconhecem que
a coleta de dados primários não é tão simples quanto na doença física. A
variabilidade de reação do paciente fisicamente enfermo é muito menor que a do
doente mental. Esta variação se deve a numerosos fatores, entre os quais as atitudes
para com o médico se acham altamente colocadas. Além da relutância dos pacientes
em revelar algo de importante a quem mal conhece, essas influências, usualmente
pré-conscientes ou inconscientes, podem deformar a atitude do paciente com
respeito à comunicação por longos períodos. A situação experimental também pode
vir a ter um significado inconsciente para o paciente.
134

Quando técnicas terapêuticas são empregadas para registrar dados clínicos, o


psicanalista pode participar diretamente da pesquisa. Sua formação qualifica-o
particularmente bem para esta tarefa. Contrariamente a uma crença comumente
sustentada, a psicanálise sempre manteve um sério interesse pela forma que os
sintomas e sinais assumem na doença mental. A situação psicoterapêutica é
especialmente adequada para a observação das comunicações dos pacientes,
sejam elas verbais ou não-verbais. Sua preservação e manutenção não dependem,
como alguns podem pensar, de o médico constantemente apresentar
“interpretações” ao paciente. A situação permanecerá viável enquanto as
ansiedades do paciente com relação às intenções do médico se acharem
adequadamente ventiladas.

Embora a educação e a pesquisa constituam campos importantes para o


psicanalista, deve-se dar prioridade ao tratamento de pacientes. Não é apropriado,
e, parafraseando as palavras do Imperador Trajano, “contrário ao espírito dos
tempos”, encarar ou designar o psicanalista como uma “avis rara”, cuja tarefa
exclusiva é a de fazer a psicoterapia o dia todo. O psicanalista deve estar apto a
participar de tarefas hospitalares de rotina, bem como empreender o tratamento
psicanalítico de pacientes selecionados, quando se acha que isto é necessário. Ele
deve ter plena responsabilidade clínica por casos de todas as naturezas, inclusive
aqueles cujo estado mental é basicamente devido a causas orgânicas. Desse modo,
o psicanalista fica mais próximo do psiquiatra comum, através de uma melhor
compreensão dos problemas e dificuldades que o último tem de enfrentar. Não há
nenhum campo de trabalho psiquiátrico hospitalar para o qual o psicanalista não
possa contribuir, nem tampouco existe nenhuma atividade de hospital psiquiátrico
da qual não possa beneficiar-se.

Na Grã-Bretanha, a separação entre a psicanálise e a psiquiatria clínica teve efeitos


nocivos para ambas as disciplinas. Deu aos psiquiatras uma impressão errônea a
respeito da psicanálise e cegou-os para as possibilidades terapêuticas que são
inerentes às medidas psicoterapêuticas nela baseadas. Impediu-os também de
reconhecer a importante contribuição que a psicanálise pode fazer à investigação
clínica em psiquiatria. Por outro lado, a experiência clínica de muitos psicanalistas
permaneceu limitada, devido à sua falta de contato com a psiquiatria hospitalar. Isto
ocasionalmente levou, por parte de certos psicanalistas, a uma recusa em
reconhecer os limites terapêuticos do tratamento psicanalítico e facilitou também a
preservação de certas teorias psicanalíticas que certamente teriam sido modificadas
se houvessem sido expostas ao campo de provas do hospital psiquiátrico.

É pena que tantos psiquiatras sejam perturbados por temores irracionais com
respeito à psicanálise, com resultantes suspeita e preconceito. Isto causou, e
continuará a causar, conseqüências desafortunadas para a psiquiatria e para a
psicanálise. Os psiquiatras que trabalharam com psicanalistas sabem que esses
temores são infundados. Talvez o futuro conduza a uma cooperação maior, de modo
que a psicanálise possa, como um sócio com iguais direitos, participar dos cuidados
e do tratamento do doente mental.
135

LEITURAS RECOMENDADAS

JONES, M.S. (1952) Social Psychiatry (Londres, Tavistock).


MAIN, T.F. (1946) “The Hospital as a Therapeutic Institution”.
MENNINGER, W. C. (1936), “Psychoanalytical Principles Applied to the Treatment
of Hospitalized Patients”. Bull. Menninger Clinic, 1, 35.
SIMMEL, E. (1929) “Psychoanalytic Treatment in a Sanatorium”, Int. J.
Psychoanal., 10, 70.

ANEXO II

Controle de Análise Didática – Paciente/Piloto:


Turma de:
Pseudônimo:
Psicanalista em Formação:

I – Das Sessões:
1 - / / hora
2 - / / hora
3 - / / hora
4 - / / hora
5 - / / hora
6 - / / hora
7 - / / hora
8 - / / hora
9 - / / hora
10 - / / hora
11 - / / hora
12 - / / hora
13 - / / hora
14 - / / hora
15 - / / hora
16 - / / hora
17 - / / hora
18 - / / hora
19 - / / hora
20 - / / hora
21 - / / hora
22 - / / hora
23 - / / hora
24 - / / hora
25 - / / hora
26 - / / hora
27 - / / hora
28 - / / hora
29 - / / hora
30 - / / hora
31 - / / hora
32 - / / hora
33 - / / hora
136

34 - / / hora
35 - / / hora
36 - / / hora
37 - / / hora
38 - / / hora
39 - / / hora
40 - / / hora
41 - / / hora
42 - / / hora
43 - / / hora
44 - / / hora
45 - / / hora
46 - / / hora
47 - / / hora
48 - / / hora
49 - / / hora
50 - / / hora
51 - / / hora
52 - / / hora
53 - / / hora
54 - / / hora
55 - / / hora
56 - / / hora
57 - / / hora
58 - / / hora
59 - / / hora
60 - / / hora

II – Das Observações:

1 – Desempenho do Analisando na anamnese; 2 – Desempenho do Analisando nas entrevistas;


3 – Postura do Analisando perante o Contrato Analítico;
4 – Desempenho do Analisando na formação do Par Analítico;
5 – Aparecimento da Transferência;
6 – Fatores predisponentes à Contra-transferência;
7 – Poder de Insight;
8 – Existência de Neuroses;
9 – Presença de problemas Estruturais;
10 – Analisabilidade;
11 – Aceitação das Interferências Interpretativas;
12 – Resistências;
13 – Atos Falhos;
14 – Fim da Análise;
15 – RTN;
16 – Parecer Pessoal do Psicanalista em Formação; 17 – Parecer Final do Conselho Acadêmico.

XV – BIBLIOGRAFIA

1 – Fundamentos da Técnica Psicanalítica, Etchegoyen – Artes Médicas.


2- Self-Analysis – Karen Horney.
3 – Fundamentos da Psicanálise – Franz Alexander – Zahar Editores.
4 – Chaves da Psicanálise – Georges P. Brabant – Zahar Editores.
137

5 – Técnica Psicanalítica e Interpretação – Heinrich Racker – Artes Médicas.


6 – Impasse e Interpretação – Herbert Rosenfeld – Imago.
7 – Novos Fundamentos para a Psicanálise – J. Laplanche – Martins Fontes.
8 – Para Compreender Freud – Gastão Pereira da Silva – Itatiaia.
9 – A Técnica e a Prática da Psicanálise – Ralph Greenson – Imago.
10 – Psicanálise I e II – Uyratan de Carvalho – SPOB.

TRABALHO PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA.

Tema: História de Vida Pessoal (mínimo 3 laudas).

O que é História de Vida?

É a visão de mundo que cada um transmite aos outros. Neste sentido, a história de vida não diz
respeito ao passado. Ela garante a direção e a coesão necessárias para cada um agir no
presente e pensar o futuro. Desta forma, a história de vida é a explicação e a narrativa que
montamos a partir de marcos que guardamos seletivamente em nossa memória. Essa explicação
é o que nos dá identidade, nos faz reconhecer a nós próprios.

Unidade

FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICANALÍTICA I 6


ÍNDICE

1. Resistência
Introdução
Definição

2. Aspectos clínico da resistência


O Silêncio do paciente
Ante o paciente silencioso (I)
Ante o paciente silencioso (II)
O silêncio do Analista
O silêncio como ferramenta para o analista
Afetos indicando resistência
A postura do paciente
Fixação no tempo
A maneira de falar dos que evitam
Atraso, não comparecer às sessões, esquecer de pagar
A ausência de sonhos
138

3. Classificação das resistências


De acordo com a fonte de resistência
Resistência da repressão
Resistência da transferência
Resistência que deriva do ganho resultante da doença
Resistência do Id
3.1.5. Resistência do Superego
De acordo com os pontos de fixação
De acordo com os tipos de defesa
Atividades defensivas no plano da repressão
Repressão, recalque
atividades defensivas para fortalecer a repressão
anulação
conversão
deslocamento
dissociação da consciência
escotomização
humor
inibição
isolamento
lembrança encobridora
negação
postergação de afetos
Racionalização
surdez emocional
Atividades defensivas para manter a repressão
formações reativas
Atividades defensivas regressivas
regressão
fixação
Atividades defensivas envolvendo a relação com o outro
projeção
introjeção
identificação
Atividades para a superação de conflitos
elaboração
idealização
renúncia altruística
reparação
simbolização
atividade defensiva com destaque especial
sublimação

“A presença de alguém com quem se possa compartilhar


e comunicar alegria e sofrimento cura o trauma.”
Sándor Ferenczi
139

1. RESISTÊNCIA

– INTRODUÇÃO

O conceito de Resistência foi introduzida cedo por Freud; pode-se dizer que exerceu um
papel decisivo no aparecimento da psicanálise. Com efeito, renunciou à hipótese e à
sugestão essencialmente porque a resistência maciça que certos pacientes lhe opunha
parecia ser por um lado legítima, e, por outro, não pode ser superada nem interpretada.
Isto, pelo contrário, se torna possível pelo método psicanalítico, na medida em que
permite a elucidação progressiva das resistências que se produzirão particularmente
pelas diferentes maneiras como o paciente infringe a regra fundamental.

Foi como obstáculo à elucidação dos sintomas e à progressão do tratamento que a


resistência foi descoberta.

Sabemos que Freud sempre considerou a interpretação da resistência, juntamente com


a transferência, como as características específicas da sua técnica. Mas a transferência
deve ser parcialmente considerada uma resistência, na medida em que substitui a
rememoração falada pela repetição atuada; e devemos ainda acrescentar que a
resistência a utiliza mas não a constitui.

A resistência não é algo que aparece de tempos em tempos, durante a análise, mas algo
constantemente presente durante o tratamento.

Freud considerava os fenômenos da resistência intimamente (embora não


exclusivamente) relacionados a toda a gama e mecanismos de defesa do paciente, não
apenas ao mecanismo da repressão, ainda que ele freqüentemente usasse o termo
“repressão” como sinônimo de defesa geral. Esses mecanismos são desenvolvidos e
utilizados para fazer a situações de perigo (especialmente os perigos que surgiriam se
os desejos inconsciente sexuais ou agressivos conseguissem expressar-se, livre e
diretamente, na consciência ou na conduta). “Os mecanismos defensivos dirigidos contra
um perigo passado reaparecem no tratamento sob a forma de resistência contra a cura.
Disso se depreende que o ego considera a própria cura como um novo perigo”. (Freud,
1937).

Em 1936, Anna Freud, em seu livro O Ego e os Mecanismos de defesa, salientou o modo
como as resistências podem proporcionar informações sobre o funcionamento mental do
paciente. As resistências, na medida em que refletem o tipo de conflito e as defesas
utilizadas, tornaram-se elas próprias objeto de estudo. A análise das resistências poderia
ser encarada, em essência, como a análise daqueles aspectos das defesas do paciente
que se fundiram ao resultado patológicos de seus conflitos e contribuíram para os
mesmos. A “análise das defesas” mediante a análise das resistências, veio desempenhar
um papel cada vez mais importante na técnica psicanalítica (Hartmann, 1951; glover,
1955, Anna Freud, 1965).

Apesar de estreita ligação entre resistência e defesa, freqüentemente se tem acentuado


que resistência não é sinônimo de defesa. Ao passo que as defesas do paciente são
parte integral da sua estrutura psicológica, a resistência representa as tentativas do
paciente no sentido de se proteger das ameaças a seu equilíbrio psicológico
140

representadas pelo procedimento analítico. Conforme Greenson (1967) escreveu: “As


resistências defendem o status quo da neurose do paciente. As resistências se opõem
ao analista, ao trabalho analítico e ao ego racional do paciente”.

– DEFINIÇÃO

O conceito de resistência foi introduzido cedo por Freud; pode dizer que exerceu um
papel decisivo no aparecimento da psicanálise.

Chama-se resistência a tudo o que nos atos e palavras do analisando, durante o


tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso ao seu inconsciente.

É toda e qualquer manifestação de oposição ao método psicanalítico.

2. ASPECTO CLÍNICO DA RESISTÊNCIA

Antes que possamos analisar uma resistência temos que estar aptos a reconhecê-la.
Devemos lembrar que as resistências aparecem numa variedade de maneiras
complexas e sutis, em combinações ou formas misturadas e que os exemplos individuais
e isolados não constituem a regra. Deve-se também salientar que todos os tipos de
comportamento podem ajudar uma função de resistência. O fato de o material de um
paciente revelar conteúdo inconsciente, impulsos instintuais ou lembranças reprimidas
não exclui a possibilidade de uma resistência importante estar em ação no mesmo
momento.

O SILÊNCIO DO PACIENTE

É a forma de resistência mais nítida e freqüente que encontramos na prática


psicanalítica. Em geral, essa resistência significa que o paciente não está disposto –
consciente ou inconscientemente – a transmitir seus pensamentos ou emoções ao
analista. O paciente pode estar cônscio de sua má vontade ou pode perceber apenas
que parece que não há nada em sua mente. Em ambos os casos, é nosso dever analisar
os motivos desse silêncio.

Podemos ter determinadas situações, em que o paciente, não está com vontade de falar.
Neste caso, o paciente não está literalmente silencioso, mas está cônscio de que não
está com vontade de falar ou então ele não tenha nada a dizer.

A instalação de situações defensivas pode decorrer dos seguintes fatores:

• A adoção de mecanismos de defesa contra agentes externos, incluindo-se aí os


procedimentos psicanalíticos.

• A adoção de mecanismos de defesa contra agentes internos, ou seja, aqueles


superegóicos.

Podendo ocorrer situações tão especiais, que o silêncio venha a ser adotado
como:
141

Defesa contra o erotismo oral: o sugar, que é típico da situação pré-edipiana, mas
que se estenda sobre outras circunstâncias da época, vindo a ser incluída a
falação na atualidade;

Reação ante a cena primária;

Identificação com uma figura poderosa;

Defesa contra as interpretações do analista;

Defesa contra a perda de controle sobre atos e palavras;

Recurso para chegar às adaptações que se imponham, incluindo a relacionada com


a psicanálise;

Defesa ante conflito de toda ordem;

Defesa adotada dentro de um quadro de grande transtorno;

Defesas contra situações ameaçadoras provindas do superego:

Proibição expressa do superego;

Tentativa de eludir conflitos com o superego;

Inflição de auto-punição, decorrente de sentimento de culpa;

Defesa contra reprovação.

Sob o aspecto sintomatológico, o silêncio pode ser:


Um sintoma de conversão
Um sintoma passageiro referido à análise
Uma inibição de uma atividade motora
Um sintoma de neurose de caráter
Um sintoma psicótico
Manifestações sado-masoquista profundas na transferência (Kernberg)
Fortes regressões paranóides (Kernberg)

Ante o paciente silencioso (I)

Temos por definido que, em se tratando de Psicanálise, o falar é imperativo, mas o


problema é que o falar é um ato que pode ser inibido em função de muitos fatores,
sinalizando o paciente, com o silêncio, estar avassalado por circunstâncias arcaicas ou
atuais, mas todas dotadas de muito poder, o poder de calar, o poder de impor um
impedimento.

Enfrentar-se um paciente silencioso não é nada fácil, pelo que se recomenda que a
abordagem venha revestida de firmeza e decisão.
142

Dentro desta idéia, será perfeitamente aplicável, abordar-se o paciente apresentando


questões do tipo:

• “ – Em que você está pensando?”


• “ – Que lhe passa neste momento na cabeça?”
• “ – Já lhe aconteceu algo parecido em alguma circunstância fora da Psicanálise?”
• “ – Que lembrança lhe traz ficar em silêncio?”
• “ – Parece a você que eu terei condições para interpretar o seu silêncio?”
• “ – Estaria eu muito errado se dissesse que o seu silêncio tem qualquer relação
comigo ou com o tratamento?”

Mantendo-se na mesma linha, sugere-se que o Psicanalista leve, decididamente,


1. o paciente a observar a regra fundamental, sendo sincero quando de suas
considerações acerca das proposições do analista.
2. portanto, acrescentar-se à abordagem, outros fundamentos e de algumas regras da
psicanálise, particularmente, no que se refere à Associação Livre, empenhando-se,
então na sua observação estrita dos esclarecimentos.
3. estimulá-lo e mesmo acalmá-lo, dizendo que o não cumprimento das regras será
perfeitamente compreensível.
• Por outro lado, como ensina Ferenzi, há que se responder silêncio com silêncio, vez
que o silêncio pesa para o paciente, interpretando que o analista esteja se
sentindo enfadado dele, o que pode levá-lo a ceder e mudar de postura.

Ante o paciente silencioso (II)

• Aceitar tranqüilamente a atitude de silêncio, como forma de relação com o analista;


• Manter-se, em relação ao paciente, de forma equilibrada;
• Manter-se numa postura contrária aos ataques internos antes as pressões do silêncio
reinante (contra-transferência).

O SILÊNCIO DO ANALISTA

Uma das mais judiciosas opiniões sobre o silêncio da analista nos vem de Greenson
(1967), quando nos diz:

Na situação analítica, um importante aspecto da arte da comunicação com o paciente


está no uso do silêncio. O silêncio do Analista adquire muitos significados para o
paciente, dependendo, naturalmente, da situação transferencial, bem como da
contratransferência do analista. Ademais, o silêncio é um dos grandes causadores de
stress que os nossos pacientes hão de suportar na situação analítica, devendo, por isso
mesmo, ser aplicado conscientemente, tanto quanto no que se refere à qualidade,
quanto ao quantum. O silêncio é, assim, uma forma de intervenção do analista, que pode
ser tanto passiva, quanto ativa. Assim temos que o paciente pode precisar do nosso
silêncio por necessitar de tempo para seus pensamentos, sentimentos e fantasias que
vão emergir do seu interior. Nosso silêncio também exerce uma pressão no sentido de
levá-lo a comunicar e para enfrentar seus pronunciamentos e suas emoções sem
qualquer chance de desvios.
143

Do mesmo modo, pode ele sentir o nosso silêncio ou como apoio caloroso, ou como
exteriorização de crítica e de distanciamento. Isto talvez se deva às suas projeções
transferenciais, mas pode, também, derivar-se de uma sua percepção subliminar de
nossas reações contra-transferenciais.

O Silêncio como ferramenta para o analista

Todos sabemos que aquele que quiser compreender o outro, há que ouvi-lo, sendo que,
quanto mais deseje aprofundar-se na compreensão, tanto mais tempo e oportunidade
há de conceder para as exposições. Ora, o dar oportunidade, se dá por meio do fato de
se retrair o analista, oferecendo uma postura de silêncio de quem quer ouvir, com um
toque de simpatia, de acolhimento, ao que se deve aditar a empatia, o que, de resto,
resume a um dos mais expressivos princípios regentes do nosso ofício.

AFETOS INDICANDO RESISTÊNCIA

Do ponto de vista das emoções do paciente, a indicação mais típica de resistência será
notada quando o paciente comunica verbalmente, mas existe uma ausência de afeto.
Suas observações são secas, insípidas, monótonas e apáticas. Tem-se a impressão de
que o paciente está alheio e desligado do que ele está relatando. Isto é particularmente
importante quando a ausência de afeto diz respeito a fatos que deveriam estar cheios de
profunda emoção. Em geral a inconveniência da emoção é um sinal bem impressionante
de resistência.

A POSTURA DO PACIENTE

Muitas vezes, os pacientes vão demonstrar a presença da resistência pela posição que
assumem no divã. Rigidez, contração muscular, o corpo encolhido como proteção contra
uma ameaça, tudo isso pode indicar defesa. Acima de tudo, qualquer posição inalterada,
que é mantida durante toda a sessão, é sempre um sinal de resistência. Se a pessoa
está relativamente livre de resistência, a sua postura muda um pouco durante a sessão.
Movimentos excessivos também indicam que alguma coisa está sendo descarregada em
movimentos e não em palavras. A discrepância entre a postura e o conteúdo verbal
também é um sinal de resistência. O paciente que fala com suavidade sobre um fato,
mas que se contorce e se mexe, está contando apenas um fragmento de uma história.
Seus movimentos parecem estar contando a outra parte da narrativa. Mãos apertadas,
braços cruzados apertados bem contra o peito, tornozelos encostados, são indicações
de defesa. Além disso, um paciente que se senta durante a sessão ou fica com um pé
fora do divã, são indicações de desejos de fugir do analista. Bocejos durante a sessão
indicam resistência. A maneira pela qual um paciente entra no consultório, evitando os
olhos do analista ou dizendo algo que não tem prosseguimento no divã ou saindo no final
da sessão sem olhar para o analista – tudo isto são sinais de resistência.

FIXAÇÃO NO TEMPO

Em geral, quando o paciente está falando com relativa liberdade, haverá oscilações entre
o passado e o presente em suas produções verbais. Quando um paciente fala, firme e
inalteradamente, sobre o passado sem entremear qualquer coisa sobre o presente ou
se, ao contrário, um paciente fala continuamente sobre o presente sem mergulhar
ocasionalmente no passado, há alguma resistência em ação. Prender-se a um
144

determinado período de tempo é uma fuga, semelhante à rigidez e à inalterabilidade no


tom emocional, postura etc.

2.6. A MANEIRA DE FALAR DOS QUE EVITAM

Uso de chavões, termos técnicos ou conversas vazias é um dos sinais mais freqüentes
de resistência. Isso geralmente indica uma fuga das imagens vividas e evocativas da
linguagem pessoal de um indivíduo. Seu objetivo é impedir uma comunicação revelada
pessoalmente. O paciente que diz “órgãos genitais” quando realmente quer dizer pênis
está evitando as imagens que viriam à mente com a palavra pênis. Deve observar-se
aqui que o analista use uma linguagem viva e pessoal ao falar com seus pacientes.

O uso de chavões isola as emoções e afasta o envolvimento emocional.

ATRASO, NÃO COMPARECER ÀS SESSÕES, ESQUECER DE PAGAR

Obviamente, o atraso do paciente, o fato de não ir às sessões e se esquecer de pagar


são indicações de uma relutância para vir ou para pagar a sessão analítica. Isso,
novamente, pode ser consciente e, portanto, de uma acessibilidade relativamente fácil
ou pode ser inconsciente no sentido de que o paciente pode racionalizar o ocorrido. O
paciente que se “esquece” de pagar não está simplesmente relutante em dar seu
dinheiro, mas está também, inconscientemente, tentando negar que seu relacionamento
com o analista é “unicamente” profissional.

A AUSÊNCIA DE SONHOS

Os pacientes que sabem do seu sonho e o esquecem, estão, obviamente, resistindo à


recordação de seus sonhos. Pacientes que contam sonhos, mas cujos sonhos indicam
fuga da análise, como descobrindo o consultório errado ou indo para um analista
diferente etc., também estão, obviamente, lutando com alguma forma de fuga da
situação analítica. Os pacientes que absolutamente não se recordam de ter sonhado tem
em minha opinião, as resistências mais fortes porque, aqui, a resistência conseguiu
atacar não só o conteúdo do sonho, mas também a lembrança de ter sonhado.

Os sonhos são os meios de acesso mais importantes para o inconsciente, para o


reprimido e para a vida instintual do paciente. O esquecimento dos sonhos é uma
indicação da luta do paciente para não revelar seu inconsciente e, em particular sua vida
instintual ao analista (Freud, 1900, pp. 517-521). Se um analista conseguir vencer uma
resistência numa determinada sessão, o paciente pode reagir sendo capaz,
repentinamente, de se lembrar de um sonho até então esquecido ou um fragmento novo
de um sonho pode vir à mente. Inundar, a sessão com muitos sonhos é outra variedade
de resistência e pode indicar o desejo inconsciente do paciente de continuar seu sono
na presença do analista.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS RESISTÊNCIAS


DE ACORDO COM A FONTE DE RESISTÊNCIA
RESISTÊNCIA DA REPRESSÃO

Resistências das defesas do ego


145

RESISTÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA

Resistência da transferência, que, embora essencialmente semelhante à resistência da


repressão, possui a especial qualidade de, ao mesmo tempo que a exprime, também

refletir a luta contra impulsos infantis que, sob forma direta ou modificada, emergiram em
relação à pessoa do analista.

Freud também classificou esta resistência como derivada do ego.

RESISTÊNCIA QUE DERIVA DO GANHO RESULTANTE DA DOENÇA

Embora, inicialmente, o sintoma possa ser sentido “corpo estranho” e indesejável, pode
ocorrer, e muitas vezes ocorre, um processo de assimilação do sintoma na organização
psicológica do indivíduo. Freud assim o descreveu: “O ego passa agora a comportar-se
como se reconhecesse que o sintoma tivesse vindo para ficar, e a única coisa a fazer é
aceitar a situação, sem afligir-se, e tirar dela a maior vantagem possível.” (1926a.) Esses
ganhos secundários oriundos dos sintomas são bem conhecidos sob a forma de
vantagens e gratificações obtidas da condição de estar doente e de ser cuidado ou de
ser objeto do comportamento dos outros, ou sob a forma de gratificação de impulsos
agressivos vingativos para com aqueles que são obrigados a compartilhar do sofrimento
do paciente. O ganho secundário também pode resultar da satisfação de uma
necessidade de o paciente se punir ou da satisfação de tendências masoquistas ocultas.
Os mais evidentes exemplos de ganho auferido da doença podem ser constatados nas
pacientes como “neurose de compensação” ou naqueles que permanecem doentes por
causa do ganho secundário subsidiado pela sociedade, por exemplo, nos casos em que
os pagamentos da “previdência social” ultrapassam o salário que poderia ser obtido. A
refratariedade do paciente ao abandono dessas vantagens secundárias da doença, no
decorrer do tratamento, constitui essa forma particular de resistência.

Resistência derivada do ego.

RESISTÊNCIA DO ID

Devido à resistência dos impulsos instintuais a qualquer modificação no seu modo e na


sua forma de expressão. Essa forma de resistência necessita, para sua eliminação,
daquilo que Freud denominou “elaboração”. (a compulsão à repetição)

3.1.5. RESISTÊNCIA DO SUPEREGO

Resistência do superego, ou resistência enraizada no sentimento de culpa do paciente


ou na sua necessidade de punição. Freud considerava a “resistência do superego” como
sendo a mais difícil de o analista discernir e abordar. Ela reflete a ação de um “sentimento
inconsciente de culpa” (1923) e é responsável pela reação aparentemente paradoxal do
paciente a todo passo que, no trabalho analítico, representa a materialização de um ou
de outro impulso de que vão se defendendo pressionados pela sua consciência moral.
Assim, um paciente que possui intensos sentimentos de culpa referentes, por exemplo,
ao desejo de ser filho mais amado e de triunfar sobre seus irmãos, pode reagir com
resistência a qualquer modificação que ameace tornar efetiva uma situação em que ele
146

tem possibilidade de ter sucesso maior que os seus rivais. Ou então, um paciente que
tem intensos sentimentos inconscientes de culpa em relação aos seus desejos sexuais,
em particular, pode reagir com uma forte resistência subseqüente à liberação desses
desejos através do processo analítico. A “resistência do superego” pode ser
exemplificada com o paciente que se permite ter um pensamento que desperta culpa,
reprime esse pensamento e vem à sessão com uma sensação de mal-estar que, por fim,
é identificada como um sentimento de culpa que o tornou resistência ao trabalho da
análise. A mais intensa forma de semelhante resistência do superego pode ser vista na
chamada “reação terapêutica negativa”.

DE ACORDO COM OS PONTOS DE FIXAÇÃO

Todas as tentativas para classificar as resistências ir-se-ão inevitavelmente, amontoando


umas sobre as outras, apesar disso, é bom que o psicanalista tenha ao seu dispor,
rapidamente, diferentes tipos de classificação porque isso pode alertá-lo para o material
do id, funções do ego, relações objetais ou reação do superego, material característico
com os quais ele pode estar lidando.

Podemos descrever resistências orais, fálicas, do período de latência e da adolescência.


A pista pode ser dada pela qualidade instintual de uma resistência ou pelas reações
objetais ou pelo traço de caráter que está em primeiro plano ou por um tipo especial de
ansiedade ou atitude ou pela intromissão de um determinado sintoma.

Devemos salientar que a forma e o tipo de resistência mudam, no decorrer da análise.


Ocorrem regressões e progressões de tal forma que cada paciente exibe uma
abundância de resistência.

DE ACORDO COM OS TIPOS DE DEFESA

Outra abordagem proveitosa no caso das resistências consiste em determinar os tipos


de defesa empregado pela resistência.

Abordaremos a seguir as atividades defensivas do ego, ordenadas conforme o seu


aparecimento histórico articulado, a sua temática predominante. Cabe ressaltar que o
campo está aberto à observações e à criação. Não deixemos de notar que a todo
momento teremos nomes novos para fenômenos antigos e já descritos.

ATIVIDADES DEFENSIVAS NO PLANO DA REPRESSÃO


REPRESSAO, RECALQUE

Em princípio, a repressão é definida como tática ou método de defesa pela mente


humana para evitar que tenham acesso à consciência as excitações ou, mais
precisamente, as representações desconfortáveis, ligadas ou não à pulsão, frente às
exigências do próprio Ego. O Ego se organiza pelo perigo que corre de perder o controle
e “fazer” uma loucura. Também pelos medos: o medo menor de ser julgado, condenado
e punido e o medo maior, de ser aniquilado. Assim, esse mecanismo de defesa controla
a pulsão, organiza o ego e assegura o amor do objeto.
147

Depois de um certo momento histórico, todo e qualquer acontecimento psíquico


responsável por um conflito ameaçador de desconforto e ansiedade passou a ser
considerado como passível de ser reprimido.

E isso ocorreria por exigências psicológicas morais, socioculturais e outras de


semelhantes naipes.

Assim, atuação sexual fora do contexto, má educação, paixões condenadas, impulsos


ditos imorais, agressividade, incesto, sexualidade infantil, maldade, inveja, atos
antisociais, ódios, ciúmes, desejos parricidas, matricidas, filicidas, fratricidas, suicidas,
assassinos e perversões, tudo passou a compor o “lixo” a ser distanciado da luz do
processo civilizatório. Uma exigência das forças da ansiedade. Tudo isso passou a ser
confinado em uma metafórica “caixa-preta” do psiquismo, que o analista se propõe
mexer para entender o intrigante conflito subjacente. Sta é uma analogia, a partir da
linguagem da aviação. Em Freud as analogias são mais fortes: “caos”, “caldeirão cheio”,
“agitação fervilhante”.

Num primeiro momento Freud dizia que o reprimido seria o protótipo do inconsciente,
para mais tarde retificar e concluir que nem tudo que é inconsciente é, obrigatoriamente,
reprimido. Também, num primeiro instante, a repressão foi usada por ele como protótipo
de defesa, para depois se tornar apenas uma das modalidades de mecanismo de defesa.
A idéia de que a repressão fosse responsável pela angustia foi refeita, para em seu lugar,
permanecer a definição de que é a angustia que produz a repressão.

Merece ser assinalado que várias formas de exercitar as defesas, transformando-as em


“condutas”, mudam em importâncias e intensidade, com a evolução etária. O que seria
bom e saudável em uma certa idade, infância e adolescência, por exemplo, não mais o
seria na vida adulta.

A partir da repressão surgem “freios emocionais poderosos” como o pudor, a vergonha,


a repugnância, normas morais, questão de gosto, atividades artístico-culturais,
pesquisas cientificas, interesses intelectuais, religiosos e até as diversas formas de
psicoterapias pedagógicas e normativas.

A repressão está visceralmente incluída na pauta comportamental do homem civilizado.


Ela é inevitável, necessária e indispensável para a estruturação do desejo humano.

Quando exacerbada, a atividade repressora poderá compor sintoma ou uma doença. Ela
é típica dos estados histéricos. Como exemplo, temos o da emoção alterada diante das
situações inocentes, por exemplos: a pessoa não chora durante uma morte significativa,
mas entra em choro convulsivo diante de uma cena “água com açúcar” da telenovela.

Diversas formas de esquecimento, titubeios no discurso corrente, a gagueira, a timidez,


o mal aproveitamento escolar, a desorganização de vida, as neuroses de um modo geral,
são aspectos clínicos da repressão. O excesso de sono é outra forma: ao dormir se nega
o mundo externo ameaçador.

Pela clínica da repressão entende-se e percebe-se que o reprimido flui e se aloca, aqui
e ali, apresentando-se sob vários modos: nos sintomas, nas doenças, na linguagem, no
comportamento e algumas outras sutilezas anunciadas, na tentativa de um retorno.
148

Ainda que na linguagem do dia-a-dia profissional os termos sejam usados


displicentemente como “sinônimos”, Laplanche e Pontalis insistem no seu uso correto do
pondo de vista dos franceses.

Para esses autores repressão caberia à operação psíquica tendente a fazer desaparecer
da consciência um conteúdo desaprovável ou inoportuno, mas sem que haja
transposição para o inconsciente. As características da operação permaneceriam no
campo consciente ou pré-consciente; atingiriam apenas os afetos, num movimento de
simples eliminação ou inibição dos mesmos.

Recalcamento (refoulement, em francês) seria a operação com as características de


transpor para o inconsciente conteúdos ideativos e representacionais ligados à pulsão,
tais como: pensamentos, imagens e recordações. Os conteúdos afetivos não seriam
considerados, ficando de fora do conceito de recalcamento e sendo remetidos ao
conceito de repressão.

Alguns autores usam mais o termo “repressão” em sentido amplo, deixando ao leitor a
curiosidade de entender as nuances do significado.

ATIVIDADES DEFENSIVAS PARA FORTALECER A REPRESSÃO


ANULAÇÃO

É o mecanismo que tem por característica o fazer desacontecer: faz-se o contrário do


que foi feito anteriormente para tentar “apagar” o significado do ato. Está presente no
pensamento mágico dos obsessivos. O exemplo clássico é o da pessoa que vai verificar
se a torneira do gás está fechada: primeiramente ela abre a torneira para depois fechá-
la novamente.

A “expiação” é uma forma de anulação. A compulsão à simetria da forma e de números,


também. Freud relata-nos o caso de uma mulher que sentia-se na obrigação de contar
as tábuas do assoalho e os degraus de escada como proteção a pensamentos
obsessivos de “tentação”. Essa necessidade de contar chama-se aritmomania
obsessiva. Há os que contam e somam os números de telefones, de residências, de
placas de carro etc.

Prazeres simultâneos seriam formas de anulação, como o que acontece no fato de se


fazer leitura durante o ato de defecar: a expulsão das fezes seria compensada pela
introjeção da leitura.

As dúvidas obsessivas algumas vezes significariam dúvidas quanto ao êxito da anulação:


foi ou não possível determinado pensamento, sentimento ou ato?, perguntase. A
compulsão a mudar de emprego ou de namorada é uma forma de anulação. O indivíduo
conquista para se desfazer, depois, do conquistado. Há pessoas que só se sentem bem
enquanto luta por uma meta; depois da vitória ela é tomada por uma grande ansiedade,
exigindo de si um novo desafio. Fez inúmeros concursos, saiu-se muito bem em todos,
mas não conseguiu permanecer nos cargos empossados. Continuou fazendo e
desacontecendo.
149

CONVERSÃO

Para alguns autores esta seria uma atividade defensiva relativamente benigna com
deslocamento das catexias em direção a órgãos do sentido e musculatura estriada,
resultando disfunções, tais como: tremores, paralisias, anestesias, amaurose (perda de
visão) não orgânica, contraturas, etc. A função do mecanismo de conversão é aliviar a
tensão afetivo-emocional por via das expressões somáticas. Choro copioso, risos
imotivados, compulsão incoercível a falar são conversões que precisam ter seu
diagnóstico diferencial feitos com as expressões emocionais normais.

A conversão explicitada através da musculatura voluntária sempre tem um significado


simbólico. Um braço paralisado poderá significar o medo da atividade masturbatória.
Uma boca fechada em trismo (cerração involuntária da boca), com o maxilar endurecido,
poderá significar o desejo proibido de destampar impropérios. Pernas contraídas
significarão conflitos com o órgão sexual masculino, pelo desejo da presença ou da
ausência.

Certos músculos lisos também seriam atingidos pela conversão levando à náuseas,
vômitos, vontade de defecar e de urinar, talvez pela complexidade das inervações
voluntárias e involuntárias que se combinam.

Um diagnóstico importante é com a Síndrome de Ganser, um modo semiconsciente de


fingir-se doente, mas particularmente como doente mental.

O histérico reprime toda sua sexualidade genital (a que ele tem) que retorna através
das manifestações somáticas, ou ainda, que “converte”, simbolicamente, em sintoma
somático.

DESLOCAMENTO

É a medida defensiva comum no cotidiano do cidadão, sem que ele tome consciência
dela. O exemplo clássico é a do funcionário massacrado pelo chefe que, ao chegar em
casa, dirige toda sua contra-agressividade contida sobre a mulher e os filhos. De certo
modo, a pessoa até tem consciência da tensão a que está submetida, apenas não se dá
conta da causa original, do porquê de sua agressão à família.

Nas fobias é clássico o aparecimento do fenômeno de deslocamento que Freud estudou


no caso clínico do “pequeno Hans”. Nessa defesa muda o objeto e permanece o ato. No
caso dos Hans o temor pelo pai foi deslocado para os cavalos.

Fenômeno quase igual ao do deslocamento, com a característica de que o objeto


permanece e o ato muda é o chamado de substituição. Caso do indivíduo tencionado
que vai à academia de ginástica “malhar”.

DISSOCIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Aqui vamos apontá-la apenas como exemplo de atividade defensiva, sem descer a
detalhes dos quadros clínicos próprios de personalidades ou de doenças histéricas,
obsessivas, fóbicas e ansiosas, e de comportamentos de jovens imaturos ou de
síndromes esquizofreniformes.
150

Como sinonímia fala-se em “estado alterado da consciência”, “estados segundos”, “dupla


personalidade”, “despersonalização”, “estado alternante de consciência”. Em casos
graves tem que se fazer o diagnóstico diferencial com a desrealização esquizofrênica.

Caracteriza-se pela cisão da personalidade, de tal forma que uma parte se mantém
reprimida e a outra em vigência operativa e plena , com movimento alternado de
aparecimento.

Na clínica suas formas mais comuns são: certo tipo de esquecimento (amnésia), estados
sonambúlicos e estados de “fuga”, em que o paciente vive “aéreo”, distraído, não se
dando conta de acontecimentos a sua volta ou em que, até mesmo, tenha participado,
fala-se em “evitação” de situações desagradáveis.

ESCOTOMIZAÇÃO

Assim chamada por analogia com as zonas cegas da retina denominada “escotomas”,
esse mecanismo, segundo alguns autores, se daria num plano quase consciente. “Olho
mas não enxergo, se enxergo não quero ver”. Acontecimentos óbvios não são vistos por
uma “decisão”, quase de conveniência.

Em artigo sobre o “Fetichismo” (1927), Freud atribui a Laforque (1926) o uso da palavra
escotomização, mas crítica o termo porque para indicar esse processo já haveria o
vocábulo repressão, “a mais antiga palavra de terminologia psicanalítica”.
HUMOR

No artigo de 1927 sobre “O Humor” Freud aponta-o como uma forma de defesa dentro
da “extensa serie de métodos que a mente humana construiu a fim de fugir à compulsão
para sofrer”. Fazer humor e rir sobre o sexo e sobre a morte, sobre temas raciais, étnicos
e situações sociais risíveis, assustadoras, constrangedoras ou ameaçadores, é uma boa
e humana forma de fugir à perplexidade e ao medo dos temas referidos. Não é raro
pessoas terem “ataques de riso” em um velório.

INIBIÇÃO

Pouco valorizado, esse mecanismo talvez seja o que está mais presente nas várias
formas de neurose. Algumas vezes é chamado de “bloqueio emocional”.

Por ele são inibidas funções expressivas da constituição da pessoa: percepção,


psicomotricidade, fenômenos cinestésicos, funções corporais e a capacidade de
relacionar-se com o outro. Falhas intelectuais e lingüísticas, dificuldades para as trocas
afetivas, falta de “malícia”, perplexidade diante do sexo, ausência de ação diante da
agressividade são outros tantos sintomas da inibição.

O silêncio excessivo, traduzindo um bloqueio do falar, é uma forma de inibição. Pessoas


muito caladas geralmente são inibidas... ou sábias.

Na raiz das inibições está, entre outras coisas, a educação doméstica dada,
principalmente, pelos pais. A mãe exigente em chamar a atenção do filho, o pai
151

desconfirmador que só tem críticas a fazer, a verdadeira lavagem cerebral que se faz
através das ordens negativas: não faça isso, não faça aquilo, não, não... fazem parte do
processo inibidor.

ISOLAMENTO

É a tentativa obsessiva de distanciar-se das experiências ameaçadoras. O paciente


isola-se no seu “pequeno mundo”, geralmente em torno da idéias filosóficas
complicadas, para se proteger dos impulsos instintivos. No plano afetivo-sexual são
pessoas que só fazem sexo com quem não amam, não o conseguindo fazer realmente
quando têm amor e carinho pela pessoa. São, geralmente, freqüentadores(as) de
prostitutas(os).

A pessoa com tendência ao “isolamento” é capaz de recordar acontecimentos de sua


vida, relatando-os sem emoções correspondentes, como se dissesse: “não é comigo”.

O tabu do “contato” é o exemplo clássico do isolamento: impulsos de índole sensual,


agressiva ou amorosa são “impedidos”, evitando-se contatos com pessoas, animais ou
objetos. Pessoas muito enojadas, às vezes corresponderiam a esse mecanismo.

O autismo seria a forma psicótica do isolamento.

LEMBRANÇA ENCOBRIDORA

A atividade egóica vai ao baú de lembranças e retira imagens que, na consciência, têm
por finalidade substituir uma outra recordação, esta sim, penosa, desagradável ou
ameaçadora.

As lembranças encobridoras parecem estar sempre protegendo ou escondendo uma


cena de sexualidade infantil. O artigo “lembranças encobridoras’ (1899) narraria um
acontecimento autobiográfico da vida do próprio Freud, seu autor.

Às vezes, lembranças encobridoras monotemáticas se repetem, vida afora, desde a


infância.

A mentira é a forma do mentiroso se ajudar nessa luta entre a lembrança verdadeira e a


necessidade de negá-la.

A pessoa que ri constantemente para apagar uma tristeza (encobrimento da emoção).

A autopiedade, caracterizada por lamúrias e queixumes, pode fazer parte desse tipo de
defesa. A pessoa relembra de modo obsessivo temas e situações da vida passada, de
modo a confirmar-se como “vítima”, encobrindo recordações mais difíceis de virem à
tona.
152

No processo de uma psicoterapia poderão ocorrer associações livres encobridoras, à


semelhança das lembranças.

NEGAÇÃO

No caso desse mecanismo de defesa originário da repressão, as imagens teria acesso


à consciência parcialmente, mas, mesmo assim, para terem a oportunidade de serem
negadas. A dinâmica é mais ou menos assim: o fator repressivo seria, temporariamente,
removido e o reprimido afloraria por um átimo de tempo, dando chance à consciência
para negá-la.

Segundo Fenichel a capacidade de negar partes desagradáveis da realidade é a


contrapartida da realidade alucinatória.

No artigo “A negativa” (1925) Freud dá-nos o exemplo clássico do sujeito que diz: “Essa
pessoa dos meus sonhos, minha mãe, certamente, não é”. Seria a aceitação intelectual
do recalcado, sem perder a essência do recalcamento, por meio de uma pretensa
liberdade de julgar.

Vários são os tipos sociais de negação da realidade, entre eles: escapismo, adiamento
de compromissos, recusa de enfrentamentos desagradáveis, criação de doenças
imaginárias para fugir de responsabilidades, subterfúgios. A negação pode ir a um ponto
tal de irracionalidade, quando, por exemplo, o estudante deixa de comparecer à prova,
com medo de ir mal, mesmo sabendo que sua ausência implicará em nota zero.

Geralmente, o negador cria falsas situações “mais importantes”, para não enfrentar o
“mais real”. A arrogância juvenil é uma forma de negar a perplexidade do jovem diante
dos desafios da vida e o seu embaraçamento diante das tarefas sociais que lhe são
postas.

O negador mente para si próprio, prometendo que da próxima vez será diferente. No
caso do estudante, ele promete que vai estudar... mas sempre semana que vem.

A criação de fantasias e devaneios, sem a correspondente ação realizadora do ato de


fazer, é mecanismo de negação típico de quem não quer enfrentar a realidade interior
ou exterior. Sócrates já dizia que iludir-se a si mesmo é algo terrível.

Negadores da realidade somos todos nós que acreditamos que vamos ganhar na loteria
esportiva ou em qualquer forma de ficar rico sem fazem força e caímos na conversa de
vendedores hábeis que nos prometem ilusões. O lema do fantasiador é: “engana que eu
gosto”.

Com as fantasias os negadores colocam-se no lugar dos artistas de cinema e televisão


e das heroínas dos romances e novelas.

Mas um pouco de fantasia é estimulante para as lutas diárias. Na vida adulta até pode
corresponder a possibilidades factuais. Sonhar é o primeiro passo para a conquista do
desejado. Sonhar com o pé no chão, ensinam os sábios, pois as fantasias, se excessivas
e ingênuas, prejudicam o ajustamento à realidade e trazem amargas decepções.
153

POSTERGAÇÃO DE AFETOS

É o nome que Fenichel dá para situações de luto, raiva, medo, vergonha, nojo, em que
há explosões retardadas de sentimentos. A reação emocional não se dá no momento do
acontecido, mas sim algum tempo depois. Durante um período, o de perigo, o ego se
mostra corajoso, enfrentando o risco, para depois, já no momento da calmaria, ser
tomado de medo intenso. “Na hora do desastre tive peito para ajudar todo mundo, mas
depois me deu uma tremedeira danada”, diz o herói do cotidiano.

MECANISMO DE DEFESA:

É uma forma de substituir, por boas razões, uma determinada conduta que exige
explicações, de um modo geral, da parte de quem adota.

RACIONALIZAÇÃO

Nada do que fazemos na vida tem uma só justificativa: agimos por necessidade,
motivações, desejos ou com tudo ao mesmo tempo.

As necessidades estariam ligadas a faltas fisiológicas, levando-nos, por exemplo, a nos


alimentar, porque a fome “avisa’ que o corpo precisa de nutrientes para sustentarse e
sobreviver.

As motivações seriam energias psicológicas estimulando o organismo em direção a


uma meta significativa.

Por sua vez, o desejo pode ser entendido de duas formas: a primeira, bastante ampla,
refere-se ao anseio, ao querer, à aspiração, à cobiça, consciente. A segunda, forma
restrita, refere-se ao desejo como matéria prima das emoções em que está fortemente
ancorada a pulsão sexual inconsciente.

Racionalização não é invenção consciente de motivos e sim escolha inconsciente, na


qual algumas justificativas são selecionadas e outras, inaceitáveis, são jogadas ao limbo
do esquecimento.

Uma forma peculiar de racionalização é a intelectualização, pela qual, com muita


teorização, conhecimentos, especulações, tenta-se entender ou negar um conflito, sem
propor ou aceitar mudanças.

Não confundir racionalização com pensamento racional (de raciocínio): o pensamento


racional chega a “razões boas” (justas) e a racionalização chega a “boas razões”
(justificativas) para explicações do que é feito.

Os comportamentos ou pensamentos socialmente inadequados são os que mais


necessitam de racionalizações.

O raciocínio deve estar sempre acima da racionalização, distinguindo verdade e mentira,


pelo que a razão cria a esperança da justiça. Ao contrário, com a racionalização
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explicamos nossos piores vícios em casa, na rua, na escola e no trabalho, pois, para o
racionalizador, “os fins justificam os meios”.

Os psicanalistas, em tom jocoso, dizem que racionalização é uma mentira inconsciente


que se opõe no lugar que se reprimiu...

SURDEZ EMOCIONAL

São os famoso ouvidos de mercador, numa decisão quase de conveniência. “Ouço, mas
não escuto, se escuto não quero entender”.

ATIVIDADES DEFENSIVAS PARA MANTER A REPRESSÃO


FORMAÇÕES REATIVAS

Aproveitando o exemplo do barril de Tallaferro, (analogia da repressão com o esforço da


pessoa que deseja manter um barril vazio afundado na água), poderíamos dizer que a
“formação reativa” seria o homem montado sobre o barril para mantê-lo submerso, sob
uma força constante.

A formação reativa leva o ego a efetuar aquilo que é totalmente oposto às tendências do
id que se pretende rechaçar.

As formações reativas seriam compromissos transformados em traços de caráter,


capazes de se constituírem numa barreira defensiva constante contra a volta das
tendências reprimidas.

A formação reativa muitas vezes é consciente, caracterizando-se por ser uma


intolerância desproporcional à causa.

As pessoas que propõem a ser sensores de filmes, teatros, livros e revistas geralmente
conciliam a repressão e a satisfação dos desejos, pois podem ver a obra proibida e, ao
mesmo tempo, manter o seu controle moralista, condenando-a.
Mas a formação reativa, pelo seu lado bom, permite-nos manter um comportamento
socialmente aprovado e útil para a convivência humana, com papéis sociais saudáveis.
É o caso de alguém que, por formação reativa, faz-se bombeiro voluntário, como

defesa contra sua piromania. Segundo Fenichel, a pessoa que elaborou formações
reativas não criou com isso um determinado mecanismo para utilizá-lo quando se produz
a ameaça de um perigo instintivo; modificou a estrutura de seu ego como se o perigo
estivesse sempre presente, de tal forma que ele se encontre preparado em qualquer
momento em que o perigo se produza.

ATIVIDADES DEFENSIVAS REGRESSIVAS


REGRESSÃO

É o processo em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para um


estágio anterior.
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Dá-se o nome de regressão ao processo que conduz a atividade psíquica a uma forma
de atuação já superada, evolutiva e cronologicamente mais primitiva do que a atual.

Sempre que alguém se depara com uma frustração, há tendências de ter saudades de
épocas anteriores da vida em que as expectativas eram mais prazerosas.

Num processo psíquico que contenha um sentido de percurso ou de desenvolvimento,


designa-se por regressão um retorno em sentido inverso desde um ponto já atingido até
o ponto situado antes desse.

É o caso de alguém que depois de repetidas frustrações na área sexual, regride, para
obter satisfações, à fase oral, passando a comer em excesso.

FIXAÇÃO

No estudo da regressão deve-se ter especial atenção ao seu comportamento chamado


fixação. Regressão e fixação são “almas gêmeas”. Fixação seria uma tendência de se
manter cristalizados, ou cronificados, fantasias, sentimentos ou condutas referentes a
determinadas épocas do desenvolvimento psicológicos neuropsicomotor, libidinal e
social, ditos regressivos.

Juntos, fixação e regressão constituiriam perigos ameaçadores ao desenvolvimento


afetivo-sexual iniciado no nascimento. Com a fixação, exigências de gratificação
imaturas e infantis são encontradas no comportamento do adulto.

Como um exemplo de fixação, no texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”


(1905), Freud escreve: “Mesmo uma pessoa que tenha a felicidade de evitar a uma
fixação incestuosa de sua libido não escapa inteiramente à sua influência.
Freqüentemente ocorre que um jovem se apaixona seriamente pela primeira vez por uma
mulher madura ou uma jovem por uma homem de idade, que desfrute da posição de
autoridade. Isto é claramente um eco da fase de desenvolvimento que vimos discutindo,
já que essas figuras são capazes de reanimar retratos de sua mãe ou pai”.

É importante lembrar, com Freud, que toda neurose implica uma fixação, mas nem toda
fixação leva à neurose.

ATIVIDADES DEFENSIVAS ENVOLVENDO A RELAÇÃO COM O OUTRO


PROJEÇÃO

A projeção é o mecanismo de defesa em virtude do qual o indivíduo atribui a um objeto


externo suas próprias tendências inconscientes, inaceitáveis para seu superego,
percebendo-os então como características próprias do objeto.

Ampliando o conceito pode-se dizer que a projeção se dá sobre pessoas e coisas e o


material projetado poderá ser: qualidades, sentimentos e desejos. Com as
características de que este material estará sendo recusado ou desconhecido pelo sujeito
que o projeta, em função do desconforto psíquico e da ansiedade gerada, em plano
inconsciente.
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O sujeito projeta o que nega em si próprio, atribuindo ao outro qualidades, sentimentos


ou desejos que seriam originariamente seus.

Laplanche e Pontalis chamam a atenção para equívocos no uso do termo “projeção”.


Muitas vezes ele é usado em lugar de “transferência”, quando se diz: “Ele projeta a
imagem do pai sobre o patrão”; outras vezes é usado em lugar de “identificação”, por
exemplo, quando se afirma que La Fontaine “projetou”, nos animais de suas fábulas,
sentimentos e raciocínios antropomórficos.

Freud deu interessante exemplo, que se tornou clássico, do “ciúme projetivo”, em que o
indivíduo se defende dos seus próprios desejos de ser infiel, imputando a infidelidade ao
cônjugue.

INTROJEÇÃO

Para contrapor-se à projeção Ferenczi descreve a introjeção, que seria a atividade


defensiva pela qual o aparelho psíquico normal assimilaria atributos e qualidades de
objetos externos ao Ego: pessoas, coisas, animais.

Se no desenvolvimento infantil a introjeção tem valor como elemento de crescimento da


criança, no adulto ela é mais de caráter defensivo, nem sempre útil.

É clássico o caso em que ela se evidencia numa situação de luto: é comum, após a morte
do pai, que um dos filhos passe a adotar o “jeitão” do falecido. No entanto quando a
pessoa começa a se comportar como se fora “mesmo” o pai, provavelmente estaremos
diante de um caso psicótico.

Elementos introjetivos são tomados também de professores, esportistas, ídolos, lideres,


políticos, artistas etc. Daí a responsabilidade ética desses formadores de opinião.

IDENTIFICAÇÃO

É o processo psíquico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um


atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro.
A identificação pode ser parcial ou total. Num caso de identificação parcial, por exemplo,
o aluno fuma cachimbo, como faz o professor; mas numa identificação total ele estuda e
mantém uma atitude geral idêntica à do mestre.

ATIVIDADES PARA A SUPERAÇÃO DE CONFLITOS


ELABORAÇÃO

Diante do chamado instintual conflitivo, de uma dúvida existencial, de um confronto com


as regras sociais, de uma angústia de causa desconhecida, de pensamentos ambíguos
e sentimentos ambivalentes, a dinâmica psíquica é convocada. “Convocada, consciente
e inconscientemente, a superar o encruzamento conflituoso”. E isso se faz através da
“elaboração”, que é a capacidade de “reviver” criticamente as vivências até que elas
percam o efeito psicogênico e o potencial patogênico. A elaboração substitui, no
processo da realidade psíquica, a compulsão à repetição, evitando que uma análise se
transforme numa neurose compulsiva.
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Na elaboração surge a capacidade de se lidar com os termos antagônicos e excludentes


do conflito, gerando um novo plano qualitativamente mais elevado e quantitativamente
diferente.

IDEALIZAÇÃO

É a defesa que nos faz acreditar na bondade e beleza dos objetos (pessoas, coisas,
idéias). A pessoa por quem se está apaixonada, a moto do ano desejada e a proposta
política abraçada servem de exemplos de objetos relacionais em que a idealização é
utilizada, transformando-os numa crença irretorquível. A amada será a mais bela e
carinhosa do mundo; a moto será a melhor até hoje fabricado; e o ideal político, o mais
nobre da história. Ninguém e nada terão defeito para o idealizador.

No entanto, deve-se ressaltar o lado positivo, construtivo e saudável da idealização, pois


é graças a ela que teremos capacidade de ter um bom e amoroso relacionamento com
o objeto.

RENÚNCIA ALTRUÍSTICA

Esta seria uma forma de sublimação. Por ela o indivíduo usaria os mecanismos de
projeção e de identificação projetiva no que eles têm de útil para estabelecer boas
relações afetivas e consolidar os vínculos positivos. Então, ser-lhe-ia dada a
possibilidade de participar da convivência com seus semelhantes de modo a ser solidário
e camarada.

O nome é assim dado porque a pessoas “renuncia” a desejos instintivos, narcísicos e de


interesses egoísticos.

A generosidade do jovem é a forma de uma atitude defensiva, transformada no


socialmente aplaudido.

REPARAÇÃO

Em linguagem simples e popular, reparação é a capacidade de pedir desculpas e


arrepender-se por atos sacados contra terceiros e socialmente ou moralmente
condenados. Também é satíricos: “o marido leva presentes para a esposa a cada
aventura infiel”; “o negociante que dá dinheiro a obras de caridade para abafar sua
inescrupulosidade”. É o que se chama aplacar a “má consciência”.

Reparação é o que dá “grandeza” à personalidade, pois essa reconhece no outro


atributos que merecem respeito e encaminham o sujeito para uma boa relação humana.
Trata-se de uma defesa de crescimento do Ego organizada de modo lento e por meios
de valores como o da gratidão.

SIMBOLIZAÇÃO

É qualquer coisa usada para representar outra coisa. Exemplo: a pomba é símbolo da
paz. Na psicologia psicanalítica símbolo é a imagem que traduz as tendências
inconscientes.
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Como mecanismo de defesa, a simbolização é a capacidade do Ego de usar símbolos


tradutores de suas forças afetivas, muitas vezes inconscientes.

Os símbolos utilizados poderão ter sentido universal, como é o caso do folclore, das
lendas, dos mitos, dos provérbios, dos chistes, mas poderão ter significados particular,
espelhando pensamentos encontrados na própria história inconsciente da pessoa.
Muitas vezes o símbolo não deve ser visto simbolicamente. “Um charuto, às vezes, é um
charuto mesmo”, diz a anedota psicanalítica.

ATIVIDADE DEFENSIVA COM DESTAQUE ESPECIAL


SUBLIMAÇÃO

Na linguagem cotidiana usamos o vocábulo “sublimação” com certa ingenuidade.


Quando a conceito nos é ensinado nos tempos de colégio, acreditamos que o demônio
possa se tornar santo e o desejo sexual virar obra de arte. As coisas não são bem assim.
A sublimação é de difícil teorização, áspera para descrever clinicamente e, acima de
tudo, nunca teria sido vista funcionando.

Fenichel coloca no item sublimação todas as atividades capazes de fazer cessar o móvel
do perigo, ou seja, cessação daquilo que se rejeita, constituindo-se em defesas bem-
sucedidas. No entanto, desejos já reprimidos no inconsciente (recalcados, diriam os
franceses) não poderiam ser sublimados e daí por que a sublimação haveria de ocorrer
antes de qualquer repressão. Ainda é pouco conhecido o malabarismo que o Ego faz
para que isso possa acontecer.

Basicamente, para haver sublimação será necessário que o instinto se dessexualize ou


perca a agressividade e se subordine à disciplina do Ego sem, entretanto, estar reprimido
e sim livre para a criação.

A verdadeira sublimação instalar-se-ia precocemente no momento mesmo das primeiras


excitações sexuais, portanto, na infância, conforme estudo de Freud sobre Leonardo da
Vinci.

Laplanche diz que a sublimação é uma das “cruzes” da psicanálise. Cruz, no sentido de
cruzamento e convergência de vários temas, e cruz, no sentido mesmo das crucificações
no passado, impostas como flagelo.
A trajetória de Freud nesse terreno estaria repleta de hesitações e sua atitude não teria
sido nada confiante, pois ele foi remetendo para o futuro a melhor compreensão da tese,
não a alcançando no entanto.

No vocabulário de psicanálise, Laplanche e Pontalis assim a definem: “Processo


postulado por Freud para explicar atividades humanas aparentemente sem relação com
a sexualidade mas que encontraria sua origem na força de pulsão sexual.

Freud descreveu como atividade de sublimação principalmente a atividade artística e a


investigação intelectual. Diz-se que a pulsão foi sublimada ma medida em que ela é
desviada para uma nova meta não sexual e visa objetos socialmente valorizados”.
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Na prática, muitas vezes, o que chamamos de sublimação na


verdade são mecanismos substitutivos da atividade sexual, não
correspondentes, em sua gênese, ao conceito original do termo.
Por isso, sublimação não deve ser confundido com os
mecanismos da compensação, do deslocamento, da substituição,
das forças reativas ou com as fases de adaptação estudadas por
Erich Fromm.

Vínculos afetivos como os da ternura, camaradagem, amizade,


sem objeto sexual, apontam para a sublimação como relações
humanas.

Interesses humanitários, amor universal, inspiração artística,


obra literária, sem repressão, apontam para a sublimação como
criatividade.

EXERCÍCIO PARA FIXAÇÃO DA


MATÉRIA / UNIDADE
FUNDAMENTOS DA
TÉCNICA PSICANALÍTICA I

1. Defina Resistência, como se apresenta e sua relação com


mecanismo de defesa.

2. O que pode representar o silêncio do paciente? Como elucidá-lo?

3. Fale quatro tipos de atividade que visam fortalecer a repressão.


a) Deslocamento
b) Dissociação da Consciência
c) Escotomização
d) Humor

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