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ROSÍRIS PAULA CERIZZE VOGAS

LIMITES CONSTITUCIONAIS À GLOSA DE CRÉDITOS DE


ICMS EM UM CENÁRIO DE GUERRA FISCAL

Nova Lima-MG
2010
ROSÍRIS PAULA CERIZZE VOGAS

LIMITES CONSTITUCIONAIS À GLOSA DE CRÉDITOS DE


ICMS EM UM CENÁRIO DE GUERRA FISCAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito, Stricto Sensu, da
Faculdade de Direito Milton Campos, como
requisito parcial a obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro


Coêlho

Nova Lima - MG
2010
ROSÍRIS PAULA CERIZZE VOGAS

LIMITES CONSTITUCIONAIS À GLOSA DE CRÉDITOS DE


ICMS EM UM CENÁRIO DE GUERRA FISCAL

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Direito, e
aprovada em sua forma final, pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Direito da
Faculdade de Direito Milton Campos, área de Direito Empresarial, linha de pesquisa A
empresa na contemporaneidade – a preservação da empresa e o poder de tributar.

Banca Examinadora:

______________________________________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho

______________________________________________________________________
Membro: Prof. Dr.

______________________________________________________________________
Membro: Prof. Dr.

______________________________________________________________________
Coordenador do Curso: Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann

Nova Lima, ___ de dezembro de 2010.


DEDICO este trabalho a minha amada mãe,
Regina, que esteve presente em todos os meus
momentos, vibrando pela superação dos
desafios, celebrando as conquistas ao meu
lado, sempre, e me ensinando que não há
vitória sem sacrifício.
AGRADECIMENTOS

Ao Wilson, meu esposo, pelo companheirismo, compreensão e estímulo absolutos;


Ao meu pai, Douglas, e minha irmã, Dra. Amarilis, pelo apoio incondicional e eterno
carinho;
Ao Prof. Dr. Sacha Calmon, meu orientador e grande mestre, que, mesmo envolto em
seus compromissos, esteve sempre disposto a me auxiliar;
Ao Dr. Pauliran Gomes e Silva, por ser a verdadeira inspiração para escrever sobre o
tema, exemplo de profissional e jurista, por quem nutro profunda admiração e destacado
respeito;
Ao Dr. Modesto Ponciano Freitas, que acreditou nos meus projetos, tendo me
incentivado e disponibilizado todo o suporte necessário para que eu pudesse me ausentar do
trabalho em Uberlândia e cursar o Mestrado em Belo Horizonte;
À Dra. Elza Maria Alves Canuto, pela rica troca de idéias;
À Graça, pela dedicada revisão do texto;
A todos os meus amigos e familiares, que entenderam a minha prolongada reclusão e
ausência em suas vidas nesta etapa.
Quem é firme em seus propósitos molda o mundo a seu gosto.
(Johann Goethe)
RESUMO

No presente trabalho pretendemos avaliar a constitucionalidade dos normativos editados por


alguns estados para subsidiar a prática da glosa de créditos do ICMS, apropriado pelos
contribuintes que adquirem mercadorias em outras unidades federativas, com benefícios
fiscais concedidos à revelia do Confaz. Tratam-se das perversas reações fazendárias ao
cenário de deflagrada guerra fiscal no Brasil. O estudo parte de uma análise do perfil jurídico
do ICMS, dos princípios constitucionais que lhe são especificamente aplicáveis, do regime
jurídico dos benefícios fiscais e respectivas limitações a sua concessão. Em seguida,
ingressamos no exame de causas e efeitos da guerra fiscal para atingir o cerne de toda a
problemática: a glosa de créditos de ICMS. São apresentados os principais argumentos
contrários a essa prática, em fazemos uma incursão pela jurisprudência do STF sobre o
assunto. Diante da tensão observada entre normas constitucionais, propomos a superação, por
meio do emprego de importantes critérios exegéticos, como a técnica de ponderação e os
postulados jurídicos. Por fim, chegamos à reflexão sobre a necessidade e possibilidade de uma
reforma estrutural no subsistema do ICMS como alternativa necessária para coibição dos
conflitos interjurisdicionais.

Palavras-chave: ICMS, Não-cumulatividade, Benefícios fiscais, Guerra fiscal.


ABSTRACT

The subject matter of this study concerns the analysis of the constitutionality of the laws
passed by some States in order to subsidize the practice of credit cancellation of Tax on
Circulation of Goods and Services (ICMS) to tax payers who acquire goods in other
federative units which grant fiscal benefits with no regard to the National Fiscal Council
(CONFAZ). It deals with the perverse States reactions within the triggered Brazilian fiscal
war. This study stems from an analysis of the Tax on Circulation of Goods and Services
(ICMS) legal profile, from its applicable constitutional principles, and from the legal scheme
of the fiscal benefits and respective limitations for its concession. Thus the causes and effects
of the fiscal war are examined in order to reach the core of the problem, that is the tax on
circulation of goods and services (ICMS) credit cancellation. The main arguments counter to
this practice, bearing in mind the Superior Court of Justice (STF) jurisprudence, are
presented. In face of observed tension between constitutional regulations, an agreement is
proposed based on important exegetical criteria such as reflection and legal postulates.
Finally, a reflection on the necessity and possibility of a structural reform in the Tax on
Circulation of Goods and Services (ICMS) sub-system is proposed as an alternative to restrain
jurisdictional conflicts.

KEY words: fiscal war, fiscal benefits, Tax on Circulation of Goods and Services (ICMS),
Non-Cumulativity
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

Quadro 1 – Regra matriz de incidência tributária segundo Paulo de Barros Carvalho


Quadro 2 – Regra matriz de incidência tributária segundo Sacha Calmon
Quadro 3 – Exemplo fictício de uma operação interestadual
Quadro 4 – Exemplo fictício da forma como se operacionaliza a glosa de créditos de ICMS
Quadro 5 – Manifestações fazendárias restritivas de direitos creditórios de ICMS
Quadro 6 – Exemplo fictício de alteração de alíquota interestadual
Quadro 7 - Hipóteses discriminatórias constantes do Anexo II do Comunicado CAT SP n°.
36/2004
Quadro 8 – Síntese dos objetivos e propostas originais da PEC n°. 233/2008

FIGURAS

Figura 1 – Os períodos históricos nos quais se desenvolveu a guerra fiscal


Figura 2 – As distintas relações jurídicas dos envolvidos na guerra fiscal
Figura 3 – Guerra fiscal: tensão entre normas constitucionais

TABELAS

Tabela 1 - Arrecadação do ICMS por região – R$ mil


Tabela 2 - Hipótese de cadeia produtiva sem desoneração intermediária de ICMS
Tabela 3 - Hipótese de cadeia produtiva com desoneração intermediária de ICMS
Tabela 4 - Razões para a instalação de plantas produtivas em outra unidade da Federação
LISTA DE ABREVIATURAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade


Bandes Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo S/A
Cade Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAT Coordenação da Administração Tributária
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CF Constituição Federal
CNI Confederação Nacional da Indústria
Cofins Contribuição para Financiamento da Seguridade Social
Confaz Conselho Nacional de Política Fazendária
CTN Código Tributário Nacional
FEF Fundo de Estabilização Fiscal
FER Fundo de Equalização de Receitas
FNDR Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
FPE Fundo de Participação dos Estados
Fundap Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias
ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana
IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
ISS Imposto sobre Serviços
IR Imposto de Renda
IVA Imposto sobre Valor Agregado
IVC Imposto sobre Venda e Consignação de Mercadorias
IVM Imposto sobre Venda de Mercadorias
LC Lei Complementar
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PIS Programa de Integração Social
PNBE Pensamento Nacional das Bases Empresarias
Resp Recurso Especial
RICMS Regulamento do ICMS
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 O PERFIL JURÍDICO DO ICMS


1.1 Breve digressão sobre a evolução legislativa do ICMS..................................................... 18
1.2 Aspectos fundamentais da incidência tributária do ICMS................................................. 20
1.3 O papel da lei complementar em matéria de ICMS........................................................... 24
1.4 Um tributo estadual de vocação nacional.......................................................................... 27

CAPÍTULO 2 O ICMS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


2.1 Os princípios como elementos normativos do sistema jurídico......................................... 30
2.2 Não-cumulatividade........................................................................................................... 33
2.2.1 Hipóteses excepcionais a não-cumulatividade................................................................ 37
2.3 Federalismo fiscal.............................................................................................................. 40
2.4 Neutralidade tributária....................................................................................................... 44
2.5 Tributação na origem......................................................................................................... 47

CAPÍTULO 3 O REGIME JURÍDICO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS


3.1 Breve abordagem histórica................................................................................................. 51
3.2 A extrafiscalidade no âmbito do ICMS.............................................................................. 53
3.3 Conceito de benefícios fiscais............................................................................................ 55
3.4 Espécies de benefícios fiscais............................................................................................ 57
3.4.1 Distinção entre incentivos fiscais e incentivos financeiros............................................. 58
3.4.2 A norma de incidência tributária..................................................................................... 60
3.4.3 Os tipos exonerativos...................................................................................................... 62
3.4.3.1 Imunidade, isenção e não-incidência........................................................................... 62
3.4.3.2 Isenção parcial.............................................................................................................. 65
3.4.3.3 Reduções de base de cálculo e de alíquota.................................................................. 67
3.4.3.4 Alíquota zero................................................................................................................ 69
3.4.3.5 Crédito presumido e regimes especiais de tributação.................................................. 71
3.4.3.6 Diferimento.................................................................................................................. 74
3.4.3.7 Remissão e anistia........................................................................................................ 76
3.4.3.8 Subsídios e subvenções................................................................................................ 77

CAPÍTULO 4 LIMITES PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS


4.1 Limites genéricos para a concessão de benefícios fiscais.................................................. 79
4.1.1 Principio da legalidade e agente competente.................................................................. 79
4.1.2 Princípio da isonomia...................................................................................................... 83
4.2 Limites específicos para concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS.................... 86
4.2.1 Alíquotas fixadas pelo Senado Federal........................................................................... 86
4.2.2 Lei Complementar n°. 24/1975 – disciplina e alcance.................................................... 87
4.2.3 Os convênios interestaduais e o Confaz.......................................................................... 90
4.3 As limitações impostas por normas orçamentárias............................................................ 94
4.3.1 O âmbito de aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal............................................. 94
4.3.2 Os requisitos da LRF quanto à concessão de benefícios fiscais..................................... 95
CAPÍTULO 5 GUERRA FISCAL: causas e efeitos
5.1 A caracterização do fenômeno no Brasil........................................................................... 98
5.2 Efeitos macroeconômicos e sociais da guerra fiscal.........................................................105
5.3 A glosa de créditos de ICMS como efeito da guerra fiscal...............................................108
5.3.1 Manifestações fazendárias restritivas ao aproveitamento de créditos de ICMS............112
5.3.2 Resolução n°. 3.166/2001 do Estado de Minas Gerais..................................................114
5.3.3 Comunicado CAT n°. 36/2004 do Estado de São Paulo................................................117

CAPITULO 6 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À GLOSA DE CRÉDITOS DE ICMS


6.1 Fixando as primeiras premissas........................................................................................120
6.2 Limites constitucionais a glosa de créditos de ICMS.......................................................121
6.2.1 Usurpação da competência do STF para declarar a inconstitucionalidade de normas
concessivas de benefícios fiscais...................................................................................123
6.2.1.1 A presunção de validade das normas jurídicas...........................................................123
6.2.1.2 A competência do STF e a violação ao princípio da separação dos poderes..............125
6.2.1.3 A impossibilidade de auto-aplicação das sanções previstas no art. 8° da LC
n°. 24/75......................................................................................................................129
6.2.2 Violação ao princípio da não-cumulatividade...............................................................132
6.2.3 Usurpação da competência do Senado Federa l para fixação de alíquotas inter-
estaduais........................................................................................................................135
6.2.4 Violação ao princípio da não discriminação em razão da origem.................................138
6.2.5 O caráter constitutivo das normas restritivas de direitos creditórios e a violação ao
princípio da não-surpresa...............................................................................................139
6.3 Efeitos da anulação de benefícios fiscais..........................................................................142
6.3.1 Efeitos temporais............................................................................................................143
6.3.2 Efeitos materiais.............................................................................................................144
6.4 Problemática da glosa de créditos de ICMS sob perspectiva jurisprudencial do STF......147

CAPITULO 7 CRITÉRIOS EXEGÉTICOS PARA SUPERAÇÃO DO CONFLITO


7.1 O conflito normativo constitucional instaurado................................................................155
7.2 Os postulados jurídicos como instrumentos de harmonização de conflitos normativos...157
7.2.1 Sobre os postulados jurídicos.........................................................................................157
7.2.2 Em busca do melhor critério exegético – a técnica da ponderação................................159
7.2.3 Segurança jurídica e proteção da boa-fé dos contribuintes............................................160
7.2.4 Justiça fiscal e solidariedade social................................................................................166
7.2.5 Razoabilidade e proporcionalidade................................................................................168
7.3 Uma análise econômica da questão..................................................................................172

CAPÍTULO 8 REFORMA TRIBUTÁRIA E EXPECTATIVAS FUTURAS...............175

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................181

REFERÊNCIAS....................................................................................................................185

ANEXOS
I – Art. 155 da Constituição Federal de 1988.........................................................................195
II - Lei Complementar n°. 24 de 07 de janeiro de 1975..........................................................198
III – Resolução n°. 3.166 SEF MG de 11 de junho de 2001...................................................201
INTRODUÇÃO

Os governos estaduais há muito tempo vêm utilizando o ICMS como instrumento


de atração de investimentos para os seus territórios, por meio de concessão dos mais variados
benefícios fiscais, postos sob as mais diversas e criativas roupagens jurídicas. Tal prática, em
muitos casos, encontra fundamento de validade em valores consagrados na Constituição
Federal e persegue o desenvolvimento econômico e social do país. Porém, em outros casos,
pode ser que isto não aconteça, já que os entes federativos, não raro, deixam de observar os
requisitos necessários para a concessão desses incentivos, notadamente a sua aprovação pela
unanimidade dos membros do Conselho Nacional de Política Fazendária - Confaz,
culminando na manipulação indiscriminada do imposto.
Trata-se do conhecido, e cada vez mais alarmante, cenário da guerra fiscal,
absolutamente deflagrada no país, com conseqüências danosas para a sociedade brasileira,
principalmente para os contribuintes, que além de não terem qualquer segurança jurídica em
relação aos benefícios concedidos, sofrem com as retaliações empreendidas pelos estados, que
ao invés de se digladiarem entre si, acabam atacando seus próprios contribuintes.
São muitos os fatores que têm propiciado a intensificação da guerra fiscal, cujos
efeitos podem ser positivos ou negativos, a depender da análise do caso concreto. É
justamente um dos mais perversos efeitos desencadeados por essa emergente guerra fiscal o
tema central desta pesquisa, a glosa de créditos de ICMS, impulsionada basicamente por
interesses arrecadatórios.
A legislação estadual de várias unidades federativas do país tem vedado o
aproveitamento do crédito do imposto correspondente à vantagem econômica decorrente de
qualquer tipo de benefício fiscal, ainda que destacado em nota fiscal, concedido pelo estado
de origem das mercadorias sem a chancela do Confaz. Configura-se reação que atinge
terceiro/contribuinte, o qual, na maioria das vezes, sequer tem conhecimento de que a
mercadoria adquirida é incentivada na origem.
Os normativos, editados pelos estados, referentes à glosa de créditos de ICMS
normalmente invocam o seu fundamento de validade na própria Constituição Federal,
notadamente no inciso I do § 2º do art. 155, que preconiza o princípio da não-cumulatividade,
e na alínea g do inciso XII do § 2º do art. 155, que dispõe caber à lei complementar regular,
mediante deliberação dos estados e do distrito federal, a concessão e revogação de isenções,
incentivos e benefícios. Por isso, tais normas sustentam ainda a validade de suas prescrições
nos comandos da Lei Complementar nº. 24/1975, que diz ser obrigatória a celebração e
ratificação de convênios para conceder ou revogar quaisquer favores fiscais ou financeiros, de
que resulte redução ou eliminação direta ou indireta do ônus do ICMS.
O resultado prático disto é que, verificada a concessão unilateral de incentivos
pelo estado de origem, isto é, sem amparo em convênio firmado entre todas as unidades
federativas, o estado de destino poderá não só glosar eventuais créditos de ICMS apropriados
pelo contribuinte adquirente sediado em seu território como, também, exigir o valor
respectivo acrescido de multas e juros.
Ocorre que as medidas indiretas de retaliação implementadas pelos estados que se
sentem prejudicados pela guerra fiscal estão se tornando cada vez mais freqüentes e severas,
evidenciando um sério problema nacional e, em matéria tributária, talvez um dos mais
preocupantes e instigantes da atualidade. Ademais, demonstraremos que caríssimos princípios
constitucionais são desprezados nesses casos.
As normas que disciplinam a glosa de créditos de ICMS começaram a ser
positivadas pelos estados no início dos anos 2000. Portanto, o tema é relativamente recente,
carecendo de amadurecimento doutrinário e, principalmente, jurisprudencial, na medida em
que as decisões existentes, ainda não enfrentaram todas as inconstitucionalidades que
gravitam sobre tal prática, além da equivocada interpretação a aplicação do princípio da não-
cumulatividade dada pela maioria.
Surge, então, a premente necessidade do desenvolvimento científico de critérios
de harmonização e resolução do conflito instaurado entre estado de destino e contribuintes
adquirentes de mercadorias incentivadas em outras unidades federadas.
O tema é vastíssimo e seu estudo perpassa pela análise detida de diversas
categorias do direito tributário e constitucional, como o federalismo fiscal, a não-
cumulatividade, as espécies de incentivos fiscais, a sistemática de tributação das operações
interestaduais, dentre outros pontos não menos importantes que afetam diretamente as
relações jurídicas entre fiscos e contribuintes e entre os próprios estados.

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No entanto, o ensaio extravasa o campo da dogmática jurídica na medida em que
são feitas incursões, ainda que breves, seja na seara política, quando se investigam as causas e
alternativas para a guerra fiscal, seja no campo econômico, quando buscamos relacionar os
seus efeitos.
Fixamos algumas premissas essenciais, realizando o corte metodológico
necessário a todo trabalho científico. Com isso, foi escolhido o objeto da investigação que se
limitou a buscar respostas para a seguinte questão: são constitucionais as normas e medidas
restritivas ao direito de aproveitamento de crédito de ICMS pelo contribuinte adquirente de
mercadorias em operações interestaduais, cujos remetentes sejam beneficiários de incentivos
fiscais concedidos em desacordo com a legislação de regência do imposto?
É claro que ao longo da pesquisa muitas dúvidas surgiram e precisaram ser
superadas para que fosse possível formular, ao final, conclusões coerentes, devido às
inúmeras controvérsias e polêmicas que o assunto suscita. Eis alguns dos subproblemas
enfrentados: (i) a glosa de créditos de ICMS ofende ou preserva o princípio da não-
cumulatividade?; (ii) o direito ao crédito de ICMS é decorrente do imposto incidente ou pago
em operações anteriores?; (iii) tipos exonerativos, como a isenção parcial, redução de base de
cálculo ou de alíquota, alíquota zero, diferimento, crédito presumido, dentre outros tantos,
podem ser equiparados aos institutos da isenção ou não-incidência e, portanto, podem ser
considerados exceções ao princípio da não-cumulatividade?; (iv) a Lei Complementar n°.
24/1975 foi recepcionada pela Constituição Federal?; (v) como compatibilizar a glosa de
créditos de ICMS prevista no art. 8° da LC n°. 24/1975 com o princípio da não-
cumulatividade?; (vi) a LC n°. 24/1975 é auto-aplicável?; (vii) a norma restritiva ao direito
creditório do ICMS tem eficácia declaratória ou constitutiva?
Para embasar as premissas e respostas a essas questões realizamos investigação
jurisprudencial e, também, doutrinária, em obras de autores brasileiros e estrangeiros, e em
diversas fontes secundárias (teses, dissertações, artigos e revistas especializadas). Isto
possibilitou-nos a revisão bibliográfica acerca do tema proposto com o intuito de identificar as
efetivas contribuições científicas existentes e trazer uma nova abordagem em relação ao que
já foi produzido. Em face de todo o estudo feito, estruturamos esta dissertação em oito
capítulos, conforme evolução do tema.
O capítulo 1 apresenta o atual perfil jurídico do ICMS, especificamente no que se
refere ao fato gerador circulação de mercadorias, a partir de uma digressão sobre a evolução
legislativa do imposto e dos aspectos fundamentais de sua incidência. Discutimos, também, o

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papel da lei complementar em matéria de ICMS, colocando, desde logo, para primeiras
reflexões, uma das principais causas da guerra fiscal no Brasil: a acentuada vocação nacional
de um imposto de competência estadual.
No capítulo 2 fazemos uma incursão sobre os princípios constitucionais
especificamente aplicáveis ao ICMS, essenciais para a compreensão das bases sob as quais
está estruturada toda a sistemática de apuração e cobrança desse imposto. Discorremos, então,
sobre a não-cumulatividade e suas exceções, o federalismo fiscal, a neutralidade e o modelo
de tributação na origem.
No capítulo 3 enveredamos pela análise do regime jurídico dos benefícios fiscais,
pautando-nos em uma conceituação preliminar para posterior distinção técnica das suas
variadas espécies. São evidenciadas diferenças expressivas entre os institutos jurídicos dos
favores estatais, distinções estas que trazem importantes implicações de ordem prática,
principalmente no momento de aferirmos se estamos, ou não, diante de uma exceção
constitucional ao princípio da não-cumulatividade.
No quarto capítulo são expostos os limites genéricos e específicos para a
concessão de benefícios fiscais pelas unidades federadas, bem assim aquelas limitações
impostas por normas de natureza orçamentária.
Já, no capítulo 5, investigamos as causas da guerra fiscal, pontuando as suas
conseqüências macroeconômicas para então atingir um dos seus principais efeitos colaterais: a
glosa de créditos de ICMS. Foram mapeados os principais normativos restritivos de direitos
creditórios editados pelos estados que têm adotado essa malfadada prática, com ênfase para a
legislação dos Estados de Minas Gerais (Resolução n°. 3.166/2001) e São Paulo (Portaria
CAT n°. 36/2004).
No sexto capítulo desenvolvemos a linha de argumentação que nega a glosa de
créditos de ICMS, escorada em dispositivos do Diploma Supremo que resguardam direitos e
garantias individuais dos contribuintes, destacando as inconstitucionalidades que gravitam em
torno das medidas restritivas. Além disso, promovemos uma análise crítica da atual
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, majoritariamente favorável às manifestações
fazendárias de que trata o estudo.
O capítulo 7 preocupamo-nos em buscar e definir critérios exegéticos consistentes
para a superação de um conflito instaurado a partir da aplicação inadvertida de regras e
princípios constitucionais. Para tanto, as situações dos envolvidos no embate são examinadas
sob duas principais perspectivas: a primeira, que estuda individualmente o contribuinte

16
adquirente que sofre a glosa de créditos de ICMS, à luz do sobreprincípio da segurança
jurídica, e seus notáveis subprincípios da proteção da confiança e da boa-fé; a segunda,
estudando isoladamente as razões do estado de destino restringir o direito creditório do seu
contribuinte, à luz do sobreprincípio da justiça fiscal.
Em seguida utilizamos a técnica hermenêutica da ponderação para realizar o
imprescindível sopesamento dos valores envolvidos nesse confronto, pautando-nos pelo
emprego dos postulados jurídicos, ou melhor, das metanormas, capazes de estruturar a
aplicação de outras normas jurídicas, preciosos instrumentos para a superação de antinomias.
É cediço que a solução para a guerra fiscal no país depende de uma já tardia
reforma do Sistema Constitucional Tributário. O conflito interestadual é o ponto mais
intrincado de todas as propostas já colocadas nos últimos tempos. Sendo assim, no último
capítulo, exploramos a forma como o tema guerra fiscal é tratado na última Proposta de
Emenda Constitucional, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, a PEC n°. 233/2008,
e, ainda, se as alternativas por ela veiculadas são de fato suficientes para dar cabo ao
problema.
As controvérsias acerca dessa matéria são pulsantes e, uma vez que representam
grandes conflitos de interesses, o debate se torna não só oportuno como verdadeiramente
necessário e construtivo. Não há qualquer pretensão de apresentarmos respostas definitivas
para a problemática posta à evidência, mesmo porque este não é o papel do cientista do
direito. Ao contrário, o que almejamos é ofertar à comunidade jurídica e ao meio empresarial
uma nova e possível interpretação do fenômeno enunciado, convictos de que não se pode
promover justiça fiscal atropelando direitos e garantias fundamentais e individuais dos
contribuintes.

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1 O PERFIL JURÍDICO DO ICMS

1.1 Breve digressão sobre a evolução legislativa do ICMS

O ICMS é um imposto que, apesar de ter sido criado pela Constituição Federal de
1988, decorre de uma evolução legislativa, resultado da unificação de seis outros impostos
existentes no ordenamento constitucional anterior (CF/1967), quais sejam: (i) imposto sobre
circulação de mercadorias; (ii) imposto único sobre minerais; (iii) imposto único sobre
combustíveis líquidos e gasosos; (iv) imposto único sobre energia elétrica; (v) imposto sobre
transportes; (vi) imposto sobre comunicações.
Em razão dessa complexa fusão de fatos geradores, o legislador constitucional
dedicou especial atenção a esse imposto, que está disciplinado de forma bastante detalhada no
art. 155 da CF/1988 (vide Anexo I). Sem dúvida alguma, o ICMS é um tributo
minuciosamente tratado pelo Texto Maior.
Inicialmente, a incidência operava-se sobre as vendas mercantis – IVM, imposto
de competência da União Federal, instituído pela Lei nº. 4.625/1922. Com o advento da
Constituição de 1934, o imposto passou a incidir sobre as vendas e consignações - IVC,
quando a competência para a sua exigência foi alterada para os estados-membros.
Tanto o IVM como o IVC eram tributos de incidência em cascata, isto é, de
incidência cumulativa sobre todas as fases da cadeia circulatória das mercadorias. Assim,
sempre que houvesse mudança da titularidade das mercadorias, deveria ser aplicada a alíquota
do imposto sobre a margem ou valor da transação que se agregava à nova base de cálculo da
operação subseqüente, onerando significativamente o consumidor final.
A partir da Reforma Tributária determinada pela Emenda Constitucional n°. 18 de
1965 (CF/1946), o IVC foi substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM,
com substanciais alterações, principalmente em razão da instituição da não-cumulatividade. A
nova sistemática buscava mitigar os severos efeitos da cobrança cumulativa do imposto sobre
o consumo, porém, sem definir com maior acuidade o seu exato alcance, o que foi delegado à
lei complementar, situação esta mantida pela Constituição Federal de 1967. O ICM foi então
regulamentado pelo Decreto-Lei n°. 406/1968.
O eminente professor Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004) apresenta o contexto
econômico que justificou a substituição da sistemática cumulativa do antigo IVC para o
regime da não-cumulatividade do ICM:

À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e


economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos estados
(IVC) um tributo avelhantado, “em cascata”, propiciador de inflação,
verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da
Federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se substituí-lo por um imposto
“não-cumulativo” que tivesse como fatos jurígenos não mais “negócios
jurídicos”, mas a realidade econômica das operações promotoras da
circulação de mercadorias e serviços no país, como um todo. (COÊLHO,
2004, p. 384).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi criado o Imposto sobre


Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e de
Comunicações – ICMS, que trouxe expressivas reformulações em relação ao ICM. A guisa de
exemplo, podem ser citadas a ampliação de seu aspecto material de incidência e, também, a
concretização, se bem que de aplicação facultativa, do princípio da seletividade de alíquotas,
em razão da essencialidade do bem ou do serviço.
Ressaltemos, ainda, que na Constituição Federal de 1988, o princípio da não-
cumulatividade foi consagrado de forma ampla e irrestrita, tendo sido estabelecido o conteúdo
do direito ao creditamento do ICMS cobrado nas operações anteriores, sem qualquer menção
a lei infraconstitucional.
Esse imposto foi regulamentado por longa data pelo Convênio ICMS n°. 66/1988,
vez que nos termos do § 8º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
caso não fosse editada lei complementar para a instituição do ICMS, no prazo de 60 dias
contados da promulgação da Constituição, os estados e o distrito federal poderiam, em caráter
provisório, fixar normas para regular a matéria, por meio de convênios.
De 1988 a 1996, o que era para ser provisório vigorou por quase 10 anos.
Somente com a edição da Lei Complementar nº. 87/1996, mais conhecida como Lei Kandir,
ainda em vigor, foram estabelecidas as regras estruturais para instituição do ICMS, com
respaldo nos princípios constitucionais que lhe são aplicáveis.
Ricardo Cretton (2007) destaca alguns dos avanços trazidos pela Lei Kandir, que
conferem maior competitividade ao Brasil em tempos de globalização e concorrência
19
internacional: (i) desoneração da exportação de produtos, inclusive semi-elaborados,
mercadorias e serviços; (ii) reconhecimento dos créditos fiscais relativos a bens adquiridos
pelos contribuintes para uso/consumo ou ativo permanente, tornando a eficácia do princípio
da não-cumulatividade mais abrangente.
A Lei Complementar n°. 87/1996 já sofreu diversas alterações, algumas delas
bastantes relevantes, como as constantes nas Leis Complementares nº. 102/2000, 114/2002 e
115/2002 e na Emenda Constitucional nº. 33/2001.
Como não é propósito deste estudo avaliar os detalhes da regulamentação do
ICMS e suas sucessivas alterações, uma vez traçado um brevíssimo panorama da sua
evolução legislativa, passaremos, na seqüência, ao exame dos aspectos fundamentais de sua
incidência.

1.2 Aspectos fundamentais da incidência tributária do ICMS

O ICMS está previsto no art. 155, II do Diploma Maior, que assim dispõe:

Art. 155. Compete aos Estados e Distrito federal instituir impostos sobre:
(...)
II - Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
ainda que a operação ou prestação se inicie no exterior.

Como dito, a Carta Suprema cuidou de fixar rigidamente os elementos


estruturantes do ICMS, disciplinando as regras atinentes à competência legislativa tributária,
hipóteses de incidência, imunidades, base de cálculo, alíquota, dispondo sobre as matérias a
serem tratadas por lei complementar e, ainda, delineando os princípios específicos que lhe são
aplicáveis. Portanto, para que este estudo seja dotado de rigor metodológico não pode ser
empreendido senão sob os estritos meandros do Texto Constitucional, de seus comandos e
princípios norteadores.
Haverá incidência tributária sempre que ocorrer, no mundo fenomênico,
determinado fato, prévia e hipoteticamente previsto em norma geral e abstrata, capaz de
deflagrar o nascimento da obrigação tributária.
Conforme já ensinava o mestre Geraldo Ataliba (2003, p. 76-78), a hipótese de
incidência (ou norma-padrão, regra matriz, arquétipo) enquanto descrição legislativa se
apresenta sob vários aspectos que lhe conferem identidade quando reunidos, os quais nem

20
sempre estão expressos e integrados no texto da lei. Tais aspectos são qualidades da hipótese
de incidência capazes de determinar os sujeitos da obrigação tributária, seu conteúdo material,
local, momento de nascimento e quantum devido.
Portanto, para se compreender os elementos estruturantes do ICMS é prudente que
façamos uma rápida incursão pelos aspectos da sua norma jurídica de incidência, quais sejam
os aspectos material, pessoal, espacial, temporal e quantitativo.
O aspecto material é a descrição objetiva do fato que poderá deflagrar a obrigação
tributária. No caso do ICMS significa a realização de operações relativas à circulação de
mercadorias, ou prestações de serviços de transporte (interestadual e intermunicipal), ou de
prestações de serviço de comunicação. Cabe aqui, tão-somente, o exame dos conceitos
nucleares que compõem o aspecto material dos negócios mercantis (ICMS mercantil), que
essencialmente importam ao presente estudo.
O termo operações pressupõe a realização de um negócio jurídico mercantil e não
toda e qualquer circulação de mercadorias. Trata-se da realização de ato jurídico atinente à
transmissão de propriedade, de modo a levá-la da fonte de produção ao consumo, desde que
haja finalidade lucrativa.
O vocábulo circulação significa a passagem das mercadorias de uma pessoa para
outra, refletindo mutação patrimonial. José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo
(2004, p. 36), citando Carvalho de Mendonça, esclarecem que: “a circulação das mercadorias
pressupõe, pois, tradição. Por esse meio, elas entram na massa circulante dos bens,
conseguindo o seu objetivo econômico, qual o de chegar fácil e oportunamente às mãos dos
consumidores”.
Por mercadorias devemos entender o bem móvel sujeito à mercancia. Em razão
do fato de bem móvel ser o gênero do qual a mercadoria é a espécie, de modo que não pode
qualquer bem móvel ser considerado uma mercadoria, é imprescindível que seja objeto de
venda ou revenda em caráter habitual. (CARRAZZA, 2009, p. 43). É por isso que não podem
ser consideradas mercadorias os bens de uso próprio da pessoa física ou integrantes do ativo
imobilizado de uma empresa, quando vendidos a terceiros.
Portanto, para dar ensejo a obrigação tributária de pagar o ICMS, sob o ponto de
vista de seu aspecto material, é preciso que estejam presentes de forma cumulativa os
seguintes elementos: (i) realização de operações (negócios jurídicos pertinentes à transmissão
de propriedade ou posse das mercadorias); (ii) circulação jurídica (mutação patrimonial) e
(iii) a existência de mercadoria (bem compreendido no efetivo ato mercantil).

21
O aspecto pessoal, por sua vez, compreende os sujeitos ativos e passivos da
obrigação tributária. O sujeito ativo é a pessoa titular do direito subjetivo de exigir o tributo.
O sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, que tem o dever jurídico de
satisfazer a prestação tributária.
No âmbito do ICMS, os sujeitos ativos da obrigação tributária são os estados e
distrito federal, conforme competência que lhes foi outorgada pela Constituição Federal.
Esses entes políticos devem observar a competência tributária como verdadeira baliza
intransponível a guiar o legislador ordinário, na criação e regramento, in abstrato, do ICMS.
A Carta Maior em vigor não define os sujeitos passivos do ICMS, mas somente as
suas materialidades. Portanto, a definição da sujeição passiva do ICMS parte da análise do
próprio aspecto material da hipótese de incidência do imposto, de modo que o contribuinte
será todo aquele que realizar as operações de circulação de mercadorias, transporte
interestadual e intermunicipal ou comunicação.
A Lei Complementar n°. 87/1996 delineou com maior precisão o conceito de
contribuinte e, em seu art. 4°, assim dispôs:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com


habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de
circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior.
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que,
mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua
finalidade;
II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se
tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de
petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados
à comercialização ou à industrialização.

Não deixamos de mencionar que a legislação pode definir como sujeito passivo
indireto pessoa diversa daquela que realizou o fato gerador. Tratam-se das hipóteses de
transferência1 (solidariedade, sucessão e responsabilidade) e substituição tributária2.

1
A transferência ocorre após o surgimento da obrigação tributária contra o sujeito passivo direto ou contribuinte,
isto é, em virtude de fato posterior há o redirecionamento para outra pessoa ou sujeito passivo indireto da
respectiva obrigação.
2
A substituição tributária ocorre quando o legislador afasta, antes mesmo do surgimento da obrigação tributária,
o sujeito passivo direto ou contribuinte que efetivamente realizam o fato gerador, transferindo o seu encargo e
dever jurídico de pagamento do tributo, desde logo, para outra pessoa, o substituto.
22
O aspecto espacial de incidência do ICMS é o lugar previsto na norma geral e
abstrata, onde poderá nascer a obrigação tributária, caso naquele local ocorra o fato jurídico
tributário. Em sendo o ICMS um imposto de competência estadual e distrital, é de se concluir
que os fatos jurídicos ocorridos em qualquer ponto dos territórios dos estados ou distrito
federal ensejarão o nascimento da obrigação tributária.
O art. 11 da Lei Complementar n°. 87/96, em cumprimento a regra prevista no art.
155, § 2°, d da Constituição Federal, tratou de definir o aspecto espacial da incidência do
ICMS, ou seja, o local da operação ou prestação.
No que tange ao aspecto temporal de incidência do ICMS, temos que os estados e
o distrito federal poderão eleger, por meio de lei ordinária, o momento em que o fato gerador
será tido por ocorrido.
O art. 12 da Lei Complementar n°. 87/96 dá as balizas para a definição do
momento em que o fato gerador será considerado ocorrido. Somente para exemplificar,
citamos alguns desses momentos eleitos pelo legislador complementar: a) saída da mercadoria
de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; b)
início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer
natureza; c) desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior.
Em resumo, no caso do ICMS mercantil, a Lei Kandir definiu que a saída do
estabelecimento do contribuinte deve ser considerada o momento em que restou realizado o
fato gerador, o que, por si só, não basta para dar ensejo à obrigação tributária, havendo que se
verificar a presença cumulativa dos demais aspectos da incidência do imposto.
Por fim, no que diz respeito ao aspecto quantitativo da incidência do ICMS, por
meio do qual se irá apurar o quantum debeatur da obrigação tributária, temos que examinar os
seus dois principais (mas não únicos) elementos formadores, quais sejam a base de cálculo e a
alíquota.
A base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo, que dita os critérios
para mensuração do fato jurídico tributário (CARRAZZA, 2009, p. 85), devendo ser o valor
representado pelas operações de circulação de mercadorias ou de prestação de serviços. Já a
alíquota é um percentual que incide sobre o valor da operação de circulação de mercadorias
ou de prestação de serviços.
Normalmente a materialidade de cada tributo é, ou pelo menos deveria ser,
suficiente para medir normativamente o valor devido aos cofres públicos, já que as operações
e prestações representam necessariamente grandezas econômicas. Todavia, não é o que ocorre

23
no caso do ICMS, que, enquanto tributo plurifásico e não-cumulativo, deve considerar outros
elementos, como, por exemplo, o crédito das operações anteriores, para ter o seu quantum
efetivo devidamente dimensionado.
O estabelecimento da alíquota pelo sujeito ativo competente, por meio de lei
ordinária, deve observar as limitações previstas na Constituição Federal, especialmente nos
seus incisos IV a VIII do § 2° do art. 155, que transferiram para o Senado Federal a
responsabilidade da definição de alíquotas mínimas e máximas, cujos parâmetros são de
observância obrigatória pelos estados e distrito federal, no momento de sua fixação.
Claro que não se esgota aqui o assunto sobre os aspectos fundamentais da
incidência do ICMS, pelo que expomos uma visão geral quanto aos seus elementos
estruturantes para, com isso, possibilitar uma melhor compreensão do problema das
manifestações fazendárias restritivas do direito creditório do ICMS em relação aos
contribuintes que adquirem mercadorias incentivadas noutros estados, cerne deste estudo.

1.3 O papel da lei complementar em matéria de ICMS

Mesmo que possa parecer redundante, não é incorreto dizer que as leis
complementares destinam-se a complementar o texto constitucional, sendo que o legislador
constituinte reservou a essa espécie normativa matérias de relevância, que dependem de maior
quorum ou consenso para a sua aprovação (art. 69 da CF/1988).
É passível de defesa o entendimento de que inexiste qualquer hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária, pois o que distingue as duas modalidades normativas são apenas
as matérias que cabem a cada um delas tratar, bem como o quorum para a sua aprovação. Por
outro lado, ambos os veículos introdutores de normas jurídicas, por óbvio, devem subordinar-
se à Constituição e aos seus postulados.
Mas não há qualquer consenso na doutrina quanto ao tema da hierarquia das leis.
Para o jurista Edvaldo Brito (2004, p. 94), a lei complementar é superior às outras leis, pois
veicula matéria para a qual a Constituição deu-lhe preeminência em relação às demais
normas.
No que diz respeito à finalidade da lei complementar, cumpre-nos trazer a lume
posição do abalizado constitucionalista Alexandre de Moraes (2010):

A razão da existência da lei complementar consubstancia-se no fato do


legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da
24
evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria
Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas,
ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através do
processo legislativo ordinário. O legislador constituinte pretendeu resguardar
determinadas matérias de caráter infraconstitucional contra alterações
volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigidez que impedisse a
modificação de seu tratamento, assim que necessário. (MORAES, 2010, p.
676).

De acordo com Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 675), a legislação


complementar desempenha relevante papel em matéria tributária de ajuste e calibre da
produção legislativa ordinária, em sintonia com os mandamentos supremos da Constituição.
É com esse escopo que o art. 146 do Texto Maior vigente prescreve as matérias
relativas à ordem tributária, a serem disciplinadas por lei complementar:

Art. 146 – Cabe a Lei Complementar:


I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a
União, os Estados, o Distrito federal e os Municípios;
II – regular as limitações ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributo e suas espécies, bem como em relação aos impostos
estabelecidos na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases
de cálculos e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, prescrição e decadência tributários;
c) especial tratamento ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas.

Com o objetivo de harmonizar e uniformizar especificamente a disciplina jurídica


do ICMS, o art. 155, § 2°, XII, elenca ainda os temas, objeto de regulação por lei
complementar:

XII – Cabe à Lei Complementar:


a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento
responsável, o local das operações relativas a circulação de mercadorias
e da prestação de serviços.
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior,
serviços e outros produtos, além dos mencionados no “X”, “a”;
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para
outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito
federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados;

25
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá
uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não
se aplicará o disposto no X, b;
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre,
também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.

Interessa-nos sobremaneira avaliar a matéria prevista na alínea g desse dispositivo


constitucional reproduzido, que fundamenta a validade da lei complementar para versar sobre
conflitos de competência entre os estados e distrito federal, papel este cumprido, ainda hoje,
pela Lei Complementar n°. 24/1975.
Tal normativo, que deveria trazer o critério de harmonização das competências
tributárias no âmbito do ICMS, notadamente no que diz respeito às limitações formais e
materiais sobre concessão de benefícios fiscais, acaba por acentuar os grandes embates entre
os entes federativos, instigando a guerra fiscal, no lugar de representar um mecanismo para
coibi-la, na medida em que impõe sanções incompatíveis com o ordenamento jurídico
vigente. A referida lei complementar será examinada com maior profundidade no quarto
capítulo.
Não obstante cabe, desde já, lançar crítica ao fato de ser totalmente desnecessário
o comando do art. 146, I da CF/1988, que também dá fundamento de validade para a Lei
Complementar n°. 24/1975, por representar uma grande incoerência sistemática. Ora, se é a
própria Constituição, que delimita de forma rígida e exaustiva a competência conferida a cada
ente político para legislar em matéria tributária, tratando-se, pois, de competências privativas,
em regra, não poderíamos sequer admitir que um ente invadisse a esfera legislativa do outro,
suscitando um conflito de competência, por tal ato de per si já importar em flagrante
desrespeito à Carta Suprema.
Mas considerando que atualmente cabe à lei complementar dispor sobre conflitos
de competência, assim deve fazê-lo de forma plenamente harmônica com as previsões
constitucionais e suas regras de competência tributária, previamente delineadas, sob pena de
qualquer desvio ou contradição representar direta violação ao pacto federativo. Por isso, no
nosso entendimento, não pode a lei complementar inovar para dispor sobre conflitos de
competência, mas, tão-somente, dizer aquilo já previsto na Constituição Federal.
Como será explorado um pouco mais adiante, considerando que o ICMS é um
imposto de competência estadual, mas de vocação nacional, seu disciplinamento está
rigidamente previsto na Constituição Federal, que outorgou à lei complementar a autoridade
para estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária. A Lei Complementar

26
n°. 87/96 traz as regras básicas relativas ao ICMS, a serem rigorosamente observadas pelos
entes federativos.
Basta imaginar a generalizada balburdia que se instauraria se cada uma das 27
legislações estaduais e distrital pudesse, a seu exclusivo critério, dispor sobre regras de
sujeição passiva, responsabilidade tributária, fato gerador e alíquotas. Tal fato simplesmente
implicaria a ruína total dos mecanismos de instituição e arrecadação do ICMS (BARROS;
GUERRA, 2010, p. 107).
Portanto, as normas gerais de ICMS devem ser veiculadas por meio de lei
complementar, em razão da necessidade premente de uniformização da legislação, a fim de
preservar os primados da unidade da Federação e a segurança jurídica.

1.4 Um tributo estadual de vocação nacional

O ICMS tem origem no modelo europeu de tributação incidente sobre o consumo,


especialmente no modelo francês, primeiro a adotar o sistema de tributação do valor
agregado.
É preciso empreender uma análise cautelosa acerca do modelo eleito para delinear
o regime de tributação do ICMS no Brasil, visto que provocou grandes distorções estruturais
do sistema, tornando o ICMS um imposto problemático, complexo e polêmico por natureza,
alvo de severas críticas, muitas delas apresentadas ao longo desta dissertação acadêmica.
Sabemos que o imposto francês sobre o consumo tinha caráter nacional, enquanto
o ICMS continuou atrelado à competência estadual, isto é, com quase trinta donos, capazes de
instituí-lo por leis próprias (ROSA, 2006, p. 384).
Sacha Calmon (2004) apresenta as conseqüências da adoção do modelo europeu
de tributação sobre o valor agregado, experimentadas pelo Brasil desde o período em que
passou a vigorar o antigo ICM, cujos perniciosos efeitos resvalam até os dias atuais:

O ICM, por ser, na genealogia dos IVAs, um imposto nacional que difunde
os seus efeitos pelo território inteiro do país, em razão, principalmente, do
seu caráter não-cumulativo, viu-se – o imposto deveria ser da União – na
contingência de ser retalhado em termos de competência impositiva entre os
diversos Estados-Membros da Federação, o que antecipou sérias dificuldades
no manejo do gravame que deveria ter “perfil nacional” uniforme. A
conseqüência foi o massacre da competência estadual, já que o imposto teve
que se submeter a um regramento unitário pela União através de leis
complementares e resoluções do Senado. E para evitar políticas regionais
autônomas e objetivos extrafiscais paraninfados pelos estados de per se,
27
foram ideados os convênios de Estados-Membros, espécies de convívio
forçado em que um só podia fazer o que os demais permitissem ou
tolerassem. (COÊLHO, 2004, p. 385).

É justamente em razão disto que o ICMS gera tantos problemas, tornando a


República Federativa do Brasil palco de verdadeira guerra entre estados inimigos, em que uns
tentam progredir à custa dos outros. Tanto é verdade, que o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), por se tratar de um tributo federal, com idêntica técnica de cobrança
não-cumulativa, não suscita tantas controvérsias como acontece com o ICMS.
Parece óbvia a conclusão no sentido de que o ICMS não deveria ser um imposto
outorgado à competência estadual, mas, sim, à competência impositiva da União, haja vista
verificar-se, na prática, que o seu peculiar princípio da não-cumulatividade tem gerado
problemas de grave e grande repercussão entre os estados, tornando inócua a atuação do
Senado Federal na fixação das alíquotas interestaduais e inúteis as deliberações no âmbito do
Confaz.
Se o estado é um ente federativo dotado de autonomia financeira, administrativa e
política, deve atuar de acordo com os seus interesses, bastando, para tanto, que não agrida os
comandos constitucionais, o que lamentavelmente não se tem verificado na prática. É bastante
farta a doutrina favorável ao entendimento de que essa problemática só existe porque o ICMS
é um tributo estadual, de indiscutível vocação nacional.
Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins e José Ruben Marone (2006, p. 50)
entendem que o problema gerador de distorções está no fato de o constituinte ter delegado à
competência dos estados imposto circulatório não-cumulativo de nítida vocação federal. Para
esses ilustres doutrinadores, correta seria a atribuição de competência para tributação do
ICMS pelo Poder Central, assim como ocorre com o IPI, imposto com sistemática similar à
do ICMS, porém de competência federal, o que elimina a quantidade de litígios envolvendo o
imposto de competência estadual.
José Souto Maior Borges (1996) tem visão semelhante:

Tudo isso decorre da circunstância de que a circulação de mercadorias não


se circunscreve (a) aos limites territoriais de um Município, nem aos (b) dos
Estados, nem (c) de uma região determinada, mas se expande ali onde exista
qualquer fração do território nacional (d). Circulação de mercadoria é um
fenômeno nacional. Incumulativo o tributo, surge o problema da repartição
da carga tributária, nas operações interestaduais, entre os Estados ditos
produtores e os Estados ditos consumidores. Para evidenciar as
inconveniências dessa implantação estadual da competência tributária
(politicamente inevitável, contudo), basta atentarmos ao fato de que a

28
atribuição de um imposto não cumulativo à União, o IPI (art. 153, IV, § 3°,
II) não causa no particular nenhum problema. (BORGES, 1996, p. 72).

É certo que o modelo de tributação consolidado no Brasil em relação ao ICMS


difere do adotado pelos demais países que utilizam o imposto sobre valor agregado,
principalmente em função da tradição brasileira de tributação de vendas pelos estados, bem
assim pela representatividade desse imposto na composição da receita das unidades federadas.
Adicionalmente, a forma de tributação das transações entre estados, isto é, das
operações interestaduais, tornou-se um dos principais problemas da Federação. Primeiro,
devido à disputa pela própria receita do imposto referente à venda de produtos e serviços
produzidos em determinado estado, com seus respectivos consumidores em outros territórios.
Segundo, em função dos perversos efeitos econômicos de uma tributação desigual, agravando
o cenário de desvantagem competitiva para os estados mais pobres ou menos desenvolvidos.
Portanto, fica claro que as operações relativas ao ICMS realizadas em um determinado estado
repercutem nos demais.
Apesar desta pesquisa não ter o escopo de apresentar alternativas para as
problemáticas que gravitam em torno do fato do ICMS, enquanto tributo estadual de
acentuadas características nacionais, devemos registrar a importância de se fomentar o debate
sobre a necessidade de promoção de reformas estruturais no subsistema tributário e político
do ICMS, fazendo aqui coro àqueles que defendem a criação de um IVA nacional, com
receitas partilhadas entre todos os entes federativos.
Tal mudança, refletida em base impositiva comum, legislação uniforme no
território nacional, pautada na simplificação da base de cálculo e alíquotas, bem como
integração de cadastros fiscais e fiscalização conjunta, certamente servirá de incentivo à
cooperação entre os entes federados, propiciando maior estabilidade normativa e segurança
jurídica, na medida em que contribuirá para mitigar os efeitos nefastos do atual e generalizado
contexto de guerra fiscal.
O equilíbrio do federalismo fiscal somente se consolidará se forem criadas
condições para o desenvolvimento de uma cooperação intergovernamental, o que, como será
visto, é algo longe, mas muito longe, de se concretizar neste país.

29
2 O ICMS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

2.1 Os princípios como elementos normativos do sistema jurídico

Para que seja possível a compreensão dos princípios constitucionais tributários


tipicamente aplicáveis ao ICMS buscaremos, antes, contextualizá-los dentro do sistema
jurídico. Mais especificamente, delinearemos o papel desses princípios no sistema
constitucional tributário, de modo que seja possível calibrar a sua força normativa.
Para tanto, há que se fazer uma investigação preliminar sobre o conceito de
sistema. Partimos, então, das lições de Canaris (1996, p. 77), que há muito já dizia ser o
sistema “uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais do Direito”.
Na visão do autor, duas são as características básicas de sistema: ordenação e
unidade. Com a ordenação pretende-se exprimir um estado de coisas intrínseco e
racionalmente compreensível, isto é, baseado na realidade. Já a unidade atua na ordenação,
por intermédio dos princípios fundamentais que lhe conferem sentido, visando evitar a
dispersão em uma multiplicidade de normas singulares desconexas. (IBID., p. 12).
Os princípios que atuam na conformação do sistema, por sua vez, são dotados de
duas marcas principais, quais sejam abertura e mobilidade. Na abertura verificam-se a
incompletude, a capacidade de evolução e alterabilidade do sistema, que se coloca em
constante mudança face à incidência de novos princípios, de modo que o próprio direito
positivo é suscetível de aperfeiçoamento. Já, na mobilidade, verificam-se a igualdade
fundamental de categorias e a substitutividade mútua dos competentes princípios ou critérios
de igualdade (IBID., p. 103).
Um sistema normativo não se exaure nas regras aprovadas pelo legislador, não
podendo ficar adstrito a conteúdo meramente positivista. Por outro lado, um modelo
constituído apenas de princípios careceria de precisão, inconcebível na medida em que geraria
a necessidade constante de ponderação, se determinada ação humana feriu ou não algum
princípio.
Canotilho (2000) explicita a idéia de que o sistema jurídico deve ser visto como
um sistema normativo aberto de regras e princípios:

(1) – é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas;


(2) – é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica traduzida na
disponibilidade e „capacidade de aprendizagem‟ das normas constitucionais
para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções
cambiantes da “verdade” e da “justiça”;
(3) – é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas
referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas;
(4) – é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto
podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.
(CANOTILHO, 2000, p. 1123).

É inegável que o direito brasileiro contemporâneo vive um momento marcado por


acentuada preocupação com a principiologia, tendo em vista que, após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, os dispositivos constitucionais e seus princípios conformadores
passaram a gozar de plena força normativa.
Os princípios têm, sim, ampla eficácia normativa, não se admitindo a crença de
que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade
direta e imediata. Por outro lado, acompanhando a evolução do pensamento jurídico,
verificamos a grande ascensão dos valores, o que vai ao encontro do pós-positivismo,
evitando-se o puro e estrito legalismo.
Humberto Ávila (2008) realça essa nova tendência, ao abandonar o tradicional
modelo dicotômico (regras e princípios) de distinção das espécies normativas, vindo a adotar
a seguinte classificação tripartida das normas: (i) regras ou normas descritivas, (ii) princípios
ou normas finalísticas e (iii) postulados ou normas metódicas. Utilizando-se do critério
distintivo, segundo o modo como as espécies normativas prescrevem o comportamento, o
abalizado jurista pontua as diferenças entre os princípios e as regras:

Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em


que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição
da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente
finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é
necessária a adoção de determinados comportamentos. Os princípios são
normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de
um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das
regras é a previsão do comportamento. (ÁVILA, 2008, p. 71).

Segundo Humberto Ávila (2008, p. 122-123), os postulados são espécies


normativas diferentes dos princípios e das regras, por não se situarem no mesmo nível de

31
aplicação. Enquanto os postulados orientam a aplicação de outras normas, os princípios e
regras são o próprio objeto da aplicação. Por isso qualificam-se como metanormas ou normas
de segundo grau.
A importância dos postulados, como instrumento de solução de confronto entre
normas de mesmas ou diferentes espécies, ainda será mais explorada neste estudo, justamente
porque, como será apresentado, toda problemática relativa à glosa de créditos de ICMS gira
em torno, essencialmente, de um conflito normativo constitucional.
Com base nessas lições, o sistema jurídico pode ser definido como uma rede
axiológica, hierarquizada e coerente de princípios, regras e postulados, que convivem de
modo a garantir a sua própria unidade valorativa e adequação interna.
A Constituição Federal, como sistema de normas, é composta por regras,
princípios e postulados e aspira unidade de sentido e ordenação. Tais características do
sistema constitucional somente serão preservadas se os princípios forem devidamente
valorizados e revistos periodicamente pelos intérpretes e aplicadores do direito.
Sobre a relevância e o papel dos princípios no ordenamento jurídico vale a pena
observarmos os ensinamentos de Geraldo Ataliba (2004):

Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas


do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a
sociedade e obrigatoriamente a serem perseguidos pelos órgãos do governo
(poderes constituídos).
Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e
desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição.
Por estas não podem ser contrariados, têm que ser prestigiados até as últimas
conseqüências. (ATALIBA, 2004, p. 34).

Os princípios veiculam valores e aspirações máximas da sociedade, capazes de


exercer significativa influência na interpretação das demais normas do ordenamento positivo,
atuando na própria determinação do seu conteúdo, o que não lhes retira a eficácia normativa.
Luiz Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2005, p. 298-306) sustentam
didática classificação dos princípios constitucionais, quais sejam os princípios instrumentais
de interpretação constitucional e os princípios constitucionais materiais. Os princípios
instrumentais constituem-se premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas, que devem
anteceder a solução do caso concreto pelo intérprete ou aplicador do direito. São exemplos
desta categoria: supremacia da Constituição, presunção de constitucionalidade das leis e atos
do poder público, interpretação conforme a Constituição, unidade da Constituição,
razoabilidade ou proporcionalidade e efetividade. Os princípios constitucionais materiais são
32
aqueles que expressam valores ou indicam fins a serem alcançados pelo Estado e pela
sociedade, irradiando-se pelo sistema, interagindo entre si e pautando a atuação dos órgãos de
poder, inclusive do judiciário, na determinação de sentido das normas. Tais princípios têm
diferentes amplitudes de seus efeitos, bem assim diversos graus de influência. Por isso, podem
ser classificados em princípios fundamentais, gerais e setoriais.
Cumpre-nos, ainda, trazer à tona a advertência de Paulo de Barros Carvalho (2006,
p. 660), no sentido de que alguns princípios previstos na Constituição regem todo o
ordenamento jurídico, sendo, conseqüentemente, aplicados ao campo tributário; são os
chamados princípios constitucionais gerais. Porém, existem outros princípios, que regem
especificamente o desempenho da função impositiva de tributos pelos entes políticos, ou seja,
os princípios constitucionais tributários.
Dentro desse subdomínio, ainda podem ser encontrados princípios dirigidos para
categorias específicas de tributos, face às peculiaridades que os envolvem, como é o caso, por
exemplo, do princípio da não-cumulatividade, aplicável somente a algumas exações, como o
IPI, ICMS, PIS e Cofins.
Feitas essas considerações introdutórias, passemos a discorrer sobre os princípios
constitucionais, com significativa relevância de ordem prática, especificamente no âmbito do
ICMS.

2.2 Não-cumulatividade

O ICMS está sujeito ao princípio constitucional da não-cumulatividade previsto


no art. 155, § 2°, I da Carta Magna, segundo o qual este imposto “será não-cumulativo,
compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou
prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro estado ou
pelo distrito federal”.
A não-cumulatividade é um princípio e não mera técnica de tributação, posto que
a sua supressão do Texto Maior culminaria em verdadeiro colapso de toda a estrutura
econômica em que se consolidou o Estado, vez que geraria um custo artificial indesejável aos
preços dos produtos e serviços, em decorrência de artificialismo tributário. Isto, por
conseguinte, implicaria aumento do custo de vida da população, encarecendo o processo
produtivo e comercial, e redução dos investimentos empresariais (MELO; LIPPO, 2004, p.
100).

33
Tal princípio se tornou constitucional a partir da Emenda Constitucional n°.
18/1965, mantendo-se intocável nas reformas constitucionais posteriores, como se depreende
do art. 22, V, § 4° e art. 24, II, § 5° da CF/1967, bem como do art. 21, § 3° e art. 23, II
alterados pela Emenda Constitucional n°. 1/1969.
A Constituição Federal de 1988 veda apenas o creditamento do imposto em
decorrência de operações anteriores isentas ou não tributadas, razão pela qual o princípio da
não-cumulatividade há que ser interpretado em termos amplos e sem maiores restrições, a
exceção daquelas constitucionalmente enunciadas, no sentido da incidência de ICMS sempre
gerar direito a crédito.
O princípio da não-cumulatividade presta-se não apenas a resguardar um direito
do contribuinte, mas, também, como regra impositiva a ser observada pelas fazendas públicas
estaduais.
Uma das principais vantagens do ICMS, enquanto tributo plurifásico e não-
cumulativo, é permitir a antecipação do imposto devido apenas no consumo, tornando
responsáveis pela sua arrecadação todos os agentes econômicos e demais participantes do
processo circulatório de mercadorias.
É vedado onerar o contribuinte de direito, mediante a possibilidade de todo
adquirente, exceto o consumidor final, abater o imposto que lhe foi transferido pelo vendedor,
de modo que o ICMS não recaia sobre o contribuinte, seja ele comerciante, industrial,
distribuidor, produtor, etc., mas, sim, arcado, exclusivamente, pelo consumidor final, isto é,
pelo contribuinte de fato.
Importa destacar que a não-cumulatividade não faz parte dos aspectos
fundamentais de incidência tributária do ICMS, relacionada, sim, ao âmbito de extinção do
crédito tributário, na etapa de apuração do quantum debeatur, de modo que o contribuinte
poderá liquidar seu débito tributário, parte, por meio de compensação do crédito decorrente da
operação anterior, e, parte, em dinheiro (MELO; LIPPO, 2004, p. 121).
Certo é que a Constituição Federal delegou à lei complementar apenas a
competência para disciplinar o regime de compensação do imposto (art. 155, § 2°, XII, c da
CF/1988), exigindo-se a observação incondicional do critério da não-cumulatividade, previsto
constitucionalmente. Assim, em nenhum caso, a pretexto de regulamentar o regime de
compensação do ICMS, poderá o legislador complementar estabelecer qualquer tipo de
restrição que venha impossibilitar o pleno direito ao crédito do imposto.

34
Roque Carrazza (2009) é enfático quando discorre sobre os limites para
manipulação do alcance do princípio da não-cumulatividade por lei complementar:

Logo, a lei complementar não pode, sem reserva nem restrição, ir


estabelecendo limites ou requisitos para que os contribuintes usufruam das
vantagens que o princípio da não-cumulatividade lhes dá. Muito ao invés,
deve dispor de forma a assegurar-lhes o pleno exercício do direito de
compensação que ele encerra.
Contudo, o modo ou a oportunidade a partir da qual tal compensação
ocorrerá está fora da alçada do legislador complementar, a quem compete,
apenas fixar os procedimentos escriturais que tornarão mais fácil a aplicação
do princípio da não-cumulatividade. (CARRAZZA, 2009, p. 411).

Desse modo, se não é dado nem mesmo à lei complementar alterar o sentido do
princípio constitucional da não-cumulatividade, não há, é evidente, qualquer possibilidade das
unidades federativas interferirem no alcance e aplicação desse princípio, seja por meio de lei
ou por norma infralegal.
O princípio da não-cumulatividade é dotado de eficácia plena, que pode
eventualmente ser regulamentado. Por essa razão, o legislador infraconstitucional nada pode
fazer em relação a ele, posto lhe faltar competência legislativa para restringir o seu conteúdo,
sentido e alcance.
Ressaltamos que muitos estados interpretam de forma equivocada a expressão
contida no art. 155, § 2º, I da CF/1988, qual seja imposto anteriormente cobrado. Não raro,
tal expressão é tida pelos fiscos como sinônimo de imposto pago ou efetivamente devido nas
operações anteriores.
Essa hermenêutica está eivada de impropriedades, sendo já assente na doutrina
que o direito do contribuinte adquirente das mercadorias nasce independentemente do
contribuinte anterior ter, ou não, recolhido o imposto relativo a sua operação de saída. A
expressão imposto cobrado deve, na verdade, ser entendida como imposto incidente.
É fundamental que se estabeleça a exata distinção entre as expressões incidente e
cobrado, vez que, de fato, representam situações jurídicas distintas. A primeira expressão,
devido, enseja a exigência de um tributo, vez que se realizou a sua hipótese de incidência,
sendo irrelevante se foi ou não efetuado algum pagamento; a segunda, cobrado, representa o
momento posterior, em que, após a apuração do imposto, o contribuinte recolherá aos cofres
públicos o montante apurado.
Esse argumento comprova-se pelo fato de, ainda sem o pagamento do preço da
mercadoria pelo adquirente e, portanto, do valor do imposto constante na nota fiscal, o tributo

35
ser devido e cobrado normalmente daquele que promoveu a sua respectiva saída, na forma da
legislação de regência. Por outro lado, poderá ocorrer, também, que o fornecedor apresente
saldo credor, elidindo qualquer pagamento do imposto. Isto, contudo, não afeta a incidência
da operação.
A acepção da palavra cobrado contida no comando constitucional em questão é de
suma relevância na análise do direito de abater ou creditar e não pode ser interpretada
literalmente, pois a efetiva cobrança, isto é, o valor arrecadado do imposto, não é de
conhecimento do contribuinte adquirente de mercadorias ou do tomador dos serviços (MELO,
2005, p. 229).
O Superior Tribunal de Justiça adota a mesma interpretação, ora defendida, ao
fixar entendimento de que o direito ao crédito decorre de norma constitucional, sendo
autônomo em relação ao cumprimento da obrigação tributária pelo remetente das
mercadorias. Destacamos acórdão proferido por força do julgamento do Recurso Especial n°.
1.125.188/MT3, em que se apreciou a possibilidade do Estado do Mato Grosso proceder à
retenção de caminhões de origem do Estado do Mato Grosso do Sul, transportando cimento.

3
No mesmo sentido é o acórdão proferido em relação ao REsp 773675/RS. PROCESSO CIVIL E
TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ICMS DESTACADO NAS NOTAS
FISCAIS EMITIDAS PELA FORNECEDORA. DIREITO AO CREDITAMENTO. PRINCÍPIO DA NÃO-
CUMULATIVIDADE. DEMANDA DECLARATÓRIA QUE RECONHECERA A NÃO INCIDÊNCIA DO
ICMS SOBRE OS SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA NAS EMBALAGENS PERSONALIZADAS.
ESTORNO DOS CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O direito de crédito do contribuinte não decorre da
regra-matriz de incidência tributária do ICMS, mas da eficácia legal da norma constitucional que prevê o próprio
direito ao abatimento (regra-matriz de direito ao crédito), formalizando-se com os atos praticados pelo
contribuinte (norma individual e concreta) e homologados tácita ou expressamente pela autoridade fiscal. Essa
norma constitucional é autônoma em relação à regra-matriz de incidência tributária, razão pela qual o direito ao
crédito nada tem a ver com o pagamento do tributo devido na operação anterior. 2. Deveras, o direito ao
creditamento do ICMS tem assento no princípio da não-cumulatividade, sendo assegurado por expressa
disposição constitucional, verbis: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito federal instituir impostos sobre:
(...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual
e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (omissis) § 2º
O imposto previsto no II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito federal;" 3. O termo “cobrado” deve ser, então,
entendido como “apurado”, que não se traduz em valor em dinheiro, porquanto a compensação se dá entre
operações de débito (obrigação tributária) e crédito (direito ao crédito). Por essa razão, o direito de crédito é
uma moeda escritural, cuja função precípua é servir como moeda de pagamento parcial de impostos indiretos,
orientados pelo princípio da não-cumulatividade. 4. Destarte, o direito à compensação consubstancia um direito
subjetivo do contribuinte, que não pode ser sequer restringido, senão pela própria Constituição Federal.
Evidenciado resulta que a norma constitucional definiu integralmente a forma pela qual se daria a não-
cumulatividade do ICMS, deixando patente que somente nos casos de isenção e não-incidência não haveria
crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes ou exsurgiria a anulação do crédito
relativo às operações anteriores (art. 155, § 2º, II). 5. Ressoa inequívoco, portanto, que o direito de abatimento,
quando presentes os requisitos constitucionais, é norma cogente, oponível ao Estado ou ao Distrito federal. A seu
turno, os sucessivos contribuintes devem, para efeito de calcular o imposto devido pela operação de saída da
mercadoria do seu estabelecimento, abater o que antes e, a título idêntico, dever-se-ia ter pago, a fim de evitar a
oneração em cascata do objeto tributado, dando, assim, plena eficácia à norma constitucional veiculadora do
princípio da não-cumulatividade. Percebe-se, assim, que o creditamento não é mera faculdade do contribuinte,
36
A apreensão das mercadorias se dava com o cruzamento da fronteira entre os
estados, já que o Estado do Mato Grosso entendia que a empresa produtora do cimento não
recolhia a diferença do ICMS devido por substituição tributária, de acordo com decreto
estadual, que permitia o creditamento de apenas 2% do valor devido na operação anterior.
Tratava-se de nítida guerra fiscal entre os estados, na medida em que o Estado do Mato
Grosso do Sul concedia um crédito presumido ao contribuinte no importe de 60% do valor do
ICMS devido, na prática, redução para 4,8% da alíquota de 12% relativa ao ICMS devido por
substituição tributária, enquanto na nota fiscal constava o destaque da alíquota de 12%,
assumido como crédito para o adquirente da mercadoria.
O Estado do Mato Grosso alegava que esse crédito presumido equivaleria às
hipóteses constitucionalmente previstas de isenção ou não-incidência e que, por essa razão,
não poderia gerar crédito porque em tais situações não haveria imposto devido.
O acórdão em tela foi contundente e categórico ao afirmar que imposto devido não
deve ser confundido com imposto efetivamente recolhido e que “o benefício fiscal concedido
pelo estado de origem não altera o cálculo do imposto devido, mas, apenas, resulta em
recolhimento a menor em face da concessão de crédito, devendo ser descontado o percentual
de 12% do ICMS devido por substituição tributária ao estado destinatário”.
Assim, é certo que a não-cumulatividade do ICMS é direito incontrastável e
subjetivo do contribuinte e só pode ser corretamente entendida e aplicada de acordo com o
estabelecido na Carta Magna, sendo irredutível por normas infraconstitucionais.

2.2.1 Hipóteses excepcionais a não-cumulatividade

Como visto, em decorrência do princípio constitucional da não-cumulatividade, o


ICMS devido pelo contribuinte em cada etapa da cadeia de circulação econômica é apurado
mediante a sistemática de débitos e créditos, em que o contribuinte considera crédito os

mas dever para com o ordenamento jurídico objetivo, não lhe sendo possível renunciar ao lançamento do crédito
do imposto, mesmo que tal prática lhe fosse conveniente. Sequer a própria lei poderia autorizá-lo a tanto, sob
pena de patente inconstitucionalidade. 6. Nesse diapasão, não se afigura legítima a exigência de estorno dos
créditos de ICMS, porquanto a empresa agiu no estrito cumprimento da regra-matriz de direito ao crédito, uma
vez ter-lhe sido regularmente repassado o tributo pela empresa fornecedora quando da aquisição das embalagens
personalizadas, consoante destacado nas notas fiscais - documentos idôneos para tanto - , gerando a presunção de
incidência da exação na operação anterior. 7. Deveras, a relação fiscal se estabelece entre o sujeito com
competência tributária e o contribuinte, de sorte que o eventual crédito do fisco em relação ao primeiro
contribuinte do imposto não pode ser exigido de outrem, o qual, pela lei, não é seu substituto tributário nem
sucessor. In casu, a recorrida pagou o tributo e o primeiro contribuinte depositou-o, levantando-o após, com a
anuência do Estado, que não pode pretender reavê-lo de quem implementou o seu dever. 8. Recurso especial
desprovido. (REsp 773675/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 02.04.2007)
37
valores cobrados a título de ICMS nas operações anteriores de aquisição de mercadorias e
débito os valores devidos pelas operações subseqüentes de vendas.
As únicas hipóteses restritivas ao direito creditório do ICMS, em caráter de
exceção ao princípio da não-cumulatividade, estão previstas no art. 155, § 2°, II da
Constituição Federal, que assim estabelece:

Art. 155.
(...)
§ 2.º O imposto previsto no II atenderá ao seguinte
(...)
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da
legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas
operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
(Grifamos)

A isenção e não-incidência, portanto, são os únicos limites à fruição de créditos


fiscais relativos a negócios jurídicos realizados pelos contribuintes. Se um desses benefícios
for utilizado no momento da aquisição, o contribuinte-adquirente não poderá escriturar os
créditos respectivos. De igual forma, se um desses benefícios incidir no momento da operação
de venda, deverá o contribuinte-alienante estornar os créditos originados na operação anterior.
Ressaltamos, porém, que, mesmo nos casos de isenção e não-incidência, o
constituinte outorgou, de forma explícita, competência para o legislador infraconstitucional
recuperar a integridade do princípio da não-cumulatividade, visto que inseriu a expressão,
salvo determinação em contrário da legislação, no dispositivo em exame. Isto significa que o
legislador ordinário poderá até conceder o crédito, em se tratando de hipóteses de isenção e
não-incidência, mas jamais vedá-lo em situações outras, não previstas na Constituição.
Sobre as exceções ao princípio da não-cumulatividade, Aliomar Baleeiro (2000)
dá os exatos contornos do comando constitucional, ora analisado:

O estorno do crédito relativo ao imposto incidente na etapa anterior é


exceção prevista pela Constituição, que se restringe aos casos de incentivo
(isenção ou não incidência). Assim:
- o benefício advindo do incentivo deverá ser graduado pelo legislador
infraconstitucional, que pesará os interesses sócio-econômicos dele
advindos;
- havendo isenção ou não incidência, a manutenção dos créditos relativos às
operações anteriores tributadas poderá ser determinada pelo legislador
complementar ou convenial, tudo a depender daqueles interesses
balanceados;

38
- mas o estorno dos mesmos créditos, em caso de isenção, apenas reduzirá o
alcance do benefício concedido, jamais transferindo o ônus do tributo para o
contribuinte ou tornando cumulativo o imposto. A regra constitucional é a de
que o imposto jamais seja suportado pelo contribuinte e essa regra em
nenhum caso deverá ser quebrada;
- finalmente a anulação dos créditos em relação à prestação de serviços de
transporte e de comunicação não está autorizada pela Constituição brasileira,
a qual restringe essa possibilidade às operações de circulação de
mercadorias. (BALEEIRO, 2000, p. 422).

É muito comum que os fiscos estaduais, no momento de restringir direitos


creditórios no âmbito do ICMS, coloquem todos os tipos de exoneração tributária em uma
vala comum, sem se preocuparem com a importância dos conceitos jurídicos e suas
implicações de ordem prática. As diferenças entre as espécies de exoneração tributária serão
tratadas de forma mais detida no próximo capítulo. Porém, para que se possa delinear e
reconhecer, desde já, as únicas exceções ao princípio da não-cumulatividade, cabe apresentar
as principais distinções entre os institutos da isenção e não-incidência.
Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 665) elenca as seguintes causas de não-
incidência tributária: (i) ausência do fato jurídico tributário; (ii) inexistência da regra matriz
de incidência tributária, conquanto autorizada constitucionalmente, não foi produzida pelo
legislador ordinário; (iii) falta de previsão constitucional que atribua competência para a
tributação de determinado acontecimento; (iv) incompetência para a tributação de situações
específicas, por expressa determinação na Carta Magna, também conhecida como imunidade
tributária.
Segundo o autor, a isenção também é uma hipótese de não-incidência tributária,
porém de configuração mais complexa, posto que não decore de mera ausência de elemento
normativo, oriundo da inatividade do legislador. Nesse caso, o órgão legislativo competente,
de fato, age na medida em que edita a norma isentiva, que atua diretamente sobre a regra
matriz de incidência tributária, porém mutilando parcialmente um de seus critérios.
(CARVALHO, 2006, p. 666).
Os casos de desoneração total, como a isenção e não-incidência, são, portanto, as
únicas situações capazes de inviabilizar a tomada de crédito de ICMS nas operações
subseqüentes, destacando-se que em todos os demais casos, ainda que verificada alguma
espécie de benefício fiscal, o direito creditório deverá ser resguardado.
Como visto, a Constituição Federal outorga à lei complementar competência para
disciplinar o regime de compensação do imposto (art. 155, § 2°, XII, c), o que não pode

39
implicar qualquer tipo de restrição ou limitação ao direito creditório do ICMS incidente em
operações ou prestações anteriores.
Ives Gandra Martins (2000, p. 109) defende que o verbo disciplinar previsto no
aludido dispositivo constitucional não significa alterar ou retirar direitos, tampouco conceder
privilégios, nem suprimir ou adulterar, muito menos violar direitos.
Cabe ao legislador infraconstitucional, notadamente o legislador complementar
que tem competência para disciplinar, ou melhor, regulamentar o regime de compensação do
ICMS, observar as balizas e diretrizes constitucionais, sendo-lhe defeso subverter a ordem
jurídica e seus postulados econômicos.

2.3 Federalismo fiscal

A Constituição Federal de 1988 tratou de consagrar, já em seu primeiro artigo, os


seus princípios fundamentais, dentre eles o da República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos estados, municípios e distritos federal, estatuindo a Federação, como
forma de Estado. Ademais, a Magna Carta elevou o princípio do federalismo à condição de
cláusula pétrea. Tanto é assim, que o seu art. 60, § 4°, proíbe que emendas constitucionais
versem sobre propostas tendentes a abolir, dentre outros, a forma federativa do Estado.
O princípio republicano, junto com o princípio federativo, na visão de Geraldo
Ataliba (2000, p. 477), “compõe a parte perene, eterna e imutável do Sistema Jurídico”.
Contudo, há que se ter em mira que República e Federação são institutos jurídicos distintos.
O primeiro é forma de governo, enquanto o segundo é forma de organização do Estado.
Roque Antonio Carrazza (2003), com propriedade, oferece o conceito de
Federação:

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris,


aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá
lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam
(os Estados-Membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas
personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em
benefício da União. A mais relevante delas é a soberania. (CARRAZZA,
2003, p. 113).

Marlen Bassoli e Guilherme Pereira (2008), ao resgatarem a história do


federalismo no Brasil, lembram que o princípio federativo esteve continuamente presente na
trajetória político-jurídica brasileira, com períodos de maior e menor centralização, sendo que,

40
após a promulgação da Constituição Republicana de 1891, que legitimou a famosa política
café com leite, o Brasil adotou a forma federativa de Estado, transformando as províncias em
estados-membros, que passaram a gozar de relativa autonomia em relação ao governo central.
As principais características da Federação são bem apresentadas por Celso Ribeiro
Bastos (2004):

1.ª) uma descentralização político-administrativa constitucionalmente


prevista;
2.ª) uma Constituição rígida que não permita a alteração da repartição de
competências por intermédio de legislação ordinária;
3.ª) existência de um órgão que dite a vontade dos membros da Federação;
4.ª) autonomia financeira, constitucionalmente prevista, para que os entes
federados não fiquem na dependência do Poder Central;
5.ª) existência de um órgão constitucional encarregado do controle da
constitucionalidade das leis, para que não haja invasão de competência.
(BASTOS, 2004, p. 156).

É cediço que a Constituição Federal de 1988 delineou um modelo federativo


composto por três níveis: União, estados-membros e municípios. Esse sistema tem como
principal característica a autonomia, intimamente ligada à repartição das competências
tributárias. (REIS, 2000, p. 16).
Ressaltamos que essa autonomia4, que alicerça o modelo federativo, só é obtida se
for conferida autonomia financeira às pessoas políticas, o que se verifica a partir da definição
de competências tributárias, isto é, com base em técnicas de atribuição de competência aos
entes federados para legislar sobre determinados assuntos.
Sacha Calmon (2004) discorrendo sobre a autonomia, como característica
fundamental do federalismo, especialmente a autonomia financeira, com muita acuidade,
explica que:

A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado-


Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país que se
esteja a cuidar. No âmbito tributário, a sustentar a autonomia política e
administrativa do Estado-Membro e do município- que, no Brasil, como
vimos, tem dignidade constitucional- , impõe-se a preservação da autonomia
financeira dos entes locais, sem a qual aqueloutras não existirão. Esta
autonomia resguarda-se mediante a preservação da competência tributária
das pessoas políticas que convivem na Federação, e também, pela equidosa
discriminação constitucional das fontes de receita tributária, daí advindo a
importância do tema referente à repartição das competências no Estado

4
A autonomia dos estados–membros encontra seu fundamento de validade jurídico constitucional no Art. 25 da
Carta Magna, que assim dispõe: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,
observados os princípios desta Constituição”.
41
Federal, assunto inexistente, ou pouco relevante, nos Estados unitários
(Regiões e Comunas). (COÊLHO, 2004, p. 65).

Elcio Fonseca Reis (2000) ensina que a repartição das competências de equilíbrio
é uma tendência do federalismo contemporâneo, baseando-se na técnica da repartição da
competência concorrente, em que se atribui determinada matéria legislativa e material a mais
de um ente político. Segundo o jurista, a repartição de competência é base de sustentação do
federalismo constitucional:

Assim, percebe-se a importância ímpar da repartição de competência,


configurando-se como mola mestra de sustentação constitucional do
federalismo. Afinal, é através desta competência que se configurará o tipo de
federalismo a ser adotado, com indicação da área de atuação de cada ente
político, a qual poderá concentrar os poderes da União; ou conduzir à
descentralização, reduzindo os poderes federais, ampliando os poderes locais
ou, quiçá, buscando o federalismo de equilíbrio; ou afastar-se dessas
soluções extremas, repartindo os poderes de forma equânime e privilegiando
a repartição vertical de competências. (REIS, 2000, p. 59-60).

A competência concorrente visa à garantia de equilíbrio no Estado Federal, que


deve primar pela unicidade dos conceitos jurídicos e econômicos, implicando impossibilidade
de haver qualquer interferência legislativa de ordem parcial, tanto da União, dos estados-
membros, quanto dos municípios, sob pena de se incorrer em inarredável vício de
inconstitucionalidade, caso seja editada lei por ente diverso do constitucionalmente autorizado
para legislar sobre determinado assunto. (REIS, 2000, p. 64-66).
Para Roque Carrazza (2003, p. 145), a União não pode estipular, nem mesmo por
lei, a forma dos estados exercitarem suas competências tributárias. Não é permitido à lei
complementar, sob o pretexto de veicular normas gerais em matéria de legislação tributária
(art. 146, III da CF), se imiscuir no modo como os estados cuidam da criação e arrecadação
dos tributos de suas competências.
Considerando que o princípio federativo é cláusula pétrea do ordenamento
positivo brasileiro, qualquer interpretação do conteúdo e alcance de uma determinada norma,
com vistas a perquirir a sua respectiva compatibilização com o Texto Constitucional,
necessita, antes, avaliar se não se está diante de uma violação a esse princípio fundamental do
Estado Democrático de Direito, bem como se se está preservando a autonomia financeira dos
entes políticos e a repartição da competência tributária.
Essa cláusula pétrea, constituindo-se limitação constitucional ao exercício do
poder constituinte derivado, não pode ser violada, nem mesmo por emenda constitucional que

42
pretenda, de algum modo, retirar a competência tributária dos estados, que devem ter a sua
integridade territorial respeitada.
Não podemos olvidar que, não obstante os estados-membros serem dotados de
autonomia constitucional legislativa e financeira, são também juridicamente iguais entre si.
Ainda que econômica ou politicamente não o sejam, têm os mesmos direitos e deveres e,
participando de igual modo da formação da vontade nacional, não se admite que um estado,
por autoridade própria, obrigue outro a fazer alguma coisa. (CARRAZZA, 2003, p. 143).
Humberto Ávila (2006, p. 102) pondera sobre a necessidade de relativização dessa
autonomia, partindo da premissa de que o ideal federativo denota um verdadeiro compromisso
entre a uniformidade e a diversidade, entre a autonomia do ente federado e a unidade da
Federação. Diante disso, qualquer interpretação que conduza seja a uma autonomia absoluta
seja a uma uniformidade total e irrestrita importará violação do princípio federativo.
Se nem uma emenda constitucional pode abolir a forma federativa de Estado, por
muito maior razão, não poderão fazê-lo quaisquer normas infraconstitucionais, tais como as
leis complementares, leis ordinárias, portarias e resoluções, dentre outras normas infralegais.
Novamente invocamos as brilhantes lições de Roque Carrazza (2009, p.542), para
quem a União não pode estipular, nem mesmo por lei complementar, como os estados
exercitarão suas competências tributárias, aí compreendida a faculdade de conceder incentivos
fiscais, assunto sobre o qual eles próprios, dentro da autonomia que a Constituição lhes
conferiu, devem livremente deliberar.
Corolário do princípio do federalismo é o princípio da territorialidade dos estados-
membros, pautado na autonomia para administração de suas receitas e para legislar na medida
de suas competências.
A soberania é um conceito em constante evolução, intimamente vinculado à idéia
de Estado, com dois elementos essenciais, quais sejam a população e o território. Conforme
leciona Alberto Xavier (2004, p.13), a soberania, à luz de seu elemento pessoal, traduz-se no
poder do Estado legislar sobre as pessoas que a ele se sujeitam, sendo que à luz de seu
elemento territorial, externa o seu poder de legislar sobre pessoas, coisas ou fatos, que se
localizam em seu território.
Em um contexto geral, o princípio da territorialidade visa delimitar a soberania de
um estado e a eficácia de suas leis em relação a outros estados. (NAKAYAMA, 2006, p. 93).
Especificamente em matéria tributária, esse princípio é considerado critério de política

43
econômica, seja para garantir a neutralidade fiscal nos intercâmbios internacionais, seja na
busca da eqüidade horizontal entre estados distintos com poder de imposição.
Em síntese, pelo princípio da territorialidade, a lei tributária de um estado vigora
nos seus limites geográficos e tem o condão de vincular apenas os contribuintes aí situados.

2.4 Neutralidade tributária

A Carta Política conclama a livre concorrência, como princípio geral da atividade


econômica (art. 170, IV da CF/1988). Tal princípio visa proteger a igualdade de condições de
competição entre particulares. Em função disso, há o dever do estado de manter neutralidade
em relação aos atos ou políticas que influenciem no equilíbrio da concorrência. Assim, a
tributação, enquanto atividade essencial do estado, há de ser neutra em relação à concorrência.
(LIMA, 2005, p. 61).
Porém, essa postura não significa não intervenção estatal na economia, vez que o
próprio constituinte preconizou um Estado que valoriza a função social da propriedade, a
defesa do consumidor, entre outros princípios indicadores da liberdade de ação dos agentes
econômicos no mercado. (PAULA, 2008, p. 13).
A palavra neutralidade guarda relação com os termos imparcialidade,
eqüidistância, igualdade de posições entre os envolvidos numa disputa. (LIMA, 2005, p. 61).
Para preservar a neutralidade, algumas vezes é necessário manter-se inerte, não se posicionar
ou não interferir; porém, outras vezes, é fundamental a intervenção para garantir a
preservação do próprio princípio em exame.
Especificamente no que diz respeito à neutralidade fiscal, podemos defini-la como
um princípio de finanças públicas, segundo o qual o tributo não deve provocar distorções no
mercado quanto a preços, oferta e demanda. Portanto, é cogente que a tributação seja a mais
neutra possível, sem se tornar elemento fundamental na decisão do agente econômico no que
tange a investimentos, nem fator de distorção do sistema econômico, diminuição da eficiência
ou obstáculo ao desenvolvimento. Todavia, há que se ter em mira que o ideal de neutralidade
fiscal não impede o estabelecimento de normas indutoras, enquanto instrumento de
intervenção econômica, desde que, obviamente, respeitadas as balizas constitucionais.
(PAULA, 2008, p. 66-67).
Por isso, devem ser encaradas com reservas as alegações daqueles que sustentam
que a extrafiscalidade nos impostos sobre o consumo manifestada na forma de incentivos

44
fiscais contraria o princípio da neutralidade fiscal, posto que o ICMS, enquanto principal
fonte de receita tributária dos entes federativos no Brasil, não só pode como deve ser uma
espécie de mecanismo do planejamento econômico e da execução de políticas públicas.
Ruy Barbosa Nogueira (1971, p. 151) , ao contrário, desde a época do antigo ICM,
já criticava a utilização dos impostos sobre o consumo para fins extrafiscais, defendendo que
a intervenção do Estado no domínio econômico deveria ser realizada pela União, tendo o ICM
função eminentemente fiscal, no sentido de fornecer a receita necessária para os estados-
membros e municípios, razão pela qual não tinha o condão de servir de instrumento regulador
da economia.
André Elali (2007) traça importantes considerações sobre os sentidos que a
neutralidade da tributação pode assumir:

A neutralidade da tributação tem dois sentidos: (i) no caso da norma que


objetiva a arrecadação, a tributação há de evitar distorções, sendo neutra na
medida do possível; (ii) já nas hipóteses das normas que objetivam regular a
economia e o fenômeno social como um todo, devem através de
diferenciações “normalizar” as distorções do sistema. Dessa forma, as
normas tributárias indutoras, não tendo como finalidade principal a
arrecadação, implicam em mudanças no sistema, daí porque não se trata de
normas neutras. Devem, ao contrário, orientar os compromissos na busca da
concorrência, da valorização do poder econômico. (ELALI, 2007, p. 65).

Na mesma esteira, Antônio Carlos dos Santos (2005, p. 356) vislumbra dois
sentidos para a neutralidade da tributação: (i) um primeiro sentido seria aquele associado a
ciência das finanças, segundo o qual os tributos não devem favorecer ou prejudicar grupos
específicos dentro da economia, evitando influenciar de forma negativa na concorrência e (ii)
um segundo sentido seria aquele diretamente inverso ao primeiro, em razão do qual a
tributação deve, sim, intervir para atenuar ou suprimir imperfeições, o que o autor conceituou
como neutralidade ativa.
As normas jurídicas que estabelecem incentivos fiscais são consideradas
instrumentos de intervenção econômica por indução, sendo que o Estado detentor do poder de
tributar e regular, emprega o tributo como instrumento de incentivo de determinadas condutas
dos contribuintes. (SHOUERI; BELLAN: ANDRADE JÚNIOR, 2008, p. 329-330). Mas é
necessário cuidar para que o comportamento negocial dos contribuintes não seja determinado
em razão da carga tributária por eles suportada, que de alguma forma implique vantagem
competitiva, e, sim, com base em elementos de ordem não fiscal, como, por exemplo,
qualidade e agilidade na entrega dos produtos.

45
O ICMS é o imposto de maior relevância econômica do sistema tributário e, por
ser de competência dos estados-membros, aguça a preocupação com a garantia da unidade do
território brasileiro e com a plena integração do mercado interno.
O princípio da neutralidade guarda íntima correlação com o princípio da não-
cumulatividade, sendo que este se presta a garantir a eficácia do primeiro, para que os tributos
sejam neutros e não firam as leis da livre concorrência e competitividade, que norteiam os
mercados.
Misabel Derzi (2004, p. 343-344) defende que um imposto é considerado ideal
para o mercado se: (i) for neutro no impacto de formação de preços; (ii) onerar o consumo e
não a produção ou comércio; (iii) oferecer maiores vantagens aos fiscos, na medida em que a
sistemática de um tributo plurifásico permite a antecipação do imposto que seria devido
somente no consumo, tornando responsáveis pela arrecadação todos os agentes participantes
do processo circulatório das mercadorias.
Destacamos, também, que a Emenda Constitucional n°. 42/2003 positivou o
princípio da neutralidade tributária, ao introduzir o art. 146-A, dispondo que lei complementar
poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios
da concorrência, sem prejuízo da competência da União para normas de igual objetivo.
Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento para coibir a guerra fiscal, por
meio de lei complementar, até hoje, não utilizado pelos parlamentares. (SCAFF, 2005, p. 30).
De igual sorte, o objetivo de prevenção dos desequilíbrios da concorrência previstos no
aludido dispositivo constitucional também pode ser alcançado pelo governo mediante
políticas públicas, planejamento, metas, inclusive a concessão de incentivos fiscais.
Importa salientar que, apesar do art. 146-A ter positivado o princípio da
neutralidade tributária na Constituição, certo é que já havia outros dispositivos no Texto
Maior a vedar expressamente a tributação como meio inidôneo para diferenciação de agentes
econômicos no mercado. É o caso do art. 150, II da CF/88, que proíbe o tratamento desigual
para contribuintes em situação econômica equivalente. (PAULA, 2008, p. 23).
Diante disso, podemos afirmar que o princípio da neutralidade fiscal, cujo
objetivo é reduzir o impacto da tributação sobre a decisão dos agentes econômicos e sobre a
formação de preços, decorre essencialmente do princípio constitucional tributário da
igualdade, assim entendido como limitação genérica nas situações em que são estabelecidas
exonerações fiscais, conforme será mais bem depurado no quarto capítulo.

46
2.5 Tributação na origem

Por ser o ICMS um imposto plurifásico e não-cumulativo é importante


analisarmos a forma de tributação das operações que ultrapassem as fronteiras do ente
tributante, ou seja, examinarmos os aspectos da tributação das operações interestaduais.
Nesses casos, a adoção, seja do princípio de tributação na origem seja do princípio
de tributação no destino, é necessária para evitar que uma mesma mercadoria venha a ser
tributada em um ou outro estado, impedindo-se a ocorrência da perniciosa bitributação.
Também, busca-se, com a eleição de uma dessas duas sistemáticas, permitir que um bem
procedente de determinado estado tenha chances de concorrer em igualdade de condições com
bens locais no outro estado.
Segundo Valcir Gassen (2004, p. 83), os princípios de imposição na origem ou no
destino são princípios de jurisdição tributária, tanto no comércio nacional quanto no
internacional, sendo claro que a tributação das operações interestaduais deve manter a
harmonia no comércio entre diferentes entes políticos e a preservação de distintas ordens
jurídicas.
Porém, é exatamente aí que surge o grande debate acerca da justiça e eficiência
em se adotar o princípio de tributação na origem, que privilegia a produção, ou o princípio de
tributação no destino, que privilegia o consumo.
Toda e qualquer discussão sobre o tema há de considerar os impactos da adoção
de uma ou outra sistemática de tributação não só sobre o modelo federativo, como, também,
sobre a soberania e autonomia estatal. Ademais, qualquer mudança nos critérios hoje adotados
implicará expressivas conseqüências financeiras para os estados envolvidos, não dispostos a
abrir mão de seus recursos.
Nas operações internacionais, a questão é um pouco mais simples, já que vigora o
princípio do destino, como regra de jurisdição. Com base no princípio de destino desoneram-
se as exportações e tributam-se as importações, geralmente com carga tributária equivalente
àquela aplicada aos produtos nacionais.
A Constituição Federal visa à preservação de um mercado interno plenamente
integrado, na medida em que, por meio do seu art. 152, veda aos estados, distrito federal e
municípios o estabelecimento de diferença tributária entre bens e serviços de qualquer
natureza, em razão de sua procedência ou destino. O referido normativo constitucional tem

47
por escopo conferir tratamento equânime aos bens e serviços dentro dos estados ou dos
municípios, de modo que possam circular, sem barreiras fiscais, entre os entes políticos.
O Texto Maior não prescreveu de forma expressa a tributação do ICMS nem na
origem nem no destino. Na verdade, acabou criando um sistema misto ou híbrido, objetivando
distribuir a receita entre o estado produtor e o estado consumidor.
Nos termos do art. 155, § 2°, IV do da CF/1988, resolução do Senado Federal
estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação.
De acordo com o inciso VII do mesmo dispositivo constitucional, quanto às operações e
prestações que destinem bens e serviços a um consumidor final localizado em outro estado,
deverá ser adotada: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do
imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário dele não for contribuinte. Por fim, o
inciso seguinte, VIII, reza que, na hipótese do destinatário ser contribuinte do imposto, numa
operação interestadual, caberá ao estado da localização do destinatário o imposto
correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Portanto, a tributação das
operações interestaduais será definida conforme o destinatário das mercadorias reúna, ou não,
as condições de contribuinte e/ou consumidor final.
Com as alíquotas interestaduais inferiores às alíquotas internas, o estado de
origem pode acumular crédito de ICMS nas operações interestaduais, pois os débitos
originados pelas saídas das mercadorias para outro estado, não raro, não são suficientes para
absorver a totalidade dos créditos das operações anteriores.
Verificamos que existe no modelo brasileiro de tributação das operações
interestaduais uma certa compensação de receitas entre estado produtor e consumidor, a
inteiro encargo do contribuinte. Todavia, é evidente que há um privilégio para os estados
produtores, que ficam com a maior parte da receita. Isto vem acentuar ainda mais as
desigualdades econômicas e regionais entre os estados, pois sabemos que os estados
produtores estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Sendo assim, os estados
consumidores, em regra, pertencentes às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem
parte dos recursos decorrentes da tributação das operações interestaduais, mas não de forma
suficiente para se estabelecer justiça fiscal.
Parece elementar que o atual modelo brasileiro de tributação das operações
interestaduais agrava o cenário de guerra fiscal entre os estados. Obviamente que se a
arrecadação do ICMS fica vinculada à localização da atividade produtiva, já que a maior

48
parcela do imposto cabe ao estado de origem, os entes políticos atuarão com as armas que
tiverem e do jeito que puderem para atrair o investimento privado para os seus territórios.
Natália de Azevedo Morsch (2006, p. 143) defende que esse mecanismo, embora
preserve a autonomia dos entes federativos, enfraquece o federalismo, vez que privilegia os
estados produtores, tornando-se fator de agravamento dessas diferenças econômicas.
Já Heron Arzua (2005) argumenta que para tributar e cobrar o princípio pode e
deve ser o de origem, mas o produto da arrecadação não deve pertencer ao estado de origem,
mas, sim, ao estado de destino, pelo menos na sua quase integralidade. Tal sistemática faria
com que a arrecadação de cada estado guardasse coerente relação com a dimensão de seu
mercado consumidor, isto é, com o lugar onde o cidadão demanda serviços públicos e não
mais com o de sua produção.
Notamos que a própria Constituição Federal fomenta a desarmonia sistêmica,
posto que, ao mesmo tempo em que veda a concessão de incentivos fiscais unilaterais pelos
estados em desacordo com as regras insculpidas na Lei Complementar n°. 24/1975 (art. 155, §
2°, XII, g), distribui-lhes as armas para o confronto entre si, que tentam sobreviver ao cenário
de deflagrada e ardorosa guerra fiscal, ao adotar o modelo de tributação das operações
interestaduais; apesar da característica de regime misto (possibilitando o compartilhamento de
receitas com o estado de destino), privilegia a tributação no estado de origem.
São preocupantes as discrepâncias constatadas a partir do exame do desempenho
arrecadatório do ICMS nas regiões brasileiras são preocupantes, conforme mostra a Tabela 1
abaixo:

Tabela 1 – Arrecadação do ICMS por Região – R$ mil

Região 2007 2008 2009


Norte 10.583.454 12.446.202 12.828.456
Nordeste 27.743.294 32.058.239 33.892.547
Sudeste 104.075.349 124.372.695 126.691.732
Sul 29.165.815 34.535.789 35.950.672
Centro-Oeste 16.077.356 19.175.667 20.006.943

Fonte: Secretaria Nacional de Fazenda, Finanças ou Tributação.

O desnivelamento observado na arrecadação regional do ICMS no decorrer desses


três anos reflete no próprio desequilíbrio da balança comercial interestadual. Tal fato
incontestável exige repensarmos a sistemática de tributação das operações interestaduais no

49
Brasil, devendo haver o progresso para um modelo mais justo, equalizado e, na medida do
possível, mais lógico do ponto de vista econômico.

50
3 O REGIME JURÍDICO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS

3.1 Breve abordagem histórica

A partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, que culminou


em grande pessimismo no mercado de ações e grande depressão disseminada por todo o
mundo capitalista, os governos passam a intervir nas relações econômicas com o objetivo de
fomentar a economia.
O intervencionismo estatal foi tido como a verdadeira saída para retirar o
capitalismo da depressão. As principais ações nesse sentido foram controle da moeda e do
crédito, aplicação de uma baixa carga tributária, gestão da previdência social, realização de
grandes obras públicas, constituição de monopólios estatais, tudo com o propósito de
possibilitar à sociedade os meios necessários para alcançar rendimentos, bem como para
garantir a recuperação e o reaquecimento da economia. (HUGON, 1995. p. 412).
Nesse período, entre os anos de 1950 e 1970, sob a inspiração do pensamento
keynesiano acreditava-se que os incentivos fiscais seriam a panacéia para o desenvolvimento
econômico. Assim, o Brasil, os Estados Unidos e as principais nações européias, delinearam
suas políticas fiscais com base na idéia de desenvolvimento movido a custo do dinheiro
estatal. (TORRES, 2005, p. 134).
Aliomar Baleeiro (1958), à época do Estado intervencionista, defendia
fervorosamente que os incentivos fiscais eram a contrapartida do próprio interesse público:

No mundo moderno, democrático e de sufrágio universal, não há isenções


que reflitam privilégios injustificados de classes ou pessoas como as do
ancien regime. A imunidade é sempre a contrapartida de um interesse
público tão respeitável como o do Fisco. Então, a norma que a contém deve
ser interpretada e aplicada até esgotar-se toda a sua força e amplitude de
compreensão sob pena de ser sacrificado o objetivo moral, político ou social
que a lei pôs acima duma prestação de dinheiro. (BALEEIRO, 1958, p. 127).

Entre as décadas de 1970 e 1980, o Brasil e o mundo sentiram o impacto deste


modelo estatal intervencionista, quando se instaurou uma severa crise do Estado fiscal. Essa
crise foi, portanto, contemporânea à substituição do modelo do Estado intervencionista pelo
modelo do Estado democrático.
Segundo relatos de Ricardo Lobo Torres (2005, p. 134), nesse período, a política
de incentivos brasileira teria se mostrado perversa e nociva aos interesses da coletividade,
visto não ter produzido o desenvolvimento econômico esperado, mas gerado notório
desperdício de dinheiro público.
Desse modo, com o advento da Constituição Federal em 1988, uma nova política
fiscal colocou em prática princípios constitucionais, para preservação do patrimônio estatal e
contenção dos déficits gerados pela concessão desregrada de incentivos fiscais, muitas vezes
ineficazes ou justificados apenas por interesses particulares num contexto de corrupção.
O legislador constituinte deu grande enfoque à preservação do Estado fiscal, como
se pode depreender, à guisa de ilustração, dos seguintes dispositivos: (i) art. 150, II, que veda
tratamento desigual entre contribuintes, que se encontrem em situação equivalente, com
supedâneo no princípio da capacidade contributiva; (ii) art. 165, § 6°, que determina que o
orçamento seja acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre receitas e
despesas, de todas as renúncias decorrentes de quaisquer benefícios de natureza financeira,
tributária ou creditícia; (iii) art. 150, § 6°, com a redação dada a partir da Emenda
Constitucional n°. 3 de 1993, que prescreve concessão de qualquer privilégio fiscal só
mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente a matéria
de incentivo ou correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155,
§ 2º, XII, g, e (iv) art. 155, § 2º, XII, g, que atribui, em matéria de ICMS, à lei complementar,
a regulação de, mediante deliberação dos estados e do distrito federal, isenções, incentivos e
benefícios fiscais, a serem concedidos e revogados.
Porém, chamamos a atenção para o fato de que essa nova orientação
constitucional, contrária à concessão de privilégios sem propósitos, não deixou de preservar e
fomentar os incentivos destinados ao desenvolvimento regional, com o fito de corrigir
desequilíbrios no país, como se observa do art. 151, I5 e art. 43, § 2º6, ambos do Texto Maior.
(TORRES, 2005, p. 136-137).

5
Art. 151. É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência
em relação a Estado, ao Distrito federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de
incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do País. (Grifamos)
6 Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo
geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. (...)
§ 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei:(...)
52
Feita esta brevíssima digressão histórica acerca das mudanças na ideologia sobre
renúncia de receitas no Brasil, cabe uma investigação sobre a forma como se opera a
extrafiscalidade no âmbito do ICMS, para posteriormente passarmos ao estudo do conceito de
benefícios fiscais e suas diferentes espécies.

3.2 A extrafiscalidade no âmbito do ICMS

Instituição, majoração ou redução de tributos, em regra, visam atender finalidades


fiscais e extrafiscais. A finalidade fiscal será verificada sempre que a organização jurídica do
tributo denuncie os objetivos que presidiram a sua instituição ou governam certos aspectos da
sua estrutura, como voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros
interesses interfiram no direcionamento da atividade impositiva. Por sua vez, haverá
finalidade extrafiscal quando a legislação do tributo, para prestigiar valores considerados
social, política ou economicamente valiosos, dispensa tratamento mais confortável e benéfico,
ou mais gravoso, a determinadas situações.
O Estado contemporâneo é reconhecidamente um Estado fiscal na medida em que
necessita da tributação para a sua manutenção e para a efetivação de suas políticas públicas.
(ELALI, 2010, p. 103). Porém, no atual estágio das finanças públicas, dificilmente um tributo
é utilizado apenas como instrumento de arrecadação, de modo que a função fiscal pode até ser
principal, mas não a única. (MACHADO, 2003, p. 67).
Conforme explica André Elali (2010), em sua percuciente pesquisa, duas são as
facetas da tributação:

Pode-se dizer, assim, que duas são as facetas da tributação: a fiscalidade,


como representação da transferência de recursos da economia privada para
os Estados, e a extrafiscalidade, que diz respeito à utilização de mecanismos
com repercussão econômico-financeira para a indução dos agentes
econômicos a comportamentos mais desejáveis em face do interesse público.
(ELALI, 2010, p. 105-106).

No campo da extrafiscalidade, também são duas as alternativas de que dispõe o


legislador para atingir os seus objetivos. A primeira seria elevar o encargo financeiro do
tributo, de modo a desestimular determinadas condutas dos contribuintes; a segunda seria

III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou
jurídicas. (Grifamos)
53
reduzir a carga tributária incidente sobre certos comportamentos ou atividades, estimulando a
sua realização.
Na segunda hipótese o ente federado, por meio da concessão de anistia, remissão,
subsídio, crédito presumido, isenções, reduções de alíquota ou da base de cálculo, ou qualquer
outra modalidade de estímulo fiscal, proporciona, por exemplo, o desenvolvimento da
economia, a geração de empregos diretos e indiretos, a capacitação profissional, a compra de
produtos, etc., os quais, por si só, compensam eventuais decréscimos na arrecadação. O
conjunto desses instrumentos, que implicam redução do ônus tributário, recebe o nome
genérico de benefício fiscal.
Tais incentivos fiscais têm por objetivo fundamental a modificação do status do
sistema econômico, de modo a promover a regulação do mercado, por meio da
extrafiscalidade, sendo que em todo e qualquer mecanismo de intervenção no domínio
econômico devem ser consideradas as normas de direito tributário, econômico e financeiro
(ELALI, 2010, p. 70).
Nesse contexto, os estados brasileiros devem, sim, intervir na economia, para
corrigir as distorções na concorrência, visando à preservação da harmonia do sistema
econômico, em nome dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência.
Mas não é só. A Constituição Federal estabeleceu diversos princípios de caráter
teleológico que legitimam a concessão pelos estados de benefícios fiscais: (i) a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV); (ii) a construção de uma
sociedade justa e solidária, na erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3º, I, III e IV);
(iii) direito social ao trabalho (art. 6º e art. 7º, caput, e XXXI); (iv) ordem social, busca do
pleno emprego, bem-estar (art. 170, caput e VIII e art. 193).
Também não podemos olvidar o § 7° do art. 165 da Carta Maior, que estabelece
que “os orçamentos fiscais e de investimentos, compatibilizados com o plano plurianual, terão
entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional”.
Paulo Caliendo (2008, p. 118) encara com reservas a utilização da função
extrafiscal do direito tributário, a qual, em nome da preservação do princípio da neutralidade
tributária, deve ser residual, motivada e, se possível, temporária, visto que o tributo não pode
ser entendido como elemento fundamental de direção econômica, mas, tão-somente, meio de
regulação excepcional, limitado e justificado.
É por essa razão que não podem os entes políticos, a pretexto de cumprir valores
constitucionais, criar estímulos que venham a agredir a estrutura de legalidade e isonomia

54
estabelecida pelo Texto Maior, não se admitindo, sob qualquer hipótese, atos tendentes a
concessão de privilégios individuais e despropositados, que acentuem as desigualdades.
Na análise acerca da legitimidade de qualquer tipo de intervenção do estado no
domínio econômico, por meio da concessão de incentivos fiscais, é necessário antes investigar
se se está diante de uma situação criada para conceder algum privilégio excessivo ou
realmente há concretização de princípios constitucionais, com aferição de resultados efetivos
hábeis a fundamentar a sua validade.
Especificamente no que diz respeito ao ICMS, apesar de ser um imposto, cuja
função é primordialmente fiscal, pode ser utilizado pelos estados em sua função extrafiscal,
com vistas a alcançar o desenvolvimento econômico, reduzir desigualdades regionais e, mais,
promover justiça fiscal, desde que se observem as formas e os fundamentos constitucionais.

3.3 Conceito de benefícios fiscais

A legislação emprega indistintamente os termos incentivos, estímulos, privilégios,


prêmios, auxílios, favores ou simplesmente benefícios fiscais, para tornar um pouco mais
claros os significados dessas expressões, que não raro são utilizadas pelo legislador de forma
equivocada ou desprovida de qualquer rigor técnico.
Exige-se cautela com esses diferentes rótulos jurídicos. Compreender a exata
dimensão e o alcance do seu conteúdo assume relevância no presente trabalho, principalmente
porque é justamente a imprecisão dos conceitos atinentes às mais diversas espécies de
incentivos, que implica freqüente confusão entre os institutos da não-incidência e da isenção,
substancialmente importantes para o deslinde da problemática da guerra fiscal no Brasil.
As hipóteses restritivas ao princípio da não-cumulatividade são somente a
isenção e não-incidência, ou seja, a vedação ao direito constitucional de creditamento do
ICMS, exigido nas operações anteriores, não alcançou as demais espécies exonerativas.
Feitas essas considerações passaremos ao estudo do conceito em voga. O termo
incentivo, na visão de Odair Tramontin (2008, p. 111), compreende uma norma jurídica de
direção econômica a serviço do desenvolvimento do país, de determinada região ou de setor
econômico, tratando-se de uma manifestação de dirigismo estatal.
Marcos André Vinhas Catão (2004, p. 13) conceitua os incentivos fiscais como
instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político, autorizado à

55
instituição do tributo, por meio de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular
o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico.
São basicamente três os principais objetivos que os entes políticos buscam
alcançar quando concedem incentivos: (i) um modelo de desenvolvimento nacional, visando
ao fortalecimento da economia; (ii) um modelo de desenvolvimento regional, com propósitos
de integração nacional e recuperação econômica regional e (iii) uma política de
desenvolvimento setorial, face às particularidades que justificam tratamentos especiais para
determinados setores da economia. (TRAMONTIN, 2008, p. 111).
Em regra, os entes políticos estabelecem situações desonerativas de exações
tributárias, mediante a concessão de benefícios fiscais, com o objetivo de estimular o
contribuinte à adotar determinados comportamentos, com vistas à realização dos mais
variados interesses públicos.
Nesta senda, Geraldo Ataliba e José Artur Lima Gonçalves (1991), acertadamente,
observam o seguinte:

Os incentivos fiscais manifestam-se, assim, sob várias formas jurídicas,


desde a forma imunitória até a de investimentos privilegiados, passando
pelas isenções, alíquotas reduzidas, suspensões de impostos, manutenção de
créditos, bonificações, créditos especiais – dentre eles os chamados crédito –
prêmio – e outros tantos mecanismos, cujo fim último é, sempre, o de
impulsionar ou atrair, os particulares para a prática das atividades que o
Estado elege como prioritárias, tornando, por assim dizer, os particulares em
participantes e colaboradores da concretização das metas postas como
desejáveis a do desenvolvimento econômico e social por meio da ação do
comportamento ao qual são condicionados. (ATALIBA; GONÇALVES,
1991, p. 167).

Como bem pondera José Eduardo Soares de Melo (2007, p. 232), o regime de
concessão de incentivos fiscais não está adstrito à rigidez dos princípios tributários, havendo
discricionariedade na aplicação de tais estímulos, com a manutenção dos direitos dos
contribuintes.
O direito à utilização, fruição ou realização dos benefícios fiscais não pode ter
vinculação estrita com o regime jurídico de tributação, pois, nesse tipo de relação jurídica, o
contribuinte é credor ou sujeito ativo, enquanto o poder público qualifica-se como devedor ou
sujeito passivo. Portanto, resta evidente a inversão total daquela relação se comparada à
relação tributária, em que o poder público é sempre sujeito ativo, tendo o contribuinte sempre
no pólo passivo da obrigação.

56
3.4 Espécies de benefícios fiscais

Antes de passar diretamente ao exame das espécies de benefícios fiscais, é válido


invocarmos as lições de alguns doutrinadores que se preocuparam em classificar tais
categorias jurídicas.
O professor Sacha Calmon (2003, p. 201) é precursor da Teoria da exoneração
tributária, segundo a qual, a partir da norma e sua respectiva incidência, é possível identificar
os tipos exonerativos. Para ele, as exonerações podem ser classificadas, quanto à estrutura da
norma, em internas e externas. As exonerações internas, por sua vez, subdividem-se, quanto a
sua localização no interior daquelas normas, em exonerações nas hipóteses, também
chamadas de exonerações qualitativas e em exonerações nas conseqüências, também
denominadas exonerações quantitativas. Exemplos de exonerações qualitativas seriam as
imunidades e isenções. As reduções diretas de base de cálculo e alíquota e concessão de
créditos presumidos seriam típicos exemplos de exonerações quantitativas. Quanto aos tipos
de exonerações externas o professor cita as remissões e devoluções de tributos, pagos
legitimamente.
Adilson Rodrigues Pires (2007, p. 20), por sua vez, classifica os incentivos fiscais
conforme as características essenciais de cada uma das suas principais espécies. Para o autor,
os incentivos dividem-se em duas principais categorias: a dos incentivos que operam sobre as
despesas públicas (subvenções, crédito presumido, subsídios) e, outra, a dos incentivos que
operam sobre as receitas públicas (isenção, diferimento, remissão e anistia).
A busca pelo desenvolvimento econômico leva a administração pública a utilizar-
se das sistemáticas de intervenção no domínio econômico, lançando mão de toda sorte de
mecanismos e estruturas de fomento, tanto por meio de financiamentos diretos quanto de
renúncias fiscais. É exatamente essa multiplicidade de possibilidades disponíveis aos agentes
governamentais que atormentam a tentativa de se alcançar uma equalização dos conceitos dos
tipos exonerativos e dos seus respectivos critérios de distinção.
Não por outro motivo é preciso esmero na composição de parâmetros para análise
da temática. Contudo, por questões de limitação quanto ao objeto da pesquisa, os principais
critérios distintivos das espécies de incentivos serão enunciados em estreita síntese.

57
3.4.1 Distinção entre incentivos fiscais e incentivos financeiros

As unidades federativas têm expedido leis, decretos e atos administrativos,


outorgando vantagens fiscais e financeiras ou creditícias operacionais, que afetam a carga
impositiva dos agentes econômicos.
Freqüentemente as diferentes iniciativas governamentais na área de incentivos
serem equivocadamente colocadas numa vala comum e equiparadas aos incentivos fiscais.
Por isso, é preciso deixar claro que os incentivos são gêneros de que são espécies os
incentivos tidos por fiscais e, também, os incentivos financeiros. A distinção entre essas
espécies de incentivo tem sido alvo de calorosos debates entre os juristas, mas ainda não
houve uma unificação dos conceitos.
Para se compreender a diferença entre os incentivos fiscais e os financeiros, há
que se reconhecer, antes de mais nada, o Direito Tributário e o Direito Financeiro como ramos
autônomos das Ciências Jurídicas, apesar de terem princípios semelhantes e pontos em
comum, que integram o campo das finanças públicas. Mas já é assente a sua absoluta
distinção, inclusive, separados de forma clara pela Constituição Federal. Para isso, basta
confrontar as disposições apresentadas nos arts. 145 a 156, que cuidam do Sistema Tributário
Nacional, com as disposições contidas nos arts. 157 a 169, que tratam das finanças públicas e
dos orçamentos. (MARTINS, 2005, p. 139).
Os incentivos fiscais, em regra, são concedidos para incentivar a economia local
ou determinados setores, por meio de estímulos originados da própria receita do tributo. Já os
incentivos financeiros normalmente são concedidos após a extinção do crédito tributário, ou
seja, com receitas previstas no orçamento do ente político tributante.
Ives Gandra da Silva Martins (2005), com precisão, distingue os institutos em
tela:

No incentivo fiscal, a ocorrência do estímulo é anterior ao pagamento do


tributo, que deixa de ser feito. Se for isenção, nasce obrigação tributária, que
não se concretiza em crédito tributário, por força do estímulo (art. 175 do
CTN). Já no incentivo financeiro, nasce a obrigação tributária, nasce o
crédito tributário, extingue-se o crédito tributário pelo pagamento e os
recursos ingressam nos cofres estaduais, nos termos da legislação e do
orçamento, podendo o Estado fazer o que bem entender- pois os recursos lhe
pertencem-, inclusive financiar as empresas contribuintes de ICMS. Como se
percebe, são dois tipos absolutamente distintos de estímulos, um, de natureza
tributária – aquele de que cuidou a letra g do inciso XII do artigo 155 da CF
– e, outro, de natureza financeira, subordinado às regras dos artigos 165 a
169 da lei maior. (MARTINS, 2005, p. 141).
58
Seguindo a linha do eminente jurista, concluímos que o benefício financeiro é
concedido após a obrigação tributária ter sido devidamente exaurida e adimplida pelo
contribuinte. Já, o benefício fiscal é concedido antes do pagamento do tributo, durante a
relação obrigacional tributária, que não se aperfeiçoa total ou parcialmente.
São exemplos de incentivos fiscais: isenção de imposto para determinados
produtos ou para micro e pequenas empresas, redução da alíquota do imposto para situações e
produções especiais, postergação dos prazos de pagamento, isenção ou redução do imposto
sobre produtos específicos destinados ao exterior, dentre outros tantos.
Citamos, como exemplos de incentivos financeiros: aquisição de ativos fixos,
financiamento do pagamento do imposto, participação acionária, financiamento para o
desenvolvimento tecnológico, financiamento para empresas de determinados setores.
Existem também diversos estímulos para infra-estrutura, tais como, venda de lotes
e galpões por preços reduzidos, permuta de terrenos para a localização de empresas, doação
de áreas e lotes industriais, implantação de áreas e distritos industriais, etc.
Além disso, outras formas de estímulos podem ser verificadas, como, por
exemplo, a simplificação do processo de registro de empresas, a simplificação do processo de
licitação para pequenas empresas, a assistência técnica na elaboração de projetos e ainda o
apoio à formação de capacitação profissional. (MELO, 2007, p. 233).
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)7, em resposta à consulta
formulada pelo Pensamento Nacional das Bases Empresarias (PNBE), manifestou-se sobre a
inexistência de diferença quanto ao efeito prático de um incentivo fiscal e um incentivo
financeiro: “1- Incentivos fiscais ou financeiro-fiscais possuem o mesmo efeito para a
empresa beneficiada e para o mercado; 2- Tais incentivos importam na redução artificial do
montante do imposto a pagar”.
Na mesma linha, Ricardo Lobo Torres (2005) crê que a diferença dos institutos é
apenas jurídico-formal:

Os privilégios tributários, que operam na vertente da receita, estão em


simetria e podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar a
despesa pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A verdade é
que a receita e a despesa são entes de relação, existindo cada qual em função
do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se a receita, pela isenção ou
dedução, como aumentar-se a despesa, pela restituição ou subvenção, que a
mesma conseqüência financeira será obtida. (TORRES, 2005, p. 135).

7
Consulta n°. 0038/99. Relator: Conselheiro Marcelo Calliari. DOU 28.04.2000.
59
Com todo o respeito ao posicionamento do ilustrado doutrinador, o ponto é que a
distinção jurídico-formal entre incentivos fiscais e financeiros é essencialmente relevante para
o deslinde da problemática que gravita em torno das reações fazendárias à concessão
unilateral de estímulos de qualquer natureza pelos estados. Como demonstraremos no
próximo capítulo, a Lei Complementar n°. 24/1975, competente para regular a forma como,
mediante deliberação entre as unidades federativas, serão concedidos ou revogados isenções,
incentivos e benefícios fiscais, nos termos do art. 155, § 2°, XII, g da Constituição Federal,
não foi recepcionada pelo Texto Maior de 1988, no que tange aos incentivos financeiros, vez
que extrapolou a competência outorgada pelo legislador constituinte.

3.4.2 A norma de incidência tributária

Antes ainda de tratar das diferenças e particularidades dos tipos exonerativos


propriamente ditos, é fundamental reacendermos o debate sobre o conceito de incidência
tributária, identificada no momento em que se observam, no mundo real ou fenomênico, as
situações previstas na norma geral e abstrata, deflagrando, por via de conseqüência, uma
norma individual e concreta denominada obrigação tributária.
Em decorrência da fenomenologia da incidência tributária, uma vez ocorrida a
hipótese de incidência prevista na norma geral e abstrata, propaga-se o efeito jurídico próprio,
segundo o qual o sujeito ativo de determinada obrigação tributária terá o direito subjetivo de
exigir do sujeito passivo a prestação pecuniária relativa a um tributo. Desse modo, a norma
jurídico-tributária é composta de um antecedente, ou hipótese, e de um conseqüente, ou dever
jurídico, que se mantêm unidos pelo elo deôntico ou dever ser. Assim, dado o fato X então
deve ser Y.
Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 348-349) explica a fenomenologia da
tributação, a partir de técnicas lingüísticas e da estruturação formal da norma jurídica de
incidência, por ele nominada regra matriz de incidência tributária, segundo os critérios
representados graficamente no Quadro 1 a seguir:

60
Quadro 1 – Regra Matriz de Incidência Tributária segundo Paulo de Barros Carvalho

Regra Matriz de Incidência Tributária


Hipótese Tributária Conseqüência Tributária
a) Critério material: núcleo da descrição fática a) Critério pessoal: sujeitos da relação jurídica
b) Critério temporal: condicionante de tempo obrigacional
c) Critério espacial: condicionante de lugar a.1. Sujeito ativo: credor da obrigação tributária
a.2. Sujeito passivo: devedor da obrigação tributária
b) Critério quantitativo: indicador da fórmula de
determinação do objeto da prestação
b.1. Base de cálculo: grandeza mensuradora dos
aspectos materiais do fato jurídico
b.2. Alíquota: fator que se conjuga a base de
cálculo para determinação do valor da dívida
pecuniária
Fonte: CARVALHO, Paulo de Barros (2005).

Sacha Calmon (2003, p. 94-98) acrescenta importantes modificações ao desenho


normativo do citado professor paulista; primeiro de ordem terminológica, na medida em que
no lugar de critérios usa o termo aspectos para qualificar as facetas da hipótese e
conseqüência normativa tributária; segundo, porque acrescenta o aspecto pessoal ao lado dos
aspectos material, temporal e espacial da hipótese de incidência, posto que o fato jurígeno
revelado por um ser, ter, estar ou fazer está necessariamente vinculado a uma pessoa, o que é
importante para a delimitação da própria hipótese, compondo indissociavelmente a sua
estrutura.
Quanto à conseqüência jurídica, que expressa um dever tributário, há outros
aspectos pertinentes à relação jurídica que se formam a partir da realização da hipótese de
incidência, os quais não foram considerados por Paulo de Barros Carvalho, acabando por
limitar os elementos do critério quantitativo à base de cálculo e alíquota. Aspectos, como
onde, de que maneira, quando, em que montante são necessários para a apuração do débito,
que deverá ser satisfeito em favor do sujeito ativo da obrigação.
A concepção do professor mineiro (COÊLHO, 2003, p. 98) pode ser demonstrada
no esquemático Quadro 2 a seguir:

61
Quadro 2 – Regra Matriz de Incidência Tributária segundo Sacha Calmon

Norma Tributária
Hipótese de Incidência Consequência Jurídica
a) Aspecto material: o fato em si a) A quem pagar (sujeito ativo)
b) Aspecto temporal: condições de tempo b) Quem deve pagar (sujeito passivo)
c) Aspecto espacial: condições de lugar c) Quanto pagar (base de cálculo, alíquotas, adições,
d) Aspecto pessoal: condições e qualificações subtrações, valor fixo)
relativas às pessoas envolvidas com o fato d) Como pagar
e) Quando pagar
f) Onde pagar
Fonte: COELHO, Sacha Calmon Navarro (2003).

O confronto dessas duas teorias tem proposital objetivo neste trabalho. Um dos
argumentos adotado pelos estados, e que vem sendo acatado pelo Poder Judiciário para
justificar a glosa de créditos de ICMS do contribuinte que adquire mercadorias incentivadas
em outro estado, é justamente a equiparação de todo e qualquer tipo exonerativo às hipóteses
de não-incidência ou isenção. Portanto, nessa linha subvertida de raciocínio, tais restrições ao
direito creditório dos contribuintes encontram fundamento de validade nas exceções ao
princípio da não-cumulatividade previstas no art. 155, § 2°, II, b da Constituição Federal.
Por isso, é valiosa a Teoria da Exoneração Tributária desenvolvida pelo mestre
Sacha Calmon, especialmente a técnica classificação dos tipos exonerativos, já que, como será
demonstrado, não se pode admitir a equiparação de uma isenção com exonerações internas
quantitativas, nem com as exonerações externas, posto que as isenções têm o condão de
anular somente os aspectos da hipótese de incidência e não os aspectos da sua conseqüência,
eis que se configura uma exoneração interna qualitativa.

3.4.3 Os tipos exonerativos

3.4.3.1 Imunidade, isenção e não-incidência

A não-incidência pode ser definida a partir do conceito da própria incidência.


Dessa forma, se a incidência ocorre quando recai sobre determinado fato uma hipótese
prevista em norma geral e abstrata, estaremos, então, diante de uma não-incidência quando
um fato não estiver alcançado pela definição legal da hipótese de incidência.

62
Assim, temos a não-incidência, natural ou pura como preferem alguns, quando os
requisitos previstos na lei tributária não se verificarem concretamente, de modo a não surgir
obrigação tributária para o contribuinte. (BORGES, 2007, p. 183). Para exemplificar, temos
que a venda isolada de um computador de uma pessoa física a terceiro é hipótese de não-
incidência tributária do ICMS, que, para incidir, depende da ocorrência no mundo fenomênico
de uma operação de circulação de mercadorias, assim entendidas como bens móveis sujeitos à
mercancia e com habitualidade.
No tocante à imunidade, a doutrina não diverge quanto às seguintes características
essenciais do instituto: (i) é regra jurídica com sede constitucional; (ii) é regra de
incompetência tributária ou delimita a competência dos entes políticos da Federação, em
sentido negativo; (iii) obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, negando
competência para a imposição tributária em relação a fatos especiais e determinados; (iv)
distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou
complementar. (BALEEIRO, 2000, p. 114).
São múltiplas as situações de imunidade espraiadas na Constituição, muitas das
vezes impropriamente denominadas de isenção ou não-incidência. Exemplos clássicos de
imunidade são encontrados no art. 150, VI do Texto Supremo, tais como a imunidade
recíproca, a imunidade sobre templos de qualquer culto ou a imunidade sobre os partidos
políticos.
Já no que se refere à definição da isenção, a doutrina da mais alta reputação é
completamente dissonante, sendo que tal figura tem sido objeto de inflamados debates.
Rubens Gomes de Sousa, citado por Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 484),
defendia que a isenção é um favor legal, consubstanciado na dispensa do pagamento de
tributo devido, em que ocorre o fato jurídico ensejando o vínculo obrigacional para posterior
dispensa do débito tributário, por força da norma isentante.
José Souto Maior Borges (1996, p. 70) diverge dessa doutrina tradicional, que
trata a isenção como dispensa do pagamento de tributo devido, enfatizando que, se assim o
fosse, haveria sempre a incidência de norma tributária sobre o isento e a incidência da norma
isentante, surgindo a obrigação tributária, cuja conseqüência de lei seria a dispensa do
pagamento. Conclui o autor que as isenções são, na verdade, hipóteses de não-incidência,
legalmente qualificadas.
Partindo da classificação das normas jurídicas em normas de comportamento e
normas de estrutura, Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 488-490) desenvolveu teoria,

63
inserindo as isenções nesse espectro, ponderando que a regra isencional investe contra um ou
mais critérios da norma-padrão de incidência, seja no seu antecedente seja no seu
conseqüente. Segundo o consagrado jurista, há uma mutilação parcial da norma jurídica de
incidência, por meio da anulação de um de seus critérios. A supressão dos critérios é parcial;
se fosse total significaria destruir a própria regra matriz, inutilizando-a, como norma válida no
sistema.
Exemplificando, a norma que estabelece isenção de IPI para os produtos
fabricados na Zona Franca de Manaus ataca o critério espacial do antecedente da regra matriz
de incidência tributária. Já a norma que estabelece isenção de Imposto de Renda para os
sujeitos, que aufiram renda inferior a determinado valor, ataca o critério pessoal, que, para o
citado professor, compõe o conseqüente da norma-padrão.
As conclusões de Paulo de Barros Carvalho seriam perfeitas não fosse o fato de
que, partindo de suas premissas, tivéssemos, necessariamente, que admitir a possibilidade da
mutilação do critério quantitativo do conseqüente da regra matriz de incidência tributária para
dar ensejo a uma isenção tributária. Se isto fosse possível, haveríamos mesmo de admitir que
os institutos da alíquota zero e isenção são equivalentes. Mas, muito ao contrário, as isenções
só podem atuar contra os aspectos da hipótese de incidência, jamais se voltarem contra os
aspectos do conseqüente normativo, que pressupõem já ter incidido a norma e já ter ensejado
o dever jurídico de pagamento de um tributo, podendo sofrer reduções no quantum debeatur,
mediante outras técnicas exonerativas, como, por exemplo, as reduções de base de cálculo e
alíquotas, isenções parciais e alíquotas zero, que serão examinadas logo mais.
É muito comum estender o conceito de isenção a toda e qualquer fórmula
exonerativa, praticando-se a denominada assimilação de figuras afins, como bem adverte o
professor Sacha Calmon (2010, p. 131), que defende ter cada figura o seu sentido próprio,
sendo as diversas espécies dotadas de status inconfundíveis e muito bem delineados. Para ele,
o fenômeno da incidência pode ser obstado em razão de normas, que determinam situações de
imunidade ou isenção:

Achamos que a norma de isenção não é. E se não é, não pode ser não
juridicizante. Não sendo, também não incide. As normas não derivam de
textos legais isoladamente tomadas, por isso que se projetam do contexto
jurídico. A norma é resultante de uma combinação de leis ou de artigos de
leis (existentes no sistema jurídico). As leis e artigos de leis (regras legais)
que definem fatos tributáveis se conjugam com as previsões imunizantes e
isencionais para compor uma única hipótese de incidência: a norma jurídica
de tributação. Assim, para que ocorra a incidência da norma de tributação, é
indispensável que os fatos jurígenos contidos na hipótese de incidência
64
ocorram no mundo. E esses fatos jurígenos são fixados após a exclusão de
todos aqueles considerados não tributáveis em virtude de previsões expressas
de imunidade e isenção. (COÊLHO, 2010, p. 137).

A imunidade e a isenção são técnicas legislativas que representam declarações


expressas do legislador, tanto de ordem constitucional quanto infraconstitucional, sobre fatos
ou aspectos de fatos ou estados de fatos, de modo a negar-lhes efeitos tributários impositivos.
Já a não-incidência natural ou pura, simplesmente inexiste, enquanto declaração nos moldes
retromencionados, portanto, constitui-se em um não-ser. (COÊLHO, 2010, p. 143).
Apesar das diferenças conceituais apontadas entre os institutos da imunidade,
isenção e não-incidência, fato é que todos apresentam uma característica comum, que revela,
na prática, a conseqüência do não surgimento de vínculo jurídico, decorrente da incidência
tributária. Mas, de acordo com o estabelecido pelo legislador constitucional, tais conceitos são
essencialmente relevantes para fins de exame do alcance do princípio da não-cumulatividade
no tocante ao ICMS.

3.4.3.2 Isenção parcial

A doutrina, os legisladores e, até mesmo, o judiciário costumam, de forma


equivocada, tratar as isenções parciais como se fossem espécies de um só gênero, qual seja o
das ditas isenções totais.
Para José Souto Maior Borges (1996, p. 70), a isenção total é uma hipótese de
não-incidência da norma que prescreve a obrigação tributária. O autor explica que é imprópria
a expressão isenção parcial, por não corresponder a uma hipótese em que a norma tributária
não incida, tratando-se, sim, de uma norma jurídica tributária que incide, surgindo para o
parcialmente isento a obrigação tributária. Na verdade, há uma diminuição do montante do
tributo, seja pela redução da base de cálculo, seja pela redução da alíquota, razão pela qual a
denominação mais apropriada para o instituto seria a redução de tributo.
Sacha Calmon (2010) sustenta que ou a isenção é total ou não é isenção:

Ocorre, no entanto, que à luz da teoria da norma jurídica tributária, a


denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do
imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de
alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é
total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao
nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções,
ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário
instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de

65
incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias
no quantum da obrigação, via base de cálculo rebaixada ou alíquota
reduzida. (COÊLHO, 2010, p. 152).

Estão corretos ambos os autores supracitados, visto que não podemos admitir a
incidência parcial, fracionada ou mitigada da norma jurídico-tributária, razão pela qual não
podemos falar em isenção parcial.
O Supremo Tribunal Federal admite que a figura da isenção parcial se equipara à
redução da base de cálculo, porém equivocadamente coloca a isenção parcial na mesma vala
da isenção total, ao permitir o estorno de créditos de ICMS pelos estados, invocando, para
tanto, as hipóteses restritivas ao princípio da não-cumulatividade, comandadas pelo art. 155,
§2°, II, b da Constituição, determinando que o direito ao crédito do imposto deve ser
proporcional à base de cálculo reduzida, ignorando, assim, a tese ora defendida.
Passemos a conferir recente precedente nesse sentido:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE


OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS DE
COMUNICAÇÃO E TRANSPORTE. ICMS. CUMULATIVIDADE.
DIREITO AO CRÉDITO. BASE DE CÁLCULO REDUZIDA.
FENÔMENO EQUIVALENTE À ISENÇÃO PARCIAL. PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. 1. Por ocasião do julgamento do RE
174.478 (red. p/ acórdão min. Cezar Peluso, Pleno, DJ de 10.09.2005), o
Supremo Tribunal Federal considerou que o benefício fiscal de redução da
base de cálculo equiparava-se à figura da isenção parcial, atraindo a vedação
posto no art. 155, § 2º, II, b da Constituição. 2. O art. 150, § 6º não se aplica
ao caso, na medida em que se trata de instrumento de salvaguarda do pacto
federativo e da separação de Poderes, destinado a impedir o exame
escamoteado de relevante matéria de impacto orçamentário, em meio à
discussão de assunto frívolo ou que não tem qualquer pertinência com
matéria tributária ou fiscal. O art. 150, § 6º nada diz a respeito da
caracterização dos fenômenos da redução da base de cálculo e da isenção
parcial, para fins do art. 155, § 2º, II, b da Constituição. Agravo regimental
ao qual se nega provimento. (AI 669557 AgR, Relator(a): Min. Joaquim
Barbosa, Segunda Turma, DJ 07.05.2010)8.

Mas, ainda que alguns doutrinadores, legisladores e aplicadores do direito acabem


equiparando inadvertidamente os institutos da isenção total e da isenção parcial, quando

8
Desde a decisão proferida nos autos do RE n°. 161.031 – MG, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, em
Sessão Plenária de 24.03.1997, por anos, inúmeros outros julgados do STF estiveram balizados em tal
precedente, tendo admitido a distinção entre os institutos da redução da base de cálculo e isenção parcial,
declarando, assim, a inconstitucionalidade do efeito cumulativo da exigência do estorno de crédito de ICMS na
primeira hipótese. Esse posicionamento foi completamente reformulado pela Suprema Corte após decisão
proferida quanto ao RE n°. 174.478 – SP, sob a relatoria do Ministro Cezar Peluso, em 17.03.2005, que, desde
então, prevalece.
66
estamos diante de algum tipo de redução de base de cálculo ou redução de alíquota, é certo
que compactuar com tal equívoco importa conferir validade a um instituto que, simplesmente,
não está previsto no ordenamento jurídico pátrio.

3.4.3.3 Reduções de base de cálculo e de alíquota

Enquanto a imunidade e as isenções são espécies exonerativas que atuam nas


hipóteses das normas de tributação, na conformação do perfil do fato gerador, outras espécies
exonerativas atuam diretamente no conseqüente das normas de tributação, isto é, intervindo
no dever jurídico tributário de forma a alternar o quantum devido. (COÊLHO, 2010, p. 131).
É o caso das reduções de base de cálculo ou alíquota, que afetam diretamente o critério
quantitativo das regras de tributação.
Sintetizando, Flavia Rodrigues Breda (2007), assim explica a forma como se
operam os institutos em estudo:

Em suma, repita-se, essa situação se opera da seguinte forma: acontecido, no


mundo real, o fato hipoteticamente descrito na norma jurídica, dá-se o
fenômeno da incidência e o nascimento da relação obrigacional entre os
sujeitos ativo e passivo em torno do tributo, ocorrendo um decréscimo na
quantia a ser recolhida ao Estado, em virtude da diminuição da alíquota ou
da base de cálculo. (BREDA, 2007, p. 76).

As reduções de base de cálculo e de alíquotas são decorrentes do modo de calcular


o conteúdo pecuniário do dever tributário, determinando que o pagamento seja feito com a
redução do quantum tributário, em relação à generalidade dos contribuintes. (COÊLHO, 2010,
p. 144).
Importa ressaltar que as reduções de base de cálculo e de alíquota, tecnicamente,
deveriam ser sempre parciais, posto que as exonerações totais já decorrem de normas
imunizantes ou isentantes. (ID., IBID.). Nessas hipóteses, verificamos que a obrigação
tributária, notadamente, o dever jurídico tributário previsto no conseqüente da norma de
tributação permanecem inalterados, restando reduzido somente o quantum devido.
Ademais, cumpre observar que, com a extinção do sistema de alíquotas fixas do
antigo ICM e a consagração do princípio da seletividade, em função da essencialidade das
mercadorias pela Constituição Federal (art. 155, § 2°, III), a redução de base de cálculo não
pode simplesmente ser considerada uma desoneração semelhante à isenção, vez que configura
uma forma indireta de se estabelecerem alíquotas seletivas para determinadas mercadorias.
67
Quanto às manifestações fazendárias restritivas do direito creditório de ICMS em
operações beneficiadas com redução da base de cálculo, podemos ilustrar com o caso do
Estado de Minas Gerais que, no art. 31, § 1° da Lei n°. 6.763/1975, determina que “quando a
operação ou a prestação subseqüente estiver beneficiada com redução da base de cálculo, o
crédito será proporcional à base de cálculo adotada”.
Ao impor tal comando prescritivo, o legislador mineiro inovou a ordem jurídica
de forma ilegítima, criando nova hipótese de estorno de crédito não autorizada pela
Constituição. Violou, portanto, o princípio da não-cumulatividade, que visa garantir que a
soma dos valores arrecadados pelo estado sobre uma mesma mercadoria não venha a superar
o resultado da multiplicação da alíquota final pela base de cálculo equivalente ao preço final
de venda, na última fase tributada, independentemente da quantidade de operações
intermediárias.
Um exemplo pode clarear o que ora pretendemos expor: determinada mercadoria
é vendida ao consumidor final por R$100,00, considerando-se uma alíquota interna de 10%.
Nessa hipótese, o valor total do imposto a ser recolhido ao estado, como resultado da soma do
ICMS recolhido ao longo de todas as operações da cadeia produtiva, não pode ser superior a
R$ 10,00 (ICMS= base de cálculo da última operação da cadeia X alíquota), em respeito ao
princípio da não-cumulatividade. A Tabela 2 a seguir bem ilustra este exemplo:

Tabela 2 – Hipótese de Cadeia Produtiva sem Desoneração


Intermediária de ICMS

Alíquota: 10% Fábrica Atacado Varejo Consumidor


Preço de venda 20 50 100 -
Crédito - 2 5 -
Débito 2 5 10 -
Total a recolher 2 3 5 -

O problema é quando há uma isenção intermediária na cadeia de produção,


implicando absoluta quebra na sistemática da não-cumulatividade, já que a conseqüência é
uma arrecadação muito superior ao valor do imposto obtido pela aplicação da alíquota sobre o
preço da venda ao consumidor, como demonstrado anteriormente. Para aferir tal conclusão
lógica, basta o exame de um exemplo em que há isenção no meio da cadeia, utilizando os
mesmos números hipotéticos do exemplo anterior, conforme Tabela 3:

68
Tabela 3 – Hipótese de Cadeia Produtiva com
Desoneração Intermediária de ICMS

Alíquota: 10% Fábrica Atacado Varejo Consumidor

Preço de venda 20 50 100 -


(0) em
Estorno do
Crédito - decorrência -
crédito
da isenção

Débito 2 (0) Isenção 10 -

Total a recolher 2 0 10 -

É óbvio que o ICMS total recolhido ao longo dessa cadeia, contemplado por uma
isenção intermediária, isto é, o montante de R$ 12,00, é bem superior ao ICMS total recolhido
numa situação em que não há nenhuma hipótese exonerativa no ciclo produtivo (no exemplo
anterior, R$ 10,00). Apesar da violação ao princípio da não-cumulatividade há, por outro
lado, permissivo constitucional expresso, validando essa exceção (art. 155, § 2º, II, a e b).
Sendo assim, qualquer medida tendente a estornar créditos decorrentes da
aquisição de mercadorias por contribuinte fere o princípio da não-cumulatividade, razão pela
qual, novamente, enfatizamos a regra de que tal medida somente é admitida nos casos de
operações isentas ou não-tributadas, por determinação clara do próprio Diploma Fundamental,
a que se deve emprestar interpretação estrita. Por isso, vale insistirmos na utilização da
melhor técnica jurídica para distinção dos tipos exonerativos9.
Resta evidente que o STF, ao equiparar os institutos da isenção parcial e redução
de base de cálculo, alargou o conceito de isenção tributária, contrariando, inclusive, a
sistemática de interpretação prevista no art. 111 do Código Tributário Nacional, que disciplina
uma interpretação literal da legislação tributária sobre outorga de isenções.

3.4.3.4 Alíquota zero

Na doutrina há corrente de escol que defende não ser a alíquota zero um tipo
exonerativo específico, tendo o mesmo sentido da isenção. É esse o entendimento de Paulo de

9
Tal distinção ficou evidente no trecho do voto vencido e proferido pelo Ministro Marco Aurélio, no julgamento
do RE n°... 174.478-2/SP, que representou um marco da mudança do posicionamento do STF sobre a matéria:
“O direito é ciência e, como tal, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio. A sinonímia não
se faz presente. Uma coisa é isenção, outra, a não-incidência, e um terceiro gênero surge quando se cogita da
incidência com simples redução de base de cálculo”.
69
Barros Carvalho (2005, p. 483), de que determinada regra é dirigida ao critério quantitativo,
previsto no conseqüente da regra matriz de incidência tributária, de modo que, independente
do valor da base de cálculo, o resultado será necessariamente o desaparecimento do objeto da
prestação tributária.
Diversa é a acertada posição liderada por Sacha Calmon (2010), com a qual
compactuamos, principalmente porque se recusa a confundir as categorias jurídicas com os
seus efeitos econômicos:

Por outro lado, ontologicamente, isenção e “alíquota zero” são mesmo


profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno” fato ou
fatos. A alíquota zero é elemento de determinação quantitativa do dever
tributário. Se é zero, não há o que pagar.
(...)
A isenção, é de ver, distingue-se da alíquota zero pelo fato de a previsão
isencional relacionar-se com a hipótese de incidência da norma (construção
jurídica do fato gerador) e a alíquota zero ligar-se à descrição do dever
tributário, atribuindo-lhe conteúdo de gratuidade. (COÊLHO, 2010, p. 146-
147).

Portanto, os argumentos para discordarmos da equiparação dos conceitos entre


isenção e alíquota zero são os mesmos para distinguirmos a isenção da redução da base de
cálculo ou alíquota, conforme tratado no tópico anterior. Isto quer dizer que, nessas hipóteses
há, tão-somente, a redução de um dos elementos do aspecto quantitativo, previsto no
conseqüente da norma tributária. Temos, assim, a subsunção do fato à norma, surgindo a
obrigação tributária e seu respectivo crédito tributário, que sofre um mero abatimento no
quantun debeatur¸ ou melhor, uma redução no montante do tributo a ser pago.
Cabe ainda salientar que a alíquota zero é instrumento utilizado para o
desenvolvimento de políticas governamentais extrafiscais, muito aplicável aos tributos não
submetidos aos princípios máximos da legalidade e anterioridade, tais como o Imposto de
Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, cujas alíquotas podem ser mais
livremente manipuladas pelo Poder Executivo. A isenção, ao contrário, deve observância ao
princípio da estrita legalidade tributária, conforme preconiza o art. 176 do Código Tributário
Nacional. Com base nisso, partir da utilização da alíquota zero, como já reconheceu o próprio
STF10, o Poder Executivo ganha agilidade para intervir no mercado e na economia, via
política fiscal.

10
Recurso Extraordinário n°. 350.466-1/PR.
70
E já finalizando o tópico, reafirmamos que tanto o instituto da alíquota zero, como
os institutos da isenção parcial, reduções de base de cálculo e alíquota, ou quaisquer outros
tipos liberatórios, examinados na seqüência, que juridicamente possam se diferenciar das
figuras da não-incidência e isenção total, não se enquadram nas hipóteses restritivas e
excepcionais ao princípio da não-cumulatividade.

3.4.3.5 Crédito presumido e regimes especiais de tributação

A concessão de crédito presumido é um instrumento indireto de exoneração total


ou parcial do ICMS. O crédito presumido, fictício ou outorgado, presume-se pagamento, que,
na prática, não aconteceu. (BORGES, 1996, p. 71). Geralmente é concedido em relação aos
impostos não-cumulativos, sob forma de valor que se adiciona ao montante do tributo
destacado ou cobrado nas operações anteriores. (PIRES, p. 20). É figura que atribui valor
contábil equivalente a percentual de imposto devido, a título de concessão de crédito ao seu
beneficiário. Não tem correspondência com imposto pago em operações pretéritas, mas, visa,
sim, consolidar ou expandir algum tipo de incentivo fiscal.
Não obstante tratar-se de benefício fiscal, a classificação desse crédito se insere no
tipo exonerativo interno quantitativo, portanto, não se confunde com isenção ou não-
incidência. Por isso não são hipóteses restritivas e excepcionais a não-cumulatividade, não
podendo, por via de conseqüência, dar ensejo à glosa de créditos pelo estado de destino, em
face de contribuintes que adquiriram mercadorias de fornecedores detentores de tal incentivo
no estado de origem11.
Temos verificado uma freqüente confusão por parte de algumas unidades
federativas que têm equiparado, equivocadamente, a figura do crédito presumido à da
concessão de regimes especiais de apuração de ICMS.
Na realidade esses regimes especiais não podem sequer ser equiparados a
nenhuma das modalidades de benefícios fiscais existentes. Em regra, essa é uma fórmula
encontrada por alguns fiscos para evitar o acúmulo de crédito de ICMS, decorrente da
incidência de alíquotas interestaduais diferenciadas e o conseqüente endividamento dos
estados. Obviamente sem a contrapartida de uma solução ágil e eficaz para pagamento de seus

11
Devemos enfatizar que não é este o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que prestigia o comando do
art. 155, § 2°, XII, g, da CF/88, em detrimento de outro dispositivo de ordem constitucional, qual seja o art. 155,
§ 2°, II, a e b. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: ADI 1587-DF, ADI 1999 – MC/SP, ADI 2353-
MC/ES.
71
contribuintes, severamente penalizados pelo total menosprezo, por parte dos entes políticos, a
esse grave problema do Sistema Tributário no Brasil.
Tais regimes permitem uma moralização sistêmica, na medida em que garantem o
direito à recuperação de créditos de ICMS ou estanca o seu acúmulo, de forma compensatória
e não incentivatória.
Não foi outra a conclusão a que chegou Ives Gandra Martins (1999), quando
apreciou caso de glosa de créditos de ICMS, em razão de unilateral invalidação de regime
especial de tributação, concedido pelo distrito federal erroneamente equiparado a incentivo
fiscal:

Um terceiro aspecto preambular merece consideração, ou seja, o de que


quaisquer incentivos fiscais precisariam ser aprovados pelo Confaz. A
afirmação é correta, apenas não aplicável ao presente caso, na medida em
que o que se discute – e este aspecto é relevantíssimo – não é um incentivo
fiscal, mas a adoção de um sistema de apuração, centralização, fiscalização e
especificação de controles, que permite à consultente abrir mão de todos os
seus créditos por período compensatório, pré estabelecido, que corrija a
condenável prática do “Estado aético” na recuperação de tributos.
(MARTINS, 1999, p. 98).

Hugo de Brito Machado e seu filho Hugo de Brito Machado Segundo (2005)
explicam precisamente o que se deve entender por regimes especiais de tributação:

O Regime Especial de Tributação, assim entendido o regime no qual o


contribuinte perde o direito aos créditos desse imposto, no âmbito da não-
cumulatividade, submetendo-se em contrapartida a uma alíquota inferior,
não configura um incentivo fiscal.
Com efeito, o citado regime especial não tem por finalidade a redução da
carga tributária do contribuinte a ele submetido, mas sim tornar mais simples
a administração, a apuração e a fiscalização do ICMS.
A depender da maneira como a atividade do contribuinte é organizada, e das
operações geradoras de crédito na mesma são realizadas, o regime especial
pode implicar até mesmo aumento da carga, não sendo possível confundi-lo,
de nenhuma maneira, com a figura do incentivo fiscal. (MACHADO;
SEGUNDO, 2005, p. 128).

Nos regimes especiais de apuração de ICMS, admite-se, por exemplo, a dedução


fixa de um percentual, geralmente calculado com base na média das entradas de mercadorias
por determinado contribuinte, a título de crédito relativo às operações anteriores, normalmente
tributadas, diferente da hipótese de concessão de crédito presumido, definido a partir de

72
ficção, em que a operação pode, inclusive, não ter sido tributada e o correspondente imposto
pago.
Outro exemplo seria a redução de alíquotas, como contrapartida da vedação ao
aproveitamento de créditos de operações anteriores, com o objetivo de minimizar os impactos
da complexidade da técnica de não-cumulatividade, permitindo que o contribuinte se exima
do dever de elaboração de conta gráfica do imposto, com demonstrativos detalhados dos
créditos utilizados, o que viria a facilitar a vida do próprio agente fiscalizador.
Para clarear a exposição, citamos, a título ilustrativo, o disposto no § 9° do art. 66
do Decreto n°. 43.080/2002 (RICMS) do Estado de Minas Gerais, que prevê o mencionado
regime especial de apuração do ICMS:

Art. 66 - Observadas as demais disposições deste Título, será abatido, sob a


forma de crédito, do imposto incidente nas operações ou nas prestações
realizadas no período, desde que a elas vinculado, o valor do ICMS
correspondente:
(...)
§ 9º - Poderá ser concedido sistema simplificado de escrituração e apuração
do ICMS ao estabelecimento que promova operação contratada no âmbito do
comércio eletrônico ou telemarketing, signatário de protocolo firmado com o
Estado, em substituição aos créditos do imposto decorrentes de entrada de
mercadorias ou bens ou de utilização de serviços, observada a forma, o prazo
e as condições definidas em regime especial autorizado pelo Diretor da
Superintendência de Tributação (Sutri).

Como notamos, a lei mineira autoriza o Poder Executivo a conceder regime


especial de tributação que permite um sistema simplificado de escrituração e apuração do
ICMS, mediante renúncia dos créditos decorrentes de entradas efetivas. Normalmente, esse
tipo de regime especial faculta aos seus contribuintes o abatimento de percentagem fixa
relativa ao montante do ICMS já cobrado nas operações anteriores, pautado na estimativa da
média de créditos reais, e não fictos, dos contribuintes, simplificando a administração do
tributo.
Agora, se tal estimativa é superdimensionada, ou não passível de comprovação,
aí, sim, estamos diante de um genuíno incentivo fiscal, caracterizado por renúncia de imposto,
travestida de regime especial de apuração do tributo.
Induvidosa é a competência legislativa de cada ente tributante para definir a forma
de apuração do ICMS, tema este que não merece sequer apreciação do Confaz, por respeito
mesmo à autonomia de que gozam estados e distrito federal, dotados de condições suficientes
para viabilizar a administração de seus tributos.

73
Concluindo, as normas que concedem regimes especiais de tributação representam
manifestações legítimas do Poder Executivo em oferecer opções de sistemáticas eletivas para
constituição do valor a ser recolhido, a título do imposto, o que não se pode equiparar a um
benefício de ordem fiscal, pois este necessariamente tem que representar redução de carga
tributária.

3.4.3.6 Diferimento

Na lição de Sacha Calmon (2003, p. 245) o diferimento se dá quando o


lançamento e o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria, no
caso do ICMS, são transferidos para etapas posteriores de sua comercialização, ficando o
recolhimento do tributo a cargo do contribuinte destinatário, que pode ser o mesmo ou um
terceiro.
Em busca do verdadeiro significado do diferimento, o mestre (IBID., p. 246-247)
elenca quatro sentidos possíveis para a expressão, a partir do modo como, comumente, o
legislador emprega essa terminologia nos textos do direito positivo:

(i) efeito econômico de algum tipo de exoneração jurídica, isto é, havendo


isenção, imunidade ou alíquota zero em imposto polifásico, não cumulativo,
o efeito dessas medidas consiste em diferir, em termos econômicos, a carga
tributária para o momento seguinte da cadeia de tributação; (ii) sinônimo de
moratória, isto é a concessão de mais tempo para que o sujeito passivo venha
saldar o seu débito tributário, projetando para frente o dia do pagamento; (iii)
diferimento concedido em consórcio com outros institutos, como é o caso da
lei que prevê o diferimento do dia do pagamento do débito para determinado
contribuinte, e ao mesmo tempo, determina que tal pagamento estará a cargo
de um terceiro, de modo que, nesta hipótese, estar-se-ia diante de uma
moratória cumulada com sujeição passiva por substituição; (iv) diferimento
como verdadeira isenção, ou seja, determina saída numa cadeia de circulação
não se constituiria fato gerador do ICMS.

Trata-se de instituto bastante peculiar, posto não estar previsto na Constituição


Federal, tampouco em lei complementar ou lei ordinária estadual, sendo mencionado somente
em regulamentos de ICMS de alguns estados, em vários casos em meio às normas que versam
sobre substituição tributária. É o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo, que, em sua Lei
n°. 6.374/89 instituindo o ICMS, nada citou sobre o diferimento, abordado somente no
regulamento do ICMS, reportando-se aos dispositivos da lei estadual, que regem a
substituição tributária.

74
É comum o diferimento ser tratado como sinônimo ou fenômeno decorrente da
substituição tributária, a exemplo da hipótese do fato gerador do ICMS ser realizado pelo
remetente da mercadoria, mas a legislação atribuir a responsabilidade pelo pagamento do
imposto ao destinatário nas operações seguintes.
André Luiz Martins Freitas (2008, p. 7-8) adota posicionamento que parece o
mais acertado, posto defender que o diferimento não é figura ligada ao aspecto pessoal da
hipótese de incidência do ICMS, razão pela qual não guarda relação com a substituição
tributária. Tal instituto trata, sim, do prazo de pagamento do imposto, vinculando-se à
situação existente somente após a ocorrência do fato gerador.
José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo (2004) definem o
diferimento da seguinte forma:

O diferimento constitui uma técnica impositiva de deslocamento da


exigência do tributo para momento posterior à ocorrência do originário fato
gerador, com a imputação da responsabilidade de seu recolhimento por parte
de terceiro. É utilizado para operações de pequeno porte, ou realizadas por
contribuinte sem estrutura empresarial, de proporções modestas ou mesmo
sem efetivo estabelecimento, objetivando a simplificação fiscal de
determinadas operações. (MELO; LIPO, 2004, p. 163).

O fato é que a legislação dos estados sobre o diferimento realmente não deixa
clara a natureza jurídica do instituto. Observamos que, até mesmo no Estado de Minas Gerais,
com previsão específica do diferimento tanto na legislação estadual de regência do ICMS12,
como no respectivo regulamento aprovado pelo Decreto n°. 43.080/2002, tratando da isenção

12
Lei n°. 6.767/1975: Art. 9º - O Regulamento poderá dispor que o lançamento e o pagamento do imposto sejam
diferidos para operações ou prestações subseqüentes. Art. 10- O imposto será diferido: I - nas saídas de
produtos agropecuários e hortifrutigranjeiros, do estabelecimento do produtor rural para estabelecimento de
cooperativa de que faça parte, situado neste Estado; II - nas saídas de mercadorias de estabelecimento de
cooperativa de produtores para estabelecimento da própria cooperativa, de cooperativa central ou de federação
de cooperativas de que a cooperativa remetente faça parte, situadas no Estado de Minas Gerais; III - nas
operações com gado bovino, suíno, caprino, ovino, bufalino e eqüídeo, de cria ou recria, entre produtores rurais,
cadastrados no Estado, na forma que dispuser o Regulamento; Parágrafo único - O imposto devido pelas saídas
mencionadas nos s será recolhido pelo destinatário quando das saídas subseqüentes da mercadoria, esteja esta
sujeita ou não ao pagamento do tributo. Decreto n°. 43.080/1975: Art. 7º - Ocorre o diferimento quando o
lançamento e o recolhimento do imposto incidente na operação com determinada mercadoria ou sobre a
prestação de serviço forem transferidos para operação ou prestação posterior. (...) Art. 11 - O diferimento não
exclui a responsabilidade do alienante ou do remetente da mercadoria ou do prestador do serviço, quando o
adquirente ou o destinatário descumprirem, total ou parcialmente, a obrigação. (...) Art. 13 - O recolhimento do
imposto diferido será feito pelo contribuinte que promover a operação ou a prestação que encerrar a fase do
diferimento, ainda que não tributadas. Art. 14 - Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o adquirente ou o
destinatário da mercadoria ou do serviço não se debitarão em separado pelo imposto diferido na operação ou
prestação anteriores, sendo-lhes vedado abater o respectivo valor como crédito. (Grifamos)

75
e substituição tributária de forma separada, ainda não evidencia que o alcance do instituto
estaria relacionado somente à dilação do prazo de pagamento do imposto.
Apesar da legislação mineira ser clara no sentido de identificar o diferimento no
lançamento e pagamento do imposto, ao mesmo tempo atribui a responsabilidade pelo efetivo
recolhimento do ICMS ao adquirente ou destinatário da mercadoria, e não ao contribuinte de
fato que realizou o fato gerador. Trata-se de nítida hipótese de substituição tributária para trás
ou regressiva, em que o fato gerador realiza-se em etapa anterior, pelo substituído, e o
recolhimento do tributo em etapa subseqüente, pelo substituto tributário que efetivamente
paga tributo alheio.
A substituição tributária para trás é um instrumento muito utilizado pelos fiscos,
principalmente nas operações de produtores rurais, em que há reconhecida dificuldade de
fiscalização, razão pela qual difere-se para a etapa posterior, ou melhor, atribui-se a
responsabilidade pelo recolhimento do tributo ao adquirente ou destinatário.
O diferimento utilizado em seu conceito juridicamente correto e com o necessário
rigor técnico, isto é, quando mero alongamento do prazo para pagamento do imposto, em que
o recolhimento se dá por aquele que realiza o fato gerador, apesar de ser uma vantagem fiscal,
não pode configurar uma espécie de benefício fiscal, não se constituindo tipo exonerativo, vez
que não há redução de carga tributária. Nessa hipótese, sequer se trata de norma de
cumprimento obrigatório pelo contribuinte.
E assim sendo, o diferimento pode, inclusive, ser disciplinado por normas infra-
legais, sem que disto decorra qualquer vício formal, já que prazo de pagamento de tributos
não está previsto no art. 97 do CTN, que dispõe sobre as matérias a serem tratadas em lei,
nem no rol do art. 146, III da CF/88 que versa sobre as matérias reservadas a lei
complementar.

3.4.3.7 Remissão e anistia

A remissão e a anistia também são técnicas liberatórias previstas no ordenamento


tributário. A remissão consiste em perdão de débitos tributários, sendo causa extintiva do
crédito tributário, nos termos do art. 156, IV do Código Tributário Nacional.
O art. 172 do CTN prescreve que a lei poderá autorizar à autoridade
administrativa conceder remissão total ou parcial do crédito tributário, mediante despacho
fundamentado, atendendo: (i) à situação econômica do sujeito passivo; (ii) ao erro ou

76
ignorância excursáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; (iii) à diminuta
importância do crédito tributário; (iv) a considerações de eqüidade, em relação às
características pessoais ou materiais do caso; (v) a condições peculiares a determinada região
do território da entidade tributante.
Já a anistia consiste no perdão de penalidade pecuniária, tratando-se de causa
excludente do crédito tributário, à luz do art. 180 do CTN, podendo ser concedida em caráter
geral ou limitadamente.
Incorreu em erro de técnica o legislador do CTN ao tratar a anistia como hipótese
excludente do crédito tributário, devendo, sim, ser uma causa extintiva do crédito tributário,
tal qual a remissão. Na verdade, não há exclusão de crédito algum, mas, sim, a remissão ou
perdão das multas, que, nos termos do art. 113 do CTN, também integra a obrigação principal.
(COÊLHO, 2004, p. 867-868).
Vale ressaltar que ambos os institutos em exame não obstam o nascimento da
obrigação de o sujeito passivo pagar o tributo, mas, tão-somente, o desobrigam, liberando-o
após a obrigação já ter surgido.

3.4.3.8 Subvenções e subsídios

As subvenções e os subsídios são institutos que também não se confundem. A


subvenção pode ser definida como uma doação modal cuja destinação é especificada pela
pessoa jurídica de direito público concedente, segundo a sua própria conveniência política.
Podem ser concedidas como forma de custeio, isto é, verdadeira doação condicionada à
realização de certa contrapartida pelo beneficiário ou, ainda, como forma de investimento, ou
seja, típico aporte de capitais para transferência de recursos públicos ao ente privado, visando
alcançar a finalidade determinada pelo concedente. Já, o subsídio é qualquer ajuda oficial do
governo (comercial, financeira, fiscal, cambial, etc.), com o fim de estimular a produtividade
de determinado segmento econômico. (PIRES, p. 21-22).
Segundo Luis Eduardo Shoueri (2005, p. 105), sob o ponto de vista econômico, os
incentivos fiscais enquadram-se entre as subvenções, pois o ordenamento jurídico impõe que
os primeiros sejam computados conjuntamente com as últimas nos demonstrativos acerca das
subvenções públicas, sendo que o próprio texto constitucional também trata por diversas
vezes de ambos os institutos em conjunto.

77
Entendemos ser questionável o nivelamento dos conceitos de subvenções e
incentivos fiscais, pois as primeiras se constituem em benefícios de natureza exclusivamente
financeira, não abarcadas pelo universo dos segundos. Por outro lado, as subvenções podem,
sim, configurarem-se como uma das modalidades de subsídios e, segundo Ricardo Lobo
Torres (1995, p. 296), ser incluídos no conceito mais abrangente de subvenção.
Examinados os conceitos e critérios distintivos dos benefícios fiscais, por meio da
delimitação das características e especificidades mais acentuadas de seus tipos, passaremos,
agora, ao estudo dos requisitos e limites para a sua concessão.

78
4 LIMITES PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS

4.1 Limites genéricos para a concessão de benefícios fiscais

Como argumento para exigir estorno de créditos de ICMS dos contribuintes que
compram mercadorias de fornecedores contemplados com incentivos fiscais em outras
unidades federadas, os estados valem-se do descumprimento, por parte daqueles entes, de
requisitos de ordem legal e constitucional para a concessão dos privilégios.
Nesse contexto, o poder concedente deve observar não só os limites genéricos
tratados na seqüência, sem prejuízos de outros não menos importantes (como os já destacados
no capítulo segundo: federalismo, neutralidade, territorialidade, etc.), como, também, os
limites especificamente aplicáveis aos atos que importem renúncia fiscal, no âmbito do ICMS.
Os requisitos devem ser cumpridos de forma cumulativa, não se admitindo a
observância de limites genéricos e o desrespeito a limites específicos e vice-versa. Noutras
palavras, se um estado pretende legítima a concessão de determinado benefício fiscal, de nada
adiantará instituí-lo por meio de lei ordinária estadual, sem submetê-lo à aprovação do
Confaz.
Para sabermos se merecem consideração os argumentos contrários a essas
medidas de retaliação, em circunstâncias de deflagrada guerra fiscal, isto é, para aferir se há
plausibilidade lógico-jurídica na tese que inadmite esse tipo de reação estatal, é necessário,
primeiramente, investigar os fundamentos e justificativas dos estados para a utilização dessa
arma tão poderosa e perversa contra os contribuintes: a glosa de créditos de ICMS.

4.1.1 Principio da legalidade e agente competente

É a Constituição Federal que mais uma vez dá a conformação dos limites


genéricos para a concessão de benefícios fiscais, como se depreende do seu art. 150, § 6°, que
dispõe o seguinte:
Art. 150 (...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal,
estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do
disposto no art. 155, § 2º, XII, g. (Grifamos)

Decompondo analiticamente o aludido comando normativo, especificamente no


que toca ao ICMS, verificamos que: (i) é instituído mediante a edição de lei ordinária; (ii)
apenas os estados e o distrito federal podem conceder favores fiscais e (iii) devem ainda ser
atendidas as exigências da Lei Complementar n°. 24/1975, veículo competente para definir a
forma como os incentivos serão concedidos ou revogados nos termos do art. 155, § 2°, XII, g
da CF/88. A constitucionalidade do ato concessivo fica, portanto, condicionada à observância
cumulativa desses limites.
O primeiro requisito, qual seja a concessão de benesse fiscal relativa ao ICMS por
meio de lei, decorre do império do princípio da legalidade, enquanto pilar do Estado
Democrático de Direito. Antes de prosseguir, devemos deixar claro que, apesar de
reconhecermos a pujança e reforçada intensidade valorativa desse princípio e a sua
indiscutível importância como instrumento de concretização da segurança jurídica, cremos
que não é o único nem o mais importante direcionador e sustentador do Sistema Tributário
Nacional. Existem, sim, diversos outros princípios a serem ponderados e sopesados diante de
um caso concreto, a fim de se obter solução mais justa e eficiente.
Na verdade, a legalidade presta-se como uma garantia no Direito Tributário que
demarca as fronteiras do poder de imposição de acordo com a repartição de competências
dispostas na Constituição. Para o contribuinte, representa um direito; para o estado importa
obrigação. (ALTAMIRANDO, 2005, p. 156-157).
Ao buscar o sentido da palavra lei, empregada pelo legislador constitucional, José
Afonso da Silva (2005) assim discorre sobre o princípio da legalidade:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É também,


por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito,
porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e
fundar-se na legalidade democrática.
Toda sua atividade fica sujeita a “lei”, entendida como expressão da vontade
geral, que só se materializa num regime de divisão de Poderes em que ela
seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de
acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse
sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder
Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem
80
impor qualquer abstenção, nem tampouco mandar proibir coisa alguma
aos administrados senão em virtude de lei.
É nesse sentido que o princípio está consagrado no artigo 5°, II da CF, em
comentário. (Grifamos) (SILVA, 2005, p.82).

O princípio da legalidade, que em matéria tributária está positivado no art. 150, I


da Constituição, é vinculante para todos os poderes estatais, devendo ser observado não só
para instituição e aumento, como, também, para cobrança e fiscalização de tributos. De igual
forma, vale tanto para imposição de tributos, quanto para concessão de exonerações.
Humberto Ávila (2010), com sua particular perspicácia, apresenta as dimensões
do princípio da legalidade, enquanto limitação ao poder de tributar:

Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, a


legalidade qualifica-se preponderante do seguinte modo: quanto ao nível em
que se situa, caracteriza-se como uma limitação de primeiro grau, porquanto
se encontra no âmbito das normas que serão objeto de aplicação; quanto ao
objeto, qualifica-se como uma limitação positiva de ação, na medida em que
exige uma atuação legislativa e procedimental do Poder Público para a
instituição e aumento de qualquer tributo; quanto à forma revela-se como
uma limitação expressa e formal, na medida em que, sobre ser
expressamente prevista na Constituição Federal (Art. 5°, II e Art. 150, I),
estabelece procedimentos a serem observados pelo Poder Público. (ÁVILA,
2010, p. 124).

Forçoso concluirmos, portanto, que os benefícios fiscais somente podem ser


instituídos por meio de lei, assim entendida a lei em sentido estrito, isto é, aquelas previstas
no rol do art. 59 da CF/88. No tocante ao ICMS, são as leis ordinárias os veículos introdutores
de benefícios fiscais.
O ordenamento pátrio não admite a abdicação da competência outorgada ao Poder
Legislativo para que o Poder Executivo, por ato próprio, venha a inovar a ordem jurídica com
atos de liberalidade em matéria tributária, os quais se encontram sob a mais absoluta reserva
de lei formal13.
Porém, para legitimar a concessão de determinado incentivo fiscal, não basta que
a pessoa política competente edite a lei formal de que trata o § 6° do art. 150 do Texto Maior.
Como explicitaremos adiante, é preciso, também, que referido ato concessivo seja aprovado
no âmbito do Confaz por meio de convênio interestadual, o que revela a existência de dois
planos normativos distintos.

13
É este o atual posicionamento do STF. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: Rext 77.394, DJ
13.12.74, ADI 3462 MC / PA, DJ 21.10.2005 e ADI 1.247-MC, DJ 08.09.95.
81
E se o Confaz é o órgão responsável pela deliberação sobre a forma do exercício
da competência do ICMS, na medida em que a lei interna desonerativa editada por um estado
só terá validade se aprovada, à unanimidade dos demais entes, no âmbito daquele órgão
colegiado, isto faz surgir a seguinte questão: não seria o próprio Confaz o agente competente
para a concessão desses incentivos?
Tácio Lacerda Gama (2009, p. 280) responde afirmando, categoricamente, que
essa competência é, sim, do Confaz. Sob a sua ótica, os estados são detentores de uma espécie
de competência condicional, vez que, na ausência de autorização do Confaz, enquanto órgão
competente, os entes federados não poderão exercer seu poder liberatório, tendo de exigir o
tributo de forma obrigatória. Contudo, admitir tal tese significaria concordar que a
competência legislativa constitucionalmente atribuída aos estados poderia ser limitada por um
convênio.
Celebrando os ensinamentos de Roque Carrazza (2003, p. 451), lembramos que a
competência tributária é dotada dos seguintes atributos: privatividade, indelegabilidade,
inalterabilidade, irrenunciabilidade, incaducabilidade e facultatividade de exercício.
Por isso, preferimos dizer que a competência tributária, especialmente no que
concerne à concessão de qualquer tipo de benefício fiscal em matéria de ICMS, é privativa
dos estados, sendo inalterável e, conseqüentemente, proibido o seu exercício por quem não
tenha sido consagrado com esse direito. Todavia, é uma competência sem eficácia plena e
imediata, já que depende de um convênio interestadual para o seu exercício, razão por que
cremos não haver, nesse caso, transferência de competência tributária; apesar de relativizada,
a titularidade continua exclusiva dos legisladores ordinários estaduais.
Noutro giro verbal, qualquer pensamento contrário a esse elucidado importaria
aceite da inadmissível assertiva de que convênios interestaduais podem criar ou majorar
tributos, pois constitui premissa inarredável e já ultrapassada a de que o detentor de
competência para criar tributos também a tem para conceder exonerações tributárias.
Admitirmos que o Confaz é órgão legitimado para a concessão de benefícios fiscais significa
alargar as inflexíveis fronteiras constitucionais, que limitam o campo de incidência do ICMS.
Se é certo que a Constituição Federal determinou aos estados e distritos federal
firmarem convênios entre si para a concessão de benefícios fiscais, visando coibir a guerra
fiscal, mais certo ainda é o fato de que tais convênios não são suficientes para dar força às
deliberações dos entes políticos competentes, tanto é assim que esses convênios precisam ser
devidamente ratificados por meio de decretos legislativos.

82
Quanto ao segundo requisito, ou limite genérico a ser observado, destacamos que
somente o titular da competência para a instituição de um tributo, na forma prescrita pela
Constituição Federal, está autorizado a conceder benefícios fiscais. Portanto, no caso do
ICMS, apenas os estados e o distrito federal podem dispor sobre incentivos.
Invocando a clássica lição de José Souto Maior Borges (2007, p. 30), afirmamos
que no poder de tributar se insere o poder de eximir, como verso e reverso de uma mesma
medalha, sendo certo que o poder de isentar é próprio do poder de tributar. É claro que, se os
estados-membros detêm competência tributária para editar normas sobre a criação de tributos,
também a têm para editar normas de exoneração tributária.
Assim, a autonomia financeira, constitucionalmente garantida, possibilita aos
entes federativos a discricionariedade, no tocante ao uso e destinação dos recursos públicos,
desde que amparada por comandos de lei, de modo que, como quem pode o mais pode o
menos, é inteiramente possível que haja disposição dos valores em prol da sociedade por
intermédio de incentivos fiscais. (MARTINS; MARONE, 2006, p. 50).
Mas havemos de ter em mira que tais entes não são dotados de autonomia
absoluta nem competência ilimitada, relativamente aos atos praticados em seus territórios; ao
contrário, essa autonomia relativa e competência limitada devem ser entendidas como
instrumento de preservação dos ideais de uniformidade e unidade federativa. (ÁVILA, 2006,
p. 102). Ainda mais que, como é sabido, o ICMS é um tributo estadual de forte vocação
nacional.

4.1.2 Princípio da isonomia

O princípio da isonomia tributária é aquele segundo o qual todos, sem privilégios,


devem pagar tributos, repartidos entre os cidadãos com idênticos critérios, forma de
concretização de uma justiça distributiva.
A Constituição Federal, em seu art. 150, II, consagra o principio da igualdade
tributária, ao vedar à União, estados, municípios e distrito federal “instituir tratamento
desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida.”
O princípio da isonomia é, portanto, um comando constitucional endereçado ao
legislador ordinário, incumbido da tarefa de instituir (ou desonerar) impostos que sejam
uniformes e que respeitem a capacidade econômica de todos na mesma situação jurídica, por

83
isso, devendo impor aos agentes de um mesmo ciclo produtivo uma só regra de
comportamento. E se esse ciclo também é comandado pelo primado da não-cumulatividade, é
inadmissível que algumas pessoas se beneficiem mais que outras. Logo, a lei não pode
estabelecer que a não-cumulatividade seja inaplicável em determinada etapa desse ciclo, a
menos que haja ressalva no texto constitucional (como é o caso das hipóteses de isenção e
não-incidência), isto para que se mantenha o poder aquisitivo do último elo desta cadeia: o
consumidor final.
É cediço que os tributos tenham em algumas hipóteses expressamente tratadas na
Constituição, função extrafiscal, isto é, além da arrecadação, o legislador pode se utilizar do
aumento ou da diminuição do tributo para, por exemplo, intervir na economia ou no mercado.
E isto encontra fundamento na própria concepção formal de igualdade, que também impõe
tratamento desigual em determinadas circunstâncias.
Todavia, por se tratar de exceção, e levando-se em conta o primado da igualdade,
as técnicas tributárias praticadas para implementar a extrafiscalidade somente são utilizadas
pelo legislador infraconstitucional nos exatos termos da Constituição. Para ilustrar, cite-se o
critério de distinção de alíquotas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores -
IPVA, expressamente previsto no art. 155, § 6°, II da CF/88, que estabelece a possibilidade do
IPVA ter alíquotas diferenciadas, em função do tipo e da utilização do veículo; no caso do
Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU, com base no art. 156, § 1°, II da
CF/88, as alíquotas poderão ser diferenciadas de acordo com a localização e uso do imóvel14.
Pelo princípio da isonomia, há proibição de desigualar arbitrariamente os
contribuintes. Na concretização dessa exigência é necessário investigar se a distinção legal era
permitida e se a lei tratou desigualmente quando isso era obrigatório. É inconstitucional a
desigualdade arbitrária, isto é, sem fundamento expresso na Constituição. Todas as exceções
para distinção nos critérios de tributação devem estar expressamente previstas na Constituição
Federal. (ÁVILA, 2010, p. 355).
Como desdobramento dessa limitação ao poder de tributar, temos que a outorga
de tratamento mais favorável deverá beneficiar o conjunto de contribuintes que atendam aos
requisitos eleitos pelo legislador para a sua concessão. Além disso, impõe-se que os critérios
de distinção fixados pela lei tenham correlação com a finalidade a ser atingir, que, por sua
vez, deve corresponder a um valor perseguido pela ordem jurídica.

14
Vide todas as hipóteses em que a CF/88 previu critérios de diferenciação de alíquotas: IPI (Art. 153, § 3°, I),
ICMS (Art. 155, § 2°, III), Contribuição Social (195, § 9°), Cide Combustível (Art. 177, § 4°, I, a), IVA (Art.
155, § 6°, II), IPTU (Art. 156, § 1°, II e Art. 156, I, a e b), IR (Art. 1536, § 2°, I) e ITR (Art. 153, § 4°, I).
84
A análise de um caso concreto é válida para testar as premissas aqui definidas. O
Decreto n°. 23.994 de 29.12.2003, que regulamenta a Lei de n°. 2.826 de 29.09.2003 do
Estado do Amazonas, em seu art. 20, II, estabelece isenção do ICMS sobre “as operações de
entradas que destinem máquinas ou equipamento ao ativo permanente de estabelecimento
industrial para utilização direta e exclusiva no seu processo produtivo, de procedência
nacional ou estrangeira, bem como suas partes e peças”.
Para fruição desse benefício o contribuinte deverá cumprir uma série de
requisitos, dentre eles: (i) não dar saída ao bem do estabelecimento por um período mínimo de
cinco anos; (ii) implantar projeto técnico, de viabilidade econômica; (iii) manter programas de
benefícios sociais para os seus empregados, especialmente nas áreas de alimentação, saúde,
lazer, educação, transporte e creche a preços subsidiados; (iv) manter programas de qualidade,
meio ambiente e de segurança e saúde ocupacional; (v) utilizar, em condições semelhantes de
competitividade, infra-estrutura local de serviços, dentre outros.
Verificamos que o caráter extrafiscal do benefício em questão tem o propósito de
atingir finalidades econômicas e sociais, previstas nas constituições federal e estadual, que
justifiquem as medidas de diferenciação entre contribuintes adotadas pelo legislador do
Estado do Amazonas, no caso, a concessão de isenção somente para as indústrias e,
exclusivamente, quanto a aquisições destinadas ao ativo permanente do estabelecimento.
Além disso, o art. 2° desse decreto preconiza a obediência dos incentivos fiscais aos
princípios da reciprocidade, transitoriedade, regressividade e gradualidade.
Desse modo, concluímos que a norma em tela: (i) trata igualmente contribuintes
que se encontrem na mesma situação, posto que todas as indústrias que se enquadrarem nos
requisitos da lei terão direito à fruição do benefício; (ii) não viola o tratamento diferenciado
de nenhum direito fundamental, muito pelo contrário, tem justamente o propósito de viabilizar
a concretização de valores constitucionais, na medida em que, fomentando a estruturação do
parque industrial do Estado do Amazonas, promove o desenvolvimento da economia regional
e geração de empregos e (iii) além de ter fundamento constitucional, é impessoal e objetivo o
critério de diferenciação.
Agora, se por hipótese, determinado sujeito desse estrato de contribuintes não for
habilitado pelo Estado do Amazonas à fruição do favor legis, mesmo cumprindo todos os
requisitos, aí, sim, haverá séria transgressão ao princípio da isonomia que, como visto, é
dotado de elevada significação para a preservação da democracia no país.

85
4.2 Limites específicos para a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS

4.2.1 Alíquotas fixadas pelo Senado Federal

As resoluções do Senado Federal são instrumentos relevantes para a fixação de


alíquotas, visando manter a unidade e a ordem nacionais, evitando-se a adoção de políticas
fiscais múltiplas e contraditórias, que acabem por prejudicar a harmonia da economia. Não
fossem esses mecanismos calibradores da sistemática tributária do ICMS, uma simples
alteração de alíquota por determinado estado seria capaz de influenciar seriamente na
arrecadação de outro estado, dado o caráter não-cumulativo do imposto. Igualmente, como
seria possível saber qual a alíquota aplicável nas operações interestaduais? Em uma remessa
de mercadorias do Estado de São Paulo para o Estado da Bahia, por exemplo, que alíquota
aplicar?
Nos termos do art. 155, § 2°, IV da CF/88, resolução do Senado Federal, de
iniciativa do presidente da República ou de um terço dos senadores, aprovada pela maioria
absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações
interestaduais e de exportação.
Com base no aludido dispositivo constitucional, a Resolução nº. 22/1989 do
Senado Federal estabeleceu a alíquota de 12% para as operações e prestações interestaduais e
de 7% para as operações interestaduais, realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo.
Com esse mecanismo, os estados destinatários tidos por estados consumidores
recebem a mercadoria com menor tributação e, conseqüentemente, com menor crédito a ser
abatido nas operações posteriores a se realizarem no seu interior. Pretende-se, com tal
mecanismo, a redução das desigualdades regionais, de modo a ampliar a arrecadação dos
estados de regiões menos providas. (CALCIOLARI, 2006, p. 20).
O art. 155, § 2°, V, a e b, prescreve ser facultado ao Senado Federal dispor sobre
as alíquotas mínimas e máximas do ICMS, isto é, poderá o Senado Federal “estabelecer
alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e
aprovada pela maioria absoluta de seus membros” e “fixar alíquotas máximas nas mesmas
operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante
resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros”.

86
Nesse contexto, o legislador maior considerou relevante a participação do Senado,
não só na definição das alíquotas interestaduais, como, também, na determinação das
alíquotas mínimas para as operações internas, admitindo-se que os estados atuem na fixação
de suas alíquotas internas, não inferiores às alíquotas interestaduais. (CALCIOLARI, 2006, p.
20).
Vale salientar que a competência federal para definição das alíquotas
interestaduais do ICMS está demarcada no art. 155, § 2º, IV e V da CF/88, de modo que a
matéria só pode ser disciplinada em resolução do Senado Federal, naquelas hipóteses
específicas. Desta feita, fora delas, como já assentou o Supremo Tribunal Federal 15, a
competência legislativa estadual é ampla, não sendo passível de vinculação a qualquer ato
externo de natureza legislativa ou normativa.
Portanto, em matéria de incentivos fiscais, o estado competente para a sua
concessão haverá de observar necessariamente dois limites: (i) as alíquotas aplicáveis às
operações interestaduais são aquelas fixadas por resolução do Senado Federal; (ii) as alíquotas
aplicáveis às operações internas fixadas pelos estados e distrito federal não poderão ser
inferiores às previstas para as operações interestaduais, salvo deliberação de todas as unidades
federativas em sentido contrário, conforme será visto nos tópicos subseqüentes.

4.2.2 Lei Complementar n°. 24/1975 – disciplina e alcance

A Constituição Federal determinou a competência da lei complementar para


definir as regras de concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais,
conforme se depreende do seu art. 155, § 2°, XII, g:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
(...)
§ 2.º O imposto previsto no II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)

15
ADI nº 1601-6 – União Federal, Relatora Min. Ellen Gracie, DJ 19.12.2001 e ADI 3936 MC/Paraná, Relator
Min. Gilmar Mendes, DJ 09.11.2007.
87
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito
Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados. (Grifamos)

Diante da completa inércia do Congresso Nacional em regulamentar o assunto,


vem sendo aplicada, de forma indiscriminada pelos entes políticos, a Lei Complementar n°.
24 de 01 de janeiro de 197516, promulgada na vigência da Constituição Federal de 1967, que
dispôs sobre desonerações do ICMS, pertinentes a: (i) isenção; (ii) redução de base de cálculo;
(iii) devolução do tributo (total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou incondicionada)
ao contribuinte, responsável ou a terceiros; (iv) créditos presumidos e (v) quaisquer outros
incentivos ou favores fiscais ou financeiros concedidos com base no ICMS, que resulte
redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus, e prorrogações e extensões das
isenções vigentes.
Para se legitimarem tais benefícios exige-se que a sua concessão se dê nos termos
dos convênios celebrados e ratificados pelos estados e pelo distrito federal, na forma disposta
pelo legislador complementar.
Com fulcro nos §§ 4° e 5° do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, parte da doutrina entende que a referida lei complementar e os convênios que
dela decorreram, teriam sido recepcionados pela vigente Constituição. (MELO, 2007, p. 233).
Para esta corrente, a LC n°. 24/75 não estaria se imiscuindo indevidamente em
restrições ao princípio da não-cumulatividade, posto ser determinação da Constituição Federal
que cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto (art. 155, § 2°,
XII, c). De igual modo, também cabe à lei complementar, com supedâneo no mesmo
dispositivo constitucional (g), regular a forma com que as unidades federativas concederão ou
revogarão benefícios fiscais. Sendo assim, a LC n°. 24/75 tem respaldo constitucional.
Outra vertente da doutrina entende que esse diploma legal não teria sido
recepcionado pela Constituição Federal. Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 678) lembra que
o art. 23, § 6° da Constituição Federal de 1967 determinava, somente, as isenções do então
ICM, concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios, celebrados e ratificados
pelos estados, segundo disposto em lei complementar. Assim, o legislador complementar teria
extrapolado a sua competência constitucionalmente outorgada, disciplinando não só as
isenções, como, também, todo e qualquer benefício relacionado ao imposto estadual. Neste
caso, tal lei estaria maculada em sua origem.

16
Vide Anexo 2.
88
Na mesma esteira, porém de forma mais moderada, Ives Gandra Martins (2005, p.
136) entende que a lei complementar abrange os dois tipos de incentivos, os fiscais e os
financeiros, sendo que a Constituição cuida exclusivamente de incentivos fiscais, no que diz
respeito à possível regulação por lei complementar, razão pela qual a Magna Carta não teria
recepcionado a LC n°. 24/75, especificamente no que diz respeito aos incentivos financeiros.
Todavia, o autor acredita que, quanto aos incentivos fiscais, não haveria dúvidas sobre a sua
recepção.
O STF reconhece que a lei em comento foi recepcionada pela atual Constituição,
porém ainda não enfrentou a questão referente aos incentivos financeiros, especificamente
não recepcionados, o que abre espaço para o amadurecimento doutrinário e jurisprudencial do
tema. É o que verificamos em trecho do voto do Ministro Marco Aurélio, relator em
julgamento da ADI n°. 902 MC/SP17, publicado no Diário de Justiça aos 22.04.1994, abaixo
reproduzido:

Dispõe o artigo 155, XII, alínea g, da Constituição Federal, que à lei


complementar cabe regular a forma como, mediante deliberação dos
Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão
concedidos e revogados. A norma é de abrangência maior, no que cogita
não apenas de isenções, mas também de incentivos e benefícios fiscais.
Não se trata de inovação da Carta de 1988, razão pela qual, ao menos de
início, deixo de evocar o que se contém no artigo 34, § 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, ressaltando, no entanto, que o
preceito respectivo também cuida de convênio a ser celebrado pelos
Estados. (Grifamos)

Por essa razão, cremos que, para a concessão de subsídios que não importem
renúncia fiscal, dentre eles os incentivos de ordem financeira, os estados não devem
observância às regras da LC n°. 24/75. Seria, por exemplo, o caso do Espírito Santo, que criou
o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias – Fundap, por meio da Lei nº. 2.508
de 22.05.1970, regulamentada pelo Decreto nº. 163-N de 15.07.1971 e alterações posteriores.
Trata-se de fundo gerenciado pelo Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo
S/A – Bandes, destinado à concessão de financiamento para apoio a empresas, com sede no
território capixaba, que realizem operações de comércio exterior tributadas pelo ICMS do
estado.
O financiamento pode ser liquidado no prazo de até 20 anos com juros de 1% ao
ano, sem correção monetária, sendo o valor liberado correspondente, no mínimo, a 7,2% e, no

17
No mesmo sentido, ADI n°. 1.247; ADI nº 2.376-4; ADI nº 2.224-5.
89
máximo, a 9% do valor da saída das mercadorias do estabelecimento cadastrado. A
contrapartida para o beneficiário é a aplicação de percentual não inferior a 7% do valor
financiado em investimentos no estado18.
O ICMS relativo às operações de importação e exportação, devido no momento
do desembaraço aduaneiro, se realizadas em razão do Fundap, é postergado para o momento
em que ocorrerem as respectivas saídas das mercadorias.
Para ilustrarmos a operação, imaginemos o seguinte: 1°) empresa X, uma trading
sediada no Estado do Espírito Santo, importa eletroeletrônicos da China, efetuando o
desembaraço aduaneiro das mercadorias no porto de Vitória; 2°) empresa X realiza venda para
a empresa Y, recolhendo o ICMS no momento da saída das mercadorias importadas de seu
estabelecimento; 3°) empresa Y utiliza-se do ICMS destacado na nota fiscal de aquisição das
mercadorias importadas, como crédito de operações anteriores; 4°) empresa X, mediante
comprovação do recolhimento do ICMS, bem como cumprimento dos requisitos legais para
obtenção do incentivo Fundap, dirige-se ao Bandes para obter financiamento correspondente à
parte do valor recolhido a título de ICMS.
Verificamos, pois, que o contribuinte somente terá acesso ao financiamento após a
quitação integral do tributo. O benefício não está relacionado a nenhuma hipótese de renúncia
fiscal típica, sendo verdadeiro incentivo financeiro, administrado ao lado do orçamento
referente às despesas públicas. Não se trata sequer de devolução de tributo ou mesmo doação
por parte do estado capixaba, pois a empresa deverá pagar o governo estadual nos prazos e
condições previamente fixados.
Por essa razão, a aplicação desse benefício pelo Estado do Espírito Santo não
pode ser obstada sob o argumento de que tal ente político estaria concedendo favor legal em
desacordo com as regras constitucionais, uma vez que, como visto a LC n°. 24/75 não foi
recepcionada pela Constituição de 1988, no que tange aos incentivos financeiros.

4.2.3 Os convênios interestaduais e o Confaz

Os convênios de ICMS são instrumentos veiculadores das regras desonerativas,


podendo assumir as seguintes naturezas: (i) impositiva, ou seja, obrigatoriamente adotados
por todas as unidades federativas; (ii) autorizativa, isto é, de utilização facultativa. Em
qualquer caso, há que se observar a sistemática específica no tocante a sua celebração,
18
Vide Manual Operacional Fundap. Disponível em:
<http://www.bandes.com.br/downloads/MANUAL_FUNDAP_ABRIL_2010.doc>. Acesso em 15. jul. 2010.
90
publicação oficial, ratificações e vigência. (MELO, 2007, p. 232-233). Para que o convênio
possa gozar de validade e passe a vincular todos os entes federativos, torna-se necessária a
unanimidade dos representados.
José Eduardo Soares de Melo (2005) sintetiza as principais características e
dinâmica do processo de edição dos Convênios:

Os convênios de ICMS têm natureza impositiva (adoção obrigatória por


todas as unidades federativas), ou autorizativa (utilização facultativa),
observando a sistemática seguinte:
a) celebração pelos Estados (e DF), por intermédio de seus Secretários de
Fazenda ou de Finanças;
b) publicação no Diário Oficial da União (DOU) até dez dias após sua
celebração;
c) ratificação estadual, no prazo de quinze dias da publicação no DOU,
com sua publicação nos Diários Oficiais dos Estados (e no DF);
d) ratificação nacional, no prazo de até vinte e cinco dias após a publicação
no DOU pelos Estados (e DF), mediante ato do Presidente da Comissão
Técnica Permanente do ICMS (Cotepe/ICMS), ratificando ou rejeitando
o convênio;
e) no trigésimo dia após a ratificação nacional, o convênio passa a vigorar.
(MELO, 2005, p. 286).

Segundo a doutrina de Sacha Calmon (2007, p. 347 e 351), o convênio é um


acordo, ajuste ou combinação, que promana de reunião dos entes federados, na qual
comparecem os representantes de cada estado indicado pelo chefe do Executivo das unidades
respectivas, em regra, um secretário da fazenda ou das finanças do estado. Nesses encontros
são gestadas as propostas de convênio, cujo conteúdo só passa a ter validade depois das
assembléias legislativas dos estados ratificarem individualmente os convênios pré-firmados de
forma colegiada. Temos uma solução de compromisso entre a necessidade de preservar a
autonomia tributária dos entes locais, sem risco para a unidade econômica da Federação.
Essa sistemática de ratificação dos convênios pelo Poder Legislativo é
fundamental para a preservação do princípio da legalidade e da separação dos poderes, sendo,
portanto, defeso a um agente do Poder Executivo, como é o caso do secretário que representa
o estado nas reuniões mencionadas, praticar atos tendentes a aumentar ou reduzir a tributação.
É nesse sentido que o eminente professor mineiro acredita que o art. 4° da Lei
Complementar n°. 24/1975 é inválido, ao autorizar que o chefe do Poder Executivo estadual
ratifique ato do secretário sem apreciação anterior da assembléia legislativa, isto é, sem edição
de lei formal. Tal lei complementar prescreve que será considerada ratificação tácita dos
convênios a falta de manifestação pelos estados no prazo de 15 dias, contados da publicação

91
dos convênios no Diário Oficial da União, caso o Poder Executivo de cada unidade da
Federação deixe de publicar decreto ratificando, ou não, os convênios celebrados. Isto porque,
um convênio só pode ter validade se ratificado pelo legislativo estadual, razão pela qual a
fórmula em comento é manifestamente inconstitucional. Assim, devemos deixar claro que o
processo de um convênio começa nas assembléias de estados federados, mas termina nas
casas legislativas, onde recebem ratificação e conteúdo de lei, aí, sim, em conteúdo formal e
material. (COÊLHO, 2007, p. 348-351).
A exigência de convênios devidamente ratificados pelos estados para fins de
concessão de benefícios fiscais já tinha ganhado status constitucional desde a Carta Magna de
1967 (art. 23, § 6°).
De acordo com José Souto Maior Borges (1996, p. 173), a submissão das
exonerações fiscais ao convênio é praticamente a única alternativa, para afastar as
dificuldades de harmonização das políticas tributárias estaduais relativas ao ICMS, não
conflitando com a reserva de lei tributária material na concessão dessas exonerações. Para o
autor, considerando que a lei é ato unilateral do estado-membro, este não pode diretamente
fazê-lo, pois a concessão de exonerações fiscais é um ato plurilateral.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1998) destaca, com muita propriedade e clareza, as
razões por que o legislador constitucional estabeleceu a necessidade de deliberação colegiada,
em matéria de concessão de benefícios fiscais:

Afinal, por ser o ICMS um imposto instituído por lei estadual, cuja receita se
reparte entre Estados e Município, mas que, pela própria natureza da
circulação de mercadorias, repercute a economia das demais unidades
estaduais da Federação, há um risco permanente de que, na disciplina de
benefícios fiscais, uma unidade possa prejudicar outra unidade federativa.
Para evitar prejuízos deste gênero, a Constituição Federal exigiu que a
concessão de tais benefícios ficasse na dependência de deliberação, exigindo
a Lei Complementar a realização de convênios entre Estados e Distrito
Federal. (FERRAZ JUNIOR, 1998, p. 278).

A reunião integrada de todos os estados e do distrito federal, prevista pela Lei


Complementar n°. 24/75, é realizada por meio do colegiado denominado Conselho de Política
Fazendária – Confaz, com a participação de representantes de todas as secretarias estaduais e
do distrito federal, além do Ministério da Fazenda, obedecendo ao regimento interno,
aprovado pelo mesmo convênio de sua consagração, Convênio ICMS n°. 8/75 de 15 de abril
de 1975, com atribuição especial para promover a celebração de convênios, concedendo ou

92
revogando benefícios fiscais do ICMS, desde que houvesse concordância da unanimidade dos
estados nesse sentido.
De acordo com Hironobu Sano (2008, p. 77), a criação de um órgão colegiado na
área tributária surgiu a partir do acirramento da guerra fiscal entre os estados brasileiros, ainda
na década de 1960, com a cobrança do então ICM, tendo por principal objetivo a busca pela
harmonização tributária na sua cobrança, que desde aquela oportunidade era utilizado como
instrumento de atração de empresas.
Percebemos na atualidade uma tendência dominante na concessão de benefícios
fiscais pelos estados à completa revelia do Confaz, principalmente em função das sanções
previstas no parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar nº. 24/1975 serem incompatíveis
com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que corrobora na manutenção da situação de conflito
entre os estados. (CALCIOLARI, 2006, p. 22).
O fato é que o Confaz não conseguiu conter o acirramento da competição
interestadual, em que pese ter sido este o propósito da sua criação. Não se verificou, na
prática, a geração de ações coordenadas, seja pela ausência do governo federal, seja pela
absoluta e revelada incapacidade dos governadores e secretários de fazenda em negociar e
harmonizar suas propostas. Verifica-se no seu seio apenas a celebração de convênios
específicos, direcionados para determinado setor ou produto, sem que, no entanto, se envide
qualquer esforço para resolver a questão do conflito federativo. (SANO, 2008, p. 85).
Está fora de dúvidas que a aprovação unânime, no âmbito do Confaz, por todos os
entes federativos quanto à concessão de incentivos fiscais (e não financeiros), é requisito
essencial para legitimar o exercício da competência tributária exonerativa pelos estados e
distrito federal. Porém, tal sistemática há muito tem se mostrado ineficaz no combate à guerra
fiscal, restando evidente para toda a nação a indiscutível impotência desse órgão colegiado no
estabelecimento de políticas tributárias eficientes e capazes de garantir harmonia e cooperação
no pacto federativo.
Os estados ignoram o Confaz, concedendo favores de toda a sorte com vista a
atrair investimentos para seus territórios. O legislativo federal ignora ser premente a
necessidade de se emplacarem reformas estruturais no subsistema tributário do ICMS.
Enquanto prevalecer a opção pela ignorância, alastram-se e intensificam-se os conflitos.
Salve-se quem puder! Em terra de cego, quem tem um olho é rei!

93
4.3 As limitações impostas por normas orçamentárias

4.3.1 O âmbito de aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal

A Constituição da República disciplinou o orçamento público no seu Título VI,


especialmente no Capítulo II, que dispõe sobre normas gerais de finanças públicas e
orçamentos das pessoas jurídicas de direito constitucional interno. Em seu art. 163, o
constituinte atribuiu ao ente federal a função de introduzir no ordenamento jurídico, mediante
lei complementar, normas gerais de direito financeiro, relativamente aos temas que enumera.
Exercendo a competência legislativa que lhe foi outorgada pela Carta Suprema, a
União editou a Lei Complementar nº. 101 de 04.05.2000, estabelecendo normas de finanças
públicas, voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, usualmente denominada Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF.
Os comandos jurídicos introduzidos pelo referido diploma legal não se
circunscrevem, isoladamente, à esfera de uma ou de outra pessoa jurídica de direito público
interno; ao contrário, sendo lei nacional, suas determinações dirigem-se a todos os entes da
Federação. Isso não significa, porém, ser ilimitado o âmbito material susceptível de ser
regulado por esse instrumento normativo, pois sua disciplina não pode representar invasão da
competência legislativa de qualquer dos entes federados, ficando restrita às áreas que lhe
foram constitucionalmente reservadas.
No que concerne especificamente às finanças públicas, foi-lhe atribuída a função
de inserir no ordenamento jurídico normas gerais de Direito Financeiro. Prerrogativa dessa
natureza não configura cheque em branco dado ao legislador da União. Não há, nessa
hipótese, competência ilimitada para legislar sobre finanças públicas, devendo fazê-lo apenas
naquilo que integrar o domínio da generalidade, sob pena de afronta ao pacto federativo e à
autonomia municipal. Não lhe assiste, pois, a possibilidade de legislar sobre particularidades e
prerrogativas da competência das demais pessoas políticas, mesmo introduzindo normas
jurídicas que disciplinam aspectos gerais do direito financeiro, cujo fim primordial é o de
conferir uniformidade ao sistema jurídico-financeiro nacional.
Em conseqüência, não caindo na vala da especialidade, a Lei Complementar nº.
101/00 encontra aplicação tanto no âmbito federal como no dos estados, distrito federal e
municípios, devendo conviver harmonicamente com as normas particulares de Direito

94
Tributário e Financeiro, instituídas por cada uma dessas pessoas políticas, dentro dos limites
de suas respectivas competências.

4.3.2 Os requisitos da LRF quanto à concessão de benefícios fiscais

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no intento de conter o déficit orçamentário,


objetivou, por meio da imposição de várias exigências, impedir que a pessoa jurídica de
direito constitucional interno realize despesas em quantia superior as suas receitas ou a sua
capacidade de endividamento. Com tal propósito, disciplina a forma e as condições
necessárias à concretização de transferências voluntárias e de renúncia de receitas.
A LRF estabeleceu, precipuamente, três requisitos essenciais à responsabilidade
fiscal:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal


a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da
competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o
ente que não observar o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
(Grifamos)

Assim, estará caracterizada como responsável a gestão fiscal do ente político que
instituir tributos de sua competência, promover a sua respectiva previsão orçamentária, com
base em estudos técnicos especializados, e tornar efetiva a arrecadação, por meio do
aparelhamento estatal eficiente para garantir a realização da receita tributária, quer pela
fiscalização, quer pela cobrança administrativa ou judicial.
Conforme adverte Marcos Nóbrega (2010), o objetivo da LRF não foi obstar por
completo a prática da guerra fiscal ou a concessão de benefícios que impactam no déficit do
orçamento público, mas sim “dotar o mecanismo de concessão de racionalidade, planejamento
e, sobretudo, transparência”.
Quando o tema é renúncia de receitas, estabeleceu o legislador complementar, em
seu art. 14:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza


tributária, da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de
estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva
iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de
diretrizes orçamentárias, e a pelo menos uma das seguintes condições:

95
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na
estimativa de receita da lei orçamentária na forma do art. 12, e de que não
afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de
diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado
pelo caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de
alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo o
contribuição.

A renúncia de receitas, nos termos do § 1º do art. 14, da Lei Complementar nº.


101/2000, “compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção
em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique
redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a
tratamento diferenciado”. Consiste no abandono do crédito tributário, seja pela redução do seu
montante, seja pelo seu não surgimento ou pelo seu perdão. Portanto, resta evidente que o
dispositivo em questão aplica-se somente aos estímulos de caráter fiscal e não àqueles de
caráter eminentemente financeiro.
O dispositivo em comento encontra fundamento de validade na própria
Constituição Federal, que, em seu § 6° do art. 165, já determinava a necessidade da lei
orçamentária estar devidamente acompanhada de demonstrativo regionalizado do efeito sobre
receitas e despesas, decorrentes da concessão de incentivos de ordem financeira, tributária ou
creditícia. Portanto, o dever de acompanhamento, registro e divulgação de renúncias fiscais já
estava positivado no Texto Maior, sendo que, a partir da LRF, passou a ter a sua aplicação
mais fiscalizada.
Roque Carrazza (2009, p. 544) critica a aplicação extensiva do art. 14 em pauta
aos estados, municípios e distrito federal, posto ser dirigido somente à União, pois, do
contrário, estar-se-ia obstando o princípio federativo. Isto porque a Lei Complementar nº.
101/2000 fundamentada no art. 163 da Constituição Federal, autorizou exclusivamente a
União, por meio de lei complementar, a estabelecer normas gerais sobre finanças publicas, ou
seja, é defeso a União legislar sobre normas específicas, que envolvam interesse interno dos
demais entes federativos, sob pena de se amesquinhar a autonomia financeira dos estados e
municípios, que respalda o federalismo fiscal de equilíbrio.
A despeito das críticas lançadas ao regramento, o fato é que, além do
cumprimento das condições impostas pelas normas de direito tributário, para a concessão de
benefícios ficais, em qualquer de suas modalidades, é preciso, ainda, que estejam satisfeitos
os requisitos impostos pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal, relacionados no seu art.

96
14, a saber: (i) estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deva iniciar a sua vigência e nos dois seguintes; (ii) atender às disposições
da lei de diretrizes orçamentárias e (iii) atender alternativamente uma das seguintes
condições: a) demonstrar que a renúncia foi devidamente considerada na estimativa de receita
da lei orçamentária e que, por conseguinte, não afetará as metas de resultados fiscais previstas
no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias ou b) a renúncia deve estar acompanhada
das correspondentes medidas de compensação a serem efetivadas no triênio, contado a partir
do início de sua vigência, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de
alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Cumpre registrar um argumento muito utilizado pelos entes políticos, em defesa
da inaplicabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal na concessão de determinados
benefícios fiscais, no sentido de não haver renúncia de receita, tornando-se desnecessária a
exigência de estimativa de impacto orçamentário-financeiro. Segundo essa linha de
pensamento, o benefício fiscal concedido não é uma renúncia de receita efetiva, mas, sim,
uma renúncia de receita futura, vez que as concessões visam empresas que vierem a se
instalar ou para ampliar a produção das já instaladas, de modo que não se está a renunciar
receita existente, mas uma receita hipotética, que de fato não existiria caso não tivesse havido
a redução fiscal implementada. (SCAFF, 2005, p. 30).
Concluímos não ser vedada a concessão de benefício fiscal pelas pessoas políticas
de direito constitucional interno, o que, aliás, não seria admissível face aos princípios da
Federação e da autonomia municipal. A Lei de Responsabilidade Fiscal apenas disciplina a
sua concessão, estabelecendo requisitos para que a eventual renúncia de receita não
comprometa o alcance das metas orçamentárias. Com isso, objetiva-se que os entes políticos
administrem as suas finanças de forma mais planejada, controlando com mais rigor suas
despesas e receitas, evitando a redução indiscriminada de arrecadação, sem contrapartida no
orçamento.

97
5 GUERRA FISCAL: causas e efeitos

5.1 A caracterização do fenômeno no Brasil

Pretendemos examinar a caracterização do fenômeno da guerra fiscal no Brasil,


iniciando por uma abordagem conceitual, seguida de um breve escorço histórico do seu
desenvolvimento no contexto econômico nacional e, por fim, empreendendo uma análise
crítica das causas que atualmente impactam no acirramento desse conflito interestadual.
Pois bem. Basicamente podemos dizer que a guerra fiscal se revela a partir de
duas principais características: (i) concessão indiscriminada e despropositada de benefícios
fiscais, financeiros e creditícios, sem observância cumulativa de todos os requisitos
apresentados capítulo anterior e (ii) atração de investimentos privados para o território do
estado concedente devido a tais vantagens.
Para Guilherme de Camargo (2004, p. 186-187) a guerra fiscal nada mais é que a
generalização de uma competição entre entes subnacionais pela alocação de investimentos
privativos, por meio da concessão de benefícios e renúncias fiscais, conflito este que se dá em
decorrência de estratégias não cooperativas dos entes da Federação e pela ausência de
coordenação e composição dos interesses, por parte do governo central.
A competição tributária também pode ser classificada, na visão de Sidnei do
Nascimento (2009, p. 214), em vertical ou horizontal, isto é, não é somente entre as unidades
federativas que o conflito se verifica. A União também pode se contrapor aos estados quando,
por exemplo, prioriza a sua arrecadação por meio de contribuições, não sujeitas a
transferências de receitas, razão pela qual a competição vertical se desenvolve quando o poder
central disputa com os demais entes federativos o incremento de sua arrecadação. Já a
competição tributária horizontal acontece entre governos de mesmo nível hierárquico, quer
dizer, entre os entes das esferas estadual, municipal, ou, até mesmo, entre estados e
municípios, reciprocamente.
Exemplo clássico do último tipo de competição horizontal é o do interesse
arrecadatório sobre a tributação dos serviços de provimento de acesso a Internet. Os estados
alegam tratar-se de típicos serviços de comunicação, estando, portanto, sujeitos à tributação
pelo ICMS. Os municípios, por sua vez, alegam que são serviços de valor adicionado,
diferenciando-se dos serviços de telecomunicações, à luz da própria definição na Lei Geral de
Telecomunicações (art. 61), sujeitos, assim, à incidência do ISS19. Portanto, existe uma
verdadeira arena, fortemente armada há muito tempo, em que cada estado luta contra o
governo federal e contra todos os outros entes políticos.
Conforme leciona Fernando Scaff (2005, p. 27-28), a guerra fiscal ocorre quando
um estado-membro oferta benefícios às empresas que pretendem implantar ou ampliar seus
negócios, instaurando-se, na prática, um verdadeiro leilão de benefícios, dos mais variados.
No caso brasileiro, essa guerra é ainda mais acentuada em razão de ser misto o sistema de
arrecadação do ICMS, isto é, a parcela maior do tributo é cobrada na origem e a menor
parcela no destino.
Paulo de Barros Carvalho (2006) acredita que o problema da guerra fiscal, seus
motivos e conseqüências, extrapolam o âmbito estritamente jurídico, acabando por invadir a
seara econômica. O autor explica que:

Os Estados mais desenvolvidos acusam os outros de lançarem mão de


mecanismos fiscais contrários à ordem jurídica para atrair para seus
territórios empresas teoricamente capazes de estimular o desenvolvimento
que perseguem. Já os menos desenvolvidos contra-atacam com o argumento
de que têm direito de buscar a concretização de suas metas econômicas e
sociais pelos meios de que dispõem, considerando as deficiências e as
distorções que o sistema tributário, inegavelmente, ostenta. Com isso, sofrem
os contribuintes, inseguros quanto à validade das concessões que lhe são
acenadas, e, até mesmo, quanto às possíveis retaliações que a ele possam ser
dirigidas. (CARVALHO, 2006, p. 680).

E como o contexto econômico é importante para a compreensão da disseminação


da guerra fiscal no Brasil, cabe-nos então uma rápida digressão histórica acerca dos principais
marcos que contribuíram para a intensificação desse fenômeno nacional. Tomamos como
referência para análise os três principais grandes períodos, em que se verificou nítido
acirramento da guerra fiscal, assim gravado na linha do tempo: (i) um primeiro período
compreendido entre os anos de 1965 e 1974; (ii) um segundo período que se inicia a partir de
1975 até 1990 e (iii) um terceiro período verificado a partir dos anos 1990 até os dias atuais.

19
Enquanto brigam os estados e municípios para ver com quem ficará a fatia deste bolo, por ora, vem ganhando
o contribuinte, já que conforme consagrado pelo STJ, os serviços de provimento de acesso a Internet são
hipóteses de não-incidência tributária, posto que, não se enquadrando no conceito constitucional de
comunicação, não podem se sujeitar ao ICMS e, da mesma forma, não estando previstos na lista anexa à Lei
Complementar n°. 116/2003, não podem se sujeitar ao ISS (Recurso Especial n°. 1183611/PR, Min. Eliana
Calmon, DJ 22.06.2010; Recurso Especial n°. 719635/RS, Min. Mauro Campbell Marques, DJ 07.04.2009;
Súmula n°. 334, DJ 14.02.2007).

99
Fernando Ayres (2010), em excelente apresentação em seminário sobre o tema da
guerra fiscal, expôs graficamente o histórico do processo de intensificação dos conflitos
interestaduais da seguinte forma:

Figura 1 – Os períodos históricos nos quais se desenvolveu a guerra fiscal

Primeiro Período: Da segunda metade dos anos 60 a 1975

Fase dos Convênios Regionais

Ato Complementar nº 34/19 67 Lei Complementar 24/1975


EC nº 18/1965 -
Convênio de – Política comum de concessão
ICM Recife - 1966 de incentivos regionais CONFAZ

Segundo Período: De 1975 ao início dos anos 90

Crise econômica – Não há registros de negociação de incentivos relevantes


até a retomada econômica trazida pelo Plano Real

Lei Complementar nº FIAT Constituição Década de 90


24/1975 Federal de 1988
Betim/MG
1976
CONFAZ Criação do
ICMS

Terceiro Período: início dos anos 90 até hoje


Acirramento da Guerra Fiscal

ADINS e Glosa de créditos

2010
Plano Collor I e II Aumento de investimento
Retomada estrangeiro Concessão de
Impacto recessivo incentivos
1994 Grandes montadoras
1990/1993
Plano Real (1995 - 2000)

Fonte: Ayres, Fernando (2010).

O primeiro período revela uma profunda mudança no Sistema Tributário


Nacional, em ambiente de sérias restrições às liberdades democráticas, regime totalmente

100
autoritário, de pouco diálogo, mas apoio mútuo entre governos nacional e estaduais. Tal
reforma foi tão expressiva e relevante que as bases estruturais por ela desenvolvidas e
alicerçadas vigoram até hoje.
O marco inicial desse período foi a Emenda Constitucional n°. 18/1965, que criou
o ICM, em substituição ao então IVC, e implementou a sistemática da não-cumulatividade.
Referida emenda foi, no ano seguinte, seguida da instituição do Código Tributário Nacional,
que, a partir da edição da Lei n°. 5.172/1966, já previa, em seu art. 213, a necessidade de
celebração de convênios entre estados pertencentes a uma mesma região geoeconômica para o
estabelecimento de alíquotas uniformes do ICM.
Desde então, os estados, preocupados com a generalização do cenário de
competição fiscal decorrente da nova sistemática de apuração do ICM, começaram a se
mobilizar, visando estabelecer acordos para uniformização de alíquotas e padronização das
políticas de isenções, conforme se depreende do Convênio do Recife de 23.10.1966, firmado
pelos estados do Nordeste. O objetivo de convênios20 como este era o de fixar regras para uma
administração conjunta do ICM e a defesa de interesses regionais.
O mesmo propósito teve o Ato Complementar n°. 34 de 30.01.1967, editado pelo
presidente Castello Branco, que estabeleceu uma política comum de concessão de incentivos
regionais, reconhecendo, naquela oportunidade, a relevância da matéria para a economia
nacional e para as relações interestaduais, tendo revogado quaisquer disposições legais ou atos
que tivessem outorgado favores fiscais relativos ao IVC ou ICM, não previstos em convênios
e protocolos. Nesse interregno foram ainda promulgadas as Constituições Federais de 1967 e
de 1969.
O segundo período desenvolveu-se entre os anos de 1975 e início dos anos 1990,
tendo como marco inicial a edição da Lei Complementar n°. 24/1975, que, como visto,
instituiu o Confaz e impôs a regra de aprovação unânime dos estados para validação da
concessão dos benefícios fiscais. Tratou-se, portanto, de uma das mais fortes reações do
governo federal no sentido de buscar a harmonização da legislação tributária em matéria de
renúncia fiscal e, claro, de combater o conflito interestadual.
Esse período foi gravado por grande recessão econômica e pela descentralização
fiscal, iniciada no final da década de 1970, quando estados e municípios tiveram um aumento
na sua participação sobre a arrecadação federal do IPI e do IR. No final dos anos 1980, o

20
Nessa época vários convênios foram editados com o objetivo de coibir a guerra fiscal, como, por exemplo:
Convênio de Salvador de 22.11.1966, I Convênio do Rio de Janeiro de 27.02.67, Convênio de Cuiabá de
07.06.67, Convênio de Porto Alegre de 16.02.68, Convênio da Amazônia de 16.05.68, etc.

101
Brasil viveu um processo de redemocratização, quando a Constituição Federal de 1988 trouxe
importantes e substanciais alterações no Sistema Tributário Nacional, principalmente em
matéria de ICMS, como já exposto. Os estados e municípios se fortaleceram e ampliaram não
só a sua base arrecadatória, como, também, a participação nas transferências da receita do
governo federal; tudo para fazer frente às novas responsabilidades assumidas. Esse cenário
fomentou a intensificação da guerra fiscal. (SANO, 2008, p. 73 e 93).
O terceiro período pode ser verificado a partir do início dos anos 1990 até os dias
atuais. Com a retomada dos investimentos, principalmente do setor automotivo, outra não foi
a conseqüência senão a abertura de franca disputa entre os estados para a atração de empresas
e investimentos para os seus territórios, bem assim para não perder os parques industriais já
instalados. O governo federal não se mobilizou no sentido de desenvolver e capitanear
políticas de desenvolvimento regional, tendo, inclusive, sido extintos os órgãos federais que
se aventuraram na tentativa de superação das desigualdades regionais, como aconteceu com a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Essa postura do governo federal fez com que os
estados se antecipassem no preenchimento da lacuna criada pelo próprio poder central, razão
pela qual se jogaram na guerra fiscal. (SANO, 2008, p. 94).
O início dos anos 1990, sob a égide do governo Fernando Collor de Melo, foi uma
época marcada pela crise inflacionária, por grande recessão econômica e elevado déficit
público. Foram lançados os Planos Collor I e II, cujo propósito era ajustar a economia,
quando se verificou uma elevação da carga tributária, cortes nos gastos públicos, privatização
de empresas estatais, redução da máquina dos governos estaduais, abertura do mercado
interno com redução gradativa de alíquotas de importação, além da revogação de incentivos
fiscais, concedidos em desacordo com a Constituição Federal, o que enfraqueceu muito a
autonomia dos estados.
O advento do Plano Real em 1994 levou à estabilização monetária e abertura
econômica. Apesar do fortalecimento do governo federal, houve um acirramento ainda maior
da guerra fiscal, já que, mais uma vez, não se preocupou com o estabelecimento de ações de
coordenação intergovernamental para frear os conflitos. Algumas medidas foram tomadas,
visando incrementar a relação vertical entre União e estados, como, por exemplo: (i) criação
do Fundo de Estabilização Fiscal – FEF em 1996; (ii) edição da Lei Kandir e desvinculação
das receitas da União também em 1996 e (iii) edição da Lei de Responsabilidade Fiscal em
2000. Porém, nenhuma ação influiu de forma decisiva na articulação horizontal, não tendo

102
sido enfrentada com seriedade e compromisso a problemática dos conflitos interestaduais.
(SANO, 2008, p. 97).
Prova disso é que, no processo de aprovação da Lei Kandir, restou evidente a
completa falta de interesse dos estados, com a total chancela do governo federal, em colocar
um basta na guerra fiscal, haja vista que os dispositivos direcionados a esta finalidade foram
vetados pelo presidente da República, devido à pressão dos governos estaduais.
Esse período foi marcado também pelo uso crescente das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal, visto que muitos estados
decidiram levar as suas disputas para apreciação da Corte Maior, na tentativa de expurgar do
ordenamento jurídico as normas que ilegitimamente concederam benefícios fiscais de forma
unilateral.
Apesar da Lei Complementar n°. 24/1975 condicionar a concessão de benefícios
fiscais à celebração prévia de convênio pelos estados e distrito federal, é freqüente a
inobservância dessa prescrição pelos entes políticos, postura cabalmente repudiada por larga
jurisprudência do STF. É o que se depreende da ementa a seguir colacionada:

EMENTA: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2.


Caráter normativo autônomo e abstrato dos dispositivos impugnados.
Possibilidade de sua submissão ao controle abstrato de constitucionalidade.
Precedentes. 3. ICMS. Guerra fiscal. Artigo 2º da Lei nº 10.689/1993 do
Estado do Paraná. Dispositivo que traduz permissão legal para que o Estado
do Paraná, por meio de seu Poder Executivo, desencadeie a denominada
"guerra fiscal", repelida por larga jurisprudência deste Tribunal. Precedentes.
4. Artigo 50, XXXII e XXXIII, e §§ 36, 37 e 38 do Decreto Estadual nº
5.141/2001. Ausência de convênio interestadual para a concessão de
benefícios fiscais. Violação ao art. 155, § 2º, XII,g, da CF/88. A ausência de
convênio interestadual viola o art. 155, § 2º, s IV, V e VI, da CF. A
Constituição é clara ao vedar aos Estados e ao Distrito Federal a fixação de
alíquotas internas em patamares inferiores àquele instituído pelo Senado para
a alíquota interestadual. Violação ao art. 152 da CF/88, que constitui o
princípio da não-diferenciação ou da uniformidade tributária, que veda aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária
entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou
destino. 5. Medida cautelar deferida. (ADI 3936 MC, Relator Ministro
Gilmar Mendes, DJ de 09.11.2007)21.

Mas o ápice da guerra fiscal foi atingido no início dos anos 2000, quando os
estados passaram a dirigir a sua munição contra os contribuintes sediados em seus próprios

21
No mesmo sentido estão os seguinte julgados da Corte Suprema: ADI 2352 MC/ES, DJ 09.03.2001; ADI 2376
MC/RJ, DJ 04.05.2001; ADI 1179/SP, DJ 19.12.2002; ADI 2377 MC/MG, DJ 07.11.2003; ADI 1308/RS, DJ
04.06.2004; ADI 3246/PA, DJ 01.09.2006; ADI 2320/SC, DJ 16.03.2007.

103
territórios. Gilberto Moreira (2001, p. 237) anuncia que tais entes tributantes passaram a
tomar medidas indiretas para exigir dos contribuintes, que adquiriram mercadorias ou
tomaram serviços das empresas unilateralmente incentivadas, o valor equivalente à vantagem
obtida junto ao estado de origem, limitando o creditamento do imposto relativo às operações
anteriores, em total agressão ao regime jurídico do ICMS, estabelecido pelo Texto Maior.
Tudo o que até aqui foi exposto é suficiente para nos levar à conclusão sobre os
principais fatores que têm propiciado a intensificação da guerra fiscal, instaurada no Brasil.
Para recapitular, vale ressaltar: (i) existência de um sistema federativo extremamente
desigual; (ii) competência estadual do principal imposto sobre o valor agregado na contramão
dos padrões mundialmente adotados; (iii) ICMS como principal fonte de financiamento dos
estados; (iv) falta de políticas nacionais bem delineadas de desenvolvimento regional; (v)
benefícios de forma unilateral, sob diversas modalidades/estruturas, concedidos pelas
unidades federadas e (vi) atuação cada vez mais precária do Confaz, originariamente criado
para garantir a harmonização entre os estados.
Daniel Peixoto (2007, p. 75-76) também elenca mais uma série de fatores que
agrava a guerra fiscal: (i) desequilíbrio entre as diversas regiões e estados quanto à oferta de
mão-de-obra qualificada, infra-estrutura, acesso a insumos e mercados; (ii) apesar dos
mecanismos de harmonização, como leis complementares, resoluções e convênios, o caráter
nacional do ICMS conflita com o seu modo de implementação no Brasil, vez que existem 27
legislações diferentes em âmbito local, o que implica desigualdade na cobrança do tributo,
desequilíbrios concorrenciais entre empresas e insegurança dos contribuintes na definição do
local do investimento; (iii) adoção do princípio da origem, que concentra o impacto fiscal no
estado onde se localiza a empresa, que dará ensejo a operação de saída e (iv) falta de aptidão
do judiciário em dar respostas ao problema, além da lentidão de rito e sobrecarga de processo.
Não podemos olvidar outro importante fator que contribui para a intensificação da
guerra fiscal, qual seja a centralização da Federação brasileira na União, que exerce um papel
de tutora dos estados e municípios, sob o ponto de vista financeiro, já que tem competência
para fiscalizar suas contas e dispor sobre suas receitas (SCAFF, 2005, p. 31). Isso traz
expressivas implicações de ordem política, posto que estados e municípios passam a depender
de transferências voluntárias da União, o que não se ajusta ao modelo do federalismos fiscal
de equilíbrio, idealizado originalmente pela Constituição.

104
5.2 Efeitos macroeconômicos e sociais da guerra fiscal

Um dos principais efeitos atribuídos à guerra fiscal é a reversão verificada, entre


as décadas de 1970 e 1990, da concentração industrial na região metropolitana de São Paulo,
seja para o interior do estado, seja para outras regiões do país. Estudo realizado
conjuntamente pela CNI e Cepal (1997) aponta que umas das principais razões que
determinam a instalação de plantas produtivas em uma determinada unidade federativa é a
concessão de benefícios fiscais. Apesar de não ser tão recente, o estudo é parâmetro para
aferirmos que os incentivos fiscais, desde a década de 1990, mostravam-se importante
instrumento para a atração de investimentos, intensificado nos últimos tempos. Abaixo
Tabela 4, ilustrativa do estudo em comento:

Tabela 4 - Razões para a Instalação de Plantas Produtivas


em Outra Unidade da Federação

Fator % de respostas relevantes


Custo da mão-de-obra 41,5
Benefícios fiscais 57,3
Sindicalismo atuante na região 24,4
Saturação espacial 14,6
Vantagens locacionais específicas 39,0
Proximidade com o mercado 57,3

É inegável que, sob a perspectiva econômica, a busca por menores custos


produtivos é fator que integra a racionalidade dos agentes privados, ressaltando-se que os
custos tributários, de fato, compõem os custos globais de um investimento. Em busca de
maior competitividade, esses agentes visam sempre à redução de seus custos, razão pela qual
neste momento de estabelecida sobrecarga tributária, um dos fatores determinantes na tomada
de decisões para a realização de investimentos em determinado local são os custos tributários.
Porém, deve-se ter em mira que os incentivos governamentais são determinantes para a
localização do empreendimento, mas não para garantir a sua sustentabilidade e rentabilidade.
(CALCIOLARI, 2006, p. 6).
A tendência é que a grande maioria, ou mesmo todos os estados, passe a adotar
instrumentos de incentivos idênticos ou muito similares de modo a se anularem, quando
deixarão de atuar como fator determinante para a decisão locacional. (PIANCASTELLI;
PEROBELLI, 1996, p. 26).
105
Normalmente quando isso acontece os investidores optam pelo estado que
oferecer a melhor infra-estrutura e fonte de mão-de-obra qualificada e de baixo custo, ou seja,
outros fatores passam a ser mais preponderantes para a escolha de determinado local e
instalação do empreendimento. Como os incentivos fiscais reduzem a capacidade financeira
dos estados menos desenvolvidos, certamente estarão em desvantagem competitiva já que não
terão meios para investir em outras áreas que determinem a atração do capital.
Na prática, são diversas as conseqüências desse conflito deflagrado entre os
estados. Dentre elas, destacamos os entraves na circulação de produtos em âmbito nacional,
tanto em relação às importações quanto à circulação interestadual de mercadoria, por
instaurarem e multiplicarem as barreiras alfandegárias e fiscais. Além disso, verifica-se uma
concentração de investimentos nos estados que enfrentam as já ineficazes regras para a
concessão de incentivos, acentuando as desigualdades regionais e prejudicando o
desenvolvimento econômico uniforme em todo o país.
Podemos afirmar com absoluta segurança que a concorrência fiscal é um dos
temas mais preocupantes na contemporaneidade, pelas conseqüências sobre os entes políticos
que, visando à atração de investimentos para os seus territórios, financiam o lucro privado, em
detrimento da qualidade na prestação de seus serviços públicos, criando uma situação de crise
fiscal, totalmente oposta às finalidades que justificaram o deferimento de auxílio aos agentes
econômicos. (ELALI, 2010, p. 33).
Dejalma de Campos (2006) também nos apresenta os efeitos prejudiciais da
guerra fiscal:

Assim não admitimos, porque, como operador do direito, temos plena


convicção da acintosa inconstitucionalidade, aliás muitas vezes já
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que vem contida nas iniciativas
unilaterais dos Estados e do Distrito federal em conceder benesses fiscais
para atrair investimentos . Estamos conscientes de que tais programas de
estímulos representam violenta agressão ao sistema jurídico posto, a par de
que, como cidadãos, somos sabedores dos danos que esses artificialismos
geram às finanças públicas, em prazo mais longo e no contexto
macroeconômico, bem ainda do desequilíbrio injusto e predatório que
trazem para a livre concorrência entre os agentes privados da economia.
(CAMPOS, 2006, p. 134).

No entanto, o lado positivo da guerra fiscal também deve ser reconhecido, como
bem enfatiza o Paulo de Barros Carvalho (2006):

Na multiplicidade de aspectos que podem ser levantados pelo desacordo de


opiniões entre pessoas políticas de direito constitucional interno, dúvidas não

106
há de que se estabeleceu aquilo que chamamos de “guerra fiscal” entre as
unidades da Federação. A expressão assume indisfarçáveis conotações
políticas, mas reflete, também, no campo de sua amplitude semântica, um
plexo de relações jurídicas não conciliadas segundo os princípios da
harmonia que o constituinte de 1988 previu. Aliás, diga-se de passagem, a
“guerra fiscal” tem seu lado positivo, manifestado no empenho que as
entidades tributantes realizam para atrair investimentos, buscando por esse
meio acelerar o desenvolvimento econômico e social, com benefícios
significativos para a Administração e para os administrados. Sobremais,
como tudo há de pautar-se em consonância com as diretrizes do direito
posto, esse confronto de política tributária acaba, muitas vezes, propiciando
o aprofundamento cognoscitivo das legislações vigentes, desencadeando
reformas que aperfeiçoam instituições e aprimoram os mecanismos de
implantação dos tributos. (CARVALHO, 2006, p. 679).

Desse modo, é possível admitir, assim como destaca Ricardo Varsano (1997, p. 8-
10), que os benefícios fiscais podem ser concebidos como uma eliminação marginal de
tributo, em virtude do surgimento de uma nova oportunidade de uso privado de recursos da
sociedade, cujos benefícios sejam superiores aos do uso público a que se destinavam,
podendo, assim, propiciar aumento do bem-estar da sociedade da unidade federada
concedente. Apesar disso, o autor alerta que são raros os casos em que a concessão de um
incentivo estadual se justifica sob o ponto de vista nacional, já que é do governo central a
responsabilidade pelo empreendimento de políticas públicas de desenvolvimento industrial e
regional ou de desconcentração da produção.
Ricardo Calciolari (2006) acredita que esses efeitos positivos são de curto prazo,
sendo que, no longo prazo, são inegavelmente ruins os efeitos da guerra fiscal:

Acerca dos efeitos da guerra fiscal na arrecadação, eles podem até ser
positivos a curto prazo para o ente vitorioso, mas, a longo prazo, são ruins
para toda a Federação. Os entes com alíquotas maiores serão forçados a
baixar suas alíquotas ao patamar dos entes “concorrentes”, sob pena de não
atrair o capital privado, e, aos poucos, as alíquotas dos entes em disputa
estarão no mesmo patamar, agora mais abaixo, apresentando todos eles
menor receita com a competência própria e maior dependência das
transferências intergovernamentais. (CALCIOLARI, 2006, p. 24).

É certo que a guerra fiscal desestabiliza toda a estrutura sobre a qual se assenta a
exigência do ICMS, na medida em que revela falta de harmonia entre as legislações tributárias
das diversas unidades federativas que convivem em um mesmo sistema tributário.
O tema é polêmico, pois, ao mesmo tempo em que são reconhecidas as
desvantagens e efeitos perversos da guerra fiscal, a concessão de incentivos aos agentes
econômicos pode ser útil para compensar desvantagens geográficas, econômicas e sociais

107
experimentadas por alguns entes políticos, que, em condições normais, não seriam atrativos
ao capital privado e financeiro.
Por isso, devem ser estimulados arranjos competitivos saudáveis, e não
predatórios, capazes de, simultaneamente, promover eficiência econômica e satisfação das
necessidades sociais.
Mas, no estágio patológico fiscal que se encontra o Brasil, só mesmo uma
reestruturação completa em toda a sistemática do ICMS será capaz de conter os perversos
efeitos dessa guerra, embora seja este um caminho árido e tortuoso, que poucos governos se
arriscam a trilhar. E mais, com trinta e cinco anos de vigência e declarada impossibilidade de
observância da Lei Complementar n°. 24/1975, por ser absolutamente impraticável, já está
mais do que claro que os estímulos econômicos prevalecem sobre as normas que se prestam a
tentar coibir a guerra fiscal.
Se há efeitos danosos do ponto de vista sócio-econômico, e se há notória sangria
de recursos públicos, qual a razão para o tempo revelar somente o agravamento desse cenário?
Falta vontade política para emplacar uma reforma tributária, que redefina as bases das
operações interestaduais do ICMS? Como é possível recuperar a neutralidade do ICMS,
essencialmente importante na tributação do valor agregado? Enquanto o legislativo não se
movimenta, como o judiciário pode garantir a preservação dos direitos dos contribuintes que
estão sendo fuzilados nesta guerra?
É nesse cenário caótico, permeado de dúvidas e insegurança jurídica, que os
agentes privados lutam pela sobrevivência, no planejamento e na execução de seus negócios e
objetivos empresariais.

5.3 A glosa de créditos de ICMS como efeito da guerra fiscal

A legislação estadual de várias unidades federativas do país tem vedado o


aproveitamento do crédito do imposto que corresponder à vantagem econômica decorrente de
qualquer tipo de benefício fiscal, ainda que destacado em nota fiscal, concedido pelo estado
de origem da mercadoria sem a chancela do Confaz. Este é um dos mais perversos efeitos da
guerra fiscal, pois se trata de reação que atinge terceiro/contribuinte, na maioria das vezes,
sem conhecimento de que a mercadoria adquirida é incentivada na origem.
Os normativos editados pelos estados relativos à glosa de créditos de ICMS,
normalmente, invocam seu fundamento de validade na própria Constituição Federal,

108
notadamente no inciso I do § 2º do art. 155, que preconiza o princípio da não-cumulatividade,
e na g do inciso XII do § 2º do art. 155, que dispõe caber à lei complementar regular a forma
como, mediante deliberação dos estados e do distrito federal, isenções, incentivos e benefícios
fiscais serão concedidos e revogados. Por isso, os mencionados normativos sustentam ainda a
validade de suas prescrições nos comandos da Lei Complementar nº. 24/1975, que diz ser
obrigatória a celebração e ratificação de convênios para a concessão ou revogação de
isenções, incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, de que resulte redução ou
eliminação, direta ou indireta, do ônus do ICMS.
A conseqüência prática disso é que, verificada a concessão unilateral de favores
fiscais pelo estado de origem, isto é, sem amparo em convênio firmado entre todas as
unidades federativas, o estado de destino poderá não só glosar eventuais créditos de ICMS
apropriados pelo contribuinte adquirente sediado em seu território, como, também, exigir o
valor respectivo acrescido de multas e juros.
Para ilustrarmos tal problemática, imaginemos a hipótese de um distribuidor
sediado no Estado de Minas Gerais, que adquire produtos de um fornecedor sediado no
Estado da Bahia. O último concede benefício de redução de base de cálculo em 40% para as
operações de venda de suas mercadorias realizadas por contribuintes baianos, sejam as saídas
internas ou interestaduais. Graficamente, esta operação dar-se-ia da seguinte forma:

Quadro 3 – Exemplo Fictício de uma Operação Interestadual

Fornecedor baiano Distribuidor mineiro


- Preço de venda: R$ 100,00 - Preço de venda: R$ 120,00
- Base de cálculo reduzida (40%): R$ 60,00 - Base de cálculo: R$ 120,00
- Alíquota (operação interestadual): 12% - Alíquota (operação interna): 18%
- ICMS incidente: R$ 12,00 - ICMS incidente: R$ 21,60
- ICMS recolhido: R$ 7,20 - Crédito do ICMS incidente sobre as
operações anteriores: R$ 12,00
- ICMS recolhido: R$ 9,60

Ocorre que o Estado de Minas Gerais, julgando, a seu exclusivo talante, que o
Estado da Bahia teria concedido o benefício de redução de base de cálculo para as
mercadorias envolvidas na operação em desacordo com a legislação de regência do ICMS,
veda o aproveitamento pelo seu contribuinte, o distribuidor mineiro, do imposto destacado na
nota fiscal de aquisição dos produtos e exige o estorno do crédito da seguinte forma:

109
Quadro 4 – Exemplo Fictício da Forma como se Operacionaliza
a Glosa de Créditos de ICMS

Glosa de créditos de ICMS pelo estado de destino (MG)


- Crédito de ICMS utilizado pelo distribuidor mineiro: R$ 12,00
- Crédito admitido pelo Estado de Minas Gerais: R$ 7,20 (valor efetivamente recolhido
pelo fornecedor baiano)
- ICMS devido pelo distribuidor mineiro: R$ 14,40
- ICMS recolhido pelo distribuidor mineiro: R$ 9,60
- Estorno de crédito: R$ 4,80

O Estado de Minas Gerais parte de uma equivocada presunção de que o estímulo


fiscal usufruído pelo fornecedor baiano também favoreceu o distribuidor mineiro, na medida
em que comprou mercadorias a um preço reduzido, pois teria lhe sido repassada a
desoneração tributária concedida pelo Estado da Bahia.
Todavia, muito pelo contrário, o distribuidor mineiro que, sequer tinha
conhecimento do incentivo fiscal concedido pelo Estado da Bahia ao seu fornecedor, terá que
amargar o prejuízo de R$ 4,80 nessa operação, acrescido ainda de juros e multa, e não terá
nem mesmo condições de repassar tal ônus para o preço das mercadorias, já vendidas aos seus
clientes.
Portanto, nasce uma nova obrigação tributária para o contribuinte mineiro, que é
absolutamente surpreendido com o severo impacto que tal fato ocasiona ao seu negócio,
reduzindo drasticamente suas margens de lucro, implicando considerável perda de
competitividade. Com isso, o ICMS que é um imposto plurifásico, estruturado para ser
suportado somente pelo consumidor final, passa a ser suportado pelo contribuinte de direito,
isto é, pelos agentes intermediários da cadeia produtiva, fazendo letra morta do princípio da
não-cumulatividade positivado na Constituição Federal.
No exemplo fictício em exame, o distribuidor mineiro exigiu a nota fiscal da sua
compra interestadual, conforme impõe a legislação, e se creditou do imposto que efetivamente
suportou em tal operação. Como exigir que esse contribuinte avalie e julgue os potenciais
benefícios fiscais concedidos por seu fornecedor em outro estado e jurisdição para apuração
de possível ofensa à legislação do ICMS? Isto não parece ser razoável, até porque esta função
é do próprio estado e, em hipótese alguma, do contribuinte, que sequer tem legitimidade para
tanto. E a situação se torna ainda mais grave e caótica se esse contribuinte realizar compras de
diversos fornecedores sediados em diferentes unidades federativas. Como acompanhar a

110
legislação e atos concessivos de todos os estados? Ainda que isto fosse possível, seria um
ônus, desprovido de qualquer proporção, imputado aos contribuintes.
Osvaldo de Carvalho (2006) comenta sobre o problema gerado pela glosa de
créditos de ICMS utilizados pelo adquirente de mercadorias incentivadas no estado de origem,
ressaltando a intensa insegurança jurídica vivida pelo contribuinte do estado de destino, já que
não é possível ter conhecimento sobre os benefícios de que goza o seu fornecedor:

Somente para ilustrar, imaginemos uma grande rede varejista que adquire
todos os dias milhares de itens de mercadorias, realizando centenas de
milhares de operações mercantis mensais. É praticamente impossível, ainda
que com o avanço da cibernética, controlar todas as operações de entrada de
mercadoria ou prestação de serviços que estejam escoimadas em benefícios
fiscais irregulares, mesmo porque, nos documentos fiscais dificilmente
constam aquelas operações ou prestações lastreadas em benefícios fiscais
obtidos pelos remetentes das mercadorias. (CARVALHO, 2006, p. 87)

Num cenário de guerra fiscal, as armas que deveriam estar apontadas para as
unidades federadas que concedem incentivos em desacordo com a Constituição Federal, na
verdade, acabam se voltando para o contribuinte sediado no estado de destino, que acreditava
estar cumprindo leis válidas.
Merece destaque o magistério de José Eduardo Soares de Melo (2007), para quem
a situação verificada no estado destinatário abrange, única e exclusivamente, o fisco da
respectiva região e o contribuinte a que se encontra jurisdicionado, no que diz respeito à
apropriação do crédito do ICMS, decorrente de legítima operação amparada em nota fiscal,
contendo todos os elementos do negócio mercantil, como a identificação de comprador e
vendedor, descrição das mercadorias, preço e valor do imposto. O festejado autor sustenta
ainda que:

Ademais, o adquirente das mercadorias situado em outra unidade federativa,


tendo amparo documental contendo todos os elementos do negócio
mercantil, não tem a obrigação de pesquisar a respeito da situação tributária
do vendedor das mercadorias, indagando sobre a concessão de incentivos, e
eventual medida judicial que tenha sido interposta para suspender a sua
eficácia, etc. (MELO, 2007, p. 235-239).

Outro problema tem sido verificado na prática. De modo equivocado os estados


também estão equiparando quaisquer benefícios fiscais às hipóteses de isenção e não
incidência, e vedando o abatimento de créditos constitucionalmente garantidos aos
contribuintes. No exemplo anterior, o benefício fiscal concedido pelo Estado da Bahia, uma

111
redução de base de cálculo do imposto, é absolutamente diverso das espécies exonerativas de
isenção e não-incidência, como vimos no terceiro capítulo. Portanto, não poderia o princípio
da não-cumulatividade ser suprimido, por não se tratar de exceção constitucionalmente
prevista.
Assim, os contribuintes destinatários de mercadorias oriundas de outras unidades
federadas têm vivenciado um dilema preocupante: (i) se comprarem mercadorias de outros
estados correrão o risco de se sujeitarem à fiscalização, autuação, imposição de penalidades,
sanções políticas e, até mesmo, representação criminal, já que não têm condições de garantir
que seu fornecedor é, ou não, beneficiário de algum tipo de privilégio fiscal; (ii) por outro
lado, se deixarem de comprar mercadorias de fornecedores sediados em outros estados, terão
sérios problemas em suas atividades operacionais, podendo perder mercado, receita, e ter seu
negócio inviabilizado, além de causar problemas de abastecimento local ou regional.
Há, como podemos ver, uma restrição direta à liberdade das empresas e notória
agressão ao primado da livre iniciativa e, como se não bastasse, um aumento indireto de carga
tributária.

5.3.1 Manifestações fazendárias restritivas ao aproveitamento de créditos de ICMS

Os estados-membros têm adotado procedimentos diversos, ao arrepio dos mais


caros princípios constitucionais, no sentido de restringir o direito ao aproveitamento de
créditos de ICMS pelos contribuintes sediados nesses estados, que adquiram mercadorias, de
fabricantes ou importadores titulares de incentivos fiscais concedidos pelos estados de origem
das mercadorias.
Neste trabalho será dada maior ênfase à legislação restritiva dos Estados de Minas
Gerais e São Paulo. Todavia, neste tópico far-se-á uma rápida abordagem das principais
normas expedidas em diversas unidades federativas pelos entes políticos, o que evidencia a
generalização de um sério problema nacional.
Começando pelo Estado do Paraná, que editou o Decreto n°. 2.183 de 26.11.2003,
segundo o qual o crédito do ICMS correspondente à entrada de mercadoria ou bem remetido a
estabelecimento localizado em território paranaense, por estabelecimento que se beneficie de
incentivos fiscais indicados no Anexo Único, será admitido na mesma proporção em que o
imposto venha sendo efetivamente recolhido à unidade federada de origem na conformidade
do referido anexo. Aludido diploma normativo veda o aproveitamento do crédito,

112
relativamente à parcela do ICMS, dispensada mediante redução na base de cálculo na unidade
federada de origem da mercadoria, quando concedido o benefício sem amparo em convênio
celebrado no âmbito do Confaz.
São vários os argumentos utilizados pelo Estado do Paraná para fundamentar sua
prática. Além de todos os fundamentos de praxe já mencionados alhures, destacamos ainda os
seguintes: (i) a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS de forma unilateral a um
contribuinte ou aos contribuintes de determinado segmento econômico de uma unidade
federada retira a neutralidade que o imposto deve ter no sentido de não interferência nas
regras de mercado; (ii) os contribuintes não alcançados por benefício fiscal dessa ordem
concorrem em desigualdade contra vantagens financeiras, impossibilitando o
desenvolvimento regular de suas atividades econômicas; (iii) a concorrência predatória
prejudica a receita do estado e, em conseqüência, a população mais carente, a mais
dependente da atividade estatal.
No Estado do Ceará foi instituída a Instrução Normativa n°. 32 de 29.12.2003, por
meio da qual o crédito de ICMS correspondente à entrada, a qualquer título, de mercadoria em
estabelecimento localizado em território cearense, por estabelecimento que seja usuário de
benefício fiscal concedido sem amparo em convênio celebrado no âmbito do Confaz só será
admitido na mesma proporção em que o imposto tenha sito efetivamente recolhido à unidade
da Federação de origem. A norma prevê que a autoridade administrativa que, no exercício de
suas atividades, verificar a apropriação, por contribuintes desse estado, de créditos tributários
em desacordo com o artigo anterior, deverá emitir notificação para estorno de crédito,
podendo ser lavrado o competente auto de infração, acusando o creditamento indevido
registrado em conta gráfica.
Da mesma forma, o Estado do Rio de Janeiro vedou a apropriação de crédito de
ICMS, por meio do Decreto n°. 39.855 de 5.09.2006, dispondo expressamente que:

Não se considera cobrado o montante do imposto, ainda que destacado em


documento fiscal, que corresponder à vantagem econômica decorrente da
concessão de qualquer subsídio, redução de base de cálculo, crédito
presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o
disposto na alínea g do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição
Federal.

Nos termos do aludido diploma normativo, na hipótese de ser verificado pelas


autoridades fiscais que a mercadoria é objeto de benefício fiscal, será aposto no documento
acobertador, a título de esclarecimento ao destinatário, a informação sobre a vedação ao
113
creditamento do ICMS ou da parcela que teria autorização para se creditar. Porém, a falta de
tal informação no documento acobertador não autoriza o destinatário a se creditar do ICMS
destacado em desacordo com os preceitos do decreto fluminense.
O Quadro 5 abaixo ilustra a realidade de que diversos estados da Federação já
trataram de positivar normas22 restritivas de direitos creditórios com supedâneo na Lei
Complementar n°. 24/1975, o que vem limitando as operações dos contribuintes,
principalmente daqueles com atuação nacional ou sediados em um desses territórios. Confira-
se:

Quadro 5 – Manifestações Fazendárias Restritivas


de Direitos Creditórios de ICMS

Estado Legislação
CE Instrução Normativa n°. 32 de 29.12.2003
DF Lei n°. 1.254 de 08.11.1996 (art. 4º)
MA Portaria n°. 523 de 29.12.2009
MT Decreto n°. 4.540 de 02.12.2004
MS Resolução n°. 1.741 de 25.03.2004
MG Resolução n°. 3.166 de 11.07.2001
PR Decreto n°. 2.183 de 26.11.2003
PI RICMS – Decreto n°. 13.500 de 23.12.2008 (art. 68)
RJ Decreto n°. 39.855 de 05.09.2006
SP Comunicado CAT n°. 36 de 29.07.2004

É nesse contexto de generalizada guerra fiscal que os estados, como forma de se


defender dos impactos da concessão unilateral de benefícios fiscais por unidade federativa
diversa, em ato de reprovável autotutela, glosam créditos dos contribuintes estabelecidos em
seus territórios, um meio de embargo econômico escancarado entre os entes políticos.

5.3.2 Resolução n°. 3.166/2001 do Estado de Minas Gerais

O Governo do Estado de Minas Gerais publicou a Resolução n°. 3.166 de 11 de


julho de 2001, proibindo os contribuintes de se apropriarem de créditos de ICMS nas entradas
decorrentes de operações interestaduais de mercadorias, cujos remetentes estivessem se
beneficiam de incentivos fiscais concedidos em desacordo com a legislação de regência do

22
Este mapeamento é meramente ilustrativo, pois como se sabe, a legislação tributária no país sofre constantes e
rápidas alterações. O objetivo é tão-somente o de demonstrar que não estamos diante de uma prática isolada,
mas, sim, adotada por grande parte dos entes federativos, o que torna evidente a necessidade de atenção para o
problema, principalmente por parte do judiciário.

114
imposto, conforme indicação constante do seu Anexo Único. É o que prevê o diploma
normativo em exame:

Art. 1º - O crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de


Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) correspondente à entrada de
mercadoria remetida a estabelecimento localizado em território mineiro, a
qualquer título, por estabelecimento que se beneficie de incentivos indicados
no Anexo Único, será admitido na mesma proporção em que o imposto
venha sendo efetivamente recolhido à unidade da Federação de origem, na
conformidade do referido Anexo.
Parágrafo único - O crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de
mercadoria oriunda de outra unidade da Federação somente será admitido,
ou deduzido para os efeitos do Micro Gerais, na conformidade do disposto
no caput, ainda que as operações estejam beneficiadas por incentivos
decorrentes de atos normativos não listados no Anexo Único desta
Resolução.
Art. 2º - Fica vedado o aproveitamento de quaisquer créditos relativos a
operações beneficiadas com reduções de base de cálculo em sua origem sem
amparo em convênios celebrados no âmbito do Conselho Nacional de
Política Fazendária (Confaz).
Art. 3º - Quando da verificação fiscal de mercadorias objeto dos benefícios
fiscais citados nos artigos anteriores, a fiscalização aporá, no documento
acobertador, a título de esclarecimento ao destinatário, a informação,
conforme o caso, da vedação ao creditamento do Imposto relativo à operação
e/ou da parcela que este está autorizado a se creditar ou a deduzir para os
efeitos do Micro Gerais.
Parágrafo único - A falta no documento acobertador da informação prevista
neste artigo não autoriza o destinatário a se creditar ou se deduzir do ICMS
destacado em desacordo com os preceitos desta Resolução.

A Resolução n°. 3.166/2001 enumera de modo genérico, sem especificar o


fabricante, tampouco o tipo detalhado do produto, os benefícios que o Estado de Minas Gerais
considera ilegais ou inconstitucionais, o que a torna uma norma incompleta, autoritária, e
como se verá nos capítulos subseqüentes, inconstitucional.
Não acreditamos que se possa imputar ao contribuinte o dever de conhecer as
regras editadas por todos os entes federativos. É impossível que o contribuinte adquirente
investigue, a cada operação, a existência de benefícios fiscais na origem, muitas vezes
concedidos mediante regimes especiais, sem divulgação oficial e sem determinação de
consignação do benefício no documento fiscal entregue ao adquirente. A previsibilidade do
montante do crédito se dá, não com base na legislação do estado de origem, mas sim com
supedâneo em norma de superior hierarquia, qual seja a Resolução n°. 22/89 do Senado
Federal, bem como no ICMS destacado nas próprias notas fiscais de entrada.

115
A norma em questão não pode anular uma operação comercial interestadual
regular, em decorrência de um potencial vício no tratamento aplicável apenas ao exercício do
direito de crédito pelo adquirente de mercadorias, incentivadas pelo estado de origem, visto
que uma eventual declaração de inconstitucionalidade pelo STF se voltaria unicamente ao
benefício fiscal instituído.
Sacha Calmon e Eduardo Maneira (2005), convencidos de que o prejuízo da
inércia do Estado de Minas Gerais em impugnar judicialmente os atos unilaterais concessivos
de incentivos fiscais pelos entes federativos deve ser suportado exclusivamente pelos cofres
públicos mineiros, não podendo jamais ser transferidos aos contribuintes, sustentam que:

a) Somente ao Estado compete discordar ou anuir, deliberar ou concordar,


renunciar ou rejeitar a renúncia tributária alheia, em matéria de isenções,
incentivos ou benefícios fiscais de ICMS;
b) Portanto somente ao Estado, que tem assento no CONFAZ, cabe a
responsabilidade pela condução da política tributária, o conhecimento
dessa política e o desencadeamento de seus efeitos;
c) O contribuinte deve exercer o direito ao creditamento do ICMS, relativo
a suas aquisições de forma necessitada, e tem o direito,
constitucionalmente garantido, de não suportar economicamente o
imposto.
d) Se o valor do imposto relativo à entrada da mercadoria está estampado
em nota fiscal de compra, supõe-se que tenha sido suportado pelo
contribuinte adquirente e o benefício concedido (mesmo de forma
irregular) resulta em vantagem para o estabelecimento remetente, não
para o estabelecimento recebedor da mercadoria. (COÊLHO;
MANEIRA, 2005, p. 13).

Essa resolução traz sérios prejuízos para os contribuintes mineiros, dentre eles
elencamos os seguintes: (a) perda de competitividade, visto que, ao efetuarem o estorno de
crédito de ICMS, os preços das mercadorias são proporcionalmente majorados em
comparação aos preços adotados pelos contribuintes de outros estados, que não restringem a
apropriação do crédito de ICMS; (b) elevados custos de gestão dos sistemas de faturamento
das empresas para atualização das constantes alterações da norma e para parametrização das
novas regras fiscais, principalmente para os contribuintes que comercializam um grande
volume de produtos; (c) impacto tributário dos ajustes na conta gráfica para implementar o
estorno do crédito nos casos de aplicação retroativa da norma, prejudicando os resultados
operacionais das empresas, na medida em que esses custos não mais podem ser repassados no
preço aos seus clientes, ressaltando-se ainda o risco de exposição a autuações fiscais.

116
5.3.3 Comunicado CAT n°. 36/2004 do Estado de São Paulo

No Estado de São Paulo, o Comunicado da Coordenação da Administração


Tributária - CAT n°. 36/2004, assim como a Resolução n°. 3.166/2001, a pretexto de
esclarecer o contribuinte paulista e orientar a fiscalização, vedou de forma expressa o
aproveitamento de créditos de ICMS provenientes de operações ou prestações amparadas por
benefícios fiscais de ICMS não autorizados por convênio celebrado nos termos da LC n°.
24/75. Eis o seu conteúdo:

1 - O crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de


Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, correspondente à entrada de
mercadoria remetida ou de serviço prestado a estabelecimento localizado em
território paulista, por estabelecimento localizado em outra unidade federada
que se beneficie com incentivos fiscais indicados nos ANEXOS I e II
deste comunicado, somente será admitido até o montante em que o imposto
tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem;
2 - o crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou
recebimento de serviço com origem em outra unidade federada somente será
admitido ou deduzido, na conformidade do disposto no item 1, ainda que as
operações ou prestações estejam beneficiadas por incentivos decorrentes de
atos normativos não listados expressamente nos ANEXOS I e II .

Tal Comunicado faz menção aos seguintes dispositivos legais: art. 155, § 2°, I e
XII, g, bem como ao art. 170, IV da CF/88; arts. 1° ao 8° da LC n°. 24/75 e ao § 3° do art. 36
da Lei Estadual n°. 6.374/1989. Ocorre que tais comandos prescritivos são imprestáveis para
fundamentar a validade do normativo em exame.
O art. 155 § 2°, XII, g da CF/88 trata apenas de incentivos fiscais e não
financeiros, de modo que cabe aqui uma verificação sobre o tipo de incentivo que estaria
sendo objeto de presunção de invalidade pelo Estado de São Paulo. O art. 155, § 2°, I da
CF/88 é genérico e não trata especificamente da glosa unilateral de créditos de ICMS,
informando apenas o modo da arrecadação do tributo. Os arts. 1° ao 8° da LC n°. 24/75 e o §
3° do art. 36 da Lei Estadual n°. 6.374/1989 referem-se aos incentivos fiscais e, também, aos
financeiros. Porém, como a Constituição Federal de 1988 tratou apenas de incentivos fiscais,
tais diplomas normativos não teriam sido recepcionados quanto aos incentivos financeiros.
(MARTINS, 2005, p. 142-143).
Resta-nos evidente, que este indigitado comunicado é mero ato administrativo
eivado de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, posto tratar-se da glosa, pelo Estado

117
de São Paulo, de incentivos financeiros concedidos por outras unidades federadas. Demais
disso, ato administrativo que é, só poderia regulamentar o conteúdo já prescrito em lei, sendo-
lhe defeso extravasar ou reduzir a sua eficácia e, principalmente, mitigar ou minimizar a
eficácia de outras leis fundadas na Constituição, emanadas dos demais estados.
Dejalma Campos (2006) é contrário à restrição trazida pelo aludido comunicado:

Somos da opinião que a circunstância de que um estímulo tributário deferido


à uma empresa localizada fora do Estado de São Paulo à margem do sistema
jurídico, não pode ter como conseqüência a restrição ao direito ao crédito do
ICMS debitado no documento fiscal e pago pelo adquirente da mercadoria
ou tomador do serviço, isto sob pena de se fazer letra morta a norma
constitucional maior da não-cumulatividade do tributo, posta no art. 155, I,
da Carta Política de 88, com as exceções estampadas no II do mesmo artigo.
(CAMPOS, 2006, p. 135).

Como se depreende do Anexo I do Comunicado CAT n°. 36/2004, o Estado de


São Paulo ingressou com diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, em face de várias
legislações de diversos estados e distrito federal. Isto torna evidente a contradição do referido
normativo, que, ao mesmo tempo em que busca a tutela jurisdicional, como preconiza a
Constituição Federal, por outro lado, trata de invalidar automática e unilateralmente, os
créditos do ICMS dos contribuintes sediados em São Paulo, pagos a fornecedores em outras
unidades federadas, antes mesmo da norma instituidora do incentivo fiscal ser expurgada do
ordenamento jurídico pela via competente. (CAMPOS, 2006, p. 135). O Anexo II traz uma
lista meramente exemplificativa dos demais benefícios fiscais sujeitos à glosa de crédito.
O Estado do Amazonas ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade n°.
3.350, em face do disposto no item 1.1 do Anexo II do Comunicado CAT n°. 36/2004,
postulando ainda a não incidência da previsão contida no seu item dois, quanto aos créditos
originários do Amazonas, tendo sido argüida a sua inconstitucionalidade, formal e material. O
STF, erroneamente, a nosso ver, decidiu que o Comunicado CAT n°. 36/2004 constitui-se em
mero ato administrativo, despido de normatividade, cujo seu fundamento de validade pauta-se
no § 3° do art. 36 da Lei Estadual Paulista n°. 6.374/89, não podendo, portanto, se submeter à
fiscalização abstrata de sua constitucionalidade, conforme a já consolidada jurisprudência da
Suprema Corte23.
O que mais nos impressiona na postura do Estado de São Paulo, é o seu teto de
vidro, vez que, ao mesmo tempo em que critica severamente a política de incentivos fiscais
dos demais entes políticos, lança mão de estímulos de toda sorte. A título de exemplo, citamos

23
ADI 3350 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, DJ 31.10.2008.

118
o caso do incentivo para as indústrias de informática e automação locais, concernente à
possibilidade de crédito de 50% do ICMS, instituído por meio do Decreto n°. 33.656 de 16 de
abril de 1993, sem qualquer consulta ao Confaz. Tal normativo foi objeto da ADI n° 902/SP,
movida pelo Estado do Paraná. Deferido pedido de liminar24 para afastar a sua aplicação, a
referida legislação acabou revogada pelo Estado de São Paulo, o que implicou na perda do
objeto da ADI.
Como podemos notar, o Estado de São Paulo já aderiu à disputa fiscal, não se
admitindo o argumento de que estaria exercendo, tão-somente, uma estratégia preventiva e de
proteção. Não pode haver dois pesos e duas medidas; se o estado concede favores fiscais à
revelia do Confaz, não pode empreender a glosa de créditos sob o mesmo argumento.
Por certo que não poderia ser mais confortável a posição acusatória do Estado de
São Paulo em relação aos demais entes que concedem incentivos fiscais, haja vista ser ele
detentor de grande hegemonia industrial no cenário nacional, cujo sucesso em todo o processo
de sua formação econômica, baseou-se em benefícios orçamentários, financeiros e, porque
não, tributários, que inegavelmente privilegiaram a sua região, em detrimento de outras no
país.

24
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PERTINÊNCIA. Tratando-se de impugnação de ato
normativo de Estado diverso daquele governado pelo requerente, impõe-se a demonstração do requisito
"pertinência". Isto ocorre quanto ao Decreto n°. 33.656, de 16 de abril de 1993, do Estado de São Paulo, no que
se previu o crédito de cinquenta por cento do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
devido em operações ligadas aos produtos finais do sistema eletrônico de processamento de dados. O interesse
dos Estados mostrou-se conducente a reserva a lei complementar da disciplina da matéria e esta cogita da
necessidade de convênio - Lei Complementar n°. 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela Carta de 1988 -
artigo 34, par. 8., do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Liminar concedida. (ADI 902 MC,
Relator: Min. Marco Aurélio, DJ 22.04.1994).

119
6 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À GLOSA DE CRÉDITOS DE ICMS

6.1 Fixando as primeiras premissas

Esta pesquisa tem por principal objetivo responder a uma questão de difícil
enfrentamento: são constitucionais as normas e medidas restritivas ao direito de
aproveitamento de crédito de ICMS pelo contribuinte, adquirente de mercadorias em
operações interestaduais, cujos remetentes sejam beneficiários de incentivos fiscais
concedidos em desacordo com a legislação tributária?
Antes de se adentrar ao problema, é preciso colocar em evidência as premissas
iniciais que puderam ser fixadas ao longo deste estudo. Tratam-se das proposições que
servirão de base para as conclusões que pretendemos chegar neste capítulo. São elas:
Primeira premissa: a expressão cobrado prevista no art. 155, § 2°, I da CF/88
significa incidido e não pago. Portanto, o contribuinte adquirente de mercadorias poderá se
creditar do montante de todo o imposto que incidiu nas operações anteriores.
Segunda premissa: o princípio da não-cumulatividade só comporta duas hipóteses
restritivas constitucionalmente previstas, a isenção e a não-incidência, irredutível por normas
infra-constitucionais.
Terceira premissa: as unidades federativas são plenamente competentes para
conceder benefícios fiscais como conseqüência da própria autonomia financeira de que são
dotadas, característica essencial da Federação brasileira. A concessão de incentivos fiscais
pode, ou não, violar o princípio da neutralidade tributária, o que dependerá da análise do caso
concreto, já que as benesses, em muitos casos, se destinam a preservar valores gravados na
própria Carta Suprema.
Quarta premissa: existem expressivas diferenças entre os favores concedidos
pelos entes políticos, não podendo os benefícios fiscais ser equiparados aos benefícios
financeiros, já que aqueles são concedidos antes do pagamento dos tributos e estes após o
adimplemento da obrigação tributária pelo contribuinte. De igual forma, no âmbito dos
benefícios fiscais, existem diversos tipos exonerativos, cada um com sua particularidade, que
não podem ser colocados pelo legislador ou aplicador do direito em uma mesma vala comum.
É o caso, por exemplo, das isenções parciais que equiparam-se a redução de base de cálculo
ou de alíquota, mas que não se confundem com a isenção total. Portanto, para se concluir pela
possibilidade, ou não, do creditamento do ICMS em relação às aquisições de mercadorias
incentivadas na origem, é preciso identificar exatamente o tipo exonerativo em voga, para
avaliar se se está, ou não, diante de uma exceção ao princípio da não-cumulatividade.
Quinta premissa: para que a norma concessiva de algum benefício fiscal seja
legítima devem ser observados alguns requisitos, de forma cumulativa: (i) requisitos
genéricos: legalidade, agente competente e isonomia; (ii) requisitos específicos: alíquotas
fixadas pelo Senado Federal, regras impostas pela Lei Complementar n°. 24/75,
especialmente a aprovação do benefício pela unanimidade dos membros do Confaz; (iii)
requisitos orçamentários, isto é, observância dos comandos da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Se quaisquer desses requisitos não forem observados, a norma concessiva deverá ser
considerada inconstitucional, não antes da manifestação pelo órgão competente do Poder
Judiciário.
Sexta Premissa: a Lei Complementar n°. 24/75 foi recepcionada pela atual
Constituição Federal somente em relação aos incentivos fiscais, mas não quanto ao
disciplinamento da forma de concessão e revogação de incentivos financeiros ou outros
privilégios que não importem em redução de carga tributária.
É claro que todas essas premissas foram fixadas a partir dos elementos
interpretativos e critérios metodológicos utilizados na pesquisa, sendo certo que em torno de
todas elas gravitam inúmeras controvérsias, tanto no âmbito doutrinário como no
jurisprudencial, razão máxima deste assunto ainda carecer de maior aprofundamento teórico e
debate científico. Por certo, são mesmo as divergências de opinião que motivarão outras
reflexões sobre o tema, propiciando o amadurecimento do conhecimento e a manutenção da
chama viva de novas idéias.

6.2 Limites constitucionais a glosa de créditos de ICMS

Considerando que a Constituição Federal disciplina o perfil de tributação no


Brasil e as rígidas regras relativas à delimitação da competência legislativa tributária,
qualquer estudo jurídico–tributário que pretenda seguir um rigor metodológico,
necessariamente, deve obedecer aos preceitos constitucionais.

121
O verdadeiro vetor da tributação é a Constituição, fundamento de validade para
outras normas e de caráter imperativo, deve ser observada não só pelo legislador, como,
também pelos intérpretes e aplicadores do direito.
Nenhum ato jurídico ou manifestação de vontade pode subsistir validamente
quando incompatível com a Constituição. Para Alexandre Macedo Tavares (2008, p. 7), o
princípio da supremacia constitucional deve ser o primeiro a ser observado pelo intérprete,
sob o ponto de vista lógico e cronológico, na exegese da Norma Fundamental.
É por isto que os sistemas de controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos adotados pelo ordenamento jurídico pátrio têm expressiva relevância no sentido
de garantir proteção, harmonia e independência dos poderes constituídos, bem como
autonomia das pessoas políticas de direito público, no exercício das atribuições que lhes
foram constitucionalmente outorgadas.
A aplicação da lei deve ser sempre precedida de uma análise interpretativa que
jamais pode se desvirtuar dos caminhos ditados pelo texto constitucional. Somente a partir da
interpretação, assim entendida como atividade que busca extrair o conteúdo, o alcance e o
sentido de uma determinada norma jurídica pode-se aplicar a lei ao caso concreto. (BASTOS;
PFLUGG, 2005, p. 154).
Mas, por mais que as normas constitucionais sejam dotadas de alto grau de
abstração e generalidade, esta atividade não é absoluta e sem limites, pois existem amarras
que delimitam o campo de atuação do intérprete, que não pode extrapolar a expressão literal
da norma interpretada, tampouco a vontade legis, sob pena de atuar como legislador positivo e
criar nova norma jurídica, ao invés de cumprir o seu mister, o de, essencialmente, descobrir o
sentido da norma constitucional interpretada. (IBID., p. 163-164).
São exatamente estes freios que, limitam os excessos do Poder Executivo no
exercício do poder ativo de tributar, em prol da preservação das garantias e direitos
individuais dos contribuintes. Foi com este propósito que a Constituição Federal de 1988
criou os instrumentos necessários para impor tais limitações, que, se não observadas,
culminarão, como há muito já advertia o mestre dos mestres, Aliomar Baleeiro (1997, p. 38),
na não-efetivação dos preceitos constitucionais, na deseducação dos órgãos públicos ou na
quebra de princípios fundamentais.
Sendo assim, neste capítulo serão apresentadas as limitações constitucionais ao
poder de tributar, in casu, que se impõem à prática adotada pelas administrações fazendárias,
que glosam créditos de ICMS nas aquisições interestaduais incentivadas, que a mais grave

122
conseqüência para os contribuintes sediados em seus territórios, é a majoração da carga
tributária, de forma inconstitucional. As respostas a serem dadas pelo Poder Judiciário a este
problema já estão na própria Carta Política, sendo que, para encontrá-las, não seria sequer
necessário empreender uma visão sistêmica e estrutural do Direito.

6.2.1 Usurpação da competência do STF para declarar a inconstitucionalidade de


normas concessivas de benefícios fiscais

6.2.1.1 A presunção de validade das normas jurídicas

Inúmeros casos em que se verifica a glosa de créditos de ICMS, os estados que se


sentem prejudicados pela concessão de benefícios fiscais por outras unidades federadas, em
ato de verdadeira autotutela, simplesmente acusam e declaram a inconstitucionalidade de leis
editadas por aqueles últimos, sem antes impugná-las, por meio da competente ação direta de
inconstitucionalidade.
Contudo, esquecem-se de que os contribuintes partem da mais legítima presunção
de validade da norma que concedeu os privilégios tributários. Imaginem se os cidadãos não
mais puderem acreditar válidas as normas jurídicas postas! Certamente essa situação irá
desencadear um alarmante estado de absoluta incerteza, instabilidade e insegurança jurídica,
incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Luiz Antonio Rizzatto Nunes (2001, p. 5) afirma que a validade pode referir-se a
um dos seguintes aspectos: (i) aspecto técnico-jurídico ou formal e (ii) aspecto da
legitimidade. Pelo primeiro aspecto, assevera ser a norma jurídica válida por ter sido criada
segundo os critérios já estabelecidos no sistema jurídico. Quanto ao segundo aspecto, pautado
em fundamento axiológico, considera que a sua incidência ética seria a condição para
legitimar a norma jurídica, tornando-a válida.
Entendemos que, para ser considerada válida, basta que a norma esteja inserida
dentro de um dado sistema jurídico e tenha sido criada por processo legislativo legítimo e por
agente competente, observando-se, assim, os requisitos técnicos e formais para sua a
positivação.
Paulo de Barros Carvalho (2006) acredita que a validade não pode ser entendida
como predicado da norma jurídica; Ao contrário, revela uma relação de pertinência entre a
proposição normativa e o sistema jurídico. É o que nos ensina o professor:

123
O conceito de “validade” pode ser construído a partir da própria definição de
direito positivo. Sendo este o conjunto das normas jurídicas válidas, em
determinadas coordenadas de tempo e de espaço, toda proposição normativa
integrante do ordenamento jurídico apresentará validade. Ser norma válida,
portanto, quer significar que esta mantém relação de pertinencialidade com
um determinado sistema, sendo a validade o vínculo que se estabelece entre
a norma jurídica e o sistema do direito posto. A afirmação de que uma norma
“N” é validade significa que pertence ao sistema “S. A validade não é, pois,
um atributo que qualifica a norma jurídica, mas a relação de sua pertinência
com determinado sistema jurídico. (CARVALHO, 2006, p. 681-682).

De acordo com o que referencia o consagrado jurista, os conceitos de existência e


validade se confundem, sendo que, independentemente da forma de introdução da norma no
ordenamento positivo, seja regular seja irregular, será ela válida até que outra a expulse. (ID.,
IBID.). Trata-se de firme corrente inspirada nos ensinamentos de Kelsen, segundo a qual a
validade da norma é sinônimo de existência, configurando-se uma relação de
pertinencialidade que independe da aferição de conteúdo. Em outras palavras, norma válida é
aquela que pertence a determinado sistema, logo, válida é a norma que existe.
Pensamos que essa posição estará correta somente se partirmos do pressuposto o
fato de que uma norma somente é inserida no ordenamento jurídico se tiver observado os
requisitos mínimos formais já mencionados linhas atrás, não sendo relevante a verificação da
justiça, eficiência ou constitucionalidade da proposição normativa para concluir sobre sua
validade.
Nem mesmo uma norma flagrantemente inconstitucional pode ser considerada
inválida, sem que antes tenha sido declarada a sua inconstitucionalidade pelo órgão
competente. Basta verificar que no controle difuso de constitucionalidade, por exemplo, a
norma declarada inconstitucional será considerada inválida para determinado caso concreto,
mas não perde sua validade, posto que deverá ser inclusive aplicada para outros casos não
colocados sob apreciação judicial.
Sejamos pragmáticos. Imaginemos que o Estado de Goiás tenha concedido aos
seus contribuintes benefício de isenção parcial de ICMS para as operações de venda de
determinados produtos, assim o fazendo por meio de lei ordinária estadual, sem submeter tal
ato a aprovação do Confaz. É de se notar que, apesar de não ter sido cumprida a regra
preconizada pela Lei Complementar n°. 24/75, a norma foi posta no sistema jurídico, tendo
sido submetida a um processo legislativo regular e editada por ente político competente, o que
leva à conclusão de sua validade, ainda que relativa. A lei ordinária em questão somente
deixará de ser válida quando revogada ou declarada a sua inconstitucionalidade pelo Poder

124
Judiciário. Por essa razão, não pode o estado de destino das mercadorias adquiridas com
incentivo fiscal concedido pelo estado goiano, vedar o crédito apropriado pelos contribuintes
sediados em seu território por pressupor, com base em seu exclusivo juízo, que a norma
concessiva do privilégio tributário é inconstitucional.
Assim, o fato da norma concessiva de incentivos fiscais estar em desacordo com o
comando do art. 155, § 2°, XII, g da Constituição Federal não é suficiente para invalidá-la.
Sobre a validade das normas jurídicas são pertinentes e assertivas as lições de
Eurico Marcos Diniz de Santi (2009):

Embora reconheçamos a relatividade dos conceitos construídos pelo direito,


posto que dependem de ato de interpretação, a identificação da forma, do
momento, do local e da autoridade é suficiente para atribuir força jurídica ao
documento. Essa identificação estabelece a priori a validade do texto
jurídico, ressalvando-se que eventuais desvios de conteúdo podem ser
absorvidos por formas de correção previstas pelo sistema, como o mandado
de segurança, a ação direta de inconstitucionalidade e o amplo controle
exercido pelo Poder Judiciário. (SANTI, 2009, p. 32).

Noutro giro lingüístico, as normas jurídicas devem ser tidas como válidas e aptas
a produzir seus efeitos, enquanto não foram extirpadas do ordenamento jurídico pelos meios
próprios. É o que passaremos a expor na imediata seqüência.

6.2.1.2 A competência do STF e a violação ao princípio da separação dos poderes

A guerra fiscal não é um conflito direto entre estados e contribuintes, mas, sim,
entre os próprios estados, sendo o juiz natural deste conflito o Supremo Tribunal Federal.
Como ressaltado, a lei que institui qualquer tipo de benefício ou exoneração fiscal
pertence ao ordenamento jurídico, válida e plenamente capaz de produzir seus efeitos,
devendo, por isso, ser cumprida pelos seus destinatários. Somente após a declaração de
inconstitucionalidade25 pelo Poder Judiciário, especificamente pelo STF, conforme prevê o
art. 102, I, a da CF/8826, uma norma poderá ser considerada como inválida.
O controle de constitucionalidade está ligado ao princípio da supremacia da
Constituição, bem assim à rigidez constitucional e à proteção dos direitos e garantias

25
A Ação Direta de Inconstitucionalidade é disciplinada pela Lei Federal de n°... 9.868/1999.
26
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
125
fundamentais. (MORAES, 2010, p. 710). Significa a verificação pelo Poder Judiciário da
compatibilidade de uma norma infraconstitucional ou ato normativo com a Constituição.
Somente por meio desse processo de controle o judiciário poderá certificar se o
estado, no exercício de seu poder legislativo, observou os requisitos formais e materiais para a
edição de uma norma jurídica, pois, como visto, para que seja válida, basta o cumprimento
dos requisitos formais, isto é, a introdução no ordenamento jurídico pelo processo legislativo
próprio e por agente competente. Assim, o exame de compatibilidade material com a ordem
constitucional somente poderá ser realizado por meio de controle de constitucionalidade e
jamais antes disto.
Existem dois modelos clássicos de controle de constitucionalidade: o controle
difuso e controle concentrado. O controle difuso é exercido diretamente no âmbito de casos
concretos, tem natureza subjetiva e permite que todos os órgãos do Poder Judiciário, em todas
as instâncias, enquanto guardiões da Constituição, apreciem a violação de direitos
constitucionais nas situações ocorridas no mundo fenomênico. Já o controle concentrado
atribui ao STF competência para processar e julgar originariamente ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, que objetive a invalidação
de determinada norma jurídica, a fim de se garantir a segurança das relações jurídicas, não
havendo nenhum interesse subjetivo ou caso individual concreto a ser solucionado.
Os mais diversos normativos estaduais podem ser submetidos ao controle abstrato
de normas: (i) disposições das constituições estaduais, desde que incompatíveis com o Texto
Fundamental; (ii) leis estaduais de qualquer espécie ou natureza; (iii) decretos editados com
força de lei; (iv) regimentos internos de tribunais estaduais, bem assim os regimentos das
assembléias legislativas; (v) atos normativos diversos. (MARTINS; MENDES, 2009, p. 191).
Se existe remédio constitucional, não há qualquer plausibilidade para que o
executivo estadual, ao seu talante, suste a aplicação das normas concessivas de benefícios
fiscais, porque sob seu exclusivo crivo tais preceitos conteriam vícios de
inconstitucionalidade. Desse modo, enquanto válidas, as normas instituidoras de incentivos
devem permanecer vigentes e eficazes, a menos que haja pronunciamento da Corte Suprema,
competente que é para decretá-las inconstitucionais.
José Eduardo Soares de Melo (2007) apresenta firme posicionamento sobre a
ausência de fundamentos jurídicos capazes de suportar esse comportamento dos estados:

Tais atos fazendários não expressam conteúdo normativo próprio, não têm o
condão de retirar normas do ordenamento, sequer declará-las
126
inconstitucionais, e muito menos revelar caráter programático, uma vez que
à Administração Fazendária não é atribuída competência para oferecer
conselhos, avisos, mas submeter-se às normas vigentes, válidas e eficazes,
enquanto não sejam declaradas inconstitucionais.
As diretrizes fazendárias não podem imiscuir-se na esfera dos negócios dos
particulares, interferir nas posturas pessoais dos adquirentes das
mercadorias, questionar relacionamentos com os fornecedores e alterar
operações mercantis. (MELO, 2007, p. 236-237).

A previsão do STF, enquanto órgão de controle de constitucionalidade, a plena


possibilidade de impugnar a constitucionalidade dos atos concessivos de benefícios fiscais,
por meio de controle difuso ou concentrado, além da competência do governador para
propositura de ADI são fatores que tornam evidente a ilegitimidade da conduta dos estados
tendentes a retaliar injustamente os seus contribuintes, por meio da glosa unilateral e direta de
créditos de ICMS.
Esse tipo de reação dos estados, que se sentem prejudicados com a guerra fiscal,
viola ainda o princípio da separação dos poderes, segundo o qual as principais atividades
governamentais, executiva, legislativa e judiciária, são atribuídas a órgãos distintos, a partir
de regras de competência, bem delineadas no seio constitucional.
Foi buscando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais dos
cidadãos que a Constituição Federal previu a existência dos poderes do Estado, independentes
e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais, sendo que, além de prever as
suas prerrogativas e imunidades, criou também mecanismos de controles recíprocos, como
garantia da perpetuidade do regime democrático. (MORAES, 2010, p. 410).
É certo que todos os destinatários de determinada norma jurídica, sejam agentes
públicos ou privados, têm o dever de cumpri-la, mas somente o juiz possui o poder de negar
aplicação à lei. Por isso, não pode o Poder Legislativo ou o Poder Executivo decretar a
inconstitucionalidade das leis, pois lhe é vedado ser juiz em causa própria. Se os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário não respeitarem a independência atribuída a cada um, a
confusão de atribuições levará a insegurança jurídica. (BUZAID, 2009, p. 375).
Osvaldo de Carvalho (2006) também elenca a violação ao princípio da tripartição
dos poderes, como um dos principais argumentos contrários a glosa de créditos de ICMS. É
como o autor coloca a questão:

Não é da competência do Poder Executivo avaliar e julgar uma norma no


sistema jurídico, tarefa típica do Poder Judiciário, que tem a competência
para dirimir os conflitos relativamente a legitimidade dos benefícios fiscais
concedidos por uns ou alguns deles, principalmente quando terceiros, no
127
caso os contribuintes destinatários, podem ser diretamente afetados pela
supressão de seus créditos de ICMS. (CARVALHO, 2006, p. 181-182).

É evidente que existe um meio próprio estabelecido pela Constituição Federal,


único caminho admitido para se dirimir quaisquer conflitos entre os estados. Com certeza esse
meio não é a edição de normas supressivas da eficácia de lei editada por outra unidade da
Federação tampouco a lavratura de autos de infração para glosar créditos decorrentes de
operações interestaduais.
Tal entendimento já foi reconhecido pelos Tribunais, como se denota de julgado
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo trecho segue transcrito:

TRIBUTÁRIO. ICMS – OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. Comunicado


CAT 16/2004 que impede apropriação de crédito em operações
interestaduais praticadas com determinados Estados da Federação. Sentença
terminativa do feito. Reforma – art. 155, § 2°, XII alínea g da Constituição
Federal que exige edição de lei complementar para concessão de benefícios
fiscais, não financeiros. Inaptidão de ato infralegal fazer às vezes de meio de
impugnação à constitucionalidade de leis, na medida em que pretendeu
antecipar o resultado de ADIns opostas contra as leis que instituíram tais
beneficias Concessão da segurança Recurso provido.(...)
Outro aspecto que também cobra relevo é o de que o comunicado, tal
como editado, pretende fazer as vezes de provimento jurisdicional e
mais, usurpar o mister constitucional do controle de
constitucionalidades de leis deferido ao Supremo Tribunal Federal.
Os supostos benefícios "fiscais" instituídos por lei devem ser
impugnados pela via própria, e não obviados por mero ato normativo
infralegal. Tanto é assim que os inúmeros diplomas constantes do anexo I
(os quais a apelada pretende não reconhecer) são objetos de diversas ações
declaratórias de inconstitucionalidade intentadas pelo Estado de São Paulo.
À exceção de liminar deferida pela Excelsa Corte, ou julgamento definitivo
destas AdIns, contam as leis com plena aplicabilidade, em face a presunção
de constitucionalidade que detém27. (Grifamos)

Concluímos que, além da glosa de créditos de ICMS não ser meio admissível
para realizar embargo econômico a outra unidade da Federação, também não é meio adequado
para a realização de controle de constitucionalidade, até porque, admitir o contrário,
significaria colocar fim ao pacto federativo já que um estado estaria totalmente subordinado
ao outro. Representaria a extinção do princípio da separação dos poderes, vez que o Executivo
poderia substituir o Judiciário em seu papel e vice-versa.

27
Apelação Cível com Revisão n°. 518.847-5/5-00, Sétima Câmara de Direito Público, Rel. Des. Nogueira
Diefenthalar, julgamento em 23.07.2007.
128
6.2.1.3 A impossibilidade de auto-aplicação das sanções previstas no art. 8° da LC n°.
24/75

Já apresentamos o nosso entendimento no sentido de que a LC n°. 24/75 foi


recepcionada pela Constituição de 1988, exceto no que toca aos incentivos financeiros. Pois
bem, se tal lei complementar é competente para regular como as unidades federativas
concedem ou revogam benefícios exclusivamente de caráter fiscal, também está apta para
prescrever sanções pelo descumprimento das regras que impõem, desde que compatíveis, é
claro, com as demais normas do ordenamento positivo.
A LC n°. 24/75 dispôs sobre a aplicação das seguintes sanções na hipótese de
haver a instituição de privilégios estatais (independentemente do tipo exonerativo ou
benefício de índole financeira), sem observância às suas determinações:

Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará,


cumulativamente:
I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao
estabelecimento recebedor da mercadoria;
Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou
ato que conceda remissão do débito correspondente.
Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a
presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo
do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas
referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos
referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição Federal.

Como também mencionamos, muitos estados, a pretexto de regulamentar o art. 8°


da LC n°. 24/75, acabam por criar instrumentos jurídicos (resoluções, comunicados, portarias,
instruções normativas, etc.) para anular créditos que resultem de benefícios concedidos à
margem de convênios.
Reconhecemos e admitimos o fato de caber à lei complementar dispor sobre
sanções em caso de descumprimento de suas prescrições, mas não é este o objeto desta
discussão. O ponto é que tais sanções não podem conflitar com normas vigentes do mesmo
sistema jurídico, principalmente se forem de hierarquia superior.
Interessante o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 679), para
quem o Texto Constitucional atribuiu ao legislador complementar somente, e exclusivamente,
a responsabilidade para fixar a forma de concessão dos incentivos fiscais, sem, contudo,
permitir a determinação de sanções, em caso de sua inobservância, principalmente se tal
sanção importar anulação de direito creditório, com frontal ofensa ao princípio da não-
129
cumulatividade. Por essa razão, o art. 8° da LC 24/75 não teria sido recepcionado pela atual
Carta Magna. Para o autor, o único órgão competente para proceder à análise de
constitucionalidade de benefícios fiscais e declarar a nulidade dos atos que os concederam é o
Supremo Tribunal Federal. Logo, o comando desse artigo em exame não é compatível com o
disposto na atual Constituição acerca dos meios para controle de constitucionalidade das
normas editadas pelos entes federativos, sendo possível afirmar que se encontra revogado pelo
Diploma Supremo, que lhe é posterior e superior, sob o ponto de vista hierárquico.
Esta visão doutrinária tem plausibilidade, mas deve ser tomada com um pouco
mais de reservas. Cremos que o problema nevrálgico atinente à glosa de créditos de ICMS
não é a falta de recepção do dispositivo em comento pela CF/88, mas, sim, o modo como as
sanções prescritas vêm sendo aplicadas pelos fiscos estaduais, principalmente considerando
uma equivocada interpretação da regra insculpida na segunda parte do primeiro do art. 8° da
LC n°. 24/75, que fundamenta a malsinada prática e os atos normativos editados com tal
finalidade.
Ora, toda lei deve ser interpretada sistematicamente, notadamente observando-se
os comandos constitucionais vigentes. Por isto, observamos uma primeira grave incoerência
na atual hexegese dos estados, no que diz respeito à aplicação automática e imediata das
sanções previstas no art. 8° da LC n°. 24/75. As sanções em voga, como visto no subitem
anterior, só podem ser aplicadas após a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal da norma que concedeu benefício fiscal sem a chancela do Confaz, sob pena
de usurpação de competência do Poder Judiciário e violação do princípio da separação dos
poderes.
Se há dispositivo constitucional que determina que somente ao STF é permitido
inibir a eficácia de quaisquer leis ou atos estaduais, não podem as sanções previstas na lei
complementar em comento serem aplicadas de forma imediata, unilateral e automática por
aquele estado que se sentir prejudicado por benefício concedido irregularmente por outro
estado. Somente o Poder Judiciário está legitimado para dizer que a lei complementar não foi
cumprida e isto é o pressuposto para imposição das penalidades cabíveis.
Esse entendimento encontra respaldo na consistente posição de Sacha Calmon e
Eduardo Maneira (2010), que examinaram a questão com admirável profundidade e sinceros
ares de indignação quanto à postura das administrações fazendárias:

Não se admite, ainda, aplicar automaticamente as sanções previstas sem que


o ato que concedeu o benefício seja declarado nulo. Chega-se, então, a uma
130
questão de extrema relevância: poderia o Estado prejudicado por benefício
irregularmente concedido declarar, unilateralmente, por ato do Executivo, a
inobservância e, consequentemente, a nulidade de um ato baixado por outro
Estado? Uma resolução da Secretaria da Fazenda, ou um “comunicado” de
um órgão da fiscalização teria legitimidade para declarar a nulidade de uma
lei estadual que concede benefícios sem ter observado as disposições da LC
n°. 24/75?
Entendemos que não. A declaração de nulidade de um ato por alegada
afronta a dispositivos de lei complementar é de competência exclusiva do
Poder Judiciário. Um Estado se qualifica como Estado de Direito porque se
submete ao arcabouço normativo por ele mesmo criado. Ora, admitir que
uma autoridade fazendária seja competente para declarar a nulidade de um
ato estatal que tem presunção de validade (uma lei estadual, por exemplo), é
a total subversão da ordem jurídica. (COÊLHO; MANEIRA, 2010, p. 6).

Daniel Monteiro Peixoto (2007) faz coro a este posicionamento, no sentido de ser
necessária a prévia manifestação do STF antes da aplicação das penalidades previstas no art.
8° da LC n°. 24/75:

O referencial de questionamento há de ser o Art. 155, § 2°, XII, g da CF, que


proíbe a concessão de incentivos fiscais sem prévia aprovação em convênio
pelos demais Estados da Federação. O próprio Art. 8° da LC 24/75
estabelece as medidas de combate aos incentivos inconstitucionais. Contudo,
para que possa ser aplicado, requer, inexoravelmente, a prévia manifestação
do STF, visto ser o órgão precipuamente responsável pelo controle de
constitucionalidade, notadamente quando há conflitos de Estados entre si
(CF, art. 102, I, a e f). Lei ordinárias estaduais, ainda que seja caso notório
de benefício fiscal inconstitucional, possuem presunção de validade que só
cessa diante de manifestação do Judiciário. Afinal, um Estado- membro não
está habilitado a proferir juízo de validade em relação às leis de outro
Estado. (PEIXOTO, 2007, p. 30).

Não estamos diante de questão das mais pacíficas; muito pelo contrário. Osvaldo
Santos de Carvalho (2006, p. 121), escorado no firme posicionamento de Aldo de Paula Junior,
apresenta entendimento no sentido de que é privativo do Supremo Tribunal Federal o controle
de constitucionalidade, com efeito vinculante e erga omnes. Os atos normativos que impõem
a glosa de créditos de ICMS não seriam hipóteses de declaração de inconstitucionalidade na
acepção utilizada pelo Poder Judiciário, mas de não aplicação de norma por manifesto vício
de inconstitucionalidade. Esse vício intrínseco decorre da simples edição de ato normativo em
desconformidade com a Constituição, o que acaba por fulminar a sua validade ab initio.
Essa corrente doutrinária não se coaduna com o conceito de validade adotado
como premissa no tópico anterior, isto é, aquele segundo o qual a conclusão pela validade
prescinde do exame de conteúdo, bastando que a norma exista no ordenamento jurídico,
criada por agente competente e observado o processo legislativo próprio.
131
E já encerrando, acreditamos que se a lei complementar tem o condão de
disciplinar a forma de concessão ou revogação de benefícios fiscais, não lhe é vedado dispor
sobre os efeitos do seu descumprimento. Se a lei pode ditar regras, ainda que meramente
formais ou estruturais, também pode estabelecer as penalidades por sua inobservância. Mas,
mesmo que ao cabo de todo este estudo, se pudesse concluir pela constitucionalidade das
sanções previstas na LC n°. 24/75, fato é que não são auto-aplicáveis e só podem ser impostas
após manifestação do Poder Judiciário acerca do seu conteúdo e da sua constitucionalidade.

6.2.2 Violação ao princípio da não-cumulatividade

O princípio da não-cumulatividade afasta, de plano, a aplicação de qualquer


sanção que implique ineficácia do crédito atribuído ao estabelecimento destinatário de
mercadorias incentivadas na origem, em desacordo com as regras trazidas pela LC n°. 24/75,
pois o resultado seria, necessariamente, o aumento da carga tributária na operação, justamente
o que tal mandamento constitucional busca evitar.
Desse modo, ainda que a norma concessiva de benefício fiscal seja declarada
inconstitucional pelo STF, a aplicação da sanção prevista na segunda parte do inciso I do art.
8° da LC n°. 24/75, isto é, a de tornar o crédito ineficaz, importa uma segunda grande
incoerência (exceto nos casos de isenção ou não incidência), fazendo letra morta altíssimo
princípio consagrado pela Constituição Federal, o da não-cumulatividade.
Não é outro o entendimento de Fabiana Del Padre Tomé (2007) que conclui,
acertadamente, sobre a impossibilidade do estado de destino anular o crédito de ICMS do
contribuinte que adquiriu mercadoria incentivada, à luz do princípio da não-cumulatividade,
mesmo após a manifestação do Poder Judiciário sobre a inconstitucionalidade da norma
concessiva do benefício fiscal:

Entendemos, porém, que a declaração de inconstitucionalidade da lei


concessiva do benefício fiscal não tem o condão de obstar o creditamento
por parte do contribuinte. Se assim fosse, restaria maculado o princípio da
não-cumulatividade do ICMS. Ora, tendo em vista o caráter nacional do
ICMS e o imperativo princípio da não- cumulatividade desse imposto, a
anulação da norma jurídica concessiva de benefício fiscal tem como efeito
restabelecer a exigência dos valores dispensados ou devolvidos pela
Administração Pública ao contribuinte, não podendo implicar a anulação do
crédito de ICMS e a exigência, pelo Estado destinatário da mercadoria ou
serviço, do imposto dispensado. (TOMÉ, 2007, p. 135).

132
Vimos que o princípio da não-cumulatividade que norteia a incidência do ICMS
deve ser observado por todas as unidades federativas. Por outro lado, não se trata somente de
um direito, mas sim de um imperioso dever dos contribuintes, a fim de evitar a repercussão
econômica do imposto, fazendo valer os ditames constitucionais.
No início deste capítulo apresentamos a primeira premissa fixada ao longo desta
pesquisa, em que a expressão cobrado prevista no art. 155, § 2°, I da CF/88 significa incidido
e não pago. É de clareza meridiana que o imposto devido em cada operação de circulação de
mercadoria tributável pelo ICMS deve ser compensado com o montante incidente nas
operações anteriores, havendo autorização para estorno do crédito, frisamos uma vez mais,
apenas para os casos de operações isentas ou não tributadas.
Não podemos negar que em uma operação interestadual há duas relações jurídicas
bastante distintas e bem delineadas: (i) na primeira o sujeito ativo é o estado de origem
concedente do benefício fiscal e, o sujeito passivo, o contribuinte beneficiado e (ii) na
segunda o sujeito ativo é o contribuinte adquirente da mercadoria e, sujeito passivo, o estado
de destino, em tese, lesado pelo benefício fiscal concedido pelo estado de origem
(MARQUES, 2010, p. 148). A Figura 2 ilustra o que ora expomos:

Figura 2 – As Distintas Relações Jurídicas dos


Envolvidos na Guerra Fiscal
DÉBITO ICMS COM DESONERAÇÃO

UF “X”
CRÉDITO ICMS INCIDENTE
OPERAÇÕES ANTERIORES

UF “Y”

SUJEITO ATIVO SUJEITO


PASSIVO

1ª 2ª

FORNECEDOR ADQUIRENTE
UF “X” Operação Mercantil UF “Y”
SUJEITO
Não- Cumulatividade SUJEITO ATIVO
PASSIVO

O direito de crédito do contribuinte não decorre da regra matriz de incidência


tributária do ICMS, mas da eficácia legal da norma constitucional que prevê o próprio direito
ao abatimento, uma regra-padrão de direito ao crédito. O princípio da não-cumulatividade é,
portanto, norma autônoma e independente em relação à regra matriz de incidência tributária,
razão pela qual o direito ao crédito não guarda qualquer relação com o pagamento do tributo
devido na operação anterior.

133
Admitirmos o contrário implicaria no ilógico dever do contribuinte adquirente de
mercadorias confirmar com seus fornecedores, a cada transação realizada, o valor
efetivamente pago na operação anterior, antes de creditar o imposto incidente e destacado na
nota fiscal.
A Lei Complementar n°. 87/1996, arrimada na competência para disciplinar o
regime de apuração e compensação do imposto, concebida pelo art. 155, § 2º, XII, c, da
CF/1988, estabeleceu:

Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em


cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é
assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto
anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada
de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a
destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o
recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou
de comunicação.
§ 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de
serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou
que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do
estabelecimento.
(...)
Art. 23. O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do
imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as
mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está
condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à
escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação.
(Grifamos)

Com supedâneo no comando constitucional da não-cumulatividade e na lei


complementar que disciplina o regime de compensação do ICMS, tem-se, que para garantir o
direito ao crédito do imposto incidente em todas as operações anteriores, basta apenas os
seguintes requisitos: (i) realizar operações de circulação de mercadorias não alheias às
atividades do estabelecimento, as quais devem ser sujeitas à tributação; (ii) as mercadorias
que entram no estabelecimento devem ser destinadas à comercialização, com as saídas
devidamente tributadas pelo imposto e (iii) as operações devem estar documentadas por notas
fiscais idôneas, com destaque do imposto na forma da legislação de regência.
Observadas essas condições, resta amplamente garantido o direito ao crédito de
ICMS, decorrente das entradas de mercadorias tributadas nas operações anteriores. Devemos
nos atentar para o fato inequívoco de que as operações de circulação de mercadorias são
134
documentadas pela respectiva nota fiscal e nela há o efetivo destaque do ICMS incidente na
operação interestadual que suporta o direito ao crédito, sendo que este, na verdade, está
condicionado, tão-somente, à idoneidade da documentação, conforme comando do próprio
art. 23 da LC n°. 87/96.
O fato do imposto destacado ter sido, ou não, recolhido integralmente ao ente
federativo de origem é irrelevante; importa se as mercadorias circularam e se as empresas
contribuintes adquirentes efetivamente suportaram o encargo do tributo, com base na
aplicação da alíquota interestadual destacada nos documentos fiscais que embasaram a
operação.
Assim, a sanção prevista na segunda parte do inciso I do art. 8° da LC n°. 24/75
(ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor de mercadoria), padece de
vício de inconstitucionalidade, nos casos de concessão de incentivos fiscais diversos de
isenção e não-incidência, por sua aplicação não se compatibilizar com o princípio da não-
cumulatividade.
Referida sanção deixa de encontrar fundamento de validade no art. 155, § 2°, XII,
g da CF/88, vez que a lei complementar extrapolou a competência a ela conferida pelo
Diploma Supremo, já que não é objetivo do legislador constitucional autorizar norma de
inferior hierarquia estabelecer regramentos que conflitem com os seus próprios comandos;
isto não teria qualquer sentido e faria cair por terra a indispensável coerência e unidade do
sistema jurídico. Por tal razão, não haveria sequer necessidade de tentar harmonizar os
comandos trazidos pelo art. 155, § 2°, I e pelo art. 155, § 2°, XII, g, ambos da CF/88, pois o
segundo dispositivo não autorizou a sanção prevista no art. 8° da LC n°. 24/75, justamente por
conflitar com o princípio da não-cumulatividade, preconizado no primeiro dispositivo
constitucional referenciado.

6.2.3. Usurpação da competência do Senado Federal para fixação de alíquotas


interestaduais

A glosa de créditos de ICMS relativa às operações interestaduais onde pode ter


havido o aproveitamento de benefícios fiscais pelo fornecedor é resultado da fixação, pelos
estados de destino, de uma nova alíquota interestadual, segundo a origem das mercadorias, o
que implica violação da competência do Senado Federal para determinação das alíquotas

135
interestaduais, nos termos do art. 155, § 2°, IV da CF/88. Como já mencionamos, importante
mecanismo este a atuar no sentido de preservar a harmonia do pacto federativo brasileiro.
Considerando que existe normativo expresso estabelecendo as alíquotas aplicáveis
às operações interestaduais (7% e 12%), isto é, nos termos da Resolução n°. 22/89, os
remetentes das mercadorias, ainda que sejam beneficiários de privilégios estatais, não têm
outra opção senão destacar nas notas fiscais o ICMS correspondente à aplicação da alíquota
interestadual incidente sobre o valor da operação.
As unidades federativas que glosam o crédito correspondente ao diferencial de
imposto presumidamente não pago na operação anterior, acabam por alterar o montante que
incide sobre a operação interestadual, já que há um efetivo estabelecimento de nova alíquota
interestadual, em notório ato de usurpação de competência privativa do Senado Federal.
Não se pode ignorar que certamente encontraremos juristas que, na contra mão do
raciocínio ora desenvolvido, irão defender que quem está a usurpar a competência do Senado
Federal é o estado de origem pelo uso de alíquota real inferior à nominal. Mas, tal
entendimento não possui sustentáculo, já que como visto, alguns benefícios fiscais como a
redução de base de cálculo ou alíquota e a isenção parcial, por exemplo, não alteram a regra
matriz de incidência tributária, mas tão somente o quantum debeatur. Diferente é o caso glosa
de créditos implementada pelo estado de destino que afeta diretamente a regra padrão do
direito creditório que deve partir sempre do imposto incidente na operação anterior. Ou seja, o
crédito apropriado pelo contribuinte destinatário das mercadorias incentivadas deve estar
mesmo pautado em alíquota nominal e não em alíquota real.
O Supremo Tribunal Federal28 já teve oportunidade de se manifestar sobre a
questão no julgamento da ADI n°. 3.312-3, em que se discutia a constitucionalidade de

28
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N. 989/03, EDITADO PELO
GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SENADO
FEDERAL PARA FIXAR A ALÍQUOTA DO ICMS, NOS TERMOS DO PRECEITO DO ARTIGO 155, § 2º,
S IV E V, DA CB/88. ICMS. IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO. A CONCESSÃO UNILATERAL DE
BENEFÍCIOS FISCAIS, SEM A PRÉVIA CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL,
AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O decreto
n. 989/03, do Estado do Mato Grosso, considera como não tendo sido cobrado o ICMS nas hipóteses em que a
mercadoria for adquirida nos Estados do Espírito Santo, de Goiás, de Pernambuco e no Distrito federal 2. O
contribuinte é titular de direito ao crédito do imposto pago na operação precedente. O crédito há de ser calculado
à alíquota de 7% se a ela efetivamente corresponder o percentual de tributo incidente sobre essa operação.
Ocorre que, no caso, a incidência dá-se pela alíquota de 12%, não pela de 7% autorizada ao contribuinte mato-
grossense. 3. Pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a concessão unilateral de benefícios
fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a
LC 24/75, afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal". Precedentes. 4. Ação direta
julgada procedente para declarar inconstitucional o decreto n. 989/2003, do Estado do Mato Grosso. (ADI 3312,
Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ 09.03.2007).

136
decreto do Mato Grosso, que vedava o aproveitamento integral dos créditos relativos à
operação onde houve a concessão de incentivo fiscal, tendo restado reconhecido que tal
competência é atribuída exclusivamente ao Senado Federal pela Constituição Federal.
Um exemplo pode tornar mais clara a exposição. Tomemos por base os seguintes
dados fictícios de uma operação: (i) estado de origem: Paraíba; (ii) estado de destino: São
Paulo; (iii) benefício fiscal de redução de alíquota em 8% concedido pelo estado de origem
para a venda de produtos agrícolas. Confira-se graficamente qual seria o resultado da alíquota
efetiva dessa operação interestadual, se o estado destinatário das mercadorias empreender a
glosa dos créditos de ICMS aproveitados pelo contribuinte adquirente de tais mercadorias
sediado em São Paulo:

Quadro 6 – Exemplo Fictício de Alteração de Alíquota Interestadual

Fornecedor paraibano Adquirente paulista


Base de cálculo: 100,00 Base de cálculo: 120,00
Alíquota interestadual incidente: 12% ICMS devido antes do crédito (alíquota 18%) 21,60
Alíquota efetiva aplicável (redução de Crédito correspondente a alíquota de 12% incidente
8%): 4% sobre a operação anterior: 12,00
Crédito correspondente a alíquota de 4% (com
ICMS recolhido: 4,00 benefício): 4,00
ICMS devido considerando o crédito integral de 12%
(sem glosa): 9,60
ICMS devido considerando crédito parcial de 4%
(com glosa de 8%): 17,60
Majoração da carga tributária: 8,00

Este exemplo deixa evidente, que, por ato do Poder Executivo do Estado de São
Paulo, destinatário das mercadorias incentivadas, houve a alteração da alíquota interestadual
fixada pelo Senado Federal em 12% para uma nova e inferior alíquota no percentual de 4%.
Se a alíquota considerada para fins de tomada de crédito é aquela incidente na operação
anterior, logo não há outra alíquota a ser considerada pelo contribuinte adquirente de
mercadorias senão aquela fixada pelo Senado Federal (no exemplo, 12%). Por isto, não pode a
administração fazendária de destino impor que o seu contribuinte adote alíquota diversa para
apuração de seu direito creditório, sob pena de usurpação de competência constitucionalmente
atribuída ao Senado Federal.

137
6.2.4 Violação ao princípio da não discriminação em razão da origem

A glosa de créditos de ICMS também importa no estabelecimento de


indisfarçáveis diferenças tributárias de bens em razão de sua procedência, em afronta ao
disposto no art. 152 da Constituição Federal29.
A palavra discriminar significa fazer separação, distinção ou diferenciação de
uma coisa em relação à outra, de modo a se estabelecer uma situação de desigualdade. Por
isto, dizemos que o princípio da não-discriminação é corolário do princípio da isonomia,
estudado no quarto capítulo.
Esse princípio quer resguardar a igualdade e equiparação, não podendo importar
em diferenciação de tratamento, isto é, em uma desigualdade tributária ou contra princípio,
indicativo de patologia do sistema, em face de normas cuja aplicação provoque ou possa
provocar desigualdades arbitrárias e injustificadas. (NOVOA, 2005, p. 340).
A maioria dos atos normativos estaduais, que tratam da glosa de créditos de
ICMS, geralmente relaciona em seus anexos os estabelecimentos localizados em outras
unidades federadas que se beneficiam com incentivos fiscais. Os adquirentes que mantiverem
relação com esses fornecedores serão alvo de retaliação indireta do estado que se sente
prejudicado com a guerra fiscal. É o caso, por exemplo, do Anexo II do Comunicado CAT n°.
36/2004 do Estado de São Paulo. Apenas para ilustrar, listamos abaixo três situações de nítida
discriminação das mercadorias oriundas dos Estados da Bahia, Espírito Santo e Distrito
Federal previstas no indigitado comunicado:

Quadro 7 – Hipóteses Discriminatórias constantes do Anexo II


do Comunicado CAT SP n°. 36/2004

UF Legislação Produto / Atividade beneficiada


Bahia Art. 2º do Dec. 7.488/98, de 31/12/98 a Atacadista de produtos de higiene pessoal
09/05/2000, e Art. 2º do Dec.
7.799/2000, a partir de 10/05/2000,
prorrogado por prazo indeterminado
pelo Dec. 8865/03 e observado o Dec.
8869/04
Distrito Dec. 20.322/99 e Portaria 293/99 Atacadista ou distribuidor de mercadorias
Federal (a partir de 01/02/2004 - Decreto sujeitas ao regime de substituição
24371/2004) tributária
Espírito Art. 107 do RICMS do ES - Decreto Qualquer mercadoria, exceto café,

29
Art. 152 – É vedado aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre
bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. (destacamos)
138
Santo 1.090/2002 energia elétrica, lubrificantes,
combustíveis, mercadorias para
consumidor final e aquelas sujeitas à
substituição tributária promovidas por
estabelecimento comercial atacadista
estabelecido no estado.

É oportuno rememorar a principal característica da Federação brasileira, qual seja


a autonomia fiscal dos entes políticos estaduais. Tal atributo só é preservado se também for o
princípio da não-discriminação, pautado em exigências mínimas de homogeneidade inerentes
a um sistema tributário e na necessidade de assegurar um conteúdo essencialmente igual, no
que diz respeito ao dever e a forma de pagar tributos de todos os cidadãos, independentemente
do seu estado de localização ou residência.
Nesse compasso, sem qualquer suporte jurídico legítimo, os estados que glosam
crédito de ICMS tomam como inválidas as normas expedidas por outras unidades federadas,
que concederam incentivos fiscais, e simplesmente discriminam as mercadorias vindas desses
territórios, ferindo o princípio constitucional da não-discriminação em razão da origem e a
própria autonomia desses entes.
Tal prática não só desestabiliza os mecanismos criados pela Constituição Federal
com o fito de garantir a harmonia do federalismo fiscal de equilíbrio, como, também, torna
ressentido o ideário de isonomia tributária.

6.2.5 O caráter constitutivo das normas restritivas de direitos creditórios e a violação ao


princípio da não-surpresa

Está patente que os atos normativos, na maioria dos casos infralegais, que
restringem a tomada de créditos de ICMS quando os fornecedores se encontram noutros
estados da Federação, aumentam a carga tributária dos contribuintes adquirentes de
mercadorias incentivadas. Quanto a esta conseqüência não há qualquer dúvida.
Porém, resta ainda examinar o efeito dessas normas, isto é, se são esses
normativos dotados de caráter constitutivo de nova obrigação tributária ou se teriam efeito
meramente declaratório, já que escorados em normas de superior hierarquia pré-existentes,
quais sejam a Lei Complementar n°. 24/75 e a Constituição Federal.
É óbvio que sustentam os fiscos terem esses normativos restritivos efeito
declaratório e se limitarem a aplicar sanções, conforme lhes foi autorizado pelos legisladores
constitucional e complementar.

139
Mas toda a linha argumentativa desenvolvida alhures leva inegavelmente à
conclusão diametralmente oposta. Não se pode desconsiderar a realidade de que a ineficácia
atribuída ao crédito nos moldes postos pelo art. 8° da Lei Complementar n°. 24/75 implica
violação ao princípio da não-cumulatividade, nas hipóteses de tipos exonerativos diversos da
isenção e não- incidência. Mas, ainda que pudéssemos afastar essa premissa, entendida por
nós como inarredável, tem-se que a aplicação da sanção restritiva de direito creditório não foi
precedida da necessária declaração de inconstitucionalidade da norma concessiva do incentivo
fiscal editada pelo estado de origem, o que, por si só, fragiliza a justificativa das fazendas
públicas estaduais, vez que estará configurado ato normativo unilateral e com conteúdo
decisório proveniente do Poder Executivo, inconstitucional, sem a participação do Poder
Judiciário.
Ao agir desta maneira, isto é, ao impor a sanção automaticamente sem antes se
socorrer ao judiciário, o Poder Executivo inova o ordenamento jurídico pátrio e cria nova
obrigação tributária.
Sobre a impossibilidade de atribuição de efeito declaratório a tais atos fazendários
José Eduardo Soares de Melo (2009) doutrina com propriedade:

Os atos fazendários que tratam da glosa de créditos de ICMS não expressam


conteúdo normativo próprio, não têm o condão de afastar normas do
ordenamento jurídico, sequer declará-las inconstitucionais e muito menos
revelar caráter programático, uma vez que à administração fazendária não é
atribuída competência para oferecer “conselhos” e /ou “avisos”, mas
submeter-se às normas jurídicas vigentes e eficazes, enquanto não sejam
declaradas inconstitucionais pelo STF. (MELO, 2009, p. 377).

Portanto, a majoração da carga tributária decorrente da glosa de créditos de ICMS


não tem outro efeito senão o de constituir nova exação. E se tal ato já está eivado de
inconstitucionalidades por todos os vícios apontados nos subitens precedentes, melhor sorte
não lhe assiste, não podendo subsistir por importar também em clara violação ao princípio da
não-surpresa dos contribuintes. Esse princípio é bem definido por Eduardo Maneira (1994):

A não-surpresa funciona como limitação ao poder de tributar, ou seja, atua


como mecanismo de proteção jurídica destinado a tutelar os direitos
subjetivos dos contribuintes. É subprincípio do princípio da legalidade e
confere a este último maior concretude e densidade. É também conexo com
o princípio da irretroatividade das lei, pelo fato de ambos trabalharem a idéia
da lege proevia (prévia lei). (MANEIRA, 1994, p. 22-23).

140
Com base neste conceito, procuraremos examinar se as medidas restritivas de
direito creditório de ICMS preservam, ou não, os princípios da legalidade e irretroatividade, e
conseqüentemente, o princípio da não-surpresa.
O princípio da legalidade foi previsto genericamente no art.5°, II da Constituição
Federal, por meio da conhecida expressão “ninguém será obrigado a fazer ou não fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”, e acabou recebendo especial destaque ao ser
reafirmado em matéria tributária pelo art. 150, I do Texto Supremo, que dispôs ser vedado
“exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
O sentido da palavra lei apresentado pelo aludido dispositivo constitucional, é a
lei em sentido estrito ou, mais especificamente, as espécies normativas taxativamente
enumeradas no rol do art. 59 da CF/88 (emendas à Constituição, leis complementares,
ordinárias e delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções). Nenhuma
outra espécie normativa pode prestar-se a instituir ou majorar tributo. Por isto, decretos
executivos e resoluções estaduais, comunicados, instruções normativas, dentre outras, não
podem criar tributo ou aumentar a carga tributária, posto que o Poder Executivo não tem
autorização legal para tanto e não pode se imiscuir em atos privativos do Poder Legislativo.
O princípio da legalidade é um dos pilares do sistema tributário e tem por fim
conter a discricionariedade da administração tributária. Só a lei pode servir de garantia contra
arbitrariedade, capaz que é de outorgar a indispensável coerência ao ordenamento jurídico. E
nem poderia ser diferente, pois conceitualmente o tributo é prestação pecuniária compulsória
que importa sacrifício patrimonial dos sujeitos em direção aos cofres públicos, razão pela qual
só mesmo a lei formal, editada pelos representantes da coletividade, e conforme a vontade
soberana, está apta a impor um gravame fiscal. Eis o primado conquistado pela sociedade que
concretiza a democracia.
Devem estar previstos em lei todos os elementos e aspectos essenciais que
compõem a regra matriz de incidência tributária, principalmente aqueles determinantes do
quantum do débito¸ como é o caso do direito de abatimento do ICMS incidente nas operações
anteriores. A imposição tributária não pode partir de critérios e juízos de valor subjetivos
porque isto significaria a retomada do regime monárquico.
Alguns dos atos normativos editados pelo Poder Executivo, além de não observar
o princípio da legalidade, são dotados de efeitos retroativos quanto as suas regras restritivas
ao direito de apropriação de crédito de ICMS, como é o caso, por exemplo, da Resolução n°.
3.166/2001 editada pelo Estado de Minas Gerais.

141
Em matéria tributária, salvo as exceções previstas no art. 106 do CTN (edição de
lei interpretativa ou que comine penalidade menos severa) a lei tributária deve respeitar o
princípio da irretroatividade, previsto no art. 150, III, a da CF/88, que veda a cobrança de
tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado”.
Considerando que as regras da Resolução n°. 3.166/2001 e suas alterações
posteriores têm o nítido propósito de majorar a carga tributária assumida pelo contribuinte,
por vedar o aproveitamento integral de créditos de ICMS, não se enquadram nas exceções
legalmente admitidas à irretroatividade tributária e, portanto, somente podem atingir fatos
geradores posteriores a sua entrada em vigor.
Como exemplo claro de arbitrária retroatividade, pode-se citar a Resolução n°.
4.041 de 14 de novembro de 2008 que alterou a Resolução n°. 3.166/2001, e em seu art. 1°
expressamente previu que os contribuintes adquirentes de mercadorias remetidas por
estabelecimentos industriais localizados nos municípios ali especificados deveriam efetuar o
estorno do crédito desde abril de 2005, conforme o município de origem das mercadorias.
Partindo do pressuposto de que os creditamentos são feitos pelos contribuintes,
com base na legislação vigente que assegura a plenitude do crédito, resta configurado ato
jurídico perfeito insuscetível de modificação por ato administrativo ou norma infralegal
superveniente que entenda aplicável uma regra excepcional em que, até então, não se incluía
nominalmente a legislação do estado de origem. Não se pode compactuar que uma norma
posterior discipline sobre algo já incorporado ao patrimônio do particular, pois isto atingiria a
estabilidade das relações jurídicas e o próprio direito de propriedade.
Arremata-se ponderando que se tais normas têm caráter verdadeiramente
constitutivo da obrigação tributária para os contribuintes adquirentes de mercadorias
incentivadas, então, devem de igual forma ter eficácia prospectiva, não podendo retroagir a
fatos geradores pretéritos a sua publicação, sob pena de ofender não só o princípio da não-
surpresa, dotado de elevado prestígio no ordenamento pátrio, como, também, o sobreprincípio
da segurança jurídica.

6.3 Efeitos da anulação de benefícios fiscais

Já expusemos que a norma concedente de benefícios fiscais somente perderá sua


eficácia, ou deixará de pertencer à ordem jurídica vigente, após a sua declaração de

142
inconstitucionalidade pelo STF. Sendo assim, torna-se imperioso examinar agora os efeitos
temporais e materiais da anulação dos benefícios fiscais, a fim de aferir as suas conseqüências
práticas para o contribuinte adquirente de mercadorias incentivadas em outros estados.

6.3.1 Efeitos temporais

Tanto no controle difuso como no controle concentrado de constitucionalidade das


leis a regra geral que prevalece é a de que as decisões definitivas em qualquer das duas
modalidades têm efeito ex tunc, vinculante e produz eficácia contra todos (erga omnes). A
propósito, afirma Alexandre de Moraes (2010):

Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou


estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes),
desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente
com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que atos
inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de
eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou
do ato normativo, inclusive atos pretéritos com base nela praticados (efeito
ex tunc). (grifos originais). (MORAES, 2010, p. 763).

Ocorre que essa interpretação deve ser empreendida com cautela, pois, no caso, a
declaração de normas concessivas de estímulos fiscais irá causar grandes prejuízos de ordem
patrimonial para os contribuintes que, acreditando na validade das normas editadas por agente
competente, realizaram transações jurídicas, concretizadas no tempo, projetaram a sua
atividade econômica, com base na carga tributária que presumiam ser a correta. Sendo assim,
qualquer alteração no critério jurídico do lançamento tributário só pode valer para o futuro30, e
jamais retroagir para surpresa daquele que acreditou firmemente ter agido em conformidade
com interpretação oficial da lei. (MARTINS; MARONE, 2006, p. 56).
Lembramos que há expressa manifestação legislativa nesse sentido, ex vi, do art.
27 da Lei n°. 9.868/99, permitindo a interpretação de eficácia ex nunc, sempre que a
retroatividade da norma, tida por inconstitucional, puder gerar lesão ao cidadão ou ao Poder
Público, tratando-se de comando fundado em razões de segurança jurídica e interesse social.
Vejamos:

30
É isto que determina o Art. 146 do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida de ofício ou em
conseqüência de decisão administrativa ou judicial nos critérios jurídicos adotados pela autoridade
administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo,
quanto a fato gerador ocorrido posteriormente, à sua introdução”.
143
Art. 27 – Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu
transito em julgado ou de outro momento que venha ser fixado.

Se o STF pode modular os efeitos de suas decisões em prol do fisco nos casos de
declaração de inconstitucionalidade de normas relativas à imposição de tributos, limitando,
assim, o direito à repetição de indébito dos contribuintes, com base no argumento de lesão ao
Poder Público, por qual razão não poderia modular os efeitos de suas decisões em prol dos
contribuintes que se beneficiaram de incentivos fiscais inválidos, já que isto, certamente,
implicará lesão não só ao seu patrimônio, como, também, a terceiros que com eles
mantiveram relação econômica?
Verifica-se um conflito normativo entre o disposto no art. 8° da LC n°. 24/75 e o
art. 146 do CTN, isto é, uma vez declarada a inconstitucionalidade da norma concessiva de
estímulo fiscal pelo STF, haverá que se aplicar a sanção prevista na primeira parte do inciso I
do art. 8° da LC n°. 24/75 (a nulidade do ato), pois, de acordo com a premissa que fixamos, a
sanção prevista na segunda parte do I do referido dispositivo é simplesmente inaplicável por
violar o princípio da não-cumulatividade. Todavia, a aplicação da sanção de nulidade do ato
concessivo do benefício não pode acarretar o restabelecimento da exigência fiscal dos valores
recolhidos a menor, pois tal penalidade importará modificação do critério jurídico de
lançamento adotado pela autoridade administrativa estadual no exercício do lançamento, e,
portanto, violará o disposto no Código Tributário Nacional.
A anulação de benefícios fiscais pelo STF só pode projetar seus efeitos para o
futuro (ex nunc), seja por acusar prejuízo patrimonial aos cidadãos, seja por alterar critério
jurídico de lançamento tributário. Em síntese, as conseqüências da retroação da invalidação
dos atos concessivos de benefícios fiscais causarão agravos ainda maiores ao Direito do que
aqueles que justificaram a sua invalidação, por afrontarem valores máximos, como os da
segurança jurídica e da proteção da confiança e da boa-fé dos contribuintes.

6.3.2 Efeitos materiais

A análise dos efeitos materiais da anulação dos benefícios fiscais, por decisão do
STF, deve ser feita sob dois prismas distintos: o do vendedor, que se beneficia de incentivo
fiscal concedido por um estado e o do adquirente da mercadoria sediado em outro estado.

144
No caso do vendedor, o efeito da declaração de inconstitucionalidade deve ser
unicamente a impossibilidade de continuar usufruindo os benefícios fiscais tidos como
inválidos, pois em relação aos fatos geradores pretéritos, as relações jurídicas já se efetivaram
com base em critério jurídico de lançamento que não pode mais ser alterado de forma
retroativa, nem mesmo por decisão judicial.
Mas, ainda que essa premissa pudesse ser afastada, o fato é que a cobrança
retroativa do tributo desonerado não pode estar acompanhada da imposição de penalidades,
juros de mora e outros consectários, posto ter o contribuinte agido nos estritos limites das
normas e atos expedidos pelas autoridades administrativas de seu território. Nesse sentido,
prevê o art. 100 do CTN:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das
convenções internacionais e dos decretos:
I – os atos administrativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição
administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades
administrativas; (...)
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a
imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização
do valor monetário da base de cálculo do tributo. (Grifamos)

Notamos que tal enunciado proíbe a aplicação de qualquer sanção ao


contribuinte que age de acordo com orientações e práticas reiteradas da administração, razão
pela qual, não pode ser a ele imputada a prática de ilícito, estando excluída a aplicação de
qualquer penalidade. Portanto, na hipótese do Poder Judiciário vir a conferir efeito ex tunc à
declaração de inconstitucionalidade da norma concessiva de estímulo fiscal com o
restabelecimento da exigência de todo o imposto já dispensado, isto deve ser feito, ao menos
com observância do comando preconizado pelo art. 100 do CTN, ou seja, o contribuinte deve
arcar somente com o valor principal do tributo, estando desobrigado ao pagamento de
quaisquer valores a título de juros e multas.
Quanto aos efeitos materiais da anulação dos benefícios fiscais para o adquirente
das mercadorias, tem-se que, mesmo desconsiderando a premissa inafastável de que a sanção
preconizada na segunda parte do inciso I do art. 8° da LC n°. 24/75 (ineficácia do crédito
fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria) é inconstitucional por importar
ofensa ao princípio da não-cumulatividade, não tem, a reprimível glosa de créditos de ICMS,
condições de prevalecer.

145
Se, após a declaração de inconstitucionalidade da norma concessiva do estímulo
fiscal, o estado de origem vier a exigir o tributo que não foi pago por conta do aproveitamento
de um benefício, impõe-se, mesmo assim, seja atribuído o crédito correspondente ao
estabelecimento destinatário das mercadorias incentivadas. Uma vez concretizada esta
hipótese, não há como admitir tanto a nulidade do ato quanto a ineficácia do crédito
apropriado pelo estabelecimento destinatário, pois isto, de igual forma, acarretará a violação
do princípio da não-cumulatividade.
Klaus Eduardo Rodrigues Marques (2010) conclui argutamente pela legitimação
do direito ao crédito após a declaração de inconstitucionalidade do benefício fiscal,
sustentando que:

(...) se a norma que veiculava determinado favor fiscal for declarada


inconstitucional por decisão da Corte Suprema, ficará o Estado beneficiador
(ou DF) obrigado a exigir daqueles contribuintes, antes favorecidos, o valor
total do ICMS incidente nas suas operações ou prestações. (...)
Ora, se determinado ente anula o crédito de ICMS, sponte sua, sob o
argumento de que a norma concessiva de um benefício fiscal estaria em
desacordo com a ordem constitucional, como fica a situação do contribuinte
adquirente da mercadoria (ou tomador do serviço), no caso de posterior
declaração, pelo órgão competente, de inconstitucionalidade da regra
jurídica?
Neste caso, estaríamos diante de uma situação em que o adquirente, após ter
seu crédito anulado, inclusive com cobrança de multa, terá o mesmo crédito
legitimado em decorrência da obrigatoriedade da exigência do imposto pelo
Estado (ou pelo Distrito federal) competente. (MARQUES, 2010, p. 160 e
163).

Um exemplo facilitará a compreensão desta tese ora exposta. Imaginemos uma


operação de circulação de mercadorias com origem no Estado do Espírito Santo e destino ao
de Minas Gerais. Supondo que o ICMS incidente na operação interestadual correspondesse ao
montante de R$ 100,00, mas por força de benefício fiscal, o ICMS pago/recolhido pelo
fornecedor sediado no Estado do Espírito Santo tivesse sido efetivamente o de R$ 60,00.
Ainda que pudéssemos admitir o raciocínio dos estados de destino que implementam a glosa
unilateral de créditos de ICMS, temos, com base neste exemplo, que o Estado de Minas
Gerais autorizaria a apropriação de crédito apenas do valor do ICMS pago (R$ 60,00).
Contudo, se o Estado do Espírito Santo fosse obrigado a exigir o restante do ICMS devido na
operação, por força de declaração de inconstitucionalidade superveniente da norma
concessiva do estímulo fiscal, ou seja, se fosse obrigado a cobrar os R$ 40,00, outra não seria
a conseqüência senão o surgimento para o contribuinte adquirente mineiro do direito de se

146
apropriar do crédito em igual proporção.
Verifica-se claramente neste exemplo que o motivo supostamente autorizado a
prática da glosa de créditos pelo Estado de Minas Gerais, simplesmente desaparece a partir da
exigência do imposto, antes dispensado pelo Estado do Espírito Santo, mas que se tornou
obrigatório por força do efeito da aplicação da sanção prevista na primeira parte do inciso I do
art. 8° da LC n°. 24/75.
Não se pode cogitar, ao se admitir essa tese, que a legitimação do crédito ocorre
pelo pagamento do imposto anteriormente dispensado. A legitimação do crédito se dá pela
efetiva cobrança ou exigência do imposto outrora dispensado.
O entendimento segundo o qual, o pagamento é a razão legitimadora do crédito,
afasta a premissa máxima deste estudo, em que o sentido da expressão cobrado prevista no
art. 155, § 2°, I da CF/88 é incidido e não pago. E isto poderá gerar várias distorções de
ordem prática, pois pode haver situações em que, mesmo depois de declarada a
inconstitucionalidade da norma concessiva do benefício fiscal e exigido o imposto dispensado
pelo estado concedente, o beneficiário deixe de efetuar o pagamento, seja por não ter
condições financeiras para suportar o encargo, seja porque à época da determinação do
pagamento já encerrou suas atividades, seja por qualquer outro motivo.
E nesses casos, como ficará o direito creditório do contribuinte adquirente das
mercadorias? Nesta linha de raciocínio, certamente não haverá pagamento para legitimar o
seu crédito. Deve o contribuinte adquirente pagar a conta e ser penalizado por norma
inconstitucional editada por outro estado da Federação e sofrer sozinho os impactos da guerra
fiscal? Não, definitivamente não é este o propósito de um Estado Democrático de Direito.
Por essas razões, é preciso que fique claro não ser o pagamento efetivo pelo
fornecedor o motivo da legitimação do crédito do adquirente, mas, sim, a exigência do
imposto anteriormente desonerado.

6.4 Problemática da glosa de créditos de ICMS sob perspectiva jurisprudencial do STF

A questão conquista novos matizes quando as atenções se voltam para a forma do


Poder Judiciário exercer a sua atividade típica, seja de solucionador de conflitos, a partir da
análise de casos concretos, seja a de intérprete da Lei Maior, por meio da pura análise de
sentido da norma infraconstitucional, independentemente de qualquer conflito instaurado.

147
O aplicador do direito tem o papel indiscutível de atribuir a máxima efetividade às
normas constitucionais, sendo diariamente desafiado, como bem pondera Juarez Freitas
(2005, p. 320-323), a realizar uma cromática positivação derradeira, capaz de oferecer as
condições objetivas para a formação do sistema axiológico-constitucional em melhores
feições. Para o autor inexiste resposta única, assim como inexiste princípio jurídico absoluto,
o que não significa afirmar que a relatividade implique debilidade eficacial, daí porque são
perfeitamente conciliáveis os métodos exegéticos tópico e sistemático.
A jurisprudência dos tribunais estaduais de justiça e do STJ ainda está bastante
oscilante e obscura, ora reconhecendo a inconstitucionalidade dos atos normativos, que
fundamentam a prática da glosa de créditos de ICMS, ora admitindo como válidas as
manifestações fazendárias nesse sentido. Como está fora de dúvidas que o tema envolve
questões de ordem eminentemente constitucional, certo é que, em última instância, é o STF o
tribunal competente para dar solução ao problema.
A solução está nas mãos do Judiciário, a menos que haja uma reforma completa e
estrutural na sistemática atual do ICMS, o que como veremos mais adiante, depende de
vontade política e de cooperação intragovernamental, o que vai de encontro ao modelo
arraigado de autonomia das unidades federativas, que não querem abrir mão de poder e das
condições que lhe asseguram arrecadar cada vez mais. Por isso, a jurisprudência do STF está a
merecer maior atenção de nossa parte.
Os atos dos estados que desencadeiam a guerra fiscal são repelidos por larga
jurisprudência na Corte Suprema. E outra não poderia ser a postura do STF diante de normas
concessivas de benefícios fiscais, em desacordo com as regras editadas pelo legislador
constitucional e complementar, que pretendeu dar um tratamento federativo uniforme em
matéria de ICMS. Se tais normativos não preencheram os requisitos mínimos legais para
legitimar os estímulos fiscais, oferecidos pelos entes políticos, deverão, então, ser expulsos do
ordenamento jurídico.
Por outro lado, não têm sido acertados os pronunciamentos do STF quando são
colocadas, sob sua apreciação, normas que, a pretexto de proteger os estados contra a guerra
fiscal, acabam violando direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados
aos seus contribuintes. Falando de outro modo, quando o assunto é a glosa de créditos de
ICMS, não tem sido dado o Direito, como se espera daquele Tribunal, enquanto guardião mor
da Magna Carta.

148
Com o devido respeito, os precedentes da Suprema Corte invocam erroneamente o
princípio da não-cumulatividade para legitimar as medidas unilaterais de estorno de créditos
adotadas pelos Estados (COÊLHO; MANEIRA, 2010, p. 4), quando na verdade, deveriam
utilizar tal primado para rechaçar tais práticas. Está havendo um manuseio inapropriado e
descompromissado dos sentidos alcançados pelos dispositivos constitucionais em apreço,
aliado a um falacioso normativismo estrito.
A guisa de ilustração vejamos decisão monocrática proferida nos autos do
Recurso Extraordinário de n° 463.079/MG:

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a e c da


Constituição) interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais que considerou válida a anulação de créditos
relativos à não-cumulatividade do Imposto sobre Operações de Mercadorias
e Serviços – ICMS, na medida em que o valor efetivamente recolhido ao
estado de origem (Espírito Santo) não corresponderia à carga tributária
registrada (Resolução 3.166/2001). Sustenta o recorrente que a glosa de
créditos viola (a) o princípio da não-cumulatividade (art. 155, § 2º I, II, a e
b), (b) a definição da alíquota interestadual pelo Senado Federal (art. 155, §
2º, VII, a da Constituição), (c) a reserva de convênio interestadual para
dispor sobre autorização à concessão de benefícios fiscais do ICMS, (d) a
reserva de lei para dispor sobre o tributo (art. 150, I da Constituição), (e) a
regra da anterioridade (art. 150, III, b da Constituição), a regra da
irretroatividade (art. 150, III, a da Constituição), a proibição do tratamento
diferenciado em razão da procedência da mercadoria (art. 152 da
Constituição) e o princípio da isonomia (art. 150, II da Constituição).
Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a concessão dos
benefícios fiscais de isenção ou de redução da base de cálculo implica o
reescalonamento dos créditos tributários gerados para o adquirente da
mercadoria ou do serviço (RE 174.478-EDcl, rel. min. Cezar Peluso,
Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2008, DJe-097 DIVULG 29-05-2008). O
mesmo modelo se aplica às operações interestaduais (cf. o RE 596.469, rel.
min. Cármen Lúcia, DJe 45 de 09.03.2009 e o RE 423.658-AgR, rel. min.
Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 16-12-2005).
Ademais, o valor do crédito constitucionalmente garantido ao adquirente
sofre a influência de eventuais benefícios concedidos ao contribuinte que dá
saída à mercadoria ou que presta o serviço. Confira-se, nesse sentido, o
seguinte precedente: “TRIBUTÁRIO. DECISÃO DENEGATORIA DE
PRETENDIDO CRÉDITO FISCAL, RELATIVO A ICM SOBRE
MATÉRIA-PRIMA ADQUIRIDA NO ESTADO DO PARANA, QUE,
CONQUANTO TENHA TIDO O SEU VALOR DESTACADO EM NOTA
FISCAL, FOI OBJETO DE INCENTIVO CONCEDIDO AO VENDEDOR.
ALEGADA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE
DO TRIBUTO (ART. 23, II, DA CF/69). Questão insuscetível de ser
solucionada sob invocação do princípio em causa, que, diferentemente do
que entende a Recorrente, visa tão-somente a assegurar a compensação, em
cada operação relativa a circulação de mercadoria, do montante do tributo
que foi exigido nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por
outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao
final do ciclo produção-distribuição-consumo, não ultrapasse, em sua soma,
149
percentual superior ao correspondente a alíquota máxima prevista em lei,
relativamente ao custo final do bem tributado. Havendo, no caso, sido
convertido em incentivo o tributo que deveria ser recolhido pelo vendedor da
matéria-prima, e fora de duvida que a inadmissão do crédito, no Estado de
destino, não afeta a equação acima evidenciada. Recurso não conhecido.”
(grifei - RE 109.486, rel. min. Ilmar Galvão, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 31/03/1992, DJ 24-04-1992). Dessa orientação não divergiu o acórdão
recorrido. Por fim, a matéria versada nestes autos não se refere à eficácia
social ou à efetividade da relação jurídica tributária (“recolhimento ou não
do valor, posto que devido no montante global”). Como se lê no acórdão
recorrido, a redução da carga tributária teria ocorrido no campo da grandeza
potencial tributada: “Assim, a pretensão da apelante, impetrante, de deduzir
a título de crédito valor não recolhido e ficticiamente destacado na Nota
Fiscal, é de todo improcedente, sobretudo porque sobejamente conhecido e
declarado, posto que previsto em norma do Estado tributante, remetente, o
valor de fato ali recolhido, referentemente a tal operação. O crédito do ICMS
há de ser no exato valor da exação tributária. Se se busca, no Estado de
origem, burlar tal regra constitucional – não-cumulatividade – por
expedientes inclusive reprováveis de guerra fiscal, conferindo mecanismos
normativos para que se lance na Nota Fiscal valor não real ao efetivamente
cobrado e pago no Estado do remetente, quebrada está a veracidade do dado
lançado naquele documento, não servindo, o mesmo, como lastro para efeito
da contabilidade escritural por meio do qual se cumpre a regra da não-
cumulatividade do ICMS. Certo é que o valor do crédito deveria, em razão
da aludida disposição constitucional, corresponder ao ICMS anteriormente
pago e que, a rigor, deveria ser o mesmo que se destaca na N.F. acobertadora
da operação, no caso interestadual.” (Fls. 277). Ante o exposto, nego
seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 17 de novembro
de 2009. (RE 463079, Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJ de 17.12.2009).

Em igual sentido estão as seguintes decisões, todas monocráticas: RE


423.658/MG (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 15.04.2005), RE 593.548/MG (Rel. Min. Carmen
Lucia, DJ 03.12.2009) e AI 797.536/MG (Rel. Dias Toffoli, DJ 05.08.2010).
Ao examinarmos essas decisões, verifica-se que estão embasadas em um primeiro
precedente, já antigo, obtido quando do julgamento do RE 109.486 (citado no precedente
supratranscrito), sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão em 31.03.1992, que deu
interpretação absolutamente distorcida do princípio da não-cumulatividade, na medida em que
atribuiu a conotação de que o imposto cobrado nas operações anteriores é o imposto pago, o
que está absolutamente incorreto, já que como defendemos, o crédito deve ser equivalente ao
imposto incidente nas operações anteriores, que não é maior do que a alíquota máxima
prevista em lei, no caso, para as operações interestaduais.
Partindo da premissa totalmente equivocada quanto ao sentido a ser conferido ao
princípio da não-cumulatividade, essas decisões simplesmente deixaram de apreciar
importantíssimas questões que gravitam em torno do problema da glosa de crédito de ICMS,
apresentadas no decorrer deste capítulo.
150
Sacha Calmon e Eduardo Maneira (2010), perplexos com esta realidade
jurisprudencial, criticam severamente este atual posicionamento do STF:

Tal entendimento, contudo, ao invés de combater a guerra fiscal, acaba por


consolidá-la.
Com efeito, esta posição do STF faz letra morta dos dispositivos
constitucionais que estabelecem a necessidade de que a alíquota mínima
praticada pelos Estados seja aquela fixada por Resolução do Senado para as
operações interestaduais e para as operações internas (art. 155, §2°, IV, V e
VI da Constituição).
Ora, se determinado Estado fixar a alíquota do ICMS em 2% sem dar
qualquer satisfação aos outros Estados ou reduzir a base de cálculo de modo
que a aplicação da alíquota interestadual seja efetivamente menor do que a
fixada por Resolução do Senado, o STF, ao invés de declarar a nulidade de
tais atos que não observaram os ditames da LC n°. 24/75, legitima tal
comportamento, exigindo apenas que o contribuinte do Estado de destino
(que adquiriu o bem) tome o crédito na proporção de 2% ou da base de
cálculo reduzida. Ou seja, não existem mais alíquotas mínimas ou
interestaduais uniformes nos Estados brasileiros. Cada um pode fixar a
alíquota que bem entender que não sofrerá nenhum tipo sanção. A sanção
está reservada apenas para o contribuinte do Estado de destino, e tudo isto,
equivocadamente, em nome do princípio da não-cumulatividade.
O correto a se fazer, nesse caso, é cobrar do vendedor todo o ICMS que está
estampado no documento fiscal e do qual o comprador deve se creditar
integralmente. Este é o único caminho, mas não há previsão legal do modo
pelo qual esta cobrança se processaria, e na maioria das vezes, não há
interesse do Estado de origem promover esta cobrança, se foi ele mesmo o
autor do benefício.
Diante deste quadro normativo caótico, o STF optou por um caminho, no
nosso entender, equivocado, qual seja, o de combater a guerra fiscal com a
não-cumulatividade e a conseqüência disso, como se demonstrou, é o
fortalecimento da própria guerra, com a legitimação dos benefícios fiscais
irregulares concedidos pelos Estados de origem, em prejuízo único e
exclusivo do contribuinte do Estado de destino. (COÊLHO; MANEIRA,
2010, p. 10-11).

Mas, sóbria decisão recentemente proferida pela Min. Ellen Gracie elucida que
alguns dos principais argumentos suscitados nos tópicos anteriores estão a merecer a
consideração da Corte Suprema, e que, portanto, há plausibilidade jurídica nessas teses. Pelo
brilhantismo de sua fundamentação, transcrevemos na íntegra o decisum:

1. Ajuizada Ação Cautelar para agregar efeito suspensivo a Recurso


Extraordinário interposto nos autos dos Embargos à Execução Fiscal nº
007904143541-7 contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, foi negado seguimento à ação e considerado prejudicado o
pedido de liminar, sob o entendimento de que se cuida de matéria a ser
resolvida pela ótica infraconstitucional.
2. A Requerente interpõe Agravo Regimental destacando que a Ação
Cautelar que ajuizou perante o Superior Tribunal de Justiça foi julgada
151
extinta em razão do caráter constitucional da matéria. A par disso, ressalta
que esta Corte vem enfrentando as questões relacionadas à guerra fiscal e
que foram apontadas em seu recurso extraordinário ofensas aos arts. 97, 102,
I, a, 150, I, 155, II, § 2º, I e IV, da Constituição. Afirma que a demanda deve
ser solucionada com base em argumentos de índole constitucional. Diz que o
benefício do crédito de 2% outorgado pelo Estado de Goiás em nada
interfere na base de cálculo utilizada para cobrança do ICMS a ele devido e
que tal benefício só terá efeito prático para fins de recolhimento do tributo,
não interferindo no montante do crédito a ser utilizado na operação
subseqüente. Haveria, pois, na glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais,
ofensa ao princípio da não-cumulatividade. Ademais, ato unilateral de um
Estado estaria implicando redução da alíquota interestadual fixada pelo
Senado. Diz da competência desta Corte para julgar ofensas de lei local
contestada em face de lei federal. Pede reconsideração da decisão.
3. Revendo os autos à luz do agravo regimental interposto pela empresa
Requerente, verifico que, embora a questão pudesse desafiar solução
infraconstitucional, também apresenta consistente fundamentação
constitucional, amparada em precedentes desta Corte. É que o Estado de
Minas Gerais, inconformado com a inconstitucionalidade de crédito de
ICMS concedido pelo Estado de Goiás, teria glosado parcialmente a
apropriação de créditos nas operações interestaduais, com isso
ofendendo a sistemática da não-cumulatividade desse imposto e a
alíquota interestadual fixada pelo Senado, ambas com assento
constitucional. (Grifamos). Entendo, pois, que há relevante discussão de
índole constitucional, de modo que é caso de reconsiderar a decisão
recorrida e de conhecer do pedido de liminar.
4. A pretensão de suspensão da exigibilidade do crédito, com a conseqüente
suspensão da execução fiscal, merece acolhida. Há forte fundamento de
direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode
restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os
12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha
concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo,
assim, na prática, o impacto da tributação. Note-se que o crédito outorgado
pelo Estado de Goiás reduziu o montante que a empresa teria a pagar, mas
não implicou o afastamento da incidência do tributo, tampouco o destaque,
na nota, da alíquota própria das operações interestaduais. Ainda que o
benefício tenha sido concedido pelo Estado de Goiás sem autorização
suficiente em Convênio, mostra-se bem fundada a alegação de que a glosa
realizada pelo Estado de Minas Gerais não se sustenta. Isso porque a
incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do
ICMS destacado na nota, forte na sistemática de não-cumulatividade
constitucionalmente assegurada pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição e na
alíquota estabelecida em Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do
art. 155, § 2º, IV. Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à
apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos
créditos apropriados pelos contribuintes. Conforme já destacado na
decisão recorrida, o Estado de Minas Gerais pode argüir a
inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás
em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo certo que este
Supremo Tribunal tem conhecido e julgado diversas ações envolvendo
tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI 2.548, rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 15.6.2007. (Grifamos) Mas a pura e simples glosa dos
créditos apropriados é descabida, porquanto não se compensam as
inconstitucionalidades, nos termos do que decidiu este tribunal quando

152
apreciou a ADI 2.377-MC, DJ 7.11.2003, cujo relator foi o Min. Sepúlveda
Pertence:
“2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS,
são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na
medida em que são explícitas limitações. (Grifo do autor)
3. O propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma
balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se compensam.”
O risco de dano está presente no fato de que a sede administrativa da
Requerente está na iminência de ser leiloada. (Grifo do autor)
5. A pretensão manifestada pela Requerente não equivale, propriamente, à
simples atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Para que
seja obstado o curso da Execução Fiscal, faz-se necessária a concessão de
tutela com tal efeito, conforme já destacado por este Tribunal por ocasião do
julgamento da AC 2.051 MC-QO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe
9.10.2008. A pretensão, pois, em verdade, exige a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário.
6. Ante o exposto, reconsidero a decisão anterior, conheço da ação cautelar e
concedo medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário
em cobrança, nos termos do art. 151, V, do CTN, sustando, com isso, a
execução e os respectivos atos expropriatórios. Publique-se, intimem-se e
cite-se o Estado requerido. Brasília, 21 de junho de 2010. (Agr. Reg. AC
2611/MG, DJ 28.06.2010).

A Ministra Ellen Gracie não só corrigiu a equivocada interpretação ao princípio


da não-cumulatividade que vinha sendo dada pelo STF em outros julgados de casos
semelhantes, esclarecendo que a incidência do ICMS nas operações anteriores faz nascer o
direito do adquirente das mercadorias de se apropriar integralmente do valor do imposto
destacado na nota fiscal, como também reconheceu que a glosa de créditos implementada pelo
estado de destino implica ofensa à competência do Senado Federal para fixação de alíquotas
interestaduais. Por isso, antes de retaliar inadvertidamente o seu contribuinte o estado de
destino pode e deve argüir preliminarmente, por meio das vias próprias, a
inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo estado de origem.
Isto nos leva a crer que, quando o problema da glosa de créditos de ICMS é
examinado com a devida profundidade, pautado numa interpretação alinhada aos preceitos
constitucionais, buscando-se a aplicação do direito livre das amarras de se tentar solucionar
questões novas e complexas com precedentes já ultrapassados e inaplicáveis, a conseqüência
será inevitavelmente a de rechaçar a indigitada prática.
Esse cenário jurisprudencial evidencia que o tema está longe de ter uma solução
definitiva. Para se ter uma idéia, especificamente sobre a inconstitucionalidade da Resolução
n°. 3.166/2001, editada pelo Estado de Minas Gerais, do atual corpo dos onze ministros que
compõem a Corte Suprema, sete ainda não se pronunciaram sobre a questão. Até agora há três
manifestações favoráveis (Joaquim Barbosa, Carmem Lúcia e Dias Toffoli) e uma
153
manifestação desfavorável (Ellen Gracie) à glosa de créditos de ICMS. Portanto, deve-se
manter e amadurecer o debate, firmes que somos no sentido de que a coerência científica não
se curve às pretensões nocivas de verdades acabadas.
A pesquisa poderia dar-se por encerrada por aqui, já que restou cabalmente
demonstrado que as premissas fixadas são suficientes para corroborar a tese ora defendida de
que são mesmo inconstitucionais as medidas unilaterais de estorno de créditos de ICMS,
adotadas por vários estados. Mas, considerando que tais conclusões não têm sido uníssonas
entre os intérpretes e aplicadores do direito, trataremos de seguir adiante, com a missão de
deixar ainda mais nítido que, à luz dos postulados jurídicos, da aplicação de um adequado
critério exegético e da necessária análise econômica da questão, o que se verificará é um
conflito normativo meramente aparente, que não pode subsistir à unidade e coerência do
ordenamento e que pode ser perfeitamente resolvido com sinergia benéfica.

154
7 CRITÉRIOS EXEGÉTICOS PARA A SUPERAÇÃO DO CONFLITO

7.1 O conflito normativo constitucional instaurado

Toda a análise desenvolvida até agora, especialmente os argumentos suscitados


para negar validade e legitimidade à prática da glosa de créditos de ICMS, partiu de um só
critério básico, o da interpretação conforme a Constituição, que busca atribuir carga máxima
de valoração ao princípio da Supremacia da Constituição, empregando técnicas que afastam
todas as interpretações possíveis da norma questionada, incompatíveis com a Carta Magna.
O constitucionalismo democrático congloba grandes promessas da modernidade.
Trata-se de um modo de observar o direito e de desejar o mundo, portanto, a supremacia da
Constituição não é simplesmente formal; é muito mais que isto. É uma supremacia material e
axiológica, que impõe a leitura de todo o direito infraconstitucional à luz da Constituição,
lupa necessária para interpretar toda e qualquer categoria ou instituto do direito.
A principal conclusão a que chegamos, em conformidade com a atual
jurisprudência do STF, ao se admitir que as normas infraconstitucionais encontrem seu
fundamento de validade na Lei Complementar n°. 24/1975, amparada no art. 155, § 2°, XII, g
da Constituição, é de conflito, ou tensão, entre normas constitucionais, afrontando o princípio
da unidade da Constituição, já que a ordem jurídica, enquanto sistema, pressupõe unidade,
equilíbrio e harmonia.
Essa tensão entre normas pode ser ilustrada conforme a Figura 3:
Figura 3 – Guerra Fiscal: Tensão entre Normas Constitucionais
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Art. 102, I,
“a”

Art. 150, I
Art. 155,
2 ,I
Art. 155, 2 ,
XII, “g”

Art. 150, III


Art. 155,
2 , IV
Art. 152
Explicando, a regra insculpida no art. 155, § 2°, XII, g da CF/88, que, de acordo
com parte da dogmática e jurisprudência, legitimaria as sanções previstas na Lei
Complementar n°. 24/1975, portanto validaria as normas infralegais restritivas de direitos
creditórios, confronta-se não só com as regras da competência do Senado Federal para
fixação de alíquotas interestaduais (art. 155, § 2°, IV) e da competência do STF para
declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual (art. 102, I, a), como,
também, conflita com os princípios da não-cumulatividade (rt. 155, § 2°, I), legalidade (art.
150, I), irretroatividade (art. 150, III) e da não discriminação de bens e serviços, em razão da
origem ou destino (art. 152).
Partindo do pressuposto de que o direito contemporâneo e pós-positivista não
pode admitir hierarquia entre distintas espécies normativas, diante do conflito instaurado entre
normas de cunho eminentemente constitucional, independentemente da espécie normativa em
confronto, se uma regra ou um princípio, o intérprete deverá verificar qual o critério exegético
a ser adotado, a fim de dar a melhor solução ao caso concreto.
Segundo Humberto Ávila (2008, p. 124), o intérprete deve preocupar-se com que
norma irá prevalecer em caso de conflito, assim caracterizado como contraposição concreta
entre normas jurídicas. Deve o hermeneuta ater-se ainda em perquirir se algumas normas
jurídicas têm hierarquia superior (qual norma vale mais ou se sobrepõe?), bem como
investigar as relações de dependência entre as normas jurídicas dentro de um sistema
específico.
Ávila lança crítica sobre a tradicional noção de hierarquia, que parte do conceito
de ordenamento jurídico, enquanto uma estrutura escalonada de normas, sustentando que este
modelo é insuficiente para cobrir a complexidade das relações entre as normas jurídicas. Eis o
seu posicionamento:

Com efeito, várias perguntas ficam sem resposta, segundo esse modelo.
Quais as relações existentes entre as regras e os princípios constitucionais?
São somente os princípios que atuam sobre as regras ou será que as regras
também agem simultaneamente sobre o conteúdo normativo dos princípios?
Quais são as relações existentes entre os próprios princípios constitucionais?
Todos os princípios possuem a mesma função ou há alguns que ora
predeterminam o conteúdo, ora estruturam a aplicação de outros? Quais são
as relações entre as regras legais, já consideradas válidas, e os princípios e as
regras de competência estabelecidos na Constituição? São somente as
normas constitucionais que atuam sobre as normas infraconstitucionais ou
será que essas também agem sobre aquelas? (ÁVILA, 2008, p. 126-127)

156
O autor propõe, então, a substituição da tradicional noção de hierarquia, pautada
em uma sistematização linear (norma superior constitui o fundamento da norma inferior),
simples (baseada numa relação de hierarquia linear entre as normas) e não gradual entre duas
normas jurídicas (normas estão, ou não, sistematizadas enquanto hierarquicamente postas),
que tem sérias implicações no plano da validade das normas, por um novo modelo de
sistematização circular (normas superiores condicionam as inferiores, e as inferiores
contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo (não há apenas uma
relação vertical de hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais e entrelaçadas entre as
normas) e gradual (a sistematização será tanto mais perfeita quanto maior for a intensidade da
observância dos seus vários critérios). (IBID., 125-127).
A questão posta em discussão não é pacífica. É o entendimento de Geraldo
Ataliba citado por Ruy Samuel Espíndola (1999, p. 155-165): "mesmo no nível constitucional,
há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas
pelos princípios. Estes se harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de
modo a assegurar plena coerência interna ao sistema".
Por essa razão, alguns princípios são considerados irreformáveis, ou seja, estão
imantados pela cláusula da inabolibidade, ao passo que outros podem ser, na forma do
processo constitucional legislativo, suprimidos pelo poder constituinte derivado.
Preferimos as conclusões dos que acreditam que não há hierarquia entre as
espécies normativas, apesar de serem elas dotadas de diferentes níveis de concretização e
densidade semântica. O princípio da unidade da Constituição impede a existência de normas
constitucionais antinômicas ou incompatíveis, podendo haver, por outro lado, tensão das
normas entre si, que pode ser resolvida, mediante utilização dos postulados jurídicos e
critérios hermenêuticos, conforme propostas a serem tratadas adiante.

7.2 Os postulados jurídicos como instrumentos de harmonização de conflitos normativos

7.2.1 Sobre os postulados jurídicos

Os postulados são espécies normativas diferentes dos princípios e das regras, por
não se situarem no mesmo nível de aplicação. Enquanto os postulados orientam a aplicação de
outras normas, os princípios e regras são o próprio objeto da aplicação. Além disso, não tem
os mesmos destinatários, pois os princípios e regras são dirigidos primariamente ao Poder

157
Público e contribuintes, ao passo que os postulados são dirigidos para o intérprete e aplicador
do direito. Por isso, qualificam-se como metanormas ou normas de segundo grau (ÁVILA,
2008, p. 122-123). Nos dizeres de Álvaro Cruz, “os postulados devem ser entendidos como
elementos sem os quais soçobram a coerência, a integridade e a consistência do Direito”.
(CRUZ, 2007, p. 37).
Mas os postulados normativos não funcionam como qualquer norma que
fundamenta a aplicação de outra, como é o caso dos sobreprincípios (exemplos: Estado de
Direito, segurança jurídica e devido processo legal). A diferença é que os sobreprincípios
situam-se no próprio nível das normas de aplicação, buscando, no entanto, um estado ideal de
coisas mais amplo que o dos princípios. Os postulados estão em um nível superior de normas
que estruturam efetivamente (e não somente fundamentam) a aplicação de outras. (ÁVILA,
2008, p 135).
Existem dois tipos de postulados: (i) os meramente hermenêuticos, aqueles
destinados à compreensão em geral do Direito e (ii) os aplicativos, cuja função é estruturar a
correta aplicação de outras normas. (ID., IBID.).
Como exemplos de postulados hermenêuticos, citem-se: (i) o postulado da
unidade do ordenamento jurídico, que exige do intérprete o relacionamento entre a parte e o
todo mediante emprego das categorias da ordem e unidade; (ii) o postulado da coerência, que
impõe ao intérprete a obrigação de relacionar determinadas normas com outras que lhes são
superiores e (iii) o postulado da hierarquia, que requer a compreensão do ordenamento como
uma estrutura escalonada de normas. Entre os principais postulados aplicativos destacam-se:
(i) postulado da razoabilidade; (ii) postulado da proporcionalidade e (iii) postulado da
segurança jurídica . (IBID., p. 124).
Pode-se também afirmar que os postulados não funcionam da mesma maneira,
pois alguns são aplicáveis incondicionalmente e outros dependem da existência de
determinados elementos, pautando-se por alguns critérios. Como exemplos de postulados
inespecíficos (incondicionados), destacam-se a ponderação, a concordância prática e a
proibição de excesso. Como exemplos de postulados específicos (condicionados) apontam-se
a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade. (IBID., p. 142-143).
Partindo do pressuposto de que não há hierarquia entre princípios e regras, e tendo
sido apresentado o conceito dos postulados enquanto terceira categoria normativa, imperioso
se faz definir qual o melhor caminho a ser seguido no caso de conflito entre normas
constitucionais.

158
7.2.2 Em busca do melhor critério exegético – a técnica da ponderação

Há muito tempo a subsunção31 deixou de ser a única fórmula de aplicação do


direito. Apesar de não poder ser descartada, trata-se de técnica insuficiente quando se está
diante de hipótese em que mais de uma norma possa ser aplicada a um conjunto de fatos.
Basta voltarmos os olhos para o problema central da pesquisa para confirmarmos
tal assertiva. O que pretendeu o art. 155, § 2°, XII, g da CF/88 ao outorgar à lei complementar
competência para dispor sobre de estados e distrito federal concederem ou revogarem
benefícios fiscais? Ora, pretendeu evitar a guerra fiscal e garantir a harmonia entre os entes
políticos, mantendo o equilíbrio do pacto federativo. Por outro lado, as sanções impostas pela
lei complementar, que exerceu tal competência (LC n°. 24/1975), por violarem direitos
fundamentais dos contribuintes.
Notamos que o Diploma Fundamental tutela valores e interesses que, não raro, são
potencialmente conflitantes, razão pela qual suas normas acabam por entrar em rota de
colisão. Eis que surge a ponderação como técnica de decisão jurídica aplicável a casos
difíceis, em relação a qual a subsunção se mostra insuficiente, especialmente se a situação
concreta der ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia, a indicar diferentes soluções.
Luiz Roberto Barroso (2010, p. 360-362) ensina que este processo interpretativo
pode ser sintetizado nas seguintes etapas: (i) detectar no sistema as normas relevantes para a
solução do caso, identificando eventuais conflitos; (ii) examinar os fatos, as circunstâncias
concretas do caso e sua interação com os elementos normativos e (iii) examinar de forma
conjunta os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos, de modo a apurar os pesos
a serem atribuídos aos diversos elementos em disputa, e, portanto, o grupo de normas que
deve preponderar no caso. Nesta última etapa, deve-se, ainda, graduar a intensidade da
solução escolhida, isto é, o quão intensamente as normas escolhidas irão prevalecer sobre as
demais. Isto só é possível a partir da adoção dos postulados aplicativos da razoabilidade e
proporcionalidade.
Para não nos distanciarmos do foco deste trabalho, não serão expostas outras
técnicas hermenêuticas modernas, eficientes (como, por exemplo, a técnica argumentativa) e
igualmente capazes de assegurar uma adequada interpretação constitucional, cônscios de que

31
A técnica da subsunção pode ser definida como aquela em que o aplicador busca enquadrar uma premissa
menor, os fatos, a uma premissa maior, a norma jurídica, uma vez que a situação ocorrida no mundo fenomênico
se amolda perfeitamente à norma geral e abstrata, o que traz como conseqüência o surgimento de uma norma
individual e concreta.
159
a técnica da ponderação é mais que suficiente para o deslinde da problemática da glosa de
créditos de ICMS.
Estabeleceremos, então, um critério metodológico para que possamos empreender
a ponderação dos interesses e valores em jogo, tendo como base as já identificadas normas
constitucionais conflitantes. Para tanto, percorreremos o seguinte caminho analítico: (i)
análise dos interesses do contribuinte que sofre a glosa de créditos de ICMS (sujeito ativo que
tem direito subjetivo ao crédito de ICMS), à luz do sobreprincípio da segurança jurídica; (ii)
análise dos interesses da Fazenda Pública Estadual (sujeito passivo cujo dever jurídico é
admitir o crédito de ICMS) que impõem a glosa de créditos de ICMS, à luz dos
sobreprincípios da justiça fiscal e (iii) utilização dos postulados da razoabilidade,
proporcionalidade e eficiência para sopesar as normas conflitantes para então concluir pela
melhor solução a ser dada a problemática.
Noutra perspectiva, isolaremos as normas constitucionais conflitantes e daremos
foco aos sobreprincípios situados no mesmo plano normativo dos princípios e regras em
tensão, porém que abarcam um maior espectro do estado ideal de coisas a ser alcançado, para
então subirmos para o plano das normas de segundo grau (metanormas) ou postulados da
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, permitindo o exercício da técnica de
ponderação, então proposta.

7.2.3 Segurança jurídica e proteção da boa fé dos contribuintes

As relações entre estado e contribuintes exigem proteção contra qualquer ato


tendente a suprimir direitos dos sujeitos nas relações jurídicas, sendo que toda iniciativa nesse
sentido deve estar fundamentada no sistema constitucional tributário vigente.
A segurança jurídica é conclamada a garantir os interesses inerentes a sociedade e
dar efetividade ao Estado Democrático de Direito, na medida em que estabelece o dever de
buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade da atuação
do Poder Público. (ÁVILA, 2010, p. 308).
Sayonara de Medeiros Cavalcante (2009) reflete sobre os fins da segurança
jurídica:

Assim, a segurança jurídica torna possível às pessoas o conhecimento an-


tecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos, sem sujeitar-se à
conveniência política de cada momento.

160
Registre-se que o conteúdo da segurança não se confina em uma estrutura
eminentemente fechada e impregnada de conceitos estáticos. É, antes, algo
dinâmico que busca a consecução dos valores jurídicos, pautando-se por uma
interpretação teleológica, em que maior é a finalidade da norma, sobretudo a
partir da Constituição de 1988. Nesse arcabouço teórico, compreende-se,
então, que a segurança jurídica se sustenta na garantia de certeza e
estabilidade, mediante as quais as pessoas possam estar sempre cientes de
seus direitos, não havendo dúvida quanto à impossibilidade de eventos
inesperados, no campo jurídico, sem o seu prévio conhecimento.
(CAVALCANTE, 2009, p. 114).

A segurança jurídica atua como sobreprincípio ou limitação de primeiro grau ao


poder de tributar por direcionar a aplicação de outras normas que estão no mesmo patamar, ou
representar o entrelaçamento de outros princípios (legalidade, anterioridade, irretroatividade,
vedação ao confisco, dentre outros), os quais, além de realizar o seu conteúdo ou buscar o seu
estado ideal de coisas, primam ao dar efetividade a um princípio dotado de maior carga
axiológica.
A sociedade contemporânea altamente complexa é determinada pela necessidade
de um sistema jurídico que se preste a fornecer estabilidade, a tutelar as expectativas
legitimamente criadas e proteger a confiança. Erigem, portanto, do ordenamento jurídico e
como desdobramentos do sobreprincípio da segurança jurídica, os princípios da proteção da
confiança e da boa fé, que, apesar de implícitos, não perdem efetividade e a natureza própria
de princípios, os quais têm importância prática na solução de conflitos e harmonização das
normas positivadas. (DERZI, 2009, p. 316 e 321).
A idéia de boa fé está muito ligada às noções de moral e de ética. A boa fé pode
ser examinada em suas feições subjetiva e objetiva em relação às quais, Elcio Fonseca Reis
(2008, p. 71 e 102) traçou precisas distinções. Para o eminente professor mineiro, a boa fé
subjetiva se funda no erro ou na ignorância da verdadeira situação do sujeito dentro da relação
jurídica, consistente na sua crença ou ignorância de agir conforme o Direito. Já a boa fé
objetiva atua diretamente na relação jurídica, valendo como norma de interpretação, de
controle de posição jurídica, de limitação de exercícios de direito subjetivo e de direito
potestativo.
Na doutrina que se preocupou em estabelecer uma diferenciação entre os
princípios da proteção da confiança e da boa fé, principalmente a estrangeira, não há qualquer
consenso. A expressão boa fé é utilizada por uns como sinônima de proteção da confiança;
outros consideram a proteção da confiança com conseqüência da boa fé, havendo ainda

161
aqueles que pensam exatamente em sentido contrário, isto é que a boa fé estaria abrangida
pelo princípio da proteção da confiança.
Misabel Derzi (2009) em profunda e aclamada pesquisa sobre o tema, apresenta a
seguinte proposta de distinção elaborada pelo jurista alemão Roland Kreibich:

Pondera Kreibich que, no plano abstrato e geral, existem aplicações inerentes ao


princípio da proteção da confiança, que não têm relação direta com a boa-fé, a
saber: (a) a irretroatividade das leis; (b) a obrigatoriedade do cumprimento de
promessas e de prestação de informações; (c) a proteção contra a quebra ou
modificação de regras administrativas; (d) a proteção contra a modificação
retroativa da jurisprudência; (e) a garantia da execução de planos governamentais.
(...)
Assim, em toda hipótese de boa-fé existe confiança a ser protegida. Isso significa
que uma das partes, por meio de seu comportamento objetivo criou confiança em
outra, que, em decorrência da firme crença na duração dessa situação desencadeada
pela confiança criada, foi levada a agir ou manifestar-se externamente, fundada em
suas legítimas expectativas que não podem ser frustradas. Mas Krebich aponta
como divergência existente entre o princípio da proteção da confiança e o da boa-
fé, o fato de o primeiro, por ser mais abrangente, aplicar-se às situações gerais,
abstratas e àquelas concretas; já o segundo, o princípio da boa-fé somente alcança
uma situação jurídica individual e concreta, ou seja, alcança não as leis e os
regulamentos normativos, mas apenas os atos administrativos individuais e as
decisões judiciais. (DERZI, 2009, p. 378-379).

Coerentemente Misabel Derzi (IBID., p. 381) enriquece esses argumentos,


fazendo ressalvas ao modelo distintivo proposto por Kreibich, com vistas a adaptá-lo à ordem
jurídica brasileira. Destaca que pode, sim, haver sobreposição entre os princípios em foco,
mas os mesmos não se esgotam, ocorrendo situações em que o espaço de atuação da boa fé
não é alcançado pelo princípio da confiança, de modo que prefere entender que ambos são
princípios constitucionais deduzidos da segurança jurídica, que poderão se integrar em
diversas circunstâncias, mas não se anulam mutuamente.
Com base nessas preciosas lições, é possível analisar as expectativas e os
interesses do contribuinte adquirente de mercadorias em operações interestaduais
incentivadas, que sofrem a glosa de crédito de ICMS, à luz dos princípios da proteção da
confiança e da boa fé.
Em primeiro lugar consideramos que o contribuinte adquirente na maioria dos
casos desconhece os benefícios fiscais concedidos por outros estados aos seus fornecedores, e
não poderia ser diferente, pois independentemente do valor do imposto pago na operação
anterior, o ICMS incidente na operação interestadual que é destacado na nota fiscal, sendo
este o crédito a ser apropriado pelo destinatário. Não há qualquer problema jurídico em tal

162
prática, pois o princípio da não-cumulatividade dispensa a aferição daquilo que realmente foi
pago nas operações anteriores.
Mas admitamos, num raciocínio dialético, que a premissa máxima do verdadeiro
alcance do princípio da não-cumulatividade pudesse ser afastada. Suponhamos que: (i) viesse
a prevalecer o entendimento segundo o qual para fins de apuração do crédito das operações
anteriores considera-se o imposto pago e não o imposto incidente,ou (ii) viesse a prevalecer o
entendimento de que outros benefícios fiscais, como redução de base de cálculo ou de
alíquota, isenção parcial, alíquota zero, crédito presumido, diferimento, etc., constituem
modalidades de isenção, sendo, portanto, considerados exceções ao princípio da não-
cumulatividade (como já vem julgando o STF nos últimos tempos).
Diante da concretização desses cenários, afloram duas indagações: (i) a
apropriação do crédito de ICMS tornar-se-ia um fato contrário à ordem jurídica? A resposta
seria SIM; (ii) em razão disso, poderia ser considerada legítima a glosa de créditos de ICMS?
A resposta definitivamente é NÃO, justamente devido ao princípio da proteção da boa fé, que
tutela o contribuinte adquirente, não conhecedor dos benefícios fiscais concedidos pelo estado
de origem das mercadorias ao seu fornecedor, ou melhor, ignora estar agindo em
desconformidade com o direito ou não está consciente da verdadeira situação jurídica que
invalida a sua conduta, toma o crédito do imposto integralmente destacado na nota fiscal.
O STJ uniformizou entendimento acerca da legitimidade do aproveitamento do
crédito de ICMS pelo contribuinte de boa fé destinatário das mercadorias, inclusive nos casos
em que restar reconhecida e declarada a inidoneidade da documentação fiscal, que suportou a
operação:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS
DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-
CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE
DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 1. O
comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida
pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode
engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-
cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda
efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz
efeitos a partir de sua publicação (Precedentes das Turmas de Direito
Público: EDcl nos EDcl no REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise Arruda,
Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 10.04.2008; REsp
737.135/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
14.08.2007, DJ 23.08.2007; REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise
Arruda, Primeira Turma, julgado em 07.08.2007, DJ 10.09.2007; REsp
246.134/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma,
163
julgado em 06.12.2005, DJ 13.03.2006; REsp 556.850/MG, Rel. Ministra
Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.04.2005, DJ 23.05.2005;
REsp 176.270/MG, Rel.Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado
em 27.03.2001, DJ 04.06.2001; REsp 112.313/SP, Rel. Ministro Francisco
Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 16.11.1999, DJ 17.12.1999;
REsp 196.581/MG, Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em
04.03.1999, DJ 03.05.1999; e REsp 89.706/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler,
Segunda Turma, julgado em 24.03.1998, DJ 06.04.1998). 2. A
responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento
da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção
da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao
Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o artigo 136, do CTN, segundo o
qual "salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações
da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e
da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato" (norma aplicável, in
casu, ao alienante). 3. In casu, o Tribunal de origem consignou que: "(...)os
demais atos de declaração de inidoneidade foram publicados após a
realização das operações (f. 272/282), sendo que as notas fiscais declaradas
inidôneas têm aparência de regularidade, havendo o destaque do ICMS
devido, tendo sido escrituradas no livro de registro de entradas (f. 35/162).
No que toca à prova do pagamento, há, nos autos, comprovantes de
pagamento às empresas cujas notas fiscais foram declaradas inidôneas (f.
163, 182, 183, 191, 204), sendo a matéria incontroversa, como admite o
fisco e entende o Conselho de Contribuintes." 4. A boa-fé do adquirente
em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do
negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado), uma vez
caracterizada, legitima o aproveitamento dos créditos de ICMS. 5. O
óbice da Súmula 7/STJ não incide à espécie, uma vez que a insurgência
especial fazendária reside na tese de que o reconhecimento, na seara
administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera efeitos ex tunc, o que
afastaria a boa-fé do terceiro adquirente, máxime tendo em vista o teor do
artigo 136, do CTN. 6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao
regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp
1148444/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em
14.04.2010, DJe 27.04.2010).32 (Grifamos)

Havemos de levar em conta a dificuldade que o próprio estado de destino tem de


obter prova material de que o contribuinte (fornecedor), sediado em outro estado da
Federação efetivamente goza de privilégios fiscais. É óbvio que um estado é incompetente
para exigir informações de contribuintes sediados em unidade federativa diversa. As relações
jurídicas entre estados e contribuintes são protegidas, inclusive, por sigilo fiscal e tidas como
confidenciais. Os documentos fiscais que suportam as operações interestaduais não têm
qualquer elemento indicativo da existência de benefícios fiscais, concedidos na origem.
Então, se até os próprios estados experimentam essa dificuldade, não podem, por via
transversa, constranger os seus contribuintes a estornarem o crédito de ICMS; primeiro

32
Vide também a Súmula 571 do STF: O comprador de café ao IBC, ainda que sem expedição de nota fiscal,
habilita-se, quando da comercialização do produto, ao crédito do ICM que incidiu sobre a operação anterior.
164
porque estes não têm a obrigação de conhecer a legislação dos estados de seus fornecedores e,
segundo, por não poderem desconsiderar o imposto destacado na nota fiscal.
De igual forma, à luz do princípio da proteção da confiança, a glosa de créditos de
ICMS também não se sustenta. Ainda que os estados defendam que o contribuinte não pode
alegar o desconhecimento ou ignorância quanto aos benefícios fiscais inválidos, posto que já
teriam sido editadas normas restritivas do seu direito creditório, o fato é que tais diplomas,
como assentado, não têm o condão de declarar a inconstitucionalidade de normas instituídas
por outros entes federativos, já que esta competência é exclusiva do Supremo Tribunal
Federal. Admitir essa possibilidade significaria esgotar o princípio da presunção de
constitucionalidade das leis e dos atos emanados do Poder Público.
A conseqüência disso é a geração de enorme desconfiança do contribuinte
adquirente, em relação ao seu estado, este incompetente que é para dizer sobre a
inconstitucionalidade de outro estado e aplicar sanção não autorizada. Além disso, o estado do
contribuinte destinatário promove aplicação retroativa às normas restritivas de direitos
creditórios, criando nova obrigação, inovando o ordenamento jurídico e tornando imprevisível
a atuação do Poder Público.
Esse cenário importa instabilidade total das relações jurídicas, tornando o
contribuinte adquirente desconfiado e receoso de qual caminho seguir. O contribuinte perdido
e inseguro se pergunta: (i) devo cumprir a legislação do meu estado?; (ii) devo observar o
princípio de presunção de constitucionalidade das leis e atos emanados pelos estados de meus
fornecedores, já que não houve pronunciamento em sentido contrário pelo Poder Judiciário?;
(iii) precisarei exigir que meu fornecedor comprove que não utiliza incentivo fiscal,
assumindo as funções fiscalizatórias, inerentes a própria administração fazendária?; (iv) e se
for constatada a utilização de benefícios pelo meu fornecedor, como emitir juízo de valor a
respeito da validade, ou não, dos favores estatais?; (v) de que adianta cumprir a legislação de
meu estado para evitar autuação, se daqui a pouco, ao tomar conhecimento de novos
benefícios concedidos por outros entes, aqui e acolá, então atualizará sua norma e dando-lhe
efeitos retroativos?
Concluindo, se há quebra da confiança depositada pelo contribuinte na relação
jurídica geral e abstrata prevista na lei, o direito positivo perde estabilidade e previsibilidade,
gera insegurança jurídica e agride o princípio da proteção da confiança. Nesse contexto, o
poder legítimo de tributar acaba se transformando em um abominável poder de destruir.

165
7.2.4 Justiça fiscal e solidariedade social

É incontroverso o fato de que o dever de pagar tributos é um dever fundamental.


O tributo precisa ser encarado não como um sacrifício, mas como contribuição para a
realização dos objetivos do Estado que, pelo menos em tese, busca assegurar o melhor
convívio social. Por isso, é possível dizermos que o Direito Tributário é o Direito da
Coletividade, já que afeta não só as relações entre cidadão/estado, mas entre os cidadãos uns
com os outros. (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 15).
A justiça fiscal erige-se como valor supremo do estado de direito e impondo-lhe
que assegure a toda a sociedade uma tributação formal e materialmente justa. Assim, somente
a violação a uma regra tributária justa pode justificar a aplicação de uma sanção, igualmente
justa, buscando equilibrar as necessidades arrecadatórias do Poder Público com a liberdade do
contribuinte ao exercício de suas atividades, o que determina limites à oneração fiscal (IBID.,
p. 18).
Paulo Caliendo (2005, p. 381-384) analisa os fundamentos do poder de tributar
sob três diferentes perspectivas: (i) sob o ponto de vista do pensamento conceitual, o poder de
tributar deve ser entendido como fruto do poder soberano, já que o tributo é essencialmente
uma forma compulsória de transferência de riqueza privada para o Estado (o debate cinge-se
entre os conflitos indivíduo-Estado, bem como em relação ao alcance do jus impositionis); (ii)
sob a acepção do pensamento normativista, o poder de tributar é o exercício da competência
tributária amparada em procedimentos e regras previstos no ordenamento jurídico (o debate
limita-se à consistência do sistema jurídico, à validade e eficácia das normas, à correta
compreensão do fenômeno da incidência tributária e ao mau uso da linguagem jurídica); (iii)
sob a perspectiva do pensamento sistemático, o poder de tributar visa à concretização de um
valor (o debate centra-se na necessidade de descobrir no sistema jurídico um meio de
realização da justiça, superando-se o dilema entre indivíduo e coletividade, procurando nova
síntese na cooperação para a manutenção da esfera pública de liberdade e igualdade).
A partir do desenvolvimento da dogmática jurídico-tributária, a idéia de justiça
fiscal se acentuou gradativamente, a ponto de hoje ser considerada sobreprincípio, já que dela
outros princípios derivam e buscam orientação (isonomia, capacidade contributiva,
progressividade, seletividade, dentre outros).
O objetivo desta seção é, tão-somente, o de tentarmos obter resposta para a
seguinte questão: após a declaração de inconstitucionalidade pelo STF da norma concessiva

166
de benefício fiscal, seria justa a aplicação da sanção preconizada na segunda parte do inciso I
do art. 8° da LC n°. 24/75 (ineficácia do crédito)?
Independentemente da aplicação de tal sanção ser, ou não, compatível com o
princípio da não-cumulatividade, os estados alegam que: (i) a finalidade das sanções previstas
no art. 8° da LC n°. 24/75 é coibir a guerra fiscal e garantir neutralidade; (ii) toda tributação
encontra fundamentos na solidariedade social e, portanto, os prejuízos decorrentes da atitude
do estado de origem que concedeu benefício fiscal inválido, devem ser repartidos e custeados
por toda a sociedade, inclusive pelos contribuintes adquirentes de mercadorias, sediados em
outro estado.
O desafio é, pois, investigar se a justificativa de tributação com base na
solidariedade social, notadamente no caso da aplicação da sanção da glosa de créditos de
ICMS, garante ou despreza a realização de justiça fiscal.
Devemos levar em conta que o objetivo fundamental do Estado é a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do art. 3°, I da Constituição brasileira. Mas
estes valores devem se equilibrar entre si.
A composição entre liberdade, igualdade e solidariedade está sintetizada no
conceito de Estado democrático de direito, que abrange uma concepção mesclada de um
Estado de direito protetivo com um Estado social intervencionista, o que, segundo Marco
Aurélio Greco (2005, p. 53-55), significa equilíbrio: “Não se trata de a liberdade valer mais
que a solidariedade ou a solidariedade mais que a liberdade. Não há predomínio de um sobre
o outro. Há, isto sim, necessidade de compor liberdade com solidariedade e solidariedade com
liberdade.”
Cabe ao intérprete, aspirando unidade de sentido da Constituição, evitar que o
reconhecimento do Estado democrático de direito, a pretexto de consagrar valores
sobremaneira abstratos, como a solidariedade, acabe impondo a utilização desvirtuada das
necessárias funções sociais do Estado e culmine em arbítrio ou excesso de poder.
O ponto, então, é verificarmos se distribuir os prejuízos decorrentes da repudiada
guerra fiscal entre toda a sociedade (contribuintes vendedores do estado de origem que
efetivamente fruíram os benefícios invalidados pelo Poder Judiciário, e os contribuintes
adquirentes do estado de destino, que sequer tinham conhecimento da existência desses
benefícios), em nome da solidariedade social, é algo justo, concretizando o ideal de um estado
protetivo, mas, ao mesmo tempo, intervencionista.

167
A polêmica surge quanto à possibilidade de aplicação da sanção depois da
declaração de inconstitucionalidade pelo STF, pois se for aplicada antes da manifestação do
judiciário, haverá, como vimos, instituição de nova obrigação tributária, isto é, não estamos
diante de uma sanção/penalidade, mas, sim, de nítida imposição fiscal.
Humberto Ávila (2005) não vislumbra a menor possibilidade de se justificar a
tributação, com base no princípio da solidariedade social:

Não há poder de tributar com base no princípio da solidariedade social de


acordo com a Constituição de 1988. A conclusão anterior é reforçada pelos
próprios princípios que, ao lado da solidariedade, estão previstos na
Constituição Federal. É que a tributação com base na solidariedade social
contraria, entre outras normas, as regras de competência e o sobreprincípio
da segurança jurídica e seus subelementos da legalidade, da irretroatividade
e da anterioridade. (ÁVILA, 2005, p. 71).

A palavra sanção, segundo Aurélio Pitanga Seixas Filho (2004, p. 47), significa
“forma (punição ou pena) determinada pela lei para quem desobedecer a sua ordem ou
comando”. Verificamos pelo conceito apresentado que uma sanção é penalidade para o sujeito
efetivamente descumpridor da lei; aqui, o estado que concedeu o benefício fiscal inválido ou,
no máximo, para o contribuinte que aproveitou esse benefício. A penalidade, em regra, não
pode ser imputada a terceiro que não tenha qualquer relação jurídica com os sujeitos
envolvidos no ato de fomento a guerra fiscal, a menos que se trate de uma típica hipótese de
responsabilidade tributária, o que de longe não é o caso.
Por isso, ainda que na sua feição de sanção, a glosa de créditos de ICMS não exala
justiça fiscal, pois em nome do valor solidariedade social aniquila-se o valor liberdade, uma
vez que há interferência direta no exercício da atividade privada de terceiro, estranho à
relação ou ao ato jurídico, que ensejou a infração. E quando dois valores máximos objetivados
pelo estado colidem, a conseqüência é a não realização do sobreprincípio justiça fiscal.

7.2.5 Razoabilidade e proporcionalidade

Após investigação das normas em pleno estado de tensão, bem como depois do
exame dos fins buscados pelos sobreprincípios da segurança jurídica e justiça fiscal,
passaremos ao estudo da forma de aplicação dessas normas (regras, princípios e
sobreprincípios), ingressando no terreno das metanormas.

168
A razoabilidade e a proporcionalidade, embora comumente tratadas pela doutrina
como princípios, neste trabalho serão empregadas como postulados, isto é, normas
estruturantes de segundo grau, que orientam a aplicação de princípios ou regras.
Luís Roberto Barroso (2006, p. 141) define a razoabilidade como “um parâmetro
de valoração dos atos do poder público para aferir se eles estão informados pelo valor superior
inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça”. O autor acredita que a razoabilidade seria
uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, ou seja, pelos aplicadores do direito, a fim
de permitir maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, possibilitando a análise
de sua compatibilidade com o sistema de valores elencados na Constituição.
Hugo de Brito Machado (2009, p. 33) leciona ser a razoabilidade uma diretriz da
razão humana, a preconizar a interpretação das leis conducentes a soluções racionais, de modo
que entre duas ou mais soluções possíveis, em face da lei, opta-se pela que se mostre mais
racional. Sem dúvida, à luz de tal conceito, a razoabilidade carregaria elevada carga de
subjetividade e teria pouca utilidade prática para este estudo.
Foi com o propósito de permitir um discurso mais estruturado do direito que
Humberto Ávila (2010, p. 424-425) encontrou estes consistentes critérios de aplicação do
postulado da razoabilidade: (i) diretriz que exige a relação das normas gerais com as
individualidades do caso concreto (razoabilidade-eqüidade); (ii) diretriz que exige uma
vinculação das normas jurídicas com o mundo a que fazem referência (razoabilidade-
congruência); (iii) diretriz que exige relação de equivalência entre duas grandezas
(razoabilidade-equivalência); (iv) diretriz que exige a consistência entre os elementos
constantes de uma regra jurídica, especialmente proibindo a validade de normas que instituem
deveres contraditórios ou sem qualquer sentido prático (razoabilidade-coerência).
O postulado da proporcionalidade, por sua vez, exige que os poderes legislativo e
executivo escolham meios adequados, necessários e proporcionais para a realização de seus
fins. Ávila (2008) dá a exata dimensão do conceito em tela:

Um meio é adequado, se promove o fim. Um meio é necessário, se dentro


todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o
menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é
proporcional em sentido estrito, se as vantagens que promove supera as
desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação
de causalidade entre o meio e o fim, de tal sorte que, adotando-se o meio
promove-se o fim. (ÁVILA, 2008, p. 159).

169
A aplicação do postulado da proporcionalidade deverá ser precedida de três
exames fundamentais: (i) o da adequação; (ii) o da necessidade e (iii) o da proporcionalidade,
em sentido estrito. (IBID., p. 161-162).
Paulo Bonavides cita frase de Jellinek (2000, p. 356) que dá a exata noção daquilo
que se pretende concluir com o emprego do postulado da proporcionalidade: “o problema da
proporcionalidade é saber se não se atirou no pardal com um canhão”.
Verifica-se que o postulado da razoabilidade exige uma relação entre a medida
adotada e o critério que a dimensiona. Já o postulado da proporcionalidade requer uma relação
entre meio e fim.
Foquemos novamente a problemática da glosa de créditos de ICMS, agora, sim,
ponderando todos os princípios e regras em tensão, utilizando-nos, para tanto, dos postulados
da razoabilidade e da proporcionalidade.
A razoabilidade leva em conta, numa interpretação normativa, aquilo que
normalmente acontece e não o extraordinário. Por isso, as normas infralegais restritivas de
direitos creditórios, com fulcro na LC n°. 24/1975, não observam o critério da razoabilidade-
eqüidade, pois presumem que os benefícios fiscais concedidos por outras unidades federativas
são inconstitucionais e, ao proceder desse modo, ignoram o que normalmente acontece, isto é,
que deve haver presunção de constitucionalidade de leis e atos emanados do Poder Público, e
não o contrário. Um estado não é competente para declarar a inconstitucionalidade de normas
editadas por outros estados. Assim, a aplicação deste tipo de regra deve excluída por falta de
motivação.
De igual forma, a razoabilidade impõe que o legislador eleja causas existentes ou
suficientes para atuação estatal. No caso, sem a necessária manifestação pelo Poder Judiciário
acerca da inconstitucionalidade das normas concessivas de privilégios fiscais, não existem
razões para suportar a exigência do estorno de créditos de ICMS. A partir disso, a norma
torna-se arbitrária e deixa de observar o critério da razoabilidade-congruência.
A medida adotada pelo tipo de norma em análise, isto é, a ineficácia do crédito,
não equivale ao critério a ser corretamente considerado, em que o crédito deve corresponder
ao imposto incidente nas operações anteriores. Ao utilizar critério distinto, o de
correspondência do crédito ao imposto pago na operação anterior, acaba distorcendo a correta
dimensão da medida, deixando, então, de observar o critério da razoabilidade-equivalência.
A razoabilidade, por fim, determina a coerência, ou ausência de contrariedade, da
norma com outras normas constantes do ordenamento jurídico. Assim, o simples fato das

170
normas infralegais restritivas de direitos creditórios conflitarem com os princípios da não-
cumulatividade, legalidade, irretroatividade, não-discriminação de bens, em razão da
procedência ou destino, inclusive com as regras que definem as competências exclusivas do
Senado Federal para a fixação de alíquotas e a do Supremo Tribunal Federal para declarar a
inconstitucionalidade de normas ou atos estaduais, por si só, já importa absoluta incoerência
sistemática. Logo, não há observância do critério da razoabilidade-coerência, o que torna tais
normas essencialmente contraditórias.
Em última análise, testemos as normas restritivas de direitos creditórios à luz do
postulado da proporcionalidade. Pelo critério de adequação, questionamos: o meio promove o
fim? Para responder, devemos, antes, formular outra pergunta, não menos importante: qual o
fim da norma restritiva em exame? O fim é, sem dúvida, coibir a guerra fiscal. Então, a glosa
de créditos de ICMS consegue alcançar a sua finalidade? É claro que não; muito pelo
contrário. Todo o contexto apresentado neste estudo evidencia que, ausentes métodos
eficientes para coibi-la, a guerra fiscal só vem se acentuando.
Pelo critério da necessidade, questionamos: dentre os meios disponíveis e
igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo dos direito
fundamentais afetados? É certo que há um meio infinitamente menos restritivo do direito
fundamental do contribuinte ao crédito do ICMS incidente nas operações anteriores. Este
meio é justamente a adequada propositura de ADI perante do STF, em face do estado que
ilegitimamente concedeu incentivo fiscal, em desacordo com a Constituição. Não se pode, sob
qualquer pretexto ou argumento, apenar e retaliar o contribuinte adquirente das mercadorias
incentivadas, visto que não cometeu qualquer infração e não contribuiu em nenhuma medida
para deflagrar o conflito interjurisdicional.
Pelo critério da proporcionalidade, em sentido estrito, perguntamos: as vantagens
trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do
meio? Definitivamente não, pois, em primeiro lugar a glosa de créditos não alcança o seu fim,
o de coibir a guerra fiscal e, depois, porque causa sensíveis prejuízos ao contribuinte sediado
no estado que editou a norma restritiva, agredindo a sua liberdade de atuação, a ponto de
comprometer a manutenção de suas atividades econômicas e operacionais.
Sendo assim, a glosa de créditos de ICMS não se sustenta sob nenhum dos
critérios de aplicação dos postulados da razoabilidade ou da proporcionalidade.

171
7.3 Uma análise econômica da questão

O fenômeno da tributação é intersistêmico na medida em que guarda íntima


relação com política, economia e direito. Somente a partir de uma leitura dessas trocas entre
os subsistemas sociais encontraremos sentido nas respostas às complexidades e problemáticas
da sociedade contemporânea.
O direito precisa ser realmente útil na solução de conflitos econômicos e sociais,
razão por que as questões subjetivas devem ficar adstritas ao campo da política. Nesse
sentido, a análise econômica do direito é relevante para a evolução do pensamento jurídico, na
medida em que leva à reflexão sobre os resultados a serem alcançados pelas trocas entre
agentes econômicos, colocando o direito como sistema de base, contribuindo para a
compreensão de sua função e das instituições jurídicas. (ELALI, 2010, p. 67).
A análise econômica do direito também pode ser importante quando em relação a
um mesmo caso jurídico concreto ou casos semelhantes puder resultar decisões antagônicas,
mas todas suportadas em normas de igual hierarquia (como é o caso dos princípios e regras de
índole constitucional).
Trata-se de contribuição teórica rica e prática. A ciência econômica é considerada
por Cristiano Carvalho e Ely José de Mattos (2008) a ciência social até hoje mais exitosa,
devido ao seu caráter empírico e forte matematização, capaz de descrever e prever o
comportamento futuro do seu objeto, que nada mais é que a escolha humana, isto é, a forma
de escolha dos indivíduos para agir, em face da escassez de recursos do mundo. A ciência
econômica pode ser aplicada a todo e qualquer comportamento humano, que envolva escolhas
individuais. Nesse sentido, como o direito positivo prescreve condutas e limita os raios dessas
escolhas, e a própria produção normativa é realizada igualmente por indivíduos que também
precisam escolher, pois o direito também é escasso, a análise econômica torna-se bastante
apropriada para descrever os fenômenos jurídicos e prescrever modos do direito ser mais
eficiente.
Para uma análise econômica de qualquer questão jurídica, é necessário, antes,
buscar compreender o conceito de eficiência. Dennis Galligan, citado por Ávila (2010, p.
442), vislumbra a concretização da eficiência, a partir do atendimento de duas exigências: (i)
o dever de atingir o máximo do fim, com o mínimo de recursos (efficiency) e (ii) o dever de,
com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiviness).

172
Humberto Ávila (ID., IBID.) qualifica o dever de eficiência como um postulado
que “estrutura o modo como a administração deve atingir os seus fins e qual deve ser a
intensidade da relação entre as medidas que ela adota e os fins que ela persegue”. Para Ives
Gandra Martins (2006, p. 31), a eficiência é um princípio que pode ser definido como “a
adoção de política tributária com mecanismos e instrumentos legais capazes de gerar
desenvolvimento e justiça fiscal, sendo, pois, a arrecadação, mera conseqüência natural e
necessária, para que, sem ferir a capacidade contributiva, gere serviços públicos à comunidade
proporcionais ao nível impositivo”.
Paulo Caliendo (2008) delimita ainda mais o conceito de eficiência e o distingue
de outros conceitos correlatos, como os de eficácia e efetivo:

Poderíamos afirmar que a eficiência é o processo que produz a maior


quantidade de resultados com a menor utilização de meios. A eficácia seria a
produção de resultados com a maior produção de efeitos e a efetividade a
maior produção de efeitos no tempo. (CALIENDO, 2008, p. 70).

A Constituição Federal de 1988 positivou a eficiência como um princípio a ser


observado pela administração pública, conforme se extrai do dispositivo transcrito a seguir:

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: (...) (Grifamos)

No entanto, no plano normativo, com suporte nas lições de Humberto Ávila


(2010, 442-447), cremos que o dever de eficiência, na verdade, não é um princípio, mas, sim,
um postulado, por direcionar a aplicação de outras normas. E seguindo os valiosos critérios
metodológicos elucidados pelo mesmo autor, faremos a análise econômica das normas que
impõem a glosa de créditos de ICMS, sob duas principais perspectivas: (i) a da eficiência,
como dever de escolher o meio menos custoso e (ii) a da eficiência, como dever de promover
o fim de modo mais satisfatório.
Na verdade, estas perspectivas devem ser encaradas como limitações ao poder de
tributar e não o modo de se impor a tributação, para ser eficiente. Explica-se.
Sob o primeiro ângulo, é claro que para a Fazenda Pública estadual será muito
menos custoso ou burocrático glosar direta e unilateralmente o crédito de ICMS de seus
contribuintes que ingressar com uma ADI, perante o STF, em face do estado que efetivamente

173
está a lhe causar prejuízos. Essa medida é muito mais célere, uma vez que garante o
abastecimento dos cofres públicos de forma imediata e não deixa o fisco à mercê da
morosidade do judiciário. Mas o fato da glosa de créditos se apresentar mais interessante
economicamente e menos custosa não significa que deva ser adotada. É que o critério em
pauta impõe à administração o dever de escolher, dentre os meios existentes, o menos
dispendioso; desde que em qualquer dos caminhos possíveis para alcançar o mesmo fim, não
haja restrição aos direitos dos seus contribuintes.
Sob o segundo ângulo deve ser analisado se a fazenda pública estadual, para
alcançar o seu fim, coibir a guerra fiscal e não ser prejudicada em razão dela, deveria escolher
o meio que irá promover o fim de modo mais satisfatório possível ou se bastaria
simplesmente a promoção do fim. É que não pode a administração promover seus fins a partir
da escolha entre meios pautada em aspectos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Ou
melhor, a administração, para ser eficiente, não tem liberdade de escolher se um meio pode
promover mais ou menos o fim que outros meios, ou se pode promover pior ou melhor o fim,
ou se pode ainda promover o fim com mais ou menos certeza. Promover o fim de modo mais
satisfatório possível significa escolher um meio que não importe em restrição de direitos
individuais. Por isto, o administrador não pode escolher o meio mais intenso, melhor e mais
seguro para a realização dos seus fins, se isto representar restrição de direitos dos seus
administrados. Se para atingir o seu fim, a fazenda pública tem a sua disposição um meio
menos restritivo dos direitos individuais de seus administrados (ADIN) então é este meio que
deve ser adotado. Em síntese, a administração deverá escolher o meio que promova
minimamente o fim, mesmo que não seja ele o mais intenso, melhor ou mais seguro.
A administração fazendária deve ser cautelosa ao agir melhor fiscalmente para
evitar que, a pretexto de se realizar o fim de modo mais eficiente, acabe contrariando outras
bases da ordem econômica teorizadas na Constituição, especialmente a livre iniciativa, que é
antes de tudo, fundamento essencial da República Federativa do Brasil.

174
8 REFORMA TRIBUTÁRIA E EXPECTATIVAS FUTURAS

A Reforma Tributária no Brasil não tem conseguido emplacar, principalmente, em


razão dos interesses conflitantes das entidades arrecadadoras. Um processo desta envergadura
implica profundas alterações na forma de financiamento dos estados. Por isso ser tão difícil
consenso para mediar com sucesso os anseios de diferentes governos, setores, empresários,
cidadãos e regiões, cada qual com uma solução própria para os problemas que experimentam.
Mesmo à evidência de que toda a complexidade e falta de neutralidade do Sistema Tributário
atual representam sérios entraves ao crescimento econômico, a necessária reforma se arrasta e
não consegue sair do papel.
Três tipos de conflitos de interesse são bem elencados por Luis Bordin (s/d, p. 1),
quando o assunto é qualquer proposta de reforma tributária, tendente a buscar uma saída para
os problemas do ICMS, à luz do atual (precário) pacto federativo:

a) O conflito de interesses entre o Setor Público (que quer disponibilidade


maior de receitas) e o Setor Privado - os contribuintes, sejam empresas ou
indivíduos (que querem a redução do impacto negativo da tributação sobre a
eficiência e a competitividade do setor produtivo nacional, a prestação de
serviços públicos compatíveis e, ainda, que se faça a justiça fiscal);
b) o conflito entre as Esferas de Governo (conflito vertical) - União, Estados
e Municípios que brigam por fatias maiores do “bolo tributário” para
fazerem frente aos seus encargos e que lutam (no caso da União e Estados)
pela hegemonia legislativa em relação ao principal imposto da federação (o
ICMS);
c) o conflito distributivo entre as Regiões num mesmo nível de governo
(conflito horizontal), como é o caso da tributação do ICMS na origem ou no
destino, opondo os Estados produtores do Sul e Sudeste e os Estados
consumidores do
Norte e Nordeste.

Pablo Ibañez (s/d, p. 1) relata que, desde os primórdios da Federação brasileira até
os dias atuais, houve apenas três grandes reformas tributárias: (i) a primeira durante o governo
Getúlio Vargas; (ii) a segunda durante o regime militar e (iii) a terceira com a Constituição
Federal de 1988. Isto evidencia que as reformas tributárias estruturais sempre estiveram
ligadas a um contexto histórico de grandes transformações políticas no cenário nacional.
Segundo o autor, desde a abertura econômica na década de 1990, foram várias tentativas de
reforma, mas todas frustradas.
Diante das causas e dos efeitos da guerra fiscal apresentados ao longo deste
estudo e da dificuldade do Poder Judiciário em encontrar solução justa e eficiente para os
casos concretos, principalmente àqueles atinentes à glosa de créditos de ICMS nas operações
interestaduais, parece-nos que a alternativa para dar cabo ao problema, porém de difícil
concretização, é mesmo a Reforma Tributária. Interessados nesta reflexão, nos deteremos na
síntese da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n°. 233/2008, atualmente
tramitando33 no Congresso Nacional.
É claro que se chegou à Proposta de Emenda Constitucional pela imperiosa
necessidade de se solucionar, em definitivo, a guerra fiscal, já que os demais assuntos
poderiam ser resolvidos por meio de normas infraconstitucionais.
Feitas essas considerações preliminares, e respeitando os limites desta pesquisa, a
questão da Reforma Tributária será analisada exclusivamente com o objetivo de verificar o
modo com que a PEC n°. 233/2008 tratou a problemática da guerra fiscal, em relação ao
ICMS, sem nos preocupar com as consistências de ordem jurídica e prática de suas propostas,
tampouco se as mesmas se prestarão a cumprir os seus objetivos finalísticos.
Na Exposição de Motivos n°. 16/MF, o então Ministro Guido Mantega (2010, p.1)
aponta os principais objetivos da PEC n°. 233/2008: (i) a simplificação do sistema tributário
nacional; (ii) o avanço no processo de desoneração tributária; (iii) a eliminação de distorções
que prejudicam o crescimento da economia brasileira e a competitividade das empresas,
principalmente no que diz respeito à chamada guerra fiscal entre os estados; (iv) a ampliação
do montante de recursos destinados à Política Nacional de Desenvolvimento Regional; (v)
instituição de um modelo de desenvolvimento regional mais eficaz.

33
O processo de aprovação de uma PEC é lento e complexo. Para se ter uma dimensão do processo, quando uma
PEC é apresentada à Câmara dos Deputados, passa primeiro pela análise da Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania (CCJ) quanto à sua admissibilidade, exame esse que considera aspectos de constitucionalidade,
legalidade e de técnica legislativa da proposta. Uma vez aprovada, a Câmara criará uma comissão especial
específica para analisar o seu conteúdo, com prazo de 40 sessões do plenário para proferir parecer. Na sequência,
a PEC deverá ser votada pelo plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação.
Para ser aprovada, precisa de, pelo menos, 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações. Depois de
aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde é analisada novamente pela CCJ e, em seguida, pelo
plenário, onde novamente precisa ser votada em dois turnos. Se o Senado aprovar o texto exatamente como o
recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se forem necessárias
alterações, precisará voltar para a Câmara, para nova votação. A proposta vai de uma Casa para outra até texto
idêntico ser aprovado pelas duas Casas. (CAMARA DOS DEPUTADOS. Conheça a tramitação de PECs.
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/70153.html>. Acesso em: 22 ago. 2010)
176
Verifica-se que a guerra fiscal é uma das principais bandeiras para justificar a
premente necessidade da reforma tributária. Vejamos, então, quais foram os mecanismos de
ajuste previstos para alteração do regime jurídico do ICMS. Em seguida teceremos
considerações sobre as medidas especificamente direcionadas para o combate à guerra fiscal.
As principais propostas de alterações apresentadas pela PEC n°. 233/2008, tal
como foi minutada, para instituição do novo ICMS, nos moldes do art. 155-A, a ser incluído
no texto constitucional, são sintetizadas no quadro a seguir:

Quadro 8 – Síntese dos Objetivos e Propostas Originais da PEC n°. 233/200834

Objetivos Propostas de Alterações


Unificação das 27 legislações dos estados.
Competência conjunta dos estados e do DF.
Simplificação e Instituição do imposto por lei complementar, cuja iniciativa competirá a:
a) um terço dos membros do Senado Federal, desde que haja representantes de
desburocratização do
todas as Regiões do País;
Sistema Tributário b) um terço dos Governadores de estado e DF ou das Assembléias Legislativas,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde
Nacional
que estejam representadas, em ambos os casos, todas as Regiões do País;
c) ao Presidente da República.
Regulamentação única a ser editada por órgão colegiado dos estados e do DF,
nos moldes do atual Confa.
Uniformização da Alteração do art. 105 da CF para conferir ao STJ a competência para o
tratamento das divergências entre os tribunais estaduais na aplicação da lei
jurisprudência
complementar e da regulamentação do novo ICMS.
a) Não-cumulatividade, nos termos da lei complementar;
b) Não-geração de crédito nas operações e prestações desoneradas, salvo
determinação em contrário na lei complementar;
c) O ICMS sobre importações caberá ao estado de destino da mercadoria, bem
ou serviço, nos termos da lei complementar;
d) Incidência sobre o valor total da operação ou prestação, quando as
mercadorias forem fornecidas ou os serviços forem prestados de forma conexa,
Novas características do
adicionada ou conjunta com serviços não sujeitos ao ISS;
ICMS d) Não-incidência sobre as exportações, o ouro (ativo financeiro) e a
comunicação por radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e
gratuita;
e) Quaisquer benefícios fiscais serão definidos: (1) pelo Confaz, desde que
uniformes em todo território nacional; (2) pela lei complementar, para
atendimento às micro e pequenas empresas, e para hipóteses relacionadas a
regimes aduaneiros não compreendidos no regime geral, ou seja, os regimes
aduaneiros especiais e os aplicados em áreas especiais.
a) Senado Federal: (1) iniciativa de um terço dos senadores ou de um terço dos
Novo regime de definição governadores (aprovada por três quintos de seus membros), para estabelecer as
alíquotas aplicáveis (alíquotas-padrão) a todas as hipóteses não sujeitas a outra
de alíquotas do ICMS
alíquota; (2) aprovação pela maioria de seus membros, para definir o
enquadramento de mercadorias e serviços nas alíquotas diferentes da alíquota

34
Fonte: ZOUVI, Alberto; TRINDADE, Fernando Antônio Gadelha; SILVEIRA, José Patrocínio;
PELLEGRINI, Josué Alfredo; MIRANDA, Ricardo Nunes. Reforma Tributária: a PEC nº. 233, de 2008.
Consultoria Legislativa do Senado Federal. Texto para Discussão n. 44. Brasília, Jul./2008. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/conleg/textos_discussao.htm>. Acesso em: 22 ago. 2010.

177
padrão, aprovando ou rejeitando as proposições do Confaz;
b) Confaz: poderá reduzir e restabelecer a alíquota atribuída a determinada
mercadoria ou serviço, desde que a alíquota resultante corresponda a uma das
estabelecidas pelo Senado, conforme item a.1;
c) Lei Complementar: poderá definir as mercadorias e serviços passíveis de ter
sua alíquota aumentada ou reduzida por lei estadual, bem como os limites e
condições para essas alterações, não se aplicando nesse caso as regras
mencionadas nos itens a.1 e a.2.
Não haverá alíquotas interestaduais e internas, mas simplesmente alíquotas
uniformes por mercadorias e serviços aplicáveis às operações e prestações,
internas e interestaduais, e às importações.
Poderá haver diferenciação de alíquota em função de quantidade e tipo de
consumo, sendo que, mesmo nesse caso, as alíquotas deverão, em regra, ser
uniformes em todo o território nacional.
Inversão do critério de apropriação atualmente no modelo misto, com
predominância da apropriação pelo estado de origem para um modelo em que o
estado de origem ficaria com o percentual de 2% da incidência do imposto e o
estado de destino com o restante (princípio do quase destino).
Apropriação da receita de Exceções em que o imposto pertencerá integralmente a um só estado: a) de
ICMS nas operações origem, nas operações e prestações sujeitas a incidência inferior a 2%; e b) de
destino, nas operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis
interestaduais líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.
Regime de transição gradual para a tributação do ICMS no destino, reduzindo-
se a alíquota na origem progressivamente e completando-se o processo no
oitavo ano após a aprovação da reforma tributária, com a criação do novo
ICMS.
Poderá dispor sobre: fatos geradores e contribuintes; base de cálculo, de modo
que o próprio imposto a integre; local das operações e prestações; regime de
compensação do imposto; garantia do aproveitamento do crédito do imposto;
Competência da lei
substituição tributária; regimes especiais ou simplificados de tributação;
complementar processo administrativo fiscal; competências e funcionamento do novo Confaz;
sanções aplicáveis aos estados e ao DF e aos seus agentes públicos, por
descumprimento das normas que disciplinam o exercício da sua competência e
o respectivo processo de apuração dessas infrações.
a) editar regulamentação única;
b) autorizar a transação e a concessão de anistia, remissão e moratória a ser
concedida mediante lei estadual específica;
Competências do Confaz c) estabelecer critérios para a concessão de parcelamento de débitos fiscais;
d) fixar as formas e os prazos de recolhimento do imposto;
e) estabelecer critérios e procedimentos de controle e fiscalização
extraterritorial.
Vigência do novo ICMS A partir de 1º de janeiro do oitavo ano subseqüente ao da promulgação da PEC.

De fato, várias das iniciativas propostas têm como escopo coibir a guerra fiscal
entre os estados. A mudança da cobrança do ICMS nas transações interestaduais para o estado
de destino parecer ser uma solução inteligente para o problema e, como bem planejado, deve
ser empreendida de forma gradual para não comprometer abruptamente a sistemática de
distribuição de receitas entre as unidades federativas, mostrando coerência no regime de
transição gradual. A manutenção da cobrança do percentual de 2% do imposto no estado de
origem é suficiente para desestimular a competição predatória entre os estados, coerente com
os objetivos macros da reforma.

178
Outrossim, há evidente preocupação com o equilíbrio do desenvolvimento
regional. Os dispositivos da PEC denotam a intenção de oferecer garantias para a integral
recomposição das eventuais perdas de receita dos estados, por meio da criação Fundo de
Equalização de Receitas (FER). A idéia é calibrar uma fórmula de compensação entre estados
mais beneficiados e mais prejudicados com as mudanças.
Além disso, a proposta de criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento
Regional (FNDR) visa permitir o controle da aplicação dos recursos da Política Nacional de
Desenvolvimento Regional, o que denota um indiscutível progresso, se compararmos às
incipientes políticas públicas em prática atualmente.
Como sanção à guerra fiscal, os estados ou distrito federal, que infringirem as
regras de concessão de benefícios fiscais, perderão o direito à transferência de recursos do
FPE, FER e FNDR, dentre outras transferências voluntárias, enquanto vigorarem os
privilégios ilegítimos.
Por outro lado, devemos nos atentar para o fato de que o texto da PEC não deixa
claros os mecanismos para assegurar a manutenção dos efeitos de incentivos e benefícios já
concedidos. É certo que há a definição de um prazo de transição para desativar
progressivamente os benefícios já concedidos no âmbito da guerra fiscal, com uma notória
preocupação de impedir novas concessões irregulares. Mas deve haver o compromisso de
assegurar a vigência (ou substituição) dos benefícios em vigor, sob pena de se abrir um
imensurável passivo e contencioso entre estados e contribuintes, cuja repercussão pode, até
mesmo, inviabilizar a aprovação da reforma.
Algumas alternativas poderiam ser estudadas como, por exemplo, a
implementação de anistia e remissão para todos os contribuintes que usufruíssem benefícios
inválidos, para ingresso no regime do novo ICMS sem passivos, litígios, preservando-se a
segurança jurídica. Outra possibilidade seria a convalidação de todos os incentivos que
estivesse em vigor e mudança na sistemática por meio de um mecanismo de transição gradual.
A reforma, objeto da PEC n°. 233/2008, é bastante factível se comparada às
propostas que a antecederam, pois a criação do IVA estadual não importa perda de
arrecadação do ICMS, mas somente mudança na forma de operacionalizá-la. Isto é positivo,
pois é patente a impossibilidade de negociar com os estados qualquer interferência nos seus
regimes de competência. Outro ponto a ser realçado é o de que permanece a substituição
tributária, enquanto boa técnica de arrecadação para os estados, independentemente do
modelo de tributação a ser adotado, se na origem ou no destino.

179
Enfim, não há qualquer pretensão em aprofundarmos no assunto, menos ainda
esgotá-lo, mesmo porque isto seria impossível, já que o tema encontra-se em processo de
franca modelagem e construção.
Com efeito, pretendemos concluir a reflexão apenas pontuando que o verdadeiro
impasse para a concretização da tão deseja reforma tributária está fincado na estrutura de
poder denominada federalismo, que delega autonomia relativa aos governos subnacionais para
realização de suas políticas próprias. Foi por isto que os governos mais centralizadores, como
o de Getúlio Vargas e o do regime militar instalado em 1964, tiveram mais força para retaliar
as políticas individuais dos estados (IBAÑEZ, 2006, p. 157). Tanto é verdade, que, como bem
vimos no capítulo cinco, a guerra fiscal se intensificou com a descentralização dos governos e
a conquista de maior autonomia pelos estados.
Muitas propostas já foram colocadas e descartadas, outras aguardam esforço
político para se viabilizarem, mas nenhuma será eficiente se não trouxer em seu bojo a
federalização do ICMS, pautada numa imposição nacional, com partilha automática da receita
entre as unidades federadas, garantias de fiscalização e arrecadação comuns, sob a supervisão
da máquina fiscal superior da União.
Apesar de o atual contexto político ser mais favorável à tramitação da almejada
reforma tributária, aliado a um processo de acentuado crescimento econômico que impacta
positivamente o resultado da arrecadação fiscal, reduzindo os ambientes de resistência, fato é
que os insucessos reiterados de tentativas de reformas anteriores acabam por nos manter
céticos e descrentes, quanto a real e efetiva possibilidade de aprovação da PEC n°. 233/2008,
nos moldes em que se apresenta.

180
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta pesquisa pudemos verificar, demonstrar falhas no pacto


federativo brasileiro sensivelmente abalado. Falta cooperação, um efetivo esforço
intergovernamental para que se construa, de fato, uma Federação. No atual modelo, em que
impera a autonomia financeira dos entes políticos é utopia almejar cooperação sem
coordenação. As legislações subnacionais carecem de uniformização, necessária para se
eliminarem os seus pontos de colisão.
Terreno fértil para a manutenção da deflagrada a guerra fiscal, em que cada estado
utiliza o ICMS como arma principal nesse conflito interjusrisdicional. Mediante a concessão
dos mais diversos benefícios, de ordem financeira ou tributária, procuram atrair o capital
privado para os seus territórios, um importante objetivo estatal, quer pela possibilidade de
efetivo aumento de arrecadação, quer pela geração de empregos propiciada por novos
empreendimentos.
Se objetivo fundamental da República Federativa do Brasil é a redução das
desigualdades regionais, os estados, indiscutivelmente, não só podem como devem realizar tal
propósito, por meio de políticas fiscais sérias e consistentes, utilizando-se da extrafiscalidade
para estimular determinados comportamentos econômicos desejáveis. Isto importa na
concretização do primado da neutralidade tributária e não o contrário, conforme evidenciamos
neste estudo.
De outra banda, a problemática se agrava quando os estímulos fiscais passam a
assumir feições predatórias. A concorrência se torna prejudicial quando os estados deixam de
observar os limites genéricos e específicos para a concessão dos privilégios fiscais. A
autonomia financeira de que gozam não se prestaria a garantir um federalismo fiscal de
equilíbrio sem balizas postas no ordenamento pátrio para calibrar o exercício da competência
tributária, aí incluída não só a competência impositiva como também a exonerativa. Tratam-se
de garantias mínimas de uniformidade na tributação do ICMS, o imposto, que vimos estadual,
mas de vocação nacional.
Um benefício fiscal somente será legitimado se: (i) for concedido por meio de lei,
por agente competente e de forma isonômica; (ii) não importar em fixação de alíquotas
inferiores àquelas definidas pelo Senado Federal, devidamente aprovado por convênio no
âmbito do Confaz e (iii) não macular a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se não se observar
qualquer um destes requisitos estar-se-á diante de um privilégio excessivo, que deverá ser
extirpado do mundo jurídico, com aplicação de penalidades para aqueles que contribuam para
o estímulo da guerra fiscal e, de algum modo, se aproveitam dos seus perniciosos efeitos
Embora o Poder Judiciário venha se posicionando de forma pacífica e uníssona,
quando provocado a se manifestar em situações concretas, essa postura oscila, não quando se
trata de rechaçar as práticas que ocasionam diretamente a guerra fiscal (concessão ilegítima de
benefícios fiscais), mas quando se trata de por termo a uma de suas mais terríveis
conseqüências laterais: a glosa de créditos de ICMS, o que tem sido alvo de críticas.
A glosa de créditos de ICMS é reação reprovável e arbitrária do estado
destinatário, que se sentindo prejudicado por suposta concessão irregular de incentivos fiscais
pelo estado de origem das mercadorias, impõe ao seu próprio contribuinte adquirente a
obrigação de estornar todo o crédito de ICMS que presumidamente não foi pago na operação
interestadual anterior.
A justificativa apresentada pelos estados é que esta medida nada mais é do que
legítima aplicação de sanção, conforme lhe autoriza a Lei Complementar n°. 24/1975, que,
por sua vez, tem fundamento de validade no art. 155, § 2°, XII, g do Diploma Supremo. Eis
que se evidencia uma forte tensão entre normas de índole constitucional, caracterizada pela
frontal oposição entre os seus operadores deônticos, que são a negação um do outro.
A sanção de tornar ineficaz o crédito de uma operação interestadual incentivada
jamais se compatibilizará com o princípio da não-cumulatividade, segundo o qual o direito de
abatimento abarca todo o imposto incidente nas operações anteriores, sendo irrelevante a
apuração do que foi efetivamente recolhido. Seria o equivalente a dizer que, para fazer valer o
comando do dever de coibir a guerra fiscal, é preciso ignorar o direito individual do
contribuinte à sistemática da não-cumulatividade.
Essa medida faz sangrar este primado que conforma toda a estrutura econômica
em que está assentado o estado, esvaziando o seu conteúdo ao impedir o fenômeno da
repercussão do ICMS, já que o contribuinte passa a assumir esse ônus, no lugar do
consumidor final. Isto sem contar a retomada do indesejável efeito da tributação em cascata.
Com isso, pode-se afirmar categoricamente que não é possível aplicar as duas normas
constitucionais (art.155, § 2°, XII, g, versus art. 155, § 2°, I) simultaneamente.

182
Só há duas e únicas hipóteses excepcionais ao princípio da não-cumulatividade: a
isenção e não-incidência. Esta é a razão por que se torna indispensável a análise tópica de
cada benefício fiscal concedido para concluir se se está, ou não, diante de uma hipótese
restritiva, o que deve ser feito à luz da irretocável Teoria da Exoneração Tributária.
Ainda que inarredável premissa pudesse ser afastada, não se admitiria a glosa de
créditos de ICMS antes da declaração de inconstitucionalidade da norma concessiva do
benefício fiscal, tida por irregular pelo Supremo Tribunal Federal. Aceitar que um estado
possa julgar, a seu talante, a legislação editada por outro estado significa usurpar a
competência do Poder Judiciário, destroçando o princípio da separação dos poderes. Significa
aniquilar a autonomia estatal e, por conseguinte, mortificar o próprio federalismo. Sem
exageros, importa levantar a bandeira da anarquia, em nome de generalizada desordem.
A insustentabilidade da sanção preconizada pela Lei Complementar n°. 24/1975
fica ainda mais nítida ante o argumento de que, uma vez declarada a inconstitucionalidade da
norma concessiva do benefício fiscal e exigido o imposto pelo estado de origem, antes com
incidência desonerada, a conseqüência inequívoca é a legitimação do crédito já apropriado
pelo contribuinte do estado de destino.
Ademais, por terem caráter constitutivo de nova obrigação tributária e por
inovarem o ordenamento jurídico, as normas restritivas de direitos creditórios maculam o
princípio da não-surpresa dos contribuintes, notadamente porque, em regra, são postas por
meio de veículos infralegais e com efeitos retroativos. Adicionalmente, sustam o princípio da
não discriminação de mercadorias em razão da origem e quebram a regra que atribui
competência ao Senado Federal para a fixação de alíquotas.
No plano dos sobreprincípios, a glosa de créditos de ICMS não faz qualquer
sentido do ponto de vista lógico-jurídico, vez que violenta o princípio da segurança jurídica e
não realiza justiça fiscal. Quando empregada a técnica da ponderação das normas em
confronto a partir da utilização dos postulados jurídicos, resta corroborada a completa
desproporcionalidade, ineficiência e falta de razoabilidade dessa perversa reação estatal.
O cenário é de perplexidade e indignação. Como se não bastasse a carga tributária
do país beirar ao insuportável, o contribuinte ainda é apenado por ato inconstitucional de
estado que com ele não guarda qualquer vínculo jurídico. Neste caso, a pena efetivamente
ultrapassa a pessoa do infrator.
O contribuinte é o núcleo mais elementar de todo o Sistema Tributário Nacional, a
razão de existir do próprio Estado e, por isso, não pode ter seus direitos fundamentais

183
desprezados. Esta é a máxima que não deve ser negligenciada, já que transcende uma
dimensão meramente analítica para atingir um universo puramente teleológico do próprio
ordenamento.
Medidas combativas neste contexto degradante do progresso econômico devem
ser implementadas. Enquanto não se aprova a necessária reforma tributária, enquanto a União
Federal se preserva na inércia, sem iniciativa para coordenar o estabelecimento de normas
mais eficazes na coibição da guerra fiscal e na promoção da cooperação intergovernamental,
enquanto o modelo de atuação do Confaz não é revisto, as esperanças são depositadas no
Poder Judiciário, guardião de todo arcabouço de direitos dos contribuintes, que vêm sendo
desonrados.
Mas, como lançar um olhar largo e otimista para o futuro, diante do atual cenário
jurisprudencial oscilante, para não dizer muito mais favorável do que contrário à glosa de
créditos de ICMS? Este é o grande desafio do jurista que considera inegociável o respeito ao
cidadão-contribuinte e não se conforma com as respostas prontas e com as verdades acabadas.
Ao fim, o contribuinte não pode se subjugar a uma guerra fiscal entre os estados,
pois a cooperação que estrutura e justifica a República Federativa do Brasil exige um trabalho
comum, convergente, único meio de se concretizar o texto constitucional. A Constituição
Federal de 1988 prevê a união indissolúvel dos estados e municípios e do distrito federal,
objetivando uma sociedade livre, justa e solidária, com a garantia de preservar os direitos
fundamentais do cidadão e promover o desenvolvimento nacional, para que o verdadeiro
Estado Democrático de Direito se constitua formal e materialmente.

184
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193
ANEXOS
ANEXO I

ART. 155 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito federal instituir impostos sobre: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de
1993)
§ 1.º O imposto previsto no I: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem,
ou ao Distrito federal
II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o
inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito federal;
III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário
processado no exterior;
IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;
§ 2.º O imposto previsto no II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 3, de 1993)
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores
pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito federal;
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou
prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço
dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas
aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;
V - é facultado ao Senado Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de
um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que
envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada
por dois terços de seus membros;
195
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito federal, nos termos do disposto
no XII, g, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas
prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações
interestaduais;
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final
localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII - na hipótese da alínea "a" do anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o
imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica,
ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim
como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado
o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não
compreendidos na competência tributária dos Municípios;
X - não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a
destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do
imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes,
combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º;
d) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de
sons e imagens de recepção livre e gratuita; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003)
XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos
industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto
destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos;
XII - cabe à lei complementar:
a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das
operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros
produtos além dos mencionados no X, "a"
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e
exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito federal, isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez,
qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no X, b;
(Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na
importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço. (Incluída pela Emenda Constitucional
nº 33, de 2001)
196
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o II do caput deste artigo e o art. 153, I e II,
nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de
telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 4º Na hipótese do XII, h, observar-se-á o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº
33, de 2001)
I - nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá
ao Estado onde ocorrer o consumo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e
lubrificantes e combustíveis não incluídos no I deste parágrafo, o imposto será repartido entre
os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas
operações com as demais mercadorias; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
III - nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e
combustíveis não incluídos no I deste parágrafo, destinadas a não contribuinte, o imposto
caberá ao Estado de origem; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito
federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o
valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em
condições de livre concorrência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III,
b.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 5º As regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º, inclusive as relativas à apuração e à
destinação do imposto, serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito
federal, nos termos do § 2º, XII, g. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 6º O imposto previsto no III: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 42, de 19.12.2003)
II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

197
ANEXO II

LEI COMPLEMENTAR Nº 24, DE 7 DE JANEIRO DE 1975

Dispõe sobre os convênios para a concessão


de isenções do imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias, e dá
outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão
concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e
pelo Distrito federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica:
I - à redução da base de cálculo;
II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao
contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III - à concessão de créditos presumidos;
IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com
base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação,
direta ou indireta, do respectivo ônus;
V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais
tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito federal, sob a
presidência de representantes do Governo federal.
§ 1º - As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da
Federação.
§ 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados
representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos,
pelo menos, dos representantes presentes.
§ 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a
resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.
Art. 3º - Os convênios podem dispor que a aplicação de qualquer de suas cláusulas seja
limitada a uma ou a algumas Unidades da Federação.
Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário
Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de
cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados,
considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado
neste artigo.
§ 1º - O disposto neste artigo aplica-se também às Unidades da Federação cujos
representantes não tenham comparecido à reunião em que hajam sido celebrados os
convênios.
§ 2º - Considerar-se-á rejeitado o convênio que não for expressa ou tacitamente ratificado pelo
Poder Executivo de todas as Unidades da Federação ou, nos casos de revogação a que se
refere o art. 2º, § 2º, desta Lei, pelo Poder Executivo de, no mínimo, quatro quintos das
Unidades da Federação.

198
Art. 5º - Até 10 (dez) dias depois de findo o prazo de ratificação dos convênios, promover-se-
á, segundo o disposto em Regimento, a publicação relativa à ratificação ou à rejeição no
Diário Oficial da União.
Art. 6º - Os convênios entrarão em vigor no trigésimo dia após a publicação a que se refere o
art. 5º, salvo disposição em contrário.
Art. 7º - Os convênios ratificados obrigam todas as Unidades da Federação inclusive as que,
regularmente convocadas, não se tenham feito representar na reunião.
Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da
mercadoria;
Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda
remissão do débito correspondente.
Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de
irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da
União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo
Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal.
Art. 9º - É vedado aos Municípios, sob pena das sanções previstas no artigo anterior,
concederem qualquer dos benefícios relacionados no art. 1º no que se refere à sua parcela na
receita do imposto de circulação de mercadorias.
Art. 10 - Os convênios definirão as condições gerais em que se poderão conceder,
unilateralmente, anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais e
ampliação do prazo de recolhimento do imposto de circulação de mercadorias.
Art. 11 - O Regimento das reuniões de representantes das Unidades da Federação será
aprovado em convênio.
Art. 12 - São mantidos os benefícios fiscais decorrentes de convênios regionais e nacionais
vigentes à data desta Lei, até que revogados ou alterados por outro.
§ 1º - Continuam em vigor os benefícios fiscais ressalvados pelo § 6ºdo art. 3º do Decreto-Lei
nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação que lhe deu o art. 5º do Decreto-Lei nº
834, de 8 de setembro de 1969, até o vencimento do prazo ou cumprimento das condições
correspondentes.
§ 2º - Quaisquer outros benefícios fiscais concedidos pela legislação estadual considerar-se-ão
revogados se não forem convalidados pelo primeiro convênio que se realizar na forma desta
Lei, ressalvados os concedidos por prazo certo ou em função de determinadas condições que
já tenham sido incorporadas ao patrimônio jurídico de contribuinte. O prazo para a celebração
deste convênio será de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação desta Lei.
§ 3º - A convalidação de que trata o parágrafo anterior se fará pela aprovação de 2/3 (dois
terços) dos representantes presentes, observando-se, na respectiva ratificação, este quorum e o
mesmo processo do disposto no art. 4º.
Art. 13 - O art. 178 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966),
passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas
condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto
no III do art. 104."
Art. 14 - Sairão com suspensão do Imposto de Circulação de Mercadorias:
I - as mercadorias remetidas pelo estabelecimento do produtor para estabelecimento de
Cooperativa de que faça parte, situada no mesmo Estado;
II - as mercadorias remetidas pelo estabelecimento de Cooperativa de Produtores, para
estabelecimento, no mesmo Estado, da própria Cooperativa, de Cooperativa Central ou de
Federação de Cooperativas de que a Cooperativa remetente faça parte.

199
§ 1º - O imposto devido pelas saídas mencionadas nos s I e II será recolhido pelo destinatário
quando da saída subseqüente, esteja esta sujeita ou não ao pagamento do tributo.
§ 2º - Ficam revogados os incisos IX e X do art. 1º da Lei Complementar nº 4, de 2 de
dezembro de 1969.
Art. 15 - O disposto nesta Lei não se aplica às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se
na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a
exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estimulo concedido pelo Estado do Amazonas.
Art. 16 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.

Brasília, em 7 de janeiro de 1975; 154º da Independência e 87º da República.

ERNESTO GEISEL
Mário Henrique Simonsen
João Paulo dos Reis Velloso.

200
ANEXO III

RESOLUÇÃO Nº 3.166 SEF, 11/07/2001


(DO-MG, DE 12/07/2001)35

Veda a apropriação de crédito do ICMS nas entradas,


decorrentes de operações interestaduais, de mercadorias
cujos remetentes estejam beneficiados com incentivos
fiscais concedidos em desacordo com a legislação de
regência do Imposto.

O SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso de suas atribuições, e tendo em vista


o disposto no artigo 225 da Lei n°... 6.763, de 26 de dezembro de 1975, e
considerando que, nos termos do I do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, o ICMS
“será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadoria ou prestação de serviço com o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito federal”;
considerando que, consoante preceitos estabelecidos pela alínea g do XII do § 2º do artigo
155 da Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, é
obrigatória a celebração e ratificação de convênios para a concessão ou revogação de
isenções, incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, dos quais resulte redução ou
eliminação, direta ou indireta, do ônus do ICMS;
considerando que os atos unilaterais concessivos de incentivos, em desacordo com a referida
Lei Complementar, são passíveis de nulidade e acarretam a ineficácia do crédito atribuído ao
estabelecimento recebedor da mercadoria (Art. 8º, I, da LC 24/75);
considerando que alguns Estados têm concedido estímulos fiscais que frustram a aplicação do
preceito constitucional da não-cumulatividade, pois permitem o abatimento de imposto que
não foi cobrado nas operações ou prestações anteriores;
considerando que o parágrafo único do artigo 62 do Regulamento do ICMS (RICMS),
aprovado pelo Decreto nº 38.104, de 28 de junho de 1996, preceitua: “Não se considera
cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder
a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução de base de
cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o
disposto na alínea g do XII do 2º do artigo 155 da Constituição Federal”;
considerando que, por essas razões, somente se admite o creditamento correspondente ao
montante do imposto corretamente cobrado e destacado no documento fiscal relativo à
operação ou à prestação ( Art. 68 e Art. 71, VI do RICMS/96);
considerando que a admissibilidade do creditamento na forma prevista anteriormente
restabelece o princípio da neutralidade do ICMS e recoloca os contribuintes mineiros em
igualdade de condições perante os demais contribuintes do Imposto;
considerando, finalmente, a necessidade de esclarecer o contribuinte mineiro e de orientar a
fiscalização quanto a operações realizadas ao abrigo de atos normativos, concessivos de
benefício fiscal, que não observaram a legislação de regência do tributo para serem emanados,

35
Não foi incluído o Anexo Único desta Resolução devido ao fato do mesmo sofrer constantes atualizações. Tal
Anexo pode ser consultado por em:
http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/resolucoes/2001/rr3166_2001.htm
201
RESOLVE:
Art. 1º - O crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
(ICMS) correspondente à entrada de mercadoria remetida a estabelecimento localizado em
território mineiro, a qualquer título, por estabelecimento que se beneficie de incentivos
indicados no Anexo Único, será admitido na mesma proporção em que o imposto venha
sendo efetivamente recolhido à unidade da Federação de origem, na conformidade do referido
Anexo.
Parágrafo único - O crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria oriunda de
outra unidade da Federação somente será admitido, ou deduzido para os efeitos do Micro
Geraes, na conformidade do disposto no caput, ainda que as operações estejam beneficiadas
por incentivos decorrentes de atos normativos não listados no Anexo Único desta Resolução.
Art. 2º -
Efeitos de 12/07/2001 a 16/12/2004 - Redação original:
"Art. 2º - Fica vedado o aproveitamento de quaisquer créditos relativos a operações
beneficiadas com reduções de base de cálculo em sua origem sem amparo em convênios
celebrados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ)."

Art. 3º - Quando da verificação fiscal de mercadorias objeto dos benefícios fiscais citados nos
artigos anteriores, a fiscalização aporá, no documento acobertador, a título de esclarecimento
ao destinatário, a informação, conforme o caso, da vedação ao creditamento do Imposto
relativo à operação e/ou da parcela que este está autorizado a se creditar ou a deduzir para os
efeitos do Micro Geraes.
Parágrafo único - A falta no documento acobertador da informação prevista neste artigo não
autoriza o destinatário a se creditar ou se deduzir do ICMS destacado em desacordo com os
preceitos desta Resolução.
Art. 4º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário.

Secretaria de Estado da Fazenda, aos 11 de julho de 2001.


JOSÉ AUGUSTO TRÓPIA REIS

202

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