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Mecânica dos Fluidos I

(MEMec, MEGE e LEAN)

MAP 45
15 de Dezembro de 2023

A decapagem com um jacto de água com areia é um dos métodos correntes de preparar o casco
de um navio para a pintura. Nalguns estaleiros, a decapagem faz-se com grandes caudais de água e

Figura 1: À esquerda, esquema do jacto de água. À direita, ilustração do processo de decapagem de um casco
com um jacto de água e areia, embora com dimensões e caudal mais pequenos que os referidos neste enunciado.
(fotografia: www.dyna-jet.com).

velocidades muito elevadas. Nesses casos, as agulhetas de ejecção têm de estar apoiadas a uma estru-
tura, porque o operador não seria capaz de as segurar. Considere um jacto com uma saı́da de área
A2 = 3 × 10−3 m2 e velocidade v2 = 50 m/s, inclinado para baixo a 30◦ , como se mostra no esquema
da figura 1, alimentado por uma conduta vertical com secção de área transversal A1 = 3 × 10−2 m2 .
Despreze as tensões viscosas e as perdas de carga na conduta e também o efeito gravı́tico, na conduta
e no jacto. Tome a massa volúmica da água como 103 kg/m3 e a pressão atmsoférica como 105 Pa. A
massa volúmica dos grãos de areia é cerca de 2,4 × 103 kg/m3 , superior à da água, mas a quantidade
de grãos é pequena e a massa volúmica da mistura é quase igual à da água sem grãos.
1. Indique a pressão do jacto na secção de saı́da, 2. Justifique muito brevemente. [3,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: As linhas de corrente à saı́da são aproximadamente rectilı́-


neas. Portanto, a componente transversal do gradiente de pressão no jacto é nula (a menos
de efeitos gravı́ticos, efeitos não estacionários, ou relacionados com a viscosidade, que neste
caso são desprezáveis). Ou seja, a pressão do jacto não varia transversalmente. Ora, a
pressão na interface com o ar é a pressão atmosférica em toda a periferia. Assim, toda a
secção de saı́da, 2, está à pressão atmosférica.

2. Calcule a pressão em 1 relativamente à pressão atmosférica. [4,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: Nas condições do problema, aplica-se a equação de Bernou-


lli ao longo de uma linha de corrente entre um ponto da secção 1 e o ponto correspondente
da secção 2: p1 + 21 ρv12 = p2 + 21 ρv22 . De acordo com a relação de áreas, o balanço de massa
num volume de controlo que engloba as duas secções mostra que v1 = v2 A2 /A1 = 5 m/s.
Portanto, p1 = 1,24 × 106 Pa relativamente à pressão atmosférica. (A pressão p1 é cerca de
12 atmosferas maior que a pressão atmosférica).

3. Calcule a componente horizontal da força necessária para segurar o ejector. Indique claramente
o sentido dessa força. [4,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: O volume de controlo mais conveniente para abordar este


problema é o que rodeia por fora o ejector e engloba as secções 1 e 2. O termo não esta-
cionário é nulo porque o escoamento é estacionário. As tensões desviadoras são nulas ou
desprezáveis na fronteira, conforme se diz no enunciado, e a parcela do peso também. É
útil decompor a pressão absoluta em pressão atmosférica (p0 , aproximadamente uniforme)
e pressão relativa à atmosférica, prel . O balanço de forças e quantidade de movimento fica
Z Z Z Z Z Z
∂ρv
dV + ρv (v ·n)dS = −p0 n dS + −prel n dS + T · n dS + ρg dV + f ,
V ∂t S
|{z} |S {z } S
|S {z } | V {z }
= 0 = 0 = 0 = 0
(estacionário) (p0 é uniforme (enunciado) (enunciado)
e a fronteira
S é fechada)

em que f representa a força exercida pelo ejector sobre o fluido. A componente segundo x
do balanço de forças e quantidade de movimento resume-se a
Z Z Z
ρvx (v · n) dS + ρvx (v · n) dS = −prel nx dS + fx ,
S1 S2 S1

porque a fronteira é impermeável (v ·n = 0), à excepção das partes 1 e 2, e a pressão relativa


à atmosférica é nula em toda a fronteira (prel = 0), à excepção da parte 1. Em S1 , vx = 0 e
nx = 0. Em S2 , vx = 50 cos 30◦ = 43,3 m/s e v · n = +50 m/s. Consequentemente, a força
exercida sobre o fluido é fx = +6495 N.
Era preciso segurar o ejector com esta força, cuja componente horizontal aponta no sentido
crescente do eixo dos xx.

2
4. Determine a pressão no ponto de estagnação A relativa à atmosférica e a velocidade no ponto B
representado na figura 1. [3,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: De acordo com a equação de Bernoulli ao longo da linha de


corrente que vai de 2 a A, p2 + 21 ρv22 = pA + 12 ρvA
2 . Como, por definição, a velocidade é nula

no ponto de estagnação, a pressão em A relativa à atmosférica é pA = 1,25 × 106 Pa.


O ponto B situa-se na interface entre o jacto e a atmosfera e portanto está à pressão at-
mosférica. Como p2 = pB , a equação de Bernoulli ao longo da linha de corrente que vai de
2 a B mostra que vB = v2 = 50 m/s.

Figura 2: Pretende-se estudar o escoamento no interior do bocal de saı́da do jacto e de admissão de areia.
Perspectiva em corte desse bocal.

5. Pretende-se conhecer o escoamento de água no interior do bocal de injecção (cf. figura 2) para,
numa fase posterior, optimizar a admissão dos grãos de areia. Para facilitar as medições, vai
usar-se um modelo ampliado do bocal à escala 10:1, mas com uma velocidade média à saı́da de
apenas 2 m/s, contra v2 = 50 m/s no protótipo. O fluido do modelo também é água. Admita
que os efeitos viscosos e gravı́ticos são desprezáveis e que o escoamento de entrada é aproximada-
mente uniforme. Indique a razão de velocidades vm /vp em pontos homólogos, em que os ı́ndices
m e p se referem ao modelo e ao protótipo. Identifique as variáveis que influenciam a pressão
relativa à atmosférica e determine a razão de pressões relativas pm /pp em pontos homólogos.
Justifique brevemente as respostas. [4,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: Se os escoamentos são semelhantes, todas as velocidades e


componentes da velocidade estão na mesma escala. Isto é, para quaisquer pontos homólogos
do modelo e do protótipo,
vm 2 m/s
= = 0,04.
vp 50 m/s
A pressão relativa à atmosférica depende da velocidade e da massa volúmica. Com estas va-
riáveis, podem escolher-se muitos grupos adimensionais, tais como Π = p/(ρV 2 ), em que V
designa a velocidade de referência. Este grupo adimensional é único, portanto é constante,
igual no modelo e no protótipo:

pm pp pm V2
2
= , donde = m2 = 0,0016.
ρm Vm ρp Vp2 pp Vp

Nota: é frequente definirem-se os coeficientes de pressão como Cp = p/( 12 ρV 2 ), para apare-


cer a pressão dinâmica no denominador. Com ou sem o factor 1/2, a conclusão é a mesma.

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Figura 3: Quando há curvatura, a trajectória dos grãos de areia afasta-se das linhas de corrente da água.

6. Os grãos de areia acompanham o escoamento na parte rectilı́nea do jacto, mas, nas zonas onde
as linhas de corrente são curvas, a trajectória dos grãos de areia afasta-se das linhas de corrente
da água, como se sugere esquematicamente na figura 3. Explique claramente este fenómeno.
[2,0 valores]

RESPOSTA DESENVOLVIDA: Sendo o escoamento estacionário e os efeitos gravı́ticos ou


viscosos desprezáveis, só a resultante das forças de pressão actua sobre o fluido e sobre os
grãos de areia. A resultante das forças de pressão por unidade de volume é −∇p. Num
referencial centrado no centro local de curvatura, a componente radial dessa resultante é
−∂p/∂r = −ρa v 2 /ra , em que ρa designa a massa volúmica da água e ra o raio de curvatura
local da linha de corrente. É esta componente centrı́peta que desvia o grão de areia ao longo
de uma trajectória curva. No entanto, como a areia é mais densa, descreve um arco com
maior raio de curvatura.
Num referencial centrado no respectivo centro local de curvatura, a força centrı́fuga por
unidade de volume de um grão é ρg v 2 /rg em que ρg designa a massa volúmica do grão e rg
o raio de curvatura da trajectória do grão.
O equilı́brio entre a força centrı́fuga do grão e a força centrı́peta imposta pela água impõe
v2 v2 ρg
que ρg = ρa , pelo que o raio de curvatura do grão de areia é rg = ra , visto que
rg ra ρa
a velocidade do grão é igual à da água. Sendo a massa volúmica da areia maior que a da
água, o raio de curvatura da trajectória do grão de areia é maior que o da linhas de corrente,
como indicado na figura 3.

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