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Mecânica dos Fluidos I

(MEMec, MEGE e LEAN)

Exame de primeira época


19 de Janeiro de 2024
Solução com respostas desenvolvidas

Numa instalação industrial, um caudal volúmico Q = 0,0314 m3 /s de água é bombado de um re-


servatório inferior para outro mais elevado, ambos abertos para a atmosfera. A descarga 8 efectua-se
h = 2 m abaixo da superfı́cie livre z9 e a descarga 10 está à mesma cota de 8. Do ponto 1 ao ponto
3 há 15 m de conduta; de 4 até 8 há 25 m. Todos os troços têm diâmetro d = 0,1 m e rugosidade
equivalente ε = 0,05 mm, tı́pica de tubos. A instalação inclui uma bomba (entre os pontos 3 e 4) e
uma válvula (entre 6 e 7). A entrada no tubo em 1 tem um coeficiente de perda de carga k1 = 0,2,
os dois cotovelos (pontos 2 e 5) têm um coeficiente de perda de carga k2 = k5 = 0,2. Na posição
actual, o coeficiente de perda de carga da válvula é kv = 7. Considere que a massa volúmica da água
é ρ = 103 kg/m3 , a viscosidade cinemática ν = 10−6 m2 /s e a aceleração gravı́tica g = 9,8 m/s2 .
Admita que a pressão atmosférica é uniforme, pa = 105 Pa, sem variação hidrostática. A figura 2
contém as curvas da bomba à velocidade de 1500 rpm, a que ela roda.

Figura 1: Uma instalação industrial bombeia água de um reservatório inferior (com superfı́cie livre à cota z0 )
para outro (com superfı́cie livre à cota z9 ). A ligação entre os dois depósitos inclui vários troços de tubo, dois
cotovelos e uma válvula. A diferença de cotas entre os pontos 8 e 9 e entre 9 e 10 é h = 2 m.

1. Calcule a potência de accionamento da bomba, sabendo que ela roda a 1500 rpm. Tenha em
conta o rendimento da bomba. [2,5 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: De acordo com a figura 2, para este caudal, a altura de


elevação é H = 21 m e o rendimento é η = 0,85.
O ponto de funcionamento da bomba e o rendimento estão assinalados na figura 2 por cı́r-
culos vermelhos abertos.
1
A potência de accionamento da bomba é ẇ = ρgQH = 7,602 × 103 W.
η
2. Calcule a diferença de cota entre a superfı́cie livre dos dois reservatórios (z9 − z0 ). [2,5 valores]
RESPOSTA DESENVOLVIDA: Para este caudal, a velocidade média na conduta é v =
4,0 m/s; o número de Reynolds é Re = 4 × 105 , a rugosidade relativa é ε/d = 5 × 10−4 .
O coeficiente de atrito é f = 0,01777. A pressão dinâmica é a mesma em todos os troços
de conduta e em todos os obstáculos localizados e portanto pode pôr-se em evidência. O
P
somatório dos coeficientes de perda de carga concentrada é i ki = k1 + k2 + k5 + kv = 7,6.
O somatório do comprimento de todos os troços de tubo é L = 15 + 25 = 40 m. A equação
de Bernoulli desde um ponto de velocidade nula no reservatório de montante (designemo-lo
por ∞0 ) até ao ponto 8 é
!
1 2 1 L X 1 2
p∞0 + ρgz∞0 + ρv∞ 0
+ ρgH = p8 + ρgz8 + ρv82 + f + ki ρv .
2 2 d 2
i

A pressão piezométrica é uniforme numa zona com distribuição hidrostática de pressão,


portanto p∞0 + ρgz∞0 = p0 + ρgz0 . O jacto 8 descarrega para o reservatório à pressão
hidrostática local, assim p8 + ρgz8 = p9 + ρgz9 . Por outro lado, a velocidade em 8 é igual
à velocidade em todo o resto das condutas. Substituindo na equação de Bernoulli, rearran-
jando os termos e dividindo todos por (ρg) fica
!
p9 − p0  L X v2
H = + z9 − z0 + f + k1 + 1 . (1)
ρg d 2g
i

Segundo o enunciado, a pressão atmosférica é uniforme, portanto p9 − p0 = 0. O último ter-


 2 2
mo do segundo membro é f Ld + i k1 + 1 v2g = 15,71 v2g = 12,81 m. A altura de elevação
P

é H = 21 m, como se viu na alı́nea anterior. A diferença de cotas é z9 − z0 = 8,19 m.

3. Determine a cota máxima a que a entrada da bomba pode estar (ponto 3) relativamente à cota
do reservatório de montante (z0 ) para a pressão absoluta local não descer abaixo de 3500 Pa.
[2,5 valores]
RESPOSTA DESENVOLVIDA: A equação de Bernoulli desde o ponto ∞0 de velocidade
nula no reservatório de montante até ao ponto 3, à entrada bomba, é
 
1 2 1 2 L1,3 1 2
p∞0 + ρgz∞0 + ρv∞0 + ρgH = p3 + ρgz3 + ρv3 + f + k1 + k2 ρv .
2 2 d 2

Na situação limite, p3 = 3500 Pa. A velocidade é a já calculada. Como anteriormente,


p∞0 + ρgz∞0 = p0 + ρgz0 e, segundo o enunciado, p0 = 105 Pa. O comprimento do tubo
entre 1 e 3 é L1,3 = 15 m. Rearranjando a equação, pondo a pressão dinâmica em evidência
e dividindo todos os termos por (ρg), fica
  2
p0 − p3 L1,3 v
z3 − z0 = − f + k1 + k2 + 1 = 6,53 m.
ρg d 2g

Isto é, o ponto 3 pode ficar até 6,53 m acima da superfı́cie livre z0 do reservatório.
Habitualmente, a limitação de pressão à entrada da bomba justifica-se para evitar a cavi-
tação no interior da bomba.

2
Figura 2: Curvas da bomba para a velocidade de rotação de 1500 rpm: altura de elevação H e rendimento η
em função do caudal Q.

4. Calcule a área do orifı́cio de descarga 10 para manter constante o nı́vel do reservatório superior.
O orifı́cio descarrega para a atmosfera conforme se sugere na figura 1. [2,5 valores]

RESPOSTA: A equação de Bernoulli, desde um ponto de velocidade nula no reservatório 9


(designemos esse ponto por ∞9 ) até à saı́da 10, permite calcular a velocidade v10 :

1 2 1 2
p∞9 + ρgz∞9 + ρv∞9
= p10 + ρgz10 + ρv10 .
2 2

Por o ponto ∞9 estar em condições hidrostáticas, p∞9 + ρgz∞9 = p9 + ρgz9 . Por sua vez,
p9 = p10 , porque, segundo o enunciado, a atmosfera tem pressão uniforme. Obtém-se assim
q 
v10 = 2g z9 − z10 = 6,261 m/s.

A área do orifı́cio é A10 = Q/v10 = 0,00515 m2 .


O enunciado pressupõe que o orifı́cio é suficientemente pequeno para ser caracterizado por
uma única cota. Supõe-se também que a velocidade é uniforme na secção de saı́da.

5. Havendo uma perturbação no caudal de descarga 10, que faz o nı́vel z9 do reservatório superior
subir 1 m, mantendo o nı́vel do reservatório inferior z0 , calcule o novo caudal na bomba. Como
o caudal na bomba e nas condutas pouco se altera, o factor de atrito mantém-se praticamente
igual. [2,5 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: A equação (1) da alı́nea 2 representa no primeiro membro


a curva da bomba, H(Q) e no segundo membro a curva da instalação.
!
L X Q2
H = A+B Q2 , com A = z9 −z0 = 8,19 m e B Q2 = f + k1 + 1 2
 2 = 12992Q ,
d πd2
i 2g 4

com Q em m3 /s e B em m/(m3 /s).


Se o nı́vel z9 do reservatório superior sobe 1 m, a nova curva da instalação tem constante
A′ = 9,19 m e igual constante B:
H = A′ + B Q2 = 9,19 + 12992 Q2 m.

3
A curva a azul na figura 2 representa esta nova curva da instalação. Os cı́rculos azúis são
pontos que serviram para a traçar. Para Q = 0,020 m3 /s, A + B Q2 = 14,39 m; para
Q = 0,025 m3 /s, A + B Q2 = 17,31 m; para Q = 0,028 m3 /s, A + B Q2 = 19,38 m; para
Q = 0,030 m3 /s, A+B Q2 = 20,88 m; obviamente, para Q = 0,0314 m3 /s, A+B Q2 = 22 m.
Para resolver este exercı́cio não era preciso ter calculado tantos pontos, porque é evidente
que o ponto de funcionamento, onde a curva da bomba se cruza com a curva da instalação,
se situa à volta do caudal Q = 0,0305 m3 /s. Este ponto está marcado na figura 2 pela
circunferência azul aberta.
Note-se que o caudal sofreu uma pequena variação percentual (o novo caudal é 97,1% do
anterior), o número de Reynolds diminui na mesma proporção (passa a ser 3,89 × 105 , cf.
alı́nea 2), de modo que o coeficiente de atrito praticamente não se altera (passa de 0,01777
a 0,01780, cf. alı́nea 2), tal como sugerido no enunciado. Além disso, repare-se que, na
equação (1), o termo relativo às perdas de carga em linha, f L/d, se soma com o das perdas
P
de carga concentradas e da pressão dinâmica em 8, ( i ki + 1), de modo que a variação
percentual da soma é ainda mais pequena. É evidente que, na prática, a correlação em que
se baseia o cálculo de f não tem 4 algarismos significativos, nem os dados do problema são
conhecidos com esse tipo de precisão. Por exemplo, bastava que, com o novo Reynolds, a
rugosidade média equivalente fosse ε = 0,0495 mm, em vez de ε = 0,05 mm, para o factor
de atrito ser igual ao da alı́nea 2, f = 0,01777, até ao quarto algarismo.
Repare-se que, neste caso particular, apesar de a altura de elevação da bomba ter aumentado,
a potência de accionamento reduziu-se em relação à da alı́nea 1. A altura de elevação passou
de 21 m para H = 21,276 m; o caudal passou de 0,0314 m3 /s para Q = 0,0305 m3 /s; o rendi-
mento hidráulico manteve-se praticamente igual. Assim, a potência passou de 7,602×103 W
(cf. alı́nea 1) para ẇ = 7,482 × 103 W.

6. Para confirmar que o jacto de descarga 10 (ver figuras 1 e 3), não produz demasiadas oscilações
na superfı́cie do reservatório de jusante, construiu-se um modelo reduzido à escala 1:10. Todos
os comprimentos do modelo estão nessa mesma escala. Admita que os efeitos viscosos e a tensão
superficial se podem desprezar. Em contrapartida, a aceleração gravı́tica condiciona significa-
tivamente as oscilações. Qual deve ser a velocidade de descarga do modelo, correspondente à
do jacto 10 do protótipo? Se não determinou a velocidade de descarga do protótipo, basta que
determine a razão de velocidade entre o modelo e o protótipo. [2,5 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA:
As variáveis relevantes para este problema são a velocidade de
[v10 ] = L
descarga v10 , o comprimento de referência, por exemplo, a altura
[h] = LT −1
h e a aceleração gravı́tica g. Com três variáveis e duas dimen-
[g] = LT −2
sões fı́sicas fundamentais, existe um único grupo adimensional
3 2
independente.
v10
Uma das infinitas possibilidades é Π = √ , conhecido como número de Froude.
gh
Se este grupo adimensional é único, tem de ser igual no modelo e no protótipo, para haver
condições de semelhança.

4
Nesse caso, designando as variáveis do modelo com o ı́ndice m e as do protótipo com o
ı́ndice p, tem-se s
v v10 hm
√ 10m = p p ou v10m = v10p = 0,3162 v10p ,
gm hm gp hp hp

porque é evidente que a aceleração gravı́tica é igual no modelo e no protótipo.

Figura 3: O jacto 10 alimenta o terceiro reservatório, que descarrega através da fresta vertical 11.

Um terceiro reservatório (figura 3) recebe o caudal volúmico Q = 0,0314 m3 /s da abertura 10 e descar-


rega através da fresta vertical 11, cujo bordo inferior está à distância h11 = 3 m da superfı́cie livre no
reservatório. Se não tiver calculado na alı́nea 4 a velocidade na abertura 10, considere-a v10 = 6 m/s.

A componente horizontal da velocidade através da fresta é vx = 2g y, com a coordenada y apontando

para baixo (figura 3): desde vx = 0 até vx = 6g no bordo inferior da fresta.

7. Calcule a largura w da fresta para que o sistema funcione em regime estacionário. Apresente o
cálculo. [2,5 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: Como se sabe, o caudal que atravessa uma superfı́cie de


R
área S é Q = S v · n dS, sendo v a velocidade do fluido na superfı́cie e n a normal exterior
unitária em cada ponto da superfı́cie.
Neste caso, a componente horizontal da velocidade através da fresta é vx e a normal a essa
secção também só tem componente horizontal. Portanto v · n = vx . Além disso, supõe-se
que esta componente da velocidade não varia na direcção horizontal. Assim, o caudal é
2 3/2 h11
Z h11 p
 
p 2 3/2
Q=w vx (y) dy = w 2g y = w 2g h11 = 15,34 w. Consequentemen-
0 3 0 3
te, a largura da fresta é w = 0,0314/15,34 = 0,00205 m.
Sendo uma espessura tão pequena, nem todos estes algarismos são significativos.

8. Calcule a componente horizontal da força resultante sobre o reservatório. Não se esqueça de


considerar o jacto 10. [2,5 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: Para calcular a componente horizontal da força resultante


convém fazer um balanço de forças e quantidade de movimento ao reservatório. O volume de
controlo que facilita a análise do problema é o representado esquematicamente na figura 4.
Toda a fronteira está à pressão atmosférica (suposta uniforme) e a velocidade é conhecida
nas duas únicas partes da fronteira em que esta é atravessada pelo fluido.

5
Figura 4: A vermelho, esquema do volume de controlo, interceptando o jacto 10 à saı́da do reservatório de
montante, onde a sua velocidade é conhecida, e o jacto 11, que passa através da fresta vertical, também na zona
em que a componente horizontal da sua velocidade é conhecida.

√ √
Na fronteira 10, vx = v10 e v · n = −v10 ; na fronteira 11, vx = 2g y e v · n = 2g y. Como
o escoamento é estacionário, o balanço resume-se a
Z Z Z Z
ρv (v · n) dS = −p n dS + T · n dS + ρ g dV + f .
S S S V

em que p é a pressão, T o tensor desviador das tensões, g a aceleração gravı́tica e f é a


força resultante exercida pelo reservatório sobre o fluido.

Como a pressão na fronteira é uniforme e a fronteira é fechada, o integral da pressão é


nulo. Não há tensões desviadoras na fronteira e a aceleração gravı́tica não tem componente
horizontal. Assim, segundo a direcção x,
Z Z
ρvx (v · n) dS + ρvx (v · n) dS = fx .
S10 S11

ou, usando v10 = 6,261 m/s, calculada na alı́nea 4,

h11
h211
Z p p
−ρ v10 Q + w ρ 2g y 2g y dy = fx , donde fx = −196,6 + 2ρg w = −16,0 N.
0 2

A força exercida pelo fluido sobre o reservatório tem componente horizontal simétrica:
+16,0 m.
4 2

Se a altura da fresta fosse h11 = 3 h = 3,(5) m, a componente horizontal da força resul-
tante seria nula. Atenção, que neste caso a largura da fresta seria w = 0,00159 m, diferente
da obtida na alı́nea 7.
Se a altura da fresta fosse superior a h11 = 3,(5) m, a resultante exercida sobre o reservatório
seria negativa, isto é, ele estaria a ser empurrado para a esquerda na figura 4.

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