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Conceitos e Soluções
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS


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B954g Burgelman, Robert A.


Gestão estratégica da tecnologia e da inovação [recurso
eletrônico] : conceitos e soluções / Robert A. Burgelman,
Clayton M. Christensen, Steven C. Wheelwright ; tradução:
Luiz Claudio de Queiroz Faria ; revisão técnica: André
Ribeiro de Oliveira. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre : AMGH, 2012.

Editado também como livro impresso em 2012.


ISBN 978-85-8055-091-7

1. Administração. 2. Gestão estratégica – Inovações


tecnológicas. I. Christensen, Clayton M. II. Wheelwright,
Steven C. III. Título.

CDU 005.21

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052


Robert A. Burgelman
Stanford Business School

Clayton M. Christensen
Harvard Business School

Steven C. Wheelwright
Harvard Business School (Emeritus)
Brigham Young University–Hawaii

G e s t ã o
E s t r a t é g i c a d a
Te c n o l o g i a
e d a I n o v a ç ã o
Conceitos e Soluções

5 a E DIÇÃO

Tradução
Luiz Claudio de Queiroz Faria

Revisão Técnica
André Ribeiro de Oliveira
Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, com área de concentração em Gestão e Inovação
Professor adjunto do Departamento de Engenharia Industrial da UERJ
Pesquisador do Grupo de Produção Integrada da COPPE/UFRJ

Versão impressa
desta obra: 2012

AMGH Editora Ltda.


2012
Obra originalmente publicada sob o título
Strategic Management of Technology and Innovation, 5th Edition
ISBN 0073381543 / 9780073381541

Original edition copyright (c)2009, The McGraw-Hill Companies, Inc., New York, New York 10020 All rights reserved.

Capa: Aero Comunicação


Preparação de originais: Carlos Villarruel
Leitura final: Carolina Caires Coelho
Gerente editorial CESA: Arysinha Jacques Affonso
Coordenadora editorial: Viviane R. Nepomuceno
Assistente editorial: Kelly Rodrigues dos Santos
Projeto e editoração: ERJ Composição Editorial

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


AMGH Editora Ltda., uma parceria entre Grupo A Educação S.A. e McGRAW-HILL EDUCATION.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana
90040-340 – Porto Alegre – RS
Fone: (51) 3027-7000   Fax: (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer


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SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
OS AUTORES

ROBERT A. BURGELMAN é professor de Adminis- University; mestre em Economia pela Oxford University,
tração, diretor da Edmund W. Littlefield e diretor do onde estudou como Rhodes Scholar; e MBA e DBA pela
Programa Executivo Stanford da Stanford University Harvard Business School. Por vários anos, ele e seus coau-
Graduate School of Business. O professor Burgelman en- tores foram premiados por artigos publicados na Harvard
sina Gestão Estratégica em Stanford desde 1981. Já fez Business Review, MIT Sloam Management Review, Business
parte do corpo docente da Antwerp University (Bélgica), History Review e Production and Operations Management.
New York University e Harvard Business School (como Seu livro, O Dilema do Inovador, recebeu o Global Busi-
Marvin Brower Fellow). Graduou-se em Economia Apli- ness Book Award de 1997 como melhor livro de negócios
cada pela Antwerp University e é mestre em Sociologia publicado naquele ano. Ele e seus colegas escreveram cin-
e doutor em Gestão de Organizações pela Columbia Uni- co outros livros. Os três primeiros tratam das teorias da
versity, onde estudou como European Doctoral Fellow gestão da inovação e como os gestores e analistas podem
(Ford Foundation) e ICM Fellow (Bélgica). Também usá-la: Innovation and General Management (McGraw-
recebeu o título de doutor honorário da Copenhagen Bu- -Hill, 1999); The Innovator’s Solution (2003) e Seeing
siness School. O professor Burgelman estuda o papel da What’s Next (2004) (ambos pela Harvard Business School
estratégia na evolução da empresa. Ele estudou, em parti- Press). Seus livros mais recentes são Disrupting Class e
cular, os processos estratégicos envolvidos no corporate The Innovator’s Prescription (ambos pela McGraw-Hill,
venturing* interno, saída estratégica do negócio e inalte- 2008 e, no Brasil, pela Bookman Editora, com os títulos,
rabilidade coevolutiva. Sua pesquisa atual concentra-se respectivamente, Inovação na Sala de Aula e Inovação na
na complexa integração estratégica nas empresas com Gestão de Saúde). Nestes, ele examina, através das lentes
múltiplos negócios. Ele é autor de Strategy Is Destiny: dos seus estudos sobre inovação, por que as escolas públi-
How Strategy-Making Shapes a Company’s Future (Free cas lutam para melhorar e por que os sistemas de saúde são
Press, 2002). É coautor de Inside Corporate Innovation tão caros e inacessíveis; e oferece soluções plausíveis e
(Free Press, 1986) e Strategic Dynamics: Concepts and práticas para esses problemas. Atuante como consultor em
Cases (McGraw-Hill, 2006) e publicou vários artigos equipes de gestão para muitas das principais empresas do
nos principais periódicos acadêmicos e profissionais. mundo, o professor Christensen fundou três empresas de su-
Desde 1989, é coeditor do Research on Technological cesso: CPS Technologies, especializada em ciência dos ma-
Innovation, Management and Policy (JAI Press). Lecio- teriais, instituída com vários professores do MIT; Innosight
nou em programas executivos e ministrou seminários de LLC, uma consultoria que utiliza sua pesquisa para abordar
alta gestão no mundo inteiro para muitas empresas im- problemas de estratégia e inovação; e Rose Park Advisors,
portantes. Atuou em diversos conselhos de administração especializada em gestão de investimentos. Ele também atua
e conselhos consultivos de empresas privadas. como um dos líderes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos
dos Últimos Dias, no nordeste da América do Norte. Ele e
CLAYTON M. CHRISTENSEN é professor de Gestão
sua esposa, Christine, são pais de cinco filhos.
Empresarial na Harvard Business School. Seus interesses
de pesquisa e ensino estão centrados na gestão da inovação STEVEN C. WHEELWRIGHT é presidente da Brigham
tecnológica e em descobrir novos mercados para as novas Young University – Hawaii in Laie, Havaí, na ilha de
tecnologias. É bacharel em Economia pela Brigham Young Oahu. Antes de assumir o posto, em junho de 2007, ele
foi professor de Gestão da Baker Foundation na Har-
vard Business School, onde também atuou como Senior
Associate Dean, Director of Publication and Activities
*
N. de T.: Corporate venturing – prática de uma grande empresa comprar e presidente da HBS Publishing. Seu ensino e pesquisa
uma parcela de capital de uma empresa menor ou com ela estabelecer
uma joint venture. centram-se na Gestão de Tecnologia e Operações, com
vi     os Autores

enfoque especial no desenvolvimento eficiente de novos Science, ASQ, California Management Review e várias
produtos. De 2000 a 2003, Wheelwright atuou volunta- outras publicações acadêmicas. Seus livros incluem tí-
riamente em tempo integral, como presidente da Missão tulos sobre Previsão, Desenvolvimento de Novos Produ-
Inglesa da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últi- tos, Estratégia de Operações e Estratégia Tecnológica.
mos Dias, em Londres. Nesta posição, foi responsável Seu livro mais recente, Pursuing the Competitive Edge:
por 200 jovens de ambos os sexos que atuavam como Strategy, Operations and Technology, em coautoria com
missionários em tempo integral, em Londres e no sudeste Robert Hayes, Gary Pisano e David Upton, foi publicado
da Inglaterra. De 1970 a 2000, manteve compromissos pela Free Press em 2004 (no Brasil foi publicado pela
acadêmicos no INSEAD, na Stanford Graduate School Bookman Editora com o título Em Busca da Vantagem
of Business e na Harvard Business School. Ele tem MBA Competitiva). Atuou como membro do conselho de muitas
e Ph.D. pela Stanford University, B.S. pela University empresas importantes e atualmente integra o conselho da
of Utah, e doutorado honorário pela Harvard Universi- Zions Bancorp e da O.C. Tanner Company. Ele e sua es-
ty. Seus artigos são publicados por HBR, Management posa Margaret são pais de cinco filhos e avós de 15 netos.
AGRADECIMENTOS

A quinta edição de Gestão Estratégica da Tecnologia e estende seus agradecimentos especiais a Robert Burgelman
da Inovação, como suas predecessoras, é inspirada pelo e Clayton Christensen, além de muitos outros colegas
trabalho de muitos colegas que ajudaram a moldar esse que têm rea­lizado este trabalho, por sua ajuda direta de
campo dinâmico e importante. Continuamos sendo gratos modo que ele pôde aceitar uma atribuição em Laie, Ha-
a todos os nossos professores e colegas atuais que con- vaí (Oahu), para atuar como presidente da Brigham Young
tribuíram para a perspectiva que informa nossa estrutura University – Havaí.
conceitual e a escolha dos materiais. Também queremos A quinta edição de Gestão Estratégica da Tecnolo-
agradecer aos novos estudiosos que contribuíram direta- gia e da Inovação não teria sido possível sem o apoio da
mente para os materiais nesta quinta edição, por nos per- Stanford Business School e da Harvard Business School.
mitir usar seus trabalhos, bem como aos nossos associados Para Robert Burgelman, esta ajuda veio por meio do apoio
e colaboradores de pesquisa nos casos e notas da indústria. contínuo para suas pesquisas e desenvolvimento de cursos,
Também somos gratos pelo auxílio generoso dos colegas graças, em grande parte, às contribuições generosas de ex-
anônimos, que forneceram comentários perceptivos e úteis -alunos da universidade e de amigos. Steven Wheelwright
sobre a quarta edição, o que nos possibilitou melhorar esta e Clayton Christensen são igualmente gratos aos alunos,
quinta edição. ex-alunos e diretores de pesquisa na Harvard Business
Por fim, o teste do valor dos materiais de ensino reside School, que compartilharam desinteressadamente suas
em seu uso na sala de aula. Muitas centenas de alunos e ideias e recursos.
participantes da educação executiva no MBA de Stanford Como qualquer um que tenha concluído o manuscrito de
e Harvard nos ajudaram neste teste. Nós lhes agradecemos um livro sabe, o produto final é um esforço de equipe. Esta
por seu feedback e comentários. quinta edição não teria sido concluída sem a ajuda da equipe
Robert Burgelman deseja expressar seus agradeci- da McGraw-Hill, Laura Hurst Spell, editora-executiva de
mentos especiais ao Dr. Andrew S. Grove, presidente da desenvolvimento; Jane Beck, assistente editorial; Rhonda
Intel Corporation, que continua a ser um estimado colega Seelinger, gerente-executiva de marketing; Christine Vau-
na Stanford Business School, e ao Associado de Pesqui- ghan, gerente de projetos; Carol Bielski, supervisora de
sa Philip Meza, que foi coautor de muitos casos e notas. produção; Joanne Mennemeier, coordenadora de design; e
Clayton Christensen estende sua gratidão aos professores Greg Bates, gerente sênior de projeto de mídia. Também
Burgelman e Wheelwright, pois ambos foram mentores queremos agradecer a Nanci Moore, assistente administra-
pacientes que influenciaram profundamente sua compre- tiva de Robert Burgelman na Stanford Business School, e a
ensão da tecnologia e da gestão da inovação. Seu associa- Lisa Stone, da Harvard Business School.
do de pesquisa, Scott Anthony, representante do melhor da Finalmente, uma palavra de agradecimento a Rita
nova geração de estudiosos da inovação, tem sido consis- Burgelman, Christine Christensen e Margaret Wheelwright
tentemente útil e fornecedor de ideias. Steven Wheelwright por sua paciência, compreensão e apoio permanentes.
Apresentação à Edição Brasileira

Na atual quadra da história econômica do Brasil, não pa- conforma um campo disciplinar em que, como acontece ti-
rece haver mais dúvidas, na indústria, no governo ou na picamente na engenharia de produção, soluções de organi-
academia, quanto à centralidade da inovação para o desen- zação e gestão bem-sucedidas, desenvolvidas nas empresas,
volvimento do país. Mesmo o debate, no âmbito da ciência são estudadas e entendidas; conceitos, princípios e regras de
econômica, sobre a melhor forma de representar e analisar projeto são desenvolvidos e oferecidos ao debate; o tecido
o funcionamento da economia capitalista, não vê mais qual- produtivo replica as que lhe parecem melhores; e, nessa ma-
quer dos diversos lados refutar o valor e a relevância dos terialização, emergem novas soluções. E, claro, além disso,
insights do grande economista austríaco J. Schumpeter. novas ideias vindas da academia, das gerências das organi-
A inovação está no centro da dinâmica capitalista. Re- zações ou das garagens dos inventores em todo o planeta
presenta a capacidade de um país e de suas organizações chegam ao mundo todos os dias, para que possam ser imple-
– empresariais, sem fins lucrativos ou governamentais – de mentadas e, se bem-sucedidas, colocar em xeque as crenças
promover o desenvolvimento econômico e social de forma em vigor na disciplina, obrigando-a a aprender e avançar.
consistente e consciente. A pergunta colocada não é mais Nesse sentido, a pergunta que a obra dos professores
“Por que inovar?”, mas “Como inovar?”. R. A. Burgelman, C. M. Christensen e S. C. Wheelwright
E é possível inovar em vários campos – tecnológico, or- procura responder é menos genérica – “Como inovar?” – e
ganizacional, mercadológico, em modelos de negócio. mais, e principalmente, específica: “Como gerir a inovação
No dia a dia das organizações, a ideia de “inovação” e a tecnologia com uma perspectiva estratégica?”.
per se pode soar abstrata. “Introduzir uma novidade; fazer Trata-se da quinta edição desta obra, publicada em
algo como não era feito antes” é uma definição genérica, 2009. Ela comporta os textos clássicos que conformam a
ampla demais. área, sendo, pode-se arguir, o melhor manual da área. Seu
Entretanto, fale sobre a criação de um novo conceito ambiente básico de contorno é a notável economia norte-
de bem ou serviço para atender a uma demanda até então -americana, que, pelo menos desde o final dos anos 1970,
não percebida em um determinado segmento de mercado; vem se defrontando com o desafio da inovação. Seja para
aponte a dificuldade de transformar determinado conceito enfrentar a renascida concorrência japonesa e europeia à
em um produto ou em um processo factível e economi- época; seja para lidar com a internet e o mundo digital nos
camente viável sem a incorporação de novas alternativas anos 1990; seja para estabelecer formas de se conformar à
tecnológicas; destaque o alcance dos usos reais e poten- ascensão do leste da Ásia e em particular da República Po-
ciais da internet e das tecnologias digitais nos negócios pular da China nas últimas duas décadas; seja para se tornar
da empresa e de seus concorrentes; mencione os ganhos capaz de absorver de forma produtiva os notáveis avanços
de mercado dos concorrentes com seus novos projetos de da ciência e da tecnologia em geral, e, mais recentemente,
produtos e suas propostas de valor originais; observe a no campo dos materiais e da biotecnologia em particular.
reclamação recorrente quanto à qualidade do serviço por Pode-se perguntar se tal obra serve ao público brasileiro,
parte de cidadãos cada vez mais exigentes e “mal-acos- se é relevante às tantas empresas brasileiras que, após pelo
tumados”; ou indique o potencial de ganhos de eficiência menos duas décadas de pregação por um punhado de acadê-
operacional e logística que benchmarks com organizações micos e agentes governamentais, e de atuação vitoriosa de
de outros ramos revelam como viáveis. Dessa forma, você um pequeno grupo de empresas destacadas que realmente
terá a atenção total do gerente-geral e de sua equipe. buscaram se desenvolver tecnologicamente, acordaram nes-
E a constatação, essencial, de que é preciso gerir a ta década para a necessidade de inovar.
inovação. Sem dúvida, ler os textos clássicos é fundamental.
A gestão da tecnologia e da inovação não tem nada de Sua robustez diante do tempo evidencia que registraram
“abstrato”, “distante”; é uma necessidade real, presente. Ela e discutiram com profundidade e consistência fenômenos
x     Apresentação à Edição Brasileira

recorrentes da economia, da tecnologia e da empresa capi- empreender o que viria a ser o Sistema Toyota de Produção,
talista contemporânea. Além disso, vários dos textos desta tudo o que almejavam era salvar a Toyota. Imaginamos que,
coleção são artigos conceituais de produção mais recente, se alguém perguntasse a Ohno Taichi se ele estava inovan-
que trazem, refinadas, ideias e abordagens que vêm con- do, ele diria que não sabia, o que sabia era que precisava,
formando as soluções de gestão da tecnologia e da inova- de alguma forma, ajudar a Toyota a sobreviver. E o que eles
ção em todo o mundo. liam quando precisavam buscar soluções para os problemas
As soluções em si – estruturas organizacionais e formas que encontravam? Liam Henry Ford. Liam os manuais da
de divisão do trabalho; formas de planejamento e controle engenharia industrial norte-americana mais avançados da
do trabalho de projeto e geração de tecnologias e produtos; época. E pensavam. E experimentavam. E “teorizavam”.
formas de lidar com as tensões entre os diferentes estágios E seguiam em frente, testando suas “teorias”, medindo os
de desenvolvimento de tecnologias e produtos, entre ou- resultados, reformulando suas concepções e desenvolven-
tras – também são abordadas. do diversas ferramentas de gestão complementares entre si.
O livro comporta tanto a discussão da gestão da tec- Ohno Taiichi dizia: “o Sistema Toyota nasceu da necessida-
nologia e da inovação, desde o ponto de vista do gerente- de”. Olhando retrospectivamente, pode-se dizer: a Toyota
-geral, como a questão da concepção e implementação inovou. Talvez Ohno Taiichi dissesse, pragmaticamente: a
de uma estratégica tecnológica. Também discute as formas de Toyota sobreviveu e conseguiu prosperar.
estabelecer capacitações para inovação da empresa, de im- O que se pode aprender com o caso da Toyota, e de
plementar uma estratégia de desenvolvimento tecnológico tantos outros, é que o importante é incorporar, de forma
e de superar a inércia em organizações já estabelecidas. crítica e pensada, aquilo que a produção de ponta de uma
Talvez, entretanto, falte mesmo uma “parte 6”. Uma disciplina em engenharia e gestão alcançou no âmbito dos
parte que trate daquelas estratégias de inovação nas em- vários contextos com que se defrontou. O conjunto de tex-
presas que chegaram depois, das empresas late-comers em tos trazidos ao público brasileiro em geral, por esta tradu-
um dado setor. Toda a formulação teórica e empírica deste ção da obra de Burgelman, Christensen e Wheelwright,
manual informa ricamente essa situação; mas, de fato, ele deve ser tomado não como uma prescrição didática sobre o
não a aborda diretamente. Parece necessário que o Brasil, que uma dada organização deve fazer, mas sim como uma
como outros países emergentes, desenvolva essa sua parte apresentação consistente, profunda e sólida da discussão
do “manual do campo”. norte-americana sobre o fascinante desafio da gestão es-
Não pode haver dúvida de que a empresa que inova tratégica da tecnologia e da inovação.
“secundariamente” – para usar uma expressão chinesa – Tomara que não soe pretensioso, mas talvez nenhuma
também está inovando. Transferir e receber tecnologia, outra disciplina em gestão seja, hoje, mais urgente para
assimilar e aprimorar essa tecnologia, e inovar com base o Brasil. A boa execução dos processos de inovação é a
nela, é uma estratégia tecnológica não apenas legítima, chave para superarmos, dialeticamente, os ganhos acumu-
mas também com grande poderio competitivo potencial. lados no vitorioso processo de absorção de novas técnicas
E, no ciclo de vida de uma dada tecnologia, quanto mais de produção e de gestão da qualidade e do aprendizado,
cedo a empresa puder absorvê-la e criar com base nela, vivido nas últimas décadas. Como vem acontecendo neste
maior será seu potencial de mudar as “regras estabeleci- mundo turbulento, em plena mutação, cabe repetir, em pa-
das” da competição em seu setor. E este é um ponto crítico ráfrase, o chamamento da música popular: é hora de essa
para discussão da inovação no Brasil: uma inovação pode gente bronzeada mostrar, mais uma vez, seu valor.
ser tecnologicamente “apenas” incremental, mas pode ser
que se mostre assim mesmo competitivamente disruptiva! Adriano Proença
Estabelecer sua própria trajetória em direção a uma Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ
Professor do Departamento de Engenharia Industrial (Escola
posição competitiva superior é o desafio das empresas ca-
Politécnica) e colaborador do Programa de Engenharia de Produção
pitalistas. No coração do estado da sua situação atual e do (COPPE), ambas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
seu potencial para o futuro, está o alcance do que o em­ Professor do Grupo de Produção Integrada da COPPE e EP/UFRJ
preendimento tem de singular, próprio e defensável hoje, Junico Antunes
em termos de serviços, produtos e processos; e no que é Doutor em Administração pela UFRGS
capaz de criar, avançar e incorporar para o futuro. Sua ca- Professor do Mestrado e do Doutorado em Administração e do
pacitação para melhorar e inovar – suas capacitações di- Mestrado em Engenharia de Produção da Universidade do
Vale dos Sinos (Unisinos)
nâmicas, no jargão da disciplina – é a chave de seu futuro.
E sobre isso sempre há muito o que aprender com os André Ribeiro de Oliveira
clássicos e com a discussão contemporânea. Se a História é Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ,
com área de concentração em Gestão e Inovação
guia, o Japão e o caso da Toyota são fundamentais nesse pro- Professor adjunto do Departamento de Engenharia Industrial da UERJ
cesso. Quando Ohno Taiichi e Shigeo Shingo começaram a Pesquisador do Grupo de Produção Integrada da COPPE/UFRJ
Prefácio da Edição Brasileira

Estamos muito contentes em ver a quinta edição do nos- sileiros a identificar e buscar possíveis vias para facilitar
so livro traduzida para o português, destinada ao mercado a inovação e/ou reduzir as restrições atuais à inovação da
brasileiro. Desde o final do século XX, o Brasil – junto economia brasileira. No nível macro, a política econômica
com Rússia, Índia e China – faz parte do BRIC, as quatro brasileira pode desejar aumentar rapidamente o apoio ao
maiores economias mundiais emergentes, das quais espe- sistema educacional, facilitar a mobilidade do mercado de
ra-se que venham a ser grandes parceiros comerciais para trabalho e fornecer incentivos para criar um suprimento
o resto do mundo durante o século XXI. Como já inicia- de capital de risco a fim de ajudar a iniciar novas ondas de
mos a segunda década do século XXI e o Brasil cumpriu crescimento disruptivo. No nível micro, os conhecimentos
essas expectativas, sentimos que o interesse brasileiro em adicionais adquiridos em relação às forças que dificultam
traduzir nosso livro para o português e torná-lo parte do o empreendedorismo corporativo podem ajudar os líderes
material didático ensinado em algumas das suas princi- das principais empresas brasileiras a revigorar e minimizar
pais universidades de negócios e engenharia talvez seja essas dificuldades do processo corporativo interno.
um indicador do grande potencial que está por vir. Espera- Embora acreditemos que nosso livro será útil para os
mos que este livro aumente a consciência da importância atuais políticos, acadêmicos e líderes empresariais brasi-
de utilizar a tecnologia de forma eficiente no desenvolvi- leiros, também estamos cientes de que provavelmente já
mento de produtos e na produção, além de fornecer co- existem novas abordagens de inovação muito interessantes
nhecimentos sobre o processo de inovação nas empresas em formação na sociedade industrial brasileira, das quais
grandes e complexas, bem como nas empresas iniciantes. simplesmente ainda não temos conhecimento. Esperamos
Esperamos que um pouco do nosso trabalho sobre em- aprender a respeito delas por meio da maior interação com
preendedorismo corporativo interno, saída estratégica do os colegas acadêmicos e líderes empresariais brasileiros,
negócio, disrupção transfronteiriça, dinâmica estratégica, além de trazer alguns desses novos conhecimentos para as
estratégia de produção, desenvolvimento de produtos, futuras edições de Gestão Estratégica da Tecnologia e da
tecnologia disruptiva e dilema do inovador, além de ou- Inovação.
tros tópicos, venha a proporcionar oportunidades de in-
teração com os colegas acadêmicos brasileiros. Também Robert A. Burgelman,
esperamos que possa inspirar os empreendedores e líderes Clayton M. Christensen e
empresariais brasileiros e que ajude a estimular mais ino- Steven C. Wheelwright
vações nas empresas brasileiras. Por exemplo, visto pela
óptica da tecnologia disruptiva e do dilema do inovador,
deve haver ótimas oportunidades para as empresas ini-
ciantes brasileiras empreenderem inovações tecnológicas
disruptivas durante o século XXI. Ao contrário das em-
presas empreendedoras nos países mais desenvolvidos, as
empresas disruptivas brasileiras, em muitos casos, ainda
não alcançaram a camada superior dos seus mercados, e
é aí que reside um grande potencial de crescimento. Este
deve ser um bom prenúncio do crescimento econômico
brasileiro e do aumento da prosperidade.
Enfim, alguns dos artigos e estudos de caso* apresen- *
N. de E.: Os casos citados aqui e nas seções subsequentes estão disponí-
tados neste livro também podem ajudar os políticos bra- veis, em inglês, no site www.grupoa.com.br.
PREFÁCIO

A tecnologia e a inovação devem ser geridas. Isso em geral da inovação como parte de seu currículo e em seus progra-
é consenso entre acadêmicos e profissionais da adminis- mas de graduação, já que este campo se transformou em
tração. Mas a Gestão da tecnologia e da inovação pode um tópico importante de amplo interesse para estudantes,
ser ensinada? Se puder, como? Que conceitos, técnicas, gestores e acadêmicos. Durante a década de 1990, as duas
ferramentas e processos de gestão facilitam as inovações primeiras edições de Gestão Estratégica da Tecnologia e
tecnológicas bem-sucedidas? As respostas para estas per- da Inovação contribuíram para o desenvolvimento de cur-
guntas e várias questões relacionadas são de grande inte- sos sobre este assunto em muitas universidades.
resse para os acadêmicos e profissionais que se preocupam No pano de fundo desses desenvolvimentos industriais
com as empresas em que a tecnologia e a inovação têm estressantes e apelo às armas, porém, uma nova revolução
importância vital. Uma rápida visão global da evolução já estava em formação: a digital. A primeira etapa desta
da Gestão Estratégica da Tecnologia e da Inovação serve revolução digital foi o impacto radical da tecnologia do
para sublinhar isto. microprocessador na computação e nas telecomunicações.
Nos Estados Unidos, essas preocupações foram levan- O enorme crescimento da demanda por computadores pes-
tadas durante o final dos anos 1970 e 1980, quando ficou soais com base em microprocessador criou dois novos gi-
claro que a América não usufruía mais a supremacia como gantes tecnológicos em meados dos anos 1980 – Microsoft
a superpotência tecnológica mundial. Japão, Coreia, Ale- e Intel –, que geraram ecossistemas inteiramente novos,
manha e outros países europeus e asiáticos fizeram incur- compostos por milhares de novas empresas de alta tecno-
sões importantes nas indústrias antes consideradas fortale- logia fornecendo produtos complementares.
zas inexpugnáveis dos Estados Unidos. À primeira vista, A segunda etapa configurou-se pela importância cres-
parecia que o desafio eram principalmente as indústrias cente, durante os anos 1990, das redes digitais para co-
tradicionais, intensivas em termos de capital e de produção municações de dados empresariais, o que também criou
pesada, tais como siderurgia e automóveis. Mas, durante um novo gigante – Cisco – e, ainda, gerou um novo ecos-
os anos 1980 e início dos 1990, o desafio ampliou-se, pas- sistema, composto por novas empresas de alta tecnologia.
sando a incluir máquinas-ferramentas, produtos eletrôni- Esses desenvolvimentos, por sua vez, permitiram o surgi-
cos, muitos aspectos dos semicondutores, computadores mento e o rápido crescimento de outras empresas de pro-
e as telecomunicações, a indústria aeroespacial e alguns cessamento de dados importantes, tais como os gigantes
aspectos da biotecnologia. do software empresarial Oracle, SAP, Siebel Systems e
O artigo de 1980 de Hayes e Abernathy, na Harvard BEA Systems, entre muitas outras.
Business Review, “Are We Managing Our Way to Economic A terceira etapa da revolução digital foi o enorme cres-
Decline?”, sinalizou a conscientização crescente nos Esta- cimento da internet, desde meados dos anos 1990, que
dos Unidos de que a gestão eficiente da inovação tecnoló- também criou novos ecossistemas e literalmente milhares
gica estava se tornando uma preocupação de alta priorida- de novas empresas, incluindo novos tipos de participan-
de nas empresas americanas. Durante os anos 1980 e início tes, como Netscape, Yahoo!, e-Bay e Amazon.com. Não
dos 1990, a importância da inovação tecnológica para a é exagero dizer que a internet afetou toda a atividade in-
vantagem competitiva, tanto no nível da empresa quan- dustrial e comercial, e que ela seja uma “megamudança”,
to do país, estimulou a pesquisa e o desenvolvimento de rivalizando, em termos da magnitude dos impactos, com
materiais de pesquisa relacionados a este respeito. Literal- as introduções do automóvel, da eletricidade e do telefone.
mente, centenas de universidades, por meio de seus acadê- A revolução digital mais uma vez colocou os Estados
micos de engenharia ou negócios (ou ambos), introduziram Unidos no centro da inovação tecnológica. Mas também
ou ampliaram substancialmente a gestão da tecnologia e aumentou a importância estratégica da tecnologia e da
xiv     Prefácio

inovação para quase toda e qualquer empresa. Aproxima- VISÃO GLOBAL


damente na mesma época da publicação da terceira edi-
A quinta edição de Gestão Estratégica da Tecnologia
ção de Gestão Estratégica da Tecnologia e da Inovação,
e da Inovação continua a assumir a perspectiva do gestor
o presidente da Intel, Andy Grove, previu que, em 2005,
nos níveis da linha de produtos, unidade de negócio e cor-
apenas as empresas que tivessem adotado a internet como
porativo. O livro não só examina cada um desses níveis
tecnologia de missão crítica sobreviveriam. Em 2003, o
com algum detalhe, mas também aborda a interação entre
cenário mostrava que provavelmente sua previsão estava
os diferentes níveis de gestão geral – por exemplo, o ajuste
correta, pois era possível entrever que todas as empresas
entre as estratégias de produção e da unidade de negócio, e
precisavam abordar a tecnologia como um elemento críti-
a ligação entre a estratégia tecnológica no nível do negócio
co em sua gestão estratégica.
e no nível corporativo.
Desde 2001, a conhecida crise das empresas “ponto
A estrutura do livro reflete uma estrutura conceitual
com” eliminou milhares de empresas relacionadas com a
enraizada nas teorias evolutivas da tecnologia, estratégia e
internet e, embora suas consequências dolorosas ainda se-
organização que se tornaram proeminentes durante os anos
jam sentidas, também teve o resultado saudável de recon-
1990, e que continuam a gerar novas descobertas por meio
firmar a relevância dos princípios empresariais fundamen-
da pesquisa. Cada parte do livro começa com uma introdu-
tais (p. ex., no final das contas, os lucros são importantes)
ção mostrando um cenário global e oferecendo uma breve
e a importância de uma sólida gestão estratégica. A digita-
discussão das ferramentas e descobertas fundamentais a
lização dos equipamentos de telecomunicações, a adoção
partir da literatura existente. O restante de cada parte ofere-
das tecnologias de banda larga digital e o crescimento das
ce uma seleção de artigos de seminários e estudos de caso.
telecomunicações sem fio, de dados e voz, continuam a se
Quase todos os casos lidam com eventos e situações recen-
desdobrar.
tes, vários deles relacionados com o impacto da internet. Al-
Outra revolução, desta vez na biotecnologia, se aba-
guns “clássicos”, porém, foram mantidos, porque capturam
te sobre nós. Com base nas primeiras técnicas de divisão
uma questão ou problema atemporal de uma maneira tão
genética desenvolvidas em 1973, as aplicações práticas
definitiva que a data histórica da sua redação é irrelevante.
das tecnologias de clonagem adquiriram poder no final
A Parte 1, “Integrando tecnologia e estratégia: uma
dos anos 1990. Tais desenvolvimentos e a documentação
perspectiva geral de gestão” discute o que o gestor precisa
publicada do genoma humano completo prometem revo-
saber para integrar a tecnologia à estratégia da empresa e
lucionar as indústrias farmacêutica e de saúde durante a
avaliar a capacidade de inovação de sua empresa. Esta quin-
primeira metade do século XXI.
ta edição reforça significativamente a Parte 1, que agora
A quinta edição de Gestão Estratégica da Tecnolo-
contém novos casos* sobre três empresas empreendedoras
gia e da Inovação continua a refletir e abordar esses
iniciantes (Pixim, Matrix Semiconductor e StubHub) e um
desenvolvimentos revolucionários. Como suas prede-
novo caso sobre a Electronic Arts, datado de 2005.
cessoras, esta nova edição almeja atingir dois objeti-
A Parte 2, “Design e implementação da estratégia
vos importantes. O primeiro, proporcionar continuida-
tecnológica: uma perspectiva evolucionária” aborda
de e refinamento em termos de abordagem conceitual.
o conteúdo de uma estratégia tecnológica e as forças
Acreditamos que isto é importante porque permite aos
internas e externas fundamentais para determinar esta
instrutores ampliar seus investimentos de capital intelec-
evolução. Nessa parte, trazemos novos casos e avanços
tual, aprofundando assim sua capacidade para considerar
recentes na literatura acadêmica sobre evolução tecno-
novos desenvolvimentos e questões de estratégia, cons-
lógica, dinâmica industrial e competitiva envolvendo
truindo desta forma uma estrutura de desenvolvimento
tecnologia, interações entre tecnologia e contexto or-
de conhecimento cumulativo.
ganizacional e questões de escolha e intenção estra-
O segundo objetivo é promover a mudança em termos
tégica. Os casos são: MySQL Open Source Database in
do material didático, a fim de que ele possa refletir a evo-
2004, MySQL Open Source Database in 2006(B), Slou-
lução da realidade da inovação tecnológica nas principais
ching Toward Broadband: Revisited in 2005, Digital cre-
empresas e indústrias. Cremos ser isto importante para
ation and distribution of music: revisited in 2005, Infosys
ajudar os instrutores a manter seus cursos atualizados e
Consulting in 2006: Leading the Next Generation of Bu-
também para estimular seu próprio interesse, assim como
siness and Information Technology Consulting, Charles
o de seus alunos. Por consequência, apesar de esta quinta
Schwab Corporation in 2007: Fixing and Redefining the
edição manter e aprimorar a estrutura conceitual desenvol-
Core Business, HP and Compaq Combined: In Search of
vida na edição anterior, grande parte do material didático
Scale and Scope.
agora é nova. Muitos novos casos e notas sobre a indústria
que foram desenvolvidos no período de 2004 a 2007 estão
aqui incluídos. *
N. de E.: Todos casos mencionados nesta edição estão disponíveis,
em inglês, no site www.grupoa.com.br.
Prefácio     xv

A Parte 3, “Estabelecimento da estratégia tecnológica: seguintes casos novos: Vitreon Corporation: The Hyali-
desenvolvendo capacitações para inovação de uma empre- te Project, The ITC eChoupal Initiative, and Genentech-
sa”, lida com questões fundamentais para a implementa- -Capacity Planning.
ção de uma estratégia tecnológica: contratação interna e A Parte 5, “Conclusão: desafios da inovação nas em-
externa da tecnologia e gestão corporativa da inovação. presas estabelecidas”, recapitula o tema principal e o
Os artigos e casos nessa parte examinam questões como fio condutor que atravessa o livro, que trata de como
a gestão da P&D corporativa, as alianças estratégicas, o aumentar e desenvolver as capacidades da empresa para
empreendedorismo corporativo interno e as aquisições. gerir a inovação tecnológica. Essa parte fornece uma
Contém, ainda, os seguintes casos novos: Golflogix: Me- perspectiva integrada sobre quatro desafios estratégicos
asuring the Game of Golf, Pitney Bowes Inc., At 3M, a fundamentais na gestão das empresas estabelecidas:
Struggle Between Efficiency and Creativity. (1) explorar as oportunidades associadas com o negó-
A Parte 4, “Estabelecimento da estratégia tecnológica: cio principal, (2) explorar as novas oportunidades que
como criar e implementar uma estratégia de desenvolvi- muitas vezes surgem espontaneamente, (3) equilibrar as
mento”, examina os estágios e tarefas fun- ênfases nos dois primeiros desafios, e (4) estimular a
damentais envolvidos no desenvolvimento de novos pro- renovação estratégica. Contém, ainda, três casos novos:
dutos, o gerenciamento das interfaces entre os grupos Intel Centrino in 2007: A New “Platform” Strategy for
funcionais chave no processo de desenvolvimento de pro- Growth, SAP AG in 2006: Driving Corporate Transfor-
dutos, o papel do gestor de projetos e a ligação entre o mation, and Nike’s Global Women’s Fitness Business:
produto e a estratégia de negócio. Essa parte contém os Driving Strategic Integration.
Sumário

PA R T E 1 Artigo 1-7
A arte de gerenciar a alta tecnologia...............79
INTEGRANDO TECNOLOGIA E
ESTRATÉGIA: UMA PERSPECTIVA PA R T E 2
GERAL DE GESTÃO........................... 1
DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA
Seção 1
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA............................13
ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA: UMA
PERSPECTIVA EVOLUCIONÁRIA....91
aRTIGO 1-1
Lucrando com a inovação tecnológica: Seção 1
implicações na integração, colaboração, EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA.........................105
licenciamento e políticas públicas....................13
Artigo 2-1
Artigo 1-2 Padrões de inovação industrial......................105
Como inserir a tecnologia no planejamento
Artigo 2-2
corporativo.......................................................30
Explorando os limites da curva S da
Artigo 1-3 tecnologia. Parte I: Tecnologias
A competência central da empresa.................34 de componentes............................................ 111
artigo 2-3
Seção 2 Explorando os limites da curva S da
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA tecnologia. Parte II: Tecnologias
E ESTRATÉGIA..................................................46 arquiteturais...................................................130
artigo 2-4
Artigo 1-4
Como podemos vencer nossos
Critérios de gestão para a inovação eficaz......46
concorrentes mais poderosos?......................136
ARTIGO 1-5 ARtigo 2-5
Definindo o minimum winning game nos Poder do cliente, investimento
empreendimentos de alta tecnologia...............54 estratégico e o fracasso das
empresas líderes...........................................157
Artigo 1-6
Avaliando as capacitações da sua artigo 2-6
organização: recursos, processos Disrupção, desintegração e dissipação
e prioridades....................................................67 da diferenciabilidade......................................177
xviii     Sumário

Seção 2 PA R T E 3
CONTEXTO da Indústria.........................201

Artigo 2-7 ESTABELECIMENTO DA


Atravessando o abismo e indo além..............201 ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA:
artigo 2-8 DESENVOLVENDO
Tecnologias concorrentes: CAPACITAÇÕES PARA INOVAÇÃO
uma visão global............................................207 DE UMA EMPRESA.......................333
Artigo 2-9
Encontrando o equilíbrio: Seção 1
propriedade intelectual na era digital.............217 FONTES DE TECNOLOGIA
INTERNAS E EXTERNAS..............................349
Artigo 2-10 Artigo 3-1
Nota sobre o desenvolvimento de novos Obtenção de ganhos com pesquisa..............349
fármacos nos Estados Unidos.......................230
Artigo 3-2
O laboratório que se afastou da Xerox..........355
Seção 3
CONTEXTO ORGANIZACIONAL.................235 Artigo 3-3
Como aperfeiçoar a polinização cruzada.......358
artigo 2-11
Tiros em alto-mar: um estudo de Artigo 3-4
caso sobre inovação......................................235 Transformar invenção em inovação:
a fase de conceituação..................................360
artigo 2-12
Artigo 3-5
Inovação de arquitetura: a reconfiguração
A transferência de tecnologia da pesquisa
das tecnologias existentes de produtos e para o desenvolvimento.................................369
o fracasso das empresas estabelecidas........245
Artigo 3-6
artigo 2-13 Capacidade de absorção: uma nova
Ecologia intraorganizacional da formulação perspectiva de aprendizagem
de estratégias e adaptação organizacional: e inovação......................................................377
teoria e pesquisa de campo...........................258
Artigo 3-7
artigo 2-14 A função do capital de risco corporativo........393
Dissonância estratégica.................................277
Seção 2
A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA
Seção 4
ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO
AÇÃO ESTRATÉGICA.....................................291
CLIENTE............................................................401
artigo 2-15 Artigo 3-8
Intenção estratégica.......................................291 Nota sobre a pesquisa com usuários
de ponta.........................................................401
artigo 2-16
Deixe o caos reinar para depois reinar Artigo 3-9
sobre ele: gerenciando a dinâmica Vendedores ávidos e compradores
estratégica para a longevidade insensíveis: compreendendo a psicologia
corporativa.....................................................303 da adoção de novos produtos........................408

artigo 2-17 Artigo 3-10


Aniquiladores da inovação.............................415
Forma de gerir a dinâmica estratégica
da integração das aquisições: lições Artigo 3-11
da HP e Compaq...........................................317 Vivendo na linha de falha...............................421
Sumário     xix

Seção 3 ARTIGO 4-3


EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO... 445 Como organizar e liderar
equipes de desenvolvimento
ARTIGO 3-12 “pesos-pesados”............................................523
Na 3M, uma luta entre eficiência
ARTIGO 4-4
e criatividade..................................................445
Como encontrar a tarefa certa para o
ARTIGO 3-13 seu produto....................................................535
Gestão do processo de
Seção 2
empreendedorismo corporativo interno:
CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/
algumas recomendações para a prática........451 CAPACITAÇÕES POR MEIO DO
ARTIGO 3-14 DESENVOLVIMENTO DE
NOVOS PRODUTOS......................................548
Gestão dos ciclos de empreendimento
corporativo interno.........................................461 ARTIGO 4-5
Como criar planos de projeto para focar
ARTIGO 3-15 o desenvolvimento de produto.......................548
Organizações ambidestras: gestão
ARTIGO 4-6
das mudanças evolucionárias e
O mapa do desenvolvimento de
revolucionárias...............................................470
novos produtos...............................................559
ARTIGO 4-7
Acelerar o ciclo de projeto-construção-
PA R T E 4 -teste para o desenvolvimento efetivo
de novos produtos..........................................568

ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA
TECNOLÓGICA: COMO CRIAR E PA R T E 5
IMPLEMENTAR UMA ESTRATÉGIA
DE DESENVOLVIMENTO.................. 485 CONCLUSÃO: DESAFIOS DA
INOVAÇÃO NAS EMPRESAS
Seção 1 ESTABELECIDAS...........................578
DESENVOLVIMENTO DE
NOVOS PRODUTOS........................................503 ARTIGO 5-1
Como construir uma organização
ARTIGO 4-1 que aprende...................................................580
Comunicação entre engenharia e ARTIGO 5-2
produção: um fator crítico...............................503 O poder da integração estratégica.................593
ARTIGO 4-2
Créditos...........................................................603
O ciclo de aprendizagem dos
novos produtos...............................................510 Índices...............................................................605
1
INTEGRANDO
TECNOLOGIA E
ESTRATÉGIA: UMA
PERSPECTIVA GERAL
DE GESTÃO

PARTE

O
objetivo principal deste livro é ajudar o gestor –
responsável pela gestão estratégica de uma orga-
nização ou unidade de negócios – a lidar com as
questões de tecnologia e de inovação. As empre-
sas de alta tecnologia investem, pelo menos, 5% da receita em
tecnologia e atividades relacionadas à inovação; as empresas
iniciantes investem mais. Embora a maioria das empresas es-
tudadas aqui seja considerada de alta tecnologia, as questões e
os problemas associados à tecnologia e à inovação atualmente
fazem parte da gestão de toda e qualquer empresa.
Uma das tarefas fundamentais do gestor é adquirir, aprimorar
e alocar os recursos de uma organização. A tecnologia é um re-
curso de primordial importância para muitas organizações; geri-
-lo visando à vantagem competitiva exige que seja integrado à
estratégia da empresa. Outra tarefa é criar e explorar a capacida-
de de inovação. Isso exige que o gestor seja capaz de avaliá-la
e identificar como alavancá-la ou aprimorá-la (ou seja, a capa-
cidade de inovação da empresa). Fornecemos aqui um conjunto
de ferramentas que o gestor utilizará para executar essas duas
tarefas importantes.
A seguir, apresentamos três seções. A primeira define um
conjunto de conceitos-chave relativos à inovação tecnológica, e
então delinearemos suas inter-relações. Essa etapa é importante
2     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

porque a gestão estratégica da tecnologia e da inova- para desenvolver produtos e serviços, bem como seus
ção é uma área nova, e seus conceitos, distintos e em sistemas de produção e distribuição. Pode ser incorpo-
parte sobrepostos, ainda sofrem modificações. Embora rada às pessoas, materiais, processos cognitivos e fí-
não estejamos reivindicando que as definições e inter- sicos, instalações, equipamentos e ferramentas. Seus
-relações apresentadas aqui sejam definitivas, elas, em elementos-chave podem estar implícitos, existindo
geral, são aceitas pelos acadêmicos e profissionais da apenas de uma forma arraigada, por exemplo, segredos
área, além de serem úteis para organizar a discussão de comerciais com base em know-how. Em geral, a perí-
casos e estudos.* A segunda seção discute a integração cia e a experiência detêm um importante componente
da tecnologia com a estratégia de negócios e corpora- tácito, de modo que partes importantes da tecnologia
tiva e a terceira apresenta uma estrutura para auditar e
não são reveladas ou codificadas em manuais, rotinas
avaliar as capacitações da empresa. Ao final, temos uma
e procedimentos, receitas, regras práticas ou outras
breve conclusão.
articulações explícitas. Os critérios para o sucesso da
tecnologia também são técnicos (ela dará conta do ser-
CONCEITOS-CHAVE E SUAS INTER-RELAÇÕES viço?) em vez de comerciais (ela dará conta do serviço
Invenções/descobertas/tecnologias de forma rentável?). Via de regra, as tecnologias são
As invenções ou descobertas estão na origem do proces- resultado das atividades de desenvolvimento para co-
so de inovação tecnológica. Como assinala o dicionário locar em uso as invenções e descobertas. As invenções
Webster, “Descobrimos o que antes existia, embora des- do transistor (1947), do circuito integrado (1959) e do
conhecido para nós; inventamos o que antes não existia”. microprocessador (1971), por exemplo, deram origem a
As invenções e descobertas são o resultado de processos gerações sucessivas de novas tecnologias na indústria de
criativos, muitas vezes fortuitos e difíceis de prever ou semicondutores, que foram, por sua vez, aplicadas em
planejar. Por exemplo, o Aspartame, um adoçante usa- áreas como processamento de dados e telecomunicações.
do em muitos produtos alimentícios e bebidas, foi uma
descoberta casual. Tanto os pesquisadores das universi- Inovações tecnológicas
dades, governo e laboratórios industriais, que seguem Algumas inovações são baseadas em tecnologia (p. ex.,
os manuais da ciência moderna, quanto os curiosos de fraldas descartáveis, raquetes de tênis de grandes di-
fundo de quintal – desempenham um importante papel
mensões, injeção eletrônica de combustível e compu-
nesses processos. A pesquisa científica básica refere-se
tadores pessoais). Outras, tais como novos produtos ou
às atividades relacionadas na geração de novos conhe-
serviços do varejo e serviços financeiros, são facilitadas
cimentos sobre fenômenos físicos, biológicos e sociais,
enquanto a pesquisa científica aplicada é voltada para pela nova tecnologia (p. ex., processamento eletrôni-
a solução de problemas técnicos particulares. O corpo co de dados). Os critérios para o sucesso da inovação
de conhecimento acumulado, sistemático e codificado, tecnológica são comerciais em vez de técnicos: uma
resultante da pesquisa científica, forma o substrato para inovação bem-sucedida é aquela que proporciona o re-
muitas, embora nem todas, invenções e descobertas (p. torno do investimento original em seu desenvolvimento
ex., a roda não resultou de pesquisa científica). acrescido de algum adicional. Isso exige um mercado
Os critérios para o sucesso em relação às invenções bastante grande para que a inovação se realize. As ino-
e descobertas são técnicos (são verdadeiras/reais?), em vações são o resultado do processo de inovação, defi-
vez de comerciais (proporcionam uma base para ren- nido como as atividades combinadas que levam a pro-
das econômicas?). Por meio das patentes, por vezes dutos e serviços novos e comercializáveis, ou a novos
as invenções e descobertas permitem que seus autores sistemas de produção e distribuição.
estimem o potencial dos lucros com as próximas inova- Foram identificados na literatura diferentes tipos de
ções, mas pode haver um lapso de tempo significativo inovação. As incrementais preveem adaptação, refinação
(dez anos ou mais) entre concluir a pesquisa científica e aprimoramento dos produtos e serviços existentes,
e usar as invenções e descobertas decorrentes para criar assim como os sistemas de produção e distribuição – por
uma inovação bem-sucedida (a supercondutividade e a exemplo, a próxima geração de um microprocessador. As
engenharia genética são exemplos disso).
inovações radicais incluem categorias novas de produ-
Tecnologia refere-se ao conhecimento teórico e prá-
tos e serviços e/ou de sistemas de produção e distribui-
tico, às habilidades e instrumentos que serão usados
ção (p. ex., comunicações sem fio). As de arquitetura
referem-se a reconfigurações do sistema de componen-
tes que constituem o produto (p. ex., os efeitos da mi-
N. de E.: Os casos estão disponíveis, em inglês, no site www.grupoa.com.br.
*
niaturização dos principais componentes do rádio).
parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     3

Figura 1 Relações entre os conceitos-chave acerca da inovação tecnológica

Mundo Técnico Empreendedorismo tecnológico Mundo Comercial

=
Capacitações administrativas

+
Resultados Invenções/descobertas/tecnologias Inovações tecnológicas

Atividades de Atividades de
Atividades Atividades Atividades de desenvolvimento desenvolvimento
de pesquisa desenvolvimento de produtos/ de mercado
processos
Consertos/
experimentos

Empreendedorismo tecnológico sempre interativo e simultâneo, em vez de unidirecional


A atividade empreendedora é um impulsionador funda- e sequencial.
mental do processo de inovação tecnológica. Empreen­
dedorismo tecnológico refere-se às atividades que criam INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA
novas combinações de recursos para tornar a inovação Perspectivas sobre estratégia
possível, reunindo o mundo técnico e comercial de for-
Visão positiva versus visão normativa A visão po-
ma lucrativa. As capacitações administrativas devem sitiva preocupa-se com a estratégia real da empresa e
ser empregadas de forma eficaz e eficiente. O empreen­ como ela é. A normativa, por outro lado, interessa-se
dedorismo tecnológico incluirá um indivíduo (em­ pelo que a estratégia da empresa deveria ser.
preendedorismo individual) ou as atividades combi- A visão positiva propõe que a estratégia da empre-
nadas de múltiplos participantes em uma organização sa reflita as crenças da alta administração a respeito
(empreendedorismo corporativo). dos fundamentos do sucesso passado e atual da organi-
zação.1 Essas crenças referem-se (a) às competências
Atividades e resultados centrais, (b) às áreas de mercado do produto, (c) aos
A discussão dos conceitos-chave sugere ser útil distin- seus valores centrais, e (d) aos seus objetivos, e tam-
guir atividades e resultados. As invenções, descobertas bém às associações entre esses elementos e o sucesso
e tecnologias (resultados) resultam de testes e experi- da empresa. Elas serão vistas como resultado dos pro-
mentações, como também das atividades sistemáticas cessos de aprendizagem organizacional; são respon-
de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) básica e aplica- sáveis pela direção dos esforços da alta administração
da. As inovações tecnológicas (resultados) são conse- a fim de estabelecer um processo estratégico que tire
quência do desenvolvimento do produto, do processo e proveito da aprendizagem organizacional. Não é de
do mercado (atividades). O empreendedorismo tecno- surpreender que haja uma provável e boa dose de inér-
cia associada a esse conjunto de crenças.2 Portanto,
lógico implica o aperfeiçoamento do produto, processo
para entender a estratégia de uma empresa, é necessá-
e mercado, bem como o aprimoramento das capacita-
rio não só considerar as opiniões e afirmações da alta
ções administrativas.
administração a esse respeito, mas observar também
Inter-relações entre os conceitos-chave
A Figura 1 mostra as relações entre os conceitos-chave
1
Ver, por exemplo, R. A. Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and
da inovação tecnológica, salientando o processo e os Strategic Management: Insights from a Process Study”, Management
resultados. O processo inicia com o desenvolvimento Science 29 (1983), pp. 1349-64.
2
R. A. Burgelman, “Intraorganizational Ecology of Strategy Making and
do mercado ou com as atividades tecnológicas. Na rea­ Organizational Adaptation: Theory and Field Research”, Organization
lidade, o processo de inovação tecnológica será quase Science 2 (1991), pp. 239-62.
4     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

o que ela efetivamente faz. Muitas vezes, em especial rapidez”.6 Porter observou que a tecnologia está entre os
nos ambientes dinâmicos associados às empresas de fatores de maior destaque que determinam as regras da
alta tecnologia, há divergência entre a estratégia na concorrência.7 Friar e Horwitch explicam seu crescente
teoria e na prática.3 destaque como consequência de forças históricas: a des-
motivação com o planejamento estratégico, o sucesso das
Visão de produto/mercado versus visão baseada em empresas de alta tecnologia nas indústrias emergentes, o
recursos A estratégica de produto/mercado preocu- aumento da concorrência japonesa, o reconhecimento da
pa-se em como a empresa concorre com seus produ- relevância competitiva da manufatura e o surgimento de
tos e serviços. Já a estratégia baseada em recursos está um interesse acadêmico na gestão tecnológica.8
interessada em como a empresa adquire competências Porém, o que um gestor precisa saber ao considerar
centrais e as capacitações que proporcionam a base para o papel da tecnologia na estratégia de uma empresa?
obter e manter a vantagem competitiva. A estratégia de- Segundo uma escola de pensamento, basta entender os
pende da quantidade e da qualidade das capacitações parâmetros transformados pela caixa-preta tecnológica
de uma empresa. A estratégia sem capacitação não tem (o computador ou outro instrumento em questão).
força; por outro lado, capacitações descoladas da estra- Ou seja, basta saber o que o dispositivo tecnológico ou
tégia permanecem sem rumo. “Como as competências sistema faz, não como ele faz. Uma visão alternativa
e as capacitações ajudam a criar e manter a vantagem argumenta que, a menos que alguém entenda o fun-
competitiva?”, respostas a essa pergunta ajudam a arti- cionamento de dispositivos e leis que delineiam suas
cular maneiras como serão exploradas as oportunidades limitações, não fará julgamentos eficazes a respeito
criadas pelas capacitações da empresa. da transformação de tecnologias relevantes em produ-
Durante a década de 1980, os conceitos normativos tos de sucesso. A posição assumida neste livro é que
sobre a estratégia de produto/mercado receberam ampla os gestores não precisam ter formação em ciência ou
atenção. A estrutura das “cinco forças” e “estratégias engenharia, mas, sim, investir esforços significativos
genéricas” de Porter forneceram ferramentas para ex- para entender as tecnologias importantes para os seus
plicar por que algumas indústrias são mais atraentes negócios. Eles também devem identificar fontes segu-
do que outras, para entender a posição de uma empresa ras e confiáveis de aconselhamento técnico. E, mais im-
em relação às suas concorrentes e para a elaboração de portante, devem ser capazes de enquadrar as questões
ações que melhorem a atratividade global da indústria estratégicas-chave em relação à tecnologia. O restante
e a posição estratégica de cada empresa.4 As opiniões desta seção se concentra nessas questões-chave e dis-
normativas a respeito da concorrência com base nas cute as ferramentas necessárias para examinar como a
competências centrais e nas capacitações durante o iní- tecnologia e a estratégia de negócio de uma empresa
cio dos anos 1990 indicaram o crescente destaque da são integradas de maneira mais eficaz.
visão baseada em recursos.5 O atual trabalho normativo
nesse sentido é orientado para melhor integrar o concei- Tecnologia e estratégia competitiva O conceito de
to de produto/mercado e a visão com base em recursos. “estratégias genéricas” de Porter é uma estrutura am-
pla utilizada na classificação das estratégias competi-
Conectando tecnologia e estratégia tivas. São elas: (a) a diferenciação no nível industrial,
Durante os anos 1980, os acadêmicos da gestão estra- (b) a diferenciação focada, (c) a liderança de custos no
tégica começaram a reconhecer a tecnologia como um nível industrial, e (d) a liderança de custos focada. As
elemento importante na definição do negócio e da es- empresas que aspiram à diferenciação no nível indus-
tratégia competitiva. Por exemplo, Abell identificou-a trial buscam a vantagem competitiva sustentável em
como uma das três dimensões principais dessa defini- uma ampla faixa de segmentos industriais mediante
ção, observando que “a tecnologia acrescenta um cará- a oferta de produtos ou serviços que sejam melhores
ter dinâmico à definição do negócio, já que ao longo do do que os dos concorrentes em termos de qualidade,
tempo uma pode desalojar outra com mais ou menos desempenho, características, entrega, suporte, e assim

3
R. A. Burgelman, “Fading Memories: A Process Theory of Strategic 6
D. Abell, Defining the Business (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall,
Business Exit in Dynamic Environments”, Administrative Science 1980).
Quarterly 39 (1994), pp. 24-56. 7
M. E. Porter, “The Technological Dimension of Competitive Strategy”,
4
M. E. Porter, Competitive Advantage (New York: Free Press, 1985). Research on Technological Innovation, Management, and Policy 1
5
C. K. Prahalad and G. Hamel, “The Core Competence of the (1983), pp. 1-33.
Corporation”, Harvard Business Review, May-June 1990; G. Stalk, P. 8
J. Friar and M. Horwitch, “The Emergence of Technology Strategy:
Evans and L. E. Shulman, “Competing on Capabilities: The New Rules A New Dimension of Strategic Management”, Technology in Society 7
of Corporate Strategy”, Harvard Business Review, March-April 1992. (1985), pp. 143-78.
parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     5

Figura 2 Políticas tecnológicas e estratégias competitivas genéricas

Estratégia genérica

Liderança de Diferenciação Liderança de custo Diferenciação com


custo global global com foco no segmento foco no segmento

Políticas tecnológicas

Mudança tecnológica Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento do


do produto produto para diminuir produto para melhorar produto projetado produto para satisfa-
o custo, reduzindo o a qualidade, funciona- apenas com desem- zer as necessidades
conteúdo de materiais, lidades, processo de penho suficiente para da aplicação em um
facilitando a fabrica- entrega ou custo de as necessidades do segmento particular de
ção, simplificando os mudança de forne- segmento negócio
requisitos logísticos cedor
etc.

Mudança tecnológica Melhoria do processo Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento


do processo de aprendizagem. processo para suportar processo para sintonizar do processo para
Desenvolvimento do altas tolerâncias, maior o sistema de produção e sintonizar o sistema de
processo para elevar controle de qualidade, distribuição às neces- produção e distribui-
as economias de programação mais sidades do segmento a ção à necessidade do
escala confiável, tempo de fim de baixar os custos segmento a fim de me-
resposta mais rápido lhorar o desempenho
para os pedidos e
outras dimensões que
melhoram a habilidade
de execução

Fonte: M. E. Porter, “The Technological Dimension of Competitive Strategy”, Research on Technological Innovation, Management, and Policy 1 (1983), pp. 1-33.

por diante. Aquelas que almejam a diferenciação fo- afirma que cada uma delas requer uma estratégia
cada tentam alcançar a vantagem competitiva susten- tecnológica diferenciada. Além disso, as decisões
tável similar em um conjunto restrito de segmentos estratégicas sobre tecnologia de produto e processo
industriais. Uma indicação objetiva de ter alcançado a (fabricação) podem atender os propósitos de ambas,
diferenciação é a disposição dos clientes em pagar um de diferenciação e de liderança de custos. A tecno-
preço mais alto. As que desejam a liderança de custos logia relacionada ao processo é fundamental para o
no nível industrial buscam a vantagem competitiva em desempenho do produto e, portanto, para a diferen-
uma ampla faixa de segmentos industriais por meio da ciação. Durante o início dos anos 1980, por exemplo,
oferta de produtos ou serviços a preços mais baixos e a excelência em manufatura permitiu aos fabricantes
que sejam comparáveis aos dos concorrentes no con- japoneses de memórias do tipo DRAM (Dynamics
junto relevante de atributos de interesse dos clientes. Random Access Memory) diferenciarem seus produ-
As empresas que aspiram à liderança de custos focada tos em termos de qualidade dos muitos fabricantes
tentam alcançar a vantagem competitiva sustentável dos Estados Unidos. Por outro lado, a tecnologia
similar em um conjunto restrito de segmentos indus- relacionada ao produto pode justificar o custo mais
triais. Para que seja viável, a estratégia de liderança de baixo. Por exemplo, projetar modelos de automóveis
custos de uma empresa deve ter como base uma menor diferentes de tal modo que compartilhem os princi-
infraestrutura de custo final. pais componentes estruturais (p. ex., chassis) baixará
Porter salienta que a estratégia tecnológica é uma os custos dos diferentes modelos.
ferramenta em potencial poderosa para buscar cada A ligação entre a estratégia tecnológica e as estra-
uma das quatro estratégias genéricas citadas, mas tégias competitivas genéricas encontra-se na Figura 2.
6     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 3 A matriz produto/tecnologia Figura 4 Desenvolvendo o portfólio de tecnologia

Alta
Produto A Produto B ••• Produto N
Tecnologia 1 (*)
Tecnologia 2

Importância da tecnologia
• Apostar Empate


Tecnologia 

Observação: Cada entrada (*) deve estabelecer a força relativa da empresa em


comparação com o estado da arte.
Fonte: Adaptado de A. Fusfeld, “How to Put Technology into Corporate
Planning”, Technology Review, May 1978. Reimpresso com a permissão
Lucrar Encerrar
da Technology Review, MIT Alumni Association, © 1978.

Tecnologia e estratégia de produto/mercado A estra-


Baixa
tégia de uma empresa é revelada pelos produtos e serviços Alta Baixa
que leva para o mercado. Uma maneira de obter a inte-
gração da tecnologia e da estratégia de produto/mercado Posição relativa da tecnologia
de uma empresa é decompor cada produto ou serviço nas Fonte: J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Management
tecnologias que os compõem e avaliar a força relativa, – o of Technology (New York: Booz Allen Hamilton Inc., 1981).
grau de competência distinta – que a empresa tem em
relação a essa tecnologia. A Figura 3 mostra o esboço A Figura 4 demonstra um conceito com base nes-
para a construção de uma matriz produto/tecnologia. sas duas dimensões. Harris, Shaw e Somers propõem
Embora a Figura 3 seja a primeira etapa na análise que as tecnologias no quadrante “Apostar” justificam
do grau de integração de uma empresa, muitas vezes é o comprometimento total da empresa.10 Quer dizer, que
difícil especificar as várias tecnologias da matriz no nível nesses casos, a empresa precisa se dispor a estar na
de detalhe apropriado e sua relação concreta com os pro- vanguarda da P&D, ampliar os limites do seu processo
dutos da empresa. É óbvio que uma empresa que fabrica de elaboração do produto e investir em equipamentos
e comercializa câmeras deve ser competente em óptica, mais modernos.
por exemplo. Porém, não basta determinar a força das ca- As tecnologias no quadrante “lucro” devem ser
pacitações da empresa; também é necessário especificar examinadas com cuidado. Essas tecnologias podem
como a força da empresa na área óptica ajuda suas câme- ter sido muito importantes em um momento, mas as
ras a ter uma qualidade mais alta ou um custo mais baixo. mudanças na base da concorrência na indústria podem
ter diminuído sua importância relativa. A compreensão
Portfólio de tecnologia Harris, Shaw e Somers su- dessas mudanças e do porquê de elas terem ocorrido
gerem que, uma vez identificadas as várias tecnologias, leva, muitas vezes, à percepção da situação estratégica
elas são classificadas em função de sua importância da empresa.11 Além disso, embora “lucro” possa sugerir
para a vantagem competitiva,9 para, em seguida, avaliar que nenhum investimento adicional nessas tecnologias
a posição da empresa em relação aos seus concorrentes. seja justificável, tal movimento será prematuro ou equi-
A importância da tecnologia precisa ser expressada em vocado. Algumas vezes, partes dessas tecnologias con-
termos do valor que ela traz para determinada classe de tinuam ligadas de maneiras sutis a outras consideradas
produtos para o cliente/usuário. A importância de uma mais importantes.
determinada tecnologia é bastante afetada pela posição As tecnologias no quadrante “empate” também
que ocupa no ciclo de vida da tecnologia (ver p. 7). posicionam-se de forma ambígua, por talvez estarem
A posição relativa da tecnologia deve ser expressada ali devido às mudanças na base da concorrência indus-
em relação aos concorrentes em função, por exemplo, trial. Nesse caso, a empresa precisa decidir entre in-
da situação das patentes, do know-how e dos segredos vestir de forma intensa em tecnologia, a fim de alcan-
industriais, dos efeitos da curva de aprendizagem e das çar seus concorrentes, ou desistir de um determinado
competências-chave. A posição relativa da tecnologia é produto ou negócio. Novamente, é importante saber
bastante afetada pelos níveis de investimento históricos por que e como essas mudanças na base da concorrên-
e futuros da empresa. cia na indústria ocorrerão.

J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Manage-


9 10
Idem, ibidem.
ment of Technology (New York: Booz Allen Hamilton Inc., 1981). 11
Por exemplo, ver Burgelman, “Fading Memories”, pp. 24-56.
parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     7

Figura 5 Comparando os portfólios de negócio e de tecnologia

Negócio Tecnologia

A B A
Atratividade

Importância
Posição Posição
competitiva

Fonte: J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Management of Technology (New York: Booz
Allen Hamilton Inc., 1981).

As tecnologias no quadrante “encerrar” requerem Tecnologia e cadeia de valor


que a empresa reconsidere os investimentos destinados No sentido mais amplo, o termo tecnologia abrange
a elas. As forças inerciais quase sempre levam ao in- todo o conjunto de tecnologias empregadas na sequên-
vestimento contínuo em P&D além do nível em que se cia de atividades que constituem a cadeia de valor de
espera resultados razoáveis. As análises regulares dos
uma empresa.13 A Figura 6 exibe um exemplo das várias
padrões de investimento podem indicar uma necessi-
tecnologias na cadeia de valor de uma empresa.
dade de liberar e redistribuir os recursos.
Como Porter salienta, qualquer uma dessas tecnolo-
Portfólio de tecnologia e portfólio de negócios Mui- gias pode afetar a estrutura da indústria, a diferenciação
tas empresas têm múltiplos negócios em seus portfólios de uma empresa ou sua posição de custos – e, portanto,
corporativos, cada um com suas próprias tecnologias. A sua vantagem competitiva.14 Portanto, é importante para
estratégia corporativa tem sido aprimorada pelas técnicas o gestor acompanhar a evolução de todas as tecnologias
de planejamento do portfólio, mas a maioria delas não que afetam as atividades de valor da empresa. Elaborar
dedicou a devida atenção à tecnologia. Uma dessas fer- uma estratégia tecnológica (Parte 2 deste livro) requer
ramentas para o planejamento do portfólio é a estrutura que a empresa decida (a) como cada tecnologia será
da McKinsey, com base nas dimensões da atratividade da usada para a vantagem competitiva, e (b) se determi-
indústria e da posição competitiva. Harris, Shaw e Somers nada tecnologia deve ser desenvolvida internamente ou
sugerem o exame da relação entre as matrizes de planeja- adquirida fora.
mento do portfólio tradicional e do portfólio de tecnologia
(ver Figura 3).12 Isto é demonstrado na Figura 5. Evolução e previsão tecnológica
Tal análise oferece a possibilidade de investigar o
Ciclo de vida da tecnologia A mudança tecnológica
encontro (ou desencontro) entre os portfólios de negó-
é uma das forças mais importantes que afetam a posi-
cio e de tecnologia de uma empresa e suas resultantes
ção competitiva de uma empresa, e a pesquisa sugere
prioridades de investimento. Por exemplo, a análise
estratégica padrão indica que um determinado negócio que as empresas acham difícil reagir a tais mudanças.15
está em uma posição competitiva forte em uma indús-
tria atraente. No entanto, a análise tecnológica indica 13
Porter, Competitive Advantage.
que as tecnologias que sustentam o negócio, embora 14
Idem, ibidem.
importantes para a vantagem competitiva, na verdade 15
A. C. Cooper and D. Schendel, “Strategic Responses to Technological
estão em uma posição delicada. Isso indicaria a necessi- Threats”, Business Horizons, February 1976, pp. 61-63; M. L. Tushman
and A. Anderson, “Technological and Organizational Environments”,
dade de aumentar o investimento em tecnologia. Administrative Science Quarterly 31 (1986), pp. 439-65; R. Henderson
and K. B. Clark, “Architectural Innovation: The Reconfiguration of
Existing Systems and the Failure of Established Firms”, Administrative
Science Quarterly 35, n. 1 (1990), pp. 9-30; and Burgelman, “Fading
12
Harris et al., The Strategic Management of Technology. Memories”, pp. 24-56.
8     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 6 Tecnologias típicas da cadeia de valor de uma empresa

Tecnologia de transportes Tecnologia básica Tecnologia de Tecnologia de mídia Tecnologia de


do produto transportes diagnóstico e teste

Tecnologia de manuseio Tecnologia de materiais Tecnologia do manuseio Tecnologia de Tecnologia do


de materiais de materiais gravação de sistema de
áudio e vídeo comunicação
Tecnologia de armazenagem Tecnologia de máquina- Tecnologia de Tecnologia do sistema Tecnologia do
e preservação -ferramenta acondicionamento de comunicação sistema de
Tecnologia de sistema Tecnologia de manuseio Tecnologia do sistema Tecnologia do sistema informações
de comunicação de materiais de comunicação de informações
Tecnologia de testes Tecnologia de Tecnologia do sistema
Tecnologia de sistema acondicionamento de informações
de informações Métodos de manutenção
Tecnologia de testes
Tecnologia de operação
do projeto de construção
Tecnologia do sistema
de informações

Logística de suprimentos Operações Logística de distribuição Vendas, marketing Serviços

Fonte: Adaptado com permissão da Free Press, uma divisão da Macmillan, Inc., de M. E. Porter, Competitive Advantage: Creating and Sustaining Superior
Performance (New York: Free Press, 1985). Copyright © 1985 by Michael E. Porter.

Integrar a tecnologia e a estratégia, portanto, deveria ser um coletar dados de forma sistemática e contínua. Muitas ve-
processo dinâmico, que exige que a empresa entenda a dinâ- zes é eficaz manter um diário de bordo com este propósito.
mica do ciclo de vida das várias tecnologias que emprega. A
Figura 7 mostra a ligação entre os estágios no ciclo de vida AVALIANDO A CAPACITAÇÃO para a INOVAÇÃO
da tecnologia e o potencial para a vantagem competitiva.
Os gestores são responsáveis pelo processo de ino-
Previsão tecnológica Um elemento importante na vação. Eles devem decidir quais inovações recebe-
integração da tecnologia e da estratégia é a capacidade rão atenção e recursos. O conhecimento do potencial
de realizar previsões tecnológicas sistemáticas. Vários de inovação da empresa e das barreiras para sua im-
autores apresentaram técnicas úteis, tais como as fun- plantação é necessário para que sejam escolhidas es-
ções do avanço tecnológico (curvas S), extrapolação tratégicas eficazes. Mas, como os gestores avaliam o
de tendências, método Delphi e criação de cenários.16 potencial de inovação de suas organizações? O res-
Subjacente à capacidade de prever – e, talvez de forma tante deste capítulo oferece um quadro conceitual
mais importante, para enxergar as relações entre os even- para auditar as capacitações para inovar.17 Tal au-
tos tecnológicos relevantes –, encontra-se o esforço para ditoria auxilia o gestor a avaliar o potencial dessas

Figura 7 Ciclo de vida da tecnologia e vantagens competitivas

Estágios da tecnologia

Ciclo de Vida Importância das tecnologias para a vantagem competitiva


 I. Tecnologias emergentes Ainda não demonstraram potencial para mudar as bases da concorrência.
  II. Tecnologias de acondicionamento Demonstraram seu potencial para mudar as bases da concorrência.
III. Tecnologias-chave São incorporadas e possibilitam o produto/processo.
Têm um impacto importante na cadeia de valor agregado (custo, desempenho, qualidade).
Permitem as posições proprietárias/patenteadas.
IV. Tecnologias de base Têm um impacto pequeno na cadeia de valor agregado; comum a todos os concorrentes; commodity.

Fonte: Adaptado de Arthur D. Little, “The Strategic Management of Technology”, European Management Forum, 1981.

16
Ver, por exemplo, B. Twiss, Managing Technological Innovation (London: 17
R. A. Burgelman, T. J. Kosnik and M. Van den Poel, “Toward an In-
Longman, 1980); R. N. Foster, Innovation: The Attacker’s Advantage (New novative Capabilities Audit Framework”, in R. A. Burgelman and M.
York: Summit, 1986); and S. C. Wheelwright and S. Makridakis, Forecast- A. Maidique, eds., Strategic Management of Technology and Innovation
ing Methods for Management, 5th. ed. (New York: Wiley-Interscience, 1989). (Homewood, Ill.: Richard D. Irwin, 1988).
parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     9

capacitações e a elaborar um plano de desenvolvimento. Figura 8 Estrutura da auditoria das capacitações para
inovação no nível da unidade de negócio
Uma auditoria deve abordar pelo menos três questões:
1. Como a empresa tem sido inovadora nas áreas de oferta
de produtos e serviços e/ou de sistemas de produção e
distribuição?
2. Até que ponto é bom o ajuste entre o negócio atual e
Disponibilidade
as estratégias corporativas da empresa, e suas capacita- de recurso
ções para inovação?
3. Quais são as necessidades da empresa em termos de Compreensão das
capacitações inovadoras para suportar suas estratégias estratégias de
Compreensão do
ambiente
de negócios e, competitiva, no longo prazo? inovação dos
tecnológico da
concorrentes e da
Estratégia de unidade de negócio
evolução da indústria
inovação da
Estrutura de auditoria da capacitação de unidade de
inovação negócio

A inovação depende das capacitações tecnológicas, bem


como de outras capacitações críticas em áreas como Contexto estrutural e
Capacidade de gestão
estratégica da
manufatura, marketing e distribuição, além da gestão cultural da unidade
unidade de negócio
de negócio
dos recursos humanos. Por exemplo, uma estratégia
tecnológica elaborada para alcançar um desempenho
superior do produto deve ser complementada por uma
força de vendas tecnicamente treinada, que instrua o
cliente em relação às vantagens de desempenho do pro- Cinco importantes categorias de variáveis influen-
duto, e por um sistema de manufatura de alta qualidade. ciam as estratégias de inovação de um negócio:
• Recursos disponíveis para a atividade inovadora
Capacitações para inovação As capacitações para • Capacidade de entender as estratégias dos competidores
inovação definidas como o conjunto abrangente de ca- e a evolução da indústria no que diz respeito à inovação
racterísticas de uma organização que facilita e apoia as • Capacidade de entender os avanços tecnológicos rele-
estratégias de inovação existem nos níveis da unidade vantes para a unidade de negócio
de negócio e corporativo (múltiplos negócios). • Contexto estrutural e cultural da unidade de negócio que
afeta o comportamento empreendedor interno
• Unidade de negócio – uma unidade para a qual uma • Capacidade de gestão estratégica para lidar com as ini-
determinada estratégia e comprometimento de recur- ciativas empreendedoras internas
sos são definidos porque possui um conjunto distinto
de mercados de produto, concorrentes e recursos. Uma Essas categorias estão representadas na Figura 8.
auditoria das capacitações para inovação identifica as As três primeiras categorias listadas são insumos
variáveis críticas que influenciam as estratégias de ino- importantes para a formulação das estratégias de ino-
vação nesse nível. vação; as duas últimas são importantes para a imple-
• Corporativo – uma auditoria nesse nível identifica as mentação das estratégias de inovação da unidade de
variáveis críticas que influenciam tanto as relações negócio. A Figura 9 traz uma relação de algumas ques-
entre os níveis corporativos e de unidade de negócio, tões críticas para auditar cada uma das cinco categorias.
em termos das capacitações para inovação, quanto a for- Essa lista não é exaustiva. Nela podem ser acrescenta-
mulação e a implementação de uma estratégia global de dos outros itens a fim de refletir as particularidades das
inovação corporativa. diferentes situações.
A combinação das cinco categorias determina a
Auditoria no nível da unidade de negócio Em ge- força relativa da unidade de negócio para formular e
ral, as estratégias de inovação nesse nível em relação implementar estratégias de inovação. Portanto, tal par-
a novos produtos e serviços e/ou novos sistemas de ticularidade também deve ser abordada pela auditoria.
produção e distribuição podem ser caracterizadas em Por exemplo, uma unidade de negócio pode ter muitos
função do(a) recursos para a criação de um novo produto, mas pode
• Calendário de entrada no mercado; não ter a capacidade gerencial para comprometer esses
• Liderança ou imitação tecnológica; recursos (tanto dentro da unidade quanto em relação
• Escopo da inovatividade; e à movimentação da concorrência). Por outro lado, os
• Taxa de inovatividade. recursos e a capacidade gerencial necessários podem
10     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 9 Estrutura da auditoria das capacidades inovadoras no nível da unidade de negócio

1. Disponibilidade e alocação de recursos


• Nível de financiamento e evolução da P&D:
– Em termos absolutos
– Como porcentagem das vendas
– Como porcentagem do financiamento total de P&D da empresa
– Em comparação com os principais concorrentes
– Em comparação com o principal concorrente
• Amplitude e profundidade das competências ao nível da unidade de negócios em P&D, engenharia e pesquisa de mercado
• Competências diferenciadas nas áreas tecnológicas relevantes para a unidade de negócios
• Alocação da P&D para
– Combinações de produto/mercado existentes
– Desenvolvimento de novos produtos para as categorias existentes
– Desenvolvimento de novas categorias de produto
2. Compreensão das estratégias de inovação dos concorrentes e da evolução da indústria
• Sistemas de inteligência e disponibilidade de dados
• Capacidade de identificar, analisar e prever as estratégias de inovação dos concorrentes
• Capacidade de identificar, analisar e prever a evolução da indústria
• Capacidade de antecipar as forças externas facilitadoras/impeditivas relevantes para as estratégias de inovação da unidade de
negócios
3. Compreensão do ambiente tecnológico da unidade de negócios
• Capacidade de previsão tecnológica relevante para as tecnologias da unidade de negócios
• Capacidade de avaliar as tecnologias relevantes para a unidade de negócios
• Capacidade de identificar as oportunidades tecnológicas para a unidade de negócios
4. Contexto estrutural e cultural da unidade de negócios
• Mecanismos para gerenciar os esforços de P&D
• Mecanismos para transferir tecnologia da pesquisa para o desenvolvimento
• Mecanismos para integrar os diferentes grupos funcionais (P&D, engenharia, marketing, manufatura) no processo de desenvolvimento
do novo produto
• Mecanismos para financiar novas iniciativas de produto não planejadas
• Mecanismos para extrair novas ideias dos empregados
• Sistemas de avaliação e recompensa para o comportamento empreendedor
• Valores dominantes e definição do sucesso
5. Capacidade de gestão estratégica para lidar com o comportamento empreendedor
• Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para definir uma estratégia de desenvolvimento sólida
• Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para avaliar a importância estratégica das iniciativas empreendedoras
• Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para avaliar a relação das iniciativas empreendedoras com as capacitações
básicas da unidade
• Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para orientar os criadores de produtos
• Qualidade e disponibilidade dos criadores de produtos na unidade de negócio

originar novos produtos cujas tecnologias estejam à • escopo e da taxa de desenvolvimento de novos produtos
beira de se tornar obsoletas. e serviços e/ou sistemas de produção e distribuição que
derivam da combinação das capacitações para inovação
Auditoria no nível corporativo A existência de em- por meio das unidades de negócio existentes,
presas com múltiplos negócios se baseia na habilidade • escopo e da taxa de desenvolvimento de novos negócios
corporativa de identificar e explorar sinergias. Uma au- com base na P&D corporativa e nos esforços de desen-
ditoria na corporação, portanto, insere outra dimensão. volvimento tecnológico, e
Aqui, é necessário examinar como as capacitações para • calendário de entrada relativo aos dois itens anteriores.
inovação no nível corporativo o habilitam tais capacita- Mais uma vez, cinco categorias de variáveis são
ções no nível das unidades de negócio. Em outras pala- consideradas na auditoria no nível corporativo, cada
vras, é preciso investigar se e como a capacitação para uma delas correspondendo a uma categoria no nível da
inovação corporativa total é maior do que a soma das unidade de negócio, mas com uma ênfase um pouco
capacitações para inovação das unidades de negócio. diferente: a capacidade de fazer mais do que a unidade
Em geral, as capacitações para inovação no nível corpo- de negócio poderia fazer por conta própria. A Figura 10
rativo podem ser caracterizadas em função do: representa as cinco categorias de variáveis:
parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     11

Figura 10 Estrutura da auditoria das capacidades de para a implementação da estratégia corporativa. A Fi-
inovação no nível corporativo
gura 11 traz uma relação de questões críticas a serem
abordadas em cada categoria para realizar a auditoria
no nível corporativo. Assim como na auditoria no nível
da unidade de negócio, devem ser avaliados os efeitos
combinatórios das cinco categorias de variáveis nas es-
Disponibilidade
e alocação
tratégias de inovação corporativa.
de recurso

Compreensão das
Quadros de referência para auditoria Os quadros
estratégias de Compreensão do de referência para interpretar resultados de audito-
ambiente tecnológico
inovação dos
corporativo ria de capacitações para inovação são tradicionais na
concorrentes e
da evolução Estratégias literatura, no que tange a comparação passado/pre-
de inovação
multi-industrial
corporativas
sente. Outros referenciais dizem respeito à posição
da empresa em relação aos atuais concorrentes. Tais
quadros de referência permitem a identificação das
Contexto estrutural
Capacidade de posições desejadas.
gestão estratégica
e cultural corporativo
corporativa
Quem deveria fazer a auditoria? Os gestores terão
que contar uns com os outros para coletar grande par-
te das informações necessárias para a auditoria. Eles
terão que decidir até que ponto devem contar com a
• Disponibilidade e alocação de ativos (p. ex., P&D corpo- ajuda das pessoas de dentro e de fora da empresa. Os
rativa, disponibilidade de caixa para projetos de risco). funcionários internos compreenderão melhor a dispo-
• A capacidade de entender as estratégias competitivas e a nibilidade de ativos e o contexto estrutural e cultural
evolução multi-industrial (p. ex., planejamento estraté- da empresa. As pessoas de fora devem oferecer uma
gico corporativo para a inovação). avaliação mais realista da capacidade de gestão estra-
• A capacidade de entender os desenvolvimentos tecno- tégica da empresa e da sua habilidade de compreender
lógicos (p. ex., triagem e previsão tecnológica multi- os ambientes competitivos e tecnológicos. A grande
-industrial). desvantagem de usar pessoas de dentro da empresa é a
• Contexto estrutural e cultural corporativo. possibilidade de uma perspectiva estreita ou tendenciosa.
• Capacidade de gestão estratégica corporativa (p. ex.,
As de fora, por outro lado, têm mais chance de entender
exploração das sinergias em inovação por meio de estra-
mal as realidades internas e oferecer recomendações
tégias “horizontais”; estratégias corporativas internas de
pouco práticas.
risco e aquisição).
A auditoria deve ser empreendida pelo departamen-
A disponibilidade de ativos e a capacidade no nível to de planejamento estratégico da empresa. Conceitos
corporativo de compreender os ambientes competitivo mais valiosos são gerados com mais probabilidade pelo
e tecnológico servem mais uma vez como insumos para estabelecimento de uma equipe de auditoria específica,
a formulação da estratégia corporativa. O contexto es- contando com representantes do planejamento estraté-
trutural e cultural corporativo, bem como a capacidade gico, P&D, gerentes de novos produtos e gerentes fun-
corporativa de gestão estratégica, servem como insumos cionais importantes.

Figura 11 Estrutura de auditoria da capacidade de inovação – Nível corporativo

1. Disponibilidade e alocação de recursos


• Nível de financiamento e evolução da P&D corporativa
– Em termos absolutos
– Com porcentagem das vendas
– Em comparação com a média dos principais concorrentes
– Em comparação com o principal concorrente
• Amplitude e profundidade das habilidades do pessoal corporativo e, P&D, engenharia e pesquisa de mercado
• Competências diferenciadoras nas áreas de tecnologia relevantes para várias unidades de negócio
• Alocação da P&D corporativa para
– Pesquisa investigativa
12     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

– Apoio aos negócios principais


– Apoio à definição de novos negócios
– Apoio ao desenvolvimento de novos negócios
2. Compreender as estratégias de inovação dos concorrentes e a evolução das várias indústrias
• Sistemas e dados de inteligencia disponíveis
• Capacidade para identificar, analisar e prever as estratégias de inovação dos concorrentes abrangendo várias indústrias
• Capacidade para desenvolver cenários pertinentes à evolução das interdependências entre as várias indústrias
• Capacidade para se antecipar às forças externas facilitadoras/iminentes relevantes para as estratégias de inovação da empresa
3. Compreender o ambiente tecnológico corporativo
• Capacidade de previsão tecnológica em várias áreas
• Capacidade para prever os impactos entre as áreas da tecnologia
• Capacidade para avaliar tecnologias em várias áreas
• Capacidade para identificar oportunidades tecnológicas que abrangem muitas áreas
4. Contexto corporativo (estrutural e cultural)
• Mecanismos para compartilhar tecnologias por meio das fronteiras das unidades de negócio
• Mecanismos para definir novas oportunidades de negócios por meio das fronteiras das unidades de negócio
• Projetos de organização interna e externa para gerir novos empreendimentos
• Mecanismos para financiar iniciativas não planejadas
• Avaliação dos sistemas de recompensa para o comportamento empreendedor
• Movimento do pessoal entre as atividades principais e os novos empreendimentos
• Valores dominantes e definição de sucesso
5. Capacidade de gestão estratégica para lidar com o comportamento empreendedor
• Capacidade de alta gestão para definir uma estratégia de desenvolvimento corporativo de longo prazo
• Capacidade da alta gestão para avaliar a importância estratégica das iniciativas empreendedoras
• Capacidade de alta gestão para avaliar o relacionamento das iniciativas empreendedoras com as capacitações centrais da empresa
• Capacidade da gestão intermediária para trabalhar com alta gestão a fim de obter/manter apoio para as novas iniciativas (promo-
ção organizacional)
• Capacidade da gestão intermediária para definir a estrutura estratégica corporativa para as novas iniciativas
• Capacidade da gestão intermediária para treinar/assessorar gestores de risco
• Capacidade dos gestores de risco para criar novas capacitações organizacionais
• Capacidade dos gestores de risco para desenvolver uma estratégia de negócio para as novas iniciativas
• Disponibilidade dos promotores de produto para identificar e definir novas oportunidades de negócio fora das atividades principais

CONCLUSÃO
Vários conceitos, ferramentas, perspectivas e papéis feito para ajudá-los nessas tarefas, nada substitui sua
são importantes e úteis para a gestão da tecnologia, da liderança. No decorrer do texto e dos casos subsequen-
estratégia e da inovação. Entretanto, a premissa deste tes, salientaremos não só as abordagens analíticas e or-
livro é que a liderança dos gestores é essencial para o ganizacionais, mas também os métodos e técnicas para
sucesso desses esforços. Assim, embora muito possa ser afirmar e exercer a liderança.
1
INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA

sEÇÃO

aRTIGO 1-1 quase sempre é importante, em particular para as na-


ções que estão inovando. Sem capacidade de manufa-
Lucrando com a inovação tecnológica: tura em grande escala, as empresas inovadoras tendem
implicações na integração, colaboração, a desaparecer, mesmo que sejam as melhores em ino-
licenciamento e políticas públicas vação. Finalmente, são examinadas as implicações na
política comercial e na política econômica doméstica.
David J. Teece*

Este artigo tenta explicar por que as empresas ino- INTRODUÇÃO


vadoras muitas vezes não conseguem obter retornos
É bem comum que empresas inovadoras – aquelas que
financeiros significativos a partir da inovação, embora
os clientes, imitadores e outros participantes da indús- são as primeiras a comercializar um novo produto ou
tria se beneficiem. A estratégia de negócios – em parti- processo no mercado – lamentem o fato de os concor-
cular ao que se refere à decisão da empresa de integrar rentes/imitadores terem lucrado mais com a inovação
e colaborar – mostra-se um fator importante. O artigo do que a empresa que a comercializou primeiro! Como
demonstra que, quando é fácil copiar, os mercados não muitas vezes sustenta-se que ser o primeiro no merca-
funcionam bem e os lucros da inovação podem chegar do é uma fonte de vantagem estratégica, a existência
aos proprietários de determinados ativos complemen- e persistência clara desse fenômeno podem parecer
tares, mas não para os desenvolvedores da proprieda- desconcertantes, se não preocupantes. O objetivo deste
de intelectual. Isto aponta a necessidade, em certos artigo é explicar por que uma segunda empresa rápida,
casos, de a empresa inovadora rever a importância ou mesmo uma terceira lenta, conseguiriam superar o
histórica para esses ativos complementares. O artigo desempenho da empresa inovadora. A mensagem é per-
também indica que os inovadores com novos produtos tinente àquelas empresas com base em ciências e tecno-
e processos que fornecem valor aos consumidores po- logia que abrigam a ilusão equivocada de que a criação
dem, às vezes, estar tão mal posicionados no mercado de novos produtos que satisfaçam as necessidades dos
que necessariamente fracassarão. A análise proporciona consumidores garantirá um sucesso fabuloso. É possí-
uma base teórica para a proposição de que a manufatura vel que fará o sucesso do produto, mas não da empresa
inovadora.
*
Agradeço a Raphael Amit, Harvey Brooks, Chris Chapin, Therese Fla- Neste artigo, é oferecida uma estrutura que iden-
herty, Richard Gilbert, Heather Haveman, Mel Horwitch, David Hulbert,
Carl Jacobsen, Michael Porter, Gary Pisano, Richard Rumelt, Raymond tifica os fatores que determinam quem ganha com
Vernon e Sidney Winter pelas discussões úteis relativas ao objeto do pre- a inovação: a empresa que chega primeiro ao mer-
sente artigo. Três peritos anônimos também forneceram críticas valiosas.
Agradeço muito o apoio financeiro da National Science Foundation sob cado, as empresas que a seguem, ou as que possuem
a concessão n. SRS-8410556, para o Center for Research in Manage- capacitações apropriadas para inovação. As empre-
ment University of California-Berkeley. Versões anteriores deste artigo
foram apresentadas na National Academy of Engineering Symposium sas seguidoras podem ou não ser imitadoras no sen-
“World Technologies and National Sovereignty”, February 1986, e em tido estrito do termo, embora, às vezes, sejam. A es-
uma conferência sobre inovação na University of Venice, March 1986.
Fonte: Research Policy 15 (1986), pp. 285-305. © 1986 Elsevier Science
trutura parece ser útil para explicar a parcela dos
Publishers B. V. (North-Holland). lucros provenientes da inovação para o inovador,
14     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 1 Explicando a distribuição dos lucros da que resultou na tomografia do cérebro de um porco. O
inovação
trabalho clínico posterior estabeleceu que a tomografia
axial computadorizada (TAC) era viável para a geração
de visualizações transversais do corpo humano, o maior
avanço na radiologia desde a descoberta dos raios X
em 1895.
Clientes Embora a EMI tenha sido bem-sucedida com o seu
dispositivo de TAC, seis anos após sua introdução nos
Estados Unidos, em 1973, a empresa tinha perdido a
Fornecedores liderança de mercado, e no oitavo ano havia saído do
negócio. Outras empresas tiveram sucesso em dominar
o mercado, embora entrassem mais tarde, e ainda lu-
Inovadoras
Imitadores e
cram nos dias de hoje.
outros “seguidores” Outros exemplos incluem a RC Cola, empresa peque-
na, que foi a primeira a apresentar a bebida à base de cola
em lata e a cola dietética; tanto a Coca-Cola quanto a Pepsi
a seguiram, e a privaram de qualquer vantagem significa-
O que determina a parcela de lucro capturada pelos inovadores?
tiva decorrente. A Bowmar, que trouxe a calculadora de
comparada à que se destina aos seus seguidores e forne- bolso para o mercado, não foi capaz de suportar a con-
cedores (ver Figura 1), bem como para explicar várias corrência da Texas Instruments, da Hewlett-Packard e de
atividades entre empresas, como joint ventures, acor- outras empresas, acabando por sair do ramo. A Xerox não
dos de coprodução, arranjos de distribuição cruzada e obteve sucesso com computadores de escritório, embora
o licenciamento de tecnologia. Então, discutem-se as a Apple tenha sido bem-sucedida com o Macintosh, que
implicações para a gestão estratégica, políticas públicas continha muitas das ideias-chave do produto da Xerox,
e comércio e investimento internacionais. tais como o mouse e os ícones. A saga do Haviland Comet
tem algumas dessas características. O jato Comet I chegou
ao mercado de linhas áreas comerciais cerca de dois anos
O FENÔMENO antes de a Boeing apresentar o 707, mas a Haviland não
conseguiu aproveitar sua substancial vantagem inicial. A
A Figura 2 traz uma taxonomia simplificada dos pos-
MITS trouxe o primeiro computador pessoal (o Altair),
síveis resultados advindos da inovação. O Quadrante
vivenciou uma explosão de vendas, e depois deslizou em
1 representa os resultados positivos para o inovador. O
silêncio para o esquecimento.
benefício de ser o primeiro no mercado traduz-se em
Se há inovadores perdendo, deve haver seguidores/
uma vantagem competitiva sustentada que cria um flu-
imitadores ganhando. Um exemplo clássico é o da IBM
xo de novas receitas ou aumenta um fluxo já existente.
com o seu PC, um grande sucesso desde a primeira vez
O Quadrante 4 e seu Quadrante 2 corolário são o foco
em que foi apresentado, em 1981. Nem a arquitetura
deste artigo.
nem os componentes incorporados ao PC da IBM eram
A tecnologia TAC (Tomografia Axial Computado-
considerados avançados quando ele surgiu; nem a for-
rizada) da EMI é um caso clássico de fenômeno a ser
ma como a tecnologia foi empacotada foi um desvio
investigado.1 No início dos anos 1970, a empresa inglesa
significativo da prática então vigente. Contudo, ele foi
EMI (Electrical Musical Industries Ltd.) tinha várias li-
fabuloso e bem-sucedido estabelecendo o MS-DOS
nhas de produto, incluindo discos de vinil, filmes e ele-
como o sistema operacional líder para os PCs de 16
trônica avançada. A empresa criou TVs de alta resolução
bits. No final de 1984, a IBM tinha despachado mais
nos anos 1930, foi a pioneira nos radares aerotranspor-
de 500 mil PCs, e muitos consideraram que ela havia
tados na Segunda Guerra Mundial e desenvolveu os pri-
ofuscado a Apple de maneira irreversível neste segmento
meiros computadores do Reino Unido, em 1952.
da indústria.
No final da década de 1960, Godfrey Houndsfield,
um engenheiro sênior de pesquisas da EMI, envolveu-
-se em uma pesquisa de reconhecimento de padrões LUCRANDO COM A INOVAÇãO:
FUNDAMENTOS BÁSICOS

Para criar uma estrutura coerente dentro do qual se


1
A história da EMI está resumida em Michael Martin, Managing
Technological Innovation and Entrepreneurship (Reston, Va.: Reston possa explicar a distribuição dos resultados ilustra-
Publishing Company, 1984). da na Figura 2, primeiro devem ser estabelecidos três
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    15

Figura 2 Taxonomia dos resultados do processo O grau em que o conhecimento é tácito ou codifi-
de inovação
cado também afeta a facilidade de imitação. O conhe-
cimento codificado é mais fácil de transmitir e receber,
Inovadora Seguidor-Imitador
além de estar mais exposto à espionagem industrial e
1 2
• Pilkington (Float Glass) • IBM (computador pessoal) congêneres. O conhecimento tácito, por definição, é difí-
Ganha • G.D. Searle • Matsushita (gravadores cil de articular e, portanto, sua transferência é mais di-
(NutraSweet) de vídeo VHS)
fícil, a menos que as pessoas que possuem o know-how
• DuPont (Teflon) • Seiko (relógio quartz)
em questão possam demonstrá-lo para outras pessoas.2
4 3
• RC Cola (cola dietética) As pesquisas de opinião indicam que os métodos de
• EMI (dispositivo de TAC) • Kodak (fotografia
• Bowmar (calculadora instantânea) apropriabilidade variam conforme a indústria.3
Perde de bolso) • Northrup (F20) O ambiente dos direitos de propriedade dentro do
• Xerox (computador • DEC (computador qual uma empresa opera pode ser classificado, portanto,
pessoal) pessoal)
• de Haviland (Comet) de acordo com a natureza da tecnologia e da eficácia do
sistema legal em atribuir e proteger a propriedade intelec-
tual. Mesmo sendo uma simplificação grosseira, pode ser
fundamentos básicos: o regime de apropriabilidade, estabelecida uma dicotomia entre os ambientes em que o
os ativos complementares e o paradigma do projeto regime de apropriabilidade seja “forte” (a tecnologia é fá-
dominante. cil de proteger) e “fraco” (a tecnologia é quase impossível
de proteger). No primeiro caso, temos como exemplo a
Regimes de apropriabilidade
fórmula do xarope da Coca-Cola; no último, um exemplo
Um regime de apropriabilidade refere-se aos fatores seria o algoritmo Simplex de programação linear.
ambientais, excluindo a empresa e a estrutura de mer-
cado, que regem a habilidade de uma empresa auferir os O paradigma do projeto dominante
lucros gerados por uma inovação. As dimensões mais
Reconhecem-se dois estágios na evolução de deter-
importantes de um regime como este são a natureza da
minado ramo de uma ciência: o pré-paradigmático,
tecnologia e a eficácia dos mecanismos legais de prote-
quando não há um tratamento conceitual único e em
ção (ver Figura 3).
geral aceito do fenômeno em um campo de estudo; e
Há muito se sabe que as patentes não funcionam na
o paradigmático, que começa quando um corpo de teo-
prática como se diz na teoria. Muito raro, se é que acon-
ria parece ter passado pelos critérios da aceitabilidade
tece, as patentes conferem a apropriabilidade perfeita,
científica. O surgimento de um paradigma dominante
embora deem proteção considerável para os novos pro-
indica a maturidade científica e a aceitação de padrões
dutos químicos e para as invenções mecânicas simples.
aprovados por meio dos quais o que tem sido referido
Muitas patentes podem ser “geradas em torno de outras
como pesquisa científica normal pode prosseguir. Esses
patentes” a custos modestos. Elas são ineficazes na prote-
padrões permanecem em vigor, a menos (ou até) que o
ção das inovações de processos. Muitas vezes, fornecem
paradigma seja derrubado. A ciência revolucionária é
pouca proteção porque as exigências legais para susten-
a que derruba a ciência normal, como ocorreu quando
tar sua validade ou proporcionar sua violação são altas.
as teorias astronômicas de Copérnico derrubaram as de
Em algumas indústrias, particularmente onde a inova-
Ptolomeu no século XVII.
ção está embutida no processo, os segredos comerciais são
Abernathy e Utterback,4 assim como Dosi,5 oferece-
uma alternativa viável em relação às patentes. A proteção
ram uma explicação da evolução tecnológica industrial
do segredo comercial é possível, mas apenas se uma em-
que corresponde às noções kuhnianas de evolução cien-
presa puder colocar seu produto perante o público e ainda
tífica.6 Nos primeiros estágios da evolução industrial,
manter em segredo a tecnologia subjacente. Normalmen-
te, apenas as fórmulas químicas e os processos industriais/
comerciais (p. ex., cosméticos e receitas) são protegidos 2
D. J. Teece, “The Market for Know-How and the Efficient International
como segredos comerciais após estarem no mercado. Transfer of Technology”, Annals of the American Academy of Political
and Social Science, November 1981.
Figura 3 Regime de apropriabilidade: 3
R. Levin, A. Klevorick, N. Nelson, and S. Winter, “Survey Research on
dimensões fundamentais R&D Appropriability and Technological Opportunity”, texto não publi-
cado, Yale University, 1984.
• Instrumentos legais • Natureza da tecnologia 4
W. J. Abernathy and J. M. Utterback, “Patterns of Industrial Innovation”,
– Patentes – Produto Technology Review 80(7) (January/July 1978), pp. 40-47.
– Direitos autorais – Processo
5
G. Dosi, “Technological Paradigms and Technological Trajectories”,
Research Policy 11 (1982), pp. 147-162.
– Segredos comerciais – Tácita 6
Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2nd. ed. (Chicago:
– Codificada University of Chicago Press, 1970).
16     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

os projetos de produto são fluidos, os processos de Figura 4 Inovação ao longo do ciclo de vida do produto/
indústria
manufatura são vagos e improvisados, e o capital não
específico é usado na produção. A concorrência entre
empresas manifesta-se na disputa entre projetos dife-
rentes entre si. Isso poderia ser chamado de estágio pré-
-paradigmático de uma indústria.

Taxa de inovação
Em dado momento, e após considerável tentativa e
Inovação
erro no mercado, um projeto (ou uma categoria de pro- de produto
jetos) surge como o mais promissor. Tal projeto deve
satisfazer um conjunto de necessidades do usuário de Inovação
de processo
maneira completa. O Modelo T da Ford, o IBM 360 e
o Douglas DC-3 são exemplos de projetos dominantes
nas indústrias automobilística, de computadores e de Fase Fase
aviação, nessa ordem. pré-paradigmática do projeto paradigmática do projeto
Com o surgimento de um projeto dominante, a con-
corrência passa a ser em relação ao preço, afastando-se ter sido responsável pelas descobertas científicas fun-
do projeto. O sucesso competitivo, então, passa para damentais, como também pelo projeto básico do novo
um novo conjunto de varáveis. A escala e a aprendi- produto. Entretanto, se a imitação for relativamente
zagem se tornam muito mais importantes, e o capital fácil, os imitadores podem entrar na briga, modifican-
especializado é distribuído à medida que os encarrega- do o produto em aspectos importantes, ainda que se
dos buscam a redução dos custos unitários por meio da baseando nos projetos fundamentais promovidos pelo
exploração das economias de escala e aprendizagem. A inovador. Quando a brincadeira da dança das cadeiras
menor incerteza sobre o projeto do produto proporcio- para e surge um projeto dominante, o inovador pode
na uma oportunidade para amortizar os investimentos muito bem acabar em uma posição de desvantagem em
específicos de longa duração. relação ao seguidor. Portanto, quando a imitação é possí-
A inovação não é necessariamente interrompida vel e ocorre associada à modificação do projeto antes
com o surgimento do projeto dominante; como salienta do surgimento de um projeto dominante, os seguidores
Clark,7 isso pode ocorrer mais abaixo na hierarquia do têm uma boa chance de ter seus produtos modificados
projeto. Por exemplo, a configuração dos cilindros em ungidos como o padrão da indústria, muitas vezes para
“V” surgiu nos blocos de motor de automóvel na década grande desvantagem do inovador.
de 1930 com o advento do motor Ford V-8. Rapidamen-
te foram encontrados nichos para eles. Além do mais, Ativos complementares
uma vez estabilizado o projeto do produto, é provável Seja a inovação essa unidade de análise. Uma inova-
que haja uma onda de inovação de processo conforme ção consiste em um determinado conhecimento técnico
os fabricantes tentam reduzir os custos de produção do sobre como fazer coisas de uma maneira melhor que
novo produto (ver Figura 4). a atual. Suponha que o know-how em questão esteja
A estrutura de Abernathy–Utterback não caracteriza parcialmente codificado, assim como o tácito. Para que
todas as indústrias. Ela parece mais adequada para os esse know-how gere lucros, ele deve ser vendido ou uti-
mercados de massa, no qual a preferência do consumi- lizado de alguma forma no mercado.
dor é homogênea. Ela parece ser menos característica Em quase todos os casos, a comercialização bem-
dos pequenos mercados de nicho, nos quais a ausência -sucedida de uma inovação requer que o know-how em
de economias de escala e aprendizagem contribuem questão seja utilizado junto com outras capacitações ou
muito pouco para influenciar múltiplos projetos. Nesses ativos. Quase sempre são necessários serviços como
casos, serão empregados equipamentos generalizados marketing, manufatura competitiva e suporte pós-ven-
na produção. da. Esses serviços muitas vezes são obtidos de ativos
A existência de um projeto dominante divisor de complementares especializados. Por exemplo, a comer-
águas é de grande relevância para a distribuição dos cialização de um novo fármaco exigirá a disseminação
lucros entre o inovador e o seguidor. O inovador pode de informações ao longo de um canal de informações
especializado. Em alguns casos, como quando a inova-
ção é sistêmica, os ativos complementares podem ser
7
Kim B. Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts outras partes de um sistema. Por exemplo, o hardware
in Technological Evolution”, Research Policy 14 (1985), pp. 235-251. de computador requer um software especializado, tanto
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    17

Figura 5 Ativos complementares necessários para Figura 6 Ativos complementares: genéricos,


comercializar uma inovação especializados e coespecializados

Dependência do ativo em relação à inovação


Manufatura

vaçã ateral
competitiva Distribuição

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Outros Serviço

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Genérico Espe ção ao a
ela
Outros Outros em r
Dependência da inovação em relação aos ativos complementares

para o sistema operacional quanto para os aplicativos. IMPLICAÇÕES NA RENTABILIDADE


Mesmo quando uma inovação é autônoma, como no
caso dos componentes retrocompatíveis, certas capa- Esses três conceitos agora se relacionam de maneira
citações complementares ou ativos serão necessários que deixa claro o processo de imitação e a distribuição
para a comercialização bem-sucedida, como mostra a dos lucros entre o inovador e o seguidor. Começamos
Figura 5. examinando os regimes de apropriabilidade fortes.
Se os ativos necessários para a produção e distri- Regimes de apropriabilidade fortes
buição, de baixo custo são especializados para a ino-
Nos poucos exemplos em que o inovador tem uma pa-
vação, então o quadro acima passa a ser importante.
tente forte ou a proteção dos direitos autorais, ou nos
Assim, a natureza dos ativos complementares é ex-
quais a natureza do produto é tal que os segredos co-
plicada em detalhes. A Figura 6 faz a distinção entre
merciais impedem de modo eficaz o acesso dos imi-
os ativos complementares genéricos, especializados e tadores ao conhecimento relevante, é quase certo que
coespecializados. o inovador traduza sua inovação em valor de mercado
Os ativos genéricos são de propósito geral, não pre- por algum período. Mesmo que não possua a dotação
cisam ser adaptados à inovação em questão. Os especia- dos custos complementares, a forte proteção da proprie-
lizados são aqueles em que há uma dependência unila- dade intelectual dará tempo ao inovador para acessar
teral entre a inovação e o ativo complementar. Os ativos esses ativos. Se forem genéricos, a relação contratual
coespecializados são aqueles em que há uma dependên- é suficiente, e o inovador pode simplesmente licenciar
cia bilateral. Por exemplo, as oficinas especializadas sua tecnologia. As empresas de P&D especializadas
foram necessárias para apoiar a introdução do motor são viáveis em um ambiente como este. A Universal
rotativo da Mazda. Esses ativos são coespecializados Oil Products, uma empresa de P&D que cria proces-
devido à dependência mútua da inovação em relação sos de refino para a indústria petrolífera, é um exemplo.
à oficina. De modo similar, a adoção dos contêineres Entretanto, se os ativos complementares forem espe-
exigiu a implantação de alguns ativos coespecializados cializados ou coespecializados, as relações contratuais
no transporte marítimo e nos portos. Entretanto, a ca- ficam expostas a riscos, porque uma ou ambas as partes
mionagem depende menos dos contêineres do que estes terão que comprometer capital para certos investimen-
dos primeiros, já que os caminhões podem ser convertidos tos irreversíveis, que não terão valor se a relação entre
para caçambas planas a um custo baixo. Um exemplo o inovador e o licenciado for rompida. Em consequên-
de recurso genérico seria a instalação fabril para a ma- cia, o inovador achará prudente expandir suas fronteiras
nufatura de tênis de corrida. Podem ser empregados por meio da integração de ativos especializados e co-
equipamentos generalizados para quase todo o calçado, especializados. Felizmente, os fatores que dificultam a
exceto para os moldes para as solas. imitação permitiam ao inovador criar ou adquirir esses
18     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

ativos complementares sem competir pelo seu controle duto. Em microeletrônica, por exemplo, os projetos
com os imitadores. ficam bloqueados quando os circuitos são escolhidos.
A concorrência dos imitadores é silenciada neste Neste caso, a modificação fica limitada à “depuração” e
tipo de regime, que às vezes caracteriza a indústria pe- à modificação do software. Caso o produto não se ajuste
troquímica. Nessa indústria, a proteção oferecida pelas bem ao mercado, o inovador deve recomeçar o projeto.
patentes é fortemente exercida. Um fator que ajuda o Em alguns aspectos, porém, a escolha dos projetos é
licenciado é que a maioria dos processos petroquími- ditada pela necessidade de satisfazer certos padrões de
cos é projetada em torno de uma variedade específica compatibilidade de modo que o novo hardware possa
de catalisadores que podem ser mantidos proprietários. interagir com os aplicativos de softwares existentes.
Pode-se obter um acordo com os licenciados para não Em certo sentido, portanto, a questão do projeto para a
analisarem o catalisador, proporcionando ainda mais indústria de microprocessadores atual é relativamente
proteção. No entanto, mesmo que tais exigências se- simples: fornecer mais velocidade, satisfazendo os pa-
jam violadas pelos licenciados, o inovador ainda estará drões da indústria de computadores em relação à base
bem posicionado, já que as propriedades mais impor- de softwares existentes. Entretanto, de tempos em tem-
tantes de um catalisador estão relacionadas à sua estru- pos surgem janelas de oportunidade para a introdução
tura física, e o processo para a geração desta estrutura de famílias de microprocessadores novos que definirão
não será deduzido apenas a partir da análise estrutural. uma nova indústria e padrão de software. Nesses casos,
Toda tecnologia de reação que uma empresa adquire é os parâmetros básicos do projeto são pouco definidos e
acompanhada, portanto, de uma dependência contínua podem ser deixados em compasso de espera até que a
da empresa inovadora em relação ao catalisador apro- aceitação do mercado seja aparente.
priado para o projeto da instalação. O não cumprimento Os primórdios da história da indústria automobilística
dos vários elementos do contrato de licenciamento re- exemplificam bem a importância de escolher o projeto
sultará em corte no abastecimento e, possivelmente, no certo nos estágios pré-paradigmáticos para chegar ao su-
fechamento das instalações. cesso posterior. Nenhum dos fabricantes iniciais de carros
De modo similar, se o inovador chegar ao mercado a vapor sobreviveu ao abalo inicial quando o automóvel
na fase pré-paradigmática com um sólido conceito de com motor a combustão interna surgiu como o projeto
produto, mas com o projeto errado, um regime de apro- dominante. Contudo, o carro a vapor tinha muitas virtu-
priabilidade forte lhe dará o tempo suficiente para reali- des iniciais, tal como a confiabilidade, que os automóveis
zar os ensaios necessários para alcançar o projeto corre- com motor a combustão interna não podiam oferecer.
to. Como já discutido, os melhores conceitos de projeto O fiasco britânico com o Comet I também é instru-
inicial muitas vezes acabam sendo irremediavelmente tivo. A De Haviland havia escolhido um projeto ini-
errados, mas se o inovador possuir uma forte proteção de cial com falhas técnicas e comerciais. Ao passar para
patentes ou tiver uma tecnologia difícil de copiar, então a produção, irreversibilidades significantes e a perda
o mercado lhe dará o tempo necessário para determinar o de reputação amarraram a empresa a tal ponto que ela
projeto correto antes de ser ofuscado pelos imitadores. foi incapaz de adotar o projeto da Boeing, que emergiu
posteriormente como dominante. Ela sequer foi capaz
Apropriabilidade fraca de ocupar o segundo lugar, que ficou para a Douglas.
A apropriabilidade forte é a exceção, não a regra. Em Como princípio geral, parece que os inovadores em
consequência, os inovadores devem se voltar para a regimes de apropriabilidade fraca precisam estar liga-
estratégia de negócio para manter os imitadores/segui- dos ao mercado a fim de que as necessidades do usuá-
dores pressionados. A natureza do processo de concor- rio possam influenciar totalmente os projetos. Quando é
rência variará de acordo com a fase em que a indústria possível a prototipagem paralela e sequencial, isto traz
estiver: pré-paradigmática ou paradigmática. vantagens claras. Em geral, uma abordagem como esta
é simplesmente proibitiva em termos de custos. Quando
Fase pré-paradigmática Nesta fase, o inovador deve os custos de criação de uma grande aeronave comercial
ter cuidado para que o projeto básico “flutue”* até que ultrapassam US$ 1 bilhão, só são possíveis variações
se acumulem evidências suficientes para que se torne do mesmo tema.
um padrão na indústria. Em algumas indústrias, pode Por isso, a probabilidade de que um inovador – defi-
haver poucas oportunidades para a modificação do pro- nido aqui como a primeira empresa a comercializar um
novo conceito de projeto de produto – venha a entrar
na fase paradigmática possuindo o projeto dominan-
*
N. de R.T.: Flutuar, neste caso, significa deixar um projeto em com-
passo de espera até que os padrões de uma determinada indústria fiquem te é problemática. As probabilidades serão mais altas
mais claros. quanto mais baixo for o custo relativo da prototipagem
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    19

e quanto mais a empresa estiver ligada ao mercado. Esta posicionadas de modo vantajoso em relação a um ino-
última é uma função do projeto organizacional, e pode vador. Na realidade, em raros casos em que as empresas
ser influenciada por escolhas gerenciais. A primeira está já atuantes possuem um monopólio hermético sobre os
relacionada a tecnologia, e é pouco influenciada pelas ativos especializados e o inovador está em um regime
decisões gerenciais. Assim, nas indústrias com altos de apropriabilidade fraca, todos os lucros para a inova-
custos de desenvolvimento e prototipagem – e, por- ção podem reverter concebivelmente para as empresas
tanto, irreversibilidades significantes – e onde é fácil a que possuem os ativos especializados, pelos quais devem
inovação do conceito de produto, pode-se esperar que ser capazes de obter a vantagem.
a probabilidade de o inovador surgir como vencedor ou Mesmo quando o inovador não é confrontado com
estar entre os vencedores no final do estágio pré-para- situações nas quais os concorrentes ou potenciais con-
digmático seja baixa. correntes controlam ativos-chave, ele ainda pode ser
prejudicado. Por exemplo, a tecnologia embutida nos
Estágio paradigmático Nesta fase, os ativos comple- marca-passos cardíacos foi fácil ser copiada e, assim, os
mentares não se tornam volumosos. A concorrência se resultados competitivos foram determinados por quem
concentra em tentar identificar o projeto que será domi- tinha o acesso mais fácil a esses ativos complementares,
nante. Os volumes de produção são baixos e há pouco neste caso, o marketing especializado. Uma situação
a ganhar com a implantação de ativos especializados, semelhante surgiu recentemente nos Estados Unidos
já que as economias de escala não estão disponíveis e o em relação aos computadores pessoais. Como observou
preço não é um fator de concorrência principal. Porém, um participante da indústria,
à medida que o projeto dominante começa a ser revela-
do ao mercado, os volumes aumentam e as oportunida- Existe um grande número de fabricantes de computador, de
des para as economias de escala induzirão as empresas empresas que fabricam periféricos (p. ex., impressoras, uni-
dades de disco rígido, unidades de disquete) e de empresas
a começarem a se preparar para a produção em massa,
de softwares. Todos eles estão tentando obter distribuidores
adquirindo ferramentas e equipamentos especializados e, comerciais porque não têm capacidade de contatar todas as
também, uma possível distribuição especializada. Como empresas americanas diretamente. Elas precisam passar por
esses investimentos envolvem irreversibilidades signifi- canais de distribuição de varejo, como o Businessland, a fim
cativas, é provável que os produtores procedam com cau- de chegar ao mercado. O problema hoje, porém, é que muitas
tela. As ilhas de capital especializado começarão a apare- dessas empresas não são capazes de obter espaço na prate-
cer em uma indústria, que de outra forma ostenta um mar leira e, portanto, estão vivendo momentos difíceis na comer-
de equipamentos de fabricação de propósito geral. cialização de seus produtos. No mercado atual, o ponto de
distribuição é onde se encontram o lucro e o poder.8
No entanto, à medida que a concorrência começa a
mudar e os preços se tornam cada vez mais importantes,
o acesso aos ativos complementares se torna absolu- QUESTÕES DE ESTRATÉGIA DE CANAL
tamente crítico. Como a tecnologia central é fácil de
copiar, por pressuposto, o sucesso comercial oscila nos A análise anterior indica como é importante o acesso aos
termos e condições em que os ativos complementares ativos complementares, tais como manufatura e distri-
podem ser acessados. buição, caso o inovador queira evitar compartilhar dos
É neste ponto que os ativos especializados e coes- lucros com os imitadores e/ou proprietários dos ativos
pecializados passam a ser essenciais. Os equipamentos complementares especializados ou coespecializados para
e habilidades generalizados, quase por definição, estão a inovação. Agora, é necessário aprofundar-se na estru-
sempre disponíveis em uma indústria, e, mesmo que tura de controle adequada que o inovador idealmente
não estejam não envolvem irreversibilidades relevantes. deveria estabelecer sobre esses ativos críticos.
Consequentemente, as empresas têm acesso fácil a esse Há uma infinidade de canais possíveis que poderiam
tipo de capital, e mesmo que haja capacidade disponível ser empregados. Em um extremo, o inovador poderia
insuficiente relevante, isto pode ser facilmente coloca- integrar todos os ativos complementares necessários,
do em prática, já que envolve poucos riscos. Os ativos como ilustra a Figura 7, ou apenas alguns deles, como
especializados, por outro lado, envolvem irreversibi- mostra a Figura 8. Pode acontecer de a integração com-
lidades significativas e não podem ser acessados com pleta (Figura 7) não se fazer necessária, bem como não
facilidade por contrato, já que os riscos são substanciais
para a parte que está fazendo o investimento. As empre-
sas que controlam os ativos coespecializados, tais como 8
David A. Norman, “Impact of Entrepreneurship and Innovations on the
Distribution of Personal Computers”, in: R. Landau and N. Rosenberg,
os canais de distribuição, a capacidade de fabricação eds., The Positive Sum Strategy (Washington, D.C.: National Academy
especializada, e assim por diante, estão claramente Press, 1986).
20     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 7 Ativos complementares internalizados para a Figura 8 Ativos complementares internalizados para a
inovação: caso hipotético n. 1 (inovação integrada em todos inovação: caso hipotético n. 2 (subcontratos de inovação
os ativos complementares) para manufatura e serviços)

Manufatura Manufatura
competitiva Distribuição competitiva Distribuição

Outros Serviço Outros Serviço

Know-how Know-how
tecnológico tecnológico
essencial essencial
em inovação em inovação
Tecnologias Tecnologias
Outros Outros
complementares complementares

Outros Outros Outros Outros

Ativos sob propriedade comum (integrada) Ativos sob propriedade comum (integrada)

Provavelmente, quando o regime de apropriabili­


ser cara. É bom reconhecer que provavelmente a di-
dade do inovador é forte e os ativos complementares
versidade de ativos e competências que precisam ser
estão disponíveis em oferta competitiva (ou seja, há
acessadas seja bem alta, mesmo nas tecnologias pouco
capacidade adequada e opções de escolha de forneci-
complexas. Para fabricar um computador pessoal, por
mento), a estratégia ideal é contratar em vez de integrar.
exemplo, uma empresa precisa de acesso ao conheci-
Ambas as condições se aplicam à petroquímica, por
mento das tecnologias de semicondutores, monitores,
exemplo: Então, um inovador não precisa ser fortemen-
unidades de disco, redes, teclado e várias outras. Ne-
te integrado para ser bem-sucedido. Considere primei-
nhuma empresa consegue acompanhar todas essas áreas
ro, o regime de apropriabilidade. Como foi discutido, a
por si mesma.
proteção oferecida pelas patentes é facilmente aplicada,
No outro extremo, o inovador poderia tentar aces- particularmente em tecnologia de processo na indústria
sar esses ativos por meio de relações contratuais diretas petroquímica. Dados os preços vantajosos das matérias-
(p. ex., contratos de fornecimento de componentes, de -primas nos países exportadores de produtos petroquí-
fabricação, de serviços). Em muitos casos, tais contratos micos ricos em hidrocarbonetos, não há incentivo ou
podem ser suficientes, embora, por vezes, isto exponha vantagem em possuir os ativos complementares (ins-
o inovador a vários riscos e dependências que ele pode talações de produção), já que não são especializados o
querer evitar. Entre os extremos totalmente integrado e suficiente para a inovação. Parece que a Union Carbide
totalmente contratual, existe uma infinidade de formas percebeu isso e recentemente ajustou sua estratégia em
e canais disponíveis. Uma análise das propriedades das conformidade com esta realidade. Essencialmente, ela
duas formas extremas é apresentada a seguir, seguida está colocando sua tecnologia existente em uma nova
por uma breve sinopse dos modos mistos. subsidiária, a Engineering and Hydrocarbons Service. A
empresa está aderindo ao licenciamento e oferece servi-
Formas contratuais ços de engenharia, construção e gestão para os clientes
As vantagens de uma solução contratual – pela qual o que queiram assumir suas matérias-primas e integrá-las
inovador assina um contrato, como uma licença, com mais em produtos petroquímicos. Mas a própria Union
fornecedores, fabricantes ou distribuidores independen- Carbide parece estar se afastando de uma estratégia de
tes – são óbvias. O inovador não deverá incorrer em integração.
despesas de capital necessárias para criar ou comprar As inovações em produtos químicos e petroquímicos
os ativos em questão, o que diminui os riscos e as exi- não são muito fáceis de proteger, o que pode suscitar
gências de caixa. novos desafios para as empresas inovadoras nos países
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    21

desenvolvidos à medida que tentarem sair do mercado acessar capacitações especializadas. Primeiro, pode ser
de commodity petroquímicos. Já existem muitos exem- difícil induzir os fornecedores a assumirem compro-
plos de novos produtos que chegaram ao mercado, satis- missos irreversívelmente caros que, para o seu suces-
fizeram uma necessidade do cliente, mas nunca geraram so, dependem do sucesso da inovação. Esperar que os
retornos competitivos para o inovador devido à imita- fornecedores, fabricantes e distribuidores façam isto é
ção. Por exemplo, em 1960, a Dow resolveu começar convidá-los a assumir riscos junto com o inovador. O
a fabricar espuma rígida de poliuretano. Porém, ela foi problema, nesse caso, para o inovador é similar aos
copiada rapidamente por várias empresas pequenas que associados à atração de capital de risco. O inovador
tinham custos mais baixos.9 A falta de capacidade para deve convencer seu parceiro em potencial que o risco
a manufatura de baixo custo deixou a Dow vulnerável. vale a pena. A situação está aberta para abusos oportu-
As relações contratuais podem trazer mais credibi- nistas de ambas as partes. O inovador tem incentivos
lidade ao inovador, especialmente se ele for relativa- para exagerar o valor da inovação, embora o fornece-
mente desconhecido e o parceiro contratual já for esta- dor tenha incentivos para “rodar com a tecnologia” se
belecido. Na realidade, a contratação preservando certa a inovação for um sucesso.
distância, que incorpora mais do que um simples acordo Todavia, existem casos em que ambas as partes as-
de compra/venda, está se tornando tão comum e é tão sumem compromissos irreversíveis de capital. A La-
multifacetada que o termo “parceria estratégica” foi con- serwriter da Apple – uma impressora a laser de alta
cebido para descrevê-la. Mesmo as grandes empresas, resolução que permite aos usuários de PC produzirem
como a IBM, agora a estão adotando. Para a IBM, a par- texto e imagens com qualidade quase igual à de uma
ceria compra o acesso a novas tecnologias, permitindo gráfica – é um exemplo. A Apple convenceu a Canon
que a empresa “aprenda coisas que não teria aprendido a participar do desenvolvimento da Laserwriter forne-
sem muitos anos de tentativa e erro”.10 O programa de cendo subsistemas para suas copiadoras – mas só depois
ação da IBM com a Microsoft para usar o sistema ope- de a Apple ter fechado um contrato para pagar por um
racional MS-DOS desta empresa no seu PC facilitou a determinado número de motores e gabinetes de copia-
introdução oportuna do computador pessoal com a sua dora. Em resumo, a Apple aceitou uma boa parcela do
marca no mercado. risco financeiro a fim de induzir a Canon a ajudá-la na
As empresas menores e menos integradas muitas criação e produção da Laserwriter. O arranjo parece ter
vezes estão ávidas para selar acordos com as empresas sido prudente, mas claramente havia riscos para ambos
estabelecidas devido ao reconhecimento do nome e à os lados. É difícil escrever, executar e aplicar contratos
transmissão da reputação. Por exemplo, a Cipher Data de desenvolvimento complexos, particularmente quan-
Products selou um contrato com a IBM para produzir do o projeto do produto ainda está no nível teórico. A
uma versão mais barata da unidade de cartucho 3480, Apple expôs-se ao risco de sua coinovadora Canon não
que é susceptível de se tornar o padrão da indústria. conseguir entregar a sua parte, e a Canon se expôs ao
Como ressalta a direção da Cipher, “Uma das maiores risco de o projeto da Apple e do esforço de marketing
vantagens de lidar com a IBM é que uma vez que você não obterem sucesso. Ainda assim, as alternativas da
tenha criado um produto que satisfaça os altos padrões Apple podem ter sido um tanto limitadas, na medida em
de qualidade necessários para vender no mundo IBM, que não comandou a tecnologia necessária para fazer
você consegue vender em qualquer lugar”.11 De modo isso sozinha.
similar, o contrato da IBM com a Microsoft “significou Em síntese, a euforia sobre parcerias estratégicas
credibilidade instantânea” para a Microsoft.12 pode ser parcialmente inapropriada. As vantagens
No entanto, é mais importante reconhecer que a estão sendo enfatizadas13 sem uma figura equilibra-
parceria estratégica (contratual), muito na moda atual- da dos custos e riscos. De maneira resumida, existe o
mente, está exposta a certos riscos, particularmente risco de o parceiro não se desempenhar de acordo com
para o inovador, quando ele tenta usar os contratos para a percepção do inovador em relação ao que o contra-
to exige; há o perigo adicional de o parceiro copiar
a tecnologia do inovador e tentar competir com ele.
9
Executive V. P. of Union Carbide, Robert D. Kennedy, citado em Che-
mical Week, November 16, 1983, p. 48. Esta última possibilidade é particularmente séria se
10
Comentário atribuído a Peter Olson III, diretor de desenvolvimento de o fornecedor do ativo complementar estiver situado
negócios da IBM, como foi relatado em “The Strategy Behind IBM’s unicamente em relação ao ativo complementar em
Strategic Alliances”, Electronic Business, October 1, 1985, p. 126.
11
Comentário atribuído a Norman Farquhar, vice-presidente de desen- questão e tiver a capacidade de copiar a tecnologia
volvimento estratégico da Cipher, conforme foi divulgado em Electronic
Business, October 1, 1985, p. 128.
12
Regis McKenna, “Market Positioning in High Technology”, California
Management Review 27 (3) (Spring 1985), p. 94. Por exemplo, ver McKenna, “Marketing Position in High Technology”.
13
22     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que o inovador é incapaz de proteger. Então, o ino- Figura 9 Ativos complementares especializados e
apropriabilidade fraca: cálculo da integração
vador descobrirá que criou um concorrente mais bem
posicionado para tirar proveito da oportunidade de
Tempo necessário para se posicionar
mercado em mãos. A Business Week expressou sua (em relação aos concorrentes)
preocupação nesse aspecto em sua discussão sobre a Longo Curto
“Corporação Oca”.14
É importante lembrar, porém, que as estratégias
OK se o tempo A todo vapor
contratuais ou de parceria são ideais em certos casos. Se Menor
não for crítico
a tecnologia do inovador for bem protegida e se o que o
Investmento
parceiro tiver que fornecer for uma capacidade “gené- exigido
rica” disponível a partir de muitos parceiros potenciais,
OK se a
então o inovador será capaz de manter a vantagem, ao Maior Esqueça posição de
mesmo tempo em que evita custos de duplicação da custo for tolerável
capacidade posterior na cadeia produtiva. Mesmo que
o parceiro não se saia bem, existem alternativas ade-
quadas (supostamente, as capacidades dos parceiros Investimento ideal para o negócio em questão

costumam estar disponíveis), de modo que os esforços Menor Maior

do inovador para comercializar com sucesso sua tecno- Internalizar (mas se


logia devam se desenvolver de forma lucrativa. Internalizar houver restrição
É essencial de caixa, adotar
(participação
majoritária) a participação
Formas de integração É essencial minoritária)
A integração, que por definição envolve a proprieda- para o sucesso?

de, distingue-se das formas contratuais puras, já que Não internalizar


Discricionário
ela tipicamente facilita o alinhamento e o controle dos Não é essencial (contratar fora)
incentivos. Se o inovador possuir em vez de alugar os
ativos necessários para comercializar, então ele está em
situação de capturar os benefícios indiretos resultantes Como uma questão prática, porém, um inovador
do aumento da demanda pelos ativos complementares pode não ter tempo para adquirir ou criar os ativos
provocado pela inovação. complementares que idealmente gostaria de gerenciar.
Na realidade, um inovador poderia estar em situa- Isto ocorre quando é fácil copiar, de modo que a va-
ção, ao menos antes de a sua inovação ser anunciada, riável tempo passa a ser crítica. Além disso, o inova-
de adquirir ativos complementares, possivelmente para dor pode simplesmente não ter os recursos financeiros
sua maior vantagem competitiva posterior. Se existem para prosseguir. As implicações das restrições de tem-
mercados futuros, pode ser suficiente antecipar posi- po e dinheiro estão resumidas na Figura 9.
ções avançadas em ativos complementares para captu- Em consequência, nos regimes de apropriabilidade
rar a maior parte dos benefícios indiretos. fracos, os inovadores precisam classificar os ativos
Mesmo depois de a inovação ter sido anunciada, o complementares segundo a sua importância. Se es-
inovador ainda pode ser capaz de criar ou comprar ati- tes ativos forem essenciais, a propriedade se justifi-
vos complementares a preços competitivos se a inova- ca, embora, caso a empresa tenha restrições de caixa,
ção possuir forte proteção legal (ou seja, se estiver em uma posição minoritária pode representar um com-
um regime de apropriabilidade forte). Entretanto, se a promisso sensato.
inovação não estiver fortemente protegida e for fácil de Não é preciso dizer que quando é fácil copiar, os
copiar, então é provável que o fator-chave do sucesso movimentos estratégicos para criar ou comprar ativos
seja assegurar os controles ativos complementares, parti- complementares especializados devem ocorrer com a
cularmente se esses ativos tiverem uma oferta fixa – os devida referência aos movimentos dos concorrentes.
chamados pontos de estrangulamento. As competências Não há problema em criar um ativo especializado, por
de distribuição e manufatura especializada muitas vezes exemplo, se os imitadores de uma empresa puderem
se transformam nesses pontos. fazê-lo de forma mais rápida e barata.
É óbvio que se o inovador já é uma grande empre-
sa, com muitos dos ativos complementares relevantes
14
Ver BusinessWeek, March 3, 1986, pp. 57-59. A Business Week usa o
termo para descrever uma corporação que não possui capacidade de ma- sob seu controle, é improvável que a integração seja
nufatura interna. um problema, uma vez que a empresa inovadora uma
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    23

Figura 10 Fluxograma para a decisão de integrar versus contratar

Comece por aqui

1
Sim 2 Não
A inovação exige o acesso
Ativos complementares Contratar o acesso
a ativos complementares
especializados
para o sucesso comercial

Sim
Não

3 Não
Comercializar imediatamente Contratar o acesso
Regime de apropriabilidade fraca

Sim

4 Não
Contratar o acesso
Ativo especializado essencial

Sim

5 Não
Contratar o acesso
Posição de caixa OK

Sim

Não Imitadores/concorrentes Sim


Integrar Contratar o acesso
mais bem posicionados

vez controla muitos dos ativos especializados e co- A Figura 10 evidencia que as decisões estratégicas
especializados relevantes. Porém, nas indústrias que difíceis surgem nas situações em que os ativos especia-
passam por mudanças tecnológicas rápidas, as tecno- lizados são essenciais para uma comercialização lucrati-
logias evoluem com tal velocidade que é improvável va. Essas situações, que na realidade são muito comuns,
que uma única empresa tenha toda a especialização requerem que uma análise detalhada do concorrente
necessária para levar produtos avançados ao mercado faça parte da avaliação estratégica das oportunidades
de forma oportuna e com eficiência de custos. Portanto, e ameaças do inovador. Isto é levado um passo adiante
a questão da integração não é uma particularidade da na Figura 11, que visa apenas às situações em que a
empresa pequena. comercialização requer determinadas capacitações es-
pecializadas. Ela indica as estratégias apropriadas para
Integração versus estratégias contratuais: os inovadores e prevê os resultados que se pode esperar
um resumo analítico para os vários participantes.
A Figura 10 resume algumas considerações relevan- Interessam-nos três classes de participantes: inova-
tes na forma de um fluxograma de decisão. Ela indi- dores, imitadores e proprietários de ativos coespeciali-
ca que um inovador que busca o lucro, confrontado zados (p. ex., distribuidores). As três podem se benefi-
por uma proteção fraca da propriedade intelectual e ciar potencialmente do processo de inovação ou perder
com a necessidade de acessar ativos complementares com ele. A última classe pode beneficiar-se com negó-
especializados, é forçado a expandir suas atividades cios alternativos que a inovação pode direcionar para
por meio da integração se quiser prevalecer sobre o proprietário do ativo. Se o ativo se transformar em
os imitadores. Dito de outro modo, os inovadores um ponto de estrangulamento com relação à comercia-
que desenvolvem novos produtos que possuem uma lização da inovação, o proprietário das instalações des-
proteção ineficiente da propriedade intelectual, mas te ponto encontra-se obviamente em sinais para extrair
que requerem ativos complementares especializados lucros do inovador e/ou imitadores.
têm mais chances de transformar sua tecnologia em O eixo vertical na Figura 11 mede como as empre-
uma vantagem comercial, em vez de vê-la vingar nas sas que possuem a tecnologia (o inovador, ou, possi-
mãos dos imitadores. velmente, seus imitadores) estão posicionadas em com-
24     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 11 Estratégias de contrato e integração e resultados para os inovadores: caso do ativo especializado

Chave:
Apropriabilidade legal/técnica fraca
Estratégias
Inovador bem posicionado Inovador mal posicionado
Apropriabilidade versus imitadores com relação versus imitadores com
legal/técnica forte ao comissionamento dos ativos relação ao comissionamento

versus proprietários dos ativos complementares


Resultados

Poder de mercado dos inovadores/imitadores


complementares dos ativos complementares

1 2 3
Inovadores e imitadores bem
posicionados em comparação Contratar Contratar Contratar
com os O inovador
` proprietários
independentes dos ativos ou imitador
complementares vencerá; os
proprietários de ativos
O inovador vencerá O inovador deve vencer não se beneficiarão

Inovadores e imitadores 4 Contratar se puder 5 6


posicionados em fazê-lo em termos Integrar Contratar (para
desvantagem em competitivos; limitar a
` integre se Provavelmente
comparação com os O inovador deve exposição)
necessário o inovador
proprietários independentes vencer; pode ter perderá para os
dos ativos complementares que dividir os lucros imitadores e/ou
com o detentor do ativo O inovador deve vencer detentores dos ativos

Grau de proteção da propriedade intelectual

paração com as que possuem os ativos especializados Por exemplo, se os inovadores integram quando deve-
necessários. O eixo horizontal mede a força do regime riam contratar, haverá um comprometimento pesado de
de apropriabilidade, com os regimes fortes sendo evi- recursos por pouco ou nenhum benefício estratégico,
denciados pela forte proteção legal vinculada a uma expondo assim o inovador a perdas ainda maiores. Por
tecnologia simplesmente difícil de copiar; os regimes outro lado, se um inovador tenta contratar o forneci-
fracos oferecem pouco em termos de proteção legal, e a mento de uma capacitação crítica quando deveria criá-
essência da tecnologia, uma vez liberada, fica transpa- -la por si mesmo, ele pode muito bem descobrir que ali-
rente para o imitador. Os regimes fracos são ainda mais mentou um imitador mais capaz de atender o mercado
subdivididos de acordo com a maneira que o inovador do que ele próprio.
e os imitadores estão posicionados em comparação uns
com os outros. Esta é provavelmente uma função de fa- Formas mistas
tores como tempos envolvidos e posicionamento prévio O mundo real raramente proporciona casos extremos ou
nos ativos complementares necessários. simples. As decisões de integrar ou licenciar envolvem
A Figura 11 evidencia que, mesmo quando as em- conflitos de escolha, compromissos e abordagens mis-
presas buscam a estratégia ideal, outros participantes tas. Não é de surpreender, portanto, que o mundo real
da indústria podem tirar a sorte grande. Essa possibili- seja caracterizado por formas mistas de organização,
dade é improvável quando a propriedade intelectual em envolvendo mesclas sensatas de integração e contrata-
questão é fortemente protegida. A única ameaça séria ção. Às vezes, as formas mistas representam fases de
para o inovador é quando um ativo complementar es- transição. Por exemplo, devido à convergência da tec-
pecializado está completamente comprometido, uma nologia dos computadores e das telecomunicações, as
possibilidade reconhecida na célula 4. Isto raramente empresas de cada um dos setores estão descobrindo que
pode ser feito sem a cooperação do governo. Porém, muitas vezes não possuem as capacitações técnicas exi-
ocorre com frequência, como na situação em que um gidas pela outra. Como a interdependência tecnológica
governo estrangeiro fecha o acesso ao mercado exter- das duas requer a colaboração entre os que projetam as
no, forçando os inovadores a licenciarem para empresas diferentes partes do sistema, são necessários a inten-
estrangeiras, mas com o governo efetivamente carteli- sa coordenação e os fluxos de informação entre elas.
zando os potenciais licenciados. Entretanto, com a pro- Quando empresas individuais estão envolvidas, deve-se
teção fraca da propriedade intelectual, fica bem claro chegar a um acordo sobre as complexas questões proto-
que o inovador quase sempre perderá para os imitadores colares entre as partes que enxergam seus interesses de
e/ou detentores de ativos, mesmo quando o inovador es- maneiras diferentes. As dificuldades contratuais podem
tiver buscando a estratégia adequada (célula 6). Clara- ser antecipadas, uma vez que a escolha dos protoco-
mente, as estratégias incorretas podem criar problemas. los técnicos comuns entre as partes será quase sempre
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    25

seguida pelos investimentos em hardwares e softwares tos da saúde fez com que a administração do presidente
específicos para a transação. Há pouca dúvida de que Carter introduzisse o “certificado de necessidade”, que
esta foi a motivação por trás da compra de 15% da fa- exigia a aprovação do HEW* para gastos em artigos ca-
bricante de PABX Rolm, realizada pela IBM em 1983, ros, como os dispositivos TAC, o que diminuiu conside-
uma posição ampliada para 100% em 1984. A participa- ravelmente o tamanho do mercado disponível.
ção da IBM na Intel começou com uma compra de 12% Em 1978, a EMI havia perdido a liderança de mer-
em 1982, mas provavelmente não levará a uma compra cado para a Technicare, que por sua vez foi ultrapassada
de 100%, porque ambas perceberam que as duas cul- rapidamente pela GE. Em outubro de 1979, Godfrey
turas corporativas não são muito compatíveis, e a IBM Houndsfield, da EMI, dividiu o prêmio Nobel pela in-
pode não estar tão impressionada com a tecnologia da venção do dispositivo de TC. Apesar dessa honra e do
Intel quanto já esteve. reconhecimento público de seu papel em trazer esse
avanço da medicina para o mundo, o colapso do seu
O TAC, o PC da IBM e a Nutrasweet: negócio de dispositivos de TC forçou a EMI, no mes-
deduções a partir da estrutura mo ano, a se lançar nos braços de um salvador, a Thorn
O insucesso da EMI em obter retornos significativos com Electrical Industries. Posteriormente, a GE adquiriu da
o TAC pode ser explicado em grande parte pela referên- Thorn, por uma ninharia, o negócio que um dia fora da
cia aos conceitos desenvolvidos acima. O dispositivo EMI.15 Embora os royalties continuassem a fluir para
criado por ela era de uma sofisticação técnica muito mais a EMI, a empresa não conseguiu capturar a parte dos
elevada do que se poderia encontrar normalmente em um lucros gerados pela inovação na qual foi pioneira e que
hospital, exigindo um alto nível de treinamento, suporte comercializou com sucesso.
e prestação de serviços. A EMI não tinha nenhuma des- Se a EMI exemplifica como uma empresa com tec-
sas capacitações, não podia contratá-las com facilidade, nologia excepcional e um produto excelente pode não
e demorou a perceber sua importância. Mais provavel- conseguir lucrar com a inovação enquanto os imitado-
mente, ela poderia ter formado uma parceria com uma res conseguem, a história do PC da IBM indica como
empresa como a Siemens para ter acesso às capacitações um produto novo representando um avanço tecnológico
necessárias. Não ter feito isto foi um erro estratégico, bastante modesto pode gerar retornos notáveis para o
agravado pela proteção muito limitada da propriedade desenvolvedor.
intelectual que a lei garantia ao dispositivo. Apesar de O PC da IBM, apresentado em 1981, foi um sucesso,
as decisões posteriores dos tribunais terem sustentado apesar de a arquitetura ser comum e os componentes,
algumas reivindicações de patente da EMI, depois que padrão. A equipe de projeto de Philip Estridge, em Boca
o produto estava no mercado ele sofreu uma engenharia Raton, Florida, decidiu usar a tecnologia existente para
reversa e teve suas características essenciais copiadas. produzir um microcomputador sólido e confiável, em
Dois concorrentes, GE e Technicare, já possuíam as capa- vez dos computadores da época. Com um mandato de
citações complementares que o dispositivo exigia, e tam- um ano para desenvolver um PC, a equipe de Estridge
bém eram tecnologicamente capazes. Além disso, ambas
podia fazer pouca coisa.
as empresas tinham experiência em comercializar equi-
Entretanto, o PC da IBM usou o que na época era
pamentos médicos e possuíam reputação de qualidade,
um novo microprocessador de 16 bits (o Intel 8080) e um
confiabilidade e serviços. A GE e a Technicare, portanto,
novo sistema operacional em disco (DOS) adaptado
foram capazes de empenhar seus recursos de P&D para
para a IBM pela Microsoft. À exceção do processador
desenvolver um dispositivo competitivo, apropriando-se
e do sistema operacional, o PC da IBM incorporava os
de ideias do dispositivo da EMI, ao qual elas indubita-
“padrões” de microinformática existentes e usava peças
velmente tiveram acesso por meio dos hospitais coope-
de fornecedores externos. A IBM escreveu sua própria
rados, aprimorando-as onde podiam enquanto corriam
BIOS (Sistema Básico de Entrada/Saída) que fica em-
para o mercado. A GE começou a receber encomendas
butida na ROM, mas isto foi um exercício de programa-
em 1976, e logo em seguida fez progressos em relação
ção relativamente simples.
à EMI. Em 1977, a preocupação com os crescentes cus-
A chave para o sucesso do PC não foi a tecnologia,
mas, sim, o conjunto de ativos complementares que a
*
N. de R.T.: O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados IBM possuía ou que reuniu rapidamente. Para ampliar
Unidos (Health and Human Services – HHS) é um departamento do ga-
binete do governo americano com o objetivo de proteger a saúde de to-
o mercado de PCs, havia uma necessidade clara de um
dos os cidadãos americanos e fornecer serviços essenciais relacionados à microcomputador flexível e expansível com muitos apli-
saúde humana. Seu lema é “Melhorar a saúde, a segurança e o bem-estar
da América”. Antes do Departamento ser criado em 1979, foi chamado
de Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar (Health, Education,
and Welfare – HEW). Ver “GE Gobbles a Rival in CT Scanners”, BusinessWeek, May 19, 1980.
15
26     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

cativos de softwares. A IBM poderia ter desenvolvido o seu gosto agradável e à sua habilidade de substituir di-
PC a partir do seu próprio hardware patenteado e de seu retamente o açúcar em muitas aplicações. Entretanto,
software protegido por direitos autorais. Uma abordagem os ganhos da Searle com o NutraSweet podem ser atri-
como esta faria que os produtos complementares fossem buído, em parte, à estratégia inteligente desta empresa.
coespecializados, forçando-a a desenvolver periféricos e Parece que a Searle conseguiu estabelecer um regi-
uma abrangente biblioteca de software em um curto perí- me de apropriabilidade excepcionalmente forte em torno
odo. Em vez disso, ela optou pelo que se poderia chamar do Nutrasweet – que conseguiu assim permanecer por
de uma abordagem “contratual induzida”. Ao adotar uma algum tempo após a patente ter expirado. Nenhum con-
arquitetura de sistema aberta, como a Apple tinha feito, corrente aparenta ter sido bem-sucedido em “inventar
e tornando publicamente disponíveis as informações do algo em torno” da patente da Searle e comercializar uma
sistema operacional, ela induziu uma quantidade espeta- alternativa, sem dúvida, porque o processo de aprovação
cular de softwares de terceiros. A IBM estimou que, em do FDA teria que recomeçar do zero para um imitador
meados de 1983, havia pelo menos 3 mil produtos de que não estivesse violando as patentes da Searle. Um
hardwares e softwares disponíveis para o seu PC.16 Dito concorrente que tentasse replicar a molécula do aspar-
de outro modo, a IBM reuniu os ativos complementares, tame com modificações mínimas para driblar a patente,
particularmente o software, sem sequer usar contratos, provavelmente seria forçado a reproduzir as centenas de
apenas com a integração. Isto se deu apesar de os de- testes e experimentos a fim de comprovar a segurança
senvolvedores de softwares estarem criando ativos em da substância. Sem a garantia da patente, a aprovação do
parte coespecializados com o PC da IBM, pelo menos FDA não proporcionaria uma proteção rígida contra os
em primeira instância. imitadores que chegassem ao mercado com um produto
Muitos fatores especiais fizeram que isto parecesse um químico idêntico e que poderiam comprovar que se trata-
risco razoável para os desenvolvedores de softwares. Um va do mesmo composto já aprovado. Sem a aprovação do
fator crítico foi o nome da IBM e o compromisso com o FDA, por outro lado, a proteção da patente seria inútil, já
projeto. A reputação por trás das letras I.B.M talvez seja que o produto não seria vendido para consumo humano.
o maior ativo coespecializado que a empresa possui. O A Searle foi, rigorosamente, levada a reforçar sua
nome indicava que o produto seria comercializado e aten- proteção de patente. A empresa recebeu a concessão em
dido de acordo com a tradição da IBM. Ele garantia que 1970, e também obteve a proteção da patente no Japão,
o MS-DOS se tornaria um padrão na indústria, de modo Canadá, Austrália, Reino Unido, França, Alemanha e
que o negócio de softwares não dependeria somente da em muitos outros países. Porém, a maioria dessas pa-
IBM, porque certamente apareceriam os emuladores. Ele tentes tinha uma vida útil de 17 anos. Como o produto
garantia acesso aos pontos de distribuição de varejo em só foi aprovado para uso humano em 1982, este prazo
termos competitivos. As consequências foram que a IBM foi efetivamente reduzido para cinco. Reconhecendo a
conseguiu pegar um produto que representava, na me- importância óbvia da sua patente, a Searle pressionou
lhor das hipóteses, uma modesta realização tecnológica e e conseguiu uma legislação especial em novembro de
transformá-lo em um fabuloso sucesso comercial. O caso 1984, ampliando a proteção sobre o aspartame por mais
demonstra o papel que os ativos complementares desem- cinco anos. O Reino Unido concedeu uma ampliação
penham na determinação dos resultados. semelhante. Em quase todos os outros países, porém,
O sucesso e os lucros espetaculares do NutraSweet, 1987 marcará a expiração da patente.
da G. D. Searle, contam uma história rara que também De qualquer maneira, quando a patente expirar, a Searle
é coerente com a estrutura acima. Em 1982, a Searle ainda terá vários ativos valiosos para ajudar a manter os
divulgou vendas combinadas de US$ 74 milhões para o imitadores calmos. A empresa caminhou muito para criar
NutraSweet e sua versão de mesa, o Equal. Em 1983, elas e divulgar o uso do nome NutraSweet e de uma logo-
dispararam para US$ 336 milhões. Em 1985, as vendas do marca característica com um “redemoinho” em todos os
NutraSweet ultrapassaram US$ 700 milhões,17 e o Equal produtos licenciados para usar o ingrediente; também
tinha capturado 50% do mercado americano de substitutos desenvolveu o nome comercial “Equal” para uma ver-
para o açúcar, e era o número um em outros cinco países. são de mesa do adoçante. A lei de marcas registradas nos
O NutraSweet, que é o nome comercial da Searle Estados Unidos fornece proteção contra a concorrência
para o aspartame, obteve a aceitação rápida em cada desleal nos produtos de marca pelo tempo em que o pro-
uma de suas categorias aprovadas pelo FDA devido ao prietário da marca continuar a usá-la. Ambas as marcas
registradas, NutraSweet e Equal, se tornarão ativos es-
senciais quando as patentes do aspartame expirarem. A
16
F. Gens and C. Christiansen, “Could 1,000,000 IBM PC Users Be
Wrong?” Byte, November 1983, p. 88. Searle pode ter convencido os consumidores de que a
17
Ver Monsanto Annual Report, 1985. única forma real do adoçante é o NutraSweet/Equal, já
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    27

que eles conhecem a maioria dos outros adoçantes artifi- maximizar sua participação nos lucros da indústria em
ciais por seus nomes genéricos – sacarina e ciclamatos. relação aos imitadores e outros concorrentes. Não há
Claramente, a Searle está tentando criar uma posi- garantia de sucesso, ainda que sejam seguidas as estra-
ção nos ativos complementares para se preparar para tégias ideais.
a concorrência que certamente surgirá. A joint venture No entanto, o inovador pode melhorar seu retorno com
da Searle com a Ajinomoto lhe assegura o acesso aos a P&D ajustando seu portfólio de investimentos nesta área
muitos anos de experiência desta empresa na produção a fim de maximizar a probabilidade de surgimento de des-
de agentes bioquímicos. Grande parte desse conheci- cobertas tecnológicas que sejam fáceis de proteger com
mento está associada a técnicas de destilação e síntese a lei de propriedade intelectual existente ou que requei-
de delicados compostos de hidrocarbonetos que são ram, para a comercialização, ativos coespecializados já
ingredientes do NutraSweet e, portanto, é um conheci- existentes no repertório de capacitações da empresa. Dito
mento mais tácito do que codificado. A Searle começou de outro modo, se uma empresa inovadora não canalizar
a aplicar essas técnicas em sua própria fábrica de US$ 160 seus recursos de P&D para novos produtos e processos
milhões na Geórgia. Pode-se esperar que ela venha a que possa comercializar de forma vantajosa em relação
usar ao máximo os segredos comerciais para manter aos seus potenciais imitadores e/ou seguidores, então pro-
seu know-how proprietário. vavelmente não lucrará com seus investimentos em P&D.
Na época em que sua patente expirar, a pesqui- Neste sentido, o histórico de uma empresa – e seus ativos
sa intensa da Searle em técnicas de produção para a já disponíveis – deve condicionar suas decisões de inves-
L-fenilalanina e seus oito anos de experiência na fábrica timento em P&D. Claramente, uma empresa inovadora
da Geórgia devem lhe conferir uma vantagem de custo com ativos consideráveis já em vigor está livre para atacar
significativa sobre os potenciais concorrentes do aspar- em novas direções, contanto que, ao fazê-lo, esteja ciente
tame. A proteção do segredo comercial, ao contrário dos tipos de capacitações necessárias para comercializar
das patentes, não possui um tempo de vida fixo, e pode com sucesso a inovação. Fica bem claro, portanto, que a
manter a posição da Searle nos anos vindouros. decisão de investimento em P&D não pode estar dissocia-
Além do mais, a empresa evitou sabiamente a reno- da da análise estratégica dos mercados e indústrias e da
vação dos contratos com os fornecedores quando esses posição da empresa dentro deles.
contratos expiraram.18 Caso a Searle tivesse subcontra-
tado a manufatura do NutraSweet, teria criado um fabri- Comparação entre pequenas e grandes
cante que estaria em uma posição propícia para entrar empresas
no próprio mercado de aspartame ou para se juntar a Os especialistas de negócios com frequência destacam
um fabricante de adoçantes artificiais. Mas, ao manter que muitas pequenas empresas empreendedoras, que ge-
a manufatura interna e desenvolver um valioso nome ram tecnologia nova e valiosa, fracassam, enquanto as
comercial, passou a ter uma boa chance de proteger sua grandes empresas multinacionais, muitas vezes com um
posição de mercado contra incursões radicais depois histórico menos meritório em relação à inovação, sobre-
que as patentes expirarem. Claramente, a Searle parece
vivem e prosperam. Um conjunto de razões para este fe-
estar astutamente ciente da importância de manter um
nômeno agora está claro. As grandes empresas têm mais
“regime de apropriabilidade forte” e usar estrategica-
chances de possuir os ativos especializados e coespecia-
mente os ativos especializados.
lizados relevantes dentro de suas fronteiras no momen-
to da introdução de um novo produto. Portanto, podem
IMPLICAÇÕES NA ESTRATÉGIA DE P&D, fazer um trabalho melhor na exploração de sua tecnolo-
NA ESTRUTURA DA INDÚSTRIA gia, mesmo escassa, para obter a máxima vantagem. As
E NA POLÍTICA PÚBLICA pequenas empresas domésticas têm menos probabilidade
de possuir estes ativos relevantes dentro de suas frontei-
Alocando recursos de P&D
ras e, assim, terão que desembolsar para tentar criá-los ou
A análise até agora supõe que a empresa desenvolveu para buscar desenvolver coalizões com os concorrentes/
uma inovação para a qual existe um mercado. Ela in- proprietários dos ativos especializados.
dica as estratégias que a empresa deve seguir a fim de
Regimes de apropriabilidade e estrutura
da indústria
18
A Purification Engineering, que tinha gasto US$ 5 milhões para cons- Nas indústrias em que os métodos legais de proteção são
truir uma instalação de produção de fenilalanina, soube, em janeiro de eficientes ou que produtos novos são difíceis de copiar,
1985, que seu contrato não seria renovado. Em maio, a Genex, que afir-
mava ter investido US$ 25 milhões, recebeu o mesmo comunicado. Ver a necessidade de as empresas de inovação integrarem
“A Bad Aftertaste”, BusinessWeek, July 15, 1985. os ativos coespecializados parece menos obrigatória do
28     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que nas indústrias onde a proteção legal é fraca. Nos zados específicos para a inovação. Muitas vezes, isto
casos em que a proteção legal é fraca ou inexistente, assumirá a forma de integração para trás, para a frente
o controle dos ativos coespecializados será necessário e lateral. (A integração em conglomerado não faz parte
para a sobrevivência no longo prazo. desse fenômeno.) Por exemplo, a compra da Rolm pela
Tendo isto em vista, é instrutivo analisar a indús- IBM pode ser vista como uma resposta ao impacto da
tria farmacêutica dos Estados Unidos.19 Começando na mudança tecnológica na identidade dos ativos coespe-
década de 1940, o U.S. Patent Office concedeu, pela cializados relevantes para o crescimento futuro da IBM.
primeira vez, patentes para determinadas substâncias
naturais que envolviam complexos procedimentos de Maturidade da indústria, nova participação
extração. Assim, em 1948, a Merck recebeu uma patente e história
para a estreptomicina, uma substância natural. No entanto, Como as indústrias tecnologicamente progressivas
não foi o processo de extração, mas o próprio fármaco amadurecem e uma maior proporção dos ativos coes-
que recebeu a patente. Portanto, as patentes eram impor- pecializados relevantes é trazida sob os guarda-chuvas
tantes para a indústria farmacêutica em termos do que corporativos das empresas estabelecidas, a nova partici-
podia ser patenteado (fármacos), mas elas não impediam pação se torna mais difícil. Além disso, quando ocorre,
a cópia.20 Às vezes, a simples mudança de uma molécula é mais provável que envolva a formação de coligações
permite que uma empresa apareça com uma substância logo no início. As empresas estabelecidas certamente
diferente que não viola a patente já concedida. Se as pa- possuirão os ativos coespecializados, e as novas parti-
tentes tivessem sido mais abrangentes – e não estou su- cipantes acharão necessário estabelecer laços com elas.
gerindo que deveriam –, o licenciamento teria sido um Aqui reside a explicação para a onda súbita de parcerias
mecanismo eficiente para a Merck extrair lucros de sua estratégicas que hoje ocorre internacionalmente, parti-
inovação. Com isso, o surgimento de substitutos muito cularmente na indústria da computação e das telecomu-
parecidos, associado à regulamentação do FDA, que teve nicações. Note que isto não deve ser interpretado em
o efeito real de reduzir a elasticidade da demanda por termos anticoncorrenciais. Dada a existente estrutura
fármacos, representou altas recompensas para uma es- da indústria, as coligações não devem ser encaradas
tratégia de diferenciação de produto. Isso exigiu um como tentativas de limitar a concorrência, mas como
marketing intenso, incluindo uma força de vendas que mecanismos para reduzir os requisitos de entrada para
poderia entrar em contato diretamente com os médicos, os inovadores.
os reais compradores dos fármacos por meio das suas Nas indústrias em que ocorreram mudanças tecno-
receitas médicas.21 Os resultados foram uma produção lógicas, que exigiam a implantação de ativos especia-
exclusiva (ou seja, a prática anterior de licenciamento da lizados e/ou coespecializados, pode muito bem ter sur-
indústria foi abandonada) e a integração para a frente em gido uma configuração de limites da empresa que não
direção ao marketing (o ativo coespecializado relevante). tenham mais eficiência convincente. As considerações
Em geral, se a proteção legal dos lucros do inova- que antes ditavam as formas de integração podem não
dor for segura, as empresas inovadoras podem escolher mais se sustentar, mesmo que não haja grandes forças
seus limites com base simplesmente em sua habilidade levando à separação. Portanto, os limites existentes da
de identificar as necessidades do usuário e responder a empresa em algumas indústrias podem ser um tanto
elas por meio da pesquisa e do desenvolvimento. Quan- frágeis, especialmente naquelas em que a trajetória tec-
to mais fracos forem os métodos legais de proteção, nológica e os requisitos de ativos especializados con-
maior o incentivo para se integrar os ativos coespecia- comitantes tenham mudado. Em resumo, a história é
lizados relevantes. Por isso, à medida que as indústrias importante em termos de compreensão da estrutura da
nas quais a proteção legal é fraca começarem a ama- empresa moderna. Os limites existentes não podem ser
durecer, ocorrerá a integração dos ativos coespeciali- sempre assumidos como portadores de justificativas ób-
vias em função das exigências de hoje.

19
P. Temin, “Technology, Regulation, and Market Structure in the A importância da manufatura para
Mod­e rn Pharmaceutical Industry”, The Bell Journal of Economics, a competitividade internacional
Autumn1979, pp. 429-446.
20
Idem, p. 436. Praticamente todas as formas de know-how tecnoló-
21
No período anterior à regulamentação pelo FDA, todos os fármacos gico devem estar incorporadas nos produtos e servi-
que não fossem narcóticos estavam disponíveis sem prescrição médica.
Como o usuário final podia comprar os fármacos diretamente, as vendas ços para que resultem em valor para o consumidor.
eram sensíveis ao preço. Depois que foram exigidas as prescrições, esta Uma política importante para um país inovador é se
sensibilidade desabou; na maioria dos casos, os médicos, além de não
precisarem mais pagar pelos fármacos, não tinham noção dos preços dos a identidade das empresas e países que executam essa
fármacos que estavam prescrevendo. função é relevante.
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1    29

Em um mundo de apropriabilidade forte e custo de fabricação e de outras capacitações se faz necessário


transação zero – o mundo da teoria comercial neoclás- para tirar partido de quaisquer vantagens tecnológicas
sica –, é indiferente se uma empresa inovadora tem que uma empresa inovadora possa ter.
capacitações para manufatura interna, doméstica ou es- Dito de outro modo, a noção de que os Estados Uni-
trangeira. Ela pode adotar a contratação (licenciamento dos podem adotar um “papel de designer” no comércio
de patente, de know-how, coprodução etc.) para vender internacional, permitindo, ao mesmo tempo, que em-
produtos resultantes de atividade na qual possui van- presas independentes em outros países como Japão, Co-
tagem competitiva (neste caso, P&D) e maximizar o reia, Taiwan ou México produzam, tem pouca chance
retorno especializando-se no que faz melhor. de ser viável como uma estratégia de longo prazo. Isto
No entanto, em um regime de apropriabilidade porque os lucros reverterão para os fabricantes de baixo
fraca, e em especial onde os ativos de manufatura ne- custo (ao proporcionar uma maior base de vendas sobre
cessários são especializados para a inovação, o que é a qual eles podem explorar suas habilidades especiais).
quase sempre o caso, pode ser necessária a participação Quando a imitação é fácil, e mesmo quando não é, exis-
na manufatura, caso uma empresa inovadora queira se tem problemas óbvios em atuar no mercado de know-
apropriar das rendas de sua inovação. Por isso, se os -how, problemas que são descritos com mais detalhes
custos de manufatura de uma empresa inovadora são em outros lugares.23 Em particular, há dificuldades em
maiores do que os dos imitadores, essa empresa pode precificar um ativo intangível cujas reais características
acabar cedendo a parte dos lucros para o imitador. de desempenho são difíceis de determinar de antemão.
Em um regime de apropriabilidade fraca, os imita- A tendência no mundo dos negócios internacionais,
dores/fabricantes de baixo custo podem acabar ficando que Miles e Snow24 chamam redes dinâmicas – carac-
com todos os lucros da inovação. Sob este regime, em terizadas pela desintegração vertical e a contratação –,
que as capacitações de manufatura especializadas são deveria, portanto, ser encarada com preocupação. As
necessárias para gerar novos produtos, uma empresa redes dinâmicas podem não refletir tanto as formas or-
inovadora com desvantagem de manufatura pode des- ganizacionais inovadoras, mas o desmanche da corpo-
cobrir que sua vantagem inicial de pesquisa e criação ração moderna, devido à deterioração das capacidades
não terá qualquer valor comercial. Isto acabará por nacionais, em particular da manufatura, que são com-
mutilar o inovador, a menos que seja assistido por pro- plementares à inovação tecnológica. Portanto, as redes
cessos governamentais. Por exemplo, parece que uma dinâmicas podem sinalizar não tanto o rejuvenescimen-
das razões para os fabricantes americanos de TVs em to da empresa americana, mas a sua morte gradual.
cores não ficarem com a maior parte dos lucros da ino-
vação, pela qual a RCA foi a maior responsável, foi que Como as barreiras comerciais e de
esta empresa e seus licenciados americanos não eram investimentos podem impactar os lucros
competitivos em manufatura. Nesse contexto, as preo- das empresas inovadoras
cupações de que o declínio da manufatura ameaça a Nos regimes de apropriabilidade fraca, os governos
economia inteira parecem procedentes. podem passar a distribuição dos ganhos com inovação
Outra implicação pertinente é que, à medida que a dos inovadores estrangeiros para as empresas domésti-
diferença tecnológica desaparece, a base da concorrên- cas, negando aos inovadores estrangeiros a propriedade
cia em uma indústria se desloca para os ativos coes- dos ativos especializados. A empresa estrangeira, que
pecializados. Parece ser o que está ocorrendo com os supostamente é uma empresa inovadora, terá a opção
microprocessadores. A Intel não está mais à frente em de vender seus ativos intangíveis no mercado de know-
tecnologia. Como salienta Gordon Moore, CEO da In- -how se o comércio e o investimento forem impedidos
tel, “Pegue as 10 maiores empresas [de semiconduto- pelas políticas do governo. Esta opção pode parecer
res] no mundo... e é difícil dizer a qualquer momento melhor do que a alternativa (nenhuma remuneração no
quem está na frente de quem... É evidente que, de um mercado em questão). Então, o licenciamento pode pa-
ponto de vista de manufatura, temos que estar muito recer rentável, mas apenas porque o acesso aos ativos
próximos dos japoneses para concorrer”.22 Não se trata complementares é bloqueado pelo governo.
apenas de a força em uma área ser necessária para com- Assim, quando uma empresa inovadora que gera lu-
pensar a fraqueza em outra. À medida que a tecnologia cros precisa acessar ativos complementares no estrangeiro,
se torna mais pública e menos proprietária por meio da
imitação mais fácil, o fortalecimento da manufatura na
23
Teece, “The Market for Know-How and the Efficient International
Transfer of Technology”.
24
R. E. Miles and C. C. Snow, “Network Organizations: New Concepts for
22
“Institutionalizing the Revolution”, Forbes, June 16, 1986, p. 35. New Forms”, California Management Review, Spring 1986, pp. 62-73.
30     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

os países anfitriões, ao limitarem o acesso, às vezes po- sucesso e as variáveis de controle gerencial? A gestão
dem extrair dos inovadores uma parcela dos lucros, em de negócios, em geral, carece de uma sensação intui-
particular a que se origina das vendas nesse país anfi- tiva para dirigir e posicionar estrategicamente os in-
trião. No entanto, a habilidade de os países anfitriões vestimentos em pesquisa e desenvolvimento, em com-
fazê-lo depende, em grande parte, da criticidade dos paração com os investimentos similares em marketing,
ativos desse país para a empresa inovadora. Se suas ca- vendas e manufatura. Como consequência, as questões
racterísticas de custo e infraestrutura forem tais que este tecnológicas tendem a ter sua importância global mi-
seja o lugar de custo de manufatura mais baixo no mun- nimizada para o negócio. A tecnologia é abordada nos
do, e se a indústria doméstica for competitiva, então, planos estratégicos apenas de forma implícita, exceto no
agindo como um monopolista de fato, o governo do país caso dos empreendimentos especiais, que estão fora das
anfitrião deveria conseguir ajustar os termos de acesso linhas de produção principais – novos negócios e joint
aos ativos complementares de modo a se apropriar de ventures, licenciamento e aquisições. Nestes, a tecno-
uma parcela maior dos lucros gerados pela inovação.25 logia não pode ser negligenciada; muitas vezes ela é
um ingrediente importante, e até mesmo lógico em um
plano de compra ou de joint venture.
A rtigo 1 - 2
Em geral, os principais tomadores de decisões geren-
ciais possuem formação e habilidade inadequadas para
Como inserir a tecnologia no fazer julgamentos e previsões na área de tecnologia.
planejamento corporativo* Sem essa habilidade, suas opiniões sobre a utilização
da tecnologia na estratégia corporativa são limitadas.
Alan R. Fusfeld
Existem muitas razões para essa cegueira em rela-
ção à tecnologia e sua gestão em nossas práticas admi-
Todo executivo conhece casos de sucesso de empresas
nistrativas tradicionais:
em que a tecnologia desempenhou um papel dominante.
Quase todo mundo no capital de risco e no empreende- • A maioria dos gestores foi treinada e deu suas contri-
dorismo tem uma lista pessoal desses sucessos para buições de sucesso em marketing, manufatura, direito,
imitar. Os sonhos da tecnologia voltada para o lu- contabilidade ou alguma outra função corporativa. Seu
cro são alimentados pelo sucesso da vida real – Intel treinamento limitado em ciência ou engenharia não
Corporation, Minnesota Mining and Manufacturing é suficiente para lhes dar confiança em lidar com as
(3M), Polaroid, Hewlett-Packard e Digital Equipment mudanças tecnológicas. Por razões similares, os eco-
Corporation, para citar algumas de muitas empresas. nomistas corporativos não conseguem reconhecer o
Apesar do papel óbvio da tecnologia nas empre- processo de mudança tecnológica em suas previsões
sas bem-sucedidas, as questões tecnológicas apenas econômicas. Eles consideram todos os produtos como
ocasionalmente são incluídas de maneira explícita nas homogêneos ou enxergam a mudança tecnológica
análises de estratégia corporativa, e apenas raramente como uma informação sem valor para os seus pro-
estão entre os insumos normais para o planejamento e cessos – algo que cai do céu. A pesquisa de mercado,
desenvolvimento corporativo. também, extraiu muito pouco do campo tecnológico.
Os pesquisadores de mercado concentram-se nas pers-
pectivas de curto prazo. A boa pesquisa de mercado
TECNOLOGIA: O INSUMO SUBUTILIZADO
voltada para o futuro deve fornecer informações que
NO PLANEJAMENTO
reúnam uma estratégia corporativa envolvendo uma
A maioria dos executivos possui uma experiência limi- contribuição realista da tecnologia.
tada em tecnologia. Eles encaram a pesquisa e o desen- • Sabemos muito pouco a respeito do processo de
volvimento como uma caixa-preta: dinheiro e recursos mudança tecnológica; o conhecimento que possuímos
humanos são colocados na caixa, mas o que deve sair? é novo (acumulados nos últimos 10 a 15 anos), e ainda
Como esses recursos devem ser dirigidos e geridos? tem de ser sintetizado.
Quais devem ser os atrasos característicos, as taxas de • Em parte devido à experiência limitada, não temos as
estruturas adequadas para visualizar a mudança tecnoló-
gica. Não há nada comparável nesse campo às estruturas
*
Fonte: Reimpresso com permissão da Technology Review, MIT, Alumni
de simplificação do planejamento estratégico de negó-
Association. Copyright © 1978. Todos os direitos reservados. cios que se tornaram predominantes na última década. A
25
Se a estrutura de mercado do país de acolhimento for, em primeira ins- gestão da tecnologia é, na prática, a única área funcio-
tância, monopolista, os agentes privados podem ser capazes de conseguir
o mesmo benefício. O que o governo pode fazer é forçar o acordo das nal que não é representada por uma disciplina dentro de
empresas domésticas para seu benefício mútuo. qualquer escola de administração.
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-2    31

• A mudança tecnológica prossegue em lentidão; a Elas podem afetar todo o espectro de atividades cor-
mudança significativa requer de 5 a 10 anos. Esse porativas: gestão, aquisição de materiais, fabricação,
intervalo de tempo não combina com os objetivos de marketing, resultados financeiros e crescimento futuro
planejamento da maioria das corporações america- por meio de novos produtos e em novos mercados.
nas. Embora grande parte possua planos para cinco À medida que você começar sua análise da estraté-
anos, 90% de suas atividades de pesquisa e desenvol- gia corporativa faça perguntas como essas:
vimento são projetadas para ser implementadas den-
tro de três anos, e os 10% restantes dentro de quatro. • Como as questões tecnológicas são reconhecidas pela
A maioria das corporações delineia seus objetivos estra- alta administração da sua empresa? Como uma caixa-
tégicos no horizonte de curto prazo forçadas por sua -preta? Como um insumo para o planejamento de longo
necessidade de gerenciar as necessidades de fluxo de prazo? Para satisfazer os objetivos de curto prazo? Até
caixa nesse curto prazo. Não é um horizonte de tempo que ponto é explícito o reconhecimento da tecnologia
apropriado para a mudança tecnológica significativa. em cada um desses papéis?
A maior parte dos objetivos de pesquisa e desenvolvi- • Como a gestão tem utilizado a tecnologia para imple-
mento tende para as necessidades existentes – objetivos mentar os objetivos estratégicos?
defensivos, como melhoria do produto e redução de cus- • Como a tecnologia tem sido monitorada? (Uma das
tos. Essa tendência do uso da tecnologia no papel de maneiras mais simples e convencionais é a simples
apoio para a implementação dos objetivos estratégicos manutenção de um departamento de pesquisa e desen-
planejados com três ou quatro anos de antecedência é o volvimento para se manter a par das últimas novidades.
resultado óbvio quando os gestores não têm uma com- Outros métodos incluem as comissões de tecnologia
preensão intuitiva de qualquer objetivo maior para seus externa e as atividades de contato para que se possa estar
investimentos em pesquisa e desenvolvimento. informado sobre as áreas em que seus próprios recursos
• A maioria das corporações americanas é organizada em técnicos são limitados).
torno do processo de produção. Elas não são estrutura- • Como as atividades são relevantes para a tecnologia
das para reconhecer ou recompensar as incertezas, ris- reconhecida e organizada em sua empresa? Onde estão
cos e as restrições de tempo do processo de inovação localizadas e como são recompensadas? (O típico sis-
tecnológica. Não é de surpreender, então, que as mudan- tema corporativo de recompensa é voltado para o desem-
ças tecnológicas mais significativas se originem fora da penho de fluxo de caixa no curto prazo; estes critérios
empresa – ou mesmo fora da indústria –, que, no fim das são inadequados para os riscos que devem ser assumidos
contas, a utiliza. em um sistema de desenvolvimento tecnológico viável).
Em apenas três áreas do planejamento estratégico
corporativo as mudanças tecnológicas têm sido am- AS UNIDADES FUNDAMENTAIS DA
plas – e, em geral, sabiamente – consideradas nesse TECNOLOGIA
planejamento corporativo. A aquisição tem sido uma
atividade importante do desenvolvimento corporativo Para aumentar a compreensão da tecnologia em sua em-
e da diversificação nos últimos 50 anos, e as mudanças presa, antes de tudo você precisará de uma unidade de
tecnológicas esperadas e a aquisição de novas tecnolo- análise adequada.
gias em geral têm sido uma consideração explícita na Quando falamos sobre tecnologias, tendemos a dis-
área de licenciamento, sendo uma parte implícita das correr sobre técnicas e produtos específicos – motores
atividades dos novos empreendimentos. Em todos es- de combustão interna, refrigeração e condicionamento
ses casos, a tecnologia é o elemento essencial da nova de ar e máquinas-ferramentas, por exemplo. Porém, a
oportunidade. tecnologia flui para dentro e para fora de produtos como
esses, e eles não fornecem a base fundamental por meio
Colocando a tecnologia em seu devido lugar da qual se possa medir a mudança tecnológica. A aná-
Coloque-se no lugar de um executivo designado para lise deve ser no nível das tecnologias genéricas. Um
apresentar uma estratégia corporativa. Você deve carburador, por exemplo, é uma aplicação da tecnologia
considerar muitos elementos – as características ge- genérica de vaporizar um líquido e misturá-lo com um
rais da indústria, as qualificações dos concorrentes gás. A mesma tecnologia aplicada na indústria de tintas
nessa indústria e os recursos corporativos da sua or- poderia se tornar um pulverizador automático de tinta,
ganização – gerenciais, financeiros, organizacionais, ou, na indústria aeroespacial, uma mochila a jato. Essa
pesquisa e desenvolvimento, manufatura, marketing maneira de focar as tecnologias genéricas e a diversi­
e distribuição. dade de aplicações técnicas de cada uma delas é neces-
As questões tecnológicas entram como resultado sária para que o seu planejamento seja eficaz na captura
das atividades tanto dentro quanto fora da indústria. das implicações da mudança tecnológica que vai afetar
32     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

uma área de produto geral da empresa. Considere, por maior parte da ênfase em estratégias de publicidade e
exemplo, como a Raychem e a Hewlett-Packard obtive- marketing. Sem um conjunto de dimensões como este
ram sucesso concentrando-se em uma única tecnologia você se encontrará falando sobre os custos e benefícios
genérica, desenvolvendo e explorando-a em incontá- das potenciais mudanças tecnológicas de maneira for-
veis produtos para muitas indústrias diferentes. tuita e incompleta.

SETE DIMENSÕES DA ACEITABILIDADE ELASTICIDADEs DA DEMANDA DE


DO PRODUTO TECNOLOGIA

Tendo definido a unidade de tecnologia para análise, Os economistas falam sobre a elasticidade do preço
você precisa de alguns parâmetros básicos para a análi- de um produto, uma indicação do papel do preço na
se explícita de como uma determinada tecnologia pode determinação da demanda. Da mesma maneira, cada
ser aplicada nos produtos de sua empresa e, como resul- uma das diferentes dimensões nas quais as mudan-
tado, quão eficazes eles serão. ças tecnológicas podem afetar a aceitabilidade de um
Depois de coletar informações de muitas empre- produto está sujeita à avaliação de modo análogo. Por
sas sobre as características dos produtos novos e bem- exemplo, você pode analisar a mudança na demanda
-sucedidos, descobri sete qualidades que determinam o de um produto quando seu desempenho funcional foi
sucesso de qualquer implementação de qualquer tecno- aprimorado, ou sua facilidade de uso foi aumentada,
logia genérica por qualquer indústria: ou seus requisitos de serviço foram diminuídos. Em
alguns casos, a elasticidade será baixa, em outros, alta.
• Desempenho funcional – uma avaliação da função
Tais dados podem ser mensurados e utilizados da mes-
básica que se supõe que um dispositivo desempenhe.
Por exemplo, o desempenho funcional de um refrige- ma maneira que os economistas obtêm e utilizam a
rador doméstico é remover o calor, e os engenheiros elasticidade do preço.
avaliam o desempenho de um refrigerador em relação a Dois tipos de elasticidade – absoluta e relativa – são
esta tarefa básica em termos do que é classificado como muito importantes no planejamento da tecnologia. A elas-
eficiência de redução. ticidade absoluta representa a receptividade da deman­da
• Custo de aquisição – no exemplo do refrigerador, o total de mercado para as melhorias em função, facilidade
preço por pé cúbico. de uso, confiabilidade, custo, e assim por diante. A relati-
• Características de facilidade de uso – a forma da inter- va é uma medida similar da tendência de ocorrência das
face do usuário com o dispositivo; no mesmo exemplo, mudanças na participação de mercado à medida que os
as travas magnéticas das portas e os degeladores auto- concorrentes lançam novos produtos com desempenho
máticos contribuem para a aceitação da tecnologia por melhor em uma ou mais das várias dimensões.
parte do consumidor. Para saber como essas ideias entram no planejamen-
• Custo de operação – no caso do refrigerador, a quanti- to estratégico, considere um equipamento médico. Em
dade de quilowatt-hora utilizada por unidade de serviço um caso, o produto destina-se ao uso na sala de emer-
realizado. gência de um hospital; em outro, as mesmas funções
• Confiabilidade – a questão da frequência com que o dis- devem ser realizadas no consultório médico. Algumas
positivo ou processo normal requer serviço, quão livre características serão mais importantes em um mercado
ele é das necessidades anormais de serviço e, por fim, do que no outro. O custo e a facilidade de uso serão re-
qual é seu tempo de vida útil esperado. lativamente sem importância para o hospital; o plano de
• Manutenção – a questão de quanto tempo leva e quanto saúde pagará a maioria das contas e a máquina na sala
custa para devolver um dispositivo falho para a assis- de emergência será operada por um técnico. O médico,
tência técnica. que deve cobrar diretamente dos pacientes e usar a má-
• Compatibilidade – a maneira que o dispositivo ou pro-
quina sem a ajuda de um técnico, vai colocar uma prio-
duto se adapta a outros dispositivos no contexto de um
ridade maior no custo baixo e na facilidade de operação.
sistema maior.
Ou, então, considere o exemplo da Black & Decker,
Essas são categorias úteis para analisar as aplica- uma empresa que antes se concentrava exclusivamente
ções das tecnologias porque são gerais, aplicando-se a nas ferramentas de construção comerciais e industriais.
qualquer coisa, desde refrigeradores até motores a jato e As demandas tecnológicas e as restrições de preço desse
serviços médicos; elas descrevem a tecnologia em uma mercado são diferentes das existentes no mercado do-
aplicação específica com muita rapidez e de maneira méstico, e até a Black & Decker reconhecer essas dife-
muito adequada; expõem os objetivos da maioria dos renças e desenvolver sua tecnologia, sua penetração no
esforços de pesquisa e desenvolvimento; e dedicam a mercado de ferramentas domésticas era muito pequena.
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-2    33

Em resumo, existem diferenças significativas en- Figura 1 Comparando as qualidades transmitidas pela
tecnologia com as necessidades do cliente
tre os conjuntos de preferências dos consumidores e,
portanto, diferentes elasticidades do mercado tecnoló- Demanda pelo atributo
gico. O cálculo da elasticidade da tecnologia resulta da Baixo custo de aquisição
análise estatística dos diferentes segmentos de merca-
do segundo as prioridades nas decisões de compra que Facilidade de uso

podem ser estabelecidas para cada classe individual Baixo custo de operação
de comportamento.
Confiabilidade

Manutenção
TRAÇANDO O PERFIL DA TECNOLOGIA PELOS
Compatibilidade
SEGMENTOS DE MERCADO
Baixa Alta
Você agora tem uma unidade de tecnologia determinada Segmento de mercado 1: médicos particulares
na qual se concentrar, as dimensões nas quais ela está Segmento de mercado 2: instituições de saúde
incorporada ao mercado e a demanda relativa por essas O custo é relativamente pouco importante para um comprador
dimensões. A etapa seguinte é aplicar essas análises a institucional de equipamentos médicos, mas é uma conside-
fim de comparar a tecnologia de sua empresa com as ração significativa quando se trata de um médico particular. A
confiabilidade é importante para ambos, mas o hospital pode
necessidades dos segmentos de mercado, produzindo ter um técnico para efetuar os consertos prontamente. Uma
um perfil tecnológico competitivo. Onde é que as tec- análise como essa demonstra as diferentes elasticidades
nologias dos concorrentes se posicionam em relação a tecnológicas de mercado para o mesmo produto nos diferentes
mercados – um conceito importante em qualquer planejamento
um determinado mercado? Onde se posicionavam pou- da empresa para o investimento futuro em tecnologia.
cos anos atrás? Sua meta, naturalmente, será responder
uma pergunta como esta: no momento em que um novo A Figura 2 revela que a separação de partículas é
produto ou serviço com base em tecnologia da minha um direcionador principal da estratégia corporativa da
empresa estiver em operação ou on-line, qual será a si- empresa, e que existe ao menos a possibilidade de que
tuação da concorrência? ela pretenda ser líder nesse campo. O gráfico também
O perfil da concorrência ajuda a trabalhar esta ques-
mostra que outra parte dessa empresa está buscando
tão ao responder a algumas questões simples: quais fo-
uma estratégia que enfatize uma área de produto, pe-
ram as taxas de mudança no passado? Você consegue
gando todos os tipos de tecnologias por causa de suas
projetar uma continuação dessas taxas no futuro? Com
aplicações mais comuns. Pode-se dizer que essa em-
que velocidade uma empresa deve se deslocar para ga-
presa tem duas partes – uma, conduzida pela tecnolo-
nhar vantagem em relação às outras?
gia, e outra que conduz a tecnologia. Suas vantagens
tecnológicas, seus laboratórios, suas organizações, sua
AVALIANDO O PORTFÓLIO DE TECNOLOGIAS busca por joint ventures e programas de aquisições e
E PRODUTOS sua estratégia tecnológica em geral são diferentes. Na
realidade, essas duas partes da empresa são tão dife-
Para desenvolver uma estratégia tecnológica global
rentes, que ela, como um todo, pode ser enfraquecida
em torno da força técnica e comercial existente de
ao ter que acomodar duas empresas tão distintas em
sua empresa, desenhe um gráfico (como a Figura 1)
sua estrutura de gestão.
para mostrar as tecnologias genéricas nas quais sua
Um gráfico desse tipo é o primeiro estágio na combi-
empresa está envolvida e os produtos nos quais elas
são aplicadas. Esse tipo de gráfico fornece um perfil nação de todas as ideias previamente discutidas para que
do portfólio de tecnologias e produtos que pode ser você possa entender o papel da tecnologia na sua empre-
esclarecedor para uma gestão cujo negócio cresceu e sa e ponderar as opções de investimento e estratégia que
se desenvolveu de maneira oportunista. Um gráfico estão abertas para ela. Para selecionar uma determinada
similar para os concorrentes nas linhas de produto da estratégia, comece considerando as vantagens tecnológi-
sua empresa ajudará a revelar o que eles estão fazendo cas genéricas da sua empresa. Você pode descobrir que
e qual tem sido sua estratégia. não tem vantagens adequadas, que as vantagens na sua
A empresa representada na Figura 2 pode ter difi- tecnologia não são complementadas por vantagens na
culdades no futuro porque está tentando gerenciar, sob manufatura ou marketing, por exemplo. Ou você pode
o mesmo teto, diferentes tipos de tecnologia nas quais o descobrir que sua organização está preparada para dire-
fabricante tem papéis diferentes. cionar uma determinada tecnologia em muitas aplicações
34     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 2 Perfil das tecnologias genéricas em relação Responder a tais questões de forma sucinta e consis-
aos principais produtos de uma empresa hipotética
tente ajudará muitos gestores a melhorar a abordagem es-
Aplicações principais do produto
tratégica da tecnologia no seu planejamento corporativo.

Motores automotivos
Filtração comercial
Poluição industrial

Revestimento de
Filtração médica
A rtigo 1 - 3

parede/piso
Construção
Tecnologias genéricas A competência central da empresa*
Separação de partículas C. K. Prahalad e Gary Hamel
Formação de fibra metálica
Formação de material moldado
A maneira mais poderosa de vencer a concorrência glo-
Controle de ruído
bal ainda é invisível para muitas empresas. Durante os
Controle da eletricidade estática anos 1980, os altos executivos foram reconhecidos por
Conservação de energia sua habilidade de reestruturar e colocar em ordem suas
empresas. Nos anos 1990, eles o serão por sua habilidade
Todos esses seis interesses tecnológicos de uma empresa são de identificar, cultivar e explorar as competências cen-
bons exemplos do que são chamadas tecnologias genéricas, e trais que tornam o crescimento possível – na realidade,
todos estes são responsabilidades de um laboratório central de eles terão que repensar o conceito da própria empresa.
pesquisa e desenvolvimento. Mas apenas um deles é pertinente
a mais de um dos produtos da empresa; três deles resultam do
Considere os últimos 10 anos da GTE e da NEC. No
interesse da empresa na indústria de revestimentos de parede/ início dos anos 1980, a GTE estava bem posicionada para
piso. Um gráfico como esse pode ser revelador para uma ges- se tornar uma empresa importante na indústria de tecno-
tão cujo negócio tenha crescido e se desenvolvido de maneira logia da informação em evolução, porque era ativa em te-
oportunista. Neste caso, ele mostra que essa empresa é, na
verdade, duas – uma conduzindo a tecnologia de separação de
lecomunicações. Suas operações cobriam uma variedade
partículas, e outra conduzida pelas várias tecnologias envolvi- de negócios, incluindo telefonia, sistemas de comutação
das nos revestimentos de piso de vários tipos. e transmissão, PABX digital, semicondutores, comuta-
ção de pacotes, satélites, sistemas de defesa e produtos de
de produtos diferentes. Ou você pode concluir que sua iluminação. A Entertainment Products Groups da GTE,
melhor estratégia é capitalizar nas aplicações similares que produzia as TVs em cores Sylvania, tinha uma posi-
de tecnologias diferentes. Dependendo da sua análise, ção significativa nas tecnologias de tela. Em 1980, suas
você pode querer adicionar, por meio de merge, uma vendas foram de US$ 9,98 bilhões, e o fluxo de caixa
nova tecnologia genérica a fim de ampliar sua área de líquido foi de US$ 1,73 bilhão. A NEC, por outro lado,
aplicações, ou pode desejar oferecer sua tecnologia, era muito menor, com vendas de US$ 3,8 bilhões. Ela
por esta mesma forma, para alguma empresa que esteja possuía uma base tecnológica comparável e outros negó-
equipada para capitalizá-la por meio da manufatura e cios no setor de informática, mas não tinha experiência
do marketing. como empresa operadora de telecomunicações.
Ao tomar essas decisões, faça uma revisão do perfil Contudo, veja as posições da GTE e da NEC em 1988.
As vendas da primeira, nesse ano, foram de US$ 16,46
das suas tecnologias pelos seus segmentos de mercado.
bilhões, e as da segunda, consideradas mais altas, fica-
Quais dimensões tecnológicas dos seus produtos são
ram em US$ 21,89 bilhões. A GTE tinha, na verdade, se
importantes? Confiabilidade? Facilidade de uso? Custo tornado uma empresa operadora de telefonia com uma
de operação? Quanta ênfase você colocará na redução posição significativa em produtos de defesa e ilumina-
dos custos de aquisição? No aumento da facilidade de ção, mas seus outros negócios eram pequenos em termos
uso? Na redução dos custos de operação? Na melhoria globais. Ela se desfez da TV Sylvania e da Telenet, co-
do serviço? locou a comutação, a transmissão e o PABX digital em
Essa avaliação das dimensões da tecnologia em re- joint ventures, e interrompeu o negócio de semiconduto-
lação às necessidades do mercado e às pressões da con- res. Como resultado, sua posição internacional erodiu. A
corrência – a elasticidade da demanda por tecnologia receita fora dos Estados Unidos, como uma porcentagem
– é a parte que está faltando na maioria dos planos de da receita total, caiu de 20% para 15% entre 1980 e 1988.
pesquisa e desenvolvimento. Mas ela fornece respostas A NEC emergiu como a líder mundial em semicon-
para questões cruciais: Qual é a sua vantagem competi- dutores e uma concorrente de primeira linha nos produtos
tiva básica em relação a outras pessoas? Por que o seu
produto ou serviço irá vender? Por que ele vai funcionar Fonte: Copyright © 1990 by The President and Fellows of Harvard
*

no mercado? College. Todos os direitos reservados.


SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    35

de telecomunicação e informática. Ela consolidou sua dependeria da aquisição de competências, em particular


posição nos computadores de grande porte. E foi além em semicondutores. A gestão adotou uma “arquitetura
da comutação e transmissão públicas, incluindo produ- estratégica” adequada, resumida pela C&C, e depois
tos, como os telefones celulares, as máquinas de fax e os comunicou sua intenção para toda a organização e o
laptops – preenchendo a lacuna entre as comunicações mundo exterior em meados dos anos 1970.
e a automação de escritório. A NEC é a única empresa A NEC constituiu um Comitê de C&C, composto
no mundo a estar entre as cinco maiores em receita nas por altos executivos, para supervisionar o crescimento
telecomunicações, semicondutores e computadores de de produtos e competências centrais. E pôs em práti-
grande porte. Por que essas duas empresas, que come- ca grupos de coordenação e comitês que transcendem
çaram com portfólios de negócios semelhantes, tiveram os interesses dos negócios individuais. Coerente com
desempenhos tão diferentes? Em grande parte, porque a a sua arquitetura estratégica, deslocou volumosos re-
NEC se desenvolveu em termos das competências cen- cursos para fortalecer sua posição em componentes e
trais, e a GTE não fez isso. processadores centrais. Ao usar arranjos colaborativos
para multiplicar os recursos internos, a empresa foi
REPENSANDO A EMPRESA
capaz de acumular um conjunto amplo de competên-
cias centrais.
Antes, a empresa diversificada podia direcionar suas uni- A NEC identificou com muito cuidado três fluxos
dades de negócio para determinados mercados de produto inter-relacionados de evolução tecnológica e de mer-
final e incentivá-las a se tornarem líderes mundiais. Mas, cado. A alta administração determinou que o mundo
com os limites de mercado mudando cada vez mais rápido, da computação evoluiria dos computadores de grande
os alvos são móveis e a captura é, na melhor das hipóteses, porte para o processamento distribuído, dos simples
temporária. Poucas empresas têm provado ser especialis- componentes ICs (circuitos integrados) para os VLSI
ta em inventar novos mercados, entrando mais rápido nos (integração em escala muito grande) e as comunicações
mercados emergentes e mudando os padrões de escolha do da troca mecânica para os complexos sistemas digitais
consumidor nos mercados estabelecidos. São as que devem que hoje chamamos de ISDN (rede digital de serviços
ser imitadas. A tarefa essencial da gestão é criar uma organi- integrados). Como as coisas evoluíram mais, a NEC ra-
zação capaz de infundir produtos com funcionalidade irre- ciocinou; os negócios de computação, comunicações e
sistível ou, ainda melhor, criar produtos dos quais os clientes componentes iriam se sobrepor de tal modo, que seria
precisam, mas que ainda sequer imaginam. muito difícil distinguir entre eles, e que haveria imen-
Esta é uma tarefa enganosamente difícil. Essen- sas oportunidades para qualquer empresa que houves-
cialmente, ela requer uma mudança radical na gestão se criado as competências necessárias para atender os
das grandes empresas. E significa, antes de tudo, que a três mercados.
alta administração das empresas ocidentais deve assu- A alta administração da NEC determinou que os
mir a responsabilidade pelo declínio competitivo. Todo semicondutores seriam o produto básico mais impor-
mundo sabe das altas taxas de juros, do protecionismo tante da empresa. Ela entrou em muitas alianças es-
japonês, das leis antitruste obsoletas, dos sindicatos ba- tratégicas – mais de 100 até 1987 – visando à rápida
rulhentos e dos investidores impacientes. O que é mais criação de competências e a um custo baixo. Nos com-
difícil enxergar, ou reconhecer, é o pouco ímpeto que putadores de grande porte, seu relacionamento mais
as empresas em real obtêm do relevo político ou ma- notável foi com a Honeywell & Bull. Quase todos
croeconômico. Tanto a teoria quanto a prática de gestão os arranjos colaborativos na área de semicondutores/
ocidental criaram um entrave ao nosso avanço. São os componentes foram orientados para o acesso à tecno-
princípios da gestão que precisam de reforma. logia. À medida que entraram em arranjos colabora-
Mais uma vez, NEC versus GTE é instrutivo, e ape- tivos, os gerentes operacionais da NEC entenderam a
nas um de muitos casos comparativos do gênero que lógica dessas alianças e o objetivo de internalizar as
analisamos para compreender as alterações nas bases habilidades do parceiro. O diretor de pesquisa da NEC
para a liderança global. No início dos anos 1970, a assim resumiu sua aquisição de competência durante
NEC articulou uma intenção estratégica para explorar a os anos 1970 e 1980: “Do ponto de vista do investi-
convergência da computação e das comunicações, cha- mento, era muito mais rápido e mais barato usar tec-
mada C&C.1 O sucesso, segundo a alta administração, nologia externa. Não havia para nós a necessidade de
desenvolvermos novas ideias”.
Igual clareza de intenção e estrutura estratégicas
Para uma discussão mais ampla, ver nosso artigo “Strategic Intent”,
1 não parecia existir na GTE. Embora os executivos se-
Harvard Business Review, May-June 1989, p. 63. niores tivessem discutido as implicações da indústria
36     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

de tecnologia da informação em evolução, nenhuma Figura 1 Competências: as raízes da competitividade


visão comumente aceita de quais competências seriam
Produtos finais
necessárias para concorrer nessa indústria foi muito
comunicada. Ainda que tenha sido feito um trabalho 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
significativo, pela equipe de funcionários, para identifi-
car as tecnologias-chave, os gestores seniores de linha
continuaram a agir como se estivessem gerindo uni- Negócio Negócio Negócio Negócio
1 2 3 4
dades de negócio independentes. A descentralização
tornou difícil concentrar-se nas competências centrais.
Em vez disso, os negócios individuais se tornaram cada
Produto básico 2
vez mais dependentes das pessoas de fora em relação
às habilidades críticas, e a colaboração se tornou uma
rota para as saídas por etapas. Hoje, com uma nova
equipe de gestão, a GTE se reposicionou para aplicar
Produto básico 1
suas competências nos mercados emergentes em servi-
ços de telecomunicações.

Competência Competência Competência Competência


AS RAÍZES DA VANTAGEM COMPETITIVA 1 2 3 4

A distinção que observamos na forma como a NEC e a A empresa, como uma árvore, cresce a partir de suas raízes.
GTE se desenvolveram – um portfólio de competências Os produtos básicos são nutridos pelas competências e produ-
zem unidades de negócio, cujos frutos são os produtos finais.
versus um portfólio de negócios – repetiu-se em mui-
tas indústrias. De 1980 a 1988, a Canon cresceu 264%.
Compare isso com a Xerox e a Chrysler. Se os gestores concorrência global, ocidentais e japoneses, estão todos
ocidentais antes ficavam ansiosos com o baixo custo e convergindo para padrões similares e formidáveis de
a alta qualidade dos importados japoneses, agora estão custo e qualidade de produto – obstáculos mínimos para
pressionados pelo ritmo com que os rivais japoneses a competição continuada, mas cada vez menos impor-
estão inventando novos mercados, criando novos pro- tantes como fontes de vantagem diferencial. No longo
dutos e aprimorando-os. A Canon nos deu as copiadoras prazo, a competitividade deriva de uma habilidade de
pessoais; a Honda passou das motocicletas para os veí­ criar, a um custo baixo e mais rápido do que os con-
culos off-road de quatro rodas. A Sony criou a câmera correntes, as competências centrais que geram produtos
inesperados. As reais fontes de vantagem encontram-
de vídeo de 8 mm, a Yamaha, o piano digital. A Komatsu,
-se na habilidade de gestão para consolidar, no nível
uma escavadeira mecânica subaquática controlada por
da corporação, as tecnologias e habilidades de produ-
controle remoto, enquanto a última artimanha da Casio
ção em competências que permitam que os negócios
é uma pequena TV colorida de LCD. Quem teria previs-
individuais se adaptem rapidamente às oportunidades
to a evolução desses mercados de vanguarda?
de mudança.
Nos mercados mais estabelecidos, o desafio japonês Os executivos seniores que afirmam não poder criar
tem sido igualmente inquietante. As empresas japone- competências centrais porque sentem que a autonomia
sas estão gerando uma avalanche de características e das unidades de negócio é inviolável, ou porque estão
melhorias funcionais que trazem sofisticação tecnoló- presos ao orçamento trimestral, devem pensar melhor.
gica para os produtos de uso diário. Os fabricantes de O problema em muitas empresas ocidentais não é que
veículos japoneses têm sido pioneiros na direção, em seus executivos seniores sejam menos capazes do que
quatro rodas, nos motores de quatro válvulas por cilin- os do Japão, ou que as empresas japonesas possuam ca-
dro, nos sistemas automotivos de navegação e nos so- pacitações técnicas maiores. Mas é a sua adesão a um
fisticados sistemas de gestão eletrônica do motor. Com conceito de empresa que limita desnecessariamente a
a força das características dos seus produtos, a Canon habilidade de os negócios individuais explorarem seu
agora é uma concorrente em máquinas de fax, impres- profundo reservatório de capacitações tecnológicas que
soras laser e até mesmo equipamentos para a fabricação muitas empresas americanas e europeias possuem.
de semicondutores. A empresa diversificada é uma grande árvore. O
No curto prazo, a competitividade de uma empre- tronco e os galhos maiores são os produtos básicos, os
sa deriva dos atributos preço/desempenho dos produ- ramos menores são as unidades de negócio; as folhas,
tos atuais. Mas os sobreviventes da primeira onda de flores e frutos são os produtos finais. O sistema raiz, que
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    37

proporciona nutrição, sustento e estabilidade, é a com- esvanece se não for utilizado. As competências são a
petência central. Você pode não perceber a força dos cola que une os negócios existentes. E também são o
concorrentes olhando apenas seus produtos finais, da motor para a criação de novos negócios. Os padrões de
mesma maneira que não percebe a força de uma árvore diversificação e entrada no mercado podem ser guiados
olhando apenas para suas folhas (ver Figura 1). por elas, não só pela atratividade dos mercados.
As competências centrais são a aprendizagem coleti- Considere a competência da 3M com a fita adesiva.
va na organização, em especial como coordenar habili- Sonhando com empresas tão diversas quanto os blocos
dades de produção diversa e integrar múltiplas correntes de Post-it, fita magnética, filme fotográfico, fitas sensí-
de tecnologias. Considere a capacidade de miniaturiza- veis à pressão e abrasivos revestidos, a empresa foi le-
ção da Sony ou a especialidade da Philips em mídia vada a criar competências amplamente compartilhadas
óptica. O conhecimento teórico para colocar um rádio em substratos, revestimentos e adesivos, assim como
em um chip por si só não garante a uma empresa a capa- várias maneiras de combiná-las. O que aparenta ser
cidade de produzir um rádio em miniatura menor do que um portfólio de negócios muito diversificado contradiz
um cartão de crédito. Para levar a cabo essa façanha, a algumas competências centrais compartilhadas.
Casio deve harmonizar o know-how em miniaturização, Por outro lado, existem grandes empresas que tive-
projeto de microprocessador, ciência de materiais e in- ram potencial para criar competências centrais, mas não
vólucros ultrafinos de precisão – as mesmas habilidades o fizeram porque a alta administração não conseguiu
que ela aplica em suas calculadoras miniaturizadas em conceber a empresa como algo além de uma coleção de
cartões, TVs de bolso e relógios digitais. negócios distintos. A GE vendeu grande parte do seu ne-
Se as competências centrais tratam de harmonizar gócio de produtos eletrônicos de consumo para a fran-
correntes de tecnologia, também tratam da organização cesa Thomson, argumentando que estava ficando cada
do trabalho e da entrega de valor. Entre as competências vez mais difícil manter sua competitividade nesse setor.
da Sony, temos a miniaturização. Para levar a miniatu- Sem dúvida que sim, mas foi irônico ela ter vendido
rização aos seus produtos, ela deve assegurar que os vários negócios-chave para concorrentes que já eram lí-
tecnologistas, engenheiros e profissionais de marketing deres de competência – a Black & Decker em pequenos
tenham um entendimento compartilhado das necessi- motores elétricos, e a Thomson, que estava ávida para
dades dos clientes em relação às possibilidades tecnoló-
criar sua competência em microeletrônica e tinha apren-
gicas. A força da competência central é percebida como
dido com os japoneses que uma posição em produtos
decisiva tanto nos serviços quanto na manufatura.
eletrônicos de consumo era vital para esse desafio.
O Citicorp estava à frente dos concorrentes inves-
A gestão aprisionada na mentalidade de unidade estra-
tindo em um sistema operacional que lhe permitiu par-
tégica de negócio (UEN) quase inevitavelmente encontra
ticipar dos mercados mundiais 24 horas por dia. Sua
seus negócios individuais dependentes de fontes ex-
competência em sistemas proporcionou à empresa os
ternas de componentes críticos, tais como motores ou
meios para se diferenciar das muitas instituições de ser-
compressores. Mas esses não são apenas componentes.
viços financeiros.
São produtos básicos que contribuem para a competiti-
A competência central é a comunicação, o envolvi-
vidade de uma ampla gama de produtos finais. São as
mento e um profundo comprometimento em trabalhar
implementações físicas das competências centrais.
por meio das fronteiras organizacionais. Isso envolve
muitos níveis de pessoas e todas as funções. A pesquisa
de nível internacional em, por exemplo, lasers e cerâ- COMO NÃO SE LEMBRAR DA COMPETêNCIA
mica pode ser realizada nos laboratórios próprios sem
nenhum impacto em qualquer um dos negócios da em- Uma vez que as empresas estão em uma corrida para
presa. As habilidades que, juntas, constituem a compe- criar as competências que determinam a liderança glo-
tência central, devem se unir em torno dos indivíduos bal, aquelas bem-sucedidas pararam de se imaginar
cujos esforços não estejam tão estreitos e focados que como pacotes de negócios criando produtos. Canon,
não lhes permitam reconhecer as oportunidades para Honda, Casio ou NEC podem parecer presidir portfó-
mesclar sua especialidade funcional com as das outras lios de negócios independentes em termos de clientes,
pessoas de maneiras novas e interessantes. canais de distribuição e estratégia de comercialização.
A competência central não diminui com o uso. Di- Na realidade, elas possuem portfólios que às vezes po-
ferentemente dos ativos físicos, que se deterioram ao dem parecer idiossincráticos: a NEC é a única empresa
longo do tempo, as competências melhoram à medida global a estar entre os lideres em computação, teleco-
que são aplicadas e compartilhadas. Mas, ainda assim, municações e semicondutores, e a ter um próspero ne-
elas precisam ser nutridas e protegidas; o conhecimento gócio de produtos eletrônicos de consumo.
38     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Mas as aparências enganam. Na NEC, a tecnologia A competência também não significa custos com-
digital, em especial a VLSI e as habilidades de inte- partilhados, como ocorre quando dois ou mais UENs
gração de sistemas, é fundamental. Nas competências usam uma instalação – uma fábrica, uma oficina ou a
centrais que lhe são subjacentes, os negócios díspares força de vendas – ou compartilham um componente co-
se tornam coerentes. É a competência básica da Honda mum. Os ganhos do compartilhamento podem ser subs-
em motores e transmissões que lhe dá uma vantagem tanciais, mas a busca por custos compartilhados é um
diferenciada nos negócios de automóveis, motocicle- esforço posterior para racionalizar a produção por meio
tas, cortadores de grama e geradores. As competências de todos os negócios existentes, não um esforço preme-
centrais da Canon em óptica, imagem e controles mi- ditado para criar as competências a partir das quais os
croprocessados permitiram-lhe adentrar, e até mesmo próprios negócios crescem.
dominar, os mercados aparentemente diversos, como os Construir competências centrais é mais ambicioso e
de copiadoras, impressoras a laser, câmeras e scanners. diferente do que a integração vertical. Os gestores que
A Philips trabalhou por mais de 15 anos para aperfeiçoar decidem se produzem ou compram começarão pelos
sua competência em mídia óptica (disco laser), como produtos finais e olharão para as eficiências nas posi-
fez a JVC, construindo uma posição de liderança na ções anteriores da cadeia de abastecimento e para as
gravação de vídeo. Outros exemplos de competências posteriores na direção da distribuição e dos clientes.
centrais poderiam ser a mecatrônica (a habilidade de Eles não fazem um inventário de competências e olham
unir as engenharias mecânica e eletrônica), os monito- para a frente para aplicá-los de maneiras não tradicio-
res de vídeo, a bioengenharia e a microeletrônica. Nos nais. (As decisões sobre competências fornecem uma
estágios iniciais da construção de sua competência, a lógica para a integração vertical. A Canon em particular
Philips não poderia ter imaginado todos os produtos não é integrada em seu negócio de copiadoras, exceto
que seriam abrangidos por sua competência em mídia nos aspectos da cadeia vertical que apoiam as compe-
óptica, nem a JVC poderia ter previsto as filmadoras em tências que ela considera essenciais).
miniatura quando começou a explorar pela primeira vez
as tecnologias de vídeo. IDENTIFICANDO AS COMPETÊNCIAS
Ao contrário da batalha pelo domínio global da mar- CENTRAIS – E PERDENDO-AS
ca, que é visível na mídia mundial transmitida e impres-
sa, e que visa criar a “conscientização do maior número Pelo menos três testes podem ser aplicados para identifi-
possível de pessoas em relação a uma marca”, a batalha car as competências centrais em uma empresa. Primeiro,
para criar competências de nível internacional é invisí- uma competência central proporciona acesso potencial a
vel para as pessoas que não estejam deliberadamente uma ampla variedade de mercados. A competência em
procurando por isso. Muitas vezes, a alta administra- tecnologia de rede, por exemplo, permite a uma empre-
ção acompanha o custo e a qualidade dos produtos dos sa participar em negócios diversos, como calculadoras,
concorrentes, contudo, quantos gestores desvendam a aparelhos de TV em miniatura, monitores de laptops e
teia de alianças que seus concorrentes japoneses cons- painéis de automóveis – sendo esta a razão pela qual a
truíram para adquirir competências a um custo baixo? entrada da Casio no mercado de TVs portáteis era previ-
Em quantas salas de reuniões ocidentais há uma com- sível. Segundo, uma competência central deve dar uma
preensão explícita e compartilhada das competências contribuição significativa para os benefícios percebidos
que a empresa deve criar para a liderança mundial? Na pelo consumidor do produto final. Claramente, a espe-
verdade, quantos executivos seniores discutem a dife- cialidade da Honda em motores preenche este requisito.
rença crucial entre estratégia competitiva no nível de Enfim, uma competência central deve ser difícil
um negócio e estratégia competitiva no nível de uma para os imitadores copiarem. E será difícil se for uma
empresa inteira? harmonização complexa de tecnologias individuais e
Sejamos claros. Cultivar competência central não habilidades de produção. Uma empresa rival poderia
significa gastar mais do que os concorrentes em pesqui- adquirir algumas das tecnologias que fazem parte da
sa e desenvolvimento. Em 1983, quando a Canon ultra- competência central, mas achará mais difícil duplicar o
passou a Xerox em participação mundial de mercado padrão mais ou menos abrangente de coordenação inter-
na unidade de negócio de copiadoras, seu orçamento de na e aprendizagem. A decisão da JVC no início dos anos
P&D em reprografia era apenas uma pequena fração do 1960 de buscar a criação de uma competência em fita de
orçamento da Xerox. Ao longo dos últimos 20 anos, a vídeo passou nos três testes aqui descritos. Mas o resul-
NEC gastou menos em P&D, percentualmente em rela- tado não foi o mesmo em relação à decisão da RCA, no
ção às vendas, do que quase todos os seus concorrentes final dos anos 1970, de desenvolver um sistema de vídeo
americanos e europeus. de plataforma giratória com base em caneta óptica.
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    39

Poucas empresas têm a probabilidade de construir marketing e distribuição, pode ficar vulnerável. A ter-
uma liderança mundial em mais de cinco ou seis com- ceirização pode promover um atalho para um produto
petências fundamentais. Uma empresa que compila mais competitivo, mas ela contribui pouco para a cria-
uma lista de 20 a 30 capacitações provavelmente não ção de habilidades personificadas que são necessárias
produziu uma lista de competências centrais. Ainda para sustentar a liderança do produto.
assim, é uma boa disciplina gerar uma lista desse tipo Nem é possível para uma empresa ter uma aliança
e ver as capacitações agregadas como base. Isso tende inteligente ou estratégia de terceirização se não tiver
a levar à busca de acordos de licenciamento e alianças feito uma escolha sobre onde construirá a liderança por
por meio dos quais a empresa possa adquirir, a um custo competência. As empresas japonesas beneficiaram-se
baixo, as peças que faltam. com as alianças. Elas as utilizaram para aprender com
A maioria das empresas ocidentais dificilmente pen- os parceiros ocidentais que não estavam em total empe-
sa na competitividade nesses termos. É hora de analisar nho em preservar suas próprias competências centrais.
com racionalidade riscos que estão correndo. As em- Como argumentamos antes, aprender com uma aliança
presas que julgam a competitividade, a sua própria e a exige um comprometimento positivo de recursos – via-
dos concorrentes, apenas em termos de preço/desempe- gens, um conjunto de pessoas dedicadas, um banco de
nho dos produtos finais estão cortejando a erosão das provas, tempo para internalizar e testar o que tem sido
competências centrais – ou fazendo muito pouco esfor- aprendido.2 Uma empresa não deve fazer esse esforço se
ço para melhorá-las. As habilidades que dão origem à não tiver objetivos claros para a criação de competência.
próxima geração de produtos competitivos não podem Outra maneira de perder é renunciar às oportunida-
ser “alugadas” nas relações da terceirização e de OEM des de estabelecer competências que estão evoluindo
(fabricante original do equipamento). Na nossa visão, nos negócios existentes. Nos anos 1970 e 1980, muitas
muitas empresas entregaram inadvertidamente suas empresas americanas e europeias – como GE, Moto-
competências centrais quando cortaram o investimen- rola, GTE, Thorn e GEC – decidiram sair do negócio de
to interno no que pensaram erroneamente ser apenas televisão em cores, que consideravam maduro. Se por
“centros de custo” em favor dos fornecedores externos. “maduro” elas quiseram dizer que haviam esgotado as
Considere a Chrysler. Diferentemente da Honda, ideias de novos produtos no momento em que os con-
ela tendeu a enxergar os motores e conjuntos de trans- correntes globais tinham como alvo o negócio de TVs,
missão simplesmente como mais um componente, e então, sim, a indústria estava madura. Mas certamente
está ficando cada vez mais dependente da Mitsubishi não estava madura no sentido de que todas as oportuni-
e da Hyundai: entre 1985 e 1987, a quantidade de mo- dades de melhorar e aplicar as competências com base
tores terceirizados passou de 252 mil para 382 mil. É em vídeo tivessem se esgotado.
difícil imaginar a Honda cedendo a responsabilidade Ao se livrarem dos seus negócios de televisão, essas
pela manufatura, muito menos pelo projeto, de uma empresas não conseguiram distinguir entre se retirar
parte tão importante do funcionamento de um carro do negócio e destruir suas competências com base em
para uma empresa externa – sendo esta a razão pela vídeo. Elas não só saíram do negócio de TVs, mas
qual a empresa assumiu um compromisso tão grande também fecharam as portas para uma corrente intei-
com a Fórmula 1. A Honda tem sido capaz de reunir ra de oportunidades futuras dependentes de compe-
suas tecnologias relacionadas ao motor; e tem apostado tências baseadas em vídeo. A indústria da televisão,
em uma competência de escala corporativa a partir da considerada sem atrativos por muitas empresas ame-
qual desenvolve produtos de sucesso mundial, apesar ricanas nos anos 1970, hoje é o foco de um debate
dos seus orçamentos de P&D serem menores que os da feroz da política de interesse público sobre a incapa-
GM e da Toyotas. cidade de as empresas americanas se beneficiarem da
É bem possível que uma empresa tenha uma linha oportunidade de US$ 20 bilhões anuais que a HDTV
de produtos competitivos, mas que seja retardatária no representará na segunda metade dos anos 1990. Ironi-
desenvolvimento de competências centrais – pelo me- camente, o governo americano está sendo solicitado
nos por um tempo. Se uma empresa quisesse entrar no a financiar um grande projeto de pesquisa, para com-
negócio de copiadoras hoje, encontraria uma dúzia de pensar as empresas americanas por sua incompetência
empresas japonesas mais do que dispostas a fornecer de preservar as competências centrais críticas quando
copiadoras na base de uma marca privada OEM. Mas, tiveram oportunidade.
quando as tecnologias fundamentais mudarem, ou se
seu fornecedor decidir entrar diretamente no mercado
e se tornar um concorrente, a linha de produtos dessa 2
“Collaborate with Your Competitors and Win”, Harvard Business Re-
empresa, junto com todos os seus investimentos em view, January-February 1989, p. 133, com Yves L. Doz.
40     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Por outro lado, pode-se ver uma empresa como a laser, embora sua participação de marca neste negócio
Sony diminuindo sua ênfase nos VCRs (onde não tem seja minúscula. De modo análogo, a Matsushita tem
sido muito bem-sucedida, e ainda mais com a ameaça uma participação de manufatura mundial em torno de
das empresas coreanas, sem diminuir seu comprometi- 45% em componentes-chave de VCR, muito além de sua
mento com as competências relacionadas com vídeo. marca (Panasonic, JVC e outras), de 20%, e, ainda, tem
O Sony Betamax a levou a um desastre. Mas ela emer- uma impressionante participação mundial de produto
giu intacta com suas competências de gravação em fita básico em compressores, estimada em 40%, embora sua
de vídeo, e atualmente está desafiando a Matsushita no participação de marca tanto em condicionamento de ar
mercado de filmadoras 8 mm. quanto em refrigeração seja bem pequena.
Há duas lições claras aqui. Primeiro, os custos de É essencial fazer essa distinção entre competências
perder uma competência central podem ser, apenas em centrais, produtos básicos e produtos finais, porque a
parte, calculados com antecedência. “O bebê deve ser concorrência global tem regras e apostas diferentes
jogado fora com a água do banho nas decisões de desin- em cada nível. Para construir ou defender a lideran-
vestimento”. Segundo, como as competências centrais ça no longo prazo, uma empresa provavelmente será
são construídas por meio de um processo de melhoria uma vencedora em cada nível. No nível da compe-
contínua e valorização que pode levar uma década ou tência central, a meta é criar uma liderança mundial
mais. Uma empresa que não tenha investido na constru- no projeto e desenvolvimento de uma determinada
ção de competências centrais achará muito difícil entrar classe de funcionalidade do produto – seja no arma-
em um mercado emergente, a menos, é claro, que vá se zenamento e a recuperação de dados compactos, com
contentar em simplesmente servir como um canal de a competência em mídia óptica da Philips, ou na com-
distribuição. pacidade ou facilidade de uso, como ocorre em rela-
As empresas americanas de semicondutores, como a ção aos micromotores e controles microprocessados
Motorola, aprenderam essa dolorosa lição quando pre- da Sony.
feriram abrir mão da participação direta na geração de Para sustentar a liderança em suas competências
chips de DRAM de 256k. Tendo ignorado essa roda- centrais escolhidas, essas empresas buscam maximi-
da, a Motorola, como a maioria de seus concorrentes zar sua participação mundial de manufatura de produ-
americanos, precisou de uma grande infusão de auxílio tos básicos. Este tipo de fabricação para um ampla va-
técnico dos parceiros japoneses para voltar à batalha na riedade de clientes externos (e internos) leva à receita
geração de 1 megabyte. Quando se trata de competên- e ao feedback de mercado que, ao menos em partes,
cias centrais, é difícil “saltar do trem, caminhar até a determinam o ritmo no qual as competências centrais
próxima estação e reembarcar”. podem ser melhoradas e ampliadas. Esse pensamen-
to estava por trás da decisão da JVC, em meados dos
anos 1970, de estabelecer relações de fornecimento do
DAS COMPETÊNCIAS CENTRAIS AOS
PRODUTOS BÁSICOS VCR com as maiores empresas nacionais de produtos
eletrônicos de consumo na Europa e nos Estados Uni-
A ligação tangível entre as competências centrais e os dos. Ao abastecer a Thomson, a Thorn e a Telefunken
produtos finais é o que chamamos de produtos básicos (todas empresas independentes naquele momento),
– as implementações físicas de uma ou mais competên- como também os parceiros americanos, a JVC foi ca-
cias. Os motores da Honda, por exemplo, são produtos paz de experimentar a geração de caixa e a diversidade
básicos, sustentáculos entre as competências de proje- de mercado, que finalmente lhe permitiram ultrapassar
to e desenvolvimento que, no fim das contas, levam à a Philips e a Sony. (A Philips desenvolveu competên-
proliferação de produtos finais. Produtos básicos são cias em fita de vídeo em paralelo com a JVC, mas não
os componentes ou subconjuntos que realmente contri- conseguiu criar uma rede mundial de relacionamentos
buem para o valor dos produtos finais. Pensar em ter- de OEM, que lhe teria permitido acelerar o refinamen-
mos de produtos básicos força uma empresa a distinguir to da sua competência de fita de vídeo por meio da
entre a participação que a marca tem nos mercados de venda de produtos básicos.)
produtos finais (por exemplo, 40% do mercado ameri- O sucesso da JVC não se perdeu em empresas co-
cano de refrigeradores) e a participação de manufatura reanas, como a Goldstar, Samsung, Kia e Daewoo, que
que ela alcança em qualquer produto básico em particu- estão construindo a liderança de produto básico em
lar (por exemplo, 5% do mercado mundial de compres- áreas tão diversas quanto os monitores, semicondutores
sores para refrigeradores). e os motores automotivos por meio de seus contratos
A Canon tem a fama de ter uma participação de 84% de fornecimento de OEM com empresas ocidentais.
da manufatura mundial de “motores” para impressoras Seu objetivo declarado é o de capturar iniciativas de
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    41

Figura 2 Dois conceitos de corporação: uen ou competência central

UEN Competência central


Base para a competição Competitividade dos produtos atuais. Competição entre empresas para criar competências.
Estrutura corporativa Portfólio dos negócios relacionados em Portfólio de competências, produtos básicos e
termos de produto/mercado. negócios.
Status da unidade de negócio Autonomia é sacrossanta; a UEN “possui” A UEN é um reservatório potencial de competências
todos os recursos que não sejam financeiros. centrais.
Alocação de recursos Os negócios individuais são a unidade Os negócios e competências centrais são a unidade
de análise; o capital é alocado negócio a de análise: a alta gestão aloca capital e talento.
negócio.
Valor agregado da alta administração Otimizar os retornos corporativos por Declarar a arquitetura estratégica e criar
meio das decisões de alocação de capital competências para garantir o futuro.
entre os negócios.

investimento fora de possíveis concorrentes, muitas ve- escolas e consultorias de negócios. Prescrições antigas
zes de empresas dos Estados Unidos. Ao fazê-lo, elas têm efeitos colaterais em potencial. A necessidade de
aceleram seus esforços de criação de competência, ao novos princípios é mais óbvia nas empresas organiza-
mesmo tempo em que “esvaziam” seus concorrentes. Ao das exclusivamente de acordo com a lógica das UENs.
focarem a competência e embuti-la em seus produtos bá- As implicações dos dois conceitos alternativos da cor-
sicos, os competidores asiáticos, primeiro, acumularam poração estão resumidas na Figura 2, “Dois Conceitos
vantagens nos mercados de componentes, e depois ala- de Corporação: UEN ou Competência Central”.
vancaram seus produtos de qualidade superior na cadeia Obviamente, as corporações diversificadas possuem
de abastecimento para criar participação de marca. Eles um portfólio de produtos e um de negócios. Mas acre-
não são propensos a permanecerem como fornecedores ditamos em uma visão de empresa como um portfólio
de baixo custo para sempre. À medida que sua reputa- de competências também. As empresas americanas não
ção como liderança de marca se consolidar, eles podem carecem de recursos técnicos para criar competências,
ganhar a liderança de preço. A Honda provou isso com a mas sua alta administração muitas vezes não tem a vi-
sua linha Acura, e outros fabricantes de automóveis japo- são de criá-las nem os meios administrativos para reu-
neses estão seguindo o mesmo caminho. nir recursos espalhados por múltiplos negócios. Uma
O controle sobre os produtos básicos é essencial mudança no comprometimento influenciará inevitavel-
por outras razões. Uma posição dominante em produ- mente os padrões de diversificação, a implantação de
tos básicos permite a uma empresa moldar a evolução habilidade, as prioridades de alocação dos recursos e as
das aplicações e mercados finais. Produtos básicos rela- abordagens de alianças e terceirização.
cionados aos discos de áudio compactos (CDs), como Descrevemos os três planos diferentes nos quais as
acionadores de dados e lasers, permitiram que a Sony e batalhas pela liderança global são travadas: competên-
a Philips influenciassem a evolução do negócio de pe- cia centrais, produtos básicos e produtos finais. Uma
riféricos de computador em armazenamento de mídia empresa tem que saber se está ganhando ou perdendo
óptica. À medida que uma empresa multiplica a quanti- em cada plano. Pelo simples peso dos investimentos,
dade de áreas de aplicação para seus produtos básicos, uma empresa poderia ser capaz de bater seus rivais em
ela consegue reduzir consistentemente o custo, o tempo tecnologias de inovação, e ainda assim perder a corrida
e o risco da criação de novos produtos. Em resumo, os para criar liderança por competência. Se uma empresa
produtos básicos bem orientados podem levar a econo- estiver vencendo a corrida para construir competências
mias de escala e escopo. centrais (ao contrário de construir liderança em algumas
tecnologias), é quase certo que ultrapasse os rivais na
A TIRANIA DA UEN criação de novos negócios. Se uma empresa estiver
vencendo a corrida para capturar participação mundial
Os novos termos de compromisso competitivo não de fabricação em produtos básicos, provavelmente su-
podem ser entendidos usando ferramentas analíticas perará os rivais no aprimoramento das características
criadas para gerir a empresa diversificada de 20 anos do produto e na relação preço/desempenho.
atrás, quando a concorrência era doméstica (GE versus Determinar se alguém está ganhando ou perden-
Westinghouse, General Motors versus Ford) e todos os do as batalhas de produto final é mais difícil porque
concorrentes-chave falavam a linguagem das mesmas as medidas de participação de mercado não refletem,
42     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

necessariamente, a competitividade subjacente a várias nam essas competências são vistas como propriedade
empresas. Na realidade, as empresas que tentam criar exclusiva do negócio em que cresceram. O gestor de
uma participação de mercado contando com a competi- outra UEN que toma emprestado pessoas talentosas
tividade das outras, em vez de investirem nas competên- está sujeito a receber uma fria recusa. Os gestores de
cias centrais e na liderança mundial de produto básico, UENs não gostam de emprestar seus talentos, e até
podem estar pisando em areia movediça. Na corrida pelo podem esconder o talento para impedir sua realocação
predomínio global da marca, empresas como 3M, Black na busca de novas oportunidades. Isso pode ser com-
& Decker, Canon, Honda, NEC e Citicorp criaram guar- parado aos residentes de um país subdesenvolvido que
da-chuvas de marcas globais pela proliferação de produ- escondem a maior parte do seu dinheiro debaixo do
tos fora de suas competências centrais. Isso permitiu que colchão. Os benefícios das competências, assim como
seus negócios individuais construíssem imagem, lealda- os da oferta de dinheiro, dependem da velocidade de
de do consumidor e acesso aos canais de distribuição. sua circulação, bem como do tamanho do estoque que a
Quando você pensa a respeito desta reconceituação empresa detém.
da empresa, a primazia da UEN – um dogma organiza- As empresas ocidentais tiveram uma vantagem nos
cional para uma geração – agora fica claro como sendo estoques de habilidades que possuem. Porém, elas têm
um anacronismo. Onde a UEN é um artigo de fé, a re- sido capazes de reconfigurá-los mais rapidamente a fim
sistência às seduções da descentralização pode parecer de responder a novas oportunidades? A Canon, a NEC e
herética. Em muitas empresas, o prisma da UEN sig- a Honda tiveram um menor estoque de pessoas e tecno-
nifica que apenas um plano da batalha da concorrência logias que compõem as competências centrais, mas pu-
global, o combate para colocar produtos competitivos deram deslocá-las muito mais depressa de uma unidade
na prateleira hoje é visível para a alta administração. de negócio para outra. O gasto corporativo em P&D
Quais são os custos dessa distorção? na Canon não é totalmente indicativo do tamanho do
estoque de competência central da empresa, e não diz
Investimento insuficiente no desenvolvimento nada ao observador casual sobre a velocidade com a
de competências centrais e produtos básicos qual ela é capaz de deslocar as competências centrais
Quando a organização é concebida como uma multipli- para explorar novas oportunidades.
cidade de UENs, nenhum negócio pode se sentir res- Quando as competências ficam aprisionadas, as pes-
ponsável por manter uma posição viável em produtos soas delas portadoras não são designadas para as oportu-
básicos ou ser capaz de justificar o investimento neces- nidades mais estimulantes, e suas habilidades começam
sário para construir uma liderança mundial em alguma a atrofiar. Apenas pela alavancagem completa das com-
competência central. Na ausência de uma visão mais petências centrais as pequenas empresas, como a Ca-
abrangente imposta pela gestão corporativa, os gesto- non, conseguem concorrer com gigantes da indústria,
res das UENs tenderão a investir aquém do necessário. como a Xerox. Como é estranho o fato de os gestores
Bem recentemente, empresas como a Kodak e a Phi- de UENs, que estão dispostos a competir pelo dinheiro
lips reconheceram isso como um possível problema, e no processo de orçamentação de capital, serem aves-
começaram a buscar novas formas organizacionais que sos a competir por pessoas – o ativo mais precioso de
lhes permitirão desenvolver e fabricar produtos básicos uma empresa. Consideramos irônico que a alta gestão
tanto para os clientes internos quanto para os externos. dedique tanta atenção ao processo de orçamento de ca-
Os gestores das UENs tradicionalmente concebem pital, mas não possua nenhum mecanismo comparável
seus concorrentes da mesma forma que veem a si mes- para alocar as habilidades humanas que encarnam as
mos. De modo geral, eles não conseguiram perceber a competências centrais. Os altos executivos raramente
ênfase que os concorrentes asiáticos estavam colocando são capazes de olhar quatro ou cinco níveis abaixo na
na criação da liderança em produtos básicos ou entender organização, de identificar as pessoas que encarnam as
a ligação crítica entre a liderança mundial em fabricação competências críticas e deslocá-las através das frontei-
e a habilidade de manter o ritmo de desenvolvimento em ras organizacionais.
competência central. Eles não buscaram as oportunidades
de fornecimento em regime de OEM ou olharam por meio Inovação delimitada
de suas várias divisões de produtos em uma tentativa de Se as competências centrais não forem reconhecidas,
identificar oportunidades para iniciativas coordenadas. as UENs individuais perseguirão apenas as oportuni-
dades de inovação que estiverem por perto – amplia-
Recursos aprisionados ções marginais de linhas de produto ou geográficas. As
À medida que uma UEN evolui, muitas vezes ela de- oportunidades híbridas, como máquinas de fax, laptops,
senvolve competências únicas. As pessoas que encar- televisões portáteis ou teclados musicais portáteis, só
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    43

surgirão quando os gestores tirarem suas viseiras de por exemplo, as opções de diversificação foram jul-
UEN. Lembre-se, a Canon aparentava estar no negócio gadas no contexto de se tornar a melhor empresa de
de câmeras no momento em que estava se preparan- sistema elétrico e controle de movimentos do mundo
do para virar líder mundial em copiadoras. Conceber a (veja o quadro “A Vickers aprende o valor da arquite-
empresa em termos das competências centrais amplia o tura estratégica”).
domínio da inovação. A arquitetura estratégica deve deixar transparentes
para toda a organização as prioridades de alocação de
recursos, porque fornece um modelo para as decisões
DESENVOLVIMENTO DA ARQUITETURA
de alocação por parte da alta gestão. Ela ajuda os ges-
ESTRATÉGICA
tores de níveis mais baixos a entenderem a lógica das
A fragmentação das competências centrais torna-se prioridades de alocação e disciplina a gestão sênior a
inevitável quando os sistemas de informação diver- manter a consistência. Em resumo, ela leva a uma de-
sificados, os padrões de comunicação, os planos de finição da empresa e dos mercados que atende. A 3M,
carreira, as recompensas administrativas e o processo Vickers, NEC, Canon e Honda qualificavam-se para
de desenvolvimento da estratégia de uma empresa não isto. A Honda sabia que estava explorando o que tinha
transcendem os limites da UEN. Acreditamos que as aprendido com as motocicletas – como fazer motores de
gestões seniores deveriam investir uma quantidade sig- alta rotação, leves e de bom funcionamento – quando
nificativa do seu tempo desenvolvendo uma arquitetura entrou no ramo de automóveis. A tarefa de criar uma
estratégica corporativa que estabelecesse os objetivos arquitetura estratégica força a organização a identificar
para a criação de competência. Uma arquitetura estra- e se comprometer com as ligações técnicas e de pro-
tégica é um guia para o futuro que identifica quais com- dução, por meio das UENs, que proporcionarão uma
petências centrais devem ser criadas e as tecnologias vantagem competitiva diferenciada.
que as constituem. É a consistência de alocação de recursos e o desen-
Ao proporcionar um ímpeto para aprender com volvimento de uma infraestrutura adequada para essa
as alianças e um foco para os esforços internos de alocação que dão vida a uma arquitetura estratégica e
desenvolvimento, uma arquitetura estratégica, como criam cultura de gestão, trabalho em equipe, capaci-
a C&C da NEC, pode reduzir radicalmente o inves- dade para mudar e disposição para compartilhar recur-
timento necessário para garantir a liderança futura sos, proteger habilidades proprietárias e pensar a longo
do mercado. Como uma empresa pode fazer parce- prazo. Esta também é a razão pela qual a arquitetura
rias de forma inteligente sem uma compreensão clara específica não pode ser copiada facilmente, ou do dia
das competências centrais que está tentando criar e das para a noite, pelos concorrentes. A arquitetura estratégi-
que está tentando impedir que sejam involuntariamente ca é uma ferramenta para a comunicação com os clientes
transferidas? e outros componentes externos.
Naturalmente, tudo isso suscita a questão de como
uma arquitetura estratégica deveria ser. A resposta será REDISTRIBUIR PARA EXPLORAR COMPETÊNCIAS
diferente para cada empresa. Mas é útil pensar de novo
naquela árvore, na empresa organizada em torno dos Se as competências centrais de uma empresa são seu
produtos básicos e, por fim, nas competências centrais. recurso crítico e se a alta gestão deve garantir que os
Para criar raízes que sejam fortes o suficiente, uma em- detentores de competência não sejam mantidos reféns
presa deve responder a algumas questões fundamentais: de algum negócio em particular, então as UENs de-
Por quanto tempo poderíamos preservar nossa competi- veriam ofertar as competências centrais da mesma
tividade neste negócio se não tivermos o controle dessa maneira que ofertam capital. Tocamos bastante neste
competência centrais em particular? Qual é a impor- ponto. Ele é bastante importante para ser considerado
tância dessa competência central para os benefícios com mais profundidade.
percebidos pelo cliente? Quais oportunidades futu- Depois de a alta gestão (com a ajuda dos gestores de
ras seriam vedadas se perdêssemos essa competência divisão e de UEN) identificar as competências domi-
em particular? nantes, ela deve pedir para os negócios identificarem os
Além disso, a arquitetura proporciona uma lógica projetos e as pessoas proximamente relacionadas a eles.
para a diversificação do produto e do mercado. Um Os executivos de nível corporativos devem executar
gestor de UEN seria questionado: A nova oportuni- uma auditoria da localização, quantidade e qualidade
dade de mercado contribui para o objetivo global de das pessoas que encarnam competências.
se tornar o melhor concorrente no mundo? Ela explora Isso envia um sinal importante para os gestores
ou contribui para a competência central? Na Vickers, intermediários: as competências centrais são recursos
44     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

A Vickers aprende o valor da arquitetura estratégica


A ideia de que a alta gestão deveria desenvolver uma estratégia Seu slogan era “Rumo ao século XXI”. A Vickers está atualmente
corporativa para adquirir e implantar competências centrais é re- na área dos fluidos para sistemas elétricos. A arquitetura identifi-
lativamente nova para a maior parte das empresas dos Estados ca duas competências adicionais: os componentes elétricos e os
Unidos. Existem algumas exceções. Uma das primeiras a se con- controles eletrônicos. Também foi previsto para o desenvolvimento
verter foi a Trinova (antiga Libbey Owens Ford), uma empresa de uma capacitação de integração de sistemas que unisse hardware,
Toledo, que usufrui uma posição mundial em sistemas elétricos softwares e serviços.
e controle de movimento, além de plásticos projetados. Uma de A arquitetura estratégica, como ilustra o exemplo da Vickers,
suas maiores divisões é a Vickers, uma das mais importantes for- não é uma previsão de produtos específicos ou de tecnologias es-
necedoras de componentes hidráulicos, como válvulas, bombas, pecíficas, mas um amplo mapa das ligações que estão evoluindo
ativadores e dispositivos de filtragem para os mercados aeroes- entre os requisitos de funcionalidade do cliente, as tecnologias po-
pacial, marítimo, defesa, automotivo, terraplenagem e industrial. tenciais e as competências centrais. Ela presume que produtos e
A Vickers enxergou o potencial para uma transformação do sistemas não podem ser definidos com certeza para o futuro, mas
seu negócio tradicional com a aplicação das disciplinas eletrôni- que os concorrentes desejosos de tomar o lugar na criação dos
cas combinadas com suas tecnologias tradicionais. A meta era novos mercados requerem um início precoce da criação de com-
“garantir que a mudança na tecnologia não a afastasse de seus petências centrais. A arquitetura estratégica desenvolvida pela
clientes”. Isso, com certeza, foi inicialmente um movimento defen- Vickers, embora descreva o futuro em termos da competência,
sivo: a Vickers reconheceu que, se não adquirisse novas habilida- também fornece a base para a tomada de decisões imediatas so-
des, não poderia proteger os mercados existentes ou aproveitar bre prioridades de produtos, aquisições, alianças e recrutamento.
as novas oportunidades de crescimento. Seus gestores tentaram Desde 1986, a Vickers fez mais de 10 aquisições claramente
conceitualizar a provável evolução (a) das tecnologias relevantes orientadas, cada uma delas focada em um componente espe-
para o ramo de energia e controle de movimentos, (b) das funcio- cífico ou lacuna tecnológica identificada na arquitetura global.
nalidades que satisfariam as necessidades emergentes dos clien- A arquitetura também é a base para o desenvolvimento interno
tes, e (c) das novas competências necessárias para gerenciar das novas competências. A Vickers se submeteu, em paralelo, a
criativamente o casamento da tecnologia com as necessidades uma reorganização para permitir a integração das capacitações
do cliente. eletrônicas e elétricas com as competências baseadas em mecâ-
Apesar da pressão por ganhos de curto prazo, a alta gestão nica. Acreditamos que levará dois ou três anos até que ela colha
mirou um horizonte de tempo de 10 a 15 anos ao desenvolver os benefícios totais do desenvolvimento de uma arquitetura es-
um mapa das necessidades emergentes dos clientes, das tec- tratégica, comunicando-a amplamente a todos os seus funcioná-
nologias em mudança e das competências centrais que seriam rios, clientes e investidores, e construindo sistemas alternativos
necessárias para preencher a lacuna entre o curto e longo prazo. consistentes com a arquitetura.

corporativos, e podem ser realocadas pela gestão corpo- Figura 3 Competências centrais na Canon
rativa. Um negócio individual não é dono de ninguém. Mecânica Óptica de Micro-
As UENs têm direito aos serviços dos empregados, des- de precisão precisão eletrônica
de que sua gestão possa demonstrar que a oportunida- Câmera básica  
de que está buscando produz o maior retorno possível Câmera de formato compacto  
sobre o investimento em suas habilidades. Essa men- Câmera eletrônica  
Câmera EOS com autofoco   
sagem é ainda mais acentuada se a cada ano, no pla-
Câmera de vídeo   
nejamento estratégico ou no processo orçamentário, os Impressora laser   
gestores de unidade tiverem que justificar sua influência Impressora de vídeo colorida  
sobre as pessoas detentoras das competências centrais Impressora jato de tinta  
Fax básico  
da empresa. Fax a laser  
Os elementos da competência central da Canon em Calculadora 
óptica estão disseminados por negócios tão diversos Copiadora de papel comum   
quanto câmeras, copiadoras e equipamento litográfico PPC a bateria   
Copiadora colorida   
de semicondutores, exibidos na Figura 3: “Competên- Copiadora a laser   
cias centrais na Canon”. Quando esta empresa identi- Copiadora colorida a laser   
ficou uma oportunidade nas impressoras laser digitais, NAVI   
deu aos gestores de UEN o direito de atacar as outras Sistema de vídeo   
Gravação de imagens a laser   
UENs a fim de reunir o conjunto necessário de talentos. Analisador de células   
Quando a divisão de produtos reprográficos da Canon Alinhadores de máscara  
se comprometeu a criar copiadoras controladas por mi- Alinhadores deslizantes  
Alinhadores laser de
croprocessadores, voltou-se para o grupo de produtos   
excímeros estimulado
de fotografia que desenvolveu a primeira câmera con-
trolada por microprocessador no mundo. Cada produto Canon resulta de pelo menos uma competência central.
SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3    45

Além disso, os sistemas de recompensa, que se con- projeto independentes da divisão, tanto para difundir as
centram apenas em resultados da linha de produto e competências centrais quanto para enfraquecer as liga-
planos de carreira que raramente cruzam as fronteiras ções que poderiam prender um indivíduo a um negó-
da UEN, geram padrões de comportamento destrutiva- cio mesmo quando oportunidades brilhantes chamam
mente competitivos entre os gestores das unidades. Na sua atenção para outros lugares. As pessoas que detêm
NEC, os gerentes de divisão se reúnem para identificar competências centrais críticas deveriam saber que suas
a próxima geração de competências. Juntos, decidem carreiras são monitoradas e guiadas pelos profissionais
o investimento que precisa ser feito para acumular de recursos humanos corporativos. No início dos anos
cada competência futura e a contribuição em capital 1980, na Canon, todos os engenheiros com menos de 30
e pessoal de apoio que cada divisão precisará fazer. anos eram convidados a se candidatar a um comitê de
Também há um senso de troca equitativa. Uma divisão sete pessoas que passava dois anos traçando a direção
pode fazer uma contribuição desproporcional ou pode futura da Canon, incluindo a arquitetura estratégica.
beneficiar-se menos com o progresso realizado, mas es- Os detentores de competência da empresa inteira
sas desigualdades de curto prazo serão equilibradas no devem ser reunidos para trocar observações e ideias.
longo prazo. O objetivo é criar um forte sentimento de comunida-
A propósito, a contribuição positiva do gestor de de entre essas pessoas. Na maior parte das vezes, sua
UEN deve ficar visível para toda a empresa. Este ges- lealdade deveria sustentar a integridade da área de
tor tem poucas chances de renunciar às pessoas-chave competência central que eles representam, e não só
se apenas o outro negócio (ou o gestor desse negócio, determinados negócios. Viajando com regularidade,
que pode ser um concorrente para uma promoção) falando frequentemente com os clientes e encontran-
for se beneficiar com a redistribuição. Os gestores do-se com seus pares, os detentores de competências
de UEN cooperativos devem ser reconhecidos como podem ser estimulados a descobrir novas oportunida-
pessoas que trabalham em prol da equipe. Onde as des de mercado.
prioridades são claras, as transferências têm pouca
probabilidade de ser encaradas como idiossincráticas
CONCLUSÃO
ou motivadas politicamente.
As transferências com o intuito de construção das As competências centrais são a fonte do desenvolvi-
competências centrais devem ser registradas e aprecia- mento de novos negócios. Elas deveriam constituir o
das na memória corporativa. É razoável esperar que um foco da estratégia no nível corporativo. Os gestores têm
negócio que abriu mão de habilidades básicas em nome que ganhar a liderança de manufatura em produtos bá-
das oportunidades corporativas em outras áreas perca, sicos e capturar a participação global por meio dos pro-
por algum tempo, um pouco de sua competitividade. Se gramas de construção da marca voltados para explorar
essas perdas de desempenho suscitarem censura ime- as economias de escopo. Apenas empresas concebidas
diata, é pouco provável que as UENs concordem com como uma hierarquia de competências centrais, produ-
as transferências de habilidade em outra oportunidade. tos básicos e unidades de negócio focadas no mercado
Finalmente, existem maneiras de demover os fun- estarão aptas a lutar.
cionários-chave da ideia de que pertencem perpetua- Nem a alta gestão pode ser apenas outra camada de
mente a qualquer negócio em particular. No início de consolidação contábil que está quase sempre em um
suas carreiras, as pessoas podem ficar expostas a vários regime de descentralização radical. Ela deve agregar
negócios por meio de um programa de rodízio cuida- valor enunciando a arquitetura estratégica que guia o
dosamente planejado. Na Canon, as pessoas-chave se processo de aquisição de competência. Acreditamos
deslocam regularmente entre os negócios de câmeras e que uma obsessão pela criação de competência carac-
copiadoras e entre os negócios de copiadoras e de pro- terizará os vencedores globais dos anos 1990. Com a
dutos ópticos profissionais. No meio da carreira, podem década a caminho, o tempo para repensar o conceito da
ser necessárias designações periódicas para equipes de corporação já está vencido.
2
INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
E ESTRATÉGIA
sEÇÃO

A rtigo 1 - 4 e o motor a jato no setor de transportes subsônicos. Pos-


tulamos que os critérios para o sucesso nesses casos po-
Critérios de gestão para a deriam ser aplicados para prever os resultados futuros
inovação eficaz em duas inovações imaturas: o transporte supersônico e
os automóveis computadorizados.
George R. White* Concluímos que podemos identificar os critérios
de gestão que efetivamente promovem a diferenciação
Nos primórdios da era corporativa, pode ter sido fácil entre as novas tecnologias rentáveis e não rentáveis, e
acreditar que a estabilidade tecnológica era a condição que esses critérios são úteis na avaliação da inovação
normal, e a inovação tecnológica, o bálsamo ocasional, tecnológica em uma ampla variedade de casos.
fortuito, para os problemas aos quais teríamos nos adap-
tado. Mas, desde a Segunda Guerra Mundial, a inovação
tem sido a norma; inovações com base em tecnologia OS DETERMINANTES DO SUCESSO
têm sido encaradas como a fonte crucial de prosperidade,
Começamos prevendo que os determinantes do sucesso
a panaceia para todos os problemas de negócios.
podem ser encontrados nos contextos de tecnologia e
Agora, sabemos que esta panaceia não é necessaria-
negócios. No campo da tecnologia, eles dependeriam
mente benigna. A indústria de produtos eletrônicos dos
certamente de alguma avaliação da qualidade e da sig-
Estados Unidos estava em uma condição muito melhor
no início dos anos 1950, antes do surgimento do transis- nificância do próprio conceito de inovação: deve ser
tor, do que agora, com o setor de produtos de consumo nova e também ser boa. Mas tal conceito de inovação
largamente invadido pelo Japão. Por outro lado, também por si só não assegura o sucesso técnico; deve haver
é verdade que antes modesta participante do setor de ele- a implementação em algum dispositivo, produto ou
trônicos, a Motorola Corporation, usou o transistor para sistema novo que esteja esperando por tal tecnologia.
ampliar sua posição nos produtos eletrônicos de consu- Este processo, que envolve um conceito de inovação,
mo e depois, pela integração para trás, adquiriu um novo tem um efeito importante no grau de rentabilidade que
papel significante como fornecedora de componentes. a nova tecnologia revela.
Quando comparadas com as ferramentas que estão Mesmo com sucesso técnico, a taxa de adoção e
disponíveis em finanças, marketing e produção, aquelas a grande rentabilidade não são garantidas. Devem ser
disponíveis para a gestão, visando à avaliação e ao dire- consideradas as consequências operacionais da nova
cionamento da inovação tecnológica, são rudimentares. tecnologia na manufatura, marketing e distribuição.
Intrigadas com este fato, Margaret B. W. Graham e eu Decididamente, a dinâmica do mercado é importante
nos determinamos a estudar em detalhes duas inova- e complexa. Muitas indústrias possuem vários estágios
ções totalmente concluídas e bem documentadas – o dependentes da demanda intermediária; por exemplo, os
transistor no setor de produtos eletrônicos de consumo, fabricantes de transistores os vendem para os fabrican-
tes de rádios, e estes os vendem para os consumidores.
Não basta estudar o mercado de transistores; a análise
*
Fonte: Tecnology Review, February 1978, pp. 21-28. Reimpresso com
a permissão da Tecnology Review, MIT Alumni Association Copyright da demanda do consumidor final é essencial para com-
© 1978. preender o resultado desta tecnologia.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-4     47

Equilibrando antigas e novas restrições da válvula de potência, mas as seções de R-F e I-F não
Três perguntas acabam sendo cruciais para a determina- foram afetadas pela presença de um transistor de potên-
ção do potencial técnico de qualquer conceito inventivo: cia de germânio no lugar de um pêntodo de potência de
Quais restrições técnicas que limitam a tecnologia saída; no entanto, como o estágio de saída não exigia
anterior são descontinuadas pela nova tecnologia? mais uma tensão B+ de 300 volts, foi possível eliminar as
Este é o desafio tecnológico chave: identificar as res- fontes chaveadas CC/CC não confiáveis tão logo foram
trições físicas básicas subjacentes às tecnologias an- desenvolvidos as válvulas de R-F e I-F que requeriam
teriores descontinuadas pela nova invenção e avaliar apenas tensão B+ de 12 volts. Esses rádios híbridos eram
sua relevância. Considere um exemplo no campo dos muito mais confiáveis, mas não teriam obtido sucesso
motores de aeronaves. No motor a pistão, o limite su- sem o desenvolvimento da válvula de 12 volts.
perior da taxa de compressão é determinado pela deto- O próprio conceito de inovação é diluído ou melho-
nação da carga de combustível no cilindro. Um motor rado pela implementação necessária? Agora, analise
a turbina não possui tal limite; é possível ter uma taxa o efeito na própria inovação causado pelas mudanças
de compressão mais alta do que em um motor a pis- necessárias para seu uso no produto. Existem casos fa-
tão, e os motores a turbina atuais têm as maiores taxas voráveis em que a tecnologia adicional que cerca a nova
de compressão. invenção melhora seu valor, o que é uma situação boa.
Que novas limitações técnicas se apresentam à nova Mas, há muitos casos em que a implementação que cer-
tecnologia? A primeira questão teve a ver com o lado ca a nova tecnologia a dilui.
do crédito, esta, diz respeito ao lado do débito. Ou seja, A implementação adicional oferece oportunidade
quais restrições fundamentais limitam a eficácia da ino- para melhorias de inovação posteriores? Uma vez mais
vação? Nos motores a jato, por exemplo, a eficiência de é necessário um equilíbrio, agora, entre o valor acres-
esteira, ou eficiência de Froude, do sistema de propul- centado a um produto e o que é subtraído pelas exigên-
são de uma aeronave depende da relação entre a veloci- cias da inovação. Ela acrescenta mais valor ou diminui
dade do fluxo de ar para trás e a velocidade da aeronave a aceitabilidade do produto no qual é implementada?
para a frente; quanto menor a relação, mais eficiente
a propulsão. Uma hélice, deslocando lentamente uma Um balanço das operações de financiamento
grande quantidade de ar frio, possui uma eficiência pro- do negócio
pulsiva mais alta do que um motor a jato deslocando As respostas para esses dois conjuntos de perguntas es-
rapidamente uma pequena quantidade de ar quente; tabelecem potencial técnico de uma inovação, mas não
então, há uma nova restrição. oferecem critérios no contexto dos negócios para julgar,
É favorável a resposta da primeira questão ponde- por exemplo, o potencial de lucro. Três questões estão
rado com o rigor da última? O resultado líquido das envolvidas aqui:
duas primeiras questões com relação a qualquer concei- Que previsão atribuída às operações de negócios
to de inovação é um equilíbrio técnico qualitativo. As estão deslocadas ou enfraquecidas? Avalie as mudan-
comparações não podem ser quantitativas, porque não ças possíveis nos negócios existentes acarretadas pela
têm características necessariamente similares; então, é inovação. No caso da entrada do transistor nos produ-
um equilíbrio crítico alto, mas pode ser tecnicamente tos eletrônicos, o impacto sobre a rede de assistência
muito significativo. técnica é um exemplo perfeito. Era certo que todos os
aparelhos válvulados teriam falhas e que exigiriam a
Contextualizando as inovações substituição destas válvulas. Esse fenômeno simples-
O segundo estágio da aplicação desses critérios de ges- mente não existe nos dispositivos transistorizados e
tão é analisar a implementação que permitirá à nova a rede de assistência técnica previsivelmente perdeu
tecnologia ir para o mercado. Aqui, novamente, a análi- sua importância à medida que os transmissores foram
se assume a forma da resposta a três perguntas: introduzidos.
O produto final é melhorado pela tecnologia e pe- Que novas operações são necessárias ou forneci-
los componentes adicionais necessários para fazer das para apoiar a inovação? Avalie a natureza e o cus-
uso da inovação? Esta pergunta invoca uma análise to das novas operações exigidas pela adoção da nova
das mudanças que devem ser feitas em um produto tecnologia. A entrada japonesa no mercado americano
para que a inovação seja usada nele. Um bom exem- de produtos eletrônicos é um exemplo; foi simultanea­
plo ocorre nos rádios. Todo rádio deve ter uma fonte mente uma inovação na distribuição e no marketing de
de alimentação, uma seção de R-F (radiofrequência), varejo. As empresas comerciais agora eram as distri-
uma de I-F (frequência intermediária) e uma de áudio. buidoras e as vendas realizadas pelas lojas de varejo
O transistor entrou no autorrádio como um substituto pelas lojas de departamentos e pelas lojas de descontos
48     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

substituíram o padrão anterior de vendas que se con- falácia. O que propomos é uma estrutura lógica para
centrava no contrato de franquia. identificar uma pequena classe de inovações muito pro-
Até que ponto é favorável a interrupção das prá- missoras, cujo sucesso transcenderá o valor em dinheiro
ticas anteriores em relação às práticas atuais no que de qualquer investimento normal.
diz respeito ao fornecimento? Desenhe o balancete de
novo; afirmamos que esta análise pode gerar um saldo
SUBMETENDO OS DETERMINANTES AO TESTE
comercial qualitativo decorrente da nova invenção.
DA HISTÓRIA
O que vai e o que não vai vender Alguns exemplos do nosso trabalho mostram como essa
Enfim, determinamos um conjunto de critérios que di- estrutura lógica poderia ter servido como um discrimi-
zem respeito à dinâmica do mercado com base em três nante significativo entre as inovações bem-sucedidas e
questões: as fracassadas no passado.
O produto implementado pela nova tecnologia pro-
porciona melhor efetividade no mercado, em relação a A competição do rádio portátil japonês
sua capacidade de atender o usuário final? O Processo Considere primeiro três aspectos das mudanças no mer-
Float Glass da Pilkington representa uma maneira bem cado de produtos eletrônicos de consumo acarretadas
mais eficaz de produzir placas de vidro fundido, mol- pelo transistor. Os rádios transistorizados fizeram sua
dando o vidro em estanho fundido em vez de esmerilhar primeira grande aparição no mercado americano de rá-
as superfícies; há uma drástica redução de custo. Mas, dios portáteis em 1956; antes disso, todos eles tinham
vidro liso é vidro liso, e não há maior efetividade resul- válvulas. Em 1956, o centro de gravidade do mercado
tante do seu uso em janelas. O processo é um exemplo americano (de acordo com as listagens na Consumer
perfeito de inovação que não provocou mudanças no Reports) estava nos rádios portáteis transistorizados,
mercado; diferentemente de muitos outros, ela não re- pesando por volta de 500 g e custando, em média,
sultou retorno econômico devido à expansão do merca- US$ 57; havia oito modelos disponíveis. Esta foi uma
do provocada por uma maior efetividade. inovação substancial; o rádio dominante no mercado no
A operação diminui o custo de entrega do produto ano anterior tinha sido um portátil a válvula, pesando
ou serviço? Esta questão e a anterior são faces diferen- cerca de 2,7 kg. Não havia rádios japoneses no mercado
tes da mesma moeda, com a primeira lidando com a americano em 1956.
demanda e a segunda com o fornecimento. Se a respos- Em 1959, a indústria americana havia respondido
ta para ambas as perguntas for não, podemos esquecer completamente ao transistor; havia 25 modelos portá-
tudo; se for sim, então deve haver pouca incerteza no teis na faixa de 600 g, e os preços caíram levemente em
mercado. O caso desafiador é onde uma delas é positiva relação a três anos antes.
e a outra não. Mas, em 1959 também havia um novo mercado nun-
A expansão latente da demanda ou da elastici­dade ca antes ocupado, preenchido por 11 diferentes rádios
do preço determina as características dos novos mer- portáteis japoneses em miniatura, pesando cerca de
cados? Quando o fator impulsionador de uma área do 280 g (menos da metade dos menores rádios america-
mercado é o preço unitário mais baixo, é difícil ob- nos então disponíveis) e custando 10% menos do que
ter sua expansão com um percentual de três dígitos; os rádios americanos de 600 g. Os japoneses tinham
a grande expansão na receita é muito mais provável feito uma inovação radical no tamanho e no peso dos
quando a mudança no mercado é impulsionada por rádios portáteis e, portanto, abriram um novo mercado
uma transformação radical na efetividade do produto. não atendido pela indústria americana.
Esta pergunta final, é claro, determina o equilíbrio Os japoneses não fizeram isto pela inovação nos
quantitativo do negócio. transistores, mas, sim, por meio de outras inovações,
Nesses critérios, evitamos os termos como retorno com as quais reduziram os tamanhos dos capacitores de
sobre o investimento e retorno sobre os ativos geridos. sintonia, alto-falantes, baterias e antenas. Foi a inova-
Nossa opinião é de que esses assuntos são subjugados ção do transistor, apoiada por essas inovações adicio-
sempre que um novo conceito inovador pode ser co- nais, que permitiu aos japoneses abrirem esse mercado
locado em uma implementação benéfica que venha a exclusivo de rádios de bolso e começarem sua pene-
aumentar seu valor em um mercado potencialmente tração bem-sucedida nos produtos eletrônicos de con-
importante com custos operacionais mais baixos. Se as sumo americanos. Na verdade, a inovação da indústria
avaliações de uma inovação tiverem de ser baseadas em americana com base no transistor foi uma inovação in-
suposições de diferenças estreitas na rentabilidade do completa, porque não tirou proveito da implementação
investimento, é bem possível que elas se baseiam em que envolve o transistor, como os japoneses fizeram.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-4     49

Em 1962, os resultados do mercado foram claros. 1974 (quase duas décadas após o primeiro portátil tran-
Em 1955, o mercado americano de portáteis era de 2 sistorizado ser vendido) os aparelhos coloridos transis-
milhões de aparelhos, todos a válvula e produzidos nos torizados se tornaram o padrão da indústria. Como a
Estados Unidos. Em 1962, os japoneses haviam tomado portabilidade e o custo de manutenção são dominados
58% do mercado e, na verdade, capturado 68% do cres- pelo tubo de raios catódicos a vácuo, a penetração do
cimento do mercado habilitado pelo transistor. transistor foi muito lenta.

Autorrádios e TV: quem precisa de transistores? Fazendo um balanço dos transistorizados


Compare esta história com a da segunda onda de inova- Os rádios portáteis, autorrádios e aparelhos de tele-
ção do transistor, relacionada à sua aplicação nos rádios visão em cores representam três diferentes inovações
para automóvel. com base nos transistores que foram tecnicamente
Conforme visto, em 1955, os únicos autorrádios muito similares em termos de projeto de circuito e
eram a válvula, que usavam válvulas R-F, I-F e saída de em custo. Contudo, os resultados comerciais foram
alta voltagem, e, é claro, necessitavam de fontes chave- radicalmente diferentes. Nossos critérios aplicados a
adas CC/CC. este campo revelam as diferenças na tecnologia e seu
Em 1956, chegou um novo tipo de autorrádio sem contexto de negócio que levaram a esses resultados
fonte de alimentação vibratória, sem transformador ele- notavelmente diferentes.
vador de voltagem e sem alta tensão B+. Os transistores Lembre-se de que nossos critérios refletiram, pri-
de saída de germânio permitiam o consumo de baixa meiro, um balanço das limitações técnicas removidas
potência; eles eram conectados pelo borne negativo em relação às novas limitações acrescentadas por uma
da bateria de 12 volts do automóvel. Além disso, uma inovação. No caso dos rádios portáteis, o peso, tama-
inovação incorporou válvulas B+ de 12 volts para lidar nho e frequência de reparo foram aprimorados radical-
com R-F e I-F. mente pelos transistores. No dos autorrádios, o modo
Só um ano mais tarde foi disponibilizado o primei- de falha da fonte chaveada (responsável por 60% a
ro autorrádio totalmente transistorizado em R-F e I-F 80% das causas de manutenção) foi eliminado e, com
e com transistores de saída de baixo consumo, todos ele, o problema de consumo da bateria quando o rá-
operando diretamente na bateria. dio era usado com o motor desligado. A frequência de
Em média, os aparelhos a válvula de 1955 custa- reparo em geral foi reduzida. Quanto à televisão, os
vam US$ 45, os aparelhos híbridos, US$ 8 a mais transistores serviram apenas para diminuir a periodi-
(um aumento modesto), e os completamente tran- cidade de reparo.
sistorizados de 1957, US$ 125, um item de luxo no Tecnologia nova sempre traz problemas novos. A
Cadillac Eldorado, mas, por outro lado, fora do preço fidelidade do áudio dos pequenos rádios portáteis era
de mercado. ruim, e esta é uma restrição fundamental. De modo si-
A produção de autorrádios segue bem de perto a pro- milar, a captação das minúsculas antenas de ferrite não
dução de automóveis. Em meados dos anos 1950, 67% era tão boa quanto o das antenas maiores. Não houve
dos carros novos chegavam ao mercado com rádios de penalidades particulares em relação aos autorrádios ou
fábrica. Desde então, esse número aumentou constan- à televisão.
temente – nenhuma mudança súbita no uso do autorrá- Fazendo um balanço técnico dos valores dessas in-
dio tem sido associada com as novas tecnologias – até venções, concluímos que os rádios portáteis apresenta-
agora é de quase 100%. Foram produzidos 6,86 mi- ram um grande aumento na portabilidade – diminuindo
lhões de autorrádios em 1955, e apenas 6,43 milhões dos rádios de 2,7 kg para os de bolso. Os autorrádios
em 1960; esses números refletem quase exatamente o ofereceram um grande aumento na confiabilidade. Os
volume da demanda por carros novos. Nesse período, aparelhos de televisão transistorizados tiveram apenas
a transição dos aparelhos a válvula para os híbridos, um ligeiro aumento na confiabilidade. Concluímos que
com válvula e transistor de saída, foi essencialmente o rádio portátil teve um valor radicalmente novo, o au-
concluída (os rádios totalmente transistorizados ain- torrádio, um valor substancialmente novo em seu modo
da não eram vendidos em quantidades significativas). híbrido, enquanto o aparelho de televisão, um valor
Contudo, não houve expansão nesse mercado. novo muito pequeno.
Voltemo-nos agora para as televisões em cores, a úl- Em seguida, qual tecnologia adicional foi exigida
tima das três inovações de substituição dos transistores nas implementações nas quais os transistores foram
que estudamos. Todos os aparelhos comercializados de colocados para realizar seu potencial pleno? Os pe-
1955 até 1967 usavam válvulas. O primeiro aparelho quenos capacitores de sintonia, os alto-falantes, as
transistorizado estava disponível em 1968, mas só em antenas e as baterias foram cruciais para o tamanho
50     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

reduzido dos rádios portáteis. Se esses elementos não A aplicação dos transistores no rádio portátil au-
tivessem sido incluídos, o valor da inovação do tran- mentou definitivamente a efetividade do produto para
sistor teria sido diluído, já que, na verdade, as válvulas o usuário final; agora, ele passava a ser um rádio do
não eram a limitação fundamental no tamanho dos rá- tipo “vai com você a qualquer lugar”, em vez de “car-
dios portáteis. Como demonstraram os japoneses – em regue e configure”. A combinação do transistor e das
detrimento de seus concorrentes americanos –, só se inovações adicionais levou a um novo produto bem-
você gastasse mais dinheiro para miniaturizar todos os -sucedido para um novo mercado latente nunca antes
demais componentes poderia tirar total proveito da in- ocupado, e não um mercado de substituição. Por ou-
venção do próprio transistor. tro lado, a maior efetividade do autorrádio transisto-
A inovação adicional requerida pelos autorrádios rizado para o usuário final foi bem ligeira – em parte
foram as válvulas de 12 volts para as seções de R-F pela confiabilidade, em parte pelo baixo consumo de
e I-F, permitindo, assim, a eliminação da fonte cha- bateria. Foi um mercado de substituição; na verdade, a
veada; sem elas, a inovação do transistor teria sido demanda total não aumentou. Havia simplesmente um
diluída, e os autorrádios transistorizados poderiam rádio (aproximadamente) para cada carro novo vendi-
não ter obtido sucesso. do. O caso da televisão continua sendo nosso caso nulo;
Uma situação interessante prevalece em relação à nada aconteceu.
televisão. Até onde podemos imaginar hoje, um apa-
A batalha das turbinas
relho de televisão requer um tubo de imagem do tipo
catodo. Mesmo após 20 anos de procura, encontramos A seguir, uma breve análise de como nossos critérios es-
apenas uma frágil perspectiva para um tubo de ima- clarecem os diferentes resultados no caso das aeronaves
gem de estado sólido. Portanto, estamos aprisionados a turbina. Aqui estamos lidando com três tipos de aero-
pela baixa confiabilidade, alto custo de reparo e grande naves fundamentalmente diferentes – os jatos de grande
tamanho dos tubos de imagem atuais. Essencialmente, porte (707 e DC-8), o Lockheed Electra e o Boeing 727.
não há oportunidade para a melhoria incremental na Os primeiros jatos, bem como os primeiros Electras, en-
implementação que envolve os transistores. traram em serviço em 1958. Em 1961, as cinco grandes
Conforme comparamos essas diferentes aplicações companhias aéreas americanas (juntas, proporcionaram
do transistor, com base nas indicações desses critérios 75% das milhas dos passageiros americanos no final dos
apontados, conseguimos compreender por que a transi- anos 1950, e foram historicamente as companhias aéreas
que primeiro trouxeram novos equipamentos) tinham
ção do radio portátil foi completa e rápida; a do autor-
177 jatos grandes; em 1969, estavam usando 500 aero-
rádio bem rápida para uma parcela (híbrido) e bem lenta
naves deste porte. O Lockheed Electra saiu de uma fro-
para outra (totalmente transistorizado), e por que a tran-
ta inicial de 72 aeronaves, em 1961, para apenas 28 em
sição da televisão em cores foi bem lenta (ver Figura 1).
1969. O 727, que sequer participou da primeira rodada
No lado operacional, o transistor levou a algumas
de compras, passou a ser a aeronave a jato mais eficaz;
inovações comerciais. No Japão, um conceito novo de
em 1969, 400 dessas aeronaves estavam em serviço nos
mercado de massa de baixo custo surgiu em seguida ao
Estados Unidos.
projeto dos rádios de 260 g.
As invenções nas quais essas aeronaves foram
A mudança fundamental em um componente-
baseadas eram em grande parte similares – a subs-
-chave dos autorrádios – a válvula de saída foi subs-
tituição dos compressores rotativos e das turbinas a
tituída por um transistor de potência de germânio – gasolina de alta temperatura por pistões alternados.
foi adotada por toda a indústria e levou a uma nova Mas elas são muito diferentes em seus outros con-
oportunidade de negócio. A Motorola Corporation, juntos de elementos além dos motores de turbina
fabricante de rádio que nunca produziu válvulas, foi – mérito da implementação. Para atingir todo o po-
efetivamente capaz de fazer a integração para trás e tencial de alta velocidade inerente à turbina, o 707
começou a fabricar transistores de potência de ger- e o DC-8 usaram asas em seta a 35o e 30o, respec-
mânio – primeiro para uso em sua própria produção tivamente. Isso foi possível porque os engenhei-
de autorrádios e em seus equipamentos militares, e ros da Boeing e da Douglas solucionaram (cada um
depois como componentes a serem vendidos para ou- de um modo ligeiramente diferente) o problema de
tras empresas. Portanto, essa mudança na tecnologia controlar um fenômeno chamado Dutch roll,* que
permitiu à Motorola ampliar seu papel e sua penetra- afetava a estabilidade. O resultado foi que o 707 e o
ção na indústria. O aparelho de televisão transistori-
zado, com apenas ligeiras vantagens, não ofereceu *
N. de T.: Movimento característico das aeronaves com asas em seta, com
novas oportunidades de negócios. a cauda “abanando” e balançando de um lado para o outro.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-4     51

Figura 1 Efeitos do advento do transistor

Rádios portáteis Autorrádios Televisão

Conceito da inovação
Restrições levantadas Peso, tamanho e frequência Falha da fonte chaveada, con- Frequência de reparo
de reparo sumo da bateria e frequência
de reparo

Novas restrições Baixa sensibilidade, baixa Nenhuma Nenhuma


fidelidade

Vantagem Grande aumento na porta- Grande aumento na Ligeiro aumento na


bilidade confiabilidade confiabilidade

Mérito da implementação
Componentes adicionais Capacitador, alto-falante, Válvulas R-F/F-I de 12 volts Tubo de raios catódicos (CRT)
antena e bateria

Diluição ou aumento Diluição dos ganhos de Diluição, caso seja necessário Diluição, já que não há
tamanho e peso a fonte chaveada recompensa pelo tamanho
ou peso menores

Oportunidade adicional Aumento se os componentes Aumento se as válvulas de Nenhum aumento; a eliminação


acima forem miniaturizados 12 volts eliminarem a fonte do CRT parece impossível
chaveada

Prática operacional
Operações de negócios O serviço dos canais-venda Serviço menos importante Serviço ligeiramente mais fácil
deslocadas não é mais muito importante

Novas operações de Baixo custo de transporte e Aberto novo campo de Nenhuma


negócios estoque estimula a ampla fabricação de transistores e
rede de distribuição eletrônicos

Vantagem Comercialização em Os fabricantes de rádio fazem Pouca; se houver alguma


massa de baixo custo abre integração para trás para os
novos mercados para as transistores e os fabricantes de
importações automóveis para os rádios

Dinâmica do mercado
Maior eficácia para o usuário Grande aumento apenas na Ligeira Nenhuma
final portabilidade

Custo reduzido Custo mais alto nos Custo apenas um pouco mais Custo muito mais alto nos
primeiros anos alto devido à economia da primeiros anos
fonte chaveada

Ampliação do mercado de Ampliação apenas no Substituição Substituição


substituição tamanho miniatura

O autor propõe que a análise desses 12 aspectos das mudanças trazidas pelo transistor demonstra por que a sua penetração foi
tão instantânea e sua revolução tão completa na indústria do rádio portátil, sua penetração igualmente completa, mas sua revolu-
ção insignificante, nos autorrádios, e sua penetração pequena e lenta na indústria da televisão.

DC-8 eram fundamentalmente mais rápidos do que de ar quente devido às exigências de comprimento de
o British Comet, projetado com uma asa em seta a pista desta última. Então, optaram pelas hélices. Mas
20o para evitar o problema da estabilidade. Assim, a as hélices, na verdade, possuem um limite de velocida-
oportunidade não veio nos motores a jato, mas na so- de final, já que suas pontas simplesmente não podem ir
lução dos problemas aerodinâmicos trazidos à tona mais rápido do que a velocidade do som, e isto, por sua
pelos jatos. vez, limita a aeronave a uma velocidade máxima 200
Os engenheiros da Lockheed ficaram presos a um milhas, abaixo da alcançada por um turbojato como o
dilema ao projetarem o Electra. Eles concluíram que 707. Os projetistas do Electra optaram pelas velhas e
era melhor deslocar lentamente uma grande massa de familiares hélices; com elas, não corriam riscos, mas
ar frio do que deslocar rapidamente uma pequena massa também não era possível fazer melhorias.
52     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

O 727, terceiro membro do nosso conjunto de ja- simplesmente mais agradável viajar neles. Além disso,
tos, tem sido bem-sucedido devido a duas inovações devido à sua velocidade mais alta e à sua capacidade,
adicionais implementadas: os motores turbofan e os custam menos por assento/milha para operar do que
dispositivos de alta elevação da asa. Para usar as pis- os aviões a pistão de longo alcance. Então, foi obti-
tas curtas dos aeroportos de tamanho intermediário, o do o melhor de todos os mundos possíveis: a deman-
727 teve que obter muito mais impulso de decolagem da era mais alta, e o custo, mais baixo. Essas aero-
e uma elevação muito maior da asa durante a aterris- naves levaram a uma forte expansão do mercado de
sagem do que antes tinha sido possível; contudo, ele viagens aéreas.
também precisava de uma asa pequena para navegar O Electra ofereceu melhorias apenas modestas. Um
em alta velocidade. Isto foi conseguido com o uso pouco da vibração proveniente dos motores de pistão
havia desaparecido, mas esses aviões não conseguiam
de motores turbofan (com fluxo de ar frio em volta
voar tão alto e tão rápido quanto os jatos. O custo de
do escapamento quente da turbina) na traseira da ae-
operação por assento/milha, excluindo a depreciação,
ronave, de maneira que a asa ficava livre, e usando
era menor do que o dos aviões a pistão de médio alcan-
flaps com três estágios e slaks frente ao bordo de ata-
ce, mas isso significava um mercado com base na subs-
que da asa, que proporcionavam o equivalente a uma tituição (penetrar lentamente fazendo a mesma função
asa de configuração variável. A inovação foi eficien- dos equipamentos depreciados), não um mercado com
te; o 727 acabou tendo uma capacitação de operação base na expansão (penetrar rapidamente com base no
em pistas curtas equivalente à das aeronaves a héli- retorno advindo dos novos clientes).
ce, ainda que viaje nas velocidades típicas de todos Por fim, o 727 tinha a velocidade e o conforto dos
os jatos. grandes jatos, e custos quase iguais aos do Electra, além
A dinâmica de mercado é o próximo critério rele- de conseguir decolar e pousar em pequenos aeroportos.
vante. O 707 e o DC-8 representaram uma grande van- Tão logo o 727 ficou disponível, todas as empresas de
tagem em conforto e velocidade; voavam mais alto e tráfego de alcance intermediário adotaram tal tecnolo-
mais rápido do que qualquer aeronave anterior, e era gia (ver Figura 2).

Figura 2 A batalha dos transportes movidos a turbina

707/DC-8 Electra 727

Mérito da implementação
Componentes adicionais São necessárias as asas em seta São necessárias as hélices São necessários os
dispositivos de levantamento
das asas

Diluição ou aumento Problema de controle do slight roll Restrições de manutenção Limpeza da asa com entalhes
e velocidade de tripla fenda a partir do motor
traseiro

Oportunidade adicional Mais velocidade em relação ao Nenhuma Capacitação de operação em


Comet devido ao maior ângulo pistas curtas equivalente às
de seta das aeronaves com motores a
hélice

Dinâmica do mercado
Efetividade para usuário Grande avanço na velocidade Ganho apenas modesto em Grande avanço na velocidade
final e no conforto relação ao motor a pistão e no conforto
em velocidade e vibração

Redução de custo Custo líquido menor que Custo muito menor que o Custos quase iguais aos do
os aviões a pistão dos aviões a pistão Electra
de longo alcance

Mercado de expansão ou Forte expansão Substitui os Substitui o Electra e os aviões


substituição aviões a pistão a pistão

Apenas 6 dos 12 critérios do autor são necessários para demonstrar a superioridade dos aviões a jato no mercado – porque os do
tipo 707, DC-8 e 727 se tornaram o padrão para as viagens aéreas nos Estados Unidos nos anos 1970. Ele acredita que o mesmo
tipo de análise pode ser empregado para mostrar por que as inovações que levam ao transporte aéreo supersônico têm muito
menos potencial no mercado americano.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-4     53

PREVENDO A INOVAÇÃO FUTURA rizados nos anos 1980. Bilhões de dólares em multas
podem ser evitados pelos fabricantes que melhorarem
Agora que vimos como os critérios de inovação se apli- o consumo de combustíveis e atenderem aos padrões
cam aos casos do transistor e da aeronave a jato, é apro- de poluição determinados pela lei federal. O valor para
priado fazer algumas colocações gerais sobre sua apli- a indústria automobilística não depende do novo ganho
cação a duas inovações futuras: os microprocessadores de receita – porque tudo o que a indústria espera fazer
para automóveis e a aeronave de transporte supersônico. é continuar a vender carros com alto valor agregado –,
mas, sim, de evitar perdas.
Microprocessadores automotivos:
tudo operacional O problema fundamental do transporte
Os microprocessadores prometem flexibilidade e pre- supersônico
cisão de controle e operação dos motores automotivos Para avaliar as perspectivas de um transporte supersô-
que simplesmente não estão disponíveis nos sistemas nico, pode-se percorrer a mesma sequência de verifica-
de controle mecânicos, e este é o ponto principal da ção dos quatro pontos sobre os critérios. O conceito de
vantagem técnica. inovação fundamental, o que é fundamentalmente novo
No nível da implementação, consideramos que os nos transportes supersônicos, é o que foi feito para lidar
sensores e ativadores, e não os chips de computador com o aumento do arrasto aerodinâmico na velocidade
são os componentes que mais exigem desenvolvimento supersônica. Têm sido analisadas nos Estados Unidos
adicional. Um automóvel é um ambiente mecânico ana- duas estruturas aerodinâmicas para lidar com este pro-
lógico; um microprocessador é um ambiente eletrônico blema. Uma (que hoje é um conceito fracassado para
digital. Precisamos de sensores, ativadores e/ou conver- os transportes) é a “asa de geometria variável”; a outra,
sores de analógico para digital, e estes são elementos- que sobreviveu até o projeto inteiro de transportes ser
-chave da implementação. Também sabemos que eles arquivado, é uma asa puxada para trás em um ângulo
representam as porções dominantes do custo do siste- mais acentuado que o cone de Mach, de modo que a asa
ma, e que são os principais determinantes do desem- é subsônica, enquanto o avião é supersônico.
penho. Se puderem ser desenvolvidos adequadamente, Este é um bom conceito. Porém, não consegue lidar
haverá benefícios de controle, melhor dirigibilidade com o fato de a aeronave voando mais rápido do que a
(o que, para a indústria automobilística, se traduz no de- velocidade do som deixar sempre uma explosão sônica
sejo de comprar automóveis) e desempenho duradouro abaixo de si; e a energia necessária para contornar essa
e estável; e as funções de controle e desempenho não perda na explosão sônica resulta em alto consumo de
vão se deteriorar ao longo da vida útil do carro. combustível. Portanto, há um bom conceito, mas com
Essas serão grandes oportunidades de projeto, manu- alguns débitos.
fatura e marketing, e nossos critérios de prática operacio- Agora, vamos para o critério de implementação. A
nal serão úteis para conhecer como criar uma operação decisão regulatória fundamental foi que as explosões sô-
de negócio a partir dessas possibilidades. Definitivamen- nicas não seriam permitidas sobre o território americano.
te, seria de esperar que empresas como a Bendix ou a Portanto, os aviões supersônicos americanos devem ser
TRW (com capacidades aeroespaciais e eletrônicas e eficientes nas viagens supersônicas sobre seu território,
uma grande presença na indústria automobilística) pu- bem como nas viagens supersônicas sobre as áreas onde
dessem aproveitar essa oportunidade para se expandir a explosão é permitida. Isso requer algo conhecido como
motores de configuração variável, operando em modo
por integração para trás (como a Motorola fez com os
bypass abaixo da velocidade do som e como jatos nor-
autorrádios) nos sensores e ativadores especiais de pre-
mais acima da velocidade do som. As asas acentuadas
cisão eletrônica, dominando uma parte fundamental des-
com arrasto apresentam alguns problemas de controle e
se conjunto técnico para um mercado estável de longo
estabilidade únicos; não têm a estabilidade inerente das
prazo. Também há a possibilidade de os fabricantes de
convencionais, comportando-se como aviões de papel
veículos ampliarem seu domínio das atividades técnicas.
em sala de aula. Deve haver controles ativos, chamados
O mercado implícito nesses futuros automóveis
fly-by-wire.* Isto não é difícil, mas criar equipamentos
informatizados é absolutamente único; decretado pelo
governo dos Estados Unidos. Os microprocessadores e
sistemas de controle relacionados não devem ser ava- *
N. de. T.: Um sistema fly-by-wire (FBW) substitui o controle manual
liados em relação ao custo das alternativas mecânicas de voo de uma aeronave por uma interface eletrônica. Os movimentos
atuais; eles oferecem o caminho mais promissor que desses controles são convertidos em sinais elétricos transmitidos por
cabos (daí o termo fly-by-wire), e os computadores de controle de voo
até aqui podemos prever para satisfazer os padrões nor- determinam como mover os atuadores em cada superfície de controle
mativos de emissão e economia para os veículos moto- para fornecer a resposta esperada.
54     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

fly-by-wire confiáveis que durem os 20 anos da vida útil que uma análise similar será útil para indicar o provável
de uma aeronave é um desafio significativo. curso futuro de outras inovações projetadas.
Uma aeronave supersônica requer estruturas que
vão além das que existiam antes, porque o voo supersô-
nico gera cargas térmicas e aerodinâmicas. Os materiais ARTIGO 1-5

necessários representam uma nova tecnologia que ago-


ra deve ser dominada. Definindo o minimum winning game nos
Enfim, temos uma questão sobre a poluição. Sabe- empreendimentos de alta tecnologia
mos, definitivamente, que os óxidos de nitrogênio se
Robert A. Burgelman e Robert E. Siegel*
comportam no sistema meteorológico a 65 mil pés de
uma forma diferente do que a 25 mil pés. O proble- Poucos empreendimentos de alta tecnologia começam
ma é que não sabemos como. Se esses óxidos levam ao com um processo metódico e disciplinado de formu-
esgotamento da camada de ozônio, teremos que fazer lação da estratégia. Uma explicação (ou desculpa) co-
alguma mudança na combustão do motor. mum é que os mercados mudam rápido demais e que,
Se compreendermos todas essas implementações quando qualquer análise estratégica estiver concluída,
envolvendo as inovações das asas dos supersônicos, po- ela terá levado tempo demais para gerar uma respos-
deremos passar para as questões de prática operacional. ta benéfica. Outra desculpa é que os clientes não sa-
O problema fundamental aqui é que o mercado domés- bem o que querem quando se trata de tecnologia, e um
tico americano garantiu as despesas básicas de todas as empreendedor visionário deve de algum modo, adivi-
principais inovações do transporte aéreo desde o DC-3, nhar as necessidades desconhecidas e não satisfeitas
mas não fará o mesmo para o transporte supersônico; dos clientes.1 Os pesquisadores tentaram esclarecer
as aeronaves de longo alcance adquirem valor apenas esses dois dilemas. Alguns discutem as característi-
nas viagens internacionais. Nossas companhias aéreas e cas de uma orientação a “inovação” versus orientação
nossos fabricantes precisam entender o que significa ser a “cliente” (ou “mercado”), e como essas orientações
essencialmente internacional; agrupamento do tráfego podem ser integradas de forma bem-sucedida.2 Outros
aéreo e os consórcios de fabricação são prováveis. debatem os méritos relativos das abordagens de “tec-
O resultado do mercado não é claro. Trata-se de um nologia empurrada” versus “demanda puxada”, e su-
mercado de expansão ou de substituição? Já possuímos gerem uma abordagem interativa para integrar ambas.3
aeronaves de longo alcance bem efetivas; se o único pro-
blema fosse voar de 4 mil a 5 mil milhas, a viagem super-
sônica seria um mercado de substituição, e a economia *
Fonte: Os autores gostariam de agradecer aos executivos da Matrix se-
miconductor, Inc. e da Pixim Inc., e também aos fundadores da StubHub,
não seria otimista. Por outro lado, se o valor do tempo por participarem da pesquisa. Eles também agradecem a Cara McVie, Lyn
economizado for substancial, é concebível que a viagem Denend e Adam Block pelo excepcional auxílio à pesquisa. Os profissio-
supersônica possa resultar na expansão do mercado. nais de capital de risco que participaram de um seminário do Kauffman
Fellows Program, em 1o de fevereiro de 2006, fizeram comentários úteis
Tendo seguido este procedimento para esboçar balan- sobre o rascunho anterior. O copyright da California Management Review
ços ordenados nas áreas de conceitos inovadores, mérito é propriedade desta, e seu conteúdo não pode ser copiado, enviado por
e-mail para vários sites ou postado em um servidor de listas sem a per-
da implementação, práticas operacionais e resultados de missão expressa por escrito dos seus detentores. Porém, os usuários po-
mercado, concluí que, embora nenhuma restrição única dem imprimir, baixar ou enviar os artigos por e-mail para uso individual.
proíba os transportes supersônicos de serem comercial- Robert A. Burgelman é Professor de Administração da Edmund W. Lit-
tlefield e Diretor do Stanford Executive Program da Stanford University
mente bem-sucedidos, o grande conjunto de preocupa- Graduate School of Business. <burgelman_robert@gsb.stanford.edu>, e
ções diz que a mera passagem do tempo não o garantirá. Robert Siegel é o Gestor de Soluções de Vídeo e Software da GE Security.
<rob@casasiegel.com>.
Deve haver alguma missão nacional urgente para supri- 1
Henry Kloss, um empreendedor tecnológico protótipo, há muito tempo
mir algumas das restrições ao seu aparecimento. articulou o dilema de forma convincente: “os tipos de produto que as
Acreditamos que nosso procedimento para avaliar a pessoas podem querer não se limitam ao que elas disseram querer, ou
ao que, quando você bate na porta delas, dizem que vão querer. No pri-
viabilidade e os prováveis resultados de uma inovação meiro caso, é tarde demais se as pessoas expressarem o desejo do que
possa contribuir muito para os resultados diferenciados querem. No segundo, as respostas são inválidas quando você pergunta a
respeito”. Ver R.S. Rosenbloom, “Advent Corporation”, [Harvard Busi-
nos negócios que envolvem alta tecnologia – negócios tão ness School case 9-674-027] in R.A. Burgelman, C.M. Christensen, and
díspares quanto os rádios transistores e os transportes a S.E. Wheelwright, Strategic Management of Technology and Innovation,
jato. Quando esses critérios são aplicados a possíveis ino- 4th ed. (New York, NY: McGraw-Hill/lrwin, 2004), p. 58.
2
Ver, por exemplo, P. Berthon, J. Hulbert, and L.F. Pitt, “To Serve or
vações futuras, eles indicam a plausibilidade de um carro Create? Strategic Orientations Toward Customers and Innovation”, Cali-
computadorizado, dado um ambiente de regulamentação fornia Management Review, 42/1 (Fall 1999): 37-58.
3
Ver, por exemplo, R.A. Burgelman and L.R. Sayles, Inside Corporate
razoável, e a implausibilidade, por muitos anos, do trans- Innovation: Strategy, Structure, and Managerial Skills (New York, NY:
porte supersônico americano. Estamos convencidos de Free Press, 1986).
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     55

Outra desculpa, ainda, é que se aproximar do cliente importante para as percepções valiosas, porém, muitas
pode realmente criar complicações estratégicas, tais vezes falíveis, do empreendedor visionário. Adotar um
como desestimular a inovação,4 ou, ainda pior, dimi- processo de estratégia disciplinado requer um envol-
nuir a capacidade de uma empresa de poder contar com vimento prático multifuncional, no qual todo compo-
tecnologias revolucionárias.5 nente fundamental do empreendimento seja focado nos
De vez em quando, um empreendedor particular- mesmos objetivos.
mente visionário – ou talvez apenas sortudo – con- Para inserir disciplina nos empreendimentos de
segue trazer ao mercado uma inovação vencedora no alta tecnologia, propomos a ideia do Minimum Win-
momento exato da oportunidade, levando-o a muita ning Game (MWG)*. Trata-se de definir a primeira
consagração e sucesso comercial. Porém, a maioria dos grande oportunidade de mercado delimitada o sufi-
empreendedores não é abençoada com essa previsão ciente para proporcionar um alvo claro para a tecno-
extraordinária. Suas adivinhações são quase sempre fa- logia e os esforços de desenvolvimento de produto de
lhas, e resultam na segmentação aleatória dos clientes curto a médio prazo, e suficientemente ampla para que
e na tentativa de venda de produtos que possuem con-
sua busca forneça uma base para o desenvolvimento
juntos de características incompletos e/ou que simples-
corporativo no longo prazo. Definir o MWG é particu-
mente não atendem a uma necessidade de mercado. Às
larmente importante no momento de desenvolvimento
vezes, fracassam em definir clara e realisticamente o
de um empreendimento no qual a alta gestão precisa
mercado-alvo e passam de uma visão vaga para outra,
o que pode retardar a notícia indesejada de que a visão articular o primeiro conjunto de metas voltadas para o
não é realizável, além de tornar muito difícil acumular sucesso comercial.7
aprendizagem. Prever incorretamente uma oportuni- Como vários estudos históricos sobre empreen-
dade de mercado e passar de uma visão para outra leva, dimentos de alta tecnologia, que se basearam em um
invariavelmente, ao ceticismo e ao estresse dentro da número limitado de casos, a pesquisa apresentada aqui
empresa, à medida que os funcionários sentem que é exploratória.8 Ela envolve uma combinação de es-
estão sendo deslocados aleatoriamente na direção de tudos de campo acadêmicos e experiência executiva
destinos inalcançáveis. Tal agitação impede a geração significativa, o que chamamos de método interativo de
de receita e a atração do cliente, o que ameaça a exis- “pesquisa de campo e experiência executiva” (ver Qua-
tência contínua da empresa nascente. Também provoca dro 1). Ao longo do artigo, nos referimos aos dados de
o desalinhamento com os acionistas e o conselho de quatro empreendimentos de alta tecnologia. Dois de-
administração, o que leva a mais tensão e desperdício les originaram-se nas específicas competências técni-
de energia, podendo exigir a substituição do empreen- cas dos fundadores. A Matrix Semiconductor Inc. era
dedor visionário.6 um empreendimento novo com base em tecnologia de
Um empreendimento de alta tecnologia origina-se memória tridimensional de semicondutor.9 A Pixim Inc.
muitas vezes nas profundas competências técnicas de um era um empreendimento novo com base na tecnologia
empreendedor visionário. O desenvolvimento de uma
estratégia de negócio segue, em vez de liderar, o proces-
so fundador. Mesmo quando este tipo de empreendedor *
N. de R.T.: Ainda não existe tradução para o português, mas pela teoria
inicia o empreendimento com base em uma percepção dos jogos pode ser entendida como Jogo de Ganho Mínimo (JGM).
7
O MWG é um conceito escalável. No primeiro nível micro, por exemplo,
estratégica, o processo utilizado para buscar a oportuni- os cientistas de bancada na P&D podem usá-lo para definir o conjunto de
dade, muitas vezes, carece de uma análise disciplinada. experimentos críticos necessários para validar uma solução tecnológica.
No nível macro, pode ser usado, por exemplo, pelo governo dos Estados
Entretanto, um processo disciplinado para a criação Unidos para definir o conjunto de arranjos institucionais que devem ser
de estratégia com base em dados é um complemento implantados como um primeiro MWG, colocando o país no caminho
para a realização do seguro-saúde universal.
8
Ver, por exemplo, H. Bahrami and S. Evans, “Strategy Making in High-
Technology Firms: The Empiricist Mode”, California Management
4
Ver, por exemplo, S. Macdonald, “Too Close for Comfort? Implications Review, 31/2 (Winter 1989): 107-128; J. Morone, “Strategic Use of
for Strategy Arising from Getting Close to the Customer”, California Technology”, California Management Review, 31/4 (Summer 1989):
Management Review, 37/4 (Summer 1995): 8-27. 91-110; K.M. Eisenhardt, “Speed and Strategic Choice: How Managers
5
C. M. Christensen, The Innovator’s Dilemma (Boston, MA: Harvard Accelerate Decision Making”, California Management Review, 32/3
Business School Press, 1997). (Spring 1990): 39-54; G. Bacon, S. Beckman, D.C, Mowery, and E.
6
Sem subestimar os fortes incentivos que os capitalistas de risco ofe- Wilson, “Managing Product Definition in High-Technology Industries: A
recem para impor uma disciplina estratégica nos empreendimentos que Pilot Study”, California Management Review, 36/3 (Spring 1994): 32-56;
financiam e os altos níveis de especialização que trazem para ajudar os S.Thomke and D. Reinertsen, “Agile Product Development: Managing
empreendedores que seguem essa disciplina, consideramos que ainda há Development Flexibility in Uncertain Environments”, California
muita margem para melhorar o kit de ferramentas da disciplina estraté- Management Review, 41/1 (Fall 1998): 8-30.
gica. Portanto, acreditamos que nossa abordagem pode ser útil tanto para 9
L. Denend, R.A. Burgelman, and R.E. Siegel, “Matrix Semiconduc-
os empreendimentos financiados pelo capital de risco quanto por aqueles tor (A) and (B)”, Stanford Business School casos de 2004 e 2005,
financiados de outras formas. respectivamente.
56     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Quadro 1 introduziu as estruturas conceituais discutidas neste artigo para


Pesquisa de campo e experiência trazer mais disciplina ao processo de criação da estratégia. Essa
executiva interativa experiência está contida na série de casos da Pixim, com base
Nosso método interativo de pesquisa de campo e experiência na pesquisa de campo ao longo de um período de vários meses,
que envolveu entrevistas com seus principais executivos. Depois
executiva serviram para gerar e validar as estruturas concei­tuais
da sua experiência na Pixim, o segundo autor trabalhou como
apresentadas neste artigo. O primeiro autor é especializado em
consultor freelancer junto a várias start-ups de alta tecnologia.
pesquisa de campo do processo estratégico longitudinal. Tendo
Desde setembro de 2004, vem trabalhando em uma unidade de-
participado também de vários conselhos de assessoria e de ad-
senvolvedora de soluções baseadas em tecnologia de US$ 350
ministração, ele desenvolveu uma apreciação em primeira mão
milhões/ano para a GE, onde está aplicando e ajudando a refinar
da importância de fazer com que a alta gestão dos empreen­
os conceitos discutidos neste artigo.
dimentos de alta tecnologia definam os “Minimum Winning
Enquanto nós dois tivemos a oportunidade de testar a va-
Games” e balanceiem os “condutores da ação estratégica”. O
lidade e a aplicabilidade das nossas estruturas conceituais em
segundo autor esteve envolvido nos esforços para tirar o PC
diferentes configurações corporativas nas quais estivemos en-
da toca e levá-lo para a sala de estar, enquanto trabalhou como volvidos diretamente, sentimos que era importante continuar a
executivo júnior na Intel Corporation em meados dos anos fazê-lo, realizando estudos de caso comparativos envolvendo
1990. No decorrer desses esforços, ele participou do Processo empreendimentos em que nenhum de nós esteve envolvido em
de Planejamento Estratégico de Longo Alcance (SLRP – Stra- uma função executiva ou de membro do conselho. Um pouco
tegic Long Range Planning Process) e do Plano de Negócios por acaso, o estudo de mais de um ano da Matrix Semicon-
da Linha de Produtos (PLBP – Product Line Business Plan) e ductor, uma start-up de alta tecnologia que nos proporcionou
aprendeu a usar as ferramentas “Documento de Requisitos do excelente acesso à pesquisa, e o estudo um pouco mais curto da
Mercado” e “Documento de Requisitos do Produto”. StubHub, com base na internet, nos deram a oportunidade de
O segundo autor saiu da Intel para fundar e desenvolver a fazer este trabalho.
Weave Innovations Inc., uma empresa start-up de alta tecnolo- Embora difícil de planejar, acreditamos que buscar e apro-
gia. Nela, ele foi capaz de definir o MWG (sem usar este nome), veitar a oportunidade de adotar o método interativo de pesquisa
que proporcionou a base para ser adquirida por uma grande em- de campo e a experiência executiva pode ser útil no desen-
presa estabelecida. Depois da experiência na Weave Innovations, volvimento do conhecimento que seja rapidamente testado e
ele passou três anos na Pixim, como vice-presidente-executivo refinado em situações reais por executivos com participação
de marketing e estrategista de desenvolvimento de negócios, e real em sua aplicabilidade.

de imagem.10 Os dois tiveram origem em uma estraté- da pesquisa acadêmica e trabalho de consultoria prévia
gia de negócios inicial. A Weave Innovations era um dos autores, bem como da experiência executiva obtida
empreendimento focado em desenvolver uma rede de ao longo de muitos anos.
dados para distribuir conteúdo digital entre tipos di-
ferentes de dispositivos de computação, que se origi- OS EMPREENDIMENTOS DE ALTA TECNOLOGIA
nou em percepções estratégicas que o empreendedor (MUITAS VEZES) COMEÇAM COM A TECNOLOGIA
(o segundo autor deste artigo)11 adquiriu, em parte, do
trabalho na Intel Corporation, ao tentar transformar o Criação de ruptivas tecnológica
PC em um dispositivo útil para gerenciar conteúdo de É normal que a maioria dos empreendimentos de alta
entretenimento na sala de estar.12 A StubHub era um tecnologia tenha seu início com a invenção de uma
novo empreendimento, com base na internet, calcado nova tecnologia. Não é de surpreender que a maioria
na percepção estratégica de dois alunos do MBA de das atividades nos meses iniciais, ou mesmo anos, de
Stanford sobre como usar a internet para organizar me- um empreendimento com base em nova tecnologia seja
lhor o mercado secundário de ingressos para eventos direcionada para provar sua viabilidade tecnológica e
esportivos e outros tipos de entretenimento.13 Os dados comercial. Essas atividades incluem completar os pro-
de campo relativos a esses quatro empreendimentos são jetos arquiteturais, desenvolver modelos funcionais e
suplementados com dados adicionais obtidos por meio construir protótipos, além de envolver-se com os clien-
tes e possíveis parceiros para demonstrar o potencial de
comercialização da tecnologia.
10
C. McVie, R.A. Burgelman, and R.E. Siegel, “Pixim (A)”, “Pixim (B)”, • Matrix Semiconductor Inc. – Esta empresa e seu pro-
“Pixim (C)”, Stanford Business School cases, October 2003.
11
O segundo autor deste artigo fundou a Weave Innovations. cesso de desenvolvimento empregaram uma nova tec-
12
Esses esforços são descritos em R. Bamford and R.A Burgelman, “Intel nologia de memória 3-D de semicondutor. Nas fases
Corporation: The Hood River Project (A) and (B)”, Stanford Business iniciais da pesquisa, a Matrix usou as instalações
School, 1997.
13
A. Block, R.A. Burgelman, and R.E. Siegel, “StubHub (A) and (B)”, da Stanford University para construir chips de teste
casos da Stanford Business School. simples, a fim de provar que a estrutura teórica por
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     57

trás da invenção tecnológica poderia ser construí­da • Weave Innovations – Nesta empresa, os dois cofunda-
em um estabelecimento comercial. A Matrix pro- dores acreditavam que o surgimento do conteúdo digi-
curou explorar a viabilidade tecnológica a partir de tal levaria a oportunidades para distribuir mídia (áudio,
acordos de longo prazo com possíveis parceiros fab14 vídeo e imagens estáticas) para vários dispositivos de
na área de semicondutores, incluindo a LSI Logic. A computação e entretenimento, e que a habilidade de
Matrix empregava uma grande equipe de engenharia, transcodificar a mídia com um forte conhecimento de
com bastante experiência em pesquisa sendo um dos interatividade de hardware criaria uma nova oportuni-
seus fundadores um professor da Escola de Engenha- dade de negócio. Esta oportunidade não se baseava em
ria Elétrica da Stanford University. Esse período de uma inovação tecnológica, mas, sim, em uma oportuni-
desenvolvimento estendeu-se por 24 meses, enquanto dade comercial para mover e transcodificar mídia digital
o empreendimento procurava provar que era possível em vários locais na vida das pessoas.
construir novas estruturas de memória de maneiras • SubHub – De modo similar, os fundadores desta empresa
que antes não se acreditava possíveis. encararam a internet como uma oportunidade de elimi-
• Pixim Inc. – Esta empresa de semicondutores, sem nar os revendedores de ingressos por meio de serviços
FAB, foi incorporada em 1999. A tecnologia básica do de conveniência e valor agregado via internet para a
em­preendimento foi concebida na Stanford University, venda secundária desses ingressos. A equipe executiva
como uma nova maneira de capturar a luz em um sen- estabeleceu explicitamente que a vantagem competitiva
sor de imagem usando um processo de fabricação de sustentável de longo prazo do empreendimento dependia
Semicondutor de Óxido Metálico Complexo (CMOS). muito pouco da tecnologia, mas, sim, de criar o produto
A invenção da empresa era mudar a arquitetura do vetor e o serviço certos, e, mais, uma experiência totalmente
de captura de imagem para lidar com as particularida- confiável para o usuário de forma a melhor satisfazer
des da luz de uma maneira mais eficaz do que com qual- a necessidade do mercado.15 Essa estratégia funcionou
quer outra tecnologia. Durante os 18 primeiros meses do bem. A empresa tinha aproximadamente 200 emprega-
empreendimento, as ações da gestão foram duas ativida- dos no início de 2006, havia vendido US$ 200 milhões
des fundamentais. Primeiro, a equipe executiva trabalhou em ingressos e faturado US$ 50 milhões em comissões.16
para provar que a invenção poderia ser fabricada fora das
instalações de uma universidade. Isto exigiu o emprego Identificar claramente a oportunidade de negócio
de quase uma dúzia de pessoas com PhD, assim como Seja conduzida pela competência técnica única ou pela
outros engenheiros, que criaram um chip de teste que
percepção precisa de uma necessidade do mercado, a
integrava outros componentes técnicos necessários para
conceitualização eficaz da nova oportunidade de negó-
a comercialização do produto. A segunda atividade fun-
cio exige um processo interativo de mão dupla, combi-
damental envolveu a formação de parcerias com empre-
nando questões técnicas e necessidades de mercado.17
sas externas que eram necessárias para o sucesso orga-
nizacional no longo prazo, incluindo o licenciamento de Com frequência, empreendedores com perfil tecnoló-
propriedade intelectual para um microprocessador incor- gico enfatizam demasiadamente a ligação técnica. Eles
porado e o desenvolvimento de um relacionamento com oferecem soluções, mas não avaliam que elas só são
uma fábrica de semicondutores. Essas atividades corres- comercialmente relevantes se houver uma potencial
ponderam a mais de 95% dos esforços da Pixim no seu base de clientes suficientemente grande que valorize os
primeiro ano e metade da sua existência. problemas que elas solucionam e que esteja disposta a
pagar o custo de desenvolver e trazer soluções para o
Acompanhamento da percepção de uma mercado. Os empreendedores impulsionados pela ne-
necessidade do mercado cessidade do mercado, por sua vez, tendem a exagerar
Por vezes, um empreendedor visionário não possui raí- na ênfase às questões afetadas a necessidade de mer-
zes na tecnologia, mas percebe uma oportunidade com cado. A necessidade que eles percebem muitas vezes
base na percepção de uma necessidade emergente do é um alvo móvel, o que torna difícil ser específico em
mercado. Muitas vezes, isto o leva a se preocupar em relação aos problemas tecnológicos que devem ser so-
ser o “pioneiro”. O período entre meados dos anos 1990 lucionados a fim de satisfazê-la. Em ambos os casos, a
e seu final assistiu à formação de uma série de empreen- alta gestão se depara com o desafio de determinar o ta-
dimentos desse tipo com base na internet. Dois dos em- manho da primeira oportunidade de negócio necessária
preendimentos no nosso estudo – Weave Innovations e
StubHub – seguiram este padrão.
15
Block et al., op. cit.
16
Ver S. Stecklow, “StubHub’s Ticket to Ride: Web site Conceived In
School Is Now Leader In Hawking Access to Sold-Out Events”, The Wall
14
Abreviação da expressão inglesa fabrication plant (instalação de fabri- Street Journal, January 17, 2006.
cação), que faz parte do vernáculo da indústria de semicondutores. 17
Ver, por exemplo, Burgelman and Sayles, op. cit., Capítulo 3.
58     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

para justificar o desenvolvimento da tecnologia em um cado orientada por dados, uma análise completa da con-
produto comercializável, e se é o caso de investir em corrência e uma avaliação realista das suas competências
mais desenvolvimento de tecnologia para chegar a um diferenciadas. Este primeiro MWG deve ser suficiente-
produto que venha a satisfazer a necessidade percebida. mente limitado para que seja vigorosamente buscado com
Trata-se de determinar o MWG. os recursos financeiros e humanos disponíveis na empresa,
mas grande o bastante para fornecer uma base sólida para
a definição do MWG dos próximos dois ou três anos. Tal-
Definindo o minimum winning game
vez um paralelo útil seja pensar em uma série de MWGs
Por que é importante como o equivalente à série de “acampamentos-base” que
Em geral, os empreendedores com perfil tecnológi- os montanhistas precisam alcançar durante suas tentativas
co são encorajados a “pensar grande” sobre as opor- para escalar os maiores picos do mundo.19 Cada acampa-
tunidades de negócio e buscar um maximum winning mento serve como um ponto de parada para suprimento de
game. Os capitalistas de risco querem investir apenas materiais e ferramentas, permitir a aclimatação à altitude,
em empreendimentos com potencial para alcançar recalcular os riscos,20 e para se preparar mentalmente para
várias centenas de milhões de dólares em receitas em a fase seguinte da escalada. Quando fundaram a Intel, em
um período de cinco a sete anos. Naturalmente, isto é 1968, Robert Noyce e Gordon Moore tinham um primeiro
atraen­te e motivante,18 mas não define claramente o mi- MWG bem definido, focado em produtos de memória de
nimum winning game. Este define o primeiro mercado- semicondutor para substituir os produtos de “memória de
-alvo dos produtos ou serviços do empreendimento, as núcleo” padrão nos computadores de grande porte. Mais
receitas realizáveis e mensuráveis e as metas de lucro. tarde, porém, os esforços da empresa para desenvolver a
Somente após esta definição, a alta gestão estabelece as videoconferência com base em PC e para se tornar uma
etapas relevantes, tais como demonstrar um nível bem grande fornecedora de componentes para a indústria de
definido de viabilidade técnica ou expedir um produto produtos eletrônicos de consumo sofreram pelo fato de
claramente especificado, em relação às quais um pro- não se ter definido claramente o MWG.21
gresso significativo possa ser medido. Se a alta gestão
não definir o MWG, há chances de que a equipe do em- 19
Dependendo do caminho escolhido para escalar o Monte Everest, por
preendimento venha a passar de uma visão grandiosa, exemplo, os montanhistas sabem que eles e sua equipe devem chegar em
porém vaga, para outra igual, ou continuar focando em boas condições a quatro ou cinco destinos antes de começar a escalada
um conjunto de etapas visíveis, mas bastante limitadas final rumo ao cume.
20
O MWG está relacionado com a gestão do risco, mas não deve ser
e desconectadas, ao longo de um caminho que leva a confundido com preferências de risco. Em outras palavras, não estamos
lugar algum. Em ambos os casos, não ter definido cla- preocupados com a escolha de objetivos que envolve, por exemplo, es-
calar uma montanha de 20 mil pés com 50% de probabilidade de sucesso
ramente o MWG faz a alta gestão a continuar ignorante ou uma de 10 mil pés com 100% de probabilidade de sucesso. Estamos
em relação ao progresso real do empreendimento ou à preocupados com os “acampamentos-base” (MGWs) que devem ser al-
falta dele – tanto tecnológico quanto comercial. cançados, dado o objetivo escolhido. (Repare, porém, que isso também
não é incoerente com a possibilidade de que alguns capitalistas de risco
O primeiro MWG é a “posição de mercado do produto” possam favorecer sistematicamente os empreendedores que optem por
que uma empresa start-up de alta tecnologia pode planejar escalar 20 mil pés em vez de 10 mil).
atingir razoavelmente em um período de 12 a 18 meses.
21
Para conhecer a história do primeiro MWG da Intel, ver G. Gilder, Micro-
cosm: The Quantum Revolution in Economics and Technology (New York,
Isto se baseia em uma avaliação da oportunidade de mer- NY: Simon and Schuster, 1989). No caso da videoconferência com base em
PC, em meados dos anos 1990, o CEO da Intel, Andy Groove, recusou-se a
acompanhar o gestor da empresa emergente “ProShare”, que argumentou pela
definição do primeiro MWG nos termos de uma estratégia de nicho vertical
(p. ex., nichos verticais em empréstimos hipotecários e planos de saúde, dentre
18
Alguns enfatizaram a importância de estabelecer “objetivos grandes e outros) e insistiu no que mais tarde ele veio a chamar de abordagem de “desem-
audaciosos” para ajudar a explicar por que algumas empresas duram mais barque na Normandia” para definir o MWG, ou seja, um ataque horizontal da
e com mais sucesso do que outras. Ver J. Collins and J. Porras, Built to ProShare a todo o segmento de mercado do PC. No caso de tornar a Intel uma
Last (New York, NY: HarperBusiness, 1994). Definir o MWG em qual- grande fornecedora de componentes para produtos eletrônicos de consumo,
quer momento não é incompatível com a fixação de objetivos muito am- em meados dos anos 1990, a empresa definiu o MWG como aquele que levaria
biciosos. No entanto, isto impõe disciplina em ser claro sobre a estratégia as empresas de produtos eletrônicos de consumo a usarem o microprocessador
necessária para alcançar tais objetivos, em ajudar a estabelecer prazos ultramoderno (na época o Pentium II) no desenvolvimento de novos produtos.
dentro dos quais o progresso para alcançá-los possa ser mensurado de Infelizmente, com os preços dos produtos eletrônicos na faixa de US$ 300-
uma maneira realista, e em considerar os efeitos, ao alcançá-los, do feed- US$ 500, isto não foi possível (os preços do PC ainda estavam na faixa de
back sobre a estratégia. A importância desses efeitos é sutil e facilmente US$ 2 mil na época). Se a Intel tivesse definido o MWG em termos de trazer
negligenciada, como ilustra o exemplo recente do destino dos negócios a Arquitetura Intel (AI) para a indústria de produtos eletrônicos com um mi-
de uma adega de Robert Mondavi. Ver “The Fall of the House of Mon- croprocessador da geração anterior no lugar do Pentium II, a empresa poderia
davi”, Business 2.0 (April 2005), p. 101. Warren Winiarski, o fundador ter sido capaz de trazer uma tecnologia disruptiva para a indústria e estabelecer
da Stag’s Leap Vineyard, e outro aluno dos primeiros inebriantes anos uma cabeça de ponta. Para saber mais sobre as histórias da videoconferência
na Mondavi, sugeriu como causa da queda: “Grandes sonhos, por vezes, com base em PC e dos produtos eletrônicos de consumo (o caso da Hood Ri-
levam a direções diferentes das intenções”, ele diz. “Com isto quero dizer ver), ver R.A. Burgelman, Strategy is Destiny: How Strategy-Making Shapes a
que as ambições de grande escala podem ser uma fonte de fraqueza.” Company’s Future (New York, NY: Free Press, 2002), Capítulo 9.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     59

As forças externas são um determinante funda- game. O não cumprimento de uma etapa desencadeia
mental do conteúdo adequado e da magnitude do questões difíceis sobre a viabilidade do MWG e a possi-
MWG. Conceitos relacionados ao ciclo de vida da bilidade de aprendê-lo e ajustá-lo (ou redefini-lo).
adoção da tecnologia, por exemplo, sugerem que a Essa abordagem está em nítido contraste com os
definição do MWG deve ser focada em satisfazer aos empreendimentos start-up que não são capazes ou
clientes pragmáticos (e não apenas visionários), a fim não estão dispostos a adotar a disciplina de definir o
de estabelecer o início do desenvolvimento comer- MWG. Por exemplo, a ABC,28 empresa de softwares
cial.22 A definição do MWG também deve refletir a focada em ferramentas de “globalização”, identificou
compreensão profunda das forças tecnológicas fun- cerca de sessenta corporações importantes que tentou
damentais. Por exemplo, nos mercados caracteriza- procurar, com apenas algumas pessoas de vendas. Em
dos por “retornos crescentes para a adoção”,23 pode vez de reduzir a lista de clientes-alvo para um pequeno
haver apenas dois MWGs viáveis: crescer rapidamen- número de clientes premium, com base em uma análise
te para se tornar o padrão da tecnologia e condutor cuidadosa e estrategicamente informada, a grande lista
de um ecossistema de complementadores,24 ou domi- simplesmente continuou mudando diante das tentati-
nar um nicho de mercado relativamente pequeno.25 vas malsucedidas. Em outra armadilha traiçoeira cria-
Assim, definir o MWG em função dos mercados-alvo da pela não definição do MWG, a ABC logo no início
de formas associadas às necessidades do cliente deve ganhou um cliente importante, mas não percebeu a na-
ser feito com a previsão dos requisitos do mercado tureza idiossincrática e limitada deste ganho.
susceptíveis de estarem em vigor no momento da
Indo além do primeiro minimum
adoção em massa.26 o MWG também deve ser com-
winning game
posto pela identidade corporativa que a alta adminis-
tração quer criar na indústria. Isto ajuda a empresa À medida que uma empresa se aproxima do nível de
a decidir quais oportunidades buscar e, igualmente crescimento lucrativo definido pelo seu MWG inicial,
importante, quais não buscar. Às vezes isto é difícil o progresso parece nivelar-se na horizontal. Isto requer
em uma situação na qual obter novas receitas – se- a identificação do próximo MWG, de nível mais ele-
vado. Os MWGs subsequentes dependem da realiza-
jam quais forem as fontes – pode ser muito tentador.
ção dos níveis anteriores, bem como das mudanças na
Definir o MWG ajuda a resistir a essas tentações.27
tecnologia, mercado ou desenvolvimentos de produtos
Definir cuidadosamente o MWG ajuda a alta ges-
durante o tempo em que se persegue o primeiro MWG.
tão a determinar as tarefas mais fundamentais em mãos
Por exemplo, depois de alcançar seu primeiro MWG
para cada uma das principais áreas funcionas, e a definir
(com a memória estática de acesso aleatório [SRAM]
as etapas relevantes e claras, pertinentes ao desenvolvi-
e a memória dinâmica de acesso aleatório [DRAM]),
mento tecnológico e ao mercado, que devem ser cum-
a Intel foi capaz de definir um novo e maior MWG,
pridas em determinadas datas. O cumprimento dessas
em consequência do desenvolvimento da memória
etapas permite que o empreendimento prove a viabili-
apagável programável apenas para leitura (EPROM).
dade comercial da tecnologia, lance as bases dos envol-
O microprocessador, desenvolvido em 1971, manteve-
vimentos com os clientes e motive possíveis parceiros -se como um negócio auxiliar até 1985, quando Andy
a se juntarem ao esforço. Os esforços combinados das Groove redefiniu o novo MWG da Intel, visando que
capacitações internas e externas maximizam as chances a empresa se tornasse a única fornecedora de micro-
de o empreendimento vencer seu primeiro minimum processadores para o segmento de mercado do compu-
tador pessoal que estava em plena expansão.29 A Figura
1 ilustra como a sequência de MWGs pode evoluir ao
22
G.A. Moore, Crossing the Chasm (New York, NY: HarperBusiness,
1991). longo do tempo, e o Quadro 2 descreve a evolução dos
23
B. Arthur, “Competing Technologies: An Overview”, in G. Dosi, ed., MWGs da Matrix Semiconductor, Pixim, Weave Inno-
Technical Change and Economic Theory (New York, NY: Columbia Uni-
versity Press, 1987), pp. 590-607.
vations e StubHub.
24
A. Brandenburger and B. Nalebuf, “The Right Game: Use Game The-
ory to Shape Strategy”, Harvard Business Review, 73/4 (July/August
1995): 57-71.
25
A Apple Computer, no setor de sistemas operacionais para computadores
pessoais, é um exemplo clássico.
26
G.A. Moore. Inside the Tornado (New York, NY: HarperBusiness, 28
Um dos autores atuou por dois anos no conselho de administração desta
1995). empresa. Sua identidade foi revelada aos revisores, mas aqui é mantida
27
O primeiro autor agradece ao professor Ezra Zuckerman, da MIT Sloan confidencial.
School, por apontar essa implicação. 29
Burgelman (2002), op. cit.
60     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 1 A evolução do minimum winning game

Minimum winning game


Estratégia
Ruído ao longo corporativa de
do tempo longo prazo
Crescimento lucrativo

Tempo

Quadro 2 e revolucionaríamos a fotografia digital com essa mídia de


Definição do minimum winning game: 4 casos um único armazenamento programável.
Evolução do mwg da Matrix Semiconductor No entanto, entre 2000 e 2004, a empresa teve que continuar
Quando a Matrix Semiconductor foi fundada, a empresa teve que fazendo ajustes ao seu MWG, pois enfrentou desafios cada vez
provar que era possível construir uma memória de semicondutor mais difíceis de projeto, tecnologia de processo e manufatura, e
3-D. Embora os arranjos tridimensionais de semicondutores tives- considerou os desafios competitivos dos diferentes mercados. O
sem sido construídos e comercializados antes para produtos de exi- CEO Segers descreveu a redefinição do MWG:
bição, a viabilidade dessa tecnologia para produtos de memória não
No decorrer do tempo, tornou-se evidente que demoraríamos a fazer
era conhecida. Tendo concluído um protótipo de memória de três a tecnologia funcionar e que o grau de funcionalidade não daria um
camadas, que demonstrou a viabilidade técnica da memória 3-D, salto quântico de um “nada funciona” para “tudo funciona em um
a empresa teve que decidir, perante as restrições de recursos, em nível primitivo”. Consequentemente, tornou-se necessário alterar-
qual das capacitações se concentrariam seus primeiros produtos de mos nossa estratégia de entrada no mercado. Uma coisa que mudou
memória: com base na tecnologia de programação uma única vez foi a nossa filosofia básica ... Dissemos: vamos ver se não podemos
rebater e chegar à primeira base; algo antes de darmos a tacada
(OTP) ou na de leitura e escrita. Ela também teve que decidir quais
para fazer um home run. Então, reorientamos alguns de nossos
mercados atender primeiro: cartões de memória para fotografia di- esforços de entrada no mercado longe da fotografia digital e outras
gital (um mercado grande e de crescimento rápido, em que as me- aplicações de mídia virgem em favor do conteúdo pré-gravado.
mórias flash NAND já estavam estabelecidas) e/ou fornecer arma-
zenamento para conteúdo pré-gravado (um mercado muito menor, A empresa também ajustou seus esforços de desenvolvimento
no qual as memórias Mask-ROM já estavam estabelecidas). Dennis de tecnologia em relação à tentativa de construir um dispositivo de
Segers, um membro do conselho de administração até setembro de memória de oito camadas para um que tivesse apenas quatro, e re-
2001, quando se tornou CEO da Matrix, explicou que, na época: considerou para baixo o tamanho potencial da vantagem competi-
tiva preço/desempenho de sua tecnologia. No meio dessas mudan-
A consideração-chave na decisão foi equilibrar risco e recompen- ças, a alta gestão foi capaz de manter os parceiros-chave (que eram
sa... Se a empresa quisesse ser bem-sucedida na criação de circui-
tos integrados 3-D, teríamos que ser excepcionalmente disciplina-
investidores e também clientes futuros) e os capitalistas de risco
dos... Perguntamos a nós mesmos qual é a coisa mais simples que informados e acreditando nas perspectivas da empresa. Perceben-
podemos fazer e que tenha uma recompensa suficiente para que do que precisava tanto de um roteiro para as gerações futuras do
valha a pena? A resposta foi o OTP. Pensamos em seguir um passo produto a fim de convencer os clientes a “incluírem” seus produtos
de cada vez, demonstrar primeiro que conseguimos fazer com a de memória em seu desenvolvimento de produto, quanto de um
OTP e então, mais tarde, ir além. primeiro produto, a fim de demonstrar que as memórias 3-D eram
Todavia, o MWG inicial era altamente ambicioso. Segundo uma realidade, Segers redefiniu mais uma vez o primeiro MWG.
Segers: No momento que olhamos para o Phoenix (o nome do primei-
ro produto), percebemos que estava entupindo o encanamento
Em 2000, nossa estratégia foi nos adiantarmos até a placa inteiro. Mas não queríamos abandonar completamente aquela
e darmos uma tacada para fazer um home run* na primeira primeira geração, porque isso poderia inviabilizar a segunda e
bola arremessada. E este home run era encarado como a foto- a terceira gerações se não tirássemos proveito da aprendizagem.
grafia digital. Partimos para produzir um cartão de memória Enfim, chegamos à conclusão de entrar no mercado com a nossa
virgem que venderíamos por meio de parceiros estratégicos primeira geração, de modo seletivo, com apenas uma ou duas
aplicações dentro do espaço de conteúdo pré-gravado. Precisáva-
mos provar, de uma vez por todas, que essa tecnologia 3-D pode-
N. de T.: Jogada do beisebol.
* ria ser realmente confiável. Então, selecionamos um fornecedor
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     61

japonês de alta qualidade (Sharp) e sua linha de produtos eDictio- empresas de capital de risco que permitiram que ela criasse
nary. A demanda foi bastante modesta, permitindo-nos aprimorar a infraestrutura básica para a rede digital, bem como projetar
nossas habilidades na produção de tecnologia, ao mesmo tempo um novo tipo de aplicação de internet para exibir imagens
em que fizemos algumas coisas rudimentares, como construir a
capacitação na organização para receber um pedido de compra... digitais. Após 18 meses de desenvolvimento, porém, a Weave
Embora com uma taxa de crescimento de produção bem modesta, Innovations percebeu que precisava rapidamente de uma base
essas ações permitiram um posicionamento melhor. instalada de aplicação de internet à qual a rede pudesse se
conectar para que tivesse um valor maior para os acionistas. O
Evolução do MWG da Pixim desenvolvimento do porta-retratos digital como um protótipo
Nos primórdios das atividades da Pixim, a empresa tentou provar de aparelho de internet, ao qual a rede pudesse ser conectada,
a viabilidade da invenção básica da empresa (que envolvia a co- se tornou cada vez mais um fator-chave na evolução da empresa.
locação de um conversor analógico/digital dentro de cada pixel Sem querer entrar no mercado de hardware propriamente dito,
de uma matriz de imagem), e também incluiu o envolvimento conseguir um parceiro de OEM se tornou um direcionador
em discussões com os possíveis clientes sobre a viabilidade dos estratégico das ações da Weave à medida que caminhava para
produtos propostos que foram planejados e que estavam em de- um novo MWG. A empresa embarcou em uma trajetória
senvolvimento. A empresa foi capaz de desenvolver, com sucesso, para desenvolver um relacionamento com a Kodak, a fim de
o interesse pelos possíveis produtos, com base na promessa de vender a aplicação de internet, sob a marca, que se conectaria
benefícios da nova tecnologia para a geração de imagens e no então com a rede da Weave. Após a conclusão bem-sucedida
histórico dos fundadores, da equipe de gestão e dos investidores. desse acordo de OEM, a empresa foi capaz de fechar uma
Entretanto, a Pixim começou a perceber melhor os desafios que rodada de financiamento de US$ 10 milhões, da qual a Kodak
enfrentava com seu MWG inicial, quando tentou relacionar sua e vários grandes investidores de risco, incluindo a Maveron
tecnologia às necessidades do mercado. Isso forçou um realinha- Ventures, participaram.
mento das atividades de desenvolvimento do produto e a orien-
tação para um novo segmento do mercado (longe dos telefones Evolução do MWG da StubHub
celulares e das câmeras digitais, e voltado para o segmento de Fundada em meados de 2000 por dois alunos da Stanford Gra-
mercado da segurança de vídeo). À medida que a empresa con- duate School of Business, a StubHub foi criada para atender o
tinuou avançando, ela percebeu que seu novo MWG poderia al- mercado de vendas secundárias de ingressos para grandes even-
cançar vendas de quase US$ 70 milhões, mas também compreen­ tos esportivos e de entretenimento. A empresa acreditava que
deu que as limitações técnicas poderiam impedir a empresa de o mercado “especulador” era extremamente ineficiente, e que
alcançar o MWG seguinte com um nível mais alto de crescimen- a crescente popularidade da internet disponibilizaria uma me-
to rentável. A Pixim foi capaz de enfrentar este fato importante lhor maneira para os compradores e vendedores de ingressos de
apenas porque aplicou um mapeamento rigoroso de sua tecno- eventos secundários chegarem a transações mutuamente mais
logia básica para as exigências do mercado externo. Enquanto aceitáveis do que seria possível usando comportamentos “espe-
lutava para descobrir como atingir os MWGs subsequentes, um culatórios”. O primeiro MWG da empresa foi definido em ter-
dos investidores mais maduros observou que a gestão deveria se mos de entregar sites “hospedados” para as principais equipes
concentrar em atingir seu primeiro MWG antes de se preocupar esportivas. Em meados de 2003, porém, a StubHub percebeu
em atingir o segundo. que, para gerar os tipos de retorno exigidos pelos investidores,
precisava mudar seu produto básico e sua base de clientes, e
Evolução do MWG da Weave Innovations reorientar suas energias da entrega de sites “hospedados” para
A Weave Innovations foi uma start-up de redes de dados fundada as principais equipes esportivas para a criação de um portal na
em 1998 no Vale do Silício. O objetivo da empresa – seu primeiro Web que agisse como uma câmara de compensação para com-
MWG – era projetar e construir uma rede de dados nacional (Es- pradores e vendedores de ingressos secundários. Quando sua
tados Unidos) que pudesse transportar diferentes tipos de mídia equipe de gestão percebeu que precisava fazer uma mudança
digital (áudio, vídeo e imagens estáticas) entre tipos variados de na direção estratégica da empresa, seu MWG precisou ser re-
produtos de computação (PCs, televisores, PDAs e aparelhos). A definido para o contexto de ser uma empresa de nicho em um
empresa acreditava que, como a mídia estava migrando cada vez mercado grande. Obrigada a competir com empresas grandes
mais para o formato digital, os usuários iriam querer transportar como o eBay e a TicketMaster, a StubHub teve que encontrar
esses arquivos de dados de uma maneira segura entre vários tipos uma proposição de valor única para sua base de clientes-alvo.
de produtos, com a rede fornecendo a inteligência para manipular Como tal, a empresa concentrou seus esforços em atender um
e proteger os dados. A Weave Innovations também acreditava conjunto básico de clientes que eram bastante indiferentes ao
que o mundo da computação passaria dos dispositivos de pro- preço, e que estavam focados em obter lugares de alta qualidade
pósito geral (PCs) para “aparelhos de internet” mais específicos de uma hora para outra, se fosse necessário. Esta estratégia de
(tais como tocadores de música e quadros de fotografia digital), e “cereja do bolo” era muito rentável em uma base de receita
que o diferencial estava na tecnologia para transmitir a nova ge- muito limitada, e obrigou a gestão e os investidores a moldarem
ração de mídia digital para vários locais. Nos primórdios da orga- as expectativas de quais seriam os retornos em tal oportunidade
nização, o financiamento foi feito por angel investors,* pequenas de nicho. Nessa situação, a StubHub precisava considerar um
modo alternativo de financiamento para a expectativa-padrão
do capital de risco e, portanto, considerar os planos de cresci-
mento adequados para o tamanho realista que a empresa po-
*
N. de T.: Angel Investor é uma pessoa física ou uma empresa dis-
posta a investir em empresas que estão iniciando suas atividades em-
deria alcançar. O exemplo da StubHub demonstra como uma
presariais (start-ups) ou pensam em iniciar atividades comerciais ou empresa precisa definir claramente seu MWG em momentos-
industriais, mas que não contam com o aporte financeiro necessário -chave e como as mudanças nele podem afetar os principais
para o empreendimento. grupos, incluindo os investidores, empregados e clientes.
62     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

CONDUTORES FUNDAMENTAIS DA AÇÃO técnico de ponta e oferecer um ambiente altamente


ESTRATÉGICA motivante. Isto também reforça a capacidade de ab-
sorção da empresa31 em relação aos novos desenvolvi-
Em princípio, deve-se buscar o MWG por meio de mentos tecnológicos externos, já que o talento técnico
ações dirigidas por uma estratégia de negócio clara. normalmente possui fortes vínculos com outros tecno-
Como foi observado, porém, as ações estratégicas de logistas de ponta fora da empresa.
uma empresa start-up de alta tecnologia são conduzi- Pelo lado negativo, se o desenvolvimento tecno-
das principalmente pelo desenvolvimento tecnológico lógico for o principal condutor da ação estratégica,
e/ou desenvolvimento do produto. A Figura 2 mostra os a empresa pode se afastar para o “bleeding edge”* da
vários condutores da ação estratégica nas start-ups de tecnologia. Em geral, operar na ponta da tecnologia
alta tecnologia, os quais operam simultânea e interati- exige grandes apostas. O tempo para o mercado pode
vamente no período do MWG. ser lento, porque desenvolver uma tecnologia de ponta
exige a solução de uma grande quantidade de proble-
mas técnicos. Mesmo que cada um deles tenha uma
Figura 2 Condutores fundamentais da ação estratégica
alta probabilidade de ser solucionado, a probabilida-
nas empresas de alta tecnologia
de conjunta de solucionar todos eles com sucesso é
Estratégia
bem baixa (p. ex., solucionar seis problemas técnicos,
de cada um com 90% de probabilidade de sucesso, tem
negócios
53% de probabilidade conjunta de sucesso). Muitas
vezes, é difícil medir o progresso do desenvolvimento
tecnológico em determinado momento, porque a solu-
ção do último problema geralmente é encarada como
“somente dobrar a esquina”. Embora os tecnologistas
Desenvolvimento
de produto
de ponta possam estar bem conectados com outros tec-
nologistas de ponta fora da empresa, eles tendem a ser
fortemente apegados à solução técnica em particular
que abraçaram, o que pode levar a empresa a ficar pre-
sa a uma única abordagem. Os tecnologistas de ponta
Desenvolvimento tendem a se comunicar naturalmente com os possíveis
tecnológico clientes que são basicamente entusiastas da tecnologia
e provavelmente os primeiros a adotarem-na. Resu-
mindo, é bem difícil gerir um processo no qual o de-
Vantagens e desvantagens dos principais senvolvimento tecnológico é o principal condutor da
condutores ação estratégica.32
Cada um dos três condutores possui vantagens e des-
vantagens potenciais em relação às ações estratégicas O desenvolvimento de produto como o principal
da empresa. condutor Pelo lado positivo, se o desenvolvimento
de produto for o principal condutor da ação estratégica,
O desenvolvimento de tecnologia como o principal tende a haver um “campeão” que esteja fortemente em-
condutor Pelo lado positivo, se o desenvolvimento penhado em trazer o produto para o mercado. De forma
de tecnologia for o principal condutor da ação estra- geral, isto envolve mais ênfase na necessidade de unir
tégica, há probabilidade de que a empresa seja capaz os esforços, um foco mais forte no cliente, uma inten-
de chegar primeiro ao mercado com uma inovação e
ganhar uma vantagem competitiva importante e susten-
tável.30 As empresas que enfatizam o desenvolvimento
*
N. de R.T.: “Bleeding edge”: expressão que se refere a uma tecnologia
tão nova que há o risco de ser pouco confiável e muito onerosa para ser
de tecnologia muitas vezes são capazes de atrair talento utilizada.
31
A ideia de capacidade de absorção é explicada em W.M. Cohen and
D.A. Levinthal, “Absorptive Capacity: A New Perspective on Learning
and Innovation”, Administrative Science Quarterly, 35/1 (March 1990):
A tecnologia como o principal condutor é particularmente importante
30
128-152.
nas indústrias voltadas para a ciência, tais como os produtos farmacêuti- 32
Os esforços fracassados da MIPS Computer Systems para criar e levar
cos e a biotecnologia. A aposta da Intel no desenvolvimento de tecnolo- ao mercado os sistemas de computador pessoal com base no desenvol-
gia de semicondutor de óxido metálico (MOS) para vencer a “memória vimento da tecnologia de computação com conjunto de instruções redu-
de núcleo” padrão nos computadores de grande porte no momento da zido (RISC), em meados dos anos 1980, é um exemplo de algumas das
sua fundação é um exemplo de desenvolvimento de tecnologia como um armadilhas do desenvolvimento tecnológico como o principal condutor
forte condutor da ação estratégica. da ação estratégica.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     63

ção mais clara, um senso de urgência e uma métrica de duto também pode trancar o produto a um conjunto
sucesso menos ambígua.33 O desenvolvimento de pro- particular de clientes atípicos, e a não tirar proveito do
duto como principal condutor também tende a fazer que potencial de uma tecnologia disruptiva.38
a empresa se concentre mais rapidamente em criar uma
família de produtos e em aprender com eles, tanto os A estratégia de negócio como o principal condu-
bem-sucedidos quanto os fracassados.34 tor Pelo lado positivo, este condutor ajuda a for-
Pelo lado negativo, o desenvolvimento de produto necer direções claras sobre a posição de mercado do
como principal condutor da ação estratégica corre o produto e as competências diferenciadoras.39 É volta-
risco de que algumas de suas tecnologias componen- do para fora, impõe clareza sobre a vantagem compe-
tes fundamentais possam ainda não estar demonstra- titiva pretendida pela empresa, e tende a ser orientado
das e virem a ser muito caras, se não forem impossí- para prazos mais longos. Apoia o desenvolvimento
veis, para adquirir ou fabricar.35 O desenvolvimento da infraestrutura e as tomadas de decisão sobre es-
de produto também pode se tornar orientado para o colhas críticas. Ajuda a alta gestão a pensar sobre o
curto prazo, com toda a energia da empresa volta- “produto inteiro”40 e sobre desenvolver um portfólio
da para trazer aquele determinado produto. O que de produtos.
Pelo lado negativo, o desenvolvimento da estraté-
pode tornar difícil ir além desse primeiro produto,
gia de negócios nas start-ups de alta tecnologia pode
porque a empresa deixa de construir a infraestrutura
ser difícil enquanto a estrutura da indústria ainda não
necessária para a continuidade do desenvolvimento
estiver bem clara. Inicialmente, há incerteza a respeito
de novos produtos.36 O desenvolvimento de produto
de quais são os clientes-alvo, quais são os concorrentes
como o principal condutor da ação estratégica muitas
mais perigosos, a quem procurar como parceiros-chave,
vezes não impõe um processo de desenvolvimento
e assim por diante.41 Implementar a estratégia de ne-
racionalizado nem uma disciplina para fazer escolhas gócios depende de como estão resolvidas as incertezas
críticas. Isto pode conduzir a empresa em muitas di- tecnológicas e comerciais fundamentais e de se ter um
reções, perdendo, assim, o foco e diluindo demasia- produto quase pronto para ser levado ao mercado. Além
damente os escassos recursos de desenvolvimento.37 disso, as estratégias de negócios bem pensadas e arti-
Uma ênfase forte demais no desenvolvimento de pro- culadas carregam suas próprias sementes de inércia.42

33
O desenvolvimento do assistente digital pessoal (PDA) Palm Pilot, em
meados dos anos 1990, é um exemplo excelente de desenvolvimento 38
O “Kittyhawk”, da Hewlett-Packard, o primeiro acionador de disco de 1,3
de produto conduzindo a ação estratégica. Repare que a Palm definiu polegada trazido para o mercado em 1992, mostra como tentar atender as
um MWG com base no fornecimento de um PDA com uma funcionali- necessidades um tanto idiossincráticas dos clientes pode trancar um produto
dade suficiente para atender as necessidades do cliente de um segmento potencialmente disruptivo em um processo de desenvolvimento fadado ao
de mercado claramente definido. A Apple, por outro lado, poucos anos fracasso. Ver G.C. Rogers and C.M. Christensen, “Hewlett-Packard: The
antes, havia definido o MWG para o seu PDA Newton, com base em Flight of the Kittyhawk”, Harvard Business School case, 1997.
sistema operacional com uma funcionalidade ambiciosa demais e com 39
A única estratégia de Andy Groove para os microprocessadores x86 (como
excesso de recursos e, portanto, não funcionou bem o bastante para satis- para a geração de produtos 386) voltados para o segmento de mercado do PC
fazer às necessidades dos clientes que visava atender. é um dos grandes exemplos de estratégia de negócios conduzindo o desen-
34
M.A. Maidique and B.J. Zirger. “The New Product Learning Cycle”, volvimento do produto e o desenvolvimento da tecnologia visando resulta-
Research Policy, 14/6 (December 1985): 299-313. dos excepcionais durante mais de 10 anos. Um exemplo mais recente é o da
35
O esforço de Henry Kloss para trazer ao mercado um dos primeiros percepção estratégica de Steve Jobs das ameaças (como percebidas pela in-
sistemas de vídeo de tela grande é um exemplo clássico desta armadilha dústria da música no final dos anos 1990) e oportunidades (para as empresas
do desenvolvimento de produto como um condutor da ação estratégica. de tecnologia) associadas com a distribuição digital de músicas conduzindo
Ver R.S. Rosenbloom, “Advent Corporation”, [Harvard Business School o desenvolvimento do dispositivo musical portátil iPod.
case 9-674-027] in R.A. Burgelman, C.M. Christensen, and S.E. Wheel- 40
Discussões reveladoras sobre a construção de um mero “dispositivo”
wright, Strategic Management of Technology and Innovation, 4th ed. versus a construção de um “produto inteiro” podem ser encontradas em
(New York, NY: McGraw-Hill/Irwin, 2004). William A. Davidow, Marketing High Technology–An Insider’s View
36
Talvez, este problema seja mais acentuado nos empreendimentos cor- (New York, NY: The Free Press, 1986); Geoffrey A. Moore, Crossing
porativos internos devido às pressões corporativas extremamente fortes the Chasm (New York, NY: Harper Business, 1992).
para mostrar progresso e à crença do líder do empreendimento de que o 41
Discussões reveladoras sobre a necessidade de flexibilidade estratégica
apoio da grande corporação lhe permitirá se preocupar mais tarde com e a capacidade de fazer experimentos e aprender podem ser encontra-
a construção da infraestrutura para outros desenvolvimentos de novos das em A.S. Paulson, “Marketing and Discontinuous Innovation: The
produtos. See R.A. Burgelman, “A Process Model of Internal Corporate Probe and Learn Process”, California Management Review, 38/3 (Spring
Venturing in the Diversified Major Firm”, Administrative Science Quar- 1996): 8-37; Thomke and Reinertsen, op. cit.
terly, 28/2 (June 1983): 223-244. 42
A tentativa malsucedida da Intel de levar para o mercado a videocon-
37
A Apple Computer, no início dos anos 1980, é um exemplo clássico de ferência baseada em PC (“ProShare”), em meados dos anos 1990, é um
desenvolvimento de produto conduzindo a empresa em várias direções. exemplo das armadilhas de ter o desenvolvimento da tecnologia e do
O desenvolvimento do produto Apple III deu errado devido a informa- produto conduzidos por uma estratégia de negócio inercial, que estava
ções equivocadas de pesquisa de mercado e a uma demanda muito maior funcionando extremamente bem no segmento de mercado de micropro-
da que foi prevista para o Apple II, que ele substituiria; ao mesmo tempo, cessadores para PC. Entretanto, tal estratégia não se aplicou no mercado
a Apple estava desenvolvendo o novo produto radicalmente diferente: de videoconferência, que ainda não estava maduro e que, como foi ob-
Lisa (conduzido por Steve Jobs). Ver J.S. Gable, S. Tylka, and M.A. servado anteriormente (ver nota 20), levou à definição de um MWG não
Maidique, “Apple Computer (A)”, Stanford Business School case, 1983. realista. Ver Burgelman (2002), op. cit., Capítulo 9.
64     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

O Quadro 3 descreve a interação entre os condutores que as ações tomadas no desenvolvimento do produto
da ação estratégica na Matrix Semiconductor, na Pixim, e da tecnologia sejam coerentes com a estratégia de ne-
na Weave Innovations e na StubHub. gócios articulada.
Impedir que um dos condutores domine excessiva-
Interação dos condutores: mantendo uma ação mente a interação é um importante desafio para a alta
combinada e equilibrada gestão. Uma tarefa fundamental da liderança estratégi-
Os três condutores são importantes e precisam exercer ca é compreender quando qualquer um desses conduto-
simultaneamente um papel fundamental na realização res deve ser o condutor principal da ação estratégica e
do primeiro MWG. A estratégia de negócio, o desenvol- quando deixar outro guiar a empresa para a realização
vimento de produto e o de tecnologia devem funcionar do MWG. Por exemplo, o conflito sustentado entre os
de forma orquestrada para que a gestão possa garantir lados técnico e comercial é um sinal de que o equilí-

Quadro 3 exemplo, a estratégia como condutora da ação estratégica al-


Interação dos condutores da ação estratégica: terou o MWG e o curso da empresa rumo a uma posição de
4 casos mercado mais defensável e diferenciada.
Condutores da ação estratégica na matrix semiconductor
Condutores da ação estratégica na Weave Innovations
Nesta empresa, o condutor fundamental das suas ações co-
Nos primeiros dias de existência da Weave, provar a viabili-
meçou como um processo interativo de desenvolvimento da
tecnologia e do produto, orientado pela criação da estratégia dade técnica da rede nacional, junto com o desenvolvimento
de negócio à medida que se tornaram disponíveis o feedback de um protótipo de porta-retratos digital, dirigiu a maioria
da tecnologia e os esforços de desenvolvimento. Isso ajudou das atividades e definiu o primeiro MWG. Os primeiros con-
a definir e redefinir o MWG. No fim, a alta gestão percebeu dutores da ação estratégica foram a estratégia de negócio
que acrescentar as capacitações tecnológicas de leitura/escrita para desenvolver a rede de mídia digital, e, em menor grau,
exigiria pelo menos 12 meses para o seu tempo de desenvol- o desenvolvimento de produto, como um método de imple-
vimento do produto. A alta gestão também percebeu que as mentação da visão da empresa em relação ao consumo futuro
vantagens competitivas do produto OTP seriam mais fortes no de mídia digital. Ao longo do tempo, porém, a gestão desco-
mercado relativamente menor de armazenamento de conteúdo briu que uma variável fundamental e fator de sucesso para o
pré-gravado do que no grande mercado de fotografia digital crescimento da empresa seria a implantação das aplicações
para os cartões de memória virgens. Diante disso, a estratégia de internet aos quais a rede poderia se conectar e, com isso,
de negócio levou a definir o MWG atendendo a um segmento o desenvolvimento de produto de uma aplicação de internet
de mercado que consideraria atraente à escrita única a um preço (em particular, um porta-retratos digital a ser vendido por um
relativamente baixo, e que seria suficientemente grande para parceiro OEM) se tornou um condutor fundamental da ação
estabelecer uma base comercial viável que permitiria à empresa para levar a empresa à próxima fase de crescimento. Neste
entrar mais tarde com a opção do produto de leitura/escrita. exemplo, como o condutor fundamental da ação estratégica
Condutores da ação estratégica na Pixim Inc. mudou da estratégia de negócio para o desenvolvimento do
Depois que esta empresa comprovou a viabilidade da sua tec- produto, a empresa foi obrigada a redefinir seu MWG, o que
nologia, ela precisou mudar suas ações estratégicas, fazendo levou a Weave à próxima fase de crescimento.
que deixassem de ser conduzidas pelo desenvolvimento tecno-
Condutores da ação estratégica na StubHub
lógico, passando a se basear na direção estratégica escolhida. A
Em meados de 2003, quando a empresa percebeu que pre-
empresa passou por uma análise sistemática de suas capacita-
cisava mudar seu MWG, ela também entendeu que precisa-
ções tecnológicas e olhou mais de perto as várias necessidades
va mudar seu produto básico e sua base de clientes, além de
do mercado, concluindo que precisava reorientar seu desenvol-
vimento de produto em uma direção diferente da anteriormente reo­rientar suas energias, que estavam voltadas para a entrega
planejada. A Pixim mudou o posicionamento do seu MWG da de sites “hospedados” para as principais equipes esportivas,
venda de sensores de imagem, que capturavam imagens está- focando-as na criação de um portal Web de “destino” que
ticas para os mercados de telefones celulares e câmeras, para a agisse como um câmara de compensação para compradores
venda de sistemas de imagem (incluindo sensores e processa- e vendedores de ingressos no mercado secundário. Essa mu-
dores de imagem) que capturavam vídeo para o mercado de se- dança na estratégia de negócio forçou um enfoque das ações
gurança. Essa mudança incluiu a redefinição das capacitações em torno de uma grande reformulação do produto principal da
do produto que a empresa venderia, como também o conjunto empresa. Por isso, considerando que a estratégia de negócio
de habilidades dos empregados, necessário para entregar o conduziu a maior parte das ações estratégicas iniciais da em-
produto. Além disso, buscando entregar um “produto inteiro” presa, a mudança no MWG forçou-a imediatamente a mudan-
para seus clientes (incluindo silício, software e ferramentas de ças drásticas nas atividades de desenvolvimento de produto,
desenvolvimento), a empresa percebeu que precisava pensar que então conduziram as ações estratégicas posteriores (tais
mais amplamente sobre o que seria necessário para fazer que como, a maneira como a StubHub se introduziu no mercado e
um projeto vencesse, e para mantê-lo no longo prazo. Neste como abordou os clientes).
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-5     65

brio entre os diferentes condutores tem que ser alterado. independentemente de suas limitações. À medida que a
Mais sérios, talvez, são os sinais de que a definição do Matrix buscou o desenvolvimento do seu primeiro pro-
MWG não é mais correta e, portanto, o equilíbrio entre duto e descobriu qual era a aplicação de mercado mais
os condutores principais deve mudar. Nossos estudos viável (conteúdo pré-programado), sua estratégia de
de caso ilustram alguns desses indicativos e o papel da negócio tornou-se cada vez mais o principal condutor
liderança na mudança do equilíbrio entre os condutores da ação estratégica.
principais. Na Pixim, o CEO acrescentou um novo membro à
Tanto a Matrix quanto a Pixim – empresas que foram equipe executiva, cujo único propósito era mudar a con-
fundadas com base na invenção de tecnologia bastante dução das ações estratégicas, tirando-a da tecnologia e
radical – tinham líderes que, nos primeiros dias, permi- levando para a estratégia de negócio. Este reequilíbrio
tiram que o desenvolvimento de tecnologia conduzisse foi necessário porque o novo executivo descobriu que
os tipos de empregados e parcerias que as empresas cul- o desenvolvimento de tecnologia em andamento não se
tivavam. Com o passar do tempo, porém, a gestão em adequava à necessidade de mercado vagamente inten-
ambas as organizações mudou o condutor principal das cionada, e que a Pixim precisava redefinir-se como uma
ações, voltando-se para o desenvolvimento do produto empresa de “sistemas” de imagem. O desenvolvimen-
e o desenvolvimento da estratégia. Isto terminou por to de um processo estratégico forte permitiu à equipe
obrigá-las a determinarem como poderiam realizar seu da alta gestão reconhecer a necessidade de acrescentar
primeiro MWG. Por outro lado, a Weave Innovations novas competências de softwares e documentação na
e a StubHub começaram com a estratégia de negócio, empresa, bem como compreender as oportunidades e
mas mudaram para o desenvolvimento de produto como limitações do novo sistema de imagem.
o condutor específico. A Weave focou completamente Na Weave Innovations, o foco da organização passou
em concluir um aparelho de internet conhecido como a ser definido como concluir e despachar seu primei-
porta-retratos digital, o que formalizou um relaciona- ro produto com um forte parceiro de OEM, de modo
mento comercial estratégico com a Eastman Kodak. que pudesse alcançar economias de escala no valor de
A StubHub percebeu que se mover de um modelo de sua rede. As discussões com vários possíveis parceiros
site da Web hospedado para outras empresas não era de produto chegaram a um foco: terminar seu primeiro
tão lucrativo quanto criar seu próprio site destinado à produto a tempo de ser enviado na temporada de férias
venda de ingressos. Esta mudança levou a um cresci- do ano 2000. De modo similar, a StubHub passou rapi-
mento significativamente maior e lucrativo para a em- damente quase todos os seus recursos de desenvolvi-
presa. Por isso, em ambos os casos, uma mudança em mento em seu site de destino para arranjos de hospeda-
seus condutores da ação estratégica foi necessária para gem, de modo que pudesse criar as economias de escala
realizar seu próximo MWG. necessárias para impulsionar o crescimento rentável
Outro grande desafio para a alta gestão é saber quan- de larga escala. Esta foi a única maneira que a equipe de
do mudar o equilíbrio dos condutores. Na Matrix Semi- gestão encontrou para alcançar o tipo de retorno que
conductor e na Pixim, a alta gestão sabia que era hora seria esperado pelos seus investidores de risco.
de mudar de um condutor da ação estratégica para outro
quando suas atividades paralisaram e elas não estavam IMPLICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
mais caminhando para sua próxima fase de desenvolvi-
mento. No caso da Matrix, o CEO sabia que a empresa Criar um processo de planejamento estratégico
tinha que deixar de continuar trabalhando no desenvol- disciplinado
vimento de tecnologia e partir para o desenvolvimento Ao adotar explicitamente as ideias do MWG e dos con-
do produto se quisesse ter algum sucesso comercial. Ele dutores da decisão estratégica, a liderança das equipes
tomou a decisão estratégica de comercializar o primeiro de alta tecnologia pode alinhar melhor suas metas e
produto da empresa com base na tecnologia “progra- comportamentos intermediários para alcançar a visão
mável uma única vez”, em vez da tecnologia de “lei- de longo prazo da empresa. Como foi observado, a Intel
tura/escrita”. Deste modo, a Matrix podia desenvolver Corporation é um exemplo de empresa start-up de alta
as competências operacionais adequadas e necessárias tecnologia que definiu claramente seu primeiro MWG.
para ser uma empresa de semicondutores totalmen- No decorrer de sua evolução, ela continuou a executar
te funcional e sem fab. Tomou-se ainda a decisão de um programa anual chamado SLRP (Processo de Pla-
mudar o foco da empresa de tentar solucionar todos os nejamento Estratégico de Longo Alcance), que reúne a
problemas inerentes a fazer as memórias 3-D funcio- alta liderança da empresa para discutir e debater as me-
narem (como se esperava inicialmente) para assegurar tas e objetivos da empresa ao longo dos três anos subse-
que o primeiro produto tivesse uma construção viável, quentes. O processo de planejamento é disparado pelo
66     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

CEO, que usa a abertura da reunião de SLRP para dar e quais delas são as mais importantes na perspectiva
o tom da seção e expor o próximo MWG da empresa.43 do cliente. Isto permite que uma equipe de desenvol-
O segundo autor, que participou do processo de SLRP vimento priorize as atividades fundamentais à medida
enquanto foi empregado da Intel, levou um processo que as demandas para lançar um produto comecem a
semelhante para a Pixim, chamado PSAP (Processo de entrar em conflito com os prazos de desenvolvimento.
Planejamento Estratégico e de Produto da Pixim).44 A Essas ferramentas foram trazidas pelo segundo au-
experiência permitiu à Pixim esclarecer e focar suas tor para os processos de planejamento estratégico da
atividades de desenvolvimento no seu primeiro produto Weave Innovations e da Pixim, o que indica que elas
e no conjunto de clientes, além de articular mais clara- podem ser usadas de maneira eficiente pelas novas em-
mente seu MWG para os empregados e acionistas. A presas de alta tecnologia e pelas já estabelecidas.46 Uma
noção de compreender e articular claramente o MWG tática fundamental para assegurar que os processos de
da empresa foi transformada em um conjunto específico
MRD e PRD sejam adotados e alinhados com a estra-
de expectativas dos líderes da equipe em cada empresa,
tégia de negócio é a circulação antecipada da versão
moldando, assim, as ações e a estratégia da Pixim.
preliminar desses documentos para os acionistas-chave
Na Intel, a reunião de SLRP é suplementada pelas
por meio dos grupos funcionais. Dessa maneira, as opi-
reuniões de implementação do Plano de Negócios da
Linha de Produtos (PLBP), nas quais os recursos são niões são incorporadas à medida que os documentos
alocados. Durante essas reuniões, é proposto um con- são elaborados. No final da preparação desse material,
junto de produtos que se alinham à estratégia acordada ele pode ser apresentado em um ambiente público com
nas reuniões de SLRP, com cada produto sendo res- a participação dos atores-chave na discussão. Quando a
paldado por um Documento de Requisitos do Mercado apresentação e a discussão terminarem, os executivos e
(MRD) e um Documento de Requisitos do Produto os acionistas assinam o documento para demonstrar seu
(PRD).45 O MRD, normalmente conduzido pela função entendimento e aceitação.
de marketing, é um documento que olha para fora e arti- Esse compromisso público serve a dois propósi-
cula um panorama geral do mercado-alvo, dos canais de tos. Primeiro, permite que os participantes apontem
distribuição, do potencial de receita e de margem para quaisquer inconsistências com a direção estratégica
produtos vendidos no mercado, da análise competitiva da empresa. Segundo, força o alinhamento das ativi-
e dos requisitos de recursos de alto nível do segmento. dades e mensagens dentro de todos os grupos na or-
Estes dados são reunidos por meio de vários métodos ganização do desenvolvimento do produto. Os dois
(incluindo entrevistas com o cliente, conversas internas documentos servem como um veículo de comunicação
por meio dos grupos funcionais e pesquisa externa), que para os participantes nos níveis mais baixos das orga-
proporcionam uma análise detalhada da oportunidade nizações. Engenharia, marketing, vendas e operações
de mercado. Isso ajuda a articular claramente o poten- passam a entender qual é a oportunidade visada, qual
cial de crescimento rentável para qualquer produto ou produto está sendo construído para satisfazer à opor-
serviço oferecido pela empresa dentro dos períodos – tunidade e por que ele deve ser configurado de uma
preparando o cenário para definir o MWG. certa maneira com as compensações apropriadas, custo
Frequentemente, o PRD é de propriedade conjunta e características.
do marketing e da Engenharia; é uma listagem mais
Quando feito adequadamente, um processo de cria-
detalhada das especificações gerais de um produto
ção de estratégia informado pelo MRD e PRD definirá
projetado para atender as necessidades de uma opor-
o “produto inteiro”. Por exemplo, se uma empresa se
tunidade identificada. As prioridades de desenvolvi-
define como participante do negócio de sistemas versus
mento são explicitamente articuladas de modo que a
Engenharia possa tomar decisões sobre quais carac- participante do negócio de componentes de semicondu-
terísticas devem ser construídas e como as escolhas tores (como a Pixim fez), os itens, como as ferramentas
devem ser feitas se houver restrições de tempo no cro- de desenvolvimento, pilhas de softwares e projetos de
nograma do produto. O PRD mostra como se supõe que referência, serão planejados no início do ciclo de desen-
determinadas características em um produto vão operar volvimento do projeto, cujos detalhes podem ser articu-
lados nos processos de MRD e PRD. Também ajudará a
articular as mensagens e o posicionamento da empresa,
43
Ver Burgelman (2002), op. cit., pp. 103, 106, 163. tanto interna quanto externamente.
44
McVie, Burgelman, and Siegel, op. cit.
45
Muitas empresas estabelecidas no setor de tecnologia usam alguma
forma de MRD e PRD como parte do processo que documenta e captura
os planos de produtos e serviços no contexto mais amplo de seus processos Ver Bamford and Burgelman (1997), op. cit. Exemplos de MRD e PRD
46

de planejamento estratégico e alocação de recursos. estão disponíveis com o segundo autor deste artigo mediante solicitação.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     67

Impor a disciplina estratégica, com frequência porque as capacitações que impulsio-


evitando a burocracia nam uma organização a ter sucesso em circunstâncias
Naturalmente, a introdução do PRD e do PRD nas em- sustentáveis estragarão sistematicamente as melhores
presas de alta tecnologia deve ser feita de uma forma ideias de crescimento disruptivo. As capacitações de
consciente, para que não seja encarada pela equipe uma organização se tornam sua deficiência quando a
da empresa como ferramentas de burocracia, em vez disrupção está em andamento.1 Este artigo sintetiza um
de disciplina estratégica. Por isso, a união do MRD modelo que pode ajudar os executivos a entenderem
e do PRD nunca deve ser encarada como um fim em exatamente o que uma unidade de negócio consegue
si; e o ônus da prova cabe à liderança da empresa, e o que não consegue fazer – e a diagnosticar precisa-
que deve demonstrar claramente que o uso das ferra- mente onde residem essas capacitações e deficiências
mentas proporciona uma percepção clara que ajuda a na organização.
definir melhor o MWG e a equilibrar os condutores da
ação estratégica.
Recursos, processos e prioridades

CONCLUSÃO O que o termo capacitação, extremamente elástico,


realmente significa? Consideramos útil desagrupar o
Nos ambientes de alta tecnologia, o ritmo da mudan- conceito de capacitação em três grupos de fatores que
ça é extremo. Uma consequência imprevista de uma definem o que uma organização pode e o que não pode
mudança rápida é que ela pode ser usada como uma
realizar: seus recursos, seus processos, e as prioridades
desculpa para negligenciar a disciplina na criação da
embutidas em seu modelo de negócio – um tríptico ao
estratégia. Introduzir a disciplina estratégica logo no
qual nos referimos como estrutura RPP.2 Embora cada
início pode impedir as empresas de alta tecnologia de
um desses termos exija uma definição e uma análise
fracassarem na armadilha do “Campo dos Sonhos”:
cuidadosas, usados em conjunto, descobrimos que eles
construa, e eles virão. Por mais que possa ser ambicio-
proporcionam uma maneira poderosa para avaliar as ca-
sa a visão inicial (e talvez mereça ser), esta introdução
pacitações e deficiências de uma organização de forma
envolve a definição de uma série de MWGs no caminho
da obtenção do sucesso. A busca eficaz da sequência de que podem tornar as inovações de todo tipo mais fada-
MWGs requer a gestão inteligente da interatividade das ao sucesso.
do desenvolvimento da tecnologia, do produto e da es-
Recursos
tratégia como condutores da ação estratégica. Enfim, a
disciplina estratégica nas empresas de alta tecnologia é Os recursos são o mais tangível dos três conjuntos de
mais susceptível de ser realizada se a alta gestão exigir fatores na estrutura RPP. Eles incluem pessoas, equi-
que a definição do minimum winning game seja orien- pamentos, tecnologias, projetos de produto, marcas,
tada para os dados, o que é facilitado pelo uso de um informações, dinheiro e relacionamentos com fornece-
processo de planejamento estratégico disciplinado e dores, distribuidores e clientes; são coisas que podem
pelas ferramentas de desenvolvimento de produto, tais ser contratadas e demitidas, compradas e vendidas, de-
como MRD e PRD. preciadas ou criadas. A maioria dos recursos é visível e
muitas vezes mensurável, logo, os gestores conseguem
saber o que possuem, e tendem a ser flexíveis também:
A rtigo 1 - 6 a maioria pode ser transportada por meio das fronteiras
organizacionais. Um engenheiro que seja um colabora-
Avaliando as capacitações da sua dor valioso em uma grande empresa pode se tornar ra-
organização: recursos, processos pidamente um colaborador valioso em uma start-up. A
e prioridades tecnologia desenvolvida para as telecomunicações pode
ser valiosa na área de saúde. O dinheiro é um recurso
Clayton M. Christensen e Stephen P. Kaufman
Harvard Business School
muito flexível; e assim por diante.

Muitas inovações fracassam, mas isso não ocorre de-


vido a alguma falha tecnológica ou porque o mercado
1
Um dos estudos mais importantes sobre este tópico encontra-se resu-
mido em Dorothy Leonard-Barton, “Core Capabilities and Core Rigi-
não está pronto. Elas fracassam porque a responsabili- dities: A Paradox in Managing New Product Development”, Strategic
dade de criar esses negócios fica ao encargo de unida- Management Journal 13 (1992): 111-125.
2
A teoria apresentada neste artigo foi publicada originalmente em Clayton
des organizacionais incapazes de assumir tal responsa- Christensen and Michael Overdorf, “Meeting the Challenge of Disrup-
bilidade. Os executivos corporativos cometem este erro tive change”, Harvard Business Review, March-April 2000.
68     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Processos por diante. Esses componentes são interligados nas


As organizações criam valor à medida que transformam formas determinadas pela arquitetura do sistema. No
os recursos em produtos e serviços de maior valor. Os prédio que abrigava os engenheiros que projetavam os
padrões de interação, coordenação, comunicação e to- produtos da empresa, a estrutura da organização corres-
mada de decisão por meio dos quais elas realizam essas pondia a esses componentes. Um grupo de engenheiros
transformações são processos.3 Estes incluem as manei- em uma área do prédio era responsável por projetar a
ras como os produtos são desenvolvidos e feitos, além coluna de direção; outro, concentrava-se nas bombas de
dos métodos pelos quais são realizadas a aquisição, pes- direção; outro, nas mangueiras; e assim por diante. Essa
quisa de mercado, orçamentação, desenvolvimento dos correspondência entre os componentes de um produto
funcionários e alocação de recursos. da empresa e a estrutura da organização é comum.
Os processos diferem não só em seus propósitos, mas O que era intrigante, porém, é que se você observas-
também em sua visibilidade. Alguns são “formais”, no se como as pessoas faziam seu trabalho, os padrões de
sentido de que são explicitamente definidos, documen- comunicação e interação entre elas nos vários grupos
tados e seguidos. Outros são rotinas habituais ou manei- espelhavam exatamente os padrões por meio dos quais
ras “informais” de trabalhar que evoluíram ao longo do os componentes interagiam no projeto do produto. Por
tempo, e que as pessoas os adotam simplesmente porque exemplo, os engenheiros de bomba comunicavam-se
“é a maneira de fazermos as coisas aqui”. Ainda, outros com os projetistas de mangueira muitas vezes por dia
métodos de trabalhar e interagir provaram-se tão eficazes – porque, quando eles mudavam alguma coisa no pro-
por tanto tempo que as pessoas os seguem inconsciente- jeto da bomba, sabiam se implicava uma mudança no
mente – e, assim, passaram a fazer parte da cultura da projeto da mangueira e quem no grupo de mangueiras
organização. Os processos formais, informais e os que precisava saber disso. Mas os engenheiros de bomba
fazem parte da cultura definem como uma organização nem mesmo sabiam os nomes dos projetistas de tirantes,
transforma insumos em resultados de maior valor.
porque os dois componentes não interagiam dentro do
Os processos surgem em resposta a tarefas recor-
projeto do produto. Era como se houvesse sulcos no chão
rentes específicas. Quando as pessoas seguem um pro-
definindo como as pessoas interagiam habitualmente no
cesso para realizar a tarefa à qual foram designadas,
processo de desenvolvimento do produto. Os caminhos
geralmente têm um desempenho mais eficiente. Mas,
eram tão evidentes e habituais que, contanto que a ar-
quando o mesmo processo eficiente é empregado para
cuidar de uma tarefa muito diferente, muitas vezes ele quitetura do produto permanecesse inalterada, o pro-
parece burocrático. Em outras palavras, um processo cesso geria os requisitos de coordenação dos projetos
que se torna uma capacitação na execução de uma de- de desenvolvimento com supervisão executiva mínima.
terminada tarefa pode ser uma deficiência na execução No entanto, quando a arquitetura da engrenagem de
de outras tarefas. Ao contrário da flexibilidade de muitos direção mudava – de modo que os diferentes compo-
recursos, os processos, por sua natureza, não se destinam nentes precisavam se interligar com outros de maneiras
a mudar. Eles são estabelecidos para ajudar os funcio- diferentes –, então os engenheiros nos vários grupos pre-
nários a realizarem tarefas recorrentes de uma maneira cisavam interagir com pessoas diferentes, sobre assuntos
consistente, repetidas vezes, sem a necessidade de mo- diferentes e em momentos diferentes. O processo habi-
nitoramento intenso por parte da gestão. Uma razão pela tual se tornou um impedimento para a execução bem-su-
qual as organizações focadas têm um desempenho tão cedida dos produtos com arquitetura nova. Um processo
bom é que seus processos são bem alinhados às tarefas.4 que era eficiente na execução de uma tarefa era incapaz
Para exemplificar, um de nós (autores) estudou al- de orientar as interações das pessoas em outra.
guns desafios enfrentados por um fabricante de engre- Frequentemente, os gestores de inovação em uma
nagem de direção de automóveis alguns anos atrás. A empresa estabelecida tentam usar os processos estabe-
engrenagem de direção consiste em componentes como lecidos para executar tarefas novas e diferentes, porque
roda, coluna de direção, pinhão e cremalheira, tirantes, parece mais simples ter processos de propósito geral para
bombas de direção, mangueiras hidráulicas, e assim fazer as coisas. Mas, com muita frequência, a causa do
fracasso de uma inovação é que os processos errados fo-
ram usados para gerir seu desenvolvimento e execução.5
3
A caracterização mais abrangente dos processos que já vimos encontra-
-se em David Garvin, “The Processes of Organization and Management”,
Sloan Management Review, Summer 1998. Quando usamos o termo pro-
cessos, queremos dizer que ele inclui todos os tipos de processos que 5
Esta foi uma descoberta fundamental da pesquisa memorável sintetizada
Garvin definiu. em Henderson, Rebecca M. & Kim B. Clark (1991), “Architectural In-
4
Ver C. Wickham Skinner, “The Focused Factory”, Harvard Business novation: The reconfiguration of Existing Systems and the Failure of Es-
Review, 1, May 1974. tablished Firms”, Administrative Science Quarterly (35), pp. 9-30.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     69

Às vezes, os processos mais fundamentais a serem prioridades embutidas em seu modelo de negócio.7
examinados como capacitações ou deficiências não Funcionários em todos os níveis tomam decisões de
são aqueles óbvios de agregação de valor envolvidos priorização. Os altos executivos decidem financiar cer-
em logística, desenvolvimento, manufatura e atendi- tas propostas, para investir em novos produtos, serviços
mento ao cliente. Em vez disso, são os habilitados e processos, e não financiar outras. O pessoal de vendas
capacitadores ou de base que apoiam as decisões de decide quais clientes invocarão, quais produtos oferece-
investimento. Estes incluem a forma como é feita ha- rão para eles e quais produtos não enfatizarão. Quando
bitualmente a pesquisa de mercado, como tal análise um engenheiro faz uma opção de projeto, ou um plane-
se traduz em projeções financeiras, como os planos e jador de produção coloca um pedido na frente do outro,
orçamentos são negociados e como esses números são trata-se de uma decisão de priorização.
apresentados, os tipos de objetivo pelos quais os ges- Quanto maior e mais complexa uma empresa se tor-
tores são responsabilizados, e assim por diante. São na, passa a ser mais importante para os altos executivos
nesses processos onde residem as deficiên­cias mais treinar os funcionários em todos os níveis a agirem de
graves de muitas organizações na criação ou apoio dos forma autônoma, tomarem decisões de priorização que
negócios de crescimento disruptivo. sejam coerentes com o modelo de negócio ou de renta-
Os processos são difíceis de observar, e pode ser bilidade da empresa. Se for para a empresa sobreviver,
difícil julgar se os principais processos de uma orga- os funcionários devem priorizar as coisas que a ajudam
nização vão facilitar ou impedir o crescimento de no- a ganhar dinheiro da maneira como ela está estruturada
vos negócios. Você pode ter um bom palpite, porém, para ganhá-lo.
perguntando se a organização enfrentou situações ou Enquanto os recursos e processos muitas vezes são
habilitadores que definem o que uma organização pode
tarefas similares no passado. Uma organização não
fazer, muitas vezes as prioridades embutidas no modelo
teria desenvolvido um processo para realizar determi-
de negócio representam restrições – elas definem o que
nada tarefa se antes não tivesse abordado repetidamente
uma organização não pode fazer. Se, por exemplo, a
uma tarefa similar. Por exemplo, se uma organização
estrutura dos custos fixos de uma empresa exige que ela
tem formulado planos estratégicos repetidamente para
atinja margens de lucro brutas de 40%, surge uma regra
negócios estabelecidos em mercados existentes, então
de decisão poderosa que estimula os funcionários a não
provavelmente um processo para formular tais planos
proporem, e os altos executivos a esmagarem, ideias
surgirá. Os gestores seguirão o processo instintivamente.
que prometam margens brutas abaixo de 40%. Uma or-
No entanto, o desenvolvimento de um plano estratégico ganização como essa seria incapaz de ter sucesso em
para criar um novo mercado exige um processo muito negócios de baixa margem de lucro – porque você não
diferente. Se a organização não tem formulado planos consegue ter sucesso com um esforço que não possa
repetidamente para concorrer em mercados que ainda ser priorizado. Ao mesmo tempo, uma organização com
não existem, é seguro supor que não existam processos uma estrutura de custos muito diferente em seu modelo
para fazer tais planos.6 Pelas razões mencionadas no de negócio poderia atribuir urgência ao mesmo projeto.
exemplo anterior da engrenagem de direção, quando Essas diferenças criam as assimetrias de motivação que
deve ser desenvolvida a arquitetura de um novo produto existem entre os que provocam a disrupção e os que são
ou serviço, quando um ciclo de desenvolvimento deve afetados por ela.
ser acelerado significativamente ou quando um novo Ao longo do tempo, as prioridades das empresas
mercado deve ser criado, quase sempre será necessário malsucedidas evoluem em duas dimensões previsíveis.
um processo diferente. A primeira refere-se às margens brutas aceitáveis. À
medida que as empresas aprimoram seus produtos e ser-
Prioridades viços para capturar clientes mais atraentes em camadas
A terceira classe de fatores que afetam o que uma mais seletas de seus mercados, muitas vezes elas agre-
organização pode e o que não pode realizar são as gam custos fixos. Como resultado, as margens brutas

6
Chet Huber, que foi presidente fundador da General Motors’ OnStar, 7
O conceito de prioridades, como definimos o termo aqui, é similar aos
nos explanou o quanto é crítica a distinção entre recursos (pessoas) e de “contexto estrutural” e “contexto estratégico” que surgiram no tra-
processos: “Uma das minhas maiores lições foi perceber que a empresa balho acadêmico sobre os processos de alocação de recursos. Trabalhos
precisava ser empreendedora, e não os indivíduos dentro da empresa. importantes nessa linha incluem J. L. Bower, Managing the Resource
Os indivíduos precisavam agir mais como nadadores sincronizados para Allocation Process (Homewood, IL: Richard D. Irwin, 1972), and R.
manter a organização muito bem alinhada”. (Clayton M. Christensen and Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and Strategic Management:
Erik Roth, “OnStar: Not your Father’s General Motors (A)”, Harvard Insights from a Process Study”, Management Science 29, n. 12 (1983):
Business School case 9-602-081, p. 12. 1349-1364.
70     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que em um momento eram bem atraentes parecerão A MIGRAÇÃO DAS CAPACITAÇÕES


desestimulantes mais tarde. O que as empresas podem
fazer é priorizar as mudanças à medida que trocam de Nos estágios de start-up de um negócio, muito do que
segmento no mercado. é feito é atribuível aos seus recursos – particularmen-
A segunda dimensão, junto com a mudança de prio- te ao seu pessoal. O acréscimo ou a saída de pessoas
ridades, refere-se ao tamanho que deve ter uma opor- fundamentais pode ter uma influência profunda em seu
tunidade para que seja interessante. Como o preço da sucesso. Ao longo do tempo, porém, as capacitações da
ação de uma empresa representa o valor atual descon- organização se deslocam para os seus processos e para o
tado dos seus fluxos de caixa projetados, normalmente modelo de negócio que define o que ela pode priorizar.
a maioria dos gestores se sente compelida a não ape- À medida que as pessoas trabalham juntas constituindo
nas manter o crescimento, mas também uma taxa de uma recorrência na execução das tarefas, os processos
crescimento constante ou crescente. Para uma empresa se tornam definidos. E enquanto o modelo de negócio
de US$ 40 milhões crescer 25%, ela precisa descobrir toma forma e fica claro a que tipos de negócios precisa
US$ 10 milhões em novos negócios no ano seguinte. ser dada maior importância, as prioridades tornam-se
Para uma empresa de US$ 40 bilhões crescer 25%, ela mais evidentes. A razão pela qual muitas empresas de
precisa descobrir US$ 10 bilhões em novos negócios potencial elevado fracassam após seu sucesso inicial é
no ano seguinte. Uma oportunidade que estimula uma que o recurso-chave inicial – a equipe fundadora – não
empresa pequena simplesmente não é grande o bastan- institui os processos e prioridades que podem ajudar a
te para interessar a uma empresa muito grande. Uma empresa a dar seguimento com uma sequência de bem-
das recompensas amargas do sucesso é que, à medida -sucedidos produtos novos.
que as empresas se tornam grandes, elas perdem literal- O sucesso é mais fácil de ser mantido quando o cen-
tro da capacitação de inovar migra com sucesso dos re-
mente a capacidade de entrar nos pequenos mercados
cursos para os processos e para um modelo de negócio.
emergentes. Seu tamanho e sucesso colocam recursos
Realmente, começa a interessar menos quais pessoas
extraordinários à sua disposição. Contudo, não conse-
são designadas a quais equipes de projeto. Centenas de
guem implantar esses recursos nos mercados pequenos
novos MBAs ingressam em grandes e bem-sucedidas
de hoje, que serão os grandes de amanhã, porque suas
empresas de consultoria de gestão a cada ano, por exem-
prioridades evoluídas assim não permitirão.
plo, e uma quantidade quase igual deixa essas empre-
Os executivos e financistas de Wall Street que arqui-
sas. Mas elas produzem trabalhos de alta qualidade de
tetam megafusões entre empresas já enormes a fim de
uma forma rotineira, ano após ano, porque grande parte
alcançar economias de custo precisam levar em conta
do que realizam está arraigada em seus processos. Isto
o impacto dessas ações no que as empresas resultantes
torna seu sucesso menos dependente dos seus recursos.
podem priorizar. Embora as corporações fundidas pos-
Como os processos e o modelo de negócio de uma
sam ter mais recursos para se lançarem na inovação,
nova empresa são coalescentes, as ações e atitudes do
suas organizações comerciais tendem a se desinteressar
seu fundador têm um profundo impacto. O fundador
por quaisquer coisas que não sejam as maiores oportu-
muitas vezes tem opiniões fortes sobre a maneira como
nidades de sucesso.8 A menos que continue se dividin-
os funcionários deveriam trabalhar juntos para chegar
do em unidades menores, o grande tamanho constitui
a decisões e fazer as coisas. Os fundadores impõem
uma deficiência bem real para uma empresa na criação
suas opiniões sobre quais precisam ser as prioridades
de novos negócios.
da organização. Se seus métodos forem falhos, é claro,
a empresa está fadada ao fracasso. Mas, se forem úteis,
8
A indústria farmacêutica é um exemplo. Há vinte anos, a maioria das
os funcionários vivenciarão por si mesmos a validade
empresas farmacêuticas considerava significante um fármaco que gerava das metodologias e critérios de solução de problemas
uma receita de US$ 100 milhões anuais. À medida que cresceram orga- do fundador para a tomada de decisão. À medida que
nicamente e por meio de aquisições, os fármacos de US$ 100 milhões
perderam seu brilho, e os de US$ 1 bilhão se tornaram a referência de usam com sucesso esses métodos de trabalho coletivo
sucesso. Enquanto a Pfizer e a Glaxo Smith-Kline (GSK) continuaram para abordar as tarefas repetidas, os processos se tor-
a crescer, a referência de sucesso aumentou para US$ 3-US$ 5 bilhões.
Os fármacos de US$ 1 bilhão estão perdendo seu brilho. No momento
nam definidos. Do mesmo modo, se a empresa se tornar
da criação deste livro (2006), a imprensa contrasta frequentemente o nú- financeiramente bem-sucedida ao dar importância às
mero decrescente de novos fármacos que estão surgindo nas principais prioridades do seu fundador, estas se tornarão as priori-
indústrias farmacêuticas. Seria porque a ciência está cansada? Não acre-
ditamos nisso. Estão sendo desenvolvidas novas moléculas, enzimas e dades da empresa.
proteínas mais úteis do que nunca. O problema é que cada vez menos Conforme as empresas bem-sucedidas amadure-
empresas como essas localizam mercados das doenças que sejam gran-
des o bastante para serem priorizados como atraentes para as grandes cem, os funcionários assumem gradualmente que as
empresas farmacêuticas. prioridades que aprenderam a aceitar, e que as maneiras
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     71

de fazer as coisas e os métodos de tomada de decisão ESCOLHENDO O LUGAR CERTO PARA AS


que empregaram de maneira tão bem-sucedida são o INOVAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO
jeito certo de trabalhar. Depois que os membros da or-
Nossa pesquisa mostrou que os líderes constituídos em
ganização começam a adotar os modos de trabalhar e os
uma indústria quase sempre saem vitoriosos das bata-
critérios para tomar decisões, esses processos e prio-
lhas de tecnologias sustentadoras, mas perdem as da
ridades passam a constituir a cultura da organização.9
tecnologia disruptiva. A estrutura RPP das capacitações
À medida que as empresas crescem de poucos funcio-
organizacionais nos ajuda a ver por que os registros
nários para centenas ou milhares, o desafio de fazer com
dessas empresas líderes diferem tanto nessas duas tare-
que todos eles concordem com o que precisa ser feito
fas. Os líderes da indústria desenvolvem e introduzem
e como deveria ser feito de modo que as coisas cer-
tecnologias sustentadoras repetidamente. No estudo da
tas sejam realizadas repetida e consistentemente pode
indústria de unidades de disco de computador, que foi
ser assustador até mesmo para os melhores gestores. A
a base do livro The Innovator’s Dilemma (Dilema do
cultura é uma poderosa ferramenta de gestão nessas si-
Inovador), 111 das 116 tecnologias eram sustentadoras.
tuações. Ela permite aos funcionários agirem de forma Ano após ano, à medida que as empresas estabeleci-
autônoma, porém coesa. das lançam produtos novos e aprimorados a fim de ob-
Por isso, a localização dos fatores mais poderosos ter uma vantagem sobre a concorrência, elas refinam
que definem as capacitações e deficiências de uma orga- os processos para avaliar o potencial tecnológico e as
nização migra ao longo do tempo – dos recursos para os necessidades dos clientes em relação às tecnologias
processos e prioridades visíveis e conscientes e depois sustentadoras. Em outras palavras, as organizações de-
para a cultura. Quando as capacitações da organização senvolvem uma capacitação para sustentar a inovação
residem primariamente em seu pessoal, é relativamente que reside em seus processos. Os investimentos em tec-
simples gerir a mudança. Mas quando as capacitações nologia sustentadora também se enquadram nas priori-
residem em seus processos e no modelo de negócio, e dades das empresas líderes porque prometem melhorar
especialmente quando se tornaram incorporadas à cultu- as margens de lucro, além de produtos melhores ou com
ra, as mudanças podem ser extraordinariamente difíceis. custos reduzidos.
Toda inovação implica criar um novo recurso, pro- Por outro lado, as inovações disruptivas ocorrem
cesso ou modelo de negócio, ou alguma combinação de modo tão intermitente, que nenhuma empresa tem
destes. Geralmente, as empresas se defrontam com a um processo conhecido para manipulá-las. Além disso,
oportunidade de criar novos negócios – e a consequen- como os produtos disruptivos, tipicamente, prometem
te obrigação de recorrer a processos diferentes e a um uma margem de lucro menor por unidade vendida e não
único modelo de negócio – num momento em que o podem ser usados pelos melhores clientes, as disrupções
principal negócio ainda é muito saudável. Isto signifi- são incompatíveis com as prioridades das empresas lí-
ca que os executivos não devem mudar os processos deres. As empresas estabelecidas possuem os recursos
e prioridades que permitem ao seu negócio principal – engenheiros, dinheiro e tecnologia – necessários para
sustentar o sucesso, mesmo quando desenvolvem novos ter sucesso tanto nas tecnologias sustentadoras quanto
negócios. Esta ambidestria é difícil de dominar. Vamos nas disruptivas. Mas seus processos e as prioridades
nos voltar para ela agora.10 embutidas em seus modelos de negócio constituem de-
ficiências em seus esforços para ter sucesso na inova-
ção disruptiva.
9
Ver Edgar Schein, Organizational Culture and Leadership (San Fran- Por outro lado, as empresas novas realmente são
cisco: Jossey-Bass, 1988). Esta descrição do desenvolvimento da cultura
de uma organização baseia-se fortemente na pesquisa de Schein.
mais capazes de buscar mercados de crescimento dis-
10
Os professores Michael Tushman, de Harvard, e Charles O’Reilly, de ruptivo. A falta de recursos não as limita. Suas priorida-
Stanford, estudaram profundamente a necessidade de gerenciar as orga- des podem abranger os mercados pequenos e suas estru-
nizações dessa maneira para criar o que eles chamam de “organizações
ambidestras”. Da maneira como entendemos seu trabalho, eles afirmam turas de custo acomodar menos dólares de margem por
que não basta simplesmente criar uma nova organização a partir da ori- unidade vendida. Sua pesquisa de mercado e processos
ginal para buscar inovações importantes, mas disruptivas, que não se en-
quadrem nas principais prioridades da organização. A razão é que com
de alocação de recursos menos formais permitem que
frequência os executivos criam uma nova organização para retirar a dis- os gestores prossigam intuitivamente, em vez de serem
rupção da sua programação, de modo que possam se concentrar em gerir
o negócio principal. Para criar uma organização verdadeiramente ambi-
destra, Tushman e O’Reilly afirmam que duas organizações diferentes
precisam se localizar dentro de uma unidade de negócio. A responsabili- ao que deve ser integrado e compartilhado pelos grupos e ao que deve ser
dade de gerir as organizações disruptivas e sustentadoras precisa estar em implementado de forma autônoma. Ver Michael L. Tushman and Charles
um nível da organização onde as duas não sejam tratadas como negócios A. O’Reilly, Winning Through Innovation: A Practical Guide to Leading
em um portfólio. Ao contrário, elas deveriam estar em um grupo ou uni- Organizational Change and Renewal (Boston: Harvard Business School
dade de negócio cuja gestão tenha capacidade de prestar muita atenção Press, 2002).
72     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

respaldados pela pesquisa e análise cuidadosas. Os presentes entre as unidades para garantir que o trabalho
executivos que estão criando novos negócios devem, se enquadre no tempo e no espaço. O trabalho básico
portanto, garantir que a responsabilidade de tornar o – e a responsabilidade por ele – continua nas unidades
empreendimento bem-sucedido seja dada a uma organi- funcionais. Nas reuniões de equipe, um representante
zação cujos processos venham a facilitar o que precisa de cada grupo funcional comparece para certificar-se de
ser feito e cujo modelo de negócio permita a priorização que o trabalho independente de cada grupo está dentro
dessas atividades. A teoria diz que os requisitos de uma do prazo e que ele interaja adequadamente com o traba-
inovação precisam ser compatíveis com os processos e lho das outras unidades. As organizações mais “matri-
as prioridades da organização, ou ela não terá sucesso. ciais” são de coordenação e de peso-leve.
Quando a arquitetura de um produto ou processo
Organização de equipes para acomodar precisa mudar, então muitas vezes surgem interde-
as tarefas pendências imprevisíveis. Componentes diferentes
Equipes funcionais e pesos-leves são projetadas para ex- precisam interagir com componentes diferentes de
plorar as capacitações residentes nos processos e mode- modo que não podem ser claramente antecipados ou
los de negócio existentes.11 Uma equipe peso-pesado é especificados de antemão. Isto significa, como conse-
estabelecida para criar um novo processo, e uma equipe quência, que pessoas diferentes precisam interagir so-
autônoma, para criar um novo modelo de negócio. Cada bre assuntos diferentes e em momentos diferentes. Re-
tipo é representado esquematicamente na Figura 1. solver essas interdependências imprevisíveis envolve
As fronteiras das organizações funcionais tendem frequentemente a negociação dos interesses de função
a ser traçadas em torno das disciplinas – finanças, frente aos interesses de outras funções-foco para que a
marketing, manufatura, engenharia, e assim por diante. arquitetura seja otimizada. Às vezes, podem ser desen-
Tipicamente, essas disciplinas amplas são subdividi- volvidos novos componentes que evitem a necessidade
das por especialização, tais como elétrica, mecânica e de outros. Precisam ser criadas equipes pesos-pesados
software, em uma organização de engenharia, ou conta- para abordar este tipo de desafio. Os membros devem
bilidade de custos, orçamentação, contas a pagar, folha trabalhar no mesmo local e ser liderados por um gestor
de pagamento, crédito e cobrança em uma organização que exerça influência significativa. As equipes pesos-
contábil. Publicidade, gestão de marca, gestão de canal -pesados permitem que os membros interajam de ma-
e pesquisa de marketing são subdivisões típicas em uma neiras diferentes das habituais por meio das fronteiras
organização de marketing. Quando essa especialidade é das organizações funcionais. Os membros trazem con-
específica para os componentes dos produtos que estão sigo seu domínio funcional à medida que se juntam à
sendo feitos, então as unidades funcionais correspon- equipe. Mas sua intenção nunca deve ser a de “repre-
dem aos componentes do produto, como ocorreu na sentar” os interesses do seu grupo funcional durante as
empresa de engrenagem de direção descrita anterior- deliberações da equipe; pelo contrário, deve ser a de
mente. O trabalho das diferentes unidades funcionais descobrir coletivamente a melhor maneira de unir as
é coordenado por meio de especificações detalhadas coisas de modo que o projeto global seja bem-sucedido
que definem o que cada grupo deve fazer e como o tra- – “unir as coisas” significa, aqui, otimizar o desempe-
balho dos grupos deve se encaixar. Quando o trabalho nho do produto, a qualidade, o custo, a conveniência do
pode ser completamente especificado de antemão, não cliente ou a velocidade para o mercado.
há dependências – os grupos podem trabalhar de forma Todas as funções, dentro da empresa, envolvidas em
independente. Transferir a responsabilidade do projeto interdependências imprevisíveis que afetam as dimen-
para outra equipe quando um grupo funcional terminou sões da missão crítica do projeto devem colocar uma
seu trabalho é chamado muitas vezes de “jogar por cima pessoa nessa equipe. Em geral, os membros trabalham
do muro”. no mesmo local. Os funcionários autoconfiantes com
É necessária uma equipe peso-leve quando há in- uma perspectiva de gestão são os membros mais efi-
terdependência previsível entre as pessoas ou grupos cientes das equipes pesos-pesados. Isto porque eles pre-
envolvidos em um projeto. Quando o trabalho de uma cisam contribuir e influenciar as decisões que estão fora
unidade afeta em conteúdo e forma o trabalho de um de seus domínios pessoais de especialização. As equi-
grupo de pessoas de outra unidade, então um gestor pes pesos-pesados são estabelecidas para criar novos
peso-leve precisa intervir na interface das atividades processos ou novas maneiras de trabalhar junto. Por
outro lado, as equipes funcionais e equipes pesos-leves
são estabelecidas para explorar os processos existentes.
Wheelwright, Steven C. and Kim B. Clark, Revolutionizing New Product
11 O quarto tipo de equipe é a unidade de negócio autô-
Development. (New York: The Free Press, 1992). noma. Estas unidades são essenciais quando, em vez de
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     73

Figura 1 Quatro tipos de formação de equipes

(Os pontos nos diagramas representam os membros da equipe; as linhas


cheias representam a relação de autoridade e responsabilidade; as linhas
pontilhadas representam as relações de comunicação.)

Equipe funcional Equipe peso-leve


VP VP VP VP VP VP VP VP

Gestor do
projeto

Equipe peso-pesado Equipe autônoma


VP VP VP VP VP VP VP VP

Gestor do
projeto Gestor da
unidade
de negócio

Fonte: Wheelwright and Clark (1992).

inovar para criar novos produtos e processos, os gestores alguns dias em desenhos e modelos, a equipe se reúne
enfrentam uma inovação do modelo de negócio disrup- para montar um produto acabado. Pode-se imaginar sua
tiva. Um projeto é disruptivo se as unidades de negócio inevitável descoberta. As portas em um dos quartos não
existentes em uma empresa não conseguem priorizá-lo se alinham com as que saem do quarto adjacente. Em
em relação a outros investimentos que tenham essa op- um quarto são colocadas janelas que abrem para uma
ção. Em casos assim, uma equipe autônoma é estabeleci- parede, e as instalações hidráulicas são canalizadas da
da para criar um novo modelo econômico que possa prio- cozinha para a sala de estar.
rizar e atender de forma rentável o novo mercado visado. Após dias de esforço adicional, eles equacionam
como mudar de lugar as portas e janelas para fazer
Explicar e solucionar questões sobre silos com que as partes se encaixem, pelo menos geome-
funcionais tricamente. Isso cria um conflito considerável, porque
Uma das queixas mais comuns ouvidas das pessoas que o processo de acomodação exige dos alunos, que se
trabalham em quase todas as organizações – incluindo apegaram à maneira que projetaram seus ambientes
universidades, governos, empresas e instituições reli- individuais, desistirem do que consideravam muito
giosas – é que trabalhar em silos funcionais é uma fon- importante. E, depois do seu esforço heroico, eles
te persistente de dores de cabeça, erros, frustrações e ainda sofrem uma crítica devastadora quando exibem
atrasos. Alguma vez você já se perguntou por que, se já o projeto final para o professor. Não existe um “pro-
que é algo tão terrível, os executivos parecem condenar grama”, no jargão do comércio. A construção é apenas
sadicamente seus funcionários a trabalharem em silos um conglomerado de peças independentes. Sem uma
funcionais? harmonia global ou fluxo, não há sentido de finalidade
Aqui está uma forma de visualizar, por exemplo, o da construção. Para quem e para qual estilo de vida ela
que provoca essas frustrações. Considere o que poderia foi projetada?
acontecer se o professor em um curso introdutório de ar- Os arquitetos experientes, naturalmente, abordariam
quitetura atribuísse aos alunos a tarefa de projetar uma esse desafio de uma maneira diferente. Primeiro, eles
casa. Pressionados pelo tempo, os alunos rapidamente visitam os clientes para entender seu estilo de vida e
dividiriam a responsabilidade: um projetará a cozinha, suas ambições: Quantos filhos eles têm? Que tipo de
outro, o banheiro, e os demais, os quartos, sala de estar, entretenimento doméstico preferem? Eles precisam
e assim por diante. Depois de trabalhar intensamente guardar bicicletas e outros equipamentos esportivos?
74     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

figura 2 Estrutura para o projeto organizacional

Inovação de produto Resposta organizacional Inovação de processo

Inovações para criar Unidade de Inovações para criar


um novo modelo de negócio autônoma um novo modelo de
negócio disruptivo negócio disruptivo
Vá para o nível de mudança mais alto exigido e depois

Vá para o nível de mudança mais alto exigido e depois


Aprimoramentos na Aprimoramentos na
arquitetura do arquitetura do
produto ou serviço: Equipe peso-pesado produto ou serviço:
implica interdependências implica interdependências
desça em cascata

desça em cascata
imprevisíveis imprevisíveis

Aprimoramento dos Aprimoramento de


componentes em um múltiplas etapas em um
produto ou serviço; Equipe peso-leve processo:
interdependências interdependências
previsíveis previsíveis

Aprimoramento de um Aprimoramento dentro


componente em um de uma determinada
produto ou serviço; Equipe funcional etapa de um processo;
nenhuma nenhuma
interdependência interdependência

Com que frequência se divertem, e de que modo? Eles jeto é confinado a um único aposento. Outras, envolve
querem exibir obras de arte? Um dos cônjuges precisará como dois aposentos se relacionam um com o outro; e
de um escritório? assim por diante. Em todo caso, porém, os arquitetos
Tendo estabelecido os objetivos do projeto como experientes começam no nível mais alto exigido na hie-
um todo, a equipe pode então abordar a arquitetura glo- rarquia de projeto, e depois descerão em cascata rumo
bal da residência – atribuir papéis aos espaços na casa. às questões de projeto específicas ao aposento.
Onde será servido o café da manhã? A privacidade é ne- A Figura 2 retrata uma hierarquia análoga no projeto
cessária? Os banheiros serão compartilhados? Haverá das organizações. No nível mais baixo estão os proje-
um espaço separado para as crianças brincarem? Onde tos para aprimorar os componentes individuais de um
ficarão as televisões? Essa abundância de decisões in- produto ou as etapas dentro de um processo. Como já
dividuais só pode ser tomada uma vez que os objetivos mencionado, eles podem ser executados pelas equipes
da família tenham sido compreendidos. funcionais, porque não há interdependências entre as
Depois que os papéis foram atribuídos aos espaços, funções. No próximo nível estão os projetos de desen-
a equipe pode visualizar mais claramente como as pe- volvimento de produto e aprimoramento de processo,
ças da residência vão se relacionar umas com as outras. com interdependências previsíveis por meio das fron-
Haverá um ou dois pavimentos? A cozinha abrirá di- teiras funcionais – projetos que podem ser manipulados
retamente para a sala de jantar? Haverá uma maneira por equipes pesos-leves. O terceiro nível compreende
de ampliar a sala de jantar na sala de estar? O escritó- os projetos para definir novos produtos e arquiteturas de
rio será acessível apenas por meio do quarto principal? processos – projetos com interdependências imprevisí-
Onde serão colocadas as portas, escadas e corredores veis. Esses requerem equipes pesos-pesados que têm o
para permitir uma circulação eficiente pela casa? Nesse poder de usar um novo processo para unir as coisas de
ponto, enfim, a equipe pode mergulhar nos detalhes de novas maneiras. No nível mais alto estão as equipes au-
cada aposento. Esta é a quarta etapa em uma cascata de tônomas, cujo caráter é criar novos modelos de negócio.
decisões de projeto que começou com (1) estabelecer Assim como os arquitetos experientes, os executi-
os objetivos da residência do cliente, (2) atribuir papéis vos gestores da inovação precisam estruturar a equipe
aos aposentos, e (3) gerar um plano de como os apo- adequada, começando pelo nível mais alto exigido na
sentos serão configurados uns em relação aos outros e hierarquia do projeto organizacional e depois descendo
assim conectados. em cascata por meio das questões em cada nível mais
Nem todos os projetos de arquitetura, é claro, preci- baixo. Se o projeto for disruptivo para as prioridades
sam começar no nível mais elevado. Às vezes, um pro- embutidas no modelo de negócio da empresa, ele precisa
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     75

ser autônomo. Dentro dessa unidade, podem ser desen- uma empresa pode ter um impacto de sustentação em
volvidos produtos e processos com a arquitetura ade- outra. Por exemplo, a Dell Computer começou venden-
quada; pode ser definida a maneira pela qual eles devem do computadores por meio de catálogo e telefone. Para
interagir; e os componentes ou etapas individuais nos esta empresa, a iniciativa de começar vendendo por
processos podem ser projetados. Se o projeto sustenta meio da internet foi uma inovação sustentadora. Usan-
as prioridades da organização, então a autonomia não é do uma equipe peso-pesado, a Dell adotou com sucesso
desejável. Mas se pessoas diferentes precisam interagir a venda via internet. Para a Compaq, HP e IBM, porém,
sobre questões diferentes com cronogramas diferentes, a comercialização on-line diretamente com os clientes
então o ponto de partida necessário é uma equipe peso- foi decididamente disruptiva devido ao seu impacto nos
-pesado; e assim por diante. canais de varejo dessas empresas. A única maneira pela
As organizações funcionais não são intrinsecamen- qual elas poderiam ter sido bem-sucedidas em se torna-
te não funcionais. Elas são otimizadas para abordar rem líderes no comércio on-line seria ir para o topo da
um determinado tipo de problema recorrente. Contanto hierarquia, criando uma unidade de negócio autônoma
que os funcionários nas unidades funcionais estejam e, possivelmente, uma nova marca.
lidando com esses tipos de problemas, isto funciona De modo similar, a corretagem on-line foi uma tec-
bem. É quando os gestores ordenam a criação de um nologia sustentadora para as corretoras de descontos,
produto de nova arquitetura ou de um processo radi- como a Schwab e a Ameritrade, mas é disruptiva para as
calmente diferente no terceiro nível da Figura 2, mas corretoras de serviço completo, como a Merril Lynch.
procuram executar essa ordem por meio de equipes As organizações não podem gerar disrupções nelas
funcionais no nível inferior, que as pessoas se quei- mesmas. Então, quando a Merril Lynch implementou a
xam das desgraças dos silos funcionais. Isso porque, negociação de ações baseada na internet dentro de sua
de uma forma comparável à abordagem dos estudantes organização de corretagem principal, o efeito foi es-
novatos de arquitetura, os membros da equipe ficam sencialmente o de trazer melhores informações para os
sobrecarregados com detalhes funcionais antes de fa- seus corretores de serviço completo, a fim de ajudá-los
zerem opções no nível do sistema. De modo similar, a fazer um trabalho ainda melhor de atendimento às ne-
quando os executivos dão a uma equipe peso-leve a cessidades dos seus clientes de alto patrimônio líquido.
responsabilidade de criar um negócio de crescimento O sistema de internet foi moldado como uma tecnolo-
disruptivo, cuja economia seja coerente com as prio- gia sustentadora em relação à Merril Lynch – e nenhum
ridades embutidas no modelo de negócio atual, eles outro resultado seria possível. Além disso, essa foi uma
condenam a equipe a nadar contra uma corrente extre- atitude sábia da Merril Lynch. Seu negócio de correta-
mamente forte – onde nenhuma das organizações fun- gem para clientes abastados é saudável e lucrativo. Esta
cionais dentro das quais eles trabalham pode priorizar empresa seria louca de não torná-lo ainda melhor. Mas
o que lhes foi dado para realizar. os executivos da Merril Lynch não deviam concluir que
A razão pela qual a maioria das pessoas trabalha em abordaram a ruptura levantada pela Charles Schwab.
silos é que a organização funcional é o modo “predeter- Eles só poderiam fazer isso se adquirissem ou criassem
minado” no final da cascata da hierarquia, onde surge uma unidade autônoma cujo modelo de negócio os aju-
a maioria das tarefas recorrentes. O desafio de inovar dasse a obter lucros atraentes a preços de desconto com
para criar um novo modelo de negócio, na maioria das clientes de baixo patrimônio líquido.
empresas, surge uma ou duas vezes em uma década. Esta é uma razão importante para a observação que
Rearquitetar um produto ou processo é um desafio des- fizemos em outros lugares, de que as empresas estabe-
contínuo que surge a cada poucos anos. Mas os proble- lecidas são propensas a apinhar o mercado com ideias
mas que exigem mudanças incrementais nas atividades disruptivas, forçando-as a competir com base na tecno-
e componentes surgem muitas vezes a cada ano. Se os logia sustentadora.12 Quando as estratégias para desen-
executivos mantivessem as equipes pesos-pesados após volver e comercializar essas inovações disruptivas são
a arquitetura de um produto ou processo ter sido defi- desenvolvidas dentro da organização principal, este é o
nida e as interfaces entre as peças do sistema tiverem único resultado que podemos esperar. Os processos de
sido elaboradas, isso criaria um custo fixo adicional uma unidade e as prioridades embutidas em seu mode-
desnecessário. As unidades de negócio autônomas e as lo de negócio asseguram que ela só pode implementar
unidades funcionais tendem a ser a forma de organiza- inovações na forma de sustentação.
ção mais permanente. As equipes pesos-pesados e as
equipes pesos-leves são mecanismos temporários.
Ao usar a Figura 2, é importante lembrar que a dis- 12
Ver Capítulo 4 em Christensen, Clayton and Michael Raynor, The Innova-
rupção é um termo relativo. O que é disruptivo para tor’s Solution (Boston: Harvard Business School Press, 2002).
76     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

CRIANDO NOVAS CAPACITAÇÕES projetos arquiteturais (atribuição de função às partes) e


como as partes e os estágios do projeto e da produção
O modelo RPP pode ser um guia útil para os executi- interagiam. Essas informações foram capturadas em
vos que precisam criar novas capacitações porque as abundância nos registros “lições aprendidas”. Os méto-
capacitações que a organização já possui não são bem dos da Toyota transformaram uma experiência única (o
adaptadas para criar novos negócios. Isso pode ser en- projeto de uma equipe peso-pesado para uma platafor-
quadrado como uma decisão de fazer ou comprar. Tipi- ma) em um processo.
camente, associamos as decisões de fazer ou comprar Por outro lado, os concorrentes da Toyota não ge-
em relação aos recursos, como fazer versus comprar raram, de modo geral, a mesma amplitude ou profun-
componentes, desenvolver versus licenciar tecnolo- didade de conhecimento sobre a arquitetura de suas
gia, e assim por diante. Mas os processos e os modelos plataformas. Eles não codificaram o que haviam feito
de negócio também podem ser criados ou comprados, e, por isso, não têm meios de disseminar esse conheci-
como descrito abaixo. mento para as outras pessoas na organização. Portanto,
têm que projetar cada carro novo com uma abordagem
Criando novos processos
peso-pesado, recriando repetidamente alguma parcela
Enquanto as equipes pesos-leves e funcionais são esta- das arquiteturas e especificações de interface dos seus
belecidas para explorar os processos existentes, as equi- produtos. Essas equipes continuam a ter experiências,
pes pesos-pesados são estabelecidas para criar novos mas não criaram processos.
processos. Quando há uma interface bem definida entre Quando a Toyota desenvolveu seu veículo híbrido
as atividades de duas pessoas ou grupos organizacio- Prius – uma nova integração de motor de combustão
nais diferentes – significando que é possível especificar interna, motor elétrico, bateria e geradores que servem
claramente o que cada um deve entregar, medir e veri- como freios –, ela usou novamente uma equipe peso-
ficar o que eles entregam, e não há interdependências -pesado.15 O Prius exigiu que os projetistas reconside-
previstas entre o que um faz e o que o outro deve fazer rassem decisões arquiteturais já arraigadas. Os freios
em resposta –, então, essas pessoas e grupos podem in- não mais apenas desaceleravam o carro, mas transfor-
terfacear com algumas reservas, e não precisam estar na mavam energia cinética em elétrica, que era reciclada
mesma equipe. Quando essas condições não são satis- de volta para uma bateria. O motor elétrico não mais
feitas, então todas as interdependências imprevisíveis apenas ligava o motor, também fornecia potência de
devem ser incorporadas dentro das fronteiras de uma propulsão em condições de tráfego congestionado e
equipe peso-pesado. A fronteira externa da equipe pode um aumento de potência durante as acelerações na es-
ser traçada onde haja interfaces modulares. Podem se trada. Com os componentes desempenhando funções
unir novos métodos de trabalho dentro dessa equipe à não tradicionais, foram necessárias as formas alterna-
medida que ela aborda sua tarefa. Esses novos métodos tivas de integrá-los em um todo de maneira coerente.
devem ser codificados como processos. Refazer os conceitos das funções dos motores, bate-
A Toyota adapta regularmente a estrutura de suas rias, freios e motores elétricos e a integração dessas
equipes de projeto ao tipo de problema que aborda. Por partes em um todo coerente poderia ser mais benfeito
exemplo, ela usou equipes pesos-pesados para a intro- com uma equipe peso-pesado.
dução de novas plataformas nos anos 1980, e, ao fazê- Enquanto o modelo Echo da Toyota precisou co-
-lo, aprendeu como trazer carros para o mercado mais meçar no nível de unidade autônoma na hierarquia,16
rápido do que a maioria dos concorrentes.13 No entanto,
as equipes pesos-pesados são um caminho, e não um
destino. De modo subsequente, a Toyota investiu na co- 15
Ahmadjian, C.L. and J.R. Lincoln, (2001), “Keiretsu, Governance, and
dificação do conhecimento arquitetural e de interface, Learning: Case Studies in Change from the Japanese Automotive Industry”,
de modo que não precisou das equipes pesos-pesados Organization Science 12, n. 6, November-December 2001, pp. 683-701.
16
A Toyota entrou no mercado norte-americano com seu modelo Corona,
para os projetos de produto subsequentes, passando um produto que visava às camadas de menor preço no mercado. Como
agressivamente para a parte de baixo da hierarquia de esta camada de entrada no mercado ficou apinhada com modelos pa-
recidos da Nissan, Honda e Mazda, a concorrência entre as empresas
projeto organizacional na Figura 2.14 Ela criou protóti- com custo igualmente baixo derrubou as margens de lucro. A Toyota
pos, fez experimentos e gerou informações sobre seus desenvolveu carros mais sofisticados, orientados para as camadas mais
altas do mercado, a fim de melhorar suas margens. Suas famílias Co-
rolla, Camry, 4-Runner, Avalon e Lexus foram introduzidas em resposta
às mesmas pressões competitivas – a Toyota manteve suas margens sau-
13
Clark, Kim and Takahiro Fujimoto (1991), Product Development Per- dáveis migrando para cima no mercado. Neste processo, a Toyota teve
formance. (Boston: Harvard Business School Press). que acrescentar custos fixos à sua operação para projetar, construir e dar
14
Ward, A.C., J.K. Liker, J.J. Cristiano, and D.K. Sobek (1995), “The suporte a carros desse calibre. De modo subsequente, ela decidiu sair das
Second Toyota Paradox: How Delaying Decisions Can Make Better Cars camadas de entrada do mercado, considerando que as margens que po-
Faster”, Sloan Management Review. deria obter ali eram inaceitáveis, dada sua estrutura de custo modificada.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-6     77

o preço e as margens de lucro do Prius são atrativos seus primeiros produtos. Além do mais, as novas uni-
para a empresa e os revendedores. Por isso não houve dades de negócio precisam ser autorizadas a concorrer
necessidade de abrigar o Prius em uma unidade de ne- com – e canibalizar – suas divisões irmãs.
gócio autônoma. Uma única unidade organizacional não pode con-
ter em si, de forma viável, duas estruturas de custos
Criando novos modelos de negócio ou modelos de negócios fundamentalmente diferentes.
As empresas só podem desenvolver a capacitação de Quando os executivos forçam dois modelos de negó-
priorizar uma oportunidade disruptiva criando uma cios diferentes dentro de uma única unidade em nome
nova unidade de negócio com uma nova estrutura de da “economia de custos”, pelo menos um – e muitas ve-
custos. A Charles Schwab, por exemplo, começou sua zes ambos – dos modelos de negócio é destruído. Aqui
empresa de corretagem on-line como uma organização está um exemplo: para prosperar com a disrupção do
autônoma, com tarifas on-line de US$ 29,95, em com- filme fotográfico provocada pela fotografia digital, em
paração com os US$ 69 que a empresa vinha cobrando meados dos anos 1990 a Kodak estabeleceu um grupo
pelas transações executadas por meio do telefone e de de negócios digitais – composto por alguns negócios de
seus corretores de escritório. A unidade separada, na nicho altamente rentáveis e pelas câmeras amadoras.
verdade, foi disruptiva para o negócio principal. Ela Em 2001, a gestão da Kodak decidiu descartar os ne-
cresceu tão rápido que, em 18 meses, a empresa decidiu gócios de nicho, cuja rentabilidade tendia a obscurecer
incluir na nova organização disruptiva o que tinha sido a economia intrínseca das câmeras amadoras. Isso dei-
o negócio principal. A estrutura de custos da empresa e, xou uma unidade “pura”, cujos únicos produtos eram
com isso, suas prioridades, foram transformadas pelo as câmeras digitais amadoras. “Quando eu finalmente
lançamento de uma empresa disruptiva bem-sucedida. fiquei nu diante do espelho”, disse Willy Shih, VP e
A separação foi uma forma muito mais simples de criar Gerente Geral da divisão, “foi simplesmente horrível”.
um novo modelo de negócio que podia encarar US$ 29,95 Mas esse isolamento ajudou a equipe de gestão da uni-
como uma proposição mais rentável do que teria sido dade a criar um modelo econômico no qual poderiam
cortar suficientemente os custos da organização origi- crescer de forma rentável em um negócio de câmeras
nal de modo que pudesse ganhar dinheiro com o preço digitais. Foi muito bem-sucedido. Em 2004, a partici-
disruptivo. pação da Kodak no mercado americano tinha crescido
Criar novas unidades de negócio em vez de trans- de 8% para 28% – e o negócio era rentável.17 Quando
formar os modelos de negócio das unidades existentes Antonio Perez substituiu o CEO recém-aposentado Dan
é a melhor forma de gerir a inovação do modelo de ne- Karpin em 2004, decidiu incluir a fotografia digital no
gócio, porque o jogo disruptivo começa quase sempre negócio de filmes da Kodak. Sua lógica foi que, como
quando o negócio estabelecido ainda tem potencial de ambos eram negócios voltados para o consumidor, os
sustentação substancial e lucrativo. custos fixos em dobro poderiam ser cortados significa-
O que significa autônoma? A separação geográfica tivamente combinando as unidades de negócio. Dentro
do negócio principal não é uma dimensão crítica da au- de dois anos, a Kodak tinha caído para um distante ter-
tonomia. Também não é a estrutura de propriedade – ceiro lugar na corrida da câmera digital.18 As câmeras
uma empresa disruptiva pode pertencer integralmente amadoras eram encaradas como não rentáveis; e em
à sua matriz. As dimensões-chave da autonomia rela- agosto de 2006, a empresa decidiu entregar suas ope-
cionam-se com processos e prioridades. Os negócios rações de câmera digital para a Flextronics. Há uma
disruptivos precisam ter liberdade para criar novos pro- dimensão do custo que não se aprende no curso de
cessos e construir uma estrutura de custos única a fim de contabilidade comum.
O julgamento sobre o nível na hierarquia de orga-
serem lucrativos à medida que criam e vendem, mesmo
nização em que cada projeto deve começar é um papel
crucial que o CEO deve desempenhar ao desenvolver
No final dos anos 1990, a Toyota introduziu o modelo Echo em uma
as capacitações embutidas em processos novos e em
tentativa de reentrar nesta camada com um carro de US$ 14 mil. Lançar modelos de negócio.
esse modelo era uma coisa para os altos executivos da Toyota decidirem.
Mas, para implementar essa estratégia com sucesso, muitas pessoas no
sistema Toyota – incluindo seus revendedores e aqueles que decidem
como alocar os orçamentos publicitários – precisavam concordar que 17
Willy Shih forneceu essas informações durante uma série de entrevis-
vender carros de preços mais baixos com margens percentuais menores tas pessoais na Harvard Business School com Clayton Christensen entre
é uma maneira melhor para a empresa aumentar os lucros e o valor das 2004 e 2006.
ações do que vender mais Camrys e Lexus. Após cerca de quatro anos 18
Reuters, “U.S. Digital Camera Shipments rise 17 percent in Q2”, http://
no mercado, a Toyota interrompeu as vendas do Echo. Os tomadores de today.reuters.com/stocks/ QuoteCompanyNewsArticle.aspx?view=CN&
decisão difundidos em toda a cadeia de valor simplesmente não podiam storyID=2006-08-02T201427Z_01_N02236206_RTRIDST_0_TECH-
priorizá-lo, dadas as suas outras opções. DIGITALCAMERAS.XML&rpc=66.
78     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

COMPRAR RECURSOS, PROCESSOS Qual teria sido a melhor maneira de a Daimler alavan-
E PRIORIDADES car as capacitações adquiridas na Chrysler? Mantendo-a
independente, infundindo seus recursos nos processos
Muitas vezes, os gestores concluem que comprar, em da Chrysler e mantendo sua estrutura de custos. Em vez
vez de construir, as capacitações necessárias faz senti- disso, à medida que Wall Street começou suas exigências
do competitivo e financeiro. Infelizmente, o histórico por corte de custos, a gestão da Daimler consolidou as
das empresas no desenvolvimento de capacitações por duas organizações para cortar custos. A integração com-
meio de aquisições é assustadoramente frágil. A estru- prometeu muitos dos processos fundamentais, e, tam-
tura RPP pode ser uma maneira útil de encarar o de- bém, a estrutura de custos que tinha feito da Chrysler
safio de integrar as organizações adquiridas. Quando uma aquisição atraente.
uma empresa adquire outra, ela compra seus recursos, Em contrapartida, muitas das aquisições da Cisco
seus processos e as prioridades embutidas em seu mo- Systems funcionaram bem – porque, diríamos, man-
delo de negócio. Os gestores de aquisições, portanto, tiveram recursos, processos e modelos de negócio na
precisam começar perguntando: “O que tornou essa perspectiva correta. A maioria das suas aquisições é de
empresa que acabei de comprar tão atraente? Eu jus- empresas pequenas, com menos de dois anos de exis-
tifiquei o preço devido aos seus recursos – pessoal, tência; organizações em estágio inicial cujo valor de
produto, tecnologia ou posição de mercado? Ou uma mercado baseou-se em seus recursos – particularmente,
parcela substancial do seu valor foi criada por seus seus engenheiros, tecnologias e produtos. A Cisco pos-
processos e seu modelo de negócio – suas maneiras sui um processo deliberado e bem definido pelo qual
exclusivas de compreender e satisfazer os clientes; de- ela essencialmente conecta esses recursos aos proces-
senvolver, criar e entregar produtos novos de maneira sos e aos sistemas da empresa-mãe, além de possuir um
oportuna; e fazê-lo dentro de uma estrutura de custos método cuidadosamente cultivado de manter os enge-
que lhe deu um potencial disruptivo?”. nheiros da empresa adquirida na folha de pagamento da
Se os processos e o modelo de negócio da empresa
Cisco.19 No processo de integração, esta empresa jogou
adquirida são os verdadeiros impulsionadores do seu
fora quaisquer processos e prioridades nascentes que
sucesso, então, a última coisa que o gestor de aquisi-
tivessem vindo com a aquisição, porque não foi por eles
ções quer fazer é integrá-la totalmente na organização-
que a Cisco pagou. Em duas ocasiões, quando adquiriu
-mãe. A integração vaporizará os processos e o modelo
uma organização maior, mais madura – notavelmente
de negócio da empresa adquirida quando for exigido de
sua aquisição da StrataCom, em 1996, e a da Linksys,
seus empregados que adotem o modo de fazer negó-
em 2003 –, a Cisco não integrou. Ao contrário, deixou-
cio do comprador, e quando ela tiver suas propostas
-as sozinhas e infundiu seus recursos substanciais nos
de crescimento avaliadas de acordo com os critérios de
processos e modelos de negócio dessas organizações
priorização da empresa adquirente. Se os processos e
para ajudá-las a crescer mais rapidamente.
o modelo de negócio foram a razão do seu sucesso
histórico, a melhor estratégia é deixar o negócio adqui- *******
rido sozinho, e a empresa-mãe infundir seus recursos
nos processos e no modelo de negócio da empresa Os gestores cujas organizações estão enfrentando a
adquirida. Isso constitui verdadeiramente a aquisição mudança, primeiro devem determinar se têm os recur-
de novas capacitações. sos necessários para ter sucesso. Depois, precisam fazer
Se, por outro lado, os recursos da empresa foram o uma outra pergunta: A organização possui os processos
motivo principal da aquisição, então faz muito sentido e as prioridades do modelo de negócio de que necessita
integrar a empresa à organização-mãe – essencialmente para ter sucesso nessa situação nova? Fazer esta per-
conectando pessoal, produtos, tecnologia e clientes nos gunta não é tão instintivo para a maioria dos gestores,
processos da empresa-mãe como uma forma de alavan- porque os processos por meio dos quais o trabalho é
car as capacitações existentes. feito e as prioridades por meio das quais os funcionários
Considere, sob esta óptica, a aquisição da Chrysler tomam suas decisões atenderam-nos bem no passado.
pela Daimler-Benz e seus esforços subsequentes para in- O que esperamos que esta estrutura introduza no pen-
tegrar as duas organizações. A Chrysler tinha poucos re- samento dos gestores é a ideia de que as capacitações
cursos que poderiam ser considerados exclusivos. Gran- que fazem suas organizações serem eficazes também
de parte do seu sucesso nos anos 1990 tinha raízes em seu
processo de projeto de produto, que podia criar projetos
novos e superiores em 24 meses. Seu modelo de negócio 19
Ver Charles A. Hollpway, Steven C. Wheelwright, and Nicole Tem-
pest, “Cisco Systems, Inc.: Acquisition Integration for Manufacturing”,
também valia muito, pois podia colocar um carro no mer- Case OIT26 (Palo Alto and Boston: Stanford University Graduate School
cado com um quinto dos funcionários fixos da Daimler. of Business and Harvard Business School, 1998).
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     79

definem suas deficiências. A este respeito, um pouco de tecnologicamente com suas semelhantes estrangeiras.2
tempo gasto buscando interiormente as respostas ho- Além do mais, no best-seller The Art of Japanese Ma-
nestas para as seguintes questões vai ser generosamente nagement, os autores usam como base de comparação
recompensado: Os processos por meio dos quais o tra- duas empresas de tecnologia: Matsushita (japonesa) e
balho costuma ser feito na organização são adequados ITT (americana).3 A empresa japonesa é retratada como
para esse problema novo? O modelo de negócio incor- um modelo para os gestores, enquanto as práticas de ges-
porado na organização fará que essa iniciativa tenha tão da empresa americana são extremamente criticadas.
alta prioridade ou a fará definhar? Todavia, uma série de empresas dos Estados Unidos
Se as respostas para essas perguntas forem não, está parece estar rechaçando, com sucesso, essas investidas
tudo bem. A compreensão de um problema é a etapa estrangeiras. Essas empresas são incluídas repetidamen-
mais crucial da sua resolução. O pensamento ilusório te nas listas das “empresas mais bem administradas da
sobre essas questões pode colocar as equipes que pre- América”. Muitas delas são concorrentes em indústrias
cisam inovar em um curso repleto de obstáculos, adi- de P&D, um setor da nossa economia que tem sido par-
vinhações e frustrações. A razão pela qual a inovação ticularmente criticado. Ironicamente, algumas chegaram
quase sempre parece ser tão difícil para as empresas a servir de modelo para as altamente bem-sucedidas em-
estabelecidas é que elas empregam pessoas altamente presas de alta tecnologia japonesas e europeias.
capacitadas, e depois as colocam para trabalhar em es- Por exemplo, das 43 empresas que Peter e Waterman
truturas organizacionais cujos processos e prioridades julgaram excelentes em In Search of Excelence, quase a
não foram projetados para a tarefa em mãos. Assegurar metade foi classificada como empresas de alta tecnolo-
que pessoas capazes sejam abrigadas em organizações gia ou como possuidoras de um componente substancial
capazes é uma grande responsabilidade da gestão em
de alta tecnologia.4 De modo similar, das cinco organi-
uma época de transformação como a nossa.
zações americanas que Wiliam Ouchi descreveu como
mais bem preparadas para enfrentar o desafio japonês,
A rtigo 1 - 7 três (IBM, Hewlett-Packard e Kodak) eram empresas
de alta tecnologia.5 Na realidade, as empresas de alta
tecnologia estão entre as mais admiradas na América.
A arte de gerenciar a alta tecnologia*
Em um estudo da Fortune, que classificou a reputação
M. A. Maidique R. H. Hayes corporativa das 200 maiores corporações dos Estados
Unidos, a IBM e a Hewlett-Packard (HP) foram classifi-
Nos últimos 15 anos, a percepção do mundo a respeito cadas em primeiro e segundo lugar, respectivamente.6 E
da competência das empresas americanas na gestão de das 10 maiores empresas, 9 concorrem em áreas de alta
tecnologia deu uma reviravolta. Em 1967, um francês tecnologia, como produtos farmacêuticos, instrumentos
chamado J.-J.Servan-Schreiber expressou de forma de precisão, comunicações, equipamento de escritório,
alarmante em seu livro, O Desafio Americano, que a computadores, motores a jato e eletrônicos.
tecnologia dos Estados Unidos estava bem à frente da
do resto do mundo industrializado.1 Esse “hiato tecno-
lógico”, ele argumentou, estava se ampliando conti- 2
Ver S. Ramo, America’s Technology Slip (New York: John Wiley &
nuamente devido à habilidade superior dos americanos Sons, 1980).
3
Ver R. Pascale and A. Athos. The Art of Japanese Management (New
para organizar e gerir o desenvolvimento tecnológico. York: Simon & Schuster, 1981).
Hoje, percebe-se que a situação mudou drasticamente. 4
Ver T. J. Peters and R. H. Waterman, Jr., In Search of Excellence (New
York: Harper and Row, 1982). Para os propósitos deste artigo, as indús-
A preocupação agora é que o hiato está retrocedendo: a trias de alta tecnologia são definidas como aquelas que gastam mais de
investida dos japoneses e/ou europeus está ameaçando 3% das vendas em P&D. Essas indústrias, embora de modos bem dife-
a liderança tecnológica americana. Mesmo os ameri- rentes, são todas caracterizadas por uma taxa rápida de mudança em seus
produtos e tecnologias. Apenas cinco segmentos industriais americanos
canos bem informados, como o Dr. Simon Ramo, ex- satisfazem este critério: produtos químicos e farmacêuticos, maquinário
pressam grande preocupação. Em seu livro America’s (especialmente computadores e máquinas de escritório), equipamento
elétrico e comunicações, instrumentos profissionais e científicos e aero-
Technology Slip, o Dr. Ramo menciona a aparente naves e mísseis. Ver National Science Foundation, Science Resources
incapacidade das empresas americanas para competir Studies Highlights, NSF81-331, December 31, 1981, p. 2.
5
Ver W. Ouchi, Theory Z: How American Management Can Meet the
Japanese Challenge (New York: John Wiley & Sons, 1980).
6
Ver C. E. Makin, “Ranking Corporate Reputations”, Fortune, January
*
Fonte: Reimpressão da Sloan Management Review 25 (Winter 1984), 10, 1983, pp. 34-44. A reputação corporativa foi subdividida em oito
pp. 18-31, com a permissão do editor. Copyright © 1984 by the Sloan atributos: qualidade da gestão, qualidade dos produtos e serviços, capa-
Management Review Association. Todos os direitos reservados. cidade de inovação, valor do investimento de longo prazo, solidez finan-
1
Ver J.-J. Servan-Schreiber, The American Challenge (New York: ceira, capacidade de desenvolver e ajudar pessoas talentosas, responsabi-
Atheneum Publishers, 1968). lidade comunitária e ambiental e uso dos ativos corporativos.
80     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Os estudos acima reforçam nossas próprias desco- empresas de alta tecnologia conseguirem ter sucesso por
bertas, que nos levaram a concluir que as empresas de muito tempo sem líderes fortes, a liderança em si não é
alta tecnologia dos Estados Unidos que buscam me- o assunto deste artigo. Pelo contrário, devemos aceitá-la
lhorar suas práticas de gestão para ter sucesso sobre os como uma realidade e procurar entender quais estratégias
concorrentes estrangeiros não têm necessidade de olhar e práticas de gestão podem reforçar a liderança forte.
para o exterior. As empresas mencionadas não são úni- As empresas que estudamos tinham tamanhos dife-
cas. Pelo contrário, são representativas de um grande rentes (de US$ 10 milhões a US$ 30 bilhões em ven-
número de empresas americanas bem administradas, das), suas tecnologias estavam em estágios diferentes de
grandes e pequenas, com base em tecnologia. Além do maturidade, as taxas de crescimento de suas indústrias
mais, as práticas de gestão que elas adotaram são am- e seus produtos eram diferentes, e seus gestores tinham
plamente aplicáveis. Assim, talvez a chave para estimu- idades bem variadas. Mas todas elas possuíam o mesmo
lar a inovação em nosso país não seja adotar as práticas fio unificador: uma taxa rápida de mudança na base tec-
de gestão dos europeus ou dos japoneses, mas adaptar nológica de seus produtos. Este fio comum, a mudança
algumas das políticas de nossas próprias empresas de tecnológica rápida, implica novos produtos e funções
alta tecnologia bem-sucedidas. e, portanto, o crescimento geralmente rápido. Porém,
mesmo quando o crescimento é lento ou moderado, a
destruição da velha base de capital pela nova tecnologia
O ESTUDO
resulta na necessidade da realocação rápida dos recursos
Nas duas últimas décadas, temos sido privilegiados para lidar com os projetos de novos produtos e os novos
por trabalharmos em uma série de pequenas e grandes processos de fabricação. Portanto, as duas características
empresas de alta tecnologia como funcionários, con- dominantes das organizações de alta tecnologia nas quais
sultores e pesquisadores. Nós, com nossos assistentes, nos concentramos foram o crescimento e a mudança.
entrevistamos formal e informalmente mais de 250 Em parte devido a esse foco dividido (crescimento
executivos, incluindo mais de 30 CEOs, de um amplo e mudança), as empresas que estudamos muitas vezes
painel de indústrias de alta tecnologia – biotecnologia, pareceram exibir um comportamento contraditório ao
semicondutores, computadores, produtos farmacêu- longo do tempo. Apesar dessas diferenças, elas eram
ticos e aeroespacial. Cerca de 100 desses executivos bastante semelhantes em aspectos importantes, porque
foram entrevistados em 1983 como parte de um estu- todas se confrontavam com o mesmo dilema duplo:
do de grande escala sobre inovação de produto na in- como soltar a criatividade que promove o crescimento
dústria de eletrônicos (que foi conduzido por um dos e a mudança sem ser fragmentada por ela, e como con-
autores deste artigo e seus colegas).7 Nossa pesquisa trolar a inovação sem sufocá-la. Ao lidarem com essa
foi guiada por uma questão fundamental: quais são as preocupação, elas tenderam a adotar abordagens de ges-
estratégias, políticas, práticas e decisões resultantes da tão impressionantemente similares.
gestão bem-sucedida das empresas de alta tecnologia?
Uma de nossas descobertas principais foi que nenhuma
O PARADOXO: CONTINUIDADE E CAOS
empresa detém o monopólio da excelência gerencial.
Mesmo as mais bem geridas cometem grandes erros, Quando agrupamos nossas descobertas em temas gerais
e muitas empresas menores e menos consideradas são de sucesso, percebemos a emergência de um paradoxo
surpreendentemente sofisticadas sobre os fatores que se significante – fruto do desafio exclusivo que as empre-
alternam entre o sucesso e o fracasso. sas de alta tecnologia enfrentam. Alguns dos padrões
Também ficou evidente, a partir das nossas entrevis- comportamentais que essas empresas exibiram pareciam
tas, que a força motriz por trás do sucesso de muitas des- favorecer a promoção da desordem e da informalidade,
sas empresas era uma liderança forte. Todas as empresas enquanto outros nos fariam concluir que as chaves do su-
precisam de líderes e visionários, é claro, mas a liderança cesso eram a consistência, a continuidade, a integração e
é particularmente essencial quando o futuro é confuso e a ordem. À medida que nos deparamos com este aparente
o mundo está mudando rapidamente. Apesar de poucas paradoxo, terminamos por perceber que o sucesso contí-
nuo em um ambiente de alta tecnologia exige mudanças
periódicas entre o caos e a continuidade.8 Nossa estru-
7
Ver M. A. Maidique and B. J. Zirger, “Stanford Innovation Project:
A Study of Successful and Unsuccessful Product Innovation in High-
-Technology Firms”, IEEE Transactions on Engineering Management,
EM-31, n. 4 (1984); M. A. Maidique, “The Stanford Innovation Project: 8
Romanelli e Tushman chegaram a uma conclusão parecida em seu
A Comparative Study of Success and Failure in High-Technology Product estudo sobre a liderança na indústria dos minicomputadores, que des-
Innovation”, Management of Technological Innovation Conference Pro- cobriu que as empresas bem-sucedidas alternavam longos períodos de
ceedings (Worcester Polytechnic Institute, 1983). continuidade e inércia com a reorientação rápida. Ver E. Romanelli and
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     81

tura originalmente estática, portanto, foi gradualmente Produtos intimamente relacionados Esta concen-
substituída por estrutura dinâmica cujos fluxos e refluxos tração extraordinária não cessa a linha de produto do-
estabelecem os segredos do sucesso. minante. Quando a empresa cresce e estabelece uma
segunda linha de produtos, ela é intimamente relacio-
nada com a primeira. A Hewlett-Packard, por exemplo,
SEIS TEMAS DO SUCESSO
tem duas famílias de produtos, cada uma contribuindo
Os seis temas nos quais agrupamos nosso sucesso foram para metade de suas vendas. Ambas as famílias – ins-
(1) foco do negócio, (2) adaptabilidade, (3) coesão orga- trumentos eletrônicos e processadores de dados – são
nizacional, (4) cultura empreendedora, (5) senso de inte- focadas nos mesmos mercados: técnico, científico e de
gridade e (6) alta gestão com orientação prática. Nenhu- controle de processos. A IBM também produz duas li-
ma empresa exibe excelência em qualquer uma dessas nhas de produtos intimamente relacionadas – proces-
categorias em qualquer momento, também não falta tudo sadores de dados (aproximadamente 80% das vendas)
às empresas de menos sucesso. Todavia, as empresas e equipamentos de escritório –, ambas enfatizando o
excepcionais de alta tecnologia tendem a ter pontuações mercado empresarial.
As empresas que tomaram o caminho oposto não se
elevadas na maioria das seis categorias, enquanto as me-
saíram bem. Dois dos líderes tecnológicos de ontem, a
nos bem-sucedidas têm baixa pontuação em várias.9
ITT e a RCA, pagaram caro por diversificar fora dos
Foco do negócio seus pontos fortes. Hoje, ambas estão tentando se desfa-
zer das muitas aquisições antes elogiadas. Como obser-
Mesmo uma análise superficial das empresas de alta
vou uma vez David Packard, presidente do conselho da
tecnologia mais bem-sucedidas nos leva a concluir que
Hewlett-Packard, “Nenhuma empresa jamais morreu
elas são altamente focadas. Com poucas exceções, os
de fome, mas muitas morreram de indigestão”.11
líderes nos setores de alta tecnologia, tais como compu- Empresa de comunicações que se tornou o maior
tadores, aeroespacial, semicondutores, biotecnologia, conglomerado do mundo, a ITT começou a escorregar
produtos químicos, produtos farmacêuticos, instrumen- no início dos anos 1970, após uma onda de aquisições
tos eletrônicos e máquinas duplicadoras, percebem a orquestrada por Harold Geneen. Quando Geneen se
grande maioria de suas vendas a partir de uma única aposentou em 1977, seus sucessores tentaram corrigir
linha de produtos ou de um conjunto de linhas de pro- o fraco desempenho da ITT por meio de um profundo
dutos intimamente relacionados.10 Por exemplo, IBM, programa de desinvestimento.12 Até agora, 40 empresas
Boeing, Intel e Genentech limitam-se quase inteiramen- e outros ativos com valor acima de US$ 1 bilhão fo-
te aos produtos de informática, aeronaves comerciais, ram vendidos – e os observadores da ITT acreditam que
circuitos integrados e engenharia genética, respecti- o programa está apenas começando. Alguns analistas
vamente. De modo similar, quatro quintos das vendas acreditam que esta empresa acabará sendo reestruturada
da Kodak e da Xerox vêm dos produtos fotográficos e em três grupos, com o de comunicações/eletrônicos e os
das máquinas duplicadoras, respectivamente. Em geral, produtos de engenharia (a sede dos semicondutores da
quanto menor a empresa, mais altamente focada ela é. ITT) formando o núcleo da nova ITT.
A Tandon concentra-se em discos rígidos, a Tandem em A RCA vivenciou um destino similar. Quando o Ge-
computadores de alta confiabilidade, a Analog Devices neral David Sarnoff, arquiteto e presidente por longo
em circuitos integrados lineares e a Cullinet em produ- tempo da RCA, se aposentou em 1966, a empresa era
tos de softwares. respeitada internacionalmente por seu trabalho pioneiro
em televisão, componentes eletrônicos, comunicações
e radares. Mas, em 1980, os três CEOs que se segui-
M. Tushman, “Executive Leadership and Organizational Outcomes: An ram a Sarnoff transformaram uma líder tecnológica
Evolutionary Perspective”, Management of Technological Innovation
Conference Proceedings (Worcester Polytechnic Institute, 1983). em um conglomerado com vendas estagnadas, lucros
9
Um dos autores deste artigo empregou sua estrutura como uma ferramenta em declínio e uma dívida de US$ 2,9 bilhões. Esse de-
de diagnóstico em auditorias de empresas de alta tecnologia. A empresa sempenho decepcionante levou o novo CEO, Thorton
é avaliada ao longo dessas seis dimensões, em uma escala de 0 a 10,
por membros da gestão corporativa e divisionais trabalhando individual- F. Bradshaw, a decidir pelo retorno da RCA às suas
mente. Depois, os resultados são usados como insumos para a condução
de uma análise estratégica da empresa.
10
A General Electric evidentemente também reconheceu o valor de uma
concentração como esta. Em 1979, Reginald Jones, seu então CEO, 11
Entrevista, March 4, 1982.
fragmentou a empresa em seis setores independentes liderados por “exe- 12
Depois de apenas 18 meses como sucessor de Geneen na presidência,
cutivos setoriais”. Ver R. Vancil and P. C. Browne, “General Electric Lyman Hamilton foi sumariamente demitido pelo próprio Geneen porque
Consumer Products and Services Sector”, Harvard Business School Case mudou a sua maneira de fazer negócios. Ver G. Colvin, “The Re-Geneen-
Services 2-179-070. ing of ITT”, Fortune, January 11, 1982, pp. 34-39.
82     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

origens de alta tecnologia.13 A estratégia de Bradshaw Um foco no negócio que seja mantido ao longo de pe-
é se concentrar nos pontos fortes tradicionais da RCA ríodos extensos traz consequências fundamentais. Ao se
– comunicações e entretenimento –, desfazendo-se dos concentrar no que faz bem, uma empresa desenvolve um
outros negócios. conhecimento íntimo dos seus mercados, concorrentes,
tecnologias, funcionários, e das necessidades e oportuni-
P&D focada Outra política que reforça o foco das em- dades futuras de seus clientes.17 O Stanford Innovation
presas líderes em alta tecnologia é concentrar a P&D em Project completou recentemente um estudo sobre 224 pro-
uma ou duas áreas. Tal estratégia permite a esses negó- dutos de alta tecnologia nos Estados Unidos (uma metade
cios dominarem a pesquisa, particularmente as de ponta, foi um sucesso; a outra, um fracasso), e concluiu que uma
que são mais arriscadas. Ao investir uma proporção mais interação contínua e profunda com os principais clientes
elevada de suas vendas em P&D do que seus concorren- durante todo o processo de desenvolvimento do produto
tes, ou por meio do seu tamanho (como no caso da IBM, foi o fator principal por trás dos novos produtos bem-su-
cedidos. Em suma, esse acoplamento é a pedra angular do
Kodak e Xerox), essas empresas mantêm sua liderança
progresso eficiente da alta tecnologia. Tal interação é bas-
tecnológica. É comum que o investimento em P&D de
tante facilitada pelos relacionamentos estreitos e de longa
uma empresa líder seja de uma vez e meia a duas vezes,
data com os clientes que são promovidos pela concentra-
a média do setor, como uma porcentagem das vendas (de ção nas opções relacionadas ao produto/mercado.18 “As
8% a 15%), e várias vezes maior do que a de qualquer necessidades do cliente”, explica Tom Jones, presidente da
concorrente individual em termos absolutos.14 Northrop Corporation, “devem ser compreendidas muito à
Além disso, o compromisso com a P&D é duradou- frente do tempo” (ênfase do autor).19
ro e consistente. Ela é mantida nos períodos de folga e
recessão, porque acredita-se que seja do maior interesse Adaptabilidade
de longo prazo dos investidores. Como explicou o CEO As empresas de sucesso equilibram um foco no negócio
da Analog Devices, uma empresa líder na fabricação de bem definido com a disposição de empreender mudan-
circuitos integrados lineares, em um relatório trimes- ças importantes e rápidas quando necessário. Em suma,
tral que mencionou que os lucros tinham caído 30%: concentração não significa estagnação. A imobilidade é
“Estamos restringindo drasticamente o crescimento das o padrão comportamental mais perigoso que uma em-
despesas fixas, mas não consideramos que seja do inte- presa de alta tecnologia pode desenvolver; a tecnolo-
resse dos investidores fazer cortes no desenvolvimento gia pode mudar rapidamente e, com ela, os mercados e
de produtos... a fim de avaliar a pressão no curto prazo clientes atendidos. Portanto, uma empresa de alta tec-
sobre os lucros”.15 De modo similar, quando as vendas, nologia deve conseguir acompanhar e explorar as mu-
como resultado de uma recessão, se estagnaram e as danças rápidas e as reviravoltas nas fronteiras de merca-
margens de lucro caíram na Intel, sua gestão investiu do como são redefinidas pelos novos desenvolvimentos
uma quantia recorde de US$ 130 milhões em P&D, e tecnológicos, do mercado e da concorrência.
outros US$ 150 milhões em fábricas e equipamentos.16 O custo da estagnação estratégica pode ser elevado,
como a General Radio (GR) descobriu. Antes uma lí-
Prioridades coerentes Ainda, outra maneira de uma der orgulhosa do negócio de instrumentos eletrônicos,
empresa demonstrar um forte foco no negócio é por a GR, quase sozinha, criou muitos setores do mercado.
meio de um conjunto de prioridades e um padrão de Sua excelência em engenharia e suas políticas progres-
comportamento que seja continuamente reforçado pela sivas de relações humanas foram modelos para a in-
dústria. Mas, quando seu fundador, Melville Eastham,
alta gestão; por exemplo, o aprimoramento planejado
se aposentou em 1950, a estratégia da empresa fossili-
da manufatura na Texas Instruments (TI), atendimento
zou-se. Nas duas décadas seguintes, ela não conseguiu
ao cliente na IBM, o conceito de produtos empreende-
dores na 3M, e os novos produtos na HP. A crença na
eficiência competitiva do seu tema escolhido é mais 17
Essas descobertas Sappho – Scientific Activity Predictor from Patterns
profunda em cada uma dessas empresas. with Heuristic (uma pesquisa sobre inovação industrial ocorrida em 1971
na Universidade de Sussex) geralmente são coerentes com os resulta-
dos do Stanford Innovation Project, um grande estudo corporativo da
inovação em alta tecnologia dos Estados Unidos. Ver M. A. Maidique,
13
Ver “RCA: Still Another Master”, BusinessWeek, August 17, 1981, “The Stanford Innovation Project: A Comparative Study of Success and
pp. 80-86. Failure in High-Technology Product Innovation”, Management of Tech-
14
Ver “R&D Scoreboard”, BusinessWeek, July 6, 1981, pp. 60-75. nology Conference Proceedings (Worcester Polytechnic Institute, 1983).
15
Ver R. Stata, Analog Devices, Quarterly Report, 1st Quarter, 1981. 18
Ver Maidique and Zirger, “Stanford Innovation Project”. Vários outros
16
Ver “Why They Are Jumping Ship at Intel”, BusinessWeek, February 14, autores chegaram a conclusões semelhantes. Ver, por exemplo, Peters
1983, p. 107, and M. Chase, “Problem-Plagued Intel Bets on New Products, and Waterman, In Search of Excellence.
IBM’s Financial Help”, The Wall Street Journal, February 4, 1983. 19
Entrevista, May 1982.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     83

tirar proveito de duas grandes oportunidades de cresci- F. Kettering disse a Sloan que acreditava que a alta
mento estreitamente relacionadas com seus pontos for- eficiência do motor a diesel poderia ser projetada em
tes: instrumentos de micro-ondas e minicomputadores. uma usina compacta. A resposta de Sloan foi: “Muito
Enquanto isso, sua linha de produtos tradicional min- bem. Agora estamos no negócio dos motores a diesel.
guou. Hoje, tudo o que resta da antes dominante linha Você nos diz como o motor deve funcionar e irei…
de instrumentos da GR, que equivale a menos de 10% capitalizar o programa”.22 Dois anos depois, Kettering
das vendas, é uma pequena área de montagem, onde conseguiu um grande avanço na tecnologia diesel. Isto
um punhado de tecnologistas monta lotes dos instru- pavimentou o caminho para uma revolução na indústria
mentos antigos. Em 1972, William Thurston assumiu ferroviária e levou ao predomínio da GM nos mercados
a presidência da GR e começou a focar novamente sua de locomotivas a diesel.
criatividade em engenharia e vinculá-la às suas novas
estratégias de mercado. Usando os fracassos das velhas Flexibilidade organizacional Realizar tais mudan-
políticas como seu mandato, Thurston acabou com a ças dolorosas na direção exige agilidade e ousadia. A
ênfase nas velhas linhas de produtos, concentrou a aten- agilidade organizacional parece estar associada à fle-
ção da GR nos equipamentos de teste automático, equi- xibilidade organizacional – realinhamentos frequentes
librou sua tradicional excelência em engenharia com das pessoas e responsabilidades à medida que a em-
uma maior sensibilidade às necessidades do mercado e presa tenta manter seu equilíbrio na areia movediça da
deu um novo nome à empresa: GenRad. Desde então, concorrência. A ousadia e a disposição para assumir os
a GenRad retomou o crescimento rápido e ganhou uma riscos do tipo “você aposta em sua empresa” é um pro-
posição de liderança no mercado de equipamentos de duto da confiança interna dos seus membros e de uma
teste automático.20 alta gestão poderosa – que tem o controle acionário efi-
A história da GenRad é um exemplo clássico de caz ou o apoio total do conselho.
uma empresa fazendo uma mudança estratégica porque
percebeu que sua estratégia existente não estava fun- Coesão organizacional
cionando. Mas, mesmo as empresas de alta tecnologia A chave para o sucesso de uma empresa de alta tecnolo-
bem-sucedidas sentem a necessidade de rejuvenescer gia não é simplesmente a renovação periódica. Também
periodicamente a fim de evitar a estagnação tecnológi- deve haver cooperação na tradução das novas ideias em
ca. Em meados dos anos 1960, por exemplo, não havia produtos e processos novos. Como afirma Ken Fisher, o
na IBM razões para uma grande mudança. A empresa ti- arquiteto do extraordinário crescimento da Prime Com-
nha quase um monopólio na indústria de computadores puter: “Se você têm a função condutora, o fator mais
de grande porte. Seus dois produtos principais – o 1401 importante para o sucesso é a habilidade de integrar.
na extremidade baixa do mercado, e o 7090 na extre- Também é a parte mais difícil da tarefa”.23
midade alta – contribuíam com mais de dois terços de Para ter sucesso, a energia e a criatividade da orga-
suas vendas da indústria. Contudo, em um movimento, nização inteira devem ser aproveitadas. Qualquer coisa
a empresa tornou obsoletas ambas as linhas de produtos que limite o fluxo das ideias ou que mine a confiança,
(assim como outras) e redefiniu as regras de concorrência o respeito e o sentido de uma comunhão de propósitos
pelas décadas vindouras, ao perceber simultaneamente entre os indivíduos é um perigo em potencial. É por isso
seis modelos compatíveis do “Sistema 360”, com base que as empresas de alta tecnologia lutam com tanto vi-
em circuitos integrados híbridos proprietários.21 gor contra os apetrechos usuais da organização tradicio-
Durante o mesmo período, a GM, cujo domínio da nal, como hierarquia e especialização funcional. Pouca
indústria automobilística americana se aproximava do atenção é dada para os organogramas; muitas vezes eles
da IBM na indústria de computadores de grande porte, sequer existem.
resistiu bravamente a tal rejuvenescimento. Pelo con- As pessoas mais jovens em uma área tecnológi-
trário, tornou-se mais e mais centralizada e inflexível. ca de rápida evolução muitas vezes são uma fonte de
No entanto, a GM também já foi uma empresa de alta boas ideias tão boa quanto as pessoas mais velhas – e
tecnologia. Em seus primórdios, quando Alfred P. Sloan às vezes ainda melhores. Em algumas empresas de alta
presidia a empresa, os engenheiros eram encarados tecnologia, na prática, a noção de uma “meia-vida do co-
como produtos de alta tecnologia. Um dia, Charles nhecimento” é utilizada; ou seja, a quantidade de tempo

20
Ver W. R. Thurston, “The Revitalization of GenRad”, Sloan Manage- 22
Ver A. P. Sloan, My Years with General Motors (New York: Anchor
ment Review, Summer 1981, pp. 53-57. Books, 1972), p. 401.
21
Ver T. Wise, “IBM’s 5 Billion Dollar Gamble”, Fortune, September 23
Entrevista, 1980. Mr. Fisher foi presidente e CEO da Prime Computer
1966; “A Rocky Road to the Marketplace”, Fortune, October 1966. de 1975 a 1981.
84     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que deve passar até que a metade do que se conhece Os Fóruns Técnicos servem para compensar parcial-
esteja obsoleta. Na engenharia de semicondutores, por mente a perda de visibilidade que os tecnologistas cos-
exemplo, estima-se que a meia-vida de um recém-Ph.D. tumam sofrer quando uma organização se torna mais
seja de sete anos, aproximadamente. Portanto, qualquer complexa e quando as equipes de produção, marketing
prática que relegue os engenheiros mais jovens aos pa- e finanças incham. O mesmo acontece com o conceito
péis secundários é considerada contraproducente. de carreira dupla que é utilizado na maioria dessas em-
De modo similar, o pessoal de projeto de produto, presas; ou seja, uma hierarquia de trabalho por meio da
marketing e manufatura deve colaborar com uma causa qual o pessoal técnico pode alcançar o status, a remune-
comum, em vez de competir entre si, como acontece em ração e o reconhecimento atribuídos a um gerente geral
muitas organizações. Quaisquer políticas que pareçam de divisão ou a um vice-presidente corporativo. Usando
elevar uma dessas funções acima das outras – por pres- essas estratégias, as empresas tentam manter o espírito
tígio ou recompensa – podem envenenar a atmosfera dos primórdios da indústria, quando os cientistas exer-
para a colaboração e a cooperação. ciam um papel dominante, muitas vezes até mesmo
Uma fonte de divisão, e que distrai a atenção das participando como membros do conselho de adminis-
pessoas em relação às necessidades da empresa para o tração.24 Mais uma vez, um foco estratégico no negócio
seu próprio engrandecimento são as regalias para os contribui para a coesão organizacional. Os gestores das
executivos encontradas em muitas organizações ma- empresas que têm uma forte cultura/tema e que se con-
centram em mercados e tecnologias estreitamente rela-
duras: cargos pretensiosos, salas de jantar e banhei-
cionados geralmente exibem uma compreensão sofisti-
ros separados para os executivos, escritórios maiores
cada dos seus negócios. Ou seja, os gestores precisam
e mais luxuosos (muitas vezes separados de algum
entender para onde a empresa está caminhando e que
modo do restante da organização), e até mesmo vagas
esteja mais susceptível a subordinar os interesses da sua
separadas ou reservadas no estacionamento da empre-
própria unidade ou função com o intuito de promover o
sa. Todos tendem a estabelecer uma distância entre os
objetivo comum.
gestores e os executores, e a substituir metas artificiais
pelas cruciais e reais de criar novos produtos de su- Rodízio de funções Uma política de rodízio cons-
cesso e angariar novos clientes. O aspecto de uma sala ciente de funções também facilita o sentido de comu-
de jantar executiva, na verdade, é um dos sinais mais nitarismo. Na empresa pequena, todos estão envolvi-
claros de perigo. dos no trabalho de todos; a especialização tende a se
infiltrar à medida que o tamanho aumenta e aparecem
Boa comunicação Uma maneira de combater tal dis- as linhas de contorno entre as funções. Se não forem
tanciamento é tornar os altos executivos mais visíveis controlados, esses limites podem se tornar rígidos e im-
e acessíveis. A IBM, por exemplo, tem uma política de permeáveis. Fazer o rodízio dos gestores em atribuições
portas abertas que estimula os gestores nos diferentes temporárias por meio desses contornos ajuda a manter
níveis da organização a falarem com os chefes de de- as linhas fluidas e informais. Quando um novo processo
partamento e vice-presidentes. Segundo os altos exe- é desenvolvido na TI, por exemplo, seus desenvolve-
cutivos da IBM, é comum que um gerente de projeto dores são enviados para a unidade de produção onde o
vá falar com Frank Cary (presidente do conselho de processo será implementado. Eles só podem voltar para
administração da IBM), ou John Opel (presidente da seus postos usuais depois que o gerente de operações
IBM) após a aposentadoria recente de Cary. Da mesma da unidade estiver convencido de que o processo está
forma, um escritório com paredes transparentes e sem funcionando adequadamente.
portas, tal como o de John Young, CEO da HP, estimula
a comunicação. De fato, os escritórios de estilo aberto Integração dos papéis Outras maneiras emprega-
são comuns em muitas empresas de alta tecnologia. das pelas empresas de alta tecnologia para impedir o
Uma característica comum é o processo de gestão crescimento das barreiras organizacionais, e particu-
da 3M, o Fórum Técnico mensal, durante o qual os larmente das barreiras hierárquicas, são as equipes de
membros da equipe técnica da empresa trocam opi- projeto multidisciplinares, os grupos de empreendi-
niões sobre seus respectivos projetos. A ênfase na co- mentos especiais e as estruturas organizacionais tipo
municação não se restringe às operações internas. Esta matriz. Essas estruturas, que exigem que especialistas
empresa apoia e frequentemente patrocina conferências
técnicas industriais, períodos sabáticos para os mem-
Na Genentech, Cetus, Biogen e Collaborative Research, quatro das
24
bros da equipe e projetos de cooperação com universi- maiores empresas de biotecnologia, um alto cientista também é membro
dades técnicas. do conselho de administração.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     85

funcionais e gestores de produto/mercado interajam em novos empreendimentos e pequenas empresas fracas-


uma variedade de atribuições de resolução de proble- sam, isto ocorre geralmente devido à escassez de ca-
mas de curto prazo, injetam uma certa ambiguidade nas pital e erros administrativos.28 Contudo, vez ou outra
relações organizacionais e requerem que cada indivíduo elas desenvolvem produtos, processos e serviços extre-
exerça vários papéis organizacionais. mamente inovadores, com uma velocidade e eficiência
Por exemplo, a AT&T usa uma combinação de me- que confundem os gestores das grandes empresas. O
canismos organizacionais e físicos para promover a in- sucesso do Apple II, que criou uma nova indústria, e da
tegração. As seções de Desenvolvimento Avançado da insulina geneticamente manipulada da Genentech são
Bell Labs situam-se fisicamente nos locais das fábricas exemplos deste gênero. A explicação para a capacidade
da Western Electric. Esta localização cria um vínculo de inovação de uma empresa pequena empreendedora é
organizacional entre o Desenvolvimento e a pesquisa simples, ainda que seja difícil para uma grande empresa
básica da Bell, e uma igualmente importante ligação replicar seu espírito.
espacial entre o Desenvolvimento e os grupos de enge-
nharia de manufatura nas fábricas. Desse modo, a co- Características empreendedoras Primeiro, a em-
municação é estimulada entre o Desenvolvimento e os presa pequena é tipicamente abençoada com uma co-
outros dois grupos.25 municação excelente. Seu pessoal técnico está em con-
tato permanente (e muitas vezes em salas apertadas).
Emprego a longo prazo O emprego a longo prazo Eles almoçam juntos e se telefonam fora do horário do
e o treinamento intensivo também são mecanismos de expediente. Assim, entendem e avaliam as dificuldades
integração importantes. Os gestores e tecnologistas são e desafios que o outro enfrenta. Às vezes, eles trocam de
mais propensos a desenvolver relações de trabalho sa- função ou acumulam funções para romper um gargalo
tisfatórias se souberem que ficarão atrelados uns aos ou- no sistema; muitas vezes, a mesma pessoa desempenha
tros durante uma boa parte de suas vidas profissionais. múltiplos papéis. Essa sobreposição de responsabi-
Além disso, sua lealdade e comprometimento com a lidades resulta em uma segunda bênção: uma dissolução
empresa são maiores se souberem que ela está inves- das barreiras organizacionais clássicas que são grandes
tindo continuamente em aprimorar suas capacitações. impedimentos para o processo de inovação. Terceiro,
Na Tandem, os tecnologistas treinam regularmente os as decisões fundamentais podem ser tomadas imedia-
administradores sobre o desempenho e o funcionamento tamente pelas pessoas que primeiro reconhecerem um
dos produtos da empresa; por sua vez, os administradores problema e não mais tarde pela alta gestão ou por alguém
treinam os tecnologistas sobre as políticas de pessoal e as que mal entenda o problema. Quarto, a concentração de
operações financeiras.26 Esta empresa também tende a se- poder no líder/empreendedor permite alocar os recursos
lecionar estudantes universitários com histórico escolar da empresa com bastante rapidez. Por último, a empresa
excelente, o que sugere autodisciplina e estabilidade, e pequena tem acesso a múltiplos canais de financiamento,
depois os estimula a continuar na empresa na maior parte do dentista da família a uma oferta pública formal. Por
(se não por toda) de suas carreiras. outro lado, o gestor de um projeto de P&D em uma
empresa grande tem efetivamente apenas uma fonte: o
Cultura empreendedora “banco corporativo”.
Ao mesmo tempo em que lutam para unir a organiza-
ção, as empresas de alta tecnologia também exibem um Divisões pequenas Para criar o clima empreendedor
ativismo ferrenho na promoção de agentes internos de da empresa pequena, as grandes e bem-sucedidas em-
mudança. Na realidade, há muito tempo reconhece-se presas de alta tecnologia empregam muitas vezes uma
que uma das características mais importantes de uma variedade de dispositivos organizacionais e políticas
bem-sucedida empresa de alta tecnologia é ter uma cul- de pessoal. Primeiro, elas se dividem e subdividem. A
tura empreendedora.27 Hewlett-Packard, por exemplo, é subdividida em 50
Na verdade, a facilidade com que as empresas em- divisões; a empresa tem uma política de dividir ainda
preendedoras inovam sempre inspirou uma mistura de mais as divisões tão logo ultrapassem os mil funcio-
perplexidade e inveja nas empresas maiores. Quando nários. A Texas Instruments é subdividida em mais de
30 divisões e 250 programas de ação tática. Até recen-
temente, o negócio da 3M estava dividido em 40 divi-
25
Ver, por exemplo, J. A. Morton, Organizing for Innovation (New York: sões. Embora essas divisões alcancem algumas vezes
McGraw-Hill, 1971).
26
Jimmy Treybig, presidente da Tandem Computer, Stanford Executive
Institute Presentation, August 1982.
27
Ver D. A. Schon, Technology and Change (New York: Dell Publishing, Ver S. Myers and E. F. Sweezy, “Why Innovations Fail”, Technology
28

1967), and Peters and Waterman. In Search of Excellence. Review, March-April 1978, pp. 40-46.
86     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

os US$ 100 milhões ou mais em vendas, pelos padrões Na Northrop, o chefe de projeto de aeronaves nor-
da Fortune 500, elas ainda são empresas relativamente malmente tem, a qualquer momento, vários projetos em
pequenas. andamento sem o conhecimento da alta gestão. Mui-
tas coisas podem acontecer antes que a decisão chegue
Variedade de canais de financiamento Segundo, mesmo a alguns níveis abaixo do presidente. “Gosta-
essas empresas de alta tecnologia empregam uma va- mos disso assim”, explica o presidente da Northrop,
riedade de canais de financiamento para estimular a Tom Jones.31
tomada de riscos. Na Texas Instruments, os gestores
têm três opções diferentes de financiamento para um Tolerância com os fracassos Além disso, as empre-
novo projeto de P&D. Se a proposta deles for rejeitada sas de alta tecnologia bem-sucedidas tendem a ser mui-
pelo sistema de planejamento estratégico centralizado to tolerantes com o fracasso tecnológico. “Na HP”, ex-
(PEC) por não esperar que se leve a ganhos econômicos plica Bob Hungate, gerente geral da Medical Supplies
aceitáveis, eles podem buscar a concessão de um “Wild Division, “entende-se que quando se tenta algo novo,
Hare”. O programa Wild Hare foi instituído por Patrick às vezes você fracassa”.32 De modo similar, na 3M os
que fracassam em transformar seu projeto de estimação
Haggerty enquanto foi o presidente da TI para assegurar
em um sucesso comercial quase sempre têm uma nova
que as boas ideias com potencial de longo prazo não
chance. Richard Frankel, presidente da Kevex Corpo-
fossem sistematicamente recusadas. Por outro lado, se
ration, coloca desta maneira: “Você precisa incentivar
o projeto estiver fora do objetivo final do sistema PEC,
as pessoas a cometerem erros. Você tem que deixá-las
os gestores e engenheiros podem contatar um dentre
voar, apesar das limitações aerodinâmicas”.33
dúzias de indivíduos que detêm uma bolsa de concessão
de “IDEA” e podem autorizar até US$ 25 mil para o de- Oportunidade para realizar projetos externos Por
senvolvimento de protótipo. Foi a concessão de IDEA fim, essas empresas proporcionam bastante tempo para
que resultou na bem-sucedida ferramenta de auxílio à realizar projetos especulativos. Geralmente, até 20% do
aprendizagem Speak and Spell.29 tempo de um cientista ou engenheiro produtivos é “não
Os gestores da 3M também têm três opções: podem programado”, durante o qual ele ou ela é livre para bus-
requisitar fundos (1) da sua própria divisão, (2) da P&D car interesses que podem não residir no objetivo princi-
corporativa, ou (3) da divisão de novos empreendimen- pal da empresa. Os Technical Fellows da IBM recebem
tos. Essa disposição para permitir uma variedade de até cinco anos para trabalhar em projetos da sua própria
canais de financiamento tem uma consequência impor- escolha, de memórias de alta velocidade até astronomia.
tante: incentiva a busca de abordagens tecnológicas al-
ternativas, particularmente durante os estágios iniciais Senso de integridade
de um desenvolvimento de tecnologia, quando ninguém Embora comprometidas com o individualismo e o es-
tem certeza do melhor caminho a seguir. pírito empresarial, as empresas de alta tecnologia bem-
A IBM, por exemplo, descobriu que a rebelião pode -sucedidas tendem a exibir um compromisso com os re-
ser um bom negócio. Thomas Watson Jr., o filho do fun- lacionamentos de longo prazo. Elas se veem como parte
dador e um gestor sênior de longa data, descreveu uma de uma comunidade duradoura, que inclui funcionários,
vez como foi desenvolvida a memória de disco, um ele- acionistas, clientes, fornecedores e comunidades locais;
mento essencial dos computadores modernos: seu objetivo é manter associações estáveis com todos
Não foi o resultado lógico de uma decisão tomada esses grupos de interesse.
pela gestão da IBM [devido a dificuldades orçamentá- Apesar de essas empresas terem objetivos comer-
rias]; foi desenvolvida em um dos nossos laboratórios ciais com contornos nítidos, tais como crescimento,
como um projeto pirata. Um punhado de homens… lucros e participação de mercado, elas os consideram
quebrou as regras. Eles arriscaram seus empregos para subordinados aos valores éticos de ordem superior.
Honestidade, justiça e transparência – ou seja, integri-
trabalhar em um projeto no qual acreditavam.30
dade – não devem ser sacrificados pelo ganho a curto
prazo. Tais empresas conscientemente não prometem
29
Ver Texas Instruments (A), Harvard Business School case 9-476-122;
o que não podem cumprir aos clientes, acionistas ou
Texas Instruments Shows U.S. Business How to Survive in the 1980s, funcionários. Não deturpam seus planos e seu desempe-
Harvard Business School case 3-579-092; Texas Instruments “Speak and
Spell Product”, Harvard Business School case 9-679-089, revised 7/79.
30
Thomas Watson, Jr., discurso no Eighth International Congress of
Accountants, New York City, September 24, 1962, como mencionado 31
Entrevista, May 1982.
por D. A. Schon, “Champions for Radical New Inventions”, Harvard 32
Entrevista, 1980.
Business Review, March-April 1963, p. 85. 33
Entrevista, April 1983.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     87

nho. Elas tendem a ser concorrentes duras, mas diretas. ler um dos objetivos corporativos da Hewlett-Packard
Como diz Herb Dwight, presidente da Spectra Physics, ou entrevistar um dos seus altos executivos para sentir
uma das maiores fabricantes de laser do mundo: “Os esta mistura extraordinária de força e humildade. As
gestores que têm sucesso aqui saem da sua maneira de empresas de alta tecnologia bem-sucedidas são capazes
ser para agirem com ética”.34 E Alexander d’Arbeloff, de conciliar seus sonhos com o que podem atingir rea-
cofundador e presidente da Teradyne, afirma sem ro- listicamente. Esta é uma das razões pelas quais elas são
deios que: “a integridade vem em primeiro lugar. Se extremamente reticentes em diversificar nos territórios
você não a tem, nada mais importa”.35 desconhecidos.
Essas políticas podem parecer utópicas, até mesmo
puritanas, mas em uma empresa de alta tecnologia elas Alta gestão com orientação prática
também fazem um bom sentido comercial. A mudança Não bastante seu profundo sentimento de respeito e
tecnológica pode ser rápida; portanto, a incerteza é gran- confiança para com seus colaboradores, os CEOs das
de, os riscos difíceis de avaliar e as oportunidades de empresas de alta tecnologia bem-sucedidas normal-
mercado e os lucros difíceis de prever. É quase impossí- mente estão ativamente envolvidos no processo de
vel ter um produto complexo em produção, por exemplo, inovação a tal ponto, que às vezes são acusados de
sem uma confiança sólida entre as funções, entre os fun- interferir. Tom McAvoy, presidente da Corning, ava-
cionários e os gestores e entre os gestores e os acionistas lia centenas de propostas de projeto por ano, tentando
(que devem estar dispostos a ver a empresa por meio das identificar as que podem ter um “impacto estratégico
possíveis quedas no crescimento das vendas e dos lucros significativo no negócio da empresa” – o potencial para
que muitas vezes acompanham as principais mudanças reestruturar. Não é de surpreender que a maioria desses
tecnológicas). Sem integridade, os riscos se multiplicam projetos seja de tecnologias novas. Em um ou dois dos
e a probabilidade de fracasso (em uma empresa que já é mais importantes, ele adota o papel de “field general”
difícil) cresce inaceitavelmente. Em um contexto como (general de campo): visita as operações da linha, recebe
este, Ray Stata, presidente e CEO da Analog Devices e atualizações diretas das pessoas que trabalham no pro-
cofundador do Massachussetts High-Technology Coun- jeto e certifica-se de que os recursos necessários este-
cil, afirma categoricamente: “Você precisa de um am- jam sendo fornecidos.39
biente de confiança mútua”.36 Esse envolvimento direto do alto executivo na
Este compromisso com os valores éticos deve come- Corning parece mais característico das empresas em-
çar de cima; de outro modo, ele é ineficaz. A maioria dos preendedoras vibrantes, como a Tandon, Activision e
CEOs que entrevistamos o considerou uma dimensão Seagate, mas ela está longe de ser a única. Padrões si-
primordial do seu papel. Como explica Bernie Gordon, milares podem ser identificados em muitas empresas de
alta tecnologia maiores. Milt Greenberg, presidente da
presidente da Analogic Devices, “As coisas que fazem
GCA, uma fabricante de semicondutores para equipa-
os líderes são sua filosofia, sua ética e sua psicologia”.37
mentos de processo avaliada em US$ 180 milhões, afir-
Em nenhuma questão essa dimensão é mais importante
mou: “Algumas vezes você tem apenas que provocar
do que quando se lida com os funcionários da empresa.
um curto-circuito na organização para conseguir uma
Paul Rizzo, vice-presidente da IBM, coloca desta ma-
mudança importante”.40 Tom Watson Jr. (presidente do
neira: “Na IBM temos um respeito fundamental pelo
conselho de administração da IBM) e Vince Learson
indivíduo… as pessoas devem ser livres para discorda-
(presidente da IBM) estavam fazendo exatamente isso
rem e para serem ouvidas. Depois, mesmo que percam,
quando se reuniram com programadores e projetistas,
você ainda consegue arregimentá-las atrás de você”.38
além de outros executivos, na cabine de esqui de Watson,
em Vermont, para finalizar conceitos de projeto e software
Autocompreensão Este senso de integridade ma-
para o sistema 360 – em algum momento em que a IBM
nifesta-se de uma segunda maneira não independente
já era uma empresa de US$ 4 bilhões.41
– autocompreensão. O orgulho, quase arrogância, des-
Os bons gestores de alta tecnologia não só entendem
sas empresas em sua habilidade de competir em suas
como as organizações e, em particular, os engenheiros
áreas escolhidas é temperado por um surpreendente
trabalham, mas também os fundamentos da sua tecno-
reconhecimento das suas limitações. É preciso apenas
logia e podem interagir diretamente com as pessoas a
respeito dela. Isto não implica que é necessário que os
34
Entrevista, 1982.
35
Entrevista, 1983.
36
Entrevista, 1980. 39
Entrevista, 1979.
37
Entrevista, 1982. 40
Entrevista, 1980.
38
Entrevista, 1980. 41
Ver Wise, “IBM’s 5 Billion”.
88     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

altos executivos dessas empresas sejam tecnologistas profissões e organizações, muitas vezes com alçadas
(embora geralmente assim sejam nos estágios iniciais ambíguas ou altamente interdependentes. Em tais si-
do crescimento); nem Watson e nem Learson eram. O tuações, muitas de nossas elogiadas técnicas de gestão
que parece ser mais importante é a habilidade de fazer racional quebram”.42 No entanto, um pesquisador re-
muitas perguntas, mesmo as mais “burras”, e a paciên- cente propôs um novo modelo de empresa que tenta
cia tenaz a fim de compreender em profundidade tais racionalizar o conflito entre estabilidade e mudança,
questões fundamentais, como: (1) como a tecnologia dividindo o processo estratégico em dois ciclos: um
funciona; (2) suas limitações, e seu potencial (junto que amplia o passado, e outro que tenta periodicamente
com as limitações e o potencial das tecnologias dos romper com ele.43
concorrentes); (3) quais recursos técnicos e econômi- Por sua natureza, as organizações estabelecidas re-
cos essas várias tecnologias requerem; (4) a direção e sistem à inovação. Ao definir as funções e as responsa-
a velocidade da mudança; e (5) as opções tecnológicas bilidades, e arranjando-as em relações de comunicação
disponíveis, seu custo, probabilidade de fracasso e be- seriada, elas incentivam o desempenho de um conjunto
nefícios potenciais, caso se provem bem-sucedidas. restrito de tarefas de uma maneira programada, previ-
Essa profundidade de compreensão é difícil o bas- sível. As organizações formais não só resistem à inova-
tante de ser alcançada em um conjunto de tecnologias e ção, elas agem muitas vezes de maneiras que estampam
mercados relacionados; é praticamente impossível uma isto para as outras pessoas. Superar este comportamento
pessoa dominar muitos conjuntos diferentes. Esta é ou- – que é análogo à maneira que o corpo humano mobili-
tra razão pela qual o foco aparente ser tão importante za anticorpos para atacar células estranhas – é, portanto,
nas empresas de alta tecnologia. Pouco importa quando uma função essencial da gestão de alta tecnologia.
um ou mais cientistas ou tecnologistas perceptivos pre-
veem o impacto das novas tecnologias nos mercados O desafio paradoxal
de suas empresas, se a alta gestão não internaliza estes As empresas de alta tecnologia lidam com este desafio
riscos e faz grandes mudanças na organização e na alo- de maneiras diferentes. A Texas Instruments, há muito
cação de recursos que geralmente são necessários no renomada pela estrutura matricial complexa e interde-
caso de uma transição tecnológica. pendente que é utilizada para gerir dúzias de centros
de produto/cliente (CPPs), consolidou recentemente
O PARADOXO DA GESTÃO DA ALTA grupos de CPPs e os transformou em unidades mais au-
TECNOLOGIA tônomas. “Este gestor de CPP controla os recursos e as
operações” para sua família inteira. “Em termos mais
Os seis temas em torno dos quais dispusemos nossas simples, o gestor de CPP tem que ser um empreende-
descobertas podem ser organizados em dois agrupa- dor”, explicou Fred Bucy, presidente da TI.44
mentos aparentemente paradoxais: em um grupo, en- Enquanto isso, uma tendência diferente é evidente
caixam-se o foco do negócio, a coesão organizacional na 3M, onde os empreendedores receberam um livre
e o senso de integridade; a adaptabilidade, a cultura reinado durante décadas. Uma grande reorganização
empreendedora e a gestão com orientação prática em recente foi projetada para deter a diversidade “bola de
outro. Por um lado, o foco do negócio, a coesão or- neve”, concentrando sua estrutura ampla de divisões
ganizacional e a integridade implicam estabilidade e autônomas em quatro grupos de mercado. “Estávamos
conservadorismo. Por outro, a adaptabilidade, a cultura nos tornando muito fragmentados”, explicou Vincent
empreendedora e a gestão com orientação prática são Ruane, vice-presidente da Divisão de Eletrônicos
sinônimos de mudança rápida, e algumas vezes pre- da 3M.45
cipitada. A tensão fundamental está entre a ordem e a De modo similar, a HP se reorganizou recentemente
desordem. Metade dos fatores de sucesso empurra em em cinco grupos, cada um com suas próprias responsabi-
uma direção, e a outra metade puxa para o outro lado. lidades estratégicas. Apesar de isto mudar simplesmente
Este paradoxo tem frustrado muitos acadêmicos
que procuram identificar processos racionais e relações
de causa-efeito estáveis nas empresas e nos gestores 42
Ver L. R. Sayles and M. K. Chandler, Managing Large Systems: Organi-
de alta tecnologia. Tais relações não são facilmente zations for the Future (New York: Harper and Row, 1971).
observáveis, a não ser que exista uma certa constân-
43
Ver R. A. Burgelman, “A Model of the Interaction of Strategic Behavior,
Corporate Context, and the Concept of Corporate Strategy”, Academy of
cia. Mas, na maioria das empresas de alta tecnologia, Management Review (1983), pp. 61-70.
a única constante é a mudança contínua. Como um 44
Ver S. Zipper, “TI Unscrambling Matrix Management to Cope with
Gridlock in Major Profit Centers”, Electronic News, April 26, 1982, p. 1.
aluno perspicaz de processo de inovação fraseou: “A 45
Ver M. Barnfather, “Can 3M Find Happiness in the 1980s?”, Forbes,
tecnologia avançada requer a colaboração de diversas March 11, 1982, pp. 113-16.
SEÇÃO 2 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ESTRATÉGIA | Artigo 1-7     89

algumas das suas relações e comunicação, deu à HP, tos mais antigos, sobre os quais foi construído o sucesso
pela primeira vez, um meio de integrar o desenvolvi- da empresa, em algum momento têm que ser abando-
mento de produto e mercado por meio das unidades ge- nados; assim como o sucesso a longo prazo da empresa
ralmente autônomas.46 exige o plantio e o cultivo de novos produtos, também
Essas reorganizações não significam que a integra- exige a poda consciente, até mesmo cruel, dos outros
ção organizacional está morta na Texas Instruments, ou produtos de modo que os recursos consumidos por eles
que as culturas empreendedoras da 3M e da HP estão possam ser usados em outro lugar.
sendo desmanteladas. Mas, sim, primeiro, que essas Esta atitude exige gestores pragmáticos que estejam
empresas reconhecem que ambas (integração organi- gerenciando continuamente as interfaces funcionais e di-
zacional e culturas empreendedoras) são importantes, visionais de suas empresas. Eles não podem se deixar
e, segundo, que a mudança periódica é necessária para seduzir pela nostalgia ou pelo medo de desapontar as
a adaptabilidade ambiental. Essas três empresas es- muitas pessoas comprometidas que estão envolvidas no
tão demonstrando notável adaptabilidade ao se reor­ desenvolvimento e na produção dos produtos descon-
ganizarem de uma posição de relativa força – não, tinuados. E também devem superar a resistência natural
como é bem mais comum, em resposta a dificuldades dos seus subordinados, e mesmo de seus pares, que mui-
financeiras. Como explicou Lewis Lehs, presidente tas vezes têm um grande interesse pelos produtos que lhes
da 3M: “Podemos mudar agora porque não estamos trouxeram o primeiro sucesso pessoal na organização.
com problemas”.47 Contudo, as empresas também precisam de uma cer-
Tais mudanças são essencialmente antiburocráti- ta quantidade de continuidade, porque a grande mudan-
cas, no mesmo espírito ditado de Mao Tsé-Tung para ça surge muitas vezes a partir do acréscimo de uma série
“deixar uma centena de flores florirem e uma centena de melhorias pequenas e menos visíveis. Estudos sobre
de escolas de pensamento competirem”.48 Na IBM, em refino de petróleo, raiom e transporte ferroviário, por
1963, Tom Watson Jr. aboliu temporariamente o comitê exemplo, mostram que metade ou mais dos ganhos de
de gestão corporativa em uma tentativa de empurrar as produtividade alcançados dentro dessas tecnologias re-
decisões para baixo e, com isso, facilitar as mudanças sultaram do acúmulo de melhorias pequenas.51 Na reali-
necessárias para o grande salto adiante da IBM para
dade, a maioria dos engenheiros, gestores, tecnologistas
o Sistema 360.49 Desordem, negligência e ambiguida-
e especialistas em manufatura e marketing trabalha no
de são necessárias para a inovação, já que fornecem a
que Thomas Kuhn poderia ter chamado de “inovações
porosidade que facilita o comportamento empresarial
normais”,52 os pequenos passos que melhoram ou am-
– assim como as subunidades organizacionais geografi-
pliam as linhas de produtos e os processos existentes.
camente separadas e relativamente autônomas.
Mas, na IBM, o comitê de gestão corporativa hoje Gerenciando de forma ambivalente
está vivo e bem. Como deveria estar. O processo de
inovação, depois de começado, é autoperpetuador A empresa de alta tecnologia bem-sucedida, então, deve
e potencialmente autodestrutivo; apesar de os altos ser gerida de forma ambivalente. Um compromisso
executivos das empresas de alta tecnologia por vezes contínuo com a ordem e a organização produzirão mo-
terem que abraçar a desordem, na maior parte do tempo delos T da Ford de uma única cor. A revolução contínua
têm que preservar a ordem. barrará os ganhos incrementais de produtividade. Mui-
tas empresas descobriram que os períodos alternados de
Peneirando os produtos antigos relaxamento e controle parecem satisfazer esta neces-
Nem todas as novas ideias de produtos podem ser exe- sidade dual. Surpreendentemente, tal ambiguidade não
cutadas. Como afirma Charles Ames, ex-presidente da leva à frustração e ao descontentamento.53 Na verdade,
Reliance Electric: “Um inventor entusiasmado é uma a intercalação de períodos de tensão, ação e excitação
ameaça para os empresários pragmáticos”.50 Os produ- com períodos de reflexão, avaliação e revitalização é o
mesmo tipo de ritmo irregular que caracteriza muitos

46
Ver R. Hill, “Does a ‘Hands-Off’ Company Now Need a ‘Hands-On’
Style?”, International Management, July 1983, p. 35. 51
Ver, por exemplo, W. J. Abernathy and J. M. Utterback, “Patterns of
47
Ver Barnfather, “Can 3M Find Happiness?”. Industrial Innovation”, Technology Review, June-July 1978, pp. 40-47.
48
S. R. Schram, ed., Quotations from Chairman Mao Tse Tung (Bantam 52
Ver T. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2nd ed. (Chicago:
Books, 1967), p. 174. University of Chicago Press, 1967).
49
Ver D. G. Marquis, “Ways of Organizing Projects”, Innovation, August 53
Após examinar um rascunho inicial deste artigo, Ray Stata, presidente
1969, pp. 26-33; T. Levitt, Marketing for Business Growth (New York: da Analog Devices, escreveu: “A articulação do equilíbrio dinâmico, do
McGraw-Hill, 1974), em particular, o Capítulo 7. yin e do yang, me serviu como um lembrete de que não existe uma ma-
50
Charles Ames, ex-CEO da Reliance Electric, citado em “Exxon’s $600 neira eterna, mas uma adaptação constante às necessidades e circunstân-
Million Mistake”, Fortune, October 19, 1981. cias do momento”. Ray Stata, entrevista, November 29, 1982.
90     PARTE 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

passatempos favoritos – incluindo velejar, que tem sido rápida. Existem duas maneiras de resolver este dilema.
descrito como “longos períodos de tédio total pontua- Uma delas é uma ideia antiga: gerir as partes dife-
dos com momentos de puro terror”. rentes da empresa de maneira distinta – algumas
Saber quando e onde mudar de uma postura para unidades de negócio para a inovação e outras para
outra e ter o poder de fazer a mudança são o nú- a eficiência.
cleo da arte de gestão da alta tecnologia. James E. Uma segunda maneira – que nós acreditamos ser
Webb, administrador da National Aeronautics and mais poderosa e penetrante – é gerir de forma dife-
Space Administration durante o bem-sucedido pro- rente em momentos diferentes no ciclo de evolução
grama Apolo (“homem na lua”), lembrou que “nos da empresa. A empresa de alta tecnologia bem-su-
exigiram colocar nossa máquina administrativa para cedida alterna períodos de consolidação e continui-
funcionar em um ambiente turbulento e… um certo dade com reorientações nítidas que podem levar a
nível de instabilidade organizacional foi necessário mudanças radicais nas estratégias, na estrutura, nos
se a NASA não quisesse perder o controle” (ênfase controles e na distribuição de poder da empresa, se-
do autor).54 guidas por um período de consolidação.55 Thomas Je-
Em suma, o dilema central da empresa de alta tec- fferson conhecia este segredo quando escreveu há 200
nologia é que ela deve ter sucesso no gerenciamento de anos: “Uma pequena revolução agora e depois é uma
duas tendências conflitantes: continuidade e mudança coisa boa”.56

Citado em “Some Contributions of James E. Webb to the Theory and


54
Ver Romanelli and Tushman, “Executive Leadership”.
55

Practice of Management”, uma apresentação de Elmer B. Staats antes do Ver J. Bartlett, Bartlett’s Familiar Quotations, 14th ed. (Boston: Little,
56

encontro anual da Academy of Management, August 11, 1978. Brown), p. 471B.


2
DESIGN E
IMPLEMENTAÇÃO
DA ESTRATÉGIA
TECNOLÓGICA:
UMA PERSPECTIVA
EVOLUCIONÁRIA*
PARTE

A
exemplo dos ativos financeiros e humanos, a tecno-
logia é um recurso ativo universalmente importante
nas organizações. Gerir tecnologia é uma função
básica do negócio que implica a necessidade de
desenvolver uma estratégia tecnológica, de modo análogo à
gestão de ativos financeiros e humanos. Estratégia tecnológica
serve como base para as decisões estratégicas fundamentais do
negócio, e ajuda a responder questões como:
1. Quais competências e capacitações tecnológicas diferenciadas são
necessárias para estabelecer e manter a vantagem competitiva?
2. Quais tecnologias devem ser usadas para implementar os con-
ceitos do design do produto, e como essas tecnologias devem ser
incorporadas aos produtos?
3. Qual deve ser o nível de investimento no desenvolvimento de
tecnologia?
4. Como as várias tecnologias poderiam ser adquiridas: interna ou
externamente?
5. Quando e como a nova tecnologia deveria ser introduzida no
mercado?
6. Como a tecnologia e a inovação deveriam ser organizadas e
gerenciadas?

*
Esta seção é uma elaboração e extensão de R. A. Burgelman and R. S. Rosenbloom,
“Technology Strategy: An Evolutionary Process Perspective”, Research on Techno-
logical Innovation, Management, and Policy 4 (1989), pp. 1-23.
92     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

FIGURA 1 Estrutura de estratégia tecnológica orientada em uma rigidez excessiva (Leonard-Barton, 1992). Ou-
pela aprendizagem organizacional com base
tras pesquisas descobriram que existem forças inerciais
nas capacitações
intensas a elas associadas, mas que fortes competências
tecnológicas também são susceptíveis de gerar inova-
ções (Burgelman, 1994).
Em geral, a competência distinta de uma empresa
Capacitações Estratégia
tecnológicas tecnológica
Experiência envolve as habilidades específicas, os ativos comple-
mentares e as rotinas utilizadas para criar vantagem
competitiva sustentável (Selznick, 1957; Andrews,
1981; Teece, Pisano e Shuen, 1990). Prahalad e Hamel
(1990), apoiados no trabalho de Selznick e Andrews,
definem competências centrais como “a aprendizagem
A estratégia tecnológica abrange a de P&D, mas es- coletiva na organização, especialmente a maneira de
tende-se para além dela (Mitchell, 1986; Adler, 1989). coordenar as diversas habilidades de manufatura e in-
Sua elaboração pode ser conceituada como um pro- tegrar os múltiplos fluxos de tecnologias” (p. 82); estes
cesso evolucionário de aprendizagem organizacional, autores também fornecem critérios para identificar a
como mostrado na Figura 1. competência central de uma empresa (p. 83-84), que
A figura mostra as relações das competências e ca- deve: (1) oferecer acesso potencial a uma ampla va-
pacitações técnicas com a experiência e com a estraté- riedade de mercados, (2) contribuir significativamente
gia tecnológica. A estratégia tecnológica é uma função para os benefícios percebidos pelo consumidor, relati-
da quantidade e qualidade das capacitações técnicas e vos ao produto final, e (3) ser de difícil imitação pelos
das competências, sendo que a experiência obtida a par- concorrentes.
tir da execução da estratégia tecnológica retroalimenta Neste livro, estamos preocupados principalmente
as capacitações técnicas e a própria estratégia tecnoló- com o subconjunto de competências tecnológicas da
gica em questão. empresa, mas as inter-relações destas competências
Examinaremos agora os três elementos inter-rela-
com outras áreas essenciais, como o marketing, tam-
cionados da criação da estratégia tecnológica. Em pri-
bém precisam sempre ser consideradas.
meiro lugar, veremos as competências tecnológicas e
Stalk, Evans e Shulman (1992) distinguem a com-
as capacitações. Em seguida, discutiremos o conteúdo
petência central das capacitações estratégicas de uma
desta estratégia tecnológica: as dimensões teóricas nas
empresa: “enquanto a competência central enfatiza o
quais ela pode ser expressada. Logo após, examinare-
mos as forças internas e externas que moldam a evolu- domínio tecnológico e de manufatura em pontos espe-
ção da estratégia tecnológica de uma empresa. Final- cíficos ao longo da cadeia de valor, as capacitações têm
mente, abordaremos a experiência alcançada por meio fundamentos mais amplos, englobando toda a cadeia de
da execução da estratégia tecnológica: as várias tarefas valor” (p. 66). Já o conceito de capacitação é definido
fundamentais pelas quais ela é realmente implementada por eles como “um conjunto de processos de negócio
e sua experiência acumulada. estrategicamente compreendidos (…). A questão-chave
é conectar tais processos às reais necessidades do clien-
te” (p. 62). Assim, as competências tecnológicas e as
Competência tecnológica e capacitação
capacitações são conceitos complementares, e a análise
Ao longo do tempo, as organizações desenvolvem da cadeia de valor (p. ex., Porter, 1985) proporciona
competências específicas estreitamente associadas com uma ferramenta útil para examinar suas inter-relações.
sua capacidade de lidar com as demandas ambientais
(Selznick, 1957). McKelvey e Aldrich (1983) veem tais Conteúdo da estratégia tecnológica
competências como “os conhecimentos e habilidades
(tecnológicos) organizacionais associados ao local de A estratégia tecnológica em uma empresa pode ser dis-
trabalho (…) que, juntos, são importantes para deter- cutida em função (1) da estratégia de desenvolvimento
minar a habilidade de uma organização para sobrevi- da tecnologia apoiando seu posicionamento produto-
ver” (p. 112). Nelson e Winter (1982), na mesma linha, -mercado, em termos de diferenciação (valor percebi-
usam o conceito de “rotinas”, que consideram exercer do ou qualidade e custo, de forma a adquirir vantagem
um papel similar ao dos genes na evolução biológica. competitiva com base em tecnologia; (2) do uso mais
É importante observar que a pesquisa revelou que essas amplo da tecnologia nas várias atividades que compõem
competências distintas podem se transformar em uma sua cadeia de valor; (3) do empenho de ativos próprios
armadilha de competência (Levitt e March, 1988), ou nas várias áreas da tecnologia; e (4) do uso que a em-
PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     93

presa faz das técnicas de design e gestão da organização (Abernathy e Utterback, 1978) na indústria. A arquitetura
para gerir a função da tecnologia. Estas constituem as do produto também afeta a escolha da tecnologia.
quatro dimensões substantivas da estratégia tecnológica As escolhas da tecnologia requerem avaliações cui-
(Burgelman e Rosenbloom, 1989; Hampson, 1993). dadosas dos fatores técnicos e mercadológicos, bem
como a identificação de um conjunto de metas para
Postura de estratégia competitiva seu desenvolvimento. A irreversibilidade relativa dos
A estratégia tecnológica é um instrumento das estratégias investimentos em tecnologia faz desta escolha e das
corporativas e de negócio. Como parte dessas estratégias metas de desenvolvimento, dimensões particularmente
mais abrangentes, uma empresa define o papel que a tec- salientes da estratégia tecnológica. O desenvolvimento
nologia deve desempenhar no aumento da diferenciação e/ das tecnologias pode variar de pequenas melhorias em
ou na redução de custos dos seus produtos e serviços (Por- um processo maduro até o emprego de uma tecnologia
ter, 1983, 1985). Do ponto de vista da estratégia competiti- emergente no primeiro produto novo em um mercado
va, a tecnologia pode ser empregada defensivamente, para novo (Rosenbloom, 1985).
manter a vantagem alcançada na diferenciação de produto
ou custo, ou ofensivamente, como uma ferramenta que Liderança tecnológica As implicações da liderança
visa criar nova vantagem em linhas de negócio estabeleci- tecnológica vêm sendo exploradas em vários textos sobre
das ou desenvolver novos produtos e mercados. tecnologia e estratégia (p. ex., Ansoff e Stewart, 1967;
Maidique e Patch, 1978), cujas discussões muitas vezes
Escolha da tecnologia Trabalhos recentes sobre a dis- giram em torno do timing (em relação aos concorrentes) do
tinção entre os conceitos de design e sua implementa- uso comercial da nova tecnologia – isto é, da estratégia de
ção física (Clark, 1985), assim como entre componentes posicionamento produto-mercado. Uma definição estraté-
e arquitetura no design e desenvolvimento de produto gica mais ampla vê a liderança tecnológica em termos da
(Clark, 1987; Henderson e Clark, 1990) são úteis para vantagem relativa no comando de um corpo de compe-
estabelecer um delineamento inicial para a escolha da tências tecnológicas e capacitações. Este tipo de liderança
tecnologia. Henderson e Clark (1990) oferecem um resulta do comprometimento com um papel “pioneiro” no
exemplo de um ventilador de ambiente, um sistema para desenvolvimento de uma tecnologia (Rosenbloon e Cuso-
movimentar o ar em um determinado espaço. Os compo- mano, 1987), ao contrário de um papel mais passivo de
nentes principais do ventilador são a lâmina, o motor que “monitoramento”. Embora os líderes tecnológicos possuam
a movimenta, a proteção da lâmina, o sistema de controle capacitações suficientes para serem os pioneiros, eles
e a estrutura mecânica. Um componente é definido como podem optar por não sê-lo.
“uma porção física distinta do produto que incorpora um A vantagem competitiva de uma empresa tem mais
conceito essencial do design e desempenha uma função chances de emergir dos aspectos exclusivos de sua
bem definida” (p. 2). Os conceitos essenciais do design estratégia tecnológica do que das características que
correspondem às várias funções que o desenvolvimento ela compartilha com as outras empresas. As empre-
do design do produto precisa incorporar de modo que, sas bem-sucedidas por longos períodos desenvolvem
fabricado, consiga atender os propósitos do seu usuá- competências tecnológicas e capacitações distintas das
rio. A necessidade de o ventilador se movimentar, por desenvolvidas por seus concorrentes, e que não são
exemplo, corresponde a um conceito essencial do design. facilmente copiáveis. Crown Cork e Seal, Marks e Spen-
Para se tornarem componentes, os conceitos essenciais cer e Banc One são exemplos que discutiremos breve-
do design podem ser implementados de várias formas. mente. Canon (Prahalad e Hamel, 1990) e Walmart
A movimentação do ventilador, assim, pode ser alcan- (Stalk et al., 1992) são outros exemplos. As estratégias
çada por meio de alimentação manual ou por motores
com base nas capacitações de tais empresas não podem
elétricos. Cada uma dessas implementações, por sua vez,
ser classificadas com facilidade simplesmente em ter-
refere-se a uma base de conhecimento tecnológico subja-
mos de diferenciação ou liderança de custo; elas são
cente. Projetar e construir motores elétricos, dessa forma,
exige conhecimentos de engenharia elétrica e mecânica.
uma combinação de ambos os aspectos. A habilidade
Cada um dos conceitos essenciais de um produto, por- de manter a exclusividade, importante no mercado, en-
tanto, necessariamente envolve escolhas de tecnologia. volve a vigilância contínua em relação ao que os con-
Além dos componentes, um produto também possui uma correntes estão fazendo, e não deve ser confundida com
arquitetura que determina como seus componentes se isolamento nem orientação introspectiva.
encaixam e funcionam juntos. Ainda em nosso exemplo A visão de liderança tecnológica fundamentada
do ventilador de ambiente, sua arquitetura global esta- nas competências e capacitações desperta a atenção
belece como os vários componentes funcionarão jun- para a importância de acumular capacitações (p. ex.,
tos. Geralmente, as arquiteturas do produto tornam-se Barney, 1986; Itami, 1987). Esta liderança não pode ser
estáveis com o surgimento de um “projeto dominante” facilmente comprada no mercado nem é rapidamente
94     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

aprendida por uma organização. Uma empresa deve por sua vez, trata do fato de que, em muitos casos, o pio-
compreender a importância estratégica das diferentes neiro pode precisar de acesso aos ativos complementares
competências e capacitações e dispor-se a construí-las especializados que pertencem a outras empresas. Ganhar
paciente e persistentemente, mesmo que às vezes pare- este acesso – ativos por meio de aquisições ou alianças
ça mais barato ou mais eficiente, no curto prazo, confiar estratégicas – pode absorver uma grande parte do fluxo da
em elementos externos para a sua contratação. renda proveniente da inovação. As alianças entre empresas
Pensar estrategicamente sobre a tecnologia significa start-up e as já estabelecidas na indústria de biotecnologia
levantar a questão de como uma competência técnica constituem um exemplo do papel de destaque dos ativos
ou uma capacitação em particular pode afetar os fu- complementares (p. ex., Pisano e Teece, 1989). A menos
turos graus de liberdade de uma empresa e o controle que as empresas controlem posições fortes com relação
sobre seu destino. Isto envolve identificar e acompa- aos regimes de apropriabilidade e aos ativos complemen-
nhar os parâmetros técnicos fundamentais, consideran- tares, sua capacidade para explorar as possíveis vantagens
do o impacto sobre a velocidade e a flexibilidade do do pioneirismo permanece duvidosa.
desenvolvimento de produto e processo à medida que
as tecnologias percorrem seus ciclos de vida. Requer Licenciamento da tecnologia Algumas vezes, as empre-
também a distinção cuidadosa entre as tecnologias que sas precisam decidir se elas mesmas levarão tecnologias
são comuns aos outros concorrentes na indústria, e por para o mercado ou se também oferecerão a outras empresas
isso têm pouco impacto na vantagem competitiva, e a oportunidade de comercializá-las por meio de acordos de
aquelas que são proprietárias e susceptíveis de provo- licenciamento (p. ex., Shepard, 1987). Ford e Ryan (1981)
car maior impacto sobre a vantagem competitiva. Além identificam várias razões pelas quais as empresas podem
disso, é necessário prestar atenção às novas tecnologias não conseguir explorar integralmente suas tecnologias ape-
que estão começando a manifestar seu potencial para a nas por meio das vendas dos produtos. A primeira delas
vantagem competitiva e àquelas que ainda estão apenas é que nem todas as tecnologias geradas pelos esforços de
despontando como tais (Arthur D. Little, 1981). P&D interno se enquadram em suas linhas de negócio e de
estratégia corporativa (ver também Pavitt, Robson e Town-
Momento de entrada da tecnologia Naturalmente, o send, 1989). A segunda é que as empresas podem precisar
momento de levar tecnologias novas ao mercado conti- considerar o licenciamento de sua tecnologia a fim de maxi-
nua a ser uma questão estratégica. Porter (1985) identifica mizar o retorno sobre seus investimentos em P&D, já que as
as condições sob as quais o pioneirismo é passível de ser patentes proporcionam uma proteção apenas limitada contra
recompensado, com vantagens duradouras para o pioneiro. a cópia por parte dos concorrentes. O licenciamento pode
Embora observe as várias vantagens potenciais que advêm ser uma ferramenta estratégica para desestimular a imitação
para os pioneiros, o autor também reconhece as possíveis por parte dos competidores, ou para tomar o lugar dos con-
desvantagens, pontuando a significância da escolha admi- correntes com tecnologias alternativas. Em terceiro lugar,
nistrativa do timing e a importância da análise situacional as empresas menores podem não conseguir explorar suas
para determinar as prováveis consequências ao longo do tecnologias por conta própria porque carecem dos ativos
caminho escolhido. financeiros e/ou ativos complementares necessários (p. ex.,
Teece (1986) amplia a análise para identificar a rele- manufatura). Em quarto, o desenvolvimento do mercado
vância dos regimes de apropriabilidade e do controle dos internacional para a tecnologia pode exigir o licenciamento
ativos especializados. Os primeiros tratam da habilidade de empresas locais devido à regulamentação do governo de
do pioneiro para proteger a vantagem tecnológica que origem. E, como quinto motivo, o fato de que por vezes a
possui, o que em geral está sujeito a patentes, envolvendo legislação antitruste pode impedir uma empresa de explorar
know-how proprietário e/ou segredos comerciais. A bata- integralmente sua vantagem tecnológica por conta própria
lha legal entre a Intel e a Advanced Micro Devices sobre (Kodak, Xerox e IBM são exemplos bem recentes). Por-
o acesso ao microcódigo da Intel para o desenvolvimento tanto, as empresas abundantes em tecnologia devem con-
de microprocessadores é um exemplo da importância dos siderar o desenvolvimento de capacitações especiais para
regimes de apropriabilidade (Steere e Burgelman, 1994). comercializar suas tecnologias, além de pensar em como
Uma consideração digna de atenção sob este aspecto diz implementá-las em seus próprios produtos.
respeito ao custo da defesa de uma posição tecnológica
proprietária. A perspectiva de uma rápida escalada dos Postura da cadeia de valor
custos legais e/ou as reclamações do tempo escasso da alta A tecnologia permeia a cadeia de valor. Uma visão apoia-
gestão, por exemplo, podem, às vezes, tornar difícil para as da nas competências e capacitações vai além do uso
empresas menores decidir recorrer aos tribunais para pro- estratégico da tecnologia nos produtos e serviços, assu-
teger sua posição proprietária, a não ser que as violações mindo uma posição competitiva orientada para seu uso
sejam muito claras. O controle dos ativos especializados, em todas as atividades da cadeia de valor (Porter, 1985).
PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     95

Escopo da estratégia tecnológica Considerar a estratégia Apesar de as diferenças entre as indústrias explicarem
tecnológica em relação à cadeia de valor define seu escopo: uma grande parcela dessa variação, ainda existem, entre
o conjunto de capacitações tecnológicas que a empresa opta as rivais, diferenças substanciais na intensidade de P&D.
por desenvolver internamente. Este conjunto pode ser cha-
mado de tecnologia central. Todas as outras, dessa forma, Profundidade da estratégia tecnológica O comprome-
são periféricas. Naturalmente, em um mundo dinâmico, as timento de ativos determina a profundidade da estratégia
tecnologias periféricas de hoje podem se tornar centrais no tecnológica da empresa: suas destrezas dentro das várias
futuro, e vice-versa. As tecnologias centrais são as áreas nas tecnologias centrais. Essa profundidade da estratégia tec-
quais a empresa precisa avaliar suas competências tecnoló- nológica pode ser expressada por meio da quantidade de
gicas diferenciadas e decidir se vai ser um líder tecnológico opções tecnológicas que a empresa tem à disposição; e,
ou um seguidor, bem como quando deve levar as tecnolo- provavelmente, correlaciona-se à capacidade para anteci-
gias para o mercado. O escopo da estratégia tecnológica é par os desenvolvimentos tecnológicos em determinadas
especialmente importante no que diz respeito à ameaça dos áreas. Quanto maior a profundidade tecnológica, maior
novos entrantes no segmento da empresa. As empresas com a flexibilidade e a capacidade de a empresa responder a
um conjunto mais amplo de tecnologias parecem menos novas demandas dos clientes/usuários, além de fornecer
vulneráveis aos ataques dos novos entrantes ao procurar a base para agir de maneira oportuna.
ganhar posições por meio da manufatura e da entrega de
novos tipos de valor para o cliente com base em tecnolo- Postura em relação à gestão
gia. Entretanto, as restrições de ativos deverão impor um Uma pesquisa recente (Hampson, 1993), que partiu do
limite em relação a quantas tecnologias a empresa opta por delineamento de Burgelman e Rosenbloom (1989), su-
desenvolver internamente. Consequentemente é importante gere que o conteúdo da estratégia tecnológica também
li­mi­tar a abrangência da estratégia tecnológica ao conjunto englobe uma postura em relação à gestão: a escolha de
daquelas consideradas capazes de proporcionar um impacto uma abordagem de gestão e de um design da organiza-
considerável em sua vantagem competitiva. ção que sejam consistentes com as posturas adotadas
O escopo da estratégia tecnológica pode ser determi- em relação às outras dimensões.
nado, de certa forma, por sua escala e foco comerciais.
Os negócios construídos em torno de sistemas grandes Adequação organizacional As empresas que conseguem
e complexos, como aeronaves, automóveis ou switches se organizar para satisfazer os requisitos or­ga­ni­zacionais
de telecomunicações, exigem a capacidade de aplicar e que fluem de suas posturas diante da competitividade, da
integrar uma série de tipos diferentes de especialização, cadeia de valor e do comprometimento de ativos têm mais
criando economias de escala e escopo e aprendizagem chances de possuir uma estratégia tecnológica efetiva.
(sinergias). A General Electric, por exemplo, foi capaz, Dessa forma, uma empresa com base em ciência que decide
segundo informações recebidas, de trazer a avançada ser líder em tecnologia no longo prazo provavelmente pre-
análise matemática, usada em várias divisões que tra- cisa criar uma organização central de P&D. Aquela que
tavam de pesquisas militares em submarinos de guerra, está satisfeita em explorar comercialmente ao máximo as
para o desenvolvimento da tomografia computadori- tecnologias existentes pode conseguir descentralizar toda
zada (TC) em sua divisão de equipamentos médicos a atividade de P&D para seus negócios principais. Imai (et
(Rutenberg, 1986). Outros campos podem realmente al. 1985) descrevem como as empresas japonesas usam
trazer deseconomias de escala, dando origem à popula- múltiplos níveis de contratados e subcontratados em uma
ridade das “equipes de designers de ponta” (p. ex., Rich rede externa a fim de adquirir formas extremas de especia-
lização em determinadas competências; esta prática lhes
e Janos, 1994) e à discussão do “mítico homem-mês”
dá flexibilidade, velocidade na resposta e potencial para
(Brooks, 1975). O surgimento de uma nova tecnologia
economias de custo, já que os subcontratados altamente
levanta questões relativas ao escopo da estratégia tecno-
especializados operam em uma curva de experiência,
lógica. E isto, por sua vez, pode impactar a delineação mesmo no nível de protótipos.
de um conjunto de tecnologias centrais da empresa e as
fronteiras entre as unidades de negócio proporcionadas
por tais tecnologias (Prahalad, Doz e Angelmar, 1989). Forças evolucionárias que moldam a
estratégia tecnológica
Postura em relação ao comprometimento de ativos Uma perspectiva evolucionária do processo levanta a
A terceira dimensão do conteúdo da estratégia tecnoló- questão de como a estratégia tecnológica de uma empresa
gica trata da intensidade do comprometimento de ativos realmente acontece e se modifica com o passar do tem-
para a tecnologia. A variação entre os fabricantes é acen- po. A teoria evolucionária aplicada aos sistemas sociais
tuada; muitas empresas não investem em P&D, enquan- concentra-se nos mecanismos de variação/seleção/reten-
to poucas comprometem até 10% das receitas na área. ção para explicar o comportamento dinâmico ao longo
96     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 2 Determinantes da estratégia tecnológica Evolução da tecnologia


A estratégia tecnológica de uma empresa está enraizada
Ambiente interno
na evolução de suas capacitações técnicas. Entretanto,
a dinâmica dessas capacitações e, portanto, a própria
Ação Contexto estratégia tecnológica, não é completamente endógena.
estratégica organizacional Elas são afetadas de maneira significativa pela evo-
lução das áreas mais amplas da tecnologia das quais
fazem parte, que evoluem, em grande parte, de modo
Mecanismos integradores

Mecanismos geradores
independente da empresa. Os diferentes aspectos desta
Estratégia evolução têm sido discutidos na literatura: (1) a evolu-
tecnológica ção das tecnologias ao longo das trajetórias da curva S
(p. ex., Twiss, 1980; Dosi, 1982); (2) a interação entre
o desenvolvimento tecnológico de produto e processo
dentro das configurações de design ao longo de uma
Evolução Contexto
determinada trajetória tecnológica (Abernathy, 1978);
da tecnologia industrial (3) o surgimento de novas tecnologias e suas trajetó-
rias (curvas S) (Foster, 1986); (4) as consequências das
Ambiente externo
novas tecnologias que aumentam ou destroem as com-
petências (Astley, 1985; Abertathy, Clark e Kantrow,
1983; Tushman e Anderson, 1986); (5) a maturidade:
do tempo (p. ex., Campbell, 1969; Aldrich, 1979; Weick, inovação tecnológica renovada, no contexto dos merca-
1979; Burgelman, 1983, 1991; Van de Ven e Garud, 1989). dos bem estabelecidos, dos altos volumes de produção e
Ela reconhece a importância da história, das irreversibili- dos arranjos organizacionais bem estabelecidos (Aber-
dades, da invariância e da inércia para explicar o compor- nathy, Clark e Kantrow, 1983); e (6) os determinantes
tamento das organizações. Porém, também considera os organizacionais da mudança tecnológica (Tushman e
efeitos dos processos de aprendizagem individual e social Rosenkopf, 1992). Essas são algumas das forças evo-
(p. ex., Burgelman, 1986). A perspectiva evolucionária é lutivas associadas ao desenvolvimento tecnológico que
útil para integrar as literaturas existentes sobre tecnologia.
transcendem as ações estratégicas de qualquer empresa.
O estudo do desenvolvimento tecnológico, por exemplo,
contém muitos elementos que parecem compatíveis com Contexto industrial
a estrutura variação/seleção/retenção desta teoria (p. ex.,
Rosenberg, 1982; Kelly e Kranzberg, 1978; Abernathy, Um aspecto relevante deste contexto é a estrutura in-
1978; Clark, 1985; Henderson e Clark, 1990; Burgelman, dustrial, que pode ser entendida pensando-se em cinco
1994). Gould (1987), precavendo-se na adaptação dos forças principais (Porter, 1980) que podem ser afetadas
conceitos de evolução biológica na evolução cultural (or- de maneira decisiva pela tecnologia (Porter, 1983), mas
ganizacional), mostra o poder da lógica evolutiva para cuja interação, por sua vez, determina as competências
identificar e elucidar fenômenos relativos à evolução tec- tecnológicas que podem formar a base da vantagem
nológica ao interpretar o estabelecimento do padrão do- competitiva (Burgelman, 1994). Outros aspectos são:
minante QWERTY, mesmo sendo inferior aos demais pa- (2) o regime de apropriabilidade associado à inovação
drões concorrentes de teclados das máquinas de escrever.* tecnológica (Teece, 1986); (3) os ativos complementa-
Os fatores evolucionários que moldam a criação da res necessários para comercializar uma nova tecnologia
estratégia tecnológica compreendem forças geradoras e (Teece, 1986); (4) o surgimento de projetos dominantes
integradoras, internas e externas. Nesta seção, explora- (Utterback e Abernathy, 1975; Abernathy, 1978); (5) re-
mos um esquema simples para conceituar essas forças, tornos crescentes para a adoção de determinadas tecno-
exibido na Figura 2. logias (Arthur, 1988; David, 1985); (6) o surgimento de
A ideia expressada na Figura 2 é que a estratégia padrões industriais (Farrell e Saloner, 1987; Metcalfe e
tecnológica é moldada por forças geradoras da ação Gibbons, 1989); (7) os aspectos dos sistemas sociais do
estratégica da empresa e pela evolução da tecnologia, desenvolvimento industrial (Van de Ven e Garud, 1989);
além das forças integradoras, ou seletivas, do contexto e (8) os efeitos competitivos da interação das caracte-
organizacional e industrial da empresa. rísticas dos sistemas sociais e da mudança tecnológica
(Barnett, 1990). Esses vários fatores e suas interações
afetam a provável distribuição dos lucros gerados por
*
N. de R.T.: QWERTY é o layout de teclados atualmente mais utilizado
em computadores e máquinas de escrever. O nome vem das primeiras seis uma inovação tecnológica entre as diferentes partes en-
letras que aparecem no canto superior esquerdo dos teclados: “QWERTY”. volvidas, bem como as escolhas estratégicas relativas às
PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     97

fronteiras ideais da empresa inovadora, e, ainda, o lócus Contexto organizacional


das inovações tecnológicas (Von Hippel, 1988). O contexto industrial exerce fortes pressões externas
de seleção sobre as empresas estabelecidas e suas
Ação estratégica estratégias. No entanto, uma característica-chave
A estratégia de uma empresa compreende seu co- destas empresas é que elas têm um contexto organi-
nhecimento organizacional, tomado a partir do fun- zacional que lhes permite interagir com o contexto
damento de seu sucesso passado e presente (Burgel- industrial. O contexto organizacional, por conse-
man, 1983, 1991; Donaldson e Lorsch, 1983; Weick, guinte, serve como um ambiente de seleção interna
1979). A ação estratégica é, em grande medida, indu- (Burgelman, 1991), cuja efetividade pode ser decisi-
zida pelo conceito de estratégia prevalecente, e sus- va para a sobrevivência da empresa. Ele afeta a ca-
ceptível de manifestar um grau de inércia relativo às pacidade da empresa em lidar com grandes desafios
mudanças cumulativas no ambiente externo (Hannan de gestão estratégica: (1) explorar as oportunidades
e Freeman, 1984). Cooper e Schendel (1976) desco- associadas à estratégia atual (processo induzido),
briram que as empresas estabelecidas, quando con- (2) tirar proveito das oportunidades que surgem es-
frontadas com a ameaça das tecnologias radicalmen- pontaneamente fora do objetivo da estratégia atual
te novas, mostravam-se dispostas a aumentar seus (processos autônomos), e (3) equilibrar os desafios
esforços para aprimorar a tecnologia existente, em (1) e (2) em momentos diferentes do desenvolvimen-
vez de mudar para a nova, mesmo depois de esta úl- to da empresa (Burgelman e Sayles, 1986).
tima ter passado do limiar de viabilidade. Abernathy, O contexto organizacional toma forma ao longo do
Clark e Kantrow (1983, p. 23) afirmam poder surgir tempo e reflete as abordagens administrativas e a cultu-
“conceitos fundamentais de design” que “travem ou ra dominante da empresa. A forma pela qual tal cultura
estabilizem o domínio do esforço técnico relevante” se relaciona com a tecnologia pode ser diferente, de-
(Clark, 1985). Henderson e Clark (1990) descobriram pendendo de alguns aspectos, como: se as competên-
que as empresas, diante de inovações de arquiteturas, cias diferenciadas da empresa possuem suas raízes na
frequentemente foram incapazes de adaptar seus es- ciência (p. ex., farmacêuticas), na engenharia (p. ex.,
forços de desenvolvimento de produto. Burgelman semicondutores) ou na manufatura (p. ex., japonesas);
(1994) descobriu que as forças inerciais associadas e se o processo de desenvolvimento de produto tem
à competência diferenciada de uma empresa impedi- sido conduzido pela lógica da tecnologia empurrada,
ram a adaptação às mudanças na base da competição, pela demanda criada pelas necessidades do mercado,
na medida em que um produto passava de especiali- ou por uma abordagem mais equilibrada. Algumas pes-
dade para commodity. quisas (p. ex., Boeker, 1989) sugerem que o perfil dos
As empresas também possuem capacidade de esta- fundadores e suas abordagens de gestão têm impacto
belecer ações estratégicas autônomas, visando a entra- duradouro no contexto organizacional da empresa. Ou-
da em novas áreas de negócio (p. ex., Penrose, 1968; tras (Henderson e Clark, 1990) mostraram que a arqui-
Burgelman, 1983, 1991). Essas iniciativas muitas ve- tetura do produto passa a ser refletida na estrutura da
zes estão enraizadas nos esforços de desenvolvimento organização, e que a cultura afeta bastante os canais de
tecnológico. No curso de seu trabalho, por exemplo, o comunicação. Isto, por sua vez, torna difícil para as or-
pessoal tecnologista pode descobrir, por acaso, os re- ganizações se adaptarem às inovações de arquiteturas
sultados que forneçam a base para o redirecionamento que mudam a maneira como os componentes de um
ou substituição das principais tecnologias da empresa. produto são interligados, mas, por outro lado, deixa os
A existência de uma capacitação de P&D corporativa conceitos fundamentais de design intactos (e, portan-
muitas vezes fornece um substrato para o surgimento to, o conhecimento tecnológico básico subjacente aos
dessas novas possibilidades técnicas que se estendem componentes). Outras pesquisas, ainda (Burgelman,
para além do objetivo da estratégia corporativa da Cogan e Grahan, 1997), descobriram uma evolução das
empresa (Rosenbloom e Kantrow, 1982; Burgelman ligações entre a estratégia tecnológica de uma empresa
e Sayles, 1986; Pavitt, Robson e Towsend, 1989). Os e as estratégias corporativas substantivas e genéricas.
participantes envolvidos na ação estratégica autônoma Embora, a princípio, a estratégia tecnológica oriente
exploram as fronteiras das capacitações de uma empre- ambas estratégias corporativas, ao longo do tempo essas
sa e dos conjuntos de oportunidades correspondentes relações se tornam recíprocas. A estratégia corporativa
(Burgelman, 1983). Itami (1983) observou que, “na rea- genérica, porém, pode ser um condutor mais duradouro
do que a substantiva, porque se torna incorporada ao
lidade, muitas empresas não têm (...) um conhecimento
contexto organizacional da empresa (ambiente de sele-
completo e descobrem todo o potencial de sua capaci-
ção interno).
dade só depois do fato” (p. 15).
98     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Aplicando o esquema: pesquisa e prática e conquistar novos clientes que estejam interessados
Vários exemplos podem ser apresentados para indicar nas melhorias oferecidas pela nova tecnologia de di-
como o esquema ilustrado na Figura 2 pode ajudar a ferentes dimensões. Os fabricantes de computadores
situar as novas descobertas de pesquisas no campo da pessoais, por exemplo, podem estar mais interessados
gestão estratégica da tecnologia, bem como fornecer no tamanho do disco do que na sua relação preço/de-
informações sobre a prática de três casos clássicos de sempenho. À medida que novos usuários adotam a tec-
gerenciamento estratégico da tecnologia das empresas. nologia, a evolução tecnológica é susceptível de levar
a melhorias para as outras dimensões da tecnologia
Pesquisa A pesquisa empírica sobre “tecnologias dis- (p. ex., preço/desempenho). Como resultado, a nova
ruptivas” de Clayton Christensen et al. (Clayton Chris- tecnologia pode se tornar mais atraente para os clien-
tensen e Bower, 1996) permite-nos ilustrar a utilidade do tes da antiga, o que pode precipitar uma grande mu-
esquema para integrar as novas descobertas da pesquisa dança no mercado (contexto industrial) e impulsionar
à medida que aparecem. As tecnologias disruptivas têm as novas empresas a se destacarem no segmento. Re-
potencial para canibalizar as já existentes e minar a posi- pare que, normalmente, o desempenho da tecnologia
ção estratégica das empresas estabelecidas em um deter- antiga também continua a avançar (evolução tecnoló-
minado segmento. A pesquisa de Christensen mostra este gica), mas o faz por meio de formas que ultrapassam
fenômeno na indústria de unidades de disco magnético, na
os níveis de desempenho valorizados pelos antigos
qual o surgimento de uma nova geração de discos menores
clientes, tornando-se, assim, irrelevantes.
afetou substancialmente o sucesso das empresas proemi-
nentes na geração precedente. Outros exemplos de tecno-
Prática Um caso clássico é o da Crown Cork & Seal
logias disruptivas, dentre muitos, são o transistor, a injeção
(CC&S), empresa que se saiu muito bem ao longo de um
eletrônica de combustível e o computador pessoal (ver
período de trinta anos como um participante relativamente
Artigos 2-1 e 2-2). Christensen faz uma distinção entre
pequeno em um segmento maduro. A estratégia tecnoló-
tecnologias disruptivas e sustentadoras, observando que,
gica parece ter contribuído significativamente para seu
essas últimas alavancam as tecnologias existentes e podem
sucesso. Quando assumiu a empresa em 1957, o CEO John
reforçar a posição estratégica das empresas estabelecidas.
Connelly reconheceu a existência de sólidas competências
(Na terminologia da economia, as tecnologias disruptivas
da Crown na formação de metais e as aproveitou para se
podem ser encaradas como substitutos, sustentando tecno-
especializar em aplicações em latas “difíceis de serem rea-
logias como complementos.)
lizadas” (competências/capacitações). A Crown não tinha
Esta pesquisa mostra que, muitas vezes, as tecno-
um departamento de P&D, mas desenvolveu fortes laços
logias disruptivas surgem primeiro nas empresas esta-
com uma força de vendas técnica altamente competente
belecidas, nas quais o pessoal tecnologista se envolve
e um grupo de engenharia voltado para aplicações para
em uma ação estratégica autônoma para defender a
ser capaz de fornecer soluções técnicas completas para
recém-descoberta oportunidade tecnológica. O contex- “preencher as necessidades” dos clientes (competências/
to organizacional existente, porém, normalmente não é capacitações). Diante de uma grande inovação tecnoló-
receptivo a essas iniciativas, em parte porque a força de gica externa – a lata de duas partes – iniciada por uma
vendas da empresa vivencia uma falta de interesse da empresa de alumínio (evolução tecnológica), a Crown foi
parte dos clientes existentes – o que, por sua vez, impli- capaz de mobilizar rapidamente suas próprias capacita-
ca retornos não promissores para o investimento em um ções e as dos fornecedores de aço para adaptar a inovação
futuro previsível. Esses clientes estão mais interessados de modo a ser implementada em aço. Por várias décadas,
nas melhorias de desempenho das dimensões tecnoló- a CC&S permaneceu no que podia fazer melhor (ação
gicas relevantes para eles e nos seus esforços atuais de estratégica) – fabricar e vender latas metálicas –, condu-
desenvolvimento de produto, e não na melhoria das di- zida por uma cultura fortemente orientada para o cliente
ferentes dimensões tecnológicas prometidas pela nova (contexto organizacional), enquanto seus concorrentes
tecnologia. Trata-se, dessa forma, muito mais de uma dirigiam sua atenção para a diversificação e gradualmente
fonte racional de resistência. Por isso, inicialmente o perdiam o interesse na indústria de latas metálicas (con-
contexto industrial representado pelos clientes existen- texto industrial). A CC&S continuou a refinar seu con-
tes e o contexto organizacional reforçam um ao outro na junto de habilidades (experiência), o que fez dela a única
resistência à nova tecnologia. empresa independente de latas metálicas remanescente
Muitas vezes, contudo, em face da rejeição ou re- entre os quatro grandes concorrentes originais.
sistência organizacional, os desenvolvedores da nova Um segundo caso clássico diz respeito ao sucesso da
tecnologia deixarão a empresa já estabelecida e come- Marks & Spencer (M&S), um varejista britânico com
çarão, por conta própria, a buscar novas oportunida- reputação internacional de qualidade, que se baseou
des. A nova empresa empreendedora deverá encontrar em uma estratégia consistentemente construída sobre
PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     99

um compromisso inabalável de proporcionar ao clien- à entrada nos seus mercados (contexto industrial), pre-
te “uma boa qualidade pelo preço cobrado”. A gênese servando seu domínio por outros sessenta anos. Habili-
da sua estratégia tecnológica foi a transformação, em dades altamente desenvolvidas no design e fabricação
1936, de um pequeno setor de teste de produtos têxteis de máquinas complexas e de baixo custo (competên-
em um “Departamento de Desenvolvimento de Merca- cias/capacitações) não só apoiaram a estratégia, mas
dorias”, projetado para trabalhar de perto com os forne- também moldaram a cultura da gestão, centralizada em
cedores a fim de trazer melhorias para a qualidade. Trin- Dayton, onde um amplo complexo fabril abrigava a
ta anos mais tarde, sua equipe técnica, contando então engenharia e a manufatura da tradicional linha de pro-
com mais de 200 pessoas trabalhando em tecnologia dutos (contexto organizacional). Na década de 1950,
de alimentos, produtos têxteis e domésticos, permitiu à a gestão começou a construir novas capacitações em
M&S controlar a estrutura de custos dos seus fornece- produtos eletrônicos (uma revolução, não apenas uma
dores. O desenvolvimento da capacitação técnica em evolução, na tecnologia) e entrou no mercado emergen-
si foi conduzido pelo intenso valor das excelentes re- te de processamento eletrônico de dados (PED). Um
lações mantidas com os fornecedores e continuamente novo conceito estratégico tentou posicionar os produtos
reforçadas pela alta gestão. tradicionais (caixas registradoras e máquinas de con-
Um terceiro caso também clássico trata da Banc tabilidade) como terminais de “entrada de dados” nos
One Corporation, um grupo bancário do centro-oeste sistemas de PED (mudando o comportamento estraté-
americano que se manteve firme entre as operações gico). Mas uma força de vendas projetada para vender
bancárias mais lucrativas dos Estados Unidos até ser produtos stand-alone com custo unitário moderado
adquirido pela JP Morgan Chase Co, em 2004. Em provou-se ineficaz para vender “sistemas completos”
1958, o novo CEO do City National Bank of Colum- com custo elevado. Ao mesmo tempo, a revolução da
bus, Ohio, John G. McCoy, convenceu o conselho de microeletrônica destruiu as barreiras inerentes à escala
administração a investir 3% dos lucros a cada ano para da NCR e a experiência na fabricação de equipamentos
apoiar uma atividade de “pesquisa e desenvolvimento”. mecânicos. Um enxame de novos entrantes encontrou
Ao longo das duas décadas seguintes, o CNB, que se clientes receptivos às suas novas caixas registradoras
tornou o banco líder da Banc One Corporation, desen- eletrônicas (mudança no contexto industrial). Como
volveu capacitações que o fizeram líder nacional na a participação de mercado caiu e a empresa passou a
aplicação de tecnologias eletrônicas de processamento experimentar amargos resultados negativos em 1972, o
de informações para bancos de varejo. Foi o primeiro CEO foi forçado a sair. Seu sucessor era um gestor sê-
banco a instalar caixas automáticos e pioneiro no de- nior experiente da NCR, que havia construído sua car-
senvolvimento dos cartões de crédito bancários, no pro- reira inteiramente fora de Dayton. Ele atuou rapidamen-
cessamento de transações no ponto de venda e no home te na mudança de posições da alta administração, na
banking. Embora nem todos esses empreendimentos descentralização da manufatura (diminuindo em 85% o
inovadores tenham sido bem-sucedidos, cada um deles quadro de funcionários em Dayton) e na reestruturação
contribuiu para o desenvolvimento cumulativo de uma da força de vendas e das novas linhas. O remédio foi
profunda e poderosa capacitação técnica que permane- amargo, mas funcionou; dentro de dois anos, a NCR ha-
ce como um elemento diferenciador da estratégia com- via adquirido a liderança em seus mercados principais e
petitiva altamente bem-sucedida do banco. era mais lucrativa no final dos anos 1970 do que havia
Os três casos citados são notáveis pela coerência do sido em qualquer momento dos anos 1960.
seu comportamento estratégico durante várias décadas.
O exemplo a seguir ilustra os problemas que podem Experiência por meio da aplicação da
surgir em um momento de mudança de tecnologia e estratégia tecnológica
contexto industrial, no qual uma mudança fundamental
na estratégia não é acompanhada pela adaptação cor- Uma nota sobre o desempenho (da aplicação)
respondente do contexto organizacional. A National como experiência
Cash Register Company (NCR) construiu uma posição A visão convencional de desempenho na literatura so-
dominante nos mercados internacionais de caixas regis- bre estratégia foca em resultados, como ROE (Return
tradoras e máquinas de contabilidade apoiada em uma of Equity, em português, Retorno sobre Patrimônio),
tecnologia superior e em uma excepcional força de ven- P/E (Price-Earnings Ratio, em português, Razão entre
das, criadas pelo lendário John P. Patterson. Em 1911, Preços e Ganhos), participação de mercado e cresci-
a NCR tinha 95% de participação nas vendas de caixas mento. Com frequência, os pesquisadores da estratégia
registradoras. As economias de escala em manufatura, tentaram estabelecer associações estatísticas entre esses
vendas e serviços apresentaram barreiras formidáveis resultados e as variáveis estratégicas (p. ex., a associa-
100     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

ção entre medidas de rentabilidade e da qualidade do o surgimento da supercondutividade em alta temperatura


produto), o que é útil, mas, em geral, fornece pouco dos laboratórios de pesquisa da IBM. A maioria das empre-
conhecimento em relação a como surgem exatamente sas intensivas em tecnologias e já estabelecidas enfatiza a
os resultados (p. ex., como a qualidade é alcançada e P&D aplicada em apoio aos negócios existentes e emer-
como ela influencia o comportamento do comprador). gentes. Cohen e Levinthal (1990) descobriram que uma
No esquema exibido na Figura 1, a experiência é vista capacitação de P&D interna também é um determinante
em termos de desempenhar efetivamente (estabelecer) importante da “capacidade de absorção” da empresa, ou
as diferentes tarefas envolvidas na execução da estraté- seja, da “capacidade da empresa para reconhecer o valor
gia. Esta visão do desempenho é semelhante à utilizada das novas informações externas, assimilá-las e aplicá-las
em esportes. Para ajudar um nadador a atingir seu maior com fins comerciais” (p. 128), indicando, assim, um laço
desempenho possível, por exemplo, não basta medir o estreito entre a contratação interna da tecnologia e a capa-
tempo necessário para nadar uma determinada distân- cidade de usar fontes externas.
cia e comunicá-lo ao nadador, nem estabelecer que, em
Contratação externa Muitas tecnologias importantes
média, um determinado estilo de nado estará associado
usadas na cadeia de valor estão fora das capacitações tec-
a melhores tempos. A análise sofisticada de cada mo-
nológicas da empresa. Embora a contratação interna pareça
vimento do nadador atravessando a água é necessária
necessária para a maioria das suas tecnologias essenciais,
para fornecer informações de como ele pode conseguir
algumas podem precisar ser contratadas externamente por
um tempo melhor. De modo similar, a experiência de-
meio de contratos de licenciamento exclusivos ou prefe-
rivada do uso da tecnologia na estratégia proporciona
renciais, ou de alianças estratégicas. Toda empresa con-
um feedback em relação à quantidade e qualidade das
sidera a possibilidade de estruturar formas de aquisição
competências técnicas e capacitações da empresa e à de tecnologias de outras empresas. As escolhas feitas na
efetividade da sua estratégia. A aprendizagem e o de- execução dessas tarefas podem nos dizer muito sobre a
saprendizado potencialmente resultantes, por sua vez, estratégia tecnológica subjacente. Até que ponto a empresa
servem para alavancar, aumentar e/ou alterar as capaci- conta com alianças em andamento, ao contrário de transa-
tações da empresa, a estratégia ou ambas (p. ex., Mai- ções pontuais, para a aquisição de tecnologia (Hamilton,
dique e Zirger, 1984; Imai, Nonaka e Takenuchi, 1985; 1985)? A aquisição está estruturada a fim de criar capa-
Itami, 1987; Burgelman, 1994). citação para que progressos futuros sejam conseguidos
A estratégia tecnológica é realizada na prática por internamente, ou, ao contrário, a empresa apenas reforçará
meio do estabelecimento de várias tarefas fundamen- a dependência (Doz, Hamel e Prahalad, 1989)?
tais: (1) contratação interna e externa de tecnologia, (2) A preocupação contínua com a melhoria em todos
sua implantação no desenvolvimento de produtos e pro- os aspectos da criação de valor e do processo de en-
cessos, e (3) seu uso nas atividades e no suporte técnico. trega pode preservar a empresa contra os movimentos
Realizar essas atividades, por sua vez, proporciona uma peculiares na contratação da tecnologia externa que
experiência valiosa que serve para aumentar e mudar poderiam comprometer sua posição produto-mercado.
as competências e capacitações técnicas da empresa, Vendo a questão da contratação externa a partir desta
levando-a a reconsiderar certos aspectos substanciais perspectiva, destaca-se a importância de gerir as in-
da sua estratégia tecnológica. terdependências com os fornecedores de capacitações
externas. Uma exigência é a preocupação contínua em
Contratação de tecnologia
adquirir o máximo possível de aprendizagem da rela-
Como as fontes de tecnologia são variadas, assim tam- ção no tocante às capacitações e habilidades, em vez
bém devem ser os mecanismos empregados para torná- de se preocupar puramente com o preço. À medida que
-la acessível dentro da empresa. É útil distinguir entre a uma empresa se engaja em alianças estratégicas, deve
atividade de P&D interna e as funções aquisitivas que estabelecer as capacitações necessárias para gerir os
importam tecnologia de fora da empresa. relacionamentos. Para desenvolver relações únicas e
valiosas com os fornecedores, por exemplo, ela pode
Contratação interna A contratação interna depende da
capacitação de P&D da empresa. Cada estratégia tecnoló-
precisar de uma equipe técnica forte para geri-las. Se a
gica da empresa encontra expressão parcial na forma como aliança estratégica for necessária porque a empresa está
ela financia, estrutura e dirige as atividades de P&D, cuja em desvantagem competitiva em uma área tecnológi-
missão é criar novos caminhos para a tecnologia. Relati- ca importante, talvez precise investir em instalações e
vamente poucas empresas – basicamente as maiores nas equipamentos para aplicar o que é aprendido com o par-
indústrias intensas em atividade de P&D – são capazes de ceiro e começar a construir a capacitação tecnológica
apoiar o tipo de P&D com base em ciência que pode levar internamente. Para tomarmos um exemplo específico,
a novas tecnologias importantes. Um exemplo recente é quando as empresas japonesas de produtos eletrônicos
PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     101

adquiriram tecnologia do exterior durante as décadas de a maneira como as novas possibilidades tecnológicas
1950 e 1960, a maioria delas se estruturou de forma que (derivadas da pesquisa fundamental), em relação ao
lhes permitiu se tornar líderes ao empurrar as fronteiras contexto de aplicação existente (representado pelos sis-
das mesmas tecnologias nas décadas de 1970 e 1980 temas atuais de produto, fabricação e cliente/usuário),
(Doz, Hamel e Prahalad, 1989). afetam a velocidade e a produtividade dos processos de
desenvolvimento de produtos no nível de projeto.
Desenvolvimento de produtos e processos
A estratégia tecnológica também é estabelecida pela im- Suporte técnico
plantação de tecnologia para desenvolver produtos e pro- A função comumente denominada serviço de campo cria
cessos. As atividades de desenvolvimento de produtos e a interface entre a função técnica da empresa e os usuários
processos incluem aspectos importantes das dimensões de seus produtos ou serviços. A experiência no uso pro-
da estratégia tecnológica. O entendimento da estratégia porciona um feedback importante para aprimorar as ca-
pode ser adquirido a partir da consideração do nível de pacitações tecnológicas da empresa (Rosemberg, 1982).
ativos comprometidos, da maneira como são implemen- As operações das companhias aéreas, por exemplo, são
tados e como são direcionados no desenvolvimento de uma fonte essencial de informações sobre a tecnologia
produtos e processos. Assim, por exemplo, como a or- dos motores a jato. Em algumas indústrias, como a de
ganização alcança o equilíbrio delicado entre deixar a instrumentação eletrônica, as inovações importantes
tecnologia orientar o desenvolvimento do produto e per- quase sempre se originam nos usuários (Von Hippel,
mitir que este desenvolvimento e/ou desenvolvimento 1978). A estratégia tecnológica de uma empresa, des-
do mercado orientem a tecnologia? A disponibilidade sa forma, encontra expressão importante na maneira
da tecnologia de circuitos integrados conduziu o desen- como ela realiza este importante elo com os usuários.
volvimento de produtos em muitas áreas dos produtos Os fluxos de informação de duas vias são relevantes;
eletrônicos de consumo. Novos esforços de desenvolvi- o conhecimento especializado dos desenvolvedores de
mento de produto, por outro lado, às vezes estimulam produtos pode aumentar a efetividade das operações de
o desenvolvimento de novas tecnologias. Os notebooks, campo, enquanto o feedback do campo traz informa-
por exemplo, encaminharam o desenvolvimento da nova ções para o desenvolvimento futuro.
tecnologia de unidades de disco e da memória “Flash”.
A gigantesca indústria de computadores pessoais foi A aplicação revela o conteúdo da
fundada quando os jovens engenheiros da Apple busca- estratégia tecnológica
ram explorar o potencial inerente ao microprocessador,
em um momento em que os gestores corporativos da Estudar os processos envolvidos na realização das tarefas
Hewlett-Packard, IBM e outras empresas desdenhavam fundamentais lança luz sobre o modo como a estratégia
da oportunidade comercial. Uma década mais tarde, po- tecnológica relaciona as capacitações técnicas à vantagem
rém, tornou-se claro que as necessidades do mercado competitiva e como a aprendizagem e o desaprendizado
haviam passado a ser a força primária que moldava os organizacionais realmente acontecem. Em outras palavras,
esforços para os avanços das tecnologias constituintes. a aplicação revela o conteúdo da estratégia tecnológica.
Wheelwright e Clark (1992) sugerem três benefícios A matriz ilustrada na Figura 3 mostra um esquema para
potenciais associados ao desenvolvimento de produtos mapear as interações entre os componentes de conteúdo e
e processos: (1) posição de mercado, (2) utilização de de aplicação na criação da estratégia tecnológica.
ativos, e (3) renovação e aperfeiçoamento organizacio-
nais. Eles apontam que esses benefícios raramente são Duas conjecturas
totalmente percebidos, porque as empresas carecem Duas conjecturas normativas sobre estratégia tecnoló-
de um quadro conceitual de estratégia de desenvolvi- gica estão implícitas nesta discussão. A primeira é que o
mento que as ajude a integrar coerentemente a estra- conteúdo da estratégia tecnológica deve ser abrangente,
tégia tecnológica com a estratégia de posicionamento isto é, a estratégia tecnológica, como é estabelecida por
produto-mercado. Um trabalho recente sobre integra- meio das várias tarefas de aquisição, desenvolvimen-
ção tecnológica (Iansiti, 1997) vai um passo além, con- to e suporte técnico, deve abordar as quatro dimensões
centrando-se no papel da avaliação da tecnologia e nos substanciais e fazê-lo de uma forma que seja coeren-
processos de seleção que precedem os processos reais te através das dimensões. A segunda é que a estratégia
de desenvolvimento de produtos. Esses processos de tecnológica deve ser integrada, ou seja, cada uma das
integração tecnológica são diferentes dos vários tipos tarefas fundamentais deve ser informada pelas posições
de “projetos avançados de desenvolvimento” identifica- assumidas nas quatro dimensões substantivas de forma
dos por Wheelwright e Clark. Eles se preocupam com a criar coerência por todas as várias tarefas.
102     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 3 Conteúdo e aplicação na estratégia tecnológica

Aplicação (modos de experiência)

Contratação Contratação Desenvolvimento Desenvolvimento Suporte


Conteúdo externa interna de produtos de processos técnico
de tecnologia de tecnologia

Postura da estratégia competitiva


(escolha/liderança/momento
de entrada/licenciamento)

Postura da cadeia de valor


(escopo)

Postura do comprometimento
de ativos (profundidade)

Postura da gestão
(adequação organizacional)

Conclusão à nossa conjectura final, ou seja, é vantajoso atingir um


estado no qual a estratégia tecnológica seja abrangente
Este capítulo argumenta que uma perspectiva de processo
e integrada. Por abrangente queremos dizer que ela in-
evolucionário proporciona um suporte útil para refletir so-
corpora respostas coerentes para as questões apresenta-
bre a estratégia tecnológica e sobre seu papel na estratégia das pelas quatro dimensões substanciais; por integrada,
competitiva mais ampla de uma empresa. A essência desta que cada um dos vários modos de desempenho é infor-
perspectiva é que a estratégia tecnológica constroi-se so- mado pela estratégia tecnológica.
bre competências e capacitações técnicas, e é temperada
pela experiência. Estes três conceitos principais – compe-
tências e capacitações técnicas, estratégia e experiência Referências
– estão, na realidade, intimamente integrados. As com- Abernathy, W. J. 1978. The Productivity Dilemma: Roadblock to
Innovation in the Automobile Industry. Baltimore: Johns Hopkins
petências e capacitações técnicas dão à estratégia tecno- University Press.
lógica sua força; a estratégia tecnológica aplicada cria a
Abernathy, W. J., and J. Utterback. 1978. “Patterns of Industrial
experiência que modifica as competências e capacitações Innovation”. Technology Review.
técnicas. Central a esta ideia é a noção de que a realidade
Abernathy, W. J., K. Clark, and A. M. Kantrow. 1983. Industrial
de uma estratégia reside em sua aplicação, e não naqueles Renaissance. New York: Basic Books.
pronunciamentos que aparecem para afirmá-la. Em ou-
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tras palavras, o conteúdo da estratégia tecnológica pode In R. S. Rosenbloom and R. A. Burgelman (eds.), Research on
ser revelado pela aplicação dos vários modos pelos quais Technological Innovation, Management, and Policy, vol. 4, pp. 251-
a tecnologia é adquirida e implantada – contratação, de- 52. Greenwich, CT: JAI Press.
senvolvimento e atividades de suporte. As maneiras pelas Aldrich, H. E. 1979. Organizations and Environments. Englewood
quais essas tarefas são realmente executadas e como seu Cliffs, NJ: Prentice Hall.
desempenho contribui cumulativamente para o aumento e Andrews, K. 1981. The Concept of Corporate Strategy. Homewood, IL:
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capacitações técnicas em andamento – estratégia tec- Arthur, W. B. 1988. “Competing Technologies: An Overview”. G. Dosi
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mos geradores e integradores (esboçados na Figura 2) Columbia University Press.
que moldam a estratégia, que podem ser tanto internos Astley, W. G. 1985. “The Two Ecologies: Population and Community
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PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA     103

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1
Evolução
Tecnológica *

sEÇÃO

A rtigo 2 - 1 a esta análise histórica e, tomando como princípio nos-


so modelo, podemos aqui tentar obter respostas para
Padrões de inovação industrial questões como as que foram apresentadas.

William J. Abernathy e James M. Utterback


Um espectro de inovadores
Como a inovação de uma empresa – e sua resposta às Estudos anteriores sobre inovação pressupõem que qual-
ideias inovadoras – se transforma na medida em que quer unidade inovadora vê a maior parte de suas inova-
a empresa cresce e amadurece? Há circunstâncias nas ções na forma de novos produtos. Mas esta observação
quais um padrão, em geral associado à inovação bem- esconde uma diferença básica: o que constitui uma ino-
-sucedida, é, na verdade, mais susceptível de ser asso- vação de produto para uma pequena unidade com base
ciado ao fracasso? Sob quais circunstâncias as recen- em tecnologia muitas vezes é o equipamento de proces-
temente tecnologias disponíveis, que não as demandas so adotado por uma grande unidade para aprimorar sua
do mercado, são o estímulo decisivo para a mudança? manufatura de alto volume de um produto padrão. Ar-
Quando a concentração na inovação incremental e os gumentamos que essas duas unidades – a organização
ganhos de produtividade associados podem representar pequena e empreendedora e a unidade maior que fabrica
o máximo valor para a empresa? Em quais situações produtos padronizados em grande escala – estão em ex-
essa estratégia causa instabilidade e potencial para uma tremos opostos de um espectro, em certo sentido forman-
crise na organização? do condições na evolução de uma unidade no que tange à
Intrigados com questões como essas, examinamos sua inovação de tecnologias de produto e processo.
como os tipos de inovação empreendidos pelas unidades Um padrão distinto da inovação tecnológica é evi-
produtivas mudam, aparentemente, à medida que as pró- dente no caso dos produtos estabelecidos e de grande
prias unidades evoluem. Nosso objetivo foi um modelo escala, tais como as lâmpadas incandescentes, o papel,
que relacionasse os padrões de inovação dentro de uma o aço, os produtos químicos em geral e os motores de
unidade à sua estratégia competitiva, às suas capacita- combustão interna, por exemplo.
ções de manufatura e características organizacionais. Os mercados para esses bens são bem definidos; as
Este artigo resume nosso trabalho e apresenta as características do produto são bem compreendidas e,
características básicas do modelo desenvolvido. Con- com frequência, padronizadas; as margens de lucro uni-
cluímos que a capacidade de uma unidade produtiva e tárias costumam ser baixas; a tecnologia de manufatura
seus métodos de inovação dependem fundamentalmen- é eficiente, com um alto grau de automação, e especia-
te do seu estágio de evolução, tanto para uma pequena lizada para um produto em particular; e a concorrência
empresa com base em tecnologia como para um gran- apoia-se principalmente no preço. A mudança é cara em
de fabricante de alto volume. Muitas características sistemas altamente integrados como esses, porque uma
da inovação e do processo inovador correlacionam-se alteração em qualquer atributo ou processo tem ramifi-
cações para muitos outros.
Nesse ambiente, a inovação é incremental por na-
*
Fonte: Reimpresso com a permissão da Technology Review, MIT tureza e gera um efeito gradual e cumulativo sobre a
Alumni Association. Copyright© 1978. produtividade. Samuel Hollander, por exemplo, mos-
106     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

trou que mais da metade da redução de custo da manufa- Quando uma importante inovação de produto apa-
tura do raiom nas fábricas da E. I. Du Pont de Nemours rece pela primeira vez, os critérios de desempenho
and Company tem se originado de melhorias graduais costumam ser vagos e pouco compreendidos. Como os
do processo que não poderiam ser identificadas em usuários têm uma compreensão mais íntima dos requi-
projetos formais ou mudanças. Um estudo similar de sitos de desempenho, eles podem exercer um papel im-
John Enos mostra que o acúmulo de desenvolvimen- portante sugerindo a forma definitiva da inovação, bem
tos incrementais nos processos de refino do petróleo como sua necessidade. Keneth Knight, por exemplo,
resultou em ganhos de produtividade que usualmente mostra que três quartos dos modelos de computador
ofuscaram o ganho proveniente da inovação original. que surgiram entre 1944 e 1950 foram desenvolvidos
As inovações incrementais, como o uso de locomotivas pelos usuários.
e vagões maiores nas ferrovias, resultaram em reduções É razoável que a diversidade e a instabilidade dos
drásticas no custo de transporte de grandes quantidades requisitos de desempenho para os novos produtos pro-
de material por meio de trens. porcionem uma vantagem para organizações pequenas
Em todos esses exemplos, grandes inovações de sis- e adaptáveis com abordagens técnicas flexíveis e boa
temas foram seguidas por incontáveis melhorias de pro- comunicação externa; as evidências históricas apoiam
dutos e de sistemas; estas últimas contribuem com mais esta hipótese. John Tilton, por exemplo, argumenta que
da metade do ganho econômico final total por serem as novas empresas lideraram a aplicação da tecnologia
mais numerosas. Embora a redução do custo pareça ter de semicondutores, tornando aplicável a tecnologia das
sido o principal incentivo para a maioria dessas inova- empresas e laboratórios mais estabelecidos. Ele argu-
ções, os grandes avanços no desempenho também resul- menta que as economias de escala não tiveram uma im-
taram de pequenos ajustes de engenharia e manufatura. portância primordial porque os produtos mudavam tão
A inovação incremental geralmente ocasiona um rapidamente que a tecnologia de manufatura projetada
sistema cada vez mais especializado, no qual as eco- para um determinado produto ficava rapidamente obso-
nomias de escala na produção e no desenvolvimento leta. R. O. Schlaifer e S. D. Heron argumentaram que
dos mercados de massa são extremamente conside- um grupo de empresas diversificadas, que lutou contra
ráveis. A unidade produtiva perde sua flexibilidade, empresas estabelecidas para entrar na indústria, contri-
tornando-se cada vez mais dependente da produção buiu muito para os primeiros avanços nos motores a
em grande escala para cobrir seus custos fixos, e cada jato dos aviões.
vez mais vulnerável às variações da demanda e à ob-
solescência técnica. Uma transição da inovação radical
Os principais produtos novos não parecem ser coe- para a evolucionária
rentes com esse padrão de mudança incremental. Estes Esses dois padrões de inovação podem ser tomados
produtos, que exigem a reorientação dos objetivos cor- para representar tipos extremos – em um caso, envol-
porativos ou das instalações de manufatura, tendem a se vendo a mudança incremental para um sistema de ma-
originar fora das organizações dedicadas a um sistema nufatura rígido e eficiente projetado especificamente
de manufatura “específico”; ou, caso se originem dentro para fabricar um produto padronizado e, no outro, en-
dela, tendem a ser rejeitados. volvendo a inovação radical com as características do
Um padrão mais fluido de mudança do produto está produto. Na verdade, elas não são categorias rígidas
associado à identificação de uma necessidade emergen- e independentes. Vários exemplos deixarão claro que
te ou a uma nova maneira de satisfazer uma necessidade as organizações consideradas atualmente na catego-
existente; é um ato empreendedor. Muitos estudos suge- ria “específica” – nas quais a inovação incremental é
rem que essas inovações de produtos compartilham tra- atual­mente motivada pela redução de custos – foram,
ços comuns. Elas ocorrem em quantidades despropor- em sua origem, unidades pequenas e “fluidas” atentas
cionais nas empresas e unidades localizadas próximas à inovação de produtos.
ou dentro dos mercados afluentes, com destacadas uni- O estudo de John Tilton sobre os desenvolvimentos
versidades ou outras instituições de pesquisa, e institui- na indústria de semicondutores de 1950 até 1968 indica
ções financeiras orientadas para empreendimentos. Sua que a taxa de inovações mais importantes diminuiu, e
vantagem competitiva sobre os produtos predecessores que o tipo de inovação mudou. Oito das 13 inovações
baseia-se no desempenho funcional superior, e não no de produto que ele considera terem sido as mais im-
custo inicial mais baixo, e, portanto, essas inovações portantes durante esse período ocorreram nos primeiros
radicais tendem a oferecer margens de lucro unitárias sete anos, período em que as vendas na indústria foram
mais elevadas. menores do que 5% das suas vendas totais no horizonte
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-1     107

de dezoito anos. Podem ser identificados dois tipos acrescentando ajustes; e durante o período dessas mu-
de empresas nesse período inicial da nova indústria – danças incrementais, o custo operacional das compa-
as unidades estabelecidas e as novas entrantes, como nhias aéreas por passageiro/milha caiu mais de 50%.
Fairchild Semiconductor, IBM e Texas Instruments. As A lâmpada elétrica incandescente também tem uma
unidades estabelecidas responderam à concorrência das história com uma longa série de aprimoramentos evolu-
recém-chegadas enfatizando as inovações de processos. cionários, que começaram com algumas inovações im-
Enquanto isso, as novas entrantes procuraram competir portantes e acabaram em um produto altamente padro-
por meio da inovação de produto. As três novas entran- nizado. Em 1909, ocorreram as primeiras inovações da
tes mais bem-sucedidas mencionadas foram responsá- lâmpada de filamento de tungstênio e bulbo de vácuo;
veis pela metade das principais inovações de produtos, desde então, até 1955 houve uma série de mudanças in-
e por apenas uma das nove inovações de processos que crementais – ligas metálicas melhores para o filamento,
Dr. Tilton identificou nesse período de dezoito anos, en- o uso de getters* para ajudar a esvaziar o bulbo, enrola-
quanto as três principais unidades estabelecidas (divi- mento dos filamentos, vidro “opaco”, e muito mais. No
sões da General Electric, Philco e RCA) fizeram apenas mesmo período, o preço de uma lâmpada de 60 watts
um quarto das inovações de produtos, mas três das nove diminuiu (mesmo sem nenhum ajuste da inflação) de
principais inovações de processos no mesmo período. US$ 1,60 para US$ 0,20 cada, a saída em lúmens au-
Neste caso, a inovação de processos não foi uma efi- mentou em 175%, o conteúdo de trabalho direto foi re-
ciente postura competitiva. Em 1966, as três unidades duzido em mais de uma ordem de grandeza, de 3 para
estabelecidas detinham juntas apenas 18% do mercado, 0,18 minuto por lâmpada, e o processo de manufatura
enquanto as três novas detinham 42%. Desde 1968, po- evoluiu de uma configuração de oficina flexível, envol-
rém, as bases da concorrência na indústria mudaram; vendo mais de 11 operações distintas e uma alta depen-
à medida que os custos e a produtividade se tornaram dência das habilidades de trabalho manual, para uma
mais importantes, a taxa de inovações significativas de única máquina operada por alguns trabalhadores.
produto diminuiu, e a inovação efetiva de produto tor- O produto e o processo evoluíram de modo simi-
nou-se um fator importante para o sucesso competitivo. lar na indústria automobilística. Durante um período
Em 1973, por exemplo, a Texas Instruments, que havia de quatro anos, antes de Henry Ford produzir o célebre
sido uma nova entrante na indústria duas décadas antes, Modelo T, a indústria desenvolveu, produziu e vendeu
e não contribuíra com inovações de processo importan- cinco motores diferentes, variando de dois a seis cilin-
tes antes de 1968, estava planejando uma única máqui- dros, que foram produzidos em uma fábrica organizada
na que produziria 4% das demandas mundiais para sua de maneira flexível, similar a uma oficina, contando com
unidade de circuitos integrados. artesãos do comércio trabalhando com máquinas-ferra-
Do mesmo modo que o transistor na indústria de mentas de propósito geral com um nível de sofisticação
produtos eletrônicos, o DC-3 destaca-se como uma im- que pouco se aproximava do disponível à época. Cada
portante mudança nas indústrias de aeronaves e trans- motor testou um conceito novo. Dessa experiência sur-
portes aéreos. Almarin Philips mostrou que o DC-3 foi, giu um projeto dominante – o Modelo T –, e, em quinze
na verdade, um acúmulo de inovações anteriores. Ele anos, dois milhões de motores provenientes deste único
não foi a maior aeronave, nem a mais rápida, tampou- design básico estavam sendo produzidos por ano (cerca
co a de maior alcance; foi a mais econômica, a maior de 15 milhões no total) em uma fábrica reconhecida,
e mais rápida aeronave capaz de voar longas distân- então, como a mais eficiente e altamente integrada do
cias. Todas as características que fizeram do seu design mundo. Durante esse período, houve inovações incre-
algo completamente bem-sucedido foram introduzidas mentais – mas não fundamentais – no produto da Ford.
e comprovadas em aeronaves anteriores. O DC-3 foi Ainda em outro caso, Robert Buzzell e Robert
essencialmente o primeiro produto comercial de uma Nourse, acompanhando as inovações nos alimentos
empresa entrante (o C-1 e o DC-2 foram produzidos processados, mostram que os novos produtos, como os
pela Douglas apenas em pequenas quantidades). cafés solúveis, os legumes congelados, as rações para
Assim como o transistor colocou a indústria de pro- animais domésticos, os cereais de café da manhã, os
dutos eletrônicos em um novo patamar, o DC-3 mudou alimentos em conserva e o arroz pré-cozido, proce-
o caráter da inovação na indústria aeronáutica pelos deram primeiramente das pequenas organizações em
quinze anos seguintes. Nenhuma inovação importan- que havia pesquisas em andamento ou que contavam
te foi introduzida no projeto de aeronaves comerciais
de 1936 até o surgimento dos aviões a jato nos anos *
N. de T.: Getter é um material reativo utilizado para remover traços de
1950. Em vez disso, houve simplesmente muitos refi- gás de sistemas de vácuo, tais como tubos de vácuo de televisão e bulbos
namentos no conceito do DC-3, ampliando o design e de lâmpadas incandescentes.
108     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

muito com as informações provenientes dos usuários. ções mudam, de mal definidos e incertos, para objetivos
Na medida em que cada produto ganhou aceitação, sua de designs bem articulados. Nos estágios iniciais, há
unidade produtiva aumentou de tamanho e concentrou uma proliferação de requisitos de desempenho do pro-
suas inovações no aprimoramento dos métodos de ma- duto e de critérios de design que, amiúde, não podem
nufatura, marketing e distribuição, que ampliaram, em ser determinados quantitativamente, e sua importância
vez de substituir, as tecnologias básicas. Agora, a maior relativa ou classificação pode ser bem instável. É preci-
fonte dessas ideias é a área de pesquisa e desenvolvi- samente sob tais condições, nas quais os requisitos de
mento da própria empresa. desempenho são ambíguos, que os usuários são mais
A mudança da inovação de produto (de radical para susceptíveis de produzir uma inovação e em que os fa-
a evolucionária) é um traço comum nesses exemplos. bricantes são menos susceptíveis de fazê-lo. Uma ma-
Ela está relacionada ao projeto dominante do produto neira de encarar as restrições regulatórias, como as que
e é acompanhada pela acirrada concorrência de pre- governam as emissões de gases ou a segurança dos au-
ços e pela maior ênfase na inovação de processos. As tomóveis, é que elas acrescentam novas dimensões de
unidades de pequena escala, flexíveis e altamente de- desempenho a serem resolvidas pelos engenheiros – e,
pendentes do trabalho manual e das habilidades arte- assim, podem levar a melhorias de design mais inova-
sanais, que utilizam equipamentos de propósito geral, doras. É mais provável que elas abram oportunidades
desenvolvem-se em unidades que contam com proces- de mercado para a mudança inovadora característica
sos automatizados de alto volume e uso intensivo de das empresas fluidas nas áreas como instrumentação,
equipamentos. Concluímos que todas essas mudanças componentes, equipamentos de processo etc.
no padrão de inovação, nos processos de manufatura e O estímulo para a inovação muda conforme a unida-
na escala e tipo de capacidade de manufatura ocorrem de amadurece. No estágio fluido inicial, as necessidades
de maneira coerente e previsível. de mercado são mal definidas e podem ser determinadas
Embora muitos observadores enfatizem a inovação apenas com ampla, e as tecnologias relevantes ainda são
do produto, as inovações dos processos e as incremen- pouco exploradas. Assim, há duas fontes de ambiguidade
tais podem ter uma importância comercial igual ou até a respeito da relevância de qualquer programa de pesquisa
mesmo maior. Uma alta taxa de melhoria na produti- e desenvolvimento em particular – incerteza de objetivo
vidade está associada ao aperfeiçoamento do processo e técnica. Confrontado com ambos os tipos de incerteza,
em cada caso que estudamos. O custo das lâmpadas o tomador de decisão tem pouco incentivo para grandes
incandescentes, por exemplo, caiu mais de 80% desde investimentos na pesquisa e desenvolvimento formais.
sua introdução. Os custos operacionais das companhias À medida que a empresa se desenvolve, entretanto,
aéreas foram cortados pela metade por meio do desen- a incerteza sobre os mercados diminui, e os investimen-
volvimento e do aprimoramento do DC-3. Os preços tos maiores em pesquisa e desenvolvimento são justifi-
dos semicondutores têm caído de 20% a 30% a cada cados. Em algum ponto, antes de a crescente especia-
duplicação da manufatura acumulada. A introdução do lização da unidade tornar os custos da implementação
Ford Modelo T resultou em uma redução de preço de das inovações tecnológicas proibitivamente elevados,
US$ 3 mil para menos de US$ 1 mil (em dólares de e antes de a crescente concorrência por custos erodir
1958). Reduções radicais semelhantes a estas foram al- os lucros com os quais financiar grandes despesas in-
cançadas nos custos da memória RAM do computador diretas, os benefícios dos esforços de pesquisa e desen-
e nos tubos de imagem dos televisores. volvimento chegariam ao máximo. As oportunidades
tecnológicas para os aprimoramentos e acréscimos às
linhas de produtos existentes serão claras, e o forte
Gerindo a inovação tecnológica
comprometimento com a pesquisa e o desenvolvimento
Se for verdade que a natureza e os objetivos das inova- serão característicos das unidades produtivas nos está-
ções de uma unidade industrial mudam na medida em gios intermediários do desenvolvimento. Tais empresas
que ela amadurece do pioneirismo para a manufatura serão vistas como “orientadas pela ciência”, porque
em larga escala, o que isto implica para a gestão da investem pesadamente nos departamentos de pesquisa
tecnologia? formal e de engenharia, com ênfase na inovação dos
Acreditamos que alguns conceitos gerenciais signi- processos e na diferenciação dos produtos por meio das
ficantes surgem de nossa análise – ou, se preferir, de melhorias funcionais.
nosso modelo – das características da inovação, já que Apesar de os dados sobre gastos em pesquisa e de-
os processos de manufatura e as questões competitivas senvolvimento não estarem prontamente disponíveis
básicas diferem. Conforme uma unidade segue rumo à com base nas unidades produtivas, divisões ou linhas
manufatura em larga escala, os objetivos de suas inova- de negócio, um exame informal das atividades das
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-1     109

corporações com grandes investimentos em P&D mos- madura, ela passou a ser totalmente especializada, e to-
tra que elas tendem a apoiar linhas de negócio que não das as suas principais inovações de processos provavel-
se enquadram nem na faixa flexível e nem na de condi- mente têm origem fora da unidade.
ções específicas, mas, sim, na faixa intermediária. Tais Note, contudo, que as empresas fornecedoras se
unidades produtivas tendem a ser grandes, integradas e veem, neste momento, fazendo inovações de produtos,
donas de uma grande fatia de seus mercados. não de processos. A partir de uma perspectiva diferente,
Uma unidade empresarial pequena e flexível requer George Stigler identificou os estágios do desenvolvimen-
equipamentos de propósito geral que, com frequência, to – similares aos que descrevemos – das empresas que
são comprados. À proporção que se desenvolve, espera- fornecem equipamentos de produção. Elas diferem em
-se que ela origine algumas inovações nos processos- relação à estrutura de mercado com a qual se deparam,
-equipamentos para seu uso próprio; e, quando está à especialização dos seus processos produtivos e ainda
totalmente madura, seus processos inteiros têm chance em relação às responsabilidades que devem aceitar ao
de ser projetados como sistemas integrados específi- inovarem com a finalidade de satisfazer as suas próprias
cos para determinados produtos. Como uma empresa necessidades de tecnologia de processos e materiais.

Figura 1 O caráter mutante da inovação e seu papel no progresso corporativo

Buscando entender as variáveis que determinam as estratégias Taxa de inovações


bem-sucedidas de inovação, os autores concentram-se em importantes
três estágios na evolução de uma empresa bem-sucedida:
seu período de flexibilidade, no qual ela procura capitalizar-
-se para onde elas oferecem as maiores vantagens; seus
anos intermediários, nos quais os principais produtos são
usados mais amplamente; e sua maturidade total, quando a
prosperidade é assegurada pela liderança em vários produtos
e tecnologias principais. Inovação de processos

Inovação de produtos

Padrão flexível Padrão transicional Padrão específico


Ênfase competitiva em Desempenho funcional do produto Variação do produto Redução de custos
Inovação estimulada por Informações sobre usuários, Oportunidades criadas Pressão para reduzir os custos
necessidades e sugestões técnicas por meio da expansão da e melhorar a qualidade
capacitação técnica interna
Tipo predominante de Grandes e frequentes mudanças nos Grandes mudanças nos Incremental para produtos
inovação produtos processos exigidas pelo volume e processos, com melhoria
crescente cumulativa na produtividade e
na qualidade
Linha de produtos Diversa, muitas vezes incluindo projetos Inclui ao menos um projeto de Principalmente produtos padrão
personalizados produto estável o bastante para não diferenciados
ter um volume de manufatura
significativo
Processos produtivos Flexíveis e ineficientes; grandes Tornando-se mais rígidos, com Eficientes, intensivos em capital
mudanças facilmente acomodadas as mudanças ocorrendo nas e rígidos; custo da mudança
principais etapas elevado
Equipamentos Propósito geral, exigindo trabalho Alguns subprocessos Propósito específico, a maioria
altamente qualificado automatizados, criando “ilhas automatizados, com as
de automação” principais tarefas sendo as de
monitorar e controlar
Materiais Insumos limitados aos materiais Materiais especializados e Materiais especializados
geralmente disponíveis talvez demandados de alguns demandados; se não estiverem
fornecedores disponíveis, vasta integração
vertical
Fábrica Pequena escala, localizada próxima ao Propósito geral com seções Grande escala, altamente
usuário ou da fonte de tecnologia especializadas específica para certos produtos
Controle organizacional é Informal e empreendedor Por meio de relações mais Por meio da ênfase na
frouxas, através de grupos de estrutura, objetivos e regras
projetos e grupos de tarefas
110     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Os métodos de coordenação e controle da organi- padronização de produtos e a constituição de um mer-


zação mudam com a crescente padronização dos seus cado, enquanto as empresas na categoria oposta tendem
produtos e processos de manufatura. Como a incerteza a classificar a incerteza sobre a regulamentação do go-
da tarefa apresenta-se diante de uma unidade produtiva verno ou a vulnerabilidade dos investimentos existen-
logo no início do seu desenvolvimento, a unidade deve tes como fatores disruptivos mais importantes. Aqueles
enfatizar sua capacidade para processar informações que promovem a inovação e a produtividade na indús-
investindo em sistemas de informação verticais e late- tria norte-americana podem achar esta noção sugestiva.
rais, bem como em contatos e em grupos de projetos. Acreditamos que as ideias mais úteis fornecidas
Mais tarde, estes podem ser estendidos para a criação pelo modelo se aplicam aos processos de manufatura
de grupos de planejamento formais, manifestações em que as características dos produtos podem ser varia-
organizacionais da passagem de um estado orientado das. As aplicações mais interessantes se dão nas situa-
para o produto para um transicional; os controles para ções em que a inovação de produto é difícil de gerenciar
regular as funções dos processos e os de gestão, tais e importante em termos competitivos; o modelo ajuda
como os procedimentos das tarefas, suas descrições e a identificar o espectro total de outras questões com as
as análises dos sistemas, também são ampliados a fim quais a empresa é confrontada simultaneamente em um
de se tornarem uma característica mais penetrante da período de crescimento e mudança (ver Figura 1).
rede produtiva.
Como uma unidade produtiva atinge produtos pa- A unidade de análise
dronizados e enfrenta apenas mudanças incrementais,
é de se esperar que lide com a complexidade diminuin- Como mostramos neste artigo, a inovação em uma indústria
estabelecida quase sempre é limitada a melhorias incremen-
do a necessidade de processamento de informações. tais dos produtos e processos. As principais alterações de
O nível no qual ocorre a mudança tecnológica ajuda produtos costumam vir de fora de uma indústria estabelecida,
a determinar o grau em que advêm as transformações e são vistas como disruptivas; sua fonte geralmente é uma pe-
quena empresa start-up, ou por empresas líderes em outras
organizacionais. Cada uma dessas hipóteses ajuda a ex- indústrias, ou a partir da influência governamental na mudan-
plicar o ímpeto da empresa para se dividir em unidades ça, quer como um comprador ou por meio da regulação direta.
produtivas homogêneas conforme evolui sua tecnologia Essas circunstâncias significam que as unidades de análise
padrão da indústria – empresa e tipo de produto – são pouco
de produtos e processos. úteis na compreensão da inovação. A mudança tecnológica
A hipótese de mudanças no controle e na coordena- faz que esses termos mudem seu significado e que o formato
ção causa mudanças também na estrutura da organiza- do processo de manufatura seja alterado.
Assim, as questões levantadas neste artigo mostram a neces-
ção, conforme ela amadurece e se torna mais formal, com sidade de que a linha de produto e seu processo de manufa-
uma quantidade maior de níveis e autoridade. São fortes tura associado sejam considerados juntos como uma unidade
as evidências de que tal mudança estrutural é uma carac- de análise. A isso chamamos unidade produtiva. Para uma
empresa simples ou dedicada a um único produto, a unidade
terística de muitas empresas e das unidades dentro delas. produtiva e a empresa seriam uma coisa só. No caso de uma
empresa diversificada, uma unidade produtiva normalmente se
reportaria a um único gestor operacional, e seria uma divisão
Compreendendo a transição para operacional separada. O extremo de um processo de manufa-
fomentar a inovação tura altamente fragmentado pode significar que um conjunto
de várias empresas separadas seria uma unidade produtiva.
Assumindo a validade deste modelo para o desenvol- Por exemplo, a análise da mudança na indústria têxtil exige
vimento das capacidades da inovação de uma unidade que sejam incluídas as unidades produtivas nas indústrias
química, de plásticos, papel e equipamentos. A análise envol-
produtiva, como ele pode ser aplicado para ampliar nos- vendo a indústria de produtos eletrônicos requer uma avalia-
sa capacidade de lançamento de novos produtos e para ção da evolução da função dos produtores de componentes,
melhorar nossa produtividade? circuitos e softwares, conforme eles se tornam mais cruciais
para a mudança no produto final montado. A grande mudança
Partiremos do pressuposto de que as unidades nos em um nível orienta seu caminho para cima e para baixo da
diferentes estágios da evolução responderão a diferen- cadeia, devido à interdependência da mudança de produto
tes estímulos e realizarão diferentes tipos de inovação. e de processo dentro das e entre as unidades produtivas. O
conhecimento do processo de manufatura como um sistema
Essa ideia pode ser estendida para a questão das barrei- de unidades produtivas vinculadas é um pré-requisito para a
ras à inovação e, provavelmente, para os padrões de su- compreensão da inovação em um contexto industrial.
cesso e fracasso na inovação das unidades em situações
variadas. As condições não satisfeitas de transição po-
Coerência da ação de gestão
dem ser vistas como obstáculos específicos que devem
ser superados para que ela aconteça. Muitos exemplos de inovações malsucedidas apontam
Podemos esperar que as novas unidades flexíveis para uma explicação comum do fracasso: certas condições
vejam como barreiras quaisquer fatores que impeçam a necessárias para apoiar um avanço técnico desejável não
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     111

estavam presentes. Em tais casos, nosso modelo pode ser ções da história tecnológica da indústria de unidades
útil, porque descreve condições que normalmente favo- de disco para examinar a utilidade desta ferramenta
recem os avanços em cada estágio do desenvolvimento; para os gestores no nível da empresa planejarem no-
portanto, se pudermos comparar as condições existentes vos desenvolvimentos de tecnologia. Como as melho-
com as prescritas pelo modelo, conseguiremos descobrir rias no desempenho global da unidade de disco resul-
como aumentar o sucesso da inovação. Podemos, assim, tam da interação entre as tecnologias de componentes
extrair do modelo questões a respeito das ações de gestão aprimoradas e as novas tecnologias arquiteturais, cada
diferentes e aparentemente independentes, como estas: uma delas deve ser monitorada e gerida. Este artigo
tem seu foco nas curvas S das tecnologias de compo-
• Uma empresa pode aumentar a variedade e diversi­
nentes, e um artigo subsequente examina as curvas S
dade de sua linha de produtos ao mesmo passo em que
das tecnologias arquiteturais.
concretiza o mais alto nível possível de eficiência?
O aprimoramento nos componentes individuais se-
• Uma alta taxa de inovação de produto é coerente
guiu os padrões das curvas S, mas mostro que o acha-
com um esforço para reduzir substancialmente os
tamento dessas curvas é um fenômeno específico da
custos por meio de integração para trás?
empresa, e não um evento industrial uniforme. A falta
• A política do governo para manter mercados diver-
de progresso nas tecnologias convencionais pode ser o
sificados para indústrias tecnologicamente ativas é
resultado, e não o estímulo, de uma previsão de que a
coerente com uma política que busca uma alta taxa
tecnologia convencional está amadurecendo e de que
de efetiva inovação de produto?
algumas empresas demonstraram mais capacidade do
• A ação de uma empresa para reestruturar seu ambien-
que outras para extrair níveis muito maiores de desem-
te de trabalho para os funcionários, de forma que as
tarefas sejam mais desafiadoras e menos repetitivas, penho das tecnologias de componentes existentes. A
seria compatível com uma política de mecanização investida das empresas entrantes evidenciou uma des-
projetada para diminuir a necessidade de trabalho? vantagem distinta em relação às estabelecidas no desen-
• O governo pode estimular a produtividade obrigando volvimento e uso de novas tecnologias de componentes.
uma indústria jovem a padronizar seus produtos an- As empresas que executam mudanças agressivas de es-
tes que um projeto dominante tenha sido realizado? tratégia de curva S no desenvolvimento de tecnologias
de componentes não ganham vantagem estratégica so-
O modelo diz não como resposta a cada uma dessas bre aquelas cujas estratégias são centradas em estender
questões; cada uma delas sugere ações reveladas pelo a vida das tecnologias de componentes estabelecidas.
modelo como mutuamente incoerentes. Acreditamos A curva S da tecnologia tornou-se uma peça central
que à medida que essas ideias forem mais desenvolvi- no pensamento sobre a estratégia tecnológica. Ela repre-
das, elas podem ser igualmente efetivas para nos ajudar senta uma teoria derivada indutivamente do potencial de
a responder a muito mais questões sutis sobre o ambien- melhoria da tecnologia, o que sugere que a magnitude
te para a inovação, produtividade e crescimento. da melhoria no desempenho de um produto ou processo,
que ocorre em um determinado período, ou que resulta
de uma determinada quantidade de esforço de engenha-
A rtigo 2 - 2 ria, difere à medida que as tecnologias se tornam mais
maduras. A teoria, exibida na Figura 1, estabelece que
Explorando os limites da curva S da nos estágios iniciais de uma tecnologia, a taxa de pro-
gresso no desempenho é relativamente baixa. Conforme
tecnologia. Parte I: Tecnologias de
a tecnologia passa a ser mais bem compreendida, contro-
componentes* lada e difundida, a taxa de melhoria tecnológica aumenta
Clayton M. Christensen (Sahal, 1981). Mas a teoria postula também que, nos seus
Harvard University Graduate School of Business Administration, estágios maduros, a tecnologia se aproximará assimptoti-
Boston, Massachusetts camente de um limite natural ou físico, o que requer que
períodos ainda mais longos ou esforços de engenharia
A curva S da tecnologia é uma ferramenta útil que des- sejam ampliados para alcançar incrementos de melhoria
creve a substituição das tecnologias antigas pelas no- no desempenho.
vas no nível industrial. Neste artigo, utilizo informa- Foster (1986) usou as curvas S para explicar um fe-
nômeno geral observado por Cooper e Schendel (1976)
e Henderson (1988) – de que as tecnologias radical-
*
Fonte: Reimpresso com a permissão da Production and Operations Ma-
nagement 1, n. 4 (Fall 1992). Copyright © 1992, Production and Opera- mente novas frequentemente são desenvolvidas e tra-
tions Management Society. zidas para a indústria pelas empresas entrantes, em vez
112     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Figura 1 A curva S da tecnologia 2. Para alcançar melhorias, como as medidas de alto ní-
vel do desempenho do sistema mencionadas no tópico
anterior, os gestores devem conceber e executar uma
Desempenho do produto

sequência de projetos para aprimorar as tecnologias


de componentes usadas em um produto e para refinar
ou renovar o projeto arquitetural do sistema, dentro do
qual os componentes atuam. Para um gestor de enge-
nharia ou pesquisa, portanto, as curvas S da tecnologia
serão úteis operacionalmente se ajudarem no planeja-
mento dos programas de desenvolvimento de tecnolo-
gia de componentes e de tecnologia arquitetural.
Tempo ou esforço de engenharia 3. Quando usadas para avaliar as trajetórias de melhoria
das tecnologias de componentes, as curvas S podem ser
das estabelecidas. Foster menciona que a tendência das úteis na descrição da experiência individual de uma em-
empresas líderes para reforçar e refinar as tecnologias presa, mas esta ferramenta tem deficiências graves se
já maduras e a sua incapacidade para detectar oportu- usada em um sentido prescritivo para indicar a direção
namente novas tecnologias sucessoras constituíram a que os futuros programas de pesquisa deveriam tomar.
principal razão para estas empresas perderem suas po- Os níveis de percepção das empresas sobre o amadure-
sições de domínio na indústria. cimento de suas tecnologias de componentes diferiram
A unidade de análise na maioria dos estudos publica- bastante. Predominantemente, as empresas líderes es-
dos sobre maturidade e curvas S da tecnologia tem sido tabelecidas foram as mais agressivas na mudança para
restrita ao nível industrial. Roussel (1984), por exemplo, as curvas S das novas tecnologias de componentes, mas
examinou a borracha esponjosa; Constant (1980), os mo- não há evidências de que tenham obtido qualquer tipo
tores de avião; van Wyk, Haour e Japp (1991) estudaram de vantagem estratégica sobre as que permaneceram
os ímãs permanentes; e Foster (1986) usou exemplos de mais tempo com os componentes convencionais. No
mínimo, uma estratégia de “estender” ou “direcionar” a
uma série de indústrias. Minha intenção neste artigo é
curva S da tecnologia convencional e de migrar para as
resumir um corpo de pesquisa teórica e empírica, grande
curvas S das tecnologias de componentes antecessoras
parte dele relacionado aos padrões de progresso tecnológi-
das dos líderes dessa indústria parecer ter levado a um
co na indústria de unidades de disco, para enriquecer nossa
sucesso maior.
compreensão sobre os usos e limites da teoria da curva S 4. Na indústria de unidades de disco, as mudanças tec-
da tecnologia do ponto de vista de um gestor dentro de nológicas nas quais os “entrantes” demonstraram van-
uma única empresa. Dado que a curva S demonstrou con- tagem estratégica (Foster 1986) têm sido de natureza
vincentemente sua existência nos níveis mais agregados arquitetural. As empresas estabelecidas consideram
da indústria, neste artigo (e no subsequente [Christensen, essas tecnologias difíceis de detectar porque as arquite-
1992b]) exploro os pontos fortes e as deficiências da sua turas alternativas frequentemente são implantadas em
teoria quando os gestores a utilizam em empresas indivi- aplicações comerciais historicamente irrelevantes. As
duais para planejar o desenvolvimento de tecnologia. Re- estruturas típicas da curva S, nas quais uma nova curva
sumi as fontes de dados e as metodologias empregadas S surge por baixo e intersecta o desempenho alcançável
para reuni-las e organizá-las nos Apêndices A e B. pelas tecnologias maduras, tendem a enquadrar a ino-
Valendo-me das análises da indústria de unidades de vação de arquitetura apenas em termos tecnológicos.
disco, ofereço quatro proposições sobre a utilidade das Na realidade, a mudança de arquitetura da tecnologia
curvas S da tecnologia para os gestores de desenvolvi- envolve um intenso grau de inovação de mercado, além
mento de tecnologia, e sugiro que as ideias extraídas do de inovação tecnológica. Proponho uma estrutura de
estudo desta indústria podem ser arquetípicas para vá- curva S alternativa para avaliar a mudança de arqui-
rias indústrias cujos produtos são conjuntos complexos tetura, ou seja, uma que englobe ambos os aspectos de
de componentes: tais tecnologias.

1. No nível da indústria, usando uma medida de alto ní- Este artigo apoia as primeiras três proposições; a
vel do desempenho do produto – a densidade de gra- quarta é discutida no artigo subsequente (Christensen,
vação no que tange a tecnologia do disco magnético 1992b). Este artigo se divide em três seções princi-
– as curvas S podem proporcionar explicações bastante pais. Na primeira, resumo os conceitos fundamentais
convincentes das razões pelas quais as tecnologias tratados em estudos anteriores sobre a inovação tecno-
alternativas conseguiram ou não avanços substanciais lógica e delineio brevemente a história tecnológica da
em relação à tecnologia atualmente dominante. indústria de unidades de disco. Na segunda, analiso a
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     113

utilidade das curvas S para avaliar o potencial de me- mostrando como a substituição da tecnologia de moto-
lhoria no desempenho das tecnologias de gravação res a pistão pela tecnologia de turbojatos na indústria
magnética versus outras tecnologias no nível industrial. aeronáutica se deu por meio de uma série de melhorias
Na terceira seção, examino o valor e as limitações das assíncronas e descontínuas no desempenho de materiais
estruturas de curva S para os gestores no planejamento e componentes individuais. Sahal (1981) oferece essen-
de uma sequência de projetos para desenvolver novas cialmente uma teoria da maturidade da tecnologia; ele
tecnologias de componentes. postula que a taxa de melhoria no desempenho que pode
ser atingido dentro de uma determinada abordagem tec-
Contexto deste estudo nológica diminui devido ao fenômeno de escala (as coi-
sas ficam impossivelmente grandes ou pequenas) ou à
Para o propósito deste estudo, defino tecnologia como complexidade do sistema. Como qualquer uma dessas
um processo, técnica ou metodologia – incorporado(a) questões torna a melhoria de desempenho mais difícil,
a um projeto de produto ou em um processo de fabri- Sahal sugere que a única maneira de manter o ritmo
cação ou serviço – que transforma trabalho, capital, in- da melhoria de desempenho tecnológico é por meio da
formações, materiais e energia em resultados de maior redefinição radical do sistema.
valor. Aproveitando o trabalho de Sahal (1981), defino As unidades de disco rígido são uma categoria de
uma mudança tecnológica como uma transformação produto interessante na qual se pode aplicar a análise
em um ou mais desses insumos, processos, técnicas ou das curvas S. A indústria tem sido caracterizada por um
metodologias que melhora os níveis de desempenho de alto grau de turbulência tecnológica desde que a IBM
um produto ou processo. A tecnologia, assim definida, inventou a primeira unidade de disco nos seus laborató-
é específica para determinados produtos ou processos. rios de San Jose, Califórnia, em 1956. Na investigação
Como tal, é diferente do conhecimento, cujo valor pode de como as novas tecnologias surgiram e substituíram
não ser exclusivo para produtos ou processos específi- as tecnologias maduras nesta indústria, eu emprego o
cos. As definições dos termos técnicos relacionados às conceito das topologias da mudança tecnológica pro-
unidades de disco usados na discussão a seguir podem posto por Henderson e Clark (1990). A mudança de
ser encontradas no Apêndice B. arquitetura envolve um rearranjo da maneira como os
O eixo vertical da curva S da tecnologia é construído componentes (cuja base tecnológica fundamental se
para medir uma dimensão importante do desempenho mantém inalterada) se relacionam uns com os outros
de um produto ou serviço. A escolha das unidades me- dentro do projeto de sistema de um produto. A inova-
didas no eixo horizontal em geral reflete o propósito do ção modular é uma mudança essencial na abordagem
autor (O’Brien, 1962). Os pesquisadores cujo objetivo é tecnológica empregada em um componente, em que
medir a eficiência relativa ou a produtividade potencial a arquitetura do produto é fundamentalmente manti-
das equipes de desenvolvimento geralmente medem o da inalterada. A mudança incremental refere-se (1) às
esforço de engenharia ao longo do eixo horizontal (Fos- melhorias no desempenho do componente construídas
ter, 1986). Aqueles que tentam avaliar o impacto das sobre o conceito tecnológico estabelecido, ou (2) aos
diferenças na maturidade tecnológica sobre as vendas refinamentos no projeto de sistema que não envolvem
de produtos ou a posição competitiva costumam usar o mudanças significativas nas relações técnicas entre os
tempo no eixo horizontal (Becker e Speltz, 1983; Rous- componentes. As inovações radicais abrangem tanto
sel 1983; Thomas 1984). uma nova arquitetura quanto uma nova abordagem tec-
Apesar de muitos pesquisadores aqui citados sim- nológica decisiva no nível do componente.
plesmente divulgarem observações dos fenômenos da No nível arquitetural, sete tecnologias arquiteturais
curva S, alguns examinam os processos de maturida- distintas capturaram uma fatia de mercado de dois dí-
de da tecnologia com uma profundidade considerável. gitos em algum momento entre 1960 e 1990. No nível
Por exemplo, Foster (1986) sugere que o nivelamento do componente, houve inúmeros avanços tecnológicos
da trajetória de melhoria de uma tecnologia pode ser incrementais, bem como vários outros modulares e “des-
atribuído aos limites impostos por fatores fundamentais truidores de competências” (Tushman e Anderson, 1986)
da natureza. Esse autor sustenta sua explicação da ma- nas cabeças, discos, acionadores, motores e softwares ou
turidade com exemplos de várias indústrias – um deles firmware de controle que constituem a unidade. Nos
é o da substituição dos navios à vela pelos navios a va- níveis da arquitetura e do componente, esta tem sido
por; ele mostra que a velocidade dos navios à vela era uma indústria na qual a gestão estratégica da tecnologia
inerentemente limitada pela física do vento e da água. parece ter sido um desafio extraordinário. Mais de 130
Constant (1980) explorou uma única indústria e uma empresas entraram na indústria mundial de unidades
única tecnologia com uma profundidade muito maior, de disco entre 1960 e 1990 – variando de gigantes da
114     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

computação verticalmente integrados, como a IBM e a Uma visão agregada no nível


Fujitsu, até as start-ups financiadas com capital de risco. industrial da maturidade tecnológica
A liderança neste segmento tem sido tênue: um entrante das unidades de disco magnético rígido
surgiu no mercado de OEM (Original Equipment Ma- A Figura 2a exibe graficamente a densidade média por
nufacturer)*, das unidades de disco e liderou cinco das área de todos os modelos de unidades de disco coloca-
sete gerações de produtos definidos arquitetonicamente. dos à venda por todos os fabricantes do mundo entre
As unidades de disco rígido são compostas por um 1970 e 1989. O ritmo das melhorias foi nitidamente
ou mais discos giratórios – pratos de alumínio polido constante ao longo desse período, com uma média de
revestidos de material magnético – montados em um 34% ao ano; sendo o tempo a métrica horizontal, ne-
eixo central. Os dados são gravados e lidos em trilhas nhum padrão de progresso da curva S é ainda visível.
concêntricas nas suas superfícies. Cabeças de leitura/ Apesar desse progresso, tecnologias radicalmente
gravação, uma para superfície superior e outra para a diferentes, como a memória bolha, óptica ou flash –
inferior de cada disco no eixo, são projetadas aerodina- que potencialmente oferecia maior densidade de grava-
micamente para flutuar a uma fração de mícrons acima ção, velocidade ou confiabilidade –, surgiram de forma
da superfície do disco. Geralmente, elas repousam so-
amea­çadora no horizonte da competitividade econômi-
bre a superfície do disco quando ele está em repouso,
ca e tecnológica durante anos. A abordagem empregada
“decolam” à medida que a unidade começa a girar e
pelos teóricos da curva S, como Foster (1986), oferece
“pousam” novamente quando os discos param. As ca-
uma explicação plausível do motivo pelo qual a tecno-
beças são posicionadas acima da trilha correta no disco
logia de gravação magnética ter mantido as abordagens
por um motor atuador que move as cabeças pelas trilhas
concorrentes a distância por tanto tempo. Foster obser-
de forma similar ao braço de uma vitrola. A cabeça é
va que, embora possa ser natural pensar na melhoria
essencialmente um minúsculo eletroímã cuja polari-
tecnológica em termos de uma taxa anual, é seu esforço
dade muda quando a direção da corrente elétrica que
de engenharia, e não o tempo, que faz a tecnologia me-
passa por ele também muda. Como os polos magnéticos
lhorar. Foster, assim, argumenta que o eixo horizontal
opostos se atraem, as mudanças na polaridade da cabe-
das curvas S deveria medir o esforço de engenharia, e
ça orientam a polaridade do domínio magnético na su-
não o tempo. Construir uma curva S da densidade de
perfície do disco imediatamente abaixo dela, resultando
área com o esforço de engenharia no eixo horizontal
em uma sequência de domínios orientados positiva e
pode, na realidade, nos ajudar a entender por que as tec-
negativamente. E assim os dados são gravados no disco
nologias alternativas de gravação ainda não tomaram
em código binário. Para a leitura dos dados, a unidade
o lugar da tecnologia de memória de disco magnético,
usa as mudanças no campo magnético no disco à me-
apesar das repetidas previsões da sua morte (p. ex., Dre-
dida que ele gira abaixo da cabeça para induzir mudan-
xel, Burnham e Lambert, 1985).
ças no fluxo de corrente; essencialmente, um processo
A Figura 2 mostra que o que aparece na Figura 2a
inverso ao da gravação. As unidades de disco também
como uma taxa de melhoria na densidade de área re-
incluem circuitos eletrônicos que permitem aos compu-
lativamente constante ao longo do tempo surge, em
tadores controlar e se comunicar com a unidade.
vez disso, como uma taxa de melhoria crescente por
Do mesmo modo que em outros produtos de gra-
unidade de esforço de engenharia aplicada. (Como as
vação magnética, a densidade de gravação por área
medidas precisas do esforço de engenharia da indús-
(medida em MB por polegada quadrada de área da su-
tria não estão disponíveis nas fontes públicas, medi a
perfície do disco, ou mbpsi) é a medida universal do
receita total da indústria no eixo horizontal da Figura
desempenho do produto na indústria de unidades de
2b como um substituto da medida de esforço. A porcen-
disco. A capacidade total de uma unidade é calculada
tagem das receitas da indústria aplicadas em pesquisa
multiplicando-se as polegadas quadradas totais dispo-
e engenharia não mudaram significativamente.) Foster
níveis nas superfícies superior e inferior dos discos
(1986) afirma que durante esses períodos de retornos
montados no eixo da unidade pela sua densidade de
crescentes para o esforço de desenvolvimento de tec-
gravação por área.
nologia, como é exibido na Figura 2b, o desempenho
das técnicas alternativas raramente ultrapassa o das
*
N. de R.T.: Produtos OEM (Original Equipment Manufacturer - Fabri- tecnologias estabelecidas. A teoria da curva S, quando
cante Original do Equipamento), não são fabricados para venda direta
ao consumidor. Esses itens são produzidos especialmente para outras empregada em um modo descritivo ou prescritivo no ní-
empresas chamadas de VAR (Value-Added Reseller), que montam os vel industrial, sugere que somente após a produtividade
produtos finais (p. ex., computadores) e os vendem ao consumidor final.
Leia mais em: http://www.tecmundo.com.br/11462-o-que-e-oem-.htm tecnológica industrial ter atingido seu auge no ponto de
#ixzz1SPPeiFNG inflexão da curva S, a tecnologia de gravação de disco
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     115

Figura 2 Aumentos históricos na densidade de área das novas unidades de disco (densidades em milhões
de bits por polegada quadrada)

(a) (b)
100,0 60,0
70,0 50,0
40,0
40,0 30,0
20,0
20,0
10,0
10,0
Densidade de área

Densidade de área
7,0
7,0
4,0
4,0

2,0
2,0

1,0 1,0
0,7 0,7

0,4 0,4

0,2 0,2

0,1 0,1
70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90

0
40

70

00

00

00

00
.0

.0

.0
1.

2.

4.

0.
10

20

40
Tempo

10
Receitas industriais cumulativas
como medida de esforço de engenharia

magnético pode começar a ficar vulnerável às aborda- Embora esta estrutura pareça significativa, os estu-
gens alternativas. dos da maturidade da tecnologia até hoje não abordaram
Como uma teoria descritiva ou prescritiva, essas cur- empiricamente como os gestores no nível da empresa
vas S podem ser úteis para a compreensão mais completa poderiam usar a análise da curva S como um guia para
da dinâmica dos ambientes tecnologicamente competiti- a gestão estratégica do desenvolvimento de tecnologia
vos, pelo menos em um nível industrial agregado. Análi- no interior de cada empresa.
ses similares, como as de Roussel (1984) sobre a borracha As questões de se e quando uma abordagem tecno-
esponjosa, de Tchijov e Norov (1989) das tecnologias de lógica radicalmente nova, como a do armazenamento
manufatura integradas por computador (CIM), e de van ótico ou a memória flash, interceptará a curva S de
Wyk e Japp (1991) dos ímãs permanentes, parecem for- gravação magnética é uma questão estratégica de lon-
necer conhecimentos úteis sobre o potencial das tecnolo- go prazo, importante para os gestores das empresas de
gias alternativas no nível industrial. unidades de disco. Em bases mensais e anuais, porém,
Após explorar o poder descritivo da curva S em estes gestores não estão ocupados com tais questões
um nível industrial agregado, uma série de autores de alto nível. As trajetórias suaves de melhoria no de-
defendeu o uso destas curvas como um guia prescriti- sempenho mapeadas na Figura 2 são uma manifestação
vo para a gestão estratégica da tecnologia no nível da resumida da enorme variedade de extensões e substitui-
empresa. Becker e Speltz (1983), e Foster (1986), em ções da tecnologia nos níveis tecnológicos inferiores de
particular, parecem extrair fortes implicações pres-
critivas para os gestores a partir das observações no Figura 3 Estratégia prescritiva da curva S
nível industrial. A Figura 3 mostra a essência dessas
prescrições. Esses autores encorajam os estrategistas
a identificar quando a curva S da tecnologia que em-
pregam atualmente passou do seu ponto de inflexão, a
Desempenho do produto

reconhecer as novas abordagens que estão crescendo


a partir de baixo a uma taxa mais produtiva e que po- Terceira tecnologia
dem se intersectar no futuro com a tecnologia atual,
e a induzir esforços para adquirir ou desenvolver a
Segunda tecnologia
nova tecnologia a tempo de migrar de curva quando
seu desempenho superar as capacitações da tecnolo-
gia vigente. Em outras palavras, a teoria prescritiva Primeira tecnologia
da curva S faria com que uma empresa seguisse a
linha pontilhada na Figura 3. Tempo ou esforço de engenharia
116     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

componente e arquitetura, conforme a Figura 3. Os do sistema, mas porque os conceitos de componente e


engenheiros gerenciam as melhorias no desempenho arquitetura são relativos, não absolutos. Assim, uma ca-
global do produto afetando interativamente as capacita- beça de leitura/gravação pode ser encarada em um nível
ções dos componentes e refinando ou revisando o pro- como uma arquitetura de sistema complexa, composta
jeto arquitetural do produto. Esses são os tipos de de- por partes componentes e materiais que interagem entre
cisão sobre planejamento de tecnologia que dominam o si dentro de um sistema arquitetado. No nível seguinte,
calendário de planejamento do gestor desta área. Para a cabeça é um componente em uma unidade de disco,
acompanhar o ritmo incansável da indústria nas melho- que é um sistema complexo que, por sua vez, é formado
rias de densidade de gravação, estes gestores devem por vários componentes. Em um nível ainda mais alto,
monitorar as trajetórias de melhoria das tecnologias a unidade de disco é um componente de um compu-
arquiteturais existentes e possíveis, bem como rastrear tador, no qual uma unidade central de processamento,
como as tecnologias dos componentes individuais cons- memória de semicondutor, unidades de disco flexível,
tituem um ponto de estrangulamento real ou potencial unidades de disco rígido e periféricos de entrada/saída
para a melhoria contínua nas densidades de gravação interagem dentro de uma arquitetura projetada. E, por
de suas unidades de disco. Depois, devem conceber um fim, o próprio computador é um componente em uma
conjunto e uma sequência de programas de desenvol- arquitetura de sistema de processamento de informa-
vimento de tecnologia arquitetural e componente que, ções, composta pelo computador, softwares, operado-
quando executados e integrados com sucesso, manterão res, aplicações, fontes e usos de dados etc. Tudo isto
as empresas na corrida competitiva tecnológica exibida constitui uma espécie de sistema aninhado de arquite-
na Figura 2. Quando usar a empresa como unidade de turas. Seu desempenho em qualquer nível dentro de um
análise, portanto, deve-se avaliar o valor das curvas S sistema aninhado como este geralmente é conduzido
no planejamento do desenvolvimento da tecnologia de não só pelas inovações neste nível, mas pelas melhorias
componente e arquitetural. no desempenho do componente e no projeto arquitetu-
Para exemplificar como as curvas S poderiam ser ral nos níveis inferiores do sistema.
utilizadas como um suporte para planejar a mudança Por essas razões, neste artigo e no próximo que o
da tecnologia de componente, considere o papel da acompanha (Christensen, 1992b), concentro-me pri-
mudança da tecnologia da cabeça de leitura/gravação meiro no uso da teoria da curva S no planejamento do
na condução da melhoria de desempenho do sistema desenvolvimento da tecnologia de componente, para
da unidade de disco. No esquema conceitual da Figura depois examinar o valor desta teoria para guiar os pla-
3, ocorreram várias melhorias incrementais na tecno- nos de desenvolvimento tecnológico arquitetural.
logia original de cabeça de ferrita, que permitiram aos
fabricantes produzir cabeças menores e com dimen-
Usando as curvas S para prescrever o
sões mais precisas. Tais melhorias foram as condutoras
desenvolvimento de novas tecnologias
do desempenho ao longo da primeira curva de tecno-
de componentes
logia. As cabeças de película magnética representaram
uma segunda tecnologia modularmente diferente, que É importante saber se as curvas S podem ser usadas
tomou o lugar das cabeças de ferrita na maioria dos para guiar o planejamento do desenvolvimento de tec-
modelos entre 1979 e 1990 – de forma análoga àquela nologia de componente porque, adotando a frase do
em que a segunda curva intercepta a primeira na Figu- ladrão de bancos Willie Sutton, “Vá onde o dinheiro
ra 3. As cabeças magnetorresistivas surgiram recen- está”. Na empresa de pesquisa e engenharia de uni-
temente, representando uma terceira abordagem radi- dade de disco, como é demonstrado por Christensen
calmente diferente para o design da cabeça, ilustrada (1992a), o desenvolvimento da tecnologia de compo-
conceitualmente pela terceira curva. Esta sequência de nente começa, muitas vezes, com as questões funda-
substituições tecnológicas é típica do que ocorreu com mentais de pesquisa, passa pela pesquisa aplicada, pelo
cada tecnologia de componente e arquitetural ao lon- projeto do produto e pelo desenvolvimento, e acaba na
go dos últimos trinta anos. O condutor da progressão vasta engenharia de processo. Só o desenvolvimento
suave do desempenho no nível do sistema tem sido a das cabeças de película magnética na IBM levou mais
abrangente turbulência tecnológica nos níveis de com- de uma década, e custou mais de US$ 300 milhões,
ponente e arquitetura. enquanto a própria indústria gastou bem mais de US$ 1
Avaliar a maturidade tecnológica nos níveis de com- bilhão neste processo. O desenvolvimento de novas ar-
ponente e arquitetura é importante nas análises ao nível quiteturas de produto, por outro lado, custa para os de-
de empresas como esta, não só porque os dois tipos de senvolvedores, no máximo, alguns milhões de dólares,
inovação podem ser fontes de melhoria do desempenho e muitas vezes consome menos de um ano.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     117

Evidências dos padrões de substituição das ondas Figura 4 Curvas S das tecnologias de ferrita/óxido na
Fujitsu e na Control Data Corporation
sucessivas de novas tecnologias de componentes nas
unidades de disco sugerem que usar a curva S como
(Densidades em milhões de bits por polegada quadrada)
base para prescrever programas de desenvolvimento
40
de novas tecnologias de componentes pode ser proble-
30
mático em vários níveis. Na discussão a seguir, des-
crevo em detalhes a substituição das cabeças de ferri- 20
ta pelas de leitura/gravação de película magnética da 15
nova tecnologia e dos discos revestidos de óxido pelos

Densidade de área
10
de película magnética, como um exemplo das dificul- 8
dades que os gestores podem enfrentar quando geren- 6
ciam a mudança de uma tecnologia de componente 5
4
para outra. Relatos similares poderiam ser construídos Control Data
3
para qualquer outra tecnologia de componente rele- Fujitsu
vante na história da indústria. Em seguida, apresento 2
evidências de que, apesar dessas dificuldades e ao con-
trário da observação de Foster (1986), de que muitas
1
vezes as empresas entrantes levam vantagem quando 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88
novas tecnologias invadem um mercado, as empresas Ano
estabelecidas usam muito habilmente as novas tecno-
logias de componentes para antecipar as investidas da Havia grandes diferenças de percepção – internas
concorrência nos mercados existentes. às empresas e entre as empresas – a respeito de se e
quando as cabeças de película magnética precisavam
O surgimento das tecnologias de substituir as tecnologias estabelecidas de ferrita e óxi-
película magnética para discos rígidos do. Ambas as variações de percepção estão ilustradas
na Figura 4, que traz um gráfico das experiências de
O tamanho físico do eletroímã da cabeça é um fator crí-
dois dos principais concorrentes da indústria, Fujitsu
tico que afeta a densidade de gravação da unidade. As
e Control Data Corporation (CDC), conforme eles lu-
cabeças eram construídas tradicionalmente enrolando-
taram para mudar da tecnologia de cabeça de ferrita
-se um fino fio de cobre em volta de minúsculos núcleos
para película magnética e da tecnologia de disco de
de ferrita. Por razões de custo, confiabilidade e seguran-
partículas de óxido para a de película magnética como
ça de abastecimento, geralmente os engenheiros eram
um meio de conseguir uma densidade de área maior. A
fortemente incentivados a continuar usando as cabeças
Control Data era a maior fornecedora norte-americana
de ferrita pelo máximo de tempo possível. Entretanto, à
de unidades de disco para fabricantes de computador
medida que eles sentiram que estavam se aproximando
dos limites físicos da forma como os pequenos núcleos no regime OEM nas décadas de 1970 e 1980, com uma
de ferrita podiam ser usinados, começaram os esforços, participação de mercado, em boa parte desses anos, ul-
no início dos anos 1970, para usar a fotolitografia de trapassando os 60%. A Fujitsu foi a maior fabricante
película fina – um processo empregado na fabricação japonesa de unidades de disco de 1970, e assim é até
de circuitos integrados – para criar eletroímãs muito hoje. A Figura 4 mostra o desempenho das duas empre-
menores e mais precisos nas cabeças. sas com as cabeças de ferrita e os discos de óxido em
Os discos eram historicamente revestidos de partí- um formato de curva S, na qual a densidade de área má-
culas magnéticas microscópicas de óxido metálico. Os xima dos modelos introduzidos em cada ano é medida
esforços para aumentar a densidade dentro da aborda- no eixo vertical, e o tempo, no horizontal. (Uma vez que
gem de partículas de óxido envolviam tornar as partícu- esta análise envolve a comparação do progresso técnico
las menores e mais uniformes, além de dispersá-las de de duas empresas ao longo do tempo, em vez de avaliar
modo que a área máxima de superfície do disco fosse a produtividade dos esforços de engenharia voltados
coberta com mídia magnética. Quando os engenheiros para duas tecnologias diferentes, representei o tempo
de disco reconheceram que haviam chegado aos limi- no lugar do esforço de engenharia no eixo horizontal.)
tes de espessura, uniformidade e dispersão, voltaram-se Repare que cada empresa parece possuir duas (e não
para a tecnologia de deposição de película magnética, uma) curvas S de ferrita/óxido. Qual é a explicação para
tentando revestir os substratos com coberturas metáli- o primeiro patamar da tecnologia de ferrita/óxido e sua
cas extremamente finas e contínuas. segunda curva subsequente?
118     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Aparentemente, segundo os participantes da indús- tecnológicas remotas, como o arsenieto de gálio, o disco
tria que entrevistei para este estudo, as duas empresas magneto-óptico e o dos motores cerâmicos, foram adia-
se esforçaram no desenvolvimento para as cabeças e/ das ou perderam seu lugar para a acumulação constante
ou discos de película magnética logo antes do início do de melhorias incrementais na tecnologia convencional.
amadurecimento da tecnologia com base em ferrita e Os casos apresentados aqui apoiam a proposição de que
óxido – a CDC por volta de 1977, e a Fujitsu em 1980. pode haver muito mais potencial de desempenho latente
No entanto, ambos os projetos encontraram uma gama em uma tecnologia convencional do que as empresas ou
de problemas imprevistos, e nenhuma das duas empre- os especialistas da indústria possam perceber.
sas pôde introduzir esses componentes de acordo com As inovações que permitiram a segunda explosão
seus planos originais. Sem qualquer alternativa tecnoló- de melhorias de desempenho em cada uma dessas em-
gica, a única opção que encontraram foi extrair desem- presas foram do tipo incremental, definido por Hen-
penho adicional da abordagem ferrita/óxido enquanto derson e Clark (1990). Para tomarmos um exemplo,
se esforçavam para preparar os componentes de pelí- três tecnologias incrementais importantes avançaram o
cula magnética. Os engenheiros das empresas enfren- desempenho das cabeças de ferrita. Foi desenvolvido
taram o desafio com um sucesso estrondoso, elevando um material modificado de ferrita, dopado com bário,
as densidades de área com a tecnologia de ferrita/óxido que tinha a vantagem de ser reduzido a dimensões mais
para cerca de três vezes o nível no qual cada uma delas finas. Processos de polimento capazes de produzir ca-
aparentava inicialmente haver planejado abandonar tal. beças menores e mais precisas suplantaram a moagem.
A razão provável dos patamares temporários na Fi- E, finalmente, a colocação de uma tira metálica entre as
gura 4 parece estar relacionada ao fato de que os ativos seções inicial e final das cabeças mostrou-se capaz de
de engenharia foram realocados; em ambos os casos, reforçar o campo magnético criado por elas. Melhorias
essas empresas desaceleraram o esforço de engenharia incrementais similares foram feitas no tamanho, unifor-
voltado para as cabeças de ferrita e os discos de óxido, midade e dispersão das partículas de óxido que reves-
apostando que a tecnologia ferrita/óxido estava chegan- tiam os discos. A acumulação desses desenvolvimentos
do ao seu limite, e que a película magnética era funda- nas cabeças de ferrita e nos discos de óxido levou o
mental para a melhoria futura do sistema. Os patamares desempenho muito além do que antes se acreditava ser
na densidade de área alcançados pelas cabeças de ferrita o seu limite.
podem ter sido “induzidos” pelo aparecimento da abor- Uma explicação para a Fujitsu e a CDC terem perce-
dagem alternativa de película magnética, que aliviou a bido os limites em níveis tão diferentes é que ninguém
pressão – e usurpou os ativos – para levar a tecnologia sabe qual é o limite de desempenho natural, físico, nos
convencional mais longe. Em outras palavras, a previ- produtos com uma engenharia complexa, como as unida-
são de que a tecnologia convencional estava se aproxi- des de disco e seus componentes. Tendo em vista que os
mando do seu limite natural pode, na verdade, ter sido engenheiros não sabem o que podem descobrir ou desen-
a causa imediata de um nivelamento na trajetória de volver no futuro, já que as leis físicas (e as relações entre
aprimoramento das tecnologias, devido ao impacto que elas) que governam o desempenho não são perfeitamente
esta previsão desempenhou na alocação dos ativos de compreendidas e as possibilidades de contornar os limi-
engenharia. Talvez jamais saibamos se o patamar de 30 tes físicos conhecidos não podem ser suficientemente
mbpsi que a Fujitsu alcançou em 1987 representou o antecipadas, os limites físicos ou naturais da maturidade
limite natural “real” da densidade de gravação alcançá- técnica citados pelos acadêmicos como Foster (1986) e
vel com as cabeças de ferrita e os discos de óxido, ou se Twiss (1979), podem, na prática, ser alvos móveis, em
simplesmente houve um consenso geral da indústria de vez de barreiras imóveis. Foster (1986) cita os barcos a
que o futuro pertenceria à película magnética. vela como um exemplo no qual a física do vento e da
Steele (1983) examinou este fenômeno, reparando água impôs um limite natural na sua velocidade. Em re-
que os executivos e engenheiros, de maneira similar, trospecto, dado o que sabemos hoje, provavelmente esta
muitas vezes ficam encantados com tecnologias ra- é uma afirmação verdadeira. Mas, para os projetistas de
dicalmente novas – poderíamos chamá-las de possi- barcos nos anos 1800, a física interativa do vento e da
bilidades tecnológicas remotas – como soluções para água estava sendo explorada e definida pelos que prati-
o desempenho dos produtos. Steele mostra que essas cavam a arte do design de barcos a vela. Tais limites são
possibilidades remotas em geral requerem muito mais conceitos dinâmicos, relativos e variáveis do ponto de
tempo e dinheiro para ser desenvolvidas do que antes vista dos desenvolvedores de tecnologia.
se acreditava, e que a maior parte do progresso é alcan- Mesmo quando os projetistas se deparam com um
çada por meio do avanço incremental, contínuo, da tec- limite natural aparentemente imutável dentro de um
nologia convencional. As chegadas das possibilidades sistema de produto tão complexo quanto uma unidade
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     119

de disco, pode haver vários caminhos de engenharia A curva S sólida desenhada por meio dos pontos pre-
para resolver o problema de desempenho no nível do tos na Figura 5 acompanha a densidade de área média
sistema – muitas vezes há mais de uma maneira de rea- da indústria das unidades que usavam cabeças de ferrita
lizar uma tarefa. Apesar de o desempenho de um com- e discos de óxido entre 1975 e 1990. A linha tracejada
ponente poder estar em um patamar de esgotamento – acima da curva S da indústria traça a densidade mais
um limite físico real ou vislumbrado –, os engenheiros alta disponível nas unidades de disco de ferrita/óxido
podem continuar a melhorar o desempenho do sistema em cada ano. Observe que as densidades nesta curva de
aplicando esforços aos elementos menos maduros do desempenho superior foram, em sua maioria, o dobro
projeto deste sistema. Nesse sentido, a descoberta dos da média da indústria. A linha pontilhada ligeiramente
códigos de gravação run-length limited (RLL), em acima da curva de ferrita/óxido representa a curva de
meados dos anos 1980, contribuiu para a ressurreição película magnética – a densidade mais alta entre todos
do desempenho da unidade de disco de ferrita/óxido, os modelos que usam tecnologia de película magnética.
porque aumentou a densidade das unidades em 30%, Os pares de círculos abertos conectados por linhas
independentemente de quais tecnologias de disco ou sólidas denotam os pontos nos quais as principais em-
cabeça fossem empregadas no modelo. Em um exem- presas do setor começaram sua mudança para a curva
plo ainda mais radical, Henderson (1993) mostrou que S da nova tecnologia de componente ao introduzirem
a resolução de linha que poderia ser alcançada com seu primeiro produto empregando uma cabeça ou um
o equipamento fotolitográfico do tipo step-and-repeat disco de película magnética. O primeiro círculo aberto
em 1986 era substancialmente menor do que a reso- em cada par denota a densidade mais alta que a empresa
lução mínima possível que havia sido calculada, no conseguiu atingir em um modelo usando a tecnologia de
início dos anos 1980, como o limite imposto pelo com- ferrita/óxido antes da sua introdução dos componentes
primento de onda da luz. de película magnética. O segundo círculo em cada par é
colocado na densidade alcançada em seu modelo inicial
Como os limites reais ou percebidos podem ser con-
de película magnética. A figura representa cada empre-
tornados por meio de avanços nos elementos menos
sa passando do seu modelo convencional de densidade
maduros do projeto de um produto, quando as opiniões
mais elevada para o seu primeiro modelo de película
de projetistas diferem significativamente entre as em-
magnética. Assim exposto, para começar, parece que a
presas, a percepção da maturidade tecnológica pode
maioria dos inovadores estava acima da curva média da
ser altamente particular para cada uma delas. Se uma
indústria. Cada empresa, porém, tinha uma gama de mo-
determinada tecnologia de componente é vista como
delos com várias densidades – algumas acima e outras
um ponto de estrangulamento para o desenvolvimento
abaixo da média industrial. Os modelos convencionais
futuro, e se existem alternativas viáveis para contorná-
de densidade mais alta de algumas empresas – Rodime,
-lo, então tais alternativas são função das característi- Hewlett-Packard, Quantum, Seagate e DEC – estavam,
cas específicas da empresa que trata do projeto de um na verdade, abaixo da média industrial.
produto. Essa especificidade da empresa é evidente na Vários aspectos da Figura 5 merecem comentário.
Figura 4. Repare que o “limite” inicial da CDC para Apenas 5 das 15 empresas exibidas realmente ultrapas-
a tecnologia de ferrita/óxido era de aproximadamente saram a curva de ferrita/óxido com seu primeiro mo-
4 mbpsi – um terço da densidade na qual a Fujitsu en- delo de película magnética. Ainda que a maioria delas
controu seu “limite” inicial. tenha alcançado uma densidade mais alta com a pelí-
A Figura 5 ilustra essas diferenças nas percepções cula magnética do que com a de ferrita/óxido, no ge-
de cada empresa sobre os limites de densidade alcan- ral acabaram ficando dentro da faixa alcançável com a
çáveis com as cabeças de ferrita e os discos revestidos tecnologia convencional quando mudaram suas curvas
com partículas de óxido. Na dimensão horizontal, a Fi- S. Um segundo aspecto é que a tecnologia de película
gura 5 mostra que o momento da mudança para a tec- magnética acabou triunfando apenas depois de uma ba-
nologia de película magnética variou, em uma década, talha com a de ferrita/óxido, que durou uma década. Os
entre as principais empresas – um tempo muito longo principais gestores de engenharia envolvidos nessa cor-
para uma indústria tão turbulenta. No eixo vertical, a rida indicaram que a tecnologia convencional avançou
Figura 5 evidencia que as densidades alcançadas pelas bem mais do que qualquer um havia previsto quando a
últimas empresas a se moverem foram de uma ordem de tecnologia de película magnética foi reconhecida pela
grandeza além dos níveis alcançados pelas primeiras a primeira vez como uma alternativa tecnológica. Em ter-
tentá-lo. O gráfico mostra que houve uma corrida longa ceiro lugar, diferentes concorrentes mudaram de curvas
e acirrada entre as tecnologias convencionais e as novas S em pontos diferentes. A IBM passou para a tecnolo-
antes de a película magnética finalmente triunfar. gia de película magnética quando sua capacitação de
120     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Figura 5 Pontos nos quais a tecnologia de película magnética foi adotada pelos principais fabricantes em relação
às capacitações tecnológicas de ferrita/óxido presentes no momento da mudança

1.000.000

80.000

60.000

40.000

itsu
Fu j
30.000

Hi
tac

DEC
hi
20.000 m
ia
Pr

is
ol

ba
op

hi
15.000

icr

s
Densidade de área (mbpsi)

To
M
be
C

cri
NE

nis
Mi

10.000
C
CD

tum
rd

8.000
ka

an
ac

e
Qu

at
ex

tt-P

ag
or

Se

e
em

wle

6.000 dim
M

Ro
He
C
ST
IBM

4.000

3.000 Legenda: Média da indústria para


os modelos de ferrita/óxido

Densidade mais elevada


disponível em ferrita/óxido
2.000
Movimento das empresas
individuais de ferrita/óxido
1.500 para película magnética

Densidade mais elevada


disponível em película magnética

1.000
75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90
Ano

ferrita/óxido atingiu 3,5 milhões bpsi em 1979. A Hita- caso, IBM, Memorex, Storage Technology, NEC, CDC
chi e a Fujitsu mantiveram-se bem mais tempo na cur- e Rodime – usufruíram as vantagens sustentáveis dos
va S convencional, e alcançaram 27 e 30 milhões de pioneiros. Isto é mostrado em números na Figura 6. O
bpsi, respectivamente – mais de oito vezes o limite que eixo horizontal neste gráfico marca a ordem na qual as
a IBM identificara para a abordagem de ferrita/óxido –, principais empresas adotaram a tecnologia de película
até mudarem para a película magnética. magnética – a IBM sendo primeira, a Fujitsu, a déci-
Por fim e talvez o aspecto mais importante dessa ma quinta, e assim por diante. O eixo vertical classifi-
avaliação, há poucas evidências de que as empresas ca as empresas de acordo com a densidade de área do
que mudaram cedo as curvas S de componente – neste seu modelo mais avançado em 1989. Parece não haver
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     121

Figura 6 Relação entre a ordem de adoção da tecnologia de


película magnética e a densidade de área do modelo de 1989 com
melhor desempenho (os números entre parênteses indicam a
densidade de área em milhões de bits por polegada quadrada)

1
Hewlett-Packard
2 (75)

Ordem de classificação da densidade de área de 1989


Micropolis Hitachi
3 IBM (72) (64)
(62)
4
(1 = mais alta; 15 = mais baixa) Nippon Electric
5 (58)
Digital Equipment
6 (57)
Control Data
7 (53)
Fujitsu
8 (50)
Toshiba
9 (47)
Rodime
10 (45)
Quantum
11 (44)
Priam
12 (45)
Memorex
13 (30)
Seagate
14 Storage Technology (27)
(25)
15
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Ordem de adoção da tecnologia de película magnética
(1 = primeira; 15 = última)

correlação entre a ordem de adoção – e, presumivel- tecnologias arquiteturais usufruíram de grandes van-
mente, a experiência mais profunda com a tecnologia tagens por serem as pioneiras.
que a liderança poderia implicar – e a densidade que Isto sugere que o modo de mudança da curva S do
cada uma delas foi capaz de alcançar. Na verdade, a planejamento para o desenvolvimento de tecnologia de
fatia combinada do mercado mundial total detida pelos componente prescrito na Figura 3 pode não ser a única
adotantes iniciais da tecnologia de película magnética opção do gestor. Como as curvas de maturidade tecno-
caiu de 60% em 1981 para 37% em 1989. As empresas lógica no nível industrial são agregadas pelo desempe-
que mudaram as curvas mais tarde – Priam, Micropo- nho alcançado por muitas empresas, e o desempenho do
lis, Miniscribe, Seagate, Hewlett-Packard, Quantum, produto resulta da interação complexa de muitos com-
Toshiba, Hitachi, DEC e Fujitsu – viram sua fatia cres- ponentes diferentes e de designs de sistema alternativos,
cer de 10% em 1981 para 33%. cada gestor pode ter bastante tempo de manobra para
Christensen (1992a) mostra que as principais em- ampliar o desempenho das tecnologias de componentes
presas estabelecidas do segmento foram, coerente- estabelecidas antes de incorrer nos riscos e gastos para
mente, as líderes no desenvolvimento e adoção das desenvolver e empregar novos componentes a partir de
novas tecnologias de componentes. As entrantes, que abordagens tecnológicas radicalmente diferentes.
foram pioneiras no uso das novas tecnologias de com- Nem sempre pode haver diferenças de opinião tão
ponentes como um veículo para alcançar um melhor amplas como estas sobre o esgotamento da curva S den-
desempenho do produto, raramente foram bem-suce- tro de uma indústria como as ilustradas aqui. Na reali-
didas; não usufruíram de nenhuma vantagem com a dade, em algumas questões técnicas, tais como mudar
investida. Muitos fatores afetam o sucesso e o fracasso ou não de um tipo de material para outro, os limites
das empresas, sendo que apenas um deles faz parte da naturais do desempenho podem ser relativamente am-
estratégia tecnológica de componentes. Entretanto, a bíguos, amplamente conhecidos e uniformemente com-
questão é que a mudança precoce para as novas curvas preendidos. Em casos como este que vimos, contudo,
S de tecnologias de componentes não parece ter sido no qual o desempenho da tecnologia resulta da explora-
necessária ou suficiente para o sucesso competitivo ção de alguma combinação das leis físicas amplamente
neste segmento. Por outro lado, mostro no próximo ar- compreendidas e do know-how com base na experiên-
tigo (Christensen, 1992b) que as empresas que lidera- cia específica de cada empresa, o formato das curvas S
ram o segmento na mudança para as novas curvas S de de tecnologia percebidas pode ser exclusivo para cada
122     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

empresa, e não conduzido por leis absolutas e por rela- progressão das novas tecnologias ao longo do período
ções físicas. Por conseguinte, as descrições e previsões estudado, em lugar de uma única tecnologia nova de
com base nas curvas de maturidade no nível industrial substituição. Os códigos de gravação da modulação
não precisam, e possivelmente não deveriam, ser assumi- de frequência modificada (MEM), por exemplo, fo-
das como prescrições de estratégia no nível da empresa. ram substituídos pela sequência de códigos 2,7 RLL,
1,7 RLL, e resposta parcial, probabilidade máxima
Existem diferenças sistemáticas no (PRML). A técnica da variável simbólica usada aqui
modo como as empresas respondem à mede o impacto sobre a densidade em cada uma dessas
maturidade potencial na tecnologia tecnologias em relação à tecnologia original (MFM, no
de componente? caso da tecnologia de código), em vez de medir a den-
sidade relativa à tecnologia imediatamente anterior. A
Dada a incerteza de se e quando mudar para as curvas S
Figura 7 descreve as variáveis incluídas neste exercício,
das novas tecnologias de componente, é instrutivo exa-
junto com os coeficientes e estatísticas t, que foram esti-
minar se os principais fabricantes de unidades de disco
madas usando mínimos quadrados múltiplos.
responderam a esta imprecisão de uma maneira siste-
A interação entre as tecnologias de cabeça e disco foi
mática – com a finalidade de observar se as estratégias
capturada em um termo de interação. Entrevistas com
de tecnologia de algumas empresas poderiam enfatizar
tecnologistas da indústria sugeriram que, sob a perspec-
a mudança para as curvas S das novas tecnologias de
tiva da engenharia, esta foi a interação primária que pre-
componentes, enquanto as de outras empresas pode-
riam ressaltar a ampliação destas curvas das tecnolo- cisou ser medida para isolar o impacto das mudanças nas
gias de componentes atuais. Para fazer isto, comparei tecnologias de componentes individuais sobre as melho-
os dados sobre as mudanças nas tecnologias de compo- rias na densidade de gravação. Para avaliar a estabilida-
nentes e arquiteturais empregadas em cada um dos mo- de dos coeficientes medidos ao longo do tempo, dividi a
delos de unidade de disco da empresa com as mudanças amostra em dois períodos: 1979 a 1986 e 1987 a 1990.
no desempenho destes ao longo do período de 1976 a Os coeficientes da equação estimados a partir destes dois
1989, para então traçar os meios pelos quais cada em- subconjuntos da população são divulgados nas colunas
presa alcançou a melhoria do desempenho. Com base mais à direita da Figura 7. Para entender melhor as possí-
nesta análise, descobri que algumas empresas, como a veis diferenças nas abordagens estratégicas voltadas para
IBM, tenderam sistematicamente a depender de mudan- a nova tecnologia de componente, estimei primeiro os
ças frequentes para tecnologias de componentes mais coeficientes da base de dados do segmento inteiro para
avançadas como um condutor primário da melhoria do depois estimar os coeficientes usando apenas os modelos
desempenho. Outras, como a Hewlett-Packard, tende- introduzidos por empresas específicas.
ram a depender de melhorias incrementais nas tecno- Observe na Figura 7 que, como a variável dependen-
logias de componentes estabelecidas e de refinamentos te é o log da densidade de área, se os coeficientes para
no design do sistema para alcançar melhorias de desem- cada uma das variáveis explanatórias forem exponen-
penho. A maior parte das tendências das empresas foi ciais, e se as interações significantes levadas em conta,
coerente ao longo do tempo, refletindo essencialmente o resultado é o percentual de melhoria da densidade
as estratégias de tecnologia. associado ao uso de cada tecnologia nova. A melhoria
Essas descobertas surgiram de uma análise de re- da densidade não atribuível a mudanças modulares na
gressão, na qual estimei os coeficientes para uma equa- tecnologia de componente ou na arquitetura do sistema
ção multivariada que descreve o log da densidade de – e provavelmente devido ao impacto combinado das
gravação de área como uma função (1) do ano em que melhorias incrementais nas tecnologias de componen-
o modelo foi lançado, e (2) das tecnologias emprega- tes estabelecidas e dos refinamentos no design do sis-
das nesse modelo para os componentes que determinam tema – é capturada pelo coeficiente da variável tempo.
mais diretamente a densidade de área – motores atua- Seu valor de 0,163 (que é 1,18 exponencial) na equa-
dores, discos, cabeças, códigos de gravação, interfaces ção do período total indica que, da taxa média anual
e tecnologias arquiteturais básicas. Os dados usados de melhoria na densidade de área de 34% ao longo
para estimar esses coeficientes foram as especificações desse período, um pouco mais da metade – 18% – é
detalhadas dos produtos para cada modelo de unidade atribuível às melhorias incrementais que não podem ser
de disco anunciado no mundo entre 1979 e 1990. Co- traçadas para um novo componente específico nem para
difiquei as tecnologias usadas nesses modelos por meio tecnologias arquiteturais específicas. Os 16% restantes
de variáveis simbólicas; o uso das tecnologias iniciais da média industrial de 34% na taxa anual de melho-
dominantes foi codificado como 0, e o da nova tecno- ria compuseram o impacto da substituição modular das
logia, como 1. Em alguns componentes, houve uma novas tecnologias de componentes, feitas componente
Figura 7 Impacto medido das novas tecnologias de componentes na densidade de área de gravação das unidades de disco

Primeiro período: Segundo período:


Período total: 1979 a 1990 1979 a 1986 1987 a 1990

Percentual de
aumento da
densidade asso- Tecnologia original
Variáveis da nova tecnologia, Coefi- Estatís- ciado com a Coefi- Estatís- Coefi- Estatís- (referência), codificada
codificadas simbolicamente com 1 cientes ticas t variável* cientes ticas t cientes ticas t simbolicamente com 0

Constante B0 1,935 0,601 2,65


Tempo B1 0,163 26,31 18% 0,179 18,41 0,155 11,96 Variável contínua
Tecnologias modulares de componente
Motor atuador Motor de passo B2 0,437 14,48 35% 0,588 13,63 0,295 7,41 Motor de Voice-Coil
Motor de torque B3 0,136 2,84 13% 0,121 2,02 0,213 2,88 Motor de Voice-Coil
Disco Película magnética B4 0,275 9,88 32% 0,223 5,92 0,248 6,91 Partícula de óxido
Cabeça Película magnética B5 0,346 6,65 41% 0,436 6,37 0,127 1,70 Ferrita
MIG B6 0,116 2,54 12% ,n/a 0,192 4,62 Ferrita
Cód. de gravação 2,7 RLL B7 0,206 6,07 23% 0,198 4,18 0,335 7,06 MFM
1,7 RLL B8 0,454 9,38 57% 0,394 2,58 0,635 11,33 MFM
PRML B9 0,390 2,67 48% ,n/a 0,507 3,91 MFM
Servossistema Embutido B 10 0,004 0,12 0% 0,006 0,00 0,029 0,91 Disco dedicado
Interface SCSI, AT ou ESDI embutida B 11 0,188 5,45 21% 0,176 3,30 0,202 4,49 ST506, ST412, SA1000, ANSI
SMD B 12 0,306 6,30 36% 0,300 5,19 0,220 2,58 ST506, ST412, SA1000, ANSI
IPI-2 B 13 0,356 3,72 43% 0,267 2,02 0,235 2,18 ST506, ST412, SA1000, ANSI
Proprietária B 14 0,202 4,48 22% 0,196 3,59 0,205 2,75 ST506, ST412, SA1000, ANSI
Tecnologias arquiteturais
8 polegadas B 15 0,097 2,19 10% 0,117 2,29 0,057 0,53 14 polegadas
5,25 polegadas B 16 0,185 3,25 20% 0,248 3,42 0,022 0,21 14 polegadas
3,5 polegadas B 17 0,315 4,77 37% 0,663 6,64 0,015 0,98 14 polegadas
Interação Cab. de pelíc. mag. x disco de pelíc. mag. B 18 0,098 1,67 9% 0,317 2,40 0,167 2,13
Qualidade do ajuste R2 0,91 0,81 0,81
Número de observações 1033 544 489

A variável dependente é o log da densidade de área.


MIG: metal-in-gap; RLL: run length limited; MFM: modulação de frequência modificada; PRML: resposta parcial, probabilidade máxima.
* Essa medida quantifica o impacto sobre a densidade de cada tecnologia nova como se fosse “inserida” individualmente em um novo modelo de unidade de disco, com todas as outras tecnologias de componente e
arquitetural sem modificações.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2    

Para verificar o efeito líquido sobre a densidade de área no caso das tecnologias de cabeça e disco, a interação entre os componentes também deve ser contabilizada.
123
124     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

a componente, modelo a modelo, ano a ano e empresa portante observar que, apesar de a interação do perío-
a empresa. do total haver sido negativa e ter relevância estatística
Uma maneira de visualizar essas medidas do im- marginal, a interação no primeiro período foi signifi-
pacto dos modos incremental e modular do desenvol- cativamente negativa, e a no último período, positiva.
vimento de tecnologia de componente sobre a melhoria Uma interpretação possível para isto, e coerente com
da densidade de área média da indústria encontra-se no as informações que obtive nas entrevistas com os enge-
esquema da Figura 3. Na média da indústria, um pouco nheiros da empresa, é que nos primeiros anos de exis-
mais da metade (53%) da melhoria total é proveniente tência comercial de uma tecnologia de componente, o
do progresso ao longo das curvas S da tecnologia de impacto da sua incorporação ao design sobre o sistema
componente ou arquitetural estabelecida, e um pouco é inadequadamente compreendido. Os projetistas que
menos da metade é originária da migração das curvas usaram cabeças e discos de película magnética em um
S. Note que na análise da amostra, dividindo a variável mesmo produto nos primeiros anos sofreram uma pe-
de tempo pelo coeficiente B1, percebeu-se que a contri- nalidade de desempenho – sinergia negativa –, porque
buição da inovação incremental para a melhoria global o impacto dos componentes sobre o sistema era desco-
foi similar nos dois períodos. nhecido. Conforme eles aprenderam sobre essas tec-
A parte do meio da Figura 7 mostra os coeficien- nologias, foram capazes de aperfeiçoar o design para
tes da sequência de novas tecnologias arquiteturais. capturar todos os benefícios, de modo que o uso das
Comparando a densidade das unidades de disco de 14 cabeças e discos de película magnética criou sinergia
polegadas com a densidade da tecnologia de compo- positiva no segundo período. Não foi um problema
nente equivalente na amostra do período total, quanto de colinearidade na medição da contribuição indivi-
menor o fator de forma, maior a densidade. Isto porque dual das cabeças e discos de película magnética para
as unidades de disco menores possuem componentes os aumentos na densidade de gravação. Os discos de
mais rígidos; o conjunto cabeça-disco pesa menos, de película magnética penetraram muito mais rápido do
modo que pode ser posicionado com mais precisão, e que as cabeças de película magnética, por essa razão
menos inércia, sobre trilhas com espaçamento menor, havia muitos modelos usando cabeças de ferrita com
além de haver menos vibração. A arquitetura de 8 po- discos de película magnética. Inversamente, também
legadas permitiu uma melhoria de 10% na densidade havia uma série de empresas que usavam cabeças de
sobre as unidades de 14 polegadas; as de 5,25 polegadas película magnética com discos de óxido.
tiveram 20% a mais de densidade de área do que as de O valor 0,91 de R2 indica que as variáveis incluídas
14 polegadas com componentes equivalentes, e os pro- na equação contribuíram para 91% da variação na den-
dutos de 3,5 polegadas permitiram um aumento de 37% sidade de área dos 1.033 modelos na base de dados do
na densidade sobre os de 14 polegadas, mantendo cons- período total.
tantes a tecnologia de componentes e a obsolescência Para explorar se as estratégias de tecnologia das
dos modelos. Ao contrário dos coeficientes da variável empresas podem diferir sistematicamente ao longo do
tempo, porém, os coeficientes dessas tecnologias arqui- espectro de confiança no desenvolvimento de tecnolo-
teturais diminuíram de magnitude e relevância estatís- gia de componente incremental versus modular como
tica do primeiro para o segundo período na análise da o motor principal da melhoria de desempenho do sis-
amostra dividida, o que parece ser o resultado, segun- tema, estimei a equação especificada na Figura 7 sepa-
do os especialistas da indústria, da aprendizagem entre radamente para várias empresas líderes da indústria. A
as arquiteturas sobre design mecânico e eletrônico. Os Figura 8 mostra os resultados de dois líderes em tec-
projetistas de cada arquitetura sucessivamente menor nologia/desempenho: IBM e Hewlett-Packard. A den-
reduziram significativamente o número de peças ao in- sidade de área média das linhas de produtos de ambas
corporarem mais funções nos componentes eletrônicos as empresas aumentaram aproximadamente na mesma
da unidade que antes eram realizadas mecanicamente. taxa média industrial ao longo do período estudado:
Com isso, os projetistas das unidades com arquitetura 35%. Os coeficientes da variável tempo exibidos na
maior foram capazes de incorporar esses conceitos de Figura 8 indicam, porém, que as fontes dessa melhoria
design nas gerações subsequentes das unidades de 14, foram diferentes para as duas empresas. Para a IBM,
8 e 5,25 polegadas. o coeficiente da variável tempo, B1, foi 0,14, indican-
A parte inferior da tabela mostra os coeficientes do (quando o coeficiente está na forma exponencial)
do termo de interação cabeça-disco, que foi incluído que ela realizou uma melhoria de 15% na densidade
para testar a possibilidade de a adoção simultânea das por ano a partir das inovações incrementais. Como a
tecnologias modulares de cabeça e disco contribuir melhoria anual total da IBM na densidade foi de 35%,
sinergicamente para a melhoria do desempenho. É im- isto significa que os outros 20% de melhoria anual
Figura 8 Avaliação do impacto da inovação incremental e das novas tecnologias de componentes na densidade de área de gravação das unidades de disco: uma
comparação entre os produtos da IBM e da Hewlett-Packard

IBM Hewlett-Packard

Tecnologia original (referência)


Variáveis da nova tecnologia, codificada simbolicamente
codificadas simbolicamente com 1 Coeficientes Estatísticas t Coeficientes Estatísticas t com 0

Constante B0 3,86 3,81


Tempo B1 0,140 10,47 0,240 6,35 Variável contínua
Tecnologias modulares de componente
Motor atuador Motor de passo B2 0,406 3,96 ,— * Motor de Voice-Coil
Motor de torque B 3 Motor de Voice-Coil
Disco Película magnética B4 0,191 2,41 1,12 4,88 Partícula de óxido
Cabeça Película magnética B5 1,070 10,31 0,218 1,41 Ferrita
MIG B 6 0,089 0,97 Ferrita
Cód. de gravação 2,7 RLL B7 0,290 2,86 0,571 3,34 MFM
1,7 RLL B8 0,348 2,83 ,— * MFM
PRML B 9 0,820 4,43 ,— * MFM
Servossistema Embutido B 10 0,006 0,91 0,279 3,53 Disco dedicado
Interface SCSI, AT ou ESDI embutida B 11 0,199 1,85 ,— * ST506, ST412, SA1000, ANSI
SMD B 12 ST506, ST412, SA1000, ANSI
IPI-2 B 13 0,360 2,09 ST506, ST412, SA1000, ANSI
Proprietária B 14 0,189 1,67 ,— * ST506, ST412, SA1000, ANSI
Tecnologias arquiteturais
8 polegadas B 15 0,373 4,17 0,097 0,41 14 polegadas
5,25 polegadas B 16 0,039 0,031 0,151 1,20 14 polegadas
3,5 polegadas B 17 0,406 2,61 0,132 1,33 14 polegadas
Interações Cab. de pelíc. mag. x disco de pelíc. mag. B 18 0,610 3,32 0,191 0,03
Qualidade do ajuste R2 0,97 0,97
Número de observações 126 49

A variável dependente é o log da densidade de área.


Veja as abreviações na Figura 7.
* A Hewlett-Packard nunca produziu modelos que implementassem motores de passo, códigos de gravação 1,7 RLL e PRML e interfaces ST506, ST412, SA1000 ou ANSI, por isso a contribuição das novas
tecnologias de interface relativas a esses padrões não puderam ser calculadas.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2    
125
126     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

vieram da mudança para as novas tecnologias de com- alternativas de tecnologia de componentes e sistemas
ponente especificadas na equação. Por outro lado, o para buscar melhoria do desempenho (há mais de uma
coeficiente B1 da variável tempo na equação da Hew- maneira de executar uma tarefa), até mesmo os limites
lett-Packard foi 0,24. Isto significa que, quando o coe- impostos pelas leis naturais amplamente conhecidas
ficiente está na forma exponencial, a Hewlett-Packard têm sido contornados. Ao que tudo indica, essas opções
alcançou uma taxa anual de melhoria na densidade de criaram um espaço de manobra substancial nas estraté-
27% por meio da mudança tecnológica incremental, gias de tecnologia escolhidas pelos diferentes concor-
sem contar com a adoção modular de novas tecnolo- rentes. Alguns obtiveram a maior parte da sua melhoria
gias de componente. A adoção de novas tecnologias de desempenho ampliando as trajetórias de desempe-
modulares de componente contribuiu para apenas 8% nho da tecnologia de componentes existente, enquanto
de melhoria anual (27% + 8% = 35% de taxa de me- outros seguiram uma estratégia tecnológica de migrar
lhoria global anual). Na realidade, houve uma série de de curva S de maneira bem agressiva.
tecnologias componentes que a IBM adotou e que a Ainda que indiscutivelmente existam os padrões da
Hewlett-Packard nunca empregou nesse período. curva S do progresso da tecnologia de componente,
Em outras palavras, essas duas empresas emprega- não houve evidências claras de quaisquer benefícios
ram meios muito diferentes para alcançar taxas anuais para o pioneiro, nem de “vantagem para os entrantes”
de melhoria de densidade quase idênticas: a IBM pro- (Foster, 1986). As empresas que mudaram mais tar-
cedeu a maior parte da sua melhoria da mudança para diamente para as curvas S da nova tecnologia corres-
novas tecnologias de componentes na tradição de “sal- ponderam com sucesso ao desempenho do produto dos
tos estratégicos” observada por Hayes (1985), enquanto
adotantes iniciais. No segmento em geral, foram os
a melhoria de desempenho da Hewlett-Packard veio em
fabricantes líderes, estabelecidos, de unidades de dis-
grande parte da ampliação da eficácia das abordagens
co que lideraram a mudança para as novas tecnologias
tecnológicas que já havia empregado.
de componentes. Os pretensos entrantes, que entraram
Esta descoberta estatística é coerente com as opiniões
na indústria empregando novas tecnologias de compo-
sobre os pontos fortes da IBM e da Hewlett-Packard que
nentes como uma fonte de vantagem competitiva, ra-
os gestores de engenharia do setor expressaram durante
ramente foram bem-sucedidos; eles parecem ter esta-
minhas entrevistas com eles. Os gestores da IBM e seus
do em desvantagem decisiva na exploração das novas
concorrentes viam, igualmente, o desenvolvimento de
tecnologia de componente como uma força tecnológica tecnologias de componentes. O segundo artigo desta
desta empresa, enquanto enxergavam a equipe técnica série (Christensen 1992b) mostra que o caso oposto
da Hewlett-Packard como mestres de design de siste- é verdadeiro nos pontos de mudança da tecnologia
mas – com maior capacidade para extrair mais desem- arquitetural. Nesse estudo, mostro que as tecnologias
penho de um determinado conjunto de componentes do arquiteturais também seguem um padrão de curva S da
que as outras empresas do setor. melhoria do desempenho, e que os pioneiros e as em-
presas entrantes usufruíram uma vantagem decisiva
sobre os adotantes tardios e as empresas estabelecidas
Resumo
na inovação das tecnologias arquiteturais.1
Apesar de as curvas S da tecnologia parecerem forne-
cer informações úteis sobre o potencial para a melhoria Referências
contínua de tecnologias fundamentalmente diferentes
Becker, R. H., and L. M. Speltz (1983). “Putting the S-Curve Concept
em um nível industrial, a aplicação desta ferramenta no to Work”. Research Management 26, September-October, pp. 31-33.
nível gerencial para o planejamento do desenvolvimen-
Christensen, C. M. (1992a). “The Innovator’s Challenge: Understanding
to da tecnologia de componente aparentemente é algo
the Influence of Market Environment on Processes of Technology
bastante ambíguo. Na indústria de unidades de disco, Development in the Rigid Disk Drive Industry”. D.B.A. dissertation,
parece que o achatamento percebido na trajetória de Graduate School of Business Administration, Harvard University,
desempenho do componente é um fenômeno específico Cambridge, MA.
da empresa. Na verdade, é possível que uma desacele-
ração na melhoria seja o resultado das previsões de que
o potencial de melhoria foi esgotado e das decisões de
1
Agradeço aos professores Kim B. Clark, Robert H. Hayes e Steven
C. Wheelwright, da Harvard Business School; professores Rebecca
alocação de ativos subsequentes a estas previsões. Os Henderson e James Utterback, da Sloan School of Management,
limites da melhoria do desempenho, embora claros em Massachussetts Institute of Technology; e aos revisores anônimos
pelas inestimáveis orientações e sugestões para o aprimoramento
retrospectiva, são conceitos variáveis, dinâmicos, no dos primeiros esboços deste artigo. Quaisquer deficiências remanes-
mundo do gestor de operações. Como existem muitas centes são da minha exclusiva responsabilidade.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     127

Christensen, C. M. (1992b). “Exploring the Limits of the Technology possuem um ou mais discos rígidos removíveis (duros)
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como as que empregam pacotes de discos rígidos remo-
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Tchijov, I., and E. Norov (1989). “Forecasting Methods for CIM
Technologies”. Engineering Costs and Production Economics 15,
presa em pormenores. Agradeço muito a ajuda generosa
August, pp. 323-389. dos editores e do pessoal do Disk/Trend Report durante
Thomas, L. J. (1984). “Technology and Business Strategy – The R&D
este projeto.
Link”. Research Management 27, May-June, pp. 15-19. A segunda fonte de dados para o estudo foram as
Tushman, M. L., and P. Anderson (1986). “Technological Discon-
publicações comerciais, particularmente a Electronic
tinuities and Organizational Environments”. Administrative Science Business Magazine. Pesquisei cada edição mensal (e
Quarterly 31, n. 3, pp. 439-465. mais recentemente quinzenal) desde a primeira vez
Twiss, B. (1979). Management of Technological Innovation. Longman, em que foi publicada, em 1967, em busca de notas e
London. artigos sobre tecnologia de unidade de disco, indústria
Van Wyk, R. J., G. Haour, and S. Japp (1991). “Permanent Magnets: A de unidades de disco e empresas participantes deste
Technological Analysis”. R&D Management 34, October, pp. 301-308. segmento. Meu propósito foi entender mais completa-
mente as histórias corporativas, as estruturas organiza-
cionais e as estratégias competitivas executadas pelos
Apêndice A: Fontes de dados e
concorrentes no setor, bem como identificar outros fa-
metodologia de pesquisa
bricantes de unidades de disco que poderiam não ter
Colhi os dados divulgados neste artigo sobre unidades sido incluídos no Disk/Trend Report (encontrei uma
de disco de um estudo maior sobre este segmento (Chris- dessas empresas). Combinei essas informações com os
tensen, 1992a). Os produtos nos quais concentrei meu dados do Disk/Trend nas fontes e padrões de difusão
estudo foram as unidades de disco rígido, uma catego- de cada tecnologia nova para analisar que tipos de
ria de produto que inclui as chamadas Winchester, que empresas tendiam a ser pioneiras no desenvolvimento e
128     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

adoção de cada uma delas, o que me permitiu determi- Cabeça Dispositivo que contém um eletroímã minúsculo
nar os padrões de sucesso e fracasso comercial entre os posicionado em um braço que se estende sobre o disco
diferentes grupos de empresas. As comparações entre giratório. Quando a direção da corrente por meio da
as empresas entrantes versus as estabelecidas (em cima cabeça se modifica, sua polaridade muda. Como polos
do trabalho de Henderson e Clark, 1990) provaram-se magnéticos opostos se atraem, as mudanças na polaridade
da cabeça provocam seu oposto no material magnético
particularmente bem-sucedidas, assim como as entre as
no disco à medida que ele gira imediatamente abaixo da
empresas cujas formas corporativas eram diferentes:
cabeça. Desta maneira, a cabeça escreve as informações
start-ups respaldadas por capital de risco, fabricantes em código binário sob um determinado sentido do fluxo
de computador integrados verticalmente, empresas in- magnético, ou as cabeças leem os dados da superfície
tegradas que produziam outros produtos de gravação do disco quando a direção do fluxo inverte. Nas unida-
magnética, e empresas diversificadas horizontalmente des de disco rígido, as cabeças são projetadas aerodina-
que produziam outros periféricos de computador, tais micamente para flutuar a alguns milionésimos de uma
como impressoras e unidades de fita. polegada acima da superfície do disco; geralmente, elas
A terceira categoria de dados utilizada no estudo fo- repousam em sua superfície quando a unidade está em
ram as informações de mais de 60 entrevistas pessoais repouso, decolam à medida que o disco começa a girar e
com fundadores e executivos de engenharia e marketing aterrissam quando o disco para novamente. Usualmente,
associados a oito dos principais fabricantes de unidades as cabeças nas unidades de disco flexível não voam, mas
deslizam sobre a superfície do disco.
de disco: IBM, CDC, Digital Equipment, Micropolis,
Quantum, Seagate Technology, Miniscribe e Conner Cabeças MIG Acrônimo para metal-in-gap, uma versão
Peripherals. Além disso, entrevistei executivos das três da cabeça de ferrita na qual uma tira metálica era depo-
maiores empresas independentes fabricantes de compo- sitada no intervalo entre as porções inicial e final da ca-
nentes: Komag, Read-Rite e Applied Magnetics. Tam- beça. Isto reforçava os campos de fluxo magnético que
bém entrevistei outros especialistas e consultores do se- podiam ser criados e sentidos pela cabeça, permitindo
tor. Meu propósito nessas entrevistas foi compreender e que os dados fossem gravados e lidos em domínios me-
nores na superfície do disco.
reconstruir com o maior cuidado possível os processos
de decisão gerenciais que levaram essas empresas a de- Densidade de área A quantidade de informação que
senvolver ou não determinadas tecnologias novas, cuja pode ser armazenada em uma polegada quadrada da
importância para a indústria foi realçada por meio do superfície do disco, medida em megabits por polegada
trabalho com os dados descritos acima. quadrada (mbpsi), determinada pela multiplicação da
Agradeço muito o apoio da Harvard Business quantidade de bits de informação armazenáveis ao lon-
School Division of Research, cujo auxílio financeiro go de uma polegada linear da trilha (densidade de bit)
pelo número de trilhas por polegada de raio do disco
possibilitou um estudo com este objetivo.
(densidade de trilha).

Apêndice B: Glossário de termos técnicos Densidade de gravação Ver densidade de área.

Atuador Mecanismo que posiciona a cabeça sobre a tri- Disco O prato redondo e rígido no qual os dados são gra-
lha adequada na unidade. A classe de atuadores que se vados magneticamente. Ele é composto por um substra-
tornou mais frequentemente utilizada, devido à sua ca- to, feito geralmente de alumínio polido perfeitamente
pacidade de posicionamento superior, chama-se motor plano, revestido por partículas de óxido metálico mag-
de Voice-Coil. Ele opera em um mecanismo similar ao nético ou películas magnéticas. Esses revestimentos
utilizado nos telefones: um braço é movimentado para magnéticos, por sua vez, são cobertos por materiais lu-
a frente e para trás por meio de forças eletromagnéti- brificantes e protetores.
cas. Os motores de Voice-Coil têm sido produzidos em Ferrita Composto magnético feito de ferro e oxigênio. Nas
modelos lineares e rotativos, mas o rotativo, que fun- unidades de disco, o uso primário da ferrita foi como
ciona como o braço de uma vitrola, tornou-se o projeto material do núcleo em torno do qual eram enrolados fios
dominante por exigir menos espaço. Outro mecanismo de cobre finos para formar um eletroímã na cabeça.
atuador é o motor de passo, em que um eixo gira em
etapas distintas para novas posições em resposta a mu- Fotolitografia Processo de fabricação por meio do qual
danças no campo magnético circundante. Esses motores o padrão desejado de um material é aplicado sobre um
são muito mais baratos do que os de Voice-Coil, e eram outro que serve de substrato. Geralmente, primeiro o
usados basicamente nas unidades de baixa capacidade substrato é coberto (por metalização ou pulverização)
voltadas para os mercados sensíveis ao preço. Os moto- com o material do qual o padrão final será feito. Este,
res de torque e os motores de corrente contínua também por sua vez, é revestido com um material monoméri-
eram usados em uma quantidade limitada de modelos na co fotossensível chamado fotorresina. Uma máscara do
faixa de desempenho de baixo a moderado. padrão desejado é colocada sobre a fotorresina e o ma-
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-2     129

terial não mascarado é exposto à luz, fazendo que cure. de mudanças na sua polaridade magnética, os dados são
A fotorresina não exposta é lavada. Mediante uma série armazenados magneticamente. Geralmente, as partículas
subsequente de etapas de decapagem e lavagem, apenas têm um formato alongado, parecido com uma agulha.
o material desejado, no padrão desejado, fica no subs-
trato. Os circuitos integrados são criados em pastilhas Película magnética Película contínua muito fina (muitas
de silício e as cabeças de película magnética são criadas vezes com apenas alguns angstroms de espessura) de
por meio de processos fotolitográficos. um material (frequentemente um metal) sobre outro de
substrato. Costuma ser aplicada mediante um processo
Interface Refere-se aos circuitos eletrônicos por meio dos chamado pulverização, no qual um substrato é coloca-
quais a unidade e o computador se comunicam. Uma ex- do no fundo de uma câmara de vácuo. O material alvo
plicação das diferenças entre as interfaces está além do da película é bombardeado com elétrons, que desalojam
escopo deste artigo. Originalmente, as interfaces eram seus íons, os quais, por sua vez, flutuam como vapor na
escritas de forma personalizada por cada fabricante de câmara de vácuo e depois se depositam gradualmente em
unidade de disco para cada cliente. Apesar de algumas uma película fina e contínua na superfície do substrato.
interfaces padrão, como a SMD, terem surgido à me- Esta técnica de deposição é uma das primeiras etapas na
dida que as unidades de 8 polegadas eram usadas nos fabricação dos circuitos integrados e das cabeças de pelí-
minicomputadores, a tendência rumo à padronização foi cula magnética. Também é a técnica usada para cobrir os
acelerada pela interface ST412, da Seagate Technology, discos com películas muito finas de material magnético.
que exigia que a taxa na qual a unidade extraía dados
do disco fosse igual àquela na qual a unidade transferia PRML Acrônimo para resposta parcial, probabilidade má-
dados para o computador. Apesar do baixo custo e da xima, uma técnica de codificação que veio depois dos
eficiência, isto colocou um teto na densidade de bit da códigos de gravação RLL e MFM.
unidade. Interfaces subsequentes, como SCSI (utilizada RLL Acrônimo para os códigos de gravação run-length-limited,
principalmente nos computadores da Apple); AT (para que permitem que os dados sejam escritos mais densa-
computadores compatíveis com o IBM-PC) e ESDI mente do que era possível com os códigos MFM. Duas
(utilizada principalmente nas estações de trabalho de versões do código RLL têm sido usadas: 2,7 e 1,7.
engenharia), dissociaram essas atividades. Com estas
interfaces, a unidade podia extrair dados do disco tão Servossistema embutido Choques mecânicos, expansão
rapidamente quanto os engenheiros desejavam, armaze- térmica diferencial e uma série de outros fatores podem
ná-los no cachê e depois transferi-los para o computador afetar a precisão com que o atuador posiciona uma cabeça
na velocidade com que o computador pudesse aceitá-la, sobre uma determinada trilha em um disco. As unidades
viabilizando assim densidades de bit muito maiores do de baixo desempenho que usam atuadores de motores de
que havia sido possível com a interface ST412. Outras passo contornam este problema espaçando as trilhas de
interfaces utilizadas apenas em uma quantidade limitada modo que essas mudanças sutis e desajustes raramente fa-
de modelos foram IPI-1, IPI-2 e ANSI. çam que a cabeça seja mal posicionada sobre a trilha erra-
da. Entretanto, as unidades de alto desempenho requerem
MFM Acrônimo para modulação de frequência modifica- um sistema fechado de realimentação para o atuador, a
da, uma antiga técnica de codificação usada para escre- fim de que a cabeça possa ser reposicionada continua-
ver dados nos discos, na qual um marcador magnético mente e com precisão sobre a trilha adequada no disco,
era colocado no disco para indicar o começo e o fim de o que permite uma densidade de trilha muito maior. Uma
cada trecho de informação individual. maneira de manter o alinhamento preciso entre cabeça e
Motor do eixo Motor elétrico que dirige a rotação do eixo disco foi dedicar uma superfície completa de um disco
no qual os discos são montados. Nas unidades de 14 e 8 no eixo apenas para o acompanhamento de informações.
polegadas, situava-se no canto da unidade e conduzia os A realimentação da informação de leitura realizada fora
pacotes de discos por meio de uma roldana. Nas unidades da trilha correta de volta para o motor atuador propor-
de 5,25 e nas arquiteturas subsequentes, havia um motor cionou este mecanismo fechado de ajuste contínuo. No
achatado e diretamente posicionado abaixo do eixo. servossistema embutido, os marcadores de identificação
das trilhas são escritos (embutidos) em cada trilha de cada
Motores de passo Ver atuador. superfície de gravação, liberando assim toda a superfície
para as informações do usuário, superfície esta que, de
Motores de torque Ver atuador. outra forma, estaria reservada apenas para informações
Óxido Termo usado na indústria para as partículas feitas de de acompanhamento.
um composto de oxigênio e metal magnético, como fer- Spindle Eixo no qual um ou mais discos eram montados.
ro, cobalto e cromo. As partículas de óxido eram utiliza-
das para revestir substratos de filme de poliéster a fim de Unidade O termo da indústria da computação para o equipa-
criar fitas magnéticas e discos flexíveis e, ainda, revestir mento que contém mídia magnética giratória – carretéis
os discos de alumínio usados nas unidades de disco rígi- de fita, discos flexíveis (floppy) ou discos rígidos – e con-
do. As partículas de óxido são a mídia na qual, por meio trola o fluxo de informações eletrônicas de/para a mídia.
130     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

artigo 2 - 3 FIGURA 1 Estratégia prescritiva de curva S

Explorando os limites da curva S


da tecnologia. Parte II:

Desempenho do produto
Tecnologias arquiteturais*
Terceira tecnologia
Clayton M. Christensen
Harvard University Graduate School of Business Administration,
Boston, Massachusetts
Segunda tecnologia

Este é o segundo de uma série de dois artigos em que


uso as informações da história tecnológica da indústria
Primeira tecnologia
de unidades de disco para examinar a utilidade da curva
S da tecnologia como uma estrutura para os gestores en- Tempo ou esforço de engenharia
volvidos no planejamento do desenvolvimento de tec-
nologia. O primeiro artigo (Cristensen, 1992b), também Entre 1973 e 1990, surgiram cinco tecnologias ar-
publicado neste livro, concentrou-se nos desafios e be- quiteturais sucessivas na indústria de unidades de disco:
nefícios da estrutura da curva S na gestão do desenvol- unidades Winchester de 14; 8; 5,25; 3,5; e 2,5 polega-
vimento de novas tecnologias de componentes. Nele, das de diâmetro. Embora a evolução dessas arquiteturas
mostrei que, apesar de as tecnologias de componentes seja identificada na redução dos tamanhos dos discos,
seguirem um padrão de melhoria na curva S, existem o que as distingue arquiteturalmente é a diminuição da
muitas alternativas para mudar para novas tecnologias contagem total de partes e as mudanças na forma pela
quando uma tecnologia vigente de componente parece qual os componentes se relacionam uns com os outros
estar amadurecendo. Além disso, mostrei que poucas dentro do design do sistema. Tal é a essência da defini-
vantagens do pioneirismo advieram para as empresas ção de Henderson e Clark (1990) da mudança da tecno-
que lideraram agressivamente a indústria na adoção das logia arquitetural. Em uma sequência clássica de curvas
novas tecnologias de componentes. Apresento, final- S, como a modelada pela Figura 1, o desempenho de
mente, ao leitor, as descrições da metodologia do estu- cada uma dessas gerações (definido pela densidade de
do e uma descrição da tecnologia das unidades de disco. área) inicialmente foi inferior ao da geração anterior.
Neste artigo, chego à conclusão oposta sobre a mu- Mas conforme a taxa de melhoria dentro de cada arqui-
dança da tecnologia arquitetural. Na realidade, as tec- tetura começou a desacelerar, o desempenho das novas
nologias arquiteturais seguem padrões de melhoria de arquiteturas superou o das antigas.
curva S. Quando surgiram novas arquiteturas na indús- Ao contrário dos casos de tecnologia de compo-
tria de unidades de disco, as empresas entrantes e os nentes descritos em Christensen (1992b), as empresas
pioneiros que adotaram a nova tecnologia usufruíram entrantes foram as líderes no desenvolvimento e lan-
uma vantagem decisiva sobre as empresas estabeleci- çamento de cada nova geração arquitetural. A Control
Data, fabricante dominante das unidades de 14 pole-
das do setor e, em sua maioria, foram capazes de levar
gadas no mercado OEM, foi ofuscada pelas entrantes
a nova tecnologia arquitetural a posições de liderança
Micropolis, Priam e Shugart na arquitetura de 8 polega-
na indústria. Na indústria de unidades de disco, foi o
das. Seagate, Miniscribe e Tandon entraram para dominar
advento das novas tecnologias arquiteturais, e não das
a geração de 5,25 polegadas, ofuscando as ex-líderes. A
tecnologias de componentes, que precipitou a queda
Conner Peripherals e a Quantum alcançaram posições
das empresas líderes da indústria. O motivo para esse
dominantes similares no mercado de unidades de 3,5 po-
fenômeno foi o fato de que as inovações de arquiteturas
legadas em relação às líderes na arquitetura de 5,25 pole-
usualmente encontravam um uso precoce nos merca-
gadas. Por que os fabricantes estabelecidos foram capazes
dos emergentes. As empresas entrantes obtiveram su-
de liderar a indústria no desenvolvimento de tecnologias
cesso com as inovações de arquiteturas porque foram
de componentes ao mesmo tempo em que foram destro-
melhores ao entrarem nesses mercados emergentes, não
nados nos pontos de mudança de tecnologia arquitetural?
porque possuíssem capacitações superiores para desen- Não parece que a resposta seja que o desenvolvi-
volver a tecnologia arquitetural em si. mento de novas tecnologias arquiteturais tenha sido in-
trinsecamente mais desafiador de um ponto de vista tec-
nológico do que as novas tecnologias de componentes.
*
Fonte: Reimpresso com a permissão da Production and Operations
Management 1, n. 4 (Fall 1992). Copyright © 1992, Production and Em termos temporais, os grupos de engenharia das em-
Operations Management Society. presas líderes estabelecidas estiveram, em sua maioria,
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-3     131

FIGURA 2 Um modelo diferente de curva S da inovação de arquitetura

Aplicação (mercado) “A” Desempenho conforme definido na aplicação “B”

Desempenho Desempenho
conforme conforme
definido na definido na
aplicação “A” aplicação “B”

Tecnologia B
Tecnologia B

Tecnologia A

Tempo ou esforço de engenharia Tempo ou esforço de engenharia

entre os primeiros da indústria a desenvolverem protó- armazenadas e recuperadas. A arquitetura da unidade


tipos dos produtos com a nova arquitetura. Christensen de 5,25 polegadas que surgiu em 1980 era nitidamente
(1992a) mostra que a qualidade dos projetos arquitetu- inferior à das unidades de 14 e de 8 polegadas ao longo
rais das empresas líderes estabelecidas, definida em ter- dessas duas dimensões. Ela exibia uma capacidade de
mos de custo e desempenho, era totalmente compatível cinco megabytes (MB) e velocidades de acesso de 160
com a das empresas entrantes. milissegundos (ms), enquanto as unidades maiores, na
A diferença parece ter sido nas capacidades relati- época, tinham capacidades médias de 100 a 500 MB e
vas das empresas estabelecidas versus as das entrantes velocidades de 30 ms. Não é de surpreender que os mer-
de possuir dois tipos de tecnologia no mercado. Usual­ cados estabelecidos de computadores de grande porte e
mente, as novas tecnologias de componentes foram as de minicomputadores tenham ignorado a nova arqui-
condutoras da melhoria do desempenho ao longo de tetura, já que as unidades de 5,25 polegadas não apre-
suas dimensões mais valorizadas nos mercados estabe- sentavam o desempenho necessário. Como os fabrican-
lecidos. Levá-las ao mercado foi simples – os principais tes de unidades de disco de grande diâmetro ouviram
fabricantes projetavam-nas em novos modelos de pro- e compreenderam as necessidades dos seus clientes,
duto e vendiam-nas para os grandes clientes. Contudo, eles também ignoraram a nova tecnologia arquitetural,
as novas tecnologias arquiteturais tendiam a redefinir
concentrando-se então nas melhorias dos componentes
a funcionalidade do produto – os parâmetros por meio
que conduziram o desempenho dentro dos esquemas
dos quais era avaliado o desempenho do sistema. Por
arquiteturais de 8 e de 14 polegadas.
isso, as novas tecnologias arquiteturais eram, em geral,
Todavia, ao longo de outras dimensões do desempe-
implantadas primeiro em novas aplicações do mercado.
nho que eram irrelevantes nos mercados de computado-
Aparentemente, a causa do fracasso das empresas esta-
res grandes – particularmente a capacidade por polega-
belecidas nos pontos de mudança de tecnologia arqui-
tetural na história da indústria de unidades de disco foi da cúbica e o custo total por unidade –, a arquitetura de
sua incapacidade de inovar no mercado, não sua inca- 5,25 polegadas era caracterizada por um desempenho
pacidade de inovar no laboratório. superior ao das unidades maiores. Havia uma emergen-
Uma característica típica das inovações de arquite- te aplicação de mercado para as unidades de disco – os
turas é que elas empregaram tecnologias comprovadas computadores desktop –, na qual era importante medir o
de componente e, de início, tiveram um desempenho desempenho da unidade de disco para essas novas e não
inferior ao das tecnologias arquiteturais dominantes – convencionais dimensões de funcionalidade. Por essa
quando o desempenho era medido ao longo das dimen- razão, as unidades que empregavam a nova tecnologia
sões mais valorizadas nos mercados estabelecidos. Os arquitetural eram altamente demandadas no mercado
principais clientes das arquiteturas de 14 e de 8 polega- emergente de computadores desktop, mesmo quando
das, por exemplo, eram os fabricantes de computadores estavam sendo ignoradas pelos clientes tradicionais
de grande porte e de minicomputadores, respectiva- e pelos fornecedores de unidades de disco orientados
mente. O desempenho dessas unidades era medido ba- para o cliente nos grandes mercados da época. As em-
sicamente ao longo de duas dimensões: capacidade to- presas que levaram à introdução da arquitetura de 5,25
tal e velocidade com a qual as informações podiam ser polegadas foram, portanto, concorrentes na indústria.
132     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Intersecção das trajetórias de desempenho das sucessivas tecnologias arquiteturais de unidades de disco

Ano Unidades de 14 polegadas Unidades de 8 polegadas Unidades de 5,25 polegadas Unidades de 3,5 polegadas

1971 0,22
1972
1973 0,48
1974 0,73
1975 0,92
1976 1,11
1077 1,64
1978 2,27 1,15
1979 2,53
1980 3,02 2,80 2,02
1981 5,39 4,01 2,49
1982 6,34 5,01 3,63
1983 7,91 8,60 5,32
1984 9,68 13,28 8,26
1985 11,46 15,47 11,28 9,85
1986 19,41 13,88 12,78
1987 15,87 24,72 18,99 17,21
1988 28,94 27,58 25,55
1989 33,90 43,03 36,28
1990 50,61 56,15 43,18

Densidade de área média de todos os modelos introduzidos (em milhões de bits por polegada quadrada).
O valor em negrito indica o ano em que a arquitetura conquistou mais de 50% das vendas totais da indústria nas unidades de 30 a 100 MB. Os valores
sublinhados indicam o ano em que a arquitetura dominou mais de 50% das vendas totais da indústria na faixa de 100 a 300 MB.

Esta é a primeira parte importante da história da inova- sas novas destronaram os líderes anteriores da indústria
ção de arquitetura que explica por que as empresas estabe- em cinco dentre sete gerações de unidades de disco defini-
lecidas se atrasaram na detecção de oportunidades para ex- das em termos arquiteturais.
plorar os atraentes mercados emergentes. A segunda parte Quando aplicada a situações em que a nova arquite-
da história, porém, é que a perda do novo mercado acabou tura tecnológica redefine a funcionalidade do produto e
sendo fatal para as empresas estabelecidas em seus merca- é, portanto, implantada inicialmente em aplicações no-
dos tradicionais. Depois que a nova tecnologia arquitetu- vas, a Figura 1 não parece ser uma conceituação precisa
ral se estabeleceu em seu novo mercado, os fabricantes de do processo de substituição da tecnologia arquitetural.
unidades de 5,25 polegadas descobriram que eram capa- Isto se dá porque a curva da nova tecnologia arquite-
zes de aumentar a capacidade e a velocidade de suas uni- tural não pode ser representada no mesmo gráfico que
dades em taxas anuais muito mais rápidas do que antes era a curva da arquitetura estabelecida. As medidas de de-
exigido pelo mercado de computadores desktop. Por esse sempenho das duas tecnologias em seus mercados res-
motivo, em poucos anos as unidades de 5,25 polegadas se pectivos podem ser diferentes.
tornaram capazes de competir com as unidades de arqui- Esta situação é retratada na Figura 2. A nova tecno-
teturas anteriores nos mercados de minicomputadores e de logia (2) é implantada em uma nova aplicação (B), na
computadores de grande porte, nas bases de desempenho qual o desempenho é definido de forma diferente da que
originais destes mercados – capacidade total e velocidade. tem sido usada para o mercado estabelecido, Aplicação
Isto se deu porque o ritmo de melhoria na densidade que A. A Tecnologia 2, na verdade, tem um desempenho
os tecnologistas foram capazes de fornecer dentro da nova superior na Aplicação B e alcança uma medida de ma-
arquitetura ultrapassava a taxa de melhoria do desempe- turidade comercial. Em algum ponto nessa progressão,
nho demandada pelos mercados estabelecidos de com- a nova arquitetura se torna capaz de atender o desem-
putadores de grande porte e de minicomputadores. Nesse penho exigido (e definido) pelo mercado original com
ponto, as empresas entrantes, pioneiras na arquitetura de mais eficiência do que a tecnologia estabelecida. Quan-
5,25 polegadas no mercado de computadores desktop, ti- do isso ocorre, a nova tecnologia invade o mercado ori-
nham volumes muito maiores, mais experiência tecnoló- ginal, substituindo rapidamente a antiga.
gica e custos mais baixos na nova tecnologia arquitetural A importância de compreender as trajetórias de me-
do que os fabricantes estabelecidos das unidades maiores. lhoria das novas tecnologias arquiteturais ao longo das
As empresas entrantes também invadiram os mercados de dimensões empregadas em seus mercados iniciais é
computadores maiores. Pelo mesmo processo, as empre- ilustrada pela Figura 3, na qual as densidades médias das
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-3     133

unidades em cada categoria arquitetural são listadas para pelo vento. Ainda que a energia do vapor como uma
cada ano. À primeira vista, elas parecem traçar um pa- tecnologia alternativa estivesse em uma trajetória que
drão puro de curvas S, cruzando-se no estilo da Figura 1 logo cruzaria e ultrapassaria o desempenho da energia
– a densidade das unidades de 8 polegadas ultrapassou a eólica, essas empresas ignoraram os motores a vapor
da arquitetura de 14 polegadas em 1983 e a densidade da e foram expulsas rapidamente da indústria naval pelos
arquitetura de 5,25 polegadas ultrapassou a das unidades construtores de navios a vapor.
de 8 polegadas em 1989. A verdade, no entanto, é que a Uma versão mais completa desta história, no con-
substituição de cada arquitetura antiga pela nova come- texto da Figura 2, é que no mercado em que os barcos
çou muito antes de a nova tecnologia haver se tornado a vapor foram usados pela primeira vez – lagos e rios
estritamente competitiva em termos de desempenho em – o desempenho era definido de forma bem diferente
relação à abordagem antiga, tomando-se como base a do que no comércio transoceânico. Onde não se podia
densidade de área. Por exemplo, observando o valor em contar com a direção e a força do vento, a energia a va-
negrito 8,26 na coluna de 5,25 polegadas, as vendas de por – embora lenta, cara, perigosa e sujeita a quebras
produtos de 5,25 polegadas na faixa de 30 a 100 MB no frequentes – superava a energia eólica. Pelas métricas
mercado total ultrapassaram as vendas de unidades de de desempenho empregadas no comércio transoceâni-
14 e de 8 polegadas em 1984, quando a densidade de co (velocidade, custo por tonelada e nenhuma quebra
área da nova arquitetura ainda era, aproximadamente, no meio do oceano), a energia a vapor superou a eólica
40% mais baixa do que a densidade dos produtos de 8 durante pelo menos 75 anos após o primeiro barco a va-
polegadas. Na geração seguinte, o volume de unidades por de Fulton navegar no Rio Hudson. A tecnologia do
de 3,5 polegadas ultrapassou o de todas as arquitetu- vapor foi implantada pela primeira vez nos mercados
ras anteriores na categoria de 30 a 100 MB em 1988 que eram comercialmente irrelevantes para os carguei-
e na categoria de 100 a 300 MB em 1989, apesar de as
ros transoceânicos. Uma vez que o vapor alcançava um
densidades ainda serem substancialmente inferiores às
nível significante de maturidade tecnológica e comercial
alcançadas nas arquiteturas anteriores. Isso ocorre por-
nas vias navegáveis interiores, o negócio de construção
que os produtos de 5,25 polegadas foram usados pela
naval para navegação transoceânica não foi afetado. Na
primeira vez nos computadores desktop e as unidades de
verdade, a navegação transoceânica foi ajudada pela fa-
3,5 polegadas nos computadores portáteis, onde as mé-
cilitação do comércio interior promovida pela energia a
tricas de desempenho eram muito diferentes da simples
vapor. Inicialmente, as duas tecnologias eram comple-
densidade de área que tem sido suficiente quando se ava-
mentares. Os fabricantes de navios transoceânicos, na
lia unidades grandes usadas em computadores maiores.
prática, não podiam, nesse estágio, introduzir navios
Pode-se argumentar, na verdade, que no momento em
que as unidades de 5,25 se tornaram competitivas, em movidos a vapor sem entrar no mercado de barcos para
termos de desempenho, com as unidades de 8 polegadas, navegação nas vias interiores – vendendo para um grupo
segundo a métrica da densidade de área, a batalha entre de clientes totalmente novo. Quando a energia a vapor
as duas tecnologias arquiteturais já havia terminado. ficou suficientemente madura nos mercados de navega-
Como a tecnologia invasora nesses casos era co- ção interior para se tornar totalmente compatível com a
mercialmente madura e não uma tecnologia nascente, a eólica nas métricas de desempenho usadas na navegação
nova arquitetura desalojava a antiga muito rapidamen- transoceânica, a substituição dos barcos a vela pelos a
te. Dois anos depois de uma nova arquitetura aparecer vapor foi extremamente rápida e fatal para os fabricantes
em um segmento de mercado, em geral ela contribuía dos primeiros, porque a tecnologia havia se tornado bem
com mais de 50% de todas as unidades vendidas; e, em desenvolvida em outro contexto de mercado.
quatro anos, a arquitetura anterior essencialmente desa- Do mesmo modo, Utterback e Kim (1984, p. 121)
parecia deste segmento. observaram que “como o desempenho inicialmente não
O esquema para a mudança de tecnologia arquitetu- será confiável e os custos elevados, a nova tecnologia
ral sugerido na Figura 2 pode esclarecer as descobertas tenderá a começar em um mercado relativamente pe-
de importantes estudos anteriores sobre inovação que queno, no qual suas únicas vantagens de desempenho
não distinguiam entre as inovações de componentes e são determinantes”. No contexto da indústria de uni-
as arquiteturais. Foster (1986), por exemplo, estudou dades de disco, essa não seria uma afirmação verda-
a substituição dos navios à vela pelos navios a vapor deira para as inovações nos componentes – eles eram
– observando que a maioria dos fabricantes de barcos voltados bem diretamente para as necessidades dos
a vela continuou a projetá-los e fabricá-los no início principais clientes nos mercados estabelecidos. Entre-
do século XX, apesar de a física interativa do vento e da tanto, é uma caracterização bem exata de algumas ino-
água limitar a taxa de melhoria dos barcos movidos vações da tecnologia arquitetural nas unidades de disco.
134     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Christensen (1992b) mostrou que na gestão da tec- Posteriormente, Roussel observou, em uma entrevista
nologia de componentes, a estrutura tradicional da curva pessoal, que a conquista da espuma de látex pela de po-
S da Figura 1, com todas as dificuldades associadas ao liuretano envolveu não só a inovação tecnológica, mas
seu uso, é pelo menos uma conceituação precisa de uma também uma grande inovação de mercado. Ainda que
sequência de tecnologias de componentes. Isso ocorre os principais mercados para a espuma de látex fossem as
porque a métrica de desempenho no eixo vertical cos- aplicações em móveis, camas e estofamentos, a espuma de
tuma não mudar à medida que a indústria passa de uma poliuretano não era adequada para esses mercados quando
curva de componente para a próxima. No entanto, usar foi desenvolvida, porque era dura demais e não tinha a den-
o esquema da Figura 1 para refletir sobre a mudança sidade correta. Portanto, ela foi usada em isolamento – um
de tecnologia arquitetural pode ser uma conceituação mercado comercialmente irrelevante para os fabricantes de
equivocada do processo de inovação de arquitetura, já espuma de látex. Os fabricantes de espuma de poliureta-
que este esquema coloca a questão exclusivamente em no desenvolveram escala comercial e fluxo de caixa nessa
termos tecnológicos. Como as novas tecnologias arqui- aplicação durante muitos anos. Após a tecnologia de poliu-
teturais que mudam a funcionalidade ou a definição do retano ter se desenvolvido a ponto de oferecer densidade
desempenho de um produto ou processo envolvem tanto e flexibilidade competitivas, a substituição da espuma de
a inovação do mercado quanto a inovação tecnológica, a látex por esta tecnologia nos mercados de móveis e camas
Figura 2 pode ser uma maneira mais útil para os gestores foi fatalmente rápida para os líderes anteriores da indústria.
planejarem a mudança da tecnologia arquitetural. Esta perspectiva também pode proporcionar infor-
Além disso, apesar da imprecisão associada à gestão mações aprofundadas sobre a lentidão com que as side-
da mudança tecnológica no plano do componente, a evi- rúrgicas integradas responderam a importantes arquite-
dência da indústria de unidades de disco é que as prin- turas de processamento novas, tais como as miniusinas
cipais empresas estabelecidas foram capazes de levar as e a siderurgia de chapa fina contínua, formada 100%
entrantes a migrar para cada nova curva S da tecnologia de sucata (Christensen e Bower, 1993). Nem uma úni-
de componente. O fato de que as empresas entrantes logra- ca usina nos Estados Unidos e apenas uma siderúrgica
ram a supremacia nos casos em que as novas tecnologias japonesa investiu nas miniusinas ou nas tecnologias de
arquiteturais foram implementadas inicialmente nos no- processo de laminação de chapa fina contínua, apesar
vos mercados sugere que o desafio principal da gestão na (1) de estas abordagens contribuírem hoje com mais de
mudança das curvas S de tecnologia arquitetural pode não um terço de todo o aço produzido nos Estados Unidos e
ser tanto tecnológico, mas, mais propriamente, estratégico. (2) de a tecnologia mais avançada em miniusinas exigir
Evidências preliminares sugerem que esse esquema, atualmente menos de um terço dos homens-horas por
no qual a nova arquitetura (1) redefine a funcionalidade tonelada exigido pelas empresas integradas mais efi-
de um produto ou processo, (2) é implementado inicial- cientes dos Estados Unidos e do Japão.
mente em um segmento de mercado novo ou remoto e (3) As siderúrgicas integradas empregam geralmente
invade os mercados estabelecidos após alcançar um nível uma arquitetura de processo de fabricação na qual adqui-
de escala comercial e maturidade nesse novo mercado, rem o minério de ferro, o carvão e o calcário, produzem o
pode ser uma descrição mais exata dos processos de ino- aço, moldam-no e vendem-no em especial para os fabri-
vação de arquitetura em diversas indústrias. Embora es- cantes de automóveis, eletrodomésticos, latas e equipa-
teja além do propósito deste artigo um exame abrangente mentos elétricos. Quando as tecnologias de miniusinas e
do seu valor na compreensão das inovações em outras laminação de chapa fina surgiram, elas não eram capazes
indústrias, resumo abaixo dois exemplos para sugerir que de fornecer aço com a integridade superficial, estrutural e
essa perspectiva pode ser útil para entender a mudança metalúrgica exigida pelos principais clientes das siderúr-
tecnológica em um conjunto mais amplo de indústrias. gicas integradas. Os pioneiros dessas tecnologias – que
Roussel (1984) apresentou a substituição da tecno- representam novas arquiteturas de processo e que usual-
logia de espuma de látex pela espuma de poliuretano mente requeriam pouca tecnologia nova de componente
e mostrou que nenhum dos fabricantes de espuma de – implementaram-na nos mercados que eram comercial
látex foi bem-sucedido na transição para a tecnologia e tecnologicamente irrelevantes para as usinas integra-
de poliuretano. Em um nível, a história da evolução do das. A princípio, fizeram barras de reforço para concreto
látex para o poliuretano fornece um exemplo da vanta- de construção e as miniusinas pioneiras na laminação de
gem do entrante descrita por Foster (1986). Nos termos chapa fina atacaram os mercados de produtos laminados,
da Figura 1, os fabricantes estabelecidos de espuma de como bueiros de aço corrugado e decks de construção.
látex ficaram tempo demais na mesma curva S e foram Da maneira descrita na Figura 2, depois que as tecnolo-
excluídos do mercado quando as empresas entrantes gias de processamento das miniusinas e da laminação de
montaram uma nova tecnologia depois deles. chapa fina estavam estabelecidas nesses segmentos, as
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-3     135

capacidades dos seus praticantes aumentaram em uma 3. Existem muitas alternativas para migrar as curvas S
taxa mais rápida do que a exigida para se manter com- no nível do componente. Algumas empresas tornaram
petitivo naqueles mercados iniciais. As miniusinas mais evidente que as melhorias na eficiência arquitetural do
agressivas tecnologicamente, como a Nucor e a Chapar- sistema, em conjunto com as melhorias incrementais
ral, exploraram essas novas arquiteturas de processo – re- dos componentes, podem ser condutores dominantes
finadas inicialmente em mercados remotos – para invadir do desempenho do sistema por longos períodos– ofe-
de forma agressiva mercados sucessivamente mais sofis- recendo uma alternativa para as estratégias extremas de
ticados e exigentes. curva S executadas por certas empresas. Em particular,
De um modo similar, a estrutura para a mudança da tec- não há qualquer evidência de que direcionar a indús-
nologia arquitetural na Figura 2 é coerente com os estudos tria a migrar para as curvas S das novas tecnologias
da inovação em indústrias tão diversas quanto a de equipa- de componentes tenha levado a um fortalecimento das
mentos de fotolitografia para semicondutores (Henderson posições de mercado das empresas líderes.
1988, 1990), de computadores, de varejo, de escavadeiras A essas três proposições sobre tecnologias de com-
hidráulicas e de calçados (Christensen e Bower, 1993). ponentes, este artigo acrescenta uma quarta, relativa à
tecnologia arquitetural.
4. Ao contrário da situação nos componentes, a migração
Resumo oportuna da curva S parece decisiva quando nos depara-
Identificar novas tecnologias que possam substituir as mos com a mudança na tecnologia arquitetural. Entretanto,
abordagens existentes – uma tarefa crítica dos gestores é importante para os gestores avaliarem a inovação de ar-
de desenvolvimento de tecnologia – sempre é difícil. quitetura em ambas as dimensões, tecnológica e de mer-
Nesta série de dois artigos sobre o uso das curvas S na cado. Se avaliarem o desempenho de uma nova tecnologia
gestão estratégica do desenvolvimento de tecnologia, arquitetural ao longo das métricas comumente utilizadas
tentei destacar tanto a utilidade quanto as limitações pelas empresas estabelecidas nas aplicações de mercado
desta teoria quando é utilizada para guiar os programas também estabelecidas, podem considerar as novas arqui-
de desenvolvimento de novas tecnologias na empresa. teturas irrelevantes ou inferiores demais para merecerem
As curvas S podem fornecer uma perspectiva impor- atenção imediata. Muitas vezes, eles precisam avaliar as
tante sobre o que está acontecendo com as trajetórias de novas arquiteturas mediante novos critérios de desempe-
desempenho nos níveis médios agregados. Quando as nho que sejam definidos em aplicações de mercado novas
curvas S são usadas para planejar o desenvolvimento ou remotas com as quais as empresas estabelecidas pos-
de tecnologia no plano da empresa, porém, discuti em sam não estar familiarizadas. Quando o desempenho da
Christensen (1992b) três questões que sugerem cautela nova arquitetura melhora a uma taxa maior do que a taxa
neste uso como uma ferramenta prescritiva para o de- de melhoria exigida pelos mercados estabelecidos, a nova
senvolvimento de novas tecnologias de componentes. arquitetura, após atingir escala comercial em um mercado
novo e diferente, pode rapidamente penetrar nos mercados
1. Podem existir diferenças substanciais entre as empresas estabelecidos. Esse processo de substituição tecnológica
no nível do desempenho em que uma tecnologia pa- é um pouco mais complexo do que o processo resumido
rece amadurecer. Os gestores na indústria de unidades pela teoria da curva S padrão, que ignora os processos es-
de disco que migraram as curvas S de tecnologia ge- senciais da inovação de mercado e se concentra apenas nas
ralmente parecem ter reagido a fenômenos específicos dimensões tecnológicas das novas arquiteturas.*
da empresa e não a fatos uniformes e tecnológicos, o
que sugere que a comparação com o desempenho dos
concorrentes, afora o próprio desempenho histórico da Referências
empresa e dos limites naturais percebidos, pode propor- Christensen, C. M. (1992a). “The Innovator’s Challenge: Understanding
cionar uma visão mais clara do potencial de melhoria the Influence of Market Environment on Processes of Technology
Development in the Rigid Disk Drive Industry”. D.B.A. dissertation,
dentro de uma abordagem tecnológica estabelecida.
Graduate School of Business Administration, Harvard University,
2. A maturidade observada de uma tecnologia pode ser o Cambridge, MA.
resultado, e não a causa, do lançamento de um pro-
grama de desenvolvimento alternativo dentro da em-
presa. Na realidade, quando a necessidade assim o exi- *
Agradeço aos professores Kim B. Clark, Robert H. Hayes, e Steven C.
giu, as empresas demonstraram capacidade para levar Wheelwright da Harvard Business School; professores Rebecca Henderson
e James Utterback da Sloan School of Management, Massachusetts Institute
a tecnologia convencional além do que havia sido per- of Technology; e aos revisores anônimos pela inestimável orientação e su-
cebido como os limites impostos pelas leis físicas co- gestões para o aprimoramento dos primeiros rascunhos deste artigo. Quais-
nhecidas – lembrando-nos de que não é possível saber quer deficiências remanescentes são da minha inteira responsabilidade. N.
de E.: Uma versão combinada anterior deste artigo e o artigo precedente
aquilo que ainda não sabemos sobre essas leis, e que publicados na Production and Operations Management ganharam o 1991
elas podem ser alvos móveis e não tetos fixos. William Abernathy Award pelo melhor artigo sobre gestão da tecologia.
136     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Christensen, C. M. (1992b). “Exploring the Limits of the Technology Há muito tempo os gestores buscam maneiras de pre-
S-Curve. Part I: Component Technologies”. Production and Operations
Management 1, n. 4, 334-357.
ver o resultado das batalhas com a concorrência. Alguns
olham para os atributos das empresas envolvidas: as maio-
Christensen, C. M., and J. L. Bower (1993). “Customer Impetus: A
Driver of the Innovative Abilities and Disabilities of Successful, res e com mais ativos para lançar sobre o problema ven-
Established Firms”. Working paper, Division of Research, Harvard cerão as concorrentes menores. É interessante a frequên­
Business School, Cambridge, MA. cia com que os CEOs das grandes empresas e repletas de
Foster, R. (1986). Innovation: The Attacker’s Advantage. Summit Books, ativos baseiam suas estratégias nessa teoria, a despeito das
New York. repetidas evidências de que o nível dos ativos comprome-
Henderson, R. (1988). “The Failure of Established Firms in the Face tidos muitas vezes tem pouca relação com o resultado.
of Technological Change”. Ph.D. dissertation, Harvard University,
Cambridge, MA.
Outros consideram os atributos da mudança: quando
as inovações são incrementais, as empresas líderes es-
Henderson, R. (1990). “Keeping Too Close to Your Customers: Architectural
Innovation in the Marketplace and the Failure of Established Firms”. tabelecidas em uma indústria podem reforçar sua domi­
Working paper, Sloan School of Management, Massachusetts Institute nância; no entanto, comparadas às entrantes, elas serão
of Technology, Cambridge, MA. conservadoras e pouco efetivas na exploração da inova-
Henderson, R., and K. B. Clark (1990). “Architectural Innovation: The ção de ruptura.1 Notamos na introdução que previsões
Reconfiguration of Existing Systems and the Failure of Established como essas, apoiadas em categorias relacionadas a atri-
Firms”. Administrative Science Quarterly 35, March, 9-32.
butos, provaram-se frustrantes e não confiáveis.
Roussel, P. A. (1984). “Technological Maturity Proves a Valid and Important
Concept”. Research Management 27, January-February, 29-34.
Nosso estudo em andamento sobre a inovação suge-
re uma outra forma de entender quando as empresas es-
Utterback, J., and L.-S. Kim (1984). “Invasion of a Stable Business
by Radical Innovation”. In The Management of Productivity and tabelecidas vencerão e quando as entrantes têm chances
Technology in Manufacturing, P. R. Kleindorfer (ed.). Plenum Press, de vencê-las. O Dilema do Inovador identificou duas ca-
New York, 113-151. tegorias distintas – a de sustentação e a disruptiva – com
base nas circunstâncias da inovação. Nas situações de
sustentação – quando a corrida implica fazer produtos
artigo 2 - 4 melhores que possam ser vendidos a preços mais caros
para clientes atraentes –, descobrimos que as empresas
Como podemos vencer nossos estabelecidas quase sempre prevalecem. Nas circuns-
concorrentes mais poderosos?* tâncias disruptivas – quando o desafio é comercializar
um produto mais simples, mais conveniente, que seja
Como posso saber antes da batalha se vendido mais barato e se dirija a um conjunto de clientes
vou conseguir vencer a concorrência? Por que
novo ou não atraente –, as empresas entrantes têm chan-
a disrupção tem se provado uma estratégia tão
consistentemente efetiva, a ponto de fazer que os
concorrentes estabelecidos fujam das
empresas entrantes, em vez de combatê-las? 1
Mencionamos na introdução que, nos estágios iniciais da construção
Como posso moldar uma ideia de negócio da teoria, o melhor que os acadêmicos podem fazer é sugerir categorias
que sejam definidas pelos atributos dos fenômenos. Tais estudos são im-
em uma estratégia disruptiva? portantes trampolins no caminho do progresso. Um livro importante é
Clayton M. Christensen o de Richard Foster, Innovation: The Attacker’s Advantage (New York:
Summit Books, 1986). Um outro estudo previu que os líderes fracassam
quando uma inovação implica desenvolver competências tecnológicas
E se você pudesse prever quem seriam os vencedores completamente novas. Ver Michael L. Tushman and Philip Anderson,
em uma corrida para o crescimento inovador? E se pu- “Technological Discontinuities and Organizational Environments”, Ad-
ministrative Science Quarterly 31 (1986). A pesquisa do professor do
desse escolher as batalhas da concorrência, sabendo MIT James M. Utterback e colaboradores sobre projeto dominante tem
que ganharia quase sempre? E se soubesse de antemão sido particularmente útil na passagem desse corpo de teoria para a catego-
rização baseada em circunstância. Ver, por exemplo, James M. Utterback
quais estratégias de crescimento seriam bem-sucedidas and William J. Abernathy, “A Dynamic Model of Process and Product
e quais fracassariam? Innovation” Omega 33, n. 6 (1975): 639-656; e Clayton M. Christensen,
Fernando F. Suarez, and James M. Utterback, “Strategies for Survival in
Fast-Changing Industries”, Management Science 44, n.12 (2001): s207-
-s2202. Clientes exigentes são aqueles que estão dispostos a pagar pelos
aumentos em alguma dimensão do desempenho – velocidades maiores,
*
Copyright 2003 Harvard Business School Publishing Corporation. Ne- tamanhos menores, mais confiabilidade, etc. Os clientes menos exigentes
nhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada ou in- ou não exigentes são aqueles que fariam uma outra escolha, aceitando
troduzida em um sistema de recuperação, nem transmitida de qualquer menos desempenho (velocidades mais baixas, tamanhos maiores, etc.)
forma ou por qualquer meio (eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação em troca de preços bem menores. Retratamos essas trajetórias como li-
ou outros) sem a permissão prévia da editora. As solicitações de permis- nhas retas porque empiricamente, quando são traçadas em papel gráfico
são devem ser encaminhadas para permissions@hbsp.harvard.edu, ou, semilongo, elas são, na verdade, retas, sugerindo que a nossa capacidade
via correio, para Permissions, Harvard Business School Publishing, 60 de utilizar a melhoria aumenta em um ritmo exponencial – embora em
Harvard Way, Boston, Massachusetts 02163. um ritmo menor do que a trajetória do progresso tecnológico.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     137

ces de vencer as estabelecidas. Esse é o fenômeno que O segundo elemento é que em todo mercado há uma
tão frequentemente derrota as empresas bem-sucedidas. trajetória de melhoria especificamente diferente que
Ele acarreta, naturalmente, a noção de que a melhor as empresas inovadoras fornecem na medida em que
maneira de as empresas entrantes atacarem as estabele- introduzem produtos novos e aprimorados. As linhas
cidas é por meio da disrupção. cheias e mais inclinadas na Figura 1 sugerem que o rit-
Poucas tecnologias ou ideias comerciais são intrin- mo do progresso tecnológico quase sempre ultrapassa a
secamente sustentadoras ou disruptivas. Na verdade,
capacidade de os clientes de qualquer camada do mer-
seu impacto disruptivo deve ser moldado na estratégia à
cado usá-lo. Assim, uma empresa cujos produtos este-
medida que os gestores dão forma à ideia em um plano e
jam diretamente posicionados nas necessidades atuais
depois o implementam. Os construtores bem-sucedidos
do novo crescimento sabem – intuitiva ou explicitamen- dos principais clientes provavelmente ultrapassará o
te – que as estratégias disruptivas aumentam bastante as que esses clientes são capazes de utilizar no futuro. Tal
probabilidades de sucesso competitivo. fenômeno ocorre porque as empresas continuam lutan-
O propósito deste capítulo é examinar o modelo de do para fazer produtos melhores e que possam vender
inovação disruptiva a partir da perspectiva de quem so- com margens de lucro maiores para os clientes ainda
freu e de quem gerou a disrupção, a fim de ajudar os não satisfeitos nas camadas mais exigentes do mercado.
construtores do crescimento a moldarem suas estraté- Para visualizar esse aspecto, lembre-se do ano de
gias de modo que possam optar pelas batalhas disrupti- 1983, quando as pessoas começaram a usar pela primei-
vas com chances de vencer. Como a disrupção aconte- ra vez os computadores pessoais em processamento de
ce, queiramos ou não, este capítulo também deve ajudar texto. Os digitadores muitas vezes tinham que parar de
as empresas estabelecidas a apreenderem com o cresci- digitar para esperar que o processador 286 da Intel pu-
mento disruptivo, em vez de serem mortas por ele. desse capturar o texto. Como está representado no lado
esquerdo da Figura 1, a tecnologia não era suficiente-
O modelo de inovação disruptiva mente boa. Todavia, os processadores atuais oferecem
O Dilema do Inovador identificou três elementos indis- muito mais velocidade do que os principais clientes
pensáveis da disrupção, conforme retratados na Figura conseguem utilizar – embora haja uns poucos clientes
1. O primeiro deles é que em todo mercado há uma taxa insatisfeitos nas camadas mais exigentes do mercado
de melhoria que os clientes podem utilizar ou absorver, que precisem de processadores ainda mais velozes.
representada pela linha tracejada com uma ligeira in- O terceiro elemento crítico do modelo é a distinção
clinação para cima que cruza o gráfico. As empresas de entre inovação sustentadora e disruptiva. Uma inova-
automóveis, por exemplo, continuam nos fornecendo ção sustentadora visa os clientes exigentes, de ponta,
motores novos e aprimorados, mas não podemos nos com um desempenho melhor do que o antes disponibi-
valer de todo o desempenho que eles disponibilizam lizado. Algumas inovações sustentadoras são melhorias
sob o capô. Fatores como as retenções de tráfego, os li-
incrementais de um ano para outro que todas as boas
mites de velocidade e as questões de segurança limitam
empresas se esforçam para fazer. Outras são produtos
o quanto de desempenho podemos usar.
Para simplificar o gráfico, representamos a capaci- revolucionários que saltam à frente da concorrência.
dade de os clientes fazerem uso da melhoria como uma Não importa o nível de dificuldade tecnológica de uma
linha única. Na realidade, há uma distribuição de clien- inovação: os concorrentes estabelecidos quase sempre
tes em torno dessa mediana: existem muitas linhas, ou vencem as batalhas da tecnologia sustentadora. Como
camadas, em um mercado – um conjunto indicado pela essa estratégia implica a criação de um produto melhor
curva de distribuição à direita. Os clientes nas camadas que possa ser vendido aos melhores clientes com mar-
superiores, ou mais exigentes, podem jamais ficar satis- gens de lucro mais elevadas, os concorrentes estabele-
feitos com o melhor que esteja disponível e aqueles nas cidos têm intensas motivações para travar as batalhas da
camadas inferiores, ou menos exigentes, podem ficar inovação sustentadora. E eles têm ativos para vencê-las.
mais do que satisfeitos com muito pouco.2 Contudo, As inovações disruptivas, por outro lado, não ten-
em média, essa linha tracejada representa a tecnologia tam fornecer melhores produtos para os clientes esta-
“suficientemente boa” para atender as necessidades dos belecidos nos mercados existentes. Ao contrário, elas
principais clientes existentes.
rompem e redefinem a trajetória por meio da introdu-
ção de novos produtos e serviços um pouco inferiores
2
Christensen, Clayton M. & Michael E. Raynor (2003) The Innovator’s
aos atualmente disponíveis. No entanto, as tecnologias
Solution. Boston: Harvard Business School Press. Capítulo 2. disruptivas oferecem outros benefícios – geralmente,
138     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 O modelo de inovação disruptiva

sso
rogre
op
od o
Ritm ológic
tecn
Desempenho

ras
tado
sten
s su
çõe
Inova e os
Desempenho qu
uem
clientes conseg
rver
utilizar ou abso

Tecnologias
disruptivas

Tempo

são produtos mais simples, mais convenientes e mais A disrupção tem um efeito paralisante nos líderes
baratos, que atraem novos ou menos exigentes clientes.3 da indústria. Com os processos de alocação de ativos
Depois que o produto disruptivo ganha uma posi- projetados e aperfeiçoados para apoiar as inovações
ção nos mercados novos ou populares, o ciclo de me- sustentadoras, eles são, por sua própria constituição,
lhoria começa. Como o ritmo do progresso tecnológico incapazes de reagir. Estão sempre motivados a escalar o
ultrapassa a capacidade de uso, por parte dos clientes, mercado vigente e quase nunca a defender os mercados
a tecnologia anterior que não era suficientemente boa novos ou populares que os disruptores julgam atraentes.
acaba sendo suficientemente melhorada para atender as Chamamos esse fenômeno de motivação assimétrica,
necessidades dos clientes mais exigentes. Quando isso que é a essência do dilema do inovador, mas também o
acontece, os entrantes estão em um caminho que acabará início da solução de que ele necessita.
por esmagar as empresas estabelecidas. Essa distinção é
importante para os inovadores que estão buscando no- A disrupção em ação: como as
vos negócios de crescimento. Enquanto os líderes atuais miniusinas forçaram as empresas
da indústria quase sempre triunfam nas batalhas da ino- siderúrgicas integradas a subir para
vação sustentadora, as probabilidades na inovação dis- outras camadas do mercado
ruptiva favorecem bastante as empresas entrantes.4 A disrupção das siderúrgicas integradas pelas miniusi-
nas, brevemente examinada em O Dilema do Inovador,
oferece um exemplo clássico da razão pela qual os líde-
3
Após observarmos a leitura de alunos e gestores, interpretando e falando res estabelecidos são mais fáceis de serem vencidos se
sobre a diferença entre tecnologias sustentadoras e disruptivas, notamos a ideia de um novo produto ou negócio tomar a forma
uma tendência humana impressionantemente comum de pegar um novo
conceito, dado ou maneira de pensar e transformá-lo de modo a se ajustar de uma disrupção.
a um dos modelos mentais existentes. Por isso, muitas pessoas igualaram
o nosso uso do termo inovação sustentadora com a sua visão preexistente
de inovação “incremental” e igualaram o termo tecnologia disruptiva
com as palavras radical, revolucionária, anticonvencional ou diferente. com uma unidade de negócio diferente. E quando surgiu o computador
Dessa forma, concluem que as ideias disruptivas (como elas as definem) pessoal, a IBM abordou a disrupção criando uma unidade de negócio
são boas e merecem investimento. Lamentamos que isso aconteça, por- autônoma na Flórida. A Hewlett-Packard continuou líder nas impresso-
que nossas descobertas relacionam-se a uma definição muito específica ras para computação pessoal porque criou uma divisão para produzir e
de capacidade de disrupção, tal como indicado no nosso texto. Por essa vender impressoras a jato de tinta que era completamente independente
razão, neste livro nós substituímos o termo inovação disruptiva por tec- da sua divisão de impressoras em Boise, que produzia e vendia impres-
nologia disruptiva – para minimizar a chance de os leitores interpretarem soras laser. Desde a publicação de The Innovator’s Dilemma, uma série
o conceito de modo a encaixá-lo no que acreditamos ser uma maneira de empresas que se depararam com a disrupção conseguiram se tornar
incorreta de categorizar as circunstâncias. líderes na onda de disrupções que se abateu sobre elas ao estabelece-
4
The Innovator’s Dilemma (O Dilema do Inovador) nota que as únicas rem unidades organizacionais separadas para abordar estas disrupções. A
vezes em que as empresas estabelecidas tiveram sucesso em permanecer Charles Schwab tornou-se a principal corretora on-line; a Teradyne, fa-
no topo de suas indústrias quando confrontadas com tecnologias disrup- bricante de equipamento de teste de semicondutores, tornou-se líder nos
tivas foram as ocasiões em que essas empresas estabelecidas criaram uma aparelhos de teste com base em PC; e a Intel introduziu o seu processador
organização completamente separada e lhe deram carta branca para criar Celeron, que reivindicava o mercado de microprocessadores populares.
um negócio completamente novo com um modelo de negócio também Esperamos que à medida que mais empresas estabelecidas aprendam a
novo. Por isso, a IBM foi capaz de se manter no topo da sua indústria lidar com as disrupções, aumente a probabilidade de elas se estabelece-
quando os minicomputadores provocaram a disrupção nos computadores rem como líderes em novas oportunidades de crescimento, mediante as
de grande porte, porque ela competiu no mercado de minicomputadores unidades de negócio independentes.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     139

Historicamente, a maior parte do aço no mundo é pro- ceram uma posição no mercado de vergalhão, as usi-
veniente das usinas integradas responsáveis por toda a nas integradas reconfiguraram suas linhas de vergalhão
etapa do processo, desde a reação do minério de ferro, para gerar produtos mais rentáveis.
coque e calcário nos altos-fornos até a laminação dos pro- Por outro lado, com uma vantagem de custo da or-
dutos acabados na outra ponta. Hoje em dia, custa cerca dem de 20%, as miniusinas usufruíam atraentes lucros
de US$ 8 bilhões construir uma enorme usina integrada. na concorrência com as usinas integradas em relação ao
As miniusinas, por outro lado, derretem sucata de aço em vergalhão – até 1979, quando as miniusinas finalmente
fornos elétricos a arco – cilindros com aproximadamente conseguiram tirar do mercado a última usina integrada.
20 m de diâmetro e 10 m de altura. Como conseguem As estatísticas históricas de preços mostram que o pre-
produzir aço derretido a um custo compensador em uma ço do vergalhão caiu, então, 20%. Enquanto as mini­
câmara pequena, as miniusinas não precisam das ope- usinas podiam competir com as usinas integradas de alto
rações maciças de laminação e acabamento necessárias custo, o jogo era rentável para elas. Contudo, logo que
para lidar com a saída dos eficientes altos-fornos – por as miniusinas de baixo custo tiveram que concorrer
isso são chamadas de miniusinas. Mais importante, po- com outras miniusinas de baixo custo, a recompensa
rém, é que a tecnologia simples das miniusinas consegue pela vitória foi que nenhuma delas conseguia ter lu-
produzir aço de qualquer qualidade com um custo 20% cros atraentes no vergalhão.6 Pior ainda, à medida que
menor que o de uma usina integrada. buscavam rentabilidade tornando-se fabricantes mais
O aço é uma commodity. Poderíamos pensar que eficientes, descobriam que as reduções de custo sig-
todas as empresas siderúrgicas integradas do mundo te- nificavam sobrevivência, mas não rentabilidade, em
riam adotado agressivamente a tecnologia simples e de uma mercadoria como o vergalhão.7
baixo custo da miniusina. Contudo, até o ano 2000, nem Imediatamente, no entanto, as miniusinas olharam para
uma única siderúrgica integrada havia investido com o mercado e o que viram trouxe alívio. Se elas conseguis-
sucesso em uma miniusina, mesmo com essa opção de sem descobrir como fazer aço maior e melhor – formas
manufatura tendo crescido e contribuído com quase a como cantoneiras e barras e hastes mais grossas –, pode-
metade da manufatura de aço norte-americana e com riam laminar toneladas de dinheiro, porque nessa camada
uma fatia significativa de outros mercados.5 do mercado, como sugere a Figura 2, as usinas integra-
Podemos explicar porque algo que faz tanto sentido das auferiam margens brutas em torno de 12% – quase
tem sido tão difícil para as usinas integradas. As mi- o dobro das margens que haviam sido capazes de obter
niusinas passaram a ser viáveis tecnologicamente, pela no vergalhão. Tratava-se de um mercado que apresentava
primeira vez, em meados da década de 1960. Como elas também o dobro do tamanho do segmento de vergalhão,
derretem sucata de composição química incerta e variá­ contribuindo para 8% da tonelagem industrial. Como as
vel em seus fornos a arco elétrico, a qualidade do aço miniusinas descobriram como fazer aço maior e melhor
que elas conseguiam produzir inicialmente era ruim. e atacaram essa camada do mercado, as usinas integradas
Na verdade, o único mercado que aceitava o produto sentiram-se quase aliviadas por terem se livrado, da mes-
das miniusinas era o de barras de reforço para concreto ma forma, do negócio de barras e hastes. Era um produto
(vergalhão). As especificações do vergalhão são flexí- pouco atrativo, comparado com seus produtos de margem
veis, daí que este tenha sido um mercado ideal para os mais elevada, enquanto para as miniusinas representava
produtos de qualidade baixa ou variável. uma oportunidade atraente em comparação com seu ver-
Na medida em que as miniusinas entraram no mer- galhão de margem mais baixa. Dessa maneira, à medida
cado de vergalhão, as usinas integradas ficaram felizes que as miniusinas ampliaram sua capacidade para fazer
por se livrar do “mundo-cão” referente ao negócio de cantoneiras de aço e barras e hastes mais grossas, as usi-
commodity. Devido às diferenças em suas estruturas de nas integradas fecharam suas linhas ou as reconfiguraram
custo e oportunidades de investimento, este mercado
parecia bem diferente do ponto de vista das empresas
estabelecidas e das entrantes. No caso dos produtores 6
A noção simples dos economistas de que o preço é determinado pela
integrados, as margens de lucro brutas no vergalhão flu- intersecção das curvas da oferta e da procura explica este fenômeno. O
preço gravita para o custo de caixa do produtor marginal (ou de custo
tuavam em torno dos 7% e a categoria inteira do produ- mais elevado), cuja capacidade é necessária para o abastecimento a fim
to contribuía com apenas 4% da tonelagem da indústria. de atender a quantidade demandada. Quando os produtores marginais
eram as usinas integradas de custo elevado, as miniusinas conseguiam
Era a camada menos atraente do mercado na qual eles ganhar dinheiro no vergalhão. Quando os produtores marginais passaram
poderiam investir. Logo, como as miniusinas estabele- a ser as miniusinas, então o preço do vergalhão despencou. O mesmo
mecanismo destruiu a rentabilidade temporária das miniusinas de cada
camada subsequente do mercado, como está descrito neste texto.
7
Essa redução de custo raramente cria vantagem competitiva, como ar-
5
Encontramos uma exceção no Japão, onde algumas usinas integradas gumenta convincentemente Michael Porter em “What Is Strategy?” Har-
adquiriram miniusinas. vard Business Review, November-December 1996, 61-78.
140     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 A investida disruptiva das miniusinas siderúrgicas

% de toneladas
Qualidade do aço
25-30%
a
margem brut
55%
Chapa de aço

18% 22%
a
margem brut
Aço estrutural

s
ina 8%
us
ini hastes
sm Cantoneiras
, barras e
ela
id op 12%
d uz margem br
uta 4%
ro Vergalhão
op

do
a de
d 7%
ali uta
Qu margem br

1975 1980 1985 1990 Time

para fazer produtos mais rentáveis. Com uma vantagem de No começo de sua entrada no mercado das vigas
custo da ordem de 20%, as miniusinas obtiveram lucros estruturais, as maiores peças que as miniusinas conse-
significantes na concorrência com as usinas integradas até guiam produzir eram as pequenas vigas de 6 polegadas,
1984, quando finalmente conseguiram tirar do mercado de as utilizadas na sustentação de residências móveis. Elas
barras e hastes a última usina integrada. Mais uma vez, as entraram na faixa popular do mercado de vigas e, mais
miniusinas colheram sua recompensa: com miniusinas de uma vez, as usinas integradas sentiram-se quase alivia-
baixo custo concorrendo com miniusinas de baixo custo, o das por ficarem fora desse mercado. Era um produto
preço das barras e hastes caiu 20% e elas não conseguiram pouco atrativo, em comparação com seus outros produ-
mais auferir lucros atraentes. O que elas poderiam fazer? tos de margem mais elevada, nos quais o investimento
O movimento contínuo para as camadas superio- concentrado podia trazer um volume mais atraen­te. Para
res do mercado, rumo às vigas estruturais, parecia ser as miniusinas, ao contrário, tratava-se de um produto
a próxima e óbvia resposta. As margens brutas nesse atraente em comparação com as margens que estavam
setor eram gritantes, 18%, e o mercado era três vezes conseguindo no vergalhão e nas cantoneiras de ferro.
maior do que o negócio de barras e hastes. A maioria Com isso, à medida que as miniusinas ampliaram sua
dos tecnologistas da indústria acreditava que as miniusi- capacidade para produzir vigas estruturais, as usinas inte-
nas não conseguiriam laminar vigas estruturais. Muitas gradas interromperam as atividades das suas usinas deste
das propriedades necessárias para satisfazer as especifi- produto para se concentrarem nos produtos de chapas de
cações do aço usado na construção de prédios e pontes aço mais rentáveis. Com uma vantagem de custo de 20%,
eram transmitidas para o aço nos processos de laminação as miniusinas obtiveram lucros significativos enquanto
das grandes usinas integradas e não se podia obter estas puderam concorrer com as usinas integradas. Em meados
propriedades nas instalações pequenas das miniusinas. O dos anos 1990, quando finalmente conseguiram excluir a
que os tecnologistas não contavam, entretanto, era como última usina integrada do mercado de vigas estruturais,
as miniusinas estavam desesperadas para resolver esse os preços despencaram novamente. Mais uma vez, a re-
problema, já que era a única maneira que vislumbravam compensa pela vitória foi o fim dos lucros.
de obter novos e atraentes lucros. As miniusinas alcança- A sequência se repetiu quando a principal miniusi-
ram inovações extremamente inteligentes à medida que na, a Nucor, atacou o negócio de chapas de aço. Hoje,
se estenderam das cantoneiras paras as vigas I, com seu sua capitalização de mercado supera a da maior side-
lingotamento contínuo, que ninguém imaginava que po- rúrgica integrada, a US Steel. A Bethlehem Steel estava
deria ser feito. Ainda que não fosse completamente im- falida no momento da redação deste artigo.
possível prever qual seria a solução técnica, era possível Esta não é uma história da gestão mal trabalhada
prever com perfeita certeza que as miniusinas estariam de uma siderúrgica. É a história de gerentes sensatos
totalmente motivadas para descobri-la. A necessidade encarando o dilema do inovador: devemos investir para
continua sendo a mãe da invenção. proteger a faixa menos rentável do nosso negócio, de
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     141

modo que possamos manter conosco os clientes menos indústria em seus primeiros anos, e ficar à frente desse
leais e mais sensíveis ao preço? Ou devemos investir agrupamento – subindo na trajetória de sustentação da
para reforçar nossa posição nas camadas mais rentáveis, inovação de forma mais decisiva que as outras – é fun-
com clientes que nos recompensem com preços mais damental para a exploração bem-sucedida da oportuni-
altos por produtos melhores? dade disruptiva. Essa, contudo, é a fonte do dilema: as
Os executivos que se deparam com esse dilema são inovações sustentadoras são tão importantes e atraentes
de todos os tipos: tímidos, resolutos, analíticos e con- em relação às disruptivas que as melhores empresas
duzidos pela ação. Em um mundo não organizado, suas sustentadoras ignoram sistematicamente as ameaças e
ações poderiam ser imprevisíveis. Mas, como represen- oportunidades até o fim do jogo.
tantes de grandes empresas estabelecidas na indústria, Sustentar a inovação implica essencialmente em
eles encontram forças previsíveis que os incentivam a “fazer uma ratoeira melhor”. Começar uma empresa
fugir em vez de voar quando atacados por baixo. É por com uma inovação de sustentação não é necessaria-
isso que moldar uma ideia comercial em uma disrup- mente uma má ideia: às vezes, as empresas focadas
ção é uma estratégia efetiva para vencer o concorrente conseguem desenvolver novos produtos mais rapida-
estabelecido, pois a disrupção funciona porque é muito mente do que aquelas maiores, em virtude dos conflitos
mais fácil vencer os concorrentes quando eles estão mo- e distrações criados frequentemente pelo alcance am-
tivados a fugir e não a voar. plo. A teoria da disrupção sugere, entretanto, que depois
As forças que impulsionam as empresas bem ad- de terem desenvolvido e estabelecido a viabilidade do
ministradas para as camadas de cima do mercado es- seu produto superior, os empreendedores que entraram
tão sempre atuando, em todas as empresas de todas as em uma trajetória sustentadora devem dar meia-volta e
indústrias. Com as entrantes tendo ou não provocado vender tudo para um dos líderes da indústria que está
disrupção nos líderes estabelecidos, essas forças per- atrás dele. Se isso for feito de forma bem-sucedida, ficar
manecem atuando e levando previsivelmente a uma à frente dos líderes na curva de sustentação e depois
direção. Não se trata apenas de um fenômeno das “em- vender tudo rapidamente pode ser uma maneira sim-
presas de tecnologia”, como as que estão envolvidas ples e direta de obter um retorno financeiro atraen-
em microele­trônica, software, fotônica ou bioquímica. te. Esta é uma prática comum no setor de saúde e foi
Na realidade, quando usamos o termo tecnologia nes- o mecanismo bem documentado por meio do qual a
te livro, ele significa o processo que qualquer empre- Cisco Systems “terceirizou” (e financiou com capital
sa usa para converter insumos de trabalho, materiais, próprio e não com despesas de capital) grande parte
capital, energia e informações em resultados de maior do seu desenvolvimento de sustentação de produto na
valor. Com a finalidade de criar previsivelmente o cres- década de 1990.
cimento, tratar “alta tecnologia” como sendo diferente Uma estratégia de sustentação da tecnologia não é
de “baixa tecnologia” não é a maneira correta de ca- uma maneira viável para o crescimento de novos ne-
tegorizar o mundo. Toda empresa possui tecnologia e gócios. Se você criar e tentar vender um produto me-
cada uma delas está sujeita a essas forças fundamentais. lhor em um mercado já estabelecido com a finalidade
de conquistar os melhores clientes dos concorrentes
O papel da inovação sustentadora na firmados, estes concorrentes serão motivados a lutar
geração do crescimento e não a fugir.9 Este conselho se aplica mesmo quando
Devemos enfatizar que não argumentamos contra a
busca agressiva de sustentar a inovação. Vários outros
livros informativos oferecem técnicas de gestão para
9
Este modelo explica com bastante clareza porque as principais empre-
sas de transportes aéreos nos Estados Unidos são tão cronicamente não
ajudar as empresas a se destacar na sustentação das lucrativas. A Southwest Airlines entrou como uma nova disruptora do
inovações – e a contribuição deles é importante.8 Quase mercado, competindo com a Texas pelos clientes que de outro modo não
teriam voado, e sim teriam usado carros e ônibus. A empresa cresceu
sempre um conjunto de empresas similares adentra uma cautelosamente nos aeroportos secundários, mantendo-se distante da
concorrência com as principais empresas. São os disruptores populares
dessa indústria – empresas aéreas com nomes como JetBlue, AirTran,
People Express, Florida Air, Reno Air, Midway, Spirit, Presidential e
muitas outras – que criaram uma não lucratividade crônica.
8
Recomendamos em particular Steven C. Wheelwright and Kim B. Clark, Quando os líderes na maioria das outras indústrias são atacados pe-
Revolutionizing New Product Development (New York: The Free Press, los disruptores de baixo mercado, eles “fogem” para as camadas supe-
1992); Stefan Thomke, Experimentation Matters: Unlocking the Po- riores do mercado e continuam rentáveis (e muitas vezes aumentam a
tential of New Technologies for Innovation (Boston: Harvard Business rentabilidade) por algum tempo. As siderúrgicas integradas foram para
School Press, 2003); Stefan Thomke and Eric von Hippel, “Customers a parte superior do mercado, afastando-se das miniusinas. As lojas de
as Innovators: A New Way to Create Value”, Harvard Business Review, departamento de serviço completo foram para as camadas de cima do
80, n. 4 (April 2002): pp. 74-81; and Eric von Hippel, The Sources of mercado de vestuário, mobiliário doméstico e cosméticos quando as lojas
Innovation. (New York, Oxford University Press, 1988). de departamento de descontos atacaram os produtos de marca consagrada,
142     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

a entrante é uma grande corporação com os bolsos merciais contra a Boeing, mas isso exigiu subsídios ma-
ostensivamente mais cheios de dinheiro do que os da ciços dos governos europeus. No futuro, o crescimento
empresa estabelecida. mais rentável na indústria de aviões comerciais virá,
As caixas registradoras eletrônicas, por exemplo, fo- provavelmente, das empresas com estratégias disrup-
ram uma inovação radical, porém de sustentação, em re- tivas, tais como a Embraer e a Canadair da Bombardier,
lação às caixas registradoras eletromecânicas, cujo mer- cujos jatos regionais estão se estendendo agressivamen-
cado era dominado pela NCR (National Cash Register). te para as camadas superiores do mercado.11
A NCR perdeu completamente o advento da nova tecno-
logia nos anos 1970 – ela foi tão mal, na verdade, que as Disrupção é um termo relativo
vendas de seus produtos chegaram literalmente a zero.
As caixas registradoras eletrônicas eram tão superiores Uma ideia disruptiva para um negócio pode ser susten-
que não havia razão para comprar um produto eletro- tadora para outro. Dadas as enormes probabilidades que
mecânico, exceto como uma relíquia. Todavia, a NCR favorecem as empresas estabelecidas na corrida da sus-
tentação, mas que também favorecem as entrantes nas
sobreviveu com as receitas advindas de serviços durante
corridas disruptivas, recomendamos uma regra rígida: se
mais de um ano e, quando finalmente introduziu sua pró-
a sua ideia de um produto ou negócio parecer disruptiva
pria caixa registradora eletrônica, sua grande organiza-
para algumas empresas estabelecidas, mas puder repre-
ção de vendas conquistou rapidamente a mesma fatia de
sentar uma melhoria de sustentação para outras, então
mercado que tinha com os produtos eletromecânicos.10
você deve voltar para a prancheta. Você precisa definir
As investidas da IBM e da Kodak nos anos 1970 e 1980
uma oportunidade que seja disruptiva em relação a todos
para vencer a Xerox no negócio de fotocopiadoras de
os concorrentes estabelecidos no segmento de mercado
alta velocidade constituem um outro exemplo. Essas
escolhido ou então não deve investir na ideia. Se for uma
empresas eram muito maiores e, contudo, fracassaram
inovação sustentadora diante do modelo de negócio de
na queda de braço com a Xerox na competição pela tec-
uma empresa estabelecida relevante, você estará entran-
nologia sustentadora. A empresa que venceu a Xerox foi
do numa luta com poucas chances de vencer.
a Canon – e essa vitória começou com uma estratégia
Pense na internet como exemplo. Durante o final da
disruptiva de copiadora de mesa.
década de 1990, os investidores despejaram bilhões de
De modo similar, as gigantes corporativas RCA, dólares nas empresas com base na internet, convencidos
General Electric e AT&T não tentaram derrubar a IBM do seu potencial “disruptivo”. Uma razão importante
na trajetória de tecnologia sustentadora dos computa- para o fracasso de muitas delas é que a internet foi uma
dores de grande porte. Apesar dos ativos maciços que inovação sustentadora em relação aos modelos de ne-
essas empresas investiram, não conseguiram compro- gócio de uma série de empresas. Antes de seu advento,
meter a posição da IBM. No final, foram os fabricantes a Dell Computer, por exemplo, vendia computadores
disruptivos de computadores pessoais, e não as grandes diretamente para os clientes, por correio e telefone.
corporações, que travaram uma luta direta na inovação Esse negócio já era uma disrupção de baixo mercado
sustentadora e que superaram a IBM nos computadores. subindo em sua trajetória. O televendas da Dell tinha
A Airbus entrou na indústria de fabricação de aviões co-

11
Seria insensato afirmamos que é impossível criar novas empresas com
de ferramentas, tintas, brinquedos, artigos esportivos e utensílios de co- crescimento acelerado com uma estratégia de sustentação que cresces-
zinha no baixo mercado. Hoje, as lojas de descontos, como a Target e a sem mais do que a concorrência. É mais correto dizer, contudo, que as
Walmart, estão subindo no mercado para o vestuário, mobiliário domés- probabilidades de sucesso são muito, muito baixas. No entanto, algumas
tico e cosméticos, à medida que as lojas de produtos de marca, como entrantes que adotaram a trajetória sustentadora tiveram sucesso. A EMC
Circuit City, Toys ‘R Us, Staples, Home Depot e Kitchens Etc atacam a Corporation, por exemplo, tomou a ponta do negócio de armazenamento
faixa de baixo mercado, e assim por diante. de dados da IBM nos anos 1990 com uma arquitetura de produto dife-
O problema no setor aéreo é que as principais empresas não podem fugir rente da que a IBM possuia. Ainda assim, o melhor que podemos dizer é
para a parte superior do mercado. Sua estrutura de custo fixo elevado impos- que os produtos da EMC eram melhores do que os da IBM nas aplicações
sibilita que elas abandonem o baixo mercado. Por isso, os disruptores entram que esta empresa atendia. O negócio de impressoras a laser da Hewlett-
e atacam facilmente as empresas já estabelecidas; depois que um dos disrup- -Packard era uma tecnologia sustentadora em relação à impressora ma-
tores fica grande o bastante, porém, as principais empresas aéreas declaram tricial, um mercado dominado pela Epson. Contudo, a Epson o perdeu.
que é o bastante, dão meia-volta e lutam. É por isso que nenhum disruptor O motor a jato foi uma inovação radical, mas de sustentação, em relação
de baixo mercado até hoje sobreviveu por mais de alguns anos. Mas, como a ao motor a pistão. Dois dos fabricantes de motor a pistão, Rolls-Royce e
disrupção no baixo mercado provocada pelas novas empresas é tão fácil de Pratt & Whitney, fizeram a transição para os jatos com sucesso. Outros,
ser iniciada, as empresas estabelecidas nunca conseguem elevar os preços da como a Ford, não conseguiram. A General Electric era uma entrante na
faixa popular para os níveis de rentabilidade atraente. revolução do motor a jato e se tornou muito bem-sucedida. Estas são ano-
10
Esta história é recontada em um maravilhoso artigo de Richard S. malias que a teoria da disrupção não consegue explicar. Embora a nossa
Rosenbloom, “From Gears to Chips: The Transformation of NCR and tendência seja a de supor que a maioria dos gestores gerenciam seus
Harris in the Digital Era”, working paper, Harvard Business School negócios de forma competente, também é verdade que algumas vezes
Business History Seminar, Boston, 1988. eles simplesmente “dormem no ponto”.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     143

que ser altamente treinado para fornecer aos clientes as porque as empresas que param de escalar o mercado
informações sobre todas as diversas configurações de encontram-se em uma situação similar à do vergalhão,
componentes que eram ou não viáveis. Depois disso, as comercializando produtos difíceis de diferenciar contra
informações eram alimentadas manualmente nos siste- concorrentes cujos custos são comparáveis.12
mas de tratamento de pedidos da Dell. Em última análise, isso significa que, ao fazer o
Para a Dell, a internet foi uma tecnologia susten- que geralmente se deve fazer, toda empresa prepara
tadora. Ela possibilitou que seu negócio principal fun- o caminho para a sua própria disrupção. Este é o di-
cionasse melhor e ajudou-a a ganhar mais dinheiro da lema do inovador. Mas é também o começo da solu-
maneira pela qual estava estruturada para ganhar. To- ção do inovador. A disrupção não garante o sucesso,
davia, a estratégia idêntica de vender diretamente para mas certamente ajuda: O Dilema do Inovador mostrou
os clientes por meio da internet foi bastante disruptiva que a estratégia de disrupção aumentou as chances de
para o modelo de negócio da Compaq, porque a estrutu- 6% para 37% de criar um negócio com crescimento
ra de custos desta empresa e seus processos de negócio bem-sucedido.13 Como o curso de ação da empresa es-
eram voltados para a distribuição de venda no varejo tabelecida é tão claramente obrigatório, também fica
em lojas físicas. evidente que os executivos que buscam criar novos
A teoria da disrupção concluiria que se a Dell (e a negócios com crescimento acelerado devem visar aos
Gateway) não existissem então as empresas start-up de produtos e mercados que as empresas estabelecidas são
varejo com base na internet poderiam ter sido bem-su- motivadas a ignorar ou evitar. Muitas das trajetórias
cedidas na disrupção de concorrentes como a Compaq. de crescimento mais rentáveis na história começaram
Porém, como a internet era sustentadora para as pode- pelas inovações disruptivas.
rosas empresas estabelecidas, os entrantes varejistas de
computador com base na internet não prosperaram. Dois tipos de disrupção
Para simplificar, O Dilema do Inovador apresentou o dia-
Um modelo de negócio disruptivo é um grama da inovação disruptiva em apenas duas dimensões.
ativo corporativo valioso
Na realidade, existem dois tipos diferentes de disrupção,
Um modelo de negócio disruptivo que possa gerar lu- os quais podem ser mais bem visualizados acrescentan-
cros atraentes a preços baixos, como os exigidos para do-se um terceiro eixo a este diagrama, como mostra a
vencer a batalha no baixo mercado, é um ativo de cres- Figura 3. Os eixos vertical e horizontal são os mesmos
cimento extraordinariamente valioso. Quando os exe- de antes: o desempenho do produto no eixo vertical e o
cutivos levam este modelo de negócios para as cama- tempo na dimensão horizontal. O terceiro eixo representa
das superiores do mercado, criando produtos de melhor os novos clientes e os novos contextos de consumo.
desempenho e que são vendidos a preços mais altos, Nossas dimensões originais – tempo e desempenho –
boa parte do incremento no preço se reverte em lucro definem uma aplicação particular do mercado na qual os
– e continua se revertendo enquanto o disruptor conse- clientes compram e usam um produto ou serviço. Em ter-
guir permanecer subindo no mercado, concorrendo em mos geométricos, essa aplicação e o conjunto de clientes
margem contra a empresa estabelecida, que possui cus-
tos mais elevados. Quando uma empresa estabelecida
busca alcançar um modelo de negócio com custo mais 12
Isto explica parcialmente, por exemplo, porque a Dell Computer foi
uma disruptora tão bem-sucedida – porque ela correu para as camadas
elevado e descer no mercado para vender os produtos a superiores do mercado para concorrer com os fabricantes de estações
preços mais baixos, quase nada da receita incremental de trabalho e servidores que tinham custos mais altos, tal como a Sun
Microsystems. A Gateway, por outro lado, não prosperou tanto quanto a
se reverte em lucro. Tudo é absorvido pelos overheads. Dell, embora tivesse um modelo de negócio inicial similar, porque não
É por isso que as empresas estabelecidas que esperam subiu no mercado de forma tão agressiva e ficou presa a custos indiferen-
reaver o crescimento criado pela disrupção precisam ciáveis vendendo computadores indiferenciáveis. Acreditamos que essa
percepção representa um adendo útil à noção inicial do Professor Michael
fazê-lo por meio de um negócio autônomo, com uma Porter de que existem dois tipos viáveis de estratégia – diferenciação e
estrutura de custos que ofereça uma margem suficiente baixo custo (Michael Porter, Competitive Strategy. New York: The Free
Press, 1980). A pesquisa sobre a disrupção acrescenta uma dimensão di-
para a posterior migração em busca dos lucros da cama- nâmica ao trabalho de Porter. Essencialmente, uma estratégia de baixo
da superior do mercado. custo resulta na rentabilidade atraente apenas até os concorrentes de cus-
Subir para as camadas mais altas do mercado com tos mais elevados serem retirados de uma camada no mercado. Quando
isso acontece, o concorrente de baixo custo precisa subir no mercado a
margens sucessivamente maiores e derramar produtos fim de poder concorrer novamente com os concorrentes de custo mais
menos rentáveis na camada inferior é algo que todos alto. Sem a capacidade de escalar as camadas do mercado, uma estratégia
de baixo custo se transforma em uma estratégia de mesmo custo.
os bons gestores devem fazer para manter suas mar- 13
Ver Clayton M. Christensen, The Innovator’s Dilemma (Boston: Har-
gens positivas. Permanecer parado não é uma opção, vard Business School Press, 1997), p. 130.
144     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Dois tipos de inovações disruptivas

Estratégia de sustentação: leva um produto


melhor para um mercado já estabelecido

Desempenho
rior
infe
nto
s e gme
de desempenho

ão n
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Outra medida

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Disr o r d a os um mo sto
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Disrup o n ã o cons
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concor
res
i do
um e
ns s d Tempo
o co siõe mo
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Nã u oc ons
o oc

residem em um plano de concorrência e consumo, o que A terceira dimensão, a que vem em nossa direção no
O Dilema do Inovador chamou de uma rede de valor. Esta diagrama, representa os novos contextos de consumo
rede de valor trata do contexto no qual uma empresa esta- e concorrência, que constituem novas redes de valor.
belece uma estrutura de custos e processos operacionais, Esses contextos referem-se aos novos clientes que an-
trabalhando com os fornecedores e parceiros de canal para tes não tinham dinheiro ou competência para comprar
responder de forma lucrativa às necessidades comuns de e usar o produto, ou as diferentes situações nas quais
uma classe de clientes. Dentro de uma rede de valor, a estra- o produto pode ser usado – ativadas por melhorias na
tégia competitiva de cada empresa e, particularmente, sua simplicidade, portabilidade e custo do produto. Pode
estrutura de custos e suas escolhas de mercados e clientes ser desenhado um eixo vertical para cada uma dessas
a serem atendidos, determinam suas percepções do valor novas redes de valor, representando o desempenho de
um produto conforme a definição de desempenho em tal
econômico de uma inovação. Tais percepções, por sua vez,
contexto (que é uma medida diferente da que é valoriza-
moldam as recompensas e ameaças que as empresas es-
da na rede de valor original).
peram vivenciar por intermédio das inovações disruptivas
Podem surgir diferentes redes de valor em distâncias
versus as sustentadoras.14 distintas da original ao longo desta terceira dimensão do
diagrama de disrupção. Na discussão a seguir, faremos
referência às disrupções que criam uma nova rede de va-
14
O conceito de redes de valor foi introduzido em Clayton M. Chris-
tensen, “Value Networks and the Impetus to Innovate”, Capítulo 2 The lor no terceiro eixo como disrupções de novo mercado.
Innovator’s Dilemma. O Professor Richard S. Rosenbloom da Harvard Por outro lado, as disrupções de baixo mercado são aque-
Business School identificou originalmente a existência das redes de va- las que atacam os clientes mais bem saciados e menos
lor quando aconselhou as primeiras pesquisas de Christensen. De muitas
maneiras, a situação em uma rede de valor corresponde ao “equilíbrio lucrativos na camada inferior da rede de valor original.
de Nash”, desenvolvido pelo Premio Nobel John Nash (que ficou ainda
mais conhecido pelo filme Uma Mente Brilhante). No equilíbrio de Nash, Disrupções de novo mercado
dada a compreensão da Empresa A da estratégia ideal (lucro máximo) de
cada uma das demais empresas no sistema, a Empresa A não consegue Dizemos que as disrupções de novo mercado compe-
vislumbrar uma estratégia melhor do que aquela que atualmente executa.
O mesmo vale para as outras empresas no sistema. Por isso, nenhuma
tem com o “não consumo” porque os produtos des-
delas se motiva a mudar o curso, e o sistema inteiro, portanto, é relati- te tipo de disrupção são tão mais acessíveis para a
vamente inerte à mudança. Enquanto as empresas dentro de uma rede
de valor estão no equilíbrio de Nash, cria-se um obstáculo que limita a
velocidade com que os clientes podem começar a utilizar as novas ino-
vações. Essa aplicação do equilíbrio de Nash à implantação de inovações ruptiva. Ele explica porque o ritmo do progresso tecnológico supera as
foi introduzida recentemente em Bhaskar Chakravorti, The Slow Pace of capacidades dos consumidores de utilizarem este progresso. Ele também
Fast Change (Boston: Harvard Business School Press, 2003). Embora explica por que concorrer com o não consumo, criando uma rede de valor
o próprio Chakravorti não tenha feito a associação, seu conceito é uma completamente nova, muitas vezes no longo prazo é uma maneira mais
boa maneira de visualizar duas coisas sobre o modelo de inovação dis- fácil de atacar um mercado estabelecido.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     145

compra e tão mais simples de usar a ponto de viabi- Disrupções de baixo mercado
lizarem toda uma nova população a começar a ter e Chamamos de disrupções de baixo mercado aquelas que
usar o produto, além de fazê-lo em um cenário mais ocorrem na camada inferior da rede de valor original ou
conveniente. O computador pessoal e o primeiro rádio principal. Disrupções como as miniusinas siderúrgicas,
de bolso alimentado por baterias da Sony foram dis- as lojas de descontos e a entrada dos fabricantes de au-
rupções de novo mercado, já que seus clientes iniciais tomóveis coreanos no mercado norte-americano foram
foram consumidores novos – eles não tinham e nem disrupções de baixo mercado puras, já que elas não cria-
usavam a geração anterior de produtos e serviços. As ram novos mercados – foram simplesmente modelos de
fotocopiadoras de mesa da Canon também foram uma negócio de baixo custo que cresceram escolhendo os
disrupção de novo mercado, pois permitiram que as clientes menos atraentes das empresas estabelecidas.
pessoas fizessem suas próprias fotocópias diretamente Embora sejam diferentes, as disrupções de novo mer-
em seus escritórios, em vez de levarem seus originais cado e as de baixo mercado criam o mesmo dilema in-
para o centro de fotocópias de alta velocidade da em- cômodo para as empresas estabelecidas. As inovações
presa, onde um tecnologista tinha que fazer o traba- disruptivas de novo mercado induzem as empresas esta-
lho para elas. Quando a Canon tornou a fotocópia tão belecidas a ignorar as entrantes, e as inovações disrup-
conveniente, as pessoas acabaram fazendo muito mais tivas de baixo mercado as motivam a fugir do ataque.
cópias. O desafio dos disruptores de novo mercado é A disrupção de baixo mercado ocorreu diversas ve-
criar uma nova rede de valor em que o não consumo, e zes no varejo.16 As lojas de departamento de serviço
não a empresa estabelecida deve ser superado. completo, por exemplo, tinham um modelo de negócio
Apesar de as disrupções de novo mercado concorre- que as permitia girar os estoques três vezes por ano.
rem inicialmente com o não consumo em sua única rede Elas precisavam de uma margem bruta de 40% para
de valor, à medida que o seu desempenho aumenta elas ganhar dinheiro dentro de sua estrutura de custos. Por-
acabam se tornando boas o bastante para atrair os clien- tanto, elas ganhavam 40% três vezes ao ano, para um
tes da rede de valor original para a nova, começando retorno anual de 120% sobre o capital investido em es-
pela camada menos exigente. A inovação disruptiva não toque (ROCII). Nos anos 1960, as lojas de descontos,
invade o mercado principal; ao contrário, ela arrasta os como a Walmart e a Kmart, atacaram a camada infe-
clientes para fora do mercado principal, em direção ao rior do mercado das lojas de departamento de serviço
novo mercado, porque esses clientes julgam mais con- completo – produtos de marca nacional, como tintas,
veniente usar o novo produto. ferramentas, utensílios de cozinha, brinquedos e artigos
Como as disrupções de novo mercado competem esportivos – cuja utilidade era tão familiar que podiam
com o não consumo, as principais empresas estabeleci- se vender sozinhos. Os clientes nessa camada do mer-
das não sentem o golpe ou sentem-se pouco ameaçadas, cado eram “excessivamente” atendidos pelas lojas de
até que a disrupção atinja seus estágios finais. Na práti- departamento, a ponto de não necessitarem de vende-
ca, quando os disruptores começam a levar os clientes dores treinados para ajudá-los a conseguir o que pre-
para fora do baixo mercado da rede de valor original, cisavam. O modelo de negócio das lojas de descontos
trata-se de algo realmente bom para as empresas líde- permitia que ganhassem dinheiro com margens brutas
res, porque à medida que elas escalam as camadas do em torno de 23% em média. Suas políticas de estoque
mercado em seu mundo próprio, estão substituindo por e processos operacionais possibilitavam girar o estoque
um tempo as receitas de baixa margem, perdidas para os mais de cinco vezes ao ano, de modo que eles também
disruptores, por receitas de margens mais altas.15 ganhavam cerca de 120% de ROCII. As lojas de des-
contos não aceitavam níveis de rentabilidade baixos –
seu modelo de negócio simplesmente ganhava um lucro
15
Algumas pessoas concluíram na ocasião que quando a empresa estabe-
aceitável por meio de uma fórmula diferente.17
lecida não morre instantaneamente por uma disrupção, as forças dessa
disrupção de alguma forma pararam de operar, e os entrantes são man-
tidos à distância. (Ver, por exemplo, Constantinos Charitou and Cons-
tantinos Markides, “Responses to Disruptive Strategic Innovation”, MIT é uma lógica equivocada. Quando vemos um avião voar, a lei da gravi-
Sloan Management Review, Winter 2003, p. 55.) Essas conclusões re- dade não se torna inválida. Ela continua a exercer sua força no avião em
fletem uma compreensão superficial do fenômeno, porque a disrupção voo – apenas acontece que os engenheiros descobriram como lidar com
é um processo, não um evento. As forças estão atuando o tempo todo esta força. Quando vemos uma empresa tendo sucesso com a disrupção,
em todas as indústrias. Em algumas indústrias, pode-se levar décadas trata-se do fato de que a equipe de gestão descobriu como tirar proveito
para as forças atuarem. Em outros casos, isso pode levar anos. Mas as das forças para facilitar o sucesso.
forças – que realmente são a busca do lucro proveniente da vantagem 16
Ver Clayton M. Christensen and Richard S. Tedlow, “Patterns of Dis-
competitiva – estão sempre agindo. De modo similar, outros autores no- ruption in Retailing”, Harvard Business Review, January-February 2000,
taram ocasionalmente que o líder em uma indústria na verdade não foi pp. 42-45.
abatido por uma disrupção, mas habilmente aproveitou a oportunidade. 17
Em última instância, a Walmart foi capaz de criar processos que ge-
Com isso, eles concluíram que a teoria da disrupção é falsa. Esta também raram ativos mais rapidamente do que a Kmart. Isto a permitiu obter
146     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

É muito difícil para as empresas estabelecidas não haviam investido em ações – como os alunos – a começar
fugir de um disruptor de baixo mercado. Considere, por a possuir e negociar ações.19
exemplo, a escolha que os executivos das lojas de depar- A Figura 4 mostra em que lugar alguns dos disrup-
tamento de serviço completo tiveram que fazer quando tores mais bem-sucedidos da história estavam posicio-
lojas de descontos atacaram os produtos de marcas co- nados ao longo da série contínua da disrupção de novo
nhecidas no baixo mercado das lojas de departamento. mercado para baixo mercado em seu início. O apêndice
A decisão crítica de alocação de ativos dos varejistas é o deste capítulo oferece uma breve explicação histórica
uso do espaço de chão ou prateleira. Uma opção para os de cada um dos produtos ou empresas disruptivos lista-
executivos das lojas de departamento de serviço com- dos no gráfico. Não é um censo completo das empresas
pleto era alocar mais espaço para os cosméticos com disruptivas, é claro, e sua posição no gráfico é apenas
margem mais alta e para o vestuário da moda, em que aproximada. No entanto, a matriz transmite que o nosso
as margens brutas frequentemente passavam de 50%. senso de disrupção é uma fonte primária de crescimen-
Como seu modelo de negócio girava o estoque três ve- to. A prevalência de empresas japonesas, como Sony,
zes por ano, esta opção prometia 150% de ROCII. Nippon Steel, Toyota, Honda e Canon, no período entre
A alternativa das lojas de departamento de serviço 1960 e 1980, e a ausência de novas empresas disrupti-
completo foi defender os negócios de produtos de marcas vas nos anos 1990, por exemplo, explicam muita coisa
conhecidas, os quais estavam sendo atacados pelas lojas sobre a estagnação da economia japonesa. Muitas das
de descontos com preços 20% menores do que os prati- suas empresas mais influentes cresceram radicalmen-
cados por elas. A concorrência com as lojas de descontos te, provocando disrupção em outras; mas a estrutura do
a esse nível provocaria uma queda de 20% nas margens sistema econômico do Japão inibe a criação de novas
que, devido ao giro de estoque três vezes ao ano, em mé- ondas de crescimento disruptivo, as quais poderiam
dia, inerente ao seu modelo de negócio, implicavam um ameaçar essas mesmas empresas hoje.20
ROCII de 60%. Nesse sentido, foi bastante sensato que O gráfico também mostra que a disrupção é uma
as lojas de departamento de serviço completo tivessem força em andamento e que sempre está atuando – o
fugido – saindo das camadas do mercado nas quais as que significa que os disruptores de uma geração se tor-
lojas de descontos estavam motivadas a entrar.18 nam, mais tarde, as vítimas da disrupção. O modelo T
Muitas disrupções são híbridas, combinando aborda- da Ford, por exemplo, criou a primeira onda maciça de
gens de novo mercado e baixo mercado, como está re- crescimento disruptivo no setor de automóveis. Toyota,
tratado pela série contínua do terceiro eixo na Figura 3.
A Southwest Airlines é, na verdade, um disruptor híbri-
do, por exemplo. Inicialmente, ela visava os clientes que 19
As disrupções de baixo mercado são um exemplo direto do que o eco-
não voavam – pessoas que antes usavam carros e ônibus. nomista Joseph Schumpeter chamou de “destruição criativa”. Elas criam
uma redução de custos dentro de uma indústria – que é, porém, obtida pelas
Entretanto, ela também acabou atraindo os clientes do empresas entrantes ao destruírem as estabelecidas. A disrupção de novo
baixo mercado da rede de valor das principais empresas mercado, por outro lado, acarreta um período de criação criativa substan-
cial – novo consumo –, antes que ocorra a destruição do antigo mercado.
aéreas. A Charles Schwab é um disruptor híbrido. Ela ti- 20
Para uma investigação mais profunda do impacto macroeconômico da
rou alguns clientes dos corretores de serviço completo disrupção, ver Clayton M. Christensen, Stuart L. Hart, and Thomas Craig,
com seus descontos nas taxas de negociação, mas tam- “The Great Disruption”, Foreign Affairs 80, n. 2, March-April 2001, pp.
80-95; and Stuart L. Hart and Clayton M. Christensen, “The Great Leap:
bém criou novos mercados ao levar pessoas que nunca Driving Innovation from the Base of the Pyramid”, MIT Sloan Manage-
ment Review, Fall 2002, pp. 51-56. O artigo da Foreign Affairs afirma
que a disrupção foi o motor fundamental do milagre econômico do Japão
nos anos 1960, 1970 e 1980. Como outras empresas, esses disruptores
retornos mais altos com margens brutas, dando a esta empresa uma taxa – Sony, Toyota, Nippon Steel, Canon, Seiko, Honda e outras – subiram
de crescimento sustentável maior. para a camada mais alta do mercado, produzindo atualmente alguns dos
18
O motivo para ser muito mais fácil para as empresas na posição das produtos de qualidade mais elevada no mundo em seus respectivos mer-
lojas de departamento de serviço completo fugirem da disrupção em vez cados. Como as empresas americanas e europeias nas quais provocaram
de ficarem e lutarem é que no médio prazo os giros de estoque e ativos disrupção, as gigantes japonesas agora estão presas na camada mais alta
são difíceis de mudar. As lojas de departamento de serviço completo ofe- de seus mercados, onde não há crescimento. A razão pela qual a econo-
reciam aos clientes uma seleção de produtos muito mais ampla (mais mia americana não estagnou por um longo período, após suas empresas
SKUs por categoria), que inevitavelmente desfavorecia o giro de esto- líderes aprisionarem-se nesta camada, é que as pessoas podiam sair dessas
que. As lojas de descontos não só ofereciam uma gama mais restrita de empresas, pegar capital de risco no caminho para baixo e iniciar novas on-
produtos, que se concentrava apenas nos itens de giro mais rápido, como das de crescimento disruptivo. A economia do Japão, por outro lado, não
geralmente a sua estrutura física colocava toda a mercadoria na área de possui a mobilidade do mercado de trabalho e a infraestrutura de capital
vendas. Por outro lado, as lojas de departamento de serviço completo de risco para permitir tais operações. Por esse motivo, o Japão jogou o
tinham que manter almoxarifados para prestar apoio às quantidades li- jogo disruptivo uma única vez e lucrou muito. Mas, encarcerou-se. Parece
mitadas de qualquer item colocado nas prateleiras. Por isso, quando as haver raízes microeconômicas no mal-estar macroeconômico do país. O
lojas de descontos disruptivas invadiram uma camada inferior do seu mix artigo da Sloan baseia-se no artigo da Foreign Affairs, afirmando que as
de produtos, as lojas de departamento não conseguiram diminuir rapida- nações em desenvolvimento dos dias de hoje são um mercado inicial ideal
mente as margens e acelerar os giros. Escalar o mercado onde as margens para muitas inovações disruptivas e, ainda, que a disrupção é uma política
ainda sejam adequadas sempre foi a alternativa mais viável e atraente. de desenvolvimento econômico viável.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     147

FIGURA 4 Uma amostragem de empresas com origens na disrupção

~1870 Processamento de carne bovina


Kodak Lojas de departamento de serviços completos
(Swift, Armour)
(Marshall Field’s, RH Macy)
Bell Telephone
Merrill Lynch Ford
Varejo por catálogo
Plásticos (Sears, JC Penny, Montgomery Ward)
(DuPont, Dow, etc.)
~1950
Sony Motocicletas Honda
Minicomputadores McDonald’s
(DEC, Nixdorf, etc.) Lojas de departamento de descontos
~1960 Xerox Black & Decker (KMart, Walmart, Target)
Toyota, Nissan
ferramentas elétricas Siderúrgicas japonesas
Imagem de tecidos
Microprocessador Intel moles por ultrassom Miniusinas siderúrgicas
Classificação de crédito
Cirurgia endoscópica Aeronave militar para empréstimo Carne bovina embalada
não tripulada ao consumidor
Vanguard fundos mútuos
Monitores de tela plana Fidelity (gestão de Charles Schwab
História

de investimento
investimentos de autosserviço) Plásticos misturados Barnes & Noble
Computadores pessoais (Himont, etc.) GE Capital
Community colleges
(Apple, IBM, Compaq, etc.) Relógios
Bloomberg digitais Seiko MCI, Sprint Toys-R-Us
Câmera descartável
~1980 Kodak Funsaver Medidores de glicose Circuit City,
portáteis para diabetes University of
Microsoft Sun Home Depot,
Oracle Phoenix Staples,
Telefonia sem fio Fotocopiadoras Canon Dell Microsystems
Embraer, Best-Buy
Cisco Software QuickBooks (contabilidade) Canadair Computer
e Turbo-tax da Intuit MBNA Hyundai, Kia
Impressoras jato de tinta
Fornos de micro-ondas e Animação digital (Pixar)
Veritas, Network Appliance
condicionadores de ar Galanz E-mail Software de banco de dados ECNs
E-Bay Microsoft SQL
aeronaves militares Google Linux
Amazon.com
Palm pilot, RIM BlackBerry Agências
Impressão digital Corretores
Sonosite Ultrasound 802.11 de viagem on-line Jet Blue
~2000 Salesforce.com on-line

Novo mercado Baixo mercado

Nissan e Honda criaram então a próxima onda e os fa- gerido conscientemente e não deixado para ser feito de
bricantes de automóveis coreanos Hyundai e Kia co- modo instintivo.
meçaram a terceira onda. O negócio de telefonia fixa Os executivos devem responder a três conjuntos de
de longa distância da AT&T, que provocou disrupção questões para determinar se uma ideia possui potencial
na Western Union, está sofrendo disrupção da telefonia disruptivo. A primeira analisa se a ideia pode se tornar
sem fio de longa distância. Os fabricantes de plásticos, uma disrupção de novo mercado. Para que isso aconte-
como Dow, DuPont e General Electric, continuam a ça, pelo menos uma e geralmente duas das condições
provocar disrupção no aço, mesmo que seu baixo mer- seguintes devem ser satisfeitas:
cado esteja sendo devorado pelos fornecedores de plás-
• Há muitas pessoas que historicamente não tiveram
ticos poliolefínicos misturados, como a Himont. dinheiro, equipamento ou habilidade para fazer algo e,
como resultado, continuaram sem este algo ou, ainda,
Moldando ideias para que se tornem tiveram que pagar a alguém com mais habilidade para
disruptivas: aplicando três testes fazê-lo?
• Para usar o produto ou serviço, os clientes precisam ir a
No início deste capítulo, mencionamos que poucas tec-
algum local inconveniente e centralizado?
nologias ou produtos são inerentemente sustentadores
ou disruptivos quando surgem na mente do inovador. Se a tecnologia puder ser desenvolvida de modo que
Ao contrário, eles passam por um processo para serem um grande número de pessoas menos capacitadas ou
concretizados e moldados em um plano estratégico a menos abastadas possa começar a possuir e usar, em um
fim de obter financiamento. Muitas – mas não todas – contexto mais conveniente, alguma coisa que historica-
das ideias iniciais que são conformadas em inovações mente estava disponível apenas para as pessoas mais
sustentadoras poderiam facilmente ser modeladas em capacitadas e afluentes, em um local inconveniente e
planos de negócio disruptivos com potencial de cresci- centralizado, então há potencial para dar à ideia uma
mento muito maior. O processo de moldagem deve ser forma de disrupção de novo mercado.
148     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

O segundo conjunto de questões explora o potencial A Xerox poderia provocar disrupção na


da disrupção de baixo mercado, que é possível se estas Hewlett-Packard?
duas condições estiverem presentes: De fato não sabemos se a Xerox considerou a possibili-
• Existem clientes na camada inferior do mercado que dade de criar um novo negócio do tipo que examinare-
ficariam felizes em comprar um produto com menos mos aqui e usamos os nomes das empresas apenas para
desempenho (mas bom o bastante) se pudessem obtê-lo tornar o exemplo mais realista. Baseamos este cenário
a um preço mais baixo? puramente nas informações de fontes públicas, segundo
• Podemos criar um modelo de negócio que nos permita as quais a Xerox desenvolveu uma extraordinária tec-
auferir lucros atraentes com os descontos necessários nologia de impressão a jato de tinta. O que a empresa
para ganhar o negócio desses clientes exageradamente poderia fazer com ela? Poderia saltar à frente da Hew-
saciados no baixo mercado? lett-Packard, fazendo a melhor impressora a jato de tinta
Muitas vezes, as inovações que permitem a disrup- do mercado. Mesmo se pudesse fazer uma impressora
ção de baixo mercado são melhorias na manufatura, melhor, porém, a Xerox estaria travando uma batalha de
nos serviços ou processos do negócio que permitem à tecnologia sustentadora contra uma empresa com ativos
empresa auferir retornos atraentes com margens brutas superiores e sujeita a maiores riscos de perda. A HP ven-
mais baixas, juntamente com processos que giram os ceria essa luta. Mas a Xerox poderia criar uma estratégia
ativos mais rapidamente. disruptiva para essa tecnologia? Primeiramente, testare-
Depois que uma inovação passa pelo teste de novo mos as condições para uma estratégia de baixo mercado.
mercado ou baixo mercado, ainda há uma terceira e de- Para determinar se a estratégia é viável, os gestores
cisiva consideração, o teste final: da Xerox deveriam testar se os clientes nas camadas in-
feriores do mercado estariam dispostos a comprar uma
• A inovação é disruptiva para todas as empresas esta- impressora “suficientemente boa” e mais barata que os
belecidas na indústria? Se ela aparenta ser de sustenta- produtos existentes.21 Na camada mais alta do mercado,
ção para uma ou mais participantes da indústria, então é bastante provável que os clientes estejam dispostos a
as chances se acumulam em favor dessas empresas e a pagar bem mais por uma impressora mais veloz e que
entrante tem poucas possibilidades de vencer. produza imagens mais nítidas. Contudo, os consumi-
Se uma ideia fracassar em um dos testes, então não pode dores nas camadas menos exigentes estão se tornando
ser enquadrada como uma disrupção. Ela pode ser promis- cada vez mais indiferentes às melhorias, E é bastante
sora como tecnologia sustentadora, mas, nesse caso, é de plausível que eles estejam mais interessados em alter-
se esperar que ela não possa constituir a base de um novo nativas de custo mais baixo. Logo, a primeira pergunta
negócio de rápido crescimento para a empresa entrante. obtém uma resposta afirmativa.
Para resumir, a Tabela 1 contrasta as características A próxima pergunta é se a Xerox poderia definir
das três estratégias que as empresas poderiam usar na um modelo de negócio que gerasse retornos atraentes,
criação de novos negócios de crescimento promissor: mesmo com preços mais baixos exigidos para ganhar o
inovações de sustentação, disrupções de novo merca- negócio no baixo mercado. As possibilidades aqui não
do e disrupções de baixo mercado. Ela compara o de- parecem boas. A HP e outras empresas fabricantes de
sempenho ou as características almejadas do produto, impressoras já terceirizam a fabricação e a montagem dos
os clientes ou mercados desejados e as implicações no componentes para fornecedores de mais baixo custo no
modelo de negócio geradas por cada alternativa. Espe- mundo. A HP ganha dinheiro vendendo cartuchos de tin-
ramos que os gestores possam usá-la como um modelo, ta – cuja fabricação também é terceirizada para fornece-
de forma que consigam categorizar e enxergar as con- dores de baixo custo. A Xerox poderia entrar no mercado
sequências dos diferentes planos que lhes poderiam ser
apresentados para aprovação.
21
Nossa escolha das palavras neste parágrafo é importante. Quando os
Os executivos podem usar essa categorização e os tes- clientes não conseguem diferenciar os produtos uns dos outros em qual-
tes para prever os resultados competitivos das estratégias quer dimensão que possam valorizar, o preço é frequentemente sua base
alternativas à medida que enquadrarem uma ideia. Para de escolha. Não diríamos, entretanto, que quando um cliente compra a
alternativa de preço mais baixo o eixo da concorrência tem base no custo.
exemplificar, examinaremos três questões: se a Xerox A pergunta correta a ser feita é se os clientes estarão dispostos a pagar
poderia provocar disrupção no negócio de impressoras a preços mais altos por mais melhorias na funcionalidade, confiabilidade
ou conveniência. Enquanto os clientes recompensarem as melhorias
jato de tinta da Hewlett-Packard; como criar crescimen- pagando preços proporcionalmente mais elevados, tomamos isto como
to no condicionamento de ar; e se os serviços bancários prova de que o ritmo da melhoria no desempenho ainda não ultrapassou
o que os clientes podem usar. Quando a utilidade marginal que os clientes
on-line tinham (ou têm) potencial disruptivo para criar recebem das melhorias adicionais em qualquer uma dessas dimensões
novos negócios de rápido crescimento. se aproxima de zero, então o custo é realmente a base da concorrência.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     149

Tabela 1 Distinguindo as características das inovações de sustentação versus as das disrupções de baixo e de novo mercado

Dimensão Inovações sustentadoras Disrupções de baixo mercado Disrupções de novo mercado


Desempenho Resultados na melhoria do A tecnologia resulta em produtos Resulta em um desempenho inferior
almejado do desempenho nos atributos mais suficientemente bons ao longo nos atributos “tradicionais”, porém
produto ou valorizados pelos principais das métricas tradicionais de em um desempenho melhor nos
serviço clientes da indústria. Essas desempenho na camada inferior do novos atributos, geralmente a
melhorias podem ter caráter mercado principal. simplicidade e a conveniência.
incremental ou revolucionário.
Clientes ou Os clientes mais atraentes (ou Almeja os clientes saciados (ou Volta-se para o não consumo:
aplicações seja, rentáveis) em seus principais mais do que satisfeitos) na camada clientes que historicamente não
de mercado mercados e que estejam dispostos a inferior do mercado principal. tinham dinheiro ou habilidade para
almejados pagar mais por melhor desempenho. comprar e usar o produto.
Impacto Aumenta ou mantém as margens de Utiliza uma nova abordagem O modelo de negócio deve ganhar
no modelo lucro explorando os processos e operacional e/ou financeira – uma dinheiro a um preço unitário
de negócio a estrutura de custos existentes combinação diferente de margens mais baixo e em volumes de
(processos e e usando melhor as vantagens brutas mais baixas e giro mais produção menores. A margem
estrutura de competitivas atuais. alto dos ativos, que possa auferir bruta por unidade vendida será
custos) retornos atraentes a preços mais significativamente mais baixa.
baixos, necessários para ganhar
o negócio na camada inferior do
mercado.

vendendo cartuchos de tinta a preços inferiores, porém, mo que a impressora não fosse tão boa quanto uma a jato
a menos que conseguisse definir uma estrutura de custos de tinta fixa. Somente os engenheiros da Xerox poderiam
fixos e processos comerciais que a permitissem girar os determinar se a ideia é tecnologicamente viável. Mas,
ativos de modo mais rápido, ela não conseguiria susten- como estratégia, passaria nos testes.
tar uma estratégia de disrupção de baixo mercado.22 Se a Xerox fizesse essa tentativa, seria de esperar
Isso significa que precisaremos avaliar o potencial que, de início, a HP ignorasse essa disrupção de novo
para uma disrupção de novo mercado concorrer com o mercado, porque este seria muito menor do que o das
não consumo. Existe uma população grande e inexplora- impressoras fixas. O negócio de impressoras da HP é
da de proprietários de computadores que não têm dinhei- imenso e a empresa precisa de grandes fontes de novas
ro ou condições para comprar e usar uma impressora? receitas para manter o seu crescimento. Para aprisionar
Provavelmente, não. A Hewlett-Packard já concorreu a Hewlett-Packard em um dilema do inovador, a Xerox
com o não consumo e obteve sucesso quando lançou suas deveria desenvolver um modelo de negócio que fosse
impressoras a jato de tinta baratas e fáceis de usar. Que atraente para si própria, mas sem atrativos para os ges-
tal seduzir os atuais proprietários de impressoras a com- tores da HP e de outras grandes empresas estabelecidas
prarem outras, viabilizando o consumo em um contexto na indústria de impressoras. Isso poderia implicar em
novo e mais conveniente? Isso, sim, poderia ser alcan- atribuir preços suficientemente baixos nos cartuchos de
çado. Os documentos criados em notebooks não são tão tinta para as impressoras incorporadas em notebooks,
fáceis de imprimir. Os usuários destes computadores têm de modo que os executivos do negócio de impressoras a
que encontrar uma impressora fixa e se conectar a ela por jato de tinta da HP achariam o mercado desinteressante
uma rede ou cabo de impressora, ou devem transferir o ar- em relação aos investimentos que deveriam fazer para
quivo por meio de mídia removível para um computador escalar o mercado em busca de lucros mais altos, os
que esteja conectado a uma impressora. Se a Xerox in- quais poderiam ser encontrados ao se fazer concorrên-
cia com as impressoras a laser fixas de custo mais alto.
corporasse uma impressora leve e barata à base de um
notebook de modo que as pessoas em trânsito pudessem
Condições para o crescimento nos
obter cópias físicas quando e onde precisassem delas, condicionadores de ar
provavelmente a empresa poderia ganhar clientes, mes-
O mercado de condicionadores de ar montados em
janelas é amplamente reconhecido como maduro,
22
Enfatizamos o termo estratégia de produto na frase porque certamente
dominado por empresas gigantes, como a Carrier e a
parece haver margem para dois eventos de disrupção de baixo mercado Whirlpool. Uma empresa como a General Electric po-
nesse mercado. Um deles seria uma estratégia de marca própria para deria golpeá-las? Seria previsível a derrota da GE se ela
provocar disrupção na marca Hewlett-Packard. O outro seria uma es-
tratégia de distribuição de baixo custo mediante um varejista on-line, tentasse entrar nesse mercado com um produto mais si-
como a Dell Computer. lencioso e que oferecesse mais funções e mais eficiência
150     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

energética.23 É viável uma disrupção de baixo mercado? conta bancária porque não tiveram dinheiro ou condi-
Nossa sensação é que há clientes mais do que satisfeitos ções para tanto. Isso exclui uma disrupção de novo mer-
na camada inferior do mercado existente. Eles sinalizam cado para o banco on-line.
essa excessiva satisfação optando pelos modelos mais Um segundo aspecto é pensar se existem atualmen-
baratos que conseguem encontrar, relutantes em pagar te clientes bancários no baixo mercado que ficariam
preços mais altos pelos produtos alternativos que estão satisfeitos em aceitar uma conta bancária com menos
disponíveis. A GE poderia ampliar suas já substanciais privilégios e funcionalidades a fim de obter o serviço a
operações de manufatura na China, produzindo condi- um preço menor. A prevalência de anúncios com con-
cionadores de ar para exportar para as economias de- tas sem tarifas é um testemunho de que provavelmente
senvolvidas, o que poderia trazer um sucesso modesto, essa condição existe. Mas seria possível elaborar um
porém temporário, porque depois que as empresas esta- modelo de negócio que gerasse lucros atraentes para
belecidas reagissem firmando suas próprias operações um banco on-line disruptivos, a preços atraentes para
de manufatura na China, a GE se veria presa em uma ganhar o negócio no baixo mercado? Trata-se de algo
batalha com concorrentes cujos custos são comparáveis, duvidoso, porque o custo do dinheiro é quase o mesmo
cuja infraestrutura de distribuição e serviços é forte e na para todos os bancos.
qual os clientes-alvo já manifestaram uma relutância em Como essa ideia não satisfaz as condições para uma
pagar preços diferenciados por produtos melhores. Em- disrupção de novo mercado e nem para uma disrupção
pregar mão de obra de baixo custo constitui um modelo de baixo mercado, é provável que o banco on-line seja
de negócio de custo igualmente baixo somente até que os implementado como uma inovação sustentadora pelos
concorrentes adotem a mesma opção. bancos estabelecidos. Quanto ao terceiro teste, já exis-
Todavia, que tal uma disrupção de novo mercado? tem muitos bancos e cooperativas de crédito com um
Existem centenas de milhões de não consumidores re- número apenas limitado de escritórios que transacio-
sidenciais de condicionadores de ar na China que fica- nam boa parte de seu capital via correio. O banco on-
ram de fora desse mercado porque os aparelhos caros -line teria um impacto sustentador em seus modelos de
e de alto consumo de energia, que historicamente têm negócio.
sido disponibilizados, não se encaixam no bolso ou no
apartamento da família chinesa média. Se a GE conse- *******
guisse projetar um aparelho de US$ 49,95 que pudesse A disrupção é uma teoria: um modelo conceitual
ser instalado na janela de um apartamento apertado de de causa e efeito que possibilita prever melhor
Shangai e reduzisse a temperatura e a umidade em um os resultados das batalhas da concorrência em
aposento de 3 × 3 m com 10 A de corrente, as coisas circunstâncias diferentes. As assimetrias da motivação
poderiam ficar interessantes – porque uma vez que a GE narradas neste capítulo são forças econômicas
tivesse um modelo de negócio que a permitisse ganhar naturais que agem sobre todos os empresários,
dinheiro com tal preço, levar o resto para o mercado se- constantemente. No decorrer da história, tais forças
ria fácil. A propósito, embora os executivos ocidentais sempre derrubaram os líderes da indústria quando um
estejam de modo compreensível, preocupados com a entrante tirou proveito delas, porque as estratégias
ameaça imposta pela fabricação de baixo custo na Chi- disruptivas são formuladas a partir dos concorrentes,
na, nosso palpite é que o maior recurso competitivo do fazendo o que é do seu maior e mais urgente interesse:
país é a incomensurável quantidade de não consumo em satisfazer seus clientes mais importantes e investir
seus mercados, o que faz dele um solo fértil para as em- onde os lucros são mais atraentes. Em um mundo em
presas disruptivas de novo mercado de todos os tipos. busca de lucros, essa é uma bela aposta.

O potencial dos serviços bancários via internet


No entanto, nem todas as ideias inovadoras podem
Quando fazemos as perguntas de teste para os serviços ser enquadradas em estratégias disruptivas,
bancários on-line, concluímos que a disrupção não é pois as condições necessárias nem sempre estão
possível. Em primeiro lugar, não há uma grande popu- presentes; nestas situações, o melhor é licenciar a
lação de pessoas impossibilitadas de abrir e manter uma oportunidade ou deixá-la para as empresas que já
estão estabelecidas no mercado. De forma ocasional,
as entrantes simplesmente aproveitaram-se de que os
23
Na verdade, a Matsushita tentou entrar com uma estratégia de susten- líderes “cochilavam no ponto” e obtiveram sucesso
tação exatamente deste tipo nos anos 1990. Apesar da sua forte marca com uma estratégia de inovação sustentadora. Mas
Panasonic e das suas capacidades internacionais de montar produtos isso é raro. A disrupção não garante o sucesso,
eletromecânicos, a empresa saiu ensanguentada e capturou uma fatia
mínima do mercado.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     151

apenas ajuda com um elemento importante na alfabética, em vez de cronológica. Não pretendemos
fórmula total. Aqueles que criam novos negócios de ser grandes historiadores empresariais e, consequen-
crescimento acelerado precisam escolher a opção temente, só podemos apresentar aqui uma listagem
certa em uma série de outros desafios, para os quais parcial das empresas disruptivas. Ademais, é difícil
nos voltaremos agora. precisar o ano específico em que foi lançada a estra-
tégia disruptiva de cada empresa. Algumas empresas
existiam há um tempo considerável, muitas vezes
Apêndice: Uma breve descrição das
também em outras linhas de negócio, antes de ter sido
estratégias disruptivas das empresas
implementada a estratégia disruptiva que levou ao seu
listadas na Figura 4
sucesso final. Em alguns casos, parece mais fácil vi-
A Tabela A1 sintetiza nossa compreensão das raí­zes sualizar a disrupção em determinada categoria de pro-
disruptivas do sucesso das empresas exibidas na Figu- duto, mais do que pelo nome da empresa. Por isso,
ra 4. Devido a limitações de espaço, alguns detalhes solicitamos que considerem essas informações apenas
foram omitidos. As empresas são listadas em ordem como sugestivas, não definitivas.

Tabela A1 Uma breve descrição das estratégias disruptivas das empresas listadas na Figura 4

Empresa ou produto Descrição

802.11 Protocolo para a transferência de dados sem fio em banda larga. Começou por provocar uma disrupção
nas redes locais de telefonia fixa. Os sinais, porém, não conseguem percorrer longas distâncias, o que
constitui sua limitação.

Amazon.com Uma disrupção de baixo mercado relativa às livrarias tradicionais.

Apple, Compaq e Os computadores com base em microprocessadores fabricados por empresas como Apple, IBM e Compaq
demais computadores foram verdadeiras disrupções de novo mercado, no sentido de que durante anos eles foram vendidos e
pessoais usados em sua rede de valor exclusiva antes de começarem a capturar as vendas dos computadores
profissionais das camadas superiores do mercado.

Processamento de Nos anos 1880, a Swift Armour iniciou gigantescas operações centralizadas de abate bovino que transpor-
carne bovina tavam grandes cargas de carne em vagões frigoríficos para os açougues locais, provocando a disrupção
das operações locais de abate.

Bell Telephone O telefone original da Bell só conseguia transportar um sinal por 5 quilômetros e, portanto, foi rejeitado pela
Western Union, cujos negócios eram a telegrafia de longa distância. Com isso, a Bell iniciou uma disrupção
de novo mercado, oferecendo comunicação local – e, à medida que a tecnologia foi aprimorada, atraiu para
a telefonia os clientes da rede de valor da telegrafia de longa distância.

Black & Decker Antes de 1960, as ferramentas elétricas portáteis eram pesadas e grosseiras, projetadas para profissio-
nais, além de muito caras. A B&D introduziu uma linha de ferramentas com estrutura de plástico e motores
universais que teriam apenas de 25 a 30 horas de operação – o que, na verdade, era mais do que ade-
quado para a maioria das pessoas que fazem as coisas sozinhas perfuram alguns buracos por mês. Em
dólares atuais, a B&D diminuiu o custo dessas ferramentas, de US$ 150 para US$ 20, permitindo que uma
população inteiramente nova possuísse e usasse suas próprias ferramentas.

Plásticos misturados As misturas de plásticos poliolefínicos baratos, como o polipropileno, vendidas por empresas como a
Himont, criam materiais compostos que de muitas maneiras compartilham as melhores propriedades dos
materiais que os constituem. Tais materiais vêm sendo aprimorados a uma taxa impressionante, provocan-
do disrupção em mercados que historicamente têm sido território da engenharia de plásticos de policarbo-
nato feitos por empresas como a GE Plastics.

Bloomberg LP A Bloomberg começou fornecendo dados financeiros básicos para analistas de investimentos e corretoras.
Gradualmente, aumentou sua oferta de dados e análises e passou para os novos negócios financeiros.
Em consequência, provocou uma disrupção substancial na Dow Jones e na Reuters. Mais recentemente,
criou sua própria ECN para gerar disrupção nas bolsas de valores. Os emitentes de títulos do governo
podem leiloar suas ofertas iniciais por meio do sistema da Bloomberg, gerando disrupção nos bancos de
investimento.

Carne bovina embalada O modelo de “carne bovina embalada” da Iowa Beef Packers completou a disrupção das operações locais
de abate. Em vez de despachar grandes cargas de carne bovina para os açougues locais, a IBP cortava a
carne em cortes acabados ou quase acabados para a colocação direta nos supermercados.
152     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Tabela A1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Fotocopiadoras da Até o início dos anos 1980, quando precisávamos de fotocopiadoras era necessário pegar os originais
Canon e levá-los ao centro de fotocópias da empresa, onde um tecnologista fazia o trabalho por nós. Ele tinha
de ser um especialista, porque a máquina de alta velocidade da Xerox era muito complicada e exigia
manutenção frequente. Quando a Canon e a Ricoh introduziram suas fotocopiadoras de bancada, elas
eram lentas, produziam cópias de má qualidade e não ampliavam, reduziam nem organizavam as pá-
ginas. De outro lado, eram tão baratas e simples de usar que era possível comprá-las e colocá-las no
canto do escritório. No início, ainda levávamos grandes volumes de trabalho para o centro de cópias.
Mas, pouco a pouco, a Canon aprimorou suas máquinas a tal ponto que hoje o acesso imediato e
conveniente a uma cópia de alta qualidade e com várias opções passou a ser um direito quase cons-
titucional na maioria dos locais de trabalho.

Varejo por catálogo A Sears, Roebuck e a Montgomery Ward começaram com vendas por catálogo, permitindo que as pes-
soas das áreas rurais dos Estados Unidos comprassem artigos que historicamente não eram acessíveis
a elas. Seu modelo de negócio, implicando giros de estoque anuais de quatro vezes e margens brutas de
30%, foi disruptivo para o modelo das lojas de departamento, que contavam com margens brutas de 40%
porque giravam os estoques apenas três vezes ao ano. Mais tarde, a Sears e a Ward subiram no mercado,
criando lojas físicas.

Charles Schwab Começou em 1975 como uma das primeiras corretoras de desconto. No final dos anos 1990, a Schwab
criou uma organização separada para construir um negócio de transações on-line. O novo negócio foi tão
bem-sucedido que a empresa encerrou as atividades da sua organização original de corretores por telefone.

Circuit City, Best Buy Provocou disrupção nos departamentos de produtos eletrônicos das varejistas de descontos e lojas de
departamento de serviços completos, o que as fez subir as camadas de mercado para o vestuário, que
tinha margens mais elevadas.

Cisco O roteador da Cisco usa a tecnologia de comutação de pacotes para direcionar o fluxo de informações
por meio do sistema de telecomunicações, em vez da tecnologia de comutação de circuitos das empre-
sas líderes estabelecidas, como Lucent, Siemens e Nortel. Sua tecnologia divide as informações em
“envelopes” virtuais, chamados pacotes, e os envia pela internet. Cada pacote pode seguir uma rota
diferente até o destinatário; e, ao chegar, os pacotes são colocados na ordem correta e “abertos” para
que o destinatário os veja. Como esse processo acarretava um atraso de latência de alguns segundos,
a comutação de pacotes não poderia ser utilizada para a telecomunicação de voz, mas era suficiente-
mente boa para permitir o surgimento de um novo mercado, as redes de dados. A tecnologia foi apri-
morada a tal ponto que hoje o atraso de latência de uma chamada telefônica comutada por pacotes é
quase imperceptivelmente mais lento do que uma chamada comutada por circuito, viabilizando o VoIP
ou telefonia de voz sobre internet.

Community colleges* Em alguns estados nos Estados Unidos, até 80% dos formados em conceituadas universidades estaduais,
com graduações de quatro anos, cursaram todas ou parte de suas disciplinas básicas nos mais baratos
community colleges, e depois transferiram os créditos para a universidade – a qual (inconscientemente)
está se tornando uma provedora de cursos upper-division.† Alguns community colleges começaram a ofe-
recer graduações de quatro anos. Suas inscrições estão crescendo, contando muitas vezes com alunos
que, de outro modo, não teriam feito o curso.

Concord School of Law Fundada pela Kaplan, uma unidade da Washington Post Company, essa faculdade de direito on-line atraiu
uma série de alunos não enquadrados em um perfil tradicional. Seu reconhecimento permite que seus
alunos graduados façam o exame California Bar e a taxa de sucesso que eles vêm obtendo é comparável
à de muitas outras faculdades de direito. Grande parte de seus alunos não ingressam para ser advogados.
Eles querem entender de leis com a finalidade de obter sucesso em outras carreiras.

Classificação de crédito Um método formal de avaliação da capacidade financeira dos candidatos, a tomada de empréstimo para
obter crédito e que substitui os julgamentos subjetivos dos funcionários de bancos. Desenvolvido por uma
empresa de Minneapolis, Fair Isaac, e usado inicialmente para ampliar os cartões de crédito da Sears e da
Penny. À medida que a tecnologia melhorou, foi utilizada para gerar cartões de crédito e depois emprésti-
mos para a compra de automóveis, hipotecas e, hoje, pequenos negócios.

*
N. de T.: Um community college é uma instituição educacional de ensino superior que oferece formação e treinamento após o Ensino Médio. A duração
média dos programas de graduação (degree programs) dos Community Colleges é de dois anos.

N. de T.: Cursos mais difíceis e específicos.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     153

Tabela A1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Dell Computer O modelo da Dell de venda direta para o cliente e de manufatura com alta velocidade de processamento
de pedidos e rápido giro de ativos permitiu que ela emergisse diante da Compaq, IBM e Hewlett-Packard
como uma disruptora de baixo mercado nos computadores pessoais. Clayton Christensen, o perfeito con-
sumidor de baixo mercado, escreveu sua tese de doutorado em um notebook da Dell comprado em 1989,
porque era o computador portátil mais barato do mercado. Devido à reputação de qualidade marginal da
Dell, os alunos precisavam de uma permissão especial de Harvard para usar o dinheiro da bolsa de dou-
torado para comprar um Dell em vez de um computador de marca mais conceituada. Hoje, a Dell fornece
a maioria dos computadores da Harvard Business School.

Lojas de departamento As lojas de departamento, como a Z.C.M.I. em Salt Lake City, a Marshall Field em Chicago e a R.H. Macy
em Nova York, provocaram disrupção nos pequenos lojistas, ganhando dinheiro ao acelerar os giros de
estoque para três vezes ao ano, permitindo-lhes auferir lucros atraentes com margens brutas de 40%.
Como seus vendedores eram muito menos versados nos produtos, no início elas tiveram que focar no mix
mais simples de mercadorias, com produtos tão familiares que “se vendiam por si próprios”.

Animação digital O custo fixo e o nível de habilidade necessária para produzir um longa-metragem animado sempre foram
tão altos que quase ninguém conseguia fazê-lo, exceto a Disney. A tecnologia de animação digital agora
permite que muito mais empresas (como a Pixar) concorram com a Disney.

Lojas de departamento As lojas de departamento, como a Korvettes’s em Nova York, a Kmart em Detroit e, mais tarde, a Wal-
de descontos mart e a Target, provocaram disrupção nas lojas de departamento com serviços completos. As lojas de
descontos ganharam dinheiro acelerando os giros de estoque para cinco vezes ao ano, o que as permitiu
auferir lucros atraentes com margens brutas de 23%. Como seus vendedores eram muito menos conhe-
cedores dos produtos, também estas lojas precisaram focar no mix mais simples de mercadorias, com
produtos de marcas conhecidas, cujo uso era tão familiar que “se vendiam por si próprios”. Posterior-
mente, elas subiram nas camadas do mercado para vender bens não duráveis, como itens de vestuário.

E-Bay A maioria das start-ups da internet do final dos anos 1990 tentou usar a rede como uma inovação susten-
tadora em relação aos modelos de negócio das empresas estabelecidas. O E-Bay foi uma notável exceção,
já que buscou uma estratégia disruptiva de novo mercado, ao permitir que os donos de itens colecionáveis
que jamais chamariam a atenção de um leiloeiro passassem a ser capazes de vender coisas das quais
não precisavam mais.

ECNs As redes de compensação eletrônicas (ECNs) permitem que compradores e vendedores de ações nego-
ciem-nas por meio do computador a uma fração do custo do mercado de ações formal. A Island, uma das
principais ECNs, pode lidar em uma estação de trabalho com um volume equivalente a 20% do volume
da NASDAQ.

E-mail O e-mail está provocando disrupção nos serviços postais do mundo inteiro. O volume de comunicação
pessoal feito por carta está caindo vertiginosamente, restando para os serviços postais as revistas, as
contas e a correspondência indesejada.

Jatos regionais da O negócio de jatos regionais de passageiros está explodindo, dado que a sua capacidade de transpor-
Embraer e Canadair te ao longo dos últimos quinze anos ampliou-se de 30 para 50, depois 70 e agora 106 passageiros.
Como a Boeing e a Airbus lutam para fazer jatos maiores e mais rápidos para viagens transcontinentais e
transoceâ­nicas, seu crescimento estagnou; a indústria se consolidou (a Lockheed e a McDonnel Douglas
deixaram de operar); e o crescimento está no baixo mercado.

Cirurgia endoscópica A cirurgia minimamente invasiva era desconsiderada pelos principais cirurgiões, porque a técnica só podia
incidir sobre os procedimentos mais simples. No entanto, ela foi aprimorada a ponto de até mesmo determi-
nados procedimentos cardíacos relativamente complicados serem feitos por meio de uma pequena porta
de acesso. O impacto disruptivo tem sido, em especial, nos fabricantes de equipamentos e nos hospitais.

Fidelity management Criou o “autosserviço em gestão financeira pessoal”, por intermédio de famílias de fundos mútuos de
compra simplificada, contas 401k, produtos de seguros etc. A Fidelity foi fundada poucos anos depois da
Segunda Grande Guerra, mas começou seus movimentos disruptivos na década de 1970.

Monitores de tela Normalmente pensamos nas tecnologias disruptivas como sendo de baixo custo, e muitas pessoas fiquem
plana (Sharp e outras intrigadas diante da possibilidade de chamar os monitores de tela plana de disruptivos. Afinal, eles não
empresas) vieram da camada alta do mercado? Na realidade, não. Os monitores LCD de tela plana surgiram nos
relógios digitais e depois passaram para as calculadoras, notebooks e pequenos televisores portáteis.
Essas eram aplicações que não tinham monitores eletrônicos, para as quais os monitores de LCD eram
muito mais baratos do que quaisquer outros meios alternativos. As telas planas, atualmente, começaram a
invadir o mercado principal dos monitores de computador e das telas de televisão domésticas, provocando
disrupção no tubo de raios catódicos. Elas são capazes de manter seus preços substancialmente mais
elevados em razão de seu caráter 2-D.
154     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Tabela A1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Ford O Modelo T de Henry Ford era tão barato que permitiu que uma população muito maior que não tinha
recursos para comprar automóveis pudesse ter um.

Galanz A chinesa Galanz capturou aproximadamente 40% do mercado mundial de fornos de micro-ondas nos
anos 1990. Embora a empresa pudesse ter seguido uma estratégia de disrupção de baixo mercado, usan-
do a mão de obra chinesa de baixo custo para fazer eletrodomésticos para exportação, ela preferiu, pelo
contrário, ser uma disruptora de novo mercado, produzindo fornos suficientemente pequenos e de baixo
consumo de energia para serem usados nos apertados apartamentos chineses. Além disso, eles eram
suficientemente baratos para que os proprietários de outros tipos de forno pudessem comprá-los. Depois
que criaram um modelo de negócio que podia gerar preços viabilizadores para o mercado doméstico chi-
nês, foi fácil conquistar o resto do mundo.

GE Capital Provocou disrupção em pontos importantes dos mercados consagrados dos bancos comerciais, em espe-
cial por meio de estratégias disruptivas de baixo mercado.

Google O Google e os mecanismos de busca da concorrência estão provocando disrupções nos catálogos de
muitos tipos, incluindo as Páginas Amarelas.

Motocicletas Honda A Honda Superclub, introduzida no final dos anos 1950, provocou disrupção nos fabricantes de grandes e
estrondosas motocicletas, tais como a Harley Davidson, a Triumph, a BMW e muitas outras. Suas raízes
estão em uma bicicleta motorizada de lazer off-road que depois foi aprimorada. A Honda foi acompanhada
pela Yamaha, pela Kawasaki e pela Suzuki.

Impressoras a jato Foram uma disrupção para a impressora a laser e uma tecnologia sustentadora em relação à impressora
de tinta matricial. As impressoras jato de tinta são situadas mais próximo à extremidade “novo mercado” do es-
pectro de disrupção porque o seu tamanho compacto, pouco peso e baixo custo inicial permitiram a uma
população inteira de proprietários de computador – basicamente estudar – possuir e usar sua própria
impressora. Apesar de no início elas serem lentas e produzirem imagens imprecisas, as impressoras a
jato de tinta são, nos dias de hoje, as preferidas pelos consumidores, tendo empurrado as impressoras
a laser para a camada superior do mercado. A Hewlett-Packard manteve-se no topo dessa indústria ao
estabelecer uma unidade autônoma de impressoras a jato de tinta para concorrer com o seu negócio de
impressoras a laser.

Microprocessador Intel O primeiro processador da Intel, em 1971, tinha capacidade para ser apenas o cérebro de uma calculadora
de quatro funções. Os fabricantes de computadores com circuitos lógicos com base em microprocessado-
res provocaram disrupção nas empresas que faziam computadores de grande porte e minicomputadores,
cujos circuitos lógicos tinham base em placas de circuito impresso.

Software de Enquanto os líderes estabelecidos da indústria de software de contabilidade permitiram que os gestores
contabilidade de pequenos negócios emitissem todos os tipos de relatórios sofisticados com finalidades analíticas, o
QuickBooks da Intuit QuickBooks (que era um derivativo do software de finanças pessoais da Intuit, o Quicken) ajudou-os funda-
mentalmente a manter o controle do seu dinheiro. Criou, assim, um mercado novo e enorme entre os pro-
prietários de pequenos negócios (a maioria com menos de cinco funcionários) que não mantinham seus
livros contábeis no computador. Dois anos após o lançamento, a Intuit havia abocanhado 85% do mercado
de software de contabilidade para pequenos negócios, principalmente criando um novo de crescimento
acelerado. A conquista de clientes das empresas estabelecidas veio mais tarde, já que a funcionalidade
do QuickBooks melhorou.

Turbotax da Intuit O software de contabilidade para PCs está provocando disrupção nos serviços de elaboração de docu-
mentos fiscais para pessoas físicas, como os da H&R Block.

Siderúrgicas japonesas Empresas como a Nippon Steel, Nippon Kokkan & Kobe e Kawasaki Steel deram início ao seu crescimento
exportando aço de qualidade muito baixa para os mercados ocidentais, no final dos anos 1950. Na medi-
da em que seus clientes (incluindo os disruptivos fabricantes japoneses de automóveis, como a Toyota)
cresceram, a indústria siderúrgica japonesa teve que aumentar sua capacidade drasticamente, o que
lhe permitiu incorporar a mais recente tecnologia em siderurgia, como fornos de fundição contínua e de
oxigênio, nas novas usinas. Com isso, acelerou de forma extraordinária a sua trajetória para as camadas
superiores do mercado.

Jet Blue Enquanto a Southwest Airlines seguiu inicialmente uma estratégia de disrupção de novo mercado, a abor-
dagem da Jet Blue é a de disrupção de baixo mercado. Sua viabilidade no longo prazo depende da motiva-
ção das principais linhas aéreas para fugirem do ataque, como o fizeram as usinas siderúrgicas integradas
e as lojas de departamento de serviço completo.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-4     155

Tabela A.1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Kodak Até o final dos anos 1800, a fotografia era extremamente complicada. Somente os profissionais podiam
ter e operar seus dispendiosos equipamentos fotográficos. A câmera simples do tipo “apontar e disparar”
de George Estman, chamada “Brownie”, permitiu que os consumidores tirassem suas próprias fotos, e
que então pudessem encaminhar o rolo de filme por correio para a Kodak, que o revelaria e retornaria as
cópias também por correio.

Kodak Funsaver A câmera descartável Funsaver da Kodak nasceu depois de um trabalho árduo dentro da empresa, porque
as margens brutas eram mais baixas do que a Kodak podia ganhar vendendo rolos de filme, e porque sua
qualidade de imagens não era tão boa quanto as capturadas nas câmeras de 35 mm de alta qualidade.
Porém, a Kodak a comercializou por meio de uma divisão diferente e a vendeu quase exclusivamente
para as pessoas que nunca teriam comprado um filme por não possuírem uma câmera. Ainda que tenha
potencial para subir no mercado e dividir participação com as câmeras tradicionais por meio de sua nova
marca, Maxx, parece-nos que a Kodak parou de seguir nesse sentido.

Fabricantes de Os fabricantes de automóveis coreanos, incluindo a Hyundai e a Kia, ganharam mais fatias do mercado
automóveis coreanos: mundial nos anos 1990 do que quaisquer fabricantes de outros países. Contudo, poucas empresas esta-
Hyundai e Kia belecidas estão preocupadas com este fato, porque os ganhos das montadoras coreanas são provenientes
do que, para estas empresas estabelecidas, é a parcela menos lucrativa do mercado.

MBNA Observamos anteriormente que a classificação de crédito é um método com base em uma fórmula para
determinar a capacidade creditícia de um candidato a empréstimo. Ela foi implementada originalmente nos
bancos comerciais como uma tecnologia sustentadora, com a finalidade de reduzir os custos de avaliação
de crédito. Na década de 1990, no entanto, foi implementada em modelos de negócios homogêneos de
baixo custo e alto volume, por empresas como a MBNA, a Capital One e a First USA, que provocaram
uma disrupção substancial nos negócios de cartão de crédito dos bancos comerciais. Até o momento da
redação deste artigo, na verdade, o Citibank é o único grande banco comercial com um negócio de cartão
de crédito substancial e rentável.

McDonald’s A indústria do fast-food tem sido uma disruptora híbrida, tornando tão barato e conveniente comer fora que
criou uma onda maciça de crescimento na indústria de “refeições fora de casa”. Suas primeiras vítimas
foram os jantares em família. Na última década, o advento das praças de alimentação levou o fast-food para
camadas superiores do mercado, o que, naturalmente, não extinguiu os restaurantes caros, românticos e
sofisticados, que ainda lutam no alto mercado.

MCI, Sprint Essas empresas foram disruptoras de baixo mercado em relação ao negócio de telefonia de longa distância
da AT&T. Usufruíram uma oportunidade única para fazê-lo, porque as tarifas de longa distância da AT&T eram
definidas por regulação em níveis artificialmente altos, a fim de subsidiar o serviço telefônico residencial local.

Merrill Lynch O mantra de Charles Merrill em 1912 era “levar Wall Street para a Main Street”. Ao empregar corretores
assalariados em vez de comissionados, ele tornou suficientemente barato comercializar ações, possi-
bilitando que os norte-americanos de renda média se tornassem investidores da bolsa. A Merrill Lynch
moveu-se mercado acima ao longo dos 90 anos seguintes, rumo aos investidores de maior renda líquida. A
maioria das corretoras que detinham assentos na bolsa de Nova York nos anos 1950 e 1960 foi absorvida
por fusões porque a Merrill Lynch provocou uma disrupção nelas.

Microsoft Seu sistema operacional era inadequado para os fabricantes de computadores de grande porte e de mini-
computadores, quando comparado com o Linux e com o sistema da Apple. No entanto, a sua migração do
DOS para o Windows e para o Windows NT tem levado a empresa a elevar-se a tal ponto no mercado que
o Unix está seriamente ameaçado. A Microsoft, por sua vez, enfrenta a ameaça do Linux.

Minicomputadores Empresas como a Digital Equipment, a Prime, a Wang, a Data General e a Nixdorf foram disruptoras de novo
mercado em relação aos fabricantes de computadores de grande porte. A relativa simplicidade e preço baixo
apresentados por elas permitiram que os departamentos (particularmente de engenharia) nas organizações
tivessem seus próprios computadores e não mais precisassem contar com os inconvenientes computadores
de grande porte centralizados, cuja prioridade era quase sempre a geração de relatórios financeiros.

Corretoras on-line de O comércio on-line de ações é uma tecnologia sustentadora em relação aos modelos de negócio das cor-
ações retoras de descontos, como a Ameritrade, e disruptiva diante das corretoras de serviço completo, como a
Merrill Lynch. Para a Schwab, que começou como uma básica corretora de descontos, mas movimentou-se
para cima, rumo ao mercado principal em meados da década de 1990, as transações via internet foram
tão disruptivas que a empresa necessitou criar uma divisão separada.

Agências de viagens Viabilizadas pela emissão eletrônica de passagens, as agências de viagens on-line, como a Expedia e
on-line a Travelocity, têm provocado tanta disrupção nas agências físicas, a exemplo da American Express, que
muitas empresas aéreas cortaram substancialmente as comissões que costumavam pagar às agências
de viagens.
156     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Tabela A1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Oracle O software de banco de dados relacional da Oracle foi disruptivo em relação ao das empresas líderes
anteriores, Cullinet e IBM, cujos softwares de banco de dados hierárquico e transacional eram executados
em computadores de grande porte e empregados para gerar relatórios financeiros padrão. Os bancos de
dados relacionais eram executados em minicomputadores (e depois nos microcomputadores). Os usuá-
rios, mesmo sem grandes habilidades em programação, podiam criar rapidamente seus próprios relatórios
e análises personalizados usando a arquitetura relacional modular da Oracle.

Palm Pilot, RIM Os dispositivos portáteis são disrupções de novo mercado em relação aos notebooks.
BlackBerry

Plásticos Os plásticos, como uma categoria, provocaram disrupção no aço e na madeira. A “qualidade” das peças
plásticas muitas vezes era inferior à da madeira e à do aço, ao longo das métricas pelas quais o desem-
penho era medido nas aplicações tradicionais. Mas seu custo baixo e sua facilidade de moldagem criaram
muitas aplicações novas e os plásticos conquistaram muitas aplicações das redes de valor originais do
metal e da madeira. A disrupção é particularmente óbvia quando analisamos onde os plásticos eram em-
pregados nos automóveis há trinta anos e compararmos com a utilização feita hoje.

Medidores portáteis de Provocaram disrupção nos fabricantes de grandes máquinas para teste de glicose sanguínea nos labora-
glicose sanguínea para tórios de análises clínicas, permitindo que os pacientes com diabetes monitorem seus próprios níveis de
diabetes glicose.

Salesforce.com Esta empresa, com seu sistema barato e simples com base na internet, tem provocando disrupção nos
principais provedores de softwares para gestão de relacionamento com o cliente, como a Siebel Systems.

Relógios Seiko Você se lembra de quando a Seiko fabricava relógios pretos de plástico, baratos e descartáveis? A Seiko, a
Citizen e a Texas Instruments (que posteriormente saiu do mercado) provocaram disrupção nas indústrias
relojoeiras norte-americana e europeia.

Sonosite Esta empresa fabrica um dispositivo portátil de ultrassom que permite que os profissionais de saúde, que
necessitavam do auxílio de tecnologistas altamente treinados com equipamentos caros, possam agora
ver diretamente o exame de ultrassom, fornecendo, assim, diagnósticos precisos e oportunos. A empre-
sa debateu-se por algum tempo tentando implementar o seu produto como uma inovação sustentadora.
Contudo, quando este livro estava sendo redigido, ela parece ter acertado seu passo disruptivo de uma
maneira impressionante.

Sony A Sony foi pioneira no uso de transistores nos produtos eletrônicos de consumo. Seus rádios e televisores
portáteis provocaram disrupção em empresas como a RCA, que fazia rádios e televisores grandes usando
tecnologia de tubo de vácuo. Durante os anos 1960 e 1970, a Sony lançou uma série de disrupções de
novo mercado, com produtos como os reprodutores de fita de vídeo, os gravadores de vídeo portáteis, os
reprodutores de fita cassete, o Walkman e a unidade de disco flexível de 3,5 polegadas.

Southwest Airlines Foi uma disruptora híbrida, porque a sua estratégia original era concorrer com os automóveis e ônibus,
além de pousar e decolar nos aeroportos intermediários. Ademais, como os seus preços eram muito bai-
xos, ela também tomou mercado das empresas aéreas estabelecidas. Assim como a Walmart protege seu
lucro por estar em pequenas cidades cujo mercado suporta apenas uma loja de descontos, muitas das
rotas da Southwest oferecem a mesma proteção.

Software de banco de O software de banco de dados SQL da Microsoft está provocando disrupção na Oracle, que escalou o
dados SQL mercado oferecendo dispendiosos sistemas empresarias integrados.

Staples Com seus concorrentes diretos Office Max e Office Depot, a Staples ocasionou disrupção nas pequenas
lojas de artigos de papelaria e também nos distribuidores de materiais de escritório B2B.

Miniusinas siderúrgicas Têm provocado disrupção nas usinas integradas por todo o mundo desde meados dos anos 1960, con-
forme relatado neste texto.

Sun Microsystems Sun, Apollo (HP) e Silicon Graphics, que construíram seus sistemas em torno dos processadores RISC,
estabeleceram-se essencialmente na mesma rede de valores dos minicomputadores e causaram sua dis-
rupção. Estas empresas, por sua vez, agora estão sofrendo disrupção dos fabricantes de computadores
com base em microprocessadores CISC, como a Compaq e a Dell.

Toyota Entrou no mercado norte-americano com carros subcompactos baratos como o Corona, que eram tão
baratos que as pessoas que nunca conseguiam pagar por um carro novo puderam comprar um; ou, ainda,
permitiram que as famílias conseguissem adquirir um segundo carro. Atualmente, a Toyota também fabrica
modelos de luxo, como o Lexus. A Nissan migrou do seu Datsun para o Infinit e a Honda progrediu do seu
CVCC miniatura para o Accura.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     157

Tabela A1 (continuação)

Empresa ou produto Descrição

Toys-R-Us Produziu disrupção nos departamentos de brinquedos das lojas de departamento de descontos e de
serviço completo, o que ocasionou sua subida no mercado para o vestuário de margem mais elevada.

Ultrassom A tecnologia de ultrassom é disruptiva em relação às imagens de raios X. Hewlett-Packard, Accuson e ATL
criaram uma indústria de muitos bilhões de dólares gerando imagens de tecidos moles, as quais a tecnologia
de raios X não conseguia capturar. Os principais fabricantes de equipamentos de raios X, incluindo a General
Electric, a Siemens e a Philips, tornaram-se líderes nas duas principais revoluções radicais de tecnologia
sustentadora em imagem: a tomografia computadorizada (TC) e a imagem por ressonância magnética (IRM).
Como o ultrassom foi uma disrupção de novo mercado, nenhuma das empresas de raios X participou do
ultrassom até bem recentemente, quando adquiriram importantes empresas de equipamentos do gênero.

University of Phoenix Uma unidade da Apollo, a University of Phoenix, tem gerado disrupção em alguns cursos universitários tra-
dicionais (quatro anos) e em determinados programas de graduação profissional. Ela começou fornecendo
cursos de treinamento para funcionários de empresas, muitas vezes na prática, mas algumas vezes por
meio de contrato formal. Seus programas se ampliaram para uma variedade de cursos de inscrições livres
e de cursos de graduação. Hoje, é uma das maiores instituições educacionais nos Estados Unidos e é um
dos principais provedores de educação a distância.

Aeronaves não Estas máquinas estabeleceram-se inicialmente como aviões direcionados por controle remoto para des-
tripuladas cobrir posições de baterias antiaéreas. Posteriormente, galgaram o mercado com o objetivo de assumir
papéis de vigilância e, na guerra de 2001/2002, no Afeganistão, assumiram pela primeira vez os papéis
de transportes de armas.

Vanguard Os fundos referenciados de investimentos têm sido uma disrupção de baixo mercado em relação aos
fundos mútuos administrados. No momento da redação deste livro, os ativos da Vanguard haviam crescido
quase até o nível da ex-líder destes fundos que sofreu a disrupção, a administradora Fidelity.

Veritas & Network As tecnologias de armazenamento de dados em rede (Network-Attached Storage e Storage Area
Appliance Networks) são abordagens disruptivas em relação aos sistemas centralizados de armazenamento forneci-
dos por empresas como a EMC. A ampliação de alguns desses sistemas de armazenamento é tão simples
que mesmo uma pessoa com pouco conhecimento de rede pode conectar um servidor de armazenamento
adicional em uma rede.

Telefonia sem fio Os telefones celulares e os digitais sem fio têm seguido, há 25 anos, a trilha disruptiva em relação aos
telefones fixos de linha. Inicialmente, eram grandes telefones utilizados nos automóveis que consumiam
muita energia, com uma eficácia irregular; mas, gradualmente melhoraram a ponto de, segundo algumas
estimativas, quase um quinto dos usuários de telefones móveis terem decidido viver sem os telefones fixos.
A viabilidade dos negócios de telefonia fixa de longa distância está atualmente em perigo.

Xerox A fotocópia tem sido uma disrupção de novo mercado em relação à impressão offset, permitindo que sejam
feitos pequenos volumes de cópias de acordo com a conveniência do local de trabalho. As primeiras má-
quinas da Xerox eram tão caras e complicadas que eram abrigadas em centros de fotocópia corporativos
e manuseadas por tecnologistas especializados.

A R tigo 2 - 5 em um estudo da indústria mundial de unidades de dis-


co, que representa graficamente o processo por meio do
Poder do cliente, investimento qual as demandas dos clientes de uma empresa confor-
estratégico e o fracasso das mam a alocação dos ativos na inovação tecnológica –
um modelo que faz a ligação das teorias da dependência
empresas líderes de recursos e de alocação de ativos. Mostramos que as
Clayton M. Christensen e Joseph L. Bower*
empresas estabelecidas levaram a indústria a desenvol-
ver tecnologias diversas, até mesmo as radicais, sempre
Por que algumas empresas consideradas bem geridas que as tecnologias centraram seu foco nas necessidades
em um determinado momento perdem suas posições dos clientes. Essas mesmas empresas fracassaram no de-
senvolvimento de tecnologias mais simples quando, de
de liderança na indústria quando confrontadas com a
início, eram úteis apenas nos mercados emergentes, já
mudança? Apresentamos um modelo, fundamentado
que há um incentivo para alocação de recursos em pro-
gramas que visam clientes poderosos. Projetos voltados
*
Fonte: Reimpresso de Strategic Management Journal 17 (1996),
pp.197-218. Copyright © 1996 by John Wiley & Sons Ltd. Reproduzido para tecnologias cujos clientes ainda não existem defi-
com permissão. nham por falta de incentivo para alocação de recursos.
158     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Como a taxa de progresso técnico pode ultrapassar o suas posições de liderança. Este artigo examina por
desempenho exigido por um mercado, as tecnologias que e sob quais circunstâncias financeiramente rele-
que a princípio só podem ser empregadas nos merca- vantes as organizações sensíveis ao cliente, tecnolo-
dos emergentes, mais tarde podem invadir os mercados gicamente profundas e racionalmente geridas podem
principais, conduzindo as empresas entrantes à vitória não conseguir adotar novas tecnologias críticas nem
sobre as empresas estabelecidas. entrar em mercados importantes – uma incapacidade
Os alunos de gestão têm se maravilhado com a difi- para inovar que levou ao declínio de empresas que já
culdade que têm as empresas de repetir seu sucesso quan- foram grandes.
do há mudanças na tecnologia ou no mercado, por uma Nossa conclusão é que a razão principal para essas
boa razão: existem muitos exemplos. Um deles é que ne- empresas perderem suas posições de liderança na in-
nhum grande fabricante de computador foi capaz de re- dústria quando confrontadas com certos tipos de mu-
petir seu sucesso inicial quando surgiram as tecnologias dança tecnológica pouco tem a ver com a tecnologia em
arquiteturais subsequentes e seus mercados correspon- si, com seu grau de novidade ou dificuldade relativo às
dentes. A IBM criou e continua a dominar o segmento habilidades e à experiência da empresa. Ao contrário,
de computadores de grande porte, mas ignorou, durante elas fracassam porque ouvem demais os seus clientes,
muitos anos, o surgimento da arquitetura e do mercado os quais colocam limites rigorosos nas estratégias que
de minicomputadores. O minicomputador foi desenvol- as empresas podem e não podem seguir.
vido e suas aplicações de mercado foram exploradas por O termo tecnologia, como é empregado neste arti-
empresas como a Digital Equipment e a Data General. go, significa os processos pelos quais uma organização
Embora muito bem-sucedidos em seus mercados iniciais, transforma trabalho, capital, materiais e informações
estes fabricantes ignoraram em grande parte o advento em produtos ou serviços. Todas as empresas têm tecno-
do computador desktop: um mercado que foi criado por logias. Uma loja como a Sears emprega uma tecnologia
entrantes como Apple, Commodore e Tandy e, apenas particular para comprar, expor, vender e entregar produ-
mais tarde, pela IBM. Os líderes em estações de trabalho tos para seus clientes, enquanto uma loja de descontos,
para engenharia eram a Apollo e a Sun Microsystems, como a Price Club, adota uma tecnologia diferente. Por
ambas entrantes na indústria. Os pioneiros do mercado isso, nosso conceito de tecnologia vai além das funções
de computadores portáteis – Compaq, Zenith, Toshiba e de engenharia e manufatura da empresa, englobando
Sharp – não eram líderes no segmento desktop. um conjunto de processos de negócio. Aqui, o termo
E, ainda, que essas empresas estivessem perdendo inovação refere-se à mudança na tecnologia.
essa sequência de oportunidades, eram muito agressivas Uma premissa fundamental deste artigo é que os
e bem-sucedidas em liderar suas indústrias no desen- padrões de alocação de ativos influenciam bastante os
volvimento e na adoção de muitas tecnologias estrate- tipos de inovação nos quais as empresas líderes terão
gicamente importantes e tecnologicamente sofisticadas. sucesso ou fracasso. De acordo com Bower (1970) e
A liderança da IBM por meio de gerações de empaco- Burgelman (1983a, 1983b), em toda organização, sur-
tamento de circuitos integrados em múltiplos chips e a gem diariamente ideias sobre novas maneiras de fazer
adoção da tecnologia de microprocessadores RISC pela as coisas – novos produtos, novas aplicações para os
Sun Microsystems são dois exemplos. Há muitos outros produtos, novas abordagens técnicas e novos clientes.
casos, discutidos a seguir, de empresas que ficaram na A maioria das propostas sobre inovação exige ativos
vanguarda de uma tecnologia por longos períodos, mas humanos e financeiros. Os padrões de inovação eviden-
cuja liderança na indústria foi sacudida depois pelas ciados em uma empresa espelharão, em um grau consi-
mudanças tecnológicas e de mercado. derável, como os ativos serão alocados (e não alocados)
O fracasso das empresas líderes, às vezes, pode ser em propostas concorrentes para inovação.
atribuído à miopia da gestão, à letargia organizacional, Observamos que, pelo fato de a alocação eficien-
ou à existência de ativos ou habilidades insuficientes. te de recursos ser orientada pelo mercado, os procedi-
As empresas de fiação de algodão, por exemplo, sim- mentos de alocação de recursos nas organizações bem-
plesmente não tinham recursos humanos, financeiros e -sucedidas estimulam inovações conhecidas e exigidas
tecnológicos para competir quando a Du Pont trouxe as pelos clientes nos mercados existentes. As empresas
fibras sintéticas para a indústria de vestuário. Em mui- estabelecidas em uma ampla gama de indústrias ten-
tos casos, no entanto, as empresas que perderam im- dem a promover o desenvolvimento e a adoção de tais
portantes inovações não sofriam com nenhum desses inovações. Entretanto, as empresas com capacidade e
problemas. Elas estavam prontas para competir, investi- capacitação para inovar podem fracassar quando a ino-
ram agressivamente em novos produtos e tecnologias e vação não se concentra nas necessidades previsíveis de
ouviram os seus clientes. Contudo, elas ainda perderam seus clientes atuais. Quando as características iniciais
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     159

de preço/desempenho das tecnologias emergentes as projeto malsucedido, eles tendem a apoiar projetos cuja
tornam competitivas apenas nos segmentos de mercado demanda associada a produtos seja garantida.
emergentes, e não com os clientes atuais, geralmente os Nosso estudo relaciona essas duas correntes ao mos-
mecanismos de alocação de recursos negam alocações trar como o incentivo que orienta os padrões de aloca-
para essas tecnologias. Nossa pesquisa sugere que a ção de recursos (e, portanto, de inovação) dentro das
raiz dos problemas de empresas bem-sucedidas é a sua empresas não resulta de decisões autônomas dos gesto-
incapacidade de alocarem recursos para as tecnologias res conscientes do risco. Pelo contrário, o fato de haver
que inicialmente não podem ser aplicadas nos mercados ou não incentivo suficiente por trás de uma inovação
principais para depois conquistá-los. proposta é determinado, em grande parte, pela presença
ou não dos clientes atuais que podem articular habil-
CONCEPÇÕES ANTERIORES DOS FATORES mente uma necessidade para a inovação em questão.
QUE INFLUENCIAM OS PADRÕES DE Parece existir uma forte interligação (1) das expecta-
ALOCAÇÃO DE RECURSOS NO PROCESSO tivas e necessidades dos clientes mais poderosos para
DE INOVAÇÃO melhorias dos produtos a partir de (2) propostas inova-
doras que recebem ou não incentivo dentro da empresa.
Nossa pesquisa relaciona duas correntes de pesquisa que
A essas propostas, portanto, são alocados os recursos
sempre foram independentes, e ambas têm contribuído
de forma significativa para a nossa compreensão da ino- necessários para desenvolver as capacitações tecno-
vação. A primeira corrente refere-se ao que Pfeffer e Sa- lógicas exigidas pelos mercados (3), que irão ou não
lancik (1978) chamam de dependência de recursos: uma orientar essas inovações, que, por sua vez, levam ao (4)
abordagem que essencialmente busca fora da empresa sucesso ou fracasso comercial com a nova tecnologia.
explicações para os padrões por meio dos quais as empre- Quando uma quantidade significativa de clientes
sas alocam recursos para atividades inovadoras. Os estu- exige esse tipo de demanda, pode-se desenvolver in-
diosos dessa tradição afirmam que as opções estratégicas centivo suficiente de modo que as empresas grandes e
das empresas são limitadas porque a discrição gerencial burocráticas possam embarcar em inovações tecnologi-
é um grande mito. Para assegurar a sobrevivência de suas camente difíceis e executá-las com sucesso – mesmo as
organizações, os gestores não têm poder para fazer nada que exijam competências muito diferentes das existen-
além de alocar recursos para programas de inovação exi- tes inicialmente.1 Entretanto, constatamos que, quando
gidos pelos clientes externos e investidores: as entidades uma inovação proposta se concentra nas necessidades
que fornecem os recursos dos quais a empresa necessi- de pequenos clientes, em mercados remotos ou emer-
ta para sobreviver. O suporte para essa concepção vem gentes que não fornecem uma fatia significativa dos
do trabalho dos historiadores da inovação tecnológica, recursos para que uma empresa possa crescer e sobre-
como Cooper e Schendel (1976) e Foster (1986). De uma viver, as empresas entendem que será difícil ter sucesso
forma geral, as empresas estudadas por esses autores até mesmo nas inovações tecnologicamente simples.
reagiram ao surgimento de tecnologias competitivamente Isso ocorre porque o incentivo necessário não se desen-
ameaçadoras intensificando os investimentos para apri- volve e as inovações propostas são carentes de recursos.
morar as tecnologias convencionais usadas pelos clientes Nossas descobertas estão fundamentadas em vários
atuais – que forneceram os recursos necessários para que trabalhos cujo objetivo era entender por que empresas
elas pudessem sobreviver no curto prazo. líderes podem fracassar quando confrontadas com a
A segunda corrente de ideias, desenvolvida origi- mudança tecnológica. Cooper e Schendel (1976) cons-
nalmente por Bower (1970) e ampliada por Burgelman tataram que, muitas vezes, as novas tecnologias são
(1983a, 1983b), descreve o processo interno de alocação implementadas inicialmente nos mercados novos e, em
de recursos da empresa. Esses estudiosos sugerem que geral, introduzidas na indústria pelas empresas entran-
as propostas mais estratégicas – ampliar capacidade ou tes. Esses pesquisadores observaram que as empresas
desenvolver novos produtos ou processos – assumem sua estabelecidas buscam combater a ameaça de uma nova
forma fundamental nos níveis inferiores das organiza- tecnologia intensificando o investimento nas aborda-
ções hierárquicas. Bower observou que a alocação finan-
ceira aos projetos é moldada substancialmente pelo grau
em que os gestores, nos níveis intermediários da organi- 1
Ao fazermos essa afirmação, contestamos as conclusões de estudiosos
como Tushman e Anderson (1986), que disseram que as empresas estabe-
zação, resolvem apoiar ou incentivar algumas propostas lecidas são mais ameaçadas pelas entrantes quando a inovação em ques-
e negar outras. Esse autor também constatou que a gestão tão destrói, ou não aproveita a competência da empresa. Observamos que
de riscos e a gestão de carreiras estão estreitamente ligadas as empresas estabelecidas, embora muitas vezes a um custo muito alto,
levaram suas indústrias a desenvolver tecnologias críticas destruidoras
ao processo de alocação de recursos. Como um aspirante de competência quando esta nova tecnologia foi necessária para satisfa-
a gestor pode pagar um preço muito alto por apoiar um zer as demandas dos clientes existentes.
160     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

gens técnicas tradicionais e que aquelas que empenha- O segundo tipo de informação empregado no estudo
vam inicialmente recursos em uma nova tecnologia é relativo às estratégias adotadas e ao sucesso ou fracas-
raramente conseguiam manter o empenho de recursos so comercial de cada uma das empresas que anuncia-
adequado. Foster (1986) notou que, à medida que as ram o desenvolvimento de uma unidade de disco rígido
novas tecnologias são absorvidas por uma indústria, as entre 1976 e 1990. O Disk/Trend divulgou as vendas
novas empresas tendem a “atacar” as já estabelecidas. anuais de unidades de disco rígido de cada empresa,
Segundo Henderson e Clark (1990), as empresas en- por categoria de produto e por segmento de mercado.
trantes têm uma vantagem particular sobre as estabele- Cada edição mensal, entre 1976 e 1990, da revista Elec-
cidas na mudança de tecnologia arquitetural. tronic Business, a publicação mais proeminente sobre
Esperamos acrescentar mais exatidão e percepção a indústria de gravação magnética, foi examinada em
ao trabalho desses estudiosos pioneiros, ao colocarmos busca de informações sobre os fabricantes de unidades
de forma mais precisa os tipos específicos de inovações de disco, suas estratégias e seus produtos. Usamos es-
tecnológicas que podem ser implementadas em novas sas informações para verificar a plenitude dos dados do
aplicações e os tipos que provavelmente serão usados Disk/Trend 2 e para elaborar uma história da indústria de
nos mercados principais desde o início, além de defi- unidades de disco, onde se descreve as estratégias e os
nirmos os tipos de inovação nos quais esperamos que destinos das empresas (Christensen, 1993).
as empresas entrantes levem vantagem e os casos em O terceiro tipo de informação é resultado de mais de
que esperamos que as empresas estabelecidas tenham 70 entrevistas pessoais conduzidas com executivos que
um desempenho melhor. Representando um modelo do estão ou estiveram ligados as 21 empresas fabricantes
processo por meio do qual são feitos os empenhos de de unidades de disco. Entre os entrevistados, temos:
recursos, esperamos explicar em parte um enigma co- fundadores, presidentes, vice-presidentes e membros
da engenharia, do marketing e da gestão das equipes
locado, mas não resolvido, por cada um desses autores:
principais de desenvolvimento de produtos. Juntas, as
por que as empresas estabelecidas geralmente intensi-
empresas cujos executivos foram entrevistados con-
ficaram seu comprometimento com a tecnologia con-
tabilizam mais de 80% das unidades de disco produ-
vencional, ao mesmo tempo que empreenderam poucos
zidas no mundo desde o início da indústria. Os dados
esforços para comercializar novas tecnologias – mesmo
dessas entrevistas foram usados para reconstruir com
quando a nova tecnologia estava ganhando terreno no
a maior exatidão possível os processos de tomada de
mercado? Finalmente, ao examinarmos por que as em-
decisão associados com as inovações-chave na história
presas estabelecidas se comportam dessa forma, espe-
de cada empresa. Sempre que possível, relatos da mes-
ramos fornecer conhecimentos sobre como os gestores ma decisão foram obtidos de múltiplas fontes, incluin-
podem abordar com mais sucesso os diferentes tipos de do ex-funcionários, para minimizar os problemas com
mudança tecnológica. a racionalização pós fato. Muitos funcionários foram
entrevistados em 16 das 21 empresas.
MÉTODOS DE PESQUISA Os dados do Disk/Trend nos permitiram medir o
impacto de cada nova tecnologia de componente e de
Três classes de dados muito diferentes foram usadas
arquitetura no desempenho da unidade de disco. Além
neste estudo para estabelecer uma sólida validade do
disso, foi possível identificar as empresas pioneiras no
constructo (Yin, 1989). A primeira classe refere-se a um
desenvolvimento e na adoção de cada nova tecnologia,
banco de dados de especificações detalhadas de produto
e acompanhar os padrões de difusão de cada nova tec-
e desempenho para cada modelo de unidade de disco
nologia por toda a indústria mundial ao longo do tempo,
anunciado por cada empresa participante da indústria
entre os diferentes tipos de empresa. Quando a análise
mundial entre 1975 e 1990 – mais de 1.400 modelos
do Disk/Trend indicou que uma determinada empresa
no total. Esses dados são provenientes do Disk/Trend
entrante ou estabelecida destacadamente liderou (ou fi-
Report, a publicação líder em pesquisa de mercado, na cou para trás) a indústria em uma inovação específica,
indústria de unidades de disco, e das folhas de espe- pudemos estabelecer o impacto dessa liderança ou
cificação de produto obtidas dos próprios fabricantes. subserviência nas vendas e participações de mercado
As tabelas e outras estatísticas resumidas aqui foram
calculadas a partir desse banco de dados, salvo indi-
cação em contrário. Esse conjunto de dados não é uma 2
O Disk/Trend Report identificou 133 empresas participantes da in-
amostra estatística, mas constitui um censo completo dústria de unidades de disco no período estudado. A busca na revista
Electronic Business resultou nas informações sobre uma empresa adicio-
de empresas e produtos da indústria mundial durante o nal, a Peach Tree Technology, que nunca gerou receitas e que de algum
período estudado. modo não foi detectada pelos editores do Disk/Trend.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     161

subsequentes, por segmento de produto/mercado, para duas medidas mais comuns) e as inovações que provo-
cada empresa. caram disrupção ou redefiniram a trajetória do desem-
A análise desses dados nos permitiu essencialmen- penho (Dosi, 1982). As duas próximas seções apresen-
te desenvolver uma teoria do que acontecerá quando tam exemplos proeminentes de mudanças tecnológicas
ocorrerem tipos diferentes de mudança tecnológica – que sustentaram a trajetória e provocaram disrupção
se as empresas entrantes ou as estabelecidas poderiam na história da indústria. As seções subsequentes des-
assumir a liderança no seu desenvolvimento. Depois, crevem o papel dessas inovações no desenvolvimento
usamos os dados das entrevistas para elaborar estudos da indústria, o processo por meio do qual as empre-
de caso sobre decisões-chave em seis empresas, a fim sas estabelecidas e entrantes responderam a esses tipos
de entendermos por que existem esses padrões de li- diferentes de mudança tecnológica e os consequentes
derança e subserviência no desenvolvimento de tec- sucessos e fracassos vivenciados.
nologia. Esses estudos de caso cobriram as empresas
entrantes e estabelecidas por um longo período, no qual Mudanças tecnológicas de sustentação
cada uma delas tomou decisões de investir ou adiar o
Na história da indústria de unidades de disco, a maior
investimento em uma série de tecnologias novas. Esses
parte das mudanças na tecnologia de componentes e
casos foram selecionados no que Yin (1989) chama de
duas das seis mudanças na tecnologia arquitetural sus-
pesquisa experimental com múltiplos casos, de modo
tentaram ou reforçaram as trajetórias estabelecidas de
que, por meio da correspondência de padrões entre os
melhoria do desempenho do produto. Dois exemplos
casos, pode-se estabelecer a validade externa das con-
de tal mudança tecnológica são exibidos na Figura 1. O
clusões do estudo.3
Estudamos a indústria de unidades de disco porque gráfico à esquerda compara a densidade média de gra-
sua história é de mudança rápida na tecnologia e na es- vação das unidades que empregaram a tecnologia de
trutura de mercado. O mercado mundial de unidades de partículas de óxido no disco e a tecnologia de cabeça de
disco rígido cresceu a uma taxa anual de 27% para mais ferrita versus a densidade média de gravação das uni-
de US$ 13 bilhões entre 1975 e 1990. Das 17 empresas dades que empregaram a nova tecnologia de cabeças e
na indústria de OEM em 1976, apenas uma ainda estava discos de película magnética, que foi introduzida em
em operação em 1990. Mais de 130 empresas entraram cada um dos anos entre 1976 e 1990. As melhorias na
para o setor durante esse período e mais de 100 delas abordagem convencional resultaram em avanços incre-
fracassaram. O custo por megabyte (MB) da unidade mentais consistentes, tais como a moagem das cabeças
de disco média em dólares constantes de 1990 caiu de de ferrita em dimensões mais finas e precisas, e o uso
US$ 560 em 1976 para US$ 5 em 1990. O tamanho físi- de partículas de óxido menores e mais finamente dis-
co de uma unidade de 100 MB encolheu de 5.400 para 8 persadas na superfície do disco. Note que a melhoria na
polegadas cúbicas ao longo do mesmo período. Durante densidade de área que pode ser obtida com a tecnologia
esse tempo, surgiram seis gerações de produtos arquite- ferrita/óxido começou a se estabilizar nos últimos anos
turalmente distintas, e uma empresa se tornou líder de do período – o que sugere uma curva S de tecnologia
mercado em quatro dessas gerações. Uma descrição da madura (Foster, 1986). Observe como as tecnologias de
tecnologia da unidade de disco que pode ser útil para cabeça e disco de película magnética surgiram para sus-
alguns leitores é fornecida no Apêndice 1. tentar a taxa de melhoria do desempenho em seu ritmo
histórico de 35%, entre 1984 e 1990.
TIPOLOGIAS DA MUDANÇA TECNOLÓGICA O gráfico à direita na Figura 1 descreve uma mudan-
ça tecnológica de sustentação com um caráter muito di-
De acordo com os primeiros estudiosos, as empresas ferente: uma inovação na arquitetura do produto. Nesse
estabelecidas podem fracassar quando a mudança tec-
caso, a unidade Winchester de 14 polegadas substituiu
nológica destrói o valor das competências tecnológicas
os pacotes de discos removíveis, um projeto dominante
estabelecidas (Tushman e Anderson, 1986) ou quando
entre 1962 e 1978. Assim como na substituição da tec-
surgem novas tecnologias arquiteturais (Henderson e
nologia de ferrita/óxido pela película magnética, o im-
Clark, 1990). Para o nosso propósito, no entanto, consi-
pacto da tecnologia do Winchester foi sustentar a taxa
deramos distinguir as inovações que sustentaram a taxa
de melhoria do desempenho historicamente estabele-
de melhoria no desempenho dos produtos da indústria
(a capacidade total e a densidade de gravação foram as cida. Outras inovações importantes (como os sistemas
servoembutidos, os códigos de gravação RML e PRML,
os motores mais rápidos e as interfaces embutidas SCSI,
3
A Figura 5 (que se refere a Yin, 1989, pp. 35-37) descreve essa corres- SMD, ESDI e AT) também ajudaram os fabricantes a
pondência de padrões. sustentar a histórica taxa de melhoria do desempenho
162     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Exemplos de mudança tecnológica de sustentação nos componentes (à esquerda) e na arquitetura do produto (à direita)

Densidade de área (milhões de bits/polegada quadrada)


Impacto de discos e cabeças de película magnética Impacto da arquitetura do Winchester na densidade
na sustentação das melhorias na densidade de área das unidades de disco de 14 polegadas
100 10
Densidade de área de gravação

50 5
30 3
20 2

10 1

5 0,5
3 0,3
2 0,2

1 0,1
76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84
Ano Ano

Óxido/ferrita Película magnética Pacote de discos Winchester

Fonte: Gráficos reproduzidos com a permissão da Business History Review, 1993, 67, p. 557.

que seus clientes esperavam.4 Doravante, as mudanças estabelecidos de minicomputadores – capacidade, custo
tecnológicas que provocam um impacto de sustentação por megabyte e tempo de acesso –, o produto de 8 po-
em uma trajetória estabelecida de melhoria do desempe- legadas era amplamente superior. A arquitetura de 5,25
nho serão denominadas tecnologias sustentadoras. polegadas não focava as necessidades dos fabricantes de
minicomputadores como eles as percebiam na época. Por
Mudanças tecnológicas disruptivas sua vez, a arquitetura de 5,25 polegadas possuía atributos
Na história da indústria, a maior parte da mudança tec- que atraíam o segmento de mercado dos computadores
nológica consistiu em inovações sustentadoras do tipo desktop, que estava apenas surgindo em 1980-1982. Era
descrito anteriormente. No entanto, poucas mudanças pequena e leve – características importantes para essa
provocaram disrupção nas trajetórias. As mais importan- aplicação. Custava cerca de US$ 2 mil, o que significava
tes delas, do ponto de vista histórico, foram as inovações que poderia ser economicamente incorporada nas má-
de arquitetura que conduziram a indústria dos discos de quinas desktop. Doravante, as tecnologias que provocam
14 polegadas de diâmetro para os de 8, 5,25 e 3,5 po- disrupção em uma trajetória estabelecida de melhoria do
legadas. As maneiras como essas inovações foram dis- desempenho ou que redefinem o significado de desempe-
ruptivas estão ilustradas na Figura 2. Definida em 1981, nho serão chamadas de tecnologias disruptivas.
essa tabela compara os atributos de uma unidade de 5,25 Em geral, as mudanças tecnológicas de sustentação
polegadas típica – uma arquitetura nova que estava no atraíam os clientes estabelecidos nos principais merca-
mercado havia menos de um ano na época – com os de dos existentes, pois proporcionavam muito mais do que
uma unidade típica de 8 polegadas, que, na época, havia eles esperavam. Entretanto, nem sempre as tecnologias
se tornado a unidade padrão usada pelos fabricantes de disruptivas podiam ser empregadas imediatamente nos
minicomputadores. Note que, ao longo das dimensões de mercados estabelecidos. Por essa razão, passaram a ser
desempenho consideradas importantes para os fabricantes valorizadas nos mercados remotos ou emergentes. Essa
tendência aparece consistentemente não só nas unidades
de disco, mas em toda gama de indústrias (Rosenbloom
4
Os exemplos de mudança tecnológica exibidos nas Figuras 1 e 2 introdu- e Christensen, 1995).
zem alguma ambiguidade para o termo não qualificado descontinuidade,
como foi usado por Dosi (1982), Tushman and Anderson (1986) e outros.
As inovações na tecnologia de cabeça e disco descritas no gráfico da O IMPACTO DAS TECNOLOGIAS DE
esquerda da Figura 1 representam descontinuidades positivas em uma
trajetória tecnológica estabelecida, enquanto o desenvolvimento das tec- SUSTENTAÇÃO E DISRUPTIVAS NA
nologias que provocam disrupção nas trajetórias, exibido graficamente ESTRUTURA DA INDÚSTRIA
na Figura 2, representa descontinuidades negativas. Como será demons-
trado adiante, as empresas estabelecidas pareceram bem capazes de li- A história das mudanças tecnológicas de sustentação e
derar a indústria ao longo das descontinuidades positivas. As negativas
foram os pontos em que as empresas estabelecidas geralmente perderam disruptivas na indústria de unidades de disco está re-
suas posições de liderança na indústria. sumida na Figura 3. A história começa em 1974, ano
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     163

FIGURA 2 O impacto disruptivo na melhoria as linhas tracejadas que saem dos pontos B, C e D me-
do desempenho da arquitetura de 5,25 polegadas
dem as tendências na capacidade média em que os fa-
versus 8 polegadas
bricantes de unidade de disco eram capazes de fornecer
Unidades de Unidades de
Atributo 8 polegadas 5,25 polegadas
em cada arquitetura sucessiva de unidade de disco. Ob-
serve que, com exceção da arquitetura Winchester de
Capacidade (megabytes) 60 10 14 polegadas, a capacidade máxima disponível inicial-
Volume (polegadas cúbicas) 566 150
Peso (libras) 21 6
mente em cada uma dessas arquiteturas era substancial-
Tempo de acesso (ms) 30 160 mente menor do que a capacidade exigida para o com-
Custo por megabyte US$ 50 US$ 200 putador típico no mercado estabelecido – essas foram
Custo total da unidade US$ 3.000 US$ 2.000 inovações disruptivas. Como consequência, os projetos
Os atributos mais valorizados no mercado de minicomputadores em de 8, 5,25 e 3,5 polegadas foram rejeitados inicialmente
1981 são apresentados em negrito.
Os atributos valorizados no mercado emergente de computadores pelos grandes fabricantes estabelecidos de computador
desktop em 1981 estão sublinhados. e implementados nas aplicações para discos rígidos nos
Fonte: Análise dos dados do Disk/Trend Report; de Christensen,
(1992a: -90). mercados emergentes: minicomputadores, PCs desktop
e PCs portáteis, respectivamente. No entanto, depois
em que o primeiro modelo da arquitetura Winchester da que as arquiteturas disruptivas se estabeleceram em no-
IBM foi lançado para desafiar o design arquitetural domi- vos mercados, o acúmulo de centenas de inovações de
nante de pacotes de disco. Quase todas as unidades foram sustentação empurrou o desempenho de cada arquitetu-
vendidas para fabricantes de computadores de grande porte. ra para a frente ao longo de trajetórias muito íngremes
Em 1974, um mainframe médio era equipado com cerca e aproximadamente paralelas.6
de 130 MB de capacidade de disco rígido. A capacidade de A trajetória de melhoria proporcionada pela tecnolo-
armazenamento em disco rígido fornecida com um main- gia dentro de cada arquitetura tem quase o dobro da incli-
frame médio aumentou aproximadamente 17% ao ano, nação em relação ao aumento na capacidade demandada
de modo que, em 1990, um mainframe era equipado com em cada mercado. Como veremos, essa disparidade entre
1.300 MB de capacidade de disco rígido. Esse crescimento o que a tecnologia poderia proporcionar e o que o mer-
no uso de memória de disco por computador é mapeado cado demandou parece ter sido a causa principal da ins-
pela linha sólida que se inicia no ponto A na Figura 3. Essa tabilidade da liderança na indústria de unidades de disco.
trajetória foi conduzida pela aprendizagem do usuário e pelo
desenvolvimento de softwares nas aplicações em que eram
LÍDERES EM INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
usados os mainframes (Christensen e Rosenbloom, 1995).
SUSTENTADORAS E DISRUPTIVAS
A linha tracejada que se origina no ponto A mede o au-
mento na capacidade média das unidades de 14 polegadas Para entender melhor por que as empresas líderes po-
ao longo do mesmo período. Note que, apesar de a capaci- dem ter sucesso como pioneiras no desenvolvimento
dade da unidade de 14 polegadas ser igual à capacidade do e na adoção de muitas tecnologias novas e comple-
mainframe típico em 1974, a taxa de aumento na capaci- xas e ainda assim perder suas posições de liderança
dade proporcionada pela arquitetura de 14 polegadas ultra- na indústria ao não conseguirem implementar outras
passou a taxa de crescimento na capacidade exigida pelo tecnologias, comparamos o comportamento inovador
mercado de mainframes, o que levou essa arquitetura em das empresas estabelecidas com o das entrantes no
direção dos sofisticados mainframes, computadores cien- que diz respeito a cada uma das inovações tecnoló-
tíficos e supercomputadores. Além disso, observe como gicas sustentadoras e disruptivas na história da in-
a nova arquitetura Winchester de 14 polegadas sustentou dústria de discos rígidos. Com base em Henderson
a trajetória de capacidade que havia sido estabelecida na e Clark (1990), definimos as empresas estabeleci-
arquitetura anterior de pacotes de discos. O Apêndice 2 das como aquelas que fabricavam unidades de disco
descreve como essas trajetórias foram calculadas. empregando uma tecnologia mais antiga, enquanto
As trajetórias sólidas que emanam dos pontos B, C as entrantes foram aquelas cujo produto inicial, ao
e D representam a capacidade média de disco rígido entrarem na indústria, empregava a nova tecnolo-
exigida pelos compradores de computadores em cada gia de componente ou arquitetural que estava sen-
segmento de mercado ao longo do tempo.5 Na Figura 3, do analisada. Adotou-se essa definição pelo caráter

5
Essas trajetórias representam a capacidade de disco exigida em cada 6
O impacto paralelo das inovações sustentadoras por meio dessas gera-
mercado, porque, em cada caso, poderia ter sido fornecida uma maior ções arquiteturais resulta do fato de as mesmas tecnologias sustentadoras,
capacidade de disco aos usuários pelos fabricantes se o mercado tivesse na forma de componentes, estarem simultaneamente disponíveis para fa-
exigido, com um adicional sobre o custo da unidade à época. bricantes de cada geração de unidades de disco (Christensen, 1992b).
164     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Padrões de entrada e melhoria das tecnologias disruptivas de unidade de disco

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1
74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90
Ano
Fonte: Reproduzida com a permissão da Business History Review, 1993, 67, p. 559.

longitudinal deste estudo, que examina o desempe- a Maxtor e a Conner Peripherals – acharam melhor
nho das empresas estabelecidas e entrantes por meio aprender com as cabeças de ferrita nos seus produtos
de uma sequência de inovações. de entrada no mercado antes de abordarem a tecnologia
Apesar da ampla variedade nas magnitudes e nos de película magnética nas gerações subsequentes.
tipos de mudanças tecnológicas de sustentação na his- Observe o padrão similar no desenvolvimento e na
tória da indústria, coube às empresas líderes estabeleci- adoção dos códigos RLL – um desenvolvimento muito
das o desenvolvimento dessas mudanças. A Figura 4(a) mais simples do que a tecnologia de cabeça de película
retrata esse padrão de liderança para três tecnologias magnética –, que consumiram, no máximo, alguns mi-
sustentadoras representativas. A Burroughs (1976), a lhões de dólares por empresa. O RLL permitiu uma me-
IBM (1979) e outras empresas estabelecidas incorpo- lhoria de 30% na densidade e, portanto, representou o ca-
raram com sucesso, pela primeira vez, as cabeças de minho mais econômico para a melhoria do desempenho
película magnética nas unidades de disco. No período que deveria ser atraente para as empresas entrantes. Mas,
de 1981-1986, quando mais de 60 empresas entraram em 1985, 11 das 13 empresas que introduziram novos
para a indústria de unidades de disco rígido, apenas cin- modelos empregando a tecnologia RLL eram empresas
co (todas fracassaram comercialmente) tentaram fazê- estabelecidas, o que significa que elas ofereciam anterior-
-lo usando cabeças de película magnética como fonte mente modelos com base na tecnologia MFM. Apenas
de vantagem no desempenho em seus produtos iniciais. duas eram entrantes e empregavam, em seus produtos
Todas as demais empresas entrantes – mesmo aquelas iniciais, os códigos RLL. Como pode ser visto na Figura
agressivamente voltadas para o desempenho, como 4(a), seis das sete primeiras empresas a introduzirem as
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     165

FIGURA 4 Tendências na liderança e subserviência tecnológica nas tecnologias sustentadoras versus disruptivas

(a) Quantidade de empresas estabelecidas e entrantes que introduziram modelos com base em tecnologias de trajetória sustentadora
1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

Cabeças com películas


magnéticas Entrantes 1 1 2 1 1 4
Estabelecidas 1 1 1 3 5 6 8 12 15 17 22
Códigos RLL Entrantes 1 2 3 6 8
Estabelecidas 4 11 20 25 26
Arquitetura
Winchester Entrantes 1 4 9
Estabelecidas 1 3 3 7 11

(b) Quantidade de empresas estabelecidas e entrantes que introduziram modelos com base em tecnologias arquiteturais disruptivas

1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

8 polegadas Entrantes 1 4 6 8
Estabelecidas 0 2 5 5
5,25 polegadas Entrantes 1 8 8 13
Estabelecidas 1 2 8 11
3,5 polegadas Entrantes 1 2 3 4
Estabelecidas 0 1 1 4

Nota: Os dados apresentados nesta tabela referem-se apenas aos anos em que as novas tecnologias ganhavam ampla aceitação, para ilustrar as
tendências na liderança e na subserviência tecnológica. Depois que as tecnologias se tornaram amplamente aceitas, a quantidade de empresas que
lançaram modelos com base nessas tecnologias não é mais divulgada. Trata-se de doze anos na categoria de cabeça de película magnética, tempo
necessário para que as cabeças de película magnética fossem amplamente utilizadas no mercado. Apenas cinco anos de história são divulgados para
os códigos RLL porque, em 1988, a maioria das empresas estabelecidas e entrantes tinha adotado esses códigos. Quatro anos de dados são exibidos
para as novas arquiteturas porque as empresas que não tivessem lançado a nova arquitetura nesse prazo, a partir do seu surgimento no mercado, eram
excluídas da indústria.

unidades de arquitetura Winchester já fabricavam unida- – tenderam, de forma esmagadora, a ser as entrantes, e
des de disco com base na arquitetura de pacotes de disco.7 não as estabelecidas. A Figura 4(b) mostra, por exemplo,
A história de todas as outras inovações sustentadoras que, em 1978, uma empresa entrante ofereceu à indústria
– como os sistemas servoembutidos, as densidades de gra- a primeira unidade de 8 polegadas. No final do segundo
vação em zonas específicas, os motores com RPM mais ano de vida da arquitetura (1979), seis empresas já ofe-
elevada e a arquitetura Winchester de 2,5 polegadas – re- reciam unidades de 8 polegadas; dois terços delas eram
vela um padrão similar: as empresas estabelecidas adota- entrantes. Do mesmo modo, no final do segundo ano de
ram uma tecnologia sustentadora em componentes ou na vida da geração de 5,25 polegadas, oito das empresas que
arquitetura. As entrantes fizeram o mesmo caminho. Em ofereciam unidades de 5,25 polegadas eram entrantes.
outras palavras, o fato de as empresas líderes não conse- De modo similar, empresas entrantes dominaram a po-
guirem se manter no topo da indústria de unidades de disco pulação inicial de empresas que ofereciam unidades de
não significa que elas não foram capazes de acompanhar 3,5 polegadas. Em cada uma dessas gerações, entre meta-
o ritmo da indústria ao longo das trajetórias tecnológicas de e dois terços dos fabricantes estabelecidos da geração
nas linhas tracejadas mapeadas na Figura 4. As grandes arquitetural anterior nunca introduziram um modelo com
empresas estabelecidas lideraram de maneira eficiente a a nova arquitetura. Os fabricantes estabelecidos de uni-
indústria ao longo dessas trajetórias, embora muitas dessas dades que projetaram e fabricaram modelos com a nova
trajetórias fossem progressões destruidoras de competên- arquitetura o fizeram com uma defasagem média de dois
cias em termos de tecnologias, habilidades e ativos de ma- anos em relação às empresas pioneiras entrantes. Nessa
nufatura necessários (Tushman e Anderson, 1986). indústria de ritmo veloz, uma resposta demorada como
Entretanto, as empresas que lideraram a indústria essa foi quase sempre fatal.
na introdução de tecnologias arquiteturais disruptivas – Esses padrões de liderança e subserviência nas tec-
nos movimentos para os pontos B, C e D na Figura 3 nologias sustentadoras e disruptivas estão refletidos
no sucesso e no fracasso comercial dos fabricantes de
unidades de disco rígido. A habilidade de as empresas
7
Note que as estatísticas exibidas na Figura 4 não são uma amostra – estabelecidas liderarem a indústria no que se refere às
elas representam a população inteira de empresas em cada um dos anos inovações sustentadoras que impulsionaram as trajetó-
exibidos, que ofereceram modelos que incorporavam as tecnologias em
questão. Por essa razão, os testes de significância estatística não são re- rias tecnológicas mais íngremes na Figura 4 muitas vezes
levantes nesse caso. foram difíceis, arriscadas e dispendiosas, em termos tec-
166     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

nológicos. Contudo, na história da indústria, não há evi- mada de decisão dessas empresas relativos ao desenvol-
dência de que as empresas que lideraram nas inovações vimento e à comercialização das tecnologias arquiteturais
sustentadoras ganharam participação de mercado em vir- disruptivas. As experiências dessas empresas e as forças
tude de tal liderança tecnológica (Christensen, 1992b). influenciadoras de suas decisões eram muito semelhantes.
Essa liderança as capacitou a manter a competitividade Em cada caso, quando confrontadas com a mudança tec-
apenas em trajetórias tecnológicas específicas. Quanto nológica disruptiva, o desenvolvimento necessário da tec-
às entrantes, as vantagens de liderança nas inovações nologia nunca foi um problema: os protótipos das novas
disruptivas permitiram que elas não apenas capturassem unidades de disco frequentemente foram desenvolvidos
novos mercados à medida que estes surgiam, mas tam- antes de o grupo de gestores ter que tomar uma decisão.
bém que invadissem e capturassem os já estabelecidos, Entretanto, foi no processo de alocação dos recursos es-
já que as trajetórias do progresso tecnológico eram mais cassos entre as propostas concorrentes de desenvolvi-
íngremes do que aquelas do desempenho exigido. mento de produto e tecnologia que os projetos disrupti-
Por isso, todos os fabricantes de unidades de 14 vos ficaram estagnados. Os programas com enfoque nas
polegadas, exceto um, foram excluídos do mercado necessidades dos clientes mais poderosos das empresas
de mainframes pelas empresas entrantes, que, em sua quase sempre foram priorizados em relação aos projetos
etapa inicial, produziam unidades de 8 polegadas para disruptivos, cujos mercados tendiam a ser pequenos e
minicomputadores. Os fabricantes de unidades de 8 po- onde as necessidades dos clientes eram mal definidas.
legadas, por sua vez, foram excluídos do mercado de Na seção seguinte, sintetizamos os dados dos estu-
minicomputadores e, no fim das contas, do mercado de dos de caso de seis empresas que estudamos com mais
mainframes, pelas empresas que adotaram a manufa- profundidade em um modelo de seis etapas, que des-
tura de unidades de 5,25 polegadas para computadores creve os fatores que influenciaram a forma como os re-
desktop. Os principais fabricantes de unidades de 5,25 cursos foram alocados entre as propostas concorrentes
polegadas foram excluídos dos mercados de computa- para o desenvolvimento de nova tecnologia sustenta-
dores desktop e minicomputadores pelos fabricantes de dora versus disruptiva nessas empresas. A luta da Sea­
unidades de 3,25, conforme mapeado na Figura 4. gate Technology, a fabricante dominante da indústria
Começamos este artigo com a seguinte questão: “Por de unidades de 5,25 polegadas, para comercializar com
que algumas empresas consideradas bem geridas em um sucesso a unidade disruptiva de 3,5 polegadas é recon-
determinado momento perdem suas posições de lideran- tada aqui para ilustrar cada uma das etapas do mode-
ça na indústria quando confrontadas com a mudança?”. lo. Trechos mais curtos, provenientes de um relatório
No contexto da análise anterior sobre a indústria de uni- mais completo de outros estudos de caso (Christensen,
dades de disco, essa questão pode ser consideravelmente 1992a), também são apresentados para ilustrar o que
enfatizada. Na verdade, as empresas estabelecidas eram aconteceu em determinadas empresas, em cada ponto
agressivas, inovadoras e sensíveis ao cliente em suas do processo. A Figura 5 descreve como as descobertas
abordagens de inovações sustentadoras de todo tipo. Por de cada estudo de caso sustentam, ou não, as principais
que elas não conseguiram liderar a indústria nas inova- proposições no modelo. Nos termos de Yin (1989), o
ções de arquiteturas disruptivas? Porque as empresas alto grau de replicação literal e teórica exibido na Figu-
entrantes conseguiram demonstrar uma vantagem ape- ra 5 e o grau de “correspondência de padrão” entre os
nas nessas inovações. Infelizmente, para as empresas estudos de caso em que mais de uma empresa encontrou
estabelecidas, essa vantagem permitia que as entrantes a mesma mudança tecnológica trouxe elevado grau de
derrubassem os líderes industriais estabelecidos sempre confiabilidade e validade externa do modelo.9
que surgia uma tecnologia disruptiva.8
Para entender por que a mudança tecnológica disrup-
tiva foi tão incômoda para as empresas estabelecidas, en-
trevistamos pessoalmente gestores que desempenharam 9
Para os leitores não familiarizados com o trabalho de estudiosos como
papéis-chave nas empresas líderes da indústria. O pro- Yin (1989) e Campbell and Stanley (1966) sobre metodologia de pes-
pósito dessas entrevistas era reconstruir, com o máximo quisa, uma replicação literal de um modelo ocorre quando acontece um
resultado conforme o modelo previu. Uma replicação teórica do modelo
de precisão e com a maior quantidade de pontos de vista ocorre quando o resultado é diferente do que havia sido previsto pelo
possíveis, as forças que influenciaram os processos de to- modelo, mas pode ser explicado pelos elementos nele contidos. Aqui, o
sucesso das empresas entrantes e o fracasso das empresas estabelecidas
em pontos da mudança tecnológica disruptiva são previstos diretamente
pelo modelo e seriam classificados como replicações literais. Os casos
8
Acreditamos que o conceito de que as empresas entrantes têm uma van- em que uma empresa estabelecida foi bem-sucedida em face da mudança
tagem nas inovações disruptivas, mas não nas sustentadoras, esclarece, tecnológica disruptiva porque soube lidar com os fatores no modelo que
mas não entra em conflito com as afirmações de Foster (1986) sobre a geralmente precipitariam o fracasso seriam classificados como replica-
vantagem dos entrantes. Os exemplos históricos que Foster usa para fun- ções teóricas do modelo. Vários casos como esses ocorreram na história
damentar a sua teoria geralmente parecem ser de inovações disruptivas. da indústria, como é explicado mais adiante neste artigo.
FIGURA 5 Suporte dos elementos-chave do modelo encontrados em cada um dos seis estudos de caso aprofundados

Empresas estudadas Protótipos da unidade Profissionais de O projeto para São estabelecidas As empresas Em resposta ao
de arquitetura marketing mostram os comercializar o novas empresas entrantes, que ataque das entrantes,
disruptiva são primeiros protótipos produto disruptivo é para comercializar a inicialmente vendiam as empresas
desenvolvidos para os principais arquivado; a empresa arquitetura disruptiva; o produto apenas estabelecidas
internamente, bem clientes da arquitetura segue agressivamente elas encontram novos no novo mercado, introduzem
antes da ampla anterior, que na trajetória mercados onde os aprimoram o tardiamente o
adoção pela indústria rejeitam o produto. das inovações atributos do produto desempenho além do produto disruptivo.
(etapa 1 do modelo). O marketing emite sustentadoras (etapa são valorizados (etapa qual o mercado inicial As vendas são, em
previsões pessimistas 3 do modelo). 4 do modelo). exige, permitindo-lhes grande parte, para os
(etapa 2 do modelo). atacar os mercados clientes existentes,
estabelecidos (etapa 5 canibalizando as
do modelo). vendas dos produtos
da arquitetura anterior
(etapa 6 do modelo).

Quantum Corporation L L L, T L, T L L, T

Conner Peripherals L L L L

Miniscribe L L L L

Seagate Technology L L L L L L

Micropolis T L L, T L, T L T

Control Data L L L, T L, T L L, T

Nota: Um L na matriz indica que essa etapa foi um elemento claro no estudo de caso da empresa – segundo Yin (1989), uma “replicação literal”. Onde aparece um T, a empresa evitou o destino descrito no modelo
ao reconhecer explicitamente os fatores nesse modelo e ao lidar com eles da maneira descrita na seção final deste artigo. De acordo com Yin, trata-se de replicações teóricas do modelo. Nos casos em que não
há L nem T, a etapa não foi uma parte clara ou proeminente do encontro da empresa com a tecnologia disruptiva estudada. Algumas empresas estudadas confrontaram apenas com uma arquitetura disruptiva.
A Miniscribe, por exemplo, começou a produzir unidades de 5,25 polegadas no padrão indicado por nosso modelo e, por isso, foi excluída da indústria. Outras empresas, como a Quantum e a Control Data,
confrontaram-se com uma série de inovações disruptivas e lidaram com algumas delas de formas diferentes das que empregaram em outras, conforme descrito na última seção deste artigo. Em tais casos, um L e
um T aparecem na matriz. Como aponta Yin, quando são usados múltiplos estudos de caso para sustentar um modelo de múltiplos elementos, como neste estudo, cada célula, em uma matriz como essa, constitui
uma observação independente. Por isso, o modelo é sustentado em 32 das 36 observações.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5    
167
168     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

UM MODELO DE PROCESSO DE ALOCAÇÃO DE Geralmente, como as unidades disruptivas eram


RECURSOS NAS EMPRESAS ESTABELECIDAS voltadas para os mercados emergentes, as previsões
EM FACE DA MUDANÇA DISRUPTIVA de vendas iniciais foram pequenas. Além disso,
como esses produtos eram mais simples e ofereciam
1. Embora as entrantes fossem líderes na comercializa- um desempenho inferior, as previsões de margem de
ção de tecnologia disruptiva, elas não começaram desta lucro também eram mais baixas do que as empre-
forma: os primeiros engenheiros responsáveis pelo de- sas estabelecidas necessitavam. Nas empresas esta-
senvolvimento de arquiteturas disruptivas eram empre- belecidas, os analistas financeiros se juntaram aos
gados de uma empresa estabelecida líder e usavam re-
colegas de marketing e se opuseram aos programas
cursos clandestinamente. O trabalho deles raramente foi
disruptivos. Como resultado, no processo de aloca-
iniciado pela alta gestão. Embora arquiteturalmente ino-
ção subsequente, os recursos eram explicitamente
vadores, esses projetos quase sempre empregaram com-
retirados, e os projetos disruptivos eram aos poucos
ponentes prontos para uso. Por exemplo, os engenheiros
da Seagate Technology, a principal fabricante de unida- enfraquecidos.
des de 5,25, desenvolveram, em 1985, um protótipo fun- Por exemplo, quando o principal cliente da Sea-
cional dos modelos de 3,5 polegadas. Eles fizeram mais gate, a divisão de PC da IBM, rejeitou os protótipos
de 80 modelos de protótipo antes da emissão formal da de 3,5 polegadas por terem capacidade insuficiente,
aprovação do projeto pela alta gestão. A mesma coisa as previsões de vendas foram cortadas e os altos
aconteceu antes na Control Data, a fabricante dominante executivos arquivaram o programa – da mesma
de unidades de 14 polegadas. Seus engenheiros projeta- forma que as unidades de 3,5 polegadas estavam
ram internamente unidades de 8 polegadas quase dois se tornando firmemente estabelecidas nos laptops.
anos antes de elas aparecerem no mercado. “Precisávamos de um modelo novo”, relembra um
2. O departamento de marketing usou o seu procedimento ex-gestor da Seagate, “que pudesse ser o próximo
habitual para testar o apelo de mercado das novas unida- ST412 [um produto muito bem-sucedido, que ge-
des: mostrou protótipos aos clientes importantes da linha rava US$ 300 milhões em vendas anualmente no
de produto existente e pediu-lhes que avaliassem os novos mercado de desktop e que estava próximo do fim
modelos.10 Mais uma vez no caso da Seagate, os profissio- do seu ciclo de vida]. Nossas previsões para a uni-
nais de marketing testaram as novas unidades de 3,5 po- dade de 3,5 polegadas estavam abaixo de US$ 50
legadas com a IBM e outros fabricantes de computadores milhões porque o mercado de laptops estava apenas
pessoais desktop classe XT e AT – apesar de as unidades, surgindo – e o produto de 3,5 polegadas simples-
como mostra a Figura 4, terem muito menos capacidade mente não era apropriado”. Anteriormente, quando
do que o mercado principal de desktop exigia. os engenheiros da Control Data, a principal fabri-
Esses clientes demonstraram pouco interesse pe- cante de unidades de 14 polegadas, desenvolveram
las unidades disruptivas porque elas não focavam suas primeiras unidades de 8 polegadas, seus clien-
sua necessidade de maior desempenho na estrutura tes estavam à procura de uma média de 300 MB
arquitetural estabelecida. Como mostra a Figura 3, os por computador, enquanto as primeiras unidades de
clientes estabelecidos precisavam de novas unidades 8 polegadas da CDC ofereciam menos de 60 MB.
que os levassem ao longo da trajetória de desempe- O projeto de 8 polegadas recebeu uma prioridade
nho existente. Como consequência, os gestores de baixa e os engenheiros designados para o seu desen-
marketing foram relutantes em apoiar a tecnologia volvimento eram retirados do projeto para resolver
disruptiva e fizeram previsões de vendas pessimistas. problemas com as unidades de 14 polegadas que
estavam sendo projetadas para os clientes mais im-
portantes. Problemas semelhantes afligiram os lan-
çamentos tardios das unidades de 5,25 polegadas da
10
Isso é coerente com a observação de Burgelman de que uma das maio-
res dificuldades encontradas pelos empreendedores corporativos é iden- Quantum e Micropolis.
tificar os “locais corretos de teste beta”, onde os produtos poderiam ser 3. Em resposta às necessidades dos clientes atuais, os gesto-
desenvolvidos interativamente e refinados com os clientes. Geralmente, res de marketing incentivaram os projetos alternativos de
a intermediação com o cliente era feita pelo vendedor que comercializava
as linhas de produto estabelecidas pela empresa, o que ajudava no desen- sustentação, tais como incorporar cabeças melhores ou
volvimento de novos produtos para os mercados estabelecidos, mas não desenvolver novos códigos de gravação. Isso daria aos
ajudava a identificar aplicações para a sua nova tecnologia (Burgelman clientes o que eles queriam, poderia se destinar a grandes
and Sayles, 1986, 76-80). De acordo com a professora Rebecca Hender-
son, essa tendência de sempre levar as novas tecnologias aos clientes mercados e geraria as vendas e lucros necessários para
principais reflete uma competência de marketing um tanto estreita – ape- manter o crescimento. Embora geralmente envolvessem
sar de essas questões tenderem a ser classificadas por muitos estudiosos mais gastos de desenvolvimento, tais investimentos de
como questões de competência tecnológica, a incapacidade de uma em-
presa para encontrar novos mercados para as tecnologias novas pode ser sustentação pareciam muito menos arriscados do que os
a sua desvantagem de inovação mais grave. investimentos em tecnologia disruptiva, já que os clien-
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     169

tes estavam lá. A racionalidade da decisão da Seagate haviam trabalhado na Memorex.11 As start-ups foram tão
de arquivar a unidade de 3,5 polegadas em 1985-1986, malsucedidas quanto seus ex-empregadores foram em
por exemplo, é forte. Sua visão de baixo mercado (nos despertar o interesse dos fabricantes de computador esta-
termos da Figura 3) previa um total de US$ 50 milhões belecidos pela arquitetura disruptiva. Consequentemente,
para as unidades de 3,5 polegadas em 1987. As margens eles tiveram que encontrar novos clientes. As aplicações
brutas que ela conseguiria alcançar nesse mercado eram surgidas nesse bastante incerto processo de sondagem fo-
incertas, mas seus executivos de manufatura previram ram o minicomputador, o computador pessoal desktop e o
que os custos por megabyte nas unidades de 3,5 polega- laptop (ver Figura 3). São mercados óbvios para os discos
das seriam muito mais altos do que os dos produtos de rígidos em retrospecto. No entanto, não havia nenhuma
5,25 polegadas. A visão da Seagate do alto mercado era certeza de que eles se tornariam excelentes fabricantes de
bem diferente. O volume de vendas das unidades de 5,25 unidades de disco. A Micropolis foi fundada antes do sur-
polegadas com capacidades de 60-100 MB foram pre- gimento do mercado para os minicomputadores desk-side
vistos em US$ 500 milhões em 1987. As empresas que e processadores de texto, no qual seus produtos vieram a
atendiam o mercado de 60-100 MB estavam auferindo ser utilizados. A Seagate foi fundada dois anos antes de a
margens brutas de 35%-40%, enquanto as margens da IBM introduzir o seu PC, quando os computadores pes-
Seagate, em suas unidades de 20 MB de alto volume, soais eram simples brinquedos para hobbistas. A Conner
estavam entre 25% e 30%. Para a Seagate, não fazia sen- Peripherals teve o seu início antes de a Compaq saber que
o mercado de computadores pessoais tinha potencial. Os
tido investir recursos na unidade de 3,5 polegadas en-
fundadores dessas empresas vendiam seus produtos, sem
quanto as propostas concorrentes para escalar o mercado
uma estratégia de marketing clara, essencialmente para
e desenvolver sua linha de unidades ST251 também es-
quem quer que os comprasse. Além do que foi, em grande
tavam sendo ativamente avaliadas.
parte, uma abordagem de tentativa e erro para o mercado,
Depois que os executivos da Seagate arquivaram surgiram, em última instância, as aplicações dominantes
o projeto de 3,5 polegadas, a empresa começou a para seus produtos.
introduzir modelos de 5,25 polegadas em um ritmo 5. Depois que as start-ups encontraram uma base de ope-
radicalmente acelerado. Em 1985, 1986 e 1987, as rações nos novos mercados, elas descobriram que, ao
quantidades de novos modelos que ela introduziu adotarem melhorias de sustentação nas novas tecnolo-
a cada ano, como uma porcentagem da quantidade gias de componente,12 podiam aumentar a capacidade
total de seus modelos no mercado no ano anterior, das suas unidades em um ritmo mais veloz do que o
foram de 57%, 58% e 115%, respectivamente. Du- exigido pelo novo mercado. Como mostra a Figura 3,
rante o mesmo período, a Seagate incorporou novas elas abriram trajetórias de melhoria anual de 50%, fi-
tecnologias de componente complexas e sofisticadas, xando sua visão nos grandes e estabelecidos mercados
tais como discos de película magnética, atuadores de de computadores imediatamente acima delas na escala
bobina de voz, códigos RLL e interfaces SCSI em- de desempenho. Como já observado, as visões de baixo
butidas. Em cada um dos nossos outros estudos de mercado das empresas estabelecidas e as visões de alto
mercado das entrantes eram assimétricas. Em contraste
caso, as empresas estabelecidas também introduzi-
com as margens sem atrativos e o tamanho do mercado
ram novos modelos em suas arquiteturas estabeleci-
que as empresas estabelecidas viram quando olharam
das e empregaram uma série de novas tecnologias de para os novos mercados de unidades mais simples, à
componente em um ritmo acelerado após as novas medida que foram surgindo, as empresas entrantes ten-
arquiteturas começarem a ser vendidas. A motivação deram a ver os volumes e as margens potenciais dos
clara das empresas estabelecidas para fazer isso foi mercados mais sofisticados e de alto desempenho,
vencer as guerras da concorrência de umas com as acima delas, como altamente atraentes. Nesses mer-
outras, em vez de se prepararem para um ataque das cados estabelecidos, os clientes acabaram por ado-
empresas entrantes. tar as novas arquiteturas que haviam rejeitado antes,
4. Novas empresas, que, em geral, contavam com ex-mem- porque, depois que as suas necessidades de capaci-
bros das equipes de engenharia de empresas estabelecidas, dade e velocidade foram satisfeitas, o tamanho menor
foram formadas para explorar a arquitetura de produto dis-
ruptiva. Por exemplo, os fundadores da principal fabricante
de unidades de 3,5 polegadas, a Conner Peripherals, eram 11
Em última análise, quase todos os fabricantes norte-americanos de uni-
dades de disco podem rastrear a genealogia dos seus fundadores até che-
funcionários insatisfeitos da Seagate e da Miniscribe, as gar à divisão de San Jose da IBM, que desenvolveu e fabricou produtos
duas maiores fabricantes de unidades de 5,25 polegadas. de gravação magnética (Christensen, 1993).
Os fundadores da fabricante de unidades de 8 polegadas 12
Em geral, essas tecnologias de componente eram desenvolvidas dentro
das maiores empresas estabelecidas que dominavam os mercados acima
Micropolis vieram da Pertec, uma fabricante de unidades dessas entrantes nos termos das trajetórias de tecnologia e mercado ma-
de 14 polegadas, e os fundadores da Shugart e Quantum peadas na Figura 3.
170     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

e a simplicidade arquitetural das novas unidades tor- computadores de grande porte. A Miniscribe, a Quan-
naram-nas mais baratas, rápidas e confiáveis do que tum e a Micropolis viveram a mesma experiência de
as arquiteturas mais antigas. Por exemplo, a Seagate, canibalização quando introduziram tardiamente suas
que começou no mercado de computadores pessoais unidades com tecnologia disruptiva. Elas não consegui-
desktop, passou a dominar também os mercados de uni- ram capturar uma fatia significativa do novo mercado
dades de disco para minicomputadores, estações de tra- e, na melhor das hipóteses, conseguiram defender uma
balho de engenharia e computadores de grande porte. A parcela do seu negócio anterior.
Seagate, por sua vez, foi excluída do mercado de unida-
des de disco para computadores pessoais desktop pelas
Existem assimetrias curiosas nos riscos ex post e
empresas Conner e Quantum, as fabricantes pioneiras
recompensas associadas com as inovações sustentado-
das unidades de 3,5 polegadas.
ras e disruptivas. Muitas das inovações de sustentação
6. Quando os modelos menores começaram a invadir os (como as cabeças e os discos de película magnética e a
segmentos de mercado estabelecidos, os fabricantes arquitetura Winchester de 14 polegadas) eram extrema-
de unidades de disco que haviam controlado inicial- mente caras e arriscadas do ponto de vista tecnológico.
mente esses mercados tiraram seus protótipos da pra- Contudo, como elas se concentravam em necessidades
teleira, onde haviam sido colocados na etapa (3), e os bem conhecidas de clientes também conhecidos, os
introduziram defensivamente para proteger sua base de riscos percebidos de mercado eram baixos, e assim,
clientes em seu próprio mercado.13 A essa altura, natu- a partir deste incentivo, recursos foram alocados ape-
ralmente, a nova arquitetura havia consolidado seu ca- nas com poucas hesitações. Entretanto, apesar de essas
ráter disruptivo e se tornado totalmente competitiva em inovações terem claramente ajudado os inovadores a
termos de desempenho com as unidades maiores nos manter seus clientes, não há, na história da indústria,
mercados estabelecidos. Embora alguns fabricantes es- evidências de que qualquer empresa tenha sido capaz
tabelecidos fossem capazes de defender suas posições de ganhar uma participação de mercado em virtude de
de mercado por meio da introdução atrasada da nova tal liderança tecnológica.14
arquitetura, muitos acharam que as empresas entrantes Por sua vez, as inovações disruptivas eram tecno-
haviam desenvolvido vantagens insuperáveis no custo logicamente simples: várias empresas estabelecidas já
de manufatura e na experiência de design, e se retira- as tinham desenvolvido no momento em que as deci-
ram do mercado. Para os fabricantes estabelecidos que sões formais de alocação de recursos foram tomadas.
tiveram sucesso na introdução das novas arquiteturas, Mas elas eram consideradas extremamente arriscadas
a sobrevivência foi a única recompensa. Nenhuma das porque os mercados não estavam “lá”. A mais bem-su-
empresas que estudamos foi capaz de ganhar uma fatia cedida das empresas entrantes que aceitou os riscos da
significativa do novo mercado, cujo surgimento havia criação de novos mercados para inovações disruptivas
sido viabilizado pela nova arquitetura; as novas unida- gerou bilhões em receitas fundamentadas em tecnolo-
des simplesmente canibalizaram as vendas dos produ- gia arquitetural, que custa, no máximo, alguns milhões
tos mais antigos e de arquitetura maior com os clientes de dólares para implementar.
existentes. Por exemplo, até 1991 quase nenhuma das Apesar das diferenças em termos de sorte, dotação
unidades de 3,5 polegadas da Seagate havia sido ven- de recursos, competência de gestão e agilidade buro-
dida para os fabricantes de portáteis/laptops: os clientes crática, os padrões de liderança em tecnologia exibidos
dessas unidades ainda eram os fabricantes de computa- pelas empresas estabelecidas e entrantes na indústria
dores desktop e muitas unidades de 3,5 polegadas conti- de unidades de disco refletem com exatidão as diferen-
nuaram a ser despachadas com estruturas de adaptação ças nas percepções ex ante plenamente informadas dos
que permitiam a sua montagem em computadores das riscos e das recompensas realizados pelos gestores nos
classes XT e AT, que foram projetados para acomodar dois tipos de empresa. Em cada uma das empresas es-
unidades de 5,25 polegadas. A Control Data, líder em tudadas, uma tarefa fundamental dos altos executivos
unidades de 14 polegadas, nunca capturou sequer 1% foi decidir quais dos muitos programas de desenvol-
da fatia do mercado de minicomputadores. Ela intro- vimento de produto e tecnologia, que continuamente
duziu suas unidades de 8 polegadas quase três anos lhes eram propostos, deveriam receber uma alocação
depois das start-ups pioneiras o fazerem e quase todas formal de recursos. Nessas decisões, os critérios usados
as unidades foram vendidas para clientes existentes de

14
Christensen (1992b) mostra que não houve nenhuma vantagem percep-
Note que, nesse ponto, como a inovação disruptiva que estava invadindo
13
tível de pioneirismo associada às inovações de sustentação da trajetória
por baixo já se tornara totalmente competitiva em termos de desempenho para as empresas na indústria de unidades de disco. No entanto, houve
com a tecnologia estabelecida, ela havia adquirido essencialmente o caráter vantagens de pioneirismo muito poderosas para os lideres nas inovações
de uma inovação de sustentação, pois atendeu às necessidades dos clientes. de disrupção da trajetória que fomentaram a criação de novos mercados.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     171

foram essencialmente o retorno total percebido em cada À luz desta pesquisa, o slogan popular “Fique
projeto, ajustado pelos riscos percebidos do projeto, na perto de seus clientes” (que é apoiado pela pesquisa
medida em que esses dados lhes eram apresentados pe- de Hippel [1988] e outros) nem sempre parece ser um
los gestores de nível intermediário. Os projetos focados conselho robusto. Em vez disso, os clientes podem
nas necessidades conhecidas dos grandes clientes nos levar seus fornecedores a inovações sustentadora e
mercados estabelecidos venceram consistentemente os a nenhuma liderança – ou enganá-los explicitamen-
debates racionais sobre alocação de recursos. Sistemas te – nos casos de mudança de tecnologia disruptiva.
sofisticados de planejamento e compensação garanti- Em seu estudo sobre fabricantes de alinhadores fo-
tolitográficos, Henderson (1993) viu um perigo po-
ram que esse seria o caso.15
tencial semelhante: a empresa pode tornar-se refém
O contraste entre o comportamento inovador de al-
dos clientes.
guns indivíduos na empresa e a maneira como os pro- Fechamos a nossa discussão sobre o modelo com
cessos desta alocaram recursos entre os projetos con- uma nota importante: a negligência pelas tecnologias
correntes é um aspecto característico desse modelo.16 disruptivas foi prejudicial aos fabricantes estabelecidos
Nos casos estudados, os engenheiros pioneiros nas em- de unidades de disco porque a trajetória de melhoria
presas estabelecidas que desenvolveram unidades com no desempenho que a tecnologia proporcionou era mais
arquitetura disruptiva eram inovadores não apenas em íngreme do que a trajetória de melhoria demandada pe-
tecnologia, mas também em sua visão de mercado. Eles los mercados individuais (ver Figura 4). A incompatibi-
perceberam intuitivamente as oportunidades para uma lidade dessas trajetórias proporcionou caminhos para as
unidade de disco muito diferente. Mas os processos empresas que entraram em novos mercados se tornarem
organizacionais alocaram recursos com base nas afir- competitivas em termos de desempenho também nos
mações racionais dos dados sobre retornos e riscos. As mercados estabelecidos. Se as trajetórias fossem para-
informações fornecidas pelos engenheiros inovadores lelas, haveria a expectativa de que as tecnologias dis-
eram, no máximo, hipotéticas: sem clientes existentes, ruptivas fossem implementadas em novos mercados e
eles só podiam adivinhar o tamanho do mercado, a ren- ficassem neles; cada mercado sucessivo constituiria um
tabilidade dos produtos e o desempenho necessário para nicho relativamente estável, para o qual as tecnologias
e empresas não migrariam.
eles. Entretanto, os clientes atuais poderiam articular as
características, o desempenho e as quantidades que eles
comprariam com muito menos ambiguidade. Por causa A RELAÇÃO ENTRE OS MODELOS DE
das diferenças na clareza das informações, as empre- DEPENDÊNCIA DE RECURSOS E ALOCAÇÃO
DE RECURSOS
sas foram levadas a determinados tipos de inovações
– muitas delas extremamente desafiadoras e arriscadas Já mencionamos que uma contribuição deste artigo é
– e para longe de outras. Nas empresas estudadas aqui, que ele estabelece uma relação entre a escola de pen-
aparentemente a questão não é a capacidade de inova- samento conhecida como dependência de recursos
ção em si, mas que tipo de inovação os processos da (Pfeffer e Salancik, 1978) e os modelos de alocação
empresa poderiam facilitar. de recursos propostos por Bower (1970) e Burgelman
(1983a, 1983b). Nossas descobertas apoiam muitas
das conclusões dos teóricos da dependência de recur-
15
É interessante que 20 anos após o estudo de Bower (1970) sobre a alo- sos, que afirmam que o escopo de uma empresa para a
cação de recursos, observamos nos sistemas de planejamento e compen- mudança estratégica é fortemente limitado pelos inte-
sação a mesma tendência contra assumir riscos. A descrição feita por resses de entidades externas (neste estudo, os clientes)
Morris e Ferguson de como a IBM permitiu que a Microsoft adquirisse
o controle dos padrões de sistema operacional para o PC concentra-se no que fornecem os recursos dos quais a empresa neces-
papel dos fabricantes de mainframes no processo de alocação de recursos sita para sobreviver. Mostramos que o mecanismo por
da IBM. Em uma entrevista de 1990 com um dos autores, um dos ino-
vadores mais bem-sucedidos da história da IBM relatou que uma vez ou
meio do qual os clientes exercem esse poder é o pro-
outra foi forçado a lutar contra a influência controladora do compromisso cesso no qual há incentivo por trás dos investimentos
da gestão média em atender os clientes comerciais dos mainframes. em tecnologias sustentadoras, direcionando os recur-
16
Agradecemos ao professor Robert Burgelman por seus comentários
sobre essa questão. Ele também notou, dada a sequência de eventos que sos para as inovações que focam as necessidades dos
observamos – em que os engenheiros dentro das empresas estabelecidas clientes atuais.
começaram a perseguir a oportunidade de produto disruptivo antes que
as start-ups entrantes o fizessem –, que o tempo é muito importante. Pode
Embora as nossas descobertas deem suporte à teo­
ser que, quando os indivíduos nas empresas estabelecidas estavam pres- ria da dependência de recursos, elas decididamente não
sionando suas ideias internamente, eles estivessem à frente demais do são condizentes com a alegação de que os gestores são
mercado. Em um ano ou dois, tempo necessário para que eles deixassem
seus empregos e criassem novas empresas e novos produtos, os mercados impotentes para mudar as estratégias de suas empresas
nascentes poderiam estar mais aptos a aceitar as novas unidades. em direções contrárias às necessidades dos seus clientes
172     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

(Pfeffer e Salancik, 1978, p. 263-265).17 A evidência de 14 polegadas no mercado de mainframes], você pre-
deste estudo é que os gestores podem, na verdade, mu- cisava de um pedido de um milhão de dólares para que
dar a estratégia, mas só terão sucesso se as suas ações alguém te desse atenção”. Embora fosse tarde e a CDC
forem coerentes com o princípio da dependência de re- nunca mais voltasse para a sua posição de dominância, a
cursos. Na história da indústria de unidades de disco, sua incursão nas unidades de 5,25 polegadas foi lucrativa
três empresas estabelecidas alcançaram uma medida de e, por vezes, comandou uma fatia de 20% das unidades
sucesso comercial nas tecnologias disruptivas. Duas ge- de 5,25 polegadas com capacidade mais elevada.
raram organizações completamente independentes dos Com base em sua experiência em Oklahoma City,
grupos principais, em termos de relacionamento com quando a CDC decidiu atacar o mercado de 3,25 polega-
os clientes. A terceira lançou a tecnologia disruptiva de das, ela estabeleceu ainda outra organização em Simi Val-
dentro da organização principal com extremo esforço ley, na Califórnia. Esse grupo despachou seus primeiros
de gestão. A seguir, apresentamos um resumo dos estu- produtos em meados de 1988, cerca de 18 meses após a
dos de caso e de suas implicações para a teoria. Conner Peripherals, e teve um sucesso comercial mode-
rado. A criação dessas organizações independentes foi a
Unidades organizacionais distintas para maneira escolhida pela CDC para lidar com os desafios da
pequenas unidades de disco na Control Data “obrigação estratégica” e da “determinação do contexto
A Control Data (CDC) foi a principal fabricante de pa- estratégico” descritos por Burgelman (1983b, 1984).
cotes de disco de 14 polegadas e unidades Winchester
Quantum Corporation e o cartão rígido de
vendidas no mercado de OEM entre 1975 e 1982: sua
3,5 polegadas
participação de mercado flutuava entre 55% e 62%.
Quando surgiu a arquitetura de 8 polegadas no final dos A Quantum Corporation, fabricante líder de unidades
anos 1970, a CDC a perdeu em três anos. Ela nunca cap- de 8 polegadas vendidas no mercado de minicompu-
turou mais do que 3% a 4% do mercado de 8 polegadas, tadores, introduziu seu primeiro produto de 5,25 po-
e as unidades vendidas dessa arquitetura pela empresa legadas três anos após essas unidades terem aparecido
foram quase exclusivamente para a sua base de clientes pela primeira vez no mercado. À medida que as unida-
des pioneiras de 5,25 polegadas começaram a invadir
estabelecida, composta por fabricantes de mainframes.
o mercado de minicomputadores, por todas as razões
Segundo os entrevistados, os engenheiros e profissio-
descritas anteriormente, a Quantum lançou um produto
nais de marketing eram deslocados do programa de 8
de 5,25 polegadas e foi temporariamente bem-sucedida
polegadas para que pudessem resolver problemas rela-
em defender alguns dos seus clientes existentes ao lhes
cionados ao lançamento da próxima geração de produ-
vender sua unidade de 5,25 polegadas. Mas ela jamais
tos de 14 polegadas para os principais clientes da CDC.
vendeu uma unidade sequer no mercado de PCs desktop
A CDC também lançou seu primeiro modelo de 5,25
e suas vendas globais começaram a cair. Em 1984, um
polegadas dois anos depois de o produto pioneiro da
grupo de engenheiros da Quantum viu um mercado para
Sea­gate aparecer, em 1980. A essa altura, porém, a CDC
uma unidade de 3,5 polegadas plugada em um slot de
localizou o seu empreendimento em discos de 5,25 po- expansão nos computadores desktop das classes XT e
legadas em Oklahoma City – segundo um gestor: “Não AT – unidades que seriam vendidas para usuários finais
foi para fugir da cultura de engenharia da CDC em Min- e não para fabricantes de computador OEM. A Quan-
neapolis, mas para isolar o grupo [do produto de 5,25 tum financiou e reteve 80% da propriedade do spin-off *,
polegadas] dos principais clientes da empresa. Precisáva- chamado Plus Development Corporation, e configurou a
mos de uma organização que ficasse estimulada com um empresa em diferentes instalações. A Plus Development
pedido de US$ 50 mil. Em Minneapolis [responsável por Corporation foi extremamente bem-sucedida. À medi-
aproximadamente US$ 1 bilhão das vendas de unidades da que as vendas da linha de unidades de 8 polegadas da
Quantum começaram a evaporar, em meados dos anos
1980, elas foram compensadas pelas receitas crescentes
No Capítulo 10 do livro de Pfeffer and Salancik (1978), por exemplo, os
17
do hardcard da Plus. Em 1987, as vendas dos produtos
autores afirmam que o papel mais valioso do gestor é simbólico e citam
um exemplo hipotético. Quando forças externas trazem tempos difíceis de 8 e 5,25 polegadas haviam evaporado quase total-
para uma empresa, os gestores podem ser demitidos – não porque trazer mente. A Quantum comprou os 20% restantes da Plus,
um novo gestor vá fazer alguma diferença no desempenho da organi-
zação, mas pelo conteúdo simbólico da ação. Isso cria na organização fechou a empresa e instalou os executivos nas posições
a sensação de que alguma coisa está sendo feita para abordar esse pro-
blema, embora não vá surtir nenhum efeito na prática. A evidência desses
estudos de caso não apoia a afirmação sobre a capacidade dos gestores *
N. de T.: Spin-off é um termo em inglês utilizado para descrever uma nova
para mudarem o curso de suas organizações. Contanto que os gestores empresa que nasceu a partir de um grupo de pesquisa de uma empresa,
ajam de uma maneira coerente com as forças da dependência de ativos, universidade ou centro de pesquisa público ou privado, normalmente com
parece que eles podem, na realidade, exercer um poder significativo. o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     173

FIGURA 6 O impacto disruptivo das unidades de 5,25 polegadas na posição de


mercado da Micropolis
1.000
600

Capacidade média das unidades


400 as

introduzidas a cada ano (MB)


g ad
pole
200 5 ,25
as de
ad es
g ad
100 o le id
e 8p Un
60 sd
de
ida
Un
40

20

10
1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990
mais altas da Quantum. Então, eles reconfiguraram os
gadas. Mabon lembra que custou “100% do seu tempo
produtos de 3,25 polegadas da Plus para atrair os fa-
e energia por 18 meses” para manter os recursos ade-
bricantes de computadores desktop, como a Apple.
Nesse momento, a tecnologia das unidades de 3,5 quados focados no programa de 5,25 polegadas, porque
polegadas já invadia o desktop, como mostra a Fi- os próprios mecanismos de decisão da organização alo-
gura 4. Em 1994, a nova Quantum havia se tornado caram recursos para onde estavam os clientes: unidades
a maior fabricante em volume unitário de unidades de 8 polegadas. Em 1984, a Micropolis não conseguiu
de disco do mundo. O spin-out* da Quantum e a sua acompanhar o ritmo da concorrência e retirou seus mo-
reorientação estratégica parecem ser um exemplo delos de 8 polegadas remanescentes. Entretanto, com
dos processos de mudança de estratégia descritos em um esforço hercúleo, ela teve sucesso nos seus progra-
Burgelman (1991). mas de 5,25 polegadas. A Figura 6 mostra por que isso
foi necessário: na transição, a Micropolis assumiu uma
Micropolis: transição pela força gerencial posição em uma trajetória tecnológica muito diferente
Os gestores da Micropolis Corporation, que também (Dosi, 1982). No processo, ela teve que caminhar lon-
fabricava unidades de 8 polegadas, empregaram uma ge dos seus principais clientes e substituir as receitas
abordagem muito diferente, na qual os altos executi- perdidas pelas vendas da nova linha de produto para
vos iniciaram um programa disruptivo dentro da orga- um grupo inteiramente diferente de fabricantes de com-
nização principal que fazia unidades de 8 polegadas. putadores desktop. Segundo Mabon, foi a experiência
Desde 1982, o fundador e CEO da Micropolis, Stuart mais desgastante da sua vida. Em 1989, a Micropolis
Mabon, viu intuitivamente as tendências mapeadas na abortou uma tentativa de lançar sua primeira unidade
Figura 4 e decidiu que a empresa precisava se tornar de 3,5 polegadas, e até 1992 a empresa ainda não havia
principalmente uma fabricante de unidades de 5,25 po- introduzido um produto com essa arquitetura.
legadas. Embora esperasse manter recursos dedicados A Figura 7 traz uma síntese das experiências das
à linha de 8 polegadas para que a Micropolis pudesse seis empresas que estudamos em profundidade, à me-
cobrir ambos os mercados,18 ele designou os melhores dida que elas abordaram as tecnologias disruptivas de
engenheiros da empresa para o programa de 5,25 pole- dentro de sua organização principal e por meio de orga-
nizações independentes. Nessa tabela, as empresas são
classificadas como bem-sucedidas se a sua participação
*
N. de T.: Um spin-out se refere a um tipo de ação corporativa em que no novo mercado, viabilizada pela tecnologia disrupti-
uma empresa “se divide”, separando seções de si mesma, como se fossem
empresas separadas. va de unidade de disco, foi de, pelo menos, 25% de sua
18
A incapacidade da Micropolis para manter os comprometimentos participação percentual no mercado estabelecido ante-
competitivos com a sua tecnologia já estabelecida e ao mesmo tempo
promover a tecnologia de 5,25 polegadas é coerente com as histórias rior no qual foi dominante. Por isso, a Control Data,
tecnológicas retratadas em Utterback (1994). Utterback descobriu que, cuja participação no mercado de unidades de disco de
historicamente, as empresas que tentaram desenvolver uma tecnologia
radicalmente nova quase sempre tentaram manter simultaneamente a an- 14 polegadas para mainframes quase sempre ultrapas-
tiga, o que resultou em fracasso na maioria das vezes. sava 60%, foi classificada como um fracasso em sua
174     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 7 Sucesso e fracasso das empresas que os casos, exceto na entrada que se refere à unidade de
desenvolveram tecnologias disruptivas por meio das
5,25 polegadas da Micropolis, as empresas que combate-
organizações principais versus independentes
ram as forças da dependência de recursos, numa tentativa
Comercializaram Comercializaram de comercializar a tecnologia disruptiva de dentro da sua
de dentro de de dentro da organização organização principal, fracassaram, conforme apontam
uma organização principal
independente os dados do Disk/Trend Report. As empresas que con-
tribuíram com as forças de dependência de recursos e
Tiveram Control Data 5,25 Micropolis 5,25 polegadas
sucesso polegadas (L) (T) criaram organizações independentes tiveram sucesso.
Control Data 3,5 Na Figura 7, pode-se notar que não há fortes efeitos da
polegadas (L) empresa ou de aspectos de gestão, se comparados com o
Quantun 3,5 polegadas (L)
Maxtor 3,5 polegadas (L)
efeito organizacional. A Control Data, Quantum e Micro-
Fracas- Control Data 8 polegadas (L) polis encontraram múltiplas tecnologias disruptivas, e os
saram Quantum 5,25 polegadas (L) mesmos gestores estiveram no topo dessas organizações
Miniscribe 3,5 polegadas (L) por meio de cada uma dessas transições. O que parece ter
Seagate 3,5 polegadas (L)
Micropolis 3,5 polegadas (L)
distinguido as tentativas bem-sucedidas das fracassadas não
Memorex 8 polegadas (L) foi o talento dos gestores em si, mas a capacidade de criarem
Memorex 2,5 polegadas (L) unidades organizacionalmente distintas para a execução da
Priam 5,25 polegadas (L) tarefa – onde as forças da dependência de recursos pode-
Century Data 8 polegadas (L)
Ampex 8 polegadas (L) riam funcionar a favor deles, nunca contra. Os casos bem-
Ampex 5,25 polegadas (L) -sucedidos citados aqui são os únicos na história da indústria
em que uma empresa líder estabelecida se manteve no topo
tentativa de vender unidades de 8 polegadas, já que a sua
do mercado quando confrontada com a mudança tecnoló-
participação nas unidades de disco para minicomputado-
gica disruptiva – e, como resultado, a quantidade de pontos
res nunca ultrapassou 3%. Sua participação nas unida-
na metade superior da matriz é limitada. Mas essas desco-
des de 5,25 polegadas vendidas no mercado de estações
de trabalho desktop, no entanto, alcançou 20%, e ela foi bertas sugerem que, embora as forças da dependência de
classificada, portanto, como um sucesso nesse esforço. recursos atuem como fortes restrições no critério de gestão,
Uma organização geograficamente separada e responsá- os gestores podem, na verdade, manipular essas restrições
vel pelo lucro e pela perda total, com todas as unidades de maneira eficiente para realizarem a mudança estratégica.
funcionais de uma empresa típica (vendas e marketing,
manufatura, finanças, ativos humanos, engenharia etc.) CONCLUSÕES
foi definida como independente da organização principal.
Além das seis empresas estudadas em profundidade, a Este estudo realça uma questão importante para os ges-
Figura 7 lista outras empresas, exibidas em itálico, cujas tores e estudiosos que se esforçam para compreender as
histórias foram pesquisadas por meio de fontes públicas razões pelas quais as empresas fortes e geridas compe-
e de um número mais limitado de entrevistas. As letras tentemente tropeçam quando confrontadas com deter-
L e T exibidas perto de cada empresa na tabela, como minados tipos de mudança tecnológica. Embora muitos
na Figura 5, indicam se a experiência da empresa dá su- estudiosos vejam essa questão principalmente como de
porte literal ou teórico (Yin, 1989) à proposição de que competência tecnológica, afirmamos que, em um nível
os gestores podem efetuar uma mudança de estratégia, mais profundo, ela pode ser uma questão de investimen-
apesar da dependência de recursos, criando organizações to. Observamos que, quando faltou competência, mas o
independentes que dependam exclusivamente dos recur- incentivo dos clientes para desenvolver tal competên-
sos do mercado almejado. A transição da Micropolis das cia foi suficientemente forte, as empresas estabelecidas
unidades de 8 para 5,25 polegadas é classificada como conseguiram liderar suas indústrias no desenvolvimen-
uma replicação teórica por causa do enorme esforço de to das forças necessárias para a mudança tecnológica
gestão dispendido para neutralizar a força da dependên- de sustentação. Como as tecnologias sustentadoras se
cia de recursos nessa transição.19 Note que, em todos concentram nos interesses dos clientes existentes das
empresas estabelecidas, vimos que a mudança tecnoló-
gica poderia ser realizada sem a mudança estratégica.
19
O sucesso ou fracasso dessas empresas em cada ponto da mudança de Entretanto, quando existiu forças tecnológica, mas
tecnologia disruptiva foi inequivocamente determinável a partir dos da- faltou incentivo dos clientes, as empresas foram in-
dos do Disk/Trend Report. De modo similar, se as empresas geriram o
lançamento dos produtos com tecnologia disruptiva de dentro de suas
capazes de comercializar o que já conseguiam fazer.
organizações principais ou por meio de uma unidade organizacional Isso ocorre porque as tecnologias disruptivas tendem
distinta, era uma questão de registro público e conhecimento geral da inicialmente a ser vendáveis apenas em mercados di-
indústria. Por isso, não houve julgamentos subjetivos envolvidos na
construção da Figura 7. ferentes, cujas características econômicas e financeiras
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-5     175

as tornam desinteressantes para as empresas estabele- a ação gerencial e a mudança estratégica em face da
cidas. Portanto, abordar essas tecnologias requer uma mudança tecnológica disruptiva que sejam consistentes
mudança na estratégia a fim de atacar um mercado com os princípios da dependência de recursos e os pro-
muito diferente. Embora os tropeços dessas empresas cesso de alocação de recursos.
estabelecidas estejam associados com a mudança tec-
nológica, parece que a questão-chave está nas dificul- AGRADECIMENTOS
dades que as empresas têm de mudar a estratégia, não
a tecnologia. Agradecemos à Harvard Business School Division of
Nosso modelo é apresentado como o caminho que Research pelo apoio financeiro para a realização desta
toda empresa segue quando depara com uma tecnologia pesquisa e aos editores do Disk/Trend Report por com-
disruptiva. Acreditamos, porém, que ele pode contribuir partilharem conosco seus dados sobre a indústria. Aos
com várias ideias para os estudiosos interessados nos professores Robert Burgelman, da Stanford Universi-
fatores que afetam a mudança estratégica nas empresas. ty, Rebecca Henderson, do Massachusetts Institute of
Inicialmente, pode-se notar que a alocação de recursos Technology, David Garvin e vários outros colegas da
para alguns desenvolvimentos de produtos e programas Harvard Business School. Aos especialistas anônimos,
de comercialização e a desalocação de recursos para ou- pelas valiosas sugestões para o aprimoramento das pri-
tros representam um evento ou uma decisão fundamen- meiras versões deste artigo. Quaisquer deficiências re-
tal na implementação da estratégia. O modelo destaca manescentes são da nossa exclusiva responsabilidade.
o processo por meio do qual o incentivo e os recursos
consequentes podem ser negados às oportunidades Referências
tecnológicas que não contribuam para as necessidades Bower, J. (1970). Managing the Resource Allocation Process. Irwin,
dos principais clientes. Essas descobertas sugerem que Homewood, IL.
poderia existir uma relação causal entre os processos Burgelman, R. (1983a). “A model of the interaction of strategic
de alocação de recursos, como propõem Bower (1970) behavior, corporate context, and the concept of strategy”. Academy of
Management Review, 3 (1), pp. 61-69.
e Burgelman (1983a, 1983b), e o fenômeno da depen-
dência de recursos (Pfeffer e Salancik, 1978). Nossas Burgelman, R. (1983b). “A process model of internal corporate venturing
in the diversified major firm”. Administrative Science Quarterly, 28, pp.
descobertas sugerem que, apesar das forças poderosas 223-244.
da dependência de recursos, os gestores podem, na ver-
Burgelman, R. (1984). “Designs for corporate entrepreneurship in
dade, exercer um poder considerável e fazê-lo de modo established firms”. California Management Review, 26, Spring, pp.
eficiente na mudança do curso estratégico das suas em- 154-166.
presas em direções diferentes daquelas propostas pelos Burgelman, R., (1991). “Intraorganizational ecology of strategy-making
provedores de recursos. Com base nos processos que and organizational adaptation: Theory and field research”. Organization
vinculam as necessidades do cliente, o incentivo e a alo- Science, 2, pp. 239-262.
cação de recursos, os gestores podem alinhar esforços Burgelman, R., and L. Sayles (1986). Inside Corporate Innovation. Free
para comercializar a tecnologia disruptiva (o que im- Press, New York.
plica uma mudança na estratégia) com as forças da de- Campbell, D. T., and J. C. Stanley (1966). Experimental and Quasi-
pendência de recursos. Isso envolve gerir a tecnologia Experimental Designs for Research. Houghton Mifflin, Boston, MA.
disruptiva fora do contexto organizacional e estratégico Christensen, C. M. (1992a). “The innovator’s challenge: Understanding
das principais empresas – de onde a necessidade, os in- the influence of market demand on processes of technology
development in the rigid disk drive industry”. D.B.A. dissertation,
centivos e os processos de alocação de recursos são pro- Graduate School of Business Administration, Harvard University.
jetados para alimentar as inovações sustentadoras que
Christensen, C. M. (1992b). “Exploring the limits of the technology
focam as necessidades dos clientes atuais. Desse modo, S-curve”. Production and Operations Management, 1, pp. 334-366.
o modelo e os estudos de caso ilustram os mecanismos
Christensen, C. M. (1993). “The rigid disk drive industry: A history of
por meio dos quais o comportamento estratégico autô- commercial and technological turbulence”. Business History Review,
nomo e induzido (Burgelman, 1983a) pode afetar ou 67, pp. 531-588.
não o curso de uma empresa. Christensen, C. M., and R. S. Rosenbloom (1995). “Explaining the
Mais pesquisas devem ser feitas. Os esforços para attacker’s advantage: Technological paradigms, organizational
explorar a validade externa e a utilidade do modelo por dynamics, and the value network”. Research Policy, 24, pp. 233-257.
meio de estudos de mudança tecnológica de sustentação Cooper, A., and D. Schendel (February 1976). “Strategic responses to
e disruptiva em outras indústrias já começaram (Ro- technological threats”. Business Horizons, 19, pp. 61-69.
semblom e Christensen, 1995), mas é necessário muito Data Sources: The Comprehensive Guide to the Information Processing
mais. Além disso, esperamos que os futuros pesquisa- Industry (annual). Ziff-Davis Publishing, New York.
dores possam desenvolver modelos mais claros para Disk/Trend Report (annual). Disk/Trend, Inc., Mountain View, CA.
176     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Dosi, G. (1982). “Technological paradigms and technological trajectories”. direção da corrente – essencialmente o processo inverso
Research Policy, 11, pp. 147-162.
da gravação. As unidades de disco também incluem cir-
Foster, R. J. (1986). Innovation: The Attacker’s Advantage. Summit cuitos eletrônicos que permitem que os computadores as
Books, New York.
controlem e se comuniquem com elas.
Henderson, R. M. (1993). “Keeping too close to your customers”. Como em outros produtos de gravação magnética,
Working paper, Sloan School of Management, Massachusetts Institute
a densidade de área de gravação (medida em megabits
of Technology.
por polegada quadrada de área da superfície do disco ou
Henderson, R. M., and K. B. Clark (1990). “Architectural innovation:
mbpsi) foi a medida de desempenho do produto difun-
The reconfiguration of existing systems and the failure of established
firms”. Administrative Science Quarterly, 35, pp. 9-30. dida na indústria de unidades de disco. Historicamente,
a densidade de área na indústria aumentou em um ritmo
Pfeffer, J., and G. R. Salancik (1978). The External Control of
Organizations: A Resource Dependence Perspective. Harper & Row, contínuo de 35% ao ano. A capacidade total de uma uni-
New York. dade é o produto das polegadas quadradas disponíveis
Rosenbloom, R. S., and C. M. Christensen (1995). “Technological nas superfícies superior e inferior dos discos montados
discontinuities, organizational capabilities, and strategic commitments”. no eixo da unidade, multiplicada por sua densidade de
Industrial and Corporate Change, 4, pp. 655-685. área de gravação. A capacidade das unidades em uma
Tushman, M. L., and P. Anderson (1986). “Technological discontinuities determinada arquitetura de produto aumentou cerca de
and organizational environments”. Administrative Science Quarterly, 50% ao ano. A diferença entre o aumento de 35% na den-
31, pp. 439-465.
sidade de área e o aumento de 50% na capacidade total
Utterback, J. (1994). Mastering the Dynamics of Innovation. Harvard é proveniente de inovações na engenharia mecânica, que
Business School Press, Boston, MA.
permitiram aos fabricantes espremer mais discos e cabe-
von Hippel, E. (1988). The Sources of Innovation. Oxford University ças em um determinado tamanho de unidade de disco.
Press, New York.
Yin, R. K. (1989). Case Study Research: Design and Methods. Sage, APÊNDICE 2: CÁLCULO DAS TRAJETÓRIAS
Newbury Park, CA.
MAPEADAS NA FIGURA 3
As trajetórias mapeadas na Figura 3 foram calculadas
APÊNDICE 1: UMA BREVE CARTILHA SOBRE O
FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES DE DISCO
como segue. Os dados sobre capacidade fornecidos com
os mainframes, minicomputadores, computadores desktop
As unidades de disco rígido consistem em um ou mais e portáteis foram obtidos na Data Sources, uma publica-
discos giratórios – pratos de alumínio polido revestidos ção anual que lista as especificações técnicas de todos
com material magnético – montados em um eixo central. os modelos de computadores disponíveis em cada fabri-
Os dados são gravados e lidos em trilhas concêntricas nas cante. Onde determinados modelos com características e
superfícies desses discos. Cabeças de leitura/gravação – configurações diferentes estavam disponíveis, o fabrican-
para cada uma das superfícies superior e inferior de cada te forneceu à Data Sources uma configuração “típica” do
disco no eixo – são projetadas aerodinamicamente para sistema, com uma capacidade definida de RAM, especifi-
flutuar a milionésimos de polegada acima da superfície cações de desempenho dos equipamentos periféricos (in-
do disco. Em geral, elas repousam na superfície do disco cluindo as unidades de disco), preço de tabela e ano de lan-
quando a unidade está parada, “decolam” na medida em çamento. Nos casos em que um determinado modelo de
que a unidade começa a girar e “aterrissam” novamente computador foi posto à venda ao longo de uma sequência
quando o disco para. As cabeças são posicionadas so- de anos, a capacidade de disco rígido fornecida em uma
bre a trilha apropriada no disco por um motor atuador configuração típica geralmente aumentou. A Data Sources
que movimenta a cabeça por meio das trilhas, de uma divide os computadores em mainframe, mini/médio porte,
maneira similar ao braço de uma vitrola. A cabeça é es- desktop, portátil e laptop e notebooks. Para cada classe de
sencialmente um minúsculo ímã que, quando a corrente computador, todos os modelos colocados à venda em cada
flui em uma direção, orienta a polaridade do domínio ano foram classificados por preço, e a capacidade de disco
magnético na superfície do disco imediatamente abaixo rígido fornecida com o modelo de preço médio foi identi-
dele. Quando a direção da corrente por meio do eletroímã ficada para cada ano. A linha de melhor ajuste por meio da
é invertida, sua polaridade muda, o que induz uma mu- série temporal resultante para cada classe de computador
dança oposta da polaridade do domínio adjacente na su- foi plotada em linhas sólidas, na Figura 3. Essas únicas
perfície do disco, à medida que o disco gira por baixo linhas sólidas estão desenhadas na Figura 3 para simplifi-
da cabeça. Dessa maneira, os dados são gravados em car a exposição e indicar a tendência nas máquinas típicas.
código binário no disco. Para ler os dados, empregam-se Na realidade, naturalmente, há uma faixa larga em volta
mudanças no campo magnético no disco, à medida que dessas linhas. Os limites máximo e mínimo de desempe-
ele gira por baixo da cabeça, para induzir mudanças na nho – a maior e a menor capacidades oferecidas com os
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     177

computadores mais caros e mais baratos – foram substan- substancial, enquanto uma estrutura industrial horizon-
cialmente mais altos e mais baixos, respectivamente, do talmente estratificada ou desintegrada quase sempre será
que os valores típicos mapeados na Figura 3. o modelo de negócio dominante nas camadas menos exi-
Na Figura 3, as linhas pontilhadas representam a linha gentes do mercado em termos de funcionalidade.
de melhor ajuste por meio da capacidade média não pon-
derada de todas as unidades de disco colocadas à venda
INTRODUÇÃO
em cada arquitetura e em cada ano. Esses dados foram
extraídos do Disk/Trend Report. Mais uma vez, para sim- Passar a ser, ou continuar a ser, integrado verticalmente é
plificar a exposição, só essa linha média é exibida. Havia uma questão de ampla importância estratégica em muitas
uma ampla faixa de capacidades colocadas à venda em indústrias. Nos últimos anos, empresas como Alcoa, Lu-
cada ano, de modo que a unidade com capacidade mais cent e General Motors, para as quais o controle vertical
elevada lançada em cada ano estava substancialmente aci- sobre a maioria das etapas em suas cadeias de valor cons-
ma da média exibida. Em outras palavras, deve ser feita tituiu historicamente uma base importante de vantagem
uma distinção entre a gama completa de produtos dispo- competitiva, se desfizeram de negócios na cadeia de valor
níveis para venda e aqueles de uso típico. As faixas supe- que produziam componentes ou materiais intermediários
rior e inferior em volta das trajetórias mediana e média para se concentrarem nas partes consideradas essenciais
na Figura 3 geralmente são paralelas às linhas exibidas.
nas suas cadeias de valor. Outras, como a IBM, conti­nuam
Como estavam disponíveis unidades com capaci-
a ser integradas, mas estão desacoplando operações da
dade mais elevada do que as oferecidas nos sistemas
parte final da cadeia de valor das operações de início dessa
médios, afirmamos, no texto, que as trajetórias em li-
cadeia, atribuindo as primeiras a tarefa de vender compo-
nhas sólidas na Figura 3 representam as capacidades
nentes abertamente no mercado e às últimas a tarefa de
“demandadas” em cada mercado. Em outras palavras, a
comprar componentes de fornecedores externos, quando
capacidade por máquina não foi limitada pela disponi-
necessário, para manter a competitividade. Por sua vez, a
bilidade tecnológica. Em vez disso, ela representa uma
Microsoft fez uma integração agressiva no início da cadeia
opção de capacidade de disco rígido feita pelos usuários
de valor a partir de seus produtos iniciais de sistema ope-
de computador, dado o custo vigente.
racional, em uma variedade de mercados de aplicativos de
softwares; a Intel integrou os chipsets e as placas-mãe que
usam seus microprocessadores; e as empresas de teleco-
artigo 2 - 6 municações e entretenimento se integraram em conjunto
de maneira pouco compreensível.
Disrupção, desintegração e dissipação Alguns especialistas em negócios elogiaram essas
da diferenciabilidade ações, enquanto outros observadores respeitáveis reagi-
ram com ceticismo. Por exemplo, a gestão da IBM tem
Clayton M. Christensen, Matt Verlinden sido criticada por ter terceirizado o microprocessador e
e George Westerman*
o sistema operacional do seu computador pessoal para a
Intel e Microsoft, optando por participar principalmen-
Este artigo propõe um modelo construído sob a lógica
te nos estágios de projeto e montagem de seu produto.
dedutiva para ajudar os gestores a avaliar quando e por
Embora a história tenha provado que a decisão foi in-
que seria estrategicamente importante desenvolver capa-
feliz para a IBM, no momento em que ela foi tomada,
citações internas para realizar certas atividades in-house
muitas pessoas consideraram que a empresa estava no
e quando seria sensato e seguro terceirizar alguns ele-
caminho certo.1 Na verdade, nem sempre é fácil prever,
mentos de valor agregado. Uma das conclusões do arti-
a priori, quais desses movimentos em direção ou para
go é que a vantagem competitiva advinda da integração
longe da integração vertical seriam bem-sucedidos e
vertical é mais forte nas camadas do mercado onde os
quais seriam vistos como estrategicamente falhos. Em
clientes são pouco saciados pela funcionalidade ou pelo
muitas situações como essas, a sabedoria ante a decisão
desempenho disponível nos produtos. A integração ver-
tomada só pode ser julgada com o benefício da história.
tical tende a ser uma desvantagem quando os clientes
Este artigo propõe um modelo construído sob a ló-
são saciados em excesso pela funcionalidade disponí-
gica dedutiva para ajudar os gestores a avaliar quando e
vel nos produtos. As empresas integradas verticalmente,
por que seria estrategicamente importante desenvolver
portanto, frequentemente dominarão nas camadas mais
capacitações internas para realizar certas atividades in-
exigentes dos mercados que cresceram até um tamanho

1
Ver, por exemplo, a discussão sobre a decisão de terceirização da IBM
*
Fonte: Industrial and Corporate Change, volume 11, n. 5, 2002, pp. 955-993. em Fortune, 14 April 1997.
178     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

-house e quando seria sensato e seguro terceirizar alguns sões deste artigo não foram construídas indutivamente
elementos de valor agregado. Eis as nossas conclusões: com base na análise empírica. Elas foram derivadas dedu-
1. A vantagem competitiva advinda da integração vertical é tivamente pela combinação dos resultados dos estudos de
mais forte nas camadas do mercado onde os clientes são unidades de disco com as pesquisas de outros estudiosos
pouco saciados pela funcionalidade ou pelo desempenho sobre modularidade tecnológica (Ulrich, 1995; Sanchez
disponível nos produtos. A integração vertical tende a ser e Mahoney, 1996; Baldwin e Clark, 1997) e com concei-
uma desvantagem quando os clientes são saciados em tos dos condutores da mudança na base da concorrência
excesso pela funcionalidade disponível nos produtos. (Christensen, 1996; Adner e Levinthal, 2001). Neste arti-
2. Consequentemente, as empresas integradas vertical- go, fornecemos algumas evidências preliminares, porém
mente nas camadas mais exigentes dos mercados que promissoras, que apoiam esse modelo e o empregamos
cresceram até um tamanho substancial, enquanto uma para examinar brevemente as histórias das indústrias de
estrutura industrial horizontalmente estratificada ou computadores, automóveis, softwares, fotônica, serviços
desintegrada quase sempre será o modelo de negócio financeiros e microprocessadores, para sugerir que o mo-
dominante nas camadas menos exigentes do mercado, delo poderia ser mais amplamente útil. Nosso propósito
em termos de funcionalidade. primordial é convidar outros estudiosos a testar empiri-
3. As tendências apresentadas em (1) e (2) ocorrem nos camente essas hipóteses e, assim, continuar a construir
mercados de consumo final para produtos completos, tais uma compreensão mais profunda das circunstâncias sob
como automóveis e computadores. Mas também podem as quais podemos esperar que a integração e a não inte-
ocorrer nos mercados para subsistemas e componentes, gração confiram vantagem ou desvantagem competitiva.
compostos de múltiplas partes e materiais constituintes.
4. Mais frequentemente, as empresas integradas verti-
calmente tendem a dominar muitos mercados de iní- RELAÇÃO COM ESTUDOS ANTERIORES DE
cio. Entretanto, por causa dos padrões observados em INTEGRAÇÃO VERTICAL
nossos estudos iniciais, nos quais o ritmo do progresso O modelo apresentado neste artigo não aborda todos os
tecnológico segue a uma taxa mais rápida das que os fundamentos da integração e desintegração vertical, mas
clientes podem absorver em uma determinada camada
baseia-se em fundamentos estabelecidos por pesquisado-
do mercado, o modelo de negócio dominante em uma
res importantes que estudaram os condutores que estão
determinada camada do mercado tenderá a mudar ao
por trás da integração. De acordo com o modelo causal
longo do tempo, de empresas integradas verticalmente
para uma população de empresas especializadas e estra-
de Stigler (1951), que ampliou a análise original da espe-
tificadas de forma horizontal. cialização do trabalho feita por Adam Smith (1776), um
5. A generalização em (4) pode ser revertida quando sur- condutor da especialização representa o tamanho do mer-
gem hiatos de desempenho nos mercados por causa das cado. Stigler observou que muitas indústrias começaram
mudanças descontínuas na funcionalidade demandada verticalmente integradas devido ao seu pequeno tama-
pelos clientes. Quando isso ocorre, o pêndulo da vanta- nho. Então, elas se tornaram cada vez mais constituídas
gem competitiva tem chances de pender de volta para as por empresas especializadas à medida que cresceram.
empresas integradas verticalmente, já que as empresas Stigler postulou que mais adiante no ciclo de vida, quan-
buscam concorrer umas com as outras com base nova- do a demanda começa a se contrair, as indústrias tendem
mente na funcionalidade superior do produto. a se reintegrar. Embora concordemos que a escala é um
6. Quando o modelo de negócio dominante em uma ca- fator, nosso modelo entende a escala como um resultado
mada do mercado muda da integração vertical para a de outros fatores que promovem a especialização, em vez
estratificação horizontal, a capacidade de atingir ren- de um condutor causal fundamental dela.
tabilidade acima da média tende a se transferir para as Coase (1937) e Williamson (1985) introduziram o con-
empresas que projetam e montam produtos de consumo, ceito dos custos de transação como o condutor causal das
que não têm sido suficientemente bons para aqueles que fronteiras ideais da organização. Existem muitos tipos de
constroem os subsistemas que limitam o desempenho custo de transação, como a ameaça de apropriação da pro-
dos produtos de consumo.
priedade intelectual (Teece, 1986), o lock-in (Williamson,
Essas conclusões começaram a assumir a sua forma 1979), a especificidade de ativos (Williamson, 1979;
inicial nos estudos dos padrões da integração e desinte- Klein et al., 1978) e os desafios de coordenar inves-
gração vertical na indústria de unidades de disco, na qual timentos independentes (Chandler, 1977). Demsetz
o pêndulo da vantagem competitiva balançou repetida- (1988) caracterizou os custos de transação como os cus-
mente entre as empresas integradas e não integradas em tos de busca e manutenção, e mostrou como eles variam
várias camadas do mercado (Christensen, 1993, 1994; por meio do ciclo de vida da indústria. Uma corrente
Chesbrough e Kusunoki, 2001). No entanto, as conclu- de estudiosos, como Teece (1986), Langlois (1994),
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     179

Becker e Murphy (1992), Sanchez e Mahoney (1996) 2. As métricas para esses atributos devem existir, e a tec-
e Chesbrough e Teece (1996), identificou um tipo es- nologia para medir esses atributos deve estar disponí-
pecífico de custo de transação – o desafio da coordena- vel, confiável e não ambígua.
ção entre os diversos especialistas – como um condu- 3. A empresa adquirente deve compreender as interações
tor da integração gerencial por meio de tais interfaces. ou interdependências entre os atributos do que é forne-
O conceito de Monteverde (1995) sobre “diálogo tec- cido e o desempenho do sistema no qual ela irá utilizá-
nológico não estruturado” descreve o desafio da gestão -lo. Se houver qualquer variação no que for fornecido, o
quando uma interface entre os estágios de valor agre- adquirente precisará compreender como, quando e por
gado é interdependente e não bem especificada. Nos- que isso afetará o desempenho do sistema (Taguchi e
so modelo baseia-se mais diretamente no conceito de Clausing, 1990).
Monteverde.
Se essas três condições forem satisfeitas, então a
Os pesquisadores que trabalham em uma corrente pa-
interface entre o fornecedor de um elemento de valor
ralela estudaram, em termos de engenharia, os conceitos
agregado e o seu usuário poderá ser classificada como
da modularidade arquitetural a fim de definir mais precisa-
interface modular, por meio da qual pode ocorrer o diá-
mente as condições sob as quais fornecedores e clientes de
produtos e serviços devem se envolver no diálogo tecnoló- logo tecnológico estruturado. Nas interfaces modulares,
gico estruturado versus não estruturado (p. ex., Henderson existem as informações necessárias para que um merca-
e Clark, 1990; Clark e Fujimoto, 1991; Christensen, 1994; do funcione de forma eficiente. As interfaces modulares
Ulrich, 1995; Ulrich e Eppinger, 1995; Chesbrough e podem ocorrer por meio das fronteiras das empresas e
Kusunoki, 2001; e Baldwin e Clark, 2000). pelas fronteiras dos grupos funcionais dentro de uma
A contribuição que esperamos dar ao trabalho desses empresa (tal como entre o design e a fabricação de um
estudiosos é definir os fatores fundamentais que fazem produto). Elas também podem ocorrer entre os grupos
com que o diálogo entre clientes e fornecedores seja não dentro de uma equipe de design e existir entre indiví­
estruturado (o que poderá implicar altos custos de tran- duos. Há tais interfaces em produtos, serviços e sistema
sação se o diálogo transcender as fronteiras das empre- de uso. Doravante neste artigo, o termo produto se apli-
sas) ou estruturado (que diminui os custos das transações ca também a um serviço.
entre as empresas). Também descrevemos os mecanis- Quando essas três condições não são satisfeitas em
mos fundamentais que podem fazer com que o diálogo uma interface, então a classificamos como interface
estruturado se torne não estruturado e vice-versa. Além interdependente,2 através da qual deve ocorrer o diá-
disso, nosso modelo ajuda a explicar por que o poder logo técnico não estruturado. Nas interfaces interde-
de auferir lucros atraentes reside em locais específicos, pendentes, as informações necessárias exigidas para um
em uma cadeia de valor agregado, mas não em outros mercado com funcionamento eficiente não existem. A
(Porter, 1985). Este trabalho também especifica os fato- gestão e a integração, em vez da lógica dos mercados,
res que podem permitir que a auferição de lucro atraente constituem o mais eficiente mecanismo de coordenação
se desloque para outros estágios do valor agregado. por meio das interfaces independentes.3
Poucos produtos, serviços ou sistemas seriam com-
DEFINIÇÕES postos exclusivamente de interfaces modulares ou in-
Em nosso modelo, a unidade fundamental de análise é terdependentes – o que sugere que as arquiteturas in-
a interface na qual um fornecedor de valor agregado e teiramente modulares ou inteiramente interdependentes
um cliente desse valor interagem – se essa interface está seriam casos raros em extremos opostos de um espectro
dentro ou entre as organizações. É nessa interface que e que raramente poderíamos caracterizar uma indústria
ocorre o diálogo estruturado ou não estruturado. Os ter- inteira como sendo dominada por empresas integradas
mos específicos que os estudiosos usam para descrever ou especializadas – porque é provável que isso varie de
esse diálogo variam (Billington e Fleming, 1998; Fix-
son, 2000). Para os nossos propósitos, afirmamos que,
para que o diálogo estruturado ocorra por meio de uma 2
Ulrich (1995) e outros autores usam o termo “integral” para se referir às
interfaces em que essas condições não são satisfeitas, e Chesbrough and
interface entre estágios ou elementos do valor agrega- Teece (1996) utilizam a palavra “sistêmica”. Escolhemos o termo “in-
do, devem ser satisfeitas três condições. terdependente” porque ele parece mais descritivo da situação. Os outros
termos conotam outros significados, o que corroborou para optarmos por
1. O cliente que adquire ou utiliza um item de valor agre- empregar esse novo termo.
gado deve ser capaz de especificar para o seu fornece-
3
Essa afirmação espelha a conclusão de Monteverde (1995 : 1629) de
que “grosso modo (já que outras coisas também importam), as fronteiras
dor que atributos ou parâmetros do produto ou serviço da empresa [...] devem se cristalizar em torno das ricas transações nesse
devem ser fornecidos e as tolerâncias. diálogo não estruturado e tecnicamente necessário”.
180     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

acordo com as interfaces dos diferentes itens de valor para esse modelo, como retrata a Figura 1. De acordo
agregado e também com a camada do mercado.4 com o primeiro, existe, na maioria dos mercados, uma
O uso dessas definições leva a resultados coeren- trajetória de melhoria do desempenho que os clientes po-
tes com as descobertas de estudiosos como Sanchez e dem realmente absorver ou utilizar ao longo do tempo,
Mahoney (1996) e Chesbrough e Teece (1996). Se as representada pelas linhas suavemente inclinadas. No se-
três condições que caracterizam modularidade – es- gundo, conforme retratado pelas linhas acentuadamente
pecificidade, mensurabilidade e previsibilidade existi- inclinadas, há uma trajetória bem diferente de melhoria
rem em qualquer interface, haverá maiores chances de do desempenho que os inovadores em uma indústria pro-
um funcionamento eficiente nessa interface a partir da porcionam para o seu mercado, à medida que introduzem
lógica de mercado. Os mercados são mecanismos de produtos novos e melhorados. Nossos estudos mostraram
coordenação mais eficazes por meio das interfaces mo- que a trajetória de progresso tecnológico sempre supera a
dulares do que a coordenação gerencial. Por sua vez, a capacidade de os clientes utilizarem a melhoria.
gestão suplantará a coordenação do mercado nos casos Isso significa que as empresas cuja funcionalidade
em que uma interface é interdependente. do produto é estreitamente voltada para o que os clien-
tes, em uma camada de um mercado, podem precisar
AS CAUSAS DA OSCILAÇÃO ENTRE A em um determinado momento, geralmente melhoram
INTEGRAÇÃO VERTICAL E A ESTRATIFICAÇÃO os produtos em um ritmo tal que ultrapassam o que es-
ses mesmos clientes realmente conseguem utilizar anos
Muitas empresas hoje estão lutando para terceirizar os mais tarde. Em outras palavras, a funcionalidade de um
elementos de valor agregado que não se baseiam em produto pode satisfazer em excesso as necessidades de
seus pontos fortes e que podem, portanto, ser adquiridos clientes menos exigentes nas camadas inferiores do mer-
de fornecedores a um custo compensador. Entretanto, a cado, mesmo quando os clientes nas camadas mais exi-
história mostrou que muitas indústrias passam por ci- gentes continuam a precisar de mais funcionalidade que
clos, nos quais a vantagem competitiva reside alterna- até mesmo os melhores produtos disponíveis oferecem.
damente em modelos de negócio integrados e não inte- Isso também significa que as “tecnologias disruptivas” –
grados (Christensen, 1994; Fine, 1998) – sugerindo que produtos mais simples e convenientes que inicialmente
as decisões de integrar ou desintegrar que fazem sentido não têm um desempenho suficiente para serem utiliza-
em um contexto podem criar desvantagens quando as dos nos mercados principais – podem enraizar-se nos
coisas mudam. níveis pouco exigentes do mercado e depois melhorar
Nossos estudos sobre como as inovações disruptivas em um ritmo tão veloz que possam abordar diretamente
são capazes de levar empresas bem geridas ao fracasso as necessidades do mercado principal no futuro.
podem lançar alguma luz sobre os condutores que estão Esse modelo tem sido empregado para descrever
por trás desse padrão cíclico. Apresentaremos aqui ape- como os minicomputadores tomaram o lugar dos com-
nas um resumo desses estudos.5 Existem dois elementos putadores de grande porte e como os microcomputadores
substituíram os minicomputadores. Ele ilustra como os
fabricantes de escavadeiras hidráulicas derrubaram os
4
Em artigos anteriores sobre esses fenômenos (Christensen and Rosen-
bloom, 1995; Christensen, 1997: ch. 2), descrevemos a existência de uma
“rede de valor” – um ecossistema aninhado de fornecedores e clientes
cujas empresas constituintes compartilham modelos de negócio e ritmos Rosenbloom and Christensen (1005) e Christensen and Bower (1996).
de processo semelhantes, que tende a escalar as camadas do mercado e se Uma análise econométrica similar foi utilizada em Christensen (1997)
romper como um grupo. A evidência na seção 5 deste artigo sugere que para medir as trajetórias de melhoria da funcionalidade que os fabrican-
todas as empresas de uma determinada rede de valor não são suscetíveis tes de equipamentos de terraplenagem forneceram, em contraste com a
de empregar uniformemente as arquiteturas modulares ou interdependen- trajetória de melhoria de desempenho que vários tipos de empreiteiros
tes. Em outro lugar, Christensen (2001) sugere a existência de uma “Lei eram capazes de utilizar. O “modelo de tecnologias disruptivas” foi de-
de Conservação da Modularidade” que afirma que as interfaces entre os rivado indutivamente dessas análises empíricas. Dan Monroe, da Bell
elementos sequenciais em uma cadeia de valor agregado provavelmente Laboratories (Monroe, 1999), e Mick Bass, da Hewlett-Packard (Bass
são interdependentes e modulares, alternadamente. and Christensen, 2000), mediram empiricamente os mesmos fenôme-
5
As descobertas iniciais de que o progresso tecnológico pode superar a nos nos produtos com base em semicondutores. Christensen (1997)
capacidade dos clientes para utilizarem esse progresso foram detalhadas também usa o modelo de um modo dedutivo, comparando as previsões
em Christensen (1992a, b). Após montar um censo completo dos dados do modelo com os dados qualitativos sobre as histórias das empresas
de todos os modelos de unidades de disco lançados por cada empresa na estabelecidas e entrantes nas indústrias de computadores, siderurgia,
indústria mundial de unidades de disco entre 1970 e 1990, Christensen varejo, controles de motor, motocicletas e softwares para contabilidade.
mediu, pela análise de regressão, a trajetória de melhoria da capacidade Estudos subsequentes descobriram os mesmos fenômenos da educação
de armazenamento de cada fator de forma das unidades de disco durante médica (Christensen and Armstrong, 1998), no varejo (Christensen and
esse período. Depois, usando dados sobre a capacidade de disco utilizada Tedlow, 2000), nos serviços de saúde (Christensen et al., 2000), no cres-
em várias classes de computadores, mediu, por meio da análise de regres- cimento macroeconômico (Christensen et al., 2001) e nos semicondu-
são, a trajetória de melhoria utilizada pelos clientes em várias camadas tores (Bass and Christensen, 2002). Adner (1999), Adner and Levinthal
do mercado. Esses resultados foram descritos em Christensen (1993), (2001) e Adner and Zemsky (2001) examinaram recentemente o mesmo
Christensen and Rosenbloom (1995), Bower and Christensen (1995), fenômeno por meio métodos de modelagem dedutivos.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     181

FIGURA 1 Trajetórias das melhorias que os clientes conseguem


utilizar versus as que os inovadores fornecem

Clientes
mais exigentes
ho
pen
e s em al Desempenho
d u
de gia at que os
ria o
ra jetó ecnol clientes no
T t
da
mercado
principal
Desempenho conseguem
ria utilizar ou absorver
jetó
a tra enho
v p
No esem
Tecnologia d Clientes
de
disruptiva menos exigentes

Tempo

fabricantes de pás e como os fabricantes de automóveis se baseiam na necessidade competitiva de estender a fun-
japoneses atacaram os mercados ocidentais de automó- cionalidade até as fronteiras do que é possível.6
veis. Descreve ainda os mecanismos por meio dos quais Há duas razões para as arquiteturas interdependen-
as miniusinas siderúrgicas vêm tomando o lugar das usi- tes predominarem durante as fases em que a funciona-
nas integradas, a infraestrutura de telecomunicações por lidade do produto ainda não era boa o bastante para as
comutação de pacotes está provocando disrupção na rede necessidades do cliente. A primeira foi articulada por
de comutação de circuitos, e muitos outros. O modelo Ulrich (1995), que mostrou que criar uma arquitetura
tem sido ampliado e refinado, com métodos de pesquisa modular – especialmente uma que seja definida pelos
muito diferentes, por Adner (1999), Adner e Levinthal padrões da indústria – força os projetistas a se ajustarem
(2001) e Adner e Zemsky (2001), entre outros. ou recuarem da fronteira do que é tecnologicamente pos-
Durante os primórdios de muitas indústrias, nas áreas sível. No lado esquerdo da Figura 1, recuar não é viá­
mais à esquerda da Figura 1, a funcionalidade do produto vel competitivamente. A segunda razão é que as novas
não é boa o bastante para satisfazer as necessidades dos tecnologias muitas vezes são empregadas nos estágios
clientes na maioria das camadas do mercado. Portanto, a e nas camadas de uma indústria onde os concorrentes
concorrência durante essa fase se concentra predominan- estão se estendendo em direção à fronteira da funciona-
temente na funcionalidade do produto: projetar e produ- lidade. É quando as novas tecnologias são usadas para
zir produtos com desempenho superior é um mecanismo fazer coisas que nunca foram feitas antes e quando os
fundamental pelo qual as empresas lutam para ficar à engenheiros encontram, na maioria dos casos, as inter-
frente umas das outras (Christensen, 1996, 1997; Adner faces interdependentes: eles não sabem o que especi-
e Levinthal, 2001; Adner e Zemsky, 2001). Essas pres- ficar, não conseguem medir precisamente os atributos
sões competitivas compelem os engenheiros a encaixar importantes e ainda não compreendem como a variação
os itens dos seus produtos de maneiras diferentes e não em um subsistema impactará o desempenho global do
sistema. Portanto, o diálogo técnico não estruturado
testadas em cada geração sucessiva do produto, na medi-
é a linguagem necessária para concorrer com sucesso
da em que trabalham para arrancar o máximo possível de
desempenho da tecnologia disponível. Consequentemen-
te, os designs de produto tendem a ser independentes, em 6
De acordo com Stuckey and White (1993), as indústrias continuarão in-
vez de modulares, durante essa fase; o design de cada tegradas verticalmente quando houver especificidade de ativos (um ativo
fixo é geograficamente tão restrito que é de fato vinculado a um outro
parte tende a ser subordinado ao design de outras partes ativo), especificidade técnica (duas peças de equipamento só podem fun-
e à maneira como elas interagem com a arquitetura glo- cionar uma com a outra e não funcionarão facilmente com outras) e espe-
cificidade de capital humano (as pessoas cujas capacidades são valiosas
bal do sistema. Muitas vezes, existem interdependências apenas dentro de uma relação de trabalho especial). Na linguagem deste
poderosas entre o design e a manufatura nessa fase, que artigo, cada uma dessas situações é arquiteturalmente interdependente.
182     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

quando a funcionalidade de um produto não é boa o 3. Como isso implica o diálogo técnico não estruturado,
bastante para abordar as necessidades dos clientes-alvo. os custos das transações são minimizados por meio
Nos primórdios dos mainframes, por exemplo, da integração. A integração constitui uma vantagem
os circuitos lógicos não podiam ser projetados até competitiva importante no gerenciamento das interde-
que o sistema operacional fosse projetado; o sistema pendências em design, manufatura, vendas, serviços e
operacional não podia ser projetado até que a memória aquisições durante esse período.7
central fosse projetada; e a memória central não podia Quando a funcionalidade dos produtos disponíveis
ser projetada até que os circuitos lógicos fossem proje- ultrapassa o que os clientes em uma camada de um
tados. Os métodos de fabricação eram cruciais para que mercado conseguem utilizar, a concorrência muda. Os
o sistema tivesse o desempenho previsto no design. To- clientes percebem uma utilidade marginal decrescente
dos os elementos eram interdependentes. Uma empresa das novas melhorias e, consequentemente, estão menos
não poderia ter existido naquela indústria como uma dispostos a recompensar mais melhorias com preços
fornecedora independente de circuitos lógicos ou siste- mais altos. Portanto, os inovadores precisam encontrar
mas operacionais, ou como uma fabricante sob contrato outras maneiras de competir lucrativamente pelo negó-
porque as interfaces conhecidas e modulares ainda não cio dos clientes nas camadas do mercado mais bem ser-
haviam sido estabelecidas para definir como as partes vidas pela funcionalidade. Nossa pesquisa sugere que,
se encaixariam. Em razão disso, há uma expectativa de muitas vezes, a velocidade para entrada no mercado se
que as empresas integradas dominem as interfaces entre torna uma dimensão crítica da concorrência nas regiões
as partes de valor agregado em que a funcionalidade inferiores à direita da Figura 1. De modo similar, a ca-
não é boa o bastante. A IBM nos mainframes, a Digital pacidade de customizar convenientemente as caracte-
Equipment nos minicomputadores, a General Motors e rísticas e funções dos produtos para as necessidades
a Ford no mercado de automóveis, a Alcoa no alumínio, específicas dos clientes em nichos de mercado cada vez
a Standard Oil no petróleo e a Xerox nas fotocópias são menores se torna uma trajetória crítica da inovação que
exemplos de empresas cuja integração vertical conferiu permite que as empresas fiquem à frente da concorrên-
vantagem competitiva numa época em que o desempe- cia e mantenham margens rentáveis (Pine, 1992; Chris-
nho não era bom o suficiente. tensen, 1996, 1997; Adner e Levinthal, 2001).
Como muitas vezes essas condições tipificam uma Nessa era de excessos, como indica a Figura 1 (à
indústria nos seus primórdios, estudiosos como Stigler direita), os esforços dos concorrentes disruptivos para
(1951) e Chandler (1977) observaram que as empresas serem rápidos e flexíveis força-os a criar projetos de
integradas geralmente compõem o modelo de negócio produtos modulares competitivos, já que a modularida-
dominante, enquanto a maioria das empresas cresce de cria muito mais opções para velocidade, redução de
na direção da massa substantiva. Certamente as indús- custos e customização (Baldwin e Clark, 2000). Quan-
trias devem atingir uma determinada massa crítica para do a funcionalidade disponível mais do que satisfaz o
apoiar os concorrentes especializados. No entanto, afir- que os clientes conseguem utilizar, os projetistas têm
mamos que as causas que levam as empresas integra- folga para recuar da fronteira do que é tecnologicamen-
das a serem desalojadas pelas especializadas não está te possível a fim de definir as arquiteturas modulares
na passagem do tempo ou na evolução geral rumo à (Ulrich, 1995). Muitas vezes, a modularidade começa
“maturidade” ou na grande escala por si. Em vez disso, a tomar forma nas especificações de interfaces proprie-
é esta sequência causal:
1. Quando a funcionalidade não é boa o bastante para con- 7
A observação de Stigler (1951) de que as indústrias tendem a se rein-
siderar o que os clientes em uma determinada camada tegrar e consolidar à medida que amadurecem em seus últimos estágios
de um mercado querem utilizar, as empresas tornam-se também pode não resultar do encolhimento da escala em si. Escrevemos
em outro lugar que, depois que as dimensões da inovação em funcionali-
mais competitivas ao aperfeiçoarem seus produtos. dade, confiabilidade e conveniência estiverem esgotadas, a concorrência
2. Para fazer os melhores produtos possíveis com a tec- com base em preço predominará. É possível que os custos sejam mini-
nologia disponível, os projetistas de produto tendem a mizados de forma mais eficiente a partir de uma arquitetura de produto
interdependente e de um modelo de negócio integrado. Por exemplo,
empregar arquiteturas interdependentes, proprietárias, nossas conversas com alguns concorrentes da Dell Computers trouxeram
porque construir um sistema modular em torno dos pa- à tona a possibilidade de a Dell estar atendendo em excesso o mercado
drões da indústria os força a recuar da fronteira do que em termos de conveniência e customização – e que há custos fixos reais
associados com o seu modelo de negócio e arquitetura de produto. Se um
é tecnologicamente possível. Nas camadas do mercado fornecedor integrado como a IBM oferecesse agora ao mercado um único
onde a funcionalidade do produto não é boa o bastante, computador pessoal de propósito geral com velocidade de processador,
as condições competitivas penalizam as empresas que resolução de tela e capacidade de memória mais do que suficientes, seria
possível roubar da Dell uma fatia substancial do baixo mercado. É prová-
tentam fazê-lo. As novas tecnologias são frequente- vel, portanto, que a causalidade observada por Stigler seja o mecanismo
mente empregadas nessas condições. abordado aqui.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     183

FIGURA 2 O excesso de funcionalidade que os clientes podem utilizar


acarreta em mudança no modo como as empresas devem competir

ia
log
Concorre com c no dora
Te nta
funcionalidade ste
su
superior

Desempenho
s
nte : s
nde o B ulare
e pe giã d
rd Re s mo
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etur uit
uit Arq
: Arq
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giã
Re
Concorre por meio da
ia velocidade, conveniência
log
c no e customização
Te tiva
rup
dis

Tempo

tárias das empresas, o que permite que estas terceiri- necessidades dos clientes em nichos de mercado cada
zem componentes e subsistemas de outras organizações vez menores se tornam as trajetórias de melhoria que os
(Sanchez e Mahoney, 1996). Quando as especificações clientes recompensam com preços especiais.
da interface modular de uma empresa se tornam aceitas 2. Os esforços para concorrer ao longo de dimensões de
por múltiplos concorrentes, elas podem se transformar velocidade, flexibilidade e customização fazem com
em padrões da indústria. A modularidade do padrão in- que as arquiteturas de produto evoluam para a modula-
dustrial permite que as empresas que projetam e mon- ridade, o que facilita a rapidez e flexibilidade.
tam produtos introduzam produtos novos e customiza- 3. Então, a modularidade permite que os fornecedores inde-
dos ainda mais rapidamente do que podiam quando as pendentes e focados em partes individuais do valor agre-
interfaces eram modulares, mas proprietárias, já que os gado prosperem, porque pode ocorrer o diálogo técnico
projetistas e montadores podem misturar e combinar os estruturado que minimiza os custos das transações. Como
componentes dos melhores fornecedores. resultado, uma indústria que em um ponto foi dominada
Ao longo do tempo, os custos fixos mais baixos e a por empresas integradas se torna dominada por uma popu-
economia de escala que os fornecedores de componentes lação de empresas especializadas não integradas.
focados usufruem, associada com as vantagens de velo- A Figura 2 resume as condições necessárias para
cidade para o mercado e flexibilidade usufruídas pelos que uma indústria seja caracterizada pela concorrência
montadores não integrados, permitem que uma popula- entre as empresas integradas que empregam arquitetu-
ção de empresas estratificadas horizontalmente tome o ras interdependentes (Região A) em comparação com
lugar das empresas integradas verticalmente (Groove, aquelas em que a indústria seria caracterizada pela con-
1996; Fine, 1998; Baldwin e Clark, 2000). As especi- corrência entre empresas especializadas com base em
ficações modulares constituem informações suficientes velocidade e conveniência, que interagem dentro de
para que um mercado eficiente funcione, e a coor­denação arquiteturas modulares (Região B).8
baseada no mercado (diálogo técnico estruturado) triunfe Alguns estudos (p. ex., Teece, 1986) concentraram-
sobre a coordenação gerencial por meio das interfaces -se na apropriabilidade do conhecimento como um fator
modulares (Sanchez e Mahoney, 1996). crítico que afeta as decisões de integrar ou desintegrar.
Em suma, a cadeia de causalidade que muda a van- Esperamos que o nosso modelo lance percepções adi-
tagem competitiva das empresas integradas em uma de- cionais sobre esse fenômeno também. Segundo esse
terminada camada de um mercado é a seguinte: modelo, quando a funcionalidade de um produto não é
1. Quando a funcionalidade dos produtos disponíveis su- boa o bastante para considerar as necessidades do clien-
pera, em uma camada do mercado, a capacidade dos te, a linguagem da concorrência bem-sucedida deve ser
clientes utilizarem as melhorias adicionais, as empresas
devem competir de forma diferente para ganhar o negó-
cio dos clientes que estão excessivamente saciados pela 8
Em muitos casos, o advento da arquitetura modular parece estar asso-
funcionalidade. As inovações que facilitam a veloci- ciado ao surgimento de um projeto dominante (Abernathy and Utterback,
1978; Christensen et al., 1998). Como essa associação ainda não está
dade para sua inserção no mercado e a capacidade para suficientemente clara, não podemos avançar na questão. Convidamos
customizar as características e funções em resposta às outros estudiosos a investigar conosco a possibilidade dessa associação.
184     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

o diálogo técnico não estruturado. Esse diálogo deve Em nosso estudo da indústria de unidades de disco,
acontecer em “locais” onde residem as capacitações planejamos um método para medir o grau em que a ar-
da organização para projetar e fabricar produtos me- quitetura de uma unidade era modular ou independente.
lhores. Esse conhecimento tácito ou capacitação não Trata-se de uma medida indireta, mas parece apoiar a no-
pode ser apropriado pelos concorrentes. Quando ocorre ção de que a modularidade aparece primeiro nas camadas
o excesso de funcionalidade e as forças competitivas menos exigentes do mercado, onde ocorre o fenômeno de
conduzem as arquiteturas para a modularidade, as ca- excesso de funcionalidade. A análise sugere que as arqui-
pacitações baseadas no diálogo técnico não estruturado teturas modulares migram então para as camadas mais
voltadas para enquadrar os itens do produto passam a exigentes do mercado, na medida em que esse processo
ser incorporadas nos padrões da interface – diálogo téc- permanente de excesso de funcionalidade nas camadas
nico estruturado –, que definem como os módulos se sucessivamente mais exigentes do mercado continua.
enquadram e funcionam juntos. Esse processo permite Para fazer essa análise, construímos um banco de
que os concorrentes se apropriem daquilo que foi um dados de cada modelo de unidade de disco introduzido
dia capacitação proprietária e know-how. por todas as empresas ao redor do mundo entre 1975 e
1998 – 4.334 modelos no total. Isso constitui um censo
Evidências que apoiam o modelo completo dos produtos da indústria nesses anos.9 Para
de desintegração cada um desses modelos, obtivemos dados sobre os ti-
O modelo apresentado foi deduzido a partir de uma sín- pos de componentes utilizados na unidade – incluindo
tese de trabalhos de vários estudiosos. Nesta seção, ofe- componentes de hardwares e tipos de codificação de
recemos evidências empíricas preliminares – por meio firmware e softwares empregados. Depois, estimamos
de análise numérica e histórias – que são coerentes com as equações de regressão nas quais a variável depen-
dente foi a densidade de gravação da unidade.10 As va-
a cadeia de causalidade apresentada nesse modelo. Nos
riáveis independentes foram o ano de lançamento da
estudos de caso de indústrias tão diversas quanto as de
unidade, o tamanho desta11 e os componentes usados
unidades de disco, computadores, serviços financeiros
nela – representados por variáveis simbólicas para cada
e microprocessadores, observamos um processo similar
tipo ou geração de tecnologia de componente. Quando
ao já delineado, que transferiu a vantagem competitiva
as entrevistas com os engenheiros sugeriram que as in-
da integração para a não integração. Resumimos essas
terações entre os componentes poderiam afetar a densi-
observações nos casos apresentados a seguir.
dade de gravação alcançada em um produto, os termos
da interação foram incluídos na análise. A equação foi
Evidências da indústria de unidades de disco
estimada da seguinte forma:
Nossa pesquisa anterior descreveu como o desempenho das
unidades de disco melhorou em um ritmo mais rápido do In(densidade de gravação)  B1 1 B2(Ano) 1
que a habilidade dos clientes em qualquer camada do mer- B3(diâmetro)  B4(componente simbólico 1) 
cado poderia absorver. Repetidas vezes, isso permitiu que . . .  Bn(componente simbólico n)
os inovadores disruptivos abrissem caminho no ponto fraco
do mercado para desalojar os líderes da indústria (Christen- Os coeficientes estimados para cada uma das variá-
sen e Rosenbloom, 1995; Christensen e Bower, 1996). veis simbólicas de componente mediram até que ponto as
Esse processo contínuo de migração mercado acima várias tecnologias de componentes aumentaram ou redu-
implica (na linguagem deste artigo) que a modularidade ziram a densidade de gravação do produto. O coeficien-
arquitetural tem chance de ocorrer primeiro nas cama- te da variável ano mediu a melhoria anual na densidade
das menos exigentes do mercado e que, em qualquer de gravação que resultou dos avanços incrementais que
instante de tempo, devemos esperar que as camadas
mais exigentes do mercado, que são as menos saciadas
9
Os dados foram cedidos gentilmente por James Porter, editor do
em termos de funcionalidade dos produtos disponíveis, Disk/Trend Report. Alimentamos os dados em uma imensa planilha do
sejam povoadas por produtos mais tecnologicamente Excel e ficaríamos felizes em compartilhar os dados com os colegas
interdependentes. Consequentemente, há uma expecta- que desejem analisá-los com mais profundidade (disponível a pedido
de C.M.C). Embora o Disk/Trend Report não seja mais publicado, a
tiva de que as posições de mercado das empresas inte- Biblioteca Pública de San Jose possui cópias anteriores dos relatórios.
gradas sejam mais fortes nas camadas mais exigentes 10
A densidade de gravação é medida como o número de megabits de in-
formação que podem ser armazenados em uma polegada quadrada de
do mercado e que as participações de mercado das em- área do disco.
presas não integradas sejam mais fortes nas camadas 11
O diâmetro do disco, na verdade, exerce um forte efeito na densidade
viável de gravação, porque os problemas de inércia, quando se posicio-
menos exigentes e mais excessivamente saciadas do nam precisamente os componentes maiores sobre uma determinada trilha
mercado. de dados, são muito maiores nas unidades grandes do que nas pequenas.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     185

FIGURA 3 Progresso das arquiteturas modulares por meio das camadas


progressivamente exigentes do mercado de unidades de disco

0,4

0,35

0,3

0,25

Desvio padrão
0,2

0,15

0,1

0,05

0
1980-83 1986-89 1991-94
Quartil mais baixo Terceiro quartil
Segundo quartil Quartil mais alto

não puderam ser vinculados ao uso de uma determinada Se os padrões da interface entre os componentes
nova tecnologia arquitetural, de componente, de software foram tão completamente definidos que os engenhei-
ou hardware. Os resultados detalhados dessa análise são ros não tinham graus de liberdade para projetar como
divulgados no Apêndice 1. O R2 ajustado foi 0,95, indi- ajustariam os componentes na arquitetura da unidade
cando que as variáveis contribuíram para a maior parte – isto é, se o design foi totalmente modular –, então
da variação na densidade entre os produtos na amostra. há a expectativa de que a eficiência arquitetural da po-
Essa equação nos permitiu estimar a densidade de pulação de unidades de disco seja 1,0 e que o desvio
gravação esperada de cada unidade, dado o seu tama- padrão da eficiência arquitetural seja 0. Quanto maior
nho, os componentes utilizados e o ano em que foi o desvio padrão na eficiência arquitetural dos modelos
projetada. Pudemos então comparar a densidade es- do produto nessa população, maior o escopo das técni-
perada com a densidade que os engenheiros realmente cas diferenciadas para integração dos componentes. Em
alcançaram. Chamamos a proporção entre a densidade outras palavras, quanto maior o desvio padrão, maior
de gravação real e a densidade esperada de eficiência o grau de interdependência arquitetural nos designs de
arquitetural da unidade e calculamos essa proporção produto. Quanto menor o desvio padrão, maior o grau
para cada modelo de unidade de disco no banco de da- de modularidade na unidade de disco.
dos.12 Uma taxa de eficiência arquitetural igual a 1,0 in- A Figura 3 mapeia, em seu eixo vertical, o desvio
dica que os engenheiros alcançaram exatamente a den- padrão da eficiência arquitetural das unidades de disco
sidade esperada. Taxas acima de 1,0 indicam que, por vendidas no mercado de desktop entre 1980 e 1995, por
meio do design inteligente do produto, os engenheiros camada do mercado – há uma variação das unidades no
foram capazes de extrair mais densidade de gravação quartil de menor capacidade (na frente) em relação às
do mesmo conjunto de componentes do que um en- unidades no quartil de maior capacidade (na parte de
genheiro médio teria conseguido. Uma taxa menor de trás).13 Fleming e Sorenson (2001) usaram métodos mui-
1,0 sugere que os engenheiros da unidade obtiveram to diferentes para chegar a uma conclusão semelhante.
um desempenho abaixo do esperado, dados os compo-
nentes que eles utilizaram.
13
Há um problema comum nas análises desse tipo, como um dos revisores
deste artigo apontou. Citando o texto da revisão “[Se] você traçar o tama-
nho do resíduo nos diferentes níveis da variável dependente, [muitas vezes
12
O professor Marco Iansiti (1997) usou métodos diferentes para desen- você] descobrirá que o resíduo é maior na extremidade maior da distribui-
volver uma medida análoga em seu estudo sobre os processos de pro- ção da variável dependente e menor na extremidade menor da distribuição
jeto de produto na indústria de estações de trabalho computadorizadas. da variável dependente. Seria muito surpreendente descobrir qualquer ou-
Ele chamou sua medida de “manufatura tecnológica”. Preferimos usar a tro padrão porque é comum que os erros sejam heterocedásticos em pro-
expressão “eficiência arquitetural” para sermos coerentes com as publi- porção com a variável dependente”. Ele está certo. Por isso, a medida da
cações anteriores que empregaram essa medida (Christensen, 1992a, b) eficiência arquitetural que utilizamos nesses estudos é a proporção entre a
e porque é mais descritiva do fenômeno que estamos tentando medir. densidade de gravação real e esperada, em vez da magnitude absoluta do
Enquanto Iansiti comparou o que era teoricamente realizável versus re- resíduo. O uso da proporção normaliza o efeito da magnitude absoluta.
almente realizável, nós medimos a média do trabalho de todos os enge- Na realidade, se não tivéssemos normalizado dessa maneira, a plotagem
nheiros versus o trabalho das equipes individuais de projeto de produto teria sido extraordinariamente enganosa porque as densidades de gravação
que desenvolveram cada um dos produtos. teriam aumentado de forma radical ao longo do período.
186     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Note que o desvio padrão aumenta da frente para desempenho são mais modulares e fornecidos por em-
trás – do quartil mais baixo para o quartil mais alto em presas menos integradas.
cada um dos períodos –, o que sugere que o grau de Nos primórdios da computação digital, quando a
interdependência sempre foi maior nas camadas mais funcionalidade dos produtos disponíveis ficava aquém
exigentes do mercado. Embora haja evidências de que o das necessidades dos mercados principais, a indústria
grau de interdependência/modularidade tenha se man- de computadores era dominada por empresas integra-
tido estável, ao longo do tempo, no quartil mais baixo das como a IBM. Mesmo hoje, as camadas mais exi-
dos produtos, o grau de interdependência no segundo, gentes do negócio de servidores mais robustos para
terceiro e quatro quartis de produto diminuiu mono- empresas continuam a ser dominadas por empresas
tonicamente ao longo do tempo, na medida em que o integradas, como a Hewlett-Packard, IBM e Silicon
processo permanente de excesso de funcionalidade Graphics. Os produtos dessas empresas são tecnolo-
e maior modularidade progrediu para cima por meio gicamente interdependentes, construídos em torno de
das camadas do mercado. Isso sugere que o escopo da microprocessadores proprietários com conjunto de
instruções reduzido (reduced instruction set computer
diferenciação do produto sempre foi mais limitado nas
– Risc) e sistemas operacionais Unix proprietários,
camadas inferiores do mercado, nas quais os clientes
cujas propriedades fundamentais são projetadas e pro-
eram mais excessivamente saciados, e maior nas cama-
duzidas de forma interdependente, em grande parte
das mais exigentes, onde a sede dos clientes pelo maior
internamente. O desempenho dos seus produtos supe-
desempenho ainda exigia arquiteturas mais interdepen-
rou tudo o que foi utilizado pelas camadas mais exi-
dentes. O desvio padrão estável na camada inferior do gentes do mercado, mas os volumes de negócios são
mercado apoia a noção de que poucos produtos são to- tão pequenos que a trajetória de crescimento da Silicon
talmente modulares em cada interface.14 Graphics, que já foi espetacular, evaporou.
Como mostrado a seguir, as empresas integradas Nas próximas camadas inferiores do negócio de ser-
verticalmente na indústria – particularmente a IBM – vidores, os produtos têm um caráter mais modular. O
dominaram as camadas mais exigentes do mercado, sistema operacional Solaris da Sun Microsystems, por
enquanto os fabricantes como a Quantum e a Western exemplo, está se tornando rapidamente um padrão. Pre-
Digital conquistaram as fatias maiores na camada me- visivelmente, essa camada do mercado é dominada pe-
nos exigente do mercado.15 los fabricantes menos integrados. A Sun, por exemplo,
continua a projetar o seu próprio microprocessador e
A indústria de computadores sistema operacional, mas licencia-os para os concorren-
Não temos um conjunto similar de dados detalhados tes e terceiriza a fabricação. A Sun está empurrando o
para a indústria de computadores como no caso das uni- mercado agressivamente para cima para provocar dis-
dades de disco, mas parece que um padrão semelhante rupção na Hewlett-Packard, IBM e Silicon Graphics,
também existe nessa indústria. Nas camadas do merca- levando consigo, no decorrer do processo, a arquitetura
do mais exigentes quanto ao desempenho, os produtos mais modular.16
são interdependentes e proprietários arquiteturalmen- As camadas menos exigentes que compõem o mer-
te, e fornecidos por empresas integradas. Os produtos cado de computação empresarial são dominadas por for-
voltados para as camadas menos exigentes quanto ao necedores como Compaq, Dell e Gateway, cujos produ-
tos são completamente modulares. Essas empresas não
são integradas, pois a maior parte dos componentes em
14
O único desvio da tendência na direção da maior modularidade parece seus produtos é fornecida por empresas especializadas.
ter ocorrido no final dos anos 1980, quando os fabricantes de unidades A manufatura e a logística para dentro e para fora são
de disco em todas as camadas do mercado começaram a usar cabeças de
película magnética. Como observa Waid (1989), as cabeças de película
geridas por empreiteiros como a Solectron, e até mesmo
magnética constituíram um desafio tecnológico cuja interdependência foi o projeto de alguns produtos está sendo terceirizado. A
fundamental em seus primeiros anos de uso porque muitos elementos do Dell, em particular, aproveita o seu status de montadora
projeto da unidade eram interdependentes com os elementos do projeto
da cabeça de película magnética. Isso apoia o ponto sugerido de que, não integrada de produtos modulares para customizar
quando as novas tecnologias são utilizadas, suas interações com outros seus computadores de acordo com as especificações dos
elementos no projeto do sistema não são bem compreendidas.
15
Alguns leitores de versões anteriores deste artigo questionaram se, nas
clientes individuais e entregar máquinas em domicílio,
camadas inferiores dos mercados de produtos que são verdadeiramente num prazo de 48 horas. Essas empresas começaram suas
commodities, as arquiteturas poderiam se tornar interdependentes nova-
mente. Se todo mundo, em uma porção significativa de um mercado, queria
exatamente as mesmas características e funções, e se os seus desejos foram
estáveis ao longo do tempo, a flexibilidade e as opções poderiam ter pouco O padrão em que essas ondas de tecnologias disruptivas estão varrendo
16

valor (Baldwin and Clark, 2000). Então, pode ser possível que um único as camadas do mercado de computadores é descrito em mais detalhes em
projeto de produto interdependente fosse a solução de custo mais baixo. Christensen and Verlinden (1999).
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     187

histórias diretamente no espaço da computação pessoal Desintegração da indústria de


e conduziram agressivamente a modularidade e a de- microprocessadores
sintegração para as camadas de cima do mercado, rou- Nosso caso final é o da indústria de microprocessadores.
bando de forma disruptiva a participação de mercado da Embora seja um componente dentro de um computador
Sun no mercado de estações de trabalho e servidores. À pessoal modular, o microprocessador em si é um sistema
medida que os componentes obtêm mais capacidade, as complexo e tecnologicamente interdependente. Os pro-
empresas não integradas levam a sua arquitetura modu- jetos para desenvolver a próxima geração de plataformas
lar para as camadas superiores do mercado – e assim, a de microprocessador consumem tempo e ativos de uma
desintegração está ocorrendo nas camadas progressiva- magnitude similar àquela exigida para projetar mainfra-
mente mais exigentes do mercado. mes. A Intel é uma empresa integrada que projeta para si
mesma cada elemento do microprocessador em um pro-
Hipotecas bancárias cesso interdependente e interativo. Seu método “copiar
O setor de hipotecas bancárias tem sido dominado his- exatamente” as etapas do design para a fabricação de vo-
toricamente por instituições integradas, tais como as lume é um testemunho das interdependências complexas
caixas econômicas e as instituições de empréstimos, e mal compreendidas entre o design e a manufatura.
que recebiam depósitos e prestavam serviços, conce- Embora as velocidades dos microprocessadores com
diam empréstimos, verificavam a capacidade credití- conjuntos de instruções complexos (Cisc) tenham ficado
cias dos mutuários, avaliavam valores de proprieda- suficientemente rápidas a ponto de a Intel e AMD es-
des e prestavam serviços. Nos termos da definição de tarem gerando disrupção nos equipamentos com base
modularidade observados anteriormente, não havia em microprocessadores Risc nas camadas mais altas do
formas padronizadas para medir o grau de risco de mercado, seus produtos ultrapassaram a velocidade tipi-
um empréstimo feito a qualquer mutuário, e, como re- camente utilizada nas principais aplicações empresariais.
sultado, os mercados não poderiam atuar na interface Na verdade, Monroe (1999) mostrou que o ritmo da Lei
desses estágios de valor agregado. de Moore, no qual os transistores estão sendo disponibili-
A securitização de ativos e os sistemas de classi- zados por área de silício, está ultrapassando a capacidade
ficação de crédito que se originaram na indústria dos de os projetistas de circuitos utilizar os transistores em
cartões de crédito substituíram por métricas simples o 40% ao ano. Consequentemente, nas camadas do merca-
julgamento dos funcionários dos bancos – eles trouxe- do menos exigentes em termos de desempenho, a arqui-
ram modularidade. Com a classificação de crédito, veio tetura dos microprocessadores, como o processador Intel
o conhecimento de quais atributos do mutuário precisa- Celeron, está se tornando mais modular (entrevista com
vam ser especificados, e a tecnologia para medir esses Randy Steck, Intel Architecture Labs, julho de 1999).
atributos passou a ser conhecida. Do mesmo modo, a Na camada mais baixa, para os chips dos dispositivos
securitização de ativos transformou os empréstimos de portáteis digitais sem fio, empresas como a Tensilica co-
ativos não padrão com riscos e retornos incertos em meçaram a oferecer ferramentas da web que permitem
unidades padronizadas com risco e retorno facilmente aos desenvolvedores de aplicações montar, a partir de
mensuráveis. A classificação de crédito e a securitiza- componentes modulares, microprocessadores com de-
ção surgiram nos anos 1960, na camada mais baixa do sign personalizado e sistemas em um único chip, cujas
mercado de empréstimos – cartões de crédito de vare- características e funcionalidade são ajustadas exatamente
jistas como a Sears. Depois, eles migraram para cima para as necessidades da aplicação. Os ciclos de design
no mercado, usurpando os cartões de crédito abertos, para esses microprocessadores modulares são medidos
os empréstimos para aquisição de automóveis, os em- em semanas, em vez de anos (Bass e Christensen, 2002).
préstimos hipotecários e, mais recentemente, o micro- As descobertas de Macher (2001) apoiam essas afir-
crédito. Em cada uma dessas camadas do mercado, os mativas. Ele mostrou que os fabricantes integrados de
bancos comerciais integrados e as caixas econômicas semicondutores têm um desempenho melhor do que os
foram substituídos por uma população estratificada ho- não integrados nas camadas do mercado mais exigentes
rizontalmente de empresas especializadas, tais como em termos de desempenho, enquanto acontece o con-
MBNA, GMAC, GE Capital, Countrywide e FNMA. A trário nas camadas menos exigentes. Além disso, com
fatia do mercado hipotecário dos bancos integrados, por regras mais claras na interface entre design e manufatu-
exemplo, encolheu de 90% nos anos 1960 para 39% em ra, os chips posicionados longe da tecnologia de ponta
1999. Hoje, uma população de empresas especializa- estão sendo produzidos cada vez mais em fundições
das gera a maioria das hipotecas, realiza verificações de independentes de silício, que, segundo Macher, são
crédito, avalia as garantias, fecha empréstimos e presta capazes de levar produtos para o mercado com muito
serviços (Hodes e Hall, 1999). mais rapidez do que as empresas integradas.
188     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Evidências de apoio nos estudos de caso para os elementos-chave do modelo

Unidades Serviços Micro-


Computadores
de disco financeiros processadores

1. No início, quando a funcionalidade disponível é insuficiente para


satisfazer as necessidades do cliente nas camadas principais do X X X X
mercado, as arquiteturas dos produtos são interdependentes.
2. A indústria é dominada nesse momento pelas empresas integra-
X X X X
das verticalmente.
3. A funcionalidade fornecida pelas principais empresas integradas
supera o que os clientes nas camadas inferiores do mercado con- X X X
seguem utilizar e pelo que estão dispostos a pagar.
4. A base da competição nas camadas do mercado que são exces-
sivamente atendidas em termos de funcionalidade muda. A velo-
cidade para o mercado e a capacidade de customizar de forma X X X
conveniente as características e funções se tornam questões es-
tratégicas importantes.
5. As arquiteturas dos produtos se tornam modulares para facilitar a
X X X X
concorrência nas novas dimensões.
6. A modularidade permite que as empresas não integradas concor-
ram. Nas camadas do mercado em que ocorreram o excesso de
funcionalidade e a modularidade, a indústria tende a se desinte- X X X X
grar; uma população de empresas especializadas estratificadas
horizontalmente toma o lugar das empresas integradas.
7. Como o ritmo do progresso tecnológico segue mais rápido do
que a capacidade de os clientes, em determinadas camadas
do mercado, absorverem-no, a sequência de eventos nas eta- X X X x
pas 1 a 6 se repete em cada camada progressivamente mais
exigente do mercado.

Síntese dos casos tante que haja, mais uma vez, a verdadeira reintegra-
A Figura 4 resume os padrões revelados nesse conjunto ção gerencial e tecnológica, já que os inovadores, por
de casos. Ela enumera, na coluna mais à esquerda, a meio do diálogo técnico não estruturado, são forçados
cadeia causal no modelo proposto. Para cada uma das novamente a juntar os componentes de seus produtos
indústrias que estudamos, um X nas células da tabela de formas não convencionais e não testadas, a fim de
indica onde o fenômeno foi observado. empurrar o desempenho o mais próximo possível do
que os clientes começaram a exigir. As próximas se-
Estudos de caso em reintegração ções descrevem com certo detalhe por que e como isso
Nas Figuras 1 e 2, os mapas de trajetórias sugerem que aconteceu nas unidades de disco e depois remetem a um
o modelo de negócio predominante em muitas indús- padrão similar na indústria de softwares.
trias geralmente evoluirá das empresas integradas para
os modelos de negócio não integrados e especializa- Reintegração nas unidades de disco
dos. Mas, de vez em quando, a tendência pode se in- Na maior parte dos anos 1990, o mercado de unidades
verter e voltar para a integração. Outras razões finan- de 3,5 polegadas esteve majoritariamente na Região B
ceiras para a reintegração são consideradas na Seção da Figura 2. Essas unidades eram usadas principalmen-
5. O fator que parece ter sido o condutor da volta do te nos computadores pessoais desktop e sua capacidade
predomínio da integração como uma fonte de vanta- – de até 60 GB – havia superado de forma substancial
gem competitiva, entretanto, foi a ocorrência de um o que os clientes realmente eram capazes de utilizar nas
“hiato de desempenho” – um deslocamento para cima principais camadas desse mercado. Conforme é mostra-
na funcionalidade de que os clientes necessitam. Nos do a seguir, a arquitetura das unidades vendidas nesse
termos das Figuras 1 e 2, isso envolve um desloca- mercado era cada vez mais modular, especialmente nas
mento para cima das linhas pontilhadas e suavemen- camadas menos exigentes. Isso significava que os com-
te inclinadas para uma nova elevação. O surgimento ponentes de vários fornecedores podiam ser mistura-
desses hiatos de desempenho pode jogar uma indústria dos e combinados com resultados previsíveis em novos
de volta para uma situação de “Região A”, conforme designs de produto. Esse mercado, consequentemente,
retratado na Figura 2. Quando isso acontece, é impor- era dominado por empresas menos integradas – Seaga-
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     189

te, Quantum, Western Digital e Maxtor. A IBM, a con- O mercado de unidades de 2,5 polegadas foi do-
corrente mais amplamente integrada, mal foi capaz de minado pelas empresas mais integradas tecnologica-
manter uma posição nesse mercado.17 mente da indústria – IBM, Toshiba, Hitachi e Fujitsu.
O mercado de unidades de disco de 2,5 polegadas Embora empresas não integradas tenham atendido a
estava na Região A. Embora tenham surgido crono- esse mercado durante alguns anos, na medida em que
logicamente após as unidades de 3,5 polegadas, a as necessidades dos clientes se tornaram claras, os par-
funcionalidade das unidades de 2,5 polegadas usadas ticipantes não integrados com suas arquiteturas e pro-
nos computadores notebook ainda não eram boas o dutos modulares foram completamente excluídos do
bastante. Por quê? Os usuários de computadores ten- mercado. Sua participação caiu de 96% em 1990 para
taram usar os notebooks nas mesmas aplicações em 13% em 1996 e 3% em 1998, à medida que as empre-
que usavam os desktops. Como as unidades de 2,5 sas integradas aprenderam a focar suas capacitações
polegadas nos notebooks têm um sexto da área de su- tecnológicas diversas nas necessidades dos clientes
perfície para gravação das unidades de 3,5 polegadas quanto à densidade máxima de gravação. Evidências
dos desktops,18 a maioria dos usuários de notebooks da volta do predomínio do modelo de negócio integra-
dos anos 1990 estava bastante insatisfeita com a ca- do estão resumidas na Figura 5.
pacidade, o peso e o consumo de energia das unida- Agora há indícios de que a trajetória de capacida-
des de 2,5 polegadas. Como resultado, as unidades de de das unidades de 2,5 polegadas começou a cruzar a
2,5 polegadas foram construídas em torno das cabe- capacidade exigida no mercado de notebooks. Isso pre-
ças MR e dos códigos de detecção de erros PRML – nuncia outra oscilação do pêndulo na direção das arqui-
tecnologias complexas e fora do padrão que exigiam teturas modulares, deslocando a vantagem competitiva
processos de design interdependentes e interativos a de volta para os concorrentes não integrados nesse mer-
fim de extrair o máximo possível de desempenho des- cado em particular.
sas novas tecnologias.19 Chesbrough e Kusunoki (2001) descrevem as di-
ficuldades que as empresas não integradas têm para
escapar da “armadilha da modularidade” quando uma
17
Usamos deliberadamente a expressão “menos integrada” em vez de
indústria passa por uma “mudança de fase da tecnolo-
“não integrada” porque, nesse ponto da história da indústria, todas essas gia”. Esses autores sugerem que, se as empresas não
empresas eram integradas até certo grau, posicionadas em vários pontos integradas gerirem conscientemente as oscilações entre
ao longo do espectro. A Seagate (especialmente após ter adquirido a Con-
ner Peripherals) tinha uma próspera operação de manufatura de discos e a interdependência e a modularidade, as empresas inte-
uma operação de cabeça magnetorresistiva (MR) que estava começando gradas devem ter vantagens de desempenho, no longo
a dar resultados. Ela tinha grande expertise na manufatura de cabeça de prazo, sobre as não integradas. Nosso trabalho apoia
película magnética. A Quantum projetava seus circuitos de controle, mas
terceirizava todo o resto, incluindo a fabricação. Ela havia tentado come- essa constatação e acrescenta um pouco mais de espe-
çar a fabricar cabeças MR ao comprar o negócio de unidades de disco cificidade sobre as causas das “mudanças de fase da
da Digital Equipment, mas tropeçou feio. Em 1998, a empresa havia
passado a cabeça MR para a Matsushita Kotobuki Electric (MKE), sua
tecnologia”, do padrão “dupla hélice” que Fine (1998)
parceira de manufatura, que estava trabalhando para aprender como pro-
duzir e integrar as cabeças. A Western Digital e a Maxtor eram as menos
integradas – especialmente nas ligações entre os seus componentes, suas
atividades de pesquisa que davam suporte aos componentes de tecnolo- o projeto e a manufatura necessários, em equipes integradas. Também
gia avançada e suas atividades de projeto de canais de leitura-gravação. realizamos análises estatísticas dos fenômenos a fim de mostrarmos
As principais diferenças na integração entre a IBM e a Seagate estão nas como a significância estatística dos termos da interação entre os compo-
amplas atividades de pesquisa da IBM e na capacidade de seus engenhei- nentes nas equações de regressão descritas no Apêndice variaram entre
ros de integrar as partes de valor agregado – especialmente na interface as unidades de 3,5 e 2,5 polegadas. Não incluímos esses resultados aqui
de resposta parcial e probabilidade máxima (PRML) da cabeça MR. por causa do espaço reservado ao artigo, mas eles apontam para a mesma
18
Cada disco de 2,5 polegadas tem a metade da área de gravação de um conclusão. As unidades cuja funcionalidade está mais próxima da fron-
disco de 3,5 polegadas, mas, como o fator de forma de 2,5 polegadas teira da viabilidade têm mais interdependência em suas arquiteturas. A
é usado nos notebooks, ele deve ser mais fino, o que permite que interdependência entre essas tecnologias ocorre no que os engenheiros
menos discos caibam em um eixo em comparação com a arquitetura da indústria chamam de “o canal”. As cabeças MR oferecem um método
de 3,5 polegadas. completamente diferente e muito mais sensível para detectar mudanças
19
A evidência de que a arquitetura das unidades de disco de 2,5 polegadas no campo de fluxo em um disco do que a tecnologia anterior de cabeça –
é interdependente e não modular provém de muitas fontes. A primeira o que permite a criação de domínios magnéticos muito menores nos dis-
fonte refere-se a um conjunto de entrevistas realizadas com gestores de cos. Os algoritmos de software PRML detectam quando ocorreram erros
engenharia das seguintes empresas: IBM (a mais integrada da indústria), na leitura dos dados e, com base nos padrões dos outros dados, estimam
Seagate (parcialmente integrada) Quantum (uma montadora de unidades quais são os dados perdidos ou errôneos. A capacidade de maximizar a
não integrada) e Ride-Rite e Komag (fornecedoras não integradas de ca- densidade de gravação usando as cabeças MR mais avançadas depende
beças e discos, respectivamente). Em cada caso, os gestores observaram da capacidade dos codificadores PRML de identificar e corrigir padrões
que, ao usarem os códigos PRML e as cabeças MR (já definidas) para de erro, que surgem devido às características de projeto das cabeças.
maximizar a densidade das unidades de 2,5 polegadas, não poderiam tra- Ambos os componentes de tecnologia devem ser feitos independente-
balhar com os fornecedores porque não conseguiriam especificar o que mente. Não é esse o caso quando se trata das tecnologias usadas longe da
eles teriam que entregar nem medir quais atributos das cabeças eram fronteira das possibilidades, tais como as cabeças de película magnética
mais críticos para a maximização do desempenho. Atribuíram o sucesso e os códigos de correção de erros RLL. Ambas podem ser adquiridas e
da IBM nesse mercado à capacidade da empresa de realizar internamente utilizadas imediatamente a partir de terceiros.
190     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 5 Comparação entre as fatias de mercado de 1998, detidas pelas empresas


não integradas e integradas, no mercado excessivamente saciado de unidades de 3,5
polegadas, e no mercado pouco saciado de unidades de 2,5 polegadas
Participações no mercado Participações no mercado
de 3,5 polegadas (%) de 2,5 polegadas (%)

Empresas integradas 8 Empresas integradas 97


  IBM 4   IBM 67
  Toshiba 1   Toshiba 21
  Hitachi 2   Hitachi 5
  Fujitsu 1   Fujitsu 4
Empresas menos integradas 87 Empresas menos integradas 1
  Seagata/Conner 33   Seagata/Conner 0
Quantum 23 Quantum 0
   Western Digital 23    Western Digital 0
  Maxtor 8   Maxtor 1
Outras 5 Outras 2
Total 100 Total 100
Fonte: Disk/Trend Report, 1999.

observou e das “reconfigurações arquiteturais” que vos da internet e a linguagem de programação Java, com
Henderson e Clark (1990) examinaram. suas arquiteturas modulares, estão capturando uma fatia
dominante das aplicações voltadas para a internet de
Softwares para computadores pessoais uma forma clássica de tecnologia disruptiva. O Linux,
Como ocorreu no mercado das unidades de disco de 2,5 um sistema operacional cuja arquitetura modular per-
polegadas, várias empresas não integradas entraram no mite que os devotos do open-source mantenham o sis-
mercado de softwares para computadores pessoais, quan- tema na forma independente e melhorem os seus ele-
do este surgiu. O DOS da Microsoft constituiu uma in- mentos, também está começando a desintegrar certas
terface padrão na qual os vendedores de softwares não camadas do mercado.
integrados, como a WordPerfect, Borland, Lotus e Har- Esses casos de reintegração constituem o que Yin
vard Graphics, podiam “plugar” seus módulos. Mas, em (1984) chama de replicações teóricas do modelo
poucos anos, à medida que os clientes entenderam o que proposto neste artigo. O modelo sugere que exceder
queriam, surgiu um “hiato de desempenho” – os usuários a funcionalidade exigida em uma camada do mercado
de PC começaram a exigir a capacidade de transportar precipita uma mudança na base da concorrência, o que,
partes dos gráficos, planilhas e arquivos de processador por sua vez, permite que as arquiteturas de produtos ou
de texto para outros tipos de arquivo. Esse hiato de de- serviços evoluam da interdependência para a modulari-
sempenho exigia integração, e a Microsoft respondeu à dade, e que as estruturas da indústria evoluam da inte-
altura: criou conexões não padrão e interdependentes en- gração vertical para a estratificação especializada. Nes-
tre o seu sistema operacional Windows e o seu pacote de ses casos, o surgimento das lacunas de funcionalidade,
aplicativos para escritório – e mais tarde o seu Internet ou “pouca saciação”, das demandas dos clientes inverte
Explorer. Quase da noite para o dia, os concorrentes não o processo, que seguirá rumo à integração.
integrados da Microsoft desapareceram.20
Hoje, porém, o pêndulo parece estar oscilando em
MUDANÇAS NO LÓCUS DOS LUCROS
outra direção. Na maioria dos produtos da Microsoft, a
funcionalidade e a quantidade de características supera- Nossa pesquisa também sugere que os estágios do valor
ram radicalmente aquilo que a maioria dos seus clientes agregado, em que os lucros atraentes podem ser aufe-
consegue utilizar. As empresas de softwares não integra- ridos, tendem a diferir do lado esquerdo para o direito
das que escrevem códigos para os protocolos disrupti- do mapa das tecnologias disruptivas. Durante as eras
caracterizadas pela Região A na Figura 2, as maiores
empresas integradas verticalmente, que se envolvem no
20
Parece que a previsão da equipe de gestão da Microsoft da forma pela design e na montagem de produtos arquiteturalmente
qual ela fez o seu movimento na direção das arquiteturas interdepen- interdependentes e de consumo final cujo desempenho
dentes é uma interpretação comum, enquanto as empresas geridas por
equipes menos agressivas ou competentes, como a WordPerfect, Novell ainda não é bom o bastante, tendem a capturar uma fatia
e Lotus, perderam essa oportunidade. Para provocar discussão, propomos desproporcional dos lucros de sua indústria. Durante as
especificamente que há uma causalidade mais fundamental por trás do
que aconteceu: o hiato de desempenho forçou a integração e a Microsoft eras de estratificação horizontal descritas como Região
estava em melhor posição para responder a isso. B, as empresas envolvidas nos mesmos estágios do valor
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     191

agregado – em que são projetados e montados produtos Com o propósito de medirmos de forma ilustrativa o
modulares com funcionalidade mais do que suficiente achatamento da economia de escala em um mundo mo-
– geralmente consideram muito difícil auferir mais do dular, coletamos dados sobre volumes unitários, custos
que lucros de subsistência. Enquanto os fornecedores totais e complexidade da linha de produtos para cada fa-
de componentes tendem a lutar para serem lucrativos bricante de unidade de disco e construímos um modelo
na Região A, na Região B as empresas que fornecem de regressão que nos permitiu estimar o custo de cada
subsistemas tecnologicamente interdependentes para os fabricante, durante cada ano, para produzir uma unidade
montadores ficam com boa parte dos lucros. de uma determinada capacidade. A equação tem a se-
A razão pela qual a capacidade de auferir lucros guinte forma:
atraentes varia é que dois fatores que impulsionam
essa capacidade de auferir lucros incomuns – alta ln(custo do produto)  B0  B1 ln(capacidade
taxa de aumento de escala e capacidade de criação da unidade) 
de produtos diferenciados – favorecem os projetistas/ B2 ln(total de unidades produzidas) 
montadores na Região A e fornecedores de subsis- B3 ln(complexidade da linha de produtos)
temas na Região B. Na próxima seção, contaremos,
com alguns detalhes, como e por que isso aconteceu O custo do produto é calculado dividindo os custos
na indústria de unidades de disco e depois sugerire- operacionais totais na empresa, excluindo juros e im-
mos como o mesmo fenômeno parece estar ocorren- postos, pelo número de unidades de disco produzidas.
do também nas indústrias de computadores, teleco- Por isso, chamamos essa medida de custo do produto
municações e automobilística. totalmente alocado. Capacidade da unidade é a capaci-
dade média ponderada das unidades de disco lançadas a
O escopo restritivo da diferenciação cada ano pela empresa. Essa variável é importante por-
A modularidade traz os benefícios de velocidade, custo que as unidades de capacidade mais elevada são mais
mais baixo e flexibilidade tecnológica, como descreve- caras para produzir. Esperamos que o coeficiente dessa
ram Baldwin e Clark (2000). Na realidade, a adoção variável seja positivo. Total de unidades produzidas é o
das arquiteturas de produto modulares é essencial para a número total de unidades de disco produzidas durante
sobrevivência em um mundo onde, conforme sugerido o ano. Esperamos que o coeficiente dessa variável seja
na Figura 2, a base da concorrência está centrada na ve- negativo, postulando que com a escala aumentando, os
locidade para o mercado e na capacidade de customizar custos unitários cairiam. Complexidade da linha de pro-
características e funções convenientemente para as ne- dutos é a quantidade de famílias de produtos produzidas
cessidades de conjuntos específicos de clientes. Sem as pela empresa no ano. Esperamos que o coeficiente dessa
arquiteturas modulares e os modelos de negócio desin- variável seja positivo – os overheads por unidade aumen-
tegrados, as empresas na Região B simplesmente não tariam à medida que a complexidade crescente da linha
conseguiriam competir de maneira eficiente. de produtos exigisse overhead de gestão mais elevado.
A desvantagem da modularidade é que ela parece Todos os dados necessários para esse cálculo foram
restringir a capacidade de os concorrentes diferencia- tirados do Disk/Trend Report. A equação para o início
rem seus produtos por meio de um design superior. dos anos 1980, quando as arquiteturas modulares esta-
Isso foi demonstrado na análise resumida na Figura 3, vam apenas começando a penetrar na indústria, foi
que descreveu como a variabilidade na eficiência ar-
ln(custo/unidade)  296,39  0,146(ano) 
quitetural das unidades de disco caiu na medida em
0,370 ln(volume unitário)  0,126 ln(no de famílias) 
que as arquiteturas de produto ficaram mais modu-
0,511 ln(média ponderada MB/unidade)
lares. Além de perderem a capacidade de diferenciar
produtos com base no desempenho, os projetistas e estatística-t: (3,44) (4,70) (1,68) (6,23) R 2 5 0,88
montadores de produtos modulares também perderam
A equação para o início dos anos 1990, quando as arqui-
sua capacidade de diferenciá-los com base no custo.
teturas modulares se difundiram, foi
A estrutura de custos das empresas não integradas de
design/montagem tende a ser dominada pelos custos ln(custo/unidade)  322,22  0,160(ano) 
variáveis, no lugar dos fixos. Como são os altos custos 0,15 ln(volume unitário)  0,014 ln(no de famílias) 
fixos que dão origem à economia de escala, os mon- 0,544 ln(média ponderada MB/unidade)
tadores de produtos modulares concorrem em curvas
estatística-t: (3,41) (0,52) (0,12) (4,20) R 2  0,88
de escala relativamente planas, o que significa que os
concorrentes pequenos podem ter custos similares aos Observe como o coeficiente de escala caiu e se
dos grandes. tornou estatisticamente insignificante, assim como o
192     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 6 Economia de escala no design e na montagem das unidades modulares de 3,5


polegadas, nos final dos anos 1980

200 Preços predominantes


175 Maxtor Western IBM Conner Seagate Quantum
unidade de 100 MB
Custo estimado –

150 US$ 190,88 Digital US$ 189,88 US$ 184,86 US$ 183,89 US$ 183,51
125 US$ 190,43
100
75
50
25
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Volume unitário (milhões)

coeficiente de complexidade (no de famílias). Espera- para baixo, os projetistas jamais podiam ficar satisfei-
mos as duas coisas em um regime de modularidade. tos com a funcionalidade (densidade de gravação al-
Estimamos essa equação para cada ano. O coeficien- cançável) de cabeças e discos – porque quanto maior
te B2 constituiu uma medida da declividade da econo- a densidade de gravação, menos discos e cabeças eram
mia de escala na fabricação das unidades de disco em necessários na unidade de disco. Como consequência,
cada momento da história da indústria. Com essa equa- ao longo desse período, cabeças e discos se tornaram
ção, pudemos estimar quanto custaria a cada fabricante conjuntos de materiais mais interdependentes tecnolo-
produzir uma unidade de determinada capacidade, dada gicamente, criando escopo substancial para a diferen-
a escala na qual a produziu em cada ano e a complexi- ciação de produto. Os custos fixos elevados de projetar
dade da sua linha de produtos medida pelo número de e fabricar discos de película magnética e cabeças MR
famílias de produtos. A curva de escala com o aspecto acentuaram a economia de escala também na fatia de
que tinha no final dos anos 1980 é exibida na Figura 6, valor agregado. A Figura 7 mostra, por exemplo, que a
que representa graficamente os custos totalmente aloca- Komag, a maior fabricante independente de unidades de
dos no eixo vertical e os volumes de manufatura de cada disco (que também produziu os discos com o mais alto
empresa no eixo horizontal para uma unidade modular desempenho na indústria),21 tinha custos substancial-
típica de 3,5 polegadas com 100 MB de capacidade. Ela mente menores do que os de seus concorrentes. Como
mostra que a economia de escala no design e na mon- os produtos eram diferenciáveis, e a economia de escala
tagem das unidades de disco modulares era plana – os era íngreme, os principais fabricantes independentes de
concorrentes menores podiam agregar esse valor com componentes eram altamente rentáveis. Em contraste
uma eficiência de custos igual à das empresas maiores com a taxa de retorno anual de 11% que os acionistas
– porque a estrutura de custos era dominada por custos das montadoras não integradas de unidades de disco re-
variáveis, em vez de fixos. ceberam entre 1988 e 1994, as principais fabricantes
Para os fabricantes de unidades de disco modula- de componentes, Komag e Read-Rite, retornaram 38%
res, a concorrência na ausência da diferenciabilidade anualmente para os seus acionistas.
de desempenho e custo tem sido difícil e insatisfatória. Em resposta a essa mudança no estágio do valor agre-
Foram os usuários das unidades de disco, não os fabri- gado em que os lucros atraentes podiam ser auferidos,
cantes, que colheram os benefícios de custo mais baixo, algumas montadoras de unidades líderes começaram a
mais flexibilidade e maior velocidade no desenvolvi- produzir seus próprios componentes. A Figura 7 mostra
mento de produto que resultaram da modularidade. As como isso aconteceu. Embora os seus custos de manu-
margens brutas típicas para as unidades de alto volume fatura fossem mais altos do que os da Komag, o preço
usadas nos computadores desktop caíram de 35% em pelo qual as montadoras estavam comprando discos da
1984 para a faixa de 10%-15% nos últimos anos dessa Komag era determinado pela intersecção das curvas de
década. oferta e demanda – no custo do fornecedor marginal

A rentabilidade da fabricação de componentes


Enquanto o negócio de design e montagem das uni- 21
Esses dados foram cedido pela Trend/Focus, um relatório anual de pes-
dades modulares era uma corrida desgastante em um quisa de mercado sobre a indústria fornecedora de componentes para
montadores de unidades de disco, e pela equipe de engenharia da Komag.
ritmo acelerado na Região B da Figura 2, o negócio de A Figura 7 foi construída com um modelo econômico criado em conjunto
produzir cabeças e discos, durante o mesmo período, com a equipe de engenharia da Komag, que estimou o custo de manufa-
tura de um disco de uma determinada qualidade em vários volumes. Ao
passou progressivamente para a Região A da Figura 2. inserirmos os dados da Trend/Focus no modelo, desenvolvemos estima-
Para forçar os custos das unidades de disco ainda mais tivas dos custos de manufatura de vários concorrentes.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     193

FIGURA 7 Curva de oferta para a indústria de discos de película magnética, 1994

200

180

Custo por disco (indexado para a Komag)

Western Digital
160
Preço predominante
140

Akashic
Nashua/Lin Data

Hitachi Metals
120

Showa Denko

Mitsubishi

AKCL (Asahi/Komag)

Fuji Electric

Seagate

IBM

Conner
100

Komag
80

60

40

20

0
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Capacidade (milhões de discos por ano)

naquele mercado – Akashic. Enquanto a escala permitia fabricação de componentes de “integração vertical”,
produzir maiores volumes do que o fornecedor marginal, seria mais exato dizer que elas estabeleceram posições
e a curva de escala tinha uma inclinação suficientemen- comerciais gerencial e tecnologicamente independentes
te íngreme, essas empresas consideraram a manufatura no estágio de fabricação de componentes do valor agre-
de discos uma fatia do valor agregado mais atraente do gado. Isso resultou de uma motivação diferente e impli-
que o design e a montagem (ver nota 21). Por isso, uma cou uma estrutura de gestão muito diferente do que a
das principais montadoras não integradas, a Conner Pe- obrigação de criar novas arquiteturas de produtos inter-
ripherals, criou um negócio independente para fabricar dependentes, construídas por meio do diálogo técnico
discos, e uma outra, a Seagate, desenvolveu negócios não estruturado em resposta aos hiatos de desempenho
para produzir tanto discos quanto cabeças, que envolve- descritos anteriormente.
ram economias de escala ainda maiores. Essas empresas Nossa conclusão, em essência, é que os lucros atra-
produziram inicialmente componentes apenas para con- entes tendem a ser auferidos onde o desempenho ainda
sumo interno, mas acabaram achando tentador vender não está à altura das necessidades do usuário no estágio
também para as montadoras concorrentes.22 A IBM, de seguinte do valor agregado e onde, portanto, as arquite-
modo subsequente, seguiu o exemplo e também passou turas de produto provavelmente são proprietárias e in-
terdependentes. Como geralmente o ritmo da melhoria
a vender componentes no mercado.
no desempenho supera a capacidade de os clientes o
É importante observar que, embora os economistas
utilizarem, os locais da cadeia de valor que desfrutam
pudessem chamar a migração dessas empresas para a
atualmente de uma rentabilidade atraente são suscetí-
veis a perder sua capacidade para continuar com esses
22
No final dos anos 1990, os lucros da Komag despencaram. Mas, de
níveis de rentabilidade e vice-versa. A seguir, apresen-
uma forma estranha, sua queda apoia a tese desta seção. Muitas mon- taremos um resumo sobre como essa mesma mudança
tadoras de discos foram obrigadas a produzir seus próprios discos por na capacidade de capturar lucros atrativos dos proje-
causa da rentabilidade da sua manufatura em relação à montagem, e
restou pouco volume do mercado comercial para a Komag no final dos tistas/montadores versus fornecedores de componentes
anos 1990. Consequentemente, seus custos cresceram e sua rentabili- ocorreu nos computadores e está começando a ocorrer
dade foi dizimada. Entretanto, foram os lucros que atraíram as monta-
doras para os discos, e não a exigência de coordenação tecnológica e na indústria automobilística.
gerencial que impulsionou esse movimento para a integração vertical.
Um destino semelhante sobreveio para a Read-Rite, ao menos tempo- Mudança no lócus da rentabilidade
rariamente. Sobretudo com o advento das cabeças magnetorresistivas
em meados dos anos 1990 – uma tecnologia imatura com economia de na indústria de computadores
escala íngreme – as empresas, com cujo projeto/montagem puderam As maiores empresas que projetaram e montaram com-
arcar, absorveram o máximo possível de capacidade in-house de ma-
nufatura de cabeças. Vários analistas divulgaram que, durante muitos putadores na era da interdependência tecnológica – par-
anos na década de 1990, mais de 100% dos lucros dessas empresas ticularmente a IBM e a Digital Equipment – capturaram
podiam ser atribuídos ao valor que elas capturaram nas operações de
fabricação de componentes (o que significa que as empresas perderam lucros extraordinários de seus produtos devido à dife-
dinheiro no projeto e na montagem). renciação de seus produtos e dos altos custos fixos (e,
194     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

consequentemente, economia de escala mais íngreme) podem construir a vantagem competitiva e os lucros
no design e na fabricação. Elas exerciam um poder tal atraentes. Acreditamos que o mecanismo descrito aqui
que a maior parte dos seus fornecedores de peças sobre- pode definir a dinâmica e os mecanismos causais por
viveu em níveis de rentabilidade suficientes para a sub- trás das caracterizações um tanto estáticas do poder do
sistência. Mas, à medida que os computadores pessoais mercado descritas no trabalho de Porter (1980, 1985).
com arquiteturas modulares começaram a dominar os Isso implica, naturalmente, que, por meio de pro-
mercados principais, houve uma virada de mesa. Como cessos permanentes de superação e disrupção, veremos
um projetista de computador pessoal modular de uma provavelmente ainda mais mudanças no lócus do poder
empresa como a Compaq pode criar um produto me- de auferir lucros nessa indústria. Por exemplo, confor-
lhor do que os dos concorrentes, como a Dell, Gateway, me a funcionalidade de sistemas operacionais, micro-
Hewlett-Packard e IBM? Incorporando um micropro- processadores e cabeças MR se tornar suficientemente
cessador mais veloz? Uma unidade de disco rígido com boa e emergirem os dispositivos disruptivos de compu-
mais capacidade? Mais megabytes de memória RAM? tação/comunicação sem fio portáteis (que ainda não são
Em um produto totalmente modular, há tão poucos graus bons o bastante), é bem possível que o poder de auferir
de liberdade de design que a única maneira de promover lucros atraentes migre para longe dos locais “de final
um produto melhor é oferecer componentes com maior de estágio”, em que havia se instalado, para o estágio
desempenho que os concorrentes. Quando os custos são do valor agregado, no qual o produto de uso final é pro-
variáveis, a curva de escala fica substancialmente plana: jetado e montado. Acolheríamos quaisquer esforços de
também se torna difícil montar um computador a cus- outros estudiosos para avaliar essa hipótese.24
tos mais baixos. Na medida em que a velocidade para
o mercado e a capacidade de customizar em massa se A indústria automobilística mundial
tornam as únicas dimensões com as quais as montado- Nosso “estudo de caso” final não é histórico, mas predi-
ras de produtos modulares podem concorrer, as empre- tivo: usaremos o modelo para projetar como a estrutura
sas, nesse estágio de valor agregado, podem considerar da indústria automobilística mundial poderia evoluir
a concorrência uma corrida insatisfatória em um ritmo em resposta às tendências que relatamos aqui. Espera-
acelerado.23 mos que este estudo de caso ajude outros estudiosos a
O impacto na rentabilidade do design e da montagem visualizar melhor as implicações dos mecanismos des-
na cadeia de valor agregado do computador foi previsí- critos anteriormente e a avaliar como eles poderiam se
vel. “Em 1986, as empresas que produziram e venderam desempenhar em outras indústrias que atualmente são
sistemas de computador capturaram cerca de 80% dos dominadas por grandes empresas integradas. A teo­ria só
lucros totais gerados na indústria de computadores, Em pode ser construída cumulativamente se as explicações
1991, porém, os fabricantes de sistemas estavam aufe- de causa e efeito dos estudiosos puderem ser falseadas,
rindo apenas 20%. O mercado realocou os lucros para quando usadas para prever o que provavelmente vere-
os fabricantes de componentes” (“Deconstructiong the mos sob várias circunstâncias (Kuhn, 1962; Kaplan,
computer industry”, Business Week, 23 de novembro de 1986). Esperamos que os futuros estudiosos, com base
1992, pp. 90-96). Na realidade, na era modular, foram em nosso modelo, possam ver os fenômenos anômalos
os fabricantes de subsistemas interdependentes como a à medida que a indústria automobilística evolua e traga
Intel, a Microsoft e a Applied Materials – cujos produ- teorias melhores para a academia.
tos são tecnologicamente interdependentes, envolvem
custos fixos elevados e, consequentemente, usufruem
de economia de escala íngreme – que capturaram uma 24
Temos uma hipótese adicional. Os montadores de produtos modulares,
fatia desproporcional dos lucros da indústria. como a Compaq Computer, terceirizam cada vez mais valor agregado
Muitas vezes, os estrategistas usam as “cinco for- para fabricantes contratados. Empresas como a Solectron, Celestica e
Flextronics, por exemplo, começaram como montadoras de placas de
ças” para descrever em que parte da cadeia de valor eles circuito. Depois, passaram para a montagem de placas-mãe de compu-
tadores. Em seguida, avançaram para a montagem do computador in-
teiro, para a gestão da logística para dentro e para fora da cadeia de
suprimento, e, mais recentemente, para o projeto dos próprios produtos.
23
As primeiras empresas a identificarem como a base da concorrência Por que os fabricantes contratados considerariam interessante integrar
entre as montadoras de produtos modulares nas camadas excessivamente todos os estágios do valor agregado que as empresas de computador pre-
saciadas do mercado muda para a velocidade e a customização podem, na feriram abandonar? Os fabricantes de computador precisam continuar
verdade, ir bem por um determinado tempo. Certamente, esse foi o caso aumentando o retorno sobre os ativos. Quando as montadoras de produ-
da Dell Computer e Chrysler, por exemplo. As suas capacidades com tos modulares não conseguem se diferenciar em desempenho ou custo,
base nas operações de competir, nesses termos, com outras montadoras, não conseguem melhorar o numerador da taxa de retorno sobre os ativos
no entanto, podem ser replicadas, como observa Porter (1996). Um dos (ROA). Elas só têm influência sobre o denominador – e melhoram o
profetas mais importantes da concorrência com base no tempo, George ROA terceirizando os estágios intensivos em ativos do valor agregado.
Stalk, reconheceu o mesmo final de jogo sem atrativos para as montado- Isso acentua a “armadilha da modularidade” que Chesbrough e Kusunoki
ras modulares (Stalk and Hout, 1990; Stalk, 1993). (2001) descrevem.
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     195

O desempenho dos automóveis tem superado a ca- pacidade para customizar estão sendo viabilizadas pela
pacidade da maioria dos consumidores para utilizá-lo, modularização contínua da arquitetura.
em várias dimensões. Hoje, os automóveis rodam em Para ficar a par do ritmo frenético do desenvolvi-
média 150 mil milhas ou mais. Muitas vezes, eles saem mento de produto na indústria, a General Motors se de-
de moda antes de se desgastarem. Muitos proprietários sintegrou, empacotando suas empresas fabricantes de
de carros simplesmente não conseguem utilizar os veícu- componentes na Delphi Corporation e promovendo o
los mais duráveis. Embora a tecnologia permita que veí- seu spin-off. A Ford seguiu o exemplo promovendo o
culos de tamanho confortável viajem 30 milhas ou mais spin-off da Visteon.
por galão de combustível (alguns carros híbridos novos Até o presente momento, parece que a indústria evo-
movidos a gasolina e eletricidade chegam a 80 milhas luiu de uma maneira bastante coerente com as etapas
por galão), a procura por veículos utilitários esportivos iniciais do nosso modelo. Se ela continuar a evoluir ao
menos eficientes sugere que os fabricantes de automó- longo do caminho previsto pelo modelo, podemos espe-
veis também superaram essa dimensão de desempenho. rar os seguintes desenvolvimentos nos próximos anos.
Apesar de os automóveis serem capazes de viajar a ve- Automóveis cada vez mais modulares, compostos
locidades de 90 milhas por hora, as leis de trânsito não por sistemas cada vez mais padronizados fornecidos pe-
o permitirão. Essa lista poderia seguir indefinidamente.
los fornecedores da Camada 1, provavelmente surgirão
Nos últimos 30 anos, os principais inovadores dis-
nas camadas inferiores do mercado entre as montadoras
ruptivos na indústria automobilística mundial foram
disruptivas de automóveis cuja única esperança de ga-
as empresas japonesas, como a Toyota, que entraram
nhar uma vantagem competitiva é introduzir modelos
nos mercados norte-americano e europeu com ofertas
mais rápidos do que a concorrência e achatar a curva
de baixo preço e subiram as camadas do mercado de
de escala.25 Essas empresas se empenharão em proje-
uma maneira disruptiva clássica. Os analistas notaram
que uma ferramenta fundamental usada por esses ino- tar e montar automóveis com a menor proporção pos-
vadores disruptivos para controlar os custos e acelerar sível entre custos fixos e variáveis.26 Há a expectativa
seu ciclo de projeto do produto tem sido o uso de um de que os fabricantes de automóveis, nas camadas mais
sistema hierárquico de fornecedores (Dyer, 1996). No sofisticadas do mercado, permaneçam mais integrados
lugar de projetar e fabricar seus próprios componen- verticalmente, por mais tempo no futuro, do que os fa-
tes e realizar todo o projeto do sistema e a montagem bricantes de automóveis no baixo mercado.
internamente, como a General Motors e Ford faziam À medida que os fornecedores de módulos da Ca-
tradicionalmente, os inovadores disruptivos japoneses mada 1 experimentarem a liberdade de tomar decisões
adquiriram subsistemas de uma quantidade limitada de dentro do subsistema a fim de minimizar o custo e oti-
fornecedores da “Camada 1”, como a Nippon Denso. mizar o desempenho, sujeitos às limitações de interface
As arquiteturas de produto mais modulares e a infra- especificadas pelas empresas de veículos, a arquitetura
estrutura de fornecedores que as espelhava permitiram interna do subsistema se tornará progressivamente mais
que disruptores japoneses apresentassem ao mercado interdependente. Os fornecedores da Camada 1 come-
novos designs com muito mais rapidez do que os seus çarão a perceber as interações existentes entre os com-
concorrentes norte-americanos e europeus. ponentes, o que acontecia quando eram fornecedores
Como ocorreu com os computadores, a base da con- fragmentados de partes individuais. Por isso, o desem-
corrência nas camadas principais do mercado automo- penho dos subsistemas de diferentes fornecedores tem
bilístico está mudando à medida que a funcionalidade chance de se tornar mais diferenciado.
dos automóveis supera o que é realmente utilizado pe-
los clientes. A velocidade para o mercado é cada vez
mais importante (Stalk e Hout, 1990; Clark e Fujimoto, 25
Segundo Maynard (1995), a General Motors já considera seriamente a
1991). Os ciclos de projeto, que levavam em média 6 implementação de projetos e linhas de montagem modulares em sua linha
de manufatura para o baixo mercado.
anos na era da “Região A” na história da indústria, fo- 26
A recente entrada da Chrysler no mercado automobilístico brasileiro
ram encurtados para 2 anos e estão convergindo para 18 é um exemplo disso. Como a Chrysler foi a 13a empresa a entrar no
mercado brasileiro, ela não poderia justificar o investimento comum (ge-
meses. A capacidade de customizar convenientemente ralmente de centenas de milhões de dólares) necessário para construir
as características de cada carro para clientes específi- uma instalação de montagem tradicional, dada a fatia de mercado inicial
cos está emergindo como um diferenciador crítico. Por que seria razoável ela esperar e capturar. Para obter rentabilidade em
baixos volumes, a estratégia da Chrysler tem sido modularizar ambos
exemplo, a Toyota anunciou recentemente que os seus os processos de projeto e montagem dos veículos. Poucos fornecedores
clientes poderiam encomendar veículos personalizados projetam e constroem subsistemas importantes em suas próprias fábricas.
Eles entregam esses módulos importantes para a linha da Chrysler, onde
a serem entregues dentro de cinco dias (Simison, 1999). são reunidos em etapas muito menores, com muito menos investimento
A aceleração do tempo para o mercado e a maior ca- de capital do que geralmente é necessário (White, 1998).
196     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

No início, os subsistemas, com base nos quais serão mente modulares não têm chance de gerar lucros atraen-
construídos os automóveis modulares, provavelmente tes. Por isso, as estratégias que os fabricantes integrados,
não estabelecerão interfaces entre si, de acordo com como a General Motors e a Ford, seguiram ao promover
os padrões industriais – as especificações da interface o spin-off de suas operações de componentes a fim de se
continuarão a ser detalhadas pelos projetistas de auto- tornarem mais competitivos em termos de custo e velo-
móveis. Mas haverá momentos em que os carros serão cidade no estágio do valor agregado, em que os lucros
projetados com base nas especificações da interface ar- atraentes eram gerados anteriormente, espelham quase
ticuladas pelos fornecedores da Camada 1. exatamente a decisão da IBM de terceirizar o micropro-
Na indústria mundial, a quantidade de fornecedores cessador e o sistema operacional para a Intel e a Micro-
de subsistemas provavelmente diminuirá como conse- soft, de modo que pudesse continuar a projetar e montar
quência da maior inclinação da economia de escala no computadores pessoais.
design e na fabricação desses produtos interdependentes.
Entretanto, a economia de escala no design e na fabrica- Implicações para as estratégias
ção dos automóveis provavelmente se achatará, à medi- de integração e terceirização
da que a tarefa de projetar e montar carros modulares se Esperamos que esse modelo possa acrescentar dois ele-
tornar cada vez mais simples. Na verdade, cada vez mais mentos importantes sobre a estrutura e terceirização na
será possível projetar e simular precisamente o desem- indústria. O primeiro é sobre a tendência geral vista na
penho dos automóveis no computador. A quantidade de maioria das indústrias, onde as empresas integradas do-
marcas de automóveis, portanto, provavelmente se man- minantes, ao longo do tempo, dão lugar a uma população
terá constante ou até mesmo aumentará, à medida que as de empresas especializadas estratificadas horizontalmen-
barreiras para a entrada no mercado forem eliminadas. te (Chesbrough e Teece, 1996; Grove, 1996). Nossa con-
Ironicamente, embora a funcionalidade dos carros te- tribuição é que o mecanismo causal que precipita a de-
nha superado as necessidades dos clientes, os fabricantes sintegração vertical das indústrias pode ser a superação
de automóveis continuam a lutar para oferecer produtos da funcionalidade que é realmente utilizada em certas ca-
melhores que os da concorrência. Os clientes relutarão madas do mercado. A superação precipita uma mudança
em pagar pela funcionalidade supérflua, mas, dada a op- na base da concorrência, na direção da velocidade para o
ção entre automóveis de preços equivalentes, eles sempre mercado, e a capacidade de customizar convenientemen-
aceitarão aquele com melhor desempenho, embora pa- te as funcionalidades do produto. Esse processo, por sua
guem menos por isso. Isso significa que os fabricantes de vez, exige a modularização das arquiteturas de produto
automóveis que se recusarem a atender às camadas supe- que, finalmente, permitem a desintegração ou descons-
riores do mercado perderão participação e lucros. Como trução da indústria (Langlois e Robertson, 1992). Na
os designs são modulares, a única maneira de as empresas verdade, há a expectativa de que as empresas integradas
de automóveis diferenciarem o desempenho de seus pro- continuarão fortes nas camadas do mercado pouco sacia-
dutos em relação à concorrência será pelo oferecimento de das pela funcionalidade dos produtos prevalecentes e que
melhores subsistemas. Por definição, os fornecedores de as indústrias tenderão ao processo de integração quando
subsistemas estarão na Região A, mesmo que seus clien- as mudanças nas exigências dos clientes provocarem o
tes, os fabricantes de automóveis, estejam na Região B. surgimento de hiatos de desempenho.
Por isso, a arquitetura interna dos subsistemas ficará cada A segunda ideia está relacionada com uma regra
vez mais interdependente. Portanto, as empresas que pro- simples que os gestores e consultores usam na toma-
duzem apenas um carro ou alguns dos componentes do da de decisão quando o assunto é terceirização: as em-
subsistema terão dificuldade em sobreviver. presas deverão terceirizar componentes ou serviços se
Na medida em que o automóvel se tornar progres- estes não fizerem parte da sua competência central ou
sivamente mais modular e os subsistemas mais interde- se alguém puder fazê-lo a um custo inferior. Essa lógi-
pendentes, a capacidade de capturar uma fatia despropor- ca quase sempre faz sentido, mas de forma superficial.
cional dos lucros da indústria migrará dos fabricantes de Mas esta pesquisa sugere que essa lógica pode levar
veículos para os fornecedores de subsistemas da Camada uma empresa a terceirizar partes do valor agregado nas
1. Esse, provavelmente, não será o caso para todos os quais a maior parte dos lucros da indústria será gerada
subsistemas no automóvel. Lucros extraordinários irão no futuro – e a reter atividades nas quais é difícil criar
para os fornecedores cujos subsistemas estão na Região vantagens duradouras, diferenciáveis, em relação aos
A, o que força seus designs na direção da extremidade concorrentes. Embora essas hipóteses requeiram mais
interdependente do espectro arquitetural. Os subsistemas estudos, parece que os montadores de itens modulares
cujo próprio desempenho vai além do que os fabricantes – produtos de uso final, subsistemas ou componentes –,
de veículos precisam e que, portanto, são arquitetural- em qualquer estágio da cadeia de valor, provavelmente
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     197

lutarão para alcançar a vantagem competitiva e auferir Christensen, C. M. (1997), The Innovator’s Dilemma: When New
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que existe a demanda não satisfeita por funcionalidade working paper, Harvard Business School.
e, portanto, a interdependência tecnológica. Por isso,
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essa dinâmica pode permitir que o ponto de rentabilida- credible threat to leading programs in continuing medical education?”
de atraente mude do fornecedor do sistema para os for- The Journal of Continuing Education in the Health Professions, 18,
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sistema de variáveis simbólicas. A Figura A1 lista ape-
White, G. L. (1998), “Chrysler makes inroads at plant in Brazil: modular
assembly cuts costs at small factory”, Wall Street Journal Europe, nas as variáveis de componente, de softwares e arquite-
14-15 August, 44. turais com estatísticas-t durante pelo menos um período
SEÇÃO 1 – evolução TECNOLÓGICA | Artigo 2-6     199

FIGURA A1 Coeficientes das variáveis


Tecnologia original com a qual é comparado
Coeficiente Estatística-t o desempenho da nova tecnologia

Constante 0,913 3,04


Ano de lançamento 0,199 57,80 ND: trata-se de uma variável contínua,
  e não simbólica
Diâmetro do disco 0,00154 9,69 nenhuma: variável contínua, em centímetros
Novas tecnologias de cabeça e disco
  Cabeça MIG 0,047 2,00 cabeça de ferrita
  Cabeça de película magnética 0,251 13,50 cabeça de ferrita
  Cabeça MR 0,838 22,70 cabeça de ferrita
  Disco de película magnética 0,188 9,45 disco de partículas de óxido
  Interação da cabeça de película 0,295 3,35
magnética com o disco de película magnética
Tecnologias de atuador
  Motor de passo 0,428 18,30 motor de Voice Coilmotor de bobina de voz
  Motor de torque 0,157 4,93 motor de Voice Coilmotor de bobina de voz
  Design de atuador rotativo 0,063 3,55 design de atuador linear
  Sistema de posicionamento óptico 0,380 3,75 posicionamento deslizante
  Superfície Servo Dedicado 0,020 1,27 posicionamento deslizante
  Servoembutido 0,169 8,67 posicionamento deslizante
Códigos de gravação/correção de erros
  Código de gravação 2,7 RL 0,207 9,23 
código de modulação de frequência modificada (MFM)
  Código de gravação 1,7 ou 8,9 RLL 0,439 14,40 código MFM
  Código de gravação 0,4,4 PRML 0,585 11,90 código MFM
  Código de gravação 0,6,6 PRML 0,775 13,00 código MFM
Interfaces
  PC/AT 0,073 2,64 interface ST412
  SCSI 0,099 3,83 interface ST412
  SCSI2 0,197 6,43 interface ST412
  SCSI3 0,324 2,80 interface ST412
  SMD 0,356 11,80 interface ST412
  ESDI 0,214 6,96 interface ST412
  ANSI 0,226 2,53 interface ST412
  IBM 0,287 6,55 interface ST412
  Interfaces proprietárias 0,113 3,54 interface ST412
  Outras interfaces 0,314 10,30 interface ST412
Outras tecnologias
  Taxa de gravação em zona específica 0,127 6,35 taxa uniforme, independentemente da
  distância do centro
  Cabeças rampa-carregadas 0,106 1,61 ascensão das cabeças da superfície do disco
Número de observações 4334
R 2 ajustado 0,951

> 2,00. Além disso, algumas variáveis para interfaces da indústria. As empresas cujos dados foram usados nes-
incomuns não foram reproduzidas nessa tabela por cau- ses cálculos foram as fabricantes de unidades de disco
sa do espaço destinado a ela neste artigo. Observe que envolvidas apenas em design e montagem. As empresas
o R2 ajustado de 0,951 sugere que essas variáveis con- que não só projetavam e montavam, mas que também
tribuem para a maior parte da variação na densidade de fabricavam alguns ou todos os componentes que utiliza-
área observada entre os modelos de unidades de disco vam, não puderam ser incluídas no estudo porque os cus-
projetados ao longo desse período. tos divulgados não puderam ser alocados com precisão
aos vários estágios do valor agregado. Os dados foram
extraídos do Disk/Trend Report, bem como de declara-
APÊNDICE 2: NOTAS SOBRE O CÁLCULO DA
ções financeiras das empresas, para os anos de 1981 a
OFERTA INDUSTRIAL OU CURVA DE ESCALA
1989. A análise não podia se estender para além de 1989
NA FIGURA 6
porque havia muito poucas empresas sobreviventes en-
O propósito dessa análise de regressão foi calcular a in- volvidas somente no negócio de projetar e montar unida-
clinação da economia de escala no estágio do valor agre- des de disco. As empresas haviam saído da indústria ou
gado, envolvendo o design e a montagem das unidades se integrado na manufatura de componentes de unidade
de disco em vários pontos do tempo ao longo da história de disco ou na fabricação de outros produtos.
200     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

A equação estimada apresenta a seguinte forma: A equação para 1986-1989, quando as arquiteturas mo-
dulares já eram mais difundidas nas unidades de 3,5 po-
In(custo/unidade)  B0  B1(ano)  legadas usadas nos computadores desktop, foi:
B2 ln(volume unitário) 
ln(custo/unidade)  322,22  0,160(ano) 
B3 ln(no de complexidade da linha de produtos) 
0,15 ln(volume unitário)  0,014 ln(no de famílias) 
B4 ln(capacidade da unidade)
0,544 ln(média ponderada MB/unidade)
A escolha dessas variáveis como as mais prováveis estatística-t: (3,41) (0,52) (0,12) (4,20) R 2  0,88
de impactar o custo total foi fundamentada na pesqui-
Várias comparações entre essas medições mere-
sa realizada pelo primeiro autor e sintetizada no estudo
cem ser mencionadas. Primeiro, o termo ano é essen-
de caso “Michigan Manufacturing Corporation” (HBS
cialmente um “genérico”, cujo coeficiente representa a
case no 9-694-051) da Harvard Business School.
redução ano a ano no custo atribuível às melhorias de
Calculou-se custo/unidade dividindo os custos
engenharia e tecnologia do produto. A estabilidade rela-
operacionais totais na empresa, exceto juros e impos-
tiva dos coeficientes medidos nos dois painéis de tempo
tos, pelo número de unidades de disco produzidas. Por
sugere que as variáveis nas equações variam de forma
isso, essa medida é o custo do produto completamente independente e que provavelmente nenhuma outra va-
alocado para cada empresa e para cada ano. Capa- riável explicativa importante está faltando nessas esti-
cidade da unidade é a capacidade média ponderada mativas, que têm interação com as variáveis apresen-
das unidades de disco lançadas a cada ano pela em- tadas. O coeficiente da variável “média ponderada de
presa. Trata-se de uma variável de controle importante megabytes por unidade” foi igualmente estável, como
porque o mix de produtos de cada empresa foi dis- esperávamos: acrescentar um megabyte de capacidade
tribuído de maneira diferente por meio das camadas extra a uma unidade resultaria em um incremento pre-
do mercado, e as unidades de maior capacidade são visível no custo.
mais caras para produzir. Esperávamos que o coefi- Observe como o coeficiente da variável volume
ciente dessa variável fosse positivo. Volume unitário é unitário foi negativo e estatisticamente bem diferente
o número total de unidades de disco produzidas duran- de zero, o que sugere uma economia de escala bas-
te o ano. Havia uma expectativa de que o coeficiente tante íngreme no período de 1981-1984. O coeficiente
dessa variável fosse negativo, já que as empresas com foi estatisticamente insignificante no último período,
maior escala de manufatura usufruem de custos mais o que sugere que a economia de escala não foi um
baixos. Além disso, à medida que a escala de manu- condutor significativo do custo: parece que houve um
fatura de qualquer empresa aumentasse, os custos cai- achatamento da curva de escala. De modo similar, a
riam. Complexidade da linha de produtos é o número variável da complexidade da linha de produtos, que
de famílias de produtos fabricadas pela empresa no foi modestamente significante durante a era da inter-
ano. Esperávamos que os coeficientes dessa variável dependência arquitetural, foi insignificante quando
fossem positivos – os overheads por unidade aumen- as arquiteturas modulares eram mais disseminadas –
tariam, já que a complexidade crescente da linha de isso reflete o fato de a modularidade facilitar a maior
produto exigiria overheads gerenciais mais altos. A variedade de produtos sem incorrer em penalidades
definição de família de produtos foi a mesma utilizada de custo significantes quando as arquiteturas são in-
em Christensen (1992b). terdependentes.
Foram estimados coeficientes para a equação para Um revisor deste artigo observou que, em razão
painéis de anos: 1981-1984 e 1986-1989. Uma aborda- do grande erro padrão do coeficiente da variável de
gem alternativa, incluindo uma variável simbólica para escala no segundo período, realmente não podemos
cada ano durante esse período, não foi viável porque, rejeitar, com base apenas na análise estatística, a
em alguns anos, houve menos de trinta observações. A hipótese nula de que a economia de escala ainda
equação para 1981-1984, quando as arquiteturas modu- poderia ter sido íngreme durante esse período. To-
lares estavam apenas começando a ocupar um lugar na davia, os executivos da indústria que examinaram
indústria, foi: o trabalho uniformemente sentiram que quase não
havia diferenças no custo entre as cinco maiores
ln(custo/unidade)  296,39  0,146(ano)  empresas. Assumimos que essa análise estatística,
0,370 ln(volume unitário)  0,126 ln(no de famílias)  portanto, é coerente com a teoria (uma alta propor-
0,511 ln(média ponderada MB/unidade) ção entre custos variáveis e fixos achata a curva da
escala), como também é coerente com as percepções
estatística-t: (3,44) (4,70) (1,68) (6,23) R 2  0,88 dos executivos da indústria.
2
Contexto
da Indústria *

sEÇÃO

A rtigo 2 - 7 e a tardia representam um desvio padrão, cada uma


consistindo em cerca de um terço da população total,
Atravessando o abismo e indo além enquanto os adeptos iniciais e retardatários estão a dois
desvios padrão de distância, e os inovadores a três des-
Geoffrey A. Moore vios padrão. A ideia é que a mudança será adotada da
esquerda para a direita, com cada elemento vindo à tona
Praticamente todo o pensamento contemporâneo sobre na sequência.
estratégia de marketing de alta tecnologia tem suas raí- Antes de encontrarem esse modelo, os profissionais
zes no Ciclo de Vida da Adoção de Tecnologia, um mo- de marketing de alta tecnologia precisavam de ajuda. A
delo que cresceu a partir da pesquisa social iniciada no
maioria de nós cresceu em um ambiente de negócios em
final dos anos 1950 sobre como as comunidades reagem
que a excelência em marketing era definida com referên-
às inovações descontínuas.
cia à Procter & Gamble. Na tentativa de aplicar a abor-
As inovações verdadeiramente descontínuas refe-
dagem de alta tecnologia dessa empresa, promovemos
rem-se a novos produtos ou serviços que exigem do
longos e incansáveis debates. As ferramentas para comu-
usuário final e do mercado uma mudança no compor-
nicação de marketing não estavam funcionando bem, e,
tamento para que possam obter novos benefícios. Apli-
sempre que recorríamos às pessoas em busca de conse-
cado ao marketing, o modelo postula que, quando um
lhos, elas nos repudiavam por criarmos mensagens muito
mercado é confrontado com a oportunidade de passar
longas, complicadas e nerds demais. Quando o Ciclo de
por um novo paradigma de infraestrutura – por exem-
plo, das máquinas de escrever para os processadores Vida da Adoção de Tecnologia entrou em cena, ficamos
de texto –, os clientes se dividem em relação às possi- muito felizes, pois ele ajudou a explicar por que as nossas
bilidades de risco. Por exemplo, os inovadores que se comunicações obtinham respostas tão entusiasmadas de
sentem imunes ao risco avançam e exigem que sejam alguns clientes e algumas tão frias de outros.
os primeiros a tentar a nova oportunidade, enquanto os Para que esse modelo fosse realmente nosso, rebati-
retardatários, que temem o risco, recuam. Entre esses zamos cada um dos cinco tipos de cliente:
tipos de cliente, o modelo identifica três comunidades 1. Inovadores = Entusiastas da tecnologia. São pessoas
adicionais: os adeptos iniciais (early adopters), a maio- fundamentalmente comprometidas com a nova tecno-
ria inicial de adeptos e a maioria tardia de adeptos. logia. Por isso, cedo ou tarde, elas poderão melhorar as
Graficamente, o modelo é representado como uma nossas vidas. Além do mais, elas têm prazer em domi-
curva em formato de sino (Figura 1). nar a sua complexidade, passar o tempo desvendando-
Cada um dos segmentos na curva de sino representa -a, e por isso são os primeiros clientes a adquirir qual-
um desvio padrão da média. Assim, a maioria inicial quer coisa que seja realmente nova.
Praticamente todas as organizações apoiam os afi-
cionados por tecnologia. Na nossa família, é provável
*
Fonte: Copyright © 1999 by The Board of Trustees of the Leland
Stanford Junior University. Todos os direitos reservados. Esta nota que exista uma – e apenas uma – pessoa que consiga
foi preparada por Eric Marti, sob a supervisão do professor Robert A. programar uma secretária eletrônica, acertar o relógio
Burgelman e do Dr. Andrew S. Grove, para ser utilizada como base de
uma discussão em sala de aula. Ela conta com notas industriais anteriores de um videocassete e entender a máquina de café ex-
preparadas por John W. Foster, Alva H. Taylor, e Raymond S. Bamford. presso. O mesmo ocorre no escritório. A quem você
202     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 O ciclo de Vida da Adoção de Tecnologia

Inovadores

iniciais

de adeptos

de adeptos

Retardatários
Poucos adeptos

Maioria inicial

Maioria tardia
recorre quando quer que o computador funcione direi- idênticos aos de todas as outras pessoas: um cliente
to? Esse é o seu aficionado por tecnologia. pragmático.
Do ponto de vista do marketing, sobretudo nas ven-
Juntos, os entusiastas da tecnologia e os visioná-
das business-to-business, existe apenas uma desvanta-
rios compõem o mercado inicial. Embora os motivos
gem para os aficionados por tecnologia: eles não têm
pessoais sejam bem diferentes, eles são unidos pelo
dinheiro. Entretanto, têm influência. Gastamos muito
impulso de serem os primeiros: os entusiastas querem
tempo com esses aficionados porque eles abrem as por-
explorar a nova capacitação, e os visionários, aprovei-
tas do ciclo de vida. Se eles criticam de maneira severa
tá-la. No Ciclo de Vida da Adoção de Tecnologia, nin-
um novo produto, ninguém dá uma segunda chance a
guém mais tem interesse em ser o primeiro, como você
esse produto. Apenas com o seu endosso, uma inova-
pode ver nos perfis restantes:
ção descontínua consegue ser ouvida, e frequentemente
“semeamos” (leia-se “damos”) produtos para essa co- 3. Maioria inicial de adeptos = Pragmáticos. Essas pes-
munidade para ganhar o seu apoio. soas fazem a maior parte das aquisições de infraestru-
2. Adeptos iniciais = Visionários. São os verdadeiros re- tura de tecnologia. Não consideram a tecnologia tão
volucionários nas empresas e no governo que querem importante. Por isso, são diferentes dos aficionados por
usar a descontinuidade de qualquer inovação para en- tecnologia, que são cuidadosos com tudo que utilizam.
cerrar o passado e começar um futuro totalmente novo. Além do mais, os pragmáticos acreditam em evolução,
A expectativa dos visionários é que, ao serem os pri- mas não em revolução, de modo que não são visioná-
meiros a explorar a nova capacitação, possam alcançar rios – na realidade, afastam-se deles. Estão interessados
uma drástica e insuperável vantagem competitiva sobre em tornar os sistemas de suas empresas mais eficientes.
a velha ordem. Logo, são neutros em relação à tecnologia e procuram
Os visionários têm uma influência extraordinária adotar inovações só depois de uma experiência com-
na alta tecnologia porque podem desembolsar muito provada de melhoria útil da produtividade, o que inclui
dinheiro. Assim, eles fornecem, pelo menos, muitas op- referências das pessoas em quem confiam.
ções de financiamento para os empreendedores, como Em geral, os pragmáticos são responsáveis pelos
faz a comunidade de capital de risco. E como adoram sistemas integrados de gestão de uma empresa. Eles
ser o centro das atenções, também ajudam a divulgar sabem que essa infraestrutura é apenas marginalmente
a nova inovação, dando-lhe o impulso necessário para estável e tomam cuidado para protegê-la contra novi-
que o negócio tenha sucesso no mercado inicial. dades. Como tal, revelam-se um “osso duro de roer”
Entretanto, para tudo isso há uma compensação. quando é necessário assumir o risco da passagem para
Cada visionário exige modificações especiais jamais um novo paradigma.
imaginadas, e rapidamente essas demandas começam Quando finalmente fazem essa passagem, os prag-
a exigir demais dos ativos de P&D da empresa jovem. máticos preferem comprar os produtos do líder do
Mais cedo ou mais tarde, as empresas terão que bus- mercado. Duas razões justificam esse comportamento:
car um tipo diferente de cliente, cujos desejos sejam 1º, todos no mercado fazem seus produtos funcionarem
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-7     203

de acordo com o padrão do líder, de modo que, embora FIGURA 2


o produto deste possa não ser o melhor, os sistemas com Visionários Pragmáticos
base nele serão mais confiáveis; 2º, o líder do mercado Intuitivos Analíticos
atrai muitas empresas de terceiros para o seu mercado Apoiam a revolução Apoiam a evolução
Contestadores Conformistas
de pós-venda, de modo que, mesmo quando o líder não
Rompem com o bloco Permanecem com o rebanho
é o responsável pelos pedidos dos clientes, o mercado Seguem as próprias doutrinas Consultam os colegas
como um todo é. Como resultado desse processo, os Assumem riscos Gerenciam os riscos
Motivados pelas oportunidades Motivados pelos problemas
pragmáticos passam a determinar que os clientes dos futuras atuais
principais fornecedores tenham um maior valor global Buscam o que é possível Buscam o que é provável
desse mercado.
• Obtenha a maior parte da sua receita por meio do aten-
4. Maioria tardia de adeptos = Conservadores. Esses
dimento aos pragmáticos, torne-se líder do mercado e
clientes são pessimistas quanto à capacidade de obter
estabeleça os padrões.
qualquer ganho sobre investimentos em tecnologia e
• Promova o sucesso com os pragmáticos para gerar
comprometem-se apenas sob coação – geralmente por- volume e experiência suficientes, de modo que os pro-
que a outra opção é deixar o resto do mundo passar por dutos se tornem confiáveis e baratos o bastante para
eles. São muito sensíveis ao preço, altamente céticos e satisfazer as necessidades dos conservadores.
muito exigentes. Raramente suas exigências são satis- • Quanto aos céticos, deixe-os à própria sorte.
feitas, em parte porque não estão dispostos a pagar por
qualquer serviço extra, o que confirma suas opiniões O ABISMO
ácidas sobre a alta tecnologia.
Embora essa estratégia possa parecer, na teoria, lógica
Os conservadores, contudo, representam uma grande
e atraente, ela não costuma funcionar na prática. Espe-
oportunidade inexplorada para produtos de alta tecno- cificamente, as empresas continuaram a tropeçar todas
logia, pois são capazes de arregimentar novos clientes as vezes que fizeram a transição dos visionários para os
para o mercado, desde que os acordos sejam negociados pragmáticos. Esses dois grupos, apesar de adjacentes
com cuidado. Há grandes desafios para os fornecedo- no ciclo de vida da adoção, são muito diferentes em
res que optam por atendê-los. A chave para ganhar esta termos de valores fundamentais, a ponto de tornarem a
parcela de negócio e rentabilidade é simplificar e como- comunicação entre eles quase impossível, como ilustra
ditizar as tecnologias até o ponto em que simplesmente a comparação da Figura 2.
funcionem. Em outras palavras, os conservadores ficam Talvez a maneira mais fácil de resumir as diferenças
felizes em comprar várias dúzias dos microprocessa- entre esses dois grupos seja fazer um contraste da manei-
dores mais avançados do mundo, contanto que estejam ra como usam a frase “Eu vejo”. Quando os visionários
profundamente incorporados a um BMW. dizem “Eu vejo”, eles o fazem com os olhos fechados. É
5. Retardatários = Céticos. São as “moscas varejeiras” assim que os visionários veem. Os pragmáticos, por sua
da alta tecnologia, que se deleitam em desafiar o exa- vez, gostam de ver com os olhos abertos. Não confiam
gero do marketing da alta tecnologia. Não são clientes
nos visionários pelas mesmas razões que não confiam nas
pessoas que querem navegar usando a força. Em suma,
potenciais nem críticos permanentes. O objetivo do
os visionários consideram os pragmáticos triviais, e estes
marketing de alta tecnologia não é vender para eles,
veem aqueles como perigosos. Como resultado, os vi-
mas em torno deles.
sionários, com seus designs altamente inovadores – para
Ligados, esses cinco perfis compõem o Ciclo de não dizer precipitados –, não fazem boas referências aos
Vida da Adoção de Tecnologia. A ideia de desenvolver pragmáticos, e o desenvolvimento do mercado, em vez
o mercado com base nesses perfis proporcionou a base de deslizar sobre esse ponto de transição, fica estagnado.
da estratégia de marketing da alta tecnologia nos anos Infelizmente, no momento em que as empresas de alta
1980. Eis a progressão obtida: tecnologia estavam chegando até este ponto, elas eram
tão alavancadas financeiramente que qualquer soluço as
• Comece semeando novos produtos entre os entusiastas jogaria para o abismo (Figura 3).
da tecnologia, de modo que possam ajudar a educar os A ideia do abismo é simples: toda vez que produ-
visionários. tos de alta tecnologia realmente inovadores são leva-
• Depois que você tiver capturado o interesse dos visio- dos pela primeira vez ao mercado, inicialmente terão
nários, faça o que for preciso para torná-los clientes uma acolhida calorosa em um mercado inicial com-
satisfeitos, de modo que possam servir como boas refe- posto por entusiastas da tecnologia e visionários, mas
rências para os pragmáticos. depois cairão no abismo, e as vendas esmoecerão e
204     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 O abismo

Mercado
Mercado principal
inicial

Abismo

Pragmáticos
Entusiastas
da tecnologia

Visionários

Conservadores

Céticos
muitas vezes despencarão. Se os produtos consegui- “Espere um pouco – você não deveria ser a pessoa a me-
rem atravessar o abismo, ganharão aceitação dentro lhorar a minha produtividade? Vou comprar essa coisa
de um mercado principal dominado por pragmáticos quando estiver pronta, mas não antes”. Especificamen-
e conservadores. Como, para as empresas orientadas te, o que os pragmáticos querem, mais do que qualquer
para produtos, praticamente toda a riqueza de alta tec- outra coisa, é a solução total do seu problema – o que
nologia é proveniente dessa terceira fase do desenvol- denominamos produto completo.
vimento do mercado, atravessar o abismo se torna um A ideia do produto completo está por aí há algum
imperativo organizacional. tempo, foi popularizada inicialmente por Theodore Le-
Infelizmente, muito poucos produtos inovadores vitt em Harvard e ganhou muita exposição no Vale do
realmente conseguiram atravessar o abismo. Os investi- Silício a partir do livro Marketing High Technology, de
dores, incitados pelos resultados da aceitação no merca- Bill Davidow. No contexto do abismo, porém, adqui-
do inicial, ficavam impacientes para ver uma transição riu um significado muito simplificado. Basicamente, o
imediata para o mercado principal de alto crescimento produto completo passou a ser definido como o con-
e alta rentabilidade. Esse, afinal de contas, era o modelo junto mínimo de produtos e serviços necessários para
previsto do ciclo de vida. Entretanto, quando obtiveram garantir que o cliente-alvo irá comprá-lo. Sob essa
os resultados do abismo, assumiram que a gestão de ótica, vimos que as empresas de alta tecnologia esta-
alguma forma havia falhado e, na tentativa de corrigir vam prolongando suas estadas no abismo porque eram
essas falhas, acabavam quase sempre desestabilizando incapazes, ou relutantes, de se comprometer a conduzir
as operações a um ponto a partir do qual jamais conse- qualquer produto completo por todo o caminho até esse
guiriam se recuperar. nível de conclusão.
Felizmente, como a ideia do abismo pegou, tudo A empresa de alta tecnologia, ao perceber que es-
isso está começando a mudar. tava no abismo e que o cliente precisava mais do que
apenas o produto propriamente dito, começava a abor-
dar o problema. Em vez de concentrar-se em um único
ATRAVESSANDO O ABISMO
cliente-alvo, os gestores inevitavelmente recuavam. A
A estratégia fundamental para fazer uma “travessia” empresa concentrava-se em quatro ou cinco segmentos
bem-sucedida baseia-se em uma única observação: a candidatos com a ideia de focar intensamente qualquer
principal diferença entre os visionários do mercado ini- oportunidade que vingasse primeiro.
cial e os pragmáticos do mercado principal é que os Essa decisão era seguida por uma rodada de visi-
primeiros estão dispostos a apostar “no está por vir”, tas aos principais clientes de cada um dos segmentos-
enquanto os últimos querem ver soluções “na produ- -alvo, durante as quais as “listas de desejos” das ne-
ção” antes de comprarem. Isto é, quando um visionário cessidades eram meticulosamente extraídas e anotadas.
vê que você tem 80% da solução para o seu problema, Depois, essas listas eram examinadas por um conselho
ele diz: “Ótimo, vamos começar agora mesmo a cons- de marketing do produto – composto por gestores de
truir os 20% juntos”. Já um pragmático diz o seguinte: marketing e engenharia – que extraía delas os temas
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-7     205

comuns, os aprimoramentos mais solicitados. Tratava- cífico de Computer Aided New Drug Approval* (Can-
-se dos requisitos-chave que definiam a próxima versão. da). Como foi capaz de tal proeza?
Dessa maneira, quando a próxima versão saísse, fiel à No final de 1993, em uma série de encontros, a equi-
sua intenção, teria algo para todos. pe executiva da Documentum examinou mais ou menos
Infelizmente, porém, tal versão tinha tudo para 80 segmentos candidatos à cabeça de ponte. A partir
ninguém. Ou seja, nenhum grupo teve 100% das suas deles, estreitou a lista de segmentos-alvo com base em
necessidades de produto completo satisfeitas. Nunca cinco critérios:
terminamos a lista de pelo menos um cliente. Mas é 1. Os clientes-alvo estão bem fundamentados e pronta-
exatamente nisso que os pragmáticos insistem antes de mente acessíveis à nossa força de vendas?
comprar. Os pragmáticos, portanto, elogiariam nossos 2. Eles têm um motivo convincente para comprar?
esforços, dariam tapinhas nas nossas costas, mas não 3. Podemos hoje, com a ajuda dos parceiros, entregar um
comprariam o nosso produto. Assim, após uma rodada produto completo para satisfazer este cliente?
de desenvolvimento, que, por sua vez, exigiu uma ro- 4. Não há uma concorrência entrincheirada que poderia
dada de financiamento, a empresa recebeu uma salva de nos impedir de dar um tiro certeiro nesse negócio?
palmas, mas, infelizmente, não uma rodada de vendas. 5. Se ganharmos esse segmento, poderemos aproveitá-lo
Foi só então que alguns de nós chegamos à contra- para entrar em outros?
-intuitiva constatação de que a única maneira segura No caso das empresas farmacêuticas, não havia
de atravessar o abismo é “colocar todos os ovos no dúvidas de que se tratava de um segmento bem fun-
mesmo cesto”. Ou seja, a chave para uma estratégia damentado e que o cliente-alvo para essa aplicação é
vencedora é identificar uma única cabeça de ponte* dos facilmente acessado, com um departamento específico
clientes pragmáticos em um segmento de mercado do- cuja única tarefa é lidar com submissões às agências
minante e acelerar a formação de 100% de seu produto reguladoras. Então, foi o primeiro obstáculo vencido.
completo. O objetivo é ganhar uma posição de nicho no Quanto ao motivo convincente para comprar, ao
segmento dominante o mais rápido possível, ou seja, longo da vida de um fármaco patenteado comum, as re-
atravessar o abismo. ceitas atingem uma média de US$ 400 milhões por ano.
As patentes duram 17 anos, mas esse período começa
UM EXEMPLO com a concessão da patente, não com a aprovação da
agência reguladora. Cada dia de atraso desse ponto em
Quando este artigo foi escrito, extraíram-se todos os
diante custa à empresa farmacêutica US$ 1 milhão em
exemplos de empresas que atravessaram o abismo mais
oportunidade de receita perdida. Isso pareceu bastante
ou menos sem querer. Isto é, já que não tínhamos um
convincente para a equipe da Documentum.
conceito especificado para esse período de transição O desafio real era o produto completo. O conjunto
(embora muitos investidores e executivos experientes de documentos Canda varia de 200 mil a 500 mil pági-
soubessem dele), foi difícil ter uma estratégia explícita nas, provenientes de muitas fontes diferentes, algumas
para negociar a passagem. De modo subsequente, po- informatizadas, muitas não. A Documentum concen-
rém, as empresas tiveram uma chance de incorporar trou todo o seu desenvolvimento de sistemas e todo o
essas ideias em seus planos com sucesso. Uma dessas seu marketing de produto completo para reunir todo
empresas é a Documentum. esse conjunto específico de fontes altamente diversas.
A Documentum está no negócio de software para Para fazê-lo, teve que contar muito com os recursos
gestão de documentos com sistemas de ponta que fo- das parcerias dos fornecedores muito maiores, como a
ram projetados originalmente na Xerox. Praticamente Sun, Oracle e Computer Sciences Corporation (CSC).
desconhecida até 1994, ela passou a primeira parte dos Com base na experiência a partir de um projeto finan-
anos 1990 no abismo: teve dificuldades para avançar ciado por um visionário na Syntex, a empresa perce-
com alguns milhões de dólares por ano em receitas e beu que o negócio era viável, e, assim, o segmento
captou um novo visionário a cada ano, sem ter quase passou no teste.
nada para mostrar-lhe. Em 1994, a empresa saiu do Embora os demais concorrentes fossem bem maio-
nada e tornou-se a principal fornecedora de sistemas res, mais aceitos tecnicamente, com mais grupos de
para a indústria farmacêutica, começando o nicho espe- usuários estabelecidos, nenhum tinha se aproximado
do desafio Canda. Por meio de seus esforços espe-
ciais, a Documentum sentiu que seria capaz de mudar
*
N. de R.T.: Cabeça de ponte é um termo militar referente a uma posi-
ção provisória ocupada por uma força militar em território inimigo, do
outro lado de um rio ou do mar, tendo em vista um posterior avanço ou
desembarque. *
N. de T.: Aprovação de Novos Fármacos Assistida por Computador.
206     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 O cenário do Ciclo de Vida da Adoção de Tecnologia

Avenida central

O
tornado

Mercado inicial Fim da vida

O abismo

A pista de
boliche

fundamentalmente a equação econômica e comunicou mesma pergunta em relação a um PDA, a maioria res-
esse fato aos compradores que tomam decisões com ba- ponderia não. O que fundamenta essas respostas? As
ses econômicas. pessoas veem com muita frequência profissionais que
Finalmente, se ganhasse a aplicação Canda no setor utilizam pagers – médicos, administradores de redes de
farmacêutico, a empresa poderia se expandir facilmente computador e outros profissionais cuja função também
para outros departamentos dentro do setor farmacêuti- é atender chamados de emergência –, mas não conhe-
co, tais como produção e P&D, e também para outras cem nenhum grupo de pessoas que use PDAs rotineira-
indústrias reguladas pela FDA, como os equipamentos mente. Com base nisso, elas estão muito mais dispostas
médicos e o processamento de alimentos. a considerar a adoção do pager e rejeitar o PDA. Essa
Qual foi o resultado de tudo isso? No intervalo de é uma parte fundamental por trás do raciocínio de con-
um ano, da luz verde no primeiro trimestre de 1994 até quistar uma cabeça de ponte. Você não apenas ganha al-
o final desse mesmo ano, a Documentum colecionou 30 guns clientes imediatos, mas também torna muito mais
dos seus 40 principais clientes-alvo. No mesmo perío- fácil para todos os clientes futuros comprarem.*
do, seu concorrente mais próximo conquistou apenas
um. A receita para esse ano triplicou e a meta é tripli-
ALÉM DO ABISMO
car novamente. A Documentum é a líder de mercado
indiscutível nesse segmento, o que lhes dá muito mais Dentro do tornado encontram-se funções relacionadas
influência do que justifica o seu tamanho. Jamais po- ao mapeamento do mercado potencial existente além do
derá ser desalojada desse mercado. Na realidade, não abismo. Ele se concentra nos três estágios subsequentes
pode, do ponto de vista da indústria farmacêutica, sair no modelo do ciclo de vida, conforme ilustrado pela
do negócio. Como tal, ela agora está configurada para Figura 4.
atacar o mercado a partir de uma posição de força e tem O mapa divide o cenário em seis zonas, caracteriza-
fortes perspectivas para a expansão do mercado. Este é das da seguinte forma:
o poder de quem consegue atravessar o abismo.
1. Mercado inicial: um momento de grande euforia em
O ponto-chave desta questão é o poderoso impacto
que os clientes são entusiastas da tecnologia e visioná-
sobre o desenvolvimento do mercado ao ganhar o pri-
rios que desejam ser os primeiros a embarcar no novo
meiro nicho no mercado principal. Para citar um outro
paradigma.
exemplo, considere, no mercado de hoje, a diferença
entre o status atual dos pagers e dos assistentes pessoais
digitais (PDAs). A maioria das pessoas não transpor- *
N de R.T.: Este artigo foi escrito originalmente em 1991, ano em que os
ta nenhum dos dois. Se você perguntar a uma pessoa pagers eram muito mais utilizados do que os PDAs. Atualmente, os pagers
ficaram para trás, deram lugar aos PDAs e, na sequência, aos smartphones.
se ela ainda carrega um pager, o que ela responderia? Essa migração se deu, em boa parte, devido ao fenômeno da convergência
A maioria das pessoas diria que sim. Quando fizesse a tecnológica.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-8     207

2. Abismo: um momento de grande desespero em que o artigo 2 - 8


interesse do mercado inicial diminui, mas o mercado
dominante ainda não se sente confortável com a imatu- Tecnologias concorrentes:
ridade das soluções disponíveis. uma visão global*
3. Pista de boliche: um período de adoção em nicho que
se antecipa ao mercado em geral, impulsionada pelas
Todo transporte movido a vapor que passa na
necessidades imperiosas dos clientes e pela disposição rua justifica a confiança nele depositada e, a menos
dos fornecedores de criar produtos completos voltados que a característica desagradável do transporte
para o nicho. movido à gasolina possa ser removida, ele está
4. Tornado: um período de adoção em massa pelo mer- prestes a ser retirado da estrada, para dar lugar ao
cado, quando o mercado em geral muda para o para- seu rival menos censurável, o veículo a vapor do dia.
digma da nova infraestrutura. — William Fletcher (1904)
5. Avenida central: um período de desenvolvimento dos Steam carriages and traction engines, p. xi.
elementos de pós-venda, quando a infraestrutura-base foi
W. Brian Arthur
implantada e a meta agora é concretizar o seu potencial.
6. Fim da vida: pode chegar muito cedo devido à nova tec-
nologia que leva o preço/desempenho para níveis inédi- INTRODUÇÃO
tos, permite a chegada de paradigmas totalmente novos
Quando surge uma nova possibilidade econômica ou de
ao mercado e suplanta os líderes recém-chegados.
engenharia, geralmente há várias maneiras de proceder.
A tese é que a estratégia de negócio deve mudar ra- Nos anos 1890, o transporte podia ser movido a vapor,
dicalmente à medida que os mercados passam por esses gasolina ou baterias elétricas. Em tempos mais moder-
estágios. Os pontos-chave dessa tese são: nos, a energia nuclear pode ser gerada por reatores de
• As forças que atuam na pista de boliche sustentam uma água leve, dióxido de carbono, água pesada ou sódio.
estratégia com base em nicho altamente centrada no A energia solar pode ser gerada pelas tecnologias de
cliente. silício cristalino ou amorfo. Uma vacina para a Aids
• As forças no tornado empurram na direção contrária, pode, eventualmente, tornar-se possível pelos métodos
em direção a uma estratégia de mercado de massa para de modificação do tipo de célula, síntese química ou
implementar uma infraestrutura padrão comum. anti-idiotipo. A gravação de vídeo pode ser realizada
• Depois, na avenida central, as forças de mercado pelas tecnologias Sony Betamax® ou VHS.
empurram novamente para uma abordagem centrada no Em cada caso, podemos pensar nesses métodos ou
cliente, focando as adaptações específicas dessa infraes- tecnologias como “concorrentes” por um “mercado” de
trutura para o valor agregado por meio da customização adeptos.1 Dessa forma, poderá haver uma competição
de massa. inconsciente e passiva, como ocorre entre as espécies
• Dadas essas reviravoltas drásticas na estratégia, é impe- que competem biologicamente, se a adoção de uma tec-
rativo que as organizações sejam capazes de chegar a nologia deslocar ou impedir a adoção da tecnologia por
um acordo sobre a localização de seus mercados no ciclo suas rivais. É possível que haja também uma competição
de vida. consciente e estratégica se os seus produtos puderem ser
• Nesse meio tempo, o cataclismo econômico do tornado manipulados e ter o seu preço determinado. (Nesse últi-
desconstrói e reconstrói de forma tão rápida a estrutura mo caso, de acordo com a nomenclatura introduzida em
de poder no mercado que simplesmente entender quem Arthur,2 diremos que tais tecnologias são patrocinadas).
é amigo e adversário torna-se um desafio.
Em geral, a concorrência entre as tecnologias as tor-
• As empresas devem competir para obter vantagem com
na mais atraentes – mais desenvolvidas, disseminadas,
base em seus status dentro dessa estrutura de mercado
emergente.
• O posicionamento nesse contexto consiste em uma *
Sou grato a Paul David, Giovanni Dosi, Frank Englmann, Christopher
empresa assumir o seu devido lugar na hierarquia de Freeman, Richard Nelson, Nathan Rosenberg, Gerald Silverberg e Luc
poder e defendê-lo. Soete pelos comentários sobre este artigo e aos participantes do encon-
• E, finalmente, passar de maneira fluida de uma estratégia tro da Ifias em 1987 sobre Mudança Técnica e Teoria Econômica,
Maastricht, Holanda. In: G. Dosi, ed., Technical Change and Economic
para outra é o maior desafio de qualquer organização, o Theory (New York: Columbia University Press, 1987), pp. 590-607.
que exige uma resposta extraordinariamente flexível por 1
W. B. Arthur, “Competing Technologies and Lock-in by Historical
Events: The Dynamics of Allocation Under Increasing Returns”, Paper
parte da sua equipe de gestão. WP-83-90, International Institute for Applied Systems Analysis,
Laxenburg, Austria, 1983.
Com essas instruções em uma das mãos e o nosso 2
W. B. Arthur, “Information, Imitation and the Emergence of Technological
mapa na outra, agora podemos seguir o nosso caminho. Structures”, mimeo, Stanford University, 1985.
208     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

úteis – quanto mais elas são adotadas. Assim, a concor- Seja qual for a fonte, se os retornos crescentes pela
rência entre as tecnologias passa a ser uma competição adoção de fato existirem, eles determinarão o caráter da
entre movimentos “de efeito manada”, e os mercados concorrência entre as tecnologias. Se uma tecnologia
exibem uma instabilidade correspondente e um alto ficar à frente, mesmo por sorte, ela ganhará uma vanta-
grau de imprevisibilidade. gem. Ela pode então atrair mais adeptos que poderiam
A maior atratividade causada pela adoção, ou o que optar pelas tecnologias rivais. Nesse caso, o mercado
chamarei de maior retorno pela adoção, pode surgir de adoção pode tornar-se favorável a essa tecnologia e
de várias fontes, mas cinco delas são particularmente acabar dominado por ela.6 Dadas outras circunstâncias,
importantes: é claro, uma tecnologia diferente poderia ser favoreci-
da desde o início e dominar o mercado. Portanto, nas
1. Aprendizagem por meio do uso.3 À medida que ado-
tamos uma tecnologia mais desenvolvida, aprendemos
concorrências entre tecnologias com retornos crescen-
muito mais sobre ela. Um novo design de aeronave, tes, normalmente há mais de um resultado possível. Em
como o DC-8, ganha consideravelmente em carga, ca- termos econômicos, existem múltiplos equilíbrios. Para
pacidade de passageiros, eficiência do motor e aerodi- verificar como o resultado real é selecionado com base
nâmica na medida em que atinge a adoção real por parte nesses múltiplos resultados candidatos, precisamos fi-
das empresas aéreas. car de olho em como as adoções das tecnologias rivais
2. Externalidades da rede.4 Muitas vezes, uma tecnologia se construirão (em conjunto com os pequenos eventos
oferece vantagens por “estar junto” com adeptos dela – de que poderiam influenciá-las) e como influenciarão o
pertencer a uma rede de usuários. A tecnologia de vídeo mercado. Em outras palavras, precisamos acompanhar
VHS é um exemplo. Quanto mais usuários existirem, o a dinâmica da adoção.
adepto do VHS se beneficiará de uma maior disponibili- Onde as tecnologias concorrentes possuem retornos
dade e variedade de produtos gravados nesse sistema. crescentes para a adoção, surge uma série de questões
3. Economias de escala na produção. Com frequência, muito naturais:
quando uma tecnologia é incorporada a um produto,
1. Como podemos modelar o processo de adoção quando
como a tecnologia Polaroide, o custo deste cai à medida
existe concorrência entre tecnologias de retorno cres-
que se produzem mais unidades. Assim, a tecnologia
cente e, por isso, indeterminação no resultado?
pode se tornar mais atraente em termos de preço con-
2. Quais técnicas de análise podem ser utilizadas para li-
forme a adoção aumenta.
dar com a questão de alocação de retornos crescentes?
4. Retornos informacionais crescentes. Muitas vezes, a
Em particular, quais técnicas podem nos ajudar a deter-
tecnologia mais adotada usufrui da vantagem de ser
minar os resultados possíveis do processo de adoção?
mais conhecida e compreendida. Para as pessoas aves-
3. Quando as tecnologias concorrem, sob quais circuns-
sas ao risco, a adoção dessa tecnologia será mais atra-
tâncias uma tecnologia deve – embora indeterminada
ente se ela for mais disseminada.
5. Inter-relação tecnológica.5 Quando uma tecnologia é no início – alcançar um monopólio e eventualmente
adotada com mais frequência, uma série de outras sub- capturar 100% do mercado de adoção? Sob quais cir-
tecnologias e produtos passa a fazer parte de sua infraes- cunstâncias o mercado será finalmente compartilhado?
trutura. Por exemplo, a tecnologia da gasolina tem uma 4. Como o caso dos “padrões de concorrência” difere do
enorme infraestrutura de refinarias, postos de abasteci- caso das tecnologias concorrentes?
mento e autopeças que se baseiam nela. Isso a coloca em 5. Que diferença faz ter diferentes fontes de retornos cres-
vantagem no sentido de que outras tecnologias, se menos centes: externalidades da rede em vez de efeitos da
adotadas, podem não ter a infraestrutura necessária ou aprendizagem, por exemplo?
exigir um desmantelamento parcial da infraestrutura es- 6. Que questões sobre políticas surgem no caso da tecno-
tabelecida da tecnologia mais disseminada. logia concorrente?
7. Quais são as questões importantes sobre a pesquisa que
Naturalmente, com qualquer tecnologia em particu- continuam sem resposta?
lar, vários desses benefícios para a maior adoção podem
Neste artigo, fornecerei uma visão global do meu
ser misturados e apresentados em conjunto. Nem sempre
trabalho sobre o problema da tecnologia concorrente,
há uma fonte pura de retornos crescentes pela adoção.
realçando a abordagem dinâmica. Onde for possível,
conectarei minha abordagem e resultados com os de
3
N. Rosenberg, Inside the Black Box: Technology and Economics
outros e mencionarei os problemas da pesquisa aber-
(Cambridge, England: Cambridge University Press, 1982). ta. Começo com uma revisão dos modelos básicos das
4
M. Katz and C. Shapiro, “Network Externalities, Competition, and
Compatibility”, American Economic Review 75 (1985), pp. 424-40.
5
M. Frankel, “Obsolescence and Technological Change in a Maturing
Economy”, American Economic Review 45 (1955), pp. 296-319. 6
Arthur, “Competing Technologies and Lock-in by Historical Events”.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-8     209

Figura 1 Retornos para a adoção de A ou B, dadas as adoções prévias

Adoções prévias  
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Tecnologia A 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19  
20
Tecnologia B  
4  
7 10 13 16 19 22 25 28 31  
34

tecnologias concorrentes e depois discuto algumas das Figura 2 Retornos sobre a adoção de A ou B, dados os
adeptos prévios nA e nB de A e B
questões levantadas anteriormente.
Tecnologia A Tecnologia B

O ATRELAMENTO AOS PEQUENOS EVENTOS: Agente-R aR  rnA bR  rnB


Agente-S aS  snA bS  snB
UMA REVISÃO DO MODELO BÁSICO
Nota: O modelo assume que aR  bR e que bS  aS. Tanto r quanto s
Como um possível modelo simples da concorrência são positivos.
entre tecnologias com retornos crescentes, imagine
duas tecnologias não patrocinadas,7 A e B, que con- Embora haja exemplos de tecnologias que blo-
correm passivamente por um mercado de adeptos queiam todas as tecnologias rivais desde o início, esse
potenciais, que estejam substituindo uma tecnologia modelo preliminar ainda não é muito satisfatório. O re-
sultado é predeterminado por qualquer tecnologia que
antiga e inferior. À medida que as adoções de A (ou B)
seja superior, ou, se ambas forem equivalentes, o re-
aumentam, ocorre a aprendizagem por meio do uso e
sultado será apertado. Na realidade, os adeptos não são
tornam-se disponíveis versões aprimoradas de A (ou
todos iguais, e, no início da maioria das concorrências,
B), com ganhos ou retornos proporcionalmente mais
alguns podem preferir naturalmente a tecnologia A e
elevados para os que a adotam. Cada agente – cada
outros a tecnologia B. Se esse fosse o caso, a ordem pela
adepto em potencial – deve optar por A ou B quan-
qual os adeptos iniciais chegassem passaria a ser crucial
do for o momento de substituir a tecnologia antiga.
para decidir como seria o mercado.
Depois que um agente faz a sua escolha, permanece Considere um modelo completo que mostra isso.
ligado a ela. As versões de A e B são fixas quando ado- Agora, permitimos dois tipos de adeptos, R e S, com
tadas, de modo que os agentes não são afetados pelas preferências naturais por A e B, respectivamente, e com
escolhas dos futuros adeptos. os ganhos conforme a Figura 2. Suponha que cada tipo
Suponha, por um momento, que, em uma versão de adepto em potencial seja igualmente predominante,
preliminar do modelo, todos os agentes sejam iguais. mas que as chegadas reais dos agentes R e S estejam
Suponha também que os retornos pela adoção de A ou sujeitas a pequenos eventos desconhecidos fora do mo-
B cresçam com as adoções prévias, como na Figura 1. delo, por assim dizer. Então, tudo o que podemos dizer
A dinâmica desse modelo preliminar é trivial, porém é que é igualmente provável que um R ou um S vai
instrutiva. O primeiro agente escolhe a tecnologia de chegar em seguida para fazer sua escolha. Pelo menos
maior ganho – A, nessa tabela. Isso propõe a recom- inicialmente, se um agente R chegar para fazer sua es-
pensa de A para cima, de modo que o próximo agente colha, ele adotará A; se um agente S chegar, ele adotará
tenha uma forte razão para escolher A. Nesse processo, B. Assim, a diferença nas adoções entre A e B sobe ou
A continua a ser escolhido, o que significa que o pro- desce uma unidade, o que dependerá do fato de o adepto
cesso de adoção permanece atrelado a A desde o início. seguinte ser um R ou um S, ou seja, sobe ou desce com
Mesmo que fosse adotado e se mostrasse superior, B probabilidade de 50% para cada um. Esse processo é
não consegue conquistar uma posição. um simples arremesso de moeda feito por um jogador
Nesse modelo preliminar simples, vemos duas pro- em uma trajetória aleatória.* Há apenas uma compli-
priedades que surgem constantemente com as tecnolo- cação. Se por um acaso um grande número de tipos R
gias concorrentes: ineficiência em potencial, ou seja, a se acumular na linha de optantes, A será intensamente
tecnologia adotada pelo mercado não precisa apresentar adotada e, por isso, com um ganho maior. Na verdade,
retorno de longo prazo superior para os adeptos; e in- se A ganhar uma vantagem suficiente sobre B nas ado-
flexibilidade, ou estar trancado, isto é, a tecnologia dei- ções, ela recompensará os adeptos de S por mudarem
xada de lado precisará preencher uma lacuna crescente para A. Então, os tipos R e S adotarão A, e apenas A,
para ser escolhida pelos adeptos.
*
N. de T.: Do inglês, random walk: um processo estocástico constituído
por uma sequência de mudanças, cujas características de cada uma delas
7
Ib. (como magnitude ou direção) são determinadas pelo acaso.
210     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Diferenças nas adoções: trajetória aleatória com não está morta no início, com uma única tecnologia
barreiras de absorção
dominando desde o começo, o processo de adoção é
A lidera Diferença nas inerentemente instável e pode ser induzido pelo acú-
adoções de A e B
Ambos os tipos de adeptos escolhem A mulo de eventos históricos, pequenas heterogeneidades
ou pequenas diferenças no tempo. Assim, os eventos de
Os adeptos do tipo R escolhem A, baixo nível, decorrentes da granularidade inevitável na
e os do tipo S escolhem B
0 economia, podem agir para impulsionar o processo na
Adoções totais órbita de um ou dos dois (ou, com várias tecnologias
concorrendo) resultados possíveis. O que temos nesse
Ambos os tipos de adeptos escolhem B Atrelado
simples modelo é ordem (a eventual quota da adoção)
B Lidera aB emergindo da flutuação (a aleatoriedade inerente da
sequência de chegada). Na tecnologia moderna, nosso
a partir de então. O processo de adoção ficará atrelado à processo de adoção das tecnologias concorrentes é, por-
tecnologia A. De modo similar, se uma quantidade sufi- tanto, um processo de auto-organização.8
ciente de tipos S tivesse, por acaso, chegado a adotar B Naturalmente, pode-se observar que, em algum
em detrimento de A, B melhoraria suficientemente para nível – em algum onisciente mundo laplaciano –, a
fazer com que os tipos R mudassem para B. O processo, sequência de chegada no nosso modelo está preorde-
ao contrário, ficaria atrelado a B (ver Figura 3). Trata- nada e que, portanto, o resultado que essa sequência
-se realmente de uma trajetória aleatória com barreiras implica está predestinado e que a concorrência da nossa
de absorção em cada lado, as quais correspondem à li- tecnologia é determinada e previsível. Em última análi-
derança na adoção necessária para cada tipo de agente se, isso se resume a uma questão de estratégia de mode-
mudar a sua escolha. lagem. Onde estão presentes os retornos crescentes, os
Tudo isso é bom. Agora podemos usar a teoria bem padrões diferentes dos pequenos eventos – conhecidos
trabalhada das trajetórias aleatórias para descobrir o ou não – podem levar a resultados diferentes. Se forem
que acontece com o processo de adoção no longo pra- desconhecidos desde o início, se por questões práticas
zo. O fato importante sobre uma trajetória aleatória com se encontram fora da resolução do nosso modelo, de-
barreiras de absorção é que a absorção ocorre, no fim vemos tratá-los como aleatórios; de modo que, a me-
das contas, com certeza. Assim, no modelo que descre- nos que acreditemos que conhecemos todos os fatos
vi, a economia deve atrelar-se ao monopólio de uma ou que podem afetar o acúmulo de adoções e que possam,
das duas tecnologias, A ou B, mas não se pode prever portanto, incluí-los explicitamente, os modelos de con-
de antemão qual das tecnologias. Também não há uma corrência tecnológica devem incluir tipicamente um
média da ordem de escolha do agente. Ao contrário, tal componente aleatório. Nesse modelo, a aleatoriedade
ordem define o resultado final do mercado. Com isso, foi introduzida pela falta de conhecimento da sequência
o processo é não ergódico – ou, mais informalmente, de chegada dos adeptos. No entanto, em outros mode-
podemos dizer que depende da trajetória no sentido de los, ela poderia ter fontes diferentes. A aleatoriedade
que o resultado depende da forma como as adoções se poderia, por exemplo, entrar em um modelo homogê-
constroem, ou seja, da trajetória que o processo segue. neo do tipo de adepto porque as melhorias tecnológicas
Como antes, o processo se torna inflexível: uma vez ocorrem, em parte, por meio de rupturas imprevisíveis.
ocorrido o atrelamento, a tecnologia dominante conti- O assunto é suficientemente novo a ponto de extensões
nua a ser escolhida. Por isso, ela continua a melhorar, óbvias como esta ainda não terem sido estudadas. Pode
de modo que um impulso ainda maior para o retorno haver uma ampla classe de modelos de tecnologia con-
da tecnologia excluída seria necessário para ressuscitá- corrente, mas há uma expectativa de que possam encon-
-la. Além disso, é fácil construir exemplos nos quais trar as mesmas propriedades defendidas anteriormente:
esse algoritmo que leva cada agente a adotar a tecno- inflexibilidade ou atrelamento do resultado, não previ-
logia com maior retorno no momento da escolha pode sibilidade, possível ineficiência e não ergodicidade ou
deixar escapar recompensas maiores para a adoção e o dependência da trajetória.
desenvolvimento futuros da tecnologia excluída. Como No mundo real, as concorrências entre as tecnolo-
no modelo preliminar, a eficiência econômica não está gias exibem essas propriedades? Às vezes, a economia
garantida. fica atrelada a uma tecnologia inferior por causa de
Esse modelo, como todos os modelos teóricos, é
obviamente estilizado. Entretanto, ele captura uma ca- 8
I. Prigogine, “Order Through Fluctuation: Self-Organization and Social
racterística importante da concorrência entre tecnolo- System”, in Evolution and Consciousness, ed. E. Jantsch and C. H.
gias com retornos crescentes. Quando a concorrência Waddington (New York: Addison-Wesley, 1976).
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-8     211

pequenos eventos históricos? Parece que sim. Atual- O atrelamento a uma tecnologia inferior é perma-
mente, os reatores de água leve contribuem com quase nente? Teoricamente, é permanente onde a fonte de
100% de todas as usinas nucleares dos Estados Uni- retornos crescentes é a aprendizagem pelo uso, pelo
dos e cerca de 80% do mercado mundial. Eles foram menos até que surjam tecnologias ainda mais novas
adaptados originalmente de uma unidade altamente para tornar a tecnologia dominante obsoleta. Mas o
compacta concebida para propulsionar o primeiro sub- atrelamento não precisará ser permanente se as exter-
marino nuclear americano, o U.S.S. Nautilus, lançado nalidades da rede forem a fonte. Aqui, se a vantagem de
em 1954.9 Uma série de circunstâncias – como o papel uma tecnologia for principalmente a de que a maioria
da Marinha americana nos primeiros contratos de cons- dos adeptos seguirá com ela, uma transição coordenada
trução, o oportunismo político dentro do Conselho Na- para uma escolha coletiva superior poderá proporcionar
cional de Segurança, o comportamento de personagens uma saída. Em um artigo importante, Farrell e Saloner14
fundamentais como o Marechal Rickover e o Programa mostraram que, contanto que os agentes conheçam as
Euratom – agiu em favor da água leve, de modo que preferências dos outros agentes, eles poderão decidir
a experiência de aprendizagem e construção adquirida as disponibilidades de alternativas superiores, indepen-
com a água leve logo no início atrelou-a ao mercado em dentemente de mudanças de fato. No entanto, se não
tiverem certeza sobre as preferências e intenções dos
meados dos anos 1960.10 Contudo, a literatura especiali-
outros, poderá haver inércia: é possível que cada agente
zada alega constantemente que o design de refrigeração
se beneficie no caso de deter a outra tecnologia, mas
a gás teria sido superior.11
ninguém se atreverá a mudar individualmente se os ou-
De modo similar, agora a gasolina predomina como
tros não a seguirem.
fonte de energia para os automóveis. Ela pode ser a
Seja qual for a fonte de retornos crescentes nas con-
alternativa superior, mas certamente em 1895 ela era
corrências entre as tecnologias, a existência do atrela-
considerada a opção menos promissora. Era difícil de mento e a liberação repentina fazem com que a econo-
obter na gradação certa, era perigosa e exigia mais par- mia perca “suavidade de movimento”.
tes móveis, e mais sofisticadas, do que o vapor. No de-
correr do período de 1890 a 1920, os desenvolvedores,
cujas preferências dependiam da experiência prévia em ESTRUTURA DA TECNOLOGIA: A LEI FORTE
DOS GRANDES NÚMEROS QUE DEPENDE
engenharia, produziram versões cada vez mais aperfei-
DA TRAJETÓRIA
çoadas de automóveis a vapor, a gasolina e elétricos.
Entretanto, uma série de circunstâncias – no caso norte- Na discussão até agora, desenvolvemos algumas ideias
-americano, uma “improvável” competição em trans- e propriedades básicas da concorrência tecnológica a
portes sem cavalos que parece ter influenciado Ransom partir de um modelo dinâmico com um mecanismo
Olds em sua decisão de mudar do vapor para a gasolina, muito particular de retorno linear pela aprendizagem.
e uma epidemia de febre aftosa em 1914 que fechou os Gostaríamos de ser capazes de lidar com problemas de
cochos dos cavalos, das quais os carros a vapor retira- concorrência tecnológica com pressupostos mais gerais
vam água – permitiu que a gasolina ocupasse a lideran- e mecanismos de retorno para a adoção. Em particular,
ça, o que se provou, algum tempo depois, indiscutível.12 estamos interessados nas questões qualitativas como se,
Não está claro se os carros a vapor ou elétricos, dado e sob quais circunstâncias, um mercado de adoção deve
o mesmo nível de desenvolvimento, poderiam ter sido acabar sendo dominado por uma única tecnologia.
superiores, mas essa questão continua sob debate cons- Ao pensar sobre a estrutura analítica da qual preci-
tante na literatura da engenharia.13 saríamos para versões mais gerais do problema, parece
importante preservar duas propriedades: (1) que as es-
colhas entre as tecnologias alternativas sejam afetadas
9
A. M. Weinberg, “Power Reactors”, Scientific American 191 (1954),
pelas quantidades de cada alternativa presentes no mer-
pp. 33-39. cado de adoção no momento da escolha; de modo equi-
10
R. Cowan, “Backing the Wrong Horse: Sequential Technology Choice valente, que as escolhas sejam afetadas pelas participa-
Under Increasing Returns”, doctoral dissertation, Stanford University, 1987.
11
H. M. Agnew, “Gas-Cooled Nuclear Power Reactors”, Scientific ções de mercado atuais; (2) que os pequenos eventos
American 244 (1981), pp. 55-63. fora do modelo possam influenciar o processo, de modo
12
C. McLaughlin, “The Stanley Steamer: A Study in Unsuccessful Innova-
tion”, Explorations in Entrepreneurial History 7 (1954), pp. 37-47; W. B. Ar-
que uma certa aleatoriedade possa ser permitida no sis-
thur, “Competing Technologies and Economic Prediction”, Options (1984), tema. Assim, o estado do mercado pode não determinar
International Institute for Applied Systems Analysis, Laxenburg, Austria.
13
R. L. Burton, “Recent Advances in Vehicular Steam Engine Efficiency”,
Society of Automotive Engineers, Preprint 760340, 1976; W. C. Strack,
“Condensers and Boilers for Steam-Powered Cars”, NASA Technical 14
J. Farrell and G. Saloner, “Standardization, Compatibility and Innovation”,
Note TN D-5813, Washington, DC, 1970. Rand Journal of Economics 16 (1985), pp. 70-83.
212     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Probabilidade de adoção em função da quota em 0,5. Mas não podemos usar a Lei Forte padrão em
de adoção
nosso processo. Não temos os incrementos indepen-
1 dentes necessários. Mas temos incrementos – adoções
unitárias ou alocações para as tecnologias de 1 a K –
que ocorrem com as probabilidades influenciadas pelos
próximo agente escolher A

incrementos passados. Temos uma “moeda” cuja pro-


P2(x)
babilidade de “caras” muda com a proporção de “caras”
Probabilidade de o

lançadas anteriormente.
Ainda podemos gerar uma Lei Forte para o nosso
processo dependente de incrementos. Suponha que
P1(x)
consideremos o mapeamento das proporções atuais, ou
0
X2 quotas de adoção, para a probabilidade de adoção, do
0
Proporção de A
1 mesmo modo que nos dois exemplos da Figura 4, onde
no total do mercado K = 2. Podemos ver que, onde a probabilidade da ado-
ção de A é maior do que a sua quota de mercado, haveria
a próxima escolha, mas, sim, a probabilidade de cada uma tendência de aumento na proporção do processo
alternativa ser escolhida. de alocação (ou adoção) de A; e onde é menor, have-
Considere um sistema dinâmico que abstraia e per- ria uma tendência de diminuição. Se as proporções ou
mita essas duas propriedades. Eu o chamarei de proces- quotas em cada categoria se estabelecem à medida que
so de alocação. Cada vez que ocorrer uma escolha, uma as alocações totais aumentam, então elas devem se esta-
adição de unidade ou alocação é feita para uma das K belecer em um ponto fixo desse mapeamento. Em 1983,
categorias, com probabilidades p1 (x), p2 (x) …, pk (x), Arthur, Ermoliev e Kaniovski provaram que (sob certas
respectivamente, onde esse vetor de probabilidades p é condições técnicas) essa conjectura é verdadeira.16 Os
uma função de x, o vetor que dá a proporção de unida- processos de alocação, na verdade, se estabelecem no
des atualmente nas categorias 1 a K (da quantidade total longo prazo com probabilidade um para um vetor imu-
n até agora em todas as categorias). No nosso problema tável de proporções (quotas de adoção) representado
de tecnologias concorrentes, isso corresponde a uma es- por um dos pontos fixos do mapeamento de proporções
colha de uma tecnologia dentre K alternativas concor- (ou quotas de adoção) para a probabilidade de adoção.
rentes, a cada momento da escolha, com as probabilida- Eles convergem para um vetor de quotas de adoção x,
des que dependem das quantidades de cada alternativa onde x = p(x). Nem todos os pontos fixos são aceitáveis.
já adotada e, portanto, das quotas de adoção atuais.15 Apenas os pontos fixos “de atração” ou estáveis (aque-
(Para um determinado problema, se conhecemos a fonte les cujos movimentos esperados levam adiante) podem
de aleatoriedade e o retorno de ganhos em cada estado surgir como os resultados de longo prazo. (Com isso,
do mercado, podemos, ao menos a princípio, derivar na Figura 4, as quotas de longo prazo possíveis são 0 e
essas probabilidades em função das quotas de adoção). 1 para a função p1 e x2 para a função p2). Naturalmente,
Nossa questão é: o que acontece com as proporções onde existem muitos pontos fixos, o escolhido depen-
de longo prazo (ou quotas de adoção) em um sistema de da trajetória seguida pelo processo: ele depende do
dinâmico como esse? Quais estruturas tecnológicas acúmulo dos eventos aleatórios que ocorrem ao longo
de longo prazo podem surgir? A ferramenta padrão de
teoria das probabilidades para esse tipo de problema é
a Lei Forte dos Grandes Números, que faz afirmações
16
Hill, Lane e Sudderth provaram uma versão desse teorema em 1980 para
o caso, onde K = 2 e p é imutável com o tempo n. A versão informal-
sobre as proporções de longo prazo nos processos em mente indicada no texto vale para K ≥ 2 e para as funções com variação de
que incrementos são adicionados em momentos suces- tempo pn, contanto que convirjam para uma função limitadora p. Ver W. B.
Arthur, Y. M. Ermoliev and Y. M. Kaniovski, “On Generalized Urn Sche-
sivos. Por exemplo, se adicionarmos sucessivamente mes of the Polya Kind” (in Russian), Kibernetika 19 (1983), pp. 49-56;
uma unidade à categoria “caras” com probabilidade English trans. in Cybernetics 19, pp. 61-71; “Strong Laws for a Class
de 50% ao lançarmos uma moeda, a Lei Forte padrão of Path-Dependent Urn Processes”, in Proceedings of the International
Conference on Stochastic Optimization, Kiev, 1984, ed. Arkin et al. (Ber-
mostrará que a proporção de “caras” deve se resolver lin: Springer, 1984); “Path-Dependent Processes and the Emergence of
Macro-Structure”, European Journal of Operational Research 30 (1987),
pp. 294-303. Tecnicamente, a sequência de funções de Borel pn precisa
convergir para p a uma taxa maior do que 1/n converge para zero; o con-
15
Se essas probabilidades dependem das quantidades adotadas em vez junto de pontos fixos de p precisa ter uma quantidade finita de componen-
de dependerem diretamente das quotas de mercado, podemos escrevê- tes conectados; e para K > 2, a convergência para um ponto em vez de um
-las como p1(nx), p2(nx) …, pk(nx). Isso passa a ser equivalente a uma ciclo ou atrator mais complexo requer que a dinâmica determinística for-
função de probabilidade pn que depende do tempo n e também da quota mada pelo movimento esperado do processo seja um sistema de gradiente.
de adoção x. O artigo de 1986 talvez seja a melhor introdução a esse teorema.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-8     213

do caminho. Essa Lei Forte, bastante genérica para os FIGURA 5 Ganhos na adoção de A e B sob uma
sequência contínua de tipos de adeptos
processos dependentes de incremento (os quais, seguin-
do a convenção, chamarei de AEK), generaliza a con- ZB
vencional Lei Forte dos Grandes Números.
ZAB
A estrutura do processo de alocação, com a sua

Retornos: Tecnologia B
Lei Forte correspondente, aplica-se a uma ampla
variedade de problemas de auto-organização, ou au-
tocatalíticos, em economia e física.17 Para o nosso
ZA
propósito de tecnologias concorrentes, porém, agora Z

temos um poderoso dispositivo que nos permite in-


vestigar os possíveis resultados da adoção no lon-
go prazo, sob diferentes mecanismos do mercado de
adoção. Para um determinado problema, procedería-
Retornos: Tecnologia A
mos em três etapas:
Nota: No início, os ganhos da adoção residem no conjunto Z. As adoções da
1. Detalhar os mecanismos particulares em ação no pro- tecnologia A apenas deslocam esse conjunto horizontalmente para a direita,
como em ZA. As adoções de B apenas o deslocam verticalmente, como em
cesso de adoção, prestando atenção especial às funções ZB. As adoções de A e B deslocam-nos diagonalmente, como em ZAB.
de retorno, heterogeneidades e fontes de aleatoriedade.
2. Usar esse conhecimento para derivar as probabilidades pontos fixos estáveis apenas nos pontos x = 0 e x = 1. Ou
de escolha de cada tecnologia em função das quotas seja, resulta em circunstâncias sob as quais os retornos
atuais de adoção. informacionais crescentes, sozinhos, acabam levando
3. Usar a Lei Forte AEK para derivar as possíveis quotas
ao monopólio de A ou B com probabilidade 1.
de adoção em longo prazo em função dos pontos fixos
estáveis advindos do mapeamento da probabilidade das
quotas de adoção. QUANDO O MONOPÓLIO TECNOLÓGICO
É INEVITÁVEL?
Hoje, uma série de estudos utiliza essa técnica.18 O
modelo dos “retornos informacionais crescentes” de É inevitável que uma tecnologia acabe excluindo as
Arthur19 é um exemplo. Nesse modelo, os adeptos em outras quando há retornos crescentes para a adoção?
potencial, avessos ao risco, estão incertos sobre o ganho A resposta é não. Considere uma versão mais geral do
real entre duas tecnologias que podem escolher. Eles modelo “sequência de chegada desconhecida do adepto
reúnem informações por meio de uma votação em uma heterogêneo”, no qual agora há uma sequência contínua
amostra aleatória de adeptos anteriores. (Não há efeitos de tipos de agente em vez de duas. Agora os agentes
da aprendizagem pelo uso e nem de rede.) Os retornos – adeptos em potencial – estão distribuídos sobre os
crescentes ocorrem porque, se os adeptos de A forem ganhos da adoção, conforme a Figura 5. Um adepto é
mais numerosos, o próximo adepto a escolher prova- escolhido aleatoriamente a partir dessa distribuição de
velmente somará mais a A do que a B e, portanto, estará probabilidade sempre que se faz uma escolha, e a dis-
mais bem informado a respeito de A. Por ser avesso ao tribuição em si desloca-se para a direita ou para cima à
risco, ele escolherá A, com uma probabilidade que au- medida que os retornos de A ou B aumentam com a ado-
menta com a proporção de x do mercado relativa a A. A ção de A ou B, respectivamente. O monopólio – atrela-
aplicação da Lei Forte AEK a um modelo rigoroso des- mento a uma única tecnologia – corresponde à distribui-
se mecanismo resulta em circunstâncias precisas sob as ção dos ganhos conduzida sobre a linha de 45°, nesse
quais os retornos informacionais crescentes permitem caso composto por duas tecnologias. (Assumimos que
a distribuição dos ganhos do adepto é limitada – isto é,
não forma uma cauda até o infinito em nenhuma dire-
17
Arthur, Ermoliev and Kaniovski, “Strong Laws for a Class of
Path-Dependent Urn Processes”, and “Path-Dependent Processes and the ção). Onde as tecnologias K concorrem, podemos usar a
Emergence of Macro-Structure”; W. B. Arthur, “Industry Location and Lei Forte AEK para mostrar que, onde não há teto para
the Importance of History”, Center for Economic Policy Research, Paper
84, Stanford, 1986; “Urban Systems and Historical Path-Dependence”, os retornos crescentes (de modo que os retornos aumen-
in Urban Systems and Infrastructure, ed. R. Herman and J. Ausube, tem sem limite à medida que as adoções aumentem),
NAS/NAE Volume, 1987.
18
Ver, por exemplo, P. David, “Some New Standards for the Economics of cedo ou tarde uma tecnologia deve, por meio do acú-
Standardization in the Information Age”, Paper 79, Center for Economic mulo de probabilidades, alcançar vantagem suficiente
Policy Research, Stanford, 1986.
19
Arthur, “Information, Imitation and the Emergence of Technological
de adoção para conduzir a distribuição dos adeptos “ao
Structures”. longo da linha”. Com retornos crescentes ilimitados, o
214     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

eventual monopólio por uma única tecnologia é, na ver- abrem mão de rendas futuras em prol das vendas atuais,
dade, inevitável.20 nenhuma empresa pode desejar estabelecer preços bai-
Porém, onde os retornos para a adoção aumentam, xos desde o início, nem conquistar os clientes naturais
mas são limitados, como quando os efeitos da aprendi- da outra. Nesse caso, o resultado seria um mercado
zagem esgotam-se, o monopólio não é mais inevitável. compartilhado.
A razão para isso é interessante. Nesse caso, certas se-
quências de tipos de adeptos poderiam oferecer retornos PADRÕES CONCORRENTES E O PAPEL
para ambas as tecnologias para cima, mais ou menos de DAS EXPECTATIVAS
maneira orquestrada. Essas tecnologias poderiam então
alcançar seus “tetos de retornos crescentes” juntas, com O termo padrão possui dois significados na literatura de
os ganhos do tipo de adepto ainda em torno da linha tecnologia: o de uma convenção ou código prático, tal
de 45o (como com ZAB na Figura 5) e, portanto, com como distribuir corrente alternada a 110 volts ou trans-
o mercado de adoção compartilhado a partir de então. mitir a 60 hertz, e o da tecnologia, método ou código
Mas outras sequências de chegada de adeptos podem que passa a predominar – que se torna um “padrão”.
empurrar a distribuição do ganho em toda a linha desde Os padrões no primeiro sentido – convenções – podem
concorrer quase como os métodos tecnológicos o fa-
o início. Como retornos crescentes para a adoção são
zem, por um mercado de partidários, usuários ou adep-
limitados, a conclusão geral é que algumas “histórias
tos. Os padrões concorrentes levantam questões um
eventuais” levarão dinamicamente a um mercado com-
tanto diferentes das tecnologias concorrentes.23 Tratarei
partilhado, a outras histórias, ao monopólio.21
aqui dos padrões apenas na medida em que coincidam
As condições exatas para o monopólio no caso da
com o nosso problema da dinâmica da adoção.
concorrência estratégica, em que as tecnologias existem
Com os padrões, a aprendizagem, as informações
como produtos patrocinados, ainda não são conhecidas.
e as externalidades da produção são menos importan-
Hanson22 explorou uma versão desse problema da IBM
tes, e as fontes principais de retornos crescentes são as
versus Apple, fundamentando-se no modelo básico de
externalidades da rede e possivelmente a inter-relação
retornos crescentes lineares. Ele assumiu que as empre-
tecnológica. Ambas as fontes conferirão benefícios se
sas podiam estabelecer o preço das tecnologias e, desse
os futuros adeptos seguirem junto com a sua escolha.
modo, manipular os ganhos da adoção em um mercado
Isso introduz algo ainda não considerado na nossa dis-
onde os adeptos heterogêneos chegavam aleatoriamen-
cussão: expectativas.
te. Hanson foi capaz de mostrar, nesse problema de duo-
Katz e Shapiro, em um artigo importante,24 conside-
pólio estocástico, que as empresas estabeleceriam pre-
ram uma versão estática do problema das “redes” con-
ços baixos no início para ganhar adeptos, possivelmente
correntes de padrões diferentes, na qual as “externali-
até mesmo assumindo perdas em uma queda de braço
dades da rede” decorrem em maior tamanho dessa rede.
pela participação de mercado. Se ambas as empresas
O tamanho das redes é determinado de antemão pelas
fossem suficientemente equilibradas para ficarem no empresas que dela passam a fazer parte. Para as em-
mercado sob essas circunstâncias, então, mais cedo ou presas, será compensador proporcionar grandes redes
mais tarde, a acumulação de acasos poderia conferir a se os adeptos em potencial esperarem que estas sejam
uma empresa vantagem de adoção suficiente para incli- grandes e, com isso, se comprometerem a escolhê-la.
nar o mercado em seu favor. Então, ela teria vantagem Portanto, se, antes da adoção, uma quantidade suficien-
suficiente para conseguir aumentar seu preço e obter te de agentes acreditar que a rede A terá uma grande
lucros pelo monopólio, ao mesmo tempo que manteria quota de adeptos, ela então assim o terá; mas, se uma
a outra empresa na margem contestável do mercado. quantidade suficiente de agentes acreditar que B terá
Com AEK, Hanson conseguiu detalhar certas condições uma quota grande, ela também o terá. Katz e Shapiro
sob as quais o monopólio por um produto de tecnologia mostraram que poderia haver múltiplos “equilíbrios de
exclusiva seria inevitável. Está claro, porém, que po- expectativas satisfeitas”, ou seja, múltiplos conjuntos
dem ser criadas condições onde os mercados também de quotas de adoção de rede que satisfaçam as expecta-
possam terminar compartilhados. Por exemplo, quan- tivas anteriores.
do os retornos crescentes são limitados e as empresas

23
Ver David, “Some New Standards for the Economics of Standardi-
20
Arthur, “Industry Location and the Importance of History”. zation in the Information Age”. Ver também J. Farrell and G. Saloner,
21
Ib. “Installed Base and Compatibility”, American Economics Review 76
22
W. Hanson, “Bandwagons and Orphans: Dynamic Pricing of Compe- (1986), pp. 940-55; “Standardization and Variety”, Economic Letters
ting Systems Subject to Decreasing Costs”, doctoral dissertation, Stan- (1986), pp. 71-74; and “Standardization Compatibility, and Innovation”.
ford, 1985. 24
“Network Externalities, Competition, and Compatibility”.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-8     215

Nesse modelo simples, porém importante, as expec- autoridades encaram o difícil problema de escolher quais
tativas são dadas e fixadas antes da ocorrência do pro- tecnologias jovens subsidiar ou em quais apostar. Isso
cesso de adoção. De forma mais realista, se a adoção produz uma versão do problema das múltiplas alavan-
não fosse instantânea, os adeptos em potencial pode- cas (no qual um jogador usa várias alavancas em uma
riam mudar suas expectativas à medida que as alternati- máquina caça-níqueis na tentativa de acertar qual delas
vas mudassem durante o processo de adoção em si. Uma tem a maior probabilidade de ganhar o grande prêmio).
formulação possível25 é supor que os agentes criam ex-
Cowan28 mostrou que, onde as autoridades centrais
pectativas no formato das crenças sobre o processo de
subsidiam as tecnologias com retornos crescentes com
adoção no qual estão inseridos. Ou seja, eles formam
probabilidades sobre os estados futuros do processo base em suas estimativas atuais de potencial futuro, o
de adoção – probabilidades que são condicionadas ao atrelamento às tecnologias inferiores é menos provável
número de adoções atuais das alternativas concorren- do que no caso da adoção descontrolada. Mas ainda é
tes. Assim, essas probabilidades, ou crenças, mudam e possível. Uma rodada antecipada de má sorte com uma
respondem à medida que o mercado de adoção muda. tecnologia potencialmente superior pode fazer com que
(Teremos um processo estocástico de equilíbrio satis- a autoridade central, de maneira perfeitamente racional,
feito se o processo de adoção efetivo que resulta da ação a abandone. Mesmo com o controle central, a fuga das
dos agentes nessas crenças acabar tendo probabilidades trajetórias tecnológicas inferiores não é garantida. Essa
condicionais que sejam idênticas ao processo em que se conclusão é importante para projetos como os da U. S.
acredita). Nesse modelo, se um padrão, ou tecnologia, Strategic Defense Initiative, em que excimer lasers ter-
ficar à frente por adoções ocasionais, sua maior pro- restres, armas de feixe de partículas, lasers de raio X,
babilidade de ser bem-sucedido no mercado de adoção veículos de orientação e outros dispositivos competem
ampliará mais as expectativas do seu sucesso. A análise
pelo subsídio do governo com base na promessa espe-
aqui confirma a conclusão básica de Katz e Shapiro.
rada no longo prazo. Onde há possível melhoria com o
As expectativas adaptativas ou dinâmicas agem para
desestabilizar ainda mais uma situação já instável: o desenvolvimento, é provável que haja a ocorrência do
atrelamento a posições de monopólio agora ocorre com atrelamento a um deles, no entanto, pode ser que não
mais facilidade. haja atrelamento a um projeto com potencial superior
a longo prazo.
QUESTÕES DE POLÍTICA Algumas vezes, pode ser desejável como opção de
política manter mais de uma tecnologia viva, para evitar
Vimos que, nas concorrências não controladas entre as problemas de monopólio (se a tecnologia for comer-
tecnologias, onde incidem efeitos de aprendizagem, ex- cializada) ou manter a “variedade de requisitos” como
ternalidades da rede ou outras fontes de retornos cres-
uma proteção contra mudanças no ambiente econômico
centes para a adoção, não há garantia de que a tecnolo-
ou contra futuras revelações de que a tecnologia não
gia mais apta – aquela com potencial superior no longo
prazo – sobreviverá. é segura (como ocorreu com as tecnologias da energia
Quando uma autoridade central com informações nuclear no acidente de Chernobyl). Há ainda a questão
completas sobre os retornos futuros para as trajetórias do uso de subsídios oportunos para evitar que o proces-
alternativas de adoção conhece o potencial de uma de- so de adoção derrube e afaste tecnologias que ainda não
terminada tecnologia, ela pode, é claro, influenciar o foram avaliadas. Entretanto, sua estrutura – de estabili-
mercado em favor dessa tecnologia. O momento, natu- zar artificialmente um processo dinâmico naturalmente
ralmente, é crucial aqui:26 nas palavras de Paul David, instável – é um padrão na teoria estocástica de feedback
existem apenas “janelas estreitas” nas quais a política de controle.
seria efetiva.27
Frequentemente, não fica claro quais tecnologias
ALGUMAS QUESTÕES DE PESQUISA
têm potencial mais promissor, de antemão. Então, as
Algumas questões de pesquisa em aberto ou parcial-
mente resolvidas já foram mencionadas. Além dessas,
25
W. B. Arthur, “Competing Technologies and Lock-in by Historical há pelo menos três classes de problemas importantes
Events: The Dynamics of Allocation under Increasing Returns”, revisado
do trabalho de 1983, como Center for Economic Policy Research, Paper 43, que se beneficiariam de estudos futuros.
Stanford, 1985.
26
Arthur, “Competing Technologies and Lock-in by Historical Events”.
27
“Some New Standards for the Economics of Standardization in the
Information Age”. “Backing the Wrong Horse”.
28
216     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Modelos de repactuação detalhados da dinâmica real, escolha a escolha, das con-


No caso de a fonte de retornos crescentes ser a aprendi- corrências tecnológicas. Nas concorrências de destaque
zagem por meio do uso, haveria poucas mudanças nos como as que ocorrem entre reatores nucleares, poderia
resultados se os adeptos pudessem entrar novamente na ser possível reunir um relato completo da sequência de
fila e mudar sua escolha em uma data futura. Na apren- adoção e dos eventos que a acompanharam. Isso per-
dizagem, o que conta é o número anterior de adoções mitiria a identificação e a estimação dos parâmetros da
de uma tecnologia, não o fato de um agente escolher dinâmica estocástica de um caso real em vez de teórico.
uma segunda vez.29 Quando a fonte se encontra nas ex-
Concorrência tecnológica geográfica
ternalidades da rede, os resultados mudariam substan-
cialmente. Nesse caso, com os agentes mudando suas Uma das características marcantes da literatura clássica
preferências ocasionalmente, bem como se esforçando de difusão da tecnologia35 é a sua preocupação com a
para seguir junto com a alternativa mais prevalente, a dimensão geográfica – com o fato de que uma tecnolo-
repactuação ou a mudança de opção ocorreria à medida gia se difunde no espaço e no tempo. No problema das
que as adoções se acumulassem e poderia continuar mes- tecnologias concorrentes, a difusão geográfica natural-
mo quando o mercado estivesse com seu tamanho sa- mente estaria presente. Ela se tornaria particularmente
turado. Teríamos, então, algo semelhante a uma versão importante se os retornos para a adoção fossem afetados
estocástica do modelo de Farrel e Saloner.30 A diferença pelas escolhas dos vizinhos. Esse foi o caso, historica-
importante em relação aos nossos modelos anteriores é mente, nas concorrências entre as bitolas de ferrovia,36
que, com as “mortes” e os “nascimentos” das adoções em que era vantajoso adotar uma bitola utilizada pe-
permitidas, os incrementos à posição de participação de las ferrovias vizinhas. A dinâmica geográfica das con-
mercado tenderiam a ser de uma ordem de grandeza corrências na tecnologia ainda não foi explorada. Mas
constante. Os processos de adoção com repactuação elas se assemelham ao bem conhecido modelo Ising na
tenderiam, portanto, a convergir na distribuição, com física e aos modelos de eleitor na teoria das probabi-
equilíbrio pontuado possivelmente na forma de longas lidades, em que dipolos e eleitores, respectivamente,
jornadas próximo ao monopólio de uma tecnologia as- são influenciados pelos estados dos seus vizinhos mais
sociada à passagem intermitente do monopólio de uma próximos.37 Aqui, podem surgir agrupamentos geográ-
tecnologia associada diferente. Esse tipo de estrutura ficos de localidades atreladas a tecnologias diferentes,
tem contrapartidas na genética, na sociologia e na ter- com a estrutura de adoção no longo prazo dependendo
modinâmica.31 Mas ainda não foi estudada no contexto crucialmente dos mecanismos particulares de retornos
da tecnologia. crescentes em ação.

Estudos empíricos CONCLUSÃO


Até agora, temos dois excelentes estudos históricos so- Na literatura clássica sobre economia da tecnologia,
bre o conjunto de eventos e fontes variadas de retornos uma tecnologia nova e superior concorre para substituir
crescentes que levaram ao domínio do teclado Qwerty32 uma antiga e inferior. Nessa nova literatura, duas ou
e da corrente alternada.33 Na maioria dos usos atuais, a mais tecnologias superiores concorrem entre si, possi-
corrente alternada parece ser superior à alternativa da velmente para substituir uma tecnologia antiquada. A
corrente contínua. O teclado Qwerty, porém, pode ser concorrência assume uma forma mais forte. No proble-
ligeiramente inferior ao teclado alternativo, o Dvorak. ma das tecnologias concorrentes, a teoria que surge é a
Norman e Rumelhard34 consideram o Dvorak 5% mais da alocação não convexa. Existem múltiplos equilíbrios
veloz. Ainda faltam, no entanto, mais estudos empíricos – muitos resultados possíveis de quota de adoção no
longo prazo. A acumulação de pequenos eventos alea-
tórios conduz o processo de adoção para o domínio de
29
A chegada dos agentes, no caso de adeptos pela segunda vez, poderia, um desses resultados, não necessariamente o mais de-
no entanto, depender da sequência de chegada anterior.
30
“Standardization, Compatibility, and Innovation”. sejável. A vantagem dos retornos crescentes que reverte
31
H. Haken, Synergetics (Berlin: Springer, 1978); W. Weidlich and G.
Haag, Concepts and Models of a Quantitative Sociology (Berlin: Sprin-
ger, 1983).
32
P. David, “Clio and the Economics of Qwerty”, American Economic 35
Griliches, “Hybrid Corn: An Exploration in the Economics of Techno-
Review, Proceedings 75 (1985), pp. 332-37. logical Change”, Econometrica 25 (1957), pp. 501-22; P. David, “Clio
33
P. David and J. Bunn, “The Battle of the Systems and the Evolutionary and the Economics of Qwerty”.
Dynamics of Network Technology Rivalries”, mimeo, Stanford, 1987. 36
D. Puffert, “Network Externalities and Technological Preference in the
34
D. Norman and D. Rumelhart, “Studies of Typing from the LNR Rese- Selection of Railway Gauges”, dissertação de doutorado, Stanford, 1988.
arch Group”, in Cognitive Aspects of Skilled Typewriting, ed. W. Cooper 37
T. Liggett, “Interacting Markov Processes”, in Lecture Notes in Bio-math
(Berlin: Springer, 1983). 38 (Berlin: Springer, 1979).
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     217

esses direitos são concedidos ao abrigo de di-


para a tecnologia que atinge a dominância a mantém
reitos legais, tais como as patentes e os direitos
atrelada à sua posição dominante.
autorais descritos na Constituição e ampliados
Indiquei que as tecnologias concorrentes são exem-
pelo Congresso. Os microprocessadores e os fil-
plos de sistemas de auto-organização, de ordem por meio
mes são considerados PI e seus direitos de pro-
da flutuação. Elas também são exemplos de sistemas
priedade estão sujeitos à proteção legal; também
evolucionário, apesar de os mecanismos serem bem di-
são considerados PI os programas de computa-
ferentes daqueles apontados por Nelson e Winter.38 Onde
dor, as fotografias, as pinturas, as esculturas e até
as tecnologias concorrentes possuem retornos crescentes
mesmo os camundongos alterados geneticamente. As
para a adoção, uma tecnologia pode exercer a exclusão
leis da PI se destinam a equilibrar os direitos do in-
competitiva sobre as demais; se ela tiver uma grande pro-
ventor e do autor com as necessidades da sociedade.
porção de adeptos naturais, terá uma vantagem selecio-
Elas foram elaboradas para promover a criatividade
nal; e a importância dos eventos iniciais resultará em um
sem restringir indevidamente a disseminação dos
mecanismo de efeito fundador* similar ao da genética.
seus frutos.
A imagem dinâmica resultante da economia de lon-
Os conceitos de direitos de PI remontam ao século
go prazo é menos parecida com uma esfera rolando
XIII. A primeira patente registrada foi concedida em
suavemente em uma superfície plana, com seu ponto de
1421. No século XVI, a lei inglesa começou a reconhe-
contato com o chão único e sempre mudando, e mais
cer as proteções dos direitos autorais. Embora os pre-
parecida com uma centopeia cambaleando por uma en-
ceitos dos direitos de PI sejam antigos e amplamente
costa. Onde as tecnologias concorrem, os padrões – es-
aceitos, eventos recentes os colocaram no noticiário.
truturas de adoção da tecnologia – ficam atrelados. Mas,
Por exemplo, a loja virtual Amazon.com recebeu uma
como o tempo passa e surgem novas concorrências tec-
controversa patente de processo por sua característica
nológicas, os padrões antigos são mudado se reforma-
de pedido em “1-click”, na qual um pedido é processa-
dos, e, no devido tempo, um novo padrão é atrelado.
do com um único clique do mouse.1 Sob uma série de
À medida que isso acontecer, poderá haver limites
novas leis e propostas, introduzidas ou promulgadas no
teóricos, bem como práticos, para a previsibilidade do
final dos anos 1990 nos Estados Unidos, o Congresso
futuro econômico.
ampliou os termos da proteção do direito autoral para
certas classes de PI e tornou ilegais certas tecnologias
A rtigo 2 - 9
que permitiam o logro das garantias de direitos autorais.
Outras mudanças estavam tramitando pelo Congresso
Encontrando o equilíbrio: propriedade nessa época.
intelectual na era digital** A maioria das indústrias, e particularmente os seto-
res de alta tecnologia e entretenimento, baseia-se nos
Philip Meza e Robert A. Burgelman
direitos de PI para proteger investimentos gigantescos
necessários para criar produtos como software, filmes
INTRODUÇÃO e música. No entanto, as empresas de alta tecnologia,
A propriedade intelectual (PI) é protegida por várias como os fabricantes de PC, desenvolvedores de software
formas de direitos de propriedade. Nos Estados Unidos, e empresas de entretenimento como os estúdios de cine-
ma e as gravadoras, viam-se cada vez mais em conflito
entre si sobre tentativas de modificar as leis de PI – par-
ticularmente os direitos autorais – para dar conta dos
*
N. de. T.: Em genética populacional, o efeito fundador é a perda de va-
riação genética que ocorre quando uma nova população é criada por um riscos de pirataria e das oportunidades de distribuição
número muito pequeno de indivíduos de uma população maior. fácil da propriedade pirateada resultante da digitalização
**
Fonte: Philip Meza preparou essa nota em parceria com o professor
Robert A. Burgelman como base para uma discussão em sala de aula, e de conteúdo e da internet. Com o fantasma da pirataria
não para exemplificar o tratamento efetivo ou pouco efetivo de uma situa- de cópias perfeitas facilitadas pelas tecnologias digitais
ção administrativa. Os autores agradecem a Reuben Chen (J.D. 2003) as
contribuições para essa nota. Copyright © 2003 by the Board of Trustees
of the Leland Stanford Junior University. Todos os direitos reservados.
Para solicitar cópias ou permissão para a reprodução do material, envie
um e-mail para o Case Writing Office em cwo@gsb.stanford.edu ou es-
creva para Case Writing Office, Stanford Graduate School of Business,
1
A Amazon.com começou a oferecer a funcionalidade 1-click em se-
518 Memorial Way, Stanford University, Stanford, CA 94305-5015. Ne- tembro de 1997 e recebeu uma patente por ela em setembro de 1999. A
nhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em um empresa processou a rival Barnesandnoble.com em outubro de 1999 por
sistema de recuperação, usada em uma planilha ou transmitida de qualquer violação de patente sobre o processo de compra em um único clique. Em
forma ou por qualquer meio – eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação dezembro de 1999, a Amazon.com obteve uma liminar que obrigou a sua
ou outros – sem a permissão da Stanford Graduate School of Business. concorrente a adotar um sistema de dois cliques, mas a liminar foi anu-
38
R. Nelson and S. Winter, An Evolutionary Theory of Economic Change lada em fevereiro de 2001. Em março de 2002, ambas as partes chegaram
(Harvard, MA: The Belknap Press of Harvard University Press, 1982). a um acordo não revelado fora dos tribunais.
218     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

e pelo acesso à internet banda larga, os produtores de proteção de patente; filmes e gravações musicais ge-
conteúdo foram lentos para adotar os canais de distri- ralmente se beneficiam dos direitos autorais; os nomes
buição digital e procuram fechar aqueles, tal como o comerciais, as logomarcas e os designs comerciais são
popular serviço de troca de arquivos Napster, que surgi- protegidos pelas marcas registradas. Esses veículos são
ram no vácuo. Os produtores de conteúdo fizeram lobby muito importantes para seus proprietários. Em 1998,
no Congresso e exigiram uma série de procedimentos as receitas do licenciamento de patentes ultrapassaram
legais capazes de inibir os problemas relacionados à US$ 100 bilhões em todo o mundo.2 Segundo um gru-
digitalização e internet: extensões para os direitos au- po comercial, a indústria norte-americana do direito
torais, algoritmos e programas para a quebra das prote- autoral (publicação de livro e música, produção cine-
ções contra cópia ilegal em CDs e DVDs, e a obrigação matográfica, transmissão de rádio e TV, e desenvolvi-
de os fabricantes de dispositivos (PCs, PDAs, etc.) cria- mento de software) contribui com US$ 535,1 bilhões
rem sistemas de detecção de pirataria nesses dispositi- ou 5,24% do produto interno bruto (PIB) dos Esta-
vos para inibir a cópia. dos Unidos, com vendas e exportações estimadas em
A mídia digital (legítima e outras) foi um dos US$ 88,97 bilhões em 2001.3
poucos pontos brilhantes para as empresas de alta
tecnologia no meio de uma profunda e demorada re- Patentes
cessão. Essas demandas deixaram os fabricantes de
A patente confere a um inventor o direito de impedir que
computadores e componentes, como microprocessa-
outras pessoas produzam ou utilizem a sua descoberta
dores, os desenvolvedores de software e outros num
ou invenção por um tempo estabelecido. A primeira pa-
dilema. Os consumidores não gostaram de muitas das
tente de verdade foi emitida em 1421 pela República
tecnologias antipirataria promovidas pelas empresas
de Florença, na Itália renascentista. O beneficiário foi
de mídia, porque muitas vezes elas restringiam o uso
legal (bem como ilegal) das tecnologias. As empresas o arquiteto e inventor Filippo Brunelleschi pelo projeto
de alta tecnologia temiam a intromissão do governo, da sua embarcação utilizada para transportar mármore
que passaria a legislar sobre as tecnologias que elas branco destinado ao famoso Duomo de Florença.4 Vinte
poderiam ou não comercializar. Muitas achavam que e oito anos depois, na Inglaterra, em 1449, foi conce-
a mídia digital poderia proporcionar serviços atraentes dido a John of Utynam um monopólio de 20 anos para
(a killer app),* que impulsionariam as vendas de dispo- o seu processo de fabricação de vidro até então desco-
sitivos e promoveriam a absorção da banda larga. As nhecido naquele país. Em troca do seu monopólio, John
questões sobre a proteção da PI poderiam promover ou of Utynam teve que ensinar o seu processo aos ingle-
inibir a mídia digital. Como esses complementadores ses nativos. Essa mesma função de passar adiante as
colocaram-se em posição de defesa, bilhões de dólares informações agora é cumprida pela publicação de uma
destinados ao futuro da mídia e da tecnologia estavam especificação da patente.5
em jogo. Em troca do direito de impedir que outras pessoas
usem, criem ou vendam sua criação, um inventor revela
TIPOS DE DIREITO SOBRE A PROPRIEDADE os detalhes da invenção patenteada. Uma vez emitidas,
INTELECTUAL as patentes tornam-se registro público. A não revelação
dos detalhes que dizem respeito à invenção pode resul-
As três formas mais conhecidas de direitos sobre a PI tar em uma patente inválida. Nos Estados Unidos, as
são as patentes, os direitos autorais e as marcas regis- leis de patentes foram promulgadas pelo Congresso sob
tradas. Cada uma delas protege tipos diferentes de PI a Constituição: “Para promover o progresso da ciência
por vários períodos. Alguns tipos de PI beneficiam-se e das artes úteis, assegurando aos autores e inventores,
da proteção do direito de propriedade em mais de um por tempo limitado, o direito exclusivo sobre seus res-
desses veículos; por exemplo, para alguns programas de
pectivos escritos e descobertas”.
computador, são concedidos direitos autorais e paten-
tes. No entanto, a maioria das formas de PI é protegida
sob um ou outro desses meios. 2
Kevin G. Rivette and David Kline, Rembrandts in the Attic: Unlocking
O tipo de PI determina a forma de proteção legal. the Hidden Value of Patents, Harvard Business School Press (Boston:
Invenções e processos novos podem se beneficiar da 1999), p. 5.
3
Press Release, “IIPA Economist Study Reveals Copyright Industries
Remain a Driving Force in the U. S. Economy”, 22 April 2002, http://
www.iipa.com.
4
Donald S. Chisum, Principles of Patent Law: Cases and Materials,
N. de. T.: Aplicação que torna uma tecnologia irresistível para o
*
Foundation Press (2001), 2nd ed., p. 10.
mercado. 5
http://www.derwent.com/patentfaq/history.html.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     219

Para ser patenteada, uma invenção tem que ser nova, • Composições de matéria: entidades físicas em que a
útil e não ser de natureza óbvia. O Escritório de Patentes substância em si é o elemento importante, tais como
e Marcas Registradas dos Estados Unidos (The United composições químicas, misturas de ingredientes e novos
States Patent and Trademark Office – Uspto), a agência compostos químicos.
federal encarregada de administrar as leis de patentes, As patentes de design protegem o design novo,
não conferirá uma patente sobre uma invenção que te- original e ornamental de um artigo de manufatura. As
nha sido publicamente utilizada ou disponibilizada para patentes de plantas protegem aqueles que descobrem e
venda por qualquer pessoa, incluindo o inventor, mais reproduzem assexuadamente qualquer variedade distin-
de um ano antes de o inventor ter preenchido a requi- ta e nova de planta.
sição da patente. As invenções idênticas ou similares Em uma mudança importante para as empresas de
que outras pessoas revelem publicamente em qualquer tecnologia da informação, em 1981, a Suprema Corte
parte do mundo antes de o inventor requerer a patente, dos Estados Unidos considerou que as invenções rela-
conhecidas como “arte prévia”, podem impedir o cria- cionadas ao software poderiam estar sujeitas à proteção
dor de obter a proteção da patente por não se tratar de da patente. Antes dessa decisão, o software havia sido
produto novo. excluído do patenteamento porque o processo de execu-
A invenção deve ser útil para algum propósito. No ção da função do programa envolvia algoritmos mate-
entanto, uma invenção não precisa ter potencial co- máticos subjacentes que eram considerados não paten-
mercial para ser considera útil. Uma patente dá ao seu teáveis. O software usa um processo não físico e opera
proprietário o direito de impedir que outras pessoas eletronicamente por meio da utilização de algoritmos
produzam, usem ou vendam a invenção específica nos que controlam o resultado do programa de computador.
Estados Unidos. Ela não confere o direito de realmente Os algoritmos matemáticos têm uma aplicação funcio-
usar a invenção. Algumas vezes, o uso é bloqueado pela nal nos programas de computador e, portanto, podem
necessidade de empregar outras tecnologias ou máqui- ser protegidos pela Lei de Patentes.
nas que já são patenteadas por terceiros. Tais situações Nem tudo pode ser patenteado, contudo. As ideias
abstratas, os processos mentais, as leis da natureza e os
são resolvidas muitas vezes pela comercialização de li-
fenômenos físicos estão isentos de patente. Por exem-
cenças de patentes.
plo, Charles Darwin não poderia ter patenteado sua teoria
Uma invenção considerada óbvia é privada da prote-
da evolução, e Albert Einstein não precisou incomodar
ção da patente. Para determinar se uma invenção é não
o escritório de patentes com a sua fórmula para a teoria
óbvia, os examinadores de patentes levam em conta se,
da relatividade; não se pode patentear um mineral ou
“à luz dos produtos, processos ou projetos similares co-
uma planta descobertos na natureza. Os trabalhos lite-
nhecidos, uma pessoa com habilidade comum (mas não
rários, dramáticos, musicais ou artísticos não podem ser
com habilidade extraordinária) que trabalha no campo
patenteados, mas estão sujeitos normalmente à proteção
relacionado com a invenção do inventor considera ób-
dos direitos autorais. (Ver adiante.)
vias as diferenças entre a invenção e os produtos, pro-
Desde os tempos dos fundadores da República dos
cessos ou projetos similares?”.6
Estados Unidos, as patentes foram emitidas normalmen-
Existem três tipos de patentes emitidas nos Estados
te por um período não renovável de 17 anos, a partir da
Unidos: utilidades, designs e plantas. As patentes de
data de emissão. Sob uma recente alteração motivada
utilidades são as mais comuns e cobrem quatro tipos
pelo Agreement on Trade-Related Aspects of Intellec-
gerais de invenções ou descobertas: tual Property (Trips) acompanhando a Rodada do Uru-
• Processos: tais como procedimentos industriais ou técni- guai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General
cos, métodos de fazer negócios e software (ver adiante). Agreenent on Tariffs and Trade – Gatt), os termos das
• Máquinas: combinações de elementos mecânicos e elé- patentes foram ampliados para 20 anos, contados desde
tricos, incluindo sistemas de computador com propósito a data da solicitação.
especial, mesmo se forem dinamicamente configurados Cada solicitação de patente por uma alegada in-
por software a partir de um computador de propósito geral. venção é avaliada por um examinador que determina
• Artigos de manufatura: itens tangíveis, artificiais ou se ela tem direito a uma patente. No passado, era exi-
manufaturados, incluindo, geralmente, todos os pro- gido um modelo como parte da solicitação da patente;
dutos não considerados “máquinas” ou composições atualmente, na maioria dos casos, é necessária apenas
de matéria; eles podem incluir um CD-ROM ou outra uma especificação detalhada.7 Se uma solicitação for
implementação física de um software.

7
Alguns desses modelos aparecem em feiras de antiguidades por todo o
6
http://www.chillingeffects.org/patent/faq.cgi. país e foram apresentados na série de TV Antiques Roadshow da PBS.
220     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

rejeitada, a decisão pode ser objeto de recurso ao Con- IBM a custos mais baixos, enquanto a IBM licenciava
selho de Apelação do Escritório de Patentes, com um algumas das patentes de processos da Dell.8 Sobre o
exame posterior ou alternativo do Tribunal de Ape- valor das patentes para a empresa, o diretor de pro-
lações dos Estados Unidos na esfera Federal, ou no priedade intelectual da Dell e diretor jurídico adjunto,
Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Henry Garrana, afirmou: “Esta é a nossa inovação – to-
de Colúmbia, e mais adiante para o Supremo Tribunal camos a fábrica, o nosso sistema de pedidos permite
que os clientes configurem seus PCs, qualquer que seja
norte-americano.
o hardware ou software escolhido por eles, e assesso-
Uma patente concedida poderá ser revogada se exis-
ramos os clientes em relação ao envio – e pretendemos
tir algum elemento que demonstre que a invenção não protegê-la”.9
era nova ou era óbvia no momento da solicitação. Por
exemplo, jornais ou publicações comerciais que descre- Direitos autorais
vam aspectos da invenção patenteada podem ser o sufi- Em comparação com as patentes, o direito autoral ofe-
ciente para estabelecer o conhecimento prévio e, assim, rece uma forma menos restritiva – porém muito mais
invalidar a patente. duradoura – de proteção da PI. O direito autoral protege
Alguns desenvolvedores de software e outras em- a maneira particular em que um trabalho, tal como um
presas procuraram e receberam patentes de métodos de poema, filme ou programa de computador, é expres-
negócios em software. Tais patentes impedem que ou- sado. Os primeiros estatutos do direito autoral inglês
tras empresas criem, usem ou vendam programas que foram promulgados no século XVI. Em 1710, o Parla-
executem o mesmo processo ou função do programa mento da Inglaterra aprovou o Estatuto de Anne, que
concedia aos trabalhos publicados após 10 de abril de
patenteado, mesmo que seja utilizado um código subja-
1710 um termo de direito autoral de 14 anos a contar
cente diferente. Muitas dessas patentes de métodos de
da data de publicação e um termo adicional de 14 anos
negócio são controversas porque concedem a proteção se o autor sobrevivesse ao termo original. Os trabalhos
da patente a processos de negócio, tais como leilões publicados antes de 10 de abril de 1710 receberam um
reversos pela internet (e-Bay) ou processos fáceis de termo de direito autoral de 21 anos a partir daquela data.
compra on-line com “1-click” (Amazon.com), que, se- Após a independência dos Estados Unidos, a Consti-
gundo os críticos, não são novos. tuição norte-americana concedeu ao Congresso o poder
Para algumas empresas, os processos de negócio – federal sobre o direito autoral.
que podem ser patenteados – eram muito mais valiosos O direito autoral protege apenas a representação fí-
do que os produtos que manufaturavam. Por exemplo, sica de um determinado trabalho, e não ideias, concei-
a Dell Computers monta PCs em um regime “sob en- tos, procedimentos, processos ou métodos de operação
comenda” que permite que os clientes configurem os que estejam por trás dessa representação. Por exemplo,
computadores comprados na internet ou com o auxílio embora o Mickey Mouse da Disney seja protegido pelo
direito autoral (e outros dispositivos legais), a ideia em
de um representante da Dell pelas linhas de telefone
si de um roedor amante da diversão não está sujeita
com discagem gratuita. Segundo a empresa, grande par-
ao direito autoral. No caso NEC Corp. vs. Intel Corp.,
te do sucesso da Dell é proveniente não apenas dos seus em que a NEC procurou obter a invalidação dos direi-
produtos, que eram basicamente mercadorias comuns, tos autorais da Intel sobre os seus processadores 8086
mas também de suas patentes em modelos de produ- e 8088 e em que esta também processou a primeira por
ção em fluxo contínuo, configuração e atendimento ao violação de direito autoral, um tribunal concluiu que
cliente da empresa. Em 2003, a Dell possuía mais de os microcódigos (instruções para executar funções de
80 patentes sobre o seu modelo de vendas diretas por processamento específicas e que não são endereçáveis
encomenda, cobrindo o seu sistema on-line de pedido via programação) podem ser protegidos pelo direito
configurável pelo cliente, que era integrado nas opera- autoral, mas os microcódigos alternativos que não se-
ções de produção, estoque, distribuição e atendimento jam substancialmente similares não violam, apesar de
ao cliente da empresa. Essas patentes não apenas im- algumas de suas sub-rotinas poderem ser similares por-
pediam os pretensos concorrentes com montagem sob
encomenda, mas também ajudaram a Dell a garantir um 8
David Kline, “The Best Offense Is a Pit Bull Patent Lawyer”, Busi-
melhor preço dos componentes. Em 1999, a Dell e a ness 2.0, June 2000. “IBM, Dell Announce $ 16 Billion Technology
Agreement, Believed to Be Largest Industry OEM Agreement Ever”,
IBM anunciaram um acordo de licença cruzada avalia- Joint Dell-IBM Release, March 4, 1999.
do em US$ 16 bilhões. A Dell recebia componentes da 9
Rembrandts in the Attic: Unlocking the Hidden Value of Patents, p. 35.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     221

que suas ideias fundamentais eram simples e capazes nha, Noruega e Suécia concederam direitos perpétuos.
apenas de uma gama limitada de expressões.10 Portan- Em 1909, o Congresso norte-americano ampliou o pe-
to, os microcódigos da Intel eram um assunto adequado ríodo inicial do direito autoral e o prazo de renovação
para o direito autoral, mas a NEC não violou tais direitos para 28 anos.
porque seus microcódigos não eram substancialmente Depois de uma série de breves ampliações na primei-
similares. O proprietário do direito autoral tem o direito ra metade do século XX, o Congresso aprovou a Lei do
de impedir que outras pessoas façam cópias literais não Direito Autoral de 1976, promulgando um prazo para a
autorizadas do trabalho protegido, mas não pode impedi- vida do autor por mais 50 anos para trabalhos criados ou
-las de criar de forma independente trabalhos que contem publicados após 1º de janeiro de 1978. Isso tornou os pra-
histórias similares, como no caso de romances ou filmes, zos dos direitos autorais nos Estados Unidos congruentes
ou realizar as mesmas funções, como no caso do softwa- com a Convenção de Berna para a Proteção de Obras
re. Assim, embora o programa pioneiro de planilha ele- Artísticas e Literárias, um tratado de direitos autorais que
trônica Visicalc usufruísse da proteção do direito autoral, começou em 1886, ao qual os Estados Unidos aderiram
outros tiveram liberdade para desenvolver software que em 1989. Hoje, os direitos autorais norte-americano e eu-
realizasse funções similares. ropeu, sob os auspícios da Convenção de Berna, valem
A fim de ser protegido por direitos autorais, um tra- por 70 anos após o fim da vida do autor. No caso dos
balho deve ser “fixado” ou registrado em algum forma- “trabalhos feitos por contratação”, o direito autoral tem
to e deve ser original, ou seja, criado independentemen- a validade de 95 anos a partir do ano da sua primeira
te pelo seu autor. A proteção do direito autoral começa publicação ou de 120 anos a partir do ano da sua criação,
logo que o trabalho original é fixado em um meio de o que expirar primeiro.12 Os direitos autorais são trans-
expressão tangível. Os criadores podem registrar seus feríveis como propriedade, a critério de seu dono. Em
trabalhos no Escritório de Direitos Autorais dos Estados alguns casos, porém, o real criador não é considerado o
Unidos, mas não é necessário obter proteção de direitos autor da obra para efeito de direito autoral. A obra que for
autorais completa. Um trabalho não precisa ser novo criada por um funcionário de uma empresa é considerada
(ou seja, anteriormente desconhecido) ou mesmo legíti- “trabalho contratado” e o empregador é considerado o
mo para ser protegido pelo direito autoral. Por exemplo, autor da obra para efeito de direitos autorais.13
o fato de um juiz federal concluir que o serviço de com- Nos Estados Unidos, o software ficou sujeito à
partilhamento de arquivos Napster é ilegal não invalida proteção dos direitos autorais depois que o Congresso
o direito autoral usufruído pela empresa em seu software. aprovou a Lei dos Direitos Autorais de 1976. Antes
Até mesmo os trabalhos obscenos podem usufruir da dessa lei, não se sabia com precisão se a lei dos direi-
proteção do direito autoral.11 tos autorais poderia proteger o software. Essa incerte-
O direito autoral é concedido comumente ao criador za resultou do fato de que as instruções funcionais e
ou aos criadores de um trabalho para a vida do autor. as ideias – o coração de um programa de computador
Nos Estados Unidos, com a primeira Lei de Direitos – não estão sujeitas ao direito autoral porque não satis-
Autorais em 1790, os termos iniciais do direito autoral fazem os requisitos mínimos de direito autoral sobre a
foram fixados em um prazo de 14 anos. A lei de 1790 criatividade. As decisões da justiça desde os anos 1980
também estabeleceu que, se o autor sobrevivesse ao e a orientação do Congresso levaram à inclusão dos
prazo inicial, ele ou seus executores, administradores programas de computador e dos bancos de dados sob
ou procuradores poderiam renovar o direito autoral por a lei dos direitos autorais.
mais 14 anos. Leis de direitos autorais subsequentes
ampliaram os prazos da proteção. Em resposta às am-
pliações do direito autoral promulgadas na Inglaterra, 12
Ver Copyright Act § 303.
13
Um caso judicial interessante decidido em agosto de 2002 envolveu
o Congresso aprovou a Lei dos Direitos Autorais de muitos dos elementos do direito autoral. Um juiz federal determinou que
1831, que aumentou o prazo do direito autoral para 28 a propriedade dos direitos autorais de 70 balés criados pela famosa coreó-
anos, com possibilidade de renovação por mais 14 anos, grafa Martha Graham, entre 1926 e 1991, pertenciam ao Martha Graham
Center e não à sua herdeira designada. O Martha Graham Center fez a
igualando a ampliação do direito autoral concedida pelo reivindicação porque Graham era sua funcionária, as danças que ela criou
Parlamento. Em resposta a essas ações, a França am- quando ela tinha esse status, de 1956 a 1991, eram “trabalho contratado”
e pertenciam ao centro. O juiz concordou. Na determinação, o juiz con-
pliou seus prazos de direito autoral para a vida do autor cluiu que dez das danças contestadas (incluindo o famoso balé de 1944,
por mais 50 anos, e a Rússia, por mais 20 anos. Alema- Appalachian Spring) pertenciam ao domínio público e cinco pertenciam
a organizações de comissionamento individuais. Em nove dos balés, o
juiz determinou que nem o Centro e nem a herdeira designada haviam de-
monstrado se essas danças haviam sido “publicadas” (fixadas) na forma
NEC Corp. v. Intel Corp., 10 U.S.P.Q.2d (BNA) 1177 (N.D. Cal. 1989).
10
de vídeos ou filmes disponíveis para o público, com o comunicado de
Mitchell Brothers Film Group v. Cinema Adult Theater, 604 F.2d 852
11
direito autoral devidamente incluído, e, portanto, não estavam sujeitos à
(5th cer. 1979), Cert. Denied, 445 U.S. 917 (1980). proteção dos direitos autorais.
222     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Quando um direito autoral é concedido, o autor re- Os direitos de propriedade da marca registrada proí-
cebe um monopólio temporário da criação original, o bem que outras pessoas vendam bens ou serviços sob o
qual assume a forma de seis direitos nas áreas em que o mesmo nome ou algum nome confusamente similar. No
autor detém o controle exclusivo: entanto, a proteção da marca registrada permite tipos de
(1) de reprodução (ou seja, cópia), “uso justo”, incluindo a comparação de produtos e, de
(2) de criar trabalhos derivados, modo similar ao direito autoral, a crítica, a reportagem
(3) de distribuição. no noticiário e a paródia. O advento da internet trou-
(4) de desempenho, xe controvérsias sobre a marca registrada relacionadas
(5) de exibição e com a web, tais como os “posseiros cibernéticos” que
(6) à transmissão digital. registram nomes idênticos ou similares bem conhecidos
com a ideia de vendê-los a preços altos para o proprietá-
O direito autoral protege os dois primeiros direitos rio da marca registrada ou a outras partes interessadas.
tanto no contexto privado quanto no público, enquanto Alguns sites usam nomes de marcas bem conhecidas
apenas um autor pode restringir os últimos quatro di- nas meta-tags das suas páginas, de modo que os me-
reitos na esfera pública.14 Quaisquer violações a esses canismos de busca direcionarão equivocadamente os
direitos de propriedade são consideradas violação dos usuários para esses sites.
direitos autorais.
Existem limitações aos direitos de propriedade trans- Segredos comerciais
mitidos pelo direito autoral. A exceção mais destacada é Um segredo comercial é a informação de qualquer tipo
abrangida pelo “uso justo”. A doutrina do uso justo per- que seja valiosa para o seu proprietário, não seja ge-
mite a reprodução e o uso de material protegido por direi- ralmente conhecida e tenha sido mantida em segredo
to autoral com objetivos de crítica, paródia, reportagens por seu criador. Os segredos comerciais são protegidos
de noticiário, bem como ensino e pesquisa.15 Os limites apenas por leis estaduais. O Uniform Trade Secrets Act,
do uso justo têm sido frequentemente contestados nos que atua em vários Estados norte-americanos, define
tribunais. Outra limitação é a doutrina da primeira venda.
os segredos comerciais como “informações, incluindo
Ao abrigo dessa disposição, a propriedade de uma cópia
uma fórmula, padrão, compilação, programa, dispositi-
física de um trabalho protegido por direito autoral, como
vo, método, técnica ou processo que derive valor eco-
um livro ou disco, permite uma gama de atividades,
nômico independente por geralmente não ser conheci-
como emprestar o item, revendê-lo, eliminá-lo, destruí-
do, não ser prontamente determinável e estar sujeito a
-lo e assim por diante, mas não permite a cópia integral
esforços razoáveis para manter o sigilo”. O conceito de
dele. Isso ocorre porque a transferência da cópia física
segredos comerciais remonta à antiga lei romana, que
não inclui a transferência do direito autoral para o tra-
punia as pessoas que induzissem os trabalhadores a di-
balho. Essa doutrina será contestada pela legislação pro-
vulgar segredos pertinentes às atividades comerciais
posta cujo objetivo é combater a pirataria em uma era em
dos seus mestres.
que as cópias digitais perfeitas de trabalhos protegidos
A proteção dos segredos comerciais torna ilegal co-
por direito autoral são feitas e distribuídas facilmente.
piar deliberadamente uma ideia comercial ou informa-
Marcas registradas ção estabelecida que uma empresa mantenha em sigilo.
As informações comerciais, como as listas de clientes,
A marca registrada protege nomes e imagens que são
os processos de fabricação e as fórmulas para fabricar
usados para rotular bens ou serviços. Os artigos sujeitos
produtos, podem ser protegidos pela lei dos segredos
à marca registrada incluem os nomes da empresa ou do
comerciais. As invenções e os processos que não po-
produto, imagens (p. ex., Mickey Mouse), logomarcas
dem ser patenteáveis podem ser protegidos pela lei
(p. ex., o símbolo “swoosh” da Nike), slogans (p. ex.,
dos segredos comerciais. Os requerentes de patentes
“Intel Inside”), e o projeto e a embalagem do produto
baseiam-se geralmente na lei dos segredos comerciais
(p. ex., garrafa característica da Coca-Cola, protegida
para proteger suas invenções enquanto os requerimen-
sob uma forma de marca registrada conhecida como
tos de patente estão pendentes.16 Em alguns casos, as
trade dress*).
empresas preferem a proteção dos segredos comerciais
às patentes. Se o inventor da Coca-Cola tivesse requeri-
*
N. de T.: Trade dress é uma expressão jurídica que geralmente se refere
do uma patente da fórmula do refrigerante que criou em
às características da aparência visual de um produto ou de sua embala- meados dos anos 1880, essa patente teria expirado por
gem (ou mesmo à concepção de um edifício) que indica a origem do
produto para os consumidores.
14
http://www.chillingeffects.org/copyright/faq.cgi#QID8.
15
17 U.S.C. §107. 16
http://profs.lp.findlaw.com/patents/patents_3.html.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     223

volta de 1903.17 Ao deixar a fórmula não patenteada, a a 4% do lucro do licenciado com a produção do circui-
Coca-Cola tem sido capaz de defender seu sabor sob as to) com as duas empresas. O CI trouxe para a Fairchild
leis de segredos comerciais. e a Texas Instruments centenas de milhões de dólares de
royalties ao longo dos anos.18
COMO A TECNOLOGIA SE INSERE NESSA A empresa que Robert Noyce cofundou, a Intel, é
DISCUSSÃO bem conhecida pela proteção feroz de sua PI. Entre-
tanto, no início de 1995, a Intel terminou a sua disputa
O ritmo da mudança tecnológica muitas vezes ultrapas- de sete anos pela patente e pelo direito autoral com a
sa o ritmo da legislação e da jurisprudência, particu- fabricante concorrente de microprocessadores, a Ad-
larmente no que diz respeito às patentes e aos direitos vanced Micro Devices (AMD), relativa aos micropro-
autorais. Algumas vezes, as lacunas entre a tecnologia cessadores 386 e 486. O fim da disputa não aconteceu
e a regulação podem retardar o desenvolvimento tec- em um tribunal, mas na mesa de negociações. A mando
nológico; outras vezes, as empresas são capazes de ne- de um magistrado dos Estados Unidos, as duas empre-
gociar soluções, na ausência de uma propriedade clara sas resolveram suas diferenças nessa batalha de longa
da PI, que lhes permitam explorar as mudanças tecno- duração; pelo acordo, todos os litígios que envolviam
lógicas em ritmo acelerado. As empresas de tecnologia cada uma das empresas foram abandonados. A AMD
em particular descobriram que precisavam andar mais recebeu uma licença perpétua para o microcódigo dos
depressa do que os mecanismos legais e legislativos. microprocessadores 386 e 486, mas concordou que não
A fim de explorarem os avanços tecnológicos, mesmo poderia copiar nenhum outro microcódigo da Intel,
na ausência da propriedade clara da PI, algumas em- incluindo o do Pentium. A Intel e a AMD negociaram
presas de tecnologia acharam melhor negociar com os um novo acordo de licenciamento cruzado de patentes
proprietários concorrentes da PI – mesmo antes de a que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1996. A AMD
poeira baixar sobre as reivindicações dos concorrentes também desistiu do seu caso antitruste contra a Intel e
–, em vez de esperar para introduzir novas tecnologias concordou em não produzir mais de 20% dos seus mi-
no mercado. croprocessadores que usassem microcódigo da Intel em
fábricas independentes de microprocessadores.19
Compromisso e licença cruzada
Um exemplo de tal compromisso foi a disputa legal so- Lutas por direitos autorais
bre a patente do circuito integrado (CI) – o microchip Das várias formas de proteção da PI, nenhuma se pro-
que revolucionou os computadores. O CI foi inven- vou tão contenciosa ao longo dos últimos 100 anos
tado de modo independente por Jack Kilby, da Texas quanto o direito autoral. Os juristas, bem como as em-
Instruments, em julho de 1958 e Robert Noyce, da Fair- presas, percebem que as decisões que dizem respeito
child Electronics, em janeiro de 1959. Após se subme- ao escopo e à duração da proteção do direito autoral
terem a exames de patente separados, cada um deles são extraordinariamente influentes e impactam a quan-
recebeu uma patente relativa à sua solicitação respecti- tidade, a qualidade e o custo do conteúdo futuro.20 A
va. Após uma disputa prolongada, que passou por todas batalha atual sobre o direito autoral coloca os interesses
as instâncias até a Suprema Corte dos Estados Unidos, dos produtores de tecnologia, tal como os fabricantes de
a patente de Noyce foi confirmada, apesar de Kilby ter PCs, contra os dos detentores do direito autoral, os pro-
elucidado a invenção seis meses mais cedo, por causa dutores de conteúdo, como as gravadoras e os estúdios
da descrição mais completa e precisa de Noyce a respei- de cinema. Essa tensão remonta ao início do século XX.
to de sua concepção do CI. Entretanto, os inventores e A violação do direito autoral é tão antiga quanto
suas respectivas empresas acharam que o CI era impor- a própria proteção do direito autoral. Algumas vezes, a
tante demais para ficar reprimido enquanto esperavam violação foi sancionada, tácita ou manifestamente,
os tribunais resolverem a prolongada disputa da paten- pelos governos. Quando os Estados Unidos eram um
te. Em 1966, antes de a primeira decisão do Tribunal ser país em desenvolvimento (e mesmo depois de terem
emitida, a Fairchild e a Texas Instruments concordaram se tornado economicamente bem desenvolvidos), a lei
em conceder licenças uma para a outra (licenciamento
cruzado) para a produção de circuitos integrados. Ou-
tras empresas que quisessem produzir os CIs tinham
18
Para uma descrição mais detalhada do desenvolvimento simultâneo
do CI, ver T. R. Reid, The Chip, Random House (New York: 2001),
que negociar um royalty (que, em geral, variava de 2% pp. 96-117.
19
Brian Fuller, “AMD, Intel Finally Settle Dispute”, EE Times, January
15, 1995.
20
Paul Goldstein, Copyright’s Highway, Hill and Wang (New York:
17
T. R. Reid, The Chip, Random House (New York: 2001), p. 98. 1994), p. 202.
224     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

americana recusou-se a reconhecer os direitos autorais os produtores musicais processaram os fabricantes de


dos cidadãos não americanos. Os detentores estrangei- bobinas de pianola (autopiano), reivindicando que as
ros de direitos autorais, tais como autores e composi- bobinas de papel baseavam-se na música dos produto-
tores, criticavam a pirataria aberta dos seus trabalhos res, por isso violavam seus direitos autorais. O Supre-
nos Estados Unidos. O autor Charles Dickens, em suas mo Tribunal decidiu que a música das bobinas de piano
palestras nos Estados Unidos, era um crítico do fato de (buracos perfurados em um padrão específico, em um
que os seus direitos autorais não eram reconhecidos modelo feito de um rolo de papel, que faziam com que
nesse país. O compositor Arthur Sullivan (de Gilbert as cordas do piano fossem tocadas) não era suficiente-
e Sullivan) ainda foi mais longe, a ponto de remeter mente idêntica à música divulgada para violar o direito
os direitos autorais de algumas de suas composições autoral.25 No ano seguinte, o Congresso estabeleceu a
em nome de cidadãos americanos, que, por sua vez, “licença mecânica” que concedia a qualquer um o direi-
remetiam a Sullivan os royalties desse país.21 Como to de reproduzir a música divulgada de outra pessoa em
agora, a música estava na vanguarda da tensão entre os troca de um royalty fixado por lei (Figura 1). Estranha-
proprietários de conteúdo e as empresas de tecnologia. mente, a lei de direitos autorais de 1909 continha uma
Na Inglaterra, aproximadamente na virada do últi- isenção de direito autoral para a “reprodução ou versão
mo século, os produtores legítimos de música tentaram de uma composição musical por máquinas operadas por
vários artifícios para proteger a música sob direitos moedas”.26
autorais. Tentaram instituir prazos de vencimentos nas O Congresso levou mais de 50 anos para fechar essa
partituras, o que restringia o tempo que as pessoas po- lacuna, tempo durante o qual a lucrativa indústria de
deriam executar uma partitura musical antes de precisa- jukebox se desenvolveu.27
rem comprar uma outra cópia. Os produtores britânicos O rádio também causou preocupações nos detento-
pediram ao diretor-geral dos correios da Inglaterra que res de direitos autorais musicais. Em 1931, a American
bloqueasse todos os carregamentos de música dos Es- Society of Composers, Authors and Publishers (Ascap),
tados Unidos.22 Eles ameaçaram processar os músicos um grupo que licenciava música e distribuía royalties,
que transpusessem as músicas em outras notas musi- alegou que o Hotel LaSalle em Kansas City, Missouri,
cais. Finalmente, convenceram o Parlamento a aprovar violou seus direitos autorais ao tocar músicas trans-
duras legislações contra a pirataria e depois tentaram mitidas em um show de rádio através de alto-falantes
fazê-las valer.23 conectados por todo o hotel. Um tribunal decidiu que,
Depois de muita pressão por interesses de explora- embora o hotel não pudesse executar música legalmen-
ção dos direitos autorais, o Parlamento atuou. A Lei de te sem permissão, poderia fazê-lo se a música fosse
Direitos Autorais Musicais entrou em vigor na Inglater- transmitida pelo rádio.28 De acordo com as revisões
ra em 1º de outubro de 1902. Nesse dia, a Associação posteriores às leis de direitos autorais e aos pareceres
dos Produtores Musicais da Inglaterra recrutou mais de judiciais subsequentes, tais execuções estariam sujei-
mil vigilantes antipirataria (devidamente remunerados) tas ao pagamento de royalties. Durante os anos 1930,
para percorrer as ruas de Londres em busca de edições a Ascap aumentou as taxas de licença cobradas para as
pirata das músicas para destruí-las em fogueiras de par- execuções no rádio. As emissoras de rádio decidiram
tituras, como também para bater em vendedores ambu- entrar nesse mercado e formaram a Broadcast Music
lantes que vendiam partituras piratas. Como observou Inc. (BMI) para concorrer com a Ascap. A BMI teve
um historiador da música, “Ao mostrarem os dentes pouco sucesso na caça aos artistas afiliados à Ascap,
pela nova lei de direitos autorais, os produtores ame- mas contratou novos artistas e acrescentou músicas lati-
drontaram a grande maioria dos vendedores de partitu- no-americanas em seu catálogo. Em 1941, durante uma
ras no mercado negro”.24 disputa por taxas de royalties, as emissoras tiraram do
As mudanças na tecnologia tiveram, muitas vezes, ar todas as músicas da Ascap e, no lugar destas, tocaram
o efeito de desafiar a capacidade de os detentores de canções de domínio público e do catálogo da BMI. As
direitos autorais protegerem sua propriedade. Em 1908, músicas da Ascap ficaram fora do ar por oito meses, até
que houvesse um acordo com as emissoras. Durante o
21
Charles C. Mann, “The Heavenly Juke Box”, The Atlantic Monthly,
September 2000.
22
James Coover, Music Publishing, Copyright, and Piracy in Victorian 25
White-Smith Music Pub. Co. v. Apollo Co., 209 U.S. 1 (1908).
England, Mansell (New York: 1985), pp. 18-19. 26
Copyright Act of March 4, 1909, ch. 320, § 1(e), 35 Stat. 1075 (1909).
23
Coover, Music Publishing, Copyright, and Piracy in Victorian En- 27
Para uma maior discussão a respeito dessa isenção, ver Stanley Green,
gland, pp. viii-ix. “Jukebox Piracy”, The Atlantic Monthly, April 1962, Volume 209, n. 4,
24
Historiador de música, Professor James Coover, citado em “The p. 136.
Heavenly Jukebox”. 28
Buck v. Jewell-La Salle Realty Co., 283 U.S. 191 (1931).
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     225

FIGURA 1 Seção de preços n. 115 dos royalties sobre direitos autorais, a licença mecânica*

Data Preço Autorização


De 1977 a 1990 2 centavos Lei do Direito Autoral de 1909
1º de janeiro de 1978 2,75 centavos ou 0,5 centavo por minuto de Lei do Direito Autoral de 1976
execução ou fração, o que for maior
1º janeiro de 1981 4 centavos ou 0,75 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1980
execução ou fração, o que for maior
1º de janeiro de 1983 4,25 centavos ou 0,8 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1980
execução ou fração, o que for maior
1º de julho de 1984 4,5 centavos ou 0,85 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1980
execução ou fração, o que for maior
1º de janeiro de 1986 5 centavos ou 0,95 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1980
execução ou fração, o que for maior
De 1º de janeiro de 1988 a 5,25 centavos ou 1 centavo por minuto de 17 U. S. C. 801(b)(1) e 804; com base na mudança do
31 de dezembro de 1989 execução ou fração, o que for maior índice de preço ao consumidor de dezembro de 1985
a setembro de 1987
De 1º de janeiro de 1990 a 5,7 centavos ou 1,1 centavo por minuto de Índice de preço ao consumidor de setembro de 1987
31 de dezembro de 1991 execução ou fração, o que for maior a setembro de 1989
De 1º de janeiro de 1992 a 6,25 centavos ou 1,2 centavo por minuto de Índice de preço ao consumidor de setembro de 1989
31 de dezembro de 1993 execução ou fração, o que for maior a setembro de 1991
De 1º de janeiro de 1994 a 6,60 centavos ou 1,25 centavo por minuto de Índice de preço ao consumidor de setembro de 1991
31 de dezembro de 1995 execução, o que for maior a setembro de 1993
De 1º de janeiro de 1996 a 6,95 centavos ou 1,3 centavo por minuto de Índice de preço ao consumidor de setembro de 1993
31 de dezembro de 1997 execução ou fração, o que for maior a setembro de 1995
De 1º de janeiro de 1998 a 7,1 centavos ou 1,35 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1997
31 de dezembro de 1999 execução ou fração, o que for maior
De 1º de janeiro de 2000 a 7,55 centavos ou 1,45 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1997
31 de dezembro de 2001 execução ou fração, o que for maior
De 1º de janeiro de 2002 a 8,0 centavos ou 1,55 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1997
31 de dezembro de 2003 execução ou fração, o que for maior
De 1º de janeiro de 2004 a 8,5 centavos ou 1,65 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1997
31 de dezembro de 2005 execução ou fração, o que for maior
1º de janeiro de 2006 9,1 centavos ou 1,75 centavo por minuto de Processo de ajustamento de taxa mecânica de 1997
execução ou fração, o que for maior
Fonte: http://www.copyright.gov/carp/m200a.html.
*N. de T.: Uma licença mecânica é uma licença (muitas vezes necessária) que concede certas permissões limitadas para trabalhar, estudar, aperfeiçoar,
reinterpretar, regravar (etc.) algo que não seja um item livre/de código aberto ou que esteja em domínio público.

29
“blecaute” da Ascap, o grupo descobriu que as vendas antenna television – CATV) – precursoras da TV a cabo
de seus discos e partituras despencaram.29 – pela retransmissão do seu sinal. Em dois casos impor-
A ameaça das fotocopiadoras foi abordada em tantes, em 1968 e 1974, os tribunais decidiram que as
1968, quando uma editora da área médica, a Williams estações de CATV poderiam retransmitir os sinais sem
& Wilkins, processou a Biblioteca Nacional de Medi- que isso representasse a violação de qualquer direito au-
cina dos Estados Unidos (National Library of Medici- toral.31 Esses resultados contribuíram para o desenvolvi-
mento da televisão a cabo nos Estados Unidos.
ne – NLM) por sua prática de fotocopiar, sem pagar
Em 1984, os estúdios de cinema combateram a nas-
royalties, suas revistas para o uso de pesquisadores. No
cente indústria do home video (VCR). Temerosos do
recurso, o Supremo Tribunal determinou que a cópia impacto que os VCRs poderiam ter na capacidade dos
da NLM era uso justo e que, portanto, não se tratava de estúdios para controlar o seu conteúdo, um grupo de
violação do direito autoral.30 estúdios de cinema, liderado pela Universal Studios,
As emissoras de televisão processaram duas vezes as processou a Sony Corporation, fabricante do gravador
estações de televisão de antena comunitária (commumity de vídeo Betamax. Para os estúdios, o VCR representava

29
Para obter mais informações sobre o blecaute da Ascap, ver Goldstein,
Copyright’s Highway, pp. 71-75. Fortnightly Corp. v. United Artists Television, Inc., 392 U.S. 390 (1968)
31
30
Williams & Wilkins Co. v. The United States Records, 420 U.S. 376 and Teleprompter Corp. v. Columbia Broadcasting System, Inc., 415 U.S.
(1975). 394 (1974).
226     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

uma tecnologia cuja finalidade principal era violar di- produtores de conteúdo. O Tribunal emitiu muitas opi-
reitos autorais. Um tribunal de apelações decidiu em niões que interpretam uma visão coerente do propósito
favor dos estúdios e o caso foi para o Supremo Tribunal do direito autoral. Em 1932, o Tribunal escreveu: “O
Federal. Este, em uma decisão por 5 a 4, reverteu, por único interesse dos Estados Unidos e o objeto principal
pouco, a decisão do tribunal de apelações e concluiu que ao conferir o monopólio residem nos benefícios gerais
a capacidade dos VCRs para gravar as transmissões de obtidos pelo público a partir do trabalho dos autores”.34
televisão para exibição privada em um momento mais Em 1948, o Tribunal escreveu: “A lei do direito autoral,
conveniente (“mudança no tempo de reprodução” que como os estatutos das patentes, faz da recompensa ao
foi considerada uso justo) representava um uso legítimo proprietário uma consideração secundária”.35 Em 1984,
da tecnologia.32 No momento da decisão, Jack Valen- no caso do VCR, o Tribunal escreveu: “O objetivo prin-
ti, presidente da Motion Picture Associate of America cipal do direito autoral não é recompensar o trabalho
(MPAA), foi citado como tendo dito que “O VCR está dos autores, mas promover o progresso da ciência e das
para o produtor americano de cinema e para o público artes úteis”.36 Contudo, é da competência do Congresso
americano como o estrangulador de Boston está para decidir o prazo (duração) da proteção do direito autoral.
uma mulher sozinha em casa”. Desde 1962, o Congresso ampliou o prazo da prote-
No fim, o rádio foi um importante complemento ção do direito autoral 11 vezes. O estudioso sobre direi-
para a música gravada e cerca de um terço da recei- tos autorais, Paul Goldstein, da Stanford Law of School
ta anual dos principais estúdios proveio das vendas de escreveu: “o Congresso americano tem sido bem mais
home video.33 coerente em ampliar os direitos contra os usos econo-
micamente valiosos do que uma demonstração rigorosa
Intervenções do Tribunal e do Congresso dos incentivos necessários parece indicar [...] o Con-
As alegações conflitantes de patentes e direitos autorais gresso nunca antes exigiu que os autores ou produtores
estão abertas à resolução judicial. No entanto, as ale- demonstrassem que, na verdade, precisavam do novo
gações de violação ou as disputas sobre a propriedade direito como um incentivo para produzir obras literárias
legítima da PI são caras e se arrastam por muito tem- ou artísticas”.37
po. Segundo um levantamento de 2001 conduzido pela
American Intellectual Property Lawyer’s Association A PROTEÇÃO DA PI NA ESTEIRA DA INTERNET
(Aipla), um litigante pode gastar de US$ 500 mil a US$ 6
milhões até que um processo de patente seja julgado. Comparadas aos rádios, às fotocopiadoras e aos VCRs,
Em média, um processo de patente no qual US$ 1 mi- a digitalização e a internet representam uma ameaça
lhão a US$ 25 milhões estão em jogo custa US$ 797 mil fundamentalmente diferente aos modelos de negócio
durante a divulgação obrigatória de informações perti- existentes dos proprietários de direitos autorais. A tec-
nentes ao caso e pouco menos de US$ 1,5 milhão por nologia digital permite que os usuários criem cópias
julgamento, com alguns litigantes divulgando custos perfeitas de filmes e gravações e possam distribuí-las
acima de US$ 2,5 milhões. Nos casos em que mais de virtualmente sem nenhum custo. As fotocopiadoras
US$ 25 milhões estão em jogo, o litigante médio pode não ameaçavam os modelos de negócio fundamentais
gastar US$ 1,5 milhão durante a divulgação obrigatória das editoras. O VCR acabou sendo uma bênção para
de informações pertinentes ao caso e aproximadamente os estúdios, apesar de as fitas de VCR pirateadas in-
US$ 3 milhões se houver julgamento. Muitas empresas fligirem prejuízos financeiros às empresas de cinema.
pequenas não podem pagar ou não dispõem do tempo Como a qualidade das gravações analógicas pirateadas
para entrar na disputa. era quase sempre inferior e a distribuição não atingia
Apesar de algumas patentes serem controversas grande escala, essas atividades não ameaçavam os pro-
(p. ex., patentes de métodos ou processos de negócio) prietários de direitos autorais da mesma maneira que os
e deixadas para os tribunais decidirem, as questões DVDs facilmente pirateados ou filmes de cinema digi-
de direitos autorais ao longo dos anos estão repletas tal distribuídos pela internet. As novas tecnologias digi-
de contestações. O Supremo Tribunal tem ponderado tais combinadas com a internet criaram ameaças muito
uma série de conflitos de direitos autorais envolvendo mais significativas. As tecnologias de compressão de
áudio, como o algoritmo MP3, condensam as trilhas de

32
Para uma discussão aprofundada do caso Betamax, ver Robert A.
Burgelman and Philip Meza, “A Look at Three Regulatory Forces 34
Fox Film Corp. v. Doyal, 286 U.S. 123, 127 (1932).
Influencing Content and Distribution in the Motion Picture and Televi- 35
United States v. Paramount Pictures, Inc., 334 U.S. 131, 158 (1948).
sion Industries”, SM-105, Stanford Graduate School of Business. 36
Sony Corp. v. Universal Studios, Inc., 464 U.S. 417, 429 (1984).
33
James Lardner, “Hollywood vs. High-Tech”, Business 2.0, May 2002. 37
Goldstein, Copyright’s Highway, p. 172.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     227

áudio em um doze avos do seu espaço digital original. ções que impactaram seus direitos de propriedade so-
Um CD copiado (“ripado”) em formato MP3 pode ser bre a PI. Uma ampliava o prazo dos direitos autorais
enviado pela internet e transferido para o computador americanos, promulgada sob a Lei Sonny Bono de
de uma pessoa em minutos.38 Nos últimos anos, mi- Ampliação de Prazo do Direito Autoral (Ctea*), in-
lhões de cópias perfeitas ou quase perfeitas de músicas troduzida pelo senador Orrin Hatch (R-Utah) e com o
protegidas por direitos autorais foram disponibilizadas nome do congressista Sonny Bono, um ex-compositor
gratuitamente em várias redes de compartilhamento de e intérprete de sucesso que ganhou fama no final dos
arquivos. Em 2002, os filmes começaram a aparecer anos 1960, atuando com sua ex-esposa, a cantora Cher.
nessas redes, às vezes logo após serem lançados nos Em 1976, o Congresso ampliou o prazo da proteção
cinemas. Em 2003, as gravadoras responsabilizaram a do direito autoral de 28 anos, renovável uma única vez,
pirataria on-line pela queda nas vendas. para o período de vida do autor mais 50 anos. Em 1998,
Em 1992, o Congresso norte-americano aprovou a sob o que ficou conhecido como o Ctea Sonny Bono,
Lei de Gravação Domiciliar de Áudio (LGDA*), uma o Congresso ampliou o prazo do direito autoral para
emenda à lei federal dos direitos autorais de 1976. Sob o período de vida do autor mais 70 anos e, no que diz
a LGDA, todos os dispositivos de gravação digital de- respeito aos “trabalhos por contratação”, por 95 anos
vem incorporar um sistema de gestão de cópias em sé- após a publicação ou 120 anos após a criação, o que
rie (SGCS**). Esse sistema permite que os gravadores expirar primeiro. Os opositores processaram o gover-
digitais façam uma cópia de primeira geração de um no, afirmando que a ampliação era uma violação da pri-
trabalho gravado digitalmente, mas não permite uma meira emenda da Constituição que protege a liberdade
cópia de segunda geração a partir da primeira cópia (os de expressão.40 A contestação foi ouvida pelo Supremo
usuários ainda podem fazer quantas cópias de primeira Tribunal que, em janeiro de 2003, concluiu que o Con-
geração desejarem). A LGDA também prevê a cobrança gresso tinha autoridade para estabelecer os prazos da
de royalty no valor de US$ 8 por máquina de gravação proteção do direito autoral, e aquele respeitaria as de-
digital nova e 3% do preço de todas as fitas de áudio terminações deste sobre os prazos de direito autoral. O
digital ou discos. Esse imposto é pago pelos fabrican- Tribunal concluiu que a primeira emenda não delegava
tes de dispositivos de mídia digital e distribuído para ao Congresso poder para ampliar os prazos de direi-
os detentores de direitos autorais cuja música esteja to autoral. O juiz Ginsburg, representando a maioria,
supostamente sendo copiada. Em consideração a esse afirmou: “A primeira emenda seguramente protege a
imposto, os proprietários de direitos autorais concor- liberdade de fazer – ou se recusar a fazer – o próprio
dam em renunciar para sempre ao direito de reclamar discurso; ela é menos tolerante quando os oradores rei-
a violação dos direitos autorais contra os consumidores vindicam o direito de fazer o discurso de outras pessoas.
que estiverem usando dispositivos de gravação de áudio Na medida em que tais afirmações suscitam preocupa-
em suas residências. Isso é condizente com a exceção ções da primeira emenda, as garantias de liberdade de
do uso justo na lei dos direitos autorais, que permite expressão embutidas no direito autoral geralmente são
que os consumidores façam cópias de música protegida adequadas para resolvê-las [...]. Tais garantias incluem
por direito autoral com finalidades não comerciais. As o uso justo e o princípio de que o direito autoral protege
exigências do SGCS e dos royalties se aplicam apenas as expressões, mas não as ideias ou os fatos contidos
aos dispositivos de gravação de áudio digital. Como nas expressões”.
os computadores não são considerados dispositivos
de gravação de áudio digital, eles não são obrigados a Lei dos Direitos Autorais no Milênio Digital
cumprir a exigência do SGCS.39 A segunda e bem mais controversa parte da legislação, a
Lei dos Direitos Autorais no Milênio Digital (DMCA**)
A Lei de Sonny Bono: I got you babe*** por mais também foi promulgada em 1998. Essa lei declarou que
20 anos “nenhuma pessoa poderá contornar uma medida tecno-
Em 1998, as empresas de entretenimento fizeram lógica que controle efetivamente o acesso a um trabalho
uma pressão vigorosa no Congresso por duas legisla- protegido” pelo direito autoral. A DMCA transformou
em crime não apenas o ato de copiar um trabalho pro-
tegido, mas também o de descriptografar um trabalho
*
N. de T.: Do inglês, Audio Home Recording Act (AHRA). criptografado sem autorização. A lei também continha
**
N. de T.: Do inglês, Serial Copy Management System (SCMS).
***
N. de T.: I got you babe foi um compacto lançado por Sonny e Cher
em 1965. Em 2007, foi eleita a trigésima música romântica mais bela
do mundo. *
N. de T.: Do inglês, Copyright Term Extension Act (Ctea).
38
“Music to Their Ears”, The Economist, September 19, 2002. **
N. de T.: Do inglês, Digital Millennium Copyright Act (DMCA).
39
2002 Duke L. & Tech. Rev. 0023. 40
Eldred et al. v. Ashcroft.
228     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

estipulações que tornaram ilegal manufaturar, liberar até agora, o setor privado precisa de um empurrão”.41
ou vender quaisquer ferramentas, hardware ou software Os defensores da lei disseram que a legislação foi ela-
projetados para contornar a criptografia de um trabalho borada para estimular o crescimento do acesso de alta
protegido por direito autoral. A DMCA continha dispo- velocidade à internet e à televisão digital. Os defensores
sições que deram aos provedores de acesso à internet e argumentaram que os consumidores demoravam para
hospedeiros de sites um “porto seguro” quanto a alega- adotar serviços como o acesso à internet banda larga
ções de violação de direitos autorais caso implementas- porque não havia programação e conteúdo suficientes,
sem avisos e procedimentos de remoção para eliminar e que os detentores de direitos autorais não forneceriam
conteúdo infrator. Entretanto, a lei tinha o potencial esse conteúdo on-line até terem certeza de que as pes-
para tornar ilegal a manufatura e venda de grande parte soas não podem fazer e distribuir cópias não autoriza-
do software e hardware que as empresas de tecnologia das. Mas os opositores da lei temiam que ela conferisse
esperavam que fosse fazer da mídia pela internet uma aos proprietários de direitos autorais controle demais
aplicação comum e ao mesmo tempo ajudar a tirá-las sobre como os consumidores usam a tecnologia.
da recessão.
Em janeiro de 2003, sob a DMCA, um juiz federal
ordenou que a Verizon Communications (uma ope- À PROCURA DE SOLUÇÕES
radora regional da Bell formada a partir da fusão da As empresas de entretenimento e de computadores tam-
Bell Atlantic, Nynex e GTE) fornecesse a um grupo bém tentaram resolver as questões por contra própria.
comercial da indústria fonográfica a identidade de um Em janeiro de 2003, a Recording Industry Association
assinante da internet suspeito de disponibilizar cópias of America (Riaa), uma organização empresarial que re-
não autorizadas de várias centenas de músicas. Isso presenta as maiores gravadoras do mundo, e a Business
marcou um ponto de partida das gravadoras que, no Software Alliance, um grupo comercial da indústria de
passado, haviam concentrado seus esforços legais nos software, e o Computer Systems Policy Project, que
serviços de compartilhamento on-line de arquivos,
representa os principais fabricantes de hardware, con-
como o Napster e outros. A Verizon recorreu contra
cordaram em sete “princípios de política” pertinentes
a decisão.
às suas atividades legislativas, isto é, pressão política
Lei do Consumidor de Banda Larga e Promoção no Congresso (Figura 2). Embora os princípios fossem
da TV Digital gerais, alguns42 consideraram que eles representavam
um compromisso entre os dois campos: a indústria da
Em março de 2002, o senador americano Ernest F.
Hollings (D-S.C), presidente da Comissão de Comér- música desistiria do seu apoio à tecnologia antipirataria
cio do Senado, e cinco copatrocinadores introduziram a compulsória (“O modo como as empresas satisfazem
Lei do Consumidor de Banda Larga e Promoção da TV as expectativas do consumidor é uma decisão comer-
Digital (do inglês, Consumer Broadband and Digital cial que deve ser conduzida pela dinâmica do mercado
Television Act). A lei exige que os novos hardwares e e, por isso, não deve ser legislada ou regulada”43), e a
softwares, de reprodutores de CD a aparelhos de televi- indústria de computadores desistiria do seu apoio à le-
são e computadores, bloqueiem a copia não autorizada gislação, como a Lei dos Direitos dos Consumidores de
de trabalhos protegidos por direito autoral. Isso moveria Mídia Digital,44 que reafirmaria isenções do uso justo
estúdios de cinema, selos de gravadoras e outras tags para as leis dos direitos autorais.
digitais para filme, música ou álbum que estabelece- Significativamente, a Motion Picture Association of
riam regras sobre reprodução, visualização ou cópia em America, um grupo comercial de estúdios de cinema,
dispositivos como computadores ou TVs digitais. Os não participou da chamada para o compromisso e conti-
fabricantes e proprietários de conteúdo teriam um ano nuou a exigir ação governamental, incluindo a aplicação
para chegar a um acordo sobre a tecnologia para fazer de medidas técnicas de combate à pirataria, tais como as
valer essas regras. Depois disso, a Comissão Federal de tecnologias de gestão de direitos autorais digitais.
Comunicações poderia impor um padrão. Então, seria
ilegal manufaturar dispositivos que não implementas-
sem esse padrão. 41
Mike Musgrove, “Hollings Proposes Copyright Defense”, The Wa-
Hollings afirmou: “Acredito que o setor privado é shington Post, March 22, 2002, p. E03.
42
“Unexpected Harmony”, The Economist, January 23, 2003.
capaz, por meio de negociações do mercado, de adotar 43
“Technology and Record Company Policy Principles”, emitidos con-
padrões que venham a garantir a transmissão segura de juntamente por Business Software Alliance, Computer Systems Policy
Project e Recording Industry Association of America.
conteúdo protegido por direitos autorais na internet e 44
Apresentada no Congresso, em 7 de janeiro de 2003, pelo republicano
através de difusão [...]. Mas, dado o ritmo das conversas Rick Boucher (D-VA).
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-9     229

FIGURA 2 Princípios da política das empresas de tecnologia e das gravadoras

Emitidos conjuntamente por Business Software Alliance dos produtos deve informar claramente os consumidores
(BSA), Computer Systems Policy Project (CSPP) e Recording sobre a reprodução de conteúdos nos dispositivos que pos-
Industry Association of America (Riaa). sam possuir ou utilizar.
A rápida evolução tecnológica apresenta novas oportuni- 5. Ações por parte dos titulares de direitos. As empresas
dades importantes para a distribuição de conteúdo e para a de tecnologia e as gravadoras apoiam as medidas técnicas
ampliação das opções do consumidor, mas também apresenta para limitar a distribuição ilegal de obras protegidas por
novas e difíceis ameaças de pirataria para as gravadoras e as direitos autorais, sujeitas às exigências de que as medidas
indústrias de software e tecnologia. Nunca a necessidade de sejam projetadas para serem razoáveis, não sejam destru-
diálogo e colaboração para determinar como reagir melhor a tivas para redes, dados ou equipamentos dos usuários e
essas oportunidades e desafios foi tão grande. Nos últimos não violem os direitos legais dos indivíduos à privacidade
anos, as batalhas de políticas públicas no Congresso e na mí- ou interesses similares legalmente protegidos.
dia exigem um diálogo construtivo entre as indústrias e esfor- 6. Determinações. As empresas de tecnologia e as gravado-
ços orquestrados para desenvolver abordagens consensuais. ras acreditam que as medidas técnicas de proteção deter-
As organizações citadas a seguir concordaram, portanto, minadas pelo governo (legislação ou regulamentação que
com um conjunto essencial de princípios que governarão as determinam como essas tecnologias devem ser projetadas,
nossas atividades nas arenas pública e política durante o 108º como devem funcionar e ser implementadas, e o que os
Congresso. Esses princípios são: dispositivos devem fazer para responder a elas) não são
práticas. A imposição de determinações técnicas não é a
1. Conscientização pública. As empresas de tecnologia melhor maneira de atender os interesses de longo prazo
e as gravadoras estimulam conjuntamente e promovem de gravadoras, empresas de tecnologia e consumidores.
campanhas de conscientização do consumidor sobre o A tecnologia pode desempenhar um papel importante na
uso correto e errado da internet e das cópias digitais. Tais provisão de garantias contra o roubo e a pirataria. O papel
campanhas devem ser financiadas de forma privada, mas do governo, caso necessário, deve limitar-se a obrigar o
abordagens conjuntas ao Congresso para um papel federal cumprimento das especificações funcionais desenvolvidas
também devem ser consideradas. voluntariamente, refletindo o consenso entre os interesses
2. Expectativas do consumidor. As empresas de tecnologia afetados. Se o governo buscar a imposição de determina-
e as gravadoras concordam que satisfazer as necessida- ções técnicas, as empresas de tecnologia e as gravadoras
des e expectativas dos nossos consumidores é de impor- podem agir para garantir que tais regras não prejudiquem
tância vital para a viabilidade das nossas indústrias. Os ou ignorem seus interesses.
consumidores são ávidos por música e tecnologia novas, 7. Melhoria do diálogo público. As empresas de tecnologia e
e as gravadoras e empresas de tecnologia já estão abor- as gravadoras concordam em se envolver no diálogo cons-
dando essas necessidades. O modo como as empresas trutivo e procurar um terreno comum nos debates políticos
satisfazem as expectativas do consumidor é uma decisão Empresas pertencentes à BSA: Adobe, Apple, Autodesk,
empresarial que deve ser conduzida pela dinâmica do mer- Avid, Bentley Systems, Borland, Cisco Systems, CNC/Mastercam,
cado e, por isso, não deve ser legislada ou regulada. Dell, Entrust, HP, IBM, Intel, Internet Security Systems, Intuit,
3. Cumprimento. As empresas de tecnologia e as gravado- Macromedia, Microsoft, Network Associates, Novell, People-
ras apoiam as ações privadas e governamentais contra os Soft, SeeBeyond, Sybase e Symantec.
infratores. Empresas pertencentes ao CSPP: Dell Computer Corpo-
4. Medidas técnicas de proteção. As empresas de tecnolo- ration, Intel Corporation, Hewlett-Packard Company, Motorola
gia e as gravadoras têm colaborado para desenvolver, usar Corporation, NCR Corporation, IBM Corporation, EMC Corpo-
e apoiar o uso de medidas técnicas unilaterais de prote- ration e Unisys Corporation.
ção que limitem o acesso, a cópia ou a redistribuição não Empresas pertencentes à RIAA: BMG, EMI Recorded
autorizada dos produtos, sem as exigências impostas pelo Music, Sony Music Entertainment, Universal Music Group,
governo para a incorporação da funcionalidade específica Warner Music Group.
em um computador ou outro dispositivo. A legislação não
deve limitar o uso ou a eficácia de tais medidas. As empresas
de tecnologia e as gravadoras concordam que a rotulagem Fonte: Business Software Alliance.

Gestão de direitos digitais cular que hoje é legal, para ouvir música ou ler um texto
Gestão de direitos digitais (GDD, do inglês, Digital em mais de um dispositivo, por exemplo, também se
Rigths Management – DRM) é uma expressão usada tornaria sujeita à permissão da gravadora ou editora. Os
para descrever uma combinação de criptografia por sof- fabricantes de PC, entre outros, ficaram preocupados
tware e novo hardware, projetados para impossibilitar porque muitos aspectos da GDD poderiam prejudicar a
a cópia digital sem permissão. Os críticos da GDD ale- capacidade dos PCs para a reprodução de mídia digital.
gam que a tecnologia e o conjunto de leis que dariam Em 2002, alguns grandes selos musicais começa-
suporte a esse tipo de gestão poderiam restringir os di- ram a produzir CDs embutidos com formas de tec-
reitos do consumidor usufruídos sob conceitos como o nologia GDD. Eram programas de proteção contra
uso justo e a doutrina da primeira venda. A cópia parti- cópia projetados para impedir que os discos fossem
230     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

tocados em PCs. A Sony desenvolveu a sua própria A rtigo 2 - 1 0


tecnologia antipirataria, denominada key2audio, que
impede que os consumidores ouçam os CDs em qual- Nota sobre o desenvolvimento de novos
quer tipo de aparelho de CD-ROM ou DVD. Nesse fármacos nos Estados Unidos*
mesmo ano, a Sony anunciou que havia produzido
um total de 10 milhões de discos para 500 álbuns di- Stephan Thomke e Ashok Nimgade
ferentes que não podiam ser tocados em computado-
res pessoais usando o seu programa key2audio. Uma No início dos anos 1990, a indústria farmacêutica era
segunda versão do software, key2audio4PC, permitia um dos maiores e mais lucrativos negócios de pesquisa
que os ouvintes tocassem CDs protegidos contra có- e fabricação, com vendas anuais, em âmbito mundial,
pia em seus computadores pessoais. Mas os discos em torno de US$ 250 bilhões. O motor do seu cresci-
eram criptografados para limitar o uso a um único mento foi o investimento pesado em pesquisa e desen-
PC específico, o que impedia que o usuário tocasse o volvimento. As 50 principais empresas farmacêuticas
disco em dispositivos alternativos. A BMG licenciou do mundo gastaram em torno de US$ 25,4 bilhões em
a tecnologia antipirataria que impedia os consumi- P&D ou quase 16% de suas vendas.1
dores de converterem músicas para arquivos MP3 e Para cada fármaco terapêutico desenvolvido nos Es-
gravarem cópias ou disponibilizarem-nas em siste- tados Unidos, as empresas farmacêuticas patrocinadoras
mas de compartilhamento de arquivos. O software gastaram mais de US$ 250 milhões, e o tempo médio
impedia que os ouvintes reproduzissem os discos em para o lançamento ao mercado foi de 14,8 anos (um au-
unidades de CD-ROM e também era potencialmen- mento de cerca de 40% em relação aos anos 1970).2 Os
te prejudicial para os amplificadores e alto-falantes, custos estimados incluíram as despesas decorrentes de
como também tinham a capacidade de desativar os tempo (ou seja, perda de investimento em P&D antes de
gravadores de CD.45 quaisquer retornos terem sido realizados) e de projetos
fracassados. Embora diferentes técnicas contábeis levem
a estimativas variáveis, o desenvolvimento de novos fár-
CONCLUSÃO
macos tem sido indubitavelmente caro e malsucedido.
As novas tecnologias da informação têm sido comple- Essa indústria fundamentada por complexos re-
mentos importantes para os proprietários de conteúdo. cursos que envolve milhares de indivíduos altamente
Os conflitos que se desenvolveram à medida que novos treinados e abrange vários continentes representou uma
modelos de negócio se ajustaram às novas tecnologias ampla diferença em relação à prática milenar de curar
eram normalmente forjados por uma combinação de por meio de ervas. Contudo, os princípios básicos que
processos, legislação e compromisso. Isso ainda não orientaram a descoberta de fármacos ao longo dos sécu-
aconteceu com as tecnologias digitais. As cópias digi- los permaneceram imutáveis: a terapia ideal deve com-
tais perfeitas produzidas em PCs e sua fácil distribuição binar a eficácia médica com efeitos colaterais mínimos.
mundial pela internet podem mudar fundamentalmente Mesmo depois da revolução da química sintética,
o equilíbrio entre os interesses dos proprietários de con- em meados do século XIX, os farmacêuticos moder-
teúdo e o público. O fato de os dois campos precisarem nos, como seus antepassados, continuaram recorrendo
um do outro ainda não suscitou um compromisso. Até o à natureza em busca de pistas. Mas, onde os herbalistas
momento, a maior parte da atividade tem ocorrido por
meio de litígio e legislação. Conceitos como o uso justo
e a doutrina da primeira venda podem ser sacrificados
*
Fonte: Copyright © 1998 by The President and Fellows of Harvard
em favor das tecnologias de GDD. Os tribunais podem College. O professor Stefan Thomke e o pesquisador adjunto Ashok
pender a balança em favor do público sobre os interes- Nimgade, M.D. prepararam esta nota como base para um debate em sala
ses dos proprietários de conteúdo, e as indústrias pode- de aula. Alguns dos dados apresentados se baseiam em estudos empíri-
cos realizados no final dos anos 1980 e podem ter mudado no momento
rão continuar a perder centenas de milhões de dólares a do debate. Para solicitar cópias ou permissão para reproduzir os mate-
cada ano para a pirataria. O Congresso pode legislar so- riais, ligue 1-800-545-7685, escreva para a Harvard Business School
luções tecnológicas que ofereçam uma melhor proteção Publishing, Boston, MA 02163 ou acesse http://hbsp.harvard.edu. Ne-
nhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em
aos proprietários de direitos autorais, mas que travem as um sistema de recuperação, utilizada em uma planilha ou transmitida de
indústrias de tecnologia. qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, fotocópia,
gravação ou outros sem a permissão da Harvard Business School.
1
Pharmaceutical Industry Summary, Lehman Brothers (1996).
2
U.S. Food and Drug Administration (FDA), “From Test Tube to Patient:
New Drug Development in the United States”, FDA Consumer, Special
Issue (January 1995); J. DiMassi, H. Grabowsky and L. Lasagna, Cost
of Innovation in the Pharmaceutical Industry”, Journal of Health Econo-
45
2002 Duke L. & Tech. Rev. 0023. mics 10 (1994); pp. 107-142.
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-10     231

tradicionais poderiam ter usado uma mistura de com-


FIGURA 1 A gênese do sumatriptano da Glaxo
postos encontrados em uma única erva, os químicos
sintéticos tentaram isolar o “ingrediente ativo” de uma A história dos fármacos modernos para a enxaqueca
planta (tal como a aspirina do salgueiro). No mínimo, encontra uma ligação antiga com a perseguição às bru-
xas, vários séculos atrás na Europa e na puritana Nova
isso permitiria a patenteabilidade. Inglaterra. Naquela época, as mulheres jovens que reve-
Para obter essa patente da mais alta importância lassem ter alucinações (algumas vezes sobre estarem
e desenvolver novos fármacos com mais eficácia, as voando) eram rotuladas como bruxas. Com o retrospecto
empresas farmacêuticas modernas seguem um proces- dos séculos, parece que essas mulheres podem ter consu-
mido centeio infectado com esporão dos centeios, um tipo
so muito sistemático de P&D e aprovação. A seguir, de fungo. O esporão dos centeios e a droga LSD comparti-
apresentamos uma descrição das etapas que eram ne- lham uma relação química com o importante composto de
cessárias no final do século XX para que um fárma- sinalização do sistema nervoso central (neurotransmissor)
co da bancada do laboratório pudesse ser aprovado no denominado serotonina. Um outro composto relacionado,
a ergotamina, tornou-se um dos primeiros fármacos dis-
processo da U.S Food and Drug Administration (FDA) poníveis para enxaqueca. Descobriu-se que ele interage
– o processo de aprovação de fármacos mais rigoroso com um receptor da serotonina para neutralizar a dilatação
do mundo. O medicamento antienxaqueca da Glaxo- dos vasos sanguíneos cranianos associados com a sensa-
-Wellcome, o sumatriptano (também conhecido como ção latejante experimentada pelas pessoas que sofrem de
enxaqueca. Entretanto, os efeitos colaterais conhecidos da
Imitrex®), será usado para demonstrar os desafios do ergotamina incluem náusea, vômito, câimbras musculares,
desenvolvimento de novos fármacos com os quais as constrição dos vasos sanguíneos periféricos e até mesmo
empresas farmacêuticas se deparam (ver Figura 1). dependência física.
Todavia, a ergotamina apontou a direção para os futu-
ros programas de desenvolvimento de fármacos contra a
FASES DO DESENVOLVIMENTO DE NOVOS enxaqueca. Um salto na compreensão ocorreu após os
FÁRMACOS anos 1950, quando a disponibilidade da serotonina sin-
tética permitiu que os pesquisadores reconhecessem a
Pesquisa básica (cerca de dois anos) existência de vários receptores diferentes dessa substân-
cia no corpo. Na década de 1970, um ramo particular (5-
A descoberta clássica de fármacos conforme pratica- HT1) da família de receptores da serotonina havia sido
da durante grande parte dos séculos XIX e XX en- implicado na enxaqueca. Em meados dessa década, o
volvia a triagem inicial de plantas, micro-organismos pesquisador da Glaxo, P. P. A. Humphrey, e colaborado-
e outras substâncias naturais a fim de encontrar um res começaram a explorar vários compostos similares à
serotonina na esperança de descobrir um fármaco efetivo
composto “ligante” ou “protótipo”. Tipicamente feita contra a enxaqueca.
em tubos de ensaio (in vitro) e em animais de labora- Ocorreu uma revolução quando a equipe de Glaxo desco-
tório (in vivo), essa triagem inicial permitia um teste briu um composto que parecia produzir a constrição dos vasos
mais rápido, barato e seguro do que quando se utili- sanguíneos cranianos. Isso levou a um composto derivado (de-
nominado AH25086) que agia de forma muito mais seletiva, isto
zavam seres humanos. Em essência, o processo era é, exercia seus efeitos contra a enxaqueca principalmente nos
como tentar encontrar, por meio de tentativa e erro, a locais onde se supunha que ela estava e não em outros pontos.
“chave molecular” correta para abrir uma “fechadura Esse composto, infelizmente, só podia ser administrado
bioquímica” dentro do corpo. As chaves eram encon- por injeção, o que limitava a sua utilidade para os pacientes.
Os esforços para descobrir um fármaco que também pudesse
tradas muitas vezes em lugares inusitados. Por exem- ser administrado oralmente levaram a um derivado chamado
plo, a ciclosporina, amplamente utilizada para tratar GR43175, que mais tarde se tornou mais conhecido como
os pacientes de transplante de órgãos, foi isolada por sumatriptano (Imitrex®) (ver Figura 7). Descoberto em 1984,
um pesquisador finlandês de um extrato de lama. o sumatriptano acabou se tornando o primeiro medicamento
em mais de meio século desenvolvido especificamente para
Talvez o lugar mais comum para começar um pro- o tratamento das enxaquecas.
grama de triagem maciça fosse nas vastas coleções
ou bibliotecas de centenas de milhares de compostos
Fonte: De P. R. Saxena and M. D. Ferrari, “From Serotonin Receptor
que a maioria das empresas farmacêuticas guardou Classification to the Antimigraine Drug Sumatriptan”, Cephalgia 12
ao longo de décadas. (1992), pp. 187-196.
Com essa ampla estratégia de triagem, uma média
de apenas 1 em cada 10 mil compostos triados acabaria
chegando ao mercado. Uma estratégia para melhorar Outra maneira de melhorar essa probabilidade de
essas probabilidades era desenvolver versões análogas 1:10.000 e criar fármacos mais revolucionários envol-
(as chamadas versões “me-too”) dos fármacos preexis- via compreender muito mais as fechaduras molecula-
tentes – por exemplo, existem mais de 200 versões de res (receptores) onde se acreditava que os compostos
antibióticos, ou análogos, da penicilina, que foi desco- terapêuticos agiam. Mas “as doenças são complexas
berta nos anos 1920. e envolvem uma sequência de fatos”, segundo Rhonda
232     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Gruen, Ph.D., da Hoffmann-LaRoche.3 “Se quiser in-


tervir na doença, você deverá tentar segmentá-la em FIGURA 2 O sumatriptano entra nos ensaios com
animais
suas partes componentes [...]. Depois, deverá escolher
uma determinada etapa-alvo para o desenvolvimento Antes apenas alguns pesquisadores estavam envolvidos
do fármaco.” Entretanto, mesmo com essa abordagem com a descoberta do sumatriptano. Agora há uma equipe
de quase duas dúzias de farmacologistas, toxicologistas e
reducionista que se baseava em tecnologias mais novas, tecnologistas envolvida com os testes do sumatriptano em
como a engenharia genética, a meta de criar fármacos animais, ao longo de vários anos.
com base em princípios completamente determinísticos O teste em animais envolveu altas doses de sumatriptano
iludiu os cientistas. para discernir os efeitos tóxicos. Esses estudos avaliaram a
segurança do sumatriptano mesmo em concentrações com
Independentemente de qual estratégia tenha sido
níveis dezenas de vezes mais altos do que nas doses hu-
usada para identificar os compostos protótipos, o manas. As populações de animais utilizadas incluíram ratos,
desenvolvimento de fármacos envolveu a meticulo- camundongos, cães e até mesmo coelhas grávidas (para
sa pesquisa interativa, com os químicos orgânicos estudar o efeito nos fetos).1
criando análogos ou modificações dos protótipos Obviamente, como os animais não sofrem de nada facil-
mente reconhecível, como a enxaqueca nos seres humanos,
existentes. Um único químico experiente podia gerar
o teste de eficácia definitivo para o sumatriptano viria dos
um composto novo a cada 7 a 10 dias, a um custo de ensaios clínicos com seres humanos.
US$ 5 mil a US$ 10 mil por composto. Esse estágio
do processo podia consumir 124 químicos-ano4 e re- 1
Imitrex® Injection Publication, Glaxo Wellcome (1996).
presentou uma atividade crítica – um lugar de alta
alavancagem para acelerar o ciclo de desenvolvimen-
to de fármaco. Até mesmo os métodos mais novos
de geração rápida de compostos medicamentosos, tal FIGURA 3 O sumatriptano nos testes de segurança
como a química combinatória, eram executados em da fase I
conjunto com essa cuidadosa confecção de molécu- Os testes da fase I para o sumatriptano foram realizados
las em etapas vitais. inicialmente no Reino Unido e depois também nos Esta-
dos Unidos. Nessa fase, que durou cerca de um ano nos
Triagem pré-clínica (biológica) Estados Unidos, e dois anos em uma base mundial, 300
(cerca de três anos) voluntários saudáveis e remunerados do mundo inteiro
foram testados com doses gradualmente crescentes de
Tradicionalmente, de 10 mil compostos iniciais, apenas até 2,5 vezes a dose que os pacientes de enxaqueca
40 passam para a próxima fase de testes pré-clínicos. receberiam.1
Os ensaios pré-clínicos envolvem o teste em animais Esses estudos indicaram que o sumatriptano era bem
para avaliar a segurança e também para reunir dados tolerado nos seres humanos e também levantaram dados
sobre a farmacocinética do novo fármaco (como o corpo hu-
sobre os efeitos biológicos dos candidatos a fármacos. mano processava esse medicamento).2
A atenção é particularmente concentrada na absorção,
no metabolismo e na excreção do fármaco nos animais, 1
Entrevista com Donna Gutterman, diretora da U.S. Medical Affairs,
com o objetivo de encontrar pistas sobre o que se pode CNS/Antesthesia/Critical Care, Glaxo Wellcome (December 1997).
2
Imitrex® Injection Publication, Glaxo Wellcome (1996).
esperar nos ensaios em seres humanos (ver Figura 2).

Ensaios clínicos (cerca de seis anos)


medicamento passa por esses testes e chega ao merca-
Os fármacos submetidos a estudos em animais do. As proporções crescentes dos custos totais incorri-
(chamados agora de novos medicamentos sob in- dos em cada uma das três fases sucessivas são descritas
vestigação ou NMI, do inglês, Investigational New a seguir.
Drugs – IND) são colocados finalmente diante dos
mais caros e demorados obstáculos regulatórios: Fase I: Ensaios de segurança, um ano. Nessa fase
testes clínicos em seres humanos, monitorados pela inicial, o fármaco é testado em até um ano em 1 a
FDA. Em média, 1 em 10 de todos os candidatos a 12 voluntários saudáveis que são bem recompensados
por sua participação. Muitas vezes, são administradas
doses muito altas para determinar as toxicidades po-
3
U. S. Food and Drug Administration FDA, “From Test Tube to Patient: tenciais e as faixas seguras. Porém, essa fase produz
New Drug Development in the United States”, FDA Consumer, Special informações inestimáveis sobre a absorção, o meta-
Issue (January 1995).
4
R. G. Halliday, S. R. Walker and C. E. Lumley, Journal of Pharmaceutical bolismo e a excreção do fármaco nos seres humanos
Medicine 2 (1992), pp. 139-154. (ver Figura 3).
SEÇÃO 2 – contexto da indústria | Artigo 2-10     233

FIGURA 4 O sumatriptano nos testes de eficácia da FIGURA 5 O sumatriptano nos testes da fase III
fase II
Em 1988, a Glaxo testou o sumatriptano no mundo inteiro,
Alguns testes da fase II começaram em meados dos anos em mais de 6 mil pessoas, nos testes clínicos da fase
1980 no Reino Unido e foram reforçados nos Estados Uni- III. A entrada do sumatriptano nos testes clínicos da fase
dos e em outros lugares, em 1988. Os dados coletados de III representou um compromisso sério para a Glaxo. Até
mais de 500 pacientes no mundo inteiro (mais de 200 dos o sumatriptano, nenhum estudo clínico em larga escala
Estados Unidos) mostraram uma eficácia significativa em jamais havia sido realizado com fármacos contra a
várias formas de dosagem (subcutânea, oral, intranasal).1 enxaqueca.1
Uma fase importante dos testes ocorreu nos Estados
1
Entrevista com Donna Gutterman, diretora da U.S. Medical Affairs, Unidos, em 1989, de maio a novembro, em 61 locais e com
CNS/Antesthesia/Critical Care, Glaxo Wellcome (December 1997). mais de 1,1 mil pacientes que sofriam de enxaqueca aguda.
Uma grande quantidade de dados foi coletada sobre cada
paciente: história médica, exames físicos, exames labora-
toriais rotineiros, sinais vitais, efeitos adversos e eficácia
Fase II: Testes de eficácia, dois anos. Enquanto subjetiva em vários intervalos de tempo, antes e depois da
administração do sumatriptano.2
a fase I marcou a introdução do novo candidato a
Os resultados exibiram eficácia, com alguns pacientes
medicamento pela primeira vez em seres humanos, experimentando alívio 10 minutos após receberem o su-
a fase II representa o teste do fármaco em pacientes matriptano. Quatro quintos dos pacientes sentiram alívio em
humanos. Essa fase testa o candidato a medicamento duas horas. Os efeitos adversos divulgados incluíram rubor,
em até várias centenas de pacientes voluntários de náusea, torpor, formigamento e vertigem.
Os dados provenientes desses e de outros ensaios re-
hospitais participantes. Para garantir dados estatis- alizados nos Estados Unidos e no mundo foram coletados
ticamente relevantes, normalmente deste ponto em para serem enviados à FDA em um enorme documento mul-
diante em todos os testes em seres humanos, uma tivolume intitulado Aplicação de novos fármacos (ANF*). O
parte dos voluntários recebe o fármaco, enquanto ANF para o Imitrex injetável, que foi protocolado em julho de
1990, cobriu mais de 4.332 pacientes.3 Um caminhão trans-
outros recebem placebos, com os próprios clínicos portou milhões de folhas de papel, encadernadas em várias
responsáveis pela coleta dos dados ignorando o que centenas de volumes da base americana, da Glaxo no Re-
cada paciente recebe. search Triangle, na Carolina do Norte, para Washington, A
Essa fase permite que os pesquisadores avaliem a aprovação para a comercialização do composto sumatrip-
tano acabaria por depender da palavra final da FDA após a
eficácia do fármaco e fornece mais informações so-
avaliação dos dados do ANF.
bre os efeitos adversos e os níveis de dosagem ideais.
No final dessa fase, os pesquisadores conferem com
*N. de T.: Do inglês, New Drug Application (NDA).
as autoridades reguladoras da FDA se devem ir para 1
Entrevista com Donna Gutterman, diretora da U.S. Medical Affairs,
os testes da fase III. Cerca de um terço de todos os CNS/Antesthesia/Critical Care, Glaxo Wellcome (December 1997).
2
R. K. Cady et al., “Treatment of acute migraine with subcutaneous
candidatos a medicamento sobrevive às fases I e II sumatriptan”, Journal of America Medical Association (June 5, 1991),
pp. 2831-2835.
(ver Figura 4). 3
FDA Committee Discussion, Script 1666 (November 6, 1991) p. 20.

Fase III: Testes de eficácia no longo prazo, três anos.


A fase III é a mais cara dentre as fases de testes do
fármaco, envolvendo milhares de pacientes voluntários indústria farmacêutica do século XX, com seu con-
em ambiente hospitalar espalhados pelo país e pelo teúdo perfazendo centenas de milhares de páginas.
mundo. Nessa fase, os pesquisadores monitoram o uso O ANF inclui dados não só de cada paciente, mas
de longo prazo do fármaco para a segurança e os níveis também sobre os planos da empresa para produzir e
de dosagem ideal. Ao estudarem muito mais pacientes estocar o medicamento. Não surpreende o fato de a
ao longo de um tempo maior do que os estudos da fase comissão da FDA ter levado historicamente de dois a
II, eles podem descobrir efeitos colaterais mais sutis e três anos para analisar o ANF e fazer recomendações
insidiosos. Mais de um quarto dos candidatos a medi- sobre a comercialização do fármaco. (Felizmente, a
camento passa por esse obstáculo e segue para o estágio tendência para os ANFs assistidos por computador já
de análise da FDA (ver Figura 5). começou a diminuir esse longo processo de análise)
(ver Figura 6). Muitas vezes, a FDA e as empresas far-
Análise da FDA (de dois a três anos) macêuticas patrocinadoras trabalham em parceria para
O ANF (aplicação de novos fármacos) representa uma resolver possíveis problemas com os dados ou outras
contribuição à capacidade de geração de dados da questões técnicas (ver Figura 7).
234     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 6 Análise da FDA para o sumatriptano

Em outubro de 1991, o comitê consultivo da FDA votou por una- Os farmacêuticos da Glaxo e de outras partes continuaram
nimidade a recomendação da aprovação do sumatriptano, o que a pesquisar compostos mais seletivos e específicos contra a
o deixou mais perto da aprovação total da FDA. Apesar de o enxaqueca para fornecer aos pacientes um alívio ainda maior,
veredito desse comitê ter sido não representativo de uma aprova- tendo como objetivo final a cura completa e a prevenção da
ção final, uma recomendação positiva foi um sinal de que a FDA enxaqueca. Descobertas mais recentes estavam conduzindo
provavelmente aprovaria o medicamento.1 uma parte da pesquisa em andamento no desenvolvimento
Ao longo de dois anos, a FDA e os pesquisadores de Glaxo de fármacos que se concentrava na inflamação dos nervos,
mantiveram contato para preencher pequenas lacunas nos dados ao contrário do foco exclusivo na dilatação dos vasos sanguí-
e para dirimir questões residuais. Em 1993, a aprovação para neos cranianos como causa da enxaqueca. (As contribuições
comercialização nos Estados Unidos do sumatriptano injetável foi da dilatação dos vasos sanguíneos e da inflamação dos nervos
concedida pela FDA (a aprovação da comercialização da forma para a enxaqueca não são mutuamente exclusivas, já que um
oral aconteceria dois anos mais tarde). A aprovação para comer- fenômeno influencia mais provavelmente o outro; por exem-
cialização veio quase uma década depois do trabalho inicial da plo, descobriu-se que até mesmo o sumatriptano tem algum
equipe do sumatriptano.2 efeito sobre a inflamação dos nervos.) Assim, várias empresas
farmacêuticas começaram a pesquisar outros ramos da vasta
família da serotonina quanto à atividade contra a enxaqueca.
FDA Committee Discussion, Script 1666 (November 6, 1991), p. 20.
1

Entrevista com Donna Gutterman, diretora da U.S. Medical Affairs, CNS/


2 No entanto, o sumatriptano forneceria o critério pelo qual os
Antesthesia/Critical Care, Glaxo Wellcome (December 1997). futuros compostos contra a enxaqueca seriam medidos.

FIGURA 7 Ação do sumatriptano no receptor da serotonina

(A) Receptores (“fechaduras”) e neurotransmissores (B) Transmissão de mensagens via neurotransmissores


(“chaves”)

Os neurotransmissores
Neurotransmissor (p. ex., serotonina) liberados de uma célula
nervosa são reconhecidos
por certos receptores Célula nervosa
localizados na superfície (transmitindo
de outra célula nervosa, mensagem)
Receptor que, por sua vez, pode
específico reagir adequadamente.
para o
neurotransmissor
exibido (a “chave” Receptor específico
molecular se encaixa para outros tipos de
na “fechadura” neurotransmissores
molecular)
Serotonina
(neurotransmissor)
Sumatriptano
(agindo no receptor
tipo “1d”)

Receptor da
serotonina Célula nervosa
(p. ex., tipo “1d”) (recebendo
mensagem)

Para os vasos
sanguíneos
cranianos
3
CONTEXTO
ORGANIZACIONAL

sEÇÃO

artigo 2 - 1 1 e pediu para ver as imagens novamente: “Ah”, disse


ele quando a exibição terminou, “Entendi. Eles estão
Tiros em alto-mar: um estudo de domando os cavalos”.
caso sobre inovação* Essa história, verdadeira ou não – e segundo me dis-
seram é verdadeira –, sugere bem a dor com a qual o ser
Elting E. Morison humano acomoda-se às novas condições. A tendência é
aparentemente involuntária e imediata de se proteger
No início da última guerra, quando os armamentos contra o choque da mudança, dando continuidade aos
eram escassos, os britânicos, segundo me disseram, fi- hábitos familiares do passado, porém incompatíveis, na
zeram uso de uma peça que havia chegado a eles desde presença de situações alteradas.
gerações anteriores. O passado ilustre dessa artilharia Contudo, se os seres humanos estão presos ao que
leve remonta à Guerra dos Bôeres. Nos dias de incer- conhecem, ao domínio das coisas como elas são, eles
teza após a queda da França, essas armas, acopladas também, lamentavelmente para a sua paz de espírito,
aos caminhões, serviram como unidades móveis úteis
são incessantemente atraídos para o desconhecido e
na defesa do litoral. Entretanto, considerou-se que a ra-
para as coisas como deveriam ser. Como Eclesiastes
pidez dos tiros poderia ser aumentada. Então, foi cha-
salientou com tristeza, os homens persistem em de-
mado um especialista em Tempos e Movimentos para
sordenar seus caminhos e crenças buscando muitas
sugerir maneiras de simplificar os procedimentos de
invenções.
disparo. Durante algum tempo, ele observou todas as
A questão é óbvia. A mudança tem sido sempre uma
práticas de uma das tripulações de artilheiros, composta
constante nas relações humanas; hoje, na verdade, é
de cinco homens. Intrigado com alguns aspectos dos
procedimentos, o especialista filmou, em câmera lenta, uma das características determinantes da nossa civiliza-
os soldados realizando o carregamento, fazendo ponta- ção. Em nossa organização social relativamente disfor-
ria e atirando. me, as mudanças de estação para estação são rápidas e
Quando projetou essas imagens uma ou duas vezes, fáceis. Mais importante para o nosso propósito imedia-
notou algo que lhe pareceu estranho. Um momento an- to, a América é fundamentalmente uma sociedade in-
tes do disparo, dois membros da tripulação cessaram dustrial em um momento de tremendo desenvolvimento
todas as atividades e voltaram a atenção, durante um tecnológico. Portanto, somos constantemente apresen-
intervalo de três segundos, para toda a etapa da descar- tados a novos dispositivos ou novas formas de poder
ga da arma. O especialista chamou um velho coronel de que, em seu refinamento e extensão, bombardeiam con-
artilharia, mostrou-lhe as imagens e apontou esse com- tinuamente a estrutura fixa dos nossos hábitos mentais e
portamento estranho. O coronel também ficou intrigado comportamentais. Sob tais condições, a nossa salvação,
ou pelo menos a nossa paz de espírito, parece depender
do nível de sucesso que podemos alcançar no futuro, o
*
Fonte: Elting E. Morison, Men, Machines and Modern Times que foi chamado, em uma excelente frase, de “socieda-
(Cambridge: MIT Press, 1966). Este ensaio foi criado como uma de três de completamente adaptável”.
palestras no California Institute of Technology, em 1950. Desde então,
tem sido reimpresso um bom número de vezes, de diferentes maneiras. É interessante, em vista de tudo isso, que tão pouca
Essa é a primeira vez que ele aparece como foi escrito originalmente. investigação, relativamente, tenha sido feita sobre o
236     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

processo de mudança e as respostas humanas a ele. 1898, essa questão era resolvida de forma elementar.
Recentemente, psicólogos, sociólogos, antropólogos Um artilheiro estimava a distância do alvo, normalmen-
culturais e economistas abordaram o assunto com re- te, nos anos 1890, cerca de 1,6 mil jardas. Então, ele
sultados sugestivos. Mas ainda estamos longe de com- levantava o cano da arma, proporcionando-lhe eleva-
preender totalmente o processo e ainda mais longe de ção para levar balão projétil até o alvo na distância esti-
saber como podemos simplificar e ajudar a acomodação mada. Esse processo de elevação era realizado girando
de um indivíduo ou grupo a novas máquinas ou novas uma pequena roda na base da arma que acionava as en-
ideias. grenagens de elevação. Com a arma fixa para um deter-
Com essas coisas em mente, pensei que seria inte- minado alcance, o artilheiro espreitava por uma mira
ressante, e talvez útil, examinar historicamente uma si- aberta, similar à de um pequeno fuzil, e esperava até
tuação nova dentro de uma sociedade, para verificar se que o balanço do navio colocasse a mira no alvo. De-
é possível descobrir como se desenvolveram as novas pois, pressionava o botão de disparo que descarregava
máquinas ou ideias que introduziram a situação nova; a arma. Em 1898, havia miras telescópicas em algumas
ver quem as introduz, quem resiste a elas, que pontos armas navais que ampliavam muito a imagem do alvo
de atrito ou tensão na estrutura social são produzidos para o artilheiro. Mas essas miras raramente eram uti-
pela inovação e, talvez, por que são produzidos e o que, lizadas pelos artilheiros. Elas eram firmemente amarra-
se houver algo, pode ser feito a respeito disso. Para este das ao cano da arma e, no seu recuo, chocavam-se com
estudo de caso, foi escolhida a introdução ao disparo o olho do artilheiro. Portanto, quando eram utilizadas,
com mira contínua na Marinha dos Estados Unidos. isso só era feito para obter uma pontaria inicial a fim de
O sistema, concebido pela primeira vez por um oficial estimar o alcance antes de a arma ser disparada.
inglês em 1898, foi introduzido em nossa Marinha de Observe agora duas coisas sobre o processo. Primei-
1900 a 1902. ro, a rapidez do disparo era controlada pelo balanço do
Decidi estudar esse episódio por duas razões. Em pri- navio. Os artilheiros tinham que esperar, nesse balanço,
meiro lugar, a Marinha não é diferente de uma socieda- pelo momento em que as miras fossem colocadas no
de que foi colocada sob condições de laboratório. Suas alvo. Segundo, há, em todo artilheiro, um intervalo de
dimensões são inflexivelmente limitadas. A Marinha é disparo – ou seja, o lapso de tempo entre o seu impul-
lindamente ordenada e articulada, e relativamente isola- so para disparar a arma e a tradução deste no ato de
da de influências aleatórias. Por essas razões, o impacto pressionar o botão de disparo. Um artilheiro, por causa
da mudança pode ser claramente discernido, as desar- desse tempo de reação, não podia esperar para disparar
ticulações em sua estrutura são facilmente descobertas a arma até o momento exato em que o movimento do
e marcadas. Em segundo lugar, o desenvolvimento do navio colocasse a mira sobre o alvo; ele tinha que espe-
disparo com mira contínua apoia-se em dispositivos rar para disparar um pouco antes, enquanto a mira es-
mecânicos. Portanto, apresenta-se para estudo uma tava fora do alvo. Como o intervalo de disparo era uma
situação concreta, durável. Não é como muitos outros questão individual, que variava obviamente de pessoa
reagentes da inovação – uma heresia maniqueísta, ou para pessoa, cada artilheiro tinha que estimar, a partir de
marxismo ou as opiniões de Sigmund Freud – que po- uma longa prática, o seu próprio intervalo e compensá-
dem ser deformados por forças conflitantes ou precon- -lo em conformidade.
ceitos. Em todo momento, sabemos exatamente o que Essas características, além de outras que não
o disparo com mira contínua realmente é. Será bom precisamos abordar aqui, conspiraram para tornar o
agora descrever, o mais resumidamente possível, o que disparo no mar relativamente incerto e não efetivo.
ele realmente é. Isso envolverá uma breve investigação O artilheiro, em uma plataforma em movimento, ao
de certas questões técnicas. Não vou pedir desculpas, estimar o alcance e o intervalo de disparo, e ao atirar
como me disseram para fazer, por essa preocupação so- enquanto a mira estava fora do alvo, tornou-se, em certo
bre como uma arma naval é disparada. Antes de qual- sentido, um artista.
quer coisa, tudo o que se segue só será inteligível se for Em 1898, removeram-se do processo muitas das
compreendido como a arma dispara. O conhecimento incertezas, e a posição do artilheiro foi radicalmente
das considerações físicas subjacentes pode conferir um alterada pela introdução do disparo com mira contí-
tipo de elegância à investigação das implicações sociais nua. A mudança principal foi aquela que permitiu ao
que vêm a seguir. Agora, a arma e o disparo. arti­lheiro manter sua visão e o cano da arma no alvo
O fato que rege o disparo no mar é que a arma está du­rante o balanço do navio. Isso foi conseguido pela
montada em uma plataforma instável, um navio em mo- alteração da relação da engrenagem de elevação, o
vimento. Esse movimento constante obviamente com- que permitiu que o artilheiro compensasse o balanço
plica o problema de manter uma mira estável. Antes de do navio elevando rapidamente o cano e atirando. A
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-11     237

essa mudança, seguiu-se outra. Com a possibilidade para compensar o balanço do navio. Nesse momento,
de manter a arma sempre no alvo, o desejo de miras Scott percebeu que poderia estar ali a solução para
aprimoradas tornou-se imediatamente aparente. As o problema da imprecisão do tiro: se um homem era
vantagens da mira telescópica, ao contrário da mira capaz de fazer essa manobra de maneira parcial e
aberta, foram percebidas totalmente pela primeira vez. inconsciente, talvez todos os homens pudessem ser
Mas a mira telescópica existente, será relembrado, se treinados para adotar o mesmo procedimento, mas de
movia com o recuo da arma e se chocava contra o olho forma plena e consciente.
do artilheiro. Para corrigir isso, a mira foi montada em Com base nessa premissa, Scott fez três coisas.
uma luva que permitia o recuo do cano da arma sem Primeiro, em todas as armas do Scylla, ele mudou a
mover o telescópio. relação das engrenagens de elevação, utilizadas ante-
Esses dois aprimoramentos na engrenagem de ele- riormente apenas para colocar a arma em uma posição
vação e na mira eliminaram as principais incertezas dos fixa para o alcance, de modo que o artilheiro pudesse
disparos no mar e aumentaram bastante as possibilida- facilmente levantar e abaixar o cano para acompanhar
des do tiro preciso e rápido. um alvo durante o balanço do navio. Segundo, reequi-
A artilharia naval deixou a condição de arte e trans- pou os telescópios de modo que não fossem afetados
formou-se em ciência. A precisão da artilharia na Ma- pelo recuo da arma. Terceiro, equipou a boca do cano
rinha britânica e na nossa, como disse um aluno, au- com um pequeno alvo, que era elevado e abaixado por
mentou 3.000% em seis anos. Isso não significa muito, uma manivela, a fim de simular um alvo móvel. Acom-
exceto para sugerir um grande aumento na precisão. panhando esse alvo e disparando com um pequeno fuzil
As seguintes figuras comparativas podem significar equipado na traseira da arma, o artilheiro poderia pra-
um pouco mais. Em 1899, cinco navios do Esquadrão ticar todos os dias. Assim equipado, o navio tornou-se
do Atlântico Norte dispararam durante cinco minutos, um campo de treinamento para os artilheiros. O bom
cada um, no casco de um navio-farol, no alcance con- artilheiro, antes considerado um artista individual, tor-
vencional de 1,6 mil jardas Após 25 minutos de dispa- nava-se, agora, um especialista treinado. O efeito foi
ros, dois tiros atingiram as velas do antigo navio. Seis sentido imediatamente. Em um ano, o Scylla estabele-
anos mais tarde, um artilheiro naval fez 15 disparos em ceu recordes notáveis.
um minuto, em um alvo de 75 por 25 pés na mesma Neste ponto, é necessário fazer algumas observa-
distância – 1,6 mil jardas; metade deles foi na mosca, ções diretamente relacionadas ao processo de inovação.
acertando 50 polegadas quadradas. Para começar, a personalidade do inovador. Gostaria de
Agora, tendo em mente os instrumentos (a arma, ter mais tempo para falar bastante sobre o almirante Sir
a engrenagem de elevação e o telescópio), o método Percy Scott. Ele foi um homem maravilhoso. Porém,
e os resultados do disparo com mira contínua, vol- três pequenas evidências devem bastar aqui. Primeiro,
temo-nos para o assunto de maior interesse: como a ele tinha certa engenhosidade mecânica. Segundo, sua
ideia, obviamente uma ideia tão simples de disparo vida pessoal era frustrante e amarga. Houve um divór-
com mira contínua, foi desenvolvida, quem a intro- cio e uma briga com o ambicioso oficial lorde Charles
duziu na Marinha dos Estados Unidos e qual foi a sua Beresford. Por último, ele se rebelava contra a inteli-
receptividade? gência inelástica de todas as autoridades, especialmente
A ideia saiu da mente fértil do almirante inglês Sir do almirantado britânico.
Percy Scott, que começou a desenvolvê-la em 1898, Há outros pontos dignos de menção aqui. Scott não
quando era capitão do H. M. S. Scylla. Dois ou três foi o responsável pela invenção dos instrumentos bási-
anos antes, Scott, na Marinha britânica, já articulava, cos que tornaram possível a mudança na artilharia. Essa
de forma independente e quase sozinho, um método mudança residiu na arma em si que, como um fuzil, esta-
para aprimorar a artilharia. Em um dia difícil, quando va nos navios havia pelo menos 40 anos; a engrenagem
o navio balançava violentamente durante uma prática de elevação que havia sido uma parte da arma desde o
de tiro, o capitão andava para cima e para baixo no início; e a mira telescópica que estava a bordo das em-
convés das armas e observava a tripulação de artilhei- barcações havia pelo menos oito anos. A contribuição
ros. Por causa do mau tempo, eles não conseguiam de Scott foi combinar esses três elementos adequada-
obter um bom rendimento. Entretanto, Scott obser- mente modificados e tornar possível, pela primeira vez,
vou que um artilheiro era nitidamente mais preciso o disparo com mira contínua. Ele combinou esses três
que os demais. Observou esse homem com cuidado e elementos de maneira acidental enquanto observava a
viu, após um tempo, que ele, de forma inconsciente, ação de um artilheiro que manipulava a engrenagem de
operava a engrenagem de elevação para a frente e elevação para corrigir parcialmente o balanço do na-
para trás, em um esforço parcialmente bem-sucedido vio. Scott, como vimos, tinha interesse na artilharia.
238     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Ele havia pensado em maneiras de aumentar a precisão por exemplo, na descoberta casual de Scott do disparo
por meio da prática e do aprimoramento das máquinas com mira contínua, já que ele estava buscando algum
existentes, mas não conseguiu produzir a ideia essencial meio de aprimorar sua prática de tiro ao alvo e tropeçou
e modificar os instrumentos para atender ao seu objeti- em uma solução por meio da observação que jamais
vo por iniciativa e pensamento próprios. Observe aqui, havia lhe passado pela cabeça.
enfim, a interação complexa da oportunidade, do clima A serendipidade, embora reconheça a mente prepa-
intelectual e da mente de Scott. A sorte (nesse caso, o rada, tende a enfatizar o papel do acaso na descoberta
artilheiro inconsciente), na verdade, favorece a mente intelectual. Seu efeito pode ser equilibrado por um caso
preparada, mas até mesmo a sorte e a mente preparada que sugere a contribuição da mente adequadamente
precisam de um ambiente favorável antes que possam preparada. Muita controvérsia tem surgido a respeito da
conspirar para produzir a mudança súbita. Nenhuma in- existência do Renascimento. Um estudioso argumentou
teligência pode ir muito além do limiar dos dados exis- recentemente na imprensa que, como na Idade Média já
tentes ou das combinações destes. havia muitos dos instrumentos e equipamentos associa-
Todos esses elementos, que entram no que pode ser dos ao Renascimento, pode-se dizer que este período
chamado de pensamento original, me interessam como existiu apenas na mente de historiadores como Bur-
professor. Muitas vezes, há uma paixão estéril por “ideias ckhardt. Essa opinião foi divertidamente refutada pelo
inertes” profundamente enraizadas na mente pedagógica. historiador de arte Panofsky, que afirmou que, embora
Portanto, está sempre presente na profissão uma tendên- Robert Grosseteste realmente tivesse um telescópio ru-
cia a ser desviado do processo pelo qual essas ideias, ou dimentar, ele o utilizava para examinar talos de grãos.
na verdade quaisquer ideias, realmente são produzidas. Galileu, uma inteligência do Renascimento, apontou
Lembro-me bem de como uma das minhas turmas que seu telescópio para o céu.
estava lendo os Cadernos de anotações, de Leonardo Aqui, Panofsky está dizendo, de uma maneira ape-
da Vinci, repudiou o autor porque ele aparentava não nas provocativa, que a mudança e o progresso intelec-
ter conhecimentos de mecânica. Talvez seja isso que tual são produtos das mentes curiosas bem treinadas e
se possa esperar de um método de instrução que, com bem guardadas, mentes que nos libertam do “terrível
muita frequência, implica que as grandes generalizações fardo das ideias inertes, jogando-as em uma nova com-
resultaram do acaso – uma maçã caindo no pomar ou binação”. Os educadores, ágeis na tarefa de verter o
uma chaleira fervendo na lareira – ou de uma inteligência vinho velho da nossa herança para as taças vazias que
superior isolada inexoravelmente em direção a uma ideia aparecem diante de si, podem refletir sobre como de-
prefigurada, como a evolução. senvolver tais mentes curiosas e independentes.
Esse processo por meio do qual aparecem os novos Saí do assunto em uma empreitada por minha pró-
conceitos, a interação do acaso, do clima intelectual pria conta. Agora, voltemos à história, a introdução do
e da mente imaginativa preparada, é um assunto inte- disparo com mira contínua. Em 1900, Percy Scott par-
ressante para análise oferecido por qualquer estudo de tiu para a Estação China como oficial comandante do
caso sobre inovação. Foi um assunto, como salientou o H. M. S. Terrible. Nesse navio, deu continuidade aos
Dr. Walter Cannon, que chamou, momentaneamente, a seus métodos de treinamento e ao seu sucesso espe-
atenção de Horace Walpole, cuja inteligência ágil des- tacular na artilharia naval. Na Estação China, encon-
lizava sobre a superfície de muitas ideias. Refletindo trou-se com um oficial subalterno americano, William
sobre o papel desempenhado pelo acaso no desenvolvi- S. Sims, que não tinha a engenhosidade mecânica de
mento de novos conceitos, ele recordou a história dos Scott, mas os dois foram reunidos por semelhanças
três príncipes de Serendip que se puseram a encontrar de temperamento que devem ser observadas aqui.
algum objeto interessante em uma jornada por meio Sims tinha a mesma intolerância pelo que se chama de
do seu reino. Eles não encontraram o objeto particular “cuspir e polir” e o mesmo desprezo que o seu colega
de sua busca, mas, ao longo do caminho, descobriram britânico pela inércia burocrática. Ele vinha se preo-
muitas coisas novas simplesmente porque estavam pro- cupando havia alguns anos, assim como Scott, com o
curando alguma coisa. Walpole acreditava que esse mé- que considerava ser a ineficiência de sua própria Ma-
todo intelectual deveria ter o nome, em homenagem aos rinha. Antes de encontrar-se com Scott, por exemplo,
fundadores, de serendipidade,* que exerce certamente ele havia partido para a China no mais novo orgulho
uma influência considerável no que chamamos de pen- da frota, o navio de guerra Kentucky. Após cuidadosa
samento original. Há um elemento de serendipidade, investigação e reflexão, informou aos seus superiores
em Washington que o Kentucky “não era um navio de
guerra – mas um crime contra a raça branca”. O espíri-
*
N. de T.: Faculdade de fazer descobertas felizes e inesperadas por acaso. to com que ele apressou seus esforços para transformar
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-11     239

o serviço naval fica mais evidente nas seguintes palavras, vados e esquecidos. Alguns, na verdade, foram comidos
dirigidas a um colega oficial: “Desejo que aqueles que por baratas, segundo descobriu-se mais tarde, para a fe-
têm opiniões diferentes das minhas devam continuar licidade de Sims.
a viver, mas, em cada fibra do meu ser, detesto deso- Segundo estágio: Nunca é agradável para qualquer
nestidade e volubilidade, e onde quer que isso ocorra, homem ter seu melhor trabalho ignorado pelos superio-
seja em alto grau, ou seja, utilizado para salvar a pele res, e esse foi um desprazer que Sims sofreu quando esta-
à custa dos interesses vitais do nosso grande serviço va extremamente doente. Em seus relatórios posteriores,
(no qual as pessoas tolas depositam uma confiança in- junto com os dados acumulados que utilizou para supor-
fantil), quero o sangue deste homem e vou tê-lo, não tar seus argumentos, ele mudou o tom. Usou deliberada-
importa o quanto isso me custe”. mente uma linguagem chocante: “Eles ficaram furiosos
Com Scott em 1900, Sims aprendeu tudo sobre o com meus primeiros relatórios e os arquivaram. Portanto,
disparo com mira contínua. Ele modificou, com a as- pensei em dar a esses últimos documentos uma forma tal
sistência ativa do inglês, a engrenagem em seu pró- que seria perigoso deixá-los desprezados nos arquivos”.
prio navio e experimentou um novo sistema. Depois Para um amigo, acrescentou: “Quero tudo ou nada, e se
de alguns meses de muito treinamento, suas baterias não puder tê-lo, não jogarei”.
experimentais começaram a bater recordes notáveis Junto com a alteração do seu tom, ele adotou outra
na prática de tiro ao alvo. Certo da utilidade dos seus medida para certificar-se de que as suas opiniões re-
métodos de artilharia, Sims voltou-se para a tarefa de ceberiam atenção. Enviou cópias dos seus relatórios a
instruir a Marinha como um todo. Em 13 grandes re- outros oficiais da frota. Conscientes de que as reivindi-
latórios oficiais, ele documentou o disparo com mira cações de Sims haviam circulado e suscitado comen-
contínua, sustentando seus argumentos com uma mas- tários, os homens em Washington foram obrigados a
sa de dados fatuais. Ao longo de um período de dois agir. Eles responderam por meio do chefe da Secreta-
anos, reiterou três pontos principais: primeiro, citou ria de Material Bélico, que era o encarregado-geral do
continuamente os recordes estabelecidos pelos navios equipamento utilizado na prática de artilharia, da se-
de Scott, o Scylla e o Terrible, e os sustentou com os guinte forma: (1) nosso equipamento em geral era tão
dados acumulados dos seus próprios testes em um na- bom quanto o dos britânicos; (2) uma vez que o nosso
vio americano; segundo, descreveu os mecanismos equipamento era bom, o problema devia estar nos ho-
empregados e os procedimentos de treinamento ins- mens, mas o artilheiro e o treinamento da artilharia
tituídos por Scott e por ele próprio para obter esses eram responsabilidade dos oficiais nos navios; e, mais
recordes; terceiro, explicou que os nossos próprios significante; (3) o disparo com mira contínua era im-
mecanismos não eram geralmente adequados sem possível. Experimentos revelaram que cinco homens
modificações para satisfazer as exigências colocadas trabalhando na engrenagem de elevação de uma arma
pelo disparo com mira contínua. Nossa engrenagem de de seis polegadas não produziriam a potência neces-
elevação, útil para erguer ou baixar uma arma lenta- sária para compensar um balanço de cinco graus em
mente e fixá-la em uma posição adequada ao alcance, 10 segundos. Esses experimentos e cálculos demons-
nem sempre funcionava com a facilidade e a rapidez traram, além da incerteza ou dúvida, que o sistema de
suficientes para que o artilheiro seguisse um alvo com disparo de Scott não era possível.
a arma durante o balanço do navio. Sims também ex- Este foi o segundo estágio – a tentativa de sa-
plicou que as poucas miras telescópicas a bordo dos tisfazer as reivindicações de Sims por meio da re-
nossos navios eram inúteis. Seus fios cruzados eram futação lógica, racional. Apenas uma dificuldade é
tão grossos ou malfeitos que escondiam o alvo, e as detectável nesses argumentos: eles estavam errados
miras estavam tão presas à arma que o sistema de re- em pontos importantes. Primeiro, embora houvesse
cuo da arma se chocava ao olho do artilheiro. pouca diferença entre o equipamento padrão de britâ-
Esse foi o conteúdo de todos os relatórios escri- nicos e americanos, os instrumentos nos dois navios
tos sobre artilharia da Estação China. A resposta de de Scott, o Scylla e Terrible eram muito melhores
Washington se enquadra em três estágios facilmente do que os equipamentos padrão dos nossos navios.
identificáveis. Segundo, todos os homens não poderiam ser treina-
Primeiro estágio: Inicialmente, não houve resposta. dos em disparo com mira contínua até que o nosso
Sims direcionou seus comentários para as secretarias equipamento fosse melhorado em toda a frota. Ter-
de Material Bélico e de Navegação, que se mantiveram ceiro, os experimentos com a engrenagem de elevação
no mais profundo silêncio. Parece que as alegações e os haviam sido engenhosamente concebidos na Washington
registros sobre o disparo com mira contínua não foram Navy Yard – em terra firme. Assim, foi possível
convincentes. Os relatórios foram simplesmente arqui- dispensar a primeira lei do movimento de Newton
240     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

nos cálculos da Secretaria de Material Bélico, que Armadas. Aqui é particularmente interessante notar
naturalmente agia no mar para ajudar o artilheiro a que, mais uma vez, nem Scott nem Sims inventaram
elevar ou baixar a arma montada em um navio em os instrumentos nos quais a inovação residiu. Eles
movimento. Outra dificuldade foi, naturalmente, que não insistiram em sua proposta, como se poderia es-
o disparo com mira contínua estava sendo utilizado perar, por causa do orgulho pelos instrumentos de sua
no navio de Scott e em alguns dos nossos próprios própria concepção. A mira telescópica foi implanta-
navios no momento em que o chefe da Secretaria de da a bordo em 1892 por Bradley Fiske, um oficial
Material Bélico estava escrevendo que ele era uma de grande capacidade inventiva. Nesse ano, Fiske
impossibilidade matemática. De toda maneira, con- chegou a esboçar no papel a vaga possibilidade do
sidero esse segundo estágio, o aparente refúgio para disparo com mira contínua, mas sua mira foi consi-
a razão, o mais divertido e instrutivo na nossa inves- derada inútil por seu comandante, Robley D. Evans.
tigação das respostas para a inovação. Em 1892, ninguém na Marinha, a não ser Fiske, sabia
Terceiro estágio: O período racional no contraponto o que fazer com uma mira telescópica mais do que
entre Sims e os homens de Washington passou logo. A Grosseteste sabia, em sua época, o que fazer com um
ele, seguiu-se o terceiro estágio, o da convocação de telescópio. E Fiske, em vez de lutar pelo seu telescó-
pessoas – o argumentum ad hominem. Sims, é claro, pio, voltou sua atenção para o telêmetro. Mas, seis
pela alta temperatura em que estava trabalhando e por anos depois de Sims, seguindo a trilha do seu colega
seu exagero calculado, foi convidado. Foi-lhe dito, em oficial, tornou-se o engenheiro da revolução. Sugiro,
endossos oficiais sobre seus relatórios, que havia outros com algumas reservas, esta explicação: Fiske, como
tão sinceros e leais quanto ele e bem menos difíceis; ele um inventor, teve seus momentos de satisfação du-
foi demitido como um egoísta insano; foi chamado de rante o projeto do dispositivo. Como tinha a energia
falsário deliberado de provas. necessária e o sentido claro do papel social de seu
A crescente oposição e o caráter dela não foram cal- projeto, imprimiu ideias revolucionárias nas Forças
culados para desestimular esforços suplementares da Armadas. Sims possuía esse sentimento. O caso de
parte de Sims. Isso o convenceu de que estava sendo Fiske, que demonstrou uma coragem e uma integrida-
atacado por homens falsos, desonestos, vítimas, como de raras em outras questões profissionais não intima-
disse ele, de arrogância e ignorância insuportáveis. mente ligadas com a introdução de novas armas por
Sims sabia que estava preparado para transpor qual- ele projetadas, ilustra um fato recorrente: as ideias de
quer obstáculo com o propósito de obter o “escalpo” e alguns são organizadas e promovidas por outros. Os
o “sangue” que buscava. Assim, como tenente, adotou a homens que se ocupam da promoção de uma ideia,
medida extraordinária de escrever para o presidente dos quando aparecem no mundo do comércio, são chama-
Estados Unidos, Theodore Roosevelt, e informá-lo dos dos de empresários. No mundo das ideias, eles ainda
notáveis recordes dos navios de Scott, da inadequação são empresários. Sims era um deles, um homem de
das nossas próprias rotinas e recordes de artilharia, e da meia-idade preso na periferia (como tenente) de uma
recusa do Ministério da Marinha em agir. Roosevelt, teia complexa de uma sociedade precisamente orga-
que sempre gostou de responder a apelos como esse nizada. Sua patente, a definição exata e a limitação da
quando convenientemente podia, trouxe Sims de volta capacidade de um homem em qualquer momento de
da China no final de 1902 e o instalou como inspetor de sua carreira, impediram Sims de descarregar todas as
Treinamento de Tiro, um posto de oficial naval manti- suas energias explosivas nos canais puramente roti-
do nos seis anos de governo restantes. E quando Sims neiros da Marinha em tempos de paz. No auge do seu
deixou o cargo, depois de muitos encontros espirituo- poder, ele era um oficial subalterno em vigília em um
sos que não podemos detalhar aqui, foi universalmente navio cruzando a esmo águas estrangeiras amistosas.
aclamado como “o homem que nos ensinou a atirar”. As mudanças notáveis nos sistemas de disparo nos
Com essa sequência de eventos (o relato cronoló- quais Scott introduziu lhe deram a oportunidade de
gico da inovação do disparo com mira contínua) em gastar suas energias legitimamente contra a hierar-
mente, agora é possível analisar as evidências para ver quia incrustada da sua sociedade. Parece-me que ele
que luz elas podem lançar em nosso interesse atual: as foi levado, em parte, pelo seu desejo genuíno de me-
origens das respostas à mudança em uma sociedade. lhorar a sua própria profissão, mas, em parte, também
Comecemos pelas origens. Já analisamos resumi- pela revolta contra o tédio, a ineficiência do alto esca-
damente as origens da ideia. Vimos como Scott che- lão e as limitações artificiais colocadas em suas ações
gou ao seu conceito. Agora devemos nos perguntar, pela estrutura social, em seu caso como subordinado.
creio eu, por que Sims procurou quase sozinho, entre Depois de investigar as origens da mudança, exa-
seus colegas oficiais, introduzir a ideia nas Forças minemos as razões para o que deve ser considerada a
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-11     241

reação incompreensível que observamos a essa mu- a exploração dos cavalos que já não transportavam mais
dança proposta. Por que essa hostilidade arraigada, as peças do domínio britânico, elas ajudavam os ofi-
agressiva e persistente de Washington que só foi que- ciais nos imponentes obstáculos da mudança. Para um
brada pela interferência de Theodore Roosevelt? Aqui homem que cresceu nesse ambiente, uma vela em um
foi uma mudança que aumentou muito e comprovada- cruzador blindado movido por uma turbina a vapor a
mente a efetividade da luta, de um serviço que se man- 14 nós era uma visão animadora.
tém quase exclusivamente para lutar. Por que, então, Essa relutância em mudar com as novas condições
essa recusa em aceitar um caso tão cuidadosamente não se limitava às mentes embotadas e imaginações
documentado, um caso provado de maneira incontes- menos resilientes nas Forças Armadas. Mesmo uma in-
tável por registros e experiências? Por que quase todos teligência como a de Alfred Thayer Mahan, tão clara
os governantes de uma sociedade buscam tão resoluta- e desimpedida, um profeta no âmbito de estratégia, li-
mente rejeitar uma mudança que melhora de maneira vre de amarras pessoais, ocasionalmente se via à mercê
tão notável suas chances de sobrevivência em qualquer do passado. Em 1906, Mahan opôs-se à construção de
disputa com sociedades concorrentes? Existem as ra- navios de guerra com as baterias principais de calibre
zões óbvias que ocorrerão a todos vocês – a fonte da único – ou seja, o navio de guerra moderno – porque,
reforma proposta era um oficial subalterno desconheci- segundo ele, tais navios só lutariam em grandes dis-
do a 8 mil milhas de distância; ele estava, e isso é um tâncias, as quais criariam, no marinheiro, uma espécie
fator relevante, criticando a engrenagem e o maquinário de “indisposição para o combate muito próximo”, que
projetado pelos homens nas secretarias aos quais estava iriam minar a coragem física e moral de um comandan-
enviando suas críticas. Além disso, Sims pretendia in- te. Em outras palavras, essas distâncias destruiriam a
troduzir aprimoramentos em um campo onde estes pa- doutrina e o espírito, formulados por Nelson um século
reciam desnecessários. A superioridade em uma guer- antes, de que nenhum capitão poderia ir muito longe
ra, como em outras coisas, é uma questão relativa, e a com quem colocou o seu barco ao lado de um inimigo.
guerra hispano-americana havia sido ganha pelo velho O rifle de 14 polegadas, cujo projétil poderia atingir um
sistema de artilharia. Portanto, ele era superior, embora, alvo a 6 milhas de distância, já havia, fazia muito tempo,
dos 9,5 mil tiros disparados de vários curtos alcances, invalidado a doutrina nelsoniana. Mahan, naturalmente,
apenas 121 tenham atingido o alvo. estava ciente desse fato e o reconhecia. Ele fora criado
Essas são as fontes de oposição mais óbvias (embo- na vela, mas relutava em aceitar o pleno significado dis-
ra eu as considere secundárias e de apoio) às mudanças so. Os homens não abdicaram de sua bravura, mas, um
propostas por Sims. Entretanto, uma causa menos óbvia século após a batalha do Nilo, tiveram que manifestá-la
parece ser de longe a mais importante: a Marinha não é de maneira diferente.
apenas uma força armada, mas também uma sociedade. A questão ainda persiste: “Qual foi a causa dessa
Muitos homens passam a vida toda na Marinha e, por reação cega à mudança tecnológica, observada na conti-
isso, tendem a definir a sua existência no mundo com nuação da vela, nas contendas de Mahan ou na oposição
base nela. Nos 40 anos que se seguiram à Guerra Civil, ao disparo com mira contínua?”. Talvez seja equivoca-
essa sociedade foi obrigada a acomodar-se a uma série do supor, como alguns civis apontam, que isso brote
de mudanças tecnológicas – a turbina a vapor, o motor exclusivamente de algum destempero bourbonista sem
elétrico, os novos projéteis de grande poder explosivo, motivo aparente que invade a mente militar. Há uma
a armadura de aço endurecido e todo o resto. Essas mu- base mais sólida e mais atraente. A oposição do soldado
danças introduziram outras mudanças extraordinárias e marinheiro a tal mudança brota do instinto humano
no design dos navios e, portanto, nos conceitos de como de se proteger e, sobretudo, de proteger o seu modo de
eles deviam ser utilizados, ou seja, nas táticas da frota e viver. As organizações militares são sociedades criadas
até mesmo na estratégia naval. A Marinha desse período em torno dos sistemas de armas prevalecentes e sobre
é um paraíso para o historiador ou sociólogo em busca eles. Intuitivamente e de forma correta, o militar sente
de evidências relacionadas com as respostas de uma so- que uma mudança no armamento prenuncia uma altera-
ciedade às mudanças. ção nos arranjos da sua sociedade. Pense nisso desta ma-
A essas inúmeras inovações que provocaram uma neira. Desde o tempo em que a memória do homem não
desordem generalizada em todo um serviço com forte corre em sentido contrário, a sociedade naval foi criada
comprometimento da organização formal, a Marinha a partir do navio de superfície. As rotinas, os hábitos
respondeu com rancor e má vontade. Por exemplo, as mentais, a organização social, as acomodações físicas,
velas continuaram a existir em nossos navios de pri- as convenções, os rituais e as fidelidades espirituais
meira linha muito tempo depois de não mais terem têm sido condicionados pelo fato essencial do navio.
um propósito mecanicamente útil. No entanto, como O que acontece então com a sua sociedade se o navio é
242     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

desalojado como elemento principal por um armamento 3. Esses elementos foram combinados de forma bem-su-
radicalmente diferente como o avião? Os costumes e cedida por mentes que não estavam interessadas nos
a estrutura da sociedade são imediatamente colocados instrumentos em si, mas no que podiam fazer com eles.
em risco. Eles podem, na verdade, ser totalmente des- Essas mentes estavam, com certeza, interessadas no
truídos. Era espirituoso o clichê dos anos 1920 de que movimento de “revolta implícita” que existe no apoio
os oficiais de Marinha que insistiam em defender o na- de toda mudança. Seus temperamentos e carreiras, na
vio de guerra dos aparentemente superiores cargueiros realidade, apoiam essa visão. Da artilharia, Sims foi
e assim o faziam porque o navio de guerra era um lar para os projetos de navios de ataque, táticas de frota
mais confortável. O que, de um ponto de vista, é um existentes e métodos de promoção. Ele viveu e morreu,
de acordo com as Forças Armadas, como um albatroz,
argumento melhor? Todos sabem que não existe lugar
um homem sempre no ataque contra a autoridade su-
melhor do que o lar.
perior, um espírito rebelde que combateu ferozmente a
Parece que esse sentimento contribuiu, em grande
autoridade constituída.
parte, para a oposição a Sims: foi o produto de um sen-
4. Sims e seus colegas sofriam oposição de homens mo-
timento instintivo de proteção, mesmo que os motivos vidos aparentemente por três fatores: descrença sincera
deste não fossem manifestados ou reconhecidos. Os em reivindicações movidas pela paixão, porém justifi-
anos após 1902 provaram o quanto a oposição esta- cadas, do novo processo; proteção dos dispositivos e
va certa. A partir das mudanças na artilharia, flui um instrumentos existentes com os quais se identificavam;
extraordinário complexo de mudanças: nas rotinas de e manutenção da sociedade existente com a qual se
bordo, no projeto do navio e nas táticas de frota. Houve identificavam.
também uma mudança social. Nos dias em que a arti- 5. O impasse entre aqueles que buscavam a mudança e
lharia não era levada muito a sério, o mesmo acontecia os que pretendiam manter as coisas como estavam só
com o oficial. Entretanto, após 1903, ele se tornou um foi quebrado por um apelo à força superior, uma força
dos membros mais significantes e poderosos de uma não identificada com os costumes, as convenções e os
tripulação, e essa mudança de ênfase naturalmente se dispositivos da sociedade. Isso me parece um ponto
refletiu nas listas de promoção. Cada uma dessas mu- muito importante. Em 1900, para acomodar-se a uma
danças provocou um deslocamento na sociedade naval. situação nova, a sociedade naval se dividiu. O apelo a
Com a previsão perturbada do homem e a indisposição Roosevelt é a documentação para a grande generaliza-
natural para romper as formas clássicas, os homens em ção de Mahan de que nenhum serviço militar deve ou
Washington resistiram a Sims o quanto puderam. É bas- pode se reformular por si próprio. Ele deve procurar
tante relevante o fato de que eles resistiram a Sims até ajuda de fora.
que um agente externo – externo e superior –, não cla- Agora, com base nesses cinco pontos, é possível
ramente identificado com a sociedade naval, interveio e procurar, como já sugerido desde o início, algumas im-
impôs a mudança. plicações maiores da história. O que ela pode sugerir
Esse agente, o presidente dos Estados Unidos, po- sobre o processo geral pelo qual qualquer sociedade
deria razoável e legitimamente reivindicar o crédito tenta responder às novas condições?
por restaurar a eficiência da nossa artilharia. Mas, por Para começar, há uma interferência perturbadora
força maior essa restauração foi trazida a um grande meio escondida na declaração de Mahan de que ne-
custo para as Forças Armadas e os homens envolvidos. nhuma organização militar pode se reformular a si
Houve amarguras, instalaram-se suspeitas, e abriram-se própria. Certamente os civis concordariam com isso.
feridas impossíveis de esconder que, na verdade, nunca Todos nós sabemos que a guerra e a preparação para
sararam. ela são importantes demais, como disse Clemenceau,
Agora, todo esse episódio pode ser resumido em para serem deixadas para os generais. Mas, como
cinco pontos distintos: apontei antes, as organizações militares são realmente
1. A ideia essencial da mudança ocorreu, em parte, pelo sociedades, mais rigidamente estruturadas, mais alta-
acaso, mas em um ambiente que continha todos os ele- mente integradas, do que a maioria das comunidades,
mentos essenciais para a mudança e para uma mente mas ainda são sociedades. E se alterássemos a decla-
disposta a reconhecer essa possibilidade. ração de Mahan para “Nenhuma sociedade pode se
2. Os elementos básicos – a arma, a engrenagem e a mira reformular por si própria”? O processo de adaptação à
– foram colocados no ambiente por outros homens, que mudança, por exemplo, é importante demais para ser
estavam interessados em conceber máquinas para aten- deixado para os seres humanos? Trata-se de um pen-
der a propósitos diferentes ou que visavam apenas aos samento desencorajado, e historicamente existe uma
próprios instrumentos. causa para sê-lo. A sociedade não tem sido muito bem-
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-11     243

-sucedida na tarefa de se reformular a si própria e de O processo Bessemer, como qualquer outra técnica
ajustar-se à mudança sem dor e conflito. nova, tinha sido constantemente melhorado e refinado
Esse assunto refere-se a nós mesmos. Nossa socie- nesse período. Os trabalhadores britânicos dos concor-
dade tem base, como já mencionei, na evolução tecno- rentes da Cambria, seguros do desempenho de suas
lógica, como a Marinha dos anos 1890 baseava-se na próprias técnicas originais, resistiram e ressentiram-se
evolução dos sistemas de armamentos. Como, então, de todas as mudanças. Os meninos de fazenda da Pen-
podemos encontrar os meios para aceitar, com menos silvânia, livres dos rituais e das tradições do seu ofício,
dor para nós mesmos e menos danos à nossa organi- rapidamente adaptaram-se ao processo em constante
zação social, as mudanças produzidas pela inovação? mudança. Eles acabaram criando uma posição compe-
Naturalmente, não posso dar nenhuma resposta satisfa- titiva inatacável para sua empresa.
tória para essas questões difíceis. Mas, ao pensar sobre Como então podemos modificar os efeitos perigosos
o estudo de caso diante de nós, ocorreu-me a ideia que, dessa palavra identificação? E quantos podem mexer
pelo menos, poderia justificar uma investigação mais com esse processo de identificação? Nossa segurança
aprofundada por homens muito mais qualificados do – em grande parte, afinal de contas – vem de darmos a
que eu. nossa lealdade a algo maior do que nós mesmos. Essas
Em nosso estudo de caso, uma fonte principal de são perguntas difíceis para as quais apenas as respostas
conflito e tensão parece residir nessa grande palavra mais experimentais e provisórias podem aqui ser pro-
que utilizei com tanta frequência: identificação. Não postas para consideração.
pode ter passado despercebido que alguns homens Se olharmos de perto essa curta história, desco-
identificavam-se com suas criações – miras, arma, briremos que os homens envolvidos foram vítimas de
engrenagem e assim por diante – e obtiveram assim identificações severamente limitadas. Presumivelmen-
uma satisfação presumida a partir da coisa em si, uma te, todos eles faziam parte de uma sociedade dedicada
ao processo de defesa nacional, contudo persistiram
satisfação que os impedia de pensar com atenção de-
em se alinhar com partes separadas do processo – com
masiada no uso ou nos defeitos da coisa; que outros se
os instrumentos de defesa existentes, com os costumes
identificavam com o modo de vida estabelecido que
existentes da sociedade ou com o ato de rebeldia contra
herdaram ou aceitaram com modificações mínimas e
os costumes da sociedade. Todos os insurgentes tinham
assim encontraram sua satisfação na tentativa de man-
o melhor disso. Eles poderiam dizer (e disseram) que
ter esse modo de vida imutável; e que ainda outros
o processo de defesa foi melhorado por uma arma que
se identificavam como espíritos revoltosos, homens
atirava com mais precisão e mais rapidez, e, como eles
da casta insurgente da mente, e assim obtiveram uma
quiseram tais armas, eram únicos entre seus compa-
satisfação do ato da revolta em si.
nheiros, os patriotas que procuraram apenas o objeto
Essa identificação puramente pessoal com um con- maior de uma melhor defesa. Entretanto, essa afirmação
ceito, uma convenção ou uma atitude poderia ser uma sedutora – mesmo quando conjugada com o reconheci-
barreira poderosa no caminho da mudança facilmente mento de que esses homens estavam certos e que eram
aceitável. Aqui temos um exemplo primitivo interes- extremamente valiosos e merecedores de respeito e ad-
sante. De 1864 a 1871, dez siderúrgicas nos Estados miração – não pode esconder o fato de que eles estavam
Unidos começaram a produzir aço pelo novo processo interessados também no escalpo e no sangue, tão inte-
denominado Bessemer. No início, quase todas as em- ressados que fizeram do seu caso uma questão militante
presas importaram operários ingleses da Grã-Bretanha e, assim, criaram uma atmosfera na qual os homens que
familiarizados com o processo. Entretanto, a Cambria se prezam não podem render-se sem parecerem fracos
Company não fez isso. Nos primeiros anos, as empresas ou errados, ou ambos. Então, essas identificações li-
com mão de obra britânica estabeleceram uma superio- mitadas colocaram os homens em conflito uns com os
ridade inicial. Mas, no final dos anos 1870, a Cambria outros, e o conflito os impediu de chegar a uma aceita-
havia alcançado uma liderança sobre todos os concor- ção comum da mudança que presumivelmente, como
rentes. O presidente da Cambria, R. W. Hunt, ao buscar homens interessados em nossa defesa nacional, todos
uma causa para o sucesso da empresa, atribuiu-o quase eles consideravam desejável.
exclusivamente à política de trabalho. Parece-me, portanto, se estiver correto em mi-
Começamos a conversão da planta sem que ninguém nha avaliação, que poderíamos passar algum tem-
conhecesse sequer o lado de fora de uma instalação po pensando na possibilidade de alargar a esfera das
Bessemer. Nós, portanto, tínhamos os alunos dispostos, nossas identificações da parte para o todo. Por exem-
sem preconceitos e lembranças do que haviam feito no plo, aqueles meninos de fazenda da Pensilvânia na
país de origem. Cambria Steel Sompany estavam aparentemente mais
244     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

interessados na manufatura do aço do que na preser- historicamente elas não têm sido suficientes para nos
vação de qualquer maneira particular de produzi-lo. dar a serenidade e competência que buscamos.
Logo, eu sugeriria que, ao estudarmos a inovação, Se as afirmações anteriores estiverem corretas, elas
olhemos mais esta possibilidade: qualquer grupo que sugerem que poderíamos dar alguma atenção à constru-
exista para qualquer propósito – a família, a fábrica, ção de uma visão de nós mesmos como uma sociedade
a instituição de ensino – poderia começar por definir que, em tempo de grande mudança, identificou-se com
para si o seu grande objetivo e fazer com que ele seja a mudança e obteve segurança e satisfação da sábia e
comunicado a todos os membros do grupo. Assim de- criativa acomodação. Penso que tal visão baseia-se em
finido e comunicado, ele pode servir como um grande uma reverência relativamente maior ao simples proces-
agente comunicador contra as alianças locais disrupti- so de viver em uma sociedade que hoje possuímos e
vas dos elementos menores inevitáveis que compõem um respeito e apego relativamente menores a qualquer
qualquer grupo. Também pode servir como um meio produto especial de uma sociedade, quer como um pro-
para aumentar a aceitabilidade de qualquer mudan- duto finito, como um dispositivo elétrico de banheiro ou
ça que possa auxiliar na realização mais eficiente do tão conceitual como uma definição fixa e definitiva de
grande objetivo. nossa Constituição ou nossa democracia.
Surge também uma segunda forma possível de Ao longo do tempo, essa identificação com o proces-
combater a fatídica influência das identificações li- so, ao contrário do produto, com a arriscada seleção e
mitadas. Somos, devo repetir, uma sociedade com adaptação ao contrário da simples retenção e posse, tem
base na tecnologia, em uma era de avanço tecnoló- sido difícil de realizar de forma coletiva. O romano do
gico incomum, e uma civilização irrevogavelmente início da República, o italiano do século XV e início do
comprometida com a teoria da evolução. Essas coisas XVI ou o inglês do tempo de Elizabeth parecem ter sido
significam que acreditamos na mudança; elas suge- mais bem-sucedidos ao aproveitarem as oportunidades,
rem que, se quisermos sobreviver com boa saúde, preservando ao máximo a herança do passado conforme
devemos, como na frase que usei anteriormente, nos julgaram pertinente e útil para o seu propósito.
tornar uma “sociedade adaptativa”. Quando utilizo Parece que caímos em tempos semelhantes aos de-
a palavra adaptativa, refiro-me à capacidade de ex- les, em que muitas das formas e esquemas existentes
trair os maiores retornos possíveis das oportunidades perderam o significado em face das circunstâncias em
em mãos: a capacidade de Sir Percy Scott para es- drástica alteração. Como eles, podemos encontrar pelo
colher criteriosamente entre as ideias e os materiais menos parte de nossa salvação em nos identificarmos
apresentados tanto pelo passado quanto pelo presen- com o processo adaptativo e, assim, compartilharmos
te e jogá-los em uma nova combinação. Adaptativa, com eles um pouco da alegria, exuberância, satisfação
como utilizada aqui, também significa o tipo de re- e segurança com que saíram ao encontro de seus tempos
siliência que nos permitirá aceitar total e facilmente de mudança.
as melhores promessas das circunstâncias novas, sem Estou ciente de que, na criação de minha situação
que percamos o nosso senso de continuidade ou nos- histórica, consegui, mesmo que de forma artificial,
sa integridade essencial. inventá-la. Fui forçado a cortar grande parte, se não
Ainda não somos emocionalmente uma sociedade todo, do tecido conectivo de evidências históricas e
adaptativa, embora tentemos desenvolver sistema- apresentá-lo somente com os ossos e até mesmo com
ticamente as forças que tendem a nos transformar apenas alguns deles. Assim, também estou conscien-
em uma. Estimulamos a busca de novas invenções e te de que o episódio perdeu muito da sutileza, vita-
mantemos a mente estimulada, brilhante e livre para lidade e incerteza atrativas da situação real. Houve
buscar novos meios de transporte, comunicações e também, no processo, uma distorção inevitável, mas
energia. Contudo continuamos, em parte, estarreci- espero que o essencial se mantenha. Também estou
dos com as consequências da nossa engenhosidade e, ciente de que tenho erguido hipóteses elaboradas so-
com muita frequência, tentamos encontrar segurança bre as provas fornecidas pelo episódio único. Preten-
no suporte às convenções antigas e irrelevantes, à ex- di aqui sugerir possíveis abordagens e métodos de
tensão de garantias puramente físicas ou às decisões estudo e também possíveis áreas frutíferas de investi-
que nós mesmos devemos fazer para a manutenção da gação em um assunto que me parece de fundamental
autoridade superior, como o Estado. Essas soluções importância na vida e no bem-estar da nossa socie-
não são necessariamente antinaturais ou erradas, mas dade em mudança.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     245

artigo 2 - 1 2 As inovações radicais e incrementais têm consequên-


cias competitivas tão diferentes porque requerem dife-
Inovação de arquitetura: a rentes capacitações organizacionais, que são difíceis de
reconfiguração das tecnologias criar e onerosas para ajustar.6 A inovação incremental
existentes de produtos e o fracasso reforça as capacitações das organizações estabelecidas,
enquanto a radical as obriga a fazer um novo conjunto
das empresas estabelecidas*
de perguntas, recorrer a novas habilidades técnicas e
Rebecca M. Henderson e Kim B. Clark comerciais e empregar novas abordagens de resolução
de problemas.7
A distinção entre refinar e aprimorar um projeto exis- A distinção entre inovação radical e incremental
tente e introduzir um novo conceito que se desvie de produziu conceitos importantes, mas é fundamental-
maneira significativa da prática anterior é uma das mente incompleta. Há cada vez mais evidências de que
noções centrais da literatura existente sobre inovação existem inúmeras inovações técnicas que envolvem
técnica.1A inovação incremental introduz mudanças re- mudanças aparentemente modestas da tecnologia exis-
lativamente pequenas no produto existente, explora o tente, mas com consequências competitivas muito sé-
potencial do projeto estabelecido e, muitas vezes, refor- rias.8 O caso da Xerox e das pequenas fotocopiadoras e
ça a dominância das empresas estabelecidas.2 Embora o da RCA no mercado americano de receptores de rádio
não derive de nenhuma ciência radicalmente nova, exi- são dois exemplos.
ge, em geral, considerável habilidade e engenhosidade, A Xerox, pioneira das fotocopiadoras de papel co-
com consequências econômicas bastante significativas mum, confrontou-se, em meados dos anos 1970, com
ao longo do tempo.3 A inovação radical, por sua vez, concorrentes que ofereciam copiadoras muito meno-
baseia-se em um conjunto diferente de princípios cien- res e mais confiáveis do que o produto tradicional. Os
tíficos e de engenharia, e abre-se uma vasta gama de novos produtos exigiam poucos conhecimentos novos
novos mercados e aplicações potenciais.4 Esse tipo de de ciência ou engenharia, mas, apesar de a Xerox ter
inovação cria grandes dificuldades para as empresas inventado as tecnologias essenciais e da enorme expe-
estabelecidas5 e pode ser a base para a entrada bem-su- riência na indústria, a empresa levou oito anos, entre
cedida de novas empresas ou até mesmo da redefinição equívocos e adiamentos, para lançar um produto com-
de uma indústria. petitivo no mercado. Naquela época, a Xerox perdeu
a metade da sua participação de mercado e passou por
problemas financeiros graves.9
*
Fonte: Copyright © 1990 by Cornell University. Administrative Science Em meados dos anos 1950, os engenheiros do cen-
Quarterly 35 (1990), pp. 9-30. tro de pesquisa e desenvolvimento corporativo da RCA
1
E. Mansfield, Industrial Research and Technical Innovation (New York:
Norton, 1968); M. Moch and E.V. Morse, “Size, Centralization and Orga- desenvolveram um protótipo de receptor de rádio por-
nizational Adoption of Innovations”, American Sociological Review 42 tátil transistorizado. O novo produto usava tecnologia
(1977), pp. 716-25; C. Freeman, The Economics of Industrial Innovation,
2nd ed. (Cambridge, MA: MIT Press, 1982).
na qual a RCA era forte (transistores, circuitos de rádio,
2
R. Nelson and S. Winter, An Evolutionary Theory of Economic Change alto-falantes, dispositivos de sintonização), mas a em-
(Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982); J. E. Ettlie, W. P. presa não viu muitos motivos para seguir tal tecnologia
Bridges and R. D. O’Keefe, “Organizational Strategy and Structural
Differences for Radical vs. Incremental Innovation”, Management aparentemente inferior. Por sua vez, a Sony, uma em-
Science 30 (1984), pp. 682-95; R. D. Dewar and J. E. Dutton, “The presa pequena e relativamente nova, usou o pequeno
Adoption of Radical and Incremental Innovations; An Empirical
Analysis”, Management Science 32 (1986), pp. 1422-33; M. L. Tushman
rádio transistorizado para entrar no mercado america-
and P. Anderson, “Technological Discontinuities and Organizational no. Mesmo após o aparente sucesso da Sony, a RCA
Environments”, Administrative Science Quarterly 31 (1986), pp. 439-65.
3
S. Hollander, The Sources of Increased Efficiency: A Study of Du Pont
Rayon Plants (Cambridge, MA: MIT Press, 1965).
4
G. G. Dess and D. Beard, “Dimensions of Organizational Task 6
Nelson and Winter, An Evolutionary Theory of Economic Change; M. T.
Environments”, Administrative Science Quarterly 29 (1984), pp. 52- Hannan and J. Freeman, “Structural Inertia and Organizational Change”,
73; Ettlie et al., “Organizational Strategy and Structural Differences for American Sociological Review 49 (1984), pp. 149-64.
Radical vs. Incremental Innovation”; Dewar and Dutton, “The Adoption 7
T. Burns and G. Stalker, The Management of Innovation (London:
of Radical and Incremental Innovations”. Tavistock, 1966); J. Hage, Theories of Organization (New York:
5
A. C. Cooper and D. Schendel, “Strategic Response to Technological Wiley Interscience, 1980); Ettlie et al., “Organizational Strategy
Threats”, Business Horizons 19 (1976), pp. 61-69; R. L. Daft, “Bureaucratic and Structural Differences of Radical vs. Incremental Innovation”;
versus Nonbureaucratic Structure and the Process of Innovation and Change”, Tushman and Anderson, “Technological Discontinuities and Organi-
in Research in the Sociology of Organizations, vol. 1, ed. S. B. Bacharach zational Environments”.
(Greenwich, CT: JAI Press, 1982), pp. 129-66; R. Rothwell, “The Role of 8
K. B. Clark, “Managing Technology in International Competition:
Small Firms in the Emergence of New Technologies”, in Design, Innovation The Case of Product Development in Response to Foreign Entry”,
and Long Cycles in Economic Development, ed. C. Freeman (London: in International Competitiveness, ed. M. Spence and H. Hazard
Francis Pinter, 1986), pp. 251-48; Tushman and Anderson, “Technological (Cambridge, MA: Ballinger, 1987), pp. 27-74.
Discontinuities and Organizational Environments”. 9
Ib.
246     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

continuou como seguidora no mercado à medida que Um componente é definido aqui como uma porção
a Sony lançava modelos sucessivos com qualidade de fisicamente distinta do produto, que incorpora um con-
som e capacidade de recepção de FM aprimoradas. A ceito essencial do design13 e realiza uma função bem
ironia da situação não foi esquecida pelos engenheiros definida. No ventilador, um determinado motor é um
de P&D: durante muitos anos, os rádios da Sony foram componente do design que fornece energia para ligar o
produzidos com tecnologia licenciada da RCA, contudo ventilador. Existem vários conceitos de design que po-
esta empresa teve grande dificuldade para equiparar seu dem ser utilizados para fornecer energia. A escolha de
produto no mercado com o da Sony.10 um deles – a decisão de utilizar um motor elétrico, por
Os modelos existentes que se baseiam na simples exemplo – estabelece um conceito essencial do design.
distinção entre inovação radical e incremental fornecem O componente real – o motor elétrico – é então uma
poucas informações para explicar por que tais inovações implementação física desse conceito de design.
aparentemente menos importantes ou simples tomam A distinção entre o produto como um sistema e o
esse rumo. Nesta leitura, desenvolvemos e aplicamos um produto como um conjunto de componentes ressalta
modelo que cresceu com base em pesquisa nas indús- a ideia de que o desenvolvimento de produto bem-
trias automotiva, máquinas-ferramentas e cerâmica e que -sucedido exige dois tipos de conhecimento: (1) do
ajuda a explicar como as inovações menos importantes
componente (ou conhecimento sobre cada uma dos
podem ter grandes consequências competitivas.
conceitos essenciais do design e da maneira como
eles são implementados em um determinado com-
ESTRUTURA CONCEITUAL ponente) e (2) da arquitetura (ou conhecimento so-
Conhecimentos de arquitetura e de componente bre como os componentes são integrados e ligados
Neste artigo, concentramo-nos no problema do desen- em um todo de maneira coerente). A distinção entre
volvimento do produto, assumindo como unidade de conhecimento de arquitetura e de componente, ou
análise um artigo manufaturado vendido para um usuário entre os próprios componentes e as ligações entre
final e concebido, projetado e fabricado por uma única si, é uma fonte de ideias sobre como as inovações
organização de desenvolvimento de produto. Definimos diferem umas das outras.
as inovações que mudam a maneira c0omo os compo-
nentes de um produto são ligados, ao mesmo tempo que Tipos de mudança tecnológica
deixamos intocados os conceitos essenciais do proje- A noção de que existem tipos diferentes de inovação,
to (e, portanto, o conhecimento básico subjacente aos com efeitos competitivos diferentes, tem sido um tema
componentes), como inovações de arquiteturas.11 Essa importante na literatura sobre inovação tecnológica
foi a inovação que confrontou a Xerox e a RCA. Ela desde Schumpeter.14 Após a ênfase de Schumpeter na
destrói a utilidade do conhecimento arquitetural de uma destruição criativa, a literatura caracterizou tipos dife-
empresa, mas preserva a utilidade do conhecimento so- rentes de inovação em termos de seu impacto nas ca-
bre os componentes do produto. pacitações estabelecidas de uma empresa. Essa ideia é
A distinção entre o produto como um todo – o siste- utilizada na Figura 1, que classifica as inovações ao lon-
ma – e o produto em partes – os componentes – tem uma go de duas dimensões. A dimensão horizontal captura
longa história na literatura do design.12 Por exemplo, os o impacto de uma inovação sobre os componentes, en-
componentes de um ventilador de quarto incluem a pá, quanto a vertical captura seu impacto sobre as ligações
o motor que a impulsiona, a proteção da pá, o sistema entre os componentes.15 Naturalmente, existem outras
de controle e a carcaça mecânica. A arquitetura global formas de caracterizar os diferentes tipos de inovação.
do produto define como os componentes funcionarão Mas, por causa de nosso foco na inovação e no desen-
juntos. Reunidos, a arquitetura do ventilador e seus volvimento de novos produtos, o estrutura delineada na
componentes criam um sistema para movimentar o ar Figura 1 é útil porque se concentra no impacto de uma
em um ambiente. inovação sobre a utilidade dos conhecimentos de arqui-
tetura e de componente da empresa.
10
Ib.
11
Em rascunhos anteriores deste artigo, referimo-nos a esse tipo de ino-
vação como geracional. Somos gratos ao professor Michael Tushman por 13
K. B. Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts
sua sugestão do termo arquitetural. in Technological Evolution”. Research Policy 14 (1985), pp. 235-251.
12
D. L. Marples, “The Decisions of Engineering Design”, IEEE Transactions 14
J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (Cambridge,
of Engineering Management EM.8 (June 1961), pp. 55-71; C. Alexander, MA: Harvard University Press, 1942).
Notes on the Synthesis of Form (Cambridge, MA: Harvard University 15
Somos gratos a um dos revisores anônimos da ASQ pela sugestão de
Press, 1964). uso dessa matriz.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     247

FIGURA 1 Uma estrutura para definir inovação ruído, as melhorias no design da pá ou na potência do
motor serão inovações incrementais. A mudança para
Conceitos essenciais
um ar-condicionado central seria uma inovação radical.
Reforçados Revogados
Os novos componentes associados com compressores,
essenciais e os componentes
Relação entre os conceitos

Inovação Inovação
refrigeradores e controles associados acrescentariam
Inalterada
incremental modular um conjunto de novas disciplinas técnicas e novas inter-
-relações. Para o fabricante de grandes ventiladores de
teto, porém, a introdução de um ventilador portátil seria
Alterada
Inovação Inovação uma inovação de arquitetura. Embora os componentes
de arquitetura radical
principais fossem, em grande parte, os mesmos (p. ex.,
pá, motor, sistema de controle), a arquitetura do produ-
to seria bem diferente. Haveria mudanças significativas
Colocadas dessa forma, as inovações radical e nas interações entre os componentes. O tamanho menor
incremental são pontos extremos ao longo de ambas e a colocação do motor e da pá no ambiente concentra-
as dimensões. A inovação radical estabelece um novo riam a atenção em novos tipos de interação entre o ta-
projeto dominante e, por isso, um novo conjunto de manho do motor, as dimensões da pá e a quantidade de
conceitos essenciais de design implementados em com- ar que o ventilador conseguiria fazer circular, enquanto
ponentes ligados em uma nova arquitetura. A inovação a redução do tamanho do aparelho provavelmente intro-
incremental refina e amplia um design estabelecido. A duziria novas interações entre o desempenho da pá e o
melhoria ocorre nos componentes individuais, mas os peso da carcaça do motor.
conceitos essenciais subjacentes ao design e as ligações A distinção entre as inovações radical, incremental e
entre eles continuam os mesmos. de arquitetura é uma questão de grau. A intenção aqui não
A Figura 1 mostra dois tipos adicionais de inovação: é defender as fronteiras de uma definição em particular,
a inovação que muda apenas os conceitos essenciais do especialmente porque existem várias outras dimensões
design de uma tecnologia e aquela que muda apenas as nas quais pode ser útil definir inovação radical e incre-
relações entre eles. A primeira é uma inovação modu- mental. A expressão inovação de arquitetura foi conce-
lar, tal como a substituição dos telefones analógicos pe- bida para chamar a atenção para as inovações que empre-
los digitais. Até o ponto em que se pode simplesmente gam muitos conceitos essenciais de design existentes em
substituir um dispositivo analógico de discagem por um uma nova arquitetura e que assim têm um impacto mais
digital é uma inovação que muda um conceito essencial significativo nas relações entre os componentes do que
do design sem alterar a arquitetura do produto. Nossa entre as tecnologias dos componentes em si. A matriz da
preocupação, porém, é com o último tipo de inovação Figura 1 é concebida para sugerir que uma dada inovação
exibido na matriz: a inovação que muda a arquitetura pode ser menos radical ou uma inovação de arquitetura,
de um produto, mas que não altera os componentes e não para sugerir que o mundo poderia ser ordenadamente
os conceitos essenciais do design implementados por dividido em quatro quadrantes.
esses componentes. Essas distinções são importantes porque nos dão
A essência de uma inovação de arquitetura é a re- uma ideia do grau de dificuldade vivenciado quase
configuração de um sistema estabelecido para ligar os sempre pelas empresas quando precisam se adaptar à
componentes existentes de uma nova maneira. Isso não inovação de arquitetura. A inovação incremental tende
quer dizer que os próprios componentes não sejam al- a reforçar as posições competitivas das empresas esta-
terados pela inovação de arquitetura. Esta é disparada, belecidas, já que se baseia nas competências centrais16
muitas vezes, por uma mudança em um componente – ou “as aumenta”.17 Nos termos da estrutura desenvol-
talvez o tamanho ou algum outro parâmetro secundário vida aqui, ela se baseia nos conhecimentos de arquite-
do seu design – que cria novas interações e ligações tura e de componentes existentes em uma organização.
com outros componentes no produto estabelecido. A Em contrapartida, a inovação radical cria desafios
questão importante é que o conceito essencial do design notórios para as empresas estabelecidas, pois destrói
por trás de cada componente – bem como os conheci- a utilidade das suas capacitações existentes. Nos nos-
mentos científicos e de engenharia associados – perma- sos termos, ela destrói a utilidade dos conhecimentos
nece o mesmo.
Podemos ilustrar a aplicação dessa estrutura com o
exemplo do ventilador de quarto. Se a tecnologia esta- 16
W. J. Abernathy and K. B. Clark, “Innovation: Mapping the Winds of
Creative Destruction”, Research Policy 14 (1985), pp. 3-22.
belecida for aquela dos grandes ventiladores elétricos 17
Tushman and Anderson, “Technological Discontinuities and Organizational
de teto, com o motor escondido e isolado para abafar o Environments”.
248     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

arquitetural e de componente.18A inovação de arquite- nos primórdios da indústria automobilística, os carros


tura apresenta um desafio mais sutil para as empresas eram construídos com motores a gasolina, elétricos ou a
estabelecidas. Muito do que a empresa conhece é útil vapor, com volantes ou hastes e carrocerias de madeira
e precisa ser aplicado no novo produto, mas uma parte ou metal.26 Esses períodos de experimentação chegam
do que ela conhece não é útil e pode realmente repre- ao fim com o surgimento de um projeto dominante.27
sentar uma desvantagem. Reconhecer o que é útil e O projeto dominante caracteriza-se por um conjunto
o que é inútil e adquirir e aplicar novos conhecimen- de conceitos essenciais de design que correspondem às
tos, quando isso for necessário, pode ser bem difícil funções principais executadas pelo produto28 e que são
para uma empresa estabelecida, sobretudo por causa incorporados aos componentes, e por uma arquitetura
da forma como o conhecimento – particularmente o de produto que define como esses componentes são
arquitetural – é organizado e gerido. integrados.29 Equivale à aceitação geral de uma arqui-
tetura de produto particular e é característico da evolu-
A evolução do conhecimento arquitetural
e de componente ção técnica em uma gama muito ampla de indústrias.30
Muitas vezes, um projeto dominante surge em resposta
Dois conceitos são importantes para entender como
à oportunidade de obter economias de escala ou de tirar
os conhecimentos de componente e arquitetural são
proveito das externalidades.31 Por exemplo, o projeto
geridos dentro de uma organização. O primeiro é o
dominante do carro englobou não só o fato de que ele
conceito de projeto dominante. Os trabalhos de Abernathy
e Utterback,19 Rosenberg,20 Clark21 e Sahal,22 além usava um motor a gasolina para fornecer força motriz,
de evidências com base em estudos de várias indús- mas também que era conectado às rodas por meio de
trias, mostram que as tecnologias de produto não es- uma transmissão e um sistema de direção e que foi
tão plenamente desenvolvidas desde o início de suas montado em um chassi e não sobre os eixos. Um proje-
vidas comerciais.23 A evolução técnica caracteriza-se to dominante incorpora um conjunto de opções básicas
normalmente por períodos de grande experimentação sobre o design que não são revisitadas em cada design
seguidos pela aceitação de um projeto dominante. O subsequente. Uma vez aceito o projeto dominante do
segundo conceito refere-se ao fato de que as organi- automóvel, os engenheiros não reavaliavam a decisão
zações criam conhecimento e capacitação em torno de usar um motor a gasolina toda vez que desenvol-
das tarefas recorrentes que realizam.24 Assim, não se viam um novo design. Uma vez estabelecido qualquer
pode compreender o desenvolvimento das capacita- projeto dominante, o conjunto inicial de componentes é
ções de uma organização ou o desenvolvimento dos refinado e elaborado, e o progresso assume a forma de
seus conhecimentos sem compreender como eles são melhorias nos componentes dentro da estrutura de uma
moldados pela experiência de uma organização com a arquitetura estável.
evolução de uma tecnologia. Esse processo evolucionário teve profundas impli-
Em geral, o surgimento de uma nova tecnologia é cações nos tipos de conhecimento necessários para uma
um período de confusão considerável. Há pouco con- organização que está desenvolvendo um novo produ-
senso sobre quais deveriam ser os principais subsiste- to, uma vez que o conhecimento de uma organização
mas do produto ou como eles deveriam ser reunidos. e suas capacitações de processamento de informações
Há uma grande dose de experimentação.25 Por exemplo,

Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts in Technological


18
Cooper and Schendel, “Strategic Response to Technological Threats”; Evolution”.
Daft, “Bureaucratic Versus Nonbureaucratic Structure and the Process 26
W. J. Abernathy, The Productivity Dilemma: Roadblock to Innovation in
of Innovation and Change”; Tushman and Anderson, “Technological the Automobile Industry (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978).
Discontinuities and Organizational Environments”. 27
Abernathy and Utterback, “Patterns of Industrial Innovation”; Sahal,
19
W. J. Abernathy and J. Utterback, “Patterns of Industrial Innovation”, “Technological Guideposts and Innovation Avenues”.
Technology Review (June-July 1978), pp. 40-47. 28
Marples, “The Decisions of Engineering Design”; Alexander, Notes on
20
N. Rosenberg, Inside the Black Box: Technology and Economics the Synthesis of Form; Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and
(Cambridge: Cambridge University Press, 1982). Market Concepts in Technological Evolution”.
21
“The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts in 29
Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts
Technological Evolution”. in Technological Evolution”; Sahal, “Technological Guideposts and
22
D. Sahal, “Technological Guideposts and Innovation Avenues”, Innovation Avenues”.
Research Policy 14 (1986), pp. 61-82. 30
Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts in
23
E. Mansfield, The Production and Application of New Industrial Technological Evolution”.
Technology (New York: Norton, 1977). 31
R. L. Daft and K. E. Weick, “Towards a Model of Organizations as
24
R. M. Cyert and J. G. March, A Behavioral Theory of the Firm Interpretation Systems”, Academy of Management Review 9 (1984),
(Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1963); Nelson and Winter, An pp. 284-95; B. Arthur, “Competing Technologies: An Overview”, in
Evolutionary Theory of Economic Change. Technical Change and Economic Theory, ed. G. Dosi et al. (New York:
25
Burns and Stalker, The Management of Innovation; Clark, “The Columbia University Press, 1988), pp. 590-607.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     249

é moldado pela natureza das tarefas e pelo ambiente dos filtros de informação e das estratégias de resolução
competitivo que ela enfrenta.32 de problemas na gestão do conhecimento arquitetural.
Nos estágios iniciais da história de uma tecnologia,
antes do surgimento de um projeto dominante, as or- Canais, filtros e estratégias
ganizações que concorrem para projetar produtos de Os canais de comunicação de uma organização, tanto
sucesso experimentam muitas tecnologias diferentes. os implícitos em sua organização formal (A se reporta a
Como o sucesso no mercado gira em torno da síntese B) quanto os informais (“Sempre chamo o Fred porque
de tecnologias desconhecidas em novos designs cria- ele sabe sobre X”), desenvolvem-se em torno daquelas
tivos, as organizações devem desenvolver ativamente interações dentro da organização que são criticas para
tanto o conhecimento sobre componentes alternativos a sua tarefa.35 Essas são também as interações críticas
quanto o conhecimento de como esses componentes para o design efetivo. Elas são as relações em torno das
podem ser integrados. Com o surgimento de um pro- quais as organizações criam o conhecimento arquitetu-
jeto dominante, que sinaliza a aceitação geral de uma ral. Assim, os canais de comunicação de uma organiza-
única arquitetura, as empresas param de investir na ção virão a incorporar o seu conhecimento arquitetural
das ligações entre os componentes e que são cruciais
aprendizagem sobre as configurações alternativas do
para o design efetivo. Por exemplo, à medida que sur-
conjunto de componentes estabelecido. O conhecimen-
ge um projeto dominante para ventiladores de quarto,
to dos novos componentes torna-se mais valioso para
uma organização efetiva na indústria se organizará em
uma empresa do que o novo conhecimento arquitetural
torno da sua concepção dos componentes principais do
porque a concorrência entre os designs gira em torno de produto, já que se trata das subtarefas do problema de
refinamentos em componentes específicos. Com isso, design da organização.36 A organização pode criar um
as organizações bem-sucedidas deslocam a sua atenção grupo responsável pela pá de ventilador, um grupo de
limitada da aprendizagem de um pouco de cada um dos motor e assim por diante. Os canais de comunicação
muitos designs possíveis para a maior aprendizagem de criados entre esses grupos refletirão o conhecimento
um único projeto dominante. Uma vez que os automó- da organização sobre as interações críticas entre eles.
veis movidos a gasolina surgiram como a tecnologia O fato de aqueles que trabalham no motor e na pá do
escolhida, as pressões competitivas na indústria estimu- ventilador reportarem-se a um mesmo supervisor e
laram fortemente as organizações a aprender mais sobre reunirem-se semanalmente é uma incorporação do co-
os motores a gasolina. Tornou-se muito menos atraente nhecimento arquitetural da organização sobre a relação
fazer refinamentos nos carros movidos a vapor ou ele- entre o motor e a pá do ventilador.
tricidade. O foco da resolução ativa de problemas pas- Os filtros de informação de uma organização tam-
sou para a elaboração e o refinamento do conhecimento bém incorporam o seu conhecimento arquitetural.
sobre os componentes existentes em uma estrutura de Uma organização é permanentemente bombardeada
conhecimento de arquitetura estável.33 com informações. À medida que a tarefa com a qual
Quando uma indústria torna-se caracterizada por ela se depara estabiliza-se e torna-se menos ambígua,
um projeto dominante, seu conhecimento arquitetural a organização desenvolve filtros que lhe permitem
torna-se estável e tende a incorporar-se nas práticas e identificar imediatamente o que é mais importante em
nos procedimentos da organização. Muitos autores as- seu fluxo de informações.37 O surgimento de um pro-
sinalaram a importância de vários dispositivos institu- jeto dominante e sua elaboração gradual moldam os
cionais, como estruturas e rotinas, para executar tarefas filtros da organização de modo que incorporem partes
recorrentes em uma organização.34 Entretanto, o foco do seu conhecimento sobre as relações fundamentais
entre os componentes da tecnologia. Por exemplo, as
deste artigo está no papel dos canais de comunicação,
relações entre os projetistas de motores e os de con-
troladores de um ventilador de quarto são suscetíveis
32
Por simplicidade, assumimos aqui que as organizações agem como
de mudanças ao longo do tempo, já que são capazes de
entidades racionalmente limitadas, conforme K. Arrow, The Limits expressar a natureza da interação crítica entre o motor
of Organization (New York: Norton, 1974); Nelson and Winter, An
Evolutionary Theory of Economic Change.
33
G. Dosi, “Technological Paradigms and Technological Trajectories: A
Suggested Interpretation of the Determinants and Directions of Technical 35
Galbraith, Designing Complex Organizations; Arrow, The Limits of
Change”, Research Policy 11 (1982), pp. 147-62; Clark, “The Interaction Organization.
of Design Hierarchies and Market Concepts in Technological Evolution”. 36
H. Mintzberg, The Structuring of Organizations (Englewood Cliffs, NJ:
34
J. Galbraith, Designing Complex Organizations (Reading, MA: Addison- Prentice Hall, 1979); E. von Hippel, “Task Partitioning: An Innovation
-Wesley, 1973); Nelson and Winter, An Evolutionary Theory of Economic Process Variable”, Research Policy (1990).
Change; Daft and Weick, “Towards a Model of Organizations as Interpretation 37
Arrow, The Limits of Organization; Daft and Weick, “Towards a Model
Systems”. of Organizations as Interpretation Systems”.
250     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

e o controlador de uma maneira cada vez mais preci- Uma vez que o conhecimento arquitetural esteja
sa que lhes permite ignorar informações irrelevantes. estável após um projeto dominante ter sido aceito, ele
Os projetistas dos controladores podem descobrir que pode ser codificado nessas formas e, portanto, tornar-se
precisam saber muito sobre o torque e a potência do implícito. As organizações ativamente envolvidas na
motor, mas quase nada sobre os materiais de que são inovação incremental, que ocorre no contexto do co-
feitos. Eles criarão filtros de informação que reflitam nhecimento arquitetural estável, são suscetíveis de gerir
esse conhecimento. grande parte do seu conhecimento arquitetural de modo
À medida que um produto evolui, os filtros de in- implícito, incorporando-o em seus canais de comuni-
formação e os canais de comunicação se desenvolvem cação, filtros de informação e estratégias de resolução
e ajudam os engenheiros a trabalhar de modo eficiente, de problemas. O conhecimento sobre componentes, por
mas a evolução do produto também significa que eles sua vez, é mais suscetível de ser gerido explicitamente
encaram tipos recorrentes de problemas. Ao longo do porque é uma fonte constante de inovação incremental.
tempo, os engenheiros adquirem um repositório de co-
nhecimentos sobre soluções para problemas específicos Problemas criados pela inovação de arquitetura
que surgiram em designs anteriores. Quando confronta- As diferenças na maneira como os conhecimentos
do com um desses problemas, o engenheiro não reexa- de arquitetura e de componente são geridos dentro
mina todas as alternativas possíveis, mas concentra-se de uma organização experiente nos permitem expli-
primeiro naquelas que ele considerou úteis para solu- car por que, muitas vezes, a inovação de arquitetura
cionar problemas anteriores. Na realidade, as estraté- cria problemas para as empresas estabelecidas. Esses
gias de resolução de problemas de uma organização problemas têm duas origens. Primeiro, as organiza-
resumem o que foi aprendido sobre as maneiras pro- ções estabelecidas requerem um tempo significativo
dutivas de solucionar problemas em seu ambiente ime- (e recursos) para identificar uma inovação específica
diato.38 Os projetistas podem usar estratégias desse tipo como sendo de arquitetura, já que a inovação de ar-
para solucionar problemas com componentes, mas as quitetura muitas vezes pode ser acomodada inicial-
estratégias de resolução de problemas também refletem mente nas estruturas antigas. A inovação radical ten-
o conhecimento arquitetural, já que podem expressar de a ser obviamente radical – a necessidade de novos
parte do conhecimento de uma organização sobre as li- modos de aprendizagem e habilidades torna-se rapi-
gações dos componentes que são cruciais para a solução damente aparente. Mas as informações que poderiam
dos problemas rotineiros. Uma organização que projeta alertar a organização de que uma determinada ino-
ventiladores pode aprender, ao longo do tempo, que a vação é de arquitetura podem ser selecionadas pelos
maneira mais efetiva de projetar um ventilador mais si- filtros de informação e pelos canais de comunicação
lencioso é se concentrar nas interações entre o motor e que incorporam o conhecimento arquitetural antigo.
o gabinete. Como a inovação radical muda os conceitos essen-
As estratégias utilizadas pelos projetistas, seus ca- ciais do design do produto, percebe-se com mais niti-
nais de comunicação e seus filtros de informação sur- dez a obsolescência do conhecimento sobre como os
gem em uma organização para ajudar a lidar com a componentes antigos interagem entre si. No entanto,
complexidade. A eficiência dessas estratégias reside no a introdução de novas ligações é muito mais difícil
fato de que sempre estarão disponíveis para qualquer de perceber. Já que os conceitos essenciais do design
eventualidade, e não precisam ser criadas diante de uma continuam intocados, a organização pode acreditar
nova necessidade. Além disso, à medida que elas se tor- equivocadamente que compreende a nova tecnologia.
nam familiares e efetivas, passa a ser natural usá-las. No caso da empresa de ventiladores, os projetistas do
Como andar de bicicleta, usar uma estratégia, trabalhar motor e da pá continuarão a falar uns com os outros.
em um canal ou empregar um filtro não requer uma aná- Qualquer equívoco nessas conversas poderá resultar
lise detalhada e uma execução consciente e deliberada. em falhas significativas ou problemas inesperados
Assim, a operação de canais, filtros e estratégias pode com o design.
tornar-se implícita na organização. O desenvolvimento da indústria de aviões a jato é um
exemplo do impacto da inovação de arquitetura inespe-
rada. O motor a jato aparentou inicialmente ter implica-
ções importantes, porém simples, para a tecnologia da
fuselagem. As empresas estabelecidas na indústria en-
J. G. March and H. A. Simon, Organizations (New York: Wiley,
38
tenderam que precisariam desenvolver habilidades em
1958); M. A. Lyles and I. I. Mitroff, “Organizational Problem
Formulation: An Empirical Study”, Administrative Science Quarterly motores a jato, mas não conseguiram entender como
25 (1980), pp. 102-19; Nelson and Winter, An Evolutionary Theory essa introdução mudaria as interações entre o motor e
of Economic Change.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     251

o resto do avião de forma complexa e sutil.39 Essa falha contrapartida, premia a exploração da concepção e da
foi um dos fatores que levaram à ascensão da Boeing assimilação do novo conhecimento. Muitas organiza-
como líder da indústria. ções encontram dificuldades em suas tentativas de fazer
Esse efeito é análogo à tendência de os indivíduos esse tipo de transição.43 Os novos entrantes, com com-
continuarem a contar com crenças sobre um mundo promissos menores com as velhas maneiras de aprender
onde uma avaliação racional das novas informações sobre o ambiente e organizar seu conhecimento, muitas
deve levá-los a descartar.40 Os pesquisadores comenta- vezes consideram mais fácil construir a flexibilidade
ram extensivamente as maneiras como as organizações organizacional do que abandonar o conhecimento ar-
que enfrentam ameaças podem continuar a contar com quitetural antigo e construir o novo.
suas antigas estruturas – nos nossos termos, com seu Depois que uma organização consegue se reorien-
antigo conhecimento arquitetural – e, por isso, enten- tar, a construção do novo conhecimento arquitetural
der mal a natureza de uma ameaça. Eles formatam as ainda consome tempo e recurso. Essa aprendizagem
más notícias ou as novas informações inesperadas em pode ser bastante sutil e difícil. Os novos entrantes
padrões com os quais estão familiarizados.41Depois que na indústria também devem construir o conhecimento
uma organização reconhece a natureza de uma inovação arquitetural necessário para explorar uma inovação de
de arquitetura, ela enfrenta uma segunda fonte impor- arquitetura, mas, como eles não possuem ativos exis-
tante de problemas: a necessidade de construir e aplicar tentes, podem otimizar suas estruturas organizacionais
de maneira efetiva novos conhecimentos arquiteturais. e de processamento de informações para explorar o
Simplesmente reconhecer que uma nova tecnologia tem potencial de um novo design. As empresas estabele-
caráter arquitetural não dá a uma organização estabele- cidas enfrentam um problema estranho. Como o seu
cida o conhecimento arquitetural do qual ela necessita. conhecimento arquitetural está incorporado em ca-
Primeiro, ela deve mudar para um novo modo de apren- nais, filtros e estratégias, os processos de descoberta
dizagem e depois investir tempo e recursos na aprendi- e criação das novas informações (e de interrupção das
zagem da nova arquitetura.42 Na tentativa de fazê-lo, antigas) normalmente levam tempo. A organização
ela se encontra em desvantagem, tanto pela dificuldade pode ficar tentada a modificar os canais, os filtros e as
pela qual todas as organizações passam ao mudarem de estratégias já existentes em vez de incorrer nos custos
um modo de aprendizagem para outro quanto pelo fato fixos significativos e no atrito organizacional conside-
de que deve construir novo conhecimento arquitetural rável, necessários para construir novos conjuntos de
em um contexto em que uma parte do seu antigo conhe- informações a partir da estaca zero.44 No entanto, pode
cimento arquitetural possa ser irrelevante. ser difícil identificar precisamente quais filtros, canais
Uma organização estabelecida que comece a cons- e estratégias de resolução de problemas precisam ser
modificados, e a tentativa de construir um novo pro-
truir o novo conhecimento arquitetural deve mudar
duto com as velhas (embora modificadas) ferramentas
sua orientação, passando da promoção do refinamento
organizacionais pode criar problemas relevantes.
dentro de uma arquitetura estável para a promoção da
Os problemas criados por uma inovação de arqui-
busca ativa por novas soluções dentro de um contexto
tetura são evidentes na introdução do aço de alta resis-
em permanente mutação. Contanto que o projeto do-
tência e baixa liga (HSLA – High-Strength-Low-Allory)
minante mantenha-se estável, uma organização pode
nas carrocerias dos automóveis nos anos 1970. Os no-
segmentar e especializar seu conhecimento e basear-se
vos materiais permitiram que as chapas da carroceria
em procedimentos operacionais padrão para conceber
fossem mais finas e leves, mas abriram um conjunto
e desenvolver produtos. A inovação de arquitetura, em
inteiramente novo de interações que não estavam con-
tidas nos canais e nas estratégias existentes. O grupo
de engenharia de carroceria de um fabricante de auto-
39
R. Miller and D. Sawyers, The Technical Development of Modern
Aviation (New York: Praeger, 1968); J. P. Gardiner, “Design Trajectories móveis que usava os métodos tradicionais projetou um
for Airplanes and Automobiles during the Past Fifty Years”, in Design, capô de HSLA para o compartimento do motor. Os ca-
Innovation and Long Cycles in Economic Development, ed. C. Freeman
(London: Francis Pinter, 1986), pp. 121-41.
pôs, porém, ressoaram e oscilaram com as vibrações do
40
D. Kahneman, P. Slovic and A. Tversky, Judgment Under Uncertainty: motor durante o teste. Em outras investigações, tornou-se
Heuristics and Biases (Cambridge: Cambridge University Press, 1982).
41
Lyles and Mitroff, “Organizational Problem Formulation”; J. E. Dutton
and S. E. Jackson, “Categorizing Strategic Issues: Links to Organizational
Action”, Academy of Management Review 12 (1987), pp. 76-90; S. 43
C. Argyris and D. Schön, Organizational Learning (Reading, MA: Addison-
E. Jackson and J. E. Dutton, “Discerning Threats and Opportunities”, -Wesley, 1978); K. E. Weick, “Cognitive Processes in Organizations”,
Administrative Science Quarterly 33 (1988), pp. 370-87. in Research in Organizational Behavior, vol. 1, ed. B. M. Staw and L. L.
42
M. R. Louis and R. I. Sutton, “Switching Cognitive Gears: From Cummings (Greenwich, CT: JAI Press, 1979), pp. 41-47; Louis and Sutton,
Habits of Mind to Active Thinking”, working paper, School of Industrial “Switching Cognitive Gears”.
Engineering, Stanford University, 1989. 44
Arrow, The Limits of Organization.
252     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

aparente que os métodos tradicionais de design de capô cerâmica.45 Os principais dados referem-se a um painel
só funcionavam bem com os materiais tradicionais, em- conjunto que consiste em custos de pesquisa e desen-
bora ninguém soubesse bem o porquê. O conhecimento volvimento e receitas de vendas por produto para cada
incorporado nas estratégias de resolução de problemas design de desenvolvimento realizado entre 1962, quan-
e nos canais de comunicação estabelecidos foi suficien- do começou o trabalho no primeiro produto comercial,
te para realizar designs efetivos com os materiais esta- e 1986. Esses dados são suplementados por uma his-
belecidos, mas o novo material criou novas interações tória gerencial e técnica detalhada de cada design. Os
e exigiu que os engenheiros construíssem um novo co- dados foram coletados por meio de pesquisas em fontes
nhecimento sobre ele. primárias e secundárias. As fontes secundárias, incluin-
A inovação de arquitetura pode, assim, ter impli- do jornais comerciais, jornais científicos e relatórios de
cações competitivas importantes. As organizações es- consultoria, foram usadas para identificar as empresas
tabelecidas podem investir pesadamente na inovação, que haviam sido ativas na indústria e os produtos que
interpretando-a como uma extensão incremental da elas lançaram, assim como para construir um cenário
tecnologia existente ou subestimando seu impacto so- preliminar da história técnica da indústria.
bre o seu conhecimento arquitetural incorporado. Mas Depois, com o propósito de coletar dados sobre cada
os novos entrantes na indústria podem explorar o seu design, entrevistou-se pelo menos um dos membros da
potencial de um modo bem mais efetivo, já que não equipe de desenvolvimento. As entrevistas foram reali-
estão em desvantagem por um legado de conhecimento zadas ao longo de um período de 14 meses, de março de
arquitetural incorporado e parcialmente irrelevante. Ex- 1987 a maio de 1988. Durante a pesquisa, mais de cem
ploramos a validade da nossa estrutura por meio de um pessoas foram entrevistadas. Na medida do possível,
breve resumo da história técnica e competitiva da in- obtiveram-se informações do engenheiro sênior de pro-
dústria de equipamentos para alinhamento fotolitográ- jeto de cada design e do executivo sênior de marketing
fico de semicondutores. Os alinhadores fotolitográficos de cada empresa. Outros observadores e participantes
são equipamentos sofisticados utilizados na manufatura da indústria, como executivos, cientistas universitários,
de circuitos integrados. O desempenho aumentou radi- engenheiros de designs qualificados e gestores de ser-
calmente ao longo dos últimos 25 anos, e, apesar de as viços, também foram entrevistados. Os dados das en-
tecnologias essenciais terem mudado apenas marginal- trevistas foram suplementados sempre que possível por
mente desde que a técnica foi inventada, a indústria tem meio do uso de registros internos da empresa. A maio-
sido caracterizada por grande turbulência. As mudanças ria das entrevistas foi semiestruturada e durou cerca
na liderança do mercado têm sido frequentes, a entra- de duas horas. Os entrevistados descreveram a história
da de novas empresas tem ocorrido ao longo de toda a técnica, comercial e gerencial dos projetos de desenvol-
história da indústria, e as empresas estabelecidas têm vimento de produto com os quais eram familiarizados e
sofrido frequentes declínios acentuados na participação discutiram o sucesso técnico e comercial dos produtos
de mercado após a introdução de equipamentos que que cresceram a partir deles.
incorporam inovações aparentemente menos importan- A fim de validar os dados coletados durante esse
tes. Acreditamos que esses eventos são explicados pela processo, uma breve história do desenvolvimento do
intromissão da inovação de arquitetura na indústria e produto para cada fornecedor do equipamento foi divul-
usamos três episódios da história dessa indústria – par- gada para todos os indivíduos entrevistados e também
ticularmente a introdução pela Canon do alinhador por para aqueles que conheciam a história da empresa, e
proximidade e a resposta da Kasper a isso – para ilustrar a precisão desses relatos foi discutida por telefone em
essa ideia em detalhes. entrevistas suplementares. O mesmo procedimento de
validação foi seguido na construção da história técnica
INOVAÇÃO NO EQUIPAMENTO PARA da indústria. Construiu-se uma história técnica em que
ALINHAMENTO FOTOLITOGRÁFICO se utilizaram dados das entrevistas, literatura publicada
sobre o produto e imprensa científica. Essa história foi
Dados divulgada para indivíduos-chave que tinham um conhe-
Os dados foram coletados durante um estudo de cam- cimento detalhado da história técnica da indústria e que
po de dois anos sobre a indústria de equipamentos para a corrigiram quando era necessário.
alinhamento fotolitográfico. O estudo foi concebido ini- Optamos por estudar a indústria de equipamentos
cialmente para servir como uma verificação da valida- para alinhamento fotolitográfico de semicondutores
de do conceito de inovação de arquitetura, um conceito
desenvolvido originalmente por um dos autores durante
a sua experiência com a indústria de automóvel e de Clark, “Managing Technology in International Competition”.
45
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     253

por dois motivos: (1) ela é muito diferente das indús- FIGURA 2 Representação esquemática do
processo litográfico
trias nas quais a nossa estrutura foi formulada, já que
se caracteriza por empresas muito menores e comporta Etapas
1. Expor o fotorresistente
uma taxa muito mais rápida de inovação tecnológica;
Luz
(2) esse tipo de indústria proporciona vários exemplos Máscara
do impacto da inovação de arquitetura sobre a posição
competitiva das empresas estabelecidas. O equipamento Fotorresistente

fotolitográfico foi sacudido por quatro ondas de inova- Pastilha


ção de arquitetura, e cada uma delas resultou em um
novo entrante capaz de capturar a liderança da indús-
2. Revelar o fotorresistente
tria. Para fundamentar a discussão da inovação de ar-
quitetura, fornecemos uma breve descrição da tecnolo- Fotorresistente

gia fotolitográfica. Pastilha

A tecnologia
3. Depositar o material
Os alinhadores fotolitográficos são utilizados na ma- Material

nufatura de dispositivos semicondutores de estado sólido. Fotorresistente

A produção do semicondutor requer a transferência de Pastilha


pequenos padrões complexos para a superfície de uma
pastilha de material semicondutor como o silício, e
4. Remover o fotorresistente remanescente
esse processo de transferência é denominado litografia.
Padrão
A superfície da pastilha é coberta com um produto formado na
químico fotossensível ou “fotorresistente”. O padrão a pastilha
ser transferido para a superfície da pastilha é desenhado
em uma máscara, a qual é utilizada para bloquear a luz à FIGURA 3 Diagrama esquemático de um alinhador de contato
medida que esta cai sobre o fotorresistente, de modo que
apenas as porções definidas pela máscara sejam expostas Fonte
à luz. A luz transforma quimicamente o fotorresistente
de modo que ele pode ser arrancado. O padrão resultante
é utilizado, então, como a base para a deposição do Sistema
A
Sistema de
mecânico alinhamento
material na superfície da pastilha ou para a gravação
do material existente na superfície da pastilha. O processo Pastilha
Máscara
pode ser repetido até 20 vezes durante a manufatura
Plataforma
de um dispositivo semicondutor, e cada camada deve
ser posicionada precisamente em relação à camada C Sistema de controle
anterior.46 A Figura 2 fornece uma representação bastante
simplificada desse processo complexo. processadas com sucesso e na taxa de produtividade, a
Um alinhador fotolitográfico é utilizado para posi- quantidade de pastilhas que o alinhador consegue ma-
cionar a máscara em relação à pastilha, manter as duas nipular em um determinado tempo.
em suas posições durante a exposição e expor o fotor- Os alinhadores por contato foram os primeiros ali-
resistente. A Figura 3 mostra um diagrama esquemáti- nhadores fotolitográficos a serem utilizados comercial-
co de um alinhador por contato, a primeira geração de mente. Eles usam a sombra da máscara para transferir o
equipamentos de alinhamento desenvolvida. O apri- padrão desta para a superfície da pastilha.
moramento da tecnologia de alinhamento significou a A máscara e a pastilha são mantidas em contato en-
melhoria na dimensão mínima, que é o tamanho do tre si e a luz que passa pelos intervalos na máscara cai
menor padrão que pode ser produzido na superfície da sobre a superfície da pastilha. Os alinhadores por con-
pastilha, no rendimento, na porcentagem de pastilhas tato são simples e rápidos de usar, mas a necessidade
de fazer o contato direto entre a máscara e a pastilha
pode danificar a máscara ou contaminar a pastilha. O
R. K. Watts and N. G. Einspruch, eds., Lithography for VLSI, VLSI
46 primeiro alinhador por proximidade foi introduzido em
Electronics – Microstructure Science (New York: Academic Press, 1987). 1973 para solucionar esses problemas.
254     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Diagrama esquemático de um alinhador por são claramente radicais e não se baseiam apenas em
proximidade
conceitos essenciais bem diferentes para a fonte,
mas também usam tecnologias distintas de máscara,
Fonte
alinhamento e lente.
Um fluxo constante de inovação incremental têm
Sistema mecânico
Sistema de
sido crucial para o sucesso contínuo da fotolitografia
(inclui mecanismo de
ajuste da distância)
A
alinhamento óptica. A tecnologia de cada componente tem sido
Pastilha
significativamente aprimorada. As modernas fontes de
Máscara luz são bem mais poderosas e uniformes, e os sistemas
Plataforma de alinhamento modernos, muito mais precisos.
Além disso, a tecnologia presenciou quatro ondas de
C Sistema de controle inovação de arquitetura: a passagem do alinhamento
por contato para o alinhamento por proximidade, do
Em um alinhador por proximidade, a máscara é manti- alinhamento por proximidade para o alinhamento por
da a uma pequena distância da superfície da pastilha, como varredura e deste para a primeira e segunda gerações
mostra o desenho simplificado na Figura 4. A separação da de alinhadores de “fotorrepetição”. A Figura 5 resume
máscara e da pastilha significa que elas têm menos chance as mudanças introduzidas em cada geração. Em cada
de ser danificadas durante a exposição. Entretanto, como caso, as tecnologias essenciais da litografia óptica
a máscara e a pastilha estão separadas uma da outra, a luz permaneceram praticamente intocadas, e grande parte
que passa pela máscara espalha-se antes de alcançar o fo- do conhecimento técnico adquirido na construção das
torresistente e a sombra da máscara é menos bem defini- gerações anteriores pôde ser transferido para a geração
da do que no caso do alinhador de contato. Consequen- seguinte. Contudo, em cada caso, o líder da indústria foi
temente, os usuários que mudaram para o alinhador por incapaz de fazer a transição.
proximidade abriram mão das capacitações relacionadas a A Figura 6 mostra a participação nas vendas cumu-
lativas deflacionadas, de 1962 a 1968, por geração de
tamanho mínimo para aumento da manufatura.
equipamento das empresas líderes. O primeiro alinha-
O conjunto básico de conceitos essenciais de design
dor bem-sucedido comercialmente foi apresentado pela
que dá suporte à fotolitografia óptica – a fonte de luz
Kulicke e Soffa em 1965. Essa empresa foi extrema-
visível para transmitir a imagem da máscara para a
mente bem-sucedida e deteve quase 100% do mercado
pastilha, lente ou outro dispositivo para focar a imagem
(muito pequeno) nos nove anos seguintes, mas, em 1974,
da máscara na pastilha, sistema de alinhamento que
as empresas Cobilt e Kasper substituíram-na. Em 1974,
utiliza luz visível e sistema mecânico que mantém a
a Perkin-Elmer entrou no mercado com o alinhador por
máscara e a pastilha em suas posições – manteve-se
varredura e tornou-se rapidamente a maior empresa no
inalterado desde que a tecnologia foi desenvolvida pela
setor. A GCA, por sua vez, substituiu a Perkin-Elmer
primeira vez, embora o desempenho do alinhador tenha
com a introdução do seu alinhador de fotorrepetição e
melhorado significativamente. O tamanho mínimo dos
foi superada apenas pela Nikon, que introduziu a segun-
primeiros alinhadores variava de 15 a 20 mícrons. Os
da geração de alinhador de fotorrepetição.
alinhadores modernos às vezes são especificados com
Em quase todos os casos, as empresas estabelecidas
tamanhos mínimos de menos de meio mícron.
investiram pesadamente na próxima geração do equipa-
Alternativas radicais com conceitos essenciais bem
mento, mas obtiveram pouco sucesso. Nossa análise da
diferentes foram exploradas em laboratório, mas ainda
história da indústria sugere que a dependência de percur-
têm que ser amplamente introduzidas na produção
so arquitetural derivado da experiência com a geração
em grande escala. Desenvolveram-se alinhadores que
anterior cegou as empresas estabelecidas quanto aos as-
utilizam raios X e feixes de íons como fonte, assim
pectos cruciais da nova tecnologia. Assim, elas subes-
como os alinhadores de feixes de elétrons de escrita
timaram seu potencial ou criaram equipamentos nitida-
direta, nos quais um feixe de elétrons é utilizado para
mente inferiores aos lançados pelas empresas entrantes.
escrever diretamente na pastilha.47 Essas tecnologias
A saga da Kasper
O caso da Kasper Instruments e sua resposta à introdu-
T. H. P. Chang, M. Hatzakis, A. D. Wilson and A. N. Broers, “Electron-
47

-Beam Lithography Draws a Finer Line”, Electronics (May 1977), pp. 89- ção por parte da Canon do alinhamento por proximi-
98; W. L. Brown, T. Venkatesan and A. Wagner, “Ion Beam Lithography”, dade ilustram alguns dos problemas encontrados pelas
Solid State Technology (August 1981), pp. 60-67; P. Burggraaf, “X-Ray
Lithography: Optical’s Heir”, Semiconductor International (September empresas estabelecidas. A Kasper foi fundada em 1968
1983), pp. 60-67. e, em 1973, era uma pequena, porém lucrativa, empre-
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     255

FIGURA 5 Resumo da inovação de arquitetura na tecnologia de alinhamento fotolitográfico

Principais mudanças

Equipamento Tecnologia Relações críticas entre os componentes


Alinhador por proximidade Máscara e pastilha separadas durante A precisão e estabilidade da distância são uma
a exposição. função das ligações entre o mecanismo de ajuste da
distância e outros componentes.
Alinhador por varredura Imagem da máscara projetada na pastilha As interações entre as lentes e outros componentes
pela varredura óptica reflexiva. são críticas para o bom desempenho.
Alinhador por fotorrepetição Imagem da máscara projetada por meio de lente A relação entre a profundidade de campo da lente
de primeira geração refrativa. A imagem é repetida na pastilha. e a fonte de energia torna-se um determinante
significativo do rendimento.
A característica de profundidade de foco – guiada
pela relação entre o comprimento de onda da fonte
e a abertura numérica da lente – torna-se crítica.
As interações entre a plataforma e o sistema de
alinhamento são críticas.
Alinhador por fotorrepetição Introdução do alinhamento “site por site” e O rendimento agora é guiado pela calibração e
de segunda geração de lentes 5 vezes maiores. estabilidade da estampagem. A relação entre as
lentes e o sistema mecânico torna-se um meio
crucial para controlar a distorção.
Fonte: Entrevistas de campo, registros internos da empresa; ver R. M. Henderson. “The Failure of Established Firms in the Face of Technical Change:
A Study of Photolithographic Alignment Equipment”, tese de doutorado, Harvard University, 1988.

FIGURA 6 Participação nas vendas acumuladas deflacionadas (%) de 1962 a 1986, por geração, dos principais fabricantes*
de equipamento de alinhamento óptico fotolitográfico

Equipamento de alinhamento

Fotorrepetição Fotorrepetição
Empresa Contato Proximidade Varredura (1) (2)
Cobilt 44 <1
Kasper 17 8 7
Canon 67 21 9
Perkin-Elmer 78 10 <1
GCA 55 12
Nikon 70
Total 61 75 99+ 81 82+
*Essa medida está distorcida porque todos os produtos ainda estão sendo vendidos. Quanto aos alinhadores de fotorrepetição da segunda geração,
esse problema é particularmente grave, já que, em 1966, o equipamento ainda estava em seus primeiros estágios do ciclo de vida.
Fonte: Registros internos da empresa, Dataquest, VLSI Research Inc.

sa fornecedora de aproximadamente a metade do mer- Claramente, a introdução do alinhador por proximi-


cado de alinhadores por contato. Em 1973, a Kasper dade não foi um avanço radical. A mudança conceitual
lançou o primeiro alinhador por contato equipado com envolvida foi de pouca importância e a maioria dos ali-
a tecnologia de proximidade. Embora quase a meta- nhadores por proximidade também pôde ser utilizada
de de todos os alinhadores vendidos pela empresa de como alinhadores por contato. No entanto, em um ali-
1974 em diante tivesse essa tecnologia, os alinhadores nhador por proximidade, um conjunto bem diferente de
da Kasper eram utilizados apenas raramente no modo relações entre os componentes é crucial para o bom de-
de proximidade e as vendas caíram continuamente até sempenho. A introdução do alinhador por proximidade,
a empresa sair do setor, em 1981. O uso disseminado portanto, foi uma inovação de arquitetura. Em particu-
dos alinhadores por proximidade só ocorreu com a in- lar, em um alinhador por proximidade, as relações entre
trodução e adoção geral do alinhador por proximidade o mecanismo de ajuste da distância e os demais compo-
da Canon no final dos anos 1970. nentes do alinhador são significativamente diferentes.
256     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Em ambos os alinhadores, por contato e proximida- -sucedido. A Kasper não conseguiu desenvolver um
de, a máscara e a superfície da pastilha devem estar pa- conhecimento específico de componente capaz de equi-
ralelas entre si durante a exposição para que a qualidade parar-se ao design da Canon. Ainda mais importante,
da imagem final na pastilha seja adequada. Isso é relati- o conhecimento arquitetural que a Kasper desenvolveu
vamente simples em um alinhador por contato, já que a por meio da sua experiência com o alinhador por con-
máscara e a pastilha estão em contato direto entre si du- tato teve o efeito de não prestar atenção aos novos pro-
rante a exposição. O mecanismo de ajuste da distância blemas cujas soluções eram críticas para o design de um
é usado apenas para separar a máscara e a pastilha du- alinhador por proximidade bem-sucedido.
rante a exposição. Sua estabilidade e precisão têm um A Kasper concebeu o alinhador por proximidade
impacto muito pequeno no desempenho do alinhador. como um alinhador por contato modificado. Do mesmo
Em um alinhador por proximidade, porém, a precisão modo que as melhorias incrementais no alinhador por
do mecanismo de ajuste da distância é crítica para o contato que ocorreram antes, o design do alinhador
desempenho do dispositivo. A distância entre a máscara por proximidade foi gerido como uma extensão de rotina
e a pastilha deve ser precisa e consistente por toda a da linha de produtos. O mecanismo de ajuste da distância
superfície da máscara e da pastilha para que o alinha- utilizado no alinhador por contato, para alinhar a máscara
dor tenha um bom desempenho. Assim, o mecanismo com a pastilha, foi ligeiramente modificado, e colocou-se
de ajuste da distância deve localizar a máscara, por es- o novo alinhador no mercado. Como resultado, o ali­
timativa, exatamente no ponto correto acima da pastilha nhador por proximidade da Kasper não teve um bom
e então garantir que a máscara seja mantida exatamente desempenho. O mecanismo de ajuste da distância não
em paralelo com a pastilha. Como a precisão e a estabi- era suficientemente preciso ou estável para assegurar
lidade do mecanismo são tanto uma função da maneira o desempenho adequado, e o alinhador raramente era
como ele é integrado aos outros componentes quanto utilizado no seu modo de proximidade. A incapacidade
do seu próprio design, as relações entre o mecanismo da Kasper para compreender a obsolescência do seu
de ajuste da distância e os outros componentes do ali- conhecimento arquitetural é demonstrada graficamente
nhador devem mudar para que esse alinhador tenha um por dois incidentes.
bom desempenho. Portanto, o design bem-sucedido de O primeiro é a interpretação da empresa das primei-
um alinhador por proximidade requer tanto a aquisição ras reclamações a respeito da precisão do seu meca-
de novos conhecimentos de componente – como cons- nismo de ajuste da distância. No alinhamento por pro-
truir um mecanismo de ajuste da distância mais precisa ximidade, o desalinhamento da máscara e da pastilha
e estável – quanto a aquisição de novos conhecimentos pode ser provocado por imprecisões ou instabilidade no
arquiteturais. mecanismo de ajuste da distância e por distorções in-
A incapacidade da Kasper para entender o desafio troduzidas durante o processamento. A Kasper atribuiu
imposto pelo alinhador por proximidade é especialmen- muitos dos problemas vivenciados pelos usuários de
te interessante, em razão de sua posição estabelecida no seu equipamento por proximidade a erros de processa-
mercado e da sua grande experiência em fotolitografia. mento, já que a empresa acreditava que os erros de pro-
Havia vários projetistas altamente qualificados e criati- cessamento tinham sido a fonte principal dos problemas
vos na Kasper no início dos anos 1970. O grupo proje- com o seu alinhador por contato. A empresa “sabia” que
tou um fluxo estável de alinhadores por contato, cada o seu mecanismo de ajuste da distância era inteiramente
um incorporando melhorias incrementais significativas. adequado e, consequentemente, dedicou muito pouco
De 1968 a 1973, a tecnologia de tamanho mínimo dos tempo à melhoria de seu desempenho. Em retrospecto,
seus alinhadores por contato aprimorou-se de quinze isso pode parecer um desvio arbitrário de informação,
para cinco mícrons. mas representou uma dependência contínua de um filtro
Entretanto, o grande sucesso da Kasper no design de de informações que historicamente havia atendido bem
alinhadores por contato foi um dos grandes colabora- a empresa.
dores para a sua incapacidade de projetar um alinhador A segunda ilustração é fornecida pela resposta da
por proximidade que pudesse ser tão bem-sucedido em Kasper à introdução inicial de um alinhador por proxi-
termos de desempenho quanto o da Canon. O alinhador midade pela Canon. O alinhador da Canon foi avaliado
da Canon era superficialmente bastante similar ao da por uma equipe na Kasper e considerado uma cópia de
Kasper. Ele incorporava os mesmos componentes e rea- sua máquina. A Kasper o avaliou com os critérios que
lizava as mesmas funções, mas fazia isso de forma muito utilizou na avaliação dos seus próprios alinhadores –
mais eficiente porque incorporava uma compreen­são critérios desenvolvidos durante a sua experiência com
muito mais sofisticada das inter-relações técnicas fun- alinhadores por contato. Não se observaram as caracte-
damentais para o alinhamento por proximidade bem- rísticas que fizeram do alinhador da Canon um avanço
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-12     257

significativo, especialmente o mecanismo reprojetado engenheiros da GCA fossem capazes de ampliar os li-
de ajuste da distância, porque não foram consideradas mites da tecnologia de componentes, eles tiveram gran-
importantes. O alinhador da Canon foi declarado uma de dificuldade para compreender o que a Nikon havia
“mera cópia” do alinhador da Kasper. feito para alcançar o seu desempenho superior.
O fracasso comercial subsequente da Kasper foi A Nikon havia mudado aspectos do design – parti-
desencadeado por vários fatores. A empresa teve cularmente, como o sistema óptico era integrado com o
problemas para projetar um sistema de alinhamento resto do alinhador – do qual os engenheiros da GCA ti-
automático de precisão suficiente e para gerir uma nham um entendimento apenas limitado. Além do mais,
fábrica com manufatura em alto volume. Ela também como essas modificações lidavam com interações entre
passou por várias mudanças rápidas da alta gestão componentes, havia poucos engenheiros responsáveis
durante o final dos anos 1970. Mas a obsolescência do pelo desenvolvimento dessas interações. Como resul-
conhecimento arquitetural trazida pela introdução da tado, uma segunda geração de máquinas da GCA não
inovação de arquitetura foi um fator fundamental para ofereceu o tipo de desempenho que o mercado exigia.
o seu declínio. Como a Kasper e a Perkin-Elmer, as vendas da GCA
O fracasso da Kasper resultou principalmente de minguaram e a empresa perdeu a liderança do mercado.
falhas de reconhecimento: o conhecimento que ela Nos três casos, outros fatores também desempenharam
havia desenvolvido por meio de sua experiência com um papel na perda drástica de participação de merca-
o alinhador por contato tornou difícil para a empresa do da empresa, mas foi de importância fundamental a
compreender em que o alinhador por proximidade da incapacidade de responder efetivamente à inovação de
Canon era superior ao seu. Problemas similares com arquitetura.
o reconhecimento aparecem nos quatro episódios de
inovação de arquitetura na história da indústria. Os casos
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
da Perkin-Elmer e da tecnologia de fotorrepetição são
fundamentais para a compreensão do processo abordado Assumimos que as organizações são limitadamente ra-
aqui. No final dos anos 1970, a Perkin-Elmer havia cionais e que, por isso, as suas estruturas de processa-
alcançado a liderança de mercado com os alinhadores mento do conhecimento e das informações espelham a
por varredura, mas a empresa não conseguiu manter estrutura interna do produto que estão projetando. Tra-
a liderança quando a tecnologia de fotorrepetição ta-se claramente de uma aproximação. Seria interessan-
começou a dominar a indústria no início dos anos 1980. te explorar como a formulação dos conhecimentos de
Ao avaliarem as duas tecnologias, os engenheiros da arquitetura e de componente é afetada por fatores como
Perkin-Elmer previram com precisão o progresso a história e a cultura da empresa. De modo similar, as-
dos componentes individuais nos dois sistemas, mas sumimos que o conhecimento arquitetural incorporado
não conseguiram ver como as novas interações no nas rotinas e nos canais torna-se inerte e difícil de mu-
desenvolvimento dos componentes – incluindo as dar. Pesquisas futuras concebidas para investigar com
melhorias nos sistemas de fotorresistente e no design mais detalhes os filtros de informação, as estratégias
da lente – dariam à tecnologia de fotorrepetição uma de resolução de problemas e os canais de comunicação
vantagem decisiva. poderiam explorar até que ponto isso pode ser evitado.
A GCA, a empresa que tomou a liderança da Perkin- As ideias desenvolvidas aqui também poderiam
-Elmer, também foi suplantada pela Nikon, que intro- ser ligadas às dos autores, como Abernathy e Clark,48
duziu um fotorrepetidor de segunda geração. Parte do que fizeram uma distinção entre a inovação que
problema da GCA foi de reconhecimento, mas grande desafia as capacitações técnicas de uma organização
parte do seu fracasso em dominar a nova tecnologia de e a inovação que desafia o conhecimento de mercado
fotorrepetição reside em problemas de implementação. e das necessidades do cliente da organização. Novas
Repetindo a Kasper, a GCA primeiro declarou o fotor- pesquisas também poderiam examinar até que grau esses
repetidor da Nikon uma “cópia” do seu design. Mesmo conceitos são aplicáveis aos problemas de inovação de
depois de a GCA ter reconhecido plenamente a ameaça processo e desenvolvimento de novos processos.
colocada pelo fotorrepetidor de segunda geração, sua O lado empírico deste artigo também poderia ser de-
experiência histórica colocou a empresa em desvanta- senvolvido. Embora a ideia de inovação de arquite-
gem em suas tentativas de desenvolver uma máquina tura forneça conceitos interessantes sobre a evolução
competitiva. Os engenheiros da GCA foram organiza- do equipamento de alinhamento fotolitográfico de
dos por componentes e os canais de comunicação entre
os departamentos foram todos estruturados em torno da
arquitetura do sistema de primeira geração. Embora os 48
“Innovation”.
258     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

semicondutor, uma pesquisa adicional poderia explorar uma série de componentes interligados dentro de uma
até que grau ela é uma ferramenta útil para compreen- estrutura estável, a ideia da inovação de arquitetura
der o impacto da inovação em outras indústrias. produz conceitos sobre os problemas que vão além do
O conceito de inovação de arquitetura e os conceitos desenvolvimento e design do produto. Na medida em
relacionados a conhecimento de componente e arquite- que a manufatura, o marketing e as finanças baseiam-se
tural têm uma série de implicações importantes. Essas nos canais de comunicação, nos filtros de informação e
ideias nos dão uma caracterização mais rica dos diferen- nas estratégias de resolução de problemas para integrar
tes tipos de inovação, e também abrem novas áreas na o seu trabalho, a inovação de arquitetura no âmbito da
compreensão das conexões entre inovação e as capacita- empresa também pode ser uma questão significante.
ções organizacionais. O artigo sugere, por exemplo, que Enfim, uma compreensão da inovação de arquite-
precisamos aprofundar a nossa compreensão da distinção tura pode ser útil para as discussões sobre o efeito da
tradicional entre a inovação que aumenta e a inovação tecnologia na estratégia competitiva. Como a inovação
que destrói a competência da empresa, pois a essência da de arquitetura tem o potencial de oferecer às empresas
inovação de arquitetura é que ela tanto aumenta quanto a oportunidade de ganhar uma vantagem significativa
destrói a competência, muitas vezes de maneira sutil. sobre as empresas dominantes bem entrincheiradas,
O efeito de uma inovação de arquitetura depende di- pode-se esperar que as empresas concorrentes entrin-
retamente da natureza da aprendizagem organizacional. cheiradas busquem ativamente as oportunidades para
Este artigo não apenas realça o papel da aprendizagem introduzir mudanças na arquitetura do produto em uma
organizacional na inovação, mas também sugere uma indústria. A evidência desenvolvida aqui e em outros
nova perspectiva para o problema. Com base no cará- estudos sugere que a inovação de arquitetura é bastante
ter evolucionário do desenvolvimento e na prevalência prevalente. Como uma lente interpretativa, a inovação
do projeto dominante, parece haver uma tendência da de arquitetura pode, assim, mostrar-se bastante útil na
aprendizagem ativa entre os engenheiros para que eles compreensão da rivalidade com base técnica em várias
se concentrem nas melhorias do desempenho dentro indústrias.
de uma arquitetura de produto estável. Nesse contexto,
aprendizagem significa aprender sobre os componen-
tes e os conceitos essenciais que os sustentam. Dada artigo 2 - 1 3
a forma como o conhecimento tende a ser organizado
dentro da empresa, é improvável a ocorrência natural da Ecologia intraorganizacional da
aprendizagem sobre as mudanças na arquitetura do pro-
formulação de estratégias e adaptação
duto. A aprendizagem sobre as mudanças na arquitetura
– sobre as novas interações por meio dos componentes
organizacional: teoria e pesquisa de
(e muitas vezes por meio dos limites funcionais) – pode, campo*
portanto, exigir gestão e atenção explícitas. Entretan- Robert A. Burgelman
to, é possível também que a aprendizagem sobre novas
arquiteturas exija um tipo diferente de organização e Este artigo apresenta uma perspectiva da ecologia intra-
pessoas com habilidades diferentes. Uma organização organizacional na formulação de estratégias e examina
estruturada para aprender rapidamente e efetivamente como a seleção interna pode combinar-se com a seleção
sobre a nova tecnologia de componentes pode ser pouco externa para explicar a mudança e a sobrevivência orga-
efetiva na aprendizagem sobre as mudanças na arquite- nizacionais. Tal perspectiva foi adotada em um estudo
tura do produto. O que guia de maneira efetiva a apren- de campo sobre a evolução da estratégia corporativa da
dizagem sobre novas arquiteturas e como a aprendiza- Intel Corporation. Os dados colhidos em campo, por
gem sobre os componentes pode estar relacionada com sua vez, são usados para refinar e aprofundar a estrutura
elas são questões merecedoras de muitos mais pesquisa. conceitual. São discutidas as relações entre processos
Essas ideias também proporcionam uma perspectiva estratégicos induzidos e autônomos e quatro modos de
interessante para compreender o modo atual das equipes adaptação organizacional. Os aparentes paradoxos as-
multifuncionais e dos ambientes organizacionais mais sociados com a inércia estrutural e os argumentos de
abertos. Esses mecanismos podem ser reações a uma reorientação estratégica são elucidados, gerando várias
percepção do perigo de permitir que o conhecimento
arquitetural torne-se incorporado em ligações tácitas ou
informais. *
Fonte: Reimpresso de Organization Science 2/3 (August 1991).
Na medida em que as outras tarefas realizadas Copyright © 1991 by The Institute of Management Services. Utilizado
pelas organizações também podem ser descritas como com permissão.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     259

proposições novas. O artigo propõe que as organizações Este artigo tem um objetivo duplo. Primeiro, ele
bem-sucedidas caracterizam-se por uma alta gestão que propõe a utilidade de uma perspectiva ecológica in-
promove esforços na construção de processos estraté- traorganizacional na formulação das estratégias. Uma
gicos induzidos e autônomos, e também se preocupam organização é encarada como uma ecologia de iniciati-
com o conteúdo da estratégia; que tais organizações vas estratégicas que surgem de maneiras padronizadas
exercitam simultaneamente os processos induzidos e e concorrem por recursos organizacionais limitados, de
autônomos; e que as reorientações bem-sucedidas nas modo a aumentar sua importância relativa dentro da
organizações provavelmente foram precedidas pela ex- organização. A estratégia resulta, em parte, da seleção
perimentação interna e pelos processos de seleção ofe- e retenção, operando na variação interna associada às
recidos por meio dos processos autônomos. iniciativas estratégicas. A variação nas iniciativas estra-
O surgimento de uma perspectiva ecológica, produ- tégicas surge, em parte, como consequência de estraté-
zindo novos conceitos de mudança e adaptação orga- gias individuais daqueles que estão buscando expressão
nizacionais (p. ex., Carroll, 1988; Hannan e Freeman, de suas habilidades especiais e progressão na carreira
1989), desencadeou vários debates na ciência organi- por meio de diferentes tipos de iniciativas estratégicas.
zacional importantes para o campo da gestão estraté- A seleção funciona mediante mecanismos administrati-
gica. Um debate significativo concentra-se na questão vos e culturais que regulam a alocação da atenção e dos
do determinismo ambiental versus escolha estratégica recursos para diferentes áreas de iniciativa estratégica.
(Child, 1972; Aldrich, 1979; Astley e Van de Ven, 1983; A retenção assume a forma de aprendizagem no nível
Bourgeois, 1984; Hrebiniak e Joyce, 1985). Outro de- organizacional e na competência distintiva, incorporada
bate diz respeito à importância relativa da seleção e de várias maneiras – definição dos objetivos organiza-
adaptação para explicar a mudança e a sobrevivência cionais, delimitação do domínio e opiniões comparti-
organizacionais (Miles e Cameron, 1982; Hannan e lhadas do caráter organizacional. Nessa perspectiva, as
Freeman, 1984; Singh et al., 1986). Esses tipos de de- iniciativas estratégicas, e não as individuais, são a uni-
bate foram interpretados algumas vezes como reflexos dade de análise (Cohen e Machalek, 1988).
de uma oposição fundamental entre as ideias de ecolo- Segundo, o artigo propõe relações padronizadas
gia e estratégia. entre os processos ecológicos intraorganizacionais e
O presente artigo baseia-se na premissa de que as diferentes formas de adaptação que foram identifi-
não precisa haver uma oposição fundamental entre as cadas previamente na literatura. Mais especificamente,
perspectivas ecológica e estratégica e que a integração o artigo sugere como as ideias opostas relativas às con-
sequências esperadas da mudança estratégica princi-
proveitosa dessas ideias é possível em alguns aspec-
pal (Hannan e Freeman, 1984; Tushman e Romanelli,
tos. Para fazê-lo, o artigo utiliza os conceitos da va-
1985) podem ser conciliadas.
riação-seleção-retenção da teoria da evolução cultural
A próxima seção discute um estudo de campo rea-
(Campbell, 1969; Aldrich, 1979; Weick, 1979) que foi
lizado na Intel Corporation. As duas seções seguintes
aplicada anteriormente na formulação de estratégias
examinam, primeiro, o conteúdo e os processos estraté-
pelos estudiosos ocidentais (Burgelman, 1983a), bem
gicos com base em uma perspectiva evolucionária e, se-
como pelos japoneses (Kagono et al., 1985). Ao am-
gundo, as relações entre os processos de formulação de
pliar o trabalho anterior, o artigo aborda questões de
estratégias e os modos de adaptação organizacional. Ao
pesquisa motivadas pela perspectiva evolucionária. Al-
longo dessas seções, são fornecidas referências e vinhe-
gumas dessas questões dizem respeito ao conteúdo e ao
tas do estudo da Intel. A seção de discussão apresenta as
processo da estratégia: Como surge o conteúdo da es-
conclusões com base na pesquisa e várias proposições
tratégia de uma organização e como ele evolui? Como
derivadas dessas conclusões. A seção final apresenta as
os processos de formulação de estratégias são moldados
implicações para a teoria e a pesquisa.
ao longo do tempo? As questões sobre algumas das co-
nexões entre os processos de formulação de estratégias
e as diferentes formas de mudança e adaptação organi- UM ESTUDO DE CAMPO DA INTEL CORPORATION
zacionais são de interesse particular para este artigo: se A fim de explorar as questões de pesquisa motivadas
houver, qual é a ligação entre a formulação da estratégia pela perspectiva evolucionária, foi realizado um estudo
e a inércia? Quais tipos de processos de formulação de de campo da evolução da estratégia corporativa da Intel
estratégias levam à principal mudança estratégica que Corporation. A Intel é uma grande empresa de semicon-
promove a sobrevivência? O artigo aborda uma pesqui- dutores que sobreviveu, por mais de 20 anos, de forma
sa de campo feita na Intel Corporation para explorar independente em uma indústria extremamente dinâmi-
essas questões. ca. A empresa cresceu de US$ 1 milhão em vendas em
260     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

1968 para quase US$ 3 bilhões em 1989. Os lucros importante negócio de microprocessadores (a família de
passaram de uma perda de US$ 2 milhões em 1969 para produtos x86) com base na tecnologia de conjunto com-
um ganho de US$ 453 milhões em 1988. plexo de instruções (CISC – Complex Instruction Set
Após as entrevistas iniciais com o CEO, Andrew S. Computing) da Intel; a evolução da importância estra-
Grove, e seu assistente, Dennis Carter, foi tomada a de- tégica do negócio de memória programável e apagável
cisão de focar o primeiro estágio da pesquisa na decisão somente de leitura (EPROM – Erasable Programmable
da Intel, em 1985, de sair do negócio de memória dinâ- Read-Only Memory); a experiência da empresa com os
mica de acesso aleatório (DRAM – Dynamic Random circuitos integrados de aplicação específica (ASICS –
Access Memory). O segundo estágio da pesquisa con- Application Specific Integrated Circuits); o surgimen-
centrou-se no período desde 1985 e na estratégia atual to e o spin-off da iniciativa da memória programável e
da Intel. O estudo, que englobou a coleta de dados de apagável eletricamente somente de leitura (EEPROM
arquivo e as entrevistas, foi conduzido durante o perío- – Electrically Erasable Programmable Read-Only
do de agosto de 1988 a outubro de 1989. Analisaram-se Memory); a importância crescente do negócio de sis-
documentos da empresa com descrições sobre a sua his- temas; o surgimento dos processadores com base na
tória, publicações industriais e outros materiais escri- tecnologia de conjunto reduzido de instruções (RISC
tos. Cerca de 20 gestores-chave da Intel foram entrevis- – Reduced Instruction Set Computing) como parte da
tados, muitos deles mais de uma vez. Alguns executivos estratégia da Intel; e as questões relativas à possível im-
que já haviam saído da empresa também fizeram parte portância estratégica de uma nova forma de memória
desse processo. A pesquisa está incorporada em dois denominada Flash. Embora a maior parte da pesquisa
estudos de caso (Cogan e Burgelman, 1989a, 1979b). seja retrospectiva, teve uma duração suficiente para ob-
A pesquisa começou com uma ampla análise de servar algumas decisões estratégicas em tempo real, es-
como a estratégia da Intel, uma “empresa de memó- pecialmente a de adotar a arquitetura RISC como parte
rias”, tomou forma nos primeiros anos e depois deci- da estratégia corporativa da Intel, e a incerteza atual a
diu abandonar as DRAMs. Em 1985, a Intel se deparou respeito das memórias Flash.
com uma recessão cíclica na indústria de semiconduto- O estudo de campo foi guiado por uma estrutura evo-
res e com a feroz concorrência de preços dos japoneses lucionária derivada da pesquisa anterior (Burgelman,
fabricantes de DRAMs. A empresa esperava uma perda 1983a), que postula a existência dos processos induzi-
de menos de US$ 100 milhões em 1986, mas precisava dos e autônomos na formulação de estratégias. O pro-
investir centenas de milhões de dólares em novas fábri- cesso induzido relaciona-se com as iniciativas contidas
cas e equipamentos se quisesse ser competitiva para a no escopo da estratégia atual da organização e baseia-se
próxima geração de DRAMs. A alta gestão decidiu que no conhecimento organizacional existente; e o proces-
a saída do negócio de DRAMs era a melhor alternativa so autônomo relaciona-se com as iniciativas que sur-
para a Intel. Os gestores de diferentes níveis e diferen- gem fora desse escopo e proporciona o potencial para
tes grupos funcionais e comerciais que estiveram en- o novo conhecimento organizacional. Esses processos
volvidos e/ou que foram afetados pela decisão foram são considerados determinantes importantes da evolu-
convidados a discutir as causas da saída da Intel e a ção da estratégia da organização. Os dados de campo
consequência dessa decisão. Com base nos dados nu- servem para testar, até certo ponto, a validade dessa es-
méricos dos arquivos, foi uma surpresa descobrir que as trutura. Campbell (1975) discute várias condições para
DRAMs haviam sido uma parte relativamente pequena tornar um único estudo de caso útil como teste para a
do negócio da Intel durante vários anos antes de a deci- teoria, com duas delas podendo ser abordadas em rela-
são de sair ter sido realmente tomada. ção ao estudo da Intel: (1) acompanhar as observações
A participação de mercado da Intel nas DRAMs era de validação e invalidação, e (2) escolher a teoria sem
de apenas 3,4%, ficando em nono lugar na indústria em conhecimento do valor confirmatório do estudo de caso.
1985. Contudo, havia um sentimento muito forte entre Em primeiro lugar, embora não se destine inicialmente
os entrevistados de que abandonar as DRAMs foi a de- a servir como um teste para uma teoria evolucionária na
cisão mais importante na história da empresa. Então, a formulação de estratégias, o estudo oferece suporte para
pesquisa procurou entender como ocorreu a evolução a confirmação da existência dos processos estratégicos
de uma empresa de “memórias” em 1968 para uma de propostos na estrutura. As observações de invalidação
“microprocessadores” em 1985. Essa evolução é ilus- não foram sistematicamente procuradas, mas algumas
trada pela Figura 1. descobertas inesperadas são apresentadas para sugerir
O segundo estágio da pesquisa concentrou-se nos a necessidade de algumas alterações na teoria. Em se-
eventos ocorridos desde 1985, cobrindo várias áreas gundo lugar, a disponibilidade da Intel como um local
estratégicas fundamentais: o desenvolvimento do mais de pesquisa foi um evento fortuito e os pesquisadores
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     261

FIGURA 1 Evolução da Intel: de uma empresa de memórias para uma


empresa de microprocessadores

100%

80%

% das receitas da Intel


Microprocessadores
60%

40%
Memórias

20%

72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88

Intel: A fornecedora de Intel: A empresa de


memórias VLSI microprocessadores
Fonte: Intel Corporation.

não sabiam se o estudo de caso dessa empresa exibiria Claramente, seria útil estudar uma amostra maior
ou não suporte para a estrutura evolucionária. Eles não que incluísse também as organizações fracassadas. En-
estavam familiarizados com as abordagens de gestão tretanto, ao concentrar-se em uma organização com 20
estratégica da Intel. Além disso, muitas das entrevistas anos de permanência na liderança, a pesquisa conseguiu
em aberto foram feitas pelo assistente de pesquisa que ter acesso a fontes com conhecimento dos detalhes da
não estava envolvido no desenvolvimento da estrutu- evolução da empresa e pôde examinar em profundidade
ra conceitual, o que limitou um pouco o potencial do como a organização lidou com o fracasso parcial – e
viés de confirmação na coleta de dados. O assistente de a ameaça do fracasso total – em um ponto crucial da
pesquisa fez transcrições detalhadas das entrevistas, as sua história. Além disso, a indústria de semicondutores
quais foram analisadas junto com os dados coletados havia sido estudada anteriormente pelos ecologistas or-
pelo autor. ganizacionais (p. ex., Brittain e Freeman, 1980; Boeker,
Ao mesmo tempo que oferece suporte para a existên- 1989), mas atualmente não existe nenhum estudo deta-
cia dos processos de formulação de estratégias propos- lhado disponível sobre a formulação de estratégias nas
tos, a pesquisa também oferece a oportunidade de refinar empresas de semicondutores.
e aprofundar algumas das ideias subjacentes à estrutura
conceitual inicial. O artigo reflete interações entre teoria
ECOLOGIA INTRAORGANIZACIONAL DA
e dados, usando os dados para identificar alguns aspectos FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS
novos de uma perspectiva evolucionária nos processos
de formulação da estratégia. No contexto da teoria fun- A pesquisa sobre formulação de estratégias pode
damentada (Glaser e Strauss, 1967), o artigo pretende ser classificada em dois aspectos primários (Snow e
evoluir da construção da teoria com base na pesquisa em Hambrick, 1980). Alguns estudiosos, ao focarem a
áreas substantivas, tal como o empreendedorismo cor- mudança estratégica, documentaram épocas importan-
porativo interno (Burgelman, 1983b), para uma teoria tes (Mintzberg, 1978; Mintzberg e Waters, 1982), pe-
mais geral de processos de formulação de estratégias nas ríodos de mudança quântica (Miller e Friesen, 1984)
organizações. A teoria faz referência à estratégia corpora- e reorientações (Tushman e Romanelli, 1985) das es-
tiva – e não à estratégia de negócios – e à formulação de tratégias. Outros documentaram o processo contínuo
estratégias sólidas, em vez de basear-se na reestruturação da formulação de estratégias nas organizações (p. ex.,
corporativa (Snow e Hambrick, 1980). Quinn, 1982). A estrutura evolucionária que engloba os
A pesquisa tem várias limitações. Ela diz respeito a processos estratégicos induzidos e autônomos baseia-se
uma única organização de alta tecnologia ainda contro- em ambos os fluxos de trabalho. Esta seção discute os
lada por alguns de seus fundadores. A empresa cresceu processos induzidos e autônomos em termos dos meca-
em uma indústria cíclica, porém muito expansiva, e é nismos de variação-seleção-retenção e os utiliza para
uma organização bem-sucedida. elucidar a formulação de estratégias na Intel.
262     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Processo estratégico induzido com as DRAMs, onde outras start-ups fabricantes de


Retenção Considere uma organização recém-fundada memórias (como a Advanced Memory Systems) ha-
e bem-sucedida, como a Intel no final dos anos 1960. viam fracassado anteriormente. Andy Grove, encarre-
Independentemente de o sucesso inicial ser resultado de gado da engenharia e da manufatura nos primeiros dias,
competência ou sorte, o papel da alta gestão é articular e outros membros da equipe solucionaram os problemas
uma estratégia organizacional que ajudará a garantir a técnicos com as memórias com base em silício e foram
sobrevivência. Provavelmente, tal estratégia consistirá, capazes de fazer com que os resultados da manufatura
ao menos em parte, em dar sentido às coisas de forma da Intel ultrapassassem o limiar da viabilidade no mer-
retrospectiva e nas tentativas de capturar o conhecimento cado em relação às memórias de núcleo. Uma vez re-
da alta gestão sobre a base do sucesso da organização. solvidos os problemas fundamentais de manufatura, os
A estratégia está incorporada nos gestores que chegaram esforços tecnológicos da empresa concentraram-se em
ao (ou se mantiveram no) topo enquanto buscaram um como colocar mais transistores na mesma pastilha de
conjunto de iniciativas estratégicas. Também está incor- silício. A capacidade de produzir dispositivos menores
porada nas declarações orais e escritas relacionadas aos e mais densos resultou da pesquisa da Intel e foi man-
fatores técnico-econômicos e culturais – como os valo- tida confidencial. A alta gestão também acreditava que
res fundamentais e as tradições da empresa – percebidos o sucesso inicial estava associado às pequenas equipes
como associados ao sucesso passado (Pettigrew, 1979; de negócio, o que afetava a maneira como a empresa
Beyer, 1981; Haggerty, 1981; Donaldson e Lorsch, 1983; tentava implementar sua estratégia à medida que cres-
March, 1981b; Pfeffer, 1981; Weick, 1987). A estratégia cia. Embora o sucesso da Intel com as memórias com
organizacional, concebida dessa maneira, identifica as base em silício tenha definido o estágio para uma trans-
competências distintivas da organização, estabelece seus formação fundamental na indústria de computadores,
objetivos, delimita seu domínio de ação e define o seu essa transformação não era o objetivo dos fundadores;
caráter (Selznick, 1957; Andrews, 1971; McKelvey e eles viram simplesmente a oportunidade empresarial de
Aldrich, 1983). A estratégia organizacional pode ser ex- oferecer peças de reposição para as memórias dos com-
pressada em regras e prescrições reais, fazendo referên- putadores de grande porte (Gilder, 1989).
cia aos fatores técnico-econômicos e culturais (March, Naturalmente, uma estratégia organizacional com
1981a; Nelson e Winter, 1982) que guiam a ação estra- base, em grande parte, na racionalidade retrospectiva
tégica no nível organizacional e induzem iniciativas es- não exclui os esforços prospectivamente racionais da
tratégicas alinhadas com essa estratégia nos níveis infe- alta gestão. Um gestor de nível superior da Intel expres-
riores. Por meio da aplicação dessas regras e prescrições, sou isso da seguinte forma: “Grove tem pregado: ‘Tome
as decisões estratégicas são unidas ao longo do tempo as decisões difíceis! Não faça alguma coisa amanhã só
(Freeman e Boeker, 1984), realizam-se padrões organi- porque você fez hoje’”. No entanto, como veremos
zacionais de estratégia distintos (Miles e Snow, 1978; mais adiante, o próprio Grove sentiu como era difícil
Mintzberg, 1978; Miller e Friesen, 1984), e o caráter da fazer isso.
organização é mantido (Selznick, 1957).
O estudo sobre a Intel ilustra essa perspectiva evolu- Seleção A pesquisa sugere que a consciência da
cionária sobre a estratégia organizacional. Les Vadasz, estratégia de uma empresa é suscetível de estar con-
um alto executivo, descreveu como evoluiu a estratégia centrada no nível superior da organização (Hambrick,
da Intel: 1981) e que pode não haver uma concordância plena
A Intel foi uma start-up bem-sucedida no final dos anos
sobre quais são as competências distintivas da empresa
1960 e uma das primeiras coisas que fiz (quando solicita- (Stevenson, 1976; Snow e Hrebiniak, 1980). Além
ram que pensasse sobre planejamento estratégico) foi tentar disso, à medida que uma organização cresce, a sua es-
compreen­der o que provocou o sucesso da Intel. As razões tratégia torna-se cada vez mais diferenciada ao longo
para o sucesso estavam incorporadas nos talentos combina- de múltiplos níveis de gestão (Williamson, 1970) e a
dos do grupo que estava no comando. Tínhamos uma “com- estratégia não pode mais ser diretamente comunicada
preensão” da tecnologia e do negócio que levou a uma série
em detalhes para todos os níveis da gestão. Os parti-
de decisões corretas.
cipantes situados de modos diferentes na organização
Ter uma “compreensão” da tecnologia significava podem perceber as estratégias diferentes como portado-
que a alta gestão da Intel compreendia que o silício, em ras do mesmo potencial para o seu próprio progresso e
vez do metal, era o material fundamental para as me- da organização. Isso proporciona uma fonte importante
mórias e que a tecnologia de processos era o condutor de variação interna, já que os indivíduos que possuem
do negócio de memórias. Na verdade, foi a maestria na acesso a dados, ideias, motivação e recursos se esfor-
fabricação que permitiu que a Intel fosse bem-sucedida çam para desenvolver iniciativas especializadas. Mas, a
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     263

menos que uma organização seja capaz de estabelecer claro se a gestão de nível médio tinha poder posicional ou
mecanismos de seleção interna para manter um nível informacional.
de coerência, parece provável que a estratégia acabará Além de ser desagradável, o sistema resultava em pro-
jeções elevadas de modo irreal. Em um determinado ano,
não se realizando (Mintzberg, 1978). Espera-se, portan-
alguém teve a ideia de colocar todas as previsões anteriores
to, que a alta gestão estabeleça um contexto estrutural do PELP para as vendas unitárias em um gráfico junto com o
que englobe os mecanismos administrativos (Bower, crescimento real para o mesmo período. O resultado foi uma
1970) e culturais (Ouchi, 1980). Os mecanismos ad- série em formato de “bastões de hóquei”* que demonstraram
ministrativos incluem, entre outros procedimentos, o a ineficácia do processo.
planejamento estratégico e os sistemas de controle, as
abordagens para avaliar e recompensar os gestores e as Os dados também confirmam que as regras relacio-
regras que governam a alocação dos recursos. Os meca- nadas com a alocação de recursos são uma parte po-
nismos culturais incluem, entre outros fatores, os rituais derosa do contexto estrutural (Bower, 1970). A Intel
de socialização e as normas comportamentais (faça e foi a primeira empresa capaz de manufaturar e comer-
não faça). As diferentes formas de contexto estrutural cializar DRAMs com sucesso e encarava a si própria
proporcionam uma ligação mais ou menos forte entre como uma “empresa de memórias”. Como observou um
a estratégia organizacional e as iniciativas estratégicas gestor, “De certa maneira, as DRAMs criaram a Intel”.
dos gestores em vários níveis (p. ex., Chandler, 1962; Contudo, à medida que as oportunidades em EPROMs
Mintzberg, 1979; Rumelt, 1974; Williamson, 1970; e microprocessadores eram perseguidas e competiam
Haspeslagh, 1983). por recursos, as DRAMs começaram a perder. Como
consequência da adoção da regra de alocação de recur-
Os dados da Intel reforçam a importância de se ter
sos que deslocava os recursos sistematicamente para os
os processos induzidos orientados pela intenção estraté-
produtos que maximizavam a margem por atividade de
gica da alta gestão e também oferecem uma visão sobre
fabricação, as DRAMs consideraram muito difícil con-
as consequências de perder a ligação entre as iniciativas
tinuar a obter investimento de capital na concorrência
estratégicas dos gestores de nível médio e a intenção
com outros produtos. Na verdade, o vice-presidente de
estratégica. Ao comentar sobre a evolução do planeja-
finanças na Intel insistiu que o gestor de DRAMs assi-
mento estratégico de longo prazo (PELP) da Intel, Les
nasse um cheque simbólico igual à margem de perdas
Vadasz descreveu os esforços para estabelecer um pro-
quando os produtos de alta margem colidissem com
cesso induzido:
ela. Então, embora a maioria dos gestores continuasse a
Como a empresa cresceu, tentamos reproduzir o ambien- acreditar na mitologia (a “verdade autoevidente”, como
te que nos levou a tomar as decisões “corretas”, formando mencionou o CEO Andrew Grove) da Intel como uma
unidades de negócio relativamente pequenas e criando um empresa de memórias, o efeito dessas decisões de in-
sistema de planejamento estratégico de baixo para cima. En- vestimento de capital foi que ela se tornou uma empresa
tretanto, isso se tornou muito pesado. A noção de empurrar
de microprocessadores durante o início dos anos 1980.
as decisões para baixo pode ter sido boa, mas a maturidade
relevante para a tarefa não era grande o bastante. A direção A mitologia foi mantida viva, em parte, porque quanti-
começou a jogar com o sistema. O sintoma fundamental dades importantes de recursos continuaram a fluir para
foi que as novas ideias muitas vezes eram cooptadas pelos a P&D da DRAMs (estimadas em um terço do total de
grupos e moldadas para se adequarem às necessidades ime- cerca de US$ 195 milhões em 1985).
diatas, em vez de serem desenvolvidas como se pretendia Os dados sugerem que os processos de seleção in-
originalmente. Agora, o sistema é mais de cima para baixo. terna da Intel foram consistentes com as pressões de
Um grupo de alto nível define a estratégia corporativa e as
seleção no ambiente externo. Os recursos foram alo-
unidades de negócio operam dentro desse lócus. As unidades
de negócio devem se concentrar em algumas coisas e fazê-las
cados para os negócios mais rentáveis e não para as
direito. Nem o sistema antigo nem o novo são perfeitos […]. DRAMs, embora ainda não tivesse sido feita explicita-
Alguns gestores se queixam de que a sua “caixa de areia” é mente uma mudança importante na estratégia organi-
demasiadamente bem definida. zacional. Dado o tamanho relativo dos investimentos
de capital envolvidos (centenas de milhões de dólares),
O CEO Grove realizou um trabalho cuidadoso sobre isso foi extremamente importante. Eventualmente, é
os problemas relacionados ao fato de deixar os geren- claro, a discrepância entre a seleção interna e a estraté-
tes de nível médio conduzirem o processo induzido em gia organizacional precisava ser resolvida.
face da intenção estratégica pouco clara da alta gestão:
O processo de PELP virou um constrangimento. Como *
N. de R.T.: A expressão hockey stick (bastão de hóquei) é usada para
a alta gestão não teve coragem para dar as ordens, a nos- descrever o padrão do gráfico de temperaturas, relativamente plano até
sa expectativa era que a gestão de nível médio trouxesse 1900. A partir daí, surgiu a forma ascendente do bastão de hóquei seguida
estratégias para que pudéssemos criticá-las. Não estava por uma elevação abrupta, correspondente à lâmina final.
264     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

A constatação de uma discrepância significativa a alta gestão favoreça as iniciativas que se ajustem à
entre os mecanismos de seleção interna e a estratégia estratégia atual.
organizacional sugere que os processos estratégicos Naturalmente, isso não implica a não existência de
induzidos podem ser conduzidos mais pelo contexto variação planejada no processo induzido. Claramente,
estrutural do que pela estratégia (Bower, 1970): os ges- há espaço para os avanços da tecnologia básica, para
tores podem responder mais aos incentivos do que às o novo desenvolvimento de produto nas famílias de
instruções. Além disso, essa constatação sugere que os produtos existentes, para novas abordagens de comer-
processos induzidos poderão se manter efetivos se os cialização e manufatura e assim por diante. Centenas
mecanismos de seleção interna refletirem as pressões de de exemplos dessas variações planejadas poderiam ser
seleção do ambiente, mesmo quando se tornarem dis- documentadas na Intel, e elas nem sempre são peque-
sociados da estratégia organizacional adotada. Nessa nas, já que novos equipamentos, por exemplo, podem
situa­ção, o desempenho positivo proporciona um amor- exigir investimentos muito grandes. Mais adiante neste
tecedor de tempo para alinhar a estratégia organizacio- artigo, serão analisadas as implicações da tendência de
nal com o contexto estrutural. Espera-se que o contrário diminuição da variação dos processos induzidos.
não ocorra. Ou seja, os mecanismos de seleção interna
fortemente associados com a estratégia organizacional, Processos estratégicos autônomos
mas sem refletirem as pressões de seleção do ambiente, Variação Estudos sobre organizações públicas (p. ex.,
provavelmente não estão associados com a eficácia dos Daft e Becker, 1978; Lewis, 1980) e privadas (p.
processos induzidos. O reconhecimento da importân- ex., Shepard, 1967; Kidder, 1981; Kanter, 1982;
cia da ligação direta da seleção interna com as pressões Burgelman, 1983b; Mintzberg e McHugh, 1985) su-
ambientais, como também com a estratégia organiza- gerem que, a qualquer momento, alguns indivíduos ou
cional, proporciona um refinamento da teoria anterior pequenos grupos podem fazer tentativas para que a sua
relacionada com a estratégia e a estrutura. organização se envolva em atividades fora do escopo da
sua estratégia atual. Como os exemplos da Intel apre-
Variação O processo estratégico induzido tem a in-
sentados a seguir podem ilustrar, tais iniciativas autô-
tenção de preservar a associação entre as iniciativas
nomas muitas vezes são significativamente diferentes
estratégicas nos níveis operacionais com a estratégia
das induzidas em termos da tecnologia empregada, do
da organização, por meio da moldagem das percep-
atendimento das funções do cliente e/ou dos grupos de
ções dos gestores sobre que tipos de iniciativa podem
clientes visados. Muitas vezes, elas derivam de novas
ser apoiados pela organização. Como consequência, o
combinações de habilidades individuais e organizacio-
processo induzido pode ter um efeito de diminuição da
nais, como também de capacitações (Penrose, 1968;
variação sobre o conjunto de iniciativas estratégicas
Teece, 1982), não reconhecidas naquele momento como
que ele abrange. No caso da Intel, o presidente Gordon
distintivas ou centralmente importantes para a empresa.
Moore abordou essa questão em relação à estratégia da
Embora as iniciativas autônomas sejam provavelmente
empresa em 1989:
desencadeadas com bastante frequência por ideias ou
Podemos muito bem implementar variações nos negócios eventos externos à organização, elas envolvem mais do
atuais, mas fazer alguma coisa nova é mais difícil. Hoje, a que uma imitação para terem uma importância evolu-
probabilidade de alguém matar um esforço como o de Dov cionária para a estratégia da organização. Normalmen-
Frohman [inventor da EPROM] é muito alta, porque você te, a imitação não leva à vantagem competitiva susten-
precisa de uma aplicação bem definida para um mercado
tável. As iniciativas autônomas são importantes para a
desde o início. Isso se dá especialmente porque não estamos
buscando outras oportunidades. Ainda há muito o que evoluir evolução da empresa na medida em que envolvem a
na tecnologia atual. Se você considerar as possibilidades com criação de novas competências que podem se combinar
a redução da largura da linha,* pode enxergar outros 12 anos de maneiras únicas com os recursos e as competências
de evolução ao longo da mesma curva. já disponíveis para a organização. Embora as iniciativas
autônomas surjam muitas vezes de maneira fortuita e
As observações de Gordon Moore também parecem sejam difíceis de prever, normalmente não são aleató-
implicar que o processo induzido depende das oportuni- rias porque são enraizadas e limitadas pelo conjunto de
dades de crescimento remanescentes no domínio atual. competências em evolução na empresa (McKelvey e
À medida que essas oportunidades de crescimento são Aldrich, 1983).
percebidas como elevadas, há uma expectativa de que As iniciativas autônomas podem surgir em vários
níveis da gestão, mas elas têm mais probabilidade de
*
N. de T.: Largura da linha, neste caso, refere-se à linha do circuito im- surgir em um nível em que os gestores estão em contato
presso na pastilha ou à linha da máscara. direto com os novos desenvolvimentos tecnológicos e
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     265

com as mudanças nas condições do mercado que te- negócio de microprocessadores. Ao descrever a vida de
nham algum critério orçamentário. À medida que a or- um defensor na Intel, esse gestor disse:
ganização cresce, elas têm cada vez mais probabilidade
Você tem que ser ingênuo, porém suficientemente maduro
de surgir nos níveis abaixo da alta gestão, mesmo no para perceber que o processo leva muito tempo. Tem que ser
caso de uma empresa como a Intel, onde os executivos sensível às interferências políticas. Tem que ser um fanático
seniores possuem forte formação técnica. religioso, mas não tão religioso porque senão você perde a
O estudo da Intel mostra que, a despeito das preocu- credibilidade. Enfim, você tem que ter sucesso... É mais di-
pações de Gordon Moore, o processo estratégico au- fícil defender um produto que ameaça o negócio [atual] da
tônomo não é facilmente suprimido. Isso é ilustrado empresa.
por um exemplo recente de como a empresa entrou no
negócio de processadores RISC com o seu processa- Seleção No momento em que surge, a importância de
dor i860.1 uma iniciativa estratégica autônoma permanece mais ou
A história do i860. A história da entrada da Intel no negócio de menos indeterminada. Para resolver a indeterminação,
processadores RISC detalha o surgimento de uma nova família de o contexto estratégico da nova iniciativa deve se tornar
produtos que poderá desafiar a estratégia central de microproces-
sadores da Intel. Ela ilustra a capacidade de um tecnologista astuto, claro para a alta gestão e ser aceito por ela. Os processos
Les Kohn, para testar os limites da estratégia corporativa atualmente de determinação do contexto estratégico (Burgelman,
articulada e para modificá-la. A estratégia corporativa deliberada da 1983b; Haspeslagh, 1983) permitem que as iniciativas
Intel não foi entrar no negócio do RISC, mas, sim, enfocar a arqui-
tetura x86 extremamente bem-sucedida. Kohn vinha tentando fazer autônomas sejam avaliadas internamente e seleciona-
com que a Intel entrasse no negócio dos processadores RISC desde das fora do contexto estrutural normal, geralmente por
que ingressou na empresa, em 1982. Como ele diz: “A RISC não era meio das interações entre os vários tipos de defensores
um negócio existente e as pessoas não estavam convencidas de que
havia um mercado”. Na verdade, o vigor da aversão da organização e a alta gestão, e podem levar a uma mudança na es-
em relação às arquiteturas RISC era demonstrado pelo jargão corpo- tratégia da organização. Tais aperfeiçoamentos, por sua
rativo, Yarp, “Yet another RISC processor” [“Mais um processador
Risc]. Ao falar em termos subestimados sobre a sua abordagem, pa-
vez, integram as novas atividades comerciais com os
recia claro que Kohn tinha uma estratégia deliberada que podia ser processos estratégicos induzidos.
encarada como clandestina da perspectiva da estratégia corporativa. Os processos de determinação do contexto estratégi-
Ele mencionou ter havido alguma realização nos níveis abaixo da
alta gestão que “a Intel precisava ampliar para além do mercado do co podem estar entre os mais ilusórios, voláteis e precá-
386,2 mas não houve acordo sobre o que e como fazer”. Ele também rios processos decisórios nas organizações. Eles lidam
insinuou que “havia vários contendores em pontos diferentes”. Do com insumos altamente ambíguos, e, portanto, espera-
ponto de vista técnico, Kohn acreditava que a arquitetura RISC tinha
vantagens intrínsecas sobre a arquitetura CISC. No entanto, ele tinha -se que envolvam relativamente poucas regras, mas
aprendido, a partir de várias outras tentativas mais diretas no proces- muitos ciclos entrelaçados para a sua montagem (Daft
so de aprovação de produtos, que uma abordagem que apoiasse e
não desafiasse o status quo provavelmente seria mais bem-sucedida.
e Weick, 1984; Weick, 1979). Isto é, eles exigem muita
Além disso, o investimento necessário era grande demais para o interação real entre os gestores dos diferentes níveis da
desenvolvimento “debaixo dos panos”. Sua solução foi disfarçar o organização. Ao contrário do contexto estrutural, que
produto. Andrew Grove, CEO da Intel, mencionou que Kohn ven-
deu o design para a alta gestão como um coprocessador e não como
escolhe as iniciativas que são coerentes com uma visão
um processador independente. Kohn confirmou: “Nós o projetamos ex ante, os processos de determinação do contexto es-
como um processador independente, mas o tornamos muito útil tratégico selecionam as iniciativas para as quais a visão
como um acessório do i486”.3 No momento em que a alta gestão
percebeu o que era o seu “coprocessador”, Kohn, com a ajuda de torna-se articulada ex post (Burgelman, 1983c). Exigem
dois outros defensores, já havia alinhado uma base de clientes para ainda que a viabilidade seja estabelecida, em ambos os
o processador independente, uma base que ele sugeriu ser diferente ambientes, interno e externo, em cada estágio interme-
das empresas que compravam os chips 486; nas palavras do próprio
Kohn, “um monte de clientes que antes nem falavam com a Intel”. diário do seu desenvolvimento. Conforme o processo
Assim, Kohn podia argumentar que estava ampliando o negócio da se desdobra e mais informações tornam-se disponíveis,
Intel, e não canibalizando-o. Em 1989, a alta gestão da Intel decidiu
aperfeiçoar a estratégia corporativa e incorporar o negócio de chips
a alta gestão é capaz de avaliar o potencial adaptativo
com tecnologia RISC. das novas atividades para a organização. De um ponto
de vista evolucionário, só depois que estiver razoavel-
Outro exemplo, ainda em estágio muito inicial, diz
mente certo que uma iniciativa autônoma é viável, ela
respeito a um novo tipo de memória denominado Flash. poderá passar a fazer parte da estratégia organizacional.
Um gestor de nível médio que defende as memórias Em um estudo sobre os processos estratégicos autôno-
Flash na Intel enfatizou que esse tipo de memória po- mos na área de estratégia de marketing, Hutt, Reingen
deria acabar proporcionando uma substituição para o e Ronchetto (1988, p. 16) operacionalizaram o processo
em termos de análise da rede, padrões de comunicação e
construção de coalizões, e concluíram: “Se os esforços
1
i860 é uma marca registrada da Intel Corporation.
2
386 é uma marca registrada da Intel Corporation. dos defensores do produto e da organização forem bem-
3
i486 é uma marca registrada da Intel Corporation. -sucedidos, a iniciativa estratégica autônoma se mistura
266     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

com a rotina de planejamento formal da empresa e com autônomo permite que a organização se torne mais cla-
o conceito de estratégia”. ramente consciente (e se prepare para lidar com) das
Ao comentar como o contexto estratégico de um variações ambientais que já entraram em cena e que
novo negócio em potencial é definido na Intel, Les poderiam ameaçar a sua posição competitiva. A RISC
Valdasz, que tem sido o responsável pelos esforços de foi inventada na IBM, mas permaneceu adormecida até
empreendedorismo interno corporativo da empresa, encontrar uma aplicação importante nas estações de tra-
mencionou que esses esforços requerem vias alternati- balho. Craig Barrett, um alto executivo, apontou que a
vas para a obtenção de recursos, de modo que os novos RISC ainda é encarada como relativamente menos im-
negócios possam ter uma oportunidade de demonstrar a portante do que a CISC na estratégia da Intel, mas que
sua viabilidade, o que é ilustrado com o empreendimen- a sua disponibilidade permite que a empresa seja uma
to de placas de expansão. forte concorrente no que pode vir a se tornar um novo
mercado importante:
A história das placas de expansão. Alguns gestores de nível
médio tiveram a ideia de desenvolver placas de expansão A base da Intel está na família de produtos x86. Existe um
para computadores pessoais. O processo de planejamento es- 5864 na prancheta e um 686 planejado na sequência. Se hou-
tratégico inicialmente rejeitou a ideia, já que os canais de dis- vesse qualquer dúvida de quem veio primeiro, isso poderia
tribuição eram diferentes demais. Porém, a ideia foi capaz de ser respondido rapidamente. Mas, se houver gente suficiente
angariar apoio por meio do programa de empreendedorismo por aí querendo comprar Yarps, então chamamos o i860 de
corporativo interno da Intel e tornou-se um negócio distinto. matador de Yarp. É o processador RISC com maior desem-
Após o sucesso do negócio tornar-se evidente, o empreen- penho no mercado.
dimento foi reabsorvido pelo negócio de sistemas da Intel.
Os esforços autônomos de Kohn agora possibilitam
Em um estado de espírito semelhante, o gestor do gru- que a Intel esteja preparada no caso de a RISC represen-
po de desenvolvimento de componentes disse que mantém tar uma ameaça para a CISC.
o processo fluido “destinando certa quantidade de recursos As iniciativas autônomas proporcionam para a or-
para coisas não planejadas. Normalmente, você não pre- ganização uma janela interna em relação ao futuro, as
cisa de mais de US$ 1 milhão para ter alguma coisa em potenciais variações ambientais importantes nos merca-
andamento”. Esses exemplos sugerem que a disponibili- dos e tecnologias e as opções estratégicas. Talvez esse
dade de uma “folga não absorvida” (p. ex., Singh, 1986) seja o caso das memórias Flash. Embora as implicações
pode ser um fator importante para que o comportamento das memórias Flash possam acabar sendo menos revo-
estratégico autônomo seja aceito pela organização. lucionárias do que o seu defensor prevê e o seu contexto
estratégico até agora permaneça indefinido, os esforços
Retenção Tanto as EPROMS quanto os micropro- desse defensor oferecem à alta gestão da Intel a opor-
cessadores resultaram de iniciativas não planejadas que tunidade de antecipar e avaliar uma potencial variação
estavam fora do escopo da estratégia do início dos anos ambiental.
1970. Essas iniciativas conseguiram obter recursos por- Algumas vezes, o contexto estratégico de um novo
que a alta gestão reconheceu algum potencial depois negócio não pode ser definido com êxito, e esse negó-
que elas passaram a existir. A obtenção dos recursos cio morre ou é transformado em um spin-off. Os dados
permitiu que as novas iniciativas demonstrassem a sua da Intel revelam que, em alguns casos, uma tentativa
viabilidade no ambiente. O sucesso evolucionário dos fracassada de definir o contexto estratégico de uma ini-
microprocessadores e da mudança concomitante na im- ciativa fora do escopo da estratégia atual pode levar a
portância relativa no domínio de ações da memória (bai- uma articulação mais nítida da estratégia da empresa.
xo conteúdo de projeto) para o microprocessador (alto Um exemplo (nesse caso, resultante da limitação) é
conteúdo de projeto) teve consequências importantes fornecido pelo empreendimento do circuito integrado
na evolução das competências distintas da empresa. À com aplicação específica (ASIC). A Intel estava atra-
medida que as diferenças na tecnologia de processo ni- sada em relação aos ASICs. Milhões de dólares foram
velaram-se entre os concorrentes na indústria, as com- investidos para um crescimento rápido, tendo sido es-
petências distintas no design de circuitos tornaram-se tabelecida uma divisão separada. Entretanto, a alta ges-
cada vez mais a nova base da vantagem competitiva da tão logo percebeu que o ASIC era simplesmente um
Intel. Como os clientes tinham que ser instruídos sobre veículo para a implementação dos projetos de circuito.
o que os poderosos microprocessadores poderiam fazer Como observou um gestor de nível médio, “No ASIC,
por eles, isso também levou a Intel a desenvolver novas o cliente agregava todo o valor. Então, percebemos que
capacitações distintas em marketing (Davidow, 1986).
A história da RISC, apresentada anteriormente, é
importante porque mostra como o processo estratégico 586 e 686 são marcas registradas da Intel Corporation.
4
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     267

nós mesmos devíamos agregar o valor”. A divisão se- plo, os altos executivos podem se lembrar de antigos
parada acabou sendo reabsorvida pela Intel à medida colegas que tentaram fazer coisas diferentes e pagaram
que o foco corporativo no design foi adotado por toda preços elevados em termos de progressão na carreira ou
a organização como uma vantagem competitiva. Poste- ainda de empresas que também tentaram algo diferen-
riormente, a Intel desvinculou-se dos ASICs porque a te – como um movimento de diversificação desconexo
sua habilidade essencial de design era diferente. – que lhes custou muito caro. Há uma expectativa de
Parece difícil gerir o processo estratégico autônomo. que os participantes nos níveis inferiores estejam cons-
A história de áreas como o Vale do Silício indica que as cientes disso e, portanto, motivados a buscar iniciativas
iniciativas estratégicas autônomas nas empresas estabe- alinhadas com a estratégia atual. As iniciativas induzi-
lecidas resultam muitas vezes na criação de novas em- das permitem que os gestores proponham projetos que
presas, em vez de novos negócios para as empresas nas tirem proveito do conhecimento organizacional dispo-
quais surgiram. Muitos empreendedores internos pare- nível, em vez de incorrerem nos custos potencialmente
cem ter relutado em sair da empresa por causa da falta elevados do novo conhecimento orientado individual­
de apoio organizacional. No caso da Intel, um exemplo, mente e associado com a realização de projetos por
entre outros, diz respeito a um grupo envolvido com meio do processo autônomo. O processo induzido faz
as EEPROMs, que saíram após a maioria da alta ges- parte das estruturas de oportunidade normais da organi-
tão determinar que elas eram pequenas e especializadas zação para a progressão da carreira.
demais. O grupo formou uma empresa chamada Xicor. Por que alguns gestores estão dispostos a se engajar
Entretanto, as iniciativas autônomas podem ter um efei- no comportamento estratégico autônomo? De acordo
to dissipador na procriação dos recursos e/ou compe- com March (1988), a motivação desses gestores pode
tências distintivas da organização. Os recursos poderão estar arraigada em (a) uma “lógica obrigatória” ou (b)
ser espalhados se muitas iniciativas forem apoiadas, uma “lógica consequente”. Os gestores que trabalham
talvez em detrimento dos negócios principais. As com- com base numa lógica obrigatória envolvem-se em ini-
petências distintivas poderão ser diluídas ou perdidas se ciativas autônomas porque isso é coerente com a ima-
uma iniciativa autônoma não for apoiada internamen- gem que fazem de si. Os gestores que se baseiam numa
te e talentos importantes resolverem sair da empresa, lógica consequente podem achar que têm capacitações
com ou sem a ajuda do capital de risco. (É interessan- e habilidades que tornam as iniciativas autônomas me-
te observar que a Intel aumentou significativamente a nos arriscadas do que as induzidas. Ou então porque
sua equipe jurídica nos anos 1980 a fim de tornar-se querem seguir os passos dos colegas que receberam al-
mais capaz de proteger a sua propriedade intelectual.) tas recompensas por executarem com êxito uma inicia-
Mas, às vezes, parece ser bastante claro, em retrospecto, tiva autônoma altamente arriscada, ou mesmo porque
que uma empresa estabelecida teve perdas graves por- esperam receber apoio do capital de risco caso não haja
que não conseguiu capitalizar as iniciativas autônomas previsão de apoio interno. Do ponto de vista da lógica
(isso é bem ilustrado, por exemplo, pelo caso da Bendix consequente, os gestores poderão encarar o processo
Corporation e a injeção eletrônica de combustível; ver autônomo como uma estrutura alternativa de oportuni-
Porter, 1981). Mais adiante neste artigo, as implicações dade para a progressão na carreira se considerarem que
adaptativas do processo estratégico autônomo serão o seu acesso à estrutura de oportunidade, conforme de-
discutidas mais detalhadamente. finida pelo processo induzido, é limitado, por exemplo,
pela “má sorte” anterior com os resultados do desem-
Racionalidade da formulação de estratégias penho, pelas poucas perspectivas de oportunidades dis-
como seleção interna poníveis no processo induzido ou porque outros estrate-
Com base na perspectiva da organização, a racionalida- gistas já anteciparam o caminho ao processo induzido.
de do processo estratégico induzido parece clara. Nesse A organização pode, de acordo com as restrições de
processo, a estratégia intencional pode servir para a or- recursos, tolerar racionalmente as iniciativas estratégi-
ganização alavancar – fazer o máximo possível com – a cas autônomas porque elas oferecem, como sugerem os
aprendizagem atualmente disponível e explorar plena- dados da Intel, oportunidades para explorar e ampliar
mente as oportunidades associadas ao seu domínio de os limites do seu conjunto de capacitações, envolver-se
ações atual. Pela perspectiva dos gestores individuais, em novos nichos ambientais nos quais as forças am-
parece atraente operar no processo indutivo. Isso ocor- bientais, como a concorrência ou as pressões institucio-
re porque a aprendizagem organizacional, que orienta nais (p. ex., DiMaggio e Powell, 1983), não sejam ain-
os participantes que operam nos processos induzidos, da tão fortes (Astley, 1985; Burgelman, 1983c; Itami,
provavelmente foi alcançada a custos organizacionais 1983), ajudar a organização a entrar em novos nichos
e individuais significativos (Langton, 1984). Por exem- que já foram abertos por outros e que poderiam acabar
268     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

representando uma ameaça à estratégia atual, ou apren- diminuir a capacidade da organização para se adaptar
der sobre as possíveis variações futuras de mercados às mudanças futuras no ambiente ou para buscar novos
e tecnologias. No processo estratégico autônomo, as ambientes.
iniciativas propositalmente míopes (McKelvey, 1982) A existência de um processo estratégico induzido
por parte dos indivíduos podem ajudar a organização a parece ser coerente com os argumentos da inércia rela-
descobrir quais poderiam ser as suas intenções. No en- tiva, que significa que o ritmo de mudança estratégica
tanto, as oportunidades para os participantes adotarem o que a organização consegue implementar será, no longo
comportamento oportunista (Bower, 1970; Williamson, prazo, menor do que o ritmo da mudança no ambiente
1970; Rumelt, 1987; Cohen e Machalek, 1988) realçam (Hannan e Freeman, 1984). A pesquisa ecológica mos-
a importância dos contextos estruturais e estratégicos. trou que as consequências inerciais da seleção ambien-
Juntos, os contextos estruturais e estratégicos cons- tal provavelmente afetam as características essenciais
tituem os processos de seleção interna que operam nas de uma organização (Scott, 1981; Hannan e Freeman,
iniciativas estratégicas. A eficácia dos processos de sele- 1984; Singh et al., 1986). Embora a diferença entre as
ção interna pode depender da proximidade de sua corres- características essenciais e periféricas das organizações
pondência com os processos de seleção exercidos pelo não tenham sido definitivamente estabelecidas, parece
ambiente externo atual, ao mesmo tempo que permite a razoável encarar a estratégia de uma empresa como uma
busca por novos ambientes. Como vimos anteriormen- característica essencial. Como a estratégia está enraiza-
te, na Intel parecia existir uma correspondência próxima da na experiência e aprendizagem organizacionais, os
entre as partes fundamentais do contexto estrutural e o altos executivos provavelmente relutam em fazer mu-
ambiente externo atual: a alocação de recursos no pro- danças frequentes nela. Como foi observado anterior-
cesso induzido favorecia as atividades comerciais que mente, as pesquisas (p. ex., Mintzberg e Waters, 1982;
eram capazes de obter retornos elevados no ambiente Miller e Friesen, 1984; Tushman e Romanelli, 1985)
externo atual. Ao mesmo tempo, a Intel manteve aberta sugerem que a estratégia de uma organização tende a
a possibilidade de ativar processos de determinação do perdurar por longos períodos. Então, parece plausível,
contexto estratégico por meio dos quais novas atividades em muitos casos, esperar que a evolução da estratégia
comerciais não planejadas tinham chance de obter recur- seja inerte em relação ao acúmulo de mudanças no am-
sos a fim de demonstrar a sua viabilidade. biente (Snow e Hambrick, 1980).
O caso da Intel fornece mais informações sobre isso.
A articulação da estratégia corporativa em termos da lide-
FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS E
rança em microprocessador versus liderança em memória
ADAPTAÇÃO ORGANIZACIONAL
surgiu quase cinco anos após a empresa ter deixado de ser
A visão da formulação de estratégias como um processo uma concorrente importante nas DRAMs. Ao refletir so-
ecológico intraorganizacional gera uma nova questão bre como foi difícil fazer com que a alta gestão começasse
teórica: qual é a importância dos processos de seleção a lidar com essa mudança, Andrew Grove observou:
interna para explicar a sobrevivência organizacional?
Não pergunte aos gestores: “Qual é a sua estratégia?”. Veja
Essa questão pode ser abordada relacionando os pro- o que eles fazem! Porque as pessoas fingirão [...]. O fato é
cessos induzidos e autônomos às diferentes formas de que nos tornamos um player inexpressivo no negócio de
adaptação identificadas anteriormente na literatura: (1) DRAMs, com 2%-3% de participação de mercado. O negó-
inércia relativa (Hannan e Freeman, 1984), (2) ajuste cio da DRAM apenas passou por nós! Contudo, em 1985,
(Snow e Hambrick, 1980), (3) reorientação (Tushman e muitas pessoas ainda estavam mantendo a “verdade autoevi-
Romanelli, 1985) e uma nova forma proposta aqui: (4) dente” de que a Intel era uma empresa de memórias. Um dos
desafios mais difíceis é fazer com que as pessoas enxerguem
renovação estratégica
que essas verdades autoevidentes não são mais verdades.
O paradoxo da adaptação revisitado A alta gestão da Intel levou muito tempo para fi-
Inércia relativa Superar os riscos da novidade nalizar uma decisão que estava amadurecendo desde o
(Stinchcombe, 1965) requer que as organizações de- início dos anos 1980. Vários gestores apontaram nas
senvolvam uma capacidade de confiabilidade e de pres- entrevistas que a decisão podia e devia ter sido tomada
tação de contas nas suas transações com o ambiente antes. O atraso foi provocado, em parte, pelo fato de
(Hannan e Freeman, 1984) e estruturem-se de modo que alguns gestores terem sentido que a estratégia organiza-
possam ser consideradas legítimas (p. ex., DiMaggio e cional existente não era mais adequada e que havia opi-
Powell, 1983). Entretanto, fazer isso pode criar inércia niões concorrentes sobre qual deveria ser a estratégia
estrutural (Hannan e Freeman, 1984). Paradoxalmente, organizacional. Havia ainda um grupo importante de
a adaptação às exigências ambientais existentes pode gestores que acreditava que as DRAMs eram muito im-
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     269

portantes para a Intel. Alguns dos principais tecnologis- de prevalecer pelo mérito dos seus argumentos é uma
tas viam as DRAMs como um elemento impulsionador ilustração vívida disso. Isso também é ilustrado pela vi-
tecnológico da empresa. Esse grupo estava convencido são do CEO Grove em relação ao seu papel nas decisões
de que as DRAMs, o produto de maior volume, eram de continuar a apoiar ou não uma atividade comercial:
fundamentais para a curva de aprendizagem da Intel.
Você precisa ser ambíguo em algumas circunstâncias. Você
Alguns dos principais profissionais de vendas também
leva em banho-maria até que um grupo cada vez maior na
viam a necessidade de oferecer uma linha de produtos empresa torne-se claro a respeito. É por isso que a argu-
completa para o cliente. A alta gestão, aparentemente mentação contínua é importante. A Intel é um sistema muito
como um grupo, estava observando como a organiza- aberto. Ninguém jamais é mandado calar a boca, mas lhe é
ção selecionava as opiniões conflitantes. O CEO Grove solicitado que volte com argumentos melhores. Permite-se
observou: que as pessoas sejam persistentes.

Em meados de 1984, alguns gestores de nível médio tinham Uma vez tomada a decisão de sair do negócio de
tomado a decisão de adotar uma nova tecnologia de processo DRAMs, a alta gestão demonstrou uma forte intenção
que favorecia inerentemente os avanços em microproces- de implementá-la. Em face de uma oposição persisten-
sadores em vez da memória, limitando, assim, o espaço de
te, o próprio Grove tomou o comando e fez várias mu-
decisão dentro do qual a alta gestão poderia operar. A facção
que representava o negócio do microprocessador x86 venceu
danças organizacionais e de pessoal. Talvez mais im-
o debate, embora o 386 não fosse ainda o grande gerador de portante, do ponto de vista simbólico, ele visitou vários
receitas, o que aconteceria algum tempo depois. grupos afetados pela decisão e os abordou com a frase:
“Bem-vindos à Intel principal”, ou seja, à empresa de
Embora demonstrasse claramente um grau de re- microprocessadores, ratificando, assim, os resultados
lativa inércia, a Intel decidiu, enfim, sair do negócio. dos processos de seleção interna que estavam em anda-
A empresa perdeu muito dinheiro nas DRAMs, mas a mento havia vários anos. A alta gestão também realocou
hemorragia foi interrompida antes de a sua viabilidade o valorizado grupo de P&D de memórias para os mi-
tornar-se ameaçada. Na verdade, a Intel perdeu menos croprocessadores, protegendo, assim, as competências
dinheiro do que os seus concorrentes, incluindo os ja- técnicas características da empresa.
poneses. Então, por que a relativa inércia da Intel foi
tão baixa? Os dados sugerem que isso não se deveu, em Ajustes As tendências inerentes à inércia relativa na
primeira instância, a uma alta gestão presciente ou ex- estratégia organizacional não impedem os ajustes (Snow
cepcionalmente ágil, mas à maneira como os processos e Hambrick, 1980) na estratégia. Tais ajustes deixam a
de seleção interna foram autorizados a funcionar por si. estratégia global no lugar e atuam nos aspectos mais pe-
Uma atmosfera na qual as ideias estratégicas possam riféricos. A pesquisa ecológica recente sugere que alguns
ser livremente defendidas e plenamente contestadas por tipos de mudanças periféricas podem aumentar as chan-
qualquer pessoa com informações relevantes ou percep- ces de vida da organização (Singh et al., 1986). Os ajus-
ção pode ser um fator fundamental no desenvolvimento tes são, em grande parte, deliberados, refletem a opção
dos processos de seleção interna que maximiza a pro- estratégica e o critério gerencial (Hambrick e Finkelstein,
babilidade de geração das estratégias organizacionais 1987) e são exemplos de adaptação não aleatória.
viáveis. Tais processos geram a mudança estratégica O estudo da Intel oferece vários exemplos de ajustes
que não é lenta demais nem muito rápida (Hambrick e deliberados cujo objetivo era manter viável o negócio
D’Avenu, 1988; Levitt e March, 1988). Eles levam tem- de DRAM. Alguns desses ajustes envolveram esforços
po para serem desenvolvidos e têm um grande compo- para diferenciar a oferta de DRAM da Intel do negócio
nente tácito. Ou seja, é difícil oferecer uma explicação de commodities, e outros trataram da redução de custos
completa de como eles realmente funcionam. Na Intel, o e tempo de projeto. Um movimento envolveu a introdu-
papel dos fundadores, como Bob Noyce, Gordon Moore ção da primeira DRAM de 5 volt e 16 K em 1980 (di-
e Andy Grove, parece importante para estabelecer o ferenciação). Outro movimento envolveu a introdução
tom inicial e manter a continuidade. Os dados sugerem da “redundância” no projeto da DRAM de 64 K, a fim
que a influência da alta gestão na formulação de estra- de aumentar a produtividade (redução de custos). Ainda
tégias na Intel era inegavelmente muito forte, mas que outro movimento foi “ir para o CMOS” de 64 K e 256
havia também uma percepção da maioria dos gestores K (diferenciação). Um movimento final envolveu o en-
de que, na maior parte do tempo, o conhecimento e os foque nos “dielétricos finos” para a DRAM de 1 MB, a
fatos tendem a vencer o poder conferido pela posição fim de reduzir a característica de tamanho mínimo para
na empresa. A possibilidade de um jovem engenheiro 1 mícron em vez de mudar o projeto da célula inteira
como Les Kohn interagir diretamente com o CEO para (redução de custos). Nenhum desses movimentos,
tratar de questões técnicas substantivas e de ser capaz porém, foi suficiente para tornar as DRAMs novamente
270     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

viáveis como um negócio para a Intel. No final das con- reorientação pode ser percebida pela alta gestão como
tas, como foi observado anteriormente, a decisão de sair necessária para manter ou readquirir a viabilidade (Miles
tornou-se inevitável. e Cameron, 1982) e pode ser melhor do que não fazer
A inércia relativa e o ajuste parecem resultados nada. No entanto, como March (1981b, p. 567) obser-
possíveis do processo estratégico induzido. A inércia vou, as organizações que se deparam com tempos difí-
relativa não impede o ajuste, e os ajustes podem resul- ceis e que, portanto, seguem estratégias cada vez mais
tar temporariamente em maior desempenho. No longo arriscadas, podem aumentar simultaneamente as suas
prazo, no entanto, espera-se que as pressões cumulati- chances de sobrevivência por meio da crise existente,
vas de seleção ambiental prevaleçam sobre os ajustes mas também reduzem sua expectativa de vida: “Nas or-
realizados por meio do processo estratégico induzido e ganizações que não sobrevivem, os esforços para sobre-
parece provável que a própria estratégia acabará tendo viver poderão acelerar o processo de fracasso”.
que mudar de maneira considerável.
A evidência teórica (Hannan e Freeman, 1984) e Renovação estratégica As grandes mudanças na es-
empírica (Singh et al., 1986) sugere que as principais tratégia realizada por meio do processo autônomo, en-
mudanças estratégicas são governadas pelos processos tretanto, não precisam ser governadas completamente
de seleção ambiental. Isto é, tais mudanças sujeitam a pelos processos de seleção externa. As iniciativas estra-
organização a poderosas pressões ambientais e, no ge- tégicas autônomas, como vimos no caso da Intel, ofe-
ral, reduzem as chances de sobrevivência. Por sua vez, recem oportunidades para a abertura de novos nichos
Tushman e Romanelli (1985) sugerem que as reorienta- ou fornecem advertências antecipadas das mudanças
ções estratégicas, que implicam mudanças importantes eminentemente radicais e externas. À medida que os
no conceito de estratégia, são parte integrante de um processos de determinação do contexto estratégico são
modelo de equilíbrio pontuado da evolução da empre- ativados de modo efetivo, a organização pode aprender
sa. As empresas que não se reorientam quando são ne- novas capacitações e habilidades na expectativa de fa-
cessárias mudanças importantes ou que se reorientam zer grandes mudanças em sua estratégia, mas sem sa-
quando a necessidade de tais mudanças não é convin- ber de antemão como ela deveria ser modificada. As
cente, argumentam Tushman e Romanelli (1985), verão mudanças desse tipo formam a base da “renovação es-
suas chances de vida reduzidas. A aparente contradição tratégica” – grande mudança estratégica precedida por
entre essas duas posições pode ser resolvida em termos experimentação e seleção interna. No caso da Intel, as
do papel do processo estratégico autônomo, conforme EPROMs e os microprocessadores, como o chip i860
explicado a seguir. (RISC), foram desenvolvimentos não planejados, mas
a gestão da empresa foi capaz de reconhecer a impor-
Reorientação As grandes mudanças na estratégia
parecem suscetíveis de perturbar o processo estratégi- tância desses desenvolvimentos após a sua ocorrência e
co induzido de maneira fundamental. A necessidade de de mantê-los dentro da empresa por meio de mudanças
uma grande mudança estratégica sugere que as pres- na alocação de recursos.
sões de seleção das variações ambientais tornaram As reorientações não são os resultados esperados
bastante irrelevante a capacidade da organização para dos processos estratégicos autônomos. Consistente com
fazer ajustes relativamente modestos. A princípio, a ri- a visão da ecologia organizacional (Hannan e Freeman,
gidez da ameaça pode levar a alta gestão a reafirmar as 1984), espera-se que a seleção ambiental governe as
abordagens que lhe são familiares. Por exemplo, Co- reorientações, já que estas parecem fundamentalmente
oper e Schendel (1976) constataram que as empresas incompatíveis com a formulação de estratégias como
estabelecidas, confrontadas com a ameaça das tecnolo- um processo de aprendizagem organizacional com base
gias radicalmente novas, eram suscetíveis de aumentar na experimentação e seleção internas. As reorientações
seus esforços para aprimorar a tecnologia existente, em parecem envolver as “apostas na organização” porque
vez de mudar para a nova tecnologia, mesmo depois eliminam uma boa parte do seu aprendizado cumu-
de esta última ter transposto o limiar da viabilidade. lativo. Por sua vez, a renovação estratégica – grande
Eventual­mente, no entanto, confrontada com um bai- mudança estratégica precedida por experimentação e
xo desempenho crônico, a alta gestão tem mais chance seleção internas – é o resultado crucial do processo au-
de assumir grandes riscos (March, 1981b; Singh, 1986) tônomo por meio do qual uma organização consegue
ao fazer mudanças extremas e hesitantes na estratégia manter-se indefinidamente adaptativa.
que envolvam potencialmente uma mudança completa A Figura 2 resume a análise dos processos estratégi-
do domínio (Hambrick e D’Aveni, 1988). Quando uma cos induzidos e autônomos e seus laços propostos com
organização encontra-se em uma situação precária, a os modos de adaptação organizacional.
FIGURA 2 Ecologia intraorganizacional da formulação de estratégias e adaptação organizacional: processos ecológicos intraorganizacionais

Variação Seleção Retenção Laços com a adaptação

Induzido As iniciativas estratégicas que Iniciativas selecionadas por meio 1. Aprendizagem organizacional 1. Inércia relativa. A sobrevivência
buscam recursos para projetos de mecanismos administrativos (p. sobre os questões básicas da organizacional deve-se ao
que correspondem às pressões de ex., planejamento estratégico) e/ou sobrevivência passada/atual bom ajuste dos processos de
seleção interna de conteúdo estrutural influência cultural (p. ex., referência (variadamente incorporados). seleção interna com o ambiente.
ajustam-se à estratégia organizacional a valores fundamentais). Alocação 2. Competências distintivas A sobrevivência motiva o
atual e oferecem acesso à estrutura diferencial dos recursos em diferentes (variadamente incorporadas). conservadorismo por parte da alta
de oportunidades normal para a áreas da iniciativa estratégica. 3. Objetivos organizacionais. gestão e o desejo de alavancar
progressão da carreira. Originam-se no 4. Domínio de ação organizacional. o conhecimento organizacional
nível operacional, mas são conduzidas A seleção interna deve refletir as 5. Caráter organizacional. existente por meio do processo
pela visão ex ante da alta gestão. pressões atuais de seleção externa. induzido. Relutância para mudar a
estratégia organizacional.
Aprimorados pela disponibilidade Todos esses elementos integrados 2. Ajuste. Mudanças relativamente
de oportunidades de crescimento na visão ex ante. pequenas para acomodar a
remanescentes no domínio de ação mudança ambiental.
atual.

Iniciativas induzidas radicalmente novas Grandes mudanças no contexto Grandes mudanças nas dimensões 3. Reorientação. Grandes mudanças
que são iniciadas pela alta gestão. estrutural. da estratégia organizacional. na estratégia em resposta à grande
mudança ambiental.

Autônomo Iniciativas estratégicas fora Definir o contexto estratégico para Mudanças na aprendizagem 4. Renovação estratégica. A
do escopo da estratégia atual. novas iniciativas por meio: organizacional, na competência grande mudança na estratégia
Conduzido pelos gestores de nível • da descoberta de recursos fora do distintiva e na importância seletiva organizacional, precedida por
operacional que buscam usar suas processo normal de alocação de das novas atividades em relação experimentação e seleção
habilidades em novas combinações recursos; às atividade de domínio total que, internas, oferece à organização
com as circunstâncias distintivas da • da demonstração da visibilidade cumulativamente, levam a alta as possibilidades para adaptar-
organização e, em alguns casos, no ambiente externo por meio da gestão a reconhecer a necessidade e se de forma antecipada às novas
buscando a progressão da carreira atividade empreendedora; viabilidade de uma grande mudança exigências ambientais e/ou entrar
por meio da estrutura alternativa de • da mobilização do suporte interno na estratégia. Provocam uma nova em novos nichos.
oportunidades. por parte dos gestores de nível visão ex post. Depois de formalmente
superior; ratificada, a nova visão passa a fazer
Aprimorado pela disponibilidade de • do desenvolvimento de novas parte da base do processo induzido.
folga não absorvida. competências/habilidades;
• da definição de um cenário para
uma alteração da estratégia
organizacional.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13    
271
272     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

DISCUSSÃO adaptativo para a organização e merecem fazer parte da


estratégia dela. A importância de uma preocupação per-
As organizações são simultaneamente as criadoras e
manente com a gestão dos processos estratégicos, como
as prisioneiras dos seus ambientes (Miles e Cameron,
também com o conteúdo da estratégia (ou “opção estra-
1982). A sobrevivência organizacional depende, em
tégica”), em qualquer dado momento, é coerente com
grande medida, das capacidades de ajuste e renovação
uma ampla gama de constatações da pesquisa (p. ex.,
dos processos de formulação de estratégias. Tais pro-
Hedberg, Nystrom e Starbuck, 1976; Bower e Doz,
cessos são uma propriedade emergente das organiza-
1979; Padgett, 1980). De maneira mais formal,
ções e podem ser distribuídos diferencialmente dentro
de uma população de organizações. As empresas supe- PROPOSIÇÃO 1. As empresas relativamente bem-sucedidas
ram os riscos da novidade acumulando e alavancando por longos períodos, como 10 anos ou mais, serão caracteri-
a aprendizagem organizacional e combinando delibera- zadas por altas gestões preocupadas com a construção de qua-
damente as competências distintivas no processo indu- lidade dos processos estratégicos induzidos e autônomos da
zido. Os ajustes efetuados por meio do processo estraté- organização, bem como com o conteúdo da estratégia em si.
gico induzido atendem a organização em suas tentativas Combinar os processos induzido e autônomo à sua
de permanecer adaptativa ao longo de um pequeno es- estratégia parece dar à organização uma chance de se
pectro de variações ambientais e ao longo de um certo sobrepor às pressões de seleção associadas com as
tempo (Chakravarthy, 1982; Burgelman, 1983c). O pro- variações ambientais. A análise sugere que as organi-
cesso estratégico autônomo, por sua vez, permite que as zações devem manter ambos os processos em vigor o
organizações desenvolvam o novo conhecimento, apro- tempo todo, embora isso signifique que a empresa nun-
priem-se dele e retenham-no. A renovação estratégica ca maximizará completamente os seus esforços no do-
por meio de experimentação e seleção internas oferece mínio atual. Isso implica que a intenção estratégica e
à organização a possibilidade de continuar adaptativa o empreendedorismo interno, separadamente, não são
ao longo de uma ampla gama de variações ambientais suficientes para a sobrevivência organizacional (p. ex.,
e ao longo de um tempo maior (Chakravarthy, 1982; Hamel e Prahalad, 1989). Ambos são necessários si-
Burgelman, 1983c). multaneamente. De acordo com Hambrick e D’Aveni
Algumas vezes, a seleção e a adaptação têm sido (1988), há indícios de que as empresas fracassadas não
encaradas como explicações alternativas na pesquisa foram capazes de manter essas diferentes preocupações
organizacional (p. ex., Singh et al., 1986). A análise simultaneamente. Hambrick e D’Aveni (1988) cons-
apresentada neste artigo sugere que elas podem ser tataram que essas empresas tendiam a operar em um
encaradas, até certo ponto, como complementares: os modo inativo (sem mudança estratégica) ou hiperativo
processos de seleção intraorganizacional, que funcio- (mudança excessiva e hesitante). Isso também implica
nam por meio de processos de formulação de estraté- que uma abordagem sequencial que envolva, por exem-
gias, podem gerar estratégias adaptativas em âmbito plo, sequências de reorientação e convergência (Tush-
organizacional. man e Romanelli, 1985) pode não ser o ideal no longo
Os contextos estruturais e estratégicos, portanto, prazo. Mais formalmente:
surgem como parâmetros críticos de concepção do pro-
cesso a partir dessa análise. No processo estratégico PROPOSIÇÃO 2. As empresas relativamente bem-sucedidas
induzido, o papel da alta gestão é assegurar a execução durante longos períodos, como 10 anos ou mais, serão ca-
de uma estratégia pretendida por meio de mecanismos racterizadas pela intenção estratégica conduzida pela alta
gestão, mantendo simultaneamente os processos internos de
administrativos e culturais que associem as iniciativas
experimentação e seleção conduzidos de baixo para cima.
estratégicas ao nível operacional com essa estratégia
pretendida. Fazer isso permite que a organização se A análise também sugere que as reorientações
baseie no sucesso passado e explore as oportunidades bem-sucedidas, conforme definidas por Tushman e
associadas com o domínio atual. Entretanto, o estudo Romanelli, (1985), provavelmente são precedidas
da Intel também sugere ser importante que o contexto pelos processos internos de experimentação e seleção
estrutural reflita as pressões de seleção do ambiente, o efetuados por meio do processo estratégico autônomo.
que proporciona um teste de realidade para a estratégia Mais formalmente:
organizacional. No processo estratégico autônomo, o
papel da alta gestão é o reconhecimento estratégico, e PROPOSIÇÃO 3. A população de empresas com reorien-
tações estratégicas bem-sucedidas conterá uma proporção
não o planejamento estratégico (Burgelman, 1983c; Van
significativamente mais alta de empresas cujas reorienta-
de Ven, 1986). A alta gestão precisa facilitar a ativação ções estratégicas foram precedidas pelos processos internos
dos processos de determinação do contexto estratégico de seleção e experimentação do que a população de empre-
para descobrir quais iniciativas autônomas têm valor sas com reorientações estratégicas fracassadas.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     273

Naturalmente, as proposições não implicam que ajustes incrementais, enquanto o outro amplia o domí-
haja apenas uma maneira de organizar os processos nio da empresa e renova a base de competências distin-
estratégicos ou que os gestores devam ficar excessi- tivas da organização, contrapondo a inércia e servindo
vamente absorvidos pelos detalhes desses processos. a algumas funções de uma reorientação. A pesquisa di-
Além disso, não parece haver uma proporção ideal fixa vulgada aqui proporciona alguma confirmação da exis-
da ênfase nos processos induzidos versus autônomos. tência desses dois processos, sugere algumas alterações
Em momentos diferentes durante o desenvolvimento de na estrutura conceitual inicial e oferece informações
uma organização, podem-se justificar ênfases diferen- adicionais sobre o funcionamento dos processos.
tes nos processos estratégicos induzidos e autônomos, A pesquisa faz parte dos esforços emergentes para
e pode não haver uma série fixa de estágios na evolução integrar as visões evolucionárias da formulação e or-
da empresa, como alguns pesquisadores parecem suge- ganização das estratégias. Esses esforços reconhecem
rir (p. ex., Kimberly e Miles, 1980; Miller e Friesen, a importância de algumas formas de racionalidade e
1984). As empresas antigas podem manter a capacidade aprendizagem e a necessidade de ir além dos argumen-
de agir como as jovens, embora estas não sejam capa- tos evolucionários biológicos (p. ex., Langton, 1984;
zes de agir como as antigas. A capacidade de renovação Boyd e Richerson, 1985; Gould, 1987). Eles apontam
associada com o processo estratégico autônomo pode que a teoria evolucionária pode ser útil para integrar
permitir que as organizações neguem a inevitabilidade as informações com base em perspectivas de ecologia
do envelhecimento e do declínio. Pelo mesmo motivo, organizacional, adaptação racional e transformação
pode expô-las novamente, até certo ponto, aos riscos da aleatória (Hannan e Freeman, 1984). Já existem outras
novidade (Hannan e Freeman, 1984). sementes para uma síntese como essa. Os evolucionis-
A perspectiva ecológica intraorganizacional ofere- tas econômicos (Nelson e Winter, 1982; Winter, 1990)
ceu conhecimentos úteis sobre a evolução estratégica apresentam um quadro teórico detalhado de alguns dos
da Intel. A empresa sobreviveu como independente mecanismos de herança, seleção e sobrevivência. Os
porque, em parte, foi capaz de reconhecer as variações evolucionistas organizacionais mostraram que algumas
internas importantes que eram viáveis externamente e formas de mudança organizacional são adaptativas, en-
de alocar recursos para elas por meio dos mecanismos quanto outras diminuem as chances de vida da orga-
nização (p. ex., Singh et al., 1986) e que os efeitos de
de seleção interna, quase a despeito do desejo de con-
imprinting* das características dos fundadores das or-
tinuar a ser uma “empresa de memórias”. A posterga-
ganizações afetam os ritmos subsequentes de mudança
ção de finalizar a decisão de abandonar as DRAMs e as
organizacional (Tucker et al., 1990; Boeker, 1989). Este
preo­cupações de Gordon Moore a respeito da tendência
artigo traça os contornos de uma perspectiva intraorga-
inexorável para estreitar a base de tecnologia da empre-
nizacional sobre a formulação de estratégias e a propõe
sa sugerem algumas tendências inerciais no processo
como um quarto nível da hierarquia de sistemas eco-
estratégico da Intel. No entanto, eventos como o surgi-
lógicos que consiste atualmente apenas nos níveis da
mento do chip i860 (RISC) também sugerem que o pro-
organização, população e comunidade (Carroll, 1984;
cesso estratégico autônomo ainda está vivo e saudável.
Astley, 1985; Aldrich e Auster, 1986). A incorporação
Apesar de a Intel ter passado por uma grande mudança desse nível adicional pode facilitar a aproximação entre
estratégica – de “empresa de memórias” para “empre- as ideias de ecologia e estratégia e melhorar as pers-
sa de microprocessadores” –, isso não se deu por meio pectivas de uma teoria evolucionária das organizações
de uma reorientação drástica e súbita. Em vez disso, (Burgelman e Singh, 1987).
processos autônomos não planejados foram autorizados A perspectiva intraorganizacional sobre a formula-
a seguir seus cursos, com muitos vencedores e alguns ção de estratégias também amplia as estruturas apresen-
perdedores. À medida que esses processos se desdobra- tadas por Mintzberg (1978) e Quinn (1982) na literatura
ram, a empresa desenvolveu novo conhecimento que de gestão estratégica. Ela faz isso por meio de docu-
tornou a ratificação da mudança estratégica uma aposta mentação mais explícita de algumas fontes de estratégia
razoavelmente segura para a alta gestão. emergentes, elucidando mais profundamente os proces-
sos de decisão organizacionais por meio dos quais as
IMPLICAÇÕES E CONCLUSÕES estratégias emergentes passam a fazer parte das estraté-
gias realizadas (determinação do contexto estratégico),
Este artigo ofereceu uma perspectiva ecológica intraor-
ganizacional sobre a formulação de estratégias e a adap-
tação organizacional. A estrutura propõe o equilíbrio *
N. de T.: Um processo rápido de aprendizado que acontece muito
dos mecanismos de diminuição e aumento da variação. cedo na vida de animais ou seres humanos e estabelece um padrão de
Ele sugere que um processo leva à inércia relativa e aos comportamento.
274     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

pela identificação dos mecanismos de feedback entre as participantes podem ganhar muito e outros podem perder
estratégias realizada e pretendida e pelo fornecimento muito. Mas a genialidade da sobrevivência das organiza-
de algumas evidências de que o incrementalismo lógico ções reside em sua capacidade de beneficiar-se das inicia-
é suscetível de reduzir a variação e pode precisar ser tivas estratégicas individuais vencedoras e perdedoras por
aumentado com o processo estratégico autônomo para meio da sua capacidade de aprendizagem. Isso sugere uma
melhorar, em longo prazo, a sobrevivência organiza- analogia organizacional com os processos sociais descri-
cional. A perspectiva apresentada no artigo acrescenta tos por Rosenberg e Birdzell (1986), que fornecem alguma
algum dinamismo a essas estruturas iniciais e chama evidência de como o capitalismo ocidental tem utilizado
atenção mais explicitamente para a simultaneidade dos o empreen­dedorismo descentralizado: ele leva os inova-
múltiplos processos de formulação de estratégias nas dores a sofrerem as perdas dos experimentos fracassados,
organizações. auferirem os lucros dos experimentos bem-sucedidos e se
beneficiarem de ambos em termos de crescimento. Essa
Implicações para a teoria e a pesquisa futura analogia também sugere uma relação entre a formulação
Várias vias específicas para a pesquisa futura derivam de estratégia e a “loucura” (March, 1981b). As organiza-
das proposições discutidas anteriormente. Por exem- ções podem usar individualmente a “loucura” para melho-
plo, a pesquisa futura pode analisar se as empresas rar a sobrevivência organizacional da mesma forma que a
consistentemente bem-sucedidas caracterizam-se pelo loucura organizacional pode melhorar as chances de so-
investimento de esforços da alta gestão na construção brevivência de um sistema de organizações. March encara
de cada processo de formulação de estratégia da organi- a loucura organizacional como uma forma de altruísmo,
zação; se essas empresas exercitam simultaneamente os mas é possível relacionar esse comportamento individual à
processos estratégicos induzidos e autônomos; e se as ideia de que a formulação de estratégias pode ser encarada
reorientações bem-sucedidas são mais provavelmente como parte das estruturas de oportunidade da organização
precedidas pelos processos internos de seleção e expe- quanto à progressão da carreira.
rimentação efetuados por meio do processo estratégico Isso, por sua vez, motiva o interesse em examinar
autônomo do que as reorientações fracassadas. com mais profundidade como a teoria de persuasões e
A seleção interna efetiva parece depender das ca- contribuições de Barnard-March-Simon pode ser reali-
pacidades da alta gestão para ajustar os contextos es- zada. Tal teoria levanta as seguintes questões: “Como
truturais e estratégicos na organização. Descobrir os o equilíbrio entre a persuasão e a contribuição pode ser
determinantes de tais capacidades e como eles se rela- diferente nos processos estratégicos induzidos e autô-
cionam com as taxas de ajuste e renovação estratégica nomos?” e “Como as mudanças nesse equilíbrio podem
continua a ser um objetivo importante para pesquisas afetar a adaptação organizacional?”. É preciso também
futuras (March, 1981b; Hannan e Freeman, 1984). As atentar para os efeitos que as limitações de recursos ex-
pesquisas futuras também podem analisar a possibilidade ternos (p. ex., oportunidades de crescimento restantes
de haver um nível ideal de ambiguidade no conceito de no domínio de ação atual de uma organização) e recur-
estratégia (March, 1978) e um grau ideal de associa- sos internos (p. ex., “crescimento sustentável” [Donal-
ção no contexto estrutural (Weick, 1976). Isso exigiria dson e Lorsch, 1983]) e a “folga não absorvida” (p. ex.,
estudar o funcionamento dos processos de formulação Singh, 1986) podem existir à medida que as iniciativas
de estratégias nos diferentes tipos de organizações, tais estratégicas induzidas e autônomas são suportadas du-
como generalistas versus especialistas (Freeman e Han- rante qualquer período na história da empresa. Essas
nan, 1983) ou defensoras, prospectoras, analisadoras e ligações abrem novas direções para a pesquisa.
reatoras (Miles e Snow, 1978), e sob diferentes tipos A teoria e a pesquisa de campo apresentadas neste ca-
de condições ambientais (p. ex., Freeman e Hannan, pítulo sugerem que as visões opostas da seleção natural
1983; Eisenhardt, 1989). Isso, por sua vez, pode susci- pura ou do planejamento estratégico presciente e abran-
tar mais questões sobre as relações entre a formulação gente como a base para compreender a adaptação orga-
de estratégias e a forma da organização, proporcionar nizacional são demasiadamente estreitas. A visão pura da
informações mais profundas sobre a distinção entre ca- seleção ambiental carece das informações adicionais que
racterísticas essenciais e periféricas, e elucidar os me- podem ser obtidas da consideração da seleção interna.
canismos que determinam os aspectos estruturais e sua A visão pura do planejamento estratégico carece com-
transformação – ou seja, a morfologia organizacional. pletamente dos componentes ecológicos. Os fenômenos
Para que os mecanismos internos de seleção sejam comportamentais valiosos estão atualmente sendo docu-
úteis, as organizações devem gerar variação interna, isto é, mentados em uma série de estudos e terão que ser escla-
devem motivar as iniciativas estratégicas por parte dos seus recidos por teorias igualmente valiosas das organizações.
participantes. Como resultado da seleção interna, alguns Uma perspectiva ecológica intraorganizacional sobre a
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-13     275

formulação de estratégias pode proporcionar um insu- Burgelman, Robert A. and Singh, Jitendra V. (1987). “Strategy and
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Science Quarterly, 26, 563-577.
Singh, Jitendra V., House, Robert J. and Tucker, David J. (1986).
______. (1988). “Wild Ideas: The Catechism of Heresy” Stanford “Organizational Change and Organizational Mortality”. Administrative
Magazine (Spring). Science Quarterly, 31, 587-611.
McKelvey, Bill (1982). Organizational Systematics: Taxonomy, Snow, Charles C. and Hrebinlak, Lawrence G. (1980). “Strategy,
Evolution, Classification. Berkeley and Los Angeles, CA: University Distinctive Competence, and Organizational Performance”.
of California Press. Administrative Science Quarterly, 25, 317-336.
McKelvey, Bill and Aldrich, Howard E. (1983). “Populations, Snow, Charles C. and Hambrick, Donald C. (1980). “Measuring
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Science Quarterly, 28, 101-128. Problems”. Academy of Management Review, 5, 527-538.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     277

Staw, Barry, Sandelands, Lance E. and Dutton, Jane E. (1981). “Thrust- Trata-se, sem dúvida, de uma visão a que muitos CEOs
Rigidity Effects in Organizational Behavior: A Multilevel Analysis”.
Administrative Science Quarterly, 26, 147-160.
aspiram, mas com base na premissa de que os altos exe-
cutivos têm uma clarividência extraordinária, a qual pode
Stevenson, Howard E. (1976). “Defining Corporate Strengths and
Weaknesses”. Sloan Management Review 17, 51-58.
ser assumida para explicar as estratégias bem-sucedidas
após o fato. Entretanto, há evidências convincentes de que
Stinchcombe, Arthur L. (1965). “Social Structure and Organizations”. In
March, J. G. (Ed.), Handbook of Organizations. Chicago: Rand McNally. isso é muito improvável nas indústrias de alta tecnologia.2
Se não existir uma clarividência extraordinária,
Teece, David J. (1982). “Towards an Economic Theory of the Multi-
Product Firm”. Journal of Economic Behavior Organization, 3, 39-63. como a alta gestão poderá tomar decisões estratégicas
Tucker, David J., Singh, Jitendra V. and Meinhard, Agnes G. (1990).
nas indústrias de alta tecnologia? Nossa resposta a essa
“Founding Characteristics, Imprinting and Organizational Change”. questão central baseia-se na pesquisa relacionada com a
In Singh, J. V. (Ed.), Organizational Evolution: New Directions. evolução estratégica da Intel Corporation3 e em nossas
Newbury Park, CA: Sage Publications. análises de mais de uma dúzia de estudos de caso sobre
Tushman, Michael L. and Romanelli, Elaine (1985). “Organizational grandes participantes das indústrias de processamento
Evolution: A Metamorphosis Model of Convergence and
Reorientation”. In L. L. Cummings and Barry Staw (Eds.), Research
de informações e telecomunicações.4
in Organizational Behavior. Greenwich, CT: JAI Press, 7, 71-222.
Van de Ven, Andrew H. (1986). “Central Problems in the Management of DISSONÂNCIA ESTRATÉGICA
Innovation”. Management Science, 32, 4, 590-607.
Nossa premissa fundamental é que, nas indústrias ex-
Weick, Karl E. (1976). “Educational Organizations of Loosely Coupled
Systems”. Administrative Science Quarterly, 21, 1-19. tremamente dinâmicas,5 o alinhamento entre a intenção
______. (1979). The Social Psychology of Organizing. Reading, MA:
Addison-Wesley.
______. (1987). “Substitutes for Corporate Strategy.” In David J. Teece
2
Um exemplo atual diz respeito ao impacto da internet nas indústrias de
(Ed.), The Competitive Challenge. Boston: Ballinger. computadores e telecomunicações. Poucos participantes dessas indústrias
anteviram a velocidade e a força com a qual a internet evoluiu nos últimos
Williamson, Oliver E. (1970). Corporate Control and Business Behavior. 18 meses. Para uma discussão sobre a dificuldade de antever as implica-
Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. ções das novas tecnologias, ver Nathan Rosenberg, “Uncertainty and Tech-
nological Change”, trabalho preparado para a Conference on Growth and
Winter, Sidney G. (1990). “Survival, Selection and Inheritance in Evolutionary Development: The Economics of the 21st Century, organizado pelo Center
Theories of Organization”. In Singh, J. V. (Ed.), Organizational Evolution: for Economic Policy Research of Stanford University, June 3-4, 1994.
New Directions. Newbury Park, CA: Sage Publications. 3
Essa pesquisa é relatada em Robert A. Burgelman, “Intraorganizational
Ecology of Strategy Making and Organizational Adaptation: Theory
and Field Research”, Organization Science (August 1991); Robert A.
Burgelman, “Fading Memories: A Process Theory of Strategic Business
Exit in Dynamic Environments”, Administrative Science Quarterly
artigo 2 - 1 4 (March 1994); Robert A. Burgelman, “A Process Model of Strategic
Business Exit: Implications for an Evolutionary Perspective on Strategy”,
Strategic Management Journal (Special Issue, Summer 1996).
Dissonância estratégica* 4
Esses estudos de caso são utilizados na disciplina eletiva do nosso MBA
“Strategy and Action in the Information Processing Industry” na Stanford
Robert A. Burgelman e Andrew S. Grove Business School. Alguns desses casos foram escritos na Stanford Business
School: George W. Cogan and Robert A. Burgelman, “Intel Corporation (A):
The DRAM Decision”, 1990; Bruce K. Graham and Robert A. Burgelman,
O alinhamento da estratégia corporativa e da ação es- “Intel Corporation (B): Implementing the DRAM Decision”, 1991; George
tratégica é uma responsabilidade fundamental da alta W. Cogan and Robert A. Burgelman, “Intel Corporation (C): Strategy for
the 1990s”, 1991; Dan Steere and Robert A. Burgelman, “Intel Corporation
gestão. Algumas pessoas encaram esse alinhamento (D): Microprocessors at the Crossroads”, 1993; Dan Steere and Robert A.
como algo conduzido pela intenção estratégica do CEO, Burgelman, “Intel Corporation (E): New Directions for the 1990s”, 1993;
que define metas ambiciosas dentro de um horizonte Alva H. Taylor, Robert A. Burgelman and Andrew S. Grove, “A Note on
the Telecommunications Industry in 1993”, 1994; Alva H. Taylor, Robert A.
de tempo de 10 a 20 anos, desenvolve incansavelmente Burgelman and Andrew S. Grove, “The Wireless Communications Industry:
as capacitações da empresa e transforma a base da con- After AT&T-McCaw”, 1994; Thomas Kurian and Robert A. Burgelman, “The
corrência na indústria em uma vantagem para a empresa.1 Operating Systems Industry in 1994”, 1994; Jeffrey Skoll, David Zinman
and Robert A. Burgelman, “The Consumer Online Services Industry in
1995”, 1995. Outros casos escritos na Harvard Business School: “The Global
Semiconductor Industry in 1987”; “The Global Computer Industry; Note on
the PC Network Software Industry, 1990”; “Microsoft’s Networking Strategy;
*
Fonte: Reimpresso pela California Management Review 38/2 (Winter Mips Computer Systems (A)”; “Motorola and Japan (A); The Transformation
1996): 8-28. O apoio da Stanford Business School’s Strategic Management of IBM”; “Apple Computer 1992, and Reshaping Apple Computer’s Destiny”,
Program e da Stanford Computer Industry Project foi enormemente re- 1992. Todos foram publicados em David B. Yoffie, Strategic Management in
conhecido. A assistência administrativa de Jiranee Tongudai foi bastante Information Technology (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1994).
apreciada. Gostaríamos também de agradecer a dois anônimos revisores 5
Para uma discussão sobre os diferentes tipos de ambientes dinâmicos, ver Je-
e o editor por seus comentários úteis. ffrey Williams, “How Sustainable Is Your Competitive Advantage?” Califor-
1
Gary Hamel and C. K. Prahalad, Competing for the Future (Boston, nia Management Review, 34/3 (Spring 1992): 29-51. Para uma discussão dos
MA: Harvard Business School Press, 1994). Esses autores apresentaram desafios gerenciais em operações de ambientes altamente dinâmicos, ver Kath-
a ideia de “intenção estratégica”. Ver Gary Hamel and C. K. Prahalad, leen Eisenhardt, “Speed and Strategic Choice: How Managers Accelerate De-
“Strategic Intent”, Harvard Business Review (May/June 1989). cision Making”, California Management Review, 32/3 (Spring 1990): 39-54.
278     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

estratégica da empresa e a sua ação estratégica prova- de um processador independente. Os gestores envolvi-
velmente é pouco duradouro. Inevitavelmente, as ações dos no projeto i860 lançaram um esforço de marketing
estratégicas começarão a conduzir ou retardar a inten- bem-sucedido e a alta gestão teve poucas opções reais,
ção estratégica. Tais divergências entre intenção e ação a não ser adotar o i860 como o novo produto estraté-
causam “dissonância estratégica” na organização. Em- gico. O sucesso comercial desacelerou posteriormen-
bora a nova intenção estratégica seja necessária para te em face da concorrência de inúmeros outros chips
conduzir a empresa para fora da dissonância estratégi- RISC. Mas grandes quantidades de recursos de desen-
ca, nossa proposição fundamental é que a nova intenção volvimento da Intel começaram a fluir para os esforços
estratégica deve basear-se na capacidade da alta gestão da arquitetura RISC, e desenvolveram-se dois campos
para tirar proveito das informações conflitantes geradas dentro da empresa, com visões diferentes em relação
pela dissonância estratégica. ao futuro da RISC versus CISC. Após um prolongado
Naturalmente, nem toda dissonância é estratégica. debate, a alta gestão, em 1991, decidiu reafirmar seu
As empresas submetem-se permanentemente a algum compromisso com a arquitetura x86-CISC e reduzir o
nível de dissonância como resultado de discordâncias esforço da RISC.
e conflitos de rotina, porque nenhuma divisão de tra- Em novembro de 1994, uma falha na primeira versão
balho é sempre perfeita e nenhum projeto se desdobra do microprocessador Pentium – um evento de rotina as-
exatamente conforme o planejado. As empresas preci- sociado com a maior parte das primeiras versões dos no-
sam dos gestores exatamente para mediar e resolver es- vos microprocessadores para OEMs – desencadeou uma
ses tipos de atrito. A dissonância, porém, é estratégica discussão entre os usuários técnicos na internet que foi
quando sinaliza a transformação iminente da indústria captada rapidamente pela CNN e outras mídias. A relu-
ou da empresa. A seguir, apresentamos três exemplos tância inicial da Intel em substituir os chips defeituosos,
provenientes da Intel. exceto para os usuários altamente técnicos que executa-
Em 1970, a recém-fundada Intel Corporation in- vam inúmeras operações matemáticas que poderiam ser
troduziu a memória dinâmica de acesso aleatório afetadas pela falha, criou um alvoroço e lançou a Intel
(DRAM) no mercado. As DRAMs substituíram a me- à “crise do processador Pentium”. Enquanto a imprensa
mória de núcleo magnético como tecnologia padrão nacional martelava a Intel por não estar acessível o bas-
utilizada pelos computadores para armazenar instru- tante para substituir os produtos defeituosos, as vendas
ções e dados à medida que executavam programas. de OEM e dos canais de distribuição da Intel continua­
A Intel tornou-se mundialmente a primeira empresa ram inabaláveis. Após várias semanas difíceis de de-
bem-sucedida em memórias de semicondutores. Du- bate interno, a alta gestão da Intel decidiu trocar todos
rante os anos 1970 e início da década de 1980, as os processadores Pentium defeituosos por outros novos
DRAMs continuaram a ser encaradas como o negócio mediante um simples pedido. Nessa época, a alta gestão
principal da Intel. Embora a indústria da DRAM tenha da Intel começou a enfrentar o fato de que a notoriedade
crescido consideravelmente durante esse período, a in- da empresa no espaço do usuário final, em parte como
vestida das empresas entrantes japonesas feriu o negó- resultado da campanha Intel Inside lançada em abril de
cio de DRAM da Intel no final dos anos 1970. No final 1991, havia mudado radicalmente as regras do jogo para
de 1984, houve sérias discordâncias dentro da empresa a empresa e provavelmente para todas as empresas de
relacionadas com a importância das DRAMs no futuro alta tecnologia que comercializavam para usuários finais.
da Intel. A discordância esteve latente durante vários
A dissonância estratégica sinaliza um ponto de
anos e foi resolvida quando, durante o período de 1984
inflexão estratégico
a 1985, a alta gestão concluiu o processo de retirada
da empresa do negócio de DRAM e percebeu que a Um fio condutor por meio desses eventos de disso-
Intel já não era mais uma empresa de memórias, mas nância estratégica é que elas sinalizaram que a Intel
de microprocessadores. havia alcançado (saída da DRAM, crise do proces-
Em 1990-1991, a alta gestão encarou uma decisão sador Pentium) ou estava prestes a alcançar o que
estratégica relacionada ao que fazer com os esforços de chamamos de “Ponto de Inflexão Estratégico” (PIE)
arquitetura RISC da empresa. Durante os anos 1980, em seu desenvolvimento. O ponto de inflexão pos-
um gestor técnico de nível médio desenvolveu o chip sui um rigoroso significado matemático,6 mas aqui o
RISC i860 dentro da Intel e convenceu vários gestores utilizamos mais livremente – de forma metafórica –
de nível mais elevado de seu potencial comercial. O
desenvolvimento técnico havia sido um pouco clan- 6
Matematicamente, um ponto de inflexão é alcançado quando a primeira
destino, já que foi vendido à alta gestão como um co- derivada (a inclinação da trajetória) torna-se zero e a segunda derivada
processador do chip i486, mas, na verdade, tratava-se (taxa de variação) muda de sinal (de positivo para negativo ou vice-versa).
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     279

FIGURA 1 Ponto de inflexão estratégico

Nova
com
Crescimento rentável adaptação

Ponto de inflexão

Sem
Velha adaptação

Tempo

para descrever a abertura de caminho de um tipo de tiva, na estratégia ou na tecnologia? Como diferenciar
dinâmica da indústria para outro, a mudança de uma o sinal do ruído? Às vezes, os sinais reveladores são
estratégia vencedora para outra e a substituição de bastante óbvios. Por exemplo, em 1984, todo alto exe-
um regime tecnológico existente por um novo. Essas cutivo esclarecido na indústria de telecomunicações
mudanças – presenciadas pela indústria de compu- teve que perceber que o “Julgamento Final Modifica-
tadores – criam um “vale da morte”7 para as empre- do” de Judge Green inaugurou um período de grandes
sas estabelecidas porque afetam materialmente suas mudanças que transformariam radicalmente a dinâmi-
trajetórias de crescimento rentável. Se a alta gestão ca competitiva no setor.8 Em outros casos, no entanto,
de uma empresa estabelecida for capaz de chegar a os sinais reveladores podem ser sutis e intangíveis. Por
novas intenções estratégicas que tirem proveito das exemplo, após os japoneses terem se tornado os pode-
novas condições da indústria, ela conseguirá atra- rosos concorrentes nas DRAMs, os gestores da Intel
vessar o vale da morte e entrar em uma nova era de visitaram o Japão e retornaram com uma sensação de
crescimento rentável. De outro modo, ela continuará que eram vistos com desprezo – “Algo mudou; era
a sobreviver com perspectivas de desempenho seve- diferente agora”, disseram depois da viagem. A alta
ramente reduzidas ou morrerá (ver Figura 1). gestão da Intel levou vários anos mais para perceber
Infelizmente, é muito difícil para qualquer um em que a dinâmica competitiva, a estratégia vencedora e
uma indústria extremamente dinâmica, incluindo a as competências técnicas fundamentais na indústria de
alta gestão, perceber claramente o novo equilíbrio da DRAM haviam mudado fundamentalmente.
indústria, a estratégia vencedora ou o novo regime tec- Em face de um PIE, surgirão vozes anunciando o
nológico que surgem além de um PIE. Pense em uma perigo adiante. Normalmente, essas vozes surgem a
imagem gerada por computador sendo transformada
de um estado para outro – você não consegue dizer
onde uma termina e a outra começa; apenas o começo 8
Todavia, mesmo em 1995 não é de forma alguma evidente como
(imagem antiga) e o fim (imagem nova) são claros. será o novo equilíbrio na indústria de telecomunicações; quais serão
as estratégias vencedoras e as tecnologias dominantes. Por exemplo,
Entre um ponto e outro, há uma sucessão de imagens a Bell Atlantic, uma das empresas mais agressivas de âmbito regio-
interligadas, sobrepostas, obscurecidas e distorcidas. nal da Bell (RBOCs) que planejava diversificar na distribuição de
Então, como a alta gestão pode saber quando a dis- vídeo e serviços de televisão, paralisou abruptamente seus planos
em abril de 1995. Ver “Bell Atlantic Halts Plan for Video Services”,
sonância é estratégica – sinalizando um PIE – e não uma The New York Times, April 26, 1995. Recentemente, a AT&T decidiu
mudança menor e/ou transitória na dinâmica competi- dividir-se em três partes – serviços de telecomunicações, equipa-
mentos de telecomunicações e computadores – para poder competir
de maneira mais focada em cada uma dessas indústrias dinâmicas.
Uma razão para essa divisão foi que a AT&T experimentou uma
enorme dissonância estratégica à medida que as RBOCs, em anteci-
7
Andrew S. Grove, “PCs Trudge out of the Valley of Death”, The Wall pação à desregulamentação do negócio de telefonia local, estavam
Street Journal, January 18, 1993; “Invest or Die”, Fortune, February 22, cada vez mais relutantes em comprar equipamentos de telecomuni-
1993 (matéria de capa). cações de um potencial concorrente de grande porte.
280     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Forças dinâmicas na evolução da empresa

Base da vantagem
competitiva na indústria

Estratégia
Ambiente Ação
corporativa
de seleção interna estratégica
oficial

Competência
distintiva da empresa

Fonte: R. A. Burgelman, “Fading Memories: A Process Theory of Strategic Business Exit in Dynamic Environments”,
Administrative Science Quarterly, 39, 1994.

partir da média gerência ou da organização de ven- junto de circunstâncias novas é um PIE ocorre em
das: de pessoas que sabem mais porque passam muito três estágios:
tempo do lado de fora da empresa onde as nuvens • Reconhecer a divergência crescente entre o que a
da tempestade de destruição criativa reúnem forças empresa realmente prega como sua estratégia e as ações
e – não afetadas por crenças, dogmas e retórica da adotadas por seus gestores – o que chamamos aqui de
empresa – começam a soprar em seu rosto. Algumas dissonância estratégica.
sinalizarão sua preocupação para a alta gestão – é • Fazer a pergunta (geradora de ansiedade): “Isto é um PIE?”.
prudente perceber como teria sido muito sábio levar • Tentar discernir o cenário estratégico recém-emergente
a sério os comentários dos viajantes da Intel. Outros e fornecer uma estrutura no qual a divergência possa ser
gestores de nível médio ajustarão discretamente o combatida, e a nova intenção estratégica, formulada.
seu próprio trabalho para responderem à mudança O método de resolução é um amplo debate que envol-
estratégica. Por exemplo, no início dos anos 1980, ve pontos de vista técnicos, de marketing e estratégicos,
a Intel deu toda a atenção para uma fábrica, dentre além de representantes de vários níveis da organização.
oito que fabricavam DRAMs, porque o pessoal de Isso leva tempo. Lidar com a dissonância estratégica as-
planejamento financeiro e de produção (gestores de sociada a um PIE é um teste fundamental de resiliência
nível médio) alocou, mês a mês, a capacidade escassa da cultura de uma empresa e de sua liderança.
de onde ela parecia menos rentável para onde pare- A dissonância estratégica, o ponto de inflexão estra-
cia mais proveitosa. Muitas vezes, essas palavras e tégico e o reconhecimento estratégico são os três con-
ações não parecem estratégicas à primeira vista: elas ceitos fundamentais inter-relacionados que respondem
parecem marginais. Mas é sábio lembrar que, quando à pergunta de como a alta gestão consegue decidir sobre
chega a primavera, a neve derrete primeiro na mar- a intenção estratégica nas indústrias de alta tecnologia.
gem, pois é onde ela está mais exposta.
UMA ESTRUTURA PARA A ANÁLISE
A necessidade do reconhecimento estratégico
Propomos uma estrutura teórica de cinco forças dinâ-
Administrar a dissonância estratégica requer o “re- micas9 que moldam a evolução de uma empresa e o sur-
conhecimento estratégico” – a capacidade de os altos gimento da dissonância estratégica (ver Figura 2). Essa
executivos avaliarem a importância estratégica das estrutura pode ajudar os altos executivos a determinar
iniciativas gerenciais depois de elas terem surgido,
mas antes do inequívoco feedback ambiental. O reco-
nhecimento estratégico da alta gestão de que o con- 9
Burgelman (March 1994), op. cit.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     281

se as manifestações da dissonância são estratégicas e/ Esse foi o caso da Intel no início dos anos 1970. A
ou a fazer perguntas que possam trazer à tona os sinais empresa havia se estabelecido como líder nas memó-
latentes da dissonância estratégica. rias de semicondutores ao ser a pioneira em uma nova
A primeira dessas forças – a base da vantagem tecnologia de processo chamada semicondutor de óxido
competitiva na indústria – é determinada pelos fatores metálico (MOS). Essa tecnologia de processo permitiu
industriais identificados por Michael Porter10 como de- à Intel aumentar o número de transistores em um chip,
terminantes fundamentais da atratividade de uma in- reduzindo simultaneamente seu custo de produção.
dústria: poder de barganha dos clientes e fornecedores, Isso, por sua vez, permitiu que a empresa introduzis-
natureza da rivalidade entre as empresas estabelecidas se, em 1970, a primeira DRAM do mundo no mercado.
e ameaça das novas entrantes e de substituição. A mu- Embora outras empresas, sobretudo a Advanced Memory
dança tecnológica, a legislação ou a regulação gover- Systems, fossem capazes de projetar uma DRAM fun-
namental podem afetar cada um desses elementos e cional, elas não conseguiram desenvolver uma tecno-
sua importância relativa. A segunda força diz respeito logia de processo para fabricar o novo dispositivo em
à competência distintiva da empresa: as competências grandes volumes. A tecnologia de processo tornou-se
que possibilitaram o desenvolvimento de uma vanta- a competência distintiva da Intel. Durante os seis anos
gem competitiva e a sobrevivência.11 A terceira força é seguintes, essas competências serviram para a Intel
a estratégia corporativa oficial da empresa que reflete manter-se como a concorrente dominante no negócio
as crenças da alta gestão sobre a base do sucesso atual de DRAM. Nesse período, a estratégia corporativa da
dela e as mudanças previstas no ambiente com o qual Intel foi oferecer chips de memória de semicondutor
ela está familiarizada.12 A quarta força – ação estraté- como alternativas para as memórias dos computadores
gica – é o que a empresa realmente faz. Enfim, a quinta de grande porte, e essa estratégia guiou as ações es-
força diz respeito ao ambiente de seleção interna da tratégicas da empresa. O ambiente de seleção interna
empresa que intermedia a ligação entre a estratégia cor- alocou rotineiramente os recursos para as memórias de
porativa e a ação estratégica e a ligação entre a compe- semicondutor.
tência distintiva e a base da vantagem competitiva. O Ao longo do tempo, contudo, as forças dinâmicas
ambiente de seleção interna é composto por elementos exibidas na Figura 1 tendem a divergir e suas relações
administrativos (p. ex., regras de alocação de recursos) harmônicas se rompem, criando, assim, a dissonância
e culturais (p. ex., normas que governam a comunica- estratégica na organização.
ção interna).13
Durante alguns períodos na história de uma empresa,
FONTES DE DISSONÂNCIA ESTRATÉGICA
essas cinco forças ficam em harmonia: a competência
distintiva da empresa é coerente com a base da concor­ Divergência entre a base da concorrência e a
rência na indústria, sua estratégia oficial e as ações competência distintiva
estratégicas dos seus gestores estão alinhadas, e seu A fonte de dissonância estratégica mais fundamental
ambiente de seleção interna é relativamente pacífico, e frequentemente menos visível deriva de uma diver-
sem sinais de dissonância estratégica. gência entre a nova base da concorrência na indústria
e as competências distintivas da empresa, e estas são
menos relevantes para a vantagem competitiva. Isso
10
Michael E. Porter, Competitive Strategy (New York: Free Press, 1980). aconteceu com a Intel no negócio de DRAM. No final
11
O conceito de competência distintiva foi proposto pela primeira vez por
Philip Selznick, Leadership in Administration: A Sociological Interpreta- dos anos 1970, as empresas entrantes japonesas usaram
tion (New York: Harper & Row, 1957). A competência distintiva é similar suas técnicas de fabricação de precisão em larga escala
à competência central, mas enfatiza a relativa exclusividade das compe-
tências que a empresa reúne inicialmente e os processos evolucionários
para obter alta produtividade logo no início das novas
por meio dos quais elas evoluem. Como resultado desses processos evolu- gerações de DRAM, superando competitivamente a In-
cionários, as competências distintivas têm inércia e podem se transformar tel, que possuía técnicas de fabricação muito inferiores.
em “armadilhas de competência”. Ver Barbara Levitt and James March,
“Organizational Learning”, in W. Richard Scott, ed., Annual Review of So- A alta produtividade teve um grande impacto no custo
ciology, 14 (1988): 319-340. Para uma discussão sobre competência cen- unitário e isso foi uma vantagem crucial à medida que
trais, ver C. K. Prahalad and Gary Hamel, “The Core Competence of the
Corporation”, Harvard Business Review (May/June 1990).
as DRAMs tornaram-se uma commodity.
12
Ver Robert A. Burgelman, “A Model of the Interaction of Strategic Muitas vezes, as empresas passam por uma se­
Behavior, Corporate Context, and the Concept of Strategy”, Academy quên­cia de inércia após o sucesso: elas tornaram-se
of Management Review (1983); Gordon Donaldson and Jay W. Lorsch,
Decision Making at the Top: The Shaping of Strategic Direction (New bastante conscientes das competências que as fizeram
York: Basic Books, 1983); Karl E. Weick, “Substitutes for Corporate bem-sucedidas em relação à concorrência inicial e
Strategy”, in David J. Teece, ed., The Competitive Challenge (Boston,
MA: Ballinger, 1987). continuam a se basear nessas competências distintivas
13
Burgelman (March 1994), op. cit. mesmo quando a concorrência muda. Além disso, as
282     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

empresas geralmente reconhecem a si próprias de tal Em suma, as competências da empresa e a base da


maneira que os empregados que representam essas concorrência na indústria muitas vezes evoluem ao longo
competências são suscetíveis de ter a maior influência de trajetórias independentes. Nossa estrutura sugere que
no processo de tomada de decisões estratégicas. a combinação dinâmica das competências distintivas
Portanto, a mudança na base da concorrência muitas da empresa e da base da concorrência na indústria é
vezes evoca respostas inerciais por parte das empresas um desafio difícil para a alta gestão. Ele requer que a
estabelecidas.14 O negócio de DRAM da Intel, mais alta gestão observe de perto a evolução da estrutura
uma vez, pode ser usado como exemplo. Ao ficar da indústria e que também permaneça alerta para as
atrás dos japoneses, a Intel tentou concorrer criando implicações estratégicas dos novos desenvolvimentos
produtos avançados com base na forte habilidade de imprevistos nas competências da empresa.
tecnologia de processo da empresa. A tecnologia de
processo foi a competência tecnológica que deu à Intel Divergência entre a estratégia declarada e a
a sua vantagem competitiva inicial. Os tecnologistas ação estratégica
de processo continuaram a desempenhar um papel Uma segunda grande fonte de dissonância estratégica
dominante no desenvolvimento do produto DRAM da normalmente mais visível origina-se na divergência
Intel nas gerações de 16 Kb (kilobit), 64 Kb, 256 K e 1 entre a estratégia corporativa e a ação estratégica. Um
Mb (megabit), apesar de a base da concorrência mudar dos condutores dessa divergência é a inércia na estratégia
rumo às competências de fabricação. corporativa.15 A estratégia corporativa reflete as crenças
As fortes competências tecnológicas também po- da alta gestão a respeito da base do sucesso da empresa.
dem evoluir em novas, e algumas vezes imprevistas, Os altos executivos normalmente ascendem por meio
direções e proporcionar a base para a geração de novas da hierarquia e são profundamente influenciados por
oportunidades de negócio. Exemplos importantes na sua percepção do que tornou a empresa bem-sucedida.
Intel referem-se à invenção das memórias programá- A saída da Intel do negócio de DRAM, por exemplo,
veis e apagáveis de apenas leitura (EPROMs) e, mais foi retardada pelo fato de a alta gestão ainda manter
ainda, do microprocessador. Esses desenvolvimentos a identidade da Intel como uma empresa produtora
têm repercussões estratégicas no negócio principal da de memórias, embora ela tivesse se transformado em
empresa e exigem decisões difíceis por parte da alta um player inexpressivo nas DRAMs, com 2%–3% de
gestão. Os negócios bem-sucedidos da EPROM e do participação de mercado em 1985. A lentidão da IBM
microprocessador começaram a concorrer com o negó- em tirar proveito da arquitetura de processadores RISC
cio principal e relativamente fraco de DRAM em rela-
(que ela própria havia inventado em meados dos anos
ção aos recursos escassos de manufatura. Mais tarde,
1970)16 foi, sem dúvida, atribuível, pelo menos em
o negócio de microprocessadores cada vez mais forte
parte, à percepção da alta gestão de que a IBM era a
também concorreu com o enfraquecido negócio de
empresa líder mundial em “computadores de grande
EPROM. Essa concorrência interna acabou sendo van-
porte”. De modo similar, a estratégia relativamente
tajosa para a empresa, transformando gradualmente a
fraca da Microsoft nos sistemas operacionais de rede
Intel de uma atrasada “empresa de memórias” em uma
deveu-se, em parte, à sua identidade corporativa dos
“empresa líder de microprocessadores”. A evolução da
anos 1980 como a “empresa do sistema operacional
competência tecnológica, porém, também pode criar
desktop”. O apego emocional, por parte da alta gestão,
dilemas estratégicos fundamentais. O desenvolvimento
está entrelaçado a essas autopercepções inerciais afeitas
do processador RISC i860 na Intel, por exemplo, amea­
ao negócio que tornou a empresa bem-sucedida. Sobre a
çou minar o forte negócio principal de microprocessa-
saída da Intel do negócio de DRAM, um gestor de nível
dores da empresa com base na arquitetura x86.
médio afirmou: “Foi como se a Ford abandonasse os
automóveis”.17 Por último, mas não menos importante,
14
Arnold C. Cooper and Dan E. Schendel, “Strategic Responses to
a alta gestão muitas vezes hesita em mudar a estratégia
Technological Threats”, Business Horizons (1976); William J. Abernathy, porque as consequências não são completamente claras.
Kim B. Clark and Alan M. Kantrow, Industrial Renaissance: Producing
a Competitive Future for America (New York: Basic Books, 1983);
Michael E. Tushman and Philip Anderson, “Technological Discontinuities
and Organizational Environments”, Administrative Science Quarterly 15
Michael T. Hannan and John H. Freeman, “Structural Inertia and
(1986); Barbara Levitt and James March, “Organizational Learning”, Organizational Change”, American Sociological Review (1984); Henry
Annual Review of Sociology, 14 (1988); Rebecca M. Henderson and Mintzberg and James A. Waters, “Tracking Strategy in an Entrepreneurial
Kim B. Clark, “Architectural Innovation: The Reconfiguration of Firm”, Academy of Management Journal (1982); Danny Miller and Peter
Existing Product Technologies and the Failure of Established Firms”, H. Friesen with the collaboration of Henry Mintzberg, Organizations: A
Administrative Science Quarterly (1990); Dorothy Leonard-Barton, Quantum View (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1984).
“Core Capabilities and Core Rigidities: A Paradox in Managing New 16
Ver, por exemplo, “Mips Computer Systems”, in Yoffie (1994), op. cit.
Product Development”, Strategic Management Journal (1992). 17
Burgelman (March 1994), op. cit., p. 41.
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     283

Por exemplo, a lentidão da Intel em deixar de se definir desassociou efetivamente o negócio de memórias não
como uma empresa de memórias deveu-se, em parte, especiais do resto dos negócios da Intel. Ironicamente,
ao fato de que as DRAMs eram encaradas como o con- esse movimento acabou sendo benéfico após ter sido
dutor da tecnologia da empresa, tendo sido, ao longo formulada a nova intenção estratégica (Intel, a “empre-
do tempo, o produto com maior volume (em unidades). sa de microprocessadores”).
Se a inércia na estratégia corporativa leva à mu- Embora algumas ações acabem sendo úteis, também
dança lenta demais, os altos executivos também po- há o perigo potencial associado com as ações estratégi-
dem mudar a estratégia corporativa depressa demais cas dos gestores de nível médio que divergem da estra-
– de maneiras que vão além do que a empresa é capaz tégia oficial. O sucesso técnico e comercial inicial do
de fazer e o mercado está pronto para aceitar. No iní- chip RISC i860 como um não planejado processador in-
cio dos anos 1990, o CEO da Apple Computer, John dependente criou um dilema estratégico para a alta ges-
Sculley, estava claramente à frente de sua organização tão da Intel e tensões extremamente fortes e eventual­
quando empurrou a estratégia de desenvolvimento dos mente desagregadoras dentro da empresa.
assistentes pessoais digitais (PDAs) e defendeu pes-
soalmente o sistema operacional Newton. A intenção Papel do ambiente de seleção interna
estratégica de Sculley ia além da capacitação de ino- Se a base da concorrência na indústria, as competências
vação da Apple e da disponibilidade do mercado. Ao distintivas da empresa, a estratégia oficial da empresa
mesmo tempo, a Apple se defrontava com uma batalha e as ações estratégicas dos gestores de nível médio co-
importante em seu negócio principal de computadores meçam, todas elas, divergentes entre si, como pode uma
pessoais após as barreiras que separavam o nicho do empresa sobreviver? A pesquisa sugere que, em face de
Macintosh do resto da indústria do PC enfraquecerem um PIE, o ambiente de seleção interna de uma empre-
diante do sucesso do Windows 3.0. A estratégia am- sa pode ser mais importante para a sobrevivência do
biciosa de Sculley para os PDAs exigia o desenvol- que a sua estratégia declarada.20 O papel do ambiente
vimento de novas capacitações inovadoras, enquanto de seleção interna é regular a alocação dos recursos es-
as demandas do negócio do PC requeriam uma grande cassos da empresa – dinheiro, competências, capacita-
mudança cultural para obter consciência de custos e ções e atenção dos executivos – para a ação estratégica
disciplina do desenvolvimento de produtos. A Apple enquanto a estratégia oficial estiver em andamento e a
não podia fazer as duas coisas, e os objetivos estraté- nova intenção estratégica ainda não tiver sido formula-
gicos de Sculley criaram, assim, uma enorme disso- da e articulada.
nância dentro da organização.18 Uma empresa poderá continuar a ser bem-sucedida
Os outros condutores dessa divergência são as ações por algum tempo se o seu ambiente de seleção interna
estratégicas adotadas pelos gestores de nível médio. No escolher as ações que sejam coerentes com a realidade
final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os novos competitiva mesmo que se tornem dissociadas da
negócios de EPROM e microprocessador da Intel co- estratégia corporativa oficial (declarada ou implícita). A
meçaram a concorrer com o negócio da DRAM pela continuidade do sucesso proporciona um amortecedor
escassa capacidade de manufatura. Como já mencio- de tempo para realinhar a estratégia corporativa com
nado anteriormente, os gestores de nível médio, no a ação estratégica. Na Intel, por exemplo, as decisões
planejamento da manufatura, alocaram os recursos de de alocação de capacidade em favor das EPROMs e
manufatura escassos para os novos negócios, e de mar- dos microprocessadores, em detrimento das DRAMs,
gem mais elevada, da EPROM e do microprocessador, não foram conduzidas inicialmente pela estratégia
diminuindo, assim, gradualmente, o papel das DRAMs corporativa oficial. Pelo contrário, foram conduzidas
no negócio principal da Intel. Em 1984, outro gestor pela regra de alocação de recursos internos – maximizar
de nível médio, responsável pelo desenvolvimento de a margem por pastilha – que favoreceu os produtos com
tecnologias de processo para as memórias estáticas de maior rentabilidade e, portanto, com maior vantagem
acesso aleatório (SRAM – Static Random-Access Me- competitiva no ambiente externo. A posição competitiva
mory) e microprocessadores, fez a opção crucial de deteriorada das DRAMs exigiu que a alta gestão fizesse
apoiar uma nova tecnologia de processo que favoreceu
uma opção estratégica fundamental em 1984: continuar
os microprocessadores e os produtos de memória espe-
nas DRAMs e investir várias centenas de milhões de
ciais em relação às memórias comuns.19 Essa decisão
dólares para nivelar-se com o líder de participação de
mercado em um mercado de commodities ou desistir
Ver “Reshaping Apple Computer’s Destiny 1992”, in Yoffie (1994), op. cit.
18

Ver “Intel Corporation (A): The DRAM Decision”, Stanford Business


19

School Case PS-BP-256, p. 10. 20


Ver Burgelman (August 1991) e (March 1994), op. cit.
284     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

das DRAMs e concentrar os recursos fundamentais para Então, quais são as características do ambiente de se-
tornar-se uma empresa líder em microprocessadores. leção interna e quais são os comportamentos da alta ges-
Essa opção estratégica foi facilitada pelos resultados tão que ajudam a empresa a tirar proveito da dissonância
dos processos de seleção interna, que já haviam estratégica e sobreviver à turbulência de um PIE?
afastado o “negócio principal” das memórias rumo aos
microprocessadores. Ajude a seleção interna a refletir a realidade
Os processos de seleção interna que levam à externa; permita a discordância
formulação de novos objetivos estratégicos de- A alta gestão deve ajudar a garantir que o ambiente de
pendem fundamentalmente da capacidade de reco- seleção interna da empresa continue a refletir as pressões
nhecimento estratégico da alta gestão. Um tipo de competitivas reais no ambiente externo. Uma condição
reconhecimento estratégico envolve a capacidade necessária é que a empresa tenha um sistema de gestão
da alta gestão para reconhecer a importância estra- de informações que reflita como seus negócios estão
tégica das ações dos gestores de nível médio, que
realmente se conduzindo no ambiente competitivo. Isso
tentam atrelar a iniciativa de um novo negocio à
permite que a alta gestão questione regularmente sobre
estratégia corporativa – dando legitimidade ao novo
o desempenho dos negócios da empresa. A regra da Intel
negócio. Por exemplo, o sucesso interno e externo
para a alocação da escassa capacidade de manufatura
dos microprocessadores acabou fazendo com que a
com base na margem por pastilha, por exemplo, forçou
alta gestão percebesse o futuro da Intel como uma
empresa de microprocessadores. Um segundo tipo os gestores de nível médio da DRAM a apresentar seus
de reconhecimento estratégico envolve a capaci- melhores argumentos estratégicos para explicar por
dade da alta gestão para reconhecer as ações dos que a empresa deveria renunciar aos lucros ao alocar
gestores de nível médio, que diminuem a legitimi- a capacidade de manufatura escassa para as DRAMs.
dade de um negócio existente ou que o dissociam da Observar permanentemente os concorrentes – velhos e
estratégia corporativa. Como exemplo, a alocação novos – é um comportamento obrigatório para a alta
da capacidade de manufatura negada às DRAMs e gestão. Por que eles são concorrentes fortes? O que
a decisão do gestor de nível médio de desistir de eles fazem que não possamos fazer melhor? Os altos
uma tecnologia de processo que era importante para executivos deveriam fazer essas perguntas. No caso da
os produtos de memória permitiram que a alta ges- DRAM, por exemplo, a alta gestão da Intel deveria ter
tão reconhecesse que as DRAMs não eram mais o questionado por que as novas entrantes japonesas na
negócio principal da Intel.21 indústria da DRAM pareciam obter produtividades bem
mais elevadas na fabricação desde o início.
GERINDO A DISSONÂNCIA ESTRATÉGICA Também é importante que o ambiente de seleção
interna da empresa valorize a discordância e a contro-
A dissonância estratégica, os pontos de inflexão estra- vérsia em torno da interpretação dos dados. Isso é di-
tégicos e o reconhecimento estratégico são ferramentas
fícil, já que as organizações sentem-se desconfortáveis
para gerir as grandes transformações que as empresas
com a discordância interna. Debater questões difíceis
devem promover em face da mudança descontínua. Na
só é possível onde as pessoas possam expressar suas
medida em que a empresa passa pelo vale da morte, a
ideias sem medo de punições. Na Intel, o debate en-
velha e a nova base da concorrência, a velha e a nova
tre CISC e RISC, durante 1990-1991, deformou esse
competência distintiva, a velha e a nova estratégia e a
velha e a nova ação estratégica estão em ação simulta- ideal na empresa. O debate tornou-se áspero em alguns
neamente. A Figura 3 mostra uma figura do processo de momentos; diferentes facções estavam começando a
transformação.22 se envolver em uma guerra civil. As pessoas estavam
preocupadas: ”Como vou trabalhar para isso e aquilo
quando tudo acabar?”. A crise da DRAM provocou a
21
Esses dois processos chamam-se “determinação do contexto estratégico” mesma situação. Um papel fundamental da alta gestão
e “dissolução do contexto estratégico”, respectivamente. Ver Burgelman é proporcionar um guarda-chuva contra esses medos. A
(1996), op. cit.
22
Um exemplo vívido do final do século XIX diz respeito à transição alta gestão pode não ser competente para julgar pessoal-
do vento para o vapor como o meio dominante de força motriz das em- mente as questões, mas é tarefa dela criar um ambiente
barcações. Por um tempo, alguns fabricantes de embarcações produzi-
ram híbridos apresentando velas e motores a vapor. Ver R. N. Foster, de seleção interna livre do medo. Então, nosso conselho
Innovation: The Attacker’s Advantage (New York: Summit, 1986). Hoje, aos altos executivos é, primeiro, não mande as pessoas
sem saberem se a TDMA ou a CDMA irá tornar-se a tecnologia domi-
nante na telefonia celular, algumas empresas de telecomunicações plane-
calarem a boca, e, segundo, se elas discordarem e esti-
jam lançar telefones que incorporem ambas as tecnologias. verem certas, parabenize-as!
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     285

FIGURA 3 O processo de transformação

Nova ação
estratégica

Nova base da Nova competência


concorrência distintiva

Nova intenção
estratégica

Reconhecimento
estratégico

Antiga/nova
ação
estratégica
Antiga/nova Antiga/nova
base da competência Dissonância
concorrência distintiva estratégica

Antiga/nova
intenção
estratégica

Ponto de
inflexão estratégico

Antiga ação
estratégica

Antiga base da Antiga competência


concorrência distintiva

Antiga intenção
estratégica
286     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Não rejeite a dissonância estratégica Formular a nova intenção estratégica com base
A capacidade de uma empresa para passar por um PIE no reconhecimento estratégico
depende predominantemente de uma questão bastante A alta gestão deve tentar conjeturar qual será o aspecto
humana: como a alta gestão reage emocionalmente à do novo equilíbrio de forças na indústria e qual será
dissonância estratégica. Isso não é surpresa. Os homens a nova estratégia vencedora, sabendo que não poderá
de negócio, como todas as pessoas, têm emoções, e obtê-los com total exatidão. Sair do vale da morte as-
muitas delas estão atreladas ao status e ao bem-estar sociado com o PIE requer que a alta gestão desenvolva
dos seus negócios. A despeito das melhores tentativas uma imagem mental de como será a indústria e com o
nas escolas de negócios e engenharia para inculcar a que deverá se parecer a empresa quando escalar o outro
análise racional, quando o negócio passa por sérias lado desse vale. A alta gestão deve utilizar as informa-
dificuldades ou pressupostos gerenciais fundamentais ções geradas pela dissonância estratégica quando tentar
são desafiados, a análise objetiva fica em segundo plano discernir a nova forma real da empresa no outro lado do
em relação às reações pessoais/emocionais. vale. Deve ser uma imagem realista fundamentada nas
Na verdade, os altos executivos responsáveis competências distintivas da empresa – as existentes e as
tendem a passar por alguma variação das fases de lidar novas que já estão sendo desenvolvidas. Por exemplo,
com uma catástrofe: quando a Intel finalmente saiu do negócio de DRAM,
também ficou claro que a empresa teve que ser recon-
NEGAÇÃO → FUGA ou DESVIO → ceituada como fabricante de microprocessadores em
ACEITAÇÃO → AÇÃO PERTINENTE vez de memórias. Naquela época, a Intel havia passado
de uma competência distintiva em produtos de memória
A negação é prevalente nas fases iniciais de qua- com base no silício para uma competência distintiva na
se todos os casos. Para entender isso, leia os relatórios implementação de arquiteturas de computador em chips
anuais de gestão das empresas que, em retrospecto, sa- de silício.
bemos que estavam enfrentando um PIE. A fuga refere- Depois de um período difícil, a alta gestão está mais
propensa a ter uma noção do que não quer que a em-
-se às ações pessoais dos altos executivos. Por exemplo,
presa se torne antes de saber o que quer que a empresa
os frequentes discursos públicos sobre assuntos vagos
se torne. Por exemplo, como os gestores de nível mé-
proferidos pelos CEOs das empresas que enfrentam
dio no negócio de DRAM passaram por dificuldades
momentos difíceis ou a mudança da sede corporativa
na obtenção de alocações de capacidades, eles propuse-
para longe do centro da ação empresarial são sinais de
ram várias vezes que a Intel se reestruturasse e desse às
tentativa de fuga. O desvio, por sua vez, refere-se ao
DRAMs sua própria capacitação de manufatura em vez
pior tipo de fuga, pois envolve, muitas vezes, grandes
de compartilhá-la com outros produtos. Essas requisi-
aquisições não relacionadas com o negócio principal
ções ajudaram a alta gestão a decidir que ela não queria
que se defronta com um PIE. principalmente que a Intel se tornasse uma fornecedora
Os executivos efetivos também passam por esses de produtos do tipo commodity. Essa decisão foi toma-
dois primeiros estágios, mas eles são capazes de chegar da antes de ficar claro para a alta gestão que a Intel se
aos estágios da aceitação e da ação pertinente antes tornaria uma empresa líder em microprocessadores. Os
que seja tarde demais. Os executivos pouco efetivos são autores de gestão usam a palavra visão para definir isso.
incapazes de fazê-lo e devem ser removidos. Aqueles Mas ela é imponente demais para o nosso propósito.
que os substituem não são necessariamente mais capa- Liderança aqui implica mudar com o ambiente e a orga-
zes, mas, em geral, possuem pouco apego emocional nização. A realidade deve conduzir a alta gestão e não o
na estratégia atual. A substituição dos líderes corpora- contrário. Isso é difícil porque há sempre a expectativa
tivos em face de um PIE é muito mais motivada pela de que a alta gestão tenha visão.
necessidade de colocar uma distância entre o presente Passar pelo período de grande mudança requer a
e o passado do que trazer alguém “melhor”. A crise da reinvenção – ou talvez a redescoberta – da identidade
DRAM na Intel foi resolvida quando Grove foi ver o da empresa. Uma vez que as empresas e seus líderes são
CEO Gordon Moore e lhe perguntou o que uma nova moldados por seus passados, isso é realmente difícil.
alta gestão faria se ele e Moore fossem substituídos. Se a alta gestão adquiriu sua experiência gerindo uma
A resposta foi clara: sairia das DRAMs. Então, Grove empresa de hardware, como ela e sua equipe podem
sugeriu que Moore e ele próprio passassem pela porta imaginar o que significa gerir uma empresa de software?
giratória, voltassem e o fizessem eles mesmos – uma Steve Jobs, por exemplo, deve ter lutado com isso
maneira forçada de colocar uma distância entre o pre- na NeXT. Não surpreende o fato de ele ter demorado
sente e o passado. muitos anos até ser capaz de redefinir a NeXT como
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     287

FIGURA 4 Relação entre adaptabilidade e debate interno

Liderança estratégica

Capacidade de gerir por meio dos PIEs

L
L Intensidade e duração do debate interno H

uma empresa de software e livrar-se do desejo de todas essas informações ao debate intelectual e deixan-
produzir “computadores“ esteticamente agradáveis e do esse “fermento” agir até que a forma do outro lado
bem concebidos. Hoje, a Intel está abandonando a sua do vale esteja suficientemente clara a ponto de ser viá-
identidade de empresa líder em microprocessadores e vel uma marcha dedicada em sua direção. Uma vez que
encara o desafio de redefinir-se como uma empresa que isso comece, o fermento precisa parar e todas as mãos
deseja ser uma fornecedora de componentes para as precisam estar comprometidas com essa nova direção.
indústrias da computação e das comunicações. Existe uma relação invertida do tipo U entre a intensi-
dade e a duração do debate intelectual construtivo em
Da intenção estratégica à ação estratégica uma empresa e a sua capacidade de longo prazo para
Ver, imaginar e sentir a nova forma da empresa é apenas gerir por meio do PIE (ver Figura 4).
uma etapa. Chegar lá requer ações mais violentas. Cha- Em um extremo, muito pouco debate intelectual sig-
mamos esses movimentos de ações estratégicas, pois nifica que os gestores de nível médio não se desafiam,
envolvem a (re)alocação de recursos com o objetivo de contanto que o benefício seja recíproco. O resultado:
realizar a nova intenção estratégica. O fato é que a es- uma falta de dissonância estratégica e uma queda acen­
tratégia corporativa é realizada por meio da execução tuada da curva. No outro extremo, o debate intelectual
de uma série de ações estratégicas, e não por meio do em excesso paralisa a empresa porque a maior parte da
planejamento estratégico. Os planos estratégicos são energia é utilizada para vencer o debate, e não para en-
abstratos e distantes e dão aos gestores muitas chances contrar os caminhos que favoreçam a empresa. A ação
de reconsiderar enquanto prosseguem – então, eles não estratégica é retardada indefinidamente e, mais uma
obtêm a verdadeira atenção que as suas contrapartes vez, há uma queda acentuada da curva. Então, durante
orientadas para a ação conseguem. a dissonância estratégica, a alta gestão deve deixar as
Claramente, a sabedoria necessária para guiar uma coisas acontecerem enquanto não tiver certeza. (Isso
empresa por meio das mudanças não pode, como uma não é fácil: a alta gestão é paga para ter certeza!) Mas,
questão prática, residir apenas na cabeça do CEO. Se isso depois, ela deve trazer de volta a ação estratégica e a
acontecesse, ele já teria orientado a empresa por meio estratégia para a linha e direcionar a marcha. Liderança
dessas mudanças. Entretanto, se o CEO vier de fora da estratégica significa estimular o debate e fazer com que
empresa, haverá a possibilidade de que ele realmente não se chegue a uma conclusão.23
compreenda a evolução das sutilezas em tais situações. Os
gestores de nível médio têm a bagagem da participação
ativa no dia a dia, mas, por necessidade, sua experiência 23
O reconhecimento estratégico e a liderança estratégica devem passar
é especializada, e não no nível de toda a empresa. nos testes do “estadista”, apresentados por Henry A. Kissinger: “O teste
definitivo do estadista [...] é uma combinação de percepção e coragem
É preciso fazer uma garimpagem em tempo real dos [ênfase conferida]. A percepção leva às avaliações que definem a liber-
conhecimentos dos gestores de nível médio, expondo dade de ação de uma sociedade, enquanto a coragem capacita o estadista
288     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Tire proveito da “bolha” A cultura é a chave


A alta gestão deve usar deliberadamente os recursos não O ambiente de seleção interna descrito aqui é aquele em
comprometidos da empresa que se acumulam nos bons que existem ambas as forças: de baixo para cima e de
tempos – o que chamamos de bolha –, respondendo aos cima para baixo. Se a empresa for dominada pela força
primeiros sinais de dissonância estratégica e apoiando de cima para baixo, ela marchará no mesmo passo efi-
novas iniciativas antes do surgimento da dissonância ciente em direção a um objetivo estratégico importante,
estratégica. Isso é muito difícil, particularmente quando mas a intenção estratégica continuará a ser o caminho
as perspectivas do negócio principal no futuro previ- certo. Se a força de baixo para cima dominar, a empresa
sível continuam a ser favoráveis (lucros abundantes e vagará sem rumo de uma intenção estratégica limitada
crescimento dentro do esperado), e todos estão muito para outra e dissipará seus recursos. Obviamente, se não
ocupados explorando as oportunidades existentes. A houver nenhuma dessas forças, a empresa experimenta-
alta gestão, sob tais circunstâncias, é propensa a apenas rá algo como o “movimento browniano”.
se declarar a favor (mas sem agir na prática) de novas Essas duas forças poderão ser fortes simultanea-
iniciativas. É fácil adiar a ação para “amanhã”. Quando mente? Sim, se a empresa tiver uma árdua cultura de
as perspectivas não são tão boas, é mais fácil adotar confronto entre equipes desejável nas indústrias de alta
medidas. No início dos anos 1990, a Apple Computer tecnologia. Esse tipo de cultura tem dois atributos: pri-
tinha cerca de US$ 1 bilhão em dinheiro livre, mas meiro, tolera – e até mesmo estimula – o debate (na
as perspectivas do mercado principal de PC pareciam Intel, o nome que se dá a isso é confrontação construti-
piores porque o nicho da Apple não crescia e estava va). Esses debates são vigorosos, dedicados a explorar
ameaçado pelo Windows 3.0 da Microsoft.24 Embora a questões e indiferentes à hierarquia.26 São focados em
escolha da intenção estratégica possa ser questionada, descobrir o que é melhor para a empresa (ao contrário
John Sculley merece crédito por antever a necessidade do indivíduo ou grupo). Segundo, é capaz de tomar – e
de mudança na estratégia da Apple e por começar esse aceitar – decisões claras. A organização toda é capaz de
processo. apoiar a decisão.
Uma organização que tenha uma cultura que se
Gerenciar invenções imprevistas aproxime desses dois requisitos é uma organização
Enquanto o gestor sênior procura maneiras de colher adaptável poderosa (que aprende). Essa é a cultura que
os benefícios das invenções imprevistas geradas pelas funciona melhor quando a alta gestão tem que navegar
competências tecnológicas da empresa, algumas ques- entre deixar o caos reinar e reinar nele. Por exemplo,
tões são fundamentais: “Esta invenção é útil para o nos- houve enorme confronto no debate CISC versus RISC.
so negócio principal?”, “Se não for, onde poderíamos
utilizá-la?”, “A nova área sugerida por esta invenção é
do nosso interesse?” e “Ela utiliza outras competências 26
Andrew S. Grove, High Output Management (New York: Random
que temos?”. Nessas ações do gestor sênior, está implí- House, 1983); Andrew S. Grove, “Breaking the Chain of Command”,
Newsweek, October 3, 1983. Existe alguma literatura de ciências sociais
cita a vontade de cessar os investimentos em áreas que, útil sobre a qualidade da tomada de decisão nas equipes com discor-
após uma análise cuidadosa, não se encaixam na empre- dância. Uma linha de investigação diz respeito ao papel dos pontos de
sa. Pode haver alguma frieza nisso, mas a disposição de vista minoritários no aumento do desempenho do grupo. Há evidências
de que os pontos de vista minoritários distintos ajudam a gerar novas
encerrar experimentos tem que ser encarada como parte soluções que levam à melhoria do desempenho do grupo. Ver, por exem-
integrante do processo de criação desses experimentos. plo, Charlan Nemeth, “Style Without Status Expectations: The Special
Contributions of Minorities”, in Murray Webster and Martha Foschi,
Se não houver essa vontade, o peso do que ficou acumu- eds., Status Generalization: New Theory and Research (Stanford, CA:
lado e o desinteresse pela experimentação dissiparão a Stanford University Press, 1988). Uma outra linha de investigação diz
bolha e inibirão o início de novas bolhas.25 respeito ao uso do conflito como um meio de melhorar a efetividade da
decisão. Duas técnicas para introduzir o conflito nos processos decisórios
são “advogado do diabo” e “investigação dialética”: na primeira, atribui-
-se a um indivíduo ou grupo a tarefa de criticar um determinado curso de
ação; na segunda, há um debate entre opiniões opostas. Ver, por exemplo,
Richard A. Cosier and Charles R. Schwenk, “Agreement and Thinking
a agir de acordo com as suas próprias convicções antes de elas serem Alike: Ingredients for Poor Decisions”, Academy of Management
geralmente compreendidas. Os grandes estadistas atuam na margem ex- Executive (February 1990). Grande parte desta pesquisa, entretanto,
terna das capacidades da sua sociedade, e os estadistas fracos tendem a baseia-se em experimentos que envolvem alunos em configurações arti-
ser esmagados pelos acontecimentos”. Ver Henry A. Kissinger, Review ficiais. Um estudo sobre como Lyndon Johnson usou George Ball como
of “Churchill: The Unruly Giant”, by Norman Rose, The New York Times “advogado do diabo” nas decisões governamentais de cúpula durante a
Book Review, July 16, 1995, p. 7. Guerra do Vietnã para isolar e neutralizar, em vez de integrar, um ponto
24
Ver “Reshaping Apple Computer’s Destiny 1992”, in Yoffie (1994), de vista diferente sugere as armadilhas potenciais de algumas dessas
op. cit. técnicas. Ver Irving L. Janis, Victims of GroupThink (Boston: Houghton
25
Para uma estrutura de avaliação, ver Robert A. Burgelman, “Designs for Mifflin, 1972) e Irving L. Janis and Leon Mann, Decision Making:
Corporate Entrepreneurship in Established Firms”, California Management A Psychological Analysis of Conflict, Choice, and Commitment (New
Review, 26/3 (Spring 1984). York: Free Press, 1977).
SEÇÃO 3 – CONTEXTO ORGANIZACIONAL | Artigo 2-14     289

Houve rebelião dentro do grupo de microprocessador estratégico. Nossa estrutura conceitual ajuda a exa-
contra a sua gestão. Após um período de debate exausti- minar a evolução das ligações entre as competências
vo, todos estavam prontos para uma direção nova e cla- distintivas (essenciais) de uma empresa e a base da
ra. Enquanto algumas pessoas decidiram sair, a adoção concorrência na indústria, além de sua estratégia cor-
e execução da direção nova promoveram a unificação. porativa oficial e suas ações estratégicas. A pesquisa
Outras empresas que sobreviveram em indústrias que sustenta a nossa estrutura revelou que, ao longo
muito dinâmicas transformando a si próprias provavel- do tempo, surgirão, inevitavelmente, as divergências
mente possuem características similares, embora as mol- entre a competência e a base da concorrência, e entre
dem à sua própria maneira. A Hewlett-Packard (HP), por a estratégia e a ação. Vemos essas divergências como
exemplo, tem uma cultura assim (com base nos resulta- resultados naturais das forças dinâmicas internas e ex-
dos), talvez mais do que qualquer outra grande empre- ternas que movem e agitam as empresas e indústrias.
sa. Sua história tem sido, e continua a ser, uma série de Também vemos a dissonância estratégica criada por
transformações, todas alcançadas por “meios pacíficos” essas divergências como uma oportunidade para a alta
nas mãos da gestão interna. Para perceber isso, compare gestão aprender sobre a mudança da realidade do mun-
a capacidade da empresa de mudar dos instrumentos para do competitivo que a empresa encara e sobre as novas
os computadores (e seu pico de crescimento) com a dos oportunidades geradas por suas próprias competências.
seus principais concorrentes no setor de instrumentos. A dissonância estratégica sinaliza um ponto de inflexão
Quando os computadores mudaram da tecnologia com estratégico na trajetória de desenvolvimento da empre-
base em minicomputador para a tecnologia com base em sa e alerta a alta gestão para o fato de o cenário familiar
microprocessador, compare o seu desempenho com o da indústria estar se transformando em outro completa-
dos fabricantes de minicomputadores. A HP fez a trans- mente novo – que envolve uma mudança fundamental
formação com muito pouco esforço. Nos últimos anos, na base da concorrência e exige competências funda-
a HP, num novo processo de transformação, tornou-se mentalmente diferentes. O reconhecimento estratégico
líder mundial em impressoras desktop. Hoje, a empresa é a principal ferramenta da alta gestão para lidar com
trabalha incansavelmente para ocupar um posição signi- a dissonância estratégica e um PIE. O reconhecimento
ficativa no mercado de computadores desktop.27 A cultu- estratégico seleciona, dentro da massa de informações
ra da HP é mais “apta ao PIE” do que podemos imaginar. conflitantes, os elementos que podem formar a base
dos novos objetivos estratégicos viáveis. A capacida-
de da alta gestão para o reconhecimento estratégico é
CONCLUSÃO
viabilizada de maneira importante pela capacidade do
Começamos este artigo perguntando: “Como a ambiente de seleção interna da empresa para distinguir
alta gestão consegue decidir sobre a intenção estra- entre sinal e ruído. Isso, por sua vez, depende da abran-
tégica correta nos ambientes extremamente dinâmi- gência, da profundidade e do rigor do debate intelectual
cos?”. Apresentamos uma estrutura conceitual e três entre os gestores de nível médio, que é a característica
fundamentos inter-relacionados – dissonância estraté- cultural mais notável da capacidade de longo prazo da
gica, ponto de inflexão estratégico e reconhecimento empresa para gerir durante os PIEs.

“How HP Used Tactics of the Japanese to Beat Them at Their Game”,


27

The Wall Street Journal, September 8, 1994.


4
AÇÃO
ESTRATÉGICA

sEÇÃO

artigo 2 - 1 5 Para esses executivos e suas empresas, readqui-


rir a competitividade significará repensar muitos dos
Intenção estratégica* conceitos básicos de estratégia.1 Na medida em que a
“estratégia” floresceu, a competitividade das empre-
Gary Hamel e C. K. Prahalad sas ocidentais secou. Isso pode ser coincidência, mas
não pensamos assim. Acreditamos que a aplicação dos
Atualmente, em muitas indústrias, os gestores estão conceitos como “encaixe estratégico” (entre recursos
trabalhando duro para se igualar às vantagens com- e oportunidades), “estratégias genéricas” (baixo custo
petitivas dos seus novos rivais globais. Eles estão versus diferenciação versus foco) e “hierarquia estra-
deslocando as suas fábricas para o exterior em busca tégica” (objetivos, estratégias e táticas) muitas vezes
de uma mão de obra mais barata, racionalizando as instigaram o processo de declínio da competitividade.
linhas de produto para capturar economias de escala Os novos concorrentes globais abordam a estratégia a
globais, instituindo círculos de qualidade e manufa- partir de uma perspectiva fundamentalmente diferente
tura just-in-time, e adotando as práticas japonesas de daquela que sustenta o pensamento da gestão ociden-
recursos humanos. Quando a competitividade ainda tal. Contra esses concorrentes, os ajustes marginais às
parece fora de alcance, eles formam alianças estraté- ortodoxias atuais não promovem maior revitalização
gicas – sobretudo com as empresas que perturbaram competitiva do que as melhorias marginais na eficiên-
o equilíbrio competitivo. cia operacional. (O quadro “Reformulando a estratégia”
Embora sejam iniciativas importantes, poucas de- descreve a nossa pesquisa e resume as duas abordagens
las vão além da mera imitação. Muitas empresas estão opostas da estratégia que vemos nas grandes empresas
gastando muita energia simplesmente para reproduzir multinacionais.)
as vantagens de custo e qualidade que os seus concor- Poucas empresas ocidentais têm um currículo invejá-
rentes globais já possuem. A imitação pode ser a forma vel de antecipação dos movimentos dos novos concorren-
mais sincera de admiração, mas ela não levará a uma tes globais. Por quê? A explicação começa com a maneira
revitalização competitiva. As estratégias com base na como a maioria das empresas tem abordado a análise da
imitação são transparentes para os concorrentes que já concorrência. Geralmente, a análise da concorrência se
as dominam. Além do mais, os concorrentes bem-suce- concentra nos processos existentes (humanos, técnicos e
didos raramente ficam parados. Então, não surpreende financeiros) dos concorrentes atuais. As únicas empresas
o fato de muitos executivos se sentirem aprisionados vistas como ameaça são aquelas que possuem recursos
em um jogo de pega-pega aparentemente sem fim – re- para erodir as margens e a participação de mercado no
gularmente surpreendidos pelas novas realizações dos próximo período de planejamento. A desenvoltura, que
seus rivais.

1
Entre os primeiros que aplicaram o conceito de estratégia à gestão, es-
tavam: H. Igor Ansoff (Corporate Strategy: An Analytic Approach to
Business Policy for Growth and Expansion. New York: McGraw-Hill,
*
Fonte: Reimpresso da Harvard Business Review, May-June 1989, 1965) e Kenneth R. Andrews (The Concept of Corporate Strategy.
pp. 63-76. Homewood, IL: Dow Jones-Irvin, 1971).
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     291

é o ritmo no qual as novas vantagens competitivas estão era pouco representada fora do Japão e baseava-se ape-
sendo criadas, raramente entra na análise. nas em uma linha de produto – pequenas escavadeiras
Com relação a isso, a análise da concorrência tra- mecânicas – para a maior parte da sua receita. A Honda
dicional é como uma foto de um carro em movimento. era menor do que a American Motors e ainda não havia
Por si só, a fotografia produz pouca informação sobre a começado a exportar carros para os Estados Unidos. Os
velocidade ou a direção do carro – se o motorista saiu primeiros passos hesitantes da Canon no setor de repro-
para um sossegado passeio de domingo ou se está fa- grafia pareciam lamentavelmente pequenos em compa-
zendo o aquecimento para uma corrida. Contudo, mui-
ração com a força de US$ 4 bilhões da Xerox.
tos gestores têm aprendido por meio de experiências
Se os gestores ocidentais tivessem ampliado a sua
dolorosas que a dotação inicial de recursos de uma em-
presa (seja ela abundante ou escassa) é um indicador análise para incluir essas empresas, teriam constatado
pouco confiável do sucesso global no futuro. a enorme discrepância de recursos entre suas empresas
Voltemos ao passado. Em 1970, poucas empresas e elas. Contudo, em 1985, a Komatsu era uma empresa
japonesas possuíam a base de recursos, o volume de de US$ 2,8 bilhões com um escopo de produtos que
produção ou a proeza técnica dos líderes industriais dos abrangia uma ampla gama de equipamentos de terrapla-
Estados Unidos e da Europa. A Komatsu tinha menos nagem, robôs industriais e semicondutores. Em 1987, a
de 35% do tamanho da Caterpillar (medido em vendas), Honda fabricava quase tantos carros no mundo inteiro

Reformulando a estratégia
Durante os últimos 10 anos, nossa pesquisa sobre concorrência por nichos (ou simplesmente desencoraja a empresa de desa-
global, alianças internacionais e gestão multinacional nos colo- fiar um concorrente entrincheirado), o segundo produz uma
cou em contato próximo com os altos executivos da América, busca por novas regras que possam desvalorizar as vantagens
Europa e Japão. À medida que tentávamos desvendar as razões das empresas estabelecidas.
para o sucesso e a conquista dos mercados globais, tornamo- Entendem que o equilíbrio no escopo das atividades de
-nos cada vez mais desconfiados de que os executivos das uma organização diminui os riscos. O primeiro procura reduzir
empresas ocidentais e orientais trabalhavam com concepções o risco financeiro criando uma carteira equilibrada de negócios
bem diferentes de estratégia competitiva. A compreensão des- que geram e consomem dinheiro. O segundo procura reduzir o
sas diferenças, pensamos, poderia ajudar a explicar a conduta risco competitivo assegurando uma carteira de vantagens bem
e o resultado das batalhas da concorrência, bem como suple- equilibrada e suficientemente ampla.
mentar as explicações tradicionais para a ascensão do Japão e Nos dois modelos, há a necessidade de desagregar a
o declínio do Ocidente. organização de uma maneira que permita que a alta gestão
Inicialmente, mapeamos os modelos de estratégia implíci- saiba distinguir as necessidades de investimento das várias
tos dos gestores que participaram da nossa pesquisa. Depois, unidades de planejamento. No primeiro modelo, os recursos
construímos histórias detalhadas de algumas batalhas da con- são alocados para unidades de produto-mercado, nas quais
corrência selecionadas. Procuramos evidências das visões de a afinidade é definida por produtos, canais e clientes comuns.
estratégia divergentes, da vantagem competitiva e do papel da Presume-se que cada negócio tenha todas as habilidades
alta gestão. críticas das quais necessita para executar a sua estratégia
Surgiram dois modelos opostos de estratégia. Um, que a com êxito. No segundo, os investimentos são feitos nas com-
maioria dos gestores ocidentais reconhecerá, está centrado no petências essenciais (controles microprocessados ou gera-
problema de manter o encaixe da estratégia (fit). O outro enfoca ção eletrônica de imagens, por exemplo) e nas unidades de
os problemas de alavancagem de recursos. Os dois não são produto-mercado. Ao seguir esses investimentos entre os
mutuamente exclusivos, mas representam uma diferença sig- negócios, a alta gestão trabalha para garantir que os planos
nificativa na ênfase, a qual afeta profundamente o modo como das unidades estratégicas individuais não minem os desen-
as batalhas da concorrência são travadas ao longo do tempo. volvimentos futuros por padrão.
Ambos os modelos reconhecem o problema de concorrer Reconhecem ainda a necessidade de coerência na ação
em um ambiente hostil com recursos limitados. Mas, enquanto por meio dos níveis organizacionais. No primeiro, a coerência
a ênfase do primeiro está em frear as ambições para que sejam entre os níveis corporativos e do negócio é, em grande parte,
condizentes com os recursos disponíveis, a ênfase do segundo uma questão de estar em conformidade com os objetivos finan-
está na alavancagem dos recursos para alcançar objetivos apa- ceiros. A coerência entre os negócios e os níveis funcionais vem
rentemente inatingíveis. por meio da restrição rigorosa dos meios que o negócio utiliza
Os dois modelos reconhecem que a vantagem compe- para realizar a sua estratégia – estabelecer procedimentos ope-
titiva relativa determina a rentabilidade. O primeiro enfatiza a racionais padrão, definir o mercado atendido, aderir às práticas
busca por vantagens que sejam inerentemente sustentáveis, e industriais aceitas. No segundo modelo, a coerência entre negó-
o segundo enfatiza a necessidade de acelerar a aprendizagem cio e empresa vem da fidelidade a uma determinada intenção
organizacional para ultrapassar os concorrentes na construção estratégica. A coerência entre o negócio e as funções vem da
de novas vantagens. fidelidade às metas, ou aos desafios, de médio prazo, com os
Reconhecem a dificuldade de competir com concorrentes empregados dos níveis inferiores estimulados a planejar como
maiores. Entretanto, enquanto o primeiro promove uma busca essas metas serão alcançadas.
292     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

quanto a Chrysler, e a Canon equiparou-se à Xerox em foi colocar, em todo o mundo, seu principal produto ao
termos de participação de mercado global por unidade. “alcance” de todos os consumidores.
A lição é clara: avaliar as vantagens táticas atuais A intenção estratégica é estável ao longo do tem-
dos concorrentes conhecidos não o ajudará a compreen- po. Nas batalhas pela liderança global, uma das tarefas
der a determinação, a energia e a criatividade dos con- mais importantes é alongar o período de atenção da or-
correntes potenciais. Sun-tzu, um estrategista militar ganização. A intenção estratégica proporciona coerên-
chinês, escreveu há três mil anos: “Todos os homens cia às ações de curto prazo, enquanto deixa espaço para
podem ver as táticas por meio das quais eu conquisto, a reinterpretação à medida que surgem novas oportu-
mas nenhum deles consegue ver a estratégia a partir da nidades. Na Komatsu, cercar a Caterpillar englobou
qual evoluiu uma grande vitória”. uma sucessão de programas de médio prazo voltados
As empresas que ascenderam à liderança global ao para explorar fraquezas específicas desta empresa ou
longo dos últimos 20 anos começaram invariavelmen- para construir vantagens competitivas particulares. Por
te com ambições totalmente fora da proporção de seus exemplo, quando a Caterpillar ameaçou a Komatsu
recursos e capacitações. Entretanto, elas criaram uma no Japão, esta reagiu da seguinte maneira: melhorou a
obsessão e depois a sustentaram ao longo da busca de qualidade, reduziu os custos, cultivou os mercados para
10 ou 20 anos pela liderança global. Chamamos essa exportação e concedeu crédito para o desenvolvimento
obsessão de intenção estratégica. de novos produtos.
Por um lado, a intenção estratégica vislumbra uma A intenção estratégica define um alvo que merece
determinada posição de liderança e estabelece o critério esforço e comprometimento pessoais. Pergunte aos pre-
que a organização utilizará para traçar o seu progresso. sidentes de corporações americanas como eles medem
A Komatsu se propôs a “cercar a Caterpillar”. A Canon as suas contribuições para o sucesso de suas empresas
procurou “vencer a Xerox”. A Honda lutou para tornar-se e provavelmente você terá uma resposta expressada em
a segunda Ford – uma pioneira automotiva. Todas essas termos da riqueza dos acionistas. Em uma empresa que
expressões referem-se à intenção estratégica. possui uma intenção estratégica, a alta gestão é mais
Por outro lado, a intenção estratégica é mais do que propensa a falar em termos da liderança do mercado
simplesmente uma ambição irrestrita. (Muitas empre- global. Em geral, a liderança em participação de mer-
sas têm uma intenção estratégica ambiciosa ainda que cado gera certamente a riqueza dos acionistas. Todavia,
fiquem aquém dos seus objetivos.) O conceito também os dois objetivos não têm o mesmo impacto motiva-
engloba um processo ativo de gestão que consiste nos cional. É difícil imaginar os gestores de nível médio,
seguintes procedimentos: focar a atenção da organiza- muitos menos os trabalhadores de chão de fábrica, acor-
ção na essência de vencer, motivar as pessoas quando se dando todos os dias com o único pensamento de criar
comunica o valor do alvo, reservar espaço para as con- mais riqueza para os acionistas. Mas eles não teriam
tribuições individuais ou da equipe, manter o entusias- outro sentimento se tivessem o desafio de “Superar a
mo quando se fornecem novas definições operacionais Mercedes-Benz” – o grito de guerra de uma fabricante
conforme mudam as circunstâncias e usar a intenção de de automóveis japonesa? A intenção estratégica dá aos
maneira coerente para orientar a alocação dos recursos. empregados o único objetivo que justifica o comprome-
A intenção estratégica captura a essência de vencer. timento: desbancar o melhor ou permanecer o melhor
O programa Apolo – cujo propósito era desembarcar no mundo inteiro.
um homem na lua antes dos soviéticos – tinha um foco Muitas empresas estão mais familiarizadas com o
tão competitivo quanto a investida da Komatsu contra planejamento estratégico do que com a intenção estra-
a Caterpillar. O programa espacial tornou-se o marca- tégica. O processo de planejamento age tipicamente
dor de desempenho da corrida tecnológica americana como uma “peneira de viabilidade”. As estratégias são
contra a então União Soviética. No turbulento setor de aceitas ou rejeitadas com base na capacidade de seus
tecnologia da informação, era difícil escolher um único gestores conseguirem ser precisos em relação à elabora-
concorrente como alvo, então a intenção estratégica da ção e execução de seus planos. Os eventos importantes
NEC, definida no início dos anos 1970, foi adquirir as estão claros? Temos as habilidades e os recursos neces-
tecnologias que a colocariam na melhor posição para sários? Como os concorrentes reagirão? O mercado foi
explorar a convergência da computação e das teleco- inteiramente pesquisado? De uma forma ou de outra, a
municações. Outros observadores da indústria previram advertência “Seja realista!” é dada aos gerentes de linha
essa convergência, mas apenas a NEC fez dela o tema em quase todos os turnos.
orientador das decisões estratégicas subsequentes ao Você consegue se planejar para a liderança global?
adotar como sua intenção estratégica a “computação e Monatsu, Canon e Honda tinham “estratégias” deta-
as comunicações”. Na Coca-Cola, a intenção estratégica lhadas de 20 anos para atacar os mercados ocidentais?
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     293

Os gestores japoneses e coreanos são melhores planeja- Por um lado, a alta gestão não possui nenhum ponto de
dores do que seus colegas ocidentais? Não. Com todo o vista particular sobre os fins desejáveis além de satisfa-
valor que o planejamento estratégico possui, a liderança zer os acionistas e manter os concorrentes à distância.
global é um objetivo que está fora do alcance do planeja- Por outro lado, o formato do planejamento, o critério
mento. Temos conhecimento de algumas empresas com de compensação, a definição do mercado atendido e a
sistemas de planejamento altamente desenvolvidos que crença na prática aceita pela indústria trabalham juntos
conseguiram definir uma intenção estratégica. Como os para restringir bastante a gama de meios disponíveis.
testes de adequação estratégica se tornam mais rigoro- Como consequência, a inovação é necessariamente uma
sos, os objetivos para os quais não se podem fazer pla- atividade isolada. O crescimento depende mais da ca-
nos caem no esquecimento. Contudo, as empresas que pacidade inventiva dos indivíduos e das pequenas equi-
temem comprometer-se com objetivo fora do alcance do pes do que da capacidade da alta gestão para agregar os
planejamento não conseguirão ser líderes globais. esforços das múltiplas equipes na direção da intenção
Embora o planejamento estratégico seja anunciado estratégica ambiciosa.
como uma maneira de tornar-se mais orientado para o fu- Nas empresas que superaram as restrições de recur-
turo, a maioria dos gestores, quando pressionados, admi- sos para construir posições de liderança, vemos uma
tirá que seus planos estratégicos revelam mais sobre os relação diferente entre os meios e os fins. Embora a
problemas de hoje do que as oportunidades de amanhã. intenção estratégica seja clara a respeito dos fins, ela
Com um conjunto novo de problemas que confronta os é flexível quanto aos meios – deixa margem para a im-
gestores no início de todo ciclo de planejamento, muitas provisação. Alcançar a intenção estratégica exige uma
vezes o foco muda drasticamente de ano para ano, e, com criatividade enorme em relação aos meios: veja o uso
o ritmo da mudança acelerando na maioria das indústrias, que a Fujitsu fez das alianças estratégicas na Europa
o horizonte previsível está ficando cada vez mais cur- para atacar a IBM. No entanto, essa criatividade surge a
to. Então, os planos fazem pouco mais do que projetar o serviço de um fim claramente prescrito. A criatividade
presente adiante de maneira incremental. O objetivo da é desenfreada, mas não totalmente solta, porque a alta
intenção estratégica é voltar no futuro para o presente. gestão estabelece o critério pelo qual os funcionários
A questão importante não é “Como o próximo ano será podem testar previamente a lógica de suas iniciativas.
diferente do atual?”, mas “O que devemos fazer de ma- Os gestores de nível médio devem fazer mais do que
neira diferente no próximo ano para nos aproximarmos cumprir as prometidas metas financeiras, mas também
mais da nossa intenção estratégica?”. Os planos anuais devem cumprir a orientação geral implícita na intenção
apoiarão a liderança global apenas com uma intenção es- estratégica da organização.
tratégica cuidadosamente articulada e aderente. A intenção estratégica implica um esforço conside-
Assim como você não consegue planejar uma busca rável para uma organização. As capacitações e os recur-
de 10 a 20 anos pela liderança global, a chance de cair na sos atuais não serão suficientes. Isso força a organiza-
posição de liderança por acaso também é remota. Não ção a ser mais inventiva, a tirar o máximo dos recursos
acreditamos que a liderança global seja proveniente de limitados. Considerando que a visão tradicional da
um processo de empreendedorismo sem direção, nem estratégia concentra-se no grau de adequação entre os
que ela seja o produto de atividades paralelas ou outras recursos existentes e as oportunidades atuais, a intenção
técnicas de empreendedorismo interno. Por trás desses estratégica cria um desajuste extremo entre recursos e
programas, reside uma hipótese niilista: a organização é ambições. Então, a alta gestão desafia a organização a
tão inflexível, tão ortodoxamente conduzida que a única preencher a lacuna por meio da criação sistemática de
maneira de inovar é colocar algumas pessoas brilhantes novas vantagens. Para a Canon, esse processo resultou
em uma sala escura, despejar algum dinheiro e esperar nos seguintes procedimentos, nesta ordem: compreen-
que algo maravilhoso aconteça. Na abordagem “Vale do der as patentes da Xerox, licenciar a tecnologia para
Silício” para a inovação, o único papel dos altos exe- criar um produto capaz de gerar uma experiência inicial
cutivos é aperfeiçoar sua estratégia corporativa aos su- no mercado, preparar esforços internos de P&D, licen-
cessos empresariais que surgem de baixo. Aqui, o valor ciar sua própria tecnologia para outros fabricantes a fim
agregado da alta gestão é realmente baixo. de financiar mais P&D, ocupar segmentos de mercado
Infelizmente, essa visão da inovação pode ser coe- no Japão e na Europa onde a Xerox era fraca e assim
rente com a realidade em muitas empresas grandes.2 por diante.
Em relação a isso, a intenção estratégica é como
uma maratona em piques de 400 metros. Ninguém sabe
2
Robert A. Burgelman, “A Process Model of Internal Corporate Venturing
in the Diversified Major Firm”, Administrative Science Quarterly, que aspecto terá o terreno no quilômetro 26, então o
June 1983. papel da alta gestão é focar a atenção da organização
294     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 A construção da vantagem competitiva na Komatsu

Proteger o mercado Reduzir os custos e ao Fazer da Komatsu uma Responder aos Criar novos produtos
doméstico da Komatsu mesmo tempo manter empresa internacional choques externos e mercados
contra a Caterpillar a qualidade e criar mercados de que ameaçam os
exportação mercados

Início dos anos 1965: Programa C B Início dos anos 1960: 1976: Programa Final dos anos
1960: Acordos de (custo baixo) Desenvolver os países V-10 para reduzir os 1970: Acelerar o
licenciamento com do bloco oriental custos em 10% e ao desenvolvimento de
Cumming Engine, 1966: Programa C B mesmo tempo manter produtos para ampliar
International Harvester total 1967: Estabelecimento a qualidade; reduzir a linha
e Bucyrus-Erie para da subsidiária de as peças em 20%;
adquirir tecnologia e marketing Komatsu racionalizar o sistema 1979: Programa
estabelecer benchmarks Europa de fabricação Futuro e Fronteiras
para identificar novos
1961: Projeto A (de 1970: Estabelecimento 1977: Programa ¥ 180 negócios com base
Ace) para evoluir na da Konatsu América de orçamento para toda nas necessidades
qualidade do produto das a empresa, com um da sociedade e na
escavadeiras de pequeno 1972: Projeto B para dólar equivalendo a 180 experiência técnica
e médio porte da melhorar a durabilidade ienes quando a taxa de da empresa
Komatsu, colocando-as e confiabilidade, além câmbio era de 240
acima da Caterpillar de reduzir os custos das 1981: Programa Epochs
grandes escavadeiras 1979: Projeto E para para conciliar a maior
1962: Círculos de estabelecer equipes variedade de produtos
qualidade por toda a 1972: Projeto C para para redobrar os com mais eficiência de
empresa para fornecer aprimorar as pás esforços de custo e manufatura
treinamento a todos os carregadoras qualidade em resposta
funcionários à crise do petróleo
1972: Projeto D
para melhorar as
escavadeiras hidráulicas

1974: Estabelecimento
do departamento
de pré-vendas e
atendimento para dar
assistência apenas a
países recém-
-industrializados, em
projetos de construção

no terreno a ser coberto nos próximos 400 metros. Em tabeleceu para os seus engenheiros um preço final de
diversas empresas, a gestão apresentou para a organi- US$ 1 mil para uma copiadora doméstica. A copiadora
zação uma série de desafios corporativos, cada um es- mais barata da Canon era vendida por vários milhares
pecificando a próxima colina na corrida para alcançar a de dólares. Tentar reduzir o custo dos modelos existen-
intenção estratégica. Num ano, o desafio poderia ser a tes não teria dado à Canon a melhoria radical no desem-
qualidade; no próximo, o atendimento total ao cliente; penho de preços da qual ela necessitava para atrasar ou
no seguinte, entrar em novos mercados; no outro, uma deter a entrada da Xerox no setor de copiadoras pes-
linha de produtos rejuvenescida. Como esse exemplo soais. Em vez disso, os engenheiros da Canon foram
indica, os desafios corporativos são uma maneira de desafiados a reinventar a copiadora, ou seja, substituir
realizar a aquisição de novas vantagens competitivas, um cartucho descartável do mecanismo complexo de
uma forma de identificar o ponto focal dos esforços dos transferência de imagem usado em outras copiadoras.
funcionários, no curto e no médio prazo. Assim como Os desafios corporativos vêm da análise dos concor-
a intenção estratégica, a alta gestão é específica quanto rentes, bem como do padrão previsível de evolução da
aos fins – reduzir os tempos de desenvolvimento dos indústria. Juntos, eles revelam as potenciais aberturas
produtos em 75%, por exemplo –, porém menos pres- competitivas e identificam novas habilidades de que a or-
critiva em relação aos meios. ganização precisará para tomar a iniciativa longe dos par-
Assim como a intenção estratégica, os desafios exi- ticipantes mais bem posicionados. A Figura 1, “A constru-
gem esforços da organização. Para tomar o lugar da ção da vantagem competitiva na Komatsu”, ilustra como
Xerox no negócio de copiadoras pessoais, a Canon es- os desafios ajudaram essa empresa a alcançar seu intento.
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     295

Para que um desafio seja efetivo, os indivíduos e as desconto de 40% nos salários dos empregados contra-
equipes da organização devem compreendê-lo e enxer- tados por hora para reduzir os custos de mão de obra e
gar suas implicações para seus próprios empregos. As alinhá-los com os dos concorrentes no extremo oriente.
empresas que definem desafios corporativos para criar O resultado foi uma longa greve e, no fim das contas,
novas vantagens competitivas (como a Ford e a IBM uma concessão de 10% dos salários dos funcionários da
fizeram com a melhoria da qualidade) descobrem ra- linha de produção. No entanto, os custos diretos da mão
pidamente que conquistar a adesão de toda a empresa de obra na fabricação contribuíam com menos de 15%
exige que a alta gestão: do valor agregado total. Assim, a empresa conseguiu
desmoralizar toda a sua força de trabalho do chão de
• Crie um senso de urgência, ou quase crise, amplificando
fábrica por causa de uma redução de 1,5% nos custos
os sinais fracos no ambiente que apontam a necessidade
de melhorar, em vez de permitir que a falta de iniciativa totais. Ironicamente, a análise mais detalhada mostrou
precipite uma crise real. A Komatsu, por exemplo, fez o que as economias de custos mais significativas dos seus
orçamento com base no pior caso das taxas de câmbio concorrentes não vieram dos salários por hora mais
que sobrevalorizaram o iene. baixos, mas de melhores métodos de trabalho criados
• Desenvolva um foco de concorrência em todos os níveis pelos funcionários. Você pode imaginar a ansiedade dos
por meio do uso disseminado da inteligência competi- trabalhadores americanos para fazer contribuições se-
tiva. Todos os empregados devem ser capazes de com- melhantes após a greve e as concessões. Compare essa
parar seus esforços com os melhores concorrentes, de situação com o que aconteceu na Nissan quando o iene
modo que o desafio torne-se pessoal. Por exemplo, a se fortaleceu: a alta gestão fez um grande corte de paga-
Ford mostrou aos trabalhadores da linha de manufatura mento e depois pediu aos gestores de nível médio e aos
vídeos de operações na fábrica mais eficiente da Mazda. funcionários da linha de produção que se sacrificassem
• Proporcione aos funcionários as habilidades das quais relativamente menos.
necessitam para trabalhar de maneira efetiva – treina- Responsabilidade recíproca significa ganho e dor
mento em ferramentas estatísticas, resolução de proble- compartilhados. Em muitas empresas, a dor da revi-
mas, engenharia de valor e construção de equipes, por talização recai quase exclusivamente sobre os funcio-
exemplo. nários menos responsáveis pelo declínio da empresa.
• Dê à organização tempo para digerir um desafio antes Com bastante frequência, os trabalhadores precisam
de lançar outro. Quando as iniciativas concorren- comprometer-se com os objetivos corporativos sem ne-
tes sobrecarregam a organização, os gestores de nível nhuma contrapartida por parte da alta gestão – seja a
médio muitas vezes tentam proteger seu pessoal da segurança do emprego, o compartilhamento dos ganhos
dupla derrota da mudança de prioridades. Entretanto, a ou a capacidade de influenciar a direção dos negócios.
atitude “Espere e veja se eles estão falando sério desta Essa abordagem unilateral para readquirir competitivi-
vez” acaba destruindo a credibilidade dos desafios cor- dade faz com que muitas empresas não tirem proveito
porativos. da capacidade intelectual dos seus empregados.
• Estabeleça marcos claros e examine os mecanismos
Criar um senso de responsabilidade recíproca é cru-
para acompanhar o progresso e assegurar que o reco-
cial porque, no fim das contas, a competitividade de-
nhecimento interno e as recompensas reforcem o com-
pende do ritmo no qual uma empresa incorpora novas
portamento desejado. A meta é fazer com que o desafio
vantagens dentro da sua organização e não do estoque
seja inevitável para todos na empresa.
de vantagens em qualquer dado momento. Portanto,
É importante distinguir entre o processo de gerir precisamos expandir o conceito de vantagem competi-
os desafios corporativos e as vantagens que o processo tiva para além do marcador de desempenho que muitos
cria. Seja qual for o desafio real – qualidade, custo, en- gestores usam hoje: “Meus custos são mais baixos?”,
genharia de valor ou alguma outra coisa –, há a mesma “Meu produto merecerá um preço especial?”.
necessidade de envolver os funcionários intelectual e Poucas vantagens competitivas duram muito tem-
emocionalmente no desenvolvimento de novas habili- po. Descobrir uma nova vantagem competitiva é um
dades. Em cada caso, o desafio se enraizará apenas se pouco parecido com receber uma boa dica sobre uma
os altos executivos e os funcionários de nível inferior ação da bolsa: a primeira pessoa a agir em cima da in-
sentirem uma responsabilidade recíproca pela compe- formação ganha mais dinheiro do que a última. Nos
titividade. estágios iniciais da curva da experiência, uma empre-
Acreditamos que, em muitas empresas, os trabalha- sa que construiu capacidade à frente dos concorrentes
dores foram convidados a assumir uma parte despro- derrubou os preços para encher as fábricas, reduziu os
porcional da culpa pelo fracasso competitivo. Em uma custos à medida que o volume cresceu e recorreu aos
empresa americana, por exemplo, a gestão buscou um bancos. O primeiro a agir negociou em cima do fato
296     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

de que os concorrentes subvalorizavam a participação menos defensivas, como os baixos custos salariais, para
de mercado – eles não têm preços para capturar mais vantagens mais defensivas, como as marcas globais. A
participação porque não compreendem como a lideran- indústria japonesa de televisores coloridos ilustra esse
ça em participação de mercado pode ser traduzida em processo de estratificação.
custos mais baixos e margens melhores. Entretanto, não Em 1967, o Japão havia se tornado o maior produ-
há mais participação subvalorizada quando cada uma tor de aparelhos de televisão em preto e branco. Em
das 20 empresas de semicondutores constrói capacida- 1970, preenchia a lacuna com aparelhos de televisão em
de suficiente para atender a 10% do mercado mundial. cores. Os fabricantes japoneses usaram sua vantagem
Monitorar resultados das vantagens existentes não é competitiva – naquele momento, basicamente os custos
o mesmo que criar novas vantagens. A essência da estra- da mão de obra – para construir uma base no negócio
tégia reside em criar as vantagens competitivas futuras de marca própria* e depois estabeleceram rapidamen-
mais rápido do que os concorrentes que buscam imitar te instalações em escala mundial. Esse investimento
as suas vantagens atuais. Nos anos 1960, os produtores lhes deu camadas de vantagem adicionais – qualidade
japoneses baseavam-se nas vantagens de custo da mão e confiabilidade –, bem como mais reduções de custos
de obra e do capital. Na medida em que os produto- a partir de melhorias nos processos. Ao mesmo tempo,
res ocidentais começaram a mudar a manufatura para eles reconheceram que essas vantagens com base no
outros países, as empresas japonesas aceleraram seus custo eram vulneráveis às mudanças nos custos de mão
investimentos em tecnologia de processos e criaram de obra, tecnologia de processos e produtos, taxas de
vantagens de escala e qualidade. Depois, na medida em câmbio e políticas comerciais. Logo, durante os anos
que seus concorrentes europeus e americanos racionali- 1970, eles também investiram pesadamente na constru-
zaram a manufatura, eles se expandiram e aceleraram o ção de canais e marcas, criando, assim, outra camada
ritmo de desenvolvimento de produtos. Depois, criaram de vantagem, uma franquia global. No final dos anos
marcas globais e desqualificaram os concorrentes por 1970, ampliaram o escopo dos seus produtos e negócios
meio de alianças e acordos de terceirização. A capaci- para amortizar esses grandes investimentos, e, em 1980,
dade de uma organização para aprimorar as habilidades todos os grandes concorrentes – Matsushita, Sharp,
existentes e aprender outras novas é a vantagem com- Toshiba, Hitachi e Sanyo – haviam estabelecido con-
petitiva mais defensável de todas. juntos de negócios relacionados que poderiam suportar
Para atingir uma intenção estratégica, normalmen- os investimentos de marketing globais. Mais recente-
te uma empresa deve enfrentar concorrentes maiores e mente, eles têm investido na manufatura regional e nos
mais bem financiados. Isso significa gerir cuidadosa- centros de design para adaptar, de forma mais estreita,
mente os compromissos competitivos de modo que os os produtos aos mercados nacionais.
recursos escassos sejam conservados. Os gestores não Esses fabricantes encararam essas várias fontes de
conseguem fazer isso apenas jogando o mesmo jogo de vantagem competitiva como camadas mutuamente de-
uma maneira melhor – fazendo melhorias marginais na sejáveis, e não como escolhas mutuamente exclusivas.
tecnologia e nas práticas empresariais dos concorrentes. O que algumas pessoas chamam de suicídio competiti-
Em vez disso, eles devem mudar fundamentalmente o vo – perseguir tanto o custo quanto a diferenciação – é
jogo de modo a deixar as empresas estabelecidas em exatamente o que muitos concorrentes se esforçam em
desvantagem – criar novas abordagens para entrar no alcançar.3 Ao utilizarem tecnologias de manufatura fle-
mercado, vantagem competitiva e disposição para a xíveis e uma inteligência de marketing melhor, eles se
guerra. Para os concorrentes inteligentes, o objetivo não afastam dos “produtos mundiais” padronizados e pas-
é a imitação competitiva, mas a inovação competitiva, a sam para produtos como a minivan da Mazda, desen-
arte de contenção dos riscos competitivos em um nível volvida na Califórnia expressamente para o mercado
gerenciável. americano.
Quatro abordagens à inovação competitiva são evi- Outra abordagem de inovação competitiva – procu-
dentes na expansão global das empresas japonesas: rar “tijolos soltos” – explora os benefícios da surpresa,
criar camadas de vantagem, procurar “tijolos soltos”, que é tão útil nas batalhas comerciais quanto na guerra.
mudar os termos de compromisso e concorrer por meio Especialmente nos primeiros estágios de uma disputa
da colaboração.
Quanto mais ampla a carteira de vantagens de uma
empresa, menos riscos ela enfrenta nas batalhas da con- *
N. de T.: Produtos ou serviços de marca própria geralmente são aqueles
corrência. Os novos concorrentes globais criaram tais fabricados ou fornecidos por uma empresa para serem oferecidos com a
marca de outra empresa.
carteiras ampliando continuamente seus arsenais com- 3
Por exemplo, ver M. E. Porter, Competitive Strategy (New York: Free
petitivos. Eles passaram inexoravelmente das vantagens Press, 1980).
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     297

pelos mercados globais, os concorrentes novos e bem- O progresso da Honda na criação de uma compe-
-sucedidos trabalham para se manter abaixo do limiar tência central em motores deveria ter alertado os con-
de resposta dos seus rivais maiores e mais poderosos. correntes de que ela poderia entrar em uma série de in-
Demarcar o território pouco defendido é uma maneira dústrias aparentemente não relacionadas – automóveis,
de fazer isso. cortadores de grama, motores marítimos, geradores. No
Para encontrar os tijolos soltos, os gestores devem ter entanto, com cada empresa fixada em seu próprio mer-
algumas ortodoxias sobre como entrar no mercado ou cado, a ameaça da diversificação horizontal da Honda
desafiar um concorrente. Por exemplo, em uma grande passou despercebida. Hoje, empresas como Matsushita
multinacional americana, pedimos a vários gerentes na- e Toshiba estão similarmente preparadas para transitar
cionais que descrevessem o que um concorrente japonês de maneiras inesperadas pelas fronteiras industriais. Ao
estava fazendo no mercado local. O primeiro executivo protegerem os tijolos soltos, as empresas devem am-
disse: “Eles estão chegando a nós pelo baixo mercado. pliar sua visão periférica, acompanhando e antecipan-
As empresas japonesas sempre chegam por baixo”. O se- do a migração dos concorrentes globais por meio dos
gundo interlocutor considerou o comentário interessante, segmentos de produto, negócios, mercados nacionais,
mas discordou: “Eles não oferecem nenhum produto de estágios do valor agregado e canais de distribuição.
baixo mercado no meu mercado, mas têm algumas coisas Mudar os termos de compromisso – recusar-se a
interessantes no alto mercado. Realmente deveríamos aceitar a definição do líder sobre as fronteiras da indús-
fazer uma engenharia reversa nessas coisas”. Um outro tria e dos segmentos – representa ainda outra forma de
colega afirmou o seguinte: “Eles não tiraram nenhum inovação competitiva. A entrada da Canon no mercado
negócio de mim, mas me fizeram uma ótima oferta para de copiadoras ilustra essa abordagem.
fornecer componentes”. Em cada país, o concorrente ja- Durante os anos 1970, a Kodak e a IBM tentaram
ponês encontrou um tijolo solto diferente. equiparar-se ao sistema de negócios da Xerox em ter-
mos de segmentação, produtos, distribuição, serviços e
A procura por tijolos soltos começa com uma análi-
preços. Em consequência, a Xerox não teve problemas
se cuidadosa do conhecimento do concorrente: “Como
para decodificar as intenções das empresas entrantes e
a empresa define o seu ‘mercado atendido’?”, “Que
desenvolver contramedidas. A IBM acabou se retirando
atividades são mais rentáveis?” e “Que mercados geo­
do negócio de copiadoras, enquanto a Kodak permane-
gráficos são mais difíceis de conquistar?”. O objetivo
ce em um distante segundo lugar no grande mercado de
não é descobrir um canto da indústria (ou nicho) onde
copiadoras que a Xerox ainda domina nos dias atuais.
os grandes concorrentes raramente fazem negócio,
A Canon, por sua vez, mudou os termos do compro-
mas construir bases para investidas fora do território
misso competitivo. Enquanto a Xerox criou uma ampla
do mercado que os líderes da indústria ocupam atual-
gama de copiadoras, a Canon padronizou as máquinas
mente. O objetivo é uma fonte incontestável de lucros, e os componentes para reduzir custos. A Canon optou
que poderia ser oriunda de um determinado segmento pela distribuição por meio de distribuidores de produtos
de produto (o “baixo mercado” de motocicletas), uma de escritório em vez de se equiparar à imensa força de
fatia da cadeia de valor (componentes na indústria de vendas diretas da Xerox. Isso também evitou a necessi-
computadores) ou um mercado geográfico em particu- dade de criar uma rede nacional de assistência técnica
lar (Europa Oriental). ao projetar confiabilidade e manutenção em seu produto
Quando a Honda tomou o lugar dos líderes na in- e depois delegar a responsabilidade pela manutenção
dústria de motocicletas, por exemplo, ela começou com aos distribuidores. As copiadoras da Canon eram ven-
produtos que não faziam parte da definição convencio- didas em vez de alugadas, liberando a Canon do ônus
nal dos domínios de produto-mercado desses líderes. de financiar a base de locação. Finalmente, em vez de
Como resultado, pôde construir uma base de operações vender para os chefes dos departamentos corporativos
em território pouco defendido e depois usá-la para lan- de reprodução, a Canon focou seus esforços nas secre-
çar um ataque ampliado. O que muitos concorrentes tárias e nos gerentes de departamento demandantes de
não conseguiram enxergar foi a intenção estratégica copiadoras locais e descentralizadas. Em cada etapa, a
da Honda e a sua crescente competência em motores e Canon evitou cuidadosamente uma potencial barreira
transmissões. Contudo, enquanto a Honda vendia mo- à entrada.
tocicletas de 50cc nos Estados Unidos, já participava A experiência da Canon sugere que há uma distin-
de corridas com motocicletas maiores na Europa – reu- ção importante entre barreiras para a entrada e barreiras
nindo as habilidades de design e tecnologia das quais para a imitação. Os concorrentes que tentaram copiar
necessitaria para uma expansão sistemática por todo o o sistema de negócios da Xerox tiveram que pagar os
espectro de negócios relacionados com motores. mesmos custos de entrada – as barreiras para a imitação
298     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

eram mais altas. Mas a Canon reduziu drasticamente que abandonaram seus próprios esforços de desenvol-
as barreiras para a entrada mudando as regras do jogo. vimento raramente reemergiram como concorrentes sé-
A mudança das regras do jogo também provocou um rias nas novas batalhas de produtos subsequentes.
curto-circuito na capacidade da Xerox para retaliar ra- A colaboração também pode ser utilizada para cali-
pidamente a nova rival. Confrontada com a necessidade brar os pontos fortes e fracos dos concorrentes. As joint
de repensar sua estratégia de negócios e sua estrutura, ventures da Toyota com a GM e da Mazda com a Ford
a Xerox ficou paralisada por um tempo. Os gestores da dão a essas montadoras de automóveis um ponto de
empresa perceberam que quanto mais rápido reduzis- vantagem de valor incalculável para avaliar o progresso
sem o tamanho da linha de produtos, desenvolvessem que seus concorrentes americanos fizeram na redução
novos canais e melhorassem a confiabilidade, mais de custos, qualidade e tecnologia. Eles também podem
rápido corroeriam a base de lucros tradicional da em- aprender como a GM e a Ford concorrem – quando irão
presa. Todos os fatores que poderiam ser cruciais para ou não lutar. Naturalmente, o inverso também é verda-
o sucesso – a força de vendas nacional da Xerox e a deiro: a Ford e a GM têm uma oportunidade igual para
rede de assistência técnica, sua grande base instalada aprender com seus concorrentes parceiros.
de máquinas alugadas e sua dependência das receitas de O caminho para a revitalização competitiva que te-
manutenção – tornaram-se barreiras para a retaliação. mos mapeado implica uma nova visão de estratégia. A
Nesse sentido, a inovação competitiva é como o judô: intenção estratégica garante a coerência na alocação de
o objetivo é usar o peso de um competidor maior con- recursos no longo prazo. Os desafios corporativos cla-
tra ele próprio. Entretanto, isso não acontece quando ramente articulados concentram os esforços dos indiví­
se equiparam as capacitações do líder, mas quando se duos no médio prazo. Finalmente, a inovação competi-
desenvolvem capacitações diferentes. tiva ajuda a diminuir o risco competitivo no curto prazo.
A premissa da inovação competitiva é a seguinte: um Essa consistência no longo prazo, o foco no médio pra-
concorrente bem-sucedido tende a se apegar a uma “re- zo e a inventividade e o envolvimento no curto prazo
ceita” de sucesso. Por isso, a arma mais efetiva que um fornecem a chave para alavancar os recursos limitados
novo concorrente possui é uma folha de papel em branco, na busca de objetivos ambiciosos. Entretanto, assim
enquanto a maior vulnerabilidade de uma grande empre- como existe um processo de vitória, há um processo de
sa estabelecida é a sua crença na prática vigente. rendição. A revitalização requer a compreensão desse
Por meio do licenciamento, contratos de terceiriza- processo também.
ção e joint ventures, às vezes é possível vencer sem lu- Como as empresas americanas e europeias per-
tar. Por exemplo, as alianças da Fujitsu na Europa com deram seu aparente direito de dominar as indústrias
a Siemens e a STC (maior fabricante de computadores globais se tinham liderança tecnológica e acesso aos
da Inglaterra) e nos Estados Unidos com a Amdahl ge- mercados regionais? Não existe uma resposta simples.
raram a ela volume de produção e acesso aos mercados Poucas empresas reconhecem o valor de documentar o
ocidentais. No início da década de 1980, a Matsushita fracasso. Ainda menos empresas buscam suas próprias
estabeleceu uma joint venture com a Telefunken (na ortodoxias gerenciais para semear sua rendição compe-
Alemanha) e com a Thomson (na França) que lhe per- titiva. Mas acreditamos que há uma patologia da rendi-
mitiu multiplicar rapidamente as forças arregimentadas ção (resumida no quadro “O processo de rendição”) que
contra a Philips na batalha pela liderança no mercado fornece algumas pistas importantes.
europeu de videocassetes. Ao combaterem os maiores Não é muito confortante pensar que a essência do
concorrentes globais, as empresas japonesas adotaram pensamento estratégico ocidental pode reduzir-se a oito
uma máxima tão antiga quanto o próprio conflito huma- regras para excelência, sete “S”s, cinco forças competi-
no: o inimigo do meu inimigo é meu amigo. tivas, quatro fases do ciclo de vida do produto, três es-
Captar os esforços de desenvolvimento dos prin- tratégias genéricas e incontáveis matrizes dois por dois.
cipais concorrentes é outro objetivo da colaboração No entanto, nos últimos 20 anos, os “avanços” na estra-
competitiva. Na guerra dos produtos eletrônicos de tégia assumiram a forma de cada vez mais tipologias,
consumo, os concorrentes japoneses atacaram os negó- heurísticas e um sem fim de listas enumeradas, mui-
cios tradicionais, como as TVs e os sistemas de som, ao tas vezes com bases empíricas dúbias. Além do mais,
mesmo tempo que se ofereceram para fabricar a “nova mesmo os conceitos razoáveis, como o ciclo de vida do
geração” de produtos, como VCRs, filmadoras e leitores produto, a curva de experiência, as carteiras de produ-
de discos compactos para os concorrentes ocidentais. tos e as estratégias genéricas, muitas vezes, têm efeitos
Eles esperavam que os seus concorrentes reduzissem os colaterais tóxicos: diminuem a quantidade de opções
gastos de desenvolvimento, e, na maioria dos casos, foi estratégicas que a gestão está disposta a considerar. Eles
exatamente o que aconteceu. No entanto, as empresas criam uma preferência pela venda dos negócios em vez
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     299

O processo de rendição
Nas batalhas pela liderança global travadas nas duas últimas parte dos produtores japoneses, a Porsche anunciou que não
décadas, vimos um padrão de ataque e cerceamento competi- vai mais produzir carros “de nível básico”.
tivo extraordinariamente similar nas diferentes indústrias. Cha- Os gestores ocidentais quase sempre interpretaram mal as
mamos isso de processo de rendição. táticas dos seus rivais. Eles acreditavam que as empresas japo-
O processo começou com uma intenção invisível. Sem obje- nesas e coreanas estavam concorrendo somente com base no
tivos de longo prazo focados nos concorrentes, as empresas custo e na qualidade. Tipicamente, isso produziu uma resposta
ocidentais não atribuíram tais intenções aos seus rivais. Elas parcial para as iniciativas desses concorrentes: mudar a manu-
também calcularam a ameaça apresentada por seus concorren- fatura para fora do país, terceirizar ou instituir um programa de
tes potenciais em termos de seus recursos existentes em vez qualidade. Raramente a extensão da ameaça competitiva foi
das suas desenvolturas. Isso levou à subestimação sistemática
avaliada – as múltiplas camadas de vantagem, a expansão por
dos rivais menores que adquiriram tecnologia rapidamente por
meio dos segmentos de produto relacionados, o desenvolvi-
meio de arranjos de licenciamento, compreenderam o mercado
mento de posições de marca global. Imitar as táticas visíveis
de seus parceiros de OEM e melhoraram a qualidade do pro-
e atuais dos rivais colocou as empresas ocidentais em uma
duto e a produtividade da fabricação por meio de programas de
perpétua armadilha de atualização. Uma a uma, as empresas
envolvimento dos funcionários por toda a empresa. Alheias à
intenção estratégica e às vantagens intangíveis dos seus rivais, perderam as batalhas e viram a rendição como inevitável. A ren-
as empresas americanas e europeias se viram, de repente, des- dição não era inevitável, é claro, mas o ataque foi encenado de
prevenidas frente às mudanças. uma forma que camuflou as intenções finais e evitou o confronto
Além da surpresa, havia o fato de as novas entrantes direto.
terem atacado tipicamente a periferia de um mercado (a Honda
nas pequenas motocicletas, a Yamaha nos grandes pianos, a Quando a rendição torna-se inevitável?
Toshiba nos pequenos televisores em preto e branco) antes de
baterem de frente com as empresas estabelecidas. As empre- Intenção Sabedoria Táticas de entrada
sas estabelecidas, muitas vezes, compreenderam mal esses estratégica invisível subestimada não convencionais
ataques, vendo-os como parte de uma estratégia de nicho e não
como uma busca pelos “tijolos soltos”. As estratégias não con- Surpresa competitiva
vencionais de entrada no mercado (participações minoritárias
em países menos desenvolvidos, uso de canais não tradicio- Resposta parcial
nais, publicidade corporativa ampla) foram ignoradas ou descar-
tadas como peculiares. Por exemplo, os gestores com os quais Armadilha da atualização
conversamos disseram que a posição das empresas japonesas
na indústria de computadores europeia era inexistente. Em ter-
Batalhas perdidas
mos de participação de marca, isso é quase verdade, mas os
japoneses controlam um terço do valor agregado da produção
Senso de inevitabilidade
de hardware das empresas de computador da Europa. De modo
similar, os fabricantes alemães de automóveis afirmaram estar
despreocupados com a propensão dos fabricantes japoneses Retiro e saída
de subirem para as camadas mais altas do mercado. Mas, com
seus modelos de baixo mercado sofrendo grande pressão por

de defendê-los. Produzem estratégias previsíveis que os mapas de determinadas indústria. Entretanto, enquanto
concorrentes decodificam facilmente. eles estão ocupados fazendo mapas, seus concorrentes
As “receitas” de estratégia limitam as oportunida- vêm se deslocando por continentes inteiros. O objetivo
des de inovação competitiva. Uma empresa pode ter 40 do estrategista não é encontrar um nicho dentro do es-
negócios e apenas quatro estratégias – investir, man- paço existente na indústria, mas criar um novo espaço
ter, colher ou desinvestir. Muitas vezes, a estratégia é que seja excepcionalmente adequado para os pontos
vista como um exercício de posicionamento no qual as fortes da própria empresa, o qual está fora do mapa.4
opções são testadas pelo modo como se ajustam à es- Isso é particularmente verdadeiro agora que as fron-
trutura da indústria existente. Todavia, a estrutura atual teiras industriais estão se tornando cada vez mais ins-
da indústria reflete os pontos fortes do líder dessa indús- táveis. Nas indústrias como a de serviços financeiros
tria, e jogar pelas regras do líder normalmente represen- e comunicações, as mudanças rápidas na tecnologia,
ta um suicídio competitivo.
De posse dos conceitos como a segmentação, a
cadeia de valor, o benchmarking da concorrência, os 4
Os quadros conceituais de estratégia para a alocação de recursos em
empresas diversificadas estão resumidos em Charles W. Hofer and Dan
grupos estratégicos e as barreiras de mobilidade, mui- E. Schendel, Strategy Formulation: Analytical Concepts (St. Paul, MN:
tos gestores tornaram-se cada vez melhores em traçar West Publishing, 1978).
300     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

desregulamentação e globalização minaram o valor da cios orientados para o mercado doméstico, nos quais
análise tradicional da indústria. As habilidades de cria- uma empresa possa se refugiar. Raramente ouvimos
ção de mapas são pouco valiosas no epicentro de um essas empresas perguntarem: “Podemos mudar para os
terremoto. No entanto, uma indústria em ebulição apre- mercados emergentes no exterior à frente dos nossos
senta oportunidades para que as empresas ambiciosas rivais e prolongar a rentabilidade desse negócio?” e
redesenhem o mapa em seu favor, contanto que possam “Podemos contra-atacar nos mercados domésticos dos
raciocinar fora das fronteiras tradicionais da indústria. nossos concorrentes globais e diminuir o ritmo da sua
Expressões como “maduro” e “decadente” são, em expansão?”. Um alto executivo em uma empresa global
grande parte, utilizadas para definições. O que a maioria bem-sucedida fez um comentário revelador: “Ficamos
dos executivos quer dizer quando chamam um negócio felizes em encontrar um concorrente atuando pelo con-
de maduro é que o crescimento das vendas estagnou ceito de portfólio – podemos quase prever a participa-
em seus mercados geográficos atuais para os produtos ção que teremos que conquistar para colocar o negócio
existentes vendidos por meio dos canais atuais. Em tais na ‘lista de vende-se’ do CEO”.
casos, não é a indústria que está madura, mas a con- As empresas também podem ser excessivamente
cepção dos executivos a respeito da indústria. Quando comprometidas com as receitas organizacionais, tais
perguntaram a um executivo da Yamaha se o negócio como as unidades estratégicas de negócios (UENs), e
de piano estava maduro, ele respondeu: “Só se não pu- com a descentralização na qual a estrutura de UEN está
dermos tomar a participação de mercado de ninguém envolvida. A descentralização é sedutora porque colo-
em nenhum lugar do mundo e ainda assim ganharmos ca a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso direta-
dinheiro. De qualquer maneira, não estamos no negó- mente nas costas dos gestores das UENs. Presume-se
cio de piano, estamos no negócio de teclado”. Ano após que cada negócio tenha todos os recursos dos quais ne-
ano, a Sony tem revitalizado seus negócios de rádio e cessita para executar suas estratégias de maneira bem-
gravador de fita, a despeito do fato de outros fabricantes -sucedida, o que significa que, nesse ambiente, não há
terem abandonado há muito tempo esses negócios por nada que justifique o fracasso da alta gestão. Entretanto,
considerá-los maduros. independentemente da clareza que as linhas de respon-
Um conceito estreito de maturidade pode excluir sabilidade e responsabilização possam ter, a revitaliza-
uma empresa de um amplo fluxo de oportunidades fu- ção competitiva exige valor agregado positivo por parte
turas. Nos anos 1970, várias empresas americanas pen- da alta gestão.
saram que os produtos eletrônicos de consumo haviam Poucas empresas com uma forte orientação por
se tornado uma indústria madura: “O que poderia surgir UEN criaram posições de distribuição e marcas globais
depois da TV colorida?”. A RCA e a GE, envolvidas bem-sucedidas. Os investimentos na franquia de uma
com as oportunidades de indústrias mais “atraentes” marca global geralmente transcendem os recursos e a
como a de computadores de grande porte, deixaram os propensão ao risco de um único negócio. Embora algu-
fabricantes japoneses com praticamente um monopólio mas empresas ocidentais tenham tido posições de marca
nos VCRs, filmadoras e aparelhos de CD. Ironicamente, global durante 30, 40 anos ou mais – Heinz, Siemens,
o negócio da TV, uma vez considerado maduro, está à IBM, Ford e Kodak, por exemplo –, é difícil identificar
beira de um grande renascimento. Será criado um ne- uma empresa americana ou europeia que tenha criado
gócio de US$ 20 bilhões por ano quando a televisão uma nova franquia de marca global nos últimos 10 a
de alta definição for lançada nos Estados Unidos. Mas 15 anos. No entanto, as empresas japonesas criaram
os pioneiros da televisão podem capturar apenas uma algumas, como NEC, Fujitsu, Panasonic (Matsushita),
pequena parte dessa fonte de riqueza. Toshiba, Sony, Seiko, Epson, Canon, Minolta e Honda.
A maioria das ferramentas de análise estratégica A situação da General Electric (GE) é típica. Em
tem um enfoque doméstico. Poucas forçam os gestores muitos dos seus negócios, essa gigante americana tem
a considerar as oportunidades e ameaças globais. Por sido quase desconhecida na Europa e Ásia. A GE não
exemplo, o planejamento de portfólio retrata as opções fez nenhum esforço coordenado para construir uma
de investimento da alta gestão como uma matriz de ne- franquia global da empresa. Qualquer negócio da GE
gócios em vez de uma matriz de mercados geográficos. com ambições internacionais tinha que carregar sozi-
O resultado é previsível: à medida que os negócios são nho o fardo de estabelecer sua credibilidade e creden-
atacados por concorrentes estrangeiros, a empresa tenta ciais no novo mercado. Não é de surpreender que alguns
abandoná-los e entra em outros, nos quais as forças da negócios da empresa, antes considerados fortes, tenham
concorrência global ainda não são tão fortes. No curto optado pela difícil tarefa de construir uma posição de
prazo, essa pode ser uma resposta adequada para a com- marca global. Por sua vez, as empresas coreanas meno-
petitividade em declínio, mas há cada vez menos negó- res, como Samsung, Daewoo e Lucky Gold Star, estão
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-15     301

ocupadas construindo “guarda-chuvas” de marcas glo- no investimento e no número de funcionários – o de-


bais que facilitarão a entrada no mercado para toda uma nominador – “melhoram” os índices financeiros, pe-
gama de negócios. O princípio subjacente é simples: as los quais eles são medidos, mais facilmente do que
economias de escopo podem ser tão importantes quanto o crescimento no numerador – receitas. Isso também
as economias de escala ao entrarem nos mercados glo- promove uma sensibilidade pronta para disparar as
bais. Entretanto, capturar economias de escopo exige a crises da indústria que pode ser muito cara. Os ges-
coordenação entre os negócios que apenas a alta gestão tores ávidos por reduzir os investimentos e demitir
pode proporcionar. trabalhadores acham que demora muito mais readqui-
Acreditamos que as organizações inflexíveis do tipo rir as habilidades perdidas e recuperar o investimento
UEN também contribuíram para a desqualificação de quando a indústria volta a crescer. Como resultado,
algumas empresas. Para uma única UEN, incapaz de eles perdem participação de mercado em todo ciclo de
sustentar o investimento em uma competência essencial negócio. Particularmente nas indústrias onde há uma
como os semicondutores, a mídia óptica ou os motores concorrência feroz pelas melhores pessoas e onde os
a combustão, a única maneira de se manter competiti- concorrentes investem implacavelmente, a gestão do
va é comprar componentes fundamentais dos possíveis denominador cria uma contenção.
concorrentes (frequentemente japoneses ou coreanos). O conceito do gestor como um pino móvel reforça
Para uma UEN definida em termos de produto-merca- o problema da gestão do denominador. As escolas de
do, competitividade significa oferecer um produto final negócios são culpadas aqui porque elas têm perpetuado
que seja competitivo em preço e performance. Mas isso a noção de que o gestor, com os cálculos do valor
dá ao gestor da UEN pouco incentivo para distinguir presente líquido em uma das mãos e o planejamento
entre terceirização que alcança a competitividade “in- do portfólio na outra, pode gerir qualquer negócio em
corporada ao produto” e desenvolvimento interno que qualquer lugar.
produz competências organizacionais profundamente Em muitas empresas diversificadas, a alta gestão
enraizadas que podem ser exploradas por meio de mui- avalia os gestores das UENs somente quanto aos nú-
tos negócios. Onde as atividades de fabricação de com- meros, porque não existe nenhuma outra base para
ponentes à jusante na cadeia de valor são vistas como o diálogo. Como parte do seu “desenvolvimento de
centros de custo com fixação do preço por repasse de carreira”, os gestores mudam tanto de empresa que
custos, o investimento adicional na atividade essencial muitas vezes não compreendem as nuanças do negó-
pode parecer um uso menos rentável do capital do que cio que estão gerindo. Na GE, por exemplo, um gestor
o investimento nas atividades a montante na cadeia de “fast track” que chefiava um novo empreendimen-
valor. Para piorar as coisas, a contabilidade interna pode to importante havia passado por cinco empresas em
não refletir o valor competitivo de manter o controle cinco anos. Sua série de rápidos sucessos finalmente
sobre competências centrais. chegou ao fim quando ele enfrentou um concorrente
Juntas, uma franquia de marca global da empre- japonês cujos gestores faziam parte da mesma empre-
sa e uma competência central compartilhada agem sa havia mais de uma década.
como uma argamassa para muitas empresas japone- Independentemente da capacidade e do esforço, os
sas. Sem essa argamassa, os negócios de uma em- gestores “fast track” não são propensos a desenvolver
presa são verdadeiramente tijolos soltos – facilmente o profundo conhecimento do negócio de que eles ne-
nocauteados pelos concorrentes globais que investem cessitam para discutir substancialmente as opções de
de maneira contínua nas competências centrais. Tais tecnologia, as estratégias dos concorrentes e as opor-
concorrentes podem cooptar as empresas orientadas tunidades globais. Invariavelmente, portanto, as dis-
domesticamente na dependência da terceirização de cussões gravitam para “os números”, enquanto o valor
longo prazo e capturar as economias de escopo do in- agregado dos gestores limita-se à experiência financeira
vestimento da marca global por meio da coordenação e de planejamento que eles carregam de um emprego
entre negócios. para o outro. O conhecimento dos sistemas internos de
Por último na lista de armadilhas da descentrali- planejamento e contabilidade da empresa substitui o
zação, está o padrão de desempenho gerencial utiliza- conhecimento substantivo do negócio, tornando impro-
do normalmente nas UENs. Em muitas empresas, os vável a inovação competitiva.
gestores das unidades de negócio são recompensados Quando os gestores sabem que suas atribuições pos-
somente com base no seu desempenho em relação aos suem um horizonte de tempo de dois a três anos, eles
retornos sobre as metas de investimento. Infelizmen- sentem uma grande pressão para criar um bom e rápi-
te, isso leva com frequência à gestão do denominador do histórico. Essa pressão, muitas vezes, assume duas
porque os executivos percebem logo que as reduções formas: ou o gestor não se compromete com as metas
302     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

cujo cronograma estende-se para além da sua própria disseram que, enquanto eles podiam encarar os proble-
permanência ou são adotadas metas ambiciosas, espre- mas, o pessoal abaixo deles não podia. Na verdade, a
midas em um cronograma irrealisticamente curto. Al- única vez em que a força de trabalho ouviu falar dos
mejar ser o número um em um negócio é a essência da problemas de competitividade da empresa foi durante
intenção estratégica, mas impor um horizonte de três a as negociações salariais, quando os problemas foram
quatro anos sobre o esforço simplesmente é um convite usados para obter concessões.
ao desastre. As aquisições são feitas com pouca atenção Infelizmente, uma ameaça percebida por todos, mas
aos problemas da integração. A organização fica sobre- sobre a qual ninguém fala, cria mais ansiedade do que
carregada de iniciativas. Os empreendimentos colabo- uma ameaça claramente identificada e transformada no
rativos são formados sem a atenção adequada para as ponto focal dos esforços de resolução de problemas de
consequências competitivas. toda a empresa. Essa é uma razão para a honestidade e
Quase toda teoria de gestão estratégica e quase humildade da parte da alta gestão poderem ser o primei-
todo sistema de planejamento empresarial têm como ro pré-requisito da revitalização. Outra razão é a neces-
premissa uma hierarquia de estratégia em que os ob- sidade de fazer da participação mais do que um jargão.
jetivos corporativos guiam as estratégias das unidades Os programas como os círculos de qualidade e o
de negócio, e as estratégias das unidades de negó- atendimento total ao cliente ficam aquém das expec-
cio guiam as táticas funcionais.5 Nessa hierarquia, a tativas porque a gestão não reconhece que a imple-
alta gestão formula a estratégia e os níveis inferiores mentação bem-sucedida requer mais do que estruturas
executam-na. A dicotomia entre formulação e imple- administrativas. As dificuldades em incorporar novas
mentação é familiar e amplamente aceita. No entanto, capacitações são tipicamente atribuídas a problemas
a hierarquia de estratégia mina a competitividade ao de “comunicação”, com a suposição não declarada de
promover uma visão elitista da gestão, que tende a que, se ao menos a comunicação descendente fosse
cassar os direitos da maior parte da organização. Os mais efetiva – “se ao menos a gestão de nível médio
funcionários não conseguem se identificar com os ob- recebesse a mensagem direta” –, o novo programa se
jetivos da empresa ou se envolver mais profundamen- enraizaria rapidamente. A necessidade da comunica-
te de forma a se tornarem mais competitivos. A hierar- ção ascendente muitas vezes é ignorada ou presume-
quia de estratégia não é a única explicação para uma -se que ela signifique não mais do que um feedback.
visão elitista da gestão, é claro. Os mitos que crescem No entanto, as empresas japonesas vencem não porque
em torno dos altos executivos bem-sucedidos – “Lee têm gestores mais inteligentes, mas porque desenvol-
Iacocca salvou a Chrysler”, “De Benedetti resgatou veram maneiras de tirar proveito da “sabedoria do for-
a Olivetti”, “John Sculley recuperou a Apple” – per- migueiro”. Eles percebem que os altos executivos são
petuam isso. O mesmo acontece com o ambiente de um pouco como os astronautas que orbitam em torno
negócios turbulento. Os gestores de nível médio fusti- da Terra no veículo espacial. Pode ser que os astro-
gados pelas circunstâncias que parecem estar além do nautas recebam todas as glórias, mas todos sabem que
seu controle desejam acreditar desesperadamente que a inteligência real por trás da missão está localizada
a alta gestão tem todas as respostas, e esta, por sua firmemente no chão.
vez, hesita em admitir que não as tem por medo de se Também é difícil produzir estratégias verdadeira-
desmoralizar perante os funcionários de nível inferior. mente criativas onde a formulação da estratégia é uma
O resultado de tudo isso é um código de silêncio atividade elitista. Em primeiro lugar, não há cabeças e
no qual a extensão total do problema de competitivi- pontos de vista suficientes nos departamentos de plane-
dade de uma empresa não é amplamente compartilha- jamento divisionais ou corporativos para desafiar a sa-
da. Entrevistamos gestores de unidades de negócio em bedoria convencional. Em segundo lugar, as estratégias
uma empresa, por exemplo, que estavam extremamente criativas raramente surgem do ritual de planejamento
ansiosos porque a alta gestão não estava falando aber- anual. O ponto de partida para a estratégia do próximo
tamente sobre os desafios competitivos que a empresa ano é quase sempre a estratégia deste ano. As melho-
enfrentava. Eles assumiram que a falta de comunica- rias são incrementais. A empresa adere aos segmentos e
ção indicava uma falta de sensibilização da parte da territórios que conhece, embora as oportunidades reais
alta gestão. Entretanto, ao responderem se eram abertos possam estar em outro lugar. O incentivo para a entrada
com seus próprios funcionários, esses mesmos gestores pioneira da Canon no negócio de copiadoras pessoais
veio de uma subsidiária de vendas no exterior e não dos
planejadores no Japão.
5
Por exemplo, ver P. Lorange and R. F. Vancil, Strategic Planning Sys- O objetivo da hierarquia de estratégia continua
tems (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1977). válido – garantir a coerência de cima para baixo na
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     303

organização. Mas essa consistência deriva com mais artigo 2 - 1 6


facilidade de uma intenção estratégica claramente arti-
culada do que dos planos inflexivelmente aplicados de Deixe o caos reinar para depois reinar
cima para baixo. Nos anos 1990, o desafio será emanci- sobre ele: gerenciando a dinâmica
par os funcionários para inventarem os meios de reali- estratégica para a longevidade
zar os fins ambiciosos. corporativa*
Raramente encontramos gestores cautelosos entre
as altas gestões das empresas que vieram de trás para Robert A. Burgelman e Andrew S. Groove
desafiar a liderança global das empresas estabelecidas. Stanford University
Entretanto, ao estudarmos as empresas que se rende-
ram, descobrimos invariavelmente os altos executi- Com base na combinação da pesquisa de campo lon-
vos que, independentemente do motivo, não tiveram gitudinal e experiência executiva, propomos que a
coragem de comprometer suas empresas com metas longevidade corporativa depende da correspondência
heroicas – metas além do alcance do planejamento entre os ciclos dos processos estratégicos autônomos e
e dos ativos existentes. As metas conservadoras que induzidos sob diferentes aspectos da dinâmica estraté-
eles estabeleceram não conseguiram gerar pressão e gica. Além disso, propomos que o papel de uma lide-
entusiasmos pela inovação competitiva ou dar à or- rança estratégica é equilibrar adequadamente proces-
ganização orientação útil. As metas financeiras e as sos autônomos e induzidos no decorrer desses ciclos.
vagas declarações de missão não conseguem oferecer Também propomos que essa liderança estratégica é o
a direção coerente que é pré-requisito para vencer uma meio pelo qual o estilo da liderança exerce sua influên­
guerra competitiva global. cia sobre a longevidade corporativa. Nossas consta-
Esse tipo de conservadorismo é geralmente atri- tações podem estar relacionadas com a pesquisa or-
buído ao mercado financeiro. Mas acreditamos que, ganizacional sobre inércia estrutural, aprendizagem e
na maioria dos casos, a orientação de curto prazo dos adaptação, bem como com as teorias formais dos siste-
mas adaptativos complexos. Elas também contribuem
investidores reflete simplesmente sua falta de confian-
para resolver a aparente contradição entre um estudo
ça na capacidade de os altos executivos conceberem
das corporações que atribui o sucesso excepcional no
e cumprirem metas de crescimento. O presidente de
longo prazo ao estilo da liderança e à proposição mais
uma empresa queixou-se amargamente de que, mesmo
comum de que a estratégia é o determinante do desem-
depois de ele ter melhorado o retorno sobre o capital
penho no longo prazo.
empregado para mais de 40% (impiedosamente pelo
desinvestimento nos negócios sem brilho e enxugando
outros), o mercado de ações manteve a empresa em uma INTRODUÇÃO
relação preço/lucro de 8:1. Naturalmente, a mensagem É de conhecimento geral que relativamente poucas
do mercado foi clara: “Não confiamos em você, que não empresas sobrevivem como entidades independen-
demonstrou capacidade para alcançar um crescimento tes por períodos muito longos. Por exemplo, das 100
rentável. Motive-se e gerencie os denominadores. As- maiores empresas industriais dos Estados Unidos lis-
sim, você poderá ser absorvido por uma empresa capaz tadas na revista Fortune em 1965, apenas 19 perma-
de usar seus recursos de uma maneira mais criativa”. neciam entre as 100 maiores em 2005, 15 saíram da
Muito pouca coisa no histórico da maioria das grandes lista, e 66 foram adquiridas ou dissolvidas.1 Uma ra-
empresas ocidentais justifica a confiança do mercado zão importante para essa pouca longevidade institu-
de ações. Os investidores não são irremediavelmente de cional é que, na maior parte do tempo, as empresas
curto prazo; eles são justificadamente céticos. operam em uma estrutura industrial estável e desen-
Acreditamos que a cautela da alta gestão reflete uma volvem um processo de formulação de estratégia cujo
falta de confiança em sua própria capacidade de envol- propósito é lidar com as dinâmicas estratégicas lineares,
ver a empresa inteira na revitalização – ao contrário de
simplesmente elevar as metas financeiras. Desenvolver
fé na capacidade da empresa para cumprir as metas di- *
Fonte: Burgelman, R. A. and Grove, A. S., “Let Chaos Reign, The Reign
fíceis, motivá-la a fazê-lo, focar sua atenção pelo tempo in Chaos – Repeatedly: Managing Strategic Dynamics for Corporate
suficiente para internalizar novas capacidades – esse é o Longevity”, Strategic Management Journal, 28: 965-979 (2007).
1
As 19 sobreviventes da lista das 100 maiores de 1965 são: General
verdadeiro desafio da alta gestão. Somente quando fo- Motors, Exxon Mobile, Ford Motors, General Electric, IBM, Chevron
rem capazes de enfrentar esse desafio, os altos gestores Texaco, Boeing, Procter & Gamble, Lockheed Martin, Conoco
Philips, United Technologies, Dow Chemical, Caterpillar, DuPont,
ganharão a coragem necessária para comprometerem- International Paper, Honeywell International, Alcoa, Coca-Cola
-se com a liderança global. e Weyerhauser.
304     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

que são relativamente fáceis de entender e prever (p. para os perigos potenciais da mudança associada com
ex., Porter, 1980), mas, em alguns momentos em sua atividades exploratórias porque, ao mesmo tempo que
evolução, elas se deparam com dinâmicas estratégi- a vantagem das decisões corretas é muito alta, a des-
cas não lineares que sobrecarregam sua capacidade de vantagem das decisões erradas pode “provocar grandes
formulação de estratégias. A não linearidade é descri- desastres [...]” (March, 2006: 205).
ta como “a propriedade pela qual a magnitude de um Contudo, embora a mudança organizacional possa
efeito ou saída não está linearmente relacionada com ser potencialmente perigosa para a longevidade cor-
a da causa ou entrada” (Oxford English Dictionary, porativa, igualmente perigoso é o que chamamos de
Supplement). Essas transformações não lineares das en- “enigma do arbusto de creosoto”, usando uma metáfora
tradas em saídas são governadas por ciclos de feedback cunhada por Craig Barrett, ex-CEO da Intel Corporation.
positivo nas interações dos componentes de sistemas O arbusto de creosoto é uma planta desértica que en-
sociais complexos (Arthur, 1989) e seus resultados são venena o solo em torno de si, impedindo que outras
difíceis de compreender e prever. plantas cresçam nas vizinhanças. O enigma do arbusto
A dinâmica estratégica não linear ocorre à me- de creosoto refere-se à inércia estratégica que um bem-
dida que os participantes da indústria – às vezes as -sucedido negócio central de uma empresa experimenta
empresas estabelecidas, mas provavelmente com mais à medida em que fica bloqueado em seu ambiente de
frequência as novas entrantes – mudam as “regras do produto-mercado. Isso dificulta a exploração e o apro-
jogo”: regras padronizadas com base em leis, costu- veitamento das novas oportunidades de negócio que
mes e princípios administrativos; regras tecnológicas não sejam diretamente relacionadas a ele (Burgelman,
com base nas soluções técnicas disponíveis; regras 2002a). Na medida em que a longevidade corporativa
econômicas que refletem as relações de poder de bar- depende da capacidade de uma empresa para entrar e
ganha existentes entre os participantes da indústria sair de um negócio diante da mudança na dinâmica es-
(muitas vezes capturadas em contratos); e regras cog- tratégica (Burgelman, 1994), isso também se torna um
nitivas que são julgamentos amplamente compartilha- sério enigma da liderança estratégica.
dos sobre os fatores fundamentais para o sucesso (um As dinâmicas não lineares são discutidas sistemati-
tipo de “receita da indústria” [p. ex., Spender, 1989]). camente nas teorias matemáticas dos sistemas adaptati-
Independentemente de serem implícitas ou explícitas, vos complexos, nas ciências físicas e biológicas (p. ex.,
as regras do jogo não são, em geral, contestadas por Prigogine, 1980; Kauffman, 1993; Gould, 2002) e tam-
longos períodos (Grove, 2003), engendrando, assim, bém cada vez mais nas ciências sociais (p. ex., Axelrod
uma forte tendência para a inércia estratégica entre as e Cohen, 2000) e na história (p. ex., Gaddis, 2002). Os
empresas estabelecidas da indústria. estudiosos da gestão também tentaram introduzir algu-
Os pesquisadores da ecologia organizacional apre­ mas dessas ideias teóricas na ciência administrativa (p.
sentaram evidências empíricas (p. ex., Hannan e ex., Burgelman, 1983; Thietart e Forgues, 1995; Brown
Freeman, 1989) e suporte teórico dedutivo (Hannan, e Eisenhardt, 1997; Levinthal, 1997; McKelvey, 1997;
Polos e Carroll, 2004) do valor da inércia para a sobrevi- Anderson, 1999; Tsoukas e Chia, 2002; Meyer, Gaba e
vência organizacional. Eles apontam para os líderes que Colwell, 2005). Gould (2002:927), entretanto, faz uma
pretendem melhorar o desempenho organizacional por advertência sobre a discussão de alguns dos trabalhos
meio, por exemplo, do que eles chamam de “mudança originais dos teóricos: “qualquer teórico puro afirma
arquitetural” (p. ex., forma de autoridade, padrão das que o sucesso na modelagem implica logicamente em
relações de controle e assim por diante): “Certamente reificação”.
algumas mudanças arquiteturais melhoram o desempe- Neste artigo, demos ouvidos à advertência de
nho e assim diminuem os riscos da mortalidade. Outras Goud. Fundamentados em uma combinação de pes-
mudanças, entretanto, têm efeito contrário. Devemos quisa de campo longitudinal e experiência executiva
assumir o caso benéfico como padrão? Consideramos na Intel Corporation, construímos uma estrutura con-
que não” (Hannan et al., 2004: 229). As tentativas de ceitual das situações da dinâmica estratégica e exami-
mudanças são perigosas porque as contingências espe- namos as várias dinâmicas não lineares que a empresa
cíficas da organização das quais o sucesso depende são tem enfrentado. Como os desafios apresentados pela
muito difíceis de avaliar a priori; muitas mudanças são dinâmica estratégica não linear inevitavelmente preci-
imitativas, refletindo simplesmente modas e modismos; sam ser abordados por um processo de formulação de
e as mudanças levam frequentemente a consequências estratégia da empresa, examinamos o papel dos pro-
imprevistas e não intencionais (Hannan et al., 2004: cessos estratégicos induzido e autônomo (Burgelman,
229-230). De modo similar, os principais pesquisadores 1991) e a alocação de recursos da Intel ao longo de
da aprendizagem e adaptação organizacionais alertam sua evolução.
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     305

Chegamos às mesmas questões fundamentais tal não lineares estavam ocorrendo longe do equilíbrio, e
como apresentadas pelas teorias formais dos sistemas as mudanças descontínuas estavam em voga.
adaptativos complexos. Qual é o equilíbrio entre apro- A pesquisa de campo longitudinal envolveu en-
veitamento e exploração que maximizará as chances trevistas formais e informais com muitas centenas de
de sobrevivência de uma empresa diante de diferen- gestores da Intel desde 1988, a observação de reuniões
tes situações dinâmicas não lineares? (March, 1991; de planejamento estratégico e o estudo de documen-
Axelrod e Cohen, 2000). Como o processo de formu- tos da empresa (Burgelman, 1991, 1994, 1996, 2002a,
lação de estratégias de uma empresa pode ser conce- 2002b). Ampliamos os resultados relevantes da pes-
bido para manter de maneira eficiente esse equilíbrio, quisa com os conhecimentos sobre gestão da dinâmica
de modo a maximizar a “adequação”, ou seja, a adap- estratégica da Intel adquiridos ao longo de mais de
tação ao ambiente atual, e a “capacidade de evolução”, 35 anos de experiência nas posições de alto execu-
isto é, a capacidade de adaptar-se a um ambiente em tivo e de administração (Grove, 1996). Com a ajuda
transformação e/ou buscar novos ambientes viáveis? da equipe financeira da empresa, também tentamos re-
(Kauffman, 1993; Gould, 2002). O nosso objetivo é construir a alocação de recursos de desenvolvimento
demonstrar que as situações de dinâmica estratégica relacionada aos processos induzido e autônomo no de-
não linear dos processos estratégicos induzido e au- correr de toda a evolução da empresa. Embora apenas
tônomo e que os ciclos equilibrados desses processos a quantidade de dólares alocados não reflita plenamen-
estão no coração da longevidade corporativa. te a distribuição de recursos, ela fornece uma primeira
Essas questões importantes, por sua vez, suscitam aproximação dos esforços da empresa para lidar com
outra questão fundamental a respeito do papel da lide- a dinâmica estratégica.
rança estratégica: “Como a concepção de um processo Limitações As advertências usuais associadas com
de formulação de estratégias capaz de manter simulta- cada pesquisa de estudo de caso se aplicam. Nos-
neamente a adequação e a capacidade de evolução pode sa combinação de pesquisa acadêmica e experiência
ser conciliada com a observação de que a estratégia não executiva proporcionou uma lente por meio da qual
exerce um papel decisivo na evolução das empresas, várias situações de dinâmica estratégica na evolução
sobretudo quando se sabe que o fundamental nesse pro- da Intel puderam ser estudadas de forma abrangente
cesso é um determinado estilo de liderança?” (Collins, e com profundidade incomum, mas ela contém ine-
2001). O estudo de caso único da Intel Corporation, vitavelmente um elemento subjetivo. Além disso, a
descrito em mais detalhes a seguir, nos permite exami- indústria de computadores pessoais é um tanto espe-
nar o papel da formulação de estratégias em grande pro- cial por causa da importância dos retornos crescentes
fundidade, e, como resultado, propomos que a liderança decorrentes da adoção (Arthur, 1987), os quais criam
estratégica – como a alta gestão elabora os processos de condições que levam a resultados do tipo “o vencedor
formulação de estratégias – é o meio pelo qual o estilo leva tudo”. A Intel beneficiou-se dessas condições du-
de liderança exerce sua influência sobre a longevidade rante parte de sua história. Essas limitações exigem
corporativa. cautela em relação ao ponto em que a nossa análise
pode ser generalizada.
Método de pesquisa
Combinar a pesquisa de campo longitudinal com
ESTRUTURA CONCEITUAL
a experiência executiva Recorremos à pesquisa de
campo da evolução da Intel Corporation, entre 1968 e Situações da dinâmica estratégica
2005, para destacar algumas situações da dinâmica es- Examinamos as várias maneiras utilizadas pelas ações
tratégica que a empresa enfrentou e o papel do seu pro- estratégicas de uma empresa-foco para estabelecer
cesso de formulação de estratégias para lidar com essas interação com o ambiente. Chamemos essa empresa-
situações. Nosso projeto de pesquisa para este artigo é, -foco de Pi e o ambiente de E, que inclui os outros
portanto, comparativo com relação ao tempo: compara- participantes, Pj, que constituem as forças da indús-
mos a abordagem de formulação de estratégias da Intel tria tradicional (clientes, fornecedores, concorrentes,
nas sucessivas situações de dinâmica estratégica duran- complementadores, novos entrantes em potencial e
te a sua evolução. Nosso projeto de pesquisa também é substitutos), bem como as forças exógenas, como a
coerente com as recomendações dos estudiosos que se evolução tecnológica, a regulamentação e desregula-
dedicam à mudança não linear (Meyer, Gaba e Colwell, mentação governamentais e as grandes flutuações nos
2005): situamos a evolução da Intel no contexto das in- mercados de capitais. Embora as fronteiras E sejam
dústrias altamente dinâmicas das quais ela participa e relativamente bem definidas em qualquer determinado
nos concentramos nos períodos em que essas mudanças momento, outras indústrias ou segmentos ambientais
306     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

recém-surgidos, em um mundo dinâmico, têm poten- regras, por sua vez, são multiplicativas e produzem
cial para afetar E em algum momento. Chamemos es- dinâmicas estratégicas não lineares e mais difíceis de
sas outras indústrias ou segmentos emergentes de e, e prever. Por exemplo, quando um concorrente inova-
consideremos (E, e) o ambiente relevante para a nossa dor começa a aplicar conceitos de produção enxuta na
discussão mais completa sobre a dinâmica estratégi- sua linha de montagem para alcançar custos menores
ca. Tanto Pi quanto os outros participantes em (E, e) e oferecer preços mais baixos, os outros concorren-
envolvem-se na maior parte do tempo em ações estra- tes podem continuar respondendo por meio da oferta
tégicas obedientes às regras: ações que sejam coeren- de descontos, mas isso pode diminuir suas reservas
tes com as regras normativas, tecnológicas, econômi- de caixa e tornar mais difícil alcançar o concorren-
cas e cognitivas prevalentes que determinam como Pi te inovador. Os demais concorrentes podem também
e os outros participantes em (E, e) concorrem e que oferecer descontos ainda maiores na próxima rodada
os guiem para uma estrutura industrial relativamen- de concorrência e ficarem ainda mais para trás nes-
te estável. Por outro lado, eles podem procurar trans- ta disputa; nessa situação, é mais difícil prever qual
formar a base da concorrência na indústria de modo será o novo equilíbrio.
decisivo e que venha a beneficiá-los por intermédio Determinar a priori se uma ação estratégica por par-
de ações estratégicas que mudem as regras. Note que te de Pi (ou de um dos outros concorrentes em (E, e)) é
(E, e) nunca são idênticos por meio de um conjunto de mudança de regra – como negociar um novo tipo de
de Pi que compõe uma indústria, e, como os diferen- arranjo contratual com clientes ou fornecedores, intro-
tes Pi possuem diferentes características posicionais e duzir uma inovação tecnológica, pressionar com êxito o
de competência, é importante identificar qual Pi tenta governo e assim por diante – quase nunca será possível.
mudar as regras. A capacidade de Pi para o “reconhecimento da estraté-
De acordo com a teoria dos jogos, mudanças re- gia” (Burgelman, 1983) das implicações de mudança de
lativamente pequenas nas regras podem produzir
regra de uma ação estratégica após ela ter sido realizada,
imensas mudanças nos resultados (Brandenburger e
mas antes de os outros a enxergarem, parece crítica.
Nalebuff, 1996). Por sua vez, alguns comportamen-
Esse reconhecimento da estratégia requer um estado
tos que mudam as regras, como a mudança da ação
mental de vigilância constante – metaforicamente cha-
estratégica de Carnot (simultânea) para a de Stackelberg
mado de “paranoia” (Grove, 1996) –, amplamente dis-
(líder-seguidor), podem levar a equilíbrios bastante
tribuído entre a liderança do Pi, que pode ser medida,
estáveis (p. ex., Saloner, 1991: 126). Segundo os teó­
por exemplo, pelo tempo de reação à mudança do Pi
ricos da organização, há sempre a possibilidade de
em (E, e). A Figura 1 exibe a nossa estrutura conceitual
consequências imprevistas e imprevisíveis (p. ex.,
da dinâmica estratégica produzido pela interação das
Hannan, Polos e Carroll, 2004). A teoria da comple-
xidade sugere que as pequenas mudanças no padrão ações de P e (E, e).
de interação de uma grande quantidade de agentes Na maior parte do tempo, as ações estratégicas
obedientes às regras podem ter grandes efeitos (p. do Pi são obedientes às regras porque Pi não pos-
ex., Gleick, 1987). À luz dessas observações, adota- sui os recursos necessários para tentar mudá-las ou
mos o seguinte critério para distinguir as ações estra- porque Pi antecipa que os outros concorrentes po-
tégicas que mudam as regras daquelas que obedecem dem responder na mesma moeda. Pelas mesmas ra-
às regras: as ações que mudam as regras adotadas zões, os outros concorrentes em (E, e) também ado-
por um dos participantes modificam materialmente tam ações estratégicas obedientes às regras. Nosso
o contexto competitivo para os outros participantes exemplo de equiparação de descontos com outros
e, com isso, os resultados esperados de suas ações descontos ilustra essa situação (ver acima). A inte-
estratégicas (Axelrod e Cohen, 2000: 8; Gladdis, ração das ações estratégicas obedientes às regras da
2002: 97; Grove, 2003). Encaramos as ações estra- parte de Pi e (E, e) preserva uma estrutura estável
tégicas obedientes às regras como aditivas e gerado- da indústria, embora os participantes da indústria
ras de mudanças lineares e bastante previsíveis. Por concorram vigorosamente. O contexto competitivo
exemplo, suponha que a concorrência por meio da com o qual se defrontam os vários participantes não
oferta de descontos tenha feito parte da tradição da é alterado materialmente, e a distribuição dos lucros
indústria. Geralmente, a vantagem de um desconto potenciais da indústria (LPI) (Saloner, Shepard e
dado por um concorrente é cancelada quando outro Podolny, 2001) é bastante previsível, com mudanças
concorrente oferece um desconto similar ou maior, e relativamente pequenas ao longo do tempo, e rever-
o efeito desses movimentos competitivos é bastante síveis. Alguns estudiosos chamaram isso de dinâmi-
previsível. As ações estratégicas capazes de mudar as ca competitiva da “Rainha Vermelha” já que evoca,
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     307

FIGURA 1 Uma estrutura conceitual da dinâmica nos fortuita. As forças na direção da comoditização
estratégica
podem mudar as regras (por exemplo, os clientes po-
Ações estratégicas de Pi dem esperar por um preço mais baixo e uma qualidade
maior), de modo que o processo de fabricação, e não a
Obedientes Que mudam
às regras as regras* inovação do produto torna-se a nova base da concor-
Obedientes às Estrutura industrial Mudança na indústria rência (p. ex., Utterback e Abernathy, 1975), ou uma
regras estável controlada por Pi “tecnologia disruptiva” (Christensen e Bower, 1996)
Ações estratégicas Mudança na indústria Mudança torna-se “boa o bastante” para mudar a base da con-
de (E, e) que independente de Pi descontrolada na corrência. Em outros casos, os retornos crescentes de-
mudam as regras indústria
correntes da adoção (p. ex., Arthur, 1989), tal como na
*As ações que mudam as regras têm potencial para mudar o contexto indústria de computadores pessoais, e a digitalização
competitivo para todos os participantes. Elas mudam (materialmente) o de conteúdo, como na indústria da música, podem pos-
valor competitivo das posições existentes de produto-mercado e/ou as
competências distintivas dos participantes. sibilitar a mudança de regras. Esses tipos de desenvol-
vimentos tecnológicos, como também alguns desen-
a imagem do personagem de Alice no País das Mara- volvimentos regulatórios (como a desregulamentação
vilhas correndo o máximo que pode sem sair do lugar da indústria de telecomunicações), podem gerar uma
(Barnett e Hansen, 1996). mudança industrial independente de P ou possibilitar
Algumas vezes, os participantes em (E, e) adotam a mudança industrial controlada por P.
ações estratégicas de mudança de regras que impac- Às vezes, Pi e outros participantes em (E, e) ado-
tam adversamente Pi. Tais ações estratégicas de mu- tam simultaneamente ações estratégicas de mudança
dança de regras produzem a mudança na indústria de regras. Essas ações estratégicas de mudanças de
independente de P, que reduz significativamente o regras compostas levam à mudança descontrolada
poder de Pi em relação a (E, e). A mudança industrial na indústria. A mudança descontrolada na indústria
independente de P é não linear e disruptiva (do pon- é não linear e pode ser caracterizada como caótica.
to de vista de Pi); as ações de mudança de regras da Em contraste à complexidade, “o caos lida com situa-
parte dos participantes em (E, e) e as ações inerciais ções como a turbulência […] que rapidamente se torna
obedientes às regras de Pi combinam-se multiplicati- desordenada e ingovernável [...]” (Axelrod e Cohen,
vamente para mudar de forma material e desfavorável 2000: xv). Consequentemente, as ações estratégicas
o contexto a partir da perspectiva de Pi. É provável de mudança de regras dos participantes em (E, e) com
que isso se reflita na perda relativa da participação a ação de mudança de regras de Pi interagem multipli-
de Pi no LPI. Nosso exemplo de um concorrente res- cativamente e mudam o contexto de maneiras difíceis
pondendo com descontos aos preços mais baixos de de prever. Embora uma indústria descontrolada seja
outro concorrente com base em uma nova estratégica a situação menos estável e que vá acabar revertendo
de manufatura ilustra essa situação (ver acima). Nesse para uma das outras situações, é difícil prever qual de-
caso, Pi é obediente às regras em face da mudanças de las. Entretanto, não está claro se as ações estratégicas
regras por parte dos demais em (E, e). Inversamente, de mudança de regras de Pi no final das contas lhe
às vezes Pi é capaz de adotar ações estratégicas de mu- trarão vantagem. As forças tecnológicas ou regulató-
dança de regras, enquanto os outros participantes em rias que conduzem a convergência ou a colisão dos
(E, e) continuam a adotar a ação estratégica obediente diferentes segmentos da indústria (como computação
às regras. As ações estratégicas de mudança de regras via internet ou computação pessoal) ou de indústrias
bem-sucedidas de Pi produzem a mudança industrial inteiras (como computação, comunicações e produtos
controlada por P, que aumenta significativamente o eletrônicos de consumo) criam condições para a mu-
poder de Pi em relação a (E, e). A mudança controlada dança descontrolada da indústria.
por P é não linear e complexa; as ações de mudança de
regras de Pi levam os outros participantes em (E, e) a Ecologia interna de formulação de estratégias
responder defensivamente, o que multiplica seu efeito A coevolução das interações entre Pi e (E, e) consti-
e muda materialmente o contexto em benefício de Pi. tui um sistema ecológico (p. ex., Hannan e Freeman,
Provavelmente isso se reflete no aumento relativo da 1989). Propomos que o destino de Pi nesse sistema
participação de Pi no LPI. dinâmico depende, ao menos em parte, da sua própria
As ações estratégicas de mudança de regra podem ecologia interna de formulação de estratégias (Burgelman,
ser planejadas, mas provavelmente quase nunca o são 1991). Consequentemente, encaramos Pi como um sis-
e dependem do reconhecimento estratégico de uma tema ecológico dentro do qual emergem as iniciativas
oportunidade que surja de uma maneira mais ou me- estratégicas de maneiras padronizadas, que competem
308     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

pelos recursos limitados de Pi por meio de dois proces- por meio do processo induzido, ao mesmo tempo que
sos distintos. Pelo processo de estratégia induzido, Pi mantém a capacidade de Pi para buscar novas oportuni-
aproveita as oportunidades no seu ambiente familiar. dades por meio do processo autônomo.
Para fazê-lo, a alta gestão de Pi define a estratégia cor-
porativa e induz mais profundamente, na organização, FORMAS DE COMPATIBILIZAR A FORMULAÇÃO
as ações estratégicas pelos executivos mais alinhados DE ESTRATÉGIAS E A DINÂMICA ESTRATÉGICA:
com elas. O processo de estratégia induzido limita as OBSERVAÇÕES COM BASE NA EVOLUÇÃO DA
ações que se desviam da estratégia corporativa por INTEL
pelo menos duas razões. Primeiro, Pi sobreviveu à
seleção ambiental satisfazendo seus clientes e outros Mudança na indústria independente de P: a saída
grupos de maneira confiável e quer continuar a res- da Intel do negócio de DRAM
peitar as regras. Essa propensão reativa constitui uma A entrada no negócio de memória dinâmica de acesso
fonte racional de inércia estratégica (Hannan e Free- aleatório (DRAM) de várias grandes empresas japone-
man, 1989). Segundo, Pi consegue mudar as regras e sas integradas verticalmente, que eram apoiadas pelo
alinha todas as forças à sua disposição para remodelar governo japonês em sua busca pelo domínio da indús-
o ambiente em seu favor, mas essa propensão reativa tria de DRAM, mudou fundamentalmente as regras:
resulta em um lock-in coevolucionário e transforma- na medida em que os produtos de DRAM tornaram-
-se em outra fonte de inércia estratégica (Burgelman, -se commodities, os clientes exigiram sistematicamente
2002a). alta qualidade e preços baixos. Por isso, construíram
Por meio do processo estratégico autônomo, Pi ex- competência em manufatura para vencer no mercado.
plora novas oportunidades que estão fora do escopo A competência da Intel, no entanto, estava no projeto
da estratégica corporativa existente, que se relacio- de circuitos e a tecnologia de processos. Ao longo de
nam com novos segmentos ambientais e que muitas várias gerações de produtos, o processo de estratégia in-
vezes se baseiam, pelo menos em parte, nas compe- duzido inercial da Intel levou a empresa a adotar ações
tências distintivas que são novas para a empresa. As estratégicas com base nas suas competências distintivas
iniciativas estratégicas autônomas normalmente, mas existentes, que minaram cada vez mais a sua capacida-
não necessariamente, originam-se nos níveis opera- de para concorrer na nova indústria da DRAM.
cional ou da gestão média. Quase sempre elas sur- O processo estratégico induzido da Intel ficou desar-
gem de maneira fortuita e um tanto inesperadamen- ticulado, com a estratégia declarada e a ação estratégi-
te, como resultado das capacitações dinâmicas de Pi ca no negócio de DRAM divergentes, à medida que os
(p. ex., Teece, Pisano e Shuen, 1997) que evoluem gestores de planejamento de nível médio utilizavam a
conjuntamente com (E, e). Para superar os efeitos (pouca) capacidade de fabricação para outros produtos
seletivos do contexto estrutural de uma empresa, que de margem mais elevada, incluindo os processadores, e
é criado para apoiar as iniciativas que estejam alinha- retiravam esses recursos da DRAM. Essas ações foram
das com a estratégia atual dela (Bower, 1970), os ini- coerentes com a estratégia genérica de diferenciação
ciadores dessas iniciativas autônomas tentam ativar e liderança de produto da Intel, que favoreceu os pro-
um processo – que denominamos determinação do dutos especiais em detrimento das commodities. Mas
contexto estratégico (Burgelman, 1983) – para con- isso exacerbou o declínio da capacidade da Intel para
vencer a alta gestão a alterar a estratégia corporativa concorrer no setor de DRAM. Como resultado dessas
de Pi, integrando-a, assim, ao processo induzido da- forças externas e internas, a participação da Intel no LPI
qui para a frente. O papel fundamental do processo da DRAM caiu rapidamente.
autônomo é ampliar as fronteiras das competências e A disponibilidade de novas oportunidades de ne-
oportunidades de Pi e/ou ajudar Pi a se preparar para gócio associadas com os microprocessadores facilitou
as tecnologias disruptivas. Por sua vez, os recursos a saída do negócio de DRAM e realçou a importância
poderão ser pulverizados se Pi apoiar iniciativas au- do processo estratégico autônomo da Intel. O negócio
tônomas em excesso (e interromper muito poucas), de microprocessadores da Intel havia surgido no início
talvez à custa do seu negócio principal. De maneira dos anos 1970, fora do escopo da estratégia corporativa
ainda mais perigosa, as iniciativas autônomas podem oficial da empresa (focada nos produtos de memória de
minar a posição competitiva existente de Pi sem pro- semicondutores) e em relação a um conjunto de novos
porcionar uma nova posição segura. segmentos de mercado (calculadoras eletrônicas e ou-
Em geral, a efetividade da ecologia interna de for- tras aplicações incorporadas). O crescimento dos mi-
mulação de estratégias de Pi depende de manter a capa- croprocessadores como produtos especiais impulsionou
cidade de Pi para aproveitar as oportunidades existentes mais desenvolvimento das competências distintivas da
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     309

Intel, especialmente no projeto de circuitos, e, em mea­ “horizontalização” (Grove, 1993; Farrell, Monroe e
dos dos anos 1980, a empresa havia passado de uma Saloner, 1998) da indústria de computadores. Esses no-
competência distintiva com base em silício dos produ- vos padrões favoreceram a Intel graças à forte posição
tos de memória para uma competência distintiva na im- de produto-mercado que ela havia alcançado em con-
plementação de arquiteturas com base em produtos ló- sequência dos esforços da IBM para criar uma grande
gicos. Embora os microprocessadores permanecessem base instalada do seu PC no emergente segmento de
como produtos de nicho, a alta gestão não estava pron- mercado de computadores pessoais, cujos usuários exi-
ta para englobá-los como seu novo negócio principal, giam compatibilidade com as versões anterior e poste-
porque a soma desses nichos relativamente pequenos rior (eles queriam continuar usando seus aplicativos de
não era considerada equivalente ao grande negócio da software). Isso motivou os desenvolvedores indepen-
DRAM. Por isso, entre 1982 e 1985, o processo estraté- dentes de software a programar novos aplicativos que
gico induzido da Intel manteve-se em desalinho, já que fossem capazes de rodar nos microprocessadores Intel,
a alta gestão não sabia como proceder. O crescimento criando, assim, um ecossistema de rápido crescimento
rápido do negócio de PC da IBM, no entanto, facilitou em torno da arquitetura da empresa. O “ciclo vicioso”
a decisão da alta gestão de sair do negócio de DRAM e resultante – com base nos retornos crescentes decor-
ajudou a focar a empresa nos microprocessadores. Em rentes da adoção (Arthur, 1989) – favoreceu a Intel (e a
1985, a alta gestão adotou oficialmente os microproces- Microsoft), embora tenha sido causado pela IBM e não
sadores para o segmento de mercado do PC como novo pela Intel (e pela Microsoft), porque a Intel (e a Micro-
negócio principal da Intel. soft) possuía os componentes tecnológicos fundamen-
tais do PC e estava livre para negociar essas tecnologias
Mudança da indústria controlada por P:
para outros OEMs (a IBM não insistiu em acordos de li-
a estratégia de fonte única da Intel
cenciamento exclusivo). Consequentemente, a Intel não
Só depois que a Intel havia fornecido as duas primei- cedeu à pressão para continuar a fazer o licenciamento
ras gerações de microprocessadores para PCs (8088 cruzado da sua tecnologia.2
e 286) sob regime de licenciamento cruzado imposto De 1987 a 1997, a Intel manteve com êxito a mu-
pela IBM, a maior fabricante original de equipamento dança na indústria controlada por P. A campanha de
(OEM) da Intel, que a alta gestão percebeu que esta- marketing “Intel inside”, outra ação estratégica de mu-
va dando de graça seus projetos para a concorrência dança de regras que mudou a relação com seus clientes
(acordos de fonte secundária têm sido geralmente uma de OEM e solidificou sua posição de liderança, foi pro-
prática herdada da indústria). A Intel financiou o de-
videncial nisso. Uma outra ação estratégica de mudan-
senvolvimento dos processadores da nova geração, e as
ça de regras também envolveu o desenvolvimento de
empresas que obtiveram as licenças esperavam ter esses
baixo para cima e a promoção do negócio de chipset*
projetos de graça porque os clientes de OEM exigiam
da Intel em torno de uma nova tecnologia que estava
que fosse dessa forma. Assim, os rivais da Intel con-
saindo dos laboratórios da empresa. Tradicionalmente,
seguiram tirar algum proveito dessa situação. Apesar
as empresas especializadas e os principais clientes de
do seu design inovador, a Intel teve dificuldades para
OEM desenvolveram a maioria dos chipsets para os
capturar uma fatia significante do LPI. Quando a em-
presa tentou mudar essa situação, pedindo uma com-
pensação das fontes secundárias, os rivais declinaram. *
N. de T.: Grupo de circuitos integrados (chips) que fazem a ligação en-
Eles estavam prontos para esperar até que os clientes do tre a unidade central de processamento (CPU) e as demais unidades do
fabricante original do equipamento (OEM) intimidas- computador pessoal (PC).
2
É interessante observar que a IBM pode ter perdido seu poder porque
sem a Intel a ceder os seus projetos. Consequentemente, inicialmente não reconheceu o enorme potencial de crescimento do seg-
a Intel insistiu em tornar-se a única fonte fornecedora mento de mercado do PC (e nem a Intel). Foi provavelmente por isso que
para os OEMs. Essa ação estratégica foi de mudança de a IBM não insistiu em um acordo de licenciamento de tecnologia exclu-
sivo com a Intel. A IBM, naturalmente, estava interessada em manter os
regras porque mudou fundamentalmente o equilíbrio de preços dos microprocessadores baixos e insistiu para que a Intel fizesse
poder entre a Intel, seus clientes de OEM e seus con- o licenciamento cruzado de sua tecnologia para outros fabricantes. Sem
a restrição de um acordo de licenciamento exclusivo com a IBM, a In-
correntes. Muito rapidamente, isso levou a uma grande tel podia vender seus microprocessadores para outros fabricantes de PC,
mudança de influência na direção da Intel em termos de como a Compaq. Portanto, se a IBM não quisesse trazer para o mercado
sua capacidade de definir padrões a nível industrial e de de PC a nova geração de microprocessadores da Intel, esses outros fa-
bricantes podiam; e, por causa da importância da compatibilidade com a
se apropriar de uma fatia cada vez maior do LPI. versão anterior atribuída pelos clientes (eles queriam continuar a usar os
Isso funcionou porque surgiram novos padrões de aplicativos de software que haviam comprado para a geração anterior),
isso criou o “ciclo vicioso” que deu à Intel o poder para adotar uma es-
comportamento no segmento de mercado do PC as- tratégia de fonte única a partir da geração de microprocessadores 386. À
sociados com os retornos crescentes para a adoção e IBM, restaram poucas opções, a não ser seguir em frente.
310     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

microprocessadores da Intel. Inicialmente, a alta ges- empresas que compravam chips 486. Assim, a equipe
tão queria introduzir a nova tecnologia na indústria por do i860 podia argumentar que estavam ampliando o
meio de um esforço consorciado. O gestor da então de- negócio da Intel em vez de canibalizando-o. Embora
cadente divisão de chipset da Intel, confrontado com a alta gestão não tenha sancionado oficialmente o seu
produtos altamente maduros, entretanto, envolveu-se desenvolvimento, a Intel lançou de fato o i860 como
com êxito em um esforço estratégico autônomo para um microprocessador RISC independente em fevereiro
transformar os chipsets em um grande negócio da em- de 1989. No momento, um alto executivo apontou que
presa. A obtenção do controle estratégico do negócio o processador RISC ainda era visto como relativamente
de chipset acabou sendo extremamente importante no menos importante do que o CISC na estratégia da Intel,
momento do crescimento da nova linha de produtos mas que a sua disponibilidade possibilitou que a empre-
Pentium da Intel. sa fosse uma forte concorrente no que poderia se tornar
um novo mercado importante.
Mudanças desordenadas na Indústria: a batalha Contudo, a ameaça da RISC assumiu uma forma
do RISC versus CISC dentro da Intel O proces- diferente da vislumbrada pelos seus defensores na In-
sador com conjunto reduzido de instruções (RISC) foi tel. Alguns observadores da indústria interpretaram o
desenvolvido nos laboratórios de pesquisa da IBM na lançamento do i860 como um sinal de que a Intel esta-
década de 1970, mas foi a MIPS Computer Systems, va endossando a RISC. Mas isso poderia confundir os
uma startup do Vale do Silício, que tentou comercia- clientes existentes de PC OEM da Intel que poderiam
lizar essa arquitetura alternativa de microprocessador temer que a empresa no futuro viesse a reduzir o suporte
em meados dos anos 1980 para as estações de trabalho. à arquitetura x86. Esse medo não era infundado. A equi-
Logo em seguida, diversas outras empresas, como Sun, pe da RISC dentro da Intel havia criado uma forte base
HP, IBM e DEC, começaram a trabalhar em suas pró- de seguidores. Facções de CISC e RISC distintas se
prias arquiteturas RISC. Durante o final dos anos 1980, formaram e concorriam pelos maiores talentos de enge-
o segmento de mercado das estações de trabalho tinha nharia da empresa. O esforço RISC desviou centenas de
se estabelecido nas máquinas com base em RISC e mui- pessoas apenas no lado do marketing. Em 1989, o de-
tos tecnologistas ficaram convencidos de que a vanta- senvolvimento do processador com base em RISC co-
gem de performance desse microprocessador acabaria meçou a absorver cerca de um terço do total de recursos
tornando obsoleto o microprocessador com conjunto alocados para o desenvolvimento de microprocessado-
complexo de instruções (CISC). O vice-presidente de res. As duas facções também estavam tentando angariar
marketing corporativo da Intel, por exemplo, confirmou aliados na indústria (a Microsoft incentivou o i860; a
que, no final dos anos 1980, a empresa, cuja arquitetura Compaq foi contra). A batalha entre CISC e RISC den-
de processadores baseava-se em CISC, era vista como tro da Intel virou uma “guerra civil”. Os proponentes
uma tecnologia atrasada e que isso prejudicou o cresci- da RISC prepararam uma trajetória de desenvolvimento
mento da empresa no mercado de estações de trabalho. mostrando a arquitetura Intel em transição para a RISC
No final dessa década, a estratégia corporativa ofi- após o 486 e queriam renomear o processador i860 para
cial da Intel era não entrar no negócio da arquitetura 486r a fim de facilitar a transição. Mas, em resposta a
RISC, mas concentrar o seu processo estratégico in- graves preocupações do VP de marketing da Intel e de
duzido em sua arquitetura x86 (CISC). A estratégia de outros altos executivos, a alta gestão decidiu que o i860
fonte única do processador 386 foi altamente bem-suce- não poderia mudar de nome. No final das contas, o i860
dida, e, com a chegada do microprocessador 486, a Intel não foi bem-sucedido porque a sua demanda definhou,
estava pronta para reforçar ainda mais a sua posição já que cada fornecedor de estações de trabalho decidiu
como líder da arquitetura no início da década de 1990. desenvolver o seu próprio processador RISC. Em 1993,
A alta gestão da Intel chamava a RISC de “a tecnologia a maior parte dos tecnologistas da equipe do i860 havia
dos pobres”. Embora operasse de maneira autônoma, saído da Intel. No entanto, a empresa conseguiu manter
um jovem engenheiro vinha tentando levar a Intel para muitos membros da equipe que aperfeiçoaram as habi-
o negócio do processador RISC desde que entrou na lidades no desenvolvimento de ecossistemas.
empresa, em 1982. Arriscou-se a vender o design do Numa visão retrospectiva, esse foi um período con-
processador i860 para a alta gestão como um coproces- fuso para a Intel. O i860 foi um produto renegado bem-
sador do 486 em vez de um processador independente. -sucedido que poderia ter destruído o círculo vicioso
No momento em que a alta gestão percebeu o que o seu usufruído pela arquitetura Intel. A Intel ajudava a RISC
“coprocessador” era, o jovem engenheiro e dois par- ao legitimá-lo. Uma lição fundamental foi que nem
ceiros de empreitada já haviam alinhado uma base de todas as pretensas “mudanças de paradigma” são de
clientes de estações de trabalho que era diferente das fato mudanças de paradigma. Outra lição fundamental
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     311

relacionava-se com o processo de formulação de es- Consequentemente, a Intel começou a ampliar sua vi-
tratégias da Intel. Positivamente, parecia um processo são de desempenho do microprocessador ao longo de
darwiniano: a alta gestão deixa as melhores ideias ven- dimensões diferentes, principalmente em relação ao
cerem, adapta tais ideias impiedosamente ao negócio, consumo de energia e de tecnologias de comunicação.
concede autonomia, e é o juiz que espera para ver quais A alta gestão referia-se a isso como “curva à direita” e,
são as vencedoras, rearticulando a estratégia e compa- na realidade, sinalizou uma grande mudança de rumo
tibilizando a evolução das habilidades com a evolução para a empresa e proporcionou a oportunidade de uma
das oportunidades. Negativamente, parecia que a Intel repetição da mudança da indústria controlada por P.
era reativa, sem foco e constância de propósitos. Pare- Nessa mudança de rumo, um elemento fundamen-
cia o caos – pronto para ser dominado. E assim foi. tal foi a aquisição de tecnologias de comunicação. Isso
Depois de concluírem que a RISC não constituiria surgiu por causa das ações do novo CEO da Intel, que
uma mudança de paradigma, a alta gestão determinou o sentiu a necessidade de turbinar o processo estratégico
aproveitamento da posição estratégica favorável da In- autônomo da empresa. Em 1998, a alta gestão concluiu
tel, aprumando todo mundo na mesma direção por meio que o negócio de microprocessadores por si só não seria
do processo estratégico induzido. De 1991 a 1997, o capaz de sustentar os objetivos de crescimento futuro
sucesso subsequente da Intel com sua estratégia alta- da empresa. De 1998 a 2001, a alta gestão estimulou e
mente focada criou então um “lock-in coevolucionário” apoiou iniciativas em muitas direções diferentes e gas-
(Burgelman, 2002a) com o segmento de mercado do tou muitos bilhões de dólares em aquisições. A maioria
PC. No entanto, a inércia estratégica associada obstruiu desses empreendimentos fracassou. No entanto, alguns
o processo estratégico autônomo da empresa. Como re- deles aumentaram significativamente as competências
sultado, quando o crescimento do segmento de mercado distintivas da Intel em tecnologia de comunicações, o
do PC começou a desacelerar em 1998, a empresa pas- que foi importante ante a rápida convergência das in-
sou por dificuldades para ampliar-se em novas direções, dústrias da computação e das comunicações sem fio.
visando à continuação do crescimento rentável. É importante observar que, apesar dos declínios
acentuados nas receitas e nos lucros da Intel durante
Nova mudança da indústria controlada por o declínio da tecnologia da informação no início dos
P: a “curva à direita” da Intel anos 2000, o conselho de administração decidiu per-
Conforme já descrito, de 1987 a 1997, a Intel cresceu mitir que a alta gestão mantivesse reservas de caixa
com bastante sucesso desenvolvendo novos micro- suficientes para cobrir um ano de P&D e uma geração
processadores ao longo da dimensão do desempenho, de investimentos de capital. Manter reservas financeiras
principalmente por meio do aumento das velocidades suficientes deu à empresa recursos adequados para bus-
de clock.* Esse sucesso veio ao encontro das expectati- car plenamente as oportunidades existentes no processo
vas do mercado quanto aos processadores comerciais, estratégico induzido por meio de pesados investimentos
um exemplo claro de mudança da indústria controlada permanentes de capital e tecnologia e um tempo para
por P. No entanto, no final da década, o mercado co- decidir que nova direção estratégica adotar.
meçava a depositar menos valor no alto desempenho No momento da “curva à direita”, o grupo de com-
(os clientes ainda gostavam das velocidades mais altas, putação móvel (GCM) da Intel começou a trabalhar de
mas estavam relutantes em pagar por elas). Além disso, forma autônoma no desenvolvimento de uma arquitetura
no início dos anos 2000, o concorrente tradicional da otimizada do processador Pentium para o PC móvel. No
Intel começou a alcançar a dimensão da velocidade. A final de 2002, o grupo lançou um projeto de codinome
Intel havia, de certa forma, completado o ciclo. Ela en- “Banias”, um novo microprocessador de PC móvel que
frentava uma segunda situação de estrutura industrial apresentava uma microarquitetura inteiramente nova. O
estável, dessa vez no negócio principal de micropro- projeto Banias foi concebido para fornecer aos fabrican-
cessadores. Tratava-se de uma situação favorável por tes de PC os elementos para a construção de equipamen-
causa de sua participação de mercado no segmento, tos móveis com maior durabilidade da bateria e conec-
mas a concorrência já havia se tornado perfeitamente tividade sem fio mais fácil de usar. Um PC com base
definida na produção de processadores mais rápidos na no Banias incluiria capacidade Wi-Fi por meio de um
corrida agora apertada com o concorrente tradicional. dispositivo de comunicação de codinome “Calexico”,
que continha os primeiros chips 802.11 feitos pela Intel.
É importante observar que as dimensões de desem-
*
N. de T.: Clockspeed ou velocidade de clock: frequência do relógio (no penho que o GCM buscou estavam em conflito com as
computador, a frequência com que é enviado um sinal do relógio que
coordenará a execução de instruções por meio de circuitos digitais sín- que conduziram o sucesso da Intel no passado, parti-
cronos, medida em mega-hertz). cularmente no segmento de mercado de desktop. Um
312     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

dos líderes do grupo disse: “Estar localizado em Israel gestão pode dar é equilibrar adequadamente os proces-
ajudou e atrapalhou o esforço para convencer a empresa sos estratégicos induzido e autônomo das diferentes si-
a buscar mobilidade. A equipe israelense tinha uma cul- tuações da dinâmica estratégica.
tura ‘renegada’, então estávamos, inicialmente, muito
propensos a aceitar a ideia da mobilidade. Entretanto, Acúmulo de recursos
o fato de estarmos em Israel, bem afastados da sede da Nossa pesquisa também tentou rastrear a alocação de
Intel, dificultou o nosso trabalho de convencer a empre- recursos de desenvolvimento da Intel para saber como
sa a seguir rumo à mobilidade. Foi um trabalho à custa a empresa geriu o equilíbrio dos processos estratégicos
de sangue, suor e lágrimas”. De acordo com esse líder, induzido e autônomo no decorrer da sua evolução. Foi
todo o esforço foi compensado: os altos executivos da difícil encontrar informações sobre as decisões cons-
Intel estavam preocupados com o microprocessador cientes e formais sobre a alocação de recursos de desen-
que começava a consumir energia demais, particular- volvimento para as iniciativas autônomas. Talvez isso
mente nos ambientes sensíveis ao consumo de energia não devesse ser uma surpresa, já que tais iniciativas,
como os PCs móveis, e o CEO achou bastante atraen- por definição, não são “planejadas”. Com base na ex-
te a ideia de um microprocessador de baixo consumo periência executiva do segundo autor e com a ajuda da
(Burgelman e Meza, 2003). equipe financeira sênior da Intel, fomos capazes de es-
No início de 2003, a Intel lançou publicamente o timar aproximadamente a porcentagem de alocação de
Banias pela primeira vez, combinando tecnologias com recursos de desenvolvimento para os processos estra-
uma marca de nome “Centrino”. A Intel decidiu apostar tégicos induzido e autônomo em momentos críticos da
no Centrino e, em seguida, gastou centenas de milhões evolução da Intel. A Figura 2 mostra essas estimativas.
de dólares no desenvolvimento da estrutura de hot spot* Podemos ver que, na maior parte do tempo, uma
necessária para que os usuários de computadores mó- proporção surpreendentemente grande dos recursos
veis aproveitassem a capacidade do Centrino em vários de desenvolvimento da empresa foi alocada para as
locais, desde aeroportos até as cafeterias Starbucks. Em atividades autônomas. Parece que as empresas geram
2003 e 2004, a empresa também investiu várias cente- naturalmente um “portfólio” de iniciativas autônomas.
nas de milhões de dólares no marketing do Centrino. O As iniciativas autônomas tendem a surgir à medida que
investimento valeu a pena. A Intel foi capaz de lançar os gestores de nível médio buscam oportunidades para
com êxito uma nova marca, e também os laptops e no- sustentar seu negócio diante das pressões de seleção
tebooks da empresa com a capacidade Centrino aumen- internas e externas, e encontram recursos que não são
taram o segmento de mercado mundial para esses tipos completamente absorvidos pelo processo estratégico
de computadores, obtiveram preços de venda médios induzido e os utilizam para a sua iniciativa. Por exem-
mais elevados e aumentaram a participação da Intel na plo, na situação de mudança da indústria dependente de
lista de materiais de produtos. Em 2005, o sucesso da P, os gestores de nível médio deslocaram capacidade
iniciativa do grupo de computação móvel ajudava a de produção de DRAMs para os microprocessadores
transformar a Intel numa empresa de “plataforma”. (embora a estratégia corporativa oficial ainda estivesse
focada nos produtos de memória); na situação de mu-
LIDERANÇA ESTRATÉGICA OU ESTILO DE dança da indústria controlada por P, o desenvolvimento
LIDERANÇA – O QUE APRENDEMOS? do negócio de chipset foi financiado inicialmente pelo
Nosso estudo longitudinal da evolução da Intel concen- gestor de uma divisão que estava em declínio com o cai-
trou-se nos períodos turbulentos da história da empre- xa gerado por seus produtos muito maduros; na situa­
sa, quando os equilíbrios existentes entre ela e seu am- ção potencial de mudança descontrolada da indústria, a
biente desvaneceram e as dinâmicas estratégicas eram equipe do RISC foi capaz de conseguir quase um terço
não lineares. Nossa estrutura conceitual da dinâmica dos recursos de desenvolvimento de microprocessador
estratégica (Figura 1) ajudou a identificar os desafios da empresa, embora a alta gestão não tivesse tomado
que as diferentes situações da dinâmica estratégica não uma decisão estratégica em nível corporativo para pros-
linear apresentam para a alta gestão. Conseguimos vin- seguir na arquitetura RISC. Em uma situação recente
cular esses desafios à nossa estrutura conceitual sobre de mudança da indústria controlada por P, o Centrino
processos induzido e autônomo, e nossas constatações desenvolveu-se em uma equipe de design em Israel que
sugerem que a contribuição mais importante que a alta enfrentava uma separação, e o design foi ajudado pelo
desenvolvimento autônomo, também em Israel, de um
chipset especializado.
N. de T.: Pontos ativos que viabilizam a conexão sem fio de dispositivos
* É instrutivo acompanhar esse desenvolvimento.
móveis. Aquilo que começou como uma iniciativa autônoma
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     313

Tabela 1 Porcentagem dos recursos de desenvolvimento alocados aos processos estratégicos induzido e autônomo em
momentos críticos da evolução da Intel*

19761 19841 19892 19912 1998-20013 20034 20054


Induzidos (I): 75 65 66 87 65 70 50
Autônomos (A): 25 35 34 13 35 30 50

* Conforme as estimativas do segundo autor, com base na sua experiência pessoal e em documentos da empresa.
1
I = relacionado à memória; A = relacionado ao microprocessador.
2
I = relacionado ao microprocessador x86; A = não relacionado ao microprocessador x86 (RISC).
3
I = relacionado ao negócio do microprocessador x86; A = relacionado aos negócios de rede e comunicações.
4
I = relacionado ao negócio do microprocessador puro; A = relacionado ao negócio de plataforma (incluindo o Centrino).

com o Centrino durante a gestão do CEO tornou-se uma FIGURA 2 Opções estratégicas da alta gestão relacionadas
com as oportunidades autônomas
força motriz do processo estratégico induzido – com
o nome de “plataformização” – sob a gestão do próximo Oportunidade autônoma
CEO no início de 2005. Como a iniciativa autônoma dos
Validada Ainda não validada
últimos anos tornou-se a força motriz do novo processo
Aposta
estratégico induzido, surgiu um novo ciclo de iniciativas Suficientes
segura
Esperar para apostar
Reservas
autônomas: por exemplo, um esforço para desenvolver de caixa Apostar a
produtos digitais para a área de saúde que, no final do ano, Insuficientes Aposta desesperada
empresa
representavam 2% dos gastos com desenvolvimento.
A Figura 2 sugere que as empresas poderiam estar a “determinação do contexto estratégico”, que, no entan-
envolvidas em muito mais iniciativas autônomas, o que to, está além do alcance da gestão de nível médio. A alta
pode surpreender muitos especialistas em gestão que, gestão deve avaliar como essas iniciativas se ajustam à
como aponta March (2006: 211), tendem a supor que o estratégia corporativa em andamento, remodelam-na ou
nível de “exploração” é normalmente menor do que se- até mesmo modificam-na radicalmente.
ria o ideal. Contudo, a maioria delas não contribui sig- Conforme uma iniciativa autônoma ganha impulso
nificativamente para a longevidade da empresa, e isso no processo de formulação da estratégia, um papel es-
tem várias implicações importantes. Provavelmente, é tratégico crucial da alta gestão é avaliar, primeiro, até
bem mais difícil para as iniciativas estratégicas serem que ponto a oportunidade autônoma foi validade (por
meio do processo de determinação do contexto estraté-
verdadeiramente induzidas pela estratégia corporativa
gico) e, segundo, até que ponto as reservas de caixa são
do que geralmente é compreendido, e isso apresenta de-
suficientes para proteger a empresa de um desastre no
safios distintos relacionados à alocação de recursos e ao
caso de a iniciativa autônoma ampliada fracassar. Isso
controle da alta gestão.
sugere quatro opções estratégicas possíveis: (1) “apos-
Ampliação e direcionamento dos recursos ta segura”: oportunidade validada e reservas de caixa
suficientes; (2) “apostar a empresa”: oportunidade vali-
A fim de tirar proveito do portfólio de iniciativas au- dada, mas com reservas insuficientes; (3) “esperar para
tônomas, a alta gestão deve adotar uma abordagem de apostar”: oportunidade ainda não validada e reservas de
experimentação e seleção com ideias novas que exijam caixa suficientes; e (4) “aposta desesperada”: oportuni-
inicialmente apenas apostas pequenas (p. ex., Burgelman, dade ainda não validada e reservas de caixa insuficien-
1983; March, 1991, 2006). Uma abordagem como essa tes. A Figura 3 mostra as quatro opções estratégicas.
implica que os gestores de nível médio devem ser ca- Embora a Intel tenha perdido quase US$ 200 mi-
pazes de envolver-se em iniciativas autônomas antes de lhões em 1986, quando a alta gestão decidiu (em 1985)
realmente terem obtido formalmente os recursos para desistir do negócio de DRAM e focar a empresa nos mi-
fazê-lo. No entanto, como as iniciativas autônomas co- croprocessadores para o segmento de mercado do PC,
meçam pequenas, elas precisam ampliar-se para que pos- isso já era uma “aposta segura”. Se esses aportes fossem
sam se tornar relevantes do ponto de vista da estratégia feitos anos antes, a alta gestão teria que “apostar a em-
corporativa. A ampliação depende da capacidade de os presa”. Como tinha reservas de caixa suficientes, mas
executivos de nível médio se basearem no sucesso inicial ainda não estava certa sobre a possível ameaça competi-
de uma iniciativa, combinando-a com outras iniciativas tiva da RISC, a Intel decidiu “esperar para apostar” por
autônomas de diferentes partes da empresa (muitas vezes um tempo, mas colocou restrições na iniciativa autôno-
lá existentes como designs “órfãos”) e/ou com aquisi- ma (por exemplo, sem renomear o i860) até a determi-
ções relativamente pequenas. Essas atividades requerem nação do contexto estratégico (a iniciativa autônoma da
314     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Compatibilização dos processos induzido e autônomo com as situações da dinâmica estratégica

Situações da dinâmica estratégica


Estrutura Mudança Mudança Mudança desordenada
industrial estável da indústria da indústria da indústria
(caso-base) independente de Pi controlada por Pi (incerteza)
Processo Serve para Serve para a CHAVE: Serve para CHAVE: Serve Serve para manter
estratégico aproveitar as retirada ordenada aproveitar as novas para alinhar a o alinhamento
induzido oportunidades do do negócio principal oportunidades organização por durante a decisão
negócio principal principais por meio trás da direção de “esperar para
do “direcionamento” estratégica da apostar”3
da organização “aposta segura”1
na nova direção ou de “apostar a
estratégica empresa”2
OU
Processo Serve para CHAVE: Serve para Serve para Serve para diminuir CHAVE: Serve
estratégico explorar as novas desenvolver novas continuar a explorar a incerteza para continuar
autônomo oportunidades oportunidades as possíveis novas das possíveis a experimentar
possíveis de coerentes com oportunidades novas direções as novas
crescimento a competência futuras de estratégicas antes oportunidades
distintiva antes da crescimento de apostar em uma enquanto espera
ameaça às atuais para apostar
1
Aposta segura = oportunidade validada e reservas de caixa suficientes.
2
Apostar a empresa = oportunidade validada e reservas de caixa insuficientes.
3
Esperar para apostar = oportunidade ainda não validada e reservas de caixa suficientes.

RISC morreu). A decisão da Intel de passar para uma por causa da inércia estratégica. Embora Pi possa adap-
estratégia de plataforma com base no sucesso com o tar-se à nova base da concorrência, é improvável que se
Centrino é outro exemplo de “aposta segura”. (Até ago- saia melhor do que um outro Pi. No fim das contas, é
ra, a Intel não se deparou com uma opção estratégica de melhor Pi ir atrás das novas oportunidades criadas pelo
“aposta desesperada”.) processo estratégico autônomo que continua a se ca-
pitalizar nas competências distintivas da empresa. Por
Formas de equilibrar estrategicamente os isso, a alta gestão deveria aumentar significativamente
processos induzido e autônomo a alocação dos recursos para o processo estratégico au-
Com base em nossa análise da evolução da Intel, propo- tônomo a fim de gerar uma taxa mais alta de iniciativas
mos que as diferentes situações da dinâmica estratégica novas no portfólio e aumentar gradualmente a alocação
invocam diferentes equilíbrios dos processos estratégi- de recursos para as iniciativas vencedoras antes de as
cos induzido e autônomo. No caso da mudança limitada oportunidades no processo induzido murcharem.
da indústria, Pi deve continuar a aproveitar as oportuni- Quanto à mudança da indústria controlada por P, o
dades associadas com a estratégia corporativa atual, que processo induzido é fundamental. Enquanto as oportu-
é realizada por meio do processo estratégico induzido. O nidades das potenciais ações estratégicas de mudança
crescimento rentável sustentado de Pi, no entanto, depen- de regras de Pi podem ser reconstituídas retroativa-
de de sua capacidade de continuar a desenvolver novas mente para as iniciativas que começaram no processo
oportunidades de negócio para substituir as decadentes estratégico autônomo, a mudança controlada por P re-
ao longo do tempo, o que exige um portfólio ativo de ini- quer que Pi alinhe as formas internas e externas em seu
ciativas autônomas e um grau proporcional de recursos favor e aumente maciçamente a alocação de recursos
acessíveis e não comprometidos, além de certa frouxi- para o processo estratégico induzido. Como resultado,
dão do controle gerencial. Portanto, a alta gestão deve entretanto, o êxito da mudança controlada por P pode
observar a evolução das oportunidades de crescimento e impedir que a alta gestão perceba oportunidades futuras
reequilibrar marginalmente a alocação de recursos para de negócio. Por isso, a alta gestão deve continuar a alo-
os processos induzido e autônomo. car uma quantidade mínima de recursos para manter o
No caso da mudança da indústria independente de processo autônomo viável e, pelo menos, um portfólio
P, o processo estratégico autônomo torna-se fundamen- limitado de iniciativas autônomas.
tal. Como outros participantes são capazes de adotar a A incerteza extrema da mudança descontrolada da
ação estratégica de mudança de regras, o processo indu- indústria cria um enigma na alocação de recursos por-
zido de Pi não responde imediatamente a esses desafios que Pi não consegue suportar ambos os processos em
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-16     315

curso simultaneamente. A alta gestão deve decidir entre no acaso (Denrell, 2004), essa não é a nossa preocupa-
dois cursos de ação diferentes em relação ao equilíbrio ção aqui.4 Embora o estudo de Collins seja completo
dos processos induzido e autônomo. Se Pi já tiver uma e tenha sido competentemente executado, ele não exa-
nova oportunidade validada para fazer uma “aposta se- minou o papel dos ciclos de equilíbrio dos processos
gura” ou “apostar a empresa”, o processo estratégico in- induzido e autônomo no sucesso duradouro das empre-
duzido será fundamental para impor uma nova direção sas estudadas e, assim, pode ter perdido uma relação de
estratégica. Se Pi ainda não tiver uma nova oportunida- reforço mais profunda e primordial entre a liderança e
de validada e decidir “esperar para apostar”, o processo o processo de formulação de estratégias.
estratégico autônomo será fundamental para descobrir O campo da gestão estratégica há muito tempo está
uma nova direção estratégica viável. A Figura 4 resume interessado em desenvolver uma teoria verdadeiramen-
a nossa proposta de equilíbrio adequado dos processos te dinâmica que explique como as posições competiti-
estratégicos induzido e autônomo para cada uma das vas superiores são atingidas longitudinalmente (Porter,
situações de dinâmica estratégica. 1991). Embora o estudo de Collins constate, de manei-
ra surpreendente, que a estratégia não exerce um papel
IMPLICAÇÕES E CONCLUSÃO: LIDERANÇA decisivo, entendemos que o paradoxo será resolvido se
ESTRATÉGICA COMO EXPRESSÃO DO ESTILO o que separa esses líderes for a capacidade de conce-
DE LIDERANÇA ber um processo de formulação de estratégias que seja
capaz de equilibrar de maneira efetiva os processos es-
Collins (2001) definiu as grandes empresas como as 11 tratégicos induzido e autônomo para satisfazer as vá-
que, por um período de 15 anos após uma grande tran- rias situações da dinâmica estratégica que suas empre-
sição, foram capazes de alcançar um retorno médio acu- sas inevitavelmente enfrentam à medida que evoluem.
mulado em ações de pelo menos três vezes o dos mer- Como o fenótipo é a expressão do genótipo na biologia,
cados de ações globais.3 Ele e sua equipe de pesquisa propomos que a liderança estratégica seja a expressão
descobriram que essa grandeza duradoura dependia do do estilo de liderança de nível 5 nas organizações, pos-
estilo de liderança “nível 5”: “uma mistura paradoxal de tulado por Collins.
humildade pessoal e disposição profissional”. Tais líde- A liderança estratégica atenta é conhecedora da im-
res “colocam as pessoas certas no ônibus antes de des- portância de ambos os processos na formulação da estra-
cobrirem o caminho para a grandeza”; estão dispostos tégia, tolera um nível suficiente de recursos não compro-
a “enfrentar os fatos brutais sem perder a fé”; buscam metidos e frouxidão no controle para continuar a manter
um negócio principal bastante simples no qual possam um portfólio de iniciativas autônomas, e consegue esco-
ser os melhores do mundo; sentem paixão e conseguem lher, no momento certo, aqueles que precisam ser con-
lucros exorbitantes em um denominador cuidadosamen- vertidos na disciplina do processo induzido a fim de lidar
te escolhido (o “conceito do ouriço”); desenvolvem uma com a dinâmica estratégica não linear. A nossa estrutura
cultura que combina disciplina com empreendedorismo; de diferentes situações da dinâmica estratégica pode aju-
e são os pioneiros no uso de tecnologias cuidadosamente dar a alta gestão a identificar melhor os desafios associa-
escolhidas para acelerar seu crescimento rentável. Em dos e compatibilizar a dinâmica da concepção interna da
vez do resultado das grandes transformações, o processo formulação de estratégias – caracterizada pelo equilíbrio
que gera a grandeza é descrito metaforicamente: “girar dos processos estratégicos induzido e autônomo – com a
implacavelmente um volante gigante pesado em uma di- dinâmica da ecologia externa na qual a empresa opera.
reção [...]” (Collins, 2001: 14). Nossa proposição fundamental é que a longevidade cor-
Embora os pesquisadores acadêmicos tenham iden- porativa depende da coincidência, em diferentes momen-
tificado um possível ponto fraco na metodologia de tos-chave na evolução de uma empresa, de uma liderança
Collins, como o fato de que “levar muito tempo em estratégica atenta, e dos ciclos permanentes e complexos
passeios aleatórios” pode produzir diferenças de per- dos processos induzido e autônomo que renovam a orga-
formance sustentada entre empresas com base apenas nização e a mantêm viável.
Nossa confiança nessa proposição fundamental é re-
forçada pelo fato de que ela faz um paralelo das ideias
3
A Intel não fez parte do conjunto de grandes empresas. Segundo Collins
(2001: 213), “A maioria das empresas de tecnologia foi eliminada da
consideração porque não eram antigas o bastante para exibir um padrão
de “bom a ótimo”. Exigimos pelo menos trinta anos de história para 4
Desde 2001, das 11 empresas “de boas a ótimas”, duas foram adquiridas
considerar uma empresa para o estudo (quinze anos de bons resultados (Gillette pela P&G e Welss Fargo pela Norwest); seis tiveram um baixo
seguidos por quinze anos de ótimos resultados) [...] a Intel, por exemplo, desempenho ou no máximo no mesmo nível da S&P 500 (Circuit City,
nunca teve um período de quinze anos apenas com bom desempenho, ela Fannie Mae, Kimberly Clark, Kroger, Philip Morris e Pitney Bowes); e
sempre foi ótima [...]”. três continuaram a superar a S&P (Abbott, Nucor e Walgreens).
316     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

das teorias formais dos sistemas adaptativos complexos. gens fundamentais do artigo. Agradecemos aos execu-
Prigogine (1980: 128), por exemplo, observa que a evo- tivos da Intel Corporation pela participação e à Stanford
lução continuada dos sistemas adaptativos complexos Business School pelo apoio à nossa pesquisa de campo.
depende de “mutações” e “inovações” que ocorrem es-
tocasticamente (em nossos termos: geradas por meio do REFERÊNCIAS
processo autônomo) e que passam a integrar o sistema
Anderson P. 1999. Complexity theory and organization science.
pelas “relações determinísticas que prevalecem no mo- Organization Science 10: 216-232.
mento” (em nossos termos: tornar-se parte do processo Arthur B. 1987. Competing technologies: An overview. In Technical Change
induzido). De modo similar, isso é análogo à ideia de and Economic Theory, Dosi G. (ed.). Columbia University Press: New
“adaptação à beira do caos” (Kaufman, 1993) que suge- York; 590-607.
re, na tradução sucinta de Gould (2002:1273-74), “que Arthur B. 1989. Competing technologies, increasing returns, and lock-in
um sistema deve ser adaptativo, entretanto um forte (e by historical events. Economic Journal 99: 16-131.
muito preciso) encaixe local pode congelá-lo em uma Axelrod R., Cohen, MD. 2000. Harnessing Complexity: Organizational
Implications of a Scientific Frontier. Routledge: London.
situação transitória, e com capacidade insuficiente para
mudar o futuro. O excesso de caos pode ser fatal pela Barnett WP, Hansen, MT. 1996. The red queen in organizational
evolution. Strategic Management Journal, Summer Special Issue 17:
flutuação excessiva e imprevisível, tanto nos ambientes 139-157.
externos quanto nos estados internos […]. A adaptação Bower JL. Managing the Resource Allocation Process, Harvard Business
à beira do caos equilibra os anseios pela funcionalidade School Press: Boston.
atual e pelo potencial para a mudanças futuras ou capa- Brandenburger A M, Nalebuff BJ. 1996. Co-opetition, Currency-Double
cidade de evoluir”. Day: New York.
Alcançar esse equilíbrio por concepção, em compa- Brown SL, and Eisenhardt KM. 1997. The art of continuous change:
ração com a evolução, é difícil e requer malabarismo Linking complexity theory and time-paced evolution in relentlessly
shifting organizations. Administrative Science Quarterly 42: 1-34.
com as tendências opostas. Alinhar as possíveis estraté-
gias divergentes e mantê-las alinhadas por meio do pro- Burgelman RA. 1983. Corporate entrepreneurship and strategic
management: Insights from a process study. Management Science 29:
cesso estratégico induzido é em si uma tarefa exigente. 1349-64.
Contudo, como vimos no caso da Intel, a empresa tam-
Burgelman RA. 1991. Intraorganizational ecology of strategy making
bém deve preparar-se para a próxima grande oportu- and organizational adaptation: Theory and field research. Organization
nidade, continuando a permitir que a gestão de nível Science 2: 239-262.
médio experimente e depois selecione novas iniciativas Burgelman RA. 1994. Fading memories: A process theory of strategic
estratégicas por meio do processo autônomo antes de business exit in dynamic environments. Administrative Science
Quarterly 39: 24-56.
convertê-las na disciplina do processo induzido. Em
momentos diferentes da evolução de uma empresa, o Burgelman RA. 1996. A process model of strategic business exit:
Implications for an evolutionary perspective on strategy. Strategic
equilíbrio apropriado entre processos estratégicos indu- Management Journal, Summer Special Issue 17: 193-214.
zido e autônomo pode ser considerado em termos das Burgelman RA. 2002a. Strategy as vector and the inertia of coevolutionary
combinações lineares dos dois processos, com pesos lock-in. Administrative Science Quarterly 47: 325-357.
variáveis em cada um deles ao longo do tempo, mas Burgelman RA. 2002b. Strategy is Destiny: How Strategy-Making
com um dos pesos sempre chegando a zero. Descobrir Shapes a Company’s Future. Free Press: New York.
os pesos certos para cada momento temporal é o desa- Burgelman RA, Meza PE. 2003. Intel beyond 2003: Looking for its third
fio supremo da alta gestão. O processo de mudança dos act. In Burgelman RA, Grove AS, with Meza PE. 2006. Strategic
Dynamics: Conceps and Cases. McGraw-Hill: New York; 248-283.
pesos pode ser caracterizado pela exortação quando,
durante os momentos de mudança não linear, a gestão Christensen CM, Bower JL. 1996. Customer power, strategic investment,
and the failure of leading firms. Strategic Management Journal 17:
deve deixar o caos reinar e depois dominá-lo – mas, 197-218.
como aprendemos, nunca completamente. Collins J. 2001. Good to Great. HarperBusiness: New York.
Denrell, J. 2004. Random walks and sustained competitive advantage.
AGRADECIMENTOS Management Science 50: 922-934.
Farrell J, Monroe, HK, Saloner, G. 1998. The vertical organization of
Agradecemos a Garth Saloner pelos comentários úteis industry: Systems competition versus component competition. Journal
sobre um rascunho anterior e a Philip E. Meza pelo au- of Economics and Management Strategy 7: 143-182.
xílio à pesquisa. A oportunidade de testar as ideias deste Gaddis JL. 2002. The Landscape of History: How Historians Map the
artigo em um seminário de estratégia na Insead ajudou Past. Oxford University Press: New York.
a refiná-lo. Os comentários construtivos e sugestões do Gleick J. 1987. Chaos: Making a New Science. Viking: New York.
redator-chefe Dan Schendel foram extremamente úteis Grove AS. 1993. How Intel makes spending pay off. Fortune, February
para nos ajudar a articular com mais clareza as mensa- 22: 57-61.
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     317

Grove AS. 1996. Only the Paranoid Survive. DoubleDay: New York. de debate entre os analistas e observadores externos,
Grove AS. 2003. Churning Things Up. Fortune, August 11, 2003: 114-118. e ainda pode levar outros três anos até que fique ine-
Gould SJ. 2002. The Structure of Evolutionary Theory. Harvard quivocamente claro se a fusão HP-Compaq será um
University Press: Cambridge, MA. sucesso ou um fracasso.1 Enquanto a questão está
Hannan MT, Freeman J. 1989. Organizational Ecology. Harvard em aberto, examinamos o que já pode ser aprendi-
University Press: Cambridge, MA. do com o difícil desafio de integrar operacional e
Hannan MT., Polos L, Carroll GR. 2004. The evolution of inertia. estrategicamente duas empresas de alta tecnologia
Industrial and Corporate Change 13: 213-242.
muito grandes e com culturas previamente estabele-
Kauffman SA 1993. The Origins of Order: Self-Organization and cidas no contexto de um ambiente competitivo alta-
Selection in Evolution. Oxford University Press: Oxford.
mente dinâmico2. Combinamos, em primeira mão, a
Levinthal DA. 1997. Adaptation on rugged landscapes. Management
Science 43: 934-950.
responsabilidade de liderar o esforço de integração
da fusão HP-Compaq com a profunda pesquisa de
March JG. 1991. Exploration and exploitation in organizational learning.
Organization Science 1: 71-87. campo sobre o processo de integração da aquisição.
March JG. 2006. Rationality, foolishness, and adaptive intelligence.
A pesquisa de campo envolveu entrevistas com mais
Strategic Management Journal 27: 201-206. de trinta altos executivos e o estudo de documentos
McKelvey W. 1997. Quasi-natural organization science. Organization internos (ver Apêndice A). Com a vantagem da visão
Science 8: 352-380. retrospectiva informada, oferecemos uma análise da
Meyer, AD, Gaba, V, Colwell, KA. 2005. Organizing far from dinâmica estratégica do processo de integração da
equilibrium: Nonlinear change in organizational fields. Organization aquisição HP-Compaq e dele tiramos lições que po-
Science 16: 456-473.
dem ser úteis para as altas gestões e conselhos de ad-
Porter, ME. 1980. Competitive Strategy: Techniques for Analyzing ministração das empresas que estejam considerando
Industries and Competitors. Free Press: New York.
grandes consolidações de aquisições.
Porter ME. 1991. Towards a dynamic theory of strategy. Strategic
Management Journal, Winter Special Issue 12: 95-117.
Prigogine I. 1980. From Being to Becoming: Time and Complexity in the
Physical Sciences. W. H. Freeman: New York.
Saloner G. 1991. Modeling, game theory and strategic management.
Strategic Management Journal, Winter Special Issue 12: 119-136.
Saloner G, Shepard A, Podolny J. 2001. Strategic Management. John 1
Entretanto, é interessante notar que Mark Hurd, novo CEO da HP desde
Wiley: New York. abril de 2005, até agora não mudou a lógica estratégica que conduziu a
Spender JC. 1989. Industry Recipes. Blackwell: Oxford. aquisição da Compaq. Em vez disso, ele anunciou e implementou planos
para cortar despesas e torná-la competitiva. Hurd também levou a HP de
Teece DJ, Pisano G, Shuen A. 1997. Dynamic capabilities and strategic volta para um modelo muito mais descentralizado, o que é mais coerente
management. Strategic Management Journal 18: 509-533. com a cultura original da HP. Parece que o novo CEO está reorientando
Thietart RA, Forgues B. 1995. Chaos theory and organization. a HP em seus pontos fortes como uma empresa de tecnologia e produtos,
com os serviços desempenhando mais um papel de apoio, o que é mais
Organization Science 6: 19-31.
coerente com a cultura original da empresa. Desde a chegada de Hurd,
Tsoukas H, Chia R. 2002. On organizational becoming: Rethinking o desempenho em lucros do PC e do hardware empresarial da HP conti-
organizational change. Organization Science 13: 567-582. nuou a melhorar e o preço da ação da HP aumentou até 33% no final de
outubro de 2005.
Utterback JM, Abernathy W. 1975. A dynamic model of process and 2
Existe uma vasta literatura sobre a gestão de aquisições. O clássico
product innovation. Omega 6: 639-656. artigo de Michael E. Porter “From Competitive Advantage to Corporate
Strategy” [Harvard Business Review, 65/3 (May/June 1987): 43-59]
oferece evidências da baixa probabilidade de sucesso da criação de
artigo 2 - 1 7 valor (crescimento rentável) por meio das aquisições. Todavia, ele
oferece várias orientações para aumentar as chances da criação de valor.
Desde o artigo de Porter, a HBR tem publicado artigos com análise e
conselhos adicionais: Jeffrey A. Krug, “Why Do They Keep Leaving?”,
Forma de gerir a dinâmica estratégica Harvard Business Review, 81/2 (February 2003): 14-15; Randy Croyle
da integração das aquisições: lições and Patrick Kager, “Giving Mergers a Head Start”, Harvard Business
Review, 80/10 (October 2002): 20-21; Joseph L Bower, “Not All M & As
da HP e Compaq* Are Alike – and that Matters”, Harvard Business Review, 79/3 (March
2001): 92-101; Robert J. Aiello and Michael D. Watkins, “The Fine Art
Robert A. Burgelman e Webb McKinney of Friendly Acquisition”, Harvard Business Review, 78/6 (November/
December 2000): 100-107; Ronald N. Ashkenas and Suzanne C. Francis,
“Integration Managers: Special Leaders for Special Times”, Harvard
No final de 2005, a efetividade competitiva da fusão Business Review, 78/6 (November/December 2000): 108-116; Dennis
da Hewlett-Packard com a Compaq ainda era objeto Carey. “Making Mergers Succeed”, Harvard Business Review,78/3
(May/June 2000): 145-174; Salkat Chaudhuri and Benham Tabrizi,
“Capturing the Real Value in High-Tech Acquisitions”, Harvard Business
Review,77/5 (September/October 1999):123-130; Ronald N. Ashkenas,
*
Os autores gostariam de agradecer a Philip E. Meza, pesquisador asso- Lawrence J. DeMonaco and Suzanne C. Francis, “Making the Deal Real:
ciado da Stanford University Graduate School of Business pelo apoio à How GE Capital Integrates Acquisitions”, Harvard Business Review, 6/1
elaboração deste artigo. (January/February 1998): 165-178.
318     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Dinâmica estratégica da integração por aquisição

Mudança do ambiente

Processo 1:
Formular a lógica da integração
e as metas de desempenho

Processo 2:
Criar o plano
de integração

2
5
Processo 3: Desempenho
Executar a integração no curto prazo
3 operacional

6 Processo 4:
Desempenho
Executar a integração
no longo prazo
estratégica

Tempo

DINÂMICA ESTRATÉGICA DA INTEGRAÇÃO das duas empresas, que se convencem de que a fusão
POR AQUISIÇÃO: UMA ESTRUTURA faz sentido estratégico. Primeiro, a alta gestão da em-
CONCEITUAL presa adquirente formula a nova estratégia corporativa,
Existem quatro processos críticos que capturam a di- a qual explica como a combinação das duas empresas
nâmica estratégica de um processo de integração por melhorará a posição de produto-mercado da nova em-
aquisição, em que se combinam duas empresas grandes presa, como reforçará suas competências distintivas e
com o propósito de formar uma nova e mais forte em- como usará as competências fortalecidas para defender
presa3. A Figura 1 oferece uma visão global em forma e alavancar sua posição estratégica melhorada. Segun-
de esquema dos quatro processos sequenciais, embora do, a alta gestão da empresa adquirente faz suposições
também em forma de coevolução. a respeito do estado futuro dos ambientes competitivo e
O primeiro processo – “Formular a lógica da inte- econômico, e as utiliza para formular as metas estraté-
gração e as metas de desempenho” – envolve os conse- gicas e financeiras de curto e longo prazos para a fusão
lhos de administração, as altas gestões e os consultores e para a criação de valor para o acionista.
O segundo processo – “Criar o plano de integração”
– envolve a escolha da nova equipe executiva e a estru-
tura básica da organização das empresas combinadas.
3
A aquisição da Compaq pela HP envolve o que Haspeslagh e Jemison Metas específicas são estabelecidas para cada uma das
chamam de “aquisição por absorção”, na qual a empresa adquirida torna-
-se plenamente integrada à adquirente. Ver P. C. Haspeslagh and D. B. principais partes interessadas: acionistas, clientes, fun-
Jemison, Managing Aquisitions: Creating Value Through Corporate Re- cionários e parceiros. É formada uma equipe de planeja-
newal (New York, NY: Free Press, 1991), pp. 189-208. Esses autores exa-
minam várias fases do processo de integração da aquisição: planejamento
mento da integração e cria-se o plano do processo de in-
da integração; gerir a combinação: adotar as práticas recomendadas; e tegração. São estabelecidas atividades de planejamento
aproveitar a complementaridade original. Sua fase de planejamento da referentes a um acordo prévio – tais como identificação
integração é similar ao nosso processo de planejamento da integração, e
suas outras três fases são englobadas, na maior parte, pelo nosso processo das metas de curto prazo para as sinergias, redução da
de integração operacional. Eles prestam menos atenção à dinâmica estra- força de trabalho, racionalização das compras, elimina-
tégica da integração da aquisição (os ciclos de feedback) e ao que chama-
mos de processo de integração estratégica, talvez porque as empresas que ção de produtos redundantes e métodos para a nova or-
eles estudaram atuassem em ambientes menos dinâmicos. ganização funcionar – como preparação para o processo
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     319

de execução da integração operacional. Com o objetivo 6 na Figura 1). Esse ciclo de feedback ajuda a testar e
de preparar o processo de execução da integração estra- revisar os pressupostos fundamentais da lógica de in-
tégica, adotam-se também atividades de planejamento tegração pertinentes à rapidez e até que ponto espera-
relacionadas com as iniciativas estratégicas plurianuais -se que os principais concorrentes sejam capazes de
necessárias para desenvolver uma nova cultura, lidar de melhorar sua posição estratégica e competências. Em
maneira efetiva com a dinâmica competitiva e cumprir outras palavras, o processo de execução da integração
as metas de longo prazo . Nesse ponto, a distinção entre estratégica deve ser capaz de identificar, efetivamente,
estratégia e execução é significativa: a ampla maioria onde os principais concorrentes estarão daqui a alguns
dos gestores e funcionários de ambas as empresas só anos, a partir do início do processo de integração estra-
precisa pensar em produzir os resultados atuais do ne- tégica. Não é efetivo localizá-los nesse início. A inte-
gócio, e a equipe de integração só precisa pensar sobre gração estratégica é a principal responsabilidade da alta
o planejamento e a criação do plano para executar os gestão e da equipe designada, que continuam a varrer
processos de integração operacional e estratégica. o ambiente competitivo de rápida evolução. A lideran-
O terceiro processo – “Executar a integração opera- ça estratégica efetiva da integração estratégica requer
cional” – começa no dia em que o acordo é selado, e a que sejam executadas vigorosamente as iniciativas es-
execução da integração é iniciada. Esse processo é muito tratégicas plurianuais que permitirão que se atinjam as
difícil para todos os envolvidos: quase sempre há uma metas de desempenho de longo prazo definidas para as
grande quantidade de demissões, os níveis de gestão res- empresas combinadas. Ao mesmo tempo, todos devem
tantes são selecionados e podem ser transformados, as continuar a executar as questões restantes da integração
pessoas descobrem se ainda têm um emprego e qual é a operacional e atingir resultados de negócios.
sua função, novas estruturas da organização são ativadas,
novas equipes de vendas telefonam para clientes preo- FORMULAR A LÓGICA DE INTEGRAÇÃO E AS
cupados e por aí vai. Esse processo, que dura geralmen- METAS DE DESEMPENHO
te entre 6 e 12 meses, envolve um trabalho demorado,
muitas vezes desestimulante e frustrante, em cima dos Derivando a lógica de integração
detalhes da integração na linha de frente. As metas mais Antes de decidirem sobre a fusão com a Compaq, a
urgentes são as de curto prazo: segurar os clientes e al- CEO Carly Fiorina e o conselho de administração da
cançar as metas de participação de mercado, atingir os HP consideraram quatro vetores potenciais de desen-
resultados financeiros trimestrais, eliminar redundâncias volvimento estratégico para a HP:
entre produtos, obter sinergias de aquisição, escolher as
• continuar ao longo da trajetória atual: nos mesmos negó-
pessoas certas e fazer a organização funcionar. Ao mes-
cios e melhorar o desempenho sem grandes aquisições
mo tempo, começam as tarefas de integração no longo
ou separações,
prazo – como as relacionadas com tecnologia da infor-
• desenvolver agressivamente capacitações em serviços,
mação, efetividade organizacional e cultura empresarial.
incluindo a terceirização e a consultoria de processos de
Executar a integração operacional testa a relevância
negócio por meio de aquisições,
da nova estratégia corporativa para os clientes-chave. • ter como foco principal tornar-se a principal empresa de
Além disso, mesmo que a lógica da integração continue impressão e imagem e
válida, poderá ser necessário ajustar os pressupostos • tornar-se líder em todas as grandes áreas de negócios atuais
iniciais nos quais se baseiam as metas de desempenho à e ser a maior fornecedora de TI com grandes aquisições.
luz das novas condições econômicas e da concorrência.
Essa aprendizagem, a princípio, depende do ciclo de À luz do vetor de “desenvolver capacitações em
feedback (ciclo 5 da Figura 1) para permitir a coevolu- serviços”, a análise identificou inicialmente o braço de
ção do processo de formulação da lógica de integração consultoria da Price Waterhouse Coopers como um alvo
e das metas de desempenho. de aquisição, mas uma combinação de forças internas
O quarto processo – “Executar a integração estraté- e externas abortou essa opção. A continuação da análi-
gica” – envolve a conclusão das tarefas de integração se estratégica culminou na decisão da HP de perseguir
operacional no longo prazo e as iniciativas estratégicas o vetor de “tornar-se líder”: uma estratégia com base
plurianuais necessárias para ficar à frente da dinâmi- em portfólio de consolidação de “escala e escopo” nas
ca competitiva vislumbrada. Embora essas iniciativas indústrias das quais participava (tecnologia da informa-
estratégicas sejam preparadas para durar por todo o ção na definição ampla, serviços de TI e impressão e
processo de planejamento da integração, elas podem imagem). Essas indústrias junto com outras, como a de
precisar de ajustes à luz do ciclo de feedback desen- produtos eletrônicos de consumo e telecomunicações,
cadeado pela execução da integração estratégica (ciclo estavam convergindo em consequência dos efeitos
320     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

da digitalização do conteúdo e das redes. Daí surgiu (Janela 3) nos segmentos de mercado no momento da
a lógica de integração que reuniu a HP e a Compaq. fusão proposta.
Fiorina disse que estava esperando a chamado da Com- A alta gestão também supôs que a perda global de
paq porque ela via o mercado da mesma maneira que a receita como resultado da fusão ficaria limitada a 5% no
HP, mas essas empresas não tinham o escopo e a escala primeiro ano (por causa de sobreposições de produtos e
para realizar sua visão. A Compaq também estava sob das transições). Os pressupostos de crescimento de mer-
mais pressão do que a HP e, portanto, mais propensa cado eram coerentes com as previsões gerais de mercado
a fazer o primeiro contato. Shane Robinson, um alto no momento e não foram encarados como extremamente
executivo da Compaq que comandava um processo de agressivos à luz do crescimento relacionado com a internet
estratégia corporativa para analisar todas as combina- no final dos anos 1990. Por fim, a alta gestão estimou que o
ções de possíveis parcerias, confirmou que havia muito valor para o acionista provavelmente seria criado se a nova
poucas empresas com a adequação estratégica, cultural, empresa pudesse realizar suas projeções. Na época em que
de produtos e clientes que a HP possuía.4 os acionistas da HP aprovaram a fusão, a relação P/E da
Uma análise comparativa dos pontos fortes, fracos, empresa estava em torno de 16.6 Embora os documentos
das oportunidades e das ameaças (SWOT – Strenghts, de procuração* não previssem a relação P/E pós-fusão,
Weaknesses, Opportunities and Threats) associados empregou-se um intervalo de 15-25 em algumas análises,
com a posição estratégica e as competências distintivas com um foco em 20 e 25. Em 2001, essas relações P/E
da HP e da Compaq no momento da fusão proposta5 pareciam razoáveis, dada a robustez do mercado de tecno-
indicou que essa fusão criaria vantagens competitivas logia que se estendeu por parte daquele ano e em razão do
possíveis a partir da integração, melhorando bastan- desempenho dos concorrentes, como a Dell e IBM.7
te sua posição de produto-mercado por meio dos ne-
gócios de computação. A HP era forte em servidores Vendendo a lógica de integração externa e
Unix de média e grande capacidades, um ponto fraco internamente
da Compaq; enquanto a Compaq era forte nos servi- Quando Carly Fiorina e Michael Capellas, CEO da
dores de padrão industrial (Intel) de baixo mercado, ao Compaq, anunciaram sua intenção de fundir as empre-
contrário da HP. A Compaq era claramente a número sas no início de setembro de 2001, a resposta inicial
dois no negócio de PC e mais forte comercialmente do foi majoritariamente negativa. Repetindo o comentário
que a HP, mas esta era mais forte em relação ao consu- imediato de um analista, Michael Dell disse que aque-
midor. Juntas, elas seriam a número um em participa- le foi “o negócio mais idiota da década e ainda faltam
ção de mercado em 2001. A fusão também ampliaria nove anos e meio”.8 Ainda mais importante, após con-
bastante a quantidade de profissionais de atendimento cordar originalmente em apoiar a fusão, Walter Hewllet,
das empresas. Como resultado, a HP teria a maior par- um membro do conselho de administração da HP, orga-
ticipação de mercado em todos os segmentos de merca- nizou uma oposição à fusão planejada, o que resultou
do de hardware e se transformaria na número três em numa prolongada luta por procuração.
participação de mercado em serviços. Uma empresa Hewlett e outros tinham várias razões importantes
muito maior poderia elevar as vantagens de “escala”: para se oporem à fusão. Eles consideravam o portfólio
ganharia poder de barganha com os fornecedores (que de negócios resultante pior do que aquele existente da
melhorariam as margens brutas e/ou permitiriam que a
HP estabelecesse preços de forma mais competitiva) e
proporcionaria a oportunidade de fazer outros investi- *
N. de R.T.: A disputa por procurações de votos é um dos métodos pri-
mentos fundamentais (reduzindo ao mesmo tempo os mários de se conduzir uma aquisição. Nestes casos, o comprador não
percentuais de despesas). Com o portfólio mais forte, a tenta comprar ações. Tenta convencer os acionistas a destituir, por meio
de votação, a gerência ou diretoria atual em favor de uma equipe que
HP também ganharia vantagens de “escopo” e poderia aprovará a aquisição. O termo “procuração” refere-se à habilidade de os
adquirir “participação na carteira” nas principais con- acionistas fazerem outra pessoa votar com eles: o comprador vota pela
nova diretoria por procuração.
tas, vendendo por meio de um portfólio amplo. 6
B. G. Alendander and B. Gruendyke, “Hewlett-Packard”, Raymond Ja-
A Tabela 1 mostra os pressupostos fundamentais da mes report, April 14, 2005, p. 76.
alta gestão sobre as metas de receita da nova empre-
7
Contudo, o valor crescente dos acionistas da HP seria difícil. A HP emi-
tiu aproximadamente 1,1 bilhão de novas ações para os acionistas da
sa (Janela 1), margens operacionais (Janela 2) e lucros Compaq, a serem somadas a 1,9 bilhão de ações existentes da HP. Por
causa disso, a HP vendeu aproximadamente 37% do seus ativos para os
acionistas da Compaq. Consequentemente, os acionistas da HP possuí­am
100% do negócio de impressoras altamente rentável; após a fusão, eles
4
As citações de Fiorina e Robinson foram tiradas de R. A. Burgelman and possuíam 63%. Ver C. J. Loomis, “Why Carly’s Big Bet is Failing”,
P. E. Meza, “HP e Compaq Combined: In Search of Scale and Scope”, Fortune, February 7, 2005, p. 53.
Stanford Business School Case SM-130, 2004, pp. 5-6. 8
Ver “Michael Dell on How the Board Can Help”, Corporate Board
5
Essa análise é disponibilizada pelos autores mediante solicitação. Member Magazine, 5/1 (January/February 2002).
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     321

TAbela 1 Projeções de desempenho financeiro no momento do anúncio da fusão


Janela 1: Estimativa de receitas para 2004 decorrentes da procuração por segmento

Taxa de crescimento
de mercado estimada Receita projetada da
Segmento da HP da HP 2000-2004 (TCA)i HPQ para 2004ii (US$ M)

Empresarial 12% 26.826


PCs 8% 35.559
Serviços 12% 19.546
Imagem e impressão 10% 25.856

Janela 2: Estimativa das margens operacionais projetadas para 2004 pela procuração da HP antes da fusão

Margem de lucro operacional


Segmento da HP (estimativa antes da fusão)iii

Empresarialiv 9,2%
PCs  3,0%
Serviços 13,7%
Imagem e impressão (nenhuma estimativa feita pela HP)

Janela 3: Estimativas de ganhos projetados para 2004 pela procuração da HP antes da fusão

Segmento da HP Lucros operacionais projetados para 2004v (US$ M)

Empresarial 2.468
PCs 1.068
Serviços 2.678
Imagem e impressão 2.482
i. A fonte das estimativas de crescimento da HP antes da fusão é “HP Position on Compaq Merger”, HP, December 19, 2001, p. 10. Aqui é utilizada a taxa
de crescimento (TCA) anual.
ii. Os ganhos da HP projetados para 2004 são compostos pela receita calculada, aplicando-se as estimativas de crescimento do mercado nos lucros reais
de 2001.
iii. “HP Position on Compaq Merger”, p. 7.
iv. No momento em que as estimativas antes da fusão foram feitas, o grupo empresarial da HP incluiu o software. O segmento de software já foi retirado
do grupo empresarial porque dava prejuízo para a HP; e, em 2004, a HP lucrou US$ 922 milhões no segmento, mas divulgou uma perda operacional de
US$ 145 milhões.
v. Cálculo dos ganhos operacionais projetados para 2004: margem de lucro estimada X receita projetada decorrente para 2004. Por exemplo, a HP
estimou que o segmento empresarial teria uma margem de lucro de 92% e geraria uma receita (receita decorrente para 2004) de US$ 26.826 milhões,
com lucros projetados de US$ 2.468 milhões.

HP porque a posição maior no PC aumentaria o risco, da integração são óbvias, os riscos das receitas compen-
escoaria dinheiro e diluiria o interesse em imagem e im- sam as sinergias dos custos e é muito difícil combinar as
pressão. Também previram que a aquisição não resol- culturas). Encomendaram pesquisas com funcionários e
veria os problemas estratégicos da HP porque a en- publicaram os resultados mostrando que o moral destes
tidade combinada permaneceria “presa no meio-termo” estava muito baixo e que eles não suportariam a fusão
em servidores (atrás da Dell no baixo mercado e da Sun no grau reivindicado pela HP.10 Enfim, Hewlett e sua
e IBM no alto mercado) e seu negócio de serviços seria equipe consideravam que havia riscos financeiros asso-
ponderado pesadamente para apoiar a margem inferior ciados com a integração da HP, especialmente em ter-
em vez de terceirização e consultoria.9 mos de aumento do capital de risco e custo do capital,
Além disso, eles argumentaram que o risco da integra- em parte por causa da maior volatilidade do negócio de
ção era substancial porque não havia precedente de suces- PC, que representava uma participação maior das recei-
so nas grandes aquisições de tecnologia (as dificuldades tas das empresas combinadas.
A alta gestão teve que convencer os acionistas da
HP a votarem a favor da lógica estratégica da fusão, com
9
Essa estimativa da rentabilidade relativa dos serviços foi imprecisa. A base em escala e escopo, em vez da alternativa de Wal-
consultoria em TI de alto nível possui margens mais altas do que os servi- ter Hewllet focada em imagem e impressão. A luta por
ços de suporte ou terceirização em TI. Entretanto, os serviços de suporte
são bastante lucrativos, mais do que o negócio de terceirização, que tem procurações foi séria, e a vitória, estreita. A alta gestão
margem baixa e é arriscado porque o fornecedor tem que se comprometer
com reduções de custos agressivas ao longo do tempo e depois fazê-las
acontecer, senão o negócio pode não ser rentável. A terceirização, porém,
é um mercado crescente e proporciona controle contábil e capacidade de I. Fried, “HP Declares Victory in Compaq Merger”, CNET.com, March
10

ganhar mais negócios. 12, 2002.


322     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

também teve que convencer o governo dos Estados Zitzaer ficaria responsável pelas vendas para pequenas
Unidos e a Comissão Europeia da legalidade da fusão e médias empresas.
proposta. No início de maio de 2002, todos os obstácu- Fiorina e Capellas prepararam-se para a autoriza-
los para consumar a fusão estavam esclarecidos. ção legal prevista, porém incerta, da fusão selecionan-
do alguns dos executivos mais experientes de ambas
as empresas para liderar o esforço de planejamento da
CRIAÇÃO DO PLANO DE INTEGRAÇÃO
integração estratégica. Cerca de uma semana antes do
Preparação do cenário anúncio, um dos autores deste artigo, que foi presidente
Houve esforços rigorosos envolvidos no planejamento da área de clientes e negócios da HP antes da fusão,
da integração em antecipação à autorização legal para foi convidado para liderar o esforço de integração junto
a fusão durante o período em que esta foi contestada e com Jeff Clarke, diretor financeiro da Compaq.
analisada pelos tribunais e pelas agências reguladoras.
Planejamento rigoroso da integração antes da
Ao decidir adquirir a Compaq, a HP criaria uma empre- autorização legal da fusão
sa com receitas em torno de US$ 75 bilhões, mais de
Os dois líderes da integração, com a ajuda das equipes ju-
155 mil funcionários e uma presença em mais de 160
rídicas das empresas (para assegurar que o planejamento
países. A empresa tinha poucas fusões bem-sucedidas
autorizado não virasse execução não autorizada) e das
para se espelhar, seja em suas histórias individuais, ou equipes de recursos humanos (para aproveitar os melho-
na indústria de tecnologia em geral.11 No final, a HP e res recursos humanos disponíveis em ambas as empre-
a Compaq tiveram que criar seus próprios processos, sas), começaram um intenso processo de planejamento
procedimentos e culturas para cumprir as metas ambi- da integração antes da autorização legal da fusão. O papel
ciosas. Antes do anúncio da fusão, as posições execu- da equipe de integração era trabalhar com os membros do
tivas mais altas das empresas combinadas haviam sido comitê executivo da nova empresa para entrar em acordo
nomeadas: Carly Fiorina (CEO e presidente), Michael sobre as metas de curto e longo prazos, definir exatamen-
Cappelas (presidente), Bob Wayman (CFO), Michael te como a nova organização e a tomada de decisão rela-
Wrinkler (responsável pela gestão da cadeia de supri- cionada funcionariam, e desenvolver planos abrangentes
mentos), Shane Robinson (CSO e CTO), Vijay Joshi necessários para a nova empresa implementar com êxito
(grupo de imagem e impressão), Ann Livermore (grupo todos os aspectos da integração operacional e estratégi-
de serviços HP), Duane Zitzner (grupo de sistemas pes- ca. Parte da equipe de planejamento da integração foi
soais) e Peter Blackmore (grupo de sistemas empresa- formada para preparar a estratégia de mercado da nova
riais). Susan Bowick (RH) e Bob Napier (CIO) foram empresa e começar o desenvolvimento de iniciativas es-
nomeados em poucas semanas, completando a nova tratégicas plurianuais relacionadas ao desenvolvimento
do modelo de distribuição direta da HP (para concorrer
equipe de altos executivos. A estrutura básica da orga-
com a Dell) e à capacidade de fornecimento de soluções
nização também foi definida antes do anúncio. Havia
de contas globais (para concorrer com a IBM). Mais de
diferenças significativas no processo de organização de
1,5 mil pessoas experientes estavam envolvidas em tem-
cada empresa, o que exigiu muito tempo para definir po integral nesse planejamento da integração, e 150 mil
como essa organização funcionaria. Em particular, os lí- integrantes das duas empresas continuaram a concorrer
deres do grupo empresarial eram responsáveis simulta- uns com os outros no mercado.
neamente pelos principais segmentos de clientes: Joshi No processo de planejamento da integração antecipada
atuaria na área de vendas ao consumidor, Blackmore das duas empresas, várias ferramentas novas para lidar com
trabalharia na área de vendas para grandes empresas, e questões de estrutura e processos foram desenvolvidas e ri-
gorosamente aplicadas: a criação de “Salas limpas” e abor-
dagens de tomada de decisões como “Adote e siga”, “Ponha
11
A emancipação do negócio de instrumentos da HP – agora denominado as cartas na mesa”* e “Início rápido” (ver Apêndice B).
Agilent –, em 1999, forneceu várias abordagens úteis também para o
processo de integração da aquisição. A Compaq havia aprendido lições
importantes com as suas aquisições prévias (Tandem e DEC, em parti-
cular), incluindo a importância de escolher os executivos fundamentais *
N. de T.: A frase original é “Put the moose on the table” que, em tradu-
da empresa integrada logo no início e deixá-los orientar o planejamento ção livre, significa, “Ponha o alce sobre a mesa”, título de um livro de
da integração, o desenvolvimento de roadmaps claros dos produtos e o aconselhamento empresarial, de Randall Tobias. No Brasil, ouve-se falar
domínio das relações com o cliente no primeiro dia da integração, e como da expressão “colocar um bode na sala”, que é um tema ou problema
utilizar (ou não) os consultores no processo. Além dessas experiências muito óbvio, mas que ninguém quer discutir, apesar de ser muito difícil
caseiras, as fusões da Chevron-Texaco e Boeing-McDonnel Douglas, de ignorar. O autor utiliza o alce para explicar a mesma lógica metafórica:
entre algumas outras, foram estudadas, e a equipe de integração da HP ambos são animais muito grandes e difíceis de ignorar. “Colocar algo na
manteve contato com os líderes dessas fusões em vários momentos du- sala ou na mesa”, em uma reunião, significa abrir o tópico para discussão.
rante o planejamento e a execução da integração para comparar como o Portanto, o livro trata de outras formas de discutir as decisões de negó-
processo estava andando e obter mais conselhos. cios difíceis que as pessoas preferem ignorar.
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     323

A difícil tarefa de selecionar executivos da HP ou nova empresa estava pronta para agir como uma empresa
Compaq que assumiriam a função sênior abaixo do nível integrada. Em princípio, os 99% de funcionários que não
do comitê executivo caiu sobre os membros desse comi- haviam participado do planejamento da integração não ti-
tê. A equipe de integração, no entanto, desempenhou um nham que repensar (e não estavam autorizados) quaisquer
papel fundamental na definição do processo, das metas decisões tomadas no curso do planejamento da integração.
e dos cronogramas. O processo de seleção foi revisado Esperava-se que executassem, mas não questionassem, os
pelo comitê executivo para assegurar que estava no ca- chamados planos da “sala limpa”, que impediriam a poli-
minho certo. Um dos objetivos era chegar a uma equipe ticagem e produziriam um bom ritmo ao processo de inte-
de gestão que fosse equilibrada entre a HP pré-fusão e a gração. Naturalmente, na prática, os gestores da integração
Compaq pré-fusão (exceto no negócio de impressoras), e tiveram que gastar tempo para que os 99% de funcionários
o comitê executivo tomaria medidas se isso não estivesse comprassem a ideia dos planos. Em geral, os funcionários
acontecendo em alguma parte da organização. A execu- costumam questionar as decisões tomadas pela alta gestão,
tiva de recursos humanos, Susan Bowick, e sua equipe sobretudo quando não participaram de todo o processo.
de integração desempenharam o papel principal nesse Além disso, algumas vezes, os planos precisam mudar
processo: administraram um processo de seleção bastan- quando se apresentam os detalhes da execução. Logo, pe-
te rigoroso. Em geral, foram selecionados quatro níveis diram às pessoas que pensassem nos planos como uma
de gestão antes do fechamento da fusão (com Fiorina e “planta” para construir uma casa. Se o projeto da casa
Capellas no primeiro nível), em um total de aproximada- fosse “colonial” e eles quisessem um modelo “espanhol”,
mente 800 gestores. Os novos gestores eram listados em isso não seria nada bom, porque a decisão sobre o design
uma categoria denominada “nomeado, mas não anuncia- havia sido tomada de maneira irrevogável. No entanto,
do”. A equipe jurídica treinou os gestores para que sou- se o “encanamento” em um dos banheiros não fosse ade-
bessem o que podiam ou não fazer antes do fechamento. quado, esperava-se que eles contassem para os gestores
Junto com rápidas decisões sobre quem ocuparia po- de integração e os planos seriam modificados para fazer o
sições importantes na empresa fundida, a HP e a Compaq encanamento funcionar.12
pré-fusão também ofereceram bônus para reter funcioná- Após o fechamento da fusão e o início da integração
rios selecionados a fim de garantir o sucesso do esforço operacional, alguns membros do comitê executivo não
de integração. Os bônus de retenção da HP pré-fusão iam queriam que a equipe de integração permanecesse presen-
dos diretores até os gestores e alguns empregados. No to- te durante o processo. Com base em dados comparativos
tal, a HP e a Compaq pré-fusão concederam bônus de re- de outras grandes fusões, que mostraram que as equipes
tenção a cerca de 8,2 mil funcionários, com os executivos de integração tendem a ser mantidas por 10 a 24 meses,
contribuindo com apenas 10% desse total. Aproximada- Fiorina concluiu que a equipe de integração e as estruturas
mente 95% dos funcionários, aos quais foram oferecidos necessárias deveriam ser mantidas por, pelo menos, mais
bônus de retenção, permaneceram. um ano para se atingir as metas de integração.13
Em abril de 2002, um mês antes de a fusão entrar Depois que a integração operacional começou, ha-
em vigor, a HP liberou os nomes dos 150 altos execu- via um grande foco no monitoramento do progresso
tivos que liderariam a organização combinada em todo em relação aos planos em todas as áreas. A equipe de
o mundo – se a fusão fosse oficializada. Esses foram os integração apresentava um abrangente relatório men-
altos executivos que preencheriam posições-chave nos sal que era enviado para todos os membros do comi-
quatro grupos de negócio da HP e nas funções corpo- tê executivo e analisado nas reuniões. Nos primeiros
rativas globais da empresa. Os executivos e os 800 ges- meses, aspectos relacionados à integração ocuparam
tores “nomea­dos, mas não anunciados” foram reunidos muito tempo nessas reuniões. A execução real da fu-
secretamente em um hotel em São Francisco, uma se- são exigia o envolvimento contínuo intenso do comitê
mana antes do lançamento da nova empresa, para que executivo, cujos focos principais eram: seleção de pes-
se conhecessem e recebessem treinamento. Saíram desse soal (e redução da força de trabalho), cargos, sistemas
evento sabendo claramente o que deveriam fazer durante de pagamento, sistemas de avaliação, compreensão das
todo o processo de integração operacional. principais preocupações dos acionistas, resolução de
questões com a nova organização e formas de atingir as
EXECUÇÃO DA INTEGRAÇÃO OPERACIONAL metas de sinergia. Um foco particularmente importante
foi a integração detalhada em nível de país, que havia
Execução diligente do planejamento da
integração
A efetividade do planejamento da integração tornou-se
notória quando, no dia em que a fusão foi autorizada, a
12
Trata-se de uma tática utilizada pelo segundo autor.
13
Comunicação entre Fiorina e o segundo autor.
324     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

recebido menos atenção no processo de planejamento incapacidade de assimilar as principais preocupações


antes da autorização para a fusão. Isso foi proposital. dos clientes em relação à nova estratégia corporativa
A alta gestão estava muito preocupada com a possibi- talvez tenha sido melhor ilustrada pelos comentários
lidade de perder o controle dos negócios atuais e com do diretor executivo de informações (CIO) de uma das
os riscos antitruste. Uma vez nomeado o gestor do país, principais empresas de telecomunicações, com mais
seria muito difícil continuar a gerir como duas empresas de US$ 50 bilhões em receitas anuais e uma grande
diferentes. Por essa razão, a alta gestão desenvolveu, cliente da HP:
somente nos primeiros seis meses após a autorização, “A HP realizou um bom trabalho ao integrar rapida-
planos detalhados em nível de país. Sua execução foi mente a Compaq. Removeram-se custos. Taticamente,
gerida da mesma maneira que o planejamento da inte- todos fizeram um belo trabalho, pois tudo tem funciona-
gração antes da autorização para a fusão. do muito bem. Entretanto, há alguma estratégia além da
integração da fusão? Houve várias tentativas de mudar
Atingir as metas de integração de curto prazo a HP, torná-la mais orientada para o mercado, mas a
Em razão do rigoroso planejamento da integração an- empresa tem um legado de inovação revolucionária, e
tes da autorização, muitas questões e problemas que isso não tem recebido a devida atenção. Alguns exce-
geralmente prejudicam a efetividade dos processos de lentes tecnologistas saíram da empresa. A HP está muito
integração das grandes aquisições parecem ter sido ini- parecida com a IBM Global Services. Vender tinta e
cialmente melhor abordados e solucionados no processo serviços é bom, mas reduziu-se a ênfase na inovação
de integração operacional do que a maioria dos céticos (embora o termo “inventar” seja muito utilizado) [...].
havia esperado. No todo, a velocidade da execução faci- Mas, como CIO, todos os envolvidos no processo só
litou a implementação dos planos de economia de cus- chamarão a minha atenção se fracassarem. Espero gran-
tos criados no processo de planejamento da integração: de valor (econômico), e também desejo vê-los como um
a meta de sinergia no curto prazo de US$ 2,5 bilhões foi parceiro estratégico para me ajudar a impulsionar a ino-
ultrapassada em mais de US$ 1 bilhão. Igualmente im- vação dentro da minha empresa. No longo prazo, vai
portante, as perdas de participação de mercado no cur- ser difícil não ter criatividade extrema, especialmente
to prazo foram menores do que o planejado. A seleção se você não tiver pontos de controle”.14
de pessoal e o plano de redução foram implementados
dentro do cronograma para minimizar a incerteza e ati- Não revisar as suposições originais
var a nova organização o mais rápido possível. O plano As suposições originais de crescimento de mercado
de economia de aquisições também foi implementado da alta gestão foram coerentes com as previsões ge-
rapidamente. Ele permitiu que a empresa capitalizas- rais do mercado no momento e não foram encaradas
se a sua nova escala e as informações comparativas de como extremamente agressivas à luz do crescimento
preços que agora possuía (comparando os preços da HP relacionado com a internet do final dos anos 1990. De
e da Compaq), submetendo aos fornecedores pedidos modo similar, as relações P/E projetadas também pare-
específicos de redução de preços. Durante os seis pri- ciam razoáveis no momento, dado o vigor do mercado
meiros meses, houve uma economia de US$ 1,1 bilhão de tecnologia que se estendeu por parte deste ano e o
em aquisições. desempenho dos concorrentes, como a Dell e a IBM.
A explosão da internet, no entanto, foi mais profunda
Testes insuficientes da nova estratégia corporativa e longa do que a alta gestão da HP e os observadores
O processo de integração operacional precisava garan- do mercado em geral haviam pensado e exigiram uma
tir que a nova estratégia corporativa, que foi desenvol- mudança drástica das suposições originais. A alta ges-
vida nas partes anteriores do processo de integração, tão da HP, entretanto, demorou para recompor as ex-
fosse comunicada efetivamente aos clientes. Havia pectativas das partes interessadas. Embora houvesse
pouco tempo para pensar mais sobre a estratégia du- muita informação das partes interessadas, a revisão dos
rante o processo de integração, já que a alta gestão das pressupostos foi muito difícil porque não havia um ci-
empresas combinadas agora estava focada em execu- clo claro de feedback para a parte anterior do processo
tar questões muito complexas da integração e tentava relativa à formulação da lógica da integração e às metas
alcançar o desempenho no curto prazo alinhado com as de desempenho. Além disso, as revisões necessárias po-
metas estabelecidas. O custo de não executar bem aqui deriam impor mais dificuldades e ações de curto prazo
era considerado tão alto (uma sensação não necessaria-
mente explicitada) que a estratégia foi (talvez um tan-
Essa citação foi extraída de R. A. Burgelman and P. E. Meza, “The New
14
to adequadamente) encarada como secundária. Como New HP: Leading Strategic Integration”, SM-125A, Stanford Graduate
consequência, essa parte do processo enfraqueceu. A School of Business, July 2004, p. 12.
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     325

TABELA 2 Resultados do desempenho financeiro em 2004

Janela 1: O crescimento real das receitas não cumpriu as estimativas de pré-fusão em cada segmento

Receita real Variação Receita real Variação Receita Receita Déficit na receita
da HPQ percentual na da HPQ percentual projetada real da de 2004 a partir
Segmento em 2002 receita real em 2003 na receita da HPQi em HPQ em da projeção
da HP (US$M) da HPQ em (US$M) real da HPQ 2004 (US$M) 2004 (US$M) de 2001
2001-2002 em 2002-2003

Empresarial 15.337 –20%ii 14.593 –5%iii 26.826 15.152 –11.674


PCs 21.869 –14%iv 21.210 –3%v 35.559 24.622 –10.937
Serviços 12.368 –11%vi 12.357vii –09% 19.546 13.778 –5.768
Imagem e 20.399 +5% 22.569 +11% 25.856 24.199 –1.657
impressão

Janela 2: As margens de lucro operacional reais ficaram bem abaixo das projetadas antes da fusão

Margem Margem Margem Margem Margem


de lucro de lucro de lucro de lucro de lucro
operacional operacional operacional operacional operacional
Segmento real em real em real em real em estimada em Lógica
da HP 2001 2002 2003 2004 2004 pré-fusãoviii

Empresarialix –3,2% –2,0% 0,97% 1,14% 9,2% “O segmento empresarial é


o motor principal para a nova
criação de valor.” Crescimento
de mercado estimado em
12%. A HP estimou que a
fusão produziria:
• Liderança de ponta a ponta
• Maior diferenciação
  estratégica
PCs –4,2% –1,7% 0,10% 0,85% 3,0% Crescimento de mercado
estimado em 8%. A HP
estimou que a fusão produziria:
• Maior economia em seu
  negócio de PC
Serviços 4,5% 11,1% 9,17% 11,02% 13,7% “O segmento empresarial
[e o de serviços] é o motor
principal da nova criação de
valor.” Crescimento de mercado
  estimado em 12%. A HP estimou
  que a fusão produziria:
• Liderança de ponta a ponta
• Maior diferenciação estratégica

Nota: O segmento de software da HP não está incluído na tabela. Em 2004, esse segmento teve uma receita de US$ 922 milhões e divulgou uma perda de
operações de US$ 145 milhões.
i. Os ganhos projetados da HP para 2004 são compostos pela receita calculada, aplicando-se as estimativas de crescimento do mercado nos ganhos
reais de 2001.
ii. A HP declarou que a queda de 20% na receita do segmento entre 2001 e 2002 deveu-se a “uma diminuição nos preços médios de venda e, em menor
grau, a um declínio nos volumes de venda”. Fonte: HP 2002 10-K p. 43.
iii. A HP declarou que a receita do segmento em 2003 caiu por causa de “pressões de preço da concorrência, transição do roteiro de produtos, gastos
cautelosos com TI empresarial em todas as unidades de negócio e na maioria das regiões geográficas”. Fonte: HP 2004 10-K p. 48.
iv. A HP declarou que a queda de 18% na receita do segmento entre 2001 e 2002 deveu-se a “vendas mais fracas [do que o esperado] e a um declínio
nos preços médios de venda”. Fonte: HP 2002 10-K p. 41.
v. A HP declarou que a receita do segmento em 2003 caiu em razão de “quedas nos preços médios de venda em todos os negócios dentro do PSG”.
Fonte: HP 2004 10-K p. 55.
vi. A HP afirma que o declínio na receita do segmento entre 2001 e 2002 deveu-se à “crise econômica global e à pressão de preços da concorrência”.
Fonte: HP 2002 10-K p. 45.
vii. A HP declarou que a receita do segmento em 2003 caiu por causa de “pressões de preço da concorrência e da demanda fraca”. Fonte: HP 2004 10-K
p. 51.
viii. A HP combinou os segmentos empresarial e de serviços em sua apresentação da análise da oportunidade de fusão. Ver “HP Position on Compaq
Merger”, HP, December 19, 2001. p. 10.
ix. No momento em que foram feitas as estimativas pré-fusão, o grupo empresarial da HP incluiu o software. O segmento de software desde então foi
retirado do grupo empresarial. Para a HP, o software é um segmento deficitário: em 2004, a HP ganhou US$ 922 milhões no segmento, mas divulgou
uma perda operacional de US$ 145 milhões.
326     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

TABELA 2 (Continua)
Janela 3: As margens de lucro abaixo do esperado produziram ganhos abaixo das expectativas nos segmentos empresarial, de PC e serviços

Ganhos operacionais Margem de lucro Ganhos Diferença entre os ganhos


Segmento projetados para operacional real operacionais operacionais projetados
da HP 2004x (US$M) em 2004 reais em 2004 (US$M) e reais em 2004 (US$M)

Empresarial 2.468 1,14% 173 –2.295


PCs 1.068 0,85% 210 –858
Serviços 2.678 11,02% 1.263 –1.415
Imagem e impressão 2.482 9,6%xi 3.847 +1.365
x. O cálculo dos ganhos projetados para 2004 estimou a margem de lucro X a receita projetada para 2004 da HP. Por exemplo, a HP estimou que o
segmento empresarial obteria margens de lucro de 9,2% e geraria receitas (receitas decorrentes de 2004) de US$ 26.826 milhões, com ganhos
projetados de US$ 2.468 milhões.
xi. A HP não projetou a margem de lucro operacional para IPG no seu material pré-fusão. Essa análise usa a sua margem de lucro operacional de 2001
de 9,6%.

potencialmente inquietantes – por exemplo, aumentar seguir com força máxima na execução de duas grandes
significativamente a quantidade de demissões – da parte iniciativas estratégicas. Aqui, a alta gestão da nova em-
de uma já sobrecarregada alta gestão. presa não conseguiu manter a força máxima.

Queda de metas de curto prazo em longo prazo Tarefas de integração operacional restantes
Embora o processo de integração operacional tenha sido • Integração da tecnologia da informação – Ambas as
muito bem-sucedido em relação às metas de curto prazo, no empresas possuíam ambientes de TI muito complexos.
final de 2003, nem tudo ia bem na nova empresa. Com base A HP tem sido historicamente muito descentralizada na
na Tabela 1, havia evidências de que a HP estava começan- dimensão empresarial, então havia muitos sistemas dupli-
do a perder as metas de longo prazo que havia estabelecido cados, incluindo o planejamento de recursos empresariais
para a fusão das empresas. Isso é exibido na Tabela 2. (ERP – enterprise resource planning) para apoiar as oitenta
A Tabela 2 mostra que os pressupostos estratégicos linhas de produtos diferentes. A Compaq tem sido mais
sobre as perspectivas da empresa e dos segmentos de descentralizada na dimensão geográfica, levando à dupli-
mercado do PC para as empresas combinadas em 2001 cação regional e nacional da TI. A Compaq também havia
adquirido recentemente a Digital Equipment Corporation e
foram excessivamente agressivos: o crescimento real
a Tandem Computers, mas não havia concluído a raciona-
das receitas em 2004 (Janela 1) continuou bem abaixo
lização de todos esses sistemas. A integração dos sistemas
das receitas indicadas pelas taxas de crescimento anuais
de TI das duas empresas e a gestão cuidadosa do impacto
antecipadas antes da fusão, indicadas na Figura 1, e as
relacionado a essa integração nos negócios e orçamentos
margens de lucro operacionais nos negócios empresa- exigiam muitos anos de atenção da alta gestão.
riais e de PC ficaram bem abaixo das projetadas (Ja- • Eficiência organizacional – As empresas combinadas
nela 2). Isso, por sua vez, levou a lucros bem abaixo implantaram uma nova estrutura e um modelo operacio-
do esperado no negócio empresarial (Janela 3). Esses nal diferente do modelo que a HP ou a Compaq usavam
resultados refletiram, em parte, a concorrência intensi- antes da fusão. No lado da HP, a reorganização “Volta-
ficada nesses segmentos de mercado em consequência dos para o cliente (Front End)/Voltados para o produto
do crescimento abaixo do esperado dos gastos de TI na (Back End)” em 1999-2000 levou mais tempo do que
economia durante o período de 2001 a 2004. o planejado e ainda não estava funcionando com plena
eficiência no momento da fusão. A nova estrutura mais
EXECUTAR A INTEGRAÇÃO ESTRATÉGICA uma vez envolveu mudanças significativas. São neces-
Ficar aquém das metas de longo prazo foi, em parte, sários anos de trabalho árduo para fazer uma organiza-
o resultado do não ajustamento dessas metas à luz das ção funcionar de maneira eficiente em uma empresa do
mudanças nas condições ambientais durante o proces- tamanho e complexidade da HP.15 (Ao mesmo tempo,
so de integração operacional. Entretanto, isso também
refletiu uma execução frouxa do processo de integra-
ção estratégica. O processo de integração estratégica
15
Em uma empresa grande e complexa, uma mudança desse porte leva
anos para ser plenamente implementada em um alto nível de efetividade
precisava concluir as tarefas de integração restantes do operacional. Lou Gerstner Jr., por exemplo, transformou a IBM de um
processo de integração operacional – em particular, as modelo orientado geograficamente num modelo com base no cliente e
levou anos para fazê-la funcionar em um alto nível de efetividade. Ver
tarefas relacionadas com tecnologia da informação, efe- L. V. Gerstner Jr., Who Says Elephants Can’t Dance? (New York, NY:
tividade organizacional e cultura corporativa – e pros- Harper-Business, 2002).
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     327

a Dell e IBM não mudaram suas organizações funda- modelo de negócio direto da HP de maneira mais agres-
mentais durante muitos anos.) Entretanto, antes que essa siva e estabelecido marcos rigorosos para medir o pro-
nova organização pudesse ser colocada para funcionar gresso em comparação com as capacidades projetadas
“de modo suficientemente perfeito”, o comitê executivo da Dell em 2004, mantendo simultaneamente sua força
decidiu fazer outra grande mudança em 2004. no canal de distribuição existente.
• Cultura corporativa – O comitê executivo definiu os • Concorrendo com a IBM – Superar a IBM era um desa-
valores subjacentes à nova cultura corporativa antes fio ainda mais complexo, pois exigia o desenvolvimento
do lançamento do processo de integração operacio- de capacitações relacionadas a gerir as relações de alto
nal. O “Início rápido”, uma prática recomendada para nível com os clientes empresariais globais e oferecer-
integrar culturas, foi implementado no processo de -lhes soluções completas. Isso tinha implicações na
integração operacional e depois complementado com experiência e capacitações necessárias da força de ven-
o “Valor rápido”, focado no trabalho de toda a organi- das, no projeto de sistemas de compensação, no desen-
zação. O “Início rápido” era obrigatório e integrado ao volvimento de especialização em consultoria, na dispo-
programa de bônus da alta gestão. Entretanto, imple- nibilidade de software e em muitas outras áreas. Antes
mentar essas ferramentas foi apenas um primeiro passo da fusão, tanto a HP quanto a Compaq tinham capaci-
bem-sucedido. Fazer a nova cultura enraizar-se deveria tações significativas para atender às contas globais, mas
ter exigido vários anos a mais de condução árdua e coe- elas não eram encaradas pelos CIOs das contas globais
rente da alta gestão.16 como pertencentes ao mesmo ramo da IBM em termos
da amplitude e profundidade da capacitação. Após a
Duas iniciativas estratégicas fundamentais fusão, a HP tornou-se claramente a número dois em
Duas importantes iniciativas estratégicas estavam rela- relação à IBM em terceirização, mas não se preocupou
cionadas com a concorrência efetiva com a Dell e IBM. em desenvolver sua capacidade de fornecer soluções
Talvez um pouco mais de “paranoia” estratégica17 fosse completas para as contas empresariais globais. A alta
adequado, porque a Dell e IBM não estavam esperando gestão deveria ter adquirido a especialização necessária
para avançar até a HP ter o seu ato conjunto. A nova como parte de um plano mais agressivo para preencher
a lacuna entre essas capacitações e as da IBM, conforme
estratégia corporativa de “alta tecnologia e baixo custo”
projetado em 2004.
exigiu que a HP desenvolvesse competências distinti-
vas bastante diferentes de forma simultânea não ape- A situação em 2005
nas para equiparar-se à Dell ou à IBM em 2002, mas
também para ficar à frente delas enquanto avançavam Revisitar a análise SWOT18 confirmou que, no início
firmemente durante 2003-2004. de 2005, a HP ainda não tinha sido capaz de capita-
lizar certos pontos fortes nem reduzir certos pontos
• Concorrendo com a Dell – Para concorrer com a Dell, fracos. A nova empresa tinha sido capaz de solucionar
a nova HP precisava desenvolver um modelo de venda alguns problemas, mas não outros. De modo frustran-
direta muito mais forte. A estratégia não era passar te, embora a fusão tivesse tornado a HP mais forte em
de 100% indireto para 100% direto, mas ser capaz de muitas áreas, a nova empresa ainda estava aquém do
atender os clientes que queriam comprar direto de uma desejado.19 Entretanto, no final de outubro de 2005,
maneira que concorresse mais efetivamente com a Dell.
com um novo CEO atuando desde abril, havia evidên-
Com essa estratégia, a HP pretendia manter um alcance
cias de que a HP fazia um progresso significativo. Em
mais amplo do mercado do que a Dell, ao mesmo tempo
particular, as margens do PC e do hardware empre-
sem ceder um grande e crescente segmento do mercado
para esta empresa. Antes da fusão, tanto a HP quanto
sarial estavam aumentando, além da receita global.
a Compaq estavam desenvolvendo modelos de venda O aumento significante no preço da ação da empresa
direta e haviam feito progressos significativos, mas não parecia indicar a disposição do mercado para consi-
o suficiente para atender ao desafio competitivo. A Dell derar a possibilidade de que a lógica da integração e
ainda estava aumentando a participação de mercado nos a nova estratégia corporativa poderiam ser colocadas
servidores, na impressão e nos PCs. No negócio de PC, para funcionar, afinal.
a HP não aprimorou de maneira satisfatória o seu canal
direto e enfrentou conflitos de canal com os parceiros de
canal existentes. A alta gestão deveria ter conduzido o

18
Essa análise é disponibilizada pelos autores mediante solicitação.
19
O desempenho do preço da ação da empresa refletiu isso. Em abril de
16
Lou Gerstner Jr. (op. cit.) também salienta que a mudança cultural de- 2005, a relação P/E de 25 teria produzido um preço de US$ 29,95 para
mora mais para acontecer. a ação, e uma relação P/E de 20, um preço de US$ 23,40 para a ação.
17
A. S. Grove, Only the Paranoid Survive (New York, NY: Doubleday, Naquela época, porém, o preço da ação da empresa era US$ 21,48, e sua
1996). relação P/E, em torno de 15.
328     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

DISCUSSÃO E IMPLICAÇÕES contundente das iniciativas plurianuais levaram a um


ciclo de feedback mais fraco da integração estratégica
Nossa análise da dinâmica estratégica da integração da
aquisição HP-Compaq – em termos dos quatro proces- para a lógica da integração e seus pressupostos sobre
sos fundamentais e dos ciclos de feedback entre eles – a dinâmica competitiva, o que criou um ciclo vicioso.
apresenta uma história mista de progresso significativo Uma consequência não intencional disso foi um sen-
e de tarefas fundamentais não concluídas. O processo so de urgência e um foco menores durante o processo
de formulação da lógica de integração e das metas de de integração estratégica. Foi difícil fazer a equipe se
desempenho foi bem conduzido. O processo anterior à concentrar no rastreamento do ambiente econômico e
autorização legal ao planejamento da integração e às competitivo em transformação e focar as iniciativas es-
ferramentas de integração desenvolvidas para este fim tratégicas de longo prazo necessárias para a obtenção
foram de primeira linha e reconhecidos como tal por do potencial da nova empresa.
muitos observadores. O processo de integração ope- Essas grandes forças podem ter levado a alta gestão
racional foi executado muito bem e bateu as metas de a igualar o desafio da execução da integração primei-
curto prazo da fusão.20 ramente com a integração operacional. A integração
operacional bem-sucedida era necessária, mas não su-
Forças que impedem os esforços de integração ficiente para que a empresa atingisse os novos níveis
sustentada de sucesso que agora eram esperados como resultado
Nossa análise, porém, também revela que gerir efetiva- do processo de formulação da lógica de integração e
mente a dinâmica estratégica do processo de integração das metas de desempenho. Não trabalhar as diferenças
da aquisição foi extremamente difícil. As metas de cur- entre integração operacional e estratégica fez que a em-
to prazo muito urgentes concentraram naturalmente a presa declarasse vitória cedo demais. O ciclo vicioso
atenção da equipe executiva e da equipe de planejamen- provocado pela não execução do processo de integração
to da integração no processo de integração operacional estratégica com o foco e a urgência necessários – e a
à custa do processo de integração estratégica. Era difícil falta de um ciclo de feedback efetivo para medir o pro-
desviar a atenção dos gestores do corte de custos e da gresso em relação aos pressupostos subjacentes à lógica
captura de valor para as questões estratégicas, porque de integração – fez com que a alta gestão não cumprisse
havia um temor de que lançar o trabalho de integração integralmente a promessa da fusão e ficasse aquém do
estratégica levasse as pessoas a perder o foco nas me- crescimento projetado e das metas de lucros. Isso levou
tas de curto prazo, que eram vistas como absolutamen- à decepção dos componentes externos e à desilusão do
te críticas em razão da notoriedade da meta de corte público interno. A Figura 4 resume a dinâmica estra-
de custos da ordem de US$ 2,5 bilhões. Além disso, a tégica da fusão HP-Compaq à luz da nossa estrutura
extenuante batalha que inevitavelmente acompanhava conceitual indicada na Figura 1.
o trabalho por meio do processo de integração opera-
cional tornou simultânea e excepcionalmente difícil a A necessidade de ampliar o alcance da alta gestão
aprendizagem estratégica. Os altos executivos que rea­ Para poder gerir melhor essas forças, a alta gestão deve-
lizavam a integração operacional tinham que gerir as ria ter adotado uma gestão da mudança em larga escala
desafiadoras tarefas da integração e alcançar os resulta- associada com a equipe de integração, na forma ade-
dos financeiros trimestrais esperados ao mesmo tempo quada, e conduzido essa iniciativa para além do pro-
em que mantinham satisfeitos clientes, funcionários e cesso de integração operacional. Durante o processo de
outras partes interessadas. Ademais, havia um desejo integração estratégica, a equipe de integração poderia
natural da parte da alta gestão de fazer com que clien- ter se tornado muito menor e mais focada do que du-
tes, parceiros comerciais e analistas financeiros paras- rante o processo de integração operacional, em parte
sem de se concentrar exclusivamente em acompanhar porque os executivos recém-nomeados exerciam um
o processo de fusão, em parte por causa de um foco papel cada vez maior com o passar do tempo e pode-
maior nos possíveis riscos da integração durante a luta riam ser responsabilizados por sua parte na integração
por procuração. Quando as metas da integração opera- estratégica. Entretanto, poderia ter sido útil dividir mais
cional foram cumpridas, a alta gestão declarou vitória explicitamente a equipe de integração em duas partes
para o mundo exterior. A execução resultante menos no início do processo de integração operacional a fim
de aumentar o alcance da alta gestão: uma concentrada
nas questões da integração operacional, e a outra, nas
questões da integração estratégica. A segunda parte da
20
Agradecemos a um revisor anônimo que nos informou que Walter Hew-
lett lhe disse, 12 meses após a fusão, que ele mesmo estava impressio- equipe deveria se manter a par de como os pressupostos
nado com o sucesso do processo de integração. fundamentais feitos no processo de formulação da lógica
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     329

FIGURA 2 Dinâmica estratégica da integração por aquisição da HP-Compaq

Mudança do ambiente

Processo 1:
Formular a lógica da integração
e as metas de desempenho

1 Forte

Processo 2:
Criar o plano
de integração

2 Forte
5 Fraca . Ultrapassou as metas de
Processo 3: desempenho de curto prazo
Executar a integração
Fraca 3 operacional . Não revisou as metas de

Início de 2005
desempenho de longo prazo

4 Fraca
. Não manteve a capacidade
de mudança estratégica efetiva
Processo 4:
6 Fraca
Executar a integração
. Não realizou as iniciativas
estratégica estratégicas plurianuais e
perdeu as metas de
desempenho de longo prazo

Tempo

de integração e das metas de desempenho deveriam ser ferramentas de integração desenvolvidas para esse fim
ajustados de acordo com a mudança ambiental no pe- também foram de primeira linha. De modo similar, o
ríodo entre o anúncio e o início real das operações das processo de integração operacional foi bem cumprido
empresas combinadas. Isso poderia ter impedido que a e bateu as metas de curto prazo definidas para a fusão.
alta gestão subestimasse o tempo e o esforço necessá- Com a vantagem da visão retrospectiva, porém, des-
rios durante o processo de integração estratégica para cobrimos que o ciclo de feedback entre o processo de
executar as iniciativas estratégicas necessárias para integração operacional e o processo de formulação da
concorrer simultânea e efetivamente em várias frentes lógica de integração e das metas de desempenho pode-
com os concorrentes de nível internacional detentores ria ter sido mais forte. O fraco ciclo de feedback impe-
de estratégias e capacitações diferentes. Sem executar diu que a alta gestão testasse a nova estratégica corpo-
esta iniciativa com vigor, o processo de aprendizagem rativa com clientes-chave e revisse oportunamente os
não podia começar, o feedback com base na experiência pressupostos iniciais nos quais se basearam as metas
não era possível e o perigo de ficar preso ao nível con- de desempenho no longo prazo. Também descobrimos
ceitual aumentava. que o processo de integração estratégica não foi clara-
mente reconhecido como um processo distinto pela alta
gestão, o que resultou em um ciclo de feedback ainda
CONCLUSÃO
mais fraco para a lógica de integração e as metas de
Nossa estrutura conceitual de integração por aquisição desempenho no longo prazo. Isso, por sua vez, resultou
que faz a distinção entre quatro processos fundamentais na atenção insuficiente da alta gestão à execução das
e ciclos de feedback ajuda a explicar a dinâmica estra- iniciativas estratégicas plurianuais necessárias para al-
tégica da fusão HP-Compaq. O estudo documenta uma cançar as metas de longo prazo. A vitória foi declarada
história mista de progresso significativo, mas também cedo demais e os custos de oportunidade da parte de
de questões fundamentais não resolvidas. O processo integração operacional do processo global não foram
de formulação da lógica de integração e das metas de plenamente avaliados. Enxergar a execução do proces-
desempenho foi bem executado. O processo anterior à so de integração da aquisição basicamente em termos
autorização legal do planejamento da integração e as do processo de integração operacional impediu a alta
330     PARTE 2 – DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

gestão de ver claramente a necessidade de aumentar o limpa” estavam entre os melhores e mais brilhantes de
seu próprio controle. ambas as empresas e corriam o risco de não consegui-
Destacar a importância dos quatro processos envol- rem voltar para suas funções anteriores no caso de a
vidos na integração da aquisição junto com o papel dos fusão não alcançar a dose certa (por causa das objeções
ciclos de feedback na gestão da dinâmica estratégica da regulatórias ou dos acionistas).
integração da aquisição, e do papel da equipe de plane- Adote e siga – A “Equipe limpa” deveria realizar
jamento da integração oferece orientações úteis para as pesquisa necessária para fazer recomendações sobre
altas gestões e conselhos de administração de outras em- quais produtos manter e quais eliminar. Essas recomen-
presas que estejam contemplando grandes aquisições. dações eram determinadas em um “Roadmap de produ-
tos”, um plano diretor de quais linhas de produtos inter-
APÊNDICE A: PESQUISA -relacionados da HP ou da Compaq seriam mantidas e
quais seriam descartadas. Era uma tarefa enorme, mas
Combinamos a experiência em primeira mão de liderar que eles esperavam desempenhar rapidamente. Segun-
o esforço de integração da aquisição HP-Compaq com a do Jeff Clark, em vez de tentar desenvolver “práticas
pesquisa de campo aprofundada do processo. Esta últi- recomendáveis” combinando os melhores aspectos ofe-
ma incluiu mais de 30 entrevistas com altos executivos recidos pelos ativos respectivos de ambas as empresas,
de ambas as empresas, acesso aos dados de pesquisa in- a “Equipe limpa” escolheu o melhor dentre o que estava
ternos a fim de verificar a experiência dos funcionários sendo utilizado pela HP e Compaq, fez disso a prática
mais profundamente na organização, e as opiniões de vencedora e passou para a próxima decisão. As pessoas
alguns dos principais clientes da HP. cujas posições foram eliminadas quando seus produ-
A pesquisa de campo é capturada em vários estu-
tos foram descontinuados sabiam que podiam procurar
dos de caso: R. A. Burgelman and P. E. Meza, “HP and
outras posições na empresa. O “Adote e siga” aumen-
Compaq Combined: In Search of Scale and Scope”,
tou o foco de 99% dos funcionários combinados da
Stanford School Business Case SM-130, July 2004;
HP-Compaq que trabalhavam fora da “Equipe limpa”.
“The New HP on 2004: Leading Strategic Integration”,
Eles sabiam que não haveria debate em relação às de-
Stanford Graduate School of Business case SM-125A,
cisões da sala limpa. Seu trabalho era executar as deci-
July 2004; “The New HP on 2004: Winning in the Core
sões da sala limpa, e isso permitiu que a nova empresa
Business”, Stanford Graduate School of Business case
alcançasse uma velocidade enorme nos seis primeiros
SM-125B, July 2004.
meses, o que levou, obviamente, a um bom desempe-
nho financeiro. O processo “Adote e siga” acabou com
APÊNDICE B: NOVAS FERRAMENTAS DE a politicagem, permitiu velocidade de execução e foi
INTEGRAÇÃO a parte principal da capacidade da nova empresa para
O funcionamento da “Equipe limpa” – Em algumas acelerar a economia.
semanas do anúncio da fusão, a equipe de integração Lançar e aprender – Havia diferenças significativas
de Clarke e McKinney havia crescido para 500 mem- de cultura entre a HP e a Compaq, e a integração exigiu
bros e, em março de 2002, contava com mais de 900 um foco forte e plurianual no estabelecimento da nova
membros. O grupo acabou crescendo para mais de 1,5 cultura. De acordo com Susan D. Bowick, vice-presi-
mil membros. Como esse grupo se dedicava em tempo dente executiva de recursos humanos e de desenvolvi-
integral ao processo da fusão e, por isso, não era conta- mento da mão de obra da HP, além de veterana com 25
minado pelas preocupações de conduzir os negócios no anos de experiência, para complementar a abordagem
dia a dia, tornou-se conhecido como “Equipe limpa”, “Adote e siga”, a “Equipe limpa” também desenvolveu
já que os gestores foram retirados de suas funções para uma mentalidade “Lançar e aprender”. Essa foi uma
trabalhar exclusivamente na integração, reunindo-se em maneira de agir rápida e suficientemente boa. Nada dis-
“Salas limpas” isolados de seus ex-colegas. A Equipe so foi fácil. Além do mais, seria necessário um longo
limpa englobava funcionários de cada linha de negócio tempo para cuidar de questões sociais de natureza “soft”
e função, tanto da HP quanto da Compaq. O conceito que pudessem influenciar na criação de uma nova cul-
de “Equipe limpa” foi introduzido em fusões anteriores tura. Por isso, Bowick sempre afirmava: “As questões
[ver, por exemplo, Randy Croyle e Patrick Kager, “Gi- ‘soft’ são sempre a parte mais ‘hard’”.
ving Mergers a Head Start”, Harvard Business Review, Colocar as cartas na mesa – Montar equipes com
80/10 (October 2002): 20-21] para que fosse possível funcionários de duas empresas tão diferentes para rea-
cumprir as leis antitruste (Hart-Scott-Rodino) e ao mes- lizarem juntos um trabalho árduo suscitou desafios
mo tempo começar o esforço de planejamento da in- delicados e complexos. Questões como liderança, con-
tegração. Os funcionários que se juntavam à “Equipe trole, retenção e comunicação, por exemplo, não eram
SEÇÃO 4 – AÇÃO ESTRATÉGICA | Artigo 2-17     331

altamente visíveis para os observadores externos, mas operação de uma empresa, ela estava estreitamente li-
tinham que ser bem encaminhadas para a fusão ser gada ao comitê de direção, que era um subcomitê do
bem-sucedida. Bowick salientou que a “Equipe limpa” comitê executivo da nova empresa. Fiorina havia limi-
estava mudando a estrutura de poder sob as pessoas e tado o comitê de direção a um pequeno grupo de altos
que ela, Clarke e McKinney tornaram-se embaixadores executivos que podiam tomar decisões e não ter nenhum
para trabalhar as questões dentro da estrutura de poder. questionamento sobre essas decisões durante a execu-
As pessoas vivenciavam perdas e resistiam a elas. Co- ção. O comitê era composto de Carly Fiorina, Webb
meçaram a surgir visões diferentes na equipe da sala McKinney, Jeff Clarke, Susan Bowick, Bob Wyman e
limpa após duas reuniões sobre como abordar o confli- Bob Napier, o diretor de informações. Clarke descre-
to. Entretanto, a equipe da sala limpa teve que se des- veu como, em cada segunda-feira, as equipes passa-
prender do problema e seguir como uma equipe. Segun- vam por um processo muito rigoroso com o escritório
do Bowick, não demorou mais de duas ou três semanas do programa de integração da fusão, (reportando-se a
para envolver-se em uma discussão de cultura com a McKinney e Clark). Eles acompanhavam o status de
“Equipe limpa” e desenvolver uma prática chamada cada projeto usando códigos de cores – vermelho, ver-
“colocar as cartas na mesa”, na qual se expunham as de e amarelo, exatamente como um semáforo. Itens em
diferenças e tomavam-se as decisões sobre como lidar andamento eram marcados com amarelo; itens conclu-
com essas diferenças. De acordo com Bowick, Carly ídos ou bem à frente do planejado, com verde; e itens
fazia isso muito bem. muito atrasados, com vermelho. Como eles tinham que
Início rápido e valor rápido – Para ajudar a acelerar acompanhar mais de 10 mil decisões “Adote e siga”,
a integração cultural das duas empresas, a HP incluiu a simplicidade e o rigor do processo de acompanha-
uma “Equipe de integração cultural” (EIC) na “Equipe mento vermelho/verde/amarelo foram fundamentais.
limpa”. A EIC lançou o “Início rápido”, um programa Às terças-feiras, as equipes se preparavam para uma
de seminários de integração por fusões liderado por reunião de integração que consumia toda a quarta-feira
facilitadores e destinado aos funcionários. O objetivo (presidida por Clark e McKinney). Durante essas reu-
desse programa era facilitar o entrosamento desses fun- niões, as equipes faziam recomendações sobre as deci-
cionários para que pudessem se alinhar com a estraté- sões da integração. Clark e McKinney consideravam
gica da empresa, identificar “as zonas de desconforto” as recomendações e frequentemente as devolviam para
e lidar com elas – prováveis fontes de discórdia que os as equipes para serem mais trabalhadas. Os membros
funcionários teriam que enfrentar à medida que proces- das equipes às vezes debatiam e chegavam a uma re-
so de integração chegasse até eles. Todos os funcioná- comendação consensual ou a uma posição de consenso
rios da HP foram convocados para comparecer a um de “concordar em discordar”. McKinney e Clark to-
seminário de “Início rápido”. Um produto do esforço de mavam, então, a decisão “Adote e siga”. Às quintas-
“Início rápido” foi o programa “Valor rápido”, sessões -feiras, Carly tinha a sua reunião de meio-dia com o co-
focadas de um a dois dias, cujo propósito era ajudar os mitê diretor. Clark e McKinney estavam na pauta para
funcionários a aprender a trabalhar horizontalmente por essas reuniões. Eles apresentariam ou trariam outras
meio da HP pós-fusão. pessoas para apresentar e fazer recomendações sobre
Reunião com o comitê de direção – Enquanto a itens importantes da fusão e sobre decisões diferentes,
“Equipe limpa” atuava em salas metaforicamente lim- tais como roteiros de produto, decisões de gestão, pla-
pas afastada das atribuições do dia a dia, inerentes à nos de reestruturação e planos de consolidação.
3
ESTABELECIMENTO
DA ESTRATÉGIA
TECNOLÓGICA:
DESENVOLVENDO
CAPACITAÇÕES
PARA INOVAÇÃO
DE UMA EMPRESA
PARTE

N
a Parte 2, discutimos a concepção e a evolução da
estratégia tecnológica de uma empresa. As compe-
tências e capacitações tecnológicas foram encara-
das como a base da estratégia tecnológica. A evo-
lução da estratégia tecnológica foi examinada no contexto de
uma matriz de forças que moldam o processo de inovação na
empresa, numa indústria e no sistema mais amplo que engloba
múltiplas indústrias ou grandes segmentos dentro de uma in-
dústria. Na Parte 3, adotamos uma perspectiva diferente, com
base na qual examinamos como as atividades de inovação de
uma empresa refletem sua estratégia tecnológica e como o es-
tabelecimento da estratégia tecnológica serve para desenvolver
suas capacitações para inovação.
A estratégia tecnológica é estabelecida por meio da execu-
ção de uma sequência de tarefas fundamentais (ver Parte 4), que
servem para aumentar as competências tecnológicas atuais da
empresa e criar outras novas. No início dessa sequência, temos a
aquisição de tecnologia. Para que possam se manter à frente dos
concorrentes, as empresas de alta tecnologia devem adquirir tec-
nologia permanentemente. Embora muitas empresas adquiram
parte de sua tecnologia por meio de acordos de licenciamento,
P&D com outras empresas, consórcios, alianças estratégicas,
joint ventures e aquisições, as empresas de alta tecnologia devem
334     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

adquirir internamente a maior parte da sua nova tecno- FIGURA 1 Estrutura evolucionária do processo de
formulação de estratégias nas empresas estabelecidas
logia por meio de investimentos em P&D. No final da
sequência de tarefas fundamentais, há o suporte técni-
co e o atendimento ao público – as empresas que ven-
dem equipamentos técnicos, por exemplo, precisam ser Ação
Contexto
capazes de fazer manutenção no equipamento, assim estratégica
estratégico
autônoma
como treinar e atualizar os usuários. Entre a aquisição Conceito de
de tecnologia e o suporte técnico, estão as tarefas funda- estratégia
corporativa
mentais associadas aos principais desafios de inovação Ação
Contexto
das empresas: o desenvolvimento de novos produtos e estratégica
estrutural
induzida
novos negócios.

DESAFIOS DE INOVAÇÃO NAS EMPRESAS


ESTABELECIDAS bem-sucedidas levam à alteração do conceito de estra-
tégia da empresa por meio do processo de determinação
Desenvolvimento de novos produtos e do contexto estratégico. Isso envolve os gestores de ní-
novos negócios vel médio na formulação de uma estratégia mais ampla
Os principais desafios de inovação que as empresas para as iniciativas dos empreendedores internos e a sua
estabelecidas enfrentam derivam do modelo evolucio- ação como promotores organizacionais para convencer
nário do processo de formulação de estratégias. Esse a alta gestão a apoiar essas iniciativas. O processo es-
modelo, reproduzido na Figura 1, faz a distinção entre tratégico autônomo é orientado pelo reconhecimento
os processos estratégicos induzido e autônomo. do potencial estratégico dos altos executivos e não pelo
A ação estratégica induzida ocorre à luz da estra- planejamento estratégico.2
tégia corporativa da empresa e em relação aos seus
ambientes externos familiares. A estratégia corporativa Aproveitando as oportunidades de inovação no pro-
reflete as crenças da alta gestão sobre o sucesso passado cesso induzido Normalmente, as inovações tecnoló-
e atual da empresa.1 Essas crenças determinam o que a gicas associadas ao processo induzido são incrementais
empresa considera como suas competências distintivas ou de arquitetura.3 Elas surgem, em parte, dos investi-
(ou essenciais) e em que domínio de produto-mercado mentos em P&D da empresa. As inovações incrementais
ela pode concorrer com êxito. Enquanto, nas empresas ou de arquitetura não são necessariamente inovações
pequenas, a estratégia corporativa e a ação estratégica pequenas; por exemplo, desenvolver a fuselagem da
estão ligadas de forma estreita; geralmente, as empresas nova geração de aeronaves é uma inovação incremental
maiores requerem a criação de um contexto estrutural (e, às vezes, parcialmente de arquitetura) para a Boeing
para garantir a ligação entre a estratégia e a ação. O porque é bem compreendido no contexto da estratégia
contexto estrutural serve para selecionar as iniciativas corporativa de uma empresa. Entretanto, um projeto
estratégicas que se ajustam à estratégia corporativa e como esse envolve um investimento de bilhões de dóla-
alavancar a aprendizagem organizacional na qual se res. No processo induzido, a inovação também tende
baseia a estratégia corporativa. O contexto estrutural a passar do estado “fluido” para o “específico” (maior
engloba mecanismos administrativos (como regras de importância da inovação de processo em relação à ino-
alocação de recursos) e culturais (como regras de com- vação de produto)4 à medida que os produtos atingem a
portamento esperado). fase madura no ciclo de vida de suas tecnologias subja-
A ação estratégica autônoma está fora do escopo centes. O ajuste a essa nova base de concorrência decor-
da estratégia corporativa de um momento atual e abre rente dessa mudança muitas vezes apresenta problemas
novos nichos ambientais. As iniciativas autônomas difíceis de gerir.5 No curto e médio prazos, a gestão das
inovações incrementais e de arquitetura é o desafio de

1
R. A. Burgelman, “A Model of Interaction of Strategic Behavior, Cor-
porate Context, and the Concept of Strategy”, Academy of Management 2
R. A. Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and Strategic Manage-
Review 8 (1983), pp. 61-70; “Intraorganizational Ecology of Strategy ment: Insights from a Process Study”, Management Science 29 (1983),
Making and Organizational Adaptation: Theory and Field Research”, pp. 1649-64; “Intraorganizational Ecology”; and “Fading Memories”.
Organization Science 2 (1991); “Fading Memories: A Process Theory 3
R. M. Henderson and K. B. Clark, “Architetural Innovation: The Re-
of Strategic Business Exit in Dynamic Environments”, Administrative configuration of Existing Product Technologies and the Failure of Esta-
Science Quarterly 39 (1994), pp. 24-56; G. Donaldson and J. Lorsch, blished Firms”, Administrative Science Quarterly 35 (1990), pp. 9-30.
Decision Making at the Top (New York: Basic Books, 1983); K. Weick, 4
W. Abernathy, The Productivity Dilemma (Baltimore: The Johns
“Substitutes for Corporate Strategy”, in D. J. Teece, ed., The Competitive Hopkins University Press, 1978).
Challenge (Cambridge, Mass.: Ballinger, 1987), pp. 221-34. 5
Burgelman, “Fading Memories”.
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      335

inovação mais importante que as empresas estabeleci- cesso autônomo, as empresas devem desenvolver capaci-
das enfrentam. No longo prazo, a gestão das inovações tações para gerir o empreendedorismo interno.
disruptivas, aquelas que geram novos modelos de negó-
cios, normalmente se mostra mais problemática. Para Um exercício de equilíbrio Durante o seu desenvolvi-
enfrentar esse desafio, as empresas devem desenvolver mento, as empresas também devem equilibrar a ênfase
capacitações de desenvolvimento de produtos e proces- relativa nesses dois desafios fundamentais. Trata-se de
sos que sejam fortes e flexíveis ao mesmo tempo, de uma tarefa difícil porque, em parte, os dois desafios de
modo que os processos adequados possam ser empre- inovação requerem diferentes abordagens de gestão e
gados para cada situação. há uma forte tendência de as empresas abordarem tais
desafios de forma sequencial e não simultânea.9
Aproveitando as oportunidades de inovação no pro-
cesso autônomo Normalmente, as inovações tecnoló- Ideias relacionadas
gicas associadas ao processo autônomo são radicais. 6
Recentemente, os estudiosos têm vinculado a distin-
Tais oportunidades surgem de maneira inesperada ou ção proposta por March (1991)10 entre “exploração” e
por um feliz acaso a partir dos investimentos em P&D “aproveitamento” na aprendizagem organizacional para
da empresa, especialmente da pesquisa corporativa. As a gestão da inovação. Essas ideias podem ser relacio-
inovações radicais não são necessariamente grandes, nadas aos processos estratégicos autônomo e induzido.
pelo menos não no início. Por exemplo, a injeção ele- O processo estratégico autônomo deriva a exploração
trônica de combustível (IEC) foi inventada na Bendix nas iniciativas autônomas e no processo de determi-
Corporation por um único engenheiro; agora, porém, nação do contexto estratégico. Este último serve para
a IEC é um segmento de mais de US$ 100 milhões na selecionar as iniciativas autônomas viáveis e ligá-las à
indústria de autopeças. De modo similar, Steve Jobs e estratégia corporativa, o que resulta em sua alteração.
Steve Vozniak desenvolveram o computador pessoal em O processo estratégico autônomo, portanto, vai além
uma garagem, e as vendas totais na indústria de computa- da exploração e se preocupa em transformar os resul-
dores pessoais ultrapassaram US$ 100 bilhões em 1995. tados da exploração em novas oportunidades de apro-
O desafio de inovação colocado pelo processo estra- veitamento. De modo similar, a discussão de Tushman
tégico autônomo é importante para a sobrevivência e o e O’Reilly sobre a “organização ambidestra”11 – organi-
desenvolvimento de longo prazo de uma empresa, parti- zações ambidestras são concebidas para lidar tanto com
cularmente porque, à medida que as empresas crescem, a mudança incremental quanto a radical – também pode
sua capacidade de manter uma taxa de crescimento ser relacionada aos processos estratégicos autônomo e
com base na busca de oportunidades em suas principais induzido. Entretanto, existem algumas diferenças im-
áreas de negócio acaba diminuindo. Mais cedo ou mais portantes. Primeiro, as iniciativas estratégicas induzi-
tarde, as empresas – como Apple e IBM – devem desco- das e autônomas não se traduzem necessariamente em
brir e aproveitar oportunidades de crescimento em áreas mudança incremental ou radical. A mudança no proces-
de negócio marginalmente relacionadas (ou mesmo não so estratégico induzido, embora incremental, pode ser
relacionadas). A pesquisa sistemática mostra que essa bastante extensa. Por exemplo, desenvolver um novo
diversificação é difícil e arriscada. Não há nenhuma microprocessador é incremental para a Intel, mas en-
surpresa no fato de vários autores apontarem que as em- volve bilhões de dólares em custo de desenvolvimento.
presas devem manter o “fio condutor”7 e “ater-se ao que A mudança no processo estratégico autônomo, por sua
sabem fazer bem”.8 Trata-se de um bom conselho para vez, é radical, mas inicialmente bem pequena. Segundo,
as empresas que não têm aproveitado suficientemente as a mudança por meio do processo estratégico autônomo
oportunidades adicionais em seus principais negócios surge normalmente de maneira fortuita e um tanto ines-
por meio do processo estratégico induzido. Entretanto, perada. Inicialmente, a alta gestão não tem uma com-
isso negligencia o problema fundamental do crescimen- preensão clara de como a mudança se relaciona com
to. Para enfrentar o desafio de inovação associado ao pro-

9
R. A. Burgelman, “Managing the Internal Corporate Venturing Process”,
6
A. Cooper and D. Schendel, “Strategic Responses to Technological Sloan Mangement Review, Winter 1984, pp. 33-48; and R. A. Burgelman
Threats”, Business Horizons, 1976, pp. 61-69; R. A. Burgelman, “A and L. Valikangas, “Managing Internal Corporate Venturing Cycles”.
Process Model of Internal Corporate Venturing in the Diversified Major MIT Sloan Management Review, summer 2005, pp. 26-34.
Firm”, Administrative Science Quarterly 28 (1983), pp. 223-44; Hender- 10
J. G. March, “Exploration and Exploitation in Organizational Learning”.
son and Clark, “Architectural Innovation”. Organization Science, 1991, pp. 71-87.
7
H. I. Ansoff, Corporate Strategy (New York: McGraw-Hill, 1965). 11
M. L. Tushman and C. A. O’Reilly, “Ambidextrous Organizations:
8
T. J. Peters and R. H. Waterman, In Search of Excellence (New York: Managing Evolutionary and Revolutionary Change”. California
Harper & Row, 1983). Management Review, summer 1996, pp. 8-30.
336     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

a estratégia da empresa a partir do momento em que da empresa consistem em melhorias nos produtos e pro-
ela ocorre. Lidar com essa indeterminação é o desafio cessos existentes. Muitas vezes, o grupo de pesquisa
mais difícil enfrentado pelas iniciativas autônomas, o corporativa terá especialistas de alto nível em determi-
que destaca mais uma vez a importância do processo de nadas áreas da ciência com os quais os próprios gru-
determinação do contexto estratégico. pos setoriais de P&D ou desenvolvedores de produto
O restante desta discussão enfoca a gestão da pes- não podem arcar exclusivamente. A pesquisa corpora-
quisa corporativa e do empreendimento corporativo. tiva também pode prestar vários serviços para o resto
Destaca-se aqui o desafio da inovação associado ao da empresa: (1) ajudar os grupos de P&D divisionais
processo autônomo; o desafio associado ao processo a avaliar ameaças e oportunidades tecnológicas por
induzido – desenvolvimento de novos produtos – é dis- meio do trabalho de inteligência de alta qualidade, (2)
cutido na Parte 4. auxiliar a P&D divisional em sua gestão de recursos
humanos ajudando a recrutar pessoal técnico talentoso
GESTÃO ESTRATÉGICA DA PESQUISA e (3) facilitar transferências de tecnologia da pesquisa
CORPORATIVA corporativa para os grupos de P&D divisional ou de
desenvolvimento de produtos.
Por causa do horizonte de tempo de longo prazo, do
risco elevado e da orientação exploratória, a pesquisa Novas direções estratégicas (processo autônomo) A
corporativa apresenta problemas sutis e complexos de contribuição fundamental da pesquisa corporativa, no
gestão estratégica. As empresas estabelecidas de alta entanto, é descobrir novas áreas da tecnologia que pos-
tecnologia gastam, geralmente, uma fração significativa sam formar a base de negócios inteiramente novos. Por
dos seus ganhos – de 5% a 10% das vendas – em ativi- exemplo, invenções como o náilon na DuPont, a fibra
dades de P&D. A maior parte desses recursos é alocada óptica na Corning e o dispositivo de TC na EMI criaram
para projetos de P&D relacionados aos negócios prin- negócios inteiramente novos para essas empresas. A
cipais, mas uma fração considerável – de 10% a 15% contribuição da IBM para a supercondutividade de alta
do orçamento total de P&D – é investida na pesquisa temperatura poderá ser paga, no futuro, em oportunida-
corporativa,12 que é verdadeiramente de longo prazo, des comerciais novas, porém inimagináveis. Segundo
com risco elevado e de caráter exploratório. O esforço Rosenbloom e Kantrow,16 a pesquisa corporativa pode
da Monsanto na área de biotecnologia é um exemplo, ajudar uma empresa a manter uma janela aberta para a
como também é o estabelecimento do Palo Alto Rese- nova ciência e tecnologia, e Cohen e Levinthal17 consta-
arch Center (PARC) pela Xerox em 1970.13 Existem taram que esse tipo de pesquisa aumenta a “capacidade
questões importantes associadas com a gestão estraté- de absorção” da empresa para a nova tecnologia. Além
gica das atividades de P&D em geral, tais como (1) se a disso, ter cientistas de alto nível em P&D corporativa
empresa está colocando seus dólares de P&D nas áreas pode ajudar no recrutamento de outras pessoas de alto
da tecnologia que proporcionarão os retornos econômi- nível técnico. Enfim, a pesquisa corporativa pode aju-
cos mais elevados e (2) com que intensidade os projetos dar a identificar empresas candidatas à aquisição com a
de R&D estão ligados aos objetivos estratégicos nessas especialização técnica necessária.
áreas promissoras da tecnologia.14
Utilizar de maneira eficiente os resultados da pesquisa
Funções da pesquisa corporativa corporativa O papel da pesquisa corporativa é gerar
De acordo com Rosembloom e Kantrow,15 a pesquisa novas tecnologias, algumas das quais podem ser efe-
corporativa ajuda a enfrentar os desafios de inovação tivamente utilizadas nas várias partes da organização
associados aos processos estratégicos induzido e autô- responsáveis pelo desenvolvimento de novos produtos
nomo (ver Figura 2). para os negócios existentes (processo estratégico indu-
zido). A transferência de tecnologia da pesquisa para
Apoio aos negócios existentes (processo induzido) Como o desenvolvimento, porém, não é um problema trivial
a Figura 2 sugere, as atividades de apoio aos negócios para a maioria das empresas (ver Artigo 3-2).

12
R. S. Rosenbloom and A. Kantrow, “The Nurturing of Corporate Research”,
Harvard Business Review, January-February 1982.
13
B. Uttal, “The Lab That Ran Away from Xerox”, Fortune, September
5, 1983. Ib.
16
14
R. N. Foster, “Linking R&D to Strategy”, The McKinsey Quarterly, W. M. Cohen and D. A. Levinthal, “Absortive Capacity: A New Pers-
17

Winter 1981. pective on Learning and Innovation”, Administrative Science Quarterly


15
“The Nurturing of Corporate Research”. 35 (1990), pp. 128-52.
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      337

FIGURA 2 Funções da pesquisa corporativa

O contrato de pesquisa deve ser especificado.


O contrato de pesquisa representa o entendimento comum da missão a ser realizada.
Novas direções estratégicas Apoio aos negócios existentes
Inovações por: Melhoria e fortalecimento Diversificar para novas aplicações Identificar melhorias de produtos e
da compreensão das e mercados processos
tecnologias em uso
Descobertas e Diversificar para negócios Desenvolver novos processos para os
desenvolvimento de inteiramente novos produtos estabelecidos
novas tecnologias
Serviço corporativo por: Inteligência Abrir janelas para a nova ciência Avaliar ameaças e oportunidades
e tecnologia
Recursos humanos Recrutar novos tipos de Recrutar pessoas talentosas com alto
habilidades potencial
Transferência de Identificar candidatas à aquisição Recrutar para todas as divisões, da
tecnologia com a especialização técnica pesquisa corporativa às operações
necessária

Fonte: R. S. Rosenbloom and A. M. Kantrow, “The Nurturing of Corporate Research”, Harvard Business Review, January-February 1982, pp. 115-23.

A pesquisa corporativa também gera tecnologias que pessoais é importante para gerir as interfaces de maneira
não conseguem encontrar facilmente um lugar dentro efetiva. Essas relações estão ilustradas na Figura 3.
da infraestrutura de desenvolvimento de produtos da As relações geográficas referem-se à proximidade fí-
empresa. Essas tecnologias requerem arranjos especiais sica entre os grupos de P&D. A pesquisa conduzida por
para que possam ser viabilizadas tecnicamente (processo Allen,19 por exemplo, mostrou a importância da proxi-
estratégico autônomo). Mais adiante neste capítulo, será midade para a comunicação entre o pessoal de P&D. As
apresentado um modelo para elaborar esses arranjos. relações administrativas consistem nas relações de auto-
ridade dos diferentes grupos, ou seja, se eles reportam-se
Formas de gerir as principais interfaces ao mesmo superior. À medida que eles o fazem, é natu-
ralmente mais fácil impor a colaboração formal. As rela-
Interface entre pesquisa corporativa e P&D divisional
ções pessoais referem-se à rede de contatos informal que
(processo induzido) É difícil gerir a interface entre
os pesquisadores desenvolvem na empresa. Embora mais
pesquisa corporativa e P&D divisional por causa das
fugazes, esses laços provavelmente têm o maior impacto
diferentes orientações e expectativas dos grupos envol-
na qualidade da colaboração entre o pessoal da pesquisa.
vidos.18 Os cientistas nos laboratórios divisionais ou as
pessoas no desenvolvimento de produtos normalmente Interface entre pesquisa corporativa e pesquisa para
desejam encomendar estudos experimentais ou obter fins comerciais (processo autônomo) Desenvolver
ajuda especializada da pesquisa corporativa. Eles ten- novas áreas de negócio com base na pesquisa corpo-
dem a encarar a pesquisa corporativa como provedora rativa é uma tarefa empreendedora. Nesse processo,
de um serviço e esperam que esta seja sensível às suas é necessário ligar as novas soluções tecnológicas às
iniciativas e aos seus pedidos. No entanto, essa pesquisa necessidades do mercado e obter recursos adicionais
tende a encarar a si própria como executora de trabalhos para criar um novo negócio comercialmente viável, o
na fronteira das áreas da ciência que prometem ser de que exige insumos da pesquisa corporativa e dos espe-
grande importância para o sucesso da empresa no longo cialistas em pesquisa de negócios. É difícil gerir a inter-
prazo e resistem às solicitações para executar a resolução face entre a pesquisa corporativa e os especialistas em
de problemas técnicos de nível inferior. Os membros da pesquisa para fins comerciais, como a interface entre
pesquisa corporativa querem ser considerados “consulto- pesquisa corporativa e P&D divisional. Birgelman e
res” que iniciam melhorias nos programas de pesquisa de Sayles20 identificaram vários fatores que afetam a inter-
P&D divisional. Dadas essas diferentes expectativas, o face entre a pesquisa corporativa e os profissionais de
uso cuidadoso das relações administrativas, geográficas e pesquisa para fins comerciais (ver Figura 4).

19
T. J. Allen, Managing the Flow of Technology (Cambridge, Mass.: MIT
R. A. Burgelman and L. R. Sayles, Inside Corporate Innovation (New
18
Press, 1977).
York: Free Press, 1986). 20
Inside Corporate Innovation.
338     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

FIGURA 3 Ligações entre as unidades de P&D comercial de uma ideia técnica e não em sua novidade
e em saber se ela resolverá uma necessidade técnica do
Geográfica cliente dentro de parâmetros de custo aceitáveis.
Fechada Aberta Enfim, as diferenças de experiência e interesses pes-
Pessoal Pessoal soais podem impedir a interação eficaz entre os grupos.
Fechada Aberta Fechada Aberta Os cientistas corporativos geralmente são especialistas
e acumularam experiência por meio da pesquisa pro-
União funda e focada. De modo inverso, os profissionais de
Administrativa

Fechada
forte
pesquisa para fins comerciais muitas vezes não são espe-
Sem cialistas, mas têm experiências mais amplas e diversas.
Aberta
união
Formas de relacionar a pesquisa corporativa à
estratégia de desenvolvimento corporativo
Os ambientes de trabalho da pesquisa corporativa e Para facilitar a gestão estratégica, deve-se estabelecer
dos profissionais de pesquisa para fins comerciais são um papel claro para a pesquisa corporativa (ver Fi-
bem diferentes. Os pesquisadores corporativos traba- gura 2). Além disso, a alta gestão deve garantir que a
lham na tradição bem estabelecida da pesquisa cientí- pesquisa corporativa apoie a estratégia de desenvolvi-
fica e têm posições claramente descritas na hierarquia mento corporativo da empresa. Isso requer que a alta
de gestão da pesquisa (cientista de bancada, líder de gestão estabeleça um processo efetivo para decidir que
grupo, gestor de P&D, etc.). O método científico que novos negócios e competências a empresa deseja de-
orienta o seu trabalho é bem codificado e os bancos de senvolver. Uma estratégia clara de desenvolvimento
dados que eles utilizam são, em grande parte, sistemá- corporativo permite que a alta gestão avalie a impor-
ticos e objetivos. Além do mais, as pressões de tempo tância estratégica das diferentes áreas de pesquisa com
encontradas são majoritariamente autogeradas porque é a ajuda do cientista-chefe da empresa, do vice-presi-
difícil para a gestão comprimir de forma significativa o dente corporativo de tecnologia ou de outro represen-
tempo necessário para executar experimentos cruciais tante sênior da P&D.
e praticamente impossível requisitar descobertas cien-
tíficas. O tempo necessário para concluir um estudo Avaliação da oportunidade tecnológica Rosenberg21
científico é determinado, em grande parte, pela lógica elaborou um esboço de como a elevada incerteza envol-
do método científico. Os profissionais de pesquisa para vida nas mudanças tecnológicas torna extremamente
fins comerciais, por sua vez, trabalham em uma tradi- difícil avaliar as oportunidades comerciais associadas,
ção de pesquisa menos bem definida e sua hierarquia de mesmo depois do estabelecimento da sua viabilidade
trabalho é menos clara. Seus métodos tendem a ser mais tecnológica. Por exemplo, uma das aplicações mais
ad hoc e menos codificados, e seus bancos de dados são, importantes do laser têm sido nas telecomunicações.
em geral, menos sistemáticos e mais subjetivos. Os pro- No entanto, “os advogados do Bell Labs relutaram
fissionais de pesquisa são mais propensos a encontrar inicialmente em solicitar uma patente do laser, pois
pressões de tempo geradas externamente (por exemplo, acreditavam que a invenção não tinha relevância para
de clientes com problemas técnicos) que determinam o a indústria da telefonia”.22 Rosenberg formulou cinco
dimensões da incerteza fundamental que restringem a
intervalo de tempo dentro do qual deve ser encontrada
capacidade de prever o valor das tecnologias radical-
uma solução.
mente novas:
As orientações profissionais dos dois grupos tam-
bém são um tanto diferentes. Os cientistas corporati- 1. As inovações tecnológicas surgem em condições primi-
vos consideram a serendipidade (e a imprevisibilidade tivas e com propriedades e características cuja utilidade
concomitante) um modo de vida e estão interessados não pode ser avaliada imediatamente (p. ex., o laser não
principalmente em buscar novas ideias e descobrir ma- foi um substituto óbvio para algo que já existisse).
neiras de melhorar o desempenho técnico de formas im- 2. O impacto das inovações tecnológicas depende frequente-
portantes. Os cientistas corporativos esperam que seu mente de aprimoramentos em invenções complementares
trabalho seja avaliado principalmente em relação à qua-
lidade da pesquisa, e não quanto à utilidade comercial
dos seus resultados. Os profissionais de pesquisa para 21
N. Rosenberg, “Uncertainty and Technological Change”, artigo pre-
fins comerciais, por sua vez, trabalham geralmente em parado para a Conferência sobre Crescimento e Desenvolvimento: A
Economia do Século XXI, organizada pelo Center for Economic Policy
um modelo de planejamento que requer resultados co- Research da Stanford University, June 3-4, 1994.
merciais previsíveis. Eles estão interessados no impacto 22
Ib., p. 5.
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      339

FIGURA 4 Diferenças sistemáticas entre o pessoal de negócios e de P&D

Pessoal de P&D Pessoal de pesquisa para fins comerciais


Ambiente de trabalho
1. Estrutura Bem definida: existência de tradição de Mal definida: nenhuma tradição de pesquisa
pesquisa; posições claramente descritas real; posições menos claramente definidas
2. Métodos Científicos e codificados Ad hoc e não codificados
3. Banco de dados Sistemático e objetivo Não sistemático e em grande parte subjetivo
4. Pressões de trabalho e tempo Principalmente internas; quanto tempo demora? Principalmente externas; quanto tempo temos?

Orientações profissionais
5. Pressupostos operacionais Serendipidade Planejamento
6. Metas “Novas” ideias; isto pode ser melhorado? “Grandes” ideias; isto funciona?
7. Critérios de desempenho Qualidade da pesquisa Quantidade de resultados

Qualidade do pessoal
8. Formação educacional Ph.D. Mestre
9. Experiência Profunda e focada Ampla e diversa

Interesses pessoais
10. Objetivos de carreira Tornar-se gestor de risco? Tornar-se gestor de risco?

Fonte: Burgelman and Sayles, Inside Corporate Innovation (New York: Free Press, 1986).

(p. ex., a utilidade do laser nas telecomunicações dependia • Há pesquisadores de primeira classe disponíveis para
da disponibilidade de fibras ópticas). buscá-las?
3. As principais inovações tecnológicas constituem siste- • Grandes investimentos alavancam avanços importantes?
mas tecnológicos inteiramente novos, mas é difícil con- • Quantos anos se passarão até que possamos ver resul-
ceituar tais sistemas (p. ex., o telefone foi conceituado tados úteis?
originalmente como um instrumento principalmente • Quantos fracassos e sucessos os outros tiveram nesta
comercial). área?
4. Muitas vezes, as principais inovações tecnológicas ti-
veram suas origens nas tentativas de solucionar pro- Se uma proposta sobreviveu a essa triagem inicial,
blemas muito específicos e levaram a usos imprevistos e antes do comprometimento de recursos, Pake e outros
(p. ex., o motor a vapor foi inventado especificamente na Xerox perguntaram:
como um dispositivo para bombear a água das minas • A tecnologia especializada pode ser obtida dos fornece-
inundadas). dores ou por meio de aquisição?
5. O impacto definitivo das inovações tecnológicas depende • Quais custos incorreremos ao desalojarmos um pro-
da capacidade de ligá-las efetivamente a categorias es- grama de pesquisa existente para implementar a nova
pecíficas das necessidades humanas (p. ex., foi David proposta?
Sarnoff, não Marconi, que vinculou a possibilidade da
• Há esperança suficiente de que um resultado bem-
comunicação sem fio às necessidades humanas).
-sucedido possa ser passado para a linha comercial da
A avaliação das oportunidades tecnológicas faz empresa?
parte da gestão da pesquisa corporativa. Rosenbloom • O capital necessário estará disponível?
e Kantrow23 divulgaram os critérios utilizados por Responder a essas questões envolve tanto julgamen-
George Pake, ex-presidente de pesquisa corporativa
to qualitativo quanto quantitativo. A capacidade da alta
da Xerox, para avaliar as oportunidades tecnológicas.
gestão para avaliar a qualidade do pensamento dos ges-
Pake fez as seguintes perguntas:
tores de P&D, líderes de grupo e cientistas de bancada
na pesquisa corporativa é crucial aqui. Como o caso da
milagrosa fibra Kevlar da DuPont apresentado a seguir,
muitas vezes as dimensões técnicas dessas oportunida-
des são muito mais fáceis de prever do que a natureza
23
“The Nurturing of Corporate Research”, p. 121. do mercado para as inovações.
340     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

O papel dos diferentes níveis de gestão da pesquisa po envolviam-se com frequência em começar um novo
corporativa Os principais níveis operacionais na pes- empreendimento com base na pesquisa corporativa.
quisa corporativa são: Eles estavam suficientemente próximos do trabalho de
• Técnicos (em geral, bacharéis ou mestres em ciências pesquisa real para compreender de forma plena como
ou engenharia, responsáveis por ajudar os cientistas na uma determinada solução técnica poderia satisfazer
implementação dos experimentos, análise de dados, uma necessidade do mercado e eram suficientemente
etc.); familiarizados (e ligados) ao ambiente corporativo para
• Cientistas de bancada (em geral, doutores em ciências serem capazes de agir como promotores de um produto.
ou engenharia recém-formados, responsáveis por proje-
tos de pesquisa específicos); Alocação de recursos para a pesquisa corporativa
• Líderes de grupo (em geral, doutores em ciências ou Depois que as áreas da pesquisa corporativa recebem
engenharia com um currículo sólido como “colegas res- apoio da alta gestão com base em sua relevância para
peitados” em suas especialidades, responsáveis por uma a estratégia corporativa e na abundância de suas opor-
equipe de cientistas de bancada e seus projetos); tunidades tecnológicas, os recursos podem ser alocados
• Gestores de P&D (gestores seniores a quem os líderes de para elas. A pesquisa corporativa, no entanto, é inerente-
grupo se reportam); e mente inercial: para superar os obstáculos conceituais e
• Diretor de P&D de âmbito corporativo (responsável empíricos associados com a descoberta e a invenção, os
pelo esforço global de pesquisa corporativa).24 cientistas precisam ser tenazes e persistentes. As trajetó-
O diretor de pesquisa corporativa normalmente re- rias da estratégia corporativa e da pesquisa corporativa
porta-se a um vice-presidente responsável pela área de são propensas a divergir. Além disso, as oportunidades
P&D e pelos esforços de tecnologia da empresa. Algu- tecnológicas podem não se materializar no ritmo ou na
mas vezes, a empresa terá um cientista-chefe e/ou um magnitude originalmente previstos. Ao mesmo tempo
conselho consultivo científico para ajudar o CEO e a em que é desaconselhável romper com os horizontes
alta gestão nas decisões relacionadas às áreas de P&D e de longo prazo dos projetos de pesquisa corporativa, é
tecnologia. Além disso, a empresa poderá ter uma hie- necessário monitorar o padrão de alocação de recursos.
rarquia paralela de posições científicas para reconhecer A gestão estratégica da pesquisa corporativa requer um
os níveis de realização dos cientistas que não desejam exame científico minucioso pela gestão da pesquisa e
tornar-se “gerentes”. um exame financeiro minucioso pela gestão do negócio.
Embora a responsabilidade final pela pesquisa cor- Algumas empresas, particularmente a Merck, conside-
porativa resida na alta gestão, Burgelman e Sayles25 raram útil aplicar uma estrutura de avaliação das opções
constataram que muitas decisões críticas são tomadas aos investimentos em pesquisa corporativa.26
realmente pelos gestores seniores (mas não pela alta
gestão). Os gestores de P&D estabeleceram diretrizes COMO GERIR O EMPREENDEDORISMO
gerais e amplos programas de pesquisa para seus líderes CORPORATIVO
de grupo e os cientistas de bancada que se reportam a O desafio de gestão colocado pela ação
eles. Esses gestores buscaram manter uma equipe sólida estratégica autônoma
e confiável, já que a interação entre gestor e pesquisa-
A atividade empreendedora interna com base em tec-
dores é um fator crítico para o sucesso técnico da P&D.
nologia muitas vezes surge de maneira espontânea.27
Nesse processo, parece clara a importância do respeito
Tal aspecto não surpreende porque as empresas quase
intelectual do gestor de P&D: seu conhecimento e sua
continuamente trazem novos talentos que interagem
capacidade crítica, em que não se deixa ser facilmente
com recursos, competências e capacitações existentes
convencido pelos pesquisadores, são elementos impor-
na empresa de maneira que não podem ser plenamente
tantes para a construção e aprimoramento do conheci-
antecipados.28 A seguir, apresentamos alguns exemplos:
mento técnico. Além disso, o líder de grupo exercia um
papel muito importante para a realização de julgamen- • Em 1966, as calculadoras eram, em grande parte, mecani-
tos substantivos. Os líderes de grupo vivenciavam mais zadas. Um jovem que trabalhava para uma das empresas
intensamente a tensão entre a relevância de uma área de calculadoras apresentou um modelo de calculadora
científica para a empresa e a necessidade de exercer
uma boa ciência. Ao mesmo tempo, os líderes de gru-
26
N. A. Nichols, “Scientific Management at Merck: An Interview with
CFO Judy Lewent”, Harvard Business Review, January-February 1994.
27
Burgelman, “A Process Model”.
24
Burgelman and Sayles, Inside Corporate Innovation. 28
E. T. Penrose, The Theory of the Growth of the Firm (Oxford: Bla-
25
Ib. ckwell, 1968).
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      341

FIGURA 5 Problemas de interface que envolvem a Divisão de Novos Negócios (DNN)

Interfaces entre DNN e divisões Interfaces entre DNN e gestão corporativa


operacionais
Interferências estratégicas • Questões de proteção de domínio • Falta de estratégia de diversificação
• Considerações sobre sinergia • Limites para a taxa de mudança estratégica que
pode ser absorvida
• Efeitos sobre a imagem corporativa
Atritos administrativos/culturais • Rigidez resultante do sistema de gestão • N egligência das regras e dos regulamentos
• Questões de transferência de pessoal corporativos
• Sistemas de avaliação de desempenho e
recompensa inadequados
• Resistência à institucionalização

Fonte: Adaptado de R. A. Burgelman, “Managing the New Venture Division: Research Findings and Implications for Strategic Management”, Strategic
Management Journal, January-March 1985.

eletrônica para a Hewlett-Packard. A sua própria empresa para a alta gestão considerar as implicações potenciais da
não estava interessada no projeto porque não tinha capa- iniciativa para a posição estratégica da empresa. No caso
citações adequadas em eletrônica. Apesar das previsões das calculadoras, a alta gestão da empresa de calculadoras
de pesquisa de mercado serem desfavoráveis,29 William mecânicas poderia ter esperado para considerar as impli-
Hewlett defendeu pessoalmente o projeto. cações estratégicas decorrentes da entrada bem-sucedida
• Em 1980, Sam H. Eletr, gerente de um dos laborató- de uma calculadora eletrônica no mercado. Muitas vezes,
rios da Hewlett-Packard, tentou persuadir o pessoal de eles não esperam. Como a ação estratégica explora as fron-
novos produtos da empresa a entrar na biotecnologia. “A teiras do conjunto de competências essenciais e distintivas
sala inteira riu de mim”, afirmou Sam. Mas os capitalis- da empresa e das oportunidades de produto-mercado cor-
tas de risco não riram. Eles convenceram Eletr a sair da respondentes, ela é uma parte vital do processo estratégico
Hewlett-Packard e apostaram US$ 5,2 milhões para que ele
das empresas estabelecidas.
começasse uma nova empresa. Seu produto era a máquina
de genes que produzia DNA, o material básico do código O uso de uma divisão de novos negócios
genético – e a matéria-prima essencial no florescente negó-
cio da engenharia genética. Vários anos mais tarde, a Hew- Criar uma divisão de novos negócios distinta foi uma
lett-Packard formou uma joint venture com a Genentech maneira de a alta gestão aproveitar-se das iniciativas
Inc. para desenvolver ferramentas de biotecnologia, e um estratégicas autônomas que surgiram frequentemente
dos produtos considerados foi a máquina de genes.30 com base nas tecnologias desenvolvidas na pesquisa
corporativa. Com base nisso, os empreendedores inter-
Como a gestão corporativa deve lidar com as inicia- nos devem ser autorizados a buscar negócios livres das
tivas estratégicas autônomas? É claro que nem toda ini- restrições da gestão do negócio principal da empresa.
ciativa nova pode ou deve ser apoiada. Contudo, parece Tendo atingido massa crítica, um novo negócio pode
razoável perguntar se a alta gestão das empresas, nesses ser transferido para uma divisão operacional como uma
exemplos, tomou uma decisão estratégica de não insistir nova unidade de negócio ou departamento, ou ainda,
nas iniciativas autônomas dos seus empreendedores inter- se for suficientemente grande, o negócio pode tornar-se
nos. Com base em uma perspectiva de gestão estratégi- uma divisão independente. A perspectiva de tornar-se o
ca, não é razoável rejeitar a calculadora eletrônica porque gestor de um grande novo negócio no contexto corpora-
“não temos capacitação em eletrônica” ou a máquina de tivo foi um forte incentivo para os pretensos empreen­
fazer genes porque “não estamos no setor de biotecno- dedores corporativos. Fast31 e Burgelman e Sayles,32
logia”. Na empresa, certamente havia competências im- entretanto, documentaram sérios problemas associados
portantes que habilitariam os empreendedores internos a com a concepção da DNN. Os problemas, conforme a
desenvolver melhor suas ideias e, até mesmo, desenvolver síntese de Burgelman,33 estão resumidos na Figura 5.
um protótipo. Mesmo se não houvesse relação aparente
com as capacitações e habilidades atuais, era importante
31
N. D. Fast, The Rise and Fall of Corporate New Venture Divisions (Ann
Arbor, Mich.: U.M.I. Research Press, 1979).
29
R. M. Atherton and D. M. Crites, “Hewlett-Packard: A 1975-1978 Re- 32
Burgelman and Sayles, Inside Corporate Innovation.
view”, Harvard Case Services, Boston, Mass. 1980. 33
R. A. Burgelman, “Managing the New Venture Division: Research Fin-
30
“After Slow Start, Gene Machines Approach a Period of Fast Growth dings and Implications for Strategic Management”, Strategic Mana-
and Steady Profits”, The Wall Street Journal, December 13, 1983. gement Journal, 1985.
342     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Problemas na interface entre DNN e divisão opera- FIGURA 6 Rumo a uma estrutura de avaliação
cional Na interface entre a DNN e as divisões ope- Principais dimensões e suas implicações
racionais, possíveis interferências estratégicas giram
Dimensões: Implicações:
em torno do domínio produto-mercado e das questões
de sinergia. O domínio produto-mercado dos novos Importância Grau de Relações
estratégica controle administrativas
negócios destina-se a envolver áreas de negócio fora
(autoridade)
das divisões operacionais, mas, à frente, quase sem-
Alternativas de
pre há conflitos de interesses estratégicos. Por exem- projeto
plo, uma divisão operacional pode querer absorver um organizacional
novo negócio enquanto seu gestor ainda está tentando
demonstrar que ele será suficientemente grande para Afinidade Considerações Relações
justificar a criação de uma divisão separada. Além operacional sobre eficiência operacionais

disso, uma divisão operacional pode estar preocupada (redes de relacionamento pessoal)

se a força de vendas de um novo negócio começa a ir ao


Fonte: R. A Burgelman, “Managing Corporate Entrepreneurship: New
encontro de seus clientes existentes. Structures for Implementing Technological Innovation”, Technology in
Society (December 1985), pp. 91-103.
Além das possíveis interferências estratégicas, po-
dem surgir atritos administrativos. Um sistema de ges-
tão corporativa uniforme pode criar empecilhos para de um novo negócio pode motivar ações pouco funcio-
que um novo negócio obtenha recursos de uma divisão nais. Por exemplo, se o tamanho de um negócio (volu-
operacional porque os gestores divisionais consideram me de vendas ou quantidade de pessoal) for o critério
que devem ater-se aos seus planos de ação (os quais não mais importante de reconhecimento gerencial, pode não
incluem ajudar negócios incipientes). As transferências ser surpresa que os gestores de novos negócios venham
de pessoal entre as divisões e o novo negócio são di- a tentar fazer o seu negócio crescer rapidamente, por
fíceis quando o pessoal divisional preocupa-se em ser vezes em detrimento de outras considerações. Além do
reincorporado no negócio principal da empresa se um mais, esses gestores são propensos a resistir às tentati-
novo negócio deixar de operar. vas da parte da gestão corporativa de institucionalizar
seu negócio – para agir mais como o resto da empresa
Problemas na interface entre DNN e gestão – à medida que sintam que a máquina corporativa esteja
corporativa atrapalhando a sua luta pelo sucesso no mercado.
Um problema-chave que a DNN enfrenta é que a em-
presa não possui uma estratégia clara de diversificação Uma estrutura para avaliar as iniciativas de
corporativa. Além disso, muitas vezes, a gestão corpo- empreendedorismo interno
rativa não tem uma ideia clara sobre o ritmo da mudan- Como a gestão corporativa pode melhorar sua capacida-
ça estratégica que a empresa consegue sustentar. Enfim, de de lidar com a ação estratégica autônoma se simples-
a alta gestão pode passar a se preocupar tardiamente mente, conforme visto, colocar essa iniciativa em uma
com os efeitos das atividades de um negócio na imagem
divisão de novos negócios frequentemente não funcio-
corporativa. Por exemplo, se um negócio vendeu um
na? Uma primeira etapa na abordagem dessa questão
equipamento defeituoso, as ramificações para a corpo-
é reconhecer que negócios diferentes têm necessidades
ração se estenderiam para além do negócio em si. Sem
diferentes e nem todos os negócios podem ser tratados
ter certeza do que esperar, a alta gestão muitas vezes
da mesma forma. A etapa seguinte é desenvolver uma
adota uma postura hesitante rumo aos novos negócios.
Os gestores de novos negócios estão cientes disso e per- estrutura analítica que possa ser utilizada para avaliar
cebem que têm tempo limitado para tomar uma decisão. as iniciativas empreendedoras e que leve a conclusões
Isso coloca uma pressão enorme sobre eles para mostra- preliminares sobre o uso de várias alternativas de pro-
rem crescimento rápido em um curto período. jeto organizacional para estruturar efetivamente a rela-
Os atritos administrativos na interface DNN-gestão ção entre as iniciativas empreendedoras e a empresa.
corporativa às vezes resultam da negligência ocasional A estrutura conceitual proposta concentra-se em duas
das regras e dos regulamentos corporativos por parte do dimensões principais da tomada de decisão estratégica
novo negócio: algumas vezes, o gestor de novos negó- pertinentes às propostas empreendedoras internas: a im-
cios se sentirá compelido a burlar os procedimentos ope- portância estratégica esperada para o desenvolvimento
racionais padrão da empresa a fim de sobreviver. Além corporativo e o grau em que as propostas estão rela-
disso, a ausência de sistemas de medição desempenho cionadas com as capacitações fundamentais da empresa
e recompensa adaptados às tarefas de desenvolvimento (ou seja, sua afinidade operacional) (ver Figura 6).
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      343

Avaliar a importância estratégica Avaliar a impor- a utilidade da análise é que tais avaliações tenham base
tância estratégica envolve considerar as implicações em fatores reais e específicos.
de uma iniciativa empreendedora na posição de pro-
duto-mercado da empresa. No exemplo da máquina de Avaliar a afinidade operacional A afinidade operacio-
genes na Hewlett-Packard, a avaliação da importância nal diz respeito ao grau em que uma iniciativa empreen-
estratégica abordaria a questão se o fato de não insistir dedora requer competências e capacitações que difiram
na iniciativa impedisse a empresa de entrar na bioele- das competências centrais da corporação. As iniciativas
trônica, uma nova área potencialmente importante da empreendedoras baseiam-se geralmente em novas com-
instrumentação eletrônica. petências e podem ter o potencial para sinergias posi-
Como a gestão pode avaliar a importância estratégi- tivas ou negativas com as competências/capacitações
ca de uma iniciativa empreendedora? Embora seja uma existentes. Além disso, os empreendedores internos
responsabilidade importante, muitas vezes a alta gestão frequentemente reúnem trechos de tecnologia e conhe-
não está bem guarnecida para assumi-la. Nas empresas cimento de outras partes da organização que, de outra
estabelecidas, os gestores de nível corporativo tendem forma, permaneceriam sem uso.
a subir por meio da hierarquia, depois de conquistarem A fim de poder fazer a avaliação necessária da afi-
a sua reputação como chefes de uma ou mais divisões nidade operacional, mais uma vez a gestão corporativa
operacionais da empresa. No momento em que alcan- precisa contar com as interações reais com os gestores
çam o nível da alta gestão, eles desenvolvem um refe- de nível médio que promovem projetos empreendedo-
rencial altamente confiável para avaliar as estratégias res. Há problemas e questões cruciais que precisam ser
de negócio e as propostas de alocação de recursos re- abordados:
lacionadas à principal linha de negócios da empresa. • Quais capacitações fundamentais são necessárias para
Pelo mesmo motivo, o conhecimento real das novas que este projeto seja bem-sucedido?
tecnologias e mercados é limitado. A alta gestão tende • Onde, como e quando a empresa os terá, se ainda não os
a contar com a equipe corporativa, consultores e inte- tiver, e a que custo?
rações informais com colegas de outras empresas para • Quem mais poderia ser capaz de fazê-lo, talvez melhor?
avaliar novas áreas de negócio. Essas fontes de infor- • Como essas novas capacitações afetarão as capacida-
mação têm méritos, nas não substituem os esforços para des empregadas atualmente no negócio principal da
compreender as questões reais associadas com uma ini- empresa?
ciativa autônoma. Os altos executivos dependem dos • Que outras áreas possivelmente poderão exigir esfor-
gestores de nível médio, que estão mais próximos de ços inovadores bem-sucedidos se a empresa seguir em
novas tecnologias e mercados e promovem as iniciati- frente com este projeto?
vas autônomas com base nas suas próprias avaliações • O que está faltando na análise?
substantivas. Tais interações aumentam a capacidade Para ajudar a alta gestão com essa avaliação, é útil
da alta gestão para fazer avaliações estratégicas mais desenvolver um estoque de competências/capacitações
sólidas. Entre os exemplos de questões críticas a serem que indique como elas estão distribuídas nos negócios
abordadas nessas interações reais, temos: atuais da empresa. Por causa disso, às vezes as novas
• Como essa iniciativa mantém a capacidade da empresa iniciativas serão classificadas como muito ou nada re-
para transitar em áreas nas quais os grandes concorren- lacionadas. Em outros casos, a situação levará a uma
tes atuais ou potenciais podem transitar? avaliação parcialmente relacionada. Essas avaliações
• Como ela ajuda a empresa a determinar aonde não ir? mais uma vez devem ser feitas em termos específicos,
• Como ela ajuda a empresa a criar novos nichos defen- substantivos, para cada iniciativa.
sivos?
• Como ela ajuda a mobilizar a organização? Alternativas de projeto organizacional para o
• Em que medida ela poderia colocar a empresa em risco? empreendedorismo corporativo
• Quando a empresa deveria abandoná-la se ela parecer Depois de avaliar uma iniciativa empreendedora em
não funcionar? termos da importância estratégica e da afinidade ope-
• O que está faltando na análise? racional, a gestão corporativa deve escolher um projeto
A avaliação estratégica pode resultar na caracteriza- organizacional para estruturar a relação entre a oportu-
ção de uma proposta como muito ou nada importante. nidade do novo negócio e a corporação que seja condi-
Em outros casos, a situação será mais ambígua e levará zente com a sua posição na estrutura de avaliação, o que
a avaliações tais como “importante para o momento” envolve várias combinações de ligações administrati-
ou “pode ser importante no futuro”. Fundamental para vas e operacionais.
344     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Determinar as relações administrativas A avaliação FIGURA 7 Projeto organizacional para o


empreendedorismo corporativo
da importância estratégica tem implicações no grau de
controle que a gestão corporativa deve manter sobre o
Alternativas de projeto
desenvolvimento do novo negócio. A premissa é que as
empresas, como os indivíduos, querem exercer controle 3 6 9
Unidades Unidades Separação
sobre os fatores que possam afetar sua posição estra- Não
de negócio de negócio total
relacionada
tégica e, portanto, sua liberdade de agir e buscar seus especiais independentes (spin-off)

Afinidade operacional
objetivos. Isso, por sua vez, tem implicações nas rela-
2 5
ções administrativas a serem estabelecidas. Se a impor- Parcialmente Departamento Divisão 8
tância estratégica for alta, essas fortes relações serão relacionada de novos de novos Contratar
produtos negócios
adequadas, o que significa, basicamente, que o novo
negócio deve ser contido no contexto estrutural exis- 4
Fortemente 1 Micro 7
tente da empresa. A gestão corporativa vai querer uma relacionada Integração departamento Cultivar e
voz na gestão estratégica do novo negócio por meio direta de novos
negócios
contratar

das relações hierárquicas diretas, bem como o envolvi-


Muito importante Incerta Sem importância
mento nos processos de planejamento e orçamentação
e nas escolhas entre as preocupações estratégicas dos Importância estratégica

negócios novos e existentes. Os sistemas de medição Fonte: R. A. Burgelman, “Desgins for Corporate Entrepreneurship in
de desempenho e recompensa devem refletir objetivos Established Firms”, California Management Review (Spring 1984),
pp. 154-66.
estratégicos claramente articulados para o desenvolvi-
mento do novo negócio. Entretanto, a baixa afinidade operacional pode exi-
A baixa importância estratégica, por sua vez, deve gir a dissociação completa das operações dos negócios
levar a gestão corporativa a examinar como o novo ne- novos e existentes a fim de evitar interferências. Nas
gócio pode ser separado da melhor forma. Nas situa- situações em que a afinidade operacional é parcial e não
ções mais ambíguas, em que a importância estratégica é completamente clara, a baixa associação parece mais
é julgada como um tanto obscura, a gestão corporativa adequada. Em tais situações, os fluxos de trabalho dos
deve relaxar o conceito estrutural e deixar algum espaço negócios novos e existentes devem permanecer basi-
para a ação do novo negócio em sua gestão estratégica. camente separados, e o ajuste mútuo é alcançado por
Em tais situações, resta determinar o contexto estra- meio dos papéis integradores individuais ou tipos de
tégico do novo negócio. Isso requer mecanismos que mecanismos de força-tarefa, em vez de diretamente por
facilitem a interação real entre os níveis médio e corpo- meio dos gestores operacionais. Os fluxos de informa-
rativo da gestão e sistemas de medição de desempenho ção e o know-how, porém, permanecem sem obstáculos.
e recompensa capazes de lidar com as dimensões de A Figura 6 resume as dimensões principais e suas impli-
desempenho e os objetivos estratégicos ainda incertos. cações na estrutura de avaliação.

Determinar as relações operacionais O grau de afi- A escolha de projetos organizacionais alternativos


nidade operacional tem implicações na eficiência com Várias combinações de relações administrativas e ope-
que ambos os negócios, o novo e o existente, podem ser racionais produzem diferentes alternativas de projeto. A
geridos. A premissa aqui é que as empresas procuram Figura 7 mostra nove dessas alternativas.
organizar suas operações de tal maneira que as sinergias As alternativas de projeto discutidas aqui não são
sejam maximizadas enquanto o custo das transações completas e as escalas para as diferentes dimensões
por meio das fronteiras organizacionais seja minimi- utilizadas na estrutura de avaliação continuam rudi-
zado. Isso, por sua vez, tem implicações nas relações mentares. Muito espaço foi deixado para refinamento
operacionais necessárias. Se a afinidade operacional for por meio da pesquisa adicional. Pelo mesmo motivo,
considerada alta, será adequada a forte ligação entre os a estrutura representada na Figura 7 fornece uma base
negócios novos e existentes. A gestão corporativa deve conceitual para uma série de práticas adotadas pelas
assegurar que as capacitações e qualificações novas e empresas estabelecidas.
existentes sejam bem empregadas por meio da integra-
ção dos fluxos de trabalho, do ajuste mútuo adequado Integração direta A elevada importância estratégica e
entre os usuários dos recursos, por meio das relações a afinidade operacional requerem fortes relações admi-
operacionais e dos fluxos livres de informação, e o nistrativas e operacionais, o que significa que há uma
know-how, por meios dos contatos regulares entre os necessidade de integrar o novo negócio diretamente no
profissionais dos negócios novos e existentes. negócio principal da corporação. Essa integração deve
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      345

prever a resistência interna pelas razões bem documenta- subsidiárias para aproveitar as novas oportunidades que
das na literatura sobre mudança organizacional. O papel surgem, pelo menos em parte, dos seus consideráveis
dos “campeões” – aqueles que conhecem muito bem o esforços de P&D corporativa.
funcionamento do sistema atual – pode ser importante
em tais situações. A necessidade de integração direta tal- Microdepartamento de novos negócios A importância
vez seja mais forte nas empresas altamente integradas, estratégica incerta e a alta afinidade operacional pare-
onde as mudanças radicais no conceito do produto e/ou cem típicas dos projetos “periféricos” propensos a sur-
nas tecnologias de processo podem ameaçar a posição gir nas divisões operacionais com certa continuidade.
estratégica global da empresa. Por exemplo, o desen- Em tais projetos, as relações administrativas devem ser
volvimento do float glass* pela Pilkington Glass teve fracas. O gestor do novo negócio deve ser autorizado
implicações imediatas e de longo alcance para todos os a desenvolver uma estratégia dentro das restrições de
fabricantes de vidros, incluindo a Pilkington.34 orçamento e tempo, mas não deve ser limitado pelas
estratégias atuais, divisionais ou mesmo corporativas.
Departamento de novos produtos A elevada impor- As relações operacionais devem ser fortes para tirar
tância estratégica e a afinidade operacional parcial proveito das capacitações e qualificações existentes e
exigem uma combinação de relações administrativas for- para facilitar a implantação das recém-desenvolvidas.
tes e operacionais de médias a fortes. Isso pode ser con- Norman Fast35 discutiu uma arquitetura de “microdivisão”
seguido criando-se um departamento separado em torno de novos negócios que parece adequar-se às condições
de um projeto empreendedor naquela parte (divisão ou especificadas aqui. Fast descreve como a DuPont,
grupo) da operação onde o potencial para o comparti- durante os anos 1970, afastou-se de uma divisão corpo-
lhamento de capacitações e qualificações é significante. rativa de novos negócios para reduzir o tipo de novos
A gestão corporativa deve monitorar o desenvolvimento negócios perseguidos e atrelá-los mais fortemente às
estratégico do projeto em termos substantivos e não dei- divisões operacionais da empresa.
xar que ele seja encerrado (“enterrado”) no planejamento
estratégico global dessa divisão ou grupo. Por exemplo, Divisão de novos negócios (DNN) Essa arquitetura
houve forte resistência ao desenvolvimento da injeção é proposta para as situações de ambiguidade máxima
eletrônica de combustível (IEC) no Automotive Group na estrutura de avaliação. A DNN pode atender melhor
da Bendix Corporation. Só depois que um novo gestor como uma função de “nucleação”. Ela proporciona um
assumiu e trouxe novas competências técnicas, a IEC ambiente interno fluido para o desenvolvimento de pro-
foi seriamente trabalhada pela Bendix. Naquela época, jetos que possam alavancar novos negócios para a cor-
porém, a Bosh, que havia licenciado a tecnologia da Ben- poração, mas dos quais a importância estratégica ainda
dix, estava bem mais avançada na IEC. está por ser determinada à medida que o processo de
desenvolvimento de projetos se desdobra. As relações
Unidades de negócio especiais A elevada importância administrativas devem ser bem fracas. Há a expectativa
estratégica e a baixa afinidade operacional podem exi- de que os gestores de nível médio que supervisionam
gir a criação de novas unidades de negócio especial- alguns negócios desenvolvam estratégias de “médio
mente dedicadas. As fortes relações administrativas são prazo” para novas áreas de negócio: os gestores devem
necessárias para garantir o cumprimento dos objetivos reunir projetos que existam em várias partes da corpo-
estratégicos explícitos dentro de horizontes de tempo ração e/ou que possam ser adquiridos externamente e
especificados ao longo do processo de desenvolvi- integrá-los a alguns dos projetos de negócio que eles
mento. Quase sempre será necessário integrar algumas supervisionam para que possam criar novos negócios.
dessas unidades de negócio dentro de uma nova divisão As relações operacionais também devem ser bem fracas,
operacional na estrutura corporativa. A criação de uni- embora suficientemente desenvolvidas para facilitar a
dades de negócio especiais (UNE) na IBM para entrar transferência de know-how e informações relevantes
no negócio de computador pessoal (PC) é um exem- pertinentes às capacitações e qualificações. São neces-
plo. Em meados dos anos 1980, a UNE foi dissolvida e sários horizontes de tempo longos – de 8 a 12 anos –,
as atividades de PC foram incorporadas à organização mas não se deve deixar que os negócios definhem. Na
principal da IBM. A Corning tem sido capaz de utilizar verdade, a DNN deve ser como uma “estação de tran-
sição” para novos negócios, e não um “destino”.36 Os

*
N. de T.: Float glass é uma folha feita com vidro derretido flutuando
sobre uma cama de metal fundido, normalmente estanho ou chumbo. As 35
The Rise and Fall of Corporate New Venture Divisions.
janelas modernas adotam essa tecnologia. R. A. Burgelman, Strategy is Destiny: How Strategy-Ranking Shapes a
36
34
B. Twiss, Managing Technical Innovation (London: Longman, 1980). Company’s Future (New York: Free Press, 2002), p. 376.
346     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

gestores de nível médio de alta qualidade são cruciais Separação total Se a importância estratégica e a afi-
para que essa arquitetura funcione. nidade operacional forem baixas, poderá ser mais ade-
quada a separação total. Uma decisão com base em uma
Unidades de negócio independentes Em situações avaliação cuidadosa de ambas as dimensões é suscetí-
de incerteza da importância estratégica e de afinidade vel de levar a uma decisão bem fundamentada a partir
operacional desprezível, esse arranjo pode ser mais da percepção da empresa e do empreendedor interno.
adequado. A empresa pode querer manter o controle
acionário com uma forte representação correspondente Implementação de alternativas de arquitetura
no conselho de administração, e também oferecer parte organizacional
do controle aos parceiros e à gestão do empreendi- Para implementar as arquiteturas de empreendedorismo
mento. Isso dá à gestão corporativa a opção de trazer corporativo, devem-se considerar três questões princi-
o negócio para a empresa como uma subsidiária inte- pais e seus decorrentes problemas potenciais. Primeiro,
gral ou de separá-lo completamente. A IBM, durante o a gestão corporativa e o empreendedor interno devem
início dos anos 1980, tinha várias unidades de negócio encarar a estrutura de avaliação como uma ferramenta
independentes,37 a maioria delas transformada posterior- para esclarecer – em um determinado momento – sua
mente em novas empresas. Um exemplo de propriedade comunidade de interesses e interdependências e para
conjunta é fornecido pela maneira como o Bank of estruturar um jogo cuja soma não seja zero. Segundo, a
America organizou seu negócio de capital de risco.38 gestão corporativa deve estabelecer sistemas de medição
e recompensa capazes de acomodar os requisitos de in-
Cultivar e contratar Em alguns casos, uma proposta centivo das diferentes arquiteturas.39 Terceiro, à medida
empreendedora pode ser considerada sem importância que o processo de desenvolvimento se desdobra, novas
para a estratégia de desenvolvimento corporativo da informações podem modificar a importância estratégica
empresa e ainda estar relacionada fortemente às suas e a afinidade operacional percebidas, as quais podem
capacitações e qualificações operacionais. Tais negó- exigir a renegociação da arquitetura organizacional. A
cios estarão endereçados a nichos de mercado peque- estrutura de arquitetura organizacional, portanto, deve
nos demais para serem lucrativos, mas que oferecem ser usada dinamicamente, com os negócios passando
oportunidades para uma pequena empresa. A alta gestão potencialmente de um tipo de arranjo para outro.
pode querer ajudar esses empreendedores a se separar Para lidar de maneira efetiva com as questões de im-
da empresa e, na verdade, ajudar o empreendedor a plementação e os problemas potenciais, a gestão cor-
estabelecer seu próprio negócio. Isso proporciona um porativa deve reconhecer os empreendedores internos
concorrente conhecido e amigável nesses nichos, man- como “estrategistas” e talvez até mesmo incentivá-los a
tendo os demais fora do negócio. Em vez de relações pensar como tal. Isso é necessário porque a estabilidade
administrativas ou de propriedade, pode haver uma da relação dependerá de ambas as partes sentirem que
base para relações contratuais de longo prazo nas quais alcançaram seus interesses individuais em grande parte,
a empresa pode abastecer o empreendedor de maneira dada a estrutura da situação. Da parte da gestão corpo-
rentável com um pouco do seu excesso de capacitações rativa, isso implica tentativas de apropriar os benefícios
e qualificações. As fortes relações operacionais afei- do esforço empreendedor, mas apenas até o ponto em
tas a esses contratos podem facilitar a transferência de que eles possam proporcionar a esse empreendedor a
habilidades novas ou aprimoradas desenvolvidas pelo oportunidade de ser mais bem-sucedido do que se esti-
empreendedor. vesse sozinho. Isso, por sua vez, exige simultaneamente
políticas generosas para ajudar o empreendedor interno
Contratar As possibilidades de cultivar parecem dimi- com base em uma avaliação sólida de suas propostas e
nuir conforme as capacitações e qualificações necessá- determinação inequívoca para proteger vigorosamente
rias do novo negócio estão menos relacionadas. Contudo, as capacitações e qualificações corporativas proprietá-
ainda pode haver oportunidades para acordos de licencia- rias. Durante o início dos anos 1980, as empresas no
mentos de tecnologia rentáveis e para aprender sobre as Vale do Silício, por exemplo, aumentaram suas equipes
capacitações e qualificações novas ou aprimoradas por jurídicas para defenderem-se apropriação de proprieda-
meio de alguma forma de relações operacionais. de intelectual pelas spin-offs indesejadas.40

39
B. Holmstrom, “Agency Cost and Innovation”, Journal of Economic
37
“Meet the New Lean, Mean IBM”, Fortune, June 13, 1983, p. 78. Behavior and Organization 12 (1989), pp. 305-27.
38
“Despite Greater Risks, More Banks Turn to Venture-Capital Busi- 40
“Spin Offs Mount in Silicon Valley”, The New York Times, January 3,
ness”, The Wall Street Journal, November 28, 1983. 1984.
PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA      347

Empreendedorismo corporativo estendido As inicia­ um substrato de descoberta e invenção que alimenta o


tivas estratégicas autônomas são as sementes para o processo de inovação. Muitas start-ups têm sido criadas
processo schumpeteriano interno da destruição criativa. sobre as ideias que se originaram dentro das grandes
Nos ambientes dinâmicos, porém, as variações externas empresas estabelecidas. As empresas que nasceram da
são propensas a exceder as variações internas, e algu- Hewlett-Packard, Intel e Apple, por exemplo, testemu-
mas dessas variações externas podem afetar material- nham isso. As grandes empresas estabelecidas cumprem,
mente o futuro da empresa. Para controlar o destino da assim, uma função importante que não poderia ser facil-
empresa, é melhor trazer essas variações para dentro mente desempenhada pelas pequenas empresas ou pelo
do que deixá-las ultrapassar a empresa de fora, o que governo. Além disso, algumas vezes argumenta-se que
implica que uma empresa deve ser capaz não só de o processo de inovação nas grandes empresas estabele-
manter suas próprias iniciativas empreendedoras inter- cidas é mais caro do que nas start-ups. Todavia, isso ig-
nas, mas também de aprender a inserir as iniciativas nora o fato de que muitas start-ups normalmente estão
empreendedoras externas em seu seio.41 Isso amplia o concorrendo para levar um novo produto ao mercado
desafio de gerir o empreendedorismo corporativo. As e que a maioria delas fracassa. Se os custos incorridos
iniciativas empreendedoras internas devem ser com- por todas as start-ups fracassadas fossem considerados
plementadas com iniciativas empreendedoras externas: com o custo da inovação, não está claro que o processo
identificar, financiar e integrar negócios externos rele- de inovação envolvendo as start-ups seria sempre mais
vantes. O capital de risco corporativo42 é uma ferra- eficiente do que o processo que envolve as grandes em-
menta importante para a primeira etapa desse processo: presas estabelecidas.
identificar e financiar negócios externos relevantes. A Aqui argumentamos que o processo schumpeteriano
segunda etapa envolve a integração desses negócios em inicial é, até certo ponto, reencenado nas empresas
um impulso estratégico corporativo mais amplo. Mais
estabelecidas. As empresas estabelecidas mantêm seu
uma vez, isso envolve os processos de determinação
crescimento e sua viabilidade no longo prazo tirando
do contexto estratégico para otimizar a estrutura das
proveito da exploração que os empreendedores exter-
relações entre os negócios internos e externos e as par-
nos fazem do potencial das combinações de recursos
tes existentes da corporação que podem aproveitar da
que eles reuniram. Os empreendedores internos, como
melhor forma as suas contribuições.
os externos, estabelecem novas oportunidades e mu-
dam o padrão de alocação de recursos dentro da em-
CONCLUSÃO presa. Para facilitar e gerir melhor esse processo, são
Em seus primeiros trabalhos, Schumpeter43 fez a dis- necessárias novos projetos organizacionais, o que, por
tinção entre os tipos de atividades econômicas: a em- sua vez, requer uma teoria mais rica da empresa e uma
preendedora e a gerencial. O papel do empreendedor visão mais variada do papel das hierarquias, dos con-
schumpeteriano foi mudar o padrão de alocação de tratos e mercados. As bases conceituais desses desen-
recursos na economia. No processo de inovação, os volvimentos estão sendo estabelecidas em áreas como
empreendedores criaram um vendaval de “destruição economia da organização, teoria da agência, teoria dos
criativa”. Em seu último trabalho, Schumpeter44 visua- contratos e teorias evolucionárias da estratégia e da
lizou as grandes organizações como o motor principal organização. Como de costume, já há experimentos
do processo de inovação. Apesar das dúvidas sobre as sobre as novas formas e arranjos organizacionais. No
capacitações inovadoras das grandes empresas esta- processo, eles geram novos dados e estabelecem as
belecidas, há pouca dúvida de que elas continuam a bases para novas questões de pesquisa. Uma melhor
desempenhar um papel fundamental na inovação. Por compreensão do processo de empreendedorismo cor-
meio de sua capacidade de financiar a pesquisa corpora- porativo facilitará a colaboração entre as empresas e
tiva, as grandes empresas estabelecidas proporcionam seus empreendedores internos.

41
A Cisco Systems, durante os anos 1990, é um bom exemplo.
42
Ver H. W. Chesbrough, “Making Sense of Corporate Venture Capital”,
Harvard Business School Publishing, 2002, neste livro.
43
J. A. Schumpeter, The Theory of Economic Development (Cambridge,
Mass.: Harvard University Press, 1934).
44
J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (New York:
Harper and Brothers, 1942).
1
FONTES DE
TECNOLOGIA
INTERNAS E
sEÇÃO EXTERNAS

A rtigo 3 - 1 a melhorar a rentabilidade do ciclo de vida dos seus in-


vestimentos no desenvolvimento de novas tecnologias.
Obtenção de ganhos com pesquisa
O MODELO: QUANDO, ONDE E POR QUE A
Clayton Christensen, Christopher Musso e Scott Anthony
INTEGRAÇÃO É NECESSÁRIA
A pesquisa que gera as tecnologias certas no momento Conforme retratado na Figura 1, as indústrias tendem
certo é essencial para o sucesso competitivo em muitas a migrar de um estado que favoreça as empresas inte-
indústrias. Em longo prazo, a pesquisa de novos ma- gradas com arquiteturas de produto proprietárias para
teriais, componentes e produtos permite que os pro- um estado que favoreça os produtos modulares e as
dutos tenham um desempenho melhor, custem menos empresas especializadas.1 Isso é motivado pelo fato
e gerem lucros atraentes. Contudo, a promessa que a de que, na maioria das indústrias, o ritmo de melho-
pesquisa traz não é a realidade de muitas empresas que ria de desempenho dos produtos e serviços supera a
nela investem. O desenvolvimento da tecnologia revo- capacidade de os clientes utilizarem esse progresso.2
lucionária muitas vezes não leva a um salto nas vendas No lado superior esquerdo da Figura 1, quando há um
de produtos, mesmo em um prazo muito longo; e os lapso de desempenho – casos em que a funcionalidade
concorrentes, com frequência, apropriam-se de novas e a confiabilidade não são boas o bastante para abor-
tecnologias e comercializam-nas com mais agilidade do dar as necessidades dos clientes em uma determinada
que as empresas que pagaram para desenvolvê-las. camada do mercado –, as empresas devem concorrer
Este artigo propõe um modelo que pode ajudar os produzindo os melhores produtos possíveis. Quando as
gestores a prever se, quando e por que as novas tecno- condições competitivas impulsionam os engenheiros
logias que eles contemplam desenvolver criarão valor a criar os produtos com o melhor desempenho possí-
comercial e quando isso não acontecerá. As empresas vel, eles devem experimentar a aderência dos itens de
cometem dois tipos de erro, segundo concluímos, que seus sistemas de maneiras ainda mais eficientes para
podem inviabilizar a sua esperança de colher benefícios extrair o máximo possível de desempenho da tecnolo-
comerciais das novas tecnologias que desenvolveram. gia que se encontra disponível. Nessa corrida, as em-
Primeiro, elas podem deixar de se integrar o suficien- presas que criam seus produtos em torno de arquite-
te para abranger no futuro, em uma única organização, turas proprietárias interdependentes usufruem de uma
todas as interdependências imprevisíveis entre projeto importante vantagem competitiva em relação aos con-
e manufatura quando se constroem produtos que usam correntes cujas arquiteturas de produto são modulares.
a nova tecnologia. Segundo, as empresas podem dei-
xar de se dissociar de uma cadeia de valor integrada e
atuar no mercado aberto, quando a maior compreensão 1
Christensen, Clayton M. & Michael E. Raynor. The Innovator’s So-
tecnológica resolveria as interdependências imprevi- lution (Boston: Harvard Business School Press, 2003). Em particular, os
Capítulos 2, 5 e 6 abordam essas questões.
síveis que antes haviam imposto a obrigatoriedade da 2
Esse fenômeno e suas causas foram avaliados em Christensen, Clayton
integração. Com o propósito de auxiliar os gestores a M., The Innovator’s Dilemma. Boston: Harvard Business School Press,
1997. As referências nesse livro, por sua vez, podem levar os leitores
prever quando e por que a extensão da integração pre- interessados a uma gama de estudos antecedentes publicados em jornais
cisa mudar, esperamos que esse modelo possa ajudá-los acadêmicos.
350     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Como o progresso tecnológico muda a base da concorrência e a natureza


das arquiteturas de produto

Trajetória de melhoria proporcionada


pelas empresas inovadoras
Performance
as Superávit de desempenho:
Trajetória de melhoria que pode rad Superar os concorrentes
ser utilizada pelos clientes t eg
in com velocidade, responsividade*
s as e conveniência
pre
em da
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funcionalidade ra
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e confiabilidade i te
qu
Ar

Diferença em relação à funcionalidade que pode ser


alcançada com uma arquitetura interdependente
otimizada versus arquitetura modular
Tempo

*N. de R.T.: Responsividade significa capacidade de resposta aos clientes.

Interdependência significa que a maneira como um diferenciados pela capacidade de obter exatamente o
componente é projetado e produzido depende da forma que desejam, imediatamente quando o desejarem e da
como os outros componentes são projetados e produ- maneira mais conveniente possível.3
zidos. Nessa situação, as empresas devem controlar o As arquiteturas modulares ajudam as empresas a
projeto e a manufatura de cada componente essencial competir da maneira necessária na era do superávit de
do sistema para criar qualquer parte do sistema. Há uma desempenho, no lado direito da Figura 1 – tornam as
vantagem considerável em ser integrado com arquite- empresas rápidas, flexíveis e responsivas. A modulari-
turas proprietárias interdependentes quando a funcio- dade ajuda as empresas a introduzir mais rapidamente
nalidade e a confiabilidade dos produtos ainda não são novos produtos, porque podem atualizar subsistemas
boas o bastante para as aplicações nas quais os clientes individuais sem que haja a necessidade de reprojetá-los.
precisam usar os produtos. A modularidade permite aos designers e montadores de
A nossa pesquisa, entretanto, mostra que as empre- produto misturar e combinar os melhores componentes
sas acabam “ultrapassando” o que os clientes em um
para dar a cada cliente exatamente o que ele quer. Em-
determinado mercado conseguem utilizar e encontram-
bora as interfaces padrão inerentes às arquiteturas mo-
-se no lado direito da Figura 1, em que há um superávit
dulares invariavelmente forcem um compromisso com
de desempenho. Nessa circunstância, os clientes ten-
o desempenho do sistema, as empresa, no lado direito,
dem a ficar felizes e aceitar os produtos aprimorados,
têm folga para comercializar algum desempenho. A
mas relutam em pagar um preço especial para tê-los.
modularidade tem um impacto profundo na estrutura da
Uma razão importante para alguns investimentos em
tecnologias avançadas não se pagarem é que seu efeito indústria. Enquanto as empresas no mundo interdepen-
é o de melhorar a funcionalidade de um sistema que já dente tiveram que fazer todos os elementos essenciais
está tendo um desempenho mais do que suficiente na do sistema para fazer qualquer um deles, em um mundo
abordagem das necessidades dos clientes nas principais modular as empresas podem prosperar terceirizando ou
aplicações. A televisão de alta definição (HDTV) pode fornecendo apenas um elemento do sistema do produto.
se tornar um exemplo desse tipo de tecnologia.
Oferecer mais do que se pode utilizar não significa
que os clientes deixarão de pagar por quaisquer melho-
3
Essa observação é coerente com um dos paradigmas fundamentais
da microeconomia: o preço marginal se igualará à utilidade marginal.
rias, mas apenas significa que o tipo de melhoria pela Quando há um lapso de desempenho, todas as melhorias resultam em
qual pagarão um preço especial mudará. Uma vez sa- uma utilidade maior, o que justifica preços mais altos. Mas, quando há
um superávit de desempenho, a utilidade marginal que os clientes deri-
tisfeitas suas exigências de funcionalidade e confiabi- vam de mais melhorias nesse desempenho é mínima, e, portanto, o preço
lidade, os clientes tornam-se dispostos a pagar preços marginal que eles pagarão por essas melhorias torna-se mínimo.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-1     351

ESTRATÉGIAS PARA LUCRAR A PARTIR DOS em que a minimização do tamanho e do peso é valio-
INVESTIMENTOS EM PESQUISA sa, pode-se pensar que a tecnologia de supercondutores
Que tipos de programas de pesquisa podem criar e im- ganharia impulso rapidamente, mas isso não é tão fácil.
pulsionar crescimentos comerciais nessas circunstân- Os fios feitos com esse material são aninhados dentro
cias diferentes? No lado esquerdo, na área ainda não de um motor elétrico, cujo projeto deve ser modificado
desenvolvida do diagrama, geralmente os programas significativamente a fim de tirar proveito das proprie-
dades dos materiais supercondutores. Uma aplicação
avançados de pesquisa criam a maior parte do valor.
importante dos grandes motores elétricos é feita no sis-
Nessas circunstâncias, as empresas entrantes que se
tema de propulsão de um navio – mas, para tirar provei-
concentram em um sistema de produtos nem sempre
to do tamanho reduzido e do menor peso de um motor
têm êxito na comercialização de tecnologias radical-
supercondutor, o projeto do navio deve ser modificado.
mente novas porque estas raramente são compatíveis
O navio, por sua vez, está aninhado dentro de um sis-
com os sistemas de uso existentes. Em geral, existem
tema de logística, cujos horários e economias devem
muitas interdependências que forçam a mudança em
ser modificados a fim de tirar proveito das propriedades
outros elementos do sistema antes que um produto viá-
dos navios mais rápidos e mais leves que os motores
vel que incorpore uma tecnologia revolucionária possa
supercondutores permitem. A menos que uma empresa
ser vendido. Nesses casos, o novo ciclo de desenvolvi-
controle todos esses elementos do sistema aninhado, as
mento do produto é muito longo e caro, já que a maior
empresas individuais, começando bem adiante na ca-
parte das partes do sistema em uso precisa ser reproje-
deia de valor, devem investir para tornar a sua parte no
tada antes que a nova tecnologia possa ser utilizada. O
sistema disponível às outras empresas e depois esperar
uso dos materiais cerâmicos avançados nos motores, o
até que estas ajam para incorporar a nova tecnologia em
desenvolvimento da TV em cores e, mais recentemen-
seu novo projeto de produto.
te, de alta definição, a construção de motores elétricos
com supercondutores para a propulsão de embarcações Kevlar da DuPont
e a transição de analógico para digital de todas as redes
O segundo caso, sobre a comercialização da milagrosa
ópticas de telecomunicações só poderiam ser realiza-
fibra aramida agora conhecida como Kevlar da DuPont,
dos por empresas amplamente integradas, cujo escopo
ilustra como essas interdependências podem ser sutis.4
pudesse englobar todas as interdependências que preci-
Os cientistas da DuPont formularam a Kevlar pela pri-
sam ser controladas. Esse é um terreno traiçoeiro para
meira vez em 1965. Por causa das propriedades da fibra,
as empresas entrantes. Se nenhuma empresa controla
as lonas de pneu pareceram uma aplicação de mercado
todas as parcelas do valor agregado que são afetadas
óbvia e atraente. A DuPont trabalhou estreitamente com
de maneira independente pela nova tecnologia, então
vários fabricantes de pneus, que produziram e testaram
a sua comercialização é semelhante a empurrar uma
uma gama de pneus com lonas equipadas com fibras
corda – muita atividade acontece em uma extremidade,
Kevlar. O desempenho dos pneus foi extraordinário –
enquanto nada se move na outra.
melhor do que o dos pneus radiais com lona de aço. Com
Ilustraremos isso com três exemplos de esforços de
base nesses testes, a DuPont gastou US$ 400 milhões
empresas para comercializar tecnologias avançadas: ce-
para construir uma fábrica de lonas de pneu de Kevlar.
râmica de supercondução, fibra de aramida* industrial
Porém, na produção em grande volume, ocorreram pro-
da marca Kevlar e tecnologias avançadas de unidade de
blemas com a adesão da lona de Kevlar à borracha do
disco de armazenamento magnético.
pneu, os quais não foram constatados nos pneus de teste
Supercondutores artesanais. A Kevlar simplesmente não era compatível
com o sistema de uso dos pneus de automóvel. Para
Primeiro, consideremos a comercialização dos com- gerir a resolução dessas interdependências, a DuPont
postos cerâmicos supercondutores de alta temperatura, teria que se tornar fabricante de pneus ou simplesmen-
cuja descoberta nos anos 1980 mereceu o Prêmio No- te esperar que as empresas de pneus resolvessem as
bel para os cientistas da IBM. Uma aplicação existente interdependências por conta própria. Acontece que os
para essa descoberta está nos motores elétricos, pois a fabricantes de pneus não estavam motivados a fazê-lo
relação peso e potência de um motor que utiliza fios su-
percondutores é dez vezes maior do que a dos motores
feitos com fios de cobre convencionais. Nas aplicações 4
A história é recontada de modo mais completo em Hounshell, David A.,
“DuPont Kevlar Aramid Industrial Fiber”, Harvard Business School case
#319-146; e em “Touch Fiber: DuPont’s Difficulties in Selling Kevlar
*
N. de T.: Aramida é uma fibra sintética forte e à prova de fogo derivada Show Hurdles of Innovation”, The Wall Street Journal, September 29,
de polímero; tecido à prova de balas e substituto do asbesto. 1987, p. 1.
352     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

porque a lona de aço era muito mais compatível. A pri- etapas interdependentes caras entre a tecnologia e o
meira aplicação da Kevlar foi feita nos tecidos à prova ponto de dissociação.
de bala. Ao contrário dos pneus, essa era uma aplicação
em que a fibra era relativamente compatível com as tec- Tecnologias avançadas de gravação magnética
nologias de tecelagem existentes.5 Agora, voltemo-nos para a indústria de unidades de
Desses dois casos, uma ideia geral começa a surgir disco para ilustrar o uso dessa regra – porque ela exem-
sobre se, quando, por que e como uma empresa deve plifica como o ponto de dissociação pode deslocar-se
tentar comercializar as novas tecnologias desenvolvidas na medida em que a tecnologia amadurece e como as
em seus laboratórios. A regra é a seguinte: a empresa tecnologias novas e menos maduras são introduzidas.
que está desenvolvendo uma nova tecnologia deve pla- No futuro, quanto a IBM precisará integrar para lucrar
nejar a sua integração futura a partir do ponto em que com a sua invenção, a unidade de disco? Da época em
uma nova tecnologia é desenvolvida, por meio de cada que introduziu sua primeira unidade de disco em 1956
interface interdependente na cadeia de atividades agre- até o final dos anos 1970, o design da maioria das uni-
gadoras de valor, até o ponto em que haja uma interfa- dades de disco era interdependente com o design dos
ce modular com o estágio seguinte do valor agregado. computadores. As empresas independentes de unidades
Chamamos isso de ponto de dissociação em uma cadeia de disco, como a Pertec, lutaram para se tornar viáveis
de valor. Nesse ponto, a empresa deve vender qualquer por causa da grande quantidade de interdependências
coisa que incorpore sua tecnologia no mercado externo. imprevisíveis no design, na fabricação e na manutenção
Esse ponto de dissociação pode surgir quando a nova que surgiram na fronteira entre suas unidades de disco
tecnologia é incorporada em um material, um compo- e os computadores dos clientes. Por sua vez, a IBM e a
nente, um subsistema, um sistema de produto completo Control Data lidaram com essas interdependências por-
ou um sistema de produto e seus serviços pós-venda ne- que eram integradas por meio das interfaces no design,
cessários. No caso da lona de pneu de Kevlar, o ponto de na fabricação e na manutenção das unidades de disco e
dissociação estava entre o pneu e o automóvel. No teci- computadores. Como havia essa integração, elas usu-
do à prova de bala, o ponto de dissociação estava entre fruíram de uma participação de mercado combinada de
a fibra e o tecido. No fio supercondutor, esse ponto bem mais de 85% durante mais de 15 anos.
pode estar entre os operadores de navio e seus clientes! Em meados dos anos 1980, porém, definiu-se uma
Geralmente, a velocidade na qual as novas tecnolo- interface modular e clara entre a unidade de disco e o
gias encontram um mercado comercialmente viável é computador. Desse momento em diante, não foi mais
bastante influenciada pela habilidade dos comerciantes
necessário que qualquer empresa fosse integrada por
em encontrar uma aplicação em que haja poucas etapas
meio dessa interface. Ela tornou-se o ponto de disso-
de agregação de valor entre a tecnologia e o ponto de
ciação na cadeia de valor. Consequentemente, a indús-
dissociação. Por exemplo, a invenção do polipropileno
tria de unidades de disco passou a ser dominada pelos
pela Phillips Petroleum teve um dos menores ciclos de
fabricantes independentes de unidades de disco, como
tempo para lançamento do que qualquer nova tecno-
a Seagate, Quantum e Maxtor. Por um tempo, a IBM
logia de plásticos. Por quê? A primeira aplicação foi o
recusou-se a vender suas unidades de disco no merca-
bambolê, em que havia apenas uma máquina de extru-
do aberto, com o propósito de preservar a integração
são entre a tecnologia e o ponto de dissociação – uma
proprietária que antes parecia tão importante. Isso fez
criança feliz. Entretanto, os materiais avançados cujos
com que a divisão de unidades de disco da IBM resistis-
comerciantes se voltaram para as aeronaves comerciais
se ao modelo aberto, até que, no início dos anos 1990,
como seu mercado inicial demoraram mais de duas dé-
ela adquiriu autonomia organizacional e estratégica
cadas para atingir volumes rentáveis porque há muitas
em relação ao negócio de computadores da empresa.
Tão logo pôde começar a vender unidades de disco
no mercado aberto nesse novo ponto de dissociação, a
5
No momento em que este manuscrito está sendo produzido (2003), Chris posição de mercado da IBM nas unidades de disco foi
Musso, um aluno de doutorado em Ciência dos Materiais no MIT, está bastante reforçada.
envolvido em um extraordinário projeto de pesquisa de tese cujo prová-
vel resultado será um modelo que identifica os fatores que determinam As cabeças de película de leitura e gravação mag-
qual será o tempo de duração do ciclo de comercialização de novos ma- nética (introduzidas em 1979) e as cabeças magnetor-
teriais. O trabalho de Musso também promete ser capaz de quantificar o resistivas (introduzidas no início dos anos 1990) foram
impacto que cada um desses fatores tem no tempo para o volume rentá-
vel. Há a expectativa de que os fatores no modelo de Musso venham a as duas tecnologias de gravação magnética mais impor-
ser generalizados para muitos tipos diferentes de novas tecnologias, além tantes e sofisticadas que a IBM desenvolveu. Em ambos
de novos materiais. Os leitores que estiverem interessados em aprender
sobre a pesquisa de Musso podem contatá-lo por intermédio do professor os casos, os fornecedores independentes de cabeças de
Christensen, na Harvard Business School. gravação, como a Applied Magnetics e a Read-Rite, de-
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-1     353

senvolveram suas próprias versões dessas tecnologias e retornos de sua tecnologia de disco para ela mesma por
tentaram vender suas cabeças no mercado aberto. Eles causa da localização do ponto de dissociação. Embora
lutaram durante anos para se tornarem fornecedores a tecnologia dentro do disco fosse radicalmente nova,
viáveis das cabeças com nova tecnologia. Por quê? A os algoritmos que definiam como a coercitividade, es-
resposta está no ponto de dissociação. Nesses dois ca- pessura e lubricidade do material magnético interagiam
sos, as empresas tiveram que ser integradas mais à frente com os outros elementos do design da unidade de disco
em relação ao design e à fabricação da unidade de disco eram tão bem compreendidos desde o início que houve
completa porque as interdependências imprevisíveis no poucas interdependências imprevisíveis entre o uso dos
design e na fabricação que essas novas tecnologias de discos de película magnética e o design ou manufatura
cabeça criaram estavam confinadas na própria unidade dos outros subsistemas dentro da unidade de disco. Isso
de disco. Os fornecedores independentes lutaram para significava que o próprio disco era o ponto de disso-
produzir e vender essas cabeças avançadas porque seus ciação. Desde o início, a IBM precisaria vender discos
engenheiros poderiam não interagir suficientemente – não só para a sua própria operação de montagem de
com os engenheiros dos seus clientes, com o objetivo de unidades de disco, mas também no mercado aberto. A
abordar as interdependências imprevisíveis que o uso
organização integrada da IBM, que era uma vantagem
de suas cabeças criou nos designs das unidades de disco
no mundo interdependente das tecnologias imaturas de
desses clientes. Enquanto as empresas independentes ti-
cabeça de gravação, não conferiu qualquer vantagem
nham dificuldades, a IBM projetava suas cabeças em
no mundo modular dos discos de película magnética. A
arquiteturas de unidade de disco proprietárias e inter-
tentativa da empresa de manter proprietários os discos
dependentes. Em particular, seu uso das cabeças mag-
modulares retardou o processo, criando a oportunidade
netorresistivas nas unidades de 2,5 polegadas, ao longo
da maior parte da década de 1990, colecionou margens para os capitalistas de risco seduzirem os engenheiros a
brutas três vezes maiores do que a média do setor. A saírem da IBM e da Xerox6 e formarem empresas espe-
IBM controlava mais de 80% do mercado porque era cializadas, como a Komag. Elas entraram no mercado
integrada à frente do ponto de dissociação. no ponto de dissociação e capturaram uma parcela sig-
Após seis ou sete anos no mercado, no entanto, essas nificativa dos retornos da pesquisa da IBM e da Xerox.
tecnologias foram suficientemente bem compreendidas, O que esses casos da história das unidades de disco
o que permitiu a previsibilidade da maior parte das in- acrescentam à regra do ponto de dissociação que apre-
terdependências e tornou os parâmetros fundamentais sentamos anteriormente é que as empresas não devem
de design da cabeça e do disco especificáveis e mensu- empregar uma estratégia única e eterna para capturar
ráveis. Desse momento em diante, não havia a necessi- valor por meio dos ciclos de vida de suas tecnologias.
dade de que um fornecedor de cabeças fosse integrado A estratégia correta depende de onde está o ponto de
no design e na manufatura das unidades de disco para dissociação, para cada tecnologia, em cada momento.
lucrar com essas tecnologias de cabeça de gravação. Como os gestores podem dizer quando o ponto de
Quando a cabeça passou a ser o ponto de dissociação, dissociação ocorrerá? Quando essas quatro condições
os fabricantes especializados, como a Yamaha, pude- forem satisfeitas (as três primeiras são técnicas; a quar-
ram tornar-se fornecedores capazes e os montadores ta, comercial):
não integrados de unidades de disco puderam obter com
1. Em uma determinada etapa da cadeia de valor agregado,
êxito as cabeças de fornecedores terceirizados. Mais
os engenheiros são capazes de especificar precisamente
uma vez, a IBM tentou continuar integrada por mui-
cada um dos parâmetros que seus fornecedores devem
tos anos após o ponto de dissociação ter se deslocado, satisfazer na próxima etapa, especificam se o que eles
permitindo que as empresas concorrentes lucrassem fornecem pode ser efetivamente utilizado.
com a tecnologia originalmente desenvolvida por ela. 2. Os parâmetros especificados podem ser medidos sem
A IBM deveria ter se tornado uma fornecedora de cabe- ambiguidades.
ças quando o ponto de dissociação se deslocou a fim de 3. Ainda pode haver interdependências entre a maneira
continuar sendo a fornecedora dominante da tecnologia como o componente é projetado e produzido e a forma
que ela mesma desenvolveu. como o resto do sistema deve ser projetado e produzido.
Uma terceira tecnologia valiosa de armazenamento Mas essas interdependências devem ser compreendidas
magnético que a IBM desenvolveu durante esse perío- e previsíveis.
do foi o disco de película magnética. Essa realização
tecnológica não foi menos impressionante do que as tec-
nologias avançadas de cabeça. Entretanto, ao contrário A Xerox também desenvolveu sua tecnologia no Palo Alto Research
6

das cabeças, a IBM lutou desde o início para manter os Center, de sua propriedade, em um esforço paralelo ao da IBM.
354     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Uma maneira fácil de perceber que essas três condi- materiais como seu negócio principal, outras empresas
ções técnicas estão se fundindo é que os engenheiros que venderam produtos no ponto de dissociação apro-
começam a tentar construir modelos virtuais dos seus priaram-se de grande parte dos lucros que a tecnologia
produtos por meio da simulação por computador. Eles dessas empresas integradas desenvolveu. Quando em-
só podem fazer isso quando as regras de causa e efeito presas como essas deixam de mudar a estratégia para
tornam-se suficientemente claras. começar a vender algo que incorpore a tecnologia em
4. A quarta condição é que não há um problema do tipo um ponto móvel de dissociação modular, elas perdem
“quem chegou primeiro” em relação à oferta e à de- sua capacidade de apropriar-se dos retornos atrativos
manda na interface: deve existir um mercado tangível sobre seus investimentos em pesquisa.8
para a nova tecnologia no estágio seguinte do valor As estratégias de integração que são tão importan-
agregado.
tes para se lucrar com a pesquisa necessitam, portanto,
Quase sempre, é na atividade imediatamente antes de reavaliações repetidas. Fechemos com um exem-
do ponto de dissociação que a rentabilidade mais atraen­ plo final sobre isso. As empresas farmacêuticas, como
te na cadeia de valor pode ser alcançada. A razão para mencionamos, há muito tempo são capazes de criar e
isso é que o desempenho em um produto modular não é capturar valor substancial a partir da pesquisa. A desco-
determinado dentro da arquitetura do produto, mas den- berta, a concepção e o lançamento de fármacos exigiam
tro dos subsistemas a partir dos quais o produto é mon- o domínio de muitas interdependências com o projeto
tado. Na fase do valor agregado imediatamente antes e a execução dos testes clínicos, que, por sua vez, com-
do ponto de dissociação, as diferenças de desempenho plicavam as interdependências com a manufatura e o
são determinadas principalmente pela arquitetura inter- marketing. Os altos custos fixos criaram economias de
dependente e menos pelos componentes utilizados. No escala íngremes, de modo que ser maior, na verdade, era
caso das tecnologias de unidades de disco, esse ponto melhor. Há sinais, porém, de que as circunstâncias estão
estava originalmente na interface entre o mainframe e mudando. A modularidade está aparecendo no sistema
o usuário do sistema. Depois, ele deslocou-se progres- – o que significa que o modelo de organizações de pes-
sivamente de volta para a unidade de disco e, em segui- quisa, embora vantajoso no passado, pode trazer uma
da, para os componentes fundamentais ou subsistemas desvantagem no futuro. O progresso científico começa
dentro da unidade que definiam o seu desempenho. Isso a desvendar o genoma humano com regras mais claras,
explica por que o ponto de lucratividade mais atraente onde é possível a realização de simulações computado-
parte da venda de cartuchos para impressoras a jato de rizadas para se fazer pesquisa. O sucesso das empresas
tinta com cabeças de impressão incorporadas, e não da de biotecnologia mostra que as empresas especializadas
venda das próprias impressoras; os fabricantes de semi- podem desenvolver fármacos promissores, enquanto
condutores historicamente têm sido mais rentáveis do outras podem controlar seus testes clínicos, e outras,
que os fabricantes de pastilhas que compram e usam fabricá-los e comercializá-los. O ponto de dissociação,
tais equipamentos; e assim por diante.7 em outras palavras, está, aos poucos, sendo localizado
Isso explica em parte por que as atividades de pes- na cadeia de valor. Como resposta a esse processo, as
quisa continuam a obter grandes financiamentos na in-
dústria farmacêutica e em partes da indústria química
– porque as interdependências presentes no início da ca- 8
Durante um longo tempo, as empresas farmacêuticas criaram e captura-
deia de valor (pelo menos historicamente) estenderam- ram bastante valor por meio de suas organizações de pesquisa centrali-
-se por todo o caminho até o produto vendável que as zadas. A descoberta, o projeto e o lançamento de fármacos exigiam o do-
empresas patrocinadoras têm visto como seu principal mínio de muitas interdependências. A centralização conferia benefícios
enormes pela facilitação da experimentação e da transferência de conhe-
negócio comercial. Nas indústrias em que os gastos em cimento. Ser maior, na realidade, era melhor. A pesquisa centralizada deu
pesquisa foram reduzidos significativamente, como em às empresas a liberdade para conduzir experimentos e capturar economia
de escala. Entretanto, há sinais de que as circunstâncias podem estar mu-
algumas empresas de equipamentos eletrônicos e ele- dando, o que significa que este modelo de organizações de pesquisa que
tromecânicos, o ponto de dissociação subiu na cadeia foi vantajoso no passado pode se tornar uma deficiência no futuro. A mo-
de valor para um material, componente ou subsiste- dularidade está aparecendo no sistema. Ao longo dos últimos 25 anos, o
progresso científico desvendou uma grande parcela do genoma humano.
ma. Mas, como as empresas que patrocinam pesquisas Agora, os cientistas podem depender de regras bem compreendidas e
(como a IBM, Xeroz, Lucent e GE) têm visto os siste- simulações de computador para fazer as pesquisas. O desenvolvimento
continua sendo caro, mas há muito menos necessidade de centralização.
mas de produto completos em vez dos componentes e O sucesso das empresas de biotecnologia mostra que as empresas podem
prosperar sem compromissos maciços com a pesquisa. As empresas são
cada vez mais capazes de inventar rapidamente em torno das patentes,
ainda apontando para uma iminente modularização de toda a indústria.
As razões para isso são descritas nos Capítulos 5 e 6 de Christensen,
7
As grandes empresas responderam ficando ainda maiores, criando gigan-
Clayton M. & Michael E. Raynor, The Innovator’s Solution (Boston: tes centros de pesquisa. Na nossa opinião, elas podem estar nadando na
Harvard Business School Press, 2003). direção errada, contra uma corrente muito forte.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-2     355

maiores empresas farmacêuticas tornam-se ainda maio- dimensão retarda a tomada de decisão e a necessidade de
res. Elas podem estar nadando na direção errada, contra se concentrar nos negócios atuais compromete a capaci-
uma corrente muito forte. Para maximizar os retornos dade da gestão de mover-se habilmente para os merca-
sobre seus investimentos em pesquisa, talvez precisem dos pequenos e de rápida mudança. Esse é um problema
comercializar sua tecnologia mais cedo, à medida que o especial para a Xerox, uma empresa que ainda possui
ponto de dissociação se deslocar. um único produto como carro-chefe, cujas copiadoras
contribuíram com três quartos das receitas de US$ 8,5
bilhões no último ano e com quase todo o US$ 1,2 bi-
A rtigo 3 - 2 lhão em lucros operacionais.
Falhas organizacionais graves, reconhecidas pelos
O laboratório que se afastou da Xerox* altos executivos da Xerox, também provaram-se uma
desvantagem. O PARC tinha laços fracos com o resto
Bro Uttal da Xerox, e este não tinha nenhum canal para comer-
cializar os produtos com base nos esforços dos pesqui-
Em uma encosta dourada à vista da Stanford University, sadores. A empresa reformulou cinco vezes o marketing
está localizada a Xerox Palo Alto Research Center de equipamentos de escritório nos últimos seis anos.
(PARC), a Meca** para os pesquisadores talentosos – e “A Xerox rangeu, torceu e gemeu tentando descobrir
um constrangimento. Dos US$ 150 milhões investidos como utilizar o trabalho do PARC”, diz um funcionário.
no PARC em 14 anos, a Xerox colheu menos do que Enquanto a Xerox gemia, pesquisadores descontentes
esperava. Contudo, outras empresas arrivistas trans- saíam da empresa frustrados. Esses “xeroids”, como
formaram ideias lá nascidas em uma safra de produtos eles mesmos se chamavam, divulgaram os conceitos
promissores. George Pake, vice-presidente de pesqui- do PARC – de projetar computadores pessoais, equipa-
sas acadêmicas da Xerox, faz uma confidência: “Meus
mentos de escritório e outros produtos – nas empresas
colegas me provocam chamando o PARC de recurso
concorrentes.
nacional”.
A influência do PARC fora da Xerox é um tributo irô-
Não que o centro tenha sido totalmente estéril em
nico à visão ambiciosa do homem que fundou o centro, em
termos de benefícios para a Xerox. A habilidade da em-
1969. O então presidente da Xerox, C. Peter McColough,
presa em projetar chips personalizados, a serem utili-
encarregou o PARC de fornecer a tecnologia da qual a
zados em futuras copiadoras, vem em grande parte do
empresa necessitava para se tornar “uma arquiteta da
PARC, como também a sua promissora capacitação em
informação” no escritório. O novo centro, em um prédio
projeto assistido por computador e em inteligência arti-
elegante de três andares, cujo átrio com um jardim de
ficial. O PARC realizou a maior parte das pesquisas das
pedras estimula a meditação, atraiu rapidamente muitos
impressoras laser da Xerox, hoje um negócio de US$ 250
dos principais cientistas da computação do país, ofere-
milhões anuais que cresce a uma taxa de 45% ao ano e
cendo o que um aluno chama de “um cheque em branco
com lucros esperados para 1984.
Entretanto, a Xerox não se beneficiou das pesqui- e dez anos sem interferência das empresas”.
sas do PARC em sistemas informatizados para escritó- Aproximadamente a metade do dinheiro do PARC
rio, que foi a principal razão de ser do centro. Segun- foi destinada à pesquisa em ciência da computação e
do Stanford J. Garrett, um analista de segurança que metade para a pesquisa em ciências físicas. A maior par-
acompanha a Xerox para a Paine Webber, o negócio de te do glamour irradiava do pessoal da computação. Os
sistemas de escritório da empresa perdeu nada menos membros eram notórios pelos longos cabelos e barbas e
que US$ 120 milhões no último ano e provavelmente por trabalharem em todas as horas – às vezes descalços
perderá mais US$ 80 milhões em 1983. “A Xerox cap- e sem camisa. Eles mantiveram estridentes reuniões se-
turou muita coisa do PARC”, diz Garrett, “mas nada manais na “sala dos pufes”, onde as pessoas discutiam
perto do que poderia ou deveria ter capturado”. em torno de conceitos sem valor comercial imediato
Por que a Xerox teve problemas em transformar a enquanto ficavam reclinadas em almofadas preenchi-
pesquisa de primeira classe em produtos rentáveis? De das com bolinhas. Os bem-sucedidos profissionais do
certa forma, porque o processo leva tempo em qualquer PARC não estavam apenas brincando de gênios. Em
empresa grande – muitas vezes, quase uma década. A pouco tempo, os cientistas da computação reconhece-
ram o PARC como a principal fonte de pesquisa sobre
como as pessoas interagem com os computadores.
Fonte: Reimpresso sob permissão a partir da edição de 5 de setembro de A política de não intervenção na sede da Xe-
*

1983 da revista Fortune. © 1983 Time, Inc. Todos os direitos reservados.


**
Meca é uma cidade da Arábia Saudita considerada a mais sagrada do rox em Stamford, Connecticut, foi uma faca de dois
mundo para os muçulmanos. gumes. Os pesquisadores do PARC usaram sua liber-
356     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

dade para explorar conceitos de computação pessoal a US$ 12 mil, o Compass parece caro demais para ser
que desde então varreram a indústria. Todos os tipos popular, mas a Grid espera receitas de mais de US$ 28
de computadores, incluindo alguns da Apple e da IBM, milhões em 1983, seu primeiro ano completo de ope-
agora oferecem monitores “mapeados por bits” que o ração; em agosto, a Grid disse que estava à beira da
PARC promoveu dez anos atrás. Esses monitores ligam rentabilidade.
cada um dos milhares de pontos na tela do monitor a Outro gestor da unidade de teste de mercado, Ben
um bit de informação armazenado na memória do com- Wegbreit, havia sido um dos talentos mais brilhantes
putador, o que permite que o computador altere cada do PARC. A Convergent Technologies de Santa Clara,
ponto e crie imagens muito nítidas. O novo computador Califórnia, fundada em 1979 para produzir estações de
de fácil utilização da Apple, o Lisa, ostenta um monitor trabalho, escolheu Wegbreit e dois colegas para projetar
que pode ser dividido em “janelas” para ver simulta- o software. O programa de processamento de texto da
neamente vários trabalhos, bem como um dispositivo Convergent exibe algumas de suas origens na forma de
apontador, ou mouse, para emitir comandos. Ambas as uma “tabela em fragmentos”, um tipo de software de-
ideias surgiram e foram desenvolvidas no PARC. senvolvido no PARC. Essa tabela permite que os com-
No entanto, a gestão frouxa da Xerox também in- putadores com memórias bem pequenas processem ex-
centivou o PARC a ir além da sua alçada, que era fazer tensos documentos, pois armazena apenas as alterações
pesquisa, e não entrar nos detalhes dos produtos. Em feitas durante a edição, junto com a versão original, em
meados dos anos 1970, a empresa estava trabalhando vez da versão original inteira mais uma versão editada
intensamente no Alto, uma máquina cara com alguns também com tamanho integral, como outros programas
dos atributos de um computador pessoal, que suposta- fazem. Conveniências como essa possibilitaram à Con-
mente serviria como um protótipo de pesquisa. O Alto vergent fechar contratos que gerariam cerca de US$ 450
e seu software tornaram-se tão populares dentro da milhões em vendas para as grandes empresas de com-
Xerox, onde o PARC instalou alguns milhares de siste- putadores que não tinham desenvolvido seus próprios
mas, que alguns pesquisadores renegados começaram a sistemas desktop.
encará-los como produtos comerciais. Longe dos olhos Charles Simonyi, que desertou da Hungria aos 17
da alta gestão, eles trabalharam clandestinamente para anos, se autoqualifica como “o RNA mensageiro do ví-
desenvolver o Alto para o mercado. rus PARC”. Ele trabalhou no centro durante sete anos,
O desenvolvimento de produtos, porém, era da alçada a maior parte do tempo no Bravo, um software para edi-
de outro grupo da Xerox, que estava promovendo uma ção de texto para o Alto e que jamais chegou ao mer-
máquina rival chamada Star, chegando mais tarde ao cado. “Não estávamos lá para fazer programas como
mercado como estação de trabalho Xerox 8010. Dife- esse”, ele confessa, “então o Bravo começou como um
rente de um computador pessoal, que geralmente conta subterfúgio. Mas, quando as pessoas na Xerox o viram,
com a sua própria capacidade de processamento e me- quiseram utilizá-lo dentro da empresa. O Bravo era
mória, a Star funcionava apenas quando ligada a outro a razão para as pessoas usarem Altos, assim como o
equipamento da Xerox (ver “Xerox Xooms toward the VisiCalc foi a razão para as pessoas comprarem o
Office of the Future”, Fortune, May 18, 1981). Apple II”. Simonyi esperava que algum executivo bri-
Os rebeldes do PARC não só assumiram o lugar do lhante percebesse o potencial de mercado do seu produ-
grupo de desenvolvimento, mas também dominaram to. “Não foi burrice”, disse ele, “mas foi ingênuo achar
uma unidade criada pela Xerox para testar o merca- que essa pessoa viria da Xerox”. Simonyi encontrou
do dos protótipos de pesquisa. Esse grupo conseguiu receptividade na Microsoft Corporation, baseada em
ter 100 Altos instalados na Casa Branca, em ambas as Bellevue, Washington, que faturou US$ 50 milhões em
câmaras dos deputados e em algumas empresas e uni- vendas de software para computadores pessoais no ano
versidades. Relutante em apoiar as máquinas rivais, a terminado no meio do ano anterior. Um pedaço grande
Xerox guilhotinou o Alto e, em 1980, liquidou todo o das vendas do ano corrente, que deveriam se aproximar
grupo de teste de mercado. de US$ 100 milhões, virá do Microsoft Word, uma ver-
Os veteranos daquele grupo foram os principais de- são racionalizada do Bravo.
fensores da tecnologia do PARC. John Ellenby, um dos O Lisa foi o corte mais cruel de todos. Em dezembro
gestores da unidade, fundou, mais tarde, a Grid Systems. de 1979, Steve Jobs, então vice-presidente da Apple, visi-
Seu computador Compass aproxima-se de alguns con- tou o PARC com alguns colegas. Eles viram o Smalltalk,
ceitos prospectados pelo PARC que foram utilizados um conjunto de ferramentas para programação. “Seus
pela primeira vez no Alto. Seu computador portátil em- olhos se arregalaram”, lembra Lawrence Lester, que aju-
prega um monitor mapeado por bits e conecta-se facil- dou a desenvolver o Smalltalk. “Eles compreenderam
mente a computadores remotos. Na faixa de US$ 8 mil a sua importância melhor do que qualquer outra pessoa
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-2     357

que havia nos visitado”. Sete meses mais tarde, Jobs Além disso, a Xerox tinha, e ainda tem, outros
contratou Lester, decidido a usar muitos atributos do planos para escritório. A concorrência no mercado de
Smalltalk no Lisa. copiadoras continua a crescer, e o principal objetivo
O Lisa tinha que ser precificado em US$ 10 mil, de da empresa tem sido proteger as instalações de copia-
duas a quatro vezes as primeiras estimativas de Jobs. doras, reforçando o seu controle das contas grandes
Porém, ele parece estar decolando. A Apple afirma ter e lucrativas. As empresas que conseguem vender sis-
despachado tantos Lisas em julho, o primeiro mês em temas de escritório completos – estações de trabalho
que foram lançados, quanto a Xerox despachou Stars, com software confiável, impressoras e dispositivos de
ou 8010s, em 19 meses do lançamento. O Star, que in- armazenamento de dados, todos ligados em rede – têm
corpora muitos conceitos utilizados no Lisa, foi mal- um controle maior sobre os seus clientes do que as em-
fadado. O influente Seybold Report on Professional presas fornecedoras de equipamentos independentes.
Computing o chama de “um pau para toda obra que não Portanto, o Star, que funciona bem apenas quando liga-
faz nada muito bem”. As vendas sofreram inicialmente do a outro equipamento da Xerox, parecia se encaixar
porque alguns dos softwares do Star estavam atrasados melhor na estratégia da empresa do que os pequenos
para chegar ao mercado. computadores independentes.
Além do mais, a abordagem do sistema completo
Os analistas de equipamentos de escritório come-
era mais compatível com a maneira expansiva de pensar
çaram a chamar os sistemas com estilo PARC de “tipo
da Xerox do que com a alternativa de fazer pequenas
Lisa”, não “tipo Star”. O próximo computador da Apple,
melhorias incrementais em uma única máquina como
o Macintosh, programado para tornar-se um produto
o Alto. As grandes empresas muitas vezes não conse-
comercial ainda no final deste ano, podia identificar
guem fazer os modestos esforços necessários para testar
ainda mais a Apple com as ideias do PARC. O ges-
os mercados emergentes. “É um problema quando você
tor de engenharia do Macintosh veio do PARC, onde molha os pés em um novo negócio”, diz Jack Goldman,
seu último grande design foi um computador pessoal. ex-chefe de pesquisa da Xerox. “Em uma grande em-
A partir disso, a Xerox parece ter perdido a chance presa, todo produto deve ser bem-sucedido para justifi-
de tornar-se grande no setor de computadores pessoais car os custos de marketing e desenvolvimento”.
com as criações do PARC. Alguns xeroids estão certos Isso ocorreu no caso da Xerox, que deve a sua exis-
de que a empresa poderia ter sido uma vencedora ante- tência à xerografia. A alta gestão “seguiu a estratégia
cipada se apenas tivesse lançado um Alto mais barato dos grandes bancos”, disse um veterano. “Eles queriam
no final dos anos 1970. Ao contrário do Star, o Alto era construir literalmente o melhor sistema de escritório,
um computador “aberto”, fácil de ser programado pelas em vez de levarem a coisa aos poucos”. No PARC, a
pessoas de fora. O software escrito de maneira inde- compulsão da empresa para criar o melhor à custa do
pendente ajudou a deflagrar a explosão do computador simplesmente bom, como um Alto, tinha o seu próprio
pessoal, então os dissidentes têm razão. Como o Star é nome: gigantismo empresarial*.
“fechado”, as pessoas de fora não conseguem escrever O gigantismo empresarial podia se pagar de algumas
programas para ele. formas, com certeza. A Xerox tinha grande esperança na
Lamentar o Alto, porém, é responsabilizar injusta- Ethernet, uma rede inventada pelo PARC que usa um
mente aqueles que o mataram. A Xerox estava determi- cabo e dispositivos de tradução para conectar diferen-
nada a produzir equipamentos de escritório e nenhum tes tipos de equipamento de escritório. Ao aumentar o
fornecedor desse tipo de equipamento, incluindo a IBM, poder da versão original da Ethernet criada pelo PARC,
previu que os computadores pessoais concorreriam com a Xerox aumentou drasticamente o custo da conexão
suas mercadorias. Era inconcebível pensar que o custo para até US$ 5 mil por cada uma delas. Esse movimento
da memória de computador cairia 31% por ano, como desestimulou as vendas e desanimou outros fabrican-
aconteceu nos últimos cinco anos, ou que os computa- tes de equipamentos a adaptarem suas máquinas para
dores pessoais atuais seriam tão poderosos quanto os se comunicarem por meio da Ethernet. Porém, hoje a
mainframes do passado. A Xerox (e outras empresas do tecnologia aprimorada dos chips cortou o custo de co-
mesmo setor) concentraram-se não nos computadores nexão em cerca de dois terços. Mais de 70 fabricantes
pessoais independentes, mas em grupos de estações de de equipamentos de escritório estão usando a Ethernet
trabalho que compartilham o uso do hardware do com-
putador. Dessa maneira, os clientes poderiam diluir os *
N. de R.T.: Gigantismo empresarial, em inglês “Biggerism”, traduz a
custos elevados do hardware entre muitos trabalhado- ideia de que o exagero em criar algum produto extremamente melhor
res e os fornecedores poderiam cobrir os custos de suas do que tudo o que já foi pensado – assim como o exagero na estatura de
uma pessoa – podem trazer problemas para os processos ou em algumas
caríssimas forças de vendas com encomendas caras. situações.
358     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

ou planejam fazê-lo, incluindo a Apple. Mesmo com o ximadamente, no PARC e depois se unirão ao grupo de
revés temporário, a Ethernet se tornou um dos padrões sistemas de escritório.
da indústria, apenas um dos padrões. (A única outra em- O tempo está ao lado de Spencer. Ao assumir sua
presa com chance de estabelecer um padrão é a IBM.) parte no negócio de sistemas de escritório, a Xerox
A Xerox ainda acredita que o trabalho do PARC tem uma visão melhor dos tipos de produtos que fazem
pode gerar alguns grandes sucessos. Ninguém está mais sentido. Enquanto a divisão de Shoch ainda luta para
convencido disso do que John Shoch, um notável e ca- descobrir uma maneira bem-sucedida de vender siste-
lejado ex-pesquisador do PARC que se tornou o chefe mas de escritório, o PARC, tendo criado grande parte
de sistemas de escritório da empresa em outubro do ano da tecnologia que McColough buscava, está intensifi-
anterior. Sua primeira prioridade é ampliar a quantida- cando seus trabalhos em uma nova fronteira: circuitos
de de produtos da Xerox que se comunicarão por meio integrados em escala muito grande (VLSI) utilizados
da Ethernet (20 o fazem hoje, incluindo as impressoras em várias aplicações, desde o diagnóstico de defeitos
laser e os aparelhos de fax). Fazer do Star um vence- em uma copiadora até a conexão de computadores pes-
dor exigirá mais esforço. Como a tecnologia é antiga soais com mainframes. “A base do nosso futuro será a
e o sistema tenta cumprir muitas funções, a estação de próxima geração de chips”, diz Spencer, que original-
trabalho parece cara e inepta em muitas funções, espe- mente veio para o PARC para estabelecer uma linha de
cialmente em comparação com o Lisa. manufatura para esses chips. “Os sistemas de escritório
Shoch quer trazer uma versão mais barata do Star de são a menor parte do nosso trabalho agora.”
US$ 15 mil, que ele vê como um flanco de um movi- Quando uma empresa deseja ser grande em um novo
mento de pinça* para estreitar a participação de merca- negócio, é necessária uma base tecnológica sólida. Porém,
do potencial do Lisa. O outro flanco, em sua visão, será não é suficiente. Sem uma compreensão clara da estratégia
o computador pessoal da IBM municiado com um con- corporativa e a pressão de um ávido grupo de marketing,
junto de programas estilo Lisa escrito pela VisiCorp. até mesmo os melhores tecnologistas podem sair do con-
Com o preço estabelecido em US$ 7 mil, esse sistema trole. A parte difícil é encontrar um equilíbrio entre incen-
não concorrerá diretamente com o Star, mas será bem tivar a criatividade e fazer valer o seu dinheiro.
mais barato do que o Lisa. Ele também tirará proveito
da Ethernet – graças a uma mão amiga da Xerox. Shoch
afirma: “Vai ficar espremido entre o Star mais barato e A rtigo 3 - 3
os computadores comuns que rodam software melhor.
Será um lugar difícil para concorrer”. Como aperfeiçoar a polinização
O apoio da empresa ao PARC nunca foi hesitante. O cruzada*
orçamento deste ano (2009) de US$ 35 milhões, mais
ou menos, estabelecerá um recorde. Porém, ocorreram O modo como você monta equipes multifuncionais
mudanças. Em março último, a Xerox nomeou um novo depende do seu apetite pelo risco – e da sua fome por
diretor do PARC, William Spencer. Veterano de duas um grande avanço.
décadas no Bell Labs, Spencer admira a capacidade da
Lee Fleming**
AT&T para transferir tecnologia do laboratório para
outros laboratórios-satélite vinculados a fábricas im-
A polinização cruzada é grande nos dias de hoje. Seja
portantes. “A principal deficiência do PARC”, segundo
você um lojista ou um laboratório de pesquisa, se mis-
ele, “tem sido a falta de atenção da gestão. Começamos
turar as coisas, obterá um fermento criativo. O Santa Fe
coisas que não correspondiam com o que estava acon- Institute reúne físicos, biólogos, homens de negócios e
tecendo em outras partes da Xerox”.
Spencer está tentando produzir um ajuste melhor
reunindo-se algumas vezes por ano no PARC com os *
Polinização é o ato da transferência de células reprodutivas masculinas
gerentes de divisão da Xerox, alguns dos quais não vi- (grãos de pólen) que estão localizadas nas anteras de uma flor para o re-
sitam o centro há anos. Mais ou menos a cada três se- ceptor feminino (estigma) de outra flor (da mesma espécie), ou para o seu
próprio estigma. A polinização cruzada distingue-se da autopolinização
manas, ele e Shoch tomam juntos o café da manhã e já porque nesse caso, o pólen de uma flor fecunda o estigma de outra flor, de
iniciaram um programa de contratação conjunta: alguns um mesmo indivíduo ou de outro. O agente principal da polinização cru-
novos pesquisadores passarão seu primeiro ano, apro- zada é o vento, mas em algumas espécies, insetos e pássaros são impor-
tantes. As espécies que possuem polinização cruzada, normalmente, têm
grande variabilidade genética e facilitam o trabalho de melhoramento por
meio de cruzamentos entre variedades.
*
N. de R.T.: Trata-se de um termo da estratégia militar e consiste em **
Fonte: Lee Fleming (lfleming@hbs.edu) é o Lumry Family Associate
um ataque simultâneo ou intercalado às tropas inimigas a partir de dois Professor de Administração de Empresas da Harvard Business School
flancos, geralmente um esquerdo e outro direito. em Boston.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-3     359

cientistas sociais em uma bela colina no Novo Méxi- FIGURA 1 Rumo aos grandes avanços
co para fundir ideias. A Harvard, em breve, começará
Alto
a atuar em um campus multidisciplinar com incentivo à
inovação para suas faculdades de ciências, engenharia,
Grande avanço
medicina e negócios. E, naturalmente, existe a IDEO, a
famosa empresa interdisciplinar do Vale do Silício que

Valor da inovação
projetou o Palm Pilot, as escovas de dentes adaptadas
para as crianças e um mouse melhor.
Média
Certamente, esses tipos de reuniões geram ideias
inovadoras. A questão é: “Qual é a qualidade delas?”.
Minha pesquisa sobre mais de 17 mil patentes sugere
Insignificante
que o valor financeiro das inovações resultantes dessa
polinização cruzada é mais baixo, em média, do que Baixo
o valor das que surgem de abordagens mais conven- Alto Alinhamento das disciplinas dos membros da equipe Baixo
cionais. Em outras palavras, à medida que a distância
entre as áreas ou disciplinas dos membros da equipe au- um emparelhamento cognitivo mal alinhado geralmen-
menta, a qualidade global de suas inovações cai. Porém, te produzam baixo valor, há sempre a expectativa de
minha pesquisa também sugere que os grandes avan- que essa combinação de disciplinas produza um grande
ços que surgem desse trabalho multidisciplinar, embo- avanço ocasional, como demonstra o recente Prêmio
ra extremamente raros, muitas vezes são de um valor Nobel de Economia Comportamental*.
incomum – superior às melhores inovações alcançadas
pelas abordagens convencionais. FORMAS DE ALCANÇAR EQUILÍBRIO
Essa relação inversa entre o valor médio das inova-
ções de uma equipe e a similaridade ou o alinhamento Como esse processo implica para a estratégia de inova-
das disciplinas representadas na equipe é ilustrada na Fi- ção? É possível manipular a composição de uma equipe
gura 1. Cada ponto representa uma inovação. Quando os de inovação para alcançar um equilíbrio desejado entre
membros de uma equipe são do mesmo tipo (todos são risco e recompensa. Se você adotar uma estratégia ar-
profissionais de marketing, por exemplo), o valor médio riscada de montar uma equipe de inovação altamente
das suas inovações será relativamente alto, enquanto a diversa, existem maneiras de maximizar as chances de
variação em torno da média é baixa: você não vê muitos um grande avanço ao mesmo tempo que se minimiza o
fracassos, mas também não vê avanços extraordinários. número de fracassos.
(Essa relação é retratada no lado esquerdo da Figura 1). Independentemente da distância ou do mau alinha-
Economistas e físicos, por exemplo, podem formar uma mento das disciplinas dos membros da equipe, quanto
equipe e inovar de maneira eficiente e produzir muitas mais estabelecidas e bem compreendidas as áreas que
inovações de valor moderado porque suas áreas são mui- você reunir, maior a chance de boas inovações e menor
to bem alinhadas – eles compartilham as mesmas ferra- a chance de inovações ruins ocorrerem. Por exemplo,
mentas básicas de matemática. Grande parte do trabalho grande parte do progresso rápido na nanotecnologia re-
produtivo do Santa Fe Institute veio simplesmente de uma sulta do casamento de duas áreas bem estabelecidas: fa-
aplicação dos modelos físicos aos problemas econômicos. bricação de semicondutores e engenharia mecânica. Os
À medida que as áreas dos membros da equipe tor- enormes investimentos na fabricação de chips ao longo
nam-se cada vez menos parecidas, o valor médio das dos últimos 50 anos e as centenas de anos de apren-
inovações dessa equipe cai, enquanto a variação em dizagem sobre tecnologias mecânicas facilitaram esses
torno da média aumenta: você observa mais fracassos, avanços. Entretanto, os esforços iniciais para casar a
mas também vê grandes avanços ocasionais de valor área nascente e mal compreendida da engenharia nucle-
raramente alto (conforme está retratado no lado direito ar com as tecnologias estabelecidas produziram, na rea­
da Figura 1). O emparelhamento de disciplinas menos lidade, alguns grandes avanços – as embarcações com
afins, como economia e psicologia, é arriscado (mas po- propulsão nuclear é um deles –, mas à custa de muitos
tencialmente mais produtivo) porque seus pressupostos falsos começos e fracassos, como carros, aeronaves e
subjacentes são diferentes demais. Geralmente, os eco- torradeiras movidos a energia nuclear.
nomistas constroem modelos sobre o pressuposto de
que as pessoas são racionais, e os psicólogos assumem *
N. de E.: O prêmio mencionado no texto foi concedido em 2002 para
que elas nunca conseguem ser completamente racionais Daniel Kahneman, considerado pai da Economia Comportamental. Seus
estudos apresentaram teorias que relacionam a economia com a ciência
porque suas percepções são distorcidas por suas tendên- cognitiva para explicar o comportamento aparentemente irracional da
cias cognitivas. Embora as inovações provenientes de gestão de risco exercido pelas pessoas.
360     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Minha pesquisa sugere outra maneira de reduzir a pregados, mesmo os de nível gerencial mais elevado, as-
chance de fracasso: reunir pessoas com especialização pro- sume os objetivos do negócio como algo que lhes é dado.
funda, em vez de ampla, em suas respectivas disciplinas Porém, no mundo da alta tecnologia, a estratégia gira em
– independentemente da pouca relação entre suas áreas. torno das atividades de inovação do pessoal técnico e co-
Esses especialistas são, muitas vezes, os que mais relu- mercial de nível relativamente baixo. É claro que suas
tam em colaborar de forma multidisciplinar, mas também decisões exigirão ratificação da parte da alta gestão. To-
são os mais capazes de enxergar sinergias potencialmente davia, a realidade é que os mais próximos da tecnologia
valiosas entre as áreas por causa de sua compreensão dos emergente procurarão definir a oportunidade comercial.
pressupostos e fenômenos em suas áreas de especializa-
Criar uma nova oportunidade comercial, no entanto,
ção. Uma equipe multidisciplinar com especialização am-
vai além da “invenção”. A “inovação” envolve a união
pla, porém superficial, pode identificar um conjunto mais
das oportunidades de mercado com a tecnologia inven-
amplo de possíveis oportunidades do que uma equipe com
grandes especialistas, mas a probabilidade de sinergias tiva e o novo conhecimento técnico, o que exige uma
práticas será relativamente baixa. Em essência, embora habilidade substancial. Não se trata de um processo de
ambas as equipes residam no lado direito da Figura 1, ge- decisão simples. Por exemplo, um novo plástico pode-
rando muitas ideias e grandes avanços ocasionais, a equipe ria ser traduzido em uma série de produtos novos. Uma
composta de profissionais mais especializados produziria vez que ainda há muito desconhecimento em relação a
menos falhas no processo. Como resultado, pode-se espe- como um grande avanço de laboratório pode ser mais
rar que o valor médio dessas inovações seja mais alto do bem compreendido, modificado e controlado – e, no
que o valor médio da equipe com ampla especialização. fim das contas, economicamente produzido em escala
O laboratório conduzido por Robert Langer, um famoso –, é altamente problemático escolher as aplicações co-
professor inovador do MIT, fornece um caso convincente. merciais de qualquer nova descoberta. A comercializa-
A especialização de Langer é engenharia química ção de novos produtos resultantes de grandes avanços
(graduado e pós-graduado na área), mas compôs a equi- tecnológicos é igualmente problemática. Dependendo
pe do seu laboratório com especialistas de primeira em dos desenvolvimentos tecnológicos futuros, que ainda
uma ampla gama de disciplinas. Ao longo dos últimos são desconhecidos, um ou mais mercados podem ser
30 anos, Langer e seus colegas publicaram 780 artigos, visíveis. Porém, esses mercados podem ser ilusórios,
receberam 500 patentes e deram início a dúzias de em- particularmente quando se lida com produtos que os
presas extremamente bem-sucedidas.
usuários não experimentaram antes.
Seja qual for o nível do risco com o qual se sinta con-
Para desenvolver um novo negócio potencialmente
fortável, mantenha seus custos, pagamentos e recursos em
bem-sucedido, a estratégia de marketing também deve le-
mente à medida que monta uma equipe de inovação. Você
var em conta os interesses da empresa. Mais investimentos
pode não querer combinar disciplinas diversas, distantes,
no desenvolvimento de um negócio só serão acessíveis se
em seus esforços de inovação, a menos que possa ter pa-
o produto e o mercado estiverem em uma área que a em-
ciência e absorver os custos financeiros e de oportunidade
presa considere coerente com seu domínio legítimo, atual
dos fracassos que certamente precederão um grande avan-
e futuro. O processo por meio do qual a relação entre um
ço. Entretanto, se você tiver os recursos, a paciência e o
novo negócio e o contexto corporativo torna-se estabele-
estômago para essa estratégia arriscada, combinar discipli-
nas distantes poderá ajudá-lo a tirar a sorte grande. cida envolve atividades estratégicas complexas da parte de
vários níveis da gestão; os promotores dos projetos devem
tentar (e tentam) antecipar se um novo desenvolvimento
A rtigo 3 - 4
poderia ser aceitável devido ao “tecido” da corporação.
A ideia de “tecido” da corporação é inerentemente vaga,
nunca é delineada de forma completa e está sempre no
Transformar invenção em inovação: processo de ser esticada como resultado das iniciativas es-
a fase de conceituação* tratégicas que a equipe operacional está tentando executar.
Robert A. Burgelman e Leonard R. Sayles Assim, três elementos devem ser reunidos pelos
gestores de P&D e/ou de novos negócios em seus es-
Compreensivelmente, entendemos que a formulação de forços na formulação da estratégia: (1) competência
estratégias é trabalho da alta gestão. A maioria dos em- técnica, (2) necessidade do mercado e (3) interesse da
corporação. Como isso é feito? De quem deveria ser
*
Fonte: Este é o Capítulo 3 de um exame detalhado dos processos de ino- esse trabalho? Como a gestão pode avaliar se está sendo
vação tecnológica em uma grande empresa cuja identidade está disfar- feito efetivamente? Um novo negócio fracassa porque a
çada como United Corporation. Ver Burgelman, R. & Sayles, L., Inside
Corporate Innovation, New York: The Free Press, 1986. Todas as cita- falha é inevitável com todo o desconhecimento existente
ções neste artigo são de empregados e gestores da United Corporation. quando a estratégia deve ser formulada ou porque os
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-4     361

padrões e as práticas de gestão na tomada de decisão fo- 2. Os cientistas, sintonizados com as realidades dos inte-
ram falhos? Para responder a essas questões, é preciso resses da empresa, buscam novas tecnologias e desco-
saber algo sobre o processo por meio do qual essas de- bertas científicas com bom potencial de comercializa-
cisões são tomadas. Quando falamos em processo, que- ção. (Isso é chamado de “oferta de tecnologia”.)
remos dizer como os gestores e cientistas individual­ 3. Os especialistas de marketing e cientistas trabalham
mente articulam esses três elementos. juntos, trazendo suas próprias habilidades para um es-
Na história da inovação corporativa, existem vá- forço conjunto a fim de desenvolver novas tecnologias
rios casos de rupturas tecnológicas que não levaram com sólidas possibilidades de mercado.
a produtos viáveis, e, na verdade, não há motivo para Qualquer um desses três padrões é uma boa possibi-
acreditar que a maioria do conhecimento novo tenha lidade teórica, mas apenas um predominou na United.
qualquer aplicação imediata. Os cientistas da pesquisa
básica advertiram que isso é verdade, mas existe a ten-
A SUPREMACIA DA “OFERTA DE TECNOLOGIA”
tação natural de acreditar que os novos fenômenos de
laboratório devem ter aplicações comerciais e, mais in- Na United, ficou claro que a maioria dos esforços de
genuamente, que quanto mais interessante for o grande novos produtos teve sua definição inicial com base na
avanço, maior será o seu valor comercial. “oferta de tecnologia”.1 Em parte, isso refletiu a neces-
Todavia, sempre há esforços para definir uma necessi- sidade de conhecimento altamente sofisticado sobre
dade do mercado e para procurar “inventar sob encomen- ciência e tecnologia, sobre o que é viável e o que não
da” um produto voltado para essa necessidade. Ocasio- é, sobre as chances de algo poder ser realizado e sobre
nalmente, o governo chega a publicar listas das invenções o que o novo produto é suscetível de ter na forma de
mais desejadas, mas tais supostos incentivos de mercado características básicas. Embora pareça viável que de-
em si não parecem produzir novas tecnologias relevantes. vam ocorrer diálogos entre os porta-vozes de negócios e
ciências, eles podem ser menos construtivos nessa fase
CONCEITUAÇÃO DAS NOVAS muito precoce do que obviamente o são em alguma fase
OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO mais adiantada do processo de desenvolvimento. Um
exemplo pode mostrar por que o arranjo do tipo “parce-
Na United, a evolução do método de gestão desse pro- ria” não é tão produtivo quando se poderia supor:
cesso parece similar ao que ocorreu em muitas fun-
ções de P&D corporativas. Inicialmente, quando se O laboratório foi pioneiro no desenvolvimento de um novo
reconheceu que era necessária alguma união das es- material de alta resistência. Dadas as suas características, a
pesquisa de mercado apontou que a aplicação ideal do novo
pecializações, esperava-se que a área de P&D pudesse
material era em autopeças por causa de sua relação resistência
adicionar especialistas do mercado de maneira impro- e peso. Além do mais, dado o seu conhecimento dos fabrican-
visada – como assessores ou consultores, quando fos- tes de veículos automotores, a pesquisa de mercado propôs
se necessário. Gradualmente, à medida que cresceu o uma ou duas peças de veículos que representariam um mer-
reconhecimento da importância do lado do marketing, cado ideal a ser conquistado. Infelizmente, esses usos espe-
foi adicionada à área de P&D uma “função de pesqui- cíficos exigiriam mais descobertas tecnológicas que seriam
sa comercial” permanente e formalizada para ajudar a incrivelmente difíceis de garantir. Na verdade, os cientistas do
laboratório estimaram que poderia haver apenas um punha-
moldar novos negócios e aumentar as chances dos no-
do de pesquisadores no mundo capazes de fazer os avanços
vos produtos serem comercializados com êxito. tecnológicos necessários. Os pesquisadores de mercado nunca
Alguns gestores seniores esperaram que os especia- poderiam entender por que foi tão difícil passar da descoberta
listas de mercado assumissem gradualmente a liderança básica para a aplicação comercial final que haviam imaginado.
na formulação da estratégia, procurando definir objeti-
vos de pesquisa. Outros assumiram que os cientistas e Haverá dúzias, se não centenas, de conflitos de esco-
pesquisadores de negócios trabalhariam juntos. lha como esse entre custo, viabilidade e aplicação que
Nessa fase exploratória, as iniciativas gerenciais as- requerem uma grande dose de conhecimento técnico e
sociadas com P&D podem ser definidas em três padrões experiência. Além disso, a United enfatizou o que cha-
alternativos: mava de alcançar uma “posição sustentável”. A empre-
sa procurou manter um “bloqueio tecnológico” sobre
1. Os gestores orientados pelo marketing podem direcio-
qualquer produto novo. Embora seja questionável que
nar os cientistas para o que aparentam ser mercados es-
timulantes com certeza de alta demanda. (Na verdade,
isso é chamado com frequência de “demanda de mer- 1
Os conceitos de “oferta de tecnologia” e “demanda de mercado” foram
cado”.) Aqui, a inovação (a necessidade) é a mãe da introduzidos por Dondal Schon. Ver D. Schon, Technology and Social
nova “invenção”. Change, Delacorte, New York, 1967.
362     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

as patentes representem uma barreira intransponível FIGURA 1 Fluxo de atividades no modelo de “oferta de
tecnologia”
para a concorrência, a United procurou desenvolver tec-
nologias únicas e patenteáveis.
Conhecimento científico
Então, não causa nenhuma surpresa o fato de os e técnico interno
principais conflitos de escolha e a rápida tomada de de-
1 2
cisão na United terem ocorrido na cabeça de uma única
pessoa tecnicamente treinada. Normalmente, trata-se Questões e
de um tecnologista que desejava cumprir uma meta co- problemas técnicos

mercial impressionante, tal como desenvolver um novo 3


produto que tenha enormes implicações econômicas. 1 5
Esses cientistas empreendedores encarregaram-se de li- Soluções técnicas

gar sua concepção de quais ideias são comercializáveis 2 4


com as novas descobertas tecnológicas provenientes de
Conhecimento científico Necessidades do
dentro e de fora do seu próprio laboratório. e técnico externo mercado externo
Eles viajavam pelo mundo com frequência e reco-
lhiam informações sobre descobertas cientificas poten-
cialmente comercializáveis. A meta era vincular o co- procuramos por aplicações na área de saúde do tipo da tecno-
nhecimento emergente com uma questão ou problema logia que estávamos desenvolvendo e que poderiam ser um
técnico desafiador. mercado importante.
A seguir, apresentamos um exemplo típico de como Nessa época, visitei outro laboratório da empresa e me
encontrei com um cientista que havia desenvolvido uma
um cientista de P&D desenvolve interesses e procura
tecnologia exclusiva, porém relacionada, que podia ser de-
desenvolver projetos que levem a novos produtos.
senvolvida, pensei, em um produto que seria bem superior a
As oportunidades, a meu ver, surgem na forma de problemas qualquer outra coisa na área.
técnicos. Em consequência de determinadas tendências de
interesse na minha divisão, fiquei interessado por moléculas De modo geral, o tecnologista experiente procu-
aquecidas a altas temperaturas. Como os problemas técnicos ra ideias e avanços científicos que possam alavancar
normalmente acabam sendo bem diferentes do que são defi- novos produtos. Muitas vezes, isso significa ligar o
nidos inicialmente, passo a ver questões muito mais funda- trabalho que está sendo feito no laboratório de P&D
mentais […] que foi o que me levou ao envolvimento com a da empresa com os dados que estão sendo gerados em
pesquisa nas fronteiras da química orgânica.
À época, havia na área um único problema técnico parti-
alguma outra organização. Por meio de contatos pes-
cular que me interessava […] um processo de transformação soais, leitura e encontros, o cientista faz o que a pessoa
muito difícil de controlar. Havia um pesquisador na França da gestão chama de “varredura do ambiente”, ou seja,
que aprendeu como exercer o controle apurado. Se realmente procura ver alguma síntese ou sinergia entre as ideias e
pudesse aprender como o processo funciona, como controlá- as áreas de conhecimento que os concorrentes podem
-lo, certamente ele teria algumas aplicações comerciais reais. ter deixado passar.
Essencialmente, esses cientistas – por meio da leitu- Buscávamos um campo de investigação relacionado com
ra e de contatos na área – identificam áreas fronteiriças algum desenvolvimento em curso em uma das divisões
estimulantes em seus respectivos campos de atuação operacionais, e achei que deveria tentar reunir os dois.
que parecem ter alguma relação concebível ao que foi Quando comecei a trabalhar com eles, ganhei acesso a uma
definido como interesses da empresa. Naturalmente, pesquisa complementar em um laboratório do governo na
eles também procuram ligar os novos desenvolvimen- Costa Oeste com o qual vinham colaborando. Agora eu es-
tos criados em outras partes do seu mundo de P&D tava chegando perto do que poderia ter algumas possibili-
corporativa, ou seja, os setores de P&D das divisões dades comerciais reais.
operacionais. É isso que a gestão deve esperar do seu pessoal de
Dez anos atrás, eu e outras pessoas ficamos sabendo que a P&D: a capacidade de conduzir pesquisas relevantes, e
nossa própria empresa estava desenvolvendo novas tecnolo- também de monitorar e fazer ligações com outros tra-
gias importantes na área de controles eletrônicos. Isso levou balhos relevantes onde quer que estejam acontecendo
à criação de uma nova divisão separada e comecei a trabalhar e enxergar algum padrão global ou implicação nessas
nos controles aplicados à área de saúde, mas, com a recessão,
diversas correntes.
ficou difícil obter um forte comprometimento da P&D com
esta área. Portanto, fiquei satisfeito quando fui transferido A Figura 1 representa um modelo que incorpora a
para os laboratórios de P&D que tinham um programa de sequência típica das “ligações“ seguidas na evolução de
tecnologia relacionado à área de saúde. Nesse laboratório, uma estratégia exploratória orientada para a tecnologia.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-4     363

Contudo, tais “ligações” podem falhar. Mesmo que uma pessoa que depois foi incorporada ao projeto, a real apli-
o pessoal técnico encontre problemas interessantes e cação potencial era em uma classe de produto muito diferente.
possíveis soluções, as ideias apresentadas por essa equi-
Uma armadilha mais séria dos projetos orientados
pe podem não combinar com os interesses da empresa
para a tecnologia é que eles são mais suscetíveis de fi-
e podem não ser consideradas no “tecido” corporativo:
carem presos em uma determinada solução tecnológica.
Em outro caso, eu estava interessado em materiais de alta
A empresa desenvolveu um interesse em um setor de alta
temperatura e isso me levou à química do boro. Também foi
tecnologia da área biológica. Os esforços foram direcio-
o resultado da minha interação com os colegas no meio aca-
nados por um especialista que, alguns anos antes, desen-
dêmico. Comecei a ficar interessado em criar esses materiais
volveu um método inovador de separação de materiais no
com base no boro de maneira mais barata, mas eles estavam
nível molecular. Essa separação era uma etapa importante
fora da experiência da empresa. Havia algum interesse no
na produção de certos produtos novos, nos quais fiquei inte-
Departamento de Defesa e cheguei bem perto de provar sua ressado. Mas, como percebemos mais tarde, a técnica do Dr.
importância comercial, mas a “ligação” fracassou. Não con- X, mesmo sendo interessante, não era a melhor maneira de
seguimos fazer com que a gestão da empresa se interessasse; fazer a transição para uma produção em larga escala. Porém,
estava fora do seu domínio. enquanto o Dr. X esteve no comando, os métodos alternati-
vos não foram explorados.
Portanto, os tecnologistas ainda enfrentam o proble-
ma de obter apoio financeiro para as suas concepções. Naturalmente, pode-se argumentar – com alguma
Esse é o clássico problema do ovo e da galinha. É di- justificativa – que, se o Dr. X não tivesse ajudado a pro-
fícil “provar” a utilidade dessa nova abordagem sem o duzir o avanço tecnológico inicial, a empresa poderia
financiamento adequado. No entanto, normalmente, o não ter se interessado nessa área particular da biolo-
financiamento adequado depende da capacidade de os gia. No entanto, na fase conceitual inicial, é importante
tecnologistas mostrarem dados e resultados muito bons, manter as opções em aberto. Uma inovação tecnológica
o que, por sua vez, também exige investimento. A “pes- específica pode ter defeitos escondidos ou vir a ser me-
quisa clandestina” é um primeiro passo para contornar nos útil do que o previsto para a classe de produtos finais
esse ciclo vicioso. mais facilmente comercializável. Enquanto as decisões
Às vezes, a mudança nas circunstâncias converte fundamentais estiverem sendo tomadas principalmente
um esforço apoiado de forma modesta e restrita em uma pelo “pai da invenção”, é possível que os fins venham
campanha total. A crise energética de uns anos atrás foi ser confundidos com os meios. Eis outro exemplo:
um dos estímulos mais profundos.
Um pesquisador desenvolveu um novo tipo de fita de sementes
Estávamos trabalhando por muitos anos em um novo tipo de que foi projetada para uso agrícola em larga escala. Uma in-
isolamento, mas, quando ocorreu a crise energética, todos vestigação mais cuidadosa revelou que esse processo seria útil
perceberam que poderíamos ter uma série de aplicações ime- principalmente em estufas na produção de mudas, e não em
diatas. Eu sabia da nossa experiência e trabalho nessa área e campos abertos. A oportunidade de mercado real agora estava
formulei uma proposta de um esforço de 2 a 5 anos para o co- sendo vista como produção de transplantes, em vez de sim-
mitê revisor da nossa alta gestão. Como um ímpeto adicional, plesmente um novo transportador de sementes (ou seja, a fita).
fui capaz de mostrar que a movimentação nessa frente nos
ajudaria a seguir na direção apontada frequentemente pela Uma armadilha relacionada ao modo “oferta de tec-
empresa – desistirmos de nos tornar um fornecedor básico nologia” é que há uma tendência para abordar as ne-
de materiais do tipo commodity e passarmos para os produtos cessidades de usuários atípicos e tratar sua aceitação
acabados de margem mais elevada. do novo produto, processo ou sistema como evidência
da existência de uma nova “oportunidade” comercial.
O cientista empreendedor tem um talento especial para
Problemas com a “oferta de tecnologia” apresentar evidências convincentes e demonstrar o “in-
Porém, tal entusiasmo e confiança não compensam al- teresse” dos potenciais usuários. Como observou um
gumas limitações inerentes de uma ênfase excessiva na cientista que virou empresário: “Se você dirigir-se às
“oferta de tecnologia”. Talvez o mais óbvio seja que a pessoas ‘certas’ em qualquer mercado, você ouvirá de-
orientação de um cientista empreendedor para compreen­ las: ‘Uau! Era por isso que estávamos esperando’”.2 Esse
der alguns fenômenos básicos e solucionar um difícil
problema tecnológico deverá incentivar as aplicações de
mercado mais facilmente pesquisadas e avaliadas.
2
Outro exemplo recente vem da Gould Inc. Em 1981, a Gould deu se-
quência ao seu bem-sucedido analisador lógico K-100 com um modelo
K-101 ultrassofisticado e caro. De acordo com um ex-gestor da empresa,
Em um de nossos casos, um novo material que estava sendo
o K-101 foi um produto que “só os lunáticos da base de clientes apre-
desenvolvido era aplicado a um produto de consumo fabricado ciariam”. Ver “Gould Reshapes Itself into High-Tech Outfit Amid Much
com certa facilidade. Na prática, como descobriu mais tarde Turmoil”, Wall Street Journal, October 3, 1984.
364     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

processo de dirigir-se seletivamente a possíveis clientes FIGURA 2 Fluxo de atividades no modelo de “demanda
atípicos será especialmente perigoso se o processo de de mercado”
vinculação técnica não for adequadamente realizado. O
Conhecimento científico e
sucesso inicial com um sistema técnico inadequado uti- técnico interno
lizado por um cliente atípico pode levar a uma projeção
3 2
equivocada do potencial do mercado.
Embora tenhamos afirmado que os tecnologistas Questões e
problemas técnicos
empreendedores de sucesso preocupam-se com o mer-
4
cado do usuário (e com o mercado da empresa quan- 3 1
to às ideias), eles são limitados quanto à sofisticação Soluções técnicas

com a qual podem fazê-lo. Aqueles com treinamento 2 5


e experiência em negócios, particularmente em anali-
Conhecimento científico Necessidades do
sar e estimar mercados, podem fazer uma contribuição e técnico externo mercado externo
importante. Na verdade, muitas vezes percebeu-se que
essas pessoas deviam tomar a iniciativa de definir uma
estratégia de novos produtos. “materiais de construção”) ou aplicações muito restri-
tas com potencial limitado (p. ex., “dobradiça do ar-
mário de material”). Para ligar esses extremos, ocorre
SUPREMACIA DA “DEMANDA DE MERCADO”
um processo de estreitamento ou focalização. Mas isso
Consultores empresariais experientes como os da McKin- também tem seus próprios problemas. Em particular, o
sey acreditam que a P&D pode ser direcionada – com an- processo gera confusão no pessoal de P&D, que deve
tecedência – por objetivos de mercado específicos: manter-se reprojetando sua tecnologia para que se adap-
te a um alvo em constante movimento, ou as demandas
Um fotoquímico experiente, Dr. Hans Schleussner, proprie-
tário-gerente de uma empresa farmacêutica de porte médio
imediatas do mercado podem substituir considerações
na Alemanha ocidental, reuniu uma equipe de três pessoas mais fundamentais das tendências de longo prazo. Por
para trabalhar em um projeto voltado para o desenvolvimen- exemplo, no início da década de 1970, uma empresa
to de substitutos para o sangue. Foram necessários dois anos chamada “Accuracy” cedeu à demanda do seu pessoal
e meio para eles descobrirem um substituto para o plasma, de vendas em relação a um processo de controle que
o que levou ao estabelecimento de um novo negócio para usaria tanto computadores analógicos quanto digitais,
Schleussner, renovou todo o mercado para as preparações ignorando a tendência que tornaria os computadores
em estado gelatinoso e deixou as grandes empresas farma-
analógicos obsoletos.4
cêuticas tentando recuperar o tempo perdido, com grandes
esforços e custos, ao longo dos 3 a 4 anos seguintes.3 Além disso, um excesso de compromissos orienta-
dos para o mercado pode destruir uma ideia inovadora
Do ponto de vista pessoal, uma distinção importante sólida. John Newhouse5 conta a história de um enge-
entre “demanda de mercado” e “oferta de tecnologia” é nheiro aeronáutico da American Airlines que anteviu a
a divisão do trabalho. No modelo “demanda de merca- necessidade de jatos menores. Ele queria desenvolver
do”, a definição e exploração dos mercados são feitas um avião de dois motores e relativamente leve com ca-
normalmente por um especialista treinado em negócios/ pacidade para 150 passageiros que atenderia as neces-
marketing. A identificação do indivíduo de um mercado sidades da empresa de uma aeronave prática e econô-
com alto potencial dá início a um processo de busca mica para voar de LaGuardia para o meio-oeste. Como
por conhecimento técnico dentro ou fora da empresa, o a McDonnel Douglas e a Lochheed exploravam outras
qual poderia ser utilizado para desenvolver um produto exigências dos clientes, eles viram que havia uma ne-
inovador a fim de entrar nesse mercado. cessidade de alcance e capacidade de subida – com o
A sequência real observada está retratada na Figura 2. acréscimo resultante de mais peso. Um avião com mais
Os gestores experientes de novos negócios reco- peso exigiria um terceiro motor. Isso levou ao desen-
nhecem que as necessidades de mercado precisam volvimento do DC-10 e do L-1011, dois aviões essen-
ser definidas em termos que evitem os dois extremos cialmente com o mesmo design. O mercado para um
seguintes: generalizações amplas superficiais (p. ex. avião menor foi completamente perdido e acabou sendo

3
H. Henzler, “Functional Dogmas That Frustrate Strategy”, McKinesy
Quarterly, Winter 1982, p. 26. Ver também F. W. Gluck and R. N. Foster,
“Managing Technological Change: A Box of Cigars for Brad”, Harvard 4
Wall Street Journal, September 3, 1981.
Business Review, 55, September-October 1978. 5
J. Newhouse, The Sporty Game, Knopf, New York, 1982.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-4     365

preenchido primeiro por um fabricante europeu com a pode haver uma décima primeira que tem a verdadeira chave
aeronave A-300B (da Airbus Industries). para a tecnologia.
Na mesma linha de pensamento, os usuários ou
Talvez a lacuna mais grave da “demanda de merca-
clientes não têm uma ideia clara das suas próprias ne- do” seja a ausência de um “verdadeiro crente”. Para o
cessidades no que diz respeito a um produto verdadei- analista de mercado de novos negócios, esse produto
ramente novo, e a “sabedoria convencional” sobre os potencial é apenas um dentre muitos que podem estar
clientes ou usuários pode matar uma inovação poten- em vias de serem pesquisados. Não há garantias de que,
cialmente bem-sucedida. Recentemente, o The New mesmo que ele “decole”, seja apoiado pelo especialista
York Times publicou uma matéria sobre um engenhei- de marketing de novos negócios. Não se trata apenas
ro da GE que inventara a fita cassete em 1952: “Mas de uma promessa futura em que falta uma motivação
ele deixou sua importante invenção juntando poeira adicional, mas não há nenhum compromisso passado.
após um executivo da GE ter lhe dito: ‘Não há futuro Afinal, geralmente a ideia não é fruto da imaginação do
na fita’”.6 analista que foi designado para investigar o seu poten-
Quando a busca pela inovação é um elemento de cial comercial.
um sistema maior conduzido por um usuário externo, Por sua vez, tecnologistas que passam a “promover
os problemas de pesquisa de mercado podem ser mais o produto” tem uma sensação de identificação com uma
complexos e haverá grande margem para erro. ideia ou descoberta, ou pelo menos com uma linha de
pesquisa sistemática que reflete suas próprias compe-
Estávamos projetando um componente fundamental para
tências e interesses. Ainda mais importante, na United,
aeronaves com o nosso novo material Z. Quanto mais pro-
curávamos, mais percebíamos o quanto precisávamos com­ como em muitos laboratórios corporativos de P&D, uma
preender a interação de quase todos os componentes e, definição bem-sucedida de um negócio com base em
particularmente, o efeito do uso exaustivo e que manutenção um novo produto pode trazer consigo a possibilidade de
futura as pessoas desejarão e como operarão. Simplesmen- avanços importantes na carreira. Pode tornar-se um veí-
te projetar um componente de primeira classe estava a uma culo para a maior visibilidade para tornar-se um gestor de
grande distância da solução. novos negócios e até mesmo o chefe de um novo negócio
Então, você aprende que não pode desenvolver um novo importante. E, como observamos anteriormente, alguns
componente isoladamente. É necessário analisar todos os cientistas nos laboratórios corporativos consideram essas
pontos frágeis do sistema, já que eles impactam o compo-
perspectivas bastante atraentes, pois eles realmente que-
nente, e depois traduzi-los em seu novo material de alta re-
sistência e ver como você pode projetá-lo para minimizar os
rem saltar da pesquisa pura para a gestão pura.
elementos mais caros. Nessa fase exploratória, os projetos encontram
muita resistência no laboratório, no mercado e no pro-
Se um dos riscos da “oferta de tecnologia” é desen- cesso de orçamento corporativo. De certa forma, a via-
volver uma solução não relacionada a nenhum proble- bilidade do projeto depende de ganhar impulso – dar
ma específico, a abordagem da “demanda de mercado” aos gestores principais a noção de que esse projeto tem
enfrenta o risco possivelmente maior de não conseguir boas chances e que está avançando. Por isso, é neces-
gerar uma tecnologia necessária para solucionar um sário um grau de sucesso inicial para atrair interesse
problema existente, seja internamente ou por meio de e apoio.
aquisição. De acordo com um participante que atua com
a visão de negócios: A DUPLA VINCULAÇÃO NECESSÁRIA
Muitas aplicações começaram com uma determinada tecno- Temos descrito os processos de vinculação técnica e
logia. Então, o problema é como você enxerga a construção de vinculação com a demanda. Ambos são necessários
de um negócio com essa tecnologia, como adquirir uma po- para o sucesso da inovação.
sição proprietária e se capitalizar a partir dela. Nossa tecno- A vinculação técnica exige alguém que possa com-
logia de “blindagem” começou realmente com um foco no
binar um problema técnico promissor (p. ex., aumentar
mercado maior e a identificação de oportunidades, e depois
tentamos desenvolver a tecnologia. É uma abordagem mais
a durabilidade de uma fibra) – alguém que seja reconhe-
arriscada. Você poderia fazer um trabalho muito bom, mas cido por estar dentro dos limites gerais dos domínios de
nunca atingir seus objetivos. Uma maneira alternativa é em- interesse da empresa – com o conhecimento científico
pregar uma estratégia de aquisição. Mas isso também é mui- externo e/ou interno. O pesquisador encara a solução
to arriscado. Mesmo que você compre dez empresas, ainda desse problema técnico como viável e relevante. É por
meio da sofisticação técnica do pesquisador que se
consegue reconhecer a importância real de se trabalhar
6
New York Times, August 4, 1982. sobre um problema. O processo de vinculação técnica
366     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Três elementos que exigem vinculação

1 2 3
“Problemas” relevantes Fontes de tecnologia Demanda de mercado

Tal como definido pelos “interesses” Interesses pessoais do pesquisador Busca pessoal do negociante
declarados da alta gestão
Problemas das divisões operacionais Especialização corporativa existente Áreas de insatisfação do cliente
Novas oportunidades criadas por eventos Novos desenvolvimentos tecnológicos Potencial para a satisfação de nova
externos necessidade

representa um passo “lógico” adiante, um passo que áreas a partir de pequenas áreas de atividade comercial
pode levar a um possível grande avanço tecnológico relacionadas a projetos específicos que se originam no
com consequências rentáveis para a empresa. nível operacional. Isso ficou mais claro com base na
A outra vinculação que deve ser realizada ao mes- análise de documentos escritos na United. Em 1975, o
mo tempo relaciona-se com as necessidades. Ela re- plano de longo prazo da empresa para uma divisão de
presenta a capacidade de perceber as inter-relações novos negócios apontava o seguinte:
entre os avanços técnicos existentes ou potenciais no
Em vez de lidar com um número sempre crescente de are-
laboratório e a demanda de mercado real ou potencial. nas distintas, deve-se concentrar a atenção em algumas áreas
Essencialmente, essa vinculação afirma que, se X pu- principais, dentro das quais as arenas podem ser ampliadas,
der ser realizado e rotinizado – comercializado numa agrupadas ou acrescentadas.
faixa de preço adequada –, então haverá um mercado
desse tamanho. Contudo, independentemente de quem seja o propo-
nente de um novo negócio e argumente sua viabilidade,
no fim das contas, ele deve ser aceito pela gestão supe-
COMPARAÇÃO DOS MODELOS “OFERTA DE
rior. Os proponentes de novos negócios, portanto, preci-
TECNOLOGIA” E “DEMANDA DE MERCADO”
savam entender que tipo de projeto seria aceitável para
A seguir, resumimos as deficiências e desvantagens das a alta gestão. Uma questão que parece ser ainda mais
duas abordagens de formulação de estratégias na fase importante é a capacidade de os proponentes manterem-
exploratória: -se afastados dos projetos que seriam percebidos pela
alta gestão como incoerentes com a imagem externa da
“OFERTA DE TECNOLOGIA” “DEMANDA DE MERCADO” empresa ou que poderiam levar a possíveis responsabili-
• C
 omeça com o que pode • O
 lha para as necessidades dades legais. Na área de saúde, por exemplo, as pessoas
ser facilmente pesquisado e que são facilmente sabiam que a alta gestão estava preocupada em entrar no
avaliado identificadas, mas com segmento terapêutico, e não no de diagnóstico.
menor potencial
Assim, os três elementos devem ser simultanea-
• A
 borda as necessidades de • C
 ontinua a alterar a
um usuário atípico definição de “oportunidade”;
mente considerados a fim de definir uma nova oportu-
“perda de oportunidade” nidade de negócio viável (Figura 3).
• F
 ica presa a uma solução • D
 ependência do papel Foi então, talvez não surpreendentemente, que um lí-
técnica de um “defensor” ou der de grupo acabou sendo a força motriz na definição de
“verdadeiro crente” uma nova oportunidade de negócio. Essas pessoas têm
contato suficiente com o processo de pesquisa para com-
INTERESSES DA EMPRESA preender e direcionar o de vinculação técnica, contato
suficiente com o lado do negócio para pensar em termos
Os projetos de novos negócios cuja natureza foi descrita de necessidades do mercado e experiência organizacio-
aqui geralmente estão fora da estratégia atual da em- nal necessária para entender como os avanços tecnoló-
presa. Certamente, como descrevemos anteriormente, gicos podem ser “considerados no tecido” da empresa.
a alta gestão procura definir as indústrias e os negó-
cios que consideram atraentes. Entretanto, na medida
CONCEITUAÇÃO EFETIVA
em que essas definições ultrapassam os interesses das
divisões operacionais, elas são definidas de maneira tão Esses gestores bem-sucedidos são sintetizadores, ca-
geral (como “saúde”, “alimentos” ou “energia”) que são pazes de reunir e vincular correntes técnicas em curso
praticamente inúteis como um guia para a ação con- com os compromissos e as direções atuais da empresa
creta. Na prática, constatamos o surgimento de novas e depois relacioná-los às necessidades de mercado. O
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-4     367

sucesso depende da ocorrência simultânea, quase se- clientes que não seriam satisfeitas pela concepção original.
rendipista, de uma série de exigências e recursos mu- Também aprendemos que havia um mercado substancial a
tuamente compatíveis. A vinculação com o mercado é ser explorado, que tinha a ver com os reagentes necessários
para operar o equipamento. Assim, acabamos com uma mu-
negligenciada frequentemente: as exigências explícitas
dança radical, usando apenas o núcleo dos conceitos físicos
dos clientes, as pressões competitivas, tamanho e dura- do cientista. Acrescentamos um “leitor” de dados bem dife-
bilidade da demanda e oportunidades para sinergias e rente, um minicomputador e assim por diante.
economias de escala.
Um exemplo notável da importância de contar com Mesmo quando os dois processos – vinculações com
pessoas que realizem o processo de dupla vinculação é tecnologia e mercado – são combinados, não há garan-
proporcionado pela história de Steve Jobs, da Apple, ao tia de sucesso. O caso apresentado a seguir é típico de
visitar o Palo Alto Research Center da Xerox: como uma empresa desenvolve interesses em financiar
uma nova área de desenvolvimento e alguns dos proble-
Em dezembro de 1979, Steve Jobs, então vice-presidente da
Apple, visitou o PARC com alguns colegas. Eles viram o mas decorrentes:
Smalltalk, um conjunto de ferramentas para programação. A empresa reconheceu que pode haver algum potencial co-
“Seus olhos saltaram”, lembra Lawrence Lester, que ajudou mercial a partir da sua experiência em filtração. Escrevi um
a desenvolver o Smalltalk. “Eles compreenderam a sua
artigo posicionando-me sobre o estado de arte nessa área e
importância melhor do que qualquer outra pessoa que havia
onde nos encontrávamos. Foi decidido que deveríamos fa-
nos visitado”. Sete meses mais tarde, Jobs contratou Lester,
zer mais trabalhos na área. No decorrer do nosso trabalho
decidido a usar muitos atributos do Smalltalk no Lisa.7
de P&D, desenvolvemos um produto exclusivo que parecia
ter aplicações nos problemas de poluição de uma grande
A seguir, apresentamos uma estratégia cuidadosa-
indústria em particular. Até conseguimos desenvolver uma
mente conceituada que satisfaz os nossos critérios: instalação de testes.
O foco da United deveria ser em determinados ácidos orgâ- Eu já tinha a prova de uma instalação bem operacional,
nicos especiais que possuem uma estrutura molecular mui- então me perguntei quantas dessas instalações seriam neces-
to complexa, são difíceis de sintetizar e onde várias forças sárias no mercado. Umas dez mil? Agora eu tinha que fazer
governamentais e de mercado asseguram um preço especial um julgamento sobre a forma como muitos desses clientes
para o resultado do tipo de processamento que faremos e estavam propensos a seguir o nosso caminho. Para fazer
onde uma série de produtos relacionados pode ser desen- isso, você deve conhecer as alternativas desses clientes e fa-
volvida, permitindo-nos construir uma fábrica de multiuso lar com a pessoa de controle de poluição. Depois, você junta
econômica. esses fatos e, com base no que as pessoas lhe disseram, faz
suas projeções.
Poucos gestores de desenvolvimento têm habilida- No final das contas, realizou-se um estudo do mercado
de e conhecimento para combinar as ênfases tecnológi- no qual se afirmava que não existiria um mercado grande o
cas e de mercado nessa fase muito precoce do ciclo. O bastante para um método de separação de gases, mas havia
uma dica no relatório – e realmente era apenas uma dica –
exemplo a seguir representa uma das inovações mais
de que poderia haver uma oportunidade para a filtragem de
bem-sucedidas que acompanhamos: líquidos. Assim, entramos no mercado e logo descobrimos
Eu tinha trabalhado na área de computação e conhecia a que o nosso produto não era adequado!
importância de combinar uma tecnologia com a configura-
ção do mercado. Quando assumi o projeto Z, logo aprendi UM ESQUEMA DE CLASSIFICAÇÃO
que a tecnologia que estávamos utilizando também tinha
sido adotada por outra empresa que procurava entrar no Conforme examinamos os exemplos apresentados, pa-
mesmo mercado. rece relativamente simples colocá-los em uma das cé-
Minha empresa ficou muito interessada em uma nova lulas na matriz exibida na Figura 4. Enquanto somos
ideia que estava sendo desenvolvida por um dos cientistas
muito pressionados a fornecer provas estatísticas, os
de nossos laboratórios-satélite. Após alguma discussão, ficou
claro que ela poderia ser aplicada diretamente no desenvolvi- negócios mais bem-sucedidos parecem ser os do qua-
mento de uma nova linha de instrumentos de diagnóstico que drante II (dupla vinculação).
teria grandes vantagens sobre o que estava sendo produzido Nas empresas voltadas para P&D, a maioria dos
hoje. O cientista, porém, foi muito rígido: o equipamento ti- novos negócios parece estar no domínio da tecnologia.
nha que seguir suas concepções e avanços originais. Os gestores de tecnologia concentram-se em vincular o
Como gestor do projeto Z, insisti em fazer pesquisa de conhecimento interno e externo no desenvolvimento de
mercado e, com base nela, conhecer as necessidades dos soluções prototípicas (produto, processo ou sistema),
que também serão coerentes com algum mercado ou
análise de necessidade. À medida que isso é definido
7
“The Lab That Run Away from Xerox”, Fortune, September 5, 1983, e que haja alguma prova de viabilidade técnica, os pri-
p. 100. meiros planos de negócio são concebidos.
368     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Ênfase em “vinculação técnica” e em vas podem tornar-se mais compensadoras do que o
“vinculação com a demanda”
avanço original.
Baixa Nos primórdios do programa científico da National Aero-
Ênfase na “vinculação com a demanda”

nautics and Space Administration (Nasa), decidiu-se colocar


I um telescópio em órbita, e o principal cientista desenvolveu
IV Oferta de um projeto que incluía uma lente muito cara e que podia ser
tecnologia
fabricada apenas em um laboratório estrangeiro. O custo e
a demora inerente à compra da lente motivaram o questio-
namento da necessidade real da tal lente. O proponente da
lente insistiu que era a única que proporcionaria o poder de
resolução que o uso exigia. Quando foi informado de que ela
III II
Demanda de Dupla não poderia ser adquirida porque o programa inteiro sofre-
mercado vinculação ria atrasos significativos, ele conseguiu modificar uma lente
que havia sido desenvolvida nos Estados Unidos. O custo era
Alta
uma fração da estimativa original da lente estrangeira, e a
Baixa Alta nova lente provou-se mais poderosa do que as especificações
Ênfase na “vinculação técnica”
originais exigiam.8

Também pode haver flexibilidade demais. No lado


ARMADILHAS DA INOVAÇÃO do mercado, isso pode refletir-se em demandas irreais
por invenção ou soluções técnicas, porque “é isso que
Embora, às vezes, haja uma extraordinária sorte e a con-
o mercado exige”. Algumas vezes, isso leva a expecta-
ceituação original acabe sendo a melhor, de um modo
tivas e até mesmo a promessas para a gestão que não
mais realista, as melhores definições são feitas quando podem ser cumpridas. Os encarregados do marketing
há flexibilidade e modificação. A tecnologia inovadora podem ter uma atitude não responsiva ao que os cientis-
estimula a busca por aplicações comerciais. Os esforços tas dizem ser viável ou exequível. Nesse caso, o desejo
para explorar possíveis aplicações comerciais revelam não é o pai da invenção.
defeitos na concepção tecnológica original, levando à Pode ainda haver muita flexibilidade no lado téc-
busca de abordagens tecnológicas modificadas ou dife- nico quando, por exemplo, os cientistas saltam rápi-
rentes. Para que tal flexibilidade esteja presente durante do demais para preencher um nicho definido pela alta
a conceituação, é importante que os cientistas mante- gestão ou pelo ambiente como oportuno e obviamente
nham suas perspectivas. Comprometer-se ou identifi- suportável. Quando é muito fácil obter financiamento
car-se excessivamente com uma determinada “solução” e incentivo, os cientistas podem não fazer o seu “de-
pode prejudicar a capacidade do cientista para avaliar ver de casa” e apressar-se para implementar uma nova
os avanços tecnológicos à luz das considerações de tecnologia que ainda não foi trabalhada e questiona-
mercado. Tais cientistas erram de forma visível ao de- da adequadamente, ou tentar encontrar uma solução
finirem os problemas com os quais estão lidando em “multiuso” para um problema amplo e complexo,
termos tão estreitos que apenas uma solução, ou seja, a como a crise energética.
solução “deles”, será suficiente. Por fim, pode haver uma armadilha nessa fase de
A gestão pode avaliar a qualidade do seu pessoal conceituação quando o sucesso da inovação no merca-
de desenvolvimento observando quais indivíduos do depende demais de um componente ambiental do
possuem a flexibilidade para modificar ou mesmo mercado potencialmente variável. A United ficou apri-
desistir de soluções técnicas à luz de novos dados, sionada no desenvolvimento de sistemas de controle de
de novas limitações ou de problemas derivados da poluição caros ou pesados que só poderiam ser viáveis
necessidade. Esses pesquisadores podem começar com um nível rigoroso de aplicação governamental de
um projeto com grande entusiasmo a partir de um determinados regulamentos. Erros similares podem ser
determinado avanço que fizeram ou com o qual se cometidos quando se assume de forma arrogante que
familiarizaram, mas, à medida que a pesquisa evolui, um determinado recurso que está em falta sempre estará
eles são capazes de apontar as falhas nessa tecnolo- em falta ou que o excesso de um determinado recurso
gia e buscar alternativas. Muitas vezes, as alternati- existirá para sempre.

L. R. Sayles and M. Chandler, Managing Large Systems, Harper & Row,


8

New York, 1971.


SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-5     369

A rtigo 3 - 5 METODOLOGIA
Primeiro, vamos definir algumas terminologias. As trans-
A transferência de tecnologia da ferências serão chamadas de bem-sucedidas se a tecno-
pesquisa para o desenvolvimento* logia tiver sido transferida de um laboratório de pesquisa
para um laboratório de desenvolvimento e depois tiver
H. Cohen, S. Keller e D. Streeter
se tornado um produto, parte de um produto ou uma me-
lhoria importante de um processo de manufatura. Uma
Neste artigo, discutiremos algumas observações que fize-
transferência malsucedida será aquela em que a tecnolo-
mos em nossos próprios laboratórios sobre a transferên-
gia passou pela fase de pesquisa, mas não apareceu como
cia de tecnologia da pesquisa para o desenvolvimento.
um produto. Uma não transferência refere-se aos proje-
Tentamos reunir “dados” sobre transferências ou tenta-
tos de pesquisa que poderiam ser transferidos, mas que
tivas de transferência que ocorreram ao longo dos últi-
nunca foram aceitos no desenvolvimento.
mos 15 anos. Examinamos essas constatações para ver se
Começamos nosso estudo com duas etapas para-
poderíamos reconhecer algumas características comuns.
lelas: 1) escrevemos a “bem conhecida” doutrina na
A divisão de pesquisa da IBM é separada da empresa,
empresa associada ao problema da transferência e 2)
independente dos grupos de produtos e se reporta dire-
examinamos uma longa lista de todos os projetos nos
tamente aos executivos de operações da sede. A divisão
laboratórios ao longo de um período de 15 anos que,
não é um grupo de consultoria, mas está encarregada
de acordo com nossa impressão, se destinavam a ser
de duas funções importantes: contribuir para as tecno-
transferidos (lembre-se de que parte da nossa missão
logias necessárias para a linha de produtos, apoiando
sempre foi trabalhar tanto em ciência quanto em proje-
as tecnologias atuais e encontrando novas alternativas,
tos aplicados).
e contribuir para os campos da ciência que dão susten-
As prerrogativas sobre o que era necessário para
tação às tecnologias dos produtos atuais e que podem
uma boa transferência foram coletadas dos gestores de
proporcionar produtos futuros. O desenvolvimento de
pesquisa e desenvolvimento e dos membros da equipe
produtos é executado nos laboratórios das divisões de
que estiveram envolvidos nas transferências. A seguir,
desenvolvimento dos grupos. Há 27 deles em todo o
apresentamos algumas delas:
mundo. Assim, nossa divisão de pesquisa, com seus três
laboratórios em Yorktown Heights, San Jose e Zurich, 1. Deve haver um grupo de tecnologia avançada na or-
está diante de uma comunidade de desenvolvimento ganização receptora para permitir que a transferência
com cerca de dez vezes o nosso tamanho, bem distri- ocorra. (Tecnologia avançada é a expressão utilizada
buída geograficamente e cobrindo uma ampla gama de na empresa para um esforço avançado no laboratório de
áreas tecnológicas. Em apenas um caso, em San Jose, desenvolvimento que não dá suporte direto a um pro-
os laboratórios de pesquisa e desenvolvimento compar- duto planejado atualmente, mas dá suporte a produtos
tilham as mesmas instalações. de continuação ou substituição.)
Depois de completarmos a coleta e análise dos da- 2. A tecnologia avançada compete com a pesquisa e, mui-
tas vezes, bloqueia a transferência.
dos divulgados aqui, utilizamos alguns elementos para
3. A transferência ocorre quando “as pessoas de fora” re-
apoiar os gestores de pesquisa e líderes de projeto a lidar
conhecem o valor da tecnologia. Essas pessoas de fora
com novas transferências à medida que surgirem. Ao
podem ser externas à empresa ou usuários internos de
fazermos isso, começamos a perceber outros aspectos
tecnologia, mas não os próprios desenvolvedores.
a partir dos quais esperamos ter outras generalizações, 4. O mercado externo pode exercer um papel efetivo ao
talvez em relatórios posteriores. Além disso, acrescen- pressionar a ocorrência da transferência.
tamos à equipe da nossa divisão um representante de 5. Uma vez que o projeto foi transferido, é útil manter al-
marketing em tempo integral como gestor do programa gum nível de trabalho em pesquisa, sobrepondo-se e
de transferência de tecnologia e um avaliador de custos complementando o trabalho recém-iniciado na divisão.
também em tempo integral. O primeiro cumpriu o papel 6. Deve haver a participação conjunta, por parte da pes-
de fazer com que os representantes da empresa e das quisa e do desenvolvimento, quando o projeto ainda
divisões conheçam o nosso trabalho e nos apresentem está em pesquisa. A transferência pode ser facilitada
suas necessidades. O último nos ajudou a preparar o com a transferência de pessoas do programa para a or-
nosso caso com nossos colegas de desenvolvimento. ganização receptora.
7. A proximidade física da pesquisa e da organização re-
ceptora é importante.
*
Fonte: Reimpresso com a permissão da Research Management 22, n. 3
(May 1979), pp. 11-17. Observação: Todos os autores deste artigo traba- Examinamos uma lista de projetos e a dividimos em
lharam na Divisão de Pesquisas da IBM. novas listas de transferências bem-sucedidas, malsuce-
370     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

didas e não transferências. A partir dessas listas, escolhe- problemas na obtenção das matrizes de laser para o en-
mos os projetos que representavam as áreas funcionais dereçamento e do material com as propriedades dese-
dos nossos programas de pesquisa: lógica e memória, jadas. Ao mesmo tempo, a pesquisa tentou obter cedo
armazenamento, entrada/saída e comunicações, siste- demais o auxílio de desenvolvimento para o programa.
mas e programação, e aplicações de computador. Exa- Descobriu-se que isso foi prematuro. Além disso, não
minamos, na verdade, apenas 18 projetos, de modo que tivemos êxito em avaliar os benefícios dessa tecnologia
certamente não podemos fazer qualquer reivindicação em comparação com a que se encontrava disponível na
quanto à integridade da amostra até mesmo dentro dos gravação magnética convencional. Como não tínhamos
nossos laboratórios. Uma descrição de cada um desses a tecnologia em mãos (falta de matrizes de endereça-
estudos de caso é fornecida no Apêndice. Além disso, mento ou materiais apropriados) e como não havíamos
realizamos nosso exame em um modo “antropológico” avaliado totalmente as vantagens sobre a tecnologia
de observação e discussão por meio de entrevistas, sem existente e as limitações dessa tecnologia ou a falta de-
tentar quantificar os resultados. Chegamos, portanto, a las, o projeto foi fadado ao fracasso na medida em que
algumas opiniões e sugestões, mas não a conclusões ou o processo de transferência estava em causa.
regras de conduta completas. Quando um projeto de pesquisa destina-se a ser
Com base nessas prerrogativas ou “doutrinas”, pro- transferido para o desenvolvimento do produto, é im-
duzimos um guia de entrevista e depois entrevistamos portante compreender onde ele se encaixará na linha de
mais de 50 pessoas que estiveram envolvidas com as produtos e quais exigências devem ser satisfeitas para
transferências. A maioria está ou esteve na divisão de chegar a esse encaixe. Embora a pesquisa não possa fa-
pesquisa, de modo que temos uma visão mais orientada zer o seu próprio marketing, ela não pode perder tempo
para a pesquisa em si, e não uma geral. Os estudos de solucionando problemas que não existem ou produzir
caso foram preparados para cada um dos projetos. Os tecnologia que não possa ser vendida pela IBM. Um
estudos de caso e as sugestões de fatores-chave foram ingrediente básico da tecnologia é o seu custo. Ele deve
revistos, testando as prerrogativas originais e algumas ser considerado pelo menos na forma de uma estimativa
vezes acrescentando novos fatores de interesse. Final- preliminar no hardware, mas é, obviamente, muito di-
mente, substituímos a lista original por um novo con- fícil na programação. Ambos os projetos aos quais nos
junto de fatores, ou ingredientes, de uma transferência referimos falharam nesse aspecto.
aos quais atribuímos uma ordem de importância. Nas Felizmente, nos dispositivos, nos circuitos e em
duas próximas seções, discutiremos esses fatores da outro tipo de hardware, o trabalho de pesquisa em si
transferência de tecnologia em ordem de importância requer que pelo menos um meio possível de fabricação
relativa. Na discussão, apontaremos exemplos de proje- seja desenvolvido. As alternativas e melhorias podem
tos específicos para ajudar a explicar os fatores. ser deixadas para o desenvolvimento e engenharia de
manufatura. No software, especialmente na programa-
Fatores primários ção de sistemas, a “fabricação” ou implementação no
desenvolvimento não é bem compreendida. Os resul-
tados da pesquisa em software não parecem ter afetado
Compreensão técnica É essencial que a pesquisa com- diretamente os métodos de implementação.
preenda as principais questões técnicas da tecnologia
antes de passá-la adiante. Isso pode parecer óbvio. No Viabilidade Vários projetos nunca demonstraram
entanto, em alguns casos que estudamos, isso não pare- a viabilidade dos conceitos da pesquisa porque as
ceu verdadeiro, e é por essa razão que acreditamos que a pressões de tempo forçaram a transferência antes que
base técnica de cada projeto deve ser avaliada cuidado- demonstrações pudessem ser feitas. Aprendemos que,
samente. No projeto do germânio, embora os problemas algumas vezes, é necessário frear o nosso entusiasmo
de material e processamento fossem bem compreendi- de levar adiante uma ideia para que possamos com-
dos, as limitações das vantagens do germânio sobre o preendê-la o suficiente e demonstrar sua viabilidade.
silício tornaram-se aparentes só depois de vários anos A pesquisa e a divisão receptora da tecnologia devem
de atividade de pesquisa. Isso teve menos a ver com os chegar a um acordo sobre o que constitui a viabilidade.
dispositivos que foram criados e mais com a implemen- Claramente, isso dependerá do assunto. No caso de um
tação dos dispositivos de empacotamento de circuitos. algoritmo como a transformada rápida de Fourier (Fast
Além disso, a meta de obter um dispositivo de alta Fourier Transform), a exigência é um programa que
velocidade, uma meta um tanto restrita, também pode- funcione melhor que os métodos existentes. No caso do
ria ser alcançada com o silício, cujo desenvolvimento hardware, será um dispositivo ou mesmo um sistema de
continuava a avançar. Outro exemplo pode ser extraí- componentes que desempenhe uma função junto com
do do projeto de arquivo de feixe endereçável. Houve sua metodologia de fabricação demonstrada. O pro-
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-5     371

grama de pesquisa das películas magnéticas de memó- existente a estender-se, avançar suas metas e expandir
ria é um dos que tiveram a viabilidade demonstrada. No seu potencial diante da concorrência. Frequentemente,
entanto, as películas magnéticas nunca se tornaram um essa extensão remove as vantagens desse desafio, resul-
produto por causa dos avanços feitos nas memórias de tando na sua extinção. Foi exatamente esse o caso do
núcleo e do rápido crescimento da tecnologia de memó- arquivo de feixe endereçável. O projeto do germânio e
rias de semicondutores. o programa de película magnética são outros exemplos.
Em alguns casos, existem sistemas completos de O trabalho do computador criogênico no início dos anos
aplicação ou linguagens em que a viabilidade implica 1960 é outro exemplo. As memórias de películas finas
a aceitabilidade pelo usuário final. Pode envolver um supercondutoras desenvolvidas naquela época perde-
usuário final em, por exemplo, diagnóstico médico ou ram para os progressos feitos pelas películas magné-
no negócio de linhas aéreas, e deve contemplar algum ticas e a lógica do criotron perdeu para os progressos
tipo de estudo em conjunto com usuários reais antes que constantes realizados nos circuitos de silício. Em todos
a viabilidade possa ser demonstrada. esses casos, não se prestou atenção suficiente ao poten-
cial de crescimento na nova tecnologia.
Sobreposição do desenvolvimento avançado Nos pro- Embora a pesquisa talvez possa ter o crédito de es-
jetos transferidos para fora, a pesquisa deve determinar timular ou forçar avanços nas tecnologias existentes ao
se mantém a atividade, seja para apoiar o desenvolvi- oferecer alternativas concorrentes, certamente ela não
mento, seja para defender seus conceitos, ou se explora pode ser a principal ambição ou objetivo da organiza-
tecnologias avançadas ou relacionadas. O desenvolvi- ção. Para evitar isso, a pesquisa tem que olhar constante
mento de pesquisa bem-sucedido dos FETs (Field-Effect e cautelosamente para ver o que está surgindo.
Transistors) foi seguido por uma descontinuidade
repentina de quase toda a pesquisa em semicondutores Existência de um defensor Independentemente da ele-
em um curto período. Isso foi um erro. A dificuldade em gância dos resultados da pesquisa ou de quantos bene-
fazer com que a divisão de desenvolvimento escolhesse fícios podem oferecer à empresa, alguém deve assumir
o dispositivo de célula de memória em 1967 pode ter a responsabilidade de ver se os resultados chegam ao
sido ocasionada, em parte, por um relativo desinteresse lugar certo. Nosso estudo indica que um proponente de
da gestão da pesquisa de semicondutores, na época em peso que venda os resultados da pesquisa é necessário
que voltou sua atenção para outras áreas. para a transferência. Obviamente não é o suficiente; os
No planejamento de projetos de pesquisa aplicada, diversos projetos que não foram transferidos ou que não
especialmente quando se aproximam da transferência, se transformaram em produtos também tiveram defen-
devem ser feitos preparativos cuidadosos para o tipo sores na pesquisa. Quando utilizados, os seminários
adequado de programa de sobreposição. Em determi- têm sido oportunos para dar publicidade e explicar os
nados projetos de pesquisa, em particular os projetos de conceitos a serem transferidos da pesquisa. A eficiência
sistemas, a criação de um esforço de desenvolvimento do defensor da pesquisa tem sido aprimorada em vários
especial, avançado, muitas vezes é a resposta para os casos por meio de um equilíbrio proporcionado por um
problemas de escalonamento ou para as questões de ca- defensor externo.
pacidade de colocação no mercado ou viabilidade eco-
nômica antes de assumir um compromisso total com o Atividades de tecnologia avançada em um laboratório
produto, o que pode exigir que novos tipos de pessoas de desenvolvimento A principal conclusão é que os
sejam trazidos para o laboratório. Por exemplo, com a programas de tecnologia avançada nos laboratórios de
APL (A Programming Language), um sistema completo desenvolvimento são úteis e muitas vezes necessários
de trabalho estava em operação antes da transferência. para a transferência a partir da pesquisa. De modo bem
claro, grupos de “consultoria tecnológica” ajudaram na
Potencial de crescimento Vários programas de pes- passagem da pesquisa da tecnologia de feixe de elétrons
quisa sofreram por serem tão estreitamente destinados e do trabalho de bolhas magnéticas para o desenvol-
a uma necessidade específica e por não terem trajetórias vimento. Essas duas transferências ocorreram e estão
claras para o crescimento técnico e para a aplicabili- ocorrendo continuamente. Os materiais e o conheci-
dade em algum produto. Como exemplos disso, temos mento sobre processamento de materiais, invenção de
os programas de desenvolvimento do germânio e do dispositivos e circuitos e técnicas de aplicação foram
arquivo de feixe endereçável. transferidos. O interesse em métodos de fabricação de
A menos que haja uma perspectiva de progresso téc- feixe de elétrons era suficientemente alto entre os indi-
nico, a transferência pode não ser bem-sucedida pelo víduos da consultoria tecnológica e sua conexão com
fato de as tecnologias existentes se “estenderem”. O a pesquisa foi útil para abrir caminho. Com relação
desafio de uma tecnologia nova força uma tecnologia às bolhas, o laboratório de consultoria tecnológica no
372     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

desenvolvimento teve os talentos e a experiência para Em geral, quanto à área de software, é um pouco
escolher essa tecnologia. Portanto, sem contratação ou mais difícil definir o papel dos grupos de consultoria
negociação formal, a presença de pessoas qualificadas e técnica no setor de desenvolvimento.
com espírito de pesquisa nos laboratórios de desenvol-
vimento e sua relativa liberdade em relação às demandas Pressões externas Em muitos projetos de hardware
de produtos tornaram mais fácil efetuar a transferência. que foram transferidos e em alguns de software, a pre-
Em outros projetos de hardware, a consultoria tec- sença de alguma forma da mesma tecnologia no labo-
nológica divisional serviu como uma função crítica e, ratório de um concorrente ou o anúncio de um produto
muitas vezes, procurava ser competitiva, ou mesmo ajudou na transferência. Em nosso trabalho nos LSI-
obstrutiva, para a pesquisa. Nossos estudos de caso -FETs, a maior parte da indústria estava começando os
mostram que, na maior parte do tempo, os maiores obs- preparativos para os componentes do FET, enquanto
táculos criados pelo ceticismo ou pela resistência da nossos grupos de desenvolvimento de produto ainda
consultoria tecnológica acabaram sendo benéficos. No estavam se concentrando nos transistores bipolares. A
caso da LSI-FET (Large-Scale Integration-Field Effect pesquisa conseguiu chamar a atenção da concorrência
Transmitter), a pesquisa teve que fazer o trabalho e es- quando foi necessário. Nas películas magnéticas, um
tender o processamento dos materiais, o projeto de dis- concorrente havia anunciado um produto de memó-
positivos e circuitos, e o projeto da automação, ainda ria antes de o nosso produto ser lançado, mas ficou
mais considerando que a imagem da pesquisa era con- claro, com base no trabalho publicado das atividades
fortável. No entanto, os resultados foram convincentes, de pesquisa em vários laboratórios, que várias empre-
a empresa assumiu os FETs e a pesquisa beneficiou-se sas estavam trabalhando nas películas magnéticas. No
por ter pessoas experientes em tecnologia de silício, momento em que conseguíamos convencer um labora-
prontas para esforços subsequentes. tório de desenvolvimento a interessar-se pela tecnolo-
Há um caso similar para as películas magnéticas. Os gia de feixe de elétrons, alguns fabricantes já falavam
obstáculos iniciais colocados pela organização respon- publicamente sobre métodos e resultados preliminares.
sável pelo desenvolvimento exigiam resultados bastan- Em outros laboratórios, os relatórios sobre o trabalho
te sólidos e um envolvimento completo do pessoal da nas bolhas magnéticas mantiveram o pessoal do desen-
pesquisa não só em tecnologia, mas também no uso de volvimento de produtos suficientemente interessado
sistemas e sua economia. Nos casos já mencionados dos para facilitar a contínua transferência de tecnologia que
programas de arquivo de feixe endereçável e de desen- se encontra em andamento.
volvimento do germânio, os grupos de consultoria tec- Em outros projetos, porém, não houve pressão
nológica foram corretamente vetados. Em geral, pos- competitiva. Na área das aplicações, a criptografia e as
suir uma atividade de consultoria tecnológica em um transformadas rápidas de Fourier eram exclusivas da
laboratório de desenvolvimento divisional é um ativo pesquisa e da IBM. O arquivo de feixe endereçável não
inegável para as transferências de tecnologia. foi especificamente impulsionado pelos concorrentes,
Tudo o que foi mencionado até aqui é relevante para embora tivessem projetos similares em andamento. No
a tecnologia de hardware. No caso das atividades de S.S.A. (Social Security Administration), houve um de-
software, a imagem não é tão clara. Em um caso, o da senvolvimento imediato após o trabalho de pesquisa, a
APL, ela foi protegida e desenvolvida lentamente den- fim de atender a um contrato governamental.
tro da pesquisa. Enquanto criou a sua própria tecnolo- Em geral, no hardware, a atividade paralela em
gia, ela também criou um público de usuários e padrões qualquer outro lugar ajudou a pesquisa a fazer a transfe-
de utilização. Mantê-la na pesquisa por mais tempo do rência de tecnologia para o desenvolvimento e também
que o necessário trouxe o benefício de produzir uma criou um padrão externo para comparar o progresso e as
nova linguagem e ferramentas para a sua operação, realizações da pesquisa. Quando não há atividade exter-
sem ser reduzida seriamente em termos de efetividade na, podemos esperar uma dificuldade maior para fazer
por ter que sujeitar-se à filosofia de marketing. Assim, julgamentos por nós mesmos e em transferir tecnologia.
a pesquisa, querendo ou não, proporcionou a fase de Nos resultados das aplicações, a pressão externa não
tecnologia avançada para a APL. desempenhou um papel importante. Nas transferências
Existe uma classe de resultados de programação que de sistemas e programas, a concorrência desempenhou
realmente não exige muito desenvolvimento. As contri- um papel no passado e pode desempenhá-lo novamente
buições do FFT (Fast Fourier Transform), VM Monitor no futuro.
(Virtual Machine Monitor) e Astap (Advanced Statistical
Analysis Program) foram completamente adiante, mas, Programas conjuntos Esses programas podem ser
em cada caso, a transferência bem-sucedida ocorreu pela desenvolvidos em diferentes formatos. Podem envol-
negociação de qual nível de programação seria aceitável. ver apoio financeiro e de pessoal e também de pesqui-
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-5     373

sadores e pessoas responsáveis pelo desenvolvimento suporte a um trabalho inicial em matrizes esparsas. A
de produtos nos nossos laboratórios. A observação mais dificuldade imposta pelas exigências do governo para
interessante dos nossos estudos de caso é que não houve o Social Security Page Reader forçou uma colaboração
atividade conjunta em qualquer um dos projetos de sis- entre a pesquisa e o desenvolvimento que provavel-
temas e programação. Pode ter havido uma série de mente não teria ocorrido de outra forma. A colaboração
razões, mas, na maior parte, isso parece ter acontecido gerou avanços técnicos que foram úteis em produtos
pela incapacidade de a pesquisa convencer os gestores subsequentes. Na realidade, as rígidas exigências exter-
e o pessoal de desenvolvimento de que nossas ideias nas forçaram os grupos de desenvolvimento a pesquisar
eram melhores ou que poderiam ser mais produtivas do trabalhos avançados.
que as deles.
Havia (ou há) atividades que envolvem programas Envolvimento de alto nível Ocasionalmente, a pes-
conjuntamente planejados ou deslocamento de pessoas quisa recorreu à gestão corporativa para ajudar na trans-
no LSI-FET, nas bolhas magnéticas e nas películas ferência. Isso ocorreu no caso dos LSI-FETs. Em outras
magnéticas. Nos projetos do germânio e do feixe de vezes, comitês foram especialmente criados e estiveram
elétrons, a pesquisa assumiu o pessoal do desenvolvi- envolvidos. Em geral, porém, esse não foi um meca-
mento em treinamento ou como um modo de contrata- nismo importante ou efetivo para que a pesquisa o uti-
ção de entrada na empresa. Em geral, é bom ter progra- lizasse.
mas conjuntos, mas eles não garantem o sucesso.
Responsabilidade corporativa individual No caso da
Fatores secundários criptografia, um indivíduo que cumpre o papel de cão de
Oportunidade Esse aspecto pode ocorrer em dife- guarda foi útil. Em geral, isso é raro e pode ser impor-
rentes situações. A pesquisa pode tentar fornecer uma tante apenas quando há uma área nova de esforço téc-
tecnologia nova ou exclusiva porque existem outros nico, tal como a criptografia, para lidarmos.
candidatos a um novo produto. Com mais frequência, a
pesquisa terá que se preocupar com os ciclos de desen- Proximidade Em praticamente nenhum caso, a pro-
volvimento do produto e apontar quando a entrada de ximidade de um laboratório de desenvolvimento com
melhorias ou mesmo de uma nova tecnologia é viável. um laboratório de pesquisa foi um fator importante.
O senso de oportunidade é importante, mas não sufi- Às vezes, estar próximo foi conveniente e poupou
ciente, para o sucesso da transferência. Mesmo se o que dinheiro, mas nenhuma transferência fracassou por
tivermos for bom, a oportunidade poderá ser descartada. causa da distância.

Usuários internos Além da pressão que a concorrên- APÊNDICE: OS 18 PROJETOS QUE FORAM
cia externa pode criar para ajudar a passar uma tecnolo- OBJETO DOS ESTUDOS DE CASO
gia para os laboratórios de desenvolvimento, em alguns
Transistor de efeito de campo com integração
casos, os usuários internos da IBM podem desempenhar
em larga escala (bem-sucedido)
um papel similar. A demanda de pessoal de sistemas de
hardware em um dos laboratórios de desenvolvimento Em 1963, o laboratório de Yorktown Heights começou
para circuitos FET de baixo custo e alta densidade con- a trabalhar em circuitos integrados de silício, o que
tribuiu para que a nossa equipe de componentes pegasse incluiu técnicas de processamento do silício, física e
os resultados da pesquisa. O uso interno da APL aju- química consideráveis, projetos de dispositivos e cir-
dou a criar pressão no lado das vendas da empresa. cuitos, desenvolvimento de mesa de luz para elabo-
Espera-se que os usuários internos de bolhas magnéti- ração de máscaras e outros requisitos litográficos, e
cas cresçam e aumentem o mercado para a fabricação de programa de projeto em automação. Os dispositivos
dispositivos e circuitos. Se essas demandas de usuários eram principalmente FETs – transistores de efeito de
internos não surgirem naturalmente, os laboratórios de campo –, mas a metodologia desenvolvida provou-se
pesquisa poderão estimulá-las. igualmente útil para dispositivos bipolares e circuitos.
A ideia geral da integração em larga escala foi trans-
Contratos governamentais Em um dos casos estuda- ferida para os laboratórios de desenvolvimento de
dos, o das bolhas magnéticas, um contrato do governo componentes em 1966, mas só depois de 1968 a tec-
foi útil para promover o próprio trabalho de pesquisa nologia específica para o FET foi finalmente adotada.
e proporcionar um bom estímulo para a transferência. Essa transferência forneceu as bases para as memórias
Nos primórdios da pesquisa da película magnética, principais da IBM do início dos anos 1970 e para a
os contratos foram úteis para que pudéssemos iniciar lógica da maioria dos terminais e pequenas máquinas
o desenvolvimento da tecnologia. Outro contrato deu da empresa no mesmo período.
374     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Métodos de fabricação do feixe de elétrons de memória. Uma célula é a localização física do ar-
(bem-sucedido) mazenamento de um bit de memória. Nessa época, um
No início dos anos 1960, o laboratório de Yorktown membro da equipe de pesquisas inventou um circuito
Heights usou feixes de elétrons para produzir um disco de memória que necessitava de apenas um dispositivo,
de armazenamento de leitura óptica. O uso original era cuja patente foi emitida em 1968. Foram feitas tenta-
como um dicionário em um sistema de tradução do rus- tivas de despertar o interesse dos laboratórios para o
so. Uma parte dessa tecnologia inicial de “fotoarmaze- desenvolvimento nesse circuito, que proporcionava
namento” foi logo transferida em 1963 para produtos de uma diminuição muito grande na área de memória e,
armazenamento com fins especiais. Daquela época em portanto, representava um meio básico de aumentar a
diante, houve uma série de atividades de pesquisa para- velocidade e a densidade de memória em um chip e.
lelas: a coluna do feixe em si, incluindo um filamento Infelizmente, outros projetos já haviam sido adotados
aprimorado; o software para executar automaticamen- no desenvolvimento em 1967 e pouco progresso foi
te os padrões de circuito; e, de maneira importante, feito. No final das contas, os projetos de células desse
fotorresistentes mais eficientes para o processamento tipo apareceram na tecnologia de memória da IBM, mas
litográfico. Por volta de 1966, esses componentes fo- uma vantagem inicial foi perdida.
ram transferidos continuamente para os laboratórios de
desenvolvimento. Os métodos de fabricação do feixe de Memória de película magnética (malsucedido)
elétrons estão em uso hoje nos processos litográficos O trabalho inicial com películas magnéticas para formar
de chips de circuito. memórias foi realizado na IBM, no Lincoln Laborato-
ries, na Univac e em outros laboratórios. Em 1960, es-
O programa do germânio (não transferência) tudos conjuntos preliminares realizados pela IBM e por
O germânio tem uma mobilidade maior que o silício e, um grupo de desenvolvimento resultaram em um projeto
nos primórdios dos transistores, era amplamente utili- de pesquisa no laboratório de Zurique. Esse projeto foi
zado nos transistores de pontos de contato e de junção. bem-sucedido porque a tecnologia foi trazida de Zurique
Com a chegada da integração no início dos anos 1960, para Yorktown Heights e, com trabalhos subsequentes,
houve um breve período de concorrência entre o ger- transferida para um laboratório de desenvolvimento de
mânio e o silício quanto ao uso em circuitos integrados. componentes. Em 1964, concluiu-se um projeto de pro-
O laboratório de Yorktown começou um programa em duto para uma memória muito rápida. Fizeram-se planos
1964 que foi apoiado por financiamentos da Divisão de para usar as memórias em um grande computador. Na
Desenvolvimento de Componentes. Com esse apoio, o pesquisa, atividades posteriores produziram novas ideias
programa cresceu bastante. À medida que a tecnologia técnicas para outras versões de memórias de película
do silício avançou, os estudos do germânio considera- magnética. Embora tudo isso estivesse acontecendo nas
ram experimentos com ambientes de baixa tempera- películas magnéticas, o principal produto de memória era
tura (nitrogênio líquido) para ganhar mais velocidade o núcleo de ferrita que estava sendo continuamente apri-
e outras vantagens. Ambos eram voltados para uma morado quanto ao tamanho e à velocidade. Além disso,
exigência de circuito de alta velocidade para um gran- as primeiras memórias com transistores estavam sendo
de sistema de computação que estava sendo projetado consideradas. No fim, apenas um projeto de computa-
no momento. Entretanto, em 1968, ficou evidente que, dor com uma rápida memória de película magnética foi
embora o germânio pudesse satisfazer as exigências de lançado. A IBM atingiu seus objetivos, mas a tecnologia,
velocidade para esse projeto de computador em particu- em 1968, havia sido ultrapassada pelas memórias com
lar, a energia necessária para atingir essas velocidades transistores. Em 1969, foram encerrados os esforços por
era muito alta. Apesar de ser semelhante ao germânio parte da pesquisa e do desenvolvimento.
em alguns aspectos, o silício tinha características muito
mais atraentes nas velocidades média e baixa e parecia Memória de feixe endereçável (não transferência)
ter mais perspectivas de crescimento e capacidade de Em meados dos anos 1960, antes do advento das bolhas
ampliação. O projeto foi encerrado em 1968, e o germâ- magnéticas como candidatas a armazenamento, pensou-
nio não foi mais utilizado nos circuitos de computador. -se muito na possibilidade de substituir a gravação por
indução magnética por um sistema de gravação com fei-
Célula de memória em um único dispositivo xe endereçável. Para obter uma alta densidade de bits,
(malsucedido) os tamanhos dos domínios magnéticos nos discos e nas
Até 1966, os circuitos integrados para memória no la- fitas foram continuamente reduzidos, o que exigiu que
boratório de pesquisas e no desenvolvimento na IBM a cabeça magnética se movimentasse mais próximo da
utilizavam uma série de transistores para cada célula superfície do disco. À medida que a distância entre a
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-5     375

cabeça e a superfície diminuiu, o projeto e o controle Tecnologia de copiadora (bem-sucedido)


operacional tornaram-se mais difíceis e caros. O arma- No início dos anos 1960, começou um trabalho rela-
zenamento em disco de feixe endereçável não possuía tivamente básico no laboratório de San Jose sobre fo-
essa limitação e assim parecia interessante. Um proje- tocondutores orgânicos. Apesar de não haver o projeto
to de pesquisa estava em andamento no laboratório de de um produto específico, cogitou-se a possibilidade de
San Jose em 1968. Esse projeto empregava um efeito microfilmes ou talvez copiadoras necessitarem desses
magneto-óptico: originalmente, um disco revestido com materiais fotossensíveis. Os primeiros estudos levaram
óxido de európio era gravado por um feixe de luz pro- à descoberta de um fotocondutor de altíssima sensibi-
duzido por lasers de injeção em baixa temperatura. A lidade logo no momento em que era necessária uma
princípio, os materiais da superfície do disco também ti- tecnologia para uma copiadora de escritório. Foi cons-
nham que operar nas temperaturas do nitrogênio líquido. truído um protótipo para mostrar que o novo material
Descobriram-se novos revestimentos para o disco e pla- funcionava. Como se tratava de uma nova área de pro-
nejou-se o trabalho necessário para introduzir os lasers duto, não havia grupo de desenvolvimento para desen-
semicondutores que operavam continuamente em tempe- volver o projeto. No fim das contas, algumas pessoas da
ratura ambiente. Foram estudados os mecanismos físicos equipe de pesquisas começaram a desenvolver a tecno-
envolvidos na transdução da energia luminosa, por meio logia, enquanto outras criaram um grupo de tecnologia
de uma fase térmica, a uma mudança na fase magnética. avançada para a divisão de desenvolvimento.
Tudo isso estava sendo feito. No laboratório de desenvol-
vimento vizinho, a tecnologia de gravação por indução Social Security Page Readers (bem-sucedido)
magnética foi incentivada. Constatou-se a viabilidade de O reconhecimento de caracteres e padrões foi um cam-
densidades mais altas de bits magnéticos e de distâncias po de pesquisa na ciência da computação ao longo de
muito menores entre a cabeça e a superfície do disco. As toda a década de 1950. No início da década de 1960, o
densidades e os custos projetados da gravação por indu- grupo de Yorktown Heights desenvolveu um sistema de
ção magnética tornaram-se iguais ou melhores do que reconhecimento de caracteres com múltiplos scanners,
aquilo que foi definido como meta para o projeto de feixe além de software e hardware para processar a lógica
endereçável, e, por isso, este último foi encerrado. de reconhecimento suficientemente flexível para operar
sobre uma ampla variedade de tipos de letra. Porém,
Bolhas magnéticas (bem-sucedido) no desenvolvimento de produto, o reconhecimento de
Apesar de os pesquisadores da IBM terem trabalhado caracteres concentrou-se em tipos de letras especiais
com os materiais de cristal de granada e estarem cons- como os que poderiam ser empregados em leitoras ban-
cientes dos próprios efeitos magnéticos e de outros efei- cárias de cheques. Quando a Social Security Administra-
tos observados na Bell Laboratories e no laboratório Phi- tion (em português, Leitor de páginas para a Previdên-
lips Eindhoven, o interesse realmente tomou impulso só cia Social) requisitou um leitor de páginas de múltiplos
depois do anúncio da tecnologia de bolhas da Bell Labs tipos de letra em 1963, a instalação de pesquisas e sua
e de sua patente na área. Em 1969, formaram-se grupos experiência de processamento foram utilizadas para
de pesquisa e um pequeno contrato da Nasa foi aceito em demonstrar a viabilidade. Foi empreendido um esforço
1971, que exigiu um único chip operacional com bolhas conjunto por parte da pesquisa e do laboratório de de-
de diâmetro bastante grande. O contrato foi concluído em senvolvimento ao longo de dois anos, envolvendo troca
1972. Novos materiais, incluindo um substituto amorfo de pessoal entre um e outro. Quando o produto leitor
dos cristais de granada, começaram a surgir a partir das de páginas foi entregue à Social Security Administra-
atividades de pesquisa. Inventaram-se novos dispositivos tion, incluiu-se uma grande quantidade de conceitos de
de bolha e um novo conceito de sistema, o arquivo de pesquisa.
malha de bolhas. No entanto, os esforços para despertar
o interesse dos laboratórios de desenvolvimento de com- Sistemas Y e A (malsucedido)
ponentes e dos grupos de desenvolvimento de sistemas Esses sistemas foram dois grandes projetos – um em
de computador na empresa não foram bem-sucedidos. meados dos anos 1960 e o outro no início dos anos
Então, a pesquisa empreendeu uma campanha destinada 1970. Um lidava com um projeto de hardware avança-
não só aos desenvolvedores de tecnologia na empresa, do para um computador, e o outro, com uma arquitetura
mas também aos futuros usuários de sistemas. No final, o de software. Não podemos discutir esses projetos em
laboratório de desenvolvimento de armazenamento ficou qualquer nível de detalhe porque alguns dos resultados
interessado e o trabalho de pesquisa inicial foi transferi- ainda são confidenciais. No entanto, eles eram muito si-
do. A pesquisa continua a trabalhar nos conceitos avan- milares: em cada um deles, houve o desenvolvimento de
çados de armazenamento de bolha. conceitos extremamente interessantes e potencialmente
376     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

poderosos enquanto estavam em pesquisa (Yorktown sistemas de computação locais, com o objetivo de ajudar
Heights). Em ambos os casos, foi necessário apenas um a compreender a eficiência e as melhorias na computa-
ano, e, antes que esses conceitos pudessem ser traba- ção. Eles foram transferidos de maneira relativamente
lhados para qualquer grau de viabilidade, os projetos tranquila para uma divisão de desenvolvimento e passa-
foram passados quase intactos para um programa de de- ram a fazer parte do sistema VM fornecido aos clientes.
senvolvimento. Em retrospectiva, agora parece que não
foi gerada a compreensão suficiente durante o período Criptografia (bem-sucedido)
de pesquisa. A segurança de dados passou a ser um problema no fi-
nal da década de 1960. O viés corporativo da segurança
APL (bem-sucedido) dos dados foi atribuído a um indivíduo que estimulou
Os conceitos da linguagem APL foram apresentados à interesse e atividades entre os matemáticos em Yorktown
IBM pelo membro da equipe de pesquisa que os conce- Heights. Simultaneamente, outras pessoas no laboratório
beu em Harvard. A linguagem era única na medida em estavam codificando e projetando hardware para alguns
que desenvolveu uma sintaxe e uma notação novas e, métodos de encriptação. Em 1970, foram feitas algumas
entre outras características atraentes, permitia poderosos tentativas de despertar o interesse de grupos de tecnolo-
operadores em vetores e matrizes que são demandados gia avançada nos laboratórios de desenvolvimento de ter-
por pessoas em diversas aplicações matemáticas. Após minais, mas ninguém se interessou. Entretanto, em 1971,
um teste de sistema em lote, criou-se uma implementa- um produto especial foi produzido pelo mesmo laborató-
ção em compartilhamento de tempo, nominalmente para rio de desenvolvimento para um cliente bancário. O có-
ser utilizada no laboratório de Yorktown Heights. Foram digo criptográfico desenvolvido por esse laboratório foi
ministradas aulas e muito rapidamente um grande núme- enviado para Yorktown Heights para ser testado, sendo
ro de pesquisadores começou a usar o sistema. Outros facilmente desvendado. A tecnologia, as ideias, hardware
usuários vindo de outras partes da IBM também se inte- e software novos que estavam em andamento na pesqui-
ressaram pelo sistema. Tudo isso foi conduzido de ma- sa foram rapidamente colocados em uso, e efetuou-se a
neira relativamente informal, e, à medida que o conjunto transferência. Uma versão aprimorada desses códigos
de usuários cresceu e a linguagem passou a ser bem co- hoje faz parte do padrão criptográfico federal.
nhecida, provou-se para os grupos de desenvolvimento e
marketing da empresa que a APL merecia tornar-se um Transformada rápida de Fourier (bem-sucedido)
produto, o que finalmente aconteceu em 1970. Esse já bem conhecido algoritmo evoluiu para sua forma
atual facilmente calculada a partir dos esforços conjuntos
M-44 (bem-sucedido) de dois funcionários da IBM que trabalhavam na pesqui-
No laboratório de Yorktown Heights, M-44 era o nome de sa e de um membro da equipe da Bell Labs em 1963. O
um projeto, no início dos anos 1960, que testava conceitos algoritmo foi sugerido para solucionar um problema par-
para memória virtual e máquinas virtuais. Um computador ticular na física de baixa temperatura e programado em
mais antigo foi fisicamente modificado, e criou-se um novo Yorktown Heights. Sua utilidade impressionante foi di-
sistema operacional para testar as ideias. Por exemplo, a vulgada e propagada para os clientes e cientistas da IBM
noção de paginação, que trazia blocos de dados do disco por meio de relatórios, artigos, informativos e um grande
para a memória principal de maneira ordenada de modo a número de contatos pessoais. Em alguns anos, havia pro-
dar ao usuário a impressão de uma memória aprimorada gramas disponíveis, desenvolvia-se um hardware espe-
ou virtual, foi testada literalmente por meio da codificação cial, e o algoritmo estava caminhando para ser um dos
de algoritmos e da sua experimentação. O conceito de má- mais utilizados em toda a computação científica. Ainda
quina virtual foi utilizado pela primeira vez nesse sistema estão sendo criadas extensões importantes.
experimental. Os resultados da pesquisa foram positivos
e rapidamente transferidos para os grupos de desenvolvi- Astap (bem-sucedido)
mento, visando ao seu uso em sistemas compartilhados no Trata-se do acrônimo para um programa interno da IBM
final dos anos 1960 e em sistemas de memória e máquina destinado à análise de circuitos. Entre 1963 e 1975, os
virtuais nos anos 1970. matemáticos do laboratório de Yorktown Heights fizeram
uma série de contribuições. Duas delas, os métodos
Monitor VM /pacote de geração de estatísticas para lidar com equações diferenciais “complexas” e
(bem-sucedido) para lidar de maneira eficiente com matrizes esparsas,
Trata-se de dois programas de software relacionados que promoveram enormes melhorias nos tempos de execu-
permitem aos usuários do VM, um dos principais siste- ção da análise de circuitos. Eles também levaram a uma
mas operacionais da IBM, medir o desempenho da carga grande quantidade de investigações matemáticas pelas
de trabalho nos sistemas. Os programas foram desenvol- pessoas que trabalhavam na área e em uma série de ou-
vidos em Yorktown Heights para serem utilizados nos tras instituições.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     377

Sistema de documentação gráfica (malsucedido) ção.5 Enfim, a importância do desempenho inovador


Esse projeto começou como uma possível solução das informações que se originam em outras unidades in-
para o problema de mapeamento das instalações das ternas da empresa, fora da unidade de inovação formal
concessionárias de energia elétrica. Ele foi estimula- (ou seja, o laboratório de P&D), tal como o marketing e
do por uma conhecida necessidade do cliente e permitia a manufatura, é bem compreendida.6
Portanto, a capacidade de aproveitar o conheci-
que esboços de mapas de campo fossem transformados
mento externo é um componente fundamental das ca-
de maneira fácil e rápida em mapas adequadamente di-
pacitações relacionadas à inovação. A capacidade de
mensionados, anotados e retificados. O sistema usava um
avaliar e utilizar o conhecimento externo é, em grande
hardware especial e exigia um novo software. Foi utili-
medida, uma função do nível de conhecimento prévio
zado em um teste com uma das maiores concessionárias relacionado. No nível mais elementar, esse conheci-
de energia elétrica regional e provou-se efetivo. Usando mento prévio inclui habilidades básicas ou mesmo
o sistema de mapeamento como base, um sistema de de- uma linguagem compartilhada, mas também pode
senho foi desenvolvido e testado em um dos laboratórios incluir o conhecimento dos desenvolvimentos cientí-
de desenvolvimento da IBM. Desde então, ambos os pro- ficos ou tecnológicos mais recentes em uma determi-
jetos perambularam por meio de uma série de projetos nada área. Assim, o conhecimento prévio relaciona-
de desenvolvimento nos laboratórios domésticos e euro- do confere uma capacidade para reconhecer o valor
peus, mas nenhum produto resultou deles. das novas informações, assimilá-las e aplicá-las com
fins comerciais. Essas capacidades constituem coleti-
vamente o que chamamos de capacidade de absorção
A rtigo 3 - 6 da empresa.
No nível da empresa – a unidade de inovação que
é o nosso foco aqui –, a capacidade de absorção é ge-
Capacidade de absorção: rada de várias maneiras. A pesquisa mostra que as em-
uma nova perspectiva de presas que realizam sua própria P&D são mais aptas a
aprendizagem e inovação* utilizar as informações disponíveis externamente.7 Isso
significa que a capacidade de absorção pode ser criada
Wesley M. Cohen e Daniel A. Levinthal como um subproduto do investimento de uma empresa
em P&D. Outro trabalho sugere que a capacidade de
INTRODUÇÃO absorção também pode ser desenvolvida como um sub-
produto das operações de manufatura de uma empresa.
As fontes de conhecimento externas muitas vezes são Abernathy8 e Rosenberg9 observaram que, por meio
críticas para o processo de inovação, seja qual for o ní- do envolvimento direto na manufatura, uma empresa
vel organizacional no qual a unidade inovadora é defi- é mais apta a reconhecer e aproveitar as novas infor-
nida. Embora o exemplo do Japão enfatize a questão em mações relevantes a um determinado produto-mercado.
âmbito nacional,1 isso também vale para setores intei- A experiência em manufatura proporciona à empresa
ros, como apontam Brock,2 no caso dos computadores,
e Peck,3 no caso do alumínio. No nível organizacional,
March e Simon4 sugeriram que a maioria das inovações 5
Por exemplo: W. F. Mueller, “The Origins of the Basic Inventions
Underlying DuPont’s Major Product and Process Innovations, 1920 to
resulta de cópia e não de invenção. Essa observação é 1950”, in The Rate and Direction of Inventive Activity, ed. R. R. Nelson
apoiada pela ampla pesquisa sobre as fontes de inova- (Princeton: Princeton University Press, 1962), pp. 323-58; D. Hamberg,
“Invention in the Industrial Research Laboratory”, Journal of Political
Economy 71 (1963), pp. 95-115; S. Myers and D. C. Marquis, “Successful
Industrial Innovations”, Washington, DC: National Science Foundation,
*
Fonte: Reimpresso com a permissão do Administrative Science Quar- NSF 69-17, 1969; R. Johnston and M. Gibbons, “Characteristics of
terly 35 (1999), pp. 128-52. Information Usage in Technological Innovation”, IEEE Transactions
1
D. E. Westney and K. Sakakibara, “The Role of Japan-Based R&D in on Engineering Management 22 (1975), pp. 27-34; E. von Hippel, The
Global Technology Strategy”, in Technology in Modern Corporation, Sources of Innovation (New York: Oxford University Press, 1988).
ed. M. Hurowitch (London: Pergamon, 1986), pp. 217-32; E. Mansfield, 6
E. Mansfield, Economics of Technological Change (New York: Nor-
“The Speed and Cost of Industrial Innovation in Japan and the United ton, 1968).
States: External vs. Internal Technology”, Management Science 34, n.10 7
J. E. Tilton, International Diffusion of Technology: The Case of Semi-
(1988), pp. 1157-68; N. Rosenberg and W. E. Steinmueller, “Why Are conductors (Washignton, DC: Brookings Institution, 1971); T. J. Allen,
Americans Such Poor Imitators?”, American Economic Review 78, n. 2 Managing the Flow of Technology (Cambridge, MA: MIT Press, 1977);
(1988), pp. 229-34. D. C. Mowery, “The Relationship Between Intrafirm and Contractual
2
G. W. Brock, The U.S. Computer Industry (Cambridge, MA: Ballinger, Forms of Industrial Research in American Manufacturing, 1900-1940”,
1975). Explorations in Economic History 20 (1983), pp. 351-74.
3
M. J. Peck, “Inventions in the Postwar American Aluminum Industry”, 8
W. J. Abernathy, The Productivity Dilemma (Baltimore: Johns Hopkins
in The Rate and Direction of Inventive Activity, ed. R. R. Nelson (Princeton: University Press, 1978).
Princeton University Press, 1962), pp. 279-98. 9
N. Rosenberg, Inside the Black Box: Technology and Economics (New
4
J. G. March and H. A. Simon, Organizations (New York: Wiley, 1958). York: Cambridge University Press, 1982).
378     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

o conhecimento necessário para reconhecer o valor de também sugeriram que o conhecimento pode ser adqui-
determinados processos de fabricação e implementar rido nominalmente, mas mal utilizado de modo subse-
métodos para reorganizá-los ou automatizá-los. As em- quente porque o indivíduo ainda não possuía o conhe-
presas também investem diretamente na capacidade de cimento contextual adequado e necessário para tornar o
absorção, como acontece quando enviam pessoal para novo conhecimento plenamente inteligível.
treinamento técnico avançado. O conceito de capaci- A noção de que o conhecimento prévio facilita a
dade de absorção pode ser mais bem desenvolvido por aprendizagem de novos conhecimentos relacionados
meio de um exame das estruturas cognitivas que susten- pode ser ampliada para incluir o caso em que o pró-
tam a aprendizagem. prio conhecimento em questão pode ser um conjunto
de habilidades de aprendizagem. Pode haver um trans-
Estruturas cognitivas
bordamento de habilidades de aprendizagem, por meio
A premissa da capacidade de absorção é que a organi- dos corpos de conhecimento, que são organizadas e
zação precisa do conhecimento prévio relacionado para expressadas de maneiras similares. Em consequência,
assimilar e utilizar o novo conhecimento. Estudos na a experiência ou o desempenho em uma tarefa de apren-
área de ciências cognitivas e comportamentais em nível dizagem pode influenciar e melhorar o desempenho em
individual justificam e enriquecem essa observação. A alguma tarefa de aprendizagem subsequente.13 Essa me-
pesquisa sobre o desenvolvimento da memória sugere lhoria progressiva no desempenho das tarefas de apren-
que o conhecimento prévio acumulado aumenta a ca-
dizagem é uma forma de transferência de conhecimento
pacidade de armazenamento do novo conhecimento na
denominada “aprender a aprender”.14 No entanto, Es-
memória, ao que nos referiríamos como aquisição de
tes15 sugeriu que a expressão “aprender a aprender” é
conhecimento, e a capacidade de recuperá-lo e utilizá-
-lo. Com relação à aquisição de conhecimento, Bower imprópria, pois a experiência prévia em relação à ta-
e Hilgard10 sugeriram que o desenvolvimento da me- refa de aprendizagem não melhora necessariamente o
mória é um ciclo de reforço no sentido de que quanto desempenho. Qualquer indivíduo sabe como aprender
mais objetos, padrões e conceitos são armazenados na melhor (ou seja, formar novas associações), entretanto
memória, as informações sobre eles são adquiridas mais ele pode ter acumulado mais conhecimento prévio de
imediatamente e mais facilidade o indivíduo tem para modo a precisar aprender menos para atingir um deter-
utilizá-las em novas situações. minado nível de desempenho. Embora se discuta sobre
Alguns psicólogos sugerem que o conhecimento se a experiência de aprendizagem prévia pode afetar o
prévio melhora a aprendizagem porque a memória – desempenho subsequente, ambas as explicações sobre
ou armazenamento do conhecimento – é desenvolvida as relações entre a aprendizagem inicial e o desempe-
pela aprendizagem associativa em que os eventos são nho subsequente enfatizam a importância do conheci-
registrados na memória por meio do estabelecimento mento prévio para a aprendizagem.
de vínculos com os conceitos preexistentes. Portanto, O efeito da experiência de aprendizagem prévia nas
Bower e Hilgard11 sugeriram que a amplitude das cate- tarefas de aprendizagem subsequentes pode ser obser-
gorias nas quais o conhecimento prévio é organizado, a vado em uma variedade de tarefas. Por exemplo, se-
diferenciação entre essas categorias e os vínculos entre gundo Ellis, “alunos que dominam completamente os
elas permitem que os indivíduos atribuam um sentido princípios da álgebra consideram mais fácil resolver
ao novo conhecimento e, por sua vez, adquiram-no. No questões de matemática avançada, como cálculo”.16
contexto do aprendizado de um idioma, Lindsay e Nor- Outro exemplo é fornecido por Anderson, Farrell e
man12 apontaram que o problema em aprender palavras Sauers17 que compararam alunos que aprendiam LISP
não resulta de uma falta de exposição a elas, mas que, como primeira linguagem de programação com alunos
“para compreender frases complexas, é preciso muito que estavam no mesmo processo de aprendizagem após
mais do que a exposição às palavras: primeiro deve-se terem conhecimento de Pascal. Os alunos com conhe-
acumular um grande corpo de conhecimento. Afinal de
cimento prévio da Linguagem Pascal aprenderam mais
contas, uma palavra é simplesmente um rótulo para um
rápido o LISP porque, em parte, avaliavam melhor a
conjunto de estruturas dentro do sistema da memória,
semântica de vários conceitos de programação.
então as estruturas devem existir antes que a palavra
possa ser considerada aprendida”. Lindsay e Normam
13
H. C. Ellis, The Transfer of Learning (New York: Macmillan, 1965).
14
Ib.; W. K. Estes, Learning Theory and Mental Development (New York:
10
G. H. Bower and E. R. Hilgard, Theories of Learning (Englewood Cli- Academic Press, 1970).
ffs, NJ: Prentice Hall, 1981). 15
Estes, Learning Theory and Mental Development.
11
Ib. 16
Ellis, The Transfer of Learning.
12
P. H. Lindsay and D. A. Norman, Human Information Processing (Or- 17
J. R. Anderson, R. Farrell and R. Sauers, “Learning to Program in
lando, FL: Academic Press, 1977). LISP”, Cognitive Science 8 (1984), pp. 87-129.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     379

A literatura também sugere que as habilidades de ao conhecimento prévio relevante. A intensidade do es-
resolução de problemas desenvolvem-se de maneira forço é fundamental. Com relação a armazenar conhe-
similar. Nesse caso, os métodos de resolução de pro- cimento na memória, Lindsay e Norman23 observaram
blemas e a heurística constituem tipicamente o conhe- que quanto mais profundamente o material for proces-
cimento prévio que permite que os indivíduos adquiram sado – quanto mais esforço empregado, mais proces-
capacidades de resolução de problemas relacionadas. samento utiliza as associações entre os itens a serem
Em trabalho sobre o desenvolvimento de habilidades aprendidos e o conhecimento que já está na memória –,
na programação de computadores, Pirolli e Anderson18 melhor será a recuperação posterior do item. De modo
constataram que quase todos os alunos desenvolveram similar, a teoria do conjunto de aprendizagem24 implica
novos programas por meio de analogias com progra- que aspectos importantes da aprendizagem de como so-
mas-exemplo e que o sucesso deles foi determinado lucionar problemas são acumulados ao longo de muitas
pela capacidade que tiveram de compreender como experimentações práticas em problemas relacionados.
esses programas funcionam. De acordo com Harlow,25 se a prática com um deter-
As capacidades de resolução de problemas e de minado tipo de problema for interrompida antes de ser
aprendizagem são tão similares que há poucos motivos realmente aprendida, ocorrerá pouca transferência para
para diferenciar seus modos de desenvolvimento, em- a próxima série de problemas. Portanto, Harlow con-
bora o que se aprende exatamente possa ser diferente: cluiu que devem se despendidos tempo e esforço consi-
a capacidade de aprendizagem envolve o desenvolvi- deráveis nos primeiros problemas antes de passar para
mento de uma capacidade para assimilar conhecimen- aqueles mais complexos.
to existente, enquanto a qualificação de resolução de Duas ideias relacionadas estão implícitas na noção
problemas representa uma capacidade para criar novo de que a capacidade para assimilar informações é uma
conhecimento. Com base no fato de que há pouca dife- função da riqueza da estrutura de conhecimento pree-
rença entre as duas habilidades, Brandshaw, Langley e xistente: a aprendizagem é cumulativa e o desempenho
Simon19 e Simon20 sugeriram que as precondições ne- desta será maior quando o objeto dela for relacionado
cessárias para o sucesso da aprendizagem que identifi- ao que já se conhece. Como resultado, a aprendizagem
camos não diferem daquelas utilizada na resolução de é mais difícil nos domínios novos, e, mais geralmente,
problemas e no processo criativo. Além do mais, esses a experiência de um indivíduo – o que ele conhece bem
autores argumentaram que os próprios processos não – mudará apenas de maneira incremental. Essa discus-
diferem muito. A posse prévia de conhecimento e habi- são também sugere que a diversidade do conhecimento
lidade relevantes origina a criatividade e permite tipos desempenha um papel importante. Em uma situação em
de associação e vínculo nunca considerados antes. De que haja incerteza sobre os domínios do conhecimento,
acordo com Ellis,21 as constatações de Harlow22 sobre o dos quais possam emergir informações potencialmente
desenvolvimento de conjuntos de aprendizagem forne- úteis, uma experiência diversa pode proporcionar uma
cem uma possível explicação para o fenômeno compor- base mais robusta para a aprendizagem porque ela au-
tamental dos “insights”, que se refere à rápida solução menta a perspectiva de que as informações recebidas
de um problema. Dessa forma, a literatura da psicologia possam ser relacionadas com o já conhecido. Além de
aponta que a capacidade criativa e o que chamamos de reforçar o poder de assimilação, a diversidade de co-
capacidade de absorção são muito similares. nhecimento também facilita o processo de inovação
Para desenvolver uma capacidade de absorção efe- ao permitir que o indivíduo faça novas associações
tiva, seja para o conhecimento em geral, para resolução e vinculações.
de problemas ou para as habilidades de aprendizagem,
não basta meramente expor um indivíduo brevemente Da capacidade de absorção individual
para a organizacional
A capacidade de absorção de uma organização de-
18
P. L. Pirolli and J. R. Anderson, “The Role of Learning from Example
in the Acquisition of Recursive Programming Skill”, Canadian Journal penderá das capacidades de absorção individuais dos
of Psychology 39 (1985), pp. 240-72. seus membros. Neste aspecto, o desenvolvimento da
19
G. F. Bradshaw, P. W. Langley and H. A. Simon, “Studying Scientific capacidade de absorção de uma organização irá se ba-
Discovery by Computer Simulation”, Science 222 (1983), pp. 971-75.
20
H. A. Simon, “What We Know About Creative Process”, in Frontiers in sear no investimento anterior no desenvolvimento das
Creative and Innovative Management, ed. R. L. Kuhn (Cambridge, MA:
Ballinger, 1985), pp. 3-20.
21
Ellis, The Transfer of Learning.
22
H. F. Harlow, “The Formation of Learning Sets”, Psychological 23
Human Information Processing.
Review 56 (1949), pp. 51-65; “Learning Set and Error Factor Theory”, in 24
Harlow, “The Formation of Learning Sets” and “Learning Set and Error
Psichology: A Study of Science, vol.2, ed. S. Koch (New York: McGraw- Factor Theory”.
-Hill, 1959), pp. 492-537. 25
“Learing Set and Error Factor Theory”.
380     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

capacidades de absorção individuais constituintes, e, No entanto, pode surgir uma dificuldade sob condi-
como as capacidades de absorção dos indivíduos, a ca- ções de mudança técnica rápida e incerta, quando essa
pacidade de absorção tenderá a desenvolver-se cumu- função de interface é centralizada. Quando os fluxos de
lativamente. Porém, a capacidade de absorção de uma informação são um tanto aleatórios e não está claro em
empresa não é simplesmente a soma das capacidades que lugar da empresa ou subunidade o conhecimento
de absorção dos seus empregados e, portanto, é útil externo é mais bem aplicado, um controlador de acesso
considerar quais aspectos da capacidade de absorção centralizado pode não proporcionar uma ligação efetiva
são distintivamente organizacionais. A capacidade de com o ambiente. Sob tais circunstâncias, é melhor para
absorção refere-se não só à aquisição ou assimilação a organização expor uma gama bem ampla de possíveis
de informações por uma organização, mas também à “receptores” ao ambiente. Uma organização como essa
capacidade desta para aproveitá-las. Portanto, a capa- exibiria a estrutura orgânica de Burns e Stalker,27a qual
cidade de absorção de uma organização não depende é mais adaptável “quando os problemas e requisitos
simplesmente da interface direta dela com o ambiente para a ação surgem e não podem ser divididos e dis-
externo. Depende também das transferências de conhe- tribuídos entre os papéis especializados dentro de uma
cimento por meio e dentro das subunidades que podem hierarquia claramente definida”.
ser bem distantes do ponto de entrada original. Assim, Mesmo quando um controlador de acesso é impor-
para entender as fontes da capacidade de absorção de tante, sua capacidade de absorção individual não cons-
uma empresa, concentramo-nos na estrutura de comu- titui a capacidade de absorção da sua unidade dentro da
nicação entre o ambiente externo e a organização, bem empresa. A facilidade ou dificuldade do processo de co-
como entre as suas subunidades e também no caráter e municação interna e o nível de capacidade de absorção
na distribuição da experiência dentro da organização. organizacional não são apenas uma função das capaci-
Os sistemas de comunicação podem basear-se em tações do controlador de acesso, mas também da expe-
atores especializados para transferir as informações riência daqueles indivíduos aos quais os controladores
provenientes do ambiente ou envolver padrões menos estão transmitindo as informações. Portanto, contar
estruturados. O problema de construir estruturas de co- com um pequeno conjunto de controladores de acesso
municação não pode ser desvinculado da dispersão da tecnológicos pode não ser o suficiente; o grupo como
experiência na organização. A capacidade de absorção um todo deve ter algum nível de conhecimento prévio
da organização depende dos indivíduos que estão na relevante, e, quando as estruturas de conhecimento são
interface entre a empresa e o ambiente externo ou na altamente diferenciadas, o nível de experiência neces-
interface entre as subunidades dentro da empresa. Essa sário pode ser muito alto.
função de interface pode ser difundida pelos indivíduos O conhecimento prévio necessário por parte do gru-
ou ser bastante centralizada. Quando a experiência da po como um todo para a comunicação efetiva com o
maior parte dos indivíduos dentro da organização di- controlador de acesso realça a questão mais geral de
fere consideravelmente da experiência dos atores ex- que o conhecimento e a experiência são essenciais para
ternos que podem fornecer informações úteis, alguns a comunicação. No nível mais básico, o conhecimento
membros do grupo costumam assumir os papeis relati- relevante que permite a comunicação efetiva tanto den-
vamente centralizados de “controladores de acesso” ou tro quanto por meio das subunidades consiste em uma
“atravessadores de fronteira”.26 Quando o pessoal inter- linguagem e símbolos compartilhados.28 Quanto à ca-
no apresenta alguma dificuldade para assimilar as in- pacidade de absorção da empresa como um todo, pode
haver um conflito de escolha entre a eficiência da comu-
formações técnicas, um controlador de acesso monitora
nicação interna e a capacidade da subunidade para assi-
o ambiente e as traduz em uma forma compreensível
milar e aproveitar as informações originárias de outras
para o grupo de pesquisa. Entretanto, se as informações
subunidades ou do ambiente. Isso pode ser encarado
externas forem muito relacionadas com a atividade em
andamento, então elas serão imediatamente assimiladas
e os controladores de acesso ou atravessadores de fron- 27
T. Burns and G. M. Stalker, The Management of innovation (London:
teiras não precisarão se preocupar com a tradução. Mes- Tavistock, 1961), p. 6.
mo nesse cenário, os controladores de acesso poderão 28
R. Dearborn and H. A. Simon, “Selective Perception in Executives”,
Sociometry 21 (1958), pp. 140-44; D. Katz and R. L. Kahn, The Social
exercer alguma função, sobretudo quando tal especia- Psychology of Organizations (New York: Wiley, 1966); T. J. Allen and
lização eximir outras pessoas de monitorar o ambiente. S. D. Cohen, “Information Flows in R&D Labs”, Administrative Science
Quarterly 20 (1969), pp. 12-19; M. L. Tushman, “Technical Communica-
tion in R&D Laboratories: The Impact of Project Work Characteristics”,
Administrative Science Quarterly 21 (1978), pp. 624-44; T. R. Zenger
26
Allen, Managing the Flow of Technology; M. L. Tushman, “Special and B. S. Lawrence, “Organizational Demography: The Differential
Boundary Roles in the Innovation Process”, Administrative Science Effects of Age and Tenure Distributions on Technical Communications”,
Quarterly 22 (1977), pp. 587-605. Academy of Management Journal 32 (1989), pp. 353-76.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     381

como um conflito de escolha entre as capacidades de ab- Além das estruturas de conhecimento diversas, o
sorção introspectivas e aquelas voltadas para o exterior. tipo de conhecimento que os indivíduos devem possuir
Embora esses dois componentes sejam necessários para para aumentar a capacidade de absorção organizacional
a aprendizagem organizacional, a dominância excessi- também é importante. O conhecimento fundamental
va de um ou de outro será problemática. Se todos os não inclui apenas o conhecimento técnico substantivo,
atores na organização compartilharem a mesma lingua- mas também a consciência de onde reside o conheci-
gem especializada, eles serão efetivos na comunicação mento complementar dentro e fora da organização.
entre si, mas podem não conseguir explorar as fontes Esse tipo de conhecimento pode ser o de “quem sabe
de conhecimento externas. No limite, uma linguagem o que”, “quem pode ajudar em qual problema” ou
interna, um esquema de codificação ou, em termos mais “quem consegue aproveitar as novas informações”. No
gerais, qualquer corpo de conhecimentos pode tornar- que tange às relações externas, Hippel33 (1988) mos-
-se suficientemente sobreposto e especializado, o que trou a importância para a inovação das relações com
impedirá a incorporação do conhecimento externo e re- compradores e fornecedores. À medida que uma or-
sultará na síndrome “não foi inventado aqui”. Isso pode ganização desenvolve uma rede ampla e ativa de rela-
explicar as constatações de Katz e Allen29 de que o nível ções internas e externas, a consciência dos indivíduos
de comunicação externa e com outros grupos de projeto quanto às capacitações e ao conhecimento das outras
diminuiu com a estabilidade da equipe de projeto. pessoas será fortalecida. Consequentemente, as capa-
Esse conflito de escolha entre os componentes in- cidades de absorção individuais são ainda mais apro-
trospectivo e voltado para o exterior concentra a nossa veitadas e a capacidade de absorção da organização
atenção sobre a forma como a relação entre compartilha- é fortalecida.
mento de conhecimento e diversidade de conhecimento A observação de que a estrutura de conhecimento
pelos indivíduos afeta o desenvolvimento da capacidade ideal de uma subunidade organizacional deve refletir
de absorção da organização. Embora alguma sobreposi- apenas parcialmente o conhecimento sobreposto com-
plementado pelo conhecimento diverso não sobrepos-
ção de conhecimento entre os indivíduos seja necessária
to sugere um conflito de escolha organizacional entre
para a comunicação interna, há benefícios na diversida-
a diversidade e a semelhança do conhecimento entre
de das estruturas de conhecimento entre os indiví­duos
os indivíduos. Enquanto o conhecimento semelhante
que se comparam aos benefícios da diversidade do co-
melhora a comunicação, a semelhança não deve ser
nhecimento dos indivíduos. Como salientou Simon,30
levada tão longe a ponto de a diversidade entre os in-
estruturas de conhecimento diversas que coexistem na
divíduos ser substancialmente diminuída. Do mesmo
mesma mente provocam o tipo de aprendizagem e reso-
modo, a divisão do trabalho que promove ganhos a
lução de problemas que produz inovação. Se existir um
partir da especialização não deve ser levada tão longe
nível suficiente de sobreposição de conhecimento para
a ponto de a comunicação ser minada. As dificuldades
assegurar a comunicação efetiva, as interações entre os apresentadas pela especialização excessiva sugerem al-
indivíduos que têm estruturas de conhecimento diversas guns riscos em perseguir as eficiências de manufatura
e diferentes aumentarão a capacidade de a organização por meio da aprendizagem, na prática, sob condições
fazer novas ligações e associações – inovar – além do de mudança técnica rápida nas quais a capacidade de
que qualquer indivíduo poderia alcançar. Utterback,31 absorção é importante. Na aprendizagem pela prática,
resumindo a pesquisa sobre desempenho e inovação a empresa torna-se mais hábil e, por isso, mais capaz
de tarefa, observou que a diversidade no ambiente de nas atividades em que já está envolvida. A aprendiza-
trabalho “estimula a geração de novas ideias”. Desse gem pela prática não contribui para a diversidade que
modo, como na opinião de Nelson e Winter32 sobre as é fundamental para aprender ou criar alguma coisa
capacitações organizacionais, a capacidade de absor- que seja relativamente nova. Além disso, a noção de
ção de uma organização não reside exclusivamente em “lembrar fazendo”34 sugere que o foco em uma classe
qualquer indivíduo, mas depende das ligações entre um de atividade decorrente da aprendizagem pela prática
mosaico de capacitações individuais. pode diminuir efetivamente a diversidade da experiên-
cia que um indivíduo ou organização pode ter adquirido
em algum momento e, consequentemente, enfraquecer
R. Katz and T. J. Allen, “Investigating the Not Invented Here (NIH) a capacidade de absorção e o desempenho inovador
29

Syndrome: A Look at the Performance, Tenure, and Communication Patters


of 50 R&D Project Groups”, R&D Management 12 (1982), pp. 7-12. da organização.
30
“What We Know About the Creative Process”.
31
J. M. Utterback, “The Process of Technological Innovation Within the
Firm”, Academy of Management Journal 12 (1971), pp. 75-88.
32
R. R. Nelson and S. Winter, An Evolutionary Theory of Economic 33
The Sources of Innovation.
Change (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982). 34
Nelson and Winter, An Evolutionary Theory of Economic Change.
382     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Tornou-se geralmente aceito que as funções com- se a capacidade de absorção precisa ser desenvolvida
plementares dentro da organização devem ser firme- internamente ou até que ponto uma empresa pode sim-
mente entrelaçadas, reconhecendo que alguma redun- plesmente comprá-la, por exemplo, a partir da contra-
dância no conhecimento pode ser desejável para criar tação de novas pessoas, de serviços de consultoria ou
o que se pode chamar de capacidades de absorção mul- mesmo por meio de aquisições de empresas. Sugeri-
tifuncionais. As interfaces multifuncionais que afetam mos que a efetividade de tais opções é um pouco limi-
a capacidade de absorção e o desempenho inovador tada quando a capacidade de absorção em questão deve
da organização incluem, por exemplo, as relações en- ser integrada com as outras atividades da empresa. Um
tre os laboratórios de R&D corporativos e divisionais componente fundamental da capacidade de absorção
ou, mais geralmente, as relações entre as funções de necessária para certos tipos de informações, tais como
R&D, design, manufatura e marketing.35 As ligações as informações associadas com a inovação de produtos
estreitas entre o design e a manufatura muitas vezes e processos, muitas vezes é específico para a empre-
são creditadas pelo sucesso relativo das empresas ja- sa e, portanto, não pode ser comprado e rapidamente
ponesas em passar os produtos rapidamente da fase de integrado na empresa. Isso está refletido nas consta-
design para o desenvolvimento e a manufatura.36 Clark tações de Lee e Allen39 de que atrasos consideráveis
e Fujimoto37 argumentaram que os ciclos de desenvol- estão associados com a integração do novo pessoal téc-
vimento e produto sobrepostos facilitam a comunica- nico, particularmente os relativos ao desenvolvimento
ção e a coordenação entre as subunidades organizacio- de processo e produto. Para integrar com êxito certas
nais. Esses autores constataram que a velocidade do classes de conhecimento tecnológico complexo e so-
desenvolvimento de produtos é bastante influenciada fisticado nas atividades da empresa, é necessário que
pelas ligações entre os ciclos de resolução de proble- ela tenha uma equipe interna de tecnologistas e cien-
mas e que a ligação bem-sucedida requer “contatos pes- tistas que sejam competentes em suas áreas e estejam
soais diretos entre as funções, papéis de ligação em familiarizados com as necessidades idiossincráticas da
cada unidade, forças-tarefa multifuncionais, equipes empresa, os procedimentos organizacionais, as rotinas,
de projetos multifuncionais e um sistema de ‘gestor de capacitações complementares e relações com o mundo
projetos como integrador’”.38 Entretanto, um processo exterior. Como se depreende dessa discussão, a diversi-
no qual uma unidade simplesmente não intervém no dade de estruturas de conhecimento deve coexistir em
projeto de outra unidade está sujeito a passar por difi- algum grau nas mesmas mentes. Além do mais, como
culdades maiores. sugere a análise de Nelson e Winter40 (1982), grande
Algumas práticas de gestão também parecem refle- parte do conhecimento detalhado das rotinas e dos ob-
tir a crença de que um grau excessivo de sobreposição jetivos organizacionais que permitem a uma empresa
das funções pode diminuir a capacidade de absorção da e seus laboratórios de P&D funcionarem é tácita. Em
empresa e que a diversidade de experiências é útil. A consequência, esse conhecimento complementar fun-
prática japonesa de fazer um rodízio do seu pessoal de damental é adquirido somente por meio da experiência
P&D pelas operações de marketing e manufatura, por dentro da empresa. Ilustrando nosso argumento geral,
exemplo, embora crie sobreposição de conhecimento, Vyssotsky,41 ao justificar a colocação da Bell Labs den-
aumenta a diversidade da experiência do seu pessoal. tro da AT&T, argumentou:
Quando envolve com frequência a designação do pes­ Para que a pesquisa e o desenvolvimento produzam resulta-
soal técnico para outras funções ao longo de vários anos, dos efetivos no sistema da Bell, isso tem que ser feito pelas
essa prática também sugere que alguma intensidade de […] pessoas criativas que compreendem o máximo que po-
experiência em cada um dos domínios de conhecimento dem o estado de arte e o sistema da Bell, além de quais são
complementares é necessária para pôr em prática uma os problemas da Bell. O pessoal de P&D deve ser livre para
pensar em novas abordagens e estar intimamente ligado aos
capacidade de absorção efetiva; para ser efetiva, a am-
problemas e desafios em que a inovação é necessária. Essa
plitude do conhecimento não pode ser superficial. combinação, se você tiver sorte, resultará em ideias que aju-
A discussão até agora concentrou-se nos meca- darão o sistema da Bell. É por isso que temos os Bell Labs
nismos internos que influenciam a capacidade de ab- no sistema da Bell, em vez uma área de P&D feita por orga-
sorção da organização. Entretanto, ainda não se sabe nizações externas.

35
Mansfield, Economics of Technological Change, pp. 86-88. 39
D. M. S. Lee and T. J. Allen, “Integrating New Technical Staff: Implications
36
Westney and Sakakibara, “The Role of Japan-Based R&D in Global for Acquiring New Technology”, Management Science 28 (1982),
Technology Strategy”. pp. 1405-20.
37
K. B. Clark and T. Fujimoto, “Overlapping Problem-Solving in Product 40
An Evolutionary Theory of Economic Change.
Development”, relatório técnico, Harvard Business School, 1987. 41
V. A. Vyssotsky, “The Innovation Process at Bell Labs”, relatório téc-
38
Ib., p. 24. nico, Bell Laboratories, 1977.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     383

Dependência da trajetória e capacidade dessa condição, a qual chamamos de estar trancado por
de absorção fora.43 Primeiro, se a empresa não desenvolve sua capa-
Nossa discussão sobre o caráter da capacidade de absor- cidade de absorção em algum período inicial, então suas
ção e seu papel na assimilação e no aproveitamento do crenças sobre as oportunidades tecnológicas existentes
conhecimento sugere uma generalização simples que se em uma determinada área tenderão a não se modificar
aplica a ambos os níveis individual e organizacional: o ao longo do tempo porque a empresa pode não estar
conhecimento prévio permite a assimilação e o apro- ciente da importância dos sinais que de outro modo im-
veitamento do novo conhecimento. Uma parte desse plicariam em uma revisão das suas expectativas. Como
conhecimento prévio deve estar intimamente relaciona- resultado, a empresa não investe na capacidade de ab-
da ao novo conhecimento para facilitar a assimilação, e sorção e, quando posteriormente as novas oportunida-
uma fração desse conhecimento deve ser bem diversa, des surgem, ela pode não avaliá-las. Compondo esse
apesar de ainda relacionada, para permitir a utilização efeito, até o ponto em que o conhecimento prévio faci-
criativa do novo conhecimento. Essa noção simples de lita o desenvolvimento posterior da capacidade de ab-
que o conhecimento prévio é subjacente à capacidade sorção, a falta de investimento inicial na capacidade de
de absorção tem implicações importantes para o seu absorção encarece o seu desenvolvimento em um deter-
desenvolvimento ao longo do tempo e, por sua vez, minado nível, em um período posterior. Consequente-
para o desempenho inovador das organizações. O pa- mente, um baixo investimento inicial na capacidade de
pel básico do conhecimento prévio sugere dois aspectos absorção diminui a atratividade do investimento em pe-
da capacidade de absorção que afetarão o desempenho ríodos posteriores, mesmo que a empresa conscientize-
inovador em um ambiente incerto em evolução.42 Acu- -se das oportunidades tecnológicas.44 Essa possibilidade
mular capacidade de absorção em um período permi- de as empresas serem excluídas dos desenvolvimentos
tirá seu acúmulo mais eficiente no período seguinte. tecnológicos posteriores tornou-se recentemente uma
Por já ter desenvolvido alguma capacidade de absorção preocupação em relação à política industrial. Por exem-
em uma determinada área, uma empresa pode acumu- plo, Reich45 critica a saída da Monsanto da manufatura
lar de forma mais imediata o conhecimento adicional de silício float-zone* porque ele acredita que a decisão
do qual necessita nos períodos subsequentes, a fim de pode ser uma saída irreversível de uma tecnologia em
aproveitar qualquer conhecimento externo importante que “cada nova geração da tecnologia baseia-se na que
que possa tornar-se disponível. A posse de um conhe- veio antes” e que “uma vez fora da escada rolante tec-
cimento relacionado permitirá à empresa compreender nológica, é difícil voltar para ela” (p. 64).
melhor e avaliar a importância de avanços tecnológicos Assim, a qualidade cumulativa da capacidade de ab-
intermediários que forneçam sinais do eventual mérito sorção e o seu papel no condicionamento da atualização
de um novo desenvolvimento tecnológico. Assim, em das expectativas são forças que tendem a confinar as
um ambiente incerto, a capacidade de absorção afeta a empresas a operar em um determinado domínio tecno-
formação de expectativas, permitindo à empresa prever lógico. Se as empresas não investirem no desenvolvi-
com mais precisão a natureza e o potencial comercial mento da capacidade de absorção em uma determinada
dos avanços tecnológicos. Essas expectativas revistas, área de conhecimento logo no início, talvez não se inte-
por sua vez, condicionam o incentivo para investir pos- ressem em desenvolver essa capacidade posteriormen-
teriormente na capacidade de absorção. A cumulativi- te, mesmo após avanços importantes na área. Com isso,
dade e o efeito na formação das expectativas implicam o padrão de inércia que Nelson e Winter46 destacaram
que o seu desenvolvimento é específico do domínio e como um aspecto central do comportamento da em-
depende da trajetória ou da história. presa pode surgir como uma implicação do comporta-
A cumulatividade da capacidade de absorção e o mento racional em um modelo no qual a capacidade de
seu efeito na formação das expectativas sugerem um
caso extremo de dependência da trajetória no qual, uma
vez que uma empresa para de investir na capacidade
*
N. de T.: O silício float-zone é uma alternativa de alta pureza para o
silício desenvolvida pelo processo Czochralski.
de absorção em um campo em rápidas transformações, 43
Ib.
ela nunca mais poderá assimilar e aproveitar as novas 44
Surge um resultado similar aos modelos de aprendizagem adaptativa:
B. Levitt and J. G. March, “Organizational Learning”, Annual Review of
informações desse campo, independentemente do va- Sociology 14 (1988), pp. 319-40, observaram que “pode ocorrer uma ar-
lor das informações. Há duas razões para o surgimento madilha de competência quando o desempenho favorável com um proce-
dimento inferior leva uma organização a acumular mais experiência com
ele, mantendo assim a experiência com um procedimento inadequado
para que seja compensador utilizá-lo” (p. 322).
42
W. M. Cohen and D. A. Levinthal, “Fortune Favors the Prepared Firm”, 45
R. B. Reich, “The Rise of Techno-Nationalism”, Atlantic, May 1987,
relatório técnico, Dept. of Social and Decision Sciences, Carnegie pp. 63-69.
Mellon University, 1989. 46
An Evolutionary Theory of Economic Change.
384     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

absorção seja cumulativa e contribua para a formação desencadeada pela falha em atingir o nível de aspiração
das expectativas. A síndrome “não foi inventado aqui”, em si. Se a empresa se envolve em poucas atividades
na qual as empresas resistem em aceitar ideias inova- de inovação e, portanto, é relativamente insensível às
doras do ambiente, algumas vezes também pode refletir oportunidades do ambiente externo, ela terá um baixo
o que chamamos de estar trancado por fora. Tais ideias nível de aspiração no que diz respeito ao aproveitamen-
podem estar distantes demais da base de conhecimento to da nova tecnologia, o que, por sua vez, significa que
atual da empresa – sua capacidade de absorção – para continuará a dedicar pouco esforço à inovação. Isso cria
serem avaliadas ou acessadas. Nesse cenário particular, um ciclo de reforço. Do mesmo modo, se uma orga-
a síndrome “não foi inventado aqui” pode ser um com- nização tiver um alto nível de aspiração, influenciado
portamento patológico apenas em retrospectiva. A em- pelas oportunidades técnicas geradas externamente, ela
presa não precisa ter agido irracionalmente no desen- realizará mais atividades de inovação e, assim, aumen-
volvimento das capacitações que produzem a síndrome tará sua consciência das oportunidades externas. Con-
como seu resultado aparente. sequentemente, seu nível de aspiração continuará alto.
Uma forma de comportamento do ciclo de reforço Esse argumento indica que os modos reativo e proati-
semelhante ao de estar trancado por fora pode resultar vo do comportamento da empresa devem permanecer
da influência da capacidade de absorção nos objetivos estáveis ao longo do tempo. Portanto, algumas organi-
ou níveis de aspiração da organização. Esse argumento zações (como a Hewlett-Packard e Sony) possuem o
baseia-se na visão comportamental da inovação orga- conhecimento técnico necessário para responder pro-
nizacional moldada em grande parte pelo trabalho de ativamente às oportunidades existentes no ambiente.
March e Simon.47 Na estrutura conceitual construída Essas empresas não esperam para fracassar em alguma
por esses autores, a atividade de inovação é instigada dimensão do desempenho, mas buscam agressivamente
por causa de uma incapacidade para se alcançar algum novas oportunidades para explorar e desenvolver suas
nível de aspiração. Com base nesse modelo, sugerimos capacitações tecnológicas.48
que o nível de aspiração de uma empresa, em um am- O conceito de comportamento dinâmico do ciclo de
biente tecnologicamente progressivo, não é determi- reforço que pode levar ao negligenciamento dos novos
nado simplesmente pelo desempenho passado ou das desenvolvimentos tecnológicos fornece algumas ideias
organizações de referência. Quanto maiores a experiên- sobre as dificuldades que as empresas enfrentam quan-
cia e a capacidade de absorção associadas da empresa, do a base tecnológica de uma indústria se modifica – o
mais chances ela tem de ser sensível às oportunidades que Schumpeter49 chamou de “processo de destruição
tecnológicas que surgirem e mais chances de que o seu criativa”. Por exemplo, a mudança dos dispositivos ele-
nível de aspiração venha a ser definido em termos das tromecânicos para eletrônicos na indústria de calcula-
oportunidades presentes no ambiente técnico, em vez doras resultou na saída de uma série de empresas e em
de estritamente em termos das medidas de desempenho. uma mudança radical na estrutura do mercado.50 Isso é
Portanto, as organizações com níveis mais elevados de um exemplo do que Tushman e Anderson51 chamaram
capacidade de absorção tenderão a ser mais proativas, de mudança tecnológica destruidora de competência.
aproveitando as oportunidades presentes no ambiente, Uma empresa sem uma base tecnológica prévia em
independentemente do desempenho atual. Por sua vez, uma determinada área terá dificuldades para adquirir
as organizações que possuem uma capacidade de ab- rapidamente essa base se a capacidade de absorção for
sorção modesta tenderão a ser reativas, buscando novas cumulativa. É possível ainda que a empresa não con-
alternativas em resposta a um fracasso em algum cri- siga vislumbrar os novos desenvolvimentos em áreas
tério de desempenho que não é definido em termos da
mudança técnica em si (rentabilidade, participação de
mercado, etc.). 48
Esse argumento de que os comportamentos proativo e reativo podem
Uma negligência sistemática e persistente das opor- coexistir em uma indústria no longo prazo presume que há folga no am-
biente de seleção e que o comportamento tecnologicamente progressivo
tunidades tecnológicas pode resultar do efeito das ca- não é essencial para a sobrevivência. Alternativamente, pode-se identi-
pacidades de absorção sobre o nível de aspiração da ficar uma série de indústrias, tal como a de semicondutores, nas quais
organização quando a atividade de inovação (p. ex., parece que apenas as empresas que aproveitam agressivamente as opor-
tunidades técnicas sobrevivem.
P&D) contribui para a capacidade de absorção, o que 49
J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (New York:
acontece com frequência nos ambientes tecnologica- Harper and Row, 1942).
mente progressivos. A razão é que o nível de aspiração
50
B. A Majumdar, Innovations, Product Developments and Technology
Transfers: An Empirical Study of Dynamic Competitive Advantage.
da empresa depende da atividade de inovação que é The Case of Electronic Calculators (Lanham, MD: University Press of
America, 1982).
51
M. L. Tushman and P. Anderson, “Technological Discontinuities and
Organizational Environments”, Administrative Science Quarterly 31
47
Organizations. (1986), pp. 439-65.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     385

em que não investe, se a sua capacidade de atualização elasticidade do preço frente à demanda. Esta última in-
for baixa. Consequentemente, as empresas podem não dica o grau em que a receita de uma empresa aumentará
perceber a necessidade de desenvolver sua capacidade devido a uma redução no preço. Por exemplo, no caso
de absorção por causa de uma ironia associada à sua de uma inovação de processo que reduz o custo de ma-
avaliação: a empresa já precisa ter alguma capacidade nufatura e, por sua vez, o preço do produto, a elastici-
de absorção para valorizá-la adequadamente. dade do preço de demanda reflete a mudança associada
na receita total que influencia o retorno econômico do
Capacidade de absorção e investimento em P&D esforço de inovação. As condições de apropriabilidade
Na discussão anterior, não fica muito claro se podemos referem-se ao grau em que as empresas capturam os
avaliar empiricamente a importância da capacidade de lucros associados com a sua atividade de inovação e
absorção para a inovação. Há uma percepção funda- muitas vezes são consideradas para refletir o grau em
mental que permite testes empíricos das implicações da que o conhecimento valioso é transmitido para o domí-
capacidade de absorção na atividade de inovação. Uma nio público. A ênfase aqui é no conhecimento valioso
vez que a mudança técnica dentro de uma indústria – de porque, se o conhecimento de um concorrente estiver
caráter normalmente incremental52 — muitas vezes está disponível, mas ele já tiver aproveitado a vantagem de
intimamente relacionada à atividade de P&D em anda- ser o primeiro no mercado, esse conhecimento não terá
mento, então a capacidade da empresa de aproveitar o mais valor para a empresa e não se constituirá em um
conhecimento externo é gerada como um subproduto de transbordamento pela nossa definição. O nível de trans-
sua P&D. Portanto, podemos considerar que a P&D de bordamento, por sua vez, depende da força das patentes
uma empresa atende a duas funções: presumimos que a dentro de uma indústria, da eficácia do sigilo e/ou das
P&D não apenas gere novos conhecimentos, mas que vantagens de ser o primeiro. A oportunidade tecnoló-
também contribua para a capacidade de absorção da gica representa quanto custa para a empresa alcançar
empresa.53 Se a capacidade de absorção é importante e a alguma unidade normalizada de avanço tecnológico em
P&D contribui para ela, então, independentemente das uma determinada indústria. Existem duas dimensões da
condições, os incentivos da empresa para aprender (ou oportunidade tecnológica.55 A primeira, incorporada ao
seja, construir capacidade de absorção) também devem nosso modelo, refere-se simplesmente à quantidade de
influenciar os gastos com P&D. Com isso, podemos conhecimento tecnológico fora da indústria, ou seja, o
considerar o caráter responsivo das atividades de P&D conhecimento originário dos laboratórios do governo e
aos incentivos de aprendizagem como uma indicação das universidades, que complementa e, portanto, ala-
da importância empírica da capacidade de absorção. vanca o resultado do próprio conhecimento da empresa.
Então, o desafio empírico é compreender o impacto das A segunda dimensão da oportunidade tecnológica é o
características do ambiente de aprendizagem nos gastos grau em que uma unidade de novo conhecimento me-
com P&D. lhora o desempenho tecnológico dos processos de ma-
Construímos um modelo simples da intensidade de nufatura ou dos produtos da empresa e, por sua vez, os
P&D da empresa, que é definida como a P&D dividida seus lucros. Por exemplo, dada a vitalidade da ciência
pelas vendas. A normalização da P&D pelas vendas da e tecnologia subjacentes, um avanço no conhecimento
empresa controla o efeito do tamanho dessas vendas, promete gerar retornos em termos de produto-desempe-
o qual afeta o retorno por unidade de escorço de P&D. nho muito maiores no setor de semicondutores do que
Esse modelo é desenvolvido no contexto mais amplo do no de aço.56
que os economistas passaram a acreditar. São três clas- O modelo básico da forma como a capacidade de
ses de determinantes em nível industrial da intensi- absorção afeta a determinação dos gastos em P&D é
dade da P&D: demanda, apropriabilidade e condições representado na Figura 1. Postulamos que os incenti-
de oportunidade tecnológica.54 A demanda é caracte- vos à aprendizagem terão um efeito direto nos gastos
rizada com frequência pelo nível das vendas e pela em P&D. Também sugerimos que onde o efeito dos
outros determinantes, como a oportunidade tecnoló-
gica e a apropriabilidade, depende da assimilação de
conhecimento pela empresa ou pelos concorrentes, a
52
Rosenberg and Steinmueller, “Why Are Americans Such Poor Imitators?”.
53
Para os leitores interessados nos detalhes da análise teórica e na sub-
sequente análise empírica e seus resultados, indicamos W. M. Cohen
and D. A. Levinthal, “Innovation and Learning: The Two Faces of Ib.
55

R&D”, Economic Journal 99 (1989), pp. 569-96, do qual foi extraída Essa segunda dimensão está incorporada ao modelo desenvolvido em
56

a discussão. Cohen and Levinthal, “Innovation and Learning”. Não incorporamos


54
W. M. Cohen and R. C. Levin, “Empirical Studies of Innovation and essa dimensão ao modelo atual porque todos os resultados qualitativos te-
Market Structure”, in Handbook of Industrial Organization, ed. R. C. óricos e empíricos dessa segunda dimensão da oportunidade tecnológica
Schmalensee and R. Willig (Amsterdam: Elsevier, 1989), pp. 1059-1107. são iguais aos associados com a primeira dimensão considerada aqui.
386     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Modelo de capacidade de absorção e incentivos A facilidade de aprendizagem, por sua vez, é de-
à P&D
terminada pelas características do conhecimento cien-
tífico e tecnológico subjacente. Embora seja difícil
Oportunidade Interdependência
Apropriabilidade
especificar a priori todas as características relevantes
tecnológica do concorrente
do conhecimento que afetam a facilidade de aprendiza-
gem, elas incluiriam a complexidade do conhecimento
a ser assimilado e o grau em que o conhecimento ex-
Capacidade terno é voltado para as necessidades e preocupações
de absorção da empresa. Quando o conhecimento externo é menos
voltado para as necessidades e preocupações particu-
lares da empresa, a P&D ganha mais relevância, o que
permite que o valor do conhecimento seja reconheci-
Gastos em P&D
do, assimilado e explorado. As fontes que produzem
conhecimento menos voltado para a empresa incluem
os laboratórios universitários envolvidos em pesquisa
capacidade de absorção – e com isso os incentivos à básica, enquanto o conhecimento mais afim pode ser
aprendizagem – mediará esses efeitos. Enfim, suge- gerado pelos laboratórios de pesquisa contratados ou
rimos que o efeito das condições de apropriabilidade fornecedores de insumos. Além disso, o grau em que
(ou seja, os transbordamentos) será condicionado pela uma área de conhecimento é cumulativa também deve
interdependência do concorrente. Nesse contexto, de- afetar até que ponto a P&D é fundamental para o desen-
finimos interdependência como a medida em que os volvimento da capacidade de absorção. Quanto mais as
avanços tecnológicos de um concorrente diminuem os descobertas em uma área se baseiam em descobertas
lucros da empresa. anteriores, é mais necessário compreender a pesquisa
Dois fatores afetarão os incentivos à aprendizagem anterior para a assimilação das descobertas posterio-
de uma empresa e, portanto, seus incentivos para inves- res. O ritmo e progresso de uma área de conhecimento
tir na capacidade de absorção por meio dos seus gastos afetam a importância da P&D no desenvolvimento da
em P&D. Em primeiro lugar, está a quantidade de co- capacidade de absorção porque quanto maior for o rit-
nhecimento a ser assimilado e aproveitado: quanto mais mo de geração de conhecimento, maior será a equipe
houver, maior será o incentivo. Em segundo lugar, está necessária para se manter a par dos novos desenvol-
a dificuldade (ou, pelo contrário, a facilidade) de apren- vimentos. Enfim, segundo Nelson e Winter,57 quanto
dizagem. Alguns tipos de informações são mais difíceis menos explícito e codificado for o conhecimento rele-
de serem assimilados e utilizados do que outros. Isso vante, mais difícil será assimilá-lo.
significa que, por unidade de conhecimento, o custo de Para estruturar a análise, assumimos que as empresas
sua absorção pode variar, dependendo das característi- investem propositalmente em P&D para gerar lucros e
cas desse conhecimento. À medida que a aprendizagem consideram o papel duplo dessa área: gerar conhecimento
é mais difícil, mais conhecimento prévio precisou ter diretamente e contribuir para a capacidade de absorção.
sido acumulado por meio da P&D para que ocorra a Supõe-se que o conhecimento é útil para a empresa no
aprendizagem efetiva. Como resultado, trata-se de um sentido de que os incrementos ao próprio conhecimento
ambiente de aprendizagem mais caro. Em um cenário da empresa aumentam os lucros, enquanto os incremen-
como esse, a P&D é mais importante para criar capaci- tos ao conhecimento dos rivais os reduzem. Postulamos
dade de absorção e mais esforço dessa área a empresa um modelo simples da geração do conhecimento tecno-
precisará ter despendido para alcançar algum nível de lógico de uma empresa que leva em conta as principais
capacidade de absorção. Assim, para um determinado fontes desse conhecimento utilizadas por ela: o conheci-
nível de esforço de P&D de uma empresa, o nível de mento da empresa que deriva da sua P&D, a que deriva
capacidade de absorção é menor nos ambientes em que da P&D dos concorrentes (os chamados transbordamen-
é mais difícil aprender. Além disso, estamos sugerindo tos) e o conhecimento que se origina fora da indústria.
que um ambiente de aprendizagem mais difícil aumenta A Figura 2 fornece uma representação estilizada desse
o efeito marginal da P&D na capacidade de absorção. Já modelo, na qual, primeiro, a empresa gera novo conhe-
nos ambientes em que a aprendizagem é menos exigen- cimento diretamente por meio da sua própria P&D e,
te, a P&D de uma empresa tem pouco impacto em sua segundo, o conhecimento gerado extramuros, extraído
capacidade de absorção. No caso extremo em que o co- dos concorrentes e também de fontes de fora da indústria,
nhecimento externo pode ser assimilado sem qualquer
experiência especializada, a P&D de uma empresa não
teria efeito sobre a sua capacidade de absorção. 57
An Evolutionary Theory of Economic Change.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     387

FIGURA 2 Modelo das fontes de conhecimento técnico difícil. No entanto, à medida que o ambiente de apren-
de uma empresa
dizagem torna-se mais difícil, há um segundo efeito
mais sutil. Posto que tudo o mais permanece constante,
Capacidade de absorção um ambiente de aprendizagem mais difícil diminui a
capacidade de absorção da empresa, e a atividade de
Conhecimento P&D torna-se mais um bem privativo no sentido de que
P&D própria técnico os concorrentes agora são menos capazes de aproveitar
as descobertas de P&D da empresa que são transferidas
Transbordamento dos
para o ambiente.
conhecimentos dos concorrentes
Conhecimento de fora da indústria Oportunidade tecnológica Há evidências de que o
aumento da oportunidade tecnológica – a quantidade
tais como os laboratórios do governo e das universida- disponível de conhecimento técnico externo relevante –
des, também contribui para o conhecimento da empre- resultará em mais P&D nos ambientes de aprendizagem
sa. Um aspecto central do modelo é que a capacidade de mais difícil. Mais oportunidade tecnológica significa
absorção da empresa determina a medida em que o co- quantidades maiores de informações externas, as quais
nhecimento extramuros é utilizado, e essa capacidade de aumentam o incentivo da empresa para criar capacidade
absorção em si depende da própria P&D da empresa. Por de absorção e um ambiente de aprendizagem mais desa-
causa dessa função de mediação, a capacidade de absor- fiador aumenta o nível de P&D necessário para criar
ção influencia os efeitos das condições de apropriabilida- capacidade de absorção.
de e oportunidade tecnológica sobre os gastos em P&D.
Assim, os efeitos da apropriabilidade e da oportunidade Apropriabilidade Prevemos que os transbordamen-
tecnológica não são independentes da P&D. tos proporcionarão, em parte, um incentivo positivo
Um pressuposto fundamental no modelo é que o para realizar P&D devido à interação das transferências
aproveitamento das descobertas de pesquisa dos concor- com uma capacidade de absorção endógena. Tradicio-
rentes é realizado por meio da interação da capacidade nalmente, os transbordamentos têm sido considerados
de absorção da empresa com os transbordamentos dos apenas um impedimento da atividade de P&D.59 Na
concorrentes. Essa interação significa que uma empresa visão padrão, o incentivo de uma empresa para investir
é incapaz de assimilar de forma passiva o conhecimento em P&D é reduzido na medida em que quaisquer des-
disponível externamente. De certa forma, para utilizar cobertas de tais atividades são exploradas pelos concor-
o resultado acessível da P&D dos concorrentes, a em- rentes e assim diminuem os lucros do próprio inovador.
presa investe na sua capacidade de absorção realizando Entretanto, em nossa estrutura conceitual, esse incentivo
P&D. A Figura 2 ilustra que, como acontece com a sua negativo para a apropriabilidade associada aos transbor-
assimilação dos resultados da P&D dos concorrentes, a damentos é contrabalançado por um incentivo positivo
assimilação por parte da empresa do conhecimento de para a criação de capacidade de absorção. Quanto mais
fora da indústria – a dimensão da oportunidade tecno- houver transbordamentos dos concorrentes, mais incen-
lógica considerada aqui – é limitada por sua capacidade tivo a empresa terá para investir em sua própria P&D, de
de absorção. Segundo o nosso modelo, os fatores que forma que esta poderá explorar tais transbordamentos.
afetam os incentivos à aprendizagem (ou seja, a facili- Mostramos em outra parte60 que quando esse incen-
dade de aprender e a quantidade de conhecimento dis- tivo para a absorção é grande, como quando a aprendi-
ponível) influenciam os efeitos das condições de apro- zagem é difícil, os transbordamentos podem realmente
priabilidade e de oportunidade tecnológica na P&D. estimular a P&D. A grandeza relativa do incentivo à
absorção é maior quando as empresas dentro de um
Efeito direto da facilidade de aprender Como de­mons­ setor são menos interdependentes no sentido de que
trado formalmente em Cohen e Levinthal,58 esse modelo os progressos tecnológicos das concorrentes têm pou-
indica que, à medida que a aprendizagem diminui, ela se cos efeitos sobre os lucros da empresa. Com menos
torna mais dependente da própria P&D da empresa, e os
gastos nessa área aumentam por causa de dois efeitos.
Primeiro, o impacto marginal da P&D na capacidade de
59
Por exemplo: R. R. Nelson, “The Simple Economics of Basic Research”,
Journal of Political Economy 67 (1959), pp. 297-306; K. J. Arrow, “Eco-
absorção é maior nos ambientes de aprendizagem mais nomic Welfare and the Allocation of Resources for Invention”, in The
Rate and Direction of Inventive Activity, ed. R. R. Nelson (Princeton,
NJ: Princeton University Press, 1962), pp. 609-25; M. A. Spence, “Cost
Reduction, Competition and Industry Performance”, Econometrica 52
(1984), pp. 101-22.
“Innovation and Learning”.
58 60
Cohen and Levinthal, “Innovation and Learning”.
388     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

interdependência, o grau em que as concorrentes ga- variância do erro sendo uma função linear das variáveis
nham a partir dos transbordamentos da P&D da empresa exógenas e do número de respondentes da pesquisa de
diminui em relação ao benefício de conseguir explorar Levin et al.62 Salvo indicação em contrário, os resul-
os transbordamentos das rivais. Uma estrutura de mer- tados que divulgamos nesta seção refletem os efeitos
cado mais competitiva ou uma maior elasticidade-preço robustos que se mantêm entre três métodos estimadores
da demanda para o produto da empresa pode diminuir a diferentes, incluindo os mínimos quadrados ordinários
interdependência em uma indústria. (MQO), os mínimos quadrados generalizados (MQG)
em que fazemos ajustes para a heteroscedasticidade e o
MÉTODOS modelo Tobit, que foi empregado quando incluímos as
observações nas quais os gastos em P&D foram zero.
Dados e medidas Testamos nossas previsões no contexto de um modelo
Para testar as previsões da nossa estrutura conceitual empírico de intensidade de P&D da unidade de negócio,
para a atividade de P&D, utilizamos dados de um es- em que a oportunidade tecnológica, a apropriabilidade e as
tudo transversal sobre as oportunidades tecnológicas e condições da demanda são consideradas como os princi-
as condições de apropriabilidade no setor de manufatura pais determinantes em nível industrial dos gastos em P&D
americano, coletados de gestores de P&D por Levin et das empresas. Embora as restrições de dados não permi-
al.,61 e dados do Line of Business Program da Federal tam a observação do efeito direto da facilidade de aprendi-
Trade Comission sobre vendas das unidades de negócio, zagem ou dos seus determinantes nos gastos em P&D das
transferências e gastos em P&D. A variável dependente, empresas, conseguimos examinar como essas variáveis
intensidade da P&D, foi definida como gastos em pes- condicionam a influência da oportunidade tecnológica e
quisa e desenvolvimento da unidade de negócio financia- das condições de apropriabilidade sobre a P&D.
dos pela empresa, expressados como uma porcentagem A oportunidade tecnológica foi avaliada com variá-
das vendas e transferências da unidade de negócio ao veis que medem a “relevância” ou “importância” para o
longo do período de 1975 até 1977. Os dados sobre as progresso tecnológico em cada linha de negócio do que
diferenças inter-indústria em oportunidade tecnológica são consideradas duas fontes fundamentais de oportuni-
e apropriabilidade são as pontuações médias da indús- dade tecnológica – a base científica de uma indústria e
tria (linha de negócio) calculadas como uma média de as fontes de conhecimento extraindústria.63 Essas medi-
todas as respondentes dentro de um determinado setor. das são provenientes da pesquisa de Levin et al., na qual
A amostra consiste em 1.719 unidades de negócio, repre- os gestores de P&D indicaram, em uma escala Likert de
sentando 318 empresas em 151 linhas de negócio. 7 pontos, a relevância de 11 campos da ciência básica
Os dados colocam duas questões para a geração de e aplicada e a importância das fontes de conhecimento
estimativas. Primeiro, 24% das empresas não realiza- externas para o progresso tecnológico em uma linha de
ram P&D durante pelo menos um ano. Se as variáveis negócio. Os campos da ciência básica incluem biologia,
independentes refletem tanto a probabilidade de reali- química, matemática e física; e os campos da ciência
zar a P&D como o montante de gastos em P&D, então aplicada, ciência agrícola, pesquisa em matemática/ope-
seria adequada uma análise Tobit. Alternativamente, rações aplicada, ciência da computação, geologia, ciên-
uma empresa pode requerer algum nível inicial de ca- cia dos materiais, ciência médica e metalurgia.64 As cinco
pacidade de absorção antes de ser influenciada pelas fontes de conhecimento extra-indústria consideradas aqui
características do ambiente de aprendizagem. Nesse incluem fornecedores de equipamentos (EQUIPTECH),
caso, as variáveis que refletem a facilidade de apren- fornecedores de materiais (MATERIALTECH), usuários
dizagem afetam somente a quantidade de P&D realiza- dos produtos da indústria (USERTECH), laboratórios
da pelas empresas envolvidas nesse tipo de atividade, e agências do governo (GOVTECH) e universidades
e não a probabilidade de envolver-se nessa atividade. (UNIVTECH). Interpretamos as medidas da relevância
À luz da incerteza sobre a técnica de estimação ade- ou importância de cada campo ou fonte de conhecimen-
quada, exploramos a robustez dos resultados com base to para indexar a quantidade relativa de conhecimento
na análise de uma especificação Tobit e uma OLS (ou gerada por cada campo ou fonte que seja potencialmente
GLS). A segunda técnica de avaliação é a presença de útil. Depois, fizemos a distinção entre as variáveis dos 11
heteroscedasticidade. Encontramos a suposição de ho-
moscedasticidade a ser violada, com o logaritmo da
62
Ib.
63
Cohen and Levin, “Empirical Studies of Innovation and Market
Structure”.
R. C. Levin. A. K. Klevoric, R. R. Nelson and S. G. Winter, “Questionnaire
61 64
Embora a geologia tenha sido classificada como ciência básica por
on Industrial Research and Development”, Dept. of Economics, Yale Levin et al. (ver nota 61), nós a classificamos como ciência aplicada por
University, 1983; “Appropriating the Returns from Industrial R&D”, causa de sua metodologia indutiva e de seu uso intenso pelas empresas
Brookings Papers on Economic Activity, 1987, pp. 783-820. no setor extrativista.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     389

campos da ciência e das cinco fontes de conhecimento simbólica, DUMBAS, que assume o valor 1 quando o
extra-indústria com base na facilidade de aprendizagem valor médio das pontuações de relevância associadas
associada a cada uma delas. Sugerimos anteriormente com os campos da ciência básica ultrapassa as pontua-
que um determinante importante da facilidade de apren- ções associadas com os campos da ciência aplicada e,
dizagem é o grau em que o conhecimento externo é di- fora isso, assume o valor 0. Especificamos a variável
recionado para as necessidades e preocupações de uma simbólica, DUMAPP, de forma análoga. Para capturar
empresa. Com base nisso, pode-se fazer distinção entre a interdependência das empresas, empregamos medidas
os 11 campos da ciência e as cinco fontes de conheci- da competitividade das indústrias conforme representa-
mento extra-indústria. O conhecimento associado com as das pela razão da concentração de quatro empresas (C4)
ciências básicas geralmente é menos direcionado do que de cada indústria e estimativas em nível industrial da
aquele associado com as ciências aplicadas. Também fi- elasticidade-preço da demanda (PELAS).
zemos a distinção entre as fontes de conhecimento extra- Para maior controle das condições de demanda da
-indústria sobre a mesma base. A priori, classificamos indústria, utilizamos as estimativas industriais desen-
os laboratórios universitários, laboratórios do governo, volvidas por Levin66 da elasticidade-preço (PELAS),
fornecedores de materiais e fornecedores de equipamen- elasticidade-receita (INCELAS) e um parâmetro de
tos pela capacidade de proporcionar um conhecimento diferença de tempo da demanda (DGROWTH). Final-
cada vez mais direcionado para as empresas. Não clas- mente, incluímos outra variável de controle que também
sificamos o efeito relativo do conhecimento originário pode refletir a oportunidade tecnológica, a maturidade
dos usuários porque, conforme sugerido por Hippel,65 da indústria. Utilizamos uma medida um tanto crua da
os usuários muitas vezes fornecerão uma ideia de pro- maturidade da indústria, NEWPLANT, que mede a por-
duto aos possíveis fornecedores, mas a informatividade centagem de propriedades, instalações e equipamentos
do “conceito da solução” é bastante variável. Portanto, a de uma indústria instalados nos cinco anos precedentes.
qualidade visada da informação também é variável.
Para representar os transbordamentos da P&D en- RESULTADOS
tre as indústrias, empregamos medidas da pesquisa de
Levin et al. sobre a efetividade dos seis mecanismos usa- Oportunidade tecnológica
dos pelas empresas para capturar e proteger as vantagens Nossa teoria sugere que, quando a qualidade do conhe-
competitivas dos novos processos e produtos: patentes cimento visado é menor (ou seja, de aprendizagem mais
para impedir a cópia, patentes para assegurar a receita difícil), um aumento na relevância (ou seja, quantidade)
de royalties, sigilo, tempo de execução, declínio rápido do conhecimento deve ter um efeito mais positivo na
da curva de aprendizagem e esforços complementares intensidade da P&D. Portanto, as estimativas dos co-
de vendas e serviços. Empregamos o valor máximo das eficientes das variáveis que medem a relevância dos
pontuações de efetividade atingidas por esses meca- quatro campos da ciência básica devem ultrapassar as
nismos como nossa medida da apropriabilidade ou dos das variáveis que medem a relevância dos sete campos
transbordamentos e chamamos essa variável de APRO- da ciência aplicada. Confirmando a previsão, a Figura
PRIABILIDADE; um alto nível de APROPRIABILI- 3 indica que os coeficientes estimados para as ciências
DADE reflete um baixo nível de transbordamentos. aplicadas são, com exceção da ciência da computação,
Em nossa teoria, previmos um efeito de intera- menores do que aqueles das ciências básicas. A simila-
ção por meio do qual, à medida que a facilidade de ridade da estimativa do efeito da relevância da ciência
aprendizagem diminui ou as empresas tornam-se me- da computação, uma ciência aplicada, com os efeitos
nos interdependentes, o efeito dos transbordamentos das ciências básicas sugere que pode não estar correta
sobre os gastos em P&D deve tornar-se mais positivo a suposição de que apenas um determinante da facili-
(ou menos negativo). Na ausência de qualquer medi- dade de aprendizagem, a qualidade visada do campo
da direta da facilidade de aprendizagem, distinguimos da ciência, varia sistematicamente entre esses campos da
categoricamente entre aquelas indústrias nas quais a ciência aplicada e básica. Outro determinante da facili-
ciência básica era mais relevante para o progresso téc- dade de aprendizagem refere-se ao ritmo de progresso
nico do que as ciências aplicadas relativamente mais do campo da ciência, em que o ritmo mais veloz deve
direcionadas e assumimos que a aprendizagem foi exigir mais P&D para que haja assimilação. Na ciência
geralmente menos difícil nas indústrias que caíram da computação, o ritmo de progresso tem sido relativa-
na última categoria. Com isso, criamos uma variável mente rápido ao longo das duas últimas décadas.

65
E. von Hippel, “Successful Industrial Products from Customer Ideas”, 66
R. C. Levin, “Toward and Empirical Model of Schumpeterian Competition”,
Journal of Marketing 42 (1978), pp. 39-49 relatório técnico, Dept. of Economics, Yale University, 1981.
390     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Para testar mais a previsão de que os valores dos coeficientes forçadas do efeito da oportunidade tecno-
coeficientes das variáveis dos campos da ciência básica lógica associada com as ciências básicas e aplicadas são
menos orientados ultrapassariam os valores dos campos significativamente diferentes (no nível p < 0,01) entre
da ciência aplicada, forçamos os coeficientes das ciên- todos os métodos estimadores, com a primeira igual a
cias básicas e aplicadas a serem os mesmos. Isso mostra 0,189 e a última igual a –0,080 na estimação GLS. Por-
o efeito dos gastos em P&D quando a oportunidade tec- tanto, em relação ao efeito de um aumento na oportuni-
nológica global associada com a ciência básica e a ciên- dade tecnológica associada com a ciência aplicada, um
cia aplicada, respectivamente, muda. As estimativas de aumento na oportunidade tecnológica associada com a
ciência básica resulta em mais P&D.

FIGURA 3 Análise da intensidade de P&D


Coeficiente de regressão
OLS GLS Tobit
Variável (N = 1,302) (N = 1,302) (N = 1,719)

Intercepção −5,184** −2,355* −4,086**


(1,522) (1,037) (1,461)
APROPRIABILIDADE × C4 0,213 0,342** 0,368**
(0,128) (0,103) (0,130)
APROPRIABILIDADE × PELAS −0,192 −0,200* −0,176
(0,106) (0,091) (0,103)
APROPRIABILIDADE × DUMAPP 0,448* 0,248 0,211
(0,202) (0,143) (0,194)
APROPRIABILIDADE × DUMBAS 0,302 0,174 0,094
(0,208) (0,144) (0,206)
USERTECH 0,470** 0,397** 0,612**
(0,104) (0,069) (0,107)
UNIVTECH 0,374** 0,318** 0,395**
(0,131) (0,091) (0,147)
GOVTECH 0,221* 0,069 0,137
(0,106) (0,079) (0,107)
MATERIALTECH −0,258** −0,074 −0,303**
(0,098) (0,070) (0,100)
EQUIPTECH −0,401** −0,484** −0,574**
(0,111) (0,077) (0,117)
Biologia 0,314** 0,185** 0,276*
(0,102) (0,071) (0,114)
Química 0,289** 0,081 0,191*
(0,084) (0,062) (0,088)
Matemática 0,184 0,151 0,123
(0,131) (0,097) (0,143)
Física 0,373** 0,323** 0,310*
(0,117) (0,091) (0,128)
Ciência agrícola −0,441** −0,273** −0,308**
(0,088) (0,064) (0,099)
Matemática Aplicada/Pesquisa Operacional −0,237 −0,117 −0,366*
(0,148) (0,102) (0,152)
Ciência da computação 0,294* 0,116 0,433**
(0,124) (0,090) (0,122)
Geologia −0,363** −0,240** −0,365**
(0,084) (0,061) (0,097)
Ciência dos materiais −0,110 −0,150 0,116
(0,125) (0,095) (0,118)
Ciência médica −0,179 −0,133 −0,133
(0,093) (0,070) (0,103)
Metalurgia −0,315** −0,195** −0,393**
(0,077) (0,053) (0,089)
NEWPLANT 0,057** 0,049** 0,045**
(0,008) (0,006) (0,007)
PELAS 0,936 1,082* 0,892
(0,611) (0,527) (0,573)
INCELAS 1,077** 0,587** 1,112**
(0,170) (0,131) (0,188)
DGROWTH 0,068 −0,074 0,004
(0,090) (0,053) (0,105)
0,287
*p < 0,05; ** <0,01.
Os erros padrão estão entre parênteses.
Fonte: W. M. Cohen and D. A. Levinthal, “Innovation and Learning: The Two Faces of R&D”, Economic Journal 99 (1989), pp. 590-591, 569-96.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-6     391

Nossa classificação prevista das grandezas dos co- do incentivo positivo para a criação de capacidade de
eficientes associados com as fontes de conhecimento absorção em relação ao incentivo negativo da apropria-
extra-indústria, que refletem o conhecimento cada vez bilidade é condicionado pelo grau de interdependência
mais orientado proveniente dessas fontes, é confirmada do concorrente.
em grande parte. A estimativa do coeficiente da impor- Embora tenhamos mostrado que o ambiente de
tância do conhecimento originário das universidades aprendizagem modifica o efeito das condições de apro-
ultrapassa a dos laboratórios do governo, que, por sua priabilidade, permanece ainda a dúvida sobre o fato de
vez, é maior do que a dos fornecedores de materiais, a os transbordamentos poderem, no cômputo geral, real-
qual ultrapassa a dos fornecedores de equipamentos. A mente incentivar a P&D em algumas indústrias. Para
diferença entre os valores dos coeficientes é estatistica- explorar essa possibilidade, examinamos o efeito dos
mente significante no caso das fontes governamentais transbordamentos em quatro indústrias com nível de
versus fornecedores de materiais tanto para os resulta- código SIC de dois dígitos, nas quais a nossa amostra
dos de OLS quanto de Tobit (p < 0,01) e no caso dos contém linhas de negócio suficientes para permitir a re-
fornecedores de materiais versus fornecedores de equi- gressão das indústrias em separado. Entre elas, temos
pamentos nos resultados de GLS (p < 0,01). Embora os códigos SIC 20 (processamento de alimentos), 28
não tivéssemos nenhuma previsão relativa ao valor do (produtos químicos), 35 (máquinas e equipamentos) e
coeficiente de USERTECH, o valor coerentemente ele- 36 (equipamentos elétricos). Por causa da redução dos
vado da estimativa do coeficiente pode refletir algum graus de liberdade das variáveis no nível da indústria,
elemento das condições da demanda. Coerente com simplificamos a equação estimadora para considerar
isso, observamos que a variável USERTECH é signifi- apenas o efeito direto da APROPRIABILIDADE, e as
cativamente correlacionada com as medidas da impor- variáveis do campo da ciência foram resumidas como
tância da diferenciação do produto.67 as pontuações de relevância máxima atingidas pelos
campos básico e aplicado, respectivamente. Nos códi-
Apropriabilidade gos SIC 28 e 36, o efeito da variável APROPRIABI-
Os resultados apoiam, em grande parte, a previsão de LIDADE foi negativo e importante nos níveis conven-
que as condições de facilidade de aprendizagem afetam cionais, implicando que a intensidade da P&D aumenta
os transbordamentos de conhecimento. O efeito sobre com os transbordamentos. Nos resultados Tobit, o sinal
a intensidade da P&D provocado pela apropriabilidade também foi positivo nos SICs 28 e 36, mas as estima-
crescente (ou seja, menos transbordamentos) foi signi- tivas de coeficiente não foram tão importantes no ní-
ficativamente maior (p < 0,05) nas indústrias em que as vel de confiança 0,05. Assim, nos SICs 28 (produtos
ciências aplicadas são mais relevantes para a inovação químicos) e 36 (equipamentos elétricos), a intensida-
do que as ciências básicas. Esse resultado sugere que o de da P&D cresceu com os transbordamentos quando
incentivo positivo de absorção associado aos transbor- controlamos por outras variáveis no nível industrial
damentos é maior nas indústrias em que a dificuldade concebidas convencionalmente para guiar os gastos em
de aprendizagem é maior. Há ainda um efeito positivo P&D, incluindo a oportunidade tecnológica e as condi-
importante (p < 0,01) da interação entre a concentração ções da demanda. Embora as análises que mostram um
do mercado e o nível de apropriabilidade. À medida que efeito positivo dos transbordamentos nesses dois gru-
a concentração do mercado aumenta (indexando uma pos de indústrias não representem um teste direto do
diminuição na competitividade), o efeito positivo de um nosso modelo, os resultados sugerem, particularmente
determinado nível de apropriabilidade sobre a intensi- quando considerados com os resultados da interação,
dade da P&D aumenta, conforme previsto. Do mesmo que o incentivo positivo da absorção associado com os
modo, o efeito da interação da elasticidade-preço da de- transbordamentos pode ser forte o bastante em alguns
manda e do nível de apropriabilidade é negativo (mas casos para mais do que superar o incentivo negativo
significante apenas em p < 0,05 na estimativa GLS), da apropriabilidade.
proporcionando suporte adicional para a proposição
de que o efeito positivo dos transbordamentos au- IMPLICAÇÕES PARA A ATIVIDADE DE INOVAÇÃO
mentará nas indústrias em que as empresas são menos
Com base em nosso trabalho anterior,68 oferecemos al-
interdependentes. Os resultados sugerem que o am-
gumas implicações da capacidade de absorção para a
biente de aprendizagem afeta o impacto dos transbor-
damentos sobre os gastos em P&D e que a importância
Ib.; W. M. Cohen and D. A. Levinthal, “Participation in Cooperative
68

Research Ventures and the Cost of Learning”, relatório técnico, Dept. of


67
Compare Cohen and Levinthal, “Innovation and Learning”. Social and Decision Sciences, Carnegie Mellon University, 1987.
392     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

análise de outras atividades de inovação, incluindo a ser explorado pela empresa poderá afetar o tipo de pes-
pesquisa básica, a adoção e difusão das inovações, e quisa realizado por ela. Com base nesse ponto de vista,
as decisões de participar em empreendimentos de P&D poderíamos conjecturar que, à medida que o progresso
cooperativos. tecnológico de uma empresa torna-se mais intimamente
A constatação de que a P&D cria uma capacidade relacionado com os avanços na ciência básica (como
para assimilar e aproveitar o novo conhecimento ex- tem sido o caso na indústria farmacêutica), ela aumen-
plica por que algumas empresas podem investir em tará sua pesquisa básica, independentemente do grau
pesquisa básica mesmo quando a preponderância dos de diversificação do produto-mercado. Com relação
resultados transborda para o domínio público. Especi- aos mecanismos de pesquisa adotados pelas empresas,
ficamente, as empresas não fazem pesquisa básica ape- à medida que o avanço técnico subjacente às suas áreas
nas para conseguir resultados particulares, mas também se diversifica, há uma expectativa de que as empresas
para obter conhecimento geral que lhes permita explo- aumentem sua P&D na medida em que desenvolvem
rar rapidamente o conhecimento científico e tecnoló- capacidades de absorção em cada uma das áreas rele-
gico útil por meio de suas próprias inovações ou para vantes. Por exemplo, à medida que a manufatura de au-
reagirem imediatamente – e manterem-se em segundo tomóveis recorre mais pesadamente a novas áreas, tais
lugar do ranking – quando os concorrentes vierem com como a microeletrônica e cerâmica, há a expectativa de
um avanço importante.69 Nos termos da nossa discus- que os fabricantes ampliem seus esforços de pesquisa
são sobre os aspectos cognitivos e organizacionais da básica e aplicada para avaliar e explorar melhor as no-
capacidade de absorção, podemos pensar na pesquisa vas descobertas nessas áreas.
básica como a ampliação da base de conhecimento da As constatações do papel da capacidade de absorção
empresa para criar uma sobreposição fundamental com e das maneiras como ela pode ser desenvolvida também
o novo conhecimento e dotar-se de uma compreensão têm implicações para a análise da adoção e difusão das
mais profunda e útil para aproveitar os novos desenvol- inovações. A facilidade de aprendizagem e, portanto,
vimentos técnicos que se baseiam nos rápidos avanços a adoção da tecnologia são afetadas pelo grau em que
da ciência e da tecnologia. uma inovação está relacionada à base de conhecimento
Essa perspectiva sobre o papel da pesquisa básica preexistente dos potenciais usuários. Por exemplo, os
oferece uma visão bastante diferente dos determinan- computadores pessoais difundiram-se mais rapidamen-
tes que têm dominado o pensamento nessa área ao te no início entre os consumidores e as empresas que
longo dos últimos 30 anos, desde o artigo seminal de tinham experiência prévia em mainframes ou minicom-
Nelson.70 Esse autor propôs a hipótese de que as em- putadores. Do mesmo modo, as práticas de engenha-
presas mais diversificadas investirão mais pesadamente ria de software parecem ser adotadas de maneira mais
na pesquisa básica porque, ao assumirem que os mer- imediata pelos programadores com experiência prévia
cados de informação são imperfeitos, elas estarão mais em Pascal, em vez de Fortran, porque a estrutura da
aptas a aproveitar seus resultados amplos e imprevisí- linguagem de programação Pascal reflete mais intima-
veis. Assim, Nelson via a diversificação do produto-
mente alguns dos princípios subjacentes da engenharia
-mercado como um dos determinantes fundamentais
de software.72 Nossa argumentação também sugere que
da pesquisa básica.71 Ao enfatizar o papel da pesquisa
uma inovação que foi totalmente incorporada em bens
básica na aprendizagem da empresa, nossa perspectiva
de capital se difundirá mais rapidamente do que as ino-
redireciona a atenção do que acontece com os resul-
vações menos incorporadas que requerem alguma espe-
tados do conhecimento provenientes do processo de
cialização complementar da parte dos potenciais usuá-
inovação para a natureza dos insumos de conhecimen-
rios. Esse é um dos benefícios antecipados de tornar os
to em si. Considerando que a capacidade de absorção
computadores mais fáceis de usar para os usuários.
tende a ser específica para um determinado campo ou
A importância da capacidade de absorção também
domínio de conhecimento, o tipo de conhecimento a
ajuda a explicar algumas constatações recentes a respeito
de empreendimentos de pesquisa cooperativa das empre-
69
N. Rosenberg, “Why Do Firms Do Basic Research (with Their Own
sas. Primeiro, Link73 observou que os empreendimentos
Money)?”, Research Policy 1990. de pesquisa cooperativa são realmente encontrados nas
70
“The Simple Economics of Basic Research”.
71
No que tange as informações, os mercados falham com frequência por-
que representam inerentemente uma situação de assimetria de informa-
ção na qual a parte menos informada não pode avaliar de forma adequada 72
G. Smith, W. M. Cohen, W. Hefley and D. A. Levinthal, “Understanding
a informação que deseja adquirir, e a parte mais informada, ao agir por the Adoption of Ada: A Field Study Report”, relatório técnico, Software
interesse próprio, tenta explorar essa incapacidade. Ver O. E. Williamson, Engineering Institute, Carnegie Mellon University, 1989.
Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust Implications (New 73
A. N. Link, “Cooperative Research Activity in U.S. Manufacturing”,
York: Free Press, 1975). relatório técnico, University of North Carolina, Greensboro, 1987.
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-7     393

indústrias que empregam tecnologias mais maduras, e está intimamente relacionado à sua base de conhecimen-
não naquelas em que a tecnologia está avançando rapida- to atual. Porém, quando uma empresa deseja adquirir e
mente. Segundo, os empreendimentos cooperativos que utilizar conhecimento não relacionado com a sua ativida-
receberam instrução sobre pesquisas básicas e aplicadas de em curso, então ela deve dedicar esforços exclusiva-
têm sido submetidos, ao longo dos anos, a uma pressão mente para criar capacidade de absorção (ou seja, a ca-
crescente para se concentrarem em objetivos de pesquisa pacidade de absorção não é um subproduto). Nesse caso,
de curto prazo.74 A simples noção de que é importante a capacidade de absorção pode até mesmo não ocorrer
considerar os custos de assimilar e explorar o conheci- para a empresa como uma alternativa de investimento.
mento de tais empreendimentos proporciona uma expli- Mesmo que ocorra, em razão da natureza intangível da
cação pelo menos parcial para esses fenômenos. Muitos capacidade de absorção, uma empresa pode relutar em
empreendimentos cooperativos são iniciados em áreas sacrificar os resultados atuais e também os ganhos da
nas quais o custo para acessar o resultado do empreen­ especialização para permitir que o seu pessoal técnico
dimento é baixo ou eles quase sempre gravitam em torno adquira a amplitude de conhecimentos necessários que
dessas áreas ao longo do tempo. Reciprocamente, os que permitiria a absorção do conhecimento proveniente de
estão tentando estimular os empreendimentos de pesqui- novos domínios. Assim, embora a discussão atual aborde
sa cooperativa nas áreas que passam por rápidos avanços os aspectos fundamentais da estrutura organizacional que
devem reconhecer que a participação direta no empreen- determinam a capacidade de absorção de uma empresa e
dimento deve representar apenas uma parcela dos recur- forneça evidências de que o investimento se dá em res-
sos que serão necessários para beneficiar a empresa. As posta à necessidade de desenvolver essa capacidade, é
empresas participantes também devem estar preparadas preciso mais pesquisa para compreender os processos de
para investir internamente na capacidade de absorção decisão que determinam os investimentos da organiza-
que irá permitir o aproveitamento efetivo do conheci- ção na capacidade de absorção.
mento gerado pelo empreendimento.

A rtigo 3 - 7
CONCLUSÃO
Nossa análise empírica do investimento em P&D sugeriu A função do capital de risco corporativo*
que as empresas são, na prática, sensíveis às característi-
cas do ambiente de aprendizagem no qual atuam. Assim, Henry W. Chesbrough
a capacidade de absorção parece fazer parte do cálculo de
decisão de uma empresa para alocar recursos para a ati- Há muito tempo, as grandes empresas perceberam o va-
vidade de inovação. Independentemente dessas constata- lor potencial de investir nas start-ups externas. Porém,
ções, como a capacidade de absorção é intangível e seus na maioria das vezes, elas não conseguem fazer isso
benefícios são indiretos, pode-se ter pouca confiança de direito.
que o nível adequado, mas não o nível ideal, de investi- Lembre-se da corrida desenfreada para investir em
mento em capacidade de absorção é atingido. Portanto, novos empreendimentos no final dos anos 1990 – e de-
embora tenhamos proposto um modelo para explicar o pois da retirada apressada com a volta da economia.
investimento em P&D, no qual esta gera tanto a inovação Aproximadamente um terço das empresas que inves-
quanto facilita a aprendizagem, o desenvolvimento desse tiam ativamente os fundos corporativos em start-ups
modelo pode ser, no fim das contas, tão valioso para a em setembro de 2000 havia parado de fazer tais in-
análise prescritiva das políticas organizacionais quanto vestimentos 12 meses mais tarde, segundo a empresa
sua aplicação pode servir como um modelo positivo para de pesquisas Venture Economics, e, durante o mesmo
o comportamento da empresa. período, o montante de dinheiro corporativo investido
Uma questão importante com base numa perspectiva nas start-ups caiu 80%. Esse declínio nos investimen-
prescritiva é: “Quando uma empresa é mais propensa a tos fez parte de um padrão histórico de avanço e recuo,
investir pouco na capacidade de absorção para seu pró- mas as oscilações nos últimos anos foram ainda maiores
prio prejuízo no longo prazo?”. A capacidade de absorção do que antes: os investimentos trimestrais de capital de
é mais susceptível de ser desenvolvida e mantida como risco corporativo em start-ups cresceram de US$ 468
um subproduto de uma atividade de rotina quando o do- milhões no final de 1998 para US$ 6,2 bilhões no início
mínio de conhecimento que a empresa deseja explorar do ano 2000 e depois caíram para US$ 848 milhões no

74
D. C. Mowery and N. Rosenberg, Technology and the Pursuit of Economic Fonte: Copyright © 2002 by Harvard Business School Publishing
*

Growth (New York: Cambridge University Press, 1989). Corporation. Todos os direitos reservados.
394     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

terceiro trimestre de 2001. Embora os investimentos parte da empresa. Nossa definição não inclui, porém,
de capital de risco privado também fluam e refluam de os investimentos feitos em start-ups que a empresa já
acordo com as oscilações da economia, as mudanças desmembrou como negócios independentes.
nos investimentos de capital de risco corporativo têm Nossa estrutura conceitual ajuda a explicar por que
sido particularmente drásticas. certos tipos de investimento de capital de risco corpo-
Esse comportamento inconsistente certamente con- rativo proliferam apenas quando os retornos financeiros
tribui para a pouca consideração com que muitos capi- são elevados, por que outros tipos persistem nos mo-
talistas de risco privados encaram as operações internas mentos bons e ruins, e por que ainda outros fazem pou-
de capital de risco corporativo. Segundo esses capita- co sentido em qualquer fase do ciclo do negócio. Ele
listas, as grandes oscilações são mais uma prova de que também pode ajudar as empresas a avaliar seus investi-
as grandes empresas não têm estômago nem agilidade mentos de capital de risco atuais e potenciais e a deter-
para gerir investimentos em ambientes de alto risco e minar quando e como usar o capital de risco corporativo
ritmo acelerado. Para apoiar essa conclusão, eles tam- como um instrumento de crescimento estratégico.
bém apontam para alguns passos em falso dados pelas
empresas, os quais fizeram com que algumas empresas AS DUAS DIMENSÕES DO CAPITAL DE RISCO
hesitassem em lançar programas de investimento em CORPORATIVO
start-ups externas, até mesmo nos bons tempos.
Várias empresas, entretanto, desafiaram esse este­ Um investimento de capital de risco corporativo é defi-
reótipo do “gigante atrapalhado” e continuaram a fazer nido por duas características: o objetivo e o grau em que
investimentos em novos negócios. Mesmo com uma as operações da empresa investidora e a start-up estão
quantidade substancial de capitalistas de risco corporati- ligadas. Embora as empresas tenham uma gama de ob-
vo encabeçando as saídas no último ano e meio, algumas jetivos para seus investimentos de capital de risco, esse
grandes empresas – como Intel, Microsoft e Qualcomm tipo de financiamento normalmente antecipa um ou
– comprometeram-se publicamente a dar continuidade dois objetivos fundamentais. Alguns investimentos são
a altos níveis de investimento. Outras – como Merck, estratégicos: são feitos principalmente para aumentar as
Lilly e Millennium Pharmaceuticals – realmente entra- vendas e os lucros do próprio negócio da empresa. Uma
ram pela porta que as outras utilizaram para sair. O que empresa que faz um investimento estratégico busca
dá confiança a esses otimistas? Em termos mais gerais, identificar e explorar sinergias entre si e um novo em-
por que as incursões de algumas empresas no capital de preendimento. Por exemplo, a Lucent Venture Partners,
risco têm sido bem-sucedidas e gerado um crescimento que investe fundos de fabricantes de equipamentos de
importante para os seus próprios negócios? telecomunicações em empresas externas, realiza inves-
Para responder a essas questões, precisamos de uma timentos em start-ups focadas em infraestrutura ou ser-
maneira organizada para pensar sobre o capital de risco viços de voz ou redes de dados. Muitas dessas empresas
corporativo, uma estrutura conceitual que possa ajudar têm alianças formais com a Lucent para ajudar a ven-
uma empresa a decidir se deve investir em uma determi- der equipamentos Lucent juntamente com suas próprias
nada start-up, desde que ela entenda que tipo de benefício ofertas. Embora a Lucent nitidamente queira ganhar
pode advir desse investimento. Este artigo oferece uma dinheiro com seus investimentos nessas start-ups, ela
estrutura conceitual desse tipo e também sugere quando estará disposta a aceitar retornos baixos se o seu próprio
– ou seja, em que tipos de condição da economia – os negócio tiver um desempenho melhor em consequência
diferentes tipos de investimento podem fazer sentido. dos investimentos.
Inicialmente, é necessário definir capital de risco O outro objetivo do investimento é financeiro, pois
corporativo. Empregamos essa expressão para des- uma empresa está em busca principalmente de retornos
crever o investimento dos fundos corporativos direta- atraentes. Aqui, uma empresa procura fazer tão bem
mente em empresas start-up externas. Nossa definição ou melhor do que os investidores privados de capital
exclui os investimentos feitos por meio de um fundo de risco, em razão daquilo que considera como seu co-
externo gerido por terceiros, mesmo que o veículo de nhecimento superior dos mercados e tecnologias, seu
investimento seja financiado e especificamente conce- balanço sólido e sua capacidade para ser um investidor
bido para satisfazer os objetivos de uma única empresa paciente. Além disso, a marca de uma empresa pode si-
investidora. Ela também exclui os investimentos que nalizar a qualidade da start-up para outros investidores
se enquadram na rubrica mais genérica de “empreen- e potenciais clientes, acabando por recompensar o in-
dedorismo corporativo” – como o financiamento de vestidor original. Por exemplo, a Dell Ventures, a ope-
novos empreendimentos internos que, embora distin- ração interna de capital de risco da Dell Computer, fez
tos do negócio central de uma empresa e detentores muitos investimentos em internet dos quais esperava
de alguma autonomia, permanecem legalmente como obter retornos atraentes. Embora a empresa espere que
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-7     395

os investimentos venham a ajudar o crescimento do seu da vida, comunicação sem fio e comunicação óptica
próprio negócio, a lógica principal dos investimentos – que ela identificou como fundamentais para o seu
tem sido a possibilidade de altos retornos financeiros. crescimento. O braço de capital de risco trabalha em
A segunda característica definidora dos investimen- estreita colaboração com os negócios atuais da empresa
tos de capital de risco corporativo é o grau com que as para compartilhar informações, qualificar oportunida-
empresas na carteira de investimentos estão ligadas às des de investimento e conectar empresas da carteira de
capacitações operacionais atuais das empresas investi- investimentos com as próprias iniciativas da Agilent.
doras – ou seja, seus recursos e processos. Por exemplo, Por exemplo, recentemente a Agilent investiu em uma
uma start-up com fortes ligações com a empresa inves- empresa start-up que produz dispositivos de comunica-
tidora poderia utilizar as instalações de manufatura des- ção sem fio por radiofrequência, uma área de produto
ta, os canais de distribuição, a tecnologia ou a marca. que a Agilent planeja explorar em seu próprio negócio.
Ela poderia adotar as práticas comerciais da empresa Se esse investimento for bem-sucedido, o futuro negó-
investidora para criar, vender ou manter seus produtos. cio da Agilent irá se beneficiar; se fracassar, a empresa
Algumas vezes, é claro, os próprios recursos e pro- obterá um valioso alerta sobre como evitar armadilhas
cessos de uma empresa podem tornar-se passivos em desse tipo de negócio.
vez de ativos, particularmente quando ela se depara com De modo semelhante, a Microsoft destinou mais de
novos mercados ou tecnologias disruptivas.1 Um em- US$ 1 bilhão a ser investido em empresas start-up que
preendimento externo pode oferecer à empresa inves- poderiam contribuir para o avanço da sua nova arquite-
tidora a oportunidade de criar ativos novos e diferentes tura de serviços de internet, “.Net”. Essa tecnologia da
– ativos que poderiam ameaçar a viabilidade dos ativos Microsoft – que capacitará sua plataforma Windows a
corporativos atuais. Abrigar esses ativos em uma enti- oferecer uma variedade de serviços de internet – é um
dade legalmente separada pode isolá-los dos esforços concorrente para estabelecer os padrões da próxima
internos e miná-los. Se o empreendimento e seus pro- geração de produtos e serviços por meio da internet.
cessos vão bem, então a empresa pode avaliar se e como A Microsoft está financiando empresas start-up que
explorarão a sua arquitetura e, ao fazê-lo, promove-
adaptar seus próprios processos para que sejam mais pa-
rão a adoção do padrão Microsoft sobre as abordagens
recidos com os da start-up. Em casos raros, a empresa
rivais da Sun Microsystems e da IBM. As start-ups
pode até mesmo decidir adquirir o empreendimento.
são intimamente ligadas às operações da Microsoft por
meio do software Windows e das ferramentas que a
QUATRO MANEIRAS DE INVESTIR empresa lhes fornece para o desenvolvimento dos seus
Claramente, nenhuma destas duas dimensões do inves- próprios produtos.
timento corporativo – estratégico versus financeiro e O valor estratégico dos investimentos .Net da Microsoft
intimamente ligado versus pouco ligado – é uma pro- é realçado pela decisão da empresa de fazê-los à sombra
posição do tipo “ou isto ou aquilo” . A maioria dos in- das perdas anteriores de investimentos de capital de ris-
vestimentos cairá em algum lugar ao longo do espectro co. A empresa deu baixa em somas fantásticas – US$ 980
entre os dois polos de cada par de atributos. Além disso, milhões só no terceiro trimestre de 2000 – em sua car-
a sobreposição das duas dimensões cria uma estrutura teira de capital de risco corporativo. No entanto, em vez
útil para ajudar uma empresa a avaliar seus investimen- de recuar, a Microsoft está seguindo adiante com novos
investimentos .Net. Como eles podem ajudar a empresa
tos de capital de risco atuais e potenciais (ver Figura 1).
a vencer a batalha sobre o padrão dos próximos servi-
Investimentos direcionadores ços de internet – uma importante vitória estratégica –,
ela está disposta a correr o risco de perdas financeiras
Esse tipo de investimento caracteriza-se por uma lógi-
substanciais.
ca estratégica e fortes ligações entre uma start-up e as Embora esteja claro que muitos investimentos dire-
operações de uma empresa investidora. Por exemplo, a cionadores possam favorecer uma estratégia corporati-
Agilent Technologies criou uma operação de capital de va, existem limites para o que eles podem realizar. A es-
risco para investir em três áreas estratégicas – ciências treita vinculação desses investimentos com os processos
atuais de uma empresa significa que esses investimen-
tos sustentarão a estratégia atual. É improvável que eles
1
Ver Dorothy Leonard-Barton, “Core Capabilities and Core Rigidities:
A Paradox in Managing New Product Development”, Strategic
venham a ajudar uma empresa a lidar com estratégias
Management Journal, summer 1992, para obter uma discussão de disruptivas ou a identificar novas oportunidades quando
como os ativos da empresa tornam-se passivos. Para uma introdução às a empresa deve ir além das suas capacidades atuais para
tecnologias disruptivas, ver Clayton M. Christensen, The Innovator’s
Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail (Harvard reagir a uma mudança no ambiente. Se uma empresa
Business School Press, 1997). deseja transcender suas estratégias e processos atuais,
396     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

ela não deve contar apenas com investimentos direcio- de 800 investimentos que fez na última década. Mas
nadores, os quais são adequados para essas tarefas. os críticos não percebem o sentido exato da estratégia
de investimentos da empresa. O valor estratégico para
Investimentos habilitadores Intel não reside em sua capacidade de coordenar suas
Nesse modo de investimento de capital de risco, uma operações com as empresas em sua carteira de investi-
empresa ainda faz investimentos principalmente por ra- mentos, mas, sim, no aumento da demanda pelos pró-
zões estratégicas, mas não vincula o empreendimento prios produtos da Intel gerados pelas empresas de sua
estreitamente com as suas próprias operações. A teo- carteira de investimentos. A Intel não precisa gerir de
ria é que um investimento bem-sucedido habilitará o perto cada um dos investimentos porque ela investe jun-
próprio negócio de uma empresa a se beneficiar, mas to com as empresas de capital de risco, que direcionam
que uma forte ligação operacional entre a start-up e a o crescimento dos empreendimentos e monitoram seu
empresa não é necessária para se perceber o benefício. desempenho.
Isso pode parecer bom demais para ser verdade. Como a A própria Intel pode ter contribuído para a confusão
estratégia de uma empresa pode se beneficiar se as suas sobre a sua lógica de investimentos ao divulgar ampla-
operações não têm uma ligação forte com o empreendi- mente os retornos financeiros que obteve nos últimos
mento? Uma resposta reside na noção de complementa- anos. Na verdade, os retornos elevados foram secun-
ridade: ter um produto faz com que uma pessoa queira
dários aos objetivos estratégicos da Intel, meramente
outro. Uma empresa pode tirar vantagem disso usando
tornando os investimentos da empresa mais acessíveis.
seus investimentos de capital de risco para estimular o
Os benefícios estratégicos desses investimentos habi-
desenvolvimento do ecossistema no qual atua – ou seja,
litadores impulsionaram a Intel a continuar com esse
os fornecedores, clientes e desenvolvedores de terceiros
tipo de financiamento, a despeito das suas recentes
que produzem bens e serviços que estimulam a deman-
da das próprias ofertas da empresa. perdas de investimento, assim como os benefícios es-
A Intel Capital, o braço de investimentos da gigan- tratégicos dos investimentos direcionadores ajudam a
te dos semicondutores, é um exemplo paradigmático compensar as recentes perdas da Microsoft. (Note que
de uma empresa que faz investimentos habilitadores. nem todos os investimentos de capital de risco da Intel
De volta ao início dos anos 1990, muito antes de o ca- seriam caracterizados como habilitadores. Alguns são
pital de risco corporativo estar na moda, a Intel perce- claramente investimentos direcionadores, incluindo os
beu que poderia se beneficiar ao investir nas start-ups que a empresa fez em outras empresas da sua cadeia
criando produtos complementares: a demanda por es- de suprimentos, e, como veremos adiante, outros inves-
ses produtos pode induzir o aumento da demanda dos timentos da Intel enquadram-se em outra categoria da
próprios produtos de microprocessador da Intel. En- nossa estrutura.)
tão, a empresa investiu em centenas de empresas cujos Os investimentos feitos pela nova unidade de ca-
produtos, como vídeo, áudio e hardware e software pital de risco da Merck ilustram um outro tipo de in-
gráficos, exigiam microprocessadores cada vez mais vestimento habilitador. Em vez de aumentar a demanda
poderosos dentro dos computadores em que opera- pelos produtos da Merck, os investimentos são conce-
vam, estimulando assim as vendas dos chips Pentium bidos para apoiar as tecnologias que poderiam aumen-
da Intel. Enquanto os investimentos de capital corpo- tar a sua rentabilidade ao racionalizar a forma como
rativo da Microsoft nas start-ups buscam estabelecer fazem negócio. Por exemplo, a Merck investiu em em-
um novo padrão, no caso da Intel os investimentos presas start-up que desenvolvem maneiras de reduzir o
destinam-se principalmente a aumentar suas receitas, tempo necessário para recrutar os pacientes adequados
impulsionando as vendas dentro do padrão atual de para os ensaios clínicos de novos fármacos. A relação
sistema operacional Wintel.* da Merck com as start-ups é a de um investidor e um
A enorme carteira de investimentos de capital de ris- cliente. Entretanto, se esses empreendimentos tiverem
co da Intel Capital tem sido objeto de algum escárnio. êxito, a Merck será capaz de usar seus métodos para
Os críticos acusam que a Intel adota o “investimento passar os fármacos mais rapidamente por meio dos
feito às pressas“ e argumentam que a empresa possivel- ensaios clínicos necessários para obter a aprovação da
mente não consegue coordenar com suas próprias ope- FDA, deixando mais tempo para comercializar o fár-
rações ou até mesmo monitorar com eficiência os mais
maco antes que a sua patente expire. A empresa estima
que a aceleração do processo de recrutamento de pa-
cientes poderia, no final das contas, adicionar milhões
N. de T.: Acrônimo para a plataforma que consiste no sistema operacional
* de dólares por mês ao resultado final da Merck. Mais
Windows (Microsoft) e nos processadores da Intel. uma vez, a Merck não precisa usufruir de um alto re-
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-7     397

Figura 1 Mapeamento de seus investimentos de capital de risco corporativo

Combinar uma avaliação do objetivo corporativo de sua empresa – estratégico ou financeiro – com uma análise do grau de relação –
forte ou fraca – entre a sua operação e uma start-up que esteja recebendo o seu financiamento revela os quatro tipos de objetivos dos
investimentos de capital de risco corporativo.

Objetivo do investimento corporativo


estratégico financeiro

forte Direcionador Emergente


promove o progresso da permite a exploração de
Ligação com estratégia do negócio atual novos negócios em potencial
a capacitação
operacional Habilitador Passivo
complementa a estratégia proporciona apenas
fraca do negócio atual retornos financeiros

torno financeiro sobre esses investimentos para realizar aparente tiver um potencial, a empresa investidora pode-
seus benefícios estratégicos. rá optar pela mudança de seu curso.
Entretanto, os investimentos habilitadores também Assim, enquanto os benefícios imediatos, se hou-
têm suas limitações. Esses veículos serão justificados ver, de tais investimentos são financeiros, o retorno
apenas se puderem capturar uma porção substancial do final pode resultar do exercício da opção estratégica.
crescimento do mercado que estimulam. Quando a In- Nesse sentido, os investimentos emergentes comple-
tel desenvolve o seu ecossistema, ela também está de- mentam os benefícios dos investimentos direcionado-
senvolvendo o mercado para os concorrentes como a res que são concebidos apenas para continuar a estra-
Advanced Micro Devices. Como a posição de mercado tégia atual da empresa.
da Intel é forte, ela pode esperar capturar a maioria do Uma forte ligação operacional entre uma empresa
aumento da demanda no mercado. Por sua vez, a rival e sua start-up pode assumir várias formas. Pode signi-
menor da Intel, a AMD, não poderia arcar com a criação ficar o compartilhamento de tecnologia, como ocorreu
da demanda de uma maneira similar porque não captu- com as spin-offs da Lucent Technologies. (Ver o Qua-
raria uma porção suficiente do aumento que justificasse dro 1: “A Lucent reduz o risco de suas apostas”). Às
seus investimentos. vezes, a Lucent também compartilha as instalações de
manufatura e os canais de vendas com os empreendi-
Investimentos emergentes mentos recém-independentes, aumentando a eficiência
Uma empresa faz esse tipo de investimento nas start-ups das suas próprias operações de manufatura e distribui-
que possuem ligações fortes com as suas capacitações ção ao permitir que elas funcionem em uma capacidade
operacionais, mas que oferecem pouco para melhorar mais elevada.
sua estratégica atual. Todavia, se o ambiente de negó- As ligações podem ainda assumir a forma de uso do
cios ou a estratégia de uma empresa mudar, esse novo produto. Em 1997, a Intel investiu em uma start-up cha-
empreendimento poderá tornar-se estrategicamente va- mada Berkeley Networks, que usava processadores da
lioso de maneira súbita, o que lhe dá uma opção de lucro Intel para produzir comutadores e roteadores de baixo
estratégico além de qualquer retorno financeiro gerado. custo para redes de comunicação – um novo mercado
Por exemplo, uma empresa pode sentir a oportunidade para os produtos Intel. Na época, a Intel estava satisfeita
em uma “lacuna” estratégica – um novo mercado com em ver seus produtos usados de uma maneira um tanto
um novo conjunto de clientes. Explorar o potencial de diferente. Entretanto, com a pouca probabilidade de o
um mercado como esse muitas vezes é difícil para uma negócio da Berkeley criar muita demanda incremental
empresa focada em atender o seu mercado atual. Investir para seus produtos e nenhum lucro estratégico aparente
em uma start-up com disposição e capacidade para entrar para si, a Intel encarou o investimento como principal-
nesse território desconhecido, vendendo produtos de ver- mente financeiro.
dade para clientes de verdade, fornece informações que Conforme a Intel realizou a devida diligência em
jamais poderiam ser recolhidas com base em questões seus investimentos, ela começou a enxergar os con-
hipotéticas de uma pesquisa de mercado. Se o mercado tornos de uma possível mudança de estratégia que
398     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Quadro 1
A Lucente reduz o risco de suas apostas
Um bom exemplo de estratégia de investimento emergente – mercado mudou ou porque a tecnologia evoluiu mais do que
na qual uma empresa investe em start-ups externas intima- se esperava. Um desses spin-offs é a Lucent Digital vídeo, que
mente ligadas às suas capacitações operacionais, mas não à criava conversores de analógico para digital que permitiam o
sua estratégia atual – é quando uma empresa coloca dinheiro conteúdo de áudio e vídeo a transitar em redes analógicas.
em uma tecnologia que ela realmente desenvolveu. O papel do Depois de o New Ventures Group desmembrar esses negó-
Lucent New Ventures Group (separado do braço de capital de cios, a Lucent começou a ganhar novos negócios vendendo
risco externo da Lucent, Lucent Venture Partners) é identificar seu próprio equipamento em combinação com os produtos da
tecnologias subutilizadas dentro da empresa e desmembrar os nova empresa. Logo ficou claro que a tecnologia digital traria
mais promissores, como empresas start-ups independentes um crescimento significativo para a Lucent, então ela optou por
(chamadas aqui de spin-offs). Depois, a Lucent investe nessas readquirir a empresa. Se o New Ventures Group não tivesse
empresas, tipicamente por conta própria na primeira rodada criado e financiado esse spin-off, esse beneficio estratégico
de financiamento, mas com outros investidores mais tarde. fundamental não teria se tornado aparente.
A empresa busca principalmente um retorno rentável sobre É por isso que o New Ventures Group força a tecnologia para
esses investimentos. Entretanto, os investimentos também fora do laboratório. Sempre que o grupo identifica uma tecnolo-
podem abrigar o potencial para importantes retornos estraté- gia candidata ao spin-off, é disparado um cronômetro dentro das
gicos futuros. unidades de negócio da Lucent. Dentro do intervalo de tempo
Na realidade, três dos mais de 30 spin-offs criados até limitado, o New Ventures Group tem a oportunidade de desmem-
agora pelo New Ventures Group foram readquiridos pela brá-lo. Assim, a tecnologia, em vez de estagnar ou morrer na
Lucent. No final das contas, essas tecnologias foram consi- prateleira, realmente é utilizada – em um novo empreendimento,
deradas estrategicamente valiosas para a empresa porque o se não em uma das unidades de negócio da Lucent.

poderia resultar no uso generalizado dos seus produ- derança é uma maneira de impor disciplina financeira
tos em comutadores de rede. Inicialmente, essa visão ao processo.
foi controversa dentro da empresa: na época, o negó-
cio de comunicações da Intel estava concentrado na Investimentos passivos
criação de produtos (por exemplo, placas de interface Nesse modo de investimento de capital de risco, os em-
de rede para redes com base em PC) que eram compa- preendimentos não são conectados com a própria estra-
tíveis com o padrão de rede Ethernet predominante. tégia da empresa e são apenas ligeiramente associados
Como a abordagem da Berkeley concorria com esse às suas capacitações operacionais. Consequentemente,
padrão, a Intel teve que ponderar os benefícios de a empresa não tem os meios para fazer o seu próprio
promover uma nova arquitetura de rede que usava os negócio progredir ativamente por meio desses investi-
produtos Pentium centrais da Intel contra a ameaça mentos e, independentemente da percepção de algumas
que a arquitetura inspirada na Berkeley apresentava empresas que usufruem de conhecimento tecnológico
para as redes Ethernet. Depois de algumas discordân- ou de mercado que lhes confere vantagens sobre os
cias internas nítidas – e depois que o valor das Redes demais investidores, a direção do capital de risco cor-
porativo sugere o contrário. Portanto, no investimento
Berkley começou a crescer –, a Intel decidiu adaptar
passivo, uma empresa é apenas um outro investidor su-
sua estratégia para perseguir essa oportunidade, o
jeito aos caprichos dos retornos financeiros no mercado
que culminou na arquitetura Intel Internet Exchange,
de participações privadas. Na realidade, esse tipo de
lançada em 1999. O investimento nas Redes Berke-
investimento é sem dúvida uma má utilização dos fun-
ley ajudou a Intel a identificar uma oportunidade pro- dos dos acionistas. (Para uma discussão mais completa,
missora mais rapidamente do que poderia ter feito de ver o Quadro 2: “A empresa como administradora de
uma maneira diferente. investimentos”.)
Naturalmente, muitas opções nunca passam a ter Por exemplo, a Dell Ventures despejou dinheiro
valor e muitos investimentos emergentes nunca serão em empreendimentos que tinham apenas conexões
importantes para a estratégia de uma organização. É tangenciais com a sua própria estratégia. Sim, esses
importante deixar essas opções caducarem e se con- empreendimentos teriam aumentado a demanda por
tentar com quaisquer retornos financeiros que sejam computadores pessoais e servidores se tivessem sido
obtidos. Por isso, gerir esses investimentos requer o bem-sucedidos, mas a participação de mercado da Dell
equilíbrio entre a disciplina financeira e o potencial não era suficientemente alta para permitir que ela captu-
estratégico. Muitas empresas erram quando colocam rasse grande parte do ganho proveniente desse aumento
dinheiro bom em cima de dinheiro ruim. Fazer parce- na demanda. Quando o valor dos seus investimentos
rias com fundos de capital de risco e seguir a sua li- desmoronou no último ano, não restou nenhum bene-
SEÇÃO 1 – FONTES DE TECNOLOGIA INTERNAS E EXTERNAS | Artigo 3-7     399

Quadro 2
A empresa como administradora de investimentos
Nos anos 1960 e 1970, uma prática corporativa recomen- mentos são dissociados da estratégia da empresa e de suas
dada envolvia identificar oportunidades de diversificação a fim capacitações operacionais, sendo justificados, em grande parte,
de solucionar a volatilidade de receitas e lucros. As empresas pela perspectiva de ganhos financeiros. Entretanto, os acionis-
pensaram que essa prática seria atraente para os acionistas e tas têm inúmeras outras maneiras de investir nas empresas em
que com isso obteriam maiores preços das ações. No entanto, estágio inicial e podem buscar tais perspectivas de ganho por
a teoria moderna do portfólio financeiro apontou uma falha contra própria, sem o auxílio de um programa de capital de risco
fundamental nesse pensamento: os acionistas podiam diver- corporativo. As empresas conseguem justificar seus investimen-
sificar seus próprios portfólios e não precisavam das empre- tos de capital de risco se eles agregarem valor aos seus acio-
sas para fazê-lo. Na realidade, tal diversificação não é mais nistas de maneiras que os próprios acionistas não conseguiriam
vista como um benefício positivo para os acionistas, e muitos sozinhos. Embora as empresas possam argumentar que seus
conglomerados negociam um desconto de diversificação em negócios centrais lhes conferem um conhecimento superior das
vez de um prêmio. tecnologias e mercados e, portanto, vantagens sobre os outros
Uma situação similar surge no que chamamos de inves- investidores na identificação de start-ups propensas a gerar
timento passivo de capital de risco corporativo. Esses investi- retornos financeiros saudáveis, há poucas provas disso.

ficio estratégico em potencial – como teria sido o caso potencial para afetar positivamente o próprio negócio
com um investimento emergente – para compensar as da empresa. Como sugerem as decisões das empresas
perdas financeiras. como a Microsoft, uma diminuição na taxa de retorno
dos investimentos de capital de risco não deve minar
a razão de ser.
INVESTIMENTOS PARA TODAS AS ÉPOCAS
Portanto, embora os investimentos de capital de
Visto sob essa ótica, não é de surpreender que os in- risco corporativo tenham gerado retornos financei-
vestidores de capital de risco corporativo, muitos dos ros decididamente irregulares, eles não devem ser
quais enquadrados na descrição de investidores pas- julgados basicamente por esse fato. Eles devem ser
sivos, tendem a liderar as saídas quando os mercados considerados maneiras importantes para uma empre-
declinam. De modo similar, os investimentos emer- sa fomentar o crescimento do seu negócio. Os inves-
gentes são mais adequados quando a economia está timentos direcionadores, habilitadores e emergentes
em efervescência e a probabilidade de resultados fi- podem, de formas diferentes, fomentar o crescimen-
nanceiros sólidos compensa a incerteza de qualquer to dos negócios atuais de uma empresa; os investi-
benefício estratégico. mentos emergentes podem identificar e estimular o
Por sua vez, os investimentos habilitadores e dire- crescimento de futuros negócios. (A Figura 2 mostra
cionadores têm mais poder de permanência. Na ver- seis maneiras de implementar os diferentes tipos de
dade, os investimentos habilitadores podem recuar um investimento de capital de risco corporativo de forma
pouco nos períodos difíceis. Quando os retornos finan- a gerarem crescimento.)
ceiros caem, os investimentos habilitadores tornam-se Independentemente de o crescimento ser desejado
mais caros e, assim, menos atraentes quando compara- em negócios atuais ou futuros, uma empresa precisa ter
dos com outros mecanismos de desenvolvimento em- uma visão clara de sua estratégia e de suas capacita-
presarial mais convencionais – como as despesas com ções operacionais. Ela precisa da disciplina para criar
publicidade ou promoção – que uma empresa pode sua carteira de investimentos com esses parâmetros em
utilizar para dar continuidade à sua estratégia. Porém, mente e deve gerir seus investimentos para capturar os
como indicam as decisões de empresas como Intel e benefícios estratégicos latentes em sua carteira, em vez
Merck, os investimentos habilitadores podem abrigar de financiar a promessa evanescente de altos retornos
benefícios de longo prazo. financeiros no mercado de capital de risco. Se seguirem
O baixo retorno financeiro deve ter pouco im- esses preceitos, os investimentos de capital de risco de
pacto sobre os investimentos direcionadores. Afinal uma empresa sobreviverão durante as crises gerais no
de contas, esses investimentos não se justificam por investimento de capital de risco e, no fim das contas,
seus retornos financeiros, mas, sim, pelo seu grande gerarão valioso crescimento para seus acionistas.
400     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Caminhos para o crescimento

Os investimentos de uma corporação em empresas start-ups externas podem promover o seu próprio crescimento em uma série de
frentes estratégicas.

Crescimento do nosso negócio atual

Investimento Tipo Exemplo


Promover um Nas start-ups que criam produtos e serviços que Direcionador Investimento da Microsoft em empresas que
padrão promovem a adoção de um padrão tecnológico apoiam a .Net, sua arquitetura de serviços por
que você possui ou que está apoiando meio da internet
Estimular a Nas start-ups que estão desenvolvendo produtos Habilitador Investimento da Intel em empresas cujos
demanda e serviços complementares que aumentam a produtos exigem seu processador Pentium
demanda para os seus próprios produtos e serviços
Alavancar a Nas empresas que você desmembrou a fim de Emergente Investimento da Lucent em empresas criadas
tecnologia comercializar uma tecnologia não utilizada e não em torno de uma tecnologia que ela considera
subutilizada estratégica um desajuste com a sua estratégia atual

Crescimento do seu futuro negócio

Investimento Tipo Exemplo


Experimentar Nos empreendimentos que desenvolvem Emergente Investimento da Cisco nas tecnologias e
as novas novos processos de negócio interessantes não comunicação que depois ela adquire e
capacitações relacionados ou possivelmente em conflito com os implementa internamente
seus atuais processos
Desenvolver Nas empresas que desenvolvem tecnologias Emergente Investimento da Intel em uma empresa que
uma tecnologia alternativas, como proteção contra a direção atual desenvolve uma tecnologia de rede que poderia
alternativa da sua tecnologia suplantar uma outra da qual a Intel participa
Explorar Nas empresas que atendem clientes em novos Emergente Investimento da Panasonic nas start-ups
a lacuna mercados, proporcionando assim um indicador do que buscam a convergência da computação
estratégica potencial desses mercados doméstica com o entretenimento
2
A NOVA
TECNOLOGIA
RELACIONADA ÀS
NECESSIDADES
sEÇÃO ORIGINAIS DO
CLIENTE

A rtigo 3 - 8 QUEM SÃO OS USUÁRIOS DE PONTA?


A maior parte das pessoas está familiarizada com o con-
Nota sobre a pesquisa com ceito de usuário de ponta em um nível intuitivo. Muitos
usuários de ponta*1 produtos foram desenvolvidos, no final das contas, por
usuários de ponta. O protótipo dos condicionadores de
Stefan Thomke e Ashok Nimgade
cabelo à base de proteína, por exemplo, veio de mulhe-
res ousadas dos anos 1950 que fizeram experimentos
Jim Sanchez, um gestor da Bose Speakers Professional
com preparações caseiras contendo cerveja ou ovos
Products, encarregado do desenvolvimento de novos para conferir mais corpo e brilho. Produtos de consu-
produtos, ficou surpreso com a alta qualidade da mú- mo familiares, como o Gatorade, a casca do biscoito
sica ambiente que ouviu quando caminhava próximo a salgado, o sutiã para esportes, as mountain bikes e as
uma cadeia de lojas de CD em Boston. Ao investigar, pranchas de surfe, vieram todos de ideias e inovações
descobriu que o gerente de uma das lojas havia com- dos consumidores.
prado várias caixas acústicas Bose projetadas para uso Para qualquer mercado ou produto, quase sempre
doméstico e pediu que os eletricistas as instalassem haverá indivíduos que sentem necessidades além dos
“de qualquer maneira”. Naquele momento, no final dos demais usuários. Uma noção intuitiva dos usuários de
anos 1980, nenhuma das caixas acústicas disponíveis ponta com base nesses exemplos, porém, pode ser equi-
era projetada para ser montada no alto, mas um eletri- vocada. Os usuários de ponta não são necessariamente
cista as envolveu com tiras metálicas e as suspendeu “líderes de opinião” reconhecidos em uma área. Em vez
acima das cabeças das pessoas – não necessariamente disso, eles lideram no que diz respeito às aplicações de
com segurança. Sanchez voltou para o escritório com ponta de importantes tendências técnicas e de mercado.
fotografias Polaroide de algumas das instalações impro- Geralmente, eles sentem necessidades à frente do seg-
visadas. Os engenheiros da Bose rapidamente criaram mento de mercado em que atuam (ver Figura 1). Exis-
protótipos que foram levados de volta para as lojas de tem três tipos de usuários de ponta:
CD para mais testes. Essa descoberta proveitosa de uma 1. Usuários de ponta na aplicação-alvo, como aqueles que
necessidade do “usuário de ponta” levou a Bose a ser realmente fizeram experimentos com desenvolvimento
a pioneira nas caixas acústicas de alta fidelidade para o de protótipos. O exemplo da cadeia de lojas de CD ilus-
mercado de música ambiente.2 tra bem esse grupo de usuários.
2. Usuários de ponta em mercados análogos – ou seja,
em áreas com aplicações semelhantes. Por exemplo,
*
Fonte: Copyright © 1998 da Harvard College. O professor Stefan uma empresa de cuidados com a saúde interessada em
Thomke e pesquisador associado Ashok Nimgade, M.D., prepararam este produtos de controle antibacteriano para seres huma-
caso como base para discussão em classe, e não para ilustrar a efetividade
(ou não efetividade) presente em uma situação administrativa.
nos poderia realmente encontrar um usuário de ponta
1
Grande parte das informações é proveniente de E. von Hippel, J. na veterinária.
Churchill, M. Sonnack, Breakthrough Products and Services with Lead 3. Usuários de ponta envolvidos com atributos mais impor-
User Research (Cambridge, Mass., and Minneapolis, Minn,: Lead User
Concepts, Inc.; 1998, from Oxford University Press). tantes dos problemas enfrentados pelos usuários no mer-
2
Para o relato completo desse exemplo, ver Hippel et al., pp. 1:20-1:21. cado-alvo. Por exemplo, uma empresa de refrigeração
402     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Posição do usuário de ponta em relação duto que, em condições ideais, serão mais importantes
ao mercado
para os clientes vários anos mais tarde.
CARACTERÍSTICAS DOS USUÁRIOS DE PONTA Vários estudos ajudaram a corroborar a utilidade
1. Os usuários de ponta têm novas necessidades de produ- dos métodos do Usuário de Ponta em cenários que va-
tos ou serviços que serão comuns no mercado, mas riam do cuidado com a saúde às telecomunicações ou
deparam com elas meses ou anos antes de a maioria do aos alimentos. Com a crescente experiência na metodo-
mercado encontrá-las.
2. Os usuários de ponta esperam beneficiar-se signifi- logia do Usuário de Ponta, seus benefícios e desafios
cativamente por encontrarem uma solução para suas tornaram-se mais aparentes ao longo do tempo. Os be-
necessidades. Como resultado, muitas vezes eles próp- nefícios específicos dos métodos de Usuário de Ponta
rios desenvolvem novos produtos ou serviços porque incluem:
não podem ou não querem esperar até que estejam dis-
poníveis comercialmente. • Acesso a informações mais ricas e confiáveis sobre as
3. Os usuários de ponta não são a mesma coisa que necessidades emergentes dos clientes que podem ser
os “adotantes iniciais” – usuários que estão entre os
primeiros a comprar um produto ou serviço existente
fornecidas por meio da pesquisa de mercado tradicional.
(ver figura abaixo). Os usuários de ponta deparam com Os métodos do Usuário de Ponta, no entanto, comple-
necessidades de produtos e serviços que não existem mentam e não substituem a necessidade da pesquisa de
no mercado. mercado tradicional.
• Desenvolvimento de conceitos de produtos e serviços
melhores, já que são provenientes de dados melhores
sobre as prováveis necessidades dos clientes.
Usuários
Usuários
de ponta
rotineiros • Aceleração do processo de desenvolvimento de produ-
Adeptos tos e serviços.
iniciais Retardatários
Tempo Também existem desafios específicos para utilizar
com êxito a metodologia do Usuário de Ponta. Entre
pode encontrar usuários de ponta da indústria de su- eles, temos:
percomputadores, onde a tecnologia de refrigeração • Dificuldade em prever o caminho do início ao fim. Por
exerce um papel importante no funcionamento dos causa das reviravoltas que ocorrem nos projetos, o cami-
computadores. nho definitivo a ser seguido pode não ser perceptível
sem o benefício da visão retrospectiva. Por esse motivo,
Obviamente, uma quantidade abundante de infor- em certas fases, os financiadores e superiores divisionais
mações pertinentes ao desenvolvimento de produtos re- podem ficar apreensivos.
side nos usuários de ponta. Entretanto, encontrar essas • O alto nível de comprometimento necessário em ter-
pessoas geralmente não é fácil. Pesquisas casuais nem mos de qualidade e quantidade de recursos humanos.
sempre conseguem identificá-los. Os usuários de ponta Um estudo indica que a gestão nas principais empresas
adequados habitam locais inexplorados e são difíceis de dos Estados Unidos compromete apenas uma pequena
encontrar por aí. Mesmo que se encontre alguém com parcela do orçamento de inovação para a pesquisa ini-
o conhecimento técnico necessário, talvez ele não seja cial do mercado e para o desenvolvimento de conceitos.3
o melhor comunicador. Pode-se terminar diante de um Na maioria das empresas, a tendência é encarar o traba-
filão sem qualquer ideia de como extrair algo de valor. lho realmente importante como aquele que começa no
desenvolvimento formal de produtos e processos.
• Dificuldades na avaliação da participação de qualquer
METODOLOGIA DE PESQUISA DO USUÁRIO indivíduo em um esforço com base em equipe, o que
DE PONTA pode ser problemático para a avaliação de royalties ou
A pesquisa do Usuário de Ponta, cujo pioneiro foi o promoções.
professor Eric von Hippel do Massachusetts Institute
of Technology (MIT), fornece um meio de prever com UM ESTUDO COM USUÁRIOS DE PONTA
precisão as oportunidades de mercado, aproveitando
Nos anos 1980, uma grande empresa do setor de alimen-
sistematicamente a base de conhecimentos e experiên-
tos identificou duas tendências que se cruzavam e que
cia dos usuários de ponta. O método do Usuário de Pon- pareciam as mais promissoras para o desenvolvimento
ta, desenvolvido por von Hippel, conjuntamente com a de um lanche novo: um crescente interesse do público
cientista e consultora interna da 3M, Mary Sonnack e
com o psicólogo organizacional Joan Churchill, permi-
te que o desenvolvimento de novos produtos surja de 3
R. G. Cooper, Winning at New Products (Reading, Mass.: Addison-
uma compreensão sensível das características do pro- -Wesley Publishing Company, 1994).
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-8     403

por alimentos saudáveis e um interesse pelo atletismo nos em vez de uma equipe interna para realizar o estudo
amador ou de “final de semana”. Com esse conhecimen- inteiro.) Inicialmente, a equipe deve fazer o seu dever
to, eles recorreram à ajuda do professor von Hippel. As- de casa e desenvolver uma familiaridade com o assun-
sim, foi lançado o projeto “Lanche Olímpico”, um dos to. Depois disso, o estudo concentra-se em aproveitar o
primeiros estudos realizados com Usuários de Ponta. conhecimento inédito que reside nos usuários de ponta
Eric von Hippel e o consultor de empresas Lee e nos especialistas. Manter os seminários com usuários
Meadows lançaram um estudo com Usuários de Ponta de ponta até o final do estudo permite à empresa captu-
com o objetivo de desenvolver lanches novos e saudá- rar o que se tem de melhor em termos de conhecimento
veis que contribuiriam para o desempenho esportivo. vivo do assunto em questão para o desenvolvimento
Os dois começaram o estudo fazendo uma triagem nas do produto em particular. O processo inteiro, enquan-
revistas de esportes voltadas para atletas amadores to conduzido de maneira rigorosa, salienta a validade
que levavam o esporte a sério, bem como em artigos qualitativa sobre a confiabilidade estatística – já que um
de pesquisa sobre nutrição esportiva. Em suas leituras, trabalho limitado a quantificações faz muitos pesquisa-
acharam evidências sólidas que ligavam alguns tipos dores de mercado se sentirem desconfortáveis.
de lanches à melhoria do desempenho durante e após Os projetos com Usuários de Ponta conduzidos den-
os eventos esportivos. Satisfeitos por constatarem que tro das empresas podem levar cinco ou seis meses, mas
o projeto era viável, realizaram, em seguida, entrevis- ficam mais rápidos com a experiência. Durante esse pe-
tas por telefone com atletas da elite, incluindo atletas ríodo, os membros da equipe corporativa despenderam
olímpicos, tecnologistas proeminentes e cientistas de de 12 a 15 horas por semana – ou aproximadamente um
nutrição. Por meio dessas entrevistas, eles identificaram terço do seu tempo – no projeto durante toda a sua dura-
um pequeno grupo de usuários de ponta inovadores que ção. Esse alto nível de imersão alimenta o pensamento
poderiam contribuir para o desenvolvimento do “Lan- criativo e sustenta a dinâmica do projeto. A experiência
che Olímpico”. Esses usuários de ponta incluíam um tem demonstrado que os níveis de comprometimento
levantador de peso campeão nacional, um cientista de mais baixos tendem a fazer com que os projetos nunca
nutrição que havia trabalhado com um grupo de comba- sejam concluídos de fato e também impedem as tentati-
te da elite da Marinha e um ciclista profissional. vas de se descobrir o que a equipe omitiu.
Tornou-se evidente que o conhecimento sobre ali- Como se poderia imaginar, dada a necessidade de tal
mentos que melhoram o desempenho estava segmen- comprometimento, o sucesso do estudo baseia-se bas-
tado entre os nutricionistas e os atletas. Os nutricionis- tante na escolha de uma equipe central talentosa e no re-
tas eram mais bem informados sobre o que os lanches cebimento de forte apoio da gestão sênior. Tipicamente,
deveriam conter e qual deveria ser a frequência do seu uma equipe corporativa consiste em quatro a seis pes-
consumo. Eles pouco se importavam com o paladar. Os soas, incluindo os representantes dos departamentos de
atletas, por sua vez, sabiam como os lanches deveriam marketing e tecnologistas. Um ou dois membros atuam
ser formulados para o consumo fácil no meio da compe- como líderes de projeto. Esse tamanho de equipe pare-
tição. No final do estudo, para concentrarem-se nessas ce ser suficientemente grande para gerar perspectivas
duas áreas do conhecimento, von Hippel e Meadows diversas, ainda que pequeno o bastante para facilitar a
realizaram dois seminários de desenvolvimento de con- logística e a tomada de decisão rápida da equipe. Os
ceito diferentes: um deles tinha como objetivo obter membros ideais da equipe possuem um conhecimento
conhecimento dos nutricionistas e o outro destinava-se profundo e amplo relativo ao tema, mantêm-se abertos
a identificar as preferências de paladar dos atletas. O a novas abordagens e gostam de pensar criativamente.
conhecimento combinado desses dois seminários levou Na realização de um estudo com Usuários de Ponta,
ao desenvolvimento dos conceitos de uma nova linha de podem ser definidas quatro fases (ver também as Figu-
lanches saudáveis.4 ras 2 e 3). Na leitura das descrições dessas quatro fases,
A história do Lanche Olímpico ilustra como funcio- é útil refletir sobre o exemplo do Lanche Olímpico.
na a maioria dos projetos de Usuário de Ponta. Normal-
mente, a equipe começa com uma quantidade pequena Fase I: Planejamento do projeto (4-6 semanas)
a moderada de conhecimento sobre o assunto no qual Trata-se essencialmente da fase do “dever de casa”, ou
pretende trabalhar. (Note que o exemplo do Lanche exploração, na qual a equipe identifica os tipos de mer-
Olímpico é atípico por utilizar dois consultores exter- cados e os novos produtos de interesse para os quais ela
procura voltar-se. Esses mercados e produtos, é claro,
devem enquadrar-se nos objetivos comerciais funda-
4
Para um relato mais completo desse exemplo, ver E. von Hippel et
al., Breakthrough Products and Services with Lead User Research, mentais e nas limitações da empresa. A equipe também
pp. 1:16-1:17. busca definir o nível de inovação desejado. Por exem-
404     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Resumo do processo de pesquisa com usuários de ponta

FASE 1: PREPARAR-SE PARA LANÇAR O PROJETO DO USUÁRIO DE PONTA


Atividades principais da gestão
• Selecionar as novas áreas de produtos/serviços de interesse.
• Designar uma equipe de pesquisa multidisciplinar de 4 a 6 pessoas para implementar o projeto.
Atividades principais da equipe
• Refinar o foco por meio de debates com as principais partes interessadas.
• Desenvolver um plano de coleta de dados.
FASE 2: IDENTIFICAR AS TENDÊNCIAS E AS NECESSIDADES FUNDAMENTAIS DO CLIENTE
Atividades principais da equipe
• Explorar amplamente as tendências por meio de entrevistas com especialistas e da leitura da literatura comercial.
• Selecionar os mercados e as necessidades essenciais que serão o foco do desenvolvimento do conceito.
FASE 3: EXPLORAR AS NECESSIDADES E SOLUÇÕES DOS USUÁRIOS DE PONTA
Atividades principais da equipe
• Gerar conceitos de solução preliminares entrevistando os usuários de ponta e os especialistas.
• Coletar dados de mercado para um caso de negócios.
• Apresentar os dados das necessidades e as soluções preliminares para a gestão.
FASE 4: MELHORAR OS CONCEITOS DAS SOLUÇÕES COM OS USUÁRIOS DE PONTA E OS ESPECIALISTAS
Atividades principais da equipe
• Realizar workshop com duração de dois/ três dias para aprofundar o desenvolvimento de conceitos.
• Concluir conceitos e desenvolver uma proposta de novo produto ou serviço.
• Analisar resultados do projeto com gestores.
Após o workshop
• Testar o o(s) conceito(s) no(s) mercado(s)-alvo.
• Transferir o(s) conceito(s) para a comercialização.

Fonte: E. von Hippel et al., Breakthrough Products and Services with Land User Research, p. 2:21.

plo, a empresa procura um produto revolucionário ou Fase II: Identificação das tendências/
quer ampliar as linhas de produtos ou serviços atuais? necessidades (5-6 semanas)
Em um nível tático, a equipe começa a Fase I intei-
rando-se do projeto, lendo jornais comerciais, navegando Nessa fase, a equipe lança oficialmente o seu estudo
por pesquisas e dados de mercado, fazendo buscas na com Usuários de Ponta. O objetivo final é selecionar
internet ou entrevistando informalmente especialistas da uma tendência específica relacionada com a necessida-
indústria que podem incluir clientes, fornecedores e ges- de na qual se concentrar até o fim do estudo. No exem-
tores internos da empresa, para ter uma ideia das tendên- plo dos Lanches Olímpicos, por exemplo, a equipe
cias atuais e das necessidades do mercado. Em seguida, decidiu abordar duas tendências que se relacionavam,
o grupo desenvolve um plano específico para a coleta de envolvendo um interesse crescente pelos alimentos sau-
dados focado nas questões fundamentais (como as ten- dáveis e pelo esporte amador.
dências de mercado) e nos recursos fundamentais (espe-
A equipe inicia a pesquisa de tendências e merca-
cialistas adequados e literatura comercial).
do com uma revisão focada e abrangente da literatura
O desafio para a maioria dos estudos com Usuários
comercial pertinente ao projeto. Isso ajuda a dar um
de Ponta é evitar subestimar a importância dessa fase.
A base de conhecimento desenvolvida aqui renderá di- sentido ao conhecimento convencional relacionado às
videndos à frente. Segundo o consultor de processos tendências e necessidades do mercado. A experiência
de Usuários de Ponta Joan Churchill, “O processo do mostra que um seminário de quatro dias com a equipe
usuário de ponta é um processo muito disciplinado. As proporciona a melhor maneira de dar a partida nessa
equipes que buscam ‘correções rápidas’ podem acabar fase. Nos dois primeiros dias, os membros navegam
desiludidas depois que perceberem quanto estudo é ne- pelo material de leitura selecionado pela equipe duran-
cessário antes de chegar à ‘parte divertida’. As equipes te a Fase I. A cada duas ou três horas, discussões de
que atropelarem a primeira etapa, começando imediata- grupo cobrem o que os membros estão aprendendo com
mente a procurar usuários de ponta, podem fracassar”.5 a leitura.

5
Entrevista com Joan Churchill, agosto de 1998.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-8     405

FIGURA 3 Principais atividades e alocações de tempo sugeridas para a pesquisa com usuários de ponta

Fase/principais atividades Quem Tempo sugerido por atividade


Fase I: Planejamento do projeto 4-6 semanas no total
• Desenvolver um plano mestre. Planejadores de projeto 10+ horas (ao longo de 1 mês)
• Aprender sobre o mercado atual. Equipe de projeto 3-4 semanas
• Refinar mais o foco do projeto.
Fase II: Identificação das tendências/necessidades 5-6 semanas no total
• Realizar pesquisas na literatura. Membros da equipe 10+ horas por semana
• Entrevistar especialistas. Toda a equipe de projeto 1+ hora (reunião semanal)
• Interpretar/analisar dados, selecionar necessidades
específicas nas quais se concentrar.
Fase III: Geração do conceito preliminar 5-6 semanas no total
• Entrevistar usuários de ponta e especialistas. Membros da equipe 10+ horas por semana
• Reunir dados para o business case. Toda a equipe de projeto 1+ hora (reunião semanal)
• Definir novos requisitos de produtos ou serviços, gerar
conceitos.
Fase IV: Desenvolvimento do conceito final 5-6 semanas no total
• Planejar o seminário de Usuário Final. Membros da equipe 10+ horas (ao longo de duas semanas)
• Convidar os participantes. 2-3 dias (duração típica de um seminário)
• Realizar o workshop – aprimorar os conceitos com usuários 2+ semanas
de ponta/especialistas.
• Finalizar os conceitos. Toda a equipe de projeto 10+ horas (2-3 reuniões)
Encerramento do projeto 2-3 reuniões
• Avaliar os resultados do projeto. Gestão/equipe de projeto 10+ horas (2-3 reuniões)
• Planejar as próximas fases de comercialização.
Duração aproximada do projeto: 4-6 meses
(Com o aumento da experiência e membros de equipe que dediquem mais de 50% do seu tempo,
a duração de um estudo pode ser menor.)

Fonte: E. von Hippel et al. Breakthrough Products and Services with Lead User Research, p. 3:9.

Os dois próximos dias desse seminário estabe- Em três ou quatro semanas na Fase II, a equipe ge-
lecem as bases para entrevistar os usuários de pon- ralmente desenvolve uma boa compreensão das princi-
ta, bem como os especialistas em uso – indivíduos pais tendências e agora se encontra posicionada para a
que, embora não sejam necessariamente usuários de tarefa vital de tratar da necessidade do cliente que pode
ponta, possuem conhecimento relevante ao uso. Em ser resolvida por meio de um novo produto ou servi-
uma sessão de meio dia, a equipe prepara um guia ço. Esse tratamento da necessidade ocorre por meio de
de entrevista que cobre as questões fundamentais a uma série de encontros distribuídos ao longo de duas
serem exploradas com os especialistas. A equipe gas- semanas, durante os quais a equipe avalia, interpreta e
ta outra metade de um dia realizando entrevistas de combina os dados coletados nas leituras e entrevistas.
aquecimento com especialistas locais. A razão para Depois disso, geralmente as equipes levam mais
essa ênfase, como aponta Churchill, é que “parte do duas semanas para retrabalhar e refinar as ideias ini-
pessoal técnico das empresas jamais esteve diante de ciais sobre o tratamento destas à luz de mais entrevistas
um cliente e não são muitos os que possuem habili- e leituras. Isso permite à equipe concentrar-se nos dados
dade para entrevistar”.6 diretamente relacionados com o foco do projeto e des-
O processo de descoberta dos grandes especialistas prezar as informações irrelevantes.
envolve a consulta aos gurus industriais, busca na li-
teratura, busca na internet e a consulta aos colegas de Exemplo
dentro da empresa. A “rede de contatos” telefônicos Os altos executivos de uma empresa que fabricava aparelhos
auditivos concluíram que, para seus objetivos de desenvolvi-
também ajuda a identificar os especialistas adequados.
mento, uma nova linha de produtos ideal teria várias carac-
As entrevistas costumam ser feitas por telefone, mas terísticas fundamentais: geraria uma rentabilidade de US$ 1
também podem acontecer pessoalmente com determi- a US$ 5 milhões no primeiro ano e mais de US$ 20 milhões
nados especialistas portadores de informações vitais. nos anos seguintes. Além do mais, essa linha de produtos uti-
lizaria as tecnologias existentes na empresa, assim como os
seus canais de marketing. Em vez de vasculharem o mundo
em busca de produtos já existentes, os executivos da empresa
6
Ib. recorreram ao estudo do Usuário de Ponta.
406     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Para dar a partida ao projeto do usuário de ponta, 20 pessoas de oferecidos para os clientes-alvo e os aspectos fundamentais
cada um dos departamentos da empresa participaram de uma do projeto. (Lembre-se do exemplo do aparelho auditivo e
sessão de brainstorming de meio dia de duração. Dos vários de como a equipe abordou essas questões fundamentais.)
conceitos de produtos discutidos, o mais promissor foi um
A equipe busca avaliar informalmente o potencial comer-
instrumento auditivo de baixo custo e boa qualidade para abor-
dar as necessidades das pessoas na casa dos 50 anos de idade cial do produto ou serviço que está sendo conceituado.
que sofriam de perda auditiva precoce. Os produtos existentes No final da Fase III, a equipe reúne-se com os gesto-
no mercado ignoravam esse segmento da população. res responsáveis pela implementação dos conceitos de
Ao final da sessão de braistorming, a equipe idealizou a nova desenvolvimento do produto, que, em última análise,
linha de produtos como sendo de baixo custo (abaixo de surgem do projeto do Usuário de Ponta. Até agora, a
US$ 200), fácil de usar (sem necessidades de ajuste por par- equipe deve estar guarnecida com alguma evidência de
te dos usuários ou fonoaudiólogos) e com uma qualidade de verificação que as necessidades identificadas e as ideias
som significativamente melhor, sem retorno acústico ou ruído
preliminares da solução representam certamente boas
de fundo. Cada pressuposto inicial sobre um atributo do pro-
duto levava a novas perguntas sobre as quais a equipe sentia oportunidades de negócio. Isso envolve o fornecimento
que precisava aprender mais. Considere o seguinte: de dados sobre o tamanho e a rentabilidade do mercado
visado e também a análise das ofertas da concorrência
• Demografia: Um número crescente de pessoas acima dos
para ter certeza de que os conceitos preliminares ofe-
50 anos de idade sofreria de perda auditiva de branda a
moderada. Nova pergunta: Quantas dessas pessoas estão recem benefícios e valor únicos para os clientes-alvo.
realmente comprando aparelhos auditivos? Que caracterís­
ticas elas estão buscando? Fase IV: Geração do conceito final (5-6 semanas)
• Utilização do produto: A nova linha de produto atrairia as Nessa fase, a equipe conclui o conceito preliminar de-
pessoas na casa dos 50 anos preocupadas com a estética dos senvolvido na fase anterior. Na Fase IV, a atividade está
aparelhos auditivos. Nova pergunta: Quais características centralizada geralmente em torno de um seminário so-
estéticas seriam importantes para essa população de baby
bre o Usuário de Ponta de até dois ou três dias. O se-
boomers* que está envelhecendo?
• Tecnologia: Os produtos de ponta parecem cada vez mais
minário serve para preencher as lacunas nos conceitos
fáceis de usar. Nova pergunta: Que novas tecnologias em preliminares desenvolvidos na Fase III e também para
nossa área e em outras podem ajudar a criar um tipo de assegurar que todas as soluções possíveis tenham sido
aparelho auditivo fácil de usar e de “tamanho único”? exploradas. Durante o seminário, a equipe trabalha in-
Após esse exercício de enquadramento das necessidades, a
tensamente com os usuários de ponta e com os especia-
equipe estava pronta para entrar na próxima fase.7 listas para aprimorar os conceitos preliminares e fazer
os ajustes necessários.
Fase III: Geração do conceito preliminar Exemplo
(5-6 semanas) Um fabricante de ferramentas que planeja desenvolver abrasi-
Com a Fase III, a equipe começa a gerar os conceitos vos para suavizar superfícies difíceis de lixar (p. ex., corrimões,
preliminares. Primeiro, porém, o grupo deve adquirir pés de cadeiras e molduras decorativas) convidou usuários de
ponta para um seminário realizado durante a Fase IV que in-
uma compreensão mais exata da área focal. Essa com-
cluía um projetista de móveis antigos americanos, um escul-
preensão surge do processo interativo de busca de res- tor em madeira de renome internacional e um especialista em
postas para as perguntas, que, por sua, vez gera mais projeto e recondicionamento de violões. Todos esses usuários
perguntas. A equipe continua a entrevistar os especia- de ponta eram especialistas em lixar as curvas compostas na
listas em busca do conhecimento técnico pertinente à madeira (artesanalmente ou em condições industriais). Vários
geração do conceito. protótipos de projeto para produtos viáveis surgiram dessa con-
Muitas das entrevistas ocorrem no próprio local de fluência de talentos diversos.8
negócio do usuário de ponta, o que fornece informações Um seminário bem orquestrado é crucial para o su-
valiosas que o usuário de ponta pode considerar desin- cesso. Geralmente, de 15 a 18 pessoas comparecem a
teressantes ou aquelas difíceis de explicar por telefone. um seminário da Fase IV, das quais um terço é compos-
Para os conceitos gerados nessa fase, a equipe deve to pela equipe de projeto e pelas divisões técnicas ou de
começar a delinear os atributos e as características que o marketing internas. Os demais participantes são usuá-
produto ideal deveria ter, além dos benefícios e valores rios de ponta ou especialistas em uso. Embora muitos
deles possam já ter sido identificados na Fase II, talvez
seja necessária mais sondagem para encontrar pessoas
*
N. de R.T.: Baby Boom é uma definição genérica para crianças nascidas
na explosão populacional que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial,
quando houve um aumento significativo da natalidade nos Estados Unidos.
7
Para um relato mais completo desse exemplo, ver E. von Hippel et al., 8
Para um relato mais completo desse exemplo, ver E. von Hippel et al.,
Breakthrough Products and Services with Lead User Research, pp. 3:5-3:6. Breakthrough Products and Services with Lead User Research, pp. 4:18-4:19.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-8     407

com a experiência adequada. A concepção e a progra- Exemplo


mação do seminário podem consumir bem mais de um No seminário de usuários de ponta do aparelho auditivo, a
mês de planejamento. empresa patrocinadora identificou vários atributos fundamen-
tais que o produto ideal deveria ter. Isso tornou mais fácil
No início do seminário, que, em condições ideais, é pensar sobre quais usuários de ponta a empresa deveria con-
realizado em um ambiente externo agradável, as pessoas vidar para as entrevistas e para o seminário. Ao ler a lista de
tomam a palavra explicando sua experiência e seus inte- atributos desejáveis apresentada a seguir, você pode pensar
resses. Então, o grupo discute a área do problema e faz ainda em mais possíveis usuários de ponta e especialistas em
uma revisão do conhecimento existente. Como é difícil um uso do que a empresa identificou.
grupo relativamente grande de pessoas discutir um assunto
de forma eficiente, o seminário ocorre em subgrupos, com • Atributo 1 – apelo estético. Usuários de ponta/especialistas
cada um deles discutindo partes independentes do proble- identificados: especialistas em odontologia estética; fabri-
cantes de bijuterias de luxo.
ma. Pelo resto do seminário, esses pequenos grupos são • Atributo 2 – tubos de baixo custo. Usuários de ponta/espe-
formados e reformados, visando à polinização cruzada de cialistas identificados: fornecedores de tubos para equipa-
ideias e pontos de vista de maneira eficaz. mentos médicos; fabricantes/fornecedores de amplificado-
Até o fim do seminário, os diferentes subgrupos res para equipes profissionais de futebol americano.
são encarregados de gerar conceitos alternativos para • Atributo 3 – baixo retorno acústico/amplificação mínima
o produto. A rivalidade amigável entre os subgrupos dos sons indesejados. Usuários de ponta/especialistas iden-
tificados: especialistas em microcircuitos e aplicações de
promove a inventividade e até mesmo a busca por so-
tecnologia digital nos setores de vídeo e música.
luções cada vez mais novas. Depois disso, todo o gru- • Atributo 4 – facilidade de aquisição (sem a necessidade de
po se reúne para avaliar sistematicamente os conceitos exames de ouvido ou acessórios especiais). Usuários de
gerados para o produto em termos da viabilidade téc- ponta/especialistas identificados: oftalmologistas pionei-
nica, apelo de mercado e prioridades de gestão. Todo ros nas vendas de lentes de contato por meio do varejo de
o grupo chega a um consenso sobre os conceitos mais massa; grandes varejistas que vendiam óculos e ofereciam
promissores comercialmente e desenvolve recomen- exames oftalmológicos no local.
dações de etapas subsequentes para refiná-los. Aqui o Mais tarde, a equipe refina o conceito preliminar
vasto conjunto de especializações permite o feedback com base no que foi adquirido a partir do seminário
praticamente instantâneo. Segundo Rita Shor, uma de- com os usuários de ponta e os especialistas em uso que
senvolvedora de produtos da 3M que liderou um estu- compareceram ao encontro. A equipe apresenta aos
do de Usuários de Ponta para desenvolver conceitos de gestores seniores as informações sobre os produtos ou
produtos cirúrgicos: serviços propostos, fornecendo evidências sólidas so-
À medida que os conceitos no nosso seminário com Usuários bre as razões pelas quais os clientes estarão dispostos
de Ponta eram desenvolvidos, foi especialmente útil obter o a pagar por eles. Entre as ferramentas visuais consi-
feedback imediato dos cirurgiões, microbiólogos e especia- deradas úteis para esse encontro, estão os esboços dos
listas em bactérias da pele. Por causa do alto nível de espe- conceitos e os clipes de vídeo do seminário com os
cialização e da real experiência na área que os participantes Usuários de Ponta.
externos trouxeram para o seminário, o grupo gerou ideias
mais rápido e as explorou com mais profundidade do que se- Depois do projeto: testar os conceitos
ria possível nas entrevistas individuais.9
Como os usuários de ponta não são os mesmos usuários
Obviamente, a sinergia desse encontro de mentes rotineiros em um mercado-alvo, os conceitos devem ser
explica por que a maioria dos usuários de ponta e es- testados em consumidores comuns neste mercado. A na-
pecialistas em uso está abrindo mão dos direitos sobre tureza da validação necessária varia de empresa para em-
a propriedade intelectual das inovações e conceitos de presa, dependendo do que os avaliadores de conceito an-
produto que possam suceder de tais seminários. Em ge- tecipem em relação ao potencial comercial desse conceito.
ral, a maioria dos convidados percebe que, por conta Com bastante frequência, os métodos quantitativos
própria, não poderá desenvolver as inovações. Além do para avaliar produtos de rotina são pouco eficazes para
mais, muitos gostam de contribuir para as inovações, avaliar as novas funções e benefícios oferecidos pelos
mesmo que apenas por uma questão de inovar, e consi- produtos e serviços inovadores. Por essa razão, muitos
deram esses seminários intelectualmente estimulantes. gestores de projetos de Usuários de Ponta avaliam os
Para alguns convidados, trata-se de uma mudança bem- conceitos com base em pequenos grupos de usuários
-vinda de um isolamento intelectual. nos mercados-alvo e também em seu próprio julgamen-
to. Em alguns casos, porém, por questões de sigilo, al-
gumas empresas optaram por não aplicar esse teste em
9
Ib., p. 7:6. usuários de rotina.
408     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Pelo menos um membro da equipe de usuários de No mercado hipercompetitivo dos dias de hoje, as
ponta deve ajudar a conduzir o conceito de produto ou empresas que introduzem novos produtos com êxito são
serviço por meio das próximas fases de desenvolvi- mais propensas a florescer do que as que não o fazem. As
mento, para garantir que a experiência acumulada no empresas gastam bilhões de dólares criando “ratoeiras”
decorrer de todo o processo de estudo seja plenamente apenas para encontrar consumidores que as rejeitem.
implantada. Isso também ajuda a assegurar que os pro- Estudos mostram que os novos produtos fracassam a
dutos inovadores não fiquem emaranhados em uma teia uma taxa assombrosa de 40 a 90%, dependendo da ca-
de práticas “usuais de negócios”. Por exemplo, após o tegoria, e as probabilidades não mudaram muito nos
estudo do Lanche Olímpico, a empresa patrocinado- últimos 25 anos. Na indústria americana de embala-
ra planejou testar a nova linha de produtos da mesma gens, por exemplo, as empresas lançam 30 mil novos
forma como testou todos os seus outros produtos: com produtos a cada ano, mas de 70% a 90% deles não
donas de casa que fazem compras nos supermercados. permanecem nas prateleiras por mais de 12 meses. A
Apenas a intervenção oportuna do promotor do produto maioria dos produtos inovadores – aqueles que criam
do usuário de ponta direcionou os testes para o merca- novas categorias de produtos ou que revolucionam as
do-alvo dos atletas de final de semana. antigas – também é malsucedida. De acordo com um
O aumento da experiência com a metodologia do estudo, 47% dos pioneiros fracassaram, o que significa
Usuário de Ponta ao longo dos anos sugere que três ele- que quase metade das empresas que foram pioneiras em
mentos são necessários para o êxito do estudo: novas categorias de produtos os retirou posteriormente
O apoio da gestão que proporcionará ao projeto a credi- dos seus negócios.
bilidade e o comprometimento de longo prazo necessários. Considere três inovações notórias cujos desempe-
O uso de uma equipe multidisciplinar com pessoas nhos foram aquém das expectativas:
altamente qualificadas para estudar o uso do produto,
• A Webvan investiu mais de US$ 1 bilhão para criar
composta pelas melhores pessoas com anos de expe­
um negócio de gêneros alimentícios on-line. Decretou
riência, criatividade e boas habilidades de equipe.
falência em julho de 2001 após não conseguir atrair tan-
Uma compreensão clara dos princípios de pesquisa
tos clientes quanto pensava que poderia.
com Usuários de Ponta, que pode aumentar a partir do
• Apesar de conseguir o apoio de Steve Jobs da Apple, de
uso de um consultor capaz de orientar o processo por Jeff Bezos da Amazon e de muitos investidores notórios,
meio das nuances do método. a Segway vendeu apenas 6 mil scooters em 18 meses
Pela própria natureza, a inovação continua a ser um após o lançamento – muito longe das 50 mil a 100 mil
processo imprevisível que não se presta a algoritmos unidades projetadas.
inflexíveis. Os métodos descritos anteriormente podem • Embora o gravador de vídeo digital (DVR) da TiVo
fornecer a chave para a introdução bem-sucedida de um tenha recebido elogios desde o final dos anos 1990, tanto
produto inovador. dos especialistas da indústria quanto dos adotantes do
produto, a empresa acumulou US$ 600 milhões em per-
das operacionais em 2005, porque a demanda foi aquém
A rtigo 3 - 9
das expectativas.
Após o fato, especialistas e novatos tendem a rejei-
Vendedores ávidos e compradores
tar as inovações malsucedidas como ideias ruins que
insensíveis: compreendendo a eram destinadas ao fracasso. Entretanto, trata-se de
psicologia da adoção de novos produtos* uma explicação simples demais. Se essas inovações
John T. Gourville
são tão equivocadas, por que isso não é óbvio antes
do fracasso? A Webvan foi apoiada por comerciantes,
Mais de um século atrás, atribuiu-se a Ralph Waldo executivos e banqueiros de investimento experientes,
Emerson a seguinte afirmação: “Se um homem conse- mas mesmo assim foi um fracasso retumbante. Em-
gue escrever um livro melhor, pregar um sermão me- bora as histórias da Segway e TiVo ainda não tenham
lhor ou fazer uma ratoeira melhor do que o seu vizinho, terminado, os executivos de ambas as empresas foram
embora tenha construído sua casa na floresta, o mundo muito mais otimistas a respeito dessas inovações do
abrirá um caminho até sua porta”. Que bom seria se as que deveriam ter sido.
inovações de marketing fossem simples assim. Por que os consumidores não compram produtos
inovadores quando estes oferecem melhorias distintas
em relação aos existentes? Por que as empresas inva-
*
Fonte: Copyright © 2006 Harvard Business School Publishing riavelmente têm mais fé nos novos produtos do que é
Corporation. Todos os direitos reservados. justificável? Poucas pessoas questionariam as vantagens
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-9     409

objetivas de muitas inovações sobre as alternativas dutos estabelecidos e os consumidores terão incentivo
existentes, mas, muitas vezes, isso não é o bastante suficiente para comprá-los. Nos anos 1960, o estudioso
para que tenham êxito. A fim de compreender por que de comunicações Everett Rogers chamou o conceito de
os novos produtos não correspondem às expectativas “vantagem relativa” e o identificou como o impulsio-
das empresas, devemos nos aprofundar na psicologia nador mais fundamental da adoção de novos produtos.
da mudança de comportamento. Este artigo apresenta Esse argumento assume que as empresas fazem avalia-
uma estrutura comportamental que explica por que tan- ções imparciais das inovações e da probabilidade de os
tos produtos fracassam e delineia algumas ações que as clientes adotarem-nas. Apesar de instigante, a teoria
empresas podem adotar para aumentar suas chances de tem uma grande falha: ela não captura as tendências
sucesso. psicológicas que afetam a tomada de decisão.
Muitas vezes, novos produtos exigem que os con-
sumidores modifiquem o seu comportamento. Como as Ganhos e perdas
empresas sabem, essas mudanças de comportamento re- Em 2002, o psicólogo Daniel Kahneman ganhou o Prê-
sultam em custos. Os consumidores incorrem em custos mio Nobel de Economia por um trabalho que explora
de transação, tal como as taxas de ativação que eles têm por que e quando os indivíduos desviam-se do compor-
que pagar quando mudam de uma operadora de celular tamento econômico racional. Uma das pedras angulares
para outra. Eles também incorrem em custos de apren- dessa pesquisa, desenvolvida com o psicólogo Amos
dizagem, como acontece quando eles mudam de auto- Tversky, é como os indivíduos valorizam as possibili-
móveis com câmbio manual para automático. As pesso- dades, ou escolhas, no mercado. Kahneman e Tversky
as também arcam com os custos da obsolescência. Por mostraram, e outros confirmaram, que as respostas dos
exemplo, quando trocam videocassetes por aparelhos seres humanos às alternativas diante deles têm quatros
de DVD, as coleções de fitas VHS tornam-se inúteis. características distintas.
Todos esses são custos econômicos da mudança que a Primeiro, as pessoas avaliam a atratividade de
maioria das empresas antecipa. uma alternativa com base não em seu valor objetivo
No entanto, as empresas não consideram os custos ou real, mas em seu valor subjetivo ou percebido. Se-
psicológicos associados com a mudança de comporta- gundo, os consumidores avaliam os novos produtos ou
mento. Muitos produtos fracassam por causa de uma investimentos com relação a um ponto de referência,
tendência psicológica universal, embora em grande geralmente os produtos que já possuem ou consomem.
parte ignorada: as pessoas supervalorizam de forma Terceiro, as pessoas encaram quaisquer melhorias em
irracional os benefícios que possuem atualmente em relação a esse ponto de referência como ganhos e tratam
relação aos que não possuem. A tendência leva os con- todas as desvantagens como perdas.
sumidores a valorizar as vantagens dos produtos que Quarto, e mais importante, as perdas têm um im-
possuem mais do que os benefícios dos produtos novos. pacto muito maior sobre as pessoas do que os ganhos
Isso também leva os executivos a valorizar os benefí- de proporções similares, um fenômeno que Kahneman
cios das inovações que desenvolveram sobre as vanta- e Tversky chamam de “aversão à perda”. Por exemplo,
gens dos produtos estabelecidos. estudos mostram que há uma chance de 50% de ganhar
Esse processo provoca um confronto de perspectivas: US$ 100 e uma chance de 50% de perder US$ 100. Os
os executivos, que supervalorizam irracionalmente as ganhos da aposta devem compensar as perdas por um
suas inovações, devem prever o comportamento de com- fator entre dois e três antes que a maioria das pessoas
pra dos consumidores, que supervalorizam também de considere essa aposta atraente. De modo similar, um
forma irracional as alternativas existentes. Com frequên­ levantamento com 1.500 clientes da Pacific Gas and
cia, os resultados são desastrosos: os consumidores rejei- Electric revelou que os consumidores exigem de três
tam os novos produtos que possam torná-los melhores, a quatro vezes mais compensação para suportar uma
enquanto os executivos não conseguem prever os fracas- queda de energia – e sofrer uma perda – do que estão
sos. Essa “faca de dois gumes” é a maldição da inovação. dispostos a pagar para evitar o problema, um ganho
potencial. Como Kahneman e Tversky escreveram, “as
perdas parecem maiores do que os ganhos”.
A PSICOLOGIA DE GANHOS E PERDAS
As empresas assumiram há muito tempo que as pessoas O efeito dotação
adotarão os novos produtos que lhes proporcionem A aversão à perda leva as pessoas a valorizar os pro-
mais valor ou utilidade do que os produtos existentes. dutos que já possuem – os que fazem parte da sua do-
Portanto, as empresas precisam apenas desenvolver tação – mais do que os que não possuem. Segundo o
inovações que sejam objetivamente superiores aos pro- economista comportamental Richard Thaler, os con-
410     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

sumidores valorizam o que possuem, mas podem ter portanto, cerca de metade dos alunos aos quais Knetsch
que desistir, muito mais do que valorizar o que não deu a caneca de café trocou-a pela barra de chocolate e
possuem, mas poderiam obter. Thaler chamou essa vice-versa. Isso não aconteceu. Apenas 11% dos alunos
tendência de “efeito dotação”. que receberam as canecas e 10% dos que receberam
Em um artigo de 1990, Thaler e seus colegas des- barras de chocolate quiseram trocar seus produtos. Para
creveram uma série de experimentos conduzidos por aproximadamente 90% dos alunos, abrir mão do que já
eles para medir a grandeza do efeito dotação. Em um tinham parecia como uma perda dolorosa e encolheu
desses experimentos, eles deram canecas de café a um seu desejo de trocar.
grupo de pessoas, os Vendedores, e perguntaram a que Outros experimentos demonstraram a existência da
preço – de 25 centavos de dólar a US$ 9,25 – estariam tendência do estado atual nas escolhas das pessoas em
dispostos a se desfazer das canecas. Perguntaram tam- relação a investimentos, automóveis e empregos. Esses
bém a outro grupo – os Optantes – se estes escolheriam experimentos também revelam que a tendência do es-
a caneca ou o dinheiro em cada um dos preços. Em ter- tado atual intensifica-se ao longo do tempo. Enquanto
mos objetivos, todos os Vendedores e Optantes estavam Thaler e seus colegas estimaram a medida da aversão
na mesma situação: escolhendo entre a caneca e uma à perda em um fator aproximado de dois quando os
soma em dinheiro. Em um ensaio deste experimento, os alunos possuíam as canecas de café por pouco tempo,
Vendedores estabeleceram, em média, o preço de uma outros pesquisadores constataram que a grandeza da
caneca em US$ 7,12, mas os Optantes estavam dispos- tendência cresce, ao longo do tempo, para um fator de
tos a pagar apenas US$ 3,12. Em outro ensaio, os Ven- aproximadamente quatro.
dedores e Optantes avaliaram a caneca em US$ 7,00 e De uma maneira interessante, a maioria das pessoas
US$ 3,50, respectivamente. Em geral, os Vendedores parece alheia à existência dos comportamentos implícitos
sempre exigiam pelo menos o dobro para se desfaze- no efeito dotação e na tendência do estado atual. Em vários
rem das canecas do que os Optantes estavam dispostos estudos, quando os pesquisadores apresentaram às pessoas
a pagar para tê-las. provas de que elas supervalorizaram irracionalmente o es-
Experimentos semelhantes com bens tão diversos tado atual, elas ficaram chocadas, céticas e mais do que na
quanto bilhetes de loteria, licenças de caça e vinhos fi- defensiva. Essas tendências comportamentais são univer-
nos mostraram que as pessoas exigem de duas a quatro sais, mas a consciência sobre elas não é.
vezes mais compensação para abrir mão de produtos
que já possuem do que estão dispostas a pagar para ob-
CONSTRUINDO UMA ESTRUTURA
ter esses itens em primeiro lugar. Isso mostra que as
COMPORTAMENTAL
pessoas supervalorizam irracionalmente os bens sob
suas posses em relação aos que não possuem em um Aplicando o efeito dotação e a tendência do estado atu-
fator muito próximo de três. al, construí uma estrutura comportamental em torno das
três entidades que dirigem o potencial de mercado de
Tendência do estado atual qualquer inovação: o novo produto ou tecnologia em
A pesquisa de Kahneman e Tversky também ex- si, o consumidor que deve adotá-la e a empresa que
plica por que as pessoas tendem a se prender ao que a concebe.
possuem mesmo que haja uma alternativa melhor. Em
um artigo de 1989, o economista Jack Knetsch forneceu Inovações e mudança de comportamento
uma demonstração convincente do que os economis- A adoção bem-sucedida de uma inovação envol-
tas William Samuelson e Richard Zeckhauser chama- ve com frequência os conflitos de escolha. Ao mes-
ram de “tendência do estado atual”. Knetsch pediu a mo tempo que os consumidores podem obter novas
um grupo de alunos que escolhesse entre uma atraente características altamente desejáveis ao adquirirem
caneca de café e uma grande barra de chocolate suíço. uma inovação, muitas vezes eles devem abrir mão dos
Deram a um segundo grupo de alunos as canecas de benefícios do produto estabelecido. Os consumidores
café, mas pouco tempo depois autorizaram cada aluno raramente veem esses conflitos de escolha como sim-
a trocar sua caneca por uma barra de chocolate. Enfim, ples mudanças de comportamento; eles os veem como
Knetsch deu barras de chocolate a um terceiro grupo ganhos e perdas. Proporcione um novo benefício a
de alunos, mas muito mais tarde autorizou cada um a um consumidor e ele o verá como um ganho. Reti-
trocar sua barra por uma caneca. Dos alunos que pude- re qualquer benefício e ele o verá como uma perda.
ram optar no início, 56% escolheram a caneca, e 44%, Se ele comprar um Segway, por exemplo, pode fazer
a barra de chocolate, indicando uma divisão quase igual pequenas viagens mais rapidamente, mas não terá os
das preferências entre os dois produtos. Logicamente, benefícios para a saúde de uma rápida caminhada. De
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-9     411

FIGURA 1 Os conflitos de escolha exigidos pelas inovações

Inovação O que os consumidores ganham comprando O que os consumidores perdem comprando

Carros elétricos Ambiente limpo Reabastecimento fácil


Gravadores de vídeo digital Gravação fácil Capacidade de reproduzir filmes alugados
Aluguel de DVDs por correio Ampla seleção Espontaneidade
E-books Portabilidade fácil Durabilidade
Supermercados on-line Entrega domiciliar Capacidade de escolher os produtos mais frescos
Rádio por satélite Ampla seleção Música gratuita
Tampas de rosca para vinho Menos deterioração Elegância da experiência
Scooter da Segway Mobilidade Benefícios da caminhada para a saúde
Turbinas eólicas Energia não poluente Paisagens desobstruídas

modo oposto, diminua um custo atual e as pessoas cartaz, de que ele precisa comprar ketchup. A maioria dos
perceberão isso como um ganho; imponha um novo consumidores teria encarado a renúncia a esses benefí-
custo e ele será tratado como uma perda. Os DVRs da cios como perdas e, uma vez que para eles as perdas têm
TiVo, por exemplo, permitem que as pessoas eliminem um peso maior do que os ganhos, considerado a Webvan
os gastos com a compra de fitas de vídeo, mas devem menos atraente do que o estado atual. A atribuição exces-
tolerar a confusão causada por outro dispositivo ele- siva de peso às perdas teria sido a única razão pela qual a
trônico. Como mostra a Figura 1, a maior parte dos Webvan não conseguiu ganhar espaço no mercado? Não.
produtos inovadores sofre de uma síndrome de ganho Foi um fator? Quase certamente. George Shaheen, ex-
versus perda. -CEO da Webvan, disse certa vez: “Não há compradores
fiéis o suficiente para comprar repetidamente, e o motivo
Consumidores e mudança de comportamento é um imenso problema de ciência comportamental”. Ele
Os consumidores encaram os produtos que possuem ou estava mais certo do que pensava.
usam regularmente como parte da sua dotação. Conse-
quentemente, avaliam as inovações em termos do que Empresas e mudança de comportamento
ganham e perdem com relação aos produtos existen- Em um mundo perfeito, as empresas saberiam que os
tes. Uma vida inteira dirigindo automóveis a gasolina, consumidores supervalorizam irracionalmente os pro-
aquecendo as casas com óleo e lendo romances em bro- dutos estabelecidos e levariam em conta essa tendência
chura fez que as pessoas tratassem essas opções fami- quando lançassem inovações. Todavia, os executivos
liares como o estado atual. Assim, as perdas nas quais também são tendenciosos – a favor dos novos produtos.
os consumidores incorrerão ao mudarem para carros Por terem trabalhado durante meses em um novo produ-
elétricos, obterem energia de turbinas eólicas e rolarem to, se não anos, os desenvolvedores funcionam em um
a tela pelos e-books terão um impacto psicológico mui- mundo onde a sua inovação é o seu ponto de referência.
to maior do que os ganhos obtidos por usá-los. Como Estão convencidos de que o produto funciona, reconhe-
já apontado, os consumidores supervalorizam as perdas cem a necessidade dele e estão profundamente cons-
por um fator aproximadamente igual a três. Portanto, cientes das vantagens das alternativas existentes. Não
não basta um novo produto simplesmente ser melhor. A ter as características que a sua inovação proporciona
menos que os ganhos compensem muito as perdas, os parece uma desvantagem para os desenvolvedores e ter
consumidores não irão adotá-lo. as características que os produtos existentes proporcio-
Por exemplo, o parâmetro que a maioria dos consu- nam não parece essencial. Por exemplo, os executivos
midores utilizaria para avaliar a atratividade da Webvan da Webvan quase certamente passaram a enxergar as
teria sido o ato de sair de casa para fazer compras. Ao ca- compras de supermercado on-line como o padrão, e os
dastrar-se na Webvan, um consumidor não precisa mais engenheiros da Segway vislumbraram seu dispositivo
dirigir até a loja, andar pelos corredores, colocar fisica- de transporte pessoal como o estado atual. As empresas
mente suas compras em um carrinho, esperar em pé na chamam esses executivos de visionários, promotores de
fila do caixa, levar os produtos até o carro e dirigir para produtos ou crentes, sugerindo que eles adotaram um
casa. Para obter esses ganhos, no entanto, um comprador mundo que o restante de nós não adotou – ainda.
tem de abrir mão de alguns benefícios inerentes à saída Surgem vários problemas quando se modificam os
para as compras. Ele não pode mais escolher os melho- pontos de referência dos executivos e eles adotam a
res cortes de carne, ter uma ideia para o jantar ao ver o perspectiva da inovação como o estado atual. Eles são
que estava com um bom aspecto ou lembrar, ao ver um vitimados pelo efeito dotação assim como acontece com
412     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Efeito 9x

Há um problema fundamental para as empresas que desejam que os consumidores adotem suas inovações:
enquanto os desenvolvedores estão convencidos de que seus produtos são essenciais, os consumidores
relutam em abrir mão do que já possuem. Esse conflito resulta em um descompasso de nove para um entre o
que os inovadores acreditam que os consumidores desejam e o que os consumidores realmente desejam.

HABITUALMENTE, MUITAS VEZES,


OS CONSUMIDORES AS EMPRESAS
• são céticos em relação ao • estão convencidas de
desempenho dos novos produtos, Os consumidores
dão mais peso aos
3×3 As empresas
dão mais peso aos
que a inovação funciona,
• são incapazes de enxergar • são propensas a enxergar
benefícios do produto benefícios dos novos
a própria necessidade, uma necessidade do produto,
estabelecido por um produtos por
• estão satisfeitos com o fator igual a três. um fator igual • estão insatisfeitas com
produto existente e a três. o substituto existente e
• são rápidos para ver o que já • adiantam-se e encaram a
possuem como o estado atual.
9× inovação como parâmetro.

os consumidores. Supervalorizam os benefícios de suas As inovações criam valor para os consumidores por
inovações por um fator igual a três. Como os consumido- meio das mudanças dos produtos. Enquanto um motor
res, os executivos também não têm consciência de suas de combustão interna converte gasolina em energia,
propensões. Estudos mostram que, quando se antecipam uma célula combustível converte hidrogênio em ener-
os julgamentos ou as escolhas dos outros, as pessoas con- gia, praticamente eliminando os poluentes no processo.
sideram impossível ignorar o que elas próprias já conhe- Enquanto as câmeras de filme capturam imagens ana-
cem ou acreditam ser verdade. Portanto, superestimamos lógicas, as câmeras digitais capturam uns e zeros, tor-
a probabilidade de os outros virem a solucionar um enig- nando mais fácil para os consumidores editar as fotos.
ma se soubermos a resposta, superestimamos a probabili- Enquanto as rádios FM usam torres de transmissão, as
dade das outras pessoas encontrarem um item escondido rádios por satélite empregam satélites na órbita da Ter-
se soubermos a sua localização e esperamos que as outras ra, resultando em uma recepção de costa a costa. Quan-
pessoas sejam mais bem-sucedidas na previsão dos lu- to maior a mudança do produto, maior o potencial para
cros de uma empresa se conhecermos esse número. Por um avanço. No entanto, como sabemos, a maioria das
causa da “maldição do conhecimento”, como os cientis- inovações também exige uma mudança de comporta-
tas comportamentais a chamam, os desenvolvedores es- mento da parte dos consumidores. As pessoas devem
peram que os consumidores enxerguem o mesmo valor mudar a maneira de reabastecer os veículos, o modo
que eles em suas inovações. Como resultado, em vez de de produzir imagens e a forma de ouvir rádio. Quanto
preverem vendas difíceis, os gestores chocam-se quando maior a mudança de comportamento, maior a resistên-
as vendas não se materializam. cia dos consumidores.
Em suma, os consumidores supervalorizam os bene- A comparação das mudanças de produto e de com-
fícios existentes de um produto arraigado por um fator portamento produz uma certa tensão: as empresas criam
de três, enquanto os desenvolvedores supervalorizam valor por meio da mudança do produto, mas capturam
os novos benefícios de sua inovação por um fator de melhor esse valor ao minimizarem a mudança de com-
três. O resultado é um descompasso de nove para um, portamento. Isso resulta em uma matriz simples, porém
ou 9x, entre o que os inovadores pensam que os con- poderosa (ver Figura 3). As empresas devem identificar
sumidores desejam e o que os consumidores realmente onde suas inovações se encaixam na matriz, porque cada
desejam (ver Figura 2). Se nada for feito, esse descom- célula tem implicações diferentes na probabilidade de os
passo será uma receita para o desastre. consumidores virem a adotar esses produtos, bem como
no tempo que a aceitação pode levar.
EQUILÍBRIO ENTRE AS MUDANÇAS DE Vendas fáceis
PRODUTO E DE COMPORTAMENTO
Os novos produtos mais comuns são os que implicam
Perante esse cenário pouco animador, o que as em- poucas mudanças e requerem ajustes limitados no
presas podem fazer para garantir que os consumidores comportamento, como no caso das escovas de dentes
adotem os novos produtos? Primeiramente, elas de- com cabeças em ângulo, detergentes com alvejantes
vem se perguntar que tipo de mudança estão exigindo mais fortes e biscoitos com ingredientes orgânicos. A
dos consumidores. aceitação de tais produtos pelos consumidores pode
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-9     413

FIGURA 3 Capturando valor das inovações

Quanto mais as empresas mudam o modo como os produtos funcionam, mais elas exigem mudanças
de comportamento dos clientes. Embora as empresas possam criar valor através de mudanças nos
produtos, elas podem capturar este valor mais facilmente ao minimizar a necessidade de mudanças
nos clientes. Como mostra o gráfico, essa dinâmica leva a quatro tipos de inovações.

BAIXO
SUCESSOS
VENDE
ARRASADORES
FÁCIL
Mudanças limitadas Alterações
tanto no produto significativas
quanto no no produto,
comportamento mudanças limitadas
Grau da no comportamento
mudança de
comportamento
exigida LONGO
FRACASSOS
CERTOS CURSO
Alterações limitadas nos Mudanças
produtos, mudanças significantes
significativas no no produto e
comportamento no comportamento

ALTO

BAIXO ALTO

Grau da mudança de produto exigida

ser bastante alta, mas os benefícios para eles e as em- e longo prazos. Em 2000, quem teria imaginado que o
presas são limitados. mundo precisaria de um outro mecanismo de busca?
Porém, utilizando um novo algoritmo de busca sem
Fracassos certos modificar uma interface familiar ao usuário, o Google
As empresas devem evitar o desenvolvimento de pro- conseguiu atrair rapidamente os usuários.
dutos que envolvam pouca mudança e ofereçam poucos Depois que as empresas compreendem a natureza e
benefícios, mas que requeiram uma mudança signifi- o alcance das mudanças que as suas inovações incorpo-
cativa no comportamento. O teclado Dvorak, que au- ram, elas conseguem aceitar e gerir, ou minimizar proa-
menta marginalmente as taxas de digitação em relação tivamente, a resistência à mudança subjacente.
ao teclado QWERTY, mas que implica uma tremenda
mudança comportamental, enquadra-se nessa célula. ACEITAR A RESISTÊNCIA
Longo prazo Para muitas inovações, a mudança significativa do
Muitos produtos novos oferecem saltos tecnológicos comportamento é uma coisa óbvia. O telefone mudou
criando um grande valor. No entanto, eles também a maneira de interagirmos com as outras pessoas, o au-
exigem uma mudança comportamental significativa. tomóvel transformou a maneira como lidamos com as
Como constataram os desenvolvedores do rádio por distâncias e o PC revolucionou a nossa maneira de tra-
satélite, o caminho para a adoção é lento e difícil com balhar. Em tais casos, as empresas podem fazer várias
produtos como esses, porque a resistência do consu- coisas para gerir a resistência do consumidor.
midor é alta. O consolo é que muitos produtos que
hoje considerados banais, como o telefone celular e Seja paciente
o sistema operacional Linux, enquadravam-se nessa A estratégia mais simples para lidar com a resistência do
categoria quando foram lançados. consumidor é preparar-se para a adoção lenta. As reco-
mendações do consultor de gestão Geoffrey Moore sobre
Sucessos como “atravessar o abismo” e vender produtos para o
Algumas inovações oferecem grandes benefícios, mas consumidor pragmático aplicam-se a esse contexto. Para
exigem uma mudança de comportamento mínima. Es- ter êxito, as empresas devem prever um processo de ado-
ses produtos são a melhor chance de sucesso em curto ção longo e arrastado e geri-lo em conformidade.
414     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Quando as empresas assumem equivocadamente de dólar com os retratos de ex-presidentes dos Estados
que a adoção dos novos produtos será rápida, elas cor- Unidos. Ela quer substituir as notas por moe­das porque
rem o risco de esgotar seus recursos muito rapidamente. uma nota dura apenas 18 meses, enquanto uma moeda
Compare o destino do DVR da TiVo com o do leitor de tem uma vida útil de 30 anos. A decisão da Casa da
DVD, já que ambos entraram no mercado no final dos Moeda pode animar os colecionadores de moedas, mas
anos 1990. No final de 2005, os consumidores america- é improvável que as novas moedas de dólar venham a
nos haviam comprado mais de 80 milhões de aparelhos ser muito mais bem-sucedidas do que a moeda de Susan
de DVD e apenas 4 milhões de unidades TiVo. Isso é B. Anthony do final dos anos 1970 ou do que a moeda
surpreendente porque, embora ambos os dispositivos de dólar Sacagawea dos últimos seis anos. Isso porque,
sejam inovadores, o valor incremental de um leitor de no passado, a Casa da Moeda não planejava retirar as
DVD é muito menor do que o de um DVR da TiVo. Um notas de um dólar de circulação. Aqui está um exemplo
leitor de DVD realiza muitas funções que o VCR exe- de como as coisas poderiam ser diferentes: em 1987, a
cuta – basicamente, reproduzir filmes alugados. No en- Casa da Moeda do Canadá introduziu uma moeda de
tanto, uma unidade TiVo faz bem algumas coisas que o dólar dourada, a loonie, e nove anos mais tarde lançou
VCR faz mal, como gravar programas de TV, ou coisas uma moeda de dois dólares canadenses, a toonie. Hoje,
que o VCR não consegue fazer, como dar uma pausa em ambas as moedas são amplamente utilizadas como uni-
uma transmissão de TV ao vivo. Contudo, dado o con- dades monetárias no Canadá. A razão é simples: o go-
forto dos consumidores com os dispositivos que execu- verno canadense retirou de circulação as notas de um e
tam filmes e usam discos tipo CD, o leitor de DVD se dois dólares canadenses após ter introduzido as novas
encaixa perfeitamente no aparelho cotidiano. A TiVo, moedas.
que pausa a TV ao vivo e grava programas que ela con- A maioria das empresas não tem a opção de eliminar
sidera que os consumidores gostarão, não se encaixa. É as rivais. No entanto, em alguns casos, as agências regu-
necessária uma pequena quantidade de mudança com- ladoras podem exercer um papel facilitador. Na indústria
portamental para adotar os leitores de DVD, enquanto automobilística, por exemplo, grupos como o California
é fundamental uma mudança significativa para adotar a Air Resources Board e a United States Environmental
TiVo. Portanto, a TiVo pode estar queimando seu capital Protection Agency podem promover a adoção de veícu-
ao tentar criar e vender rapidamente um produto que é los inovadores restringindo ou taxando a venda de auto-
realmente uma inovação de longo prazo. móveis movidos a gasolina. De modo similar, os HMOs
e o Medicare* podem estimular a adoção de determina-
Esforce-se para a melhoria 10x dos medicamentos e procedimentos médicos por meio de
Uma outra abordagem para gerir a resistência do con- reembolso. Talvez essas agências não sejam capazes de
sumidor é as empresas tornarem os benefícios relativos eliminar os medicamentos e procedimentos antigos, mas
de suas inovações tão grandes que superem a superva- suas ações, muitas vezes, podem surtir esse efeito.
lorização que os consumidores fazem das possíveis per-
das. Andy Grove da Intel afirma que, para transformar MINIMIZAR A RESISTÊNCIA
uma indústria rapidamente, uma inovação deve ofere-
cer benefícios que sejam 10x, ou 10 vezes melhores, Para muitas empresas, a opção de longo prazo não é
do que as alternativas existentes possam proporcionar. atraente, as inovações que oferecem melhorias 10x são
Os melhores exemplos provêm do mundo da medicina, raras e é impossível eliminar o antigo. Essas empresas
onde ressonância magnética oferece uma melhoria de devem minimizar a resistência do consumidor.
10x em relação aos raios X, a angioplastia oferece uma
melhoria de 10x sobre as cirurgias de ponte da safena e Criar produtos compatíveis com o
os medicamentos psiquiátricos oferecem uma melhoria comportamento
de 10x em relação às lobotomias frontais. As empresas podem reduzir ou eliminar a mudança de
comportamento que as inovações exigem e, assim, criar
Elimine o antigo produtos de sucesso. A Toyota adotou essa tática com os
Quando se depara com a inevitável resistência do consu- seus veículos elétricos híbridos, como o Prius, que tem
midor, uma empresa pode eliminar os produtos estabele-
cidos. Em poucos casos, a lógica seria mais convincente
do que o manuseio da moeda de dólar feito pela Casa da *
N. de R.T.: HMOs são as Health Maintenance Organizations, empresas
Moeda dos Estados Unidos. Em sua última tentativa de que fornecem cobertura de serviços de saúde às suas associadas. O Me-
dicare é o sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados
substituir a nota de dólar, a Casa da Moeda anunciou re- Unidos e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou
centemente que, começando em 2007, emitiria moedas que verifiquem certos critérios de rendimento.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-10     415

motor de combustão interna tradicional e um inovador Nantucket, onde um proprietário de veículo jamais dirige
motor elétrico autorrecarregável. O resultado é uma ex- mais do que 20 milhas a partir da cidade. Em lugares
periência de direção praticamente idêntica à do automó- como esses, os consumidores podem valorizar menos
vel movido apenas a gasolina. Os consumidores obtêm uma rede de postos de gasolina e valorizar o transporte
um aumento significativo da autonomia com a gasolina, livre de emissões mais do que os consumidores no conti-
mas ainda mantêm todos os benefícios da alternativa nente. Por essa razão, a pequena nação insular da Islândia
estabelecida. Como consequência, o Toyota Prius é o está na vanguarda do desenvolvimento de uma sociedade
primeiro veículo de combustível alternativo a ganhar a de célula combustível. Em 2003, Reiquiavique, a capital,
aceitação popular nos Estados Unidos; em 2005, mais tornou-se o lar do primeiro posto comercial de abasteci-
de 100 mil unidades foram vendidas. mento de hidrogênio no mundo e os ônibus movidos a
A ideia de minimizar a mudança de comportamento hidrogênio agora percorrem suas ruas.
não foi perdida para as rivais da Toyota. Em janeiro de Muitas vezes, os consumidores não compram os
2005, por exemplo, a BMW anunciou que estava desen- produtos que as empresas esperam que eles adotem. A
volvendo um veículo movido a célula de combustível razão pode residir menos no valor econômico dos pro-
com base em hidrogênio que também teria um pequeno dutos físicos e mais nas mentes das pessoas. Até que as
motor a gasolina. Se o veículo ficar sem hidrogênio, o empresas compreendam e antecipem as tendências psi-
condutor poderá passar para o motor convencional. O cológicas que consumidores e executivos trazem para a
automóvel terá todos os benefícios de um combustível tomada de decisão e respondam a elas, novos produtos
de queima limpa sem a necessidade de alterar o com- continuarão a fracassar.
portamento de condução devido a uma falta de postos
de abastecimento de hidrogênio nas proximidades. A
A rtigo 3 - 1 0
BMW também parece compreender a importância de
minimizar a mudança de comportamento.
Aniquiladores da inovação*
Procure os desprovidos de dotação
Clayton M. Christensen, Stephen P. Kaufman e Willy C. Shih
Uma empresa também pode procurar os consumidores
que ainda não são usuários dos produtos estabelecidos. Ao Há anos estamos intrigados sobre o porquê de muitos
longo das duas últimas décadas, a Burton Snowboards, gestores inteligentes e dedicados que trabalham em
com base em Burlington, Vermont, fez exatamente isso. empresas bem administradas considerarem impossível
A empresa, que produz snowboards, botas, vestuário e ou- inovar com sucesso. Nossas investigações descobriram
tros equipamentos relacionados ao inverno, é voltada para vários culpados, os quais são abordados em uma série
os jovens entusiastas de esportes de inverno que ainda não de livros e artigos anteriores. Entre eles, temos: prestar
se estabeleceram como esquiadores. Por meio de um es- atenção demais nos clientes mais rentáveis da empresa
forço de marketing, a empresa capturou a imaginação des- (deixando, assim, os clientes menos exigentes em ris-
sa demografia. Os esforços da Burton ajudaram a indústria co) e criar novos produtos que não ajudam os clientes
de snowboarding a crescer de praticamente nada nos anos a realizar as tarefas que desejam. Agora, gostaríamos
1970 até um ponto em que hoje o número de praticantes de nomear a aplicação equivocada de três ferramentas
de snowboard nos Estados Unidos ultrapassa o número de de análise financeira como cúmplice das conspirações
esquiadores. Não surpreende o fato de a empresa privada contra a inovação bem-sucedida. Alegamos crimes con-
ser a maior fabricante mundial de snowboard, com uma tra esses suspeitos:
participação de 40% no mercado global. • O uso do fluxo de caixa descontado (FCD) e do valor
presente líquido (VPL) para avaliar as oportunidades
Encontrar os que acreditam de investimento faz com que os gestores subestimem os
Uma outra opção para uma empresa é buscar os consu- retornos e benefícios reais de prosseguir com os investi-
midores que apreciam os benefícios que poderiam obter mentos em inovação.
de um novo produto ou que valorizem apenas ligeira-
mente aqueles dos quais teriam que abrir mão. No caso
dos veículos movidos a célula combustível de hidrogê-
nio, por exemplo, as empresas visam aos consumidores
*
Fonte: Copyright © 2007 Harvard Business School Publishing Corporation.
Todos os direitos reservados. Clayton M. Christensen é professor da
ambientalmente conscientes. Menos obviamente, elas Business Administration na Harvard Business School, em Boston. Ste-
também podem voltar-se para os consumidores que não phen P. Kaufman, um palestrante sênior da Harvard Business School, é
o presidente aposentado e CEO da Arrow Electronics. Willy C. Shih, um
considerem um problema o acesso a postos centrais de palestrante sênior da Harvard Business School, ocupou posições execu-
reabastecimento. Considere uma ilha como Bermuda ou tivas na IBM, Silicon Graphics e Kodak.
416     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

• A maneira como os custos fixos e já incorridos são con- de participação de mercado, em diminuições nos volu-
siderados na avaliação dos investimentos futuros con- mes de vendas e na queda do preço das ações. Como
fere uma vantagem injusta sobre as rivais e impede que apontou Eileen Rudden, do Boston Consulting Group,
as empresas estabelecidas reajam a um ataque. o fluxo de caixa mais provável para a empresa no cená-
• A ênfase no lucro por ação como o principal condutor rio de não fazer nada não é uma continuação do estado
do preço da ação e, portanto, da criação de valor para o atual. É um declínio linear no desempenho.
acionista, com a exclusão de quase tudo o resto, desvia É tentador, mas errado, avaliar o valor de um inves-
recursos dos investimentos cujo retorno está além do timento proposto medindo se ele nos fará melhores do
horizonte imediato. que somos agora. Está errado porque, se as coisas estive-
É importante esclarecer que não se trata de ferra- rem piorando por conta própria, poderemos ficar piores
mentas e conceitos ruins. No entanto, a maneira como do que estamos hoje após fazermos o investimento pro-
essas ferramentas costumam ser utilizadas na avalia- posto, mas melhores do que estaríamos sem ele. Philip
ção dos investimentos cria uma tendência sistemática Bobbitt chama essa lógica de “falácia de Parmênides”,
contrária à inovação. Recomendaremos métodos alter- em homenagem ao antigo lógico grego que afirmava ter
nativos que, pela nossa experiência, podem ajudar os provado que as condições no mundo real devem ser ne-
gestores a inovar com um olhar muito mais astuto para cessariamente imutáveis. Os analistas que tentam refinar
o valor futuro. Nosso objetivo principal, porém, é sim- o valor de uma inovação em um número simples que pos-
plesmente exibir essas preocupações na esperança de sam comparar com outros números simples geralmente
que outras pessoas com especialização mais profunda são apanhados pela falácia de Parmênides.
possam inspirar-se a examiná-las e resolvê-las. É difícil prever exatamente o fluxo de caixa de um
investimento em inovação. É ainda mais difícil prever
o ponto em que o desempenho de uma empresa pode
UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO FLUXO DE CAIXA
deteriorar-se na falta do investimento. Entretanto, essa
DESCONTADO E DO VALOR PRESENTE LÍQUIDO
análise deve ser feita. Lembre-se da resposta que os
A primeira das ferramentas equivocadas e mal aplica- bons economistas aprenderam a dar para a seguinte per-
das da análise financeira é o método do fluxo de caixa gunta: “Como você está?”. Mas essa pergunta se refere
descontado para calcular o valor presente líquido de a que exatamente? Trata-se de uma pergunta crucial.
uma iniciativa. Descontar fluxos futuros de caixa em Respondê-la implica avaliar o valor projetado da ino-
um “valor presente” pressupõe que um investidor racio- vação contra uma gama de cenários, muitas vezes com
nal seria indiferente a ter um dólar hoje ou a recebê-lo o mais realista deles sendo um futuro competitivo e fi-
alguns anos mais tarde, acrescido de juros ou retorno nanceiro em deterioração.
que poderiam ser obtidos ao investir esse dólar durante O segundo conjunto de problemas com os cálcu-
esses anos. Com base nesse princípio operacional, faz los de fluxo de caixa descontado relaciona-se com os
todo o sentido avaliar os investimentos dividindo o di- erros de estimativa. Os fluxos de caixa futuros, espe-
nheiro a ser recebido nos anos futuros por (1 + r)n, onde cialmente os que são gerados por investimentos decor-
r é a taxa de desconto – o retorno anual do investimento rentes de inovações disruptivas, são difíceis de prever.
do dinheiro –, e n, o número de anos durante os quais o Os números relativos aos “anos fora” podem ser um
investimento poderia ter gerado esse retorno. completo tiro no escuro. Para lidar com o que não se
Embora a matemática do desconto seja logicamente pode saber, muitas vezes os analistas projetam um flu-
impecável, é comum que os analistas cometam dois er- xo de números ano a ano para um período de três a cin-
ros que criam uma tendência anti-inovação. O primeiro co anos e, em seguida, “apostam” calculando um valor
erro é supor que o caso-base de não investir em inova- final para dar conta de toda a incerteza. Obviamente,
ção – o cenário em que não se faz nada, com o qual os a lógica é que as estimativas anuais em anos distantes
fluxos de caixa da inovação são comparados – é que a são tão imprecisas que não são mais precisas do que
saúde atual da empresa persistirá indefinidamente no um valor final. Para calcular um valor final, os analis-
futuro se o investimento não for feito. A matemática tas dividem o caixa a ser gerado no último ano para o
considera o investimento isoladamente e compara o va- qual fizeram uma estimativa específica por (r – g), a
lor presente do fluxo de caixa da inovação com o fluxo taxa de desconto menos a taxa de crescimento proje-
de caixa na ausência do investimento, que se presume tada nos fluxos de caixa daquele momento em diante.
ser imutável. Na maioria das situações, porém, os in- Depois, eles descontam esse único número de volta
vestimentos em inovação sustentadora e disruptiva dos para o presente. De acordo com nossa experiência, os
concorrentes ao longo do tempo resultam na pressão de valores finais presumidos quase sempre contribuem
preço e margem, nas mudanças tecnológicas, em perdas para mais da metade de um VPL total projetado.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-10     417

Os números de valor final, por terem base nas esti- impostos, etc. (Os custos variáveis incluem coisas como
mativas dos anos anteriores, tendem a amplificar os er- matérias-primas, comissões e pagamento a trabalhado-
ros contidos nos pressupostos dos primeiros anos. Mais res temporários.) Os custos incorridos são a parcela dos
preocupante ainda, o valor final não permite o teste de custos fixos que está irrevogavelmente comprometida,
cenário que descrevemos anteriormente – comparar o incluindo os investimentos em construções e bens de
resultado desse investimento com a deterioração no de- capital, além dos custos de P&D.
sempenho que é o resultado mais provável de não fazer Um exemplo proveniente da siderurgia ilustra como
nada. E ainda, por causa da inércia do mercado, dos os custos fixos e os incorridos tornam difícil para as
ciclos de desenvolvimento dos concorrentes e do ritmo empresas investirem em novas capacitações. No final
característico da disrupção, é muitas vezes no quinto dos anos 1960, as miniusinas siderúrgicas, como Nucor
ano ou depois – o ponto em que os fatores do valor final e Chaparral, começaram a provocar disrupção nas side-
se encontram – que o declínio da empresa no cenário de rúrgicas integradas, como a U. S. Steel (USX), pegando
não fazer nada começa a acelerar. os clientes das camadas de produtos menos exigentes
Indiscutivelmente, uma das causas do pouco investi- de cada mercado e depois subindo incansavelmente
mento persistente das empresas nas inovações necessá- para as camadas superiores utilizando sua vantagem
rias para sustentar o sucesso no longo prazo é o uso indis- de custo de 20% para capturar primeiro o mercado de
criminado e excessivamente simplificado do VPL como vergalhões de reforço e depois os mercados de verga-
uma ferramenta analítica. Além disso, compreendemos lhões, cantoneiras de ferro e vigas estruturais. Em 1988,
o desejo de quantificar os fluxos de caixa que desafiam as miniusinas excluíram as usinas integradas de custo
a quantificação e depois refiná-los em um único número mais elevado dos produtos das camadas mais baixas do
que possa ser comparado com outros números únicos: mercado e a Nucor começou a construir a sua primei-
é uma tentativa de traduzir articulações cacofônicas do ra miniusina de laminação de aço em Crawfordsville,
futuro em uma linguagem – números – que todos possam Indiana. A Nucor estimou que, para um investimento
ler e comparar. Esperamos mostrar que os números não de US$ 260 milhões, poderia vender 800 mil toneladas
são a única linguagem na qual o valor dos investimentos de aço por ano a um preço de US$ 350 por tonelada. O
futuros pode ser traduzido – e que existem, na verdade, custo em dinheiro para produzir uma tonelada de cha-
linguagens melhores para que todos os membros de uma pas de aço na usina de Crawfordsville seria de US$ 270.
equipe de gestão possam entender. Quando se considerou a contagem do fluxo de caixa, a
taxa interna de retorno sobre esse investimento para a
Nucor era superior a 20% – substancialmente maior do
UTILIZAÇÃO IMPRUDENTE DOS CUSTOS
FIXOS E CUSTOS INCORRIDOS
que o custo médio ponderado do capital da empresa.
A USX reconheceu que as miniusinas constituíam
O segundo paradigma da tomada de decisão financeira uma grave ameaça. Usando uma nova tecnologia cha-
amplamente mal aplicado relaciona-se com os custos fi- mada laminação contínua, agora a Nucor tinha entrado
xos e incorridos. Ao avaliarem um curso de ação futuro, no mercado de chapas de aço, mas com um produto de
os gestores devem considerar apenas os desembolsos qualidade inferior a um custo por tonelada significativa-
de caixa futuros ou marginais (de capital ou despesas) mente menor e o seu histórico de melhoria significava
que são necessários para um investimento em inova- que a qualidade da sua chapa de aço melhoraria com a
ção, subtrair esses desembolsos do caixa marginal que experiência em manufatura. A despeito dessa compreen-
tem chances de fluir e descontar o fluxo líquido resul- são, os engenheiros da USX nem sequer consideraram
tante até o presente. Como acontece com o paradigma construir uma miniusina inteiramente nova como a que
do FCD e VPL, não há nada errado com a matemática a Nucor construiu. O motivo? Parecia mais rentável ala-
desse princípio – enquanto as capacitações necessárias vancar a tecnologia antiga do que criar a nova. As usinas
para o sucesso de ontem também forem adequados para existentes da USX, que usavam tecnologia tradicional,
o sucesso de amanhã. Quando são necessárias novas tinham 30% de excesso de capacidade, e o custo mar-
capacitações para o sucesso futuro, porém, essa mar- ginal do dinheiro para produzir uma tonelada extra de
gem de custos fixos e incorridos induz os gestores a aço alavancando essa capacidade excedente era inferior a
alavancar capacitações e recursos com probabilidade de US$ 50 por tonelada. Quando os analistas financeiros da
tornarem-se obsoletos. USX compararam o fluxo de caixa marginal de US$ 300
Para o propósito desta discussão, definiremos os (US$ 350 de receita menos o custo marginal de US$ 50)
custos fixos como aqueles cujo nível independe do nível com o fluxo de caixa médio de US$ 80 por tonelada
de resultado. Os custos fixos típicos incluem os custos em uma usina inteiramente nova, os investimentos em
gerais e administrativos: salários e benefícios, seguros, uma miniusina nova de baixo custo não fizeram sentido.
418     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Além do mais, as usinas da USX estavam depreciadas, fixo e incorrido e basearem-se em ativos e capacitações
de modo que o fluxo de caixa marginal de US$ 300 em que foram forjados no passado para ter sucesso no futu-
uma base patrimonial baixa parecia muito atraente. ro. Ao agirem assim, elas não fazem os mesmos inves-
É aí que reside a dificuldade. A Nucor, a empresa timentos que as entrantes consideram lucrativos.
entrante, não tinha investimentos de custos fixos ou in- Uma prática financeira mal utilizada relacionada
corridos sobre os quais calcular o custo marginal. Para que predispõe os gestores contra o investimento em
ela, o custo total era o custo marginal. Crawfordsville capacitações futuras é a que utiliza a vida útil estima-
era a única opção em seu menu – e como a TIR (Taxa da de um bem de capital como o período ao longo do
Interna de Retorno) era atraente, a decisão foi simples. qual ele deve ser depreciado. Isso provoca problemas
A USX, por sua vez, tinha duas opções no menu: cons- quando a vida útil do ativo é maior do que a sua vida
truir uma miniusina inteiramente nova como a da Nucor útil competitiva. Os gestores que depreciam ativos de
com custo médio por tonelada mais baixo ou utilizar acordo com a escala mais gradual de vida útil enfrentam
mais plenamente a instalação existente. frequentes depreciações quando estes ativos tornam-se
Então, o que aconteceu? A Nucor continuou a apri- competitivamente obsoletos e precisam ser substituídos
morar o seu processo, a subir as camadas do mercado por aqueles com tecnologia mais nova. Essa foi a situa-
e a ganhar participação de mercado com capacidade de ção confrontada pelas siderúrgicas integradas. Quando
produção em laminação contínua mais eficiente, en- criar novas capacitações implica depreciar as antigas,
quanto a USX baseou-se nos recursos produtivos que as empresas estabelecidas enfrentam um golpe nos lu-
haviam sido construídos para ter sucesso no passado. A cros trimestrais que as entrantes disruptivas não enfren-
estratégia da USX para maximizar o lucro marginal, em tam. Sabendo que os mercados acionários os punirão
outras palavras, fez com que a empresa não minimizas- por uma depreciação, os gestores podem esquivar-se da
se os custos médios no longo prazo. Como consequên- adoção de novas tecnologias.
cia disso, a empresa está presa em um ciclo crescente e Essa pode ser parte da razão para o aumento radi-
comprometida com uma estratégia fracassada. cal na aquisição de fundos privados ao longo da última
A atratividade de qualquer investimento só pode década e do recente aumento de interesse pelas indús-
ser avaliada completamente quando comparada com trias orientadas para a tecnologia. Como as disrupções
a atratividade das alternativas certas em um menu de encurtam a vida útil competitiva da maioria dos inves-
investimentos. Quando uma empresa deseja adicionar timentos feitos apenas três a cinco anos atrás, mais em-
capacidade idêntica à capacidade existente, faz sentido presas percebem a necessidade de fazer depreciações
comparar o custo marginal da alavancagem da capa- de ativos ou de reestruturar significativamente seus mo-
cidade antiga com o custo total de criar a nova. Mas, delos de negócio. Essas são mudanças dolorosas que
quando novas tecnologias ou capacitações são neces- muitas vezes são feitas com mais facilidade e conforto
sárias para a competitividade futura, calcular a mar- fora do brilho dos mercados públicos.
gem no passado lhe enviará para o caminho errado. O Qual é a solução para esse dilema? De acordo com
argumento de que as decisões de investimento devem Michael Mauboussin, da Legg Mason Capital Manage-
basear-se nos custos marginais está sempre correto. En- ment, devem-se valorizar as estratégias, e não os pro-
tretanto, quando se trata de criar novas capacitações, o jetos. Quando uma entrante está ganhando terreno, os
custo marginal relevante é, na verdade, o custo total de executivos nas empresas estabelecidas precisam fazer
criar as novas capacitações. suas análises de investimentos da mesma maneira que
Quando olhamos para os custos fixos e incorridos elas – focar as estratégias que garantirão a competitivi-
com base nessa perspectiva, várias anomalias observa- dade no longo prazo. Essa é a única maneira de eles en-
das em nossos estudos sobre inovação são explicadas. xergarem o mundo com os mesmos olhos das empresas
Nas empresas estabelecidas, os executivos lamentam o entrantes e a única forma de preverem as consequências
alto preço para construir novas marcas e desenvolver de não investir.
novas vendas e canais de distribuição – então, em vez Nenhum gestor decidiria conscientemente destruir
disso, eles procuram alavancar as marcas e estruturas uma empresa alavancando as competências do passa-
existentes. As empresas entrantes, por sua vez, simples- do enquanto ignora as competências necessárias para o
mente criam novas marcas. O problema para a empresa futuro, embora isso seja exatamente o que muitos deles
estabelecida não é que a entrante possa gastar além da fazem. Eles agem assim porque estratégia e finanças
conta, mas que esta é poupada do dilema de ter que es- são ensinadas como temas separados na faculdade de
colher entre as opções de custo total e custo marginal. administração. Os professores de modelagem financei-
Temos observado repetidamente as empresas estabele- ra insinuaram a importância da estratégia e os professo-
cidas aplicarem equivocadamente a doutrina do custo res de estratégia referiram-se ocasionalmente à criação
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-10     419

de valor, mas pouco tempo foi gasto em uma integra- mentar o lucro por ação, algumas vezes de maneira
ção cuidadosa dos dois temas. A bifurcação persiste na radical, isso não significa nada em relação ao valor
maioria das empresas, onde as responsabilidades pela subjacente da empresa e pode até mesmo prejudicá-
estratégia e pelas finanças residem nos domínios de -lo ao restringir o fluxo de caixa disponível para in-
diferentes vice-presidentes. Como a estratégia real de vestimentos em produtos e modelos de negócios po-
uma empresa é definida pelo fluxo de projetos nos quais tencialmente disruptivos. Na realidade, alguns têm
ela investe ou não, finanças e estratégia precisam ser apontado os pacotes de remuneração em ações com
estudadas e exercidas de maneira integrada. base em um preço de incentivo como um impulsiona-
dor fundamental da manipulação do preço das ações
FOCO MÍOPE NO LUCRO POR AÇÃO que virou notícia no mundo dos negócios no início
dos anos 2000.
Um terceiro paradigma financeiro que leva as empre-
O foco míope no lucro por ação não se trata apenas
sas estabelecidas a investir menos em inovação é a
de dinheiro. Os CEOs e gestores corporativos mais
ênfase nos lucros por ação como principal condutor do
preocupados com suas reputações do que em acumu-
preço da ação e, portanto, da criação de valor do acio-
lar mais riqueza também se concentram no preço da
nista. Os gestores estão sob demasiada pressão prove-
ação e nas medidas de desempenho de curto prazo,
niente de várias direções para focar o desempenho da
como os lucros trimestrais. Eles sabem que, em gran-
ação no curto prazo e prestam menos atenção na saúde
de medida, a percepção que as outras pessoas têm do
de longo prazo da empresa do que poderiam – a ponto
seu sucesso está vinculada a esses números, levando
de relutarem em investir em inovações que não deem
a um ciclo obsessivo de reforço. Esse ciclo de com-
retorno imediato.
portamento é amplificado quando há uma “surpresa
De onde vem a pressão? Para respondermos a essa
nos lucros”. Os preços das ações no curto prazo res-
pergunta, precisamos dar uma olhada na teoria do agen-
pondem positivamente aos aumentos-surpresa nos
te principal: os interesses dos acionistas (principais)
não estão alinhados com os dos gestores (agentes). Na lucros (e negativamente nas quedas-surpresa), então
ausência de incentivos financeiros para focar os inte- os investidores não têm incentivos para olhar para as
resses dos principais e dos agentes na maximização do medidas de desempenho no longo prazo. Ao contrá-
valor do acionista, os agentes buscarão outras agendas rio, eles são recompensados por seguirem o modelo
– e no processo, podem deixar de prestar atenção sufi- de curto prazo do mercado.
ciente à eficiência ou desperdiçar recursos em projetos O mercado de aquisições ativamente alavancado
de estimação – à custa dos lucros que deveriam advir reforçou ainda mais o foco no LPA. As empresas con-
para os principais. sideradas incapazes de maximizar o valor, conforme
Esse conflito de incentivos tem sido ensinado de evidenciado por um preço de ação defasado, são vul-
maneira tão agressiva que a remuneração dos mais al- neráveis a investidas de fora, incluindo invasores cor-
tos executivos nas empresas de capital aberto agora porativos ou fundos de hedge que buscam aumentar o
tem menos base em salários e é mais voltada para os preço da ação no médio prazo, colocando uma empre-
pacotes que recompensam as melhorias no preço da sa em jogo ou substituindo o CEO. Portanto, nas duas
ação. Isso, por sua vez, levou a um foco quase singular últimas décadas, além de um aumento drástico na pro-
nos lucros por ação (LPA) e no crescimento do LPA porção de compensações do CEO atreladas ao preço
como a métrica do desempenho corporativo. Embora da ação – e um crescimento espantoso na remuneração
todos nós reconheçamos a importância dos outros in- do CEO –, houve uma redução concomitante no tempo
dicadores, como a posição de mercado, as marcas, o médio de mandato desses executivos. Se você acredita
capital intelectual e a competitividade de longo prazo, que os CEOs são mais motivados pelos grandes au-
a tendência é para a utilização de um indicador quanti- mentos na compensação e na riqueza ou pela ameaça
tativo simples que seja facilmente comparado período de a empresa ser vendida ou de serem substituídos,
a período e entre as empresas. Como o crescimento do não deve ficar surpreso ao descobrir tantos CEOs preo-
LPA é um condutor importante da melhoria do preço cupados com os lucros atuais por ação como a melhor
da ação no médio prazo, os gestores são influenciados estimativa do preço da ação, algumas vezes sem con-
contra os investimentos que venham a comprometer siderarem qualquer outra coisa. Um estudo chegou a
o LPA em médio prazo. Muitos decidem usar o exce- mostrar que os altos executivos estavam sempre dis-
dente de dinheiro no balanço para recomprar as ações postos a sacrificar o valor do acionista no longo prazo
da empresa sob o disfarce de “retorno de dinheiro para para satisfazer as expectativas de lucro ou para atenuar
os acionistas”. Mas, apesar da recompra das ações au- os lucros divulgados.
420     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Suspeitamos que a teoria do agente principal seja do isso acontece, o sistema mais comum para dar o
mal aplicada. Os principais mais tradicionais, ou seja, sinal verde para os projetos de investimento apenas
os acionistas, não têm incentivos para acompanhar a reforça as falhas inerentes às ferramentas e os dogmas
saúde de longo prazo de uma empresa. Mais de 90% discutidos anteriormente.
das ações das empresas de capital aberto nos Estados
Unidos são possuídas por carteiras de fundos mútuos, Inovação stage-gate* Inicialmente, a maioria das
fundos de pensão e hedge. Nessas carteiras, o período empresas estabelecidas considera uma ampla gama de
médio de posse das ações é menor do que 10 meses possíveis inovações e peneiram as ideias menos viáveis,
– levando-nos a preferir a expressão “dono da ação” passo a passo, até restarem as mais promissoras. Pro-
como uma descrição mais precisa do que “acionista”. cessos como esses incluem três estágios: viabilidade,
Quanto aos agentes, acreditamos que a maioria dos desenvolvimento e lançamento. Os estágios são sepa-
executivos trabalha incansavelmente, lançando seus rados por stage-gates: reuniões de revisão nas quais as
corações e mentes no trabalho não porque recebam um equipes de projeto divulgam o que realizaram para os
incentivo para agir assim, mas porque adoram o que altos executivos. Com base nesse progresso e no poten-
fazem. Atrelar a compensação do executivo ao preço cial do projeto, os gatekeepers aprovam a passagem da
da ação, portanto, não afeta a intensidade, a energia ou iniciativa para a fase seguinte, fazem-na voltar para o
a inteligência com a qual os executivos atuam. Porém, estágio anterior ou a eliminam.
direciona seus esforços para as atividades cujo impac- Muitos profissionais de marketing e engenheiros re-
to possa ser sentido dentro do horizonte de tempo de ferem-se com desdém ao processo de desenvolvimento
posse do típico dono de ação e dentro do horizonte stage-gate. Por quê? Porque os critérios de decisão fun-
de tempo mensurável do incentivo – ambos durando damentais em cada passagem de estágio são o tamanho
menos de um ano. das receitas projetadas e os lucros do produto e os riscos
Ironicamente, hoje, a maioria dos chamados prin- associados. As receitas dos produtos que aumentam de
cipais são agentes – agentes de outras pessoas em forma incremental em cima do que a empresa está ven-
fundos mútuos, carteiras de investimentos, dotações e dendo hoje podem ser quantificadas de modo confiá-
programas de aposentadoria. Para esses agentes, a em- vel. Entretanto, as propostas para criar crescimento por
presa na qual estão investindo não possui interesse ou meio da exploração de tecnologias, produtos ou mode-
valor inerente além de fornecer uma plataforma para los de negócios disruptivos não podem ser amparadas
por números concretos. Seus mercados são inicialmente
melhorar a métrica financeira de curto prazo pela qual
pequenos e as receitas substanciais geralmente não se
o desempenho do seu fundo é medido e sua própria
materializam durante vários anos. Quando esses pro-
compensação é determinada. Além disso, em uma iro-
jetos são colocados diante de inovações incrementais
nia final grande, porém triste, os principais envolvidos
de sustentação na batalha pelo financiamento, os incre-
(as pessoas que colocam o seu dinheiro em fundos mú-
mentais passam sem dificuldades, enquanto os aparen-
tuos e planos de pensão, algumas vezes ainda por meio
temente mais arriscados são postergados ou morrem.
de outra camada de agentes) são frequentemente os
O processo em si possui dois inconvenientes sé-
mesmos indivíduos cujo emprego de longo prazo fica
rios. Primeiro, as equipes de projeto geralmente sabem
comprometido quando o foco no LPA de curto prazo
como as projeções (como o VPL) devem parecer boas
age restringindo os investimentos nas oportunidades
para que possam obter financiamento e são necessários
de crescimento inovador. Sugerimos que a teoria do
apenas alguns segundos para surgir uma suposição pro-
agente principal é obsoleta nesse contexto. O que te-
vocadora que implique em um novo cenário completo,
mos de verdade é um problema agente-agente, em que
apresentando obstáculos ao projeto. Se, como muitas
os desejos e objetivos do agente dos donos das ações
vezes acontece, houver de 8 a 10 suposições sustentando
concorrem com os desejos e objetivos dos agentes que o modelo financeiro, mudar apenas algumas delas em
comandam a empresa. Os incentivos ainda estão de- meros 2% a 3% pode dar conta do recado. Então, é difí-
salinhados, mas os gestores não devem se render com cil para os altos executivos que agem como gatekeepers
base em um paradigma obsoleto. discernir quais são as hipóteses mais notáveis e até mes-
mo julgar se são realistas.
PROCESSOS QUE APOIAM (OU SABOTAM) O segundo inconveniente é que o sistema stage-gate
A INOVAÇÃO assume que a estratégia proposta é a correta. Depois que
Como temos visto, nas empresas estabelecidas, os ges-
tores empregam métodos analíticos que tornam muito *
N. de T.: Um processo stage-gate é um roteiro conceitual e operacional
difícil justificar os investimentos em inovação. Quan- para mover um projeto de novos produtos desde a ideia até o lançamento.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     421

uma inovação é aprovada, desenvolvida e lançada, tudo O planejamento stage-gate tradicional ofusca os
o que resta é a execução hábil. Se, após o lançamento, pressupostos e lança luz sobre as projeções financeiras.
um produto ficar muito aquém das projeções (e 75% Mas não há necessidade de concentrar o foco analítico
deles ficam), ele será cancelado. O problema é que, ex- nos números porque o desejo de números atraentes nunca
ceto no caso das inovações incrementais, a estratégia foi a questão. O planejamento orientado para a descober-
certa – especialmente qual trabalho o cliente deseja que ta concentra o foco no lugar onde a alta gestão precisa
seja feito – não pode ser completamente conhecida de de luz – os pressupostos que constituem as incertezas
antemão. Ela deve surgir e depois ser refinada. fundamentais. Na maioria das vezes, a falha na inovação
O sistema stage-gate não é adequado para a tarefa de origina-se do fato de ninguém ter feito uma pergunta im-
avaliar inovações cujo objetivo seja o de construir negócios portante, em vez de ter chegado a uma resposta incorreta.
de crescimento novo, mas a maioria das empresas continua Hoje, os processos como o planejamento orientado
a segui-lo simplesmente porque não veem outra alternativa. para a descoberta são utilizados mais nos cenários em-
preendedores do que nas grandes empresas que preci-
Planejamento orientado para a descoberta Feliz- sam desesperadamente deles. Ao relatarmos os pontos
mente, porém, existem sistemas alternativos concebidos fortes de um sistema, esperamos convencer as empresas
especificamente para apoiar investimentos inteligentes estabelecidas a reavaliar sua forma de tomar decisões
no crescimento futuro. Um desses processos, que Rita sobre projetos de investimento.
Gunther McGrath e Ian McMillan chamam de plane-
***
jamento orientado para a descoberta, tem o potencial
de aumentar muito a taxa de sucesso. Essencialmente, Continuamos a redescobrir que o motivo principal
o planejamento orientado para a descoberta inverte a para o fracasso das empresas estabelecidas, quando se
sequência de algumas etapas do processo stage-gate. trata de inovação, é que os gestores não possuem boas
Sua lógica é elegantemente simples. Se todas as equipes ferramentas para ajudá-los a compreender os mercados,
de projeto sabem o quanto os números devem parecer construir marcas, encontrar clientes, escolher emprega-
bons para que possam obter financiamento, por que pas- dos, organizar equipes e desenvolver estratégias. Algu-
sar pelo trabalho de fazer e revisar pressupostos a fim mas das ferramentas utilizadas na análise financeira e
de fabricar um conjunto de números aceitável? Por que na tomada de decisão sobre investimentos distorcem o
não colocar apenas a receita minimamente aceitável, a valor, a importância e a probabilidade de sucesso dos
renda e o fluxo de caixa como a primeira página padrão investimentos em inovação. Há uma maneira melhor de
dos documentos do gate? Então, a segunda página pode as equipes de gestão fazerem suas empresas crescerem.
levantar as questões críticas: “Tudo bem. Então, todos No entanto, elas precisam de coragem para desafiar
nós sabemos o quanto os números precisam parecer alguns paradigmas da análise financeira e de disposição
bons. Que conjunto de pressupostos deve provar-se para desenvolver metodologias alternativas.
verdadeiro para que esses números se materializem?”.
A equipe de projeto cria uma lista de verificações dos
pressupostos a partir dessa análise – uma lista de coisas A rtigo 3 - 1 1
que precisam provar-se verdadeiras para que o projeto
tenha sucesso. Os itens na lista de verificação são clas- Vivendo na linha de falha*
sificados ordenadamente, com os inibidores de negó-
Geoffrey Moore
cios e pressupostos que possam ser testados com pouco
gasto no topo da lista. McGrath e MacMillan chamam
A linha de falha sobre a qual os negócios proporciona-
isso de “declaração reversa dos ganhos”.
dos pela tecnologia são construídos é o ciclo de vida da
Quando um projeto entra em um novo estágio, a lista
adoção da tecnologia. Isso causa mudanças significati-
de verificação de pressupostos é utilizada como base do
vas no alinhamento entre os vários estratos que com-
plano de projeto desse estágio. Porém, não é um plano para
põem a hierarquia da vantagem competitiva. Conse-
executar. É um plano para aprender – para testar o mais
quentemente, as posições de vantagem competitiva que
rapidamente ao custo mais baixo possível se os pressu-
antes pareciam seguras são abruptamente derrubadas e
postos sobre os quais o sucesso é predicado são realmente
as equipes de gestão prestes a comemorar agora devem
válidos. Se um pressuposto crucial provar-se não válido,
lutar para se recuperar. Veja como isso termina.
a equipe de projeto deve rever sua estratégia até que os
pressupostos sobre os quais ele foi construído sejam todos
plausíveis. Se nenhum conjunto de pressupostos plausí- *
Fonte: Capítulo 4 de Geoffrey Moore, Living on the Fault Line, New
veis apoiar o caso de sucesso, o projeto será abortado. York, Harper Business, 2000.
422     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 O ciclo de vida da adoção da tecnologia

Pragmáticos Conservadores

Visionários
Entusiastas Céticos
da tecnologia

Antes que uma tecnologia destrutiva possa ser assi- do que jamais foi possível, já que há muito mais po-
milada em um mercado importante, ela deve passar por der para fazê-las. Além do mais, como essas disrupções
várias fases de adoção, durante as quais o mercado se baseiam-se em disrupções anteriores, tanto a sua fre-
comporta de maneiras diferentes e específicas. O obje- quência quanto o seu impacto cumulativo são cada vez
tivo final de todas essas mutações é criar e preencher maiores, de modo que todos nós nos sentimos como se
uma cadeia de valor sustentável que possa transformar estivéssemos surfando uma onda monstruosa que ainda
a nova tecnologia em ofertas confiáveis e implementá- não mostra nenhum sinal de estar chegando ao topo.
veis. Chamamos esse objetivo de Avenida Central, uma De certo modo, a internet está no centro de toda essa
condição de maturidade comercial na qual os negócios disrupção e, ao mesmo tempo, o ponto de partida para
proporcionados pela tecnologia assemelham-se a mui- uma outra onda ainda maior. Como mudará radicalmen-
tos outros setores da economia. te o poder e a criação de riqueza em praticamente todos
Para chegar à Avenida Central, porém, os mercados os setores de negócios, ela é, na verdade, um limite de
proporcionados pela tecnologia devem passar por três
falha que corre por baixo de toda a economia mundial.
fases anteriores. Portanto, há quatro fases de adoção no
O que ela oferece é ao mesmo tempo estimulante e as-
total e cada uma delas premia uma estratégia de desen-
sustador – mudar totalmente o que você está fazendo
volvimento de mercado muito diferente. Na realidade,
(terror) a fim de alcançar uma ordem de grandeza de
a estratégia de vantagem competitiva que traz o sucesso
maior efetividade (satisfação). Essa é a oferta clássica
em qualquer uma das fases provoca a falha na próxima
fase. Isso cria desafios de gestão extraordinários para as do limite de falha – inovação descontínua proporciona-
organizações que desenvolvem “momento” e “inércia” da pela tecnologia disruptiva. Isso tem sido estudado
em torno de qualquer fase. em profundidade sob o título de difusão da inovação e
Dependendo de quando e como sua empresa passou o modelo que melhor descreve o seu impacto é o ciclo
à proeminência, você pode ter passado pelo seu últi- de vida da adoção da tecnologia.
mo ciclo de vida da adoção da tecnologia vários anos
ou várias décadas atrás. Isso determinará em alguma O CICLO DE VIDA DA ADOÇÃO DA
medida a sua familiaridade com o material abordado TECNOLOGIA
neste artigo. O nosso objetivo é apresentar a dinâmica
O ciclo de vida da adoção da tecnologia modela a res-
do mercado envolvida, de modo que possa ser pronta-
posta de qualquer população à oferta de uma inovação
mente compreendida por todos aqueles envolvidos no
estabelecimento da estratégia. descontínua que força o abandono das infraestruturas e
Gostaria de começar relembrando a todos, mais uma dos sistemas tradicionais pela promessa de um conjunto
vez, que a linha de falha, essa coisa que está nos dei- de benefícios até agora indisponíveis. Esse ciclo repre-
xando loucos ao mesmo tempo que traz a criação de senta essa resposta como uma curva de sino, separando
uma enorme riqueza na economia, é culpa de Moore! cinco subpopulações, conforme ilustra a Figura 1.
Não eu, Geoffrey Moore – mas Gordon Moore! Para ser A curva de sino representa o total de pessoas expos-
específico, a lei de Moore, a qual observa que a indús- tas a uma nova oferta de tecnologia. Os diversos seg-
tria de semicondutores dobra o preço/desempenho dos mentos da curva representam a porcentagem das pessoas
seus produtos aproximadamente a cada oito meses, está previstas para adotar uma ou outra das cinco estratégias
no cerne da erupção contínua das tecnologias disrupti- diferentes para determinar quando e por que transferir
vas que têm caracterizado os últimos vinte anos. Você sua lealdade do antigo para o novo. As cinco estratégias
pode fazer muito mais coisas novas e estranhas hoje desdobram-se sequencialmente da seguinte forma:
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     423

FIGURA 2 Desenvolvimento do mercado proporcionado pela tecnologia

Avenida central

O tornado

O abismo

Mercado inicial A pista de boliche

1. A estratégia do entusiasta da tecnologia é adotar a nova conservadores crescem cada vez mais fora de contato
tecnologia após a sua primeira aparição, em grande durante o período em que não adotam a nova tecnologia
parte apenas para explorar suas propriedades a fim de e podem, se esperarem demais, ficar isolados na tecno-
determinar se é “legal”. Os benefícios reais proporcio- logia antiga que simplesmente não terá equivalente no
nados não precisam ser do interesse das pessoas, mas novo mundo.
o mecanismo pelo qual eles são proporcionados é de 5. Por fim, a estratégia do cético é desmascarar toda a tec-
grande interesse para elas. Se forem entretidas por tal nologia como uma falsa largada e recusar-se a adotá-
mecanismo, elas frequentemente adotam o produto -la. Essa é uma estratégia vencedora quando se trata
apenas para que possam exibi-lo. daquelas tecnologias que nunca ganham a aceitação do
2. A estratégia do visionário é adotar a nova tecnologia mercado principal. No caso das que conseguem essa
como um meio de capturar uma vantagem significativa aceitação, porém, a estratégia cria versões extremas dos
sobre os concorrentes que não a adotarem. O objetivo problemas de isolamento com os quais os conservado-
aqui é ser o primeiro a criar um sistema privilegiado e res deparam.
usar essa vantagem inicial para ultrapassar a concor-
rência e estabelecer uma posição tão mais à frente que Cada uma dessas estratégias tem validade em si
o setor se realinhe em torno desse novo líder. Os visio- mesma e um único indivíduo consegue escolher es-
nários são pessoas independentes que querem fugir do tratégias diferentes para ofertas diferentes. Entretanto,
rebanho e diferenciar-se radicalmente. para qualquer tecnologia, o mercado irá desenvolver-se
3. A estratégia do pragmático é diretamente oposta à do em um padrão característico devido aos efeitos agrega-
visionário. Ele quer permanecer no rebanho, adotando dos de uma população cujas escolhas se distribuem nas
a nova tecnologia se e apenas todos os outros o fizerem proporções esboçadas pela curva de sino. O modelo de
também. O objetivo aqui é usar a sabedoria do mercado desenvolvimento do mercado resultante é idêntico ao
para separar o que tem valor e depois ser um rápido apresentado na Figura 2.
seguidor assim que a nova direção tiver surgido clara- O modelo segmenta a evolução de um mercado com
mente. Os pragmáticos consultam uns aos outros com base em tecnologia da seguinte forma:
frequência sobre quem está adotando o que em um es-
forço para que possam se manter atualizados, mas não • A primeira fase, ou mercado inicial, é um período em
se comprometem com qualquer mudança importante que os entusiastas da tecnologia e visionários adotam
antes de verem primeiro algumas implementações bem- a inovação, enquanto a maioria pragmática se detém.
-sucedidas em outros lugares. Nessa fase, o objetivo de desenvolvimento do mercado é
4. A estratégia do conservador é ater-se à velha tecnologia ganhar alguns clientes emblemáticos e prestigiosos que
o máximo de tempo possível (a) porque ela funciona, ajudem a divulgar a tecnologia e celebrar seus benefí-
(b) porque lhe é familiar e (c) e porque pagou por ela. cios possíveis.
Ao adiarem a transição para a nova plataforma, os con- • Ao mercado inicial, segue o abismo, um período de não
servadores poupam dinheiro e evitam a curva de apren- adoção quando os adotantes iniciais já fizeram suas esco-
dizagem, tornando-se mais produtivos no curto prazo. lhas, mas a maioria pragmática ainda não se decidiu. A
No longo prazo, quando fazem a transição, o sistema barreira para progredir mais é que os pragmáticos estão
está mais completamente depurado e isso também lhes olhando para outros pragmáticos para serem referên-
traz vantagens. A desvantagem dessa estratégia é que os cias, sem que ninguém tenha ido primeiro. O objetivo de
424     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

desenvolvimento do mercado nessa fase é alcançar um base e recuperando as margens por meio do aumento
segmento de pragmáticos que atuem como uma cabeça de do número de extensões agregadoras de valor que pos-
ponte e que possam levar a uma segunda onda de adoção. sam suplementá-la. Em muitos casos, a extensão final
• No desenvolvimento da maioria dos mercados propor- é converter a oferta de uma venda de produto em uma
cionados pela tecnologia, nichos específicos de clientes assinatura de serviços, permitindo que o cliente adquira
pragmáticos adotam a nova tecnologia antes da popula- o benefício do produto sem ter que assumir a responsa-
ção pragmática geral. Chamamos esse período de pista bilidade de mantê-lo.
de boliche, porque o objetivo de desenvolvimento do
É importante observar que o fim do ciclo de vida
mercado é usar o primeiro grupo de adotantes como refe-
da adoção da tecnologia não representa o fim da vida
rência para ajudar a convencer o próximo e assim por
do mercado produtivo dessa tecnologia. A catego-
diante. Tipicamente, “o pino de boliche que se encontra
à frente dos demais” é um nicho de pragmáticos que ria da oferta pode ser sustentada indefinidamente na
tem um problema comercial importante que não pode Avenida Central, chegando ao fim apenas quando a
ser solucionado com a tecnologia atual, mas que reage a próxima inovação descontínua tornar a tecnologia
uma solução construída em torno da nova inovação. Eles anterior obsoleta. Na realidade, independentemente
são os chefes de departamento encarregados de um pro- de toda a ênfase no encurtamento dos ciclos de vida,
cesso de missão crítica. Depois que esse primeiro grupo os mercados na fase Avenida Central normalmente
começa a se mover, é preciso muito pouco esforço para duram décadas após a absorção completa da tecnolo-
vencer a inércia do grupo seguinte. gia que os proporciona – como o carro, o telefone, a
• Como a adoção dos pragmáticos se dá em nichos, sur- televisão, o computador pessoal e o telefone celular.
gem duas possibilidades. Em uma delas, a adoção con- De maneira importante, porém, a hierarquia de mer-
tinua localizada em nichos de mercado, criando um cado definida pela participação nesse mercado que
padrão que chamamos de “eterna pista de boliche”. surge durante as fases Pista de Boliche e Tornado ten-
Nesse padrão, a solução de cada nicho é relativamente de a persistir por toda a vida da fase Avenida Central.
complexa e diferenciada da solução de qualquer outro Isto é, enquanto a Avenida Central representa a dis-
nicho. Como resultado, não surge um mercado de massa tribuição final e duradoura da vantagem competitiva,
e o objetivo de desenvolvimento do mercado é sim- seus limites são estabelecidos antes da sua chegada.
plesmente ampliar os nichos existentes e criar novos à Assim, o sucesso em cada fase anterior do ciclo de
medida que surgir oportunidade. vida é fundamental para construir o sucesso de mer-
No outro padrão, surge uma aplicação que torna cado na fase Avenida Central.
a tecnologia irresistível para o mercado – uma única
aplicação da tecnologia inovadora que proporciona um PARA ONDE NOS DIRIGIMOS
benefício convincente que pode ser padronizado em vá-
Neste artigo, passaremos pela dinâmica de cada uma
rios nichos. Essa aplicação transforma a adoção em ni-
dessas fases, focando três elementos:
cho em uma adoção em massa, criando um enorme au-
mento na demanda pela nova tecnologia em uma ampla 1. O que o mercado está tentando realizar, independente-
gama de setores. Chamamos esse período de tornado mente dos desejos de qualquer indivíduo que dele par-
porque o avanço da demanda de massa é tão veloz que ticipe. A estrutura da nossa discussão será o modelo de
cria um redemoinho que suga o fornecimento do mer- cadeia de valor e como, em cada fase do mercado, os
cado e coloca a categoria em hipercrescimento durante diferentes relacionamentos são privilegiados e vêm à
vários anos. O objetivo de desenvolvimento do merca- tona. O objetivo aqui é descrever as forças que atuam
do aqui é obter o máximo possível de participação de no mercado e definir o contexto em que a empresa sin-
mercado durante um período em que o mercado inteiro gular se encontra em cada fase.
2. Que tipos de vantagem competitiva são úteis em cada
está escolhendo seu fornecedor para uma nova classe de
fase. A estrutura aqui será a do modelo de hierarquia da
oferta proporcionada pela tecnologia.
vantagem competitiva e como, em cada fase do mer-
• Depois que o lado da oferta do mercado finalmente cado, as diferentes formas de vantagem competitiva são
alcança o acúmulo da demanda, a fase tornado desapa- privilegiadas. O objetivo aqui é alinhar a ambição da
rece e o mercado atinge um estado que chamamos de empresa com a intenção do mercado e focar sua gestão
Avenida Central. A nova tecnologia tem sido ampla- nos fatores críticos de sucesso para cada fase. O que
mente utilizada, e, com o apoio dos conservadores, torna isso tão desafiador na frente de execução, onde a
espera-se que se estabeleça agora um compromisso tática preferida é assumir um forte compromisso com
duradouro com a tecnologia estabelecida. Aqui, o obje- uma disciplina de valor único, é que cada fase do mer-
tivo de desenvolvimento do mercado é melhorar conti- cado recompensa duas das quatro disciplinas de valor e
nuamente o valor da oferta, diminuindo os custos de sua pune as duas restantes.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     425

FIGURA 3 Cadeia de valor do mercado inicial

Compradores
Tecnologia Consultoria
técnicos

Produtos e Atendimento Gestores e


acessórios ao cliente usuários US$

Vendas e Compradores
Aplicações
suporte econômicos

Fornecedores de produtos Fornecedores de serviços Clientes

3. Qual é o impacto sobre o preço da ação provocado com base em uma nova plataforma. Na extrema direita,
pelo sucesso em cada fase. Aqui, a estrutura será o há um ou mais executivos visionários no papel de com-
modelo de avaliação GAP/CAP e como, em cada fase prador econômico, que também têm as suas ambições.
do mercado, pode-se esperar que o GAP e o CAP Eles desejam “rearquitetar” os mercados dos quais par-
mudem. O objetivo aqui é alinhar a gestão com os ticipam a fim de instalar sua empresa como a nova lí-
acionistas, substituindo a declaração P&L (Lucros e der do mercado – e querem fazer isso depressa. Esses
Perdas) pelo valor da ação como a métrica funda- compradores econômicos enxergam na nova tecnologia
mental do desempenho da empresa em todas as fases uma oportunidade para alterar a ordem estabelecida e
do mercado que levam à Avenida Central, onde os inserir-se na liderança.
dois voltam a se juntar para interagir para a mesma Entre esses dois polos, no entanto, não há, no mo-
finalidade.
mento, qualquer cadeia de valor que possa relacionar
No final desta revisão, teremos uma estrutura abran- suas ambições. Na realidade, a cadeia de valor exis-
gente para compreender como gerir em prol do valor tente é temida por eles. Existe, porém, uma instituição
ao acionista em cada fase do desenvolvimento de um no mercado que pode construir uma ponte entre os
mercado proporcionado pela tecnologia. Em outras pa- dois e transformar a magia do fornecedor da tecnolo-
lavras, saberemos o que fazer. O objetivo é não ter am- gia no sonho do comprador econômico: a empresa de
biguidades nessa frente. Isso nos deixará com o extra- consultoria. Em vez de incubar uma cadeia de valor no
ordinário desafio de transformar as nossas organizações mercado, essa consultoria criará uma cadeia de valor
para executar essa agenda. temporária para atender as necessidades específicas de
Uma última advertência. O cirurgião-geral está preo­­ um único projeto. Ou seja, eles reunirão os produtos,
cupado porque o restante deste artigo pode provocar as aplicações, as vendas e o suporte, o atendimento ao
vertigem do modelo de mercado. Há dezessete figuras cliente e, em casos extremos, até mesmo substituirão
no artigo inteiro, o que ultrapassa em muito o limite seu próprio pessoal pelo comprador técnico do cliente
recomendado para textos desse tamanho. Tudo o que (e até mesmo os usuários finais do cliente), tudo para
posso fazer é pedir desculpas. Se pudesse encontrar fazer a cadeia de valor funcionar em uma única instân-
uma maneira de escrever o artigo com menos figuras, cia para um único cliente.
eu teria feito. Então, por favor, apertem os cintos du- Nem é preciso dizer que se trata de uma proposi-
rante este voo e, se for o caso, peguem um daqueles ção cara. Entretanto, se compensar, se a empresa pa-
saquinhos. trocinadora realmente saltar à frente da concorrência
em uma nova ordem de mercado, então o visionário
FASE UM DA ADOÇÃO: O MERCADO INICIAL se transformará em um herói e qualquer dinheiro que
tenha sido gasto será um trocado perto da valorização
Estratégia da cadeia de valor no preço das ações da empresa-cliente.
O mercado inicial começa com a ambição de dois públi- Os produtos ainda não estão realmente transforma-
cos que vivem em extremos opostos da cadeia de valor dos em produtos comercialmente viáveis e as aplica-
(ver Figura 3). ções existem basicamente nas apresentações, e não no
Na extrema esquerda, encontra-se o fornecedor de mundo real. No setor de serviços, as vendas, o suporte
tecnologia, o fornecedor da inovação descontínua, com e o atendimento ao cliente são organizações que estão
ambições de construir um mercado inteiramente novo apenas crescendo. Nas corporações, os compradores
426     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Vantagem competitiva no mercado inicial

Inovação Liderança
descontínua de produto

Onda tecnológica

técnicos temem assumir a responsabilidade por qual- dos para fazer funcionar a economia de um modelo de
quer coisa que seja imatura, e os gestores e usuários em negócios focado no produto.
geral consideram que é muito cedo para submeterem-se
à reengenharia de suas funções. Esses públicos não fo- Estratégia de vantagem competitiva
ram excluídos da figura – eles estão presentes durante Em um mercado sem cadeia de valor persistente, que
um projeto de mercado inicial –, mas são tratados mais tipo de vantagem competitiva um patrocinador de ino-
como obstáculos do que como aliados. vação descontínua pode esperar alavancar ou obter?
O que torna distinta a cadeia de valor do mercado Conforme indica a Figura 4, a estratégia de vantagem
inicial é que a consultoria exerce muitos papéis. Para competitiva principal para o mercado inicial consiste em
isso, ela deve funcionar de maneira ineficiente no sen- ser o primeiro a pegar a onda da nova tecnologia. Com
tido de que deve assumir a responsabilidade pelas tare- frequência isso é chamado de vantagem do pioneiro. A
fas para as quais não tem experiência prévia e nenhum Amazon.com, ao pegar primeiro a onda do varejo na
recurso treinado no momento. As pessoas que podem internet, criou uma marca poderosa que seus concorren-
responder a esse desafio são raras e, portanto, a orga- tes não esperam reproduzir, independentemente do quan-
nização tem que cobrar seus serviços a taxas que ul- to invistam. Ao ser o primeiro a introduzir os leilões na
trapassam substancialmente as do contrato de trabalho internet, o eBay também obteve a vantagem do pioneiro,
padrão. Além do mais, como ainda não há um mercado de modo que, quando foi surpreendido com uma aliança
para a nova tecnologia, uma vez feito o projeto, prova- de empresas extremamente poderosas – Microsoft, Dell,
velmente não há outro como ele no pipeline, e, assim, Lycos, Excite –, foi capaz de manter a sua participação
os ativos e sua aprendizagem serão dispersados. Mais de mercado. Quatro anos de publicidade na internet, com
uma vez, isso impulsiona o aumento dos custos do pro- o Yahoo! liderando a lista, reúnem até 85% do total gasto
jeto, já que não podem ser amortizados por meio de – em grande parte devido à vantagem do pioneiro. O sis-
outros esforços. Com isso, a escassez cria ineficiência, tema Sabre para empresas aéreas e outras reservas rela-
que, por sua vez, exacerba mais a escassez. cionadas com viagens teve um histórico similar, mesmo
O resultado final é que nem a cadeia de valor nem com o Apollo e Galileo, entre outros, tendo entrado no
o mercado continuam após o final do projeto (por isso mercado. O mesmo ocorreu com os sistemas de passa-
a ausência de uma seta mostrando como o dinheiro é geiro cativo da United Airlines e American Airlines.
reciclado para criar negócios adicionais). No mercado Em todo caso, a vantagem do pioneiro equivale a
inicial, as vendas para os clientes são tão poucas e es- ter um mercado que comece na sua abordagem única e
parsas que cada uma delas deve ser tratada como um fazer com que os outros corram atrás de você. É uma
evento único. Os fornecedores de serviços podem ga- ótima estratégia – quando funciona. Naturalmente, o
nhar dinheiro sob esse modelo, embora seja um desafio risco é que o mercado nunca avance até adotar o pa-
fazê-lo; os fornecedores de produtos simplesmente não radigma. No momento em que os visionários fizerem
podem. Apesar de o cliente não se importar com o preço seus movimentos, isso será uma grande probabilidade.
e, portanto, não exigir um desconto para fechar a venda, Os visionários estão sempre contrariando as probabili-
simplesmente não há negócios suficientemente repeti- dades em que a maioria dos mercados, como a maioria
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     427

das mutações, morre antes de conseguir se reproduzir tivo não é ser estúpido ou ostentoso, mas, sim, agir com
o suficiente para adquirir persistência. Na realidade, a ousadia no pressuposto de que o mercado vislumbrado,
criação de um mercado é muito semelhante à origem que hoje não existe, surgirá antes de o investimento de
das espécies na natureza, com o mercado inicial equi- capital se esgotar. Pode-se gerir o capital até certo pon-
valendo ao surgimento de pelo menos alguns represen- to, mas não se pode esperar e ver o que acontece; é pre-
tantes vitais da nova ordem. ciso apostar no futuro. Essa é a premissa fundamental
Nessa fase, a métrica fundamental da vantagem do capital de risco, e essa abordagem é o procedimento
competitiva é simplesmente a existência de prova de padrão no Vale do Silício. Mas, em outro lugar, com
ter um ou mais desses representantes. Para o fornecedor outros tipos de capital, ou funcionando dentro das em-
de tecnologia, o teste é um ou mais comprometimentos presas estabelecidas, esse modo parece imprudente ao
corporativos importantes de clientes prestigiosos que extremo e forças acumulam-se rapidamente para dar o
promovem o novo paradigma como uma plataforma tom da sua agressividade.
para a mudança em suas indústrias. Para o cliente, o tes- Esse é o padrão dos acontecimentos narrados em O
te é, se no topo dessa nova plataforma, pode ser promul- Dilema do Inovador. Ironicamente, embora as recor-
gada uma oferta que modifique a indústria. Nenhuma rentes revisões da gestão representem uma tentativa de
das medidas utiliza a participação de mercado. O ob- diminuir o risco, seu efeito na verdade é aumentá-lo.
jetivo em ambos os casos é apenas validar a categoria. Uma vez que se entre em uma concorrência com base
Isso coloca a categoria no mapa e ela entra na corrida. no tempo, o único recurso que não pode ser desperdi-
O benefício para a empresa que patrocina essa nova çado é o tempo, e é exatamente isso que é desperdiçado
iniciativa é que ela ganha bastante atenção, o que atrai à medida que as instituições patrocinadoras desviam
possíveis clientes sem custos adicionais de marketing e a mais e mais energia de gestão em justificativas de in-
posiciona como uma espécie de líder de pensamento em vestimento, em vez de criação de mercado.
sua indústria. Ao mesmo tempo, porém, isso inicia uma
contagem regressiva com a expectativa de que, em algum Disciplinas de valor para o mercado inicial
tempo definível, aparecerão resultados significativos. Se Para executar uma agenda vencedora, as equipes de
não aparecerem, então os clientes perderão prestígio, e os gestão devem entender que o mercado inicial recom-
fornecedores de tecnologia, suas empresas. pensa a inovação descontínua e a liderança de produto,
Em suma, no caso dos fornecedores de tecnologia, a penalizando a intimidade com o cliente e a excelência
vantagem competitiva vem somente do posicionamen- operacional. Portanto, os melhores resultados são obti-
to para um mercado futuro e não da obtenção de van- dos promovendo a primeira e eliminando a última, da
tagem de cadeia de valor ou de segmento de mercado seguinte maneira:
em um mercado imediatamente aproveitável. Aqui, há
uma implicação fundamental para a estratégia corpora- Promover: Inovação descontínua, liderança de produto
tiva – nesse ponto do ciclo de via, não se deve investir O mercado inicial é conduzido pelas demandas dos
para criar vantagem de cadeia de valor ou de segmen- visionários pelas ofertas que criam grandes vantagens
to de mercado. Portanto, a organização fornecedora de competitivas do tipo que lhes permitirá ultrapassar os
tecnologia não deve, nesse ponto, reforçar as vendas, concorrentes na indústria. Para colocar em campo essa
o marketing, o atendimento ao cliente, a manufatura, a inovação, no entanto, ela deve ser transformada em uma
aquisição, a logística, os recursos humanos, os sistemas oferta de produto que possa ser colocada para funcionar
de informação ou até mesmo as projeções financeiras. A no mundo real, o que justifica a necessidade da lideran-
única instituição do lado do fornecimento que deve fa- ça de produto.
zer tais planos é a organização de serviços profissionais,
que, como não está atrelada a qualquer nova tecnologia Eliminar: Intimidade com o cliente, excelência ope-
em particular, consegue amortizar seus investimentos racional
por meio de uma carteira de “todas as coisas novas”. Quando as tecnologias são novas, ainda não há mer-
Para todos os demais participantes do lado do forneci- cados-alvo e, com isso, a intimidade com o cliente não
mento, no entanto, o acúmulo de infraestrutura no mer- é prática. Além disso, as inovações descontínuas exi-
cado inicial é uma estratégia ruim. gem enorme tolerância e sacrifício do cliente à medida
Quanto ao cliente, a principal vantagem competiti- que são depuradas, mais uma vez não é um momento
va a ser explorada é o tempo. A vantagem do pioneiro para colocar o cliente em primeiro lugar. Ao mesmo
diminui, então essa é uma concorrência que vai para o tempo, como tudo é tão novo e ainda há tanto para ser
mais ágil. A prudência não é a ordem do dia – deve ser descoberto, é igualmente impraticável visar a excelên-
suplantada pela aceitação agressiva aos riscos. O obje- cia operacional. Há simplesmente muita quantidade de
428     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 5 Impacto do sucesso do mercado inicial sobre o


preço da ação

Sim!

???????????????
???????????????????
GAP da ??????????????????????
vantagem ?????????????????????????
competitiva ????????????????????????????
??????????????????????????????
Ainda não
Período de vantagem competitiva

produtos, processos e procedimentos a inventar, e então de risco, o impacto do sucesso do mercado inicial
diversificar antes de prosseguir essa disciplina de va- será enorme. Considere que a sua primeira rodada de
lor seria razoável. Em vez disso, deve-se fazer as pazes financiamento baseou-se no valor de mercado atual
com a estratégia “Vai feio, mas vai cedo”. estimado por uma equipe fundadora e tal estimativa
Não nos surpreende o fato de as organizações orien- baseia-se puramente na reputação dessa equipe. Para
tadas pela engenharia, que ressoam com as disciplinas obter uma segunda rodada com uma avaliação supe-
de valor a favor, serem muito mais bem-sucedidas nas rior, seria necessário angariar pelo menos um cliente
iniciativas de mercado inicial do que aquelas capitanea­ emblemático. Dependendo de quão alto a bandeira é
das pelo marketing ou pelas operações que se inclinam levantada, a segunda rodada de avaliações pode usu-
para as disciplinas de valor que devem ser suprimidas. fruir de aumentos percentuais bem significativos. De
Daqui em diante, ao observarmos cada fase do ciclo de onde vem esse novo valor? Não tem nada a ver com
vida, veremos que certas disciplinas serão premiadas ou as receitas ou os lucros reais, embora quanto maior
penalizadas e também certos tipos de organização serão o negócio, melhor. Mas, tem tudo a ver com a utili-
mais bem-sucedidos. dade do novo cliente em comunicar a proposição de
valor da empresa e demonstrar a vantagem de ser o
Implicações para o preço das ações primeiro. Isso é o que captura a imaginação e o en-
Os investidores com orientação tecnológica interessam- tusiasmo do investidor na segunda rodada. Portanto,
-se muito pelos desenvolvimentos de mercado inicial, ganhar um negócio emblemático no mercado inicial
pois há uma expectativa de que possam entrar na “pró- é um grande negócio para as start-ups.
xima grande coisa” antes que a maior parte dos investi- No caso das grandes empresas públicas, entre-
dores se agarre a ela. Ao mesmo tempo, no entanto, eles tanto, a questão é mais problemática. As receitas
têm receio de serem vítimas de muita esperança que corporativas totais e os lucros exercem um papel
jamais se torne uma vantagem competitiva sustentável. tão dominante na valorização que a comunicação
Esse dilema é refletido no gráfico da Figura 5. dos ganhos no mercado inicial, que não se mostram
O gráfico chama a atenção para as implicações po- em números, deve ser gerida cuidadosamente para
sitivas e negativas do que já foi realizado – ou seja, extrair valor do acionista. O público-alvo a ser in-
que alguns clientes assumiram um grande compromisso fluenciado é a comunidade de analistas de inves-
com a nova tecnologia. No lado positivo, isso pode ser timentos, então essa comunicação deve ser cana-
prova do conceito de que há um verdadeiro GAP. Trata- lizada por meio do departamento de relações com
-se de um grande passo a partir do GAP teórico, que é a investidores. Infelizmente, ao longo do tempo, esse
sombra de um gráfico GAP/CAP. departamento tende a tornar-se “focado financei-
No lado negativo, não há nenhuma prova de qualquer ramente”, sendo vítima da miopia do P&L, porque
CAP. Ainda não há nenhuma evidência de um merca- essa é a orientação padrão para os analistas de in-
do sustentável. É por isso que temos uma sombra de um vestimentos em seus interrogatórios. Para livrar-se
gráfico. Como não há nenhuma cadeia de valor em vista, disso, o CEO tem que ser o comunicador dos ga-
ainda não está claro exatamente quanto terreno foi toma- nhos, posicionando-os não como um evento finan-
do. Daí a questão: “É ou não é a próxima grande coisa?”. ceiro, mas como um evento de criação de mercado e
Todavia, se a empresa que estiver patrocinando segurando esse único cliente conquistado como um
a inovação for uma start-up amparada por capital ícone para futuros fluxos de lucros potenciais.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     429

Se essa abordagem for bem-sucedida, a ação de uma mento sobre decisões de compra tecnológica. Conven-
empresa pública subirá suavemente em um efeito halo*. cer pragmáticos individuais a agir na frente do rebanho
Em geral, porém, a história mostra que as empresas pú- é possível, mas muito difícil, e o custo das vendas mais
blicas tendem a subestimar os ganhos do mercado ini- do que devora a margem da venda em si.
cial em suas relações com os investidores. Isso cria uma • Os pragmáticos avaliam toda a cadeia de valor, e não
tela relativamente em branco sobre a qual as start-ups apenas a oferta específica de produto, quando compram
podem pintar. Isso costumava ser irrelevante porque os uma nova tecnologia. As cadeias de fornecimento for-
analistas de investimentos seguem apenas as empresas mam-se em torno de rebanhos e não de clientes indi-
públicas. Porém, na era da internet, a transição de pri- viduais. É necessário que haja negócios repetidos sufi-
vado para público chega tão cedo a uma empresa que cientes no fluxo para recompensar o investimento de
os analistas têm que acompanhar as start-ups se qui- especialização na nova tecnologia. Negócios esporádi-
serem ter alguma chance de vencer seus negócios de cos, por maiores que possam ser, não criam cadeias de
fornecimento persistentes.
IPO. Uma vez que os analistas comprometeram-se com
a ideia de próximo mercado, isso começa a afetar suas A métrica visível para cruzar o abismo, portanto, é
ideias de valorização a respeito do mercado estabele- criar um mercado e uma cadeia de valor onde antes não
cido. Em suma, é cada vez mais insensato a equipe de havia nem um nem outro. Trata-se de uma tarefa difí-
relações com investidores nas empresas estabelecidas cil. Para aumentar suas chances de sucesso e diminuir
negligenciar os eventos de mercado inicial, tanto dentro o tempo que leva para realizar, é melhor concentrar o
de suas empresas quanto no mercado em volta delas. esforço primeiro na criação de um mercado de nicho
Para fechar essa conta da estratégia de desenvolvi- antes de tentar criar um de massa. É prudente minimizar
mento de mercado para o mercado inicial, o foco central o número de variáveis de risco.
está em ganhar alguns clientes emblemáticos, a fim de Pense no mercado de nicho como um sistema autô-
demonstrar para o mercado e para os investidores que a nomo de comércio com o seu próprio conjunto local de
empresa tem a vantagem do pioneirismo ao pegar uma necessidades e desejos especiais. Isolado do mercado
nova onda tecnológica. Essas comunicações são volta- principal, que não atende a essas necessidades espe-
das para os visionários e outros membros vanguardistas ciais, ele oferece uma incubadora de cadeia de valor
do mercado. Os pragmáticos no mesmo mercado escu- para os mercados emergentes proporcionados pela tec-
tam casualmente essas comunicações, com interesse. nologia. Ou seja, seu isolamento protege a nova cadeia
Essa pode ser a próxima coisa que adotarão – mas não frágil dos ataques competitivos diretos da cadeia de va-
agora. O próximo desafio de desenvolvimento de mer- lor estabelecida. A comunidade de clientes, na prática,
cado é passar esse primeiro conjunto dos pragmáticos alimenta a empresa nascente porque espera obter gran-
pela janela da adoção. des benefícios com isso.

FASE DOIS DA ADOÇÃO: ATRAVESSAR O Estratégia de cadeia de valor


ABISMO RUMO À PISTA DE BOLICHE Para visualizar as mudanças na passagem do merca-
Para as tecnologias ganharem aceitação persistente no do inicial para a pista de boliche, voltemos ao nosso
mercado, elas devem cruzar o abismo e assumir uma diagrama da cadeia de valor, com foco, agora, em um
posição no outro lado. Agora estamos no reino dos prag- novo conjunto de formadores de mercado, como mostra
máticos. Para fazer com que os pragmáticos se mexam, a Figura 6.
as empresas têm que repensar seu objetivo de marketing No lado direito da cadeia, os gestores no domínio do
do mercado inicial. Nesse mercado, o objetivo é ganhar cliente representam o rebanho montado previamente,
um cliente e depois outro e mais outro. No entanto, para uma agregação da demanda relativamente homogênea.
cruzar o abismo, você precisa conquistar um rebanho. Eles são os chefes de departamento encarregados de um
Eis algumas razões para fazer isso: processo de missão crítica incompleto, todos amontoa-
dos em uma massa. Na outra extremidade, o fornece-
• Os pragmáticos só se sentem confortáveis quando andam dor de aplicações no domínio do produto oferece uma
em rebanhos. É por isso que pedem referências e usam solução relativamente homogênea para esse problema
o boca a boca como sua fonte principal de aconselha- do rebanho. Ele trará sua solução ao mercado por meio
de uma organização de vendas e suporte, onde o que
*
N. de R.T.: Efeito Halo é a possibilidade de que a avaliação de um item realmente conta é a função de suporte. Isso acontece
possa interferir no julgamento sobre outros fatores, contaminando o re- porque, no início de um mercado, os demais parceiros
sultado geral. Por exemplo, inicialmente se avaliarmos alguma pessoa
como “honesta”, teremos a tendência de lhe associar características posi- da cadeia de valor estão apenas sendo recrutados e não
tivas, tais como leal, sociável, simpática, etc. se pode contar com eles para montar corretamente o
430     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 6 Cadeia de valor da pista de boliche

Compradores
Tecnologia Consultoria
técnicos

Produtos e Atendimento Gestores e


acessórios ao cliente usuários

US$

Vendas e Compradores
Aplicações
suporte econômicos

Fornecedores de produtos Fornecedores de serviços Clientes

produto inteiro por conta própria. Mais tarde, esses avançar. Se qualquer mercado cair em uma determinada
mesmos parceiros concorrerão para assumir a função condição de dominância, ele será avesso à mudanças.
de suporte – e o fornecedor de aplicações esclarecido Todos na cadeia de valor – os fornecedores da tec-
vai deixá-los, já que isso ampliará muito seu mercado nologia essencial, as empresas de hardware e software,
e sua pesquisa – mas, por enquanto, é tudo muito novo. os consultores de empresas e os integradores de siste-
Então, a equipe de suporte do fornecedor de aplicações mas, o pessoal de atendimento ao cliente e até mesmo
deve tomar a frente no trabalho por meio de todas as fa- o pessoal técnico do próprio cliente – assumem feli-
lhas até surgir um produto inteiro funcionando, mesmo zes uma posição secundária. Isso porque todos ope-
quando o problema não seja dela, mas, sim, de alguma rarão principalmente como generalistas a um custo
outra parte da oferta. compensador, realizando modificações relativamente
Note que a seta de reciclagem do dinheiro agora vol- pequenas em sua maneira de fazer negócio, enquanto
tou à figura. Esse é o ponto principal da estratégia de o fornecedor de aplicações, que interage intimamente
nicho de mercado. Agora estamos criando, pela primei- com os gestores do departamento que tem o problema,
ra vez, um mercado persistente autofinanciado, onde os deve operar como um especialista criador de valor e
ganhos econômicos do cliente levam ao investimento investir significativamente para conseguir fazê-lo de
maneira eficiente.
crescente e permanente nos produtos e serviços que os
originam. Mesmo que nenhum outro mercado jamais Estratégia de vantagem competitiva
adote essa tecnologia, ainda será economicamente viá­
A estratégia de vantagem competitiva para essa fase da
vel manter esse nicho. Com certeza, os retornos não
adoção da tecnologia assemelha-se à Figura 7.
serão tudo o que os investidores esperam, mas também
A capacidade de aproveitar a onda tecnológica para
não serão um fracasso total. Isso acontece porque os
solucionar o problema crítico de um ou mais mercados
mercados de nicho têm vantagens competitivas per-
de nicho é o que cria poder nessa fase, o qual vai prin-
sistentes, o que permite que eles se sustentem mesmo
cipalmente para o fornecedor de aplicações. À medida
quando o mercado em geral não apoia os seus esforços.
que mais e mais gestores pragmáticos no nicho virem
Além do mais, se a cadeia de valor ampliar seu alcan- seus colegas serem bem-sucedidos, eles também se
ce para nichos adicionais, então ela poderá acrescentar apresentarão e insistirão em comprar a aplicação desse
crescimento de mercado às suas margens de preço já fornecedor. Portanto, todas as outras empresas na cadeia
atraentes para produzir retornos altamente atraentes. de valor tornam-se dependentes das boas graças de um
Os maiores beneficiários dessa estratégia são os fornecedor para obter bons negócios. Na prática, cria-se
fornecedores de aplicações, que tiram proveito da nova uma forma de dominação da cadeia de valor, mas restri-
onda de tecnologia para as necessidades específicas do ta somente aos nichos atendidos, cujas propriedades são
segmento-alvo e arregimentam o resto da cadeia de va- muito diferentes – com uma avaliação bem distinta – do
lor para apoiar esse esforço. Como o fornecedor de apli- tipo de dominação ampla de mercado horizontal que
cações é a empresa que realmente “forma o mercado”, veremos se desenvolver dentro do tornado.
ele adquire uma vantagem competitiva dominante no Como colhem a maior parte das recompensas, é
mercado específico durante o período de formação des- relativamente fácil para os fornecedores de aplicações
se mercado. Essa vantagem persistirá indefinidamente, compreenderem e adotarem o marketing de nicho, es-
mesmo após o ciclo de vida da adoção da tecnologia pecialmente se a alternativa for passar mais um ano no
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     431

FIGURA 7 Vantagem competitiva na pista de boliche

Liderança Intimidade com


de produto o cliente

Liderança de segmento de mercado

Onda tecnológica

abismo. Entretanto, é muito mais problemático para uma – a etapa intermediária é tão desconectada do resultado
empresa dona de plataforma de produtos ou serviços de final que é difícil justificar a sua adoção. Entretanto,
transação adotá-lo. Seus planos de negócios baseiam-se agora temos história suficiente para mostrar que não dar
normalmente na ampla adoção horizontal de vários seg- esse passo é fatal – como foi demonstrado pelos fracas-
mentos de negócio ou em uma amostra representativa sos de desenvolvimento de mercado das redes ISDN,
de clientes. Eles não estão posicionados para irem além dos bancos de dados orientados a objetos, do sistema
dos mercados de nicho. A experiência no domínio da operacional OS/2 da IBM, dos computadores com base
indústria vertical tem pouco valor para eles, e subordi- em caneta, dos protocolos de conectividade via infra-
nar-se voluntariamente a um fornecedor de aplicações vermelho e da inteligência artificial.
apenas para poder entrar em um nicho pequeno parece Sem dúvida, uma vez estabelecido um mercado de
um preço alto demais a pagar. Além disso, mesmo que nicho inicial, a estratégia vencedora para os plataformas
a tática seja bem-sucedida, o fluxo de pedidos resultante de produtos e serviços de transação realmente dividiu os
será relativamente modesto e, pior, poderá fazer com fornecedores de aplicações. Para estes, o caminho mais
que o resto do mercado perceba a empresa como parti- poderoso para avançar é continuar na pista de boliche –
cipante de nicho. Por todas essas razões muito boas, os esse é o seu ponto ideal –, expandindo-se de nicho para
nicho, seguindo uma estratégia de pino de boliche. Dessa
fornecedores de plataformas de produtos e serviços de
maneira, tais empresas podem pensar sobre o seu cami-
transação tendem a esquivar-se da abordagem de nicho
nho por meio de vários mercados com uma probabilidade
para cruzar o abismo. E, no entanto, ainda é um erro. A
muito alta de garantir posições dominantes na maioria
seguir, apresentamos as razões.
dos seus nichos. Trata-se de uma estratégia “pista de bo-
Como veremos mais adiante, as plataformas são oti-
liche para sempre” focada em preservar a complexida-
mizadas para os mercados na fase tornado, e as ofertas
de, a fim de criar uma fonte de margens de lucro para si
de serviços de transação, para a fase Avenida Central. mesmas e seus parceiros de serviços. Ela acaba trocando
Essas são as fases do ciclo de vida em que brilharão. En- a escala maciça em favor da dominância local e acaba
tão, sua estratégia deve ser acelerar a adoção da tecno- fazendo a transição para a Avenida Central como líder
logia para começar a “sua” fase o mais rápido possível. em um conjunto de mercados verticais maduros.
O tempo perdido no abismo para ambas as estratégias Para as empresas de plataforma de produtos e serviços
representa um enorme custo de oportunidade, dando de transação, o objetivo deve ser superar completamente
aos seus concorrentes uma chance de obter a vantagem os nichos o mais rápido possível. Elas podem buscar uma
de ser o primeiro enquanto elas mesmas não progridem. aplicação matadora* – um programa de processamento
Isso faz da saída mais breve possível do abismo o seu
principal imperativo estratégico – por isso, a sua neces- *
N. de T.: No jargão dos tecnologistas, a expressão killer app (aplicação
sidade de realizar o ato reconhecidamente artificial do matadora) tem sido usada para se referir a qualquer programa de compu-
marketing de nicho. Certamente, é como pedir a uma tador que seja tão necessário ou desejável que prova o valor central de
algumas das maiores tecnologias, como hardware de computador, con-
lagarta cujo objetivo é transformar-se em uma borbo- sole de jogos, software ou um sistema operacional. Uma killer app pode
leta que fie-se dentro de um casulo e realize a mudança aumentar substancialmente as vendas da plataforma em que é executada.
432     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

de texto, planilha eletrônica, e-mail, correio de voz, um uma aposta patrocinando simultaneamente incursões
website, um servidor de comércio eletrônico – que possa orientadas para rebanhos distintos é uma estratégia
ser adotado por setores inteiros da economia de uma só ruim. As organizações orientadas pela engenharia e
vez para alavancar seus modelos horizontais de negócio operações, no entanto, são atraídas para essa aborda-
a fim de que estes possam ser escalados rapidamente. No gem porque temem que a empresa esteja colocando
entanto, os estudiosos do ciclo de vida devem notar que, todos os ovos no mesmo cesto. Naturalmente, é exata-
na era anterior ao processamento de texto mais difundi- mente isso que ela está fazendo. É uma boa estratégia
do, havia soluções específicas de segmentos para advo- porque apenas pela criação de massa crítica pode-se
gados, médicos, consultores e funções governamentais. mover um mercado e trazer à existência uma nova
Elas foram uma pedra fundamental para se chegar a um cadeia de valor. A menos que possam aproveitar os
mercado de massa. ventos do tornado soprando em outros mercados, as
iniciativas alternativas subtraem da massa necessária
Disciplinas de valor para a pista de boliche e, ironicamente, aumentam em vez de diminuírem o
Para executar uma estratégia de nicho em um mercado risco de mercado.
emergente proporcionado pela tecnologia, as empresas
têm que realinhar sua orientação de disciplina de valor Implicações no preço das ações
a fim de satisfazer um novo conjunto de prioridades do Para ajudar as equipes de gestão das empresas públi-
mercado, o que pode ser feito da seguinte forma: cas a apoiar o que, à primeira vista, vai parecer um es-
forço excessivamente focado de desenvolvimento do
Promover: Liderança de produto, intimidade com mercado, é útil mostrar-lhes o impacto que o sucesso
o cliente da pista de boliche pode ter no preço das ações. A Fi-
A pista de boliche é guiada pelas demandas dos gura 8 ilustra as implicações GAP/CAP de ganhar um
pragmáticos de um produto completo que resolverá mercado de nicho.
um processo crítico de negócio. O fato de o processo O tamanho da curva escura sombreada representa
não responder ao tratamento convencional invoca a ne- a valorização adquirida por ganhar a liderança de mer-
cessidade da liderança de produto. O fato de o produto cado no primeiro nicho ou pino principal. Trata-se de
completo ter que integrar elementos específicos de um uma função da quantidade de participação de mercado
determinado segmento vertical invoca a necessidade de adquirida pelas vendas da nova categoria nesse nicho.
intimidade com o cliente. No Chasm Group*, utilizamos um sistema de classifica-
ção em três níveis:
Eliminar: Inovação descontínua, excelência operacional 3 0% de participação das novas vendas e você pode
Os gestores de departamento pragmáticos sob pres- se chamar: Um líder
são para resolver um processo crítico não têm tempo 50% de participação das novas vendas e você pode
nem recursos para a depuração de uma inovação des- se chamar: O líder
contínua. Ao mesmo tempo, sua necessidade de atenção 70% de participação das novas vendas e você pode
especial é incompatível com o tipo de padronização ne- se chamar: O dominador
cessária para a excelência operacional.
As organizações conduzidas pelo marketing são Para que a estratégia da pista de boliche funcione
melhores para atravessar o abismo, especificamente adequadamente, as empresas devem tornar-se “o do-
aquelas que combinam forte experiência de domínio no minador” no primeiro nicho que atacarem e depois al-
segmento de mercado-alvo com uma orientação para cançarem o status de “o líder” no próximo ou nos dois
soluções. As organizações orientadas pelas operações próximos nichos. Depois disso, qualquer uma das três
lutam com a quantidade de customizações necessárias classificações contribui para o impulso de participação
que não podem ser amortizadas por outros segmentos, de mercado global no setor. A lógica para essas regras
é que, no início, o rebanho pragmático deve ouvir um
pois isso vai contra a lógica da eficiência. As organiza-
claro consenso em torno de um conjunto formando
ções orientadas pela engenharia lutam com a falta de
uma única solução, então eles hesitarão em suas de-
simetria de produtos, resultante do fato de privilegiar
cisões de compra e o esforço de captura de mercado
um conjunto de problemas de um nicho em detrimento
perderá o impulso.
de toda uma série de outras melhorias necessárias.
Para vencer com essa estratégia, o fator crítico de
sucesso é o foco – especificamente, fazer o que for
preciso para conseguir que esse primeiro rebanho de *
N. de R.T.: Trata-se de um grupo de consultores liderados pelo autor
pragmáticos adote em massa a nova tecnologia. Cobrir deste artigo, sr. Geoffrey A. Moore.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     433

FIGURA 8 Impacto do sucesso na travessia do abismo sobre o preço das ações

Sim

4
3
GAP da 2
vantagem
competitiva Pino principal

Sim...
Período de vantagem competitiva

Então, suponhamos que, no nicho do pino princi- vez garantindo uma posição de liderança forte com alto
pal, você obtenha o status de dominador e que tenha GAP e longo CAP.
alguns outros nichos em desenvolvimento: “O quan- Enfim, se você for uma empresa de plataforma de
to isso vale para os investidores?”. Primeiro, como o produtos ou serviços de transação, poderá se preocu-
dominador do primeiro nicho, isso significa que você par com o fato de os seus investidores ficarem confusos
tem um GAP muito alto, senão outros teriam obtido com muita ênfase no que é, em essência, um sucesso no
uma porcentagem maior das novas vendas. Segundo, mercado de nicho. Nesse caso, a gestão muitas vezes é
significa que você garantiu um CAP longo para esse tentada a subestimar a realização na formação do mer-
nicho, porque, agora que a cadeia de valor se formou cado, o que é um grande erro. Atravessar o abismo é
em torno dos seus padrões, existem enormes barrei- uma grande realização e você deve levar os créditos por
ras para a entrada dos concorrentes e barreiras para isso. O objetivo é anunciar a aceitação do mercado prin-
a saída de clientes e parceiros. Então, diferentemente cipal para a sua nova oferta, mencionando todo o rumor
do mercado inicial, onde você criou valor potencial que se formou em torno de você no mercado de nicho
para o acionista, agora criou valor real para ele – daí a visado e interpretar isso “criativamente” como um pre-
sombra escura na primeira curva. núncio da adoção em massa ao virar a esquina. Se não
Pela primeira vez, portanto, Wall Street pode es- fizer isso, você deixará a porta aberta para algum outro
timar com confiança o valor presente dos ganhos concorrente proveniente de algum outro nicho reivindi-
futuros pelo menos dentro desse nicho. Para uma car essa realização para si.
empresa start-up no setor de aplicativos de softwa- Para finalizar a nossa discussão sobre a gestão do
re, essa estimativa pode ser suficiente para merecer valor do acionista na pista de boliche, o foco central
uma oferta pública. Ou seja, pode-se esperar que nessa fase está na criação da cadeia de valor e na do-
uma posição de dominador gerasse ganhos de alta minação do segmento de mercado, ambas levando à
qualidade por um longo tempo, e se estes forem os vantagem competitiva persistente, particularmen-
primeiros ganhos da sua empresa, eles abrirão um te para os fornecedores de aplicações. Para todos os
futuro promissor. demais nessa fase, atravessar o abismo é um veículo
Todavia, se você já é uma empresa pública com um de transição fundamental para as futuras posições de
fluxo de ganhos substancial, então o impacto do seu vantagem competitiva. As mais poderosas são criadas
P&L a partir da adição do novo nicho pode ser despre- dentro do tornado.
zível. Sem uma visão de como a dominância do nicho
local pode ser alavancada em nichos adicionais, pode-
FASE TRÊS DA ADOÇÃO: DENTRO DO
-se obter apenas um valor modesto para o acionista.
TORNADO
Você simplesmente tem que ir mais longe com a his-
tória para ganhar o aumento no preço das ações. Isso Um tornado ocorre sempre que todos os pragmáticos,
é o que chamamos de eixo CAP “Sim...”. Para superar em vários setores do mercado, decidem simultanea-
a persistente preocupação com o investimento sobre o mente que é o momento de adotar um novo paradigma
futuro tamanho do mercado, é fundamental comunicar – em outras palavras, quando há um estouro do rebanho
a visão maior, educando o investidor por meio da me- de pragmáticos. Isso cria um aumento significativo na
táfora da pista de boliche, mostrando como a empresa demanda que ultrapassa amplamente o abastecimento
crescerá em um segundo, terceiro e quarto nichos, cada atualmente disponível e invoca categorias inteiras de
434     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 9 Cadeias de valor na fase tornado

Compradores
Tecnologia Consultoria
técnicos

Produtos e Atendimento Gestores e


acessórios ao cliente usuários

US$

Vendas e Compradores
Aplicações
suporte econômicos

Fornecedores de produtos Fornecedores de serviços Clientes

fornecedores, que reconfigurarão suas ofertas para sa- os casos, os fornecedores de plataformas de produtos,
tisfazer as necessidades de uma nova cadeia de valor. e não os fornecedores de aplicações matadoras, foram
os vencedores definitivos do grande tornado, porque, à
Estratégia de cadeia de valor medida que outras aplicações passaram a ser disponibi-
A força de mercado predominante que está moldando a lizadas on-line, eles criaram ainda mais demanda para
cadeia de valor na fase tornado é o desejo de todos no suas plataformas.
mercado, começando pelo cliente, mas passando rapi- • Na esfera dos serviços, é a função de vendas e suporte,
damente por todos os outros fornecedores, de promover com ênfase nas vendas, que leva a melhor. A desvanta-
a transição para um novo paradigma o mais rápido pos- gem da consultoria é que seus projetos são complexos
demais, demoram muito e exigem recursos escassos
sível. Isso traz à tona os três constituintes destacados
demais para permitir que um tornado avance. A desvan-
na Figura 9.
tagem do atendimento ao cliente é concentrar-se demais
Cada um desses elementos constituintes está bem
em atender os clientes existentes no momento em que a
posicionado para beneficiar-se da padronização para a
grande ênfase deve residir na aquisição de novos.
implantação rápida. Na fase tornado, gerar vendas não é um problema de
• Na esfera dos produtos, são os produtos, e não a tecno- conquistar um cliente nem vencer a concorrência. Por-
logia e as aplicações, que assumem a posição privile- tanto, é essencial colocar em campo a força de vendas
giada. O problema com a tecnologia é que ela é maleável mais competitiva que você puder nesse momento. Como
demais para ser produzida em massa e, portanto, não muita riqueza está mudando de mãos e como as conse-
se presta à proliferação rápida da infraestrutura padrão quências de longo prazo da participação de mercado são
comum. O problema com as aplicações é que elas tão grandes, as táticas de venda na fase tornado são bru-
devem ser personalizadas para processos específicos dos tais e a agressividade das vendas é a disciplina central.
setores e, então, mais uma vez não são implantadas tão Quanto ao suporte, a questão fundamental é conseguir
rapidamente quanto se deseja. Por sua vez, os produtos, novos clientes o mais rápido possível e depois passar
especificamente aqueles que servem como plataforma para o próximo cliente novo. Quanto mais prático for o
para uma ampla gama de aplicações, são o motor ideal processo, mais rápido ele se reproduzirá e mais clientes
para a proliferação do paradigma. novos você conseguirá absorver. O impulso é a excelên-
Agora, sem dúvida, deve haver pelo menos uma apli- cia operacional, e não a intimidade com o cliente. Não
cação que justifique a compra da plataforma em pri- se trata de um perfil de suporte normal, então mais uma
meiro lugar, mas, em uma fase tornado, essa aplicação vez focar a equipe na disciplina de valor correta é uma
tem que ser essencialmente a mesma para cada setor. responsabilidade executiva fundamental.
Tal aplicação se chama aplicação matadora e torna- • Com relação ao cliente na cadeia de valor, o foco é o
-se o foco da expansão horizontal por meio de muitos comprador técnico, e não os departamentos de usuário
setores da economia. A contabilidade foi a aplicação final nem o comprador econômico. O problema com
matadora para os computadores de grande porte; a os usuários finais é que eles buscam inevitavelmente a
automação da manufatura, para os minicomputadores; customização para satisfazer necessidades específicas
o processador de textos, para os PCs; o projeto assis- do departamento. Essa complexidade não só contraria
tido por computador, para as estações de trabalho; e o os desejos do fornecedor, mas também trabalha contra
correio eletrônico, para as redes locais. Mas, em todos o imperativo da instituição anfitriã de implantar a nova
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     435

FIGURA 10 Vantagem competitiva na fase tornado

Liderança Excelência
de produto operacional

Dominação da cadeia de valor

Onda tecnológica

infraestrutura para todos na empresa o mais rápido pos- entrar em sua fase tornado. A adoção em massa do mer-
sível. Essa implantação rápida requer uma abordagem cado é uma terrível força de criação de mercado que
genérica para a implantação inicial, algo que o com- causa estragos na base instalada e enraizada na velha
prador técnico entende muito melhor do que o usuário tecnologia. Enquanto as empresas estabelecidas recuam
final. Também não é o momento de cortejar os altos sob o impacto dessa força para proteger suas bases
executivos em seu papel de compradores econômicos. instaladas cada vez mais conservadoras, sua empresa
Uma vez que o tornado está a caminho, eles sentem avança com a nova onda de adoção para ocupar seu ter-
a necessidade de passar para a nova infraestrutura e
reno perdido. Essa é a vantagem da categoria em ação
delegar a tarefa, incluindo o processo de seleção, para
e sozinha ela aumentará o preço das suas ações – daí a
o seu pessoal técnico.
Quando os compradores técnicos tornam-se o cliente- corrida de todos os fornecedores no setor para se posi-
-alvo, a motivação deles para comprar impulsiona os cionarem na popularidade do que quer que essa nova
resultados das vendas. No topo de sua lista, encontra-se categoria seja.
a conformidade com os padrões comuns, seguida pelo O segundo elemento da vantagem competitiva de-
status da liderança de mercado, que é sinalizado inicial- riva da institucionalização potencial das principais em-
mente pelas parcerias com outros líderes de mercado e, presas formadoras de mercado como líderes ou domina-
mais tarde, confirmado pela participação de mercado. O doras da cadeia de valor… Ou seja, para cada elemento
maior desafio dos compradores técnicos é a integração na cadeia de valor, os mercados tornados buscam um
de sistemas e é aí que a função de suporte pode contri- único fornecedor líder de mercado para estabelecer os
buir para implantações mais rápidas, criando interfaces padrões do componente. Esse papel normalmente vai
padrão para os sistemas legados mais prevalentes. para a empresa que acumula a maioria dos novos clien-
A fase tornado, em essência, é uma grande disputa tes no início da corrida. Além disso, quando uma única
de território – uma luta ferrenha para capturar a maior empresa consegue ganhar poder sobre o resto da cadeia
quantidade possível de clientes durante o estouro do de valor, em geral, o poder de reter sua tecnologia pro-
rebanho de pragmáticos para o novo paradigma. O au- prietária e assim frustrar a totalidade da oferta, os mer-
mento do valor para o acionista gira completamente em cados concedem ainda mais privilégio a ela.
torno da maximização da participação de mercado, e, O poder da liderança em participação de mercado
para esse fim, há três fontes de alavancagem da vanta- está enraizado na preferência pragmática de fazer a
gem competitiva a serem exploradas. compra segura acompanhando o líder de mercado. Ou
seja, os pragmáticos preferem contar com o julgamento
Estratégia de vantagem competitiva do grupo a basear-se em seu próprio julgamento. Uma
O poder do tornado vem do desencadeamento simultâ- vez esclarecido esse julgamento e uma vez que o for-
neo das duas camadas de baixo da hierarquia da vanta- necedor tenha emergido como o favorito, os pragmáti-
gem competitiva, conforme destaca a Figura 10. cos migram naturalmente para essa opção, que aumenta
A fonte principal de vantagem competitiva é sim- mais a participação de mercado da empresa, intensifi-
plesmente pegar a nova onda tecnológica quando ela cando sua atração gravitacional.
436     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Esse ciclo de feedback positivo não gera apenas nologia. Isso faz com que todos na cadeia dependam
espontaneamente os líderes de mercado, mas, depois de você, o que lhe permite orquestrar o comporta-
que eles são gerados, também funciona para mantê- mento do resto da cadeia. Isso pode incluir a pressão
-los como líderes. Ou seja, a vantagem de cadeia de sobre os parceiros da cadeia de valor para adotarem
fornecimento que um líder de mercado obtém sobre ou apoiarem alguns dos seus produtos menos bem-
seus concorrentes diretos é ela ter se tornado a op- -sucedidos, de modo que você ganhe poder em uma
ção padrão de qualquer outra empresa na cadeia para porção muito mais ampla da sua linha de produ-
completar a sua oferta. Assim, a empresa ganha ven- tos do que as suas características e seus benefícios
das que nunca iniciou e é convidada para negócios atuais normalmente mereceriam.
que seus concorrentes nunca veem. Essas vendas não
somam apenas para as receitas, mas também para Disciplinas de valor para a fase tornado
as margens, pois a ausência de concorrência remo- Qualquer posição alcançada no mercado tornado de-
ve grande parte da pressão para conceder descontos. pende, em grande parte, da capacidade de sua empresa
Em suma, ganhar o prêmio de participação de mer- executar uma estratégia de captura de terreno em parti-
cado é um negócio maravilhoso, que, se não estiver cipação de mercado. Para esse fim, o mercado recom-
trabalhando a seu favor, estará trabalhando contra. pensa um terceiro alinhamento das disciplinas de valor,
Daí a necessidade de concentrar todas as armas na da seguinte forma:
participação de mercado.
Portanto, a essência da estratégia na fase tornado é Promover: Liderança de produto, excelência
simplesmente capturar a quantidade máxima de clien- operacional
tes no mínimo de tempo e minimizar todos os outros O tornado é guiado pelas demandas dos compra-
esforços. A cada momento, a estratégia vencedora é dores por ofertas padrão, confiáveis, adequadas para
atacar e seguir em frente, atacar e seguir em frente. a rápida implantação em massa. Aqui a liderança de
Qualquer coisa que você possa fazer para retardar um produto traduz-se em lançar a nova versão com um
concorrente ao longo do caminho é lucro certo. O que novo conjunto de características à frente da concor-
você não deve fazer é retardar a si mesmo, nem mes- rência e, por esse intermédio, capturar participação
mo para um cliente. Ou seja, a aquisição de clientes de mercado. A excelência operacional é fundamental
na fase tornado assume uma prioridade temporária so- para esse esforço porque, se houver qualquer con-
bre a satisfação do cliente. A totalidade do rebanho de tratempo no processo, o mercado ainda poderá mu-
pragmáticos está mudando do velho para o novo – o dar para um fornecedor alternativo, com importantes
que não é um acontecimento frequente. Como clien- consequências na participação de mercado que dura-
tes, em outras palavras, eles estão temporariamente rão tanto quanto o paradigma.
“disponíveis”. Depois que eles escolherem seu novo
fornecedor, ficarão bastante relutantes em considerar Eliminar: Inovação descontínua, intimidade com o
uma outra mudança. Então, ou você conquista esses cliente
clientes agora ou arrisca-se a perdê-los pelo tempo de Durante uma fase tornado, qualquer forma de
vida do paradigma. inovação descontínua cria oportunidade para erros
Então, há o filão do grande prêmio do desen- e coloca em risco a rápida implantação em massa,
volvimento do mercado tornado ao qual já fizemos sendo, portanto, um anátema. A intimidade com o
alusão, ou seja, obter poder de cadeia de valor so- cliente também é suprimida durante a implantação
bre os outros fornecedores nessa cadeia. Como foi pela mesma razão, sacrificada em prol da finalidade
observado, isso ocorre quando um único fornecedor de realizar uma implantação confiável e consisten-
tem o monopólio de um elemento crucial na cadeia te. Depois de implantada a infraestrutura, haverá
de valor, como fazem a Microsoft e Intel no setor tempo para voltar e satisfazer as exigências especí-
de computadores pessoais, como faz a CISCO para ficas dos clientes.
a internet e como faz a Qualcomm com relação ao As organizações orientadas por operações costu-
futuro da telefonia sem fio. Nesses casos, à medida mam ter uma intersecção em um tornado, onde o cum-
que o mercado tornado se desdobra, a totalidade do primento de prazos, a remessa em quantidade e a mini-
produto padrão que se forma em torno da aplica- mização dos retornos têm prioridade sobre a inovação e
ção matadora incorpora uma parcela da sua própria a satisfação do cliente. As organizações orientadas pelo
tecnologia proprietária. Para a oferta da cadeia de marketing, no entanto, normalmente têm dificuldades
valor como um todo evoluir, ela precisa levar a sua porque não suportam abrir mão do seu compromisso
tecnologia junto – e não há substituto para essa tec- com a intimidade e satisfação do cliente. Elas precisam
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     437

perceber que, em uma fase tornado, apenas ter novos prietária, a dinâmica competitiva dentro da hierarquia
sistemas instalados e funcionando adequadamente já é apresenta-se de maneira muito diferente. Esses merca-
motivo para a satisfação do cliente. dos são chamados com frequência de “mercados de sis-
temas abertos”, e, para compreenderem sua dinâmica,
Implicações no preço das ações os executivos necessitam de um segundo conjunto de
Quando se trata de retorno do investidor, a fase tornado termos, que são:
é a maior força de criação de riqueza no planeta. Ela • Rei. Líder de mercado em um tornado de sistemas
utiliza-se de dois estágios finais, o que dependerá de abertos, essa empresa foi mais eficiente que a sua con-
o mercado desenvolver-se em torno de uma tecnologia corrência logo no início e agora está usufruindo os
proprietária ou de padrões de sistemas abertos. Nos efeitos dos retornos crescentes da liderança em parti-
mercados que se desenvolvem sob influência de uma cipação de mercado. Mas, diferentemente dos gorilas,
tecnologia proprietária, os papéis de líder, desafiante e os reis não têm tecnologia proprietária para impedir
seguidor assumem o seguinte padrão: que os clientes saiam ou que os concorrentes entrem
em seu mercado. Consequentemente, sempre podem
• Gorila. Líder de participação no mercado em uma fase
ser substituídos, e, assim, as avaliações dos reis são
tornado com controle da arquitetura proprietária, essa
significativamente mais baixas do que as dos gorilas.
empresa cria valor maciço para o acionista adquirindo
No mercado de PC, a IBM foi o rei original, depois a
poder de dominação sobre a cadeia de valor e forçando
Compaq e agora a Dell.
o resto do mercado a servir às suas finalidades. A Micro-
• Príncipe. Desafiante do mercado em um tornado de
soft, Intel e Cisco são gorilas.
sistemas abertos, as perspectivas de longo prazo dessa
• Chimpanzé. Uma desafiante direta do gorila, essa
empresa são radicalmente diferentes das do chimpanzé.
empresa também possui tecnologia proprietária, mas
Isso ocorre porque um príncipe pode substituir um rei,
perdeu a concorrência por estabelecer o padrão do
mas um chimpanzé não pode substituir um gorila. Os
mercado. Depois que o mercado toma consciência
mercados de sistemas abertos adotam os príncipes como
desse resultado, ele lança cada vez mais os seus negó-
um mecanismo para manter os reis sensíveis ao resto das
cios para a empresa gorila, expelindo efetivamente o
necessidades da cadeia. No mercado de PC, a Compaq
chimpanzé da cadeia de valor padrão. As empresas
começou como príncipe, assim como a Dell. A HP sem-
chimpanzés não têm recurso, exceto recuar para mer-
pre foi e ainda é um príncipe.
cados de nicho onde podem se tornar “gorilas locais”,
• Servo. Uma seguidora do mercado em um tornado de
focando aplicações especializadas em que sua tecnolo-
sistemas abertos, essa empresa tem ainda menos poder
gia fora do padrão é aceitável por causa do excepcional
do que um macaco, já que os príncipes já servem como
valor agregado que fornecem. O Macintosh da Apple, o
concorrência de preços para os reis. Por isso, precisa
chip Alpha da Digital e os roteadores Wellfleet da Bay
conceder ainda mais descontos para conseguir vender
Network são chimpanzés.
seus produtos. Como uma classe, os servos são impor-
• Macaco. Uma seguidora do gorila, essa empresa licen-
tantes porque podem derrubar os preços a um ponto em
cia a arquitetura da empresa gorila para oferecer um
que até mesmo os negócios do rei tornem-se não lucrati-
substituto de baixo custo para seus produtos que seja
vos. No mercado de PC, os computadores “sem marca”
compatível com o padrão. Os clientes sensíveis ao
que são montados por centenas de revendedores repre-
preço no mercado sentem prazer em apoiar os macacos
sentam os servos – e cerca de um terço do mercado total.
como uma classe. Entretanto, eles não apoiam nenhum
macaco em particular como uma empresa, e, como con- Agora, vejamos como os investidores avaliam esses
sequência disso, os macacos nunca conseguem ganhar papéis diferentes no contexto da vantagem competitiva
uma participação de mercado duradoura. Assim que sur- relativa. Primeiro, para os comerciantes cujo controle da
gir uma oferta mais barata e melhor, o mercado trans- arquitetura proprietária seja importante, ver a Figura 11.
ferirá imediatamente sua lealdade para ela. Portanto, Note o imenso período de vantagem competitiva do
tentar comprar participação de mercado é sempre uma gorila. Como já discutimos, ele ganha um GAP muito
estratégia ruim. Em vez disso, a estratégia correta é tirar alto porque tem um monopólio em um componente crí-
vantagem com oportunismo das lacunas na linha de tico da nova tecnologia, sem o qual o mercado tornado
produtos da empresa gorila e seguir em frente logo que não consegue funcionar. Além do mais, como não há
forem preen­chidas. A Hitachi com seus computadores substituto para esse componente, a empresa também
de grande porte (clonando os padrões da IBM) e a AMD tem um CAP muito longo, essencialmente equivalente
com os seus microprocessadores da série K (clonando os ao CAP da categoria de mercado como um todo. Não é
da Intel) são macacos. por acaso que, no momento da redação deste artigo, a
Ao contrário do já exposto, quando o mercado tor- Microsoft e a Cisco tinham os dois períodos de vanta-
nado evolui na ausência do controle de arquitetura pro- gem competitiva mais longos do mundo.
438     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 11 Impacto do sucesso do Tornado no preço das ações


(tecnologias proprietárias)

Gorila

GAP de
Chimpanzé
vantagem
competitiva

Macaco

Período de vantagem competitiva

FIGURA 12 Impacto do sucesso do Tornado no preço das ações (sistemas


abertos)

Rei
GAP de
vantagem
Príncipe
competitiva

Servo

Período de vantagem competitiva

Voltando-nos para o chimpanzé, repare também que gem competitiva no mercado. Os príncipes, por outro
ele tem um GAP elevado. Isso ocorre porque ele tam- lado, podem desafiar os reis líderes de mercado em am-
bém possui tecnologia proprietária, para a qual não há bas as frentes. No mercado de PC, em particular, a ex-
substituto. Infelizmente, porém, essa tecnologia não é ploração de novos canais de distribuição levou a várias
o padrão de fato e, com isso, o seu CAP é severamente mudanças na hierarquia, primeiro quando a Compaq
limitado. Ele pode expandir-se para os mercados de ni- usou suas habilidades de varejo para desbancar a IBM
cho onde o gorila opta por não concorrer, mas não tem e depois quando a Dell usou suas habilidades de venda
chance na batalha de igual para igual. direta para desbancar a Compaq. No eixo GAP, como
As perspectivas de um macaco são exatamente o todos os participantes devem estar em conformidade
oposto. Ele tem um longo CAP, mas não consegue ge- com um padrão comum, eles acabam competindo em
rar um GAP significativo. Ou seja, como suas ofertas preço até certo ponto, o que reduz o GAP máximo atin-
são compatíveis com o padrão de fato, ele pode benefi- gível por qualquer empresa, mesmo a empresa rei. Isso
ciar-se da persistência da categoria. Entretanto, já que tem consequências no longo prazo para todas as empre-
essa persistência não é necessária, seu CAP não é tão sas no mercado.
longo quanto o do gorila. Além disso, como não possui Entretanto, é importante lembrar que, enquanto
nenhuma oferta exclusiva, não consegue gerar qual- um mercado tornado estiver em plena oscilação, todo
quer GAP, exceto por meio de descontos. Em suma, mundo ganhará em virtude de a demanda do tornado
os macacos não contribuem para bons investimentos ultrapassar em muito a oferta do tornado. Ou seja, o
no longo prazo. tornado cria um período prolongado de escassez que
Em contraste com a anterior, a Figura 12 reflete as permite a todas as empresas cobrar preços especiais
avaliações em uma concorrência de sistemas abertos. durante essa fase. Assim, todas as ações na categoria
Aqui, o rei e o príncipe estão em uma situação de tendem a ganhar valorização inicialmente e somente
maior igualdade, com o servo atrás. Nesse tipo de mer- após a concorrência se auto-ordenar e as implica-
cado, a marca e a distribuição são os fatores críticos do ções de mercado dos vários papéis serem compreen-
sucesso. Normalmente os servos não possuem nenhum didas, os preços das ações ajustam-se para satisfazer
dos dois, por isso seus minúsculos períodos de vanta- esses gráficos.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     439

FIGURA 13 Cadeia de valor na Avenida central

Compradores
Tecnologia Consultoria
técnicos

Produtos e Vendas e Gestores


acessórios suporte e usuários US$

Atendimento Compradores
Aplicações
ao cliente econômicos

Fornecedores de produtos Fornecedores de serviços Clientes

Para encerrar nossa discussão sobre a fase tornado, nologia como um todo evoluiu da agenda pragmáti-
o foco está na captura da maior participação de mer- ca para a conservadora, e todos os públicos na cadeia
cado possível durante esse período de oportunidades de valor são afetados por essa mudança. Comecemos
excepcionais. Relativamente cedo no processo, esses pelo cliente.
avanços de terreno resolvem-se em um dos dois pa- Quando as empresas adotam novos paradigmas, os
drões que acabamos de discutir e as empresas acabam clientes conservadores são céticos, preferindo extrair
em um dos seis papéis recém-examinados. Uma vez valor até o fim do sistema antigo. Mas, depois que fica
que isso aconteça, a melhor estratégia é aceitar o papel claro que o novo sistema deve suplantar o antigo, en-
que o mercado lhe atribui e executá-lo com a máxima tão eles procuram deixar sua marca no relacionamento
eficiência possível de dentro dessa posição, enquanto com o novo fornecedor. Eles lembram a todos esses
durar o tornado. Qualquer embate para mudar os pa- recém-chegados que a maioria das promessas feitas em
péis apenas confundirá o mercado e retardará a adoção nome de seus produtos e serviços ainda está longe de
das suas ofertas por parte dele. Em vez disso, seu ob- ser verdade e trabalham para manter todos focados em
jetivo deve ser a criação da maior base instalada pos- fazer melhorias incrementais no futuro. Na prática, eles
sível como um prelúdio de uma temporada prolongada transformam o que até aqui foi uma inovação descontí-
na Avenida Central. nua no que a partir de agora será um sistema de inova-
ção contínua.
FASE QUATRO DA ADOÇÃO: NA AVENIDA Nos mercados maduros – ou em maturação –, os
CENTRAL compradores econômico e técnico diminuem em grau
A fase Avenida Central começa com o frenesi da parti- de importância. O comprador econômico não está mais
cipação de mercado que acalma os ventos do tornado. procurando vantagem competitiva ou apoiar um gestor
A maioria esmagadora dos pragmáticos no mercado na reparação de um processo de negócio falho; agora,
escolheu seu fornecedor, fez suas primeiras compras e a questão trata-se de simplesmente manter-se dentro
implantou a primeira fase de uma implantação compos- do orçamento, e isso pode ser delegado. Quanto ao
ta por múltiplas fases. Apenas uma fração das vendas comprador técnico, ele não está mais preocupado em
totais previstas realmente aconteceu nesse ponto, mas como gerir ou postergar a introdução de uma tecnologia
daqui em diante os limites da participação de mercado disruptiva; agora a preocupação é simplesmente estar
estão relativamente fixados. Isso traz implicações im- em conformidade com os padrões estabelecidos, e isso
portantes para a cadeia de valor. também pode ser delegado. Mesmo dentro da comu-
nidade de usuários, os gestores agora estão aceitando
Estratégia de cadeia de valor sem discutir o novo sistema, supondo que ele deve es-
Aqui temos a quarta e última transformação na cadeia tar fazendo muito bem o que foi comprado para fazer
de valor que durará o mesmo que a vida do paradigma. (um ponto de vista ingênuo, porém muito frequente).
De fato, essa é a cadeia de valor que viemos preparando Portanto, somente os usuários finais, as pessoas que
ao longo do tempo (ver Figura 13). realmente interagem com o sistema frequentemente,
Há uma mudança fundamental subjacente a toda que (a) sabem alguma coisa sobre o que ele realmente
essa cadeia de valor: o ciclo de vida da adoção da tec- faz e (b) têm interesse em patrocinar melhorias para ele.
440     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 14 Vantagem competitiva na Avenida central

Ofertas de diferenciação

Intimidade Excelência
com o cliente operacional

Se esses usuários finais não expressarem seus dese- voz, das fitas de vídeo para o pay-per-view, dos hal-
jos, então a oferta se transformará em uma commodity, teres para as academias. Essa mesma transferência
com o departamento de compras conduzindo um re- também é a base para uma economia que permite a
lacionamento de fornecedor para o futuro. Porém, se terceirização do contexto.
expressarem seus desejos e obtiverem a aprovação dos A principal organização encarregada de planejar
seus gestores, então os usuários finais poderão conduzir essa mudança é o atendimento ao cliente. Historica-
um relacionamento de vendedor, que é uma condição mente isso tem sido um desafio porque essa organiza-
que permite a uma empresa obter margens acima dos ção não foi construída e nem o seu pessoal foi recru-
níveis de commodity. Estamos muito além do tempo tado com o pensamento de que acabaria se tornando
para os clientes adotarem-no em um relacionamento de um dos principais contribuintes para o P&L e para a
parceria estratégica, algo que se limita às fases iniciais avaliação de mercado da empresa. Na era da internet,
do ciclo de vida. porém, os investidores agora estão perseguindo ati-
Para ganhar margens preferenciais a partir do patro- vamente as empresas que foram fundadas com esse
cínio do usuário final, o foco se desloca para os aspectos objetivo em mente.
da cadeia de valor que os usuários finais podem experi-
mentar diretamente. No lado do produto, isso suprime Estratégia de vantagem competitiva
a importância da tecnologia, da plataforma de produtos Na fase Avenida Central, a vantagem competitiva resi-
e até mesmo do núcleo da aplicação. Tudo isso ainda de inteiramente no topo da hierarquia, como mostra a
é importante, mas é experimentado mais diretamente Figura 14.
pelo comprador técnico do que pelo usuário final. Por A onda tecnológica formou sua crista e quebrou,
sua vez, qualquer elemento de produto que seja con- não proporcionando mais a alavancagem do desen-
sumível, bem como qualquer mudança na aplicação, é volvimento do mercado. A cadeia de valor já está
altamente visível pelo usuário. É aqui que os pequenos formada e qualquer posição que você tenha nela não
aprimoramentos para um modesto aumento no preço vai mudar sem investimentos maciços e normal-
podem gerar mudanças radicais na margem de lucro, mente injustificáveis. Sempre há a possibilidade de
exatamente como, por exemplo, o porta-copos fez na você descobrir um segmento de mercado não aten-
indústria automotiva. dido aqui ou ali, mas a velocidade de penetração no
Lucrativos como são os negócios de acessórios mercado agora será muito mais lenta, o impacto em
e consumíveis na Avenida Central, entretanto, uma qualquer cadeia de valor local será muito menor e,
oportunidade ainda maior reside no que chamamos desse modo, as recompensas serão mais modestas
de transferência produto-serviço. O que os clientes do que o seriam durante a fase pista de boliche. E
costumavam valorizar e comprar como produtos é assim é que nós chegamos ao domínio de execução
remodelado como oferta de serviços – transferindo a da empresa, ao qual voltaremos daqui a pouco, e das
responsabilidade da manutenção do sistema do clien- ofertas diferenciadas.
te de volta para o vendedor. Foi o que aconteceu com Classicamente, existem dois tipos de estratégia
a passagem da secretária eletrônica para o correio de de diferenciação que têm êxito na fase Avenida Cen-
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     441

tral. A primeira é ser o fornecedor de baixo custo, Por outro lado, as transações de serviços também
uma estratégia que funciona melhor quando se trata podem substituir a mercadoria atendida como o lócus
de commodities, quando não é o usuário final, mas o da criação de valor. Esse tem sido o caso da indústria
gestor de compras agindo como um comprador econô- automobilística, onde a maior parte dos lucros é pro-
mico o verdadeiro tomador de decisões. O outro tipo é veniente não da venda de automóveis novos, mas do
uma estratégia de alegria do cliente, que funciona me- financiamento da compra, do seguro do veículo, do
lhor nos mercados de consumo ou nos empresariais, fornecimento de consumíveis e serviços de manuten-
onde se permite que o usuário final comporte-se como ção. Em todos os casos, as margens são afetadas pela
um consumidor. Quanto mais um mercado amadurece, experiência do usuário final durante essas transações.
mais chances a sua empresa tem de precisar proporcio- É por isso que as empresas como a Lexus têm sido
nar essas duas proposições para ser competitiva. Para tão bem-sucedidas com suas ofertas de atendimento
isso, ela precisa se deslocar na direção de uma estra- ao cliente. Também é por isso que as concessioná-
tégia de implantação de produto ou serviço chamada rias de veículos tradicionais estão fracassando com
personalização em massa. sua abordagem de compra e financiamento hostil ao
A personalização em massa separa qualquer oferta cliente, conduzindo seus clientes para corretores e
em uma superfície e uma subestrutura. A superfície é para a internet.
o que o usuário final experimenta. É aqui que as mu- Em grande parte, a promessa da internet baseia-se
danças são feitas para melhorar a experiência. Essa é a no fato de ela ser uma plataforma universal para a cus-
porção de customização da oferta. Por sua vez, a subes- tomização agregadora de valor nas cadeias de valor da
trutura é o veículo de disponibilização necessário para fase Avenida Central. Os sistemas ainda não estão com-
o desempenho como um todo, mas não é experimen- pletamente em vigor para satisfazer essa proposição
tada diretamente pelo usuário final. O objetivo aqui é hoje, mas os executivos de vanguarda e os investidores
proporcionar confiabilidade máxima no menor custo esclarecidos conseguem ver como esses sistemas, com
possível, e a tática preferida é reduzir a variabilidade melhorias incrementais, serão capazes de gerar ofertas
e aumentar a padronização para alcançar alto volume. escalonáveis de baixo custo do tipo que cria margens de
Essa é a porção massa da oferta. lucro atraentes na Avenida Central.
Para combinar as duas porções sem sacrificar os
benefícios de ambas, a porção de customização deve Disciplinas de valor
ser feita adiante na cadeia de valor, em uma etapa se- Para executar essa estratégia de personalização em mas-
parada da porção de massa. Isso leva normalmente a sa, as empresas, como em todo o ciclo de vida, devem
uma necessidade de reprojetar a cadeia de valor, crian- aprender a promover um par de disciplinas de valor e
do novas oportunidades para os fornecedores de servi- eliminar o outro:
ços criarem valor de customização no ponto de contato
com o cliente. Pense em como os telefones celulares Promover: Excelência operacional, intimidade com
são fornecidos e você captará a ideia. Tudo o que vem o cliente
antes do ponto de venda é totalmente padronizado na Os mercados da Avenida Central são sustentados
cadeia de valor; tudo o que vem depois é customiza- por clientes conservadores que buscam ganhos incre-
do – o próprio telefone, seus acessórios, as opções de mentais em valor. Esses ganhos podem ser obtidos pela
serviços, os preços dos planos e similares. Antes do diminuição dos custos do conjunto de ofertas atual – o
varejo, tudo é vendido como commodity; após o vare- domínio da excelência operacional – ou pela introdução
jo, é uma oferta de valor agregado. de um novo conjunto de ofertas aprimoradas pelas ino-
As implicações dessa reestruturação do mercado são vações descontínuas prontamente absorvidas – o domí-
vastas e não apenas para os fornecedores de serviços. nio da intimidade com o cliente.
Os consumíveis têm o mesmo potencial para disponi-
bilizar valor personalizado. Considere, por exemplo, a Eliminar: Inovação descontínua, liderança de produto
transição da navalha para a lâmina de barbear na his- A inovação descontínua vai diretamente ao con-
tória da Gillette, ou a passagem da Kodak das câmeras trário dos interesses dos clientes da Avenida Central
para o filme, ou a transição da HP das impressoras jato e simplesmente não é bem-vinda. Mesmo as ofertas
de tinta para os cartuchos de tinta. Em todos os casos, com base na liderança de produto são problemáticas.
uma vez alcançada a fase Avenida Central, é o consumí- Se elas exigirem reequipar a infraestrutura existente,
vel na superfície, e não o motor subjacente no núcleo, simplesmente não valerão a pena. O que as equipes
que se torna a base da diferenciação e o lócus das altas de desenvolvimento precisam perceber é que agora
margens de lucro. as melhorias do produto devem ser focadas na ma-
442     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

nutenção da viabilidade do produto principal, tendo A criação de ofertas de valor agregado por meio da
como guia a excelência operacional, ou na realização customização em massa para usuários finais é a ma-
de mudanças estéticas na superfície, facilitadas pela neira preferida de resistir a essa erosão das margens.
aproximação com o cliente . Essas ofertas aumentam o GAP modestamente – re-
De todos os emparelhamentos vistos, esse conjunto presentando o prêmio que os usuários finais pagarão
em particular deve ser o mais familiar para as empre- para ter o que realmente querem. Elas também criam
sas estabelecidas nos mercados maduros. Elas devem custos de mudança modestos – uma vez que você ob-
se ver como promotoras do primeiro par e aquelas tém o que realmente quer, é difícil voltar –aumentando
“ponto com” miseráveis que tomam o seu mercado também o CAP. Esses dois efeitos funcionam somente
como as provedoras do segundo par. Observe que, nes- até um ponto de tolerância, após o qual o preço com-
se emparelhamento, os clientes existentes da empresa petitivo pode e substituirá sua influência. Contudo,
estabelecida estão bem ao seu lado e não no das “ponto como o volume de vendas na fase Avenida Central é
com”. Isso acontece porque eles, como a própria em- tão alto e a maior parte do investimento viabilizador
presa, são governados por interesses conservadores. do negócio já foi amortizada, é aqui que a maioria dos
Ao contrário, é o rebanho de novos clientes que está lucros em qualquer economia é gerada. E esses lucros
entrando no tornado para a próximo grande aconte- vão para os acionistas.
cimento que vai minar o preço das ações da empresa É assim que as ações blue-chip são criadas. Déca-
daqui para a frente. da após década, elas se demonstram máquinas de lu-
cros, criando crescimento modesto, porém previsível,
Implicações no preço das ações
tanto nas receitas quando nos lucros, acompanhados
Os retornos dos modelos de negócio da Avenida Cen- por uma ausência notável de volatilidade no preço das
tral baseiam-se no pressuposto de que o mercado não ações. Essas ações e a Bolsa de Nova York têm sido
está sob um ataque proporcionado pela tecnologia e o bastião da economia americana na maior parte do
pode ser previsto para durar indefinidamente em seu século XX.
estado atual. Nesse contexto, os retornos dos inves-
No entanto, todo esse valor é colocado em risco
tidores são criados pela venda de ofertas modesta-
sempre que aparece um paradigma de tecnologia dis-
mente rentáveis de maneira repetida com um custo de
ruptiva. A questão que a sua chegada coloca para os
vendas muito baixo. Isso só é possível quando você
investidores é: “A velha categoria suprida pela cadeia
vende para um cliente leal existente. O inimigo mor-
de valor estabelecida persistirá ou a nova categoria
tal do modelo Avenida Central é a rotatividade – um
suprida por uma nova cadeia de valor irá eliminá-
registro contínuo de novos clientes a um alto custo de
-la?”. Se o novo paradigma estiver vencendo a ba-
vendas, acompanhado pela perda contínua de clientes
talha, então o cenário de desvalorização exibido na
existentes, que são mais rentáveis e, por isso, devem
ser mantidos. Figura 16 entrará em ação.
As empresas capazes de minimizar a rotatividade e Note que o GAP não muda. Na realidade, no futu-
maximizar os ganhos provenientes dos clientes existen- ro imediato, não há dúvidas de que os vendedores da
tes geram um dos dois tipos de valorização, o que de- Avenida Central terão as ofertas mais favorecidas e
penderá de elas seguirem uma estratégia de commodity diferenciadas. Em vez disso, o CAP sofrerá ataques.
ou de valor agregado (ver Figura 15). A avaliação da equação da vantagem competitiva
Nos negócios de commodities na Avenida Cen- feita pelo mercado de ações é que eventualmente o
tral, os GAPs das empresas raramente são elevados. novo paradigma na realidade vencerá. As empresas
O poder do cliente, que está em seu ponto mais baixo estabelecidas ganham uma janela para adotar o novo
durante a fase tornado, reafirma-se na fase Avenida paradigma, mas, se não o fizerem, então o mercado
Central para criar alavancagem de negociação. Além descontará sua avaliação radicalmente, mesmo que
disso, como as commodities são substituíveis por de- estejam produzindo altos desempenhos de P&L no
finição, elas também têm um CAP baixo para a em- seu trimestre atual. Ou seja, todos os lucros da Ave-
presa. (O CAP para a categoria, por sua vez, é muito nida Central além de uma determinada janela que fo-
longo.) O progresso nesse tipo de negócio é feito pelos ram previstos para a empresa estabelecida, com base
processos internos de redução de custos, particular- na sua participação de mercado atual, agora serão
mente em infraestrutura, mas mesmo aqui, à medida previstos para uma ou outra das novas desafiantes.
que os concorrentes fazem alguns ajustes, as econo- Isso remove efetivamente os ganhos dos lucros futu-
mias devem ser repassadas para o cliente em vez de ros antecipados da empresa estabelecida – por isso, a
serem reservadas para os acionistas. redução na avaliação.
SEÇÃO 2 – A NOVA TECNOLOGIA RELACIONADA ÀS NECESSIDADES ORIGINAIS DO CLIENTE | Artigo 3-11     443

FIGURA 15 Impacto do sucesso da Avenida central sobre o preço das ações

Commodities na
Avenida central

Ofertas de valor agregado


na Avenida central

GAP da
vantagem
competitiva

Período de vantagem competitiva

FIGURA 16 Impacto da ameaça do paradigma sobre o preço das ações na Avenida central

Nenhuma mudança
no GAP

GAP da
vantagem
competitiva Novo CAP Antigo
CAP

Período de vantagem competitiva


O CAP diminui

IMPLICAÇÕES DE VIVER NA LINHA DE FALHA sas envolvidas quererem ou não. Como conse­quência,
apresentam o mundo do “o que é”.
Considere quantas permutações diferentes de cadeia
Mesmo um relance superficial, entretanto, mos-
de valor examinamos no curso do desenvolvimento do
tra que as mudanças que as empresas precisam fazer
mercado proporcionado pela tecnologia por meio de
para se adaptarem a essas forças certamente são dra-
suas várias fases. Para resumi-las, as quatro fases do
máticas. Além disso, o tempo designado para fazê-las
mercado são exibidas lado a lado em uma tabela com-
é dolorosamente curto. Como resultado, não causa
parativa na Figura 17.
nenhuma surpresa que poucas organizações do mun-
Essa figura mapeia o funcionamento da hierarquia do real sejam muito boas em fazê-las. Na realidade,
da vantagem competitiva ao longo do curso do de- quanto maior e mais bem-sucedida uma empresa se
senvolvimento de um mercado proporcionado pela torna, menos chances ela tem de tentar fazê-las.
tecnologia. As colunas expõem as fases do ciclo de Trata-se essencialmente de um problema de inér-
vida pelas quais o mercado evoluiu. As linhas ex- cia. Depois que você tem uma certa quantidade de
põem as mudanças no foco que a organização deve massa movendo-se em uma determinada direção, o
fazer para se adaptar a essa evolução. A primeira li- preço para mudar essa direção começa a ultrapassar
nha estabelece a camada na hierarquia da vantagem o retorno por fazer a mudança. Cada vez mais, a ló-
competitiva que tem o maior impacto durante cada gica dos conflitos de escolha diz para deixar as coisas
fase. As três linhas seguintes realçam os elementos seguirem como estão. Sim, isso cria problemas, mas
da cadeia de valor que criam mais impacto durante a não tantos quanto tentar mudar o curso. Ao longo do
fase porque são mais adequados para alavancar o tipo tempo, porém, como esses problemas tendem a ser
de vantagem competitiva disponível. Finalmente, a deixados de lado, suas consequências acumulam-se
última linha recapitula o resultado sobre o preço da até que, no fim das contas, o custo de não mudar
ação provocado pela obtenção da posição de vanta- ultrapassa o preço da mudança. Mas, nesse ponto,
gem competitiva durante cada fase do ciclo de vida. as coisas normalmente estão tão fora de controle e
Acredito que agora a lógica subjacente a essas várias o horizonte de tempo para a mudança tornou-se tão
combinações esteja clara. As forças no mercado fazem imediato que a organização conduzida pela inércia
com que elas surjam, independentemente de as empre- não consegue fazer a curva e bate na parede.
444     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 17 Quatro fases do mercado

Mercado inicial Pista de boliche Tornado Avenida Central


Vantagem Pegar a onda tecnológica Dominação do segmento Liderança de mercado Ofertas diferenciadas
competitiva principal de mercado
Foco do produto Tecnologia Aplicações Plataforma de produtos Consumíveis
Foco do serviço Consultoria Suporte Vendas Atendimento ao cliente
Foco do cliente Comprador econômico Gestor de departamento Comprador técnico Usuário final
Implicações no preço GAP alto, nenhum CAP GAP alto, CAP longo GAP alto, CAP longo GAP baixo e CAP baixo
das ações (nicho) (massa)

RESUMO DOS PONTOS FUNDAMENTAIS conforme ilustrado pelo modelo de hierarquia da van-
tagem competitiva.
A ideia principal deste artigo é que os mercados propor-
3. Diferentes disciplinas de valor são recompensadas ou
cionados pela tecnologia evoluem por meio de quatro
penalizadas em diferentes fases no ciclo de vida, con-
fases distintas e cada uma delas invoca uma abordagem
forme ilustrado pelo modelo de disciplinas de valor.
estratégica radicalmente diferente. Especificamente, se- 4. Enfim, diferentes implicações no preço das ações são
guem aqui as observações principais: vinculadas às operações que dominaram com sucesso
1. Diferentes papéis na cadeia de valor ascendem à fama os desafios de cada fase no ciclo de vida, conforme
e afastam-se dela em pontos diferentes do ciclo de vida. ilustrado pelos gráficos GAP/CAP de cada fase.
A implicação é que cada cão tem seu dia, mas que, em 5. Pedir para qualquer empresa se sobressair em todas as
alguns dias, simplesmente não é a sua vez de ser cão. A fases do ciclo de vida e em todos os momentos é uma
implicação é conviver com isso. boa receita para criar o caos – ainda que isso seja exa-
2. Diferentes formas de vantagem competitiva são re- tamente o que o mercado de alta tecnologia exige das
compensadas em diferentes fases no ciclo de vida, suas principais empresa.
3
EMPREENDEDORISMO
CORPORATIVO

sEÇÃO

ARTIGO 3-12 questão desafiadora: “A implacável ênfase na eficiên­cia


fez da 3M uma empresa menos criativa?”. Trata-se de
Na 3M, uma luta entre eficiência uma questão vital para uma empresa cuja identidade é
e criatividade construída sobre a inovação. Afinal de contas, a 3M é o
berço da fita adesiva, do Thinsulate e dos blocos Post-it.
Brian Hindo É a máquina de invenções cujos métodos foram consa-
grados no influente best-seller de 1944, Built to last, de
Não muitos anos atrás, o templo da gestão era a General Jim Collins e Jerry I. Porras. Entretanto, esses sucessos
Electric, o ex-CEO Jack Welch era o alto sacerdote e antigos viraram lembranças distantes. Faz muito tempo
seus discípulos espalhavam a palavra a séquitos de exe- desde o surgimento da última tecnologia revolucionária
cutivos em todo o país. Um dos seus seguidores mais da 3M: os filmes ópticos multicamadas que revestem
conceituados, James McNerney, foi rapidamente arre- as telas de cristal líquido. Na empresa que sempre se
batado pela 3M após quase suceder Welch. O conse- orgulhou de extrair um terço das vendas dos produtos
lho de administração da 3M considerou McNerney um lançados nos últimos cinco anos, hoje essa fração caiu
grande prêmio e as ações da empresa saltaram quase para apenas um quarto.
20% nos dias após 5 de dezembro de 2000, quando foi Esses resultados não são coincidência. Os progra-
anunciada a sua escolha como CEO. A mera menção do mas de eficiência como o Seis Sigma são concebidos
seu nome fez todo mundo mais rico. para identificar problemas nos processos de trabalho – e
McNerney foi a primeira pessoa de fora a liderar a então usam medição rigorosa para diminuir a variação
provinciana empresa de St. Paul (Minnesota) em seus e eliminar defeitos. Quando esse tipo de iniciativa im-
100 anos de história. Ele mal saiu do avião e anunciou pregna a cultura de uma empresa, como aconteceu com
que mudaria o DNA do lugar. Sua cartilha era a vindima a 3M, a criatividade pode ser facilmente oprimida. Afi-
da GE. McNerney demitiu 8 mil funcionários (aproxi- nal de contas, uma inovação revolucionária é algo que
madamente 11% da força de trabalho), intensificou o desafia os procedimentos e as normas existentes. “A in-
venção é naturalmente um processo desordenado”, diz
processo de análise do desempenho e apertou o cinto em
o atual CEO George Buckley, que desfez muitas das
uma empresa que se tornou perdulária. Ele também im-
iniciativas de McNerney: “Você não pode colocar um
portou o alardeado programa Seis Sigma da GE – uma
processo Seis Sigma numa área e dizer: ‘Bem, estou
série de técnicas de gestão concebidas para diminuir os
ficando para trás em invenção, então vou me progra-
defeitos de fabricação e aumentar a eficiência. Milhares
mar para ter três boas ideias na quarta-feira e duas na
de funcionários foram treinados como “black belts” em
sexta-feira’. Não é assim que a criatividade funciona”.
Seis Sigma. Parece que o plano funcionou: McNerney McNerney recusou-se a comentar essa história.
reavivou as ações moribundas da 3M e ganhou elogios
por trazer disciplina à organização que havia se tornado
pesada, errática e lenta. O ORGULHO DA CULTURA CRIATIVA
Quatro anos e meio após a sua chegada, McNerney Buckley está tentando gerir uma tensão – entre a ino-
deixou abruptamente a 3M para assumir um cargo im- vação e a eficiência – que tem incomodado os CEOs
portante na Boeing. Agora seus sucessores enfrentam uma por toda parte. Não há dúvida de que a aplicação dos
446     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

processos de manufatura enxuta e de média de traba- com carisma de sobra. Buckley tem altura mediana,
lho em milhares de empresas, muitas vezes por meio de com uma ligeira pança de meia-idade, uma conduta in-
programas com nomes que soam obscuros, tais como formal e uma curiosidade natural do cientista. No escri-
ISO 9000 e Gestão da Qualidade Total, tem sido uma tório, ele prefere camisas xadrez e calças cáqui a terno
das tendências empresariais mais importantes das úl- e gravata. É estudioso e traquina, como um professor
timas décadas. No entanto, como os antes inchados orientador.
fabricantes norte-americanos entraram em forma e Buckley, em suma, é o tipo de pessoa que tradicio-
tornaram-se lucrativos concorrentes globais, o ônus nalmente tem prosperado na 3M. Um dos pilares do
desloca-se para o crescimento e a inovação, especial- “jeito 3M” era o seguinte: os trabalhadores poderiam
mente na atual economia com base em ideias e obce- buscar financiamento de várias fontes da empresa para
cada por projetos. Enquanto a excelência de processos investir em projetos particulares. A política oficial da
exige precisão, consistência e repetição, a inovação in- empresa permitia que os funcionários utilizassem 15%
voca a variação, a falha e a serendipidade. Na realida- do seu tempo para dar prosseguimento a projetos inde-
de, os fatores que fazem do Seis Sigma um programa pendentes. A empresa incentivava explicitamente o ris-
eficiente em um contexto podem torná-lo ineficiente co e a falha tolerada. A cultura criativa da 3M prenun-
em outro. Tradicionalmente, ele utiliza análise estatísti- ciou a que hoje é unanimemente celebrada no Google.
ca rigorosa para produzir dados sem ambiguidades que Talvez tudo isso tenha tornado particularmente do-
ajudam a produzir com mais qualidade, menos custos loroso para a orgulhosa força de trabalho da 3M lidar
e mais eficiência. Isso tudo parece ótimo quando você com a dura realidade que a empresa enfrentou no final
sabe quais resultados gostaria de controlar. Mas o que dos anos 1990. O crescimento dos lucros e das vendas
acontece quando existem poucos fatos para continuar a foi descontroladamente instável e estragou as opera-
seguir em frente ou você nem sequer sabe a natureza do ções na Ásia em meio à crise financeira de 1998. As
problema que está tentando definir? “As coisas novas ações ficaram de fora do boom da década de 1990, com
parecem muito ruins nessa escala”, afirma o professor variação inferior a 1% de setembro de 1997 a setembro
Eric von Hippel, da MIT Sloan School of Management, de 2000. A flexibilidade e falta de estrutura que viabili-
que trabalhou com a 3M em projetos de inovação. De zaram o sucesso da empresa também haviam produzido
acordo com Hippel, a empresa “assumiu importância até então uma equipe inchada e um fluxo de trabalho
secundária” depois que o Seis Sigma estabeleceu-se. ineficiente. Então, McNerney tinha muitos motivos
“Enquanto a empresa estiver atrelada à gestão da qua- para colocar as coisas no lugar.
lidade total, a inovação revolucionária não acontecerá
de fato”, acrescenta Vijay Govindajaran, um professor
REGIME DE TREINAMENTO GREEN BELT
de gestão na Tuch Schooll of Business de Dartmouth.
“Para a inovação descontínua, a mentalidade, as capa- Uma das suas principais ferramentas foi o Seis Sigma
citações e as métricas necessárias e a cultura como um que surgiu, em 1986, na Motorola e tornou-se um ele-
todo são fundamentalmente diferentes.” mento de primeira necessidade da vida corporativa de-
As exigências de Wall Street são outro problema. pois que foi adotado pela GE. Hoje, o termo é aplicado
Os investidores gostaram da abordagem de McNerney de forma tão ampla e divergente que é difícil captar o
para impulsionar os ganhos, o que pode ter sacrificado que ele realmente significa. Em algumas empresas, o
a criatividade, mas compensava isso em consistência. Seis Sigma é simplesmente um eufemismo para o corte
Os lucros cresceram, em média, 22% ao ano. No pri- de custos. Outras afirmam que se trata de uma ferra-
meiro ano de Buckley, as vendas aproximaram-se de menta para analisar um problema (como altos custos
US$ 23 bilhões e os lucros totalizaram US$ 1,4 bilhão, de distribuição) e utilizar os dados para solucionar cada
mas duas perdas de lucros trimestrais e um baixo de- um dos seus componentes. Entretanto, o Seis Sigma
sempenho no valor das ações colocaram pedras no seu procura, basicamente, remover a variabilidade de um
caminho. Em 2007, parece que Buckley satisfez muitos processo. Dessa maneira, você evita erro ou defeitos e
céticos de Wall Street, convencendo-os de que ele pode aumenta a previsibilidade (em termos técnicos, a quali-
inflamar o crescimento de primeira linha sem matar as dade Seis Sigma passou a ser aceita como não mais do
melhorias de produtividade lideradas por McNerney. que 3,4 defeitos por milhão).
As ações subiram até 12% desde janeiro. Na 3M, McNerney introduziu as duas principais fer-
O crédito de Buckley em Wall Street foi conquis- ramentas do Seis Sigma. A primeira versão, e mais tra-
tado à duras penas. Ele está longe de ser a celebridade dicional, é um acrônimo conhecido como DMAIC, que
de gestão que seu antecessor foi. McNerney poderia significa: definir, medir, analisar, melhorar (improve) e
representar o presidente na TV. Ele é alto e atlético, controlar. Essas cinco etapas são a essência da abordagem
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-12     447

Seis Sigma: parece que foi ontem


EM UMA ECONOMIA DE INOVAÇÃO, ELE NÃO É MAIS UMA PANACEIA

Na Home Depot, o presidente executivo deposto Robert Nar- diversas quanto a DuPont, a Textron, o Bank of America e a Sun
delli era dedicado ao Seis Sigma. “Os fatos são favoráveis” era Microsystems fizeram do Seis Sigma algo essencial para sua
o seu mantra preferido, resumindo impecavelmente o seu ponto cultura, o que resultou em fórmulas híbridas, como o Seis Sigma
de vista de gestão. O Seis Sigma era utilizado para agilizar o Enxuto e o Design para Seis Sigma. A WCBF, uma instituição
processo de check-out e posicionar estrategicamente os mos- que organiza conferências sobre o processo, tem 14 eventos
truários de aspirador de pó, por exemplo. Entretanto, os sub- planejados para este ano, sete a mais que no ano passado.
produtos do programa irritavam muitas lojas de varejo, pois elas Entretanto, enquanto perdura a sua popularidade, a noção
consideravam que a constante medição de dados e a burocracia do Seis Sigma como uma panaceia corporativa está desapare-
minavam o tempo destinado aos clientes. O resultado final da cendo. Depois que uma empresa fez o aperto de cinto neces-
gestão de Nardelli foi o seguinte: a rentabilidade subiu, mas o sário, “as necessidades estratégicas de um negócio mudam”,
moral dos funcionários e a confiança do consumidor despen- diz Robert Carter, um consultor da Raytheon, fornecedora de
caram. Em 2005, a Home Depot deixou o posto de principal e soluções para o departamento de defesa,. Estimular o fatura-
melhor, e passou ser a pior entre as principais lojas de varejo no mento torna-se fundamental: o melhor caminho, além de uma
Índice de Satisfação do Consumidor Americano em 2005. aquisição, é a inovação. Na Raytheon, Carter está liderando
Agora o sucessor de Nardelli, Frank Blake, outro ex-aluno da um esforço Seis Sigma para promover a inovação. Enquanto
General Electric, está desfazendo o rigor do Seis Sigma, dando “a maioria dos praticantes do Seis Sigma é muito forte no lado
mais liberdade de movimento para os gerentes de loja toma- esquerdo do cérebro, a inovação começa no hemisfério direito”,
rem decisões por conta própria. A história que se desdobrou afirma Carter. Mesmo ele, um especialista em Seis Sigma, reco-
na Home Depot repete precisamente o que está acontecendo nhece que a mentalidade de “definir, medir, analisar, melhorar
na 3M após o reinado de James McNerney. Há sinais de uma e controlar” não consegue lidar com a confusa interface inicial
retração similar em muitas empresas, mesmo na GE, onde o da invenção. Quando uma ideia começa a germinar, diz Carter,
CEO Jeff Immelt está tentando rever filosofias de gestão para “você não quer analisá-la demais”, o que pode acontecer na
inovar em torno de um tema de “ecomaginação”, com sucesso estrutura DMAIC tradicional.
ambíguo, e na Young & Rubicam, onde Ann Fudge, membro do Naturalmente, Jack Welch afirmou que um líder precisa
conselho de administração da GE, falhou como CEO após ter semear o Seis Sigma em todos os cantos de uma organização.
tentado vender publicidade sobre Seis Sigma. Se um CEO se salvaguardasse e dissesse “Vamos fazer as duas
Isso significa que o momento do Seis Sigma passou? “Acho coisas: o Seis Sigma e também sermos criativos”, os funcioná-
que sim”, afirma o professor de gestão do Babson College, Tom rios ignorariam alguma parte dessa proposta. De acordo com
Davenport. “O gerenciamento de processos é uma coisa boa. Welch, mesmo que o conceito seja aplicado em áreas que não
Entretanto, penso que sempre tem que ser um pouco fermentado, precisem dessa aplicação, valerá a pena no longo prazo. O Seis
com um foco na inovação e [no relacionamento com o cliente].” Sigma sempre pode ser aprimorado depois que a força de traba-
A disciplina foi desenvolvida como uma maneira sistemática de lho aceitá-lo. Chame-o de abordagem de “quebrar alguns ovos
melhorar a qualidade, mas a razão para ser amplamente ado- para fazer uma omelete”.
tada foi a sua eficácia no corte de custos e no aumento da ren- O problema é que você não sabe quais ovos quebrará.
tabilidade, o que faz dela uma poderosa ferramenta – se esses Quando Steve Bennett saiu da GE em 2000 para assumir o
forem os objetivos de uma empresa. Todavia, à medida que a posto de CEO na empresa de software Intuit, estava ávido para
inovação torna-se o prato do dia, as empresas confrontam-se implantar o Seis Sigma. Todavia, ele fez isso com cautela por
cada vez mais com os efeitos colaterais da cultura Seis Sigma. meio de um teste piloto da ferramenta de controle de qualidade
Claramente, o Seis Sigma teve um impacto profundo no em certos grupos, durante um ano, para provar o seu valor. Ele
mundo empresarial. Segundo a American Society for Quality, 82 não tinha certeza de como uma empresa do Vale do Silício rea-
das 100 maiores empresas nos Estados Unidos adotaram o Seis giria, dadas as suas associações com o Seis Sigma – “a maio-
Sigma e isso está se alastrando: os consultores em Seis Sigma ria delas ruins”. Então, Bennett encobriu o movimento com a
estão ocupados como nunca, na medida em que o sistema de bandeira sonoramente benigna de “excelência de processos”
melhoria da qualidade migra do seu foco tradicional nas empre- e evitou deliberadamente utilizar o nome Seis Sigma. Segundo
sas de manufatura nos Estados Unidos para o setor de serviços Bennett, “O termo me provoca uma reação alérgica”.
financeiros e para o exterior. Nos últimos anos, empresas tão – Por Brian Hindo, em New York, e Brian Grow, em Atlanta.

Seis Sigma para a resolução de problemas. A outra versão empresas. Quase todos os funcionários participaram de
é denominada Design para Seis Sigma (DFSS – Design um regime de treinamento green belt de vários dias, que
for Six Sigma) que pretende sistematizar um novo proces- explicava o DMAIC e o DFSS, familiarizava os funcio-
so de desenvolvimento de produto de modo que algo possa nários com estatística e mostrava-lhes como acompa-
ser feito desde o início com a qualidade Seis Sigma. nhar os dados e criar gráficos e tabelas em um progra-
Milhares de funcionários da 3M foram treinados ma de computador chamado de Minitab. Os black belts
como black belts, uma honra concedida aos especialis- espalharam-se e conduziram “projetos black belts” em
tas que agem, muitas vezes, como consultores para suas escala maior, tal como o aumento da velocidade de
448     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Controle e liberação

Os estilos e as estratégias opostos de Nim McNerney e George Buckley

McNERNEY BUCKLEY
Enorme. Reconhecido como o principal executivo REPUTAÇÃO Quase inexistente. Aprimorou-se em gestão na Emerson
da GE. Foi vencido por Jeff Immelt na corrida para NA CHEGADA Electric e recuperou a fabricante de barcos Brunswick.
a sucessão de Jack Welch.

Refez a cultura da 3M, o que provocou uma das maiores Trouxe de volta o legendário magnetismo, preservando
MANDATO
iniciativas Seis Sigma da história corporativa. ao mesmo tempo as eficiências que McNerney conquistou.

Apertou o cerco sobre os gastos perdulários para ATITUDE EM RELAÇÃO Desfez o regime Seis Sigma, especialmente nos
melhorar o fluxo de caixa e as margens operacionais. AO SEIS SIGMA laboratórios de pesquisa, mantendo-o na manufatura.

Restringiu gastos exagerados para aumentar o fluxo DESPESAS Preocupado com a falta de investimento, investiu
de caixa e melhorar as margens operacionais. DE CAPITAL US$ 1,5 bilhão em 18 novas fábricas e ampliações
importantes.

Manteve constantes os gastos com P&D e alocou PRIORIDADES Aumentou o orçamento de P&D. Recolocou o foco
fundos para novos mercados promissores como DE PESQUISA na pesquisa “central” e para longe dos negócios
o de produtos farmacêuticos. auxiliares, como os produtos farmacêuticos.
Reacendeu a máquina de inovação estimulando
Semeou uma sensibilidade gerencial similar à da GE. CULTURA
a capacidade de assumir riscos.

Protagonista. Ex-jogador de beisebol, Coadjuvante. Oriundo de laboratório de pesquisa.


APARÊNCIA
alto, atlético e carismático. De óculos e despretensioso
FÍSICA

manufatura em 40% por meio da diminuição das va- constantes esforços em análise. Steven Boyd, um espe-
riações e da remoção de etapas de manufatura desne- cialista que tinha trabalhado como pesquisador na 3M
cessárias. Muitas vezes, eles também supervisionavam por 32 anos antes de seu cargo ser eliminado em 2004,
“projetos green belts”, como o aprimoramento do pro- era um deles. Depois de alguns meses em um projeto de
cesso de atendimento dos pedidos. Esse impulso do Seis pesquisa, ele teria que preencher um enorme “livro ver-
Sigma contribuiu indubitavelmente para os aumentos melho” com muitos gráficos e tabelas, e analisar tudo,
astronômicos na lucratividade da 3M sob a gestão de desde o potencial para aplicação comercial até o tama-
McNerney; as margens operacionais saltaram de 17% nho do mercado e possíveis problemas de manufatura.
em 2001 para 23% em 2005. Tradicionalmente, a 3M era um lugar onde os pes-
Embora o Seis Sigma tenha sido inventado com o quisadores tinham ampla liberdade para realizar pes-
propósito de melhorar a qualidade, seu valor principal quisas nos assuntos que desejassem. Após a chegada
para as empresas hoje é claramente a sua capacidade do novo chefe, o processo DMAIC foi submetido a um
de poupar tempo e dinheiro. McNerney chegou a uma processo de revisão da fase de inovações – uma novi-
empresa que vinha sendo criticada por jogar dinheiro dade na 3M. O objetivo era acelerar e sistematizar o
em problemas. Em seu primeiro ano completo, ele cor- progresso das invenções no fluxo do novo produto. As
tou os gastos de capital em 22%, de US$ 980 milhões questões do DMAIC “são considerações maravilhosas,
para US$ 763 milhões, em mais 11% até um mínimo mas são apropriadas para alguém que está apenas ten-
de US$ 677 milhões em 2003. Como uma porcentagem tando… desenvolver algumas ideias?”, pergunta Boyd.
das vendas, as despesas de capital caíram de 6,1% em O impacto do regime Seis Sigma, segundo Boyd e ou-
2001 para apenas 3,7% em 2003. McNerney também tros ex-funcionários da 3M, foi que mais trabalho pre-
manteve constante o financiamento de P&D de 2001 visível e incremental teve precedência sobre a pesquisa
a 2005, pairando em mais de US$ 1 bilhão por ano. descompromissada. “É necessário que você tenha algo
“Se você assume uma empresa que está vivendo na que gere lucro, se não for no próximo trimestre, é me-
inovação, é claro que pode cortar custos”, diz Charles lhor que seja no trimestre seguinte a este”, diz Boyd.
O’Reilly, professor de gestão da Stanford Graduate Durante um longo tempo, a 3M permitiu que os pes-
School of Business. “A pergunta é: ‘Qual é o dano para quisadores passassem anos testando produtos. Conside-
a empresa no longo prazo?’”. re, por exemplo, o bloco de notas Post-it. Seu inventor,
Sob a gestão de McNerney, a função de P&D foi sis- Art Fry, um cientista da 3M que agora está aposentado,
tematizada de maneira que eram desconhecidas e com- e outras pessoas ocuparam-se com a ideia durante vários
pletamente heréticas em St. Paul, embora as diretrizes anos antes de o produto entrar em produção plena em
parecessem familiares em muitos outros conglomera- 1980. No início do esforço Seis Sigma, após uma reunião
dos. Alguns funcionários consideraram sufocantes os na qual os funcionários técnicos foram informados
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-12     449

Seguir os dois caminhos*


AS EMPRESAS AMBIDESTRAS PODEM LIDAR COM MUDANÇA INCREMENTAL E INICIATIVAS ARROJADAS

O debate: Seis Sigma versus inovação executiva, mas são geridos sob um conjunto de regras muito
“Não aguento isso”, disse recentemente um alto executivo diferentes, dependendo do ciclo de maturidade em que cada um
de uma das empresas da lista Standard & Poor’s 500. “Em um se encontra. Surpreendentemente, nos estudos dos professo-
momento, a equipe de gestão nos fala para inovar e, no momento res sobre 35 tentativas de inovação revolucionária, as estruturas
seguinte, nos dá ordens para marchar na implementação do ambidestras tiveram êxito em 90% das vezes. Outros modelos,
Seis Sigma. É loucura pedir às pessoas que se concentrem na como as equipes multifuncionais e os grupos autônomos de pro-
eficiência e, ao mesmo tempo, exigir que explorem o potencial jetos, tiveram êxito em menos de 25% das vezes. De acordo com
de crescimento ainda inexplorado. Isso está me deixando louco.” Jim Burnick, vice-presidente sênior de qualidade e produtividade
Os objetivos do Seis Sigma parecem suficientemente no Bank of America e líder dos esforços de inovação do banco,
nobres para qualquer organização. Então, qual é a dificuldade se forem geridos adequadamente, o Seis Sigma e a inovação
com os esforços simultâneos para inovar? Por sua natureza, o podem andar de mãos dadas. Graças ao Seis Sigma, “agora
Seis Sigma promove uma tolerância muito baixa ao risco porque podemos pensar como uma organização por meio de feudos e
este aumenta a variação. unidades de negócios para melhorar todo tipo de experiência do
A inovação, por sua vez, procura desbravar o território des- cliente. Isso acaba em inovação do modelo de negócio, que no
conhecido, incerto. Tais esforços inexperientes são inerente- setor bancário é muito incomum”.
mente ineficientes. A inovação exige uma tolerância aos riscos A seguir, apresentam-se três estratégias para gerir simul-
e às falhas. taneamente as iniciativas de inovação incremental e disruptiva:
Uma cultura corporativa dominada pela teoria de gestão • Separar os esforços. Não espere que pessoas que cuidam
Seis Sigma tenderá aos tipos de melhorias internamente foca- de negócios maduros comportem-se da mesma maneira
das, contínuas e incrementais nos processos, atendimento ao que as encarregadas de negócios iniciantes. Cada tipo
cliente, sistemas e operações. Uma cultura que promova a inova- tem seus próprios incentivos, organizações e necessida-
ção disruptiva será mais empreendedora, focada externamente des de talento.
em novos mercados, tecnologias e modelos de negócio. Você • Designe um gestor ambidestro experiente para supervisio-
explora grandes plataformas de novo crescimento que acrescen- nar ambos os esforços. Um gestor com responsabilidade
tam grandes pedaços de receita e lucro. pelos negócios tradicionais e novos promoverá a eficiência
Dadas as imensas implicações administrativas e cultu- compartilhando recursos como RH, marketing e finanças,
rais inerentes a cada abordagem, seria difícil lançar ambos os e estabelecendo a integração das iniciativas quando for o
esforços ao mesmo tempo. A maioria das organizações, como momento certo.
a General Electric, torna-se fundamentada em uma e depois • Apoie ambas as equipes adequadamente. Não engane
tenta a outra. No caso da GE, o Seis Sigma veio primeiro, e a uma em benefício de outra. É ultrajante ver tanto investi-
sua nova iniciativa de inovação, Ecomagination, agora está se mento em reengenharia, treinamento e tempo de funcio-
desenvolvendo. nário sendo despejado em iniciativas Seis Sigma em nome
Em um artigo da Harvard Business Review, “The Abmidextrous da economia de custos, quando a inovação é privada de
Organization”, Charles O’Reilly III e Michael Tushman, professo- requisitos de pesquisa críticos, como análise de espaços
res da escola de negócios em Stanford e Harvard, respectiva- vazios, pesquisa etnográfica ou prototipagem. É como se
mente, reconhecem o paradoxo dos esforços de tirar proveito a liderança acreditasse que as empresas podem encurtar
versus esforços para exploração. Segundo eles, as empresas o seu caminho para a grandeza.
inteligentes separam os esforços mais ambiciosos em inovação A inovação e o Seis Sigma são métodos diferentes que
dos esforços em andamento na melhoria contínua, o que permite geram resultados diferentes e exigem estilos de gestão diferen-
que diferentes processos, estruturas e culturas surjam dentro da tes. Eles podem coexistir. Apenas reconheça que cada um deles
mesma empresa. requer uma fórmula própria de sucesso.
Uma organização “ambidestra”, de acordo com esses pro- – Rae é cofundadora da Peer Insight, uma empresa de con-
fessores, possui equipes de projeto independentes integradas sultoria em inovação.
na hierarquia de gestão existente. Uma equipe sênior altamente
integrada assegura que as atividades da mão direita não funcio-
nem contra os objetivos da mão esquerda. Tanto os negócios
tradicionais quanto os incipientes reportam à mesma equipe *Por Jeneanne Rae.

sobre o novo processo, “chegamos à conclusão de que Não existem muitas pesquisas que abordem a ine-
não havia jeito para colocar qualquer coisa nova no mun- vitável tensão entre o Seis Sigma e a inovação. Porém,
do, como o bloco de notas Post-it, a partir desse novo sis- a tentativa mais notável, feita pela professora Mary
tema”, diz Michael Mucci, que trabalhou na 3M por 27 Brenner, da Wharton School, e pelo professor Michael
anos antes da sua demissão em 2004. (Mucci alegou, em L. Tushman, da Harvard Business School, sugere que o
ação trabalhista, que a 3M adotou a discriminação de ida- Seis Sigma levará à inovação para um formato mais in-
de. Segundo a empresa, as reclamações são infundadas.) cremental em detrimento do trabalho descompromissado.
450     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Os dois professores analisaram os tipos de patentes con- formarem-se com os objetivos do Seis Sigma. Havia,
cedidos para empresas de pintura e fotografia ao longo de talvez, uma abordagem genérica para a aplicação do
um período de 20 anos, antes e depois de uma iniciativa Seis Sigma à medida que a implementação inicial co-
de melhoria da qualidade. O trabalho mostra que, após a meçou, diz Larry Wendling, vice-presidente que dirige
iniciativa de qualidade, as patentes concedidas com base a porção “P” na operação de P&D da 3M. “Visto que
principalmente no trabalho anterior perfaziam uma par- [McNerney] estava dirigindo a organização, você sabe,
cela radicalmente maior do total, enquanto aquelas que havia métricas estabelecidas por toda a organização
não se baseavam no trabalho anterior diminuíram. e, bem francamente, algumas delas não faziam tanto
Segundo os defensores do Seis Sigma na 3M, um sentido para o laboratório quanto para outras partes da
processo mais sistemático de introdução de novos pro- organização”, afirma Wendling. Que tipo de métricas?
dutos permite que as inovações cheguem mais rápido ao Monitorar o andamento de todos os projetos black belts
mercado. Mas Fry, o inventor do bloco de notas Post-it, e green belts, por exemplo.
discorda. Na realidade, ele coloca a culpa da recente falta Na verdade, não raro o Seis Sigma torna-se um fim
de ruído inovador da 3M diretamente na aplicação do em si mesmo, o que pode ser adequado em um contexto
Seis Sigma nos laboratórios de pesquisa da empresa. A operacional – no final do ano, é fácil para um gerente
inovação, segundo ele, é “um jogo de números. Você tem de linha contar quanto dinheiro ele poupou realizando
que passar por 5 a 6 mil ideias cruas para encontrar um projetos black belts. Entretanto, os funcionários da 3M
negócio bem-sucedido”. O Seis Sigma perguntaria: “Por perceberam que esses resultados financeiros definitivos
que não eliminar todo esse desperdício e apenas vir com eram muito mais ilusórios no contexto de um laborató-
a ideia certa de primeira?”. Esse modo de raciocinar, de rio de pesquisas. “Em alguns casos, eles faziam senti-
acordo com Fry, pode ter graves efeitos colaterais. “O do no laboratório, mas, em outros, as pessoas ficavam
que mais chama atenção é como no final uma cultura conjecturando projetos green belts para preencher suas
pode ser dividida”, diz Fry que vive em Maplewood, cotas nos programas green belts para aquele período”,
Minnesota, apenas alguns minutos ao sul do campus cor- diz Wendling. “Estávamos deixando, eu acho, o proces-
porativo e que aparece regularmente no escritório para so atrapalhar a invenção real.”
ajudar nos projetos dos colegas. “[McNerney] não des- Para ajudar a criatividade fluir, Buckley está gas-
truiu isso porque não ficou aqui tempo suficiente. Mas, se tando mais dinheiro – aumentando os gastos em P&D,
tivesse ficado muito tempo mais, acho que o teria feito.” aquisições e investimentos de capital. O orçamento glo-
bal de P&D crescerá 20% este ano e chegará a US$ 1,5
bilhão. Ainda mais importante do que o aumento de di-
FORÇA DE TRABALHO REVIGORADA
nheiro é a realocação desses fundos feita por Buckley.
Buckley, um especialista em Engenharia Química, pare- Ele está convergindo o dinheiro para o que ele chama de
ce reconhecer as ramificações culturais de um programa áreas “principais” da tecnologia da 3M, 45 ao todo, que
focado no processo, em uma organização cujos destino vão dos abrasivos até a nanotecnologia e os produtos
e história são tão associados à invenção de coisas novas. eletrônicos flexíveis. Trata-se de prioridades diferen-
“Você não consegue criar nessa atmosfera de confina- tes das de McNerney. Em 2004, McNerney declarou à
mento ou mesmice”, diz Buckley. “Talvez um dos erros BusinessWeek que o produto mais promissor da 3M era
que tenhamos cometido como empresa – um dos perigos um creme para a pele chamado Aldara, a peça central de
do Seis Sigma – é que, quando você valoriza mais a mes- um negócio florescente de produtos farmacêuticos. Em
mice do que a criatividade, acho que mina potencialmen- janeiro, Buckley vendeu o negócio de produtos farma-
te o coração e a alma de uma empresa como a 3M.” cêuticos por US$ 2 bilhões.
Nos últimos anos, a reputação da empresa como ino- Silenciosamente, o legado de McNerney está sendo
vadora tem desmoronado. Em 2004, a 3M era conside- corrigido na 3M. Embora não haja dúvida de que o ex-
rada a número 1 na lista das Empresas Mais Inovadoras -CEO trouxe algumas mudanças positivas para a em-
do Boston Consulting Group (hoje a lista BusinessWeek/ presa, muitos funcionários dizem que estão revigorados
BCG). Ela caiu para número 2 em 2005, número 3 em agora porque a ênfase da empresa mudou da lucrativi-
2006 e até o número 7 neste ano. “Todos esqueceram dade e da disciplina dos processos para o crescimento e
rapidamente dessas pessoas”, afirma Dev Patnaik, sócio a inovação. De acordo com Timm Hammond, diretor de
executivo da consultoria em inovação Jump Associates. desenvolvimento de negócios estratégicos, “[Buckley]
“Quando foi a última vez que você viu algo inovador ou trouxe de volta uma centelha em torno da criatividade”.
experimental saindo de lá?” Acrescenta Bob Anderson, diretor comercial na divisão
Buckley afrouxou um pouco as rédeas ao retirar de identificação por radiofrequência da 3M: “Sentimos
dos cientistas pesquisadores da 3M a obrigação de con- que podemos voltar a sonhar”.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-13     451

ARTIGO 3-13 da gestão. Tais problemas não são facilmente incorpo-


rados em um modelo de fases e tendem a ser abordados
Gestão do processo de apenas superficialmente.
empreendedorismo corporativo interno:
algumas recomendações para a prática* UM MODELO DE PROCESSOS DO ECI

R. A. Burgelman Recentemente, propus um novo modelo com base nas


descobertas de um estudo investigativo do processo
O empreendedorismo corporativo interno (ECI) é uma completo por meio do qual os novos empreendimentos
via importante para o crescimento e a diversificação da tomam forma no contexto da divisão de novos empreen­
empresa.1 No entanto, a pesquisa sistemática sugere dimentos (DNE), em empresas grandes e diversifica-
que desenvolver negócios inteiramente novos no con- das.4 A Figura 1 mostra o “modelo de processos” do
texto das empresas estabelecidas é muito difícil, mesmo ECI. A metodologia do estudo é descrita resumidamen-
quando, para esse propósito, cria-se uma divisão distinta te no Apêndice.
de novos empreendimentos.2 A Figura 1 apresenta os processos principais do
ECI, bem como os sobrejacentes (o contexto corpo-
rativo) nos quais os processos principais tomam for-
MODELOS DE FASES DO ECI
ma. Os processos principais do ECI compreendem as
As conceituações típicas do ECI usam uma abordagem atividades por meio das quais um novo negócio passa
de “modelos de fases”,3 que proporcionam uma estrutu- a ser definido e em que o seu desenvolvimento ga-
ra para abordar muitos problemas importantes relativos nha impulso na empresa. Esses processos agrupam
ao desenvolvimento sequencial dos novos empreendi- os problemas e as questões gerenciais abordados nor-
mentos. Eles se concentram nos problemas internos da malmente nos modelos de fases do ECI. Os processos
fase, bem como nas questões pertinentes à transição en- sobrejacentes compreendem a atividades por meio das
tre as fases. Enfatizam os requisitos diferentes de cada quais os contextos estrutural e estratégico são deter-
fase em termos de tarefas fundamentais, pessoal, arran- minados. O contexto estrutural refere-se aos diversos
jos estruturais, estilos de liderança e similares. Os pro- mecanismos organizacionais e administrativos postos
blemas abordados mais naturalmente em um modelo de em prática pela gestão da empresa a fim de implemen-
fases referem-se àqueles que são importantes no cres- tar a estratégia corporativa atual. O contexto estratégi-
cimento de qualquer novo negócio. Entretanto, muitos co refere-se ao processo por meio do qual a estratégia
dos problemas mais difíceis gerados e encontrados pelo corporativa atual é ampliada para acomodar o novo
ECI resultam do crescimento de um novo negócio no negócio resultante dos esforços de ECI. Tanto os pro-
contexto de uma empresa estabelecida. Resultam do cessos principais quanto os sobrejacentes envolvem
fato de que as atividades estratégicas relacionadas com atividades fundamentais (área sombreada) e ativida-
o ECI ocorrem simultaneamente em diferentes níveis des mais periféricas (área não sombreada), situadas
em níveis diferentes da organização.

PROBLEMAS IMPORTANTES NO PROCESSO DE ECI


*
Fonte: Reimpresso de Sloan Management Review, Winter 1984, vol. 25,
n. 2, pp. 33-48, com permissão. © 1984 by Sloan Management Review O modelo de processos indica que o ECI envolve o en-
Association. Todos os direitos reservados.
1
Para um histórico detalhado da empresa, ver 3M: Profile of an Innovating trelaçamento das atividades estratégicas dos gestores
Company, n. 395-016. em diferentes níveis da organização. Essas atividades
2
Um panorama global de estudos anteriores sobre novos empreendi-
mentos é fornecido em E. von Hippel, “Successful and Failing Inter- estratégicas são promulgadas sem a existência de um
nal Corporate Ventures: An Empirical Analysis”, Industrial Marketing plano mestre no qual todas elas se encaixem perfeita-
Management 6, pp.163-74. Hippel observou a grande diversidade de prá- mente. A Figura 2 fornece uma visão global de alguns
ticas de novos empreendimentos. Um pouco dessa diversidade, porém,
pode ser decorrente de uma distinção um tanto obscura entre o desen- aspectos problemáticos da situação estratégica em cada
volvimento de novos produtos e o desenvolvimento de novos negócios. nível dos processos que constituem o ECI.
Hippel também identifica alguns fatores fundamentais associados ao
sucesso e ao fracasso dos novos empreendimentos, mas não documenta
como o processo toma forma. Com relação à Divisão de Novos Em-
preendimentos (DNE), ver N. D. Fast, “The Future of Industrial New
Venture Departments”, Industrial Marketing Management 8, pp. 264-79.
Fast observou a função precária e instável da DNE em muitas empresas e
explica a evolução em termos das mudanças na estratégia corporativa e/
ou na posição política da DNE. 4
R. A. Burgelman, “A Process Model of Internal Corporate Venturing
3
Para obter um exemplo recente de modelo de fase, ver J. R. Galbraith, in the Diversified Major Firm”, Administrative Science Quarterly 28
“The Stages of Growth”, Journal of Business Strategy, 1983. (1983), pp. 223-44.
452     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Atividades fundamentais e periféricas em um modelo de processos do ECI

= Atividades Processos principais Processos sobrejacentes


fundamentais Contexto Contexto
Definição Incentivo
estratégico estrutural

Gestão corporativa Monitorar Autorizar Racionalizar Estruturar


ionar
Se lec
a
Construir a over ão
Níveis

Gestão da divisão de Gestão de m ç


estratégica Pro aniza Negociar
novos empreendimentos treinamento org Delinear
ver
mo o
Ligação entre Pro rodut
o p Forçar a Filtrar a geração
Líder de grupo/gestor o aspecto clandestina Questionar
do empreendimento técnico e a execução
de ideias
necessidade da estratégia

FIGURA 2 Principais problemas no processo de ECI

Processos principais Processos sobrejacentes

Níveis Definição Incentivo Contexto estratégico Contexto estrutural

Gestão A alta gestão não tem capaci- A alta gestão baseia-se A alta gestão considera o A alta gestão baseia-se
corporativa dade para avaliar os méritos em resultados de cresci- ECI como um seguro con- nas mudanças estruturais
das propostas específicas mento puramente quan- tra o mau desempenho do reativas para lidar com os
do novo empreendimento titativos para continuar a negócio regular. Os objeti- problemas relacionados
para o desenvolvimento apoiar o novo empreen- vos do ECI são ambíguos ao ECI.
corporativo. dimento. e variam erraticamente.
Gestão da DNE Os gestores de nível Os gestores de nível Os gestores de nível Os gestores de nível médio
médio na P&D corpora- médio no desenvolvi- médio lutam para delinear lutam contra impedimentos
tiva não são capazes de mento de novos negó- as fronteiras do campo estruturais imprevistos
treinar os iniciadores dos cios consideram difícil de atuação de um novo para as atividades do
projetos de ECI. balancear os esforços de negócio. Eles despen- novo empreendimento.
construção da estratégia dem tempo precioso em Não há incentivo para que
com os esforços de trei- atividades políticas a fim os melhores executores
namento dos gestores de de manter o apoio da envolvam-se nas atividades
empreendimentos. empresa. de ECI.
Líder de Os iniciadores dos pro- Os gestores de empreen- Os iniciadores dos pro- Os gestores de empreendi-
grupo, líder do jetos não conseguem dimento consideram difícil jetos não têm uma ideia mento não têm uma
empreendimento demonstrar de forma con- balancear os esforços de clara do tipo de projeto ideia clara do tipo de
vincente e antecipada os imposição da estratégia de ECI que será viável desempenho que será
recursos que serão utiliza- com os esforços para no contexto empresarial. recompensado, com exce-
dos de modo efetivo. Eles desenvolver a estrutura A geração clandestina é ção do crescimento rápido.
precisam envolver-se na administrativa dos empreen- necessária para que uma
procura e no resgate de dimentos emergentes. nova ideia seja testada.
elementos úteis para que
possam adquirir recursos.

Ciclos viciosos no processo de definição alta gestão. Seu tamanho relativamente pequeno e a di-
No nível corporativo, os gestores tendem a possuir um ficuldade relativa para avaliar seu mérito fazem com
referencial altamente confiável para avaliar as estraté- que, inicialmente, pareçam antieconômicos para que a
gias de negócio e as propostas de alocação de recursos alta gestão dedique-lhes algum tempo. Não surpreen-
pertinentes às principais linhas de negócios da empresa. dentemente, os altos executivos tendem a acompanhar
Pelo mesmo motivo, sua capacidade para lidar com as as atividades do ECI à distância.
questões substantivas das oportunidades é limitada, e Na P&D corporativa (onde normalmente surgem
suas expectativas com relação ao que pode ser realizado os novos empreendimentos), os gestores de nível mé-
em pouco tempo muitas vezes são irreais. Além disso, dio experimentam uma tensão entre a gestão dos seus
as propostas de ECI competem pelo tempo escasso da recursos e as responsabilidades de treinamento. Tais
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-13     453

gestores tendem a ficar mais preocupados em manter pessoal de vendas disfarçado). Podem ainda optar por
a integridade do ambiente de trabalho da P&D, o qual uma abordagem que seja mais aceitável à luz das pre-
é bem diferente de um ambiente de trabalho voltado ocupações da gestão da empresa, mas que talvez não
para os negócios.5 Eles sentem-se confortáveis em ge- seja a ideal do ponto de vista estratégico no longo prazo
rir projetos de pesquisa relativamente lentos e projetos (p. ex., propor uma joint venture com outra empresa).
de desenvolvimento bem definidos. Porém, relutam em
comprometer repentinamente quantidades significati- Dilemas da gestão no processo de incentivo
vas de recursos (especialmente pessoas) nas áreas mais A definição do produto resulta na demonstração prelimi-
movimentadas das atividades de novos desenvolvimen- nar da viabilidade técnica e comercial de um novo pro-
tos que estejam fora do escopo dos seus planos atuais e duto, processo ou sistema e prepara o cenário para o pro-
que ainda não tenham demonstrado viabilidade técnica cesso de incentivo. No curso do processo de incentivo,
e comercial. um projeto de ECI recebe o “status de empreendimento”,
Os gestores de nível operacional lutam para conce- ou seja, torna-se um novo negócio quase independente,
ber suas ainda nebulosas (pelo menos para as pessoas de com seu próprio orçamento e gestor. Muitas vezes, o pro-
fora) ideias de negócio, o que dificulta a comunicação motor do produto torna-se o gestor do empreendimento.
com a gestão. Os resultados dos seus esforços técnicos Mesmo que haja dúvidas manifestadas quanto a isso, é
e de vinculação com as necessidades muitas vezes vão algo que ocorre naturalmente. Primeiro, para o promotor
contra o consenso da empresa. Eles não conseguem es- do produto, isso constitui a grande, mas também a única,
pecificar com clareza o trajeto de desenvolvimento dos recompensa. Segundo, normalmente não há mais nin-
seus projetos, nem demonstrar antecipadamente que os guém em volta que possa assumir e continuar a dinâmica
recursos necessários serão utilizados de forma efetiva do processo de desenvolvimento.
em domínios desconhecidos. O incentivo permanente depende dos esforços de
imposição da estratégia do nível do gestor do empreen-
Demonstrar a viabilidade técnica. A falta de articu- dimento: alcançar um volume de vendas e uma posição
lação entre os diferentes níveis de gestão resulta em de participação de mercado significativos em um hori-
um ciclo vicioso na obtenção de recursos. Os recursos zonte de tempo limitado.6 Os esforços de imposição da
poderão ser obtidos se a viabilidade técnica for demons- estratégia concentram-se em torno do produto, processo
trada, mas a própria demonstração exige o emprego de ou sistema original. Para implementar uma estratégia de
recursos. As atividades de promoção do produto servem crescimento rápido, o gestor do empreendimento atrai
para quebrar esse ciclo vicioso. Ao empregar táticas auxiliares generalistas capazes de atuar razoavelmen-
não convencionais e de busca de recursos esparsos, o te bem em várias áreas funcionais diferentes. Com o
promotor do projeto bem-sucedido consegue fornecer crescimento da organização do empreendimento e sob
informações positivas que tranquilizem a gestão de as condições competitivas decorrentes da maturação do
nível médio e uma base para reivindicar apoio para os produto, as considerações sobre a eficiência tornam-se
projetos de ECI em seus planos formais. Essa dinâmica cada vez mais importantes. Novos gestores funcionais
explica a descoberta um tanto surpreendente de que os substituem os generalistas. Eles tendem a enfatizar as
gestores de nível médio muitas vezes estimulam e não
rotinas de desenvolvimento, os procedimentos opera-
apenas toleram tais atividades secretas.
cionais padrão e o estabelecimento de uma estrutura ad-
ministrativa para o empreendimento. No entanto, isso
Demonstrar a viabilidade comercial. Mesmo quando
é demorado e prejudica todos os demais esforços de
existe um produto, processo ou sistema tecnicamente
crescimento rápido. Desse modo, o gestor do empreen-
demonstrado, a gestão da empresa muitas vezes reluta
dimento se depara cada vez mais com um dilema: con-
em iniciar os esforços de comercialização porque não
tinuar a forçar o crescimento ou criar a organização do
estão certos das capacitações da empresa para fazê-lo
empreendimento. As preocupações com o crescimento
com eficiência. Para superar essas hesitações, os pro-
tendem a vencer e a criação da reorganização é mais ou
motores de produtos cortam caminho: atividades que se
menos negligenciada de maneira proposital.
desviam das formas e dos meios empresariais oficiais
(p. ex., contatar clientes de outras divisões para testes e
6
A necessidade de imposição da estratégia também é coerente com as
constatações que sugerem que alcançar rápido uma grande participação
5
Essas diferenças são discutidas em maior profundidade em R. A. de mercado ao custo de abrir mão de margens de lucro mais generosas
Burgelman, “Managing Innovation Systems: A Study of the Process é crítico para a sobrevivência do empreendimento. R. Biggadike, “The
of Internal Corporate Venturing”, dissertação de doutorado, Columbia Risky Business of Diversification”, Harvard Business Review 57 (May-
University, 1980. June 1979), pp. 103-11.
454     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Enquanto o gestor do empreendimento cria uma “ca- gestor do empreendimento e os gestores funcionais. Com
beça de ponte” para o novo negócio, o nível médio envol- o tempo, a necessidade de estabilizar a organização do
ve-se nos esforços de construção da estratégia para sus- empreendimento é suscetível de levar ao desaparecimento
tentar o processo de incentivo. Tais esforços envolvem a do gestor desse empreendimento.
concepção de uma estratégia mestra para o novo campo
mais amplo no qual o empreendimento possa caber. Eles O contexto estratégico indeterminado do ECI
também envolvem a integração dos projetos existentes Os problemas encontrados nos processos principais
em outras partes da empresa e/ou de pequenas empre- do ECI são mais prontamente compreendidos quando
sas que possam ser adquiridas com o empreendimento se examinam os processos sobrejacentes, nos quais o
em expansão. Esses esforços tornam-se cada vez mais desenvolvimento do ECI toma forma. Os objetivos da
importantes à medida que as atividades de imposição gestão da empresa no que diz respeito ao ECI tendem a
da estratégia do gestor do empreendimento atingem seu ser ambíguos. A alta gestão não sabe, na verdade, que
limite. Ao mesmo tempo, os problemas administrativos novos negócios específicos eles desejam, até que o úl-
criados pelos esforços de imposição da estratégia reque- timo tenha tomado forma e tamanho concretos, e deci-
rem cada vez mais atenção do gestor acima do gestor do sões precisam ser tomadas a respeito de integrá-los ou
empreendimento. Por isso, como acontece com o gestor não ao portfólio corporativo por meio de um processo
do empreendimento, o gestor de nível médio também de racionalização retroativa.
enfrenta um sério dilema: focar a expansão do escopo Os gestores de nível médio esforçam-se para deli-
do novo negócio ou investir tempo treinando o (frequen- near os limites de um novo negócio e têm consciência
temente rebelde) gestor do empreendimento e construir de que a gestão da empresa está interessada em áreas
a organização. Dada a esmagadora importância do cres- amplamente definidas, como a “área de saúde” ou o
cimento, as atividades de treinamento e construção da “setor energético”. Entretanto, somente por meio da
organização tendem a ser mais ou menos negligenciadas construção estratégica da gestão de nível médio e da
de maneira proposital. articulação concomitante de uma estratégia mestra para
A decisão da gestão empresarial de autorizar mais as iniciativas do empreendimento em andamento, a área
alocações de recursos para um novo empreendimento de atuação do novo negócio torna-se concretamente de-
depende, em grande parte, da credibilidade dos gestores lineada e as novas direções estratégicas possíveis pas-
envolvidos. A credibilidade, por sua vez, depende prin- sam a ser determinadas.
cipalmente dos resultados quantitativos produzidos. A No nível operacional, os gestores envolvem-se em
gestão da empresa tende a desenvolver expectativas um atividades de filtragem, geração de ideias e iniciativas
tanto irreais sobre os novos empreendimentos. Enviam- extraoficiais que podem levar à definição dos projetos
-se sinais fortes com relação à importância de produzir de ECI em novas áreas de negócios que já estejam sur-
logo um impacto na posição corporativa global. Não é gindo como resultado das atividades de ECI em curso.
surpresa que isso reforce a ênfase dos níveis médio e Essas atividades são autônomas porque independem
operacional da gestão em alcançar o crescimento. basicamente da estratégia atual da empresa. Os gesto-
res nesse nível não têm uma ideia clara desde o início
O desenvolvimento de novos produtos fica para trás A sobre que tipos de projetos de ECI serão viáveis na em-
falta de atenção à construção da estrutura administrativa presa, mas eles parecem ter um sentido de evitar os que
do novo empreendimento impede-o de desenvolver um não têm chance de receber apoio (p. ex., porque houve
fluxo contínuo de novos produtos. Na falta de relacio- alguns fracassos anteriores na área ou existem algumas
namentos cuidadosamente elaborados entre a P&D, a responsabilidades legais associadas a ele).
engenharia, o marketing e a manufatura, a programação
dos novos produtos é retardada e estes, quando concluí­ Determinar o conteúdo estratégico A indeterminação
dos, com frequência exibem falhas graves. do conteúdo estratégico do ECI exige que os gestores de
nível médio envolvam-se em atividades de promoção do
O desaparecimento do gestor do empreendimento Gran- produto,7 as quais são de natureza política e demoradas.
des descontinuidades no desenvolvimento de novos pro-
dutos colocam mais pressão no gestor de nível médio para
encontrar produtos complementares em outro lugar, a fim
7
A importância do gestor de nível médio no ECI já foi reconhecida por
Hipple, “Successful and Failing Internal Corporate Ventures”. Ver tam-
de ajudar a manter a taxa de crescimento. Isso, por sua vez, bém I. Kusiatin, “The Process and Capacity for Diversification Through
leva a ainda menos ênfase em treinar o gestor do empreen­ Internal Development”, dissertação de doutorado, Harvard University,
1976; e M. A. Maidique, “Entrepreneurs, Champions, and Technological
dimento. Os problemas de desenvolvimento do novo Innovations”, Sloan Management Review 21, pp. 59-76, que discutiram
produto também tendem a exacerbar as tensões entre o o papel de um “promotor gestor” ou “promotor executivo”.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-13     455

Essas atividades exigem uma orientação de baixo para negócio cresça rapidamente. Os gestores de nível médio
cima (como um gestor de empreendimento colocaria) que da divisão de novos empreendimentos experimentam
é bem diferente da orientação substantiva de cima para uma resistência dos gestores nas divisões operacionais
baixo do nível do gestor do empreendimento. O gestor quando as atividades se sobrepõem. Negociações pro-
de nível médio também deve investir tempo trabalhando positais e confiança na habilidade política substituem
os atritos com o sistema que possam existir quando as os arranjos de otimização conjunta com base no longo
estratégias do empreendimento e dos negócios regulares prazo, o que leva, no final das contas, ao atrito grave
interferirem umas com as outras. A necessidade dessas entre as atividades do ECI e do negócio regular.10
atividades tende a reduzir mais a quantidade de tempo e
esforço despendidos pelo nível médio no treinamento do Mudanças reativas no contexto estrutural Quando as
gestor do empreendimento. atividades de ECI se expandirem para além de um ponto
que a gestão empresarial considere oportuno apoiar em
Oscilações da estratégia corporativa Os novos em­­ função de sua avaliação das perspectivas de atividades
preen­dimentos levam de oito a doze anos em média para dos negócios regulares ou quando ocorrer alguma falha
se tornarem negócios maduros e lucrativos.8 Entretanto, altamente visível, serão efetuadas mudanças no con-
o horizonte de tempo da gestão normalmente tem um texto estrutural para consolidar as atividades de ECI.
limite de três a cinco anos. Os objetivos da gestão cor- Essas mudanças parecem reativas e indicativas da falta
porativa tendem a mudar: os novos empreendimentos de uma estratégia de diversificação clara na empresa.11
são encarados pela alta gestão como um seguro contra o
mau desempenho dos negócios regulares, em vez de um
GESTÃO DO CONTEXTO CORPORATIVO DO ECI
objetivo corporativo em si.9 Os gestores de nível médio
sabem que há janelas no curto prazo para a aceitação O modelo de processos sugere que, no nível de aná-
da empresa e que devem ser aproveitadas. Isso também lise empresarial, o ECI baseia-se na experimentação
os pressiona a tomar providências para que os novos e seleção, não em um processo de planejamento es-
negócios cresçam o mais rápido possível. tratégico.12 Ele caracteriza-se pela ambiguidade, pela
descontinuidade e até mesmo por um elemento de
As pressões seletivas do contexto estrutural anarquia. Depois de identificarem alguns dos princi-
A alta gestão estabelece um contexto estrutural para pais problemas no processo de ECI, os gestores podem
apoiar a estratégia corporativa. O contexto estrutural, propor recomendações para melhorar a sua gestão
por sua vez, fornece os atores estratégicos nos níveis estratégica. Essas recomendações podem servir para
operacional e médio da gestão com sinais relativos aos aliviar, se não eliminar, esses problemas, tornando o
tipos de projetos que têm chances de ser apoiados e re- contexto empresarial mais hospitaleiro para o ECI.
compensados. Ele funciona como um mecanismo de A melhoria dos processos sobrejacentes, presumivel-
seleção sobre o comportamento estratégico na organi- mente, permitirá à gestão focar-se mais nos problemas
zação. Os projetos de ECI, por definição, estão fora do inerentes aos processos principais e menos nos proble-
escopo da estratégia corporativa atual e devem superar mas que resultam de ter de “lutar contra o sistema”. A
as pressões seletivas do contexto estrutural. Figura 3 resume as recomendações.

A não completude do contexto estrutural Estabelecer Elaborar o contexto estratégico do ECI


uma divisão distinta de novos empreendimentos facilita A alta gestão deve reconhecer que o ECI é uma fonte
a definição e o processo de incentivo inicial dos projetos importante de renovação estratégica para a empresa, e
de ECI, mas, por si só, a divisão de novos empreendi- não apenas um seguro contra as perspectivas ruins dos
mentos constitui um contexto estrutural incompleto. Na negócios regulares. Portanto, o ECI deve ser conside-
ausência de sistemas de avaliação e recompensa concebi- rado uma parte integrante e contínua do processo de
dos especificamente para os requisitos das atividades do criação da estratégia.
novo empreendimento, o gestor desse empreendimento
não tem uma ideia clara do desempenho que se espera
dele, exceto em termos de fazer com que o seu novo 10
Esses atritos são abordados com mais detalhes em R. A. Burgelman,
“Managing the New Venture Division: Research Findings and Implications
for Strategic Management”, Strategic Management Journal 6 (1985),
pp. 39-54.
Biggadike, “The Risky Business”.
8 11
Ib.
R. A. Peterson and D. G. Berger, “Entrepreneurship in Organizations:
9 12
Esse argumento é mais elaborado em R. A. Burgelman, “Corporate
Evidence from the Popular Music Industry”, Administrative Science Entrepreneurship and Strategic Management: Insights from a Process
Quarterly 16 (1971), pp. 97-106. Study”, Management Science 29 (1983), pp. 1349-64.
456     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Recomendações para fazer a estratégia de ECI funcionar melhor

Processos principais Processos sobrejacentes

Níveis Definição Incentivo Contexto estratégico Contexto estrutural

Gestão As propostas do ECI O progresso do novo É iniciado um processo Gestores com experiência
empresarial são avaliadas em função empreendimento é para elaborar uma estra- de sucesso em ECI são
da estratégia de desen- avaliado em termos tégia de desenvolvimento apontados para a alta ges-
volvimento corporativo. substantivos pelos altos empresarial de longo prazo. tão. A alta gestão é recom-
Fazem-se esforços cons- executivos que possuem Essa estratégia toma forma pensada financeira e sim-
cientes para evitar a sub- experiência na defesa da em consequência de um bolicamente pelo sucesso
missão ao conhecimento organização. processo de aprendizagem do desenvolvimento da
corporativo convencional. interativa em curso que empresa no longo prazo.
envolve os níveis alto e
médio da gestão.

Gestão da DNE São selecionados os Os gestores de nível A interação substantiva Os grandes executores no
gestores de nível médio médio são responsáveis entre a gestão empresa- nível médio são atraídos
na P&D da empresa que pelo desenvolvimento dos rial e de nível médio leva para as atividades de ECI.
tenham conhecimentos gestores do empreendi- ao estabelecimento dos A colaboração do nível
técnico e empresarial mento e por facilitar as méritos de uma nova área médio regular com as
necessários para determi- transferências de projeto de negócio em função da atividades de ECI é recom-
nar a quantidade mínima dentro da empresa, caso estratégia de desenvolvi- pensada. Mecanismos de
de recursos para o projeto a nova estratégia de mento da corporação. integração podem ser facil-
e que possam treinar negócio justifique isso. mente mobilizados.
bons executores.

Líder de Os iniciadores do projeto Os gestores do empreen- Os recursos de folga Uma ampla gama de estru-
grupo, líder do são estimulados a integrar dimento são responsáveis determinam o nível de turas de empreendimento,
empreendimento as perspectivas técnicas e por desenvolver as capa- emergência das ideias medidas de apoio e siste-
comerciais. Eles ganham citações funcionais das mutantes. A existência de mas de recompensa escla-
acesso aos recursos e organizações emergentes uma estratégia de desen- rece o desempenho espe-
podem ser recompensa- dos empreendimentos e volvimento empresarial rado do pessoal de ECI.
dos, tornando-se gestores pela codificação do que substantiva proporciona
do empreendimento, tem sido aprendido em a autosseleção preliminar
termos das capacitações das ideias mutantes.
funcionais necessárias
enquanto dão prossegui-
mento à nova oportuni-
dade de negócio.

A necessidade de uma estratégia de desenvolvimento folga permite à alta gestão afetar as taxas nas quais
corporativo Para amortecer as oscilações no apoio as iniciativas do novo empreendimento surgirão, mas
empresarial ao ECI, a alta gestão deve criar um não o seu conteúdo específico em si.13 Essa aborda-
processo para desenvolver uma estratégia de longo gem reflete um conceito mais amplo de elaborar a
prazo (de 10 a 12 anos) explícita e substantiva para estratégia do que manter a P&D empresarial em uma
o desenvolvimento corporativo, apoiada por uma determinada porcentagem das vendas.
estratégia de geração e alocação de recursos. Ambas
devem basear-se nos esforços em curso para deter- Avaliação substantiva das estratégias de risco Para
minar as oportunidades de crescimento restantes determinar efetivamente o contexto estratégico do ECI
nos negócios regulares atuais e os níveis de recursos e diminuir a ênfase política nas atividades de defesa da
necessários para explorá-las. Atendendo os objetivos organização, a alta gestão deve aumentar sua capaci-
da empresa para o crescimento e a rentabilidade, um dade para fazer avaliações substantivas dos méritos
pool de recursos deve ser reservado para as ativida- dos novos empreendimentos para o desenvolvimento
des fora dos negócios regulares. Esse pool não deve corporativo. A alta gestão deve aprender a avaliar
ser afetado pelas flutuações de curto prazo nas ativi- melhor a importância estratégica do desenvolvimento
dades regulares atuais. O ECI, bem como outros tipos
de atividades (p. ex., aquisições), deve ser financiado
por esse pool. A existência desse pool de recursos de 13
Ib.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-13     457

corporativo e o grau de afinidade dos projetos de ECI Além disso, a DNE é um mecanismo de dissociação
com as capacitações essenciais da corporação.14 das atividades dos novos empreendimentos em relação
Para alcançar essa capacitação, a alta gestão deve às atividades dos negócios regulares, mas, habitual-
incluir, na equipe da alta gestão, os membros com ex- mente, essa dissociação não consegue ser perfeita. Por
periência significativa no desenvolvimento do novo isso, devem ser estabelecidos mecanismos integradores
negócio. Além disso, a alta gestão deve exigir que os (p. ex., “comitês de direção”) que possam lidar constru-
defensores da empresa no nível médio expliquem como tivamente com os conflitos inevitáveis e imprevisíveis.
uma nova área de negócio promoveria os objetivos de Enfim, a alta gestão deve facilitar a maior aceitação
desenvolvimento corporativo não apenas em termos das diferenças entre os processos de gestão da DNE e
numéricos. Os gestores de nível médio devem ter que os negócios regulares. Isso pode levar, por exemplo, a
explicar como criam valor do ponto de vista corporati- políticas mais cuidadosas de alocação de pessoal e a
vo com os novos empreendimentos que patrocinam. Os uma maior flexibilidade nas políticas de contratação e
gestores de nível operacional teriam então uma chan- demissão na DNE para que reflitam as necessidades es-
ce maior de descobrir logo qual das possíveis direções peciais dos negócios emergentes.
seus projetos previstos poderiam tomar e terão mais Tais medidas para utilizar a DNE de forma mais
chances de receber o apoio da empresa. deliberada (e seletiva) diminuirão a probabilidade de
Essa ênfase maior da parte da alta gestão não sig- mudanças reativas no contexto estrutural.
nifica necessariamente ter uma maior participação nas
direções específicas da P&D corporativa de caráter in- Sistemas de avaliação e recompensa em apoio ao ECI
vestigativo. Em vez disso, aumentaria sua influência Talvez o aspecto mais difícil do contexto estrutural
nas direções do negócio que cresce a partir do substrato refira-se a como fornecer incentivos para a alta gestão
da P&D de caráter investigativo. apoiar de maneira séria e contínua o ECI como parte
integrante da elaboração da estratégia empresarial.
Refinar o contexto estrutural A história corporativa pode ser um mecanismo para
se conseguir isso, o que envolveria a reconstituição e
A alta gestão precisa fazer o ajuste fino do contexto es-
publicação periódicas (p. ex., uma seção especial nos
trutural e torná-lo mais compatível com os requisitos
relatórios anuais) das decisões cujos resultados positi-
de ECI.
vos ou negativos sejam esclarecidos apenas 10 ou mais
Uso mais deliberado da divisão de novos empreendi- anos depois do fato. Presume-se que os líderes empre-
mentos (DNE) Muitas vezes, a DNE torna-se a des- sariais (como os líderes políticos) fariam esforços para
tinatária de projetos “mal ajustados” e “órfãos” que preservar sua posição na história da corporação.15
existem no sistema e servem como campo experimen- Para reduzir a ênfase destrutiva no crescimento rá-
pido nos níveis de gestão médio e operacional, o siste-
tal de ideias de negócio possivelmente mal concebi-
ma de avaliação e recompensa deve ser ajustado para
das do departamento de P&D corporativo. Em alguns
a natureza especial do trabalho de gestão envolvido no
casos, mais esforços podem ser necessários para ava-
ECI. Isso significa, por exemplo, uma ênfase maior nas
liar as possibilidades de acomodar as iniciativas do
realizações em áreas de busca de problemas, resolução
novo empreendimento nos negócios regulares, em vez
de problemas e desenvolvimento de conhecimento do
de transferi-los para a DNE. Em outros casos, os pro-
que no volume de dólares geridos. Os esforços para
jetos devem ser desenvolvidos a partir de arranjos de
desenvolver a organização e o gestor do empreendi-
empreendimentos externos ou completamente disso-
mento também devem ser incluídos. Essas medidas
ciados da empresa. Tais decisões devem basear-se em
aliviarão os problemas resultantes das pressões para
uma análise de onde o projeto se encaixa no contexto
crescer rápido e mais ênfase será depositada pelos
estratégico. Eles devem ser de fácil implementação por
gestores médios no treinamento dos seus gestores de
terem à disposição uma ampla gama de estruturas para
empreendimento, além dos problemas de desenvol-
os relacionamentos empreendimento-empresa.
vimento administrativo dos novos empreendimentos
que de outro modo tenderiam a ser negligenciados. Os
14
Essas duas dimensões parecem ser importantes para decidir que tipos de
arranjos devem ser utilizados. Por exemplo, alta importância estratégica
e alto grau de afinidade podem sugerir a necessidade de integrar o novo 15
Algumas empresas parecem ter criado o cargo de historiador corpo-
projeto diretamente nos negócios regulares (mesmo que haja resistência). rativo. Sem subestimar as dificuldades que esse cargo pode encontrar,
Importância estratégica muito baixa e grau de afinidade muito baixo po- é possível imaginar a possibilidade de estruturá-lo de tal forma que os
dem sugerir a independência total do novo negócio como a melhor abor- dados relevantes sejam registrados. Outro exemplo, possivelmente uma
dagem. A DNE parece ser mais adequada nas situações mais ambíguas comissão nomeada pelo conselho de administração, poderia interpretar
em ambas as dimensões. periodicamente esses dados ao longo das linhas sugeridas.
458     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

sistemas mais flexíveis para avaliar e recompensar o de- anteriormente, podem ser propostas algumas recomen-
sempenho devem acompanhar uma maior flexibilidade dações adicionais.
na estruturação das relações empreendimento-empresa
mencionadas anteriormente. Em geral, quanto mais alto Gestão do processo de definição
o grau de afinidade (o novo empreen­dimento depende Em meu estudo, os projetos de ECI começaram tipi-
mais dos recursos da empresa) e quanto menor a impor- camente com uma iniciativa ao nível do líder do gru-
tância estratégica esperada do desenvolvimento corpo- po (supervisor de primeiro nível) no departamento de
rativo, menores as recompensas que os empreendedores P&D corporativo. Essas atividades tinham suas raízes
internos serão capazes de negociar. Etapas importantes na periferia das capacitações tecnológicas corporativas,
poderiam ser acordadas a fim de revisar as negociações refletiam o conhecimento criativo e o impulso empreen­
à medida que o empreendimento evoluir. Para tornarem dedor do iniciador, e eram influenciadas pela sua per-
esses processos simétricos (e mais aceitáveis para os
cepção das chances de acabar conseguindo que o em-
participantes não empreendedores da organização), os
preendimento fosse aceito pela alta gestão como uma
empreendedores internos devem ser solicitados a subs-
nova área importante para a empresa.
tituir os prêmios e benefícios por adesão negociados
Dos muitos projetos de ECI que começam o pro-
pelos regulares.
cesso de definição, apenas alguns alcançam o status
Além disso, para atrair os “grandes executores” nos
de “empreendimento”. Alguns dos que não estão ha-
negócios regulares da corporação para as atividades de
bilitados para essa transição podem encontrar um des-
ECI, pelo menos alguns postos da equipe da alta gestão
tino de desenvolvimento posterior, como uma nova
devem sempre ser preenchidos por gestores que tenham
linha de produtos em uma das divisões operacionais;
experiência significativa no desenvolvimento de novos
outros podem ser apenas interrompidos e resultarem
negócios. Isso facilitará a determinação do contexto
em apenas uma extensão da base de conhecimento
estratégico e eliminará a percepção de que os partici-
empresarial. Aqueles que não atingiram o status de
pantes da DNE não fazem parte do mundo real e, desse
empreendimento, porém, poderiam ter tido êxito, e
modo, não têm muita chance de progredir na corpora-
alguns dos que obtêm esse status de empreendimento
ção como resultado da experiência de ECI.16
não deveriam tê-lo. A avaliação oportuna do verdadei-
No nível operacional, em que alguns fracassos ge-
ro potencial de um projeto de ECI continua a ser um
renciais são praticamente inevitáveis em função da na-
problema difícil. Isso é decorrente da natureza desses
tureza de experimentação e seleção dos processos de
projetos: as muitas incertezas em torno dos aspectos
ECI, a alta gestão deve criar uma rede de segurança
técnicos e de marketing do novo negócio e o fato de
razoavelmente “à prova de tolos”. Nesse nível, os pro-
cada caso ser bem diferente dos demais. Esses fato-
motores do produto não deveriam sentir que a conti-
res dificultam bastante o desenvolvimento de proce-
nuidade do negócio é a única recompensa possível por
dimentos de avaliação padronizados e os programas
tê-lo iniciado. A pesquisa sistemática e a triagem dos
de desenvolvimento sem uma triagem completa dos
possíveis gestores do empreendimento devem facilitar
projetos realmente inovadores.
a determinação de um sucessor para o promotor do pro-
Gerir de maneira efetiva o processo de definição,
duto na hora certa. Devem-se desenvolver mecanismos
de reciclagem dos promotores do produto/gestores do portanto, coloca sérios desafios para os gestores de
empreendimento e/ou facilitar a sua reinserção nos ne- nível médio no departamento de P&D corporativo.
gócios regulares. Eles devem facilitar a integração das perspectivas
técnicas e comerciais e manter uma corda de salva-
mento para a tecnologia desenvolvida na P&D em-
GESTÃO DOS PROCESSOS PRINCIPAIS DO ECI presarial à medida que o projeto decolar. Como já
A maior capacidade da alta gestão de gerir o contexto mencionado, a necessidade dos esforços de promo-
corporativo do ECI, por sua vez, facilitará a gestão dos ção do produto, se for excessiva, poderá cortar essa
processos principais do desenvolvimento do ECI. Para corda de salvamento precocemente e provocar graves
aliviar alguns dos problemas específicos mencionados descontinuidades no desenvolvimento do novo proje-
to após este ter alcançado a fase de empreendimento.
Os esforços do gestor de nível médio têm que facili-
tar tanto os esforços de promoção do produto quan-
16
Como apontaram algumas pessoas no meu estudo, não há necessidade to o desenvolvimento contínuo da base tecnológica,
de assumir os riscos do desenvolvimento de novos negócios se você for colocando aqueles em perspectiva e assegurando que
identificado como um grande executor. Tais executores são encarregados
de negócios grandes e estabelecidos, em que suas capacitações presumi- a interface entre a P&D e o pessoal de negócios fun-
velmente terão aproveitamento máximo. cione sem problemas.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-13     459

Facilitar a integração da P&D – perspectivas de negó- Para apoiar essa abordagem, o gestor médio deve
cios Para facilitar a integração das perspectivas técnica ter uma influência na forma de recompensar os mem-
e de negócios, o gestor de nível médio deve compreen- bros da equipe de forma diferente. Isso, naturalmente,
der a lógica operacional de ambos os grupos e não se remete à determinação do contexto estrutural e reforça a
prender a detalhes técnicos, ainda que tenha conheci- importância de reconhecer no nível corporativo que são
mento técnico suficiente para ser respeitado pelo pessoal necessários sistemas de recompensa diferentes para os
de P&D. Esses gestores devem ser capazes de motivar tipos diferentes de atividades de negócios.
o pessoal de P&D para que colaborem com o pessoal de
negócios rumo à formulação dos objetivos de negócios Gestão do processo de incentivo
em relação aos quais será medido o progresso. A articu- Perseguir simultaneamente o crescimento rápido e o
lação dos objetivos de negócios é especialmente impor- desenvolvimento administrativo do empreendimento
tante para as relações do empreendimento com a gestão é um grande desafio durante o processo de incentivo.
empresarial se esta passar a envolver-se mais ativamente Esse desafio, que existe em qualquer negócio inician-
no ECI a fim de desenvolver uma maior capacidade para te, é especialmente difícil para um negócio no contexto
avaliar o ajuste dos novos projetos à estratégia de desen- de uma empresa estabelecida. Isso acontece porque os
volvimento da empresa. gestores no ECI têm menos controle sobre a escolha do
Os gestores de nível médio na P&D devem ser ca- pessoal-chave do empreendimento ainda que, ao mes-
pazes de criar dois grupos e assumir um processo de mo tempo, tenham acesso mais imediato a uma ampla
ajuste mútuo na direção de um objetivo comum para gama de recursos da empresa.17 Desse modo, há muito
promover o progresso do projeto do novo negócio. Nes- menos pressão sobre o gestor do empreendimento e o
se processo, um aspecto fundamental é criar respeito gestor de nível médio para mostrar progresso na cons-
mútuo entre o pessoal técnico e o de negócios. O exem- trução da organização do que para mostrar crescimento.
plo da parte do gestor de P&D de mostrar respeito pela
contribuição do pessoal de negócios traz consequências O gestor do empreendimento como construtor da
positivas na atitude das outras pessoas de P&D. Os organização Um sistema de avaliação e recompensa
encontros regulares entre os dois grupos para avaliar, mais adequado deveria obrigar o gestor do empreen-
como profissionais do mesmo nível, a contribuição dos dimento a equilibrar melhor as duas preocupações. O
diferentes membros da equipe é suscetível de levar a gestor do empreendimento deve ter espaço para ação
esforços muito mais integrados. nas decisões de contratação e demissão, mas também
deve reter a responsabilidade pelo desenvolvimento
O gestor médio como treinador Esses encontros das novas capacitações funcionais e da estrutura
também proporcionam um veículo para treinar melhor administrativa do empreendimento. Isso reduziria a
o promotor do produto. Esse promotor é o verdadeiro probabilidade de grandes descontinuidades no desen-
motor do projeto de ECI na fase de desenvolvimento. volvimento de novos produtos mencionadas ante-
Existem algumas semelhanças entre esse papel e o riormente. Além disso, proporcionará à empresa o
da estrela de um time. Muitas vezes, a situação dos conhecimento codificado e as informações que podem
promotores de produtos como estrelas é vista nos ser transferidas para outras partes da empresa ou para
seguintes termos: ou eles podem fazer suas coisas, e outros empreendimentos, mesmo que o empreendi-
há chances de eles terem êxito, mas haverá descon- mento do qual derivaram acabe fracassando como
tinuidades, oportunidades auxiliares não totalmente negócio. Desse modo, o conhecimento e as informa-
exploradas e assim por diante; ou podemos aproveitá- ções tornam-se resultados importantes do processo de
-los e eles não jogarão. ECI, além das vendas e dos lucros.
Uma abordagem mais equilibrada poderá ser adota- Muitas vezes, o promotor do produto não terá a
da se o gestor de P&D usar um processo no qual o pro- capacitação necessária para atingir esses objetivos
motor do produto seja reconhecido como estrela, mas adicionais. Nesses casos, o promotor do produto
que às vezes seja desafiado a manter o fôlego tendo que deve ser advertido de que o negócio provavelmente
terá que ser tirado dele em alguma data posterior, a
responder a perguntas como:
menos que seja demonstrada a capacitação para li-
• Como a equipe poderá ser mais beneficiada por essa dar com a crescente complexidade da organização do
ação em particular do que por aquelas que os seus mem-
bros consideram importantes?
• Como será preservada a continuidade dos esforços da
Muitas vezes, os novos empreendimentos parecem ser usados para alo-
17
equipe? car pessoal que não se encaixa bem nos negócios regulares (ou que está
• Qual será a próxima etapa? sem função nesses negócios).
460     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

novo negócio. A disponibilidade compensatória de suas rotinas e seus mecanismos de planejamento cuida-
prêmios e de vias para reciclar o gestor do empreen- dosamente desenvolvidos, ameaça o seu equilíbrio de
dimento ajudaria a gestão a combater a deterioração interesses internos e requer uma revisão da imagem que
das condições na organização do novo negócio com a empresa tem de si mesma.
mais coragem. Além disso, a disponibilidade de um O motor da inovação corporativa consiste no com-
substituto competente (como resultado de uma pes- portamento estratégico de indivíduos em diferentes ní-
quisa sistemática na empresa) pode induzir o promo- veis, dispostos a arriscar sua reputação e sua carreira
tor do produto a entregar o empreendimento em vez na busca da grande oportunidade. Como indivíduos,
de vê-lo afundar. eles agem contra o status quo do sistema; não porque
valorizem cortar caminho e assumir riscos por si sós,
O gestor de nível médio como estrategista corpora- mas porque devem responder à lógica da situação.
tivo Aumentar a capacidade da alta gestão para ava- Para que a inovação radical ocorra, essa lógica – como
liar os projetos de novos empreendimentos diminuirá Schumpeter postulou 70 anos atrás – é necessário fugir
a necessidade de promoção da organização e propor- da rotina, isto é, das coisas de que são feitas tradicional-
cionará mais tempo aos gestores de nível médio para mente as organizações grandes e complexas. Contudo,
que possam treinar de maneira mais intensiva o gestor o sucesso de tais inovações depende de elas poderem
do empreendimento em seus esforços para construir a ser institucionalizadas. Isso pode ser o desafio mais im-
organização desse empreendimento. Esse aspecto da portante para os gestores das grandes empresas estabe-
função do gestor de nível médio também deve ser con- lecidas nos anos 1980.
siderado de forma mais explícita no sistema de avalia- Este artigo propôs que os gestores poderão criar
ção e recompensa nesse nível. uma estratégia que envolva o melhor funcionamento
O estímulo aos melhores executores no nível médio das inovações radicais se eles aumentarem a capaci­dade
para se envolverem no desenvolvimento do novo negó- de conceber os esforços de inovação da organização nos
cio também aumentará seu papel fundamental no desen- termos do modelo de processos. As recomendações,
volvimento da estratégia da empresa. Ao se envolverem com base nesse ponto de vista, devem resultar em um
profundamente no desenvolvimento do novo negócio, uso um pouco melhor dos recursos empreendedores in-
esses gestores de nível médio não só aprenderão a ge- dividuais da corporação e, assim, em um aumento da
rir o processo de ECI, mas também conhecerão o novo sua capacitação empreendedora.
negócio que pode fazer parte dos negócios regulares
no momento em que atingirem posições de nível alto.
APÊNDICE: UM ESTUDO DE CAMPO DO ECI
Como os novos empreendimentos muitas vezes têm in-
tersecções com os negócios regulares, eles aprenderão Foi escolhido um método qualitativo como a melhor
quais são as capacitações e habilidades corporativas – e forma de chegar a uma visão global do processo de ECI.
as deficiências delas – e aprenderão a articular novas
estratégias e criar novos negócios com base em novas Definição da pesquisa
combinações de capacitações e habilidades da empresa. A pesquisa foi realizada em uma grande empresa de alta
Isso, por sua vez, também pode aumentar a realização tecnologia diversificada em diferentes negócios com
das possibilidades de novas sinergias operacionais exis- base nos Estados Unidos, que chamarei de GAMMA.
tentes na empresa. Desse modo, os gestores de nível Tradicionalmente, a GAMMA produzia e vendia várias
médio transformam-se em mecanismos cruciais de liga- commodities em grande volume, mas também havia ten-
ção e transferência de tecnologia na empresa. tado diversificar por meio do desenvolvimento interno de
novos produtos, processos e sistemas, de modo a apro-
ximar-se do usuário ou consumidor final e capturar uma
CONCLUSÃO: NENHUMA PANACEIA
parcela maior do valor agregado na cadeia de valor, das
As recomendações apresentadas neste artigo podem matérias-primas aos produtos finais. Durante a década
fazer do desenvolvimento do ECI um processo mais de 1960, os esforços de diversificação foram executados
bem gerido, ou seja, um desenvolvimento completa- dentro das divisões operacionais existentes, mas, no iní-
mente governado pelo processo de “seleção natural”. cio dos anos 1970, a empresa estabeleceu uma divisão de
Embora o objetivo não seja tornar esse processo um novos empreendimentos (DNE) separada.
procedimento planejado nem evitar a natureza funda- Foram obtidos dados sobre o funcionamento da DNE.
mentalmente descontínua da atividade empreendedora, A estrutura organizacional dos seus vários departamen-
o ECI continua a ser um processo desconfortável para a tos, as descrições funcionais das principais posições na
organização grande e complexa, uma vez que perturba divisão, as relações de subordinação e mecanismos de
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-14     461

coordenação e o sistema de recompensa foram estuda- ou paravam durante uma entrevista ou em discussões in-
dos. Também foram obtidos dados sobre as relações da formais durante o almoço no local da pesquisa. Essas ob-
DNE com o resto da empresa. Em particular, estudou-se a servações, embora não sistemáticas, levaram à formulação
colaboração entre o departamento de P&D da corporação de novas perguntas para mais entrevistas.
e os grupos de P&D das divisões. Enfim, obtiveram-se
também dados sobre o papel da DNE na implementação
da estratégia empresarial de diversificação não relaciona- ARTIGO 3-14
da. Esses dados descrevem a evolução histórica do con-
texto estrutural de desenvolvimento do ECI na GAMMA
antes e durante o período da pesquisa.
Gestão dos ciclos de empreendimento
A maior parte dos dados foi coletada estudando os corporativo interno*
seis projetos principais de ECI em curso na GAMMA Robert A. Burgelman e Liisa Välikangas
na época da pesquisa. Eles variavam de um caso em que
os objetivos comerciais ainda estavam sendo definidos Trinta anos de estudo sistemático do empreendedoris-
até um caso em que o empreendimento havia alcançado mo corporativo interno revelaram que muitas empresas
um volume de vendas de US$ 35 milhões. grandes passam por uma estranha ciclicidade em suas
atividades de ECI. (Ver o quadro “Sobre a Pesquisa”,
Coleta de dados p. 464.) Após períodos de intensa atividade de ECI,
Além dos participantes nos seis projetos de ECI, entre- programas desse tipo são interrompidos por um longo
vistei os administradores da DNE, pessoas de várias di- tempo. Anos mais tarde, surgem novas iniciativas de
visões operacionais e uma pessoa da gestão empresarial. ECI. Como as estações do ano, os programas de em-
Ao todo, 61 pessoas foram entrevistadas. As entrevistas preendimento interno corporativo começam e terminam
foram não estruturadas e levaram de uma hora e meia em um ciclo aparentemente sem fim.
a quatro horas e meia. Não foram feitas gravações das Considere o New Ventures Group da Lucent
entrevistas, mas o entrevistador tomou notas. O entre- Technologies, que foi estabelecido para capturar va-
vistador começava normalmente com um convite aberto lor comercial da tecnologia do Bell Labs. Em janeiro
para falar sobre as atividades relacionadas ao trabalho e de 2000, o grupo foi aclamado como referência para
depois direcionava a discussão para três aspectos prin- uma divisão de novos empreendimentos.1 No entanto, a
cipais do desenvolvimento do processo de ECI: (1) a Lucent, após a recessão das telecomunicações em 2002,
evolução de um projeto ao longo do tempo, (2) o en- vendeu 80% de sua participação no New Ventures Group
volvimento dos diferentes grupos funcionais no processo para a Coller Capital, uma empresa britânica de gestão
de desenvolvimento e (3) o envolvimento dos diferentes de capital privado.
níveis hierárquicos no processo de desenvolvimento. Os Outros programas de ECI mudaram substancialmente
entrevistados tiveram de associar determinadas afirma- seu caráter ou sua missão. Nos seus três primeiros anos
ções que fizeram às afirmações de outros entrevistados de existência, o programa de inovação não tradicional
sobre as mesmas questões ou problemas, além de for- da Baxter International Inc., por exemplo, substituiu sua
necer exemplos quando fosse apropriado. Após concluir missão de buscar novas tecnologias em novos mercados
uma entrevista, o entrevistador produzia uma cópia por pela exploração de oportunidades de negócio mais próxi-
escrito da conversa. Apesar de tudo, o resultado dessas mas do negócio principal.2 (Um novo CEO recuperou re-
entrevistas foi um volume com aproximadamente 435 centemente uma pesquisa mais ampla de novas áreas de
páginas datilografadas em papel ofício.
A pesquisa também envolveu o estudo de docu-
mentos. Como se poderia esperar, os participantes do *
Fonte: Robert A. Burgelman e Edmund W. Littlefield, professor de Ges-
projeto de ECI baseavam-se pouco em procedimentos tão na Stanford Graduate School of Business, onde também é diretor
escritos nas suas relações diárias com os demais partici- do Stanford Executive Program. Liisa Välikangas é a diretora execu-
pantes. No entanto, um conjunto de documentos funda- tiva do Woodside Institute e professora adjunta na Helsinki School of
Economics. Entre em contato com os autores em burgelman_robert@
mental foi o conjunto de planos corporativos de longo gsb.stanford.edu e Ivalikangas@woodsideinstitute.org.
prazo relativos à DNE e a cada um dos projetos de ECI. Os autores agradecem a Julian Biridnshaw, da London Busines School, e
Essas descrições oficiais da evolução de cada projeto Bill McKelvey, da University of California, Los Angeles, os comentários
e as perguntas úteis.
entre 1973 e 1977 foram comparadas com os dados das 1
Conselho de Estratégia Corporativa, Inquérito Executivo, “The New
entrevistas. Venture Division, Attributes of an Effective New Business Incubation
Structure” (January 2000):14.
Por fim, fizeram-se observações ocasionais de compor- 2
A. Hunt, vice-presidente de inovação, Baxter International Inc., entre-
tamento, por exemplo, quando outras pessoas chamavam vista com L. Välikangas, fall 2004.
462     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

crescimento). Poucos anos atrás, o Shell GameChanger, meno recorrente parece um desperdício dos recursos fi-
o programa de inovação radical do Grupo Empresarial nanceiros e humanos de uma empresa. Os programas de
Royal/Dutch Shell, poderia ter solicitado ideias relacio- ECI habitualmente são fechados antes de o investimen-
nadas a vários produtos: do transporte solidário em au- to se pagar, e as carreiras muitas vezes sofrem danos.
tomóveis à recuperação de resíduos e à venda de sanduí- Além disso, a aprendizagem potencialmente importante
ches aos cidadãos. No entanto, no clima de inovação dos a partir de um programa anterior muitas vezes não in-
dias de hoje, essas ideias são radicais demais.3 forma o próximo programa.
A Xerox oferece ainda um outro exemplo. Depois De forma interessante, como indicam nossos
de esforços propositais para gerir seus empreendimen- exemplos recentes, a ciclicidade do ECI continua por
tos de tecnologia, a empresa estabeleceu um conse- várias décadas após os pesquisadores terem observa-
lho de inovação nos anos 1980 para ajudar na tomada do o fenômeno pela primeira vez. Isso sugere que as
de decisões. Em 1989, o conselho administrativo deu empresas ainda não aprenderam a usar algumas das
lugar a um grupo de capital de risco interno chama- descobertas da pesquisa sobre o ECI em suas abor-
do Xerox Technology Ventures (XTV), para investir dagens de gestão estratégica e também destaca o fato
nas tecnologias da Xerox que mostravam potencial de de que gerir o ECI é algo bem difícil. É tão difícil que
mercado, mas que estavam fora dos interesses comer- um acadêmico, Andrew Campbell, apontou, em um
ciais centrais da empresa. A XTV foi encerrada em debate recente no European Business Forum, como
meados dos anos 1990 e ainda outra estrutura, deno- é complexo desenvolver uma disciplina de liderança
minada Xerox New Enterprise (XNE), passou a subs- estratégica para lidar com o empreendedorismo cor-
tituí-la. A XNE tomou posse dos empreendimentos de porativo interno como uma força dinâmica interna.7
forma mais agressiva e ainda tentou infundir-lhes o Em vez disso, Campbell recomenda adotar uma abor-
espírito empresarial, mas encerrou suas atividades no darem rígida, de cima para baixo, para a escolha de
final dos anos 1990.4 projetos que deixam muito pouco espaço para a expe-
Esses exemplos não representam nenhuma surpresa. rimentação de novos negócios. Ele e outros defendem
Pesquisas anteriores constataram que, em muitas em- basicamente a desistência do que chamam de “nova
presas, os programas de ECI manifestam uma ciclicida- perna” de empreendimento: esforços para desenvolver
de significante.5 Chesbrough descreve o ciclo do ECI da negócios inteiramente novos para a empresa.8
seguinte forma: “O padrão geral é um ciclo que começa O fato de as atividades de ECI terem persistido por
com o entusiasmo, continua na implementação, depois décadas, no entanto, sugere que os problemas de gestão
encontra grandes dificuldades e termina com o eventual associados com a ciclicidade do ECI provavelmente
encerramento da iniciativa. Contudo, em poucos anos, não desaparecerão.9 A evidência histórica das últimas
uma outra geração de negócios compromete novamente três décadas indica que a importância percebida do ECI
os esforços e o ciclo ocorre mais uma vez”.6 Esse fenô-

7
A. Campbell and R. A. Burgelman, “EBF Debate: Should Companies
3
L. Välikangas, “Shell GameChanger: Mastering the Corporate Innovation Be Cautious Entrepreneurs… or Should They Embrace a Dynamic
Game”, pesquisa, Woodside Institute, Woodside, California, 2004. Force?”, European Business Forum, n. 15 (fall 2003): 12-15; and A.
4
H. Chesbrough, “Graceful Exits and Missed Opportunities: Xerox Campbell and R. A. Burgelman, “EBF Debate: ‘Walt and Watch’ versus
Management of its Technology Spin-off Organizations”, Business History ‘Practice and Get Luckier’, European Business Forum, n. 16 (winter
Review, n. 4 (2002). 803-837. 2003-2004): 36-39. Para um esforço visando integrar as perspectivas
5
A literatura sobre o ECI é ampla, mas um tanto fragmentada, refletindo de Campbell e Burgelman no debate, ver R. M. Kanter, “Exploring the
o interesse sustentado da parte dos acadêmicos e praticantes ao longo de Innovation Pyramid”, European Business Forum, n. 16 (winter 2003-
muitas décadas. Ver N. D. Fast, “The Rise and Fall of Corporate New Ven- 2004): 40-42. Para uma homologação completa da posição de Campbell,
ture Divisions” (Ann Arbor, Michigan: UMI Research Press, 1978); R. ver A. Campbell and R. Park, “The Growth Gamble” (London: Nicholas
A. Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and Strategic Management: Brealey, 2005).
Insights From a Process Study”, Management Science 29, Issue 12 (De- 8
Ver também A. Campbell, J. Birkinshaw, A. Morrison, R. Van Basten
cember 1983): 1349-1365; R. A. Burgelman, “Managing the New Venture Batenburg, “The Future of Corporate Venturing”, MIT Sloan Management
Division: Research Findings and Implications for Strategic Management”, Review 45, n. 1 (fall 2003): 30-37. Para outra visão que defende um papel
Strategic Management Journal 6, n.1 (March 1985): 39-55. No entanto, ra- limitado para o ECI, ver C. Zook and J. Allen, “Profit From the Core:
ramente tem sido o foco da atenção na literatura de ECI e tem havido pouca Growth Strategy in an Era of Turbulence” (Boston: Harvard Business
discussão sistemática sobre o que gera o início, a duração e o término do ci- School Press, 2001).
clo de ECI. Para um recente panorama global da ampla literatura de ECI no 9
Essa persistência pode ser atribuída parcialmente ao fato de o empreen-
estilo de livro didático, ver M. Morris and D. Kuratko, “Corporate Entre- dedorismo interno ser uma força dinâmica, que é um importante motiva-
preneurship: Entrepreneurial Development Whithin Organizations” (Fort dor em ação. O empreendedorismo corporativo oferece a muitos empre-
Worth: Harcourt College Publishers, 2002). Para uma antologia recente gados a chance de seguir seus interesses e paixão, além de suas tarefas
das várias perspectivas relacionadas com o empreendedorismo, ver M. A. normais. Em “Strategic Innovation: Embedding Innovation as a Core
Hitt, R. D. Ireland, S. M. Camp and D. L. Sexton, eds., “Strategic Entrepre- Competency in Your Organization” (New York: Jossey-Bass, 2003), D.
neurship: Creating a New Mindset” (Oxford: Blackwell Publishers, 2002). Duarte e N. Snyder descrevem como a Whirlpool Corp. foi capaz de
6
H. Chesbrough. “Designing Corporate Ventures in the Shadow of Private aproveitar as ideias e paixões de muitos dos seus funcionários e fazer da
Venture Capital”, California Management Review 42, n. 3 (2000): 31-49. inovação uma capacitação corporativa.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-14     463

pode desaparecer por um tempo, mas o ECI volta pre- lares no momento parecerem suficientemente promis-
visivelmente com uma vingança e provavelmente con- soras, a alta gestão poderá considerar o ECI irrelevante.
tinuará a ser um incômodo desafio de liderança estraté- Toda a atenção deve concentrar-se na exploração das
gica para a alta gestão. oportunidades, nos negócios principais.

Situação 4: “Buscar desesperadamente o ECI”


POR QUE OS CICLOS DE EMPREENDEDORISMO
CORPORATIVO INTERNO PERSISTEM A falta de recursos financeiros disponíveis combinada
com um negócio regular com perspectivas de cresci-
Os primeiros esforços de pesquisa sugeriram que a in- mento inadequadas tende a levar os altos executivos a
teração entre as perspectivas dos negócios regulares de aderir desesperadamente ao primeiro projeto de ECI
uma empresa e a disponibilidade de recursos financei- que cruzar o seu caminho. Por causa das opções limita-
ros não comprometidos criou uma grande força con- das de projetos de ECI com que os executivos se depa-
dutora da ciclicidade do ECI.10 Existem quatro situa- ram nessa situação e da incerteza substancial associada
ções comuns que podem resultar dessa interação. (Ver a qualquer projeto de ECI, a probabilidade de fracasso
quadro “O que move os ciclos de empreendedorismo é grande.
corporativo interno?”, p. 465.)

Situação 1: “Órfãos do ECI” FORÇAS DETERMINANTES DA DURAÇÃO DO


CICLO DE ECI
Se uma empresa possuir recursos financeiros não com-
prometidos, ela poderá se dar ao luxo de apoiar projetos Até certo ponto, o empreendedorismo corporativo pode
de empreendedorismo interno. Se, no entanto, as pers- acompanhar os altos e baixos da economia. Quando
pectivas dos negócios regulares forem suficientes para o dinheiro está prontamente disponível, as empresas
satisfazer os objetivos de crescimento rentável da em- investem em programas de novos empreendimentos;
presa, haverá pouca motivação para apoiar ativamente quando o dinheiro fica escasso, os programas são encer-
o ECI e a alta gestão será mais suscetível de declarar-se rados. No entanto, a explicação macroeconômica para a
a favor dele (mas sem agir na prática). Vários projetos ciclicidade do ECI provavelmente é parcial, na melhor
empreendedores que, no entanto, conseguiram começar das hipóteses. Os fatores estratégicos e administrativos
nos cantos e recantos das várias unidades de negócio da empresa provavelmente têm maior influência na du-
são suscetíveis de ficar à deriva como projetos “órfãos”. ração do ciclo de risco.
Nesse caso, o ciclo do ECI começou, embora a alta ges- As estimativas da duração do ciclo de ECI variam.
tão não o esteja gerindo ativamente. Block e MacMillan estimam o ciclo em 10 anos.11 En-
tretanto, Fast observa que os programas de risco corpo-
Situação 2: “Impulso total de ECI” rativo iniciados por muitas empresas da Fortune 500 no
Se a empresa tiver recursos financeiros disponíveis, final dos anos 1960 e início da década de 1970 foram
mas há previsão de que as perspectivas dos negócios dispensados no final dos anos 1970.12 O estudo profun-
regulares serão insuficientes para satisfazer os objeti- do de Burgelman sobre a divisão de novos empreendi-
vos empresariais de crescimento rentável, a alta gestão mentos em uma grande empresa diversificada durante
será motivada a apoiar ativamente os projetos de ECI. o período de meados até o final dos anos 1970 também
Nessa situação, a alta gestão estará propensa a formar constatou um ciclo um tanto mais curto.13
uma divisão de novos empreendimentos ou um grupo
de novos negócios. Esse arranjo estrutural torna-se en-
tão o lar de todos os projetos órfãos de ECI existentes e
também serve como ferramenta de implementação para
começar um ambicioso programa de ECI induzido pela
alta gestão.

Situação 3: “Irrelevância do ECI”


11
Z. Block and I. C. MacMillan, “Corporate Venturing: Creating New
Business Within the Firm” (Boston: Harvard Business School Press,
Se houver alguns recursos financeiros não comprometi- 1993).
12
Fast, “The Rise and Fall of Corporate New Venture Divisions”. Para co-
dos disponíveis, mas as perspectivas dos negócios regu- mentários mais recentes sobre o curto tempo de vida das divisões de no-
vos empreendimentos, ver D. A. Garvin, “A Note on Corporate Venturing
and New Business Creation”, nota de pesquisa, Harvard Business School
Press (March 2001): 1-21.
13
R. A. Burgelman, “Managing Innovatin Systems: A Study of the Process
10
Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and Strategic Management”, of Internal Corporate Venturing” (dissertação de doutorado, Columbia
1349-1365. University, 1980).
464     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

tenha desenvolvido planos de carreira executiva claros


Sobre a pesquisa que exijam experiência em posições de risco e que as-
O fundamento deste trabalho é uma mistura de pesquisa de
segurem que gestores capazes estejam disponíveis para
campo realizada ao longo de 30 anos, exemplos da nossa assumir a posição daqueles com possibilidade de sair
pesquisa de campo atual, análise da pesquisa de outros aca- de uma posição de risco, alguns executivos acabarão
dêmicos e exemplos derivados de publicações de negócios ficando muito tempo na posição ou o programa de ris-
passadas e atuais. Burgelman tem estudado o empreende-
dorismo interno corporativo em várias empresas de diferen-
co passará por mudanças de gestão disruptivas.17 Um
tes setores desde meados dos anos 1970. Sua pesquisa estudo de caso recente sobre inovação de produto em
mais recente sobre ECI tem sido na Intel, no contexto de um uma empresa de tecnologia, por exemplo, mostrou que
estudo abrangente do papel da formulação de estratégias
as mudanças frequentes de gestores em cargos executi-
na evolução da empresa, e atualmente ele está colaborando
com a Monitor Ventures, parte da empresa de consultoria vos foram prejudiciais para o sucesso comercial de uma
Monitor Group, para desenvolver uma disciplina de liderança inovação disruptiva.18 Terceiro, a menos que haja um
estratégica para a gestão sustentada do ECI. Välikangas processo para medir o desempenho da gestão nos no-
trabalhou com várias grandes empresas para desenvolver
suas capacitações de inovação interna na busca da resiliên-
vos empreendimentos em termos de eventos claramente
cia estratégica, e este artigo baseia-se nesse trabalho. Em estabelecidos, os executivos podem adotar um compor-
seu trabalho no Woodside Institute, ela está explorando as tamento racional, porém rigorosamente oportunista;
práticas de inovação nos processos centrais de gestão, tais eles podem se concentrar em atingir resultados no curto
como o planejamento estratégico e o risco interno.
prazo em detrimento da construção da infraestrutura
necessária para o desenvolvimento do empreendimento
no longo prazo.19 Eles fazem isso porque, dada a rotati-
Os orçamentos anuais e trienais podem contribuir
vidade normal dos executivos para posições diferentes,
para o ciclo de ECI ao estabelecerem um horizonte de
alguém vai ser responsável no momento em que os re-
tempo de um a três anos, no qual as expectativas da alta
sultados da inovação puderem ser totalmente colhidos.
gestão deverão ser cumpridas ou o programa de risco po-
derá se considerado pouco efetivo. Esse cronograma co-
loca pressões mais perversas sobre os empreendimentos FORÇAS IMPULSIONADORAS DO FIM DE UM
para que “cresçam rápido”, levando potencialmente ao CICLO DE ECI
comportamento gerencial disfuncional, tal como negli- O impulsionador mais simples do término dos pro-
genciar o desenvolvimento da infraestrutura organizacio- gramas de ECI é a falta de geração de resultados. No
nal de um empreendimento a fim de assegurar o desen- entanto, se os programas de risco corporativos forem
volvimento continuado e oportuno de novos produtos.14 encerrados antes de conseguirem se provar, deverão
Biggadike mostrou que, em média, são necessários estar envolvidas outras razões além do mero desempe-
de 10 a 12 anos até que o retorno sobre o investimen- nho. Estudos recentes sobre as várias formas de risco
to dos novos empreendimentos equipare-se ao dos ne- corporativo lançaram uma nova luz sobre o papel do
gócios maduros.15 Isso é muito mais do que o tempo desempenho no encerramento de um ciclo de ECI.20 Em
médio de permanência dos executivos na maioria das particular, alguns programas de ECI têm sido encerra-
grandes empresas, o que cria pelo menos três possí- dos apesar do aparente sucesso. Em geral, essas cons-
veis problemas. Primeiro, os executivos que ficam esse tatações sugerem que tanto a alta gestão quanto os exe-
tempo todo em uma posição de gestor de risco podem cutivos envolvidos no programa de ECI não avaliam o
estar correndo sérios riscos na carreira, especialmente papel do ECI na estratégia corporativa de uma empresa.
se o empreendimento acabar fracassando.16 Segundo, a
menos que a função de recursos humanos da empresa
17
Burgelman. “Managing Innovation Systems”.
18
J. Moldenhauer-Salazar and L. Välikangas, “Radical Innovation Through
the Looking Glass” (apresentação na Strategic Management Annual
14
R. A. Burgelman, “A Process Model of Internal Corporate Venturing in Conference, Baltimore, November 9-12, 2003).
the Diversified Major Firm”, Administrative Science Quarterly 28, n. 2 19
Burgelman, “A Process Model of Internal Corporate Venturing in the
(June 1983): 223-245. Ver também R. A. Burgelman and L. R. Sayles, Diversified Major Firm”. Para obter um comportamento semelhante no
“Inside Corporate Innovation: Strategy, Structure and Managerial Skills” processo de investimento de capital estratégico, ver J. Bower, “Managing
(New York: Free Press, 1986). the Resource Allocation Process” (Boston; Harvard Business School
15
R. Biggadike, “The Risly Business of Corporate Diversification”, Har- Press, 1970). Para obter um exame mais teórico do comportamento opor-
vard Business Review 56 (May-June 1979): 103-111. tunista, ver, por exemplo, O. E. Williamson, “Markets and Hierarchies:
16
Ver, por exemplo, F. J. Agullar, “Bard Medsystems Division: Analysis and Antitrust Implications” (New York: Free Press, 1975).
Intrapreneurial Showcase”, Harvard Business School case n. 1-387-183 20
P. Gompers and J. Lerner, “The Determinants of Corporate
(Boston: Harvard Business School Publishing, 1987), que narra os riscos Venture Capital Success: Organizatinal Structure, Incentives and
da carreira de um gestor de divisão empreendedor que fica mais de oito Complementarities”, chap. 1.1 in “Concentrated Corporate Ownership”,
anos lutando por um novo empreendimento. ed. R. Morck (Chicago: University of Chicago Press, 2000).
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-14     465

O que move os ciclos de empreendedorismo algo que era considerado uma responsabilidade e um pri-
corporativo interno? vilégio da alta gestão. Aqueles que viam a formulação
A menos que os executivos compreendam e gerenciem os
da estratégia como prerrogativa sua percebiam o DDO
fatores que causam a ciclicidade do empreendedorismo corpo- como uma ameaça, e a abordagem altamente inovadora
rativo interno, a estratégia de ECI de uma empresa está apta do grupo apenas aumentava o desconforto.
a oscilar ao longo do tempo, variando com as perspectivas de Fatores administrativos também podem encerrar um
crescimento do negócio principal e a disponibilidade de recur-
sos financeiros não comprometidos.
ciclo de ECI. As empresas frequentemente se reorga-
nizam para satisfazer as mudanças nas demandas am-
bientais ou para manter as coisas fluidas. Um programa
Disponíveis
ÓRFÃOS INICIATIVA DE de ECI pode gerar interferência com a nova estrutura
DO ECI ECI TOTAL
organizacional. Um executivo recém-indicado para o
RECURSOS
programa de ECI pode não estar comprometido com o
NÃO curso de ação adotado pela gestão anterior e pode que-
COMPROMETIDOS
rer deixar a sua marca implementando mudanças. Além
IRRELEVÂNCIA BUSCAR DESES- disso, os programas de ECI habitualmente podem ser
DO ECI PERADAMENTE
Indisponíveis O ECI facilmente encerrados por novos CEOs.
A combinação de tais questões administrativas com
uma falta geral de compreensão do papel dos programas
Suficientes Insuficientes de ECI na estratégia de desenvolvimento da empresa
PERSPECTIVAS DOS
NEGÓCIOS REGULARES
no longo prazo pode levar ao que os estudiosos da te-
oria dos jogos chamam de “fraqueza da vontade”,24 ou
Fonte: Adaptado de R. A. Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and seja, a incapacidade de manter o compromisso. Inves-
Strategic Management: Insights from a process study”, Management
Science 29, n. 12 (December 1983): 1349-1365, and R. A. Burgelman,
tir em inovação é um compromisso de longo prazo e
“Strategy is Destiny: How Strategy-Making Shapes a Company's Future” que às vezes envolve conflitos de escolha difíceis com
(New York: Free Press, 2002).
pressões no curto prazo. Como observou Maquiavel, os
Um caso importante envolve a Xerox Technology benefícios para o inovador são incertos, mas os custos
Ventures (XTV) em meados da década de 1990, um para as pessoas afetadas pelas mudanças envolvidas
programa cujo “sucesso abalou as estruturas das unida- não são.25 Essa é uma razão para que, em uma empresa
des internas [da Xerox]”.21 Havia o receio de que esse estabelecida, a resistência à inovação provavelmente
sucesso tivesse sido alcançado à custa dos acionistas da seja mais forte do que o apoio a ela.
Xerox, já que as start-ups financiadas pela XTV podem
ter competido com os negócios regulares da Xerox.22 IMPLICAÇÕES PARA A GESTÃO ESTRATÉGICA
Em outro caso, um grupo de cientistas da AT&T co- DO ECI
meçou, em 1995, uma campanha chamada Departamen- Depois de uma recente redução dos empreendimentos
to de Descoberta de Oportunidades (DDO) cujo objetivo corporativos, um CEO lamentou confidencialmente que
era revitalizar a pesquisa do Bell Labs e suas ligações a extensão dos cortes tinha eliminado as opções de cres-
com a estratégia da empresa.23 O DDO desenvolveu es- cimento futuro. Como esse lamento ilustra, a má notícia
tratégias de inovação, trabalho com as unidades de ne- proveniente da nossa análise é que a ciclicidade do ECI
gócio para pensar em cenários futuros, manteve contato é um desafio de liderança estratégica incômodo com o
com uma rede de especialistas externos e provocou um qual se depara a alta gestão das empresas estabelecidas.
movimento popular com cerca de 400 pessoas. A inicia- A boa notícia é que a ciclicidade do ECI resulta princi-
tiva do DDO chegou ao fim, entretanto, em 1998, pois o palmente da incapacidade de os executivos dominarem
grupo foi avaliado pelas métricas de desempenho padrão as forças que provocam oscilações no apoio ao ECI no
como incapaz de gerar uma quantidade suficiente de pa- longo prazo – uma falha que pode ser remediada.
tentes. A gestão considerou difícil aceitar que o grupo Na maioria das vezes, há empreendedorismo demais
estava levando os créditos pela formulação da estratégia, ou de menos ocorrendo em qualquer ponto nas empresas
estabelecidas, e a alta gestão permite que o apoio ao ECI
oscile entre os quatro cenários descritos anteriormente.
21
H. Chesbrough, “Making Sense of Corporate Venture Capital”, Harvard
Business Review 80, n. 3 (March 2002):90-99.
22
Chesbrough, “Graceful Exits and Missed Opportunities”, 803-837.
23
A. Muller and L. Välikangas, “An ODD Reaction to Strategy Failure S. Postrel and R. P. Rumelt, “Incentives, Routines and Self-Command”,
24

in America’s Once Largest Telco”, European Management Journal 21, n. Industrial and Corporate Change 1, n. 3 (1992): 397-425.
1 (2003): 109-118. N. Machiavelli, “The Prince” (London: Penguin Books, reimpresso 2003).
25
466     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

O ECI, no entanto, é importante demais para o sucesso No entanto, sem estímulo gerencial, grande parte
de uma empresa no longo prazo para ser ditado por aca- da atividade de ECI autônoma conduzida pelos empre-
sos financeiros oscilantes, pressões estratégicas de curto gados cessará, seja porque os empregados envolvidos
prazo, rotinas administrativas perversas ou modismos frustram-se por uma eventual falta de progresso ou
gerenciais inconstantes. A pesquisa mostra que a busca porque saem da empresa em busca da oportunidade em
pelo crescimento por meio de aquisições diversificadas é uma startup. Quase sempre é o que acontece nas em-
repleta de fracassos caros.26 Desse modo, o empreende- presas na Situação 1, nas quais as iniciativas de ECI
dorismo corporativo interno continua a ser uma capaci- órfãs consideram difícil obter o apoio dos altos execu-
tação-chave para as empresas estabelecidas que buscam tivos, e algumas vezes mesmo na Situação 3, em que
alcançar a renovação estratégica e evitar a paralisação as iniciativas de ECI com probabilidade de surgir são
do crescimento.27 Trata-se de um imperativo de liderança consideradas irrelevantes.
estratégica para a alta gestão aprender a gerir melhor o ci- Para aproveitar melhor a fonte natural de ativida-
clo de ECI. Especificamente, com base em nossa análise, des de ECI da empresa, a alta gestão precisa implantar
surgem várias implicações importantes para a disciplina um processo que deixe os empregados empreendedores
de gestão estratégica do ECI.28 confortáveis para avançar com suas ideias e mobilizar
os altos executivos a determinar o “contexto estratégi-
Sempre há ECI em curso, então o gerencie Pode não co” das novas oportunidades, um processo que envolve
haver uma unidade de empreendedorismo interno dedi- a avaliação das inovações e a promoção das que forem
cado em uma empresa, contudo é provável que alguns promissoras e que a empresa possa adotar e apoiar ple-
namente.30 Tal processo precisa sobrepor discussões es-
funcionários estejam explorando novas oportunidades de
tratégicas sobre análise financeiras, como o cálculo do
negócio que estejam fora do escopo da estratégia empre-
valor presente líquido, a fim de determinar melhor qual
sarial no momento em que as iniciativas surgem. A ativi-
pode ser o impacto potencial de uma inovação sobre o
dade de empreendedorismo interno pode muito bem ser
futuro da empresa.
uma força irreprimível em todas as empresas estabeleci-
Um velho, porém notável, exemplo dos perigos de
das.29 O fato de perceber que a atividade de ECI é real-
avaliar as inovações em termos estritamente financeiros
mente difícil de erradicar completamente pode aumentar é o surgimento da injeção eletrônica de combustível.31
a motivação da alta gestão para geri-la melhor. Hoje, a Robert Bosch GmbH, com base em Stuttgart,
Alemanha, é uma importante fornecedora de sistemas
de injeção eletrônica de combustível. No entanto, a
26
Ver, por exemplo, M. Hayward and D. C. Hambrick, “Explaining
the Premium Paid for Large Acquisitions: Evidence of CEO Hubris”, Bendix, uma empresa americana, inventou a injeção
Administrative Science Quarterly 42, n. 1 (1997): 103-129; M. E. Porter, eletrônica de combustível. Na Bendix, o cálculo do
“From Competitive Advantage to Corporate Strategy”, Harvard Business valor presente líquido, junto com as reações antecipa-
Review 65, n. 3 (May-June 1987): 43-59.
27
J. Mackey and L. Välikangas, “The Myth of Unbounded Growth”, MIT das de curto prazo dos fabricantes originais de equipa-
Sloan Management Review 45, n. 2 (winter 2004): 89-92. mentos (OEMs) nos Estados Unidos, não sugeriu que
28
Burgelman apresentou provas de que explorar e aproveitar novas opor-
tunidades de negócio fora do escopo da estratégia da empresa requer uma
a injeção eletrônica de combustível seria um produto
disciplina da liderança diferente da necessária para aproveitar as oportu- economicamente viável. Quando a Volkswagen AG
nidades existentes, mas isso exige uma disciplina. Ver R. A. Burgelman, decidiu trabalhar com a Bosch para produzir um carro
“Strategy is Destiny: How Strategy-Making Shapes a Company’s Future”
(New York: Free Press, 2002). Ver também R. A. Burgelman, “Strategy popular com injeção eletrônica de combustível durante
as Vector and the Inertia of Coevolutionary Lock-In”, Administrative o final dos anos 1960, a Bendix optou por licenciar sua
Science Quarterly 47, n. 2 (2002): 325-357.
29
Para ver uma discussão sobre as iniciativas de ECI como uma força
tecnologia para a Bosch. No momento em que a Bendix
dinâmica natural nas organizações, ver R. A. Burgelman, “Corporate percebeu que a injeção eletrônica de combustível seria
Entrepreneurship and Strategic Management”, and R. A. Burgelman,
“EBF Debate: Must We All Be Entrepreneurs Now?” European Business
Forum 15 (fall 2003): 13-15. Van de Ven and Garud, que encontraram
evidências de que os empreendedores internos tendem a persistir em seu 30
“A determinação do contexto estratégico refere-se ao processo político
comportamento sob condições de ambiguidade e folga, independente- por meio do qual os gestores de nível médio tentam convencer a alta ges-
mente do retorno negativo, fornecem algumas provas do espírito em­ tão de que o conceito da estratégia atual precisa ser modificado de modo a
preendedor irreprimível. Ver A. Van de Ven and R. Garud. “An Empirical acomodar novos empreendimentos bem-sucedidos”. Ver Burgelman, “A
Evaluation of the Internal Corporate Venturing Process”, Strategic Process Model of Internal Corporate Venturing in the Diversified Major
Management Journal 13, n. 8 (summer 2002): 93-110. Alva Taylor cons- Firm”, 237-238, e “Managing the Internal Corporate Venturing Process”,
tatou que os iniciadores de novos produtos fora do escopo da estraté- Sloan Management Review 25, n. 2 (winter 1984): 33-48. A determina-
gia empresarial existente o faziam em parte porque anteviam que, se a ção do contexto estratégico depende fundamentalmente da “promoção da
sua iniciativa não fosse adotada pela empresa, eles seriam capazes de organização” pelos executivos. Essa é a parte mais difícil e menos com-
encontrar um novo emprego relacionado com a sua iniciativa em outra preendida do processo de ECI e aquela com mais chances de fracassar.
empresa do setor. Ver A. H. Taylor, “A Process Study of the Influence of 31
M. E. Porter and S. J. Roth, “Bandix Corporation”, Harvard Business
Competition Between New Product Initiatives on Innovation and Organi- School case n. 9-387-257 (Boston: Harvard Business School Publishing,
zational Learning” (dissertação de mestrado, Stanford University, 2000). 1985).
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-14     467

uma grande oportunidade e apressou-se para persegui- nas ideias e iniciativas estratégicas autônomas afins
-la, era tarde demais, em razão do tempo restante de nas quais os empregados empreendedores possam
suas patentes, para estabelecer uma posição de lideran- estar trabalhando em suas horas vagas. A gestão deve
ça no mercado. tentar entender o que é tão motivador e promissor para
Agora, o conceito de “tecnologia disruptiva” co- as pessoas estarem trabalhando em determinada inova-
meçou a aumentar a conscientização da alta gestão ção, muitas vezes após as horas de expediente ou nos
quanto à necessidade de adotar uma abordagem mais finais de semana. Se os empregados de uma empresa
estratégica para a inovação.32 Todavia, a ligação entre estão trabalhando em tais inovações, os concorrentes e
a tecnologia disruptiva e o ECI, que muitas vezes é a as startups também podem estar. As empresas podem
sua fonte, continua mal gerenciada. A Eastman Kodak aproveitar a inovação de base feita pelos seus empre-
é um caso apropriado. Um dos grandes casos de su- gados. Por exemplo, durante os últimos cinco anos, a
cesso industrial e comercial do século XX, a Kodak Whirlpool Corp tem aproveitado sistematicamente as
teve uma história cheia de altos e baixos em relação ideias dos empregados, terminando em um fluxo de
aos ECIs durante as décadas de 1970 e 1980.33 Duran- inovações de produtos que inclui lavadoras de pratos
te o final da década de 1990, no entanto, a empresa para lares de solteiros, fornos que congelam e aque-
ainda estava procurando migrar do filme – que vivia cem e ferramentas de garagem para os homens.37
declínios nos lucros – para investir US$ 3 bilhões na
fotografia digital, uma importante força disruptiva.34 Um “impulso total de ECI” torna os processos tenden-
Ironicamente, a Kodak tem feito investimentos em ciosos e muitas vezes gera erros caros Essas iniciati-
fotografia digital desde 1972. Entretanto, em 2003, o vas motivadas de cima para baixo tendem a distorcer o
filme ainda contribuía com aproximadamente 50% dos processo de ECI porque muitos empregados percebem
lucros da empresa.35 o percurso da carreira de ECI como o mais atraen­te,
simplesmente por causa dos interesses claramente
Encarar o ECI como uma fonte de ideias que podem expressos da gestão. Consequentemente, o negócio
informar a direção estratégica Mesmo quando não regular corre o risco de perder os maiores talentos, para
é necessária para apoiar os objetivos de crescimento a grande frustração e ressentimento dos que ainda estão
rentável em um determinado momento, a atividade gerando todos os lucros da empresa. O impulso total da
de ECI pode ser um indicador importante de onde Intel no final da década de 1990 para desenvolver novos
os empregados da empresa pensam que as futuras negócios, por exemplo, fez com que os executivos no
negócio de microprocessadores se queixassem de não
oportunidades estão. Na realidade, a atividade de
conseguir segurar funcionários-chave que queriam se
ECI auto-organizativa emergente pode ser uma fonte
juntar aos novos empreendimentos mais estimulantes
importante de previsão estratégica. Os altos executi-
apoiados pela alta gestão. O ECI motivado de cima para
vos inteligentes reconhecem que o ECI é um processo
baixo também pode resultar em grandes perdas, pois a
de descoberta que deve ser avaliado, antes de qualquer
alta gestão pode investir prematuramente e de forma
coisa, em termos das informações que gera e não deve
significante para tentar explorar plenamente e acelerar
ser encarado apenas em termos dos dólares a mais na
novas oportunidades de crescimento. Por exemplo, na
linha de receitas.36 Em vez de tentar anular o ECI ou
época em que a Iridium LLC, um serviço de telefone via
direcioná-lo em demasia, a alta gestão deve encará-lo
satélite, pediu falência, em agosto de 1999, a Motorola
como uma fonte de informações estratégicas para o
tinha investido US$ 3,5 bilhões no empreendimento.
futuro. Os altos executivos devem estar interessados
Se o ECI for desesperadamente necessário, poderá ser
quase tarde demais Quando se busca desesperada-
32
C. M. Christensen, “The Innovator’s Dilemma” (Cambridge: Harvard
Business School Press, 1997).
mente o ECI, uma empresa se depara com a terrível
33
Ver N. Nohria, “Internal Corporate Venturing at Eastman Kodak: A perspectiva de um negócio principal decadente. Essa
New Chapter in the Rise and Fall of the New Venture Division”, working decadência é causada com frequência por tecnologias
paper, Harvard Business School, Boston, 1992.
34
“Kodak Cuts Dividend by 72% to Finance Digital Transition”, Wall disruptivas, pelas quais a empresa pode muito bem ter
Street Journal, Sept. 26, 2003. se interessado no início, mas desistiu ou não conseguiu
35
“Kodak Aims to Become a Model of Reinvention”, Financial Times,
September 27, 2003.
aproveitar. Para evitar acabar nessa situação, é impera-
36
Burgelman and Sayles, “Inside Corporate Innovation”. Essa informa- tivo que a alta gestão permaneça ativamente envolvida em
ção sugere a necessidade de cautela na adoção rápida da distinção feita
por Campbell e outros entre “nova perna de empreendimento” e “em-
preendimento de inovação”. Se o ECI é um processo de descoberta, isso
pode ficar claro apenas após alguma iniciativa tornar-se importante para N. Snyder and D. Duarte, “Strategic Innovation” (New York: Jossey-
37

o negócio principal ou verdadeiramente uma atividade de diversificação. -Bass, 2003).


468     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

uma estratégia de ECI corporativo de maneira contínua, por meio de uma de suas empresas predecessoras, a
mesmo quando o negócio principal estiver prosperando. Yhtyneet Paperitehtaat. O mais novo negócio da empre-
Se a alta gestão esperar até que sejam desesperadamente sa, a UPM Rafsec, foi fundada em 1997 para produzir
necessárias novas oportunidades de negócio, normal- em massa etiquetas de identificação por radiofrequência
mente já será muito tarde para isso. para os mercados globais. Atualmente, por meio de sua
organização New Ventures, a UPM dedica-se a explo-
CONSTRUIR CAPACITAÇÃO EM LIDERANÇA rar novas áreas nas quais a empresa possui materiais e
PARA GERIR O CICLO DO ECI experiência de fabricação, tais como circuitos eletrôni-
cos impressos, nanotecnologia, etiquetas inteligentes e
Como as empresas podem desenvolver a liderança es- indicadores químicos. Entretanto, a New Ventures tam-
tratégica necessária para não se deixarem aprisionar em bém ajuda a facilitar a inovação mais amplamente den-
qualquer uma das quatro situações comuns associadas tro dos negócios principais da UPM e tem desenvolvido
ao ciclo do ECI? A fim de evitar as armadilhas da ci- fóruns para inovadores em áreas focais – denominadas
clicidade não gerida, o ECI deve ser encarado como “grupamentos” – que representam as tecnologias cen-
parte integrante e contínua do processo de formulação trais e a oportunidade futura relevante para as divisões
de estratégia da empresa, em vez de uma apólice de atuais da empresa. Os grupamentos e as suas atividades
seguro cujo apelo varia de acordo com as perspectivas oferecem veículos para a colaboração entre as divisões,
dos negócios regulares da empresa. A integração efe- trazendo os processos e as ferramentas de inovação que
tiva do ECI no processo de formulação de estratégia a New Ventures desenvolveu da periferia do empreen-
exige o reconhecimento da parte da alta gestão de que dimento para o centro. Por exemplo, a New Ventures
o empreendedorismo corporativo interno envolve uma ajudou a introduzir ferramentas de desenvolvimento de
disciplina de liderança estratégica distinta – um proces- produtos, como a prototipagem, que tornam a inovação
so de descoberta com base em experimentação e sele- menos arriscada e mais eficiente. O retorno sobre o in-
ção38 – que informa os executivos sobre as oportunida-
vestimento da pequena New Ventures, com 13 pessoas,
des emergentes e facilita os ajustes variados na direção
até agora é percebido como elevado e exemplar.
estratégica da empresa.39 Tratar o ECI dessa maneira
Quando as empresas reconhecem a importância
com consistência ao longo do tempo pode levantar
do ECI para a estratégia, elas são menos propensas a
questões importantes que ajudarão a moldar a estraté-
tentar acabar com o ECI inteiramente. A decisão da
gia corporativa. Por exemplo, quais oportunidades no-
Intel em 2001 de reduzir em vez de encerrar seus es-
vas e coerentes com os pontos fortes da empresa o ECI
forços para desenvolver novos negócios oferece um
abre? Que pontos de alavancagem na concorrência o
exemplo de empresa líder tentando gerir melhor o
ECI poderia proporcionar? Como o ECI nos informa
ciclo do ECI. A Intel está persistindo, pois a empresa
sobre as necessidades potencialmente não satisfeitas
tenta fazer com que seu compromisso de risco se pa-
dos nossos clientes e de novos segmentos de mercado?
gue no longo prazo.40
O que o ECI nos diz sobre os pontos cegos na nossa
Assumir o controle do ciclo de ECI permite que os
estratégia competitiva atual, especialmente em relação
executivos racionalizem a alocação de recursos. Isso
às tecnologias disruptivas?
reduzirá a tendência de inundar o ECI com recursos
A UPM-Kymmene, uma importante empresa de pa-
nos bons momentos, o que limita o ímpeto empreen-
pel e produtos florestais com sede na Finlândia e que
dedor, e de privá-lo de recursos nos maus momentos,
está listada nas bolsas de valores de Helsinque e Nova
o que aborta os sucessos potenciais. Racionalizar a
York, tem experimentado os benefícios de suas ativida-
alocação de recursos implica a experimentação inicial
des de empreendedorismo, em parte porque essas ativi-
cuidadosa com pequenas quantidades de recursos para
dades não só desafiam como ampliam a interpretação
obter informações sobre oportunidades radicalmente
da estratégia empresarial. A UPM tem uma história de
novas que envolvem inerentemente grandes incertezas
criação de novos negócios além do papel, parcialmente
tecnológicas e mercadológicas. Isso também implica
o cultivo consistente dos novos negócios que passam
38
Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and Strategic Management”
por revisões estratégicas e financeiras, com compro-
and “Strategy is Destiny”. McGrath e McMillan fornecem uma ferra- metimento de recursos cuidadosamente calibrados
menta prática para planejar um novo empreendimento que leva em conta
como o processo difere do planejamento dos negócios regulares. Ver R.
G. McGrath and I. C. McMillan, “Discovery-Driven Planning”, Harvard
Business Review 73, n. 4 (July-August 1995): 44-53. 40
R. A Burgelman and P. Meza, “Intel Beyond 2003: Looking for its
39
G. Hamel and C. K. Prahalad, “Competing for the Future” (Boston: Third Act”, Stanford Business School case SM-106 (Stanford Business
Harvard Business School Press, 1994). School, 2003).
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-14     469

Lições da intel
A pesquisa na Intel ilustra os fatores que impulsionam a cicli- -presidente e gestor do New Business Group, estavam gerindo
cidade do ECI e aponta também que, ao reconhecerem a conjuntamente o grupo fundido.
importância estratégica em curso do ECI, as empresas podem Desse ponto em diante, o escopo da Intel Capital incluiu
mitigar um pouco da ciclicidade. Entre 1987 e 1997, a Intel os investimentos externos e internos em áreas potencialmente
operava essencialmente na Situação 1 (órfãos do ECI), já que importantes para os futuros negócios da Intel. O New Business
seus principais microprocessadores para o segmento de mer- Group foi renomeado para New Business Incubation Group e
cado dos computadores pessoais impulsionaram as receitas tornou-se uma “estufa” corporativa onde empresas e tecnolo-
da empresa de aproximadamente US$ 3 bilhões em 1988 para gias que eram novas demais para serem inseridas facilmente
cerca de US$ 27 bilhões em 1997, junto com uma extraordiná- na Intel eram cultivadas e protegidas das demandas dos gru-
ria rentabilidade. Até o final de 1997, no entanto, o segmento pos estabelecidos. Segundo John Miner, “após reorganizar o
de mercado do PC parecia estar desacelerando significativa- New Business Group, mudamos completamente o nosso foco
mente, o que colocou a Intel na Situação 2 (impulso total de para as atividades que se beneficiariam de fazer parte da Intel.
ECI). A alta gestão envolveu-se até certo ponto em um esforço Todos os nossos empreendimentos criam produtos que podem
intensivo para turbinar seus esforços de desenvolvimento de ser feitos de uma pastilha. Temos atividades nas tecnologias de
novos negócios e, para tanto, criou um New Business Group mão sem fio, monitores e processamento de pixel, banda larga
(NGB) em 1998. Muitos projetos órfãos foram transferidos para sem fio e cabeada, e componentes fotônicos. Concentramo-nos
o NBG. Ao mesmo tempo, a alta gestão iniciou alguns novos no processo de captura de tecnologia para desenvolver novos
empreendimentos. Prejudicados em parte pela desaceleração aplicativos de negócios e buscar oportunidades de comercia-
da economia e pelo fiasco da bolha da internet, a maioria des- lização”.
ses novos negócios não obteve sucesso. Miner afirma: “Sempre procuramos o relacionamento bilateral
Todavia, essa ênfase no desenvolvimento de novos negó- com outras partes da Intel. Duas oportunidades de negócio vie-
cios levou a Intel a adotar novas iniciativas com mais força ram diretamente do Wireless Computing and Communications
nos mercados de comunicação sem fio e em rede, ampliando Group [da empresa]: eles voltarão para lá. Também temos dois
assim, significativamente, o escopo da sua estratégia corpo- para os quais ainda não está claro para onde irão”. Com rela-
rativa. Entretanto, em 2001, a alta gestão da Intel se deparou ção ao NBI, Miner acredita que “um desafio fundamental é como
com necessidades concorrentes: continuar a investir em novos manter o interesse em nível de empresa. Tentamos desenvolver
empreendimentos, aumentar as apostas nos negócios princi- continuamente o valor estratégico para ela e queremos pagar a
pais para se manter à frente da concorrência em tecnologia nossa parte fazendo isso. O maior desafio é lateral, como tra-
e fabricação, e continuar a alimentar os novos negócios con- balhar com os colegas em outras partes da empresa e olhar
sumidores de capital, porém promissores, nas comunicações mais para fora em busca de lacunas estratégicas que possam
em rede e sem fio. Previsivelmente, a relevância do ECI caiu ser preenchidas – sem que necessariamente haja um acordo
bastante e o grupo de novos negócios diminuiu. A atividade de sobre a estratégia. Pensamos que fazer novos negócios interna
ECI fundiu-se com a Intel Capital, o braço de capital de risco e organicamente os torna mais fáceis de assimilar e menos one-
corporativo da Intel, no final de 2002. De modo subsequente, rosos. Mas, algumas vezes, fazemos isso em paralelo, tanto pela
Les Vadasz, presidente da Intel Capital, e John Miner, vice- incubação quanto por meio de aquisições de pequeno porte”.

aumentando durante longos períodos.41 É importante capazes, as forças geradoras da ciclicidade do ECI po-
manter uma certa previsibilidade na alocação de re- dem prevalecer. Para tornar um novo empreendimento
cursos, de modo que, uma vez que os marcos sejam um sucesso empresarial, os executivos envolvidos no
atingidos, mais financiamentos resultarão independen- ECI precisam ser capazes de patrocinar e guiar o novo
temente do ciclo do negócio. empreendimento e começar o processo de determina-
Um outro aspecto fundamental da gestão da cicli- ção do seu contexto estratégico dentro da empresa.
cidade do empreendedorismo corporativo interno é Determinar o contexto estratégico de um novo em-
tornar o ECI uma responsabilidade de todos os altos preendimento envolve trabalhar cuidadosamente para
executivos. Se, nos negócios regulares, os altos exe- explorar suas ligações com a estratégia empresarial e
cutivos não sentirem que compartilham a responsabi- convencer a alta gestão a tornar o empreendimento par-
lidade pelo ECI, não sentirem que os esforços de ECI te do portfólio de negócios da empresa. Todavia, esse
são fundamentais e duradouros ou não sentirem que os processo depende do suporte de pelo menos alguns
executivos que gerem o ECI são colegas igualmente dos altos executivos dos negócios regulares, de modo
que a alta gestão possa ter certeza de que o resto da
organização adotará o novo empreendimento. Como
41
Essa é uma área onde o conselho de Campbell e Harris para ter cautela resultado, é fundamental um clima de respeito mútuo
no apoio ao ECI é valioso. Embora defendamos fortemente a continui- da parte de todos os altos executivos envolvidos. A
dade do apoio aos esforços de ECI, também defendemos uma gestão mais
deliberada e controlada da alocação de recursos para ajudar a diminuir a Intel conseguiu isso pela atribuição de executivos al-
ciclicidade do ECI. Ver A. Campbell and R. Harris. “The Growth Gamble”. tamente respeitados para comandar sua organização
470     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

de empreendimentos. A Nokia conseguiu também, em ARTIGO 3-15


parte por meio do desenvolvimento de um conselho
administrativo de empreendimentos ao qual todos os Organizações ambidestras: gestão
altos executivos comparecem. Igualmente importante, das mudanças evolucionárias e
o presidente da Nokia foi colocado no comando de revolucionárias*
todos os esforços de empreendedorismo corporativo
da empresa.42 Michael L. Tushman e Charles A. O’Reilly III
Provavelmente, a ciclicidade do ECI veio para
ficar por causa das forças poderosas que a criam. En- Todos os gestores enfrentam problemas para superar a
tretanto, aprender a gerir melhor o ciclo do ECI é inércia e implementar inovações e mudanças. Mas por
importante para as grandes empresas estabelecidas que esse problema é recorrente? As organizações estão
porque outras vias de crescimento rentável podem repletas de pessoas sensíveis e normalmente lideradas
não ser promissoras. As grandes aquisições de diver- por gestores inteligentes. Por que qualquer outra coisa
sificação do portfólio são caras e muitas vezes não que não seja a mudança incremental é tão difícil para
criam valor para o acionista. As aquisições pequenas as organizações mais bem-sucedidas? E por que os
e médias podem desempenhar um papel importante, padrões de sucesso e fracasso são tão prevalentes por
mas as pequenas demais podem não ser suficientes meio das indústrias ao longo do tempo? Para manterem-
para alcançar os objetivos de crescimento empre- -se bem-sucedidos durante longos períodos, os gestores
sarial. Desse modo, desenvolver uma capacitação e as organizações têm que ser ambidestros – capazes
efetiva de ECI parece um imperativo estratégico de implementar não apenas as mudanças incrementais,
inevitável para a alta gestão das grandes empresas.43 mas também as revolucionárias.
Talvez não devêssemos nos surpreender com o fato
de poucas empresas terem sido bem-sucedidas no de-
PADRÕES NA EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
senvolvimento de tal capacitação porque as habilida-
des de liderança estratégica necessárias para explorar Nas indústrias, existe um padrão no qual muitas vezes
de maneira eficiente e desenvolver oportunidades de o sucesso precede o fracasso. Entretanto, os estudos em
negócio mal definidas e incertas são diferentes das âmbito industrial não são muito úteis para ilustrar o que
exigidas para explorar oportunidades de negócio realmente deu errado. Por que algumas vezes os gesto-
bem definidas e incrementais. Nossa análise sugere, res são tão ineficientes para evoluir de um sucesso para
no entanto, que a alta gestão pode aprender a gerir outro ainda maior? Para entender isso, precisamos olhar
melhor as forças que movem a ciclicidade do ECI – e para dentro das empresas e compreender as forças que
evitar ser conduzida por elas. incidem sobre a gestão à medida que ela luta para gerir
a inovação e a mudança. Para isso, vamos examinar a
história de duas empresas, a RCA semicondutores e a
Seiko relógios, como elas lidaram com a síndrome do
sucesso seguido pelo fracasso.
A dura realidade do desafio das mudanças descontí-
nuas pode ser visto na Figura 1, que apresenta uma lista
das principais empresas de semicondutores ao longo de
um período de 40 anos. Em meados dos anos 1950, as
válvulas representavam um mercado de aproximada-
mente US$ 700 milhões. Naquela época, na então tec-
Pekka Ala-Pletllä, presidente da Nolda Corp., comunicação com R. A. nologia de ponta das válvulas, havia grandes empresas,
42

Burgelman, fall 2000.


43
Na verdade, os novos empreendimentos realizados no modo ECI muitas como RCA, Sylvania, Raytheon e Westinghouse. Con-
vezes precisam ser aumentados com aquisições pequenas ou médias a tudo, entre 1955 e 1995, houve um rodízio quase com-
fim de ampliar num horizonte de tempo limitado até um tamanho que
torne o empreendimento relevante do ponto de vista empresarial. En-
pleto na liderança do setor. Com o advento do transistor,
tretanto, essas atividades de “construção estratégica” irão beneficiar-se uma importante descontinuidade tecnológica, vemos os
de já ter alguma iniciativa de negócio em andamento que ofereça uma
ideia sobre o que poderia ser a aquisição correta em primeiro lugar.
Nesse sentido, o ECI tem o potencial de exercer um papel importante
em uma ideia mais amplamente concebida da “capacidade de absorção” *
Fonte: Reimpresso com a permissão da California Management
da empresa. Sobre construção estratégica, ver Burgelman, “Managing Review, 38/4 (Summer 1996): 8-30. Algumas das ideias contidas neste
the Internal Corporate Venturing Process”, 33-49. Sobre capacidade de artigo são trabalhadas com base em Michael L. Tushman and Charles A.
absorção, ver W. M. Cohen and D. A. Levinthal, “Absorptive Capacity: O’Reilly III, Winning Through Innovation: A Practical Guide to Leading
A New Perspective on Learning and Innovation”. Administrative Science Organizational Change and Renewal (Boston, MA: Harvard Business
Quarterly 35, n. 1 (March 1990): 128-134. School Press, 1997).
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     471

FIGURA 1 Setor de semicondutores, 1955-1995

1975
1955 1955 1965 (circuitos 1982 1995
(válvulas) (transistores) (semicondutores) integrados) (VLSI*) (submícron)

1. R.C.A. Hughes TI TI Motorola Intel


2. Sylvania Transitron Fairchild Fairchild TI NEC
3. General Electric Philco Motorola National NEC Toshiba
  4. Raytheon Sylvania GI Intel Hitachi Hitachi
  5. Westinghouse TI GE Motorola National Motorola
  6. Amperex GE RCA Rockwell Toshiba Samsung
  7. National Video RCA Sprague GI Intel TI
  8. Rawland Westinghouse Philco RCA Philips Fujitsu
  9. Eimac Motorola Transitron Philips Fujitsu Mitsubishi
10. Lansdale Clevite Raytheon AMD Fairchild Philips
Fonte: Adaptada de R. Foster, Innovation. The Attacker’s Advantage (New York, NY: Summit Books, 1986).
* VLSI (Very Large Scale Integration) é o processo de criação de circuitos integrados, combinando milhares de transistores em um único chip.

primórdios de uma notável reviravolta. Em 1965, novas por exemplo, desenvolveu as tecnologias de interface
empresas como a Motorola e a Texas Instruments torna- com o usuário e de software, ainda que tenha deixado
ram-se participantes importantes, enquanto a Sylvania para a Apple e a Microsoft implementá-las. A Western
e a RCA começaram a desaparecer. Durante os 20 anos Union desenvolveu a tecnologia de telefonia e permitiu
seguintes, ainda outras empresas, como Intel, Toshiba que a American Bell (AT&T) capturasse os benefícios.
e Hitachi, tornaram-se as novas líderes, enquanto a Quase todas as empresas relativamente ricas podem ar-
Sylvania e RCA saíram da classe de produto. car com os custos de explorar novas tecnologias. Como
Por que esse padrão emergiu? Foi porque os gesto- muitas empresas antes deles, os gestores da RCA re-
res e tecnologistas nas empresas de 1955, como Wes- conheceram os problemas de tentar participar de dois
tinghouse, RCA e Sylvania, não compreenderam a tec- jogos tecnológicos diferentes, mas, no fim, foram inca-
nologia? Isso parece improvável. Na verdade, muitos pazes de resolvê-los. Na falta de uma estratégia clara e
fabricantes de válvulas entraram no mercado de tran- das diferenças culturais necessárias para concorrer em
sistores, sugerindo que eles não apenas compreende- ambos os mercados, a RCA fracassou.
ram a tecnologia, mas também a encararam como algo Em seu estudo sobre essa indústria, Richard Foster
importante. Embora do lado de fora parecesse que eles (então diretor da McKinsey & Company) observa:
haviam se comprometido com os transistores, o cenário Das 10 líderes em válvulas em 1955, apenas duas
interno era bem diferente. restaram em 1975. Houve três variantes de erro nes-
Dentro da RCA, ocorreram disputas implacáveis so- ses estudos de caso. Primeira variante, a decisão de não
bre se a empresa deveria entrar no negócio de transistores investir na nova tecnologia. Segunda variante, investir
e canibalizar o seu lucrativo negócio de válvulas. Havia após escolher a tecnologia errada. A terceira variante
argumentos razoáveis que alegavam que o negócio dos é cultural. As empresas fracassaram por causa de sua
transistores era novo e os lucros incertos. Outros, sem incapacidade de jogar dois jogos de uma só vez: ser
saberem se os transistores seriam um sucesso, sentiram defensores eficazes do que se tornou rapidamente tec-
que era arriscado demais não acompanhar a nova tecno- nologia obsoleta e agressores eficazes com as novas
logia. Entretanto, mesmo se a RCA entrasse no negócio tecnologias.2
de estado sólido, havia questões espinhosas a respeito de Nessas empresas, os altos executivos foram víti-
como organizá-lo dentro da empresa. Como poderiam mas do seu sucesso anterior e de sua incapacidade para
gerir ambas as tecnologias? A divisão de estado sólido participar de dois jogos ao mesmo tempo. As empresas
deveria reportar-se ao chefe do grupo de eletrônicos, uma novas, como Intel e Motorola, não foram confrontadas
pessoa rica em conhecimentos sobre válvulas? com esses conflitos e essa inércia internos. À medida
Com a sua grande riqueza de recursos de marketing, que cresceram, foram capazes de se recriar, enquanto
financeiros e tecnológicos, a RCA decidiu entrar no ne- outras empresas continuaram aprisionadas.
gócio. Historicamente, é comum que as empresas bem- Ao contrário da RCA, considere o negócio de reló-
-sucedidas experimentem novas tecnologias.1 A Xerox, gios de pulso da Hattori-Seiko. Enquanto a Seiko era

1
A. Cooper and Smith, “How Established Firms Respond to Threatening R. Foster, Inovation: The Attacker’s Advantage (New York, NY: Summit
2

Tecnologies”, Academy of Management Executive, 16/2 (1992): 92-120. Books, 1986), p. 134.
472     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Emprego na indústria suíça de relógios de curto prazo, mas o fracasso no longo prazo. Os gestores
pulso, 1955-1985
precisam ser capazes de fazer as duas coisas ao mesmo
N. de N. de tempo, ou seja, precisam ser ambidestros. O malaba-
Ano empresas funcionários rismo proporciona uma metáfora. Um malabarista que
1955 2.300 70.000
seja muito bom em manipular uma única bola não é
1965 1.900 84.000 interessante. Sua habilidade só é respeitada quando ele
1970 1.600 89.000 é consegue manipular várias bolas ao mesmo tempo.
1975 1.200 63.000 Esses pequenos exemplos são apenas duas ilus-
1980 900 47.000
1985 600 32.000
trações do padrão por meio do qual as empresas evo-
luem: períodos de mudança incremental, pontuados
por mudanças descontínuas ou revolucionárias. O
a fabricante japonesa de relógios de pulso dominante sucesso no longo prazo é marcado pelo maior alinha-
nos anos 1960, elas eram uma pequena participante nos mento entre estratégia, estrutura, pessoas e cultura
mercados globais (ver Figura 2). Inspirada por um dese- por meio da mudança incremental ou evolucionária,
jo de ser uma empresa líder global no negócio de reló- pontuada pela mudança descontínua ou revolucioná-
gios de pulso e informada pela experimentação interna ria que exige a mudança simultânea em estratégia,
entre as tecnologias de oscilação alternativas (quartzo, estrutura, pessoas e cultura. Essas mudanças descon-
mecânica e diapasão), os altos executivos da Seiko tínuas quase sempre são impulsionadas por proble-
fizeram uma aposta ousada. Em meados dos anos 1960, mas de desempenho organizacional ou por grandes
a Seiko deixou de ser uma simples empresa de relógios mudanças no ambiente da organização, como mudan-
de pulso com movimento mecânico para tornar-se uma ças tecnológicas ou na concorrência. Onde as em-
empresa de relógios de pulso mecânicos e a quartzo. Esse presas menos bem-sucedidas (p. ex., SSIH e RCA)
movimento para os relógios de pulso de baixo custo e alta reagem aos abalos ambientais, as empresas mais
qualidade desencadeou mudanças por atacado dentro da bem-sucedidas iniciam proativamente as inovações
empresa e, por sua vez, dentro da indústria mundial de que remodelam seus mercados (p. ex., Seiko).3
relógios de pulso. Do mesmo modo que os transistores
substituíram as válvulas (para desgosto da RCA), os reló- O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
gios de pulso com movimento a quartzo substituíram os COMPREENDENDO OS PADRÕES DA
relógios mecânicos. Embora os suíços tenham inventado EVOLUÇÃO ORGANIZACIONAL
os movimentos a quartzo e diapasão, eles, nesse momen-
Esses padrões na evolução organizacional não são ex-
to da história, reinvestiram nos movimentos mecânicos.
clusivos. Quase todas as organizações bem-sucedidas
Enquanto a Seiko e outras empresas japonesas prospera-
evoluem ao longo de períodos relativamente longos de
vam, a indústria suíça de relógios de pulso sofria muito.
mudança incremental pontuada por mudanças ambien-
Em 1980, a SSIH, a maior empresa suíça de relógios de
tais e revolucionárias. Essas descontinuidades podem
pulso, tinha menos da metade do tamanho da Seiko. No
ser impulsionadas por tecnologia, concorrentes, even-
final, a SSIH e a Asuag, as duas maiores empresas suíças
tos reguladores ou mudanças importantes nas condi-
no setor, entraram em processo de falência. Só depois ções econômicas e políticas. Por exemplo, a desregu-
que essas empresas foram retomadas pelos bancos suíços lamentação dos serviços financeiros e das empresas
e transformadas por Nicholas Kayek, a Suíça passou a aéreas provocou ondas de fusões e fracassos à medida
recapturar o mercado de relógios de pulso. que as empresas lutavam para se reorientar para o novo
Então, o verdadeiro teste de liderança é ser capaz ambiente de concorrência. Mudanças políticas impor-
de concorrer com êxito aumentando o alinhamento ou tantes no Leste Europeu e na África do Sul tiveram um
ajuste entre estratégia, estrutura, cultura e processos,
preparando-se simultaneamente para as revoluções ine-
vitáveis exigidas pela mudança ambiental descontínua. 3
B. Virany, M. Tushman and E. Romanelli, “Executive Succession and
Isso requer habilidades organizacionais e gerenciais Organization Outcomes in Turbulant Environments”, Organization
Science, 3 (1992): 72-92; E. Romanelli and M. Tushman, “Organization
para concorrer em um mercado maduro (onde o custo, Transformation as Punctuated Equilibrium”, Acedemy of Management
a eficiência e a inovação incremental são fundamentais) Journal, 37 (1994): 1141-1166; M. Thusman and L. Rosenkopf, “On
e desenvolver novos produtos e serviços (onde inova- the Organizational Determinants of Technological Change: Towards a
Sociology of Tecnological Evolution”, in B. Staw and L. Cummings,
ção radical, velocidade e flexibilidade são fundamen- eds., Research in organization Behavior, Vol. 14 (Greenwich, CT: JAI
tais). Concentrar-se em qualquer um desses conjuntos Press, 1992); D. Miller, “The Architecture of Simplicity”, Academy of
Management Review, 18 (1993): 116-138; A. Meyer, G. Brooks and
de habilidades é conceitualmente fácil. Infelizmente, J. Goes, “Environmental Jolts and Industry Revolutions”, Strategic
concentrar-se em apenas um deles garante o sucesso no Management Journal, 6 (1990): 48-76.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     473

impacto similar. A combinação da União Europeia e da características necessárias para tirar proveito do novo
emergência da concorrência global nos setores auto- ambiente. A evolução avança por meio de longos pe-
mobilístico e de produtos eletrônicos mudou a base da ríodos de mudança incremental pontuados por breves
concorrência nesses mercados. A mudança tecnológica períodos de mudança revolucionária ou descontínua.
nos microprocessadores alterou a face da indústria da Assim parece ser com as organizações. Todo um
computação. campo de pesquisa sobre as organizações demonstrou
O fato preocupante é que o clichê sobre o ritmo cres- muitas semelhanças entre as populações de insetos e
cente da mudança parece ser verdadeiro. Mais cedo ou animais e as populações de organizações. Esse cam-
mais tarde, as descontinuidades perturbam a coerência po, conhecido como “ecologia organizacional”, apli-
que tem feito parte do sucesso da organização. A me- cou com sucesso os modelos da ecologia populacional
nos que o seu ambiente de concorrência se mantenha ao estudo de conjuntos de organizações em áreas tão
estável – uma condição cada vez mais improvável no diversas quanto vinícolas, jornais, automóveis, em-
mundo de hoje –, as empresas devem se confrontar com presas de biotecnologia e restaurantes.4 Os resultados
a mudança revolucionária. A causa subjacente desse pa- confirmam que as populações de organizações estão
drão pode ser encontrada em um lugar improvável: a sujeitas às pressões ecológicas nas quais evoluem por
biologia evolucionária. meio de períodos de adaptação incremental pontuados
por descontinuidades. As variações na estratégia e na
Padrões de inovação ao longo do tempo forma organizacionais são mais ou menos adequadas
Durante muitos anos, a teoria evolucionária biológica às diferentes condições ambientais. As organizações e
propôs que o processo de adaptação ocorria gradual- os gestores mais capazes de se adaptar a um determi-
mente em longos períodos. O processo foi assumido nado mercado ou ambiente competitivo prosperarão.
como de variação, seleção e retenção. As variações Ao longo do tempo, o mais adaptado sobrevive – até
ocorriam naturalmente dentro das espécies por meio que haja uma grande descontinuidade. Nesse ponto, os
das gerações. As variações mais adaptadas ao ambiente, gestores enfrentam um desafio de reconstituir suas or-
ao longo do tempo, capacitariam as espécies a sobrevi- ganizações para que se ajustem ao novo ambiente. Os
verem e reproduzirem-se. Essa forma seria selecionada gestores que tentam adaptar-se às descontinuidades por
porque perduraria, enquanto as formas menos adaptá- meio do ajuste incremental têm pouca chance de êxito.
veis se reproduziriam menos e diminuiriam com o pas- Os processos de variação, seleção e retenção que penei-
sar do tempo. Por exemplo, caso o mundo se tornasse ram as populações de animais mais adaptados parecem
mais frio e nevado, os animais mais brancos e com co- aplicar-se também às organizações.
Para compreender como essa dinâmica afeta as or-
berturas mais densas teriam vantagem e mais chance
ganizações, precisamos considerar duas ideias funda-
de sobreviver. À medida que as mudanças climáticas
mentais: como as organizações crescem e evoluem e
afetassem a vegetação, as espécies com pescoços mais
como as descontinuidades afetam esse processo. Com
compridos ou bicos mais fortes poderiam sair-se me-
essa compreensão, podemos mostrar então como os
lhor. Dessa maneira, a variação levou à adaptação e à
gestores podem lidar com as mudanças evolucionárias
adequação, as quais posteriormente foram retidas por
e revolucionárias.
meio das gerações. Nessa primeira visão, o ambiente
mudou aos poucos e as espécies adaptaram-se lenta- Crescimento organizacional e evolução Existe um
mente a essas mudanças. Existem amplas evidências de padrão que descreve o crescimento organizacional.
que essa visão é válida. Todas as organizações evoluem seguindo a curva-S
Porém, essa perspectiva deixou passar uma questão familiar exibida na Figura 3. Por exemplo, considere
crítica: “O que aconteceria se o ambiente fosse caracte- a história da Apple e como ela cresceu. Quando come-
rizado não pela mudança gradual, mas por descontinui- çou, a Apple era menos uma organização e mais um
dades periódicas, como rápidas alterações climáticas ou pequeno grupo de pessoas tentando projetar, produzir e
mudanças radicais na disponibilidade de alimentos?”.
Sob essas condições, uma dependência da mudança
gradual era uma passagem só de ida para a extinção.
Em vez da mudança lenta, as descontinuidades exigiam 4
Existe uma extensa literatura que estuda as organizações que utilizam
uma versão diferente da teoria darwiniana – a do equi- modelos da ecologia populacional. Uma série de análises excelentes dessa
abordagem está disponível em M. Hannan and G. Carroll, Dynamics of
líbrio pontuado, em que longos períodos de mudança Organizational Populations (New York, NY: Oxford University Press,
gradual eram interrompidos periodicamente por des- 1992); G. Carroll and M. Hannan, eds., Organization in Industry: Strategy,
Structure & Selection (New York, NY: Oxford University Press, 1995); J.
continuidades maciças. E depois? Sob essas condições, Baum and J. Sing, eds., Evolucionary Dynamics of Organizations (New
a sobrevivência ou seleção vai para as espécies com as York, NY: Oxford University Press, 1994).
474     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Equilíbrio e evolução organizacional

Ao longo do tempo, a adequação entre estratégia de unidade de negócio,


habilidades e cultura evolui para refletir as mudanças no mercado e na
tecnologia. Quando ocorrem essas mudanças, os gestores precisam
realinhar suas unidades para refletir os seus novos desafios estratégicos.

Estratégia

Tarefas
críticas

Pessoas Cultura

Organização
formal

Inovação Diferenciação Custo


(variação) (seleção) (retenção)

vender um produto novo, o computador pessoal. Com sários para a eficiência e o controle. Sem eles, o caos
o sucesso, vieram o início de uma organização formal, teria reinado. À medida que a Apple ficou mais velha,
papéis e responsabilidades atribuídos, alguns sistemas foram desenvolvidas novas normas sobre o que era im-
rudimentares para contabilidade e folha de pagamento portante e aceitável e o que não seria tolerado. A cultura
e uma cultura com base nas expectativas compartilha- mudou e refletiu os novos desafios. O sucesso na Apple
das entre os funcionários a respeito de inovação, com- e em outras empresas baseia-se em aprender o que fun-
prometimento e velocidade. Nesse estágio, o sucesso ciona e o que não funciona.
era visto em termos da coerência entre estratégia, Inevitavelmente, até mesmo a estratégia da Apple
estrutura, pessoas e cultura. Aqueles que se adapta- precisou mudar. A empresa de apenas um produto (o
ram aos valores da Apple e se comprometeram com as PC da Apple e depois o seu sucessor, o Apple II) ago-
normas culturais continuaram. Os que consideraram a ra vendia uma ampla gama de produtos em mercados
visão de Jobs e Wozniak muito cult saíram. Essa estru- cada vez mais competitivos. Em vez de uma estratégia
tura inicial estava alinhada com a estratégia e as tare- focada, a ênfase mudou para uma estratégia de merca-
fas críticas necessárias para implementá-la. O sucesso do. A Apple não vendia mais somente para os usuários
fluiu não apenas do fato de ter um produto novo com de computadores pessoais, mas também para os mer-
atributos desejáveis, mas também da capacidade da cados educacional e industrial. Essa mudança estraté-
organização para projetar, produzir, comercializar e gica exigiu mais ajustes em estrutura, pessoas, cultura
distribuir o novo PC. Os sistemas existentes rastrea- e tarefas críticas. O que funcionava em uma empresa
vam os resultados e processos que eram importantes menor e mais focada não era mais adequado para uma
para a implementação de uma estratégia de produto Apple maior e mais diferenciada. O sucesso nessa fase
único. A coerência entre os elementos de uma organi- da evolução exigiu capacidade por parte da gestão para
zação é fundamental para o alto desempenho em todos realinhar a organização a fim de garantir a coerência
os setores. com a estratégia. A destituição bastante divulgada de
À medida que a empresa continuou a crescer com Jobs pelo conselho de administração da Apple refletiu o
êxito, ocorreram várias mudanças inexoráveis. Primei- julgamento dessas pessoas de que John Sculley tinha a
ro, ficou maior. Como isso ocorreu, adicionaram-se qualificação necessária para liderar uma empresa maior
mais estrutura e sistemas. Embora essa tendência para a e mais diversificada. A abordagem de Jobs era boa para
profissionalização enfrentasse a resistência de Jobs (que uma empresa menor e mais focada, mas inadequada
se referia aos gestores profissionais como “patetas”), as para os desafios que a Apple enfrentava em meados dos
novas estruturas e os novos procedimentos eram neces- anos 1980.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     475

FIGURA 4 Duas forças invisíveis: ciclos tecnológicos e evolução

Inovação Inovação Inovação Inovação


de produto de processo de produto de processo

Taxa de inovação

Projeto Evento de Projeto


dominante n. 1 substituição dominante n. 2

Tempo

Fonte: Adaptada de J. Utterback, Mastering the Dynamics of Innovation (Boston, MA: Harvard Business
School Press, 1994).

Durante um longo período de sucesso, inevitavel- estagnado, o conselho de administração optou por um
mente ocorrem mais mudanças – algumas vezes im- especialista em ambientes turbulentos, Gil Amelio, para
pulsionadas pela tecnologia, algumas vezes por con- terminar o que Spindler não conseguiu.
corrência, clientes ou regulamentação, outras vezes por Note como a Apple evoluiu ao longo de um período
novas estratégias e maneiras de concorrer. À medida de 20 anos. A mudança incremental ou evolucionária foi
que a classe de produto amadurece, a base da concor- pontuada por mudança descontínua ou revolucionária
rência muda. Enquanto está nos estágios iniciais de uma conforme a empresa passou pelos três estágios de cres-
classe de produto, a concorrência baseia-se na variação cimento na classe de produto: inovação, diferenciação
do produto; nos estágios finais da concorrência, muda e maturidade. Cada um desses três estágios exigiu com-
para atributos, eficiência e custo. Na evolução da Apple, petências, estratégias, estruturas, culturas e habilidades
isso pode ser observado à medida que o PC da IBM de liderança diferentes. Essas mudanças impulsionam
e os clones surgiram. O sistema operacional Windows o desempenho. Embora absolutamente necessária para
afrouxou o aperto que a Apple mantinha sobre a interfa- o sucesso no curto prazo, a mudança incremental não é
ce gráfica de fácil utilização e desencadeou uma batalha suficiente para o sucesso no longo prazo. Steve Jobs foi
entre três sistemas operacionais incompatíveis – o Mac, bem-sucedido na Apple até o mercado tornar-se mais
o OS/2 da IBM e o Microsoft Windows. Depois que o diferenciado e exigir as qualificações de John Sculley.
Windows tornou-se o padrão da indústria nos sistemas Nem é surpresa que, como a indústria consolidou-se e
operacionais, a base da concorrência mudou para custo, a concorrência enfatizou os custos, os gestores volta-
qualidade e eficiência. Confrontados com essas reali- dos para as operações como Michael Spindler e, por
dades, os gestores da Apple mais uma vez tiveram que sua vez, Gil Amelio foram escolhidos para reorientar
realinhar a coerência entre estratégia, estrutura, pessoas a Apple.
e cultura. O sucesso decorre da capacidade de superar a Para o sucesso no longo prazo, as empresas preci-
concorrência nesse novo ambiente. Logo, o conselho de sam reorientar-se periodicamente adotando novas estra-
administração substituiu Sculley como CEO em 1994 tégias e estruturas necessárias para acomodar as mudan-
por Michael Spindler, que era considerado portador das ças nas condições ambientais. Essas mudanças ocorrem
qualificações necessárias para comandar a empresa em com frequência por meio de mudanças descontínuas –
um mercado maduro. A tarefa de Spindler era enfatizar mudanças simultâneas em estratégia, estruturas, habi-
as eficiências e as margens mais baixas exigidas pelos lidades e cultura. Se um ambiente for estável e mudar
mercados atuais e remodelar a Apple para concorrer apenas de maneira gradual, como no caso das indús-
nesse novo mercado. Com o desempenho da empresa trias de cimento, é possível que uma organização evolua
476     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

lentamente por meio da mudança incremental contínua. do atributos. Em vez de concorrer por meio da inova-
No entanto, muitos gestores aprenderam (para desgosto ção do produto ou serviço, as estratégias bem-sucedidas
dos seus acionistas) que a mudança evolucionária lenta, agora enfatizam a compatibilidade com o padrão e a
em um mundo que muda rapidamente, é, como foi para melhoria da produtividade. Essa concorrência continua
os dinossauros, um caminho para o cemitério. até que haja um novo evento de substituição importante
do produto, serviço ou processo e o ciclo tecnológico
Ciclos tecnológicos Apesar de o crescimento orga- comece novamente à medida que a base da concorrên-
nizacional poder levar a uma necessidade periódica cia desloca-se novamente para a variação do produto ou
de mudança descontínua, existe outro processo mais serviço (p. ex., os CDs substituindo as fitas de áudio). À
fundamental que resulta em mudança. Trata-se de um medida que os ciclos tecnológicos evoluem, as bases da
fenômeno universal que ocorre em todas as indústrias concorrência deslocam-se dentro do mercado. Confor-
e que não é amplamente avaliado pelos gestores. Con- me as empresas mudam suas estratégias, elas também
tudo, ele é fundamental para compreender quando e por têm que realinhar suas organizações para realizar os
que a mudança revolucionária é necessária: a dinâmica novos objetivos estratégicos. Normalmente, isso exige
da inovação de produtos, serviços e processos, os pro- uma mudança revolucionária.
jetos dominantes e os eventos de substituição, juntos, Um exemplo do desenvolvimento do automóvel aju-
compõem os ciclos tecnológicos. A Figura 4 mostra o dará a mostrar como essas mudanças podem ser drásticas
contorno geral desse processo.5 para as organizações. Na virada do século, as bicicletas
Em qualquer classe de produto ou serviço (p. ex., e as carruagens foram ameaçadas pelas “carruagens sem
microprocessadores, automóveis, fraldas para bebês, cavalos”, em pouco tempo chamadas de automóvel. No
contas bancárias empresariais), existe um padrão de início dessa nova classe de produto, houve uma grande
concorrência comum que descreve o desenvolvimento concorrência entre as tecnologias alternativas. Por exem-
da classe ao longo do tempo. Como mostra a Figura plo, havia várias fontes de energia alternativas concor-
4, os ciclos tecnológicos começam com a proliferação rentes – motores a vapor, bateria e combustão interna.
da inovação nos produtos ou serviços à medida que o Havia também vários mecanismos de direção diferentes
novo produto ou serviço ganha aceitação. Pense, por
e arranjos do compartimento de passageiros. Em um tem-
exemplo, na introdução dos videocassetes. Inicialmen-
po bem curto, no entanto, surgiu o consenso de que deter-
te, apenas alguns clientes os adquiriram. Com o tempo,
minados atributos deviam ser padrão – ou seja, surgiu um
conforme a demanda aumentou, havia cada vez mais
projeto dominante. Ele consistia em um motor de com-
concorrência entre os formatos Beta e VHS. Em algum
bustão interna, volante à esquerda (nos Estados Unidos),
ponto, surgiu um design que se tornou o padrão prefe-
pedal de freio à direita e embreagem à esquerda (este
rido pelos consumidores (ou seja, o VHS). Depois que
projeto dominante foi otimizado no Ford Modelo T). De-
isso ocorreu, a base da concorrência deslocou-se para o
pois do surgimento desse padrão, a base da concorrência
preço e os atributos, não para o produto ou a concepção
deslocou-se das variações na aparência do automóvel e
dos serviços. O surgimento desse projeto dominante
de como ele era movido para os atributos e o custo. A
transforma a concorrência na classe de produto.6 Uma
nova arena competitiva enfatizava os preços mais baixos
vez que fica claro que o projeto dominante surgiu, a
e os segmentos de mercado diferenciados, não a variação
base da concorrência desloca-se para a inovação de pro-
do produto. A obrigação dos gestores era mudar suas es-
cessos, levando à diminuição dos custos e acrescentan-
tratégias e organizações para concorrer nesse mercado.
Os que foram incapazes de gerir essa transição fracassa-
ram. Padrões similares podem ser vistos em quase todas
5
M. Tushman and L. Rosenkopf, “On the Organizational Determinants
as classes de produto (p. ex., computadores, telefones,
of Technological Change: Towards a Sociology of Technological fast-food, lojas de varejo).
Evolution”, in B. Staw and L. Cummings, eds., Research in Organization Com um pouco de imaginação, é fácil perceber
Behavior, Vol. 14 (Greenwich, CT: JAI Press, 1992); M. Tushman
and P. Anderson, “Technological Discontinuities and Organization quais são os desafios gerenciais nesse ambiente. Dei-
Environments”, Administrative Science Quartely, 31 (1986): 439-465; xando de lado as pressões para o crescimento e o suces-
Abernathy and K. Clark, “Innovation: Mapping the Winds of Creative
Destruction”, Research Policy, 1985, pp. 3-22; J. Wade, “Dynamics of so, os gestores devem reajustar continuamente suas es-
Organizational Communities and Tecnological Bandwagons”, Strategic tratégias e realinhar suas organizações para que reflitam
Management Journal, 16 (1995): 111-133; J. Baum and H. Korn, a dinâmica subjacente das mudanças tecnológicas em
“Dominant Designs and Population Dynamics in Telecommunications
Services”, Social Science Research, 24 (1995): 97-135. seus mercados. Essas mudanças não são impulsionadas
6
Para um tratamento mais completo desse assunto, ver J. Utteback, por modismos, mas refletem a obrigação de mudanças
Mastering the Dynamics of Innovation (Boston, MA: Harvard Business
Scholl Press, 1994). Ver também R. Burgelman & A. Grove, “Strategic fundamentais na tecnologia. Essa dinâmica é uma cau-
Dissonance” California Management Review, 38/2 (Winter 1996): 8-28. sa poderosa do equilíbrio e pode exigir uma mudança
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     477

revolucionária em vez de incremental. Esse padrão FIGURA 5 A síndrome do sucesso


ocorre em indústrias tão diversas quanto as de compu-
tadores e cimento; a única questão é a frequência com Ajuste Sucesso
que esses ciclos se repetem. Em face de uma descon-
tinuidade, a opção da mudança incremental provavel-
mente não é viá­vel. O perigo é que, ante uma mudança Tamanho e idade Inércia
descontínua, as empresas que têm sido bem-sucedidas • Estrutural
• Cultural
possam sofrer de inércia letal, que resulta da coerência
que fez a empresa ser bem-sucedida em primeiro lugar.
Sucesso nos Fracasso quando
A SÍNDROME DO SUCESSO: A COERÊNCIA mercados estáveis os mercados mudam
COMO ARMADILHA GERENCIAL
Com a mudança evolucionária, os gestores são capazes
Os gestores, como arquitetos de suas organizações, são
de alterar incrementalmente suas organizações. Dado
responsáveis por conceber suas unidades de maneira
que essas mudanças são comparativamente pequenas, a
que se encaixem melhor em seus desafios estratégicos.
incoerência injetada pela mudança é controlável. O pro-
A coerência interna entre estratégia, estrutura, cultura
cesso de realização de mudanças incrementais é bem
e pessoas impulsiona o desempenho no curto prazo.7
conhecido, e a incerteza criada nas pessoas afetadas por
Entre 1915 e 1960, a General Radio tinha uma estraté-
tais mudanças está dentro dos limites toleráveis. O sis-
gia de equipamentos eletrônicos de alta qualidade e alto
tema global se adapta, mas não se transforma.
preço com uma estrutura funcional folgada, práticas de
Quando realizada efetivamente, a mudança evolu-
promoção interna e domínio da engenharia na tomada
cionária é uma parte fundamental do sucesso no cur-
de decisão. Todas essas coisas atuavam juntas para pro-
to prazo, mas há um lado negro nesse sucesso. Como
porcionar um sistema muito coerente e, por sua vez,
descrevemos no caso da Apple, o sucesso fez com que
uma organização altamente bem-sucedida. No entanto, a empresa ficasse maior e mais velha. As empresas
a estratégia e a coerência organizacional que fizeram da mais velhas e maiores desenvolvem inércia estrutural
General Radio um sucesso durante 50 anos tornaram- e cultural – o equivalente organizacional de um nível
-se, por causa da grande mudança tecnológica e com- de colesterol elevado. A Figura 5 mostra o paradoxo do
petitiva, uma receita para o fracasso nos anos 1960. Só sucesso. À medida que as empresas crescem, elas de-
depois de uma mudança revolucionária que incluiu uma senvolvem estruturas e sistemas para lidar com a maior
nova estratégia e mudanças simultâneas de estrutura, complexidade do trabalho. Essas estruturas e sistemas
pessoas e cultura, a nova empresa, agora com o nome estão interligados de modo que as mudanças propostas
de GenRad, foi capaz de concorrer novamente com as tornam-se mais difíceis e mais caras e exigem mais tem-
semelhantes Hewlett-Packard e Tektronix.8 po para serem implementadas, especialmente se forem
As empresas de sucesso aprendem o que funciona modificações pequenas e incrementais. Isso resulta na
bem e incorporam isso em suas operações. É disso que inércia estrutural – uma resistência à mudança radica-
trata a aprendizagem organizacional, ou seja, utilizar as da no tamanho, na complexidade e na interdependência
informações do mercado para refinar continuamente a em estruturas, sistemas, procedimentos e processos da
organização, tornando-a cada vez melhor para cumprir organização.
sua missão. A falta de coerência (ou inconsistência in- Bem diferente e bem mais penetrante do que a inér-
terna em estratégia, estrutura, cultura e pessoas) nor- cia estrutural é a inércia cultural que advém da idade e
malmente é associada aos problemas de desempenho do sucesso. À medida que as organizações envelhecem,
atuais da empresa. Além disso, como o ajuste entre es- parte da sua aprendizagem está incorporada nas expec-
tratégia, estrutura, pessoas e processos nunca é perfei- tativas compartilhadas sobre como as coisas devem
to, alcançar a coerência é um processo permanente que ser feitas. Algumas vezes, isso pode ser observado em
requer a melhoria contínua e a mudança incremental. normas informais, valores, redes sociais e nos mitos, his-
tórias e heróis que evoluíram ao longo do tempo. Quanto
mais bem-sucedida for uma organização, as normas, os
7
D. Nadler and M. Tushman, Competitive by Design (New York, NY: valores e as lições se tornarão mais institucionalizados
Oxford University Press, in press); D. Nadler and M. Tusman, “Beyond
Charismatic Leaders: Leadership and Organization Change”, California ou impregnados. Quanto mais institucionalizados forem
Management Review (Winter 1990): 77-90. esses aspectos, maior será a inércia cultural – maior a
8
Ver M. Tushman, W. Newman and E. Romanelli, “Convergence and
Upheaval: Managing the Unsteady Pace of Organizational Evolution”, complacência e a arrogância organizacionais. Nos am-
California Management Review, 29/01 (Fall 1986): 29-44. bientes relativamente estáveis, a cultura da empresa
478     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 6 Empresas mencionadas recentemente nas publicações de negócios

A cultura como um fator no sucesso ou na dificuldade

Hewlett-Packard British Airways Federal Express


Oki Electric Kodak Sears
Johnson & Johnson Allied Signal Deutsche Bank
General Electric Home Depot Pepsico
Silicon Graphics McKinsey Philips
Motorola Royal Dutch/Shell Bausch & Lomb
Levi Strauss Southwest Airlines Applied Materials
Microsoft PPG General Motors
Samsung Nike WalMart
Siemens Saturn Boeing
Nordstrom IBM Nissan
Procter & Gamble Tenneco Rover
Coca Cola Broken Hill Proprietary Ford
Lucky-Goldstar Goldman, Sachs NUMMI
SBC Warburg Westinghouse United Airlines
Apple Bear Stearns British Petroleum
Swiss Bank Corp Rubbermaid Unilever
Nokia Matsushita Salomon
Intel Chrysler Kao
Aetna Medtronics

é um componente fundamental do seu sucesso. A cul- Kong, o conglomerado americano Allied Signal, uma
tura é uma maneira efetiva de controlar e coordenar as empresa de alta tecnologia como a Applied Materials ou
pessoas sem sistemas de controle formais elaborados e de baixa tecnologia como a Nordstrom, ou fabricantes
rígidos. Contudo, quanto confrontada com a mudança de veículos como a Nissan, Rover ou General Motors,
descontínua, a mesma cultura que fomentou o sucesso a cultura parece ser um fator fundamental no desempe-
pode tornar-se rapidamente uma barreira importante para nho da empresa. A linguagem utilizada para descrever
a mudança. Quando Lou Gerstner assumiu o papel de a importância da cultura muitas vezes é similar. Yukata
CEO da IBM, ele reconheceu que a simples criação de Kume, presidente da Nissan, observou:
uma nova estratégia não era a solução para a situação
A tarefa mais desafiadora com a qual me deparei quando
difícil da empresa. Segundo Gerstner, “Acertar a cultu-
me tornei presidente cinco anos atrás foi reformar a cultura
ra é a parte mais importante – e mais difícil – de uma
corporativa [...]. Decidi que a principal razão de nosso sofri-
transformação corporativa”.9 A inércia cultural, por ser mento ou de nossa situação comercial complicada reside na
tão efêmera e difícil de atacar diretamente, é uma razão própria Nissan.10
fundamental para os gestores não conseguirem introduzir
com êxito uma mudança revolucionária – mesmo quando Na GE, Jack Welch comentou sobre as exigências
sabem que ela é necessária. futuras nas organizações: “Nos anos 1990, os heróis, os
vencedores, serão empresas inteiras que desenvolveram
culturas que, em vez de temerem o ritmo da mudança,
O PARADOXO DA CULTURA
saboreiam-no”.11
O paradoxo de a cultura ajudar ou dificultar as empre- Embora publicações sobre sucessos e fracassos não
sas enquanto concorrem pode ser encarado de várias sejam prova de nada, elas mostram uma janela interes-
maneiras. Considere, por exemplo, a lista de empresas sante sobre as preocupações dos executivos e dos jorna-
apresentada na Figura 6. São empresas com histórias re- listas experientes. Seja a questão de a Nike conseguir ex-
centes nas publicações de negócios e nas quais a cultura portar sua cultura “Just Do It” para ajudar a impulsionar
empresarial era vista como parte do sucesso ou fracasso o crescimento global ou de a Nokia, uma fabricante fin-
da organização. O mais notável nessa lista é a diversida- landesa de telefones celulares, irradiar a sua densa cul-
de. A importância da cultura organizacional transcende tura a tempo de concorrer no dinâmico mercado de te-
o país, o setor e o tamanho da empresa. Seja a gigante lecomunicações, os desafios da gestão são semelhantes:
Samsung dos produtos eletrônicos, um banco de Hong

J. Kotter and N. Rothbard, “Cultural Change at Nissan Motors”, Harvard


10

L. Hays, “Gerstner Is Struggling as He Tries to Change Ingrained IBM


9
Business School Case, #9-491-079, July 28, 1993.
Culture”, Wall Street Journal, May 13, 1994. “Today’s Leaders Look to Tomorrow”, Fortune, March 26, 1990, p. 31.
11
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     479

“Como os gestores podem diagnosticar e moldar ativa- separa o MPF da maioria das sessões de treinamento
mente as culturas organizacionais para executar as es- da gestão é a sua magnitude, a consistência com que
tratégias de hoje e criar as capacitações necessárias para foi aplicado e o apoio da alta gestão. Colin Marshall,
inovar, atendendo as exigências competitivas do ama- o CEO, o chamou de “o programa mais importante em
nhã?”. Para ajudar a focar e enquadrar a questão crucial funcionamento” na BA e lecionou em quase todas as 64
de gerir a cultura, vamos refletir com base em alguns turmas de MPF.13
exemplos nos quais a cultura organizacional ajudou as A ênfase no esforço de mudança cultural na BA foi
empresas a ter sucesso ou foi uma parte importante do na introdução da nova cultura, estabelecendo um esque-
seu problema em adaptar-se às novas circunstâncias. ma de avaliação que media não só o que os gestores
faziam, mas como o faziam, e um programa de com-
Aqui está a boa notícia pensação com bônus de até 20% com base em como os
Primeiro, considere a notável transformação da British gestores se comportavam. Os gestores da BA reconhe-
Airways. Em 1981, a empresa perdeu quase US$ 1 bi- cem que qualquer empresa aérea é capaz de embarcar
lhão. Seus clientes costumavam se referir às iniciais passageiros e atravessar o Atlântico com eles. A BA en-
da empresa “BA” como “Terrívelmente Sangrenta” tende que está no setor de serviços e que qualquer van-
(Bloody Awful). Pergunte a qualquer passageiro sobre tagem competitiva precisa estar no serviço que oferece
as experiências com a BA durante esse período e você aos clientes. Como observou o chefe do programa, Bob
ouvirá histórias de pavor. Até mesmo os funcionários Nelson: “O problema com o atendimento ao cliente é
estavam envergonhados. Um deles afirmou o seguinte: que você pode treinar macacos para sorrirem e fazerem
“Lembro-me de ir a festas no final dos anos 1970. Se contato visual, mas o que fazer quando aparece uma
você quisesse ter uma conversa civilizada, não poderia necessidade fora dos padrões?”.14
dizer que trabalhava na British Airways, pois, invaria- Praticamente com a mesma mão de obra, voando em
velmente, acabaria ouvindo as experiências, geralmente grande parte as mesmas rotas e usando a mesma tecno-
desagradáveis, de pessoas que utilizaram os serviços da logia, a British Airways tornou-se uma das principais
empresa”.12 Quando o governo britânico anunciou que empresas aéreas do mundo. Sua vantagem competitiva
a empresa havia sido privatizada, o jornal Financial não está na estratégia ou na tecnologia, mas em uma
cultura partilhada por toda a organização que propor-
Times torceu o nariz e afirmou que poderia ser que al-
ciona um nível de serviço que os concorrentes conside-
guns investidores comprassem as ações, mas somente
raram difícil de imitar. A lição que precisamos explorar
porque, “em todo mercado, há alguns masoquistas”.
é como os altos executivos conseguiram gerir a cultura
Cinco anos mais tarde, porém, os lucros da BA
para proporcionar vantagem competitiva. O que foi que
eram os mais altos no setor, 94% dos seus funcioná-
fizeram que os concorrentes não têm conseguido fazer?
rios compraram ações em 1987 quando a empresa foi
Histórias de sucesso semelhantes são abundantes.
privatizada e os passageiros faziam declarações como:
Considere um fenômeno no setor de varejo de vestuá-
“Não consigo dizer como a minha lembrança da British
rio, a Nordstrom. Enquanto empresas como a Federated,
Airways como empresa e a experiência que tive 10 anos
Macy’s e Carter-Hawley-Hale lutavam com a falência,
atrás contrastam com o que penso hoje. A melhoria no
a Nordstrom cresceu de 36 lojas e 9 mil funcionários
serviço é verdadeiramente notável”. O que contribui
em 1983 para 76 lojas e mais de 35 mil funcionários em
para essa reviravolta? A resposta está, em grande parte,
1995, com vendas médias por metro quadrado equiva-
na revolução cultural engendrada pelos altos executi- lentes ao dobro da média do setor. O que contribui para
vos, Lord King e Sir Colin Marshall. a vantagem competitiva da Nordstrom? Uma leitura
Após decidir que estava no negócio de serviços e atenta da literatura sobre estratégia sugerirá rapidamen-
não no de transportes, a British Airways colocou toda te que não são os fatores comuns, como barreiras para
a sua mão de obra de 37 mil pessoas em um programa a entrada, poder sobre fornecedores e clientes ou au-
de mudança cultural de dois dias, denominado “Co- sência de rivalidade no setor. O setor de varejo é muito
locando as pessoas em primeiro lugar”. Quase todos competitivo, e os compradores e fornecedores mudam
os 1.400 gestores passaram por uma versão de cinco facilmente de uma empresa para outra. Não é a localiza-
dias chamada de “Gerenciando as pessoas em primeiro ção, a mercadoria, a aparência das lojas ou mesmo um
lugar” (MPF – “Managing people first”). A princípio, piano no saguão. Tudo isso é facilmente imitável. Mas,
esse programa não é conceitualmente exclusivo. O que

L. Bruce, “British Airways Jolts Staff with a Cultural Revolution”,


13

J. Leahey, “Changing the Culture at British Airways”, Harvard Business


12
International Management, March 7, 1987, pp. 36-38.
School Case, #9-491-009, 1990. Ib.
14
480     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

como qualquer pessoa que tenha feito compras na Nor- compreensão da realidade das mudanças de mercado.
dstrom sabe, é o serviço notável prestado por ela que a Em uma carta aos acionistas no relatório anual de 1993,
diferencia dos seus concorrentes. Para prestar esse ser- o CEO Lou Gerstner afirma: “Temos sido burocráti-
viço, a Nordstron conta que não se baseia em controles cos e preocupados demais com a nossa própria visão
formais manifestos em políticas, procedimentos e su- de mundo”. Ele encara como uma de suas tarefas mais
pervisão atenta, mas, sim, em sua cultura, caracterizada duras e importantes mudar essa cultura entrincheirada
por um conjunto de normas e valores que proporcionam e patriarcal para uma cultura caracterizada por um sen-
um sistema de controle social. Esse sistema é utilizado
so de urgência. Sem essa mudança, Gerstner acredita
para coordenar as atividades diante da necessidade de
que a IBM continuará a desperdiçar seu talento e sua
mudança e permite à Nordstrom satisfazer as exigências
tecnologia.
fora do padrão que são o verdadeiro teste do serviço.
Embora ocorra em um contexto industrial muito di-
Aqui está a má notícia ferente, um drama similar está se desenrolando na Sears,
Até agora contamos histórias felizes em que os gestores a grande varejista americana. Mais uma vez, o quadro
utilizaram com êxito a cultura organizacional para pro- é complicado e seria errado simplificá-lo. Os contornos
porcionar vantagem competitiva. Mas também temos gerais do problema são, porém, facilmente visíveis. Até
histórias infelizes para contar em igual quantidade; his- 1991, a Sears era a maior varejista nos Estados Unidos,
tórias em que a cultura da empresa algumas vezes está com mais de 800 lojas e 500 mil funcionários, incluindo
ligada ao fracasso. E, como foi sugerido anteriormente, mais de 6 mil na sede, a Torre Sears em Chicago. Du-
o paradoxo muitas vezes é que a cultura associada ao rante décadas, ela foi a loja de departamentos da família
sucesso anterior da empresa passa a fazer parte do seu nos Estados Unidos, um lugar onde se podia comprar
fracasso. Pense um pouco sobre dois ícones do sucesso qualquer coisa de vestuário, ferramentas e utensílios de
empresarial americano e as dificuldades que enfrentam cozinha. No entanto, em meados da década de 1980, o
hoje: IBM e Sears. (Embora utilizemos essas empresas, problema começou a vir à tona. A participação de mer-
o fenômeno é mundial). cado havia caído em 15% do seu alto valor nos anos
Entre 1990 e 1993, a IBM perdeu um total de US$ 14 1970, o preço da ação despencou em 40% desde que
bilhões, com US$ 8,1 bilhões perdidos apenas em 1993.
Edward Bennan havia se tornado CEO em 1985, e os
Como isso pode acontecer? Certamente o negócio de
custos elevados crônicos criaram dificuldades para a
computadores é algo complexo. A IBM foi e ainda é
Sears equiparar-se aos preços dos concorrentes, como
uma grande empresa, o que complica o processo de
tomada de decisão. Todavia, muitas pessoas presumi- Walmart, Kmart, Circuit City, Home Depot e outras lo-
velmente inteligentes eram contratadas especificamente jas especializadas de baixo custo.15
para antecipar as mudanças e garantir que a empresa Sob a liderança de Brennan, a Sears fez uma série
estivesse preparada para encará-las. Como então pode- de mudanças estratégicas na tentativa de na tentativa
mos explicar essa falha, uma falha que custou o empre- de parar de escorregar. Contudo, a execução da estra-
go de quase 200 mil pessoas e uma perda de bilhões tégia foi sombria. Observadores e analistas atribuíram
de dólares aos acionistas? Seria errado subestimar as o fracasso à incapacidade de Brennan para remodelar a
dificuldades complexas para gerir uma empresa do ta- velha cultura Sears que, como observou um respeitado
manho da IBM. Certamente, a resposta tem que incluir analista, era uma
aspectos de estratégia, concepção organizacional, tec-
cultura arraigada em uma longa tradição de dominação do
nologia e pessoas.
setor varejista […]. Mas esse sucesso cultivou nos executi-
Entretanto, talvez a parte mais importante da res-
vos da Sears uma arrogância e um foco interno que era quase
posta a essa pergunta, e certamente uma parte de qual-
xenofóbico. Um outro analista observou que o problema
quer solução, esteja na cultura da IBM. Uma cultura principal com a Sears é que os gestores e os executivos são
caracterizada por foco interno, procedimentos extensos tão doutrinados na tradição do passado de glórias e tão ent-
para resolver questões por meio de consenso e “recuo”, rincheirados em uma burocracia esmagadora que não conse-
uma arrogância cultivada pelo sucesso anterior e uma guem mudar com facilidade.16
sensação de direito que garantia os empregos sem uma
contrapartida de alguns funcionários. Essa cultura –
disfarçada sob as antigas crenças básicas da IBM em 15
Ver, por exemplo, D. Katz, The Big Store: Inside the Crisis and
excelência, satisfação do cliente e respeito pelo indiví- Revolution at Sears (New York, NY: Viking, 1987); S. Caminiti, “Sears’
Need: More Speed”, Fortune, July 15, 1991, pp. 88-90.
duo – manifestava-se em normas que levavam a uma 16
S. Strom, “Further Prescriptions for the Convalescent Sears”, New York
preocupação com os procedimentos internos, e não à Times, October 10, 1992.
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     481

A velha cultura Sears, como a velha cultura IBM, As organizações ambidestras são necessárias para li-
era um produto do seu sucesso: orgulhosa, focada inter- dar com o paradoxo do sucesso: a capacidade de acom-
namente e resistente à mudança. panhar simultaneamente as inovações incremental e
A lição é simples: a cultura organizacional é uma cha- descontínua e de mudar os resultados de abrigar múlti-
ve tanto para o sucesso no curto prazo quanto, a menos plas estruturas, processos e culturas contraditórios den-
que seja gerida corretamente, para o fracasso no longo tro da mesma empresa. Há bons exemplos de empresas
prazo. A cultura pode proporcionar vantagem competiti- e gestores que obtiveram sucesso em equilibrar essas
va, mas, como temos visto, ela também pode criar obs- tensões. Para exemplificar mais concretamente como
táculos para a inovação e a mudança necessárias para as empresas podem fazer isso, considere três organi-
se obter sucesso. Em face das mudanças importantes na zações ambidestras bem-sucedidas: Hewlett-Pacarkd
tecnologia, regulamentação ou concorrência, os grandes (HP), Johnson & Johnson (J&J) e ABB (Asea Brown
gestores compreendem essa dinâmica e gerem de manei- Boveri). Cada uma delas tem sido capaz de concorrer
ra eficiente as exigências de curto prazo para aumentar a em segmentos de mercado maduros por meio da inova-
coerência e reforçar a cultura atual e a necessidade perió­ ção incremental e em mercados e tecnologias emergen-
dica de transformar sua organização e recriar a cultura tes por meio da inovação descontínua. Cada uma delas
de sua unidade. Essas transformações organizacionais tem tido êxito em vencer ao adotar tanto a mudança
envolvem mudanças fundamentais na estrutura e nos evolucionária quanto a revolucionária.
sistemas da empresa, bem como em sua cultura e com- Em um nível, são empresas muito diferentes. A HP
petências. Onde a mudança na estrutura e nos sistemas concorre nos mercados como o de instrumentos, com-
é simples, a mudança cultural não é. A questão de gerir putadores e redes. A J&J está nos produtos de consu-
ativamente as culturas da organização que podem lidar mo, farmacêuticos e médicos profissionais, variando de
tanto com a mudança incremental quanto com a mudança suturas a equipamento cirúrgico endoscópico. A ABB
descontínua talvez seja o aspecto mais exigente na gestão vende usinas, equipamentos elétricos de transmissão,
da inovação e mudança estratégicas. sistemas de transporte e controles ambientais. Contudo,
cada uma delas têm sido capaz de renovar-se periodi-
ORGANIZAÇÕES AMBIDESTRAS: DOMINANDO camente e produzir fluxos de inovação. A HP passou de
AS MUDANÇAS EVOLUCIONÁRIA E uma empresa de instrumentos para uma empresa de mi-
REVOLUCIONÁRIA nicomputadores, depois para uma empresa de computa-
dores pessoais e, daí, para uma empresa de redes. A J&J
O dilema enfrentado por gestores e organizações é claro. passou dos produtos de consumo para os farmacêuticos.
No curto prazo, eles precisam aumentar constantemente A ABB deixou de ser uma empresa de engenharia lenta
o ajuste ou alinhamento da estratégia, estrutura e cultura. e pesada, com base principalmente na Suécia e Suíça,
Esse é o mundo da mudança evolucionária. Mas isso não e tornou-se uma concorrente global agressiva com in-
é o bastante para o sucesso sustentado. No longo prazo, vestimentos importantes no Leste Europeu e no Extre-
os gestores podem ser obrigados a destruir o mesmo ali- mo Oriente. Apesar das diferenças, cada uma delas tem
nhamento que tornou a sua organização bem-sucedida. sido ambidestra de maneiras similares.
Para os gestores, isso significa funcionar parte do tempo
em um mundo caracterizado por períodos de estabilidade Arquiteturas organizacionais
relativa e inovação incremental, e parte do tempo em um Embora o tamanho combinado dessas três empresas
mundo caracterizado pela mudança revolucionária. Es- represente mais de 350 mil funcionários, cada uma
sas exigências gerenciais contrastantes obrigam os ges- encontrou uma maneira comum de continuar pequena
tores a destruir periodicamente o que foi criado a fim de enfatizando os grupos autônomos. Por exemplo, a J&J
reconstruir uma nova organização mais adequada para a tem mais de 165 empresas operando separadamente que
próxima onda de concorrência ou tecnologia.17 lutam incansavelmente por novos produtos e mercados.
A ABB conta com mais de 5 mil centros de lucros,
tendo 50 pessoas em média em cada um deles. Esses
17
D. Hurst, Crisis and Renewal (Boston, MA: Harvard Business School
Press, 1995); R. Burgelman, “Intra-organizational Ecology of Strategy centros funcionam como empresas pequenas. A HP tem
Making and Organizational Adaptation”, Organizational Science, 2/3 mais de 50 divisões independentes e uma política de
(1991): 239-262: K. Eisenhardt and B. Tabrizi, “Accelaration Adaptive segmentar as divisões sempre que uma unidade fica
Processes”, Administrative Science Quartely, 40/1 (1995): 84-110; J.
Morone, Winning in High Tech markets (Boston, MA: Harvard Business com mais de mil pessoas, aproximadamente. A lógica
School Press, 1993); M. Iansiti and K. Clark “Integration and Dynamic nessas organizações é manter as unidades pequenas
Capability”, Industry and Corporation Change, 3/3 (1994): 557-606;
D. Leonard-Barton, Wellspring of Knowledge (Boston, MA: Harvard e autônomas, de modo que os funcionários tenham a
Business School Press, 1995). sensação de propriedade e sejam responsáveis por seus
482     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

próprios resultados. Isso estimula uma cultura de auto- mem riscos informados, mesmo que fracassem. Existe
nomia e de assumir riscos que não poderia existir em um equilíbrio delicado entre tamanho, autonomia, tra-
uma organização grande e centralizada. Nas palavras balho de equipe e velocidade que essas organizações
de Ralph Larsen, CEO da J&J, essa abordagem “pro- ambidestras são capazes de engendrar. Uma parte im-
porciona um senso de propriedade e responsabilidade portante da solução é a descentralização maciça da to-
por uma empresa que você simplesmente não consegue mada de decisão, mas com coerência obtida por meio
obter de qualquer outra maneira”.18 da responsabilização individual, compartilhamento de
Entretanto, a dependência de unidades pequenas e informações e forte controle financeiro. Mas por que
autônomas não é obtida à custa do tamanho da empre- isso não resulta em fragmentação e perda de sinergia?
sa ou da velocidade de execução. Essas empresas tam- A resposta está no uso do controle social.
bém retêm os benefícios do tamanho, especialmente no
marketing e na manufatura. A ABB reavalia continua- Culturas múltiplas
mente a localização das fábricas instaladas em todo o Outro aspecto comum a essas empresas é a dependência
mundo. A J&J usa sua marca e seu marketing para ala- dos controles sociais fortes,19 que são simultaneamente
vancar novos produtos e tecnologias. A HP utiliza suas apertados e frouxos. São apertados no sentido de que
relações com os varejistas desenvolvidas a partir do seu a cultura corporativa de cada uma delas é amplamen-
negócio de impressoras para comercializar e distribuir te compartilhada e enfatiza normas fundamentais para
sua própria linha de computadores pessoais. Mas elas a inovação, tais como abertura, autonomia, iniciativa
fazem isso sem pesadas equipes encontradas em outras e assunção de riscos. A cultura é frouxa no sentido de
empresas. Barnevik reduziu a hierarquia da ABB a qua- que a maneira como esses valores comuns são expressa-
tro níveis e a uma sede com 150 funcionários, mantendo dos varia de acordo com o tipo de inovação necessária.
propositadamente a estrutura fluida. Na sede da J&J, Na HP, os gestores valorizam a abertura e o consenso
existem aproximadamente mil pessoas, mas nenhum necessários para desenvolver novas tecnologias. Con-
planejamento estratégico é feito pela empresa. O papel tudo, quando a implementação é primordial, os gesto-
do centro é estabelecer a visão e examinar o desem- res reconhecem que esse consenso pode ser fatal. Um
penho das 165 empresas operantes. Na HP, o ex-CEO alto executivo encarregado de lançar uma nova estação
John Young reconheceu, no início dos anos 1990, que de trabalho colocou, em local visível, uma placa com
a estrutura mais descentralizada que a empresa havia a seguinte informação: “Isto não é uma democracia”.
adotado na década de 1980 para coordenar seu negó- Na J&J, a ênfase na autonomia permite que os gestores
cio de minicomputadores resultou em uma burocracia ajam rotineiramente contra a vontade dos altos executi-
sufocante que não era mais adequada. Ele a destruiu, vos, algumas vezes com grande sucesso e outras vezes
achatando a hierarquia e reduzindo drasticamente o pa- fracassando. Contudo, no inconstante setor de supri-
pel do centro. mentos hospitalares de seus negócios, os gestores re-
Nessas empresas, o tamanho é utilizado para alavan- conheceram que a querida autonomia da J&J estava fa-
car economias de escala e escopo, não para se tornar um zendo com que essas empresas parassem de coordenar
verificador e controlador que atrasa a organização. O o serviço exigido por seus clientes hospitalares. Logo,
foco está em manter as decisões o mais próximo possí- nessa parte da J&J, foi tomada uma decisão de tirar um
vel do cliente ou da tecnologia. O papel da sede é faci- pouco da autonomia e centralizar os serviços. O CEO
litar as operações e torná-las mais rápidas e melhores. O Larsen refere-se a isso como empresas da J&J tendo
pessoal tem apenas a especialização que o campo quer padrões comuns, mas personalidades únicas.
e necessita. Os sistemas de recompensa são concebidos Uma cultura global comum é o amálgama que
para serem adequados à natureza da unidade de negócio mantém essas empresas unidas. O fator-chave nessas
e enfatizarem os resultados e a capacidade de lidar com empresas é contar com uma cultura empresarial forte
riscos. Barnevik caracteriza isso como sua fórmula 7-3: e amplamente compartilhada para promover a integra-
é melhor tomar decisões rapidamente e estar certo em ção por toda a empresa e estimular a identificação e o
7 de 10 vezes do que perder tempo tentando encontrar compartilhamento de informações e recursos – algo que
uma solução perfeita. Na J&J, isso é expressado como
tolerância para determinados tipos de fracasso; tolerân-
cia que se estende a parabenizar os gestores que assu- Ver C. O’Reilly, “Corporations, Culture, and Commitment: Motivation
19

and Social Control in Organizations”, California Management Review,


31/4 (Summer 1989): 9-25; C. O’Reilly and J. Chatman, “Culture as
Social Control: Corporations, Cults, and Commitment”, in B. Staw
18
J. Weber, “A Big Company That Works”, Business Week, May 4, 1992, and L. Cummings, eds., Research in Organization Behavior, Vol. 18
p. 125. (Greenwich, CT: JAI Press, 1996).
SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO | Artigo 3-15     483

jamais ocorreria sem valores compartilhados. A cultura Na HP, eles também lideram pela persuasão. “Como
também proporciona coerência e promove confiança e CEO, meu trabalho é estimular as pessoas a trabalhar
previsibilidade. Seja o credo da J&J, o jeito da HP ou juntas, a experimentar, tentar coisas, mas não posso dar
a bíblia política da ABB, essas normas e esses valores ordens para que façam isso”, afirma Lew Platt.20 Larsen,
fornecem o amálgama que mantém essas organizações na J&J, reforça esse tema, enfatizando a necessidade de
unidas. Todavia, ao mesmo tempo, as unidades indivi- os gestores de nível mais baixo trazerem soluções e es-
duais consideram subculturas altamente variadas e ade- timulando fracassos razoáveis. De acordo com Larsen,
quadas aos seus negócios particulares. Por exemplo, o papel é de regente de uma sinfonia, não de general.
embora o jeito HP seja visível em todas as unidades Uma das explicações para essa capacidade especial
dessa empresa no mundo inteiro, existem diferenças é a gestão relativamente longa que esses gestores têm
distintas entre a nova unidade de servidor de vídeo e nessas organizações e o reforço permanente do sistema
uma divisão de instrumentos da linha antiga, o que de controle social. Muitas vezes, esses líderes são dis-
significa que assumir risco em uma divisão madura é cretos, mas incorporam a cultura e agem como símbolos
diferente de assumir riscos em uma unidade que luta visíveis dela. Como um grupo, a equipe sênior reforça
com uma tecnologia muito nova. Na J&J, a ênfase do permanentemente os valores centrais de autonomia, tra-
credo nos clientes e funcionários pode ser vista tão fa- balho em equipe, iniciativa, prestação de contas e ino-
cilmente nas Filipinas quanto na sede da empresa em vação. Eles cuidam para que a organização não se torne
New Brunswick, Nova Jersey. Mas a cultura operacio- arrogante e continue disposta a aprender com seus con-
nal na divisão do produto Tylenol é distintamente mais correntes. Os observadores e todas essas três empresas
conservadora do que a cultura em uma nova empresa de comentaram sobre sua modéstia ou humildade em lutar
produtos médicos. constantemente para se renovar. Em vez de tornarem-
O aspecto “apertado-frouxo” da cultura é crucial -se complacentes, essas organizações são guiadas por
para as organizações ambidestras. Ele é apoiado por líderes que veneram o passado, mas que estão dispostos
uma visão comum e por líderes de apoio que incentivam a mudar continuamente para enfrentar o futuro.
a cultura e conhecem o bastante para permitir que varia- O ponto principal é que as organizações ambides-
ções adequadas ocorram nas unidades de negócio. Es- tras aprendem por meio do mesmo mecanismo que,
sas empresas promovem tanto a autonomia local quanto às vezes, aniquila as empresas bem-sucedidas: varia-
a assunção de riscos e garantem a responsabilidade e a ção, seleção e retenção. Elas promovem a variação por
prestação de contas locais por meio de fortes sistemas meio de grandes esforços para descentralizar, eliminar
de controle financeiro. Os gestores não são criticados a burocracia, estimular a autonomia e a responsabiliza-
depois pela sede. A estratégia flui de baixo para cima. ção individuais, e experimentar e assumir riscos. Isso
Desse modo, na HP, o negócio de US$ 7 bilhões das promove amplas variações em produtos, tecnologias e
impressoras surgiu não por causa de previsão e plane- mercados. É o que permite aos gestores de uma antiga
jamento estratégico na sede da empresa, mas, sim, pelo divisão de instrumentos da HP impelir a sua tecnologia
espírito empresarial de um pequeno grupo de gestores e estabelecer uma nova divisão dedicada aos servidores
que tinham liberdade para perseguir o que acreditavam de vídeo. Essas empresas também escolhem os “vence-
ser um mercado pequeno. A mesma abordagem permite dores” nos mercados e as tecnologias, para que possam
que a J&J e a ABB entrem em pequenos mercados de ficar mais perto de seus clientes, ser rápidas para rea-
nicho ou que desenvolvam tecnologias não comprova- gir aos sinais do mercado e ter mecanismos claros para
das sem o fardo de um sistema de controle burocrático “destituir” produtos e projetos. Esse processo de sele-
centralizado. Entretanto, como compensação pela au- ção permitiu que o desenvolvimento das impressoras
tonomia que lhes é concedida, há fortes expectativas de computador na HP passasse de um empreendimento
quanto ao desempenho. Os gestores que não geram re- que começou sem aprovação formal para o ponto em
sultados são substituídos. que ele hoje contribui com quase 40% dos lucros da
empresa. Finalmente, as tecnologias, os produtos, os
Gestores ambidestros
mercados e mesmo os altos executivos são retidos pelo
Gerir unidades que seguem estratégias diferentes e que mercado, não por uma equipe remota central focada in-
têm estruturas e culturas variadas é um ato de malaba- ternamente e a muitos níveis hierárquicos de distância
rismo com o qual nem todos os gestores sentem-se con- dos clientes reais. A visão da empresa proporciona o
fortáveis. Na ABB, esse papel é descrito como “pregar
e convencer”. Na HP, os gestores são discretos e mo-
destos participantes da equipe que aprenderam como 20
A Deutschman, “How HP Continues to Grow and Grow”, Fortune,
gerir essa tensão ao longo de suas gestões na empresa. May 2, 1994, p. 100.
484     PARTE 3 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

compasso pelo qual os altos executivos podem tomar todos aqueles que estão bem sob a velha ordem das coisas e
decisões sobre em quais dos muitos negócios e tecno- terão como aliado apenas defensores indiferentes que pode-
logias alternativos investir, mas o mercado é o árbi- riam estar melhor sob a nova ordem.21
tro final dos vencedores e perdedores. Assim como o Embora haja benefícios claros para a mudança pro-
sucesso ou o fracasso no mercado são darwinianos, o ativa, apenas uma pequena minoria de empresas capa-
método pelo qual as organizações ambidestras apren- zes de elaborar previsões razoáveis inicia a mudança
dem também tem essa característica. Elas descobriram descontínua antes da queda de desempenho. Parte disso
como aproveitar esse poder dentro de suas empresas e a origina-se dos riscos da mudança proativa. Uma razão
organizá-las e geri-las em conformidade. para o fracasso da RCA em concorrer no mercado de
estado sólido ou para a incapacidade de a SSIH concor-
RESUMO rer nos movimentos a quartzo veio das disputas internas
sobre os riscos de sacrificar um determinado fluxo de
Os gestores precisam estar preparados para canibalizar receita das válvulas e dos relógios de pulso com mo-
o seu próprio negócio nos momentos de transição da in- vimento mecânico pelos lucros incertos dos transisto-
dústria. Embora seja um conceito fácil, essas transições res e dos relógios de pulso com movimento a quartzo.
organizacionais são bem difíceis na prática. O sucesso Porém, os grandes gestores estão dispostos a dar esse
traz consigo a inércia e o conservadorismo dinâmico. passo. Andy Grove da Intel é sucinto: “Há pelo menos
Quatrocentos anos atrás, Nicolau Maquiavel observou: um momento na história de qualquer empresa em que
Não há tarefa mais delicada em mãos, nem mais difícil de você precisa mudar radicalmente para ascender ao pró-
realizar, nem mais duvidosa em seu sucesso do que ser um ximo nível de desempenho. Perca o momento e você
líder na introdução das mudanças. Quem inova terá por inimigos começará a cair”.22

21
N. Machiavelli, The Prince, translated by L. P. S de Alvarez (Dallas,
TX: University of Dallas Press, 1974).
22
S. Sherman, “Andy Grove: How Intel Makes Spending Pay Off”,
Fortune, February 22, 1993, p. 58.
4
ESTABELECIMENTO
DA ESTRATÉGIA
TECNOLÓGICA:
COMO CRIAR E
IMPLEMENTAR UMA
ESTRATÉGIA DE
PARTE DESENVOLVIMENTO

N
os ambientes intensivos em tecnologia, a ação
efetiva encontra-se localizada nos projetos de de-
senvolvimento. Por meio de uma combinação de
melhorias de produtos e processos, os projetos
de desenvolvimento podem proporcionar uma série de bene-
fícios para uma organização. Primeiro, eles podem levar ao
sucesso de mercado em um cenário de rápida mudança e in-
tensamente competitivo. Novos produtos e seus processos de
fabricação e sistemas de entrega associados podem saltar na
frente da concorrência, criar fortes barreiras que outras em-
presas devem superar para continuar concorrendo e estabele-
cer uma posição de liderança com o projeto dominante. Além
disso, podem ser o veículo para a entrada em novos canais de
distribuição e para a conquista de novos clientes, ao serem ca-
pazes de apoiar a depuração de linhas de produtos.
Quase tão importante quanto a promessa de sucesso no mer-
cado é o impacto que os projetos de desenvolvimento executados
de maneira efetiva podem ter sobre a utilização dos recursos: eles
aproveitam os esforços de pesquisa anteriores, e também alavan-
cam e melhoram os recursos existentes. Que força de vendas ou
fábrica não terá um desempenho melhor com um novo e atraen­te
produto no mercado do que com um produto antigo e que não
é mais diferenciado? Além disso, novos produtos e processos
486     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 1 A realidade de muitos projetos de desenvolvimento: atraso ocorrido nas tarefas do projeto

Datas de conclusão previstas e reais


1988 1989 1990
Set. Nov. Jan. Mar. Maio Jul. Set. Nov. Jan. Mar.

Pesquisa Projeto Construção do Piloto da


do conceito do produto protótipo e teste produção Crescimento

Set. 1988

Nov.
Dez.

Fev. 1989
Mar.
Data do plano

Abr.
Maio
Jun.

Ago.

Out.
Dez. Indica a data prevista para
a conclusão da fase

Data de conclusão real


Fev. 1990

Fonte: Adaptada de S. C. Wheelwright and K. B. Clark, Revolutionizing Product Development (New York: Free Press, 1992), p. 11.

fornecem os meios para uma organização vencer as desenvolvimento de produtos – consideram tão difícil
fraquezas passadas e estabelecer uma base de recursos gerir recursos e executar os projetos conforme o espe-
ainda mais forte para o futuro. rado? Além disso, por que grande parte da atenção pres-
Ainda uma terceira área associada à comercialização tada pelos gestores, que surge inevitavelmente quando
de novos produtos e processos é a da renovação e mu- os projetos importantes falham, parece não ter nenhum
dança organizacionais. As organizações são compostas impacto sobre a efetividade do projeto?
de pessoas que ficam estimuladas quando percebem A perspectiva dessa discussão é que uma organiza-
que oportunidades de crescimento são capturadas por ção pode alcançar capacitações de desenvolvimento ro-
novos produtos e processos. Além do mais, a adoção e bustas e previsíveis que alcançarão as metas de mercado
implementação de novas tecnologias que transformam almejadas, dentro da organização e para os indivíduos
recursos que estão entrando em estágio de obsolescên- envolvidos. No entanto, fazer isso requer uma série de
cia podem capacitar um negócio a recrutar, treinar e de- habilidades, ferramentas e conceitos que, em muitos ca-
senvolver pessoas melhor do que os seus concorrentes. sos, diferem significativamente das inclinações naturais
Fazer parte de uma equipe bem-sucedida que atinge as comuns nas organizações. No cerne dessa necessidade
metas de desenvolvimento é muito gratificante. de mudança, está a gestão em si. Em muitos casos, a
Infelizmente, na maioria das vezes, a realidade que gestão em todos os níveis não supre o papel da lideran-
circunda muitos projetos de desenvolvimento, embora ça necessária para o sucesso. O centro do problema é a
comecem com grandes expectativas por parte de todos gestão, mas ela também é a solução.
os envolvidos, é que eles, ao final, ficam muito aquém A magnitude da mudança necessária em termos de
dos objetivos originalmente concebidos (ver Figura 1). gestão é capturada claramente pela Figura 2. Confor-
Mesmo os projetos com prazos, planejamento de re- me ilustrado, a maior parte dos altos executivos exerce
cursos e metas de mercado agressivas costumam falhar pouco ou nenhum papel nos estágios iniciais (aquisição
quando surgem problemas inesperados e erros organi- de conhecimento, pesquisa do conceito e projeto bási-
zacionais, o que pode provocar atrasos e impedir que co) de um esforço de desenvolvimento. Depois que o
esses produtos alcancem de fato o mercado. projeto evolui até o ponto de criação de protótipos e de
Por que tantos projetos de desenvolvimento não tentar demonstrar as características do desempenho (ou
conseguem alcançar plenamente os objetivos e be- a falta dele) desses protótipos, a gestão entra em cena e
nefícios esperados? Por que as empresas – mesmo continua atenta até que os problemas de prototipagem
as que reconhecem explicitamente a importância do tenham sido resolvidos. Quando o produto é lançado,
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     487

FIGURA 2 Timing e o impacto da atenção e influência da gestão

Fases Aquisição de Pesquisa Projeto Construção do Produção- Crescimento


conhecimento do conceito básico protótipo piloto da produção
Alto

Capacidade de influenciar o resultado


Índice de
atenção e
influência

Perfil da
atividade
de gestão
Baixo

Fonte: Adaptada de R. H. Hayes, S. C. Wheelwright and K. B. Clark, Dynamic Manufacturing (New York: Free
Press, 1988), p. 279. Ver também F. Gluck and R. Foster, “Managing Technological Change: A Box of Cigars
for Brad”, Harvard Business Review, September-October 1975, p. 141.

muitas vezes os clientes descobrem uma série de ques- organizar os recursos utilizados para executar o esforço
tões e problemas remanescentes e a gestão concentra a de desenvolvimento, as quais podem ser utilizadas de
sua atenção mais uma vez no esforço. maneira efetiva para compatibilizar as necessidades e
O problema de um padrão como esse é que a gestão exigências de cada projeto com os recursos e objetivos
é apenas reativa. Conforme sugerem as curvas som- de negócios da organização. A parte final desta discus-
breadas na Figura 2, a maior quantidade de energia da são concentra-se nas maneiras específicas com que uma
gestão no projeto é empregada quando a capacidade de organização pode aprender por meio de uma série de es-
influenciar seu resultado é mínima. Seria muito mais forços de desenvolvimento e aplicar essa aprendizagem
efetivo concentrar a atenção e o esforço da gestão na para alcançar a melhoria contínua em velocidade de de-
atividade de desenvolvimento na fase inicial ou mesmo senvolvimento, produtividade e qualidade. Além disso,
na fase de pré-projeto do desenvolvimento. Porém, para é esboçado um papel ampliado para a gestão alcançar
fazê-lo, a gestão deve ter as habilidades, as ferramen- metas de desenvolvimento de longo prazo.
tas e os métodos apropriados para fornecer as bases de
um tipo diferente de envolvimento no desenvolvimen- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO E
to. Uma vez feito, a gestão pode consumir grande parte GESTÃO NO PRÉ-PROJETO
das suas energias para avaliar as lições aprendidas nos Embora grande parte da ação se concentre nos proje-
projetos individuais, usá-las no aprimoramento da ca- tos de desenvolvimento, os altos executivos podem ter
pacitação de desenvolvimento de uma forma contínua e uma maior participação nos estágios pré-projeto. No
lançar as bases para os projetos subsequentes. entanto, existem duas visões bem diferentes quanto à
O resto desta discussão é organizado em torno de natureza do papel da alta gestão nessas atividades de
três áreas da atividade de gestão: pré-projeto ou planeja- pré-projeto. Ambas parecem basear-se em um mesmo
mento inicial, execução de projeto e aprendizagem pós- conceito global de como a atividade de desenvolvimen-
-projeto. Esse conjunto de atividades de gestão é o que to pode ser planejada e gerida, mas as atividades espe-
constitui a estratégia de desenvolvimento de um negó- cíficas da alta gestão sob cada abordagem são radical-
cio. Serão descritos os conceitos, estruturas e ferramen- mente diferentes, assim como os resultados. Vamos nos
tas considerados particularmente efetivos em cada uma referir à abordagem encontrada com mais frequência
dessas áreas, e leituras e estudos de caso subsequentes como abordagem tradicional dos altos executivos e à
elaborarão esses tópicos e ilustrarão o seu uso na prá- abordagem alternativa como abordagem de liderança
tica. Inicialmente, fornecemos uma visão global da es- da estratégia de desenvolvimento.
tratégia de desenvolvimento e um exame detalhado dos A visão conceitual global da atividade de desen-
estágios de pré-projeto, incluindo uma estrutura descri- volvimento para ambas as abordagens é a do funil do
tiva para categorizar cada projeto de desenvolvimento desenvolvimento, exibido na Figura 3. Como sugere a
individualmente em tipos diferentes. Em seguida, são figura, as organizações encontram uma gama de ideias e
delineadas quatro estruturas de equipe alternativas para conceitos de produto que podem ser investigados como
488     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

FIGURA 3 Funil do desenvolvimento fundamentalmente na ideia do funil do desenvolvi-


mento, ela cria um papel bem mais proativo para a alta
gestão e incorpora uma série de ferramentas e técnicas
que facilitam a efetividade da alta gestão. Primeiro, ela
Desenvolvimento Expedição procura colocar a alta gestão em posição de motivar,
dos produtos
Pesquisas orientar e liderar a organização para criar o melhor con-
junto de projetos. Isso inclui articular um conjunto de
critérios para o que constituiria o “conjunto correto” de
projetos de desenvolvimento e conectar os processos
pelos quais esses critérios são aplicados com estraté-
gias de produto, mercado e tecnologia. Desse modo, a
Fonte: Adaptada de R. H. Hayes, S. C. Wheelwright and K. B. Clark,
Dynamic Manufacturing (New York: Free Press, 1988), p. 295. alta gestão ajuda a garantir que os projetos selecionados
façam o melhor uso dos recursos existentes, ajustem-
novos produtos e processos em potencial. Com base -se às estratégias empresariais em vigor e sejam pro-
nessa gama de possibilidades, a organização deve esco- pensos a alcançar os objetivos de desenvolvimento da
lher um punhado de projetos nos quais os recursos serão empresa. Os projetos de desenvolvimento são os meios
aplicados, com o objetivo de criar produtos e processos pelos quais uma empresa aprimora suas capacitações,
direcionados, oportunos e de acordo com o orçamento e o conjunto agregado de projetos aprovados é a base
que possam ser lançados no mercado de uma maneira para criar as capacitações de desenvolvimento de que a
efetiva e eficiente. empresa necessita e que deseja no futuro.
O papel tradicional da alta gestão no funil do desen- Uma segunda maneira com que essa abordagem
volvimento é escolher, considerar (peneirar) e avaliar cria influência substancial é colocar a alta gestão na
um punhado de ideias de projeto dentre todas as dispo- posição de estabelecer diretrizes, limites gerais e au-
níveis e depois tomar decisões do tipo “prossegue/não torização para os projetos individuais de modo que as
prossegue” com relação aos projetos. Desse modo, a pessoas designadas para executá-los possam concentrar
alta gestão reage às possibilidades levantadas por toda suas energias nas formas mais prováveis de satisfazer
a organização (e talvez acrescente ideias próprias) e as expectativas da alta gestão. Desse modo, essa abor-
compromete recursos para que os projetos selecionados dagem evita que a alta gestão envolva-se em demasia
sejam desenvolvidos e cheguem ao mercado. Infeliz- nos refinamentos da definição das especificações e, em
mente, essa visão tradicional tem várias desvantagens e vez disso, enfatize os limites gerais que diferenciam os
muitos pontos fracos. projetos e estabeleça objetivos claros que cada projeto
Primeiro, ela assume que o conjunto de conceitos deve atingir.
propostos pela organização cobre adequadamente as Terceiro, após criar um conjunto de projetos adequa-
oportunidades e necessidades da empresa em relação do e definir os limites e orientações de cada um, a alta
a novos produtos e processos. Segundo, assume que a gestão fica em uma posição muito melhor para alocar
alta gestão terá as informações necessárias para decidir recursos e acertar o timing da tomada de decisões que
adequadamente quais ideias de produto devem ser de- reconheçam a capacidade de desenvolvimento disponí-
senvolvidas no contexto da estratégia empresarial e da vel e a necessidade de evitar o comprometimento ex-
estratégia de portfólio de produtos em vigor. Terceiro, cessivo de recursos escassos. É mais fácil acompanhar
presume que o trabalho de desenvolvimento avançado um punhado de projetos direcionados do que saltar de
e de tecnologia terá ocorrido antes de cada projeto de um para o outro à medida que a organização reconhe-
desenvolvimento receber financiamento e aprovação ce gradualmente que seus recursos de desenvolvimento
iniciais. Finalmente, ela assume que a alta gestão con- estão duas ou três vezes mais comprometidos do que
siderará adequadamente os requisitos de capacidade e seria necessário. Tendo negociado com cada equipe de
recursos para cada possível projeto e para o mix de pro- desenvolvimento a autorização e os limites de cada pro-
jetos já aprovados. Infelizmente, poucos desses pressu- jeto, a alta gestão pode concentrar-se em fornecer as
postos se sustentam na prática e a abordagem tradicional ferramentas e o suporte, de modo que todos os projetos
acaba, mais uma vez, sendo reativa, fragmentada e táti- aprovados avancem no cronograma, em vez de realo-
ca, em vez de proativa, abrangente e estratégica. car constantemente os recursos em resposta a crises e
Uma maneira muito mais efetiva de alcançar o ple- atrasos atuais.
no potencial de envolvimento da alta gestão na ativi- Os resultados dessa abordagem de liderança da es-
dade de desenvolvimento é a abordagem de liderança tratégia de desenvolvimento foram descritos por Clark
da estratégia de desenvolvimento. Embora tenha base e Fujimoto em seu estudo sobre a indústria automotiva
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     489

mundial.1 Esses autores consideraram grandes pro- FIGURA 4 Criação de mix de projetos de
desenvolvimento de produtos/processos
gramas de desenvolvimento de novos automóveis em
empresas europeias, americanas e japonesas, e mediram
os resultados em termos do tempo de ciclo do projeto, Pesquisa e
desenvolvimento
necessidades de recursos e qualidade do produto. Cons- avançado
tataram que as empresas automotivas que utilizam a Mudanças no processo
abordagem tradicional consomem de 20% a 25% a mais Novo Próxima Atualizações Ajuste
de tempo, quase o dobro das horas de engenharia, e ten- processo geração na família de e
principal do processo produtos incremento
dem a ter uma qualidade de produto muito inferior à
das empresas nas quais a alta gestão segue a abordagem Novo
Radical
de liderança da estratégia de desenvolvimento. Clark e produto
exclusivo
principal
Fujimoto também observaram que os benefícios desta
última abordagem estavam se tornando suficientemente

Mudanças no produto
Próxima geração
claros para que as principais empresas automotivas que do produto
Plataforma ou próxima geração

seguiam a abordagem tradicional concentrassem boa principal


parte de energia e recursos em desenvolver a capaci-
Acréscimo à
dade de seguir a abordagem de liderança da estratégia família de Melhorias,
de desenvolvimento. produtos híbridos e
Para compreender o que a alta gestão é obrigada a secundários

fazer para executar essa nova abordagem de maneira Suplementos e


melhorias
efetiva, é útil examinar suas três atividades distintivas. De sustentação
As seguintes subseções discutem como a alta gestão po‑­
Fonte: Adaptada de S. C. Wheelwright and K. B. Clark, Revolutionizing
de criar o conjunto correto de projetos, orientar e limitar Product Development (New York: Free Press, 1992), p. 93.
cada um dentro do conjunto agregado e depois equili-
brar o fornecimento e a demanda de recursos para atin- defina cada projeto de acordo com o grau de mudan-
gir da melhor forma os objetivos de desenvolvimento ça no produto e processo de produção que implicam.
da empresa. Quanto maior for o grau de mudança ao longo de sua
dimensão, provavelmente serão necessários mais recur-
Criação do conjunto agregado de projetos sos para concluir esse projeto.
Para uma organização obter o máximo retorno sobre A estrutura bidimensional da Figura 4 (denomina-
os seus recursos de desenvolvimento, é essencial que da matriz de projetos agregados) classifica os projetos
o mix correto de projetos – os que utilizam os recursos individuais em cinco tipos. Os três tipos centrais – de-
disponíveis para apoiar segmentos de mercado existen- rivado/melhoria/híbrido, plataforma/próxima geração e
tes e abrir novos segmentos de mercado, enquanto utili- exclusivo/radical – são conhecidos como projetos de
zam adequadamente as novas tecnologias – seja criado desenvolvimento comercial, que levam a novos produ-
e proposto para a organização. Em termos do funil da tos e processos, oferecendo os benefícios normalmen-
Figura 3, esse processo pode ser comparado a abrir a te procurados por meio da aplicação dos recursos de
boca do funil para que uma gama completa de alternati- desenvolvimento. A quarta categoria – de sustentação
vas seja investigada antes que sejam feitas escolhas es- – utiliza, muitas vezes, recursos de desenvolvimento
pecíficas. Essa tarefa, no entanto, vai além de simples- similares aos dos projetos de desenvolvimento comer-
mente estimular a geração de mais ideias; ela envolve cial, mas não cria novos produtos ou processos. Em vez
combinar e agrupar ideais que permitirão à organização disso, os projetos de sustentação mantêm ou apoiam
cobrir com mais eficiência as áreas necessárias de de- produtos e processos existentes ou ajustam-nos para
senvolvimento dos novos produtos e processos. Desse um único cliente. Quando são introduzidos novos es-
modo, trata-se essencialmente de criar e definir as alter- forços de desenvolvimento comercial no mercado antes
nativas que a empresa pode seguir e não simplesmente
de estarem totalmente prontos, o esforço de sustentação
de pesquisar e peneirar as que surgem de forma natural.
necessário para solicitações de mudanças de engenharia
Uma forma de caracterizar e organizar essa tarefa é
e outras modificações para que os produtos atendam as
utilizar um diagrama bidimensional (ver Figura 4) que
expectativas do cliente pode ser substancial. Uma razão
para identificar explicitamente esses projetos de susten-
1
K. B. Clark and T. Fujimoto, Product Development Performance (Bos-
tação é reconhecer suas necessidades de recursos e o fato
ton: Harvard Business School Press, 1991). de que muitas vezes eles podem desviar a atenção dos
490     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

esforços de desenvolvimento mais tradicionais, mais primeiros esforços do gênero ou que representem um
visíveis e de maior alavancagem. movimento de diversificação. Um dos papéis da alta
A quinta categoria – pesquisa e desenvolvimento gestão é reconhecer explicitamente as necessidades dos
avançado – geralmente é a precursora técnica de um seus negócios em relação a um mix adequado desses
esforço de desenvolvimento comercial. Esses projetos projetos e depois determinar a maneira mais efetiva de
provam a viabilidade de um determinado conceito de concluí-los – seja internamente, por meio de aquisições,
produto ou processo e validam o conhecimento técnico com um parceiro ou via subcontratação.
e a capacidade de criação exigidos para transformar o Em cada uma dessas cinco áreas, a proporção de es-
conceito em um sucesso comercial. Como a invenção forço necessário depende em parte da estratégia da em-
e a exploração técnica produzem, muitas vezes, resul- presa, mas também das oportunidades técnicas disponí-
tados imprevisíveis, a pesquisa e o desenvolvimento veis e da maturidade das linhas de produto da empresa.
avançado precedem normalmente um projeto de desen- Por exemplo, uma grande empresa que domine muitos
volvimento comercial para assegurar que as atividades de seus mercados, que tenda a ter uma ampla linha de
de desenvolvimento terão uma alta probabilidade de produtos e que possa contemplar apenas mudanças in-
sucesso técnico e comercial. crementais em sua tecnologia básica (como a Kodak
Algumas empresas que utilizaram essa matriz de em seu negócio de filmes) é propensa a apoiar poucos
projetos agregados optaram por plotar o “risco tecno- projetos de pesquisa e desenvolvimento avançado e um
lógico” no eixo vertical – variando de pouca incerteza esforço ocasional de plataforma/próxima geração (tal
tecnológica na parte de baixo à incerteza substancial na como desenvolver uma linha inteiramente nova de fil-
parte de cima. Elas avaliam o risco técnico implicado mes), mas concentrará a maioria dos seus recursos de
em ambos os projetos de produto e processo nessa di- desenvolvimento em projetos de melhoria/secundários/
mensão única. Isso permite que elas meçam o impacto híbridos ou sustentará e apoiará suas linhas de produto
de mercado esperado para o projeto no eixo horizon- existentes. Na indústria de biotecnologia, uma empresa
tal. Os projetos posicionados no lado direito da matriz poderia gastar a maior parte dos seus recursos de desen-
são produtos de substituição que visam os consumido- volvimento em pesquisa e desenvolvimento avançado,
res existentes nos mercados existentes. Os projetos do projetos exclusivos/radicais e uma ocasional platafor-
meio visam reforçar a participação de mercado da em- ma inteiramente nova. Tal empresa se veria como parte
presa nos mercados existentes que ela atualmente não de uma jovem indústria emergente na qual a vantagem
atende bem. Os projetos posicionados na extremidade está em estabelecer posições fortes em áreas inteira-
esquerda dessa sequência contínua são encarregados de mente novas com produtos radicalmente novos.
criar novos mercados. Independentemente de os execu- Como regra geral, uma empresa que deseje acelerar
tivos utilizarem os eixos de tecnologia-mercado ou de sua taxa de crescimento deve concentrar uma porção
produtos-processos, a caracterização dos tipos de proje- maior dos seus recursos de desenvolvimento em proje-
to observados na Figura 4 ainda se aplica. tos de plataforma e revolucionários. Uma empresa cujo
Em qualquer negócio em curso, é essencial um mix objetivo estratégico fosse arrancar o lucro máximo de
de todos os cinco tipos de projeto para o sucesso no seus investimentos em P&D provavelmente concentra-
longo prazo. Enquanto a maioria tende a ser criada, de- ria a maior parte dos seus recursos em projetos secun-
finida e desenvolvida dentro da organização, é possí- dários e de sustentação.
vel que alguma parcela seja subcontratada ou realizada Não existe um único mix de projetos mais adequado
em parceria com outras organizações. Por exemplo, é para cada empresa ou mesmo para todas as empresas
comum que um negócio desenvolva relações com uma em um único setor. O importante é que a alta gestão
associação industrial ou uma universidade, com a inten- compreenda onde existem as oportunidades, onde o re-
ção de que esse grupo seja a fonte de grande parte do torno será maior e qual mix ou proporção dos diferentes
esforço de pesquisa e desenvolvimento avançado ne- tipos de projeto capacitará melhor a empresa a realizar
cessário para o negócio. De modo similar, as empresas sua estratégia de negócios.
frequentemente adquirirão outras empresas para obter a
propriedade de um novo produto ou processo exclusi- Como orientar e limitar os projetos individuais
vo/radical ou subcontratará uma organização de servi- Após decidir sobre o mix e a proporção dos tipos de pro­-
ços ou grupo de apoio, como parte do esforço de sus- jeto, a alta gestão deverá criar expectativas quanto ao
tentação necessário para a linha de produtos existente. que se espera que cada projeto realize e, consequen-
É menos comum que as empresas venham subcontratar temente, quais recursos serão disponibilizados para a
ou fazer parcerias nos esforços de desenvolvimento de equipe executá-los. Aqui, mais uma vez, utilizar os cin-
plataforma/próxima geração, a menos que se trate dos co tipos de projeto é uma maneira de a gestão estabelecer
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     491

e limitar as expectativas de cada um e moderar e equili- nova geração) a cada dois ou três anos. A extensão de
brar seus objetivos e recursos. Por exemplo, os projetos uma plataforma – a gama de produtos derivados que
secundários podem variar de uma versão mais barata podem ser criados com um investimento incremental
dos produtos existentes a suplementos ou melhorias de pequeno usando o projeto da plataforma principal – é,
um processo de produção existente. O trabalho de de- na verdade, uma métrica-chave da qualidade do projeto
senvolvimento em um projeto secundário normalmente de uma plataforma.
levará menos tempo e consumirá menos recursos, além A forma como os projetos são orientados e delimi-
de ser limitado em termos de desempenho alcançado tados individualmente é importante para proporcionar
pelo produto, plataforma ou processo existente do qual foco e finalidade à equipe de desenvolvimento encar-
deriva. Tipicamente, eles visam a mercados e clientes regada de concluir cada projeto. A linha de produtos
que existem e são bem compreendidos. Desse modo, resultante, sua arquitetura básica, suas famílias de pro-
normalmente esses projetos exigem menos criatividade duto e sua gama de variações serão a consequência do
e são mais previsíveis em termos de resultados. conjunto de projetos revolucionários, de projetos de pla-
Os projetos revolucionários, por sua vez, envolvem taforma e de projetos secundários em desenvolvimento.
mudanças significativas nos produtos e processos exis- As organizações descobriram uma tremenda vantagem
tentes, e exigem muito mais criatividade, liberdade, em diferenciar os tipos de projeto de desenvolvimento
tempo e recursos. Como ocorreu com os esforços ini- de tal modo que possam aproveitar os poucos recursos
ciais para desenvolver o compact disc e a fibra óptica, de desenvolvimento, abordar os mercados de maneira
eles criam categorias inteiramente novas de produtos e adequada e proporcionar produtos diferenciados que
processos que podem definir um novo mercado. Seus ofereçam vantagem competitiva. Orientar e delimitar os
resultados e suas necessidades são menos certos do projetos individualmente é uma etapa crítica que contri-
que os dos projetos secundários e exigem normalmente bui para uma organização alcançar esses objetivos com
esforços mais agressivos das equipes de trabalho. Eles êxito. Um exemplo de como isso poderia ocorrer ao
tendem a ser de alto risco e alto retorno para a organi- longo do tempo é exibido na Figura 5 para uma empre-
zação e para os que neles trabalham. sa fictícia de aspiradores de pó. A figura exibe três ge-
Como os projetos revolucionários costumam incor- rações de produtos, cada uma envolvendo uma ou mais
porar novas tecnologias e materiais revolucionários, plataformas novas e uma série de projetos secundários
eles podem exigir mudanças radicais nos processos de cuidadosamente selecionados e posicionados, voltados
produção, o que requer que seja concedida à equipe de para diferentes segmentos e canais de distribuição. A
desenvolvimento uma latitude considerável para proje- alta gestão pode exercer um papel fundamental criando
tar tanto o produto quanto o processo. Muitas vezes, e orientando as gerações e arquiteturas de produtos e
isso inclui fornecer acesso a vários projetos de desen- processos.
volvimento avançados e a seus resultados, de modo que
se possa apelar para muitas tecnologias novas a fim de Como desenvolver e aplicar recursos a projetos
alcançar resultados expressivos esperados. de desenvolvimento selecionados
Os projetos de plataforma, que se encaixam no Talvez seja mais fácil compreender o papel da alta ges­
meio do espectro de desenvolvimento comercial, são tão de alocar recursos identificando as dificuldades
consideravelmente mais difíceis de definir e delimitar mais comuns que as empresas encontram: realizar mais
porque precisam ser compatíveis com os produtos e projetos do que possivelmente poderia concluir com
processos existentes e ainda assim ser suficientemente os recursos disponíveis e alocar recursos críticos para
novos e arrojados para servir como base para os proje- trabalhar em vários projetos simultaneamente. Ambos
tos secundários, as melhorias e outras variações subse- os problemas refletem uma falta de disciplina e uma
quentes de um produto/processo básico. Por exemplo, relutância dos gestores em fazer escolhas difíceis. Ge-
a linha Accord 1990 da Honda é uma plataforma nova ralmente, o impacto desses problemas é muito mais pre-
que substituiu sua plataforma de 1986. A Honda intro- judicial do que a maioria das organizações reconhece.
duziu uma série de mudanças importantes no produto Um exemplo simples pode ajudar a ilustrar as conse-
e no processo, mas nenhuma tecnologia fundamental- quências.
mente nova. De modo similar, no início dos anos 1990, Suponha que uma empresa tenha um total de 80
a câmera descartável da Kodak – disponível em várias pessoas no desenvolvimento e projeto em horário in-
versões diferentes – foi construída em cima de uma tegral disponíveis para trabalhar em projetos de desen-
única plataforma, enquanto as mais de 200 versões do volvimento comercial (secundários, de plataforma e
Walkman da Sony derivaram de três plataformas, cada revolucionários), o que significa que um total de 960
uma delas revista e redesenhada (ou seja, foi criada uma pessoas-mês pode ser alocado a cada ano para esses
492     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

FIGURA 5 Criação de famílias de produtos via projetos de desenvolvimento

Deluxe Imperial Maybel's Challenger


housekeeper 6005
II
Maybel's
housekeeper Challenger
Royal 6004
Plus
housekeeper Challenger
Royal II 6003
housekeeper
Workman
Sentry Housekeeper Challenger
Housekeeper Canadian 6002
Stratovac Stratovac Canadian II
Work-
man II Challenger
6001
Stratovac II Stratovac II
Challenger
6000
Handi- series
Stratovac II
vac 405
Pioneer
4003
Handivac Handivac
Pioneer
Handivac 403 4002

Pioneer Helpmate
4001 SE

Helpmate

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985

Fonte: S. C. Wheelwright and W. E. Sasser Jr., “The New Product Development Map”, Harvard Business Review, May-June 1989, pp. 112-25.

três tipos de projeto de desenvolvimento. A experiên- um santo para cobrir outro” na esperança de concluir
cia em setores tão diversos quanto computadores, ins- os projetos dentro do prazo. Naturalmente, todo mundo
trumentos científicos, dispositivos médicos e produtos sabe que os comprometimentos com o projeto ultrapas-
farmacêuticos sugere que os recursos estão normalmen- sam em muito os recursos disponíveis, o que resultará
te supercomprometidos ao ponto exibido na Figura 6. num processo sobre quais projetos terão prioridade e
Conforme sugerido, a empresa com 80 funcionários en- quais não prosseguirão.
volvidos em horário integral na atividade de desenvol- Além disso, como não há recursos suficientes para
vimento pode constatar que mais de um terço do tempo todos os projetos, a tendência é comprometer os recur-
realmente disponível é gasto em tarefas de engenharia sos particularmente críticos em no máximo seis ou oito
não relacionadas ao desenvolvimento (tais como enge- projetos simultâneos. Infelizmente, estudos recentes su-
nharia de apoio ou outras necessidades especiais que a
gerem que o supercomprometimento de recursos na ver-
organização pode colocar sobre esses recursos). Ainda
dade diminui sua capacidade efetiva. Ou seja, os indiví-
mais importante, porém, se tivéssemos que pegar todos
duos excessivamente comprometidos acabam gastando
os projetos atualmente ativos e estimar a quantidade de
tempo adicional comparecendo a reuniões, retomando o
recursos (em pessoas-mês de desenvolvimento) neces-
sários para serem concluídos e considerar suas datas andamento de atividades, corrigindo erros triviais, etc.,
de conclusão desejadas, descobriríamos que a empre- o que reduz sua capacidade de desenvolvimento efetivo
sa comprometeu excessivamente a sua capacidade de quando é mais necessária. Isso agrava mais o problema
desenvolvimento disponível, ou seja, a grande maioria do supercomprometimento, inevitavelmente causando a
das empresas tem mais projetos em andamento do que frustração, desapontamento e exaustão.
recursos disponíveis para alocar e concluí-los nas da- Na verdade, o conceito de que um engenheiro, cien-
tas de lançamento desejadas. Isso coloca a atividade de tista ou profissional de marketing é designado para tra-
desenvolvimento em um círculo vicioso: as prioridades balhar simultaneamente em vários projetos é bastante
mudam continuamente e as pessoas passam de um pro- equivocado. Na realidade, em um determinado instan-
jeto para o outro à medida que a empresa “descobre te, cada pessoa pode trabalhar em apenas um projeto.
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     493

FIGURA 6 Situação típica da capacidade de desenvolvimento um projeto mais importante e um menos importante.
Porém, quando uma organização historicamente faz o
3.000
2.956 contrário, isso exige comprometimento e liderança da
2.783
alta gestão para tornar esse novo conjunto de princí-
2.500 pios uma realidade e impor a disciplina necessária para
Meses de engenharia

2.178
evitar o supercomprometimento tão comum. À medida
2.000
que o caos diminui e aumenta o foco nos recursos de
1.500
desenvolvimento, é muito mais fácil para a alta gestão
identificar os recursos e as capacitações adicionais ne-
Capacidade
1.000 anual cessários e justificados, e fazer as mudanças adequadas.
disponível Isso coloca a alta gestão em um papel proativo e a aju-
(960)
500 da a construir as capacitações de desenvolvimento da
organização, em vez de deixá-la em um papel reativo
0
1989 1990 1991 que, inevitavelmente, dissipa grande parte da eficiência
Tempo de engenharia não relacionado potencial das atividades de desenvolvimento.
ao desenvolvimento
Tempo de engenharia relacionado
Em suma, a alta gestão pode trazer contribuições,
ao desenvolvimento positivas ou negativas, durante a fase de pré-projeto.
Fonte: S. C. Wheelwright and K. B. Clark, “Creating Project Plans to Focus Ao passar para o modo proativo e aderir a um conjunto
Product Development”, Harvard Business Review, March-April 1992. de princípios e diretrizes, a alta gestão pode ajudar
a organização inteira a aproveitar suas capacitações
Os outros projetos ficam aguardando a liberação do re- existentes e melhorar as futuras. Grande parte disso
curso humano. Se as pessoas em uma organização de pode ser feito em torno da estrutura do plano de pro-
desenvolvimento são, em média, alocadas em quatro jeto agregado da Figura 4 e da aplicação contínua do
projetos, apenas um projeto em média está sendo tra- seguinte procedimento:
balhado de modo efetivo. Isso tem o mesmo impacto
1. Definir os tipos básicos de projeto de desenvolvimento
sobre a velocidade e a qualidade do desenvolvimento
comercial, projeto de desenvolvimento avançado e pro-
que o WIP (work in process) produz em uma organiza-
jeto de atividade de apoio.
ção de produção.
2. Determinar os ETIs (equivalente de tempo integral) e
Quando observamos uma empresa aparentemente
os requisitos de tempo de ciclo dos diferentes tipos de
mais veloz superar um concorrente maior e mais forte projetos.
no mercado, muitas vezes isso é o simples resultado de 3. Identificar os recursos disponíveis e compará-los com
os engenheiros da empresa pequena estarem focados em a capacidade necessária para concluir os projetos exis-
apenas um projeto – eles não têm WIP para atrasá-los. tentes no prazo.
Quando as empresas maiores permitem que a amplitude 4. Calcular a utilização da capacidade da etapa 3 e fazer
da sua linha de produtos se reflita em muitos projetos ajustes para equilibrar a oferta e a demanda.
alocados para cada engenheiro, isso atrasa a empresa. A 5. Determinar o mix de tipos de projeto necessários no fu-
causa principal da diferença não é o tamanho da empre- turo para alcançar os objetivos estratégicos da empresa.
sa em si, mas a quantidade de projetos em espera. 6. Estimar a quantidade de projetos de cada tipo que po-
A alta gestão deve ter disciplina para decidir quais dem ser desenvolvidos para proporcionar o mix dese-
projetos são mais importantes, autorizá-los e delimitá- jado, sem comprometer em demasia os recursos de de-
-los adequadamente e comprometer-se com eles ape- senvolvimento existentes.
nas até o ponto limite de capacidade com o qual se 7. Criar e definir o conjunto de projetos específicos que
possa permitir a conclusão de todos aqueles que tive- estarão em curso em vários momentos no futuro.
ram recursos alocados. Na maioria das organizações, 8. Trabalhar para aumentar a produtividade dos recursos
isso significa cortar pela metade ou em dois terços a de desenvolvimento, aumentando, assim, a capacidade
quantidade atual de projetos – um remédio difícil de e a capacitação no futuro.
engolir. Sempre parece mais fácil fingir que todos os Os estudos de caso sobre a Kirkham Instruments e a
projetos em curso poderiam ser concluídos se todos Medtronic* descrevem as tentativas de duas empresas de
trabalhassem mais intensamente e por mais tempo. A usar a ferramenta de planejamento agregado de projeto
experiência sugere que isso é uma ficção e que a me- para gerir de maneira mais eficiente o desenvolvimento
lhor maneira de concluir mais projetos dentro do prazo,
dentro do orçamento e no caminho certo é fazer menos N. de E.: Os casos mencionados estão disponíveis, em inglês, no site
*

projetos e alocar os recursos escassos para, no máximo, www.grupoa.com.br.


494     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

de novos produtos. A Kirkham tropeçou feio, enquanto um gestor especializado na subfunção e um gestor fun-
a Medtronic aumentou radicalmente sua fortuna ao uti- cional sênior. As diferentes funções e subfunções coor-
lizar esse método. denam as ideias por meio de especificações detalhadas
com as quais todas as partes concordam de início e por
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DE PROJETO meio de reuniões ocasionais nas quais são discutidas as
questões que permeiam os grupos. Ao longo do tempo,
O desenvolvimento efetivo de produtos e processos a responsabilidade principal por um esforço de desen-
exige a integração de capacitações especializadas. Tal volvimento passa sequencialmente – embora muitas
integração é difícil na maioria das circunstâncias, mas vezes de maneira não tão fluida – de uma função para a
é particularmente desafiadora à medida que as orga- seguinte, transferência muitas vezes denominada “jogar
nizações crescem e amadurecem e à medida que os por cima do muro”.
grupos funcionais tornam-se mais especializados. Até A estrutura da equipe de desenvolvimento funcional
mesmo a maneira como essas funções são organizadas tem várias vantagens e desvantagens. Uma vantagem
cria complicações para a atividade de desenvolvimen- é que os gestores que controlam os recursos do proje-
to: o marketing é organizado por famílias de produto e to também controlam o desempenho de cada tarefa em
segmentos de mercado; a engenharia é organizada em sua área funcional. Desse modo, a responsabilidade e
torno de disciplinas funcionais e foco técnico; a produ- a autoridade normalmente estão alinhadas. No entanto,
ção muitas vezes é um mix de funções, tecnologias de as tarefas devem ser subdivididas no início do projeto
processo e estruturas de produto/mercado. O resultado é – todo o processo de desenvolvimento deve ser desem-
que, nas empresas com tamanho substancial, organizar pacotado em subatividades separáveis e um tanto inde-
e liderar um esforço de desenvolvimento efetivo que pendentes. Entretanto, na maioria dos esforços de de-
integre as tarefas necessárias para todas as funções é senvolvimento, nem todas as tarefas são conhecidas de
um grande desafio. início e nem todas podem ser subdivididas facilmente
A palavra equipes tem sido muito usada nos últimos ou de maneira realista. Quando a arquitetura de um pro-
anos como um meio de capturar a oportunidade dispo- duto é modular, a estrutura de equipe funcional costuma
nível a partir da gestão mais efetiva de projetos. Infe- funcionar bem. Quando existem interdependências im-
lizmente, grande parte da literatura sobre equipes de previsíveis no trabalho a ser feito por duas organizações
desenvolvimento de produtos pouco faz para distinguir funcionais, as equipes funcionais dificultam o sucesso.
entre os tipos diferentes de equipes, as características Muitas vezes, a coordenação e a integração sofrem.
que fazem uma equipe ser mais adequada do que outra Outra vantagem dessa abordagem é a seguinte:
em um determinado cenário e as maneiras como os ti- como a maioria dos planos de carreira é funcional,
pos diferentes de equipes podem ser geridos com mais pode-se alcançar pelo menos um nível gerencial. O
eficiência. Uma perspectiva particularmente útil sobre a trabalho realizado em um projeto é julgado, avaliado
gama de equipes de desenvolvimento que uma organi- e recompensado pelos mesmos gestores funcionais e
zação poderia aplicar a um determinado projeto de de- subfuncionais, os mesmos que tomam decisões sobre
senvolvimento é a fornecida por Clark e Fujimoto,2 cuja os planos de carreira. A desvantagem associada é que as
classificação dispõe as equipes ao longo de um espec- contribuições individuais para um projeto de desenvol-
tro: das que são, em grande parte, orientadas à função vimento tendem a ser julgadas independentemente do
até as autônomas e integradas, com apenas conexões sucesso global do projeto. O princípio citado frequente-
fracas com as funções individuais. Esse espectro é resu- mente é que os indivíduos não podem ser avaliados com
mido na Figura 7. Embora tal esquema de classificação justiça pelos resultados sobre os quais não têm controle.
não seja exclusivo, é uma maneira útil de organizar as Porém, como uma questão prática, muitas vezes isso
diferentes estruturas associadas aos diferentes papéis de quer dizer que as pessoas diretamente envolvidas nos
liderança, cada um dos quais com seus próprios pontos detalhes do projeto não são responsáveis pelos resulta-
fortes e fracos. dos globais alcançados no final.
Enfim, a organização funcional do projeto traz co-
Estrutura da equipe funcional nhecimentos especializados para que possam ser utiliza-
Na organização funcional tradicional de muitas empre- dos nas questões técnicas. A mesma pessoa ou pequeno
sas grandes e maduras, as pessoas são agrupadas por grupo de pessoas pode ser responsável pela concepção
disciplina, cada uma trabalhando sob a coordenação de de um determinado componente ou subsistema ao lon-
go de uma série de esforços de desenvolvimento. Des-
se modo, as funções e subfunções capturam e aplicam
2
Ib. os benefícios da experiência anterior e tornam-se os
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     495

FIGURA 7 Tipos de equipes de desenvolvimento

1. Estrutura funcional 2. Gestor de projeto peso-leve

GF GF GF GF GF

Gestor funcional (GF)


ENG MFG MKG ENG MFG MKG

Ligação (L)

Áreas de forte influência


do Gestor do projeto (GP)
Nível do trabalho
Gestor do projeto (GP)
L L
Assistentes do
Gestor do projeto

3. Gestor de projeto peso-pesado 4. Equipe de projeto autônoma


Mercado
GF GF GF GF GF GF

ENG MFG MKG ENG MFG MKG


PM

Conceito
Mercado

P P P

Membro da equipe
principal (P) Conceito

Fonte: K. B. Clark and S. C. Wheelwright, “Organizing and Leading PM


‘Heavyweight’ Development Teams”, California Management Review, P P P
n. 34, (1992), pp. 9-28.

guardiões do conhecimento da organização ao longo gestor de marketing de produto, que coordena as ativi-
do tempo a partir de todos os projetos desenvolvidos. dades das diferentes funções. Essa abordagem ocorre
A desvantagem é que todo projeto de desenvolvimento normalmente como um suplemento para uma organiza-
tem objetivos e requisitos de desempenho diferentes, ção funcional tradicional, com uma ligação funcional
sendo improvável que os especialistas que estejam de- tendo esse papel acrescentado às suas responsabilida-
senvolvendo um único componente venham a fazê-lo des. A atribuição de coordenação geral do gestor de pro-
de maneira muito diferente em um projeto comparado a jeto peso-leve, porém, tende a não ocorrer na estrutura
outro. O melhor componente ou subsistema é definido funcional tradicional.
por parâmetros técnicos nas suas áreas de conhecimen- É importante reconhecer que os gestores de proje-
to, e não pelas características globais do sistema ou pe- to são pesos-leves em dois aspectos significantes. Pri-
los requisitos específicos do cliente ditados pelo único meiro, em geral, são pessoas de nível médio ou júnior
mercado visado pelo esforço de desenvolvimento. que, apesar do conhecimento considerável, têm pou-
co status ou influência na organização. Essas pessoas
Estrutura de equipe peso-leve passaram vários anos em uma função e a presente
Do mesmo modo que na estrutura de desenvolvimento atribuição é encarada como uma experiência de am-
funcional, as pessoas alocadas à equipe peso-leve re- pliação – uma chance para elas mudarem de função.
sidem fisicamente em suas áreas funcionais, mas cada Segundo, embora sejam responsáveis por informar e
organização funcional designa uma pessoa de ligação coordenar as atividades das organizações funcionais,
para representá-la na comissão de coordenação do pro- os recursos-chave (incluindo os engenheiros no proje-
jeto. Essas ligações trabalham com um gestor de projeto to) continuam sob o controle de seus respectivos ges-
peso-leve, normalmente um engenheiro de projetos ou tores funcionais. O gestor de projetos pesos-leves não
496     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

tem poder para realocar pessoas ou recursos e, em vez reconhecidas e evitadas. Considere, por exemplo, as
disso, concentra-se em confirmar horários, atualizar vantagens da autoridade e do comprometimento, uma
cronogramas e estabelecer prioridades entre os gru- das vantagens mais marcantes da equipe peso-pesado.
pos. Esses líderes gastam mais de 25% do seu tempo A identificação com o produto e a criação de um espí-
em um único projeto. rito de grupo motivam os membros da equipe principal
Os principais pontos fortes e fracos da equipe pe- a se superar e fazer o que for preciso para que todos
so-leve referem-se aos mesmos pontos destacados da tenham êxito. Todavia, tais equipes às vezes ampliam
estrutura de projeto funcional. Mas agora pelo menos a definição do seu papel e o escopo do projeto, e se
uma pessoa possui uma visão transversal das funções deixam levar por suas habilidades. Mesmo quando a
e procura garantir que cada tarefa – especialmente as equipe permanece focada, o resto da organização pode
que fazem parte do caminho crítico – seja realizada de se ver como de segunda classe. Embora a equipe prin-
maneira oportuna e que todas as pessoas saibam dos cipal possa não tornar a distinção explícita, ela aconte-
problemas interfuncionais que podem ocorrer. ce porque a equipe tem responsabilidades e autoridade
Dessa forma, o que uma organização espera é a além das que costumam ser outorgadas aos membros
melhor comunicação e coordenação quando passar de de equipe funcional. Desse modo, esses projetos podem
uma estrutura funcional para a de uma equipe peso- tornar-se inadvertidamente “ricos”, e os outros menores
-leve. Porém, como o poder ainda se encontra com os podem ser considerados “pobres” no que diz respeito
gestores funcionais e subfuncionais, raramente as es- aos recursos-chave e à atenção da gestão.
peranças de maior eficiência, velocidade e qualidade Outra preocupação potencial é que a equipe peso-
do projeto realizam-se plenamente. Além do mais, os -pesado desejará ter o mesmo controle sobre as ativida-
líderes de projeto pesos-leves pensam que são, na me-
des secundárias (tais como prototipagem, testes analíti-
lhor das hipóteses, tolerados e muitas vezes ignorados
cos e garantia de qualidade) que possui sobre as tarefas
ou que podem até ser destituídos, o que pode tornar-
primárias realizadas pelos membros da equipe dedi-
-se facilmente uma situação inglória para o indivíduo
cada. Assim, quando aguardar pela realização dessas
designado para tal função.
tarefas secundárias, a resposta natural da equipe será
Estrutura de equipe peso-pesado exigir prioridade máxima das áreas de apoio da organi-
zação ou ser autorizada a recorrer a recursos externos
Ao contrário da configuração peso-leve, o gestor peso-
e subcontratar grupos independentes. Sob este aspecto,
-pesado tem acesso direto à maioria das pessoas en-
a alta gestão deve estabelecer diretrizes para apoiar a
volvidas no projeto, além de ser responsável por elas.
decisão fazer/comprar e prioridades claras aplicáveis a
Esses líderes são pesos-pesados em dois aspectos. Pri-
todos os projetos – talvez mudando os níveis de serviço
meiro, são altos executivos dentro da organização e po-
das áreas de apoio – ou fazer com que as áreas de apoio
dem até mesmo possuir nível superior ao dos gerentes
funcionais. Além de terem conhecimento e experiência, forneçam capacidade e serviços de assessoramento téc-
também exercem uma influência significativa na orga- nico, mas deixar que os membros da equipe façam mais
nização. Segundo, os líderes pesos-pesados têm uma do trabalho real da tarefa nessas áreas de apoio. Sejam
influência sobre as pessoas que trabalham no esforço quais forem as ações que a organização adotar, o desafio
de desenvolvimento, além de supervisionarem o traba- é atingir um equilíbrio entre as necessidades de cada
lho delas diretamente por meio de pessoas destacadas projeto peso-pesado e da organização como um todo.
das equipes principais. Muitas vezes, a equipe principal Outra vantagem da equipe peso-pesado é a inte-
é dedicada e fisicamente localizada com o líder peso- gração e integridade que proporciona por meio de so-
-pesado. No entanto, o desenvolvimento de carreira de luções para um conjunto de necessidades do cliente.
longo prazo de cada um dos colaboradores continua Fazer com que todos os componentes e subsistemas
fora das mãos do líder de projeto – embora o líder peso- complementem uns aos outros e tratem de maneira efi-
-pesado contribua com informações para as avaliações ciente os requisitos fundamentais do segmento de clien-
individuais de desempenho –, mas, sim, nas mãos do te principal pode resultar em um produto/processo de
gestor funcional, já que os membros não são alocados plataforma vencedora. A equipe extrai efetividade de
permanentemente para uma equipe de projeto. projetos a partir de habilidades generalistas de mem-
A estrutura da equipe peso-pesado tem uma série bros da equipe, com poucos especialistas. Neste caso,
de vantagens e pontos fortes, além dos pontos fracos não há necessidade de maior conhecimento aprofunda-
associados. Em muitos casos, as vantagens da aborda- do em determinado assunto. A extensão dessas impli-
gem de equipe trazem consigo desvantagens que podem cações é bem ilustrada pela natureza das equipes que
afetar o desempenho do desenvolvimento se não forem Clark e Fujimoto encontraram em seu estudo sobre a
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     497

indústria automobilística.3 Esses autores constataram essência, a equipe autônoma recebe uma folha de pa-
que, nas empresas do setor automobilístico dos Esta- pel em branco; não são obrigados a seguir as práticas
dos Unidos, em meados dos anos 1980, os projetos e os procedimentos organizacionais existentes, mas é
de plataforma típicos, organizados sob uma estrutura autorizada a criar as suas próprias práticas e procedi-
funcional tradicional ou de equipe peso-pesado, im- mentos, o que inclui estabelecer incentivos e recom-
plicaram o trabalho em tempo integral durante vários pensas, bem como as normas de comportamento. No
meses por aproximadamente 1.500 engenheiros. No en- entanto, a equipe será totalmente responsabilizada pe-
tanto, vários projetos-plataforma japoneses, executados los resultados finais do projeto: o sucesso ou fracasso
por equipes pesos-pesados, utilizaram apenas 250 en- será de sua inteira responsabilidade.
genheiros, que trabalharam em tempo integral durante A vantagem fundamental da estrutura de equipe
vários meses. As implicações dos equivalentes de tem- autônoma é o foco. Tudo o que os membros e o líder
po integral ETIs – full-time equivalents de 250 versus da equipe fazem concentra-se em tornar o projeto bem-
1.500 com relação à amplitude das tarefas, ao grau de -sucedido. Desse modo, as equipes autônomas podem
especialização e à necessidade de coordenação são sig- se sobressair no desenvolvimento de novos produtos
nificantes e ajudam a explicar as grandes diferenças nos e processos de maneira rápida e eficiente. Elas lidam
resultados dos projetos, de acordo com as medições de com a integração interfuncional de uma maneira par-
integridade do produto, tempo do ciclo de desenvolvi- ticularmente eficiente, possivelmente porque atraem e
mento e utilização dos recursos de engenharia. escolhem os participantes da equipe muito mais livre-
Entretanto, a ausência de profundidade também pode mente do que as outras estruturas de projeto. As equi-
ser uma desvantagem da equipe peso-pesado. Alguns pes autônomas, porém, não consideram nada ou pouco
componentes ou subconjuntos individuais podem não como definitivo. Elas são mais propensas a expandir os
alcançar o mesmo nível de excelência técnica que al- limites da sua definição do projeto e tratar de reproje-
cançariam sob uma estrutura mais tradicional de equipe tar o produto inteiro, seus componentes e subconjuntos,
funcional. Por exemplo, os generalistas podem desen- em vez de buscar oportunidades de utilizar os materiais,
volver um sistema de limpador de para-brisa que seja projetos e relacionamentos organizacionais existentes.
complementar e integrado ao sistema total do auto- A sua solução pode ser exclusiva e definitiva, tornando
móvel e ao seu conceito central. Porém, eles também mais difícil retornar o produto e o processo resultantes
podem embutir em seu projeto pontos fracos ou falhas – e, em muitos casos, os próprios membros da equi-
potenciais que poderiam ser percebidos por uma equipe pe – para a organização tradicional após a conclusão
funcional de especialistas que tivessem desenvolvido do projeto. Como consequência, as equipes autônomas
uma longa série de limpadores de para-brisa. Para com- tornam-se, muitas vezes, o berço de novas unidades de
bater essa desvantagem potencial, muitas organizações negócio ou sofrem uma rotatividade excepcionalmente
requisitam mais testes a fim de descobrir possíveis fa- elevada após a conclusão do projeto.
lhas e fazer com que os componentes e subconjuntos se- Os altos executivos, por terem de delegar muito
jam revisados por especialistas no assunto. Em alguns mais responsabilidade e controle para a equipe e seu
casos, a função de garantia da qualidade ampliou o seu líder de projeto do que ocorreria sob qualquer outra es-
papel para assegurar que uma quantidade suficiente trutura organizacional, costumam ficar nervosos com
de especialistas tecnologistas examine os projetos em a perspectiva de uma equipe autônoma. A menos que
pontos adequados para que tais pontos fracos possam diretrizes claras tenham sido estabelecidas antecipada-
ser descobertos precocemente e para que seus efeitos mente, é extremamente difícil para os altos executivos
prejudiciais sejam minimizados. fazerem correções no meio do percurso ou exercerem
influência substancial sem destruir a equipe. Mais de
Estrutura de equipe autônoma uma equipe escapou do controle da alta gestão e criou
Na estrutura de equipe autônoma, os indivíduos de grandes problemas.
diferentes áreas funcionais são formalmente alocados Para estruturar uma equipe de forma adequada, é
e dedicados à equipe de projeto. O líder do projeto, fundamental compatibilizá-la não apenas com as ca-
um peso-pesado na organização, recebe o controle to- pacitações e os recursos da organização, mas também
tal sobre os recursos cedidos pelos diferentes grupos com o tipo de projeto a ser atribuído. Apesar de mui-
funcionais. Além disso, torna-se o único avaliador da tas considerações diferentes serem importantes para tal
contribuição feita por cada membro da equipe. Em compatibilização da estrutura da equipe com o tipo de
projeto, é imprescindível que os projetos que exigem
excelência técnica profunda sejam realizados sob uma
Ib.
3
estrutura funcional. Os projetos que exigem soluções
498     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

extraordinárias, como novas plataformas ou conceitos comprometidos pelas funções e tarefas conduzidas sob
de produtos de nova geração, muitas vezes são mais a direção dessas funções individuais.
bem realizados por uma equipe de projeto pesos-pesa- Essa estrutura funcional poderá continuar durante
dos. Na maioria dos casos, os membros mais jovens e anos e até mesmo décadas se uma empresa dominar o
inexperientes de uma equipe peso-pesado podem assu- seu setor e se o ritmo de mudança técnica não for grande
mir os projetos secundários e de melhoria, ganhando, demais. No entanto, uma empresa como essa pode tor-
assim, um treinamento valioso. Como muitas das op- nar-se lenta e menos responsiva com o passar do tempo.
ções são restritas pela plataforma de onde os projetos Como muitos outros gigantes industriais dos anos 1980
secundários ou as melhorias são provenientes, as equi- e início da década de 1990, ela pode sentir-se desafiada,
pes pesos-leves são capazes de render muito bem. En- já que as novas tecnologias, novos concorrentes e novos
fim, os projetos radicais ou revolucionários, que muitas mercados criam um ataque devastador de oportunida-
vezes estão associados com a primeira geração de um des de desenvolvimento de novos produtos e processos.
produto ou processo inteiramente novo, são mais bem A estrutura funcional é simplesmente incapaz de acom-
conduzidos por uma equipe autônoma. panhar todas essas possibilidades de maneira oportuna.
Via de regra, se a arquitetura global do produto não Nesse ponto, uma grande organização pode começar
estiver propensa a mudar (de modo que os padrões ha- a acrescentar coordenadores de projeto pesos-leves na
bituais de interação, comunicação e coordenação que esperança de evitar movimentos drásticos de reestru-
evoluíram no passado não precisem mudar), então as turação organizacional, enquanto busca melhorar suas
equipes funcionais ou pesos-leves têm melhor desempe- atividades de desenvolvimento de produtos. Finalmen-
nho. Elas são ferramentas para aproveitar os processos te, pode-se tornar dolorosamente óbvio que, em alguns
existentes. Nas circunstâncias de mudança de arquite- poucos projetos críticos, seja necessária uma aborda-
tura significante, que obrigam a interação entre pessoas
gem totalmente nova. Algumas empresas optarão por
diferentes sobre tópicos diferentes e com timing dife-
fazer isso com uma equipe autônoma extraída da or-
rente do que tem sido necessário historicamente, então
ganização principal, e outras poderão desenvolver uma
as equipes pesos-pesados e autônomas funcionam me-
nova capacitação para implementar equipes de projeto
lhor. Essas equipes são ferramentas para a criação de
pesos-pesados. As indústrias de automóveis, siderurgia
novos processos.
e produtos farmacêuticos seguiram padrões não dife-
Considerando os diferentes setores, também fica
rentes dos que acabamos de descrever.
bastante claro que a maturidade de um setor e de suas
O desafio para qualquer empresa é certificar-se de
tecnologias pode ter uma influência direta sobre o tipo
que a sua abordagem dominante para organizar as equi-
de estrutura da equipe de desenvolvimento com mais
chance de ser encontrado nas empresas dentro de um pes de desenvolvimento compatibilize-se com seu am-
determinado setor. Na maioria das empresas start-up, biente e seus imperativos estratégicos. A empresa deve
toda a organização costuma ser uma equipe autônoma ainda desenvolver capacitações e recursos que lhe per-
porque todas as pessoas estão focadas em um novo pro- mitam aplicar modos alternativos quando forem con-
duto ou processo, e é nesse movimento que reside o siderados mais adequados para determinados projetos.
futuro da empresa. À medida que são desenvolvidas a Especialmente fundamental é certificar-se de que a se-
segunda e terceira gerações do produto e processo do- leção, o treinamento e as políticas de desenvolvimento
minantes, elas também devem continuar a ser realiza- dos recursos humanos da organização, bem como seus
das por uma equipe de projeto peso-pesado, composta sistemas organizacionais, proporcionem o mix de ha-
por praticamente todos os altos executivos da empresa. bilidades nas quantidades exigidas pela estratégia de
Trata-se do caso em que a empresa pode crescer subs- desenvolvimento global. Na teoria, uma organização
tancialmente com uma linha de produtos bem limitada e poderia optar por desenvolver um portfólio de aborda-
simplesmente introduzindo gerações sucessivas de pro- gens que abrangesse os quatro tipos de estruturas de
dutos novos nessa linha. No entanto, à medida que as equipe de desenvolvimento, a fim de compatibilizá-las
empresas amadurecem e se expandem, acrescentando com uma ampla gama de projetos de desenvolvimen-
várias linhas de produtos, já que algumas destas exigem to que ela pretende realizar. No entanto, a experiência
muito mais recursos com uma natureza de sustentação sugere que a maioria das organizações tende a adotar
e operacional, é provável que mudem sua organização uma orientação dominante ou uma abordagem padrão
empresarial básica para uma funcional. Desse modo, é para liderar e organizar os projetos de desenvolvimen-
natural, nesse ponto, fazer com que o desenvolvimento to. Nas empresas, a orientação dominante determina o
de produtos e processos também assuma um aspec- que é fácil e suscetível de funcionar e o que é difícil
to mais funcional, com a ampla maioria dos recursos e suscetível de ser menos efetivo. Assim, determina o
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     499

leque de abordagens e projetos que uma empresa pode projetos incrementais normalmente incorreriam em
aplicar e executar. gastos de desenvolvimento de US$ 100 mil a US$ 200
Das quatro estruturas de equipe de desenvolvi- mil, levariam poucos meses e proporcionariam um re-
mento delineadas na Figura 7, duas representam as torno muito rápido. A qualquer momento, a organiza-
orientações dominantes – a estrutura funcional e a ção poderia ter 40 ou 50 projetos em andamento, dos
equipe peso-pesado. As empresas cujos sistemas bá- quais não mais de dois seriam grandes esforços de de-
sicos, habilidades, práticas e mecanismos são funcio- senvolvimento avançado, talvez de três a cinco fossem
nais, por exemplo, considerarão relativamente fácil esforços de plataforma e o restante seria composto por
implementar equipes pesos-leves. A configuração pe- esforços incrementais.
so-leve é bastante funcional com uma sobreposição Por causa da concorrência de custos do seu setor
de coordenação leve. Porém, passar para uma equi- e das demandas operacionais exigidas pelos produtos
pe peso-pesado será muito mais difícil e improvável e processos rentáveis, a Chaparral optou por condu-
de ser plenamente bem-sucedido se a estrutura fun- zir todos os seus esforços de desenvolvimento em seu
cional continuar a ser a orientação dominante. Sem chão de fábrica e designá-los principalmente ao pes-
mudanças básicas em sistemas, práticas, atitudes e soal da linha de produção. No entanto, a estrutura da
comportamentos, as tentativas de acrescentar uma equipe e a liderança do projeto utilizadas em cada um
capacitação de equipe peso-pesado numa organiza- desses três tipos variam consideravelmente. Os proje-
ção que é essencialmente funcional podem criar uma tos incrementais quase sempre são realizados por sub-
abordagem “peso-médio”, com poucas chances de se grupos funcionais com um gestor de projeto peso-leve.
formar uma equipe peso-pesado. Com tantos projetos em andamento e com alguns tão
Todavia, as empresas que têm equipes como sua comuns, todos compreendem e apóiam o papel do ges-
orientação dominante e que construirão sistemas, es- tor peso-leve: eles sabem que, em algum momento,
forços de treinamento, estruturas de comunicação e pa- serão um dos gestores de projeto pesos-leves e deseja-
drões de liderança em torno de equipes pesos-pesados rão o mesmo tipo de tratamento. Desse modo, o apoio
considerarão relativamente fácil implementar equipes e a cooperação fornecidos pelos gestores pesos-leves
autônomas. No entanto, embora a equipe peso-pesado tendem a ser substancialmente maiores do que nas or-
tenha uma organização funcional que executa parte do ganizações funcionais tradicionais. Os projetos de pla-
seu trabalho detalhado e atividades de apoio, condu- taforma são chefiados por gestores pesos-pesados que
zir projetos pesos-leves ou mesmo funcionais costuma provavelmente foram chefes de departamento; após a
envolver ajustes na abordagem padrão, e suas equipes conclusão do esforço de plataforma, voltarão a ser che-
pesos-leves tendem a ser um tanto “mais pesadas” do fes de departamento. Os projetos de desenvolvimento
que se a orientação dominante fosse funcional. avançado são colocados sob a direção de um dos sete
A experiência da Chaparral Steel ilustra os desa- chefes que se reportam diretamente ao vice-presidente
fios e as vantagens de construir capacitação para vá- de produção (ou a um dos outros vice-presidentes).
rias abordagens no desenvolvimento. Localizada em Esses projetos importantes começam como esforços
Midlothian, no Texas, 30 milhas ao sul de Dallas, no de desenvolvimento avançado; uma vez provada a
início dos anos 1990 a Chaparral produzia bem mais de viabilidade técnica, rapidamente se transformam em
1 milhão de toneladas por ano de produtos siderúrgi- projetos revolucionários, mas com pouca ou nenhuma
cos utilizados em produtos de forjamento (alta-liga) e alteração na composição da equipe.
construção (estruturais). Utilizando um forno elétrico, O mix de abordagens serviu bem à Chaparral para
lingotamento contínuo e laminação para converter su- abordar a gama de oportunidades de desenvolvimen-
cata de aço em vários produtos laminados, a Chaparral to e desafios enfrentados por seus negócios. Depen-
continuou a melhorar o seu desempenho por meio de dendo do mix do nível de especialidade técnica, da
uma série de esforços de desenvolvimento de produ- coordenação e integração das tarefas conhecidas, do
tos e processos. A empresa definiu três tipos de pro- nível de integração do sistema, do grau de avanço e
jeto: grande desenvolvimento avançado, plataforma e do novo pensamento exigido, a empresa pode esco-
incremental. Os projetos do primeiro tipo poderiam lher uma estrutura de equipe, um gestor de projeto e
exigir um gasto de US$ 3 milhões a US$ 5 milhões uma abordagem global de gestão que façam sentido
durante um período de três a cinco anos, mas propor- para a situação. As expectativas vêm sendo estabele-
cionariam um produto ou processo revolucionário. Os cidas ao longo de mais de uma década, e, assim, os
projetos de plataforma poderiam exigir de US$ 500 procedimentos e as abordagens – como também os
mil a US$ 1 milhão em despesas de desenvolvimento princípios que os regem – são bem conhecidos por
e levar de 12 a 24 meses para serem executados. Os toda a organização.
500     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Ferramentas que auxiliam a conclusão do testar conceitos de produtos e processos e as múltiplas


projeto de desenvolvimento interações no processo de projeto e desenvolvimento.
Uma área substancialmente promissora para melhorar Claramente, os computadores ampliaram e melhoraram
a consistência e o desempenho das equipes de desen- a maneira como tais protótipos podem ser criados e pos-
volvimento é a de novas ferramentas e técnicas. Muitas teriormente analisados. Na medida em que as tecnolo-
delas baseiam-se em computadores e variam dos siste- gias continuam a avançar, a sofisticação e o leque de
mas de projeto assistido por computador/produção as- atividades de prototipagem também avançarão.
sistida por computador (CAD/CAM – computer-aided
design/computer-aided manufacturing) utilizados pelos APRENDIZAGEM EM TODOS OS PROJETOS
engenheiros mecânicos, entre outros, aos sistemas de DE DESENVOLVIMENTO
engenharia assistida por computador e sistemas de de-
senho industrial utilizados por projetistas e arquitetos, Em um mundo de intensa competição internacional,
além das análises de elementos finitos utilizadas pela onde os clientes são sofisticados e exigentes e as tecno-
ciência dos materiais. Além disso, novas ferramentas de logias têm efeitos drásticos e diversos, as organizações
simulação e análise por computador estão sendo desen- estagnadas no desenvolvimento de produtos e proces-
volvidas para ajudar os especialistas químicos e físicos sos não irão prosperar nem sobreviver. A capacidade de
em áreas tão diversas quanto os produtos de consumo sustentar melhorias significativas no desenvolvimento
e farmacêuticos. durante períodos longos reside na capacidade de apren-
Enquanto muitos avanços dessas ferramentas com der com a experiência. Na melhoria do desenvolvimen-
base em computador tendem a ocorrer na próxima dé- to, os fatores mais importantes são o conhecimento e
cada, outras ferramentas de “baixa tecnologia” também a compreensão sobre como a organização funciona na
estão sendo desenvolvidas e têm encontrando ampla prática. Os estudos que servem de referência para a prá-
aceitação. O Desdobramento da Função Qualidade tica recomendada entre os concorrentes ou que geram
(QFD – Quality Function Deployment), desenvolvida novos conceitos e estruturas podem ser valiosos no es-
primeiramente na Toyota e hoje aplicada por várias tabelecimento de perspectivas, mas resolver os proble-
indústrias, é um procedimento sistemático para asso- mas que limitam o desempenho exige uma compreen-
ciar as exigências do cliente aos parâmetros de projeto. são detalhada das causas primordiais desses problemas
Desse modo, ela serve para aplicar rigor e completude à medida que eles acontecem em circunstâncias espe-
às atividades interfuncionais de resolução de problemas cíficas do processo de desenvolvimento da organiza-
que são comuns na maioria dos esforços de desenvolvi- ção. Por isso, é crucial aprender com a experiência. No
mento complexos e sistêmicos.4 Até mesmo processos contexto do desenvolvimento de produtos e processos,
organizacionais como o just-in-time (JIT), a análise do aprender com a experiência significa aprender com os
valor agregado e as técnicas que considerem tempo de projetos de desenvolvimento.
ciclo têm se mostrado úteis quando aplicadas às tarefas Entretanto, a aprendizagem organizacional não é
de desenvolvimento de novos produtos e processos. A um resultado natural dos projetos de desenvolvimento,
próxima década provavelmente verá uma série dessas mesmo nos esforços de desenvolvimento bem-sucedi-
ferramentas aplicadas de uma maneira muito mais am- dos. Parece haver dois problemas fundamentais. O pri-
pla e sistemática na criação das capacitações de desen- meiro é que o desempenho que interessa muitas vezes é
volvimento de uma organização. o resultado de interações complexas dentro do sistema
Enfim, várias ferramentas mais tradicionais que há de desenvolvimento global. Além disso, a conexão en-
muito têm sido consideradas uma parte importante das tre causa e efeito pode estar significativamente separada
metodologias de desenvolvimento de novos produtos em tempo e lugar. Em alguns casos, por exemplo, os
e processos tendem a melhorar, ampliar-se e até mes- resultados de interesse são evidentes apenas na conclu-
mo ser completamente repensadas para que possam são dos projetos. Enquanto os sintomas e as potenciais
ser mais efetivas no ambiente competitivo dos anos causas podem ser observados pelos indivíduos em vá-
1990. Um exemplo dessas ferramentas tradicionais é a rios pontos ao longo da trajetória de desenvolvimento,
prototipagem. Os modelos físicos e os protótipos são a investigação sistemática requer a observação dos re-
utilizados por várias disciplinas da engenharia para sultados seguida por uma análise que olhe para trás em
busca das causas subjacentes. O segundo problema é
que os incentivos presentes na organização favorecem a
Ver Capítulo 9 em S. C. Wheelwright and K. B. Clark, Revolutionizing
4
pressão para avançar para o próximo projeto. Sem o es-
Product Development (New York: Free Press, 1992). Ver também J. R.
Hauser and D. Clausing, “The House of Quality”, Harvard Business forço orquestrado e a atenção focada na aprendizagem
Review, May-June 1988, pp. 63-73. do projeto que acabou de ser concluído, é improvável
Parte 4 – Estabelecimento da estratégia tecnológica     501

que os engenheiros, comerciantes ou fabricantes ve- comecem como coordenadores pesos-leves e passem
nham naturalmente a dedicar tempo e energia aos gradualmente para projetos maiores até se transfor-
problemas de ontem. A maioria das empresas aprende marem em gestores de projeto pesos-pesados. Então,
muito pouco com sua experiência de desenvolvimen- dentro de uma organização, pode ser desenvolvido um
to. Aquelas que aprendem e compreendem o poder na quadro de líderes de projeto que tenha um forte interes-
melhoria têm desenvolvido ferramentas e métodos para se em capturar e aplicar a aprendizagem dos esforços de
ajudar as pessoas – individual e coletivamente – a ad- desenvolvimento individuais.
quirir conhecimento e compreensão, além de focarem Uma segunda observação é que a aprendizagem
sua energia e atenção no problema da aprendizagem. com base na experiência de desenvolvimento passa-
Embora relativamente pouca coisa tenha sido escrita e da exige que as lições sejam identificadas, analisadas,
sistematicamente estudada sobre como as organizações capturadas e depois incorporadas na maneira como a
aprendem a respeito da atividade de desenvolvimento organização executa sua atividade de desenvolvimento.
e criam capacitações para executar tais atividades de Uma ferramenta particularmente importante, mas ain-
maneira efetiva, algumas observações podem ser feitas. da não aplicada de maneira ampla, é a de auditoria de
Primeiro, para uma organização aprender com os projeto. Ela bem poderia ser executada por uma equipe
projetos de desenvolvimento, os gestores devem focar a interfuncional (antes de sua responsabilidade ser atri-
atenção na necessidade dessa aprendizagem. A maneira buída a um projeto de desenvolvimento específico) que
como a maioria das organizações aprende está atrelada examine um projeto recém-concluído, compare-o a ou-
às funções pelas quais se encontram organizadas, onde tros esforços de desenvolvimento recém-concluídos e
nessas funções são executadas tarefas repetitivas e são identifique áreas de oportunidade onde novas ferramen-
desenvolvidas ferramentas, sistemas e procedimentos. tas, sistemas ou procedimentos poderiam trazer grandes
Nesse processo de desenvolvimento, são incorporadas benefícios.
experiências pregressas que capacitam tais funções a Uma terceira observação é que, se for importante
conduzir essas tarefas com mais eficiência. Uma vez melhorar as capacitações de desenvolvimento, a alta
que a maior parte dos esforços de desenvolvimento é gestão precisará fornecer liderança e orientação – em
interfuncional ou pelo menos boa parte ocorre nas in- relação às metas e aos objetivos, mas também em ter-
terfaces das funções, a aprendizagem sobre o desen- mos de recursos e novas habilidades. Desse modo,
volvimento requer uma perspectiva interfuncional. A um aspecto essencial de uma estratégia de desenvol-
experiência recente sugere que os líderes de projeto vimento para um determinado negócio não é apenas
muitas vezes estão na melhor posição para reconhecer identificar o conjunto de projetos a serem realizados,
a necessidade dessa aprendizagem e capturar as expe- as estruturas da equipe de desenvolvimento para con-
riências dos esforços de desenvolvimento em que têm duzi-lo ou as ferramentas e técnicas a serem utiliza-
se envolvido e transformá-las em sistemas, ferramen- das pela equipe. Tudo isso é importante, mas também
tas e procedimentos que outras pessoas na organização deve haver a previsão de como a organização apren-
podem aplicar. No entanto, isso requer que a liderança derá, como a aprendizagem será capturada, a maneira
do projeto passe a ser uma etapa importante em muitos como será posteriormente aplicada e os resultados que
planos de carreira e uma atribuição que alguém deva ter podem surgir desse processo. Como tantas questões, o
por um longo período. Por exemplo, uma organização sucesso comercial dos produtos e processos depende
pode fazer com que os líderes de projeto mais jovens da boa gestão.
1
DESENVOLVIMENTO
DE NOVOS
PRODUTOS
sEÇÃO

ARTIGO 4-1 qualidade que podem ser substancialmente recompen-


sadas no mercado.
Comunicação entre engenharia e Nos casos onde as barreiras departamentais são
produção: um fator crítico* grandes e os engenheiros são estimulados ou forçados
a serem míopes, os engenheiros de projeto tentarão ma-
H. E. Riggs ximizar o desempenho do produto e os engenheiros de
produção tentarão reprojetar o produto para diminuir seu
A comunicação entre engenharia e produção é funda- custo. Tal processo é altamente ineficiente e muito demo-
mental para implementar políticas tecnológicas da em- rado. A otimização por meio das prioridades conflitantes
presa. A comunicação tem que ser tanto formal quanto de custo e desempenho – chamadas com frequência de
informal. A comunicação informal deve ser incentivada engenharia de valor – deve ser responsabilidade de todos
de todas as formas que se tornaram comuns nas empre- os envolvidos na criação do novo produto, incluindo os
sas de alta tecnologia: dos simpósios técnicos e sessões gestores de marketing que têm participação na criação
de discussão externas em vários dias ao happy hour no
das especificações-alvo do novo produto.
fim do expediente de trabalho.
A comunicação ampla deve preceder e seguir a tran-
Independentemente da quantidade de comunicação
sição formal da engenharia para a produção. As reu-
informal, a formal também é essencial. O sistema de
niões periódicas de projeto do produto que envolvem
comunicação formal entre engenharia e produção deve
engenheiros de projeto, engenheiros de produção e pla-
tratar de três desafios importantes relacionados, porém
nejadores de material (e algumas vezes os gerentes de
distintos:
produto do marketing e outros) devem ser realizadas
1. Apresentar para o chão de fábrica os novos produtos mensalmente, durante a fase inicial do projeto, e tal-
advindos do laboratório de desenvolvimento. vez semanalmente antes e depois da “transferência” do
2. Proporcionar o melhor nível de documentação – nem novo produto da engenharia para a produção. Nessas
máximo e nem mínimo – sobre os produtos existentes. reuniões, a equipe de projeto consulta o pessoal de pro-
3. Facilitar as mudanças ordenadas e de baixo custo dos
dução sobre as alternativas do projeto e adquire conhe-
produtos já em produção.
cimentos sobre as questões de produtibilidade, à medi-
da que o produto ou sistema está sendo concebido. São
APRESENTAÇÃO DOS NOVOS PRODUTOS especificadas tolerâncias realistas e os engenheiros são
PARA A PRODUÇÃO incentivados a não apertar as tolerâncias para acelerar o
Transferir o novo produto da engenharia para a produ- projeto ou para ganhar uma margem adicional de segu-
ção testa a cooperação e a comunicação entre o pessoal rança. (As tolerâncias excessivamente apertadas quase
da engenharia e o da produção como nenhuma outra ati- sempre aumentam os custos de produção.) A produção
vidade o faz. A empresa de alta tecnologia que gerencia deve compartilhar com a equipe de projeto sua expe­
bem essa transição adquire vantagens de tempo, custo e riência com os atuais fornecedores e subcontratantes à
medida que a engenharia está escolhendo as fontes de
*
Fonte: Managing High-Technology Companies. Copyright © 1983 Van itens do produto ou fornecedores de equipamentos para
Nostrand Reinhold Company. fabricação do novo produto.
504     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

O pessoal de produção e engenharia deve estar produção-piloto são, inevitavelmente, uma responsabi-
ciente de que o projeto geralmente não está concluído lidade conjunta da engenharia e da produção.
quando a produção começa. Os erros de projeto que exi-
gem atenção precisam ser descobertos, as solicitações Congelar projetos
de alteração precisam ser iniciadas pela produção para Antes da produção em larga escala ser empreendida, o
facilitar a fabricação, e o desempenho operacional que projeto deve ser congelado. Após esse congelamento,
cumpriu as especificações no laboratório, mas que não as observações de mudança formais da engenharia são
pôde ser reproduzido no chão de fábrica deve ser rea- o único mecanismo para efetuar mudanças. Na ausência
valiado. A dependência adequada das unidades de pro- de uma execução de produção-piloto (e às vezes mes-
tótipo e das experiências-piloto com a produção antes mo com ela), o ponto em que o projeto se transforma
de tentar a produção em larga escala pode diminuir a na versão final, ou congelada, costuma não ser claro.
incidência de erros custosos. No estágio de protótipo, deve-se deixar que o proje-
to continue fluido, permitindo as alterações nele com
Rodadas de Desenvolvimento: protótipo,
custos e documentação mínimos. Porém, é da natureza
piloto e produção
humana buscar quase interminavelmente por pequenos
A engenharia produz protótipos (a primeira ou as duas aprimoramentos e refinamentos. Essa propensão é tão
primeiras unidades de um novo produto ou sistema). verdadeira para o engenheiro de projeto, que é o pai do
Os engenheiros e tecnologistas de projeto os constroem novo produto, quanto para o artista em sua escultura ou
a um custo considerável, frequentemente construindo o escritor em seu manuscrito. Assim como as mudan-
e reconstruindo-os. Eles empregam técnicas adequadas ças editoriais são caras para que sejam efetuadas depois
para o laboratório, mas inadequadas para a produção
que o manuscrito foi digitado, as mudanças no projeto
em larga escala – “tábuas de cortar pão” em vez de pla-
do produto são caras para que sejam efetuadas após o
cas de circuito impresso, e peças inventadas em vez de
início da produção.
peças de metal ou injetadas – para facilitar as altera-
Desse modo, em algum ponto, o projeto do novo
ções de projeto e minimizar os custos de ferramental e o
produto deve ser congelado, e tanto a produção quan-
tempo de execução. Esses protótipos, que costumam ser
to a engenharia devem concordar com esse ponto. As
necessariamente muito diferentes fisicamente das uni-
mudanças subsequentes no projeto não podem mais
dades que serão fornecidas aos consumidores, devem
ser realizadas unilateralmente pelo engenheiro de pro-
ser exaustivamente testados no laboratório e sujeitos
jeto, como podia ocorrer durante a fase de protótipo.
a algum teste de campo. A finalidade dos protótipos é
colocar à prova os conceitos do projeto e confirmar as Muitas vezes, você pode ganhar vantagens de tem-
especificações do produto. po e custo congelando certas parcelas do projeto antes
Uma vez que os conceitos do projeto tenham sido de outras. Por exemplo, em um sistema informatizado
postos à prova no protótipo e as especificações opera- complexo, a escolha do minicomputador do sistema
cionais tenham sido satisfatoriamente atendidas, deve pode e deve ser congelada bem antes de as outras par-
ser iniciada uma execução-piloto da produção (produ- celas do sistema serem projetadas para que se dê tem-
ção de uma quantidade limitada). O projeto utilizado po suficiente aos programadores para desenvolverem o
na execução-piloto da produção deve ser o que se es- software necessário e para o setor de compras negociar
pera utilizar na produção em larga escala – por exem- contratos de OEM com o fornecedor do minicomputa-
plo, as tábuas de cortar pão agora são substituídas por dor. O congelamento sequencial é adequado: congele
placas de circuito impresso e faz-se um investimento inicialmente as partes ou componentes que sabidamen-
bem mais substancial em ferramental. A finalidade da te têm longos períodos de contratação; deixe os compo-
produção-piloto é testar a produtibilidade do produ- nentes-padrão e as partes que exijam pouco ou nenhum
to e eliminar quaisquer defeitos no projeto final antes ferramental descongelados até o fim do ciclo de proje-
de a empresa passar para a produção total. (Quando to. Um projeto complexo pode ser submetido à análise
o volume total previsto para o produto ou sistema for com base na técnica de avaliação e revisão de programa
pequeno, essa etapa de produção-piloto poderá ser eli- PERT (program evaluation and review technique) para
minada.) revelar os conceitos ou componentes críticos do projeto
Em algumas empresas, as execuções de produção- que precisam ser congelados mais cedo. Esse processo
-piloto são realizadas pelo departamento de engenharia de congelamento sequencial de parcelas do projeto im-
e, em outras, pelo seu departamento de produção. Não plica relações de trabalho próximas e ênfase na comu-
existe uma relação hierárquica entre esses departamen- nicação por toda a organização de engenharia e entre a
tos. O importante é reconhecer que as execuções de engenharia e a produção.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-1     505

Os altos executivos das empresas de alta tecnolo- eliminando, assim, a necessidade de os engenheiros de
gia devem garantir que os procedimentos para congelar produção aprenderem sobre o novo produto, mas por
projetos sejam estabelecidos e respeitados. outro lado, serão menos experientes e provavelmente
menos capazes de atacar os problemas de produtibilida-
Usar força-tarefa de e ferramental. No entanto, um engenheiro de projeto
Algumas empresas com base em tecnologia emprega- que passou algum tempo lutando com novos produtos
ram com êxito uma técnica organizacional incomum do ponto de vista de um engenheiro de produção será
para acelerar o projeto e a introdução de novos produ- um engenheiro mais efetivo quando voltar para o labo-
tos. Quando um novo produto requer (1) uma série de ratório e para outro produto novo. Mais uma vez, ocor-
disciplinas da engenharia, (2) muita atenção à produtibi- reu um tipo de rodízio de tarefas.
lidade e ao custo e (3) um encurtamento dos estágios de
projeto e introdução, pode ser criada uma força-tarefa à Passando de um produto único para múltiplos
parte, retirando pessoal de uma série de departamentos produtos
funcionais na empresa. Essa força-tarefa especial geral- Muitas empresas tecnológicas emergentes – isto é, em-
mente é alocada a uma instalação separada, algumas ve- presas pequenas mas de crescimento rápido – encon-
zes com segurança extra contra espionagem industrial. tram um verdadeiro turbilhão à medida que deixam de
O objetivo é recapturar a vantagem da empresa pe- contar com um único produto e passam a oferecer vários
quena: motivação elevada, finalidade focada em um produtos ao mercado. Um pequeno negócio com base
único produto, sistema ou processo, e comunicação em tecnologia focado em projetar e fabricar um úni-
intensa e informal com um mínimo de barreiras organi- co produto muitas vezes é maravilhosamente eficiente.
zacionais. Atribui-se (ou supõe-se) um grande prestígio Isso minimiza as prioridades conflitantes porque todas
à força-tarefa na organização e a designação para par- as mãos estão dedicadas a um único produto. À medi-
ticipar dela é buscada com avidez. Normalmente, são da que o negócio cresce e mais linhas de produtos são
alocados recursos extras para essa força-tarefa. acrescentadas ao portfólio da empresa, escolhas preci-
A argumentação contra o estabelecimento dessas es- sam ser feitas. A tarefa geral da gestão torna-se muito
truturas é que o fato de criar uma ou várias dessas forças- mais complexa.
-tarefa pode ser disruptivo para a organização. Outros Na engenharia, além dos processos de desenvol-
projetos de desenvolvimento podem ser interrompidos, vimento de novos produtos, atenção especial também
e o pessoal técnico atribuído para a força-tarefa pode precisa ser dada. A necessidade de padronização dos
tornar-se indisponível para o aconselhamento informal componentes e subconjuntos por meio das linhas de
em outros projetos aos quais não estejam formalmente produto torna-se evidente. Os compromissos entre a
atribuídos. A aceleração do projeto também pode causar padronização e a melhor relação preço/desempenho
alguma perda de eficiência. tornam-se subitamente necessários.
Essa forma organizacional deve ser utilizada ape- Na produção, os problemas de qualidade antes sob
nas quando as condições da concorrência exigirem controle a partir da dedicação da produção e da enge-
uma ação rápida, seja para proteger uma posição de nharia em uma única linha de produto, agora tornam-
mercado existente, seja para ultrapassar a concorrên- -se mais difíceis de serem gerenciados quando se tem
cia. Embora o dispositivo tenha sido altamente efi- muitos produtos. A existência de múltiplos produtos no
ciente em uma série de casos, surpreendendo clientes chão de fábrica complica o cronograma de produção.
e concorrentes a partir de extraordinária divulgação do Esses produtos exigem ao mesmo tempo habilidades
produto, seu uso excessivo diminui as oportunidades únicas e comuns, incorporando com frequência as par-
de especialização, economias de escala e rotinização tes ou os subconjuntos comuns que deveriam ser produ-
dos procedimentos. zidos em lotes maiores.
Uma variação dessa forma organizacional é desig- A interação entre engenharia e produção era ampla
nar um grupo de engenheiros para “acompanhar” um na primeira linha de produto da empresa. Essa comuni-
novo projeto dentro do laboratório e no chão de fábrica. cação íntima um a um precisa ser mantida nos produtos
Ou seja, em vez de entregar seu projeto (e protótipos) mais novos, mas a coordenação sobre os produtos mais
para a engenharia de produção, uma parcela ou toda a antigos precisa ser mais rotinizada.
equipe de engenharia de projeto recebe a responsabili- Um teste fundamental para uma empresa emergente
dade de seguir junto com o produto da organização de de alta tecnologia é a sua capacidade de passar da en-
engenharia de projeto para a organização de engenharia genharia e produção de um único produto para a enge-
de produção. O dilema é que os engenheiros “de acom- nharia e produção de um portfólio de linhas de produto.
panhamento” conhecerão o novo produto em detalhes, A transição requer o estabelecimento de uma função de
506     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

engenharia de produção, bem como um banco de da- ritmo veloz. Via de regra, mais documentação é ade-
dos e um sistema de referência para auxiliar na padro- quada, justificável e necessária quando se percorre o es-
nização dos componentes. As atribuições de tarefa na pectro dos produtos customizados aos produtos-padrão.
engenharia devem reconhecer claramente a responsa- As empresas de alta tecnologia erram com mais fre-
bilidade dual do desenvolvimento de novos produtos e quência em relação à insuficiência da documentação.
melhoria dos produtos existentes. Uma documentação Essa tendência não é surpresa. Nos estágios iniciais da
formal e um sistema de solicitação de alterações de en- vida dos produtos e tecnologias, um mínimo de docu-
genharia devem substituir a comunicação informal que mentação faz-se necessário. Os produtos e as tecnolo-
bastava quando a empresa era pequena e produzia ape- gias amadurecem, há uma relutância em investir tempo
nas um produto. e atenção da engenharia em documentar os produtos
existentes, em vez de projetar novos produtos. Entre-
DOCUMENTAÇÃO DE ENGENHARIA tanto, as empresas que negligenciam a documentação
acreditam que estão sempre correndo para recuperar o
A comunicação formal entre engenharia e produção atraso na documentação exigida.
necessita da documentação de produtos e processos: Os gestores devem atingir o equilíbrio adequado
desenhos, lista de materiais, esquemas, plantas de mon- entre documentação excessiva e insuficiente. Indepen-
tagem, listas de software e muitos outros elementos de dentemente dos protestos da maioria dos gestores de
documentação (e hoje cada vez mais microfichas, ban- produção, a documentação mais completa nem sempre
cos de dados computadorizados, fitas de vídeo e outras é o ideal. O equilíbrio correto é uma função da estraté-
mídias). A maior parte dessas mídias de comunicação gia global da empresa e da posição do produto ou famí-
é criada pela engenharia e representa a especificação lia de produto em particular dentro da matriz produto-
detalhada do produto a ser fabricado ou do processo a -processo. Quando a estratégia é engendrada para uma
ser executado. sucessão de novos produtos de alta tecnologia, a docu-
mentação frugal é adequada e de custo compensador.
Nível de detalhe
Quando a estratégia depende de alcançar economias da
Um dilema presente nas empresas de alta tecnologia é a curva de aprendizagem – a empresa opera abaixo e à
decisão a respeito do nível de detalhe a ser incorporado direita na matriz produto-processo, é essencial a docu-
na documentação de determinados produtos e proces- mentação completa, atualizada e confiável.
sos. A criação, controle e atualização da documentação
detalhada, na forma de plantas, listas de peças/compo- Efeitos sobre o controle de estoque
nentes, esquemas de montagem, instruções de proces- O planejamento e o controle efetivos do estoque re-
so e montagem e algumas vezes áudio, vídeo e outras querem listas de material muito precisas (isto é, listas
mídias não impressas demanda um custo bem signifi- de peças, componentes e subconjuntos que entram no
cativo. Porém, a documentação insuficiente pode ser ar- produto acabado). A lista de materiais imprecisa ou
riscada, permitindo que as alterações de projeto sejam incompleta impede o uso de técnicas de planejamen-
efetuadas sem uma revisão completa. Essa documen- to sofisticadas, tal como a MRP. O resultado é que são
tação incompleta também pode inibir a comunicação mantidos estoques excessivos de matérias-primas a fim
precisa e completa entre os departamentos funcionais de proteger-se da escassez. Além do mais, a omissão de
da empresa. uma ou mais peças na lista pode provocar uma parada
O dilema é solucionado principalmente com base no processo de montagem enquanto a peça é localiza-
na importância relativa que a empresa de alta tecnolo- da. O resultado é que os estoques em processo também
gia deposita na flexibilidade da produção e nos custos inflam. Desse modo, o melhor controle de estoque nas
do produto. A documentação muito detalhada é exigi- empresas de alta tecnologia, um objetivo enfatizado
da quando (1) os volumes de produção são elevados, repetidamente por todo este livro, exige a participação
(2) quando se conta com a automação e o ferramental ativa da engenharia e também dos departamentos de
para reduzir custos e (3) quando se utiliza mão de obra produção e finanças.
menos qualificada na produção. A documentação mais
elaborada é um pré-requisito para seguir agressivamen-
PROCESSAR AS ALTERAÇÕES DE ENGENHARIA
te as economias da curva de aprendizagem. Essa docu-
NOS PRODUTOS EXISTENTES
mentação elaborada não se justifica, porém, quando os
volumes são pequenos, pode-se contar com uma mão A vida em uma empresa com base em tecnologia seria
de obra qualificada para atuar com instruções limitadas muito mais simples se toda a documentação, depois de
e as alterações de projeto são implementadas em um criada, pudesse ser confiavelmente considerada precisa
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-1     507

e estável. Nenhuma das condições é alcançada com As empresas tecnológicas devem desenvolver e ins-
facilidade quando a mudança de tecnologia e produto tituir procedimentos formais e sistemas de fluxo de do-
é um fato da vida sempre presente. Todas as mudanças cumentos para certificar-se de que todos os documentos
de engenharia, sejam para melhorar o desempenho ou necessários sejam modificados conforme o necessário,
para reduzir custos, devem ser refletidas na documen- de que as mudanças não sejam incorporadas na docu-
tação alterada. Além disso, os erros de projeto desco- mentação antes de serem adequadamente autorizadas
bertos pelo pessoal de engenharia ou produção (e às e de que todos os indivíduos e grupos afetados dentro
vezes pelo pessoal de atendimento ao público) devem da organização estejam cientes da natureza e da data
ser corrigidos e essas correções incorporadas ao siste- efetiva da mudança a tempo de se adaptarem a ela. O
ma de documentação. processo deve ser rápido e completo, mas ao mesmo
Desse modo, as solicitações de mudança nos produ- tempo rotineiro e continuado já que as atividades de
tos existentes podem – e devem – emanar de todos os produção e engenharia não podem ficar paralisadas,
cantos da organização: seja em consequência de uma preocupação em proces-
1. Da engenharia, para tirar proveito da nova tecnologia sar as mudanças ou de uma falta de coordenação entre
ou incorporar uma nova característica ao produto. as próprias mudanças.
2. Do atendimento ao público, para melhorar a confiabili- A disciplina deve ser incorporada ao sistema de so-
dade ou facilitar a manutenção. licitação de mudanças de engenharia de modo que os
3. De compras, para tirar proveito de um novo fornecedor processos não entrem em curto-circuito.
ou um preço mais baixo de um componente substituto. Se o controle sobre a documentação for perdido, po-
4. Do marketing, para melhorar a postura competitiva do derão ocorrer as seguintes condições:
produto. 1. Os problemas de qualidade multiplicam-se à medida
5. Da engenharia de produção, para permitir o uso de fer- que as especificações exatas dos componentes tornam-
ramental mais sofisticado. -se impossíveis de acompanhar, e as consequências
6. Da produção e do planejamento de estoque, para permi- imprevistas surgem das mudanças de projeto não au-
tir a padronização dos componentes em todas as linhas torizadas.
de produtos. 2. Os investimentos e as amortizações do estoque aumen-
7. Dos supervisores de produção, para reduzir as tolerân- tam à medida que os itens tornam-se obsoletos e o ciclo
cias e, assim, os custos, ou para facilitar o processa- de produção fica mais longo porque os itens recém-
mento ou a montagem de alguma outra maneira. -especificados não são planejados e adquiridos de uma
Assim como as solicitações de mudança podem maneira oportuna.
emanar de todas as partes da organização, as mudanças 3. Os custos de mão de obra da produção disparam à me-
implementadas podem afetar todas as partes da organi- dida que a aceleração, a resolução de problemas e as
zação, incluindo particularmente compras, controle de configurações adicionais consomem horas de trabalho
estoque, marketing, atendimento ao público, supervi- diretas e indiretas.
são da produção e contabilidade de custos. Como essas O tratamento adequado das mudanças de engenharia
unidades organizacionais serão afetadas pela mudança, é o grande desafio dos métodos de documentação em
elas devem participar do processo decisório sobre a muitas empresas de alta tecnologia.
adoção dessa mudança (e quando ela de fato ocorrerá)
e ser notificadas de maneira oportuna sobre as mudan-
O TRADE-OFF ENTRE CUSTO E BENEFÍCIO
ças aprovadas.
O número de solicitações de mudança pode ser mui- Todas as mudanças trazem custos e benefícios, mesmo
to alto – dezenas para um produto simples, centenas as que simplesmente corrigem erros de projeto. O de-
para um instrumento complexo e milhares para um sis- safio é fazer a escolha apropriada. As mudanças de en-
tema abrangente. Cada mudança é suscetível de gerar genharia que alteram as especificações físicas e certos
um efeito em onda sobre a documentação. Por exemplo, componentes podem tornar obsoletos os componentes
a mudança de um único componente pode exigir uma atuais do estoque e exigir a reprogramação das ordens
mudança no desenho no qual ele aparece pela primeira de serviço da produção ou dos pedidos de compra com
vez, em uma ou mais listas de materiais, nos desenhos os fornecedores. Esses custos de obsolescência e repro-
das peças ou montagens mais acima na árvore do pro- gramação devem ser ponderados com as vantagens a
duto, nas folhas de instrução de montagem e assim por serem alcançadas a partir da mudança, a fim de decidir
diante. Cada mudança pode ter consequências óbvias e se e quando a mudança será efetuada. A melhor decisão
outras não tão óbvias, as quais precisam ser previstas, costuma ser postergar a mudança até que os estoques
avaliadas e, se for o caso, testadas. atuais se esgotem, até que novos fornecedores possam
508     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

ser incorporados ao fluxo ou até que ocorram outras garantia de qualidade e atendimento ao cliente. (Em
condições que venham a minimizar a disrupção. algumas empresas, ainda há outros departamentos
Algumas mudanças – por exemplo, no software de que deveriam aprovar formalmente as mudanças.)
computador – devem ser aceleradas para consertar um Cada um dos avaliadores deve ficar alerta para a pos-
defeito em um determinado programa, com a notifica- sível necessidade de solicitar informações de outras
ção enviada imediatamente para várias partes da orga- funções, tais como marketing e finanças. As listas
nização e para os clientes. Outras mudanças no software de verificação e as regras práticas podem ajudar a
– projetadas para melhorar as capacitações ou a eficiên­ facilitar o processo. Uma comissão de mudanças de
cia da execução – devem ser preservadas e incorpora- engenharia, responsável por resolver o conflito de
das a outras alterações nas novas versões periódicas decisão final entre custo e benefício quando surgem
de gerações inteiramente novas do software. Mudar a as disputas, deve ser constituída.
documentação de software é caro e normalmente tais
mudanças também exigem alterações nos manuais de MODELOS NOVOS VERSUS MUDANÇAS
operação, treinamento e serviço. Fazer mudanças em INCREMENTAIS
lote pode ser eficiente, mas essa vantagem deve ser pon-
derada com a desvantagem de postergar o lançamento Anteriormente, apontou-se a importância de congelar
de um produto aprimorado no mercado. o projeto de um novo produto, e sugeriu-se que as mu-
Quem inicia uma solicitação de mudança pode não danças de engenharia podem ocorrer em grandes quan-
estar a par de todas as ramificações da mudança pro- tidades. Que fatores os gestores deveriam considerar
posta. Uma mudança na peça M pode exigir uma adap- ao decidir o quanto de evolução do produto deve ser
tação na peça P ou na montagem T, a cara reformula- permitido por meio do mecanismo de solicitação de
ção do ferramental ou uma mudança no procedimento mudança de engenharia?
de manutenção que deve ser comunicada aos clientes e Acumular (ou formar lotes) solicitações de mudança
ao pessoal de atendimento ao público. A possibilidade de engenharia a fim de efetuar muitas mudanças de uma
de que o benefício vislumbrado a partir da solicita- só vez pode ter vantagens distintas na diminuição dos
ção de mudança de engenharia poderia ser realizado custos de implementação. As disrupções tanto na pro-
mais rapidamente por uma mudança alternativa deve dução quanto na engenharia são minimizadas.
ser avaliada. Por exemplo, um problema que poderia As vantagens mais importantes costumam estar pre-
ser corrigido por uma mudança no hardware também sentes no lançamento de um novo modelo ou linha de
poderia ser corrigido por uma mudança mais barata produto. A imagem da empresa no mercado pode me-
no software. lhorar quando ela lançar um novo produto ou modelo
Avalie todas as mudanças com base nos custos e que traga um desempenho muito superior. Pode haver a
benefícios. Resolver os trade-offs entre os custos e oportunidade para saltar à frente da concorrência. Uma
benefícios da mudança é complicado na maioria das série de mudanças incrementais pode não ter o mesmo
empresas de alta tecnologia pelo fato de que os da- impacto de marketing sobre os clientes que o lançamen-
dos relevantes tanto dos custos quanto dos benefícios to de um novo produto, e os concorrentes podem estar
não estão prontamente disponíveis para quem toma mais aptos a reagir a várias pequenas melhorias. Quan-
a decisão. As penalidades ou economias do custo de do essas condições estão presentes – como geralmente
produção podem ser determináveis (embora mesmo estão –, a gestão deve restringir a evolução do produto
aqui a maioria dos sistemas de contabilidade de cus- por meio de mudanças incrementais pequenas, mesmo
tos não revele os custos incrementais), mas os be- quando tais mudanças resultariam em alguma melhoria
nefícios ou custos tangíveis e intangíveis associados no desempenho.
às mudanças na posição competitiva, à facilidade de O pessoal de engenharia pode beneficiar-se da
manutenção ou às relações com fornecedores muitas oportunidade de recomeçar o projeto de desenvolvi-
vezes são incertos. Os custos para efetuar a mudança mento de uma linha de produtos para incorporar no-
– tempo de engenharia, esforço de geração da do- vas tecnologias ou novos conceitos de projeto que não
cumentação, renegociação por parte das compras e podem ser utilizados por causa das limitações do pro-
possível sucateamento do estoque – devem ser con- duto atual. Esse recomeço naturalmente é caro, mas
siderados na decisão. os novos concorrentes que estão entrando no mercado
As solicitações de mudança de engenharia de- não se encontram são comprometidos pelos produtos
vem ser encaminhadas para aprovação por meio de atuais. Desse modo, se a remoção de tais limitações
cada departamento afetado: engenharia de projeto, representa uma importante vantagem de projeto, os
engenharia de produção, planejamento de material, gestores devem estar certos de que essa vantagem não
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-1     509

seja negada aos seus próprios engenheiros de projeto. nharia. Quanto mais a empresa acomoda tais solici-
Por exemplo, os benefícios plenos de uma nova lin- tações, mais ela assume o aspecto de uma empresa
guagem de software não podem ser percebidos sem de consultoria em engenharia do que uma empresa
recomeços e o benefício máximo dos circuitos VLSI de produção. Quando clientes importantes fazem tais
não é percebido fazendo projetos incrementais a partir solicitações, elas devem ser acolhidas. Entretanto,
dos produtos atuais. frequentemente, as empresas com base em tecnolo-
Com relação a isso, novos modelos ou linhas de pro- gia incorporam mais e mais mudanças nos produtos,
duto, em vez de produtos atuais melhorados de maneira quando tais mudanças claramente não são coerentes
incremental, permitem a adoção de técnicas de produ- com a sua estratégia geral.
ção que proporcionam à empresa importantes vanta- A alocação equilibrada dos recursos de engenharia,
gens de custo e qualidade. O uso de robôs na fabricação assegurando a atenção adequada para o desenvolvimen-
e montagem costuma exigir algum reprojeto do produto to de produtos verdadeiramente novos, é um desafio
para fazer o melhor uso das funcionalidades desses ro- importante para os gestores. Quando a opinião domi-
bôs. As oportunidades para automação podem não ser nante nos conselhos de gestão é a produção, o resul-
evidentes ou, se forem evidentes, não ser justificáveis tado será um investimento excessivo em engenharia
em termos econômicos, caso o projeto do produto seja focada na manutenção do produto. Quando a opinião
considerado definitivo. O conceito da matriz produto- dominante é o marketing, pode resultar uma pressão
-processo presume que os projetos do produto e do pro- excessiva para adequar as solicitações dos consumi-
cesso estão sujeitos a mudanças e que estas podem e dores – para logo depois ser seguida pela insatisfação
devem estar relacionadas. com o ritmo lento do desenvolvimento de novos pro-
Porém, o caso não deve ser exagerado. Um líder de dutos. Quando a opinião dominante nos conselhos de
mercado, como a IBM nos computadores de grande gestão é o desenvolvimento, a engenharia de manu-
porte, talvez precise prestar atenção especial para frus- tenção essencial do produto pode ser enganada e opor-
trar as tentativas de os concorrentes copiarem (chama- tunidades muito atraentes podem ser negligenciadas.
das muitas vezes de “engenharia reversa”) seus pro- Não se pode permitir que qualquer uma dessas visões
dutos. Uma série permanente de mudanças de projeto míopes predomine.
bem planejadas pode complicar bastante o processo A comunicação entre a engenharia e a produção
de engenharia reversa e permitir que o líder mantenha é particularmente intensa, mas não necessariamen-
uma margem tecnológica e de desempenho sobre seus te rotineira, na conexão com a introdução de novos
concorrentes. produtos no chão de fábrica pelo laboratório de en-
genharia. As execuções de protótipos e produção-
-piloto podem ajudar na transferência, conforme
ALOCAÇÃO DOS RECURSOS DE ENGENHARIA acordo mútuo sobre o congelamento oportuno do
Associado ao problema dos novos produtos versus projeto. Quanto mais a empresa for dependente da
mudanças incrementais, está o risco inerente às em- tecnologia de processo, e não da tecnologia de ponta
presas de alta tecnologia de que recursos de engenha- do produto, mais completa deverá ser a documenta-
ria podem ser desviados do produto verdadeiramente ção do produto e processo. Como a documentação
novo para atender os produtos existentes. Os novos é, ao mesmo tempo, cara e difícil de controlar, as
produtos são a essência de empresas de alta tecnolo- empresas de alta tecnologia costumam enfatizá-la de
gia. Duas fontes desse desvio podem ser destacadas: modo insuficiente. Para manter o controle cuidadoso
manutenção da linha de produtos e “preços reduzidos” de produtos, processos, qualidade, custos e investi-
para o cliente. mentos em estoque, você deve sujeitar as mudanças
Neste artigo, venho enfatizando que a engenharia sugeridas nos produtos existentes a procedimentos
contínua dos produtos existentes não é algo sem impor- rigorosos e bem definidos para certificar-se de que as
tância, particularmente à medida que a produção busca inúmeras ramificações potenciais da mudança sejam
melhorar a produtibilidade do produto e reduzir seus plenamente avaliadas. Ao formular a sua política de
custos e à medida que é percebida a necessidade de me- mudanças de engenharia, a empresa de alta tecnolo-
lhorias na documentação. No entanto, não se deve per- gia deve considerar o trade-off entre lançar um novo
mitir que essa manutenção consuma todos os recursos modelo ou permitir a evolução do produto por meio
de engenharia. de uma série de mudanças incrementais. A política
As solicitações de modificações nos produtos também deve garantir que os recursos de engenharia
solicitados pelos clientes para satisfazer exigências não sejam tão comprometidos com a manutenção do
particulares consomem recursos preciosos de enge- produto e nem com as solicitações dos clientes.
510     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

ARTIGO 4-2 em parte, uma função da metodologia e da população


específica estudada pelo pesquisador.2
O ciclo de aprendizagem dos
novos produtos* O projeto de inovação de Stanford
(Sinpro – Stanford innovation project)
M. A. Maidique e B. J. Zirger Em uma pesquisa com 158 produtos no setor de eletrô-
nicos, metade sucessos e metade fracassos, desenvolve-
Este artigo resume o nosso estudo abrangente (n = 158) mos a nossa própria lista dos principais determinantes
sobre o sucesso e o fracasso dos novos produtos no se- do sucesso de um novo produto.3 Os oito fatores prin-
tor de eletrônicos. Constatou-se que os “fatores exter- cipais que identificamos estão relacionados a seguir,
nos” que contribuem para o fracasso comercial de um aproximadamente em sua ordem de importância esta-
produto com base na situação da economia, concorrên- tística. Os produtos poderão alcançar o sucesso se:
cia externa e falta de financiamento não são os que mais
contribuem para o fracasso do produto em um setor. Os 1. A organização que o está desenvolvendo, por meio da
compreensão profunda dos clientes e do mercado, lan-
fatores que podem ser profundamente influenciados
çar um produto com uma relação desempenho-custo
pela gestão, como a coordenação das funções, criar,
elevada.
produzir e comercializar, a qualidade e frequência das
2. As funções criar/produzir/comercializar forem bem co-
comunicações com o cliente, o valor do produto para ordenadas, com interfaces bem definidas.
o cliente e a qualidade e eficiência da gestão técnica 3. O produto proporcionar uma alta margem de contribui-
explicaram a maior parte da variação entre os produtos ção para a empresa.
bem-sucedidos e malsucedidos. Com base nessas cons- 4. O novo produto aproveitar de maneira significativa as
tatações, foi desenvolvido uma estrutura conceitual forças tecnológicas e de marketing existentes nas uni-
para compreender e gerir o processo de desenvolvimen- dades de negócio que o desenvolvem.
to de novos produtos, que coloca a aprendizagem e a 5. A organização que desenvolve o produto for proficiente
comunicação no estágio central. em marketing e comprometer uma quantidade signifi-
Os sucessos e fracassos na nossa amostra mantive- cativa dos seus recursos para vender e promover o novo
ram uma forte relação entre si. O conhecimento adqui- produto.
rido a partir dos fracassos muitas vezes foi providencial 6. O processo de P&D for bem planejado e coordenado.
para alcançar sucessos posteriores, enquanto o sucesso 7. Houver um alto nível de apoio da gestão ao produto,
resultou frequentemente em desaprender o processo que do seu estágio de concepção até o seu lançamento no
provocou o sucesso original. Essa observação nos levou mercado.
a postular um “modelo do ciclo de aprendizagem” dos 8. O produto for um concorrente precoce no mercado.
novos produtos, no qual os sucessos e fracassos comer- O estudo que levou a essas conclusões consistiu em
ciais alternam-se em um padrão regular de aprendiza- duas pesquisas exploratórias descritas em detalhes em
gem e desaprendizagem. outro trabalho.4 A primeira pesquisa ficou em aberto e
foi dividida em duas seções. Na primeira parte, pedimos
INTRODUÇÃO ao respondente que escolhesse um par de inovações:
um sucesso e um fracasso. Os sucessos e fracassos fo-
Muitos fatores influenciam o sucesso do produto, o que
ram diferenciados por critérios financeiros. A segunda
em grande parte é um consenso entre os pesquisado-
seção da pesquisa original pedia aos respondentes que
res da área. O produto, as ligações organizacionais da
listassem, com suas próprias palavras, os fatores que,
empresa, o ambiente competitivo e o mercado podem
segundo eles, haviam contribuído para o resultado do
desempenhar papéis importantes. Por sua vez, os resul-
produto. Setenta e nove executivos de empresas de alta
tados da pesquisa sobre o sucesso e o fracasso1 de um
tecnologia preencheram esse questionário.
novo produto são remanescentes da obra A Revolução
A pesquisa seguiu com a definição de 60 variáveis
dos Bichos, de George Orwell, em que alguns fatores
derivadas de três fontes: (1) análise dos resultados da
parecem ser “mais iguais que outros”. Porém, o exato
conjunto de fatores que predomina parece ser, ao menos

2
M. A. Maidique and B. J. Zirger, “A Study of Success and Failure
*
Fonte: Research Policy, December 1985. © 1985, Elsevier Science in Product Innovation: The Case of the U.S. Electronics Industry”,
Publishers B.V. (North-Holand). Reimpresso com permissão. IEEE Transactions on Engineering Management, EM-31 n. 4 (1984),
1
R. C. Cooper, “A Process Model for Industrial New Product Develop- pp. 192-203.
ment”, IEEE Transactions on Engineering Management, EM-30 n.1 3
Ib.
(1983), pp. 2-11. 4
Ib.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     511

primeira pesquisa, (2) revisão da literatura aberta e (3) a identificamos – ou entre elas e alguns fatores ainda
ampla experiência dos próprios autores no desenvolvi- não descobertos? Qual é a validade das nossas gene-
mento de produtos de alta tecnologia. Cada responden- ralizações finais? E, mais importante, quais foram as
te, com base nas duas inovações originais identificadas mensagens conceituais subjacentes na lista de fatores?
na pesquisa 1, determinou, para cada variável, se ela Em suma, estávamos preocupados que talvez a nossa
teve influência no resultado de sucesso, fracasso, ne- análise estatística pudesse ter obscurecido ideias im-
nhum dos dois ou ambos. A pesquisa 2 foi concluída por portantes.
59 dos 79 executivos originais. Ao refletir sobre sua pesquisa referente à psique in-
Os resultados dessas duas pesquisas iniciais foram dividual, Carl Jung chegou à seguinte conclusão:8
divulgados anteriormente.5 Em suma, realizamos várias O método estatístico mostra os fatos à luz da média, mas
análises estatísticas para cada variável e tipo de inova- não proporciona uma imagem da sua realidade empírica.
ção, incluindo a determinação das médias e desvios-pa- Enquanto reflete um aspecto incontestável da realidade, ele
drão, significância binomial e agrupamento. A Figura pode falsificar a verdade real de uma maneira mais equivoca-
1 mostra a significância binomial das 37 variáveis que da. […] O que diferencia os fatos reais, porém, é a sua indivi-
fizeram a distinção entre sucesso e fracasso. Combinan- dualidade. Sem querer exagerar, pode-se dizer que a imagem
real consiste em nada mais do que exceções à regra e que,
do os nossos resultados estatísticos com a análise do
como consequência, a realidade tem predominantemente a
conteúdo da nossa pesquisa inicial, derivamos as oito característica de irregularidade.
proposições listadas anteriormente.
Usando esses oito fatores como ponto de partida, Tais irregularidades fizeram que um dos pesquisa-
desenvolvemos, então, um diagrama de blocos do pro- dores mais experientes na área questionasse se existem
cesso de desenvolvimento de um novo produto que en- coisas em comum nos sucessos dos novos produtos.
foca as características desse produto e as inter-relações “Talvez”, observou Cooper, “o problema seja tão com-
funcionais que são mais influentes na determinação do plexo e cada caso tão único que as tentativas de genera-
sucesso ou fracasso de um novo produto (Figura 2). lizar as soluções sejam em vão”.9
O processo de inovação é uma luta permanente entre
as forças de mudança e as da situação vigente. As di- METODOLOGIA
ferenças de percepção entre o inovador e o cliente e
também entre os grupos que criam a base do processo Para tratar das questões observadas anteriormente, pre-
de inovação – e engenharia, marketing e produção – paramos estudos de caso aprofundados para 40 dos 158
conspiram para desviar o desenvolvimento do novo produtos originais, a fim de procurar falhas metodológi-
produto ou tirá-lo do caminho do sucesso. A gestão cas ou irregularidades importantes que pudessem desa-
efetiva tenta integrar esses atores e alocar novos recur- fiar os resultados da nossa análise estatística (Figura 1).
sos de uma maneira que torne o novo possível. Essas Os estudos de caso foram preparados, sob a supervisão
ideias são a base de um modelo do processo de de- dos autores, por 45 assistentes graduados.10 Dezessete
senvolvimento de um novo produto que descrevemos empresas de eletrônica da Costa Oeste que participa-
em mais detalhes e validamos empiricamente em um ram em 1982 do Stanford-AEA Executive Institute e
próximo artigo.6 de nossas duas pesquisas originais serviram como base
As oito proposições resultantes da nossa análise para 20 estudos de caso. Esse subconjunto dos pares
foram as “verdades” objetivas que resultaram da aná- de produtos originais serviu como unidade da análise
lise estatística da nossa grande amostra de sucessos e nos estudos de caso. Dois ou mais assistentes de pro-
fracassos de novos produtos. Embora coincidentes em jeto entrevistaram gestores e tecnologistas e prepararam
seus aspectos com o trabalho de outros pesquisadores,7
esses resultados não nos satisfizeram totalmente. Dei-
xamos passar variáveis importantes em nossas pesqui-
sas estruturadas? Nossos respondentes compreende- 8
C. G. Jung, The Undiscovered Self (New American Library, 1957), p. 17
ram as nossas perguntas? Não conseguimos detectar
9
R. C. Cooper, “The Dimensions of Industrial New Product Success and
Failure”, Journal of Marketing 43 (1979), p. 102.
relações importantes entre algumas das variáveis que 10
Os autores gostariam de expressar seus agradecimentos aos seguintes
alunos graduados e candidatos a doutorado que auxiliaram na prepara-
ção de cada estudo de caso: P. Achi, G. Ananthasubramanianium, R. An-
gangco, C. Badger, B. Billerbeck, R. Cannon, D. Chinn, L. Christian, B.
Connor, A. Dahlen, S. Demetrescu, B. Drobenko, R. Farros, H. Finger,
5
Ib. H. Jagadish, L. Girault-Cuevas, R. Guior, T. Hardison, Y. Honda, J. Jover,
6
B. J. Zirger and M. A. Maidique (forthcoming), “Empirical Testing of C. Koo, T. Kuneida, S. Kuraski, M. Lacayo, D. Lampaya, D. Ledakis, L.
a Conceptual Model of Successful New Product Development”, a ser Lei, R. Ling, S. Makmuri, P. Matlock, C. Mungale, R. Oritz, B. Raschle,
submetido à Management Science. R. Reis, B. Russ, E. Saenger, J. Sanghani, V. Sanvido, F. Sasselli, R.
7
Cooper, “Process Model”. Simon, P. Stamats, R. Stauffer, L. Taurel, B. Walsh, F. Zustak.
512     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Variáveis significantes da pesquisa 2 agrupadas por variável de índice

As inovações bem-sucedidas foram: Número de Binomial Avaliação da


observações cumulativo significância

1. Mais compatíveis com as necessidades do usuário.


Mais compatíveis com as necessidades do cliente. 44 8.53 E-09 +++
Desenvolvidas por equipes que compreenderam melhor 44 1.27 E-05 +++
as necessidades do usuário. 49 7.01 E-04 −−−
Mais rapidamente aceitas pelos usuários.

2. Planejadas de maneiras mais efetiva e eficiente.


Previstas com mais exatidão (mercado). 43 1.25 E-07 +++
Desenvolvidas com uma estratégia de mercado mais clara. 45 1.24 E-04 +++
Formalizadas mais cedo. 45 3.30 E-03 +++
Desenvolvidas com menos variância entre as despesas reais e as orçadas. 46 2.70 E-02 −−
Inicialmente previstas para serem mais bem-sucedidas comercialmente.

3. Relação custo-benefício mais elevada. 42 8.21 E-02 +


Precificadas com margens de lucro mais altas. 51 6.06 E-08 +++
Permitidas a uma maior flexibilidade de preços. 52 1.02 E-06 +++
Mais significantes no que diz respeito à relação custo-benefício.

4. Desenvolvidas por organizações mais integradas. 43 6.86 E-03 +++


Desenvolvidas por divisões funcionais mais integradas. 39 1.68 E-07 +++

5. Desenvolvidas com mais eficiência.


Menos atormentadas por problemas pós-venda. 35 5.84 E-05 −−−
Desenvolvidas com menos mudanças de pessoal na equipe de projeto. 28 6.27 E-03 −−−
Afetadas por menos mudanças durante a produção. 41 1.38 E-02 −−
Desenvolvidas com uma equipe de projeto mais experiente. 39 2.66 E-02 ++
Menos modificadas após o início da produção. 47 7.19 E-02 −
Desenvolvidas em um cronograma mais apertado. 39 9.98 E-02 +

6. Comercializadas e vendidas mais ativamente.


Divulgadas mais ativamente. 39 4.74 E-03 +++
Promovidas por uma força de vendas maior. 28 6.27 E-03 +++
Integradas a um esforço de marketing para educar os usuários. 37 1.00 E-02 ++

7. Mais próximas das áreas de especialização da empresa.


Mais auxiliadas pela pesquisa básica interna. 25 7.32 E-03 +++
Exigiam menos canais de marketing novos. 25 7.32 E-03 −−−
Mais próximas da principal área de negócios da empresa. 30 8.06 E-03 +++
Mais influenciadas pela reputação da empresa. 29 3.07 E-02 ++
Menos dependentes dos produtos existentes no mercado. 36 6.62 E-02 −
Exigiam menos diversificação em relação aos mercados tradicionais. 24 7.58 E-02 −

8. Lançadas no mercado antes da concorrência.


No mercado muito tempo antes de os produtos concorrentes serem lançados. 44 1.13 E-02 ++
Produtos do tipo “primeiro a chegar ao mercado”. 39 1.19 E-02 ++
Inovações mais agressivas. 46 5.19 E-02 +
Geralmente não eram produtos do tipo “segundo a chegar ao mercado”. 36 6.62 E-02 −
Mais apoiadas pela gestão.

9. Mais apoiadas pela alta gestão. 31 1.66 E-03 +++


Potencialmente mais impactantes nas carreiras dos membros 32 5.51 E-02 +
da equipe de projeto. 39 9.98 E-02 +
Desenvolvidas com um líder de projeto mais experiente.

10. Tecnicamente superiores.


Mais próximas da tecnologia de ponta. 36 3.26 E-02 ++
Mais difíceis de serem copiadas pela concorrência. 45 3.62 E-02 ++
Mais radicais em relação à tecnologia mundial. 42 8.21 E-02 +
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     513

FIGURA 2 Diagrama dos elementos críticos do processo de sucesso e fracasso além dos limites unidimensionais
de desenvolvimento do novo produto
do retorno financeiro. Na realidade, sucesso e fracasso
muitas vezes se parecem parceiros íntimos, não adversá-
rios, no desenvolvimento organizacional e empresarial.
Mercado Finalmente, no item “O ciclo de aprendizagem do novo
Valor
produto”, postulamos um modelo evolucionário do de-
Clientes mais importantes senvolvimento de novos produtos, que acreditamos levar
Contribuição a uma melhor compreensão da relação entre sucesso e
fracasso. Em muitas das proposições que apresentamos
aqui, carecemos do suporte analítico subjacente aos oito
Gestão fatores identificados em nossa pesquisa original. Toda-
via, consideramos que essas descobertas, que certamente
iluminarão mais pesquisas – incluindo a nossa própria –
são tão importantes quanto nossos resultados estatísticos.
Engenharia Marketing

DEFINIÇÃO DE “NECESSIDADES DO USUÁRIO”


E “VALOR DO PRODUTO”
Produção Os estudos de caso detalhados reforçaram bastante as
principais constatações do estudo global 11 e enriquece-
ram algumas das constatações dos questionários estrutu-
rados ao fornecerem informações recentes sobre algumas
relatórios por escrito que incluíram transcrições ou resu-
variáveis fundamentais. Neste artigo, concentramo-nos
mos das entrevistas, informações básicas sobre a empre-
nas variáveis mais importantes e, talvez, menos específi-
sa, o ambiente competitivo, o processo de desenvolvi-
cas: “compreender o mercado” e “necessidades do usuá-
mento do produto, as características de cada um dos dois
rio”, que resultam em produtos de “alto valor”.
produtos, a validação da pesquisa 2 original e uma análi-
Uma das principais constatações da nossa pesquisa
se crítica dos fatores que contribuíram para o sucesso ou
com uma amostra grande foi que as “necessidades do
fracasso em cada caso. Ao todo, 101 gestores e tecnolo-
usuário” e a “compreensão do cliente e do mercado”
gistas foram entrevistados em 148 horas de entrevistas.
são de importância central na previsão do sucesso ou
A maioria das empresas forneceu às equipes de pes- fracasso de um novo produto, um resultado que equi-
quisa informações detalhadas sobre finanças, marketing vale às descobertas do estudo pioneiro comparativo em
e projeto pertinentes a cada um dos produtos, incluindo, pares, SAPPHO.12 Entretanto, esse resultado contribui
em alguns casos, memorandos internos que rastrearam as pouco para esclarecer como uma empresa chega a tal
histórias do desenvolvimento dos produtos. Por causa da compreensão. Ainda mais, mencionar as necessidades
confidencialidade desses dados, não devemos identificar do usuário a posteriori como uma variável explicati-
nenhuma das empresas, mas gostaríamos de agradecer va fundamental no sucesso do produto pode ser sim-
pelas contribuições para o projeto. Em alguns casos, para plesmente descartado como tautológico. Naturalmente,
ilustrar um assunto, optamos por utilizar exemplos do do- pode-se argumentar que a empresa “compreendeu” as
mínio público ou de casos publicados sobre os quais nós necessidades do usuário se o produto foi um sucesso.
ou outros pesquisadores escrevemos a respeito e podemos Ampliando essas críticas, Mowery e Rosenberg fizeram
mencionar uma empresa pelo nome; porém, as empresas notar que a expressão necessidade do usuário de qual-
que colaboraram com o projeto são mantidas no anonima- quer forma é vaga e não tem a precisão com que os eco-
to ou ganharam nomes fictícios que, quando introduzidos nomistas definem as variáveis de mercado relacionadas,
pela primeira vez, são colocados entre aspas. como a demanda.13 Porém, o que parece ser importante
Este artigo relata como esses estudos de casos e as
transcrições das entrevistas associadas enriqueceram
nossas conclusões anteriores. No item “Definição de
‘necessidades do usuário’ e ‘valor do produto’”, escla- 11
Maidique and Zirger, “A Study of Success”.
recemos expressões que empregamos na nossa pesqui-
12
R. Rothwell, C. Freeman, A. Horley, V. I. P. Jervis, Z. B. Robertson and
J. Townsend, “SAPPHO Updated – Project SAPPHO, Phase II”, Research
sa, especificamente necessidades do usuário e valor do Policy 3 (1974), pp. 258-91. Ver também C. Freeman, The Economics of
produto. No item “Como deve ser mensurado o sucesso Industrial Innovation (Harmondsworth: Penguin Books, 1974), pp. 161-97.
13
D. Mowery and N. Rosenberg, “The Influence of Market Demand
do produto?”, exploramos o significado do sucesso. Os upon Innovation: A Critical Review of Some Recent Empirical Studies”,
estudos de casos nos levaram a expandir nosso conceito Research Policy 8 (1979), pp. 101-53.
514     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

é determinar se existem ações retrospectivas/preceden- produtos do que as inexperientes, uma hipótese confir-
tes identificáveis que as organizações executam para mada pela nossa pesquisa anterior e pelas pesquisas de
desenvolver e refinar a compreensão da empresa sobre outras pessoas.14
as necessidades do cliente. Entretanto, a maioria dos nossos informantes ca-
Na maioria dos casos em que os entrevistados in- racterizou a captura das “necessidades do usuário” em
dicaram um produto que obteve sucesso por causa da termos de ação ordenada. Para o produto de sucesso na
“melhor compreensão das necessidades do cliente”, díade, eles descreveram a empresa como tendo solici-
eles foram capazes de sustentar essa visão citando ações tado de forma mais aberta, frequente, cuidadosa e con-
ou eventos específicos. Tanto a capacidade experimen- tínua a reação do cliente antes, após e durante o início
tal da gestão e da equipe de desenvolvimento quanto as do processo de desenvolvimento e lançamento. Em al-
ações tomadas durante o processo de desenvolvimento guns casos, a tentativa de obter uma reação do cliente
e lançamento foram consideradas importantes. chegou ao extremo. A “Electrotest”, uma fabricante de
Portanto, uma linha de argumentação foi: compreen­ equipamentos de testes, conduziu revisões de projeto
demos as necessidades do cliente porque os gestores, para um novo produto de sucesso nas fábricas dos seus
engenheiros e pessoal de marketing associados ao pro- grandes clientes. Em geral, os produtos de sucesso re-
duto eram pessoas com experiência de longa data em sultaram de ideias originárias dos clientes, filtradas por
tecnologia e/ou mercado. Em uma situação como essa, gestores experientes. Em um caso, relatou-se que os
alguns executivos argumentam, é preciso muito pouca clientes “exigiram” que um fabricante de instrumentos
pesquisa de mercado porque a gestão da empresa está, desenvolvesse um novo testador lógico. Como regra, o
o tempo todo, próxima do cliente e da dinâmica das processo de desenvolvimento dos produtos de sucesso
suas variáveis necessidades. Como explicou o vice- caracterizava-se pela interação frequente e profunda
-presidente de grupo de uma grande fabricante de ins- com o cliente em todos os níveis e no decorrer de todo
trumentos, “Fomos capazes de estabelecer os objetivos o processo de desenvolvimento e lançamento. Embora
corretos de projeto, particularmente os objetivos de cus- não tenhamos encontrado (e não tenhamos procurado) o
to, porque conhecíamos o negócio, podíamos gerir pela que Hippel descobriu em sua pesquisa detalhada sobre
intuição (ênfase do autor)”. instrumentos eletrônicos, que os usuários em muitos
Essa abordagem também era evidente em outras em- casos já desenvolveram o próximo produto da empresa,
presas. Quando a “Perfecto”, uma importante fabricante ficou claro que, mais do que qualquer outro grupo inte-
americana de equipamentos de processo, induzida por ressado, eles podiam apontar as ideias que resultariam
uma solicitação de um de seus clientes europeus, enco- em futuros produtos de sucesso.15
mendou uma pesquisa de mercado doméstica para avaliar No entanto, não basta simplesmente escutar os
a demanda potencial de um novo produto que combinava clientes. É de importância primordial ouvir os possí-
as funções de dois dos seus produtos existentes, o resulta- veis usuários sem preconceitos ou segundas intenções.
do foi quase unanimemente negativo. Por causa de uma Algumas empresas apaixonam-se pelo conceito de um
peculiaridade no fluxo de processos nas fábricas ameri- novo produto e deixam de testar a ideia considerando
canas (que diferiam das fábricas europeias), os clientes a realidade do mercado. Não surpreendentemente, elas
domésticos não viam de imediato um valor significativo descobrem mais tarde que o benefício para o cliente era
no produto integrado. Apesar dos dados da pesquisa de mais óbvio para a empresa do que para o próprio clien-
mercado, os executivos da Perfecto continuavam a acre- te ou que os benefícios do produto eram tão específi-
ditar que o produto seria altamente compensador em ter- cos que o mercado limitava-se ao cliente original. Por
mos de custo para seus clientes mundiais. Balizados pelo essas razões, o presidente de uma empresa fabricante
entusiasmo na Europa e por uma sensação de profunda de equipamentos de teste automatizados fez a seguinte
compreensão dos seus clientes, resultante de 13 anos de advertência: “Quando escutar os clientes, limpe da sua
experiência no mercado de equipamentos de processo mente o que você gostaria de escutar – uma escuta zen”.
controlados automaticamente, o presidente da Perfecto A menos que essa ação de escutar cascateie por toda
deu o sinal verde para o projeto. Sua experiência e au- a organização da empresa e seja continuamente verifi-
toconfiança surtiram efeito. Acabou ocorrendo uma pro- cada em relação ao “mercado”, os novos produtos não
cura significativa pela nova máquina em ambos os lados terão o valor para o cliente que resulte em um sucesso
do Atlântico.
Essas explicações calcadas na experiência, porém,
nada mais são do que esquemas de ação parcialmen- 14
A. C. Cooper and A. V. Bruno, “Success Among High-Technology
Firms”, Business Horizons 20, n. 2 (1977), pp. 16-22.
te úteis. O argumento diz apenas que as pessoas expe- 15
E. A. von Hippel, “Users as Innovators”, Technology Review, n. 5
rientes se saem melhor no desenvolvimento de novos (1976), pp. 212-39.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     515

comercial importante. Uma característica predominante FIGURA 3 Distribuição dos sucessos e fracassos por
grau nos estudos de caso
dos 20 produtos industriais bem-sucedidos que exami-
namos em nossos estudos de caso é que eles resultaram 60
em benefícios econômicos quase imediatos para seus 53%
usuários, não só em termos da redução de custos diretos 47%

Porcentagem do total (N = 20)


de produção ou operação. Os produtos de sucesso pa-
receram responder à função de utilidade dos possíveis 40 37% 37%
clientes, que incluía qualidade, serviço, confiabilidade,
facilidade de uso e compatibilidade.
O baixo custo ou o desempenho técnico extraordi-
20
nário por si só não resultaram em sucessos comerciais. 16%

Os produtos malsucedidos muitas vezes eram maravi- 10%

lhas tecnológicas que receberam prêmios de excelência


técnica e foram divulgados em jornais de prestígio. To- 0
davia, é comum que esse desempenho técnico extraor­ –3 –2 –1 0 1 2 3

dinário tenha um preço alto e muitas vezes não seja Inovações com menos sucesso
necessário. Um gestor da “International Instruments”, Inovações com mais sucesso
uma fabricante de instrumentos com reputação de ex-
celência técnica, descreveu assim a maioria de suas
decepções com novos produtos: “Desempenho muito produtos fracassados resultaram em retornos abaixo do
alto a um custo muito alto. Essa é a história por trás break-even. Usando essa mensuração, nossa popula-
de praticamente todos os nossos produtos fracassados”. ção de sucessos e fracassos combinou-se para formar
Ao contrário desse fenótipo, os sucessos dos novos uma distribuição claramente bimodal (Figura 3) que
produtos tendem a ter um impacto radical nos lucros e reforçou a nossa suposição de que estávamos lidando
perdas do cliente, direta ou indiretamente. A “Miltec”, com duas classes distintas de fenômenos. Embora obter
fabricante de sistemas eletrônicos, divulgou que o seu e plotar esses tipos de dados tenha ido além do que a
bem-sucedido contador eletrônico poupou a seus usuá- maioria dos pesquisadores de sucesso/fracasso anterio-
rios 70% em custos de mão de obra e tempo de inati- res considerava necessário fornecer, nossos estudos de
vidade. A “Informatics”, fabricante de periféricos para caso detalhados nos levaram a concluir que pode não ter
computador, desenvolveu uma cabeça magnética muito sido o suficiente.
bem-sucedida que não só era compatível com a IBM, O sucesso é definido como a realização de algo
mas também 20% mais barata e oferecia uma vanta- desejado, planejado ou tentado. Embora o retorno fi-
gem de desempenho três vezes maior. Um receptor nanceiro seja um dos parâmetros de desempenho in-
integrado de navegação por satélite desenvolvido pela dustrial mais facilmente quantificáveis, está longe de
“Marine Technology”, uma empresa de comunicações, ser o único importante. Os “fracassos” de novos pro-
reduziu tanto o tempo de inatividade a bordo nos navios dutos podem resultar em outros subprodutos importan-
da Marinha mercante em comparação com os modelos tes: desenvolvimento organizacional, tecnológico e de
modulares mais antigos que a empresa ficou sobrecar- mercado. Alguns dos fracassos de novos produtos que
regada de pedidos. As primeiras 300 unidades cobriram estudamos levaram a becos sem saída e resultaram em
o investimento de US$ 2,5 milhões em P&D; no total, crescimento organizacional muito limitado. No entanto,
foram vendidas 7 mil unidades. Os produtos fracassa- muitos outros – a maioria – foram eventos muito im-
dos proporcionaram pouco benefício econômico. Eles portantes no desenvolvimento da empresa inovadora.
eram caros e também eram atormentados por problemas Alguns foram a base clara para grandes sucessos que
de qualidade e confiabilidade, o que resulta em custos vieram logo depois.
adicionais para o usuário. A International Instruments, uma grande empresa de
produtos eletrônicos, desenvolveu um novo instrumento
com base em uma nova tecnologia de semicondutores
COMO DEVE SER MENSURADO O SUCESSO
(matriz de diodos) que a empresa ainda não havia utiliza-
DO PRODUTO?
do em um dos seus produtos comerciais. O instrumento,
Nossas pesquisas originais usaram uma taxonomia apesar de tecnicamente excelente, foi desenvolvido para
unidimensional do sucesso. O sucesso foi definido ao um mercado novo onde a empresa não teve sensibilida-
longo de um eixo financeiro simples. Os produtos de de apurada em relação ao valor que significava para o
sucesso produziram um retorno elevado, enquanto os cliente. Poucas unidades foram vendidas e o produto foi
516     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

classificado como um fracasso. Entretanto, a experiência em voos de grande altitude. As pás das turbinas utilizadas
adquirida com a tecnologia de matriz de diodos tornou- no jumbo por excelência, o famoso Boeing 747, falharam
-se a base para o aprimoramento de outras famílias de frequentemente sob estresse no período de 1969 a 1970.19
produtos com base nesse conhecimento técnico recém- Apesar dessas lições, ou por causa delas, a Boeing fez
-adquirido. A organização aprendeu sobre as caracterís- mais da metade das vendas de aviões comerciais a jato
ticas do novo mercado por meio do produto de matriz de na Europa, fora do bloco soviético. Segundo o vice-
diodos e, munida com novas informações, desenvolveu -presidente-executivo da Boeing Commercial Airplane
um produto redesenhado que foi um sucesso comercial. Company, ele próprio um ilustre projetista de aeronaves
Seus desenvolvedores perguntaram: “O produto de ma- a jato: “Somos bons em parte porque construímos mui-
triz de diodos foi realmente um fracasso?”. tos aviões. Aprendemos com nossos erros e cada um dos
Nesse e em outros casos observados, o fracasso nossos aviões absorve tudo o que aprendemos nos mode-
contribuiu naturalmente para os sucessos posteriores, los anteriores e com outros aviões”.20
aumentando o conhecimento da organização sobre no-
vos mercados ou tecnologias ou construindo a força da Aprender fazendo, usando e fracassando
própria organização. Um exemplo do domínio público Há muito se reconhece que existe uma forte curva de
ilustra essa questão. Após a Apple Computer ter sido aprendizagem associada à atividade de produção. Ar-
castigada por problemas de fabricação e confiabilida- row caracterizou a aprendizagem proveniente do desen-
de que atormentaram o lançamento do Apple III e que volvimento de habilidade crescente na fabricação como
fizeram a empresa perder a liderança no mercado de “aprender fazendo”,21 que resulta em custos de mão de
computadores pessoais e gerar uma grande fatia do obra mais baixos. O conceito de melhoria pela aprendi-
mercado para a IBM, o presidente da Apple resumiu zagem com a experimentação foi elaborado posterior-
assim a experiência: “Não há dúvida de que o Apple mente pelo Boston Consulting Group e por outros para
III foi a nossa experiência de maior amadurecimento. incluir melhorias no processo de produção, sistemas de
Felizmente, isso aconteceu quando estávamos anos à gestão, distribuição, vendas, publicidade, treinamento
frente da concorrência. Foi um momento perfeito para de funcionários e motivação. Esse processo de reforço
aprender”.16 Conforme demonstrado pela qualidade de de aprendizagem, que tem sido demonstrado por mui-
fabricação das máquinas Apple IIe e IIc, a Apple, isto é, tos processos para reduzir os custos totais por uma por-
a divisão do Apple II, aprendeu muito com os percalços centagem previsível cada vez que o volume duplica, é
do Apple III. Na realidade, Sahal apontou que o sucesso chamado de curva de aprendizagem.22
no desenvolvimento de novas tecnologias é uma ques- Rosenberg, com base em seu estudo sobre a indús-
tão de aprendizagem:17 “Existem poucas inovações sem tria aeronáutica, propôs um tipo diferente de aprendiza-
uma história de trabalho perdido. O que acaba tornando gem: “aprender usando”.23 Rosenberg faz uma distinção
possível a maioria das técnicas é a lição aprendida com entre aprendizagem “interna” e “externa” do processo
os erros do passado”. Em seu estudo clássico sobre os de produção. A aprendizagem interna resulta da expe­
fracassos tecnológicos, Whyte argumenta que a maioria riência com a fabricação do produto, “aprender fazendo”;
dos avanços da engenharia foi alcançada transformando a aprendizagem externa é o resultado do que acontece
fracasso em sucesso.18 Para Whyte, o desenvolvimento quando os usuários têm a oportunidade de usar o produ-
da engenharia é um processo de aprendizagem com os to por longos períodos. Sob tais circunstâncias, podem
erros do passado. derivar dois tipos de conhecimento útil na organização
Poucos pensariam na Boeing Company e em seus desenvolvedora. Um tipo de aprendizagem (incorpora-
fornecedores como um bom exemplo dos argumentos do) resulta nas modificações de projeto que melhoram o
de Sahal e Whyte. No entanto, Rosenberg apontou que os desempenho, a usabilidade ou a confiabilidade; um se-
primeiros 707s, considerados durante muitos anos as aero- gundo tipo de aprendizagem (não incorporada) resulta
naves mais seguras, entravam em mergulhos inexplicáveis
na melhor operação do produto original ou do produto
modificado posteriormente.
16
M. A. Maidique, J. S. Gable and S. Tylka, “Apple Computer (A) and
(B)”, Case #S-BP-229(B) (Stanford Business School Central Services,
Graduate School of Business, Rm. 1, Stanford, CA, 1983). Ver também 19
N. Rosenberg, Inside the Black Box, Technology and Economics (Cam-
M. A. Maidique and C. C. Swanger, “Apple Computer: The First Ten bridge: Cambridge University Press, 1982), pp. 124-26.
Years”, Case #PS-BP-245 (Stanford Business School Central Services, 20
J. Newhouse, The Sporty Game (New York: Alfred A. Knopf, 1982), p. 7.
Graduate School of Business, Rm. 1, Stanford, CA, 1985). 21
K. Arrow, “The Economic Implications of Learning by Doing”, Review
17
D. Sahal, Patterns of Technological Innovation (Reading, Mass.: of Economic Studies, June 1962.
Addison-Wesley Publishing, 1981), p. 306. 22
B. Henderson, Perspectives on Experience (Boston Consulting Group,
18
R. R. Whyte, Engineering Progress Through Trouble (London: Institution 1968) (terceira edição, 1972).
of Mechanical Engineers, 1975). 23
Arrow, “Economical Implications”, pp. 120-40.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     517

FIGURA 4 Um modelo de aprendizagem interna e externa Apple III e para o altamente bem-sucedido produto se-
guinte, o Apple IIe.24
Mercado Quando a transferência da aprendizagem de um
Aprender usando produto para o outro é reconhecida, torna-se claro que
Valor
a medida total do impacto de um produto só pode ser
Principais clientes determinada vendo-a no contexto de ambos os produ-
Contribuição tos que o precederam e dos que vieram depois. Embora
possam ser obtidas informações úteis focando indivi-
Aprender fracassando dualmente os produtos ou pares de produtos, a família
Gestão do produto é uma unidade de análise muito superior a
partir da qual derivam prescrições para a prática dos
gestores. A família do produto incorpora a inter-relação
Engenharia Marketing
entre os produtos, a aprendizagem a partir dos fracassos
e dos sucessos. Assim, as medidas financeiras do suces-
Aprender fazendo so deviam ser aplicadas de maneira mais adequada na
família do produto, incluindo as falsas largadas, e não
Produção
nos produtos individualmente.
Considere uma trinca de produtos desenvolvidos ao
longo de um período de dez anos por um fabricante de sis-
Em nosso estudo, descobrimos outro tipo de apren- temas eletrônicos. Por vários anos, a Marine Technology
dizagem, “aprender fracassando”, que resultou no de- desenvolveu e comercializou sistemas de navegação
senvolvimento de novas abordagens de mercado, novos comerciais e militares. Esses sistemas eram compostos
conceitos de produtos e novas alternativas tecnológicas de componentes separados fabricados por terceiros, tais
com base no fracasso de uma ou mais tentativas ante- como receptor, teletipo e minicomputador, nenhum de-
riores (Figura 4). Quando um produto é bem-sucedido, les especificamente projetado para o ambiente marinho
a experiência do usuário age como um sinal de feedback hostil. Além disso, a abordagem multicomponentes, em-
para o fabricante atento que pode ser convertido em bora tecnicamente satisfatória, ocupava muito espaço,
melhorias de projeto ou operação (aprender usando). que vale na cabine de comando de um navio. Cada uma
Com os produtos que geram um volume de vendas das novas gerações de produtos da Marine Technology
tentou reduzir mais a quantidade de componentes no sis-
desprezível, ocorre pouca aprendizagem pelo uso. Por
tema. Em 1975, um volumoso computador da HP era o
sua vez, os produtos que fracassam agem como sondas
único equipamento fora de bordo.
importantes no espaço do usuário que podem capturar
A necessidade de um sistema de navegação com-
informações relevantes sobre o que seria necessário
pacto, reforçado e integrado ficou, dessa forma, abun-
para transformar um esforço bem recente em sucesso,
dantemente clara para os engenheiros e o pessoal de
o que às vezes faz deles o catalisador de reorientações
vendas da Marine Technology. Portanto, com o advento
significativas. Para os produtos verdadeiramente novos,
dos microprocessadores no início dos anos 1970, não
pode ser o único meio efetivo de detectar as atitudes
foi uma surpresa que o gestor da empresa iniciasse um
do mercado. De acordo com um de nossos responden-
programa para desenvolver um novo sistema integrado
tes, um vice-presidente de engenharia da “California
de navegação leve, projetado para o ambiente marinho.
Computer”, fabricante de periféricos de computador:
O produto foi desenvolvido por uma equipe de projeto
“Ninguém sabe realmente se um produto verdadeira-
muito unida que passou de seis a oito meses trabalhan-
mente novo vale alguma coisa até chegar ao mercado e
do com possíveis clientes e depois testando protótipos
ter o seu potencial avaliado”.
no mercado. Dois anos mais tarde, a empresa lançou o
Outra dimensão de “aprender fracassando” refere-se
MT-1, o primeiro sistema de navegação integrado com
ao desenvolvimento organizacional. Um fracasso ajuda
base em microprocessador no mundo. O produto foi um
a identificar pontos fracos na organização e a inocular
sucesso instantâneo. Mais de 7 mil unidades foram ven-
as partes fortes da organização contra o mesmo padrão
didas ao preço de US$ 25 mil por unidade. Nesse preço,
de fracasso. A sequela do Apple III resultou em uma as margens ultrapassaram os 50%.
série de rescisões na Apple Computer, do presidente ao
gerente de projeto do Apple III. Os que restaram, aju-
dados por novos funcionários, contribuíram para o bem Maidique, Gable and Tylka, “Apple Computer (A) e (B)”. Ver também,
24

implementado reprojeto e programa de reintrodução do Maidique and Swanger, “Apple Computer: The First Ten Years”.
518     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Logo após o sucesso do MT-1 ter se estabelecido, a O sucesso do MT-1 foi mal interpretado pela empre-
engenharia propôs um novo produto (o MT-2) ao recém- sa como “quanto menor mais bem-sucedido”, em vez
-empossado presidente da Marine Technology. O MT-2 de “quanto melhor compreendermos o que é importante
tinha cerca de um sexto do volume do MT-1 e era mui- para o cliente, mais bem-sucedido”. A empresa havia
to mais barato. O presidente ficou tão impressionado resolvido implicitamente e de forma inadequada um
com o modelo do produto proposto que orientou uma conflito de escolha entre desempenho, tamanho e custo.
equipe, composta em parte pelos membros da equipe de Agiu como se tivesse o segredo para o sucesso – tama-
projeto do MT-1, a prosseguir em um esforço altamente nho compacto – e isolou sua equipe de projeto dos no-
confidencial para desenvolver o MT-2. A equipe traba- vos e antigos clientes, certa de que não aprenderia com
lhou isolada, apenas alguns executivos e funcionários eles os verdadeiros segredos do sucesso no ambiente de
do marketing estavam cientes do projeto. Três anos e mercado em contínua evolução. Restou para o fracas-
meio mais tarde e US$ 3,5 milhões investidos, a equipe so do MT-2 a capacidade de trazer para a empresa, em
havia sido capaz – sacrificando algumas características virtude do seu novo projeto, um produto que a empresa
– de encolher o produto, conforme o prometido, para agora pudesse levar para um novo grupo de clientes que
um sexto do tamanho do MT-1 e de reduzir o preço para tinha valores diferentes em comparação com seu cliente
cerca de US$ 10 mil. Porém, quase simultaneamente à comercial e militar tradicional. Equipada com essa nova
conclusão do desenvolvimento do MT-2, um concor- aprendizagem, agora a empresa era capaz de desenvol-
rente havia lançado um produto equivalente por US$ 6 ver o bem-sucedido MT-3.
mil. Além disso, o pequeno tamanho do produto não
era considerado uma grande vantagem. Os principais O CICLO DE APRENDIZAGEM DO
clientes indicaram que o produto anterior já era “su- NOVO PRODUTO
ficientemente compacto”. A empresa tentou eliminar
algumas características adicionais para ajustar o pro- Há várias lições a serem aprendidas com essa história
duto ao mercado de navegação de pessoas físicas, mas da sucessão inter-relacionada de produtos da Marine
constatou que era caro demais para esse mercado, ainda Technology. Primeiro, sua experiência ilustra clara-
que o desempenho e a qualidade fossem baixos demais mente a importância dos produtos precursores e sub-
para os seus mercados comercial e militar tradicionais. sequentes na avaliação do sucesso do produto. Até que
O produto foi um fracasso econômico abjeto. A maior ponto, por exemplo, o MT-2 foi verdadeiramente um
parte do estoque teve que ser vendida abaixo do custo. fracasso ou até que ponto precisou abrir o caminho para
No entanto, um terceiro produto na linha, o MT-3, o bem-sucedido MT-3? Em retrospectiva, é sempre pos-
aproveitou as lições do fracasso do MT-2, O novo MT-3 sível argumentar que a empresa deveria ter sido capaz
foi direcionado especificamente para o mercado consu- de ir diretamente para o MT-3, mas até certo ponto a
midor. O preço, não o tamanho, era a meta principal. experiência do MT-2 não foi necessária? Segundo, a
Em dois anos, o MT-3 foi lançado a um preço de história ilustra mais uma vez a importância da compre-
US$ 3 mil. Como o MT-1, foi um grande sucesso co- ensão aprofundada do cliente, bem como da interação
mercial para a empresa. Mais de 1.500 foram vendidos contínua com os possíveis clientes durante todo o pro-
e a empresa tinha uma reserva de 600 pedidos em 1982, cesso de desenvolvimento, mesmo correndo o risco de
quando os estudos de caso foram concluídos. revelar algumas informações proprietárias. Seja qual
No início dessa família de produtos, indicamos que for a aprendizagem que teria sido possível antes de en-
havia três produtos. Em sentido estrito, isso está correto, trar no mercado de consumo, ela foi posta de lado pelas
mas na realidade havia quatro produtos, começando com práticas secretas da empresa.
o que chamaremos de MT-0, o sistema modular arcaico. O padrão de evolução do produto da “Computronics”,
O MT-0 foi útil para o sucesso do MT-1. Por meio da ex- uma start-up fabricante de sistemas de computador, re-
periência com os clientes que ele proporcionou, foi pos- força essas constatações. Um dos fundadores da Com-
sível comunicar à empresa que as melhorias no tamanho putronics havia desenvolvido uma nova ideia de produto
e na confiabilidade seriam altamente valorizadas pelos para sistemas informatizados de controle de estoque
clientes nos mercados comercial e militar, nos quais a prontos para uso voltados para intermediários (peque-
empresa atuava. Com o surgimento da tecnologia de mi- nos distribuidores) em uma das indústrias básicas. Des-
croprocessadores, o que restava era um desafio técnico, sa experiência como um intermediário nessa indústria,
geralmente um obstáculo menor para o sucesso do que ele sabia que se tratava de território pouco explorado
decifrar como adaptar uma nova tecnologia aos desejos para um sistema informatizado bem concebido e com
do conjunto de clientes relevantes, como a empresa des- bom suporte. Durante o processo de desenvolvimento,
cobriu por meio do MT-2. a empresa recrutou o apoio da associação industrial, a
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     519

qual apresentou sugestões de produtos, criticou o de- te desenvolviam seu próprio software especializado. O
senvolvimento do produto e, no fim, endossou o uso do aumento da concorrência e a sofisticação radicalmente
produto por seus membros. O primeiro sistema Com- maior do cliente combinaram-se para exigir que a Com-
pu-100 foi enviado em 1973. Dez anos mais tarde, em putronics fosse representada por uma força de vendas
grande parte pela força desse produto e de seus aces- altamente experiente e competente. Todavia, por causa
sórios, as vendas corporativas dobraram várias vezes e da pressão de lançar o produto, a Computronics pulou
alcançaram quase US$ 100 milhões, e a empresa domi- o treinamento habitual dos representantes de vendas e
nou o mercado de intermediários. lançou a força de vendas em uma nova área da empre-
Na medida em que a participação de mercado cres- sa: a venda no longo prazo de grandes itens (US$ 480
ceu, porém, a gestão reconheceu que novos mercados mil cada) para um cliente tecnicamente conhecedor. Ao
deveriam ser abordados para que o crescimento rápi- acreditar que repetir as práticas do passado reproduziria
do continuasse. No início de 1977, a empresa decidiu os sucessos do passado, a Computronics transformou o
dar o que parecia um passo muito lógico: desenvolver sucesso em fracasso.
um sistema que abordasse as necessidades dos grandes “Toda vitória”, escreveu certa vez Carl Jung, “con-
distribuidores atacadistas no setor. Com base em seus tém o germe de uma futura derrota”.25 Starbuck, Greve
sucessos anteriores, a empresa planejou entrar nesse e Hedberg observaram que as organizações de suces-
mercado. Após algumas visitas a distribuidores ataca- so acumulam recursos excedentes que lhes permitem
distas, as especificações do produto foram estabelecidas afrouxar suas conexões com seus ambientes e alcan-
e o desenvolvimento começou sob a liderança de uma çar uma autonomia maior, mas eles explicam: “Essa
nova divisão estabelecida para atender a ponta do ne- autonomia diminui a sensibilidade das organizações
gócio. Como ninguém na Computronics possuía expe- às condições ambientais mutáveis. [...] As organiza-
riência própria nesse segmento de alto nível do sistema ções tornam-se menos capazes de perceber o que está
de distribuição, um pacote de software foi comprado acontecendo, então elas fantasiam a respeito dos seus
de uma pequena empresa, mas custou um ano de pro- ambientes e pode acontecer de a realidade intrometer-
gramação intensiva e vários programadores para rees- -se apenas ocasionalmente nessas fantasias”.26 As fan-
crever o pacote para que fosse compatível com o hard­ tasias criam um mito de invencibilidade, mas um velho
ware da Computronics. Após testar o Compu-200 em provérbio chinês diz: “Não há catástrofe maior do que
dois locais, a empresa contratou uma equipe adicional enfrentar um inimigo negligentemente”.27
de representantes de vendas e preparou-se para um lan- A gestão da Marine Technology fantasiou que possuía
çamento nacional. Dez milhões de dólares em vendas o segredo do sucesso: menor é melhor. A Computronics
foram projetados para o primeiro ano. tinha uma fantasia que, de modo similar, extrapolava
No entanto, as receitas do primeiro ano foram míni- suas vitórias passadas: os novos mercados serão como
mas. Mesmo após três anos de lançamento, o produto os antigos mercados. Esse é um padrão que se repe-
ainda tinha que atingir a receita projetada para o pri- te mais e mais nos negócios. Já fizemos alusão a um
meiro ano. O que havia acontecido? O novo mercado dos melhores exemplos desse fenômeno: o Apple III da
parecia, à primeira vista, perfeitamente ajustado às ha- Apple Computer na esteira do seu colossalmente bem-
bilidades e à experiência da Computronics, ainda que -sucedido precursor, o Apple II. Até mesmo a IBM não
um exame mais atento tenha revelado diferenças consi- está isenta desse ciclo. Após abocanhar um terço do
deráveis no novo ambiente de clientes que, no entanto, mercado com o seu PC (computador pessoal), apesar
foram deixadas de fora de maneira arrogante pela ges- de sua entrada tardia, um alto executivo da Divisão de
tão da empresa, que se deleitava no brilho do sucesso PC da IBM afirmou: “Podemos fazer qualquer coisa”.28
do Compu-100. “Qualquer coisa” não incluía, como parece, o produto
Como as organizações em tal estado de euforia costu- seguinte ao PC, o PCjr que – ao contrário do PC origi-
mam fazer, a Computronics subestimou grosseiramente nal – não foi adequadamente testado no mercado para
a tarefa em mãos. O grande mercado para sistemas de determinar como os consumidores reagiriam às suas
estoque de distribuidores atacadistas era atraente para características de projeto e que, no fim das contas, teve
grandes concorrentes, como a IBM e a DEC, mas foi
feito apenas um estudo superficial dos novos clientes
e seus hábitos de compra. A suposição tácita foi que os
25
C. G. Jung, Psychological Reflections (New York: Princeton University
Press, 1970), p. 188.
grandes distribuidores atacadistas eram apenas interme- 26
W. Starbuck, A. Greve and B. L. Hedberg, “Responding to Crisis”,
diários crescidos. Contudo, esses novos clientes agora Journal of Business Administration, n. 9 (1978), pp. 111-37.
27
Lao Tzu, Tao Te Ching (New York: Penguin Books, 1983), p. 131.
eram muito mais sofisticados, usavam equipamentos de 28
D. Le Grande, conforme mencionado em “How IBM Made Junior and
processamento de dados para outras funções e geralmen- Underachiever”, Business Week, June 25, 1984, p. 106.
520     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

que ser retirado da linha de produtos da IBM. No en- FIGURA 5 Aprendendo ao afastar-se da base principal
tanto, a IBM e a Computronics haviam se tornado, ao
menos temporariamente, mais humildes. Ambas estão
solicitando informações dos clientes para que possam
reprojetar suas decepções.
O fluxo do sucesso ao fracasso, e de volta nova-
mente para o sucesso, na Marine Technology, ilustrou

Novidade do mercado
um ritmo que encontraríamos repetidamente em nossas
investigações. Nos termos mais simples, o fracasso é
o maior professor. Com base em suas lições, os per- Novidade da
sistentes constroem seus sucessos. O sucesso, entretan- organização
to, muitas vezes traz a complacência. Além do mais, o
sucesso parece criar uma tendência a ignorar o básico,
a acreditar que o heroísmo é um substituto para as prá- Mercado Base
ticas empresariais sólidas. Como apontou o gestor da existente
Organização
principal

“Automatrix”, uma fabricante de equipamentos de tes- existente

te, “É difícil, muito difícil, aprender com os nossos su- Tecnologia existente
cessos”. Ironicamente, o sucesso pode trazer o fracasso Novidade da tecnologia
para as empresas que continuam a ver o futuro por meio
do prisma das vitórias presentes, especialmente em um recém-formado, como mostra a Figura 5, uma extensão
ambiente industrial dinâmico. da conhecida matriz produto-cliente proposta original-
Essas observações nos levaram a propor um modelo mente por Ansoff.30 Esse ciclo recorrente de sucesso e
de sucesso e fracasso de novos produtos no qual os su- fracasso é exibido graficamente na Figura 6.
cessos e fracassos alternam-se em um ritmo irregular. No modelo, depois de uma sequência de sucessos,
Isso não quer dizer que para cada sucesso deve haver há uma grande mudança organizacional, mudanças nos
um fracasso complementar. A maioria dos produtos in- projetos do produto, na tecnologia ou nas direções do
dustriais – cerca de três ou cinco – é bem-sucedida, ape- mercado que alertam quanto a um novo fracasso econô-
sar de indicarem-se acreditar no contrário.29 Em algu- mico, o que, por sua vez, estimula um novo padrão de
mas empresas de muito sucesso, até três dentre quatro aprendizagem. Porém, o modelo pressupõe um merca-
produtos novos podem ser comercialmente bem-suce- do competitivo e é menos propenso a ser aplicado em
didos. A maioria das empresas aprende continuamente uma situação monopolista na qual uma única empresa
usando, por meio de seus novos produtos de sucesso, dita a relação entre cliente e fornecedor. Uma segunda
e – como no caso da Marine Technology – desenvolve ressalva é que, enquanto o padrão é aproximadamente
projetos aprimorados continuamente. É disso que se tra- descrito como regular, em geral ele será irregular, mas
ta a maioria dos esforços de novos produtos – pequenas o ciclo de oscilação entre o sucesso econômico e o fra-
variações sobre temas existentes. casso, segundo acreditamos, ainda se manterá.
No entanto, as variações contínuas sobre um tema
nem sempre levam a grandes sucessos. Com o tempo, O sucesso como um processo estocástico
mais variações deixam de ser rentáveis e a empresa
O sucesso nos novos produtos nunca é garantido. Um
geralmente decide afastar-se do tema original adotado
grande número de variáveis externas não controladas
uma nova tecnologia – microprocessadores, lasers, óp-
influencia o resultado. O fracasso ocasional ou mesmo
tica – ou atacar um novo mercado – consumo, industrial,
frequente é um modo de vida das inovações de produ-
governo –, ou mudanças organizacionais, deserções ou
to. Como nos lembra Addison, em Cato, “Não está nos
promoções destroem parte da memória da organização
mortais comandar o sucesso”.31 Entretanto, enquanto
de modo que o velho agora parece novo. As mudanças
não é possível garantir o resultado de qualquer ensaio
em qualquer uma dessas três dimensões podem resul-
de produto, pode-se aumentar a probabilidade de o pro-
tar em um fracasso econômico ou, nos nossos termos,
em nova aprendizagem sobre uma tecnologia, um mer- duto ou grupo de produtos serem bem-sucedidos.
cado ou sobre os pontos fortes e fracos de um grupo
30
H. I. Ansoff, Corporate Strategy (New York: McGraw-Hill, 1965),
pp. 131-33.
R. G. Cooper, “Most Products Do Succeed”, Research Management,
29 31
J. Bartlett, Bartlett’s Familiar Quotations, 14th ed. (New York: Little,
November-December 1983, pp. 20-25. Brown, 1968), p. 393.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     521

FIGURA 6 Um padrão de evolução típico de um novo produto se encaixar no sonho de um capitalista de risco. O novo
produto da empresa, uma malha de captura de fase, teve
Grau de sua origem em um de seus principais clientes, a tecnolo-
sucesso
financeiro
gia necessária estava dentro da sua área de especializa-
ção e o poderoso executivo promoveu o produto duran-
te todo o seu desenvolvimento. Foi previsto um grande
Retorno sobre mercado. Até agora, uma boa aposta, pode-se concluir.
o investimento
Tempo Além do mais, o produto resultante foi um instrumento
C C C
de alta qualidade. No entanto, o produto trouxe muito
pouco em termos de receitas para a empresa, pois uma
tecnologia alternativa que solucionou o mesmo proble-
ma de uma maneira mais barata foi desenvolvida e lan-
çada por um concorrente.
Inovação bem-sucedida Cinco anos mais tarde, novamente impulsionada
Inovação malsucedida pela necessidade de um cliente, a Electrosystems de-
C = Mudanças de mercado, tecnologia ou organizacionais senvolveu um contador eletrônico que fazia parte de
um programa de desenvolvimento bem financiado e
Addison prossegue, acrescentando “Faremos mais, visivelmente promovido. Dessa vez, porém, o produto
Sempronius, mereceremos isso” (ênfase do autor). Os economizou para o cliente 70% dos seus custos de mão
oito fatores que identificamos no início deste artigo e de obra, reduziu consideravelmente o tempo ocioso e
o modelo cíclico que propomos são uma tentativa de não havia nenhuma tecnologia alternativa no horizon-
ajudar os gestores a conceituar o processo de desen- te. Esse produto foi um grande sucesso. A questão aqui
volvimento de novos produtos, de modo a melhorar a não é o produto que acabou produzindo uma vantagem
proporção de sucessos econômicos. No entanto, seria de custo para o cliente ter sido mais bem-sucedido.
um erro tentar aumentar a quantidade de sucessos redu- Isso é muito evidente. A questão é que, no início, am-
zindo a zero o risco do novo produto pela gestão caute- bos os produtos pareciam estar fadados a proporcionar
losa, deliberada. No processo, as recompensas também vantagens importantes para o cliente. Afinal de contas,
podem ser reduzidas na mesma proporção. ambos surgiram com os clientes. Ambos os projetos
O fracasso, como tentamos argumentar, é parte inte- foram bem gerenciados e financiados, além de tecno-
grante do processo de aprendizagem que acaba resultan- logicamente bem-sucedidos. No entanto, um deles se
do em sucesso. Sahal resume assim o processo: “O que deparou com uma concorrência externa imprevisível
acaba tornando possível o desenvolvimento de novas que mitigou sua contribuição potencial. A empresa não
técnicas é a lição aprendida com os fracassos anteriores se limitou a fracassar e depois obter sucesso. Ela obte-
[…] lucro, por exemplo”.32 O importante é ter um equi- ve sucesso porque perseguiu duas oportunidades apa-
líbrio entre sucessos e fracassos que resulte em retor- rentemente atraentes. Em outras palavras, geralmente,
nos atraentes. Aqui, uma lição dos capitalistas de risco, o sucesso requer não um, mas vários, algumas vezes
mestres do jogo de prever o sucesso, é útil. Como parte muitos, ensaios bem geridos. Essa constatação levou
de outro projeto de pesquisa, os autores entrevistaram um dos nossos mais sábios entrevistados, o engenheiro
alguns dos mais bem-sucedidos e experientes capitalis- chefe da “Metalex”, uma fabricante de instrumentos,
tas de risco do país, cujas carteiras mostraram, em geral, a dizer: “Descobri que quanto mais diligente você for,
ganhos de 25% a 35% nos últimos dez anos. Dado um mais sorte terá”.
grande conjunto de oportunidades, os capitalistas de ris- Essa é a maneira como os capitalistas de risco e
co experientes acreditam que podem escolher um grupo muitos desenvolvedores experientes de produtos de
que produzirá, em média, um retorno excelente, ainda alta tecnologia encaram o processo do novo produto.
que poucos profissionais sejam tão otimistas a ponto de Os capitalistas de risco que compilaram estatísticas
acreditarem que podem prever com certeza o sucesso de sobre o processo descobriram que apenas 60% dos no-
qualquer uma delas; eles viram muitos dos seus sonhos vos empreendimentos resultam em sucesso comercial;
não corresponderem às expectativas. os demais são uma perda parcial ou completa. (Trata-
Um novo produto desenvolvido pela “Electrosystems”, -se aproximadamente da mesma média de sucessos
uma empresa de produtos eletrônicos militares, parecia que Cooper constatou em seu estudo sobre produtos
industriais.) Cerca de 40% a 50% dos empreendimen-
tos novos financiados por capital de risco produzem
32
Sahal, Patterns. retornos razoáveis, e apenas de 10% a 15% resultam
522     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

em investimentos marcantes. Todavia, pode-se calcu- Fomos capazes de obter informações sobre es-
lar facilmente que essa combinação de investimentos sas inter-relações de famílias de produtos porque as
pode produzir um retorno de 25% a 30% ou mais como nossas díades sucesso-fracasso ocorreram muitas
uma carteira. vezes em membros da mesma família. Entretanto,
embora fossem inter-relacionadas, representavam
Novos rumos da pesquisa apenas um segmento truncado de uma família de
Nossa pesquisa sobre o sucesso ou fracasso dos novos produto. Todavia, em alguns locais, como na Marine
produtos nos levou a reconsiderar a nossa unidade de Technology, fomos capazes de colher dados sobre
análise. Escolher o novo produto como a unidade bási- três ou quatro membros de uma família de produto.
ca de análise tem muitas vantagens. Os novos produtos No entanto, nossos esforços até agora ficam muito
são entidades claramente identificáveis, o que facilita aquém de um estudo sistemático das famílias de pro-
a coleta de dados da pesquisa. Os novos produtos têm duto. Essa é a tarefa principal do próximo estágio da
previsões de vendas e critérios de retorno sobre o inves- nossa pesquisa.
timento individualizados e os gestores costumam saber Nossos resultados limitados, porém, questionam a
se esses critérios são satisfeitos. “Sucessos” podem ser pesquisa que enfoca o produto como unidade de análise,
abatidos dos “fracassos”. incluindo a nossa própria pesquisa. Considere um dos
Entretanto, nossos resultados indicam que, se me- nossos principais resultados da pesquisa, que também
didas financeiras do sucesso forem aplicadas como é reforçado pelas constatações de vários pesquisadores
critério, uma unidade de análise mais apropriada será anteriores: os produtos de sucesso tiram vantagem dos
a família de produtos. Antes de um produto ser classifi- pontos fortes existentes da unidade de negócios em de-
cado individualmente como fracasso, sua contribuição senvolvimento. A implicação dessa constatação é que as
para o crescimento organizacional, desenvolvimento do organizações devem ser cautelosas ao explorarem no-
mercado ou avanço tecnológico deve ser avaliada. Os vos territórios. Em contraste com esse resultado, nossas
novos produtos influenciam bastante o desempenho de observações nos levariam a argumentar justamente o
seus sucessores e, por sua vez, são uma função das vi- oposto, que as empresas devem explorar continuamen-
tórias e derrotas dos seus predecessores. Antes que os te os novos territórios, mesmo que o risco de fracasso
louros sejam entregues a uma equipe vencedora, deve seja ampliado.35 A compensação é a aprendizagem que
ser feito um exame da base de mercado, tecnológica virá dos “fracassos” que pavimentarão o caminho para
e organizacional a partir da qual a equipe lançou sua os futuros sucessos.
vitória (Figura 5). A validação cuidadosa do modelo cíclico do de-
Um dos desastres de produto mais notáveis da IBM senvolvimento de produto proposto aqui poderia ter
foi o computador Stretch. A IBM começou a desen- outras consequências importantes para a nossa com-
volver o computador mais avançado do mundo e, após preensão das empresas com base em tecnologia. Se,
gastar US$ 20 milhões nos anos 1960, apenas algumas na realidade, o padrão proposto na Figura 6 for gene-
unidades foram vendidas. ralizável para as empresas que estão continuamente
Na esteira do fiasco do Stretch, veio um dos pro- tentando adaptar-se a novos mercados e tecnologias,
dutos mais bem-sucedidos de todos os tempos: a série então haverá implicações importantes para a prática
IBM 360. Mas, quando a IBM começou a distribuir da gestão.
elogios, ela reconheceu que grande parte da tecnologia Em primeiro lugar, o modelo implica que o sucesso
no IBM 360 derivava do trabalho feito no computador do desenvolvimento de novos produtos gira em torno
Stretch por Stephen Dunwell, o bode expiatório para o da efetividade da aprendizagem intra e entre empresas.
“revés” do Stretch. Na sequência, Dunwell foi promo- Essa conclusão valoriza a concepção de um estilo e
vido à elite da IBM, com uma posição de muito prestí- estrutura gerencial que sirva para catalisar a comuni-
gio na empresa que carrega muitas vantagens únicas.33 cação interna e externa. Em segundo lugar, ao adotar
Como Newton disse, certa vez, “Se enxerguei ao longe implicitamente uma visão de longo prazo do processo
é porque estive nos ombros de gigantes”.34 de desenvolvimento de produto, o modelo enfatiza a

Em um estudo exploratório da relação entre o grau de “novidade” da


35
33
T. Wise, “IBM’s $5B Gamble”, Fortune, September 1966; “A Rocky carteira de produtos de uma empresa e seu desempenho econômico, os
Road to the Marketplace”, Fortune, October 1966. Ver também Bob autores concluíram que um pouco de “novidade” resulta em um desem-
Evans, comunicação pessoal (Evans foi gerente do programa do sistema penho econômico melhor do que “nenhuma novidade”. M. H. Meyer and
IBM 360). E. B. Roberts, New Product Strategy in Small High-Technology Firms,
34
J. Bartlett, Barlett’s Familiar Quotations, 13th ed. (New York: Little, WP #1428-1-84 (Sloan School of Management, Massachusetts Institute
Brown, 1968), p. 379. of Technology, May 1984).
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-2     523

importância das relações de longo prazo com funcio- ARTIGO 4-3


nários, clientes e fornecedores. Dessa visão vem um
alto nível de compreensão e, portanto, de tolerância ao Como organizar e liderar equipes de
fracasso em alcançar sucesso comercial em qualquer desenvolvimento pesos-pesados*
ponto da trajetória da linha de produtos. As empresas
precisam aprender que o desenvolvimento de produ- Kim B. Clark e Steven C. Wheelwright
to é uma jornada, não um destino. Essas constatações
preliminares são compatíveis com um estudo explora- O desenvolvimento efetivo de produtos e processos exi-
tório do desenvolvimento de novo produto em cinco ge a integração de capacitações especializadas. Integrar
empresas japonesas de grande sucesso concluído por é difícil na maioria das circunstâncias, mas é particular-
Imai, Nonaka e Takeuchi.36 Uma das principais cons- mente desafiador nas empresas grandes e maduras com
tatações da sua pesquisa foi que as empresas estudadas fortes grupos funcionais, ampla especialização, grande
caracterizavam-se por uma quase “fanática devoção à quantidade de pessoas e muitas pressões operacionais
aprendizagem – na adesão à organização [sic] e com os permanentes. Em empresas como essas, os projetos de
membros externos da rede interorganizacional”. Essa desenvolvimento são a exceção, não do foco da aten-
aprendizagem, segundo os autores, desempenhou um ção. Mesmo as pessoas que trabalham nos projetos de
papel fundamental na facilitação do desenvolvimento desenvolvimento, os anos de experiência e os siste-
de novos produtos de sucesso. Parece que, quando são mas estabelecidos – considerando desde os planos de
bem-sucedidas no desenvolvimento de um novo produ- carreira à avaliação do desempenho e das relações de
to, as pequenas e grandes empresas americanas operam subordinação à abrangência das definições de trabalho
de maneira bastante similar às empresas japonesas mais – criam distância física e organizacional daqueles que
bem administradas. trabalham na organização. As próprias funções são or-
Muitas questões fundamentais, entretanto, continuam ganizadas de uma maneira que cria mais complicações:
sem solução. Existe um equilíbrio ideal entre sucessos a organização de marketing baseia-se nas famílias de
e fracassos? As empresas japonesas são suscetíveis a produtos e nos segmentos de mercado; a engenharia,
um mesmo padrão de sucesso e fracasso como as em- nas disciplinas funcionais e no foco técnico; e a pro-
presas americanas? Como esse equilíbrio muda entre dução, em uma mistura de estruturas de mercado fun-
as indústrias? Como a tolerância ao fracasso pode ser cional e de produtos. O resultado é que, nas empresas
comunicada sem distorcer a necessidade definitiva de grandes e maduras, organizar e liderar um esforço de
sucesso econômico? Como uma empresa pode aprender desenvolvimento efetivo é um grande empreendimen-
com o fracasso das outras? Existem padrões caracte- to. Isso é particularmente verdadeiro nas organizações
rísticos de sucesso-fracasso para um grupo de empre- cujos mercados tradicionais estáveis e os ambientes
sas que concorrem em uma mesma indústria? Essas e competitivos são ameaçados por novas entrantes, no-
outras questões relacionadas nos ocuparão na próxima vas tecnologias e exigências dos clientes que mudam
fase da nossa pesquisa. com rapidez.
Este artigo concentra a atenção em um tipo de es-
trutura de equipe – as equipes de projeto “pesos-pesa-
dos” – que parece particularmente promissor no mundo
dinâmico atual e que ainda está surpreendentemente
ausente em muitas empresas maduras. Nossa pesquisa
mostra que, quando geridas de maneira efetiva, as equi-
pes pesos-pesados oferecem uma comunicação melhor,
uma identificação e um comprometimento mais fortes
com um projeto e um foco na resolução de problemas
multifuncionais. Nossa pesquisa também revela, contu-
do, que essas equipes não são geridas facilmente e que
contêm problemas e desafios únicos a serem vencidos.

K. Imai, I. Nonaka and H. Takeuchi, Managing the New Product


36 *
Fonte: ©1992 pelos reitores da University of California. Reimpresso
Development Process: How Japanese Companies Learn and Unlearn, da California Management Review, Volume 34, Number 3, Spring 1992.
Institute of Business Research, Hitotsubashi University, Kunitachi Com permissão dos reitores. Adaptado do Capítulo 8 de Steven C.
(Tokyo, Japan, 1982), pp. 1-60. Ver também P. R. Lawrence and Wheelwright and Kim B. Clark, Revolutionizing Product Development:
D. Dyer, Renewing American Industry (New York: The Free Press, Quantum Leaps in Speed, Efficiency and Quality (New York, NY: Free
1983), p. 8. Press, 1992).
524     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

As equipes de desenvolvimento pesos-pesados cio e nem podem ser subdivididas com facilidade e de
compõem um dos quatro tipos de estrutura de equipe. maneira realista. Consequentemente, a coordenação e a
Começamos pela descrição resumida de cada um desses integração podem sofrer.
tipos. Depois, exploramos essas equipes em detalhes, as Outra grande vantagem dessa abordagem é que,
comparamos com formas alternativas e apontamos de- como a maioria dos planos de carreira tem natureza
safios específicos e soluções na gestão da organização funcional até ser alcançado um nível de gestão geral,
da equipe. Concluímos com um exemplo das mudanças o trabalho realizado em um projeto é julgado, avaliado
necessárias no comportamento individual para que as e recompensado pelos mesmos gestores de subfunção
equipes pesos-pesados sejam efetivas. Embora essas e funcionais que tomam as decisões a respeito dos pla-
equipes sejam uma forma diferente de organizar, elas nos de carreira. A desvantagem associada é que as con-
são mais do que uma nova estrutura, pois representam tribuições individuais para um projeto de desenvolvi-
uma maneira fundamentalmente diferente de trabalhar. mento tendem a ser julgadas em grande parte de forma
Na medida em que os membros da equipe e a organi- independente do sucesso global do projeto. A doutrina
zação reconhecem o fenômeno, a equipe peso-pesado tradicional citada é que os indivíduos não podem ser
começa a realizar o seu pleno potencial. avaliados com justiça em relação aos resultados sobre
os quais eles tenham pouco ou nenhum controle. Entre-
TIPOS DE EQUIPE DE PROJETO DE tanto, por uma questão prática, isso costuma significar
DESENVOLVIMENTO que nenhuma pessoa envolvida diretamente nos deta-
lhes do projeto é responsável pelos resultados alcança-
A Figura 1 ilustra as quatro estruturas de equipe domi- dos no fim.
nantes que observamos em nossos estudos sobre projetos Finalmente, a organização do projeto funcional traz
de desenvolvimento: funcional, peso-leve, peso-pesado conhecimentos especializados pertinentes às questões
e autônoma. Essas formas são descritas a seguir, junto técnicas fundamentais. A mesma pessoa ou pequeno
com seus papéis de liderança de projeto e pontos fortes e grupo de pessoas pode ser responsável pelo projeto de
fracos associados. As equipes pesos-pesados são exami- um determinado componente ou subsistema ao longo
nadas em detalhes na seção subsequente. de uma ampla gama de esforços de desenvolvimento.
Desse modo, as funções e subfunções capturam os be-
Estrutura de equipe funcional nefícios da experiência prévia e tornam-se as guardiães
Na organização funcional tradicional encontrada nas do conhecimento aprofundado da organização, e isso
empresas maiores e maduras, as pessoas são agrupadas é aplicado de maneira sistemática ao longo do tempo
principalmente por disciplina, cada uma trabalhando e por todos os projetos. A desvantagem é que todo o
sob a direção de um gestor de subfunção especializado projeto de desenvolvimento difere em seus objetivos e
e um gestor funcional sênior. As diferentes subfunções requisitos de desempenho, sendo improvável que os es-
e funções coordenam as ideias por meio de especifica- pecialistas que desenvolvem um único componente ve-
ções detalhadas e em acordo com todas as partes envol- nham a fazê-lo de forma muito diferente em um projeto
vidas desde o início. Por meio de reuniões ocasionais do que o fariam em outro. O “melhor” componente ou
as questões que transcendem os grupos são discutidas. subsistema é definido por parâmetros técnicos nas suas
Ao longo do tempo, a responsabilidade principal pelo áreas de conhecimento, em vez de nas características
projeto é passada sequencialmente – apesar de muitas globais do sistema ou nas necessidades específicas do
vezes não de uma forma suave – de uma função para cliente ditadas pelo único mercado visado pelo esforço
a próxima, uma transferência chamada frequentemente de desenvolvimento.
de jogar por cima do muro.
A estrutura de equipe funcional tem várias vanta- Estrutura de equipe peso-leve
gens e desvantagens associadas. Uma vantagem é que Como a estrutura funcional, as pessoas designadas para
os gestores que controlam os recursos do projeto tam- a equipe peso-leve residem fisicamente em suas áreas
bém controlam o desempenho das tarefas em sua área funcionais, mas cada organização funcional designa
funcional; desse modo, a responsabilidade e a autorida- uma pessoa de contato para “representá-la” na comis-
de normalmente estão alinhadas. No entanto, as tarefas são de coordenação. Os representantes de contato tra-
devem ser subdivididas no início do projeto (ou seja, balham com um “gestor de projeto peso-leve”, normal-
todo o processo de desenvolvimento é decomposto em mente um engenheiro de projeto ou gestor de marketing
atividades separáveis e de certa forma independentes). de produto, que coordena as diferentes atividades das
Mas, na maioria dos esforços de desenvolvimento, nem funções. Essa abordagem é, em geral, considerada um
todas as tarefas necessárias são conhecidas desde o iní- adendo a uma organização funcional tradicional, com
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-3     525

FIGURA 1 Tipos de equipes de desenvolvimento

A. Estrutura de equipe funcional B. Estrutura de equipe peso-leve

GF GF GF GF GF

Gestor de função (GF)


ENG MFG MKG ENG MFG MKG

Contato (C)

Área de forte influência do


Gestor do projeto (GP)
Nível de trabalho
Gestor do projeto (GP)
C C

C. Estrutura de equipe peso-pesado D. Estrutura de equipe autônoma


Mercado
GF GF GF GF GF GF

ENG MFG MKG ENG MFG MKG


GD

Conceito
Mercado

Núcleo N N
(N)

Conceito

GD
N N N

a pessoa de contato funcional tendo esse papel acres- líderes de projeto gastam mais de 25% do seu tempo
centado às suas outras responsabilidades. A atribuição em um único projeto.
de coordenação geral do gestor de projeto peso-leve, Os principais pontos fortes e fracos da equipe de
porém, tende a não existir na estrutura de equipe fun- projeto peso-leve são os da estrutura de projeto funcio-
cional tradicional. nal. Entretanto, agora pelo menos uma pessoa, ao longo
O gestor do projeto é um “peso-leve” em dois as- do curso do projeto, olha por meio das funções e procu-
pectos importantes. Primeiro, trata-se, em geral, de uma ra garantir que as tarefas individuais – especialmente as
pessoa de nível médio ou júnior que, independentemente que estão no caminho crítico – sejam feitas em tempo
hábil e que todas as pessoas mantenham-se a par das
da especialização considerável, tem pouco status ou in-
possíveis questões multifuncionais e do que está acon-
fluência na organização. Essas pessoas passaram vários
tecendo em outra parte desse projeto em particular.
anos em uma função e essa atribuição é encarada como
Desse modo, a melhor comunicação e coordenação
uma “experiência de ampliação”. Segundo, apesar de são o que uma organização espera quando passa de uma
serem responsáveis por informar e coordenar as ativi- estrutura de equipe funcional para peso-leve. Contudo,
dades das organizações funcionais, os recursos-chave como o poder ainda está com os gestores de subfunção
(incluindo os engenheiros no projeto) permanecem sob e funcionais, as esperanças de melhor eficiência, velo-
o controle de seus respectivos gestores funcionais. O cidade e qualidade do projeto raramente se realizam.
gestor de projeto peso-leve não tem o poder de realocar Além do mais, os líderes de projeto pesos-leves são, na
pessoas ou recursos e, em vez disso, confirma horários, melhor das hipóteses, tolerados e muitas vezes ignora-
atualiza cronogramas e agiliza todos os grupos. Esses dos, e podem até mesmo ser destituídos. Isso pode se
526     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

transformar facilmente em uma situação “sem vence- Assim, as equipes autônomas podem se sobressair no
dores” para os indivíduos assim designados. desenvolvimento rápido e eficiente de novos produtos e
processos. Elas lidam com a integração multifuncional
Estrutura de equipe peso-pesado de uma maneira particularmente efetiva, talvez porque
Ao contrário da configuração peso-leve, o gestor peso- atraem e selecionam participantes da equipe com muito
-pesado tem acesso direto à maioria das pessoas en- mais liberdade do que as outras estruturas de projeto.
volvidas no projeto, além de ser responsável por elas. As equipes autônomas, porém, dão pouco ou nada
Esses líderes são “pesos-pesados” em dois aspectos. como “certo”; costumam ampliar as fronteiras da sua
Primeiro, são altos gestores dentro da organização e definição do projeto e a enfrentar a reformulação do
podem até ser mais bem colocados que os gestores fun- projeto de um produto inteiro, seus componentes e
cionais. Por isso, além de terem conhecimentos e expe- subcomponentes, em vez de buscar oportunidades para
riência, exercem uma influência significativa na orga- utilizar os materiais, projetos e relacionamentos orga-
nização. Segundo, os líderes pesos-pesados têm uma nizacionais existentes. Sua solução pode ser exclusiva,
influência sobre as pessoas que trabalham no esforço tornando mais difícil devolver os produtos e processos
de desenvolvimento, além de supervisionarem seu tra- resultantes – e, em muitos casos, os próprios membros
balho diretamente por meio do pessoal funcional nas da equipe – para a organização tradicional após a con-
equipes principais. Muitas vezes, o grupo principal de clusão do projeto. Como consequência, as equipes autô-
pessoas é dedicado e fisicamente localizado junto ao nomas muitas vezes tornam-se o local de nascimento de
líder de projeto peso-pesado. No entanto, o desenvol- novas unidades de negócio ou sofrem uma rotatividade
vimento da carreira dos colaboradores individuais em excepcionalmente elevada após a conclusão do projeto.
um prazo mais longo continua nas mãos não do líder de Muitas vezes, a alta direção fica apreensiva com as
projeto – embora este forneça insumos importantes para perspectivas de uma equipe autônoma porque é requi-
as avaliações de desempenho de cada um dos membros sitada a delegar muito mais responsabilidade e controle
–, mas do gestor funcional, pois os membros não são à equipe e ao seu líder de projeto do que sob quaisquer
designados permanentemente a uma equipe de projeto. outras estruturas de organização. A menos que orienta-
A estrutura de equipe peso-pesado tem uma série de ções claras tenham sido estabelecidas antecipadamente,
vantagens e pontos fortes, junto com pontos fracos as- é muito difícil para a alta direção fazer correções de cur-
sociados. Como essa estrutura de equipe é observada na so ou exercer influência substancial durante o projeto
prática com muito menos frequência e ainda parece ter sem destruir a equipe. Mais de uma equipe “fugiu” da
um tremendo potencial para uma ampla gama de organi- alta direção e criou grandes problemas.
zações, ela será discutida em detalhes na próxima seção.
A ESTRUTURA DA EQUIPE PESO-PESADO
Estrutura de equipe autônoma
Na estrutura de equipe autônoma, os indivíduos das di- A melhor maneira de começar a compreender o poten-
ferentes áreas funcionais são designados, dedicados e cial das equipes pesos-pesados é considerar um exem-
localizados formalmente junto à equipe de projeto. O plo do seu sucesso, como a experiência da Motorola no
líder do projeto, um peso-pesado na organização, re- desenvolvimento da linha de pagers Bandit.
cebe o pleno controle sobre os recursos cedidos pelos
diferentes grupos funcionais. Além disso, torna-se o A equipe peso-pesado do pager Bandit
único avaliador da contribuição feita por cada um dos No Setor de Comunicações da Motorola, essa equipe
membros da equipe. de desenvolvimento recebeu uma atribuição de projeto
Em essência, a equipe autônoma recebe uma “fo- para desenvolver uma operação de produção automati-
lha de papel em branco”; não se exige dela que siga as zada, nacional e lucrativa para a sua linha de pagers de
práticas e os procedimentos organizacionais existentes, alto volume, a Bravo. (Trata-se do pager preso ao cinto
mas permite-se que crie suas próprias práticas e proce- que a Motorola vendeu de meados dos anos 1980 até
dimentos, o que inclui estabelecer incentivos e recom- o início dos anos 1990.) A equipe principal consistia
pensas, bem como normas de comportamento. No en- em um líder de projeto peso-pesado e alguns indiví­
tanto, a equipe será totalmente responsabilizada pelos duos dedicados e localizados em um mesmo local, que
resultados finais do projeto: sucesso ou fracasso são de representavam a engenharia industrial, robótica, en-
sua responsabilidade e de ninguém mais. genharia de processos, compras e projeto de produto.
O principal ponto forte da estrutura de equipe au- A necessidade dessas funções foi ditada pelo projeto
tônoma é o foco. Tudo o que os membros da equipe de automação da plataforma Bandit, com foco maior
e o líder fazem é para tornar o projeto bem-sucedido. na tecnologia de produção e menor na tecnologia do
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-3     527

produto. Além disso, representantes de recursos huma- como tal – era George Fisher, o executivo do setor. Ele
nos e de contabilidade/finanças faziam parte da equipe fez a proposta de investimento original ao conselho
principal. A pessoa dos recursos humanos era particu- de administração e foi o primeiro a defender e apoiar,
larmente ativa no início, à medida que as posições de como também a supervisionar diretamente, a escolha
subequipe eram definidas e os trabalhos publicados por do líder do projeto e a ajudar a colocar a equipe no
todo o Setor de Comunicações da Motorola e exerciam caminho. Posteriormente, o vice-presidente e o gestor
um importante papel subsequente no treinamento e no da divisão dos pagers assumiram o papel de patroci-
desenvolvimento do pessoal de apoio às operações. A nadores executivos.
pessoa de contabilidade/finanças era fundamental para Ao longo do projeto, a equipe peso-pesado assumiu
“estimar os custos” das diferentes opções e na realiza- a responsabilidade pelo conteúdo do trabalho, pelos
ção de análise detalhadas das opções e escolhas identi- meios utilizados para realizá-lo e pelos resultados. O
ficadas durante o curso do projeto. projeto foi concluído em 18 meses segundo o contra-
Um oitavo membro da equipe principal era um fun- to, o que representou quase a metade do tempo de um
cionário da Hewlett-Packard, empresa escolhida como projeto normal dessa grandeza. Além disso, a operação
fornecedora de soluções de automação da produção: da produção automatizada estava instalada e funcio-
basicamente um computador HP 3000 e a rede de co- nando com tolerâncias de processo de cinco sigma (ou
municação de software integrada que ligava cada esta- seja, o grau de precisão alcançado pelos processos de
ção de trabalho automatizada, transferia controles e ins- fabricação) ao final de 18 meses. A produção em curso
truções durante as operações de produção e capturava verificou que os objetivos de custo (custos diretos subs-
dados de qualidade e outros dados de desempenho ope- tancialmente reduzidos e maiores margens de lucro) na
racional. Como o suporte da HP era vital para o sucesso realidade haviam sido alcançados, e a confiabilidade do
do projeto, considerou-se essencial a sua representação produto era ainda maior do que os padrões já alcança-
na equipe principal. dos nas versões estrangeiras do produto Bravo. Enfim,
A equipe principal era abrigada em um canto várias lições foram transferidas com êxito para outras
da instalação de engenharia/produção da Motorola partes das operações do setor, e equipes pesos-pesados
Communications. A equipe optou por envidraçar a área adicionais provaram a viabilidade e a robustez da abor-
onde a linha de produção automatizada seria configu- dagem no negócio da Motorola e refinaram mais sua
rada para que as outras pessoas na fábrica pudessem eficiência por toda a empresa.
acompanhar o progresso, oferecer sugestões e adotar
as lições aprendidas nessa produção em seus próprios O desafio das equipes pesos-pesados
ambientes de produção e engenharia. A equipe batizou A experiência da Motorola ressalta o poder potencial
seu projeto de Bandit para indicar uma disposição para das equipes pesos-pesados, mas também deixa claro
“extrair” ideias literalmente de qualquer lugar. que criar uma efetiva capacitação de equipe peso-pe-
O líder de projeto peso-pesado, Scott Shamlin, des- sado é mais do que simplesmente selecionar um líder
crito pelos membros da equipe como “um cruzado”, e formar uma equipe. Por sua natureza – focadas no
“um renegado” e “um viciado em trabalho”, tornou-se produto (ou processo) e de necessitarem de uma lide-
o defensor da iniciativa Bandit. Por ser um gestor de rança forte e independente, de amplas habilidades e de
orientação prática que exercia um papel importante no perspectiva multifuncional, além de missões claras –, as
incentivo e na facilitação da comunicação por meio de equipes pesos-pesados podem entrar em conflito com a
todas as funções, ajudou a articular uma visão da linha organização funcional e levantar questões sobre a influ-
Bandit e a infundi-la no trabalho detalhado da equipe ência e o controle da alta direção, e mesmo as vantagens
de projeto. O objetivo de Shamlin era assegurar que da abordagem de equipe trazem consigo desvantagens
o novo processo de produção funcionaria na linha de potenciais que poderão afetar o desempenho do desen-
pagers, mas que proporcionaria ideias reais para muitas volvimento se não forem reconhecidas e evitadas.
outras linhas de produção no Setor de Comunicações da Considere, por exemplo, as vantagens da proprie-
Motorola. dade e do comprometimento, uma das vantagens mais
A equipe principal do Bandit começou pela cria- marcantes da equipe peso-pesado. Identificar-se com o
ção de um livro de contrato que estabelecia o esquema produto e criar um sentido de espírito de equipe motiva
e o plano de trabalho para os esforços da equipe e as os membros da equipe principal a estender-se e fazer o
suas expectativas de desempenho; todos os membros que precisa ser feito para ajudar a equipe a obter suces-
da equipe principal e a alta direção assinaram o docu- so. Entretanto, essas equipes às vezes ampliam a defi-
mento. Inicialmente, o patrocinador executivo da equi- nição do seu papel e do escopo do projeto, e deixam-se
pe – embora não tenha sido formalmente identificado levar por si mesmas e por suas habilidades. Temos vis-
528     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

to equipes pesos-pesados transformarem-se em equipes Fujimoto estudaram na indústria automobilística.1 Es-


autônomas e “saírem pela tangente” porque os altos ses autores constataram que, nas empresas de automó-
executivos deram orientação insuficiente e os limites da veis americanas, em meados dos anos 1980, os projetos
equipe foram especificados apenas vagamente desde o de plataforma típicos – organizados sob uma estrutura
início. Mesmo que a equipe mantenha-se focada, o resto de equipe funcional tradicional ou peso-leve – resul-
da organização pode considera-se “de segunda classe”. tavam no trabalho em tempo integral ao longo de vá-
Embora a equipe principal não faça essa distinção ex- rios meses, empreendido por aproximadamente 1.500
plicitamente, isso ocorre porque a ela foram concedidas engenheiros. Em contrapartida, muitos projetos de pla-
responsabilidades e autoridade além das que são conce- taforma japoneses – realizados por equipes pesos-pe-
didas normalmente aos membros da equipe funcional. sados – utilizavam 250 engenheiros que trabalhavam
Desse modo, tais projetos podem tornar-se inadvertida- em tempo integral durante vários meses. As implica-
mente “os que ‘têm’ recursos-chave e atenção da ges- ções dos equivalentes de tempo integral (ETIs) de 250
tão”, e os outros projetos menores, os “que não têm”. versus 1.500 com relação à amplitude das tarefas, ao
As atividades de apoio são particularmente vulnerá- grau de especialização e à necessidade de coordenação
veis a um excesso de propriedade e comprometimento. são significantes e ajudam a explicar as diferenças nos
Muitas vezes, a equipe peso-pesado vai querer o mes- resultados dos projetos conforme medidas por integri-
mo controle sobre as atividades de apoio secundárias dade do produto, tempo do ciclo de desenvolvimento e
que possui sobre as tarefas primárias realizadas pelos utilização dos recursos de engenharia.
membros dedicados da equipe. Quando espera pela Entretanto, a ausência de profundidade pode revelar
construção de protótipos, pela realização dos testes uma desvantagem. Alguns componentes individuais ou
analíticos ou pela execução dos procedimentos de ga- subcomponentes podem não alcançar o mesmo nível de
rantia da qualidade, a resposta natural da equipe é “exi- excelência técnica que alcançariam sob uma estrutura
gir” prioridade máxima da organização de apoio ou ser de equipe funcional mais tradicional. Por exemplo, os
autorizada a sair e subcontratar grupos independentes. generalistas podem desenvolver um sistema de limpa-
Embora algumas vezes essas possam ser as escolhas dor de para-brisas que seja complementar e integrado
apropriadas, a alta direção deve estabelecer orientações ao sistema total do carro e ao seu conceito central, mas
fazer-comprar e prioridades claras aplicáveis a todos os eles também podem incorporar em seu projeto alguns
projetos – talvez mudando os níveis dos serviços pres- possíveis pontos fracos ou falhas que poderiam ser
tados pelos grupos de apoio (em vez de manter a ênfase percebidos por uma equipe funcional de especialistas
tradicional na utilização de recursos) – ou conseguir que tivesse projetado uma longa série de limpadores de
para-brisas. Para opor-se a essa possível desvantagem,
que os grupos de apoio forneçam serviços de capaci-
muitas organizações encomendam mais testes das uni-
dade e assessoria técnica, mas deixando os membros
dades concluídas para descobrir essas possíveis falhas
da equipe dedicarem-se mais às suas tarefas reais nes-
e fazer com que os componentes e subcomponentes
sas áreas de apoio. Sejam quais forem as ações adota-
sejam revisados por especialistas. Em alguns casos,
das pela organização, o desafio é atingir um equilíbrio
a função de garantia da qualidade expandiu seu papel
entre as necessidades do projeto e as da organização
para certificar-se de que uma quantidade suficiente de
mais ampla.
tecnologistas revise os projetos em pontos apropriados
Outra vantagem da equipe peso-pesado é a integra-
para que tais pontos fracos possam ser minimizados.
ção que proporciona por meio de uma solução sistêmica
para um conjunto de necessidades do cliente. Conseguir Gestão desafiadora das equipes pesos-pesados
que todos os componentes e subsistemas complemen-
Os problemas com a profundidade nas soluções técni-
tem uns aos outros e tratar efetivamente dos requisitos
cas e alocações de recursos de apoio sugerem a tensão
fundamentais do segmento dos clientes principais pode
que existe entre as equipes pesos-pesados e os grupos
resultar em um produto de plataforma e/ou processo
funcionais, em que grande parte do trabalho é realiza-
vencedor. A equipe alcança um projeto de sistema efe-
da. O problema com as equipes que ultrapassam limites
tivo utilizando habilidades generalistas aplicadas pelos
reflete como elas se autogerenciam, como os limites
membros da equipe altamente treinados, com menos
são estabelecidos e o relacionamento em curso entre a
especialistas e, de vez em quando, menos profundidade
equipe e a alta direção. Lidar com essas questões exige
nas soluções de cada componente e na resolução dos
problemas técnicos.
O alcance dessas implicações é apropriadamen- Ver Kim B. Clark and Takahiro Fujimoto, Product Development
1

te ilustrado pela natureza das equipes que Clark e Performance (Boston, MA: Harvard Business School Press, 1991).
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-3     529

mecanismos e práticas que reforcem a confiança básica FIGURA 2 Equipe peso-pesado, seções principais
do contrato
da equipe – controle, foco, arquitetura do sistema, inte-
gridade – e melhorar sua capacidade de tirar vantagem • Sumário executivo
• Plano de negócio e finalidades
dos pontos fortes da organização funcional de apoio
• Plano de desenvolvimento
– profundidade técnica, coerência entre os projetos, – Cronograma
orientação da alta direção. Agrupamos os mecanismos – Materiais
e os problemas em seis categorias de ação gerencial: – Recursos
• Plano de projeto do produto
autorização do projeto, contrato, formação da equipe, • Plano de qualidade
liderança, responsabilidade da equipe e patrocinador do • Plano de produção
projeto. • Entregáveis do projeto
• Avaliação do desempenho e incentivos
A autorização do projeto Uma equipe de projeto
peso-pesado precisa de uma missão clara. Pode-se cap- e receberem a autorização por parte da alta direção. Ba-
turar a missão de forma sucinta por meio de uma auto- sicamente, a equipe desenvolve o seu próprio plano de
rização explícita e mensurável que defina os objetivos trabalho detalhado para conduzir o projeto, estima os
de desempenho amplos, a qual é, em geral, articulada recursos necessários e delineia os resultados a serem
até mesmo antes de a equipe principal ser escolhida. alcançados e em relação aos quais está disposta a ser
Desse modo, juntar-se à equipe principal inclui aceitar avaliada. (A Figura 2 apresenta um modelo resumido
a autorização estabelecida pela alta direção. A seguir, do contrato de uma equipe peso-pesado típica.) Esse
apresentamos uma autorização típica para um projeto tipo de documento pode conter de 25 a 100 páginas, o
peso-pesado: que dependerá da complexidade do projeto e do nível
O produto resultante será escolhido e reforçado pela empresa
de detalhe desejado pela equipe e pela alta direção antes
X durante o quarto trimestre do ano de 1991, com uma mar- de prosseguir. Uma prática comum após a negociação
gem bruta mínima de 20%. e aceitação do contrato é a assinatura do contrato por
todos os envolvidos como uma indicação do compro-
Essa autorização é representativa de uma empresa metimento da equipe em honrar o plano e alcançar os
de produtos industriais cujo produto vai para um sis- resultados.
tema vendido por seus clientes. A empresa X é a prin- A equipe principal pode levar de uma semana a al-
cipal cliente de uma família de produtos e esse projeto guns meses para criar e concluir o contrato; a Motorola,
dedica-se a desenvolver a plataforma da próxima gera- por exemplo, após vários anos de experiência, decidiu
ção da família. Se um programa peso-pesado resultar conceder um máximo de sete dias para essa atividade.
na escolha dessa plataforma pelo principal cliente no Como outras equipes pesos-pesados – particularmente
segmento, em uma determinada data e em uma margem nas organizações sem nenhuma experiência anterior no
bruta específica, ele terá demonstrado que a platafor- uso desse tipo de estrutura – demoraram vários meses
ma da próxima geração não só é viável, como suscetí- para concluir o contrato, podemos entender por que a
vel de ser muito bem-sucedida ao longo dos próximos Motorola apelidou essa fase de “blitz” e decidiu que o
três a cinco anos. As indústrias e os cenários onde tal tempo concedido deveria ser mínimo.
autorização poderia ser encontrada incluem um micro-
processador sendo desenvolvido para um novo sistema Formação da equipe Conforme sugerido pela Figura
de computador, um motor diesel para a indústria de 1, uma equipe peso-pesado inclui um grupo de mem-
equipamentos pesados ou certo tipo de equipamento de bros principais multifuncionais que são dedicados (e,
corte e dobra para a indústria da imprensa de jornais. em geral, fisicamente em um mesmo local) durante
Mesmo em um negócio de diagnósticos médicos com o esforço de desenvolvimento, e há um membro da
centenas de clientes, uma meta de “capturar 30% das equipe principal proveniente de cada função principal
compras do mercado no segundo ano, durante o qual o da organização; por exemplo, em várias empresas de
produto é oferecido”, estabelece uma autorização clara produtos eletrônicos, observamos equipes principais
para a equipe. compostas de seus participantes funcionais – enge-
nharia de projetos, marketing, garantia de qualidade,
O contrato Considerando que uma autorização esta- produção, finanças e recursos humanos. (Ocasional-
belece a missão em termos amplos, o contrato define em mente, a engenharia de projetos será representada por
detalhes o plano básico para atingir um objetivo estabe- dois membros da equipe principal, um de engenharia
lecido. Um contrato será criado logo que a equipe prin- de hardware e um de software). Individualmente, os
cipal e o líder de projeto peso-pesado forem designados membros da equipe principal representam suas funções
530     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Perfil do gestor do projeto

Peso-leve Peso-pesado
(limitado) (abrangente)
Extensão das responsabilidades de coordenação
Duração das responsabilidades
Responsável por especificações, custo, layout, componentes
Contato de trabalho com os engenheiros
Contato direto com os clientes
Habilidades multidisciplinares
Papel na resolução de conflitos
Patrocinador da imaginação/conceito de marketing
Influência em: engenharia
marketing
produção

e a liderança como insumos de suas funções no projeto. localização física é preferível até mesmo na melhor das
Coletivamente, eles constituem uma equipe de gestão abordagens de comunicação on-line. Os problemas que
que trabalha sob a direção do gestor de projeto peso- surgem em tempo real são tratados, em geral, de manei-
-pesado e assume a responsabilidade de gerir o esforço ra efetiva com todas as funções representadas e presen-
de desenvolvimento global. tes do que quando são separadas e devem esperar por
Embora outros participantes – sobretudo da enge- uma reunião periódica ou utilizar links de comunicação
nharia de projetos no início e da produção no fim – fre- remota para abrir discussões multifuncionais.
quentemente possam dedicar-se a uma equipe peso- Uma questão final é se um indivíduo pode ser um
-pesado durante vários meses, eles não se tornam parte membro da equipe principal em mais de uma equi-
da equipe principal, apesar de ocuparem o mesmo lo- pe peso-pesado simultaneamente. Se a regra para um
cal e, ao longo do tempo, possuírem o mesmo nível de membro da equipe principal for que 70% ou mais do
propriedade e comprometimento com o projeto que os seu tempo deve ser despendido no projeto peso-pesado,
membros da equipe principal. A diferença é que a equi- então a resposta para essa questão será não. Frequente-
pe principal gerencia o projeto total e a coordenação e mente, porém, deve ser feita uma escolha entre alguém
integração dos esforços funcionais individuais, enquan- estar em duas equipes principais – por exemplo, da
to outros membros dedicados da equipe trabalham prin- função financeira ou de recursos humanos – ou colocar
cipalmente dentro de uma única função ou subfunção. indivíduos diferentes em uma dessas equipes que não
Se esses membros da equipe temporariamente alo- tenha nem experiência para ser um colega profissional
cados fazem realmente parte da equipe principal, é uma do mesmo nível dos demais membros da equipe princi-
questão com a qual as empresas lidam de maneiras di- pal. As organizações mais experientes que observamos
ferentes, mas as empresas com experiência considerá- optaram por colocar a mesma pessoa nas duas equipes
vel tendem a distinguir entre os membros principais e para garantir a relação profissional e o nível de con-
os outros dedicados (e muitas vezes localizados em um tribuição necessários, embora isso signifique ter uma
mesmo local) da equipe. A diferença é a responsabilidade pessoa em duas equipes e com duas mesas. Depois elas
de gestão do grupo principal que não é compartilha- trabalham para desenvolver outras pessoas para a fun-
da igualmente pelos outros. Além disso, basicamente ção, de modo que a atribuição a múltiplas equipes não
alguns membros do grupo principal estarão dedicados venha a ser necessária no futuro.
durante todo o projeto, com os demais colaboradores Às vezes, a atribuição a múltiplas equipes pode
tendo uma parcela do tempo realocada antes de o proje- ser justificada. Algumas funções, como finanças, não
to peso-pesado ser concluído. exigem uma pessoa em tempo integral no projeto. Na
A importância da localização no mesmo espaço fí- maioria dos casos, porém, existem várias tarefas po-
sico é questionada do mesmo modo nessas equipes. Te- tencialmente agregadoras de valor que são mais abran-
mos visto isso funcionar de ambas as maneiras. Dada gentes do que a contribuição tradicional das finanças.
a complexidade dos projetos de desenvolvimento e Uma pessoa dedicada em grande parte a uma equipe
especialmente a incerteza e ambiguidade frequente- principal buscará essas oportunidades e o projeto será
mente associadas às equipes pesos-pesados, a mesma melhor em decorrência disso. O risco de permitir que
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-3     531

FIGURA 4 Gestor de projeto peso-pesado

Papel Descrição

Identificador direto dos sinais do mercado Informações em primeira mão, visitas aos vendedores, salões de automóvel;
possui orçamento de marketing próprio, equipe de estudos de mercado,
contato direto e discussões com os clientes
Tradutor múltiplas visões Fluência na linguagem dos clientes, engenheiros, comerciantes, estilistas;
tradutor entre a experiência/necessidades do cliente e as especificações
de engenharia
Gestor da engenharia Contato direto, regente de orquestra, divulgador da integridade conceitual
e coordenador do desenvolvimento de componentes, discussões “olhos nos
olhos” com os engenheiros no nível de trabalho; aparece na sala de projeto
e olha sobre os ombros dos engenheiros
Gestor de programa “em andamento” Vive fora do escritório, não participa de muitas reuniões, não gosta de muita
burocracia, comunicação cara a cara; gestor de resolução de conflitos
Introdutor de conceitos Guardião dos conceitos; enfrenta conflitos; não só reage, mas também
implementa a própria filosofia; tomador de decisão final; coordenador dos
detalhes e da criação da harmonia

os membros da equipe principal sejam alocados a vá- forma o gerente peso-pesado de uma indústria automo-
rios projetos é que eles não estarão disponíveis onde bilística trabalha de forma a alcançar os objetivos do
suas contribuições seriam mais necessárias e nem serão projeto.
tão comprometidos com o sucesso quanto seus colegas. O primeiro papel do gestor de projeto peso-pesado
Eles se tornam membros secundários da equipe prin- é fornecer à equipe uma interpretação direta das neces-
cipal e o pleno potencial da estrutura de equipe peso- sidades do mercado e do cliente, o que envolve reunir
-pesado não se realiza. dados de mercado diretamente de clientes, vendedores
e feiras do setor, como também por meio do estudo e
Liderança do projeto As equipes pesos-pesados exi- contato sistemáticos com a organização de marketing
gem um estilo de liderança diferenciado. Uma série da empresa. Um segundo papel é tornar-se um tradutor
de diferenças entre os gestores de projeto pesos-leves de múltiplas visões. O gestor não deverá apenas obter
e pesos-pesados é destacada na Figura 3. Três delas
informações de marketing para as várias funções envol-
são particularmente diferenciadas. Primeiro, um líder
vidas no projeto, mas é fundamental que seja também
peso-pesado gerencia, lidera e avalia os outros mem-
fluente na linguagem de cada uma dessas funções e se
bros da equipe principal e também é a pessoa à qual a
certifique de que a tradução e a comunicação em curso
equipe principal se reporta durante o desenvolvimento
entre elas – particularmente entre as necessidades do
do projeto. Outra característica é que, em vez de serem
cliente e as especificações do produto – sejam feitas de
neutros ou facilitadores no que diz respeito à resolu-
modo efetivo.
ção de problemas e conflitos, esses líderes se veem
como patrocinadores do conceito básico em torno do Um terceiro papel é o de gestor da engenharia, que
qual o produto de plataforma e/ou processo está sendo orquestra, dirige e coordena as várias subfunções da en-
moldado. Eles se certificam de que as pessoas que tra- genharia. Em razão do tamanho de muitos programas
balham em subtarefas do projeto compreendam o con- de desenvolvimento e da quantidade de tipos de dis-
ceito. Desse modo, asseguram a integridade do sistema ciplinas da engenharia envolvidas, o gestor do projeto
do produto e/ou processo final. deve trabalhar de forma direta com cada subfunção da
Enfim, o gestor de projeto peso-pesado exerce o seu engenharia diariamente e assegurar que o trabalho dela,
papel de um modo muito diferente do que o gestor peso- na realidade, integre e apóie o trabalho dos outros, de
-leve. A maioria dos pesos-leves gasta grande parte do modo que o conceito de produto escolhido possa ser
seu tempo trabalhando na mesa, com papel. Eles revi- executado de maneira efetiva.
sam cronogramas, obtêm atualizações frequentes e es- Um quarto papel é mais bem descrito como perma-
timulam as pessoas a satisfazer os prazos previamente necer em movimento: fora do escritório, o gestor realiza
acordados. O gestor peso-pesado passa pouco tempo na sessões presenciais em que destaca e resolve possíveis
mesa, conversa com os colaboradores e certifica-se de conflitos o mais rápido possível. Parte desse papel im-
que as decisões serão tomadas e implementadas quan- plica energizar e ditar o ritmo do esforço global e das
do e onde forem necessárias. A Figura 4 mostra de que suas subpartes fundamentais.
532     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Um último papel é o de patrocinador do conceito. FIGURA 5 Responsabilidades dos membros da equipe


peso-pesado principal
Aqui, o gestor de projeto peso-pesado torna-se o guar-
dião do conceito e não apenas reage e responde aos in- Responsabilidades funcionais:
teresses dos outros, mas também verifica se as escolhas • Garantir a especialização funcional no projeto
• Representar a perspectiva funcional no projeto
feitas são coerentes e harmônicas com o conceito bási- • Garantir que os objetivos específicos que dependam de sua
co. Isso requer uma mistura cuidadosa de habilidades função sejam cumpridos
de comunicação e ensino para que os colaboradores e • Garantir que as questões funcionais que estejam impactando
o trabalho sejam levantadas proativamente na equipe
seus grupos entendam o conceito central e tenham habi-
Responsabilidades em relação à equipe:
lidades suficientes na resolução de conflitos, para asse-
• Dividir as responsabilidades pelos resultados da equipe
gurar que quaisquer questões difíceis sejam abordadas • Reconstituir as tarefas e o conteúdo
em tempo hábil. • Estabelecer relações de subordinação e outras relações
Deveria ser evidente, a partir dessa descrição, que os organizacionais
• Participar no monitoramento e na melhoria do desempenho da
gestores de projeto pesos-pesados ganham o respeito e equipe
o direito de exercer esses papéis com base na experiên- • Dividir a responsabilidade para garantir a efetividade dos
cia prévia, não são simplesmente designados “líderes” processos da equipe
pela alta direção. Um gestor peso-pesado qualificado • Examinar as questões de um ponto de vista executivo
(responder à seguinte pergunta: “Será esta a resposta de
é um pré-requisito para uma estrutura de equipe peso- negócios adequada para a empresa?”)
-pesado efetiva. • Compreender, reconhecer e desafiar de maneira responsável
os limites do projeto e do processo da equipe
Responsabilidades dos membros da equipe Os mem-
bros da equipe peso-pesado têm responsabilidades
projeto. Uma vez que se trata de um papel que os mem-
além da sua atribuição funcional usual. Como mostra
bros da equipe principal não exercem sob uma estrutu-
a Figura 5, elas são de dois tipos básicos. As funcio- ra de equipe peso-leve ou funcional, há sempre alguma
nais são as responsabilidades aceitas pelos membros da dificuldade para eles aceitarem plenamente e aprende-
equipe principal como representativas da sua função. rem a aplicar. Porém, isso é essencial para que a equipe
Por exemplo, um membro proveniente do marketing peso-pesado possa utilizar o seu potencial pleno.
é responsável por garantir que a especialização de
marketing adequada seja trazida para o projeto, que O patrocinador do projeto Com tantas responsabilida­
seja fornecida uma perspectiva de marketing em todas des a mais delegadas à equipe do projeto, estabelecer
as questões fundamentais, que os objetivos especí- relacionamentos efetivos com a alta direção requer
ficos do projeto dependentes da função de marketing mecanismos especiais. A alta direção precisa manter a
sejam satisfeitos em tempo hábil e que as questões de capacidade de guiar o projeto e o seu líder, ao mesmo
marketing que impactam outras funções sejam levanta- tempo que outorga poder à equipe para liderar e agir,
das proativamente dentro da equipe. uma responsabilidade que geralmente é assumida por
Entretanto, todos os membros também têm respon- um patrocinador do projeto – o vice-presidente de enge-
sabilidades em relação à equipe. Além de representar nharia, marketing ou produção da unidade de negócios.
uma função, cada membro divide a responsabilidade Esse patrocinador torna-se o treinador e o mentor do
com o gestor de projeto peso-pesado pelos procedi- líder do projeto peso-pesado e da equipe principal, bus-
mentos adotados pela equipe e pelos resultados globais cando manter contato estreito e permanente com os esfor-
que esses procedimentos produzem. A equipe principal ços da equipe. Além disso, o patrocinador serve como um
é responsável pelo sucesso do projeto e não poderá cul- contato. Se outros membros da alta direção – incluindo os
par ninguém além de si mesma se não conseguir gerir chefes funcionais – tiverem preocupações ou informações
o projeto, executar as tarefas e produzir o desempenho a serem verbalizadas ou se precisarem de informações
acordado desde o início. sobre o andamento do projeto, elas serão comunicadas
Finalmente, além de serem responsáveis pelas tare- por meio do patrocinador. Isso reduz a quantidade de
fas em sua própria função, os membros da equipe prin- sinais misturados recebidos pela equipe e esclarece para
cipal são responsáveis pela subdivisão, organização e a organização a relação de subordinação e avaliação entre
realização delas. Diferentemente da estrutura de desen- a equipe e a alta direção, além de estimular o patrocinador
volvimento funcional tradicional, que dá como certa a do projeto a estabelecer limites e fronteiras adequados para
subdivisão das tarefas e dos meios pelos quais elas serão a equipe, de modo a evitar as surpresas organizacionais.
realizadas e concluídas, a equipe peso-pesado principal Muitas vezes, o patrocinador e a equipe principal
recebe o poder e a responsabilidade de mudar o conteú­ identificam as áreas onde a equipe claramente possui
do dessas tarefas a fim de melhorar o desempenho do poder de tomada de decisão e controle, e distinguem-nas
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-3     533

das áreas que exigem revisão. Uma empresa de produ- tinham metas de introdução no mercado nos próximos
tos eletrônicos que tem utilizado equipes pesos-pesados 12 meses. Embora cada equipe principal fosse alocada
há algum tempo promove uma reunião logo no início do em um mesmo local e mantivesse reuniões regulares,
projeto entre o patrocinador e a equipe principal para havia sobreposição de um membro da equipe principal
gerar uma lista das áreas onde o patrocinador espera (de finanças/contabilidade). Cada equipe era encarrega-
exercer supervisão e ser consultado; essas áreas são de da de desenvolver um novo sistema de computador para
grande preocupação para toda a equipe executiva e as seus mercados-alvo individuais, mas, por acaso, ambos
ações desta podem levantar questões de política para a os produtos deviam usar um chip de microprocessador
organização global. Nessa empresa, a equipe executiva idêntico e personalizado, além de outros chips exclusi-
quer manter algum controle sobre: vos e padrão.
O desafio de mudar o comportamento na criação
• O comprometimento de recursos – número de funcio-
de uma estrutura de equipe peso-pesado efetivo foi
nários, custos fixos e grandes despesas fora do plano de
contrato aprovado;
realçado quando cada equipe enviou seu chip idênti-
• Apreçamento para grandes clientes e grandes contas; co e personalizado – o “supercontrolador” – para uma
• Possíveis atrasos nas principais datas do cronograma (o produção-piloto a ser realizada por um fornecedor de
patrocinador executivo quer um aviso prévio e planos chips. A empresa calculou uma execução de serviço de
de recuperação); 20 semanas para ambas as equipes. Naquela ocasião,
• Planos de transição do projeto de desenvolvimento para o chip supercontrolador já estava no caminho crítico
o estado operacional; para a equipe B, com uma execução de serviço de 11
• Revisões completas nas principais datas do cronograma semanas. Desse modo, cada semana economizada nes-
ou a cada três meses, o que ocorrer primeiro; se chip pouparia uma semana no cronograma global
• Revisão das recompensas de incentivo que têm implica- do projeto, e a equipe B suspeitava de que se atrasaria
ções em toda a empresa quanto à coerência e equidade; e para cumprir a meta de prazo para o seu lançamento no
• Questões entre projetos, tais como otimização, prioriza- mercado inicial. Quando o tempo de execução de 20
ção e equilíbrio de recursos. semanas foi estimado pela primeira vez pelo fornecedor
em uma reunião da equipe B, Jim, o membro da equipe
Identificar tais áreas desde o início pode ajudar o pa-
principal oriundo da engenharia, respondeu como havia
trocinador do projeto e a equipe principal a executarem
feito nos esforços de desenvolvimento funcionalmente
melhor suas responsabilidades atribuídas. Isso permite
estruturados: como os protótipos iniciais eram respon-
também que outros executivos se sintam mais confortá-
sabilidade da engenharia, ele comunicou que estavam
veis trabalhando por meio do patrocinador do projeto,
trabalhando na aceleração do prazo de entrega, mas o
já que eles sabem que essas “questões de fronteira” fo-
fornecedor era uma empresa grande, com a qual o fabri-
ram articuladas e conjuntamente compreendidas.
cante de computadores fez negócios substanciais, e his-
toricamente conhecido por sua lentidão. As sugestões
A NECESSIDADE DA MUDANÇA FUNDAMENTAL dos outros membros da equipe sobre como acelerar a
Em comparação com uma organização funcional tra- entrega foram educadamente recusadas, incluindo uma
dicional, criar uma equipe que seja “pesada” – com li- para ter um contato com um alto executivo equivalente
derança efetiva, habilidades de resolução de problemas no fornecedor. Jim conhecia a abordagem tradicional a
e capacidade para integrar diferentes funções – exige tais questões e não percebeu a necessidade, responsabi-
mudanças básicas na maneira como funciona o de- lidade ou autoridade para alterá-la significativamente.
senvolvimento. Mas também exige uma mudança no Para a equipe A, a estimativa original de 20 sema-
comportamento fundamental dos engenheiros, projetis- nas para a execução do serviço ainda havia deixado um
tas, fabricantes e comerciantes em seu trabalho diário. pouco de folga, e, assim, inicialmente o chip supercon-
Um episódio em uma empresa de computadores sem trolador não estava no caminho crítico. Em poucas se-
experiên­cia prévia com equipes pesos-pesados ilustra a manas, porém, dadas outras alterações nas atividades e
profundidade da mudança necessária para realizar ple- no cronograma, a questão foi imediatamente levantada
namente esse poder das equipes.2 na reunião semanal da equipe. Fred, o membro da equipe
Duas equipes, A e B, foram encarregadas do desen- principal oriundo da produção (que historicamente não
volvimento de um pequeno sistema de computador e estaria envolvido em um protótipo inicial da engenha-
ria), afirmou que considerava o tempo de execução esti-
mado longo demais e que tentaria reduzi-lo. Na reunião
2
Adaptado de uma descrição fornecida pelo Dr. Christopher Meyer, Stra- seguinte, Fred trouxe algumas boas notícias: por meio
tegic Alignment Group, CA. de discussões com o fornecedor, ele conseguiu obter um
534     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

compromisso que adiantava a entrega do chip supercon- fornecedor e então ele procurou mudá-lo. Por sua vez,
trolador em 11 semanas! Além do mais, Fred considerou Jim – que havia trabalhado na organização funcional
que o prazo poderia ser ainda mais reduzido por uma cha- tradicional por muitos anos – via as relações com for-
mada telefônica de um dos altos executivos do fabricante necedores em uma construção-piloto como parte do seu
de computadores para um contato seu no fornecedor. trabalho funcional, mas não acreditava que contrariar
Dois dias mais tarde, em uma reunião normal da as práticas-padrão para fazer com que o fornecedor en-
equipe B, novamente veio à tona o chip supercontrola- curtasse o tempo de ciclo fosse sua responsabilidade,
dor durante a revisão da situação e nenhuma alteração no estivesse ao alcance da sua autoridade ou mesmo que
cronograma original foi identificada. Como a funcioná- fosse do melhor interesse de longo prazo da sua função.
ria de finanças, Ann, atendia ambas as equipes e esteve Ele estava mais preocupado em evitar conflitos do que
presente na reunião da equipe A, ela descreveu o sucesso em alcançar o objetivo primordial da equipe.
desta na redução do tempo de ciclo. Jim respondeu que É interessante observar que, na equipe B, a engenha-
estava ciente de que a equipe A havia empreendido tais ria levantou a questão e, enquanto não estava disposta
esforços, mas que a informação não estava correta e que a agir para resolvê-la, também bloqueou as tentativas
o prazo original de 20 semanas ainda valia. Além disso, das outras pessoas. Na equipe A, no entanto, embora
Jim indicou que os esforços de Fred (da equipe A) ha- a questão tenha sido levantada inicialmente por meio
viam causado internamente um pouco de incerteza e dis- da engenharia, Fred, na produção, perseguiu-a proati-
rupção e que, no futuro, seria importante que a equipe A vamente. No caso da equipe B, renegociar com o forne-
não tomasse tais iniciativas antes de coordenar-se com a cedor o protótipo do chip ainda era tratado como uma
equipe B. Jim afirmou que isso ocorria quando um forne- “responsabilidade da engenharia”, enquanto, no caso da
cedor externo estava envolvido e fechou o tema dizendo equipe A, isso era tratado como uma “responsabilidade
que, à tarde, seria feita uma reunião para esclarecer a si- da equipe”. Como Fred era a pessoa mais qualificada
tuação com Fred, da equipe A, e o pessoal da engenharia para atacar a questão, ele o fez.
e compras da equipe B. Ambas as equipes tinham uma autorização, um
Na tarde seguinte, em sua reunião da equipe A, Fred contrato, uma equipe principal localizada em um mes-
confirmou o prazo de entrega acelerado do chip super- mo local e formada por generalistas, um líder de proje-
controlador. As 11 semanas realmente foram cortadas to, responsabilidades articuladas e um patrocinador do
do cronograma para beneficiar ambas as equipes. De projeto. Contudo, a compreensão de Jim e Fred sobre
modo subsequente, Jim confirmou que o cronograma o que essas coisas significavam para eles pessoalmen-
corrigido se aplicaria também à sua equipe, embora te e para a equipe no nível de trabalho detalhado era
estivesse descontente por Fred ter revogado o “proce- bem diferente. Embora as equipes tivessem passado
dimento operacional padrão” para alcançá-lo. Curiosa por treinamento e processos similares, aparentemente
em relação às diferenças de perspectiva, Ann decidiu Jim via a nova abordagem como uma estrutura organi-
aprender mais sobre por que a equipe A havia identifica- zacional diferente dentro do qual o trabalho era feito
do e removido um obstáculo do seu caminho, ao passo como antes. Por sua vez, Fred parecia ver isso como
que a equipe B havia identificado um obstáculo idêntico uma oportunidade de trabalhar de uma forma diferente
e não conseguiu removê-lo. – assumir a responsabilidade por reconfigurar as ta-
Como apontou Fred, Jim era o gestor de engenharia refas, trazer novas competências e realocar recursos
responsável pelo desenvolvimento do chip supercontro- onde fosse necessário para obter o trabalho realizado
lador; ele conhecia os requisitos técnicos do chip, mas da melhor maneira possível.
tinha pouca experiência em lidar com fornecedores de Apesar de as duas equipes serem teoricamente “pe-
chip e seus processos de produção. (Ele tinha sido um sos-pesados”, a equipe de Fred era “muito mais pesada”
especialista.) Sem essa experiência, ele viveu tempos em sua operação e impacto. Nossa pesquisa sugere que
difíceis empurrando a “linha-padrão” do fornecedor. En- o peso não é apenas uma questão de estrutura e meca-
tretanto, a experiência em produção de Fred com vários nismo, mas também de atitudes e comportamento. As
fornecedores de chip capacitou-o a calibrar os prazos do empresas que tentam criar equipes pesos-pesados sem
fornecedor em relação à sua experiência de melhor caso e fazer as mudanças profundas necessárias para perceber
compreender de que o fornecedor precisava para cumprir o poder na estrutura da equipe considerarão essa abor-
um compromisso substancialmente anterior. dagem de equipe problemática. Aquelas que pretendem
Além do mais, como Fred havia divulgado um con- utilizar equipes para projetos de plataforma e que estão
junto de obrigações claras do projeto, cujo caminho dispostas a fazer as mudanças básicas que discutimos
seria bloqueado pelo chip atrasado, não fazia sentido aqui podem usufruir de vantagens substanciais de foco,
ter que lidar com o compromisso inicial firmado pelo integração e eficácia.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     535

ARTIGO 4-4 pede uma pizza para assistir a um DVD da Netflix na


noite seguinte.
Como encontrar a tarefa certa para A razão por que muitas vezes parece difícil explicar se
o seu produto* um cliente dentro de uma determinada categoria demo-
gráfica comprará um novo produto de certa categoria é
Clayton Christensen e Scott Anthony que da perspectiva do cliente o mercado não é estrutura-
do por característica de produto e cliente. Os clientes não
A forma adotada pelas empresas para definir os seg- ajustam suas decisões de compra às do cliente “médio”
mentos de mercado influencia quais produtos elas de- em sua demografia, nem limitam a busca por soluções
senvolvem, orienta as funcionalidades incorporadas dentro de uma categoria de produto. Em vez disso, eles
neles e molda como elas os levam ao mercado. Os es- apenas precisam fazer as coisas. Quando os consumi-
quemas de segmentação definem quem está enquadrado dores precisam fazer alguma coisa, contratam produtos
como concorrente e a dimensão das oportunidades de ou serviços para realizar o trabalho. Os profissionais de
mercado. A maioria dos profissionais de marketing seg- marketing que desenvolvem produtos e serviços conecta-
menta seus mercados de acordo com as características dos com a necessidade de seus clientes precisam enxergar
dos seus produtos ou clientes. De fato é assim que você o mundo pelos olhos destes, isto é, precisam compreender
vê o mercado quando está dentro da empresa olhando as tarefas que surgem na vida dos clientes, para as quais
para o mercado do lado de fora. Muitos, por exemplo, seus produtos poderiam ser adquiridos. Em outras pala-
segmentam seus mercados por categoria de produto vras, a tarefa, e não o cliente ou o produto, deve ser a uni-
ou nível de preço. Essa é a melhor maneira para en- dade fundamental de segmentação e análise do mercado.
quadrar a estrutura do mercado? Ou é melhor traçar o A maioria dos sucessos da história do marketing foi
perfil dos mercados por atributos demográficos, como feita por profissionais que perceberam a tarefa funda-
idade, gênero, estado civil e nível de renda? As em- mental que os clientes estavam tentando realizar – e de-
presas business-to-business (B2B) deveriam utilizar a pois encontraram uma maneira de ajudar mais pessoas a
demografia corporativa, como a indústria vertical, para realizá-la com mais eficácia, conveniência e preço aces-
fatiar os mercados ou seria melhor a segmentação em sível. As “bolas fora” da história do marketing, por sua
negócios pequenos, médios e grandes? Algum desses vez, resultaram do desenvolvimento de produtos com
esquemas de segmentação proporcionará uma melhor funcionalidades e funções melhores do que os demais
orientação para os que devem inovar com êxito? Ou produtos na mesma categoria, ou da tentativa de deci-
eles desencaminharão? O esquema de segmentação frar o cliente médio em uma necessidade demográfica.
do mercado que as empresas adotam é uma decisão de Este artigo tem três finalidades. A primeira é des-
consequência vasta. No entanto, muitos gestores não crever os benefícios que os executivos podem extrair
analisam se os seus segmentos em uso estão levando a quando segmentam seus mercados por tarefa. Segun-
esforços de marketing na direção certa ou errada. do, descreve os métodos que as pessoas envolvidas em
Um problema com os esquemas de segmentação marketing e no desenvolvimento de novos produtos po-
como os já mencionados é que eles são muito estáti- dem utilizar para identificar a estrutura com base em
cos. Os comportamentos de compra dos clientes mu- tarefa de um mercado. Por fim, mostra como os detalhes
dam com muito mais frequência do que o seu grupo dos planos de negócio tornam-se coerentes quando os
demográfico, sua população de consumidores ou suas inovadores compreendem a tarefa a ser realizada.
atitudes. A idade demográfica dos 18 aos 34 anos que
é utilizada com frequência no marketing do consumi-
SEGMENTAR PELAS TAREFAS A SEREM
dor, por exemplo, dura 17 anos. O nível de educação
REALIZADAS
geralmente é fixo por volta dos 30 anos. A renda de
um indivíduo pode variar com mais frequência, mas Uma tarefa é o problema fundamental que um cliente
geralmente é estável durante anos. Os dados demográ- precisa resolver em uma determinada situação. Para ilus-
ficos não conseguem explicar por que um homem tem trar o que é uma tarefa e como o caminho para a inovação
um compromisso para um cinema em uma noite, mas bem-sucedida pode ser mais claro quando os profissio-
nais de marketing segmentam por tarefa, ofereceremos
*
Fonte: Agradecemos a Bob Leahey da Infotrends, Armando Luna da
exemplos dos setores de fast-food e automobilístico,
Blue Cross Shield of Florida, Emily Sawtell da McGraw Hill e Steven onde historicamente as empresas têm segmentado seus
Wunker da Innosight LLC pelos comentários sobre os rascunhos deste mercados ao longo das fronteiras tradicionais das catego-
artigo. Agradecemos também a Rick Pedi e Bob Moesta da Pedi, Moesta
Associates, por nos permitirem usar ideias e procedimentos disfarçados rias de produto e cliente, mas que se beneficiariam muito
provenientes do seu trabalho. ao segmentá-los por tarefa.
536     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Comprar milkshakes as 10 horas. O milkshake, verificou-se, fazia melhor a


Há algum tempo, um restaurante de fast-food resolveu tarefa do que qualquer um dos seus concorrentes. As
melhorar as vendas do seu mikshake.1 Primeiro, seus pessoas demoravam 20 minutos para sugar o milkshake
profissionais de marketing definiram o segmento de viscoso por meio do canudo fino e resolviam o proble-
mercado por produto – milkshakes – e depois traçaram ma do trajeto enfadonho. Embora não tivessem a menor
o perfil do consumidor mais propenso a comprar esse ideia de quais eram os ingredientes do milkshake, elas
produto. Depois, convidaram pessoas que se encaixam sabiam que às 10 horas não sentiriam fome. Não im-
nesse perfil para avaliar se milkshakes mais espessos, portava se era um alimento saudável, já que tornar-se
achocolatados, mais baratos ou massudos os satisfariam saudável não era a tarefa para a qual estavam compran-
mais. Os debatedores forneceram um feedback claro, do o milkshake.
mas as melhorias consequentes no produto não afeta- Os pesquisadores observaram que, em outros horá-
ram as vendas. rios do dia, os pais costumavam comprar milkshakes,
Então, um novo pesquisador passou um dia em um além de uma refeição completa, para seus filhos. Que
restaurante para compreender as tarefas que os clien- trabalho os pais estavam tentando realizar? Eles estavam
tes estavam tentando realizar quando compravam um cansados de dizer “não” aos seus filhos. Compravam os
milkshake. Ele registrou quando cada milkshake era milkshakes como uma maneira inócua de acalmar seus
comprado, que outros produtos os clientes compravam, filhos e se sentirem pais amorosos. Os pesquisadores
se estavam sozinhos ou em grupo, se os consumiam no observaram que os milkshakes não executavam sua
local ou os levavam para viagem. O pesquisador ficou tarefa muito bem. Eles viram os pais esperando impa-
surpreso ao descobrir que 40% de todos os milkshakes cientemente após terminarem suas refeições, enquanto
eram comprados no início da manhã. Os clientes mati- seus filhos lutavam para sugar o espesso milkshake pelo
nais quase sempre estavam sozinhos, não compravam canudo fino.
mais nada e consumiam o milkshake no carro. Os clientes compravam os milkshakes para duas ta-
Depois, o pesquisador voltou para entrevistar es- refas diferentes. Entretanto, quando os profissionais de
ses clientes à medida que saíam do restaurante com marketing perguntaram a um pai ocupado que precisa
o milkshake na mão: “Que tarefa deve ser realizada de um milkshake demorado pela manhã (e alguma coi-
quando você vem aqui comprar um milkshake?”. Como sa muito diferente no final do dia) que atributos desses
eles tinham dificuldade para responder, ele os ajudava produtos deveriam ser melhorados e quando a resposta
perguntando: “Pense em uma ocasião recente na qual dele foi ponderada com as das outras pessoas no mesmo
você esteve na mesma situação, precisando da realiza- segmento demográfico, isso levou a um produto sem
ção de alguma tarefa, mas não veio aqui comprar um nenhuma adequação.
milkshake. O que você comprou?”. A maioria deles, Depois que eles compreenderam as tarefas que os
verificou-se, o comprou para executar uma tarefa si- clientes estavam tentando realizar, ficou claro que atri-
milar: eles enfrentavam uma viagem longa e chata e butos do milkshake tornariam a tarefa ainda melhor
precisavam de algo para ocupar a mão extra e tornar o e que melhorias eram irrelevantes. Como eles pode-
trajeto mais interessante. Ainda não estavam com fome, riam enfrentar melhor o trajeto enfadonho? Tornar o
mas sabiam que sentiriam fome às 10 horas, queriam milkshake ainda mais espesso para que durasse mais e
consumir alguma coisa agora que matasse a fome até o misturar alguns pedaços de fruta para que os motoristas
meio-dia e enfrentavam restrições: estavam com pressa, de vez em quando sugassem os pedaços, acrescentando
usavam roupas de trabalho e tinham (no máximo) uma uma dimensão de imprevisibilidade e antecipação à sua
mão livre. rotina matinal monótona. Igualmente importante seria
Em resposta à pergunta do pesquisador sobre que mover um dispenser para a frente do balcão e vender
outros produtos eles compraram para essa tarefa, os aos clientes um cartão pré-pago para que eles pudessem
clientes perceberam que algumas vezes compravam entrar rápido, adquirir o produto e partir sem ficarem
roscas. Mas elas eram secas. Roscas com cream cheese presos na fila do drive-through. Abordar a outra tarefa a
ou geleia sujavam os dedos e o volante. Algumas vezes, ser realizada resultaria em um produto muito diferente,
esses clientes que dirigem diariamente para o trabalho é claro.
compraram uma banana, mas ela não durava o suficien- Compreender a tarefa e melhorar o produto nas di-
te para solucionar o problema do trajeto enfadonho. Os mensões da experiência para que ele faça melhor essa
donuts não livravam as pessoas do ataque da fome após
tarefa faria com que os milkshakes da empresa ganhas-
sem participação de mercado em relação à concorrên-
cia real – concorrer não só com os milkshakes da rede,
Nesse exemplo, as descrições do produto e da empresa foram disfarçadas.
1
mas também com donuts, roscas, bananas e o tédio. Isso
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     537

permitira que a categoria crescesse, o que nos traz uma dados, responder a e-mails, arquivar papéis, digitar ou
questão importante: os mercados definidos em função verificar o status dos pedidos, encontrar dados de ven-
da tarefa geralmente são muito maiores do que os mer- das, usar a internet, manter a bateria do computador
cados definidos por categoria de produto. Os profissio- carregada e almoçar.
nais de marketing presos à armadilha mental que iguala Se a tarefa fosse a unidade de análise dos fabricantes
o tamanho do mercado às categorias de produto não de automóvel, seria fácil ver como eles poderiam dife-
compreendem com quem estão concorrendo, do ponto renciar uma família de produtos de uma maneira que
de vista do cliente. importasse para os que compram um carro para ser seu
escritório sobre rodas. Tomadas elétricas, acesso sem
Carros ou escritórios sobre rodas?
fio ao banco de dados CRM da empresa, um telefone
Nosso segundo exemplo é extraído da indústria automo- viva-voz, um Blackberry com tela grande, bases para
bilística. Os fabricantes de automóveis e seus analistas dispositivos móveis, mesas dobráveis e sistemas orga-
de mercado segmentam seus mercados em categorias
nizadores poderiam diferenciar o carro nas dimensões
de produto, tais como sedãs subcompactos, compactos,
que significassem algo para os clientes que precisam ter
tamanho médio e tamanho completo; SUVs e minivans;
essa tarefa realizada.3
caminhões leves versus pesados; carros esportivos e de
luxo. Eles também segmentam seus clientes ao longo
O trabalho da diferenciação
de dimensões demográficas e psicográficas extraordina-
riamente sofisticadas. Essas práticas têm atendido bem Um dos benefícios mais poderosos de segmentar os
os fabricantes de automóveis? Seu fracasso é gritante. mercados por tarefa e depois criar produtos ou serviços
Em todos os segmentos, exceto os de luxo, mais caros, para realizar uma tarefa com perfeição é que isso ajuda
a diferenciação que mereça um preço superior parece as empresas a fugir do “paradigma de posicionamento”
impossível de alcançar. Na realidade, reduzir o preço tradicional no qual muitas estão aprisionadas. O para-
parece a única forma segura de vender todos os carros digma de posicionamento postula que os produtos, na
que as montadoras produzem.2 Por quê? maioria dos mercados, podem ser mapeados em um par
Esses esquemas de segmentação não refletem a de eixos, ao longo dos quais os concorrentes têm pro-
experiência de vida dos clientes quando compram e curado diferenciar-se. No comércio varejista de móveis,
dirigem um carro – as tarefas que eles contratam um por exemplo, a amplitude da escolha poderia ser a mé-
carro para fazer. Milhões, por exemplo, compram um trica em um eixo, e a qualidade dos móveis poderia ser
veículo principalmente para ser um escritório móvel. medida no outro eixo. A posição relativa dos diversos
São pessoas de vendas ou prestadores de serviços que produtos dos fabricantes de automóveis pode ser ma-
têm que trabalhar fora do carro. Quando essas pessoas peada de modo similar. Um eixo poderia ser a catego-
percebem que precisam comprar um carro para essa fi- ria do produto (compacto, tamanho médio, SUV, etc.),
nalidade, que modelo surge em suas mentes como tendo
enquanto o outro poderia mapear o grau de sofistica-
sido concebido para realizar esse trabalho? Um Avalon,
ção das funcionalidades e na decoração do interior. Os
Accord, Accent, Astra ou Altima? Bonnevile ou Bla-
profissionais de marketing conscientes da diferenciação
zer? Camy, Cavalier ou Corolla? A maioria dos mode-
dentro do paradigma do posicionamento convencional
los vende menos de 100 mil unidades por ano, e suas
montadoras lutam para manter um preço superior para buscam por um ponto não atendido nesses mapas, no
quaisquer funcionalidades que adicionem custo aos car- qual possam posicionar novos produtos.
ros. No entanto, nenhuma empresa concebeu um carro
que seja otimizado para cumprir a tarefa de escritório 3
Existem outros segmentos de tarefa na indústria automobilística. O
móvel de que esses milhões de pessoas precisam. Esses principal motivo para as primeiras minivans da Chrysler terem sido um
clientes precisam fazer um test-drive de um carro após sucesso tão grande foi, segundo acreditamos, o seu posicionamento em
o outro e depois comprar um que não faz bem a tarefa. uma tarefa que surgiu na vida das famílias – interagir de maneira fácil e
segura uns com os outros enquanto se moviam de um lugar para outro.
Ao mesmo tempo que resistem a preços superiores que Criar um produto focado na tarefa não garante um monopólio perpétuo,
são irrelevantes para essa tarefa, eles toleram todos os é claro, e outros fabricantes de automóvel acabaram lançando as suas
minivans. Vale observar, porém, que os concorrentes levaram anos para
tipos de compromissos inconvenientes e ações alterna- lançar minivans que pudessem concorrer por desempenho. Como eles
tivas quando tentam fazer chamadas telefônicas, digitar eram organizados com base na categoria de produtos, e não na tarefa, a
minivan não se encaixava na maneira como eles eram estruturados ou
pensavam em relação ao mercado. Como consequência, a liderança de
mercado da Chrysler persistiu por mais de uma década. Em outra tarefa
2
Reconhecemos que atualmente os carros da Toyota são diferenciados contratada, as pessoas desejam expressar cuidado e amor por uma esposa
pela sua confiabilidade. Mas, em termos de mercado, a empresa com- ou um filho. Nenhum carro tem os recursos e serviços associados embu-
porta-se como as demais montadoras. tidos para fazer bem essa tarefa.
538     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

O problema com o paradigma do posicionamento é parece-nos que existem pelo menos duas tarefas fun-
que, mesmo quando os profissionais de marketing en- damentalmente diferentes no mercado. Uma surge na
contram espaços abertos no qual possam ser encaixados vida das pessoas que se estabeleceram em sua primeira
produtos exclusivos, muitas vezes os clientes não va- casa e que agora precisam equipar sua residência de
lorizam a diferenciação e os concorrentes consideram- longo prazo com móveis que preservarão para o resto
-na fácil de copiar. O ponto de partida nesses mapas da vida. Os varejistas que os clientes contratam para
da diferenciação costuma ser ocupado pelos produtos cumprir essa tarefa, na realidade, devem oferecer uma
que possuem apenas as funções básicas das quais os ampla seleção, além de estilo e qualidade duradouros.
clientes necessitam. Nessa posição minimalista, as em- Seus clientes estão bem dispostos a esperar os 2 a 3
presas disruptivas movem-se para a “parte superior do meses frequentemente necessários para a entrega des-
mercado” em busca de lucro, copiando características ses móveis. A Ikea posicionou-se em uma tarefa muito
e funções dos produtos com preços mais elevados dos diferente a ser realizada: “Realmente não preciso de
concorrentes. Quando isso acontece, as características móveis que durem a vida inteira. Mas preciso de mó-
que antes definiam um produto diferenciado, aumen- veis simples e com preço compensador agora mesmo
tado, passam a ser esperadas em todos os produtos – para que eu possa parar de me sentar, comer e dormir
forçando os profissionais de marketing que buscam no chão deste apartamento”. O foco da Ikea nessa tarefa
a diferenciação a oferecer ainda mais. Quando essas define as características que ela precisa oferecer – que
características aumentadas passam a ser copiadas por são muito diferentes das características de uma loja que
empresas disruptivas e esperadas em todos os produtos, procura ser contratada para a tarefa anterior. Para fazer
isso força os profissionais de marketing a buscar por isso bem, os kits estocados do tipo “leve para casa e
características ainda mais “exclusivas” com as quais monte você mesmo” da Ikea são características real-
possam aumentar a sua oferta e assim por diante.4 Uma mente agregadas, não inadequações que são toleradas a
situação difícil de viver nessa esteira de acontecimen- fim de obter preços de desconto. De modo similar, para
tos é que, quando as características exclusivas de um as pessoas que quase não possuem móveis, utensílios
produto melhorado tornam-se comumente esperadas, as de cozinha e outras decorações domésticas, essas são
empresas ficam aprisionadas aos custos para fornecer características precisam ser oferecidas para fazer bem
essas características, mas não conseguem sustentar um esse trabalho. Para pessoas nessa situação, a experiência
preço elevado para oferecê-las. O motivo principal para da Ikea é diferenciada – ao contrário de uma visita a uma
esse aprisionamento é a prática universal de posicionar loja aprisionada no paradigma do posicionamento tradi-
os produtos em categorias definidas pelas propriedades cional, que tenta apelar para uma “população” de renda
deles – de modo que o “melhor” é obtido copiando as mais baixa ao vender móveis de qualidade inferior.5
características e melhorando a funcionalidade. Pode-se apenas imaginar uma diferenciação signifi-
Quando uma empresa começa a ver a estrutura do cativa que um fabricante de automóveis poderia alcan-
mercado por tarefa, ela pode romper com a esteira tra- çar se rompesse com o paradigma do posicionamento
dicional do posicionamento e diferenciar-se nas dimen- convencional e, em vez disso, organizasse as experiên­
sões do desempenho que sejam aderentes às tarefas que cias dos seus clientes em comprar, usar e manter os car-
os clientes estão precisando que sejam realizadas. Essa ros em torno de diferentes tarefas a serem realizadas.
diferenciação parece durar muito mais tempo. Ilus- A necessidade de nos sentirmos de uma certa manei-
traremos isso no varejo de móveis, em que a maioria ra – másculo, ousado, mimado ou prestigioso – é uma
das empresas tem estado aprisionada no paradigma do tarefa que surge em muitos momentos da vida. Quando
posicionamento tradicional – cujos eixos medem va-
riavelmente a amplitude da seleção, o estilo e a qua-
lidade/preço. Sem termos pesquisado profundamente, 5
Se fosse escrita uma história mais exata da Ikea, ela revelaria que o
fundador Ingvar Kamprad não tinha desde o início uma compreensão
cristalina desse posicionamento com base no trabalho. Em vez disso,
tinha uma percepção parcial, intuitiva, do que uma fração dos compra-
4
Ver, em Theodore Levitt, “Marketing Success through Differentiation dores de móveis estava precisando fazer quando entravam na loja. À
– of Anything”, Harvard Business Review, Jan. 1980, pp. 2-9, uma medida que Kamprad e seus sócios deram início à empresa e tentavam
descrição clássica do conceito de produto aumentado. A professora ajudar os clientes, a compreensão do trabalho foi se aglutinando peça
Youngme Moon, da Harvard Business School, tem escrito e ensinado ex- por peça. Os executivos da Ikea provavelmente não articulam sua es-
tensivamente sobre os conceitos apresentados nesta seção. Agradecemos- tratégia focada nesse trabalho – mais provavelmente, essa ideia reside
-lhe a ampliação de nossa própria compreensão desse fenômeno por meio em uma com­preensão tácita, cultural. Por essa razão, usamos o termo
de seus artigos, casos e notas de aula. Recomendamos sua experiência “ilustrar”, em vez de “provar”, no início desta seção. Nossa esperança é
a outras pessoas que queiram explorar o posicionamento disruptivo em que, articulando esse modelo de segmentação por trabalho a ser realizado
maior profundidade. Esperamos que essa compreensão seja alcançada e ilustrando-o com empresas como a Ikea, cujas estratégias espelham-se
por todos que estejam envolvidos em marketing e no desenvolvimento de facto nesse modelo, poderíamos ajudar os alunos e gestores que não
de novos produtos! foram abençoados com essa intuição a descobrir oportunidades.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     539

nos deparamos com a necessidade de realizar alguma Como a segmentação por tarefa esclarece quem real­
dessas tarefas, podemos comprar um produto de mar- mente são os outros candidatos à tarefa, ela ajuda os
ca cuja finalidade seja proporcionar essas experiências. profissionais de marketing a comparar os pontos fortes
Gucci, Louis Vutton e produtos de marca novos foram e fracos de cada um dos produtos que concorrem pela
elaborados para fazer essas tarefas – as quais podería- tarefa na mente do cliente – e compará-los com os atri-
mos chamar de tarefas aspiracionais. Em algumas si- butos e as experiências em compra e uso que seriam
tuações aspiracionais, é a marca em si, mais do que as necessários para realizar a tarefa perfeitamente. Os pro-
dimensões funcionais do produto, que executa a tarefa. fissionais de marketing que segmentam por categoria
de produto e cliente simplesmente não conseguem en-
A competição real: outros candidatos que xergar tão claramente a concorrência que vem de fora
poderiam ser contratados para realizar a tarefa
da sua categoria de produto – eles não sabem se seus
Como fez o nosso colega em sua pesquisa sobre o produtos têm um desempenho melhor ou pior do que
milkshake, constatamos que podemos compreender as os dos concorrentes importantes. Você consegue ima-
tarefas com mais profundidade se perguntarmos aos ginar-se sendo solicitado a projetar produtos que sejam
clientes que acabaram de comprar um produto: “Lem- melhores do que os produtos que os concorrentes estão
bre-se da última vez em que esteve na mesma situação, fazendo, sem saber quem são os concorrentes ou quais
precisando da realização dessa tarefa, mas não veio características e funções do produto o cliente valoriza-
aqui comprar este produto. O que você comprou?”. A
rá? No entanto, são algemas que as práticas convencio-
resposta a essa pergunta acrescenta uma riqueza crucial
nais de segmentação impõem aos inovadores.
para a nossa compreensão da tarefa e nos ajuda a com-
preender quais produtos competem por aquela tarefa na
mente do cliente. Enquanto a maioria dos profissionais COMO ENCONTRAR A TAREFA
de marketing enxerga seus concorrentes como aqueles Como os profissionais de marketing descobrem o es-
que produzem a mesma categoria de produtos, geral- quema de segmentação em relação a “tarefas a serem
mente isso é apenas um pequeno subconjunto dos “Can- realizadas” em seus mercados? As tarefas que os clien-
didatos à Tarefa” que os clientes consideram comprar. tes estão tentando realizar não podem ser decifradas a
Considere, por exemplo, uma tarefa que surge mi- partir de bancos de dados comprados no conforto dos
lhões de vezes nos trens do metrô e nos ônibus pela escritórios dos profissionais de marketing. Isso requer
manhã. As pessoas que vão para o trabalho querem pas-
observar, participar, escrever e pensar. Implica saber
sar o tempo de maneira produtiva. Um jornal gratuito
para onde olhar, o que procurar, como procurar e como
com uma única seção e dobrado facilmente, chamado
interpretar o que encontrar.
Metro, foi utilizado e é lido diariamente por dezenas
de milhões de pessoas. Ele não concorre simplesmen- Para onde olhar
te com os principais jornais metropolitanos, mas com
as conversas com desconhecidos, romances de banca, Sugerimos uma hierarquia de lugares onde os pesqui-
iPods da Apple, celulares, Blackberries e o tédio. sadores que estão buscando oportunidades para gerar
O que concorre com as montadoras de automóveis novo crescimento poderiam procurar pelos trabalhos
a serem contratadas para a tarefa “meu carro é meu es- que os clientes precisam realizar. O primeiro passo na
critório”? Não são apenas as outras montadoras. Esses hierarquia é a base de clientes atual. Peter Drucker en-
carros inadequados concorrem com a Starbucks e com tendeu bem: “O cliente raramente compra o que a em-
as empresas que ajudam as pessoas a serem produtivas presa acha que está vendendo para ele”.6 As empresas
quando não estão em espaços de trabalho em casa ou na quase sempre pensam que seus clientes estão usando
empresa – Franklin Covey (planejadores, organizado- o seu produto para tarefas diferentes das que a empre-
res), RIM (e-mail no Blackberry) e provedores de ser- sa concebeu. Muitas vezes, elas aprendem que o seu
viço de telefonia móvel. Todas essas empresas vendem produto faz uma dessas tarefas muito bem, mas veem
produtos nesse espaço de “trabalho”. Mesmo quando as os clientes forçando a sua adequação para outras tare-
montadoras lutam para sustentar preços elevados para fas, sujeitando-se às suas ineficiências porque é a única
os carros repletos de características que elas lançam a coisa que podem comprar. Tais situações são oportu-
cada ano, os clientes cujo carro é o seu escritório princi- nidades para modificar o produto e seu composto de
pal evidenciam uma notável disposição para pagar pre- marketing para que possa concorrer de maneira mais
ços muito altos por esses serviços que as montadoras
não estão oferecendo, apenas para ajudá-los a ter essa
tarefa realizada. 6
Drucker, Peter F., Managing for Results, 1964, Harper & Row, NY, p. 94.
540     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

efetiva e ganhar participação em relação aos candidatos específicos a fim de juntar uma visão esclarecedora das
à tarefa em outras categorias de produto. alavancas que a empresa podia afetar e que melhora-
Os clientes que poderiam ser seus clientes, mas estão riam a rentabilidade dos seus clientes.
comprando produtos da concorrência na sua categoria, Uma visão fundamental a partir dessas reuniões foi
compõem a segunda etapa na hierarquia. Muitas vezes, que os profissionais de enfermagem, que contribuem
isso ocorre não só quando seus produtos têm um con- para uma parcela significativa dos custos operacionais
junto inferior de características e funções, mas porque dos hospitais e cujas interações com os pacientes in-
os produtos da concorrência estão sendo contratados fluenciaram fortemente as percepções da qualidade do
para realizar uma tarefa diferente. Diferenças sutis que atendimento, estavam gastando tempo excessivo em
parecem inconsequentes quando se comparam produtos tarefas não relacionadas à enfermagem – pegando no
dentro de uma categoria podem ser muito importantes chão coisas que os pacientes derrubavam e resolvendo
quando a tarefa é a unidade de análise. problemas com o televisor, por exemplo. Ao adicionar
A terceira camada na hierarquia das oportunidades funcionalidades e funções aos seus leitos que evitavam
de crescimento é explorar a disrupção. Existem pessoas muitas tarefas não associadas à enfermagem, a Hill-Rom
que se beneficiariam com a sua solução, mas que ainda diferenciou os seus leitos de modo a ajudar os hospitais
não podem fazê-lo porque não podem pagar pelo seu a ganhar mais dinheiro. Os hospitais pagaram rapida-
produto ou não têm habilidade para usá-lo? Essas são mente os preços elevados para obter essas melhorias.
oportunidades clássicas para novas disrupções de mer- Essas visões não vieram da segmentação do mercado
cado. As disrupções decolam quando os “não consu- em hospitais pequenos, médios e grandes, mas da com-
midores” estão tentando fazer a tarefa e simplesmente preensão da tarefa – as alavancas que direcionavam a
ficam impedidos de ter boas soluções por causa da com- rentabilidade dos hospitais.8
plexidade e do custo dos produtos existentes. Vender um produto para uma organização que a aju-
da a ganhar mais dinheiro e da maneira que foi estru-
Quando o cliente é uma empresa turada para ganhar dinheiro é uma ótima maneira de
Quando a entidade que usará o seu produto ou servi- justificar o preço elevado. Muitas vezes isso não é tão
ço é uma organização, a tarefa da qual os seus clientes simples quanto parece porque a maioria dos funcioná-
necessitam geralmente é óbvia: eles precisam ganhar rios nas empresas clientes tem uma compreensão limi-
dinheiro. “O negócio dos negócios é, no final das con- tada, local, em vez de uma perspectiva empresarial so-
tas, um negócio.”7 A Hill-Rom Industries aumentou a bre como ganhar dinheiro. Como a Hill-Rom descobriu,
sua participação no mercado de leitos hospitalares de compensa desenvolver uma perspectiva multidimensio-
30% em 1975 para 90% em 1990 e dobrou a frequência nal sobre o motor de lucro dos clientes. Uma pergunta
com a qual os hospitais substituíam os leitos exploran- para uma pessoa envolvida em um processo de compra
do essa ideia: eles queriam compreender mais astuta- B2B tão simples quanto “Como você decidiu que estava
mente o que orientava a rentabilidade de seus clientes. pagando um preço aceitável por essa compra?” pode
Como eles reuniram as informações que levaram a essas produzir conhecimentos úteis sobre as alavancas que
ideias? Como na maioria das empresas, os funcionários acionam o motor de lucro do cliente.
da Hill-Rom entraram em contato com os funcionários
dos clientes em muitos níveis. Seus altos executivos vi- Quando o cliente é um indivíduo
sitaram a alta direção dos hospitais. A Hill-Rom man- Compreender a estrutura dos mercados com base em
dou seus pesquisadores de mercado trabalharem como tarefa onde o usuário é um indivíduo implica técnicas
atendentes nos hospitais. O pessoal de vendas mantinha diferentes de quando o cliente é uma organização. Os
contato com o pessoal de compras; os tecnologistas de profissionais de marketing que estão procurando com-
manutenção interagiam com a equipe de manutenção preender a estrutura com base em tarefa dos mercados
dos hospitais; e os funcionários do departamento finan- de consumidores individuais devem agir como os re-
ceiro de cada empresa interagiam sobre como e quando pórteres investigativos que têm um conjunto de ferra-
pagar por suas compras de leitos. No entanto, ao con- mentas à sua disposição – incluindo pesquisas, entre-
trário da maioria das empresas, a Hill-Rom convoca- vistas, observações, participação e experimentação. Os
va reuniões periódicas com todos os funcionários que métodos de pesquisa que funcionam melhor dependem
tinham feito contato com os funcionários de clientes do seu posicionamento ao longo de um espectro, cuja

Essa declaração tem sido atribuída a vários especialistas, entre eles


7 8
Esses métodos são recontados em “Hospital Equipment Corporation”
Milton Friedman. (Harvard Business School, estudo de caso 9-xxx-x96).
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     541

extremidade mais à esquerda compreende as situações concebido um produto ou serviço para fazê-la. Nesses
em que a tarefa é “reconhecível”, tal como as pequenas casos, os clientes adotam comportamentos compensa-
histórias sobre os milkshakes e a função de escritório mó- dores de “contentar-se” no que está disponível. Algu-
vel dos automóveis observadas anteriormente – em que mas vezes, os profissionais de marketing conseguem
produtos comumente disponíveis estão sendo emprega- identificar esses comportamentos compensadores ape-
dos todos os dias, e, no entanto, os fornecedores não de- nas observando o cliente no contexto. Essa observação
cifraram quais clientes realmente estão contratando seus é particularmente crítica quando uma nova tecnologia
produtos para fazer. No outro extremo, estão as situações é desenvolvida, muitas vezes para uma finalidade em
mal definidas em que nem a empresa nem o cliente con- uma outra indústria, e os profissionais de marketing
seguem articular a tarefa a ser realizada. Nenhum pro- estão buscando oportunidades para importá-la para
duto jamais esteve disponível para fazer a tarefa, e os outros trabalhos. O lendário fundador da Sony, Akio
clientes ficaram tão acostumados a abrir mão, contornar Morita, estava nessa situação. O transistor havia sido
o problema ou a seguir em frente sem ele que não estão desenvolvido pela Bell Laboratories para o setor de
sequer a par da tarefa básica que precisa ser feita. telecomunicações. Onde mais ele poderia ser utilizado?
Morita tinha uma política de nunca se basear em dados
Entrevistas e pesquisas Quando a tarefa é reconhecí- de mercado quantitativos para guiar o desenvolvimento
vel, os pesquisadores podem utilizar ferramentas de pes- de novos produtos enquanto liderou a empresa de 1950
quisa de mercado relativamente convencionais, como a 1980 – porque não existem dados para as novas apli-
as entrevistas e pesquisas com o cliente. Embora o uso cações de uma tecnologia. Em vez disso, ele e seus asso-
hábil dessas ferramentas seja importante, ainda mais ciados apenas observavam o que as pessoas estavam
fundamental é definir a unidade de análise em que as tentando fazer e imaginavam como a aplicação da tec-
ferramentas devem ser aplicadas. O objetivo sempre é nologia de miniaturização de componentes eletrônicos
compreender a situação, não o cliente. Essa é uma dis- da empresa poderia facilitar e viabilizar essas tarefas. A
tinção crítica. Alguns profissionais de marketing com os taxa de sucesso de Morita em novos produtos era muito
quais discutimos esse conceito perguntaram: “Em que a maior do que a taxa de sucesso de 25% dos produtos
sua lógica difere da segmentação ‘com base em necessi- cujo lançamento era guiado pelos métodos de pesquisa
dades’?”. A diferença é a unidade de análise. A pesquisa de mercado mais quantitativamente sofisticados.9
para conhecer as necessidades dos clientes, em nossa
experiência, muitas vezes gravita para a compreensão Observação empática dos comportamentos compensa-
do que o cliente necessita. Então, o problema passa a ser dores Quando a situação é particularmente sombria,
que o mesmo cliente necessita de coisas diferentes, em os próprios profissionais de marketing precisarão par-
ocasiões diferentes. Entretanto, a situação, ou a tarefa, ticipar do contexto a fim de despir os comportamen-
é um ponto focal mais simples e estável porque existe tos compensadores e os improvisos que mascaram a
de maneira independente – desincorporado, por assim tarefa subjacente a ser realizada. Chamamos esse tra-
dizer – do cliente. Enquanto pode haver uma correla- balho de “descoberta empática”.10 A Hill-Rom empre-
ção entre os clientes com características particulares gou essa técnica para compreender como o trabalho de
e a propensão de comprar determinados produtos, é a cada profissional de enfermagem afetava a economia
tarefa que permite que a compra aconteça. do hospital, enquanto seus pesquisadores de mercado
A razão para ser tão importante compreender a si- trabalhavam como atendentes nessas instituições. Esse
tuação que precipitou a compra é que ela gera conheci- método permitiu à Procter & Gamble enxergar que uti-
mentos não apenas nas dimensões funcionais da tarefa a lizar uma pá de lixo era um comportamento compensa-
ser realizada, mas também sobre os fatores emocionais: dor – o que levou ao desenvolvimento do seu sistema
medo, fadiga ou frustração; ansiedade ou raiva; pânico, de limpeza de piso Swiffer.
orgulho ou dor; e assim por diante. Os produtos não Algumas vezes, os comportamentos compensadores
produzem emoções. As situações geram. Por isso, para com um trabalho oculto sob eles quase literalmente ba-
proporcionar um conjunto completo de experiências tem na porta, ocultos dentro de uma ideia de um novo
funcionais, emocionais e sociais na compra e no uso produto ou serviço. Essas ideias são efervescentes em
que se somarão para enfocar a tarefa perfeitamente, a
situação – e não o cliente – deve ser a unidade funda-
mental da análise de marketing. 9
Essa informação foi fornecida por Mickey Schulhoff, ex-membro do
conselho de administração e CEO da Sony of America por 20 anos, du-
rante uma entrevista em Nova York, em 2001.
Observação No centro do espectro, há casos em que 10
O professor Leonard chamou esse método de “projeto empático”.
os clientes precisam realizar a tarefa, mas ainda não foi Leonard, op. cit.
542     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

pessoal de vendas, cônjuges, engenheiros, clientes e que descobrir o produto e a tarefa juntos. Isso exige
concorrentes. Os executivos que selecionam que ideias que a empresa entre no mercado rapidamente com um
merecem o desenvolvimento pleno costumam rejeitar produto flexível e descubra com os clientes as maneiras
aquelas cujo disfarce parece não inspirador. Muitas ve- de utilizá-lo que agregam valor.
zes, porém, a solução precisa ser despida para revelar o O serviço de muito sucesso OnStar da General
trabalho desarticulado que o inventor vislumbrou pre- Motors estava nessa situação no final dos anos 1990,
cisar de uma solução melhor. quando a tecnologia emergente da “telemática”, de uma
A título de exemplo, um inventor procurou o Big maneira concebível, poderia fornecer aos motoristas os
Idea Group (BIG), um desenvolvedor de novos produ- mapas para os seus destinos, informar sobre lojas na área
tos, com um jogo de cartas que ele havia criado. O CEO que vendiam produtos que eles podiam querer comprar,
da BIG, Mike Collins, intuiu com base em sua expe­ ajudar a polícia a localizar os veículos em caso de furto
riência que o jogo não venderia. Em vez de mandar o ou acidente, permitir as chamadas telefônicas sem o uso
inventor embora, ele perguntou: “O que o fez desenvol- das mãos e assim por diante. Enquanto as montadoras
ver este jogo?”. de automóveis concorrentes estavam paralisadas por
O inventor já tinha uma resposta: “Tenho três filhos sua incapacidade de saber as respostas a essas perguntas
pequenos e um trabalho cansativo. Quando chego em sobre as possíveis aplicações, a GM entrou no mercado
casa do trabalho e terminamos o jantar, são oito da noite rapidamente com uma plataforma de produto flexível,
e as crianças precisam dormir – mas quero me divertir configurável e de custo fixo mínimo. Os profissionais
com elas. O que vou fazer? Jogar Monopólio ou Risco? de marketing do OneStar observaram cuidadosamente
Preciso de alguns jogos divertidos que possamos prepa- para compreender as circunstâncias em que se encon-
rar, jogar e terminar em 15 minutos. Simplesmente não travam seus clientes quando assinavam o serviço e as
existe um jogo concebido para fazer isso”. circunstâncias em que se encontravam quando usavam
Bingo. Embora a solução dele para a tarefa fosse o serviço. Após alguns anos de coevolução, o trabalho
medíocre, a visão valiosa era a tarefa em si – algo que havia se tornado claro: “Quero ter a certeza de que, se
surge na vida de milhões de pais ocupados toda noite. algo lamentável acontecer, meus entes queridos e eu
Então, foi um trabalho simples para uma equipe de ex- seremos atendidos”. Hoje, o OnStar é um serviço alta-
perientes desenvolvedores de jogos trabalhar com esse mente lucrativo, de crescimento rápido e diferenciado
homem a fim de criar uma linha muito bem-sucedida que a GM presta a milhões de seus clientes.
de “Jogos de Doze Minutos” que hoje são vendidos em De muitas maneiras, a coevolução é tanto um pro-
todo o país. Os profissionais de marketing que enqua- cesso de inovação quanto um método de pesquisa. Ela
dram seu papel em buscas por boas ideias de produtos cria seus próprios dados. Quando é empreendida, po-
geralmente não são tão produtivos quanto os que estão dem ser utilizadas entrevistas, observação e participa-
em busca de tarefas. ção empática para descobrir a tarefa.
A intuição proveniente da convivência com o pro-
blema é uma razão fundamental pela qual muitos dos Como sintetizar os insights
mais bem-sucedidos produtos de software são desen-
Nesse ponto, recomendamos que o registro de cada in-
volvidos por pessoas que estiveram no “lado do usuá-
teração do cliente – cuja forma pode variar de notas
rio”, convivendo ou contornando as inadequações dos
escritas à mão até gravações em áudio e vídeo – seja se-
produtos anteriores. É o conceito de organização por
parado em um “caso situacional” que descreva a situa-
trás da altamente bem-sucedida metodologia do “usuá­
ção na qual o cliente se encontrava quando o produto foi
rio de ponta” do professor do MIT Eric von Hippel.11
contratado ou utilizado.12 Os casos situacionais geral-
Coevolução Em algumas situações, os profissionais mente devem começar por onde os usuários sinalizaram
de marketing e os engenheiros têm uma percepção de que tinham um trabalho a ser feito, começando e bus-
que uma nova tecnologia tem potencial para desenca- cando um processo de compra. O processo de compra
dear novas aplicações – fazer tarefas que os clientes
não estão fazendo agora e não conseguem articular o
12
O método de pesquisa de caso do consumidor é descrito em detalhes em
que poderiam querer fazer se a tecnologia tornasse pos- dois artigos por Gerald Berstell e Denise Nitterhouse. “Looking ‘Outside
sível. Nessas situações, a empresa e seus clientes têm the Box’: Customer Cases Help Researchers Predict the Umpredictable”
(Marketing Research, Summer 1997, vol. 9, n. 2, p. 5-13) descreve o pro-
cesso de pesquisa. “Asking All the Right Questions; Exploring Customer
Purchase Stories Can Yield Surprising Insights”, (Marketing Research,
11
Ver von Hippel, Eric, Democratizing Innovation, Cambridge: MIT Fall 2001, vol. 13, n. 3, p. 14-20), estabelece as perguntas e abordagens
Press, 2005. Esse é o último de uma série de trabalhos criteriosos de de entrevista que os pesquisadores de caso do consumidor usam para
Hippel. desenvolver os estudos de caso.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     543

sempre custa dinheiro, tempo e esforço, e implica riscos Quando isso for definido, o pesquisador escreverá
– de não encontrarmos o que queremos ou de decepção o terceiro parágrafo com o propósito de verificar mais
quando o que compramos não se sai bem. Nos ambien- uma vez as informações na pilha e compreender os
tes organizacionais, uma compra malfeita pode levar a “candidatos à tarefa” – os outros produtos comprados
constrangimento ou até mesmo à demissão. Incorremos para fazer a tarefa. Isso define a concorrência real na
nesses custos e riscos apenas quando temos trabalhos mente do cliente. Muitas vezes, a melhor maneira de
importantes a serem feitos. Codificar e analisar as his- construir esse parágrafo é na forma de tabela, com os
tórias por trás das compras pode fornecer profundos candidatos à tarefa apresentados na coluna mais à es-
insights sobre os eventos, pensamentos e experiências querda. Os critérios de compra ou as experiências ne-
que levam pessoas reais a gastar dinheiro real em pro- cessárias na compra e no uso são dispostos por meio
dutos reais para lidar com circunstâncias em suas vidas. das partes superiores das colunas restantes. Então, o
Os estudos de caso resultantes – normalmente com uma pesquisador começa a preencher como cada produto
a quatro páginas – são imagens vívidas dos trabalhos a concorrente proporciona essas experiências.
serem feitos e das situações que os geram. Esse procedimento resulta em uma listagem de si-
Um caso situacional começa com uma descrição nais “procura-se ajuda” no quarto parágrafo – uma
– uma série cronológica de acontecimentos, experiên- avaliação das deficiências e restrições que as futuras
cias e processos de pensamento que levaram à decisão inovações precisam aliviar a fim de permitir que o mer-
de compra. Esse caso explora se e como outros in- cado cresça. Isso não apenas fornece uma agenda para
divíduos poderiam ter participado dessa série crono- os seus futuros projetos de desenvolvimento de novos
lógica. Os bons pesquisadores de casos situacionais produtos, mas também indica se os concorrentes con-
trabalham como repórteres investigativos ou detetives seguem eliminar essas restrições mais rapidamente do
rastreando a história por trás de acontecimentos es- que você. Se houver sinais expressivos de “procura-se
pecíficos de compra e uso. Eles constroem seus casos ajuda”, o que significa que existe um hiato entre o que
por meio de uma combinação dos métodos resumidos é necessário em uma experiência importante na compra
anteriormente. À medida que perseguem as histórias e no uso, em comparação com as características e fun-
completas por trás das compras, os pesquisadores de ções oferecidas pelos candidatos concorrentes ao traba-
caso muitas vezes descobrem situações inesperadas lho, isso sinaliza uma oportunidade significante. Se não
em muitas partes do processo: o que disparou o pro- houver sinais expressivos de “procura-se ajuda”, é um
cesso de compra, que fatores influenciaram seu curso sinal de que se trata de uma tarefa real que os candidatos
e quais deles afetaram quando e como o produto foi existentes estão abordando bem.
utilizado após a compra. Bancos de dados comprados e questionários de
Em geral, aproximadamente 25 casos situacionais cliente podem ser utilizados para segmentar mercados
abrangem a massa crítica e podem ser ordenados em por característica do produto e do cliente e para defi-
pilhas, nas quais a situação descrita é similar. Em nos- nir novos produtos com atributos melhores do que os
sa experiência, essa ordenação resulta geralmente em existentes. Todavia, eles não conseguem produzir ideias
uma enorme pilha, duas ou três outras pilhas com vá- diferenciadoras sobre a estrutura com base em trabalho
rios casos e alguns casos solitários. Depois de reler de um mercado. Essa compreensão só pode surgir de
cada um dos casos em uma pilha, o pesquisador deve técnicas como as já descritas.
resumir as informações em uma folha com cinco pa-
rágrafos. O primeiro parágrafo deve resumir a tarefa COMO CONFIGURAR O COMPOSTO DE
ou o resultado final que esses clientes estão tentando MARKETING E O PLANO DE NEGÓCIO
obter quando contratam o produto. Ele também aponta O professor Amar Bhide pesquisou cerca de 400 gra-
com que frequência a tarefa parece surgir na vida dos duados da Harvard Business School que haviam aberto
clientes observados ou entrevistados. O segundo pa- empresas.13 Aproximadamente a metade dos seus em-
rágrafo descreve os “critérios de compra” utilizados preendimentos fracassou. Para a metade que teve êxito,
quando um produto foi comprado para fazer a tarefa Bhide perguntou: “Você poderia comparar a estratégia
representada por notas ou casos na pilha: se essa foi a que está seguindo agora e que levou ao seu sucesso
tarefa que o conjunto de clientes estava tentando rea­ com a estratégia que pretendia seguir quando abriu a
lizar, que experiências de compra e uso do produto empresa?”. Dos que tiveram êxito, 93% relataram que
constituíram a base para contratar um produto em vez
do outro? Que características, funções e atributos do
produto ou serviço foram críticos para proporcionar Bhide, Amar, The Origin and Evolution of New Businesses. New York:
13

essas experiências? Oxford University Press: January 2000.


544     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

a estratégia que os levou ao seu sucesso era bem dife- produtos novos muitas vezes convencem os profissio-
rente da proposta inicial. A diferença entre os que fra- nais de marketing de que esses quatro fatores foram re-
cassaram e os que tiveram sucesso não foi o fato de mendados de maneira inconsistente. Como ilustram os
os empreendedores de sucesso acertarem de primeira. exemplos apresentados a seguir, compreender a tarefa
Em vez disso, eles tinham dinheiro de sobra depois que e os concorrentes reais torna muito mais fácil fazer di-
começaram da maneira errada para ajustar a direção e reito os quatro Ps.
tentar novamente. Os resultados de Bhide foram repeti-
damente confirmados: os novos empreendimentos mais Promoção: comunicar às pessoas que precisam
bem-sucedidos interagem com uma estratégia viável ou realizar a tarefa
convergem para ela. É raro conseguir tudo isso logo no Quando os profissionais de marketing desenvolvem um
início. produto que faz bem uma tarefa, eles liberam o poten-
Em uma tendência similar, aproximadamente 75% cial para criar uma marca com finalidade, a qual desem-
de todos os produtos e serviços novos que as empresas penha um papel crucial nas etapas por que os clientes
estabelecidas lançam não conseguem alcançar uma es- passam quando decidem contratar um produto. A etapa
cala viável e lucrativa e, por isso, são retirados do mer- inicial ocorre quando os clientes percebem que preci-
cado.14 Em muitos desses casos, os gestores mataram sam realizar uma tarefa. Na segunda etapa, eles pergun-
os produtos com desempenho abaixo do esperado sem tam: “O que posso comprar para realizar essa tarefa?”.
sequer compreenderem qual era o seu real potencial de Na terceira etapa, uma marca de um produto concebido
trabalho. Se tivessem escrito estudos de caso situacio- para fazer a tarefa precisa surgir na mente do cliente. Se
nais, suspeitamos que muitos deles teriam aprendido uma empresa, na realidade, criou um produto para rea­
que, enquanto o produto em crise não era valorizado da lizar a tarefa e lhe deu uma marca exclusivamente as-
forma inicialmente prevista, ele estava sendo contrata- sociada à tarefa, então os clientes utilizam-no, pensam
do para tarefas não intencionais – algumas das quais que realiza bem a tarefa e aprendem a confiar na marca
poderiam ser oportunidades de sucesso imprevistas. com essa finalidade. Depois, eles falam sobre isso.
Embora a nossa pesquisa sobre esse tema ainda Chamamos uma marca que desempenha esse papel
esteja em processo, parece que o evento precipita- de marca com finalidade, porque ela liga a percepção
dor que permite que a estratégia vencedora de uma dos clientes de que precisam realizar uma tarefa com
empresa emergente se aglutine é o esclarecimento de um produto que foi concebido para realizá-la. Nos
uma tarefa que os clientes estão precisando realizar e primeiros anos após o lançamento de um produto,
para a qual seu produto está sendo comprado. Apenas quando os volumes são pequenos, a propaganda boca
quando a tarefa é clara, o modelo de negócio e os a boca é muito mais efetiva em termos de custo do que
produtos e serviços necessários para realizá-la com a divulgação na mídia. A propaganda boca a boca po-
perfeição tornam-se também claros. Então, e só en- sitiva só pode ser obtida após os clientes terem usado
tão, a empresa “decola”.15 um produto que fez bem a tarefa. Várias marcas po-
Quando uma tarefa for compreendida, o processo de derosas, como FedEx, Starbucks, Google, Blackberry,
planejamento do negócio deve começar com a pergun- Craigh’s List, QuickBooks, TurboTax e OnStar, foram
ta: “Agora que compreendo a tarefa, que experiências criadas apenas com uma propaganda mínima no iní-
funcionais, emocionais e sociais preciso proporcionar cio. Como cada uma delas está associada com uma fi-
na compra, no uso e no acompanhamento pós-venda – nalidade clara, essas marcas vêm à mente dos clientes
experiências que se somarão para focar a tarefa com quando precisam realizar as tarefas que esses produtos
perfeição?”. Promoção, produto, preço e posiciona- e serviços foram destinados a fazer. Nossa pesquisa
mento – os quatro Ps do marketing – proporcionam em andamento sobre a história das marcas valiosas de
uma maneira útil para estruturar o plano de negócio hoje sugere que quase todas elas surgiram como uma
a fim de garantir o sucesso. Análises dos fracassos de marca de finalidade.16
No entanto, se nenhuma empresa posicionou e criou
uma marca para um produto em uma tarefa a ser rea-
lizada, então os clientes têm que experimentar vários
14
Para uma estimativa como essa, ver Leonard, Dorothy, Wellsprings of produtos, na esperança de encontrar um que vá realizá-la.
Knwoledge. Boston: Harward Business School Press, 1998.
15
De muitas maneiras, essa é uma mensagem dos livros de Geoffrey
Moore. Ele alega que, em vez de vender um “produto” desde o início, as
empresas emergentes precisam encontrar um cliente que vá pagar muito
dinheiro para que ela solucione um problema crítico. E só então, ela tem
o privilégio de “cruzar o abismo”. Além da obra de referência Crossing Essa dimensão de marca da teoria das tarefas a serem realizadas é
16

the Chasm, o livro que descreve isso mais claramente é Living on the descrita mais plenamente em Christensen, Cook & Hall, “Marketing
Fault Line. Malpractice”, Harvard Business Review, November 2005.
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     545

Quando usam um produto que realiza bem a tarefa, os ocupados que trabalham. O estado civil “noivo” não
clientes aprendem a desconfiar da marca. consta nos dados demográficos porque trata-se de uma
De muitas maneiras, uma marca com finalidade cla- situação temporária. Entretanto, depois que os gesto-
ra age como uma bússola de dois lados. Em um lado, ela res compreenderam essa tarefa, descobriram que havia
guia os clientes para os produtos certos. O outro lado uma mídia mais voltada para aqueles que precisavam
guia os projetistas de produto da empresa, os profissio- realizar essa tarefa.
nais de marketing e os anunciantes, dando-lhes um sen- De maneira interessante, depois que os gestores
tido do “norte verdadeiro” conforme eles desenvolvem questionaram por que as pessoas contratavam seus cur-
e comercializam versões novas e melhoradas dos seus sos de mergulho, ficou bastante claro, em retrospectiva,
produtos. Uma boa marca com finalidade esclarece que que muitos dos seus alunos tinham vindo como casais
características e funções são relevantes para a tarefa e e ao longo de todo o curso falavam um com o outro so-
que “melhorias” serão irrelevantes. O diferencial de bre lua de mel. No entanto, a construção cognitiva das
preço que a marca obtém é o preço que os clientes estão suas perguntas de marketing em termos de demografia
dispostos a pagar para a marca fornecer essa orientação e características do produto os impedia de enxergar a
em ambos os lados da bússola. tarefa que os clientes pretendiam realizar ao contrata-
Sem uma finalidade específica para o seu pro- rem o curso.
duto, as empresas tendem a anexar marcas aos seus
produtos que não têm um significado intrínseco, tal Produtos que realizam a tarefa com perfeição
como esta amostra de nomes de automóveis: Avalom, Mencionamos anteriormente que, quando uma tarefa é
Accord, Accent, Astra, Altima, Bonneville, Blazer, compreendida, os seus “critérios de compra” tornam-se
Camry, Cavalier, Corolla, Century, Civic, etc. Os exe- claros. Os critérios de compra são as experiências es-
cutivos de marketing devem tentar, então, construir pecíficas na compra e no uso do produto que importam
a marca por meio da publicidade cara. O alto custo para o cliente. Elas constituem a base de comparação e
fixo de criar novas marcas por meio da publicidade escolha do produto. À medida que esses critérios são
dissuade muitas empresas de tentar construir novas adotados, é possível avaliar o nível de satisfação do
marcas – em vez disso, elas adquirem e consolidam cliente com o produto. Compreender a tarefa para a qual
marcas. Os gestores enredam-se nessa armadilha por o produto será contratado define quais características
causa da maneira como foram ensinados a segmentar são importantes e quais não são. Entretanto, quando os
os mercados. profissionais de marketing segmentam o mercado por
Posicionar produtos para realizar tarefas específi- características do produto ou cliente, eles, em geral,
cas também ajuda as empresas a direcionar a sua pu- oferecem características ou melhoram as dimensões do
blicidade de maneira mais eficiente. “Sei que 50% da desempenho que são irrelevantes para a tarefa.
minha publicidade é desperdiçada. Só não sei qual me- Como a fotografia digital ameaçava a Eastman
tade”, afirmou o guru do varejo, John Wanamaker, em Kodak com a disrupção, os executivos começaram, no
1886. Considere como uma cadeia de lojas de mergu- início dos anos 1990, a preparar a empresa para essa
lho solucionou o problema de Wanamaker. Ela comer- transição por meio de investimento em tecnologias de
cializou seus cursos de mergulho e produtos para um imagem digital. Nesse período, a Kodak enquadrou o
“grupo demográfico” – principalmente as pessoas que mercado como de fotografia, o que significava que a
assinavam revistas de mergulho e que viviam em áreas concorrência das câmeras digitais dessa empresa con-
próximas de suas lojas. Esforçou-se para ter sucesso. sistia em câmeras de filme fabricadas por empresas
Então, a empresa decidiu descobrir em quais situações como a Nikon, bem como as câmeras digitais fabrica-
seus clientes se encontravam quando decidiram “con- das por gigantes dos produtos eletrônicos, como Sony
tratar” suas aulas de mergulho. Muitos dos seus alu- e Canon. Manter-se lado a lado com esses formidáveis
nos, segundo constataram, eram casais que disseram: concorrente forçou a Kodak a despejar bilhões de dóla-
“Estamos noivos e planejando uma lua de mel. Quere- res em uma corrida de megapixels e megazoom na qual
mos fazer algo que nenhum de nós dois fez antes”. Ao não estava posicionada para vencer, dadas as suas com-
perceber que esses clientes contrataram o curso para petências históricas.
ajudá-los a realizar uma tarefa, a gestão deslocou o Por volta do ano 2000, porém, os executivos da Kodak
alvo da sua publicidade dos “leitores locais das revis- perceberam que, enquanto alguns clientes compravam
tas de mergulho” para “casais de noivos que planejam suas câmeras para a tarefa de preservar imagens de
viagens de lua de mel”. Os gestores compraram malas alta qualidade para a posteridade, a empresa podia
diretas locais da revista Bride em vez da Dive e divul- deixar para a Canon, Nikon e Sony o papel de concor-
garam horários de aula flexíveis para acomodar casais rer por essa tarefa – já que, em um número de casos
546     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

muito maior, os clientes compravam uma câmera para na mídia que atendiam a esse grupo demográfico, como
compartilhar momentos de diversão com a família e os a National Public Radio Station, focavam as constru-
amigos. Quantos concorrentes ou candidatos à tarefa ções, as qualificações dos docentes do passeio e a histó-
rivalizavam para que pudessem ser contratados para ria do próprio barco de cruzeiro.
essa tarefa? Às vezes, essa diversão era compartilhada Após a primeira temporada decepcionante do pas-
passando fotografias impressas em uma reunião; ou- seio de barco, um pesquisador juntou-se ao cruzeiro
tras vezes, a diversão era compartilhada por meio de na primavera seguinte e perguntou aos passageiros
cartas nas quais as fotografias eram incluídas; e, em sobre as situações que os fizeram pegar o cruzeiro.
algumas situações, compartilhada pelo telefone sem Um número impressionante deu a mesma respos-
nenhuma foto. Cada vez mais, a diversão era com- ta: “Moro em Chicago e essas pessoas são visitan-
partilhada por meio de imagens digitais anexadas a tes de fora da cidade. Eu precisava de algum lugar
e-mails. Maximizar a capacidade em megapixels da para levá-los”. Os habitantes de Chicago de todos os
câmera era um esforço caro e minimamente relevan- grupos demográficos encararam a tarefa de “entre-
te para realizar bem essa tarefa de “compartilhar mo- ter meus visitantes”. A arquitetura era a parte menos
mentos divertidos”. Percebendo isso, os executivos da importante do cruzeiro para essa audiência. Quando
Kodak redirecionaram seus esforços de desenvolvi- os pesquisadores perguntaram o que mais eles con-
mento da câmera digital para o mercado consumidor, sideravam fazer com seus visitantes – quais eram os
a fim de otimizar a execução da tarefa de comparti- outros candidatos a tarefa –, eles puderam ver, que
lhar momentos divertidos. O resultado foi a câmera enquanto a CAF achava o cruzeiro caro, era mais
Kodak EasyShare – um produto de preço acessível barato do que muitas outras maneiras de entreter os
com uma grande marca de finalidade que se absteve visitantes. Saber qual era a tarefa facilitou a criação
de melhorias caras que não importavam em favor de de propagandas vívidas e bem-humoradas, reposicio-
melhorias relativamente simples que importavam. Ao nando o cruzeiro como uma grande solução para os
tornar simples a anexação de imagens às mensagens moradores de Chicago que pretendiam contratar esse
de e-mail, o produto da Kodak provou-se facilmente serviço. Além disso, saber quem eram os reais con-
melhor do que as caixas do correio de primeira classe, correntes habilitou a CAF a aumentar os preços para
as chamadas telefônicas sem imagens e os incômodos refletir o valor de atender a tarefa.
procedimentos de download e upload. A participação
de mercado da câmera digital da Kodak nos Estados Posicionamento
Unidos cresceu de 8% para 28%.17 O último dos quatro Ps é o posicionamento. Quando os
profissionais de marketing tiverem definido o conjun-
O preço está correto? to de experiências em compra e uso que precisam ser
A menos que os profissionais de marketing compreen- fornecidas para fazer a tarefa com perfeição, torna-se
dam os outros candidatos à tarefa contra os quais es- óbvio onde o produto precisa estar disponível para a
tão concorrendo a partir da perspectiva do cliente, eles compra. Na nossa história anterior sobre o milkshake,
não podem garantir que o preço, o terceiro elemento fazer bem a tarefa do trânsito matinal para o trabalho
do composto de marketing, está correto. Eles não con- exigia que o dispenser fosse posicionado na frente do
seguem saber se a sua oferta está acima ou abaixo do balcão e equipado com um sistema de cartão pré-pago.
preço. Considere o que aconteceu em Chicago. Para O fato de as pessoas com essa tarefa para realizar esta-
executar sua missão de instruir as pessoas sobre a rica rem com pressa significava que o serviço instantâneo
herança arquitetônica da cidade, a Chicago Architecture era uma experiência importante a ser oferecida. Isso
Foundation (CAF), entidade sem fins lucrativos, come- não estava claro para os gestores quando eles simples-
çou a realizar passeios de barco pelas obras arquitetô- mente classificaram o milkshake como mais um item no
nicas que ladeiam o Rio Chicago. Seus clientes-alvo cardápio de sobremesas.
iniciais eram “pessoas muito ricas, com altos níveis de Considere este exemplo. Um fabricante de bebidas
instrução e forte interesse em arquitetura”. Propagandas em caixa, cujos produtos eram uma mistura de 40%
suco de fruta e 60% de água com açúcar aromatizada,
havia posicionado seus produtos na seção de bebidas
Infelizmente, após as experiências educacionais que, em 1999-2000, ha-
17
em caixa dos supermercados, justaposta com produtos
bilitaram a equipe de gestão da Kodak a colocar o negócio digital nessa
direção, um novo CEO foi trazido depois da aposentadoria do CEO Dan concorrentes que eram 100% suco de fruta. Embora as
Carp. Com uma mentalidade mais convencional e nenhuma compreensão bebidas em caixa fossem muito mais baratas do que
do problema da disrupção, ele combinou os negócios de filme e digital em
uma única unidade de negócios, com resultados desastrosos. Em 2006, a o suco em caixa, as vendas de bebidas estavam defi-
participação de mercado da empresa caiu para parcos 12%. nhando. Nosso colega passou um dia inteiro entrevis-
SEÇÃO 1 – DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS | Artigo 4-4     547

tando clientes logo após pegarem os produtos dessas cliente) está arraigada na disponibilidade simples des-
prateleiras para compreender a situação em que se en- te último tipo de dado.19
contravam e que os fazia comprar uma bebida em caixa. Eis a má notícia: é mais difícil dimensionar as opor-
A maioria era composta por pais. A dimensão funcio- tunidades de tarefas a serem realizadas. Mas o que teria
nal da sua tarefa era colocar uma bebida saudável nos acontecido se Morita, em 1980, tivesse usado as vendas
lanches escolares dos filhos. O elemento emocional da de gravadores de bolso alimentados por bateria como seu
tarefa era que esses pais precisavam sentir-se como se indicador de potencial do mercado para o que se tornou
estivessem cuidando dos filhos. o Walkman da Sony? A boa notícia é que, quando as em-
Quando confrontada com o outro candidato à tarefa presas compreendem com quem concorrem na mente do
– 100% suco de fruta –, constatou-se que a bebida não consumidor, elas conseguem juntar os pedaços e formar
era qualificada. Raramente era comprada. o tamanho real do mercado no qual concorrem. Como os
Então, a empresa posicionou sua bebida em caixa candidatos às tarefas são extraídos de muitas categorias
em outro local no supermercado – no setor de lanches. de produto, o tamanho importante da maioria dos mer-
A situação que convencia muitos clientes a abrir as car- cados geralmente é muito maior do que o calculado pela
teiras nesse setor era comprar lanches para a festa dos soma das vendas dentro de uma categoria de produto –
filhos. Ao comprarem toda aquela comida sem valor nu- o que significa que o potencial de crescimento é maior.
tritivo, os pais se sentiam culpados. Confrontada com Na realidade, muitos produtos maduros, na trajetória de
os candidatos à tarefa no corredor dos lanches, uma sustentar a melhoria, que parecem ter sido comoditizados
bebida que tinha 40% de suco de fruta solucionava o – produtos em que o desempenho melhorado não resulta
componente emocional dessa tarefa muito melhor do em melhoria no preço ou em participação de mercado
que os candidatos concorrentes. – realmente se tornam produtos imaturos, não bons o
bastante e com muitas possibilidades de diferenciação e
preços elevados, uma vez que a tarefa e seus critérios de
AVALIANDO A SITUAÇÃO contratação associados são compreendidos.
A lógica de segmentar os mercados por tarefa não é Trabalhar para compreender a tarefa a ser realizada
nova – muitos profissionais de marketing dirão que vale o esforço. Em nossos estudos dos fatores que tornam
já conhecem muitos dos conceitos apresentados neste a inovação arriscada e cara, concluímos que a proposi-
artigo. Na verdade, o grupo do marketing Ted Levitt ção levantada neste artigo é uma das mais importantes.
nos ensinou 30 anos atrás que os “Clientes não querem Alguns dos paradigmas fundamentais do marketing, que
uma broca com um quarto de polegada. Querem um adotamos na segmentação dos mercados, construção de
furo de um quarto de polegada!”.18 Se a lógica parece marcas e compreensão dos clientes, são quebrados. Bem
convincente, então por que as categorias de produto possivelmente, a razão fundamental para a inovação ser
e categorias de cliente são os modos-padrão de seg- tão infestada de fracassos não é que os resultados sejam
mentação em quase todas as empresas? A tarefa a ser intrinsecamente imprevisíveis. Pelo contrário, as chances
realizada pela pesquisa de mercado contratada pelos de acertar serão muito maiores quando forjarmos a estru-
altos executivos é quantificar o tamanho da oportuni- tura do mercado para refletir a forma de viver dos clientes.
dade. Como os dados estão prontamente disponíveis
por categoria de produto e cliente a partir dos sistemas
de informação empresariais e das empresas de pesqui-
19
Agradecemos ao nosso amigo Armando Luna, da Blue Cross Blue
Shield of Florida, pelos ensinamentos sobre as origens da teoria de
sa de mercado externa, as apresentações e os relatórios segmentação do mercado, que resumimos aqui na nossa linguagem:
para os altos executivos que transmitem o tamanho e A teoria da segmentação do mercado tem suas raízes na teoria econô-
mica relativa à concorrência monopolista. (Ver Alderson W., Marketing
a estrutura dos mercados geralmente retratam que es- Behavior and Executive Action. Homewood, IL: Richard D. Irwin, 1957;
tes são estruturados ao longo das linhas para as quais and Claycamp, H.J. & W.F. Massy, “A Theory of Market Segmentation”,
existem dados disponíveis. Uma razão central para os Journal of Marketing Research 5(4), November 1969, pp. 388-394). Os
conceitos de diferenciação do produto e vantagem diferencial surgiram
profissionais de marketing na maioria das empresas nesse contexto e apoiaram a primeira teoria de segmentação do mercado.
dizerem uma coisa (que os mercados deveriam ser Como a maioria das ferramentas analíticas dos economistas consiste em
segmentados por tarefa) e, no entanto, fazerem ou- técnicas para analisar grandes conjuntos de dados, os pesquisadores de
mercado com esse treinamento passaram suas carreiras tentando mos-
tra coisa (eles segmentam por categoria de produto e trar as relações entre os atributos dos clientes e seus comportamentos de
compra. Eles concluíram que as variáveis ou características nas equações
de regressão cujos coeficientes eram estatisticamente significantes com-
preendiam as fronteiras mais marcantes para dividir os consumidores em
grupos. A disponibilidade de dados e as ferramentas de análise, em outras
palavras, moldaram os conhecimentos a serem procurados. No processo,
muitos profissionais de marketing esqueceram em que a teoria da seg-
mentação do mercado se baseava desde o início: que pessoas diferentes
18
Levitt, Ted, “Marketing Myopia”, Harvard Business Review (1977). possuem necessidades variadas que mudam de vez em quando.
2
CONSTRUIR
COMPETÊNCIAS/
CAPACITAÇÕES
POR MEIO DO
sEÇÃO DESENVOLVIMENTO
DE NOVOS PRODUTOS

ARTIGO 4-5
FIGURA 1 Categorias de desenvolvimento da PreQuip:
recursos excessivamente comprometidos
Como criar planos de projeto para focar A PreQuip tinha 960 meses de engenharia por ano para alocar
o desenvolvimento de produto* trabalho de desenvolvimento. Entretanto, ao combinar o tempo
que levaria para manter seus 30 projetos atuais dentro do prazo
Steven C. Wheelwright e Kim B. Clark com o tempo que os engenheiros gastavam fazendo trabalhos
que não eram do desenvolvimento de projetos, a empresa
A competitividade em longo prazo de qualquer em- descobriu que havia comprometido o triplo de seus recursos
pelos próximos três anos.
presa de manufatura depende, no final das contas, do
sucesso das suas capacitações para o desenvolvimen- 2.956
to de produtos. O desenvolvimento de novos produtos 2.783
abriga a esperança de melhorar a posição de mercado
e o desempenho financeiro, criar novos padrões da in-
Meses de engenharia

2.178

dústria e novos mercados de nicho e até mesmo renovar


a organização. Contudo, poucos projetos de desenvol-
vimento cumprem plenamente suas promessas iniciais.
Capacidade
O fato é que muita coisa pode e vai dar errado durante 960 total
o desenvolvimento. Em alguns casos, a má liderança disponível
ou a ausência de habilidades essenciais leva à culpa. 460
Entretanto, muitas vezes, os problemas surgem da ma-
neira como as empresas abordam o processo de desen- 1989 1990 1991
volvimento. Elas carecem do que chamamos de “plano Tempo de engenharia dissociado de projeto
agregado do projeto”. Tempo de engenharia para projetos (para 30 projetos)
Considere o caso de uma grande empresa de ins-
trumentos científicos que chamaremos de PreQuip. Em departamentos de marketing e engenharia precisa-
meados de 1989, a alta direção ficou alarmada com uma vam para gerar e programar os projetos.
onda de projetos de desenvolvimento de novos produ- Para chegar à raiz do problema, o executivo prin-
tos. Durante alguns meses, o orçamento do desenvolvi- cipal primeiramente solicitou aos altos executivos que
mento vinha aumentando, mesmo com a quantidade de
compilassem uma lista de todos os projetos de desen-
projetos concluídos caindo. E muitos dos projetos em
volvimento em andamento. Eles descobriram que 30
desenvolvimento no pipeline não pareciam mais refletir
projetos estavam em curso – muitos mais do que o pre-
as necessidades do mercado. A gestão estava especial-
mente preocupada porque havia acreditado que seu pla- visto e, segundo suspeitaram, muito mais do que a orga-
no de negócios anual fornecia a orientação da qual os nização podia suportar. Análises posteriores revelaram
que a empresa tinha de duas a três vezes mais trabalho
de desenvolvimento do que era capaz de concluir no
*
Fonte: Reimpresso com permissão da Harvard Business Review,
March-April 1992. Copyright – 1992 by The President and Fellows of
decorrer do seu horizonte de planejamento do desenvol-
Harvard College; todos os direitos reservados. vimento (ver Figura 1).
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-5     549

Com tal pressão sobre os recursos, os atrasos eram Na realidade, na maioria das organizações, os gesto-
inevitáveis. Quando um projeto passava por problemas, res dirigem toda a sua atenção para projetos individuais,
os engenheiros de outros projetos eram realocados ou, o que significa gerar meticulosamente (“microgeren-
com mais frequência, tinham que acrescentar o projeto ciam”) o desenvolvimento de cada um deles. Todavia,
em crise à sua lista, que já era longa, de projetos ativos. nenhum único projeto define o futuro de uma empresa
Quanto mais projetos eles acrescentavam, mais sua pro- ou seu crescimento de mercado ao longo do tempo; o
dutividade caía. A troca de pessoal provocava atrasos “conjunto” de projetos é que faz isso. As empresas pre-
e os efeitos cascateavam. Além disso, como os prazos cisam dedicar mais atenção à gestão do conjunto ou mix
finais não eram cumpridos e os custos de desenvolvi- de projetos. Em particular, elas devem se concentrar na
mento cresciam, os gestores enfrentavam pressões para alocação de recursos entre os projetos. Os gestores pre-
cortar custos e comprometer a qualidade apenas para cisam planejar como o conjunto de projetos evoluirá ao
manter os projetos avançando. longo do tempo, que novos projetos serão adicionados
A equipe da alta direção também descobriu que a e quando isso ocorrerá, e que papel cada um deverá de-
maioria dos recursos de desenvolvimento da PreQuip sempenhar no esforço de desenvolvimento global.
– principalmente engenheiros e pessoal de apoio – não O plano agregado de projeto aborda todas essas
estava focada nos projetos mais críticos para a em- questões. Para criar um plano, os gestores categorizam
presa. Quando questionados, os líderes de projeto ad- os projetos com base na quantidade de recursos que eles
mitiram que os objetivos estratégicos delineados no consomem e em como contribuirão para a linha de pro-
plano de negócios anual tinham pouca influência sobre dutos da empresa. Depois, ao mapear os tipos de proje-
a escolha dos projetos. Em vez disso, eles escolheram tos, os gestores poderão enxergar onde existem hiatos
os projetos porque os engenheiros consideraram os na estratégia de desenvolvimento e tomar decisões mais
problemas técnicos desafiadores ou porque os clientes consistentes sobre quais tipos de projetos acrescentar e
ou o departamento de marketing os requisitaram. A quando fazer isso. Sequenciar os projetos cuidadosa-
PreQuip não possuía um processo formal para esco- mente, por sua vez, dá aos gestores um controle maior
lher entre os projetos de desenvolvimento. Contanto da alocação e utilização dos recursos. O mapa do pro-
que houvesse dinheiro no orçamento ou que a pessoa jeto também revela onde as capacitações de desenvol-
que estivesse fazendo o pedido tivesse influência su- vimento devem ser fortes. Com o passar do tempo, as
ficiente, o chefe do departamento de desenvolvimento empresas podem se concentrar em acrescentar recursos
não tinha outra opção que não fosse aceitar os pedidos críticos e em desenvolver as habilidades de colaborado-
de projetos adicionais. res individuais, líderes de projeto e equipes.
Muitos engenheiros estavam trabalhando não só em Finalmente, um plano agregado capacitará os ges-
projetos não críticos, mas também estavam gastando até tores a melhorar a sua maneira de gerir a função de de-
50% do seu tempo em trabalhos dissociados de qual- senvolvimento. Simplesmente adicionar projetos à lista
quer projeto. Eles respondiam às solicitações de ajuda ativa – uma prática comum em muitas empresas – colo-
da produção com problemas em produtos anteriores, do ca em perigo a saúde dos processos de desenvolvimento
pessoal de vendas com problemas dos clientes, da ga- no longo prazo. Os gestores precisam criar um conjunto
rantia de qualidade com problemas e das compras com de projetos que seja coerente com as estratégias de de-
a qualificação de fornecedores. Além de passar um tem- senvolvimento da empresa, em vez de selecionar pro-
po considerável consertando problemas em produtos já jetos individuais de uma longa lista de propostas. E os
lançados, os engenheiros gastavam muitas horas em gestores devem envolver-se no processo de desenvol-
reuniões de “informação” e “atualização”. Em suma, vimento antes de os projetos serem iniciados, mesmo
eles gastavam muito pouco tempo desenvolvendo os antes de serem plenamente definidos. Não é adequado
novos produtos certos, experimentando novas tecnolo- dar a um único departamento – digamos, engenharia ou
gias ou abordando novos mercados. marketing – a responsabilidade única por iniciar todos
A história da PreQuip não é única. A maioria das os projetos porque geralmente ele não está em posição
organizações que conhecemos gasta o tempo apagando para determinar o valor estratégico de cada projeto.
incêndios e acompanhando projetos que visam apro- Na realidade, a maioria das empresas – incluindo a
ximá-las de seus concorrentes. Elas mantêm projetos PreQuip – deve começar o processo de reforma elimi-
demais em andamento e, na maioria das vezes, compro- nando ou postergando a maior parte dos seus projetos
metem demasiadamente seus recursos de desenvolvi- existentes, acabando por suplantá-los com um novo con-
mento. Gastam tempo demais lidando com pressões de junto de projetos que se ajustem à estratégia da empresa e
curto prazo e tempo insuficiente na missão estratégica às limitações de capacidade. O plano agregado do projeto
do desenvolvimento de projetos. fornece uma estrutura para abordar essa difícil tarefa.
550     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

COMO MAPEAR PROJETOS das gerações anteriores. Como os CDs e os cabos de


Na criação de um plano agregado de projeto, a primeira fibra óptica, eles criam uma categoria de produto intei-
etapa é definir um mapa dos diferentes tipos de pro- ramente nova que pode definir um novo mercado.
jetos de desenvolvimento; defini-los por tipo fornece Como os produtos inovadores muitas vezes incor-
informações úteis sobre como os recursos devem ser poram novas tecnologias ou materiais revolucioná-
alocados. As duas dimensões que consideramos mais rios, geralmente eles exigem processos de fabricação
úteis para classificar são o grau de mudança no produto revolucionários. Os gestores deviam dar às equipes de
e o grau de mudança no processo de fabricação. Quanto desenvolvimento liberdade considerável no projeto de
maior for a mudança em qualquer uma das dimensões, novos processos, em vez de obrigá-las a trabalhar com
mais recursos serão necessários. as instalações e os equipamentos, técnicas operacionais
Com base nesse conceito, dividimos o projeto em ou redes de fornecedores existentes.
cinco tipos. Os três primeiros – derivado, inovador e pla- Os projetos de plataforma estão no meio do espec-
taforma – são projetos de desenvolvimento comercial. tro do desenvolvimento e, assim, são mais difíceis de
As duas categorias restantes referem-se à pesquisa e de- definir. Eles implicam mais alterações de produtos e/
senvolvimento, que são precursores do desenvolvimento ou processos do que os derivados, mas não introduzem
comercial, e alianças e parcerias, que podem ser de na- as tecnologias ou os materiais que não foram experi-
tureza comercial ou de pesquisa básica (ver Figura 2). mentados, como os projetos inovadores fazem. A li-
Cada um dos cinco tipos de projeto exige uma com- nha Accord da Honda, de 1990, é um exemplo de uma
binação exclusiva de recursos de desenvolvimento e nova plataforma na indústria automobilística: a Honda
estilos de gestão. Compreender como essas categorias introduziu uma série de mudanças nos processos de
diferem, ajuda os gestores a prever a distribuição dos fabricação e no produto, mas nenhuma tecnologia fun-
recursos com exatidão e lhes permite planejar melhor damentalmente nova. No mercado de computadores, o
e sequenciar os projetos ao longo do tempo. A seguir, IBM PS/2 é uma plataforma de computador pessoal;
apresentamos uma breve descrição de cada categoria. nos produtos e no consumo, o Liquid Tide da Procter &
Os projetos derivados variam daqueles orientados à Gamble é a plataforma de uma linha inteira de produtos
redução de custos dos produtos derivados dos existen- com a marca Tide.
tes a adendos ou melhorias a um processo de produção Os produtos de plataforma bem planejados e bem
derivado dos processos existentes. Por exemplo, a câ- executados oferecem melhorias fundamentais no custo,
mera de 35 mm com grande ângulo de visão da Kodak, na qualidade e no desempenho em relação às gerações
denominada Stretch, derivou de uma câmera bem mais precedentes. Eles introduzem melhorias em uma gama
simplória, a Fun Saver, lançada em 1990. Projetar a de dimensões do desempenho – velocidade, funcionali-
Stretch foi basicamente uma questão de mudar a lente. dade, tamanho, peso. (Os derivados, por sua vez, costu-
O trabalho de desenvolvimento nos projetos deri- mam introduzir mudanças ao longo de apenas uma ou
vados enquadra-se em três categorias: mudanças incre- duas dimensões.) As plataformas também representam
mentais no produto, ou seja, nova embalagem ou uma uma solução de sistema significativamente melhor para
nova característica, com pouca ou nenhuma alteração o cliente. Por causa do alcance das mudanças envolvi-
no processo de produção; mudanças incrementais no das, as plataformas bem-sucedidas requerem um plane-
processo, como um processo de produção com custo jamento considerável logo no início e o envolvimento
mais baixo, maior confiabilidade ou uma mudança me- não só da engenharia, mas também do marketing, da
nos importante nos materiais utilizados, com pouca ou produção e da alta direção.
nenhuma alteração no produto; e mudanças incremen- As empresas direcionam as novas plataformas para
tais em ambas as dimensões. Como as mudanças no satisfazer as necessidades de um grupo central de clien-
projeto costumam ser menos importantes, os projetos tes, mas projeta tais plataformas para fácil alteração em
incrementais são mais claramente delimitados e reque- derivados por meio da adição, substituição ou remoção
rem substancialmente menos recursos de desenvolvi- de funcionalidades. As plataformas bem projetadas tam­
mento do que as outras categorias; e como os projetos bém proporcionam uma migração suave entre as gera-
derivados são concluídos em poucos meses, o envolvi- ções, de modo que nem o cliente nem o canal de distri-
mento da gestão no andamento do projeto é mínimo. buição sejam perturbados.
Os projetos inovadores estão na outra extremidade do Considere o processador 80486 da Intel, o quarto da
espectro do desenvolvimento porque envolvem mudan- série. O 486 introduziu uma série de melhorias de de-
ças significativas nos produtos e processos existentes. Os sempenho. Ele visava a um grupo de clientes central – o
projetos inovadores bem-sucedidos estabelecem produ- usuário de ponta de PC/workstation –, mas variações
tos e processos essenciais que diferem fundamentalmente abordaram as necessidades dos outros usuários. Com a
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-5     551

FIGURA 2 Mapeamento dos tipos de projeto de desenvolvimento

Mais Menos
Pesquisa e projetos Alteração do produto
avançados de desenvolvimento
Novo produto Próxima geração Adição à família Derivados
essencial do produto de produtos e melhorias

Novo processo

Mais
Novo processo
essencial essencial

Alteração no processo

Próxima Projetos de plataforma


geração
do processo

Atualização de
Projetos derivados
um único
departamento
Menos

Mudança
incremental

P&D

Inovador
Alianças e projetos
de parceria (podem
Plataforma
incluir qualquer um
dos tipos de projeto
acima) Derivado

compatibilidade de software entre o 386 e o 486, este comercial. Desse modo, os projetos de P&D competem
último proporcionou uma migração fácil para os clien- pelos recursos com os projetos de desenvolvimento co-
tes existentes. Ao longo da vida da plataforma 486, a mercial. Como a P&D é um processo criativo e de alto
Intel introduzirá uma série de produtos derivados, cada risco, as empresas têm expectativas diferentes sobre os
um oferecendo alguma variação em velocidade, custo e resultados e as estratégias diferentes para financiá-la e
desempenho, e cada um capaz de alavancar inovações geri-la das que são empregadas no desenvolvimento
de processo e produto a partir da plataforma original. comercial. Essas diferenças podem, na realidade, ser
As plataformas oferecem uma vantagem competiti- grandes, mas uma relação íntima entre a P&D e o de-
va considerável e o potencial para aumentar a penetra- senvolvimento comercial é essencial para garantir um
ção de mercado, ainda que muitas empresas sistemati- equilíbrio adequado e uma conversão harmoniosa das
camente invistam pouco nelas. As razões variam, mas a ideias em produtos.
mais comum é que os gestores não têm consciência do As alianças e parcerias, que também estão fora dos
valor estratégico das plataformas e não cria projetos de limites do mapa de desenvolvimento, podem ser for-
plataforma bem pensados. Para abordar o problema, as madas para seguir qualquer tipo de projeto – P&D, ino-
empresas devem reconhecer explicitamente a necessi- vador, plataforma ou derivado. Como tal, a quantidade
dade das plataformas e desenvolver diretrizes para tor- e os tipos de recursos de desenvolvimento e a atenção
ná-las uma parte central do plano agregado do projeto. necessária dos gestores para os projetos nessa categoria
Pesquisa e desenvolvimento é a criação do conheci- podem variar amplamente.
mento e da fundamentação dos novos materiais e novas Embora as parcerias sejam parte integrante do pro-
tecnologias que acabam traduzindo-se em desenvolvi- cesso de desenvolvimento de projetos, muitas empresas
mento comercial. Embora a área de P&D resida fora não as incluem em seu planejamento. Muitas vezes, elas
das fronteiras do desenvolvimento comercial, nós a separam a gestão das parcerias do resto da organização
incluímos aqui por duas razões: ela é a precursora do de desenvolvimento e não lhes alocam recursos de de-
desenvolvimento de processos e produtos, e, em ter- senvolvimento suficientes. Mesmo quando a empresa
mos da alocação futura dos recursos, os funcionários parceira assume a responsabilidade total por um proje-
movem-se entre a pesquisa básica e o desenvolvimento to, a empresa adquirente deve dedicar recursos internos
552     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

para monitorar o projeto, capturar o conhecimento que PreQuip. Embora frustrantes, esses dilemas abriram os
está sendo criado e preparar-se para a produção e ven- olhos dos gestores para o fato de que alguns projetos
das do novo produto. faziam pouco sentido estratégico. Por que despender
Todas as cinco categorias de desenvolvimento são enormes quantidades de dinheiro no desenvolvimento
vitais para criar uma organização de desenvolvimento de produtos que, na melhor das hipóteses, produziriam
que seja responsiva ao mercado. Cada tipo de proje- apenas vendas incrementais? A percepção desencadeou
to exerce um papel diferente, exige níveis diferentes e uma reavaliação das necessidades do cliente da PreQuip
composições de recursos, e gera resultados muito dife- em todas as categorias de produtos.
rentes. Na maior parte do trabalho de desenvolvimento, Considere os espectrômetros de massa, instrumen-
contar com uma ou duas categorias leva invariavel- tos que identificam a composição química de um com-
mente ao uso subotimizado dos recursos, a uma oferta posto. A PreQuip, uma das maiores produtoras de es-
de produto desequilibrada e, no fim das contas, a uma pectrômetros de massa, oferecia vários equipamentos
posição de mercado menos competitiva. de alto desempenho com todas as características mais
recentes, mas com um preço significativamente alto.
MAPA DO PROJETO DA PreQuip Embora essa estratégia tenha funcionado no passado,
ela não fazia mais sentido em um mercado maduro; a
Utilizando esses cinco tipos de projetos, a PreQuip co- evolução da tecnologia do espectrômetro de massa era
meçou a mudar seu mix de projetos como a primeira previsível e bem definida, e muitos concorrentes eram
etapa rumo à reforma do processo de desenvolvimento capazes de oferecer as mesmas funcionalidades, muitas
de produtos. A empresa começou compatibilizando sua vezes com preços mais baixos.
lista de projetos existentes nas cinco categorias. A li- Cada vez mais, os clientes depositavam, na decisão
nha de produtos da PreQuip consistia em quatro tipos de compra, ênfase maior no preço. Alguns clientes tam-
de instrumentos analíticos – espectrômetros de massa, bém queriam espectrômetros de massa que fossem mais
cromatógrafos a gás e líquido e equipamentos de mani- fáceis de usar e modular, de modo que pudessem ser
pulação e processamento de dados – que identificavam integrados em seus próprios sistemas. Outros precisa-
e isolavam compostos químicos, gasosos e líquidos. vam de unidades com estojos que pudessem suportar os
Seus clientes eram os laboratórios científicos – usuários hostis ambientes industriais. E alguns necessitavam de
que precisavam medir e testar com precisão a pureza de velocidades de operação maiores, armazenamento de
matérias-primas, subprodutos intermediários e produ- dados adicional ou funções de autodiagnóstico.
tos acabados. Levando em conta todas essas necessidades do
A gestão da PreQuip fez perguntas muito básicas cliente, a PreQuip usou o mapa de projeto para repensar
em sua tentativa de delinear as categorias. O que era sua linha de espectrômetros de massa. Ela contemplou
exatamente um produto inovador? Um monitor gráfico uma plataforma única complementada com uma série
3D constituiria uma inovação? Como era definida uma de produtos derivados, cada um com um conjunto de
plataforma? Um espectrômetro de massa completo era opções diferente e atendendo a um nicho diferente de
considerado uma plataforma? Ou um derivado? Um es- clientes. Combinando algumas ideias de projeto de no-
pectrômetro de massa com software adicional era um vos produtos – modularidade e simplicidade – com al-
produto derivado? gumas características que estavam em desenvolvimen-
Nenhuma dessas perguntas foi fácil de responder. to, a PreQuip criou o conceito da plataforma C-101, um
No entanto, após muita análise e muito debate, a equipe espectrômetro de massa de propósito geral com preço
de gestão chegou a um acordo sobre as principais ca- mais baixo. Em parte por causa de sua modularidade,
racterísticas de cada tipo de projeto e atribuiu a maioria o produto foi projetado para ser mais simples e bara-
dos 30 projetos da PreQuip a uma das cinco categorias. to para produzir, o que também ajudou a melhorar sua
O mapa revelou o quão desigual se tornou a distribuição qualidade e confiabilidade. Adicionando software e al-
dos projetos – por exemplo, menos de 20% dos projetos gumas características novas, a PreQuip criou facilmente
da empresa foram classificados como plataformas (ver os derivados que poderiam ser montados e testados em
Figura 3). uma única linha de produção. Em um caso, a variante
Depois, a gestão voltou sua atenção para os projetos do C-101 foi planejada para o mercado de laboratórios
de desenvolvimento que não se enquadravam em ne- de ponta. Reforçando o estojo e eliminando algumas ca-
nhuma das categorias. Alguns projetos exigiam recursos racterísticas, a PreQuip também criou um produto para
substanciais, mas não representavam inovações. Outros o mercado industrial.
eram mais complicados do que os projetos derivados, Mapear a nova linha de espectrômetros de massa e
mas não se enquadravam na definição de plataforma da as três outras linhas de produto não foi simples. Levou
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-5     553

FIGURA 3 Antes: o processo de desenvolvimento da PreQuip era caótico…

P&D
Cada círculo representa um projeto de desenvolvimento da PreQuip; o tamanho
correlaciona-se com a quantidade de recursos de desenvolvimento que o projeto exige.

Projetos
inovadores

Projetos de plataforma

Projetos derivados

P&D Projetos de alianças e parcerias


Espectrômetros de massa
Inovação
Cromatógrafos líquidos
Cromatógrafos a gás Plataforma
Produtos de processamento e manipulação de dados
Derivado

muitos meses e envolveu uma reconceituação das li- As mudanças levaram a alguns ganhos impressio-
nhas de produtos, gestão rigorosa e envolvimento con- nantes: ente 1989 e 1991, a produtividade do desen-
siderável dos clientes. Para proporcionar mais foco, volvimento comercial da PreQuip melhorou em três
a PreQuip separou os recursos de engenharia em três vezes. Menos projetos significavam mais trabalho real
categorias: projetos de P&D básica; produtos e clientes sendo feito, e mais trabalho significava mais produtos.
existentes, agora uma parte da organização de produ- Para não comprometer demasiadamente seus recursos,
ção; e desenvolvimento de produtos comerciais. a empresa criou um “amortecedor de capacidade” no
Para determinar a quantidade de projetos inovado- seu plano. Ela designou apenas 75 engenheiros em tem-
res, de plataforma, derivados e de parceria que poderiam po integral dos 80 disponíveis para os oito projetos de
ser mantidos a qualquer momento, primeiro a empresa desenvolvimento comercial. Ao deixar uma pequena
estimou a quantidade média de meses de engenharia por porcentagem da capacidade de desenvolvimento des-
cada tipo de projeto com base na experiência prévia. comprometida, a PreQuip estava mais bem preparada
Depois, alocou os recursos de engenharia disponíveis para tirar vantagem das oportunidades inesperadas e
de acordo com seu mix de projetos desejado: cerca de para lidar com as possíveis crises.
50% de plataforma, 20% de derivados e 10% de ino-
vadores e parcerias. Em seguida, a PreQuip selecionou FOCO NA PLATAFORMA
projetos específicos, confiante de que não alocaria de- O mapa de desenvolvimento da PreQuip serviu como
masiadamente seus recursos. base para realocar os recursos e repensar o mix de
No fim, a empresa cancelou mais de dois terços dos projetos. A empresa não pensou mais em projetos iso-
seus projetos de desenvolvimento, incluindo alguns ladamente: projetos inovadores moldaram as novas
“projetos de estimação” de altos executivos. Quando a plataformas, as quais definiram os projetos derivados.
poeira assentou em meados de 1990, a PreQuip tinha Em todas as quatro linhas de produto, as plataformas
apenas 11 projetos: três plataformas, um inovador, três desempenharam um papel particularmente importante
derivados, uma parceria e três projetos em P&D básica na estratégia de desenvolvimento, o que não causou ne-
(ver Figura 4). nhuma surpresa, considerando a maturidade do setor de
554     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Depois: o processo de desenvolvimento da PreQuip era gerenciável

P&D Em meados dos anos 1990, a PreQuip havia reduzido a quantidade de projetos
de desenvolvimento, incluindo a P&D, de 30 para 11, todos definidos e
estrategicamente posicionados dentro dos cinco tipos de projeto.

Projetos inovadores

Projetos de plataforma

Projetos derivados

P&D Projetos de alianças e parcerias


Espectrômetros de massa
Inovação
Cromatógrafos líquidos
Cromatógrafos a gás Plataforma
Produtos de processamento e manipulação de dados
Derivado

atuação da PreQuip. Para muitas empresas, quanto mais durante anos. Elas estão constantemente sob pressão
madura a indústria, mais importante é focar os projetos para ajudar seus clientes a restringir os gastos de capi-
de plataforma. tal e os custos operacionais. As tecnologias são estáveis
Considere o ciclo de vida típico da indústria. Nos es- e muitas alterações de projeto são de menor importân-
tágios iniciais do crescimento, as empresas inovadoras cia. Cada geração de produto dura de 8 a 12 anos, e as
e dinâmicas ganham posição de mercado com produtos empresas gastam a maior parte do seu tempo e energia
que têm desempenho drasticamente superior ao longo desenvolvendo produtos derivados. Como resultado, as
de uma ou duas dimensões. Saibam elas disso ou não, empresas encontram-se com linhas de produtos grandes
essas empresas empregam uma estratégia de platafor- e pesadas.
ma inovadora. Entretanto, à medida que a indústria se Nos anos 1980, a Hill-Rom, uma importante fabri-
desenvolve e a oportunidade para produtos inovado- cante de leitos, procurou uma estratégia de novos pro-
res diminui – muitas vezes porque a tecnologia é mais dutos para ajudar a conter os custos e manter a participa-
amplamente compartilhada –, os concorrentes tentam ção de mercado. Como outros fabricantes de leitos, seu
satisfazer clientes cada vez mais sofisticados fazendo processo de desenvolvimento de produtos era reativo e
rapidamente melhorias incrementais nos produtos exis- estava atolado em um excesso de projetos derivados de
tentes. Conscientemente ou não, elas adotam uma estra- baixo retorno. A empresa projetava qualquer coisa que
tégia com base em projetos derivados. Como aconteceu o cliente – um único hospital ou lar de idosos – qui-
com a PreQuip, essa abordagem acaba levando à proli- sesse, mesmo que isso significasse comprometimentos
feração das linhas de produtos e ao comprometimento significantes dos recursos de desenvolvimento.
excessivo dos recursos de desenvolvimento. A solução A nova estratégia envolvia uma mudança signifi-
está em desenvolver poucos produtos de plataforma cativa para alavancar os recursos de desenvolvimento
bem projetados sobre cada um dos quais pode ser cons- e produção. A Hill-Rom decidiu focar em hospitais e
truída uma geração de produtos. retirou-se em grande parte do segmento de enferma-
No setor de leitos hospitalares, por exemplo, as em- gem domiciliar, bem como limitou a linha de produ-
presas que projetam, fabricam, vendem e fazem a ma- tos desenvolvendo dois novos produtos de plataforma
nutenção dos leitos enfrentaram um mercado maduro – Centra e Century. O Centra era um produto de preço
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-5     555

FIGURA 5 Sequência de projetos da PreQuip

Recursos de desenvolvimento Sequenciamento


Tipo de comprometidos em meados de 1990 Descrição Número 1990 1991
projeto (% do tempo de engenharia total) do projeto do projeto

P&D (Isolado) Tecnologia de bomba avançada RD-1


Sensores eletrônicos RD-2
Software RD-3
Inovador 12,5% Sistema de autodiagnóstico
BX-3
totalmente automatizado
para cromatógrafo a gás
Plataforma 52,5 Cromatógrafo líquido A-502
A series
Cromatógrafo a gás B-502
Espectrômetro de massa B series
C-101 C-201
Equipamento para processamento C series
DX-52 DX-82
e manipulação de dados D series

Derivado 18,75 Cromatógrafo líquido A-311 A-321 A-502X


Cromatógrafo a gás A series
B-22 B-32
Espectrômetro de massa B series
C-1/X C-1/Z C-101Z
Equipamento para C series
D-333 D-433
processamento e D series
manipulação de dados
Parceria 10,0 Sistema de diagnóstico VMH
médico/químico

elevado com controles eletrônicos embutidos, incluindo e seus recursos disponíveis. Naturalmente, o mix evolui
funções de comunicação. O Century era um projeto ao longo do tempo à medida que os projetos passam do
mais simples, com menos funcionalidades. Os produtos desenvolvimento para a produção, as estratégias de ne-
construídos a partir de cada plataforma compartilhavam gócio mudam, os novos mercados surgem e os recursos
peças e processos de fabricação comuns e ofereciam ao são aprimorados. Os gestores precisam rever o mix de
cliente uma série de opcionais. Ao focar os esforços de projetos regularmente – em alguns casos, a cada seis
desenvolvimento em duas plataformas, a Hill-Rom foi meses; em outros, a cada ano, mais ou menos.
capaz de introduzir novas tecnologias e novas caracte-
rísticas dos produtos no mercado mais rápido e mais sis- SEQUENCIAMENTO CONTINUADO DE FLUXO
tematicamente, afetando de forma direta a recuperação DE PROJETOS: A PreQuip PLANEJA O FUTURO
do paciente e a produtividade da equipe hospitalar. Essa DESENVOLVIMENTO
estratégia levou a um ciclo de desenvolvimento menos
Avaliar periodicamente o mix de produtos mantém as
caótico, como também a um custo unitário mais baixo, atividades de desenvolvimento no rumo certo. As em-
maior qualidade do produto e clientes mais satisfeitos. presas precisam decidir como sequenciar os projetos
Para as empresas que precisam reagir às mudanças ao longo do tempo, como o conjunto de projetos deve
constantes na moda e nos gostos do consumidor, faz evoluir com a estratégia da empresa e como criar capa-
sentido uma relação diferente entre os projetos de pla- citações a partir do desenvolvimento de projetos.
taforma e derivados. Por exemplo, a Sony foi pionei- As decisões sobre mudar o mix não são fáceis nem
ra na estratégia de “hipervariedade” ao desenvolver o diretas. Sem um plano agregado de projeto, a maioria
Walkman: ela direciona a maior parte dos seus esforços das empresas não consegue sequer começar a formular
de desenvolvimento para a criação de produtos deriva- uma estratégia para tomar essas decisões.
dos, melhorias, híbridos e extensões de linha que ofe- A PreQuip não foi diferente. Antes de adotar um pla-
recem alguma coisa feita sob medida para cada nicho. no agregado de projeto, a empresa não tinha um conceito
Como resultado, em 1990 a Sony dominava o mercado bem definido sobre mix de projetos e nenhuma com-
de sistema de áudio pessoal com mais de 200 modelos preensão do sequenciamento. Sempre que alguém com
com base em apenas três plataformas. autoridade tinha uma ideia que valesse a pena seguir, o
As plataformas são críticas para qualquer esforço departamento de desenvolvimento adicionava o projeto
de desenvolvimento de produto, mas não há um mix de à sua lista ativa. Com a evolução de um plano agrega-
projetos ideal que se ajuste a todas as empresas. Toda do de projeto, a PreQuip desenvolveu um mix inicial e
empresa deve realizar os projetos que sejam compatí- elevou a decisão do sequenciamento a uma responsabi-
veis com suas oportunidades, sua estratégia de negócios lidade estratégica da alta gestão. A gestão programava
556     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

os projetos em intervalos igualmente espaçados para A PreQuip aplicou essa mesma estratégia nas ou-
garantir um “fluxo estável” de projetos de desenvolvi- tras três categorias de produto. A cada dois anos, ela
mento (ver Figura 5). planejava uma nova plataforma, seguida por dois ou
Um exemplo representativo da nova estratégia da três produtos derivados espaçados em intervalos ade-
PreQuip para sequenciar projetos é o seu novo espectrô- quados. Tipicamente, quando uma equipe terminava o
metro de massa ou série C. Introduzido no ciclo de de- trabalho em uma plataforma, a gestão alocava parte da
senvolvimento no final de 1989, o C-101 foi a primeira equipe aos projetos derivados e parte a outros. Apro-
plataforma concebida como um sistema construído em ximadamente um ano mais tarde, uma nova equipe se
volta do novo projeto modular. Voltado para a faixa da formaria para trabalhar na próxima plataforma, com al-
camada média à superior do mercado, era uma unidade guns membros tendo trabalhado na geração anterior e
versátil e modular que incorporava muitas das caracte- outros não. Essa estratégia de sequenciamento de fluxo
rísticas eletromecânicas existentes no novo software. O estável funcionava para melhorar a posição de mercado
C-101 foi agendado para entrar na fabricação de protó- global da empresa, ao mesmo tempo que estimulava a
tipos no terceiro trimestre de 1990. transferência de conhecimento e o desenvolvimento de
A PreQuip colocou o C-1/X, o primeiro derivado do recursos de forma mais rápida e sistemática.
C-101, no mercado industrial. Ele possuía um estojo
robusto concebido para ambientes extremos e menos UMA ALTERNATIVA: PLANEJAMENTO DA
funcionalidades de software do que o C-101. O C-1/X “ONDA SECUNDÁRIA”
entrou em processo de desenvolvimento mais ou menos
na ocasião em que o C-101 passou para a fabricação de Embora a abordagem de fluxo estável atendesse bem
protótipos e contava inicialmente com uma equipe de à PreQuip, as empresas nas diferentes indústrias pode-
dois projetistas que estavam concluindo as atividades riam considerar estratégias alternativas. Por exemplo,
no C-101. uma estratégia de “onda secundária” pode ser mais
Muito semelhante ao C-1/X foi o C-1/Z, uma uni- adequada para as empresas que, como a Hill-Rom, pos-
dade projetada para o mercado europeu. A equipe do suem múltiplas linhas de produto, cada uma com suas
C-1/X foi ampliada para trabalhar tanto no C-1/X quan- plataformas de base, mas com mais tempo entre as gera-
to no C-1/Z. O C-1/Z tinha alguns softwares exclusivos, ções sucessivas de uma determinada plataforma.
além de monitor e acondicionamento diferentes, mas o A estratégia funciona assim: uma equipe de desen-
mesmo projeto modular. O departamento de marketing volvimento começa a trabalhar na próxima geração da
da PreQuip programou o C-101 para ser lançado cerca plataforma. Depois que a empresa conclui esse projeto,
de seis meses antes do C-1/X e do C-1/Z, permitindo o pessoal-chave da equipe começa a trabalhar em outra
assim que a empresa alcançasse vários mercados rapi- plataforma para uma família de produtos diferente. A
damente com os novos produtos. gestão deixa a plataforma recém-introduzida no mer-
Para alavancar o conhecimento e a experiência acu- cado durante alguns anos, com a introdução de alguns
mulados, a alta gestão alocou a equipe que trabalhou no produtos derivados. À medida que essa plataforma co­
C-1/X e C-1/Z para o projeto C-201, a próxima geração meça a envelhecer e que as plataformas mais novas
do espectrômetro programada para substituir o C-101. dos concorrentes desafiam-na, a empresa muda o foco
O C-201 também tinha um projeto modular, mas com dos recursos de desenvolvimento para um conjunto de
mais poder computacional e maior funcionalidade de produtos derivados, a fim de reforçar e estender a via-
software e incorporava uma série de melhorias no pro- bilidade da plataforma existente da linha de produtos.
cesso de fabricação adquiridas a partir da fabricação do A onda de projetos derivados estende a vida da plata-
C-101. forma e atualiza as ofertas de produtos, mas também
Para proporcionar uma transição de mercado suave proporciona experiência e feedback para as pessoas que
do C-101 para o C-201, a alta gestão designou o restan- estão trabalhando na linha de produtos e as prepara para
te da equipe do C-101 para desenvolver o C-101X, um o desenvolvimento da próxima geração da plataforma.
projeto derivado de acompanhamento. O C-101X foi Elas recebem feedback do mercado sobre a plataforma
posicionado como uma melhoria em relação ao C-101 anterior, informações sobre as ofertas de plataforma
para atrair os clientes que estavam no mercado de es- dos concorrentes e informações sobre as necessidades
pectrômetros de massa de populares, mas que não es- de mercado que estão surgindo. Então, o pessoal-chave
tavam dispostos a se contentar com a tecnologia antiga reúne as informações para definir a próxima plataforma
do C-101. Tão importante quanto, o projeto era uma e o ciclo recomeça, construído em torno de uma equipe,
maneira ideal para reunir dados de mercado que pudes- da qual muitos membros acabaram de concluir a onda
sem ser utilizados para desenvolver o C-201. de produtos derivados.
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-5     557

Uma variação da estratégia de onda secundária, uti- Na indústria automobilística, por exemplo, empre-
lizada com sucesso considerável pela Kodak, envolve sas diferentes seguem cronogramas de sequenciamento
diminuir o tempo entre o lançamento no mercado das bem diferentes, com resultados nitidamente diferentes.
principais plataformas. Em vez de partir para trabalhar De acordo com os dados coletados no final dos anos
na plataforma de uma outra família de produtos logo 1980, as empresas de automóveis europeias mudaram
após o lançamento de uma plataforma, a maioria da a plataforma de um determinado produto, em média, a
equipe de desenvolvimento vai trabalhar imediatamen- cada 12 anos; as empresas americanas, a cada 8 anos;
te em um conjunto de produtos derivados. Isso envolve e as empresas japonesas, a cada 4 anos. Uma série de
uma avaliação mais comprimida e cuidadosa da respos- fatores explica as diferenças nos ciclos de desenvolvi-
ta do mercado à plataforma recém-introduzida e ciclos mento da plataforma – diferenças históricas e culturais,
de feedback muito mais curtos em relação aos produtos tempos mais longos de desenvolvimento e diferenças
dos concorrentes. Se benfeito, porém, as empresas po- na produtividade do desenvolvimento.1
dem criar um impulso e conquistar uma significativa Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, as ho-
participação de mercado incremental. Uma vez passada ras de engenharia e os custos de ferramental dos pro-
a enxurrada de produtos derivados, a equipe vai traba- dutos novos eram muito mais elevados que no Japão.
lhar no projeto da próxima geração da plataforma para Isso se traduzia em menos custos de desenvolvimento
a mesma família de produtos. para as montadoras de veículos japonesas, que permi-
Antes de 1987, a Kodak conduziu uma série de tia um retorno mais rápido e vidas econômicas mais
projetos de desenvolvimento avançados para explorar curtas para todos os modelos. Como consequência, os
câmeras de 35 mm descartáveis alternativas – um rolo japoneses podiam realizar muito mais projetos rentá-
de filme embalado em uma câmera barata. Uma vez veis e fazer mudanças mais frequentes e abrangentes
utilizado, o filme é processado, e a câmera, descartada do que seus concorrentes europeus e americanos, e,
ou reciclada. Durante 1987, um grupo de engenheiros desse modo, ficar mais bem posicionados para satisfa-
de desenvolvimento da Kodak trabalhou no primeiro zer as necessidades dos clientes e capturar participa-
projeto de plataforma, o qual resultou no lançamento ção de mercado.
no mercado e na produção da câmera Fling 35 mm, em
janeiro de 1988. (Mais tarde, o produto foi renomeado A META DE LONGO PRAZO: CONSTRUIR
para Fun Saver.) Quando a plataforma estava próxima CAPACITAÇÕES CRÍTICAS
de ser concluída, a gestão realocou a equipe de desen-
volvimento da linha de frente para dois projetos deri- Possivelmente, o maior valor de um plano agregado de
vados: a Stretch, uma versão panorâmica da Fling, e a projeto no longo prazo é a sua capacidade de moldar
Weekend, uma versão à prova d’água. e criar capacitações de desenvolvimento, tanto indivi­
No final de 1988, a Kodak havia lançado ambas duais quanto organizacionais. Ele proporciona um veí-
as câmeras derivadas e estava despachando-as em culo para treinar os engenheiros de desenvolvimento, os
volume. Fiel à versão de um derivado, as câmeras profissionais de marketing e a equipe de produção nos
Stretch e Weekend consumiram bem menos recursos diferentes conjuntos de habilidades necessárias para a
de desenvolvimento e muito menos tempo do que empresa. Por exemplo, alguns engenheiros menos ex-
a Fling. Elas também exigiram menos ferramental perientes inicialmente podem ser mais adequados para
novo e engenharia de processos, já que aproveitaram trabalhar nos projetos derivados, enquanto outros po-
a automação e os processos de fabricação existentes. dem ter habilidades técnicas mais voltadas para os pro-
A equipe de desenvolvimento foi trabalhar na próxi- jetos inovadores. O plano agregado de projeto permite
ma geração do produto plataforma – uma Fun Saver que as empresas usem os pontos fortes dos funcioná-
com flash incorporado. rios e ampliem suas carreiras e capacidades ao longo do
Independentemente da estratégia que uma empresa tempo (ver Figura 6).
utiliza para planejar seu mix plataforma-derivado – fluxo Pensar a respeito do desenvolvimento de habilida-
estável ou onda secundária –, ela deve ter plataformas des em termos do plano agregado de projeto é mais im-
bem definidas. As empresas mais avançadas melhoram portante para desenvolver líderes de equipe competen-
mais sua posição competitiva quando aceleram o ritmo tes. Considere, por exemplo, um engenheiro com cinco
no qual introduzem novas plataformas. Na realidade, anos de experiência que se tornou um líder de projeto.
em várias indústrias que estudamos, as empresas que
introduziram novas plataformas em ritmo mais veloz 1
Com base na pesquisa de Kim B. Clark and Takahiro Fujimoto. Ver
geralmente foram capazes de capturar a maior partici- artigo “The Power of Product Integrity”, Harvard Business Review,
pação de mercado ao longo do tempo. November-December 1990, p. 107
558     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 6 Oito etapas de um plano agregado de projeto de desenvolvimento e incorporar novas ferramentas
1. Definir os tipos de projeto como inovador, de plataforma,
e técnicas no ambiente de desenvolvimento. O plano
derivado, de P&D ou em parceria. agregado de projeto ajuda a identificar onde as empre-
2. Identificar os projetos existentes e classificá-los por tipo. sas precisam fazer mudanças e como estas estão conec-
3. Estimar o tempo médio e os recursos necessários para cada tadas ao desenvolvimento de produtos e processos.
tipo de projeto com base na experiência pregressa. Como a PreQuip desenvolveu um plano agregado de
4. Identificar a capacidade de recursos existente. projeto, por exemplo, ela identificou uma série de lacu-
5. Determinar o mix de projetos desejado. nas em suas capacitações. No caso do espectrômetro de
6. Estimar a quantidade de projetos que os recursos existentes massa, a exigência de mais funcionalidade de software
conseguem suportar. significava que a PreQuip tinha que desenvolver uma
7. Decidir quais projetos específicos realizar. especialização no desenvolvimento de software e enfa-
8. Trabalhar para melhorar as capacitações de desenvolvimento. tizar custo, modularidade e confiabilidade. A empresa
também tinha que concentrar-se em melhorar suas ha-
A alta gestão poderia designá-lo para liderar primeiro bilidades de projeto industrial.
um projeto derivado. É uma base de treinamento ideal Como parte de sua estratégia para melhorar as habi-
porque os projetos derivados são os mais bem definidos, lidades de projeto industrial, a empresa introduziu um
os menos complexos e geralmente os de duração mais novo sistema de projeto assistido por computador em
curta entre todos os tipos de projeto. Após o projeto ser seu departamento de engenharia, usando o plano agre-
concluído com êxito, o engenheiro pode ser promovido gado de projeto como guia. A gestão sabia que uma das
para liderar um projeto derivado maior e depois um de equipes de projeto de plataforma era particularmente
plataforma. Caso ele venha a distinguir-se e a ter as ha- competente com aplicações informatizadas, então es-
bilidades necessárias, pode receber a oportunidade de colheu esse projeto como piloto para o novo sistema
trabalhar em um projeto inovador. de CAD. Ao longo da vida do projeto, a proficiência da
Além de criar um plano de carreira formal dentro da equipe com o novo sistema cresceu. Quando o proje-
esfera das atividades de desenvolvimento, as empresas to acabou, a gestão alocou os membros da equipe para
também devem focar-se em mover os principais enge- outros projetos para que pudessem treinar outros enge-
nheiros e outros participantes do desenvolvimento entre nheiros no uso do novo sistema de CAD.
a pesquisa e o desenvolvimento comercial. Isso é neces- Como a PreQuip descobriu, desenvolver um plano
sário para manter a transferência de tecnologia recente e agregado de projeto envolve um procedimento relativa-
criativa e para recompensar os engenheiros que mantêm mente simples e direto. Entretanto, executá-lo – passar de
seus esforços de P&D focados nos desenvolvimentos uma coleção mal gerenciada de projetos para um conjun-
comerciais. to robusto que seja compatível e reforce a estratégia da
A Honda é uma empresa que delineia claramen- empresa – envolve escolhas difíceis e disciplina.
te entre a pesquisa avançada e o desenvolvimento Em todas as empresas que estudamos, a dificuldade
de produtos – os dois tipos de projeto são geridos e dessas escolhas torna imperativa a liderança forte e o en-
organizados de maneira diferente e abordados com volvimento precoce da alta gestão. Sem a participação
expectativas muito diferentes. Os engenheiros de de- e direção ativas da gestão, as organizações consideram
senvolvimento tendem a ter habilidades mais amplas, quase impossível abortar ou adiar projetos e resistir às
enquanto as dos pesquisadores são mais especializa- pressões de curto prazo que as impulsionam a gastar a
das. No entanto, a Honda incentiva seus engenhei- maior parte do seu tempo e recursos apagando incêndios.
ros a passar de um tipo de projeto para o outro, caso Chegar a um plano agregado de projeto não é fá-
consigam demonstrar que uma ideia pode resultar em cil, mas trabalhar por meio do processo é uma parte
uma inovação comercialmente viável. Por exemplo, fundamental da criação de uma estratégia de desenvol-
o novo motor de queima econômica da Honda, intro- vimento sustentável. Na realidade, embora o plano es-
duzido no Civic de 1992, começou como um projeto pecífico seja extremamente importante, o processo do
de pesquisa avançada chefiado por Hideyo Miyano. planejamento em si é ainda mais. O plano mudará à
Como o projeto passou da pesquisa para o desenvol- medida que os eventos se desdobrarem e os gestores
vimento comercial, Myiano passou também, desem- fizerem ajustes. Contudo, escolher o mix, determinar a
penhando um papel de promotor do projeto no decor- quantidade de projetos que os recursos podem suportar,
rer de todo o processo de desenvolvimento. definir a sequência e escolher os projetos certos levan-
Além de melhorar as habilidades das pessoas, o plano ta questões cruciais sobre como o desenvolvimento de
agregado de projeto pode ser utilizado para identificar produtos e processos deve estar ligado às oportunida-
pontos fracos nas capacitações, melhorar os processos des competitivas da empresa. Criar um plano agregado
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-6     559

de projeto fornece direção e clareza para o esforço de que apenas não se sustentam. Algumas vezes, o pro-
desenvolvimento global e ajuda a estabelecer as bases jeto enfrenta problemas decorrentes de inconsistências
para um desempenho excepcional. no foco; você começa criando uma versão reduzida e
termina com uma carga de opções. O tempo do projeto
se alonga, e os projetos mais longos invariavelmente
ficam cada vez mais à deriva do seu alvo inicial. Os
ARTIGO 4-6
distanciamentos de mercado clássicos incluem o Ford
Edsel, em meados dos anos 1950, e o computador do-
O mapa do desenvolvimento de novos méstico da Texas Instruments, no final da década de
produtos* 1970. Mesmo os produtos muito bem-sucedidos, como
a linha de computadores pessoais Macintosh, da Apple,
Steven C. Wheelwright e W. Earl Sasser Jr. podem ter um começo difícil.
2. Falta de diferenciação. O risco é alto quando os pro-
Nenhuma atividade empresarial é mais anunciada por jetistas não consideram uma ampla gama de alterna-
sua promessa e abordada com otimismo mais justi- tivas para satisfazer as necessidades do cliente. Se a
ficado do que o desenvolvimento e a fabricação de organização ficar presa rápido demais a um conceito,
novos produtos. Seja em negócios maduros, como os ela poderá não apresentar perspectivas diferentes para
automóveis e os eletrodomésticos, seja nos mais dinâ- análise. O mercado pode secar ou as tecnologias crí-
micos, como os computadores, os gestores veem cor- ticas podem ser suficientemente disseminadas, dando
retamente seus produtos como uma chance de saltar à oportunidades aos imitadores. A Plus Development in-
frente da concorrência. troduziu o Hardcard, um disco rígido que cabe no slot
Idealmente, um produto novo bem-sucedido pode de expansão de um PC, após um ano e meio de trabalho
estabelecer padrões industriais – padrões que se tornam de desenvolvimento. A empresa pensava que tinha um
outra barreira de entrada da empresa – ou abrir novos produto exclusivo com pelo menos uma vantagem de
mercados cruciais. Pense no Walkman da Sony. Novos nove meses à frente dos concorrentes. Mas, no quinto
produtos são bons para a organização e tendem a apro- dia da feira industrial em que o Hardcard foi lançado,
veitar as descobertas ainda não aproveitadas da P&D e um concorrente exibia o protótipo da sua versão e, três
a revitalizar o corpo de engenharia. As campanhas dos meses depois, enviava o seu primeiro produto.
novos produtos oferecem aos altos gestores oportuni- 3. Problemas técnicos inesperados. Atrasos e custos exce-
dades para reorganizar e obter mais de uma força de dentes muitas vezes podem ser explicações decorrentes
de uma estimativa otimista demais das capacitações
vendas, uma fábrica ou rede de atendimento ao público,
técnicas da empresa ou da disponibilidade de recursos.
por exemplo. Os novos produtos capitalizam a partir de
Os projetos poderão sofrer atrasos e parar no meio do
investimentos antigos.
caminho se as invenções essenciais não forem concluí­
Talvez o benefício mais estimulante seja o mais in- das e atraídas para o repertório dos projetistas antes
tangível: renovação e redirecionamento corporativo. A de estes começarem o projeto de desenvolvimento do
emoção, a imaginação e o crescimento associados com produto. Uma empresa de controles industriais que co-
a introdução de um novo produto revigoram as melho- nhecemos encontrou dois problemas: ela mudou o ma-
res pessoas da empresa e aumentam a capacidade desta terial de uma peça de metal para plástico apenas para
para recrutar novas forças. Os novos produtos criam descobrir que seus processos de fabricação não podiam
confiança e impulso. suportar as tolerâncias exigidas e, também, que o seu
Infelizmente, essas grandes promessas do desenvol- fornecedor não podia fornecer matéria-prima de quali-
vimento de novos produtos raramente são realizadas. dade coerente.
Os produtos cumprem parcialmente essas promessas, e 4. Descompassos entre as funções. Muitas vezes, uma parte
as pessoas esgotam-se emocionalmente. Para entender- da organização terá expectativas irreais ou até mesmo
mos por que isso ocorre, vejamos algumas das armadi- impossíveis em relação à outra. A engenharia pode con-
lhas mais óbvias. ceber um produto que as fábricas da empresa não conse-
guem produzir, por exemplo, ou pelo menos não consis-
1. O alvo móvel. Muitas vezes, o conceito do produto bá-
tentemente a um custo baixo com qualidade elevada. De
sico perde um mercado mutável ou as empresas podem
modo similar, a engenharia pode conceber características
fazer suposições a respeito dos canais de distribuição
nos produtos que os canais de distribuição estabelecidos
pelo marketing ou suas abordagens de vendas não conse-
guem explorar. Ao planejar suas necessidades, a produ-
*
Fonte: Reimpresso com a permissão da Harvard Business Review,
ção pode assumir um mix engessado de novos produtos,
May-June 1989. Copyright © 1989 by The President and Fellows of enquanto o marketing assume equivocadamente que a
Harvard College; todos os direitos reservados. produção pode alterar esse mix de modo radical em curto
560     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 1 Mapa genérico do desenvolvimento de produtos MAPEAMENTO DOS PRODUTOS EXISTENTES


Costumamos usar essa analogia do mapa com os ges-
Melhorado
tores de empresa envolvidos no desenvolvimento de
produtos, e gradualmente se torna claro para nós que
Melhoria em funcionalidade,
valor e preço crescentes

Protótipo
é necessário um mapa real, não apenas uma analogia.
Híbrido
Os gestores precisam de uma maneira para enxergar a
evolução das linhas de produtos de uma empresa – o
Custo “onde estamos” – a fim de expor os mercados e as tec-
reduzido
nologias que têm impulsionado a evolução – o “de onde
viemos”. Tal mapa apresenta a evolução das linhas de
produtos atuais de uma maneira resumida, mas clara, de
Tempo modo que todas as áreas funcionais na organização pos-
Trabalho de desenvolvimento Conceito; protótipo funcional sam responder a uma versão comum. O mapa fornece
Protótipo de engenharia Leva à produção-piloto e uma base para compartilhar informações. E, ao capaci-
ao aumento da oferta
Central Refinado do protótipo inicial; torna-se tar os gestores a comparar os pressupostos subjacentes
a oferta padrão às linhas de produtos atuais com os pressupostos ideais
Produtos alavancados
da nova pesquisa, ele aponta para novas oportunidades
Melhorados Acrescentam características distintivas aos de mercado e desafios tecnológicos. Por que, por exem-
produtos essenciais, visando a segmentos de mercado plo, uma organização deveria construir lojas de departa-
identificados
Customizados Características distintivas em pequenos mentos quando as lojas de descontos especializados são
lotes criadas para canais de distribuição de clientes específicos os canais de distribuição emergentes? Por que entortar
Custo reduzido Versão mais simples e/ou de baixo custo de
metais se você pode moldar a cerâmica?
fabricação do produto central para o mercado popular
Híbrido Um novo projeto desenvolvido pela mistura das A Figura 1 ilustra um mapa genérico que indica
características de dois produtos essenciais como as ofertas de produtos em uma geração podem
estar relacionadas umas com as outras. Essas relações
prazo. Uma das inadequações mais surpreendentes que são a base que nos permite rastrear a evolução das famí-
encontramos foi criada por uma empresa aeroespacial lias de produtos de uma geração para outra.
cujo grupo de fabricação construiu uma planta de mon- O mapa classifica as ofertas de produtos (e os es-
tagem pequena demais para acomodar a envergadura da forços de desenvolvimento que elas implicam) como
asa do avião que tinha que produzir. produtos “essenciais” e “alavancados” e divide os pro-
Desse modo, os novos produtos muitas vezes fracas- dutos alavancados em “melhorados”, “customizados”,
sam porque as empresas interpretam mal os mercados e “custo reduzido” e “híbridos”. (Essas designações pa-
canais de distribuição mais promissores e porque com- recem abranger a maioria dos casos, mas os gestores
preendem mal seus próprios pontos tecnológicos fortes devem se sentir à vontade para acrescentar quaisquer
ou os desafios tecnológicos do produto. Nada consegue categorias de que precisarem.) Um produto central é a
eliminar todos os riscos, mas, claramente, a coisa mais plataforma de engenharia que proporciona a base para
importante a fazer no início do desenvolvimento de um mais melhorias. O produto central é o produto inicial
novo produto é estimular a comunicação entre todos os (padrão) introduzido. Ele muda pouco de ano para ano
colaboradores do processo: marketing com produção, e e é, muitas vezes, a referência com a qual os consumi-
P&D com ambos. Os produtos fracassam por causa da dores comparam o resto da linha de produtos.
falta de planejamento, e este fracassa em decorrência da Os produtos melhorados são desenvolvidos a partir
ausência de informação. do projeto central; são acrescentadas funcionalidades
Desenvolver uma nova geração de produtos é muito distintivas para vários mercados mais exigentes. Os
parecido com fazer uma viagem para um lugar selva- produtos melhorados são os primeiros produtos alavan-
gem. Quem sonharia em sair sem um mapa? Natural- cados a partir dos recursos postos em prática para pro-
mente, você tentaria esclarecer o propósito da viagem e duzir o central e o primeiro voltados para oportunidades
certificar-se de que o equipamento necessário estivesse de mercado novas ou ampliadas. Muitas vezes, as em-
disponível e em ordem. No entanto, uma vez compro- presas conseguem identificá-las como versões melho-
metido com a viagem, você precisa de um mapa do ter- radas; por exemplo, o DisplayWrite 3.1 da IBM é uma
reno, algo que todo mundo possa estudar – o foco da versão melhorada do DisplayWrite 3. No entanto, um
discussão, a base para planejar rotas alternativas. Saber produto alavancado não é necessariamente mais caro:
de onde você veio e onde está é essencial para saber a ideia é simplesmente obter mais de um processo –
como chegar aonde deseja. melhor relação custo-benefício. Como as empresas
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-6     561

FIGURA 2 Primeira geração de aspiradores de pó da Coolidge (1952-1968)

Deluxe

Maybel’s
housekeeper

Royal
Plus
housekeeper

Housekeeper
Canadian

Stratovac Stratovac

1950 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68

alavancam produtos de ponta, elas podem customizá- mapa levanta questões necessárias sobre os canais de
-los em lotes menores para canais específicos ou para distribuição dominantes. Com relação aos produtos que
dar mais opções aos consumidores. O modelo de custo poderiam ser alavancados de forma particular, o mapa
reduzido começa essencialmente com a mesma tecno- traz informações importantes sobre as capacitações tec-
logia e o mesmo projeto do produto central. Todavia, nológica e de produção internas – as quais ainda podem
trata-se de uma versão simplificada, muitas vezes com existir ou deverão ser modificadas. O mapa gera as dis-
materiais mais baratos e custos de fabricação mais bai- cussões certas. Quando os gestores sabem como e por
xos, voltada para um mercado sensível ao preço. (Pen- que alavancaram produtos no passado, sabem melhor
se no velho Chevrolet Byscaine que foi muitas vezes o como alavancar a empresa no presente.
veículo preferido dos taxistas e das frotas de empresa.)
Finalmente, há o produto híbrido, desenvolvido a par- A PRIMEIRA GERAÇÃO
tir de dois produtos essenciais. Os termostatos iniciais de
duas fases – os quais acomodam ajuste de temperatura Como os gestores podem planejar, desenvolver e po-
diurna e noturna – eram híbridos de um termostato tradi- sicionar um conjunto de produtos, ou seja, como eles
cional e das linhas de termostatos de ponta programáveis. criam um mapa dinâmico? Com o mapa genérico em
No mapa genérico, da esquerda para a direita, temos mente, vamos rastrear as ofertas de geração para gera-
o tempo do calendário e, de baixo para cima, temos do ção, como mostra a Figura 2. Imagine uma linha muito
menor para o maior valor agregado ou funcionalidade, simples de aspiradores de pó, a “Stratovac” da Coolidge
o que geralmente significa também uma mudança dos Corporation, lançada, digamos, em 1952. O produto
produtos mais baratos para os mais caros. principal, o Stratovac, era um eletrodoméstico do tipo
Tais distinções – central, híbrido e as demais – são vasilha com um motor de 2,5 hp. Construído princi-
imediatamente úteis porque dão aos gestores uma ma- palmente a partir de metais cortados e estampados, era
neira de pensar sobre seus produtos, mais rigorosa e me- distribuído por lojas de departamentos e de ferragens.
nos informal. No entanto, as várias voltas no mapa do No ano seguinte, ao alcançar até a dona de casa subur-
produto – os vários “pontos de alavancagem” – também bana, a Coolidge trouxe o “Stratovac Plus”, um modelo
servem como indicadores cruciais dos pressupostos da melhorado com três opções de cor, com um motor de 4
gestão anterior sobre os pontos fortes da empresa e as hp e um cabo de alimentação retrátil. Em 1959, a em-
forças de mercado que moldam as evoluções do produto. presa lançou o “Stratovac Deluxe” – um Stratovac Plus
Um mapa que mostra a proliferação dos produ- com um sensor de resistência a vácuo (que cortava a
tos melhorados na direção do mercado de ponta, por energia quando a bolsa estava cheia) e uma haste com
exemplo, diz algo importante sobre as oportunidades uma escova rotativa para panos felpudos ou tapetes de
de mercado que os gestores identificaram após terem lã. Nessa época, o Stratovac básico custava US$ 89; o
introduzido o produto central. A configuração de um Plus, US$ 109, e o Deluxe, US$ 159.
562     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

Para alcançar o mercado industrial a US$ 79, a Coolidge A maior (e não plenamente realizada) competência
decidiu oferecer o “Stratovac Workman”, um modelo técnica da empresa e a estabilidade dos seus principais
plus simplificado – com apenas uma cor e sem cano canais de distribuição são informações cruciais a serem
retrátil. Ele foi introduzido em 1956, e, quando as ven- acrescentadas ao mapa (ver Figura 3). O mapa resume
das do modelo Deluxe dispararam, a Coolidge ofereceu a competência técnica no quadro abaixo das linhas de
à cadeia de lojas de departamento Maybel uma versão produto e as vendas brutas da Coolidge por canal de dis-
customizada desse modelo, o Stratovac “Maybel’s Hou- tribuição no gráfico. O canal de distribuição com cresci-
sekeeper”, que surgiu em 1960, no tom cinza-azulado mento mais rápido na indústria – nesse caso, as lojas de
da Maybel e com haste. O preço era “apenas” US$ 129. departamentos – está sombreado para fins de destaque.
(A Coolidge acabou customizando o “Housekeeper Ca-
nadian” para a cadeia Simpton no Canadá e o “Royal
A SEGUNDA GERAÇÃO
Housekeeper” para a cadeia MidLakes na Inglaterra.)
Mais uma vez, trata-se de uma linha de produtos Com tanto talento técnico interno e uma sociedade cres-
simples, mas mesmo assim o mapa levanta questões in- cendo cada vez mais afluente, não se esperava que a
teressantes, especialmente para os gestores mais jovens Coolidge repousasse indefinidamente sobre o sucesso
que vieram depois. Por que o Stratovac Plus? Por que do Stratovac. As vendas eram estáveis, mas, em meados
uma proliferação de produtos voltados para a parte alta dos anos 1960, os clientes supuseram que haveria algu-
do mercado? mas inovações. A era dos plásticos estava iniciando; a
Na verdade, durante os anos 1950, a maioria das vanguarda do baby boom estava adquirindo apartamen-
empresas comercializava eletrodomésticos por meio tos; tratava-se da era do “novo e melhorado”.
de lojas de departamentos com famílias de produtos vi- Além disso, o pessoal do marketing na Coolidge co-
sivelmente moldadas pelos canais de distribuição. Os meçou a detectar um novo mercado potencial na faixa
produtos ficavam lado a lado nas lojas para serem de- popular. As pessoas que contaram com seus Stratovacs
monstrados por um representante de vendas. A margem por uma década estavam procurando um segundo ele-
de lucro era semelhante para cada produto no chão. trodoméstico mais leve para limpezas rápidas, para a
O que diferenciava os produtos nas famílias de pro- oficina ou garagem. Mais leve e barato significava na-
dutos naquela época era o alcance de um fabricante de turalmente a utilização de mais componentes plásticos.
eletrodomésticos para satisfazer segmentos de clientes No início dos anos 1960, os gestores da Coolidge
mais ou menos óbvios – clientes diferenciados por fato- decidiram sobre duas famílias de produtos, cada uma
res como renda e estado civil. (Nos anos 1950, a maioria
com o seu próprio produto central (ver Figura 4). A
dos compradores de aspiradores de pó eram as mulhe-
equipe de projeto que criou o antigo Stratovac central
res, com mais ou menos dinheiro, tempo e paciência.)
trataria do “Stratovac II”, e os novos contratados da
A maneira como a Coolidge alavancava seus produ-
empresa projetariam uma segunda linha, o “Handivac”
tos também aponta para certas – e não especialmente
todo de plástico e produzido em massa (“de qualquer
exclusivas – capacitações de produção. Durante a dé-
cor, contanto que seja bege”).
cada de 1950, os engenheiros da empresa projetaram
O Stratovac II, lançado em 1968, era mais pesado e
eletrodomésticos para montagem manual de acordo
com as noções tradicionais de economia de escala. No tinha um motor de 4,3 hp, resultando em uma operação
final desse período, a Coolidge desenvolveu um novo um pouco mais barulhenta, “barulho de jato”, algo que
sensor de vácuo utilizado na indústria automobilística e o pessoal do marketing supôs que traria uma imagem de
também aprendeu certas técnicas de produção flexível, força e potência. Metade do gabinete agora era de plásti-
possibilitando cores e opções diferentes. co para obter uma aparência “simplificada”. O Stratovac
Em 1958, a Coolidge solucionou a maioria dos pro- II principal ostentava um novo sistema de bolsa de pó,
blemas técnicos da linha Stratovac e recrutou vários en- que praticamente eliminava a necessidade de lidar com a
genheiros de projeto ambiciosos para integrar o projeto poeira. Um cabo retrátil também era padrão.
do sensor de vácuo e as hastes na linha. O ciclo de vida O Stratovac II “Sentry”, uma versão melhorada do
do produto – incluindo o tempo de desenvolvimento produto central, incluía controles eletrônicos para va-
que remontava a 1949 – era típico dos produtos centrais riar a velocidade e estava disponível em várias cores. O
daquela época: de 10 a 15 anos. A procura pelo Strato- Stratovac II “Imperial”, como o antigo modelo Deluxe,
vac continuou forte durante os anos 1950, e a Coolidge vinha com a haste com escovas de limpeza. As vendas
vendia para lojas de departamentos quase na mesma do Stratovac II Workman continuaram estáveis para
proporção da sua concorrência, exceto para empresas o mercado industrial leve, como ocorreu com a linha
organizadas em torno da tendência porta a porta. Stratovac II Housekeeper em relação às cadeias de lojas
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-6     563

FIGURA 3 Primeira geração dos aspiradores de pó da Coolidge (1952-1968)

Deluxe

Maybel’s
housekeeper

Royal
Plus Lojas de
housekeeper
departamentos* 56%

Housekeeper
Canadian

Stratovac Stratovac
Habilidades críticas
Lojas de
Montagem manual; alguma flexibilidade
ferramentas 26%
• Estampagem e corte do metal

Capacitações crescentes
Industriais 10%
Projeto de componentes eletrônicos
• Moldagem e componentes plásticos Catálogos 8%
*Canal de crescimento mais rápido

1950 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68

de departamentos que ainda vendiam a ampla maioria de produção em massa, que eram parcialmente auto-
das unidades. matizadas, foram consideradas um sucesso depois de
O mais notável a respeito do Stratovac II era o fato de finalmente depuradas.
ele ter mudado pouco, especialmente nos acabamentos Talvez o maior problema com o Handivac tenha sido
finais. A montagem ainda era principalmente manual, ao o fato de, como o Stratovac II, ter sido vendido por meio
longo das linhas dos anos 1950 – nenhuma prioridade de lojas de departamentos e cadeias de lojas de mate-
foi dada à modularidade, ao projeto para fabricação ou riais, onde as margens de lucro eram grandes demais
a qualquer uma das considerações que impulsionariam para permitir-lhe uma vantagem significativa sobre os
os projetistas mais tarde. Houve alguma terceirização produtos centrais mais caros. O Handivac era vendido
de componentes para o México e Taiwan, mas nenhuma por US$ 79, enquanto o consumidor pagava US$ 99
atenção real para a automação. A única mudança impor- pelo Stratovac II. Os gestores do Handivac tentaram
tante no Stratovac II veio em 1973, quando as pressões cortar os custos recorrendo a um fornecedor estrangei-
inflacionárias levaram os gestores a desenvolver um ga- ro para adquirir um motor mais leve e um pouco menos
binete totalmente plástico e componentes críticos tam- poderoso – por cima das objeções veementes dos proje-
bém de plásticos – na verdade, um híbrido desenvolvido tistas do Stratovac II, que dependiam da participação do
pela mistura das tecnologias do aspirador de pó com tec- Handivac em sua fábrica de motores para manter seus
nologia de ponta e o Handivac popular. próprios custos alinhados.
O Handivac, o segundo produto principal, lança- No final das contas, o Handivac introduziu uma
do em 1969, foi uma decepção – principalmente pela versão mais barata, o “Handivac 403”, vendido por
inexperiência da equipe que gerenciou o seu desenvol- US$ 69, importando um motor de 3,0 hp e um cabo em-
vimento. A confiabilidade era um problema, por causa pregado na estrutura de rotação do Japão. O “405”, mais
da dependência quase completa do Handivac em rela- aprimorado, era vendido por US$ 83. Nessa época, os
ção aos componentes plásticos, sujeitos a temperaturas engenheiros do Handivac começaram a interagir com
acima do previsto, provenientes de um antigo e pouco os gestores dos fabricantes japoneses, mas ainda não
atualizado motor de 2,5 hp. O peso também era um pro- havia canais de distribuição em que o produto pudesse
blema: não era tão leve quanto o prometido. As linhas usufruir da oportunidade de “rebaixamento de preço”
564     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4 Primeira e segunda gerações dos aspiradores de pó da Coolidge (1952-1978)

Primeira geração (1952-1968) Segunda geração (1967-1978)

Maybel’s
Imperial
housekeeper
II
Deluxe
Royal
housekeeper
II

Maybel’s
Plus housekeeper Housekeeper
Canadian
II
Royal
housekeeper Sentry

Housekeeper
Stratovac Stratovac Canadian

Stratovac II Stratovac II

Handivac Stratovac
405 II

Handivac Handivac

Lojas de Lojas de
Habilidades críticas departamentos* 56% Habilidades Críticas departamentos 51%
Montagem manual; alguma flexibilidade Montagem manual; alguma flexibilidade;
• Estampagem e corte de metal alguma terceirização • Metalurgia e
plásticos • Projeto de componentes
Capacitações crescentes eletrônicos
Projeto de componentes eletrônicos
• Moldagem e componentes plásticos Capacitações crescentes
Produção modular • Controles
eletrônicos
Habilidades Lojas de
críticas 26% materiais 22%

Industriais 10%
Industriais 10%
Catálogos e lojas
Catálogos 8% de venda por
*Canal de crescimento mais rápido catálogo* 17%

1950 1955 1960 1965 1970 1978

da qual necessitava. O canal mais promissor, embora de oferecer uma quantidade cada vez maior de produ-
dificilmente dominante, eram as crescentes cadeias de tos mais aprimorados e customizados para manter a
vendas por catálogo, que vendiam o Handivac 403 por procura na lucrativa camada superior do mercado. Os
US$ 63, uma redução de 10% no preço das lojas de consumidores pagariam mais, segundo o pessoal de
departamentos. marketing, apenas se a empresa conseguisse produzir
tantas versões que todos os clientes sentissem que es-
A TERCEIRA GERAÇÃO tavam obtendo a cor certa com as opções certas. Além
Durante 1976 e 1977, pressões internas e externas le- do mais, a Coolidge havia ponderado com os clientes
varam a um reprojeto da linha de produto inteira. As do Stratovac II que não tinham gostado do “som de
lojas de departamentos ainda eram uma importante jato”, como os projetistas presumiram. O seu tamanho
fonte de receita, mas os concorrentes estavam proli- também era um problema, assim como o visual pouco
ferando e o grupo do Stratovac II sentiu a necessidade atraente do aspirador.
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-6     565

Dentro da empresa, as duas equipes de projeto da ticas, e o motor do Challenger era mais silencioso. A
Coolidge tornaram-se mais cooperativas, particular- alta gestão concordou com os engenheiros mais jovens
mente à medida que as vantagens do plástico moldado que uma fábrica de motores mais avançada podia ser
tornaram-se óbvias para todos. O Stratovac II híbrido, construída nos Estados Unidos. As equipes de projeto
que havia sido reprojetado em plástico sempre que pos- não se fundiram, mas trabalhavam de maneira mais pró-
sível, era uma espécie de vitória para os jovens pro- xima entre si e com a produção.
jetistas do Handivac sobre o grupo mais tradicional. O grupo de projeto tradicional veio simultaneamen-
Flexibilidade e custo eram fundamentais para satisfazer te com a série “Pioneer 4000”. Era um produto de mé-
muitos mercados, e os plásticos atenderam a ambas as dio alcance, um tanto menor que o Challenger 6000 e
necessidades. No final das contas, os projetistas mais que não oferecia uma haste. O pessoal do marketing
tradicionais também passaram a ver a vantagem de re- percebeu que as lojas de departamentos gostariam de
correr ao Japão em busca de um motor mais confiável, um modelo mais barato para concorrer com os produtos
mais leve e menor – e de uma série de subconjuntos “econômicos” que estavam proliferando e eram vendi-
críticos para o objetivo da empresa de oferecer leques dos pelas cadeias de lojas de descontos. (O 4001, 4002 e
de opções. 4003 eram diferenciados, mais uma vez, pelos controles
Simultaneamente em meados dos anos 1970, os eletrônicos.) A série Pioneer 4000 derivou em grande
projetistas do Handivac estavam pressionando por uma parte do Challenger 6000 como uma versão mais barata.
fusão completa das equipes de engenharia de projeto e Como ambas as séries ofereciam modelos despojados,
para estudar as técnicas de produção japonesas. Segun- a Coolidge não introduziu um produto industrial especí-
do eles, se a flexibilidade, o custo e a qualidade fossem fico e eliminou o Workman. Os executivos da Coolidge
cruciais, o pessoal da produção teria que se envolver também acreditavam que não valia mais a pena perso-
mais no projeto do produto. A nova geração de projetis- nalizar modelos para determinadas lojas de departa-
tas também acreditava que a Coolidge poderia produzir mentos, onde as margens estavam encolhendo, então
internamente seus motores – nos níveis de qualidade eliminaram a linha Housekeeper.
exigidos – se fossem adotadas certas inovações em Um ano após o lançamento do Challenger 6000,
máquinas-ferramentas, na automação do processo de a equipe do Handivac apresentou sua nova série de
bobinamento, e se fosse instituído o controle estatístico produtos, a “Helpmate”. Com poucas modificações, a
dos processos em sua fábrica de motores existente. Helpmate foi personalizada como “Helpmate SE”, vol-
Entretanto, o grupo de projeto mais jovem ainda ca- tada para segmentos de mercado populares diferentes
recia de credibilidade no resultado final. A alta gestão – universitários, moradores de apartamentos, pessoas
estava relutante em abrir mão de uma estratégia de duas do tipo “faça-você-mesmo” e mercado industrial. O as-
vias quando o grupo do Handivac não conseguiu entre- pirador era leve. Os acessórios variavam, assim como
gar um eletrodoméstico que fizesse tanto quanto a linha o projeto gráfico: a empresa esperava uma cor cinza
Housekeeper. A quantidade de vendas por catálogo es- espartana e uma mangueira mais longa para atrair os
tava crescendo e novas cadeias de eletrodomésticos a clientes comerciais, e cores pastel brilhantes e escovas
preços de desconto foram surgindo nas grandes cidades, de tamanhos diferentes para atrair as universitárias.
mas o Handivac enfrentava uma concorrência intensa. A chave para a linha Helpmate, no entanto, era a
Os jovens projetistas poderiam criar novos produtos sua fabricação. O motor não era mais terceirizado, e os
com características suficientes e a preços baixos para projetistas trabalharam com os engenheiros de produ-
enfrentar essa concorrência? ção em componentes modulares e subconjuntos. A alta
No fim, a gestão da Coolidge decidiu desenvolver gestão concordou em reservar espaço de produção nas
duas famílias de produtos principais em sua terceira instalações de montagem para a construção celular da
geração (ver Figura 4). A equipe do Stratovac II repro- Helpmate, de modo que a empresa pudesse responder
jetou o aspirador top de linha em seis modelos, a sé- rapidamente à procura por determinados modelos. A
rie “Challenger 6000”. Todos os aparelhos dessa série Helpmate chegou ao mercado com um preço equiva-
vinham com uma haste e um novo sistema de coleta lente a dois terços do cobrado pela Pioneer 4000.
de resíduos. Por etapas – 6001, 6002 e em escala as- Ainda havia algum debate entre os membros da
cendente –, os consumidores podiam comprar controles equipe de desenvolvimento de produto da Helpmate a
eletrônicos cada vez mais sofisticados e encomendar o respeito dos canais mais prováveis. Alguns a viam pro-
6004 e o 6005 em um leque de cores. jetada apenas para as lojas de descontos e vendas por
A série 6000 foi construída quase inteiramente de catálogo, que em 1978 tinham praticamente ofuscado
plástico moldado. A produção elaborou uma maneira as lojas de materiais. Outros viam a Helpmate como um
automatizada de aplicar selante quente em junções crí- produto popular para lojas de departamentos também.
566     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

No final, a Helpmate foi um sucesso nas lojas de des- os projetos individuais, proporciona um contexto
contos e desapareceu das lojas de departamentos. para relacionar os projetos que concorrem entre si
e indica como a sequência dos projetos aproveita os
A PRÓXIMA GERAÇÃO? investimentos anteriores da empresa. Esses benefí-
cios fazem muito para minimizar a probabilidade de
Imagine que os gestores da Coolidge estão reunidos encontrar duas das armadilhas que identificamos no
em 1985 para considerar o futuro da empresa. O mapa início deste artigo: o alvo móvel e a falta de diferen-
de três gerações simplificou uma grande parte das in- ciação do produto.
formações – informações que os gestores poderiam Um segundo benefício importante é a motivação
compreender intuitivamente, mas que não podiam ter que o mapa propicia aos vários grupos funcionais
olhado tão claramente antes. Para onde eles podem ir – todos com uma participação no desenvolvimento
a partir daqui? eficaz dos produtos – para que possam desenvolver
Olhando para o mapa deles, está claro que as ofer- suas próprias estratégias complementares. Confor-
tas de produtos da Coolidge não correspondem ade- me ilustrado no exemplo da Coolidge Corporation,
quadamente ao novo ambiente. Eles voltaram a maio- o mapa de desenvolvimento de produtos levanta uma
ria dos seus produtos para as lojas de departamentos, série de questões relativas aos canais de distribuição,
e agora as redes de desconto estão crescendo em um à tecnologia de produto e às abordagens de produção
ritmo impressionante. Dedicaram atenção demais para que devem ser respondidas em todas as partes da em-
descobrir como alavancar produtos na parte superior presa, caso o mapa represente a direção consensual
do mercado, quando a grande batalha estava moldan- da organização.
do-se na parte inferior. Agora, os gestores da Coolidge Nesse ponto, são necessários “submapas” em cada
querem saber quanto tempo passará até que as opções área funcional. No caso da Coolidge, as primeiras gera-
de potência e os acessórios apareçam nas linhas de ções de produtos podem não ter mostrado a necessidade
importação mais baratas e resistentes distribuídas nos de um mapa mais cuidadoso dos canais de distribuição,
mercados de alto volume. mas, na terceira geração, a necessidade é bastante clara.
Obviamente, as capacitações de produção da empre- Capturar outras variáveis estratégicas de marketing em,
sa tornam-se mais importantes neste momento. O mapa digamos, um mapa de preços, de posicionamento com-
indica a reciprocidade de crescimento entre os enge- petitivo do produto e dos clientes permitiria ao marketing
nheiros de projeto e produção, por causa, em grande identificar e apresentar tendências importantes no mer-
parte, das iniciativas do grupo de projeto mais jovem. cado, definir alvos para futuras ofertas de produtos e
Não seria difícil imaginar nesse ponto uma fusão de proporcionar orientação para desenvolver e comprome-
todos os grupos de engenharia e o uso de equipes de ter recursos de vendas e marketing.
desenvolvimento dedicadas e temporárias. Os ciclos de Igualmente evidente na terceira geração é a neces-
vida de produto obviamente vêm encolhendo; os pro- sidade de apoiar os mapas na engenharia de projeto.
jetistas agora precisam pensar rápido e cooperar entre Um conjunto de submapas de engenharia de projeto
as linhas funcionais. Para produzir uma nova linha de pode produzir um sentido mais claro do mix de talen-
produtos baratos que sejam tanto confiáveis quanto va- tos de engenharia de qual a empresa necessita, como
riados em suas opções, a Coolidge precisará de sistemas ele deve ser organizado e focado e o ritmo no qual
de produção automatizados e flexíveis. Esse desenvol- a empresa deve trazer novas tecnologias nas futuras
vimento significa reunir todas as partes da empresa gerações de produtos. Esses mapas não apenas permi-
– projetistas com o marketing, produção com ambos. tiriam que os gestores alocassem melhor os recursos
Significa, curiosamente, uma necessidade de mapas de de projeto aos esforços de desenvolvimento de produ-
desenvolvimento de novos produtos ainda mais claros tos, mas também garantiriam que fossem contratados
e mais completos. e treinados novos funcionários de maneira oportuna e
O mapa de desenvolvimento do produto exibido eficaz, de modo que estes pudessem utilizar as novas
na Figura 5 pode parecer elementar, mas os gestores ferramentas de apoio ao projeto (como a engenharia
que mapearam a evolução dos seus produtos obtive- assistida por computador) nas necessidades prementes
ram um retorno substancial em diversas áreas. Pri- de desenvolvimento de produtos. A chave é a obtenção
meiro, o mapa pode ser extremamente útil para os de um acordo técnico anterior ao desenvolvimento do
esforços de desenvolvimento de produtos, pois ele produto.
ajuda a focar os projetos de desenvolvimento e li- Mais para o fim da terceira geração na Coolidge, o
mita seu escopo, tornando-os mais gerenciáveis. O mapa revela a necessidade de mapas funcionais de pro-
mapa ajuda a estabelecer especificações e metas para dução mais detalhados para trazer as questões levantadas
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-6     567

FIGURA 5 O aspirador de pó da Coolidge

Primeira geração (1952-1968) Segunda geração (1967-1978) Terceira geração (1977-1985)


• Família do produto evoluiu para os • Família do produto estendeu • Família do produto proliferou para
segmentos de lojas de departamentos para os canais de desconto todos os segmentos e canais
• Ciclo do produto: de 10 a 15 anos • Ciclo do produto: 8 a 10 anos • Ciclo do produto: 5 anos, com
• Marketing agressivo • Controle financeiro agressivo tendência a diminuir
• Produção agressiva

Maybel’s Challenger
Deluxe Imperial 6005
housekeeper
II
Challenger
Maybel’s 6004
Royal
housekeeper
housekeeper
Plus II Challenger
Royal 6003
housekeeper
Housekeeper
Canadian Challenger
Housekeeper II 6002
Canadian
Stratovac Stratovac Sentry
Challenger
6001

Challenger
6000
series
Strato- Strato-
vac II vac II

Handi- Strato-
vac 405 vac II

Handi- Handi-
vac vac

Helpmate
SE

Helpmate

Lojas de Lojas de Lojas de


Habilidades críticas departamento* 56% Habilidades críticas departamentos Habilidades críticas departamentos
Montagem manual; alguma Montagem manual; alguma 51% Alta produtividade manual 48%
flexibilidade • Estampagem flexibilidade; alguma e montagem automatizada;
e corte do metal terceirização manufatura celular
• Metalurgia e plásticos • Terceirização • Plásticos
Capacitações crescentes • Projeto de componentes • Controles eletrônicos
Projeto de componentes eletrônicos Lojas e
eletrônicos • Moldagem e Capacidades de crescimento redes de
componentes plásticos Lojas de Capacitações crescentes Lojas de Design e montagem assistidos materiais 15%
materiais 26% Produção modular materiais 22% por computador • Integração
• Controles eletrônicos de design e engenharia de Industriais 12%
Industriais 10% manufatura
Catálogo e
Industriais 10% • Qualidade: conformidade
Catálogo e lojas de vendas
Catálogos 8% lojas de vendas com especificações cada por catálogo*
por catálogo* vez mais rígidas 25%
*Canal de crescimento mais rápido 17%

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985

no quadro “habilidades críticas”. Tais mapas focariam Os submapas capturam a essência das estratégias
as questões estratégicas relacionadas às instalações de funcionais e, quando integrados ao mapa de desenvol-
produção, as relações com fornecedores e a tecnologia vimento de novos produtos, servem para amarrar as es-
de automação. tratégias funcionais e fornecer uma base e um processo
Mais uma vez, o desenvolvimento de tais submapas para realizar a estratégia de negócios da empresa. O
funcionais não só beneficia a produção, mas também processo inteiro facilita a discussão interfuncional e a
ajuda a empresa a maximizar o retorno sobre os recur- resolução das questões estratégicas. Quantas vezes os
sos de desenvolvimento de novos produtos. Os benefí- gestores funcionais bem intencionados reúnem-se para
cios mais interessantes e úteis virão dos debates sobre o discutir suas várias subestratégias e os participantes
que colocar nos submapas. oriundos de outras funções simplesmente se desligam
568     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

nos primeiros dois minutos, pois a discussão torna-se para citar alguns – refletem capacitações que permi-
técnica demais, detalhada demais ou simplesmente es- tem que empresa se mova rapidamente e de maneira
treita demais para ser compreendida? eficiente para desenvolver produtos atraentes e proces-
O mapeamento proporciona um processo para o pla- sos de fabricação. O poder de tais capacitações reside
nejamento que evita o excesso de detalhes (como o or- na alavancagem competitiva que elas proporcionam.
çamento) e qualquer tipo de limitação (como as sessões Uma empresa que desenvolve produtos de alta quali-
tradicionais de estratégia funcional). Os gestores desen- dade pode seguir rapidamente várias oportunidades
volverão inevitavelmente ligações por toda a organiza- competitivas. Ela pode começar um projeto de desen-
ção ao passarem pelas etapas de selecionar recursos ou volvimento de novo produto no mesmo momento que
fatores para desenvolver no mapa, identificar as dimen- seus concorrentes, mas pode introduzir o produto no
sões-chave para capturar no mapa, rever dados histó- mercado muito antes. Por outro lado, ela pode atrasar
ricos para compreender as relações dessas dimensões o começo de um novo projeto de desenvolvimento a
e examinar o que tem chance de impulsionar futuras fim de adquirir informações melhores sobre desenvol-
versões do mapa. As funções podem compartilhar seus vimentos do mercado, necessidades do cliente ou tecno-
mapas para se comunicarem, refinarem e concordarem logias críticas, lançando o seu produto ao mesmo tempo
com as escolhas importantes de estratégia de produtos. que seus concorrentes, mas trazendo para o mercado
E o compartilhamento das capacitações funcionais – um produto muitos mais adequado às necessidades de
capacitações aplicadas de uma maneira sistemática no seus clientes. Além do mais, pode utilizar seus recursos
desenvolvimento de produtos – se tornará a vantagem para desenvolver outros produtos que satisfaçam mais
competitiva da empresa. estreitamente as necessidades de nichos de clientes es-
pecíficos. Seja qual for o cliente-alvo, a velocidade para
ARTIGO 4-7
o mercado e a amplitude de produtos que uma empresa
pretenda seguir, suas vantagens nas aptidões fundamen-
tais lhe conferirão uma vantagem competitiva.
Acelerar o ciclo de projeto-construção- A vantagem de tais aptidões tem sido amplamente
-teste para o desenvolvimento efetivo reconhecida na indústria automobilística mundial. No
de novos produtos* final dos anos 1980, as principais empresas de automó-
vel japonesas (sobretudo a Toyota e a Honda) estavam
Steven C. Wheelwright e Kim B. Clark
desenvolvendo carros novos (ou “plataformas”) em
Talvez nenhum tema tenha recebido tanta atenção dos 36 meses e substituindo as gerações de produtos exis-
gestores nos últimos anos quanto o desenvolvimento tentes a cada quatro anos. As empresas de automóveis
efetivo de novos produtos. O desenvolvimento de no- europeias e americanas levavam aproximadamente 60
vos produtos de maneira rápida, de alta qualidade e no meses para desenvolver projetos similares, gastavam
caminho certo é central para a concorrência nas indús- consideravelmente mais recursos e substituíam as ge-
trias que variam dos bens de consumo embalados aos rações de produtos existentes a cada oito anos ou mais.1
produtos eletrônicos, de eletrodomésticos a produtos Esse desenvolvimento rápido conferiu às principais
farmacêuticos e de automóveis ao aço: as empresas empresas japonesas vantagens importantes na previsão
que definem e proveem recursos e executam de manei- das preferências do cliente e na oferta de projetos mais
ra coerente os projetos de desenvolvimento dos novos novos (em média), retornos mais rápidos e produtos
produtos com mais eficácia e eficiência que seus con- mais inovadores com tecnologias mais novas. O poder
correntes são recompensadas por uma vantagem estra- evidente do desenvolvimento levou a Chrysler, Ford e
tégica importante. General Motors, bem como muitas empresas europeias,
A velocidade está no cerne da vantagem, mas deve a lançar grandes esforços para remodelar sua aborda-
ser uma velocidade oriunda de capacitação duradoura. gem ao desenvolvimento de produtos.
Na realidade, os temas que caracterizam os projetos de A vantagem competitiva resulta, em grande parte, da
desenvolvimento excepcionais – clareza de objetivos, maneira como o trabalho é feito durante o processo de
foco no tempo para o mercado, integração por dentro e desenvolvimento. Especialmente importante é a forma
por fora, protótipos de alta qualidade e forte liderança, como a engenharia (tanto de projetos quanto de proces-
sos de produção) e o marketing combinam os detalhes
*
Fonte: Adaptado de Steven C. Wheelwright and Kim B. Clark,
Revolutionizing Product Development (New York: Free Press, 1992).
Reimpresso com a permissão da International Marketing Review 11 Ver Kim B. Clark and Takahiro Fujimoto, Product Development
1

(1994), pp. 32-46. Performance (Boston: HBS Press, 1991).


SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-7     569

técnicos – dimensões específicas, parâmetros de peças, profunda do processo de resolução de problemas em


materiais e componentes – de maneira coerente que sa- nível de trabalho. Os gestores precisam compreender o
tisfaça prontamente as expectativas do cliente, mesmo processo não só porque as mudanças costumam propor-
quando estas são difíceis de identificar. cionar uma alavancagem significante para melhorar o
A magia de um novo produto vencedor ou de um desenvolvimento, mas também porque essa compreen-
processo superior está nos detalhes. Compreender como são pode ser um guia importante na tomada de decisões
indivíduos, grupos de trabalho e organizações efetuam de investimento sobre processos e aptidões. Além disso,
a resolução de problemas na engenharia de produtos e a compreensão profunda pode ser útil, pois os gestores
processos, atendimento ao público e fabricação é funda- tomam decisões sobre projetos específicos. Com uma
mental para o desenvolvimento acelerado de novos pro- estrutura para pensar sobre a resolução detalhada dos
dutos. Nesse contexto, um “problema” ocorre quando problemas e uma compreensão dos métodos e sistemas
os desenvolvedores encontram uma lacuna entre o pro- modernos, os gestores estarão em uma posição muito
jeto atual (ou plano, processo ou protótipo) e as exigên- melhor para avaliar o potencial e o progresso de produ-
cias do cliente. Por exemplo, no desenvolvimento de tos ou processos específicos em desenvolvimento. Afi-
um instrumento de diagnóstico médico, a testagem de nal, tal compreensão pode capacitar um gestor a avaliar
protótipos e a interação com os clientes podem revelar e reforçar as aptidões de desenvolvimento existentes
que os profissionais de enfermagem e os tecnologistas para que o desenvolvimento de produtos acelerado pos-
sofrem com um brilho no monitor que lhes dificulta a sa tornar-se uma fonte de vantagem competitiva.
leitura do aparelho. A experiência dos clientes sinaliza Na próxima seção, examinamos em detalhes o ci-
a existência de um problema, mas não o define preci- clo de projeto-construção-teste que, na maioria dos
samente. O brilho pode ser o resultado de um ângulo produtos manufaturados, é o elemento fundamental da
inadequado do monitor, de materiais inadequados, da resolução eficaz e eficiente de problemas. Incluímos
ausência de controle no processo de fabricação ou de uma descrição dos modos alternativos de resolução
qualquer outra causa subjacente. Embora possa haver de problemas e suas implicações nas habilidades e ca-
um membro da equipe responsável pelo monitor, so- pacitações organizacionais. Em seguida, examinamos
lucionar o brilho excessivo envolverá, provavelmente, como as capacitações superiores na condução do ciclo
questões que irão além do estrito domínio funcional. de projeto-construção-teste podem ser utilizadas para
Desse modo, o problema passa por várias disciplinas e, fazer melhorias radicais nos esforços individuais de
talvez, até mesmo funções. desenvolvimento de produto. A utilização de taxas de
A maneira como a equipe de desenvolvimento toma aprendizagem organizacional mais velozes está no cen-
atitudes para preencher tal lacuna – a forma de enqua- tro dessas melhorias.
drar e definir o problema, gerar alternativas, organizar Depois de examinarmos como a eficiência de um
e realizar tarefas e implementar soluções – determina projeto de desenvolvimento beneficia-se dessa capaci-
a velocidade, eficiência e eficácia da resolução do pro- tação básica de resolução de problemas, considerare-
blema. Onde tais problemas são críticos para o desem- mos, na seção final, como uma empresa pode transfor-
penho global do sistema, dirigem o tempo de execução mar essa capacidade em uma vantagem competitiva em
do programa, envolvem recursos significativos ou têm uma série de projetos. No decorrer do artigo, utilizamos
influência decisiva sobre a percepção de um cliente a vários exemplos da nossa pesquisa para ilustrar concei-
respeito do produto ou processo como um todo, a efe- tos e ideias fundamentais. Embora cada situação seja
tiva resolução em nível local detalhado pode ter uma única, nossa esperança é mostrar como os gestores, em
influência poderosa sobre o desempenho global do pro- uma ampla gama de cenários de desenvolvimento, po-
cesso de desenvolvimento. A resolução efetiva dos pro- dem desenvolver e aplicar padrões eficazes de resolu-
blemas em nível de trabalho não é uma condição sufi- ção de problemas.
ciente para o sucesso global, mas, na nossa experiência,
é uma parte fundamental e necessária de um processo
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO
de desenvolvimento excepcional.
DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS
Uma compreensão da resolução efetiva dos pro-
blemas no desenvolvimento é essencial para todos os Solucionar problemas durante o desenvolvimento é um
envolvidos nas equipes de desenvolvimento e particu- processo de aprendizagem. Não importa o quanto um
larmente crucial para os gestores. Nossa pesquisa e ex- engenheiro, profissional de marketing ou fabricante
periência nos levaram a concluir que o papel do gestor é possa saber a respeito de um determinado problema,
construir aptidão e criar processos efetivos na organiza- sempre haverá aspectos de um novo sistema que devem
ção. Desempenhar esse papel exige uma compreensão ser compreendidos antes que possa ser desenvolvido
570     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

um projeto efetivo. Exceto para o caso de problemas estação de trabalho de projeto assistido por computa-
mais simples de serem resolvidos, os desenvolvedores dor (CAD), usando o computador para exibir gráfica
raramente apresentam um projeto completo em uma e visual­mente as características das engrenagens. Em
única iteração. Em vez disso, os desenvolvedores pas- alguns casos, pode ser útil levar a fase de construção um
sam por várias iterações, aprendendo um pouco mais passo adiante, criando alternativas com materiais mais
sobre o problema e as soluções alternativas a cada vez, fáceis de se trabalhar, como plástico ou metais macios.
antes de convergirem para um projeto e especificações Enquanto a simulação por computador pode fornecer
detalhadas finais. informações suficientes para chegar a soluções eficazes,
o teste e desenvolvimento nos estágios posteriores po-
O ciclo de projeto-construção-teste dem exigir a construção de protótipos físicos com mate-
Cada iteração ou ciclo de resolução de problemas con- riais e processos de produção razoavelmente próximos
siste nas três fases ilustradas na Figura 1. Na fase de dos que são utilizados em um processo comercial.
projeto, um desenvolvedor enquadra o problema e esta- Na terceira fase, ou fase de teste, do ciclo de reso-
belece metas para o processo de resolução. O enquadra- lução de problemas, os modelos de trabalho, protótipos
mento do problema é crucial, já que as aparentes lacunas ou imagens geradas por computador são testados. De-
no desempenho que observamos são causadas frequen- pendendo das finalidades do ciclo de resolução de pro-
temente por condições subjacentes que são difíceis de blemas, os testes podem focar uma dimensão particular
observar e caracterizar. Um problema de ruído no me- ou envolver a avaliação do sistema em larga escala. No
canismo de rebobinagem de uma câmera de 35 mm, por caso do ruído da engrenagem, por exemplo, um regi-
exemplo, pode ser causado pelo tipo de material, pela me de testes iniciais pode examinar o nível de decibéis
largura da engrenagem ou por vários outros parâmetros gerado pelos projetos alternativos. Esse teste pode ser
de projeto, incluindo a precisão do processo de fabri- conduzido em um laboratório de testes e os resultados
cação. A estrutura colocada em um problema depende podem ser utilizados para gerar uma compreensão da
de como os objetivos são definidos. No caso do ruído, conexão entre diferentes parâmetros de projeto e o nível
por exemplo, pode ser evidente devido ao feedback do
de ruído global. Posteriormente, os projetos podem ser
cliente de que o projeto antigo tinha características de
implementados com partes do protótipo e testados com
ruído indesejáveis. Portanto, um objetivo do novo sis-
clientes potenciais.
tema poderia ser a redução do ruído abaixo de algum
Embora conduzir os testes pareça relativamente
limiar. Uma compreensão mais profunda do problema,
simples, na prática, obter boas informações da fase de
porém, pode sugerir que os clientes gostam de ouvir o
testes requer uma previsão cuidadosa e uma execução
sistema de rebobinamento funcionando. Desse modo, o
hábil de um plano de teste. Em um ambiente labora-
objetivo pode não ser simplesmente reduzir o volume
torial, os engenheiros de testes preocupam-se com as-
abaixo de algum limiar, mas, sim, criar o tipo certo de
som que seja distinto, mas suave e não abrasivo. pectos como rigor, precisão e capacidade de calibrar
Após o desenvolvedor enquadrar o problema, a pró- as medições. Além disso, os testes estão sujeitos à va-
xima etapa na fase de projeto é gerar alternativas. Com riação aleatória provocada por flutuações no ambiente
base na compreensão do desenvolvedor sobre a relação que não foram contabilizadas ou controladas. Para lidar
entre os parâmetros do projeto e os atributos do cliente, com tal aleatoriedade decorrente de vibração, tempera-
vários projetos de modelos físicos podem ser conve- tura, umidade e até mesmo de campos magnéticos, os
nientes. A finalidade dos projetos alternativos pode ser engenheiros costumam repetir os testes para identificar
explorar a relação entre os parâmetros do projeto e de- a quantidade de ruído no processo de teste. Entretan-
terminados atributos do cliente. Se o ciclo de projeto em to, mesmo quando os engenheiros têm procedimentos
particular que está sob discussão chegar a um estágio bem concebidos para lidar com a variação aleatória e
posterior de desenvolvimento, a finalidade dos projetos estabeleceram instrumentos e processos para garantir a
alternativos pode ser refinar um conceito estabelecido. medição rigorosa e precisa, ainda há possibilidade de
Na segunda fase, ou fase de construção, do ciclo de possíveis problemas com a fidelidade. A fidelidade diz
resolução de problemas, são construídos modelos das respeito à capacidade do teste executado refletir o caso
alternativas de projeto que permitem o teste. Dependen- de interesse real. Com relação às engrenagens no siste-
do do que um desenvolvedor estiver tentando apren- ma de rebobinamento de filme, por exemplo, um teste
der, os modelos podem assumir várias formas. Em um de laboratório dos níveis de decibéis refletirá a maneira
estágio inicial do desenvolvimento da engrenagem de como os clientes perceberão o ruído ao utilizarem a câ-
uma câmera 35 mm, por exemplo, um desenvolvedor mera? Os clientes envolvidos nos testes de campo são
pode implementar alternativas eletronicamente em uma representativos dos clientes que estão tentando alcan-
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-7     571

FIGURA 1 O ciclo projeto-construção-teste na resolução de problemas do desenvolvimento de produtos

Fases da resolução do problema


Projeto Construção Teste

Estabelecer metas Gerar Construir modelos Executar experimentos


alternativas ou protótipos ou simulações

Lacuna A1 Alternativa 1
Cumprir
as metas
Estrutura Avaliar os
Alvos A2 Alternativa 2 Solução
do problema resultados

Projeto A3 Alternativa 3 Ficar aquém


atual das metas

Repetir o ciclo

çar? As condições de teste são efetivamente representa- pessoas, informações, objetivos e aptidões interagem
tivas do modo como a câmera será utilizada? em um sistema complexo.
Um único ciclo de projeto-construção-teste gera
ideias e informações sobre a conexão entre parâmetros Métodos de comunicação na resolução
de projeto específicos e atributos do cliente. Essa in- de problemas
formação torna-se a base de um novo ciclo de projeto- No centro de tais métodos e, na realidade, subjacente a
-construção-teste, e o processo continua até os desen- qualquer ciclo de projeto-construção-teste, está o grau
volvedores chegarem a uma solução – um projeto – que em que a resolução de problemas está realmente inte-
satisfaça as necessidades. Desse modo, a efetividade grada. Isso se mostra mais nítido nas relações entre os
da resolução do problema no desenvolvimento depen- indivíduos ou os grupos de engenharia, em que o resul-
de não só da velocidade, produtividade e qualidade de tado do ciclo de resolução de problemas de uma pessoa
cada etapa no ciclo, mas também da quantidade de ci- é o insumo para o ciclo de outra. Considere, por exem-
clos necessários para chegar a uma solução. A quan- plo, a relação entre um grupo de projeto responsável por
tidade de ciclos depende diretamente do grau em que projetar uma peça plástica e um grupo de engenharia
as atividades em cada uma das etapas de resolução do de processos responsável por projetar o molde que será
problema estão ligadas e integradas. utilizado para produzi-la. O grupo upstream – no caso
os projetistas da peça – soluciona o problema de projeto
O desafio da efetiva resolução de problema, portan-
estabelecendo as dimensões físicas da peça, como ela
to, é executar os elementos individuais do ciclo (e os
estabelecerá interface com outras peças do sistema, suas
ciclos individuais) rapidamente (e bem) e ligar os ciclos
características superficiais e o material que será usado
individuais para que as soluções sejam coerentes. Como
em sua construção. Todas essas soluções – dimensões,
a pressão por maior desempenho no tempo de execução,
tolerâncias, interfaces, características superficiais e ma-
no custo e na qualidade vem aumentando, as empresas
teriais – tornam-se insumos para o problema de projeto
adotaram vários métodos para melhorar a execução e da organização downstream – nesse caso, o projeto dos
a ligação dos ciclos de resolução de problemas. À pri- moldes a serem empregados na produção da peça. O
meira vista, muitos desses métodos parecem ser pouco problema do projetista do molde é criar um molde (ou
mais do que o senso comum aplicado – planeje seu tra- conjunto de moldes, particularmente se a peça tiver que
balho, pense antes de agir, considere as consequências ser produzida em quantidade) que dará à peça sua for-
e faça certo logo na primeira vez. Enquanto o senso ma e as características superficiais, mas que também
comum é demasiadamente raro, há métodos estrutura- será suficientemente durável, com custo compensador
dos – como a implementação da função de qualidade e operacional para que a peça possa ser fabricada em
(QFD – quality function deployment), o projeto da ma- quantidade (possa suportar o uso repetido sem quebrar
nufaturabilidade (DFM – design for manufacturability) ou aderir) de maneira confiável e a um custo baixo. O
e a engenharia assistida por computador (CAE – com- modo como esses dois grupos de engenharia trabalham
puter-aided engineering) – do que uma aplicação direta juntos determina o grau de integração no projeto e de-
do que todo mundo já conhece. A dificuldade está em senvolvimento da peça e seu molde associado, além
encontrar um método e uma lógica que funcionem onde de impactar diretamente a eficácia do ciclo conjunto de
572     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 2 Quatro modos de interação upstream-downstream

Modo 1: Serial/lote Modo 2: “Início precoce no escuro”

Upstream Upstream

Comunicação Comunicação
em lote Downstream em lote Downstream

Modo 3: Envolvimento precoce Modo 4: Resolução de problemas integrada

Upstream Upstream

Comunicação Comunicação
intensa Downstream intensa

Downstream

Conhecimento a respeito do projeto Comunicação esparsa


Fase da atividade de engenharia
Comunicação rica
Comunicação anterior à engenharia

projeto-construção-teste para alcançar os objetivos de em que o grupo downstream depara com um prazo fi-
desenvolvimento. nal que ele sente que não pode cumprir sem um início
As escolhas que as empresas fazem a respeito das precoce no projeto. Contudo, o grupo upstream comu-
comunicações entre os grupos upstream e downstream nica-se apenas ao final do seu trabalho, então o gru-
e sobre como ligar o trabalho atual no tempo moldam a po downstream tem realmente que começar no escuro.
natureza da integração interfuncional. A questão funda- Quando chega o projeto upstream completo, o grupo
mental é o grau em que o trabalho é feito em paralelo. downstream pode ser surpreendido pelo projeto e passar
A Figura 2 reúne os padrões de comunicação com abor- por um período de confusão à medida que tenta ajustar
dagens diferentes da atividade em paralelo para criar o seu trabalho. Enquanto o resultado líquido pode ser
quatro modelos de interação upstream-downstream. alguma redução no tempo de execução global, o grau
O primeiro painel retrata o modo de interação serial/ de surpresa e confusão muitas vezes pode ser suficiente
lote, que é um relacionamento clássico no qual o grupo para tornar o processo mais demorado do que o proces-
downstream espera para começar o seu trabalho até que so no primeiro modo. Apesar de os grupos downstream
o grupo upstream tenha terminado completamente o seu e upstream trabalharem em paralelo e, nesse sentido,
projeto. O projeto concluído é transmitido para o grupo serem “concorrentes”, na realidade eles operam sem
downstream em uma única rodada de transmissão de in- informações, e os ciclos de resolução de problemas nas
formações. Esse estilo de comunicação de uma via em duas organizações não são ligados.
“lote” pode não transmitir todas as nuanças importantes O terceiro modo – envolvimento precoce – come-
e o contexto para o projeto final, nem necessariamente ça a se mover rumo à integração real. Nesse modo,
compreender os pontos fortes e as oportunidades confe- os participantes upstream e downstream envolvem-se
ridos pelo grupo downstream. Nesse sentido, a resolu- em uma comunicação de duas vias com informações
ção do problema que reside atrás do projeto do produto preliminares, incompletas, embora o grupo upstream
e que produzirá o projeto do molde não está integrada. ainda esteja envolvido no projeto da peça bem antes
O segundo modo – o início precoce no escuro – liga de o grupo downstream começar o seu trabalho. Desse
os grupos upstream e downstream no tempo, mas con- modo, enquanto o grupo downstream desenvolve uma
tinua a empregar um estilo de comunicação em lote. visão sobre o projeto emergente e participa por meio
Esse modo de interação costuma ocorrer em situações de feedback e interação, ele espera que esta fase seja
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-7     573

concluída antes de iniciar a resolução de problemas em precisa e intensa; e a relação entre os grupos upstream
seu próprio domínio. O grupo downstream beneficia-se e downstream deve suportar e reforçar o intercâmbio
do envolvimento precoce de duas maneiras. Primeiro, o precoce e frequente de limites, ideias e objetivos. Além
projeto da peça reflete uma compreensão muito melhor disso, como a resolução de problemas por meio das
das questões que confrontam os engenheiros de proces- fronteiras funcionais tradicionais ocorre em tempo real,
so do que ocorria nos modos anteriores. Segundo, os a capacidade para agir com rapidez e eficácia é funda-
próprios projetistas do molde têm uma noção melhor mental. Desse modo, a integração efetiva baseia-se em
dos problemas e objetivos incorporados no projeto. O um conjunto específico de capacitações, atitudes e rela-
efeito líquido é que eles são capazes de concluir o tra- cionamentos que a gestão tem que melhorar e construir
balho com menos atrasos e mudanças no downstream. ao longo do tempo.
Nesse sentido, a resolução de problemas nos grupos
downstream e upstream é muito mais integrada. UTILIZAR CAPACITAÇÕES SUPERIORES
O último modo – resolução de problemas integrada DE PROJETO-CONSTRUÇÃO-TESTE PARA
– liga os grupos upstream e downstream no tempo e no ALCANÇAR O DESENVOLVIMENTO RÁPIDO
padrão de comunicação. Nesse modo, os engenheiros DE NOVOS PRODUTOS
downstream não apenas participam do diálogo em cur-
Durante o andamento de um projeto de desenvolvimen-
so com suas contrapartes upstream, mas também usam
to de produto, os ciclos principais de projeto-constru-
essas informações e ideias para começar rapidamente
ção-teste envolvem a criação de protótipos ou o teste do
o seu próprio trabalho. Isso muda o conteúdo do traba-
processo de produção em uma fábrica-piloto. Executar
lho downstream nas fases iniciais do projeto upstream e protótipos ou ciclos de produção-piloto pode ter um im-
também pode mudar fundamentalmente o conteúdo da pacto decisivo no esforço de desenvolvimento global.
comunicação entre os dois grupos. Considerando que Considere, por exemplo, os dados de prototipagem reu-
no terceiro modo o conteúdo do feedback dos engenhei- nidos de três empresas na grande indústria de eletrodo-
ros downstream tinha que se basear na prática do pas- mésticos, durante meados dos anos 1980. Esses dados
sado, no conhecimento teórico e no julgamento da en- e os ciclos de projeto-construção-teste estão resumidos
genharia, esse feedback, sob a resolução de problemas na Figura 3.
integrada, também refletirá a prática real na tentativa de As diferenças no tempo de execução entre essas
implementar o projeto upstream. empresas são impressionantes. Um grande esforço de
A comunicação rica, bilateral e intensa é um ele- desenvolvimento de novo produto varia de 12 a 22 me-
mento importante, até mesmo essencial, da resolução ses e de 14 a 20 meses nas empresas A e B, respectiva-
integrada de problemas. Onde a resolução de problemas mente, enquanto, na C, leva 36 meses. Olhar para onde
entre os grupos upstream e downstream estiver intima- o tempo total é gasto revela um padrão muito diferente
mente conectada, a prática de “jogar o projeto por cima para as duas empresas mais velozes do que para a em-
do muro” – inerente ao primeiro modo – não suportará presa C. A origem dessa diferença reflete-se no número
a adaptação mútua do projeto de produto ou processo. e duração dos ciclos de projeto-construção-teste neces-
Para a captura das nuanças e dos detalhes importantes sários em cada empresa.
para a resolução conjunta de problemas, alguns pro- Nas empresas A e B, um grande esforço de desen-
cedimentos são necessários: discussão “cara a cara”, volvimento requer três ciclos primários de prototipa-
observação direta, interação com os protótipos físicos gem. Cada ciclo envolve projetar, construir protótipos e
e representações com base em computador. Além do depois testar e avaliar essas unidades. O ciclo inicial das
mais, esse padrão de comunicação íntimo e rico tem que empresas A e B consiste em pegar o conceito do produ-
ocorrer de maneira oportuna para que medidas possam to, preparar desenhos do modelo, construir e testar uma
ser tomadas de modo a evitar falhas no downstream. unidade protótipo com base nos desenhos iniciais e de-
A resolução integrada de problemas durante o ciclo pois revisar o projeto para completar os desenhos finais.
projeto-construção-teste baseia-se na reação precoce Embora haja indubitavelmente alguns pequenos subci-
do grupo downstream, no diálogo denso e rico entre os clos, a alocação de tempo sugere que eles deverão ser
participantes upstream e downstream, e em um estilo de relativamente pequenos se o primeiro ciclo levar de 7 a
resolução de problemas que seja mais amplo e abran- 14 meses. Posteriormente, essas duas empresas fazem
gente do que se experimenta no foco funcional mais um segundo ciclo que leva de 3 a 6 meses e envolve a
estreito, inerente ao primeiro modo. Na realidade, a in- preparação do ferramental para a fábrica, a produção de
tegração eficaz exige muito da organização. O projeto modelos a partir do ferramental, a montagem de uni-
de engenharia deve relacionar os ciclos de resolução de dades a partir de peças do modelo (como parte de uma
problemas no tempo; a comunicação precisa ser rica, operação de produção pré-piloto) e o teste completo das
574     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 3 Ciclo de protótipo e tempos envolvidos em projetos (em meses): principais aplicações
Ciclos de projeto- Ciclos de projeto-
-construção-teste -construção-teste
(prototipagem) Empresa Empresa Empresa (prototipagem)
Evento/atividade das empresas A e B A B C da empresa C

Delimitação do âmbito de pré-viabilidade 1-3 2-6 3


Desenho de viabilidade, modelo 1-2 1-2 1 Ciclo (1)
Construir modelo 1-2 1 1
Testar modelo 2-5 2 3
Ciclo (1)

Desenhos de geometria de projeto projeto 2


Construir geometria de projeto congelado 2 Ciclo (2)
Testar geometria de projeto 3
Completar desenhos para edição 2 2 1

Construir modelos de avaliação 2 Ciclo (3)


Testar os modelos de avaliação (liberação do desenho)
Liberação de ferramenta 2
Tempo de ferramental Ciclo (2) 2-4 2-3 6 Ciclo (4)
Inspecionar modelos 2
Preparar e executar uma operação pré-piloto 1
Teste do produto 1 1 2
Preparar e executar uma operação piloto Ciclo (3) 1 Ciclo (5)
Preparar para produção 2-3 1 3
 Desenvolvimento total 12-22 14-20 36
 Tempo de ciclo do projeto meses meses meses

unidades resultantes. Enfim, essas empresas envolvem- para o projeto do produto e seu processo de fabricação.
-se em um terceiro ciclo de 1 a 3 meses – a operação Enfim, a empresa C envolve-se em um quinto ciclo de
de produção-piloto – em que as revisões do segundo prototipagem e testes – produção-piloto – análogo ao
ciclo são incorporadas no produto final e nos projetos terceiro ciclo adotado nas empresas A e B. No entanto,
de processo, e o sistema inteiro é testado construindo-se a empresa C precisa de 4 meses, em vez de 1 a 3 meses
unidades de produção-piloto. Os clientes avaliam essas necessários nas empresas A e B.
unidades, são feitas as revisões finais e aprovam-se os É elucidativo contrastar as diferenças substanciais
planos para a produção em quantidade do novo produto. entre as empresas A e B e a empresa C. Uma diferença é
Depois, vêm o lançamento do mercado e a aceleração que as durações de atividade e ciclo nas duas primeiras
da produção. empresas geralmente são previstas para variar de proje-
Em flagrante contraste, a empresa C envolve-se em to para projeto, enquanto a empresa C prevê que a du-
cinco ciclos de projeto-construção-teste distintos. O ração planejada de cada ciclo será a mesma em todos os
primeiro ciclo, planejado para levar 10 meses, é análo- projetos. Uma diferença ainda mais nítida é a sequên­cia
go ao primeiro ciclo das empresas A e B, mas termina de cinco ciclos de projeto-construção-teste da empresa
sem a conclusão de uma unidade de protótipo totalmen- C. As empresas A e B comprimiram o tempo do concei-
te funcional. Um segundo ciclo de 6 meses é necessário to até a pré-produção, enquanto a C subdividiu as eta-
para refinar a geometria do projeto, as tolerâncias e o pas do projeto para diminuir a complexidade e o “nível
relacionamento físico dos componentes. Os resultados de concorrência”. Sua intenção foi reduzir o que elas
desses dois ciclos são combinados em um terceiro ciclo, percebem como os riscos de falhas dispendiosas. No
que leva 5 meses e constrói um punhado de modelos entanto, a empresa C, como as empresas A e B, diria
finais de engenharia que podem ser testados e avalia- que é muita pressão para reduzir o seu tempo de ciclo de
dos. O resultado desse terceiro ciclo é um conjunto de desenvolvimento do produto. Então, por que ela utiliza
revisões finais para os desenhos de engenharia. cinco ciclos em vez de três?
O quarto ciclo da empresa C é análogo ao segundo A explicação para a quantidade e a duração dos ci-
ciclo das empresas A e B, mas exige 11 meses versus os clos na empresa C reside na rapidez com que sua orga-
3 a 6 exigidos pelas outras duas empresas. Seu objetivo nização resolve os problemas, aprende e converge para
nas três empresas é obter e testar o ferramental, além de um projeto final. Por causa da má comunicação, do
planejar e executar um ciclo de produção pré-piloto. Os foco técnico estreito e de um processo excessivamente
protótipos construídos durante o ciclo de produção pré- segmentado, a empresa C precisa de cinco ciclos para
-piloto são testados completamente, com revisões finais chegar a um projeto final que possa ser produzido em
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-7     575

escala. Além do mais, em razão da forma como a em- COMO TRANSFORMAR A CAPACITAÇÃO DE
presa C lida com a sequência de atividades individuais e DESENVOLVIMENTO RÁPIDO DO PRODUTO
da maneira como estrutura e gere o projeto, ela também EM VANTAGEM COMPETITIVA
precisa de mais tempo para completar cada ciclo. Se a Executar rapidamente o ciclo de projeto-construção-
gestão cortasse arbitrariamente o tempo ou eliminasse -teste pode permitir que uma empresa encurte o seu
um ou dois ciclos, muitos problemas ficariam sem so- prazo de execução de um determinado projeto, mas a
lução, levando a problemas graves na produção e no vantagem competitiva deriva da capacidade de executar
campo. o desenvolvimento rápido de maneira consistente em
Conceitualmente, qualquer projeto de desenvolvi- uma série de projetos ao longo do tempo. Com essa ca-
mento pode ser considerado (e usualmente é, ao menos pacitação, a empresa pode chegar ao mercado com mais
de forma implícita) uma sequência de ciclos de projeto- efetividade, e também mudar de fato as regras do jogo.
-construção-teste. Dentro de cada ciclo, o protótipo ser- A interação entre duas empresas de produtos eletrôni-
ve como um ponto focal para a resolução de problemas, cos – empresas que chamaremos de Northern e Sou-
testes, comunicação e resolução de conflitos. Além do thern – ilustra como essa vantagem competitiva poderia
mais, ele força a especificidade no projeto, fornece tomar forma e influenciar a natureza da concorrência ao
feedback sobre as escolhas feitas até o momento e real- longo de repetidas gerações de atividade de desenvolvi-
ça os problemas não resolvidos que restaram. Ao criar mento do produto.
uma personificação física do estado atual do projeto, os As empresas Northern e Southern competiam de
engenheiros são capazes de estudar as questões críticas igual para igual no mercado de som estéreo compacto.
de funcionalidade, o marketing pode testar e explorar as Até 1985, ambas as empresas seguiam os ciclos padrão
necessidades e reações dos clientes, e a produção pode da indústria no desenvolvimento de novos produtos,
determinar a viabilidade e as opções que tem para pro- nas precificações e nos custos de produção. Com um
duzir o produto em quantidade. ciclo de desenvolvimento do produto de 18 a 20 me-
Entretanto, apesar do potencial e da alavancagem ses, elas introduziam novas gerações de produtos a cada
substanciais da prototipagem, a empresa C trata-a como dois anos. Entre as grandes mudanças de geração nos
um problema técnico e tático. Mesmo após rever os da- produtos, havia atualizações frequentes dos modelos e
dos na Figura 3, a gestão na empresa C não concebeu quedas de preço, pois o custo dos componentes-chave e
a prototipagem como uma ferramenta de gestão. Os da produção caia com o aumento do volume. Dessa for-
gestores não compreenderam a natureza do processo e ma, até meados dos anos 1980, a Southern e a Northern
o seu papel potencial de tornar o trabalho de desenvol- tinham preços e custos que acompanhavam de perto os
vimento mais eficaz. O mesmo parece ocorrer nas in- preços e custos uma da outra, e ambas espelhavam a
dústrias em que o desenvolvimento de novos produtos média da indústria (ver Figura 4A).
é a base da concorrência, e a velocidade do desenvol- No início dos anos 1980, estimulada pelos esforços
vimento e o desempenho do produto resultante são o do seu novo vice-presidente de engenharia, a Southern
foco da estratégia declarada da empresa. Por exemplo, embarcou em um esforço orquestrado para reduzir o
no segmento de estações de trabalho de engenharia da tempo de execução do desenvolvimento de produtos.
indústria de computadores, em que empresas como a Sem comprometer a qualidade, a organização inteira
Sun Microsystems, DEC, Hewlett-Packard e IBM con- começou a desenvolver as habilidades e características
correm por um mercado grande e crescente, estudos re- associadas com os ciclos rápidos de projeto-constru-
centes revelam diferenças no número e duração desses ção-teste. A liderança mais forte, a integração interfun-
ciclos ainda maiores do que nos principais eletrodomés- cional mais eficaz, a maior atenção às questões de ma-
ticos – de 3 ciclos com durações de 100 dias cada até nufaturabilidade e projeto, a prototipagem mais eficaz
11 ciclos com durações de 200 dias cada.2 Além disso, e o processo de desenvolvimento remodelado levaram
as formas como os ciclos de prototipagem são geridos e gradualmente a uma diminuição do tempo de execução
ligados ao esforço de desenvolvimento do produto em do desenvolvimento de 18 para 12 meses.
si são tão numerosas quanto a quantidade de empresas Como sugere a Figura 4B, a Southern começou a
na indústria. fazer uso competitivo da sua nova capacitação de de-
senvolvimento no início de 1986. Nesse ponto, ela rom-
peu com a tradição da indústria e introduziu a próxima
geração do produto estéreo cerca de seis meses antes do
2
Para obter informações adicionais sobre prototipagem na indústria de previsto. Com um sistema mais avançado e um desem-
estações de trabalho, ver David Ellison and Steven C. Wheelwright, penho superior, a Southern foi capaz de ditar as regras
“The Prototyping of PCBs in Engineering Workstation Development
Projects”, Harvard Business School pesquisa, 1991.
de preço no mercado. Embora a Northern a tenha seguido
576     PARTE 4 – ESTABELECIMENTO DA ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA

FIGURA 4A Padrões da concorrência no mercado de som FIGURA 4B Concorrência em capacitações de


estéreo compacto desenvolvimento rápido no mercado de estéreo compacto
US$ 600 Introduções de geração de produtos: US$ 300
Empresa de eletrônicos Northern Southern introduz
550 Preço Empresa de eletrônicos Southern Preço o ciclo de 18 meses

500 Southern introduz


o ciclo de 12 meses
Geração padrão de 2 anos 225
450

400 Custo do produto

Preço/custo
A12
Preço/custo

350 Custo do produto manufaturado


Northern move-se
manufaturado 150 para acelerar A13
300 o desenvolvimento A14
Northern perde o
250 controle dos custos

200 75
150 Introduções de geração de produtos:
Empresa de eletrônicos Northern
100 Empresa de eletrônicos Southern
50 0
1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1984 1986 1988 1990 1992

Ano Ano

seis meses mais tarde em um ciclo padrão, a geração de ação era acelerar o desenvolvimento do sistema de
seguinte de estéreo não foi capaz de obter sua parti- próxima geração, o A13. Então, os gestores embarcaram
cipação de mercado tradicional. Em decorrência disso, em um esforço drástico de desenvolvimento para levar o
o volume da Northern aumentou mais lentamente do A13 para o mercado no início de 1990. Ao mesmo tem-
que o previsto e sua posição de custo começou a erodir po, a Northern começou o desenvolvimento do A14 que
ligeiramente em relação à Southern. visava à temporada de vendas do Natal de 1990. O A14
A Southern Electronics introduziu sua próxima gera- era para voltar para o jogo na esfera competitiva – uma
ção do produto 18 meses mais tarde, no outono de 1987. estratégia para “preencher a lacuna”.
Mais uma vez, o produto obteve melhor preço no mer- Embora a intenção estratégica da Northern fosse al-
cado. No entanto, a Southern não explorou totalmente a cançar a Southern com o desenvolvimento acelerado dos
sua oportunidade de vantagem em preço. Em vez disso, produtos, a realidade era muito diferente. A Northern co-
ela baixou ainda mais os preços para aumentar mais sua locou o A13 no mercado no início de 1990, mas o proces-
participação de mercado. Nesse ponto, não só a Northern so de desenvolvimento era tão agitado e a aceleração na
estava atrás nas características do produto e na tecnolo- produção tão crítica que a empresa perdeu a eficácia no
gia, mas também a postura de preços agressiva da Sou- controle sobre seus custos. O produto foi para o mercado,
thern pressionou ainda mais o volume de vendas e as mas era muito mais caro e menos eficaz do que a empresa
margens da Northern. Apesar de a Northern ter reagido havia planejado. Por causa dos problemas, os escassos
com descontos nos preços, aumentado a propaganda e as recursos de desenvolvimento que seriam movidos para
promoções para os lojistas, ela não foi capaz de conter a o A14 no início dos anos 1990 foram concentrados na
erosão da sua histórica posição de mercado. O resultado correção de problemas e na depuração do projeto do A13.
foi uma disparidade ainda maior nas posições de custo da Para piorar as coisas, a Southern continuou a seguir o
Northern e da Southern Electronics. seu ciclo de lançamento de 12 meses e bateu a Northern
No final de 1988, a Northern introduziu a sua pró- no mercado com a próxima geração do seu produto. O
xima geração do sistema estéreo, o A12. Desenvolvido resultado para a Northern foi mais erosão nas margens e
sob o lema “Beat Southern”, os executivos da Northern na posição de mercado.
sentiram que o A12 seria o produto para reconquistar sua Sem fazer mudanças fundamentais no seu processo
antiga posição competitiva no mercado. Para sua surpre- de desenvolvimento, as quais a gestão da Northern não
sa, no entanto, o lançamento do A12 no início de 1989 foi considerava necessárias e nem da alçada das pessoas
atingido pelo lançamento da próxima geração de sistema que trabalhavam no A14, a tentativa da empresa de
estéreo da Southern, que tinha passado para um ciclo de avançar com o A14 para a temporada de Natal de 1990
lançamento de produto de 12 meses no final de 1988. foi um fracasso. O produto A14 tinha tantos problemas
Nesse ponto, a Northern estava uma geração tecnológica no campo e era tão caro para ser produzido que a linha
completa atrás da Southern em suas ofertas de mercado. de produtos tornou-se um dreno financeiro sério para a
A gestão da Northern determinou que o único caminho empresa.
SEÇÃO 2 – CONSTRUIR COMPETÊNCIAS/CAPACITAÇÕES POR MEIO DO desenvolvimento... | Artigo 4-7     577

A chave do sucesso da Southern no mercado de es- Empresas como a Honda nos automóveis, Applied
téreo compacto era a sua capacidade consistente para Materials no equipamento de produção de semicondu-
levar excelentes produtos ao mercado antes dos seus tores, ACS na angioplastia, Sony nos produtos de áudio,
concorrentes. Essa capacidade tinha raízes nas mudan- Matsushita nos VCRs, Philips nos monitores de compu-
ças fundamentais que a gestão havia feito no seu pro- tador, Hill-Rom nos leitos hospitalares e Quantum nas
cesso de desenvolvimento. Essas mudanças incluíam unidades de disco fizeram da sua capacidade para tra-
obter uma ampla base organizacional e a adesão indivi- zer excepcionais produtos para o mercado com rapidez
dual aos principais objetivos do projeto desde o início uma característica central da sua estratégia competitiva.
e capacitar e incentivar as equipes de desenvolvimento Uma vez alcançada e posteriormente mantida confor-
de modo que pudessem modificar o processo. Ensinar à me a organização cresce, uma vantagem construída em
organização as habilidades e atitudes necessárias para a torno da capacitação de ciclo rápido fundamentada em
resolução de problemas integrada e depois reconfigurar habilidades superiores de projeto-construção-teste pa-
os ciclos de projeto-construção-teste para utilizar ple- rece ser forte e duradoura.
namente essa recém-descoberta habilidade de resolução Talvez o efeito mais poderoso de tal capacitação seja
de problemas foi fundamental para a melhoria da capa- o seu peso na mudança da natureza da concorrência.
citação de desenvolvimento da Southern. Além disso, a Ao aumentar a produtividade do desenvolvimento e
empresa aproveitou essa capacitação para uma estraté- encurtar o tempo entre as gerações dos produtos, uma
gia de marketing e preços voltada para os pontos fracos empresa como a Southern reforçou a sua própria posi-
da Northern. Na verdade, a Southern mudou a natureza ção e deixou claras as fraquezas da abordagem da sua
da concorrência na indústria; a Northern foi forçada a rival ao desenvolvimento de novos produtos. Embora a
jogar um jogo para o qual estava mal-adaptada – um
Northern possa ter enfrentado dificuldades na concorrên-
jogo que ela jamais compreendeu totalmente até estar
cia ao tentar o desenvolvimento acelerado no contexto
anos atrás em termos de capacitação.
dos seus sistemas tradicionais, ela criou confusão inter-
A capacidade da Southern Electronics para trazer
na, comprometeu seus recursos e diminuiu a eficiência
um produto competitivo para o mercado mais rapida-
da sua organização de desenvolvimento. Além disso, os
mente do que as principais rivais criou três fontes po-
gestores de produto, antes entusiasmados, capazes e tra-
tenciais de vantagem:
balhadores, ficaram frustrados e desapontados.
• Qualidade do projeto – ofertas de produtos mais oportu- Foi isso que aconteceu na indústria automobilística
nas no caminho certo. e que está acontecendo em muitas outras indústrias. É o
• Desempenho – uso mais rápido das tecnologias emergentes. que torna a aceleração dos ciclos de projeto-construção-
• Participação de mercado e margens – mais flexibilidade -teste por meio da mudança fundamental no processo
no estabelecimento de preços e de metas compartilhadas.
de resolução de problemas uma grande vantagem es-
Observamos essas vantagens em uma série de concor- tratégica e uma matéria de extrema preocupação para
rentes de ciclo rápido, em uma ampla gama de indústrias. a alta gestão.
5
CONCLUSÃO:
DESAFIOS DA
INOVAÇÃO
NAS EMPRESAS
ESTABELECIDAS

PARTE

C
omeçamos este livro abordando a seguinte questão:
“Como os gestores devem integrar a tecnologia e a
inovação na estratégia de sua empresa?”. Na estru-
tura de uma perspectiva teórica evolutiva, a Parte 2
forneceu conhecimentos sobre o conteúdo e a implantação de
uma estratégia tecnológica abrangente e integrada. Nas Partes
3 e 4, examinamos como a estratégia tecnológica é implantada
na prática. Terminamos o livro recapitulando alguns dos temas
mais importantes em termos de desafios fundamentais da ino-
vação enfrentados pela alta direção das empresas estabelecidas.
Por todo este livro, postulamos que os desafios da inovação
enfrentados pelas empresas estabelecidas existem em vários ní-
veis. Um desafio implica aproveitar ao máximo as oportunidades
existentes de uma empresa, que são relativamente poucas e de-
saparecerão se não forem aproveitadas. O material sobre como
usar o desenvolvimento de produtos para aumentar e renovar a
capacitação de uma empresa fornece ferramentas úteis para aju-
dar o gestor a enfrentar esse desafio, mas isso não é o bastante. As
oportunidades existentes acabarão se esgotando e o sucesso de
hoje não é garantia do sucesso de amanhã. Desse modo, um se-
gundo desafio envolve gerar oportunidades inteiramente novas,
conforme foi discutido no material sobre pesquisa corporativa e
empreendedorismo corporativo.
580     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Um terceiro desafio envolve equilibrar a carteira de Poucos executivos visionários – Ray Stata da Analog
oportunidades existentes e de novas oportunidades ao Devices, Gordon Forward da Chaparral Steel e Paul
longo do tempo. Essa tarefa é particularmente difícil Allaire da Xerox – reconheceram a ligação entre a
por duas razões: os recursos em qualquer momento são aprendizagem e a melhoria contínua e começaram a
limitados e as oportunidades de inovação novas e exis- reposicionar o foco das suas empresas em torno dessa
tentes exigem que abordagens de gestão conflitantes ligação. Os estudiosos também embarcaram na onda,
sejam exercidas simultaneamente. Como observado na batendo o tambor pelas “organizações que aprendem”
Parte 3, a maioria das empresas fica mais confortável e pelas “empresas criadoras de conhecimento”. Em ne-
quando persegue esses desafios em sequência. Porém, gócios rapidamente mutáveis como os semicondutores
há exceções notáveis: há décadas, a 3M tem reinven- e os produtos eletrônicos de consumo, essas ideias estão
tado-se a partir de dentro; a Intel Corporation deixou rapidamente se propagando. Contudo, apesar dos sinais
de ser uma empresa de memórias e tornou-se uma de animadores, tal questão permanece, em grande parte,
microprocessadores, e agora está se transformando em obscura, confusa e difícil de penetrar.
uma empresa de “plataformas”; e a Hewlett-Packard
Company evoluiu duas vezes – de uma empresa de ins- SIGNIFICADO, GESTÃO E MENSURAÇÃO
trumentação médica para uma de computadores e, mais
recentemente, para a maior empresa de impressoras a Os estudiosos do assunto são parcialmente responsá-
laser e jato de tinta do mundo. veis por esse problema, já que suas teorias sobre as or-
ganizações que aprendem têm sido sempre reverentes e
utópicas, carregadas de terminologias quase místicas.
ARTIGO 5-1 O paraíso está na próxima esquina – e eles têm argu-
mentos para convencê-lo disso. Peter Senge, que popu-
Como construir uma organização larizou as organizações que aprendem em seu livro The
que aprende* Fifth Discipline, descreveu-as como lugares
[...] onde as pessoas expandem continuamente a sua capaci-
David A. Garvin dade para criar os resultados que realmente desejam, onde
novos e expansivos padrões de pensamento são nutridos,
Os programas de melhoria contínua estão surgindo por onde a aspiração coletiva é posta em liberdade e onde as pes-
toda parte à medida que as organizações lutam para me- soas aprendem continuamente como aprender juntas.1
lhorar a si mesmas e ganhar vantagens competitivas. A Para atingir esses fins, Senge sugeriu o uso de cinco
lista de tópicos é longa e variada, e, às vezes, parece “tecnologias componentes”: pensamento de sistemas,
que um programa por mês é suficiente. Infelizmente, domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilha-
os programas fracassados ultrapassam em muito os da e aprendizagem em equipe. Em um espírito similar,
programas bem-sucedidos, e as taxas de melhoria per- Ikujiro Nonaka caracterizou as empresas criadoras de co-
manecem lamentavelmente baixas. Por quê? Porque a nhecimento como lugares onde “inventar o conhecimen-
maioria das empresas não conseguiu compreender uma to novo não é uma atividade especializada […] é uma
questão básica: a melhoria contínua requer um compro- forma de se comportar, na realidade, uma maneira de
metimento com a aprendizagem. ser na qual todos são trabalhadores do conhecimento”.2
Como uma organização pode melhorar sem primei- Nonaka sugeriu que as empresas usam metáforas e re-
ro aprender alguma coisa nova? Para solucionar um dundância organizacional para focar o pensamento, in-
problema, lançar um produto e fazer a reengenharia de centivar o diálogo e transformar as ideias tácitas com­
um processo é imprescindível ver o mundo sob uma preendidas instintivamente em ideias explícitas.
nova luz e agir em conformidade. Na ausência da apren- Parece idílico? Absolutamente. Desejável? Sem dú-
dizagem, as empresas – e os indivíduos – simplesmen- vida. Mas isso proporciona uma estrutura para a ação?
te repetem as velhas práticas. As mudanças continuam Dificilmente. As recomendações são muito abstratas e
apenas na aparência e as melhorias são fortuitas ou têm muitas questões ainda permanecem sem resposta. Como
vida curta. os gestores saberão quando suas empresas tornaram-se
organizações que aprendem? Quais mudanças de com-
portamento concretas são necessárias? Que políticas e

*
Fonte: Copyright © 1993 by The President and Fellows of Harvard Peter M. Senge, The Fifth Discipline (New York: Doubleday, 1990), p. 1.
1

College. Todos os direitos reservados. Reimpresso com a permissão da Ikujiro Nonaka, “The Knowledge-Creating Company”, Harvard Business
2

Harvard Business Review, July-August 1993, pp. 78-91. Review, November-December 1991, p. 97.
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     581

programas devem ser implementados? Como passar de


FIGURA 1 Definições de aprendizagem
um ponto a outro?
organizacional
A maioria das discussões sobre organizações que
aprendem não considera essas questões. Seu foco está Os estudiosos propuseram uma série de definições da
no campo da filosofia e nos grandes temas, nas metáfo- organização que aprende. A seguir, apresentamos uma
pequena amostra:
ras de grande efeito, e não nos mínimos detalhes da prá-
tica. Três questões críticas são deixadas sem solução, Aprendizagem organizacional significa o processo
de melhoria das ações por meio de melhores conheci-
ainda que cada uma seja essencial para a implementa- mento e compreensão. (C. Marlene Fiol and Marjorie A.
ção efetiva. Em primeiro lugar, está a questão do sig- Lyles. “Organizational Learning”, Academy of Management
nificado. Precisamos de uma definição plausível e bem Review, October 1985.)
fundamentada das organizações que aprendem; deve Uma entidade aprende se, por meio do seu processa-
ser acionável e fácil de aplicar. Segundo, há a questão mento das informações, a gama dos seus comportamentos
da gestão. Precisamos de diretrizes claras para a prática, potencias for modificada. (George P. Huber, “Organizational
Learning: The Contributing Processes and the Literatures”,
com recomendações operacionais em vez de altas aspi- Organizational Science, February 1991.)
rações. E, em terceiro lugar, há a questão da mensura-
As organizações são vistas como organizações que
ção. Precisamos de ferramentas melhores para avaliar aprendem pela codificação de inferências da história em
o ritmo e o nível de aprendizagem de uma organização rotinas que guiam o comportamento. (Barbara Levitt and
para garantir que os ganhos, de fato, ocorram. James G. March, “Organizational Learning”, American
Depois de abordarem essas três questões, os gestores Review of Sociology, v.14, 1988.)
terão uma base mais firme para compreenderem as or- Aprendizagem organizacional é o processo de detectar
e corrigir erros. (Chris Argyris, "Double Loop Learning in
ganizações que aprendem. Sem esse alicerce, o progres-
Organnizations”, Harvard Business Review, September-
so é improvável e pela mais simples das razões. Para October 1977.)
que a aprendizagem torne-se um objetivo corporativo A aprendizagem organizacional ocorre por meio de
significativo, primeiro ela precisa ser compreendida. visões, conhecimento e modelos mentais compartilhados
[…] [e] baseia-se no conhecimento e na experiência pre-
gressos – isto é, na memória. (Ray Stata, “Organizational
O QUE É UMA ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE? Learning – The Key to Management Innovation”, Sloan
Management Review, Spring 1989.)
Surpreendentemente, uma definição clara de aprendiza-
gem mostrou-se evasiva ao longo dos anos. Os teó­ricos
organizacionais estudaram a aprendizagem por um lon- Essa definição começa como uma verdade simples:
go tempo; as citações da Figura 1 sugerem que ainda
as novas ideias são essenciais para que ocorra a apren-
há uma discordância considerável. A maioria dos es-
dizagem. Algumas vezes, elas são recriadas por meio
tudiosos enxerga a aprendizagem organizacional como
de lampejos de percepção ou criatividade; outras ve-
um processo que se desenvolve ao longo do tempo e
zes, vêm de fora da organização ou são comunicadas
vincula-o à aquisição de conhecimento e ao melhor
por conhecedores de dentro da empresa. Seja qual for
desempenho. Mas eles divergem sobre outros assuntos
a sua origem, essas ideias são o gatilho para a melho-
importantes.
ria organizacional. Entretanto, elas não podem por si
Alguns, por exemplo, acreditam que a mudança com-
portamental é necessária para a aprendizagem; outros in- só criar uma organização que aprende. Sem mudanças
sistem que novas maneiras de pensamento são o suficien- associadas na maneira como o trabalho é realizado,
te. Alguns citam o processamento das informações como existe apenas o potencial para a melhoria.
o mecanismo por meio do qual a aprendizagem acontece; Esse é um teste surpreendentemente rigoroso pelo
outros propõem o compartilhamento de conhecimentos, qual excluem-se vários candidatos óbvios a organiza-
rotinas organizacionais e até mesmo a memória. E, por ções que aprendem. Muitas universidades não conse-
fim, alguns consideram que a aprendizagem organizacio- guem qualificar-se, assim como muitas empresas de
nal é comum, enquanto outros acreditam que as interpre- consultoria. Mesmo a General Motors, apesar dos seus
tações falhas e individualistas são a norma. recentes esforços para melhorar o desempenho, deixa
Como podemos discernir entre essa cacofonia de a desejar. Todas essas organizações têm sido eficazes
vozes e ainda desenvolver as primeiras ideias? Como em criar ou adquirir novo conhecimento, mas notavel-
um primeiro passo, considere a definição seguinte: mente menos bem-sucedidas em aplicar esse conheci-
Uma organização que aprende é uma organização qualifica-
mento em suas próprias atividades. A gestão da quali-
da para criar, adquirir e transferir conhecimento e capaz de dade total, por exemplo, agora é ensinada em muitas
modificar seu comportamento a fim de refletir novos conhe- escolas de negócios, ainda que o número das que a
cimentos e ideias. utilizam para guiar a sua própria tomada de decisão
582     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

seja muito pequeno. Os consultores organizacionais • Utilizar ferramentas estatísticas simples (histogramas,
aconselham os clientes sobre a dinâmica social e o gráficos de Pareto, correlações, diagramas de causa e
comportamento de pequenos grupos, mas são notórios efeito) para organizar os dados e extrair inferências.
por suas próprias lutas internas e facciosismo. A GM, A maioria dos programas de treinamento foca prin-
com poucas exceções, a Saturn e a Nummi (New Uni- cipalmente as técnicas de resolução de problemas,
ted Motor Manufacturing Inc.) têm tido pouco sucesso utilizando exercícios e exemplos práticos. Essas ferra-
na atualização de suas práticas de produção, embora mentas são relativamente diretas e facilmente transmi-
seus gestores sejam especialistas em produção enxuta, tidas; a mentalidade necessária, porém, é mais difícil
produção JIT e nos requisitos para a melhoria da qua- de estabelecer. A fidelidade e a precisão são essenciais
lidade da vida no trabalho. para a aprendizagem. Portanto, os funcionários devem
Por sua vez, as organizações que passam no teste tornar-se mais disciplinados no seu pensamento e mais
da definição – a Honda, Corning e General Electric atentos aos detalhes. Eles precisam perguntar continua­
vêm rapidamente à mente – tornaram-se adeptas da mente “Como sabemos que isso é verdade?”. Devem ir
tradução do novo conhecimento em novas maneiras além dos sintomas óbvios para avaliar as causas sub-
de comportar-se. Essas empresas gerenciam ativa- jacentes, muitas vezes colhendo evidências quando a
mente o processo de aprendizagem para garantir que consenso diz que isso é desnecessário. Caso contrário,
ele ocorra por concepção e não por acaso. As políti- a organização continuará prisioneira dos “fatos intuiti-
cas e práticas diferenciadoras são responsáveis por vos” e do raciocínio desleixado, e a aprendizagem será
seu sucesso, pois formam a base das organizações sufocada.
que aprendem. A Xerox dominou essa abordagem em escala em-
presarial. Em 1983, os altos gestores lançaram a inicia-
BASE tiva “Liderança por Meio das Iniciativas de Qualidade”.
Desde então, todos os funcionários têm sido treinados
As organizações que aprendem são qualificadas em em atividades de pequenos grupos e técnicas de reso-
cinco atividades principais: resolução sistemática dos lução de problemas. Hoje, um processo de seis etapas
problemas, experimentação com novas abordagens, é utilizado em praticamente todas as decisões (ver Fi-
aprendizagem com a sua própria experiência e história gura 2). Os funcionários têm ferramentas à disposição
pregressa, aprendizagem com as experiências e prá- em quatro áreas: gerar ideias e colher de informações
ticas recomendadas de outras organizações e transfe- (brainstorming, entrevistas e levantamentos), atingir
rência rápida e eficiente do conhecimento por toda a um consenso (redução de lista, formas de classificação,
organização. Cada uma delas é acompanhada por uma votação ponderada), analisar e exibir dados (diagramas
mentalidade, conjunto de ferramentas e padrão com- de causa e efeito, análise de campo de força) e planejar
portamental diferente. Muitas empresas praticam es- ações (fluxogramas, diagramas de Gantt). Depois eles
sas atividades em algum grau. No entanto, poucas são colocam em prática essas ferramentas durante as ses-
consistentemente bem-sucedidas porque dependem, em sões de treinamento que duram vários dias. O treina-
grande medida, do acaso e de exemplos isolados. Ao mento é apresentado em “grupos familiares”, membros
criarem sistemas e processos que apoiem essas ativida- do mesmo departamento ou equipe da unidade de negó-
des e integrem-nas no tecido das operações diárias, as cios, e as ferramentas são aplicadas a problemas reais
empresas conseguem gerir sua aprendizagem com mais que o grupo enfrenta. O resultado desse processo tem
efitividade. sido um vocabulário comum e uma abordagem de reso-
lução de problemas coerente para toda a empresa. Uma
1. Resolução sistemática de problemas vez treinados, espera-se que os funcionários utilizem
Essa primeira atividade assenta-se fortemente na filoso- as técnicas em todas as reuniões, e nenhum tópico fica
fia e nos métodos do movimento da qualidade. As ideias de fora das discussões. Quando se formou um grupo de
subjacentes, hoje amplamente aceitas, são: alto nível com o objetivo de rever a estrutura organiza-
cional da Xerox e sugerir alternativas, tais processos e
• Basear-se no método científico e não em conjecturas ferramentas foram empregados.3
para diagnosticar problemas (o que Deming denomina
ciclo PDCA – “Planejar, Fazer, Verificar e Agir”, e
outros chamam de técnicas de geração de hipótese
e teste de hipótese).
• Insistir nos dados e não nas suposições como base para 3
Robert Howard, “The CEO as Organizational Architect: An Interview
a tomada de decisão (o que os profissionais da qualidade with Xerox’s Paul Allaire”, Harvard Business Review, September-October
chamam de gestão com base em fatos). 1992, p. 106.
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     583

FIGURA 2 Processo de resolução de problemas da Xerox


O que é necessário
Pergunta a ser Expansão/ Contração/ para seguir para a
Etapa respondida divergência convergência próxima etapa

1. Identificar e O que queremos Muitos problemas a Uma declaração de problema, Identificação da lacuna
selecionar o mudar? serem considerados um “estado desejado” “estado desejável”,
problema acordado descrita em termos
observáveis
2. Analisar o O que nos impede Muitas causas possíveis Causas principais Principais causas
problema de atingir o “estado identificadas identificadas e verificadas documentadas e
desejado”? classificadas
3. Gerar Como poderíamos Muitas ideias sobre como Possíveis soluções Lista de soluções
potenciais fazer a mudança? solucionar o problema esclarecidas
soluções
4. Selecionar Qual é a melhor Muitos critérios para Critérios a serem empregados Plano para realizar
e planejar maneira de fazer avaliar possíveis para avaliar a solução e monitorar a mudança
a solução isso? soluções acordada
Muitas ideias sobre como Planos de implementação Critérios de medição
implementar e avaliar e avaliação acordados para avaliar a eficácia
a solução escolhida da solução
5. Implementar Estamos seguindo Implementação dos planos Solução implementada
a solução o plano? de contingência acordados
(se isso for necessário)
6. Avaliar Ele funciona Efetividade da solução Verificação de que o
a solução bem? acordada problema está resolvido ou
Identificação dos problemas Acordo para abordar os
persistentes (se houver algum) problemas persistentes

2. Experimentação novas ideias, mesmo que tenham que ser importadas.


Essa atividade envolve pesquisar e testar sistematica- Os supervisores de primeira linha da Chaparral Steel,
mente o novo conhecimento. É essencial usar o método numa espécie de licença sabática, visitaram vários paí­
científico e há paralelos óbvios com a resolução sis- ses, onde estabeleceram contato com líderes acadêmi-
temática de problemas. Entretanto, diferentemente da cos e industriais, desenvolveram uma compreensão das
resolução de problemas, a experimentação é, em geral, novas práticas de trabalho e tecnologias, e depois de-
motivada pela oportunidade e pela ampliação dos hori- volveram o que aprenderam para a empresa e aplicaram
zontes, e não pelas dificuldades atuais. Ela assume duas esses conhecimentos nas operações diárias. Em grande
formas principais: programas em andamento e projetos parte como resultado dessas iniciativas, a Chaparral é
de demonstração singulares. uma das cinco siderúrgicas de custo mais baixo no mun-
Os programas em andamento envolvem geralmente do. O programa de impacto da GE enviou engenhei-
uma série contínua de pequenos experimentos projeta- ros de produção ao Japão para que pudessem estudar
dos para gerar ganhos incrementais de conhecimento. inovações de fábrica, tais como círculos de qualidade
Eles são o esteio principal da maioria dos programas e cartões kanban, e depois aplicá-las em suas próprias
de melhoria contínua, sendo especialmente comuns no organizações; hoje, a Europa é o destino e as práticas de
chão de fábrica. A Corning, por exemplo, faz continua­ produtividade são o alvo. O programa é uma das razões
mente experimentos com diversas matérias-primas e para a GE ter registrado ganhos de produtividade de
novas formulações para aumentar a produtividade e quase 5% em média ao longo dos últimos quatro anos.
proporcionar melhores classes de vidro. A Allegheny Os programas em andamento bem-sucedidos tam-
Ludlum, uma fabricante de aços especiais, examina re- bém exigem um sistema de incentivos que favorece a
gularmente novos métodos de laminação e tecnologias tomada de riscos. Os funcionários devem sentir que
aprimoradas para aumentar a produtividade e reduzir os benefícios da experimentação ultrapassam os cus-
os custos. tos; caso contrário, eles não participarão. Isso cria um
Os programas em andamento bem-sucedidos com- difícil desafio para os gestores que ficam aprisionados
partilham uma série de características. Primeiro, eles entre dois extremos perigosos. Eles devem manter a
trabalham duro para garantir um fluxo contínuo de responsabilidade e o controle sobre as experiências sem
584     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

aperfeiçoou esse malabarismo: ela mantém os experi-


mentos caros e de alto impacto fora da tabela de indi-
cadores para avaliar os gestores, mas exige aprovações
prévias de quatro vice-presidentes seniores. O resultado
tem sido um histórico de melhorias de produtividade
anuais que variam de 7% a 8%.
Enfim, os programas em andamento precisam de
gestores e funcionários que sejam treinados nas ha-
bilidades necessárias para realizar e avaliar experi-
mentos. Essas habilidades raramente são intuitivas e
devem, em geral, ser aprendidas. Elas cobrem um am-
plo leque: métodos estatísticos, como o projeto de ex-
perimentos, que comparam de maneira eficiente uma
grande quantidade de alternativas: técnicas gráficas,
como a análise de processos, que são essenciais para
reprojetar os fluxos de trabalho; e técnicas de criativi-
dade, como storyboarding e interpretação de papéis,
que mantêm as novas ideias fluindo. Os programas de
treinamento mais eficazes são estreitamente focados
e apresentam um pequeno conjunto de características
adaptadas às necessidades dos funcionários. O treina-
mento em projeto e experimentos, por exemplo, é útil
para os engenheiros de produção, enquanto as técnicas
de criatividade são bem adaptadas para os grupos de
desenvolvimento.
Os projetos de demonstração geralmente são maio-
res e mais complexos do que os experimentos em an-
damento. Eles envolvem mudanças holísticas em todo
o sistema, introduzidas em um único local, e muitas
vezes são empreendidos com o objetivo de desenvolver
novas capacitações organizacionais. Como esses pro-
jetos representam uma ruptura acentuada com o passa-
do, geralmente eles são projetados do zero, utilizando
uma abordagem de “passado em branco”. A fábrica da
General Foods, em Topeka, um dos primeiros sistemas
de trabalho de alto comprometimento nos Estados Uni-
dos, foi um projeto de demonstração pioneiro iniciado
para introduzir a ideia de equipes autogeridas e altos
níveis de autonomia do trabalhador; um exemplo mais
recente, concebido para repensar o desenvolvimento, a
produção e as vendas dos carros compactos, é a Divisão
Saturn da GM.
Os projetos de demonstração compartilham uma sé-
rie de características diferenciadoras:
• Em geral, são os primeiros projetos que incorporam
princípios e abordagens que a organização espera ado-
tar mais tarde em uma escala maior. Por essa razão,
A oportunidade motiva a experimentação. A Corning, por são mais esforços transitórios do que pontos finais e
exemplo, luta continuamente para aumentar os resultados
e fornecer classes melhores de vidro.
envolvem uma dose considerável de “aprendizagem
pela prática”. As correções no meio do caminho são
comuns.
cercear a criatividade ao penalizarem indevidamente • Eles estabelecem implicitamente diretrizes políticas e
os funcionários pelos fracassos. A Allergheny Ludlum regras de decisão para projetos posteriores. Portanto,
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     585

os gestores precisam ser sensíveis aos precedentes que um todo reconheceu sua contribuição competitiva. Um
estão estabelecendo e devem enviar sinais fortes, se observador comentou: “O marketing sempre comandou
esperam estabelecer novas normas. a empresa, então eles não podiam acreditar. A mudança
• Deparam-se frequentemente com rigorosos testes de era visível nos níveis mais altos”.
comprometimento dos empregados que desejam saber Depois que a primeira fábrica focada estava em fun-
se as regras, na verdade, mudaram. cionamento – ela conquistou 25% do mercado em dois
• Normalmente, são desenvolvidos por equipes multi- anos e manteve a sua margem em confiabilidade por
funcionais que se reportam diretamente à alta gestão. mais de uma década –, a Copeland construiu mais qua-
(No caso dos projetos voltados para o envolvimento do tro fábricas em uma rápida sucessão. Diggs designou
funcionário ou para a qualidade de vida no trabalho, as membros do projeto inicial para a equipe de projeto de
equipes também devem ser multiníveis.)
cada fábrica para garantir que as aprendizagens iniciais
• Poderão ter um impacto apenas limitado sobre o resto da
não fossem perdidas; posteriormente, essas pessoas
organização se não forem acompanhados por estratégias
passaram por outras atribuições operacionais. Hoje, as
explícitas para transferir a aprendizagem.
fábricas focadas continuam a ser a pedra angular da es-
Todas essas características apareceram em um tratégia de produção da Copeland e uma fonte perma-
projeto de demonstração lançado pela Copeland Cor- nente de suas vantagens de custo e qualidade.
poration, uma empresa fabricante de compressores Sejam projetos de demonstração como os da Copeland
altamente bem-sucedida, em meados dos anos 1970. ou programas em andamento como os da Allegheny
Matt Diggs, o então novo CEO, queria transformar a Ludlum, todas as formas de experimentação buscam a
abordagem de produção da empresa. Anteriormente, a mesma finalidade: passar do conhecimento superficial
Copeland usinava e montava todos os produtos em uma para a compreensão profunda. Na sua forma mais sim-
única instalação. Os custos eram altos, e a qualidade, ples, a distinção está entre saber como as coisas são
marginal. O problema, segundo Diggs, era o excesso de feitas e saber por que elas acontecem. Saber como é um
complexidade. conhecimento enraizado em normas de comportamen-
No início, Diggs atribuiu a uma equipe pequena e to, padrões de atuação e configurações de equipamento.
multifuncional a tarefa de conceber uma “fábrica foca- Saber o porquê é mais fundamental, pois captura as re-
da”, dedicada a uma linha de produtos restrita e recém- lações subjacentes de causa e efeito e acomoda as exce-
-desenvolvida. As equipes reportavam-se diretamente ções, as adaptações e os eventos imprevistos. A capaci-
a ele e levou três anos para concluir o seu trabalho. dade de controlar temperaturas e pressões para alinhar
Inicialmente, o orçamento do projeto era de US$ 10 grãos de silício e formar o aço silício é um exemplo de
milhões a US$ 12 milhões. Esse valor foi revisto repe- saber como, e compreender o processo físico-químico
tidamente à medida que a equipe descobria, por meio que produz o alinhamento é saber o porquê.
da experiência e com a incitação de Diggs, que poderia Novos debates são possíveis, como sugere a Figura 3.
obter melhorias radicais. O investimento final, um total O conhecimento operacional pode ser disposto em uma
de US$ 30 milhões, rendeu avanços imprevistos em tes- hierarquia, passando da compreensão limitada e da ca-
te de confiabilidade, ajuste automático de ferramentas pacidade de fazer poucas distinções para a compreensão
e controle programável. Todos foram alcançados por mais completa em que todas as contingências são pre-
meio da aprendizagem pela prática. vistas e controladas. Nesse contexto, a experimentação
A equipe estabeleceu precedentes adicionais durante e a resolução de problemas promovem a aprendizagem,
o início das operações da fábrica e as primeiras ope- empurrando as organizações para cima da hierarquia, dos
rações. Para exagerar a importância da qualidade, por estágios de conhecimento inferiores para os superiores.
exemplo, o gestor de qualidade foi apontado como o se-
gundo homem na linha de comando, uma ascensão sig- 3. Aprender com experiências passadas
nificativa. A mesma relação de hierarquia foi utilizada As empresas devem rever os seus sucessos e fracassos,
em todas as fábricas subsequentes. Além disso, Diggs avaliá-los sistematicamente e registrar as lições de um
pediu ao gestor da fábrica que evoluísse lentamente para modo que os funcionários considerem aberto e acessí-
a plena produção e resistisse a todos os esforços para vel. Um especialista chamou esse processo de “Revisão
proliferar os produtos. Essas instruções eram incomuns de Santayana”, em referência ao famoso filósofo George
na Copeland, onde normalmente quem mais se destaca- Santayana, que cunhou a seguinte frase: “Aqueles que
va era o departamento de marketing. Ambas as diretivas não conseguem se lembrar do passado estão condenados
foram rapidamente testadas; a gestão manteve-se firme a repeti-lo”. Infelizmente, muitos gestores são indiferen-
e as implicações foram sentidas em toda a organização. tes, até mesmo hostis, ao passado e, ao não refletirem
A estrutura da produção melhorou e a empresa como sobre ele, deixam escapar um conhecimento valioso.
586     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Stretch que a precedeu. Nesse caso, como em muitos


FIGURA 3 Estágios do conhecimento
outros, a aprendizagem ocorreu por acaso e não pelo
Os estudiosos sugeriram que o conhecimento de produção planejamento cuidadoso. Porém, poucas empresas pos-
e operação pode ser classificado sistematicamente pelo suem processos estabelecidos que exijam que seus ges-
nível ou estágio de compreensão. Nos níveis mais baixos
do conhecimento de fabricação, pouco se sabe além das tores reflitam periodicamente a respeito do passado e
características de um bom produto. A fabricação continua aprendam com seus erros.
a ser uma arte, e existem poucos padrões ou regras A Boeing o fez imediatamente após as suas dificul-
claramente articulados. Um exemplo seria o dos violinos
dades com os programas dos aviões 737 e 747. Ambos
Stradivarius. Os especialistas concordam que eles produzem
um som amplamente superior, mas ninguém consegue os aviões foram lançados com muito alarde e também
especificar precisamente como eles são fabricados porque com problemas graves. Para garantir que os problemas
o conhecimento do processo produtivo está disponível não se repetiriam, os altos gestores encomendaram a
apenas aos artesãos qualificados. Entretanto, nos níveis
um grupo de funcionários de alto nível o chamado Pro-
mais elevados do conhecimento de fabricação, todos os
aspectos da produção são conhecidos e compreendidos. jeto “Dever de Casa” para comparar os processos de
Todos os materiais e variações de processo são articulados desenvolvimento do 737 e 747 com os do 707 e 727,
e contabilizados, com regras e procedimentos para qualquer dois dos aviões mais lucrativos da empresa. O grupo
contingência. Aqui, um exemplo seria uma fábrica de “luzes
apagadas”, totalmente automatizada, que opera durante
teve que desenvolver um conjunto de “lições aprendi-
muitas horas sem nenhuma intervenção humana. das” que poderia ser utilizado em futuros projetos. Após
No total, essa estrutura especifica oito estágios de trabalhar por três anos, eles produziram centenas de re-
conhecimento. Do mais baixo para o mais alto, eles são: comendações e um livreto de uma polegada de espessu-
1. Reconhecer protótipos (o que é um bom produto?). ra. Então, vários membros da equipe foram transferidos
2. Reconhecer atributos dentro de protótipos para as atividades iniciais do 757 e 767 e, guiados pela
(capacidade de definir algumas condições sob as
quais o processo gera bons resultados).
experiência, produziram os lançamentos mais bem-su-
3. Discriminar entre os atributos (quais atributos são cedidos e isentos de erros da história da Boeing.
importantes? – os especialistas podem diferir sobre a Outras empresas usaram uma abordagem retros-
relevância dos padrões; muitas vezes são treinados pectiva similar. Como a Boeing, a Xerox estudou seu
novos operadores por meio de aprendizagens).
4. Medir os atributos (alguns atributos fundamentais
processo de desenvolvimento de produto, examinando
são medidos; as medidas podem ser qualitativas e três produtos em dificuldades em um esforço para com-
relativas). preender por que as iniciativas de novos negócios da
5. Controlar localmente os atributos (desempenho empresa fracassavam com tanta frequência. A Arthur D.
reproduzível; o processo é concebido pelo
especialista, mas os técnicos podem executá-lo). Little (ADL), a empresa de consultoria, concentrou-se
6. Reconhecer e discriminar as contingências (o em seus sucessos do passado. A alta gestão convidou os
processo de produção pode ser mecanizado e consultores da ADL de todo o mundo para uma come-
monitorado manualmente).
moração de dois dias, com estandes e apresentações do-
7. Controlar as contingências (o processo pode ser
automatizado). cumentando uma ampla gama das práticas, publicações
8. Compreender os procedimentos e controlar as e técnicas mais bem-sucedidas da empresa. A British
contingências (o processo é completamente Petroleum foi ainda mais longe e estabeleceu a unidade
compreendido).
de avaliação pós-projeto para rever projetos de inves-
Fonte: Adaptada de Ramchandran Jaikumar and Roger Bohr, “The
timento importantes, redigir casos e extrair lições para
Development of Intelligent Systems for Industrial Use: A Conceptual os planejadores que então eram incorporadas nas revi-
Framework”, Research on Technological Innovation, Management
and Policy, v. 3 (1986), pp. 182-188.
sões das diretrizes de planejamento da empresa. Uma
unidade com cinco pessoas reportava-se ao conselho
de administração e revisava seis projetos anualmente.
Um estudo sobre mais de 150 novos produtos con- A maior parte do tempo era gasta em campo entrevis-
cluiu que “o conhecimento adquirido com os fracassos tando gestores.5 Esse tipo de revisão agora é conduzido
muitas vezes é útil para alcançar sucessos posteriores. regularmente no nível do projeto.
[…] Em termos mais simples, o fracasso é o professor No centro dessa abordagem, um especialista obser-
definitivo”.4 A série de computadores 360 da IBM, por vou que “trata-se de uma mentalidade […] que capacita
exemplo, uma das mais populares e rentáveis já criadas, as empresas a reconhecer o valor do fracasso produtivo
baseava-se na tecnologia do fracassado computador em contraste com o sucesso improdutivo. Um fracasso

Modesto A. Maidique and Billie Jo Zirger, “The New Product Learning


4
Frank R. Gulliver, “Post-Project Appraisals Pay”, Harvard Business
5

Cycle”, Research Policy, v. 14, n. 6 (1985), pp. 229, 309. Review, March-April 1987, p. 128.
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     587

a Boeing utilizou as lições do desenvolvimento do modelo anterior para ajudar a produzir o 757 e o 767 –
os lançamentos mais bem-sucedidos e isentos de erros da sua história.8

produtivo é aquele que leva à percepção, à compreensão 4. Aprender com os outros


e assim a um aditamento à sabedoria comumente rea- Naturalmente, nem toda a aprendizagem vem da re-
lizada dentro da organização. Um sucesso improdutivo flexão e da autoanálise. Algumas vezes, as percepções
ocorre quando algo vai bem, mas ninguém sabe como mais poderosas provêm de olhar para fora do ambiente
ou por quê”.6 O lendário fundador da IBM, Thomas imediato a fim de ganhar uma nova perspectiva. Os ges-
Watson, aparentemente compreendeu bem a distinção. tores esclarecidos sabem que mesmo as empresas em
Entre tantas histórias da empresa, uma se destaca: um negócios completamente diferentes podem ser fontes
jovem gerente, após perder US$ 10 milhões em um em- férteis de ideias e catalisadoras do pensamento criativo.
preendimento arriscado, foi chamado ao escritório de Nessas organizações, a apropriação de idéias externas
Watson. O jovem, inteiramente intimidado, começou está assumindo o lugar da síndrome do “não foi inven-
por dizer: “Acho que você quer a minha demissão”. tado aqui”. Milliken chama o processo de RID: “roubar
Watson respondeu: “Você não pode estar falando sério. ideias descaradamente”; a expressão mais ampla para
Nós gastamos US$ 10 milhões para educar você”. isso é análise comparativa.
Felizmente, o processo de aprendizagem não precisa Segundo um especialista, “Análise comparativa é
ser tão caro. Os estudos de caso e as revisões pós-proje- uma investigação em andamento e uma experiência de
to como os da Xerox e da British Petroleum podem ser aprendizagem que garantem que as melhores práticas
realizados com baixo custo, mas exige tempo dos ges- da indústria sejam descobertas, analisadas, adotadas e
tores. As empresas também podem contar com a ajuda implementadas”.7 Os maiores benefícios vêm de estu-
dos docentes e alunos de faculdades ou universidades dar as práticas, a maneira como o trabalho é realizado
locais, pois eles trazem perspectivas novas para ganhar e não os resultados, e de envolver os gestores de linha
experiência e aumentar sua própria aprendizagem. Al- no processo. Quase qualquer coisa pode ser aferida.
gumas empresas estabeleceram bancos de dados infor- A Xerox, criadora do conceito, aplicou-o ao fatura-
matizados para acelerar o processo de aprendizagem. mento, ao armazenamento e à produção automatizada.
Na Paul Revere Life Insurance, a gestão exige que todas Milliken foi ainda mais criativo: em um momento ins-
as equipes de resolução de problemas preencham for- pirado, ele aferiu a abordagem da Xerox para a análise
mulários de registro curtos, nos quais devem descrever comparativa.
quais projetos devem ser propostos se esperam qualifi- Infelizmente, ainda há uma confusão considerável a
car-se ao programa de premiação da empresa. Depois respeito dos requisitos da análise comparativa bem-su-
a empresa entra com os formulários em seu sistema cedida. Análise comparativa não é “turismo industrial”,
e pode recuperar imediatamente uma lista dos outros uma série de visitas propositais a empresas que recebe-
grupos de pessoas que trabalharam ou que estão traba- ram publicidade favorável ou que ganharam prêmios
lhando no tema, junto com uma pessoa de contato. A de qualidade. Em vez disso, trata-se de um processo
experiência relevante está então a apenas um telefone-
ma de distância.
7
Robert C. Camp, Benchmarking: The Search for Industry Best Practices
that Lead to Superior Performance (Milwaukee: ASQC Quality Press,
1989), p. 12.
David Nadler, “Even Failures Can Be Productive”, The New York Times,
6 8
Roger Schank, whit Peter Childers, The Creative Attitude (New York:
April 23, 1989, Sec. 3, p. 3. Macmillan, 1988), p. 9.
588     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Os clientes podem fornecer comparações competitivas e feedback imediato sobre o serviço, e as empresas precisam
desses conhecimentos em todos os níveis, do escritório do executivo ao chão de fábrica.

disciplinado que começa com uma pesquisa completa Equipment desenvolveu um processo interativo cha-
para identificar as organizações que têm as melhores mado “investigação contextual” que é utilizado pelos
práticas, continua com um estudo cuidadoso das pró- engenheiros de softwares para observar os usuários
prias práticas e do desempenho da empresa, avança de novas tecnologias à medida que realizam seu tra-
por meio de visitas sistemáticas e entrevistas, e con- balho. Milliken criou as “equipes de primeira en-
clui com análise dos resultados, desenvolvimento de trega” que acompanham o primeiro envio de todos
recomendações e implementação. Embora demorado, os produtos; os membros da equipe acompanham o
o processo não precisa ser terrivelmente caro. O gru- produto por meio do processo de produção do cliente
po de benchmarking da AT&T estima que um projeto para ver como ele é utilizado e depois desenvolvem
de dimensões moderadas leva de quatro a seis meses e ideias para aprimoramentos posteriores.
incorre em desembolsos de US$ 20 mil (quando se in- Seja qual for a fonte das ideias externas, a aprendi-
cluem os custos de pessoal, o número é de três a quatro zagem ocorrerá em um ambiente receptivo. Os gestores
vezes maior). não podem ficar na defensiva e têm que estar abertos
O benchmarking é uma maneira de adquirir uma às críticas ou más notícias. Esse é um desafio difícil,
perspectiva externa; outra fonte igualmente fértil de mas é essencial para o sucesso. As empresas que abor-
ideias são os clientes. As conversas com os clientes in- dam os clientes supondo que “devemos estar certos,
variavelmente estimulam a aprendizagem; afinal, eles eles têm que estar errados” ou que visitam outras or-
são especialistas no que fazem. Os clientes podem for- ganizações certas de que “elas não podem nos ensinar
nada” raramente aprendem muito. As organizações que
necer informações atualizadas sobre os produtos, com-
aprendem, por sua vez, cultivam a arte de ouvir aberta
parações competitivas, ideias sobre as preferências de
e atentamente.
mudanças e feedback imediato sobre o serviço e os pa-
drões de uso. Além disso, as empresas precisam dessas 5. Transferir conhecimento
ideias em todos os níveis, do escritório do executivo ao Para que a aprendizagem seja mais do que um assun-
chão de fábrica. Na Motorola, os membros do Opera- to local, o conhecimento deve se espalhar de manei-
ting and Policy Committee, incluindo o CEO, reúnem- ra rápida e eficiente por toda a organização. As ideias
-se regularmente com os clientes. Na Worthington carregam um impacto máximo quando são amplamente
Steel, todos os operadores de máquina fazem visitas compartilhadas em vez de mantidas em poucas mãos.
periódicas e desacompanhadas às fábricas para discutir Uma série de mecanismos estimula esse processo, in-
suas necessidades. cluindo os relatórios por escrito, orais e visuais, as vi-
Algumas vezes, os clientes não conseguem arti- sitas a locais, os programas de rodízio de pessoal, os
cular suas necessidades ou se lembrar dos proble- programas de instrução e treinamento, e os programas
mas mais recentes que tiveram com um produto ou de padronização. Cada um deles tem pontos fortes e fra-
serviço. Se esse for o caso, os gestores terão que cos que os diferenciam.
observá-los em ação. A Xerox emprega uma série Os meios disparadamente mais populares são os
de antropólogos em seu Palo Alto Research Center relatórios e as visitas. Os relatórios prestam-se a mui-
para observar os usuários de novos produtos volta- tas finalidades: resumem as descobertas, fornecem lis-
dos para documentos em seus escritórios. A Digital tas de verificação de coisas que devem e não devem
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     589

ser feitas e descrevem processos e eventos importan- de crescimento rápido e lucros elevados por meio do
tes. Eles cobrem uma série de tópico, dos estudos de marketing de inovação, para a presidência da divisão
análise comparativa às técnicas de marketing recém- de livros, onde os lucros eram desinteressantes por cau-
-descobertas. Hoje, os relatórios por escrito são suple- sa da dependência contínua nos conceitos de marketing
mentados frequentemente com apresentações em ví- tradicionais.
deo, que oferecem uma proximidade e uma fidelidade As transferências entre equipes são outra opção.
mais imediatas. Elas são mais eficazes quando permitem que gestores
As visitas são meios igualmente populares de experientes refinem o que aprenderam e difundam por
transferir conhecimento, especialmente para grandes toda a empresa na forma de novos padrões, políticas
organizações com muitas divisões e locais. As visitas ou programas de treinamento. Considere como a PPG
mais eficazes são adaptadas a diferentes audiências e utilizou essa transferência para avançar em suas práti-
necessidades. Para introduzir seus gestores às práti- cas de recursos humanos em torno do conceito de sis-
cas de produção diferenciadas da New United Motor temas de trabalho de alto comprometimento. Em 1986,
Manufacturing Inc. (Nummi), sua joint venture com a a PPG construiu uma nova fábrica de vidro flotado em
Toyota, a General Motors desenvolveu uma série de Chehalis, Washington, e empregou uma tecnologia ra-
visitas especializadas. Algumas foram concebidas para dicalmente nova, além de inovações na gestão de recur-
os gestores de nível superior e médio, enquanto outras, sos humanos que foram desenvolvidas pelo gestor da
para as posições inferiores. Cada visita descrevia as po- fábrica e por sua equipe. Todos os trabalhadores foram
líticas, as práticas e os sistemas mais relevantes para organizados em pequenas equipes autogeridas com res-
aquele nível de gestão. ponsabilidade por atribuições de trabalho, cronogramas,
Apesar de sua popularidade, os relatórios e as visi- resolução de problemas e aprimoramento e avaliação
tas são maneiras relativamente incômodas de transfe- pelos pares. Após vários anos comandando a fábrica,
rir conhecimento. Os mínimos detalhes que estão por o gestor foi promovido a diretor de recursos humanos
trás dos conceitos complexos de gestão são difíceis de de todo o grupo de vidro. Com base em suas expe-
transmitir em segunda mão. Absorver os fatos lendo-os riências em Chehalis, ele desenvolveu um programa de
ou vendo-os demonstrados é uma coisa, vivenciá-los treinamento voltado para os supervisores de primeiro
pessoalmente é outra bem diferente. Como observou nível que ensinava os comportamentos necessários para
um importante cientista cognitivo: “É muito difícil tor- gerir os funcionários em um ambiente participativo de
nar-se bem informado de um modo passivo. Vivenciar autogestão.
alguma coisa ativamente é consideravelmente mais va- Como sugere o exemplo da PPG, os programas de
lioso do que a sua descrição.” Por essa razão, os pro- instrução e treinamento são ferramentas poderosas para
gramas de rodízio de pessoal são um dos métodos mais transferir conhecimento. No entanto, para a eficácia
poderosos para transferir conhecimento. máxima, eles devem ser vinculados explicitamente à
Em muitas organizações, a especialização é mantida implementação. Muito frequentemente, os instrutores
localmente: em um técnico de computador particular- assumem que o novo conhecimento seja aplicado sem
mente hábil, talvez, um gestor de marca global expe- que medidas concretas sejam adotadas para garantir que
riente ou um chefe de divisão com um histórico de joint as pessoas em treinamento realmente o acompanhem.
ventures bem-sucedidas. As pessoas em contato diário Raramente os instrutores fornecem oportunidades
com esses especialistas beneficiam-se tremendamente para a prática, e poucos programas promovem cons-
das duas habilidades, mas seu campo de influência é cientemente a aplicação de seus ensinamentos após os
relativamente estreito. Transferi-los para partes diferen- funcionários terem voltado ao trabalho.
tes da organização ajuda a compartilhar a riqueza. As A Xerox e a GTE são exceções. Conforme foi ob-
transferências podem ser de divisão para divisão, depar- servado anteriormente, quando a Xerox apresentou as
tamento para departamento ou instalação para instala- técnicas de resolução de problemas para os empregados
ção; elas podem envolver gestores de nível sênior, mé- nos anos 1980, todos, da parte de cima até a parte de
dio ou de primeiro nível. Um supervisor experiente em baixo da organização, foram ensinados em pequenos
produção just-in-time, por exemplo, pode mudar para grupos departamentais ou divisionais liderados por seu
outra fábrica para aplicar os métodos lá ou um gestor superior imediato. Após uma introdução aos conceitos
de divisão bem-sucedido pode transferir-se para uma e às técnicas, cada grupo aplicou o que aprendeu em um
divisão mais atrasada a fim de revigorá-la com ideias já problema da vida real. De modo similar, o programa da
comprovadas. O CEO da Time Life utilizou esta última GTE chamado “Qualidade: a vantagem competitiva” foi
abordagem quando deslocou o presidente da divisão de oferecido a equipes de presidentes de unidades de negó-
música da empresa, que havia orquestrado vários anos cios e os gestores reportando-se a elas. No início do curso
590     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

O progresso será bem mais provável se os funcionários souberem que sua opinião é valorizada e que será bem utilizada.

de três dias, cada equipe recebeu um pedido de um fun- MEDIR A APRENDIZAGEM


cionário da empresa para preparar um plano de qualidade Há muito, os gestores sabem que “se você não pode
completo para a sua unidade, com base nos conceitos do medir, não consegue gerenciar”. Essa máxima é tão
curso, dentro de 60 dias. Foram reservados períodos de verdadeira para a aprendizagem quanto para qualquer
debate de duas a três horas durante o programa para que outro objetivo empresarial. Tradicionalmente, a solução
as equipes pudessem começar a trabalhar em seus planos. tem sido as “curvas de aprendizagem” e as “funções de
Depois que as equipes enviaram seus relatórios, os fun- progresso da produção”. Ambos os conceitos remontam
cionários da empresa os estudaram e depois as equipes os à descoberta, durante os anos 1920 e 1930, de que os
completaram. Esse programa da GTE produziu melho- custos de fabricação das fuselagens caíram previsivel-
rias radicais na qualidade, incluindo uma indicação para mente com os aumentos no volume cumulativo. Esses
semifinalista no Baldrige Awards. aumentos eram vistos como elementos fundamentais
O exemplo da GTE sugere outra diretriz importan- para o maior conhecimento de fabricação, e a maioria
te: o conhecimento é mais propenso a ser transferido de dos estudos preliminares examinou seu impacto sobre
maneira eficaz quando os incentivos corretos são imple- os custos do trabalho direto. Estudos posteriores am-
mentados. Se os funcionários souberem que seus planos pliaram o foco, olhando para os custos totais de fabri-
serão avaliados e implementados – em outras palavras, cação e o impacto da experiência em outras indústrias,
que a sua aprendizagem será aplicada –, o progresso será incluindo a construção naval, o refino de petróleo e os
muito mais provável. Na maioria das empresas, a situação produtos eletrônicos de consumo. Tipicamente, as ta-
em vigor é bem arraigada; apenas se os gestores e fun- xas de aprendizagem estavam na faixa de 80% a 85%
cionários virem as novas ideias como sendo do seu má- (o que significa que, com uma duplicação da produção
ximo interesse, eles as aceitarão de bom grado. A AT&T cumulativa, os custos caíram para 80% a 85% do seu
desenvolveu uma abordagem criativa que combina fortes nível anterior), embora houvesse uma ampla variação.
incentivos com compartilhamento de informações. De- Empresas como o Boston Consulting Group leva-
nominada Chairman’s Quality Award (CQA), trata-se de ram essas ideias para um nível mais alto nos anos 1970.
uma competição de qualidade interna inspirada no Prêmio Com base na lógica das curvas de aprendizagem, eles
Baldrige, mas com uma disputa importante: os prêmios argumentaram que as indústrias como um todo enfren-
são concedidos não apenas para o desempenho absoluto tavam “curvas de experiência”, os custos e preços caíam
(usando o mesmo esquema de pontuação com mil pontos em quantidades previsíveis conforme as indústrias cres-
do Baldrige), mas também para as melhorias de pontua- ciam e sua produção total aumentava. Com essa obser-
ção em relação ao ano anterior. São concedidos prêmios vação, como sugeriram os consultores, veio uma lei de
de melhoria nas categorias ouro, prata e bronze para as ferro da concorrência. Para usufruir dos benefícios da
unidades que melhoraram suas pontuações em 200, 150 e experiência, as empresas teriam que aumentar rapida-
100 pontos, respectivamente. Esses prêmios incentivam a mente sua produção à frente dos concorrentes para di-
mudança. Um programa anexo chamado Pacotes de Ex- minuir os preços e ganhar participação de mercado.
celência simplifica a transferência de conhecimento. Todo Ambas as curvas de aprendizagem e experiência
ano ele identifica cada unidade dentro da empresa que fez ainda são amplamente utilizadas, especialmente nos se-
pelo menos 60% dos pontos possíveis em cada categoria tores aeroespacial, de defesa e eletrônicos. A Boeing,
de premiação e depois publica os nomes das unidades uti- por exemplo, estabeleceu curvas de aprendizagem para
lizando relatórios por escrito e correio eletrônico. cada estação de trabalho em sua fábrica; elas ajudam
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-1     591

FIGURA 4 A curva da meia-vida

A Analog Devices utilizou curvas de meia-vida para comparar o desempenho das suas divisões. Aqui, os
dados mensais do atendimento ao cliente são exibidos graficamente para sete divisões. A divisão C é clara-
mente a vencedora: embora tenha começado com uma alta proporção de entregas atrasadas, sua rápida
curva de aprendizagem acabou levando ao melhor desempenho absoluto. As divisões D, E e G têm sido
muito menos bem-sucedidas, com pouca ou nenhuma melhoria no atendimento pontual ao longo do período.
Desempenho do atendimento pontual ao cliente – dados mensais (agosto de 1987-julho de 1988)

Divisões

A B C D E F G Total
Porcentagem de linhas atrasadas

100

10

1
9 15 4 Nenhuma melhoria 60+ 12 60+ 13

Meia-vida em meses (tempo necessário para diminuir as entregas atrasadas pela metade)

Fonte: Ray Stata, “Organizational Learning – The Key to Management Innovation”, Sloan Management Review, Spring 1989, p. 72.

a monitorar a produtividade, determinar os fluxos de usando uma escala logarítmica, e a escala de tempo é
trabalho e o pessoal necessário e a estabelecer preços e plotada horizontalmente (dias, meses, anos). Então, as
margens de lucro sobre os novos aviões. As curvas de inclinações mais íngremes representam uma aprendiza-
experiência são comuns nos semicondutores e produtos gem mais rápida (ver Figura 4).
eletrônicos de consumo, onde são utilizadas para prever A lógica é simples. Empresas, divisões ou departa-
custos industriais e preços. mentos que levam muito menos tempo para melhorar
Para as empresas que esperam tornar-se organizações devem estar aprendendo mais depressa do que os seus
que aprendem, porém, essas medidas são incompletas. pares. No longo prazo, seus ciclos de aprendizagem cur-
Elas se concentram apenas em uma única medida de re- tos se traduzirão em desempenho superior. A meta de
sultado (custo ou preço) e ignoram a aprendizagem que 50% é uma medida de conveniência que foi derivada
afeta outras variáveis competitivas, como qualidade, en- empiricamente de estudos sobre processos de aprimora-
trega ou lançamento de novos produtos. Elas sugerem mento bem-sucedidos em uma ampla gama de indústrias.
apenas um possível impulsionador da aprendizagem As curvas de meia-vida também são flexíveis. Diferen-
(volumes totais de produção) e ignoram a possibilidade temente das curvas de aprendizagem e experiência, elas
de aprender nas indústrias maduras, onde o resultado é trabalham com qualquer medida de resultado e não se
tímido, e a possibilidade de que a aprendizagem poderia restringem a custos ou preços. Além disso, são fáceis de
ser impulsionada por outras fontes, tais como a nova tec- operacionalizar, pois oferecem uma régua simples e per-
nologia ou o desafio imposto pelos produtos concorren- mitem a comparação rápida entre os grupos.
tes. Talvez mais importante, elas nos dizem pouco sobre Contudo, mesmo as curvas de meia-vida têm um
as fontes de aprendizagem ou as alavancas da mudança. ponto fraco importante: concentram-se unicamente nos
Outra medida surgiu em resposta a essas preocupa- resultados. São necessários vários anos para que as em-
ções. Chamada de curva de “meia-vida”, foi original- presas possam absorver alguns tipos de conhecimen-
mente desenvolvida pela Analog Devices, uma impor- to, com poucas mudanças visíveis no desempenho por
tante fabricante de semicondutores, como uma maneira longos períodos de tempo. A criação de uma cultura de
de comparar os ritmos de melhoria interna. Uma curva qualidade total, por exemplo, ou o desenvolvimento de
de meia-vida mede o tempo decorrido para atingir uma novas abordagens relacionadas à produção são mudan-
melhoria de 50% em uma determinada medida de de- ças sistêmicas difíceis. Por causa de seus longos perío­
sempenho. Quando representada graficamente, a me- dos de gestação, as curvas de meia-vida ou quaisquer
dida de desempenho (taxas de defeito, entrega no pra- outras medidas focadas somente nos resultados não
zo, tempo para o mercado) é plotada no eixo vertical, costumam capturar qualquer aprendizagem de curto
592     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

prazo que tenha ocorrido. É necessário uma estrutura Finalmente, uma auditoria abrangente da aprendiza-
mais abrangente para acompanhar o progresso. gem também mede o desempenho. As curvas de meia-
A aprendizagem organizacional normalmente pode -vida ou outras medidas de desempenho são essenciais
ser acompanhada por meio de três estágios sobrepostos. para garantir que as mudanças cognitivas e comporta-
A primeira etapa é cognitiva. Os membros da organiza- mentais tenham realmente produzido resultados. Sem
ção são expostos a novas ideias, ampliam seu conheci- elas, as empresas não teriam uma fundamentação para
mento e começam a pensar de forma diferente. A segun- investir na aprendizagem e a garantia de que esta estaria
da etapa é comportamental. Os funcionários começam a servindo aos propósitos da organização.
internalizar novos conhecimentos e a alterar o seu com-
portamento. E a terceira etapa é a melhoria do desem- PRIMEIROS PASSOS
penho, com mudanças no comportamento que levam a
melhorias mensuráveis nos resultados: qualidade supe- As organizações que aprendem não são criadas da noite
rior, melhor entrega, maior participação de mercado ou para o dia. A maioria dos exemplos de sucesso é fruto de
outros ganhos tangíveis. Como as mudanças cognitivas atitudes cuidadosamente cultivadas, comprometimen-
e comportamentais costumam preceder as melhorias no tos e processos de gestão que teriam sido acumulados
desempenho, uma auditoria completa da aprendizagem lenta e constantemente ao longo do tempo. Entretanto,
precisa incluir os três estágios. algumas mudanças podem ser feitas imediatamente.
Pesquisas, questionários e entrevistas são uteis para Qualquer empresa que deseje tornar-se uma organiza-
esse fim. No nível cognitivo, eles se concentrariam nas ção que aprende pode começar dando alguns passos
atitudes e na profundidade da compreensão. Os funcio- simples.
nários entenderam realmente o significado da autoges- O primeiro passo é promover um ambiente que con-
tão e do trabalho em equipe ou os termos ainda não duza à aprendizagem. Deve haver tempo para a refle-
estão claros? Na PPG, uma equipe de especialistas em xão e a análise, para pensar sobre planos estratégicos,
recursos humanos audita periodicamente cada fábrica, dissecar as necessidades do cliente e inventar novos
incluindo entrevistas abrangentes com funcionários do produtos. A aprendizagem é difícil quando os funcioná-
chão de fábrica, para garantir que os conceitos estejam rios estão atormentados ou apressados; ela tende a ser
bem compreendidos. As novas abordagens do atendi- excluída pelas pressões do momento. Apenas se a alta
mento ao cliente têm sido plenamente aceitas? Em seu gestão liberar explicitamente os funcionários para esse
Worldwide Marketing Managers’ Meeting de 1989, a fim, a aprendizagem ocorrerá com qualquer que seja a
Ford apresentou aos participantes uma série de situa- frequência. Esse tempo será duplamente produtivo se
ções hipotéticas nas quais as reclamações dos clientes os funcionários possuírem as habilidades para utilizá-lo
entravam em conflito com as metas de curto prazo dos com sabedoria. Portanto, é essencial o treinamento na
revendedores ou com os objetivos de lucro da empresa. prática de brainstorming, em resolução de problemas,
Os participantes deveriam apresentar soluções para os na avaliação de experimentos e em outras habilidades
casos. Pesquisas como essa são a primeira etapa rumo à centrais de aprendizagem.
identificação das mudanças de atitude e das novas ma- Outra atitude poderosa é abrir as fronteiras e esti-
neiras de pensar. mular a troca de ideias. As fronteiras inibem o fluxo de
Para avaliar as mudanças comportamentais, pes- informações, mantêm os indivíduos e grupos isolados,
quisas e questionários devem ser suplementados pela e reforçam os preconceitos. Abrir as fronteiras, com
observação direta. Aqui a prova está em fazer, e nada conferências, encontros e equipes de projeto, que atra-
substitui ver os empregados em ação. A Domino’s Pizza vessam os níveis organizacionais ou ligam a empresa
utiliza os “clientes misteriosos” para avaliar o compro- a seus clientes e fornecedores, assegura um novo fluxo
metimento dos gestores com o atendimento ao cliente de ideias e a oportunidade de considerar perspectivas
em cada uma de suas lojas, e a L. L. Bean faz pedidos concorrentes. O CEO da General Electric, Jack Welch,
por telefone com seus próprios operadores para avaliar considera isso um poderoso estimulante da mudança
os níveis de serviço. Outras empresas convidam con- que ele transformou na pedra angular “sem fronteiras”
sultores externos para visitá-las, comparecer a reuniões, da estratégia da empresa para os anos 1990.
observar os funcionários em ação e depois divulgar o Uma vez que os gestores tenham estabelecido um
que aprenderam. De muitas maneiras, essa abordagem ambiente mais favorável, aberto, eles podem criar fó-
reflete a dos examinadores do Prêmio Baldrige, que rea- runs de aprendizagem. São programas ou eventos con-
lizam visitas de vários dias aos locais dos semifinalistas cebidos com os objetivos explícitos de aprendizagem
para ver se as atitudes da empresa são compatíveis com em mente e que podem assumir várias formas: revisões
as palavras em suas aplicações. estratégicas, que examinam o ambiente competitivo e a
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-2     593

carteira de produtos da empresa, a tecnologia e o posi- capacitações que aumentariam a velocidade, qualida-
cionamento de mercado; auditorias de sistema, que rea­­ de e eficiência – podando as atividades empresariais
valiam a saúde dos processos interfuncionais e os sis- que não se adequavam mais à lógica de criação de va-
temas de entrega; relatórios internos de benchmarking, lor da estratégia corporativa. Depois, começando no
que identificam e comparam as melhores práticas den- final dos anos 1990, os gestores seniores começaram a
tro da empresa; missões de estudo, que são enviadas focar a integração de estratégias para aumentar o cres-
para organizações líderes em todo o mundo, a fim de cimento das receitas. A integração estratégica envolve
compreender melhor o seu desempenho e suas habili- explorar mais plenamente o potencial de crescimento,
dades diferenciadoras; e congressos ou simpósios, que combinando recursos e competências das unidades de
reúnem os clientes, fornecedores, especialistas de fora negócios e direcionando essas unidades para as opor-
da empresa ou grupos internos para compartilhar ideais tunidades de novos negócios que ampliam a estratégia
e aprender uns com os outros. Cada uma dessas ativida- corporativa existente.1
des promove a aprendizagem ao exigir que os funcio- Hoje, os líderes das corporações de múltiplos negó-
nários lutem com o novo conhecimento e considerem cios estão aprendendo a identificar o conjunto máximo
suas implicações. Cada uma delas pode ser adaptada de oportunidades estratégicas – as quais permitem que
às necessidades do negócio. Uma empresa de bens de as empresas tirem o máximo de vantagem de suas ca-
consumo, por exemplo, poderia patrocinar uma missão pacitações e do seu potencial para seguir novas estra-
de estudo para a Europa a fim de aprender mais sobre tégias. Todavia, para explorar essas oportunidades, os
métodos de distribuição dentro do recém-unificado gestores precisam tornar-se hábeis no que chamamos
Mercado Comum Europeu, enquanto uma empresa de de integração estratégica complexa (IEC) (ver quadro
tecnologia poderia lançar uma auditoria de sistemas “Sobre a pesquisa”).
para rever seu processo de desenvolvimento de novos
produtos. CINCO FORMAS DE INTEGRAÇÃO ESTRATÉGICA
Juntos, esses esforços ajudam a eliminar as barreiras
que impedem a aprendizagem e a ampliar a prioridade Perceber o conjunto máximo de oportunidades estratégi-
na agenda da organização. Eles também sugerem uma cas e enfrentar a integração estratégica é uma responsa-
sutil mudança de foco, afastando-se da melhoria contí- bilidade difícil. Os altos gestores devem ser capazes de
nua e partindo para um comprometimento com a apren- enxergar as possíveis oportunidades de negócios que ain-
dizagem. Juntamente com uma melhor compreensão do da não existem – bem como as estratégias não articuladas
significado, da gestão e da mensuração da aprendiza- que são a fronteira do que a empresa consegue fazer. Para
gem, essa mudança proporciona uma base sólida para ajudar nessas tarefas, propomos uma estrutura conceitual
construir organizações que aprendem. que apresenta duas dimensões (escopo e alcance), que
afeta as cinco formas de integração estratégica (superam-
biciosa, mínima, orientada pelo escopo, orientada pelo
alcance, e complexa) (ver quadro “Integração estratégica
ARTIGO 5-2
na corporação de múltiplos negócios”).
A localização na dimensão do escopo indica quando
O poder da integração estratégica* perseguir uma nova oportunidade de negócio requer a
colaboração das unidades de negócios existentes den-
Robert A. Burgelman e Yves L. Doz
tro da estratégia corporativa. Os negócios de chipset e
Todas as corporações que operam múltiplos negó- placa-mãe da Intel, por exemplo, precisam colaborar no
cios enfrentam o imperativo estratégico imposto pelo desenvolvimento da demanda por novos produtos para
mercado de valores: maximizar o crescimento rentá- o negócio central de microprocessadores da empresa.
vel dos seus negócios. O sucesso no longo prazo em Uma localização na dimensão do alcance indica
satisfazer esse imperativo requer o desenvolvimento quando desenvolver uma nova oportunidade de negócio
de capacitações voltadas para a formulação de estra- requer a mudança da estratégia corporativa existente
tégias. Durante o início dos anos 1990, muitas empre-
sas que operam múltiplos negócios concentraram-se
em aumentar a lucratividade por meio da integra- 1
A WPP, uma holding de empresas independentes que prestam serviços
ção operacional. Elas se reprojetaram e focaram nas de marteking criada por Martin Sorrel em 1985, é um bom exemplo. A
WPP procura criar valor superior para os clientes, funcionários e acionis-
tas fazendo com que o seu negócio altamente independente trabalhe em
colaboração. Ver J. L. Bower and S. Ellinson-Hout, “WPP: Integrating
Icons”, Harvard Business School case n. 9-396-249 (Boston: Harvard
*
Fonte: MIT Sloan Management Review, Spring 2001. Business School Publishing Corp., 1996).
594     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

– talvez transformando uma unidade de negócios ou


criando uma nova. Citando novamente a Intel, em 1999, Sobre a pesquisa
a empresa ampliou sua estratégia corporativa para além
do foco tradicional nos computadores pessoais e per- Quando os autores decidiram começar a pesquisa de
campo exploratória focada na integração estratégica
seguiu oportunidades de negócio em dispositivos, for-
complexa nas empresas de vários negócios, a pesquisa
mando a Home Products Group dentro do seu Intel sistemática sobre o assunto era praticamente inexistente.
Architecture Business Group.2 Eles conduziram uma parte da pesquisa de campo conjun-
Das cinco formas de integração estratégica, as em- tamente durante a primavera de 1988, entrevistando altos
executivos em várias empresas europeias. Em paralelo
presas devem evitar as formas superambiciosa e a míni-
com essas entrevistas, Yves Doz, José Santos e Peter
ma. A integração estratégica superambiciosa correspon- Williamson executaram estudos de campo detalhados
de ao conjunto de oportunidades definido pelo escopo e em várias empresas europeias e asiáticas, examinando
alcance máximos, pois ela presume que as capacitações a integração estratégica entre unidades de negócios,
subunidades geográficas e parceiros. A pesquisa também
disponíveis da empresa não impõem trade-offs entre es-
explorou como os pequenos empreendimentos (como
copo e alcance. O esforço de Jim Robinson para trans- a desenvolvedora de tela plana PixTech) e os grupos de
formar, durante o final dos anos 1980 e início da década novos empreendimentos nas empresas estabelecidas
de 1990, a American Express em um “supermercado fi- como a Nokia poderiam mobilizar as competências dos
parceiros mais duradouros e bem estabelecidos e alcan-
nanceiro” é um exemplo desse tipo de integração estra-
çar a integração estratégica complexa (IEC) em redes de
tégica.3 A integração estratégica mínima corresponde ao criação de valor com vários parceiros.
conjunto de oportunidades definido pelos limites perce- A pesquisa longitudinal de Robert Burgelman sobre
bidos no escopo e alcance. As abordagens tradicionais o processo de formulação de estratégia da Intel realçou
a dificuldade da integração estratégica orientada para
de formulação de estratégias com base no investimento
o alcance em uma empresa altamente focada, e o seu
de capital e nas decisões de planejamento de carteira são estudo de campo sobre a Hewlett-Packard destacou a difi-
típicas. Duas outras formas, orientada para o escopo e culdade da integração estratégica orientada para o escopo
orientada para o alcance, são produtivas, mas incapazes em uma empresa altamente fragmentada. O estudo dos
primeiros nove meses do mandato de Carly Fiorina como
de maximizar o potencial de crescimento da empresa.
nova CEO da HP (julho de 1999-abril de 2000) concentrou-
A quinta forma, integração estratégica complexa, -se em seus esforços para criar uma capacitação em IEC.
corresponde ao conjunto máximo de oportunidades A pesquisa envolveu entrevistas com todos os membros
estratégicas, que apresenta escopo e alcance, e é coe- do recém-formado conselho executivo da HP e com vários
gestores seniores e de nível intermediário. Outras partes
rente com os trade-offs que o mundo real impõe. Não
da pesquisa envolveram estudos de caso sobre empre-
se trata de integração superambiciosa nem excessiva- sas como a Intel, Disney, USA Networks, America Online
mente cautelosa. As empresas que alcançam a integra- e Time Warner – as quais tentavam lidar com a conver-
ção estratégica complexa levam em conta as restrições gência de vários segmentos da indústria no setor de pro-
cessamento de informações e lutavam para desenvolver
externas como as forças reguladoras, tecnológicas e de
alguma capacitação em IEC a fim de tirar proveito dessa
mercado mais as limitações internas sobre competên- convergência.
cias, capacitações e recursos.4 Esse tipo de integração

envolve a descoberta e criação de novas oportunidades de


negócio que combinem recursos de múltiplas unidades
2
R. A. Burgelman, D. L. Carter, and R. S. Bamford, “Intel Corporation: dentro da empresa (cada uma com sua perspectiva e seus
The Evolution of an Adaptive Organization”, Stanford Business School
case n. SM-65 (Stanford, California: Stanford Business School, 1999). interesses particulares), a fim de estabelecer a estratégia
3
D. A. Garvin, “Harvey Golub: Recharging American Express”, Harvard da empresa em novas direções. Algumas vezes, essa es-
Business School case n. 9-396-212 (Boston: Harvard Business School
Publishing Corp., 1996).
tratégia integra as contribuições dos parceiros externos.5
4
As oportunidades identificadas em uma estrutura de integração estratégica
são diferentes dos vetores de crescimento da estrutura produto-mercado do
quadro conceitual de Ansoff. Por exemplo, o conjunto de oportunidades
orientadas para o escopo envolve o desenvolvimento de produtos (novos
produtos desenvolvidos conjuntamente por duas ou mais unidades de ne- McGraw-Hill, 1965). As avaliações envolvidas no estabelecimento dos dife-
gócio para seus mercados atuais) ou o desenvolvimento de mercado (novos rentes conjuntos de oportunidades podem variar de acordo com as diferentes
mercados desenvolvidos por duas ou mais unidades de negócio com seus partes de uma empresa. Um alto grau de participação, negociação e flexibi-
produtos existentes combinados) ou ambos. A estrutura de Ansoff também lidade será necessário no processo de estabelecimento do conjunto máximo
não considera o trade-off entre os vários vetores de crescimento em conse- de oportunidades estratégicas a fim de obter o apoio de toda a empresa. Além
quência das restrições de recurso nem as questões de integração estratégica disso, mudanças externas e/ou internas importantes podem afetar a fronteira
entre as unidades de negócio possivelmente envolvidas nos vários vetores ao longo do tempo. Algumas vezes, tais possibilidades forçam as empresas a
de crescimento. Por outro lado, as oportunidades de negócio geradas no con- se desvincular de uma grande oportunidade rentável quando não cabe mais a
texto de cada forma de integração estratégica podem ser proveitosamente lógica da criação de valor corporativo. A saída da Hewlett-Packard em 1999
interpretadas em termos da tipologia de Ansoff. Portanto, as duas estruturas dos negócios de teste-e-medição é um exemplo.
são complementares. Ver H. T. Anssof, Corporate Strategic: An Analytic 5
Y. L. Doz and G. Hamel, Alliance Advantage (Boston: Harvard Business
Approach to Business Policy for Growth and Expansion (New York: School Press, 1998).
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-2     595

Integração estratégica em uma corporação de múltiplos negócios


Existem cinco formas de integração estratégica: su­pe­
Alcance (refere-se à ampliação da estratégia corporativa)
ram­biciosa, mínima, orientada para o escopo, orientada
para o alcance e complexa. A integração estratégica Limite real
complexa (IEC) é a que as corporações de múltiplos
negócios deveriam buscar. Embora cada forma ofereça Integração Integração
um conjunto de oportunidades, o conjunto máximo de estratégica superambiciosa
orientada pelo
oportunidades estratégicas flui da IEC. A integração alcance
Limite
estratégica complexa tem o escopo e alcance máximos percebido Integração
coerentes com as realidades das limitações internas e estratégica
complexa
externas. O escopo refere-se à estratégia central, e o
alcance, às novas estratégias.
A superambiciosa pressupõe que as capacitações dis-
poníveis de uma empresa não impõem trade-offs entre
escopo e alcance. As empresas que usam a integração
estratégica mínima têm oportunidades definidas pelos Integração
mínima Integração
limites percebidos em escopo e alcance. A orientada para estratégica
o escopo corresponde às oportunidades definidas pelo orientada para
o escopo
escopo máximo e pelas percepções da empresa sobre os Escopo
limites de alcance. Por sua vez, a orientada para o alcance (refere-se à
estratégia
corresponde ao conjunto de oportunidades definido pelo Limite Limite real corporativa
percebido existente)
alcance máximo e limite percebido sobre o escopo.

Atualmente, poucas empresas de múltiplos negó-


cios são competentes em explorar o conjunto máximo negócio central da empresa e redirecionar a estratégia;
de oportunidades estratégicas, mas algumas das novas segundo, gerenciar o compartilhamento e a transferên-
gigantes da alta tecnologia – em particular a Cisco cia de recursos entre as unidades de negócio.
Systems, Intel, Hewlett-Packard e STMicroelecronics
A tensão entre reforçar o negócio central e
– estão tentando desenvolver esta capacitação (ver qua-
redirecionar a estratégia
dro “A transformação da Hewlett-Packard”). A Cisco
seguiu uma estratégia corporativa que depende da capa- Para que haja a integração estratégica complexa, deve-
cidade da empresa para atingir a integração estratégica -se encontrar o equilíbrio certo ao longo do tempo en-
complexa. A Cisco continua a ser capaz de ampliar a tre reforçar o negócio central e redirecionar a estratégia.
fronteira do conjunto máximo de oportunidades estraté- Enquanto o reforço permite um movimento vigoroso e
gicas. Ela faz isso identificando, adquirindo e integran- rápido ao longo de uma determinara trajetória estratégi-
do rapidamente as empresas vencedoras nas corridas da ca, o redirecionamento ajuda uma empresa a mudar sua
inovação tecnológica nos recém-emergentes segmentos trajetória estratégica, muitas vezes em antecipação ou em
da indústria que são importantes para a estratégia da resposta a grandes descontinuidades. Encontrar o equi-
empresa em atender às necessidades de rede dos clien- líbrio é difícil para as empresas de vários negócios que
tes empresariais. A percepção do mercado acionário de costumavam seguir formas mais limitadas de integração
que a Cisco está tendo êxito em seus esforços sustenta o estratégica. Na prática, a integração estratégica complexa
alto preço da ação que lhe permite comprar os vencedo- pode começar como reforço ou redirecionamento puro e
res em primeiro lugar, mesmo pagando altos prêmios. depois evoluir para uma abordagem mais equilibrada.6
A STMicroelectonics é outro exemplo de uma empresa
com foco na melhoria da integração estratégica com- A integração estratégica orientada para o escopo
plexa (ver quadro “Integração estratégica complexa na reforça o negócio central As empresas fortemente
STMicroelectronics). centralizadas que enfatizaram as interdependências
entre seus vários negócios tendem a ser orientadas para
DOIS DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO o escopo. A Intel (durante a gestão de Andy Grove como
ESTRATÉGICA COMPLEXA CEO) e a Disney (sob a gestão de Michael Eisner) são

Desenvolver uma capacitação de integração estratégi-


ca complexa envolve dois desafios importantes para os Robert Burgelman agradece Pekka Ala-Pietilla, presidente da Nokia
6

executivos: primeiro, gerenciar a tensão entre reforçar o Corp., por essa ideia (entrevista).
596     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

A transformação da Hewlett-Packard
A Hewlett-Packard é uma das grandes empresas estabeleci- Fiorina, haviam se transformado em caricaturas do que os
das mais adaptáveis do mundo. Durante décadas, o HP Way fundadores pretendiam.
forneceu orientação para transformar a empresa por meio Durante os primeiros nove meses, Fiorina fez várias
do crescimento orgânico e da metamorfose. Apesar de oca- mudanças na estrutura da HP para aumentar suas capacita-
sionalmente sucumbir às pressões para centralizar-se, a HP ções de integração estratégica. Ela aprendeu rapidamente que
sempre se voltou para uma forma organizacional que conti- os clientes consideravam a fragmentação da HP um obstá-
nha unidades de negócio distintas, atendendo a mercados culo para os negócios. No início de outubro de 1999, Fiorina
distintos com estratégias de liderança de produto com base anunciou uma nova estrutura organizacional que apresentava
em tecnologia. Em 1999, a HP tinha 83 negócios, cada um quatro regiões mundiais em 16 países, nos quais os grupos de
com seus próprios recursos e responsabilidade de lucros e computadores e impressoras voltados para o produto intera-
perdas. No entanto, como observou um alto executivo, “Não giriam estreitamente com os segmentos de mercado voltados
estávamos articulando uma estratégia corporativa”. Um outro para o cliente. A finalidade da reorganização foi assegurar uma
executivo disse: “Falávamos sobre gestão de carteira, mas experiência do cliente coesa e coerente em todas as unidades
não fazíamos muito a respeito”. de negócio.
Entre 1996 e 1999, o desempenho de crescimento rentável Para aumentar a interdependência no nível da alta gestão,
da HP decepcionou o mercado acionário. Durante esse período, Fiorina também mudou a maneira como o conselho executivo
a empresa chegou à conclusão de que os seus negócios de funcionava. Ela alterou a estrutura de incentivos, tornando a
medição e instrumentação não se adequavam mais à estra- compensação variável dos altos executivos dependente do
tégica corporativa e precisavam ser desmembrados. O atual desempenho global da corporação. Cem altos executivos
CEO estava chegando à idade de se aposentar, e o conselho foram colocados no esquema inicialmente, com outros previs-
de administração da HP contratou Carly Forina para substituí- tos para aderir mais tarde.
-lo. A nova CEO trouxe três características inéditas para a HP: Olhando para a frente, os altos executivos da HP depa-
era de fora da empresa, não possuía experiência técnica e era ram-se com três grandes desafios estratégicos. Um deles
uma mulher. Fiorina reuniu os altos executivos da HP fora da é continuar a vencer concorrentes muito fortes em cada
empresa em agosto de 1999 para, segundo ela, “apresentar- um dos negócios centrais: Canon e Lexmark no setor de
-lhes para a sua empresa. Eles tinha se concentrado tanto em impressoras, Sun Microsystems e IBM nos servidores,
seus próprios negócios que não enxergavam que a HP estava Dell e Compaq no sistema desktop. O segundo desafio é
desfocada, ampla e superficial”. aproveitar as sinergias existentes em todas as unidades de
Fiorina foi em busca daquilo que os fundadores preten- negócio da HP por meio da integração estratégica orientada
diam que fosse o HP Way e reformulou o sistema de crenças, para o escopo. O terceiro é identificar e explorar novas opor-
o qual ela incorporou nas “Regras da garagem”, que captu- tunidades de negócio com base na combinação de recursos
ram a ênfase tradicional da HP em inventividade, liderança de única da HP: em suma, integração estratégica complexa.
produto, confiança, colaboração, foco no cliente, aversão à Há ainda a expectativa de como os esforços de Fiorina para
burocracia e desejo de fazer uma contribuição. Essas regras aumentar a capacitação de IEC funcionarão ao longo dos
foram concebidas para ajudar a mudar as atitudes e o com- próximos anos, mas seus esforços estão na fronteira da
portamento dos altos executivos, os quais, de acordo com liderança estratégica de vários negócios.

exemplos de empresas que conseguiram oportunidades Se as empresas enfatizarem tradicionalmente o es-


pela ampliação do seu escopo.7 A integração estraté- copo e o reforço, elas não se sentirão confortáveis com
gica orientada para o escopo contribui para o reforço a integração estratégica orientada para o alcance e com
da confiança estratégica do negócio central da empresa. o redirecionamento. Como o redirecionamento requer
Esse tipo de estratégia aproveita o aprofundamento das a descoberta do contexto estratégico para um novo
competências e captura a participação de mercado por negócio, é mais arriscado e difícil do que o reforço.
meio da ação orquestrada contínua das várias unida- Apenas quando as empresas aumentam a qualidade da
des de negócios. Reforçar o negócio central requer a tomada de decisão estratégica é que elas conseguem
mobilização rápida dos recursos pelas várias unidades aumentar as chances de tomar as decisões corretas nas
de negócios, aumento da escala para perseguir seleti- áreas com as quais não estão familiarizadas. Isso pode
vamente grandes oportunidades e desistência daquelas exigir a quebra de importantes decisões corporativas
que poderiam sobrecarregar demais os recursos. em sequências de aprendizagem e comprometimento,
com os riscos contidos e reavaliados em cada estágio
e em cada nível de gestão envolvido no processo de
7
R. A. Burgelman, Strategy is Destiny: How Strategy Making Shapes tomada de decisão.
a Company’s Future (New York: The Free Press, 2002); J. Kolotouros,
J. Maggioncalda, and R. A. Burgelman, “Disney in a Digital World”, O negócio de redes da Intel fornece um exemplo
Stanford Business School, case n. SM-29 (Stanford, California: Stan- das dificuldades para conseguir o redirecionamento.
ford Business School, 1996); and J. K. Kolotouros and R. Burgelman,
“Disney in a Digital World (B)”, Stanford Business School case n. SM- Em consequência de um empreendedorismo interno, a
-29B (Stanford, California: Stanford Business School, 1998). empresa entrou no negócio de redes no final dos anos
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-2     597

Integração estratégica complexa na STMicroelectornics


A STMicroelectronics resultou da fusão da italiana SGS Apesar de aparentemente aleatória e bastante informal, a
Microelettronica e da francesa Thomson Semi-conducteurs. integração estratégica complexa na ST é apoiada pelas habili-
A fusão reuniu capacitações de sistemas de potência, pro- dades gerenciais e por ferramentas cada vez mais bem afinadas
cessamento de sinais, tanto analógicos quanto digitais em (estrutura, sistemas de controle, incentivos e normas de compor-
uma única empresa. A ST desenvolveu sua capacitação de tamento). Além das unidades operacionais comuns, a ST criou
integração estratégica complexa ao mesmo tempo que res- uma “região da sede” que ela usa deliberadamente para explorar
pondeu às necessidades de um grande cliente, a Seagate, oportunidades de IEC. Após um período no início dos anos 1990,
que precisava de uma controladora de unidade de disco (e quando os esforços para se alcançar a integração estratégica
sistema de leitura-gravação) menor, mais simples e altamente complexa às vezes tropeçava em preços de transferência e pro-
confiável. A ST integrou as várias capacitações necessárias, blemas de crédito nas vendas, um sistema de controle de gestão
que residiam em divisões diferentes e em locais tão dispersos transparente foi implementado para permitir o reconhecimento
quanto Grenoble, Milão, Irlanda e Phoenix, Arizona. Durante das contribuições das unidades de negócio para os projetos da
os anos 1990, a abordagem inovadora para a Seagate tor- IEC. Os sistemas de avaliação e recompensa estimulam a busca
nou-se uma capacitação testada e comprovada dentro da ST, de oportunidades conjuntas entre as unidades de negócio.
levando à criação de novas oportunidades. A experiência da A maioria dos gestores da ST construiu toda a sua carreira
Seagate deu origem não só a uma estratégia, mas a um pro- na empresa, conhece-se muito bem e compreende as perspec-
cesso que promoveu a colaboração lateral para criar e seguir tivas e interesses uns dos outros. A ST é vista como uma famí-
novas oportunidades. lia na qual os motivos individuais são bastante transparentes.
A estratégia diferenciada da ST é desenvolver “sistemas Assim, há um nível alto de compreensão e confiança mútuas.
em um chip”: integrar em um único chip as funções realizadas Além disso, os gestores da ST vêm de mais de uma dúzia de
normalmente por diferentes circuitos integrados montados países, muitos deles residindo permanentemente nos Estados
em uma placa. Essa estratégia aborda um segmento de mer- Unidos, mas mantendo seus laços na Europa. O conjunto de
cado em rápido crescimento que reside entre os circuitos gestores cosmopolitas possui as habilidades necessárias para a
integrados específicos para uma aplicação e feitos sob enco- integração por meio das fronteiras nacionais e culturais.
menda e os microprocessadores de propósito geral produzi- As necessidades do cliente são encaradas como fontes de
dos em massa. Frequentemente a estratégia de sistema em iniciativas IEC. Na ST, um projeto que requeira integração estra-
um chip baseia-se em clientes que especificam as capacita- tégica complexa torna-se real tão logo tenha um cliente. Dentre
ções que precisam integrar a partir das várias subuni­d ades os projetos, alguns são considerados de importância estratégica
da ST. O cliente torna-se um centro de integração estraté- para o futuro da empresa e denominado “Projetos de ouro”, e a
gica das unidades da ST. alta gestão lhes dá acesso prioritário aos recursos.

1980 e acumulou várias centenas de milhões de dólares para o alcance ajuda as empresas a alcançar o cresci-
em vendas em meados da década de 1990. Contudo, o mento rentável por meio do redirecionamento de sua
gestor não conseguiu fazer com que a alta gestão da In- estratégia. Muitas vezes, as descontinuidades tornam
tel encarasse o negócio de redes como estratégico. Em as competências antes periféricas mais centrais para a
decorrência disso, ele recebeu apenas recursos internos evolução da empresa e levam a oportunidades para ala-
limitados. Em face do rápido crescimento da indústria vancar essas competências.
de redes em meados dos anos 1990, a empresa perma- Os sinais técnicos ou de mercado associados com as
neceu como uma concorrente de segunda linha. Só em descontinuidades, porém, muitas vezes são difíceis de
1997, quando o então COO (Chief Operating Office; serem detectados pelos gestores corporativos que estão
no Brasil, cargo equivalente ao Diretor de Operações) afastados da linha de frente. Portanto, o redireciona-
Craig Barrett levantou preocupações a respeito da ca- mento requer o envolvimento dos gestores de nível in-
pacidade da Intel para desenvolver um novo negócio, termediário e superior. O esforço bem-sucedido de Dick
um novo gestor foi capaz de fazer com que a alta gestão Hackborn para levar a Hewlett-Packard rumo a uma
encarasse as redes como estratégicas para a empresa. posição estratégica de liderança na impressão digital
durante o início dos anos 1980 é ilustrativo.8 Empreen­
A integração estratégica orientada para o alcance apoia dedores internos também redirecionaram a evolução da
o redirecionamento As empresas fortemente descentra- Johnson & Johnson e da 3M.
lizadas que tradicionalmente têm enfatizado o empreen­ Tornar-se confortável com a integração estratégica
dedorismo corporativo e a diversificação orgânica em orientada para o escopo e com o reforço é o desafio de
torno das competências centrais tendem a ser orienta-
das para o alcance. Johnson & Johnson, 3M e Hewlett-
-Packard (antes da chegada da CEO Carly Fiorina) são S. K. Yoder, “How HP Used Tactics of the Japanese to Beat Them at
8

exemplos clássicos. A integração estratégica orientada Their Game”, The Wall Street Journal, Sept. 8. 1994, A1.
598     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

integração fundamental para as empresas que enfatizam Outra consideração importante é que alguns recur-
tradicionalmente o alcance e o redirecionamento. Per- sos são mais móveis do que outros. A imagem da em-
seguir a integração estratégica orientada para o escopo presa, por exemplo, é um recurso altamente móvel e
requer a forte intervenção da alta gestão. Esse foi o caso aplicável em muitas oportunidades sem custo extra e
da 3M e da Johnson & Johnson no início dos anos 1990, sem exigir que os gestores compartilhem ativamente.
quando os CEOs procuraram aumentar a colaboração Alguns recursos são menos móveis porque requerem o
entre os negócios em suas empresas empreendedoras e compartilhamento de informações para criar uma van-
estrategicamente fragmentadas.9 tagem informacional (como as várias unidades de negó-
O esforço da Johnson & Johnson para criar um Gru- cio que a American Express criou para aproveitar dados
po de Serviços Hospitalares (GSH) nos anos 1980 é um sobre os padrões de gastos dos consumidores). Explorar
grande exemplo das dificuldades para atingir o reforço outros recursos pode exigir a configuração e gestão de
nas empresas que enfatizam tradicionalmente o alcance projetos conjuntos interdependentes em todas as uni-
e o redirecionamento.10 O GSH foi uma resposta para dades. Isso seria verdadeiro para a HP ou Motorola
as exigências dos hospitais de proporcionar uma inter- para produzir eletrônicos automotivos. Mais uma vez,
face unificada com os clientes hospitalares para pedido, a liderança de alto nível pode ajudar. A gestão da GE,
faturamento e logística. Entretanto, foram necessários por exemplo, ajudou a superar as dificuldades ineren-
muitos anos para a Johnson & Johnson garantir a co- tes de mover os recursos quando estabeleceu a General
laboração das suas bastante independentes divisões de Electric Credit Corp. cuja função era permitir que os
produtos , de forma que pudesse criar um grupo que negócios industriais da empresa ganhassem contratos
abrangesse todos os negócios. de clientes importantes.

Gerir a escassez e a mobilidade dos recursos


COMO CONSTRUIR UMA CAPACITAÇÃO DE
O segundo desafio da alta gestão envolve gerir a escas- INTEGRAÇÃO ESTRATÉGICA COMPLEXA
sez e a mobilidade dos recursos. A integração estratégica
complexa requer o compartilhamento e a transferência Como a maioria das outras capacitações corporativas,
de recursos entre as unidades de negócio. Os recursos construir capacitação em IEC é uma tarefa para o nível
tangíveis – como dinheiro, bens de capital, matérias-pri- mais alto da gestão. Somente a alta gestão consegue
mas, tipos de mão de obra e tempo de gestão – devem criar um contexto corporativo que torne a integração
ser alocados entre as diferentes unidades de negócio. A estratégica complexa um processo institucionalizado e
escassez de tais recursos cria um jogo de soma zero: o permanente, em vez de uma ocorrência localizada com
que uma unidade obtém a outra não obtém. Entretanto, base em esforços propositais de promoção por parte de
alguns recursos intangíveis – como as marcas, patentes, gestores altamente dedicados. A alta gestão precisa
know-how, tecnologia e competências (a menos que in- garantir que todos os altos gestores desenvolvam as
corporadas em pessoas específicas) – são mais do que habilidades necessárias para realizar as oportunidades
bens públicos: seu uso em uma parte da organização para de IEC.12
seguir um conjunto de oportunidades não impede o seu
Contexto da IEC
uso em outra parte qualquer. Embora a sequência de pro-
jetos específicos ainda possa lançar ocasionalmente os Para desenvolver um contexto corporativo que estimule
gestores uns contra os outros na concorrência por alguns a integração estratégica complexa, a alta gestão deve
recursos, a disponibilidade de recursos livres cria um
jogo de soma positiva no qual a cooperação de autointe-
resse, porém franca, compensa.11 gestão pode usar várias abordagens para fomentar o compartilhamento
de recursos. Bob Pittman, co-COO da AOL Time Warner, é reconhecido
por sua capacidade para fazer com que os líderes das unidades de negócio
independentes colaborem. Ele faz isso os convencendo de que ganharão
mais por meio da colaboração e também assegurando-lhes que será dado
9
J. M. Hurstak and A. E. Pearson, “Johnson & Johnson in the 1990s”, o crédito pelo sucesso da operação. Ver C. Yang, R. Grover, and A. T.
Harvard Business School case n. 9-393-001 (Boston: Harvard Business Palmer, “Shaw Times for AOL Times Warner”, Business Week, Jan. 15,
School Publishing Corp., 1993); C. A. Barlett and A. Mohammed, “3M: 2001, 56-64.
Profile of an Innovating Company”, Harvard Business School case 12
Os fatores contextuais e a habilidade proposta para criar uma capa-
n. 0-384-054 (Boston: Harvard Business School Publishing Corp., 1995). citação de CSI para uma empresa pode ser relacionada à estrutura 7-S
10
F. Auiliar, “Johnson & Johnson (B): Hospital Service”, Harvard da McKinsey & Co, que abrange estratégia, sistema, habilidade, estilo,
Business School case n. 9-384-054 (Boston: Harvard Business School pessoal e valores compartilhados. A estrutura 7-S também enfatiza a
Publishing Corp., 1983). importância das configurações ter influência óbvia sobre as habilidades,
11
Para obter os primeiros trabalhos sobre o compartilhamento de recursos mas também menciona o estilo e o pessoal. Identificar o componente de
entre as unidades de negócio, ver A. Gupta and V. Govindarian. “Resource estratégia também faz parte da estrutura 7-S. Examinar quais chances
Sharing among SBU’s Antecedents and Administrative Implications”, são necessárias na configuração 7-S atual de uma empresa para criar uma
Academy of Management Journal 29 (1986): 695-714. Além disso, a alta capacitação de CSI é uma tarefa importante da alta gestão.
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-2     599

concentrar-se na estrutura organizacional, nos sistemas foi bem-sucedida inicialmente no desenvolvimento de


de controle de gestão e nos incentivos administrativos. estratégias de área de negócio que exigiam uma cola-
Cada um dá uma contribuição diferente para a IEC e boração muito intensa entre os negócios.16 No entanto,
cada um precisa reforçar os demais. o sistema de controle de diagnóstico Abacus da ABB,
que monitorava de perto o desempenho dos milhares
Estrutura organizacional Para a colaboração efe- de centros de investimento e lucro da empresa, concen-
tiva, a estrutura organizacional de uma empresa deve trava-se no desempenho de cada unidade e impedia a
conseguir acomodar as interdependências reais e em integração estratégica. Em 1996, a alta gestão sentiu
evolução entre os negócios novos e os existentes. As que a ABB havia se tornado fragmentada demais. O
empresas precisam de uma estrutura para avaliar as resultado foram os “comportamentos excessivamente
interdependências que as iniciativas de integração individualistas pelos governantes de reinos menores”,
estratégica complexa criam – e um repertório das como notou um observador. O problema é comum. A
opções de projeto organizacional para aumentar a colaboração requer um nível de sofisticação e auto-
capacitação empreendedora da empresa.13 Intel, Nokia confiança que pode enganar os gestores acostumados a
e Lucent, por exemplo, criaram grupos de novos negó- operar em sistemas de controle que enfatizem o desem-
cios – uma primeira etapa no uso da estrutura para penho individual de cada unidade.
facilitar a IEC. À medida que a evolução dos esforços O segundo tipo refere-se aos sistemas de crenças
de IEC gera novas informações, as avaliações prévias que ajudam a definir as normas de comportamento que
devem ser reavaliadas, e os arranjos estruturais exis- apoiam a cooperação e a reciprocidade, as quais prova-
tentes, reconsiderados. velmente são mais fáceis de desenvolver em empresas
Outra abordagem estrutural poderia envolver o es- como os bancos de investimento, que realizam muitos
tabelecimento de integradores – altos executivos ou negócios envolvendo as mesmas redes de pessoas. Em
uma unidade corporativa cujo papel seja estimular as tais empresas, as normas de reciprocidade governam
unidades a dar prosseguimento à integração estratégi- as interações repetidas. A cooperação e a reciprocidade
ca complexa. Por exemplo, Bob Pittman exerceu um são mais difíceis de desenvolver nas situações que en-
papel fundamental como integrador de empresas após volvem os comprometimentos pouco frequentes, gran-
a fusão da Time Inc. e da Warner Communications. des e únicos que a integração estratégica pode pedir.
Outra abordagem estrutural é redistribuir a tarefa da Normalmente, elas surgem gradualmente ao longo do
integração estratégica complexa atribuindo dupla res- tempo como parte de uma cultura de confiança e apoio
ponsabilidade aos altos executivos: são encarregados entre os gestores. Por exemplo, na 3M as unidades de
das principais atividades funcionais ou empresariais e, negócio são donas dos produtos, mas não das tecnolo-
ao mesmo tempo, responsáveis pelo desenvolvimento gias. As pessoas realmente acreditam que as tecnolo-
de novos negócios com base na integração estratégica gias estão livremente disponíveis para qualquer um na
complexa. Essa é essencialmente a abordagem adotada 3M que queira utilizá-las no desenvolvimento de novos
por Fiorina da HP.14 negócios.
O terceiro tipo diz respeito aos sistemas de controle
Sistemas de controle de gestão Os sistemas de con- fixadores de limites que são úteis na identificação dos
trole de gestão também podem estimular a IEC. Um grandes riscos, particularmente os que levam as empre-
estudioso identificou quatro tipos.15 O primeiro refere- sas a perseguir a integração estratégica superambicio-
-se aos sistemas de controle de diagnóstico que poderão sa. O Grupo de Novos Negócios da Intel fixa limites e
promover a cooperação se registrarem contribuições visa, na medida do possível, evitar a entrada em novas
entre as unidades. No entanto, a maioria se concentra áreas, em concorrência direta com os clientes existen-
no desempenho da unidade de negócio e pode dissuadir tes. No entanto, os limites precisam ser suficientemente
os gestores das unidades de negócio em relação às ati- dinâmicos para que acomodem o acaso na integração
vidades de integração estratégica. Por exemplo, a ABB estratégica complexa.
Finalmente, os sistemas de controle interativos aju-
dam a alta gestão a sinalizar a importância da IEC. Com
13
R. A. Burgelman, “Designs for Corporate Entrepreneurial ship in os sistemas de controle interativos, a integração estra-
Established firms”, California Management Review 26 (Spring
1984):154-166.
tégica complexa permanece sobre a mesa em todas as
14
R. A. Burgelman and P. Meza, “The New HP Way”, Stanford Business
School case n. SM-7 (Stanford, California: Stanford Business School,
2000).
15
R. Simons, Levers of Control: How Manager Use Innovative Control
Systems to Drive Strategic Renewal (Boston: Harvard Business School C. A. Bartlett and S. Ghoshal, “Beyond the M-Form: Toward a Managerial
16

Press, 1994). Theory of the Firm”, Strategic Management Journal 14 (1993): 23-46.
600     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

discussões de alto nível sobre estratégica corporativa. sa garantir que a empresa estimule e desenvolva três
Desse modo, quando Craig Barrett da Intel começou a conjuntos de habilidades que se apoiem mutuamente.
envolver várias centenas de executivos seniores em dis- As habilidades cognitivas, políticas e empreendedoras
cussões sobre como aumentar a capacitação de novos podem ser desenvolvidas por meio da educação e das
negócios da empresa, ele conseguiu estimular a criação atribuições de tarefas.
em 1999 do Grupo de Novos Negócios.
Habilidades cognitivas Parte do conjunto necessário
Incentivos administrativos Uma grande responsabili- de habilidades de IEC é cognitiva. A integração estraté-
dade da alta gestão das empresas que mantêm vários gica complexa exige que os altos executivos pensem em
negócios é desenvolver e manter incentivos que estimu- novas estratégias que reúnam atividades e projetos loca-
lem os gestores mais promissores a executar iniciativas lizados em partes diferentes da empresa. O desafio é de
de integração estratégica complexa – sem perder o foco imaginação, compreensão intelectual e capacidade de
na realidade competitiva que seus negócios enfren- reconhecer as boas estratégias. Gestores diferentes sem
tam.17 Os incentivos devem ser coerentes com os arran- dúvida têm aptidões diferentes. No entanto, o desenvol-
jos estruturais e os sistemas de controle.18 Infelizmente, vimento executivo pode exercer um papel importante
os gestores das unidades de negócio enfrentam, com ao colocar os gestores em posições onde possam apren-
frequência, incentivos conflitantes e, embora, quando der na prática. Algumas vezes, porém, os gestores de
confrontados pelo crescimento lento, possam ser moti- alto nível tentam muito, levando seus sonhos para a rea-
vados a buscarem a cooperação entre os negócios, os lidade até que, como a American Express fez com a sua
gestores dos negócios lucrativos e em crescimento estratégia de supermercado financeiro, eles se encon-
podem não se sentir motivados para tal. tram no conjunto superambicioso. Uma das habilida-
Além disso, os gestores das unidades de negócio des necessárias é a capacidade de decidir quando sair
podem perceber os incentivos para a cooperação como dos negócios e abandonar os sonhos, como a Hewlett-
uma dispersão de suas responsabilidades e difundi-las -Packard fez quando abriu mão dos seus negócios de
de forma disfuncional. Um alto executivo de uma em- teste e medição para focar mais os negócios de compu-
presa europeia de alta tecnologia observou que a capa- tadores e impressoras.
cidade dos gestores para enxergar além das fronteiras
do seu próprio negócio e de pensar criativamente sem- Habilidades políticas A integração estratégica com-
pre foi um dos critérios mais importantes para ascender plexa envolve reconfigurar o fluxo de recursos da
a níveis mais altos em sua empresa. De acordo com esse empresa por meio de projetos entre as unidades. As
executivo, o rodízio de tarefas e as atribuições interna- fronteiras das unidades são redefinidas e muitas vezes
cionais empregadas para esse fim levaram os gestores a as cartas individuais das unidades de negócio também.19
focar a dimensão do escopo, o que, “em alguns casos, É principalmente a alta gestão que precisa criar um con-
talvez tenha levado a um desempenho mais fraco em texto corporativo coerente para promover e incentivar
termos de alcance”. O mesmo executivo acrescentou a cooperação entre as unidades.20 Todavia, outros ges-
que a preocupação atual com o desempenho de uma tores de alto nível que articulam mudanças nos con-
única unidade de negócio estava ameaçando enfraque- textos estrutural e estratégico da empresa exercem um
cer os incentivos para os gestores se concentrarem na papel fundamental. Eles precisam de fortes habilidades
integração estratégica. políticas para obter apoio da alta gestão e dos pares
para suas iniciativas de integração estratégica com-
Habilidades de IEC plexa. Precisam formar parcerias com os pares, criar
Além de criar um contexto corporativo que estimule um denominador comum e uma visão compartilhada, e
a integração estratégica complexa, a alta gestão preci- gerir conflitos entre as unidades de negócio. Precisam
ainda ser capazes de definir soluções que atendam os
interesses das várias unidades de negócio (atendendo
ao mesmo tempo à empresa) e seduzir outros gestores
17
As dificuldades associadas com o alinhamento dos incentivos nas em-
presas de múltiplos negócios levam os economistas a enfatizarem os be-
de unidades de negócio e a alta gestão, de forma que
nefícios das estratégias de negócio focadas (únicas). Ver J. J. Rotemberg
and G. Saloner, “Benefits of Narrow Business Strategies”, American
Economic Review 84 (1994): 1330-1349.
18
Para ver uma abordagem analítica na criação da relação entre incen- 19
D. C. Galunic, “Recreating Divisional Domains: Coevolution and the
tivos, estratégia e estrutura em empresas complexas com o uso de múl- Multibusiness Firm” (tese de mestrado, Department of Industrial Engine-
tiplas dimensões em sua estrutura (p. ex., produto, geografia) ver D. P. ering and Engineering Management, Stanford University, 1994).
Baron and D. Besanko, “Strategy, Organization and Incentives: Global 20
T. R. Eisenmann and J. L. Bower, “The Entrepreneurial M-Form:
Corporate Banking at Citibank”, Research Paper Series n.1488, Stanford Strategic Integration in Global Media Firms”, Organization Science
University Graduate School of Business, Stanford, California, 1998. (May-June 2003): 348-355.
PARTE 5 – CONCLUSÃO | Artigo 5-2     601

estes possam cooperar. As habilidades correspondem levar as iniciativas de integração estratégica complexa
aos bons políticos, construtores de coalizões bem-suce- a uma conclusão bem-sucedida. Promover os executi-
didas e diplomatas em alianças complexas. vos com base em seus resultados de IEC demonstrados
fala mais alto do que as afirmações sobre a necessidade
Habilidades empreendedoras A integração estraté- de criar valor para o acionista. A alta gestão terá que
gica complexa também requer habilidade empreen- trabalhar no desenvolvimento de um contexto empre-
dedora: a capacidade de perceber oportunidades de sarial de IEC e nas habilidades desta. Erros serão co-
negócios rentáveis e atrair os recursos empresariais metidos, mas o segredo é identificá-los e corrigi-los
necessários. A IEC pede a transformação do projeto de rapidamente. A importância relativa das iniciativas de
um pequeno empreendimento em uma oportunidade IEC e dos negócios individuais pode variar ao longo
para a grande renovação da empresa. Os altos executi- do tempo conforme a empresa evolui por meio de ci-
vos precisam dominar essas atividades de criação estra- clos de vida e transições industriais diferentes. Con-
tégica e promoção da organização para que possam tudo, os líderes das empresas de vários negócios não
determinar o contexto estratégico das grandes inicia- devem vacilar em seu apoio à integração estratégica
tivas e convencer a alta gestão a empenhar recursos.21 complexa e em seu papel crítico no futuro da empresa.

O PAPEL EXCLUSIVO DA ALTA GESTÃO RECURSOS ADICIONAIS


A tarefa da alta gestão é desenvolver um processo de Pouco se tem escrito sobre o processo de gestão en-
formulação de estratégia que possa equilibrar os de- volvido na integração estratégica complexa. No en-
safios associados com a exploração simultânea das tanto, a pesquisa sobre integração após as aquisições
oportunidades existentes e novas. Nas empresas de fornece alguns conhecimentos sobre como permitir
múltiplos negócios, isso significa desenvolver uma que as diferentes entidades organizacionais trabalhem
capacitação em IEC. Os líderes empresariais devem juntas. Os leitores interessados apreciarão o livro de
assumir um compromisso explícito de articular uma P. C. Haspeslagh e D. B. Jemison, editado pela Free
estratégia corporativa que facilite a exploração e o Press, Managing Acquisitions: Creating Value Through
aproveitamento da quantidade máxima viável de opor- Corporate Renewal. Para obter informações sobre
tunidades estratégicas. Compreendendo a importância pesquisas de integração estratégica nas empresas que
do alcance e do escopo, eles devem certificar-se de operam na economia global, recomendamos o livro
que os gestores compreendam que suas chances para de Y. Doz, J. Santos e P. Williamson, From Global to
alcançar posições cada vez mais altas na hierarquia da Metanational: Competing in the Global Knowledge
empresa dependem da sua capacidade demonstrada de Economy, que deve ser lançado este ano.

21
Para uma discussão sobre atividades empreendedoras fundamentais,
ver R. A. Burgelman, “Managing the Internal Corporate Venturing Pro-
cess”, Sloan Management Review 25 (Winter 1984). Em uma escala
menor, “remendar” – que envolve acrescentar, dividir, transferir ou
combinar partes de negócios – também é potencialmente uma habilidade
empreendedora útil. Ver K. M. Eisenhardt and S. L. Brown, “Patching:
Restitching Business Portfolios in Dynamic Markets”, Harvard Business
Review (May-June 1999): 72-85.
Créditos

Parte 1 School Publishing Corporation; todos os Artigo 2-15 Reimpresso com a permissão da
direitos reservados. Harvard Business Review. From Strategic
Parte 1, Figura 3 Technology Review by Artigo 2-4 Reimpresso com a permissão da Intent by Gary Hamel and C.K. Prahalad,
A. Fusefeld. Copyright 1991 by MIT Harvard Business School Press. From The May–June/1989, pp. 63–76. Copyright © 1989
Technology Review. Reproduzido com a Innovator’s Solution by Clayton M. Christensen by the Harvard Business School Publishing
permissão de MIT Technology Review no and Michael Raynor. Boston, MA, 2003, pp Corporation; Todos os direitos reservados.
formato de Livro Didático via Copyright 31–72. Copyright © 2003 by the Harvard Artigo 2-16 Strategic Management Journal, “Let
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Technology Journals. Reproduzida com a Customer power, strategic investment, and the S. Grove, Copyright 2007 by John Wiley and
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Journals no formato de Livro Didático via and John L. Bower. Copyright 1996 by John Wiley and Sons Limited.
Copyright Clearance Center. Wiley and Sons. Reproduzido com a permissão Artigo 2-17 Copyright © 1996, by The Regents
Artigo 1-2 Technology Review by Abernathy and da John Wiley and Sons Limited. of the University of California. Reimpresso da
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Review. Reproduzido com a permissão de Disruption, Disintegration and the Dissipation Com a permissão dos professores.
MIT Technology Review no formato de Livro of Differentiability, Industrial and Corporate
Didático via Copyright Clearance Center. Change, 2002, Vol. II, No. 5, pp. 955–993, com
Artigo 1-4 Technology Review by George R. PARTE 3
a permissão da Oxford University Press.
White. Copyright 1978 by MIT Technology Artigo 2-7 Copyright © 1995 by Geoffrey A. Artigo 3-1 Research Technology
Review. Reproduzido com a permissão da Moore Consulting, Inc. Reimpresso com a Management by Clayton Christensen,
MIT Technology Review no formato de Livro permissão da HarperCollins Publishers. Christopher Musso and Scott Anthony.
Didático via Copyright Clearance Center. Artigo 2-9 Copyright © 2007 by the Board Copyright 2004 by Industrial Research
Artigo 1-5 Copyright © 1996, by The Regents of Trustees of the Leland Stanford Junior Institute, Inc. Reproduzido com a permissão do
of the University of California. Reimpresso da University. Todos os direitos reservados. Industrial Research Institute, Inc.no formato de
California Management Review. Vol. 49, No. 3. Usado com a permissão da Stanford University Livro Didático via Copyright Clearance Center.
Com a permissão dos professores. Graduate School of Business. Artigo 3-2 Fortune © 1983 Time Inc. Todos os
Artigo 1-6 Copyright by the President and Artigo 2-9 Figura 2 Cortesia do BSA. direitos reservados.
Fellows of Harvard College. Todos os direitos Artigo 2-10 Copyright 1998 by the President and Artigo 3-3 Reimpresso com a permissão da
reservados. Harvard Business School Case Fellows of Harvard College. Todos os direitos Harvard Business Review. From “Perfecting
21N-607-014. reservados. Harvard Business School Case Cross-Pollination” by Lee Fleming,
Artigo 1-7 Reimpresso de The Art of High- 9-698-028. September/2004. Copyright © 2004 by
Technology Management by M.A. Maidique Artigo 2-11 Elting E. Morison, Men, Machines, the Harvard Business School Publishing
and R.H. Hayes, MIT Sloan Management and Modern Times, cortesia do MIT Press. Corporation; Todos os direitos reservados.
Review, 25 (Winter 1984), pp. 18–31, com Artigo 2-12 Rebecca M. Henderson and Kim B. Artigo 3-5 Reimpresso com a permissão da
a permissão do editor. Copyright © 1984 by Clark, “Architectural Innovation: Research Management 22, no. 3 (May 1979),
Massachusetts Institute of Technology. Todos The Reconfiguration of Existing Product pp. 11–17. Nota: Todos os autores deste artigo
os direitos reservados. Technologies and the Failure of Established trabalharam na Divisão de Pesquisas da IBM.
Firms,” Administrative Science Quarterly, Artigo 3-6 Wesley M. Cohen and Daniel A.
PARTE 2 Volume 35, Number 1 Levinthal, “Absorptive Capacity: A New
(March 1990). Reimpresso com a permissão da Prospective on Learning and Innovation,”
Artigo 2-1 Techology Review by MIT Alumni Cornell University. Administrative Science Quarterly, Volume 35,
Association. Copyright 1978 by MIT Artigo 2-13 Reimpresso com permissão, Robert Number 1 (March 1990). Reimpresso com a
Technology Review. Reproduzido com a Burgelman, Intraorganizational Ecology permissão da Cornell University.
permissão da MIT Technology Review no of Strategy Making and Organizational Artigo 3-7 Reimpresso com a permissão da
formato de Livro Didático via Copyright Adaptation: Theory and Field Research, Harvard Business Review. From “Making
Clearance Center. Organization Science, 2/3, August 1991. Sense of Corporate Venture Capital” by Henry
Artigo 2-2 Reimpresso com a permissão Copyright 1991, the Institute for Operations W. Chesbrough, issue March/2002. Copyright
da Production and Operation Research Research and Management Sciences, 7240 © 2002 by the Harvard Business School
Management. Parkway Drive, Suite 310, Hanover, MD 21076 Publishing Corporation; Todos os direitos
Artigo 2-3 Reimpresso com a permissão da USA. reservados.
Harvard Business Review. From “Core Artigo 2-14 Copyright © 1996, by The Regents Artigo 3-8 Copyright 1998 by the President and
Competence of the Corporation” by C.K. of the University of California. Reimpresso da Fellows of Harvard College. Todos os direitos
Prahalad and Gary Hamel, May/1990. California Management Review. Vol. 38, No. 2. reservados. Harvard Business School Case
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604    Créditos

Artigo 3-9 Reimpresso com a permissão da Artigo 3-15 Copyright © 1996, by The Regents by the Harvard Business School Publishing
Harvard Business Review. From “Eager Sellers of the University of California. Reimpresso de Corporation; Todos os direitos reservados.
and Stony Buyers” by John T. Gourville, California Management Review. Vol. 38, No. 4. Artigo 4-6 Reimpresso com a permissão da
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Business School Publishing Corporation; Todos Development Map” by Steven C. Wheelwright
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Harvard Business Review. From “Innovation Artigo 4-1 Reimpresso com a permissão de Publishing Corporation; Todos os direitos
Killers: How Financial Tools Destroy Your Henry E. Riggs. reservados.
Capacity to Do New Things” by Clayton M. Artigo 4-2 Reimpresso de Research Policy, 14, Artigo 4-7 S.C.Wheelwright & K.B.Clark,
Christensen, Stephan P. Kaufman, and Willy M.A. Maidique & B. Zirger. The New Product International Marketing Review, 11, 1, 32–46
C. Shih, January/2008. Copyright © 2008 Learning Cycle, pp. 299–313, Copyright 1985, ©1994 Emerald Group Publishing Limited.
by the Harvard Business School Publishing com a permissão da Elsevier. Todos os direitos reservados.
Corporation; Todos os direitos reservados. Artigo 4-3 Copyright © 2006, by The Regents
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Artigo 3-12 At 3M, A Struggle Between Artigo 5-1 Reimpresso com a permissão da
Artigo 4-4 Reimpresso de Finding the Right
Efficiency and Creativity by Brian Hindo. Job for Your Product by Clayton Christensen Harvard Business Review. From “Building a
Business Week. June 11, 2007. Usado com a and Scott Anthony, MIT Sloan Management Learning Organization” by David A. Garvin,
permissão da Business Week. Review, 48, no. 3 (Spring 2007) com a July/1993. Copyright © 1993 by the Harvard
Artigo 3-13 Reimpresso de Managing the permissão do editor. Copyright © 2007 by Business School Publishing Corporation; Todos
Internal Corporate Venturing Process: Some Massachusetts Institute of Technology. Todos os direitos reservados.
Recommendations for Practice by R.A. os direitos reservados. Artigo 5-2 Reimpresso de The Power of Strategic
Burgelman, MIT Sloan Management Review, Artigo 4-5 Reimpresso com a permissão Integration by Robert A. Burgelman and Yves
Winter 1984, Vol. 25, no. 2 pp. 33–48, com da Harvard Business Review. From L. Dox, MIT Sloan Management Review,
permissão do editor. Copyright © 1984 by “Creating Project Plans to Focus on Product Spring 2001, by permission of publisher.
Massachusetts Institute of Technology. Todos Development” by Steven C. Wheelwright and Copyright © 2001 by Massachusetts Institute of
os direitos reservados. Kim B. Clark, March/1992. Copyright © 1992 Technology. Todos os direitos reservados.
Índice de Nomes

Os números de páginas seguidos de n indicam material encontrado nas notas.

A Arthur, B., 59n, 248n, 304, 305, 307, 309, Billington, C., 179, 197n
316n, Birdzell Jr., L. E., 274, 276n
Abell, D., 4n Arthur, W. B., 96, 102n, 207, 207n, 208n, Birkinshaw, J., 462n
Abernathy, W. J., 7, 15n, 16, 89n, 93, 96, 211n, 212n, 213n, 214n, 215n Blackmore, Peter, 322
97, 102n, 104n, 136n, 183n, 197n, Ashkenas, RonaldN., 317n Blake, Frank, 447
247n, 248n, 257, 282n, 307, 317n, Astley, W. G., 96, 102n, 259, 267, 273, Block, A., 54n, 56n, 57n
334n, 377n, 476n, 603 275n Block, Z., 463n
Achi, P., 511n Atherton, R. M., 341n Bobbitt, Philip, 416
Adler, P., 92, 102n Auster, E. R., 273, 275n Boeker, W., 97, 103n, 261, 262, 273,
Adner, R., 178, 180n, 181, 182, 197n Ausube, J., 213n 275n
Agnew, H. M., 211n Axelrod, R., 304, 305, 306, 307, 316n Bohmer, M. R., 197n
Agullar, F. J., 464n Bono, Sonny, 227
Ahmadjian, C. L., 76n Boucher, R., 228n
Aiello, R. J., 317n B Bourgeois, L. J., III, 259, 275n
Ala-Pietilla, P., 595n Bower, G. H., 378n
Bacharach, S. B., 245n
Alchian, A., 197n Bower, J. L., 69n, 98, 103n, 134, 135,
Bacon, G., 55n
Aldrich, H. E., 92, 96, 102n, 103n, 259, 136n, 157, 158, 159, 171n, 175n,
Badger, C., 511n
262, 264, 273, 275n, 276n 180n, 184, 197n, 263, 264, 268, 272,
Bahrami, H., 55n
Alendander, B. G., 320n 275n, 307, 308, 316n, 317n, 464n,
Baldwin, C. Y., 178, 179, 182, 183, 186n,
Alexander, C., 246n, 248n 600n
191, 197n
Allaire, P., 580 Bowick, Susan D., 322, 323, 330, 331
Ball, G., 288n
Allen, J., 462n Boyd, R., 273, 275n
Bamford, R. S., 56n, 66n, 201n, 594n
Allen, T. J., 337n, 377n, 380n, 381n, Boyd, Steven, 448
Barnett, W. P., 96, 102n, 307, 316n
382n Bradshaw, G. F., 379n
Barney, J., 93, 102n
Amar, B., 543n Barnfather, M., 88n, 89n Bradshaw, Thorton F., 81, 82
Amelio, G., 475 Baron, D. P., 600n Brandenburger, A. M., 59n, 306, 316n
Ames, Charles, 89n Barrett, Craig, 266, 304, 597, 600 Brennan, Edward, 480
Amit, R., 13n Bartlett, C. A., 599n Bridges, W. P., 245n
Ananthasubramanianium, G., 511n Bartlett, J., 90n, 520n, 522n Bright, J. R., 129n
Anderson, A., 7n Bass, M. J., 180n, 187, 197n Brittain, J. W., 261, 275n
Anderson, Bob, 450 Baum, J., 473n, 476n Brock, G. W., 377n
Anderson, J. R., 378n, 379n Beard, D., 245n Broers, A. N., 254n
Anderson, P., 96, 104n, 113, 129n, 136n, Becker, G. S., 179, 197n Brooks, F. P., 95, 103n
159n, Becker, R. H., 113, 115, 129n Brooks, G., 472n
161n, 162n, 165n, 176n, 245n, 247n, Becker, S. W., 264, 275n Brooks, H., 13n
248n, 282n, 304, 316n, 384n, 476n Beckman, S., 55n Brown, S. L., 304, 316n
Andrews, K. R., 92, 102n, 262, 275n, Bennett, Steve, 447 Brown, W. L., 254n
290n Beresford, Charles, 237 Browne, P. C., 81n
Angangco, R., 511n Berger, D. G., 455n Bruce, L., 479n
Angelmar, R., 95, 104n Berstell, Gerald, 542n Brunelleschi, Filippo, 218
Ansoff, H. I., 93, 102n, 290n, 335n, 520n, Berthon, P., 54n Bruno, A. V., 514n
594n Besanko, D., 600n Buckley, George, 445, 446, 448
Anthony, S. D., 13, 349, 535 Beyer, J. M., 262, 275n Bucy, Fred, 88
Argyris, C., 251n, 581 Bezos, Jeff, 408 Bunn, J., 216n
Armstrong, E., 180n, 197n Biggadike, R., 453n, 455n, Burgelman, R. A., 3n, 4n, 6n, 7n, 8n, 54,
Arrow, K., 249n, 251n, 387n, 516n 464nBillerbeck, B., 511n 55n, 56n, 57n, 58n, 59n, 63n, 66n,
606     Índice de Nomes

69n, 88n, 91n, 92n, 93n, 94n, 95n, 96, Christensen, C. M., 54n, 55n, 63n, 67, D
97, 100, 102n, 103n, 104n, 158, 159, 67n, 69n, 75n, 77n, 98, 103n, 111,
168n, 171n, 172, 173, 175, 201n, 217, 112, 116, 121, 126, 129n, 130, 131, Da Vinci, Leonardo, 238
226n, 258, 259, 260, 261, 264, 265, 134, 135, 136n, 137n, 143n, 144n, Daft, R. L., 245n, 248n, 249n, 264, 265,
267, 272, 273, 275n, 277, 280n, 281n, 145n, 146n, 153, 157, 160, 162, 163, 275n
282n, 283n, 284n, 288n, 293n, 304, 163n, 166, 169n, 170n, 175, 175n, Dahlen, A., 511n
305, 306, 307, 308, 311, 312, 313, 176n, 177, 178, 179, 180, 180n, 181, D’Arbeloff, Alexander, 87
316n, 317, 320n, 324n, 330, 334n, 182, 183n, 184, 185n, 186n, 187, Darwin, Charles, 219
335n, 337n, 339n, 340n, 341n, 342n, 197n, 198n, 198, 200, 307, 316n, 349, D’Aveni, R. A., 270, 272, 276n
344n, 345n, 360, 451, 453n, 455n, 349n, 352n, 354n, 395n, 415, 415n, Davenport, Tom, 447
461, 462n, 463n, 464n, 465, 466n, 467n, 535, 544n David, P., 96, 103n, 213n, 214n, 215,
467n, 468n, 470n, 476n, 481n, 593, Christian, L., 511n 216n
594n, 595n, 596n, 599n, 601n Christiansen, C., 26n Davidow, William H., 63n, 266, 275n
Burggraaf, P., 254n Churchill, J., 401n, 402, 404, 404n, 405 de Alvarez, L. P. S., 484n
Burnick, Jim, 449 Clark, K. B., 7n, 16n, 68n, 72n, 73n, 76n, Dearborn, R., 380n
Burns, T., 245n, 248n, 380n 93, 96, 97, 101, 102n, 103n, 104n, Dell, Michael, 320
Burton, R. L., 211n 113n, 118, 126n, 127, 129n, 130, Demetrescu, S., 511n
135n, 136n, 141n, 160, 161, 163, DeMonaco, Lawrence J., 317n
Buzzell, Robert, 107
176n, 178, 179, 183, 186n, 190, 191, Demsetz, H., 178, 197n
195, 197n, 245, 245n, 246n, 247n, Denend, L., 55n
C 248n, 249n, 252n, 282n, 315n, 334n, Denend, Lyn, 54n
335n, 382n, 476n, 481n, 486n, 487n, Denrell, J., 315, 316n
Cady, R. K., 233n 488n, 489n, 493n, 494n, 495n, 496n, Dess, G. G., 245n
Cameron, K., 259, 270, 272, 276n 500n, 523, 523n, 528, 528n, 548, Deutschman, A, 483n
Caminiti, S., 480n 557n, 568 Dewar, R. D., 245n
Camp, Robert C., 587n Clarke, Jeff, 322, 330, 331 Dickens, Charles, 224
Camp, S. M., 462n Clausing, D., 179, 198n, 500n Diggs, Matt, 585
Campbell, A., 462n, 467n, 469n Claycamp, H. J., 547n DiMaggio, P. J., 267, 268, 275n
Campbell, D. T., 96, 103n, 166n, 175n, Coase, R. H., 178, 197n Donaldson, G., 97, 103n, 262, 274, 275n,
259, 260, 275n, Cogan, G. W., 97, 103n, 260, 275n, 277n 281n, 334n
Cannon, R., 511n Dorothy, Leonard, 544n
Cohen, H., 369
Cannon, Walter, 238 Dosi, G., 15n, 59n, 96, 102n, 103n, 161,
Cohen, L. E., 259, 268, 275n
Capellas, Michael, 320, 322, 323 162n, 173, 176n, 207n, 248n, 249n,
Cohen, M. D., 304, 305, 306, 307, 316n
Carey, Dennis, 317n 316n
Cohen, S. D., 380n
Carp, Dan, 546n Doz, I. L., 95, 100, 101, 103n, 104n, 272
Cohen, W. M., 62n, 100, 103n, 336, 377,
Carroll, G. R., 259, 273, 275n, 304, 306, Doz, Yves L., 39n, 593, 594, 594n, 601
383n, 385n, 387n, 388n, 390n, 391n,
317n, 473n Drobenko, B., 511n
392n, 470n
Carter, D. L., 594n Drucker, Peter F., 539n
Collins, J., 58n, 305, 315n, 316n, 445
Carter, Dennis, 260 Duarte, D., 462n, 467n
Colvin, G., 81n
Carter, Robert, 447 Dunwell, Stephen, 522
Colwell, K. A., 304, 305, 317n
Cary, Frank, 84 Dutton, J. E., 245n, 251n, 277n
Connelly, John, 98
Chakravarty, B. S., 275n Dwight, Herb, 87
Connor, B., 511n
Chakravorti, B., 144n Dyer, D., 523n
Constant, E. W., 112, 113, 129n
Chandler, A. D., 178, 182, 197n, 263, Dyer, J., 195, 197n
Cooper, A. C., 7n, 97, 111, 129n, 159,
275n 175n, 245n, 248n, 270, 275n, 282n,
Chandler, M. K., 88n, 368n 335n, 471n, 514n E
Chapin, C., 13n Cooper, R. C., 510n, 511n
Charitou, C., 145n Cooper, R. G., 402n, 520n, 521 Eastham, Melville, 82
Chase, M., 82n Coover, J., 224n Einstein, Albert, 219
Chatman, J., 482n Cosier, R. A., 288n Eisenhardt, K. M., 55n, 274, 275n, 277n,
Chaudhuri, Salkat, 317n Cowan, Rory, 211n, 215 304, 316n, 481n, 601n
Chen, R., 217n Craig, T., 146n, 197n Eisenmann, T. R., 600n
Chesbrough, H. W., 178, 179, 179n, 180, Crawford, R., 197n Eisner, Michael, 596
189, Cristiano, J. J., 76n Eletr, Sam H., 341
194n, 196, 197n, 347n, 393, 462, 462n, Crites, D. M., 341n Ellenby, John, 356
465n Croyle, R., 317n, 330 Ellis, H. C., 378n, 379n
Chia, R., 304, 317n Cummings, L. L., 104n, 251n, 275n, Ellison, David, 575n
Child, J., 259, 275n 276n, 277n, 472n, 476n, 482n Emerson, Ralph Waldo, 408
Chinn, D., 511n Cusumano, M. A., 104n Englmann, F., 207n
Chisum, D. S., 218n Cyert, R. M., 248n Eppinger, S., 179, 198n
Índice de Nomes     607

Ermoliev, Y. M., 212n, 213n G H


Estes, W. K., 378n
Estridge, Philip, 25 Gaba, V., 304, 305, 317n Haag, G., 216n
Ettlie, J. E., 245n Gable, J. S., 63n, 516n, 517n Hackborn, Dick, 597
Evans, Bob, 522n Gaddis, J. L., 304, 316n Hage, J., 245n
Evans, P., 4n, 92, 104n Galbraith, J., 249n Haggerty, P. E., 262, 275n
Evans, S., 55n Galbraith, J. R., 451n Haggerty, Patrick, 86
Haken, H., 216n
Galileu, 238
Hall, G. W., 187, 197n
Galunic, D. C., 600n
F Halliday, R. G., 232n
Gardiner, J. P., 251n
Hamberg, D., 377n
Farrell, F., 96, 103n Garrana, Henry, 220 Hambrick, D., 261, 262, 268, 269, 270,
Farrell, J., 211n, 214n, 309, 316n Garrett, Stanford J., 355 272, 275n, 276n, 466n
Farrell, R., 378n Garud, R., 96, 104n, 466n Hamel, G., 4n, 34, 92, 93, 100, 101,
Farros, R., 511n Garvin, David A., 68n, 175, 463n, 580, 103n, 104n, 272, 276n, 277n, 281n,
Fast, N. D., 341n, 345, 451n, 462n, 463n 594 290n, 468n, 494n
Ferrari, M. D., 231n Geneen, Harold, 81 Hamilton, W. F., 100, 103n
Fine, C., 180, 183, 189, 197n Gens, F., 26n Hammond, Timm, 450
Finger, H., 511n Gerstner, Louis V., Jr., 326n, 327n, 478, Hampson, K. D., 93, 95, 103n
Finkelstein, S., 269, 275n 480 Hannan, H. T., 97, 103n
Fiol, C. Marlene, 581 Hannan, M. T., 245n, 259, 268, 270, 273,
Ghoshal, S., 599n
Fiorina, Carly, 319, 320, 322, 323, 331, 274, 275n, 276n, 282n, 304, 306, 307,
Gibbons, M., 96, 103n, 377n
594, 596, 599 308, 317n, 473n
Gilbert, R., 13n
Fisher, George, 527 Hansen, M. T., 307, 316n
Fisher, Ken, 83 Gilder, G., 58n, 262, 275n
Hanson, W., 214n
Fiske, Bradley, 240 Girault-Cuevas, L., 511n Haour, G., 112, 129n
Fixson, S., 179, 197n Glaser, B. G., 261, 275 Hardison, T., 511n
Flaherty, T., 13n Gleick, J., 306, 316n Harlow, H. F., 379n
Fleming, L., 179, 185, 197n, 358 Gluck, F. W., 364n, 487n Harris, J. M., 6n, 7n
Fletcher, W., 207 Goes, J., 472n Hart, S. L., 146n, 197n
Ford, D., 94, 103n Goldman, Jack, 357 Haspeslagh, P., 263, 265, 276n, 318n, 601
Ford, Henry, 107 Goldstein, P., 223n, 225n, 226n Hatch, Orrin, 227
Forgues, B., 304, 317n Gompers, P., 464n Hatzakis, M., 254n
Forward, Gordon, 580 Gordon, Bernie, 87 Hauser, J. R., 500n
Foschi, M., 288n Gould, S. I., 96, 103n Haveman, H., 13n
Foster, R., 111, 112, 113, 114, 115, 117, Gould, S. J., 273, 275n, 304, 305, 316, Hayes, R., 79, 103n, 104n, 126, 126n,
126, 129n, 129n, 135n, 487n, 488n
317n
133, 134, 136n, 471n487n Hays, L., 478n
Gourville, John T., 408
Foster, R. J., 159, 160, 161, 166n, 176n Hazard, H., 103n, 245n
Foster, R. N., 8n, 96, 103n, 284n, 336n, Grabowsky, H., 230n
Hedberg, B. L., 272, 276n, 519n
364n Graham, B. K., 103n, 277n Hefley, W., 392n
Francis, Suzanne C., 317n Graham, Margaret B. W., 46 Henderson, B., 516n
Frankel, M., 208n Graham, Martha, 221n Henderson, R. M., 7n, 68n, 93, 96, 97,
Frankel, Richard, 86 Green, S., 224n 103n,
Freeman, C., 207n, 245n, 251n, 513n Greenberg, Milt, 87 111, 113, 118, 119, 126n, 127, 129n, 130,
Freeman, J., 97, 103n, 245n, 259, 261, Greve, A., 519n 135, 135n, 136n, 160, 161, 163, 168n,
262, 268, 270, 273, 274, 275n, 276n, Grosseteste, Robert, 238, 240 171, 175, 176n, 179, 190, 197n, 245,
282n, 304, 307, 308, 317n Grove, A., 476n 255n, 282n, 334n, 335n
Friar, J., 4n Grove, Andrew S., 196, 197n, 201n, 260, Herman, R., 213n
Fried, I., 321n 263, 265, 268, 269, 277, 277n, 279n, Heron, S. D., 106
Friedman, Milton, 540n 286, 288n, 303n, 304, 305, 306, 309, Hewlett, Walter, 328n
Friesen, P. H., 261, 262, 268, 273, 276n, Hewlett, William R., 341
316n, 317n, 327n, 484n, 596
282n Hilgard, E. R., 378n
Grover, R., 598n
Frohman, Dov, 264 Hill, R., 89n
Grow, Brian, 447
Fry, Art, 448, 450 Hindo, Brian, 445, 447
Fudge, Ann, 447 Gruen, Rhonda, 231, 232 Hitt, M.A., 462n
Fujimoto, T., 76n, 179, 195, 197n, 382n, Gruendyke, B., 320n Hodes, M. S., 187, 197n
488, 489, 489n, 494n, 496, 528, 528n, Guior, R., 511n Hofer, C. W., 275n, 299n
557n, 568 Gulliver, Frank R., 586n Hollander, S., 105, 245n
Fuller, B., 223n Gupta, A., 598 Hollings, Ernest F., 228
Fusfeld, A. R., 6n, 30 Gutterman, D., 232n, 233n, 234n Holmstrom, B., 346n
608     Índice de Nomes

Honda, Y., 511n K Langer, Robert, 360


Horley, A., 513n Langley, P. W., 379n
Horwitch, M., 4n, 13n Kager, Patrick, 317n, 330 Langlois, R. N., 178, 196, 198n
Kagono, T., 259, 276n Langton, J., 267, 273, 276n
Houndsfield, Godfrey, 14, 25
Kahn, R. L., 380n Lardner, J., 226n
Hounshell, David A., 351n
Kahneman, D., 251n, 359n, 409, 410 Larsen, Ralph, 482, 483
House, R. J., 276n
Kamprad, Ingvar, 538n Lasagna, L., 230n
Hout, T., 194n, 195, 198n Kaniovski, Y. M., 212, 212n, 213n Lawrence, B. S., 380n
Howard, Robert, 582n Kanter, R. M., 264, 276n, 462n Lawrence, P. R., 523n
Hrebiniak, L. G., 259, 262, 276n Kantrow, A. M., 96, 97, 102n, 104n, Le Grande, D., 519n
Huber, C., 69n 282n, 336n, 337n, 339n Leahey, Bob, 535n
Huber, George P., 581 Kaplan, R., 194, 197n Leahey, J., 479n
Hulbert, D., 13n Kasper, Christian G., 775 Learson, Vince, 87, 88
Hulbert, J., 54n Katz, D., 380n, 480n Ledakis, D., 511n
Humphrey, P. P. A., 231 Katz, M., 208n, 214, 215 Lee, D. M. S., 382n
Hungate, Bob, 86 Katz, R., 381n Lei, L., 511n
Kauffman, S. A., 304, 305, 317n Leonard-Barton, D., 67n, 92, 103n, 282n,
Hunt, A., 461n
Keller, S., 369 395n, 481n
Hunt, R. W., 243
Kelly, P., 96, 103n, 104n Lerner, J., 464n
Hurd, M., 317n
Kenagy, J., 197n Levin, R. C., 15n, 385n, 388n, 389n
Hurowitch, M., 377n Kennedy, R. D., 21n Levinthal, D. A., 62n, 100, 103n, 178,
Hurst, D., 481n Kenneth, A., 275n 180n, 181, 182, 197n, 304, 317n,
Hurstak, J. M., 598n Kettering, Charles F., 83 336n, 377, 383n, 385n, 387n, 390n,
Hutt, Michael D., 265, 276n Kidder, T., 264, 276n 391n, 392n, 470n
Kilby, Jack, 223 Levitt, B., 92, 103n, 269, 276n, 281n,
Kim, L.-S., 133, 136n 282n, 383n, 581
I Kimberly, J. R., 273, 275n Levitt, T., 89n
Kissinger, H. A., 287n, 288n Levitt, Theodore, 204, 538n
Iacocca, Lee, 302 Klein, B., 178, 197n Lewis, E., 264, 276n
Iansiti, M., 101, 103n, 185n, 197n, 198, Kleindorfer, P. R., 136n Liggett, T., 216n
481nImai, K., 95, 100, 103n, 523n Klevorick, A., 15n Liker, J. K., 76n
Immelt, Jeff, 447 Kline, D., 218n, 220n Lincoln, J. R., 76n
Ireland, R. D., 462n Kloss, Henry, 54n, 63n Lindsay, P. H., 378n, 379
Itami, H., 93, 97, 100, 103n, 267, 276 Knetsch, Jack, 410 Ling, R., 511n
Knight, Kenneth, 106 Link, A. N., 392n
Koch, S., 379n Little, A. D., 8n, 94n, 103n
J Kohn, Les, 265, 266, 269 Littlefield, E. W., 54n, 461n
Kolotouros, J. K., 596n Livermore, Ann, 322
Jackson, S. E., 251n Koo, C., 511n Loomis, C. J., 320n
, T., 644n Korn, H., 476n Lorange, P., 302n
Jacobsen, C., 13n Kosnik, T. J., 8n Lorenz, C., 103n, 104n
Jagadish, H., 511n Kotter, J., 478n Lorsch, J. W., 97, 103n, 262, 274, 275n,
Janis, I. L., 288n Kranzberg, M., 96, 103n, 104n 281n, 334n
Janos, L., 95, 104n Krug, J. A., 317n Louis, M. R., 251n
Kuhn, R. L., 379n Lumley, C. E., 232n
Japp, S., 112, 115, 129n
Kuhn, T., 15n, 89n, 194, 197n Luna, Armando, 535n, 547n
Jefferson, Thomas, 90
Kume, Yukata, 478 Lyles, M. A., 250n, 251n, 581
Jemison, D. B., 318n, 601 Kuneida, T., 511n
Jervis, V. I. P., 513n Kuraski, S., 511n
Jobs, Steve, 63n, 286, 335, 356, 357, 367, Kuratko, D., 462n M
408, 474, 475 Kurian, T., 277n
John of Utynam, 218 Kusiatin, I., 454n Mabon, Stuart, 173
Johnson, L., 288n Kusunoki, K., 178, 179, 189, 194n, 197n Macdonald, S., 55n
Machalek, R., 259, 268, 275n
Johnston, R., 377n
Macher, J. T., 187, 198n
Jones, Tom, 82, 86n
L Machiavelli, N., 465n, 484n
Joshi, Vijay, 322 Mackey, J., 466n
Jover, J., 511n Lacayo, M., 511n MacMillan, I. C., 421, 463n
Joyce, W. F., 276n Lampaya, D., 511n Maggioncalda, J., 596n
Joyce, W. J., 259, 276n Landau, R., 19n Mahan, Alfred Thayer, 241, 242
Jung, Carl, 511, 519 Landis, G., 103n Mahoney, J. T., 178, 179, 180, 183, 198n
Índice de Nomes     609

Maidique, M. A., 8n, 63n, 79, 80n, 82n, Moldenhauer-Salazar, J., 464n O
93, 100, 103n, 454n, 510, 510n, 511n, Monroe, D., 180n, 187, 198n
513n, 516n, 517n Monroe, H. K., 309, 316n O’Brien, M. P., 113, 129n
Makin, C. E., 79n Monteverde, K., 179, 179n, 198n O’Keefe, R. D., 245n
Makmuri, S., 511n Moon, Youngme, 538n Okumura, A., 276nn
Makridakis, S., 8n Olds, Ransom, 211
Moore, Geoffrey A., 59n, 63n, 201, 413,
Mann, C. C., 224n Olson III, Peter, 21n
421, 422, 432n, 544n
Mann, L., 288n Opel, John, 84
Moore, Gordon, 29, 58, 264, 265, 269,
Mansfield, E., 245n, 248n, 377n, 382n O’Reilly III, Charles A., 71, 335, 448,
273, 286, 422
March, J. G., 92, 103n, 248n, 250n, 262, 449, 470, 470n, 482n
Morck, R., 464n Oritz, R., 511n
267, 269, 270, 274, 275n, 276n, 277n,
Morison, E. E., 235, 235n Orwell, George, 510
281n, 282n, 304, 305, 313, 317n,
Morita, Akio, 541, 547 Ouchi, W., 79, 79n, 263, 276n
335n, 377n, 383n, 384n, 581
Morone, J., 55n, 481n Overdorf, M., 67n
Markides, C., 145n
Morris, M., 462n
Marks, Amanda, 93
Marples, D. L., 246n, 248n Morrison, A., 462n
Marquis, D. C., 377n Morse, E. V., 245n P
Marquis, D. G., 89n Morton, J. A., 85n
Mowery, D. C., 55n, 377n, 393n, 513n Packard, David, 81
Marshall, Colin, 479 Padgett, J. F., 272, 276n
Marti, E., 201 Mucci, Michael, 449
Pake, George, 339, 355
Massy, W. F., 547n Mueller, W. F., 377n
Palmer, A. T., 598n
Matlock, P., 511n Muller, A., 465n
Park, R., 462n
Maynard, M., 195n, 198n Mungale, C., 511n Pascale, R., 79n
McAvoy, Tom, 87 Murphy, K. M., 179, 197n Patch, P., 93, 103n
McColough, C. Peter, 355, 358 Musgrove, M., 228n Patnaik, Dev, 450
McCoy, John G., 99 Musso, Christopher, 349, 352n Patterson, John P., 99
McGrath, R. G., 421, 468n Myers, S., 85n, 377n Paulson, A. S., 63n
McHugh, A., 264, 276n Pavitt, K. L. R., 94, 97, 104n
McKelvey, B., 92, 103n, 262, 264, 268, Pearson, A. E., 598n
276n, 461 N Peck, M. J., 377n
McKenna, R., 21n Pedi, Rick, 535n
McKinney, Harry “Webb”, 317, 330,331 Nadler, D., 477n, 587n
Penrose, E. T., 97, 104n, 264, 276n, 340n
McLaughlin, C., 211n Nalebuff, B. J., 306, 316n Perez, Antonio, 77
McNerney, James, 445, 446, 447, 448, Napier, Bob, 322, 331 Peters, T. J., 79n, 82n, 85n, 335n
450 Nardelli, Robert, 447 Peterson, R. A., 455n
McVie, C., 54n, 56n, 66n Nash, J., 144n Pettigrew, A., 262, 276n
Meadows, Lee, 403 Nelson, Bob, 479 Pfeffer, J., 159, 171, 172n, 175, 176n,
Meinhard, A. G., 277n Nelson, N., 15n 262, 275n, 276n
Metcalfe, J. S., 96, 103n Nelson, R. R., 92, 103n, 207n, 217n, Pine, B. J., 182, 198n
Meyer, A. D., 304, 305, 317n, 472n 245n, 248n, 249n, 250n, 262, 273, Pirolli, P. L., 379n
Meyer, Christopher, 533n 276n, 377n, 381n, 382n, 383n, 386n, Pisano, G., 13n, 92, 94, 104n, 308, 317n
Meyer, M. H., 522n 387n, 388n, 392 Pitt, L.F., 54n
Meza, Philip E., 217n, 226n, 312, 316, Nemeth, C., 288n Pittman, Bob, 598, 599
316n, 317n, 320n, 324n, 330, 468n, Newhouse, J., 516n Platt, Lew, 483
599n Newhouse, John, 364n Podolny, J., 306, 317n
Miles, R. E., 29n, 276n Poel, M. Van den, 8n
Newman, W., 477n
Miles, R. H., 259, 262, 270, 272, 273, Polos, L., 304, 306, 317n
Nichols, N. A., 340n
274, 275n, 276n Porras, Jerry I., 58n, 445
Nimgade, Ashok, 230, 230n, 401, 401n
Miller, D., 261, 262, 268, 273, 276n, 282n, Porter, J., 184n
Nitterhouse, Denise, 542n
472n Porter, M. E., 4n, 5n, 7n, 8n, 13n, 92, 93,
Nohria, N., 467n
Miller, R., 251n 94, 96, 104n, 139n, 143n, 179, 194n,
Miner, John, 469 Nonaka, I., 100, 103n, 197n, 276n, 523n,
198n, 267, 276n, 281n, 295n, 304,
Mintzberg, H., 249n, 261, 262, 263, 264, 580, 580n 315, 317n, 466n
268, 273, 276n, 282n Norman, D., 216n Postrel, S., 465n
Mitchell, G. R., 92, 103n Norman, D. A., 19n, 378n, 379n Powell, W. W., 276, 268, 275n
Mitroff, I. I., 250n, 251n Norov, E., 115, 129n Prahalad, C. K., 4n, 34, 92, 93, 95, 100,
Miyano, Hideyo, 558 Nourse, Robert, 107 101, 103n, 104n, 272, 276n, 277n,
Moch, M., 245n Noyce, Robert, 58, 223 281n, 290, 468n
Moesta, Bob, 535n Nystrom, P. C., 276n Prigogine, I., 210n, 304, 316, 317n
Mohammed, Afroze, 598n Nystrom, P. E., 272, 275n Puffert, D., 216n
610     Índice de Nomes

Q Sahal, D., 111, 113, 129n, 248n, 516, 516n, Simon, A. H.,
521n Simon, H. A., 250n, 377n, 379n, 380n,
Quinn, J. B., 261, 273, 276n Sakakibara, K., 276n, 377n, 382n 381n, 384n
Salancik, G. R., 159, 171, 172n, 175, Simon, R., 511n, 599n
176n Simon, Ramo, 79
R Saloner, G., 96, 103n, 211n, 214n, 216n, Simonyi, Charles, 356
306, 309, 316, 316n, 317n, 600n Sims, William S., 238-242
Rae, Jeneanne, 449n
Samuelson, William, 410 Singh, J. V., 259, 266, 268, 269, 270, 272,
Ramo, Simon, 79, 79n
Sanchez, Jim, 401 273, 274, 275n, 276n, 277n
Raschle, B., 511n
Sanchez, R., 178, 179, 180, 183, 198n Skinner, C. W., 68n
Raynor, M., 75n
Sandelands, L. E., 277n Skoll, J., 277n
Raynor, M. E., 137n, 349n, 354n
Sanghani, J., 511n Sloan, Alfred P., 83, 83n
Reich, R. B., 383n
Santayana, George, 585 Slovic, P., 251n
Reid, T. R., 223n
Santos, J., 594, 601 Smith, A., 178, 198n
Reinertsen, D., 55n, 63n
Sanvido, V., 511n Smith, G., 392n
Reingen, P. H., 265, 276n
Sarnoff, David, 81, 339 Snow, C. C., 29n, 261, 262, 268, 269, 274,
Reis, R., 511n
Sasselli, F., 511n 276n
Rich, B. R., 95, 104n
Sasser, W. E., Jr., 492n, 559 Snyder, N., 462n, 467n
Richerson, P. J., 273, 275n
Sauers, R., 378n Sobek, D. K., 76n
Riggs, H. E., 503
Sawtell, Emily, 535n Soete, L., 207n
Rivette, K. G., 218n
Sawyers, D., 251n Somers, W. P., 6n, 7n
Rizzo, Paul, 87
Sayles, L. R., 54n, 57n, 88n, 97, 103n, Sonnack, M., 401n, 402
Roberts, E. B., 522n
168n, Sorenson, O., 185, 197n
Robertson, P. L., 196, 198n
175n, 337n, 339n, 340n, 341n, 360, 360n, Speltz, L. M., 113, 115, 129n
Robertson, Z. B., 513n
368n, 464n, 467n Spence, M., 103n, 245n, 387n
Robinson, Jim, 594
Schank, Roger, 587n Spencer, William, 358
Robinson, Shane, 320, 320n, 322
Schein, E., 71n Spender, J. C., 304, 317n
Robson, M. J., 94, 97, 104n
Schendel, Dan E., 7n, 97, 103n, 111, Spindler, Michael, 475
Rogers, Everett, 408
129n, 159, 175n, 245n, 248n, 270, Staats, E. B., 90n
Rogers, G. C., 63n
275n, 282n, 299n, 316, 335n Stalk, G., 4n, 92, 93, 104n, 194n, 195,
Romanelli, E., 80n, 90n, 259, 261, 268,
Schlaifer, R. O., 106 198n
270, 272, 277n, 472n, 477n
Schmalensee, R. C., 385n Stalker, G., 245n, 248n, 380n
Ronchetto, John J., Jr., 265, 276n
Schön, D., 251n, 361n Stamats, P., 511n
Roosevelt, Theodore, 240, 241
Schram, S. R., 89n Stanley, J. C., 166n, 175n
Rose, N., 288n
Schulhoff, Mickey, 541n Starbuck, W. H., 272, 275n, 276n, 519n
Rosenberg, N., 19n, 96, 101, 104n, 207n,
208n, 248n, 274, 276n, 277n, 338n, Schumpeter, J. A., 146n, 246n, 347n, Stata, Ray, 82n, 87, 89n, 580, 581, 591n
377n, 385n, 392n, 393n, 513n, 516n 384n, 460 Stauffer, R., 511n
Rosenbloom, R. S., 54n, 63n, 91n, 93, 95, Scott, Percy, 237-240, 244, 268 Staw, B., 104n, 251n, 275n, 276n, 277n,
97, 102n, 103n, 104n, 142n, 144n, Scott, W. R., 276n, 281n 472n, 476n, 482n
162, 163, 175n, 176n, 180n, 184, Sculley, John, 283, 288, 302, 474, 475 Steck, Randy, 187
197n, 198n, 336, 337n, 339 Segers, Dennis, 60 Stecklow, S., 57n
Rosenkopf, L., 96, 104n, 472n, 476n Selznick, P., 92, 104n, 262, 276n, 281n Steele, L., 118, 129n
Rotemberg, J. J., 600n Senge, Peter, 580, 580n Steere, Dan, 94, 104n, 277n
Roth, E., 69n Servan-Schreiber, J.-J., 79n Steinmueller, W. E., 377n, 385n
Roth, S. J., 466n Sexton, D. L., 462n Stevenson, H. E., 262, 277n
Rothbard, N., 478n Shaheen, George, 411 Stewart, J. M., 93, 102n
Rothwell, R., 245n, 513n Shamlin, Scott, 527 Stigler, George, 109
Roussel, P. A., 112, 113, 115, 129n, 134, Shapiro, C., 208n, 214, 215 Stigler, J., 178, 182, 198n
136n Shaw, R. W., Jr., 6n, 7n Stinchcombe, A. L., 268, 277n
Ruane, Vincent, 88 Shepard, A., 94, 104n, 264, 306, 317n Strack, W. C., 211n
Rumelhart, D., 216n Shephard, H. A., 276n Strauss, A. L., 261, 275n
Rumelt, R. P., 13n, 263, 268, 276n, 465n Sherman, S., 484n Streeter, D., 369
Russ, B., 511n Shih, Willy C., 77, 77n, 415 Strom, S., 480n
Rutenberg, D., 95, 104n Shoch, John, 358 Stuckey, J., 181n, 198n
Ryan, C., 94, 103n Shor, Rita, 407 Suarez, F., 136n, 197n
Shuen, A., 92, 104n, 308, 317n Sullivan, Arthur, 224
Shulman, L. E., 4n, 92, 104 Sutton, R. I., 251n
S Siegel, Robert E., 54, 55n, 56n, 66n Sutton, Willie, 116
Silverberg, G., 207n Swanger, C. C., 516n, 517n
Saenger, E., 511n Simison, R. L., 195, 198n Sweezy, E. F., 85n
Índice de Nomes     611

T 173n, 176n, 183n, 197n, 248n, 307, Wendling, Larry, 450


317n, 381n, 475n Westerman, G., 177
Tabrizi, B., 317n, 481n Westney, D. E., 377n, 382n
Taguchi, G., 179, 198n Wheelwright, S. C., 8n, 72n, 73n, 78n,
Takeuchi, H., 103n, 523n V 101, 104n, 126n, 135n, 141n, 486n,
Taurel, L., 511n 487n, 488n, 489n, 492n, 493n, 495n,
Taylor, A. H., 201n, 277n, 466n Vadasz, Les, 262, 263, 469
500n, 523n, 548, 559, 568, 575n
Valenti, Jack, 226
Taylor, Alva, 466n Wheelwright, S. E., 54n, 63n
Valikangas, L., 335, 461, 461n, 462n,
Tchijov, I., 115, 129n White, D., 195n, 198n
464, 464n, 465n, 466n
Ted, Levitt, 547n White, G. L., 181n, 198n
Van Basten Batenburg, R., 462n
Tedlow, R. S., 145n, 180n, 197n White, George R., 46
Van de Ven, A. H., 96, 104n, 259, 272,
Teece, D. J., 13, 15n, 29n, 92, 94, 96, Whyte, R. R., 516n
275n, 276n, 277n, 466n
104n, 178, 179, 179n, 180, 183, 196, Van Wyk, R. J., 112, 115, 129n Williams, J., 277n
197n, 198n, 264, 276n, 277n, 281n, Vancil, R., 81n, 302n Williamson, O. E., 178, 198n, 262, 263,
308, 317n, 334n Venkatesan, T., 254n 268, 277n, 392n, 464n
Temin, P., 28n Verlinden, M., 177, 186n, 197n Williamson, P., 594, 601
Tempest, N., 78n Vernon, R., 13n Willig, R., 385n
Thaler, Richard, 409, 410 Virany, B., 472n Willy, S., 77n
Thietart, R. A., 304, 317n von Hippel, Eric, 97, 101, 104n, 141n, Wilson, A. D., 254n
Thomas, L. J., 113, 129n 171, 176n, 249n, 377n, 381n, 389n, Wilson, E., 55n
Thomke, S., 55n, 63n, 141n, 230, 401, 401n, 402, 403, 403n, 404n, 405n, Winter, S., 13n, 15n, 92, 103n, 217n,
401n 406n, 446, 451n, 514, 514n, 542n 245n, 248n, 249n, 250n, 262, 273,
Thurston, William R., 83, 83n Vyssotsky, V. A., 382n 276n, 277n, 381n, 382n, 383n,
Tilton, J. E., 377n 386n, 388n
Tilton, John, 106 Wise, T., 83n, 87n, 522n
Tobias, Randall, 322 W Wozniak, Steve, 474
Tongudai, J., 277n Wunker, Steven, 535n
Wade, J., 476n
Townsend, J. F., 94, 104n
Wagner, A., 254n
Treybig, J., 85n Waid, D., 186n, 198n Y
Tsoukas, H., 304, 317n Walker, S. R., 232n
Tsuchiya, M., 103n Walpole, Horace, 238 Yang, C., 598n
Tucker, D. J., 273, 276n, 277n Walsh, B., 511n Yin, R. K., 160, 161, 161n, 166, 166n,
Tushman, M. L., 7n, 71n, 80n, 81n, 90n, Wanamaker, John, 545 167n, 174, 176n, 190, 198n
96, 104n, 113n, 129n, 136n, 159n, Ward, A. C., 76n Yoder, S. K., 598n
161, 162n, 165, 176n, 245n, 246n, Waterman, R. H., 79n, 82n, 85n, 335n Yoffie, D. B., 277n, 282n, 283n, 288n
247n, 248n, 259, 261, 268, 270, 272, Waters, J. A., 261, 268, 276n, 282n Young, John, 84, 482
277n, 282n, 335, 335n, 380n, 384n, Watkins, Michael D., 317n
449, 470, 472n, 477n Watson Jr., Thomas, 86, 86n, 87, 89
Tversky, A., 251n, 409, 410 Watson, Thomas, 587 Z
Twiss, B., 8n, 96, 104n, 118, 129n, 345n Watts, R. K., 253n
Tylka, S., 63n, 516n, 517n Wayman, Bob, 322 Zeckhauser, Richard, 410
Tzu, Lao, 519n Webb, James E., 90, 90n Zemsky, P., 180n, 181, 197n
Webster, M., 288n Zenger, T. R., 380n
Wegbreit, Ben, 356 Zinman, D., 277n
U Weick, K., 96, 97, 104n, 334n Zipper, S., 88n
Weick, K. E., 248n, 249n, 251n, 259, Zirger, B. J., 63n, 80n, 82n, 100, 103n,
Ulrich, K., 178, 179, 181, 182, 198n 262, 265, 274, 275n, 277n, 281n 510, 510n, 511n, 513n
Uttal, B., 336n, 355 Weidlich, W., 216n Zitzner, Duane, 322
Utterback, J. M., 15n, 89n, 93, 96, 102n, Weinberg, A. M., 211n Zook, C., 462n
104n, 105, 126n, 133, 135n, 136n, Welch, Jack, 445, 447, 448, 478, 592 Zustak, F., 511n
Índice

Os números de página seguidos de n indicam material encontrado nas notas.

A Advanced Memory Systems, 262-263, Amdahl, 298-299


280-281 America Online (AOL), 593-595
Abastecimento interno, 99-100
Advanced Micro Devices (AMD), 186- American Airlines, 364-365, 425-427
ABB, 481-483, 598-599 187, 223-224, 437-438 American Express, 154-155, 593-595,
ABC software, 59-60, 62 Aeronaves não tripuladas, 157 598-601
Abordagem contratual induzida, 25-26 Agências de viagem on-line, 154-155 American Motors, 291-292
Abordagem de contratação para novos Agilent, 395-396 American Society of Composers, Authors
empreendimentos, 346-347 Airbus, 142-143, 152-153, 364-365 and Publishers (Ascap), 224-226
Abordagem de desenvolvimento da Ajinomoto, 26-27 Ameritrade, 75-76
liderança estratégica, 487-494 Análise financeira
Ajustes à estratégia, 269-270
Abordagem de educar e depois contratar, métodos ilusórios, 415-419
Akashic, 192-193
346-347
Alcoa, 177, 181-182 planejamento orientado para a
Abordagem de spin-off, 346-347 descoberta e, 420-421
Alianças, 39-40, 550-552
Abordagem MWG da Matrix processo stage-gate e, 419-421
Semiconductor, 55-57, 60-61, 64-66 Alianças estratégicas, 39-40, 99-101
Alinhadores de proximidade, 253-258 Analistas de investimento, 427-428
Abordagem spin-off completa, 346-347 Analógico, 87-88
Alinhadores fotolitográficos, 252-258
Accuson, 157 Animação digital, 152-153
Alinhadores por contato, 253-258
Aceitabilidade do produto, 32-33 Aparelhos de internet, 61
Allegheny Ludlum, 582-586
Aço de alta resistência e baixa liga, Aplicações matadoras, 423-424, 431-432
251-252 Allied Signal, 478-479
Alocação de recursos Apollo, 156-159, 425-427
Aço estrutural, 139-141 Apostas seguras, 313-315
Ações Blue-chip, 442-443 com a integração estratégica, 597-599
com a mudança disruptiva, 168-171 Apple Computer, 14-15, 21-22, 25-26,
Ações estratégicas, condutores 101, 128-129, 150-151, 158-159,
fundamentais, 59-60, 62-66 entre a engenharia e a produção, 172-173, 214-215, 228-229, 282-284,
508-509 287-288, 302-303, 334-335, 347,
Ações estratégicas com mudança de regras,
306-308 estratégias de projetos de 355-358, 366-367, 408-409, 437-438,
desenvolvimento para, 490-494 470-471, 473-478, 515-517, 519-520,
Ações estratégicas obedientes a regras,
306-308 fracassos da empresa líder, 157-160 538-539, 559-560
Acordo sobre Aspectos Relacionados ao nos processos autônomos, 311-315 Applied Magnetics, 127-128, 352-353
Comércio da Propriedade Intelectual, para implantar as competências básicas, Applied Materials, 193-194, 478-479,
218-219 43-45 576-577
ACS, 576-577 para o empreendimento corporativo Aprendizagem
Activision, 87-88 interno, 468-470 a partir dos fracassos, 514-518, 520-
para P&D corporativa, 339-340 522
Adaptabilidade, 82-84
primeiras teorias, 159-161 a partir dos projetos de
Adaptação, criação da estratégia como,
Alterar os termos de compromisso, desenvolvimento, 500-501
267-270, 272
297-298 capacidade de absorção, 99-100,
Adeptos iniciais 376-393
Alternativas de projetos para novos
estratégias para alcançar os, 424-429 papel no sucesso de longo prazo,
empreendimentos, 344-347
metas de desenvolvimento do mercado 522-523
Alvo, 152-153
para, 422-424 Aprendizagem externa, 516-517
Amazon, 150-151, 217, 219-220, 408-
traços dos, 202 409, 425-427 Aprendizagem interna, 516-517
usuários de ponta versus, 401-402 Ambientes de seleção interna, 279-281, Aprendizagem organizacional, 581-582
Adobe, 228-229 283-284 Apropriabilidade fraca, 18-20, 23-25,
Adoçante Equal, 26-27 AMD; ver Advanced Micro Devices 28-30
Adoção, retornos crescentes da, 208 (AMD) Aquisição de clientes, 435-437
614     Índice

Aquisições; ver Fusões e aquisições Bell Labs, 84-85, 337-338, 357-358, Cadeias de valor
Argumentum ad hominem, 240 381-383, 397-398, 461-462, 465-466, criando para adeptos iniciais, 424-427
Armadilhas da inovação, 367-369 541-542 criando para pragmáticos, 428-430
Armazenamento de feixe endereçável, Bell Telephone, 150-151 estratégia tecnológica para, 94-95
374-375 Benchmarking, 299-300, 587-588 no estágio Avenida Central, 439-441
Armour, 150-151 Bendix, 52-53, 266-267, 334-335, papel da tecnologia nas, 7-9
Arquitetura.Net, 395-396 345-346, 466-467
para o estágio tornado, 433-437
Arquitetura estratégica, 35, 42-45 Bentley Systems, 228-229
pontos de dissociação, 351-355
Berkeley Networks, 397-399
Arte anterior, 218-220 Caixas registradoras, 98-99, 141-142
Berne Convention, 221-222
Arthur D. Little, 586-587 Caixas registradoras eletrônicas, 141-142
Best Buy, 151-152 Calculadoras, 339-341
ASICs, 266-267
Bethlehem Steel, 139-141 Calculadoras eletrônicas, 339-341
Aspartame, 1-2, 26-28
Big Idea Group, estudo de caso, 541-542 Camadas de vantagem, 296-299
Aspiradores de pó, 560-568
Biotecnologia, 341 Cambria Company, 242-243
Assistentes digitais pessoais (PDAs)
Black & Decker, 32-33, 36-37, 41-42, Câmeras; ver também Sistemas de
investimento da Apple nos, 282-284
151-152 imagem digital
percepções públicas dos, 206-207 Black belt, 446-448
Astap, 376-377 digital, 545-546
BlackBerry, 156-157 uso único, 154-155, 556-557
Asuag, 471-472 Blocos Post-it, 448-450
AT&T, 84-85, 141-142, 147-148, Câmeras descartáveis, 154-155, 556-557
Bloomberg LP, 151-152 Câmeras EasyShare, 545-546
154-155, 357-358, 381-382, 465-466,
BMG, 228-230 Câmeras FunSaver, 154-155, 556-557
470-471, 587-590
BMI, 224-226 Campbell, Andrew, 462-463
Atendimento ao cliente
BMW, 153-154, 414-415 Canadair, 152-153
como vantagem competitiva, 478-480
Boeing, 14-15, 18-19, 50-53, 81-82, Canais de comunicação, 248-250
no estágio Avenida Central, 440-441
142-143, 152-153, 251-252, 445-446,
Ativadores, 127-128 Canais de financiamento, 85-86
515-516, 586-587, 590-591
Atividades, resultados versus, 2-3 Canda, 204-207
Bolhas magnéticas, 374-375
Atividades de apoio para as equipes pesos- Canon, 21-22, 36-45, 92-93, 141-142,
Bombardier, 142-143
pesados, 495-496, 528-529 144-146, 151-152, 252-258, 291-294,
Bônus de retenção, 323-324 297-298, 300-303, 545-546, 596-597
ATL, 157 Borland International, 189-190, 228-229 Capacidade de absorção
Audio Home Recording Act, 226-227 Bosch, 345-346, 466-467 dependência da trajetória e, 382-386
Auditoria, 8-11, 501 Bose, 401 fatores para as organizações, 379-383
Auditoria da capacitação de inovação, Boston Consulting Group, 515-517,
8-11 fatores para os indivíduos, 377-380
590-591
Auditorias de projeto, 501 importância para a inovação, 376-378
Bowmar, 14-15
Autocompreensão, 87-88 relação com a P&D, 99-100, 385-388
Branding
Autodesk, 228-229 capacidades de absorção multifuncionais,
propósito das marcas, 543-545 381-382
Auto-organização de processos, 209-210 Bravo, 356-357 Capacitações
Autorização dos projetos, 419, 528-530 British Airways, 478-480 adquirindo, 77-79
Autorrádios, 48-53 British Petroleum, 586-587 auditando, 8-11
Avaliação das capacitações; ver Avaliação Broadcast Music, Inc., 224-226 criando, 75-78
das capacitações de inovação Brunswick, 448-450 migração nas empresas, 70-72
Aversão à perda, 409-411 Bull, 35 para apoiar a inovação, 71-76
Avid, 228-229 Burroughs, 164 recursos, processos e prioridades, 67-71
Burton Snowboards, 414-415 Capacitações estratégicas, competências
B Business Software Alliance, 228-229 básicas versus, 91-92
Capacitações organizacionais, 72-76; ver
Banc One, 92-93, 98-99 também Competências básicas
Banda larga e TV digital de consumo C adquirindo, 77-79
Promotion Act, 227-228 auditando, 8-11
Cabeças; ver Cabeças de leitura/gravação
Bank of America, 447-449 criando, 75-78
Cabeças de leitura/escrita
Barra de aço, 139-141 mudança tecnológica, 115-117, liderança tecnológica a partir das, 92-94
Barra de reforço, 139-140 351-353 migração nas empresas, 70-72
Barreiras comerciais, 29-30 princípios básicos, 113-115, 128-129, papel na estratégia tecnológica, 91-92
Barreiras para o investimento, 29-30 176-177 para sustentar a inovação, 71-76
Baxter International, 461-462 tecnologias de filme fino, 115-122 recursos, processos e prioridades, 67-71
Bay Network, 437-438 Cabeças magnetorresistivas, 351-353 Capital de empreendedorismo
Bebidas em caixa, 545-547 Cabeças MIG, 128-129 corporativo, 393-400
Índice     615

Capital de risco Cientistas de bancada, 339-340 baseando-se nas competências básicas,


grupos corporativos, 393-400 Cipher Data Products, 21-22 39-40
visão do processo de novos produtos, Circuit City, 151-152, 480-481 efeitos das inovações disruptivas versus
521-522 Circuitos integrados sustentadoras, 161-166
Capital One, 154-155 alinhadores fotolitográficos, 252-258 Componentes
Carne bovina em caixa, 151-152 patentes em, 223-224 competências básicas em, 40-41
Carreira, 149-150 definição, 245-246
processo de fabricação, 128-129
Carros híbridos, 76-77, 414-415 evolução do conhecimento, 247-249
Cirurgia endoscópica, 152-153
Cartas de projeto, 419, 528-530 Compradores técnicos, 433-435
Cisco Systems, 78-79, 141-142, 151-152,
Carter-Hawley-Hale, 478-480 228-229, 435-438 Compreensão técnica, 9-12
Casio, 36-39 Citibank, 154-155 Compressores, 40-41
Caterpillar, 291-294 Citicorp, 36-37, 41-42 Computação com conjunto de instruções
Células de memória de dispositivo único, complexo (Cisc), 310-311
Citizen, 156-157
373-375 Computação com conjunto de instruções
City National Bank, 98-99 reduzido (Risc)
Centrino, 311-313 Classificação de crédito, 152-155, 186-187
Centros produto/cliente, 88-89 debates internos da Intel sobre, 264-266,
CLECs; ver Competitive local-exchange 309-311
Céticos, 202-203, 422-424 carriers (CLECs) na estratégia da Intel, 264-267, 277-279
Chairman’s Quality Award, 589-590 CMOS; ver Semicondutores Computação móvel
Chaparral Steel, 134-135, 139-141, complementares de óxido metálico
417-418, 499-500, 580-583 Intel Centrino, benefícios para a, 312-313
(CMOS)
Charles Schwab, 75-77, 146, 151-152, Computador Apple III, 515-517
CNC/Mastercam, 228-229
154-155 Computador Compass, 356-357
Cobilt, 253-255
Chevrolet, 560-561 Computador pessoal Alto, 356-358
Coca-Cola, 14-15, 222-223, 292-293
Chicago Architecture Foundation, 545-546 Computador Stretch, 521-522
Códigos de gravação com duração
Chips tridimensionais integrados, 60-61, limitada, 128-129 Computadores; ver também Unidades de
64-65 disco; Computadores pessoais
Coesão, 83-86
Chrysler, 36-37, 39-40, 77-78, 292-293, desenvolvimento da modularidade,
Coesão organizacional, 83-86 185-187
302-303, 537-538n, 568-569
Coevolução, 541-543 impacto esperado na indústria
Churn, 440-443
Colaboração, 298-300 automobilística, 52-54
Ciclo de aprendizagem de novo produto
Coller Capital, 461-462 inovações disruptivas, 141-143, 153-
definindo as necessidades do usuário,
511, 513-515 Colocação, 545-547 155, 158-159
medidas de sucesso, 510-511, 514-518 Comércio de ações, 75-77, 416; ver mudança do local da rentabilidade,
também Comércio de ações on-line 193-195
resumo e modelo proposto, 517-523
Commodore, 158-159 recursos complementares para fazer,
visão global do estudo de Stanford,
Compaq, 75-76, 142-143, 150-153, 19-20, 25-27
510-511, 513
156-159, 186-187, 193-194, 310-311, Computadores desktop; ver
Ciclo de aprendizagem do novo produto
437-439, 596-597 Computadores pessoais
na indústria de eletrônicos, 510-523
Compartilhamento do conhecimento, Computadores do sistema 360, 83-84,
Ciclo de vida da adoção; ver Ciclo de
380-381 88-89
vida da adoção de tecnologia
Compatibilidade das tecnologias Computadores pessoais; ver também
Ciclo de vida da tecnologia, 7-9;
genéricas, 32-33 Computadores; Microprocessadores
ver também Ciclo de adoção da
tecnologia Compensação como tecnologia disruptiva, 142-143,
influência sobre os gestores de novos 150-151, 158-159
Ciclo de vida de adoção da tecnologia
empreendimentos, 342 contribuições do Xerox Parc, 355-358
estratégias Avenida Central, 439-444
Competência distintas, 279-283 lições a partir dos produtos fracassados,
estratégias do estágio tornado, 432-440
515-517, 519-520
estratégias pista de boliche, 428-433 Competências; ver Competências básicas;
Capacitações organizacionais recursos complementares para fazer,
exemplos, 204-207 19-20, 25-27
o abismo, 203-205, 428-433 Competências básicas; ver também
Capacitações organizacionais Computer Aided New Drug Approval
primeiras estratégias de mercado, 424- (Canda), 204-207
429 arquitetura estratégica para, 42-45
Computer Systems Policy Project, 228-
visão global, 201-203, 421-425 identificando, 34-41
229
Ciclo projeto-construção-teste, 566-577 liderança tecnológica das, 92-94 Comunicação sem fio
Ciclos da tecnologia, 474-478 papel na estratégia tecnológica, 91-92 como tecnologia disruptiva, 150-151
Ciclos de sucesso e fracasso dos produtos produtos com base nas, 40-41 Comunicações
novos, 510-523 realocar para focar as, 43-45 entre a engenharia e a produção, 503-
Ciclos orçamentários, 463-464 UENs e, 41-43 509
Ciência aplicada, 1-2 vantagem competitiva e, 36-37 no processo de resolução de problemas,
Ciência básica, 1-2 Competitividade 570-573
616     Índice

para o sucesso da gestão de alta Corretores; ver também Comércio de Daimler-Benz, 77-78
tecnologia, 84-85 ações on-line Data General, 154-155, 158-159
Conceitos de projeto básico, 92-93 corretores on-line, 75-76 DC-3 aircraft, 107-108
Conceituação, 360-369 Corretores de descontos; ver Comércio de de Haviland, 14-15, 18-19
Concord School of Law, 152-153 ações on-line DEC; ver Digital Equipment Corporation
Concorrências de tecnologia espacial, Cox Enterprises, 416 Decisões de custo-benefício dos
216-217 Craig’s List, 544-545 requisitos de mudança, 507-509
Concorrentes Crédito bancário, 186-187 Definição de chips; ver também Circuitos
análise tradicional, 291-293 Crescimento integrados
ex-parceiros como, 21-22 avaliando a tecnologia para o potencial, Dell Computer, 75-76, 142-143, 152-153,
na segmentação do mercado com base 371-372 156-157, 186-187, 193-194, 219-220,
em tarefa, 538-540 padrão comum, 473-476 228-229, 320-327, 328-329, 394-395,
Confiabilidade das tecnologias genéricas, papel das inovações sustentadoras no, 419, 425-427, 437-439, 596-597
32-33 141-143 Dell Ventures, 394-395, 397-399
Congelamento de projetos, 503-505 Criação da estratégia Delphi Corporation, 194-195
Congelamento sequencial dos projetos, ecologia intraorganizacional, 258-275 Demanda, impacto na alocação de
503-505 imitativa, 290-291 recursos, 157-160, 171
Congruência, 477-479 papel do empreendedorismo Demanda do cliente, impacto na alocação
Congruência interna, 477-479 corporativo interno, 467-470 de recursos, 157-160, 171
Conhecimento; ver Aprendizagem Criatividade versus eficiência, 445-450 Densidade de área de gravação, 114-115,
Conhecimento codificado, 15-16 Criptografia, 375-376 127-128, 176-177
Conhecimento prévio, 377-380, 382-383, Critérios de liderança estratégica, 314-316 Departamentos de engenharia, 503-509
386-387 Crown Cork and Seal, 92-93, 97-99 Departamentos de novos produtos,
Conhecimento tácito, 15-16 CSC, 204-205 345-346
Conjunto de oportunidades estratégicas Cullinet, 81-82, 156-157 Departamentos de produção, 503-509
máximas, 593-595 Cultura Dependência da trajetória e capacidade
Conner Peripherals, 127-128, 130, 164, de absorção, 382-386
combinando em seguida às fusões,
169-173, 192-193 325-328 Dependência de recurso, 159-160
Conservadores, 202-203, 302-303, empreendedora, 85-87 Desafios da gestão dos novos
422-424 empreendimentos, 339-347
migrando capacitações para, 70-71
Construção de unidade de disco rígido, Descentralização, 36-37, 41-43, 300-302
113-115 múltiplos tipos dentro das empresas,
482-483 Descoberta empática, 541-542
Consultoria Descompasso entre as funções, 559-560
vantagens e desvantagens, 477-481
como mercado de adeptos inicial, Desempenho funcional das tecnologias
424-427 Culturas corporativas; ver Cultura
genéricas, 32-33
Contextos organizacionais, 96-98 Culturas empreendedoras, 85-87
Desenvolvimento de fármacos; ver
Contratação de tecnologia, 99-101 Curvas das novas tecnologias, 131-133
também Indústria farmacêutica
Contratação de tecnologia, 99-101, Curvas de meia-vida, 590-592
proteções de patentes, 27-29
333-334 Curvas de tecnologia estabelecida, 131-133
sistemas de documentação de patentes,
Contratação externa, 99-101 Curvas S; ver Curvas S de tecnologia 204-207
Contratos do governo, 372-374 Curvas S de tecnologia visão global do processo, 228-234
Control Data Corporation, 117-119, conceito e aplicações, 111-114 Desenvolvimento de novos produtos; ver
127-128, 130, 168-175, 351-352 desafios para o uso prescritivo, 115-122 Desenvolvimento de produto
Controle de estoque, 506-507 diferentes respostas da empresa para, Desenvolvimento de produto; ver também
Controle governamental sobre os recursos 121-127 Desenvolvimento de projetos;
complementares, 29-30 para inovações de arquiteturas, 130-135 Inovação
Convergent Technologies, 356-357 poder descritivo, 114-117 benefícios do sucesso em, 559-560
Coolidge Corporation, 560-568 Customização em massa, 440-443 ciclo de aprendizagem, 510-523
Copeland Corporation, 584-586 Custos compartilhados, 38-39 como principal condutor da ação
Copyrights Custos das transações, 178-179 estratégica, 62-64
de software, 221-222 Custos de aquisição, 32-33 ênfase da 3M, 445-448
disputas, 223-227 Custos fixos, 415-416 implantando estratégia tecnológica
princípios básicos e leis, 219-223 Custos operacionais das tecnologias para, 101
Corning, 87-88, 335-336, 345-346, genéricas, 32-33 mapeamento, 559-568
581-583 métodos rápidos, 566-577
Corporações diversificadas pesquisa avançada versus, 557-558
D
competências básicas, 36-37, 41-43 planejamento de projeto agregado,
desafio global para, 35 Daewoo, 40-41, 300-301 548-558
diminuição de interesse em, 397-398 Daimler Chrysler, 36-37, 77-78 processo stage-gate, 419-421
Índice     617

transferência de tecnologia da pesquisa Dutch roll, 50-53 cadeia de valor para, 354-355
para o, 368-377 DVD players, 413-414 origens da proteção por patentes, 27-29
Desenvolvimento rápido de produto, processo de desenvolvimento de novos
566-577 fármacos, 228-234
Desvio, 284, 286 E
proteções por patentes, 27-29
Detalhe em documentos de engenharia, eBay, 61, 152-153, 219-220, 425-427 referência de sucesso para, 70-71n
506-507 Ecologia intraorganizacional de criação sistemas de documentação de patentes,
Diferenciação industrial, 4-5 de estratégia, 258-275 204-207
Digital Equipment Corporation, 30-31, Ecologia organizacional, 472-473 Empresas gorila, 437-438
119-121, 127-128, 154-155, 158-159, Economias de escala Empresas macaco, 437-439
181-182, 193-194, 310-311, 326-328,
impacto sobre as tecnologias Empresas pequenas, inovação rentável
437-438, 518-519, 574-575, 587-588
concorrentes, 208 pelas, 27-28, 106-107
Digital Millennium Copyright Act,
na indústria de unidades de disco, Empresas príncipe, 437-439
227-228 190-192, 198-200
Digital Rights Management (DRM), Empresas rei, 437-439
Efeito doação, 409-412
228-230 Empresas servo, 437-438
Eficiência versus criatividade, 445-450
Dinâmica estratégica não linear, 304-305 Empresas start-up, 347
Eixos, 129
Diretores de P&D corporativa, 339-340 Encriptação, 228-230
Elasticidade absoluta, 32-33
Discos, definição, 127-128 Engenharia de purificação, 27-28n
Elasticidade da demanda por tecnologia,
Disk/Trend Report, 126-127, 160-161 32-33 Engrenagem de direção, 68-69
Disney, 152-153, 219-220, 593-596 Elasticidade relativa, 32-33 Enigma do arbusto de creosoto, 304-305
Disparo com mira contínua, estudo de Electrical Musical Industries (EMI), Enquadramento do problema, 569-570
caso, 235-244 14-15, 25-26 Ensaios clínicos, 231-233
Disponibilidade de recursos, 9-12 Electronic Business Magazine, 126-127, Ensaios de eficácia, 232-233
Dispositivos analógicos, 81-83, 86-87, 160-161 Ensaios de eficácia no longo prazo,
580-581, 590-591 Eli Lilly, 394-395 232-233
Dispositivos de TAC, 14-15, 25-26 E-mail, 152-153 Entrevistas, 540-541, 591-592
Disrupção mínima, 145, 147-149 Embraer, 142-143, 152-153 Entrust, 228-229
Disrupções de novos mercados, 144-145, EMC, 228-229 Entusiastas de tecnologia, 421-423
147-149 Emerson Electric, 448-450 Eproms
Disruptores híbridos, 146 EMI, 228-229, 335-336 decisão da Intel de enfatizar, 283-284
Dissonância, estratégica, 277-289 Empreendedorismo desenvolvimento da Intel, 59-60, 62
Distinção, falta de, 559-560 avaliando as unidades de negócio, 9-10 Epson, 300-301
Divisões de novos empreendimentos, avaliando as corporações, 11-12 Equilíbrio pontuado, 472-473
341-342, 345-346, 365-367, 457-459 definição, 2-3 Equipamento “Fly-by-wire”, 53-54
Divisões operacionais, problemas dos questões de gestão estratégica, 339-347
novos empreendimentos com, 342 Equipamento de áudio
Empreendedorismo corporativo; impacto dos transistores, 47-53
Divisões pequenas, 85-86 ver também Empreendedorismo
Dmaic, 446-450 Equipe Limpa, 330-331
corporativo interno
Documentação, engenharia, 506-507 definição, 2-3 Equipes
Documentos de requisito de produto, questões de gestão estratégica, 339-347 combinando com as capacitações da
66-67 empresa, 71-76
Empreendedorismo individual, 2-3
Documentos de requisitos do mercado estruturas para projetos de
Empreendedorismo interno; ver
características principais, 66-67 desenvolvimento, 493-500, 524-526
Empreendedorismo corporativo
Documentos gate, 419 Empreendedorismo tecnológico, 2-3 Equipes autônomas
Documentum, 204-207 Empreendimento Corporativo interno; pontos fortes e fracos, 496-500, 526
Domino’s Pizza, 591-592 ver também Empreendedorismo propósitos, 71-74
Douglas, 15-16, 18-19, 50-53, 107-108 corporativo quando usar, 74-75
Doutrina da primeira venda, 222-223 gerenciando ciclos de, 461-470 Equipes funcionais
Doutrina do uso justo, 222-223, 226-227 modelo de processo para, 451-462 equipes pesos-pesados versus, 496-497,
Dow, 20-21, 147-148 Emprego de longa data, 85-86 527-529, 533-535
Dow Jones, 151-152 Empresas ambidestras orientação para a disciplina, 71-73
Dram chips; ver Memória dinâmica de características principais, 480-484 pontos fortes e fracos, 493-495,
acesso aleatório (Dram) forças que criam a necessidade de, 498-499, 524-525
DSL; ver Linha digital de assinantes 470-481 quando usar, 74-75
(DSL) Seis Sigma nas, 449 Equipes multidisciplinares, integração
Du Pont, 106-107, 147-148, 158-159, Empresas chimpanzé, 437-438 via, 84-85; ver também Equipes
335-336, 339-340, 345-346, 350-352, Empresas de internet, 61, 64-65 Equipes multifuncionais, 358-360
447-448 Empresas farmacêuticas Equipes pesos-leves
618     Índice

pontos fortes e fracos, 494-496, Estratégias de liderança de custos, 4-5 desenvolvimento da Glaxo-Wellcome,
524-525 Estratégias de negócio, 63-64; ver 230-234
propósitos, 71-74 também Estratégias Fármacos de sucesso, 70-71n
quando usar, 74-75 Estratégias genéricas, 4-5 Fármacos para enxaqueca
Equipes pesos-pesados Estratificação, 179-191 Glaxo-Wellcome, 230-234
abordagem funcional versus, 496-497, Estreptomicina, 28-29 Fase de construção do ciclo de resolução
527-529, 533-535 Estruturas cognitivas, 377-380 de problemas, 569-570
exemplos de sucesso, 526 Estruturas de divisão Fase de projeto do ciclo de resolução de
gerenciando, 528-534 interfaces da pesquisa com a problemas, 569-570
pontos fortes e fracos, 495-497, corporativa, 336-338 Fase de teste do ciclo de resolução de
499-500, 526-529 para novas empresas, 341-342, problema, 569-571
propósitos, 71-74 345-346, 365-367, 457-459 Fazendo, aprendendo por, 515-517
quando usar, 74-75 para o sucesso da gestão da alta Federated, 478-480
Equipes tigre, 496-500, 526 tecnologia, 85-86, 88-89 FedEx, 544-545
Ergotamina, 230-231 Estruturas industriais, como fator na Ferrita, 128-129
estratégia tecnológica, 95-97 Fidelidade, 153-154, 157
Escassez de recursos, 597-599
Estruturas organizacionais Fidelidade no teste de produto, 570-571
Esforço de engenharia, 114-115
avaliando as corporações, 11-12 Filtros, informação, 248-250
Esforço Fast Start, 331
avaliando as unidades de negócio, 9-10 Filtros de informação, 248-250
Espectrômetros de massa, 552-553
das empresas ambidestras, 481-483 First USA, 154-155
Espuma de látex, 134-135
para a integração estratégica complexa, Flexibilidade organizacional, 83-84
Espuma de poliuretano, 134-135 598-599
Estações de CATV, 224-226 Flextronics, 77-78
para o sucesso da gestão da alta
Estações de televisão de antena tecnologia, 85-86, 88-89 Fluxo de caixa descontado, 415-417
comunitária, 224-226 Estudos de caso de reintegração, 187-191 FNMA, 186-187
Estágio paradigmático, 15-20 Ethernet, 357-358, 397-399 Foco, 81-83
Estágio pré-paradigmático, 15-16, 18-19 Ética, 86-88 Foco do negócio, 81-83
Estágios do conhecimento, 585-586 Eventos pequenos, inalterabilidade da Foco na diferenciação, 4-5
Estoque operacional, 492-493 tecnologia pelos, 208-211 Foco na liderança de custos, 4-5
Estratégia organizacional; ver Estratégias; Excelência operacional Folha de aço, 139-141
Estratégia tecnológica quando enfatizar 435-437, 440-442 Fonte única fornecedora, 309-310
Estratégia tecnológica; ver também quando minimizar, 427-428, 431-432 Food and Drug Administration (EUA)
Estratégias processo de aprovação de nova droga,
Excite, 425-427
dimensões substantivas, 92-95 230-234
Execuções piloto da produção, 503-505,
elementos da, 91-92 573-574 Ford Motor Company, 15-17, 41-42,
forças evolucionárias moldando, 95-99, Expectativas, 214-216, 490-491 107-108, 146, 153-154, 181-182,
470-478 194-196, 292-296, 298-301, 475-476,
Expedia, 154-155
implementando, 98-101, 333-334 559, 568-569, 591-592
Experiência, aprendendo a partir da,
papel da competências na, 91-92 585-588 Formato MP3, 226-227
Estratégias; ver também Estratégia Experiência passada, aprendendo com a, Fornecedores diferenciados, 194-196
tecnológica 585-588 Fotocondutores orgânicos, 374-376
abordagem minimum winning game Experimentação, 582-586 Fotocopiadoras, 151-152, 374-376
54-68 Externalidades de rede, 208 Fotolitografia, 128-129
abordagens básicas, 2-4 Fotorresistência, 128-129
comunicando aos clientes, 324, 326 Franklin Covey, 538-539
papel da tecnologia nas, 3-7, 91-92 F Fraqueza de vontade, 465-466
Estratégias competitivas Fabricação de vidro, 47-48 Fuga, 284, 286
diferentes abordagens, 136-137 Fábricas focadas, 584-586 Fujitsu, 113-114, 117-121, 188-189,
papel da tecnologia nas, 4-5, 92-95 Facilidade de uso, 32-33 293-294, 298-299, 300-302
Estratégias de canal Faculdades comunitárias, 151-152 Fundos de hedge, 416
contratual, 20-25 Fair Isaac, 152-153 Funil de desenvolvimento, 487-488
integradora, 19-25 Fairchild Electronics, 223-224 Fusões e aquisições
mista, 24-26 Fairchild Semiconductor, 106-107 de capacitações organizacionais, 77-79
Estratégias de canal mistas, 24-26 Falácia de Parmênides, 416-417
Estratégias de diferenciação Falha G
no estágio Avenida Central, 440-441 aprendendo com, 514-518, 520-522,
na segmentação do mercado, 537-539 585-587 G. D. Searle, 26-28
desvantagens da modularidade, 190-191 tolerância a, 86-87 Galanz, 153-154
elementos das, 4-5 Fármacos contra enxaqueca Galileo, 425-427
Índice     619

Ganhos e perdas, psicologia de, 409-410 Grandes metas ambiciosas, 57-58n 309-310, 320-324, 327-328, 334-336,
Gargalos, 22-23 Gravadores de videocassete, 224-227, 345-347, 350-355, 357-358, 368-377,
Gateway Computer, 142-143, 186-187, 474-476 395-396, 437-439, 473-475, 477-481,
193-194 Greve patronal, 382-384 515-516, 518-522, 550-551, 560-561,
GCA, 87-88, 253-255, 257-258 Grid Systems, 356-357 574-575, 586-587, 596-597
GE Capital, 153-154, 186-187 GTE, 34-37, 39-40, 589-590 IBM série 360, 521-522, 585-586
GEC, 39-40 Gucci, 538-539 Identificação das necessidades
Genentech, 81-82, 85-86, 341 abordagens comuns, 511, 513-515
General Electric, 25-26, 36-37, 39-42, na pesquisa do usuário de ponta, 404-406
56-57, 94-95, 107-108, 141-142, 147- H para a segmentação do mercado, 539-544
150, 157, 298-301, 354-355, 364-365, H.M.S. Scylla, 236-237 Ideo, 358-359
445-449, 478-479, 581-583, 591-592, Ikea, 538-539
Habilidades cognitivas para a integração
598-599 estratégica, 599-601 Imitação
General Foods, 583-584 Habilidades de resolução de problemas, efeitos das formas de conhecimento na,
General Motors, 39-42, 83-84, 177, 378-379 15-16
181-182, 194-196, 298-300, 478-479, Habilidades empreendedoras para a impacto nos lucros da inovação, 13-30
541-543, 568-569, 581-584, 588-589 integração estratégica, 599-601 na criação da estratégia, 291-292
General Radio, 82-84, 477-478 Habilidades políticas para a integração resistência das competências básicas à,
Genex, 27-28n estratégica, 599-601 38-39
GenRad, 83-84, 477-478 Handivacs, 562-566 Imitrex, 230-234
Geração de conceito preliminar, 406 Hardcard, 559-560 Impacto da tecnologia digital na proteção
Geração do conceito, 406-407 Harley-Davidson, 153-154 da propriedade intelectual, 226-230
Geração do conceito final, 406-407 Harvard Graphics, 189-190 Implantação da função de qualidade,
Gerenciamento pré-projeto, 487-494 HDTV, 39-40 500-501
Germânio, 373-374 Heinz, 300-301 Importância da tecnologia, 6-7
Gestão Helpmates, 565-566 Importância estratégica, 343
ausência de intenção estratégica na, Hewlett-Packard, 14-15, 30-32, 75-76, Impressoras a jato de tinta, 153-154
300-302 79, 81-82, 85-89, 101, 119-122, 124, Inalterabilidade por pequenos eventos,
como fator na estratégia tecnológica, 126, 147-150, 152-154, 157, 185-187, 208-211
94-95 193-194, 228-229, 288-289, 310-311,
Incentivos para a integração estratégica,
competência de alta tecnologia, 79-90 317, 341, 343, 347, 437-438, 440-
599-601
da evolução da inovação, 108-111 441, 477-478, 481-484, 517-518,
527-528, 574-575, 580, 593-597, Indústria automobilística
nas organizações ambidestras, 482-484
598-601 ciclos de desenvolvimento de
necessidade de foco na competência plataformas, 556-558, 568-569
básica, 34-45 Hierarquia estratégica, 301-302
Hill-Rom Industries, 539-542, 553-555, ciclos de tecnologia, 475-476
papel no sucesso do projeto de
576-577 competências básicas versus
desenvolvimento, 486-487
Himont, 147-148 terceirização, 39-40
para a integração estratégica complexa,
598-601 Hitachi, 119-121, 188-189, 296-297, criação de novos processos na, 75-77
437-438, 470-471 estratégias de projeto de
responsabilidades básicas da
tecnologia, 1-5 Hoffmann-LaRoche, 231-232 desenvolvimento, 488-490
visões da importância estratégica da Home Depot, 447-448, 480-481 evolução dos serviços, 440-442
tecnologia, 30-32 Honda, 36-44, 146-148, 153-154, 156- forças de integração e modularidade,
Gestão com orientação prática, 87-88 157, 291-294, 297-300, 490-491, 194-196
550-551, 557-558, 568-569, 576-577, ganhos dos coreanos, 154-155
Gestão da alta tecnologia, 79-90
581-582 impacto dos microprocessadores, 52-54
Gestão do denominador, 301-302
Honeywell, 35 inovações incrementais, 107-108
Gestão tradicional do desenvolvimento,
Hospital Services Group, 597-598 introdução do aço de alta resistência e
487-488
Hula hoops, 351-352 baixa liga, 251-252
Gestores “fast track”, 301-303
Hyundai, 39-40, 147-148, 154-155 nomes de modelos de carros, 544-545
Gestores ambidestros, 482-484
Gestores de pesquisa e desenvolvimento, predomínio da gasolina, 210-211,
339-340 247-249
I
Gillette, 440-441 regimes de apropriabilidade, 18-19
Glaxo-Wellcome, 230-234 IBM, 14-16, 21-22, 24-29, 75-76, 79, segmentação do mercado, 536-540
81-88, 93-94, 99-101, 106-107, 113- Indústria de aço japonesa, 153-154
Gmac, 186-187
117, 119-122, 124, 126-128, 141-142,
Gold Star, 40-41 150-153, 156-159, 164, 168-169, Indústria de filmes; ver Indústria do
Google, 153-154, 413-414, 544-545 172-173, 177-178, 181-182, 185-189, cinema
Grandes empresas, inovação nas, 27-28, 193-196, 214-215, 219-220, 228-229, Indústria de redes, 595-597
69-71 282-283, 293-295, 297-298, 300-301, Indústria de relógios suíços, 471-472
620     Índice

Indústria de telecomunicações; ver tipos, 1-3 transição para a evolução, 106-109


também Serviços de banda larga Inovação corporativa, 8-11; ver também Inovações sustentadoras
identificando competências básicas na, Inovação como conceito relativo, 75-76
34-35 Inovação descontínua como ponto forte das empresas
Inércia, 303-304, 477-478 quando enfatizar, 427-428 estabelecidas, 71-72, 141-142
Inércia cultural, 477-478 quando minimizar, 431-432, 435-437, disruptiva versus, 97-98, 137-138,
Inércia relativa, 267-270 440-442 148-149
Influência do fundador nos processos, Inovação empurrada pela tecnologia, na indústria de unidades de disco,
70-71 361-366 161-165, 168-171
Iniciativa de defesa estratégica, 215-216 Inovação modular, 113-114, 246-247 papel no crescimento, 141-143
Iniciativa de Liderança por meio da Inovação puxada, 363-366 Inovadores, 201-202
qualidade, 582-583 Inovação puxada pela demanda, 361-362 Integração; ver também Integração
Início precoce no escuro, 571-573 Inovação tecnológica; ver também vertical
Injeção de combustível, 334-335, Inovação benefícios para a inovação, 181-182,
345-346, 466-467 a partir da polinização cruzada, 349-350
Injeção eletrônica de combustível, 358-360 destruindo capacidades por meio da,
334-335, 345-346, 466-467 abordagem minimum winning game, 77-78
Inovação; ver também Inovações de 54-68 estratégias de canal com base na, 19-25
arquiteturas; Inovação tecnológica avaliando as capacitações, 337-340 estratégica, 593-601
a partir da polinização cruzada, ciclo de vida de adoção da tecnologia, HP-Compaq, 317-332
358-360 201-207 opções de projeto para novos
abordagem minimum winning game, como principal condutor da ação empreendimentos, 344-347
54-68 estratégica, 62-63 por meio de equipes multidisciplinares,
análise financeira equivocada da, competência de gestão, 79-90 84-85
415-419 critérios de efetividade, 46-54 Integração de TI
avaliando capacitações, 8-11, 67-79, desafios para as empresas estabelecidas, HP-Compaq, 325-327
337-340 579-580 Integração estratégica, 593-601; ver
bases para lucrar com a, 14-20, 349-355 dimensões da, 245-247 também Integração
capacidade de absorção, 99-100, forças evolucionárias moldando, Integração estratégica complexa, 593-601
376-393 105-112 Integração estratégica demasiadamente
ciclo de vida da adoção de tecnologia, incapacidade de lucrar com, 13-15 ambiciosa, 593-595
201-207 tipos, 1-3 Integração estratégica mínima, 593-595
ciclos de empreendimento corporativo visões limitadas da gestão, 30-32 Integração estratégica orientada para o
interno, 461-470 escopo, 595-598
Inovações da Cola, 14-15
conceitualizando a partir das invenções, Integração estratégica orientada para os
1-2, 360-369 Inovações da televisão
com transistores, 49-51 ricos, 596-598
critério de efetividade, 46-54 Integração vertical
definição do processo de, 1-2 competências básicas baseadas nas,
39-40 competências básicas versus, 38-39
desafios para as empresas estabelecidas, em relação aos lucros, 190-197
333-336, 579-580 Inovações de arquitetura
capacidade da empresa para reconhecer, estudos anteriores, 178-179
ênfase da 3M, 445-448
245-258 estudos de caso, 187-191
estratégias de canal para explorar,
competitividade e, 161-166 forças competitivas favorecendo,
19-28
curvas S de tecnologia para, 130-135 179-184
forças evolucionárias moldando,
definição, 2-3 importância das decisões na, 177-178
105-112
impacto na alocação de recursos, 168-171 Integridade, 86-88
fracasso em lucrar com a, 13-15
Inovações de refrigerantes, 14-15 Intel, 25-26, 29-31, 55-60, 62, 65-67,
impacto sobre o investimento e
Inovações incrementais 81-82, 153-154, 177-178, 186-188,
políticas comerciais, 27-30
193-196, 219-220, 223-224, 228-229,
modelo de empreendimento corporativo definição, 2-3, 246-247
258-275, 277-289, 304-307, 308-313,
interno, 451-462 para produtos de alto volume, 105-107 347, 394-400, 414-415, 435-438,
obstáculos stage-gate à, 419-421 preferência do Seis Sigma pelas, 448- 463-464, 467-472, 483-484, 550-552,
padrão convencional de respostas à, 450 593-601
235-244 transição para, 106-109 Intel Capital, 396-397, 469-470
planejamento orientado para a Inovações japonesas, 36-37, 48-53 Intel Internet Exchange Architecture,
descoberta, 420-421 Inovações na indústria do petróleo, 17-21 397-399
psicologia da resistência à, 408-415 Inovações radicais Inteligência competitiva, 9-12
restrições internas na, 293-294 a partir de processos induzidos versus Intenção estratégica, 292-295
restrita pelas estruturas das UEN, 42-43 autônomos, 334-336 Intensificação da alocação de recursos,
sustentável, 141-143 definição, 2-3, 113-114, 246-247 312-315
taxa de sucesso dos produtos, 408-410 desafios para as empresas, 249-252 Interdependência imprevisível, 72-73
Índice     621

Interdependência previsível, 72-73 Kevex Corporation, 86-87 efeitos desintegrativos no mercado,


Interfaces (cliente-fornecedor), 178-180 Kevlar, 350-352 189-190
Interfaces (unidade de disco), 128-129 key2audio, 228-230 Lisa, computador pessoal, 356-358
Interfaces administrativas, 344 Kia, 40-41, 147-148, 154-155 Listas de materiais, 506-507
Interfaces interdependentes Kirkham Instruments, 493-494 Listas de verificação das suposições, 421
com inovações disruptivas, 180-182 K-Mart, 145, 147, 152-153, 480-481 Livros de contrato, 419, 529-530
definição, 179-180 Kobe, 153-154 Local dos lucros, 190-197
favorecendo a integração, 349-350 Kodak, 42-43, 61, 65-66, 77-79, 81-83, Lockheed, 50-53, 152-153, 364-365
Interfaces modulares 93-94, 141-142, 154-155, 297-298, Lojas de departamentos, 145, 147-146,
elementos das, 178-180 300-301, 440-441, 466-467, 489-491, 152-153
estudos de caso de desenvolvimento, 544-546, 549-550, 556-557 Lojas de departamentos de descontos,
183-188 Komag, 127-128, 192-193, 352-353 152-153
forças competitivas favorecendo, Komatsu, 36-37, 291-296 Longevidade, corporativa, 303-306,
182-184, 190-191, 349-351 315-316
Korvette’s, 152-153
relação com os lucros, 190-197 Longevidade institucional, 303-306,
315-316
International Instruments, 514-516
L Lotus, 189-190
Internet
Louis Vuitton, 538-539
como tecnologia disruptiva, 142-143 L. L. Bean, 591-592
LSI Logic, 55-57
Internet Security Systems, 228-229 Lâmpadas incandescentes, 107-108
Lucent Technologies, 151-152, 177,
Intervalo de disparo, 235-236 Laptops; ver Computação móvel 354-355, 394-395, 397-399, 461-462,
Intimidade com o cliente LaSalle Hotel, 224-226 598-599
quando enfatizar, 431-432, 440-442 Lasers, 337-338 Lucent Venture Partners, 394-395
quando minimizar, 427-428, 435-437 Laserwriter, impressora, 21-22 Lucky Gold Star, 300-301
Intuit, 153-154, 228-229, 447-448 Lei de Moore, 187-188, 421-423 Lucros
Invenções Lei forte dos grandes números, 210-213 bases para, 14-20
como base da inovação, 1-2, 360-369 Leis do certificado de necessidade, 25-26 impacto do Seis Sigma nos, 447-448
imprevistas, 287-288 Leitores de página da previdência social, incapacidade de acompanhar a
Investimento 375-376 inovação, 13-15
capital de risco corporativo, 393-400 Lexmark, 596-597 marginais, 417-419
visão dos capitalistas de riscos em Lexus, 440-442 na cadeia de valor, 354-355
relação aos novos produtos, 521-522 relação com a integração vertical, 190-
Li & Fung, 416
Investimento passivo de capital de risco 197
Libbey Owens Ford, 43-44
corporativo, 397-399 Lycos, 425-427
Licenças mecânicas, 224-225
Investimentos de condução, 395-396,
399-400 Licenciamento
Investimentos emergentes, 397-399 mútuo, 223-224, 308-310 M
Investimentos habilitadores, 395-400 na estratégia tecnológica, 93-94
M-44, projeto, 375-376
Iowa Beef Packers, 151-152 Liderança
Macintosh, computador, 356-357
Iridium, 467-468 critérios de Collins, 315-317
Macromedia, 228-229
IT consulting, 319-320 na estratégia tecnológica, 92-94
Macy’s, 478-480
ITT, 81-82 nas organizações ambidestras, 482-484
Mainframes, 141-143, 162-164, 181-182
para equipes pesos-pesados, 530-532
Maioria inicial, 202-203
Liderança de produto
J Maioria tardia, 202-203
quando enfatizar, 427-428, 431-432,
Manutenção de tecnologias genéricas,
Jatos regionais, 152-153 435-437
32-33
Jet Blue, 154-155 quando minimizar, 440-442
Mapas genéricos de desenvolvimento de
Johnson & Johnson, 481-483, 596-598 Liderança em tecnologia, 92-94 produto, 559-561
Joint ventures, 298-300 Liderança industrial de custos, 4-5 Mapeamento de produtos, 559-568
JP Morgan Chase, 98-99 Líderes de grupo, 339-340 Mapeamento de projetos, 549-555
Jump Associates, 450 Ligação técnica, 365-366 Máquinas de genes, 341
JVC, 38-41 Ligações operacionais nos novos Marca de finalidade, 543-545
empreendimentos, 344 Marca-passo cardíaco, 19-20
Lilly, 394-395 Marca-passos, 19-20
K Limites no fluxo da informação, 591-592 Marcas globais, 300-301
Kaplan, 152-153 Lincoln Laboratories, 374-375 Marcas registradas, 26-27, 222-223; ver
Kasper Instruments, 252-258 Linguagem APL, 375-376 também Propriedade intelectual
Kawasaki, 153-154 Linksys, 78-79 Marine Technology, 517-522
Kawasaki Steel, 153-154 Linux Marks and Spencer, 92-93, 98-99
622     Índice

Marshall Field, 152-153 ausência de paradigmas dominantes, Modelo de processo do corporate


Materiais da lona do pneu, 350-352 16-17 venturing interno, 451-462
Matriz de projetos agregados, 488-490 Mercados de sistemas abertos, 437-438 Modelo T, 107-109, 146, 153-154, 475-476
Matsushita, 39-41, 79, 296-298, 300-301, Mercados de tecnologia proprietária, Modelos de empreendedorismo
576-577 437-438 corporativo interno, 451
Maturidade da indústria, escolhendo Mercados-alvo, incapacidade de Modelos de negócio
equipes por meio da, 498-499 identificar, 54-55 criando, 76-78
Maturidade das indústrias, escolhendo Merck & Co., 28-29 Modelos de recontratação, 215-217
equipes pela, 498-499 Merck, 339-340, 394-397, 399-400 Modo de interação de envolvimento
Maturidade das tecnologias, 135, Merrill Lynch, 75-76, 154-155 precoce, 571-573
298-300 Metas de curto prazo, exagero na ênfase, Modo de interação serial/lote, 571-573
Maveron Ventures, 61 328-329 Modulação de frequência modificada,
Maximização do lucro marginal, 417-419 Métodos de fabricação de feixes de 128-129
elétrons, 373-374 Moedas de dólar, 414-415
Maximização do valor para o acionista,
415-416 MFM, 128-129 Momento de entrada, 93-94
Maximizando o valor do acionista, Microdepartamentos de novos negócios, Mondavi, 57-58n
345-346
415-416 Monitor Group, 463-464
Micropolis, 119-121, 127-128, 130,
Maxtor, 164, 188-189, 351-352 Monitores “mapeados por bits”, 355
168-175
Maybel’s, 561-562 Monitores de tela plana, 153-154
Microprocessador Pentium, 278-279
Mazda, 16-17, 295-298 Monopolies, 213-215
Microprocessadores
MBNA, 154-155, 186-187 como tecnologia disruptiva, 153-154 Monsanto, 335-336, 382-383
McDonald’s, 154-155 desenvolvimento da modularidade, Montgomery Ward, 151-152
McDonnell Douglas, 152-153, 364-365 186-188 Motion Picture Associate of America,
MCI, 154-155 impacto esperado na indústria 224-226
McKinsey & Company, 470-471 automobilística, 52-54 Motion Picture Association of America,
Mecanismos de busca, 412-414 Intel, “curva à direita” estratégica, 228-230
Medidores de glicose, 156-157 311-313 Motivação assimétrica, 138-139
Medidores de glicose portáteis, 156-157 invenção e desenvolvimento na Intel, Motores a diesel, 83-84
265-267, 308-309 Motores a gasolina, 210-211, 247-249
Medtronic, 493-494
proteções da propriedade intelectual, Motores a hélice, 46-47, 50-53
Meia-vida do conhecimento, 83-84
217, 223-224 Motores a jato, 46-47, 50-53, 249-252
Melhoria contínua, 580-581
Microsoft, 21-22, 25-26, 154-157, 177- Motores de aeronaves, 46-47, 50-54
Membros da equipe básica, 495-496, 178, 189-190, 193-196, 228-229,
529-531 Motores de aviões a turbina, 46-47, 50-53
282-283, 287-288, 309-311, 356-357,
Membros da equipe em mesmo local, 394-397, 399-400, 425-427, 435-438, Motores de bonina de voz, 127-128
530-531 470-471 Motores de impressora a laser, 40-41
Memorex, 119-121, 169-170 Mid-Lakes, 561-562 Motores de passo, 127-128
Memória dinâmica de acesso aleatório Migração das capacitações, 70-72 Motores fanjet, 50-53
(Dram) Milkshakes, 535-537 Motorola, 39-41, 46-47, 50-53, 228-229,
decisão da Intel de parar de fabricar, Millenium Pharmaceuticals, 394-395 446-448, 467-468, 470-472, 526-530,
259-261, 268-270, 277-278 Milliken, 587-588 587-588, 598-599
Deslize da Motorola, 40-41 Minicomputadores, 154-155, 158-159 MS-DOS, 25-27
perda da liderança da Intel, 263-264 Minimum winning game Mudança, resistência à, 235-236; ver
Memória Flash também Inovação
condutores estratégicos fundamentais,
defensores na Intel da, 265-267 59-60, 62-66 Mudança de arquitetura, 113-114
definição, 57-60, 62 Mudança descontrolada na indústria,
Memória magnética de filme fino, 374-375
307-308, 313-315
Memória programável apagável somente descrição da abordagem, 54-57
Mudança incremental, 113-114
para leitura; ver Eproms implementação da ideia, 65-67
Mudança produto/serviço, 440-441
Memória somente para leitura Miniscribe, 119-121, 127-128, 130,
programável eletricamente (Eprom), 169-171 Mudanças na engenharia, 506-509
283-284 Miniusinas, 134-135, 138-141, 156-157, Mudanças no software, 507-508
Mercado “especulador”, 61, 64-65 417-418 Música
Mercado de ações on-line Minivans, 537-538n copyrights na, 223-226
como tecnologia disruptiva, 75-77, Minolta, 300-301 Musical Copyright Act, 223-225
154-155 Mips Computer Systems, 310-311
entrada da Merrill Lynch no, 75-76 Miras telescópicas, 235-237, 240
N
Mercados de nicho MITS, 14-15
alcançando os pragmáticos via, Mitsubishi, 39-40 Nacional, 186-187
204-205, 422-424, 428-433 Mix de marketing, 543-547 Napster, 221-222
Índice     623

National Aeronautics and Space Oportunidade das tecnologias, 372-373 Participação de mercado no estágio
Administration, 89-90 Oportunidades tornado, 423-424, 433-440
National Cash Register, 98-99, 141-142 conceitualizando a partir das invenções, Patent and Trademark Office, 218-219
National Library of Medicine, 224-226 360-362 Patentes; ver também Propriedade
Navios a vapor, 131-134 identificando, 57-58, 337-340 intelectual
NCR, 98-99, 141-142, 228-229 Oportunidades de negócio aspartame, 26-27
NEC, 34-39, 41-45, 119-121, 219-220, conceituação a partir das invenções, definição, 1-2
292-293, 300-301 360-362 indústria de medicamentos, 27-29,
NEC Corp. v. Intel Corp., 219-220 identificando, 57-58, 337-340 204-205
Necessidades do usuário; ver Oportunidades tecnológicas indústria petroquímica, 17-18, 20-21
Identificação das necessidades avaliando, 57-58, 337-340 licenciamento mútuo, 223-224
Negação, 284, 286 limitações das, 14-16
capacidade de absorção e, 389-392
Netflix, 535-536 princípios básicos, 217-220
Opportunity Discovery Department,
Network Associates, 228-229 465-466 Patentes de design, 218-219
Neurotransmissores, 233-234 Oracle, 156-157, 204-205 Patentes de fábrica, 218-219
New Business Group (Intel), 469-470, Organizações que aprendem Patentes de serviço público, 218-219
599-601 Patentes de software, 218-220
criando, 591-593
New United Motor Manufacturing Inc., Patentes do método de negócio, 219-220
588-589 medição nas, 589-592
Patrocinadores, 345-346, 453-454
New York Stock Exchange, 442-443 objetivos das, 580-582
Patrocinadores executivos, 532-534
NeXT, 286-287 principais atividades, 581-590
Paul Revere Life Insurance, 586-587
Nike, 222-223, 478-479 Óxidos, 128-129
PDAs; ver Assistentes digitais pessoais
Nikon, 253-255, 257-258, 545-546 (PDAs)
Nippon Denso, 194-195 P PeopleSoft, 228-229
Nippon Kokkan, 153-154 Pepsi, 14-15
Nippon Steel, 146, 153-154 Pacific Gas and Electric, 409-410
Percentuais de margem bruta, 418-419
Nissan, 146, 156-157, 295-296, 478-479 Packet-switching technology, 151-152
Perfis competitivos das tecnologias da
Níveis de aspiração, 383-384 Padrão VHS, 208 empresa, 33-34
Nixdorf, 154-155 Padrões Período Avenida Central
Nokia, 468-470, 478-479, 593-595, a partir de interfaces modulares, características básicas, 207, 423-424
598-599 182-184 estratégias para, 439-444
Nordstrom, 478-480 desenvolvimento no ciclo de vida da Período do Fim da Vida, 207
Nortel, 151-152 tecnologia, 433-434
Período pista de boliche
Northrop Corporation, 82-83, 86-87 dos sucessos dos novos produtos, 559 características básicas, 207, 422-424
Notebook; ver Computação móvel impacto na adoção da tecnologia, estratégias para atingir, 428-433
Novas aplicações de fármacos, 232-234 214-216
Período tornado, 207, 423-424, 432-440
Novell, 228-229 sistema operacional do PC, 473-475
Perkin-Elmer, 253-255, 257-258
Nucor, 134-135, 139-141, 417-419 Padrões da indústria; ver Padrões
Perks, 84-85
Números de Valor Final, 416-417 Padrões de emissão, 52-54
Perspectiva ecológica, 258-260
Nummi, 588-589 Padrões de inovação fluidos, 109-110
Pertec, 169-170, 351-352
NutraSweet, 26-28 Padrões de poluição, 53-54 Pesquisa, básica versus aplicada, 1-2
Padrões de transição da inovação, 109-110 Pesquisa avançada, desenvolvimento de
Padrões específicos de inovação, 109-110 produto versus, 557-558
O Pagers, 206-207 Pesquisa básica, 230-232
O abismo Pagers da Bandit, 526-528 Pesquisa corporativa
causas, 203-205, 422-424 Palm Pilots, 62-63n, 156-157 especialistas de marketing em, 360-362
estratégias para atravessar, 204-207, Palo Alto Research Center, 355-360, interfaces com a P&D divisional,
428-433 366-367 336-338
Objetivos de longo prazo para a fusão Panasonic, 40-41, 300-301 Pesquisa de mercado, 539-543
HP-Compaq, 325-327, 328-330 Paradigma do posicionamento, 537-539 Pesquisa de negócio, 336-338, 361-362
Obrigação estratégica, 453-454 Paradigmas do projeto dominante, 15-17, Pesquisa de usuário de ponta
Observação, 540-542 247-249, 475-476 características do usuário de ponta,
Office Depot, 156-157 Paradoxo da gestão da alta tecnologia, 401-402
Office Max, 156-157 87-90 métodos e estágios, 401-408
Olivetti, 302-303 Parceria estratégica, 21-22, 28-29, 39-40 Pesquisa e desenvolvimento
Olympic Snack project, 402-403 Parcerias capacidade de absorção e, 99-100,
Opções de integração direta, 344-346 projetos de desenvolvimento a partir de, 385-388, 391-393
Operações bancárias na internet, 149-151 550-552 captar os retornos da, 349-355
624     Índice

competências básicas versus, 38-39 Política de portas abertas, 84-85 racionalidade do, 266-268
conceituar produtos da, 360-369 Ponto de dissociação da cadeia de valor, Processo Flota Glass da Pilkington, 47-48
contratação interna de tecnologia da, 351-355 Processo Lançar e Aprender, 330-331
99-100 Pontos de inflexão, 278-279 Processo stage-gate, 419-421
em relação ao caminho evolucionário Pontos de inflexão estratégicos, 278-281 Processos
da inovação, 108-109 Porsche, 299-300 adquirindo, 77-79
em relação ao desenvolvimento Porta-retrato digital, 65-66 capacitações definidas pelos, 67-70
comercial, 550-552 Porteiros, 379-380, 419 criando, 75-77
fatores de rentabilidade da inovação Portfólios de negócio, 7
em, 27-28 implantação de estratégia tecnológica
Portfólios de tecnologia, 6-7 para, 101
foco em, 81-83 Portfólios institucionais, 416 inovação nos, 106-109
investimento da 3M, 450 Posição relativa da tecnologia, 6-7 migrando capacitações para, 70-72
níveis funcionais na, 339-340 PPG, 588-589, 591-592 Processos de determinação do contexto
para monitorar a inovação tecnológica, Pragmáticos estratégico, 265-266
31-32
estratégias para alcançar, 204-205, Processos de negócio
questões de gestão estratégica, 335-340 422-424, 428-433 impacto da inovação nos, 47-48
transferência de tecnologia entre, influência dos líderes do mercado sobre
368-377 Processos estratégicos autônomos
os, 434-437
Pessoas-chave, 42-45, 70-71 alocação de recursos para, 311-315
traços dos, 202-204
Philco, 107-108 características básicas, 264-267,
Precificação, na segmentação do mercado 307-309
Philips, 36-43, 157, 298-299, 374-375, baseada em tarefa, 545-546
576-577 equilíbrio com os processos induzidos,
Preços das ações 313-315
Phillips Petroleum, 351-352 impacto do sucesso Avenida Central, explorando a inovação nos, 334-336
Piano rolls, 224-225 440-444
racionalidade dos, 267-268
Pixar, 152-153 impacto do sucesso da pista de boliche,
431-433 Processos evolucionários
Pixim, estratégia de MWG, 55-57, 60-61,
64-67 impacto do sucesso do estágio tornado, balanceamento com a mudança
435-440 disruptiva, 470-484
PixTech, 593-595
Placas de expansão, 265-266 impacto do sucesso inicial do mercado, na formação da estratégia tecnológica,
427-429 95-99, 470-478
Planejamento, papel da tecnologia no,
30-34 Prêmio Baldrige, 589-592 na inovação, 105-112
Planejamento com base em plataforma, Previsão, 8-9 Processos judiciais, propriedade
419-420 intelectual, 224-227
Previsão tecnológica, 8-9
Planejamento corporativo, 30-34 Priam, 119-121, 130 Procter & Gamble, 201, 541-542,
550-551
Planejamento da onda secundária, Price Club, 158-159
556-558 Produção
Price Waterhouse Coopers, 319-320
Planejamento de portfólio, 6-7, 300-301 comunicações com a engenharia,
Prime Computer, 83-84, 154-155
503-509
Planejamento de projetos Prioridades
impacto na competitividade, 28-30
abordagens de sequenciamento, adquirindo, 77-79
553-558 Produção de tiras contínuas, 417-418
capacitações definidas pelas, 69-71
mapeamento de projetos no, 549-555 Produtos alavancados, 559-561
coerência nas, 82-83
necessidade do, 548-550 Produtos aprimorados, 560-561
Prius, carro híbrido, 76-77, 414-415
objetivos de longo prazo, 557-558 Produtos básicos, 40-41, 559-561
PRML, 128-129
Planejamento estratégico Produtos de alto volume, 105-107
Problemas técnicos inesperados, 559-560
criação de processos MWG, 65-67 Produtos híbridos, 560-561
Processadores Risc; ver Computação
intenção estratégica versus, 292-294 com conjunto de instruções reduzido Profundidade da estratégia tecnológica,
(Risc) 94-95
papel da tecnologia no, 30-34
Planejamento orientado para a descoberta, Processamento de carne bovina, 150-151 Programa Apollo, 292-293
420-421 Processo Adote e Siga, 330-331 Programa espacial, 292-293
Planos de carreira, 42-45 Processo Bessemer, 242-243 Programa Wild Hare, 85-86
Planos de negócio, 543-547 Processo de definição, 452-454, 458-460 Programas de pesquisa conjunta, 372-373
Plástico misturado, 151-152 Processo de incentivo, 453-455, 459-461 Projeto Banias, 311-312
Plataforma de desenvolvimento do Processo de rendição, 298-300 Projeto Homework, 586-587
Walkman, 553-555 Processo estratégico induzido Projeto Seis Sigma, 446-448
Plus Development Corp., 172-173, características básicas, 261-265, Projetos, congelamento, 503-505
559-560 307-308 Projetos alternativos, gerando, 569-570
Polaroid, 30-31 equilibrando com processos autônomos, Projetos de demonstração, 583-586
Polinização mútua, 358-360 313-315 Projetos de desenvolvimento; ver também
Polipropileno, 351-352 explorando a inovação no, 333-336 Desenvolvimento de produto
Índice     625

aprendendo por meio de, 500-501 R Relacionamentos com o parceiro


ferramentas para, 499-501 estratégico, 439-440; ver também
R. H. Macy, 152-153 Parcerias
gestão de projetos, 487-494
Rádios Relações com o fornecedor, 439-440
organização e gestão, 493-500, 524-526 impacto dos transistores, 47-53
planejamento agregado dos, 548-558 Relações contratuais, com base na
questões de copyright, 224-226 estratégia de canal, 19-25
visão global dos benefícios e desafios, Rádios portáteis, 48-51, 245-246 Relações de eficiência arquitetural,
485-488
Raychem, 31-32 184-185, 198-200
Projetos de desenvolvimento comercial,
Raytheon, 447-448, 470-471 Relações desempenho/custo, 510
488-490
RC Cola, 14-15 Relações do vendedor, 439-440
Projetos de plataforma, 490-491, 550-555
RCA, 29-30, 81-82, 107-108, 141-142, Relatórios, 588-589
Projetos inovadores, 490-491, 550-551
156-157, 245-246, 300-301, 470-472, Reliance Electric, 89-90
Projetos órfãos, 462-464 483-484 Renovação estratégica, 270, 272
Projetos secundários, 490-491, 549-551 Read-Rite, 127-128, 192-193, 352-353 Reorientação, estratégica, 269-270, 272
Projetos sustentadores, 488-490 Reatores de água leve, 210-211 Replicação teórica dos modelos, 190-191
Promoção do produto, 453-454 Reatores nucleares, 210-211 Requisitos de mudança, 506-508
Promoção organizacional, 454-455 Receitas, estratégias como, 298-300 Resistência à inovação, 408-415
Promoções Receptores, 233-234 Resolução de problemas integrada, 571-573
segmentação de mercado baseadas nas Receptores de serotonina, 233-234 Resolução do problema, 568-573, 582-583
tarefas, 543-545 Reconhecimento estratégico, 279-281 Responsabilidade recíproca, 295-296
Propaganda boca a boca, 544-545 Recording Industry Association of Resposta parcial, técnica da probabilidade
Propriedade intelectual; ver também America, 228-229 máxima, 128-129
Patentes Recrutamento de equipes pesos-pesados, Restrições, 46-47, 69-70
fármacos como, 27-29 529-531
Resultados, atividades versus, 2-3
impacto da tecnologia, 217-218, Recursos
Retardatários, 202-203
222-230 adquirindo, 77-79
Retornos crescentes para a adoção, 208
tipos de direitos, 217-223 capacitações definidas pelos, 67-68
Reuters, 151-152
Protocolo 802.11, 150-151 estratégia tecnológica para
Ricoh, 151-152
Protótipos comprometer, 94-95
RIM BlackBerry, 156-157, 538-539
uso nos projetos de desenvolvimento, Recursos coespecializados, 16-20, 27-28
Risco da tecnologia, 489-490
500-501, 503-505 Recursos complementares
RLL, 128-129, 164-165
usos diferentes entre as empresas, controle governamental, 29-30
572-575 Rod steel, 139-141
importância para a rentabilidade das
Provedores de serviço de aplicação, inovações, 16-20 Rodime, 119-121
429-430 questões de estratégia de canal, 19-28 Rodízio de tarefas, 84-85
Psicologia da adoção de novos produtos, Recursos especializados, 16-17, 19-20, Rolm, 24-25, 28-29
408-415 93-94 Rover, 478-479
Psicologia de mudança comportamental, Recursos genéricos, 16-18 Royal Canadian Mint, 414-415
408-415 Redes de compensação eletrônica, Royal Dutch/Shell, 461-462
152-153 Royalties
Redes de valor, 143-145 nos impostos sobre fabricantes de
Q gravadores, 226-227
Redes dinâmicas, 29-30
Quadros de referência para auditorias de Redistribuição de funcionários patente, 223-224
capacitações inovadoras, 10-11 para explorar as competências básicas,
Qualcomm, 394-395, 435-437 42-45
S
Quantum Corp., 119-121, 127-128, 130, para transferir conhecimento, 588-590
168-175, 185-186, 188-189, 351-352, Regalias dos executivos, 84-85 Sabre, 425-427
576-577 Regimes de apropriabilidade Salesforce.com, 156-157
Quatro Ps, 543-547 capacidade de absorção e, 385-388, Samsung, 40-41, 300-301, 478-479
Questionários, 591-592 391-392 Santa Fe Institute, 358-359
Questões regulatórias dimensões fundamentais, 14-16 Santayana review, 585-586
impacto na aviação, 53-54 estratégias de canal e, 23-25, 27-29 Sanyo, 296-297
impacto na inovação tecnológica, relação com os lucros, 17-20 Scuba classes, 544-545
108-109 tempo de entrada no mercado, 93-94 Seagate, 87-88, 119-121, 127-130,
impacto no mercado de dispositivos de Regimes de apropriabilidade fortes, 168-173, 188-189, 192-193, 351-352,
TAC, 25-26 17-19, 28-29 597-598
padrões de poluição, 52-54 Regra dos custos afundados, 415-416 Sears, 158-159, 186-187, 478-481
promovendo a inovação, 414-415 Regras da Garagem, 596-597 Sears, Roebuck, 151-152
QuickBooks software, 153-154, 544-545 Relacionamento operacional, 343 Securitização de ativos, 186-187
626     Índice

SeeBeyond, 228-229 Sistema de crenças, 598-599 Submapas de engenharia de projetos,


Segmentação; ver Segmentação do Sistema de documento gráfico (IBM), 566-568
mercado 376-377 Substratos, 128-129
Segmentação de mercado Sistemas adaptativos complexos, 316-317 Sucesso na inovação, 1-2, 408-410
benefícios da abordagem focada em Sistemas de controle de diagnóstico, Sumatriptano, 230-234
tarefa, 535-540 598-599 Sun Microsystems, 156-159, 186-187,
identificando tarefas para a, 539-544 Sistemas de controle fixadores de limites, 204-205, 310-311, 321-322, 395-396,
mix de marketing e plano de negócio, 598-601 447-448, 574-575, 596-597
543-547 Sistemas de controle gerencial, 598-601 Supercomprometimento com projetos de
visão global, 534-536 Sistemas de imagem digital, 154-155 desenvolvimento, 490-493
Segredos comerciais, 15-16, 222-223 como tecnologia disruptiva, 77-78 Supercondutores, 350-351
Segway, 408-412 descobrindo as necessidades do cliente, Suporte técnico, 101
Seiko, 156-157, 300-301, 470-472 544-546 Supremo Tribunal (EUA), 218-219,
Seis Sigma, 445-450 223-227
Pixim, Inc., estudo de caso, 60-61,
Seis temas de sucesso para a gestão da 64-65 Surgimento do sistema operacional
alta tecnologia, 81-88 Windows, 473-475
Sistemas de recompensa, 43-45; ver
Semicondutores também Compensação Surveys, 540-541, 591-592
competências básicas em, 35, 40-41 Sistemas de teste Suzuki, 153-154
Matrix Semiconductor, estudo de caso, para conceitos de produto, 406-408 Swift, 150-151
60-61 Sistemas interativos de controle, 599-601 Sybase, 228-229
padrões de inovação, 106-108, 470-471 Sylvania, 470-471
Sistemas servoincorporados, 127-128
Pixim, estudo de caso, 60-61 Symantec, 228-229
Situation cases, 542-543
Sequenciamento de fluxo constante, Syntex, 204-205
Skunkworks, 94-95, 503-506
553-557 SLRP program, 65-67
Sequenciamento de projetos de Smalltalk, 356-357, 366-367 T
desenvolvimento, 553-558
Snowboards, 414-415
Serendipidade, 237-238 Tandem, 81-82, 85-86, 326-327
Software de banco de dados; ver também
Serial Copy Management System, Tandon, 81-82, 87-88, 130
Software de banco de dados MySQL
226-227 Tandy, 158-159
de inovações disruptivas, 156-157
Serotonina, 233-234 Tarefa, segmentação do mercado por,
Solaris, 186-187
Serviço de campo, 101 535-547
Sonic booms, 53-54
Serviço de Engenharia e Tata Consultancy Services, 416
Sonny Bono law, 226-228
Hidrocarbonetos, 20-21 Tata Sons, 416
Sonosite, 156-157
Serviço de internet de alta velocidade; Technical Forums (3M), 84-85
ver Serviços de banda larga Sony Corporation, 36-37, 39-41,
144-146, 156-157, 207, 224-226, Technicare, 25-26
Serviço OnStar, 541-545 Teclado Dvorak, 216-217, 412-413
228-230, 245-246, 298-301, 490-491,
Serviços Teclado Qwerty, 95-96, 216-217
541-542, 545-547, 553-555, 559,
criação de valor em, 440-442 576-577 Técnicos, 339-340
tentativas de crescimento da HP, Southwest Airlines, 146, 154-157 Técnicos em eletrônica, 201-203
319-321
Spectra-Physics, 86-87 Tecnologia
SGS Microelettronica, 597-598 definição, 1-2
Spindle, 129
Sharp, 60-61, 158-159, 296-297 papel estratégico, 3-7
Sprint/Nextel, 154-155
Shell GameChanger, 461-462 papel no planejamento corporativo,
SSIH, 471-472, 483-484
Shugart, 130, 169-170 30-34
Standard Oil, 181-182
Siderurgia Tecnologia da informação
Stanford Innovation Project, 510-511
análises financeiras equivocadas, integração HP-Compaq, 325-327
417-419 Staples, 156-157
Star workstation, 356-358 Tecnologia de armazenamento, 119-121
desafio da miniusina, 134-135, 138-141, Tecnologia de filme fino
156-157 Starbucks, 538-539, 544-545
Statute of Anne, 219-220 análise da curva S do desenvolvimento,
inovações japonesas, 153-154 115-122
processo de Bessemer, 242-243 STC, 298-299
características básicas, 115-118, 129
Siderurgia integrada, 134-135, 138-141, Steppers, 253-258
para memória de computador, 374-375
417-419 STMicroelectronics, 597-598
ponto de desacoplamento, 351-353
Siebel Systems, 156-157 StrataCom, 78-79
como desenvolvimento sustentável para
Siemens, 25-26, 151-152, 157, 298-300, Stratovac, 560-568 unidades de disco, 161-163
Silicon Graphics, 156-157, 185-187 Strawberries, 401-402 Tecnologia de óxido de ferrita, 117-121,
Silos, 72-76 StubHub, abordagem MWG da, 55-58, 161-162
Silos funcionais, 72-76 61, 64-66 Tecnologia de processo, estratégias
Simpton’s, 561-562 Submapas, 566-568 genéricas e, 4-5
Índice     627

Tecnologia de produto, estratégias Thomson, 36-37, 40-41, 298-299, construção de, 113-115, 176-177
genéricas e, 4-5 597-598 desenvolvimento da modularidade,
Tecnologias avançadas de gravação Thorn Electrical Industries, 25-26, 39-41, 183-186, 190-192
magnética, 351-355 297-298 desenvolvimento do mercado, 113-114
Tecnologias básicas, 94-95 Ticketmaster, 61 economias de escala na indústria,
Tecnologias concorrentes Tijolos soltos, 296-299 191-192, 198-200
aplicando a Lei Forte dos Grandes Time Life, 588-589 inovações de arquiteturas, 130-135,
Números, 210-213 Time Warner, 593-595, 598-599 161-166, 351-355
estudos das, 215-217 Timing para entrar no mercado, 93-94 local da mudança de rentabilidade,
forças de monopólio, 213-215 Timing para o mercado, 194-195 190-194
modelo básico, 208-211 Tiros em alto mar, estudo de caso, reintegração das empresas que
padrões, políticas e expectativas, 235-244 produzem, 188-190
214-216 TiVo, 408-411, 413-414 tecnologias de filme fino, 115-122,
visão global, 207-209 Tolerância à falha, 86-87 161-163
Tecnologias de plástico, 151-152, Tomografia axial computadorizada, termos técnicos, 127-129
156-157 14-15, 25-26 Unidades de negócio, 8-10, 345-347
Tecnologias disruptivas Toshiba, 119-121, 158-159, 188-189, Unidades de negócio autônomas, 72-78
avaliando o potencial, 147-151 296-301, 470-471 Unidades de negócio especiais, 345-346
como ativos corporativos, 142-144 Tours, 588-589 Unidades de negócio independentes,
como conceito relativo, 75-76, 142-143 Toyota, 39-40, 75-77, 146, 153-154, 345-347
como o ponto forte das empresas novas, 156-157, 194-195, 298-300, 414-415, Unidades estratégicas de negócio
71-72 500-501, 536-537n, 568-569, 588- como desafio para o foco da
exemplo de siderurgia, 138-141 589 competência básica, 36-37, 41-43
exemplos históricos, 150-157 Toys “R” Us, 156-157 para novos empreendimentos, 345-347
forças que moldam as estratégias para, Transferência de conhecimento, 588-590
realocação para explorar as
97-98 Transferência de tecnologia, 368-377 competências, 43-45
interfaces interdependentes nas, Transferências da linha de produção para supercomprometimento para, 299-301
180-182 a equipe, 588-589
Unidades fundamentais da tecnologia,
modelo básico, 136-139 Transformada rápida de Fourier, 376-377 31-33
na indústria de unidades de disco, Transistores Unidades produtivas, 110-111
162-171 aceitação pelas empresas de ponta, Uniform Trade Secrets Act, 222-223
obstáculos stage-gate para, 419 470-471
Union Carbide, 20-21
sob o Seis Sigma, 449 impactos de mercado, 47-53, 245-246
Unisys, 228-229
tipos, 143-148 observando usos potenciais para,
541-542 United Airlines, 425-427
unidades autônomas para, 72-74, 76-78 United States Mint, 414-415
Tecnologias genéricas, 31-33 Transistores de efeito de campo, 371-374
Transistores de efeito de campo com United States Patent and Trademark
Tektronix, 477-478 Office, 218-219
integração em larga escala, 371-374
Telefonia sem fio Univac, 374-375
Transporte de contêineres, 16-18
como tecnologia disruptiva, 157 Universal Music Group, 228-229
Transporte supersônico, 53-54
Telefunken, 40-41, 298-299 Universal Oil Products, 17-18
Travelocity, 154-155
Tendências dos novos produtos, 411-412 Universal Studios, 224-226
3M, 30-31, 36-37, 41-44, 82-89, 401-402,
Tensilica, 187-188 406-407, 450, 580, 596-599 University of Phoenix, 157
Teradyne, 86-87 Triagem pré-clínica, 231-232 UPM Rafsec, 468-470
Terceirização; ver também Interfaces Trinova, 43-44 UPM-Kymmene Corp., 468-470
modulares
Triumph, 153-154 Urgência na intenção estratégica,
ciclos de, 179-180 294-295
TRW, 52-53
desenvolver competências básicas US Steel, 139-141, 417-419
Tubos de imagem, 49-50
versus, 39-40
Tubos de raios catódicos, 49-50 USA Networks, 593-595
lógica da, 196-197
Turbotax, 153-154 Usando, aprendendo, 516-517
Terceirização de motores, 39-40
TurboTax, 544-545
Termos de compromisso, mudando,
297-298 Twelve-Minute Games, 541-542
V
Testes de segurança, 231-233
Testes para a inovação disruptiva, Valor comercial, prevendo, 349-355
U
147-151 Valor presente líquido, 415-417
Texas Instruments, 14-15, 82-86, 88-89, Ultrasound, 157 Vanguard, 157
106-108, 156-157, 223-224, 470-471, Unidades de disco Vantagem competitiva
559 amadurecimento tecnológico das, a partir da integração vertical, 177-178,
Textron, 447-448 114-117 180-182, 187-188
628     Índice

a partir da modularidade, 182-184, Verizon, 227-228 Western Union, 147-148, 150-151,


190-191 Viabilidade de conceitos, 370-371 470-471
a partir do processo de Vickers, 43-44 Westinghouse, 41-42, 470-471
desenvolvimento rápido, 568-569, Viés do status quo, 410-411 Whirlpool, 149-150, 467-468
574-577 Williams & Wilkins, 224-226
Virgin, 538-539
atendimento ao cliente como, 478-480 Winchester disk drives, 126-127, 161-162
Visão da estratégia baseada em recursos,
avaliando a base para, 279-281 WordPerfect, 189-190
3-4
baseando-se em competências básicas, Worthington Steel, 587-588
36-37 Visão da estratégia produto/mercado,
3-4, 6
ciclo de vida da tecnologia e, 7-9
Visão normativa da estratégia, 2-4
como intenção estratégica, 295-300 X
Visão positiva da estratégia, 2-4
criando para os adeptos iniciais,
Visicalc, 221-222 Xerox, 14-15, 36-39, 42-43, 81-83,
425-427
VisiCorp, 357-358 93-94, 141-142, 147-152, 157,
criando para os pragmáticos, 430-432 181-182, 204-205, 245-246, 291-294,
estratégia tecnológica na, 92-94 Visionários 297-298, 335-336, 338-339, 352-360,
estratégias do estágio tornado, 434-437 estratégias dos, 422-424 366-367, 461-462, 464-466, 470-471,
no estágio Avenida Central, 440-442 traços dos, 202-204 580-584, 586-590
Vantagem da categoria, 434-435 Visteon, 194-195 Xerox Parc, 355-360, 366-367
Vantagem do pioneiro VM monitors, 375-376 Xerox Technology Ventures, 461-462,
estratégia tecnológica e, 93-94 Volkswagen, 466-467 464-466
importância nos mercados tecnológicos, Xicor, 266-267
425-427
Varejo de catálogo, 151-152 W Y
VCRs, 224-227
Walmart, 92-93, 145, 147, 152-153, Yahoo!, 425-427
Veículos movidos a hidrogênio, 414-415
480-481
Veleiros, 131-134 Yamaha, 36-37, 153-154, 299-301,
Walt Disney Company; ver Disney 352-353
Velocidade para o mercado, 194-195
Wang, 154-155 Yhtyneet Paperitehtaat, 468-470
Venda de ingressos no mercado
secundário, 61, 64-65 Warner, 228-229 Young & Rubicam, 447-448
Vendas business-to-business, 539-541 Washington Post Company, 152-153
Vendas de ingressos, 61, 64-65 Watch industry, 471-472
Weave Innovations, 55-58, 61, 64-67 Z
Vendas de ingressos para esportes, 61,
64-65 WebVan, 411-412 Z.C.M.I., 152-153
Veritas, 157 Western Digital, 185-186, 188-189 Zenith, 158-159

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