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Conceitos básicos e definições

Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
A Epidemiologia agrega variadas linhas de conhecimento, discutidas a seguir,
que emergiram fortemente a partir do século XVII. Naomar de Almeida Filho,
epidemiologista brasileiro de destaque internacional, explica que o século em
questão foi inovador nos sentidos político e social, pois a necessidade de
“calcular” a população passa a ser fundamental para o Estado (por questões
políticas e militares). Nesse contexto, surgem linhas como a “aritmética
política”, de William Petty (1623-1697), e a “estatística médica”, de John
Graunt (1620-1674) (Almeida Filho, 1986).
John Graunt foi o primeiro a quantificar os padrões de natalidade e
mortalidade e a ocorrência de doenças, identificando características
importantes, entre elas a existência de diferenças entre os sexos e na
distribuição urbano-rural, elevada mortalidade infantil e variações sazonais
existentes. Foi ele o responsável pelas primeiras estimativas de população e
pela elaboração de uma tábua de mortalidade, também conhecida como tábua
de vida (procedimento para estimar a expectativa de vida da população).
O trabalho que marcou não somente o início formal da Epidemiologia, como
também uma das mais espetaculares conquistas, foi a descoberta, por John
Snow, de que o risco de contrair cólera estava relacionado ao consumo de
água de uma fonte específica (Beaglehole; Bonita; Kjellström, 2010). Snow
marcou a moradia de cada pessoa que morreu de cólera em Londres entre
1848 e 1849, e 1853 e 1854, analisando a relação entre a distância das fontes
de água e a ocorrência de óbitos (Figura 1). Foi com base nessa investigação
que o médico construiu uma teoria sobre a transmissão das doenças
infecciosas, sugerindo que a cólera fosse disseminada por meio da água
contaminada, fato que antecede a descoberta do Vibrio cholerae e evidencia
que, desde 1850, os estudos epidemiológicos têm indicado as medidas
apropriadas de saúde pública a serem adotadas.
Figura 1 - Mapa de John Snow, que demarca as residências com óbitos por cólera em Londres, no
ano de 1854; os pontos azuis indicam bombas d’água, e os vermelhos, residências com morte por
cólera. Note os pontos vermelhos agrupados no entorno de uma bomba específica
Fonte: adaptado de Don Boyes. John Snow and serendipity.

A insuficiência da explicação unicausal originou as concepções multicausais


dominantes no fim do século XX. Esses conceitos se estendem às moléstias
não infecciosas. Um exemplo é o trabalho coordenado por Joseph Goldberger,
pesquisador do Serviço de Saúde Pública norte-americano. Em 1915 ele
estabeleceu a etiologia carencial da pelagra por meio do raciocínio
epidemiológico e, em contrapartida, expandiu as fronteiras da Epidemiologia
para além das doenças infectocontagiosas.

Importante
Até meados do século XX, a Epidemiologia e a Medicina estiveram
impulsionadas pelo crescente aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos,
terapêuticos e estatísticos que proporcionaram a compreensão dos modos
de transmissão e possibilitaram intervenções que contribuíram para o
controle de grande parte das doenças transmissíveis, ao menos nos países
desenvolvidos. A partir da 2ª Guerra Mundial, estabeleceram-se regras
básicas da análise epidemiológica, o aperfeiçoamento dos desenhos de
pesquisa e a delimitação do conceito de risco em associação ao
desenvolvimento das técnicas de diagnóstico, à evolução da Estatística e à
introdução dos computadores. A Epidemiologia sedimenta-se como
disciplina autônoma na década de 1960.

A aplicação da Epidemiologia passa a cobrir um largo espectro de agravos à


saúde. Estudos como os de Doll e Hill, que estabeleceram associação entre o
tabagismo e o câncer de pulmão, e os famosos estudos de doenças
cardiovasculares desenvolvidos na população da cidade de Framingham
(Estados Unidos) são exemplos da aplicação do método epidemiológico em
doenças crônicas.
O movimento a favor da prevenção incorporou à Medicina, além do
diagnóstico e do tratamento das doenças, as áreas de promoção à saúde,
prevenção de doenças e reabilitação. Nas escolas médicas, a
institucionalização desses conteúdos ocorreu com a criação dos
departamentos de “Medicina Preventiva” sob a forma de disciplinas, entre
elas a Epidemiologia. Entretanto, segundo Torres e Czeresnia (2003), tal
especialidade permanece em posição marginal na estrutura curricular da
escola médica em relação às demais (clínicas), apesar da presença constante
de conceitos epidemiológicos na Medicina e no senso comum, tanto para a
explicação da ocorrência das doenças quanto para a justificativa das
intervenções.

2. Definições, conceitos básicos e usos


É necessário discutir alguns aspectos básicos antes de proceder ao seguimento
aprofundado da disciplina; assim, quando o conteúdo abordar os temas mais
profundos, o estudante terá maior facilidade para compreendê-los e aplicá-los
em sua desafiadora jornada.
Beaglehole, Bonita e Kjellström (2010) explicam que a palavra
“epidemiologia” deriva dos vocábulos gregos: (1) prefixo epi, (2) radical
demós e (3) sufixo logos. Seus significados podem ser identificados a seguir
(Tabela 1).
Esta definição permite compreender a Epidemiologia como “estudo sobre a
população”. Porém, a característica dinâmica dessa ciência fez que muitas
definições para esse ramo da Medicina surgissem ao longo do tempo, todas na
tentativa de expressar com maior precisão a sua nova e complexa realidade
(Tabela 2). Nesse sentido, o epidemiologista Evans compilou 23 definições,
contando quantas vezes algumas palavras-chave apareciam, e verificou que,
ao longo dos inúmeros conceitos, “doença” apareceu 21 vezes; “população”,
“comunidade” ou “grupo”, 17 vezes; “distribuição”, 9 vezes; e
“etiologia”/“determinantes”/“causas”/“ecologia”, 8 vezes.
Importante
Definição mais atual de Epidemiologia, de Gordis (2010): “estudo da
distribuição das doenças na população e os fatores que influenciam e
determinam essa distribuição. A premissa fundamental é que a doença,
moléstia ou ausência de saúde não é distribuída ao acaso na população.
Mais exatamente, cada um de nós possui certas características que
predispõem ou protegem contra uma variedade de doenças. Essas
características podem ser primariamente genéticas ou resultado da
exposição a determinados perigos ambientais. Entretanto, frequentemente
estamos interagindo com fatores genéticos e ambientais no
desenvolvimento da doença”.

Devido à complexidade crescente e abrangência da prática atual da


Epidemiologia, não é possível uma definição única e precisa dessa ciência.
Contudo, ela pode ser entendida, em sentido mais amplo, como o estudo do
comportamento do processo saúde-doença nas coletividades, bem como das
formas de prevenção e controle das doenças.
Muitas das conceituações mais conservadoras, como as de Bland e Jones
(1951) e Rouquayrol (1994), tratam da Epidemiologia como uma ciência das
coletividades humanas, entretanto vale ressaltar que a disciplina não está
presente somente no que diz respeito à saúde humana. É sabido que o
raciocínio epidemiológico foi primeiramente desenvolvido no campo da
Medicina Veterinária, segundo o que explica Almeida Filho (1986).
Atualmente, a Epidemiologia aplicada à Veterinária é vastamente utilizada em
questões que envolvem morbidades animais transmitidas a seres humanos
(zoonoses) ou mesmo a questões exclusivas da saúde animal. Para melhor
sedimentar as definições citadas, vale explicar, ainda, alguns termos mais
específicos. Na Tabela 3 encontramos explicações acerca desses conceitos.
A Epidemiologia é uma ciência de ação e, em vista disso, consensualmente de
caráter utilitário. Os seus conhecimentos destinam-se à solução prática de
problemas concernentes à Saúde Pública e à Medicina. É nesse sentido que,
até agora, tem evoluído a pesquisa epidemiológica constantemente alimentada
pela pesquisa básica (Forattini, 1990).
Atualmente, a Epidemiologia tem se destacado no desenvolvimento
metodológico para todas as ciências da saúde, ampliando seu papel na
consolidação de um “saber científico” sobre a saúde, seus determinantes e
suas consequências e subsidiando as práticas de saúde em 3 principais
aspectos, descritos na Tabela 4 (Almeida Filho; Rouquayrol, 2002).
Dica
Passos e Ruffino-Netto (2005) explicam que existem várias outras
tentativas bem-sucedidas de classificação da utilização da disciplina. Uma
das mais completas e simples está apresentada na Figura 2 e parece
englobar todas as ações da Epidemiologia enquanto ciência aplicada, tanto
no planejamento em saúde quanto na educação médica.
Figura 2 - Usos da Epidemiologia
Fonte: adaptado de Epidemiologia: conceitos e usos, em Fundamentos da Epidemiologia, 2005.

Carvalho (2009) descreve que os epidemiologistas brasileiros são, em sua


maioria, médicos e enfermeiros; esse quadro é preenchido com demógrafos,
cientistas sociais, geógrafos, estatísticos, nutricionistas, matemáticos,
historiadores, psicólogos, dentistas, veterinários, economistas e outros. Todos
esses profissionais se dedicam a atividades de pesquisa e de ensino na área da
Saúde, avaliação de procedimentos e serviços de saúde, vigilância
epidemiológica, fiscalização sanitária, diagnóstico e acompanhamento da
situação de saúde das populações.
Em se tratando dos usuários da Epidemiologia, Pereira (2002) descreve que
os profissionais que fazem uso dessa ciência são, principalmente, os descritos
na Tabela 5.

3. Relação entre Medicina Preventiva e


Epidemiologia
Antes de aprofundar as discussões nos aspectos aplicados da Epidemiologia,
vale discutir questões de interface da disciplina com a Medicina Preventiva,
uma vez que, ainda hoje, existe certa confusão quanto à relação entre essas
áreas do conhecimento, até mesmo por profissionais da área da Saúde que
estão mais distantes da prática preventiva e das atividades da Epidemiologia.
Medicina Preventiva ou Medicina Preventiva e Social é uma das 53
especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina
(Brasil, 2008). Na literatura médica, “Medicina Preventiva e Social” refere-se
a um corpo de conhecimentos, ações e métodos para adquirir conhecimentos e
realizar ações referentes à atenção médica, voltadas para a sociedade no
âmbito da prevenção (Perini et al., 2001).

Dica
Leavell e Clark (1976) explicam que Medicina Preventiva é a
especialidade que se dedica à prevenção da doença em vez de seu
tratamento. Arouca (2003) entende-a como o estudo do processo saúde-
doença nas populações, suas relações com a atenção médica, bem como
das relações de ambas com o sistema social global, visando à
transformação dessas relações para a obtenção de níveis máximos possíveis
de saúde e bem-estar das populações.

Já a Epidemiologia se sedimenta como uma ciência aplicada que se


desenvolveu como “suporte científico” para a Medicina Preventiva e Social,
buscando compreender a distribuição e os processos de determinação da
saúde e da doença nas coletividades (McKeown; Lowe, 1986). Pode-se
afirmar, então, que a Epidemiologia é um pilar concreto do conhecimento
utilizado na Medicina Preventiva e Social, assim como em outras áreas do
conhecimento médico. As Tabelas 6 e 7, apresentadas a seguir, mostram os
objetivos de um curso de Residência Médica em Medicina Preventiva (Tabela
6) e o seu conteúdo curricular (Tabela 7). Verifica-se que a Epidemiologia
consta como uma disciplina da linha de conhecimento desenvolvida no curso
e, além dela, agregam-se à especialidade questões como as políticas de saúde,
demografia, administração e gestão em saúde, entre outras.
4. Relação entre Clínica Médica e
Epidemiologia
A Epidemiologia estabelece inter-relação com várias disciplinas das ciências
biomédicas. Sob a ótica clínica, pode auxiliar na construção de uma hipótese
diagnóstica, sendo uma ferramenta valiosa no atendimento integral do
indivíduo. Para exemplificar, tomam-se as situações descritas na Tabela 8.
Antes de entrar no mérito da questão e diagnosticar os diferentes pacientes,
para o leitor, vale ficar atento ao próprio pensamento clínico e
epidemiológico. A apresentação clínica dos indivíduos é exatamente a mesma,
com sinais e sintomas semelhantes. O que muda é o local em que ele está, ou
seja, uma variável epidemiológica que caracteriza o lugar. Essa diferença
pode mudar completamente a suspeita etiológica da doença, e, desse modo,
seu tratamento deverá ser diferenciado, mesmo que se trate da mesma
síndrome.

Importante
A Clínica Médica, como linha de conhecimento do saber médico, estuda o
processo saúde-doença em “nível individual”, com o objetivo de tratar e
curar casos isolados que apresentem certa característica, como os sinais e
sintomas de determinada doença. A Epidemiologia se preocupa com o
processo de ocorrência de doenças, mortes, quaisquer outros agravos ou
situações de risco à saúde na comunidade, ou em grupos dessa
comunidade, com o objetivo de propor estratégias que melhorem o nível de
saúde das pessoas que a compõem.

Almeida Filho e Rouquayrol (1999) sintetizam pontos importantes sobre os


laços históricos, contratos conceituais e contradições metodológicas dessas
disciplinas. A Clínica Médica e a Epidemiologia estão vinculadas desde o
nascimento da prática médica moderna. Metodologicamente, ambas também
interagem, pois servem como fontes de problemas científicos e modelos
explicativos e levantam hipóteses para pesquisas.
Soares, Andrade e Campos (2001) discutem, com muita simplicidade, que um
dos meios para conhecer como ocorre o processo saúde-doença na
comunidade é elaborar um diagnóstico comunitário de saúde. O diagnóstico
comunitário, evidentemente, difere do diagnóstico clínico em termos de
objetivos, informação necessária, plano de ação e estratégia de avaliação
(Tabela 9) – fato que auxilia na compreensão das diferenças e mesmo da
relação existente entre a Clínica Médica e a Epidemiologia.

Na Tabela 10, apresentam-se algumas das particularidades dessas disciplinas.


Nesse sentido, vale parafrasear os estudiosos do assunto: “a Epidemiologia
não é a Clínica das populações, tanto quanto a Clínica nunca se tornará a
Epidemiologia dos indivíduos”. A melhor afirmativa seria: “A Clínica é
soberana e a Epidemiologia também, governando reinos vizinhos” (Almeida
Filho; Rouquayrol, 1999).

5. Raciocínio, método e prática


A observação está relacionada à identificação, seleção, coleção e ao registro
de forma sistemática de características de um objeto natural, cultural ou
social. Uma célula, uma doença ou um grupo populacional podem ser focos
de observação. Logo, tal fase da cadeia produtiva pode resultar de uma
percepção sensorial (com o sentido da visão, por exemplo) ou ser produzida
como suporte de algum instrumento ou aparelho.
Quando essas percepções sensoriais ganham um significado baseado em
atributos do objeto observado, transformam-se em um dado. Os dados, por
sua vez, podem ser:

1 - Estruturados: existe uma codificação fixa predeterminada.


2 - Semiestruturados: sem um código prévio, porém a própria repetição
das observações resulta em um padrão/sistema de codificação.
3 - Não estruturados: não baseados em qualquer tipo de codificação.
A informação é a análise adequada dos dados, com o objetivo de responder a
um problema, a uma questão ou testar uma hipótese. Nesse contexto, a análise
compreende organização, indexação, classificação, condensação e
interpretação de dados.
A fim de alcançar um grau de universalidade das informações, deve-se buscar
a articulação com marcos conceituais de referência. A transformação da
informação em conhecimento implica sua síntese fora do contexto da
pesquisa, situando os dados de uma forma mais geral.
Concluindo, a tomada de decisão deve privilegiar conhecimentos, pois estes
são hierarquicamente superiores às informações e aos dados. Contudo, para
buscar um conhecimento, é preciso conhecer e definir o objeto em observação
e o referencial teórico utilizado para a interpretação das informações.
Portanto, a Epidemiologia produz conhecimentos originais sobre o processo
saúde-doença e, ao mesmo tempo, interfere no campo profissional,
participante dos esforços pelo cuidado da saúde das populações.

6. As grandes divisões da Epidemiologia


Sob a ótica aplicada, a pesquisa em Epidemiologia tem sido abordada de 2
maneiras diferentes: a Epidemiologia Descritiva e a Epidemiologia Analítica
(Figura 3).

A - Epidemiologia Descritiva

A Epidemiologia Descritiva é vista como uma das etapas fundamentais da


pesquisa epidemiológica, que estuda a distribuição das doenças ao nível
coletivo, em função de variáveis ligadas ao tempo, ao espaço (ambientais e
populacionais) e à pessoa. Seu objetivo é responder “onde?”, “quando?” e
“quem?”, em relação à ocorrência de determinado agravo à saúde, para
identificar subgrupos populacionais mais vulneráveis. Para tanto, envolve
estudos descritivos, os quais são abordados com maior profundidade no
capítulo de estudos epidemiológicos. De modo geral, estudos descritivos são
os chamados estudos de correlação ou ecológicos, relatos de caso ou série de
casos, estudo transversal ou seccional, desde que não exista teste de hipótese.
Figura 3 - Divisão do método aplicado na Epidemiologia

Franco (2005) define que as variáveis relacionadas aos estudos


epidemiológicos descritivos são:

1 - Característica de pessoa: fatores demográficos, como idade, sexo,


etnia, ocupação, estado civil, classe social, procedência, bem como
variáveis ligadas ao estilo de vida, tais como práticas alimentares,
consumo de álcool e de certas medicações ou drogas ilícitas, hábito de
fumar, atividades físicas, entre outras.
2 - Característica de lugar: distribuição geográfica das doenças,
incluindo variações entre países, regiões, municípios, bairros ou entre
zonas urbana e rural, entre outras.
3 - Característica de tempo: podem ser exploradas as variações cíclicas
e sazonais, bem como se pode comparar a frequência atual de doença
com a de 5, 10, 50 ou 100 anos atrás.

Pode-se considerar que a descrição sistemática do comportamento da doença


permite a elaboração de hipóteses “causais” com base na ocorrência usual de
doenças conhecidas e possibilita o uso da analogia tanto no estudo das
doenças novas quanto na explicação daquelas anteriormente conhecidas.
Nesse sentido, essa metodologia se torna bastante útil ao epidemiologista
(Werneck, 2009).
Na área das doenças infecciosas, estudos epidemiológicos descritivos
preocupam-se em descrever características como período de incubação,
infectividade, patogenicidade, virulência e poder imunogênico (Tabela 11).
B - Epidemiologia Analítica

A Epidemiologia Analítica pode ser entendida como a parte do método


epidemiológico que se ocupa de testar hipóteses de associação exposição-
desfecho. Em termos médicos, isso significa definir a existência de associação
entre a exposição a determinado fator e o aparecimento de certa doença ou
condição. Para isso, faz uso de estudos epidemiológicos analíticos, como
estudos ecológicos e transversal ou seccional (quando há teste de hipótese),
coorte, caso-controle, estudos clínicos randomizados e não randomizados.
A definição da associação entre as variáveis é a base da relevância para a
formação biomédica do conhecimento de princípios básicos de Epidemiologia
em geral e dos métodos analíticos em particular, uma vez que com sua
utilização adequada é que são obtidas e estudadas todas as relações
conhecidas de causalidade entre exposição e efeitos, ou seja, entre fatores de
risco e doenças.
Veja, a seguir, um exemplo importante ocorrido na década de 1980, no qual se
pode verificar que a metodologia epidemiológica baseada na observação de
casos com aspectos comuns e na investigação deles encontrou um fator
concomitante que desencadeou a patologia descrita como síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS) pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV) – Tabela 12.

O exemplo levantou hipóteses posteriormente investigadas em estudos que


puderam identificar a presença de um novo agente patogênico na ocasião: o
vírus da AIDS, bem como grupos, a princípio, com maior chance de adquirir
a doença. A continuidade de estudo e pesquisa e suas descobertas também
caracterizam a metodologia epidemiológica.
Do ponto de vista de delineamentos epidemiológicos na modalidade analítica,
os estudos epidemiológicos são todos aqueles capazes de avaliar algum teste
de hipóteses.
Os principais delineamentos de pesquisa da Epidemiologia Analítica são
descritos com profundidade no capítulo de estudos epidemiológicos. De modo
geral, os estudos analíticos podem ser subdivididos em observacionais ou
experimentais, a depender da hipótese que está sendo testada. Um estudo em
que o pesquisador apenas colhe informações, sem intervir na determinação da
exposição e dos grupos de alocação, recebe o nome de observacional; já a
metodologia em que existe intervenção por parte dos pesquisadores é
chamada de experimental (Franco; Passos, 2005; Medronho, 2009). Assim
como na Epidemiologia Descritiva, estudos com delineamento ecológico ou
transversal podem ser considerados analíticos, caso haja teste de hipóteses.
Além disso, a Epidemiologia Analítica inclui, em seu campo de
conhecimento, os estudos de coorte, estudos de casos e controles, ensaios
clínicos randomizados e ensaios clínicos não randomizados.
Em termos epidemiológicos, o efeito, a predição ou a explicação são
chamados de variável independente, enquanto o fator de interesse, a resposta
ou o desfecho é chamado de variável dependente. Passos e Ruffino-Netto
(2005) explicam que a hipótese a ser testada é que a variável desfecho
(dependente) sofra influência da variável exposição (independente),
caracterizando uma associação entre ambas.
Quando os estudos analíticos, em geral, ensaios clínicos randomizados, se
preocupam em avaliar o benefício de um tratamento específico, muitas vezes
se utilizam dos conceitos de eficácia e eficiência. Segundo o Dicionário de
Epidemiologia da Oxford (Porta, 2008), a eficácia é a extensão do quanto
uma intervenção específica produz um resultado benéfico em condições
ideais. Em contrapartida, a eficiência é o resultado obtido da intervenção
considerando os esforços em termos de custo, recursos e tempo. Desse modo,
2 intervenções com eficácias semelhantes podem, por exemplo, diferir muito
em eficiência, caso uma seja muito mais cara em relação à outra, ou exija
muito mais tempo para a obtenção do resultado.

7. Conquistas e perspectivas da Epidemiologia


Até o momento, foram vistos os principais aspectos da Epidemiologia
aplicada na Medicina e na área de Saúde. Por uma pequena trajetória, pode-se
conhecer o perfil dessa vasta linha de conhecimento, desde seu berço até os
dias atuais. Beaglehole, Bonita e Kjellström (2010) explicam que a
Epidemiologia tem auxiliado a Ciência em enormes conquistas, especialmente
no conhecimento do processo saúde-doença e na possibilidade de controle.
Alguns dos principais eventos amplamente estudados com sucesso foram:
1 - Varíola.
2 - Envenenamento por metilmercúrio.
3 - Febre reumática e doença cardíaca reumática.
4 - Distúrbios por deficiência de iodo.
5 - Tabagismo, asbesto e câncer de pulmão.
6 - Fratura de quadril.
7 - HIV e AIDS.
8 - Síndrome da angústia respiratória aguda.
9 - Sedentarismo e doença cardiovascular.
10 - Hipertensão e doença cardiovascular.

Atualmente, tornaram-se concretas áreas do conhecimento em que a


Epidemiologia está ou logo estará fortemente inserida: Epidemiologia Clínica
(aplicação individual do conhecimento epidemiológico), Epidemiologia
Social, Epidemiologia Aplicada nos Serviços de Saúde (municípios, estados
ou nações), Epidemiologia Molecular, Epidemiologia Genética,
Etnoepidemiologia e Farmacoepidemiologia são algumas das vastas
possibilidades.
A necessidade de conhecer essa ciência com um pouco mais de intimidade
deverá ser levada em consideração por todos os profissionais da área da
saúde, servindo especialmente para situar esse profissional acerca do
conhecimento atual do processo saúde-doença de patologias específicas,
estendendo-se até seu tratamento e controle.

Resumo
História

A Epidemiologia é uma ciência básica que vem servindo variadas linhas de


raciocínio. Tem seu berço na Inglaterra com John Snow e a cólera antes
mesmo de os micro-organismos serem descobertos. Muitas das pesquisas
epidemiológicas realizadas no século passado focavam as doenças
infecciosas. Neste novo século, o conhecimento epidemiológico sobre as
doenças crônico-degenerativas teve um salto considerável. O movimento a
favor da prevenção incorporou-se à Medicina, além do diagnóstico e do
tratamento das doenças, das áreas de promoção à saúde, prevenção das
doenças e reabilitação, em que a Epidemiologia ganhou e vem ganhando
espaço.

Definições, conceitos básicos e usos

Uma das definições mais bem trabalhadas de Epidemiologia refere-se a esta


como o estudo da distribuição das doenças na população e os fatores que
influenciam e determinam essa distribuição. A premissa fundamental é que a
doença, moléstia ou ausência de saúde não é distribuída ao acaso na
população. Mais exatamente, cada um de nós possui certas características que
predispõem ou protegem contra uma variedade de doenças. Essas
características podem ser primariamente genéticas ou resultado da exposição
a determinados perigos ambientais. Entretanto, frequentemente interagimos
com fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento da doença. Os
principais usos da disciplina podem ser ressaltados, devido a seu impacto para
a saúde da população:

Diagnósticos dos problemas de saúde da população;


Projeções e avaliações de tendências;
Identificação de grupos de risco.

Relação entre Medicina Preventiva e Epidemiologia

A Medicina Preventiva é uma especialidade médica reconhecida pelo


Conselho Federal de Medicina no Brasil. A Epidemiologia é uma disciplina
básica que oferece muitas ferramentas para auxiliar o trabalho dos
profissionais preventivistas.

Relação entre Clínica Médica e Epidemiologia

A Clínica Médica é uma disciplina fundamental desenvolvida na Medicina,


que se caracteriza por um perfil de raciocínio dedutivo, uma vez que está
centrada no indivíduo. A Epidemiologia é uma disciplina na qual o indivíduo
não é importante, e sim um grupo ou uma população. Nesse sentido, o tipo de
raciocínio desenvolvido é, geralmente, o indutivo.

Raciocínio, método e prática

A transformação em dados e a posterior produção de informação trazem como


produto o conhecimento. O entendimento de tal processo é essencial para a
compreensão do método epidemiológico. Na prática, a Epidemiologia está
dividida em 2 campos diferentes: a Epidemiologia Descritiva (que descreve
situações e formula hipóteses) e a Epidemiologia Analítica (capaz de testar
hipóteses formuladas por meio de cálculos estatísticos). Em cada abordagem
existem tipos de delineamentos utilizados sistematicamente.

Conquistas e perspectivas da Epidemiologia

A aplicação do método epidemiológico tem auxiliado no conhecimento de


processos de saúde-doença de variadas patologias conhecidas. AIDS e câncer
de pulmão são alguns exemplos em que, por meio de estudos
epidemiológicos, conseguiu-se chegar à comprovação dos principais fatores
de risco, do tratamento e da prevenção. Agora, a Epidemiologia poderá se
estender a outros campos de atuação, como a Farmacoepidemiologia e a
Epidemiologia Molecular.
Saúde e doença
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural.
Ou seja, saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas; depende
da época, do lugar e da classe social. Os valores individuais e as concepções
científicas, religiosas e filosóficas também estão associados a esse conceito.
Inicialmente, para chegar a uma apropriação concreta dos conceitos de saúde
e doença, faz-se necessária uma compreensão etimológica dos 2 vocábulos.
Segundo Reiner (2008), doença provém do latim dolentia, derivado de dolor e
dolore, que querem dizer “dor” e “doer”. Já saúde, também do latim, vem de
salutis, derivado do radical salus, com significação de “salvar”, “livrar do
perigo”, “afastar riscos e/ou saudar”, “cumprimentar”, “desejar saúde”.

2. Conceito de “saúde” e “doença”

A - Saúde

No senso comum, muitas vezes a saúde é definida como ausência de doença,


e doença, inversamente, como falta ou perturbação da saúde. Na prática
clínica, as pessoas são examinadas e rotuladas como doentes ou saudáveis em
função de julgamentos baseados em resultados de exames clínicos e/ou
laboratoriais, que informam a ausência ou a presença de anormalidades
(Pereira, 2002).
Além de estar naturalizado na comunidade, e mesmo na clínica, esse conceito
simplista fez parte da chamada teoria negativa do processo saúde-doença, que
data da década de 1970 e foi escrita por Christopher Boorse (Boorse, 1975,
1976, 1977, 1986). O autor referia que doença seria, por conseguinte, o termo
de referência pelo qual a saúde poderia ser negativamente definida. Almeida
Filho e Jucá (2002) explicam que, no Brasil, o nome de Boorse é praticamente
desconhecido, e não há referências à sua contribuição em quaisquer dos textos
analíticos fundamentais da área de Saúde Coletiva no país.
O conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em
1948 refere-se a esta não apenas como a ausência de doença, mas como o
completo bem-estar físico, mental e social. Embora seja antiga, uma vez que
data da origem da própria OMS, essa definição continua a ser utilizada pelo
órgão na atualidade (OMS, 2011). Contudo, Segre e Ferraz (1997) avaliam
que essa definição, até avançada para a época em que foi realizada, é, no
momento, qualificada como irreal, ultrapassada e unilateral, uma vez que
atingir o “completo” refere-se a uma utopia. A definição da OMS pode ser
tratada mais como um símbolo ideal, um compromisso ou um horizonte a ser
buscado.
No fim do século XX, o conceito de saúde estava intrinsecamente relacionado
ao modelo biomédico, em que doença era tratada como “desajuste ou falha
nos mecanismos de adaptação do organismo ou ausência de reação aos
estímulos a cuja ação está exposta; processo que conduz a uma perturbação da
estrutura ou da função de um órgão, de um sistema ou de todo o organismo ou
de suas funções vitais” (Jénicek; Cléroux, 1985).
O conceito “ampliado e positivo de saúde” foi defendido e registrado na 8ª
Conferência Nacional de Saúde, denominada Conferência Pré-Constituinte,
realizada de 17 a 21 de março de 1986. Saúde seria, então, a resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, bem
como acesso a serviços de saúde. Seria, assim, o resultado das formas de
organização social da produção que podem gerar grandes desigualdades nos
níveis de vida (Brasil, 1987).
O grande mérito da concepção presente na Constituição de 1988 reside,
justamente, na explicitação dos determinantes sociais da saúde e da doença,
muitas vezes negligenciados nas concepções que privilegiam a abordagem
individual e subindividual.

Dica
Segundo a Constituição Brasileira de 1988, “a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (Brasil, 1988).

B - Doença

O conceito de doença, sob a ótica médica, refere o aposto de saúde da mesma


ideologia, a chamada “teoria negativa do processo saúde-doença”; a distinção
entre o normal e o patológico pode ser vista de maneira quantitativa, tanto
para os fenômenos orgânicos quanto para os mentais. A doença constitui falta
ou excesso de excitação dos tecidos abaixo ou acima do grau que constitui o
estado normal (Coelho; Almeida Filho, 1999). Nessa perspectiva, a doença
está dentro do indivíduo e pode ser definida como um fenômeno isolado, com
causas biológicas e, muitas vezes, a ser tratado com medicamentos.
Do ponto de vista social, a melhor forma de comprovar empiricamente o
caráter histórico da doença não é conferida pelo estudo de suas características
nos indivíduos, mas sim quanto ao processo que ocorre na coletividade
humana. A natureza social da doença não se verifica no “caso clínico”, mas
no modo característico de adoecer e morrer nos grupos humanos. Ainda que
provavelmente a “história natural” da tuberculose, por exemplo, seja diferente
hoje do que era há 100 anos, não é nos estudos dos tuberculosos que se
apreende melhor o caráter social da doença, mas nos perfis patológicos que os
grupos sociais apresentam (Laurell, 1976).
Desse modo, doença não é mais do que um constructo que guarda relação
com o sofrimento, com o mal, mas não lhe corresponde integralmente.
Quadros clínicos semelhantes, com os mesmos parâmetros biológicos,
prognóstico e implicações para o tratamento, podem afetar pessoas diferentes
de forma distinta, resultando em diferentes manifestações de sintomas e
desconforto, com comprometimento diferenciado de suas habilidades de atuar
em sociedade (Evans; Stoddart, 1994; Oliveira; Egry, 2000).
O processo saúde-doença da coletividade pode ser entendido como o modo
específico pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico de desgaste e
reprodução, destacando como momentos particulares a presença de um
funcionamento biológico diferente, com consequências para o
desenvolvimento regular das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da
doença (Laurell, 1983). A seguir, serão apresentados alguns modelos que
auxiliarão no entendimento dos conceitos aqui apresentados.

3. Os modelos explicativos do processo saúde-


doença
São modelos explicativos do processo saúde-doença: biomédico – agentes
físicos, químicos e biológicos que causam doença nos indivíduos,
independentemente do contexto psicossocial; e ecológico (História Natural da
Doença) – considera a interação, o relacionamento e o condicionamento de 3
elementos fundamentais da “tríade ecológica”: o ambiente, o agente e o
hospedeiro, sendo a doença resultante de um desequilíbrio nas
autorregulações existentes nesse sistema, que se desenvolve em 2 períodos
consecutivos, o pré-patogênico e o patogênico.
Historicamente, pode-se dizer que há uma evolução de paradigmas em se
tratando de ensino de modelos explicativos do processo saúde-doença. Mais
recentemente, no Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Medicina (2014) orientam para uma formação que considere as dimensões da
diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual,
socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que
compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou
cada grupo social.

A - O modelo biomédico

O discurso da Medicina apoia suas observações e formulações,


predominantemente, a partir da perspectiva do modelo biomédico. Esse
modelo, refletindo o potencial técnico-instrumental das biociências, exclui o
contexto psicossocial dos significados, nos quais uma compreensão plena e
adequada dos pacientes e de suas doenças depende de alternativas de
compreensão de saúde e doença.
A formação do médico, bem como a de outros profissionais da saúde, esteve
ancorada no modelo biomédico desde sua existência, fato que favoreceu a
construção de uma postura de desconsideração aos aspectos psicossociais
tanto dele quanto do paciente (De Marco, 2006).
De acordo com o modelo biomédico (Figura 1), as doenças advêm de agentes
externos (químicos, físicos ou biológicos) que causam mudanças físicas no
ser humano. O modelo biomédico vê o corpo humano como uma máquina
muito complexa, com partes que se inter-relacionam, obedecendo a leis
naturais e psicologicamente perfeitas, assim pressupõe que a máquina
complexa (o corpo) precise constantemente de inspeção por parte de um
especialista.
Figura 1 - Modelo biomédico de saúde-doença

As perspectivas da doença no modelo biomédico são: a Patologia, que


considera o mecanismo etiopatogênico, e, dessa forma, existiriam 2 categorias
de doenças – infecciosas e não infecciosas; e a Clínica, que privilegia a
abordagem dos sinais e sintomas, caracterizando, por sua vez, as doenças em
agudas e crônicas. Esse modelo remete o pensamento ao início dos estudos
cursados na faculdade. Nesse sentido, o estudante deve conhecer a Anatomia
e a Fisiologia e, depois, a Patologia e a Clínica, pois, sem conhecer os
aspectos fisiológicos ou normais, não seria possível identificar aqueles ditos
patológicos.
Diante da etiologia da doença, o modelo biomédico adota uma lógica
unicausal, também designada lógica linear, procurando-se identificar uma
causa a qual, por determinação mecânica, unidirecional e progressiva,
explicaria o fenômeno do adoecer, direcionando a explicação a se tornar
universal. É nessas condições epistemológicas que o modelo biomédico, nas
ciências da saúde, tende a reproduzir conhecimentos universais relativos aos
seres humanos (Puttini; Pereira Junior; Oliveira, 2010).

B - O modelo ecológico (História Natural da Doença)

Importante
No lugar de considerar saúde e doença como componentes de um sistema
binário, do tipo presença-ausência, pode ser mais adequado concebê-las
como um processo no qual o ser humano passa por múltiplas situações, que
exigem de seu meio interno um trabalho de compensações e adaptações
sucessivas.

Sabe-se que o curso de uma doença não é uniforme no organismo; assim,


pode apresentar grande variabilidade de um caso para outro. Embora essa
variabilidade seja elevada, sugere-se que as doenças progridam segundo
alguns padrões descritos. Donabedian (1973) descreveu 5 das principais
categorias, apresentadas na Figura 2.

Figura 2 - Padrões de evolução das doenças


Fonte: adaptado de Epidemiologia: teoria e prática, 2002.

A - Evolução aguda e rapidamente fatal (exemplo: raiva e meningite


bacteriana).
B - Evolução aguda, clinicamente evidente e com rápida recuperação
(exemplo: viroses respiratórias).
C - Evolução sem alcance do limiar clínico (exemplo: hepatite anictérica
e dengue clássica).
D - Evolução crônica que progride fatalmente após longo período
(exemplo: doenças cardiovasculares e degenerativas).
E - Evolução crônica que intercala períodos assintomáticos com períodos
de exacerbação (exemplo: doenças psiquiátricas).
Para exemplificar essa questão, observe a Figura 3, que trata do padrão de
evolução da infecção por HIV. Atualmente, com a evolução da terapia
antirretroviral, a doença tende a permanecer no estágio C, ou seja, latência
clínica, a depender de vários fatores, como adesão ao tratamento, resistência
viral às drogas e falhas clínicas observadas; esse quadro pode ser alterado, e o
paciente, evoluir para óbito.

Figura 3 - Padrão de evolução da infecção por HIV: (A) infecção primária; (B) síndrome aguda da
infecção por HIV, com ampla disseminação viral em órgãos linfoides; (C) latência clínica; (D)
presença de sintomas constitucionais; (E) doenças oportunistas; (F) óbito
Fonte: site The Naked Scientists.

Após a 2ª Guerra Mundial, os países industrializados começaram a vivenciar


a chamada transição epidemiológica, caracterizada pela diminuição da
importância das doenças infectoparasitárias como causa de adoecimento e
morte em detrimento do incremento das doenças crônico-degenerativas
(Batistella, 2007). Nesse sentido, iniciou-se um período de desvalorização da
teoria da unicausalidade e, consequentemente, do modelo biomédico de
saúde-doença. Surgiram algumas abordagens propostas para compreender o
processo saúde-doença como síntese de múltiplas determinações, entre as
quais está o modelo ecológico, também conhecido como História Natural da
Doença – HND (Leavell; Clark, 1976).
Figura 4 - (A) Interação de eventos no período de pré-patogênese (tríade ecológica); (B) eventos
ocorridos no período de patogênese; (C) níveis de atenção no período de pré-patogênese e de
patogênese
Fonte: adaptado de Medicina Preventiva, 1976.
Figura 5 - Modelo da História Natural da Doença mostrando as etapas, barreiras e posição do
horizonte clínico em relação à evolução da doença
Fonte: adaptado de Educação Profissional e Docência em Saúde. O território e o processo saúde-
doença.

Tema frequente de prova


O modelo de História Natural da Doença segundo Leavell e Clark é tema
frequente nos concursos médicos.

Segundo Leavell e Clark, a HND é o conjunto de processos interativos que


criam o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar,
passando pela resposta do homem ao estímulo até as alterações que levam a
defeito, invalidez, recuperação ou morte.
Batistella (2007) explica ainda que esse modelo considera a interação, o
relacionamento e o condicionamento de 3 elementos fundamentais da
chamada “tríade ecológica” (Figura 4): o ambiente, o agente e o hospedeiro.
A doença seria resultante de um desequilíbrio nas autorregulações existentes
no sistema.
O modelo da HND compreende a determinação das doenças em 2 domínios: o
meio externo e o meio interno. Esses domínios são mutuamente exclusivos,
consecutivos e complementares. Enquanto no meio externo existe a interação
determinante e o agente (desenvolvem-se as etapas necessárias para a
implantação da doença), no meio interno há o locus onde se desenvolve a
doença (onde se processa, progressivamente, uma série de modificações
bioquímicas, fisiológicas e histológicas próprias a cada enfermidade). Em
ambos os meios, há fatores contribuintes com o processo.
O modelo da HND considera ainda 2 períodos consecutivos, articulados e
complementares, nos quais se desenvolvem o processo de instalação, o
desenvolvimento e o desfecho da patologia: período pré-patogênico e período
patogênico (Figura 4 - A e B). Pode-se considerar também que as sequelas
estejam fora do período da patogênese (Figura 5).

a) Período pré-patogênico

Importante
O período pré-patogênico refere-se ao 1º período da História Natural da
Doença, quando os distúrbios patológicos ainda não se manifestaram no
indivíduo. Trata-se da própria evolução das inter-relações dinâmicas, que
envolvem, de um lado, os condicionantes sociais e ambientais e, do outro,
os fatores próprios do suscetível, até que chegue a uma configuração
favorável à instalação da doença.

Nesse período, há a interação entre os fatores que estimulam o


desencadeamento de uma doença no organismo e as condições que permitem
a existência desses fatores, além de sua ação no hospedeiro (início biológico
da doença).
Pessoas com boas condições socioeconômicas e de saneamento, por exemplo,
dificilmente adoecem de cólera (fator socioambiental), enquanto usuários de
drogas injetáveis que compartilham seringas têm maior risco de contrair o
vírus HIV ou hepatite B ou C (fator individual, comportamental). Em ambas
as situações, os indivíduos não estão doentes, contudo esse “risco” pode ser
entendido como uma pressão natural que tende a levar o sujeito para o outro
lado do diagrama (período patológico). Alguns dos fatores que compreendem
a tríade (ambiente, agente e hospedeiro) serão discutidos a seguir.

- Fatores sociais

Incluem as características sociais, econômicas, políticas e culturais das


populações. O componente social das coletividades traz as relações que se
estabelecem entre as pessoas, segundo a sua inserção no processo produtivo.
As pessoas não são iguais em termos de renda, escolaridade, ocupação,
oportunidades de trabalho, hábitos culturais, crenças, entre outros; além da
desigualdade entre as diversas comunidades em relação, por exemplo, à
cobertura por serviços de saúde ou em relação à cobertura por saneamento
básico. A desigualdade social atua não apenas como causa ou associada a
problemas de saúde, mas também como determinante do tipo de intervenção
necessária no processo saúde-doença das comunidades (Tabela 1).

- Fatores ambientais

Incluem tanto o ambiente físico como o representado pelos seres vivos. Na


perspectiva do ambiente físico, têm-se o relevo, a altitude, o clima e a
umidade do ar, que favorecem o desenvolvimento de certas fauna e flora em
detrimento de outras, além de favorecerem ou não a proliferação de agentes
patogênicos, como parasitas ou vetores; também influenciam a distribuição
das populações, com maior ou menor densidade demográfica, contribuindo
para o desenvolvimento de enfermidades.
Com relação ao ambiente representado pelos seres vivos, têm-se agentes
patogênicos e vetores, reservatórios de agentes patogênicos, animais
peçonhentos e plantas venenosas, como agentes que podem influenciar a
saúde das populações e dos indivíduos.
O estudo da influência exercida pelos fatores naturais do ambiente físico na
produção de doenças tornou-se menos importante do que o conhecimento da
ação desenvolvida pelos agentes aí agregados artificialmente. O progresso e o
desenvolvimento industrial criaram problemas epidemiológicos novos,
resultantes da poluição ambiental. O ambiente físico que envolve o homem
moderno condiciona o aparecimento de doenças cuja incidência se tornou
crescente a partir da urbanização e da industrialização. As doenças
cardiovasculares, as alterações mentais e o câncer pulmonar estão também
associados a fatores do ambiente físico (Rouquayrol, 1994).

- Fatores do hospedeiro

Incluem os fatores genéticos que, além de poderem predeterminar algumas


patologias (por exemplo: hemofilia, anemia falciforme), podem apenas tornar
o indivíduo mais ou menos suscetível à ação de agentes patogênicos ou
ambientais que causarão alguma doença (a fenilcetonúria, por exemplo, cujo
diagnóstico precoce, associado à correção da dieta – fator ambiental –,
permite o desenvolvimento adequado do indivíduo); também incluem
aspectos relacionados ao estilo de vida das pessoas. Nesse caso, podem-se
citar, como exemplos, o sedentarismo associado ao estresse, a dieta
hipergordurosa e o hábito de fumar, que, provavelmente, propiciam o
aparecimento de algum distúrbio cardiovascular e, caso haja uma
predisposição genética para essa patologia, maior a chance de o indivíduo
apresentar a enfermidade e talvez mais precocemente.
O modelo da HND exibe abrangência multifatorial. Curiosamente,
multifatorialidade não significa uma simples soma dos diferentes fatores
condicionantes da doença, mas sim um sinergismo ou uma interação desses
fatores. Em outras palavras, 2 fatores condicionantes de determinada
patologia, quando atuam de forma sinérgica, aumentam o risco de
desenvolvimento da doença. Assim, por exemplo, um indivíduo de 40 anos,
que faz atividade física, não é tabagista e tem história familiar de hipertensão
arterial, tem menor risco de desenvolver a doença (ou irá desenvolvê-la mais
tarde) que um indivíduo da mesma faixa etária, com mesma história familiar,
que tenha os hábitos de fumar e de não praticar exercícios.
Uma ferramenta útil para a identificação dos determinantes intergeracionais
(hospedeiro), biomédicos e psicossociais é o genograma. É um mapa gráfico
com a utilização de símbolos que auxiliam a equipe de saúde a interpretar o
contexto familiar do indivíduo. No genograma, é de boa prática que sejam
registradas pelo menos 3 gerações a partir do paciente identificado, pois
modelos de relacionamentos interfamiliares em gerações anteriores podem
estar implícitos no relacionamento atual. Além disso, é fundamental que se
utilizem símbolos reconhecidos pelo serviço de saúde ou internacionalmente,
como a utilização de quadrados para homens e círculos para mulheres, bem
como traços que representem interações entre os indivíduos. No capítulo de
Medicina de Família e Comunidade o genograma é apresentado de forma
mais detalhada.

b) Período patogênico

A HND tem seguimento com sua evolução no homem. O período patogênico


refere-se ao período no qual os distúrbios patológicos se manifestam, ou seja,
quando o indivíduo está doente.

Importante
No período patogênico, a interação entre os fatores condicionantes sociais
e ambientais e os fatores próprios do hospedeiro já causou alterações
bioquímicas em nível celular e distúrbios na forma e na função de órgãos e
sistemas, culminando com a manifestação da doença, que evoluirá para um
defeito permanente (ou sequela), para a cronicidade, para a morte ou para a
cura.

A depender do processo patológico instalado e de condições do próprio


indivíduo, essa etapa pode não ser linear com alteração fisiológica, sinais e
sintomas, morte e/ou invalidez ou recuperação. Poderá ocorrer algo mais
próximo ao apresentado na Figura 2, com alguns casos evoluindo direto para
óbito, ou outros, ditos crônicos, flutuando em torno do limiar clínico sem ou
com evolução para óbito.
Leavell e Clark (1976) consideram 4 níveis de evolução da doença nesse
período (Figura 4 - B e Tabela 2). Na Tabela 3 são apresentados 2 exemplos
de evolução de doença no período patogênico (tuberculose e doença
coronariana), segundo essa mesma ideologia.
Batistella (2007) comenta ainda que o exame dos diferentes fatores
relacionados ao surgimento de uma doença, a utilização da estatística nos
métodos de investigação e os desenhos metodológicos permitiram avanços
significativos na prevenção de doenças. Outra vantagem desse modelo teórico
reside no fato de possibilitar a proposição de barreiras à evolução da doença
mesmo antes de sua manifestação clínica (pré-patogênese), ou mesmo quando
a doença já se estabeleceu (patogênese). Essa ideia também é compartilhada
com os criadores do modelo, Leavell e Clark (Laprega, 2005).

c) Prevenção de doenças da ótica da História Natural da


Doença

Paim (2008) explica que, a partir das influências da Medicina Preventiva, foi
difundido o modelo da HND, estabelecendo 5 níveis de prevenção, cujas
medidas poderiam ser aplicadas de forma integral em distintos momentos do
processo saúde-doença (Figura 4 - C).

Importante
Na 1ª fase de prevenção, na qual haveria a possibilidade de um
desequilíbrio entre o agente, o hospedeiro e o ambiente, cabem medidas de
promoção da saúde e proteção específica, cujos procedimentos foram
chamados de prevenção primária. Já o período patogênico é aquele
destinado a ações diagnósticas e de tratamento precoce, bem como a
limitação da invalidez ou incapacidade, correspondendo à prevenção
secundária ou 2ª fase de prevenção. Ainda nesse período patogênico, seria
possível conseguir a prevenção terciária por meio da reabilitação,
equivalendo à 3ª fase de prevenção.

A seguir, serão detalhadas algumas atividades realizadas em cada um dos 5


níveis de prevenção.

- Prevenção primária

Inclui medidas inespecíficas e específicas de proteção à saúde. As medidas


inespecíficas ou gerais são aquelas de caráter mais amplo, que não visam à
proteção do indivíduo ou das coletividades contra alguma doença em
especial; são ações gerais de promoção da saúde. Já as medidas específicas
estão voltadas a algum problema de saúde em particular ou a uma doença
específica (Tabela 4). As medidas de Promoção da Saúde, justamente por
serem inespecíficas, têm um enfoque mais abrangente, de modo que não se
restringe à preocupação com que os indivíduos fiquem livres de doenças. A
identificação e o enfrentamento de determinantes sociais, por exemplo, fazem
parte de medidas de promoção de saúde. Entretanto, as medidas de proteção
específicas estão voltadas ao não aparecimento de doenças e agravos em
saúde.
Portanto, a prevenção primária atua na fase pré-patogênica da HND, ou seja,
com o foco para o momento anterior à interação entre o agente causador do
distúrbio à saúde e o indivíduo suscetível. Vale lembrar que existe uma
pressão natural (a interação entre os elementos da tríade ecológica) que pode
levar o indivíduo a passar para o período patogênico da HND. O objetivo é
impedir esse fato.

Dica
As medidas de promoção à saúde no Brasil foram regulamentadas pela
Portaria nº 687, de 2006, pelo Ministério da Saúde. Seu objetivo foi
promover mudanças na cultura organizacional do Sistema Único de Saúde,
com vistas à adoção de práticas horizontais de gestão e estabelecimento de
redes de cooperação intersetoriais.

- Prevenção secundária

As medidas estabelecidas na prevenção primária não foram suficientes para


bloquear o desenvolvimento da doença, e o indivíduo passou para o período
patogênico. Assim, a prevenção secundária será utilizada e atuará
interrompendo a evolução da doença, em fase subclínica, ou de evolução
clínica aparente (diagnóstico e tratamento), na tentativa de fazê-la regredir
(cura) ou evitar que o distúrbio ocorrido se complique, deixe sequelas ou leve
o indivíduo a óbito. Uma alternativa é, pelo menos, retardar essa fase de
evolução da patologia (Tabela 5).
Portanto, a prevenção secundária atua na fase patogênica da HND, ou seja, no
momento em que já houve a interação do agente patogênico (meio ambiente-
indivíduo), e o organismo apresenta reações a essa interação. A pressão
natural que existe, nesse momento, diz respeito à evolução do indivíduo para
óbito ou sequela permanente; o objetivo é impedir esse tipo de evolução.

- Prevenção terciária

Se as medidas primárias e secundárias estabelecidas não foram suficientes, e


as reações do organismo ao agente patogênico resultaram em alguma
alteração com sequela permanente ou cronicidade, existe um grupo de
atividades que podem atuar no sentido de reabilitar o indivíduo, buscando sua
readaptação mesmo com o dano coexistente (Tabela 6).
Vale lembrar que as atividades de prevenção apresentadas (Tabelas 4, 5 e 6)
são colocadas em termos genéricos, ou seja, dependem diretamente do tipo de
doença a ser considerada. Poderá ocorrer ocasião em que alguma atividade de
promoção à saúde para uma doença possa ser considerada proteção específica
para outra, e assim por diante.

O Modelo Ecológico do processo saúde-doença é amplamente difundido na


atualidade, sobretudo pela vasta aplicação na prevenção de doenças. Outros
autores complementam essa teoria com alguns níveis de prevenção, como a
prevenção primordial sugerida por Alwan (1997) e a prevenção quaternária de
Jamoulle (2000), completando-se, assim, 5 níveis de prevenção em saúde
(Almeida, 2005).

- Prevenção quaternária e primordial

Norman e Tesser (2009) explicam que o conceito de prevenção quaternária


proposto por Jamoulle, médico de família e comunidade belga, almejou
sintetizar de forma operacional e na linguagem médica vários critérios e
propostas para o manejo do excesso de intervenção e medicalização, tanto
diagnóstica quanto terapêutica. A prevenção quaternária foi definida de forma
direta e simples como a detecção de indivíduos em risco de tratamento
excessivo para protegê-los de novas intervenções médicas inapropriadas e
sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis.
A conceituação foi proposta no contexto clássico dos 3 níveis de prevenção de
Leavell e Clark, assim a prevenção quaternária surge como 4º e último tipo de
prevenção, não relacionada ao risco de doenças, e sim ao risco de
adoecimento iatrogênico, ao excessivo intervencionismo diagnóstico e
terapêutico e à medicalização desnecessária. É considerada prevenção
quaternária qualquer ação que atenue ou evite as consequências do
intervencionismo médico excessivo que implica atividades médicas
desnecessárias:

Excesso de tratamento;
Excesso de rastreamento;
Excesso de exames complementares;
Medicalização de fatores de risco.

A prevenção quaternária impõe uma estrita necessidade de o profissional estar


atualizado sobre os estudos científicos de boa qualidade voltados para avaliar
a relação risco-benefício do tratamento e rastreamento, o que significa que é
preciso usar a medicina baseada em evidências, inexoravelmente, para bem
embasar, técnica e eticamente, sua decisão.
A prevenção primordial pode ser entendida como o conjunto de atividades
que visam evitar o aparecimento e o estabelecimento de padrões de vida
social, econômica ou cultural que possam estar ligados a elevado risco de
doença. Esse nível de prevenção atua, portanto, antes que surjam fatores de
risco (por exemplo, legislação estabelecendo ambientes livres de tabaco).

4. Outros modelos explicativos do processo


saúde-doença

A - Modelos dos determinantes sociais de saúde

Nos últimos 15 anos, vários modelos têm sido desenvolvidos para demonstrar
os mecanismos por meio dos quais os determinantes sociais de saúde afetam
os resultados na saúde. Nesse contexto, são pontuados os Determinantes
Sociais da Saúde (DSSs): condições socioeconômicas, culturais e ambientais
de uma sociedade que se relacionam com as condições de vida e trabalho de
seus membros (como habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços
de saúde e educação, além da trama de redes sociais e comunitárias),
influenciando a situação de saúde da população (CSDH, 2005).
Um dos modelos mais importantes de determinantes sociais trata da
influência das camadas, explicando como as desigualdades sociais na saúde
são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o
nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde
nacionais (Figura 6). Observe que os indivíduos estão no centro da Figura 6 e
têm idade, gênero e fatores genéticos que indubitavelmente influenciam seu
potencial de saúde final. A camada imediatamente externa representa o
comportamento e os estilos de vida das pessoas. As pessoas expostas a
circunstâncias de desvantagem tendem a exibir prevalência maior de fatores
comportamentais, como fumo e dieta pobre, e se deparam com barreiras
financeiras maiores ao escolherem um estilo de vida mais saudável (CSDH,
2005).

Figura 6 - Modelo de Dahlgren e Whitehead: influência em camadas Fonte: Dahlgren; Whitehead,


1991.

A influência da sociedade e da comunidade é demonstrada na próxima


camada. Essas interações sociais e pressões ocultas influenciam o
comportamento pessoal da camada abaixo, para melhor ou pior. Para os
grupos mais próximos do fim da escala social, compostos por pessoas que
vivem em condições de extrema privação, os indicadores de organização
comunitária registram uma disponibilidade menor de redes e sistemas de
apoio, além de menos serviços sociais e lazer em atividades comunitárias e
modelos de segurança mais frágeis (CSDH, 2005).
No próximo nível, encontramos fatores relacionados a condições de vida e de
trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços
essenciais. Nessa camada, as pessoas em desvantagem social correm risco
diferenciado criado por condições habitacionais mais humildes, exposição a
condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos
serviços (CSDH, 2005).
O último dos níveis inclui as condições econômicas, culturais e ambientais
prevalecentes na sociedade como um todo. Essas condições, como o estado
econômico e as condições do mercado de trabalho do país, influenciam todas
as demais camadas. O padrão de vida de uma dada sociedade, por exemplo,
pode influenciar a escolha de um indivíduo acerca de habitação, trabalho e
interações sociais, assim como hábitos alimentares. Da mesma forma, alguns
fatores podem influenciar o padrão de vida e a posição socioeconômica,
dependendo das crenças culturais sobre a posição das mulheres na sociedade
ou da atitude geral sobre as comunidades étnicas minoritárias (CSDH, 2005).

B - Modelo biopsicossocial

O modelo biopsicossocial (ou holístico) permite que a doença seja vista como
um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, organísmicos,
interpessoais e ambientais. Assim, o estudo de qualquer doença deve incluir o
indivíduo, seu corpo e seu ambiente circundante como componentes
essenciais de um sistema total (único ou particular).

Dica
A teoria do modelo biopsicossocial, na qual há a interação de 3 fatores no
processo saúde-doença, foi formulada por Engel e considera que os fatores
psicossociais podem operar para facilitar, manter ou modificar o curso da
doença, embora o seu peso relativo possa variar de doença para doença, de
um indivíduo para outro e até mesmo entre 2 episódios diferentes da
mesma doença no mesmo indivíduo (Fava; Sinino, 2010).

Vários autores explicam que o sofrimento e a doença, bem como o processo


de envelhecimento e a morte, fazem parte da existência humana. Com relação
a esses fenômenos naturais, os significados e os sistemas de explicação não se
reduzem a eventos clínicos que podem ser detectados no organismo humano,
mas estão intimamente relacionados às características de cada sociedade e a
cada época (Boltanski, 1989; Canguilhem, 1990; Rogers, 1991; Radley, 1994;
Traverso-Yépez, 2001).
De Marco (2005) explica ainda que esse modelo proporciona uma visão
integral do ser e do adoecer que compreende as dimensões físicas,
psicológicas e sociais. Quando incorporado ao modelo de formação do
médico, ressalta a necessidade de que o profissional, além do aprendizado e
da evolução das habilidades técnico-instrumentais, evolua também nas
capacidades relacionais, que permitem o estabelecimento de um vínculo
adequado e uma comunicação efetiva.

Resumo
Medidas de frequência I:
morbidade
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
Após a conceituação de saúde e doença, pode-se partir para questões mais
aplicadas da Epidemiologia. A rigor, neste capítulo, serão abordados os
aspectos básicos da ocorrência de doenças, aqui denominados “medidas de
frequência”. A problemática de interesse do capítulo é a presença de
determinado evento e a possibilidade de repetição desse evento; à medida que
ele ocorre repetidas vezes, pode ser reconhecido um padrão de ocorrência
que, muitas vezes, traz informações importantes sobre a sua prevenção e o seu
controle.
Compreender as medidas de frequência pode ser importante tanto para a
população geral quanto para os profissionais de saúde. Pode-se imaginar uma
situação em que exista uma epidemia de dengue, por exemplo; para saber o
estado evolutivo dessa epidemia, se as atividades de prevenção vêm surtindo
o efeito esperado, se o tratamento existente tem aumentado a sobrevida dos
afetados ou se as políticas adotadas para o controle da doença têm sido
adequadas (Costa; Kale, 2009), é preciso avaliar as medidas de frequência de
doenças e compará-las ao longo do tempo.
Assim como todo o restante da Epidemiologia, as medidas de frequência de
doença são avaliadas a partir de indicadores, que, como regra geral, são
calculados a partir da divisão entre números. As características específicas
dos diferentes tipos de indicadores (razões, proporções, coeficientes e índices)
são aprofundadas no capítulo de mortalidade e outros indicadores; porém,
devido à importância e às características particulares das medidas de
frequência, costuma-se estudá-las em um capítulo à parte, como é o caso
deste livro. As “medidas de frequência”, portanto, são definidas a partir de 2
indicadores que fazem parte da categoria “coeficientes”, que são a prevalência
e incidência (Medronho, 2008).

Importante
De maneira geral, a prevalência expressa o número de casos existentes de
uma doença ou um fenômeno de interesse em um dado momento, ao passo
que a incidência se refere à frequência com que surgem novos casos de
uma doença, num intervalo de tempo.

É fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos e dos
estimadores de risco vastamente utilizados na análise desses estudos.
Antes de iniciar essa discussão, é importante lembrar que, na maioria das
vezes, há interesse em conhecer a frequência de determinadas doenças para
que sejam estruturadas as medidas de controle. Contudo, as moléstias são
apenas um dos desfechos mensuráveis, podendo-se medir a frequência de
fatores de risco ou determinantes, eventos adversos à saúde, ou outros que
não são necessariamente uma doença. Além de medidas como prevalência e
incidência, existem diversas medidas de frequência, como as de mortalidade,
letalidade ou sobrevivência, que, segundo Costa e Kale (2009), podem ser
compreendidas como variações dos conceitos de incidência e prevalência.

2. Incidência
Incidência pode ser definida como a frequência de casos novos de uma
determinada doença ou problema de saúde de uma população com risco de
adoecimento, ao longo de um determinado período (o conceito de tempo está
envolvido). Casos novos, ou incidentes, podem ser compreendidos como
indivíduos que não estavam enfermos no início do período de observação, ou
seja, sob risco de adoecimento, e se tornaram doentes ao longo deste. É
necessário que cada indivíduo seja observado, pelo menos, em 2 ocasiões,
portanto só pode ser obtida em estudos longitudinais, como ensaios clínicos
ou estudos de coorte. A incidência é, então, uma medida dinâmica, pois
expressa mudanças no estado de saúde. Além disso, o conceito de incidência,
em Epidemiologia, é sinônimo do conceito de risco. Assim, o risco de um
indivíduo do sexo masculino, tabagista, com 60 anos de idade, desenvolver
câncer de pulmão é a incidência de câncer de pulmão em uma população de
indivíduos do sexo masculino, tabagistas e com 60 anos de idade.
Incidência é definida, segundo Gordis (2010), como o número de casos novos
de uma doença que ocorreu durante determinado período, em uma população
sob risco de desenvolvimento dessa enfermidade. Além do termo “taxa de
incidência”, que se refere à ocorrência em função do tempo, existem autores
que utilizam o termo “coeficiente de incidência”, uma vez que é uma medida
que expressa a probabilidade de ocorrência da doença. Sendo assim, o
denominador dessa divisão deve trazer todos os indivíduos que estão sob risco
de desenvolver a doença.
Está claro, então, que o numerador dessa fração considera as pessoas
acometidas, ou seja, os novos doentes. Contudo, no denominador do
indicador pode haver 2 tipos de números que dividem o coeficiente de
incidência em 2 tipos: incidência acumulada e densidade de incidência.

A - Incidência acumulada

O 1º tipo de incidência, a incidência acumulada, ou incidência cumulativa, é


utilizado quando todos os indivíduos do grupo representado pelo
denominador foram acompanhados por todo o período. A equação a seguir
apresenta como se calcula a incidência acumulada.

Importante
Muitos livros de Epidemiologia, na tentativa de simplificar o entendimento
das fórmulas dos indicadores, afirmam que, após a divisão do numerador
pelo denominador, devemos multiplicar essa divisão por um múltiplo de 10
(como 100, 1.000 ou 10.000) para obter o valor do indicador. Por exemplo,
caso haja 2 casos incidentes de coqueluche em uma creche com 100
crianças, a incidência seria 2/100 = 0,02*100 = 2%. Entretanto, esse
conceito é ilusório e matematicamente equivocado, pois não podemos
“inventar” um número para multiplicar. Na verdade, como demonstra a F1,
para facilitar a interpretação do indicador, multiplicamos a divisão por
10n/10n; ou seja, multiplicamos por 1, que não altera a fórmula original,
mas torna o número mais inteligível. Ao longo deste e dos outros livros,
utilizaremos a fórmula correta, porém não se surpreenda caso alguma
questão cobre o conceito simplificado de alguns livros de Epidemiologia.

Para exemplificar a incidência acumulada (pessoas sob risco), será utilizada a


representação gráfica da Figura 1, na qual existe um grupo de indivíduos
acompanhados por um período de 5 anos. Nesse caso, não existiu perda de
indivíduos, ou seja, todos foram acompanhados por todo o período estipulado
(5 anos), e a doença em questão deixa a pessoa com imunidade permanente,
então o indivíduo que desenvolveu a doença 1 vez não tem mais risco de
desenvolvê-la.

Figura 1 - Seguimento de uma população de 12 indivíduos para expressar pessoas sob risco de
adoecimento

Para conhecer a incidência da doença nos 5 anos em questão, basta utilizar a


fórmula F1, uma vez que, nesse caso, todos os 12 indivíduos são potenciais
para o desenvolvimento da doença. Então, a incidência desse desfecho, em 5
anos de estudo, foi de 33%.

Até o momento, parece simples a maneira de calcular incidência, contudo é


preciso estar sempre alerta. Veja os exemplos que seguem.
Exemplo 1: utilizando a Figura 1, calcule a taxa de incidência no 2º ano de
observação.
Exemplo 2: utilizando a Figura 1, calcule a taxa de incidência no 5º ano de
observação.

Note que, em ambos os exemplos, o denominador é diferente, pois nas 2


ocasiões o grupo sob risco era distinto. No exemplo 1, existe um caso novo da
doença, o indivíduo número 2. O grupo que estava exposto não era mais de 12
pessoas, e sim de 11, uma vez que o indivíduo número 6 havia ficado doente
no ano anterior e, como a imunidade é permanente, ele não poderia ficar
doente novamente (subtrai-se da população em risco). Da mesma maneira,
ocorreu o exemplo 2; contudo, agora no denominador, existem apenas 9
indivíduos, pois 3 deles ficaram doentes entre os anos 1 e 4 de
acompanhamento.

B - Densidade de incidência, ou incidência-densidade


O 2º tipo de incidência é a densidade de incidência, ou incidência-densidade,
utilizada quando nem todos os indivíduos do denominador foram
acompanhados durante todo o período especificado. Isso pode acontecer por
diversas razões, como perdas no acompanhamento ou morte devido a causas
que não as do estudo. Nesse tipo de incidência, o denominador consiste na
soma das unidades de tempo em que os indivíduos estiveram sob risco e
foram observados. Essa soma de unidades de tempo é chamada de pessoa-
tempo de observação e é, muitas vezes, expressa como pessoa-mês ou pessoa-
ano de observação (depende da variável do que se estuda).

Toma-se a Figura 2 como exemplo desse procedimento. Observe que, além do


fato da perda (alguns indivíduos deixaram de ser acompanhados), os casos
perdidos foram observados por diferentes períodos (indivíduo 5 até 2,5 anos;
9 até 4,0 anos; 12 até 1,5 ano). Outro caso é o dos que ingressaram no estudo
em períodos distintos, que também contribuem com tempos diferentes para o
procedimento de cálculo (indivíduo 11 até 3,0 anos; 2 até 4,0 anos; 1 até 2,5
anos).

Figura 2 - Seguimento de uma população de 12 indivíduos para expressar pessoas-ano de observação

A 1ª questão que deve surgir é: como se calcula pessoa-tempo de observação?


Basta observar pessoa por pessoa quanto ao tempo de observação. Por
exemplo, o indivíduo 1 da Figura 2 foi observado por 2,5 anos de estudo,
contribuindo, assim, com 2,5 pessoas-ano de observação para o total de
pessoas-ano do estudo. Veja agora o indivíduo 5 (perda): foi observado
apenas 2,5 anos, contribuindo com 2,5 pessoas-ano de observação. A seguir, o
cálculo mostrando quanto cada indivíduo contribuiu para o tempo total de
observação do estudo:
Importante
Uma questão importante quando se trata de pessoas-tempo refere-se aos
indivíduos que apresentaram o desfecho. Se não houver reposição e a
doença em questão levar a imunidade permanente, serão observados
somente até o aparecimento do desfecho.

O indivíduo 6 da Figura 2, por exemplo, apresentou o desfecho com 1,5 ano


de observação, contribuindo com 1,5 pessoa-ano de observação para o total.
Então, para saber a incidência da doença por pessoas-tempo de observação,
basta utilizar a fórmula F2, uma vez que, nesse caso, os 12 indivíduos não são
potenciais para o desenvolvimento da doença, pois alguns deixaram de ser
observados e outros não o foram no início do seguimento. Os que
apresentaram o desfecho, na Figura 2, foram 4, e o total de pessoas-tempo
observado é de 41 pessoas-ano. Tem-se, então, uma incidência de 9,75/100
pessoas-ano.

Utilizando esse procedimento, pode-se calcular incidência por período, assim


como realizado no exemplo, quando o denominador era feito com pessoas sob
risco.
Exemplo 3: utilizando a Figura 2, calcule a taxa de incidência até o 3º ano de
observação.

Exemplo 4: utilizando a Figura 2, calcule a taxa de incidência até o 4º ano de


observação.

Observe que o denominador também é diferente para os 2 casos (exemplos 3


e 4). Essa diferença refere-se, principalmente, ao tempo. No exemplo 3, pede-
se a incidência até o 3º ano, no qual existem 2 casos novos da doença
(indivíduos 6 e 10). Se não tivesse ocorrido nenhuma perda, início tardio de
seguimento ou presença do desfecho, seriam 36 pessoas-ano de observação.
Contudo, o total de pessoas-tempo observado foi de 27,5 pessoas-ano (2
perdas – indivíduo 5 e 12 – e 1 caso de doença – indivíduo 6). O mesmo
raciocínio pode ser seguido no exemplo 4: entretanto, trata-se do 4º ano de
observação, e existem 3 casos novos da doença e 36 pessoas-ano de
observação.
Ao calcular coeficientes de incidência para a população de um município, por
exemplo, em geral, admite-se que todos os indivíduos estiveram expostos
igualmente por todo o período de tempo, o que pode não corresponder à
realidade; a saída seria a utilização de pessoas-tempo no denominador, e não
de pessoas sob risco (Franco; Passos, 2005).

Dica
Qual é a vantagem da utilização da densidade-incidência em relação à
incidência acumulativa? Vamos supor que você esteja acompanhando 5
pessoas ao longo de 5 anos, para avaliar a incidência de HIV. A pessoa 1 e
a pessoa 2 desenvolveram HIV após o 1º ano de seguimento, e você
conseguiu acompanhar todas elas por todo o período de tempo. Ou seja,
temos um total de 5 pessoas e um total de 17 pessoas-ano (2 pessoas
duraram 1 ano e 3 pessoas duraram 5 anos). Qual é a incidência acumulada
de HIV nessa população? É 2/5. E qual é a densidade de incidência? É
2/17. Agora, vamos supor que você não conseguiu acompanhar todas as
pessoas por 5 anos, e 2 pessoas foram acompanhadas por apenas 2 anos.
Ou seja, permanecemos com 5 pessoas, porém agora temos um total de 11
pessoas-ano (2 duraram 1 ano; 2 duraram 2 anos; 1 durou 5 anos). Qual é a
incidência acumulada de HIV agora? Permanece sendo 2/5. E a densidade
de incidência? É 2/11. Isso significa que, quando há perdas, a incidência
acumulada subestima a real frequência da doença, pois não sabemos se as
pessoas que foram perdidas desenvolveriam a doença futuramente ou não.
Por isso, nesses casos, a densidade de incidência é um indicador melhor.

3. Taxa de ataque
Um tipo de incidência bastante conhecido, que frequentemente aparece em
provas, é a taxa de ataque. A taxa de ataque significa a incidência de doentes
em uma população previamente exposta a um fator de risco comum e pode ser
calculada com a fórmula a seguir.

Segundo Gordis (2010), na taxa de ataque, o tempo fica especificado


implicitamente ao invés de explicitamente. Um exemplo disso seria um surto
de doença por ingestão de alimentos. Nesse caso, a taxa de ataque pode ser
definida como o número de pessoas expostas (ao alimento suspeito, por
exemplo) que adoeceram dividido pelo número de indivíduos expostos ao
alimento. Note que a taxa de ataque não especifica explicitamente o intervalo
de tempo, pois em muitos surtos ele pode ser de horas ou dias após a
exposição. Por consequência, casos que vierem a ocorrer meses depois
dificilmente serão considerados parte do mesmo surto.

Dica
A taxa de ataque é uma taxa utilizada para situações mais agudas, para
curtos períodos de tempo, geralmente para eventos mais isolados, como um
surto de intoxicação alimentar.

Cassettari et al. (2006) avaliaram um surto por Klebsiella pneumoniae


produtora de betalactamase de espectro estendido no berçário de um hospital
universitário na cidade de São Paulo e verificaram 9 pacientes doentes em
318 internações em 3 meses de observação, sendo a taxa de ataque muito
próxima a 3% (9/318 = 0,028).
Madalosso et al. (2008) estudaram um surto alimentar por Salmonella
enterica sorotipo Enteritidis em um restaurante da cidade de São Paulo. O
período de tempo de exposição foi de 2 dias, e foram identificados 15 doentes
entre os 19 expostos no 1º dia (taxa de ataque de 78,9%) e 9 doentes dos 10
expostos no 2º dia (taxa de ataque de 90%). A taxa de ataque global era de
82,8% (24 doentes/29 expostos = 0,82).

4. Prevalência
Prevalência é uma medida de frequência que revela quantos indivíduos estão
doentes (ou apresentam o desfecho). Pode ser definida como o número de
pessoas afetadas na população em determinado momento, dividido pelo
número de pessoas na população naquele momento – F3 (Pereira; Paes;
Okano, 2000; Gordis, 2010).
Costa e Kale (2009) explicam também que os casos existentes são de
indivíduos que adoeceram em algum momento do passado mais ou menos
remoto, como os casos “antigos” e os “novos”, que estão vivos quando se
realiza uma observação. Desse modo, os que vierem a falecer no período de
observação não devem ser considerados cômputos da prevalência.

Importante
Em Medicina e Saúde Pública, o termo “prevalência” pode ser empregado
para designar “prevalência pontual” ou “prevalência no período”. Quando
não está especificado, faz-se referência à prevalência pontual, que se refere
à frequência de uma doença ou problema de saúde num instante (ponto) do
tempo. Prevalência por período refere-se a um intervalo de tempo, que
pode ser arbitrariamente selecionado, tal como 1 mês, 1 ano ou um período
de 5 anos.
Algumas pessoas podem desenvolver doença em um período, outras
apresentá-la antes e morrer ou ser curadas durante esse período. O importante
é que cada indivíduo representado pelo numerador teve a doença em algum
momento durante o período especificado.
Para exemplificar, toma-se a representação de uma população hipotética de
São Paulo (Figura 3), na qual se deseja saber qual é a prevalência da doença
em janeiro de 2010. Sabe-se que existem 6 indivíduos doentes (6, 9, 13, 14,
22 e 29) para uma população de 35 indivíduos. A prevalência pontual da
doença no ano de 2010 em São Paulo é de 17%.
Figura 3 - População de 35 indivíduos para estudar a prevalência de doença em São Paulo, em
janeiro de 2010

Antes de partir para a próxima questão, vale voltar à questão da prevalência


pontual, em que, na prática, é virtualmente impossível estabelecer um único
ponto e realizar uma pesquisa de prevalência. Imagine uma pesquisa que
investigaria uma cidade inteira em 1 dia. Embora conceitualmente se esteja
pensando em um só ponto no tempo, na verdade as pesquisas podem demorar
muito mais. Gordis (2010) cita um exemplo interessante que engloba as
medidas de frequência estudadas no presente capítulo (Tabela 1).
Toma-se agora a Figura 4. Deseja-se conhecer a prevalência da doença no
mesmo mês do ano seguinte ao exemplo anterior. Existem, nesse caso, 11
pessoas doentes (4, 6, 10, 12, 13, 14, 16, 19, 22, 23 e 29) para população total
de 35 indivíduos. O cálculo de prevalência resulta em 31,4% de doentes
existentes na hipotética São Paulo, em janeiro de 2011.
Figura 4 - População de 35 indivíduos para estudar a prevalência de doença em São Paulo, em
janeiro de 2011

Repare que, para esse exemplo, existe a possibilidade do cálculo de


incidência, pois aparecem os mesmos indivíduos 1 ano depois da medida da
1ª prevalência, contudo não é esse fato que merece discussão, e sim o
aumento da prevalência de um ano para outro. Em janeiro de 2010, a
prevalência da doença foi de 17% (Figura 3) e, em janeiro de 2011, de 31,4%
(Figura 4). Pensando epidemiologicamente, o que pode ter ocorrido para
observar essa elevação da taxa de prevalência? Esse pensamento será
discutido a seguir.

5. Relação entre prevalência e incidência


Franco e Passos (2005) explicam que a prevalência de uma doença pode ser
uma função de sua incidência. Quanto maior a incidência, maior será a
prevalência, dependendo da duração da doença, assim como de curas, óbitos e
perdas de acompanhamentos. Desse modo, a prevalência pode ser entendida
como o resultado, para um período de tempo, da soma das entradas (casos
novos) menos a soma das saídas (curas, mortes e perdas de acompanhamento)
em função da duração da doença sob investigação.
Operacionalmente, tanto a prevalência quanto a incidência são semelhantes,
pois tratam de uma divisão de indivíduos doentes pela população exposta.
Entretanto, conceitualmente, são distintos. A prevalência informa sobre a
situação da doença em um instante ou intervalo de tempo, mas não estima o
risco de adoecimento, pois os casos novos e existentes são considerados um
conjunto.

Importante
A incidência informa sobre a dinâmica de entrada de novos casos,
permitindo estimar o risco de adoecimento de uma população exposta. A
prevalência é uma informação fundamental para a administração e o
planejamento em saúde, uma vez que o número de atendimentos,
medicamentos e pessoas é calculado levando em conta essa medida de
frequência. Porém, a incidência é o elemento que fornece casos novos à
prevalência.

A seguir (Figura 5), existe uma representação da influência da incidência


sobre a prevalência, em que o tanque representa uma população. No cenário
1, observa-se uma situação em que existe a entrada de alguns casos novos,
porém a saída de casos existentes é elevada, logo não existem muitos casos da
doença na população. Veja agora o cenário 2, em que ocorreu a entrada de
casos novos da doença e a saída de casos existentes está mais restrita, assim
os casos prevalentes são consideravelmente importantes. A Tabela 2 também
explicita quais fatores aumentam e diminuem a prevalência de uma doença na
população.
Dica
O aumento da prevalência através de um tratamento que aumente a
sobrevida, mas não cure, tem sido tema frequente de prova. Exemplos
clássicos são aumento da prevalência de HIV após a distribuição de
antirretrovirais e aumento da prevalência de diabetes mellitus com controle
rigoroso de glicemia.

Pereira, Paes e Okano (2000) acrescentam que prevalência e incidência


obedecem a uma relação regulada pelo tempo de duração da doença, assim
expressa:
Prevalência (P) = incidência (i) x duração da doença
Desse modo, uma doença aguda e de curta duração, em geral, é bem avaliada
pela incidência. Durante uma epidemia de dengue, por exemplo, os casos
novos representam a incidência, mas após o período epidêmico a incidência
tende a cair (Figura 6), como já demonstrado no cenário 1 da Figura 5. Se a
avaliação da prevalência for feita após a epidemia, poderá não refletir a real
dimensão da doença (Franco; Passos, 2005).

Figura 5 - Situações para verificação da relação entre prevalência e incidência: (A) entrada de casos
novos (incidência); (B) casos existentes (prevalência); (C) saída de casos (morte, cura ou perda de
acompanhamento em uma coorte)

Figura 6 - Casos de dengue segundo classificação final e semana epidemiológica de início dos
sintomas
Fonte: adaptado de Boletim sobre situação da dengue, febre de chikungunya e febre do zika vírus em
Santa Catarina (atualizado em 06/01/2016).

Franco e Passos (2005) explicam também que, no caso das doenças crônicas e
de longa duração, como o diabetes, mesmo com incidência baixa, a
prevalência tende a ser alta, pois os pacientes tendem a sobreviver por muitos
anos, havendo um acúmulo de casos ao longo do tempo, também
demonstrado no cenário 2 da Figura 5. Um bom programa de controle do
diabetes poderá resultar na elevação da prevalência dessa doença, seja por
melhorar o diagnóstico, seja por aumentar a sobrevida, elevando a duração da
doença.

6. Estimativas por intervalo


Embora esse assunto seja aprofundado no capítulo sobre Bioestatística
aplicada à análise de estudos epidemiológicos, com frequência as provas de
concursos médicos cobram esse conceito em questões que versam
primariamente sobre morbidade.
É comum que, em estudos epidemiológicos, tente-se aplicar o conhecimento
obtido de uma amostra em uma população inteira; por exemplo, selecionar
algumas escolas de São Paulo para tentar estimar a prevalência de transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade entre todos os escolares da cidade.
Quando isso acontece, estamos sujeitos ao que se chama de “erro amostral”,
que é um erro de medição que ocorre pelo fato de não avaliar todas as pessoas
da população inteira.
Para estimar esse erro amostral, costuma-se utilizar o conceito de intervalo de
confiança. Assim, caso, no exemplo do estudo descrito anteriormente, você
tenha encontrado uma prevalência de 10%, em vez de afirmar que a
prevalência na cidade foi de 10% na população, você pode calcular o
intervalo de confiança e afirmar que a prevalência está em torno de 10%,
entre um intervalo de valores calculado. O intervalo de confiança é calculado
a partir da média, desvio-padrão e tamanho amostral do estudo. A
interpretação correta de um intervalo de confiança de 95% de uma
determinada prevalência (ou incidência) é que, caso repetíssemos o estudo
infinitas vezes, 95% das amostras incluirão a prevalência (ou incidência) real.
Portanto, há 95% de probabilidade que o seu intervalo inclua a prevalência
real.
Exemplo: Schweitzer (2015) estimou que a prevalência de hepatite B crônica
no Brasil é de 0,65% (IC95% 0,64 a 0,66%). Isso significa que, se repetirmos
o estudo várias vezes no Brasil, 95% das amostras encontrarão valores que
contenham a verdadeira prevalência. Logo, há uma probabilidade de 95% de
que o intervalo de 0,64 a 0,66% inclua a prevalência real de hepatite B
crônica no Brasil.

Importante
Afirmar que há 95% de probabilidade de que o intervalo de confiança
inclui a prevalência (ou incidência) real não significa que:

Há uma probabilidade de 95% que a prevalência esteja dentro do


intervalo;
95% dos dados da amostra estão no intervalo;
A prevalência real varia entre os valores do intervalo.

Resumo
Introdução
As medidas de frequência são definidas a partir de 2 conceitos
epidemiológicos fundamentais, denominados “prevalência” e
“incidência”. De maneira geral, a prevalência expressa o número de
casos existentes de uma doença ou um fenômeno de interesse em um
dado momento, ao passo que a incidência se refere à frequência com que
surgem novos casos de uma doença, num intervalo de tempo. É
fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos,
bem como dos estimadores de risco vastamente utilizados na análise
desses estudos.

Incidência

A incidência pode ser definida como a frequência de casos novos de uma


determinada doença ou um problema de saúde, oriundo de uma
população sob risco de adoecimento, ao longo de um determinado
período de tempo. Casos novos, ou incidentes, podem ser compreendidos
como indivíduos que não estavam doentes no início do período de
observação, ou seja, sob risco de adoecimento. É necessário que cada
pessoa seja observada, pelo menos, em 2 ocasiões. A incidência é,
portanto, uma medida dinâmica, pois expressa mudanças no estado de
saúde. Está claro, então, que o numerador dessa fração trará as pessoas
acometidas pela doença, ou seja, os novos doentes. No denominador,
contudo, pode haver 2 tipos de situações-pessoas, sob risco (F1) e
pessoas-tempo (F2). O primeiro caso é utilizado quando todos os
indivíduos do grupo representado pelo denominador foram
acompanhados por todo o período, enquanto o segundo corresponde à
soma do período de observação de cada participante.

Taxa de ataque

É a incidência de doentes após uma exposição a um fator de risco.


Algumas vezes o tempo pode ser especificado implicitamente ao invés
de explicitamente. Um exemplo seria um surto de doença por ingestão de
alimentos, em que, nesse caso, em vez de incidência, utiliza-se taxa de
ataque, que pode ser definida como o número de pessoas expostas ao
alimento suspeito e que adoeceram, dividido pelo número de indivíduos
expostos ao alimento. Note que a taxa de ataque não especifica
explicitamente o intervalo de tempo, pois em muitos surtos ele pode ser
de horas ou dias após a exposição. Por consequência, casos que
ocorrerem meses depois dificilmente serão considerados parte do mesmo
surto.
Prevalência

Prevalência é uma medida de frequência que revela quantos indivíduos


estão doentes (ou apresentam o desfecho). Pode ser definida como o
número de pessoas afetadas na população em um determinado momento,
dividido pelo número de sujeitos na população naquele momento (F3).

Relação entre prevalência e incidência

Ambas são medidas da frequência de ocorrência da doença. Prevalência


mede quantas pessoas estão doentes, e incidência mede quantas se
tornaram doentes. Ambas as medidas obedecem a uma relação regulada
apenas pelo tempo de duração das doenças (agudas e crônicas), cuja
função fica assim expressa: Prevalência (P) = incidência (i) x duração da
doença. Aumentam a prevalência: aumento da incidência; imigração de
doentes; tratamento que não cure, porém prolongue a sobrevida.
Diminuem a prevalência: mortes; cura; emigração de doentes.
Medidas de frequência II:
mortalidade e outros
indicadores
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
Neste capítulo, serão abordados alguns indicadores mais utilizados no Brasil
para categorizar a qualidade de saúde de um determinado local.
Na área de Saúde, os “indicadores” são parâmetros utilizados
internacionalmente a fim de avaliar, do ponto de vista sanitário, a higidez de
agregados humanos, bem como fornecer subsídios aos planejamentos de
saúde, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas
do padrão sanitário de diferentes coletividades consideradas à mesma época
ou da mesma coletividade, em diversos períodos de tempo (Medronho, 2009).
Diante das inúmeras dificuldades para mensurar a saúde da população, o que
se faz é quantificar e descrever a ocorrência de determinados agravos à saúde,
doenças ou morte. Nesse caso, olha-se, então, a ausência de saúde, ou, como
habitualmente é dito, a saúde pelo seu lado negativo (Medronho, 2009).
Assim, por exemplo, um local cuja população apresente baixa frequência de
doenças e mortalidade por diversos tipos de causas será taxado de saudável.

Importante
Em sentido amplo, qualquer informação que auxilie um gestor ou
profissional da saúde na tomada de decisão em saúde poderá ser um
indicador de saúde. De forma geral, indicadores são expressos por meio da
divisão entre números.

Outra questão importante refere-se ao fato de que os dados epidemiológicos


só se tornarão informações para tomada de decisão por meio dos indicadores
de saúde. Esses dados provêm de fontes primárias (pesquisas) ou secundárias
(sistemas de informação em saúde, por exemplo: SINAN – Sistema de
Informação de Agravos de Notificação –, SIM – Sistema de Informações
sobre Mortalidade – e SINASC – Sistema de Informações sobre Nascidos
Vivos). Então, a validade dos indicadores vai depender, basicamente, da
qualidade dos dados registrados nesses sistemas de informação.
Após os cuidados quanto à qualidade e cobertura dos dados de saúde, é
preciso transformar esses dados em indicadores que possam servir para
comparar o que foi observado em determinado local com o que foi observado
em outros, ou ainda com o observado no mesmo local em diferentes tempos
(Figura 1).

Figura 1 - Principais finalidades dos indicadores


Fonte: adaptado de Epidemiologia para os municípios: manual para gerenciamento dos distritos
sanitários, 1992.

Dica
Com a preocupação de medir o padrão de vida das coletividades humanas,
a Organização das Nações Unidas recomendou a adoção do termo “nível
de vida”, para expressar as condições atuais de vida de uma população, e o
termo “padrão de vida”, para referir-se às aspirações futuras.

No Brasil, a RIPSA (Rede Interagencial de Informações para a Saúde) afirma


que a disponibilidade de informação apoiada em dados válidos e confiáveis é
condição essencial para a análise objetiva da situação sanitária, assim como
para a tomada de decisões baseadas em evidências e para a programação de
ações de saúde (RIPSA, 2008).
A análise de indicadores demográficos e de morbimortalidade tem o objetivo
de elaborar os chamados diagnósticos de saúde da comunidade. Mais
recentemente, a Organização Pan-Americana da Saúde tem buscado retomar
essa prática, incentivando a utilização mais ampla da Epidemiologia por meio
do acompanhamento e da análise sistemática da evolução de indicadores
demográficos, sociais, econômicos e de saúde, para melhor compreensão dos
determinantes das condições de saúde da população.
Esse quadro de contínuas modificações salienta a relevância da capacitação
dos serviços de saúde para a análise e a interpretação desses indicadores à luz,
por exemplo, de conceitos como o da transição epidemiológica. Com
fundamento nesse conceito, busca-se compreender as profundas mudanças
ocorridas nos padrões de morbidade e mortalidade nas últimas décadas.
Os indicadores de saúde são construídos por meio de frequências relativas,
em forma de coeficientes ou taxas, proporções, índices e razões, abordados a
seguir. Para exemplificar a construção desses indicadores, serão utilizados os
dados disponíveis na Tabela 1 (dados reais extraídos de diferentes fontes); as
fórmulas utilizadas serão F1, F2 e F3. Repare na lógica utilizada para chegar
ao indicador.

2. Construção de indicadores

A - Aspectos básicos

A forma mais simples de expressar um dado é o número absoluto; contudo,


esse tipo de expressão apresenta uma limitação importante, não sendo
possível conhecer, por exemplo, a dimensão que ela representa. Veja o
seguinte exemplo: no ano de 2010, foram confirmados 35 casos de hepatite B
em Araçatuba e 262 em São José do Rio Preto. O que esses números
representam depende da relação com o tamanho da população local, assim é
possível que os 35 casos ocorridos em Araçatuba sejam, do ponto de vista
epidemiológico, mais significativos do que os 262 casos ocorridos em São
José do Rio Preto.
Toma-se agora outra situação na Tabela 1. Observe inicialmente a coluna de
óbito por AIDS e repare que as regiões Sudeste e Sul apresentam maiores
números de tais óbitos no ano de 2009. Porém, apesar de esse dado ser
verídico, isoladamente impossibilita a comparação de maneira mais concreta,
não sendo possível saber se os óbitos nas regiões Sul e Sudeste são, de fato,
mais significativos do que nas demais regiões do Brasil, simplesmente pelo
fato de não se conhecer a representatividade desses números em relação à sua
região de origem.

Entretanto, quando se observam outros parâmetros, como o tamanho da


população de cada região, os óbitos totais ocorridos e mesmo os óbitos por
causas externas, ambos para o mesmo ano, a importância dos números de
óbitos de AIDS parece tomar certa dimensão. Essa dimensão ocorre,
justamente, pela relação que a mortalidade por AIDS estabelece junto aos
outros números. Portanto, para realizar a análise epidemiológica do evento
considerado, é necessário transformar os dados expressos em valores
absolutos para valores relativos, ou seja, os valores absolutos devem ser
expressos em relação a outros valores absolutos, que guardem entre eles
alguma forma de relação coerente. Esse fato trará a dimensão que permitirá
comparação e avaliação. A seguir, a construção dos tipos de indicadores.

B - Tipos de indicadores

a) Coeficientes ou taxas

Trata-se da divisão entre o número de vezes que se observou um determinado


evento, pela população que, teoricamente, esteve sujeita a sofrer esse evento.
Globalmente falando, os coeficientes podem ser expressos por meio de
prevalências ou incidências.

Dica
Os coeficientes ou taxas são comumente utilizados para estimar o risco de
ocorrência de um problema de saúde, como adoecimento ou mesmo a
morte, em relação a determinada população suscetível, por unidade de
tempo. Em um sentido epidemiologicamente rigoroso, o conceito de risco
está atrelado (na verdade, é sinônimo) da incidência de uma determinada
condição. Entretanto, para fins de medicina preventiva e descritiva, o
coeficiente de prevalência, por incluir, no denominador, a população que
estaria sujeita a sofrer o evento, também pode trazer a ideia de risco,
embora não seja o risco em si.

Medronho (2009) explica que um coeficiente de mortalidade, por exemplo, é


a razão entre o número de óbitos e a quantidade de indivíduos expostos ao
risco de morrer. Tem a fórmula idêntica ao cálculo de incidência ou
prevalência, mas com o desfecho “morte” em vez de “doença” (ou seja,
expressão de probabilidade).
Para exemplificar, será calculado o coeficiente de mortalidade por AIDS para
o Brasil e suas regiões (F1), conforme os dados que constam na Tabela 1.
Futuramente, esse indicador será chamado de “coeficiente de mortalidade por
causa específica”, AIDS, neste caso.

Repare que foi realizado um cálculo muito simples: o número de mortes por
AIDS em 2014 foi dividido pelo tamanho da população do Brasil e de cada
região, respectivamente (o coeficiente está na base 105/105; ou seja, o
produto dessa divisão foi multiplicado por 100.000/100.000 habitantes). Note,
também, que agora existe uma dimensão bem definida para as mortes, pois
estão relacionadas à população geral do país e de cada região. Um bom
exemplo da aplicabilidade desse indicador pode ser visto a seguir (Tabela 2):
os casos de mortalidade por AIDS no Norte do Brasil têm mais
representatividade do que os do Nordeste, apesar de terem ocorrido mais
óbitos nessa última região. O mesmo fato pode ser observado entre o Sul e o
Sudeste do país.

Nesse caso, existe a possibilidade de inferir que o risco de morrer é


relativamente maior nas regiões Sul e Sudeste do que no Norte, Nordeste e
Centro-Oeste do Brasil.
Deve-se fazer a ressalva de que o coeficiente está para 100.000 habitantes,
não existindo uma regra para tal fato. A multiplicação por 10n/10n deverá ser
sempre para a potência que melhor facilitar a leitura do indicador (100/100,
1.000/1.000, 10.000/10.000 ou 100.000/100.000).

b) Proporções (eventualmente chamadas de índices ou


razões)

Embora a definição de “coeficiente” seja clara na literatura de Epidemiologia,


alguns termos, como índices e razões, são sobrepostos e, muitas vezes,
imprecisos. Índice, do ponto de vista teórico, é uma medida multidimensional,
construída pela relação entre vários atributos (Pereira, 2002). Entretanto,
razões são divisões entre quaisquer números que obedeçam a um sentido
lógico. Em alguns casos (às vezes, em provas de concursos médicos),
utilizam-se os termos índices e razões para referir-se a outro termo que, este
sim, tem um significado bastante preciso: as proporções. Proporções são
indicadores cujos casos incluídos no numerador também estão inseridos no
denominador, obtendo-se, assim, a distribuição proporcional de casos, ou seja,
é uma proporção. A grande diferença das proporções para os coeficientes é
que, nestes, o denominador inclui todas as pessoas que poderiam sofrer o
evento do numerador; em contraste, nas proporções, o denominador inclui
pessoas que já sofreram um evento, e o numerador representa apenas um
subconjunto dessas pessoas.
Exemplo de proporção de óbitos por AIDS no Brasil. Perceba que o número
indicado no numerador é um subconjunto do denominador:

A proporção é a relação (ou o quociente) entre 2 frequências da mesma


unidade. No numerador, são registradas as frequências absolutas de eventos
que constituem subconjuntos daquelas registradas no denominador. Exemplo:
no caso da mortalidade proporcional, divide-se o número de óbitos de uma
determinada causa, ou de pessoas de uma determinada faixa etária, pelo
número total de óbitos (Medronho, 2009).

Dica
Em linhas gerais, as proporções representam a “fatia da pizza” do total de
casos ou mortes, indicando a importância desses casos ou mortes no
conjunto total.

No caso da proporção, será utilizado um exemplo bem simples, que trará uma
nova dimensão para aqueles óbitos por AIDS absolutos apresentados junto à
Tabela 1. Será aplicado o indicador que poderá ser denominado de
mortalidade proporcional por AIDS (F2) – lembre-se de que poderia ser por
qualquer outra causa. O procedimento de cálculo é: divisão do número de
óbitos por AIDS para cada região e para o país pelo total de óbitos ocorridos
em cada região e no país no mesmo ano.

Em se tratando de razão, seu cálculo é simplesmente uma divisão entre 2


números, e pode-se exemplificar sua aplicação do mesmo modo (com dados
da Tabela 2). Assim, pode-se dividir o número de óbitos por causas externas
(para o país e as regiões) pelo número de casos de AIDS (F3). Perceba que
deve haver uma relação lógica entre esses números; pode-se chamar esse
indicador, então, de razão de mortalidade por causa externa/AIDS.

Veja que, no ano de 2009, a proporção de óbitos por AIDS no Brasil foi de
cerca de 1%, relativamente mais relevante nas regiões Sul e Norte do país
(Tabela 3). Já no caso da razão causa externa/AIDS, são 11,7 óbitos por
causas externas para 1 de AIDS no país; a região com maior razão foi o
Nordeste, com 19 mortes por causas externas para 1 de AIDS (Tabela 4).
Para chegar a este último procedimento, partiu-se dos números absolutos de
óbitos por AIDS no ano de 2009, que não tinham valor avaliativo ou
comparativo. Foi feita, então, sob uma ótica mais prática, uma relação desses
números com outros de interesse (por meio de coeficientes e índices), fato que
conferiu um caráter avaliativo e possibilitou a comparação entre as diferentes
regiões do Brasil.
De maneira genérica, assim são planejados e montados os indicadores de
saúde. Vale ressaltar que existe uma diferença considerável entre coeficientes
(ou taxas) e proporções.

Importante
Proporções não expressam uma probabilidade (ou risco) como os
coeficientes, pois o que está contido no denominador não está sujeito ao
risco de sofrer o evento descrito no numerador (Laurenti et al., 1987).

A seguir, serão apresentados os principais indicadores de saúde, bem como


outros correntemente utilizados em Epidemiologia pela Organização Mundial
da Saúde (OMS).

3. Principais indicadores de saúde

Importante
Como o uso de um único indicador não possibilita o conhecimento da
realidade epidemiológica de uma população, a associação de vários deles e,
ainda, a comparação entre diferentes indicadores nos ajuda a compreender
a importância de um processo patológico ou se determinada intervenção foi
positiva.

Para a OMS, esses indicadores gerais subdividem-se em 3 grupos:

Referem-se às condições do meio e têm influência sobre a saúde.


Exemplo: saneamento básico;
Tentam traduzir a saúde ou sua falta em um grupo populacional.
Exemplos: razão de mortalidade proporcional, coeficiente geral de
mortalidade, esperança de vida ao nascer, Coeficiente de Mortalidade
Infantil (CMI) e coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis (o
foco deste capítulo);
Procuram medir os recursos materiais e humanos relacionados às
atividades de saúde. Exemplos: número de Unidades Básicas de Saúde,
profissionais de saúde, leitos hospitalares e consultas em relação a
determinada população.

A - Indicadores expressos por coeficientes

Importante
Os indicadores expressos por coeficientes mais importantes são estatísticas
de mortalidade e permitem inferir as condições de saúde de uma
população, uma vez que possibilitam identificar grupos mais afetados por
determinados agravos à saúde. Diante dessa informação, é possível
reconhecer os problemas prioritários da população e alocar recursos para
ações e intervenções nesses problemas. Permitem, ainda, avaliar a eficácia
dessas ações e intervenções.

Quando o foco de interesse envolve todos os indivíduos da população exposta


ao risco de morrer, fala-se em coeficiente de mortalidade geral. A avaliação
da mortalidade por categorias (idade, sexo, agravo) refere-se aos coeficientes
de mortalidade específicos. Por fim, a avaliação de mortalidade entre doentes
é chamada de coeficiente de letalidade (Tabela 5).
a) Coeficiente de mortalidade geral

O Coeficiente de Mortalidade Geral (CMG) é muito útil para a avaliação do


estado sanitário de determinadas áreas. Associado a outros coeficientes e
índices, permite avaliar comparativamente o nível de saúde dessas
localidades. Operacionalmente, refere-se ao número de óbitos totais em um
dado período dividido pelo tamanho da população no mesmo período. Essa
razão geralmente é multiplicada por 100.000/100.000 (F4).

Em comparações internacionais, por exemplo, quando se observam as taxas


brutas de mortalidade de países desenvolvidos e em desenvolvimento, não é
incomum a falsa impressão de que, nos primeiros, as taxas de mortalidade são
mais elevadas (Tabela 6). Porém, deve-se verificar que, nos países
desenvolvidos, é significativa a parcela idosa da população, e essas pessoas
morrem mais do que jovens (parcela significativa da população em países em
desenvolvimento). Repare, então, que esse coeficiente sofre influência da
estrutura etária da população.

Importante
Para minimizar as distorções em estudos comparativos e evitar
interpretações errôneas, recomenda-se padronizar as taxas. Com o ajuste
das faixas etárias a um padrão estabelecido pela Organização Mundial da
Saúde, fala-se em coeficiente de mortalidade padronizado. Logo, pode-se
afirmar que este, quando disponível, é mais adequado para comparações,
em detrimento do coeficiente de mortalidade geral.

Observe, na Tabela 6, que a porcentagem da população idosa na Suécia, por


exemplo, é maior do que a mesma população no México. Deve-se observar,
também, a população infantil (menor de 15 anos) nesses 2 países.
Considerando, como dito, que a população idosa morre mais do que a jovem,
ao comparar as taxas brutas de mortalidade nesses 2 países, conclui-se que a
mortalidade na Suécia é maior do que no México; porém,
epidemiologicamente falando, essa conclusão é equivocada, uma vez que
altas taxas de mortalidade sugerem regiões com precárias condições de saúde,
entre outros fatores. Assim, ao padronizar essas taxas, têm-se os dados de
forma mais realista.

Alguns problemas do CMG referem-se às distorções relacionadas com os sub-


registros e a qualidade dos registros. Contudo, esse é um problema que afeta
quase todos os indicadores de saúde. Assim, dados do numerador podem ser
prejudicados por sub-registros, e dados do denominador, pela imprecisão na
estimativa da população total da região em estudo. Uma alternativa diante
disso é adotar, no denominador, a população existente na metade do período
considerado (ponto médio), o que, acredita-se, conferiria distorções não
significativas nos resultados. Outra questão comum é que muitas pessoas
procuram assistência médica em centros mais avançados do país e, quando
vêm a falecer, a declaração de óbito é preenchida com o endereço de um
familiar da região, e não com o endereço de origem do paciente falecido,
subestimando a mortalidade de um local e superestimando de outro.

b) Coeficiente de mortalidade por causas (ou mortalidade


específica)

O coeficiente de mortalidade pode expressar a distribuição de óbitos de uma


população segundo alguns parâmetros: causa do óbito (F5) ou grupo (sexo –
F6 –, idade – F7 –, local do óbito, entre outros). Assim, ao calcular as taxas de
mortalidade por sexo, pode-se saber se os homens morrem mais do que as
mulheres, por exemplo; ou, ao calcular as taxas de mortalidade por idade,
pode-se identificar em que grupo etário é maior a mortalidade e, a partir dessa
informação, investigar as causas de óbitos em cada grupo.
O coeficiente de mortalidade por causas pode ser calculado pela razão entre o
número de óbitos por determinada causa (numerador) e a população exposta
ao risco de morrer por aquela causa (denominador), multiplicada pela base
referencial da população – normalmente, 100.000/100.000 (F5).

Tema frequente de prova


A taxa de mortalidade por causas aparece com frequência nos concursos
médicos.

O coeficiente de mortalidade por causas é útil, pois fornece informações que


permitem conhecer o perfil de saúde da população.
Quando uma região apresenta elevada taxa de óbitos por doenças infecciosas
e parasitárias, pode-se esperar que seja economicamente pouco desenvolvida,
com saneamento precário, como em países em desenvolvimento. Da mesma
forma, se a taxa de óbitos por doenças crônico-degenerativas é elevada em
determinada localidade, pode-se esperar que se trate de região com importante
parcela da população composta por idosos, o que acontece em regiões
economicamente mais desenvolvidas, como se observa nos países
desenvolvidos. Apresentam-se, a seguir, os coeficientes de mortalidade
segundo as principais causas para o Brasil em 2014 (Figura 2).

Figura 2 - Exemplo de mortalidade por causas (100.000 habitantes) no Brasil, em 2014


Fonte: TABNET. Mortalidade.

Algumas causas específicas de mortalidade são eventualmente cobradas em


provas. A Figura 3 apresenta causas de mortalidades específicas por sexo e
faixa etária em 2014 divulgadas pelo Ministério da Saúde. Perceba que, nesse
relatório, o Ministério da Saúde não agrupou as diferentes neoplasias em uma
única categoria, portanto essa causa não figura entre as principais causas de
morte. Caso sejam agrupadas, as principais causas de morte em homens são,
em ordem, causas cardiovasculares, neoplasias e causas externas; em
mulheres, causas cardiovasculares, neoplasias e causas respiratórias.
Figura 3 - Mortalidade por causas específicas em diferentes agrupamentos (2014). Nessa estatística,
as neoplasias não foram agrupadas como um único agente, portanto não figuram entre as principais
doenças causadoras de mortalidade
Fonte: Ministério da Saúde, 2014.

c) Coeficiente de letalidade

Dica
O coeficiente de letalidade, também chamado coeficiente de fatalidade,
mede o poder de determinada doença de levar ou não o indivíduo
acometido ao óbito. Permite avaliar, portanto, a gravidade do processo.

Trata-se, então, da proporção de óbitos ocorridos entre os indivíduos afetados


por um dado agravo à saúde. Deve-se estar atento ao fato de que o Coeficiente
de Letalidade (CL) é diferente do coeficiente de mortalidade. A diferença está
no denominador, que é a população total no caso da mortalidade e a
população acometida pela doença estudada no caso da letalidade. Portanto, a
letalidade mostra os óbitos entre os casos que estavam doentes da referida
doença (F8), ao passo que a mortalidade trata dos óbitos totais em relação à
população.

Sabe-se que a raiva humana, por exemplo, é uma doença de taxa de letalidade
superior a 99%, ou seja, morre quase todo indivíduo que apresenta
diagnóstico confirmado de raiva. Porém, trata-se de uma doença rara; logo, há
poucos óbitos, e sua mortalidade, portanto, é baixa. O CL não é estável, ou
seja, apresentará resultados diferentes a depender da população a ser avaliada.
A Tabela 7 traz os CLs para algumas doenças. O coeficiente de acidente por
animais peçonhentos, nesse caso, foi de 0,3%, porém, se não existir
assistência médica adequada e/ou soro para o indivíduo acidentado, até
mesmo os casos menos graves poderão evoluir para morte. Assim, a
letalidade depende de questões como a situação do hospedeiro, a
potencialidade do agente etiológico em levá-lo a óbito e o atendimento à
saúde que o indivíduo receber.

d) Coeficiente de mortalidade infantil

Tema frequente de prova


A taxa de mortalidade infantil é sempre encontrada nos concursos médicos.

O CMI é um dos indicadores de saúde mais utilizados para medir o nível de


saúde e desenvolvimento social de uma região. Esse indicador é calculado
dividindo-se o número de óbitos em menores de 1 ano de idade pelo número
de nascidos vivos no mesmo período, multiplicando o resultado por
1.000/1.000 – F9 (lembre-se de que a unidade de multiplicação não é uma
regra).
Conceitualmente, o termo “nascido vivo” refere-se à expulsão ou à extração
completa de um produto da concepção do corpo materno, independentemente
da duração da gestação, o qual, depois da separação do corpo materno, respire
ou dê qualquer outro sinal de vida, como batimento do coração, pulsação do
cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração
voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não
desprendida a placenta (IBGE, 2009a).
Com o objetivo de refinar as informações obtidas, o CMI pode ser dividido
em 2 componentes: Coeficiente de Mortalidade Neonatal (CMN – F10) e
Coeficiente de Mortalidade Pós-Neonatal (CMPN) ou de Mortalidade Infantil
Tardia (CMIT – F13). Na Figura 4, apresentam-se os períodos entre o fim da
gestação até o indivíduo completar 1 ano de vida. Esses períodos são
geralmente utilizados na construção desses indicadores de mortalidade
(Laprega; Fabbro, 2005).

Figura 4 - Períodos importantes para a mortalidade infantil

O CMN, também chamado de CMI precoce, é definido como o número de


óbitos de menores de 27 dias sobre o total de nascidos vivos no mesmo
período, multiplicando o resultado por 1.000/1.000. As principais causas são:
baixo peso ao nascer, malformações congênitas, prematuridade, problemas no
parto, pré-natal de pouca qualidade, falha nos cuidados imediatos ao recém-
nascido e dificuldade de acesso das mães aos serviços de saúde após alta da
maternidade, sendo algumas situações de difícil controle e prevenção, o que
se torna um desafio à Saúde Pública.
O CMN pode ser subdividido, ainda, em neonatal precoce (F11) e neonatal
tardia (F12). O primeiro corresponde aos óbitos ocorridos até o 7º dia de vida
(1ª semana de vida), quando as causas de mortalidade estão mais relacionadas
a problemas na gestação e no parto. Já o segundo corresponde aos óbitos
ocorridos nas 2ª, 3ª e 4ª semanas de vida, até os 27 dias, e tem suas causas já
afetadas por questões ambientais, podendo ocorrer óbitos por infecções,
principalmente respiratórias e gastrintestinais.
O CMIT é obtido dividindo-se o número de óbitos em crianças de 28 até 364
dias de vida pelo total de nascidos vivos no mesmo período, multiplicando o
resultado geralmente por 1.000/1.000. Suas principais causas são doenças
infecciosas, diarreias, infecções respiratórias e desnutrição, situações que
iniciativas da Saúde Pública e da Medicina Preventiva têm controlado de tal
forma que a redução desse componente tem contribuído sobremaneira para a
redução das taxas de mortalidade infantil no Brasil.
Importante
Em países e regiões pouco desenvolvidos, a taxa de mortalidade infantil é
alta, com predomínio do componente pós-neonatal em relação ao neonatal.
À medida que ocorre o desenvolvimento econômico e social, há tendência
a queda das taxas de mortalidade infantil e de seus 2 componentes
principais, mas com velocidade maior para a mortalidade pós-neonatal, que
em níveis baixos se torna menor do que a mortalidade neonatal (Laprega;
Fabbro, 2005).

Importante
A divisão da mortalidade infantil em mortalidade neonatal precoce,
neonatal tardia e pós-neonatal é relevante para a identificação dos locais de
atendimento deficitários causadores das mortes. Espera-se que altas taxas
de mortalidade neonatal precoce estejam associadas a uma má qualidade
do pré-natal e do parto; já altas taxas de mortalidade neonatal tardia têm
relação com a qualidade assistencial pediátrica intra e extra-hospitalar; a
mortalidade pós-neonatal, por sua vez, está ligada a alterações
socioeconômicas e ambientais, como saneamento básico e vacinação, por
exemplo.

O Brasil, nos últimos anos, demonstra uma redução da mortalidade infantil


(veja os coeficientes por estado em 2011 na Figura 5), mas não há melhoria
concomitante nas condições materiais de existência. A explicação para a
redução das taxas da mortalidade infantil em países como o Brasil está na
redução das taxas de mortalidade pós-neonatal que, como foi mostrado, tem
como principais causas situações evitáveis.

Figura 5 - Coeficientes ou taxas de mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal (1.000 nascidos


vivos) no Brasil entre 1990 e 2012 Fonte: Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2013.

Tema frequente de prova


A situação de melhoria obtida no âmbito da Saúde Pública quanto à
redução nas taxas de mortalidade pós-neonatal é frequentemente cobrada
em concursos médicos.

As melhorias obtidas por meio de ações pontuais da Saúde Pública


(saneamento, vacinação, hidratação oral) promoveram a redução das taxas
pós-neonatais e destacaram a mortalidade neonatal como principal
contribuinte da dificuldade de redução das taxas de mortalidade infantil no
país.

Figura 6 - Coeficientes ou taxas de mortalidade infantil (1.000 nascidos vivos), em 2014


Fonte: Mapa comparativo entre países. Taxa de mortalidade infantil por país.

Em regiões com precárias condições de vida e saúde, como em muitos países


da África e da Ásia, do subcontinente indiano, várias regiões do Brasil e
mesmo da América Latina, chegam a morrer 100 ou 200 crianças, no 1º ano
de vida, de cada 1.000 que nascem, e esses óbitos são consequências de
doenças cuja prevenção e cujo tratamento são possíveis e relativamente
fáceis. Entretanto, países desenvolvidos, como a Suécia e o Japão,
apresentam, como causa de óbito em menores de 1 ano, problemas difíceis de
serem evitados, como malformações congênitas importantes ou crianças
muito prematuras. Nesses países, a mortalidade infantil é de 5 a 6 óbitos por
1.000 crianças nascidas vivas. O UNICEF lançou, em 2010, uma lista com
CMIs para vários países do mundo, alguns deles listados na Figura 7
(UNICEF, 2010).
Existem, pelo menos, mais 2 coeficientes infantis que devem ser destacados:
o de natimortalidade (F14), que é referente às perdas fetais que ocorrem a
partir da 28ª semana de gestação ou em que o concepto tem peso ao redor de
1.000g e cerca de 35cm, e o de mortalidade perinatal (F15), que diz respeito
aos óbitos ocorridos um pouco antes, durante e logo após o parto, e inclui os
natimortos e as crianças nascidas vivas, mas falecidas na 1ª semana de vida.
É necessária uma aplicação precisa da definição de período perinatal,
prejudicada pela omissão frequente do tempo de gestação na declaração de
óbito. Imprecisões são atribuídas, também, ao uso do conceito anterior à
Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que considerava 28
semanas de gestação como limite inferior do período perinatal. A OMS
propõe, ainda, o cálculo da razão de mortalidade perinatal, em que o
numerador permanece o mesmo e o denominador se refere apenas aos
nascidos vivos.

É importante ressaltar que o CMI, bem como seus componentes, sofre


distorções devido à qualidade dos registros de informação. Entre essas
alterações, destaca-se o que acontece em regiões mais desfavorecidas do país:
pela situação local e presença de “cemitérios clandestinos”, há perda dos
registros pelos meios oficiais, e, mesmo fazendo uma pesquisa domiciliar,
essa população não identifica a morte de menores de 1 ano como óbito de
uma criança, comumente chamados de “anjinhos”. Dentre as distorções dos
registros, destaca-se o sub-registro de óbitos e de nascimentos, a definição de
nascido vivo no ano, declarações com erro de causa mortis e idade da criança.
Foram apresentados, até aqui, alguns dos coeficientes de mortalidade mais
utilizados em Epidemiologia. Pode-se dizer que esses são os indicadores mais
básicos para expressão de risco de morte (CMG, por causas e CMI). Lembre-
se da estrutura lógica de um indicador de mortalidade do tipo coeficiente ou
taxa (o número de óbitos no numerador e a população exposta ao risco de
morrer no denominador; esse produto pode ser multiplicado por 10n/10n –
100/100, 1.000/1.000, 10.000/10.000 ou 100.000/100.000 –, potência que
melhor apresente o resultado). Conhecendo essa estrutura, o leitor estará apto
a utilizar qualquer indicador desse mesmo gênero.
e) Razão de mortalidade materna

Frequentemente, a razão de mortalidade materna é chamada de “taxa” ou


“coeficiente”. Contudo, só poderia ser designada assim se o seu denominador
fosse o número total de gestações. Na impossibilidade de obtenção desse
dado, utiliza-se por aproximação o número de nascidos vivos, o que torna
mais adequado o uso da expressão “razão”. Morte materna é a morte de uma
mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término desta,
independentemente da duração ou localização da gravidez. As mortes que
entram no indicador necessitam ser por causas obstétricas diretas ou indiretas.
Mortes obstétricas diretas são aquelas que ocorrem por complicações
obstétricas durante gravidez, parto ou puerpério devido a intervenções,
omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes de
qualquer dessas causas (Brasil, 2012). Mortes obstétricas indiretas são aquelas
resultantes de doenças que existiam antes da gestação ou que se
desenvolveram durante esse período, não provocadas por causas obstétricas
diretas, mas agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez (Brasil, 2012).
Não é considerada morte materna aquela provocada por fatores acidentais ou
incidentais (Brasil, 2007).
Esta razão expressa o número de óbitos entre mulheres em idade fértil
consequente a complicações no ciclo gravídico-puerperal, isto é, problemas
que podem decorrer desde a assistência ao pré-natal até 42 dias após o parto.
Divide-se esse número pelo total de nascidos vivos no mesmo período e
multiplica-se essa razão, geralmente, por 100.000/100.000.

Importante
A morte materna é considerada “perda evitável”. Elevadas razões desse
indicador refletem o baixo nível de condições da saúde da mulher, e ele é
empregado como “sentinela” para indicar a qualidade dos cuidados
oferecidos à população.

Segundo o Ministério da Saúde, a mortalidade materna é uma das mais graves


violações dos direitos humanos das mulheres, por ser uma tragédia evitável
em 92% dos casos e por ocorrer principalmente nos países em
desenvolvimento. A Figura 7 apresenta a distribuição de mortalidade materna
no mundo, e a Figura 8 mostra a evolução entre 1990 e 2010 desse indicador
no Brasil. A mortalidade materna no Brasil está diminuindo, segundo o
relatório do Ministério da Saúde de 2011. As principais causas de mortalidade
materna no Brasil são, nesta ordem: hipertensão, hemorragia e infecção
puerperal.

Figura 7 - Mortalidade materna (100.000 nascidos vivos) por países, em 2014


Fonte: Mapa comparativo entre países. Taxa de mortalidade materna por país.

Figura 8 - Evolução da mortalidade materna (100.000 nascidos vivos) e suas principais causas
Fonte: Observatório Brasil da igualdade de gênero.

B - Indicadores expressos por proporções


A seguir, serão apresentados alguns índices (razões e proporções)
importantes. Lembre-se de que esse novo tipo de indicador não expressa risco
de morte, e sim a proporção de mortes que ocorreram em relação a outras
variáveis (mortes totais, na maioria das vezes). Os índices de mortalidade
mais utilizados em Epidemiologia são: índice de mortalidade infantil
proporcional em menores de 1 ano, índice de Swaroop-Uemura e curva de
mortalidade proporcional por idade (Nelson de Moraes). Há uma ressalva
importante: esse indicador pode ser estruturado para estudo de mortalidade
por raça, sexo, local de residência, ou seja, para qualquer atributo sobre o qual
se deseja conhecer a proporção de mortes “específicas” no total de mortes.

a) Índice de mortalidade infantil proporcional

O índice de mortalidade infantil proporcional, ou mortalidade proporcional


por idade em menores de 1 ano, indica a proporção de óbitos de crianças
menores de 1 ano no conjunto de todos os óbitos.

Dica
O índice de mortalidade infantil proporcional permite avaliar indiretamente
as condições sanitárias da região estudada.

O Ministério da Saúde sugere que seja realizado para as seguintes faixas


etárias: 0 a 6 dias – período neonatal precoce –, 7 a 27 dias – período neonatal
tardio – e 28 a 364 dias – período pós-neonatal (RIPSA, 2008).

No Brasil, o óbito de indivíduos menores de 1 ano em relação às mortes totais


foi mais elevado para as regiões Norte e Nordeste no ano de 2007 (Tabela 8).
A região Sul apresentou a menor proporção desse tipo de óbito, 2,7%. As
demais colunas apresentam o mesmo indicador por faixas etárias. Repare que,
nesse sentido, não há muita distinção entre as áreas, exceto pelas regiões
Norte e Nordeste: a primeira apresenta maior percentil de óbitos infantis ≥28
dias de vida (influência de questões como diarreia/desidratação e/ou doenças
infecciosas e parasitárias, clássicas do saneamento básico), ao passo que na
segunda os óbitos mais proeminentes são os de 0 a 6 dias (especialmente
relacionados a problemas na gestação e no parto, clássicos de baixa cobertura
pré-natal).

b) Índice de Swaroop-Uemura

O Índice de Swaroop-Uemura (ISU) foi criado pelo indiano Swaroop e pelo


japonês Uemura e também é conhecido como razão de mortalidade
proporcional ou indicador de Swaroop e Uemura.

Tema frequente de prova


O índice de Swaroop-Uemura, suas vantagens e limitações são temas
frequentemente cobrados em concursos médicos.

O ISU refere-se à proporção de óbitos de pessoas com 50 anos ou mais no


conjunto de todos os óbitos. Esse também é um indicador do tipo proporção,
que usualmente recebe o nome de índice.
Os países desenvolvidos apresentam valores de 80 a 90%, significando que,
de cada 100 óbitos na população, de 80 a 90 ocorreram em indivíduos com 50
anos ou mais, ou seja, os indivíduos apresentam uma sobrevida elevada
(expectativa de vida elevada). Já em regiões subdesenvolvidas, esse índice
atinge 50% ou menos, representando que os indivíduos morrem, muitas vezes,
quando são jovens (geralmente por causas evitáveis).

Importante
Quanto maior o valor do índice de Swaroop-Uemura, melhores as
condições socioeconômicas e de saúde de uma população. Esse índice é
um bom indicador das condições de vida de uma população.

O ISU pode ser classificado em 4 níveis, que permitem avaliar as condições


de vida da região estudada. Assim:

1º nível: ≥75%;
2º nível: de 50 a 74%;
3º nível: de 25 a 49%;
4º nível: <25%.

Importante
No último relatório Saúde Brasil (Ministério da Saúde, 2015/2016), o
Ministério da Saúde divulgou que o Brasil apresentou um índice de
Swaroop-Uemura de 75,23%, ou seja, 1º nível, no ano de 2015/2016. Os
relatórios prévios não eram claros quanto ao nível em que o Brasil se
situava, porque os dados de 2007 indicavam que o país estava no 2º nível,
mas acreditava-se já estar no primeiro. Portanto, caso alguma questão
pergunte sobre em que nível o país se situa, fique atento se ela está
questionando sobre os anos de 2015/2016 (1º nível) ou se está se baseando
nos relatórios antigos (2º nível).

Contudo, como existe uma disparidade de mortalidade infantil entre as


regiões e os estados do país, esse indicador pode ser fortemente afetado por
ela e não refletir a realidade para todas as regiões quando se observa o país
como um todo. Novamente, encontra-se o problema da mortalidade precoce
elevada, que, além dos aspectos éticos de ser uma morte evitável, traz
consequências socioeconômicas pela perda de vidas em plena fase produtiva
(RIPSA, 2008). No 1º nível, estão alguns países desenvolvidos, como Suécia,
Estados Unidos e Japão, além de Cuba. Já no 4º nível, estão países com alto
grau de subdesenvolvimento, onde a maioria das pessoas morre muito jovem.
Como vantagens do ISU, citam-se cálculo simples, dados disponíveis na
maioria dos países, comparabilidades nacional e internacional e dispensa de
dados da população. Quanto à limitação, cita-se a dependência da estrutura
etária de uma população.

c) Curvas de mortalidade proporcional

Segundo Laurenti (2006), surgiu, logo a seguir, uma contribuição brasileira


que representava uma variante da razão de mortalidade: proporcional, como
foi chamada pelo autor Nelson de Moraes, ou curva de mortalidade
proporcional, era uma projeção gráfica dos valores da mortalidade
proporcional em 5 grupos etários, sendo o último aquele de 50 anos ou mais,
isto é, o próprio ISU (Moraes, 1959). As faixas etárias utilizadas são:

Grupo infantil: crianças menores de 1 ano;


Grupo pré-escolar: crianças de 1 a 4 anos;
Grupos de escolares e adolescentes: indivíduos entre 5 e 19 anos;
Grupo de adultos jovens: pessoas entre 20 e 49 anos;
Grupo de idosos: indivíduos com 50 anos ou mais.

A mortalidade proporcional é calculada dividindo-se o número de óbitos em


cada grupo etário pelo total de óbitos, como no cálculo do ISU. A partir dos
resultados, é possível construir as curvas de mortalidade proporcional, que
podem ser classificadas conforme a sua apresentação (Figura 9).

A curva de Nelson de Moraes pode assumir diversas formas:

1 - “N” invertido, curva típica de países subdesenvolvidos, com nível de


saúde muito baixo, onde se destaca o elevado número de óbitos no grupo
de adultos jovens. Esse tipo de curva é considerado tipo I.
2 - “L” (ou “J” invertido), curva de países com baixo nível de saúde,
com elevado número de óbitos entre crianças e pré-escolares e poucos
óbitos nas faixas etárias mais elevadas. Esse tipo de curva é considerado
tipo II.
3 - “V” (ou “U”), curva de países com nível regular de saúde, com baixo
número de óbitos no grupo de escolares e adolescentes e elevado número
de óbitos entre idosos e menores de 1 ano. Esse tipo de curva é
considerado tipo III.
4 - “J”, curva típica de países com elevado nível de saúde, com baixo
número de óbitos entre crianças e jovens adultos e predomínio dos óbitos
nas faixas etárias mais elevadas. Esse tipo de curva é considerado tipo
IV.

Figura 9 - Curva de Nelson de Moraes para diferentes situações de saúde


Fonte: adaptado de Estatísticas de saúde, 2ª edição.

Para esse indicador, o Brasil, em geral, apresenta uma curva do tipo III (em
forma de U) em transição para o nível IV, o que sugere nível de saúde regular
(elevada proporção de mortes em menores de 1 ano e acima de 50) evoluindo
para elevado (predomínio da mortalidade acima dos 50 anos). Contudo, existe
uma variação interessante entre as macrorregiões: Sudeste e Sul apresentam
uma tendência a J, ao passo que Norte e Nordeste têm uma característica de U
mais acentuada (Figura 10). A última curva de Nelson de Moraes do Brasil,
juntamente com a curva em indígenas, foi divulgada pelo Ministério da Saúde
em 2017, e seu resultado está representado na Figura 11.

Figura 10 - Curva de Nelson de Moraes, no Brasil e em grandes regiões, para o ano de 2007

Figura 11 - Curva de Nelson de Moraes no Brasil, total e indígenas, em 2015/2016


Fonte: Ministério da Saúde, 2017.
C - Outros indicadores utilizados em Epidemiologia

a) Coeficiente ou taxa de fertilidade, fecundidade e


natalidade

Esses termos, bem como sua materialização em indicadores, serão primordiais


para futuras discussões acerca de um tema importante da Epidemiologia, a
chamada transição demográfica, que é geralmente acompanhada pela
transição epidemiológica. Conceitualmente, tanto “fertilidade” quanto
“fecundidade” se referem à geração de filhos, mas não são sinônimos. Existe
certa confusão sobre os seus significados, em parte devido a diferentes
interpretações desses termos ao serem traduzidos de outro idioma (Pereira,
2002).
O autor explica que fertilidade designa a capacidade das mulheres de gerar
filhos. Toda mulher, teoricamente, apresenta essa capacidade desde a menarca
até a menopausa. Contudo, o potencial de procriar pode, na prática, não se
realizar em algumas mulheres, em razão de infertilidade ou de controle
voluntário desse potencial. A real geração de filhos, isto é, a materialização do
potencial de procriar, é a informação prática de interesse, que é dada pelas
medidas de fecundidade.
Desse modo, o coeficiente de fecundidade trata da relação entre os
nascimentos (dos 2 sexos) e o número de mulheres em idade de procriar,
estatisticamente: mulheres entre 15 e 49 anos completos (entre a menarca e a
menopausa). Assim, o numerador leva em conta os nascimentos (nascidos
vivos), e o denominador, o número de mulheres com potencial de fecundação.
Geralmente esse produto é multiplicado por 1.000/1.000 (F19).

Importante
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), o
coeficiente de fecundidade poderia ser visto como uma maneira de
expressar o número médio de filhos que uma mulher teria ao final de sua
idade reprodutiva, além de ser um indicador importante no estudo e na
análise da transição demográfica.
O coeficiente de fecundidade também pode ser especificado por idade, sendo
chamado de coeficiente de fecundidade específico. Este é o indicador que
relaciona o número de nascidos vivos referidos a uma determinada idade da
mãe com o número total de mulheres, na mesma idade (F20). A partir do
coeficiente de fecundidade específico, é estimado o coeficiente de
fecundidade total, muito empregado em comparações populacionais, obtido
pela soma dos coeficientes de fecundidade específicos, por idade, com o
objetivo de eliminar a influência da pirâmide etária no indicador (Pereira,
2002).

O termo “natalidade”, diferentemente de “fecundidade”, traz uma informação


distinta: natalidade refere-se à relação entre nascidos vivos e a população
total. A natalidade é medida por meio da Taxa Bruta de Natalidade (TBN),
que é definida como a relação entre o número de crianças nascidas vivas
durante 1 ano e a população total. Usualmente, essa relação é expressa por
1.000 habitantes (F21).

A TBN depende da maior ou menor intensidade com que as mulheres têm


filhos a cada idade, do número das mulheres em idade fértil como proporção
da população total e da distribuição etária relativa das mulheres dentro do
período reprodutivo. Portanto, não é um bom indicador para analisar
diferenciais de níveis de fecundidade entre populações (Carvalho; Sawyer;
Rodrigues, 1998).

Importante
Em termos comparativos, a taxa de fecundidade geral fornece uma noção
mais apropriada da geração de filhos na população do que a taxa de
natalidade. Contudo, também tem limitações na comparação de populações
cujas estruturas etárias das mulheres em “período reprodutivo” sejam
diferentes – essa é a razão de seu desuso. Na prática, são muito usados os
coeficientes de fecundidade específicos por idade e, principalmente, o
coeficiente de fecundidade total (Pereira, 2002).

b) Esperança de vida

Esse indicador é calculado a partir de tábuas de vida elaboradas para cada


área geográfica e, no Brasil, é divulgado anualmente pelo IBGE.
A esperança de vida ao nascer, também chamada de expectativa de vida ao
nascer, é o número médio de anos que um grupo de indivíduos nascidos no
mesmo ano pode esperar viver, se mantidas, desde o seu nascimento, as taxas
de mortalidade observadas no ano de referência, muito empregado na
avaliação das condições de saúde de uma população. Por não sofrer a
influência da estrutura etária da população, é um bom indicador para
comparações populacionais.

Importante
Sob uma ótica prática, a expectativa de vida ao nascer indica o número
médio de anos que um indivíduo tem de probabilidade de viver, a partir de
determinada idade considerada, supondo que os coeficientes de
mortalidade permaneçam os mesmos no futuro.

Sabe-se que a expectativa de vida é maior quanto melhor a condição


socioeconômica de uma região. Porém, observa-se que, independentemente
do desenvolvimento econômico, a expectativa de vida dos homens é sempre
menor do que a das mulheres, ou seja, estas vivem mais, em qualquer região
do mundo. Costuma-se atribuir essa diferença ao fato de que os homens são
normalmente mais expostos a riscos, como acidentes externos, acidentes de
trabalho, alimentação mais gordurosa, tabagismo, menor cuidado com a
saúde, entre outros.
Pode-se dizer, então, que a esperança de vida entre homens e mulheres teria
uma tendência a aproximar-se, já que, depois da década de 1970, as mulheres
também passaram a se expor a mais riscos; entretanto, o diferente cuidado que
homens e mulheres têm com a saúde, os diferentes hábitos de vida, entre
outros fatores, ainda contribuem para essa importante diferença. Em países
mais desenvolvidos, ela está diminuindo, mas não porque as mulheres têm
vivido menos, e sim porque os homens têm vivido mais.
Na última divulgação do IBGE (dez/2017), a expectativa de vida média no
Brasil em 2016 foi de 75,8 anos; para mulheres a expectativa foi de 79,4 anos,
e para homens, 72,2 anos. A Figura 12 mostra a evolução da expectativa de
vida média no Brasil.
Figura 12 - Expectativa de vida do brasileiro (1940-2016)
Fonte: G1. Expectativa de vida do brasileiro ao nascer foi de 75,8 anos em 2016, diz IBGE.

c) Anos potenciais de vida perdidos

Importante
Os anos potenciais de vida perdidos formam um indicador muito útil na
área de Planejamento em Saúde, pois expressam o efeito das mortes
ocorridas precocemente em relação à duração de vida esperada para uma
determinada população, permitindo comparar a importância relativa que as
diferentes causas de morte têm nessa população. Quanto maior esse índice,
pior a situação de saúde da região ou do país avaliado. No Brasil, a
principal causa de “anos de vida perdidos” na população masculina foram
as causas violentas.

Um dos métodos de cálculo do número de “anos potenciais de vida perdidos”


foi desenvolvido por Arriaga (1996), permitindo relacionar a mortalidade de
determinadas causas de morte (geralmente evitáveis), em determinadas
idades, com a esperança de vida ao nascer, para que se possa chegar a uma
medida de anos de vida perdidos. Nedel, Rocha e Pereira (1999) utilizaram
esse indicador multiplicado por 1.000/1.000 (1.000 habitantes) em estudo
realizado no Sul do Brasil. O estudo do IBGE denominado “Indicadores
Sociodemográficos e de Saúde no Brasil” utiliza porcentagem para esse
mesmo indicador (IBGE, 2009b).
No Brasil, segundo o IBGE (2009b), existe uma diferença significativa entre
os 2 sexos, independentemente da área geográfica e do ano considerado. Para
o Brasil, como um todo, enquanto os homens perdiam, em média, 15,03 anos
de vida, por todas as causas, esse valor era de 9,62 anos entre as mulheres, o
que representa uma diferença de 5,4 anos (Figura 13).

Figura 13 - Número de anos de vida perdidos para homens, segundo grupo de causas no Brasil
(1996-2005)
Fonte: adaptado de IBGE, 2009b.

Dentre as principais causas de morte responsáveis pelos “anos de vida


perdidos” na população masculina brasileira, as violentas foram as que mais
contribuíram em 1996: 3,4, num total de 15,03 anos; no período considerado
até 2005, observa-se uma leve redução nesse valor, que passa a ser de 3,2
anos. O indicador reflete os efeitos de uma leve queda na incidência das
causas violentas no país, durante o período considerado (IBGE, 2009b).

Resumo
Dinâmica de transmissão e
distribuição de doenças
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
As doenças humanas provenientes da relação entre hospedeiro (pessoa),
agente (bactéria, vírus ou outro agente) e meio ambiente (alimentos ou água
contaminados) resultam de uma interação entre fatores biológicos e
ambientais, com o equilíbrio exato variando conforme as diferentes doenças
(embora algumas sejam de origens amplamente genéticas). Muitos dos
princípios subjacentes que fundamentam a transmissão das doenças são mais
claramente demonstrados utilizando-se doenças transmissíveis como modelo.
Contudo, os conceitos discutidos podem ser extrapolados para doenças não
infecciosas ou mesmo para outros agravos à saúde (Gordis, 2010).

Dica
As doenças são descritas como resultado de uma tríade epidemiológica, ou
seja, um produto de interação de um hospedeiro humano, um agente
infeccioso (ou de outro tipo) e um ambiente que promova a exposição.

Vetores, como mosquitos e carrapatos, são frequentemente envolvidos. Para a


interação ocorrer, o hospedeiro deve estar suscetível. A suscetibilidade
humana é determinada por uma infinidade de fatores, incluindo antecedentes
genéticos e fatores nutricionais e imunológicos. O estado imunológico de um
indivíduo é determinado por muitos fatores, incluindo contato prévio com o
agente, por infecção natural ou por imunização.
Os fatores que podem levar ao desenvolvimento de doenças são biológicos,
físicos e químicos, bem como outros tipos, como estresse, que pode ser mais
difícil de classificar (Tabela 1). Pode-se pensar na agregação desses fatores
em, pelo menos, 3 grandes grupos de doenças/agravos à saúde: doenças
infecciosas e parasitárias, doenças crônicas não transmissíveis e causas
externas de morbidade e mortalidade. Todas poderiam ser consideradas, de
algum modo, dentro do modelo clássico da tríade epidemiológica.
Uma doença transmissível (ou infecciosa) é causada pela transmissão de um
agente patogênico específico para um hospedeiro suscetível. Agentes
infecciosos podem ser transmitidos para humanos: diretamente – de outros
humanos ou animais infectados – e indiretamente – por meio de vetores
biológicos ou físicos, partículas aéreas ou outros veículos (Beaglehole;
Bonita; Kjellström, 2010).

Figura 1 - Tríade epidemiológica das doenças


Fonte: adaptado de Epidemiologia, 4ª edição.
As doenças crônicas não transmissíveis (doenças cardiovasculares,
neoplasias, doenças respiratórias crônicas, diabetes e doenças
musculoesqueléticas, entre outras) são multifatoriais e têm em comum fatores
comportamentais de risco modificáveis e não modificáveis. Dentre os fatores
comportamentais de risco modificáveis, destacam-se tabagismo, consumo
excessivo de bebidas alcoólicas, obesidade, hábito alimentar inadequado
(consumo excessivo de gorduras saturadas de origem animal e açúcares
simples), ingestão insuficiente de frutas e hortaliças e inatividade física
(Brasil, 2011). Em 2008, a Organização Mundial da Saúde publicou um plano
de ação para a redução de fatores de risco para as doenças crônicas não
transmissíveis mais prevalentes. Nesse plano, ficou definido que, para as 4
doenças crônicas não transmissíveis mais prevalentes (doenças cardi-
ovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas), existem 4
fatores de risco compartilhados, que são tabagismo, sedentarismo, abuso de
álcool e má alimentação (WHO, 2008). A variação temporal dos principais
fatores de risco para doenças crônicas no Brasil está apresentada na Figura 2
(Brasil, 2017). Os fatores de risco que mais cresceram em prevalência foram,
do maior crescimento ao menor, excesso de peso, obesidade, hipertensão
arterial e diabetes. Mais de 50% da população das capitais do Brasil
apresenta, no mínimo, sobrepeso. Em contrapartida, os fatores de risco
consumo de refrigerantes e tabagismo obtiveram uma redução das suas
prevalências, sendo que o consumo de refrigerantes foi a variável com a
maior redução anual da prevalência.
Nas causas externas, estão envolvidos 2 tipos de eventos: a natureza das
lesões que o paciente apresenta (codificadas de acordo com o capítulo XIX da
10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças – CID-10) e as
circunstâncias que produziram essas lesões. A CID-10 tem um sistema de
classificação suplementar para a codificação dessas circunstâncias, que
fornece a informação básica necessária à organização de programas
preventivos contra a causa da lesão (Mattos, 2001).

Figura 2 - Evolução temporal dos fatores de risco para doenças crônicas nas capitais brasileiras,
segundo dados do Ministério da Saúde: (v. a.) variação anual média, em pontos percentuais
Fonte: Brasil, 2017.

2. Modo de transmissão de doenças


As doenças podem ser transmitidas direta ou indiretamente. Quando são
transmitidas de indivíduo para indivíduo, fala-se em contato direto. A
transmissão indireta pode ocorrer por meio de um veículo comum, como
contaminação atmosférica ou fonte de abastecimento de água, ou por um
vetor, como um mosquito. Assim, diferentes organismos disseminam-se de
formas variadas, e o potencial de determinados organismos em espalhar-se e
produzir surtos depende de suas características, como taxa de crescimento e
via pela qual são transmitidos de uma pessoa a outra (Gordis, 2010).
É comum, mesmo na área médica, haver confusão entre o conceito de doença
“infecciosa” e “contagiosa”.
Doenças contagiosas são aquelas que podem ser transmitidas por toque,
contato direto entre os seres humanos, sem a necessidade de um vetor ou
veículo interveniente. A malária é, portanto, uma doença transmissível, mas
não contagiosa, enquanto o sarampo e a sífilis são tanto transmissíveis quanto
contagiosas. Alguns agentes patogênicos causam doença não apenas por
infecção, mas também por meio do efeito tóxico de compostos químicos que
produzem. Por exemplo, Staphylococcus aureus é uma bactéria que pode
infectar diretamente os seres humanos, mas a intoxicação estafilocócica é
causada pela ingestão de alimentos contaminados com uma toxina que a
bactéria produz, mesmo na ausência desta (Beaglehole; Bonita; Kjellström,
2010). Com relação às doenças infecciosas, são importantes alguns conceitos
relacionados à cadeia de transmissão (Tabela 2).
Em se tratando do novo hospedeiro, a resistência e a suscetibilidade
dependem de maior ou menor resposta positiva do organismo, ou seja, da
imunidade (produção de anticorpos), que pode ser ativa (natural: infecções
pregressas; ou artificial: vacinas) ou passiva (natural: transplacentária; ou
artificial: soros).
No caso das doenças crônicas não transmissíveis, esse ciclo de
transmissibilidade não fica tão evidente. São variados os estudos que mostram
que os fatores genéticos têm forte influência sobre muitas doenças com essa
classificação. Por exemplo, sabe-se que a hipertensão está associada à herança
genética; contudo, como são inúmeros os fatores de risco ambientais
(alimentação, exercícios, estresse, entre outros) e há interação desses fatores
com a herança genética, é quase impossível atribuir uma parcela de
responsabilidade para cada um deles, como é feito com as doenças
infecciosas. A mesma discussão é válida para as causas externas de
morbimortalidade. Entretanto, nessa modalidade, o ambiente tem mais
influência do que nas anteriores. Nesse sentido, a tríade epidemiológica pode
dar espaço aos determinantes sociais da saúde, que explicam melhor essa
inter-relação (Figura 3).

Figura 3 - Determinantes subjacentes da saúde e seu impacto sobre as doenças não crônicas
transmissíveis
Fonte: adaptado de Epidemiologia Básica, 2ª edição.

3. Distribuição temporal

Importante
O estudo da distribuição temporal pode fornecer inúmeras informações
fundamentais para compreensão, previsão, busca etiológica, prevenção de
doenças e avaliação dos impactos de intervenções em saúde (Medronho;
Perez, 2009).

Já foi comentado que a Epidemiologia se desenvolveu a partir do estudo dos


surtos de doenças transmissíveis e da interação entre agentes, vetores e
reservatórios. A descrição das circunstâncias associadas ao aparecimento de
epidemias nas populações humanas (guerra, migração, fome e desastres
naturais) tem aumentado a capacidade de controlar a dispersão das doenças
transmissíveis por meio de vigilância, prevenção, quarentena e tratamento,
sendo esse o principal objetivo da detecção de uma epidemia (Beaglehole;
Bonita; Kjellström, 2010). A quarentena, um dos métodos de controle da
dispersão das doenças transmissíveis, refere-se ao isolamento de indivíduos
sadios pelo período máximo de incubação da doença, contado a partir da data
do último contato com um caso clínico ou portador da referida doença. Já
isolamento se refere ao isolamento de doentes, para que não transmitam a
doença. Ou seja, a quarentena se aplica a indivíduos que ainda não a
desenvolveram, porém tiveram contato com algum veículo transmissor; o
isolamento se aplica a indivíduos doentes. A distribuição temporal de uma
doença, segundo Medronho e Perez (2009), pode obedecer a determinado
padrão temporal, como no caso da rubéola, que apresenta aumento de sua
ocorrência na primavera. Assim, é possível conhecer os períodos de maior
risco para determinadas doenças, fato que pode contribuir para a sua
prevenção e o seu diagnóstico precoce. Por exemplo, um indivíduo que
apresenta quadro clínico de febre baixa, rash cutâneo e linfadenopatia
generalizada na primavera deve levantar a suspeita de rubéola.

Importante
Embora os estudos de distribuição temporal sejam vastamente discutidos
na área das doenças infecciosas e parasitárias, sobretudo as transmissíveis,
pode-se afirmar que não se trata de uma aplicação exclusiva. A
monitorização e a avaliação de doenças crônicas não transmissíveis, bem
como de outros agravos à saúde (causas externas, como acidentes,
desastres, fatores contribuintes para o aparecimento de doenças), podem
ser uma ótima ferramenta para a vigilância em saúde.

Para Medronho e Perez (2009), a avaliação da evolução temporal de uma


doença, antes e depois de uma intervenção, pode mostrar a efetividade
daquela medida. Um bom exemplo refere-se à evolução da poliomielite no
mundo (Figura 4). A vacinação em massa com a vacina Sabin, iniciada no ano
de 1980, levou a queda nos anos seguintes. No Brasil, o último diagnóstico de
poliomielite foi em 1990.

Figura 4 - Evolução do número de casos de poliomielite e da cobertura vacinal entre 1980 e 2014
Fonte: Família SBIm. Vacinas poliomielite.
A análise de um conjunto de observações sequenciais no tempo pode conter
flutuações aleatórias (ao acaso), de modo que é importante tentar detectar,
além das possíveis variações aleatórias, os 4 tipos de evolução principal das
doenças: tendência histórica, variações cíclicas, variações sazonais e
variações irregulares (Medronho; Perez, 2009).

4. Tendência histórica ou secular


Segundo Medronho e Perez (2009), o estudo de tendência histórica refere-se à
análise das mudanças na frequência (incidência, mortalidade) de uma doença
por um longo período, geralmente décadas. O autor explica que não existe um
critério rígido para a definição de tempo mínimo de observação necessário
para detectar alterações na evolução da doença ou de outro desfecho de
interesse. A Figura 4 mostra essa mudança, no caso da poliomielite, com
bastante clareza.
França Júnior e Monteiro (2000) explicam que a análise da distribuição
temporal de eventos do processo saúde-doença é uma das estratégias de
investigação mais antigas e valiosas para a Epidemiologia e Saúde Pública.
Quando a análise envolve períodos prolongados de tempo, costuma-se
denominá-la de análise de tendência e/ou de mudança secular (Forattini,
1992). Na literatura epidemiológica, é possível observar a utilização de vários
termos para a designação das tendências ou séries temporais de indicadores de
saúde: tendência secular, mudança secular, aceleração secular, variação
secular, mudança temporal e outras.
O 1º investigador a examinar séries temporais de morbimortalidade foi
William Farr (1807-1883). São clássicas suas análises acerca da tendência
secular da mortalidade e da fertilidade na Inglaterra, bem como a análise
temporal de várias epidemias, como as de varíola e cólera. Contudo, Farr
ainda não utilizava o conceito de tendência secular, que surgiria apenas no
século XX (França Júnior; Monteiro, 2000).

Dica
A análise de tendência de uma doença deve levar em consideração as
possíveis modificações nos critérios diagnósticos, na terminologia da
doença, nas taxas de letalidade etc. Entretanto, muitas vezes, é necessária a
observação de uma doença ao longo de décadas para traçar o perfil
esperado para a conjuntura atual (Medronho; Perez, 2009).

Schmidt et al. (2011) estudaram a mudança da mortalidade no Brasil para os


principais tipos de câncer nos últimos 27 anos, concluindo que, nos homens,
as taxas de mortalidade por câncer de pulmão, próstata e colorretal estão
aumentando, as de câncer gástrico estão diminuindo e as de esôfago estão
estáveis. Nas mulheres, as taxas de mortalidade por câncer de mama, pulmão
e colorretal aumentaram, enquanto as de câncer de colo do útero e estômago
diminuíram (Figura 5).

Figura 5 - Mortalidade para os principais locais de câncer em homens e mulheres, de 1980 a 2006

Medronho e Perez (2009) explicam que o movimento observado na tendência


histórica das diversas doenças pode ser explicado por inúmeras razões, como
a melhoria no diagnóstico (em relação à precocidade), melhoria das condições
sanitárias e sociais, técnicas obstétricas mais efetivas etc. Entretanto, muitas
vezes existe dificuldade na interpretação desses dados, pois os métodos
diagnósticos foram se tornando mais precisos ao longo do tempo
(diagnósticos diferenciais), a população foi se modificando (transição
demográfica), com a consequente mudança no perfil epidemiológico, assim
como os fatores ambientais também se alteraram.

5. Variações cíclicas

Importante
As variações cíclicas são aquelas com ciclos periódicos e regulares. As
mudanças cíclicas no comportamento de doenças são recorrências nas suas
incidências, que podem ser anuais ou ter periodicidade mensal ou semanal.
Na variação cíclica, portanto, um dado padrão é repetido de intervalo a
intervalo (Brasil, 2005). Outros autores consideram como variação cíclica
as flutuações na incidência em períodos maiores do que 1 ano (Medronho;
Perez, 2009).
Na Figura 6, apresentam-se as taxas de incidência e mortalidade de sarampo
no estado do Paraná, entre 1965 e 2004. Repare que, entre 1965 e 1988, a
incidência da doença segue um padrão de flutuação que parece se repetir a
cada 3 anos, ao passo que a mortalidade mostra baixa variação.
Esse processo pode ser explicado pelo nascimento de crianças suscetíveis,
cujo acúmulo vai provocar aumento progressivo no número de casos da
doença. Note que, a partir do ano de 1992, quando foi implementado o Plano
Nacional de Eliminação do Sarampo e o Ministério da Saúde utilizou
estratégias para o controle, entre elas a vacinação de crianças e adolescentes
de 9 meses a 14 anos, por intermédio de campanha de vacinação em massa, a
incidência da doença diminuiu significativamente, pois não havia mais
suscetíveis para contrair o vírus e desenvolver a doença.

Figura 6 - Taxas de incidência e de mortalidade de sarampo no estado do Paraná, Brasil, de 1965 a


2004
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2005.

6. Variações sazonais
As variações sazonais ocorrem quando a incidência das doenças sempre
aumenta, periodicamente, em algumas épocas ou estações do ano, meses, dias
da semana ou em horas do dia. Por exemplo, a dengue (nas épocas quentes do
ano) e os acidentes de trânsito (horas de muita movimentação urbana –
deslocamento para o trabalho ou para a escola). Com relação às doenças com
variação estacional, deve-se conhecer o nível endêmico: se há aumento
normal em certa época do ano, ele não pode ser confundido com uma
epidemia.
Sabe-se que as doenças infecciosas agudas constituem um exemplo claro
dessas variações. Entretanto, o aparecimento de alguns sintomas de
determinadas doenças crônicas (por exemplo, doença pulmonar obstrutiva
crônica), fenômenos demográficos (nascimentos) e a mortalidade por certas
causas específicas, como acidentes de trabalho, também podem apresentar
variações sazonais (Medronho; Perez, 2009).
Um bom exemplo desse tipo de variação são os acidentes com animais
peçonhentos, sobretudo com ofídicos. A distribuição mensal dos casos (Figura
7) segue padrão encontrado nos demais estados das regiões Sul e Sudeste,
onde é verificada uma sazonalidade marcada pela predominância dos casos
nos meses quentes e chuvosos de setembro a março, confirmando que a
ocorrência do acidente ofídico está, geralmente, relacionada a fatores
climáticos e ao aumento da atividade humana nos trabalhos do campo, nessa
época do ano (Brasil, 2005).

Figura 7 - Número de casos de acidentes ofídicos segundo o mês de ocorrência no estado do Paraná,
Brasil, de 1997 a 2002
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2005.

Segundo Medronho e Perez (2009), a variação sazonal depende de um


conjunto de fatores, como temperatura, umidade do ar, radiações solares,
concentração de poluentes no ar, precipitação (chuvas) etc. Além das
condições climáticas, existe o comportamento dos indivíduos nas diferentes
estações do ano. Assim, no inverno, observam-se mais aglomerações (fator
contribuinte para o aparecimento de doenças respiratórias) ou maior consumo
de água no verão (consequentemente, nota-se maior despejo de esgoto), o que
pode favorecer as doenças por contaminação fecal-oral (diarreias,
poliomielite, hepatite A etc.).

7. Variações irregulares

Importante
Existem procedimentos para reconhecer se a variação de determinada
doença está dentro do esperado (variação cíclica e/ou sazonal). Esse fato
pode ser chamado de endemia, ou seja, a doença tem um padrão de
ocorrência endêmico. Caso exista variação irregular, superando a
frequência esperada, poderia ser caracterizada, então, uma epidemia.

A - Casos esporádicos e conglomerado temporal de


casos

Quando, em uma comunidade, surgem casos raros e isolados de certa doença,


podem ser chamados de esporádicos. Trata-se, geralmente, de casos
aleatórios, que de forma imprescindível não guardam nenhuma relação entre
si. O conglomerado temporal de casos refere-se a um grupo de casos para os
quais se suspeita de um fator comum, ou seja, não aleatório, e que ocorre
dentro dos limites de intervalos de tempo, significativamente iguais, medidos
a partir do evento que, supostamente, foi a sua origem (Brasil, 2005).

B - Endemia

Dica
As doenças são chamadas de endêmicas quando, em uma área geográfica
ou um grupo populacional, apresentam padrão de ocorrência relativamente
estável, com incidência ou prevalência acima de zero.

Doenças endêmicas, como a malária, estão entre os principais problemas de


saúde em países tropicais de baixa renda. Se ocorrerem mudanças nas
condições do hospedeiro, agente ou ambiente, uma doença endêmica poderá
se tornar epidêmica (Beaglehole; Bonita; Kjellström, 2010).
Segundo o Ministério da Saúde, quando a ocorrência de determinada doença
apresenta variações na sua incidência de caráter regular, constante e
sistemático, trata-se de uma doença endêmica. Observe, na Figura 8, essa
ocorrência regular com alguma variação. Assim, endemia é a ocorrência de
determinada doença que, durante um longo período de tempo, acomete,
sistematicamente, populações em espaços delimitados e caracterizados,
mantendo incidência constante ou permitindo variações cíclicas ou sazonais,
conforme descrito (Brasil, 2005).

C - Epidemia

Epidemia é definida como a ocorrência em uma região ou comunidade de um


número de casos em excesso, em relação ao que normalmente seria esperado
em um determinado tempo e local. Note, na Figura 8, que existia um padrão
de ocorrência rompido em algum momento, caracterizando uma epidemia
(visto que, depois de algum tempo, ele volta ao normal). É importante
ressaltar, entretanto, que apenas o aumento no número de casos existentes não
é critério suficiente para uma epidemia ser definida, pois essa variação
(mesmo que grande) pode estar dentro do esperado para a doença em questão,
fazendo parte da variação periódica da doença.

Importante
Ao descrever uma epidemia, devem ser especificados o período, a região
geográfica e outras particularidades da população em que os casos
ocorreram. O número de casos necessários para definir uma epidemia varia
de acordo com o agente, o tamanho, o tipo e a suscetibilidade da população
exposta e o momento e o local da ocorrência da doença (Beaglehole;
Bonita; Kjellström, 2010).
Figura 8 - Doença endêmica versus doença epidêmica
Fonte: adaptado de Epidemiologia, 4ª edição.

A identificação de uma epidemia também depende da frequência usual da


doença na região, no mesmo grupo populacional, durante a mesma estação do
ano. Um pequeno número de casos de uma doença que não tinha ocorrido na
região pode ser o suficiente para constituir a ocorrência de uma epidemia. Por
exemplo, o 1º relato da síndrome que ficou conhecida como AIDS, descrita
por Gottlieb et al. (1981), foi baseado em 4 casos de pneumonia por
Pneumocystis jirovecii em jovens homossexuais masculinos.

a) Caracterização numérica de uma epidemia

O procedimento utilizado atualmente em Vigilância Epidemiológica para


monitorizar ocorrência irregular na incidência de uma doença (epidemia) é
chamado de diagrama de controle, cuja ideia básica é manter o processo
(ocorrência) entre um limite mínimo e um limite máximo de controle.
Inicialmente, eram classificados como de médias (mean/average), de limites
(range) ou de Desvio-Padrão (DP). Atualmente, existem inúmeros e variados
tipos de tais diagramas (Alves, 2004).
A autora explica ainda que, no Brasil, o diagrama de controle mais utilizado é
o de Shewhart. Esses diagramas são feitos plotando-se pontos sobre o eixo da
ordenada com o tempo como uma escala horizontal (eixo do X) e o número
de novos casos reportados toda semana ou mês como uma escala vertical (o
eixo do y).
Nesse tipo de gráfico, são observadas as linhas de limite, que caracterizam o
nível endêmico (Figura 9). A linha azul refere-se ao limite inferior de
ocorrência (valor estimado), a linha verde diz respeito ao número de casos ou
à incidência observada dentro do intervalo de tempo considerado, e a linha
vermelha demarca o limite superior de ocorrência endêmica (valor estimado),
também conhecido como limiar epidêmico. Se a frequência da doença em
algum momento estourar esse limite superior, estará caracterizada sua
variação irregular de incidência. Nesse caso, a doença teve um curso
considerado regular no decorrer do ano.

Figura 9 - Controle de nível endêmico (hipotético)

Alves (2004) ressalta que, quando a frequência do evento é relativamente


constante durante o ano, a análise dos dados não requer maior sofisticação.
Valores como a média ou mediana, acompanhados dos seus respectivos
índices de dispersão (DP, desvio interquartil), são suficientes para sintetizar os
eventos e materializar o diagrama de controle.
Há diversas formas de construir um diagrama de controle. Uma das mais
utilizadas refere-se ao uso da média aritmética da incidência e dos respectivos
desvios padronizados para estimar um intervalo de ocorrência regular. Pode-
se trabalhar com o número de casos absolutos por tempo de observação ou
com a medida de incidência, por 100 mil habitantes, por exemplo.
Como as medidas limites que compõem o intervalo de ocorrência regular são
estimativas, é necessário conhecer a distribuição corrente do evento.
Medronho e Perez (2009) sugerem observar a ocorrência mensal ou semanal
de um período de 10 anos (apenas uma sugestão, já que, muitas vezes, esse
período vai depender da disponibilidade de dados). É importante ressaltar
que, nesse período, a incidência pode não ter sofrido nenhuma variação
irregular (epidemia, por exemplo).
A Tabela 3 apresenta um conjunto de dados fictícios para o desenvolvimento
do exercício; são 10 anos de incidência de uma doença (doença
meningocócica), com observação mês a mês. Como exemplo, será
desenvolvido, a seguir, um diagrama de controle para acompanhamento do
ano de 2011. Note que em nenhum dos anos existiu grande variação que
pudesse ser caracterizada como irregular.

Uma forma de estimar os limites superior e inferior endêmicos diz respeito à


iniciativa de estabelecer um Intervalo de Confiança (IC) de 95% em torno das
médias de casos. Desse modo, é necessário utilizar alguma distribuição de
probabilidade para materialização desse intervalo “ótimo”. Usualmente,
utiliza-se a distribuição normal (z), na qual um IC de ±95% equivale a 1,96
unidade de DP. Os passos para chegar à plotagem do diagrama são os
seguintes:
1 - Calcula-se a incidência média aritmética mensal referente aos anos
anteriores ao que se quer analisar (utilizando a fórmula 1 da Tabela 4).
2 - Calcula-se, mês a mês, o DP referente aos anos anteriores, para levar
em conta a dispersão dos valores observados em relação à incidência
média obtida (utilizando a fórmula 2 da Tabela 4).
3 - Com esses valores, incidências médias mensais e DPs, pode-se
estabelecer um intervalo de variação que será considerado normal ou
endêmico (utilizando a fórmula 3 da Tabela 4).

Após a realização desses procedimentos, conseguiu-se chegar às médias (1),


aos DPs (2) e aos limites de incidência normal esperados para cada mês (3).
Observe que, para exemplificação, foram realizados os procedimentos
completos com os meses de janeiro e fevereiro (Tabela 3): inicialmente, a
média aritmética (janeiro – 0,41 – e fevereiro – 0,34); logo após os DPs
referentes a esses mesmos meses (janeiro – 0,21 – e fevereiro – 0,13) e,
estabelecidos esses parâmetros, estimaram-se os limites superior e inferior
com IC de 95%. Os resultados esperados para todos os meses de 2011 estão
dispostos na Tabela 5.
Agora, é necessário plotar o gráfico para estudar alguns de seus elementos
(Figura 10). Repare que a linha vermelha representa o limite superior e a linha
azul, o limite inferior. O espaço entre essas linhas, que varia mês a mês
(estimado dos 10 anos anteriores), pode ser considerado intervalo regular,
também chamado de faixa de incidência normal esperada ou faixa endêmica.
Nesse espaço, a incidência pode variar sem que seja inferida qualquer
alteração na sistemática da estrutura epidemiológica condicionante do
processo saúde-doença. A variação da incidência em faixa endêmica é
chamada de incidência em nível endêmico. A linha vermelha, ou limite
superior endêmico, também é chamada limiar epidêmico, por representar o
limite endêmico. Além dessa linha, está a incidência em nível epidêmico, ou
seja, quando o coeficiente de incidência da doença ultrapassa o limiar
endêmico, está caracterizada a epidemia.
Figura 10 - Estimativa de nível superior e inferior endêmico para o ano de 2011

Esse diagrama de controle é uma possibilidade de conhecer a variação natural


da doença em anos anteriores, a fim de acompanhar ou avaliar a ocorrência
desta no presente, um trabalho muito realizado em Vigilância Epidemiológica.
Alves (2004) explica que essa ferramenta reflete o programa de controle com
base nos bancos de dados existentes no sistema de vigilância de agravos no
país, representando um método de acompanhamento das informações
recebidas constantemente. Geralmente é usado para controle de doenças em
situações de equilíbrio, em que há uma estabilidade espaço-temporal (níveis
endêmicos da doença).
Na Tabela 5, foram sugeridas 2 situações distintas para o ano de 2011
(lembre-se de que nosso diagrama utilizou dados de 2001 a 2010): 2011a e
2011b, consecutivamente, na penúltima e na última coluna. Acompanhe a
plotagem nos gráficos (Figuras 11 e 12) e analise a ocorrência da doença.
Observe a 1ª situação para o ano de 2011 (Figura 11). A incidência da doença,
no decorrer do ano, mostra uma variação, contudo, considerada regular
(dentro do limite endêmico esperado). Não foi observada, então, nenhuma
variação na frequência da doença que pudesse caracterizar uma epidemia. Já
na 2ª situação (2012b), existe uma variação da frequência além do limiar
epidêmico (Figura 12). Observe que a incidência se eleva entre os meses de
abril e maio, atingindo seu ponto máximo nesse último mês (linha preta);
entre maio e junho, a incidência volta ao seu nível normal (incidência em
nível endêmico). Pode-se afirmar então que, no ano de 2012b, houve uma
variação irregular caracterizada como epidemia.
Figura 11 - Estimativa de níveis superior e inferior endêmicos e incidência observada no ano de
2011a

Figura 12 - Estimativa de níveis superior e inferior endêmicos e incidência observada no ano de


2011b

Dica
Graficamente, uma epidemia se expressa como curva anormal em relação à
ocorrência esperada, chamada curva epidêmica.

Sinnecker (1976) discorre sobre alguns elementos dessa curva que merecem
destaque, uma vez que podem auxiliar na classificação do tipo de epidemia e
no seu controle (Figura 13).
Figura 13 - Elementos da curva epidêmica

1 - Incremento inicial dos casos: ocorre nos eventos em que o processo


saúde-doença passa de uma situação endêmica preexistente para uma
situação epidêmica. Com a situação ainda em nível endêmico, observa-se
um incremento do número de casos com o coeficiente de incidência
tendendo para o limite superior endêmico.
2 - Egressão: seu marco inicial ocorre no surgimento dos primeiros
casos (progressão) e termina quando a incidência é nula ou o processo se
estabiliza num dado patamar de endemicidade (regressão),
caracterizando uma endemia.
3 - Progressão: estabelecida a epidemia, o crescimento progressivo da
incidência caracteriza a fase inicial do processo. Essa 1ª etapa, descrita
pelo ramo ascendente da curva epidêmica, termina quando o processo
epidêmico atinge seu clímax.
4 - Incidência máxima: é o clímax. A força de crescimento da epidemia
extingue-se devido à diminuição do número de indivíduos expostos, à
diminuição do número de suscetíveis, a ações nacionais ou
internacionais de vigilância e controle ou ao próprio processo natural de
controle.
5 - Regressão: é a última fase na evolução de uma epidemia. O processo
de massa tende a retornar aos valores iniciais de incidência, estabilizar-se
em patamar endêmico, abaixo ou acima do patamar inicial ou regredir
até incidência nula, incluída aí a erradicação.
6 - Decréscimo endêmico: quando o processo regride em nível
endêmico e as ações de controle e vigilância continuam, a endemicidade
pode ser levada a patamares bastante baixos, mais do que aqueles
vigentes antes da eclosão da ocorrência epidêmica; pode-se pensar,
inclusive, na erradicação da doença (pode ou não ocorrer).

b) Caracterização temporal e espacial de uma epidemia

Importante
Uma endemia caracteriza-se por ser temporalmente ilimitada; a epidemia,
ao contrário, é restrita a um intervalo de tempo marcado por começo e fim
– bem definidos – com retorno das medidas de incidência aos patamares
endêmicos observados antes da ocorrência epidêmica. Esse intervalo de
tempo pode abranger poucas horas ou estender-se a anos ou décadas.

Segundo o Ministério da Saúde, as epidemias podem ser classificadas,


também, pela abrangência espacial. Tais quais as situações endêmicas, as
ocorrências epidêmicas são limitadas não somente a um tempo definido, mas
também a um espaço delimitado, desde os limites de um surto epidêmico até a
abrangência de uma pandemia (Brasil, 2005).
Costuma-se designar surto epidêmico (Figura 14 – círculo vermelho) quando
2 ou mais casos de determinada doença ocorrem em locais circunscritos,
como instituições, escolas, domicílios, edifícios, cozinhas coletivas, bairros
ou comunidades, aliados à hipótese de que existia, como relação entre eles, a
mesma fonte de infecção ou de contaminação ou os mesmos fatores de risco,
o mesmo quadro clínico e ocorrência simultânea.
Denomina-se pandemia (Figura 14 – círculo verde) a ocorrência epidêmica
caracterizada por uma larga distribuição espacial que atinge várias nações.
São exemplos clássicos de pandemias a epidemia de influenza de 1918 e a
epidemia de cólera, iniciada em 1961, que alcançou o continente americano
em 1991, no Peru. Mais recentemente, no ano de 2009, foi vista a pandemia
de influenza (H1N1), que se iniciou no México e se espalhou rapidamente
pelo mundo.
Figura 14 - Classificação espacial de uma epidemia: surto epidêmico (círculo vermelho) e pandemia
(círculo verde)

c) Fatores condicionantes do surgimento das epidemias

Alguns fatores são imprescindíveis para o surgimento de uma epidemia. Em


linhas gerais, o aumento do número de indivíduos suscetíveis destaca-se como
um dos mais importantes. Quando o número desses indivíduos em um local
for suficientemente grande, a introdução de um caso (alóctone ou importado)
de uma doença transmissível gera diversos outros, configurando um grande
aumento na incidência. O aumento do número de suscetíveis pode apresentar
diversas causas, como os nascimentos de novos indivíduos, migrações e
baixas coberturas de vacinas imunizantes.
Alterações no meio ambiente favorecem a transmissão de doenças infecciosas
e auxiliam na propagação dos agravos não infecciosos. Destacam-se, entre
eles, os seguintes fenômenos: contaminação da água potável por dejetos,
favorecendo a transmissão de doenças de contaminação fecal-oral;
aglomeração de pessoas em abrigos provisórios, em situações de calamidade,
facilitando a eclosão de surtos de doenças respiratórias agudas; aumento no
número de vetores infectados, responsáveis pela transmissão de algumas
doenças em razão de condições ambientais favoráveis e/ou inexistência ou
ineficácia de medidas de controle; contaminação de alimentos por micro-
organismos patogênicos, ocasionando surtos de intoxicação, toxinfecção e
infecção alimentar; extravasamento de produtos químicos poluindo ar, solo e
mananciais, podendo levar a intoxicações agudas na comunidade local;
emissão descontrolada de gás carbônico por veículos motorizados, que pode
levar ao desenvolvimento de problemas respiratórios agudos na população.
Na prática, o Ministério da Saúde ressalta que uma epidemia pode surgir
quando inexiste uma doença em determinado lugar e aí se introduz uma fonte
de infecção ou contaminação (por exemplo, um caso de cólera ou um
alimento contaminado), dando início ao aparecimento de casos ou epidemia;
quando ocorrem casos esporádicos de uma determinada doença e logo se
configura uma inter-relação que contribui para o aumento na incidência além
do esperado; a partir de uma doença que ocorre endemicamente e alguns
fatores desequilibram a sua estabilidade, iniciando uma epidemia (Brasil,
2005).

d) Aspectos diferenciais das epidemias

Foi visto, até aqui, que uma epidemia se refere a uma alteração, espacial e
cronologicamente delimitada, do estado de saúde-doença de uma população,
que se caracteriza pelo aumento progressivo, inesperado e descontrolado dos
coeficientes de incidência de determinada doença, ultrapassando o limiar
epidêmico preestabelecido.

Dica
Existem 2 aspectos básicos para a diferenciação das epidemias: o primeiro
diz respeito à velocidade com a qual ocorre o processo epidêmico,
classificando estas em epidemias lentas e explosivas; e o segundo se refere
à fonte ou origem da contaminação e divide-as em fonte comum (pontual
ou persistente) ou fonte progressiva ou propagada (Brasil, 2005).

Também denominada brusca, instantânea ou maciça, a epidemia explosiva


caracteriza-se por um aumento expressivo do número de casos em curto
espaço de tempo, compatível com o período de incubação da doença. Nesse
tipo de epidemia, quase todos os indivíduos expostos e suscetíveis são
acometidos em pouco tempo, e a incidência máxima é alcançada rapidamente.
Citam-se, como exemplo, as intoxicações decorrentes da ingestão de água,
leite ou outros alimentos contaminados.
Na epidemia lenta, o critério diferenciador é a velocidade com a qual ela
ocorre na etapa inicial do processo, que é lenta e gradual e progride durante
um longo tempo. Acontece, em geral, nas doenças de curso clínico longo,
principalmente as não transmissíveis, podendo ocorrer, também, com doenças
cujos agentes apresentam baixa resistência ao meio exterior ou para os quais a
população seja altamente resistente ou imune. Será lenta, ainda, se as formas
de transmissão e os meios de prevenção forem bem conhecidos pela
população, como AIDS, exposição a metais pesados ou agrotóxicos.
Quando não há um mecanismo de transmissão de hospedeiro para hospedeiro
na epidemia, por fonte ou veículo comum, o fator extrínseco (agente
infeccioso, fatores físico-químicos ou produtos do metabolismo biológico)
pode ser veiculado pela água, por alimentos, pelo ar ou introduzido por
inoculação. Todos os suscetíveis devem ter acesso direto a uma única fonte de
contaminação, podendo ser por curto espaço de tempo (fonte pontual) ou um
espaço de tempo mais longo (fonte persistente). Trata-se, geralmente, de uma
epidemia explosiva e bastante localizada, em relação a tempo e lugar, como a
intoxicação alimentar.
Na epidemia gerada por uma fonte pontual (no tempo), a exposição ocorre
durante um curto intervalo de tempo e cessa, não ocorrendo novamente.
Exemplos disso são as exposições a alimentos contaminados em eventos. Já
na epidemia ocasionada por uma fonte persistente (no tempo), a fonte tem
existência dilatada e a exposição da população prolonga-se. Destacam-se,
neste último caso, as epidemias de febre tifoide devido a fonte hídrica,
acidentalmente contaminada pela rede de esgoto.
Epidemia de fonte progressiva ou propagada, de contato ou contágio, ocorre
quando o mecanismo de transmissão for de hospedeiro-hospedeiro em cadeia,
por via respiratória, anal, oral ou genital (gripe, meningite meningocócica,
doenças sexualmente transmissíveis e raiva canina, por exemplo). Muitas
vezes sua progressão é lenta, contudo não se descarta a possibilidade de
epidemias explosivas por esse tipo de fonte.
O descontrole nos fatores determinantes da doença pode ocasionar uma
situação epidêmica. Esse descontrole deve ser detectado pelo Sistema de
Vigilância, classificado como uma situação de emergência, e medidas
circunstanciais devem ser tomadas para a sua correção (Alves, 2004).

Resumo
Vigilância em saúde com ênfase
em vigilância epidemiológica
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
A vigilância em saúde visa à observação e análise permanentes da situação de
saúde da população, articulando-se em um conjunto de ações destinadas a
controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em
determinados territórios e garantindo a integralidade da atenção, o que inclui
tanto a abordagem individual quanto coletiva dos problemas de saúde. O
conceito de vigilância em saúde inclui:

Vigilância e controle das doenças transmissíveis;


Vigilância das doenças e agravos não transmissíveis;
Vigilância da situação de saúde;
Vigilância ambiental em saúde;
Vigilância da saúde do trabalhador;
Vigilância sanitária.

Antes da criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e


do Sistema Único de Saúde (SUS), na década de 1980, a cisão, do ponto de
vista político e organizacional, estava bem estabelecida: de um lado, sob a
responsabilidade do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS), estavam as ações de assistência à saúde
individual, e do outro, sob o comando do Ministério da Saúde, encontravam-
se as ações de natureza coletiva vinculadas, essencialmente, a vigilância,
prevenção e controle das doenças transmissíveis.
Após a criação do SUS, o planejamento e a execução de um e outro conjunto
de ações passaram a ter um comando único em cada nível de governo,
favorecendo a formulação de políticas de saúde mais efetivas. Além disso,
esse processo tomou como princípios e diretrizes a universalização do acesso,
a descentralização e a integralidade das ações e o controle social. Não
obstante, os avanços obtidos, principalmente na organização dos serviços
assistenciais, a dicotomia e a fragmentação das ações persistiram por longo
tempo, mesmo sob um único comando.
Ocorre, então, a adequação do sistema de vigilância com a nova visão do
processo saúde-doença, em que se pode pensar na assistência em saúde não só
como tratamento e/ou cura de doenças, mas também como um produto de 2
momentos articulados que podem e devem ser distinguidos: ações suscitadas
pela presença da doença em razão de condições de “risco” epidemiológico e
da vulnerabilidade de certos grupos; ações referentes à qualidade de vida, sem
considerar apenas a eliminação de doenças ou mesmo a prevenção delas, mas
uma ideia mais ampla que engloba a questão da promoção da saúde. É
justamente nessa articulação que age a vigilância em saúde.

2. Componentes e ações da vigilância em saúde

Figura 1 - Evolução das formas de vigilância em saúde no Brasil

Sob a ótica estrutural, pode-se falar no resultado de um processo histórico, no


âmbito federal, iniciado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI),
do qual participaram instituições de saúde e de ensino e pesquisa. A Secretaria
de Vigilância em Saúde (SVS), criada em 2003, congrega tradicionais campos
de atuação e agrega novos. Além da vigilância epidemiológica de doenças
transmissíveis, a SVS incorporou as vigilâncias em saúde ambiental, saúde do
trabalhador, das doenças e agravos não transmissíveis, análise de situação de
saúde e a promoção da saúde (Figura 2). Competem à Secretaria a formulação
de políticas e o aprimoramento e a elaboração de sistemas de informação
dessas áreas (Brasil, 2010b).
Figura 2 - Ações desenvolvidas pela Secretaria de Vigilância em Saúde
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2010.

Dica
Os componentes concretos da vigilância em saúde são Vigilância
Epidemiológica, Vigilância da Situação de Saúde, Vigilância em Saúde
Ambiental, Vigilância em Saúde do Trabalhador e Vigilância Sanitária.

Existem várias atividades relacionadas a cada um desses componentes


principais (Tabela 1). Deve-se ressaltar que esses componentes não devem
agir isoladamente. Muitas vezes, a existência da articulação entre eles auxilia
na promoção de um trabalho mais integral à população. Em situações de
surtos ou epidemias de fonte alimentar, é comum observar a Vigilância
Epidemiológica trabalhar lado a lado com a Sanitária, a fim de esclarecer esse
processo.

Importante
Um aspecto fundamental da vigilância em saúde é o cuidado integral com a
saúde das pessoas por meio da “promoção da saúde”, que objetiva
promover a qualidade de vida, criando condições para reduzir a
vulnerabilidade e os riscos à saúde da população, relacionados aos seus
determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho,
habitação, ambiente, educação, lazer, cultura e acesso a bens e serviços
essenciais.
As ações específicas da vigilância em saúde são voltadas para alimentação
saudável, prática corpórea/atividade física, prevenção e controle do
tabagismo, redução da morbimortalidade em decorrência do uso de álcool e
outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito,
prevenção da violência e estímulo à cultura da paz, além da promoção do
desenvolvimento sustentável.
No início de 2003, como parte das medidas de reestruturação do Ministério da
Saúde, foi criada a SVS, após a extinção de 3 secretarias cujas atribuições
foram redistribuídas entre as 5 que as substituíram, o que visava reduzir a
fragmentação das ações e conferir maior organicidade à atuação do referido
órgão. As atribuições das novas estruturas foram regulamentadas pelo Decreto
nº 4.726, de 09.06.2003, que estabeleceu a nova Estrutura Regimental Básica
(Brasil, 2003).
A partir de então, a coordenação das atividades de vigilância epidemiológica e
de controle de doenças, anteriormente sob responsabilidade do CENEPI da
Fundação Nacional de Saúde (Sinete/Funasa), foi transferida para a nova
estrutura, vinculada à administração direta do Ministério da Saúde (Figura 3).
Essa nova estrutura reuniu todas as secretarias responsáveis pelos
componentes básicos da vigilância, permitindo maior flexibilidade e
articulação entre eles (Brasil, 2006).

Figura 3 - Organização da Secretaria de Vigilância em Saúde Fonte: adaptado de Ministério da


Saúde, 2006.

A nova denominação adotada – vigilância em saúde – e o fato de a SVS


localizar-se formalmente no mesmo nível organizacional da estrutura
responsável pela área de Assistência à Saúde são indícios do desejo de
superação das dicotomias entre preventivo e curativo e entre individual e
coletivo, e das fragmentações entre práticas que dificultam a construção da
integralidade do modelo assistencial vigente.
Tema frequente de prova
A reestruturação dos órgãos governamentais voltados à vigilância em
saúde, em 2003, é tema encontrado com frequência nos concursos médicos.

Com a criação da SVS, todas as ações de vigilância, prevenção e controle de


doenças, além da promoção à saúde, passaram a se reunir numa única
estrutura do Ministério da Saúde, responsável pela coordenação nacional de
todas as ações executadas pelo SUS, nas áreas de vigilância epidemiológica
de doenças transmissíveis e não transmissíveis, dos programas de prevenção e
controle de doenças, de vigilância em saúde ambiental, informações
epidemiológicas e análise de situação de saúde. Essas responsabilidades são
compartilhadas, segundo as atribuições de cada esfera de governo, com os
gestores estaduais e municipais (Brasil, 2006).
A descentralização das ações de vigilância em saúde para estados e
municípios concretizou um marco dessa área a partir de 1999, quando foi
publicada a Portaria nº 1.399 (Brasil, 1999). A partir do ano 2000, todas as 27
Unidades Federativas foram certificadas para a gestão da vigilância em saúde
e passaram a receber recursos por intermédio do Fundo Nacional de Saúde de
forma regular e automática. Posteriormente, essa Portaria foi atualizada pela
Portaria nº 1.172, de 15 de junho de 2004 (Brasil, 2004).
Em 2009, houve a necessidade de rever a normativa da vigilância em saúde,
tendo em vista o Pacto pela Saúde, o processo de planejamento do SUS e a
definição de estratégias de integração da Vigilância com a Assistência à
Saúde, em especial com a Atenção Primária. Com o objetivo de potencializar
o processo de descentralização, fortalecendo estados, municípios e Distrito
Federal, foi publicada a Portaria GAB/MS nº 3.252, de dezembro de 2009,
que aprova as diretrizes para a execução e o financiamento das ações de
vigilância em saúde pelas 3 esferas de gestão do SUS (Brasil, 2009a). Ela
estabelece o Piso Fixo de Vigilância e Promoção da Saúde como a principal
fonte de financiamento das ações de vigilância em saúde. Esse piso compõe-
se de um valor per capita estabelecido com base na estratificação, população
e área territorial de cada Unidade Federativa. As transferências são realizadas
de forma regular, da União para estados, municípios e Distrito Federal. A
Portaria nº 3.252 cria ainda o Piso Variável de Vigilância e Promoção da
Saúde, constituído por incentivo específico, por adesão ou indicação
epidemiológica, conforme normatização específica (Saúde, 2011).

3. Vigilância Epidemiológica
A - Conceitos e propósitos

Vigilância pode ser entendida como a observação contínua da distribuição e


das tendências da incidência de doenças mediante a coleta sistemática,
consolidação e avaliação de informes de morbidade e mortalidade, assim
como de outros dados relevantes, e a regulação da disseminação dessas
informações a todos os que necessitam conhecê-la (Langmuir, 1971).

Importante
A Vigilância Epidemiológica refere-se a um conjunto de atividades que
proporciona a obtenção de informações fundamentais para o conhecimento
e a detecção ou a prevenção de qualquer mudança que possa ocorrer nos
fatores que determinam e condicionam o processo saúde-doença, em nível
individual ou coletivo, com o objetivo de recomendar e adotar de forma
oportuna as medidas de prevenção e controle dos agravos. Portanto, pode
ser entendida como a obtenção de informação para a ação (Fischmann,
1994; Alvanha et al., 2001).

Originalmente impregnadas pelo conceito de polícia médica vigente no século


XVIII, as ações de controle de doenças estavam limitadas à vigilância de
pessoas, com medidas de isolamento e quarentena aplicadas individualmente,
e não de forma coletiva. Posteriormente, diante da intensificação do
intercâmbio comercial entre os países, surgiu a necessidade de instituir ações
efetivas de caráter coletivo, como a vacinação, o controle de vetores e o
saneamento ambiental (Gaze; Perez, 2009).

Dica
As ações de vigilância epidemiológica aplicam-se, em geral, às doenças
transmissíveis, mas podem ser estendidas às doenças não transmissíveis
(anomalias congênitas, desnutrição, doenças crônico-degenerativas etc.) e a
outros agravos (acidentes e violências).

Pereira (2002) explica que é a forma mais tradicional da utilização da


Epidemiologia nos serviços de saúde, constituindo-se num instrumento
importante para o planejamento, a organização e a operacionalização destes,
além de subsidiar as normatizações das atividades técnicas correlatas
(Waldman; Mello Jorge, 1998; Alvanha et al., 2001).
Segundo o Ministério da Saúde, as competências de cada um dos níveis do
sistema de saúde (municipal, estadual e federal) abarcam todo o espectro das
funções de vigilância epidemiológica, porém, com graus de especificidade
variáveis. As ações executivas são inerentes ao nível municipal, e seu
exercício exige conhecimento analítico da situação de saúde local. Aos níveis
nacional e estadual cabe conduzir ações de caráter estratégico, de
coordenação em seu âmbito de ação e de longo alcance, além da atuação de
forma complementar ou suplementar aos demais níveis.

B - Bases históricas
No Brasil, a preocupação do Estado com doenças transmissíveis e seu
controle ocorreu, primeiramente, no início do século XX, com a realização de
campanhas sanitárias que buscavam combater, principalmente, doenças que
comprometiam a atividade econômica, como febre amarela, peste e varíola.
Foi na década de 1950 que a expressão “vigilância epidemiológica” foi
aplicada ao controle de doenças transmissíveis; significava, originalmente,
“observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou confirmados de doenças
transmissíveis e de seus contatos”. Em 1963, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) toma partido do assunto, divulgando algumas das principais
ações de vigilância. No Brasil, o desenvolvimento da Vigilância
Epidemiológica como um sistema tem aspectos semelhantes ao entendido
pela OMS (Tabela 2).
A Campanha de Erradicação da Varíola – CEV (1966 a 1973) – é reconhecida
como marco da institucionalização das ações de vigilância no país, tendo
fomentado e apoiado a organização de unidades de Vigilância Epidemiológica
na estrutura das secretarias estaduais de saúde. Tal processo fundamentou a
consolidação de bases técnicas e operacionais que possibilitaram o posterior
desenvolvimento de ações de grande impacto no controle de doenças
evitáveis por imunização. O principal êxito relacionado a esse esforço foi o
controle da poliomielite no Brasil, na década de 1980, que abriu perspectivas
para a erradicação da doença no continente americano, finalmente alcançada
em 1994.
O SUS incorporou o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
(SNVE), definindo a Vigilância Epidemiológica, em seu texto legal (Lei nº
8.080/90), como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a
detecção ou a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos”.

- Evolução conceitual de vigilância

Em 1963, a OMS aponta algumas funções da Vigilância Epidemiológica:


busca de casos, exames complementares, tratamento, investigação
epidemiológica e eliminação de focos; com o Programa de Erradicação da
Varíola (lançado em 1955 e intensificado em 1967), também da OMS, são
salientadas mais 2 importantes funções: a busca de todos os casos e a
aplicação de medidas de controle. Assim, com o tempo, o papel de sistema de
informação que a Vigilância desenvolvia passa a agregar atividades de
controle da doença na população, monitorização, avaliação, pesquisa e
intervenção. A partir de 1968, com a 1ª Assembleia Mundial da Saúde, a
Vigilância passa a englobar o papel de vigiar também outros agravos, além
das doenças transmissíveis.
Posteriormente, a Vigilância assume a característica de se voltar ao aspecto
relacional dos indivíduos com o meio ambiente e com os produtos e serviços
consumidos por eles, ou seja, desenvolve-se a noção de vigilância sanitária.
Logo, não se pode entender como objetivo da Vigilância apenas a mera coleta
de dados e análise das informações, mas também a responsabilidade de
elaborar, com fundamento científico, as bases técnicas que guiarão os serviços
de saúde na elaboração e implementação dos programas de saúde, com a
preocupação de contínua atualização e aprimoramento.

Importante
Cada sistema de vigilância será responsável pelo acompanhamento
contínuo de específicos eventos adversos à saúde, com o objetivo de
estabelecer as bases técnicas e as normas para a elaboração e a
implementação dos respectivos programas de controle.

C - Funções

Importante
A Vigilância Epidemiológica tem como propósito primordial fornecer
orientação técnica permanente para os profissionais de saúde, que têm a
responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de
doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações
atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças e agravos, bem como sobre
os fatores que os condicionam, numa área geográfica ou população
definida.

Subsidiariamente, a Vigilância Epidemiológica constitui-se em importante


instrumento para o planejamento, a organização e a operacionalização dos
serviços de saúde, como também para a normatização de atividades técnicas
correlatas (Brasil, 2009b). O sistema de vigilância epidemiológica produz
informações que funcionam como um mecanismo de alerta constante sobre a
incidência de alguns agravos à saúde. A Tabela 3 apresenta os principais
propósitos da Vigilância Epidemiológica nesse sentido.

Portanto, cabe à Vigilância Epidemiológica fornecer orientação técnica sobre


a execução de ações de controle de doenças e agravos e manter atualizadas as
informações destes últimos. Além disso, as informações fornecidas pelo
sistema de vigilância permitem: planejar ações em saúde, desde promoção da
saúde e prevenção de doenças até a recuperação; organizar a melhor forma de
execução dessas ações; operacionalizar essas ações; normatizar as atividades
técnicas a serem adotadas diante de um agravo.
A operacionalização da Vigilância Epidemiológica compreende um ciclo de
funções específicas e intercomplementares, desenvolvidas de modo contínuo,
permitindo conhecer, a cada momento, o comportamento da doença ou agravo
selecionado como alvo das ações, para que as medidas de intervenção
pertinentes possam ser desencadeadas com oportunidade e eficácia. As
funções da Vigilância Epidemiológica serão explicadas a seguir (Figura 4).
Figura 4 - Funções da Vigilância Epidemiológica
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2009.

D - Coleta de dados

A coleta de dados ocorre em todos os níveis de atuação do sistema de saúde.


O valor da informação (dado analisado) depende da precisão com que o dado
é gerado. Portanto, os responsáveis pela coleta devem ser preparados para
aferir a qualidade do dado obtido. Tratando-se, por exemplo, da notificação de
doenças transmissíveis, são fundamentais a capacitação para o diagnóstico de
casos e a realização de investigações epidemiológicas correspondentes
(Brasil, 2009b).
O propósito básico da coleta de dados é gerar informação, um poderoso
instrumento capaz de subsidiar um processo dinâmico de planejamento,
avaliação, manutenção e aprimoramento das ações desenvolvidas. Para tal,
são importantes a disponibilidade dos dados coletados e sua qualidade.
Assim, a partir de fontes confiáveis, é possível, sem o conhecimento da
totalidade de casos, acompanhar as tendências do agravo com auxílio de
estimativas de subnumeração de casos.

Dica
De acordo com o método de coleta de dados, podemos realizar inquéritos,
levantamentos ou investigações epidemiológicas. Inquéritos são realizados
quando dados são sistematicamente coletados (por telefone, questionários,
face a face, serviços postais), porém o método experimental não é usado.
Inquéritos são, por definição, um estudo transversal. Levantamentos são
estudos realizados com base nos dados existentes nos registros dos serviços
de saúde ou de outras instituições. Normalmente não são estudos
amostrais, pois envolvem toda uma população específica. Investigações
são, por sua vez, um processo de pesquisa de campo realizado a partir dos
casos notificados (suspeitos ou confirmados). O objetivo é identificar a
fonte de infecção e o modo de transmissão, os grupos expostos a maior
risco e os fatores de risco, bem como confirmar o diagnóstico e determinar
as principais características epidemiológicas.

a) Fonte de dados

Dica
Para obter os dados, a Secretaria de Vigilância em Saúde lança mão de
alguns meios, como a notificação compulsória, os prontuários médicos,
atestados de óbito, resultados de exames laboratoriais e dados dos bancos
de sangue, investigação de novos casos de uma doença e epidemias,
inquéritos comunitários, notícias veiculadas pela imprensa, sistemas-
sentinela, e faz uma busca ativa das doenças ou agravos da saúde.
b) Tipos de dados

Dica
Os tipos de dados obtidos incluem dados demográficos, ambientais e
socioeconômicos, dados sobre morbidade e mortalidade, e as notificações
de emergências de saúde pública, surtos e epidemias.
E - Processamento dos dados coletados

Os dados coletados são consolidados segundo as técnicas da Epidemiologia


Descritiva, ou seja, descrevendo as características de pessoa, tempo e espaço,
em tabelas, gráficos, mapas etc., fornecendo, assim, uma visão global do
evento. Dessa forma, é possível avaliar a ocorrência do evento (“quem?”,
“quando?”, “onde?”) e propor associação causal (“por quê?”). Além disso, os
dados permitem o cálculo de indicadores, que serão muito úteis no processo
de comparação da situação atual do evento com a situação do mesmo evento
em anos anteriores e, até mesmo, de estudos epidemiológicos.

F - Análise e interpretação dos dados processados

Uma vez processados, os dados devem ser criteriosamente analisados,


transformando-se, assim, em informação que orientará as ações de controle.

G - Recomendação das medidas de controle

Definir ações que podem ser realizadas para controlar e/ou eliminar e/ou
erradicar o agravo e/ou reduzir os óbitos por esse agravo e/ou reduzir ou
evitar sequelas por esse agravo etc. Ou seja, a partir da informação, é
elaborada a ação que permitirá o desenvolvimento das funções da Vigilância
Epidemiológica: essencialmente, reduzir as taxas de morbimortalidade pelo
agravo em questão.

H - Promoção das ações de controle indicadas

A partir da decisão tomada, é hora de partir para a ação, ou seja, adotar as


medidas consideradas necessárias para o controle do agravo e a quebra da
cadeia de transmissão, considerando-se, também, possíveis ações para
prevenção do agravo no futuro.

I - Avaliação da eficácia e efetividade das medidas


adotadas

Uma vez adotadas as medidas de controle propostas a partir das informações


obtidas dos dados analisados, é necessário estabelecer um período após a
adoção dessas medidas para realizar nova coleta de dados, novo
processamento e nova análise, a fim de observar se as medidas aplicadas
causaram alguma modificação ou controle do agravo em questão, alterando,
assim, as características de ocorrência do evento. Segundo o Ministério da
Saúde, o sistema de vigilância epidemiológica pode ser avaliado por algumas
medidas quantitativas e qualitativas. As medidas quantitativas são a
sensibilidade (capacidade de detectar casos); especificidade (capacidade de
excluir os não casos); representatividade (possibilidade de identificar todos os
subgrupos da população onde ocorrem os casos); oportunidade (agilidade do
fluxo de sistema de informação). Já as medidas qualitativas são a
simplicidade (facilidade de operacionalização e redução de custos);
flexibilidade (capacidade de adaptação do sistema a novas situações
epidemiológicas ou operacionais); aceitabilidade (disposição de indivíduos,
profissionais e organizações participarem e utilizarem o sistema – Brasil,
2009b).

J - Divulgação de informações pertinentes

A divulgação das ações realizadas pela Vigilância Epidemiológica e dos


resultados consequentes a essas ações é o que se chama de retroalimentação
do sistema, um dos pilares para o adequado funcionamento do sistema de
vigilância. Essa retroalimentação consiste no retorno regular de informações
às fontes produtoras de dados, por meio da disseminação periódica de
informes epidemiológicos sobre as situações local, regional, estadual e
nacional. Tal divulgação pode acontecer por meio de boletins oficiais e de
canais da imprensa, principalmente quando se está diante de um surto ou
epidemia, pois é fundamental retornar à população a situação do agravo
ocorrido e se houve ou não o controle desse agravo e, principalmente, o que
fazer para que ele não volte a ser epidemia.
Desse modo, esse conjunto de atividades, que se inicia com a notificação,
deve ser sequencial, bem desenvolvido e dotado de máxima eficiência, a fim
de chegar à modificação e/ou ao controle do evento notificante (Figura 5).
Figura 5 - Sequência de interação entre as funções da Vigilância Epidemiológica

A eficiência do SNVE depende do desenvolvimento harmônico das funções


realizadas nos diferentes níveis (municipal, estadual e federal). Quanto mais
capacitada e eficiente a instância local, mais oportunamente poderão ser
executadas as medidas de controle. Os dados e as informações aí produzidos
serão, também, mais consistentes, possibilitando melhor compreensão dos
quadros sanitários estadual e nacional e, consequentemente, o planejamento
adequado da ação governamental. Nesse contexto, as intervenções oriundas
do nível estadual e, com maior razão, do federal tenderão a tornar-se seletivas,
voltadas para questões emergenciais ou que, pela sua transcendência,
requerem avaliação complexa e abrangente, com participação de especialistas
e centros de referência, inclusive internacionais (Brasil, 2009b).

4. Doenças de notificação compulsória


Também chamadas de doenças de notificação obrigatória, são eventos cuja
ocorrência deve ser notificada obrigatoriamente (por lei) para o órgão de
vigilância epidemiológica vigente. Em todos os países, a lista de doenças de
notificação é periodicamente revisada e atualizada de acordo com as
necessidades locais, podendo haver a inclusão ou a retirada de algumas
doenças. Em cada país, há 1 órgão central que toma essas decisões.

Importante
No Brasil, a determinação de quais doenças devem estar presentes na Lista
Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória é
responsabilidade do Ministério da Saúde. Habitualmente, essa lista
contempla as doenças sujeitas ao Regulamento Sanitário Internacional
(RSI) e doenças que são objetos de vigilância da Organização Mundial da
Saúde que apresentam importância epidemiológica no país. Além disso,
podem fazer parte dessa lista doenças de particular importância para a
saúde pública (que necessitam de investigação epidemiológica ou medidas
de controle imediatas).

A Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória é


obrigatória em todo o território nacional. Estados e municípios podem
acrescentar doenças que apresentam importância epidemiológica em sua
região. A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de
saúde, ou seja, médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários,
biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros, no exercício da profissão, bem
como os responsáveis por organizações ou estabelecimentos públicos e
privados de saúde e de ensino em conformidade com a Lei nº 6.259, de 30 de
outubro de 1975.
O processo de notificação compulsória de doenças no Brasil é vinculado ao
Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que opera por
meio da alimentação de dados coletados a partir de 2 instrumentos
padronizados e específicos: a ficha de investigação epidemiológica (Figura 6)
e a ficha de notificação (Figura 7). As fichas preenchidas são digitadas em um
software específico e compõem um banco de dados com as informações
clínicas e epidemiológicas das doenças da lista nacional.
Figura 6 - Ficha do SINAN para notificação/investigação individual de caso de AIDS, em adultos
Fonte: SINAN-net.

As fichas de investigação epidemiológica são uma espécie de questionário e


seguem uma estrutura com campos abertos e fechados para a descrição de
dados de identificação, clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. Para cada
doença da Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória
existe uma ficha própria com campos específicos.
As fichas de notificação, costumeiramente chamadas de “ficha SINAN”, são
pré-numeradas pelo Ministério da Saúde e enviadas aos demais níveis do
SNVE. Exceto por sua numeração exclusiva, contêm campos idênticos para
qualquer uma das doenças da lista nacional e serão sempre anexadas às fichas
de investigação específicas para cada doença, atribuindo-se, dessa forma, a
numeração da ficha de notificação ao caso suspeito da doença em
investigação.
As fichas preenchidas nos serviços de saúde (Unidades Básicas de Saúde e
hospitais de referência do Subsistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
em Âmbito Hospitalar) são encaminhadas para os demais níveis do sistema de
vigilância, seguindo o fluxo estabelecido. Cabe ressaltar que, no caso dos
hospitais de referência, as fichas são diretamente digitadas no software
SINANweb.
Figura 7 - Ficha do SINAN para notificação de quaisquer das doenças da lista nacional
Fonte: SINAN-net.

A - Critérios para a inclusão de doenças

a) Magnitude

Frequência das doenças na população, ou seja, sua incidência e prevalência e


seus índices de mortalidade e anos potenciais de vida perdidos.

b) Potencial de disseminação

Poder de transmissão da doença, por meio de vetores ou outras fontes,


colocando em risco a saúde da população.

c) Transcendência

Existem 3 formas de expressão: severidade (medida por taxas de letalidade,


internações e sequelas da doença); relevância social (avaliação subjetiva
imputada pela reação da sociedade à doença – medo, indignação, repulsa);
relevância econômica (avaliada por taxas de absenteísmo ao trabalho e às
escolas, pelos custos assistenciais e previdenciários etc.).

d) Vulnerabilidade

Existência de instrumentos específicos de controle e prevenção da doença.

e) Compromisso internacional

Compromisso de um país com as metas mundiais de controle, erradicação e


eliminação de doenças, bem como com medidas que devem ser adotadas
diante de agravos inusitados, sob o risco de se transformarem em pandemias.

f) Epidemias, surtos e agravos inusitados

Situações emergenciais em que é obrigatória a notificação imediata dos casos


suspeitos para delimitar a área de ocorrência e adotar medidas de controle
aplicáveis, visando à quebra da cadeia de transmissão da doença.

B - Lista nacional de doenças de notificação


Em 17 de fevereiro de 2016, o Ministério da Saúde aprovou, pela Portaria nº
204, a definição da Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças,
agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados
em todo o território nacional (Tabela 6), revogando a antiga Portaria nº 1.271,
de 6 de junho de 2014.
Nos seus Art. 1º e 2º, a nova Portaria define a Lista Nacional de Notificação
Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de
saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do seu
anexo; explica ainda que, para fins de notificação compulsória de importância
nacional, serão considerados os seguintes conceitos:

I - Agravo: qualquer dano à integridade física ou mental do indivíduo,


provocado por circunstâncias nocivas, como acidentes, intoxicações por
substâncias químicas, abuso de drogas ou lesões decorrentes de
violências interpessoais, como agressões e maus-tratos e lesão
autoprovocada.
II - Autoridades de saúde: o Ministério da Saúde e as Secretarias de
Saúde dos estados, Distrito Federal e municípios, responsáveis pela
vigilância em saúde em cada esfera de gestão do SUS.
III - Doença: enfermidade ou estado clínico, independentemente de
origem ou fonte, que represente ou possa representar um dano
significativo para os seres humanos.
IV - Epizootia: doença ou morte de animal ou de grupo de animais que
possa apresentar riscos à saúde pública.
V - Evento de Saúde Pública (ESP): situação que pode constituir
potencial ameaça à saúde pública, como a ocorrência de surto ou
epidemia, doença ou agravo de causa desconhecida, alteração no padrão
clínico e epidemiológico das doenças conhecidas, considerando o
potencial de disseminação, a magnitude, a gravidade, a severidade, a
transcendência e a vulnerabilidade, bem como epizootias ou agravos
decorrentes de desastres ou acidentes.
VI - Notificação compulsória: comunicação obrigatória à autoridade de
saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis
pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a
ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de
saúde pública, descritos no anexo da Portaria (Tabela 6), podendo ser
imediata ou semanal.
VII - Notificação Compulsória Imediata (NCI): notificação
compulsória realizada em até 24 horas, a partir do conhecimento da
ocorrência de doença, agravo ou evento de saúde pública, pelo meio de
comunicação mais rápido disponível.
VIII - Notificação Compulsória Semanal (NCS): notificação
compulsória realizada em até 7 dias, a partir do conhecimento da
ocorrência de doença ou agravo.
IX - Notificação compulsória negativa: comunicação semanal
realizada pelo responsável pelo estabelecimento de saúde à autoridade de
saúde, informando que na semana epidemiológica não foram
identificados nenhuma doença, agravo ou evento de saúde pública
constantes da Lista de Notificação Compulsória.
X - Vigilância-sentinela: modelo de vigilância realizado a partir de
estabelecimento de saúde estratégico para a vigilância de morbidade,
mortalidade ou agentes etiológicos de interesse para a saúde pública,
com participação facultativa, segundo norma técnica específica
estabelecida pela SVS/MS.

Segundo o Art. 3º, a notificação compulsória é obrigatória para os médicos,


outros profissionais de saúde ou responsáveis pelos serviços públicos e
privados de saúde, que prestam assistência ao paciente, em conformidade com
o art. 8º da Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.
A notificação compulsória será realizada diante da suspeita ou da confirmação
de doença ou agravo, de acordo com o estabelecido em seu anexo,
observando-se, também, as normas técnicas estabelecidas pela SVS/MS. A
comunicação de doença, agravo ou evento de saúde pública de notificação
compulsória à autoridade de saúde competente também será realizada pelos
responsáveis por estabelecimentos públicos ou privados educacionais, de
cuidado coletivo, além de serviços de hemoterapia, unidades laboratoriais e
instituições de pesquisa.
A comunicação de doença, agravo ou evento de saúde pública de notificação
compulsória pode ser realizada à autoridade de saúde por qualquer cidadão
que deles tenha conhecimento.
A NCI deve ser realizada pelo profissional de saúde ou responsável pelo
serviço assistencial que prestar o primeiro atendimento ao paciente, em até 24
horas desse atendimento, pelo meio mais rápido disponível.
A autoridade de saúde que receber a NCI deverá informar, em até 24 horas
desse recebimento, às demais esferas de gestão do SUS, o conhecimento de
qualquer uma das doenças ou agravos constantes no anexo da Portaria (Tabela
6).
A NCS será feita à Secretaria de Saúde do município do local de atendimento
do paciente com suspeita ou confirmação de doença ou agravo de notificação
compulsória. No Distrito Federal, a notificação será feita à Secretaria de
Saúde do Distrito Federal.
A notificação compulsória, independentemente da forma realizada, também
será registrada em sistema de informação em saúde e seguirá o fluxo de
compartilhamento entre as esferas de gestão do SUS estabelecido pela
SVS/MS.
C - Subnotificação

Ocorre quando o sistema de vigilância não é informado de um caso. Causas


variadas colaboram para a não notificação de casos observados: incerteza do
diagnóstico, questões operacionais, descrença no sistema de vigilância, entre
outras. É muito conhecido, no meio da Saúde, o termo “ponta do iceberg”
(Figura 8) para se referir a uma característica dos dados de notificação, ou
seja, informações de morbidade e mortalidade (especialmente de mortalidade)
representam apenas uma parcela da população (a “ponta do iceberg”): a que
morre ou que chega ao serviço de saúde e tem o seu diagnóstico feito e
registrado corretamente.

Figura 8 - Características da “ponta do iceberg” dos casos conhecidos de doença


Fonte: adaptado de Bases da Saúde Coletiva, 2001.

D - Notificação negativa

Algumas doenças, mesmo na ausência de casos, devem ser notificadas às


autoridades, ao que se denomina notificação negativa. Funciona como um
indicador de eficiência do sistema de informações.

E - Notificação imediata e notificação não imediata

Denominam-se notificações imediatas e não imediatas o que os próprios


nomes dizem, ou seja, respectivamente, notificações feitas no momento da
suspeita diagnóstica (imediata) ou no momento da confirmação diagnóstica
(não imediata). O que define quando realizar um ou outro tipo de notificação
é a rapidez com que a doença pode se espalhar entre as pessoas.

5. Vigilância epidemiológica de agravos não


transmissíveis
Segundo o Ministério da Saúde, nas últimas décadas, as Doenças Crônicas
Não Transmissíveis (DCNTs) passaram a liderar as causas de óbito no país,
ultrapassando as taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias
na década de 1980. Como decorrência da queda da mortalidade e da
fecundidade no país, aumentou o número de idosos, particularmente do grupo
com mais de 80 anos. Nos próximos 20 anos, projeções apontam para a
duplicação da população idosa no Brasil – de 8 para 15%. O Ministério da
Saúde tem desenvolvido várias ações em articulação com diversos setores
governamentais e não governamentais, com o objetivo de promover a
qualidade de vida e prevenir e controlar as DCNTs.

Importante
A Vigilância em Doenças Crônicas Não Transmissíveis reúne o conjunto
de ações que possibilitam conhecer a distribuição, a magnitude e a
tendência dessas doenças e de seus fatores de risco na população,
identificando seus condicionantes sociais, econômicos e ambientais, com o
objetivo de subsidiar o planejamento, a execução e a avaliação da
prevenção e do controle delas. A prevenção e o controle dessas doenças e
dos seus fatores de risco são fundamentais para evitar o crescimento
epidêmico delas e suas consequências nefastas para a qualidade de vida e
para o sistema de saúde no país (Brasil, 2005).

A estruturação da vigilância, do controle e da prevenção de DCNTs no Brasil


insere-se no contexto definido pelo Ministério da Saúde de implementar ações
de intervenção em DCNTs, resultando em investimentos financeiros em
capacitação de recursos humanos, em equipamentos de informática e em
pesquisa epidemiológica contratada junto a centros colaboradores.
Para a vigilância, a Coordenação Nacional para Vigilância de Doenças e
Agravos Não Transmissíveis procurou estabelecer uma estratégia sustentável
centrada nas seguintes ações: monitorização das doenças, vigilância integrada
dos fatores de risco, indução de ações de prevenção e controle e de promoção
à saúde e monitorização e avaliação das intervenções.
A monitorização da morbimortalidade por DCNT é feita de forma contínua e
consta como uma atividade fundamental do sistema de vigilância. Ela é
executada em todos os níveis gestores do sistema, do municipal ao nacional.
A partir dos indicadores pactuados nos Fóruns Regionais de 2004, cada estado
deverá produzir um relatório anual com a descrição e a análise das respectivas
taxas de mortalidade e de morbidade para DCNTs.
A monitorização de fatores de risco é a principal atividade sustentada pelo
sistema de vigilância. Por meio de inquéritos de saúde de diversos formatos, o
Brasil vem constituindo bases de dados que permitem a monitorização
contínua dos fatores de risco para DCNT. A proposta que o Brasil vem
implementando combina grandes inquéritos de fatores de risco de abrangência
nacional com inquéritos locais, em municípios, que possam apreender sobre a
diversidade de realidades locais de nosso país. Também estão sendo
realizados inquéritos com metodologias mais simples e rápidas, como o
Vigitel. Essas medidas são aplicadas em grupos particularmente vulneráveis,
como escolares e idosos, a fim de orientar ou reorientar políticas específicas
de redução de fatores de risco nesses grupos.
O Vigitel tem como objetivo monitorizar a frequência e distribuição de fatores
de risco e proteção para DCNT em todas as capitais dos 26 estados brasileiros
e no Distrito Federal, por meio de entrevistas telefônicas realizadas em
amostras probabilísticas da população adulta residente em domicílios servidos
por linhas fixas de telefone.
A indução das ações de prevenção de DCNT e promoção da saúde constitui
uma das principais atividades da área de Vigilância. A partir da monitorização
contínua da prevalência dos fatores de risco da ocorrência dessas doenças na
população e do impacto econômico e social que elas provocam, é possível
construir uma forte argumentação sobre a necessidade de prevenir DCNTs.
Devem-se mostrar informações e argumentar para convencer os legisladores e
tomadores de decisão de que a prevenção de DCNTs é um investimento de
custo extremamente efetivo.
A monitorização e a avaliação das intervenções também podem ser
consideradas elementos-chave na vigilância das DCNTs. As atividades
atribuídas a essa monitorização permitem retroalimentar os programas e
projetos no sentido de readequar atividades de prevenção e promoção da
saúde.

Resumo
Transição epidemiológica,
demográfica e nutricional
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves

1. Introdução
Neste capítulo, um panorama da situação brasileira será apresentado em 2
aspectos: epidemiológico (frequência de doenças e mortalidade) e
demográfico (perfil da população – idade, fecundidade, entre outros). Estudar
esse panorama é uma possibilidade de compreender não somente o processo
pelo qual passou o perfil de morbimortalidade nesse último século, mas,
sobretudo, de estar preparado para o constante processo de modificação que
continuará a acompanhar a população de maneira variável.
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante o século
passado ainda provocam mudanças importantes no perfil de ocorrência das
doenças na população (Brasil, 2011). As mudanças nos níveis de mortalidade
têm efeito sobre o ritmo de crescimento populacional e afetam
significativamente a composição etária, levando a um processo de
envelhecimento que aumenta o peso relativo da população idosa. Isso
favorece a ocorrência das doenças crônicas e degenerativas, como as
neoplasias e as doenças de aparelho circulatório, e modifica a estrutura de
mortalidade, segundo a causa de óbito (Monteiro, 2000).

Importante
O processo de transição demográfica, com queda nas taxas de fecundidade
e natalidade, e o progressivo aumento na proporção de idosos (diminuição
das taxas de mortalidade) favoreceram o aumento das doenças crônico-
degenerativas (doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, doenças
respiratórias). A transição nutricional, com diminuição expressiva da
desnutrição e aumento do número de pessoas com excesso de peso
(sobrepeso e obesidade), e o aumento dos traumas decorrentes das causas
externas – violências, acidentes e envenenamentos – foram os fatores
responsáveis pelo cenário de mudança que vivenciamos na Epidemiologia
Médica (Brasil, 2011).
Na 1ª metade do século XX, as doenças infecciosas transmissíveis eram as
causas mais frequentes de morte. A partir de 1960, as Doenças e Agravos Não
Transmissíveis (DANTs) passaram a assumir esse papel (Brasil, 2011).
Projeções para as próximas décadas apontam para crescimento epidêmico das
DANTs na maioria dos países em desenvolvimento, em particular das doenças
cardiovasculares, neoplasias e diabetes tipo 2. Essas doenças respondem pelas
maiores taxas de morbimortalidade e por cerca de mais de 70% dos gastos
assistenciais com a saúde no Brasil, com tendência crescente. Assim, o
desenvolvimento de estratégias para o controle das DANTs tornou-se uma das
prioridades para o Sistema Único de Saúde (SUS). A vigilância
epidemiológica das DANTs e dos seus fatores de risco é fundamental para a
implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e ao controle
(Brasil, 2011).

2. Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, ficou claro que o desenvolvimento
econômico produz 2 efeitos sobre a população: a) reduz as taxas de
mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil, em particular, e possibilita o
aumento da esperança de vida da população; b) depois de certo tempo do
início da queda da mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a
cair, provocando a diminuição do tamanho das famílias (Alves; Cavenaghi,
2008).
Esse fenômeno, típico do século XX, foi chamado de “transição
demográfica”. Um ganho inequívoco foi que a expectativa de vida média da
população mundial dobrou em 10 décadas, passando de cerca de 30 anos, em
1900, para mais de 60 anos, em 2000. Nunca, na história, uma melhora das
condições de saúde dessa magnitude havia acontecido. No mesmo período,
um fenômeno social sem precedentes aconteceu com as taxas de fecundidade
do mundo, reduzidas pela metade, passando de menos do que 6 filhos por
mulher, em 1900, para cerca de 2,8 filhos, em 2000 (Alves; Cavenaghi, 2008).
O modelo de transição demográfica mais difundido foi proposto por Warren
Thompson, em 1929. Com relação a este, Vermelho e Monteiro (2009)
explicam que, inicialmente, ocorre a queda de mortalidade, que irá produzir
ganho de vidas humanas em todas as idades, podendo não alterar a estrutura
etária de uma população. O fator decisivo para o envelhecimento de uma
população é a queda da fecundidade, isto é, a diminuição relativa de
contingentes populacionais nas faixas etárias mais jovens e a ampliação da
população nas faixas etárias mais idosas. Assim, são identificados 4 estágios
da transição demográfica (Tabela 1 e Figura 1).

Figura 1 - Etapas da transição demográfica: a linha verde refere-se à taxa de natalidade; a linha
roxa, à taxa de mortalidade e a linha laranja, à população total. O preenchimento azul entre as
linhas verde e roxa resulta no crescimento natural da população
Fonte: Our World in Data.

Existe, atualmente, a discussão sobre uma possível 5ª etapa, em que a


mortalidade superará a natalidade, devido ao alto custo de criar filhos
(principalmente em países desenvolvidos). As famílias, por essa razão, optam
por um número reduzido de filhos (geralmente 1 ou nenhum). Esse fato levará
a população ao crescimento negativo, que será demarcado por maior
proporção de idosos em relação aos jovens, podendo acarretar sérios
problemas para os planos previdenciários de países nessa fase, além de
demandar uma importante reorganização dos serviços de saúde, a fim de
atender às necessidades de saúde de uma população mais idosa.

- Transição demográfica no Brasil

A transição demográfica é um dos fenômenos estruturais populacionais


importantes que têm marcado a economia e a sociedade brasileira desde a 2ª
metade do século passado. Caracteriza-se pela sua universalidade, mas é
fortemente condicionada ao contexto histórico em que se dá nos vários países.
A diferença com relação aos países desenvolvidos e sua semelhança com os
outros em desenvolvimento não esgotam a sua peculiaridade (Brito, 2008).
O notável crescimento da população brasileira a partir da década de 1950, que
ainda se prolongará na 1ª metade do século XXI, mostra com clareza 2 fases
da transição demográfica. A primeira, com um acelerado crescimento
demográfico em função do declínio da mortalidade e da manutenção da
fecundidade em um patamar extremamente alto, até a 2ª metade da década de
1960. E a segunda, quando a fecundidade começa a declinar e o ritmo de
crescimento da população inicia a sua desaceleração (Brito, 2007).
No Brasil, a transição demográfica tem sido muito mais acelerada do que nos
países desenvolvidos, sem se diferenciar, entretanto, do que têm passado
outros países latino-americanos e asiáticos. Um bom indicador tem sido o
rápido declínio da fecundidade. Comparando o Brasil com a França e a Itália,
observa-se um expressivo diferencial nas respectivas taxas de fecundidade
total, já no início do século passado, e, nos 2 países europeus, um declínio
muito mais suave nos 100 anos seguintes, sendo que as suas transições
demográficas já tinham se iniciado no século anterior (Brito, 2007).
Entre os anos 1940 e 1960, o Brasil experimentou um declínio significativo
da mortalidade, com ênfase para o coeficiente de mortalidade infantil a partir
da década de 1970. Pode-se afirmar que esse fenômeno ocorreu de maneira
desigual nas diferentes grandes regiões do país. Nos últimos anos, por
exemplo, notou-se uma queda brusca nesse indicador para as regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste, ao passo que o Norte e o Nordeste ainda mantêm
números elevados.
Segundo o IBGE (1999), essa queda parece ser fortemente dependente do
modelo de intervenção na área das políticas públicas adotado principalmente
nos campos da Medicina Preventiva, Medicina Curativa e de Saneamento
Básico e, mais recentemente, na ampliação dos programas de saúde materno-
infantil, sobretudo os voltados para o pré-natal, parto e puerpério. Além disso,
houve a ampliação da oferta de serviços médico-hospitalares em áreas do país
até então bastante carentes, as campanhas de vacinação e os programas de
aleitamento materno e reidratação oral.
Curiosamente, o mesmo fenômeno não ocorreu com a fecundidade, que se
manteve em níveis bastante altos até a década de 1970 e resultou em uma taxa
de natalidade continuamente elevada, produzindo, assim, uma população
quase estável, jovem e com rápido crescimento (Figura 2). Atualmente, a taxa
de fecundidade está em queda.

Importante
No Brasil, a partir do fim da década de 1960, a redução da fecundidade
(que influencia a natalidade), que se iniciou nos grupos populacionais mais
privilegiados e nas regiões mais desenvolvidas, generalizou-se rapidamente
e desencadeou o processo de transição da estrutura etária, que levará,
provavelmente, a uma nova população quase estável, mas dessa vez com
perfil envelhecido e ritmo de crescimento baixíssimo, talvez negativo
(Carvalho; Rodríguez-Wong, 2008). Uma das principais justificativas para
a queda da taxa de fecundidade é a mudança do perfil do público feminino
perante a sociedade, passando do papel predominantemente de mãe/esposa
ao de parte da classe trabalhadora.

Carvalho e Rodríguez-Wong (2008) explicam que essa transformação implica


a diminuição, em termos relativos (e, às vezes, transitoriamente, em termos
absolutos), da população jovem. No caso do Brasil, a porcentagem de
crianças com menos de 5 anos reduziu-se, entre 1970 e 1990, de 15 para 11%.
A participação do grupo etário de 5 a 9 anos declinou de 14 para 12%. A
proporção de crianças nesses 2 grupos de idade continuou a decrescer,
chegando, em 2000, a tamanhos similares (cada um representava cerca de 9%
da população total). Complementarmente, os grupos mais velhos aumentaram
sua participação: a população de 65 anos ou mais, por exemplo, aumentou de
3,1%, em 1970, para 5,5%, em 2000.

Dica
É frequente que as provas de concursos médicos cobrem a tendência dos
principais indicadores demográficos do Brasil. De modo geral, deve-se
ressaltar que a transição demográfica ocorre devido a um aumento da
esperança de vida, do índice de envelhecimento e da população urbana, e
diminuição da taxa de fecundidade, taxa de natalidade e taxas de
mortalidade. Um indicador paradoxal com a transição demográfica do
Brasil, também frequente em provas, é o aumento da gravidez na
adolescência.

Figura 2 - Taxas brutas de natalidade, mortalidade e crescimento populacional. A chave vermelha


representa ponto de elevado crescimento populacional
Fonte: adaptado de Alves, 2008.

Tema frequente de prova


A progressão da estrutura etária no Brasil, com a passagem de um tipo de
pirâmide para outro (pirâmide invertida), é um tema frequente nos
concursos médicos.

Segundo Brito (2007), as modificações na estrutura etária do Brasil têm sido


notáveis, indicando uma aceleração do envelhecimento da população. As
pirâmides etárias, entre 1980 e 2050, mostram, no século XXI, cada vez mais,
a sua passagem de uma forma típica de um país com forte predominância de
sua população jovem (pirâmide com base larga e ápice estreito) para um novo
formato, semelhante ao dos países hoje desenvolvidos, onde a proporção de
idosos tende a superar a dos jovens (base estreitada e ápice alargado). Em um
retrato atual, esse fenômeno já pode ser visto de maneira bem mais clara
(Figura 3).
Figura 3 - Distribuição etária relativa para o Brasil
Fonte: adaptado de IBGE, 2010.

Os resultados do Censo 2010 indicaram o total de 190.732.694 pessoas para a


população brasileira em 1º de agosto, data de referência. Em comparação com
o Censo 2000, houve aumento de 20.933.524 pessoas. Esse número
demonstra que o crescimento da população brasileira no período foi de
12,3%, inferior ao observado na década anterior (15,6% entre 1991 e 2000).
Esse censo mostra, também, que a população é mais urbanizada do que há 10
anos: em 2000, 81% dos brasileiros viviam em áreas urbanas, ao passo que
agora são 84% (IBGE, 2010).
A relação entre os sexos também se modificou, uma vez que existem agora
95,9 homens para cada 100 mulheres, ou seja, existem 3,9 milhões de
mulheres a mais do que homens no Brasil. Em 2000, para cada 100 mulheres,
havia 96,9 homens. A população brasileira é composta por 97.342.162
mulheres e 93.390.532 homens. A expectativa de vida para ambos os sexos
subiu de 70 anos, em 1999, para 73,1 anos, em 2010 (IBGE, 2010).
Figura 4 - Pirâmide etária da população brasileira
Fonte: adaptado do Censo 2010. Distribuição da população por sexo, segundo grupos de idade Brasil
- 2010.

Dica
A estrutura etária atual é marcada por grande proporção de mulheres em
idade reprodutiva, o que favorece o crescimento populacional, apesar dos
baixos níveis de fecundidade atualmente prevalentes (Rodríguez-Wong;
Carvalho, 2006). Devido a isso, ainda se deve esperar um crescimento
expressivo da população brasileira nas próximas décadas, em razão dos
efeitos da fecundidade passada sobre a estrutura etária da população (Brito,
2007).

As projeções para 2050 indicam que a população brasileira será de 253


milhões de habitantes, a 5ª maior do planeta, abaixo apenas da Índia, da
China, dos Estados Unidos e da Indonésia. Da década de 1970 até a atual, a
população brasileira ainda está inserida em seu grande ciclo de crescimento
absoluto, com acréscimos médios anuais superiores a 2,5 milhões de
habitantes. Na próxima década, esses acréscimos serão ainda superiores a 2
milhões. Contudo, como previsto, as taxas de crescimento têm-se reduzido
nesse mesmo período, e espera-se que, na última década da 1ª metade desse
século, ou seja, entre 2040 e 2050, essa taxa seja menor do que 0,5% ao ano e,
na década seguinte, em torno de zero (Brito, 2007).
Importante
A transição demográfica é um dos principais fatores que acarretam a
transição epidemiológica, o que significa que o perfil de doenças da
população muda de modo radical, pois se deve aprender a controlar
primordialmente as doenças do idoso. Em um país essencialmente jovem,
as doenças são caracterizadas por eventos causados por moléstias
infectocontagiosas, cujo modelo de resolução se baseia no dualismo cura-
morte. O perfil de doenças no idoso muda para o padrão de doenças
crônicas.

Nessa situação de transição demográfica, devemos considerar a possibilidade


de compensação/não compensação. O modelo de não compensação da doença
crônica inclui maior disfunção, dependência e quedas em relação ao de
compensação (Nasri, 2008).

3. Transição epidemiológica
Entendem-se por transição epidemiológica as mudanças ocorridas no tempo,
nos padrões de morte, na morbidade e na invalidez que caracterizam uma
população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras
transformações demográficas, sociais e econômicas (Santos-Preciado et al.,
2003; Schramm et al., 2004). Essa transição pode ser dividida em 4 principais
estágios, com um 5º em potencial (Vermelho; Monteiro, 2009), conforme
demonstrado na Tabela 2.
Sob a óptica de um dos modelos de transição epidemiológica corrente, a
chamada “transição clássica das sociedades ocidentais”, durante os últimos
200 a 300 anos, os primeiros 4 estágios ocorreram quase sequencialmente nas
sociedades do Ocidente, com apenas pequenas superposições (Vermelho;
Monteiro, 2009).
Segundo Schramm et al. (2004), o processo pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por doenças não
transmissíveis e causas externas; deslocamento da carga de morbimortalidade
dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; transformação de uma
situação em que predomina a mortalidade para outra na qual a morbidade é
dominante.

Importante
A definição da transição epidemiológica deve ser considerada componente
de um conceito mais amplo, chamado transição da saúde, que inclui
elementos das concepções e dos comportamentos sociais, correspondentes
aos aspectos básicos da saúde nas populações humanas.

Muitos epidemiologistas compactuam com a ideia de que existe uma


correlação direta entre os processos de transição epidemiológica e
demográfica. Sabe-se que, inicialmente, o declínio da mortalidade se
concentra seletivamente entre as doenças infecciosas e tende a beneficiar os
grupos mais jovens da população, que passam a conviver com fatores de risco
associados às doenças crônico-degenerativas. À medida que cresce o número
de idosos e aumenta a expectativa de vida, as doenças não transmissíveis
tornam-se mais frequentes (Chaimowicz, 1997; Schramm et al., 2004).

- Transição epidemiológica no Brasil

No Brasil, a transição epidemiológica não tem ocorrido de acordo com o


modelo experimentado pela maioria dos países industrializados, nem mesmo
por vizinhos latino-americanos como Chile, Cuba e Costa Rica.

Importante
Há superposição entre as etapas nas quais predominam as doenças
transmissíveis e crônico-degenerativas. A reintrodução de doenças como
dengue e cólera ou o recrudescimento de outras como a malária, a
hanseníase e as leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional
denominada contratransição. O processo não se resolve de maneira clara,
criando uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada.

Schramm et al. (2004) acrescentam que o envelhecimento rápido da


população brasileira a partir da década de 1960 fez que a sociedade deparasse
com um tipo de demanda por serviços médicos e sociais outrora restrito aos
países industrializados. O Estado, ainda às voltas em estabelecer o controle
das doenças transmissíveis e a redução da mortalidade infantil, não foi capaz
de desenvolver e aplicar estratégias para a efetiva prevenção e o tratamento
das doenças crônico-degenerativas e suas complicações, levando à perda de
autonomia e qualidade de vida (Chaimowicz, 1997).
A mortalidade por causas é o indicador que melhor caracteriza a transição
epidemiológica, embora sejam de importância as abordagens por idade e por
sexo. No Brasil, observando-se a evolução da mortalidade proporcional pelas
principais causas, pode-se ter ideia da mudança na estrutura de mortalidade
ocorrida entre 1930 e 2000 (Vermelho; Monteiro, 2009). Repare, sobretudo,
que o comportamento das doenças infecciosas e parasitárias tem mudado ao
longo das décadas, em decorrência do avanço técnico na área de Saúde, de
medidas de controle do meio ambiente e progressos na assistência à saúde. Já
as doenças crônico-degenerativas se destacam, e as doenças do aparelho
circulatório representam, desde a década de 1990, mais de 30% de todos os
óbitos (Figura 5).
Em 1980, a principal causa de morte era a decorrente de doenças do aparelho
circulatório, o que permaneceu em 2000. Dentre os 10 principais grupos de
causas, foram observadas algumas mudanças significativas no ranking entre
1980 e 2000. Uma dessas alterações é o aumento da participação das
neoplasias. Em 1980, essa causa correspondia ao 5º lugar, passando ao 3º
lugar em 2000. Outras mudanças importantes foram o aumento das mortes
por doenças do aparelho respiratório e a redução das infecciosas e parasitárias
(Brasil, 2005 – Tabela 3).

Figura 5 - Mortalidade proporcional por causas no Brasil, entre 1930 e 2009


Fonte: adaptado de Silva et al., 2003.

Em 2008, quase 60% dos óbitos estavam concentrados em causas


relacionadas com o aparelho circulatório, neoplasias e aparelho respiratório.
Causas infecciosas e parasitárias e afecções perinatais representaram, no
mesmo ano, 7,4%, o que corresponde à redução percentual de 64% em
relação a 1980. Afora as 9 maiores causas de óbitos definidas, os demais
capítulos da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)
representam apenas 5,1% do total. As causas externas continuam a
representar uma importante causa de óbitos no Brasil, com aumento
expressivo de participação de algumas regiões específicas (Tabela 4).
Com relação à idade, a mortalidade proporcional em menores de 1 ano, que
representava, em 1980, cerca de 25% de todos os óbitos, em 2008 caiu para
menos de 5%, enquanto nas idades a partir de 80 anos passou de 10% para
mais de 30%. Para Vermelho e Monteiro (2009), as diferenças regionais
importantes devem ser consideradas como efeitos das crises econômicas e
sociais vividas pela população de cada região brasileira e mesmo em cada
estado e município.
Para o Brasil e todas as regiões, é evidente um pico de mortalidade entre os
homens de idades entre 20 e 29 anos que não é observado entre as mulheres.
Em 2008, os óbitos masculinos nessa faixa etária corresponderam a 7,2% do
total de óbitos de homens no Brasil: 5,8% na região Sudeste, 6,1% na região
Sul, 8,5% na região Centro-Oeste, 9% na região Nordeste e 11% na região
Norte (Brasil, 2010). Esse excesso de mortalidade entre os homens jovens
pode ser atribuído, em grande parte, aos óbitos por causas externas, que
incluem aqueles por violências e acidentes.
A substituição do padrão epidemiológico, por meio da diminuição das mortes
por doenças infecciosas, que determinou quedas drásticas dos coeficientes de
mortalidade por todas as causas, pelo padrão de morte de doenças
cardiovasculares significou ganho de anos de vida potenciais que persistem.
No entanto, para os jovens e adultos do sexo masculino, a transição não
ocorreu da mesma forma, e as grandes epidemias de doenças infecciosas e
parasitárias foram ao longo do tempo substituídas por outras, como a
violência, responsável por grande perda de vida na atualidade (Vermelho;
Monteiro, 2009).

Tema frequente de prova


A mudança do padrão epidemiológico no Brasil, com a consequente queda
das taxas de mortalidade, é tema frequente nos concursos médicos. É
comum que os concursos cobrem que a transição epidemiológica do Brasil
foi e está sendo diferente dos demais países, e tem sido definida como
tripla carga de doenças; ou seja, (1) uma agenda não concluída de
infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; (2) o desafio das
doenças crônicas e de seus fatores de riscos, como o tabagismo, o
sobrepeso, a obesidade, a inatividade física, o estresse e a alimentação
inadequada; (3) o forte crescimento das causas externas (Mendes, 2010).
Guarde bem esse conceito de tripla carga de doenças.

4. Transição nutricional
Tanto o Brasil quanto diversos países da América Latina estão
experimentando, nos últimos 20 anos, uma transição nutricional que
acompanha as transições demográfica e epidemiológica. Chama atenção o
marcante aumento na prevalência de obesidade nos diversos subgrupos
populacionais para quase todos os países latino-americanos. Assim, a
obesidade se consolidou como agravo nutricional associado à alta incidência
de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, influenciando sobremaneira o
perfil de morbimortalidade das populações.
Estudos confirmam a magnitude crescente da obesidade em crianças,
adolescentes, adultos e mulheres em idade reprodutiva. Os determinantes são
o estilo de vida sedentário e o consumo de dietas inadequadas. A obesidade
deixou de ser um problema presente apenas nos países desenvolvidos,
passando a afetar cada vez mais os grupos populacionais menos favorecidos;
assim, passa a demandar intervenções e apoio governamental para a
implementação de ações claras para a promoção da saúde física, do controle
do peso e da ingesta de alimentos saudáveis.

Resumo
Introdução
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante
o século passado ainda provocam mudanças importantes no perfil
de ocorrência das doenças na população. Os estudiosos da
Epidemiologia acreditam que essa mudança esteja intrincada com
outros processos, sendo a modificação do perfil demográfico da
população e a evolução da Medicina diagnóstica e terapêutica os
melhores exemplos.
Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, foi ficando claro que o
desenvolvimento econômico produz 2 efeitos sobre a população: a)
reduz as taxas de mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil em
particular, e possibilita o aumento da esperança de vida da
população; b) depois de certo tempo do início da queda da
mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a cair,
provocando a diminuição do tamanho das famílias.
Transição demográfica no Brasil
A transição demográfica, no Brasil, tem sido muito mais acelerada
do que nos países desenvolvidos, sem se diferenciar, entretanto, do
que têm passado outros países latino-americanos e asiáticos. Entre
1940 e 1960, o Brasil experimentou um declínio significativo da
mortalidade, com ênfase para o coeficiente de mortalidade infantil a
partir da década de 1970. Pode-se afirmar que esse fenômeno
ocorreu de maneira desigual nas diferentes grandes regiões do país.
Nos últimos anos, por exemplo, notou-se uma queda brusca nesse
indicador para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, ao passo que
o Norte e o Nordeste ainda mantêm concentrações
significativamente elevadas.
Transição epidemiológica
O processo de transição epidemiológica pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por
doenças não transmissíveis e causas externas; deslocamento da
carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais
idosos; transformação de uma situação em que predomina a
mortalidade para outra na qual a morbidade é dominante.
Transição epidemiológica no Brasil
No Brasil, a transição epidemiológica não tem ocorrido de acordo
com o modelo experimentado pela maioria dos países
industrializados, nem mesmo por vizinhos latino-americanos, como
Chile, Cuba e Costa Rica. Há uma superposição entre as etapas nas
quais predominam as doenças transmissíveis e crônico-
degenerativas; a reintrodução de doenças como dengue e cólera ou
o recrudescimento de outras como a malária, a hanseníase e as
leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional denominada
contratransição; o processo não se resolve de maneira clara, criando
uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada; as
situações epidemiológicas de diferentes regiões em um mesmo país
tornam-se contrastantes. Atualmente, o Brasil sofre a chamada
tripla carga de doenças, caracterizada por: (1) agenda não concluída
de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; (2) o
desafio das doenças crônicas e de seus fatores de risco, como o
tabagismo, o sobrepeso, a obesidade, a inatividade física, o estresse
e a alimentação inadequada; (3) o forte crescimento das causas
externas.

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