Você está na página 1de 5

Recado da autora:

Este caderno não pertence a você então DEVOLVA JÁ parA a dona dele (Amora (Beatriz)
Alexander de Chaga Nunes da Silva Pereira). Ok?

.
2

Querida Celma
Faz duas semanas que você morreu. É esquisito te chamar pelo seu nome. Me lembro que você o
odiava por ser nome de gente velha, então quando a gente foi parar no instituto com todas as
novas regras e tradições você viu a oportunidade perfeita de se livrar do nome. No início, não
sabíamos qual nome colocar ou escolher. Mudamos várias vezes e acho graça toda vez que me
lembro como fomos ter nomes como Amora e Ameixa. Lembra? Lembra? Havia chegado uma
caixa ENORME de ameixas e amoras e eu tinha dito que ameixas eram a melhor fruta do mundo.
Você não gostou e retrucou que eram as amoras. Nessa briga, a gente dividiu o instituto em dois
times: o das ameixas e o das amoras. Fizemos fortes e de noite, atacavamos os fortes uns dos
outros. Foi incrível! No final, Trevo parou a briga dizendo que mangas eram melhores. A maioria
concordou e Trevo decidiu que eu me chamaria Amora e você Ameixa, pra não haver mais
"guerras civis de comida", nas palavras delu. De qualquer maneira, eu queria ter te dito antes
daquele dia que você era minha ameixa favorita Celma. Eu sinto sua falta.

Querida Celma
Eu sinto muito. Eles estão mortos! Era pra você tá aqui! Você era a guarda super estratégica e
habilidosa e certinha! Eu não consigo proteger eles! Deveria ter sido eu e não você! Eu não sei
fazer isso, era pra nós estarmos brincando e comendo terra! Eu não queria fazer o papel dos
adultos, eu não queria saber como fazer uma cirurgia de alto risco para retirar uma bala do osso
frontal de um adolescente de 14 anos que foi brincar com uma Taurus PT 24/7 9mm e
principalmente eu não queria que esse maldito fim do mundo tirasse a única família de mim!
3

Querida Celma
O Haniel, o Alex e os outros são até que são legais. Eu ainda tenho raiva do guri loiro
esmilinguido, mas me sinto mal por culpar ele. Mesmo que seja culpa dele… Mas eu já descontei
nele. Como? Ele tinha uma ferida aberta que parecia ter sido feita por um leão (como isso
aconteceu? Não faço ideia e não me importo), ele tava sangrando muito e eu tinha todos os
utensílios pra poder estancar o sangue e fechar a ferida. Mas preferir usar ferro quente só por
raiva. Eu poderia ter causado mais problemas, então do ponto de vista médico, isso foi o
incorreto a se fazer. Mas ele era culpado por sua morte e ninguém mais se importava com isso
além de mim! Ele pode não ter puxado o gatilho, mas ele causou isso! Mas ainda sim, mesmo
depois de ter descontado a raiva nele, eu não me sinto melhor. Meu peita tá doendo muito e eu
sinto que não consigo respirar normalmente, mas não estou doente. Irmã, o que você faria aqui
no meu lugar? Eu odeio não saber o que fazer.

Querida Celma
Desculpa não ter escrevido antes. Nós fomos sequestrados e colocados em um bunker com um
monte de gente estranha. Eles só tem gelatina aqui e ela tem um gosto estranho. Andamos com
uma coleira de choque por que carregamos o vírus inativo conosco e podemos a qualquer
momento nos transformar. Eu não confio nessas pessoas, algo aqui parece muito errado, mas
não sei o que é. Pelo menos ainda tenho o restante dos Meninos Dourados e o Alex com seu
grupo. Você não o conheceu né? Ele chegou quando você morreu e honestamente, ele é bem
esquisitinho. Mas é um cara legal. Ele é inteligente e bem forte e é super atencioso. Ele parece tá
cuidando da Júlia (a filha da mulher morta). Aliás, a Júlia é um neném eu adoro cuidar dela e
brincar com ela. Ela me lembra você, só que com uma quantidade sobrenatural de energia no
corpo. É tirar os olhos dela e pronto, já dentro do gesso da parede (apesar de não ter muitas
casas feitas de gesso no Brasil). De qualquer forma, conversei com avó e nenhum de nós
pretende continuar aqui por muito tempo, então estamos esperando a oportunidade certa pra
sair.
4

Querida Celma
Eu não sei o que é, mas tem algo muito errado aqui. Eu não fui no tal jogo, mas muitos saíram
de lá ou perplexos, ou aflitos ou eufóricos de uma maneira medonha. Além disso, eu não
encontrei o avô hoje. Questionei um guarda e ele disse que eu deveria saber a essa altura e
depois não falou mais nada. Eu gritei com ele e a reação de todo mundo foi de algo como pânico.
O Alex e o tal do Correlho disseram que ele provavelmente estava bem, mas o Alex estava muito
estranho. Mas talvez seja algo da minha cabeça. De qualquer forma, vou ficar alerta e te digo o
que acontecer.

Querida Celma
Eles são mentirosos! Todos eles! Como puderam mentir assim o Avô morreu e Ninguém e não
falaram nada nada eles são uns traidores Trevo é um traidor Alex é um traidor Correlho é um
traidor todos eles são eu não posso mais confiar neles era você quem deveria tá aqui e o Avô
também

Querida Celma
Acho que acabou agora. Eu pisei numa armadilha de urso. Minha perna nunca mais será a
mesma e passarei a ser um estorvo para eles. Provavelmente vou morrer logo assim como você,
o Avô, a Solar, o Ninguém e todos os outros. Eu queria ter pegado o amuleto deles. Eu não vou
desistir agora depois de tudo. Não morrer não é opcional, mas vou fazer de tudo pra não morrer.
5

Eu fiz um daqueles planos infantis de sonhos pro futuro e tudo mais. Eu vou sobreviver, sair
daqui e vou reconstruir o internato. Vou reconstruir nossa tradição, costumes, nossas histórias e
vou gravar o nome de cada uma das crianças. Eu vou fazer um local cheio de almodas apenas
para colocar os colares e dessa vez, não vai ter Inquisidores. O Alex, o Haniel, o Correlho, o
Cama, o William, o Thales (?), o Carlos e todos os outros vão tá lá pra me ajudar a reconstruir.
Por falar no Alex, eu briguei com ele. Eu não gosto de estar o culpando ou ficar com raiva dele.
Eu me sinto mal por isso, mas ainda tô com muita raiva. Ele me trata como se eu fosse inocente
e imatura. Eu posso suportar uma perda e posso suportar a verdade. Mas não posso suportar um
amigo quebrando minha confiança. Bom, de qualquer forma, eu vou levar comigo ele e talvez
depois, podemos conseguir reconstruir essa confiança, sei que ele não fez por mal. Espero que
tudo dê certo.

Você também pode gostar