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Filosofia Da Ciência - Parte Escrita Da Apresentação Ciência e Idologia
Filosofia Da Ciência - Parte Escrita Da Apresentação Ciência e Idologia
Já o Claude Chrétien, em seu livro "A Ciência Em Ação", amplia essa discussão ao abordar a
prática científica no contexto das atividades cotidianas. Ele destaca que a ciência não é uma
entidade isolada, mas está intrinsecamente ligada ao ambiente social, político e econômico. A
ideologia, nesse sentido, permeia não apenas as teorias científicas, mas também as práticas
laboratoriais, escolhas metodológicas e a divulgação dos resultados
Ambos os autores convergem na ideia de que a ciência não é neutra, mas está imersa em um
contexto ideológico. A hegemonia cultural influencia a seleção de temas de pesquisa, a interpretação
de dados e a disseminação do conhecimento científico. Gramsci fornece um arcabouço teórico para
compreender as relações de poder subjacentes, enquanto Claud destaca a dimensão prática da
ideologia na ciência.
A doutrina segundo a qual a CIÊNCIA provê a garantia de sua validade demonstrando suas
afirmações, isto é, interligando-as num sistema ou num organismo unitário no qual cada uma delas
seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada, é o ideal clássico da ciência.
Platão comparava a opinião às estátuas de Dédalo, que estão sempre em atitude de fuga: as
opiniões "despertam da alma humana, de modo que não terão grande valor enquanto alguém não
conseguir atá-las com um raciocínio causal". Mas, "uma vez atadas, tornam-se CIÊNCIA e
permanecem fixas. Eis por que a CIÊNCIA", conclui Platão, "é mais válida do que a opinião legítima
e difere desta pelos seus nexos". A doutrina da CIÊNCIA de Aristóteles é muito mais rica e
circunstanciada, mas obedece ao mesmo conceito.
O surgimento da CIÊNCIA moderna não pôs em crise esse ideal. De um lado, o necessitarismo dos
aristotélicos é compartilhado até por seus adversários; de outro, persiste a sugestão da matemática
como CIÊNCIA perfeita pela sua organização demonstrativa; e o próprio Galileu colocava as
"demonstrações necessárias" ao lado da "experiência sensata" como fundamento da CIÊNCIA
(Opere, V, p. 316). O ideal geométrico da CIÊNCIA também domina as filosofias de Descartes e
Spinoza. Descartes queria organizar todo o saber humano pelo modelo da aritmética e da geometria:
as únicas CIÊNCIA que ele considerava "desprovidas de falsidade e de incerteza", porque fundadas
inteiramente na dedução (Regulae ad directionem ingenii, II). E Spinoza chamava de CIÊNCIA
intuitiva a extensão do método geométrico a todo o universo, extensão pela qual, "da idéia adequada
da essência formal de alguns atributos de Deus, procede-se ao conhecimento adequado da
essência das coisas". Kant rotulava esse velho ideal com um novo termo, sistema. "A unidade
sistemática", dizia ele, "é o que antes de tudo faz de um conhecimento comum uma CIÊNCIA, isto é,
de um simples agregado, um sistema"; e acrescentava que por sistema é preciso entender "a
unidade de conhecimentos múltiplos reunidos sob uma única idéia" (Crít.R. Pura, Doutrina do
método, cap. III; cf. Methaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, Prefácio). Esse conceito
da CIÊNCIA como sistema, introduzido por Kant, tornou-se lugar comum da filosofia do séc. XIX.
E a ele ainda recorrem às filosofias de caráter teológico ou metafísico. Isso aconteceu sobretudo por
ter sido adotado pelo Romantismo, que o repetiu à saciedade. Fichte dizia: "Uma CIÊNCIA deve ser
uma unidade, um todo... As proporções isoladas geralmente não são CIÊNCIA, mas tornam-se
CIÊNCIA só no todo, graças a seu lugar no todo, à sua relação com o todo". Schelling repetia:
"Admite-se, geralmente, que à filosofia convém uma forma peculiar dela, que se chama sistemática.
Pressupor tal forma não deduzida compete a outras CIÊNCIAS que já pressupõem a CIÊNCIA da
CIÊNCIA, mas não esta, que se propõe por objeto a possibilidade de semelhante CIÊNCIA". E Hegel
afirmava peremptoriamente: "A verdadeira forma na qual a verdade existe só pode ser o sistema
científico dela. Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da CIÊNCIA — isto é, da meta
que, uma vez alcançada, permitir-lhe-á abandonar o nome de amor ao saber para ser verdadeiro
saber — eis o que me propus". Fichte, Schelling e Hegel consideravam que o único saber
sistemático, portanto a única CIÊNCIA, era a filosofia. Mas, para muitos filósofos do séc. XIX, o
conceito de sistema continuou caracterizando a CIÊNCIA em geral, portanto também a CIÊNCIA da
natureza. H. Cohen via no sistema a mais alta categoria da natureza e da CIÊNCIA. Husserl via o
caráter essencial da CIÊNCIA na "unidade sistemática" que nela encontram os conhecimentos
isolados e os seus fundamentos e indicava no sistema o próprio ideal da filosofia, se esta quisesse
organizar-se como "CIÊNCIA rigorosa". O ideal de CIÊNCIA como sistema continuou vivo ainda
muito tempo depois que as CIÊNCIAS naturais dele se afastaram e começaram a polemizar contra
"o espírito de sistema"
A exigência de objetividade científica torna inevitável que qualquer asserção científica seja sempre
provisória". O homem não pode conhecer, mas só conjecturar. Afirmar que os instrumentos de que a
CIÊNCIA dispõe se destinam a demonstrar a falsidade da CIÊNCIA é um outro modo de exprimir o
conceito da autocorribilidade da CIÊNCIA: provar a falsidade de uma asserção significa, de fato,
substituí-la por outra asserção, cuja falsidade ainda não foi provada, corrigindo portanto a primeira. A
noção da auto-corrigibilidade sem dúvida constitui a garantia menos dogmática que a CIÊNCIA,
pode exigir da sua própria validade. Permite uma análise menos preconceituosa dos instrumentos de
verificação e controle de que cada CIÊNCIA. dispõe.
Em sentido mais geral, entende-se por IDEOLOGIA a "visão do mundo" de um grupo humano, p.
ex., de uma classe social. Segundo Mannheim, a análise de IDEOLOGIA no primeiro sentido deve
ser feita no plano psicológico; a análise da IDEOLOGIA no segundo sentido deve ser feita no plano
sociológico e noutro caso a IDEOLOGIA é a idéia incapaz de inserir-se na situação, dominá-la e
adequá-la a si mesma. Mannheim diz: "As IDEOLOGIAS são ideias situacionalmente transcendentes
que nunca conseguem de fato atualizar os projetos nelas implícitos. Apesar de frequentemente se
apresentarem como justas aspirações da conduta pessoal do indivíduo, quando levadas à prática,
seu significado muitas vezes é deformado. A idéia do amor fraterno cristão, p. ex. numa sociedade
fundada na servidão, é irrealizável e por isso ideológica, mesmo quando, para quem o entenda em
boa fé, seu significado constitui um fim para a conduta individual.". Nisto a IDEOLOGIA seria
diferente da utopia, que chega a realizar-se. Como foi freqüentemente observado o critério assim
sugerido por Mannheim para a distinção (a ser estabelecida somente post factum) entre IDEOLOGIA
e utopia, ou seja, a realização, inclui um círculo vicioso, pois o juízo sobre a adequação da
realização, a avaliação dessa adequação só poderia ser feito com base numa distinção prévia entre
IDEOLOGIA e utopia.
Em geral, portanto, pode-se denominar IDEOLOGIA toda crença usada para o controle dos
comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença, em seu significado mais amplo, como
noção de compromisso da conduta, que pode ter ou não validade objetiva. Entendido nesse sentido,
o conceito de IDEOLOGIA é puramente formal, uma vez que pode ser vista como IDEOLOGIA
tanto uma crença fundada em elementos objetivos quanto uma crença totalmente infundada, tanto
uma crença realizável quanto uma crença irrealizável. O que transforma uma crença em
IDEOLOGIA não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar
os comportamentos em determinada situação.
Rossi destaca o período crucial em que a ciência moderna emergiu na Europa, desvinculando-se
gradualmente das amarras da tradição medieval. A influência das ideologias da época, como o
humanismo renascentista, desempenhou um papel crucial na moldagem das bases filosóficas e
metodológicas da ciência. A transição de uma visão de mundo ancorada em preceitos dogmáticos
para uma abordagem mais empírica e experimental marcou um ponto de convergência entre a
ciência emergente e as ideologias da época, ambas impulsionadas pelo desejo de compreender o
mundo de maneira mais profunda e fundamentada.
Japiassu, por sua vez, explora a Revolução Científica como um fenômeno que transcende as
fronteiras estritas da atividade científica, penetrando profundamente nas esferas ideológicas. O autor
argumenta que a ciência não é apenas um empreendimento técnico, mas também um fenômeno
cultural, intimamente ligado às ideias e valores da sociedade em que se desenvolve. A emergência
de paradigmas científicos inovadores frequentemente acompanhou transformações ideológicas
significativas, indicando uma convergência intrínseca entre o progresso científico e as mudanças
ideológicas.
Ambos os autores oferecem uma perspectiva que destaca a convergência entre ciência e ideologia
em direção ao progresso. A busca por conhecimento científico e a formulação de ideologias
progressistas muitas vezes compartilham o objetivo comum de avançar a compreensão humana e
melhorar as condições de vida. A ciência, ao desafiar paradigmas estabelecidos, muitas vezes
influencia e é influenciada pelas ideologias contemporâneas, criando um ciclo de interação dinâmica
que impulsiona o progresso em várias esferas da sociedade.
Em síntese, a análise conjunta das obras de Paolo Rossi e Hilton Japiassu revela a interconexão
entre ciência e ideologia durante o surgimento da ciência moderna. Essa convergência não apenas
moldou o panorama intelectual da época, mas também contribuiu para a construção do progresso ao
proporcionar uma base sólida para o avanço do conhecimento e das ideias. A compreensão dessa
interação complexa entre ciência e ideologia é crucial para uma apreciação mais profunda do papel
desses elementos na formação da sociedade contemporânea e na promoção contínua do progresso
humano.
2. Definição de Hegemonia:
- Problema: Identificar os agentes hegemônicos e suas ideologias pode ser subjetivo, levando a
discordâncias sobre quem exerce controle cultural.
- Divergência: Enquanto alguns podem enfatizar estruturas de poder econômico, outros podem
considerar influências culturais e educacionais como determinantes.
Assim, Gramsci irá perceber a produção do conhecimento a partir das mediações sociais, culturais e
ideológicas que vinculam organicamente o intelectual a um grupo ou classe social. Essa vinculação
entre intelectual e classe (a noção de intelectual orgânico) não é, contudo, entendida de forma
estática, mas dinâmica – já que as investigações concretas sobre os intelectuais estariam voltadas
para a apreensão da atuação deles na desagregação do bloco histórico capitalista vigente e na
construção de um novo bloco, capaz de impulsionar os setores subalternos da sociedade civil em
direção ao socialismo, no caso específico dos intelectuais orgânicos da revolução.
Em Gramsci, o conceito de bloco histórico se refere à relação orgânica que se estabelece entre a
infraestrutura e a superestrutura num momento específico de uma dada formação social. Os agentes
concretos dessa relação orgânica seriam justamente os intelectuais vinculados às classes sociais
fundamentais. O conhecimento (inclusive o científico) seria fruto dessa situação histórica, uma
realidade prática, uma superestrutura, uma ideologia, uma arma de combate dos grupos e classes
sociais, com estes últimos sendo mediados pela função dos intelectuais na superestrutura, não
podendo o próprio conhecimento configurar-se, jamais, em realidade objetiva apartada do sujeito
cognoscente. Isso significa que o pensamento marxista de Gramsci se caracteriza por uma radical
união entre teoria e prática revolucionária, valorizando sobremaneira o papel da consciência e do
sujeito na objetivação e construção da realidade social.
Essa visão rejeita corretamente uma leitura mecanicista, fatalista e determinista do marxismo,
segundo a qual o papel da práxis, do sujeito e da consciência seria negado. O processo histórico
emerge, na esfera da representação, como um desenrolar de condições puramente objetivas. Essa
versão empobrecida do marxismo esteve presente em nomes da Segunda Internacional, como Karl
Kaustky, e no Stalinismo de uma forma geral.
As críticas de Gramsci ao objetivismo fatalista, entretanto, quando estendida ao terreno filosófico e
da teoria do conhecimento sem as necessárias ressalvas, pode incorrer em certos desvios
idealistas. Como esclarece Carlos Nelson Coutinho, essa postura teria levado o próprio Gramsci a: -
“negar na prática um tipo específico de conhecimento, o conhecimento científico, cuja tarefa
essencial consiste em refletir a realidade e suas alternativas do modo mais objetivo possível, ou
seja, evitando qualquer projeção de ‘acréscimos estranhos’ (Engels) do sujeito que conhece na
realidade que quer conhecer. (COUTINHO, 1999, p. 102-3)”
A crítica gramsciana ressoa na urgência de uma ciência que não seja mera mercadoria, mas sim um
instrumento de libertação. Nesse contexto, é crucial questionar os valores e interesses que
permeiam a produção científica. Gramsci aponta para a necessidade de uma ciência que, ao invés
de reforçar as estruturas de poder vigentes, contribua para a construção de uma nova ordem social,
na qual os trabalhadores detenham o controle sobre os meios de produção e a produção do
conhecimento.
Em síntese, a visão gramsciana sobre a relação entre ciência e ideologia oferece uma perspectiva
crítica e transformadora. A busca por uma ciência comprometida com os interesses dos
trabalhadores, em detrimento dos imperativos lucrativos do capitalismo, desafia os paradigmas
estabelecidos e aponta para a necessidade de uma mudança profunda na forma como concebemos
e praticamos a produção do conhecimento científico. A contribuição de Gramsci ressoa como um
chamado à ação, convidando-nos a repensar o papel da ciência na construção de uma sociedade
mais justa e igualitária.
Bibliografia:
- SANTOS FO, Gildo Magalhães dos. Ciência e ideologia: conflitos e alianças em torno da ideia
de progresso - Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Livre-docente em História das Ciências,
das Técnicas e do Trabalho - São Paulo, 2004.