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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Mônica de Barros

LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO DIREITO


TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Nova Lima
2010
Mônica de Barros

LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO DIREITO


TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


em Direito Empresarial da Faculdade de Direito
Milton Campos, para a obtenção do título de
Mestre em Direito.

Área de Concentração: Direito Empresarial

Linha de Pesquisa: A preservação da empresa e


o poder de tributar

Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro


Coêlho

Nova Lima
2010
BARROS, Mônica de
B277 l Limitações ao poder de sancionar no direito tributário brasileiro./ Mônica de
Barros – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2010.

189 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre,


área de Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton
Campos.

Bibliografia: f. 175 -189

1. Norma sancionante. 2. Responsabilidade objetiva. 3. Sanções


fiscais. 4. Razoabilidade. 5. Proporcionalidade. 6. Não confisco. I. Coelho,
Sacha Calmon Navarro II. Faculdade de Milton Campos III. Título.

CDU 336.2(043)
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “Limitações ao poder de


sancionar no direito tributário brasileiro”, de
autoria da mestranda MÔNICA DE BARROS, para
exame da banca constituída pelos seguintes
professores:

______________________________________
Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho
Orientador

______________________________________
Prof. Dr. Eduardo Maneira

______________________________________
Profa. Dra. Nanci de Melo e Silva

Nova Lima, 05 de novembro de 2010


Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – CEP 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
Ao meu querido PAI, Ney Barros, que sempre vibrou com
minhas conquistas. Posso ver seus olhos cheios de
orgulho e sua felicidade por mais essa vitória.

Ao Raí, pequenino em idade, mas um MESTRE na arte


de proporcionar alegria e inspiração. Você torna doce os
momentos mais árduos.

Ao PROFESSOR Valter, amigo querido que com


cumplicidade, parceria e paciência faz dos meus sonhos
projetos reais.
AGRADECIMENTOS

A conclusão do presente estudo não seria possível sem a ajuda de pessoas


especiais e é com grande alegria deixo aqui o meu MUITO ORBIGADA:

Gilda e Luciana, mulheres de quem eu herdei a FIBRA necessária para


suportar os momentos intensos.

Prof. Sacha Calmon, meu EXEMPLO e minha eterna admiração. Agradeço


pelas valiosas lições. Alegra-me ser sua aprendiz.

Anita e Nayara, duas grandes promessas do Direito. Talento, carinho,


disponibilidade e inteligência. Vocês colaboraram muito para elaboração deste
trabalho.
RESUMO

O Direito Tributário tem como objetivo o estudo das relações obrigacionais que
envolvem o Estado e os responsáveis (contribuintes ou não) pelo pagamento dos
tributos e pelo cumprimento das obrigações tidas como instrumentais ou acessórias.
Nesta relação obrigacional são postas as normas de conduta, fincadas em juízos
hipotéticos, as quais, ocorridas no mundo fenomênico, geram a dita obrigação
tributária. Pois bem, ainda na seara do Direito Tributário, o não cumprimento das
obrigações tributárias gera o surgimento da norma sancionante tributária, também
em juízo hipotético, mas que se diferencia da primeira (normas de conduta), porque
nesta última a hipótese parte de um ato ilícito (descumprimento da norma de
conduta). O que se pretende investigar no presente trabalho são os limites para
aplicação das sanções fiscais, exclusivamente no Direito Tributário, posto que se os
tributos sofrem profundas restrições ou limitações ao poder de tributar e o não
estabelecimento de limites ao poder de sancionar poderia, como hoje ocorre, levar
ao abuso ou ao desvio das funções essenciais das sanções. Diante do exposto,
mostra-se necessário que as sanções tributárias, que devem ser essencialmente
pecuniárias, tenham limitações ou atenuações quantitativas (vedação ao confisco) e
qualitativas (proporcionalidade e razoabilidade), mesmo mantendo a
responsabilidade objetiva consagrada no Código Tributário Nacional (art. 136, CTN).
Aliás, é o próprio Código Tributário Nacional que traz os elementos suficientes para
que as sanções tributárias retomem as suas reais e relevantes funções: punição,
educação e prevenção, cabendo, portanto, serem aplicadas.

Palavras-chave: Norma sancionante. Responsabilidade objetiva. Sanções fiscais.


Razoabilidade. Proporcionalidade. Não confisco.
RIASSUNTO

Il Diritto Tributario ha come obiettivo lo Studio delle relazioni obbligatorie che


interessano gli Stati ed i responsabili (contribuenti o no) del pagamento delle tasse e
del compimento degli obblighi considerati come strumentali o accessori. In questa
relazione obbligatoria sono contenute le norme di condotta, basate in giudizi ipotetici,
le quali, avvenute nel mondo dei fenomeni, generano il cosiddetto obbligo tributario.
In seguito a questo, anche nell’area del Diritto Tributario, il mancato compimento
degli obblighi tributari dà origine al sorgere nella norma sanzionante tributaria, anche
in giudizio ipotetico, ma che si differisce dalla prima (norma di condotta), in quanto, in
quest’ultima, l’ipotesi parte da un atto illecito (il mancato compimento della norma di
condotta) Ciò che si pretende investigare, nel presente lavoro, sono i limiti per
l’applicazione delle sanzioni fiscali, esclusivamente nel Diritto Tributario, considerato
che se i tributi soffrono profonde restrizioni o limitazioni al potere di tributare e il
mancato stabilimento di limiti al potere di tributare potrebbe, come accade oggi,
condurre all’abuso o alla deviazione delle funzioni essenziali delle sanzioni. Dinanzi
quanto esposto, le sanzioni tributarie che devono essere essenzialmente pecuniarie,
abbiano limitazioni o attenuazioni limitative quantitative (sigillo al confisco) e
qualitative (proporzionalità e ragionevolezza), mantenendo, sempre la responsabilità
obiettiva consacrata nel Codice Tributario Nazionale (art. 136. CTN). Inoltre, è
proprio il Codice Tributario Nazionale che contiene gli elementi sufficienti affinché le
sanzioni tributarie riacquistino le loro reali e rilevanti funzioni: punizione, educazione
e prevenzione, essendo necessario, quindi, che siano applicate.

Palavras-chave: Norma sanzionante. Responsabilità obiettiva. Sanzioni fiscali.


Ragionevolezza. Proporzionalità. Non confisco.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8

2 O PAPEL DO DIREITO TRIBUTÁRIO.............................................................. 18


2.1 A função do direito tributário no ordenamento jurídico vigente....................... 18

3 A ESTRUTURA DA NORMA TRIBUTÁRIA ..................................................... 31


3.1 A norma tributária - conceito e estrutura ........................................................ 31
3.2 A estrutura da norma tributária sancionante................................................... 37

4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO................................................................................... 55
4.1 O conceito de ilícito tributário ......................................................................... 55
4.2 O ilícito tributário resultante do descumprimento das obrigações principais
e acessórias ......................................................................................................... 61
4.3 O ilícito tributário e a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN.............. 63
4.4 Espécies de sanções no Direito Tributário ..................................................... 70

5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO.............................................. 84
5.1 O Estado Democrático de Direito e o valor segurança jurídica ...................... 84
5.2 O papel dos princípios constitucionais ........................................................... 88

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DAS SANCÕES


FISCAIS E SUA CORRELAÇÃO COM O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL . 99
6.1 Os princípios aplicáveis às sanções tributárias .............................................. 99
6.2 O princípio da legalidade................................................................................ 101
6.3 Princípio da confiança .................................................................................... 118
6.4 Igualdade, capacidade contributiva e não-confisco. Os critérios da
razoabilidade e da proporcionalidade................................................................... 136

7 CONCLUSÃO ................................................................................................... 167

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 167
8

1 INTRODUÇÃO

Consiste o presente trabalho em investigar algumas questões de relevo


presentes no Sistema Tributário Nacional, em especial quanto à dosimetria das
sanções fiscais previstas no ordenamento jurídico vigente.

Busca-se, ainda, verificar, à luz dos princípios constitucionais, bem como


sob o enfoque do principio da preservação das empresas, princípio este consagrado
no art. 47 da Lei de Falências (Lei nº 11.101/05), quais seriam as modificações
necessárias, para se ter um sistema arrecadatório economicamente eficiente e
equilibrado, que veda abusos e cobranças exacerbadas, mas que impede e pune a
prática de condutas fraudulentas.

Nesse compasso, importante verificar se existem limites quantitativos e


qualitativos a serem seguidos pelo aplicador do Direito na aplicação destas sanções
tributárias.

O tema é extremamente relevante no contexto atual, e há muito a doutrina


vem debatendo acerca dos limites das chamadas sanções fiscais.

De forma pioneira, o ilustre Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em


sua obra Teoria e Prática das Multas Tributárias: Infrações Tributárias, Sanções
Tributárias, publicada em 1995, mostrou sua preocupação, não só com os abusos
cometidos na aplicação das sanções previstas na legislação, mas também ressaltou
a necessidade de mudanças para bem dosar a aplicação das multas aos casos
concretos.

Eis a palavra do ilustre professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O ato administrativo sancionatório, como todo ato administrativo, está


sujeito aos princípios da legalidade, responsabilidade, competência e
revisibilidade e deve, pois, ter motivo, forma e finalidade. Assim, como o ato
de lançamento do tributo, o ato de imposição da penalidade não é
discricionário, mas vinculado à lei. Estão ambos sujeitos ao ‘controle de
legalidade’ e devem ser revistos ex officio ou por iniciativa do contribuinte.1

1
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 53.
9

E mais adiante conclui:

É bom sublinhar que a multa conquanto ente sancionante, quando ingressa


no patrimônio estatal, o faz como receita (as penalidades na medida em que
implicam deveres de entrega de dinheiro ao Estado, traduzem formula de
transferência de riqueza, dos particulares para a fazenda pública. Em
ciência das finanças o pagamento da multa é classificado como receita
derivada, ao lado dos tributos). Do ponto de vista jurídico-positivo, duas
fórmulas existem para o evitamento de multas escorchantes: a fórmula
legislativa, mediante a qual através de uma norma geral de potestade a
competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias
restaria restringida quantitativamente: e a fórmula jurisprudencial mercê da
qual, os juízes através da fixação de Standards - súmulas no caso brasileiro
- construiriam os princípios de restrição norteadores da ação do legislador
na espécie.2

Aliada a essa necessidade de mudança já anunciada, verifica-se que o


tratamento jurídico destinado as empresas passou nos últimos tempos por profundas
transformações, positivas e negativas. De um lado, o reconhecimento da importância
da empresa como unidade econômica, a necessidade de sua preservação, não só
por sua função social, mas também por ser uma unidade geradora de empregos e
riquezas, passou a ser objeto de estudo não só do Direito Empresarial, mas, ainda
que de forma reflexa, também do Direito Tributário, principalmente porque tais
conceitos causam profundas modificações na interpretação da norma e na
instrumentalidade do objeto do Direito Tributário.

Isso porque o Ordenamento Jurídico no âmbito do Direito Privado introjetou


novo conceito de empresa, aliando a esta nova conceituação uma maior
participação do trabalho no capital. Um exemplo disso é o aumento crescente da
participação dos Fundos de Pensão no Produto Interno Bruto (PIB) Nacional, que é
formado por empregados de empresas estatais e privadas, sendo esta participação
não é somente de investimentos, mas também na indicação de conselheiros e
diretores, portanto, trata-se de uma participação direta do trabalho no capital.

Outro grande avanço é o aumento da participação dos empregados nos


Lucros ou Resultados (PLR) das empresas e, ainda que essa PLR tenha se dado
por incentivo fiscal (Lei nº 10.101/00), tal fato demonstra que o empregado está cada
vez mais introjetado na empresa.

2
COÊLHO,Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 67.
10

Outros tantos exemplos poderiam ser citados para demonstrar uma


mudança conceitual neste núcleo denominado empresa, mas o que se pode notar
desde logo é que ao longo dos anos e com a evolução dos conceitos, a empresa se
tornou, ou passou a ser encarada como uma unidade econômica, onde empregados,
sócios e investidores devem conviver harmonicamente, comungando interesses
individuais diversos, mas mantendo um interesse comum: a preservação da
empresa geradora de riquezas (lucros, salários, tributos) que cumpre sua função
social.

Neste contexto evolutivo, o Direito não pode ficar atrofiado. Mudanças


estruturantes no Direito Empresarial obviamente trazem importantes reflexos ao
Direito Tributário, que rege uma norma de subsunção, nos termos do art. 1103 do
Código Tributário Nacional (CTN).

Diante de toda essa evolução, o sistema tributário reage e adota as


vertentes do Direito Empresarial. Essa visão da empresa-institucional passa a ser
encarada pelo Direito Tributário - e por seus operadores - não somente como uma
fonte (inesgotável) de pagamento de tributos, do ponto de vista do Estado, ou ainda
como fonte de lucros somente, sob o enfoque empresarial, mas sim como uma
unidade produtiva, cujo interesse maior deve ser a sua preservação.

Neste sentido, importante são as lições da Professora Misabel Abreu


Machado Derzi, vejamos:

O princípio da preservação da empresa que informa a lei é imprescindível à


compreensão do instituto da recuperação judicial, guia as decisões tomadas
entre os diversos interesses internos que nela se compõe, representa
importante parâmetro que deve pautar a aplicação da lei em cada caso e,
finalmente, deverá ser o guia de interpretação, norteador das decisões
judiciais. Explica Calixto Salomão Filho que, a partir daí, haverá de se
esperar uma mudança de comportamento dos envolvidos no decurso da
vida econômica empresarial. ‘O que se quer dizer é que não é possível
pensar em preservação da empresa apenas no período de crise da
empresa, mas também durante sua vida. Assim sendo, a aplicação da Nova
lei de Falências de forma coerente com o princípio da preservação da
empresa pode ajudar a dar aplicação a princípios institucionalistas
societários como o do art. 116 da Lei 6.404/76’. E prossegue para
demonstrar que uma bem-vinda alteração de valores não pode se restringir
á recuperação de uma empresa em crise: A nova Lei procura fazer
exatamente o inverso, i.e., dissociar a ruína da em presa da ruína do

3
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição
Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos
Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
11

empresário, permitindo que a primeira sobreviva ao ultimo. Só o tempo e a


força de princípios dos aplicadores dirão se isso será possível em meio à
sociedade patriarcal-capitalista em que vivemos.4

Nota-se, portanto, que o interesse estatal em arrecadar e o interesse dos


administradores em obter o lucro a partir do exercício da atividade empresarial,
permanecem existindo, mas deixam de ser a finalidade precípua, ou pelo menos a
única finalidade da empresa. A manutenção da empresa significa a manutenção de
um agente econômico relevante na geração de empregos, resultados e lucros, pois
somente assim poderá dela se cobrar uma participação nas receitas tributárias.

Em função disso, o sistema tributário deve estar voltado para incentivar esta
unidade empresarial geradora de riqueza para todos que a cercam, incluindo, mas
não se esgotando, o empresário, o fisco, os seus empregados, assim como a
sociedade como um todo.

Enfim, se a empresa cumpre sua função social e é geradora de empregos e


de riqueza, então a sua preservação não interessa apenas a seus credores,
investidores e empregados, mas também ao Fisco, que se alimenta de sua
capacidade econômica.

Assim, para incentivar o investimento na produção e, via de consequência, a


preservação da atividade empresarial, alguns requisitos devem estar presentes num
Sistema Tributário minimamente racional. A segurança jurídica deve ser sempre o
pilar de sustentação de um sistema racional, mas não menos importante necessária
a confiança nas instituições do Estado Democrático de Direito, a redução da
litigiosidade e uma carga tributária voltada para o incentivo à produção, inclusive
com a correta gradação da tributação sobre o lucro, considerando a vida da empresa
como um todo (compensação de prejuízos). Faz-se necessária agilidade e eficiência
administrativa e, por fim, mecanismos que visam a proteção da concorrência.

Assim, é preciso pensar na empresa enquanto instituição necessária a gerar


e concretizar todos os direitos individuais e sociais consagrados no Texto
Constitucional.

4
DERZI, Misabel Abreu Machado. O princípio da preservação das empresas e o direito à economia
de imposto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário.
proteção da confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder
judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 356.
12

Por outro lado, um aspecto também a ser considerado para se ter um


sistema arrecadatório equilibrado, é a redistribuição da carga tributária que se tem
atualmente.

Inúmeros estudos mostram uma grande preocupação com o aumento


constante da carga tributária e a sua má distribuição, sendo que nota-se a existência
de uma grande e grave concentração dos tributos incidentes sobre as remunerações
e sobre o consumo, o que torna a carga tributária regressiva e perversa ao
crescimento do país.

Além da má distribuição do peso dos tributos na sociedade, verifica-se,


ainda, o aumento constante da gama de tributos lançados por homologação, hoje a
quase totalidade dos tributos existentes no Ordenamento Jurídico.

Todos esses fatores contribuem para formação do que se tem hoje que é um
sistema inseguro, injusto e que convive com inúmeras sanções fiscais, muitas vezes
aplicadas em patamares ainda dos tempos inflacionários.

O que se vê é que o Sistema Tributário Nacional convive hoje com a


desconfiança permanente (e não com a boa-fé entre as partes que envolvem a
relação tributária). O Estado não confia nos contribuintes, em que pese delegar a
eles interpretação, a subsunção e o recolhimento dos tributos (tributos lançados por
homologação).

Assim, o contribuinte - na quase totalidade dos tributos - deve conhecer a


legislação, exercer sobre ela a interpretação, calcular o quantum debeatur e recolher
aos cofres públicos. Além disso, ainda é obrigado aguardar o prazo decadencial
para que a Fiscalização lhe informe - de forma expressa ou tácita (preclusão) - se
agiu corretamente.

Se o contribuinte interpreta mal a legislação, calcula de forma equivocada,


deixa de recolher ou mesmo descumpre alguma obrigação acessória estará sujeito
às mais pesadas penalidades, equiparando tal contribuinte àqueles outros que agem
com dolo ou má-fé.

O presente trabalho tem, portanto, como objetivo primordial, além da análise


crítica das sanções fiscais existentes, abordar quais seriam, à luz dos princípios
constitucionais, os limites quantitativos e qualitativos dessas sanções, se é que eles
existem.
13

Nesse compasso, o trabalho investigará quais as premissas postas no


Código Tributário Nacional a respeito das sanções fiscais, onde ser pode constatar a
modernidade e a exatidão como o CTN tratou do tema, que de forma invejável e a
poucos perceptível trouxe grandes inovações até o momento.

De fato, o tema posto em discussão, acerca da dosimetria das sanções


tributárias pecuniárias e seus limites, se não trata efetivamente de um assunto novo,
já que há tempos, diversos doutrinadores suscitam questionamentos relevantes
acerca da aplicação das sanções fiscais.

Porém, no contexto atual e sob o prisma da preservação da empresa, se


mostra extremante relevante trazer à baila o presente tema que ao longo dos anos
vem ganhando maior destaque nas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Como ponto de partida, faz-se necessário analisar a estrutura da norma, em


especial, a norma tributária sancionante, diferenciando-a da norma de conduta e
realçando o que consta de sua hipótese.

Como se sabe, as normas de conduta atuam quando a hipótese de sua


incidência se concretiza. Tais normas buscam incentivar, inibir ou induzir
comportamentos e são, portanto, o núcleo central do Direito, pois o papel deste
sempre foi planificar os comportamentos, buscar a paz social, mas é óbvio que o
Direito não é somente técnica, e deve se aproximar dos valores que a Sociedade
dele se espera, pois se o Direito se afasta do fato social, perde sua legitimidade, e
ao mesmo tempo se aproxima demais, pode deixar de lado sua face de ciência do
dever-ser. Portanto, as normas de conduta devem estar, iluminadas pelos princípios,
direitos individuais e sociais, no núcleo central do Direito.

Já as normas punitivas, em que pese serem consideradas secundárias em


relação às normas de conduta, posto que acionadas somente se estas não forem
seguidas, são também hipotéticas e as penas só incidem quando os “tipos delituais”
descritos nas hipóteses dessas normas, ocorrem no mundo real.

Adotando a linha doutrinária de grande envergadura, aqui já lançando mão


dos irretocáveis ensinamentos do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho,
responsável pela teorização da estrutura da norma sancionante em tais termos, é
importante ressaltar que as normas se dividem em dois tipos básicos: normas
impositivas e normas sancionantes.
14

A diferença entre elas, como dito, está na hipótese de incidência. Na norma


impositiva há a previsão de fatos jurígenos lícitos e, por conseqüência, comandos
que impõem direitos e deveres (relações jurídicas). Já a norma sancionante, parte
de um comando de ocorrência de fatos ilícitos e de conseqüências que
consubstanciam, sempre, sanções. Em ambas as hipóteses, basta ocorrer o fato
típico descrito na hipótese para que as conseqüências jurídicas previstas se instalem
no meio social.

Assim, a própria estrutura da norma sancionante já impõe um primeiro


limitador qualitativo: em seu comando deverá haver sempre a ocorrência de um ato
ilícito como pressuposto, ou seja, não se pode imputar uma sanção a quem não agiu
de forma incorreta.

Desta feita, se a sanção tributária incide toda vez que no mundo real, ocorre
uma infração a um dever tributário estatuído em lei, portanto, é razoável concluir que
o cometimento da conduta definida como infração constitui um comportamento
típico.

Partindo das definições acima, a contrario sensu, a tipicidade do ilícito


tributário reside em duas premissas: (a) não pagar o tributo devido e/ou (b) não
cumprir com os deveres instrumentais ou as obrigações acessórias expressas.

Assim, a tipicidade do ilícito tributário somente pode ocorrer quando houver


a clara constatação de que a hipótese da norma se realizou no mundo fenomênico.

No decorrer do estudo, constatar-se-á que, além do limitador quantitativo,


que reside na própria natureza do tipo, é preciso no âmbito qualitativo, que as multas
sejam previstas em lei, proporcionais e razoáveis aos fins que pretende atingir.

Assim, um dos objetivos a que se propõe, é buscar respostas para as


seguintes indagações: a) quais as reais funções das sanções pecuniárias no Direito
Tributário? b) como um ambiente de insegurança jurídica, alta complexidade,
extrema desconfiança, com excessos de controles e penalidades, pode conviver e
construir uma relação compatível com o Estado Democrático de Direito? Qual o grau
de eficiência de tais variáveis? Em que medida tais procedimentos deslegitimam o
papel do Estado e do tributo? c) quais os princípios aplicáveis às sanções
pecuniárias no âmbito do Direito Tributário?

Essas são algumas considerações importantes acerca do assunto aqui


15

estudado, jamais com a pretensão de esgotar o tema, mas sim com a ansiedade de
investigar e contribuir, valendo-se, aqui, das belas palavras de Renato Janine
Ribeiro:

[...] não vejo razão, para alguém fazer uma pesquisa de verdade, que não o
amor a pensar, a libido de conhecer. E, se é de amor ou desejo que se
trata, deve gerar tudo o que o intenso amor suscita, de tremedeira até suor
nas mãos. O equivalente disso na pesquisa é muito simples: o susto, o
pavor diante da novidade. Mas um pavor que desperte a vontade de inovar,
em vez de levar o estudante a procurar terra firme, terreno conhecido.5

Como suporte dessa investigação e também como fonte de pesquisa, será


objeto de análise não só farta doutrina brasileira, mas também a jurisprudência dos
Tribunais Superiores que servirá para que se possa testar e atestar qual tem sido a
resposta do Sistema do Direito a tais questionamentos e, como dito acima, quais
seriam as modificações necessárias, para se ter um sistema arrecadatório
economicamente eficiente e equilibrado, que coíbe os abusos e cobranças
exacerbadas e rechaça a pratica de condutas fraudulentas.

Assim, é preciso buscar a real função da pena e a real função do Estado,


não pela vontade do rei, mas pelo que o Sistema Tributário Nacional dita para a
relação tributária que envolve o contribuinte e o Estado. Essa relação deve ser
calcada na confiança e na relação Estado-contribuinte/cidadão, detentor de direitos
e deveres. Neste ponto, cabíveis as irretocáveis lições de Norberto Bobbio, quando
analisa a pena de morte, mas aqui também aplicáveis:

O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O


indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O
Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional. Também ele tem o
dever de se defender. Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e,
por isso, não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se
defender. O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força.
Deve sentir toda a responsabilidade desse privilégio e desse benefício.
Compreendo muito bem que é um raciocínio difícil, abstrato, que pode ser
tachado de moralismo ingênuo, de pregação inútil. Mas busquemos dar uma
razão para nossa repugnância frente à pena de morte. A razão é uma só: o
mandamento de não matar.6

5
RIBEIRO, Renato Janine. Tempo social. Revista Social da USP, São Paulo, n. 1, v. 2, p. 189-195,
maio 1999. p. 22.
6
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1992. p. 176.
16

Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, retrata a posição dos cahiers de
doléances quanto aos suplícios e diz: “Que as penas sejam moderadas e
proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada contra os culpados
assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a humanidade”7.

Ainda na visão de Michel Foucault a punição é um cerimonial de soberania:

[...] ela utiliza marcas rituais de vingança que aplica sobre o corpo do
condenado. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo
para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas,
mas sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação deve
ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do castigo, e a
aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim, no projeto de
instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de coerção
dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo - não sinais -
com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no comportamento [...].8

Desta feita, incumbe também ao presente estudo, verificar quais são os


limites quantitativos das multas fiscais (art. 5º, LIV c/c art. 150, IV, ambos da
Constituição Federal de 1988 - CF/88) buscando resposta, por exemplo, ao seguinte
questionamento: No Brasil, a infração tributária pode gerar o perdimento de bens e o
confisco?

Seguindo nessa linha de raciocínio, questiona-se se somente o aspecto


quantitativo das multas bastaria para se coibir os abusos. É preciso verificar, ainda,
se há abusos de poder (para isso servem os princípios protetivos dos contribuintes)
no aspecto qualitativo das multas fiscais, mas também se é possível que se faça
uma valoração quanto à conduta do agente que pratica a conduta infracional.

Outros tantos questionamentos poderiam ser postos, mas serão, nos


capítulos que seguem, detalhadamente analisados, porém, o que se deve chamar
atenção desde logo é que em determinadas infrações, a penalidade aplicada
alcança não somente o sonegador ou o agente que de má-fé deixa de recolher o
tributo devido, mas também o contribuinte que age de boa-fé, que fez uma
interpretação razoável da legislação, apenas contrária ao que pensa a Fiscalização
a despeito de uma determinada norma. Nestes casos, seria possível a atenuação na
aplicação da pena?

7
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 37. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 126.
8
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 126.
17

Assim, busca-se verificar se os princípios da razoabilidade e da


proporcionalidade podem ser utilizados como instrumentos de realização de
princípios materiais mais fluidos como a Justiça ou de princípios com maior
concretude, como o princípio da preservação das empresas.

Em síntese, pretende-se analisar se o princípio da preservação das


empresas pode ser tomado como um princípio que limita o poder (ou abuso de
poder) de tributar. Com base em tal resposta, o trabalho segue para verificar se na
análise do caso concreto, o princípio da preservação das empresas pode servir de
instrumento ou diretriz necessária para justificar a aplicação dos postulados da
razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das infrações fiscais.

Por último, mas não menos importante, caberá verificar quais seriam os
limites quantitativos e qualitativos das sanções fiscais para que a atividade
empresarial não reste inviabilizada.

Por todo o exposto, o presente estudo pretende encarar o tema, para,


verificar qual o sistema de penas é compatível com o Estado Democrático de Direito
e, ainda, o que precisa ser alterado, incluído ou extirpado do Sistema, pois posto
como está, não mais compactua com o modelo de relação tributária condizente com
um Estado Democrático de Direito.
18

2 O PAPEL DO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.1 A função do direito tributário no ordenamento jurídico vigente

Antes de adentrar ao estudo dos princípios constitucionais aplicáveis às


sanções ficais, faz-se necessário um breve estudo do papel desempenhado pelo
Direito Tributário.

Como se sabe, o Direito é uma técnica de planificação de comportamentos e


sob esse prisma ele é apenas uma técnica a defender os interesses de quem detém
o poder de ditar este Direito à Sociedade.

Geraldo Ataliba já defendia que o Direito é eminentemente instrumental:

Assim, o estado usa o instrumento ‘direito’, em um primeiro momento,


fixando o que é válido, o que não é válido e quais são as fórmulas que
devem ser obedecidas e observadas por ele e pelas pessoas que com ele
entram em relação; num segundo momento, o Estado pratica atos, também
jurídicos, decorrentes e subordinados às normas que traçou e que se
constituem na aplicação concreta daquelas normas que foram traçadas de
maneira genérica e abstrata. Aí está o tributo como um instrumento jurídico,
instrumento de satisfação de um desígnio que nada tem de jurídico, que é o
abastecimento dos cofres públicos.9

Diante desse caráter instrumental, o Direito visa determinar as normas de


conduta e a organização de como o ‘Estado’ deseja a sociedade. A questão que se
coloca é que quando o Direito se distancia da vontade social, ele serve ao poder e
não mais ao Estado Democrático de Direito, ou seja, o Direito perde sua legitimidade
perante a sociedade e gera a possibilidade de regimes paralelos de regulamentação
ou mesmo o temido vale-tudo.

A ciência do Direito, portanto, inserido no contexto do Estado Democrático


de Direito, serve à sociedade, seguindo os padrões ditados por essa sociedade.
Além disso, àqueles que detêm os instrumentos do poder devem ter consciência de
que são apenas instrumentos da vontade social e não da vontade individual, caso

9
ATALIBA, Geraldo. Elementos de direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. (Aula
de abertura Propedêutica Jurídica). p. 21.
19

contrário, o próprio sistema deve reagir para expurgar quaisquer tentativas de


afastar o direito de seu real papel.

Neste ponto, importante são as lições do Professor Sacha Calmon Navarro


Coêlho que de forma coesa e valendo-se de lições valiosas de Kelsen e Vilanova,
esgota o assunto:

O Direito é a mais eficaz técnica de organização social e de planificação de


comportamentos humanos. [...] Enquanto técnica, o Direito é neutro em
relação aos valores. Mas só enquanto técnica. Onde quer que exista uma
estrutura de poder, democrática ou autocrática, primitiva ou sofisticada, o
Direito é utilizado para organizar a sociedade subjacente e determinar os
comportamentos desejáveis.10

A Ciência do Direito é a Ciência do Direito positivo. Por isso ‘o


conhecimento jurídico dirige-se a estas normas que possuam o caráter de
normas jurídicas e conferem a determinados fatos o caráter de atos
jurídicos’.11

O Direito é, essencialmente, um esforço humano no sentido de realizar o


valor Justiça. Essa dimensão ideal existe na norma jurídica. Pois, a norma
não se reduz a uma mera forma de relacionar atos, com total indiferença
para o valor. Se a norma é um dever-ser, é dever de algo.12

O Direito Tributário, que estuda - fundamentalmente - a obrigação tributária


entre sujeito passivo e sujeito ativo, tem seu nascedouro na lei por tratar-se de
categoria do direito positivo, mas não deixa de se ater às limitações impostas pelo
Texto Constitucional, inserindo-se no Sistema do Direito como toda e qualquer
norma, portanto, uma autêntica relação jurídica.

É certo que em tempos remotos o Direito Tributário estava fundado numa


relação de poder. Até o princípio da legalidade, tido atualmente como um dos pilares
da Segurança Jurídica, nasceu da conhecida história do Rei João Sem Terra, que
dividiu o poder de tributar com os demais poderosos, somente para se manter no
poder. A regra, até então, era a ditada pela autoridade, mas nos tempos de hoje há

10
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 03.
11
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 11
12
VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso
de direito tributário brasileiro, p. 12
20

uma nova relação entre o contribuinte e o Estado, ainda centrada numa relação
obrigacional, mas que se irriga da norma constitucional, de onde nascem as
competências e os limites ao poder de tributar.

O Direito, enquanto ciência que determina as regras comportamentais visa


planificar comportamentos, mas como ensinado por Sacha Calmon Navarro Coêlho,
não pode apenas se ater a técnica de planificar comportamentos, sob pena de
perder a legitimidade perante a Sociedade, pois a esta deve servir o Direito. Nos
rumos do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, importante são as lições de
Valter Souza Lobato:

Mas, o Sistema do Direito, como ensina Sacha Calmon, não se esconde no


tecnicismo positivisma e se vê eivado de valores, onde o Direito não pode
criar ou permitir a criação do abuso, do absurdo, do ilógico, do ininteligível; o
Direito seria o instrumento que dita a voz limitadora dos homens sobre o
homem e do homem sobre os homens, seria o limite da razão, enfim, a
busca do senso que sempre deve ser bom.
Se assim o é, o Direito deve ser instrumento para aplicar os valores ditados
pelo Estado, que, de forma ideal, devem coincidir com os valores da própria
sociedade para, ao fim e ao cabo, este Direito Instrumental, ser o próprio valor
buscado. O Direito deve ser espelho da sociedade que regula, sendo um
caminho de ‘auto-reflexo’, planificando e ditando comportamentos, mas estes
também ditam as condutas desejáveis, portanto, ditam o Direito futuro.13

Portanto, a função legítima do Direito perante a Sociedade, nestes tempos


pós-modernos, é cumprir o desafio de enfrentar a complexidade das relações
sociais, ser instrumento de planificação de comportamentos, mas ao mesmo tempo
não deixar de ser a ciência do dever-ser, porque se perder esse link, estará a
estudar a natureza humana e não mais ditar os comportamentos sociais.

Assim, ainda no caminhar do professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, o


objeto do Direito Tributário começa e se encerra pelo estudo da relação que cerca o
contribuinte e o Estado:

Qual é, então, o objeto do Direito Tributário? O de regular o relacionamento


entre Estado e contribuinte, tendo em vista o pagamento e o recebimento do
tributo. Certos autores dizem que o Direito Tributário regula uma parcela da
atividade financeira do Estado, qual seja, a de receber tributos. Esta é uma
visão autoritária e estática. Em verdade, o Direito Tributário regula e
restringe o poder do estado de exigir tributos e regula os deveres e direitos
dos contribuintes, isonomicamente.Seu objeto é a relação jurídica travada
entre o Estado e o contribuinte.

13
LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do
equilíbrio de suas fontes. 2004. 394 f. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) - Faculdade de
Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. p. 12.
21

[...]
O Direito Tributário cuida especificamente das receitas derivadas do
patrimônio particular transferidas para o tesouro público mediante
‘obrigações tributárias’ previstas em lei. A ênfase do Direito Tributário
centra-se na relação jurídica e não na atividade estatal de obtenção de
receitas. Não é o Direito do Estado, é a relação jurídica entre sujeitos de
direito sob os auspícios da legalidade e da igualdade.14

Importante consignar, neste ponto, que o Direito não é só técnica, portanto,


a relação tributária deve ser irrigada pelos princípios e valores ditados pela
sociedade e para a sociedade. Neste ponto, faz-se necessário verificar de onde
podem ser extraídos os princípios que devem reger a relação tributária.

A base desta relação jurídica é a norma tributária, que tem seu porto seguro
no Texto Constitucional e se este Texto Constitucional determina que o Direito deve
buscar a Justiça e a Segurança, o Estado Democrático de Direito e a soberania da
Federação, a legalidade e a igualdade, a técnica da relação obrigacional não pode
se isolar, mas deve ser interpretado segundo tais valores/princípios previamente
ditados pela norma constitucional.

Cabem aqui as lições do Professor Eduardo Maneira:

O sistema jurídico ocidental é orientado pela supremacia constitucional, isto


é, as normas constitucionais são colocadas no vértice da hierarquia das
fontes do direito, submetendo todas as demais. A idéia da Constituição
como fonte superior de direito tornou-se realidade com o advento dos textos
constitucionais norte-americano (1787) e francês (1791). O movimento
constitucionalista do final do século XVIII, de inspiração iluminista, superou
o pensamento jusnaturalista, cujo postulado central era o da subordinação
do jus positivum ao jus naturale, e estabeleceu dentro de um sistema todo
ele positivo uma escala de hierarquia das fontes, onde a Constituição
‘racional-normativa’ figurava como norma superior.
O constitucionalismo amparava-se em dogmas teóricos construídos pela
juspublicística dos finais de 1700, cujos pilares eram: a) a distinção entre
poder constituinte e poder derivado, que reafirmava a superioridade do
poder constituinte face aos poderes constituídos e a intangibilidade da
Constituição em face da legislação ordinária; b) o princípio da rigidez das
revisões constitucionais restringindo a ação do legislador ordinário.
A superioridade e rigidez constitucional consolidaram-se como realidade no
século XIX, com o desenvolvimento, na Suprema Corte Americana, da
teoria do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário, no
célebre caso Marbury x Madison, relatado pelo Justice Marshall.
Se é verdade que o primado da Constituição é um dogma do mundo
ocidental, não menos verídico é o fato de haver diversas e conflitantes
teorias que pretendem responder que matérias devem ter dignidade
constitucional e quais as funções da Constituição; ou seja, o conceito e o

14
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 34.
22

objeto da Constituição variam segundo as inúmeras teorias que a


concebem.15

E, novamente, o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Pensamos que se o Direito é piramidal, podemos descrevê-lo do ápice para


a base ou da base para o ápice. Por isso que as normas jurídicas extraem
validez de uma norma que lhes está imediatamente acima. A norma que
está no topo é justamente a constitucional. Ela é que confere validez às
demais normas do sistema, até as mais ínfimas, os regulamentos e as
instruções normativas das autoridades administrativas. Subir ou descer a
pirâmide normativa, tanto faz.16

Para exemplificar, aqui já adentrando um pouco ao tema que será objeto de


estudo nos próximos capítulos, o artigo 136 do Código Tributário Nacional determina
que a responsabilidade é objetiva nas sanções fiscais, desde que compatível com a
Constituição Federal, assim como as demais normas que regem as sanções fiscais.
Assim, norma federal, estadual ou municipal, que estabelece a sanção somente terá
validade e legitimidade se o Texto Constitucional assim autorizar.

Isso porque, a norma constitucional tem como função primeira no sistema


tributário, limitar o poder de tributar (e também de punir), inclusive o poder do
Estado, a bem dos princípios e garantias fundamentais.

Eis as palavras do saudoso Ministro Orozimbo Nonato no RE nº 18.331/SP


que demonstra sua preocupação com necessidade de uma tributação equilibrada:

[...] o poder de taxar não pode chegar à desmedida de poder de destruir,


uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o
tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e
com o direito de propriedade. É um poder, em suma, cujo exercício não
deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a
doutrina do détounement de pouvoir.17

No mesmo sentido, recentemente o ministro Celso de Mello se manifestou:

15
MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida. 2002. 238 f. Tese (Doutorado em Direito
Tributário) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. p. 17.
16
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 37.
17
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 18.331. Rel. Min. Orozimbo Nonato, j. 21/09/1951.
apud FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. O devido processo legal substantivo e o Supremo
Tribunal Federal nos 15 anos da Constituição Federal. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_59/a rtigos/Art_Olavo.htm>. Acesso em: 26 maio 2010.
23

O poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições e


controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva
das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos.
É preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação
delineados no texto constitucional. Uma Constituição escrita não configura
mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode
caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos Povos e das
Nações. Todos os atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à
censura jurídica - dos Tribunais, especialmente - porque são írritos, nulos e
desvestidos de qualquer validade. - A Constituição não pode submeter-se à
vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das
circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for
respeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as
liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal
incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não
seja desfigurada.18

Portanto, num Estado Democrático de Direito a premissa deve ser que as


ações do Estado são previsíveis e transparentes, eficientes e morais. O Estado deve
tratar os iguais como iguais, merecendo todos de forma justa que todos renunciem a
liberdade e a propriedade, na medida em que a solidariedade assim clame.

Em que pese não ser objeto do presente estudo a diferenciação entre


impostos, taxas e contribuições, cumpre ressaltar que, em se tratando de
solidariedade, com precisão cirúrgica o professor Sacha sempre alertou que a
solidariedade se manifesta verdadeiramente nos impostos e não nas taxas ou
contribuições, pois nestas duas últimas quem paga é quem delas se beneficia. Já
nos impostos a solidariedade se mostra no Direito Tributário de forma verdadeira,
pois são eles que financiam o caixa geral a mover o Estado em sua função
redistributiva e de justiça social. Nos impostos reside o financiamento da estrutura de
desenvolvimento, a busca do equilíbrio social e econômico.

Feita esta breve e importante consideração acerca da solidariedade dos


impostos, mas votando à questão da organização do sistema jurídico, importante
são as lições de Roque Antônio Carrazza, que assim leciona:

Usando, por comodidade didática, de uma analogia que é sempre feita por
Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello, podemos dizer que o
sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto
em sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem,
na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas

18
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 293 MC-DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 06/06/1990.
DJU, Brasília, 16 abr. 1993. p. 6.429. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/list
arJurisprudencia.asp?s1=ADI-MC.SCLA.+E+293.NUME.& base=baseAcordaos>. Acesso em: 26
maio 2010.
24

mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as


luminárias, as paredes, os alicerces, etc. No entanto, não é preciso termos
conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais
importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os
alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retirarmos ou
destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não
sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado
(ou até mesmo embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces,
fatalmente cairá por terra.19

O Direito Tributário precisa, portanto, retomar suas bases, seus verdadeiros


alicerces: os limites ao poder de tributar constantes do Texto Constitucional e as
normas gerais ditadas pelo Código Tributário Nacional. Somente isso basta ou
deveria bastar. Contudo, não basta apenas o estudo técnico da relação tributária,
mas sim uma análise aprofundada dos princípios que servem de base e luz para
esta relação jurídica.

Neste sentido, são as lições de Ricardo Lobo Torres:

[...] a relação tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos
direitos fundamentais, declarados na Constituição. Nasce, por força de lei,
no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo
estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelos
sistemas de princípios da segurança jurídica. Todas essas características
fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrentes dos
interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a
publicidade do vínculo jurídico.20

O mesmo autor cita os tributaristas Klaus Tipke e Joachim Lang, valendo


aqui a reprodução:

A relação jurídica tributária é uma relação legal de direito público. Daí


resulta que na relação jurídica tributária se desenvolvem os direitos
fundamentais como defesa do cidadão contra o Estado e como princípios
legais fundamentais de justiça.21

Eis as raízes dos limites ao poder de tributar. O Sistema Tributário


Constitucional dita seus alicerces: normas de competência, limitações ao poder de
tributar (princípios e imunidades) e regras de repartição no pacto federativo.

19
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 14. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 29.
20
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 209.
21
Apud TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 209.
25

Para o presente estudo interessa a função dos princípios constitucionais que


limitam o poder de tributar, pois eles ditam as diretrizes do Sistema, dão lógica a
este Sistema e auxiliam o intérprete a ler a norma que regula a relação tributária.

Não por outra razão que Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua
princípio como sendo:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,


disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-
lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico. É o
conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.22

Roque Antônio Carrazza traz ainda as lições de Jesús Gonzàles Perez para
quem os princípios jurídicos constituem a base do Ordenamento Jurídico “a parte
permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que
determina a evolução jurídica”23.

Portanto, o Direito Tributário nasce e se justifica para estudar a relação


tributária, mas não pode se isolar no estudo da norma apenas e sim nos princípios e
valores que iluminam esta relação tributária, ou seja, os valores fundantes que
ditam, de tempos em tempos, a que o Direito serve.

Aqui uma observação relevante para dar continuidade ao trabalho. Os


princípios postos no Texto Constitucional servem para contrabalancear o poder de
tributar e sob esta ótica que devem ser vistos. Os princípios (assim como as
imunidades) não justificam a tributação, mas limitam o poder de tributar. Qualquer
interpretação que fuja desta nuance não tem legitimidade na Norma Constitucional.

O mais correto seria dizer que o poder - e aqui lançando mão dos mais
diversos filósofos - tem que ser a todo custo cercado, não somente no domínio
tributário, mas em qualquer domínio.

Neste sentido, Regina Helena Costa, Misabel Abreu Machado Derzi e


Ricardo Lobo Torres:

22
Apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 30.
23
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 30.
26

Assim é que a tributação constitui instrumento para o atingimento dos


objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
consubstanciados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da
marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais; bem
como na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.24

Os princípios gerais são manifestações de valores fundantes gerais, que se


concretizam em direitos humanos, em acepção ampla, ou seja, em direitos
individuais, direitos da liberdade ou direitos fundamentais, inclusive sociais e
liberdades públicas, tão extensos que, neles certamente se incluem as
garantias institucionais e processuais da liberdade e ainda a tutela
jurisdicional dos direitos e a autotutela da legalidade da administração.25

Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores


jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica começam a
adquirir concretude normativa e ganham expressão escrita.26

Na construção do Sistema Tributário Pátrio Humberto Ávila afirma com


precisão que Direito Tributário Nacional foi conduzido com uma base metodológica
bastante rígida e peculiar em relação a outros países, uma vez que o Sistema
Tributário Nacional regula de forma quase exaustiva a matéria tributária, mas não
perde a conexão (e nem poderia) com o restante da Constituição, em especial com
os princípios (materiais e formais) fundamentais e

com os direitos fundamentais, sobretudo com as garantias de propriedade e


de liberdade; os princípios sistematicamente fundamentais, que mantém
vinculação com o poder de tributar e atribuem significado normativo a outros
princípios, são os princípios republicado, o princípio federativo, o princípio
da segurança jurídica e o princípio da igualdade.27

Assim, o Direito somente se legitima como instrumento social se servir de


meio para conservação do Estado Democrático de Direito, não podendo servir ao
poder, ao arbítrio ou ao abuso, caso contrário, como bem ensinou Roque Antônio
Carrazza, os alicerces ditados pela Constituição estarão em ruínas e com eles todo
o Sistema Tributário.

24
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 05.
25
DERZI, Misabel Abreu Machado. Dos princípios gerais de direito tributário. Belo Horizonte, 2003.
(Texto distribuído durante as aulas ministradas no segundo semestre de 2003 - Disciplina Direito
Tributário Comparado Mestrado UFMG).
26
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79.
27
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 80.
27

Eis as palavras do citado autor:

As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira


arbitrária e sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Muito pelo
contrário: em suas relações com eles, submetem-se a um rígido regime
jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que
veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o
exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.28

Hugo de Brito Machado, de forma memorável, ressaltou a necessidade da


observância aos princípios constitucionais, para se ter uma relação de tributação
juridicamente equilibrada.

Sendo, como é, a relação de tributação uma relação jurídica, e não


simplesmente de poder, tem-se como induvidosa a existência de princípios
pelos quais se rege. Dentre esses princípios destacamos aqueles que, em
virtude de sua universalidade, podem ser considerados comuns a todos os
sistemas jurídicos, ou pelo menos os mais importantes. São eles os princípios
da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da competência, da capacidade
contributiva, da vedação de confisco e o da liberdade de tráfego.Tais princípios
existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do
elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência desta
finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.29

Também de forma primorosa Misabel Abreu Machado Derzi retrata com


fidelidade ímpar o início do estudo do Sistema do Direito, de resto, o próprio Sistema
Tributário, demonstrando que o Texto Constitucional não consagrou “somente” o
Brasil enquanto República Federativa, mas colocou este Estado federal e a forma
Republicana, além dos demais princípios à luz e a serviço do Estado Democrático de
Direito.

[...] garantir a independência e o desenvolvimento nacionais; construir uma


sociedade livre, justa, solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades entre as pessoas e as regiões; promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.30

Nas lições da ilustre professora, o Estado Democrático de Direito não se


presta somente a uma forma, mas tem seus fundamentos no art. 2º do Texto

28
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 280.
29
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 31.
30
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. atual. por Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Nota 1 de Misabel Abreu Machado Derzi, p.
09-10.
28

Constitucional e seus objetivos postos no art. 3º.

Novamente cabem as palavras da ilustre professora:

Enfim, Estado democrático é antes noção de sistema político (ou regime


político, como prefere referir-se Burdeau), o qual abrange não só instituições
governamentais formalmente consideradas, como ainda valores e diretrizes
adotadas pela Constituição

E, mais adiante conclui:

Estado Democrático de Direito é Estado que mantém clássicas instituições


governamentais e princípios como o da separação de poderes e da
segurança jurídica. Erige-se sob o império da lei, a qual deve resultar da
reflexão e codecisão de todos. Mas não é forma oca de governo, na qual
possam conviver privilégios, desigualdades e oligocracias. Nele há
compromisso incindível com a liberdade e a igualdade, concretamente
concebidas, com a evolução qualitativa da democracia e com a erradicação
daquilo que o grande Pontes de Miranda chamou de o ‘ser oligárquico’
subsistente em quase todas as democracias. Não há incompatibilidade
entre Estado de Direito e Estado Social, mas síntese dialética que supera o
individualismo abstrato e a neutralidade do Estado Liberal. Nas novas
fórmulas encontradas pelas constituições mais modernas, não há de modo
algum renúncia às clássicas garantias jurídicas. Entretanto, ao mesmo
tempo, se buscam metas de maior justiça social, condições efetivas de uma
vida digna para todos por meio do desenvolvimento e da conciliação entre
liberdade e solidariedade (V. José Afonso da Silva, Curso de Direito
Constitucional Positivo, 5ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1989, pp. 99 e segs.) A
Constituição de 1988 supõe um constitucionalismo que trabalha essas
exigências jurídicas concretas. O Estado deve pôr-se a serviço de uma nova
ordem social e econômica, mais justa, menos desigual, em que seja
possível a cada homem desenvolver-se digna e plenamente sua
personalidade. Prejudicados fica, dessa forma, as teorias de política
econômica ou de política fiscal incompatíveis com o Estado Democrático de
Direito.31

Estes são, portanto, os pilares que devem nortear o presente estudo. O


Direito, enquanto técnica não mais tem utilidade em tempos de Estado Democrático
de Direito, exceto se a técnica se voltar para atender a este Estado. Através desta
visão que o Direito Tributário deve se voltar a construir uma ordem social e
econômica justa, segura e democrática.

Por tudo isso, deve ser repensado o Direito Tributário à luz de seus
alicerces, para que ele não se isole do fato social e se imponha como ciência do
dever-ser.

31
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 1 de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 09-10.
29

Todas as concepções e conceitos em Direito Tributário, mesmo que postos


anteriores ao Texto Constitucional (princípio da recepção) devem ser repensados
para atingir as metas constantes da Lei Maior. Se ela dita uma relação jurídica, justa
e segura, movida pela boa-fé e pela confiança, tudo que se lê neste sistema deve
ser lido por tais lentes.

O Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em artigo escrito em conjunto com


Valter Souza Lobato, retrata por fim e com exatidão, o que aqui procura se defender:

No Direito Tributário a questão se agrava, pois é onde o poder encontra


guarida de forma intensa, ora abarcando interesses de arrecadação para
manutenção de um modelo econômico; ora abarcando interesses de
determinados setores econômicos. Se voltarmos os olhos para todos os
elementos (não jurídicos) que cercam o Direito Tributário jamais
conseguiremos extrair qualquer segurança, previsibilidade ou conhecimento.
Especialmente no Brasil, mesmo com tantos princípios constitucionais,
mesmo com tantas proteções no Texto Maior, o Direito Tributário não foi
capaz de dar respostas eficientes à sociedade brasileira; não conseguiu
construir uma valoração de princípios, nem tampouco uma construção
científica de conceitos. Tantos e tantos anos, mas não conseguimos
pacificar as mais básicas, diríamos necessárias, conceituações, tais como:
ônus da prova, presunção de veracidade do ato administrativo-tributário,
decadência, prescrição, espécies de tributos, conceito de renda, de
faturamento, etc. e etc.
A sociedade brasileira cobra - com justiça - uma maior estabilização das
questões tributárias; a doutrina cobra de nossos Tribunais uma maior
estabilidade em nossas relações.
Qual seria o campo de atuação deste ramo do Direito, o que deseja o Direito
Tributário regular senão a relação jurídica entre os contribuintes e o Estado?
Aliás, a inserção da relação jurídica, em qualquer ramo do Direito, busca
exatamente esta igualdade de tratamento, busca a proteção contra o poder
(sempre no ambiente do Estado Democrático de Direito, pois no arbítrio -
como vimos - sempre imperará o caráter instrumental do direito e não seus
valores). Veja no Direito do Trabalho, onde impera (e às vezes se deturpa) o
princípio da hipossuficiência do empregado; ou mesmo a proteção que é
dada ao Consumidor na relação com os fornecedores de bens e serviços. O
Direito, portanto, tem que estar sempre limitando o poder, valorando a
segurança e justiça.
Portanto, devemos nos ater à relação que se estabelece na obrigação
tributária entre sujeito passivo e sujeito ativo, tendo seu nascedouro na lei
por tratar-se de categoria ‘jurídico-positiva’ nas palavras de José Souto
Maior Borges, mas não deixa de se ater às limitações impostas pelo Texto
Constitucional, inserindo-se no Sistema do Direito como toda e qualquer
norma, portanto, uma autêntica relação jurídica e não mais uma simples
relação ex lege como no passado dos príncipes.32

32
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07.
In: ROCHA, Sérgio André (Coord.). Societário e a reforma da lei das S/A: inovações da lei 11.638.
São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 547.
30

Pois bem, se a relação tributária deve ser pautada por tais valores, se a
norma tributária não pode ser apenas uma norma de comando, mas deve ter seu
caráter valorativo ou volitivo, cabe perquirir antes, a estrutura da norma tributária,
inclusive a estrutura da norma sancionante.

Estabelecida a estrutura da norma, devem ser buscados seus alicerces: os


princípios que a cercam. Na carona do Professor Roque Antônio Carrazza, que
tomou de empréstimo o exemplo de Ataliba, por primeiro deve ser apresentado o
apartamento, com todos os seus cômodos, sua área interna, enfim, seu esqueleto.
Apresentada a estrutura interna da norma, caberá a apresentação de seus alicerces,
as vigas de sustentação do edifício para demonstrar que se trata de uma estrutura
rígida e segura, que nela pode ser depositada a confiança.

Da mesma forma, apresentada a estrutura interna da norma sancionante,


caberá demonstrar sua estrutura externa, sua finalidade e os alicerces que a
cercam. Isso porque somente após esta apresentação se poderá atestar se a
publicidade que está sendo feita em torno do tema, seja na legislação
infraconstitucional, seja na jurisprudência, retrata com fidelidade o que de fato e de
direito é a norma sancionante no Sistema Tributário Pátrio, bem como a que ela
serve e a quem serve essa norma sancionante inserida no Sistema Tributário
Nacional.

Feita esta breve introdução acerca do papel do Direito Tributário passa-se


ao estudo da estudo da estrutura da Norma Tributária.
31

3 A ESTRUTURA DA NORMA TRIBUTÁRIA

3.1 A norma tributária - conceito e estrutura

Como dito no capitulo anterior, a ciência do Direito é técnica e é valor, mas


que acima de tudo o Direito deve ser visto como a ciência do dever-ser que busca a
paz social, quando pretende (ainda que em pretensiosa missão) planificar os
comportamentos humanos, numa sociedade complexa e insegura pelos tempos que
vive.

Hans Kelsen defendia que a ciência do Direito somente pode ser vista como
a ciência do Direito Positivo, dirigindo todo o estudo para as normas que possuíam
caráter de norma jurídica, ou seja, aquelas normas que conferem “a determinados
fatos o caráter de atos jurídicos”33.

Também como já mencionado no capítulo anterior, o Direito não pode se


resumir a técnica, sob pena de se isolar do fato social, da realidade que o legitime,
portanto, sem muito alongar.

Como ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, as normas


jurídicas tem como função primordial planificar os comportamentos e ordenar a
sociedade, mas estas normas são concretizadas ou viabilizadas pela linguagem - e
aqui, apenas um adendo, a linguagem têm signos infinitos de significados, o que
torna a concretização, integração e interpretação da norma uma tarefa tão árdua.

Eis as palavras do ilustre professor:

O Direito enquanto técnica de disciplinamento e controle social apresenta-se


formalizado através da linguagem escrita ou oral (leis e costumes). A
sociedade humana é o meio em que o Direito surge e desenvolve-se. ‘Em
nossa espécie, a sociedade não é só de pessoas mas também de coisas
produzidas pelo trabalho’. A sociedade, di-lo Hermes Lima: ‘complexo de
pessoas e coisas, exige necessariamente uma organização que, orientando
a vida coletiva, discipline a atividade dos indivíduos e assegure distribuição
dos bens’. Cultural na sociedade é, portanto, a sua própria organização, e

33
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito
tributário brasileiro, p. 11.
32

essa organização é socialmente posta e comunicada pela palavra escrita ou


oral. É assim, sempre foi; para o primitivo, o bárbaro, o grego, o romano, o
medieval, o tipo da renascença ou da sociedade industrial.34

Paulo de Barros Carvalho, outro ícone do Direito Tributário, estudioso da


norma e da sua linguagem, adverte que a realidade social é constituída pela
linguagem (também social) e sobre tal linguagem deve incidir a linguagem prescritiva
do direito positivo:

[...] juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude


e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem,
ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão
profunda da juridicidade. Ora, como toda linguagem é redutora do mundo
sobre o qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no
domínio do real-social, o setor juridicizado do setor não juridicizado. Vem
desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica. Assim como um evento
qualquer, para torna-se fato, exige relato em linguagem competente,
qualquer acontecimento ou mesmo qualquer fato social que pretenda
ingressar no reino da facticidade jurídica precisa revestir-se da linguagem
própria que o direito impõe. Não é suficiente que ocorra um homicídio.
Mister se faz que possamos contá-lo como linguagem jurídica, isto é, que
venhamos a descrevê-lo consoante as provas em direito admitidas. Se não
pudermos fazê-lo, por mais evidente que tenha sido o acontecimento, não
desencadeará os efeitos jurídicos a ele atribuídos. E, nessa linguagem de
pensamento, sendo suficiente para o reconhecimento jurídico a linguagem
que certifica o evento, pode dar-se, também, que não tenha acontecido o
crime, isto é, em termos de verdade material, não tenha ocorrido. Todavia,
se as provas requeridas o indicarem, para o direito estará constituído.35

É dizer, trazendo o tema para o ramo aqui estudado, que em nada importa
ao Direito, especialmente ao Direito Tributário, se fulano possui um comércio que
atua na informalidade ou dizer que determinada empresa sonega receitas. De nada
adianta que se constituam reportagens suspeitas, dossiês, enfim, qualquer
linguagem que não seja a jurídica, não terá validade. Somente se comprovados os
fatos, apurados por fiscalização lícita, que tais fatos ganham a linguagem jurídica e,
se comprovados, geram os efeitos jurídicos daí decorrentes. Não é o anúncio da
mercadoria como passível de venda em veículo de comunicação que gera o
eventual tributo incidente sobre a venda. Este anúncio não tem qualquer significado
ao Direito, mas sim, a efetiva realização da venda que pode ter um significado para o
Direito e dele desencadear os efeitos jurídicos decorrentes.

34
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 18.
35
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. p.13-14.
33

É por isso que, para o Direito Tributário nada significa a assinatura de um


contrato de prestação de serviços, por exemplo, esta assinatura vai ter significado
para o Direito das Obrigações do Direito Privado. Para o Direito Tributário vai
importar a efetiva prestação dos serviços. Enfim, a linguagem jurídica que importa a
norma, gera os efeitos jurídicos decorrentes.

Assim, tomando como norte as lições inovadoras, simplificadoras e irretocáveis


de Sacha Calmon Navarro Coêlho, três realidades precisam ser separadas no estudo da
norma: a) a norma jurídica em si que consiste num comando ou imperativo ou
autorização; b) a formulação que a norma é dada pelo cientista que é a proposição
jurídica; e c) a expressão lingüística utilizada pelo legislador.36

Em que pese as duas últimas citadas serem tomadas de formulações


lingüísticas, deve sempre prevalecer a formulação jurídica, pois esta buscará não
somente o comando legal, mas os múltiplos comandos constantes da norma jurídica,
daí a importância de distinguir norma e lei.

Na cita de Sacha Calmon Navarro Coêlho, cabe lembrar as lições de Carlos


Antigado Nino:

Es muy posible que la expresión ‘norma jurídica’ sea un término teórico.


Obviamente ella no denota un conjunto de oraciones escritas en un papel,
puesto que una misma norma jurídica puede estar formulada por oraciones
diferentes, ni tampoco denota un conjunto de conductas humanas, puesto
que las normas jurídicas son usadas para evaluar conductas.37

Com precisão, Lourival Vilanova faz perfeita distinção:

A norma jurídica, reduzida à proposição em sentido lógico, tem uma forma.


Gramaticalmente, a linguagem do Direito Positivo exprime a norma em
multiforme variedade. E nem sempre está a proposição normativa em toda a
sua integridade num só artigo de lei ou decreto; nem sempre toda uma
norma se encontra presente num dispositivo da Constituição ou de um
estatuto de um ente público ou privado.38

36
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999.
37
NINO, Carlos Santiago. La definición de derecho y de norma jurídica - notas de introducción al
derecho. Buenos Aires, Astrea, 1973, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito
tributário brasileiro, p. 85.
38
VILANOVA, Lourival, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro,
p. 26.
34

Conquanto, a norma pode ser a soma ou a conjugação dos diversos fatores


que a envolve, a conjugação dos diversos textos legais, o costume, os princípios
gerais, a interpretação e a integração desta norma ao sistema. E é essa norma que
deve ser objeto de estudo do Direito e da Ciência do Direito, pois é esta proposição
jurídica que irá pautar os comportamentos humanos, dentro dos limites impostos por
esta mesma norma, inclusive e principalmente os limites constitucionais. Deles não
se pode fugir.

Aliás, o grande desafio da Ciência do Direito, que não pode desprezar os


demais sistemas (político, social, econômico), é aceitar tais influências, sem, no
entanto, deixar o dever-ser dar lugar à ciência do ser. Se o Sistema não se fecha,
ele não gera conhecimento, se perde no que se chama vale-tudo. Lado outro, se ele
se fecha e não traz nenhum respiradouro para o contato com os demais sistemas, se
isola da sociedade e perde a sua legitimidade.

Neste ponto ensina o ilustre Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A norma, ainda que condicional, é sempre prescritiva (porque o Direito é,


basicamente, prático, finalístico, teleológico).As leis são enunciados literais
buscando um fim. As proposições normativas são descrições das normas
jurídicas, que defluem do universo legislado produzidas por um sujeito
(jurista ou juiz).
Por isso mesmo, ou seja, por serem juízos, são descrições de um ser, a
norma! (Sem embargo de a norma constituir um dever-ser, por isso que
prescritiva).
Conseqüentemente, as proposições jurídicas são proféticas, por isso que
exprimem o que deve ser, do ponto de vista subjetivo de quem as produz.
(Os sujeitos que analisam a norma posta como objeto do conhecimento).
Estão, dessarte, sujeitas a um teste de verdade legal. E aqui se desvela a
problemática da interpretação, seja com efeito meramente opinativo (o que
fazem os cientistas do Direito, advogados, jurisconsultos e até mesmo os
aplicadores ex officio das normas: os funcionários do Executivo), seja com
efeito judicante, por parte dos juízes que dizem o direito com definitividade,
ainda que sob o guante da revisão ad quem.
Com efeito, as proposições normativas são ‘profecias’ a respeito do que
deve ser. (O ‘ser’ da norma).
Somente a proposição normativa proferida pelos órgãos supremos da
jurisdição tem o condão de acertar a norma, dizendo o que ela significa com
obrigatoriedade indiscutível. (Norma individual, conforme Kelsen).
Nesse ponto fecha-se o ciclo. A norma é o que os juízes da suprema
instância fixam como o seu real significado, objetivamente, enquanto
prescrição.
A conclusão ora lançada tem o abono de Kelsen.
Dele a transcrição: ‘O Direito prescreve, permite, confere poder ou
competência, não ensina nada. Na medida, porém, em que as normas
jurídicas são expressas em linguagem, isto é, em palavras e proposições,
35

podem elas aparecer sob a forma de enunciados do mesmo tipo daqueles


através dos quais se constatam fatos’.39

Nas lições trazidas no artigo escrito em conjunto por Sacha Calmon Navarro
Coêlho e Valter Souza Lobato, pode-se verificar que a insistência dos autores em
diferenciar a norma jurídica, a quem os autores denominam ente lógico, da lei,
denominada por eles como ente jurídico positivado, tem razão de ser.

Cabe-nos insistir na radical diferença entre norma jurídica (ente lógico) e lei
(ente jurídico positivado). Nesse compasso, a interpretação da norma,
especialmente da norma tributária, é feita por todos aqueles envolvidos no
seu programa. Para aplicar ou suportar uma norma é necessário
compreendê-la, surpreender o seu conteúdo. Como vimos de ver, a norma
tributária é uma norma- de-conduta. Como já disse Hensel, o destinatário
deve cumpri-la, isto é, pagar o tributo, desde que realize o fato jurígeno.
Volta-se a interpretação para o fato jurígeno descrito pelo legislador (o
descritor do fato jurígeno) e também para a estrutura do dever, que a
ocorrência do fato jurígeno desencadeia (o prescritor do dever). Por ser o
Direito um corpo feito de palavras, um ser lingüístico, é natural que
dissintam os justiçáveis e operadores jurídicos sobre as atribuições dos
fatos jurígenos em abstrato em cotejo com os fatos concretos (discute-se o
modelo conceitual do fato gerador e também sobre a subsunção a ele dos
fatos concretos, a similitude em relação ao modelo).
O processo de aplicação da norma geral, impessoal, obrigatória, aos casos
concretos (concreção) implica interpretação. Aplicar a norma implica a sua
compreensão (decorrente da interpretação). Para aplicá-la, o intérprete
formula uma proposição normativa (uma proposta) a seu respeito, dela, que
pode ser correta ou não. Ocorrendo divergências ao propósito das
proposições normativas, somente um pronunciamento jurisdicional definitivo
pode acertar os entendimentos conflitantes, assentando o significado da
norma (que será norma individual nos casos restritos a partes determinadas
ou tradução da norma geral legislativa, via afazer jurisdicional, na hipótese
de controle abstrato de normas, em tese).40

Mais adiante os autores definem os métodos de interpretação, cabendo aqui


a transcrição:

O método gramatical, na medida em que a polissemia e a vagueidade


assolam a linguagem-do-objeto, é o primeiro a ser utilizado. Diz-se que a lei
não contém palavras inúteis. O dogma é francês, do tempo da revolução,
em que pese ter sido buscado entre os praxistas. Mas é falso; as palavras
da lei são, muita vez, mas nem sempre, vagas, ambíguas, polissêmicas
rebarbativas, quando não insuficientes (minus dixit). Pode a lei ser mal
elaborada, ou partes dela. Pode ocorrer de a lei contrariar a Constituição ou
ser contrária a outra lei, ainda vigente. Mais à frente veremos que a

39
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito
tributário brasileiro, p. 27-28.
40
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,
p. 549-550.
36

interpretação pode ser ab-rogante, negando à lei ingresso no ordo juris. Por
ora, de assentar que o método gramatical marca o primeiro contato do
sujeito cognoscente com a lei (em cujo interior está o sentido da norma).
Consiste em ser o ponto de partida para o desvendamento do sentido da
norma, mormente em Direito Tributário, que é estrito como o Penal. O
método gramatical é fase obrigatória da exegese. Se a lei contém uma
mensagem normativa, é necessário que o contribuinte-receptor a conheça
exatamente. Queiramos ou não, as leis devem expressar seus direitos e
obrigações, como posto pela linguagem em que são vazadas. O ideal seria
que todo legislador fosse um esteta da linguagem e um jusfilósofo, pleno de
clareza. Mas os corpos legislativos são formados por todas as vertentes da
sociedade. São heterogêneos pela natureza da representação política,
aberta a todos os membros que convivem nas sociedades politicamente
organizadas. Daí o uso incorreto, desabrido, atécnico da linguagem no
corpo vivo das leis.
O método histórico procura situar a lei nova no tempo. A chamada mens
legislatoris é buscada levando-se em conta o ambiente em que ela se
formou confrontada com as normas anteriores. São relevantes, outrossim,
os motivos para a sua elaboração, o relacionamento com o Direito anterior,
com a jurisprudência, a crítica doutrinária e a percepção das pressões ou
tensões pré- jurídicas que determinaram a sua elaboração. Aqui ressumbra
a importância das discussões havidas nas comissões técnicas e relatorias
legislativas (a realidade viva, berço da lei).
Freqüentemente a doutrina lança-se sobre a lei no afã de interpretá- la, sem
sequer conhecer a sua ‘exposição de motivos’, ao argumento de que feita a
lei, doravante importa apenas examiná-la, desimportante a vontade dos
seus fautores. Nada é tão arrogante quanto essa prepotência interpretativa.
Desprezam-se os valores, interesses e objetivos que informaram a feitura
da lei. Sua genética não pode nem deve ser relegada pelo intérprete,
mormente nos Direitos Tributário e Penal. Não é com o evolver da história
que os valores e as normas se transmutam?
O chamado método histórico já prenuncia o que se lhe segue, o método lógico-
sistemático, a mergulhar a lei no sistema a que pertence. Pode ocorrer de a
interpretação, esgotada a etapa gramatical, acentuar as incongruências da lei,
omissões, ambigüidades. Pode bem acontecer de o método histórico não ter
aclarado o sentido da norma ou de parte dela. É a vez do método lógico-
sistemático. Para logo a lei é imersa no sistema a que pertence, para ver se
com ele é compatível. O homem comum freqüentemente pergunta: ‘Qual é a
lógica dessa lei?’ Por isso, além de buscar a razão ou a racionalidade da lei
nova, o intérprete a liga ao sistema e ao subsistema em que se insere pelo
método lógico-sistemático, que leva em conta a hierarquia das leis, a sintaxe
normativa e o elo sistêmico. Muita vez e até com regular freqüência, chega-se a
conclusões tarjantes. Assim, se a lei não foi feita de acordo com as regras
processuais prescritas, nega-se-lhe validade formal (lei natimorta por vício
legislativo de forma). Em que pese a regra de que a lei posterior revoga a
anterior de igual hierarquia, às vezes a lei nova acrescenta um novo preceito à
antiga que contém preceito antitético.41

Por fim, concluem de forma irretocável:

É válido quando além da interpretação passa a erigir-se em técnica


integrativa, com a ressalva de que em Direito Tributário e Penal é vedada a
integração da lei para extrair tributo nela expressamente não previsto.

41
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,
p. 550-552.
37

Os resultados a que pode chegar o intérprete ao depois de utilizar


intelectualmente os métodos de interpretação são diversos.
Utilizados todos os métodos, deve ele chegar a algum resultado para o fim
de aplicar a norma aos casos concretos, seja administrativamente, seja
jurisdicionalmente, sem esquecer que só o juízo definitivo da jurisdição (o
que não mais pode ser objeto de recurso) fixa o entendimento da norma,
inter partes ou erga omnes, dependendo das circunstâncias. Em algum
ponto as divergências devem ser superadas no seio da jurisdição. Pois bem,
ao cabo e ao fim, o intérprete pode chegar a quatro estágios.
De fora parte o aforismo latino in claris cessat interpretatio, o intérprete, em
face da norma, deve afirmá-la, corrigi-la, ab-rogá-la ou integrá-la, se concluir
que possui lacunas, menos em Direito Tributário e Penal, cujas lacunas
somente podem ser colmatadas pelo legislador, jamais pelo intérprete, seja
agente do Executivo (Estado-Administração), seja órgão do Poder Judiciário
(Estado-Jurisdição).
Afirmar a lei significa dizer que foi posta a viger segundo os preceitos supra-
ordenados que regulam a sua criação e que seu conteúdo material ou, se se
quiser, normativo, coincide com o querer do legislador.
Entretanto, bem pode o intérprete corrigir o sentido da lei: a lei terá ampliado ou
reduzido o seu alcance. Quando o Supremo Tribunal Federal declarou que o
nomen juris ‘salário’ tinha o sentido estrito que lhe emprestava o Direito do
Trabalho, por sem dúvida reduziu o alcance que à lei fiscal lhe concediam os
intérpretes do Poder Executivo (pois aplicavam o conceito de salário de modo
amplo para tributar com u’a contribuição social as pagas decorrentes de
relações outras que não apenas aquelas derivadas do emprego).42

Feitas essas considerações acerca da estrutura da norma tributária, passa-


se ao estudo da norma sancionante, notadamente sob o prisma das sanções fiscais,
bem como a caracterização do ilícito tributário.

3.2 A estrutura da norma tributária sancionante

Hans Kelsen estabelecia a sanção como elemento principal da norma.43 Para


Hans Kelsen a sanção seria o núcleo, a essência do Direito e por isso as
denominava de normas primárias ou autônomas, pois todo o sistema do Direito
delas dependia.

42
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,
p. 552-554.
43
Afirma Paulo Roberto Coimbra Silva: “Pode-se dizer, sem exageros, haver KELSEN cultuado a
sanção como conceito jurídico central, de supina importância, ao sustentar que somente há dever
jurídico quando a conduta que lhe seja oposta e seja normatizada como pressuposto de um ato
coercitivo dirigido aos seus protagonistas” (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário
sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 18).
38

Se uma ordem jurídica ou uma lei feita pelo Parlamento contém uma norma
que prescreve determinada conduta e uma outra norma liga a não-
observância da primeira à sanção, aquela primeira não é autônoma mas
está essencialmente ligada à seguinte; ela apenas estabelece -
negativamente - o pressuposto a que a segunda liga a sanção. E, quando a
segunda norma determina positivamente o pressuposto a que liga a sanção,
a primeira torna-se supérflua sob o ponto de vista de técnica legislativa.44

De fato, Hans Kelsen afirmava em sua obra que a norma sancionante seria
uma norma primária, autônoma, sendo secundária a norma indutora dos
comportamentos, que caso fosse desrespeitada implicaria na aplicação da sanção,
como um elemento intrínseco constante da norma sancionante. Assim, quando o
ordenamento jurídico estabelece uma pena a quem cometer homicídio, haveria uma
norma secundária, de conduta e não autônoma a dizer para a Sociedade: não
matarás!

Ao que parece, anos mais tarde, o mesmo autor, apesar de manter seu
posicionamento de que toda norma tem uma sanção equivalente, inverte seu
raciocínio e passa a entender que a norma primária é a indutora de conduta e a
secundária a que estabelece a sanção.45

Geraldo Ataliba seguindo a linha de Kelsen coloca a sanção na mesma


estrutura normativa que a norma de conduta que a antecede (antecedência do ponto
de vista cronológico). Em sua obra mais famosa, Ataliba assim afirma:

Sanção não é necessariamente um castigo. É mera conseqüência jurídica


que se desencadeia (incide) no caso de desobedecido o mandamento
principal de uma norma. É um preconceito que precisa ser dissipado - pro
flagrantemente anticientífico - a afirmação vulgar, infelizmente repetida por
alguns juristas, no sentido de que a sanção é um castigo. Pode ser,
algumas vezes. Não o é muitas vezes. Castigo, pena, penalidade, é espécie
do gênero sanção jurídica. Nem toda sanção é castigo, embora todo castigo
(espécie) seja sanção.46

44
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra, 1962, p. 14, apud COÊLHO, Sacha Calmon
Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 57-58.
45
“Se se admite que a distinção de uma norma que prescreve uma conduta determinada e de uma
norma que prescreve uma sanção para fato de violação da primeira seja essencial para o Direito,
então precisa-se qualificar a primeira como norma primária e a segunda côo secundária - e não o
contrario como o foi por mim anteriormente formulado” (KELSEN, Hans. Teoria geral das normas.
Tradução Jose Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editora, 1986. p. 181).
46
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1990. p. 39.
39

Por sua vez, o jurista argentino Augustin Gordilho47, demonstra que a sanção
tem algo mais do que o castigo (e por isso as vezes ele não necessita estar presente
para que haja a norma sancionante), posto que a sanção, antes de tudo, visa o
cumprimento da obrigação originalmente descumprida.

Pode-se até concordar que a norma sancionante não é sempre um castigo,


mas - como se verá abaixo - se ela advém de um ato ilícito, certamente conterá em
sua conseqüência um ônus. Da mesma forma, tem-se a norma que determina
eventual nulidade de um ato ou negócio jurídico. Essa norma terá como
conseqüência a nulidade do negócio (e todos os efeitos daí decorrentes), o que não
deixa de ser um ônus (ainda que não se tome como castigo).

A critica a tal linhagem doutrinária reside no fato de que nem toda norma de
conduta gera uma sanção (v.g. a norma que determina o pagamento de um tributo
tem que ter, necessariamente, em sua hipótese um ato licito; as normas
organizatórias, as normas processuais, entre outras, não visam a sanção, mas
podem ter uma sanção como conseqüência).

Não se tem dúvidas de que sanção é um elemento jurídico a ser estudado -


daí este um grande legado de Kelsen - mas não se pode dizer que a sanção está no
núcleo do Direito, pois neste caso estaria ruindo a norma premial (estabelecer-se no
Nordeste pode ter a empresa ganhos fiscais, mas se não estabelecer, não tem
nenhuma pena).

Ensina Paulo de Barros Carvalho:

Tendo a norma jurídica a estrutura dos juízos hipotéticos podemos


conceituá-la como toda proposição normativa de estrutura hipotética que
impute ao conhecimento do suposto determinado tipo de comportamento
humano. Abrigar tal conceito implica reconhecer que as chamadas ‘normas
atributivas’ ou ‘normas qualificativas’ não são verdadeiramente regras
jurídicas, já por não revestirem a forma de juízos hipotéticos, já por não
estabelecerem ‘comportamentos tipo’. Tais proposições têm realmente a
estrutura lógica dos juízos categóricos, sendo impossível transgredi-las e
inexistindo, portanto, sanções que lhe correspondam. São proposições do
tipo: ‘amanhã será segunda- feira’, ‘este país é uma República’, ‘tais
pessoas são comerciantes’, ‘a maioridade se completa ao s 21 anos de
idade’. Quem, porventura, poderá descumprir a proposição que estabelece
a maioridade aos vinte e um anos? - Efetivamente, ninguém. Isso não quer
dizer, todavia, que proposições dessa natureza deixem de ter caráter
jurídico. Significa apenas que não têm índole normativa, porque não são
juízos hipotéticos, em que se associa a determinada condição uma

47
GORDILHO, Augustin. Introduccion al derecho administrativo, apud ATALIBA, Geraldo. Hipótese
de incidência tributária, p. 41.
40

conseqüência. São, como vimos, juízos categóricos que completam a ordem


jurídica, pois somente os juízos hipotéticos não são suficientes para a vida e
o regular funcionamento do Direito. De certo não faria senso admitir que
normas jurídicas estabelecessem direitos e deveres, portanto relações
jurídicas, referentes a comerciantes, sem que se saiba, de modo categórico,
o que a própria ordem jurídica entende por comerciante.48

De fato, a obstinação sobre a sanção trazida por Kelsen foi duramente


criticada pela doutrina, posto que a sanção deve ser tratada como um ente jurídico,
mas não estará ela presente em todos os enunciados normativos, tais como aqueles
que se atribuem poderes para instituição de tributos (vide Imposto sobre Grandes
Fortunas), em que o ente possuidor da competência tributária pode exercê-la ou não
ou mesmo aquelas normas que organizam o Poder Judiciário, que atribuem poderes
a cada um dos Tribunais Superiores, etc.

Nesse compasso, o Sacha Calmon Navarro Coêlho, após passar pelas


lições e traçar suas críticas à doutrina de Kelsen e Hart, criou uma classificação, que
se mostra simples e, por isso, genial, das normas existentes. Segundo o autor, as
normas, portanto, podem ser divididas em cinco grandes grupos:

• Normas organizatórias

• Normas de competência

• Normas técnicas

• Normas de conduta

• Normas sancionantes

Explica o Professor que

Vale dizer, o Direito existe para instituir e organizar (normas organizatórias),


atribuir competências (normas de potestade), criar deveres (normas de
conduta ou de dever), punir as transgressões à ordem jurídica (normas
sancionantes) e prescrever técnicas de realização da ordem jurídica
(normas técnicas ou processuais).49

Assim, as Normas Organizatórias seriam aquelas que estabelecem a


estrutura funcional do Estado, seja federal, estadual e até no âmbito municipal. As

48
CARVALHO, Paulo de Barros apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da
exoneração tributária, p. 71.
49
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p 77.
41

referidas normas estabelecem os requisitos de um determinado tipo de sociedade,


prescrevem a forma de constituição uma Organizações Não Governamentais (ONG),
de como estabelecem por exemplo, os pressupostos para ser eleito e para eleger.
Nestas não teríamos qualquer juízo hipotético. Apenas organizacional.

As Normas de Competência são aquelas que conferem os poderes ao


Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Tais normas autorizam a instituição de
tributos e, no âmbito do Direito Privado, estabelecem quem e como pode praticar os
atos jurídicos válidos e eficazes. Estes são apenas alguns exemplos das normas de
competência, que podem ser conceituadas como normas que atribuem algum poder,
ao agente público ou privado, para praticar atos de relevância e conseqüência para
o Direito.

Existem também as Normas Técnicas que são normas instrumentais, tais


como as normas processuais e procedimentais para prática dos atos jurídicos (como
votar, como formular um pedido em Juízo, etc.).

Há ainda as denominadas Normas de Conduta que se pautam por juízos


hipotéticos a obrigar comportamentos, positivos ou negativos, enfim, ditam
comportamentos desejáveis. Diz Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Se o Direito teleologicamente busca o controle do meio social, é claro que


indica quais são os comportamentos desejáveis. Indica-os, tornando-os
obrigatórios, como no caso do dever tributário. As leis prevêem a
obrigatoriedade do seu cumprimento. Todavia, dita obrigatoriedade
comportamental pode não ser expressa na lei. No caso do tributo, é. No
caso de homicídio, não. A lei expressa apenas uma punição, ou melhor, a
previsão de uma pena para o comportamento homicida. A norma que impõe
o dever de não matar é implícita no sistema e portanto inexpressa na lei
(mais uma vez a diferença entre norma e lei). As normas-de-conduta ora
impõem comportamentos positivos (é obrigatório pagar imposto de renda à
União), ora estatuem condutas negativas (é obrigatório não matar). Fácil
deduzir que o caráter proibitivo é epifenomênico; se é obrigatório não matar,
matar é proibido. Se é obrigatório pagar tributos, não pagá-los é proibido. O
proibido e o obrigatório são indefiníveis e podem ser deduzidos de um outro
tipo de norma que a seguir veremos, a punitiva. Isto induzirá interessantes e
esclarecedoras conclusões a respeito das normas-de-conduta, mas nunca
ao ponto de vê-las supérfluas, despiciendas ou desnecessárias.50

Por fim, a última espécie ditada na precisa classificação de Sacha Calmon


Navarro Coêlho, são as denominadas Normas Sancionantes ou Punitivas que
colocam a sanção na conseqüência da norma, apos ditar na hipótese um fato ilícito

50
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 79.
42

(ainda em abstrato):

São as normas que estatuem sanções para certas condutas. Toda ação não
punível é livre. Vale dizer, o que não é punível pode ser praticado
facultativamente. Tanto faz, de um ponto de vista sancionante, praticar ou
não a ação impunível. Ela não é obrigatória nem proibida. Se fosse proibida,
sua prática acarretaria uma punição. E, se fosse obrigatória, a omissão em
praticá-la acarretaria, igualmente, uma punição. Conseqüentemente, se uma
ação, ou melhor, um comportamento humano é punível, é porque a sua
prática é vedada; é porque não praticá-lo é obrigatório. Isto de não praticar
um comportamento tem dois sinais: positivo e negativo. Quando um
comportamento é punível, é porque seu contrário é obrigatório. Se se age
quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar
é que é a hipótese da punição. Se não se age quando o dever é agir (por
exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar -
comportamento omissivo - é que é a hipótese da punição.51

Interessam ao presente estudo, as normas de conduta e as normas


sancionantes, sendo que ambas possuem uma estrutura hipotética, ou seja, no seu
enunciado há uma hipótese formulada em abstrato e de forma genérica a alcançar
os casos mais similares possíveis (isonomia no tratamento) e nas conseqüências as
obrigações ou direitos que irão advir do fenômeno da subsunção, ou seja, quando a
hipótese formulada em abstrato ocorre no mundo real. Em ambos tipos, basta
ocorrer o fato típico descrito na hipótese para que as conseqüências jurídicas
previstas se instalem no meio social.

Novamente, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Acontecido o fato previsto na hipótese legal (hipótese de incidência), o


mandamento, que era abstrato, virtual in potentia, torna-se atuante e incide.
Demiúrgico, ao incidir produz efeitos no mundo real, instaurando relações
jurídicas (direitos e deveres). A incidência, em Direito Tributário, é para
imputar a determinadas pessoas o dever de pagar somas de dinheiro ao
Estado, a título de tributo. Esse, precisamente, é o comportamento desejado
pela ordem jurídica.
A obrigação tributária que já se continha in abstracto no mandamento da
norma de tributação instala-se no mundo fático com a realização do fato
jurígeno previsto na hipótese da norma. O estudo do tributo como norma é o
estudo mesmo da obrigação tributária, sua estrutura e sua incidência; daí o
notável papel que uma prospecção a este nível assume em face da Teoria
Geral do Direito Tributário.52

O citado autor apresenta a estrutura da norma tributária de forma precisa,


cabendo aqui a reprodução:

51
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 79.
52
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 432.
43

NORMA TRIBUTÁRIA
Hipótese de incidência - Fato previsto Conseqüência jurídica - Dever tributário
como jurígeno decorrente
* Aspecto material - o fato em si * A quem pagar (sujeito ativo)
* Aspecto temporal - condições de * Quem deve pagar (sujeito passivo)
tempo * Quanto pagar (base de cálculo e
* Aspecto espacial - condições de lugar alíquotas ou valor fixo, adições e
* Aspecto pessoal - condições e subtrações)
qualificações relativas às pessoas * Como pagar
envolvidas com o fato * Quando pagar
* Onde pagar
Quadro 1 - Estrutura da Norma Tributária
Fonte: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 117.

Destarte, sendo norma de conduta, a estrutura assim o é: hipotética e de


subsunção, sendo que dessa estrutura, surge a obrigação tributária, que pode ser
definida como o vínculo jurídico pelo qual o Estado, com base exclusivamente na
legislação tributária, pode exigir do particular uma prestação tributária positiva ou
negativa.

Para entender o surgimento da obrigação tributária, cujo descumprimento


acarretará aplicação de uma sanção, faz-se necessário conceituar, ainda que de
forma sintética, os quatro elementos da obrigação tributária: a) sujeito ativo: a
pessoa jurídica de direito público competente para exigir tributos; b) sujeito passivo:
a pessoa física ou jurídica obrigada por lei ao cumprimento da prestação tributária,
denominada contribuinte ou responsável (CTN, art. 121); c) causa, que somente
pode advir de uma lei, a qual estabelecerá d) objeto, o cumprimento de uma
prestação positiva ou negativa determinada por lei.

Acontecido o fato previsto na hipótese legal (hipótese de incidência), o


mandamento que era abstrato, virtual, torna-se atuante, concreto e incidente. Ao
incidir produz efeitos no mundo real, instaurando relações jurídicas (direitos e
deveres).

A incidência, para o Direito Tributário, serve para imputar a determinadas


pessoas o dever de pagar somas de dinheiro ao Estado, a título de tributo. E se diz
norma de conduta porque é exatamente isso que se espera do destinatário da
norma. O pagamento do tributo.

O Professor José Souto Maior Borges complementa:


44

Analisada sob o prisma de sua estrutura lógica, toda norma jurídica,


inclusive a tributária, se decompõe em uma hipótese de incidência ou
previsão hipotética (suporte fático, fato gerador, fatispecie, tatbestand) e
uma regra ou preceito (regra de conduta). Como se acentuou, a incidência
da regra jurídica é infalível, mas somente ocorre depois de realizada a sua
hipótese de incidência.53

Neste ponto importante lembrar as palavras do inesquecível Geraldo Ataliba:


“Costuma-se designar por incidência, o fenômeno especificamente jurídico da
subsunção de um fato a uma hipótese legal”54.

Mais adiante o autor arremata:

A norma tributária, como qualquer outra norma jurídica, tem sua incidência
condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato
este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do
mandamento.55

Albert Hensel, chamando ao fato jurígeno de fato imponível, discorre de


forma concisa: “O comando: deves pagar imposto é sempre condicionado à frase: se
realizas o fato imponível”56.

No Direito, aqui a falar com base nas normas de conduta e de sanção, a


estrutura hipotética, é a ocorrência da hipótese no mundo real que faz surgir os
direitos e deveres da relação jurídica. Portanto, somente com a ocorrência de todos
os requisitos previstos abstratamente no mundo real é que surge a obrigação.

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho:

Se é correto afirmar-se que as disposições de caráter normativo é que criam


os direitos e deveres, é imperativo lógico reconhecer que toda norma
jurídica cria, como consequência imputada ao acontecimento do suposto,
uma relação jurídica segundo a qual o sujeito ativo titular de um direito
subjetivo pode exigir do sujeito passivo o cumprimento de um dever jurídico.
A norma impositiva, por isso que sempre condicional, decompõe-se,
logicamente falando, em duas partes: hipótese e conseqüência. Quando
dada ordem jurídica colima a observância de certo comportamento, utiliza-
se de uma norma em que por hipótese prevê um fato em abstraio, a que liga
a conseqüência desejada.
O mecanismo é tal que, uma vez acontecido o fato jurígeno, antes previsto
hipoteticamente, decorre necessariamente a conseqüência, também

53
BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969. p. 176.
54
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 43.
55
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 43.
56
HENSEL, Albert. Diritto tributario. Tradução Dino Jarach. Milão: Ed. Giuffrè, 1956. p. 148.
45

estatuída de maneira abstraia. Diz-se então que a norma incidiu, que houve
incidência. De um ponto de vista tributário, a parte da norma que abriga a
previsão hipotética do fato jurígeno, que alguns chamam de gerador,
podemos denominar de hipótese de incidência. Já a parte da norma que
aloja as conseqüências jurídicas decorrentes, podemos chamá-la comando,
estatuição, ordem, imperativo, relação jurídica decorrente, mandamento,
etc. Note-se que as conseqüências das normas jurídicas que criam deveres
têm recebido as mais diversas denominações na doutrina. Inexiste, na
Teoria Geral do Direito, rigor terminológico. A seu turno, a hipótese destas
normas jurídicas é denominada de hipótese de incidência, suposto,
pressuposto, suporte fáctico, fato jurígeno, fato gerador, fato tipo, etc. É
indubitável que desse rico e variado rol terminológico emerge a imprecisão.
A grande dificuldade dos autores reside em achar a forma de expressão que
diferencie, com claridade, o fato previsto na norma em abstraio (v.g. alguém
ter renda acima de ‘y’ em dado exercício) do fato real que acontece
(alguém, realmente, ter tido renda). No Brasil, a expressão fato gerador, por
exemplo, é usada nos dois sentidos, inclusive pelo Código Tributário
Nacional. De igual forma, a conseqüência hipotética que a ordem jurídica
enlaça ou imputa à hipótese da norma é, comumente, confundida com a
conseqüência jurídica que se instaura quando da realização da hipótese de
incidência. Com efeito o pagar imposto de renda previsto abstratamente na
norma, como conseqüência do fato hipotético ter renda, é diferente do dever
que se instaura no mundo jurídico como conseqüência de alguém ter tido,
realmente, renda.57

Verifica-se, portanto, que a diferença entre as normas de conduta e normas


sancionantes, está apenas na hipótese de incidência. Na primeira há previsão de
fatos jurígenos lícitos e, por conseqüência, comandos que impõe direitos e deveres
(relações jurídicas). Já a norma sancionante parte de um comando de ocorrência de
fatos ilícitos e de conseqüências que consubstanciam, sempre, sanções.

De forma a elucidar, novamente cabe a transcrição de exemplos dados pelo


Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

NORMA IMPOSITIVA NORMA SANCIONANTE


HIPÓTESE: Ter a pessoa física ou
jurídica auferido renda acima de certo HIPÓTESE: Não ter a pessoa física ou
limite, durante dado exercício, em jurídica pago o imposto de renda devido
determinada circunscrição política
CONSEQUÊNCIA: Pagar a pessoa
física ou jurídica, ou outro, por elas,
CONSEQUÊNCIA: Pagar multa de X
imposto de renda ao ente tributante,
titular da circunscrição política
Quadro 2 - Norma Impositiva x Norma Sancionante
Fonte: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro Curso de direito tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008. p. 432.

57
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 33.
46

Como se pode ver, as estruturas se distinguem (nas normas de conduta) no


Direito Tributário pela obrigação que faz surgir: a) dever instrumental de fazer ou
deixar de fazer algo; b) dever material de recolher o tributo em nome próprio ou de
terceiro.

O Código Tributário Nacional de forma singela, porém, precisa, fez constar


no seu artigo 113, tal distinção:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.


§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por
objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se
juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto
as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância,
converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Muito pouco precisa ser dito face à clareza impar do citado artigo. Apenas
duas formas de obrigação surgem das normas de conduta tributária, a obrigação
chamada de principal ou nuclear que se dá quando a hipótese (auferir renda, prestar
serviços e etc) ocorre no mundo real e a obrigação acessória ou instrumental, que se
trata de obrigações de fazer ou não fazer, visam quase sempre a melhoria ou a
facilitação da fiscalização.

Paralelamente (em paralelo porque com a mesma estrutura, mas contendo


na hipótese um ato ilícito) estão as normas sancionantes, cuja previsão hipotética
deixa de ser uma conduta desejável, mas sim reprovável. Uma conduta que feriu
uma norma de conduta anterior aciona a aplicação de uma norma sancionante.

Portanto, independente da classificação ou da ordem a ser seguida, o que


se mostra consensual é que tais normas têm a mesma estrutura (hipotética), sendo
uma com a hipótese licita e outra fundada na ocorrência de um ilícito. Isso é de
suma importância para o Direito Tributário, posto que jamais se verá em uma norma
de conduta uma hipótese ilícita em sua estrutura, até porque não estaríamos diante
de um tributo, nos exatos termos da definição precisa do Código Tributário Nacional:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo


valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada. (Grifo nosso).
47

Daí porque não se legitima a teoria do non ollet, também calcada no


princípio da moralidade administrativa (art. 37, CF/88). O ilícito deve sofrer pena,
sanção, perdimento, seja lá o que for, mas não pode ser objeto de tributação sob
pena do Estado, com base na sua finalidade arrecadatória, compactuar com a
conduta reprovável.

E o inverso da moeda segue nos mesmos rumos. Não é possível numa


estrutura hipotética de uma norma sancionante conter uma conduta lícita, porque
para o Direito o lícito não se pune, o lícito, quando previsto hipoteticamente numa
norma, não pode ter como conseqüência uma punição.

Ainda que an passant, importante consignar que as teorias sobre a


possibilidade da Fiscalização glosar planejamentos tributários, realizados licitamente,
não guardam coerência lógica sistêmica. Conciliando a estrutura da norma tributária
com o princípio da legalidade, a Constituição (art. 150, I) estabeleceu como premissa
maior do Sistema de controle dos abusos no Direito Tributário (Limitações ao Poder de
Tributar) que somente se pode glosar o ilícito, e puní-lo se a norma de conduta não o
permitir. Somente se configurada a simulação, relativa ou absoluta, pela fraude, dolo ou
má-fé que se poderá atribuir à conduta uma punição.

Se a norma não proíbe, se o contribuinte age licitamente, se a vontade


declarada coincide com a vontade real, não há como no sistema tributário vigente
adamitir-se a sanção pelo ato lícito.

Nesse sentido, valiosas são as lições de Heleno Tôrres:

[...] a finalidade de economizar tributos pode ser atingida tanto por atos
legítimos como por atitudes ilícitas (evasão ou elusão) do contribuinte. Por
esse motivo, somente quando constituídos os atos jurídicos pretendidos
pelo sujeito, ou verificada a sua omissão na constituição dos fatos, por meio
da linguagem competente, é que poderá o Fisco controlar a operação para
determinar sua liceidade (legítima economia de tributos) ou ilicitude e
precisar se houve evasão, elusão de tributos ou negócio indireto legítimo e
válido que atenda a uma lícita economia de tributos. De nenhum ilícito se
pode cogitar antes que se ponha em prática os atos planejados.58

Outro exemplo que foge um pouco do tema do estudo proposto, mas mostra
de forma clara a importância de bem dimensionar o estudo da estrutura da norma

58
TÔRRES, Heleno. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações trans-
nacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 37.
48

tributária, é o recém criado Fator Acidentário Previdenciário (FAP). Através da Lei nº


10.666/03, o governo estabeleceu uma variação nas alíquotas do Seguro Acidente
do Trabalho (SAT), que poderiam ser reduzidas em 50% ou aumentadas em até
100%, na forma do regulamento. Os critérios para essa variação de alíquota entre a
faixa contínua de 0,5% a 6% são, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.666/03, “os
resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados
segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social”.

Eis a redação do dispositivo legal:

Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao
financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles
concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa
decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até
cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser
o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva
atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a
partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo
metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Afora os problemas de legalidade (não constar da norma todos os elementos


necessários para instauração da norma no plano concreto), a doutrina59 tem
questionado se a norma não estaria a instituir um agravamento da alíquota de tributo
em função de suposto ato ilícito, contrariando, portanto, o art. 3º do CTN, pois a
metodologia adotada não estaria a prestigiar a efetiva apuração do caráter
extrafiscal, mas visa arrecadação e punição.

Para solucionar esta equação, é preciso retomar os pressupostos da norma,


ou seja, uma norma de conduta - aqui adotando a classificação posta dentro do
Direito Tributário - pode ser indutora de comportamento, estabelecendo no campo
hipotético o comportamento lícito que pode gerar obrigações. Assim, se determinado
cidadão recebe um determinado valor de renda deve contribuir com os cofres
públicos, a financiar o papel do Estado, seguindo uma alíquota e uma base de
cálculo previamente estabelecidas. Para que esta norma tenha validade no mundo
jurídico é preciso conceituar o que seja a renda, bem como obedecer aos princípios
que restringem o poder de tributar, quais sejam, legalidade, capacidade contributiva,
não confisco, progressividade, entre outros.

59
LOBATO, Valter Souza O custeio da Seguridade Social e os benefícios de risco. Princípios
aplicáveis ao poder de tributar. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord.) Separação de
poderes e efetividade do sistema tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 431- 453.
49

Ainda exemplificando as normas indutoras de comportamento, pode-se dizer


que se determinada empresa se instala em uma região do país, onde se deseja ver
o desenvolvimento, terá ela um valor maior a deduzir do imposto de renda (uma
espécie de crédito presumido) do que se ela estivesse em outras regiões do país.
Neste caso, esta lei se integra com a lei que determina o pagamento do imposto de
renda para se concretizar numa norma indutora de comportamento. O pressuposto é
lícito e desejado, a conseqüência é um prêmio. Estamos, portanto, diante de uma
norma premial.

Também no campo da extrafiscalidade60, outros exemplos de normas


indutoras de conduta podem ser postos. Quando as alíquotas do IPI na fabricação
dos cigarros são majoradas de forma extrema, não se trata de uma sanção, posto
que a produção de fumo no Brasil não é uma atividade considerada ilícita, mas uma
norma indutora de comportamento, que visa desestimular o consumo do cigarro, não
objetivando primordialmente a arrecadação. Neste caso, o tributo deverá ser testado
segundo os princípios que norteiam e limitam a tributação. Estamos, portanto, diante
de uma norma de conduta. Nada mais do que isso.

Quando se declinou a questão da extrafiscalidade, imaginava-se que Alfredo


Augusto Becker poderia ter a resposta pronta aos anseios postos no presente trabalho.

Trazendo os ensinamentos de Pontes de Miranda, Alfredo Augusto Becker


demonstrou de forma objetiva que não são separáveis os atos jurídicos dos atos
ilícitos, porque um ato ilícito está juridicizado na norma, e se não for jurídico o ilícito,
ele se afugentou no campo da moral ou da religião e, portanto, não terá efeitos
jurídicos, nem mesmo significado para o Direito.

Alfredo Augusto Becker compartilha das angústias do presente estudo, mas


com a precisão que o faz ser mantido como um dos maiores Tributaristas que este
país já conviveu, esclarece:

No tributo extrafiscal coexistem ambos os finalismos: o fiscal e o extrafiscal,


com prevalência, entretanto, do finalismo extrafiscal: o fiscal fica relegado a
um plano secundário, de tal sorte que há tributos extrafiscais (ex: proibitivos
ou desestimulantes) ‘cuja finalidade não é render: é deixar de render; é
nada arrecadar para o fisco’.

60
Como defende Marcus de Freitas Gouvêa, a extrafiscalidade não é algo pontual no Direito
Tributário, mas se apresenta de forma indissociável - embora com limitações - em todo esse ramo
do direito (GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del
Rey, 2006).
50

Ora, na sanção a situação é idêntica à anterior: coexistem ambos os


finalismos, com prevalência do extrafiscal.
Por isto, pergunta-se: como os tributos extrafiscais ‘proibitivos’ se
distinguem das sanções, ou melhor, o que confere natureza jurídica
tributária ao tributo extrafiscal ‘proibitivo’?
Os três exemplos a seguir apontados, mostrando a dificuldade da distinção,
ajudam a pinçar o licito como um dos fatores genéticos específicos do
conceito jurídico de tributo.
Primeiro exemplo, pergunta-se: Porque os impostos de importação
‘proibitivos’ têm natureza tributária e porque as sanções decorrentes da
importação de mercadorias proibidas por lei não têm natureza tributária?
Segundo exemplo, perguntase: É possível distinguir, no plano jurídico, o
tributo extrafiscal ‘proibitivo’ (cuja hipótese de incidência é um fato ilícito) da
sanção penal decorrente da incidência da regra jurídica penal que escolheu
como sua hipótese de incidência aquele mesmo fato ilícito?
Terceiro exemplo, pergunta-se: Como distinguir a sanção por violação de
determinada lei tributária (multa fiscal), de um tributo extrafiscal ‘proibitivo’
cuja hipótese de incidência seria precisamente aquele ilícito fiscal?61

A distinção que se pretende fazer está no fato abstrato previsto na hipótese,


diferenciando o fato lícito do ilícito, aliás, é o que conclui o próprio Alfredo Augusto
Becker:

Na verdade, o conceito jurídico de tributo decorre da estrtutura da lógica


(regra e hipótese de incidência) daquela regra jurídica que cria o dever cuja
natureza jurídica se investiga. O conceito jurídico de tributo é conferido pela
coexistência de determinados efeitos preestabelecidos pela regra em
harmonia com determinados elementos integrantes da composição da
hipótese de incidência, coexistência esta que é sempre presente num
determinado gênero de relações jurídicas e ausente nas demais relações
jurídicas.
[...]
A natureza jurídica da sanção distingue-se, perfeitamente, da natureza
jurídica do tributo extrafiscal, ‘proibitivo, porque:
Sanção é o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado
utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, diretamente,
um ato ou fato que a ordem jurídica proíbe.
Tributo extrafiscal ou proibitivo: é o dever preestabelecido por uma regra
jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou
desestimular, indiretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica permite.
O ilícito, como elemento integrante da hipótese de incidência, é o único
elemento que distingue, no plano jurídico, a sanção do tributo extrafiscal
proibitivo. Noutras palavras, somente fatos lícitos podem integrar a
composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária.62

61
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p.
554.
62
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 556.
51

Pois bem, voltando ao caso do FAP, se partir do pressuposto que a alíquota


do SAT é de 1%, 2% ou 3%, conforme o grau de risco a que está submetido63, sendo
ela reduzida, caso a empresa - dentro do seu setor - apresenta índices mais
satisfatórios de doenças e acidentes do trabalho, não somente porque segue a lei,
mas porque faz investimentos além do que determina a legislação afeta ao domínio
da segurança e medicina do trabalho, estamos diante de uma norma premial, ou
seja, houve indução legal para que aquela empresa fizesse seus investimentos, a
bem dos empregados e da proteção do trabalhor, direito social consagrado pelo
Texto Constitucional como uma garantia inabalável.

Porém, se a empresa não respeita as leis trabalhistas e de proteção dos


trabalhadores, e submete seus empregados - não pelo ramo de atividade, mas por
sua negligência - à condições insalubres ou perigosas, e tem sua alíquota majorada
ao dobro do que paga (2%, 4% ou 6%) estamos diante de um tributo ou de uma
sanção? Trata-se de uma norma que possui um comportamento lícito na sua
hipótese? Pode-se afirmar que não, pois há configuração de um ato ilícito a ordenar
a norma, portanto, trata-se de uma norma sancionante e não mais de índole da
obrigação tributária em si. Sanção por descumprimento da legislação trabalhista.
Nada mais.

Cabem aqui as palavras de Geraldo Ataliba:

Toda vez que se depare o jurista com uma situação em que alguém esteja
colocado na contingência de ter o comportamento específico de dar dinheiro
ao estado (ou a entidade dele delegada por lei), deverá inicialmente verificar
se se trata de:
a) multa;
b) obrigação convencional;
c) indenização por dano;
d) tributo;
Nestes quatro casos pode alguém ser devedor de dinheiro ao estado (ou,
excepcionalmente a outra pessoa - em geral pública - designada pela lei e
por esta colocada na situação de sujeito ativo da prestação).
A multa se reconhece por caracterizar-se como sanção por ato ilícito. Para
que alguém seja devedor de multa, é necessário que algum comportamento
anterior seu tenha sido qualificado como ato ilícito ao qual a lei atribuiu a
conseqüência de dar nascimento à obrigação de pagamento de dinheiro ao
estado, como punição, ou conseqüência desfavorável daquele
comportamento.

63
Este grau de risco é estabelecido para o setor econômico, conforme o grau de risco de cada um,
classificados pelo Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE).
52

[...]
O fulcro do critério do discrímen está primeiramente no modo de nascimento
da obrigação. Se se tratar de vinculo nascido da vontade das partes, estar-
se-á diante da figura convencional (obligatio ex volluntate), mutuo, aluguel,
compra e venda, etc. Isso permite discernir a obrigação tributária das
obrigações convencionais.
Se, pelo contrário, o vinculo obrigacional nascer independentemente da
vontade das partes - ou até mesmo contra essa vontade - por força de lei,
mediante a ocorrência de um fato jurídico lícito, então estar-se-á diante de
um tributo, que se define como obrigação jurídica legal, pecuniária, que não
se constitui em sanção de ato ilícito, em favor de uma pessoa pública. Ter-
se-á obrigação de indenização por dano se o fato de que nascer a
obrigação for ilícito.
Será tributo, pois, a obrigação pecuniária, legal, não emergente de fatos
ilícitos, em princípio. Esses fatos ilícitos podem ser geradores de multa ou
obrigação de indenizar.
A multa caracteriza-se por constituir-se em sanção aflitiva, de um preceito
que impõe um comportamento determinado. A indenização é mera
reparação patrimonial, a título de composição de dano, segundo o princípio
geral de direito, de acordo com o qual quem causar prejuízo a outrem é
obrigado a indenizar.64

Mesmo com o alerta do Professor Geraldo Ataliba que toda classificação é


válida pela sua utilidade, mas não pela sua imaginação, somente há sentido em
adotar uma classificação ou discordar dela se algo de útil for tirado da classificação
de sua eventual critica. Apenas para nos manter firmes com as premissas
estabelecidas acima, não há como concordar com parte da doutrina que classifica as
sanções como positivas e negativas, classificando as primeiras como sendo as
normas premiais ou meritórias:

Como visto, a sanção negativa corresponde a uma conseqüência que o


direito positivo determina para os casos de violação de suas normas, sob
diversos revestimentos semânticos. Assim, são sanções as penas
pecuniárias, restritivas de direitos, restritivas de liberdade, etc. e são
sanções as nulidades e as declarações de ineficácia de atos ou negócios
jurídicos. etc.
[...]
À idéia de sanção positiva convém a de mérito ou prêmio. Quando se
admite que o direito positivo porta sanções positivas há concomitante
repúdio às concepções doutrinárias que consideram que a ordem jurídica
contém unicamente normas que prescrevem sanções negativas. [...].65

64
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 33-34.
65
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003. No
mesmo sentido, Mauricio Benevides Filho utiliza-se do termo sanção premial (BENEVIDES FILHO,
Mauricio. A sanção premial no direito. Brasília: Brasília Jurídica, 1999).
53

Discorda-se do autor acima citado por entender que o correto é exatamente


o contrário por ele posto. A classificação em sanções positivas e negativas é que
leva ao entendimento de que toda norma possui sanção, aliás, como já criticado no
presente capítulo, assim defendia Hans Kelsen “o prêmio e o castigo podem
compreender-se no conceito de sanção”66.

As normas premiais, como visto, são normas de conduta que induzem um


comportamento, dentro da classificação adorada de que a norma sancionante se
distingue da norma de conduta porque a primeira pressupõe a ocorrência de um ato
ilícito, enquanto que a segunda tem em sua hipótese um fato lícito. Esta a linha do
Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Sanção é pena, castigo, restrição ao homem, seus bens ou direitos. A


norma jurídica estatuidora de sanção tem por hipótese a prática de um ato
ilícito violador de dever legal ou contratual. Por hipótese uma infração, por
conseqüência uma restrição à vida, liberdade, ou direitos outros do homem.
No caso da subespécie multa, a norma sancionante tem por hipótese a
prática de um ilícito - o descumprimento de um dever legal ou contratual - e,
por conseqüência, preceito que obriga o infrator a dar dinheiro a titulo de
castigo (sanção). O titular da percepção, o sujeito ativo, pode ser particular
ou pessoa política. No caso da multa legal é sempre o Estado ou pessoa
sua. É o que ocorre com a multa tributária e também com a multa penal.67

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado:

As palavras geralmente são plurissignificativas, mesmo no âmbito dos


estudos jurídicos, e isto acontece com a palavra sanção que tem, no âmbito
do Direito, vários significados. Neste estudo, porém, atribuímos à palavra
sanção o significado de conseqüência do ilícito. E com isto afastamos desde
logo a idéia da denominada sanção premial.
A sanção, portanto, nos limites deste estudo, é uma conseqüência do
cometimento do ilícito. Pode ser a execução forçada da obrigação, e pode
ser um castigo. Seja como for, terá sempre como pressuposto o ilícito, que
estará sempre presente na hipótese de incidência da norma que a instituiu,
distinguindo-a da norma que institui o tributo.
Embora a sanção tenha a finalidade de desestimular a conduta, não é essa
finalidade que a distingue do tributo. Se fosse, não poderia se cogitar do
denominado tributo extrafiscal proibitivo, que tem precisamente a finalidade
de desestimular a conduta que compõe sua hipótese de incidência. O que
caracteriza sanção é a presença do ilícito na hipótese de incidência que a
institui. E a finalidade da sanção é atribuir eficácia à norma jurídica, seja
desestimulando a não prestação (sanção castigo), seja utilizando a forca
para que se efetive a prestação (execução forçada), entretanto, essa

66
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário
sancionador, p. 41.
67
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 19.
54

finalidade não é exclusiva da sencao, pois está presente também - e talvez


mais proveitosamente - no prêmio.68

Paulo Roberto Coimbra Silva também afirma:

O pressuposto fático para a incidência de uma sanção consiste, sempre e


invariavelmente, na prática de um ato ilícito. Com efeito, não se pode
conceber a aplicação de uma penalidade sem a verificação da ocorrência
do ato ilícito que lhe é pressuposto, tampouco a sua imputação a quem não
se possa reputar a sua correlata e intrínseca antijuridicidade.69

Está posta, assim, a importância da matéria e este é o desejo do presente


capítulo que pode ser concluído tomando como premissa de que nem toda norma
possui uma sanção a ela ligada e que as normas sancionantes - na classificação útil
do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho - necessitam ter um ato ilícito em seu
pressuposto ou em seu mandamento, cujo objetivo é impedir ou desestimular, ainda
que deforma indireta, que aquela conduta não seja concretizada, posto que
repudiada pelo Direito.

O fenômeno da subsunção aqui novamente ataca e somente poderá fazer


incidir tal norma se e quando todos os elementos do mandamento estiverem
presentes. A tipicidade ou a especificidade conceitual (nas palavras da Professora
Misabel Abreu Machado Derzi) também devem estar presentes para que a norma
sancionante possa incidir no mundo fenomênico das normas.

Feitas tais considerações, cabe agora conceituar o ilícito tributário (como


dito, o pressuposto das normas sancionantes), as formas de sanção no Direito
Tributário e verificar os limites que cercam tais sanções, pois todo poder (inclusive o
poder sancionatório) deve estar cercado para se evitar o abuso e o arbítrio.

68
MACHADO, Hugo de Brito. Teoria das sanções tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.).
Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 161.
69
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Sanções tributárias no âmbito da competência estadual. A
imputação das penalidades, por infrações praticadas por terceiros, e a personalidade das sanções
tributárias. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord.) Separação de poderes e efetividade do
sistema tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 284.
55

4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO

4.1 O conceito de ilícito tributário

Como visto no capítulo anterior, no estudo da Teoria Geral do Direito, em


especial na estrutura da norma sancionatória, muitas controvérsias existem em torno
do que venha a ser a sanção - se significaria apenas penalidade ou se englobaria a
chamada norma indutora de conduta ou norma premial.

Contudo, divergindo desse segundo posicionamento, e partindo da premissa


que a sanção constitui uma forma de punição para condutas infracionais, verifica-se
que, em que pese a divergência quanto à definição de sanção, no que diz respeito
ao ilícito, há na doutrina, certo consenso, no sentido de que determinados
comportamentos são, quando contrariam disposições legais, considerados atos
ilícitos e essa tipificação de condutas vai sempre emanar da norma.

Segundo Hugo de Brito Machado, o ilícito tributário, é um ilícito como


qualquer outro. Não tem especificidade alguma. Distingue-se dos demais apenas
porque se situa no campo das normas jurídicas pertinentes à tributação.70

Desta feita, o ilícito, seja ele tributário ou não, decorre da violação de uma
norma que protege um bem jurídico, seja ele individual ou coletivo.

Partindo dessa singela conceituação e indo direto ao ponto central do


presente capítulo, mostra-se necessária a análise das condutas definidas como
infrações tributárias para posteriormente, analisar, a sanção fiscal, como norma que
visa, ainda que pela via reflexa, desestimular o comportamento ilícito.

Como dito no capitulo introdutório, o ilícito tributário ou as denominadas


infrações, ocorrem quando se pratica a hipótese de incidência das sanções jurídicas
que estão previamente definidas nas normas pertinentes à tributação.

70
MACHADO, Hugo de Brito. Sanções tributárias. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Sanções tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 245.
56

Os ilícitos ou as infrações, em abstrato, são as condutas descritas de forma


hipotética no mandamento da norma sancionante, sendo a própria essência desta
norma sancionante, o que já lhe impõe um primeiro limitador qualitativo. Em seu
comando deverá haver um ato ilícito como pressuposto de ocorrência, ou seja, não
se pode imputar uma sanção a quem não agiu de forma incorreta. Não se pode punir
quem não cometeu qualquer ilícito. Não se pode sancionar quem não transgrediu
qualquer comportamento previsto na norma de conduta ou quem não seguiu tal
comportamento por absoluta impossibilidade prática.

Cabe aqui um pequeno exemplo vivido na advocacia: determinada empresa


tinha como obrigação acessória apresentar Declaração de Débitos e Créditos
Tributários Federais (DCTF) mensais, tendo em vista sua atividade e seu nível de
faturamento, contudo, quando passou por um processo de reestruturação societária,
incorporou outra empresa e, pela mudança do patamar de faturamento, passou a ter
obrigação de apresentar a DCTF semestral (mas já havia apresentado em cinco dos
seis meses que abrangiam o referido período semestral a respectiva DCTF). Pois
bem, quando não enviou a DCTF semestral sofreu uma pesada multa sobre o valor
de seu faturamento (o que de per si já seria confiscatório, como se verá mais
adiante). Porém, a questão a ser colocada aqui é: não havia possibilidade fática da
empresa apresentar a DCTF semestral porque o sistema bloqueava o envio, tendo
em vista a transmissão anterior das mensais. Assim, se os fatos bloqueiam a
possibilidade de seguimento da norma de conduta, não se pode dizer que o
contribuinte agiu com dolo, culpa ou mesmo que cometeu qualquer ilícito. Eis,
portanto, o limite qualitativo extraído do conceito de ilícito.

Aliás, esta se mostra uma das justificativas para a regra posta no artigo 112
do CTN:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades,
interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida
quanto:
I - à capitulação legal do fato;
II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou
extensão dos seus efeitos;
III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Desta feita, se a sanção tributária incide toda vez que ocorre uma infração a
57

um dever tributário estatuído em lei, é possível afirmar que a dita infração constitui
um comportamento típico.71

Não é somente no Direito que se encontram prescrições normativas, pois na


religião as sanções ou recompensas podem vir (para aqueles que tem crença), mas
- pelo menos nas clássicas religiões - essa sanções virão após a morte.

O Direito assim age também: prescreve os comandos e comportamentos


aceitáveis e, de imediato, quando cabível, prescreve as conseqüências de quem não
seguir tais comportamentos.

Assim, importante destacar, que as sanções não são uma exclusividade do


Direito Penal, já que para as inúmeras condutas infracionais, há uma norma
sancionatória que tipifica tal conduta e prevê a aplicação de uma penalidade que
deverá ser proporcional ao ato cometido.

O ilícito está em matar alguém, cometer furto, mas também está em não
pagar o aluguel, em não cumprir o contrato ou em não pagar o tributo. O ilícito, como
dito, é a hipótese que - se ocorrida - deve gerar a sanção. Nada mais, nada menos.

Como ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, é “o ilícito fiscal


uma espécie do Gênero ilícito jurídico. Conseqüentemente, a punição fiscal é uma
espécie do Gênero sanção”72, enfim, incorrido no ilícito previsto em lei, terá o infrator
que arcar com a sanção, que é castigo, reprimenda, pena.

Não se pretende seguir a linha daqueles que estabelecem na sanção a


norma premial, já que entende-se que a sanção é a conseqüência da realização do
ato ilícito.

Uma outra corrente doutrinária de respeito coloca a norma sancionante


tributária no âmago do Direito Penal, visando a unificação dos princípios a elas
aplicáveis73, mas insiste-se aqui que as sanções tributárias ganharam autonomia

71
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 21.
72
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 34.
73
Pelos motivos em realce, para os adeptos dessa corrente, dominante na Europa, os ilícitos
tributários, mesmo os não-delituosos, encontram-se insertos no universo de investigação do
Direito Penal, sendo, para eles, indisputável a prevalência dos princípios gerais do Direito Penal
sobre as infrações exclusivamente tributárias (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário
sancionador, p. 135).
58

própria, cabendo a investigação de quais os princípios que o Direito Tributário pode


oferecer à matéria sancionante em seu domínio.

Assim, partindo dessa premissa, é possível afirmar que uma mesma conduta
ou um mesmo ilícito pode ter reflexos tributários e, ao mesmo tempo, pela sua
gravidade, também ter uma previsão legal no âmbito do Direito Penal. Isso não retira
a autonomia da primeira norma, pelo contrário, é possível ter um ilícito tributário,
mas sem reflexo no Direito Penal, mas o inverso não corresponde a verdade, ou
seja, uma conduta não reprimida pelo Direito Tributário, jamais poderá ser punível
pelo Direito Penal Tributário.

Apenas exemplificando, já que o presente trabalho não tem por objetivo se


aprofundar no estudo das sanções penais, algumas condutas que constituem
descumprimento de obrigações tributárias, pela importância do bem jurídico tutelado
e, ainda, pela prevalência do dolo e necessidade de uma penalidade mais
exacerbada, são tipificadas como crimes contra ordem tributária e a tais condutas
estão previstas penas estabelecidas no Código Penal (CP).

Os crimes contra a ordem tributária são espécies de crimes econômicos, ao


lado dos crimes contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional,
contra o consumidor e as relações de consumo e podem ser definidos, de forma
sintética, em 5 (cinco) grandes grupos:

Apropriação Indébita - omissão de Apropriação indébita previdenciária (art.


repasse de tributo devido por terceiro, 168 - A, CP)
descontado ou cobrado Art. 2, inciso II, da Lei nº 8.137/90
Crimes Funcionais - crimes próprios Lei nº 8.137, art. 3º
de servidores públicos Art. 316, § 1º e 318, CP
Crime Tributário Aduaneiro –
Art. 334, CP
Descaminho
Falsidades - Formas específicas de
Art. 293, inciso I e V do CP
crimes contra a fé pública.
Arts 1 e 2 da Lei nº 8.137/90
Sonegação – fraude
Art.337- A, CP
Quadro 3 - Espécies de crimes econômicos
Fonte: Elaborado pela autora.

Como visto, a tipificação das condutas como delituosas está prevista nas
normas penais sendo que é nela também que estão previstas as sanções
penais para tais condutas. A Lei nº 8.137/90, em seus artigos 1º e 2º assim
estabelece:
59

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo,


ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas:
I. Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II. Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operações de qualquer natureza, em documentos ou livro exigido
pela lei fiscal;
III. Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo a operação tributável;
IV. Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou
deva saber falso ou inexato;
V. Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento
equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço,
efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:


I. Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos,
ou empregar fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de
tributo;
II. Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição
social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de
obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III. Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,
qualquer percentagem sobre a parcela, dedutível ou deduzida de imposto
ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV. Deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuto, incentivo
fiscal ou parcela de imposto liberadas por órgão ou entidade de
desenvolvimento;
V. Utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao
sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa
daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública;
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

No caso das contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade


Social, o Código Penal fez constar, ainda, um tipo específico:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições


recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - Recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II - Recolher contribuições devidas à previdência social que tenham
integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou
produção de serviços;
III - Pagar beneficio devido a segurado, quando as respectivas cotas ou
valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social
60

Nos demais casos de crime de natureza tributária envolvendo contribuição


destinada ao custeio da seguridade é o art. 337-A do CP, que traz a definição:

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer


acessório, mediante as seguintes condutas: (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de
informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado,
empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este
equiparado que lhe prestem serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da
empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo
empregador ou pelo tomador de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações
pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais
previdenciárias: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000).

Assim, em que pese a sonegação ser essencialmente uma infração


tributária, já que o contribuinte deliberadamente deixa de recolher um tributo, pela
gravidade da infração cometida os meios utilizados, o legislador optou por levar tais
condutas, também para seara do Direito Penal, tipificando-as como crimes e às elas
estabeleceu uma sanção que pode chegar à privação de liberdade, que no caso do
Direito Tributário, seria incabível.

Como dito, o foco principal do presente estudo está na análise e dosimetria


das sanções fiscais, ou seja, nas penalidades previstas para as condutas que não
necessitam de cuidados do legislador penal, e, portanto, não ultrapassam a seara do
Direito Tributário e Administrativo que, via de regra, são sanções de cunho
pecuniário (multas) e que visam a reparação financeira simplesmente, sem, no
entanto, deixar de ter o caráter punitivo, visto que inerente da sanção.

Segundo o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O ilícito tributário retrata o comportamento humano contrário ao prescrito


nas normas tributárias. Basicamente: a) não pagar o tributo previsto em lei
ou fazê-lo a destempo ou a menos; b) praticar atos vedados pela lei
tributária ou deixar de praticar atos obrigatórios, segundo esta mesma lei.
Em termos metódicos, sanção é pena, castigo, restrição ao homem, seus
bens ou direitos. A norma jurídica estatuidora de sanção tem por hipótese a
prática de um ato ilícito violador de dever legal ou contratual. Por hipótese
uma infração, por conseqüência uma restrição à vida, liberdade ou direitos
outros do homem. No caso da subespécie multa, a norma sancionante tem
por hipótese a prática de ilícito - o descumprimento de algum dever legal ou
61

contratual - e, por consequência, preceito que obriga o infrator a dar


dinheiro a título de castigo (sanção).74

Vê-se, portanto que a prática do ilícito pode, pelo menos a priori, implicar
como conseqüência, a imposição de penalidade pecuniária, mas pode, da mesma
maneira, provocar a perda de algum direito, seja ele a restrição à liberdade, por
exemplo.

Partindo do pressuposto de que o ilícito é a infração do dever legal


preexistente, necessário se torna, portanto, conhecer a natureza da obrigação
tributária, para identificar as condutas definidas como infração, para, posteriormente
analisar a efetividade das sanções fiscais.

4.2 O ilícito tributário resultante do descumprimento das obrigações principais


e acessórias

De início faz-se necessário estabelecer, quais são os deveres tributários ou,


melhor dizendo, quais são as obrigações tributárias e ainda suas espécies. A
primeira espécie de obrigação tributária seria pagar tributos e a segunda os deveres
instrumentais (emitir notas fiscais, prestar declarações, não transportar mercadorias
desacobertadas de documentação fiscal etc.), também denominadas obrigações
acessórias.

O art. 113 do CTN estabelece os tipos de obrigações tributárias:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.


§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por
objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se
juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por
objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância,
converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

74
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Sanções administrativas tributárias. In: MACHADO, Hugo de
Brito (Coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 422.
62

Nota-se que o legislador, mesmo quando diferenciou as condutas definindo


o que seria obrigação principal e obrigação acessória, para fins de aplicação da
penalidade, equiparou as condutas. Surge, portanto, o primeiro questionamento:
pode uma penalidade ser aplicada na mesma proporção quando há descumprimento
de uma obrigação acessória e de uma obrigação principal?

Fazendo uma leitura rápido do artigo, ao que parece, o legislador diferenciou


as obrigações tributárias, mas as equiparou para fins de aplicação da penalidade ao
argumento de que todo descumprimento constitui um ilícito e, por sua vez, essa
infração seja ela praticada por meio de uma conduta comissiva ou omissiva, infringe
um dever legal e para ela está prevista aplicação de uma determinada sanção.
Apenas isso.

O que não se pode admitir, é aplicação de uma mesma sanção quando se


tratar de um descumprimento de uma obrigação acessória ou principal. Nesse
caso, assim como no Direito Penal, deve haver gradação no momento da aplicação
da penalidade, que deverá ser, no mínimo, proporcional ao dano causado pela
infração.

Como visto, o CTN classifica as obrigações tributárias em dois tipos: a)


obrigação principal que constitui o pagamento do tributo; b) obrigação acessória, que
constitui prestações positivas ou negativas exigidas pela legislação. A contrario
sensu a tipicidade do ilícito tributário reside em (a) não pagar o tributo devido e/ou
(b) não cumprir com os deveres instrumentais ou as obrigações acessórias
expressas.

Eis aqui novamente o limitador qualitativo: a tipicidade do ilícito tributário


somente pode ocorrer quando houver a clara constatação de que a houve
descumprimento da obrigação tributaria acessória ou principal.

Assim, o descumprimento da prestação tributária - seja ela principal ou


acessória - constitui, portanto, um ilícito tributário.

Por sua vez, as infrações tributárias podem ser dividias ainda em duas
espécies e tal classificação não deve servir apenas para diferenciar condutas, mas
também para que haja gradação no momento da aplicação da penalidade.

Além da mencionada classificação, as infrações também poderão ser


classificadas em virtude da responsabilidade pela conduta praticada.
63

4.3 O ilícito tributário e a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN

As infrações tributárias, mesmo as que são apenadas na esfera penal,


podem ser vistas também sob a ótica da participação do agente, e, neste caso serão
tratadas como infrações subjetivas e objetivas.

Paulo de Barros Carvalho ensina que na a infração subjetiva, exige a lei que o
autor do ilícito tenha agido com dolo ou culpa, exemplificando com o comportamento do
contribuinte do imposto de renda (IR), que ao declarar, omite, deliberadamente,
algumas receitas, com o objetivo de recolher quantia menor do que a devida.75 Já na
infração objetiva, nos termos do art. 136 do CTN, não é necessária a apuração da
vontade do infrator, sendo que ocorrendo o previsto na hipótese normativa, qualquer
que seja a intenção do agente, estará por configurado o ilícito.

Contudo, o mesmo autor adverte que tal interpretação dada ao art. 136,
merece temperamentos, principalmente, em razão do que estabelece o artigo. 112
do CTN, anteriormente transcrito.

Tecendo comentários acerca do mencionado art. 136 do CTN, Luciano


Amaro aduz que:

Em suma, parece-nos que não se pode afirmar ser objetiva a responsabilidade


tributária (em matéria de infrações administrativas) e, por isso, ser inadmissível
todo tipo de defesa do acusado com base na ausência de culpa. O que, em
regra, não cabe é a alegação de ausência de dolo para eximir-se de sanção por
infração que não requer intencionalidade.76

Verifica-se, portanto, que fazendo uma interpretação sistemática do CTN, a


responsabilidade prevista no art. 136 não é plenamente objetiva, admitindo-se a defesa
do acusado com base na ausência de culpa, não cabendo isto sim, a alegação de
ausência dolo para eximir-se da sanção por infração que não requer intencionalidade.77

75
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 546-
547.
76
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 446.
77
No mesmo sentido Hugo de Brito Machado para quem: “o art. 136 do CTN não estabelece
responsabilidade objetiva em matéria de penalidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa
presumida [...] o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, alem de não
ter a intenção de infringir a norma, teve a intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível
fazer por causas superiores à sua vontade” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário.
25. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 165).
64

Regina Helena Costa, seguindo caminho similar, dá força a expressão


“independe da intenção do agente”, o que se extrai apenas o dolo e não a culpa, o
que é regra no Direito Sancionador, portanto, a responsabilidade seria ao fim
subjetiva.78

Alessandra Machado Brandão Teixeira, depois de fazer longa reflexão sobre o


posicionamento doutrinário e jurisprudencial em torno da matéria, admite uma posição
diferente, pois entende que aqueles defensores da responsabilidade objetiva, onde a
boa-fé e a confiança podem agir como temperamento, cometem numa contradição. A
autora entende que quando o julgador perdoa ou reduz uma sanção por acometimento
de infração objetiva, está ele concedendo uma anistia. É ver:

Não obstante o peso das opiniões acima transcritas, no nosso entender,


quando o julgador diante de uma infração objetiva, cancela ou reduz a
penalidade, em virtude da equidade ou da boa-fé, está a aplicar uma espécie
de anistia. Isso não significa que a infração em si deixou de ser objetiva, mas
que o seu cumprimento pode ser perdoado no todo ou em parte.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, anistia fiscal é o perdão da falta
cometida pelo infrator de deveres tributários e também quer dizer o perdão
da penalidade a ele imposta por ter infringido mandamento legal. Tem,
como se vê, duas acepções: a) a de perdão pelo ilícito e; b) a de perdão da
multa. Todavia, no âmbito tributário, o referido autor não vislumbra nenhuma
conseqüência prática na distinção entre o perdão que retroage ao ilícito e
aquele que dispensa a penalidade imposta ao infrator. De um ou de outro
modo, a sanção tributária será extinta. (BARROS, 2008, p. 535-539)
Sendo assim, afirma que ‘as normas jurídicas que prevêem a anistia fiscal
são extintivas da relação jurídica sancionatória. Dispensado o dever jurídico
de prestar o valor da penalidade pecuniária, desaparece o direito subjetivo
correlato, esfacelando-se o vínculo. Tal efeito extintivo, porém, deixa intacta
a relação jurídica tributária, propriamente dita, remanescendo o crédito do
tributo e seu correspondente débito. Entendida dessa maneira, a anistia é
uma modalidade de exclusão da dívida por penalidades tributárias, e, por
ser excludente de um nexo fundamental à subsistência da obrigação, esta
se extingue’ (BARROS, 2008, p. 539).79
Ora, transportando essas idéias para o caso objeto de análise, quando o
julgador - administrativo ou judicial - diante de uma infração objetiva,
cancela ou reduz a penalidade, em virtude de equidade ou boa fé, está a
conceder uma espécie de anistia. Isso porque, ao assim proceder, está a
dispensar a penalidade imposta ao infrator. Ao assim fazer, a sua decisão

78
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional, p. 286.
79
Quanto à anistia, importante considerar que a sua característica essencial é retroagir, assim como
as decisões judiciais, quando cancelam as penalidades. “Ementa: I. A característica da anistia é
justamente a de dispor para o passado, excluindo o crédito decorrente da imposição de
penalidades ao contribuinte (art. 180 do CTN). [...]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (4.
Região). AC nº 1998.04.01.054266-0/RS. 3. T. Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j.
30/03/2000. DJ, Porto Alegre, 31 maio 2000. p. 177. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/proc
essos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=199804010542660&chk
MostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sis
tema=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=>. Acesso em: 02 jul. 2010).
65

retroage, dispensando o dever jurídico de prestar o valor da penalidade


pecuniária, desaparecendo o direito subjetivo correlato esfacelando-se o
vínculo (com relação à sanção).
Importante destacar que o CTN admite que a anistia possa vir a ser
concedida em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa,
desde que o interessado faça prova do preenchimento das condições e
requisitos para sua concessão. Se a autoridade administrativa pode
conceder anistia, nada impede que julgador (administrativo ou judicial)
assim também o faça.80

Na verdade, a corrente81 que parece mais se adequar ao Ordenamento


Jurídico Pátrio é a seguida por Sacha Calmon Navarro Coêlho e Onofre Alves
Batista Junior, para quem a responsabilidade posta no CTN, em regra, é objetiva,
mas comporta “temperamentos, ou amortecimentos, proporcionado pelas
considerações atinentes à boa-fé, mas torna-se necessário garantir a confiança dos
administrados na Administração Fiscal”82.

Eis ainda o entendimento do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Em princípio, a intenção do agente (melhor seria dizer do sujeito passivo) é


irrelevante na tipificação do ilícito fiscal. E deve ser assim. O error juris
infracional ou extra-infracional não deve ter cabida no direito tributário
sancionatório. Se fosse permitido alegar a ignorância da lei fiscal, no caso a
lei extra-infracional, estaria seriamente embaraçada a ação do Estado
contra os sonegadores de tributos, e aberto o periculum in mora. Seria um
pretexto elástico a favorecer certos experts antes que um imperativo de
justiça em favor de supostos homens de bona fide. Oportuno relembrar
Confuncio, para quem os crimes eram, de regra, praticados mais pêlos
‘expertos’ do que pêlos ‘ignorantes’. O nemo consetur ingnorare legem em
que tema de tributação não traduz necessariamente uma injustiça se se
sabe legislar e distinguir, assegurando-se ampla defesa ao sujeito passivo.
Três objeções são colocadas contra a consideração tout court do elemento
subjetivo relativamente ao ilícito fiscal (infração administrativo-tributária).

80
TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. O artigo 136 do CTN e a possibilidade de redução das
multas tributárias. In: NEDER, Marcos Vinicius; DE SANTI, Eurico Marcos Diniz; FERRAGUT,
Maria Rita (Coord.). A prova no processo tributário. São Paulo: Dialética, 2010. p. 96.
81
Parece seguir no mesmo compasso Aliomar Baleeiro: “A cláusula ‘seja qual for o motivo
determinante da falta’ [o Autor está a referir-se ao art. 136 do CTN] deve ser atendida em termos,
num sistema jurídico que autoriza a eqüidade na interpretação das leis (CTN, art. 108, IV). Os
tribunais brasileiros, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm excluído multas em casos
especiais. (Ver STF, RE nº 55.906, Gallotti, 27. 5.65, Pleno, RTJ, 33/647; RE nº 57.904, Lins,
25.4.66, 1° Turma, RTJ, 37/296; 2ª Turma: Ag. nº 40.319, 22.8.67; RE nº 60.413; Nogueira,
17.10.67; RE nº 60.476, Lins, 28.11.67; RE nº 60.972, Baleeiro, 7.3.67; RE nº 61.160, Lins,
19.3.68, RTJ, 44.661; RE nº 60.964, Baleeiro, 7.3.67, RTJ, 41/55)” (BALEEIRO, Aliomar. Direito
tributário brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense,
1999. p. 547).
82
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. As sanções adminitrativo-fiscais heterodoxas e sua cuidadosa
possibilidade de aplicação no direito tributário. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.).
Grandes temas do direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 434.
66

Em primeiro lugar, a subjetivação do ilícito fiscal levaria, inexoravelmente, por


uma questão de coerência teórica, até a intransmissibilidade das multas que o
punem. Com efeito, se o ilícito fiscal se baseasse exclusivamente na
responsabilidade subjetiva, impossível seria transferir a multa a terceiros (sub-
rogação passiva das penalidades). A punição não deveria, neste caso, passar
da pessoa do infrator, o que, em muitos casos, seria um verdadeiro absurdo.
Em segundo lugar, seria impossível apenar administrativamente as pessoas
jurídicas, porquanto estas não possuem vontade, senão que são
representadas por seus órgãos. Sabido que societas distat a singulis, jamais
poderia a Fazenda Pública responsabilizar as pessoas jurídicas imputando-
lhes o dever de pagar multas pelo descumprimento da legislação tributária.
Teria a Fazenda Pública de investigar as pessoas físicas que vivificam as
sociedades para lhes imputar a devida punição. Ora, isto seria irrealístico,
complicado e, na maioria dos casos, impraticável. O certo é a
responsabilização das pessoas jurídicas em razão de sua culpa in eligendo,
cabendo-lhes, sendo o caso, direito de regresso contra os seus diretores,
gerentes e administradores. Somente nas hipóteses grosseiras de má-fé,
quando os diretores agem com dolo específico na prática de ilícitos fiscais,
que configuram também ilícitos penais, a responsabilidade por infrações
deve ser pessoal relativamente aos delitos (isto é, os crimes fiscais
tipificados na legislação penal).
Em terceiro lugar, descartado ex absurdo o erro de direito como excludente
de responsabilidade em tema de infração fiscal, a admissão do erro de
direito extra-infracional (variante do erro extrapenal na esfera própria do
direito tributário) levaria ao paradoxo de se considerar oponível à
administração o desconhecimento da própria legislação tributária.
[...]
O ilícito puramente fiscal é, em princípio, objetivo. Deve sê-lo. Não faz
sentido indagar se o contribuinte deixou de emitir uma fatura fiscal por dolo
ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência). De qualquer modo, a lei foi
lesada. De resto, se se pudesse alegar que o contribuinte deixou de agir por
desconhecer a lei, por estar obnubilado ou por ter-se dela esquecido,
destruído estaria todo o sistema de proteção jurídica da Fazenda Pública.
Não obstante, podem-se perfeitamente alegar inimputabilidade e irres-
ponsabilidade. São questões preliminares ou prejudiciais de mérito na
consideração da infração em si. Visam a excluir o sujeito ou agente da
infração da relação jurídica, e não a considerar a pesquisa do elemento
volitivo como essencial na consideração do ilícito fiscal. No Brasil, duas
disposições aparentemente conflitantes regulam a matéria, a nosso ver,
com prudência e objetividade.83

Veja-se que de forma diversa, quando quis o CTN agiu para determinar o
tipo de responsabilidade, conforme preceitua o art. 137 que trata da
“responsabilidade pessoal do agente”.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:


I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções,
salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato,
função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida
por quem de direito;

83
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva
e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,
n. 138, p. 123-131, 2007. p.126-128.
67

II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja


elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo
específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem
respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes,
preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado, contra estas.

Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho o objetivo do legislador é apenar


pessoalmente os infiéis, os venais, que dolosamente agem para prejudicar os seus
representados, ou os clientes, ou as pessoas jurídicas das quais são órgãos.84
Repita-se que a atribuição pessoal de responsabilidade aqui é para o pagamento
das multas fiscais. A responsabilidade pessoal por transferência de dever
relativamente a tributos já foi tratada nos comentários ao art. 135. Tampouco se cura
aqui de responsabilidade penal (crimes contra a ordem tributária ou quaisquer outros
de fundo fiscal, mas formalmente penais). O comum entre o art. 135 (tributos) e o
art. 137 (multas) é a pessoalidade da responsabilidade, a retirada da solidariedade e
a necessidade da comprovação efetiva do dolo, obedecido o devido processo legal
para que a responsabilização seja irrogada ao agente, com exclusão do contribuinte
original.

Edmar Oliveira Andrade Filho afirma que:

Uma forma de atualização do sentido dos enunciados prescritivos do art.


136 do CTN é afirmar que ele não exclui - ao contrario, exige - o elemento
subjetivo para validar a sanção por infração a norma tributária. Assim, a
responsabilidade poderia ser objetivamente imputada, mas o tipo deveria
conter elementos subjetivos.85

De fato, o tipo detém tais subjetividades, mas que - nas lições do Mestre
Sacha - devem ser tomadas e integradas à norma pelo respiradouro da
interpretação.

84
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva
e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,
n. 138, p. 123-131, 2007.
85
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. 1ed. São Paulo: Dialética. p.
117.
68

E mesmo sem ainda adentrar no campo dos princípios constitucionais que


podem iluminar a aplicação razoável e proporcional das sanções fiscais, o CTN
deixa evidente que esta interpretação atenuada deve prevalecer:

a) Primeiro pelo artigo 10086, pelo qual se determina que se o contribuinte age
segundo a orientação do Fisco, fica totalmente livre de multas, juros e correção
monetária.

b) Segundo pelo art. 106 do CTN87 que deixa evidente que a retroatividade benigna
deve ser aplicada sob as seguintes premissas: (i) A lei somente retroage se for
para beneficiar o contribuinte, jamais o Estado. (ii) A lei interpretativa traduz e
esclarece a lei interpretada, mas dessa interpretação fica excluída a aplicação de
penalidade às supostas infrações dos dispositivos interpretados. Assim, o
contribuinte se beneficia com a retroatividade e não pode ser penalizado pela
surpresa da lei interpretativa.

c) Da mesma forma, o art. 108, IV e §2º do CTN deixa evidente a possibilidade de


ampla aplicação da equidade no campo infracional tributário.

d) Também pelo que consta no art. 112 do CTN88 que consagra, de vez, a fala de
Edmar Oliveira Andrade Filho, anteriomente transcrita, pois nele há a efetiva
relativização da responsabilidade objetiva do ilícito. Não deixa ela de ser objetiva
(a responsabilidade), mas no momento de apenar deve se considerar o elemento
subjetivo do ilícito (a culpabilidade), as circunstâncias da infração e sua

86
“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e
dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões
dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia
normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os
convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de
penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo
do tributo”.
87
“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente
interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II -
tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b)
quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não
tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe
comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.
88
“Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira
mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à
natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à
autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua
graduação”.
69

gravidade, bem como os efeitos desta infração. Tudo isso dirigido aos julgadores
administrativos e judiciais para amenização das sanções fiscais.

e) Por fim, pode-se citar o art. 138 que permite o perdão daqueles contribuintes que
comparecem espontaneamente ao Fisco para quitarem seus débitos89. Além
disso, o art. 161 determina a incidência dos juros de mora sem verificação dos
motivos da falta de pagamento do tributo, assim como o art. 151 que suspende a
exigibilidade do crédito tributário e, portanto, afasta qualquer possibilidade de
punição.

Novamente importante as palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Conquanto, o Código Tributário Nacional estabelece a responsabilidade


objetiva em seu art. 136, contudo, trata-se de norma geral, nos exatos
termos do art. 146, do Texto Constitucional.
O referido dispositivo ou a objetividade que dita se ameniza na própria
norma geral - CTN - em seu art. 112 que, de forma atenuadora, versa sobre
princípios e interpretação e abre possibilidade de avaliação eqüitativa dos
conflitos fiscais.
Ademais, numa segunda atenuação da responsabilidade objetiva do art.
136, CTN, não há impedimento - como em Minas Gerais - que, apesar da
recomendação, a legislação na esfera de sua competência introduza o
elemento subjetivo na avaliação da penalidade tributária. Em Minas, como
dito, este elemento foi inserido na aplicação, pelo órgão administrativo, das
multas que incidem sobre a operação e que não acarretam não
recolhimento de tributo.
Portanto, acreditamos na aplicação das sanções fiscais sob o manto da
responsabilidade objetiva, mas com atenuações interpretativas e não
aplicação ao ilícito fiscal o princípio da responsabilidade subjetiva (dolo e
culpa) como regra.90

Enfim, feita essa diferenciação acerca das infrações previstas na legislação


tributária, bem como as regras postas no CTN acerca da responsabilidade do
agente, fica muito evidente que as fórmulas legislativas estão prontas para serem
aplicadas.

O Código Tributário Nacional, sem qualquer necessidade de ilação quanto à

89
Recentemente passou a entender o STJ (Súmula nº 360) que nos tributos lançados por
homologação, quando declarado e não pago o tributo não seria aplicável o art. 138 do CTN, ao
argumento de que a declaração prévia do contribuinte torna desnecessário qualquer procedimento
de fiscalização, sendo o ato do contribuinte substituto deste último, enquadrando na ressalva do
parágrafo único do referido art. 138, CTN.
90
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva
e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo,
n. 138, p. 121-131, 2007. p. 128.
70

responsabilidade, não tem a necessidade de importar princípios do Direito Penal, já


que possui elementos suficientes para o julgador atenuar as penas no caso
concreto.

Dito isso, passa-se ao estudo das espécies de sanções fiscais, que serão
aplicadas sempre que ocorrer as infrações acima tipificadas.

4.4 Espécies de sanções no Direito Tributário

A sanção pode ser definida como a conseqüência da transgressão de um


dever legal, sendo que as sanções tributárias têm caráter nitidamente pecuniário
apesar de existir algumas espécies, ainda no âmbito do Direito Tributário, que
restringem direitos e garantias, mas estas não são admissíveis no Estado
Democrático de Direito, consagrado no Ordenamento Jurídico Pátrio.

Ensina Hugo de Brito Machado:

Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a


restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de
obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do
estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de
fiscalização, entre outras.
Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de
exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos
artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.
[...]
Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas, que no Brasil
remontam aos tempos da ditadura de Vargas, vêm se tornando a cada
dia mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas
formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma oblíqua
de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou às vezes como forma de
retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra
cobranças ilegais.
São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de
mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a
comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado
regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas
fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí
decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe
lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o
cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre
muitos outros.
Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras
razões, por que: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer
71

atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos


públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição
Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave
violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este
impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a
exigência do tributo é ou não legal.91

Irretocáveis as palavras do mestre Hugo de Brito Machado, posto que as


sanções políticas, além de impedirem o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), ainda, transformam a coerção (conseqüência
lógica da sanção) em coação, pois violam o princípio da livre iniciativa, consagrado
no art. 5º, XIII e art. 170 da Constituição:

Art. 5º. [...].


XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 170. [...].


Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), reiteradas vezes,


inclusive, culminando com a edição de três súmulas sobre o assunto:

Súmula nº 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio


coercitivo para cobrança de tributo”92.

Súmula nº 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio


coercitivo para pagamento de tributo”93.

Súmula nº 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito


adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas

91
MACHADO, Hugo de Brito. Sanções políticas no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 30, p. 46-49, 1998. p. 46-47.
92
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 70, de 13 de dezembro de 1963. In: SÚMULA da
jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Imprensa Nacional, 1964. p.
56. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=70.NUM
E. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 26 maio 2010.
93
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 323, de 13 de dezembro de 1963. In: SÚMULA da
jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Imprensa Nacional, 1964. p.
143. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=323.N
UME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 26 maio 2010.
72

atividades profissionais”94.

O Ministro Celso de Mello do STF, no julgamento do RE nº 535.053/RS bem


resume o pensamento da Suprema Corte sobre a matéria:

SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE


DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E
INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O
CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70,
323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM
EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO,
CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O
EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA,
DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES
ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO
CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO
‘SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW’. IMPOSSIBILIDADE
CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU
IMODERADO (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O
PODER DE TRIBUTAR QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO
PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO
CONTRIBUINTE ‘NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE
DESTRUIR’ (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A
PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO
EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO,
DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO
TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO ‘ESTATUTO
CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE’. DOUTRINA. PRECEDENTES
Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo
presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de
atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e
a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro e
considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe
permitem tornar efetivos os créditos tributários, firmou orientação
jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas
70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de
restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera
inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora
referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI)
A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias
individuais proclamados no texto constitucional não significa que a
Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial
ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não
obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito
tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer
débitos fiscais que sobre ele incidam. O fato irrecusável, nesta matéria,
como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que
o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os
em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função
deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade
empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir
obrigações fiscais eventualmente em atraso

94
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 547, de 13 de dezembro de 1969. DJ, Brasília, 10
dez. 1969. p. 5.935. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.
asp?s1=547.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas >. Acesso em: 26 maio 2010.
73

São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de


mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a
comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime
especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais;
a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes;
a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento
consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da
inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas
essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões,
porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,
assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal;
e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação
do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a
restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou
não legal.95

Em caso emblemático na Suprema Corte, no julgamento do RE nº


207.946/MG, concluiu-se que “a exigência de apresentação dessa certidão negativa
para que alguém possa abrir uma empresa ou participar de uma sociedade ofende o
artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal”.

Ementa: TRIBUTO - PAGAMENTO - ATO COERCITIVO IMPRÓPRIO -


PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. Descabe condicionar integração, a quadro
societário, de pessoa jurídica de direito privado ao fato de o pretendente
estar em dia com as obrigações tributárias.96

Como se vê pela análise dos julgados, as sanções tributárias pecuniárias,


são as mais expressivas formas de expressão do objetivo punitivo da legislação
tributária, por isso existem em maior número. Sancionam tanto a infração tributária
substancial quanto a formal. As multas que punem quem descumpriu obrigação
principal são chamadas de materiais, e as que sancionam os que desobedeceram
obrigação acessória são denominas multas formais ou isoladas.

Contudo, pelo que consta do Ordenamento Jurídico vigente, é possível


classificar as sanções pecuniárias em Direito Tributário da seguinte forma:

95
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 535.053/RS. Rel. Min. Celso de Mello, julgado em
28/03/2005. DJ, Brasília, 31 jan. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li
starJurisprudencia.asp?s1=(RE$.SCLA.E374981.NUME.)&base=baseMonocraticas>. Acesso em:
26 maio 2010.
96
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 207.946/MG. 1. T. Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio,
j. 20/05/2008. DJe, Brasília 04 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia
/listarJurisprudencia.asp?s1=(207946.NUME. OU 207946.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso
em: 26 maio 2010.
74

No Ordenamento Jurídico Pátrio os juros de mora


assumem tal papel. A objetividade é reforçada pelo
Sanção de caráter
art. 161 do CTN. Em que pese não ter natureza
indenizatório
punitiva, deve ser classificada como sanção porque
parte de um inadimplemento.
Multa de Mora: de caráter punitivo e objetivo, mas
que visa ser cobrada quando ainda não há o
lançamento de ofício do tributo não pago no
vencimento. Enfim, é cabível quando há o
recolhimento espontâneo97.
Multa de Ofício: também de caráter punitivo e
Sanção por descumprimento objetivo, mas que passa a ser cobrada através de
da obrigação principal (não lançamento de ofício, diante do não recolhimento
recolhimento do tributo) espontâneo pelo contribuinte.
Multa Agravada: de caráter punitivo, mas tendo
em sua essência a subjetividade, pois deverá
sempre estar presente a fraude, o dolo, a
simulação ou a má-fé. A situação se agrava por
uma conduta deliberada e fraudulenta do
contribuinte para o não recolhimento do tributo.
Sanção por descumprimento Multa Isolada: devida pelo simples não
da obrigação acessória cumprimento do dever instrumental.
Quadro 4 - Espécies de Sanções Pecuniárias
Fonte: Elaborado pela autora.

A nomenclatura pode ser alterada, mas sempre poderá se classificar as


multas da forma como acima exposta, contudo, sobre tais sanções ainda cabem
mais alguns apontamentos.

Os juros de mora de cunho nitidamente indenizatório, visam ressarcir aquele


(sujeito ativo da obrigação tributária) que foi privado do seu capital (tributo). Com
efeito, os juros podem ser compensatórios ou moratórios, sendo que os juros
compensatórios têm natureza de remuneração do capital, mas que está com
terceiros de forma consentida e lícita (os juros decorrentes de aplicações financeiras,
por exemplo).

Porém, é preciso consignar que os juros de mora partem de um ilícito (e por


isso a sua faceta de sanção), ou seja, alguém foi privado de forma indevida do seu
capital, assim, caberá àquele que reteve o capital de forma indevida, INDENIZAR o

97
A conjugar com o art. 138 do CTN esta multa somente seria devida quando não configurados os
pressupostos da denúncia espontânea, ou seja, quando tratar-se de tributo declarado e não pago
(Súmula nº 360, STJ) ou quando a fiscalização já deu início aos trabalhos de revisão e
fiscalização.
75

proprietário do capital por tal privação.

Neste ponto cabem alguns os ensinamentos doutrinários: “Os juros


moratórios são usurae punitorieae. [...] Juros moratórios não se infligem por lucro
dos demandantes, mas por mora dos solventes”98.

Os juros remuneratórios são devidos desde o trespasse; os moratórios - que


correspondem à indenização pela inadimplência nas obrigações de dar (ou
pagar), por ato imputável ao devedor - fluem a partir do momento em que se
caracteriza a mora. Importante, pois, definir em que momento ela ocorre.99

Assim como na doutrina o Código Civil reconhece a natureza indenizatória


dos juros de mora, seja pelo Código Civil de 1916 (art. 1.061), seja pelo atual (art.
404):

Art. 1.061. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro,


consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro,


serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de
advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e
não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor
indenização suplementar.

Recente decisão proferida pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça


(STJ) no julgamento do REsp. nº 1.037.452/SC da relatoria da Ministra Eliana
Calmon, reconhece natureza indenizatória dos juros de mora e demonstra os
reflexos de tal conclusão para fins de (não) incidência de Imposto de Renda Pessoa
Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os juros de
mora:

Entretanto, neste processo o enfrentamento passa pela nova visão dos


juros moratórios a partir do atual Código Civil que, no parágrafo único do art.
404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, como pode ser
visto na transcrição seguinte:

98
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2003. t. 24, p. 46-50.
99
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 811, p. 99-114, maio 2003.
76

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro,


serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de
advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e
não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor
indenização suplementar.’
Segundo decidiu o Tribunal de Apelação:
‘1) [...] a indenização representada pelos juros moratórios corresponde aos
danos emergentes, ou seja aquilo que o credor perdeu em virtude da mora
do devedor. Houve a concreta diminuição do patrimônio do autor, por ter
sido privado de perceber o salário de forma integral, no tempo em que
deveria ter sido adimplido. Os juros moratórios, nesse sentido,
correspondem a uma estimativa prefixada do dano emergente, nos termos
dos arts. 395 do Código Civil vigente e 1.061 do Código Civil de 1916.
2) Não há falar, aqui, em interpretação ampliativa da hipótese de isenção
prevista na legislação de regência, porque não se trata, no caso, de
isenção, mas, sim, de não-incidência.’
Detive-me na tese de fundo e a conclusão a que chego, diante dos claros
termos do parágrafo único do Código Civil, é a de que os juros de mora têm
natureza indenizatória e, como tal, não sofrem a incidência de tributação. A
questão não passa pelo Direito Tributário, como faz crer a Fazenda, quando
invoca o instituto da isenção para dizer que houve dispensa de pagamento
de tributo sem lei que assim o determine.
A questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros moratórios,
que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para
especulações, na medida em que está expressa a natureza indenizatória
dos juros de mora.
Estou consciente de que o entendimento alterará profundamente a
disciplina dos juros moratórios, como estabelecido há anos e que
proclamava a sua natureza acessória, de tal forma que se amolda à
caracterização da obrigação a que se refere, como um apêndice.
Se assim é, certa está a tese constante do julgado do Tribunal de São
Paulo, a partir do entendimento sedimentado no direito pretoriano desta
Corte, uniformizado na Primeira Seção e que pode ser assim resumido: a)
as parcelas salariais são consideradas como remuneração, ou seja,
rendimento, incidindo pois o imposto de renda; b) em se tratando de
indenizações, não há rendimento algum e, como tal, não incide o imposto
de renda.100

Da mesma forma a 4ª Turma do STJ no julgamento do REsp. nº 244.296/RJ,


afirma que:

os juros de mora se destinam a reparar os danos emergentes, ou positivos,


e a pena convencional é a prévia estipulação para reparar os lucros
cessantes, que são os danos negativos, vale dizer, o lucro que a

100
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.037.452/SC. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j.
06/11/2008. DJe, Brasília, 26 nov. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Just
ica/detalhe.asp?numreg=200800500318&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
77

inadimplência não deixou que se auferisse, resultando na perda de um


ganho esperável.101

Diante dessa natureza indenizatória dos juros de mora, algumas conclusões


podem ser extraídas:

a) serão devidos os juros de mora mesmo quando a exigibilidade estiver


suspensa (art. 151, CTN), em que pese esta não ser uma posição unânime da
doutrina, posto que não têm como objetivo penalizar a mora, mas apenas ressarcir o
capital que seu detentor ficou privado. Contudo, tendo cunho indenizatório, deve ser
no montante razoável apenas para repor o patrimônio que foi retirado
temporariamente de seu titular.

Por isso, reputa-se como ilegal e inconstitucional a Lei Estadual de São


Paulo nº 13.918 que majorou os juros moratórios aplicáveis a débitos fiscais
estaduais supostamente em atraso, para 0,13% ao dia. Acumulada ao longo de um
ano inteiro poderia atingir o total de 36,5%, o que atinge a um patamar três vezes
superior à SELIC (índice fixado pelo Banco Central que determina a remuneração
dos títulos públicos, portanto, este o custo mínimo do capital em poder de terceiros).
Neste caso paulista, o patamar adotado não é razoável ou proporcional e retira o
caráter indenizatório dos juros de mora para transformá-los em mais uma multa,
cumulada com as demais existentes naquele Ordenamento.

b) outra conseqüência importante é que, tendo os juros de mora natureza


indenizatória, não podem eles incidir sobre as multas, pois a multa não é uma receita
esperada pelo sujeito ativo, assim, não se pode alegar que o Estado ficou privado da
multa.

Uma importante observação a ser feita acerca da natureza da multa de


mora. Com efeito, o Min. Cordeiro Guerra, do STF, afirma que a manutenção do
dinheiro no tempo se dá pela correção monetária (o que não significa um plus) e os
juros de mora possuem o caráter indenizatório, o que resta é punição, in verbis: “a
multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender
exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção

101
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 244.296/RJ. 4. T. Rel. Min. César Ásfor Rocha, j.
27/06/2000. DJ, Brasília, 05 ago. 2002. p. 345. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces
so/Justica/detalhe.asp?numreg=200000000175&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio
2010.
78

monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal” e


completa no julgamento do RE nº 79.625/SP que “não disciplina o CTN as sanções
fiscais de modo a estremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige sua
legalidade (RTJ 80/104-13)”102.

No mesmo sentido o Min. Moreira Alves, verbis:

Toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com o caráter de
indenização, se cobrar alguma coisa do credor, este algo que se cobra a
mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será
uma pena [...] e as multas ditas moratórias [...] não se impõem para
indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo.103

Como visto, a multa tem como pressuposto a prática de um ilícito


(descumprimento de um dever legal, estatutário ou contratual). A indenização visa
reconstituir um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa. O primeiro se
dá pela multa e para sancionar o descumprimento das obrigações. O segundo (juros
de mora) visa recompor o patrimônio danificado.

No Direito Tributário, os juros de mora recompõem o patrimônio estatal


lesado pelo não recebimento tempestivo do tributo. Tanto é assim que estes não são
afastados nem mesmo em caso de denúncia espontânea da infração, apenas no
caso das consultas fiscais, posto que estas adiam o vencimento da obrigação.

Portanto, não se pode dizer que o art. 138 do CTN não abarca as multas de
mora. Isso porque, inegavelmente, o art. 138 do CTN determina que a denúncia
espontânea do contribuinte afasta a responsabilidade pelo pagamento de alguma
penalidade.

A lógica jurídica impõe que, sendo o caso de afastamento da


responsabilidade por infração, a norma só pode estar se referindo àquela que, sem a
expressa exceção legal, poderia ser exigida do contribuinte. A multa de mora tem
natureza punitiva, uma vez que os juros de mora já se prestam a remunerar o capital
que o credor se viu furtado, conforme pacifica jurisprudência e doutrina.

102
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; SANTIAGO, Igor Mauler; MANEIRA, Eduardo. Exclusão da
multa moratória em caso de pagamento espontâneo de tributo atrasado (CTN, art. 138). Forma de
recuperação de indébito. Belo Horizonte, [s.d.]. p. 1. Disponível em: <http://www.sachacalmon.com
.br/admin/arq_publica/77c67132097f9b1ff028aed0eca8d21b.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2010.
103
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; SANTIAGO, Igor Mauler; MANEIRA, Eduardo. Exclusão da
multa moratória em caso de pagamento espontâneo de tributo atrasado (CTN, art. 138). Forma de
recuperação de indébito, p. 1.
79

Sobre o tema, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Se quisesse excluir uma ou outra, teria adjetivado a palavra infração ou teria


dito que a denúncia espontânea elidiria a responsabilidade pela prática de
infração à obrigação principal excluindo a acessória, ou vice-versa. Ora,
onde o legislador não distingue não é lícito ao interprete distinguir segundo
cediço princípio de hermenêutica.104

Veja a sucinta e esclarecedora lição de Leandro Paulsen:

É absolutamente descabida a discussão sobre a exclusão ou não da multa


de ofício seja da multa moratória, quando da denúncia espontânea. Em
primeiro lugar, é preciso destacar que a multa de ofício é aquela aplicada
pela autoridade quando da lavratura de auto de infração relativamente a
débito não declarado/confessado pelo contribuinte. Em tais situações, não
há que se falar em denúncia espontânea. Presente a espontaneidade e
havendo o reconhecimento do débito pelo contribuinte, jamais se poderá
perquirir da aplicação da multa de ofício, mas tão-somente da multa
moratória, a qual, contudo, efetuado o pagamento do tributo e dos juros,
resta excluída por força do art. 138, do CTN. Note-se que, quando o
contribuinte reconhece o débito e não procede ao imediato pagamento,
paga posteriormente com multa de mora. Fosse devida a multa de mora na
denúncia espontânea, a norma não faria sentido. Efetivamente, a única
multa de que se cogita na ausência do lançamento é justamente a
moratória, já que as ditas multas de ofício dependem da lavratura de auto
de infração. Sempre que o contribuinte paga antes de ser notificado para
tanto, o faz, no máximo, com a multa de mora tão-somente, de modo que a
denúncia espontânea, que pressupõe espontaneidade, só pode ter o efeito
de afastar a multa que, sem o favor fiscal, seria exigível, qual seja, a
moratória.
A multa moratória constitui penalidade decorrente do descumprimento da
obrigação tributária no vencimento, diversamente dos juros moratórios que
apenas compensam o atraso no pagamento. A moratória, por isso, resta
excluída frente à denúncia espontânea. Só não haverá exclusão se o
contribuinte, anteriormente, já tiver efetuado declaração do montante
devido, pois, neste caso, o débito já é do conhecimento do Fisco, restando
afastada a espontaneidade quanto ao pagamento, na medida em que seria
cobrado.105

Neste sentido, citando artigo de autoria de Mitsuo Narahashi106 publicado na


Revista Dialética de Direito Tributário, Luciano Amaro afirma:

[...] somente é exigível a multa de mora quando, notificado pelo Fisco, o


devedor incorra em mora. Nesse caso (não-pagamento de tributo lançado,
cuja existência, pois, o Fisco tem efetivo conhecimento), não há o que

104
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 105-106.
105
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 161.
106
NARAHASHI, Mitsuo. Multa de mora em obrigação tributária. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 13, p. 55-63, out. 1996.
80

‘denunciar’ espontaneamente. Ou seja, não é hipótese de aplicação do art.


138. Se, porém, se trata de infração, voluntária ou não, que tenha implicado
ocultar ao Fisco o conhecimento do tributo devido, sua denúncia
espontânea seria premiada com a exclusão da responsabilidade, afastando-
se inclusive a multa de mora, desde que haja, em contrapartida, o efetivo
pagamento do tributo e dos juros de mora.107

E sequer pode-se exigir a aplicação do art. 161 do CTN, em detrimento do art.


138: a regra geral para o pagamento em atraso é pelo recolhimento do principal, juros de
mora e demais penalidades (art. 161), exceto quando se tratar de denúncia espontânea,
quando o contribuinte somente terá que recolher o tributo, correção monetária e juros de
mora - esta a única forma de se interpretar harmonicamente o CTN.

Ocorre que não existe a mais mínima incompatibilidade entre os artigos 138
e 161. O art. 161 fixa a regra geral de que a inadimplência acarreta o
pagamento agravado de juros de mora, correção monetária e multas pela
mora, e o art. 138 define a exceção a esta regra. Assim, ocorrendo denúncia
espontânea, acompanhada do recolhimento do tributo, com juros e correção
monetária, nenhuma penalidade poderá ser imposta nem tampouco exigida
do contribuinte, anteriormente inadimplente.108

Para ilustrar, eis a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça


sobre a matéria:

Tributário. Embargos de Divergência. Denúncia Espontânea. Tributo


Declarado. Impossibilidade.
1. A posição majoritária da Primeira Seção desta Corte é no sentido de
inadmitir a denúncia espontânea nos tributos sujeitos a lançamento, quando
houver declaração desacompanhada do recolhimento do tributo.
2. Embargos de divergência rejeitados.109

Portanto, no caso da multa de mora era será devida somente no intervalo


entre o momento em que ainda caiba a denúncia espontânea e o lançamento de
ofício (vide Súmula nº 360 do STJ, ou seja, quando o tributo for declarado e não
pago ou quando a fiscalização já iniciou seus procedimentos de revisão dos tributos
recolhidos, mas ainda não lançou de ofício).

107
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 454-455.
108
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 111.
109
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp. nº 531.249/RS. 2. T. Rel. Min. Castro Meira, j.
23/06/2004. DJ, Brasília, 09 ago. 2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=200400288861&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26. maio. 2010.
81

Por fim, cabe ressaltar quanto as multas por descumprimento de obrigação


instrumental também ensejam penalidades, contudo, é preciso verificar quais são as
funções ou objetivos das sanções e, neste caso, correta a doutrina de Paulo Roberto
Coimbra Silva para quem as sanções pecuniárias tem como funções: prevenir, ser
didática, punir e indenizar. Prevenir porque as sanções tem um efeito intimidatório
para que a conduta não se repita pelo infrator e por quem tomar conhecimento da
punição. As sanções são didáticas, porque as normas que as institui visam
demonstrar quais as condutas são reprováveis para a sociedade; punitivas porque
castigam quem praticou o ilícito; ressarcitória ou indenizatória para reparar o capital
que o sujeito ativo foi privado (função dos juros, como visto).110

Assim, tanto a obrigação acessória ou instrumental, quanto a multa imposta


pelo seu não cumprimento visam garantir o cumprimento da obrigação principal,
realizando, assim, o interesse público consistente na arrecadação dos recursos
necessários ao custeio do papel do estado na sociedade.

Portanto, o mero descumprimento de obrigação acessória (CTN; art. 113,


§2º), não pode ensejar penalização exacerbada pela ausência de prejuízo ao erário,
pois “não subsiste a multa imposta com fundamento em regulamento sobre o ICMS,
de acordo com o princípio de que a obrigação acessória segue o destino da
principal”111 e de que “a obrigação acessória tem relação de instrumentalidade com a
obrigação principal. Assim, fenecendo a primeira, não pode subsistir a segunda”112.

Em recente julgado o STJ acatou tal entendimento (REsp nº 1.096.712/MG):

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.


DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO.
1. A despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação
tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para
instrumentalizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir
um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações que
justifique a exigibilidade da obrigação acessória.

110
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 61-76.
111
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 766.004/SE. 1. T. Rel. Min. Francisco Falcão, j.
25/10/2005. DJ, Brasília, 19 dez. 2005. p. 263. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces
so/Justica/detalhe.asp?numreg=200501129732&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio
2010.
112
BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). AC nº 1997.01.00.045483-6/MG. 4. 1. T. Rel.
Juiza Conv. Vera Carla Cruz, j. 08/10/1999. DJ, Brasília, 17 mar. 2000. p. 276. Disponível em:
<http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/>. Acesso em: 26 maio 2010.
82

2. Na hipótese, o transporte do café beneficiado, pela empresa


beneficiadora - ora recorrente -, estava acobertado pelas notas fiscais de
devolução e de venda da mercadoria, pelos fazendeiros, para a Bolsa de
Insumos de Patrocínio, mostrando-se totalmente descabida e desarrazoada
a exigência da emissão de Nota fiscal pela recorrente, sem destaque de
ICMS, na qualidade de detentora da mercadoria.
3. Precedentes: REsp 539.084/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão,
DJ de 19.12.2005; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de
26.10.2006.
4. Recurso especial provido.113

Do voto, cabe destacar:

Hugo de Brito Machado, em artigo publicado na Revista Dialética de Direito


Tributário de setembro de 1997, pág. 61, asseverou:
‘Todavia, é importante insistir em que a obrigação tributária acessória não é
apenas um dever que a Administração impõe ao sujeito passivo da
obrigação tributária principal. É essencialmente um dever instrumental, que
nenhuma finalidade pode ter, além daquela de viabilizar o controle do
adimplemento da obrigação principal . Esse caráter de acessoriedade, nem
sempre bem compreendido, é fundamental para a adequada compreensão
dessa espécie de obrigação jurídica.
Não se trata de acessoriedade no sentido de ligação a uma determinada
obrigação outra, da qual dependa. Por isto mesmo a obrigação acessória
subsiste ainda quando a obrigação principal à qual se liga ou parece ligar-se
imediatamente, é inexistente em face de imunidade, não incidência ou
isenção tributária. O caráter de acessoriedade há de ser entendido no
sentido próprio que tem a obrigação no campo do Direito Tributário. Uma
acessoriedade em relação à obrigação de pagar tributo vista globalmente.
Não em relação à obrigação de pagar determinado tributo, exigível em
razão de um determinado e específico fato tipo, que realiza um hipótese de
incidência em determinada situação isolada. Acessoriedade no sentido de
ser uma obrigação instrumento da outra, que só existe para instrumentalizar
outra. Que não teria sentido de existir sem a outra’. (sem grifos no original)
Roque Antonio Carrazza, na sua obra ICMS, (Editora Malheiros, 11ª edição,
nas págs. 516-521), também assentou:
‘Vemos, assim, que o dever instrumental tributário não se confunde com o
tributo. Por isso, cumprir o dever instrumental tributário não é o mesmo que
pagar o tributo. Mas é o cumprimento do dever instrumental tributário que
torna possível o exato pagamento do tributo.
Por isso mesmo, deve haver uma perfeita harmonia entre os tributos e os
deveres instrumentais a ele relacionados.
[...]
Melhor dizendo, se a pessoa, física ou jurídica, não estiver, efetiva ou
potencialmente, sujeita ao pagamento deste tributo (obrigação tributária
principal), não pode ser compelida a cumprir deveres instrumentais
tributários (obrigações tributárias acessórias) a ele concernentes. Assim, por
exemplo, se a atividade que desempenha estiver fora do âmbito de

113
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.096.712/MG. 1. T. Rel. Min. Denise Arruda, j.
02/04/2009. DJ, Brasília, 06 maio 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus
tica/detalhe.asp?numreg=200802349433&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
83

incidência do ICMS, isto é, for totalmente desvinculada do fato imponível


desta exação, não pode ser constrangida pela Fazenda Pública estadual
(ou distrital), a emitir notas fiscais. Nem muito menos, sancionada, por não
as ter emitido’.
Portanto, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de
obrigações (principal e acessória) para justificar a exigibilidade da obrigação
acessória e mesmo da multa pelo não cumprimento de eventual obrigação
chamada de instrumental.

Diante de tais considerações, no âmbito do Texto Constitucional e à luz dos


princípios constitucionais aplicáveis às sanções fiscais verifica-se que tais princípios
servidão também para promover a integração da norma com seus limitadores
constitucionais, mas partindo sempre da premissa que tais princípios deverão ser
obedecidos no Direito Tributário Sancionador.
84

5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A FUNÇÃO DOS


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO

5.1 O Estado Democrático de Direito e o valor segurança jurídica

A Constituição, como pacto maior da nação, busca a normatização das


relações sociais, refletindo, na medida do possível, o pluralismo e participação dos
valores sociais. Norberto Bobbio demonstra a ligação umbilical do Estado de Direito
e a relação jurídica:

É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do


ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado
despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No
Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos
privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só
direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o
Estado dos cidadãos.114

Por mais repetitivo que se possa parecer, num primeiro enfoque do que seja
Estado Democrático de Direito, pode-se afirmar que deve esse Estado primar para
relação jurídica, ou seja, não pode mais prevalecer o poder, mas a segurança de
uma relação jurídica, banhada pela igualdade e pela Justiça. As relações devem ser,
portanto, reguladas pelo Direito, inexistindo a lei do mais forte.

Misabel Abreu Machado Derzi vai mais além e, analisando o termo


democrático, afirma com precisão de que ele não é “apenas” uma forma de governo,
mas sim, que a relação obrigacional no Estado de Direito deve ter a participação de
todos (democracia), ser igual e segura para todos (justiça), enfim, Estado
Democrático de Direito para as novas nuances do constitucionalismo é se deter em
três pilares: previsibilidade, segurança jurídica e justiça! Nada mais, nada menos.115

Geraldo Ataliba lembra, ainda, que os princípios que norteiam o

114
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 61.
115
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 1 de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 09-10.
85

Ordenamento Jurídico e, porque não conceituam nem preservam o Estado


Democrático de Direito, são o Federalismo e a Separação dos Poderes.116

No mesmo sentido, José Joaquim Gomes Canotilho:

A articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características,


iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente
em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em
subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos
princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de
diferente grau de concretização (=diferente densidade semântica).
Existem, em primeiro lugar, certos princípios designados por princípios
estruturantes, constitutivos e indicativos das idéias directivas básicas de
toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras
jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político. Na ordem
constitucional portuguesa considerar-se-ão (a título indicativo, sem
pretensões de exaustividade) como princípios estruturantes:
- o princípio do Estado de direito (arts. 2º e 9º);
- o princípio democrático (arts. 1º, 2º, 3º/1 e 10º);
- o princípio republicano (arts. 1º, 2º, 11º e 288º/b).117

Para Norberto Bobbio os remédios heróicos que visam o controle do abuso


são basicamente (podendo gerar variáveis) a separação dos poderes e a
subordinação do poder estatal ao Direito.118 E novamente a Professora Misabel
Abreu Machado Derzi:

[...] entretanto, apesar das várias revisões por que passou a teoria, fica
sempre a idéia principal de que, através da separação dos poderes ou, na
versão mais moderna, das funções estatais, se assegura a liberdade. Por
meio do equilíbrio e controle recíproco entre as funções estatais, no sistema
de pesos e contrapesos, se obtém ‘uma garantia concreta da liberdade e
uma afirmativa de que a soberania não será usurpada por qualquer um dos
órgãos. [...] Lato sensu, todo Estado é de Direito, vez que a todo Estado
corresponde uma ordem jurídica. Não obstante, a expressão é reservada,
como lembra Hans Kelsen, para designar aquele, onde certas condições
mínimas de democracia e garantias individuais são respeitadas. Na
república democrática, a liberdade é compreendida como autodeterminação,
ou seja, o indivíduo é submetido a um ordenamento jurídico que ele quer,
porque partilha de sua criação. [...] A noção fundamental que decorre da
democracia não é propriamente a separação entre as funções estatais, mas
a idéia de que todo poder deve decorrer do povo e ser por ele exercido e
‘onde não é possível a democracia direta mas apenas a indireta, todo poder
tem que ser exercido por um órgão colegiado cujos membros tenham sido
eleitos pelo povo e sejam juridicamente responsáveis perante este’ [...] A

116
ATALIBA, Geraldo. A república e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 36.
117
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000. p. 1.137.
118
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução Márcio Pugliesi.
São Paulo: Ícone, 1995.
86

evolução do Estado de Direito ao Estado da Constituição faz crescer de


importância o papel do Poder Judiciário, naqueles países, onde esse Poder
monopoliza o processo de controle da constitucionalidade das leis, ou nele
desempenha função de grande relevância. Por isso, concordamos com
Gordillo, quando leciona que, teoricamente, o Poder Executivo subordina-se
ao Legislativo e o Legislativo ao Judiciário.119

Pois bem, nesta primeira face do Estado Democrático, deseja ele conter o
abuso, separar as funções para que Executivo, Legislativo e Judiciário possam
conter as forças de cada qual e encontrar o equilíbrio.

Numa outra vertente, o Estado Democrático de Direito procura regular as


ações segundo as regras do Direito, o que necessariamente passa pela Justiça
Material e Segurança Jurídica, sendo que esta última busca tornar previsíveis as
regras e como o Estado vai atuar na Sociedade e na intervenção do patrimônio
público.

Não há sentido em pensar um Estado Democrático de Direito sem que este


tenha regras previamente definidas, a proteção ao passado, o ato jurídico perfeito, a
coisa julgada, a irretroatividade do próprio Direito. E não há qualquer contra-senso em
afirmar que os princípios visam modernizar o sistema. Não se tenta impedir a
modernização ou o enfrentamento da complexidade das relações atuais, mas este
enfrentamento tem que ser feito pro futuro, e o passado deve ser protegido a todo custo.

Portanto, a Segurança Jurídica (previsibilidade, legalidade, confiança na lei


fiscal) e a busca pela Justiça Material (igualdade, capacidade contributiva,
progressividade, seletividade, extrafiscalidade, não-cumulatividade, entre outros) são
os instrumentos de realização do Estado Democrático de Direito, e para a realização
das garantias fundamentais, direitos individuais e sociais constantes do Texto
Constitucional.

Estado Democrático de Direito significa, dentre outros aspectos,


previsibilidade das ações estatais; boa-fé deste Estado para tratar seus cidadãos,
tratamento de forma segura (previsível) e justa.

A doutrina deixa claro que segurança jurídica é conseqüência do Estado de


Direito:

119
DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 85-86.
87

O conceito de segurança jurídica é considerado conquista especial do


Estado de Direito. Sua função é a de proteger o indivíduo de atos arbitrários
do poder estatal, já que as intervenções do Estado nos direitos dos
cidadãos podem ser muito pesadas e, às vezes, injustas. No entanto, se tais
intervenções têm base em lei e visam o bem-estar público, será preciso
decidir-se pela avaliação conjunta do interesse coletivo e do interesse do
particular afetado para se aferir a juridicidade (conformação do direito) da
medida estatal. Esse princípio é freqüentemente denominado ‘princípio da
proporcionalidade’.
Para proteger os direitos do indivíduo, o princípio da segurança jurídica
começa a atuar já quando dessa avaliação do bem estar público e do
interesse do particular, exigindo-se antes de mais nada que essa
intervenção do Estado seja previsível pelo cidadão. Portanto, a ação estatal
deve estar sujeita a determinadas regras. Somente assim, o particular pode
adequar sua conduta dentro do Estado, de modo a prever as intervenções
ou atenuá-las.
[...]
A segurança jurídica como tal é um princípio constitucional não-escrito,
derivado do princípio do Estado de Direito. Já que a segurança jurídica deve
tornar-se previsível a atuação estatal para o particular, essa atuação deve
estar sujeita a regras fixas. A limitação do poder do Estado por essas
regras, isto é, por essas leis, cuja observância é vigiada pela justiça, é o
conteúdo especial do princípio do Estado de Direito.120

Partindo dos conceitos acima postos, surge um primeiro questionamento a


ser enfrentado acerca de qual seria a correlação de tais conceitos com aplicação das
sanções fiscais.

Como dito em capítulo anterior, a norma de conduta tributária (que


estabelece a hipótese obrigacional principal acessória) e a norma sancionante
tributária (que estabelece as penalidades pela hipótese de ilícito) são normas
condicionantes, que estabelecem uma hipótese e uma conseqüência.

A norma sancionante tributária, assim como a norma de conduta, tem


natureza tributária e, portanto, a ela são aplicáveis os princípios constitucionais que
limitam o poder de tributar, desde que cabível tal aplicação.

Portanto, quando o Estado atua no patrimônio do particular, seja cobrando


tributos, seja penalizando-o por uma conduta ilícita, deve este Estado se valer da
figura constitucional de Estado Democrático de Direito e conceder regras justas,
proporcionais, razoáveis, seguras e confiáveis, aliás, esta a função dos princípios,
como se passa a demonstrar.

120
STEIN, Torstein. A segurança jurídica na ordem legal da República Federal da Alemanha. In:
LAGUARDIA, Jorge Mario García et al. Acesso à justiça e cidadania. São Paulo: Konrad-
Adenauer-Stiftung, 2000. Cadernos Adenauer n. 3, p. 93.
88

5.2 O papel dos princípios constitucionais

O Sistema Constitucional Tributário se fixa em três grandes pilares: as


normas de competência, as regras de repartição das receitas tributárias e os limites
ao poder de tributar, sendo que este último dividido nas imunidades e princípios.

Os princípios norteadores do Sistema Tributário visam estancar qualquer


tentativa de abuso do poder que possa existir por parte das autoridades fiscais e é
onde o poder tramita de forma extrema, por isso, a necessidade de vigilância de
eventuais abusos.

Valter Souza Lobato, em sua dissertação de mestrado, ao mesmo tempo


que demonstra a importância de limitar o poder de tributar, mostra que o sistema
ainda não conseguiu se equilibrar de forma suficiente a dar segurança e estabilidade
para a sociedade:

No Direito Tributário a presença do poder é intensa, abarcando interesses de


arrecadação para manutenção de um modelo econômico; ou abarcando
interesses de determinados setores econômicos. Se voltarmos os olhos para
todos os elementos (não jurídicos) que cercam o Direito Tributário jamais
conseguiremos extrair qualquer segurança, previsibilidade ou conhecimento.
Citamos Michel Bouvier, cujas lições nos foram trazidas pela Professora
Misabel: ‘O imposto, desde suas origens, foi representado de duas formas
básicas: como instrumento de submissão ou ainda como meio de
solidariedade do grupo social. Foi através da imagem de um Estado-nação
unificado, de fronteiras bem definidas, que se construiu uma simbologia fiscal
largamente aceita, a de que se realiza o bem comum por meio do imposto. Tal
visão não é mais a atual. O mundo atual é composto, descrente,
desencantado. A concepção fortemente individualista dos anos oitenta e a
tese de uma fiscalidade mínima favorecem o retorno da lógica do imposto-
troca. O corporativismo se reforça, reclama e obtém privilégios fiscais que se
traduzem em múltiplos tipos de alívios ideais. Essa onda corporativista está na
origem de uma série de favores e regimes derrogatórios, tomados
notadamente em direção do setor econômico e financeiro, que dão à
fiscalidade nacional e local atual a estrutura de um verdadeiro mosaico.Em tal
quadro, o poder fiscal se tornou um jogo para os múltiplos centros de decisão
públicos e privados que formam o tecido social, enquanto ele é cada vez
menos um atributo de um poder universal, representado até agora pelo
Estado. Os organismos profissionais (sindicatos patronais ou de empregados),
as associações profissionais de interesses de tal ou qual parte da população,
as coletividades territoriais, as instituições internacionais, todos intervêm de
maneira ativa no processo de decisão fiscal, reivindicam a fiscalização de certa
renda ou o poder de modular a carga fiscal, ou criá-la, suprimi-la ou modificá-la.
Assim presenciamos um retorno à Idade Média, com extrema diversificação da
arrecadação, associada a inúmeras diferenças de estatutos’ (CF. op. cit. p.
225-226).
Especialmente no Brasil, mesmo com tantos princípios constitucionais,
mesmo com tantas proteções no Texto Constitucional, o Direito Tributário
não foi capaz de dar respostas eficientes à sociedade brasileira; não
89

conseguiu construir uma valoração de princípios, nem tampouco uma


construção científica de conceitos. .121

Geraldo Ataliba já em 1976 vislumbrava as dificuldades atuais:

Ora, no Brasil acontece exatamente o oposto, ou seja: no Brasil, podemos


quase firmar o princípio da presunção da inconstitucionalidade da lei
tributária. Então, não podemos começar o nosso trabalho com aquela
tranqüilidade, aquela ligeireza com que pode estar autorizado o exegeta em
outros países. E porque não? Exatamente porque o legislador constituinte,
no Brasil, ao contrário do que fez o legislador constituinte em todos esses
países, não se limitou a enunciar dois, três ou quatro princípios
constitucionais aplicáveis ao exercício da tributação. Tributação quer dizer
ação tributária. É uma ação privativamente estatal. É a ação consistente em
o Estado exigir contribuição compulsória em dinheiro das pessoas.
Desde 1824, com tendência nítida a um agravamento desta postura, o
legislador constituinte brasileiro vem estabelecendo uma série de balizas,
uma série de cercas, de peias, de correntes, de muros ao exercício da
competência tributária. É assim o Estado, no Brasil.
O legislador constituinte fixou um rol relativamente respeitável de obstáculos
de natureza constitucional - porque constantes do texto da Constituição -, a
serem observados pelo legislador ordinário. Nessas condições não basta,
no Brasil, que o legislador ordinário esgote, ao editar a lei, a função criadora
do tributo, nem basta que ele obedeça, observe ou respeite o princípio da
igualdade. Não. Ele é obrigado a obedecer, a estar atento a ‘mil e uma’ -
não diria ‘mil e uma’, para não usar uma linguagem figurada; vou usar uma
linguagem precisa, quase matemática - cento e uma limitações, barreiras,
peias, que o legislador constituinte colocou ao exercício da sua ação. E se o
legislador ordinário não atentar para todas elas, no seu conjunto, ele
desobedecerá a uma ou a algumas, o que freqüentemente acontece,
incidindo, portanto, em inconstitucionalidade.
[...]
Isto começa em 1824 com cerca de trinta mandamentos e acaba em 1969, com
mais de uma centena. Se mais uma Constituição vier, podem estar certos que
aparecerão mais regras. Cada regra de nível constitucional que se acrescenta
ao sistema tributário é mais uma peia que se coloca ao legislador ordinário.
Portanto, mais uma oportunidade de o legislador ordinário errar e, assim, mais
um ensejo para incidir em inconstitucionalidade.122

O Texto Constitucional regulou de forma exaustiva o Sistema Tributário, com


uma infinidade de princípios para proteger a Sociedade contra eventuais abusos, e o
fez, imaginando estar essa sociedade mais do que protegida. Pura ilusão! A
realidade demonstrou que o abuso é constante, seja na criação de tributos a cada
dia, no alargamento das bases de cálculo dos tributos já existentes, e na deturpação
de conceitos como de salário, renda, faturamento, etc.

121
LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do
equilíbrio de suas fontes, p. 38-39.
122
ATALIBA, Geraldo. Princípios constitucionais tributários. São Paulo: EDUC, 1976. v. II, p. 08-09.
90

Faltou, portanto, dar efetividade para a norma constitucional. Faltou o


intérprete não mais se cegar com as instruções normativas, portarias e resoluções
internas das repartições públicas. Faltou também o aplicador do Direito não se
preocupar somente com os conceitos contábeis, com as declarações e com as
obrigações acessórias. Enfim, faltou o Direito se impor enquanto norma de conduta e
segundo os valores postos no Texto Constitucional. Enfim, faltou a construção de um
verdadeiro, justo e seguro Sistema Tributário.123

O Direito Tributário regula a relação tributária, que deve estar pautada, ab


initio pela norma constitucional, que determina amplo seguimento a segurança
jurídica e à justiça tributária, além de algumas regras-princípios, que não admitem
maiores ilações (anterioridade, não-surpresa, irretroatividade, etc.).

Nesse sentido, os princípios tem como função primeira limitar o poder no


sistema tributário, inclusive o poder do Estado, a bem da preservação dos direitos e
garantias individuais e sociais.

É o que nos ensina Humberto Ávila:

As leis tributárias soa primordialmente leis interventivas (einggriffsgesetze),


na medida em que restringem a liberdade e a propriedade do cidadão, de
modo direto ou indireto, e independentemente da sua vontade. Em razão
disso, a função de defesa (abwehrfunktion) dos direitos fundamentais
assume grande significado nesse caso.124

E Ricardo Lobo Torres:

[...] A relação tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos
direitos fundamentais, declarados na Constituição. Nasce, por força de lei,
no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo
estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelos
sistemas de princípios da segurança jurídica. Todas essas características
fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrentes dos
interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a
publicidade do vínculo jurídico.125

123
“Sendo o Direito um sistema, torna-se mais fácil apreender o conteúdo, sentido e alcance de seus
institutos e normas em função das exigências postuladas por esses princípios. Olvidar o cunho
sistemático do Direito é admitir que suas formas de expressão mais salientes, as normas, formam
um amontoado caótico, sem nexo, nem harmonia, em que cada preceito ou instituto pode ser
arbitrária e aleatoriamente entendido e aplicado, grosseiramente indiferente aos valores jurídicos
básicos resultantes da decisão popular” (ATALIBA, Geraldo. A república e constituição, p. 15).
124
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 74.
125
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 209.
91

Humberto Ávila afirma, ainda, que as limitações são uma espécie das várias
limitações que o sistema constitucional estabelece: regras de competência,
princípios, garantias e direitos fundamentais.126

E é o próprio autor que coloca os obstáculos que devem ser enfrentados


para que tais limitações sejam efetivadas. A primeira dificuldade surge, porque tais
limitações restringem os detentores do poder, mas são estes mesmos detentores
que deverão estabelecer procedimentos para regular e efetivar tais limitações. É
como pedir que o prisioneiro fique com a chave da prisão, ou seja, o abuso virá,
porque não interessa ao detentor do poder ser limitado.

Em segundo lugar, as limitações cercam o poder, mas também fazem gerar


este poder (este o processo democrático). Por ultimo, mas não menos importante,
toda limitação ao poder de tributar ao mesmo tempo que limita é limitada, assim, a
preservação da propriedade é limitada pelo uso social desta, por sua vez, a
capacidade contributiva é limitada pela extrafiscalidade, e assim por diante.

Ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Colegas de mesa, o tema que nos foi oferecido diz respeito aos “Princípios
Constitucionais de Proteção aos Contribuintes”. Seria desnecessário vincar,
neste momento, a importância dos princípios jurídicos na trama da
realização do Direito. O prof. Geraldo Ataliba não tem se cansado de dizer,
na sua incansável tarefa de espargir sabedoria a respeito da aplicação do
Direito Tributário, que ferir um princípio é muito mais grave do que lecionar
uma norma em particular, porque o ferimento ao princípio vulnera a própria
ordem jurídica e ataca os fundamentos dessa mesma ordem jurídica. Daí
que os princípios jurídicos são fundantes, são estruturais, eles comandam e
imantam a Ordem Jurídica, as normas se agrupam e se submetem aos
princípios. Portanto, o respeito ao princípio, o conhecimento de sua
mecânica assume relevo ímpar nesta trama da realização do Direito a que
me referi há pouco...”.127

Na visão de Geraldo Ataliba citando o Professor Agustín Gordillho:

princípio é uma norma, mas, muito mais do que uma norma, é uma pedra
angular do sistema porque, embora contendo uma norma, ele é também a
fonte que serve para suportar outras normas. Muito mais do que um
comando, o princípio é uma diretriz, é um norte do sistema. O princípio,
além de estabelecer e prescrever comportamentos dá sentido, direção a um
grupo de normas jurídicas. [...] Princípio - foi dito - é mais do que norma, é

126
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 71.
127
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Princípios constitucionais tributários, conferência e debates.
Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 48, p. 65-71, mar. 1989. p. 65.
92

diretriz de um sistema. O princípio, além de encerrar um comando,


estabelece o sentido de um sistema.128

Pois bem, esta norma constitucional que irriga a relação jurídico-tributária


com os valores do Estado Democrático de Direito cerca os eventuais abusos que
possam ser cometidos.129

Novamente as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O Brasil, ao contrário, inundou a Constituição com princípios e regras


atinentes ao Direito Tributário. Somos, indubitavelmente, o país cuja
Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Este
cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões:
Primus - os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na
Constituição de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas
parciais da União, dos Estados e dos Municípios;
Secundus - o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo,
merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o
texto fundante da ordem jurídico-tributária;
Tertius - as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em
vista as diversidades constitucionais.130

Uma característica marcante dos princípios é que eles não estabelecem um


comportamento específico, mas uma meta, um padrão, uma diretriz. Os princípios
estabelecem os padrões pelos quais as leis devem ser interpretadas.

Destarte, os princípios são dotados de grau de normatividade suficiente para


que os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) guardem obediência a eles, mas
graças ao seu grau de abstração conseguem também servir de diretriz para a
formação e entendimento lógico-jurídico do Sistema Constitucional, tendo, ainda,
como um terceiro papel, deixar o Sistema aberto para que o Texto Constitucional
acompanhe de forma celere a transformação social e econômica do mundo

128
ATALIBA, Geraldo. Princípios constitucionais tributários, p. 12-13.
129
A Professora Misabel Abreu Machado Derzi, nas anotações à obra de BALEEIRO, Aliomar.
Limitações constitucionais ao poder de tributar, 1999, arrola mais de 36 princípios, incluindo as
imunidades ditas como “[...] meras especializações ou explicações dos direitos e garantias
individuais”, lembrando que nem mesmo o art. 5º do Texto Constitucional que arrola os princípios
é taxativo: “Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
130
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 45.
93

moderno. ou nas palavras da Professora Misabel Abreu Machado Derzi “[...] para
captar as fluidas transições da vida [...]”131.

Nesse sentido, importantes as lições de José Joaquim Gomes Canotilho:

O sistema jurídico do Estado de Direito democrático português é um sistema


normativo aberto de regras e princípios. Este ponto de partida carece de
descodificação (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de
normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica
(Caliess), traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das
normas constitucionais para captarem a mudança de realidade e estarem
abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um
sistema normativo, porque a estrutura das expectativas referentes à valores,
programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema
de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se
sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.132

Portanto, um sistema somente de princípios seria facilmente transgredido


pela fluidez destes, mas também um sistema somente de regras ficaria defasado
com um único dia de vigência.

Novamente, as lições de José Joaquim Gomes Canotilho:

A existência de regras e princípios, tal como se acaba de expor, permite a


decodificação, em termos de um constitucionalismo adequado, da estrutura
sistêmica, isto é, possibilita a compreensão da constituição como sistema
aberto de regras e princípios.
Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-
ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma
disciplina legislativa exaustiva e completa - legalismo - do mundo e da vida,
fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras
jurídicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria
qualquer espaço livre para a complementação e o desenvolvimento, de um
sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto.
Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução
dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e
interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma
organização política monidimensional (Zagrebelsky).133

Neste mesmo sentido, Humberto Ávila afirma que um

sistema só de princípios seria demasiadamente flexível, pela ausência de


guias claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação,
conhecimento, custos e controle de poder. E um sistema só de regras,

131
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 152.
132
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1.159.
133
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 174.
94

aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de


válvulas de abertura para amoldamento das soluções às particularidades
dos casos concretos.134

Portanto, através dos princípios postos no texto constitucional é que se pode


enfrentar a complexidade da sociedade moderna, pois ela faz com que se possa
adaptar o Sistema às conjecturas sociais.

A Igualdade, por exemplo, é um princípio ímpar para demonstrar tal questão,


pois ele evoluiu conforme a evolução da sociedade. Se antes, décadas atrás, as
mulheres não estavam inseridas no campo das igualdades, hoje visto com lentes da
atualidade não mais discute a sua inserção no mesmo plano de igualdade dos
homens, já que trata-sede questão já superada.

Ainda nos ensinamentos de Humberto Ávila, não se pode dizer que os princípios
são mais importantes que as regras ou vice-versa, mas que ambos os institutos são
complementares. O autor ainda menciona uma terceira categoria, os postulados, que
seriam princípios que auxiliam na aplicação, na dosagem e no processo de arbitragem
ou sopesamento quando dois ou mais princípios entram em conflito.

Misabel Abreu Machado Derzi dá a exata noção do sistema constitucional


atual e de sua função:

Hoje, o constitucionalismo vê a Constituição como um sistema de normas


que aspira a uma unidade de sentido e de compreensão, unidade essa que
somente pode ser dada por meio de princípios, continuamente revistos,
recompreendidos e reexpressos pelos intérpretes e aplicadores do Texto
Magno. Ou seja, a análise estruturadora sistêmica é, necessariamente,
aberta, visto que, não raramente, normas e princípios estão em tensão e
aparentam conflito. Chamamos tais conflitos e tensões de ‘aparentes’,
porque a compreensão profunda da Constituição é sempre buscada,
sempre descoberta, sempre contínua.
[...]
Portanto, a própria noção de interpretação sempre norteada pela vontade
objetivada do Constituinte (jamais a subjetiva), e compreendida dentro de
um sistema normativo em que os princípios e os fins norteiam o sentido -
como já reconheceu publicamente o Tribunal Constitucional da Alemanha -
leva ao concretismo, a uma força normativa da Constituição (erradicadas as
normas simplesmente programáticas) e a um sopesamento contínuo de
princípios e valores, ou balanceamento de que nos fala DWORKIN. Entre
nós dá notícia da tensão entre princípios e valores e do seu necessário
sopesamento, sem radicalismos do tudo ou nada, Eros R. Grau
Os princípios gerais são manifestações de valores fundantes gerais, que se

134
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed.
São Paulo: Malheiros, 2009. p. 120-121.
95

concretizam em direitos humanos, em acepção ampla, ou seja, em direitos


individuais, direitos da liberdade ou direitos fundamentais, inclusive sociais e
liberdades públicas, tão extensos que, neles certamente se incluem as
garantias institucionais e processuais da liberdade e ainda a tutela
jurisdicional dos direitos e a autotutela da legalidade da administração.135

Devem ser transcritos também os ensinamentos de Ricardo Lobo Torres:

Os princípios do direito financeiro são enunciados genéricos que informam a


criação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas financeiras. No
dizer de Miguel Reale (op. cit., p. 300): ‘Princípios gerais de direito são
enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico, quer para a aplicação e
interpretação, quer para a elaboração de novas normas.136

Ricardo Lobo Torres ainda retrata interessante classificação dos princípios:

Os princípios gerais de direito financeiro podem ser classificados de


diferentes maneiras. Há princípios de criação (ex. legalidade, anterioridade,
irretroatividade, capacidade contributiva) e de interpretação e
complementação do direito (unidade, interpretação conforme a Constituição,
proibição de analogia, etc.) Alguns são princípios tributários (anterioridade,
capacidade contributiva) e outros, orçamentários (não-afetação,
universalidade, etc.) Preferimos classifica-los conforme estejam vinculados
a uma das idéias básicas do direito - justiça (e equidade) e segurança
jurídica - ou à própria legitimidade da ordem financeira.137

Nota-se que o mencionado autor classifica os princípios dividindo-os pelos


valores138 que regem a ordem jurídica nacional (divisão dos princípios entre Justiça,
Equidade, Segurança Jurídica, Legitimidade).

Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores


jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica começam a
adquirir concretude normativa e ganham expressão escrita.139

135
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 10.
136
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 77.
137
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 78.
138
Para tanto o autor classifica os valores jurídicos como “[...] idéias inteiramente abstratas,
supraconstitucionais, que informam todo o ordenamento jurídico e que jamais se traduzem em
linguagem normativa. A justiça e a segurança ou paz jurídica são as idéias básicas do Direito. De
nada adiantaria a Constituição proclamar que a República Federativa do Brasil é justa e segura,
posto que tais valores só se concretizam pelos princípios, subprincípios e normas que se afirmam
na prática constitucional” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79).
139
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79.
96

Portanto, os princípios, ao lado das garantias aos direitos individuais e


sociais, devem ditar a interpretação da norma, pois eles que dão o valor à técnica. E
assim deverá ser quando se tratar também de uma norma sancionante.

Valiosas são as contribuições do Professor Menelick de Carvalho Netto:

Sabemos agora que a obra genérica de abstrata do legislador jamais o fará


defrontar-se com as situações concretas únicas em sua singularidade, por
definição. É somente mediante a visualização do embate das normas gerais
e abstratas, concorrendo entre si em toda a amplitude normativa do
ordenamento para regerem situações, que poderemos encontrar a norma
adequada àquela situação específica. A imparcialidade do aplicar cobra
agora o sentido oposto de que este esteja aberto e sensível às pretensões
jurídicas levantadas por todos e cada um dos envolvidos, buscando, no
ordenamento, a norma capaz de reger aquele dada situação, de modo a
não produzir resíduos de injustiça. A tessitura aberta do Direito não é mais
um problema, mas um ponto de partida.140

É pela interpretação constitucional e pela fluidez dos princípios, que se pode


adaptar as regras à vida moderna. Entretanto, parece que dois males assolaram a
interpretação do sistema tributário: a) a ausência da primazia dos princípios na frente
das questões tributárias que, infelizmente, constata-se hoje na jurisprudência pátria
e talvez aí se encontre a razão pela abundância dos princípios, mas a sua pouca
efetividade; b) a doutrina e a jurisprudência classificaram como princípios aqueles
enunciados que são princípios-regra, ou seja, ainda que sejam diretrizes do sistema,
possuem alto grau de concretude o que impede maiores ilações (entre outros:
legalidade, irretroatividade, anterioridade, prazo nonagesimal, etc.).

Quanto à primeira crítica, o sistema atual é lido de baixo para cima, ou seja,
primeiro interessa o que a autoridade fazendária pensa sobre o assunto, depois o
que consta na instrução normativa e, se ela contraria o Texto Constitucional, que se
altere, então, a CF/88. O excesso de emendas constitucionais demonstra o que aqui
se expõe.

Entende-se que a visão do sistema tributário deve ser aquela já anunciada


pelo Professor Eduardo Maneira

140
CARVALHO NETTO, Menelick de. A contribuição do direito administrativo enfocado da ótica do
administrado: para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das
Leis no Brasil. Um pequeno exercício de Teoria da Constituição. Fórum Administrativo, Belo
Horizonte, v. 1, n. 1, p. 11-20, mar. 2001, apud LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao
custeio da seguridade social: a busca do equilíbrio de suas fontes, p. 13-14.
97

a compreensão do todo é fruto de uma dinâmica cujo movimento não se dá


somente de cima para baixo, mas nos dois sentidos, em que uma norma
completa e dá significado a outra. Por isso que o melhor modo de
compreender princípios e regras é diferenciando-os por graus de
concretude, cuja intensidade também poderá variar de acordo com o caso
concreto.141

A doutrina tradicional sempre fez uma diferenciação gradual, colocando os


princípios num alto grau de abstração (número indeterminado de situações) e
generalidade (número indeterminado de pessoas), enquanto que as regras não
detém nenhum grau de abstração, pois dirigidos a um determinado número de
pessoas e a um determinado número de situações.

Por outro lado, Humberto Ávila assim divide a questão: a) os princípios


seriam distintos das regras em função da natureza da descrição que elas contém
(“as regras descrevem comportamentos ou poderes para atingir fins; princípios
descrevem fins cuja realização depende de efeitos decorrentes da adoção de
comportamentos”); da natureza que os legitima as regras exigem um exame de
correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato, sempre com a
verificação da manutenção ou realização das finalidades sub e sobrejacentes; os
princípios exigem uma compatibilidade entre os efeitos da conduta e a realização
gradual do fim e da forma como atingem a pretensão da lei (“as regras têm a
pretensão terminativa, e os princípios têm pretensão complementar”142). b) há ainda
uma terceira categoria de normas, que não se confundiriam com os princípios e
regras, seriam os postulados normativos aplicativos, sendo normas de segundo grau
que auxiliam na aplicação das demais normas. Nesta categoria estão a
razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, no exame da razoabilidade é preciso verificar, por detrás da norma,


se há equivalência entre a dimensão da intervenção ou exação que se pretende
aplicar e a finalidade daquela norma (enfim, se o resultado - exação ou punição - se
equivale na mesma força do que se pretendia quando da instituição da regra ou
princípio).

Na proporcionalidade investiga-se se o princípio homenageado não traduz

141
MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 30.
142
ÁVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. In: BARRETO, Aires Fernandino et
al. Segurança jurídica na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005. p. 259.
98

em restrição excessiva aos demais princípios que não estão sendo aplicados ou que
estão sendo restringidos no fato concreto.

A distinção do Professor Humberto Ávila ao promover os princípios da


razoabilidade e Proporcionalidade a postulados normativos, e dá em razão de que
para ele tais normas são colocadas num plano distinto, com a função de estabelecer
critérios para aplicação dos princípios e das regras. Ademais os postulados não
ditam condutas obrigatórias, mas sim, parâmetros para realização da finalidade das
normas.

Aos princípios cabe o instrumento de aplicação das regras ao caso concreto


e aos postulados normativos a função de ditar os parâmetros para que princípios e
regras consigam conviver num ambiente de Segurança Jurídica e Justiça.

É com base em tais premissas que passa-se ao estudo dos princípios


aplicáveis especificamente às sanções fiscais.
99

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DAS


SANCÕES FISCAIS E SUA CORRELAÇÃO COM O CÓDIGO
TRIBUTÁRIO NACIONAL

6.1 Os princípios aplicáveis às sanções tributárias

Não tem a pretensão este capítulo esgotar o estudo de todos os princípios


aplicáveis às sanções tributárias, até porque caberia passar princípio a princípio para
verificação do seu alcance e em que medida poderia ele ser aplicável.

A exemplo disso tem-se os princípios do devido processo legal, ampla


defesa e contraditório que, por óbvio, sendo a sanção tributária um limitador ao
direito de propriedade, pois invade a esfera do contribuinte para dele tomar parte do
seu patrimônio, ao ser aplicada, deverá ser respeitado o devido processo legal,
dando ao contribuinte o mais amplo direito de defesa.

Cabe dizer, ainda, que diversos autores buscam trazer ao Direito Tributário,
no que tange as sanções fiscais, princípios aplicáveis ao Direito Penal. A iniciativa é
válida, mas não conta a priori com a adesão do presente estudo, isto porque, o
próprio CTN (art. 108) admite o uso dos princípios gerais de direito público, na
aplicação das sanções. Contudo, é o mesmo artigo que determina a aplicação
primeira dos princípios gerais de Direito Tributário e estes, ao sentir deste trabalho,
basta pata solucionar a questão da dosimetria das sanções fiscais.

Claramente o Texto Constitucional oferece princípios que podem limitar de


forma quantitativa e qualitativa as sanções tributárias, o que se mostra de suma
importância para os dias atuais, posto que no Ordenamento Jurídico vigente
encontram-se sanções - decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias
ou principais - que ultrapassam o valor do próprio tributo.

Como visto no capítulo anterior, o ilícito tributário nada mais é do que a


sanção pela infringencia da norma tributária, tendo como funções a punição, a
educação e o ressarcimento ao Erário Público do prejuízo sofrido. Verificou-se
100

também que o ilícito tributário (ou a conduta condenável no âmbito da norma


tributária) pode caracterizar, pela gravidade da conduta praticada e demais
pressupostos, um ilícito penal, contudo, são ilícitos de natureza diversa, que não
podem se confundir.

A norma sancionante penal tem sua aplicação própria no âmbito do Direito


Penal, assim como a norma sancionante tributária, aplica-se no âmbito do Direito
Tributário.

Autores de respeito143 chegam a classificar o ilícito fiscal ou tributário como


gênero e o penal-tributário como uma espécie de tal gênero, atraindo, ainda, para o
campo da concretização da norma sancionante tributária uma série de princípios que
são afetos ao Direito Penal:

Sendo a norma sancionadora tributária, seu antecedente é usualmente


designado por ilícito e o fato concreto nele enquadrável, por infração. Seu
conseqüente consiste em uma sanção, usual e mais apropriadamente
pecuniária. Tratando-se de norma de natureza penal, seu antecedente é
intitulado tipo e o fato nele encaixilhado contravenção, delito ou crime. Seu
conseqüente é identificado como pena, que subdivide-se em três espécies:
privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa.144

Certamente não há como conviver com o inverso, ou seja, se uma conduta é


autorizada pelo Direito Tributário, jamais poderá ela ser apenada no Direito Penal,
porque é no Tributário que nasce o suposto ilícito que, em casos específicos, será
objeto de reprimenda na esfera penal.

Por isso, insiste-se na crítica ao atual Direito Penal-Tributário,que permite


ação penal prosseguir mesmo quando a discussão sobre o crédito tributário ainda
está em curso. Pode-se chegar ao absurdo, na atualidade, de ter uma decisão
favorável ao contribuinte na esfera tributária, julgando o crédito tributário
insubsistente e uma sentença condenatória na esfera penal. A solução aventada
para tais casos seria simples: sempre que houver uma discussão quanto a
existência ou não do ilícito tributário na esfera que lhe é própria, será suspensa a
ação penal. A jurisprudência dos tribunais superiores vem caminhando nesse
sentido de forma lenta e a passos curtos.

143
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 144.
144
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 144.
101

Voltando ao que aqui se pretende abordar, nas sanções tributárias


propriamente ditas (fora do domínio do Direito Penal) não há necessidade a priori de
aplicar os princípios sancionantes do Direito Penal, pois - como se verá - os
princípios constantes do Texto Constitucional já bastam para que se tenha no
Ordenamento Jurídico vigente uma teoria geral sobre as sanções fiscais capaz de
conter o abuso atualmente verificado.

Cabe, assim, uma descrição dos princípios constitucionais, previstos no


sistema tributário, aplicáveis às sanções fiscais, sendo necessário, por primeiro, o
estudo da legalidade.

6.2 O princípio da legalidade

Ponto de fundamental importância para qualquer norma que regula o


Sistema Tributário é o primado da legalidade145, ou seja, toda e qualquer criação,
redução, extinção ou modificação de qualquer elemento da obrigação tributária deve
ser precedida de previsão em lei.

Dúvidas não existem que a legalidade sofreu duras criticas ao longo dos
últimos anos. Uma corrente crítica nomeia os legalistas de dinossauros, ao
argumento de que a legalidade atrofia a evolução do direito, impede a evolução dos
conceitos, cria desigualdade e favores na medida em que - potencialmente - pode
deixar de fora da relação obrigacional situações existentes, mas não previstas ou
situações que ainda surgirão decorrentes da velocidade cada vez mais instantânea
do mundo moderno.

Não há como concordar com tal corrente, posto que a instabilidade sem o
princípio da legalidade tornaria ainda mais sem controles o poder outorgado e, neste
caso, sem as devidas amarras. É certo que a sociedade é muito mais complexa e
esta complexidade, muitas vezes, não se resolve pela simples construção de uma
norma abstrata, mas não se pode atribuir ao princípio da legalidade - pelo menos no

145
Neste sentido ver: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 1999;
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 2008; CARRAZZA, Roque
Antônio. Curso de direito constitucional tributário, 2000.
102

Direito Tributário - o momento de crise que vive o Direito, não somente no Brasil,
mas em vários países do primeiro mundo.

Não há nos dias atuais, outra metodologia ou técnica que permita (aliás, o
princípio da legalidade é de tamanha dimensão no Texto Constitucional que deve
ser visto como um princípio-regra) dar segurança às regras a serem impostas, em
especial, nas sanções ficais.

No Direito Tributário a crise se dá muito mais pela confusa lei tributária do


que pela presença do instrumento legal. Poderia até se dizer que o Direito Tributário
ainda não concretizou de forma plena o princípio da legalidade, pois um dos maiores
motivos da litigiosidade tem sido a batalha da lei contra as regras de competência,
ou seja, na interpretação da norma o que mais se tem visto são os litígios em torno
do preenchimento dos conceitos constitucionais (renda, faturamento, receita,
operação de circulação de mercadoria, prestação de serviços, operações
financeiras, salário, propriedade, etc.).

É certo que se os conceitos postos em lei fossem preenchidos de maneira mais


estável não se viveria no mundo atual a crise da legalidade pela que está se passando.

Voltando à conceituação da legalidade, conforme nos ensina o Professor


Eduardo Maneira, o princípio da legalidade “confere concretude e densificação”146
aos princípios (estruturantes) da República e do Estado de Direito.

No mesmo sentido, Alberto Xavier defende que o princípio da reserva


absoluta de lei formal não é

mera emanação de uma idéia de autotributação, de livre consentimento dos


impostos, antes passa a ser encarado por outra perspectiva, segundo a qual
a lei formal [...] é o único instrumento válido, no Estado de Direito, de
revelação e garantia da justiça tributária.147

146
Cf. MANEIRA, Eduardo. Direito tributário: o princípio da não-surpresa. Belo Horizonte, Del Rey,
1994. p. 18.
147
XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1978. p. 11. A atividade tributária, por se tratar de uma intervenção no direito de
propriedade dos particulares, deve fundar-se num ato normativo originário do órgão com
competência legislativa normal e revestido da forma externa e legalmente prescrita (lex escripta e
stricta), isto é, lei não só escrita, mas estrita, que discipline os atos do Executivo na cobrança do
tributo de forma completa. Em outras palavras, “a lei deve conter em si mesma todos os elementos
da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela
decisão sejam por ela diretamente fornecidos [...], limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o
fato na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal” (XAVIER, Alberto. Os
princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, p. 36-38).
103

Pelo princípio da legalidade é que se tem a criação jurídica de um Estado de


Direito148 (em que pese ser o embrião da criação jurídica a lei, mas depois de seu
nascimento outros fatores agregam ao texto para se formar a norma e esta que gera
a proposição jurídica).

Portanto, à luz dos dispositivos constitucionais e legais (o CTN como norma


geral dá o tom correto deste princípio) o princípio a legalidade da amolda Sistema
Tributário (art. 5o, II e 150, I da CF/88). “A concepção de Estado de Direito liga-se à
de democracia e de contenção do arbítrio. A segurança jurídica fica, então,
hipertrofiada e a lei parece o caminho mais idôneo para alcançá-la”149.

Nesse compasso, pode-se afirmar que uma das formas de legitimar a


tributação é pelo princípio da legalidade.

Eis as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A legalidade da tributação, dizia Pontes de Miranda, significa o povo se


tributando a si próprio. Traduz-se como o povo autorizando a tributação
através dos seus representantes eleitos para fazer leis, ficando o príncipe, o
chefe do Poder Executivo - que cobra os tributos - a depender do
Parlamento.
O princípio vige e vale em todo o território nacional subordinando os
legisladores das três ordens da Federação. Nenhum tributo (gênero), tirante
as exceções expressas, pode ser instituído (criado) ou alterado (majorado
ou minorado após criado) sem lei.150

Como visto, o Direito Tributário está diretamente vinculado a atuação estatal de


instituir uma obrigação que, sem o consentimento do particular, invade sua esfera
patrimonial para dela tirar uma parcela que irá sustentar as funções estatais. É a
proteção da propriedade - Direito Fundamental - posto em pé de igualdade com o direito
à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança na Carta Política (art. 5º, caput).

Não é outro o entendimento de Bernardo Ribeiro de Moraes, que assim se


posiciona:

148
“Com efeito, não cabe ao Príncipe criar o tributo, impô-lo e, ainda, decidir sobre a legalidade de
seu ato. Aqui, mais do que em qualquer outro setor da vida coletiva, impõe-se a estrutura de freios
e contrapesos implícita no sistema da divisão dos Poderes e funções do Estado, em favor de uma
eficaz proteção ao cidadão/contribuinte” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito
tributário brasileiro, p. 44).
149
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 14 de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 72.
150
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 202.
104

[...] o princípio da legalidade tributária defende o patrimônio privado do


cidadão, constituindo, em regra, um direito e garantia individual mantido pela
Constituição. O princípio defende o patrimônio privado contra prováveis atos
da administração. Sendo, o tributo, uma restrição do direito de propriedade,
deve ele ser consentido por aqueles que têm de suportá-la ou pelo seus
representante. Somente o cidadão, através de seus representantes políticos, é
que pode fixar limites à sua liberdade, estabelecendo prestações compulsórias
de conteúdo patrimonial (tributos).151

Sacha Calmon Navarro Coêlho pontua sobre a questão:

Vamos deixar no olvido os Estados pretéritos, os Estados Totalitários.


Vamos surpreender o Estado Constitucional contemporâneo, o Estado de
Direito, o Estado Democrático.
O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O
Estado, ente constitucional, é produto da Assembléia Constituinte,
expressão básica e fundamental da vontade coletiva. A Constituição,
estatuto fundante, cria juridicamente o Estado, determina-lhe a estrutura
básica, institui poderes, fixa competências, discrimina e estatui os direitos e
as garantias das pessoas, protegendo a sociedade civil.
O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte.
A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do
estado, tanto para auferir receitas necessárias à realização de seus fins,
sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento
extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas,
porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da
segurança dos cidadãos.
Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado,
beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e contenção são
essenciais à sociedade civil ou noutras palavras, à comunidade dos
contribuintes.152

Assegura-se a realização da justiça, no Estado de Direito, de modo a se


evitar o arbítrio, elevando-se ao ponto mais alto a segurança jurídica.

A doutrina153 segue no mesmo sentido, sendo que tal entendimento também

151
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1995. v. 2, p. 94.
152
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 39.
153
Importante as lições de Carrazza:
“Concordamos, pois, com Pietro Virga, quando leciona que a tributação encontra três limites, a saber:
I - a reserva de lei: O tributo só pode ser cobrado por meio de lei. É o princípio fundamental que
nenhuma exação pode ser exigida sem a autorização do Poder Legislativo (no taxation without
representation);
II - a disciplina da lei: não basta que uma lei preveja a existência de um tributo, mas, pelo
contrário, deve determinar seus elementos fundamentais, vinculando a atuação da Fazenda
Pública e circunscrevendo, ao máximo, o âmbito de discricionariedade do agente administrativo;
III - os direitos que a Constituição garante: a tributação, ainda que se perfaça com supedâneo na
lei, não pode contrastar com os direitos constitucionalmente assegurados” (CARRAZZA, Roque
Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 165-166).
105

se encontra previsto no Texto Constitucional e no Código Tributário Nacional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
[...]
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é


vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:


I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos
artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado
o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o
disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias
a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários,
ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de
cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II
deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
(Grifo nosso).

Vê-se, portanto, que o princípio da legalidade não guarda relação e


justificativa somente com o valor segurança jurídica, mas pressupõe também
obediência a Justiça (porque legitima o tributo e atinge a todos que estão em
situação idêntica) e a Democracia (participação efetiva da Sociedade), o que torna
ainda mais odiosa a prática reiterada do Poder Executivo pautar o Congresso
Nacional com as medidas provisórias (a crise é política ou da legalidade?).

O Professor Eduardo Maneira mais uma vez nos ensina:

Os fundamentos teleológicos do princípio da legalidade sempre estiveram


ligados à idéia de segurança jurídica. ‘O Direito é o domínio da ‘máxima
segurança’ e do ‘mínimo arbítrio’’. Garantir segurança jurídica à coletividade
106

é papel fundamental do Estado e é o que permite adjetivá-lo de Estado de


Direito. O primeiro passo em direção à segurança jurídica deve ser sempre
dado pelo Estado de Direito ao submeter ou restringir o exercício do poder
ao Direito, bem como na lealdade com que deve agir o Estado-legislador e o
Estado-administrador para com os seus cidadãos.
Na relação jurídico-tributária, a segurança jurídica traduz-se precipuamente
na subsunção do fato à norma previamente posta por meio de lei, a fim de
que possa torná-lo em fato jurígeno de obrigação tributária. Mas não se
restringe a isto. A positivação da segurança jurídica em matéria tributária
mereceu grande atenção nas Constituições pátrias, sendo que na
Constituição de 1988 podemos identificá-la nos princípios da legalidade,
anterioridade e irretroatividade. No entanto, tais princípios não garantem por
si sós segurança jurídica. A simples existência de um ordenamento jurídico
não implica necessariamente segurança jurídica.154

Misabel Abreu Machado Derzi, sobre o tema, disserta:

Certeza (ou segurança), economicidade e capacidade contributiva, esses os


três princípios básicos do sistema tributário, expressados pelo economista
alemão VON JUSTI, e difundidos por ADAM SMITH, em seu clássico ‘An
Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations’ (London, 1776),
que têm inspirado códigos e constituições por mais de duzentos anos,
porque mesclam não só padrões mínimos de ética e de justiça, como de
técnica e de razoabilidade.
No entanto, exatamente sob a vigência da Constituição da República de
1988 que, em nosso País, introduziu um dos mais abrangentes leques de
direitos e garantias do contribuinte, elenco mais completo do que o de
outros ordenamentos, paradoxalmente, em especial no campo da
segurança jurídica, normas legislativas, jurisprudenciais ou administrativas
implementam realidade oposta, reduzindo e anulando (ou tentando anular) a
certeza e a previsibilidade, que são e deveriam ser princípio e conseqüência
necessária do sistema.155

O primado da legalidade não se restringe, portanto, ao aspecto formal, pelo


contrário, não basta a previsão da hipótese em lei como ato ilícito a ser punido. A
segurança jurídica exige que a lei esgote as possibilidades que cria a obrigação
tributária, trazendo do Direito Penal para o Direito Tributário a denominada
especificidade conceitual ensinada pela Professora Misabel Abreu Machado Derzi156
ou chamada de tipicidade pelo Professor Alberto Xavier.

James Marins pontua que a segurança jurídica do ponto de vista material se


expressa pela plena previsibilidade das regras da tributação e a observância formal

154
MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 42.
155
DERZI, Misabel Abreu Machado apud MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 42.
156
Esgotando a matéria: DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipo ou conceito no Direito Tributário?
Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 31, p. 213-260, 1988; DERZI,
Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo, 2007.
107

e material da reserva absoluta da lei, da estrita legalidade e da tipicidade e do ponto


de vista formal, se revela pelos procedimentos que antecedem ao lançamento e a
garantia do devido processo legal.157

Com efeito, de nada adiantaria ou jamais se atingiriam os objetivos do


princípio da legalidade (segurança, previsibilidade, democracia, justiça) se a lei
(nascimento e início da construção da norma jurídica) fizesse apenas uma breve
enunciação sobre as hipóteses deixando o restante com o Poder Executivo.

Da mesma forma, no caso das sanções fiscais, seria inócuo se na lei


constasse apenas que qualquer ausência de pagamento de tributo geraria a
aplicação de multa, se que o percentual da multa a ser paga, bem como as
hipóteses de sua exclusão, fossem determinadas pelo Poder Executivo.

O princípio da especificação conceitual - que costuma ser denominado,


impropriamente, de tipologia ou tipicidade - diz respeito ao princípio da
legalidade, materialmente considerado, como conteúdo imposto ao
legislador e indelegável. Que conteúdo?
Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I
da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do
Poder Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União,
Estados, Distrito Federal ou Município) que, em seu conteúdo, determine:
a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios
(material-pessoal, espacial, temporal);
b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-
tributária (sujeito passivo - contribuinte e responsável - alíquota, base de
cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de
pagamento);
c) as desonerações tributárias como isenções, reduções, abatimentos,
deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;
d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a
anistia;
e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;
f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;
g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário.158
(Grifo nosso).

Como se vê, conceito e tipo permitem generalizações como forma de


adequação da lei ao fato. A lei reúne os indivíduos em situações semelhantes,
flexibilizando a igualdade, para tornar viável a sua aplicação, uma vez que seria

157
MARINS, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002. p. 13-14.
158
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 117-118.
108

impossível atingir cada cidadão contribuinte em sua situação exclusiva e individual.

Neste sentido, valiosas são as palavras da Professora Misabel Abreu


Machado Derzi.

A praticabilidade é um princípio jurídico que não encontra formulação em


norma escrita, mas se acha difuso no ordenamento.
Praticabilidade é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis
com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis. Como
princípio geral de economicidade e exeqüibilidade inspira o Direito de forma
global. Toda lei nasce para ser aplicada e imposta, por isso não falta quem
erija a praticabilidade a imperativo constitucional implícito.
A praticabilidade afeta, em primeiro lugar, ao Poder Legislativo. A norma se
utiliza, já o notamos, de abstrações generalizantes, esquemas e conceitos.
Ela usa tipos e conceitos não só por razões de segurança, mas, em muitos
casos, para viabilizar a execução de seus comandos.
A tipificação e a conceituação abstrata estão, portanto, relacionadas com o
princípio da praticabilidade, o qual se manifesta pela necessidade de
utilização de técnicas simplificadoras da execução das normas jurídicas.
Todas essas técnicas, se vistas sob o ângulo da praticabilidade, têm como
objetivo:
- evitar a investigação exaustiva do caso isolado, com o que se reduzem os
custos na aplicação da lei;
- dispensar a colheita de provas difíceis ou mesmo impossíveis em cada
caso concreto ou aquelas que representam indevida ingerência na esfera
privada do cidadão e, com isso, assegurar a satisfação do mandamento
normativo.
As presunções, ficções legais e quantificações estabelecidas em lei, através
de tetos e somatórios numericamente definidos, a tributação na fonte, a
eleição de responsáveis e substitutos tributários, são meios a que recorre o
legislador, com vistas à praticabilidade.
[...]
Mas a praticabilidade também atinge o Poder Executivo, especialmente
aquelas normas que se destinam a possibilitar a execução em massa das
leis. No Direito Tributário, continuamente, o lançamento para cobrança de
tributos representa a aplicação da norma legal a milhares de casos. Os
regulamentos e demais atos da Administração, baixados para possibilitar a
execução das leis, guiam-se pelo princípio da praticabilidade e devem
buscar as soluções mais simples, cômodas e econômicas.159

Pois bem, a distinção entre tipo e conceito se dá na medida em que este


determina, seleciona, deixa de agrupar por características semelhantes e
renunciáveis para agrupar espécies por características idênticas, necessárias, sem
as quais não se estará naquela espécie. É rígido, fixo, seguro e não sujeito a

159
“Praticidade é o nome que designa a totalidade das condições que garantem uma execução
eficiente e econômica das leis (Cf. Isensse, op. cit, pp. 162-3)” (BALEEIRO, Aliomar. Limitações
constitucionais ao poder de tributar, p. 789-790).
109

abruptas mudanças (renda é renda. Não há como tributar algo que parece com
renda. Traçadas as características irrenunciáveis do conceito de renda, qualquer
outra coisa que for criada sem uma dessas características não poderá mais ser
considerada como tal e não há subsunção!).

Só um conceito geral e abstrato se deixa definir, pois, para isso, é


necessário fixa-lo através de determinadas características. Se o conceito A
possui as notas ‘a, b e c’, na investigação jurídica, somente se afirma o
conceito A, se o conceito do fato contiver as mesmas características ‘a, b e
c’. Diz-se, então, que há subsunção. Para o conceito de classe vale a
proposição lógica do terceiro excluído: cada X é A ou não-A’. Tertium no
datur. Não tem cabida aqui o mais ou menos, mas a relação de exclusão ‘ou
um [...] ou outro’. Porque ou o conceito do objeto corresponde integralmente
às características do conceito abstrato nele se subsumindo ou não.160

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi, novamente, demonstra com


clareza que: (i) no conceito as características de descrição se tornam irrenunciáveis;
fixas ou não graduáveis; (ii) a interpretação fica diante de hipóteses de exclusão “ou
[...] ou”; ou há subsunção ou não; (iii) os objetos descritos têm numeração exaustiva
e (iv) não há formas mistas, novas ou transitivas.

Ora, resta evidenciado que, à luz da Constituição, são prevalecentes os


princípios de segurança, certeza e previsibilidade no Direito Tributário,
assim como no Direito Penal. Por isso, instituir e regular tributo mediante lei
é criar norma, veiculada por meio de diploma legal próprio do Poder
Legislativo, com conteúdo que, no mínimo, disponha sobre todos os pontos
enumerados, expressa ou implicitamente, no art. 97 do CTN. Esses pontos
são as notas e qualificações determinantes, que necessariamente devem
especificar os conceitos descritivos e prescritivos contidos na norma
tributária. A lei tributária evita assim a utilização de conceitos fluidos e
transitivos, indeterminados ou abertos. Devem eles, tanto quanto possível,
primar pela precisão, definição e objetiva determinação.161

Alberto Xavier que, apesar de utilizar expressão tipo em sentido diverso ou


até mesmo impróprio, segue as mesmas trilhas já desvencilhadas pela Professora
Misabel Abreu Machado Derzi:

160
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 122.
161
DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipo ou conceito no Direito Tributário? Revista da Faculdade de
Direito da UFMG, p. 232. A respeito de eventuais formas em Direito Tributário que possuem
características de tipos, a Professora Misabel Abreu Machado Derzi descreve como resíduos
tipológicos e não consagração de tal modelo (exemplo: as exceções constitucionais aos princípios
da legalidade e anterioridade.
110

O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode


caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não
se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai
mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não
basta a lei; é necessário uma ‘lei qualificada’.
Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta de lei’,
o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como
um princípio da tipicidade da tributação.
[...]
O princípio da tipicidade ou da reserva absoluta de lei tem como corolários o
princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do
exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada.
O princípio da seleção significa que o legislador não pode descrever o
tributo pela utilização de conceito ou cláusula geral abrangendo todo o
quadro das situações tributáveis, ou seja, as reveladoras de capacidade
contributiva, da mesma forma que não é também possível a incriminação
com base num conceito ou cláusula geral de crime. Pelo contrário, os
tributos devem constar de uma tipologia, isto é, devem ser descritos em
tipos ou modelos, que exprimam uma seleção, pelo legislador, das
realidades que pretende tributar, dentro do quadro mais vasto das que
apresentam aptidão para tanto. [...]
O princípio do numerus clausus especifica um tanto mais o princípio da
seleção, pois, enquanto se limita a ordenar que o legislador elabore os
tributos através de uma tipologia, aquele esclarece que, de entre as três
formas possíveis de tipologia - a exemplificativa, a taxativa e a delimitativa -
a tipologia tributária é inegavelmente taxativa. Quer isto dizer que o fato
tributário é um fato típico o qual, para produzir os seus efeitos, necessário
se torna corresponda, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito
na lei: basta a não-verificação de um deles para que não haja, pela
ausência da tipicidade, lugar à tributação.
O princípio do exclusivismo exprime que a conformação das situações
jurídicas aos tipos legais tributários é não só absolutamente necessária
como também suficiente à tributação. [...]
O princípio da determinação ou da tipicidade fechada (o Grundsatz der
Bestimmtheit de que fala FRIEDRICH) exige que os elementos integrantes
do tipo sejam de tal modo precisos e determinados na sua formulação legal
que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos
de apreciação na sua aplicação concreta. Por outras palavras: exige a
utilização de conceitos determinados, entendendo-se por estes (e tendo em
vista a indeterminação imanente a todo o conceito) aqueles que não afetam
a segurança jurídica dos cidadãos, isto é, a sua capacidade de previsão
objetiva dos seus direitos e deveres tributários.162

Portanto, o princípio da legalidade deve ser cercado em seu sentido material


e formal, cumprindo o papel democrático quanto ao segundo (formal) e da
previsibilidade e segurança jurídica quanto ao aspecto material.

162
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética,
2001. p. 17-19, apud MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 48.
111

As sanções fiscais, como já alertado, tem origem e destino no Direito


Tributário, portanto, a elas o mesmo princípio e na mesma medida, ele deve ser
aplicado.

Significa dizer que não há qualquer possibilidade de aplicação de uma


sanção não prevista em lei. Deturpar tal princípio seria deturpar o próprio princípio
da legalidade para o tributo, pois se é a sanção - e quase sempre o é - que leva à
obediência da conduta, apenas uma sanção não constante da lei é reprimir um
comportamento que a lei não desejou fazê-lo.

Como dito anteriormente, como não é possível a tipificação caso a caso, a


praticidade é técnica que reúne grupos semelhantes num mesmo enunciado. Assim,
há fixação de uma multa de mora para quem atrasa o pagamento do tributo, não
importando o motivo que se deu tal atraso. Todos que se enquadrarem nessa
situação passam a dever o valor da multa.

O questionamento que fica e que será melhor desenvolvido nos tópicos


seguintes é se - em detrimento da legalidade - poderia o Poder Judiciário criar um
percentual de multa a cada caso concreto ou, se pode o Poder Judiciário reduzir o
valor da multa a patamares que entenda não confiscatórios, razoáveis e
proporcionais sem que, com isso, esteja criando uma nova regra, sem ferir a
legalidade e sem invadir a esfera do Poder Legislativo.

Quanto a rigidez da legalidade para as sanções, assim com para os tributos,


a jurisprudência não tergiversa. O entendimento tem sido no sentido de que mesmo
a multa não sendo um tributo deve seguir o mesmo tratamento, e via de
conseqüência, deve obedecer ao princípio consagrado na Constituição Federal.

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.


INOCORRÊNCIA. IMPORTAÇÃO. REIMPORTAÇÃO. ATIVIDADES
DISTINTAS. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora
sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão
posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a
um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos
utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
2. A importação e a reimportação de mercadorias são atividades distintas,
cabendo, portanto, à legislação tributária prever quais as hipóteses de
incidência de IPI para cada uma das mesmas respeitando-se suas
especificidades.
3. O princípio mor da legalidade exige tipicidade estrita em sede
tributária. Inocorrendo a hipótese de incidência, tal como prevista na
112

lei, inexigível é a exação, e por isso mesmo, qualquer punição


administrativa decorrente da obrigação tributária.
4. O E. STJ assentou no Resp n.º 614.849, da Relatoria do e.
Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 04.10.2004, verbis: “Por outro
tanto, a cobrança de multa advém da aplicação da legislação aplicável da
importação de mercadorias, hipótese distinta da reimportação, onde não se
exige a emissão de guias de importação, por se revestir de operação
singular de reimportação de bens nacionais (no caso fitas de videotape de
gravação de novelas produzidas pela Rede Globo, no território nacional).
Merece ressalvar o fato da exigência mencionada pela Fazenda somente
ser capaz de fazer sentido ao tempo em que outra era a sistemática do
imposto de importação, onde era previsto, como fato gerador da exação, a
importação de quaisquer mercadorias, inclusive as produzidas no Brasil,
desde que de procedência estrangeira.
No caso em exame não há qualquer previsão legal para a apresentação de
guia de importação, nas hipóteses de reimportação e, assim sendo, é
incabível a sua exigência com base na legislação atinente à importação,
porquanto configura ofensa ao princípio da legalidade” 5. O Supremo
Tribunal Federal, por seu turno, manifestou-se no RE 104.306-7/SP acerca
do tema em análise, em voto de relatoria do eminente Ministro Octavio
Gallotti, cuja conclusão se destaca: “Não se poderia, pois, sem ferir o artigo
21, I da Constituição Federal, entender a expressão “produto estrangeiro”,
como igualmente abrangendo as mercadorias nacionais retiradas
temporariamente do Brasil, para a exposição em feiras no Exterior, numa
prática habitual de incentivo à exportação.” 6. É insindicável pelo E. STJ
(Súmula 07) a premissa fática da configuração da violação da lei, firmada
pelo tribunal local. In casu, restou inequívoca do aresto recorrido, a
conclusão de que: “Importa ressaltar que, conforme reconhece a própria
Fazenda Nacional, a situação fática não configura hipótese de incidência de
tributo a reimportação de fitas de vídeo exportadas para fins de dublagem
pelo regime de exportação temporária, nos termos dos artigos 369, do
Regulamento Aduaneiro, e 92, do Decreto-lei 37/66, respectivamente.
Ademais, a multa é imposta em razão da equivocada infração administrativa
ao controle das importações, que consiste na ausência ou não da
apresentação de guia de importação, para o desembaraço aduaneiro.
[...] Por outro tanto, a cobrança da multa advém da aplicação da legislação
aplicável à importação de mercadorias, hipótese distinta da reimportação,
onde não se exige a emissão de guias de importação, por se revestir de
operação singular de reimportação de bens nacionais (no caso fitas de
videotape de gravação de novelas produzidas pela Rede Globo, no território
nacional).
Merece ressalvar o fato de exigência mencionada pela Fazenda somente
ser capaz de fazer sentido ao tempo em que outra era a sistemática do
imposto de importação, onde era previsto como fato gerador da exação a
importação de quaisquer mercadorias, inclusive as produzidas no Brasil,
desde que de procedência estrangeira.
No caso em exame não há qualquer previsão legal para a apresentação
de guia de importação, nas hipóteses de reimportação e, assim sendo,
é incabível a sua exigência com base na legislação atinente à
importação, porquanto configura ofensa ao princípio da legalidade.” 7.
Forçoso concluir, à semelhança do julgado atacado que in casu, o que
houve foi a reimportação de mercadorias, sob o regime de exportação
temporária, não incidindo a obrigação de apresentação de guia de
importação na hipótese, prevista nos artigos 432 c/c 526, II do Regulamento
Aduaneiro, por se tratar de fato distinto do previsto na lei, restando vedada
qualquer interpretação extensiva por força do artigo 111 do CTN.
113

8. Recurso especial improvido.163 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENALIDADE. PRINCÍPIO DA


LEGALIDADE.
1. Inviável, por via de Instrução Normativa, ampliar o conteúdo de objetivo
punitivo tributário.
2. Qualquer multa por descumprimento de obrigação acessória
depende de ter previsão legal.
3. As penalidades previstas nos artigos 3º, II, e 4º do INSRF 304,
extrapolam dispositivos legais (art. 57, II, da MP n. 2.158-35/2001,
combinado com o art. 16 da lei n. 9.779/1999 e com o art. 97, V, do
CTN).
4. A INSRF 304, de 21.02.2003, que instituiu a Declaração de Informações
sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), não pode, em desacordo com a lei,
instituir hipótese de crime.
5. Afastamento da aplicação do art. 3º, II e art. 4º da IN n. 304/03.
Ilegalidade.
6. Recurso especial não-provido.164 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ATRASO NO


PAGAMENTO. MULTA.
1. Aplica-se, no caso de multa pelo não recolhimento de contribuições
previdenciárias, no período de agosto a novembro de 1991, o inciso IV, do
art. 4º, da Lei 8.620/93.
2. Pretensão sem apoio legal da autarquia de ser adotada a regra do art. 3º,
da mesma lei.
3. A interpretação dos dispositivos que determinam punição aos
contribuintes que não efetuam recolhimentos de contribuições
previdenciárias (espécie tributária) deve seguir posicionamento mais
favorável ao infrator.
4. O princípio da legalidade tributária não permite agravar aplicação de
multa por via interpretativa.
5. Recurso especial improvido.165

Quanto a questão posta acima, acerca da possibilidade de redução ou

163
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 662.882/RJ. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 06/12/2005.
DJ, Brasília, 13 fev. 2006. p. 672. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det
alhe.asp?numreg=200400729225&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
164
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.035.244/PR. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j.
20/05/2008. DJe, Brasília, 23 jun. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=200800448001&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
165
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 281.345/RS. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j.
12/06/2001. DJ, Brasília, 10 ago. 2001. p. 276. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces
so/Justica/detalhe.asp?numreg=200001022113&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio
2010.
114

perdão da multa em detrimento do princípio da legalidade, há julgados no seguintes


sentido:

TRIBUTÁRIO. MULTA. JUROS.


Multa e juros devidos, na relação tributária em exame, por: a) a recorrida,
por ter efetuado lançamento a maior e ilegal em as escrita fiscal,
beneficiando-se de indevida correção monetária do saldo credor do ICMS,
no período de 1994 a 199, não está isenta de arcar com a multa legal e a
totalidade dos juros devidos; b) o fato de ter agido sob o amparo de medida
liminar judicial, posteriormente cassada, não afasta a sua responsabilidade
pelas obrigações acessórias acima identificadas; c) o fisco, mesmo no
período da vigência da liminar, não estava impedido de lavrar autuação; só
não podia exigir tributo; d) ser impossível, por interpretação analógica, o
afastamento de multa prevista em lei; e) ao ser mantido, pelo acórdão
recorrido, a cobrança da obrigação principal, conseqüentemente, a ela se
incorporam os juros e multa previstas em lei; f) a indevida escrituração e
apropriação de créditos na escrita fiscal está plenamente reconhecida,
inexistindo norma legal que beneficie a recorrida para isentá-la da multa e
dos juros. Obediência ao princípio da legalidade. Impossibilidade de,
por interpretação analógica, isentar-se o contribuinte de multas e
juros. Ilicitude reconhecida e determinação do pagamento da obrigação
tributária (lançamento do crédito a maior do ICMS feito indevidamente) pelo
acórdão recorrido. Não há amparo legal para a exclusão da multa e dos
juros. Recurso provido.166 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA. MULTA APLICADA.


JUROS. TRIBUTO PAGO COM ATRASO.
1. Inexiste consumação de prazo prescricional quando o Fisco instaura auto
de infração para apurar omissão de contribuinte em pagar multa e juros de
mora do recolhimento, com atraso, de Imposto de Renda Retido na Fonte
por via do DCTF, em data de 05.03.1997 e a ação fiscal foi iniciada em
29.10.2001.
2. Multa fixada de acordo com o art. 44 da Lei n. 9.430, de 1996.
Incidência sobre a totalidade do tributo recolhido com atraso.
Obediência ao princípio da legalidade.
3. Recurso especial não-provido.167 (Grifo nosso).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. ATRASO NA ENTREGA DA


DCTF.
1. É lícito ao relator do recurso, na forma do art. 557 do CPC, negar
seguimento ao recurso especial, ainda que no bojo do agravo instruído.
2. A entrega intempestiva da DCTF implica em multa legalmente prevista,
por isso que o Decreto-lei nº 2.065/83 assim assentou: “Art. 11. A pessoa

166
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.015.421/RS. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j.
20/05/2008. DJe, Brasília, 23 jun. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=200702847322&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
167
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 958.013/SC. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j.
18/03/2008. DJe, Brasília, 14 maio 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus
tica/detalhe.asp?numreg=200701282404&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
115

física ou jurídica é obrigada a informar à Secretaria da Receita Federal os


rendimentos que, por si ou como representante de terceiros, pagar ou
creditar no ano anterior, bem como o Imposto de Renda que tenha retido.
§ 1º A informação deve ser prestada nos prazos fixados e em formulário
padronizado aprovado pela Secretaria da Receita Federal.
§ 2º Será aplicada multa de valor equivalente ao de uma ORTN para cada
grupo de cinco informações inexatas, incompletas ou omitidas, apuradas
nos formulários entregues em cada período determinado.
§ 3º Se o formulário padronizado (§ 1º) for apresentado após o período
determinado, será aplicada multa de 10 ORTN, ao mês-calendário ou
fração, independentemente da sanção prevista no parágrafo anterior.” (grifo
nosso) 3. A instrução normativa 73/96 estabelece apenas os
regramentos administrativos para a apresentação das DCTF’s,
revelando-se perfeitamente legítima a exigibilidade da obrigação
acessória, não havendo que se falar em violação ao princípio da
legalidade.
4. Embargos de declaração acolhidos para sanar erro material.168 (Grifo
nosso).

Porém, em outros tantos julgados, o Superior Tribunal de Justiça tem


cancelado sanções sem entender que tal procedimento fere o princípio da
legalidade169:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA.


PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR
DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE.
PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA.
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas
pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e
da razoabilidade.
2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da
razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo
que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o
fim que a lei almeja alcançar.
3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência
administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e
sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer,
escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’.
A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que
nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução
das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade,
porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

168
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no AgRg no REsp nº 507.467/PR. 1. T. Rel.
Min. Luiz Fux, j. 05/05/2005. DJ, Brasília, 20 jun. 2005. p. 126. Disponível em: http://www.stj.jus.b
r/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200300377465&pv=010000000000&tp=51 Acesso
em: 26 maio 2010.
169
Considerando que as decisões sempre se pautam na razoabilidade e na proporcionalidade para
realizar o cancelamento ou redução das multas, tais julgados serão objeto de análise quando do
estudo de tais princípios ou postulados, na linguagem de Humberto Ávila.
116

4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de


forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando
incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em
discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas
jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os
aludidos pagamentos.
5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para
o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a
exação devida no seu quantum adequado.
6. In casu, ‘a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o
lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes
aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto
seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e
Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos
1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396/87. Da análise dos autos, verifica-se
que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício
1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda
Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a
essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl.
101)’ (fls.122/123).
7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento
da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de
renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres
públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa
de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396/87.
8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente
desta Corte: ‘TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO -
ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA
INDEVIDA.
1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações
acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a
mercadoria na guia própria.
2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II,
do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa,
quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria
corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos
Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).
3. Recurso especial improvido.’ (REsp 660682/PE, Relatora Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006) 9. Recurso especial provido,
invertendo-se os ônus sucumbenciais.170 (Grifo nosso).

RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE EXAÇÃO. COBRANÇA DE MULTA.


IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PRINCÍPIO DA
ESTREITA LEGALIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1.O Tribunal a quo, soberano na análise das provas, entendeu que houve
alteração de ânimos de ambos os lados - fiscais e contribuinte - porém, apto
a configurar, apenas, “um comportamento inapropriado, não criminoso”.

170
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 728.999/PR. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 12/09/2006.
DJ, Brasília, 26 jun. 2006. p. 229. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det
alhe.asp?numreg=200500331148&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
117

Ademais sustentou-se que não houve cobrança indevida de tributo, mas tão
somente de multa.
2. A questão posta a desate cinge-se ao reconhecimento da
possibilidade ou não de o delito de excesso de exação ser praticado
quando há cobrança de multa por meio de auto de infração.
3. O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal incrimina a conduta de
funcionário público que exige tributo ou contribuição social que sabe ou
deveria saber indevido, ou quando devido, emprega na cobrança meio
vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.
4. Nos termos da definição dada pelo art. 3º do Código Tributário Nacional,
“tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor
nela se posse exprimir, que não constitua sanção de ilícito, instituída em lei
e cobrada mediante atividade administrativa.” Portanto, é consabido que a
multa, em vista de sua natureza sancionatória, não constitui tributo.
5. O princípio da estreita legalidade impede a interpretação extensiva
para ampliar o objeto descrito na lei penal. Na medida em que as
multas não se inserem no conceito de tributo é defeso considerar que
sua cobrança, ainda que eventualmente indevida - quer pelo meio
empregado quer pela sua não incidência - tenha o condão de configurar
o delito de excesso de exação, sob pena de violação do princípio da
legalidade, consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e art. 1º
do Código Penal.
6. Recurso especial ao qual se nega provimento.171 (Grifo nosso).

Na Corte Suprema poucos julgados adentram ao mérito da sua


aplicabilidade ao argumento que alegações de desrespeito aos postulados da
legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do
contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem
configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da
Constituição, circunstância que não viabiliza o acesso à instância extraordinária, por
todos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.


OFENSA INDIRETA. INTERPRETAÇÃO DE NORMA LOCAL. ALEGAÇÃO
DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÕES DEPENDENTES
DE REEXAME PRÉVIO DE NORMAS INFERIORES. OFENSA
CONSTITUCIONAL INDIRETA. 1. Controvérsia afeta à interpretação de
norma local, incidência do Verbete da Súmula n. 280 do STF. Eventual
ofensa à Constituição do Brasil adviria, quando muito, de forma
indireta. 2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do
devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório,
dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de
reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito,

171
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 476.315/DF. 1. T. Rel. Min. Celso Limongi
(Desemb. Conv. do TJ/SP), j. 17/12/2009. DJe, Brasília, 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www.
stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200201434547&pv=010000000000&tp=51
>. Acesso em: 26 maio 2010.
118

situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. Agravo


regimental a que se nega provimento.172 (Grifo nosso).

Isto posto, fica claro que o princípio da legalidade formal e material se aplica
às sanções tributárias, restando agora analisá-lo em conjunto com os demais
princípios constitucionais, para verificar sua adequação - se cabível - ao caso
concreto.

6.3 Princípio da confiança

Os cenários de desconfiança instaurados no Sistema atual e a necessidade


de retomar o princípio da confiança na lei fiscal deve ser também uma das
premissas para se seguir no presente estudo.

Como conseqüência lógica do valor segurança jurídica, cabe aqui breves


considerações acerca do princípio da confiança e sua aplicabilidade nas sanções
fiscais.

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi lembra Mattern para quem a


proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da legalidade, do
Estado de Direito e da Justiça.173 Ingo Sarlet, de igual forma, entende que a garantia
fundamental da confiança é pressuposto do Estado Democrático de Direito.174

Seguindo esse entendimento, o Sistema do Direito - como instrumento de


pacificação dos conflitos - seria acionado seria que esta confiança fosse rompida e,
ao mesmo tempo, num ambiente de confiança, se reduziria a complexidade dos

172
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 541361 AgR/PR. 1. T. Rel. Min. Eros Grau, j.
06/12/2005. DJ, Brasília, 04 fev. 2006. p. 18. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprude
ncia/listarJurisprudencia.asp?s1=(541361.NUME.OU541361.ACMS.)&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 26 maio 2010.
173
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé
objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais do poder judicial de tributar. Belo
Horizonte, 2008. (Tese apresentada no Concurso para Professor Titular da UFMG, inédita).
174
SARLET, Ingo Wolfgang. O estado social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia
fundamental da propriedade, apud DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da
jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações
constitucionais do poder judicial de tributar, 2008.
119

fatos sociais e se daria maior estabilidade ao Sistema.

Como visto, a legalidade e a proibição da retroatividade seriam nada mais


que algumas formas de manifestação da confiança sistêmica, que permanece
latente no Sistema do Direito, a agir quando necessário, permitindo o resgate do
passado e a antecipação do futuro.

Onde há confiança se pode renunciar a determinadas informações e, com


isso, dar maior estabilidade ao sistema. Quem confia se entrega a outrem na certeza
de que o melhor será feito, dentro dos limites estabelecidos pelo Sistema
Constitucional.175

A desconfiança, por sua vez, reduz a complexidade, tem a mesma faceta da


confiança, mas traz destruição ao sistema, não produz conhecimento e contribui
para desestabilização social.

Pois bem, muito já foi dito e estudado acerca do tamanho da carga tributária
brasileira e a sua má distribuição, ou seja, hoje há uma grande concentração de
tributos incidentes sobre as remunerações e sobre o consumo, tornando tal carga
regressiva e perversa ao crescimento do país.

O que se nota é que, pouco se estudou no âmbito do Direito acerca da


complexidade do Sistema Tributário atual e os ônus que isso causa à já elevada
carga tributária. É o que se pode chamar de custo tributário direto e indireto.

Neste custo tributário direto verifica-se que a média da carga tributária dos
países industrializados (média levando em consideração 21 países) é da ordem
aproximada de 38,80% do PIB (2003/2004), sendo que a média da carga tributária
direta nos países com nível de desenvolvimento similar ao do Brasil é de 27,44% do
PIB.176 Mesmo assim, o Brasil fica em 6º lugar no ranking das maiores cargas

175
LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 14. E o
autor, na p. 109, afirma: “Na confiança no sistema, está-se continuamente consciente de que tudo
o que se realiza é um produto, que cada ação foi decidida depois de ser comparada com outras
possibilidades. A confiança no sistema conta com processos explícitos para a redução da
complexidade, quer dizer, com pessoas, não com a natureza. Os grandes processos civilizadores
de transição, até a confiança no sistema, dão à humanidade uma atitude estável em direção ao
que é contingente em um mundo complexo, faz possível viver com a consciência de que tudo
poderia ser de outra maneira. Esses processos fazem com que o homem possa ter consciência da
contingência social do mundo. Esse pensamento dá origem ao problema da consciência
transcendental na constituição significativa do mundo”.
176
Cf. GOBETTI, Sérgio. Inferno tributário carga de impostos bate recorde e chega a 38,9% do PIB.
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 02 abr. 2006. p. B1 e B3. - com base no FMI.
120

tributárias do mundo.177

Ainda complementando este rápido comentário, a carga tributária do Brasil nos


últimos anos, superou a do Japão, México, Turquia e Estados Unidos da América178,
sendo que tais dados foram divulgados em estudo comparativo entre os países da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

No ano de 2008, a carga tributária nacional atingiu o patamar de 34,41% do


PIB nacional, o que faz tal carga ser comparável com países como Reino Unido
(35,7%), Alemanha (36,4%), Portugal (36,5%), Luxemburgo (38,3%), França
(43,1%), entre outros.

Em 2009 o Brasil teve a primeira queda em sua carga tributária, mas se


mantém, ainda, em patamar extremamente elevado (33,58%), e tal simbólica
redução, se deve as desonerações tributárias realizadas para que a economia
reagisse frente à crise mundial.

Verifica-se, portanto, que a concentração da carga ainda permanece alta no


pacto federativo, com os tributos da União representando 23,54% do PIB, os
Estados-membros com 8,59% e Municípios 1,54%.

Recente estudo divulgado pela Receita Federal do Brasil mostra a pequena


redução na carga tributária brasileira nos últimos dois anos (2008 - 34,41% e 2009 -
33,58%), que se deu por conta da crise econômica internacional e em decorrência
das medidas econômicas tomadas para que o país pudesse reduzir os impactos de
tal crise em sua economia.179

O quadro abaixo revela que o Brasil tributa a renda e a propriedade de forma


mais reduzida que a média da OCDE (enquanto no Brasil a tributação da renda
equivale a 20,5% da carga tributária bruta, na OCDE equivale a 37,0%. No caso da

177
Suécia (50,7%), Noruega (44,9%), França (43,7%), Itália (42,2%), Reino Unido (36,1%), Brasil
(35,88%), Nova Zelândia (35,4%), Espanha (35,1%), Alemanha (34,6%) e Canadá (33,0%). Cf.
SOFIA, Julianna. Carga tributária bate recorde em 2005. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 ago.
2006. p. B4.
178
Cf. CARGA tributária brasileira supera a do Japão, México, Turquia e EUA. Agência Brasil,
Brasília, 02 set. 2010. Disponível em: <http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/09/02/not
icia_economia,i=177715/CARGA+TRIBUTARIA+BRASILEIRA+SUPERA+A+DO+JAPAO+MEXIC
O+TURQUIA+E+EUA.shtml>. Acesso em: 08 out. 2010.
179
BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009: análise
por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. Disponível em: <http://www.receita.fa
zenda.gov.br/Publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2009.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010.
121

tributação sobre a propriedade, a participação relativa na Carga Tributária no Brasil


(CTB) para o Brasil é de 3,3%, inferior à média de 5,8% da OCDE) e concentra sua
tributação notadamente, e acima dos demais países, sobre o consumo.

Figura 1 - Quadro demonstrativo da Carga Tributária por Base de Incidência - 2008 - Brasil x Países
OCDE
Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009:
análise por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. p. 06.

Nota-se que o quadro acima ainda demonstra que na tributação sobre a


folha de salários o país está bem próximo da média (24,1% contra 25,3%).
122

Importante, ainda, um comparativo com os demais países:

Figura 2 - Gráfico CTB Comparativo Brasil x Países OCDE, 2008


Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009:
análise por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. p. 07.

Muitos outros dados ainda poderiam ser levantados, mas parece ser um
consenso que a carga tributária nacional possui patamar elevado, não sendo
necessário adentrar em tal seara para atestar se carga tributária é ou não
proporcional aos serviços e à estrutura social e econômica que o Estado Nacional
propicia a sociedade180, sendo certo, que trata-se de uma carga elevada, mal
distribuída e com a contrapartida do Estado um tanto quanto contestável.

Importante ressaltar que todos esses fatores, constituem não só uma afronta
ao princípio da confiança ora em análise, mas também fere, por si só o princípio da
preservação da empresa, consagrado pela legislação falimentar vigente e que tem
como premissa a preservação dessa unidade econômica denominada empresa.
Com a carga tributária em patamares tão altos, fica difícil exercer a atividade

180
“Dire que l’impot est Le prix des services rendus par l’Etat, cela n’est pás toujours exact; l’impot est
Le prix des services que rend ou qu’a rendu l’Etat: Il represente en outre part que chaque citoyen,
par l’application du principe de la solidarieté nationale, doit supporter dans lês charges de toute
origine qui présent sur l’État” (LEROY-BEAULIEU apud BOUVIER, Michel. Introduction au droit
fiscal general er à La théorie de l’impôt. 7. ed. Paris: LGDJ - Montchrestien, 2005. p. 218).
123

empresaria e promover a preservação da unidade produtora.

Como se vê, na atividade empresarial a carga tributária tem sido apontada


como um dos grandes entraves para o crescimento do país. Pesquisa realizada e
divulgada em 2006 (Paying Taxes, The global picture, PricewaterhouseCoopers e
The World Bank, 2006) atesta que o Brasil concentra sua tributação em cerca de
71% sobre a atividade negocial das empresas, enquanto países como Espanha
(59,1%), Alemanha (57,1%), Suécia (57%), Estados Unidos (46%) apresentam
percentuais bem inferiores. Os tributos atingem ao assustador patamar de 45% do
Valor Agregado Empresarial.181

O que se deseja aqui é chamar a atenção para a complexidade que se tem


hoje no cumprimento das obrigações tributárias e na intensa insegurança jurídica em
que vivem os contribuintes no país, especialmente as pessoas jurídicas de direito
privado, onde a carga tributária parece mais concentrada182. O chamado custo fiscal
indireto ou para alguns custo de conformidade gasto no pagamento dos tributos183 e
o cumprimento das obrigações acessórias, engessa a atividade empresarial, em
nítida afronta ao princípio da preservação da empresa, que deve ser aplicado não só
momento da crise falimentar.

Assim, o custo para calcular os tributos e interpretar um emaranhado de leis


nada mais é do que uma forma de tributação indireta (custo das empresas).

A questão que deve ser objeto de reflexão pelo Estado Brasileiro é a


efetividade das obrigações acessórias para o cumprimento dos deveres fiscais.

Hoje, a carga tributária brasileira é elevada, mal distribuída e injusta: (i)


elevada, seja na comparação com os demais países com o mesmo nível de
desenvolvimento, ou na comparação com o grau de eficiência do Estado; (ii) mal
distribuída, posto que concentra na tributação sobre os salários e sobre o consumo,
tornando-a regressiva; (iii) de alto custo para as empresas, seja porque a carga se
concentra na atividade negocial, seja pela sua complexidade, seja pelo custo indireto

181
Cf. SOFIA, Julianna. Carga tributária bate recorde em 2005. Folha de S. Paulo, p. B4.
182
A concentração aqui mencionada não diz respeito ao ônus tributário final, mas ao ônus de
interpretar, calcular e recolher os tributos, uma vez que o estudo se volta às penalidades pelo não
cumprimento da norma tributária principal ou acessória.
183
É bom lembrar que na concentração dos tributos lançados por homologação não se trata de
simplesmente pagamento de tributos, mas todo um arsenal para interpretar a intensa legislação
tributária, verificar as bases imponíveis e recolher tais tributos.
124

no cálculo dos tributos e no cumprimento das obrigações acessórias, muitas vezes


de pouca ou nenhuma eficiência.

De fato, o Brasil tem forte tradição burocrática e com uma carga excessiva
de deveres materiais e formais (ou instrumentais), mas que geram pouca eficiência
administrativa ou mesmo efetividade para os fins que foram criados, por isso,
diversas são as propostas apresentadas que visam a redução da burocracia.

O país passa por uma fase de intensa desconfiança entre contribuintes e


fisco, visando a redução da complexidade do mundo pós-moderno, mas num
caminho inverso que jamais poderá legitimar o tributo.

Neste sentido, a Professora Misabel Abreu Machado Derzi:

[...] evidentemente, embora a desconfiança seja técnica redutora, é,


simultaneamente, destrutiva. O seu controle é, assim, importante, de tal
sorte que o sistema desenvolve ainda ‘estratégias e classes de
comportamentos individuais, reconhecidos socialmente e facilmente
compreendidos, que possam interceptar e neutralizar os atos de
desconfiança, transformando-s dessa maneira - em aberrações acidentais,
insignificantes, e, por isso mesmo, sem função [...] atos de desconfiança
como ações involuntárias, determinadas puramente pela desconfiança como
erros, como moléstias causadas por fatores externos, ou como deveres
requeridos como papéis, isto é, interpretações que permitem a execução de
ações de desconfiança mas que negam a desconfiança como atitude.
Ademais, devemos ter em conta, nesse ponto, as instituições de castigo,
penas e perdão.184

Para o presente trabalho basta apenas dizer que, em (552 h), Chile (432 h),
Estados Unidos (325 h), Dinamarca (135 h), Suécia (122 h), Reino Unido (105 h),
Alemanha (105 h), Nova Zelândia (70 h), Suíça (68 h).

Por incrível que pareça, 7,6% do tempo administrativo das empresas é gasto
com a apuração dos tributos185, enquanto a média na América Latina é algo em torno
de 4%; o custo de conformidade (ou custo tributário indireto) representa cerca de 1%
do faturamento para a maioria das empresas nacionais (55%), sendo que alguns
estudos estimam que este custo pode chegar a 5,82% do PIB nacional.

No entanto, mesmo com tal custo - custo este que eleva o gasto tributário

184
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção da
confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de
tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 336.
185
Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2006. p. A-8, pesquisa encomendada pela Federação do
Comércio do Estado de São Paulo (FECOMÉRCIO-SP) e realizada pela Fundação Instituto e
Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE-USP).
125

para próximo dos 40% do PIB186, fruto não somente de uma história de burocracia
intensa, mas também de uma perene desconfiança na relação tributária - as
pendências entre contribuintes e fisco permanecem elevadas187.

Além disso, neste ambiente de burocracia, desconfiança e


fiscalização/vigilância absoluta, o sistema ainda convive com formas pesadas de
penalização, num paradoxo sem precedentes, com constantes leis (federais,
estaduais e municipais) que anistiam as penalidades e os juros de mora. Num
arcabouço legislativo ininteligível, com milhares de normas (legais e infra-legais)
nascendo a cada dia, de cada ente da Federação, os tributos lançados por
homologação se tornaram uma quase unanimidade no Sistema Tributário Nacional.

Assim, o contribuinte - na quase totalidade dos tributos - deve conhecer a


legislação, exercer sobre ela a interpretação, calcular o quantum debeatur e recolher
aos cofres públicos. Além disso, ainda é obrigado aguardar o prazo decadencial
para que a Fiscalização lhe informe - de forma expressa ou tácita (preclusão) - se
agiu corretamente188.

Além disso, se o contribuinte interpretou mal, calculou de forma equivocada,


deixou de recolher ou mesmo descumpriu alguma obrigação acessória estará sujeito
às mais pesadas penalidades.

Novamente, importantes as lições de Misabel Abreu Machado Derzi:

Instalam-se, ao lado do pluralismo e da complexidade, a ausência de regras, a


permissividade, a descrença generalizada, a incerteza e a indecisão, de tal
modo que princípios jurídicos até então sólidos e bem fundamentados como

186
Se somada a carga tributária divulgada como de arrecadação, acrescendo o custo de
conformidade.
187
Uuma pesquisa feita a 250 empresas paulistanas, com faturamento acima de R$ 100 milhões/ano,
96% das empresas operavam com alguma pendência tributária.
188
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua
ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade
administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da
atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento
antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da
ulterior homologação ao lançamento. § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos
anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total
ou parcial do crédito. § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados
na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua
graduação. §4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha
pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se
comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação” (CTN).
126

segurança jurídica, capacidade contributiva, progressividade do imposto,


igualdade e até mesmo legalidade são postos em dúvida. Alguns estudiosos
chamam o fenômeno de ‘retorno à Idade Média’ (cf. MICHEL BOUVIER.
‘Introduction au droit fiscal general et à la théorie de l’impot.’ 4a. LGDJ. Paris,
2001, p. 225), outros, de ‘concerto barroco’ (cf. VALÉRIE VARNEROT. ‘Entre
essentialisme et existencialisme de la théorie des sources: les sources non
formelles du droit fiscal.’ IN L’impôt. Archives de Philosophie du droit., tomo 46,
Dalloz, Paris, 2002, ps. 139-195).
O fundamental é que a doutrina jamais poderá desistir do progresso do
conhecimento, sistematizando e diferenciando a abordagem jurídica das
demais, mesmo no plano lógico-normativo, e apontando os equivalentes, os
operadores e os critérios de seleção (modificadores, em substância,
limitativos ou ampliativos dos valores e princípios colhidos à ciência
econômica ou social) com que a destinação dos recursos é introjetada para
dentro da norma tributária.189

Neste contexto, Valter Souza Lobato, em sua dissertação de Mestrado pela


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traz alguns elementos que devem
ser invocados para a efetivação do Direito Tributário ou preenchimento das
expectativas neste ramo do Direito:
Previsibilidade das ações estatais para os contribuintes, respeito aos
princípios da legalidade, irretroatividade, bem como ao desenho sistemático
do Direito feito pelo Texto Constitucional (Supremacia da Norma
Constitucional);
Correta destinação dos recursos públicos. Satisfação aos cidadãos e não
somente dos contribuintes;
Inversão da lógica atual de desconfiança mútua, ou seja, é preciso reinstalar
a presunção da boa-fé de ambos os lados;
Redução, no máximo possível, das presunções e ficções ‘iure et iure’, que
distanciam a norma tributária da realidade do contribuinte;
Perda do receio da complexidade da norma, não identificando o contribuinte
com o fato que descreve, isto é, a generalização dos casos em grau
excessivo leva à suposta simplificação da norma, sem cuidados para
setores específicos, que devem ser tratados segundo suas especificidades
(pequenas e médias empresas, cooperativas, previdência privada, setor
financeiro, setor industrial, setor de serviços, etc. e etc.);
Império da legalidade, no seu sentido formal e material;
Melhoria da efetivação do direito - maior celeridade e previsibilidade - das
decisões administrativas, legislativas e judiciais.190

Assim, é preciso resgatar a previsibilidade e a boa-fé nas relações jurídico-


tributárias, caso contrário, o sistema estará fadado ao insucesso, não servindo mais
como pacificador do comportamento humano.

189
DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e tributos: complexidade, descrença e
corporativismo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 100, p. 65-80, 2004. p. 68.
190
LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do
equilíbrio de suas fontes, p. 36.
127

A prevalência da confiança e da boa-fé tem sido uma constante em vários


ramos do Direito, incluindo, mas não se esgotando, no Direito do Consumidor, na
nova teoria das obrigações civis, cujo Código Civil se baseia na ética e na boa-fé
como pressuposto de todo contrato e como forma de interpretá-lo, entre outros.

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi ainda oferece em sua obra um


desenho de Kreibich191, como resultado da comparação entre o princípio da proteção
da confiança e o da boa fé, o que encerra o que aqui tentamos colocar como
pressuposto do Sistema Tributário:

Idéia de Justiça

Estado de
Direito

Segurança Jurídica

Proteção da Confiança
em:

Relações Jurídicas Relações Jurídicas


Abstratas Concretas

= O princípio da boa fé como expressão do princípio da


confiança nas relações jurídicas concretas.
Figura 2 - Comparativo Boa fé x Confiança
Fonte: DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção
da confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder
judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 380.

191
Cf. KREIBICH, Roland. Der grundsatz von treu und glauben im steuerrecht. Heildelberg: Muller,
1992. p. 59.
128

Portanto, de volta ao tema, não há dúvidas em afirmar que, dentro dos


limites impostos pelo próprio sistema, a boa-fé, a confiança e a previsibilidade
devem fazer parte da interpretação das sanções fiscais, posto que são pressupostos
do Estado Democrático de Direito.

Destarte, o Texto Constitucional em vigor foi generoso com o princípio da


segurança jurídica e com a confiança, cristalizando diversos princípios que aderem a
tais valores192 no âmbito do Direito Tributário (aqui restringindo a este domínio por
conta do objeto pesquisado).

O princípio da confiança se manifesta nos direitos fundamentais, já no caput


do art. 5º do Texto Constitucional, que garante aos contribuintes a inviolabilidade da
vida, da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade.

Ainda no mesmo art. 5º a igualdade e a legalidade são estatutos


assegurados (art. 5º, I e II), a liberdade do exercício profissional e da atividade
empresarial (arts. 5º e 170 da CF/88), a desapropriação somente pode ocorrer com
o pagamento da justa indenização (art. XXIV, art. 5º), o imperativo acesso ao
Judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88), a preservação do ato jurídico perfeito, da coisa
julgada e do direito adquirido (art. 5º, XXXVI), institutos que não somente preservam
o passado, mas projetam seus efeitos para o futuro, não deixando que as leis novas
alcancem atos jurídicos consolidados, a pena não transfere a terceiros, exceto no
limite do patrimônio transferido (art. 5º, XLV, CF/88), preservação do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LIII, LIV e LV, CF/88),
entre outros tantos.

O art. 37, caput determina um Estado deve ser pautado pela legalidade,
moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Ora, como vimos, a confiança
sistêmica está baseada exatamente em comportamentos previamente definidos
(legalidade), igualitários e impessoais e que sejam de conhecimento dos
jurisdicionados.

Assim, no capítulo tributário, do texto constitucional, o reconhecimento da


confiança se mostra intenso (legalidade, irretroatividade, não surpresa, não confisco,
entre outros).

192
Um valor nada mais é do que um princípio ainda mais relevante, com maior grau de fluidez,
também denominado por parte da doutrina como sobreprincípio.
129

Eis as palavras da Professora Misabel Abreu Machado Derzi sobre o tema,


em artigo publicado na Revista das Faculdades Milton Campos:

No Brasil, a segurança jurídica e a proteção da confiança são amplamente


reforçadas no campo do Direito Tributário. Assentam-se na legalidade
formal e material (especificidade conceitual determinante), consagradas nos
arts. 5º e 150, I, da Constituição Federal; reforçadas pela exclusividade da
lei que concede subsídio, isenção ou outro benefício fiscal (art. 150, §6o. da
CF/88); são minuciosamente explicitadas pelo art. 97 do Código Tributário
Nacional; confirmadas e reconfirmadas pela proibição da analogia na
criação de tributo (art. 108, §1º, do CTN) e, conseqüentemente, das
presunções; pela rejeição da interpretação econômica (art. 110) e da
cláusula geral antielisiva (art. 109); pelo caráter estritamente vinculado dos
atos administrativos de cobrança do tributo (art. 3º e 142 do CTN);
desenvolvem-se, ainda, na proibição da surpresa e da imprevisibilidade, por
meio da vedação constitucional da irretroatividade do direito em geral (art.
5º, XXXVI), do Direito Penal (art. 5º., XL) e do Direito Tributário em especial
(art. 150,III, ‘a’); no princípio da anterioridade e da espera nonagesimal (art.
150, III, ‘b’, ‘c’). Finalmente, complementa-se a segurança com a vedação
do confisco e a observância da capacidade econômica, art. 150, IV e § 1º do
art. 145 da Constituição da República. Já tivemos, em textos constitucionais
anteriores, o princípio da capacidade contributiva expresso ao lado do
princípio da autorização orçamentária e do princípio da irretroatividade das
leis (Constituição de 1946). Mas nós não tínhamos tido antes, ao mesmo
tempo, como na Constituição de 1988, o estabelecimento da irretroatividade
da lei em geral (art. 5º, XXXVI), da lei penal, por duas vezes (art. 5º., XXXIX
e XL) e da lei tributária especificamente (art. 150, III, ‘a’), além da
consagração do princípio da vedação do confisco e da capacidade
econômica (art. 145, § 1º), da anterioridade e da espera nonagesimal, do
art. 150, III.193

De fato, nas lições extraídas da sua mais recente obra194, a Professora


Misabel Abreu Machado Derzi, deixa claro que em um mundo de alta complexidade,
o sistema jurídico tem o papel primordial de fornecer estabilidade e, para tanto,
antecipa as expectativas, fazendo com que os jurisdicionados renunciem a
informações para escolher caminhos previamente traçados e que são pavimentados
pela confiança.

A confiança é, portanto, uma das formas de antecipar a expectativa futura, o


que também faz a desconfiança, mas a primeira evita o uso da litigiosidade e traz um
ambiente de saudável estabilização.

É preciso, portanto, resgatar essa confiança, pois não é possível o convívio

193
DERZI, Misabel Abreu Machado. O princípio da igualdade no direito tributário. Revista da
Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 1, p. 195-222, 1993. p. 215.
194
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção da
confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de
tributar, 2009. v. 1.
130

com um numero exacerbado de obrigações acessórias e principais e, ainda,


permanecer no aguardo da próxima sanção.

Porém, pode-se verificar que de forma visionária e passível somente de


elogios, o Código Tributário Nacional há muito já reconhece o princípio da confiança
como pressuposto no trato entre Fisco e contribuintes.

Visionário o CTN já determinava em seus artigos 100 (especialmente


parágrafo único) e art. 146, aqui tratados na ordem inversa da numérica, que a
confiança deve ser o pressuposto da relação fisco-contribuinte:

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de


decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela
autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser
efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador
ocorrido posteriormente à sua introdução.

As lições do Professor Ricardo Lobo Torres a respeito do art. 146 do CTN


demonstram sua origem e a relação direta com o que aqui se pesquisa e defende:

A inspiração para a norma transcrita buscou-a o legislador no direito


germânico. Em sua nova versão, estampada no art. 176 do Código de 1977
(Abgabenordnung 77), aquela regra, sob o título de ‘proteção da confiança
nas hipóteses de anulação e alteração de lançamento’ (Vertrauensschutz
bei der aufhebung und Anderung von Steuerbescheiden), tem o seguinte
teor: ‘Na anulação ou alteração de ato de lançamento notificado, não pode
ser considerado em detrimento do contribuinte o fato de 1- a Corte
Constitucional Federal declarar a nulidade de uma lei, em que até então se
baseava o lançamento; 2- um tribunal superior federal não aplicar uma
norma em que até então se baseava o lançamento, por considerá-la
inconstitucional; 3- ter-se alterado a jurisprudência de um tribunal superior a
qual havia sido aplicada pela autoridade fiscal nos lançamentos
anteriores.195

E completa o Professor Ricardo Lobo Torres:

o princípio da proteção da confiança do contribuinte, construído


principalmente pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, aproxima-se do
princípio da boa-fé e, como este, ingressa no direito administrativo e no
tributário, mas é indefinível. Em linhas gerais significa que o Estado deve
respeitar a segurança dos direitos fundamentais do contribuinte, agindo
segundo a moralidade e a eqüidade. Aparece amalgamado aos princípios
da legalidade, irretroatividade e proibição de analogia. Mas também se
consubstancia em inúmeros subprincípios e normas de proteção da

195
TORRES, Ricardo Lobo. A interpretação do Direito Tributário pela Administração. Trabalho para
as XVIII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario. Revista da ABDF, Brasília, p. 7-25, 2.
trim. 1996. (Separata).
131

expectativa do contribuinte, e em deveres da Administração, como


sejam: irrevisibilidade do lançamento por erro de direito ou de
valoração do fato, inalterabilidade do critério jurídico do lançamento e
da resposta à consulta, irrevogabilidade das isenções condicionadas a
encargo, do beneficiário, dever de assistência ao contribuinte e
exclusão ou limitação de multas.196

Portanto, determina o dispositivo que a autoridade fiscal - no ato do


lançamento de ofício - não pode surpreender o contribuinte com novos critérios
jurídicos, alterar o entendimento sobre determinada norma. A mudança somente terá
valia pro futuro e aqui não está se falando apenas das sanções, mas do próprio
principal. A revisão somente é admitida quando há erro de fato, conforme a lição de
Paulo de Barros Carvalho: “A Fazenda não pode formular uma exigência segundo
determinado critério e, posteriormente, revendo o critério jurídico adotado, modificá-
la, majorando-a. Pode revisar e majorar se houve erro de fato (não de direito)”197.

Numa primeira leitura parece que o art. 146 do CTN somente estaria se
referindo ao lançamento propriamente dito, ou seja, pressupondo a existência de
dois lançamentos distintos. Assim o é com os tributos lançados de ofício, contudo,
nos tributos lançados por homologação, em que o contribuinte precisa fazer toda a
atividade de interpretação, subsunção, cálculo do tributo o dispositivo deve ter uma
interpretação mais ampla, ou seja, se na atividade desenvolvida pelo contribuinte ele
se deparar com uma orientação da Administração Pública estará também protegido
pela irreversibilidade do lançamento.

A Confiança tem ligação umbilical com a moralidade administrativa e com a


segurança jurídica, como visto. Os novos critérios jurídicos, ainda que mais
adequados, serão aplicáveis aos lançamentos relativos a fatos geradores futuros,
desde que a Administração os adote e dê a devida publicidade.

Neste sentido, ensina Luciano Amaro:

O que o texto legal de modo expresso proíbe não é a mera revisão do


lançamento com base em novos critérios jurídicos; é a aplicação desses
novos critérios a fatos geradores ocorridos antes de sua introdução (que
não necessariamente já terão sido objeto de lançamento). Se, quanto ao
fato gerador de ontem, a autoridade não pode, hoje, aplicar novo critério
jurídico (diferente do que, no passado, tenha aplicado em relação a outros

196
Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. v. II, p. 570-571, grifo nosso.
197
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 282.
132

fatos geradores atinentes ao mesmo sujeito passivo), a questão não se


refere (ou não se resume) à revisão de lançamento (velho), mas abarca a
consecução de lançamento (novo). É claro que, não podendo o novo critério
ser aplicado para lançamento novo com base em fato gerador ocorrido
antes da introdução do critério, com maior razão este não poderá também
ser aplicado para rever lançamento velho. Todavia, o que o preceito
resguardaria contra a mudança de critério não seriam apenas lançamentos
anteriores, mas fatos geradores passados.198

Enfim, em rápidas linhas, a expectativa se demonstra legítima quando (a) há


um pressuposto fático da confiança, ou seja, quando o Estado se pronuncia de
forma clara, gerando um momento de estabilidade no sistema ao externar seu
entendimento; (b) há clara boa-fé daquele que renuncia a informações e age de boa-
fé; (c) a confiança sistêmica não é mero sentimento, mas alvo de investimento
daquele que, de fato e “de direito”, acredita no que lhe foi dito.

Este o pensar unânime da doutrina, conforme trechos dos mais diversos


autores, a seguir transcritos:

Uma primeira ordem de limites baseia-se na distinção entre erro de direito e


erro de fato e tem o seu assento legal no art. 146 do CTN [...]. Assim, o erro
de fato legitima a alteração do lançamento pela prática dos adequados atos
de anulação ou lançamento suplementar. Ao invés, a modificação de
critérios jurídicos só pode prevalecer quanto a fatos geradores ocorridos
posteriormente à sua introdução, o que o mesmo é dizer-se, não pode servir
de fundamento a modificação do lançamento anterior.199

A lei não se pode admitir ignorada dos funcionários fiscais encarregados de


proceder ao lançamento, e, assim, o erro de direito que estes cometem no
exercício de suas atribuições não justifica a alteração da situação individual
criada pelo lançamento em favor do contribuinte, pois é presumido que os
agentes do fisco tivessem tido presentes todos os elementos jurídicos em
vigor ao tempo em que o efetuaram. 200

A prática, a doutrina e a legislação, na proteção da certeza jurídica, não


admitem, em princípio, que seja feita revisão do lançamento pela
superveniência de outros critérios jurídicos.201

198
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 351-352.
199
XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 333.
200
CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de direito tributário. Rio de Janeiro: [s.n.], 1964. v. 1, p. 370.
201
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Teoria do lançamento tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1964.
p. 133.
133

Antecipando-se à vigência do CTN, Rubens Gomes de Souza ensinou que


se o fisco, mesmo sem erro, tiver adotado uma conceituação jurídica e
depois pretender substituí-la por outra, não mais poderá fazê-lo. E não o
poderá porque, se fosse admissível que o fisco pudesse variar de critério
em seu favor, para cobrar diferença de tributo, ou seja, se à Fazenda
Pública fosse lícito variar de critério jurídico na valorização do ‘fato gerador’,
por simples oportunidade, estar-se-ia convertendo a atividade do
lançamento em discricionária, e não vinculada202.

O art. 146 do CTN positiva, em nível infraconstitucional, a necessidade de


proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária,
abarcando, de um lado, a impossibilidade de retratação de atos
administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação
consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, de outro, a
irretroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte
confiou nas normas anteriores.203

A norma do art. 146 [...] complementa a irreversibilidade por erro de direito


regulada pelos arts. 145 e 149. Enquanto o art. 149 exclui o erro de direito
dentre as causas que permitem a revisão do lançamento anterior feito
contra o mesmo contribuinte, o art. 146 proíbe a alteração do critério jurídico
geral da Administração aplicável ao mesmo sujeito passivo com eficácia
para os fatos pretéritos.204

[...] não se confunde erro de fato nem mesmo com erro de direito, embora a
distinção relativamente a este último seja sutil. [...] Há mudança de critério
jurídico quando a autoridade administrativa simplesmente muda de
interpretação, substitui uma interpretação por outra, sem que se possa dizer
que qualquer das duas seja incorreta. Também há mudança de critério
jurídico quando a autoridade administrativa, tendo adotado uma entre várias
alternativas expressamente administras pela lei, na feitura do lançamento,
depois pretende alterar esse lançamento, mediante a escolha de outra das
alternativas admitidas e que enseja a determinação de um crédito tributário
em valor diverso, geralmente mais elevado.205

Assim como as manifestações doutrinárias, a jurisprudência dos Tribunais


superiores também sinalizam no sentido de que novos critérios jurídicos, deverão ser
aplicados aos lançamentos relativos a fatos geradores futuros.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou inúmeras vezes quanto a tese

202
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. In: TRATADO de direito tributário brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. IV, p. 322.
203
PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 10. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 991.
204
TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. Revista Fórum de
Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 6, p. 9-20, nov./dez. 2003. p. 9.
205
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 123.
134

da irrevisibilidade do lançamento definitivamente sob a alegação de erro de direito


ou mudança nos critérios jurídicos (RE nº 60.633/RJ. 3. T. de 16.06.67, RDP 4/199 -
RE nº 73.443/SP. 1. T. de 24.02.72, RDP 20/202 - RE nº 100.481/SP. 2. T. de
04.04.86, RTJ 122/636), assim como no Tribunal Federal de Recursos (TFR),
através da Súmula nº 227: “A mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não
autoriza a revisão de lançamento”206.

Diversos precedentes jurisprudenciais demonstram que a interpretação do


art. 146 do CTN deve ser ampla, amplíssima, para abarcar o princípio da confiança e
homenagear a segurança jurídica:

TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO DE


MERCADORIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO
TARIFÁRIA. AUTUAÇÃO POSTERIOR. REVISÃO DE LANÇAMENTO
POR ERRO DE DIREITO. SÚMULA 227/TRF. PRECEDENTES. “-
Aceitando o Fisco a classificação feita pelo importador no momento do
desembaraço alfandegário ao produto importado, a alteração posterior
constitui-se em mudança de critério jurídico vedado pelo CTN. - Ratio
essendi da Súmula 227/TRF no sentido de que “a mudança de critério
jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão do lançamento”. -
Incabível o lançamento suplementar motivado por erro de direito. - Recurso
improvido.207 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO


DE DIREITO - SÚMULA 227/TFR. 1. Em havendo na declaração do
contribuinte erro de direito não detectado pelo Fisco, que a aceita
integralmente, a mudança de entendimento constitui-se em alteração de
critério vedada pelo CTN. 2. Só a falsidade, o erro ou a omissão são
capazes de provocar a revisão do lançamento com a conseqüente autuação
do contribuinte. 3. Recurso especial improvido.208

LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. ICM. INALTERABILIDADE DO


LANÇAMENTO FEITO SEGUNDO CRITÉRIO ESTABELECIDO PELO
FISCO. Novos critérios adotados pela autoridade tributária somente
podem ser aplicados, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto

206
BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula nº 227, de 18 de novembro 1986. DJ, Brasília, 24
nov. 1986. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/sumula_tfr/tfr__211a240.htm#
TFR - Súmula nº 227>. Acesso em: 26 maio 2010.
207
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 412.904/SC. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 07/05/2002.
DJ, Brasília, 27 maio 2002. p. 142. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/d
etalhe.asp?numreg=200200141027&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
208
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 171.119/SP. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j.
07/08/2001. DJ, Brasília, 24 set. 2001. p. 263. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/process
o/Justica/detalhe.asp?numreg=199800257799&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio
2010.
135

a fato gerador ocorrido posteriormente a sua introdução. Art. 146 do


CTN. Recurso conhecido e provido em parte.209 (Grifo nosso).

Se o art. 146 do CTN protege a mudança do passado quando houver


pronunciamento concreto (norma individual concreta) para o contribuinte, quando
este segue norma abstrata estará protegido de qualquer sanção, nos termos do art.
100, parágrafo único:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das
convenções internacionais e dos decretos:
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a
imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do
valor monetário da base de cálculo do tributo.

Os incisos do art. 100 dizem respeito a normas infra-legais, gerais e


abstratas. Portanto, o seguimento do que entende a Fiscalização sob determinado
aspecto, proferido em normas gerais e abstratas, isenta o contribuinte do pagamento
de qualquer penalidade, de qualquer sanção (incluindo aqui os juros de mora), pois
ele nada mais fez do que observar os procedimentos ditados pela Fiscalização.

Eis os ensinamentos da Professora Misabel Abreu Machado Derzi:

O art. 146 reforça o princípio da imodificabilidade do lançamento,


regularmente notificado ao sujeito passivo. Trata-se de dispositivo
relacionado com a previsibilidade e a segurança jurídica, simples aplicação
do princípio da irretroatividade do Direito aos atos e decisões da
Administração Pública.
[...]
Como já realçamos, o princípio da irretroatividade (do Direito) não deve ser
limitado às leis, mas estendido às normas e atos administrativos ou judiciais.
O que vale para o legislador precisa valer para a Administração e os
Tribunais. O que significa que a Administração e o Poder Judiciário não
podem tratar os casos que estão no passado de modo a se desviarem da
prática até então utilizada, e na qual o contribuinte tinha confiado.
Exatamente por tais razões, o CTN atenua os efeitos bruscos da mudança
de critérios por parte da Administração, quer no art. 146, quer no art. 100,
ao estabelecer que a observância dos atos normativos das autoridades
administrativas, das decisões de seus órgãos e das práticas administrativas
reiteradas exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora
e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
O que distingue o art. 146 do art. 100 é que o primeiro proíbe a retroação do
ato, por mudança de critério jurídico, em relação ao mesmo fato gerador e

209
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 100.481/SP. 2. T. Rel. Min. Carlos Madeira, j.
04/04/1986. DJ, Brasília, 02 maio 1986. p. 6.912. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisp
rudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(100481.NUME. OU 100481.ACMS.)&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 26 maio 2010.
136

contribuinte, enquanto o art. 100 é genérico e independe de ter havido


lançamento. As conseqüências também são diferentes. O art. 146 proíbe
que se edite outro ato administrativo individual, como o lançamento,
relativamente ao mesmo fato gerador, uma vez aperfeiçoado e cientificado o
contribuinte. Se a mudança de critério jurídico levaria à cobrança de tributo
ou à sua majoração, em relação àquele mesmo fato jurídico, novo
lançamento não poderá ser efetuado, nem mesmo para cobrar o singelo
valor do tributo (como autoriza o art. 100, em se tratando de ato
normativo).210

Aliás, mesmo quando há uma lei interpretativa (art. 106, CTN) não se
permite que esta interpretação nova cause qualquer sanção ao contribuinte pelos
atos do passado.211

Conquanto, a confiança e a segurança jurídica encontram-se amplamente


cristalizadas no Ordenamento Jurídico vigente, seja protegendo o contribuinte para
que erros de direito, em normas que se individualizam no caso concreto, não atinjam
fatos geradores passados, seja protegendo o contribuinte da aplicação exacerbada
de sanções ficais.

6.4 Igualdade, capacidade contributiva e não-confisco. Os critérios da


razoabilidade e da proporcionalidade

A justificativa de se fazer a análise em conjunto desses três princípios tem


um propósito, que será demonstrado ao final. Contudo, além da análise em conjunto,
para fins didáticos, faz-se necessários conceituá-los em separado, iniciando-se pelo
princípio da igualdade na tributação.

O princípio da igualdade, como se sabe, está expresso no Texto


Constitucional (art. 5º, caput) e no Sistema Tributário especificamente no art. 150, II:

210
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu
Machado Derzi, p. 812.
211
Os Professores Sacha Calmon Navarro Coêlho e Valter Souza Lobato defendem que as leis
interpretativas são de duvidosa constitucionalidade em matéria tributária, tendo em vista o reforço
principiológico da CF/88 em torno da segurança jurídica (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro;
LOBATO, Valter Souza. Reflexões sobre o art. 3º da lei complementar 118. Segurança jurídica e a
boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário brasileiro. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 117, p. 108-123, jun. 2005).
137

[...] é vedado [...] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se


encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão
de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente
da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A igualdade é um princípio básico de qualquer sistema que pretende ser


justo, posto que não há injustiça maior do que o tratamento igual aos desiguais ou o
tratamento desiguais aos iguais, lembrando as palavras de Rui Barbosa.

O Texto Constitucional garante não somente a igualdade formal (igualdade


perante a lei) e a igualdade material (igualdade perante a lei), que parece ser um
jargão ou uma verdade trivial, mas mantém a importância ao longo do tempo.212

A igualdade perante a lei é aquela que demonstra ter o princípio da


legalidade também uma faceta ou um objetivo de Justiça Tributária, e não somente
de Segurança Jurídica. Ou seja, dirigida ao aplicador do Direito, a igualdade perante
a lei é a ordem expressa de que a lei é aplicável a todos. Por outro lado, a igualdade
na lei é aquela dirigida ao legislador e determina que um dos critérios lógicos da
Justiça é que a lei trate de forma igual os iguais.

No Constituição Federal o princípio da igualdade é tratado com fartura no


capítulo do Sistema Tributário, seja determinando que cada qual deve ser tributado
segundo a sua capacidade econômica, mas também determina que os contribuintes
não podem sofrer tratamento desigual se estiverem em situação equivalente, não
sendo critério diferenciador a ocupação profissional, a função exercida pelos
contribuintes (art. 150, II, CF/88), mas também veda a União Federal de instituir um
tributo que não seja uniforme em todo território nacional (art. 151, I, CF/88), exceto
se por razões sócio-econômico (restabelecer o equilíbrio federativo) ou mesmo,
permite os Estados e Municípios estabelecer diferenças tributárias entre bens e
serviços, em razão da sua procedência ou destino (art. 152, CF/88).

Como se vê, toda idéia de igualdade (e de justiça), no Direito, supõe o


confronto, a comparação. E é pelo contraste no tratamento igual ou desigual que

212
Neste sentido, alerta Humberto Ávila que a questão parece trivial, mas negligenciada nos
julgamentos em que tal dualidade do princípio é posta a prova: “É preciso, conjuntamente, que a
própria lei, cuja aplicação se guarde uniforme, seja isonômica no se conteúdo, sendo assim
considerada aquela lei que não diferencie contribuintes senão por meio de fundadas e conjugadas
medidas de comparação atreladas a finalidades constitucionalmente postas” (ÁVILA, Humberto.
Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 76077).
138

nascem os sentimentos de justiça ou de injustiça igualdade.213 Portanto, sempre


haverá um critério a diferenciar as situações distintas e um mesmo critério a
aproximar as situações similares.

Somente assim pode-se aplicar a igualdade no Direito. Porém, esta


metodologia comparativa não é possível a escolha de critérios não razoáveis,
desproporcionais ou arbitrários. Não é possível diferenciar pessoas por sua cultura,
sexo ou raça (são critérios de diferenciação, mas a luz do Direito tomá-los como
parâmetro de diferenciação é criar a discriminação. É um critério de diferenciação
injusto.

Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “o traço diferencial adotado,


necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou
seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para
assujeitá-las a regimes diferentes”214, ou seja, um fator externo não pode servir de
parâmetro de comparação. A atribuição de fatores externos somente levaria aos
privilégios legais. E arremata o autor:

[...] a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou


desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de
uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o
elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na
categoria diferenciada [...] se o fator diferencial não guardar conexão lógica
com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção
estabelecida afronta o princípio da isonomia.215

Aliás, é o próprio Celso Antonio Bandeira de Mello que estabelece alguns


parâmetros que podem gerar ofensa ao princípio constitucional da igualdade:

I - a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado,


ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e
indeterminada;
II - a norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de
regimes, elemento não residente dos fatos, situações ou pessoas por tal
modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator
‘tempo’ - que não descansa no objeto como critério diferencial;

213
DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações
constitucionais ao poder de tributar, 1999.
214
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 23.
215
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 39.
139

III - a norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de


discrímen dotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica
com a disparidade de regimes outorgados;
IV - a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas
o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer
modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente;
V - a interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens,
desequiparações que não foram professadamente assumidas por ela de
modo claro, ainda que por via implícita.216

Portanto, no Sistema Tributário - perante a lei - o contribuinte com a mesma


capacidade econômica não pode ser discriminado por sexo, cor, naturalidade,
origem e destino dos bens.217 Da mesma forma, corolário lógico do pacto federativo é
que todas as pessoas políticas da Federação são iguais e assim devem ser tratadas.

O mais marcante e correto critério de comparação no Direito Tributário218 é


aquele que determina que cada qual deve ser tributado segundo a sua capacidade
econômica.

É o que consta no art. 145, § 2º da Constituição Federal:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados


segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

No tópico anterior, verificou-se linhas atrás que a praticidade (equiparação


de diversas situações similares para constar da hipótese legal) é o meio para tornar
a lei exeqüível, o que mitiga um pouco a isonomia no tratamento, mas parece ser a
única forma da lei ser aplicável, como já demonstrado.

216
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 55-60.
217
DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações
constitucionais ao poder de tributar, p. 536 e segs.
218
Questão de alta controvérsia na doutrina é saber se o princípio da capacidade contributiva tem
aplicação a todos os tributos ou não. No nosso entender a questão é de fácil solução. A
capacidade econômica se aplica de maneira mais perfeita aos impostos pessoais, pois nestes
tributos a percepção da capacidade econômica é de mais fácil aferição. Contudo, sendo ela um
critério de realização de um valor constitucional (princípio da igualdade), deve ser aplicada sempre
e na medida do possível a qualquer tributo. Disso não temos dúvidas, em que pese a controvérsia
doutrinária. O que vale é o signo presuntivo de riqueza (Becker) que se escolhe, caso contrário
chegaria à estranha conclusão de que no imposto de renda da pessoa jurídica a capacidade
econômica é levada em consideração, mas na CSLL, que é um espelho do IRPJ, não seria
necessária a aplicação do princípio da capacidade contributiva.
140

Contudo, a legalidade também demonstra sua faceta na igualdade, pois


impede que a lei não seja aplicada a todos (se não é aplicada, a falha é do ser
humano que a pratica e não decorrente de um defeito do princípio. A impunidade
não advém do texto legal, mas da falha na sua aplicação).

Como afirma Misabel Abreu Machado Derzi, “a capacidade contributiva é, de


fato, a espinha dorsal da justiça tributária. É o critério de comparação que inspira,
em substância, o princípio da igualdade”219, mas é a própria professora que
demonstra não ser somente pela capacidade contributiva que se realiza a justiça
tributária, pois na extrafiscalidade, por exemplo, também a busca é pela realização
dos valores constitucionais, mas que a capacidade econômica fica de lado.220

Novamente, como dito pela professora, na sua espinha dorsal, a tributação


deve respeitar a tensão permanente do lado positivo da igualdade (segundo o qual o
tributo deve ser quantificado segundo a capacidade contributiva de cada um) e do
lado negativo do princípio, pelo qual o legislador deve tributar os que encontrem-se
em idêntica situação econômica.

Pode-se dizer, portanto, que é através da correta utilização da capacidade


contributiva que se encontra o ponto de equilíbrio para efetivação dos demais
princípios que cercam a Justiça na tributação: preservação da propriedade, função
social da propriedade, seletividade, progressividade, extrafiscalidade e não confisco.

Novamente o Eduardo Maneira nos dá a diretriz do que pode ser


considerado quanto ao conteúdo e a importância da capacidade contributiva como
princípio norteador do sistema tributário justo:

O princípio da capacidade contributiva é aquele que confere consistência


lógica e legitimidade à tributação. Adam Smith de há preceituava que ‘os
súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a
manutenção do governo, em proporção às suas respectivas capacidades,
isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sobre a
proteção do Estado’. É que só podem tributar fatos reveladores de
capacidade econômica, isto é, o Estado, na sua necessidade de arrecadar,
busca a riqueza onde a riqueza se encontra.Identificam-se duas correntes
doutrinárias no tocante ao conteúdo ou à natureza desse princípio. A
primeira corrente, que entende o princípio da capacidade contributiva,

219
DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações
constitucionais ao poder de tributar, p. 546.
220
Isso ocorre, por exemplo, quando se concede incentivos fiscais para que a empresa faça
determinado investimentos em tecnologia ou para que se instaure em determinado local do
território nacional.
141

natureza pragmática, de orientação, porém não coercível, e a segunda


corrente, que atribui natureza jurídica ao princípio, isto é conteúdo de regra
jurídica que vincula o legislador ordinário, obrigando-o a eleger como fatos
tributáveis, aqueles que revelem alguma forma de riqueza. Rubens Gomes
de Souza, Pontes de Miranda, A.D. Giannini, dentre outros filiam-se à
corrente pragmática, Aliomar Baleeiro, Emílio Giardina, Misabel Derzi e
outros mais, à corrente que atribuem eficácia jurídica ao princípio.221

Assim, a tributação para ser justa, deve guardar coerência entre o objeto a
ser tributado e a riqueza que este pode gerar; a capacidade do sujeito de contribuir
e, ao inverso, a sua impossibilidade de pagar tributos.

Neste sentido se manifestou o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Em primeiro lugar o princípio da capacidade contributiva, quando apresenta-


se constitucionalizado, tem por destinatário o órgão legislativo, fautor da lei
fiscal. É, assim, materialmente, norma sobre como fazer lei. Sendo assim,
se a lei oferecer o Princípio da incapacidade contributiva genericamente, da-
se de uma hipótese de inconstitucionalidade material, por isso que inexiste
fundamento material de validez da lei. Neste caso, o judiciário pode declarar
a inconstitucionalidade da lei, tanto nos encerros de uma ação direta de
inconstitucionalidade (controle concentrado), quando no bojo de uma ação
comum, incidenter tantum (controle difuso). [...]
O que precisa ficar bem claro é que o princípio da capacidade contributiva
não é dispositivo programático, noção de resto superadíssima pelo moderno
constitucionalismo, senão princípio constitucional de eficácia plena
conferente de um direito público subjetivo ao cidadão-contibuinte, oponível
ao legislador.222

Com propriedade e conhecimento, novamente o Professor Sacha Calmon


Navarro Coêlho dá o tom do que aqui se pretende defender:

A capacidade contributiva, antes de tudo, é uma categoria axiológica ou


seja tem sede no mundo dos valores. [...] o princípio da isonomia tributária
não tem condições de ser operacionalizado sem a ajuda do princípio da
capacidade contributiva, i.e., sem uma referência à capacidade de contribuir
das pessoas físicas e até jurídicas. E quem ousará dizer que o princípio da
igualdade é delirante?
[...]
É dizer a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no
cerne do estado de direito:
(a) em primeiro lugar afirma a supremacia do ser humano e de suas
organizações em face do poder de tributar do Estado;
(b) em segundo lugar obriga os poderes do Estado, mormente o Legislativo e o
Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça, através da
realização do valor igualdade, que no campo tributário, só pode efetivar-se

221
MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 65.
222
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 91-92.
142

pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.


Por isso mesmo as reflexões mais profundas e modernas ao propósito do
princípio, apresentam-se limpas da ganga positivista e do ‘fetiche legalista’.
É ver Sainz de Bujanda, dizendo que os fatos geradores só se justificam,
constitucionalmente falando, se comprometidos com o valor justiça, objeto
do estado de direito, se forem indicativos de capacidade econômica
(Hacienda y Derecho, Ed. Ins. de Estúdios Tributários, Madrid, 1966, vol. IV,
p. 551).
[...]
Por ser do homem a capacidade de contribuir, a sua medição é pessoal,
sendo absolutamente desimportante intrometer no assunto a natureza
jurídica das espécies tributárias. É errado supor que, sendo a taxa um
tributo que tem por fato jurígeno uma atuação do estado, só por isso, em
relação a ela, não há falar em capacidade contributiva. Ora, a atução do
Estado é importante para dimensionar a prestação, nunca para excluir a
consideração da capacidade de pagar a prestação, atributo do sujeito
passivo e não do fato jurígeno. O que ocorre é simples. Nos impostos, mais
que nas taxas e contribuições de melhoria, está o campo da eleição da
capacidade contributiva. Assim mesmo os impostos ‘de mercado’, ‘indiretos’
não se prestam a realizar o princípio com perfeição. É nos impostos
patrimoniais, com refrações e nos impostos sobre a renda, principalmente
nestes, que a efetividade do princípio é plena, pela adoção das tabelas
progressivas e das deduções pessoais. Nas taxas e contribuições de
melhoria o princípio realiza-se negativamente, pela incapacidade
contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do
montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica
real.223

Assim, voltando às sanções ficais e diante dos conceitos acima expostos, é


preciso saber se o princípio da capacidade contributiva se aplica ou não às sanções
fiscais e, se positivo, qual a relação deste princípio com o princípio do não confisco.

Misabel Abreu Machado Derzi demonstra que o princípio da capacidade


contributiva se fundamenta no princípio do não confisco e na igualdade, ou seja, a
gradação da capacidade contributiva se dá no respeito à pessoalidade e
proporcionalidade e o princípio da igualdade deve tratar os iguais de forma igual.224

Significa dizer que perante a lei todos devem ser tratados de forma igual, se
possuem a mesma capacidade econômica (princípio da igualdade), mas mesmo na
lei é preciso dosar a tributação, graduá-la para que seja justa (não confisco).

A questão a saber é se a capacidade contributiva também deve atuar


também nas sanções fiscais.

223
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988: sistema tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 96-97.
224
DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações
constitucionais ao poder de tributar, p. 537.
143

Marco Túlio Fernandes Ibraim defende que o princípio da capacidade


contributiva deve ser aplicável às sanções fiscais, pois se a norma tem natureza
tributária - como de fato tem - não há obstáculos para que ela seja aplicável.225
Invoca o autor que Antônio Roberto Sampaio Dória já defendia que, ao lado do
princípio do não confisco, o princípio da capacidade contributiva deveria atuar como
limite de aplicação das sanções tributárias. Caminhando no mesmo sentido Zelmo
Denari, apenas separando que nas infrações materiais os limites ou a dosimetria da
aplicação das sanções deve estar na razoabilidade e na capacidade contributiva,
enquanto que nas infrações formais o limite estaria no não confisco.

Já quando defende a forma como o princípio limitaria as sanções fiscais,


Zelmo Denari afirma que: o respeito à capacidade contributiva pressupõe a
observância, por ocasião do exercício das atividades de criação e aplicação das leis
tributárias, ao mínimo vital, individual e familiar, à necessidade de graduação da
exigência fiscal em consonância com as possibilidades econômicas do sujeito
passivo, bem como aos limites máximos além dos quais se passa a ter tributação
claramente confiscatória. Deve-se, portanto, por reverência a este princípio,
observar-se a partir de que ponto inicia-se a capacidade econômica de contribuir,
graduar-se devidamente o gravame tributário, além de se respeitar o teto máximo
cuja transposição acarreta o confisco.

De fato, quando da imposição das multas (ou sanções pecuniárias fiscais) é


preciso ter uma atenção especial para que a sanção não deturpe o tributo, posto que
se às sanções não existissem limites, a insegurança jurídica voltaria a reinar para
aqueles que pretendessem discutir tributos tidos por ilegais ou inconstitucionais.

Porém, não há necessidade de aplicar o princípio da capacidade contributiva


para que impeça a aplicação de uma sanção excessiva, proibitiva ou confiscatória.
Da mesma forma que a igualdade e o não confisco limitam a capacidade
contributiva, estes dois parâmetros devem ser aplicados às sanções fiscais.

Ainda no citado artigo de Marco Túlio Fernandes Ibraim, Eduardo Rocha


Dias e Natércia Sampaio Siqueira, são citados visto que ambos afirmam que

225
IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. A conformação das sanções fiscais pela observância da
capacidade econômica dos contribuintes: análise segundo o princípio da capacidade contributiva.
In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Grandes temas do direito tributário sancionador. São
Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 355-375.
144

a capacidade contributiva é absolutamente apta a servir de limite último na


estipulação de multas. Para uma melhor compreensão do que foi dito, nota-
se que os limites da capacidade contributiva consistem no mínimo vital e no
confisco, de maneira que se a multa ultrapassar esses limites ela estará ou
ferindo a dignidade básica do indivíduo, ou inviabilizando o exercício das
liberdades individuais, sendo uma e outra situação absolutamente vedada
pelo ordenamento jurídico.226

Não há mal algum em respeitar a capacidade econômica do infrator, mas


este não parece ser o objetivo final das sanções fiscais. Nas sanções fiscais a
hipótese não possui um signo de riqueza e sim um ato ilícito, além disso a função da
sanção deve ser (a) educar, para que não mais se repita o ato; (b) punir, para que
sirva de exemplo aos demais que desejarem a mesma conduta e (c) indenizar,
aquele que ficou restrito dos valores devidos.

Veja-se que as lentes da limitação dos impostos podem ser a razoabilidade,


a proporcionalidade, seletividade, progressividade, a igualdade, a preservação do
mínimo vital, o não confisco, mas o foco deve ser buscar tributar o contribuinte nos
limites de suas riquezas. Portanto, um contribuinte é tratado de forma diferente do
outro em relação a sua capacidade econômica.

Por outro lado, as sanções fiscais também devem ter as lentes da igualdade,
do não confisco e da proporcionalidade, mas o critério da dosimetria será a
gravidade da infração.

Assim, se determinado contribuinte deixou de pagar o tributo, sendo este


contribuinte uma empresa de pequeno porte, optante pelo simples ou sendo ele uma
grande empresa, terá que pagar a multa pelo cometimento da infração,
independente da capacidade econômica (sempre percentualmente relacionado ao
tributo que deixou de pagar).

Portanto, os mesmos critérios de quantificação, aplicáveis aos tributos


devem também ser aplicáveis às sanções, quais sejam, proporcionalidade,
razoabilidade, mínimo vital, não confisco.

É óbvio que no estabelecimento da sanção assim como na sua


aplicabilidade, a gravidade da conduta deve ser aferida, juntamente com a gravidade

226
IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. A conformação das sanções fiscais pela observância da
capacidade econômica dos contribuintes: análise segundo o princípio da capacidade contributiva,
p. 371.
145

da infração cometida. Neste último aspecto, as sanções fiscais são quantificadas de


forma proporcional ao tributo, o que acarreta a aplicação indireta da capacidade
econômica, mas este é um aspecto marginal ao Direito Tributário Sancionador.

Elemento importante em igual medida às sanções fiscais e aos tributos é a


mensuração do não confisco.

Memoráveis as lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Destarte, se há fiscalidade e extrafiscalidade e se a extrafiscalidade adota a


progressividade exacerbada para atingir seus fins, deduz-se que o princípio
do não-confisco atua no campo da fiscalidade tão-somente e daí não sai;
sob pena de antagonismo normativo, um absurdo lógico-jurídico. Em sua
formulação mais vetusta o princípio do não-confisco originou-se do pavor da
burguesia nascente em face do poder de tributar dos reis’ [...] ‘No entanto,
é bom frisar, o princípio do não-confisco tem sido utilizado também
para fixar padrões ou patamares de tributação tidos por suportáveis
[...] Neste sentido, o princípio do não-confisco se nos parece mais com
um princípio da razoabilidade a tributação.227

Estevão Horvath, em que pese ter ressalvas quanto a aplicação de tais


princípios às sanções fiscais, traz interessante forma de comunicação e conexão
entre os princípios da isonomia, capacidade contributiva, não-confisco e
progressividade, o que auxilia na conceituação do que seja não confisco:

O princípio inibidor da tributação confiscatória, normalmente, é visto como:


a) projeção do princípio da capacidade econômica;
b) um componente a mais do princípio de justiça tributária e
c) limite ao princípio da progressividade.
[...]
Com efeito, ainda que não existisse o princípio da capacidade contributiva
previsto de forma explícita, ele seria decorrência inexorável da isonomia das
pessoas com relação à tributação. De igual modo, a proibição de tributo
confiscatório, caso não disposta expressamente no corpo da Constituição,
decorreria implicitamente da proteção que esta atribui ao direito de
propriedade e também do princípio da capacidade contributiva.
Efetivamente, se este último postulado prega que todos devem contribuir
(visando ao bem comum) aos gastos públicos, na medida de suas
possibilidades, isto significa que todas as pessoas devem ser tributadas
(afora as exceções que decorram de outros princípios) e devem sê-lo na
proporção de suas possibilidades econômicas. Isto, por sua vez, implica que
a tributação não pode ir além dessas possibilidades, sob pena de ser
confiscatória.
[...]

227
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 250-253, grifo nosso.
146

Nesta linha de raciocínio, também a proibição do confisco entra como


importante ingrediente na elaboração de uma tributação mais justa.
Deveras, parece impossível conceber que alguém entenda justo que a
tributação, embora consentida (fictamente, ao menos), possa ser fixada em
qualquer proporção, desconsiderando as características - ainda que de
forma genérica e estimada - individuais daquele que a ela estará sujeito.
Mais que isso, ela não pode ser gravosa a ponto de ir além do que seria
razoável para, ao mesmo tempo, procurar cobrir as despesas com as
necessidades públicas e não desfalcar de forma desmedida a renda e/ou o
patrimônio do cidadão.
[...] a vedação de confisco serve como limite à progressividade. Esta é,
talvez, a função mais evidente do princípio em comento. Realmente, mesmo
que entendamos - como, de fato, o fazemos - que sempre que a estrutura
intrínseca do imposto comportar, ele deva ser progressivo (e não somente
nos casos expressamente previstos no Texto Constitucional), é elementar
que essa progressividade deve ter um limite e este lhe é dado exatamente
pelo princípio que proíbe a tributação com efeito confiscatório. De toda
sorte, ainda que inexistisse explicitamente este preceito constitucional, a
limitação da tributação, como já se disse, seria extraída do direito de
propriedade e da capacidade contributiva, pelo menos. Todavia, com a
referência expressa a ele, tem-se - se é que se pode assim dizer - uma
limitação concreta e manifesta à tributação.228

Pois bem, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o princípio do não


confisco se aplica também as sanções fiscais. O argumento utilizado foi que assim
como na capacidade contributiva, busca-se proteger a propriedade (direito
fundamental), não podendo o Estado, seja para tributar, seja para punir, usurpar a
propriedade do contribuinte.

Com efeito, o Texto Constitucional em seu artigo 150, inciso IV, veda o
estado utilizar tributo com efeito de confisco. Apesar de referir-se a tributo, o
dispositivo aplica-se igualmente às multas pelo descumprimento das obrigações
tributárias principais e acessórias, as quais - em caso de excesso - devem ser
reduzidas a valores razoáveis pelo julgador administrativo ou pelo Judiciário.

É o que reconhece a doutrina229:

Não duvidamos que a multa e o tributo [...] são entes distintos. [...] Ora, o
que seria a imposição de multas com conteúdo confiscatório se não
expediente de amesquinhamento, por via oblíqua, da propriedade privada
do contribuinte? [...] Por terem a mesma ratio, qual seja, a proteção da

228
HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002.
p. 32-33.
229
Carlos Cezar Souza Cintra e Hugo de Brito Machado Segundo entendem que o princípio da
vedação ao confisco não se aplicaria às sanções fiscais (CINTRA, Carlos Cezar Souza. Reflexões
em torno das sanções administrativas tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Sanções
administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 54-98).
147

propriedade privada do contribuinte, tanto a aplicação da multa como a


imposição de tributo devem se submeter à dicção de uma mesma normal.230

Repita-se, o desrespeito à propriedade privada não pode ocorrer, seja pela


cobrança exacerbada de tributos, seja pela aplicação desarrazoada das multas,
posto que o Sistema Tributário não permite o confisco. Este pode até ser visto em
alguns casos, mas na esfera penal apenas e tão-somente.

Humberto Ávila, numa interessante visão, liga o não confisco não como um
moderador da capacidade contributiva, mas ligado diretamente aos postulados da
proporcionalidade e razoabilidade, o que parece ser o mais adequado:

Aquilo que os tributaristas chamam de confisco é a invasão do núcleo


essencial pela instituição de um tributo excessivo que viola o direito de
propriedade. A multa, porém, mesmo não sendo tributo, restringe o mesmo
direito fundamental, que é o da propriedade e da liberdade. Por isso, pouco
importa que o artigo 150, IV, faça referência a tributos. Pelo próprio direito
fundamental chega-se à proibição de excesso, que, no caso de instituição
de tributos, se chama proibição de confisco.231

Desde muito Sacha Calmon Navarro Coêlho já fazia tal defesa, mas ligando
o não confisco não somente à razoabilidade e à proporcionalidade, mas também as
funções das multas, ou seja, se a penalidade ultrapassa (não a capacidade
econômica) o parâmetro que poderia punir e prevenir novos incidentes, passa a ser
confiscatória.

Uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas


e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da
penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo
constitucional que proíbe o confisco. [...]
Não obstante, diante dos exageros do legislador, compete ao Judiciário,
baseado no princípio da não confiscatoriedade da multa fiscal, impor limites
às penalidades desmedidas.232

230
FREITAS, Leonardo e Silva de Almendra. Da estendibilidade do princípio do não-confisco às
multas tributárias pecuniárias. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 12, n. 54,
p. 212-232, jan./fev. 2004. p. 211.
231
ÁVILA, Humberto. Multa de mora. Exames de razoabilidade, proporcionalidade e excessividade.
ÁVILA, Humberto (Org.). Fundamentos do estado de direito: estudos em homenagem ao professor
Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 162.
232
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 67-68.
148

No mesmo caminhar o restante da doutrina:

A respeito das multas confiscatórias, em decorrência do montante excessivo


ou despropositado em relação à infração tributária, o Prof. Sampaio Dória,
citado pelo Ministro Bilac Pinto, é incisivo:
Não só o art. 141, § 31, da Carta Magna [de 1946], impossibilitaria
penalidades assim desarrazoadas, mas a própria diretriz da capacidade
contributiva obstaria a imposição de penas que exorbitassem da capacidade
econômica dos indivíduos. Reconhecida ao judiciário a faculdade de rever e
reduzir multas exigidas pelo fisco, são elas depuradas de seu eventual feitio
confiscatório com grande facilidade. Aliás, dessa superintendência sobre a
ação repressiva da administração têm os nossos tribunais feito largo uso,
aparando-lhe os freqüentes excessos na matéria’ (RTJ 82/815).
[...]
O Ministro Bilac Pinto assevera:
‘Devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as
penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao
mesmo tipo de controle jurisdicional’ (RTJ 82/814).233

Demonstrando exatamente o que aqui se defende, ou seja, de que a multa


deve ser razoável, proporcional, limitada, não excessiva, porque senão poderia de
forma indireta e via sanções reinstalar o confisco no Sistema Tributário.

Ademais, a gradação das sanções pecuniárias, em especial as multas,


necessita ser razoável, proporcional à infração, limitada, não excessiva nem
confiscatória, pois uma multa excessiva ultrapassando o razoável para
dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores [...] caracteriza, de
fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o
confisco.234

Cláudio Renato do Canto Farág afirma, como já se viu, que os princípios do


não confisco e da razoabilidade devem também ser aplicáveis às sanções:

As leis que estabelecem multas abusivas podem ser questionadas e


declaradas inconstitucionais em face dos princípios da razoabilidade das
leis, do não-confisco, da capacidade contributiva, da legalidade, da
irretroatividade das leis e da anterioridade, e outros.235

Leandro Paulsen, indo de forma objetiva à aplicação do princípio, entende

233
ARZUA, Heron; GALDINO, Dirceu. As multas fiscais e o Poder Judiciário. Revista Dialética de
Direito Tributário, São Paulo, v. 20, p. 34-40, maio 1997. p. 37-38.
234
CRETTON, Ricardo Aziz. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e sua aplicação
no direito tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 127.
235
FARÁG, Cláudio Renato do Canto. Multas fiscais: regime jurídico e limites de gradação. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 148.
149

que o patamar máximo das multas - a bem da vedação ao confisco - já foi 30% e
atualmente entende que não pode passar de 30%:

A multa moratória jamais pode assumir caráter abusivo. Outrora, seguimos


a orientação do STF, estabelecendo o limite máximo a ser admitido em
30%. Entendemos, contudo, agora, que o percentual de 20% já se situa na
divisa entre a punição severa e o excesso vedado. Se de um lado, não cabe
ao magistrado estabelecer percentual que entenda ideal, por certo que,
sendo provocado, pode reduzir a multa a patamar suportável, tendo em
conta a natureza da falta cometida, qual seja, a inadimplência.236

Pois bem, no Supremo Tribunal Federal a aplicação do não confisco às


multas já demonstra ser uma posição tradicional daquela Corte Maior, como
comprovam os acórdãos a seguir, transcritos em ordem cronológica:

Conheço do Recurso e dou-lhe parcial provimento para julgar procedente o


executivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos
de 100% do imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para
30%, base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do
contribuinte.237

Multa fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstâncias do caso


concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco.238

ICM. Redução de multa de feição confiscatória. Tem o STF admitido a


redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela,
pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. Dissídio de
jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido.239

Não se pode pretender desarrazoada e abusiva a imposição por lei de multa


- que é pena pelo descumprimento da obrigação tributária - de 30% sobre o

236
PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência, p. 1.070.
237
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 81.550/MG. 2. T. Rel. Min. Xavier de Albuquerque, j.
20/05/1975. DJ, Brasília, 13 jun. 1975. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li
starJurisprudencia.asp?s1=(81550.NUME. OU 81550.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em:
26 maio 2010.
238
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 82.510/SP. 2. T. Rel. Min. Leitão de Abreu, j.
11/05/1976. DJ, Brasília, 06 ago. 1976. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li
starJurisprudencia.asp?s1=(82510.NUME. OU 82510.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em:
26 maio 2010.
239
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 91.707/MG. 2. T. Rel. Min. Moreira Alves, j. 11/12/1979.
DJ, Brasília, 29 ago. 1980. p. 975. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar
Jurisprudencia.asp?s1=(91707.NUME. OU 91707.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26
maio 2010.
150

valor do imposto devido, sob o fundamento de que ela, por si mesma, tem
caráter confiscatório. Recurso extraordinário não conhecido.240

IPI. Multa moratória. Art. 59. Lei 8.383/91. Razoabilidade. A multa moratória
de 20% do valor do imposto devido, não se mostra abusiva ou
desarrazoada, inexistindo ofensa aos princípios da capacidade contributiva
e da vedação ao confisco. Recurso extraordinário não conhecido.241

O próprio Plenário do STF deixou cristalino que o caráter confiscatório da


multa se revela quando há descompasso entre a penalidade e a conduta que a
enseja:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO


ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-
RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS.
VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. “A
desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência
jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o
patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do
texto constitucional federal. Ação julgada procedente.242

E mais recentemente:

A proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se


trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas
obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta
Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no
campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do
patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela
insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência
digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular
satisfação de suas necessidades vitais básicas. O Poder Público,
especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do
‘quantum’ pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir
imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente

240
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 220.284-6/SP. 2. T. Rel. Min. Moreira Alves, j.
16/05/2000. DJ, Brasília, 10 ago. 2000. p. 11. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprud
encia/listarJurisprudencia.asp?s1=(220284.NUME. OU 220284.ACMS.)&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 26 maio 2010.
241
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 239.964/RS. 1. T. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 15/04/2003.
DJ, Brasília, 09 maio 2003. p. 61. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJ
urisprudencia.asp?s1=(239964.NUME. OU 239964.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em:
26 maio 2010.
242
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn nº 551-1/RJ. T. Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão, j.
24/10/2002. DJ, Brasília, 14 fev. 2003. p. 58. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprude
ncia/listarJurisprudencia.asp?s1=(551.NUME. OU 551.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em:
26 maio 2010.
151

condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como


verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos
estatais.243

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.


TRIBUTÁRIO. MULTA PUNITIVA. VEDAÇÃO DE TRIBUTAÇÃO
CONFISCATÓRIA. ART. 3º DA LEI 8.846/94. ADI 1.075-MC/DF. EFICÁCIA
ERGA OMNES DA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - É aplicável a proibição constitucional do confisco em matéria tributária,
ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo
contribuinte de suas obrigações tributárias. Precedentes. II - Eficácia erga
omnes da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade,
conforme disposto no art. 11, § 1º, da Lei 9.868/99. III - Inexistência de
novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora
atacada, que deve ser mantida. IV - Agravo regimental improvido.244

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.


CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MULTA. VEDAÇÃO DO EFEITO DE
CONFISCO. APLICABILIDADE. RAZÕES RECURSAIS PELA
MANUTENÇÃO DA MULTA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PRECISA DE
PECULIARIDADE DA INFRAÇÃO A JUSTIFICAR A GRAVIDADE DA
PUNIÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. Conforme orientação fixada pelo
Supremo Tribunal Federal, o princípio da vedação ao efeito de confisco
aplica-se às multas. 2. Esta Corte já teve a oportunidade de considerar
multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio
da vedação do confisco. Caso em que o Tribunal de origem reduziu a multa
de 60% para 30%. 3. A mera alusão à mora, pontual e isoladamente
considerada, é insuficiente para estabelecer a relação de calibração e
ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da punição.
É ônus da parte interessada apontar peculiaridades e idiossincrasias do
quadro que permitiriam sustentar a proporcionalidade da pena almejada.
Agravo regimental ao qual se nega provimento.245

Analisando as decisões cujas ementas encontram-se acima colacionadas,


verifica-se que, sempre que se invoca o não confisco, ao lado se postam os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, nos termos dos ensinamentos do

243
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 1.075/DF. T. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello, j.
17/06/1998. DJ, Brasília, 24 nov. 2006. p. 59. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/
verProcessoAndamento.asp?numero=1075&classe=ADI-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recu
rso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.
244
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 482.281 AgR. 1. T. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
30/06/2009. DJ, Brasília, 21 ago. 2009. p. 1.390. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/proce
sso/verProcessoAndamento.asp?numero=482281&classe=AI-AgR&codigoClasse=0&origem=JUR
&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.
245
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 523.471 AgR. 2. T. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.
06/04/2010. DJ, Brasília, 23 abr. 2010. p. 915. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/proces
so/verProcessoAndamento.asp?numero=523471&classe=RE-AgR&codigoClasse=0&origem=JUR
&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.
152

Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho.

Três conclusões é preciso extrair: Em primeiro, a de que no Brasil, a


infração tributária não pode gerar o perdimento de bens e o confisco, que
isso é vedado pela Constituição. Em segundo lugar, a de que a infração
tributária pode ocasionar pena pecuniárias, mas não penas privativas de
liberdade, atribuição da lei penal, nem pena de confisco ou perdimento de
bens, que exige lei específica tipificante e um processo de execução
especial. Em terceiro lugar, a de que uma multa excessiva ultrapassando o
razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores [...].246

Também como defende Humberto Ávila, a razoabilidade exige harmonização


da norma geral com os casos individuais, exige a harmonização das normas com as
duas condições externas de aplicação (uma causa real que justifique a sua
instituição) e uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a
dimensiona.247

Importante lembrar que Humberto Ávila classifica tais princípios


(razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao excesso ou não confisco) com a
função de estabelecer critérios para aplicação dos princípios e das regras, ademais
os postulados não ditam condutas obrigatórias, mas parâmetros para realização do
fim das demais normas.

Como visto no capítulo anterior, às regras cabem os fenômenos da


subsunção, da revogação e da derrogação, enquanto que aos princípios cabem as
diretrizes do sistema e a possibilidade de manter atual o sistema do Direito, por fim,
aos postulados cabe resolver os eventuais conflitos existentes entre os princípios.

A respeito da proporcionalidade e razoabilidade, o Ministro Celso de Mello


na ADIn nº 1.320:

[...] Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio


da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da
razoabilidade dos atos estatais [...] - como postulado básico de contenção
dos excessos do Poder Público. [...] o princípio da proporcionalidade,
essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível
à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o
arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas
cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua
dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of Law [...]

246
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 66-67.
247
ÁVILA, Humberto. Multa de mora. Exames de razoabilidade, proporcionalidade e excessividade, p.
149-168.
153

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a


inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que
lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter
legislativo e regulamentar. Dentro dessa perspectiva, o postulado em
questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos
emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da
própria constitucionalidade material dos atos estatais [...].248

Em outra decisão do Supremo Tribunal Federal, em que o Relator designado


foi o Ministro Gilmar Mendes, este trouxe lições de Robert Alexy para conformar o
conflito encontrado nos princípios constitucionais.

Cabe aqui a transcrição de alguns trechos do acórdão:

Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a


análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao
princípio constitucional da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido
processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio de proibição do
excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao
conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a
estabelecer um limite do limite ou uma proporcionalidade, na expressão de
Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos
fundamentais concebido de modo relativo - tal como defende o próprio
Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina
o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito
fundamental.249

Diz, ainda, o voto que o princípio da proporcionalidade abarca as colisões de


bens, valores ou princípios constitucionais. O próprio exigir do princípio da
proporcionalidade representa uma fórmula ou método para solução de conflitos entre
princípios.

[...] um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é


resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas
conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as
normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de
cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões
em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da
proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens
constitucionais.

248
GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Sistema Tributário Nacional na jurisprudência do STF. São
Paulo: Dialética, 2002. p. 326.
249
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. IF nº 164-1/SP. T. Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. Rel. p/
Acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 03/02/2003. DJ, Brasília, 14 nov. 2003. p. 14. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=164&classe=IF&codig
oClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.
154

Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando


verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre
distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o
peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas
que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as
máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. [...] há de perquirir-se,
na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre
dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se
adequado (isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é,
insubstituível por outro meio menos gravoso igualmente eficaz) e
proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação
ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização
do princípio contraposto).

No mesmo acórdão, verificando as três máximas do princípio da


proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcional em sentido estrito, afirma
a Corte Suprema: “A intervenção não atende, por fim, ao requisito da
proporcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência
da proporção entre o objeto perseguido [...] e o ônus imposto ao atingido”.

No caso, entendeu o Ministro que os créditos de natureza alimentícia (objeto


perseguido do processo onde foi proferida a decisão) são de extrema relevância,
mas de outro lado existiriam bens constitucionais de mesma relevância que estariam
sendo atingidos ao impor o ônus da intervenção ao atingido (Estado ou, como dito
no voto, sociedade).

Quanto à proporcionalidade, registra o autor:

Compõe-se o princípio da proporcionalidade de três máximas, elementos ou


subprincípios: (1) idoneidade, pertinência, aptidão ou adequação
(Geeignetheit) do meio empregado para atingir determinado fim de interesse
público; (2) exigibilidade ou necessidade (Erforderlichkeit) da medida, que
não deve ultrapassar os limites indispensáveis à conservação do fim que se
almeja (postulado do meio mais benigno); e (3) proporcionalidade stricto
sensu (Verhältnismässigkeit), devendo a escolha do meio ou meios, no caso
específico, considerar o conjunto dos interesses em pauta (postulado da
ponderação).
O primeiro desses elementos ou subprincípios, o da adequação e
conformidade do meio e da validade do fim, confunde-se com o da proibição
do excesso ou vedação do arbítrio (Übermassverbot), denominação também
utilizada com o significado do princípio (geral) da proporcionalidade. [...]
O segundo elemento ou subprincípio, o da exigibilidade ou necessidade,
leva à dosagem do meio em vista do fim pretendido, podendo ser ilustrado
pela máxima: de dois males, escolha-se o menor. Ou seja: cumpre optar,
dentre as várias medidas que atendem a determinada finalidade, pela
menos prejudicial aos interesses do cidadão, o que leva à escolha do meio
mais suave, à menor ingerência possível, como repete Canotilho, averbando
que, em face da relatividade do subprincípio, a doutrina lhe adita outros
elementos de maior operacionalidade prática:
155

‘a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais ‘poupado’ possível
quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial
aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a
exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da
medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a
medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser
sacrificados.’
Quanto ao terceiro elemento ou subprincípio, o da proporcionalidade em
sentido estrito, que pondera meios e fins, avaliando se aqueles são
proporcionais a estes e sopesando se as desvantagens coativas dos meios
se justificam em relação às vantagens dos fins, sua aplicação envolve ao
mesmo tempo uma obrigação e uma interdição: obrigação de fazer uso de
meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionais.250

Sobre a razoabilidade, leciona Ricardo Aziz Cretton:

A garantia do devido processo legal nascida para prestigiar o princípio da


liberdade, acabou por transformar-se num amálgama entre o princípio da
legalidade (rule of law) e o da razoabilidade (rule of reasonableness) -
observa atentamente Siqueira Castro. Trata-se - prossegue em outro trecho
- de um estágio superior e hipercriativo do dogma da legalidade, onde o
mesmo é elevado à potência de ideal supremo de justiça, nas nervosas
relações entre a autoridade constituída e as autonomias individuais e
coletivas, surgindo daí um amplo horizonte para o questionamento judicial
acerca do mérito dos atos legislativos e administrativos, chegando-se ao
controle judicial da razoabilidade e racionalidade das classificações
legislativas.
Pois legislar significa classificar. Classificam-se pessoas e bens segundo os
mais diversos critérios fáticos para fins de se atribuir a cada conjunto da
realidade efeitos jurídicos singulares e de toda espécie. Valem transcritas a
respeito outras felizes lições de Siqueira Castro:
‘A norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa,
devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao
atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto há de
existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si
e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim -
means-and-relationship, segundo a nomenclatura norte-americana - da
norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica
resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade,
consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem
mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é
dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na
sociedade política. [...]’
Aqui se entrecruzam as cláusulas do substantive due process e da equal
protection, esta representativa do princípio da isonomia, indexada ao valor
justiça e que deve informar a class legislation, ou seja, toda e qualquer
norma discriminatória, como aponta San Tiago Dantas em memorável e
precursor artigo, datado de 1948 e de obrigatória referência:
‘As duas cláusulas convizinham e não raro se confundem. Uma lei que cria
arbitrariamente para determinada pessoa ou grupo de pessoas tratamento
mais rigoroso que o adotado para a comunidade, não será due process of
law e também infringirá a cláusula de igualdade.’

250
LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do
equilíbrio de suas fontes, p. 58-59.
156

[...]
Quatro seriam os standards de razoabilidade a pautar o controle
jurisdicional: (1) rule of expediency (perquirição da necessidade e
oportunidade do ato legislativo); (2) balance of convenience (ponderação da
proporção eqüitativa entre as restrições da lei e a vantagem coletiva
superveniente); (3) rule of reasonableness (investigação da racionalidade e
razoabilidade dos fins da lei, dos meios empregados e da proporção entre
uns e outros diante das cláusulas de liberdade); e (4) rule of certainty
(certeza e clareza do que proscrevem as leis de política social e respectivas
sanções; tipicidade, em suma).
[...]
Liberdade, propriedade, igualdade e justiça - estes os valores (e a
principiologia, afinal) que se instrumentalizam por intermédio da cláusula do
devido processo legal, cuja versão substantiva implica no recurso aos testes
de racionalidade e razoabilidade-proporcionalidade, em seus variados
coloridos e matizes.251

Demonstrando que o princípio da razoabilidade pode e deve ser uma arma


utilizada pelo Poder Judiciário, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

Trata-se de princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais uma das


tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa,
ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder
Judiciário.
Segundo Gordill ‘a decisão discricionária do funcionário será ilegítima,
apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é
‘irrazoável’, o que pode ocorrer, principalmente, quando: a) não dê os
fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou; b) não leve em conta
os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; ou c) não guarde
uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei
deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida despropositada,
excessiva em relação ao que se deseja alcançar’.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989: 37-40) dá maior realce a esse
último aspecto ao afirmar que, pelo princípio da razoabilidade, ‘o que se
pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público,
de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para
um satisfatório atendimento dos interesses públicos’. Ele realça o aspecto
teleológico da discricionariedade; tem que haver uma relação de pertinência
entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finalidade, de outro.
Para esse autor, ‘a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na
avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e
proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública
específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto,
exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente
para que ela seja atingida.252

Voltando ao defendido em item anterior, não se pode no campo das sanções

251
CRETTON, Ricardo Aziz. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e sua aplicação
no direito tributário, p. 50-56.
252
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 80-81.
157

fiscais defender a aplicação dos princípios da capacidade contributiva + igualdade +


não confisco. O que se busca no campo das sanções fiscais é a aplicação dos
princípios da igualdade253 + não confisco + proporcionalidade + razoabilidade.

São inadmissíveis as multas excessivamente onerosas, insuportáveis,


irrazoáveis. O princípio da proporcionalidade impede se possa reconhecer
validade a uma multa quando se evidencie o descompasso entre o grau da
infração e a punição cominada. Nota-se que tanto a instituição de tributos,
como a previsão de multas devem conformar-se não apenas ao princípio da
legalidade, mas também aos demais princípios, sob pena de invalidade.254

Aliás, alguns julgados, com sabedoria ímpar, a bem da preservação dos


direitos e garantias constitucionais aliam o valor da multa ao valor do tributo para
verificação da vedação ao confisco, fazendo a seguinte equação: um tributo de 1%
sobre uma base tributável e uma multa de 75% terá, ao final, um valor de 1,75%
sobre a base tributável. Por outro lado, um tributo que corresponde a 30% da base
tributária, se aliar uma multa de 100%, chegará a uma fórmula final de 60% da base
tributável. Certamente o confisco estará instaurado.

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.


PARCELAMENTO. MULTA CONFISCATÓRIA. SELIC. FINSOCIAL.
INCONSTITUCIONALIDADE. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. LEI
8383/91, ART.66.
I - O STF consagrou a possibilidade de controle jurisdicional da multa
tributária, quanto à proporcionalidade e à proibição do confisco, tendo
considerado legítimos percentuais de até 30% do valor do tributo.
II - Relativamente a percentuais maiores, a jurisprudência é vacilante,
devendo, no entanto, ser considerados os seguintes critérios: (a) o caráter
acessório da multa recomenda fixar no valor do próprio tributo um limite
inicial, que, embora não seja absoluto, exigirá uma maior justificativa ao
legislador que queira ultrapassá-lo; (b) a gravidade da infração punida
também permite a aplicação de percentuais maiores; (c) a aplicação da
multa em percentual mais alto não deve elevar a carga tributária integral de
forma a aniquilar a base tributável.
III - No caso, embora o percentual de 75% seja inferior ao valor do tributo, e
apesar da gravidade da infração cometida (omissão de receitas pelo envio
ao exterior, via contas CC5, de valores sem lastro na receita declarada, com
repercussões inclusive penais), a manutenção do percentual de 75%,
inclusive na tributação reflexa pela contribuição social sobre o lucro líquido,
redundará, considerado o encargo legal do DL 1025/69, numa carga
tributária total próxima de 70% do lucro auferido, percentual acima de todos
os limites do razoável. Por outro lado, não se pode penalizar infração tão
grave de forma equivalente ao mero inadimplemento, aplicando-se apenas

253
Seja igualando aqueles que cometem as mesmas infrações, seja desigualando aqueles que estão
acometidos da mesma penalidade, mas com infrações absolutamente distintas.
254
PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência, p. 224.
158

20%. IV - Percentual de multa reduzido para 40% do valor do principal, para


que sejam punidas adequadamente todas as infrações cometidas.
V - Não há mais controvérsia jurisprudencial a respeito da possibilidade de
utilização da SELIC como critério de juros moratórios para débitos fiscais,
destacando-se que: (a) os diplomas instituidores do critério não permitem
cumulação com correção monetária; (b) a cumulação com a multa de mora
é possível, dada a diversidade de natureza (indenizatória X punitiva); (c) o
art.161, par.1º do CTN não impede a fixação de juros acima do patamar
nele estabelecido e o art.192, par.3º da redação original da CF, já revogado,
era norma de eficácia reduzida, não se aplicando, ademais, ao Sistema
Tributário; (d) a distinção entre juros remuneratórios e moratórios é
irrelevante para a questão, pois estes, por serem resposta à ilicitude,
tendem a ser mais onerosos que os primeiros; (d) não há afronta à
legalidade, pois a aplicação da similar TRD como juros de mora foi
confirmada pelo STF;(e) a incidência da SELIC é simples, não havendo
anatocismo a ser afastado. [...].255

E, de novo, a conduta deve ser verificada também em relação a infração.


Não parece lógico que uma multa de mora (simples não recolhimento) possa gerar
uma pesada infração. Veja o julgado abaixo:

TRIBUTÁRIO. EXECUCAO FISCAL. SALÁRIO-EDUCACAO. MULTA [...].


[...] 3. Multa simplesmente moratória de 60% mostra-se excessivamente
onerosa, desproporcional e abusiva, assumindo inadmissível caráter
confiscatório, sendo cabível sua redução para 30% [...].256

Nota-se que mesmo quando o STJ manteve uma multa de 100%, só o fez,
pois constatou que no caso específico (cobrança de débito de Imposto sobre a
propriedade de veículos automotores - IPVA), a base de cálculo do imposto era
inexpressiva e, portanto, o percentual fixado não poderia ser considerado ofensa ao
princípio do não confisco. Em que pese mantida a penalidade, note-se nitidamente
que o critério utilizado se deu com base na proporcionalidade e razoabilidade:

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE


SEGURANÇA. IPVA ATRASADO. INCIDÊNCIA DE MULTA DE 100%
SOBRE O VALOR DA EXAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE CONFISCO.

255
BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). AC nº 2004.51.01.502167-4. 4. T. Des. Rel. Luiz
Antonio Soares. DJU, Rio de Janeiro, 16 out. 2008. Disponível em: <http://www.trf2.jus.br/Paginas/
Resultado.aspx?Content=4CA46B7382EE606F13660929B39F965E?proc=200451015021674&an
dam=1&tipo_consulta=1&mov=3>. Acesso em: 26 maio 2010.
256
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AC nº 2000.04.01.032749-6. 1. T. Rel. Juiz
Leandro Paulsen. DJU, Porto Alegre, 15 out. 2001. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/proce
ssos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200004010327496&chk
MostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sis
tema=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=>. Acesso em: 26 maio 2010.
159

I - A multa aplicada no campo tributário deve seguir os mesmos princípios


existentes para este ramo do direito, pois, apesar de não ser tributo,
restringe o mesmo direito fundamental que este, que é a propriedade.
Assim, a proibição contida no art. 150, IV, da Constituição Federal, de
instituição de tributo com efeito de confisco, também se aplica às multas
decorrentes da exação.
Precedente do STF: ADI n. 1075/MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de
24/11/2006.
II - Não configura confisco, entretanto, a aplicação de multa de 100% sobre
débito de IPVA, visto que a alíquota deste imposto, incidente sobre o valor
venal do veículo, atinge parcela pouco expressiva do bem.
III - Recurso ordinário improvido.257

Cabe aqui a transcrição do voto do relator do acórdão, Ministro Francisco


Falcão, cujo inteiro teor segue em anexo e ao final.

De início, cumpre consignar que a multa aplicada no campo tributário


deve mesmo seguir os princípios existentes para este ramo do direito,
pois, apesar de não ser tributo, restringe o mesmo direito fundamental
que este, que é a propriedade. Assim, onde há a mesma intenção,
aplica-se o mesmo direito, inclusive no que tange à incidência do
disposto no art. 150, IV, do CTN, que trata da proibição do confisco no
campo tributário, conforme o seguinte precedente do STF, verbis:
[...] omissis
É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o
Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não,
o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150,
IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma
legislativo (Lei 8.846⁄94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa
fiscal de 300% (trezentos por cento).
- A proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se
trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte,
de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a
interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental
que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação
estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos
contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga
tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de
atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas
necessidades vitais básicas.
(omissis) (ADI n. 1075⁄MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24⁄11⁄2006.)
Adiante, cabe analisar se a multa de 100% aplicada pela Secretaria de
Fazenda do Estado de Goiás sobre débitos de IPVA é confiscatória.
Confiscar é tomar para o Fisco os bens de alguém em proveito do Estado. A
constituição federal veda a utilização do tributo com efeito de confisco, ou
seja, impede que, a pretexto de cobrar tributos, se aposse o Estado dos
bens do indivíduo. Mas não se quer com a vedação outorgar à propriedade

257
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 29.302/GO. 1. T. Rel. Min. Francisco Falcão, j.
16/06/2009. DJe, Brasília, 25 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=200900669655&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
160

uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, que se instituído em


limites razoáveis é legítimo.
Vê se pois que o princípio que veda o confisco atua em conjunto com
o princípio da capacidade contributiva, em face do qual o gravame
deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada
situação impositiva. Desta forma, o problema está em saber até onde
pode avançar o tributo sobre o patrimônio do indivíduo, sem configurar
confisco, ou, considerada isoladamente certa situação tributária, qual o
limite máximo de ônus tributário que legitimamente sobre ela poderia impor-
se. Tal limite não está expresso na Constituição. Há situações que são
expressivas na caracterização do confisco, como a que toma parcela
substancial do patrimônio do indivíduo.
Todavia, tal situação não ocorre no caso em tela. Com efeito, o IPVA tem
como base de cálculo o valor venal do veículo e a alíquota costuma ser
inferior a 5%, o que atinge parcela pouco expressiva do bem. No caso dos
autos, consta como valores atrasados os IPVAs de 2003, 2004 e 2005,
cujos valores são, respectivamente, R$ 637,5, 639,75 e 668,85, e que o
veículo é um Santana 1999. Assim, ainda que se aplique uma multa de
100% prevista no art. 106 do Código Tributário de Goiás, pelo atraso no
pagamento do IPVA, não se pode dizer que tal situação configure confisco.
O valor elevado do débito deve-se mais a desídia do contribuinte, que
reiteradamente deixa de pagar IPVA, do que ao valor do imposto.
Em conclusão, inexiste direito líquido e certo a ser amparado pela via
mandamental, motivo por que merece ser ratificado e não reformado o
acórdão ora recorrido.
Isto posto, CONHEÇO do recurso ordinário, mas NEGO-LHE
PROVIMENTO.
É o meu voto. (Grifo nosso).

Pois bem, o grande desafio que fica é saber se quando o Judiciário reduz a
multa tributária (e não simplesmente a julga inconstitucional, retirando-a do mundo
jurídico) estará atuando como legislador positivo ou não:

COFINS. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA. CONFISCO.


REDUÇÃO. CUMULAÇÃO DE ACRÉSCIMOS. POSSIBILIDADE.
CORREÇÃO E JUROS. ACRÉSCIMO LEGAL E NÃO PATRIMONIAL.
VERBA HONORÁRIA. DECRETO-LEI N. 1025/69.
1. Multa confiscatória de 100% sobre o valor das contribuições devidas.
Redução para 50%, em atenção ao disposto no inciso IV do artigo 150 da
CF. Precedentes: TRF 3ª REGIÃO, AC n. 200261130015621/SP, SEXTA
TURMA, Data da decisão: 07/11/2007, DJU 17/12/2007, p. 675, JUIZ
MIGUEL DI PIERRO; TRF 3ª REGIÃO, AC n. 200103990479781/SP,
SEXTA TURMA, Data da decisão: 20/06/2007, DJU 13/08/2007, p. 414,
JUIZ MAIRAN MAIA.
2. Cumulação dos acréscimos previstos no Título. Artigo 2º, §2º, da Lei n.
6.830/80. Funções diversas e lastro legal. A correção monetária visa
recompor a desatualização da moeda frente à inflação, incidindo sobre
todos os débitos ajuizados, inclusive sobre a multa, a teor da Súmula nº 45
do e. TFR, não representando qualquer acréscimo patrimonial, e, os juros,
compensar o credor pelo prazo de inadimplência do devedor, até o efetivo
pagamento.
3. Verba honorária a teor do encargo do Decreto-lei n. 1025/69.
Condenação fixada a este título na sentença afastada. Parcial provimento
161

ao apelo que devolve a reapreciação da matéria.


4. Apelação parcialmente provida.258

A aplicação do princípio da Proporcionalidade repousa, na necessidade de


se construir o Direito pela utilização da norma positivada de forma coerente,
harmonizando, sempre que possível, os vários interesses antagônicos que
coadjuvam uma mesma relação jurídica.

O dever de Proporcionalidade, deste modo, deve ser resultante de uma


decorrência coesa do caráter principal das normas. Assim, o princípio da
Proporcionalidade representa a exata medida em que deve agir o Estado, em suas
funções específicas.

A Proporcionalidade implica uma adequação axiológica e finalística pelo


agente público do poder-dever de hierarquizar princípios e valores de maneira
adequada nas relações de administração e no controle delas. Determina que um
meio deva ser adequado, necessário e não deva ficar sem relação de
Proporcionalidade relativamente ao fim instituído pela norma. Portanto, o dever de
Proporcionalidade deve ter sua aplicação mediante critérios racionais e
intersubjetivamente controláveis.

Acerca da sua aplicabilidade às sanções fiscais, o entendimento majoritário


do STJ é no sentido de que no contexto da aplicação das multas, deve a
Administração Pública os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que
censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os
meios que emprega e o fim que a lei almeja alcança.

Eis algumas ementas de decisões que refletem tal posicionamento (grifos


não estão no original). Neste primeiro julgado, o Poder Judiciário simplesmente
retirou a multa demonstrando que o simples erro numa obrigação acessória que não
tenha causado qualquer prejuízo ao Erário, não pode gerar uma penalidade:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA.


PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR
DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE.
PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

258
BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). AC nº 98030392786. 6. T. Des. Rel. Antonio
Henrique C. da Silva. DJF3, São Paulo, 24 jul. 2008. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/trf3r/ind
ex.php?id=26>. Acesso em: 26 maio 2010.
162

1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas


pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e
da razoabilidade.
2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da
razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo
que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o
fim que a lei almeja alcançar.
3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência
administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e
sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer,
escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’.
A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que
nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução
das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade,
porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.
4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de
forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando
incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em
discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas
jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os
aludidos pagamentos.
5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para
o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a
exação devida no seu quantum adequado.
6. In casu, ‘a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o
lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes
aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto
seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e
Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos
1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396/87. Da análise dos autos, verifica-se
que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício
1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda
Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a
essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl.
101)’ (fls. 122/123).
7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no
preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de
cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em
prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de
razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do
Decreto-Lei 2.396/87.
8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente
desta Corte: ‘TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO -
ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA
INDEVIDA.
1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações
acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a
mercadoria na guia própria.
2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II,
do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa,
quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria
corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos
Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).
3. Recurso especial improvido. (REsp 660682/PE, Relatora Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)
163

9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.259 (Grifo


nosso).

Novamente a penalidade foi retirada - a bem da razoabilidade e


proporcionalidade - mas invocando a legislação vigente (ou seja, neste caso, a lei já
previa a possibilidade do perdão):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


TRIBUTÁRIO. REGULAMENTO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO DE
MERCADORIA. PRODUTO CORRETAMENTE DESCRITO.
1. ‘A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações
acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a
mercadoria na guia própria. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei
9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a
dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco,
estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua
classificação’ (REsp 660.682/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de
10.5.2006; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 12.9.2006).
2. Agravo regimental desprovido.260

TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO - ERRO DE


PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA INDEVIDA.
1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações
acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a
mercadoria na guia própria.
2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II,
do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa,
quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria
corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos
Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).
3. Recurso especial improvido.261

Aqui a obrigação acessória que ensejou o pagamento da multa é que se


demonstrava dessarazoada, ou seja, a razoabilidade não está somente atuando na
conseqüência da norma, mas também no seu mandamento, ou seja, quando a norma de

259
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 728.999/PR. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 12/09/2006.
DJ, Brasília, 26 out. 2006. p. 229. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det
alhe.asp?numreg=200500331148&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
260
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp. nº 653.263/PR. 1. T. Rel. Min. Denise
Arruda, j. 22/05/2007. DJ, Brasília, 18 jun. 2007. p. 245. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web
stj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200400589238&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em:
26 maio 2010.
261
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 660.682/PE. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j.
21/03/2006. DJ, Brasília, 10 maio 2006. p. 174. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces
so/Justica/detalhe.asp?numreg=200400638621&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio
2010.
164

conduta não seguida não é razoável, ela nao pode ensejar qualquer apenamento:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.


DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO.
1. A despeito do reconhecimento da independência da nominada
obrigação tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida
pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a cobrança de um tributo,
ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies
de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória.
2. Na hipótese, o transporte do café beneficiado, pela empresa
beneficiadora - ora recorrente -, estava acobertado pelas notas fiscais
de devolução e de venda da mercadoria, pelos fazendeiros, para a
Bolsa de Insumos de Patrocínio, mostrando-se totalmente descabida e
desarrazoada a exigência da emissão de Nota fiscal pela recorrente,
sem destaque de ICMS, na qualidade de detentora da mercadoria.
3. Precedentes: REsp 539.084/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão,
DJ de 19.12.2005; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de
26.10.2006.
4. Recurso especial provido.262 (Grifo nosso).

Destarte, de forma pacífica o Judiciário vem atenuando as multas fiscais,


conforme entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. ISS. NÃO-RECOLHIMENTO. BOA-FÉ.


AFASTAMENTO DA MULTA. ARTIGO 136 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO
NACIONAL. MATÉRIA DE FATO. PRECEDENTES DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
CONFIGURADA.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, afastou a multa
punitiva, quando demonstrada a boa-fé do contribuinte, ao fundamento de
que ‘o judiciário pode graduar ou excluir a multa, de acordo com a gravidade
da infração, e com a importância desta para os interesses da arrecadação’.
(RE n. 61.160/SP, rel. Min. Evandro Lins e Silva, 19.3.1968). [...].263

AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA. EXCLUSÃO PELO


JUDICIÁRIO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Pode o Judiciário, atendendo às peculiaridades do caso concreto, atenuar
o rigor do Fisco, excluindo multa fiscal.
2. Agravo improvido.264

262
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.096.712/MG. 1. T. Rel. Min. Denise Arruda, j.
02/04/2009. DJe, Brasília, 06 maio 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus
tica/detalhe.asp?numreg=200802349433&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
263
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 47.147/RS. 2. T. Rel. Min. Castro Meira, j.
05/08/2003. DJ, Brasília, 08 set. 2003. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=199400116594&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
264
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 184.576/SP. 2. T. Rel. Min. Franciulli Netto, j.
05/09/2002. DJ, Brasília, 31 mar. 2003. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=199800574921&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.
165

Na mesma linha vai Luciano Amaro, para quem

a multa não pode ser transformada em um instrumento de arrecadação;


pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração,
vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa
para a arrecadação de tributos.265

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm-se baseado no princípio da


equidade para graduação das sanções pecuniárias em Direito Tributário:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente


para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem
indicada:
[...]
IV - a eqüidade.

E aqui a proibição imposta para que a equidade não gere dispensa de


pagamento de tributo não se aplica às penalidades, como a doutrina reconhece266:

As principais projeções do princípio da equidade no campo das penalidades


fiscais podem ser assim resumidas:
[...]
2 - a multa fiscal pode ser reduzida pelo Poder Judiciário, em face das
circunstâncias concretas do caso, se não ocorre dolo nem má-fé, como
reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ainda que se
cuide de penalidade fixa, sem variação dentro dos limites mínimo e máximo
previstos na lei, ou que se trate das chamadas penalidades moratórias, seja
para adaptá-las às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso, seja para
lhes retirar o caráter confiscatório, seja para equilibrá-las com acréscimos
de juros e correção monetária. [...].267

265
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 440.
266
Alessandra Machado Brandão Teixeira entende que quando o Judiciário reduz as multas o faz
como se concedesse uma anistia, sendo que lei não seria necessária para tanto, posto que a
previsão já estaria constante do CTN, além de se basear também nos art.s 112 e 108, ambos do
CTN (TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. O artigo 136 do CTN e a possibilidade de
redução das multas tributárias, p. 79-109). Onofre Alves Batista Junior entende que - com base no
art. 111 do CTN nao seria possível dar amplitude a equidade, sendo esta uma norma de
integração, portanto, nao se prestando ao perdão ou a moderação dos efeitos e valores das
multas fiscais (BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. O poder de polícia fiscal. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2001).
267
TORRES, Ricardo Lobo. A eqüidade no direito tributário. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães;
FERNANDES, Edison Carlos (Coord.). Tributação, justiça e liberdade: homenagem a Ives Gandra
da Silva Martins. Curitiba: Juruá, 2005. p. 602-603.
166

Por isso, a eqüidade recomenda a exclusão de multas vultosas, porque


representariam sanção confiscatória.
É oportuna a lição de Celso Ribeiro de Bastos:
‘A sanção pode extinguir-se pelo:
[...]
g) decisão por eqüidade.’
Hugo de Brito Machado cita Pedro Nunes, que define a eqüidade:
‘Sentimento íntimo de justiça, que se funda na igualdade perante a lei, na
boa razão e na ética, para suprir a imperfeição da lei ou modificar
criteriosamente o seu rigor, tornando-a mais moderada, benigna e humana,
com o efeito estritamente necessário ou mais amoldável à circunstância cor
rente, de atender a um sem prejudicar a outro.’
Ruy Barbosa Nogueira, louvando-se em Vicente Ráo, salienta:
‘A ‘eqüidade’ é a mitigação do rigor da lei. O Prof. Vicente Ráo compendia
estas três regras fundamentais da eqüidade:
1) por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as
desiguais;
2) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice,
cousa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre
elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas;
3) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana,
por ser a que melhor atende ao sentido de piedade e de benevolência da
justiça; jus bonum et aequum.268

Portanto, a doutrina majoritária e a jurisprudência demonstram ser


plenamente possível a aplicação dos princípios da vedação ao excesso (não
confisco), da proporcionalidade e razoabilidade no domínio das sanções fiscais.
Também se demonstra necessária a aplicação do princípio da igualdade na lei e
perante a lei para as sanções fiscais, uma vez que os postulados anteriormente
mencionados orientam para que uma pena não pode ser aplicada de forma
indiscriminada a situações que não se mostrem equivalentes, neste caso, como dito
pelo Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, ainda que o ilícito seja objetivo, os
elementos subjetivos não podem deixar de ser ponderados.

Conclui-se, portanto, que tais princípios aliados, a legalidade, boa fé e a


confiança na lei fiscal podem e devem permitir a atuação do julgador administrativo
ou mesmo do Poder Judiciário para que reduza ou elimine a penalidade no caso
concreto, buscando sempre patamares adequados.

268
ARZUA, Heron; GALDINO, Dirceu. As multas fiscais e o Poder Judiciário. Revista Dialética de
Direito Tributário, p. 38.
167

7 CONCLUSÃO

Desafiando a metodologia usual, o presente trabalho de pesquisa não


pretende transformar esta parte final num mero resumo de tudo que foi tido ao longo
dos capítulos desenvolvidos. Pelo contrário, a intenção é trazer à reflexão critérios
objetivos para implementar a dosimetria das sanções fiscais.

Assim, de tudo que foi dito, pode-se concluir e estabelecer os seguintes


limites ao poder de sancionar no direito tributário:

I - os princípios constitucionais limitadores da tributação devem ser


aplicados, na medida do cabível, às sanções fiscais, assim, como princípio maior da
segurança jurídica, não sendo admissível a existência de qualquer sanção que não
respeite o princípio da legalidade, em seu sentido formal e material;

II - os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade


servem de retentores do abuso no poder de sancionar nos âmbitos quantitativos ou
qualitativos, pois não permitem o descasamento entre o comando (deixar de cumprir
algo ou deixar de pagar algo) e a sua conseqüência que deve apenar de forma
razoável a conduta;

III - o princípio do não confisco aplicado às sanções fiscais, impede a


existência de multas em patamares que visam não mais sancionar ou educar o
contribuinte faltoso, mas apropriar-se do patrimônio deste contribuinte;

IV - a responsabilidade na sanção tributária, via de regra e quando não


consta expressa em lei, será objetiva, não cabendo atrair ao Direito Tributário
disposições não constantes do Texto Constitucional e do Código Tributário Nacional.

V - a própria estrutura da norma sancionante impõe que nela contenha um


ato ilícito, ainda que num comando abstrato e genérico, cabendo ao aplicador do
direito dosar sua aplicação no caso concreto;

VI - o Código Tributário Nacional, iluminado pelos princípios constitucionais


acima referenciados, possui os métodos de atenuação ou temperamento desta
responsabilidade objetiva, cabendo ao aplicador do Direito utilizá-los.
168

Sendo a norma tributária sancionante, de estrutura condicional, de natureza


tributária, não há necessidade de invocar princípios afetos ao Direito Penal, o que
não implica que determinadas condutas ilícitas tributárias tenham reflexos também
no domínio do Direito Penal.

Além disso, o princípio da preservação das empresas, em que pese sua


positivação na lei de recuperação das empresas, tem escopo muito mais amplo, já
consagrado no Sistema Tributário e serve para dar fluidez às normas que regem tal
Sistema.

Não parece compatível com o Estado Democrático de Direito a situação que


as pessoas jurídicas atualmente se encontram no que tange a legislação tributária.
De um lado, o Texto Constitucional exige do Estado segurança jurídica, legalidade
formal e material, confiança na lei fiscal, previsibilidade das ações estatais, vedação
ao excesso, mas, em plena contradição com tais ditames, exige-se atualmente das
pessoas jurídicas uma assustadora gama de responsabilidades na interpretação de
incontáveis normais legais e infra-legais, que incluem, a verificação da existência do
fato gerador, o cálculo do tributo, seu recolhimento e, ainda, uma enormidade de
obrigações acessórias que acabam gerando uma desorganização no sistema
arrecadatório, e pouca eficiencia para os fins instrumentais que se propõem.

Neste contexto, o Sistema Tributário Nacional convive com um Direito


Tributário Sancionador que prevê multas absolutamente exageradas e
absurdamente descompassadas com a realidade econômica do país. Basta ver que
o descumprimento de uma obrigação acessória atualmente269 pode gerar uma multa
de 40% ou 50% do valor da operação.

Ainda a contextualizar, as multas atualmente estabelecidas na esfera


tributárias tem uma onerosidade até mais expressiva que o próprio Direito Penal,
posto que este (Direito Penal Tributário) tem servido apenas de instrumento de
arrecadação aos cofres públicos.

O peso das sanções fiscais se mostra tão exacerbado que, de tempos em

269
Exemplo de tais multas consta do art. 55 da Lei nº 6.763 do Estado de Minas Gerais. Em que pese
o dispositivo consagrar a possibilidade de redução da multa pelo Julgador administrativo a
depender dos fatos apurados (não reincidência, ausência de fraude, recolhimento do tributo, etc.),
o valor de per si já consagra o excesso, pois a sanção seria o dobro do tributo e se a este somar
com as multas pelo não recolhimento chegaríamos a um percentual maior do que 80%.
169

tempos, os contribuintes já estão cientes que leis de anistia serão promulgadas,


quando poderão fazer seus acertamentos, fugindo, em absoluto, do que determina o
Texto Constitucional e dos objetivos do Direito Tributário Sancionador.

As sanções chamadas de políticas não encontram guarida no Ordenamento


Jurídico Pátrio, pois ferem de maneira frontal o devido processo legal, a ampla
defesa, o contraditório, a livre iniciativa, enfim, nuances e manifestações também do
princípio da preservação das empresas.

A afirmativa do parágrafo anterior, acerca da ilegalidade das sanções


políticas, encontra-se pacificada por súmulas e por recorrentes decisões proferidas
pelos Tribunais Superiores, mas a prática demonstra que o país está longe de dar
efetividade à norma constitucional e aos ditames estabelecidos pela Jurisprudência,
posto que:

(a) as certidões negativas ou com efeito de negativa são imprescindíveis


para a sobrevivência (preservação) das empresas, contudo, sua obtenção gera um
alto custo administrativo às pessoas jurídicas (custo de conformidade);

(b) no processo de renovação de tais certidões, bem como nas autorizações


de funcionamento, alvarás, entre outros, o Poder Público, exige-se que a empresa
apresente reforços de penhora, mesmo que isso não foi requerido nos autos do
processo judicial, quando entendem que o débito não está devidamente garantido;
(b.1) além disso, durante o tramite há uma data corte no que se denomina de conta-
corrente270, assim, a cada solução de uma pendência, está o contribuinte sujeito ao
aparecimento de um novo débito em aberto; (b.2) em que pese o alto investimento
informatizado das Repartições Fiscais, a cada pedido de certidão, toda
documentação, sobre todos os processos, deve ser novamente apresentada,
gerando custos e desgastes que seriam facilmente solucionados com um simples
arquivo digital; (b.3) a morosidade no ajuizamento das execuções fiscais, o erro no
cruzamento de informações, a ausência de um efetivo controle de legalidade nas
inscrições em dívida ativa, os erros de fato e de direito cometidos nas autuações não
geram qualquer punição aos agentes públicos, pelo contrário, todo o ônus fica a
cargo do contribuintes.

270
Trata-se do extrato da situação do contribuinte naquele momento, constando os débitos
existentes, os que possuem exigibilidade suspensa e os que impedem a certidão com efeito de
negativa, mesmo que tais débitos ainda não sejam do conhecimento dos contribuintes.
170

Certamente há uma considerável distância entre os princípios constitucionais


(protetores contra o abuso do poder de tributar), os ditames constantes do CTN e a
realidade que os contribuintes vivem. Somente a efetivação dos mencionados
princípios e a consagração do princípio da preservação das empresas poderá dar
um alento ao Direito Tributário e aproximá-lo do fato social, sob pena de, cada vez
mais, perder a legitimidade perante a Sociedade.

Além das sanções políticas constitucionalmente proibidas, mas faticamente


toleradas pela Sociedade restam as sanções de cunho pecuniário, cujas funções,
basicamente são de prevenção, de cunho didático, bem como com feições de
punição e indenização.

Esta última função cabe aos juros de mora, de caráter indenizatório e que
não podem ultrapassar o exato montante arbitrado do dano causado (custo do
dinheiro).

As demais multas podem ser resumidas apenas em quatro tipos:

- multas de mora: de caráter punitivo e objetivo, mas que visa ser cobrada
quando ainda não há o lançamento de ofício do tributo não pago no vencimento. É
cabível quando há o recolhimento espontâneo, porém intempestivo. A conjugar com
o art. 138 do CTN esta multa somente seria devida quando não configurados os
pressupostos da denúncia espontânea, ou seja, quando tratar-se de tributo
declarado e não pago (Súmula 360, STJ) ou quando a fiscalização já deu início aos
trabalhos de revisão e fiscalização.

- Multa de Ofício: também de caráter punitivo e objetivo, pode ser cobrada


através de lançamento de ofício, diante do não recolhimento espontâneo pelo
contribuinte.

- Multa Agravada: de caráter punitivo, mas tem em sua essência a


subjetividade, pois deverá sempre estar presente a fraude, o dolo, a simulação ou a
má-fé. A situação se agrava por uma conduta deliberada e fraudulenta do
contribuinte para o não recolhimento do tributo. O espaço de interseção do Direito
Tributário Sancionador e do Direito Penal se dá apenas em tais multas, ou seja, a
lógica e o bom senso demonstram que somente quando ocorrer a aplicação de um
multa agravada poderá haver uma conduta também reprimida pelo Direito Penal.
Não parece razoável ou proporcional que se enquadre uma conduta penal quando a
171

autuação apenas aplicou uma multa de ofício.

- Multa Isolada, devida pelo simples não cumprimento do dever instrumental.


Diante do caráter instrumental das obrigações acessórias, não há sentido algum na
cobrança de multas por seu não cumprimento, quando comprovada a boa-fé e a
ausência de prejuízo ao Fisco (cumprimento integral da obrigação principal). Além
disso, a multa pelo descumprimento da obrigação acessória não pode ultrapassar o
valor do tributo ou dele se desvincular, pois se esta obrigação tem como escopo
auxiliar (caráter instrumental das obrigações acessórias) a fiscalização do correto
recolhimento dos tributos, não parece lógico que a sanção pelo seu descumprimento
se desvincule de seu objetivo inicial.

A classificação acima basta, sendo que as demais existentes na doutrina


não trazem, com todo respeito, qualquer utilidade prática, teórica ou didática ao
Direito Tributário, sendo esta a função maior das classificações.

Assim, de tudo que foi posto, acerca da necessidades de se ter meios


eficientes para limitar os abusos cometidos pelo aplicador da norma, cabe enfatizar,
de forma objetiva:

a) não poderá ensejar qualquer penalidade quando a norma sancionante


não residir numa lei formal (legalidade formal) e nem quando todos os elementos
necessários à qualificação do ilícito e a quantificação da pena não constem de forma
expressa e clara na lei (legalidade material).

b) da mesma maneira não poderá ensejar qualquer penalidade quando o


contribuinte age de boa-fé, confiando na lei tributária, principalmente, se esta
confiança se baseia numa norma individual e concreta (consultas fiscais, decisões
administrativas, efeito ex nunc de decisões proferidas em ações rescisórias, etc.).
Deve haver uma ordem de bloqueio à incidência do tributo e, por óbvio, de qualquer
penalidade (art. 146, CTN) já que os princípios agem ainda no mandamento da
norma de conduta, evitando que ela se instaure, assim e por conseqüência, sequer
ocorre a conduta ilícita. Ainda agindo no mandamento da norma de conduta, quando
o lançamento é efetuado ou revisado (art. 147, CTN aplicado diretamente aos
tributos lançados por declaração e, por analogia, aos tributos lançados por
homologação) com base em declaração do contribuinte, cabe a aceitação da
retificação da declaração antes da Divida Ativa e, depois, de oficio, se constatado
que houve mero erro material na declaração.
172

c) também não poderá haver aplicação de penalidade quando o contribuinte


age de boa-fé, confiando na lei tributária, se esta confiança se baseia numa norma
abstrata e em fatos que são de terceiros, mas se igualam aos fatos praticados pelo
contribuinte (consultas fiscais de terceiros, decisões administrativas proferidas em
processos de terceiros, instruções normativas, etc.). Também neste caso, haverá
uma ordem de bloqueio à incidência de qualquer penalidade (art. 100, parágrafo
único, e art. 106, I, ambos do CTN) visto que, neste caso, os princípios agem ainda
no mandamento da norma sancionante, evitando que ela se instaure.

d) ainda no mandamento da norma sancionante, em caso de dúvidas quanto


a capitulação legal do fato, a natureza ou as circunstâncias materiais do fato, ou a
natureza ou extensão dos seus efeitos, a autoria, imputabilidade, ou punibilidade,
natureza da penalidade aplicável, ou a sua graduação, a interpretação será sempre
favorável ao contribuinte, não havendo possibilidade de aplicação da penalidade
sem que todos esse fatores sejam previamente apurados. A sanção é ato extremo,
assim, se o contribuinte não seguiu determinada conduta porque as circunstâncias
fáticas ou jurídicas o impossibilitavam de realizar tal conduta, não pode o Direito
gerar daí qualquer penalidade, pois a conduta impossibilitada não se mostra uma
conduta ilícita.

e) também no mandamento da norma sancionante age a retroatividade


benigna (art. 106, II, a e b, do CTN), em caso ainda não definitivamente julgado,
quando deixe de defini-lo como infração ou quando deixe de tratá-lo como contrário
a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e
não tenha implicado em falta de pagamento de tributo.

f) finalmente, no mandamento da norma sancionante agem as hipóteses de


suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, CTN), mas apenas se a
norma sancionante ainda não incidiu no momento da suspensão da exigibilidade
(antes do vencimento da obrigação), exceto os juros de mora, posto que - com a
ressalva de parte da doutrina - se eles têm natureza apenas de indenizar o capital
que foi privado de seu proprietário, somente não caberá no caso de depósito judicial,
pois em tais casos o contribuinte também não ficou com a importância controversa.

g) na conseqüência da norma, ainda no art. 106 (II, c) do CTN, retroagirá ao


caso não definitivamente julgado a penalidade menos severa.

h) também na conseqüência da norma, em que pese a fiscalização, que


173

desenvolve atividade plenamente vinculada (art. 3o e 142 do CTN) ter que aplicar a
norma, o julgador administrativo ou judicial pode e deve dosar o valor da multa, a
bem da proibição do excesso (vedação ao confisco), sendo que a jurisprudência
atual fixou o montante de 30% (trinta por cento)271 de multa pelo não pagamento do
tributo como sendo não confiscatório, o que pode se presumir que porcentuais acima
de tal patamar estarão dentro do confisco e devem ser expurgados.

A respeito do acima exposto, não fere o Poder Judiciário a Separação dos


Poderes quando reduz o valor das multas aplicadas a patamares razoáveis e
proporcionais, pois (a) nada mais faz do que reduzir quantitativamente a norma aos
ditames constitucionais (vedação ao excesso); (b) segue parâmetros ditados pelo
próprio legislador e (c) tem expressa autorização no art. 108, IV do CTN.

Porém, não é somente a vedação ao confisco que deve agir na


conseqüência da norma sancionante para correta dosimetria da pena.

A razoabilidade e a proporcionalidade, aliada à aplicação da equidade no


Direito Tributário Sancionador permite que o legislador, no caso concreto, reduza ou
elimine a penalidade. Para tanto, a jurisprudência tem sugerido os seguintes
parâmetros: (i) ausência de prejuízos ao Fisco (especialmente nas obrigações
acessórias), (ii) boa-fé e não reincidência, configurando o descumprimento acidental
da norma de conduta; (iii) aparência de regularidade do negócio ou do ato praticado
e (iv) reconhecimento espontâneo do erro e ressarcimento dos valores aos cofres
públicos (perdão consagrado pelo art. 138 do CTN).

Assim como o trabalho começou, ele se encerra, tendo como seu marco
teórico, as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho para quem: Do ponto
de vista jurídico-positivo duas fórmulas existem para o evitamento de multas
escorchantes: a fórmula legislativa, mediante a qual através de uma norma geral de
potestade a competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias
restaria restringida quantitativamente; e a fórmula jurisprudencial mercê da qual, os
juízes através da fixação de standards - súmulas no caso brasileiro - construiriam os
princípios de restrição norteadores da ação do legislador na espécie. A República

271
O percentual que efetivamente poderia se estabelecer como limite ao não confisco depende -
como visto - também da comparação do tributo com o valor principal. O certo é que a multa num
patamar de 30% (trinta por cento), aliada a cobrança dos juros de mora - que remuneram o capital
- já resultam num valor bem elevado da obrigação não cumprida.
174

Argentina decidiu-se pela fórmula jurisprudencial. Entre eles, multa tributária que
ultrapasse um determinado percentual em relação ao valor do tributo ao qual se liga
já é confisco.272

Na primeira hipótese prevista pelo Professor Sacha Calmon, inúmeros são


os dispositivos legais (permissivos legais) que prevêem a atenuação de multas
quando não há prejuízo ao Fisco, quando o contribuinte age de boa-fé ou quando
corrige o ato ilícito no prazo de defesa administrativa.273

Já na segunda hipótese, o Judiciário tem se manifestado de maneira


favorável, em geral, para que tal limitação seja efetivada, conforme os inúmeros
precedentes analisados no presente trabalho.

Somente a observância dos limites ao poder de tributar, em especial, a


homenagem aos princípios constitucionais e a efetivação da norma constitucional
poderá reaproximar o Direito do fato social e dar-lhe legitimidade. No campo das
sanções fiscais, somente a correta dosimetria da pena aplicada no caso concreto,
em obediência a tudo que se falou, poderá retomar este domínio às suas reais
funções: punição, educação e prevenção.

272
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,
sanções tributárias, p. 68-69.
273
Ainda nesta primeira hipótese, interessante Projeto de Lei nº 7.544/10 do Deputado Júlio Delgado
(PSB-MG) que prevê uma limitação a R$ 200 mil para a sanção imposta as empresas que atrasam
para enviar dados eletrônicos ao Fisco ou erram informações na hora de preencher formulários.
Em que pese a tímida iniciativa, é um bom sinal.
175

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