Você está na página 1de 34

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM DANÇA

BÁRBARA LOUISE COSTA MESSIAS

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DANÇA PARA O CONHECIMENTO DO


CORPO NA SÍNDROME DE DOWN

Natal/RN

2016
BÁRBARA LOUISE COSTA MESSIAS

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DANÇA PARA O CONHECIMENTO DO


CORPO NA SÍNDROME DE DOWN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Licenciatura em Dança da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciado em Dança.
Orientadora: Profª. Drª. Larissa Kelly de Oliveira
Marques Tibúrcio.

Natal/RN
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES

FOLHA DE APROVAÇÃO

A apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado


“Possíveis contribuições da dança para o conhecimento do corpo na Síndrome
de Down” apresentado por Bárbara Louise Costa Messias, contou com a
participação da seguinte banca:

Profª Drª. Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio – UFRN


ORIENTADORA

Profª Drª. Karenine de Oliveira Porpino – UFRN


EXAMINADORA

Profª. Drª Teodora de Araújo Alves - UFRN


EXAMINADORA
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DANÇA PARA O CONHECIMENTO DO
CORPO NA SÍNDROME DE DOWN

MESSIAS, Bárbara Louise Costa.

RESUMO

Os indivíduos com necessidades especiais estão cada vez mais


presentes na sociedade em busca de seu espaço. O presente artigo destaca
um grupo em específico desses sujeitos: os que possuem a Síndrome de
Down. Essa síndrome é caracterizada por atrasos no desenvolvimento
psicológico, motor e físico. Diante disso, através de uma pesquisa de caráter
bibliográfico e exploratório, a finalidade deste trabalho é estudar e compreender
de que modo a dança pode trazer contribuições e enriquecimento com
inovações e novas propostas para o conhecimento do corpo e para a
conscientização corporal das pessoas com Síndrome de Down.

Palavras-chave: Dança; Síndrome de Down; Corpo.


ABSTRACT

People with special needs are increasingly presente in society,


searching for their space. This research highlights a specific group of these
special need individuals: those with Down syndrome. This syndrome is
caracterizes by delays in their psychological development, motor
development, and they also have a muscular hypotonia. Thus, throught a
bibliographic and exploratory research, the aim of this article is to study and
understand how the Dance, as a physical activity and a body language
proposal, can bring contributions to the knowledge of the body and the body
awareness of the down syndrome person.

Keywords: Dance; Down Syndrome, Body.


SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................ 7

A Síndrome de Down ........................................................................... 10

O corpo dançante e a Síndrome de Down ........................................... 13

Dialogando com profissionais da dança e a Educação Somática ....... 18

Considerações finais ............................................................................. 22

Referências bibliográficas ..................................................................... 24

Anexos................................................................................................... 26
7

1. INTRODUÇÃO

Em conformidade com a cultura contemporânea e especificamente em


nosso país, as pessoas com deficiência sofrem de algum tipo de rejeição,
notoriamente pela discriminação da deficiência, seja congênita ou adquirida,
seja em seu ambiente de trabalho ou no cotidiano. Aduz ainda, que está
havendo uma considerável mudança cultural de modo que os menos
favorecidos, bem como os com deficiência, possam ser inseridos na sociedade.

A nossa legislação tem tomado medidas protetivas com leis específicas


e pontuais, dentre as quais podemos citar o novo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, podemos ainda, trazer à tona o incentivo que o governo federal
tem trazido no âmbito da educação, onde todos terão que ser tratados de forma
igual, mesmo sendo diferentes. Segundo a legislação em vigor nº. 13.146, de 6
de Julho de 2015, é direito dos indivíduos com necessidades especiais o
acesso à saúde, à educação, ao trabalho, a profissionalização, a cultura, ao
lazer, ao desporto, assim como a outros elementos que venham a garantir o
bem-estar de cada um.

Dentre estes indivíduos com necessidades especiais, encontram-se as


pessoas com a Síndrome de Down (SD). Esta é uma condição genética
causada por uma anormalidade cromossômica e é uma das causas mais
frequentes da deficiência mental, assim como dos atrasos cognitivos e
motores. Como algumas das características das pessoas que possuem essa
síndrome, tem-se o atraso do desenvolvimento motor – o qual possui um tempo
diferenciado do tempo das demais pessoas – e a hipotonia muscular1

A sociedade contemporânea dá ao corpo um grande valor e importância


em relação aos quesitos de estética e de beleza. As pessoas que não se
encaixam nesses padrões, sofrem discriminação e preconceito. Os sujeitos
com Síndrome de Down são na maioria das vezes, vítimas da rejeição e da
exclusão social, isso se dá devido à falta de conhecimento por parte da
população a respeito dessa deficiência. A referida Síndrome não é uma

1
Hipotonia muscular é a diminuição do tônus muscular e da força, consequentemente causando a
flacidez.
8

doença, mas sim uma condição genética que difere essas pessoas das outras,
porém não as tornam menos humanas e importantes. Essa alteração
cromossômica faz com que essas pessoas possuam um atraso mental,
cognitivo, e motor, além de alguns traços diferentes na aparência física,
entretanto, nenhuma dessas características faz com que o indivíduo deixe de
ter uma vida saudável.

Os sujeitos com esse tipo específico de deficiência, sofrem com o


preconceito a ponto de não serem aceitas em diversos setores da sociedade.
Um deles, talvez um dos principais, é o Sistema Educacional, o qual, em sua
maioria, não tem o preparo para lidar com os estudantes deficientes, e diante
disso acabam rejeitando o aluno, alegando que o mesmo deve procurar por
uma escola especial para pessoas com deficiência, ou, quando aceitam,
cobram uma taxa extra ou exigem que os familiares contratem uma pessoa
para acompanhar o indivíduo na escola, quando essa não é uma obrigação da
família, mas sim da própria instituição.

De acordo com a legislação em vigor nº 7.853/89, artigo 8º, recusar a


matrícula de pessoas com deficiência tanto em escolas públicas quanto em
particulares é crime. Além desta, existe a Lei Brasileira de Inclusão (nº
13.146/2015), a qual obriga as escolas privadas a acolherem as pessoas com
deficiência no ensino regular e a realizar todas as medidas de adaptação
necessárias para essas pessoas, sem que seja cobrada alguma taxa extra nas
mensalidades ou na matrícula. No entanto, mesmo diante desses fatos, a maior
parte das instituições de ensino descumpre essas normas.

Com base em experiências que tive nos estágios supervisionados


durante a graduação, podemos afirmar que nas escolas de dança esse é um
fator verossímil. Se um aluno com Síndrome de Down for o único “diferente”
dos outros dentro da turma, o professor não dá a devida atenção a ele, e
muitas vezes não é porque o mesmo não quer, mas por não ter o
conhecimento específico para lidar com aquele aluno ou porque sabe que
aquele aluno aprende em um ritmo diferente, e que a aula precisa ser
planejada de modo que atenda a todos os educandos. Todavia, esse aluno é o
único na turma, e os outros não podem ser esquecidos, e, como são a maioria,
são prioridade. Diante disso, o aluno com deficiência acaba sendo “esquecido”,
9

o que recai em uma exclusão dentro da inclusão. A falta de conhecimento


sobre a deficiência, a falta de professores auxiliares ou assistentes, a falta de
formação (teórica e prática) com relação à Educação Especial, e
principalmente, a falta de apoio faz com que os professores encontrem mais
dificuldades e se sintam sozinhos no processo de incluir e auxiliar no
desenvolvimento desse indivíduo. A inclusão não é satisfatória somente para
as pessoas com deficiência, mas é também significativa para aqueles que
denominamos normais, os quais irão aprender a encarar o mundo de maneira
diferente e principalmente aprender com a diversidade para que haja respeito
mútuo.

Ao despertar para a realidade de que esses indivíduos estão buscando,


cada vez mais, se inserir na sociedade e realizar atividades como qualquer
outra pessoa, atividades estas que, além de proporcionarem a eles prazer e
bem-estar, possam trazer benefícios para o seu corpo diante da condição que
possuem, surgiu o meu interesse especial em estudar possíveis contribuições
que a dança pode trazer para o aguçar da percepção corporal na Síndrome de
Down. A dança é uma proposta de expressão e conscientização corporal, uma
vez que é através do movimento que as pessoas irão se comunicar, aprender,
trabalhar e sentir o mundo. Além disso, ela é uma arte que irá potencializar o
desenvolvimento das capacidades dos indivíduos, independente de serem
pessoas com algum tipo de deficiência. O desejo de pesquisar o presente tema
se deu a partir da curiosidade de mergulhar mais no universo da inclusão,
focando principalmente a questão da dança na Síndrome de Down.

Haja vista, a justificativa deste trabalho se baseou na importância de se


estudar essa possibilidade de contribuição da dança, como uma arte inclusiva,
para corpos com a Síndrome de Down, de modo que ela possa fomentar e
valorizar as particularidades e capacidades desses sujeitos, para que assim
possa ser estabelecida uma nova visão a respeito dessas pessoas perante a
sociedade e, acima disso, para que elas possam ser beneficiadas e auxiliadas
na descoberta de seus próprios corpos e na superação de suas limitações
corporais.

Deste modo, através de um estudo de natureza teórica, o presente artigo


busca compreender a dança como uma possível aliada para estimular a
10

consciência corporal nos sujeitos com Síndrome de Down, por intermédio de


diálogos com autores e estudiosos da Síndrome, como Voivodic (2008) e Cintra
(2002), e da dança, como por exemplo, Rudolf Laban (1990) e Isabel Marques
(1997). Além disso, irá estabelecer, também, paralelos com autores como
Strazzacappa (2000) e Jussara Miller (2007). Para tornar o estudo mais
relevante e embasado, será apresentada uma discussão feita a partir da visão
de um grupo de seis professores e artistas da dança que trabalham com
pessoas com Síndrome de Down, realizada mediante as respostas de uma
entrevista semiestruturada2 feita com cada um desses profissionais.

Este artigo irá, inicialmente, trazer uma explanação contextualizada a


respeito da Síndrome de Down, para que, em seguida, seja feita uma
discussão relacionando a dança e a presente deficiência. Após a correlação
das ideias apresentadas, traremos uma discussão envolvendo as entrevistas e
os referenciais teóricos dos autores previamente mencionados.

2. A SÍNDROME DE DOWN

A Síndrome de Down (SD) é uma condição genética na qual o indivíduo


possui 47 cromossomos por célula, quando o normal seria apenas 46,
agrupados em 23 pares. Esse cromossomo a mais se encontra no par 21, que
ao invés de dois, tem três cromossomos. Diante disso, essa Síndrome também
pode ser chamada de trissomia do par 21 (CINTRA, 2002; MARTINS, 2002).

O termo “Síndrome”, de acordo com Rosana Cintra (2002, p. 32),


significa “conjunto de sinais e de sintomas que caracteriza um determinado
quadro clínico”. Sendo assim, a junção do nome Síndrome de Down se deu a
fim de prestar uma homenagem a John Langdon Down, um médico inglês que
foi o primeiro a reconhecer e descrever esse grupo de pessoas que possuem
um déficit mental.

2
De acordo com Marconi e Lakatos (2003), a entrevista semiestruturada ocorre quando o entrevistador
fica a vontade para progredir qualquer situação que julgar necessário; as perguntas são abertas, abrindo
possibilidades para a realização de um diálogo informal entre o entrevistado e o entrevistador.
11

A síndrome de Down pode ocorrer devido a falhas durante o processo


de divisão e multiplicação das células. Além disso, existem fatores que podem
alterar a incidência da SD, como por exemplo, o fato de as mulheres mais
velhas apresentarem riscos de terem filhos com essa trissomia devido ao
envelhecimento de seus óvulos (VOIVODIC, 2008).

Algumas das características das pessoas que possuem a Síndrome de


Down são a lentidão no crescimento, baixa estatura, cabeça pequena (com
relação a outras crianças da mesma faixa etária), face com perfil achatado,
fissuras palpebrais, mãos pequenas e grossas com prega palmar única,
excesso de pele na nuca, membros superiores e inferiores (braços e pernas)
curtos, hipotonia muscular (diminuição do tônus muscular e da força, o que
causa a flacidez), dentre outras (VOIVODIC, 2008).

As pessoas com Síndrome de Down possuem características físicas e


aparência muito semelhantes, entretanto, quanto as características
comportamentais, não existe um padrão, visto que o desenvolvimento mental
não depende apenas da alteração dos cromossomos, mas sim da influência do
meio onde vive.

O desenvolvimento motor de um indivíduo com Síndrome de Down


possui um atraso, se comparado com o desenvolvimento de um ser humano
que não possui deficiência. Uma das causas para o atraso motor é a presença
da hipotonia muscular. O atraso na área motora irá causar um retardo em
outras áreas, como no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades sensório-
motoras, no conhecimento espacial e temporal, e na aquisição da linguagem,
uma vez que a criança vai criar a sua concepção do mundo a partir da
exploração do ambiente, do meio onde se encontra. Esses atrasos já podem
ser observados nos primeiros meses de vida (SCHWARTZMAN, 1999).

Quanto ao aspecto cognitivo, uma das características mais constantes e


marcantes na síndrome de Down é a deficiência mental. Devido a uma
diminuição generalizada do volume cerebral, diversos prejuízos são
desenvolvidos em algumas áreas do cérebro, o que causa, segundo Martins:

Lentidão na captação e no processamento de informações, na


elaboração e emissão de respostas adequadas e também, afetando
algumas funções cognitivas importantíssimas para a aprendizagem,
12

tais como: atenção, iniciativa, memória, associação e análise


(MARTINS, 2002, p. 53).

Segundo Martins (2002), tais prejuízos podem ser percebidos através da


tendência à distração, da dificuldade de manter a atenção e continuar a realizar
determinada atividade, da pouca iniciativa para realizar julgamento, da
dificuldade de reter informações, de elaborar pensamentos abstratos e
operações numéricas, dificuldade na capacidade de expressão verbal, dentre
outros. Existem outras dificuldades na coordenação de alguns movimentos
corporais, na aprendizagem de sequências motoras, isto posto, faz-se
necessário o trabalho da motricidade global e da motricidade fina, uma vez que
estas trabalham o equilíbrio, o espaço, a postura, dentre outros aspectos.

O indivíduo com Síndrome de Down apresenta uma tonicidade


hipotônica, e por esta razão, tem os seus ligamentos moles, o que pode ser
chamado de “hiperfrouxidão ligamentar”, condição que causa enorme
flexibilidade nas suas articulações. Desse modo, os movimentos do SD são,
em sua maioria, desajeitados e com pouca coordenação motora. Uma das
hipóteses para essa frouxidão nos ligamentos seria a diminuição da quantidade
de colágeno que a síndrome provoca (ORNELAS, 2001).

Um fator fundamental para favorecer uma atividade lúdica que colabore


com o desenvolvimento do sujeito com SD é a estimulação, de modo que ela
leve em consideração os diferentes ritmos de aprendizagem, devido a sua
condição. O desenvolvimento da pessoa Down não depende apenas dos
fatores biológicos, mas sim, das interações com o meio, com o mundo, pois “é
através de interações com o meio e da qualidade dessas interações que cada
indivíduo se constrói ao longo de sua vida” (VOIVODIC, 2008, p.48).

É importante conhecer as etapas do desenvolvimento infantil para se


lidar com as crianças com síndrome de Down, pois assim poderá ser realizada
uma estimulação de “todo o potencial de que ela é dotada, uma vez que os
exercícios de estimulação essencial fundamentam-se nas teorias de
desenvolvimento da criança” (ORNELAS, 2001, p. 81). É através da
estimulação que a pessoa com síndrome de Down irá ampliar e acelerar o seu
13

processo de aprendizagem, portanto, é fundamental oferecer as condições


necessárias para que ela consiga se desenvolver.

3. O CORPO DANÇANTE E A SINDROME DE DOWN

O tema da inclusão e exclusão social tem sido visto frequentemente em


campanhas, debates ou documentos que legalizam e asseguram a questão
dos direitos humanos dos indivíduos com deficiência.

De acordo com Gaio e Gois (apud Terra; Tonietti, 2010), estudos que
falam a respeito da ressignificação do estar em comunidade através da
inclusão social, vem mostrando há algum tempo a procura de novas
concepções e ações que explanem as distintas possibilidades de tratar com as
diferenças humanas, como um modo de tornar possível o engrandecimento da
convivência entre as pessoas e da aprendizagem através das diferenças.

Uma das oportunidades existentes de proporcionar o entendimento a


respeito das diferenças é o ensino da dança, que possibilita o desenvolvimento
e a valorização do corpo. A dança é a linguagem corporal, a qual, às vezes, é
mais adequada do que a própria linguagem oral ou verbal para expressar os
sentimentos mais profundos e nobres da alma. É uma arte que permite a
transmissão de ideias, princípios e emoções; é uma forma de poetizar e atribuir
sentidos ao vivido.

O ato de dançar cria novas possibilidades de significação para o corpo.


O indivíduo que dança está sempre adquirindo novos saberes, novos
conhecimentos e novas maneiras de enxergar o mundo, o que
consequentemente faz com que ele possa atribuir novas significações não só
para o corpo, mas para tudo que o rodeia.

É válido ressaltar que a dança traz uma grande diversidade que se torna
visível através dos movimentos. Pessoas que desde seu nascimento já são
consideradas diferentes, buscam através da dança, aprender a se comunicar
corporalmente e mostrar quem são.

Nesse contexto, podemos afirmar que cada corpo tem uma linguagem
própria, que lhe é peculiar. Através dos movimentos, a dança faz o uso dessa
14

linguagem, ampliando a mesma e dando sentido para que ela possa


estabelecer uma comunicação. Segundo Cintra (2002, p. 34), “ao controlar
seus movimentos, passos e gestos, o ser humano é, com o seu corpo, capaz
de exprimir, transmitir ao público receptor seus anseios, tensões e sentimentos
pela linguagem corporal, dança”. A dança possibilita, então, a descoberta da
existência do ser, do eu-interior, e essas características fazem com que ela
seja uma grande aliada na expressão dos seres humanos.

Dançar não consiste apenas em realizar um movimento, mas em sentir


esse movimento, prestar atenção a ele e dá-lo diversas qualidades. A
linguagem corporal da dança é extremamente potente, visto que ela faz uso
tanto de áreas físicas e afetivas, quanto cognitivas do ser humano. Ao dançar,
os sentidos, as emoções e a mente entram em atividade e, ao entrelaçar-se,
são capazes de comunicar algo.

É através do movimento que a criança irá descobrir-se, obter sua


consciência corporal, as noções de tempo, de espaço, desenvolver uma
relação com o mundo a sua volta e com o meio onde vive (LABAN apud
CINTRA, 2002). Essa descoberta perpassa a experiência da dança e deve ser
estimulada em qualquer faixa etária. Desse modo, essa arte pode permitir o
aguçar da percepção corporal naqueles que a vivenciam.

No processo da educação, a dança pode possibilitar condições para que


o indivíduo descubra suas próprias possibilidades de movimentação como uma
maneira fundamental para a compreensão e observação do mundo.
Entendendo o mundo, essa pessoa pode se relacionar melhor com ele, com ela
mesma, com os outros e com o espaço. Como recurso educacional, a dança
tem a função de desenvolver o ritmo, a coordenação motora, o controle dos
movimentos, estimular o corpo, possibilitando habilidades motoras e artísticas.
Além disso, ela proporciona alegria, estimula o trabalho coletivo, o convívio
com outras pessoas e a auto-realização (CINTRA, 2002).

Rudolf Laban, em seu livro denominado “Dança educativa moderna”


(1990), afirma que o papel da dança dentro do ambiente escolar não é de
formar artistas ou grandes bailarinos, mas sim, seres humanos com a
capacidade de se expressar através das suas atitudes, da sua criatividade e do
15

fluxo de seus movimentos. Para ele, o professor tem a função de encontrar


uma maneira própria de estimular os movimentos nos alunos e, em seguida, a
dança.

Se educar em dança não significa estritamente reproduzir movimentos,


estilos ou códigos, esse educar implica em conhecer e ter consciência de sua
estrutura corporal e da sua própria linguagem. A “Coreologia” 3 de Laban
proporciona um entendimento da dança de maneira que a criação, a
performance e até as relações com o meio social sejam compreendidas
(MARQUES, 1999).

Através desse processo artístico que é a dança, habilidades e talentos


do ser humano que não podem ser vistos através das atividades tradicionais,
podem ser notadas e desenvolvidas, fazendo com que esse indivíduo possa
encontrar o seu lugar e florescer. As pessoas com Síndrome de Down, em sua
maioria, possuem uma grande identificação com a arte, em especial, a dança,
onde elas encontram campo fértil para explorar suas capacidades criativas, de
expressão, comunicação e que permite que elas sejam incluídas na sociedade,
algo que, ainda hoje, não é fácil para as pessoas com deficiência.

A dança é uma atividade que proporciona a liberdade de expressão e a


autovalorização do sujeito deficiente. Ela torna possível uma mudança na
maneira do indivíduo olhar para si mesmo, significar a si mesmo, e além disso,
no modo de ver a sociedade.

Segundo Gaio (apud Terra; Tonietti, 2010, p. 809), a dança é uma:

[...] possibilidade de movimentos para além dos corpos, de forma e


de técnicas perfeitas; como meio de comunicação e transmissão de
idéias, de fala e de expressão dos diferentes e sobre as diferenças.
Corpos que se expressam com prazer, valorizando sua
essencialidade, quebrando paradigmas, despadronizando
movimentos e criando novas realidades corpóreas (GAIO, 2006, p.
17).

3
No início do século XX, Rudolf Laban (1879 - 1958) desenvolveu uma teoria do movimento pautada
num estudo “dos círculos existentes na natureza e na vida”. Partindo desse entendimento, Laban
conceitua a Coreologia como “a lógica ou a ciência dos círculos” (GUIMARÃES, 2006, p. 44). Nesse
sentido, podemos dizer que a Coreologia pode ser entendida como “uma gramática ou sintaxe do
movimento que engloba a corêutica, a eukinética, o uso instrumental do corpo, o relacionamento, do
corpo com ele mesmo, do corpo com outros corpos, e do corpo com o espaço e sistemas de notação”
(RENGEL, 2003, p. 35).
16

Portanto, refletir sobre corpos não idealizados e sobre diferenças,


significa refletir em uma temática que possa abranger a todas as pessoas da
sociedade, independente do tipo de corpo, seja ele magro, alto, gordo, baixo,
deficiente mental, deficiente físico ou qualquer outro tipo. Para isso, é
necessário pensarmos a dança, no geral, como uma arte inclusiva, apesar da
nossa sociedade nos incutir uma idealização de um corpo ideal, onde se prega
que há um corpo que é capaz de dançar e outro que não é (TERRA;
TONIETTI, 2010).

A ideia de se ter um corpo específico, ideal para dançar, surgiu desde o


período da Europa renascentista e do início do Balé Clássico, em que, para se
dançar, era necessário ter um tipo de corpo particular – magro, esguio,
elegante, leve. Ou seja, era um ideal de um corpo educado, de um corpo
perfeito que encantava as elites no período moderno e que encanta até hoje.
Esse tipo de dança foi criado para os corpos que eram tidos como “normais”,
isto é, corpos que tinham formas perfeitas, belas e técnicas. Já os corpos
“anormais”, não tinham vez no cenário do balé clássico. Algum tempo depois,
abrindo uma possibilidade de se lidar com outros tipos de estética, surgiu a
Dança Moderna, a qual teve o intuito de fazer uma crítica ao corpo reto e
controlado do Balé. A partir da liberdade que a Dança Moderna trouxe, surgiu a
Dança Contemporânea, permitindo um diálogo mais aberto à novas
possibilidades e a novos corpos, mais amplo e inclusivo. Essa dança trouxe
uma quebra de padrões já estabelecidos não só quanto ao corpo do bailarino,
mas quanto ao espaço em que se dança e a descentralização de referenciais
estéticos (PORPINO, 2012).

Destarte, na realidade atual onde sabe-se que a dança é um ofício, em


sua maioria, visual, e que o corpo é o transmissor dessa arte, é cabível levantar
o seguinte questionamento: como a prática da dança pode contribuir para o
conhecimento do corpo de pessoas com Síndrome de Down?

Ensinar dança para indivíduos com algum tipo de deficiência não


significa imprimir um modelo, dar comandos a serem fielmente reproduzidos.
Ao nosso ver, ensinar dança independe dos limites e potencialidades do
aprendiz, significa que o professor tem o papel de orientar esse aluno para o
movimento, despertá-lo, de modo que ele seja livre para realizar, criar seus
17

movimentos para expressar seu entendimento daquilo que lhe foi proposto
(BARNABE, 2001, apud BOFF; MAIA, 2008).

Toda pessoa, seja ela deficiente ou não, precisa ser estimulada


precocemente, para que ela possa aprender a engatinhar, andar, falar, bem
como desenvolver outras habilidades inerentes ao desenvolvimento, que se dá
nos primeiros anos de vida, visto que, é nessa fase que o ser humano adquire
e se apropria do seu espaço motor, oral, visual e físico.

No caso da Síndrome de Down, algumas características dessa alteração


genética devem ter maior atenção, como a postura corporal, a pouca
resistência tanto cardíaca quanto respiratória, a hipotonia muscular, o retardo
no desenvolvimento motor, que envolve a coordenação, equilíbrio, noções de
espaço, noções de lateralidade e de esquema corporal (SMITH E WILSON,
1980).

As pessoas com Síndrome de Down tem uma característica interessante


que contribui consideravelmente no processo de aprendizagem e do ensino da
dança: elas possuem uma grande capacidade de imitar. Segundo Vygotsky
(1991), o ato de imitar e de brincar são atividades de grande importância para o
desenvolvimento não só motor, mas mental e psicológico do ser humano.

A dança pode ser trabalhada com as pessoas com Síndrome de Down,


de maneira que aprimore a aptidão física, a integração social e o equilíbrio
emocional. Se pautada numa condução mais lúdica, a dança favorece um
modelo de ensino que não se fixa em uma única técnica, mas que proporciona
maior liberdade de movimentos.

No segundo semestre do ano de 2016, ao realizar o Estágio


Supervisionado IV, componente curricular do curso de Licenciatura em Dança
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pude ver na prática e
confirmar a teoria de que, em alguns casos, implementar a dança de forma
lúdica e recreativa é mais eficaz e atrativa para alunos com Síndrome de Down
que ainda estejam na infância ou no início da adolescência, visto que se torna
mais interessante e envolvente para eles. Durante esta experiência, observei
que a aluna com SD que fazia parte da turma não participava das aulas assim
como as outras alunas, não se sentia atraída. O máximo que ela fazia era, em
18

raras vezes, reproduzir, da maneira dela, uma pequena parte do exercício que
estava sendo proposto, porém, logo tinha sua concentração desviada para
alguma outra coisa. Notei que constantemente ela tinha sua atenção voltada
para objetos como algumas bolas coloridas que haviam na sala, elásticos
coloridos, ou o próprio aparelho de som. Ela gostava de manuseá-los e
procurava em todo o tempo chamar a atenção do professor para tais
elementos.

Após esta análise, passamos a trabalhar com essa aluna utilizando


novos artifícios, fazendo o uso desses elementos que ela gostava e agindo de
maneira mais lúdica e recreativa, sem deixar de lado o trabalho voltado para o
corpo e para a dança. Logo, percebemos que a aluna passou a ter uma
participação melhor nas aulas, a se interessar mais e a ter mais atenção, ainda
que não estivesse 100%, toda melhora é significativa para uma pessoa com
SD. Ademais, sua comunicação e socialização com os outros também teve
uma melhora considerável, dado que antes ela era uma menina mais retraída,
e após o início desse trabalho, começou a se desprender e a se socializar com
a turma.

Podemos, então, afirmar que a dança pode contribuir muito no processo


de desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Down, visto que ela se
torna uma grande estimuladora das ações corporais, posturais e sociais.
Segundo Cintra (2002, p. 50), para a pessoa com Síndrome de Down, “a dança
propicia criar, estimular novas situações de relacionamento de grupo,
entretenimento, relaxamento e excitação. Favorece também o trabalho motor,
ao realizar as coreografias e exercícios, e o trabalho mental, ao memorizá-las”.

4. DIALOGANDO COM PROFISSIONAIS DA DANÇA

Conforme Klauss Vianna (1990), a dança é um modo de existir, é vida, é


um corpo que não é automatizado. A partir disso, podemos refletir a dança
como uma possibilidade de movimentação que vai além de formas, de corpos
ideais e de técnicas perfeitas; como uma alternativa de movimentação livre,
que surge a partir do desejo de se comunicar através de movimentos e gestos,
de expressar os sentimentos através do corpo. Por mais simples que seja o
19

gesto ou a coreografia, ela está edificando uma realidade cultural, social, ou


seja, uma abordagem cujo tema está voltado para a própria subsistência do
homem.

A técnica de Vianna consiste em estimular a expressividade,


preservando e descobrindo o movimento de cada sujeito, de modo que este
trabalho não se restrinja apenas a arte cênica, mas que seja instrumento de
transformação nas atividades diárias, auxiliando na prevenção de tensões e
estresses que podem ser evitados. As aulas dessa técnica são voltadas para o
pensamento do próprio corpo, para o “estar presente” e sentir seu corpo
enquanto realiza a sua movimentação. Essa atenção e sensibilidade de “estar
presente” não se limita às aulas de dança, mas em tudo na vida, ao andar, ao
levantar, ao estar em casa, na escola, no trabalho ou na rua. É uma prática que
possibilita ao indivíduo explorar a sua criatividade em exercícios que visam
uma execução dos movimentos aprimorada e uma melhoria na expressão
(MILLER, 2007).

Com o intuito de compreender como alguns professores de dança na


cidade de Natal-RN pensam acerca das possibilidades de se trabalhar com a
dança com pessoas com Síndrome de Down, realizei uma entrevista
semiestruturada com seis profissionais da dança (os quais, neste artigo, serão
nomeados de A, B, C, D, E e F), sendo dois do sexo masculino e quatro do
sexo feminino, com faixa etária variando entre 25 e 35 anos de idade, e
formações em áreas como Dança, Pedagogia e Educação Física. Os seis
profissionais trabalham com essa deficiência, sendo cada um deles de âmbitos
diferentes, como por exemplo, do ensino regular, de grupos de dança e de
escolas de dança próprias para pessoas com deficiência. As entrevistas
previamente agendadas foram realizadas no período entre 15 à 23 de
Novembro de 2016. Os entrevistados tiveram como base as seguintes
questões: “Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome
de Down?” e “Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o
conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa com
Síndrome de Down?”.
O entrevistado D comentou em sua fala a importância de um fator que
também podemos encontrar na técnica de Vianna, onde o fato de “estar
20

presente” não deve se restringir apenas ao ambiente das aulas. Segundo ele, o
que é ensinado deve ser levado para a vida, para auxiliá-los em todas as
atividades que eles forem fazer, de modo que eles consigam ter autonomia.
Segue abaixo uma afirmação do professor D durante a entrevista:
O ápice do trabalho da dança com pessoas com Síndrome de Down,
para mim, é dar autonomia para eles. Autonomia em tudo. É o
principal e é o que eu sempre busco. Quando eu posso, através da
dança, ensiná-los a amarrar um tênis, por exemplo. Ou ensiná-los,
através de movimentos que utilizamos na aula de dança, a abrir um
pacote de biscoito. É gratificante ver o quanto eles ficam felizes ao
conseguirem fazer as coisas sozinhos, sem depender de ninguém, ao
conquistarem essa tão desejada autonomia (Professor D)

Já o professor E, abordou mais uma contribuição que o trabalho da


dança possibilitou aos seus alunos com SD e que eles poderão aplicar para o
resto da vida: a questão da higiene pessoal. Ao ensinar a dança, o professor
ensinou também que o bailarino precisa cuidar do seu corpo, precisa estar
sempre limpo e bem cuidado. Através disso, a melhora na higiene dos alunos
foi notória; e o cuidado com o corpo também. Temos o exemplo de uma aluna
que estava com um sobrepeso evidente, chegando a um quadro de obesidade,
e após as aulas de dança começou a cuidar de sua saúde e alimentação para
assim conseguir melhores resultados na dança.
Trabalhar a dança com pessoas com essa deficiência é, de acordo com
B e C, um privilégio, pois é lidar com indivíduos que são tão capazes quanto os
outros, é encará-los como as pessoas normais que são, mas sabendo que o
seu tempo de aprendizado é diferente, que o processo é mais lento e
respeitando essa característica. Os professores D e E afirmaram que é um
trabalho prazeroso e extremamente gratificante, uma vez que esses sujeitos
sempre os surpreendem, pois executam não apenas o que lhes é pedido, mas
fazem sempre mais, para a surpresa de todos. O professor F, por sua vez,
afirmou que é um trabalho difícil, uma vez que a teoria dada a ele não
proporcionou elementos para contribuição da sua prática pedagógica com
relação a essa temática.
Para o entrevistado A, esta é uma tarefa que necessita de uma
perspectiva que aborde as diferenças e singularidades de cada sujeito
dançante, visto que os bailarinos com os quais ele trabalha não se enquadram
dentro dos padrões clássicos da dança, como é o caso do SD. Segundo ele,
21

O bailarino com Síndrome de Down, como qualquer pessoa, possui


singularidades corporais que o fazem ver o mundo de maneira ímpar
e é a partir dessa maneira ímpar que consigo lidar com ele em
ensaios e aulas. Quero dizer que, ao lidar com ele, estou lidando com
suas potencialidades e dificuldades. O bailarino que me refiro, por
dançar desde criança (hoje tem 28 anos), possui um corpo bem
tonificado e sua memória operacional, de curto e longo prazo,
também são bem desenvolvidas. O único aspecto que o torna
diferente dos demais é seu modo “lúdico” de ver o mundo. As
abordagens que devemos ter para com ele são sempre de maneira
lúdica e metafórica (Entrevistado A)

Cada bailarino possui suas particularidades e suas diferenças. De


acordo com Marcia Strazzacappa (2000), nenhum ser humano é igual ao outro,
e por isso, suas diferenças e singularidades devem ser respeitadas. Lobo e
Navas (2003) afirmam que
Se partirmos do princípio de que os artistas nos chegam, na primeira
aula, com histórias corporais diversas e que suas experiências ficam
gravadas em registros corporais, sabemos, de antemão, que esses
corpos nos trazem posturas, atitudes, gestos, tensões e leituras
totalmente diferentes” (LOBO E NAVAS, 2003, p. 79)

Nesse modelo de educação, o foco não está em conseguir um corpo


ideal e padronizado, mas sim, em identificar que no trabalho corporal cada
mínimo detalhe é importante e faz a diferença, que o menos muitas vezes pode
ser mais (MILLER, 2007). Esse é um ponto fundamental para o trabalho não só
com as pessoas com Síndrome de Down, mas com qualquer tipo de deficiência
– saber que cada conquista deles, por mais que seja aparentemente pequena,
tem um grande valor e uma grande importância. Cada novo passo dado pelo
sujeito com SD deve ser comemorado e ainda mais estimulado, dado que é por
intermédio desses estímulos que eles irão continuar progredindo. Precisamos
entender que, ao lidar com pessoas com necessidades especiais, muitas vezes
damos um passo para frente e dois para trás. É um trabalho contínuo e que
traz muito aprendizado e satisfação.
Em consonância com Vianna (apud MILLER, 2007), antes de aprender
a dançar, é necessário que se tenha uma noção do corpo, de como ele é e de
como ele funciona, quais possibilidades e limitações ele possui, para que,
mediante isso, a dança possa acontecer. O professor B comenta que a dança
possibilita esse passeio pela percepção corporal, uma vez que, para que o ato
de dançar aconteça, inicialmente é necessário que haja o processo de
compreender que corpo é esse que eu sou, que possibilidades eu tenho de
movimentá-lo, senti-lo, potencializá-lo, seja em uma coreografia ou em um
22

personagem específico. É ideal que a criança, jovem ou adulto com Síndrome


de Down, assim como todas as outras pessoas, possam ter essa consciência
aguçada devido a dificuldade que eles tem em serem estimulados desde a
infância.
O ato de estimular o indivíduo a conhecer o corpo que tem é de
fundamental relevância para que ele possa obter a “presença” corporal, o
“acordar” do corpo. Segundo Klauss Vianna (apud MILLER, 2007, p. 55),

Em geral, mantemos o corpo adormecido. Somos criados dentro de


certos padrões e ficamos acomodados naquilo. Por isso digo que é
preciso desestruturar o corpo; sem essa desestruturação não surge
nada de novo. Se o corpo não estiver acordado é impossível
aprender seja o que for (VIANNA, apud, MILLER, 2007, p. 55).

De acordo com Lobo e Navas (2003), é imprescindível que todo o


trabalho corporal tenha início com o contato, a observação e o despertar do
próprio corpo, de modo que aos poucos a percepção corporal seja aguçada,
que haja uma sensibilização das articulações e da musculatura, para que,
assim, possamos ter um corpo em estado mais atento, sensível e sensorial.
Nesse sentido, podemos afirmar que a fala de todos os profissionais da
dança entrevistados está, de alguma forma, atrelada aos princípios de Klauss
Vianna, de Márcia Strazzacappa, assim como de Lobo e Navas, os quais tem
como foco o conhecer do corpo, com a finalidade não apenas de dançar, mas
de conquistar avanços no que tange à saúde dos indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que o processo da inclusão em nosso país, apesar de já ter


melhorado, ainda vem caminhando a passos lentos. Já logramos um avanço
considerável, mas ainda há muito que melhorar e evoluir. No caso das pessoas
com Síndrome de Down, as quais foram o foco desta pesquisa, a discriminação
e o preconceito ainda existem, mesmo que através de um simples olhar
diferente para esses sujeitos.
Isto posto, a dança pode contribuir com mudanças na vida desses
indivíduos. Por mais que a sociedade ainda se impacte ao ver pessoas com
23

Síndrome de Down nos palcos dançando, aquele é o momento deles se


sentirem livres, de se desprenderem e de expressarem tudo o que estão
sentindo. A dança, para esses cidadãos, traz contribuições em diversas áreas,
como cognitivas, motoras, sociais, culturais, etc. Desse modo, é necessário
que os estudos a respeito dessa temática sejam aprofundados e aprimorados,
uma vez que, como mencionado no início do artigo, as pessoas com
necessidades especiais estão cada vez mais buscando se inserir em todos os
setores da sociedade atual.
O presente trabalho tem como finalidade mostrar que essa arte, é, sim,
capaz de aprimorar a vida de um indivíduo com SD no que tange ao seu olhar
sobre ele mesmo, sobre o seu corpo e sobre o mundo. É válido ressaltar que o
intuito deste artigo não é discorrer sobre casos específicos e isolados de
pessoas com SD que praticam a dança.
As bibliografias e referências existentes sobre este tema são escassas,
o que nos dificultou encontrar trabalhos que se proponham a falar sobre a
dança como uma aliada na Síndrome de Down. Diante dessa realidade, sigo
com a pretensão de dar continuidade aos estudos a respeito desse assunto e
de aprofundá-lo, para que futuramente possa estar descobrindo novas
maneiras e novas contribuições do ensino da dança para essas pessoas com
deficiências.
É imprescindível que os educadores, em especial os professores de
dança, tenham e busquem cada dia mais fundamentação e conhecimento
sobre a Síndrome de Down, pois assim terão como elaborar estratégias para
tornar o aprendizado deles mais eficaz e para que a dança possa se tornar
ainda mais relevante e benéfica para o corpo e para a vida deles.
24

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUDA, Dayane. Os benefícios da dança para pessoas com síndrome de


down. 2010. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/os-beneficios-
da-danca-para-pessoas-com-sindrome-de-down/55826/>. Acesso em: 10 de
Março de 2016.
BOFF, Sergio; MAIA, Aline. A influência na dança no desenvolvimento da
coordenação motora em crianças com síndrome de down. 2008. Disponível
em: <http://fefnet178.fef.unicamp.br/ojs/index.php/fef/article/view/235>. Acesso
em: 11 de Março de 2016.
BORGES, Ivana. A contribuição das atividades rítmicas para o
desenvolvimento da criança com Síndrome de Down: um relato de
experiência. 2007. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/ceme/uploads/1392902662Monografia_Ivana_Araujo_Borg
es.pdf>. Acesso em: 10 de Março de 2016.
BRASIL. Lei nº 7.853 de 24 de Outubro de 1989. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm >. Acesso em: 12 de
Março de 2016.
BRASIL. Lei nº 13.146 de 6 de Julho de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>.
Acesso em: 12 de Março de 2016.
CINTRA, Rosana. Educação Especial x Dança: um diálogo possível.
Campo Grande: UCDB, 2002.
FONSECA, Angelica; LIBERALI, Rafaela; ARTAXO, Maria; MUTARELLI, Maria.
Benefícios da Dança em portadores de Síndrome de Down. 2011.
Disponível em:
<http://sare.anhanguera.com/index.php/rencp/article/view/3026/1343>. Acesso
em: 12 de Março de 2016.
FRANCISCHI, Vanessa. Dança e gênero: possibilidades de educação
inclusiva. Disponível em: <http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-
content/uploads/2013/10/Vanessa-Francischi.pdf>. Acesso em: 15 de
Novembro de 2016.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
GUIMARÃES, Maria Cláudia Alves. Rudolf Laban: uma vida dedicada ao
movimento. In: MOMMENSOHN, Maria; PETRELLA, Paulo (Orgs.). Reflexões
sobre Laban, o mestre do movimento. São Paulo: Summus, 2006.

LABAN, R. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.


25

LOBO, Lenora; NAVAS, Cássia. Teatro do movimento: um método para o


intérprete criador. Brasília: LGE Editora, 2003.
MARCONI, Marina; LAKATOS, Eva. Fundamentos da Metodologia
Científica. 5 ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003.
MARTINS, Lúcia. A inclusão escolar do portador da síndrome de Down: o
que pensam os educadores? Natal: EDUFRN. Editora da UFRN, 2002.
MARTINS, L. A.; ALVES, J. F.; PORPINO, K. O.; SILVA, L. G. S.; MELO, F. R.
L. V.; OMOTE, S.; NUNES, D. R. P.; KASSAR, M.; RAPOSO, P.; GLAT, R.;
OUTROS. Corpos que dançam, corpos que educam. In: Lúcia de Araújo
Ramos Martins; Gláucia Nascimento da Luz Pires; José Pires. (Org.). Inclusão
escolar e social: novos contextos, novos aportes. 1ed. Natal: EDUFRN,
2012, v. 1, p. 213-226.
MARQUES, I. A dança criativa e o mito da criança feliz. Revista Mineira de
Educação Física, v. 5, n. 1, p. 28-39, 1997.
MILLER, Jussara. A escuta do corpo: sistematização da Técnica Klauss
Vianna / Jussara Miller. – São Paulo: Summus, 2007.

RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. Annablume, 2003.

SCHWARTZMAN, José Salomão. O sistema nervoso na Síndrome de Down.


São Paulo: Memnom, 1999.
SCHUSTERMAN, Richard. Consciência Corporal. Tradução Pedro Sette-
Câmara. – São Paulo: É Realizações, 2012.

STRAZZACAPPA, Márcia. Educação somática: seus princípios e possíveis


desdobramentos. Disponível em:
<http://www.revistarepertorioteatroedanca.tea.ufba.br/13/arq_pdf/educacaosom
atica.pdf.>. Acesso em: 16 de Novembro de 2016.

TERRA MATOS, Alessandra; TONIETTI FERREIRA, Diego. Dança e


educação: um olhar na perspectiva da inclusão. Disponível em:
<http://congressos.cbce.org.br/index.php/4concoce/4concoce/paper/viewFile/25
57/1243.>. Acesso em: 20 de Novembro de 2016.

VOIVODIC, Maria Antonieta. Inclusão escolar de crianças com Síndrome de


Down. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
_______. Ensino de dança hoje: textos e contextos. São Paulo, Cortez,
1999.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
26

ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTA

I. Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

II. Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

ANEXO B – ENTREVISTAS COMPLETAS

ENTREVISTADO A
LOCAL DE TRABALHO: COMPANHIA GIRA DANÇA
FUNÇÃO: DIRETOR ARTÍSTICO

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

Trabalho com uma perspectiva que aborda as diferenças e


singularidades de cada sujeito dançante. Veja, trabalho com bailarinos que,
normalmente, não se enquadram dentro dos padrões clássicos da dança. Digo
isso para que fique claro que só um integrante da Cia que atuo (GIRA DANÇA),
tem Síndrome de Down. Por trabalhar com o enfoque às diferenças, percebo
que Wilson Jr possui, como qualquer pessoa, singularidades corporais que o
fazem ver o mundo de maneira ímpar e é a partir dessa maneira ímpar que
consigo lidar com ele em ensaios e aulas. Quero dizer que, ao lidar com
Wilson, estou lidando com suas potencialidades e dificuldades. O bailarino que
me refiro, por dançar desde criança (hoje tem 28 anos), possui um corpo bem
27

tonificado e sua memória operacional, de curto e longo prazo, também são bem
desenvolvidas. O único aspecto que o torna diferente dos demais é seu modo
“lúdico” de ver o mundo. As abordagens que devemos ter para com ele são
sempre de maneira lúdica e metafórica. Assim é trabalhar com o Wilson Jr da
Cia Gira Dança.

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

Como já mencionado, é irrefutável a contribuição da dança na


constituição dos sujeitos que tem Síndrome de Down. Por trabalhar com dança
contemporânea, onde a experimentação e a conscientização do corpo/sujeito
no mundo é premissa para o nosso fazer, afirmo que são incalculáveis os
aspectos positivos na vida dessas pessoas. A dança passa a ser o modo como
eles enxergam o mundo, aguçando suas percepções, não só corporais, mas
sobre seus próprios contextos. Assim, afirmo, com convicção, que a Dança
pode vir a ser uma ferramenta potente no que tange a constituição dos corpos
com Down, se soubermos entender as singularidades de cada sujeito
dançante.

ENTREVISTADA B
LOCAL DE TRABALHO: COLÉGIO MASTER
FUNÇÃO: PROFESSORA DE DANÇA

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

Eu não vejo nenhuma diferença explícita nesse sentido dos alunos que
não tem a SD para os que tem. Existe a questão do aprendizado deles ser
mais lento, mas ainda assim o poder de observação deles é incrivelmente
grande e eles conseguem absorver tudo o que nós passamos e muitas vezes
28

com mais atenção e mais detalhes do que uma pessoa considerada normal
absorve. Eles gostam, eles querem aprender e por isso eles conseguem
absorver tudo o que você passa e com mais atenção ainda do que as outras
pessoas. Eles tem uma grande capacidade de imitar, andam repetindo as
coisas que eu, como professora de dança, faço, por exemplo. É um poder de
observação e de reprodução muito grande.

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

A dança possibilita esse passeio pela percepção, até porque para que a
dança aconteça existe o processo de entender que corpo é esse que você tem,
que possibilidade você tem de usar o seu instrumento que vai ser utilizado para
a dança, para representar uma coreografia ou um personagem específico ou
alguma coisa coreograficamente falando, é ideal a criança, jovem ou adulto
com SD, assim como todos os outros, que eles possam entender um pouco
mais justamente pela dificuldade de serem estimulados desde a infância. O que
eles deixam que afete o corpo deles lá fora, seja pela família ou sociedade, traz
consequências e possibilidades, limites ou não, para a dança deles. Então a
dança chega com esse papel de mostrar que o corpo deles podem fazer
determinada coisa, até onde eles podem ir, até onde eles podem ir com o
colega, como respeitar os colegas.

Eles são muito presos, muito talhados, na sociedade, em casa, pela


família. Então o momento onde eles podem se libertar e se expressar como
querem é na hora de dançar, é quando estão no palco. Por isso eles amam o
palco e quando estão em um, não querem mais sair.

Uma coisa que eu noto e que foi um grande positivo da dança foi a
empolgação que ela trouxe para eles, a maneira que eles passaram a encarar
cada momento de dançar, uma mudança corporal de postura, de se colocar
diante daquilo, da sala, dos outros, da sociedade, de ficarem mais confiantes e
seguros de si ao perceberem que eles tem um espaço.
29

ENTREVISTADA C
LOCAL DE TRABALHO: NA PONTINHA
FUNÇÃO: DIRETORA E PROFESSORA DE BALÉ CLÁSSICO

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

Trabalhar a dança com SD é da mesma forma que trabalhar com


pessoas normais, mas você precisa entender que o processo é mais lento, mas
ainda assim eles absorvem tudo. Eles tem uma percepção muito legal e é
surpreendente porque eles absorvem não só as coisas que eu ensinei, mas as
que eu ainda não ensinei e eles fazem sozinhos. É uma experiência única e
que não tem dificuldade alguma.

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

A dança ajuda muito na consciência corporal do SD. Ela tem o poder de


educar, de direcionar. É notória a diferença principalmente quanto a disciplina
de um aluno SD que começou a fazer dança. E eles gostam muito de dançar,
então torna tudo mais fácil. A dança ajuda inclusive no andar de um SD que
ainda é pequeno. Uma coisa muito interessante é que a hipotonia que os SD
tem foi um agente de inclusão de uma aluna em uma turma de balé, pois
devido a essa hipotonia ela tem uma flexibilidade enorme e diante disso as
outras alunas da turma ficaram chocadas e adoraram.

ENTREVISTADA D
LOCAL DE TRABALHO: STUDIO SORAYA LIMA
30

FUNÇÃO: DIRETORA E PROFESSORA DE DANÇA

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

Eu trabalho há 16 anos com SD, faz parte dos meus estudos como
pedagoga e eu não faço um trabalho apenas de dança com eles, mas um
trabalho educacional. Antes deles perceberem o movimento da dança, eles
estudam a história de cada dança atrelada a cada movimento. Faço uma
contextualização com eles, porque as pessoas com SD precisam dessa
contextualização no sentido de tornar tudo com mais significado para eles, de
modo que não seja apenas a dança por si só. Eles tem uma grande capacidade
de observação, então captam todas as coreografias, e além de coreografias, eu
dou a eles a liberdade de criarem sozinhos, faço um trabalho de expressão
livre, para tentar buscar a espontaneidade de cada um, além da cópia. Eu
tenho 22 SD e trabalho nessa perspectiva com eles, envolvendo-os em outras
coisas e trazendo as experiências deles de movimentação, que são poucas,
pois alguns não são estimulados desde pequenos, essa movimentação parte
desde o andar, por exemplo, então desenvolvo todo esse trabalho com eles.

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

O SD já tem uma sexualidade muito aflorada, essa questão


principalmente do contato com o outro. Então, percebemos alunos muito
excitados, principalmente os homens. Então fazemos um trabalho de
consciência corporal até para saber controlar o corpo para que eles consigam
se controlar. A dança vem contribuindo porque ela é um trabalho com o corpo.
Quando danço uma dança de salão, por exemplo, eles tem que ter consciência
de que ali é um momento de dançar, de conduzir a dança com todo o respeito.
Então a dança contribui também com a consciência educacional dos SD.
31

Eu percebo também em apresentações, por exemplo, o quanto ainda é


chocante para a sociedade que essas pessoas podem dançar. A sociedade
ainda não entendeu que qualquer pessoa pode dançar. Eu levei eles
recentemente para um evento e o pessoal ficou chocado em eles estarem
dançando. Ainda existe a questão da história, ainda existe o preconceito,
apesar de hoje estar bem melhor e de existirem diversas campanhas. Quando
levamos eles para a rua, e eles gostam muito de ir, o impacto da sociedade é
muito grande. E para eles, é algo libertador, estar subindo no palco e estar
dançando com o outro. Eu faço um trabalho de incluir eles com outras pessoas,
pois acredito que o trabalho de inclusão não é apenas juntar todos os SD, ou
de dizer que o SD só vai dentro das possibilidades deles. Não, se eles estão
dentro daquele nível de ensino, seja de um ballet ou sapateado, eles vão
aprender aquilo que a turma deles está aprendendo. É muito difícil inclusive de
envolver a família. Quando conseguimos envolver, o trabalho flui com toda a
rapidez. Enquanto a família não entende que eles são capazes, existe muita
preocupação e rejeição. É necessário que seja feito um trabalho de
conscientização principalmente com a família, pois eles vivem um eterno luto. A
pessoa que tem um SD em casa abdica de toda a sua vida, pois precisa leva-
los para fonoaudiólogos, terapeutas, etc., para ajudá-los e fazê-los ter uma vida
mais normal possível.

Não é um trabalho fácil, é um trabalho que envolve muitas coisas. Mas a


dança e a música, andando juntos, são um trabalho fantástico com os SD, você
consegue resultados surpreendentes, incríveis.

Além da questão do corpo, a dança contribui muito na questão do social,


deles socializarem com outras pessoas. Melhora muito a comunicação e a
interação deles com os outros. Mas claro que depende de cada um, assim
como todas as pessoas, existem alguns mais retraídos, como existem os mais
soltos. Os SD são muito livres, então quando eles gostam de alguém, eles
gostam pra valer. E quando não gostam, não gostam e pronto.

Ao ver o antes e o depois deles, percebo que eles estão bem mais
maduros, que a capacidade de atenção, de observação e de expressão deles
melhorou de mais. Hoje, inclusive, tenho monitores na turma de SD, onde os
monitores são pessoas que também tem SD. Ou seja, se hoje eles estão no
32

papel de monitores, é porque eles se mostraram capazes e mostraram que


desenvolveram, que amadureceram. É muito legal eu poder através de dança
ensinar também novas palavras, ensinar por exemplo, um aluno a amarrar um
tênis, pois alguns não sabem amarrar, e através da dança e dos movimentos
também podemos ensinar isso. A questão da autonomia, para mim, é o ápice
do trabalho. Dar autonomia a eles, em tudo, é o principal e é o que eu sempre
busco. Quando eles pedem por exemplo, para que eu abra um biscoito para
eles, eu digo que não, que eles sabem abrir, que eles podem abrir sozinhos.
Então como é bom através da dança também poder ensinar esse tipo de coisa
a eles. É gratificante ver o quanto eles ficam felizes ao poder fazer as coisas
sozinhos, ao conquistarem autonomia.

ENTREVISTADA E
LOCAL DE TRABALHO: APAE NATAL – RN
FUNÇÃO: PROFESSORA DE DANÇA

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?

É gratificante. É um trabalho que me deixa muito feliz, pois somos


constantemente surpreendidos por eles. Eles sempre vão além das nossas
expectativas, fazem mais do que pensamos que eles conseguem. Nós
subestimamos muito as pessoas com SD, mas elas são mais capazes do que
imaginamos.

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

A dança contribui em todos os sentidos, porque dentro da dança a gente


trabalha todas as questões corporais, não só enquanto dança. A gente usa a
dança para falar até mesmo da questão da higiene, explicando que o bailarino
33

tem que estar bem limpinho, que tem que ter o cuidado com o corpo, etc, então
nessa proposta também ajuda. Enquanto corpo, tenho um exemplo de uma
aluna que não fazia nada, que chegou aqui muito gorda, não fazia nada, não
falava. E hoje a dança contribuiu muito, hoje ela dança, ela fala, da forma dela,
mas fala, ela andava toda pesada e hoje anda normalmente. Então a dança
ajudou muito. É uma ótima aliada para contribuir na questão da comunicação
deles. Na questão corporal, nós trabalhamos a lateralidade, o que é direita,
esquerda, frente, trás, movimentos lentos, rápidos, o ritmo, a música,
colocamos músicas para eles ouvirem e sentirem o que podem fazer através
daquela música, dentre outras coisas, então em todos esses aspectos a dança
contribui muito.

Temos aqui um exemplo de um aluno SD que tem uma grande facilidade


em imitar, em copiar, em memorizar. Ele assiste coisas em casa e chega na
aula mostrando todas as coreografias perfeitas. Já tenho outra aluna que adora
criar. Na aula ela faz tudo como o planejado, mas quando está no palco, se
empolga e cria a própria coreografia dela. Quanto mais aplaudir, mais ela
dança. Eles adoram o palco, adoram se amostrar. Eles também tem muita
flexibilidade, então eles se mexem muito, requebram, e adoram fazer isso. Se
disser a eles um dia que não terá dança, eles ficam muito tristes, porque eles
gostam muito.

ENTREVISTADO F
LOCAL DE TRABALHO: STUDIO CORPO DE BAILE
FUNÇÃO: PROFESSOR DE DANÇA

Como é para você trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de


Down?
Trabalhar a dança com pessoas com Síndrome de Down não é fácil. Até
porque o meu curso de graduação não me preparou para isso. O que sei, foi
uma busca própria. Mas é gratificante.
34

Como você percebe as contribuições do ensino da dança para o


conhecimento do corpo ao desenvolver um trabalho com uma pessoa
com Síndrome de Down?

Acho que a dança contribui nas relações com os limites. Principalmente,


na quebra deles. Ampliando as relações pessoais e coletiva, em uma
perspectiva do possível, e um maior controle de seus movimentos e emoção.
Além de perceber uma grande melhora na socialização, memória e
coordenação motora.

Você também pode gostar