Você está na página 1de 9

Universidade Católica do Salvador

FILOSOFIA DA CIÊNCIA: CIÊNCIA E IDOLOGIA


ALUNOS: ALEX RODRIGUES DOS SANTOS - ISAIAS REZENDE DOS SANTOS -

LUIZ GUILHERME DE CARVALHO LIMA - VINICIUS FERNANDES DE ALMEIDA RIOS

Introdução à Ciência e Ideologia


A interseção entre ciência e ideologia é um tema complexo que tem sido explorado na filosofia da
ciência, evidenciando as formas como as ideias e valores influenciam o desenvolvimento e a prática
científica. O filósofo italiano Antonio Gramsci desenvolveu o conceito de "hegemonia", referindo-se à
dominação cultural exercida por uma classe sobre as demais. Na ciência, a hegemonia de
determinados grupos sociais pode influenciar a produção do conhecimento, moldando a forma como
os fenômenos são compreendidos e investigados. Gramsci alerta para o papel da ideologia na
construção de consensos intelectuais, destacando como certas ideias se tornam hegemônicas e
perpetuam relações de poder.

Já o Claude Chrétien, em seu livro "A Ciência Em Ação", amplia essa discussão ao abordar a
prática científica no contexto das atividades cotidianas. Ele destaca que a ciência não é uma
entidade isolada, mas está intrinsecamente ligada ao ambiente social, político e econômico. A
ideologia, nesse sentido, permeia não apenas as teorias científicas, mas também as práticas
laboratoriais, escolhas metodológicas e a divulgação dos resultados

Ambos os autores convergem na ideia de que a ciência não é neutra, mas está imersa em um
contexto ideológico. A hegemonia cultural influencia a seleção de temas de pesquisa, a interpretação
de dados e a disseminação do conhecimento científico. Gramsci fornece um arcabouço teórico para
compreender as relações de poder subjacentes, enquanto Claud destaca a dimensão prática da
ideologia na ciência.

CONCEITUANDO CIÊNCIA (VINICIUS FERNANDES DE


ALMEIDA RIOS)
A CIÊNCIA é o tipo de conhecimento que inclui, em qualquer forma ou medida, uma garantia da
própria validade. A limitação expressa pelas palavras "em qualquer forma ou medida" é aqui incluída
para tornar a definição aplicável à CIÊNCIA moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas,
segundo o conceito tradicional, a CIÊNCIA inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto,
como conhecimento, o grau máximo da certeza. O oposto da CIÊNCIA é a opinião (v.), caracterizada
pela falta de garantia acerca de sua validade. As diferentes concepções de CIÊNCIA podem ser
distinguidas conforme a garantia de validade que se lhes atribui. Essa garantia pode consistir na
demonstração; na descrição; na corrigibilidade.

A doutrina segundo a qual a CIÊNCIA provê a garantia de sua validade demonstrando suas
afirmações, isto é, interligando-as num sistema ou num organismo unitário no qual cada uma delas
seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada, é o ideal clássico da ciência.
Platão comparava a opinião às estátuas de Dédalo, que estão sempre em atitude de fuga: as
opiniões "despertam da alma humana, de modo que não terão grande valor enquanto alguém não
conseguir atá-las com um raciocínio causal". Mas, "uma vez atadas, tornam-se CIÊNCIA e
permanecem fixas. Eis por que a CIÊNCIA", conclui Platão, "é mais válida do que a opinião legítima
e difere desta pelos seus nexos". A doutrina da CIÊNCIA de Aristóteles é muito mais rica e
circunstanciada, mas obedece ao mesmo conceito.

A CIÊNCIA é "conhecimento demonstrativo". Por conhecimento demonstrativo entende-se o


conhecimento "da causa de um objeto, isto é, conhece-se por que o objeto não pode ser diferente do
que é". Em conseqüência, o objeto da CIÊNCIA é o necessário; por isso a CIÊNCIA se distingue da
opinião e não coincide com ela; se coincidisse, "estaríamos convencidos de que um mesmo objeto
pode comportar-se diferentemente de como se comporta e estaríamos, ao mesmo tempo,
convencidos de que não pode comportar-se diferentemente". Por isso, Aristóteles exclui que possa
haver CIÊNCIA do não necessário, ou seja da sensação e do acidental, ao mesmo tempo em que
identifica o conhecimento científico com o conhecimento da essência necessária ou substância. A
mais perfeita realização desse ideal da CIÊNCIA está em Elementos, de Euclides (séc. III a.C). Essa
obra, que quis realizar a matemática como CIÊNCIA perfeitamente dedutiva, sem nenhum recurso à
experiência ou à indução, permaneceu por muitos séculos (e sob certos aspectos permanece até
hoje) como o próprio modelo da ciência.

Através de Elementos, de Euclides, a concepção da CIÊNCIA de Platão e Aristóteles foi transmitida


com mais eficácia do que através da descrição teórica de Aristóteles, da qual os antigos nunca se
afastaram. Os estóicos repetiram-na, afirmando que "a CIÊNCIA é a compreensão segura, certa e
imutável fundada na razão" (SEXTO EMPÍRICO, VII, 151), ou que ela "é uma compreensão segura
ou um hábito imutável de acolher representações, com base na razão" (DIÓG. LAÉRCIO, VII, 47). S.
Tomás repetia as idéias de Aristóteles (SUMA. THEO., II, 1, q. 57, a. 2) e Duns Scot acentuava o
caráter demonstrativo e necessário da CIÊNCIA, excluindo dela qualquer conhecimento desprovido
desses caracteres, portanto, todo o domínio da fé. Mesmo a última Escolástica, com Ockham,
mantinha em pé o ideal aristotélico da CIÊNCIA.

O surgimento da CIÊNCIA moderna não pôs em crise esse ideal. De um lado, o necessitarismo dos
aristotélicos é compartilhado até por seus adversários; de outro, persiste a sugestão da matemática
como CIÊNCIA perfeita pela sua organização demonstrativa; e o próprio Galileu colocava as
"demonstrações necessárias" ao lado da "experiência sensata" como fundamento da CIÊNCIA
(Opere, V, p. 316). O ideal geométrico da CIÊNCIA também domina as filosofias de Descartes e
Spinoza. Descartes queria organizar todo o saber humano pelo modelo da aritmética e da geometria:
as únicas CIÊNCIA que ele considerava "desprovidas de falsidade e de incerteza", porque fundadas
inteiramente na dedução (Regulae ad directionem ingenii, II). E Spinoza chamava de CIÊNCIA
intuitiva a extensão do método geométrico a todo o universo, extensão pela qual, "da idéia adequada
da essência formal de alguns atributos de Deus, procede-se ao conhecimento adequado da
essência das coisas". Kant rotulava esse velho ideal com um novo termo, sistema. "A unidade
sistemática", dizia ele, "é o que antes de tudo faz de um conhecimento comum uma CIÊNCIA, isto é,
de um simples agregado, um sistema"; e acrescentava que por sistema é preciso entender "a
unidade de conhecimentos múltiplos reunidos sob uma única idéia" (Crít.R. Pura, Doutrina do
método, cap. III; cf. Methaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, Prefácio). Esse conceito
da CIÊNCIA como sistema, introduzido por Kant, tornou-se lugar comum da filosofia do séc. XIX.

E a ele ainda recorrem às filosofias de caráter teológico ou metafísico. Isso aconteceu sobretudo por
ter sido adotado pelo Romantismo, que o repetiu à saciedade. Fichte dizia: "Uma CIÊNCIA deve ser
uma unidade, um todo... As proporções isoladas geralmente não são CIÊNCIA, mas tornam-se
CIÊNCIA só no todo, graças a seu lugar no todo, à sua relação com o todo". Schelling repetia:
"Admite-se, geralmente, que à filosofia convém uma forma peculiar dela, que se chama sistemática.
Pressupor tal forma não deduzida compete a outras CIÊNCIAS que já pressupõem a CIÊNCIA da
CIÊNCIA, mas não esta, que se propõe por objeto a possibilidade de semelhante CIÊNCIA". E Hegel
afirmava peremptoriamente: "A verdadeira forma na qual a verdade existe só pode ser o sistema
científico dela. Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da CIÊNCIA — isto é, da meta
que, uma vez alcançada, permitir-lhe-á abandonar o nome de amor ao saber para ser verdadeiro
saber — eis o que me propus". Fichte, Schelling e Hegel consideravam que o único saber
sistemático, portanto a única CIÊNCIA, era a filosofia. Mas, para muitos filósofos do séc. XIX, o
conceito de sistema continuou caracterizando a CIÊNCIA em geral, portanto também a CIÊNCIA da
natureza. H. Cohen via no sistema a mais alta categoria da natureza e da CIÊNCIA. Husserl via o
caráter essencial da CIÊNCIA na "unidade sistemática" que nela encontram os conhecimentos
isolados e os seus fundamentos e indicava no sistema o próprio ideal da filosofia, se esta quisesse
organizar-se como "CIÊNCIA rigorosa". O ideal de CIÊNCIA como sistema continuou vivo ainda
muito tempo depois que as CIÊNCIAS naturais dele se afastaram e começaram a polemizar contra
"o espírito de sistema"

A exigência de objetividade científica torna inevitável que qualquer asserção científica seja sempre
provisória". O homem não pode conhecer, mas só conjecturar. Afirmar que os instrumentos de que a
CIÊNCIA dispõe se destinam a demonstrar a falsidade da CIÊNCIA é um outro modo de exprimir o
conceito da autocorribilidade da CIÊNCIA: provar a falsidade de uma asserção significa, de fato,
substituí-la por outra asserção, cuja falsidade ainda não foi provada, corrigindo portanto a primeira. A
noção da auto-corrigibilidade sem dúvida constitui a garantia menos dogmática que a CIÊNCIA,
pode exigir da sua própria validade. Permite uma análise menos preconceituosa dos instrumentos de
verificação e controle de que cada CIÊNCIA. dispõe.

CONCEITUANDO IDEOLOGIA (ALEX RODRIGUES DOS


SANTOS)
O termo Ideologia foi criado por Destut de Tracy (Idéologie, 1801) para designar "a análise das
sensações e das idéias", segundo o modelo de Condillac. A IDEOLOGIA constituiu a corrente
filosófica que marca a transição do empirismo íluminista para o espiritualismo tradicionalista e que
floresceu na primeira metade do séc. XIX. Como alguns ideologistas franceses fossem hostis a
Napoleão, este empregou o termo em sentido depreciativo, pretendendo com isso identificá-los com
"sectários" ou "dogmáticos", pessoas carecedoras de senso político e, em geral, sem contato com a
realidade. Aí começa a história do significado moderno desse termo, não mais empregado para
indicar qualquer espécie de análise filosófica, mas uma doutrina mais ou menos destituída de
validade objetiva, porém mantida pelos interesses claros ou ocultos daqueles que a utilizam.
Nesse sentido, em meados do séc. XIX, a noção de IDEOLOGIA passou a ser fundamental no
marxismo, sendo um dos seus maiores instrumentos na luta contra a chamada cultura "burguesa".
Marx de fato afirmara que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais dependiam das
relações de produção e de trabalho, na forma como estas se constituem em cada fase da história
econômica. Essa era a tese que posteriormente foi denominada materialismo histórico. Hoje, por
IDEOLOGIA entende-se o conjunto dessas crenças, porquanto só têm a validade de expressar certa
fase das relações econômicas e, portanto, de servir à defesa dos interesses que prevalecem em
cada fase desta relação. Foi exatamente com esse sentido que a IDEOLOGIA foi estudada pela
primeira vez em Trattato di sociologia generale (1916) de Vilfredo Pareto, apesar de, nesta obra, não
ser usado o termo IDEOLOGIA (que fora empregado em Sistemi socialisti, 1902, pp. 525-26). Em
Pareto, a noção de IDEOLOGIA , corresponde à noção de teoria não-científica, entendendo-se por
esta última qualquer teoria que não seja lógico-experimental. Segundo Pareto, uma teoria pode ser
considerada: IDEOLOGIA em seu aspecto objetivo, em confronto com a experiência; 2° em seu
aspecto subjetivo, em sua força de persuasão; 3° em sua utilidade social, para quem a produz ou a
acata. As teorias científicas ou lógico-experimentais são avaliáveis objetivamente, mas não nos
outros modos, porque seu objetivo não é o de persuadir. Portanto, só as teorias não científicas são
avaliáveis com base nos outros dois aspectos. Ciência e IDEOLOGIA pertencem, assim, a dois
campos separados, que nada têm em comum: a primeira ao campo da observação e do raciocínio; a
segunda ao campo do sentimento e da fé. Com justeza foi frisada a importância dessa distinção,
que, por um lado, torna impossível considerar verdadeira uma teoria persuasiva (ou útil) uma teoria
verdadeira e, por outro, permite "compreender antes de condenar e fazer a distinção entre o
estudioso dos fatos sociais e o propagandista ou apóstolo" (BOBBIO, "Vilfredo Pareto e Ia critica
delle IDEOLOGIA ). Do ponto de vista da análise da IDEOLOGIA , a doutrina de Pareto estabeleceu
um ponto importante: a função da IDEOLOGIA é em primeiro lugar persuadir, dirigir a ação. Esse
aspecto foi desprezado pelo outro teórico da ideologia, Mannheim. Este distinguiu um conceito
particular e um conceito universal de ideologia. Em sentido particular, entende-se por IDEOLOGIA
"o conjunto de contrafações mais ou menos deliberadas de uma situação real cujo exato
conhecimento contraria os interesses de quem sustenta a IDEOLOGIA ".

Em sentido mais geral, entende-se por IDEOLOGIA a "visão do mundo" de um grupo humano, p.
ex., de uma classe social. Segundo Mannheim, a análise de IDEOLOGIA no primeiro sentido deve
ser feita no plano psicológico; a análise da IDEOLOGIA no segundo sentido deve ser feita no plano
sociológico e noutro caso a IDEOLOGIA é a idéia incapaz de inserir-se na situação, dominá-la e
adequá-la a si mesma. Mannheim diz: "As IDEOLOGIAS são ideias situacionalmente transcendentes
que nunca conseguem de fato atualizar os projetos nelas implícitos. Apesar de frequentemente se
apresentarem como justas aspirações da conduta pessoal do indivíduo, quando levadas à prática,
seu significado muitas vezes é deformado. A idéia do amor fraterno cristão, p. ex. numa sociedade
fundada na servidão, é irrealizável e por isso ideológica, mesmo quando, para quem o entenda em
boa fé, seu significado constitui um fim para a conduta individual.". Nisto a IDEOLOGIA seria
diferente da utopia, que chega a realizar-se. Como foi freqüentemente observado o critério assim
sugerido por Mannheim para a distinção (a ser estabelecida somente post factum) entre IDEOLOGIA
e utopia, ou seja, a realização, inclui um círculo vicioso, pois o juízo sobre a adequação da
realização, a avaliação dessa adequação só poderia ser feito com base numa distinção prévia entre
IDEOLOGIA e utopia.

Em geral, portanto, pode-se denominar IDEOLOGIA toda crença usada para o controle dos
comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença, em seu significado mais amplo, como
noção de compromisso da conduta, que pode ter ou não validade objetiva. Entendido nesse sentido,
o conceito de IDEOLOGIA é puramente formal, uma vez que pode ser vista como IDEOLOGIA
tanto uma crença fundada em elementos objetivos quanto uma crença totalmente infundada, tanto
uma crença realizável quanto uma crença irrealizável. O que transforma uma crença em
IDEOLOGIA não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar
os comportamentos em determinada situação.

CIÊNCIA E IDEOLOGIA se entrelaçam, evidenciando


sua convergência em direção ao progresso (ISAIAS
REZENDE DOS SANTOS)
O entendimento da relação entre ciência e ideologia tem sido uma questão de significativa
importância nas discussões acadêmicas contemporâneas. Paolo Rossi, em sua obra seminal "O
Nascimento da Ciência Moderna", e Hilton Japiassu, em "A Revolução Científica Moderna",
proporcionam insights valiosos sobre como esses dois pilares influenciaram-se mutuamente durante
o desenvolvimento da ciência moderna na Europa.

Rossi destaca o período crucial em que a ciência moderna emergiu na Europa, desvinculando-se
gradualmente das amarras da tradição medieval. A influência das ideologias da época, como o
humanismo renascentista, desempenhou um papel crucial na moldagem das bases filosóficas e
metodológicas da ciência. A transição de uma visão de mundo ancorada em preceitos dogmáticos
para uma abordagem mais empírica e experimental marcou um ponto de convergência entre a
ciência emergente e as ideologias da época, ambas impulsionadas pelo desejo de compreender o
mundo de maneira mais profunda e fundamentada.

Japiassu, por sua vez, explora a Revolução Científica como um fenômeno que transcende as
fronteiras estritas da atividade científica, penetrando profundamente nas esferas ideológicas. O autor
argumenta que a ciência não é apenas um empreendimento técnico, mas também um fenômeno
cultural, intimamente ligado às ideias e valores da sociedade em que se desenvolve. A emergência
de paradigmas científicos inovadores frequentemente acompanhou transformações ideológicas
significativas, indicando uma convergência intrínseca entre o progresso científico e as mudanças
ideológicas.

Ambos os autores oferecem uma perspectiva que destaca a convergência entre ciência e ideologia
em direção ao progresso. A busca por conhecimento científico e a formulação de ideologias
progressistas muitas vezes compartilham o objetivo comum de avançar a compreensão humana e
melhorar as condições de vida. A ciência, ao desafiar paradigmas estabelecidos, muitas vezes
influencia e é influenciada pelas ideologias contemporâneas, criando um ciclo de interação dinâmica
que impulsiona o progresso em várias esferas da sociedade.

Em síntese, a análise conjunta das obras de Paolo Rossi e Hilton Japiassu revela a interconexão
entre ciência e ideologia durante o surgimento da ciência moderna. Essa convergência não apenas
moldou o panorama intelectual da época, mas também contribuiu para a construção do progresso ao
proporcionar uma base sólida para o avanço do conhecimento e das ideias. A compreensão dessa
interação complexa entre ciência e ideologia é crucial para uma apreciação mais profunda do papel
desses elementos na formação da sociedade contemporânea e na promoção contínua do progresso
humano.

Problemas e Divergências na Relação entre Ciência e


Ideologia na Filosofia da Ciência (LUIZ GUILHERME DE
CARVALHO LIMA)

Possíveis Problemas e Divergências:


1. Neutralidade Científica:
- Problema: A ideia de que a ciência deve ser neutra pode colidir com a perspectiva gramsciana,
que destaca a inevitabilidade da influência ideológica.
- Divergência: Discordâncias podem surgir sobre a possibilidade e desejabilidade da neutralidade
científica, bem como sobre a extensão da influência ideológica aceitável.

2. Definição de Hegemonia:
- Problema: Identificar os agentes hegemônicos e suas ideologias pode ser subjetivo, levando a
discordâncias sobre quem exerce controle cultural.
- Divergência: Enquanto alguns podem enfatizar estruturas de poder econômico, outros podem
considerar influências culturais e educacionais como determinantes.

3. Impacto na Prática Científica:


- Problema: Determinar até que ponto a ideologia afeta a prática científica diária pode ser
desafiador, com divergências na interpretação dos casos específicos.
- Divergência: Alguns podem argumentar que a ideologia é inerente a todas as fases do processo
científico, enquanto outros podem ver certas etapas como mais suscetíveis à influência ideológica.

CIÊNCIA E IDEOLOGIA EM ANTONIO GRAMSCI

Relacionando toda a discussão precedente com a categoria mais inclusiva do pensamento de


Antonio Gramsci, a noção de bloco histórico, gostaríamos de estabelecer novamente qual seria a
sua percepção da ciência e, de um modo mais geral, da produção do conhecimento sobre o mundo
histórico. Adiantamos logo de saída que, para ele, a ciência, apesar de possuir certa autonomia,
confunde-se com a própria ideologia.

Assim, Gramsci irá perceber a produção do conhecimento a partir das mediações sociais, culturais e
ideológicas que vinculam organicamente o intelectual a um grupo ou classe social. Essa vinculação
entre intelectual e classe (a noção de intelectual orgânico) não é, contudo, entendida de forma
estática, mas dinâmica – já que as investigações concretas sobre os intelectuais estariam voltadas
para a apreensão da atuação deles na desagregação do bloco histórico capitalista vigente e na
construção de um novo bloco, capaz de impulsionar os setores subalternos da sociedade civil em
direção ao socialismo, no caso específico dos intelectuais orgânicos da revolução.

Em Gramsci, o conceito de bloco histórico se refere à relação orgânica que se estabelece entre a
infraestrutura e a superestrutura num momento específico de uma dada formação social. Os agentes
concretos dessa relação orgânica seriam justamente os intelectuais vinculados às classes sociais
fundamentais. O conhecimento (inclusive o científico) seria fruto dessa situação histórica, uma
realidade prática, uma superestrutura, uma ideologia, uma arma de combate dos grupos e classes
sociais, com estes últimos sendo mediados pela função dos intelectuais na superestrutura, não
podendo o próprio conhecimento configurar-se, jamais, em realidade objetiva apartada do sujeito
cognoscente. Isso significa que o pensamento marxista de Gramsci se caracteriza por uma radical
união entre teoria e prática revolucionária, valorizando sobremaneira o papel da consciência e do
sujeito na objetivação e construção da realidade social.

Essa visão rejeita corretamente uma leitura mecanicista, fatalista e determinista do marxismo,
segundo a qual o papel da práxis, do sujeito e da consciência seria negado. O processo histórico
emerge, na esfera da representação, como um desenrolar de condições puramente objetivas. Essa
versão empobrecida do marxismo esteve presente em nomes da Segunda Internacional, como Karl
Kaustky, e no Stalinismo de uma forma geral.
As críticas de Gramsci ao objetivismo fatalista, entretanto, quando estendida ao terreno filosófico e
da teoria do conhecimento sem as necessárias ressalvas, pode incorrer em certos desvios
idealistas. Como esclarece Carlos Nelson Coutinho, essa postura teria levado o próprio Gramsci a: -
“negar na prática um tipo específico de conhecimento, o conhecimento científico, cuja tarefa
essencial consiste em refletir a realidade e suas alternativas do modo mais objetivo possível, ou
seja, evitando qualquer projeção de ‘acréscimos estranhos’ (Engels) do sujeito que conhece na
realidade que quer conhecer. (COUTINHO, 1999, p. 102-3)”

Cumpriria, contudo, relativizar esse “idealismo filosófico” existente no pensamento de Gramsci


apontado por Carlos Nelson Coutinho. Pensamos que o autor dos Quaderni deixou um espaço
aberto, como já indicamos, para um conhecimento objetivo da realidade independente do sujeito
cognoscente quando afirma: “tornou-se relativamente fácil separar a noção objetiva do sistema de
hipóteses, com um processo de abstração que está profundamente ligado à própria metodologia
científica e, [com isso], apropriar-se de uma rejeitando o outro. De tal modo que uma classe pode
apropriar-se da ciência de outra classe sem aceitar dela a ideologia”. O que quer dizer que, se um
“conhecimento objetivo” produzido por certo grupo pode ser apropriado pela ideologia de outra
classe, seria exatamente porque esse conhecimento de algum modo é independente do sujeito.
Esta última ilação coloca em novos termos a questão da ciência, pois esta, embora esteja
necessariamente vinculada a posições e interesses de grupos ou classes, pode alcançar um espaço
próprio de autonomia e de objetividade a ser apropriado pelos sujeitos coletivos em confronto e
antagonismo no cenário histórico. A ciência constitui-se, em suma, num dos terrenos privilegiados da
luta de classes na formação social capitalista e a luta por sua hegemonia é uma das tarefas
fundamentais da desagregação do bloco histórico vigente e construção do socialismo ou, no dizer de
Gramsci, de uma futura “sociedade regulada”.

A crítica gramsciana ressoa na urgência de uma ciência que não seja mera mercadoria, mas sim um
instrumento de libertação. Nesse contexto, é crucial questionar os valores e interesses que
permeiam a produção científica. Gramsci aponta para a necessidade de uma ciência que, ao invés
de reforçar as estruturas de poder vigentes, contribua para a construção de uma nova ordem social,
na qual os trabalhadores detenham o controle sobre os meios de produção e a produção do
conhecimento.

Em síntese, a visão gramsciana sobre a relação entre ciência e ideologia oferece uma perspectiva
crítica e transformadora. A busca por uma ciência comprometida com os interesses dos
trabalhadores, em detrimento dos imperativos lucrativos do capitalismo, desafia os paradigmas
estabelecidos e aponta para a necessidade de uma mudança profunda na forma como concebemos
e praticamos a produção do conhecimento científico. A contribuição de Gramsci ressoa como um
chamado à ação, convidando-nos a repensar o papel da ciência na construção de uma sociedade
mais justa e igualitária.

Bibliografia:

- ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.


- BOURDIEU, P. Razones prácticas. Barcelona: Anagrama, 1997.
- MÉZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
- JAPIASSU, Hilton. A Revolução Científica Moderna. Edição Português. Letras & Letras, 1997.
- ROSSI, Paolo. O Nascimento Da Ciência Moderna Na Europa. Edição Português. EDUSC, 2007.
- CLAUD, Chretien. A Ciência Em Ação. 1ª ed. São Paulo: Papirus, 1994. 268 p. ISBN
8530802799.
- ZILLES, Urbano. Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência. 1ª ed. São Paulo: Paulus Editora,
2005. 200 p. ISBN: 8534924481.

- SANTOS FO, Gildo Magalhães dos. Ciência e ideologia: conflitos e alianças em torno da ideia
de progresso - Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Livre-docente em História das Ciências,
das Técnicas e do Trabalho - São Paulo, 2004.

- COSTA, Diogo Valença de Azevedo; CLEMENTE, Márcia da Silva. CIÊNCIA E IDEOLOGIA EM


ANTONIO GRAMSCI. In: I JOINGG – JORNADA INTERNACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
ANTONIO GRAMSCI VII JOREGG – JORNADA REGIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
ANTONIO GRAMSCI. Práxis, Formação Humana e a Luta por uma Nova Hegemonia.
Universidade Federal do Ceará – Faculdade de Educação, 23 a 25 de novembro de 2016. Anais
da Jornada: ISSN 2526-6950.

Você também pode gostar