Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Prática e Formação:
Psicólogos na Peritagem
em Porte de Arma de Fogo
Universidade Federal
do Espírito Santo
http://dx.doi.org/10.1590/1982-370301472013
Artigo
Abstract: Of study, practice, and training, the various challenges faced by psychologists working
in this area have been discussed. However, discussion of the practice and skills of professionals
working in the licensing of firearm usage is unusual. In order to improve understanding of
these activities and this study, we interviewed 14 psychologists acting as experts in licensing
the possession of firearms in a southeastern state of Brazil. All subjects were female aged
30–60 years (M = 39.1 years; SD = 7.1 years). The results indicate that a lack of training in
expertise in possession of a firearm as well as a training deficit in Psychological Assessment
may lead to negative perceptions within this context of action. Bureaucratic and documentary
concerns surrounding this assessment, the lack of parameters to evaluate candidate profiles,
and the problem of discredit of psychologists as evaluators emerged as key themes, leading to
a discussion of the role of training in the dissemination of best practices.
Keywords: Psychological assessement. Professional ethics. Psychological tests. Firearms.
que atuam em Brasília como funcionários em seu nono subscrito, que é um requisito
da própria Polícia Federal. para ser credenciado como psicólogo perito
possuir o título de Psicólogo e estar em dia
Olha, se não me engano, em torno de com anuidade no Conselho de sua região.
2 anos. A gente já solicitou em 2007, Explicita, também, a necessidade de mínimo
2008, mas até que a psicóloga de Bra- de três anos de exercício profissional e prática
sília viesse e isso é sempre muito demo-
comprovada ou a posse de certificados de
rado, a gente só conseguiu agora em
2011, por aí. (Participante 08, 10 anos
cursos nos testes a serem utilizados. Na alínea
de formação) 9.3 é informado ainda que o credenciamento
é valido por 2 anos, podendo ser renovado
Foi no início do ano passado (2011) por igual período após fiscalização em loco.
quando eles estiveram aqui no estado.
Então na prática aqui na clínica tam- Pois é. Perita para fazer avaliação psi-
bém faço avaliação para porte de arma. cológica, né? Porque você tem que
Quando eles estiveram aqui ano pas- estar inscrito na Polícia Federal, não
sado no estado eu já tinha toda a docu- tem nenhum título, tipo assim, você
mentação, eu já tinha o tempo mínimo não faz nenhum curso pra isso. (Parti-
de formada, os cursos que eles pediram, cipante 03, 19 anos de formação)
e aí quando eles vieram eu encaminhei
a documentação, fiz a inscrição, aí eles Eu sou credenciada para fazer avalia-
estiveram na clínica, fizeram fiscaliza- ções para porte de arma, mas não sou
ção, entrevista e foi liberada a atuação. perita nisso, porque não tem um curso
(Participante 13, 19 anos de formação) específico para isso. (Participante 04,
18 anos de formação)
As entrevistadas também frisaram a não-com-
patibilidade do nome utilizado para os pro- Quanto ao processo de aquisição da certifica-
fissionais atuantes na área, “Peritos em Porte ção, 12 profissionais entrevistadas citaram a
de Arma de Fogo”, uma vez que não existe necessidade de encaminhar uma documenta-
uma formação a ser realizada para capacitar ção para a Polícia Federal e cinco apontaram
os psicólogos inscritos, seja promovida pelo a necessidade de serem entrevistada pelos
Conselho Federal de Psicologia (CFP) ou pela psicólogos da própria Polícia. Houve, também,
Polícia Federal (PF). Como promulgado na a necessidade de comprovar a existência de
Resolução do CFP no 013/2007. Para a aqui- um local para realização das atividades de
sição do título de Especialista é necessário avaliação psicológica e o conhecimento prévio
possuir o curso de formação da especialidade dos testes psicológicos a serem realizados por
desejada em instituição cadastrada com meio da apresentação de diplomas de cursos
carga horária superior a 500 horas, tempo de formação, apontada por sete participantes.
mínimo de 2 anos de inscrição no Conselho Nenhuma das entrevistadas citou a necessidade
Regional de sua localidade e a aprovação de algum teste psicológico específico exigido,
no concurso aberto para a especialidade frisando somente que devem ser aplicados um
requisitada. Diferentemente do realizado pela teste de atenção, um teste de personalidade
Polícia Federal, na Avaliação Psicológica em e um teste de inteligência/raciocínio. Quatro
contexto de Trânsito, o Conselho Nacional participantes citaram ainda que receberam
um convite para realizar o credenciamento
de Trânsito (CONTRAN) assegura a neces-
na Polícia Federal, ainda no início da atuação
sidade do credenciamento de profissionais
do órgão no cadastro de psicológicos. Outras
psicólogos peritos pelos respectivos órgãos
duas participantes declararam conhecer fun-
de trânsito estaduais e institui a necessidade
cionários da Polícia Federal e terem recebido
do Título de Especialista em Psicologia do
a notícia do cadastramento para porte de arma
Trânsito reconhecido pelo CFP para legitimar
de fogo por meio destes.
a atuação (Dagostin, 2006).
Para você ter o registro da Polícia Fede-
A Ordem de Serviço no 001/2004 do Minis- ral, você tem que entrar no site e tem lá
tério da Justiça e da Polícia Federal institui, todas as informações. Eu fiz da seguinte
para a concessão do porte de arma de fogo os instrumentos citados nos estudos prévios
antes de ser considerado desfavorável para e neste como os mais conhecidos e usados
o uso profissional em julho de 2012 pelo são ferramentas antigas que, em sua maioria,
SATEPSI, tendo sido lembrado por 13 das não possuem recursos atualizados no que
profissionais entrevistadas. Em seguida, como tange à validade e fidedignidade.
segundo instrumento mais citado, com 12
menções, figura o Palográfico (Editora Vetor), Com relação à entrevista, instrumento obri-
como uma opção para a substituição do PMK, gatório na avaliação para porte de arma de
uma vez que ambos representam instrumen- fogo conforme Ordem de Serviço no 001/2004
tos expressivos. Em terceiro lugar, os testes emitida pelo Ministério da Justiça e a Polícia
Zulliger (Casa do Psicólogo) e o Pfister (Casa Federal, esta conta com um questionário
do Psicólogo), ambos com oito menções. O específico, proposto pela própria comissão
teste IFP (Casa do Psicólogo), atualmente da Polícia Federal. Com relação ao formulário
desfavorável para comercialização e uso, de perguntas elaborado pela Polícia Federal,
foi citado por cinco participantes. Os testes duas psicólogas explicitaram que este contém
de personalidade menos lembrados foram o frases a serem completadas. Uma psicóloga
HTP (três menções), Quati (duas menções), pontuou, ainda, que a entrevista fornecida
TAT, CPS, Staxi e EFN, todos com apenas é superficial, sendo necessários aprofunda-
uma menção. mentos e uso de outros instrumentos para
melhor avaliar o candidato em questão. A
É possível notar uma diferenciação no uso dos afirmação anterior representa o que chama-
instrumentos em relação aos últimos 10 anos. mos de validade clínica, em que o conjunto
Em pesquisa publicada em 2003, Noronha, das informações obtidas sobre o sujeito no
Beraldo e Oliveira elaboraram uma listagem processo de avaliação, pelos procedimentos
com os instrumentos mais conhecidos por e instrumentos utilizados, dizem respeito a
52 profissionais de Psicologia, na qual o ele independente do contexto em que se
PMK figura como 19º, conhecido por 41 encaixam (Tavares, 2003).
profissionais e o Palográfico como 40º,
conhecido por 24 profissionais, sendo que Para sete profissionais entrevistadas, o prin-
o teste Pfister sequer figura na listagem. O cipal ponto a ser abordado na entrevista é a
teste Zulliger figura como o 3º na listagem, necessidade do conhecimento da motivação
lembrado por 48 dos 52 profissionais. para o porte de arma para o candidato e
Entretanto, os principais instrumentos sua relação anterior com armas de fogo.
apresentados pelos autores em 2003 não Quatro psicólogas citaram a importância
permanecem na lista de testes psicológicos de se verificar o histórico do candidato ao
aprovados para uso do SATEPSI atualmente, porte com outros armamentos ou portes
fato que pode ter influenciado a abertura a anteriores, em caso de renovação. Para cinco
novos instrumentos e a popularização de psicólogas, outro ponto importante a ser
testes pouco considerados para a realização questionado é a situação de saúde e uso de
de Avaliação Psicológica anteriormente. substâncias psicoativas ou medicamentos. O
contexto de vida do candidato, sua família e
Godoy e Noronha (2005) realizaram pesquisa ambiente de trabalho foram citados por 12
semelhante, porém com foco específico na das entrevistadas como pontos relevantes
área de seleção de pessoas. Obtiveram como a serem questionados.
resultado, a partir de 15 psicólogos pesqui-
sados, o teste Palográfico como o 4º mais É feita entrevista com os candidatos
e quando eles vem para o porte
conhecido, lembrado por 10 profissionais, e o
de arma para pessoa física tem um
teste PMK como o 7º mais conhecido, citado
outro questionário que a gente aplica
por 9 profissionais. O Zulliger, entretanto, que a Polícia Federal indica, que é
figura como 23º na listagem, com 4 citações, como frases incompletas, inicios de
e o Pfister em 41º, citado somente duas algumas frases que os candidatos
vezes. É importante sinalizar, também, que precisam estar completando. O foco é
tem respaldo considerando aspectos éticos assunto tanto no âmbito profissional quanto
e as implicações para a segurança da popu- da produção de conhecimentos. Ainda que
lação, como no caso do objeto de estudo haja um contingente de profissionais peritos,
deste artigo: Porte de Arma de Fogo. Ainda observa-se um distanciamento entre a prática
que uma das principais questões existentes e o saber profissional na área, fato que pro-
no Brasil com relação aos armamentos seja o move ações individualizadas ao invés de um
comércio e a utilização ilegal, a importância conhecimento que possa ser generalizado e
dos procedimentos de avaliação e certifica- aplicado em diferentes localidades.
ção para uso destes artefatos também se faz
necessário. Uma vez que, para o combate
à criminalidade, a força policial e serviços O aumento da carga horária para o estudo
de segurança necessitam fazer uso de armas da Avaliação Psicológica e a maior interação
de fogo, inclui-se como papel da Psicologia entre prática profissional e a teoria pode-
atuar de forma a propiciar uma avaliação rão auxiliar os psicólogos na obtenção de
psicológica de qualidade, que ateste as bases mais seguras de atuação profissional,
capacidades dos ingressantes nas esferas de não somente para o campo da Avaliação
segurança pública para a plena condição de Psicológica, mas para a atuação do psicó-
cumprir suas funções. logo em todos os seus contextos. A maior
conscientização do uso de instrumentos
A atuação da peritagem como tarefa secundá- psicológicos, uma vez que figuram como
ria e a falta de artigos científicos que abarquem privativos do psicólogo, também contribuirá
a temática mostram a menor exposição do para a disseminação de melhores práticas.
Polícia Federal. (2013). Sistema Nacional de Tavares, M. (2003). Validade clínica. Psico-USF,
Armas - SINARM. Recuperado em 13 de 8(2), 125-136.
junho de 2013 de http://www.dpf.gov.br/
servicos/armas/ Tavares, M. (2012). Considerações preliminares
à condução de uma avaliação psicológica.
Primi, R. (2010). Avaliação Psicológica no Brasil: Avaliação Psicológica, 11(3), 321-334.
Fundamentos, situação atual e direções
para o futuro. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
Trevizan, M. J. (2011). Contextos em que a
26(esp), 25-35.
avaliação se insere. In Conselho Federal de
Psicologia. Ano da avaliação psicológica:
Primi, R. (2003) Inteligência: Avanços nos
modelos teóricos e nos instrumentos de Textos geradores (pp. 121-125). Brasília:
medida. Avaliação Psicológica, 2, 67-77. Conselho Federal de Psicologia.
Reppold, C. T., & Serafini, A. J. (2010). Novas Yamamoto, O. H. (2012). 50 anos de profissão:
tendências no ensino da avaliação responsabilidade social ou projeto ético-
psicológica. Avaliação Psicológica, 9(2), político? Psicologia: Ciência e Profissão, 32,
323-329. 6-17.