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XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018
Resumo: Rastreando a paradoxal pista de Dietmar Kamper de “levar uma vida com imagens,
contra as imagens” o objetivo central deste artigo é refletir sobre a dinâmica do pensamento por
imagens como estratégia de resistência frente ao excessos do imaginário midiático. Isso posto,
por meio de revisão bibliográfica, configuramos o que aqui se entende por imaginário midiático e
o modo como suas imagens pré-fabricadas e repetitivas promovem uma diminuição da
capacidade simbólica e imaginativa. Tendo em vista tal problema, utilizamo-nos de exemplos da
história da ciência e delineamos o pensamento por imagens como uma força corporal
imaginativa, que age nas frestas entre racionalidade e intuição. Isso posto, consideramos sua
essência irruptiva/mimética e da ordem do pathos como elementos fundamentais que possibilitam
fluxos de imagens corporais que de certa forma equalizariam a relação entre imaginário
midiático e imaginação.
Abstract: Tracking the paradoxical clue of “lead a life with images against images” from
Dietmar Kamper, the aim of this article is to reflect on the dynamics of thought by images as
strategy of resistance against the excess of mediatic visualit. Considering this, through a
bibliographical review, one configures what is meant by the mediatic imaginary and how its
prefabricated and repetitive images promote a diminution of symbolic and imaginative capacity.
In this way, we use examples from the history of science and delineate thought by images as an
imaginative body force, acting in the gaps between rationality and intuition. That said, we
consider its irruptive / mimetic essence and the order of the pathos as fundamental elements that
allow flows of body images that in a way would equalize the relation between mediatic imaginary
and imagination.
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Imagem e imaginários midiáticos do XXVII Encontro Anual da
Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018.
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Doutor pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica (PUCSP), diretor presidente e
pesquisador do CISC (Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia PUCSP). Professor de
fotografia na Faculdade Cásper Líbero-SP. Email: fabiociquini@gmail.com.
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Introdução
Conta a mitologia da ciência que, desconfiado de um ourives que desejava lhe vender
uma coroa de ouro maciço, o rei Hierão da Siracusa ordena ao sábio matemático Arquimedes
(287-212 a.C) que encontre uma forma de verificar se tal objeto era realmente de ouro puro –
como afirmava o ourives – ou se havia prata misturada à coroa, como suspeitava o rei.
Incumbido da tarefa, Arquimedes se debruça sobre o problema, faz cálculos, revisita teorias
antigas. Descobre a solução no banho.
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Da raiz grega ana=reintegração, comparação e logos=razão, indica a transposição de um determinado domínio
conhecido a outro. Trata-se de um eixo comparativo no qual há sugestão de proporcionalidade entre os
elementos que possibilitariam, assim, sintetizar novos conhecimentos. Tão antiga quanto o próprio
desenvolvimento da razão, tendo sido empregada pela filosofia clássica, alquimia e ciência moderna, a analogia,
afirmam Gentner & Jeziorsky (1979), citados por Rodrigues (1997), “se constitui como mapeamento de
conhecimento que parte de um domínio (a base) para dentro de outro domínio (alvo) tal que sistema de relações
que envolvem os objetos da base também envolve os objetos do alvo”, ou seja, trata-se, ao fim e ao cabo, de
uma equiparação modelar ou equivalência estrutural entre partes, de um pensamento relacional entre imagens.
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de uma superioridade desta estrutura em relação à intuição nem tampouco crer que o
conhecimento apenas ocorra na fase intelectiva da cognição, mas antes de perceber que
intuição e intelecto estão amalgamados. Assim, o intelecto trata de unidades lineares e as
coloca nesta ordem, uma após a outra, impossibilitando assim uma visão de conjunto
relacional entre as partes a qual é possibilitada pela intuição. Equivale a dizer que o intelecto
oportuniza visão diacrônica (sequencial) dos fenômenos enquanto a intuição um viés
sincrônico (simultâneo), exemplificado pela imagem como visão intuitiva da estrutura global
das configurações e possivelmente vislumbrado em relações metafóricas e diagramáticas.
Ante esses argumentos, portanto, Arnheim (1989, p.149) afirma que o pensamento se dá na
própria esfera da percepção e é “principalmente visual, pois a visão é a única modalidade dos
sentidos em que as relações espaciais podem ser representadas com precisão e complexidade
suficientes”.
Consoante à ideia de que o pensamento se dá na esfera imagética (no quiasma entre
intuição e intelecto), o neurocientista António Damásio (2015) afirma que na mente alojam-
se imagens conscientes e inconscientes, estas acessíveis indiretamente por meio de
psicoterapias e sonhos, e aquelas acessíveis somente pela perspectiva da primeira pessoa. É
importante ressaltar que para o neurocientista português, o conceito de imagem não está
associado à percepção visual apenas, mas amplia-se e se constrói na mente por meio de sinais
provenientes também de diferentes modalidades sensoriais como a olfativa, a gustativa, a
auditiva e a somatossensitiva, esta ligada ao corpo e suas múltiplas formas de percepção
como muscular, térmica, tato, visceral e vestibular. Obviamente que a complexidade dos
estudos neurobiológicos do cérebro e mente não cabem ser esmiuçados neste breve ensaio,
porém, é oportuno refletir sobre a configuração da imagem como padrão mental, como
pensamento polissensorial.
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Em seu Seis propostas para o próximo milênio, Ítalo Calvino (1923-1985) elege os
temas leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência (este último nunca
fora escrito) como fundamentais para o século que se aproximava. No tema sobre a
visibilidade, o autor versa sobre a importância dos processos imaginativos e de como esse
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In: PROUST, Marcel. No caminho de Swann. Trad. Mario Quintana. Abril Cultural: São Paulo, 1982.
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“cinema mental” opera em nós de modo contínuo, e mesmo antes da invenção desta técnica
“nunca cessou de projetar imagens em nossa tela anterior” (CALVINO, 1990, p.99), tema
este também abordado por Hans Belting (2006), o qual afirma como sendo o corpo a fonte
primeira das imagens. Versando sobre a importância da imaginação na cultura, o modo como
ela opera intuitivamente projetando cenários hipotéticos e seu poder de evocação, Calvino
problematiza a relação entre imaginação e a cultura da imagem no século XX da seguinte
forma:
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Uma ideia correlata à órbita imaginária está contida no episódio Fifteen million merits, da série Black Mirror
(temporada 1, episódio 2) no qual os personagens tem suas vidas acompanhadas por telas e imagens o dia todo.
No quarto onde desperta a personagem principal Bing todas as paredes são revestidas por grande telas que
transmitem imagens de acordo com seu humor, e, se optar por não assistir, há uma penalização financeira.
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Tradução livre e elipse do trecho “,“The image - not in its usual meaning as a pictorial form of imaginative
presentation, but rather as the mode of presentation with which imagined content is given to the imaginer’s
consciousness."
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Buscando nas fontes primárias do inconsciente, o autor baseia suas reflexões nos elementos primordiais ar,
água, fogo e terra como matrizes para a imaginação do indivíduo. Interessa-nos aqui, sobretudo, sua abordagem
sobre a fluidez da imaginação. In: O ar e os sonhos, Martins Fontes: São Paulo, 2001.
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Neste trabalho, a concepção de imagem simbólica faz referência aos Estudos do Imaginário (quando uma
imagem ata-se a um sentido) e não à Teoria dos Signos que observa no símbolo um caráter arbitrário.
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Norval Baitello Jr. In O olho do furacão. A cultura da imagem e a crise de visibilidade detalha o parentesco
etimológico das palavras imagem/imaginário/imaginação com a palavra magia e mágica. Disponível em
http://www.cisc.org.br/biblioteca. Acesso em 10/10/2017.
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Sob uma perspectiva mais tecnicista, Vilém Flusser (2002, 2008) aborda o imaginar como forma de
concretizar o abstrato, adquirida após o desenvolvimento dos aparatos de imagem técnica ou tecno-imagens.
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Fita ou faixa de Moebius (Möbius) é um espaço topológico anelar inventado pelo matemático August Möbius
no qual não se faz distinção entre parte interna e externa. Segundo Naves (2016) “na obra de Kamper, (a fita de
Moebius) faz parte de um arcabouço de formas e topografias reunidas em desafio à geometria euclidiana. Entre
tais formas estão também os anéis borromeanos, a rosa, os fractais, o labirinto, o deserto e o desenho a mão
livre” In Kamper (2016, p.231).
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Considerações finais
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Nascido no ano de 1866 em Hamburgo, no seio de uma rica família judia, Abraham Moritz Warburg, ou Aby
Warburg como ficou conhecido, realizou estudos em Arqueologia, História, História das Religiões e
Antiguidade, Medicina e História da Arte, o que lhe conferiu sólida formação interdisciplinar. Atuando não
apenas restritivamente à História da Arte – como muitas vezes sugerido em obras sobre o autor –, Warburg se
dedica à imagem, seus diferentes usos e ambientes, decompondo perspectivas. Sua grande obra, inacabada, um
Atlas de imagens denominado Mnemosyne consistia em grandes painéis nos quais o autor dispunha, lado a lado,
imagens de diferentes culturas e épocas a fim de comparar elementos de similitude entre elas. Trata-se, ao nosso
ver, do pensamento por imagens como método.
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A pesquisa de Warburg sobre a cultura dos índios Hopi está publicada na obra El ritual de la serpiente.
Madrid: Sexto Piso, 2008.
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temporalidade no pensar por imagens é esgarçada: eras longínquas se encontram num átimo
com o presente resultando em uma imagem síncrono-diacrônica.
Pensar por imagem é um rastrear distraído e uma distração rastreante que se
configura por pathos. Irrompe e se distrai, está nos sonhos, nos devaneios, dribla mas
também joga com a racionalidade, aparece no caminhar (a peripatética na filosofia), no banho
de Arquimedes, na maçã de Newton, no sonho alquímico de Kekulé e nas serpentes de
Warburg. Não se configura como novidade epistemológica, pois revela-se uma experiência
sensível e cognitiva anterior à linguagem escrita, mostra-se em dinâmica analógica e
dialetiza (como afirmara Benjamin). Alinhavado ao pensamento de Dietmar Kamper, pensar
por imagens é um força corporal, uma dialética da imaginação que condensa em força
centrípeta imagens que se avizinham e proporcionam em alguma medida eurekas cotidianos.
No paradoxo do autor de “enfrentar as imagens com as próprias imagens”, pensar por
imagens é reconhecer a porosidade das imagens e a plasticidade da imaginação. É agir com
resistência frente ao imaginário midiático impositivo, impulsionar a força imaginativa do
corpo e diminuir o descompasso entre as imagens pret-à-porter da órbita imaginária e nossa
imageria interna.
Referências
________________. Intuição e intelecto na arte. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 2˚ ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
BAITELLO Jr., Norval . “O tempo lento e o espaço nulo. Mídia primária, secundária e terciária”.
In: Interação e sentidos no ciberespaço e na sociedade. Porto Alegre: EDIPUC, 2001.
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BOYD, Robert Neilson & MORRISON, Robert Thornton. Química orgânica. 12˚ ed.. Lisboa:
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CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia
das letras, 1990.
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Phenomenology. Vol.5. N˚ 1. January 1974. Disponível em
https://www.academia.edu/12951144/Toward_a_Phenomenology_of_Imagination. Acesso em
16/07/2017.
DAMASIO, António. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das letras, 2015.
HILLMAN, James. Psicologia arquetípica. Tradução de Lucia Rosenberg e Gustavo Barcellos. São
Paulo: Cultrix, 1992.
_____________________. Mudança de horizonte: o sol novo a cada dia, nada de novo sob o sol,
mas...Tradução Danielle Naves de Oliveira. São Paulo: Paulus, 2016.
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